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Índice

Lista de siglas e acrónimos................................................................................................................... v

Lista de tabelas e gráficos.................................................................................................................... vi

Declaração de honra ............................................................................................................................ vii

Dedicatória .......................................................................................................................................... viii

Agradecimentos .................................................................................................................................... ix

Resumo ................................................................................................................................................... x

Introdução .............................................................................................................................................11

Objectivos .............................................................................................................................................12

Geral ......................................................................................................................................................12

Específicos ............................................................................................................................................12

Justificativa ...........................................................................................................................................12

Problematização ...................................................................................................................................13

Hipóteses...............................................................................................................................................14

CAPÍTULO I: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..........................................................................15

1.1.Tratamento Antiretroviral ............................................................................................................15

1.2.Adesão ao Tratamento Antiretroviral ......................................................................................... 16

1.3.Abandono ao Tratamento Antiretroviral ....................................................................................18

1.4.Causas do abandono ao Tratamento Antirretroviral .................................................................19

1.4.1.A deficiente organização dos serviços de saúde e sua relação com abandono à TARV20

1.4.2.Estigma e discriminação sua relação com abandono ao TARV ..........................................21

1.4.3.Variáveis sociodemográficas e sua relação com abandono ao TARV ............................... 23

1.4.4.O inicio do TARV na fase assintomático do HIV aliado ao aparecimento de efeitos


colaterais e sua relação com abandono ao TARV ...........................................................................24

1.5.Aconselhamento psicológico às pessoas vivendo com HIV ...................................................27

1.6.Estratégias psicoeducativas e psicossociais de intervenção para minimizar o abandono ao


tratamento .............................................................................................................................................28
iii

1.6.1.Em relação ao indivíduo ...........................................................................................................28

1.6.1.1.Aconselhamento em HIV como modalidade de intervenção ............................................28

1.6.1.2.Educação para saúde como estratégia de intervenção ....................................................... 30

1.6.2.Em relação ao tratamento .........................................................................................................30

1.6.3.Em relação ao serviço de saúde ............................................................................................... 30

1.6.4.Em relação aos contextos socioculturais e sóciodemográficos ...........................................31

CAPÍTULO II: METODOLOGIA DO TRABALHO ....................................................................32

2.1. Métodos de pesquisa ....................................................................................................................32

2.1.1.Método indutivo ......................................................................................................................... 32

2.2.Tipo de pesquisa ............................................................................................................................ 32

2.2.1.Quanto à abordagem ..................................................................................................................32

2.2.2.Quanto aos objectivos ...............................................................................................................33

2.2.3.Quanto aos procedimentos metodológicos .............................................................................33

2.3.Técnicas de recolha de dados ......................................................................................................33

2.4.População e amostra da pesquisa ................................................................................................ 34

2.5.Considerações éticas .....................................................................................................................35

CAPÍTULO III: APRESENTAÇÃO, INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS ............36

3.1. Caracterização sócio-demográfica dos participantes .............................................................. 36

3.2. Revelação do seroestado .............................................................................................................36

3.3. Revelação do seroestado ao parceiro vs testagem do parceiro e uso de preservativo ........37

3.4. Reacção à seropositividade .........................................................................................................38

3.5. Causas de abandono ao Tratamento Antiretroviral no Hospital Rural de Chicuque ..........39

3.5.1. Factores relacionados com a pessoa ....................................................................................... 40

3.5.2. Factores relacionados com tratamento ...................................................................................40

3.5.3. Factores relacionados com o tratamento vs Factores relacionados com a doença ...........41

3.5.4. Factores socioculturais .............................................................................................................42

3.5.5. Factores sócio-demográficos ...................................................................................................43


iv

3.5.6. Factores relacionados com o serviço de saúde .....................................................................44

3.6. Estratégias para evitar o Abandono ao TARV: desejos dos pacientes .................................45

Conclusão .............................................................................................................................................48

Sugestões ..............................................................................................................................................49

Bibliografia ...........................................................................................................................................51

Anexos

Apêndices
v

Lista de siglas e acrónimos

ATS - Aconselhamento e Testagem em Saúde;

ARV - Antiretroviral;

CD4 –Células de defesas

EFV –Efavirenz

GAAC –Grupo de Apoio à Adesão Comunitária;

HIV –Vírus de Imunodeficiência Humana;

HRC – Hospital Rural de Chicuque;

INSIDA – Inquérito Nacional de Premência, Riscos Comportamentos e Informação sobre o


HIV/SIDA em Moçambique

MISAU –Ministério de Saúde;

OMS –Organização Mundial de Saúde

ONUSIDA – O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/SIDA

PVHIV –Pessoas Vivendo com HIV;

TARV - TratamentoAntiretroviral;

TDF –Tonofovir

RTV –Ritonavir

SIDA – Síndrome de Imunodeficiência Adquirida;

SQV –Saquinavir

%- Porcento

3TC - Lamivudina
vi

Lista de tabelas e gráficos

Tabela 1: População e Amostra ……..………………………………………………………35

Gráfico n° 1: Causas do abandono ao tratamento antiretroviral no HRC.…………………..39

.
vii

Declaração de honra

Declaro por minha hora que esta Monografia Científica é resultado da minha investigação
pessoal e das orientações da minha supervisora e co-supervisor, o seu conteúdo é original e
todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na
bibliografia final. Declaro ainda que este trabalho não foi apresentado em nenhuma outra
instituição para obtenção de qualquer grau académico.

Maxixe, 14 de Junho de 2018

________________________________

(Anélio Sebastião Gungulo)


viii

Dedicatória

Aos meus pais Sebastião e Anacleta


ix

Agradecimentos

Manifesto a minha gratidão especial ao Pai Consolador, pela vida e saúde concedida para
levar avante a árdua tarefa de estudante, pois, sem o seu apoio não teria conseguido realizar
este trabalho.

Agradeço igualmente aos meus pais Sebastião Carlos Gungulo e Anacleta José Gove, pelo
apoio incondicional que me prestaram durante estes quatros anos do curso, e por tornarem
possível este sonho.

grade o minha supervisora Prof. outora risalita jeco unes e ao meu co-supervisor Ma.
Arlindo Romão pela dedicação, apoio e confiança na elaboração da presente monografia
científica.

Aos docentes da UP delegação da Maxixe especialmente os do Departamento de Ciências de


Educação e Psicologia, por me terem guiado incansavelmente para construção de saberes mais
sustentados através das reflexões realizadas e para o meu crescimento académico.

Aos meus colegas do curso, em particular à Verónica e ao Édio, pela sua amizade, apoio
incondicional, por todos estes quatro anos de vivencias, aprendizado, críticas sábias,
sugestões e conselhos e, acima de tudo, pela confiança depositada nas minhas capacidades,
encorajando-me a chegar ao fim desta caminhada.

Finalmente, à Dra. Rita (médica do HRC) pela simpatia e compreensão. Aos pacientes pala
abertura e simplicidade. À todos que directa ou indirectamente contribuíram na materialização
desta caminhada. Nambonga
x

Resumo

O presente trabalho intitulado “Causas doAbandono ao Tratamento Antiretroviral: Estratégias


Psicoeducativas e Psicossociais de intervenção (Caso: Hospital Rural de Chicuque - 2º
semestre de 2016-2017)”. Tem como pergunta de partida: Quais são as causas do abandono ao
tratamento antiretroviral no Hospital Rural de Chicuque(HRC)? Tem como objectivo geral: analisar
as causas do abandono ao tratamento antiretroviral (TARV) no HRC e específicos: identificar as
causas do abandono ao TARV no HRC; descrever as causas do abandono ao tratamento antiretroviral
no HRC e propor as estratégias psicoeducativas e psicossociais para evitar o abandono ao tratamento
antiretroviral no HRC. Para responder a pergunta de partida levantamos as seguintes hipóteses: o
medo de estigma e discriminação por parte dos pacientes seropositivos contribui para que estes
abandonem ao tratamento antiretroviral; o inicio do tratamento antiretroviral na fase assintomática do
HIV aliado aos efeitos colaterais dos antiretrovirais contribui para o abandono ao tratamento
antiretroviral; as variáveis sociodemográficas como a baixa renda familiar contribui para o abandono
ao tratamento antiretrovirale; a deficiente organização dos serviços de saúde contribui para o abandono
ao TARV. Trata-se de uma pesquisa de campo de natureza descritiva e mista, realizada no HRC,
envolvendo 14 pacientes com um historial de abandono ao TARV baseada em entrevista semi-
estruturada, seleccionados numa população de 126 pacientes. Os resultados da pesquisa indicam que
os principais motivos alegados para o abandono ao tratamento antiretroviral são o medo de estigma e
descriminação ligado a infecção pelo HIV e o início do tratamento na fase assintomática do HIV
associado aos efeitos adversos dos medicamentos, porém, a não-aceitação da doença constitui,
igualmente, motivo de abandono assim como o mau atendimento, os efeitos colaterais, e ausência da
renda pessoal. Assim, chegamos à conclusão de que o abandono do tratamento antiretroviral no HRC é
um problema grave e complexo, resultante de factores individuais, socioculturais, sócio-demográficos,
clínicos da doença, do tratamento e dos serviços de saúde. Para a mudança desta situação sugerimos
que a direcção do HRC intensifique o aconselhamento, a educação, a criação de GAAC e de TRIOS, a
busca consentida de faltosos, a humanização no atendimento assim como a introdução do TARV
apenas em pacientes suficientemente preparados, de forma a evitar o abandono ao TARV.

Palavras-chave: Abandono, Aconselhamento, Tratamento Antiretroviral.


11

Introdução

A presente descrição é referente ao trabalho de culminação de curso de Psicologia


Educacional é intitulada “Causas doAbandono ao Tratamento Antiretroviral: Estratégias
Psicoeducativas e Psicossociais de intervenção (Caso: Hospital Rural de Chicuque – 2º
semestre de 2016-2017)”, visa analisar as causas do abandono ao tratamento antiretroviral no
Hospital Rural de Chicuque (HRC). Com esta análise nos cingimos em destacar de forma
clara as causas do abandono tratamentoantiretroviral (TARV) entre o segundo semestre de
ano fiscal1 2016 e ano de 2017, e de seguida propormos estratégias para minimiza-lo, pois,
percebe-se que nesse período que coincide com o início da implanta ão da abordagem “Testar
Iniciar” no País – que segundo o despacho n°1123/100/DNSP/2016, de 01 de Setembro, prevê
o inicio do TARV independentemente do estado imunológico ou clínico – a incidência do
abandono da terapia tem aumentado, colocando um novo desafio à saúde pública devido à
perigosidade da disseminação de vírus resistentes aos antiretrovirais e o aumento da
morbimortalidade quando o tratamento é interrompido.

O abandono do tratamento entre os pacientes com doenças crónicas, o consideramos nos


planos de Psicologia Educacional e de Assistência Social como um grande desafio por se
enfrentar, no sentido de preveni-lo, pois, no caso específico do tratamento contra o HIV
questões socioculturais, emocionais aliados à doença, ao tratamento, à pessoa, ou relacionadas
com a organização de serviços de saúde, interferem na forma como os pacientes
compreendem e aderem ao tratamento.

O presente trabalho é composto por três capítulos, onde no primeiro, denominado


fundamentação teórica, buscamos as contribuições de vários autores em torno de conceitos
relacionados com o tema que julgamos pertinentes para melhor análise do trabalho, incluindo
a definição das causas do abandono ao tratamento e as estratégias para preveni-lo na óptica de
vários autores. No segundo capítulo apresentamos a metodologia usada ao longo da
elaboração do trabalho, discutindo de forma particular, os métodos, o tipo de pesquisa, as
técnicas de recolha de dados, a população e amostra, assim como as condições éticas
observadas ao longo da pesquisa. No terceiro e último capítulo fazemos a apresentação,
análise e interpretação de dados recolhidos no local de estudo em confrontação com várias
teorias. Importa referir que na conclusão apresentamos algumas sugestões para prevenirem o
abandono ao tratamento antiretroviral.

1
Ao nível do Ministério de Saúde o mês começa no dia 21 e termina no dia 20 do mês seguinte.
12

Objectivos

Geral

 Analisar as causas do abandono ao Tratamento Antiretroviral no Hospital Rural de


Chicuque.
Específicos

 Identificar as causas do abandono ao Tratamento Antirretroviral no Hospital Rural


de Chicuque;
 Descrever as causas do abandono ao Tratamento Antirretroviral no Hospital Rural de
Chicuque;
 Propor estratégias psicoeducativas e psicossociais para evitar abandono ao Tratamento
Antirretroviral no Hospital Rural de Chicuque.

Justificativa

A escolha deste tema deve-se ao facto de se constituir numa discussão actual nos planos da
psicologia educacional; da necessidade de contribuir cientificamente na análise das causas de
abandono ao tratamento antiretroviral no Hospital Rural de Chicuque, bem como na busca de
soluções tendentes a mitigar o fenómeno. Como estudantes de Psicologia Educacional com
Habilitações em Educação e Assistência Social vemos este problema numa demissão que
ultrapassa os muros hospitalares, precisando da nossa contribuição.

Assim, esta pesquisa torna-se pertinente para proporcionar aos pesquisadores referências que
permitirão aprofundar a investigação sobre temas relacionados com abandono ao tratamento
antiretroviral na vertente psico-educacional e assistência social. Ainda, poderá servir de alerta
aos provedores de saúde ao nível do HRC e do país, para a necessidade de intervenções
psicoeducativas e psicossociais para prevenir o abandono do tratamento podendo-se constituir
numa mais-valia para o sucesso das intervenções em prol do combate ao abandono do
tratamento antiretroviral esperando desse modo que se melhore a qualidade de vida dos
seropositivos visto que com a interrupção do tratamento a possibilidade de morte é maior.

Desta feita, o estudo desta problemática vai permitir conhecer as causas do abandono ao
tratamento e por via disto, propor sugestões ao serviço de saúde, em particular ao HRC, para
enfrentar a problemática a partir de desenvolvimento de estratégias que ajudem a prevenir, em
tempo hábil o abandono ao TARV, uma vez que as suas repercussões reflectem-se em
13

problemas de saúde pública (mortalidade e gastos financeiros do Estado) porque os


antiretrovirais são gratuitamente disponibilizados. Acreditamos que, conhecendo as causas do
abandono ao tratamento iremos de seguida propor estratégias que poderão ser respostas, para
prevenir o abandono, sendo entanto, fundamental para o sucesso terapêutico permitindo a
qualidade de vida dos pacientes seropositivos e evitando a ocorrência de problemas de saúde
pública.

Problematização

O actual estágio da epidemia de Vírus de Imunodeficiência Humana/Síndrome de


Imunodeficiência Adquirida (HIV/SIDA) não traz perspectivas de cura a médio prazo, o que
implica a mobilização de muitos recursos financeiros e humanos por parte do Estado e
organizações afins para garantir o acesso à medicação antiretroviral a todas as pessoas
vivendo com HIV. É neste âmbito, que em conformidade com o diploma Ministerial n°183-
A/2001 de 18 de Dezembro, o Sistema Nacional de Saúde Moçambicano garante o acesso
gratuito aos antiretrovirais bem como a logística de exames de controlo de doença para toda a
população. Tal garantia mudou o perfil da epidemia do HIV/SIDA no país desde então,
aumentando a sobrevida e qualidade de vida dos pacientes e diminuindo a morbilidade e
mortalidade relacionadas com HIV incluindo as infecções oportunistas.

Todavia, a despeito dessas conquistas e benefícios associados, existem muitas pessoas


vivendo com HIV (PVHIV) que após terem iniciado o tratamento antiretroviral abandonam o
mesmo. O problema foi constatado durante as actividades de estágio em Psicologia
Educacional realizado entre os meses de Maio e Junho de 2017 no Hospital Rural de
Chicuque nos gabinetes de aconselhamento e testagem em saúde e de apoio psicossocial em
pacientes vivendo com HIV.

Não obstante, o alargamento de tratamento antiretroviral naquela US dos setecentos e oitenta


e um (781)2pacientes inscritos nos serviços TARV entre o segundo semestre do ano fiscal de
2016 e ano de 2017, trezentos e vinte e três (323) abandonaram o tratamento equivalente a
quarenta e um porcento (41 %). Dito de outra forma, os pacientes referidos ficaram cerca de
60 dias sem voltar às consultas levantar medicamentos e receber apoio psicossocial, para além
de fazer exames complementares de rotina referentes ao processo da terapia como o exame de
CD4 e outros.

2
Vide em anexo
14

Esta situação do abandono ao tratamento determina e amplia a vulnerabilidade, em especial, a


física, pois, a tendência com a interrupção do tratamento é o aumento da replicação viral e o
enfraquecimento do sistema imunológico gradativamente (Lima, 2006: 18). Assim, a
replicação viral no organismo eleva a morbilidade orgânica favorecendo a falência dos
esquemas básicos de tratamento e o aparecimento de infecções oportunistas. Esse quadro pode
estabelecer a necessidade de esquemas terapêuticos de resgate e, geralmente, apresentam a
posologia complexa, em casos extremos para além de exigir a hospitalização do doente pode
levar a morte.

Tais consequências são reveladoras de que o abandono ao TARV é seguramente um dos mais
ameaçadores perigos para a efectividade do tratamento, no plano individual e, para falência de
esquemas terapêuticos, no plano colectivo, constituindo assim, um problema de saúde pública.
Sendo assim, a adesão ao TARV é pertinente para a possibilidade de recuperação do sistema
imunológico e de redução das cópias virais no organismo permitindo uma melhoria na
qualidade de vida dos seropositivos.

É neste contexto da problemática que surge a seguinte pergunta de partida: Quais são as
causas do abandono ao tratamento antiretroviral no Hospital Rural de Chicuque?

Hipóteses
Para responder à nossa pergunta de partida consideramos as seguintes hipóteses:

H1. O medo de estigma e discriminação por parte dos pacientes seropositivos contribui para
que estes abandonem ao tratamento antiretroviral

H2. O início do tratamento antiretroviral na fase assintomática do HIV aliado aos efeitos
colaterais dos antiretrovirais contribui para o abandono ao tratamento antiretroviral.

H3. A deficiente organização dos serviços de saúde contribui para o abandono ao tratamento
antiretroviral.

H4. As variáveis sociodemográficas como a baixa renda familiar contribuem para o abandono
ao tratamento antiretroviral.
15

CAPÍTULO I: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para o enriquecimento desta pesquisa, julgamos importante apresentar algumas definições


sobre os seguintes conceitos: tratamento antiretroviral, adesão ao tratamento antiretroviral,
abandono do tratamento antiretroviral,aconselhamento psicológico e apresentamos,
igualmente, algumas causas do abandono ao tratamento antiretroviral e as estratégias para
minimizar o abandono.

1.1.Tratamento Antiretroviral

A infecção pelo HIV tem sido considerada crónica e controlável, desde o início da expansão
da terapia antiretroviral em Moçambique no ano 2003. Pois, com este tratamento está a mudar
o perfil da infecção, de “doen a fatal” para doen a crónica.

Segundo lcometal., (2013: 1) “o HIV afecta principalmente as células do sistema imunitário/


células de defesas denominadas por células CD4. Ao longo de muitos anos a viver com a
infecção pelo vírus, o número de células de defesa diminui gradualmente, mas de modo
continuado e, o sistema imunitário enfraquece. Este torna-se incapaz de combater infecções
até que desenvolve um conjunto de doenças definidoras de SIDA. Os medicamentos
antiretrovirais actuam no organismo para interromper este processo”.

Para o mesmo autor, o objectivo da terapia antiretroviral é reconstituição imunológica e a


diminuição do número de vírus no organismo, isto é, reduzir a quantidade do vírus (conhecida
como “carga viral”) para um nível muito baixo e/ou indetectável (conhecida como carga viral
indetectável) ou seja um nível em que é impossível detectar o vírus mas sabendo que ele
existe. Pois, a infecção pelo HIV não tem cura mas o tratamento ajuda o doente a estar bem e
a viver uma vida mais longa e mais saudável (Ibid: 2).

e acordo com Brasil (2006: 19) “o tratamento antiretroviral é um conjunto de medicamentos


combinados que inibe a replica ão do vírus”. Por seu turno erqueira (2014: 9) afirma que “a
terapia combinada, composta por pelo menos três antiretrovirais, sendo dois de classes
diferentes3, impõe barreiras à expansão do vírus, impedindo-o de transformar as células de
defesa em suas próprias cópias”.

Assim sendo, um esquema do tratamento antiretroviral é composto por mais de um fármaco


visando a interrupção da replicação viral.

3
Vide na página 24
16

O autor que temos vindo a citar refere que “o tratamento antiretroviral é complexo e requer
acompanhamento médico constante, pois, há a necessidade de avaliar a reacção do organismo
ao tratamento, sendo que, à medida que ocorre resistência ao tratamento, por motivo de
abandono, ou reinfecção, ou efeito do próprio organismo, são prescritas combinações mais
fortes dos medicamentos, ou, TARV de segunda e terceira linha” (Ibid: 10).

Na óptica de Tibúrcio etal., (2010: 19), “a reinfecção ocorre quando um indivíduo infectado
com uma cepa de HIV-1 é infectado com uma segunda cepa diferente HIV-2 a partir de um
indivíduo diferente, após ter ocorrido relação sexual desprotegido. Como consequência da
reinfecção pode haver uma recombinação de material genético entre dois vírus geneticamente
distintos durante o processo de transcrição reversa que ocorre no interior de uma mesma
célula”.

Ou seja, “a reinfecção é condição necessária para que ocorra uma recombinação. Esta, por sua
vez, pode produzir cepas com maior virulência, com resistência aos antiretrovirais, com
alteração no tropismo celular, ocasionando então a falha terapêutica e pode também acelerar a
progressão da infecção e aumentar a probabilidade de transmissão sexual devido a elevada
carga viral;” sendo, sem dúvida, a consequência mais temida em termos de saúde
pública(Idem).

Entretanto, na condição de falência de terapêutica são necessários esquemas terapêuticos de


resgate, também combinados, para a supressão viral para níveis baixos. Assim, ao iniciar o
tratamento antiretroviral torna-se pertinente uma adesão eficiente e a manutenção da prática
de relações sexuais protegidas para evitar a reinfecção e consequente aumento carga viral,
garantindo a recuperação do sistema imunitário, de tal forma que seja capaz de combater
infecções oportunistas, melhorando o estado de saúde e a qualidade de vida do paciente.

Percebe-se que a terapia antiretroviral apresenta inúmeros benefícios para o paciente, visto
que serve de preservação da sua vida; prevenção do agravamento do estado de saúde e
melhoria da qualidade de vida, o que requer por parte do paciente aderir adequadamente ao
TARV.

1.2.Adesão ao Tratamento Antiretroviral

A adesão ao tratamento entre os pacientes com doenças crónicas é considerada uma questão
de difícil manejo, pois, normalmente as pessoas estão acostumadas a fazer um tratamento por
um certo período de tempo para curar uma enfermidade ou para aliviar um sintoma.
17

Braweley e Culos-reed (2000) citados por Lima (2006: 13) ao falar de adesão trazem a tona
dois termos mais utilizados na língua inglesa adherence e compliance contendo significados
diferentes: o termo compliance, que pode ser utilizado como „obediência‟, „cumprimento de
regras‟ pressupõe um papel mais restrito do paciente, que teria como papel apenas cumprir as
prescrições médicas. Já o termo adherence, ou aderência/adesão, designa uma possibilidade
de escolha livre das pessoas em adoptarem ou não certa recomenda ão, uma „concordância
autónoma‟ (ou patientempowerment), em que o papel do sujeito é mais activo.

Entretanto, nesta pesquisa o termo adesão será utilizado como “uma rela ão onde o paciente
consegue compreender a própria condição, os aspectos básicos de sua doença e a importância
de sua adesão não apenas para melhoria do quadro clínico individual, mas também no
contexto da história da doen a em questão” (OMS, 2001) Idem.

Segundo Brasil (2007) apud Santos (2011: 13) a adesão ao tratamento transcende a simples
ingestão de medicamentos, devendo ser bem compreendida, incluindo, o fortalecimento das
pessoas vivendo com vírus, o estabelecimento de vínculo com a equipe de saúde, o acesso à
informação, o acompanhamento clínico-laboratorial, a adequação aos hábitos e necessidades
individuais e o compartilhamento das decisões relacionadas à própria saúde.

Este conceito, portanto, vai além da questão de cumprir as recomendações e prescrições


médicas. ssim, para Lima (2006: 14) “considera-se a ingestão de remédios uma condição
necessária, mas não suficiente para um bom tratamento”. Havendo a necessidade de o
paciente compreender a sua condição como doente, os aspectos básicos da doença, os efeitos
adversos dos medicamentos e a importância de sua adesão.

esta feita, Brasil (2008: 14) ensina que a “adesão ao tratamento deve ser entendida como um
processo de negociação entre o usuário e os profissionais de saúde, no qual são reconhecidas
as responsabilidades específicas de cada um, visando fortalecer a autonomia para o auto-
cuidado”.

Neste sentido, entendemos que a adesão ao tratamento antiretroviral é mais eficaz se o


indivíduo compreende e, aceita, a sua condição de enfermidade, a necessidade do tratamento,
tornando-se um sujeito participativo e activo no processo de tratamento e auto-cuidado.
Ademais, o conceito de adesão traz à tona, além da aceitação da doença e tratamento, as
questões psíquicas, emocionais e sociais como condições necessárias para adesão ao
tratamento antiretroviral.
18

Entretanto, ser sujeito participativo e activo implica que o paciente adere ao plano de
tratamento porque compreende a necessidade de tomar os medicamentos conforme a
prescrição médica, conhece o impacto de ingerir correctamente os medicamentos na melhoria
da qualidade da vida; aceita as mudanças nos hábitos quotidianos e é activo nos cuidados da
própria saúde.

1.3.Abandono ao Tratamento Antiretroviral

Segundo Santos (2011:8) o abandono consiste no agravamento ou na situação limite de


adesão, pois, nesse momento, o paciente nem sequer comparece ao serviço de saúde para
buscar os medicamentos, fazer consultas médicas ou participar de atendimentos de outros
profissionais ou para realização de exames.

Brasil (2008:44) considera que “o abandono ao T RV pode ocorrer em paralelo ao abandono


do acompanhamento clínico, incluindo o comparecimento às consultas, a realização de
exames e de qualquer outra acção relacionada ao auto-cuidado”. Nesses casos, o serviço de
saúde pode perder completamente o contacto com o paciente e desconhecer os motivos que
levaram ao abandono.

Nessa perspectiva, a busca consentida coloca-se como uma estratégia de intervenção, que
deve ser discutida e organizada com a participação de todos os membros da equipe de saúde,
observando os princípios éticos e legais da acção.

Busca consentida “é tida como ac ão que visa o restabelecimento e o fortalecimento do


vínculo do paciente com o serviço de saúde e não objectiva apenas trazer o paciente de volta
ao serviço, mas também conhecer sua situação actual e trabalhar com ele os factores que estão
determinando o abandono” (Idem). Por seu turno Santos (s/d:19) considera que a busca
consentida “pressupõe o respeito ao sigilo e a confidencialidade acerca de sua condição de
saúde, garantindo os direitos dos pacientes e tomar consideração os aspectos éticos”.

MIS U (2010:55) considera paciente em estado de abandono ao T RV aquele que “está há


mais de dois (2) meses sem tomar os RV”. O critério usado para operacionalizar a detenção
dos abandonos preconizado pelo mesmo ministério é o seguinte:

 Último levantamento previsto para os ARV = X:


 Dia X + 2 semanas = atrasado. Conduta: esperar;
 Dia X + 2 semanas a 2 meses = FALTOSO. Conduta: busca consentida.
19

 Dia X 2 meses = Abandono. Conduta: registar situação de abandono no processo


clínico do doente com a data que foi identificado como inactivo e guardar o processo
clínico num local previamente designado para pacientes inactivos. Notificar o caso
como abandono através do Relatório Mensal. Fazer a busca se não tiver sido feita a
quando da identificação como faltoso. Se o paciente for recuperado, o processo clínico
deve ser actualizado e rearquivado nos cacifos dos doentes activos em TARV.

Entendemos que, qualifica-se como paciente em estado de abandono aquele que completa
sessenta dias antes de voltar à consulta e como faltoso aquele que a partir do décimo quarto
dia até quinquagésimo nono dia não volta à consulta, e em atraso aquele paciente que ainda
não foi à US dentro de duas semanas, contando a partir da data marcada para a próxima
consulta.

1.4.Causas do abandono ao Tratamento Antirretroviral

Em relação às causas e/ou motivos do abandono ao TARV, pode-se dizer que são diversos e
de diferentes naturezas. Observam-se na literatura causas relacionados com pessoa, com
tratamento, com a doença, com serviço ou profissional de saúde e de ordem social, alguns dos
quais explicitados a seguir (Santos, 2011), (Camargo etal., 2014).

Relacionadas àpessoa - segundo Santos (2011:14) incluem os que a pessoa tem sobre a
doença, suas crenças e valores, sua saúde mental, factores socioeconómicos e as condições
clínicas, acesso a informação. Por seu turno, Camargo etal., (2014: 224) destacam o perfil
socioeconómico, aceitação e nível de conhecimento da doença, sintomas psicológicos ou
transtornos psiquiátricos associados e percepção de suporte social ou material inadequado
como factores relacionados com à pessoa.

Relacionadas à doença - dizem respeito a condição de cronicidade, gravidade, prognóstico e


falta de sintomas aparentes bem como a melhoria de parâmetros laboratoriais (Idem).

Relacionadas ao tratamento – se referem ao desconforto dos efeitos colaterais, à


complexidade do esquema terapêutico, à exigência dos níveis de adesão, à ausência de
confiança na eficácia e benefícios do tratamento4. Entretanto, o tempo, tipo e complexidade
de regime terapêutico, efeitos colaterais adversos, caracterização da doença e objectivos do
trabalho, e a mudança de estilo de vida (Ibid: 225).

4
Santos, 2011: 15
20

Relacionadas ao serviço e profissional de saúde – Santos (2011:16) refere que “dizem


respeito ao tipo de acesso e atendimento que o paciente terá ao serviço de saúde que podem
permitir ou não a motivação do tratamento: tempo de espera, filas longas, falta de
acolhimento nas unidades sanitárias, dificuldades em expressar dúvidas, pouca comunicação
médico-paciente em relação ao tratamento, falta de confiança no médico e na equipa de
saúde”. Igualmente amargo etal., (2014: 226) referem a rela ão médico-paciente, postura e
linguagem do profissional, falta de confiança na equipa de saúde, tempo de duração da
consulta e aspectos de acessibilidade ao serviço como factores que influenciam para o
abandono ao TARV.

Os contextos socioculturais - incluem fraca rede de apoio social, medo do estigma e


discriminação, dificuldades de revelação do diagnóstico (Idem).

Assim, o abandono ao tratamento é causado por variados factores, implicando grandes


desafios para se garantir a adesão e a retenção dos pacientes nos cuidados e tratamento.

Pires etal, (2014: 23) em seu estudo descritivo realizado nos centros de saúde de cinco
distritos da província de Nampula, encontraram a prevalência de abandono ao tratamento
antiretroviral na ordem de 40% e o principal motivo alegado é o estigma e discriminação
ligado à infecção pelo HIV. Contudo, a insegurança alimentar constitui igualmente um factor
determinante, para além de início recente do tratamento, número elevado de antiretrovirais
por dia, os efeitos secundários dos antiretrovirais, falta de apoio familiar, desconhecimento
dos Grupos de Apoio à Adesão Comunitária (GAAC), dos riscos da má adesão terapêutica e
confiança na medicina tradicional.

Assim sendo, suprimir o abandono ao tratamento antiretroviral é um desafio para o sector de


saúde, pois, a adesão ao tratamento e, consequente melhoria da qualidade de vida do paciente
vai além da prescrição médica, tal como vimos, necessita também de componente
psicossocial. Mais ainda, há a necessidade da humanização dos serviços de saúde, melhorando
cada vez mais a relação paciente-médico/profissional de saúde.

1.4.1. A deficiente organização dos serviços de saúde e sua relação com abandono ao
TARV

Segundo MIS U (2016: 52) “a organização dos serviços de saúde inclui a preparação do
provedor na qualidade da atenção (acolhimento e aconselhamento) – que se reflecte na relação
provedor-paciente – a qualidade dos edifícios físicos, e a qualidade e rapidez no
atendimento”.
21

Petersburgo (2010: 11) alinhando do mesmo diapasão, assume que “a deficiente organiza ão
dos serviços de saúde reflecte-se no tempo de espera para obter atendimento por parte de
pacientes e o fluxo da US”.

Este autor acredita igualmente que “a demora no atendimento muitas vezes está associada
impaciência, destrato por parte do pessoal de saúde, pese embora as dificuldades estruturais
(poucos recursos humanos qualificados e em quantidade para prestar assistência atempada às
PVHIV) e problemas da organização do atendimento versus número limitado de provedores,
também contribuem na demora no atendimento e consequentemente no abandono ao
tratamento” (Ibid: 13).

Neste caso, o abandono do tratamento pode se dever a alguma desmotivação por parte de
paciente motivado pela demora no atendimento porque a fila é longa ou porque os provedores
demonstram despreparo no atendimento.

Para Ferreira (2011) apud Lopes (2012: 50) “a rela ão provedor-paciente deve ser de ajuda,
pois, ao ter tempo para acolher, escutar, aconselhar e compreender o doente e as suas crenças,
potencia-se confian a no provedor de saúde e por conseguinte, a adesão terapêutica”. Nesta
ordem de ideia, Seidl (2005) apud Brasil (2012:22) refere que “o acolhimento, a escuta activa
ao paciente possibilita a criação de vínculo com os profissionais e o servi o de saúde”.

Entretanto, é importante a consolidação de parceria profissional-paciente no ouvir, sentir,


busca de soluções para a melhoria da adesão e superação das barreiras, pois, uma relação
profissional-paciente adequada, empatia e boa comunicação podem promover a adesão ao
tratamento em todas abordagens de doenças crónicas

1.4.2. Estigma e discriminação sua relação com abandono ao TARV

Os conceitos de estigmatização e discriminação estão intimamente ligados e são


frequentemente mencionados simultaneamente. Porém, os seus significados exactos diferem.
A discriminação refere-se ao comportamento, enquanto o estigma refere-se a uma
característica ou atributo.

Segundo a INSIDA (2013: 10) estigma é “ofenómeno social caracterizado pela reprovação,
descrédito, desconsideração e/ou sub-valorização de um indivíduo ou grupo de indivíduos
com determinadas características, comportamentos ou crenças, não alinhados com as normas
sociais ou culturais. requentemente leva marginaliza ão e discrimina ão”.
22

Por seu turno, asimiro etal., (2001: 160) definem o estigma como “qualquer característica
que coloca um indivíduo ou grupo à parte da maioria da população, sendo tratado com
suspei ão ou hostilidade”.

Para ONUSI (2005: 8) “o estigma está profundamente enraizado, agindo dentro dos
valores da vida todos os dias. Embora as imagens associadas à SIDA variem, são modeladas
de maneira a assegurar que o estigma com ela relacionado, favoreça e reforça as
desigualdades sociais”. Tais desigualdades incluem especialmente as que estão ligadas ao
sexo, raça, etnia e sexualidade.

Assim, por exemplo, o homem e a mulher não são muitas vezes tratados da mesma maneira
quando infectados pelo vírus. É mais provável que seja culpabilizada a mulher mesmo quando
é o marido que está na origem da sua infecção. Além disso as mulheres infectadas têm menos
probabilidades de ser aceites nas suas comunidades.

e acordo com a ONUSI (2000: 10), “a discrimina ão ocorre quando é feita uma distin ão
em relação a uma pessoa, em consequência da qual ela é tratada incorrecta e injustamente, por
pertencer, ou por presumir-se que pertence, a determinado grupo.”

orroborando com a cita ão anterior Taela (2004: 8) considera discrimina ão como “qualquer
forma arbitrária de distinção, exclusão ou restrição afectando pessoas devido a sua condição
serológica, confirmada ou suspeita, em rela ão ao HIV”.

Sobre os dois conceitos Brasil (2008: 75) refere que “o estigma e a discrimina ão
relacionados com o vírus enfraquecem os esforços de prevenção e tratamento pois, para não
levantar suspeitas sobre a sua serologia do HIV as pessoas têm receio de saber se estão ou não
infectadas, de procurar informações sobre a maneira de reduzir o risco de exposição ao HIV, e
de alterar o seu comportamento para um mais seguro”.

Todavia, “o medo do estigma e da discrimina ão também faz com que as pessoas que vivem
com o HIV não tenham coragem de revelar a sua infecção, mesmo a membros da família e
parceiros sexuais. O segredo que rodeia a infecção por vírus e que resulta de estigma e
discrimina ão leva as pessoas a imaginar não correrem perigo de infec ão por mesmo”
(Idem).

Nesta perspectiva, o estigma e a discriminação aumentam desnecessariamente o sofrimento


pessoal associado à doença que pode se manifestar por meio da depressão, baixa auto-estima
incluindo o abandono ao tratamento e auto-cuidado.
23

É nesta óptica que erqueira (2014: 29) considera que “a vergonha associada ao HIV – uma
manifestação de estigma que tem sido descrita por certos autores como estigma interiorizado
– também pode impedir as pessoas que vivem com o HIV de procurar tratamento, cuidados e
apoio e de exercer outros direitos tais como trabalhar, frequentar a escola, etc”.

Portanto, esta vergonha pode ter uma grande influência psicológica sobre a maneira como as
pessoas seropositivas se consideram e se adaptam ao seu estado, tornando-as vulneráveis a
culpa, depressão e isolamento. Podendo igualmente confidenciarem a condição da doença
devido ao medo de serem apontados na rua como portador de vírus, neste sentido, o abandono
ao tratamento é provocado por medo da pessoa ser discriminada por amigos e familiares e
sociedade em geral.

1.4.3. Variáveis sociodemográficas e sua relação com abandono ao TARV

Seidl et al., (2007) apud Pereira etal., (2012: 150), apontam as variáveis sóciodemógraficas, a
exemplo de sexo, idade, etnia, escolaridade, renda, como intervenientes na adesão a TARV,
com o destaque para a escolaridade e baixa renda, uma vez que há uma associação
significativa de abandono em pessoas com menor nível de instrução e com baixa renda
familiar.

linhando do mesmo diapasão, Zunge (2013: 65) diz que “homens adultos com menor idade
e idade avançada estão predispostos à não adesão ou abandono ao TARV, por vezes
relacionada com questões cognitivas, ao contrário das mulheres, tende a aderir; porém, a
baixa renda familiar e baixa escolaridade, especialmente com ensino primário incompleto,
apontam a prevalência reduzida de adesão”.

Por seu turno, Brasil (2005: 19) refere “como factor influenciador ao abandono ou à não
adesão ao TARV a escolaridade inferior a 4 anos de estudos, visto que, interfere tanto na
compreensão da história de doença, estratégias de prevenção e a ingestão de medicamentos
propriamente dita”.

Noutro estudo sobre a problemática do HIV/SI , Brasil (2004) afirma que “o nível baixo de
escolaridade afecta negativamente a formulação de conceitos de auto-cuidado em saúde e o
entendimento das orientações recebidas sobre a doença e o tratamento. Sendo que reduz em
20% as possibilidades de adesão ao tratamento antiretroviral” (Idem).

Por seu turno, Zunge (2013: 84) afirma que “a renda familiar apresenta uma tendência de que
pessoas com menor poder aquisitivo (renda menor que dois salários mínimos) tem maior
24

probabilidade de abandonar o tratamento, dado que a pessoa não possui dinheiro de transporte
para se deslocar ao posto de saúde ou não tem comida suficiente para suprir a fome que os
medicamentos provocam e isto causa sofrimento”.

Percebe-se, no entanto, que quanto menor for a renda familiar, maior será a probabilidade de
abandono ao tratamento. Desta forma, as condições sociodemográficas, principalmente, as
ligadas à renda devem ser sempre avaliadas no início e durante tratamento, a fim de se
identificar se estão interferindo de modo positivo ou negativo ao longo do tratamento.

1.4.4. O início do TARV na fase assintomático do HIV aliado ao aparecimento de


efeitos colaterais e sua relação com abandono ao TARV

Segundo Vervoortetal., (2007) apud Carvalho, (2008: 54) “conversar com o portador do vírus
HIV sobre tomar os antiretrovirais é como informar o diagnóstico de infecção pela segunda
vez”. Pois, segundo o autor, apesar dos pontos positivos levantados sobre as medica ões, as
dificuldades não deixam de existir.

Ademais, os efeitos colaterais dos ARV, provocam grande desconforto para quem tm que
tomar estas medicações todos os dias e são apontados como um dos motivos da não adesão ou
da vontade de desistir do tratamento.

Neste sentido, os efeitos colaterais dos medicamentos podem causar o abandono da terapia,
pois, criam desconforto para quem tem de tomar a medicação todos os dias, pese embora, a
sua intensidade varie segundo o fármaco pertencente a determinada classe dos ARV como
podemos ver a seguir, conforme atesta o MISAU (2010:25):

1ª Classe -Inibidores Nucleosídeos da Transcriptase Reversa (INTR) que inclui:


Zidovudina (AZT ou ZDV), Estavudina (d4T), Lamivudina (3TC), Didanosina (ddI),
Abacavir (ABC).

 ATZ - apresenta como efeitos colaterais: anemia e neuropatia, náusea e vómito,


astenia, mal-estar geral, cefaleia, insónia, hiperpiguimentação cutânea,ungueal e de
mucosas.
 d4T - apresenta neuropatia periférica, pâncreatite, acidemia assintomática, lipoatrofia;
 3TC - raramente associado a efeitos adversos;
 ddI- Intolerância gastrointestinal (náusea e diarreia), neuropatia periférica, pâncreatite,
acidemia assintomática, lipoatrofia;
25

 ABC - Reacção de hipersensibilidade com sintomas sistémicos, respiratórios e/ou


gastrointestinais, em geral com febre e sem acometimento de mucosas.

2ª Classe - Inibidor Nucleotídeo da Transcriptase Reversa (INTR) inclui: Tenofovir


(TDF); cujos efeitos colaterais inclui à insuficiência renal (sindrome deFanconi), que é o
efeito adverso mais importante entre outros como: ácidose láctica e esteatose hepática,
astenia, cefaléia, diarreia, náuseas, vómitos e flatulência.

3ª Classe -Inibidores Não Nucleosídeos da Transcriptase Reversa (INNTR) inclui:


Nevirapina (NVP), Efavirenz (EFV).

 NVP - apresenta como efeitos colaterais Síndrome de Stevens-Johnson,, hepatite


medicamentosa, elevação de transaminases;
 EFV apresenta a síndrome de Stevens-Johnson, sintomas neuropsiquiátricos:
distúrbios do sono (sono agitado, insónia, sonolência, pesadelos, sonhos bizarros)
tonturas, vertigens, irritabilidade, agitação, depressão, euforia, dificuldade de
concentração.

4ª Classe -Inibidores da Protease (IP) incluindo aIndinavir (IDV), Ritonavir (RTV),


Lopinavir/ritonavir (LPV/r), Saquinavir (SQV).

 IDV - apresenta a intolerância gastrointestinal (náuseas, vómitos, distúrbios do


paladar, dor abdominal), nefrolítiase (hematúria, piúria estéril e cólica nefrítica);
 RTV - Intolerância gastrointestinal (diarreia, náusea e vómito, flatulência, alteração do
paladar, anorexia), cefaleia, astenia, tonturas, insónia. Elevação do ácido úrico.
 LPV/r - Intolerância gastrointestinal (diarreia, náusea e vómito); possível aumento de
sangramentos em hemofílicos.
 SQV - Intolerância gastrointestinal e diarreia, cefaleia, aumento das transaminases,
hiperlipidemia, hiperglicemia, diabetes, lipodistrofia, aumento de episódios
hemorrágicos em doentes com hemofilia.

Sabendo que o tratamento antiretroviral é composto por pelo menos três antiretrovirais
combinados, sendo dois medicamentos de classes diferentes, o clínico prescreve ao paciente
um esquema terapêutico composto, por exemplo, por um medicamento da classe INTR, outro
da classe INNTR, resultando no esquema terapêutico: TDF+3TC+EFV. Uma vez que cada
26

fármaco tem seus efeitos colaterais, a gravidade dos efeitos colaterais aumenta, diminuindo
assim a adesão por parte do paciente.

Dada a gravidade dos efeitos colaterais, o paciente numa fase assintomática do HIV, tomando
os medicamentos o grau de insatisfação aumenta levando-o a não aderir à medicação. Pois,
segundo Lima (2006: 96) “na ausência de sintomas, se o paciente apresenta intensos sintomas
colaterais aumenta a possibilidade de não aderir e abandonar a medica ão/tratamento”.

e acordo com araciolo (2007: 29) “nos assintomáticos a doen a parece uma realidade
distante e abstracta, sendo do que, nesta fase a tomada de medicamentos e a ocorrência de
eventuais efeitos colaterais que os aproxima, a doença leva a recusa ou interrupção de toma de
medicamentos”.

O mesmo autor ressalta que “a ocorrência de efeitos colaterais ameaça a manutenção do


tratamento principalmente nos indivíduos assintomáticos. É necessária uma boa compreensão
do tratamento, bem como abordagem adequada destes efeitos, o mais precoce possível, para
evitar baixa adesão ou abandono ao tratamento antiretroviral” (Ibid: 33).

Nesta ordem de ideia, arvalho (2008: 59) ressalta que “há uma importante diferen a entre
pessoas que sentem os sintomas da doença e os que não sentem. Os sintomáticos têm a doença
como concreta, já sentiram melhoras dos seus sintomas ao tomar a medicação e possuem uma
menor quantidade de obstáculos. Por sua vez, os assintomáticos têm somente os resultados de
exames como prova da existência da doença – o que a faz, provavelmente, parecer abstracta –
e vivenciam, muitas vezes o conflito de tomar a medicação devido aos efeitos adversos, ou
não aceitar a sua existência e por consequência, em outros casos negligenciam a medica ão”.

Entretanto, para Brasil (2005: 16), “sem sintomas a tendência é de interrup ão de


medicamentos”. Sobre este comportamento que põe em causa os desafios dos psicólogos
lmeida (2013: 20) afirma que “o facto ocorre porque os indivíduos mais estáveis
considerarem-se saudáveis devido a ausência de sintomas, pelo que, não reconhecem a
necessidade da medicação e com a presença de efeitos colaterais aumentam possibilidades de
abandono ao tratamento”.

Desta forma, percebe-se que a pessoa que inicia o tratamento numa fase assintomática tem
mais possibilidade de abandonar o tratamento, pois, o acto de consumir medicamentos é
muitas vezes visto como forma de atenuar os sintomas e não para provocar dor como ocorre
com os efeitos colaterais dos ARV.
27

1.5.Aconselhamento psicológico às pessoas vivendo com HIV

Santos (1983: 7), invocando as contribuições de Carl Rogers, considera o aconselhamento


psicológico como “um método de assistência psicológica destinado a restaurar no indivíduo
suas condições de crescimento e de actualização, habilitando-o a perceber, sem distorções, a
realidade que o cerca e a agir, nessa realidade de forma a alcançar ampla satisfação pessoal e
social”.

Para Brasil (2005: 22), o aconselhamento psicológico em pessoas vivendo com HIV (PVHIV)
é entendido como “um processo de escuta activa, individualizado e centrado no cliente”.

“ atitude de escuta activa pressupõe a capacidade do profissional em proporcionar um


espaço onde o paciente possa expressar aquilo que sabe, pensa e sente em relação à situação,
responder às reais expectativas, dúvidas e necessidades deste e prestar-lhe apoio emocional,”
de acordo com Rogers (1966) apud Santos (1983: 89).

Visto desta maneira, entende-se que o aconselhamento pressupõe a capacidade de se


estabelecer uma relação de confiança entre interlocutores, visando o resgate dos recursos
internos do cliente para que ele mesmo tenha a possibilidade de reconhecer-se como sujeito
de sua própria saúde e transformação.

Sem se distanciar dos autores que temos vindo a citar, Pequeno etal., (2013: 434) dizem que
“o aconselhamento configura-se uma acção em saúde, que contribui para a formulação de
discursos que propõem a reflexão, a superação de dificuldades no enfrentamento dos
problemas relacionados ao HIV e adopção de medidas preventivas na busca de melhor
qualidade de vida e, sobretudo, da autonomia do sujeito no processo de preven ão e cuidado”.

Assim sendo, o aconselhamento consiste em auxiliar o paciente a compreender as várias


interfaces entre seus comportamentos e o problema de saúde que está apresentando e, também
a reconhecer os recursos que tem para cuidar da sua saúde para além de identificar as crenças,
atitudes e condições do paciente, avaliando até que ponto influenciam na adesão ao
tratamento.

Portanto, a prática de aconselhamento dá oportunidade para a retoma da integralidade da


pessoa que busca os serviços, mas ainda permite ao utente avaliar suas reais possibilidades na
tomada de decisão.
28

1.6.Estratégias psicoeducativas e psicossociais de intervenção para minimizar o


abandono ao tratamento

Algumas intervenções psicoeducativas e psicossociais têm sido propostas para pessoas que
vivem com HIV, com diversos objectivos. Contudo, poucos são os estudos, quer ao nível
interno, quer ao nível internacional com propostas de prevenção do abandono ao tratamento
antiretroviral.

Segundo araciolo (2010: 24) “o uso crónico de medica ão antiretroviral, frequentemente


requer o emprego de intervenções múltiplas focalizando os factores que contribuem para o
abandono ao tratamento e fundamentadas nos princípios da teoria centrada no cliente, para
evitar os casos de interrup ão ou de abandono”.

Olhando para os factores que influenciam abandono ao tratamento antiretroviral abrem-se


múltiplas áreas de intervenção, nomeadamente: indivíduo, tratamento, serviço de saúde,
contextos socioculturais e sócio-demográficos.

1.6.1. Em relação ao indivíduo

O desafio é desenvolver as habilidades por parte de usuário para lidar de maneira eficaz com
eventuais factores que podem influenciar no abandono ao longo do tratamento. Assim, o autor
deixa algumas estratégias de abordagem Psicoeducativa fundamentadas em teoria centrada na
pessoa pautadas em Aconselhamento Psicológico e Educação para Saúde.

1.6.1.1.Aconselhamento em HIV como modalidade de intervenção

e acordo os pressupostos do MIS U (2015: 11), “o aconselhamento envolve um processo


de escuta activa, individualizado e centrado na realidade e nas necessidades do utente,
pressupondo a capacidade de estabelecer uma relação de confiança entre o provedor e o
paciente”.

orroborando com a tese acima, para arvalho (2009: 35) “o aconselhamento em HIV/SI
preconiza o estabelecimento de confiança, a fim de fortalecer o indivíduo como sujeito de sua
própria saúde e transformação, baseando-se em dois componentes: apoio educativo
(transmissão de informação e esclarecimento de dúvidas), apoio emocional/psicológico
(oferecido a partir de escuta sensível e acolhedora) ”.

No contexto de intervenção, o apoio educativo na perspectiva do mesmo autor, consiste na


“inter-relação ou diálogo e não na transmissão de informação, pois, informar simplesmente
29

não é suficiente para que os pacientes formem opiniões e se apoderem das rédeas de suas
vidas. Assim, nesta componente esclarece-se dúvida sobre o tratamento, apura-se a
necessidade de fazer o tratamento, seus benefícios associados, analisa-se as vantagens e
desvantagens de fazer o tratamento, discute-se sobre a natureza do tratamento (os efeitos
colaterais) considerando que são passageiros, sobre mudan as no estilo de vida”.

No que tange ao apoio emocional/psicológico, Caraciolo (2007: 70) afirma que este
procedimento implica “conceder ao paciente um tempo para reflexão sobre a tomada dos
medicamentos, antes da introdução deles (trabalhar a aceitação). Promover a autonomia do
indivíduo, incentivando-o a assumir a própria condição de saúde, o tratamento e motivar o
paciente que adere ao tratamento”.

arvalho (2009: 36), refere que “o apoio psicológico visa facilitar o desenvolvimento de
habilidades de auto-eficácia e adaptação psicológica por parte de usuário para lidar de
maneira eficaz com os aspectos conscientes que lhes impede a usar o seu potencial em prol da
adesão tratamento e auto-cuidado, como o medo de estigma e descriminação, a não-aceitação
de doença, os efeitos colaterais, e demais situações que podem aparecer ao longo do
tratamento.

Neste sentido, o aconselhamento fortificado na vertente de apoio psicológico vai propiciar a


habilidade do ajustamento emocional, cognitivo, comportamental e social à doença,
desmistificando o medo que o paciente tem de ser visto como portador de HIV. Permitirá
ainda que o paciente conceba a doença como uma realidade existente apesar da ausência de
sintomas. Igualmente permitirá a auto-eficácia em relação aos efeitos colaterais, concebendo-
os como passageiros podendo contar com a ajuda de serviço de saúde para eventual
monitoramento no caso de serem persistentes. Isto, fará com que o paciente tome uma decisão
positiva em prol do seu autocuidado.

demais, segundo araciolo (2007: 69) “para todos os casos, o medicamento deve ser
oferecido, e a decisão sobre o início do tratamento precisa ser pactuada entre médico e
paciente. Se o paciente não tiver intenção de iniciar o tratamento, é importante que este
momento seja respeitado, retardando-se a introdução dos remédios para momento mais
oportuno. Muitas vezes prorrogar o início do tratamento pode prevenir o abandono”.

Entretanto, acreditamos que a seropositividade não terá um impacto negativo se a pessoa


possuir recursos psicológicos para lidar com qualquer situação que pode embaraçar o
processo de adesão ao tratamento.
30

1.6.1.2.Educação para saúde como estratégia de intervenção

e acordo com osta & Lopes (2005) citado por arvalho (2009: 33) “a educa ão para saúde,
se constitui numa abordagem que ajuda na modificação de comportamentos dos indivíduos,
em prol da aquisição ou manutenção de hábitos saudáveis de vida no que concerne ao auto-
cuidado e tratamento”.

ssim, o conteúdo educativo pode ser composto por temas como: “explica ões sobre
diferença entre HIV e SIDA, o significado de período assintomático e aparecimento de
doenças oportunistas, explicações sobre o tratamento de HIV e importância de fazer o
tratamento precocemente mesmo não apresentando sintomas; explicar o significado e
importância de exames de 4, carga viral e outros”. Estes temas vão permitir o
desenvolvimento de habilidades na tomada de decisões, objectivando a manutenção de seu
estado de saúde e a qualidade de vida.

1.6.2. Em relação ao tratamento

Em relação ao tratamento Caraciolo (2010: 26) refere que deve se fazer a prescrição ou
adaptação do esquema terapêutico à rotina diária, simplificação dos esquemas terapêuticos,
educação e/ou informação sobre ocorrência de efeitos colaterais, tratamento de efeitos
colaterais.

1.6.3. Em relação ao serviço de saúde

Em rela ão ao servi o de saúde “se deve qualificar o aconselhamento e atendimento, havendo


a necessidade de todos os profissionais terem a postura de aconselhador. Neste caso, o
aconselhamento deve permear todos os atendimentos, devendo cada profissional atender o
paciente da forma empática” (Ibid: 28).

Segundo, araciolo (2010: 29) “estruturar o atendimento em grupo é uma estratégia


excelente, pois proporciona ajuda mútua por meio de troca de experiências. Também,
qualificar a implementação de busca de faltosos, realizar visitas domiciliares para apoiar ou
desenvolver acções na residência que estimulam e facilitam a adesão”.

Na nossa óptica, o grupo deve ser composto por pessoas que acabam de iniciar o tratamento e
os que já iniciaram há bastante tempo, tendo uma coordenação multiprofissional, envolvendo
médicos, psicólogos e assistentes sociais.
31

1.6.4. Em relação aos contextos socioculturais e sóciodemográficos

Em relação aos factores referentes aos contextos socioculturais, Carvalho (2009:34)


“preconiza a abordagem sistémica fundamentado pelo modelo psicossocial ”. abordagem
sistémica de saúde concebe o ser humano como estando em constante relação com seu
contexto sociocultural, considerando a interacção pessoa-contexto como central visando a
adaptação da pessoa à doença na presença obstáculos socioculturais. Concebe igualmente, a
necessidade de incluir os aspectos psicossociais e biomédicos no cuidado à saúde (Ibid: 33).

Nesta direc ão, “as interven ões psicossociais precisam desmistificar as cren as sobre HIV e
estimular nos membros da família e amigos do doente o senso de fornecer apoio emocional ao
doente para com isso, reduzir a sua angústia e aumentar os níveis de adesão ao tratamento”
(Idem), pois, segundo Seidletal., (2007) apudBrasil (2008: 27) os pacientes sem apoio, ou
mesmo com insuficiente, de familiares, amigos tendem a apresentar mais dificuldades de
adesão.

Assim sendo, os amigos, devem participar nos cuidados e tratamento do doente


proporcionando afecto e amor incondicionais com vista a promover o bem-estar psicossocial,
aumentando assim os níveis de adesão e, possivelmente, prevenir o abandono. Pensamos
ainda que outras acções educativas a serem promovidas voltam-se à sociedade em geral
através de desenvolvimento das palestras educativas, cartazes e panfletos para desmistificar as
crenças sobre o HIV.

No concernente aos factores sócio-demográficos, pode-se criar grupos de apoio à adesão


comunitária (G ) e inserir os pacientes com risco de abandono, pois o G “tem como
objectivo melhorar a retenção dos doentes em TARV, em situações de difícil acesso a unidade
sanitária. Mensalmente, o grupo contribui um dinheiro de transporte e escolhe um membro
para ir levantar os medicamentos de todos os elementos e fazer consulta, reduzindo, desta
forma, os gastos financeiros sobretudo para as camadas vulneráveis (MISAU 2015: 21).
32

CAPÍTULO II: METODOLOGIA DO TRABALHO

Neste capítulo, apresentamos a metodologia usada na elaboração deste trabalho, que segundo
Marconi &Lakatos (2011: 46) “constitui um conjunto de actividades sistemáticas e racionais
que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objectivo – conhecimentos válidos
verdadeiros – traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do
cientista”. Mas ainda, aqui delineamos o método, o tipo de pesquisa, as técnicas de recolha de
dados e as considerações éticas utilizadas para se alcançar os objectivos do trabalho.

2.1. Métodos de pesquisa

Como toda pesquisa requer o uso de método, esta não foge da regra pois, para facilitar a
análise e interpretação dos dados baseamo-nos no método indutivo.

2.1.1. Método indutivo

Segundo Ruiz (2009: 139), “método indutivo é um processo de raciocínio, que parte de
enunciados particulares, para chegar conclusão ampliada em enunciado mais gerais”. Este
método permitiu-nos na determinação das conclusões sobre as reais causas de abandono ao
tratamento antiretroviral no HRC; para tal, os dados colhidos foram analisados de forma
singular para se chegar a uma conclusão geral.
2.2. Tipo de pesquisa

O tipo de pesquisa utilizada neste estudo classifica-se de três formas nomeadamente: quanto a
abordagem do problema, quanto aos objectivos e quanto aos procedimentos metodológicos.

2.2.1. Quanto à abordagem

Quanto à abordagem, o estudo é do tipo misto (qualitativo e quantitativo) visto que os dados
obtidos por técnicas qualitativas foram igualmente analisados quantitativamente através de
técnicas estatísticas simples concretamente percentuais.

Segundo Pinheiro apud Michel (2015: 41), “a pesquisa qualitativa caracteriza-se por um
estudo de carácter analítico, cujo propósito é identificar e analisar com maior grau de
profundidade dados e informações não mensuráveis, sentimentos, sensações, pensamentos,
comportamentos passados, expectativas futuras, vivências. E a pesquisa quantitativa, é uma
actividade em que se usa a quantificação tanto nas modalidades de colecta de informação,
quanto no tratamento dessas, através de técnicas estáticas, desde as mais simples como:
33

percentual, média, desvio padrão, às mais complexas como coeficiente de correlação, análise
de regressão e outras”.

Assim, o uso desta abordagem do ponto de vista qualitativo, visou identificar, descrever e
analisar os motivos do abandono ao tratamento antiretroviral no HRC. E do ponto de vista
quantitativo, visou a definição percentual das causas do mesmo.

2.2.2. Quanto aos objectivos

Quanto aos objectivos, o estudo é do tipo descritivo, pois, permitiu-nos identificar e descrever
as causas do abandono ao tratamento antiretroviral, analisando com mais detalhes o que deve
ser feito para reverter a situação no Hospital Rural de Chicuque.

Para Ivaldaetal., (2007:28) “a pesquisa descritiva tem como objectivo a identifica ão e


descrição de factores que determinam ou que contribuem para a ocorrência de determinados
fenómenos”. Uma vez que o presente estudo pretende identificar e descrever as causas do
abandono ao TARV, julgamos que este tipo de pesquisa se adequa no contexto dos objectivos
do trabalho.

2.2.3. Quanto aos procedimentos metodológicos

Quanto aos procedimentos metodológicos o estudo é bibliográfico e de campo. Segundo


onseca (2002: 32) “a pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referências
teóricas já analisadas, e publicadas por meio de livros, artigos científicos, páginas de Web
sites”.

Enquanto a pesquisa de campo segundo Gil (2007: 47) “procura o aprofundamento de uma
realidade específica. É basicamente realizada por meio de observação directa das actividades
do grupo estudado e de entrevistas com informantes para captar as explicações e
interpreta ões do que ocorre naquela realidade”. Neste estudo, baseamo-nos na entrevista para
adquirir as informações sobre as causas do abandono ao tratamento antiretroviral na realidade
em estudo.

2.3. Técnicas de recolha de dados


Com objectivo de abordar de forma mais adequada a temática em estudo, privilegiamos o uso
de entrevista semi-estruturada5, como instrumento de colheita de dados.

5
Vide em apêndices
34

SegundoLaville&Dionne (1999) apud Santos (2011: 31), a entrevista semi-esrtuturada


“consiste em uma série de perguntas predominantemente abertas, feitas verbalmente em uma
ordem prevista, mas na qual o entrevistador pode acrescentar perguntas de esclarecimentos.
Sua flexibilidade possibilita um contacto mais íntimo entre o entrevistador e entrevistado,
favorecendo assim a exploração em profundidade de seus saberes, bem como de suas
representa ões, de suas cren as e valores”.

esta feita, “espera-se que o entrevistando responda livremente às questões colocadas,


recorrendo às suas próprias palavras e expressando as suas perspectivas pessoais” (2008: 37).
No entanto, escolhemos esta técnica para a recolha de informação sobre os motivos do
abandono ao tratamento antiretroviral em pacientes com historial do abandono recuperados
pelos serviços TARV. Os pacientes que consentiram a entrevista tiveram um máximo de
liberdade e relataram os motivos que lhes levaram ao abandono do tratamento.

Portanto, importa referir que o instrumento de recolha de dados (entrevista semi-estruturada)


foi testado no Centro de Saúde de Maxixe, envolvendo sujeitos com as mesmas
características.

2.4. População e amostra da pesquisa

Segundo ortinetal., (1999: 43) “a popula ão engloba todos os elementos com características
comuns estabelecidas para o estudo”.

Para o efeito, constitui universo desta pesquisa realizada no HRC 126 pacientes com infecção
por HIV inscritos nos serviços TARV entre o segundo semestre do ano fiscal de 2016 e 2017
com historial do abandono ao tratamento antiretroviral, que já foram reintegrados, e estão em
seguimento do tratamento antiretroviral.

Em sequência, o mesmo autor define a amostra como um “subconjunto da popula ão que é


convidado a participar de determinado estudo, devendo ser representativa da população em
estudo” (Ibid: 44).

Para Richardson (2008: 160), numa população finita, uma amostra representativa é
correspondente a pelo menos 10% da população. No entanto, seleccionamos de forma
aleatória uma amostra de 11% que corresponde a 14 participantes, como se pode ver na tabela
abaixo.
35

Tabela 1: População e Amostra

Designação População Amostra


H M Total H M Total
Pacientes em TARV com historial do abandono 39 89 126 5 9 14

Fonte: Autor de trabalho

Importa-nos dizer que para mantermos o contacto com os informantes, primeiro, fizemos o
levantamento dos mesmos depois da sua identificação no livro de visitas domiciliares e, de
seguida, fomos à farmácia para apurarmos as datas em que tinham as próximas consultas
marcadas. Foi nas datas de consultas que procedemos a recolha de dados.

2.5. Considerações éticas

Com vista a garantir a humanização do nosso trabalho, preservando a dignidade dos


participantes da pesquisa, obedecemos aos princípios éticos em pesquisa em seres humanos:
princípio de autodeterminação, de informação, de confidencialidade, de anonimato e de
consentimento.

Por conseguinte, os participantes que concederam a entrevista foram garantidos a


possibilidade de interromper ou se retirar do estudo, em qualquer momento, se assim o
desejassem, bastando para isso informarem a sua decisão de desistência. Foram, igualmente,
informados que a participação da pesquisa não incorreria em riscos ou prejuízos de qualquer
natureza, e por ser de carácter voluntária sem interesse financeiro não teriam nenhuma
remuneração. Alem disso, as informações dos pacientes foram utilizadas sem se relacionar os
nomes e mantendo o sigilo. Sendo que a interacção com os participantes foi mediante a
assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido6.

Há salientar que a interacção com os participantes de pesquisa ocorreu após autorização da


realização da pesquisa pelo ponto focal de HIV no Hospital Rural de Chicuque, por meio da
aprovação da credencial. Mis ainda, as informações da pesquisa encontram-se sob custódia do
pesquisador e foram utilizados apenas para fins meramente académico-científicos.

6
Vide em apêndices
36

CAPÍTULO III: APRESENTAÇÃO, INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

Neste capítulo, procedemos a apresentação, análise e interpretação dos dados colhidos no


campo, concretamente no Hospital Rural de Chicuque. Conforme referenciamos no ponto
2.4,7foram entrevistados os pacientes com historial do abandono ao tratamento antiretroviral,
que já foram reintegrados e estão actualmente em seguimento TARV. Ademais, importa frisar
ainda que neste capítulo abordamos as características sociodemográficas dos entrevistados,
revelação do seroestado, revelação do seroestado ao parceiro vs testagem do parceiro e uso do
preservativo, reacção à seropositividade, as causas de abandono ao tratamento antiretroviral e
estratégias de prevenção do abandono ao tratamento antiretroviral.

3.1. Caracterização sócio-demográfica dos participantes

Para a caracterização sócio-demográfica, foram entrevistados cinco homens e nove mulheres,


com idade compreendidas entre 26 a 57 anos. As profissões exercidas pelos participantes da
pesquisa num total de 14 participantes referem-se a trabalhos domésticos e não domésticos
conforme segue: doméstica: 2 (14%), professor: 2 (14%), pescador: 4 (29%), camponês: 2
(29%), comerciante: 3 (21%) e electricista: 1 (7%).

Quanto à escolaridade dos participantes da pesquisa, verificamos que 2 (14%) possuem


escolaridade até ensino primário, 9 (64%) a escolaridade secundária e 3 (21%) o ensino
superior. No concernente à situação conjugal, 7 (50%) vivem maritalmente, 2 (14%) são
viúvos sem companheiros, 3 (21%) são divorciados sem companheiros, 2 (14%) são casados.
No respeitante à renda mensal, 1 (7%) não possuem renda mensal, 5 (36%) têm uma renda
mensal abaixo de um salário mínimo e 8 (39%) uma renda mensal maior ou igual a um salário
mínimo. Em relação ao local de residência, 4 (29%) são moradores de Chicuque, 3 (21%) de
Nhamaxaxa, 5 (36%) da cidade de Maxixe e 2 (14%) do distrito de Massinga.

3.2. Revelação do seroestado

No que tange à revelação do estado serológico, verificamos que num total de 14 pacientes,
apenas 9 (64%) revelaram a sua serologia a um familiar, amigo ou algum confidente, sendo
que 5 pacientes (36%) preferem manter o segredo em relação ao seu seroestado. A maior
parte dos que não revelaram o seroestado a ninguém é da faixa etária de 26 a 35 anos de
idade, em número de 4 (80%).

7
População e amostra da pesquisa
37

Na nossa percepção, esses pacientes apesar de serem aderentes ao tratamento, podem


vivenciar conflitos do foro psicológico como stress e angústia uma vez que ao partilharem a
casa com outras pessoas (marido, irmão, mãe etc.,) o segredo do seroestado pode ser
ameaçado no memento de tomar as medicações, podendo, no entanto, consubstanciar-se na
fuga permanente do doente para poder tomar comprimidos sem levantar suspeitas em relação
à serologia. Esta fuga muitas vezes é acompanhada pela agonia, situação que pode ser
diferente em casos de revelação do seroestado.

Paxton (2002) citado por equeira (2013: 57) explica que “a revela ão da condi ão de
portador do HIV para o companheiro/parceiro ou a pessoa mais próxima é recompensadora,
pois, diminui stress, melhora a vida produtiva, o bem-estar e diminui a descriminação, pelo
que o segredo da condição serológica constitui uma auto-tortura”.

Entretanto, a doença por ser vista histórica e culturalmente como pertença a um certo grupo,
nomeadamente “pessoas que desonram-se sexualmente” é estigmatizada. Por esta razão, os
portadores sentem-se culpados, segregados e têm uma morte social inerente à revelação do
diagnóstico e, por isso preferem manter o segredo.

Sobre isto, a nossa opinião é que o estigma e a descriminação para com as pessoas vivendo
com HIV determinam várias de suas atitudes, muitas vezes levando-os a mentir para não
exporem a sua serologia. Igualmente, as pessoas por temer reacções negativas dos parceiros,
familiares e sociedade em relação a sua serologia, podem manter o segredo e optarem por não
buscar medicamentos na unidade sanitária, abandonando por conseguinte o tratamento.

Visto o problema doutro lado, as pessoas que são aceites socialmente quando revelam o
seroestado encontram benefícios, pois não precisam esconder-se para tomar medicações,
reduzem stress, na vida sexual não existem suspeitas entre parceiros, dado que se houve a
revelação do seroestado entre parceiros sexuais, sendo fácil a compartilha da necessidade da
prevenção positiva (prevenção da transmissão do HIV centrada nas pessoas que já sabem que
são HIV+) para evitar reinfecção por exemplo.

3.3. Revelação do seroestado ao parceiro vs testagem do parceiro e uso de preservativo

A testagem de parceiro/a sexual e uso de preservativo no acto sexual estiveram intimamente


ligados à revelação do seroestado aos parceiros/as sexuais – cujos resultados dos testes são
positivos – em número de 6 correspondente a (67%) dos 9 pacientes que revelaram o seu
38

seroestado a alguém; em contrapartida, os 3 (33%) pacientes que não revelaram o seroestado


aos seus parceiros sexuais estes não fizeram teste e no acto sexual não usam o preservativo.

propósito disto, arvalho (2008: 51) afirma que “o uso de preservativo entre PVHIV
contribui para reduzir a reinfecção pelo HIV, sendo que o contrário aumenta a possibilidade
da mesma”. E tal como fizemos a referência no ponto 1.1. (pág.16), Tibúrcio etal,
consideram que a reinfecção ocorre quando duas pessoas com cepas de diferentes de HIV
matem relações sexuais desprotegidas, uma vez que no acto sexual, ocorre a troca de vírus.
Esta condição pode levar à resistência aos medicamentos, ocasionando a falência terapêutica e
pode também acelerar a progressão da doença.

Assim sendo, é necessário reforçar nos pacientes a necessidade de se revelar o diagnóstico ao


parceiro (a), do uso de preservativo e discutir com eles os benefícios associados.

3.4. Reacção à seropositividade

Ao receber o resultado do teste confirmando a infecção pelo HIV, os entrevistados reagiram


de maneiras variadas, influenciados, por vezes pela forma como receberam a notícia e pelo
estado assintomático em que estavam. Para alguns foi um “choque”, um momento de agonia e
incerteza do que aconteceria em suas vidas a partir daquele momento.

“Foi chocante, fiquei muito deprimida, pensando em como seria a vida com HIV”
(E14)

“Eu fiquei muito chocado. Nunca pensei que podia ter HIV. Na altura, aceitar porque
nem tinha sintomas que tinham a ver com HIV/SIDA” (E5).

“Chorei! não consegui acreditar que podia ter essa doença. Pensei que a morte já
tinha chegado”. (E3).
A descoberta da condição de portador de HIV é um evento traumático, pois, segundo Santos
(2011: 68) “consiste em grande impacto para a pessoa, não só físico, mas também psicológico
e social devido cronicidade da doen a, ao estigma e discrimina ão associados a doen a”.

Na nossa opinião, no momento da descoberta da serologia do HIV pode emergir a depressão


dada a nova realidade que, algumas vezes, implica eventuais perdas e limitações. Pois,
estudos têm apontado a “depressão como um transtorno que pode estar associado vivência
de uma condi ão crónica” ( uarte & Rego 2007, Kern, 2003) Idem.
39

No caso do HIV, o medo do estigma e a presença de crenças sobre a doença como sinónimo
de morte, podem aumentar a frequência de transtornos depressivos em pessoas vivendo com
HIV, afectando assim a saúde mental do indivíduo.

Para além da depressão, alterações psicológicas como ansiedade e stress também podem estar
presentes durante a descoberta do diagnóstico de HIV, podendo-se acentuarem por um
período prolongado em casos de não enfrentamento por parte de pacientes mediante ajuda de
um psicólogo.

É, igualmente, nossa opinião que a seropositividade não supõe um impacto negativo na vida
mental do indivíduo se este apresentar recursos psicológicos e de apoio social para lidar com a
situação. Desta forma, é necessário o aconselhamento psicológico para lidar com questões de
saúde mental e, principalmente, para superar ares de ansiedade e stress antes, durante e depois
do teste, incluindo no momento de início do tratamento, tendo em vista assegurar que o
paciente compreenda o diagnóstico e a necessidade de iniciar o tratamento antiretroviral.

3.5. Causas de abandono ao Tratamento Antiretroviral no Hospital Rural de Chicuque

Como podemos ver no gráfico abaixo, o abandono do TARV ocorreu por diversos factores.
Através da análise das entrevistas individuais foi possível agrupar as causas de abandono ao
tratamento em 6 categorias, nomeadamente factores relacionados: com a pessoa, com a
doença vs o tratamento, com o tratamento, com o serviço de saúde, socioculturais e sócio-
demográficos.

Gráfico 1: Causas de Abandono ao TARV no Hospital Rural de Chicuque

7% Factores relacionados com a pessoa


14%
7%
Factores relacionados com o tratamento

14% Factores relacionados com a doença vs Factores


relacionados com o tratamento
29% Factores sócio-culturais

Factores sócio-demográficos
29%
Factores relacionados com os serviços de saúde

Fonte: autor do trabalho


40

Em cada uma das seis categorias sobre os factores que ocasionam o abandono do tratamento
antiretroviral foram encontrados certos indicadores de abandono.

3.5.1. Factores relacionados com a pessoa

Sobre os factores relacionados com o sujeito em tratamento, encontramos uma correlação


directa entre a não-aceitação da seropositividade com o abandono ao tratamento em 2 (14%)
entrevistados. Os mesmos afirmaram que não achavam motivos de fazer o tratamento por
acreditarem que não possuíam o vírus e, que os resultados dos exames de HIV não inspiravam
a confiança. Por esta razão, estes participantes tiveram que percorrer muitas US para
confirmarem o resultado dos testes.

Há que salientar que os entrevistados afirmaram que estas reacções face à seropositividade
deveram-se ao facto de no momento do diagnóstico não terem nenhum sinal aparente que
pudesse justificar a existência da doença e pela mesma razão não iniciaram a medicação.

Na nossa percepção, o facto de o HIV ter um longo período assintomático dificulta a


aceitação da doença e, consequentemente, do tratamento, pois o sentir-se saudável faz com
que o portador questione o diagnóstico e não encontre motivos para o tratamento.

Esta ideia é sustentada pelo Faustino (2006) apud Brasil (2008: 19) ao referir que “a não-
aceitação da seropositividade é indicado como condição associada à adesão insuficiente e ao
abandono ao tratamento em pessoas vivendo com HIV, pois, tomar os remédios significa
reconhecer que a infecção pelo HIV é uma realidade”.

3.5.2. Factores relacionados com tratamento

Sobre a categoria de factores relacionados com o tratamento, os efeitos colaterais foram


mencionados por 2 (14%) pacientes como motivo do abandono ao TARV, visto que o início
de tratamento foi marcado pelos efeitos adversos que incluem tonturas, náusea, vertigens,
perturbações de sono, dificuldade de concentração como podemos ver nos depoimentos.

Há que referir que os efeitos colaterais estiveram presentes em quase todos os pacientes
entrevistados no início do tratamento. A diferença é que noutros casos formam concebidos
como passageiros, segundo atestam os depoimentos à seguir:

“Não me caíram bem os medicamentos, tive tonturas, vertigens e perda de força …


tomava às 19h e só conseguia sair de cama lá para às 9h ou 10h do dia seguinte, mas
depois passou” (E7).
41

“No primeiro mês, só dormia na madrugada depois de passar por pesadelos; tinha
pesadelos horríveis, que pareciam tão reais, não conseguia dormir, yuh! Passei muito
mal”(E13).

“Não foi fácil no início, os medicamentos me criavam nojo e vómitos, ficava sem
força e não conseguia fazer meus os afazeres, mas depois de um tempo passou” (E5)

Santos (2011:50), refere que” no tratamento antiretroviral, os efeitos colaterais podem


desaparecer ou serem atenuados, em períodos de tempo variados, tendendo a oscilar entre dias
a meses após o início do uso”.

Neste sentido, entendemos que os pacientes que abandonaram o tratamento não tinham
concebido os efeitos colaterais como passageiros. Desta feita, é necessário que os usuários
sejam previamente informados sobre a eventual possibilidade da ocorrência dos efeitos
colaterais, do seu efeito passageiro, devendo os clínicos fazerem o monitoramento, para no
caso de serem persistentes poderem intervir no sentido de atenuar.

3.5.3. Factores relacionados com o tratamento vs Factores relacionados com a doença

Encontramos uma associação entre os factores relacionados com o tratamento (efeitos


colaterais) e factores relacionados com a doença com destaque para a ausência de sintomas
como causa do abandono ao tratamento antiretroviral em 4 (29%) pacientes entrevistados.

Esta associação é percebida nos relatos dos pacientes ao afirmarem que o grande embaraço
em se adaptar ao tratamento circunscrevia-se no facto de ao tomarem os medicamentos
ficarem doentes (efeitos colaterais) numa situação em que não possuíam nenhum sintoma ou
dor.

Estas reacções estiveram associadas aos efeitos colaterais e em aspecto assintomático da


seropositividade pois, os usuários quando iniciaram o tratamento não possuíam nenhum
sintoma aparente de doença. Por esta razão, não viam a necessidade de continuarem a tomar
medicamentos que lhes criavam desconforto sem aparente doença.

Normalmente, as pessoas estão acostumadas a fazer um tratamento para curar uma


enfermidade ou para aliviar um sintoma e não para criar desalento. E, no estudo em análise
tomar comprimidos tornava-se absurdo, o que de certa forma contribuía para que estes vissem
a infecção pelo HIV como uma situação abstracta.
42

Esta ideia é corroborada pelo Caraciolo, tal como fizemos referência no ponto 1.4.48 (pág. 26)
que nas pessoas sem sintomas a doença parece uma realidade abstracta e, nesta fase quando o
paciente ingere os medicamentos e ocorrem os efeitos adversos que lhe criam desconforto
recusa ou interrompe a ingestão dos medicamentos.

Neste sentido, julgamos que o assunto sobre a possibilidade de ocorrência de efeitos colaterais
deve ser previamente discutido com o usuário, para que este tenha a consciência sobre o que
se espera com o tratamento e desenvolver-se habilidades cognitivas – a auto-eficácia – para
lidar com os efeitos colaterais.

Para tal, torna-se necessária uma minuciosa atenção por parte dos provedores de saúde para
proporcionar uma abordagem adequada dos efeitos colaterais, o mais precoce possível,
evitando, por conseguinte, a baixa adesão ou abandono ao tratamento antiretroviral.

3.5.4. Factores socioculturais

Sobre os factores socioculturais, constatamos que o medo do estigma e da discriminação são


apontados por 4 (29%) entrevistados como motivo de abandono ao tratamento, visto que
quando questionados sobre como se sentiam diante das pessoas como portadores de vírus e, se
tiveram medo de levantar suspeitas sobre a sua seropositividade, os seus depoimentos
mostram que os quatro pacientes tiveram medo de serem estigmatizados e descriminados
conforme atestam os depoimentos à seguir:

“Quando amigos falassem sobre HIV, me sentia muito mal, era como se falassem de
mim (…); fiquei com medo de ser vista no hospital a levantar medicamentos; sabe! as
pessoas te tratam mal quando sabem que você tem HIV” (E10)

“Ficava aterrorizado por pensar que as pessoas soubessem que tenho HIV, mas na
verdade ninguém soube antes de eu contar; até cheguei de contratar alguém para
passar a levantar medicamentos só para não ser visto que tenho HIV (E8)”.

Percebe-se destes depoimentos que o medo do estigma manifestado pelos pacientes é


interiorizado e o seu fardo começa a reflectir-se aquando do processo de descoberta da

8
O inicio do TARV na fase assintomático do HIV aliado ao aparecimento de efeitos colaterais e sua relação com
abandono ao TARV
43

infecção pelo HIV. Este medo consolida-se pela não-revelação do seroestado, tal como
podemos constatar neste estudo, que a descoberta da infecção por parte destes participantes
esteve ligada à busca de auxílio médico devido a problemas de saúde e não por iniciativa
própria de busca do conhecimento sobre o estado serológico. Por isso, no momento da
descoberta não revelaram a ninguém o seroestado, tendo preferido manterem em segredo para
não levantar suspeitas da sua seropositividade do HIV nos parceiros/as, vizinhos e familiares
e, pela mesma razão, prefiram não levantar os medicamentos na US.

Por isso, assumimos que a questão do abandono ao tratamento está intimamente ligada ao
medo de estigma e descriminação que prevalece na sociedade, uma vez que a doença expõe a
pessoa a julgamentos e estigmas sociais. É, por receio destas reacções, que o indivíduo que
abstém-se do tratamento.

Esta ideia é corroborada pelo ggleton (2001:29) ao afirmar que “o medo do estigma e da
discriminação dentro de casa e da comunidade local impede que as pessoas com HIV a
procurem o tratamento. Isto, ocorre porque as pessoas têm medo de serem descobertas como
portadores de vírus pela família e pela comunidade”.

Neste contexto, afirmamos que a vergonha ou receio de ser visto como seropositivo no bairro,
na família e no Hospital, uma manifestação de estigma interiorizado, impede as pessoas de
procurar informações sobre a doença, afectando na adesão aos cuidados e tratamento. Desta
feita, é necessário que se desenvolva no paciente as habilidades de ajustamento emocional e
social a partir de apoio afectivo e/ou psicológico, desmistificando o estigma interiorizado.

3.5.5. Factores sócio-demográficos

No que tange aos factores sócio-demográficos a falta de renda que ocasiona a falta de dinheiro
de transporte e insuficiência de alimentação foi mencionado como motivo de abandono ao
tratamento por 1 (7%) paciente.

O paciente refere que não possuía renda mensal e vivia numa região onde a deslocação para
US requer o uso de dinheiro para o transporte. Como se não bastasse, o entrevistado admitiu
que não conseguia ter alimentos suficientes para aguentar com a demanda alimentar que os
medicamentos provocam, uma vez que não tinha dinheiro para comprar.

Neste sentido, percebe-se que a falta de dinheiro de transporte e a insuficiência de


alimentação justifica-se pela ausência de renda e tornou-se motivo do abandono ao tratamento
na medida em que, o usuário não conseguia ter o dinheiro de transporte para se deslocar à US
44

para consultas e/ou levantar os medicamentos, além de que por falta de renda, também não
conseguia dinheiro para comprar alimentos suficientes capazes de responderem às
necessidades que os medicamentos provocam.
É nesta perspectiva que Bonoloetal., (2007: 65), afirmam que “existe uma rela ão entre o
abandono ao tratamento antiretroviral e renda pessoal menor que ½ e 3 salários mínimos,
sendo que a associa ão é ainda mais forte quando o paciente não possui renda”. Por seu turno,
Almeida (2013: 32) diz que “a distância longa entre a casa do paciente e o local de
atendimento, assim como a insuficiência de alimentação é observado como sendo factor de
maior risco para abandono”.

Sendo assim, antes do início do tratamento, é imperioso fazer-se a avaliação das condições
sociodemográficas do paciente com enfoque na condição da renda pessoal para uma possível
intervenção, que pode consistir em reforçar no paciente a necessidade de ter rede uma de
apoio familiar ou de estar nos grupos de apoio à adesão comunitária para no caso de enfrentar
problemas de transporte ou outros relacionados com o tratamento possa ter ajuda, por um
lado.

Por outro lado, é necessário que o paciente seja consciencializado para consumir qualquer tipo
de alimento, não esperando por alimentos que possivelmente são adquiridos no mercado
como: arroz, carne, etc.

3.5.6. Factores relacionados com os serviços de saúde

Sobre os factores relacionados com o serviço de saúde, o mau atendimento e mau acolhimento
foi indicado como motivo de abandono ao tratamento por 1 (7%) paciente. O paciente teria
sido maltratado pelos provedores de saúde por alegada chegada tardia à unidade sanitária.

“Nesse dia cheguei tarde porque passei pela escola atender um assunto de meu filho,
o que vi foi pior, insultaram-me como se tivesse comprado esta doença e daí desisti”
(E2)

Neste depoimento percebe-se que os maus tratos aos pacientes em tratamento antiretroviral
são seguramente um dos motivos do abandono ao tratamento, pois, desmotiva-os na procura
deos serviços especializados na US.

Nesta perspectiva, Tridande& Teixeira (2000: 5) referem que “a rela ão profissional-paciente


deve ser de ajuda, no sentido de apoiar o paciente a lidar com as dificuldades, identificar as
solu ões, tomas decisões e mudar comportamento”. linhando do mesmo diapasão, erreira,
45

tal como fizemos referência no ponto 1.4.19, (pág. 23) adverte que a relação profissional-
paciente deve ser de ajuda e o profissional precisa ter tempo para escutar e compreender o
doente no que concerne as suas crenças e suas dificuldades, de modo a garantir-se a confiança
no provedor de saúde e, por conseguinte, a adesão ao TARV.

Corroborando da paráfrase acima, a relação acolhedora e de ajuda possibilita a criação de um


vínculo com os profissionais, a equipa e o serviço de saúde e potencia a motivação para
adesão e continuidade do tratamento sendo, no entanto, necessária a sua manutenção para
prevenir os níveis do abandono ao tratamento.

Sentenciando, os serviços de saúde precisam buscarem conhecer o que os pacientes


verdadeiramente precisam para uma boa adesão, levando em consideração não somente os
resultados dos exames, mas também suas angústias e anseios, visto que, enquanto o paciente
sentir-se acolhido e ouvido, surge uma relação de confiança: um vínculo vital no sucesso do
TARV.

3.6. Estratégias para evitar o Abandono ao TARV: desejos dos pacientes

Questionados os pacientes, sobre o que gostariam que a unidade sanitária fizesse para evitar
que eles e seus companheiros, que acabam de iniciar o tratamento não o abandonem, as
respostas foram distintas; sendo que nos 14 pacientes, 10 (71%) responderam uniformemente
que gostariam que o atendimento fosse sadio, uma vez que tem sido o contrário; 4 (29%)
responderam que os mesmos serviços de saúde deveriam continuar a fazer buscas consentidas
e visitas domiciliares visando dar apoio aos doentes.

Igualmente, deviam continuar a inserir outros pacientes nos GAAC, dado aos benefícios
encontrados nestes grupos porque não tendo dinheiro de transporte conseguem ir à unidade
sanitária buscarem medicamentos graças às contribuições que o grupo faz, sem pôr de lado a
partilha e ajuda nos problemas por parte dos membros do grupo.

Sobre a necessidade que os pacientes têm do atendimento sadio, percebe-se que os provedores
de saúde não humanizam o atendimento, facto que pode desmotivar os pacientes na adesão ao
tratamento.
Segundo Oliveira (2005) apud Carvalho (2008: 72) a humanização da atenção à saúde é
entendida “como um processo de diálogo, que garanta e estimule uma crescente integra ão
entre finalidades técnicas do trabalho e os projectos de vida dos usuários”.

9
A deficiente organização dos serviços de saúde e sua relação com o abandono à TARV
46

Neste sentido, é nossa opinião que todos os profissionais devem ter a postura acolhedora e de
aconselhador devendo escutarem e responderem às diversas necessidades dos pacientes, com
vista a garantir um atendimento humanizado.

Assim, os profissionais de saúde precisam olhar além do medicamento, perceber o paciente


como um ser humano dotado de autonomia e crenças próprias e com as mais diversas
dificuldades ligadas ao tratamento. Por isso, Tal como afirma MIS U (2016: 14) “antes do
início do tratamento antiretroviral, o provedor de saúde deve iniciar uma discussão detalhada
com o paciente sobre a vontade e prontidão para o início do T RV”.

Neste sentido, caso o paciente recuse iniciar o tratamento antiretroviral, é imperioso que o
mesmo seja aconselhado sobre os benefícios do início do TARV, até que se sinta preparado
para inicia-lo. Pois, “muitas vezes prorrogar o início do tratamento pode prevenir o
abandono10”.

Quanto à necessidade de continuar-se com as buscas consentidas e visitas domiciliares


visando dar apoio aos doentes, concordamos que são estratégias viáveis e importantes no
sentido de oferecer encorajamento necessário para ajudar os indivíduos a continuarem a aderir
ao tratamento e fortalecer os vínculos do paciente com os serviços de saúde.

Esta ideia é corroborada por Brasil (2008: 44) ao referir que “a busca consentida visa o
restabelecimento e o fortalecimento do vínculo do paciente com o serviço de saúde e não
objectiva apenas trazer o paciente de volta ao serviço, mas também conhecer sua situação
actual e trabalhar com ele os factores que estão determinando o abandono”.

Por seu turno, araciolo (2010: 27) considera que “as visitas domiciliares visam apoiar ou
desenvolver acções na residência que estimulem e facilitem a adesão. Além disto, constituem
uma excelente oportunidade de avaliar a adesão e obter informações preciosas sobre
circunstâncias de sua vida e os obstáculos adesão”.

Desta forma, a revitalização do sistema de buscas consentidas aos pacientes em atraso,


faltosos e abandono e de visitas domiciliares é seguramente crucial para aumentar os níveis de
adesão e prevenir o abandono ao tratamento antiretroviral.

No que concerne à necessidade de inserir os pacientes nos GAAC, a consideramos como uma
estratégia viável para prevenir o abandono ao tratamento, pois, segundo MIS U (2015:21) “o

10
Caraciolo (2007: 69)
47

GAAC visa melhorar a retenção dos doentes em TARV, em situações de difícil acesso a
unidade sanitária”, além disso, no grupo “há compartilha e troca de experiências entre
usuários com vivencias que podem propiciar a vinculação e fortalecimento do apoio social
entre pares” (Brasil, 2008: 98).

De modo geral, o que os pacientes desejam é indispensável, útil e viável, visto que é
implementado pelos serviços de saúde do Hospital Rural de Chicuque, porém, mostra-se
insuficiente para prevenir o abandono ao tratamento antiretroviral, uma vez que o abandono
ainda prevalece naquela unidade sanitária, havendo a necessidade de se desenvolver mais
estratégias para reforçar as já existentes.
48

Conclusão
Após a apresentação, análise e interpretação de dados, concluímos que o abandono ao
tratamento antiretroviralno HRC é um problema grave e complexo, originado por variados
factores, tendo como principais: os socioculturais na ordem de (29%), os relacionados com o
tratamento vs relacionados com a doença com a mesma percentagem de (29%), seguidos
pelos relacionados com (14%), os relacionados com o tratamento com igual percentagem
(14%), os relacionados com os serviços de saúde na ordem de (7%) e por último os sócio-
demográficos, igualmente, com (7%). Esta realidade, exige que se desenvolva acções
interdisciplinares junto dos pacientes, famílias e profissionais de saúde com vista a prevenir o
abandono ao tratamento.

No concernente aos factores socioculturais, o medo de estigma e da descriminação (uma


interiorização) causa o abandono ao tratamento antiretroviral. Tal como se pode provar, 29%
dos pacientes revelaram uniformemente que abandonaram o tratamento porque tiveram medo
de levantar suspeitas da sua seropositividade do HIV. Com este depoimento, valida-se a nossa
primeira hipótese que diz: o medo de estigma e descriminação contribui para o abandono ao
tratamento antiretroviral.

Constatamos, ainda que os factores relacionados com a doença (ausência de sintomas)


associados aos factores relacionados com o tratamento (efeitos adversos) causam o abandono.
Esta simbiose de factores ficou validada na medida em que 29% dos pacientes alegam ter
interrompido o tratamento antirretroviral, porque quando iniciaram não tinham “dores e
desconforto” mas com medicação manifestaram-se. Com esta constatação, fica igualmente
confirmada a segunda hipótese, que diz: o início do tratamento antiretroviral na fase
assintomática do HIV aliado aos efeitos colaterais dos antiretrovirais, contribui para o
abandono ao tratamento antiretroviral.

Em relação aos factores relacionados com a deficiência de organização dos serviços de saúde,
o mau atendimento causa o abandono ao tratamento visto que 7% dos pacientes alegam ter
sido mal atendido e, desta forma, fica confirmada a terceira hipótese: a deficiente organização
dos serviços de saúde contribui para o abandono ao tratamento antiretroviral.

No que concerne aos factores relacionados com os factores sócio-demográficos, a ausência de


renda familiar é referida por 7% dos pacientes como motivo de abandono ao tratamento
antiretroviral, pois, faltou-lhes dinheiro de transporte para a US e para a compra dos alimentos
no sentido de satisfazer a demanda alimentar que os medicamentos provocam. E com esta
49

resposta fica também confirmada a quarta hipótese: as variáveis sócio-demográficas como a


baixa renda familiar contribuem para o abandono ao tratamento antiretroviral.

Importa referir que ao longo da pesquisa, constatamos outros factores que favorecem o
abandono ao tratamento antiretroviral, nomeadamente: factores relacionados com a pessoa, e
factores relacionados com o tratamento. Nos factores relacionados com a pessoa, a não-
aceitação da doença é referida por 14% dos pacientes como motivo de abandono ao
tratamento antiretroviral, pois, fizeram mais de três testes de HIV depois de terem
conhecimento de que tem HIV porque achavam a doença como uma realidade absurda.

Quanto aos factores relacionados com o tratamento, os efeitos colaterais como tonturas,
náusea, vertigens, perturbações de sono, dificuldade de concentração são referidas por 14%
dos pacientes como motivos do abandono ao tratamento antiretroviral.

Entretanto, todas as hipóteses levantadas em torno do problema que suscitou a efectivação da


presente pesquisa ficaram provadas a 100%.

Considerando todos os factores que motivam o abandono do tratamento antiretroviral


percebemos que este é um problema grave e complexo necessitando de intervenções no
sentido de preveni-lo.

Sugestões

Face as constatações referidas na conclusão, sugerimos ao Hospital Rural de Chicuque e


àtodos os parceiros responsáveis pelos serviços do tratamento antiretroviral o seguinte:

 Todos os profissionais devem ter a postura de aconselhador e o aconselhamento deve


permear todos os atendimentos; sendo necessário a formação contínua em matérias de
aconselhamento.
 Que seja humanizado o atendimento, isto é, todos profissionais devem atender e
acolher o paciente atendendo as suas necessidades em tempo útil de modo que este se
sinta num ambiente saudável.
 Que seja revitalizado o sistema de controlo e busca consentida de pacientes em atraso
e faltosos, e de realização de visitas domiciliares para apoiar ou desenvolver acções na
residência que estimulem a adesão e previnam o abandono ao tratamento.
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 Que os serviços TARV façam sessões de aconselhamento em atendimento em grupo


com pacientes que acabam de iniciar o tratamento e os que já iniciaram a bastante
tempo.
 Que crie os grupos de apoio à adesão comunitária e insera os pacientes com risco de
abandono ao TARV.
 Que seja promovida a estratégia de TRIOS (onde uma pessoa em seguimento de
tratamento teria duas pessoas como confidentes, para no caso de o paciente ter
dificuldade de dinheiro de transporte para ir às consultas, os confidentes poderem
ajudar nesse sentido).
 Que seja iniciado o tratamento antiretroviral apenas nos pacientes suficientemente
preparados.
51

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