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Índice

Índice de Ilustrações .............................................................................................................................. 3


Resumo............................................................................................................................................. 4
Abstract ............................................................................................................................................. 4
Introdução ......................................................................................................................................... 5
Metodologia ...................................................................................................................................... 6
Capítulo I – Protecção de Crianças em Perigo em Portugal ..................................................... 8
1. Evolução da Política Social da Infância em Portugal ............................................................. 8
1.1 Lei de Protecção de Infância de 1911.................................................................................... 8
1.2 Organização Tutelar de Menores de 1978 ............................................................................ 8
1.3 Comissões de protecção de Menores em 1991 ................................................................... 9
2. Sistema de Protecção Português para Crianças em Perigo ................................................. 9
Intervenção do Ministério Público ............................................................................................... 12
Intervenção Judicial....................................................................................................................... 12
2.1. Medidas de Promoção e Protecção para Crianças em Perigo ........................................ 13
2.1.1. Medidas em Meio Natural de Vida ................................................................................... 14
2.1.2. Medidas em Regime de Colocação ................................................................................. 17
2.1.3. Confiança a Pessoa Seleccionada para Adopção ou a Instituição com vista a
Futura Adopção ............................................................................................................................. 24
2.1.4. Procedimentos de Urgência ......................................................................................... 24
2.2. Plano DOM ......................................................................................................................... 25
3. Adopção em Portugal............................................................................................................ 27
3.1. Tipos de Adopção .............................................................................................................. 28
3.1.1. Adopção Nacional ............................................................................................................. 28
3.1.2. Adopção Internacional ....................................................................................................... 29
3.2. Requisitos Gerais da Adopção ........................................................................................ 30
3.3. Processo Adoptivo ............................................................................................................. 32
Clara R. d’Almeida Rodrigues 2
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

3.4. Dados Estatísticos ............................................................................................................. 33


Capítulo II – Protecção de Crianças em Perigo no Brasil ........................................................ 35
1. Área de Intervenção .............................................................................................................. 35
2. Evolução da Política Social da Infância no Brasil ............................................................. 37
2.1. Código de Menores de 1927 ............................................................................................ 37
2.2. Código de Menores de 1979 ............................................................................................ 38
2.3.Estatuto da Criança e do Adolescente ................................................................................. 40
3. Sistema de Protecção Brasileiro para Crianças em Perigo ............................................. 43
Medidas de Protecção para Crianças em Perigo ...................................................................... 48
4. Abrigos no Brasil .................................................................................................................... 50
4.1. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Abrigo .................................................... 52
4.2. Princípios Norteadores do Abrigo .................................................................................... 52
4.3. O Abrigo: encaminhamento, fiscalização e redes de serviços .................................... 53
4.4. Tipos de Abrigos ................................................................................................................ 54
4.5. Acolhimento Institucional versus Família Acolhedora .................................................. 56
4.6. Descrição das Instituições de Acolhimento de Crianças e Adolescentes existentes
em Florianópolis ............................................................................................................................ 58
5. Adopção no Brasil.................................................................................................................. 62
5.1. Requisitos Gerais da Adopção ........................................................................................ 62
5.2. Processo Adoptivo ............................................................................................................. 64
5.3. Adopções directas ............................................................................................................. 66
5.4. Dados Estatísticos ............................................................................................................. 67
6. Estudo de Caso ..................................................................................................................... 70
6.1. Caracterização das Crianças em Estudo ....................................................................... 71
6.2. Caracterização do Meio Familiar e Programas dos quais as famílias beneficiam ... 71
6.3. Identificação da Situação de Risco e da Entidade Sinalizadora ................................. 72
6.4. Solução encontrada e Projecto de Vida ......................................................................... 72
Conclusão Final ............................................................................................................................. 94
Bibliogarfia ...................................................................................................................................... 97
Webgrafia ..................................................................................................................................... 100
Anexos
Clara R. d’Almeida Rodrigues 3
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Índice de Ilustrações

Ilustração 1 - Modelo Organizacional Piramidal do Sistema de Protecção de Crianças em Perigo


Português ............................................................................................................................................. 13
Ilustração 2 - Número de Centros de Acolhimento por Concelho (com ou sem unidade de
emergência). ........................................................................................................................................ 21
Ilustração 3 - Número de Lares de Infância e Juventude por Concelho (com ou sem unidade de
emergência). ........................................................................................................................................ 22
Ilustração 4 - Crianças e Jovens em Acolhimento antes de 2008 e com início em 2008 e Crianças e
Jovens que inicaram acolhimento antes de 2008 e com início em 2008, respectivamente ................. 26
Ilustração 5 - Desinstitucionalização de Crianças/Jovens de LIJ desde a celebração do Protocolo
DOM até 30 Novembro de 2009........................................................................................................... 27
Ilustração 6 - Crianças em Condições de Adoptabilidade .................................................................... 33
Ilustração 7 - Faixa Etária de Crianças em Condições de Adoptabilidade ........................................... 33
Ilustração 8 - Preferência dos Candidatos à Adopção quanto ao Género da Criança ......................... 34
Ilustração 9 - Mapa do Brasil ................................................................................................................ 35
Ilustração 10 - Mapa da Ilha de Florianópolis ....................................................................................... 36
Ilustração 11 - Actuação do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente ............................... 41
Ilustração 12 - Actuação do Conselho Tutelar...................................................................................... 42
Ilustração 13 - Novas atribuições distribuídas pelos vários Participantes. ........................................... 43
Ilustração 14 - Modelo Organizacional Piramidal do Sistema de Protecção de Crianças em Perigo
Brasileiro. ............................................................................................................................................. 48
Ilustração 15 - Esquema bidireccional da criança acolhida .................................................................. 58
Ilustração 16 - Número de crianças/adolescentes abrigados segundo o sexo em Maio de 2009 ........ 68
Ilustração 17 - Número de Pretendentes à Adopção Habilitados a nível Estadual, Interestadual e a
nível Internacional em Maio de 2009.................................................................................................... 69
Ilustração 18 - Número de média anual de adopções nacionais e para o estrangeiro ......................... 69
Ilustração 19 - Agregado familiar da Andreia. ...................................................................................... 74
Ilustração 20 - Agregado familar do Gustavo ....................................................................................... 80
Clara R. d’Almeida Rodrigues 4
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Resumo
As crianças representam um dos grupos mais vulneráveis da sociedade em todo o mundo. A
família, apesar de todas as mudanças que tem vindo a sofrer, continua sendo o primeiro e o mais
importante agente para o desenvolvimento pessoal e social do indivíduo. No entanto, para muitas
crianças, o processo de socialização é transferido, por diversas razões, para a responsabilidade de
instituições de acolhimento, quando esgotadas todas as formas de uma criança permanecer na sua
família biológica. Isto é, quando uma família se mostra incapacitada para suprir as necessidades de
uma criança e de se responsabilizar por ela, a “mão” do Estado intervem no sentido de proteger e
afastar qualquer tipo de perigo que se mostre ameaçador para o bem –estar físico e psíquico da
criança.

A preocupação e legislação na protecção à infância sofreu grandes alterações ao longo dos


tempos. Nos diferentes diplomas legais a importância dada à “criança em perigo” foi tendo a sua
evolução natural em função da situação política, económica e social tanto em Portugal como no
Brasil.

Assim, através de uma recolha levada a cabo nestes dois paises, foi possível detectar as
diferenças e semelhanças jurídicas na protecção de crianças em risco, que apesar da herança
cultural que os une e da diferenciação política que os afasta, ambos os paises, enfretam problemas
legais de intervenção que merecem ser analisados.

Palavras- Chave: Crianças em Risco, Protecção, Adopção, Legislação, Portugal, Brasil.

Abstract
Children represent one of the most vulnerable groups of society all over the world. The family,
despite all the changes that have been suffering, remains the first and most important agent for the
personal and social development of the individual. However, for many children, the socialization
process is transferred, for various reasons, for the responsibility of the host institutions, when
exhausted all forms of a child to stay in their biological family. This is, when a family shows total
inability to help the needs of a child and take responsibility for it, the "hand" of the State intervenes to
protect and ward off any danger that is threatening the physical well-being and psychological
development of children.

The concern and legislation on child protection has suffered several changes over time. In
various degrees the emphasis on "child in danger" was taking its natural evolution considering the
political, economic and social development in both Portugal and Brazil

Thus, through a collection undertaken in these two countries, was possible to establish the
differences and similarities in the legal protection of children at risk, in spite of the cultural heritage that
unites and political differentiation that sets them apart, the two countries, face problems that relate to a
legal intervention, which merit study.

Key – Words: Children at Risk, Protection, Adoption, Legislation, Portugal, Brazil.


Clara R. d’Almeida Rodrigues 5
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Introdução

Esta pesquisa será realizada no âmbito do Mestrado em Política Social do Instituto Superior
de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa.

A pesquisa do presente estudo, intitulado A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em


perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo, realizar-se-á em Portugal (Lisboa) e no Brasil
(Florianópolis, Estado de Santa Catarina) de modo a diagnosticar as diferentes políticas de Protecção
de Crianças em Perigo.

Antes de explicar a abordagem geral da dissertação, é relevante fazer uma explicação da


escolha do título. Assim, A Mão de Deus surge como uma metáfora do papel do estado no processo
de vida de uma criança quando a família, primeiro agente de socialização e protecção, falha de
alguma forma e é necessária a intervenção deste órgão.

Este estudo irá constituir um contributo para o domínio actualizado deste problema social uma
vez que, na actualidade, os estudos sobre a Protecção de Crianças em Perigo, bem como a
funcionalidade das instituições e os níveis de comparação entre Portugal e Brasil são praticamente
inexistentes. Face a este panorama, será necessária a sua abordagem no domínio de percepcionar
quais as políticas que regem cada país na Protecção de Crianças em Perigo.

Por outro lado, julga-se que o presente trabalho poderá fornecer elementos que poderão
contribuir para a criação de um quadro de acções e medidas que venham de encontro aos problemas
evidenciados, podendo não só beneficiar as crianças dos dois países em causa como também a
estrutura das várias instituições que as protegem.

Pretende-se assim, com este estudo, fazer um alerta a todos os que se preocupam e
participam na procura de estratégias que possam minimizar este problema social, captando e
analisando com minuciosidade os factores que o determinam, levando à formação de políticas de
intervenção social bem sucedidas.

A escolha deste tema deve-se, não só ao interesse de ser dada continuação às pesquisas já
realizadas mas também ao interesse que sempre existiu pela problemática das Crianças em Perigo e
pela curiosidade de estabelecer uma comparação com o objectivo de percepcionar quais as
semelhanças e as diferenças que estão subjacentes a estes dois países que são tão distintos política
e culturalmente.

Espera-se que a comparação entre estas duas realidades enriqueça o estudo social a este
nível e que possua benefícios, no sentido de contribuir para a definição de algumas políticas de
intervenção, essencialmente a nível social, de modo a evitar a marginalidade e exclusão social de
muitas crianças nos dois países.

Os objectivos definidos para este estudo são portanto os seguintes:


Clara R. d’Almeida Rodrigues 6
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

 Recolher o máximo de informação a nível nacional sobre a problemática da protecção das


crianças em perigo e comparar com toda a informação reunida sobre a mesma problemática
no Brasil;
 Tratar objectivamente toda a informação recolhida de forma a percepcionar todos os
parâmetros pertinentes que estão em torno desta problemática;
 Obter dados conclusivos sobre o tema de maneira a conseguir contribuições, não só ao nível
pessoal como também ao nível da sociedade em geral.
Este Estudo encontrar-se-á dividido em dois capítulos. Numa primeira fase, foi efectuada uma
pesquisa acerca do sistema de intervenção que é regido pelas políticas de protecção à infância em
Portugal sendo que, nesta etapa serão focadas a Evolução da Política Social da Infância em Portugal,
o Sistema de Protecção Português para Crianças em Perigo e a Adopção no mesmo país. Numa
segunda fase, respeitante ao segundo país em estudo, Brasil, será retratada a Área de Intervenção
onde foi realizada parte desta dissertação, a Evolução da Política Social da Infância no Brasil e o
Sistema de Protecção Brasileiro para Crianças em Perigo, à semelhança do que foi estudado em
Portugal. Mais ainda, será pertinente a enunciação e explicação dos Abrigos no Brasil uma vez que
foi numa destas instituições de acolhimento que foi desenvolvida a pesquisa de investigação e
realizado o estudo de casos de três menores, de modo a percepcionar quais os projectos de vida que
a lei brasileira prevê. Também à semelhança do que foi realizado face a Portugal, ainda nesta fase,
considerar-se-á importante o desenvolvimento do tema da Adopção no Brasil.
Relativamente à conclusão será elaborada uma reflexão onde se evidenciará o resultado de todo
o processo de trabalho realizado com vista ao estabelecimento, sempre que possível, de uma
comparação entre os dois países enunciados.

Metodologia

Na presente Dissertação, a metodologia utilizada é:

 Observação participante:
A observação participante, segundo o Dr. Hermano Carmo 1, é aquele em que o investigador
assume explicitamente o seu papel de estudioso junto da população observada. Neste sentido, todos
aqueles para quem se direcciona o estudo ou que mais directamente estão envolvidos nele, têm
conhecimento das funções e dos objectivos do investigador.
“ A observação participante tem sido cada vez mais utilizada quer como ferramenta exploratória,
quer como técnica principal de recolha de dados, quer ainda como instrumento auxiliar de pesquisas
de natureza quantitativa”.
No presente trabalho a observação participante será utilizada, essencialmente, como uma
ferramenta exploratória no sentido em que nos vai permitir conhecer a dinâmica de funcionamento da

1
Carmo, Hermano; Ferreira, Manuela Malheiro; Metodologia da investigação. Guia para auto-aprendizagem; Universidade
Aberta, 2ª Edição, 2008; págs. 121 e 122.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 7
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Instituiçâo brasileira em estudo e analisar as emoções das pessoas e as relações humanas


estabelecidas.

A par da observação participante, houve também a necessidade em complementá-la com a


observação documental, que se fundamentou na análise dos processos dos menores em causa,
designadamente dos relatórios sociais e informações complementares, bem como da legislação
aplicável à área de intervenção.

 Diário de campo:

O diário de campo torna-se importante para relembrar e ter sempre presente pontos que com
o passar do tempo poderia passar despercebidos. A opção utilizada foi o uso de um caderno que
acompanhará ao longo de todo este processo.

 Estudo de caso:

O estudo de caso tem sido muito utilizado em ciências sociais, designadamente pesquisas
qualitativas, pois é um método que se caracteriza por uma grande intensidade e flexibilidade, bem
como pela recolha de grande quantidade de material informativo.

O estudo de casos consiste numa “ abordagem empírica que investiga um fenómeno actual
no seu contexto real; quando os limites entre determinados fenómenos e o seu contexto não são
claramente evidentes e no qual são utilizadas muitas fontes de dados.” 2

Neste estudo cingi-me apenas a três casos distintos de menores brasileiros em acolhimento
institucional, de forma a percepcionar quais as soluções Legislativas possiveís para encontrar
Projectos de Vida diferenciados para as três crianças em estudo .

 Pesquisa bibliográfica:

Grande parte deste trabalho passará pela procura de informação que esclareça sobre o tema alvo
do estudo.

Esta fase passará por uma consulta exaustiva e variada de literatura como livros de ciências
sociais, dissertações de mestrado, relatórios de estágio de colegas, toda a legislação portuguesa e
brasileira referente a menores e pesquisa na Internet.

A pesquisa bibliográfica é algo que é feito ao longo de todo o trabalho.

2
Carmo, Hermano; Ferreira, Manuela Malheiro; Metodologia da investigação. Guia para auto-aprendizagem; Universidade
Aberta, 2ª Edição, 2008; pág. 234.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 8
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Capítulo I – Protecção de Crianças em Perigo em Portugal

1. Evolução da Política Social da Infância em Portugal


Com o evoluir das sociedades, o bem-estar da criança deixou de ser uma preocupação
exclusiva da família.

A importância dada actualmente à criança trouxe consigo o reconhecimento de que a esta


cabem direitos próprios, adequados ao seu estádio de desenvolvimento, nomeadamente o direito de
ser feliz, o direito de ser criança, o direito de brincar, o direito a participar nas decisões que lhe dizem
respeito de acordo com a sua maturidade, o direito de ter uma família de afectos que lhe permita um
desenvolvimento harmonioso e uma inserção saudável na sociedade.

Ao direito e dever de prover à educação e protecção da criança, reconhecidos pela


Constituição da República Portuguesa3 e Convenções Internacionais4, à família juntou-se a convicção
da necessidade e do dever de uma intervenção externa a essa família, por parte da comunidade e,
em último caso, do Estado, quando a família se mostre incapaz de assegurar à criança as condições
de segurança, saúde, educação e afecto imprescindíveis ao seu crescimento harmonioso.

Deste modo, podem ser evidenciados três primeiros importantes marcos legislativos em
Portugal, sendo eles: a Lei de Protecção de Infância em 1911, a Organização Tutelar de Menores em
1978 e por último, a criação das Comissões de Protecção de Menores em 1991.

1.1 Lei de Protecção de Infância de 1911


Como primeiro marco, o Decreto-Lei de 27 de Maio de 1911, a vários termos inovador, com o
qual Portugal se tornou num dos países a adoptar uma legislação e um processo específicos para
menores, que atendia às particulares necessidades inerentes a este período de desenvolvimento.
Simultaneamente, criam-se, pela primeira vez, Tribunais de Menores até aos 16 anos, as Tutórias de
infância.

Com inovações, verificou-se a supressão da presunção ilidível, o aumento da idade da


inimputabilidade penal e a consciência de que devem ser adoptadas medidas diferentes para adultos
e jovens, em atenção ao seu diferente estádio de desenvolvimento psico-biológico-social.

1.2 Organização Tutelar de Menores de 1978


A publicação, em 1978, da Organização Tutelar de Menores5 que vigorou até 31 de
Dezembro de 2000, constitui o segundo marco a realçar.

Esta publicação assentava numa ideologia de protecção e tratamento aplicando-se,


indiferenciadamente, tanto a situações de crianças em risco, como a situações de jovens
delinquentes, sendo estes vistos como indicadores sintomáticos do perigo, produto das circunstâncias

3
Art. 36º nº5 e art. 68º nº1 da Constituição da República Portuguesa
4
Art.27º nº1 da Convenção dos Direitos da Criança
5
OTM, Decreto-Lei nº314/78 de 27 de Outubro
Clara R. d’Almeida Rodrigues 9
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

socioeconómicas que os envolve, e as suas condutas avaliadas enquanto demonstrações de fraca


socialização.

1.3 Comissões de protecção de Menores em 1991


Por fim, a criação, em 1991, das Comissões de Protecção de Menores, actuais Comissões de
Crianças e Jovens6. Através da sua criação visou-se evitar o contacto dos menores com os Tribunais,
procurando sensibilizar a comunidade para o exercício do dever de, ao lado da família (sempre que
possível), encontrar soluções viáveis de intervenção junto das crianças e dos jovens, isto é, apela à
participação activa da comunidade, numa nova relação de parceria com o Estado, concretizada nas
Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, capaz de estimular as energias locais potenciadoras
de estabelecimento de redes de desenvolvimento social.

Nos termos do disposto na Lei nº147/99 de 1 de Setembro, as Comissões de Protecção de


Crianças e Jovens (CPCJ)são instituições oficiais, não judiciárias com autonomia funcional que visam
promover os direitos da criança e prevenir ou pôr termo a situações susceptíveis de afectar a sua
segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento integral.

2. Sistema de Protecção Português para Crianças em Perigo


De acordo com a Lei Portuguesa considera-se criança ou jovem, a pessoa com menos de 18
anos,7 não havendo uma distinção explicíta entre criança e jovem, não estando assim presentes os
limites etários que definem a fronteira entre infância e juventude.

Nesta mesma Lei (art.3º nº2), considera-se que uma criança está em perigo quando
designadamente se encontra numa das seguintes situações:

 Está abandonada ou vive entregue a si própria;

 Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;

 Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;

 É obrigada a actividade ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade,


dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;

 Está sujeita de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem


gravemente a sua segurança ou o seu equilibrio emocional;

 Assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem


gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem
que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham
de modo adequado a remover essa situação.

6
Lei nº147/99 de 1 de Setembro, que aprova a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
7
Ver Anexo nº 1 - Lei nº 147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
Clara R. d’Almeida Rodrigues 10
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

1º Nível de Intervenção

Sempre que uma criança se encontra em situação de risco, qualquer pessoa que tenha
conhecimento de tal situação pode comunicá-la às Entidades Competentes em Matéria de Infância e
Juventude,8 às Entidades Policiais, às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) ou às
Autoridades Judiciárias. As Autoridades Policiais e Judiciárias comunicam às CPCJ as situações de
crianças e jovens em perigo que conheçam no exercício das suas funções. As Entidades com
Competência em Matéria de Infância e Juventude comunicam às CPCJ as situações de perigo que
conheçam no exercício das suas funções sempre que não possam assegurar atempadamente a
protecção que a circunstância possa exigir.

Numa primeira fase, recolhe-se os dados objectivos sobre a situação de perigo anteriormente
sinalizada, a identificação da entidade sinalizadora e a identificação básica da criança.

Depois de realizada esta fase, é fundamental recolher todos os elementos necessários que
permitam elaborar um diagnóstico profundo sobre a situação e todo o meio envolvente do menor em
situação de perigo.

Está deste modo, iniciada a primeira fase de intervenção para a promoção dos direitos e
protecção da criança em perigo.

2º Nível de intervenção

Se não for possível remover devidamente a situação de perigo, a Segurança Social envia um
relatório para a CPCJ, solicitando a intervenção daquela entidade na situação.

A CPCJ irá tentar obter os consentimentos legalmente necessários para intervir. Caso sejam
prestados, a Comissão Restrita aplica a Medida de Promoção e Protecção mais adequada para
remover ou afastar o menor da situação de perigo. Nesta fase, a CPCJ pode decidir qual a Entidade
responsável pelo acompanhamento executivo da Medida, continuando assim a intervir na situação.

Esta intervenção tem que obedecer, aos seguintes príncipios orientadores:9

 Interesse superior da criança – a intervenção deve atender prioritariamente aos


interesses e direitos da criança;

 Privacidade – a promoção dos direitos da criança e do jovem deve ser efectuada no


respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;

 Intervenção precoce – a intervenção deve ser efectuada logo que a situação de


perigo seja conhecida;

 Intervenção mínima – a intervenção deve ser desenvolvida exclusivamente pelas

8
Nomeadamente, as Autarquias Locais, Segurança Social, Escolas, Serviços de Saúde, Forças de Segurança, Associações
Desportivas, Culturais e Recreativas
9
Art. 4º, Lei nº147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
Clara R. d’Almeida Rodrigues 11
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

entidades e instituições cuja a acção seja indispensável à efectiva promoção dos


direitos e à protecção da criança em perigo;

 Proporcionalidade e actualidade – a intervenção deve ser necessária e ajustada à


situação de perigo e só pode interferir na vida da criança ou na vida da família desta
na medida em que for estritamente necessário a essa finalidade;

 Responsabilidade parental – a intervenção deve ser efectuada de modo a que os


pais assumam os seus deveres para com a criança;

 Prevalência da família – na promoção dos direitos e na protecção da criança deve


ser dada prevalência às medidas que a integrem na sua família ou que promovam a
adopção;

 Obrigatoriedade da informação – a criança, os pais, o representante legal ou a


pessoa que tenha a guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos,
dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;

 Audição obrigatória e participação – a criança, bem como os pais, têm direito a ser
ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e
protecção;

 Subsidariedade – a intervenção deve ser efectuada sucessivamente pelas Entidades


com Competência em Matéria de Infância e Juventude, pelas Comissões de
Protecção de Crianças e Jovens e, em última instância pelos Tribunais.10

3º Nível de Intervenção

De acordo com o art. 68º alínea b), da Lei nº147/ 99, de 1 de Setembro, sempre que existir
incumprimento do Acordo de Promoção e Protecção celebrado na CPCJ, esta remete o processo ao
Ministério Público, sendo então instaurado Processo de Promoção e Protecção judicial. Nesta terceira
fase, é já o Tribunal que solicita à Entidade Responsável pelo caso a elaboração de relatório com
vista á definição da actual situação de perigo, bem como proposta da Medida de Promoção e
Protecção mais adequada à salvaguarda do bem - estar do menor.

Esta fase constitui a intervenção da Segurança Social enquanto Equipa de Assessoria Técnica
dos Tribunais nos Processos de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

Nesta fase, incluem-se também os Processos de Promoção e Protecção que têm origem na
sequência de Procedimentos de Urgência, ao abrigo do art. 91º, da referida lei, em que o Tribunal
solicita à CPCJ relatório sobre as condições do agregado familiar, bem como a definição e
acompanhamento do projecto de vida do menor.

10
As CPCJ dão conhecimento aos organismos de Segurança Social das situações de crianças e jovens que se encontrem em
situação susceptível de determinar a Confiança com vista a futura Adopção e de outras situações que entendam dever
encaminhar para Adopção. De acordo com o Príncipio da Subsidariedade, as comunicações obrigatórias não determinam a
cessação da intervenção das entidades e instituições, salvo quando os consentimentos forem negados ou retirados.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 12
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Intervenção do Ministério Público


O Ministério Público acompanha a actividade das Comissões de Protecção, tendo em vista
apreciar a legalidade e a adequação das decisões, a fiscalização da sua actividade processual e a
promoção dos procedimentos judiciais adequados.

Compete também ao MP representar as crianças em perigo usando quaisquer meios judiciais


necessários à promoção e defesa dos seus direitos e à sua protecção.

As CPCJ comunicam ao MP:

 Quando consideram adequado o encaminhamento para adopção;


 Quando não haja ou sejam retirados os consentimentos para a intervenção, bem como no
incumprimento dos acordos;
 Quando não existem os meios para aplicar ou executar a medida adequada;
 Quando finalizado o período de seis meses após o conhecimento da situação não tenha sido
proferida decisão;
 Quando as situações dos menores se justifiquem a regulação ou alteração do Regime de
exercício do Poder Paternal;
 Quando a instauração da Tutela ou a adopção de qualquer outra providência cível em casos
que necessitem de fixação, alteração ou incumprimento das prestações de alimentos.

Intervenção Judicial
A intervenção Judicial tem lugar quando:

 Não está instalada CPCJ no Município ou na Freguesia da respectiva área de residência, ou


quando a Comissão não tenha competência nos termos da Lei para aplicar a Medida de
promoção e protecção adequada;
 Não seja prestado/retirado o consentimento necessário, ou haja oposição da criança;
 O acordo de promoção e protecção seja reiteradamente não cumprido;
 A CPCJ não obtenha a disponibilidade de meios necessários para aplicar/executar a medida;
 Ausência de decisão da CPCJ nos seis meses seguintes ao conhecimento da situação;
 O Ministério Público considera a decisão da CPCJ ilegal/inadequada;
 O tribunal apensa processo da CPCJ ao Processo Judicial.
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A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Modalidades de Funcionamento:

A Lei determina um esquema de intervenção em situações de crianças e jovens em perigo,


que se pode representar graficamente através de uma pirâmide de três níveis, sendo cada nível de
intervenção subsidiário do que o precede

. Funcionamento do Princípio da Subsidiariedade

MINISTÉRIO TRIBUNAL
PÚBLICO

COMISSÕES DE PROTECÇÃO
DE CRIANÇAS E JOVENS

ENTIDADES COM COMPETÊNCIA EM MATÉRIA


DE INFÂNCIA E JUVENTUDE

Ilustração 1 - Modelo Organizacional Piramidal do Sistema de Protecção de Crianças em Perigo Português

2.1. Medidas de Promoção e Protecção


Para a criança ser afastada da situação de perigo é aplicada uma Medida de Promoção dos
Direitos e de Protecção. Esta Medida é uma providência adoptada pela CPCJ ou em última instância
pelos Tribunais, de modo a proteger a criança do perigo em que esta se encontrava inserida.

A Medida de Promoção dos Direitos e Protecção da Criança tem de ser realizada através de
um Acordo (Acordo de Promoção e Protecção) que é definido como sendo um compromisso reduzido
a escrito entre a CPCJ ou pelo Tribunal e os pais, representante legal ou quem tenha a guarda de
facto e, ainda, a criança ou jovem com mais de 12 anos, pelo qual se estabelece um plano contendo
Medidas de Promoção e Protecção.11

A intervenção das Entidades com Competência em Matéria de Infância e Juventude tem de

11
Art. 5º f), Lei nº147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
Clara R. d’Almeida Rodrigues 14
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

ser sempre efectuada de modo consensual com os pais, representante legal, ou com quem tenha a
guarda de facto da criança, enquanto que a intervenção da CPCJ depende do consentimento
expresso destes.12

“Os artigos 35º. e seguintes da LP consagram o quadro substantivo das Medidas de


Protecção incorporando soluções tradicionais recriadas ou reorganizadas e simultaneamente
soluções inovadoras que acompanham a modernidade e actualidade da Lei.

Duas ideias estão presentes na definição das Medidas de Protecção e nos fins que visam
atingir. Por um lado uma clara distinção (e até uma ordem de preferência) entre as Medidas que
privilegiam e procuram preservar os relacionamentos afectivos e o meio familiar e social próprios da
criança ou jovem (o seu habitat normal parafreseando a linguagem da biologia) e as Medidas que
recorrem a soluções de outra natureza, que visam assegurar igualmente as condições que satisfaçam
as necessidades da criança ou jovem ainda que ausentes do seu contexto sócio-familiar natural. É
esta a lógica da dictomia, Medidas em Meio Natural de Vida e Medidas em Regime de Colocação.”13

Deste modo, as Medidas de Promoção e Protecção que visam afastar a criança de uma
situação considerada como perigo para esta, podem-se distinguir como:

2.1.1. Medidas em Meio Natural de Vida

a) Apoio Junto dos Pais


b) Apoio Junto de Outro Familiar
c) Confiança a Pessoa Idónea
d) Apoio para Autonomia de Vida

2.1.2. Medidas em Regime de Colocação

a) Acolhimento Familiar
 Em Lar Familiar
 Em Lar profissional

b) Acolhimento em Instituição

2.1.3. Confiança a Pessoa Seleccionada para Adopção ou Instituição com Vista a Futura Adopção

2.1.1. Medidas em Meio Natural de Vida


Estas Medidas são os meios e os instrumentos através dos quais se pretende afastar o perigo

12
A intervenção da CPCJ só é iniciada quando as Entidades com Competência em Matéria de infância e Juventude não
conseguem remover o perigo em que a criança se encontra
13
Clemente, Rosa; Inovação e Modernidade no Direito de Menores- A PERSPECTIVA DA LEI DE PROTECÇÃO DE
CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO; Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de Direito da Família; Coimbra
Editora, 2009, pág.89
Clara R. d’Almeida Rodrigues 15
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

e proporcionar às crianças as condições favoráveis de modo a que estas se consigam desenvolver


num meio harmonioso, mas também se espera que através destas Medidas se possa proporcionar
não só às crianças mas também que ajudem as suas famílias quando estas se encontram em
situações de especial vulnerabilidade.

a) Apoio Junto dos Pais

A medida de apoio junto dos pais é a medida que se encontra em consonância com o
primado da prevalência na família. Este primado define-se como o reconhecimento de que a famíliaé
o meio priveligiado para a socialização de uma criança. Só em situações de exepção que declarem o
superior interesse da criança é que esta deve ser afastada do seio familiar onde foi gerada.

14
Tendo em conta o artigo 39.º “a medida de apoio junto dos pais consiste em proporcionar à
criança ou jovem apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda
económica”.

Esta medida tem como objectivo orientar no sentido da aquisição ou reforço das
competências necessárias ao exercício de uma parentalidade responsável e adequada à satisfação
das necessidades da criança

b) Apoio Junto de Outro Familiar

Esgotadas as hípoteses de a criança permanecer com os pais, esta medida aplica-se na


solução de protecção encontrada da criança premanecer no quadro da família alargada, derivada da
ideia de que a “consanguínidade é sempre geradora de afecto e vinculação positiva para a criança”.15

16
De acordo com o artigo 40.º “a medida de apoio junto de outro familiar consiste na
colocação da criança ou do jovem sob a guarda de um familiar com quem resida ou a quem seja
entregue, acompanhada de apoio de natureza psicopedagógica e social e quando necessário, ajuda
económica”.

c) Confiança a Pessoa Idónea

Tanto a medida de apoio junto de outro familiar como a medida de confiança a pessoa
idónea, são medidas cujo objectivo visa orientar para a aquisição por parte da criança de
competências emocionais, educativas e sociais que a capacitem para prosseguir em segurança o seu
percurso.

Esta medida visa a entrega da criança a uma pessoa que não faz parte da sua família
biológica como forma de a proteger de uma situação de perigo.

Segundo a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (artigo 43.º), “a medida de

14
Lei nº147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
15
Clemente, Rosa; Inovação e Modernidade no Direito de Menores- A PERSPECTIVA DA LEI DE PROTECÇÃO DE
CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO; Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de Direito da Família; Coimbra
Editora, 2009, pág.97
16
Lei nº147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
Clara R. d’Almeida Rodrigues 16
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

confiança a pessoa idónea consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de uma
pessoa que, não pertencendo à sua família, com eles tenha estabelecido relação de afectividade
recíproca”.

d) Apoio para Autonomia de Vida

Esta medida é aplicada a jovens de idade superior a 15 anos ou inferior, quando se trata de
mães adolescentes, esta é executada no sentido de proporcionar as condições necessárias a uma
automatização nos contextos escolar, profissional e social, bem como ao fortalecimento de relações
com os outros e consigo próprio. Pretende-se criar condições de formação pessoal, profissional e de
inserção na vida activa.17

Natureza dos Apoios

De acordo com os artigos 39.º, 40.º, 43.º e 45.º atrás referidos, mencionam na execução das
medidas, os apoios a prestar de natureza psicopedagógica, social e económica.

Tais apoios tão referidos nestes artigos, são explicados da seguinte maneira: “ o apoio
psicopedagógico consiste numa intervenção de natureza psicológica e pedagógica que tenha em
conta as diferentes etapas de desenvolvimento da criança ou do jovem e o respectivo contexto
familiar…” ; o apoio social define-se como uma “intervenção que envolve os recursos comunitários,
tendo em vista contribuir para o desenvolvimento integral da criança ou jovem e para a satisfação das
necessidades sociais do agregado…” e por último, “o apoio económico consiste na atribuição de uma
prestação pecuniária, a pagar pelos serviços distritais da Segurança Social, para a manutenção da
criança ou do jovem, ao agregado familiar com quem reside, tendo como fundamento a necessidade
18
de garantir os cuidados adequados ao desenvolvimento integral da criança ou jovem…”.

As medidas aplicadas pelas CPCJ ou em Processo Judicial, por decisão negociada, integram
um acordo de promoção e protecção que em meio natural de vida, deve incluir:

 Os cuidados de alimentação, higiene, saúde (incluindo consultas médicas e de


orientação psicopedagógica) e conforto a prestar;

 A identificação do responsável pela criança ou jovem durante o período de


impossibilidade dos pais ou das pessoas a quem esteja confiada;

 O plano de escolaridade, formação profissional, trabalho e ocupação de tempos


livres;

 O apoio económico a prestar, sua modalidade, duração e entidade responsável pela


atribuição.

17
Artigo 45.º, Lei nº 147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
18
Artigo 11.º, 12.º e 13.º correspondentes, Lei nº 147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em
Perigo
Clara R. d’Almeida Rodrigues 17
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Duração das Medidas em Meio Natural de Vida

As medidas de promoção e protecção de apoio junto dos pais, apoio junto de outro familiar,
confiança a pessoa idónea e apoio para a autonomia de vida têm a duração estabelecida inicialmente
no acordo ou na decisão judicial. Contudo, estas medidas não podem ter a duração superior a um
ano, mas pode ser extendido o prazo até dezoito meses se necessário, com vista ao interesse da
criança.

No caso das medidas de promoção e protecção apoio junto dos pais e confiança a pessoa
idónea, também podem ser prorrogadas por um prazo de dezoito meses desde que se mantenham os
consentimentos e os acordos legalmente exigidos.

Fases de Execução das Medidas de Promoção e Protecção em Meio Natural de Vida

Existem quatro fases da execução destas medidas, sendo elas:19

1ª Fase – Preparação da criança, dos pais, do familiar acolhedor ou da pessoa idónea, dependendo
da tipologia da família;

2ª Fase – Acompanhamento e monotorização do plano de intervenção;

3ª Fase – Avaliação de eventual revisão da medida;

4ª Fase – Cessação da medida.

2.1.2. Medidas em Regime de Colocação


a) Acolhimento Familiar

Segundo a Legislação Portuguesa, o acolhimento familiar é um sistema de cuidados


alternativos para as crianças que são privadas dos cuidados parentais. Estas crianças são as que por
motivos de natureza diversa, deixam de poder beneficiar do afecto e dos cuidados dos seus
progenitores e que por esses motivos também não é possível reunir as condições necessárias para
beneficiarem do sistema de cuidados alternativos familiares, integrados pelas soluções que
20
corporizam as medidas em meio natural de vida dos artigos 40.º e 43.º , respectivamente o apoio
junto de outro familiar e a confiança a pessoa idónea.

A medida em acolhimento familiar é uma solução que a Lei define como em regime de
colocação, pois implica o afastamento da criança do seu contexto familiar e frequentemente também
do seu contexto social.

De acordo com o artigo 46.º da mesma Lei, “o acolhimento familiar consiste na atribuição da

19
Artigo 8-º, Decreto-Lei nº 12/2008 de 17 de Janeiro
20
Lei nº 147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
Clara R. d’Almeida Rodrigues 18
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família, habilitadas para o efeito,
visando a sua integração em meio familiar e a prestação de cuidados adequados às suas
necessidades e bem-estar e a educação necessária ao seu desenvolvimento integral”.

Segundo esta definição, torna-se necessário aqui neste ponto proceder-se à definição de
família.

No Código Civil, não há nenhum preceito específico que contenha a noção família, o mais
próximo da definição desejada, encontra-se no artigo 1576.º que explica que “são fontes das relações
jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção”. Deste modo, este artigo
torna-se incompleto na medida em que deixa de parte as relações parafamiliares, como por exemplo,
a convivência em união de facto e economia comum.

No artigo 46.º, nº 2 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, considera uma


família:

 Duas pessoas casadas entre si;

 Ou vivam uma com a outra há mais de dois anos em união de facto;

 Ou ainda, parentes que vivam em comunhão de mesa e habitação.

O acolhimento familiar tem por base a previsibilidade do regresso da criança à família natural
e em circunstância alguma podem ter qualquer relação de parentesco com a criança.

A confiança da criança para acolhimento familiar só pode ser atribuida a uma pessoa singular
ou a uma família que seja seleccionada pela Segurança Social ou a Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa, que a Lei define como sendo instituições de enquadramento.

As CPCJ acompanham a execução da medida de acolhimento familiar em articulação com as


instituições de enquadramento referidas anteriormente.

A execução desta medida é aplicada no decorrer do processo judicial e é dirigida e controlada


pelo tribunal.

O Acolhimento Familiar Pode Ser Realizado em Lar Familiar ou Lar Profissional.

 Acolhimento em Lar Familiar

21
Em conformidade com o Artigo 8.º , podem colocar-se até duas crianças em acolhimento
em lar familiar, desde que o número total de crianças a viverem juntas não seja superior a quatro.

Mas caso a família de acolhimento não tenha filhos menores nem crianças a cargo o número
de crianças em acolhimento pode ser três.

21
Decreto-Lei nº11/2008 de 17 de Janeiro
Clara R. d’Almeida Rodrigues 19
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

De acordo com o Artigo 14.º da mesma Lei, para ser família de acolhimento, a pessoa
responsável, tem de reunir alguns requisitos mencionados neste artigo.

 Acolhimento em Lar Profissional

A Lei diz que este tipo de medida consiste no acolhimento de crianças que detenham
algumas necessidades especiais quer de foro emocional e comportamental como também alguma
deficiência ou doença crónica e que por isso mesmo necessitam de cuidados especiais e de uma
protecção adequada à sua situação que pode ser culminada através do acolhimento em lar de
alguém detentor de capacitação técnica.

A exigência da formação adequada aos candidatos a constituir-se como família de


acolhimento em lar profissional, tal como atribui o regime de exclusividade obrigatório para o
exercício destas funções, o que é legítimo dado ao grau de exigencia dessas mesmas funções face
ao perfil da criança que reclama este tipo de enquadramento.

Em lar profissional colocam-se no máximo duas crianças.

Duração do Acolhimento Familiar

O acolhimento familiar pode ser um acolhimento de curta duração, isto é, quando é previsível
que o retorno da criança à sua família biológica seja efectuado num prazo nunca superior a seis
meses, ou um acolhimento prolongado, que consiste em um acolhimento de maior duração, devido às
condições não se encontrarem reunidas para que seja possivel um retorno da criança à família
natural.

Fases do acolhimento familiar

22
Segundo o Artigo 26.º , o acolhimento familiar de uma criança tanto em lar familiar como
em lar profissional é efectuado de acordo as seguintes fases:

1ª Fase – Preparação do acolhimento e elaboração do plano de intervenção;

2ª Fase – Início e acompanhamento da situação de acolhimento;

3ª Fase – Revisão da medida;

4ª Fase – Cessação do acolhimento.

Nesta última fase, na cessação do acolhimento, o retorno da criança à sua família de origem
é um marco importante na vida desta e para tal é imprescíndivel que a criança seja preparada para tal
acontecimento. A Lei prêve que a criança deve ser preparada para sair do lar da família de
acolhimento no mínimo um mês antes.

22
Decreto-Lei 11/2008 de 17 de Janeiro
Clara R. d’Almeida Rodrigues 20
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Quando a criança retorna à sua família natural, a equipa técnica por um período mínimo de
seis meses deve-se manter informada sobre o percurso de vida da criança.

b) Acolhimento em Instituição

23
Como pode ser verificado no Artigo 49.º “a medida de acolhimento em instituição consiste
na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações e
equipamento de acolhimento permanente e de uma equipa técnica que lhes garantam os cuidados
adequados às suas necessidades e lhes proporcionem condições que permitam a sua educação,
bem-estar e desenvolvimento integral”.

As instituições de acolhimento podem ser de natureza diversa, estas podem ser públicas ou
cooperativas, sociais ou privadas consoante o acordo de cooperação estabelecido com o Estado.

Independentemente da natureza da instituição de acolhimento, ela deve favorecer uma


relação afectiva semelhante à familiar e deve favorecer à criança uma vida personalizada com
integração na comunidade.

Estas instituições funcionam em regime aberto, isto é, possibilita a livre entrada e saída da
criança da instituição desde que vá de encontro com as normas de funcionamento desta.

Caso não haja decisão judicial que se oponha, a criança deve ser visitada na instituição pelos
pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto.

Um dos direitos da criança em acolhimento institucional, é que esta receba uma educação
que garanta o desenvolvimento integral da sua personalidade e potencialidades, sendo-lhe sempre
assegurada a prestação dos cuidados de saúde e formação escolar. Pretende-se também que a
criança usufrua de um espaço de privacidade e de um grau de autonomia na condução da sua vida
pessoal adequados à sua idade e situação.

Para os casos de acolhimento em instituição é obrigatório que a situação seja reexaminada


de três em três meses.

Duração do Acolhimento Institucional

Tal como a medida em acolhimento familiar, o acolhimento institucional pode ser de curta
duração ou prolongado.

Quando o acolhimento em instituição se realiza num prazo não superior a seis meses, este é
efectuado numa casa de acolhimento temporário e define-se como sendo de curta duração.

O acolhimento prolongado já tem lugar em lar de infância e juventude e destina-se a crianças


que necessitem de um acolhimento de duração superior a seis meses.

De acordo com o artigo 57.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, as

23
Lei nº 147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
Clara R. d’Almeida Rodrigues 21
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

medidas aplicadas pelas CPCJ ou em processo judicial, por decisão negociada, integram um acordo
de promoção e protecção que em regime de colocação deve incluir:

 A modalidade de acolhimento e o tipo de família ou de lar;

 Os direitos e deveres dos intervenientes, nomeadamente a periocidade das visitas e


os montantes da prestação correspondentes aos gastos necessários a ter com a
criança;

 A periodicidade e o conteúdo das informações a prestar às entidades administrativas


e às autoridades judiciárias, bem como a identificação da pessoa ou entidade que a
deve prestar.

Duração das Medidas em Regime de Colocação

As medidas de promoção e protecção em acolhimento familiar e acolhimento em instituição,


de acordo com o previsto na mesma Lei (Artigo 61.º) têm uma duração de acordo com o estabelecido
no acordo ou na decisão judicial.

Em Portugal existem inúmeros Centros de Acolhimento Temporário e Lares de Infância e


Juventude, alguns deles com Unidade de Emergência. As tabelas seguintes representam a
distribuição dos mesmos por Concelhos e também a sua existência na Madeira e nos Açores, ora
vejamos:

Centro de Acolhimento
Concelho Unidade de Emergência
Temporário
Aveiro 8 1
Beja 1 0
Braga 11 6
Bragança 3 0
Castelo Branco 2 0
Coimbra 8 1
Évora 2 0
Faro 4 0
Guarda 2 0
Leiria 6 0
Lisboa 17 0
Portalegre 2 0
Porto 13 0
Santarém 5 0
Setúbal 8 8
Viana do Castelo 2 0
Vila Real 2 0
Viseu 1 0
Açores 6 2
Madeira 2 2

Ilustração 2 - Número de Centros de Acolhimento por Concelho (com ou sem unidade de emergência).
Clara R. d’Almeida Rodrigues 22
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Concelho Lar de Infância e Juventude Unidade de Emergência

Aveiro 7 0

Beja 3 0

Braga 21 4

Bragança 8 0

Castelo Branco 7 3

Coimbra 17 0

Évora 10 0

Faro 10 0

Guarda 8 0

Leiria 3 0

Lisboa 36 0

Portalegre 2 1

Porto 36 0

Santarém 12 1

Setúbal 15 0

Viana do Castelo 5 0

Vila Real 5 0

Viseu 5 0

Açores 34 0

Madeira 10 3

Ilustração 3 - Número de Lares de Infância e Juventude por Concelho (com ou sem unidade de emergência).

Nesta última tabela para além dos dados enunciados falta ainda mencionar a Casa Pia de
Lisboa que integra oito Centros de Educação e Desenvolvimento, sendo eles:

 Centro de Educação e Desenvolvimento de Santa Catarina que contêm também Unidade de


Emergência

 Centro de Educação e Desenvolvimento de Pina Manique

 Centro de Educação e Desenvolvimento D. Nuno Álvares Pereira

 Centro de Educação e Desenvolvimento de Santa Clara

 Centro de Educação e Desenvolvimento Jacob Rodrigues Pereira

 Centro de Educação e Desenvolvimento D. Maria Pia

 Centro de Educação e Desenvolvimento António Aurélio da Costa Ferreira

 Centro de Educação e Desenvolvimento Francisco Margiochi


Clara R. d’Almeida Rodrigues 23
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que integra catorze Lares de Infância e Juventude sendo
eles:

 Casa dos Afectos

 Lar “A nossa casa”

 Lar Rainha Santa

 Lar Menino Jesus

 Lar Novo Rumo

 Lar Nª Sra. Fátima

 Lar Rainha D. Maria I

 Lar Sta. Teresinha

 Lar Sto. António

 Lar S. Francisco de Assis

 Lar Sta. Brígida

 Lar Padre Agostinho da Motta

 Residência de Autonomização

 Instituto São Pedro de Alcântara.

Os Lares de Infância e Juventude existentes em Portugal, quase na sua totalidade se encontram


já reestruturados quanto às idades de admissão das crianças e dos Jovens, podendo normalmente
variar por grupos etários de 0 – 3, 0 – 6, 6 – 12, 12 – 18, existindo contudo ainda Lares que abrangem
as idades compreendidas de 0 a 18 anos de idade. É possível encontrar estes casos nas instituições
de acolhimento de crianças e jovens mais antigas em que ainda se encontra muito presente o cunho
religioso.

Para além dos Centros de Acolhimento Temporário e dos Lares de Infância e Juventude
apresentados na tabela, em Lisboa também existem três Centros de Acolhimento Familiar e
Aconselhemento Parental (CAFAP) que visam essencialmente intervir no contexto familiar, ajudando
a família a criar condições e a potencializar os recursos necessários à manutenção das crianças e
jovens nos seus agregados de origem, prevenindo assim a sua institucionalização ou possibilitando a
sua desistitucionalização e reintegração familiar.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 24
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

2.1.3. Confiança a Pessoa Seleccionada para Adopção ou a Instituição com vista a Futura
Adopção
Esta medida consiste na colocação da criança sob a guarda de um candidato seleccionado para
adopção pelo organismo da Segurança Social ou na colocação de uma criança sob a guarda de uma
instituição com o objectivo que a criança venha aser adoptada.

Tendo em conta a Lei nº 31/2003 de 22 de Agosto,24 Artigo 35.º, nº 3, esta medida de promoção e
protecção é considerada a executar no meio natural de vida no caso de confiança a pessoa
seleccionada para adopção e eu regime de colocação no caso de confiança a instituição com vista a
futura adopção.

Enquanto que a aplicação das medidas de promoção dos direitos e protecção atrás mencionadas
é da competência exclusiva das CPCJ e dos tribunais, esta medida de confiança a pessoa
seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção é apenas da competência
exclusiva dos tribunais.

Este tema será desenvolvido pormenorizadamente adiante.

2.1.4. Procedimentos de Urgência


A Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo define o regime dos procedimentos de
urgência aplicável às situações de crianças em condições de perigo especiais, isto é, “quando exista
perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança” (Artigo 91.º, nº1). Deste modo,
torna-se necessário uma actuação em tempo útil de uma intervenção adiada por razões
circunstanciais, tais como a ausência ou oposição do consentimento dos detentores do poder
paternal para que possa existir uma intervenção que vise a protecção imediata da criança.

Em caso de perigo iminente para a criança, qualquer entidade com competência em matéria
de infância e juventude ou as CPCJ podem solicitar a intervenção do tribunal ou das entidades
policiais de modo a pôr termo a uma situação de perigo para a criança. “Enquanto não for possível a
intervenção do Tribunal, as autoridades policiais retiram a criança ou jovem do perigo que se
encontra e asseguram a sua protecção de emergência em casa de acolhimento temporário…” (Artigo
91.º, nº 3, da mesma lei referida em parâgrafo anterior).

Posto isto, o Tribunal assim que tenha conhecimento da situação, profere decisão provisória,
pelo prazo de quarenta e oito horas, aplicando uma das medidas de promoção e protecção dos
direitos da criança. Depois de decretada a decisão provisória, o processo segue todas as fases
correspondentes como sendo um processo judicial de promoção e protecção.

24
Lei que altera alguns artigos da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei nº147/99 de 1 de Setembro)
Clara R. d’Almeida Rodrigues 25
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

2.2. Plano DOM


O Plano DOM – Desafios, Oportunidades e Mudanças – foi lançado em 2007 a nível nacional
e tem como principal objectivo a implementação de medidas de qualificação da rede de Lares de
Infância e Juventude, incentivadores de uma melhoria contínua da promoção de direitos e protecção
das crianças e jovens institucionalizados, no sentido da sua educação para a cidadania e
desinstitucionalização em tempo útil.

A execução do Plano é assegurada pelo Instituto da Segurança Social, I.P., Centros Distritais
de Segurança Social, em ligação como Centro de Segurança Social da Madeira, o Instituto de Acção
Social dos Açores e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

O Plano DOM assenta em duas princípais medidas, sendo elas:

 Medida 1 – consiste na dotação de recursos humanos em instituições de acolhimento onde


não exista Equipa Técnica ou reforço das Equipas Técnicas existentes, adequando-as ao
número de crianças e jovens acolhidos.
 Medida 2 – consiste na qualificação da intervenção e dos interventores, através de um grande
investimento na formação às Direcções, Equipas Técnicas e Educativas e na criação de
instrumentos técnicos de intervenção.

A implementação deste Plano foi realizada ao longo de quatro fases:

 1ª Fase – denominada a Fase Piloto, onde foram efectuados os primeiros protocolos com 5
instituições em 14 de Novembro de 2007, envolvendo 6 Lares, abrangendo 184 crianças e
jovens acolhidos;
 2ª Fase – denominada o Primeiro Alargamento, onde foram efectuados mais 21 protocolos,
que envolveram 21 Lares, abrangendo 584 crianças e jovens acolhidos;
 3ª Fase – designado Segundo Alargamento, em 23 de Setembro de 2008 foram celebrados
mais 79 protocolos que envolveram 84 Lares de Infância e Juventude, alcançando 2113
crianças e jovens acolhidos, abrangendo na totalidade 2881 crianças e jovens;
 4ª Fase – o Terceiro Alargamento, teve a sua iniciação em Abril de 2009 não existindo ainda
dados concretos.

O acompanhamento do Plano DOM é efectuado através de uma Equipa Central DOM,


integrada no Instituto da Segurança Social, tendo como objectivo proceder à concepção do Plano,
criando estratégias de implementação dando formação aos interventores através da coordenação e
supervisão, e por Equipas Locais DOM, integradas nos Centros Distritais, têm como principais
funções a análise SWOT das Instituições, o acompanhamento da implementação do Plano nos Lares
de Infância e Juventude, participação na selecção dos novos técnicos, em parceria com a Instituição
a que se destinam e a realização de relatórios semestrais de evolução.

A dinâmica do Plano DOM assenta na mudança de práticas institucionais que se revelem


menos adequadas, na mudança de atitudes que não confiram a legitimidade para a devida
salvaguarda dos interesses das crianças e jovens que requerem protecçãoe confiança no futurobem
Clara R. d’Almeida Rodrigues 26
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

como na mudança do paradigma do acolhimento institucional tendo como objectivo primodial a


Qualificação Institucional.

Desde a implementação do Plano DOM e de todo o investimento político, técnico e financeiro


que este Plano acarreta, tem-se vindo a verificar os seus efeitos, quer do ponto de vista do esforço
em garantir a concretização de projectos de vida de crianças e jovens em contexto familiar, quer no
que diz respeito à intervenção que garanta a preservação familiar, evitando o recurso à
institucionalização.

Deste modo, com base nos dados fornecidos pelo Relatório de Caracterização das Crianças e
Jovens em Situação de Acolhimento em 2008, foí possível apurar que:

 Em 2008 foram identificadas 9.956 crianças e jovens em situação de efectivo acolhimento


(menos de 1.406 do que as crianças acolhidas em 2007, o que representa um decréscimo de
cerca de 12% face aos acolhimentos registados nesse ano);

 Destas crianças e jovens que se encontram acolhidas, 2.155 iniciaram o acolhimento em


2008 (valor muito aproximado ao registado em anos anteriores, indicando uma tendência de
estabilização ao nível do número de novas entradas no sistema de acolhimento) e 7.801
iniciaram o acolhimento em anos anteriores;

 3.954 crianças e jovens saíram do sistema de acolhimento em 2008, o que representa um


aumento do número de saídas de cerca de 23% face às que ocorreram em 2007 (mais 937
crianças e jovens que saíram do sistema de acolhimento); destas, 194 (5%) iniciaram o
acolhimento no mesmo ano em que o concluíram.

194
2155 Com início Cessaram
de Acolhimento
Acolhimento que iníciou
anterior a em anos
2008 anteriores
Com início Cessaram
de Acolhimento
Acolhimento que iníciou
em 2008 em 2008
7801 3760

Ilustração 4 - Crianças e Jovens em Acolhimento antes de 2008 e com início em 2008 e Crianças e Jovens que inicaram
acolhimento antes de 2008 e com início em 2008, respectivamente

Fonte: Plano de Intervenção Imediata – Relatório de Caracterização das Crianças e Jovens em Situação de Acolhimento em 2008
Clara R. d’Almeida Rodrigues 27
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

De acordo com o Relatório de Implementação do Plano DOM em Dezembro de 2008, quanto


à Taxa de Desisinstitucionalização de Crianças e jovens nos 111 Lares de Infância e Juventude que
já se encontravam envolvidos neste Plano, apurou-se o seguinte:

Nº (%) de Grupo Piloto Grupo do 1º Alargamento Grupo do 2º Alargamento


Crianças/Jovens (em 12 meses) (em 8 meses) (em 2 meses)
desinstitucionalizadas 54 (29%) 115 (15%) 54 (2%)
Ilustração 5 - Desinstitucionalização de Crianças/Jovens de LIJ desde a celebração do Protocolo DOM até 30 Novembro de
2009

Fonte: Plano de Intervenção Imediata – Relatório de Caracterização das Crianças e Jovens em Situação de Acolhimento em 2008

3. Adopção em Portugal
As crianças quando abandonadas, negligenciadas ou maltratadas, necessitam de uma
alternativa ao seu ambiente familiar disfuncional. É aqui que a adopção aparece como a melhor
solução para a criança em risco, sem hipótese de crescer na sua família biológica.

A criança é actualmente, considerada em todo o mundo como sujeito de direitos. É-lhe


reconhecido o direito de ser criança no tempo de o ser, de preparar o seu futuro, de viver no sei o de
uma família onde aprenda amar e a ser amada.

No entanto, a realidade social mostra que existem em grande número, crianças


abandonadas, vítimas de maus-tratos, orfãs e tantas outras que por razões diversas não vivem dentro
de um quadro familiar normal, mas sim num quadro de famílias disfuncionais, que compreendem
todas as famílias que por razões ligadas à falta de condições económicas, habitacionais, psicológicas
entre outras não cumprem as suas competências.

As respostas que cada sociedade pode encontrar para estas crianças são à medida da sua
civilização e do seu humanismo. Contudo, tanto em Portugal como no Brasil, a adopção aparece
como a melhor alternativa para crianças desprovidas de um projecto de vida com a sua família
natural.

Em Portugal, segundo o Regime Jurídico da Adopção25, “uma das inovações mais


importantes do actual Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de
1966, e que entrou em vigor, na quase totalidade, em 1 de Junho de 1967, foi o reconhecimento da
adopção como fonte de relações jurídicas familiares, retomando-se, assim, uma tradição do nosso
direito que o Código de Seabra havia interrompido.

Este reconhecimento processou-se à luz de um novo espírito: o isntituto da adopção


projectou-se num quadro geral de protecção à criança desprovida de meio familiar normal,
privilegiando-se o interesse do adoptado”.

A adopção surge desta forma, como a melhor solução, uma vez que substitui plenamente o

25
Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio
Clara R. d’Almeida Rodrigues 28
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

meio familiar inserindo a criança num novo. No entanto, apenas se recorre à adopção quando não há
hopótese de integração do menor na família biológica. Perante o instituto da adopção 26 a criança,
assume legalmente um vínculo natural de filiação aos pais adoptivos e é dotada de todos os direitos
de um filho natural. A adopção pode representar uma vantagem para ambas as partes, na medida em
que não só permite que a criança encontre um meio familiar adequado ao seu desenvolvimento,
como também pode ajudar um casal a completar o seu projecto familiar.

Assim que seja decretada a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa


seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção ou a confiança judicial, os
progenitores da criança ficam inibidos do exercício do poder paternal.

Esta medida de confiança a pessoa ou instituição com vista a futura adopção só é decretada
se:

 uma criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;


 os progenitores, por qualquer motivo, puserem em perigo grave a segurança, saúde, a
formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
 os progenitores tiverem abandonado a criança;
 no decorrer do acolhimento particular ou institucional da criança, os progenitores revelarem
desinteresse em manter os vínculos com a criança.

3.1. Tipos de Adopção


São dois os tipos de adopção que o nosso Regime Jurídico prêve: a adopção nacional e a
adopção internacional. A adopção nacional, por sua vez, divide-se em adopção plena e adopção
restrita.

3.1.1. Adopção Nacional


a) Adopção Plena

A adopção plena é irrevogável e coloca a criança adoptada em situação igual à de um filho


natural, perante os pais adoptivos e respectiva família. Esta é normalmente, a forma de adopção
desejada. Em termos legais, há um corte completo entre o filho adoptivo e a sua família natural, o que
se reflecte no facto de este perder os apelidos da sua antiga família, uma vez que adquire os da
família adoptiva. A Reforma de 93 prêve, inclusivamente, que o nome próprio possa também, em

26
O Instituto da Adopção, não é uma instituição ou organização em sentido material, mas trata-se de todo um enquadramento
jurídico que regula a forma como o menor passa a pertencer a outra família que não a sua, como filho legítimo. Isto é, o
Instituto da Adopção incorpora todo o conjunto de leis que dizem respeito à adopção.
Em Portugal, a Segurança Social é a entidade competente para a selecção dos candidatos à adopção e para o
acompanhamento dos casos em todo o país. No entando, tanto a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa como o Refúgio Aboim
em Ascenção em Faro (desde 2002), trabalharam em parceria com os Organismos da Segurança Social na inscrição, estudo e
avaliação dos candidatos à adopção; integram as crianças nas famílias seleccionadas para adoptar; acompanham e avaliam o
período de pré-adopção com vista à constituição definitiva do vínculo da família adoptiva e asseguram, também, um serviço de
atendimento e informação sobre questões relacionadas com a adopção.
A Santa Casa de Misericórdia de Lisboa apenas pode intervir no Concelho de Lisboa, enquanto que o Refúgio Aboim
Ascenção tem competência para intervir apenas no Algarve.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 29
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

certas circunstâncias ser alterado27.

Requisitos específicos para a adopção plena

De acordo com o artigo 1979.º do Código Civil, pode adoptar plenamente:

 duas pessoas casadas há mais de quatro anos, ambas com idade igual ou superior a 25 anos
de idade;
 uma pessoa singular com mais de 30 anos de idade;
 quem não tiver mais de 60 anos de idade e não pode haver diferença de idades superior a 50
anos entre adoptante e adoptando, excepto se a criança adoptada for filha do cônjuge do
adoptante.

b) Adopção Restrita

A adopção restrita é revogável em determinadas condições. Através dela são mantidas as


relações entre o filho adoptivo e a sua família natural, existindo simultâneamente um vínculo com os
adoptantes em termos de alimentos, direitos sucessórios e exercício do poder paternal (que passa
para os adoptantes). Também o nome da criança pode incluir apelidos dos pais adoptivos além dos
da família natural. A adopção restrita limita as responsabilidades dos adoptantes se surgirem
dificuldades na relação.

Requisitos específicos para a adopção restrita

De acordo com o artigo 1992.º do Código Civil, pode adoptar:

 quem tiver mais de 25 anos de idade;


 quem não tiver mais de 60 anos à data em que o menor tenha sido confiado.

3.1.2. Adopção Internacional


Quando esgotadas todas as hipóteses para a adopção nacional de uma criança 28 é que então se
deverá recorrer à adopção internacional. Confere-se ao Ministério Público legítimidade para requerer
a revisão de decisão estrangeira que decrete a adopção de menor nacional, caso não tenha sido
pedida pelos adoptantes, por forma a facilitar a concretização do interesse do menor em ver
reconhecida, também no seu país de origem, a nova situação.

27
Artigo 1988.º, nº2 do Código Civil
28
Em Portugal este pressuposto define-se como princípio de subsidiariedade, artigo 15 º do Código Civil
Clara R. d’Almeida Rodrigues 30
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Requisitos da colocação da criança no estrangeiro

Para a colocação de um menor numa família adoptiva estrangeira, torna-se necessário um


conjunto de requisitos, sendo eles:

 Escolha cuidada do casal adoptante;


 Se for prestado consentimento ou dispensa deste, prevista na Lei portuguesa;
 Estudo minuncioso da criança sob os pontos de vista médico-psicológico, familiar, social e
jurídico;
 Caso esteja previsto um período de convivência entre a criança e o candidato à adopção de
modo a avaliar a constituição do vínculo entre estes;
 Conhecimentos aprofundado das legislações dos países de acolhimento e da nacionalidade
dos adoptantes;
 Certeza de que a adopção trará reais vantagens para o menor;
 Assegurar que a adopção é válida e produz efeitos no país de origem;
 Assegurar que adoptante e o vínculo semelhante ao da filiação.

3.2. Requisitos Gerais da Adopção


a) Vantagens Reais para o adoptando

A medida de promoção e protecção de confiança a pessoa pessoa seleccionada para a afdopção


ou a instituição com vista a futura adopção só é decretada quando esta medida proporciona
vantagens reais para a criança que se pretende adoptar.

A confiança judicial do menor tem, como primeira finalidade, a defesa deste, evitando que se
prolonguem situações em que esta sofre as carências derivadas da ausência de uma relação familiar.

b) Motivação Legítima do Adoptante

De acordo com o artigo 1973.º do Código Civil, “o vínculo da adopção constitui-se por sentença
judicial”.

Todo o processo adoptivo é instruído com um inquérito onden deve constar para além da
personalidade e a saúde do adoptante e do adoptando, a capacidade do adoptante para educar o
menor, a sua situação familiar e económica e as motivações que levaram esate a realizar o pedido de
adopção.

Neste ponto é importante avaliar a legitimidade da motivação do adoptante, de modo a que se


perspective que a adopção seja bem sucedida.

c) Não Sofrimento Para os Restantes Filhos

O Código Civil de 1966 fazia a exigência da não existência de descentes legítimos dos
adoptantes, isto com o pressuposto de que a adopção poderia ser prejudicial aos filhos do casal.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 31
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Actualmente, este não é um facto impeditivo para adoptar uma criança.

d) Suposição de que Virá a Estabelecer-se Entre Adoptante e Adoptando, um Vínculo


Semelhante à Filiação

Decretada a adopção, o adoptante tem os mesmos direitos e deveres sobre o adoptando. A


adopção coloca a criança adoptada em situação igual à de um filho natural.

O adoptante passa a ser o responsável pela segurança, saúde, formação e desenvolvimento do


menor.

A criação de um vínculo semelhante à filiação, leva a que a diferença de idades entre adoptante a
adoptando não seja superior a 50 anos.

e) Convivência Anterior Entre Adoptando e Adoptante

A Lei prêve em todos os casos que o adoptando tenha estado ao cuidado do adoptante durante
prazo suficiente para se poder avaliar a conveniência da constituição do vínculo entre ambos.

f) Confiança Administrativa ou Judicial do Adoptando

Os organismos da Segurança Social têm, competência para decidir a confiança administrativa do


menor e legitimidade para requerer a sua confiança judicial.

Contudo, a confiança aministrativa não pode ser decidida se houver oposição de quem exerça o
poder paternal ou a tutela ou de quem detenha, de direito ou de facto, a guarda do menor e que o
organismo de Segurança Social tem o dever de comunicar, em cinco dias, ao magistrando do
Ministério Público junto ao Tribunal competente, quer a decisão e seus fundamentos, quer a oposição
que tenha impedido essa confiança.

Procura-se, por outro lado, que todas as situações de menores relativamente aos quais se pode
desencadear o processo judicial de confiança sejam dadas a conhecer a esses organismos, aos
quais igualmente deverão dirigir-se todos os que pretendem adoptar.

g) Idade do Adoptando

A idade limite do adoptando é de 15 anos, no que se refere o nº2 do artigo 1980.º do Código Civil,
estabelecendo-se, no entanto, a possibilidade de vir a ser adoptado quem, à data da petição judicial
de adopção, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado, desde que tenha sido confiado
aos adoptantes ou a um deles com idade não superior a 15 anos ou quando for filho do cônjuge do
adoptante.

h) Consentimento Para Adopção

Para a realização da adopção é necessário, segundo o artigo 1981.º nº 1 do Código Civil, o


consentimento: “a) do adoptando maior de 12 anos; b) do cônjuge do adoptante não separado
Clara R. d’Almeida Rodrigues 32
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

judicialmente de pessoas e bens; c) dos pais do adoptando, ainda que menores e mesmo que não
exerçam o poder paternal, desde que não tenha havido confiança judicial nem medida de promoção e
protecção de confiança a pessoa ou a instituição com vista a futura adopção; d) do ascendente, do
colateral até ao 3º grau ou do tutor, quando, tendo falecido os pais do adoptando, tenha este a seu
cargo e com ele viva”.

O consentimento da progenitora só poderá ser dado seis semanas após o parto.

Dada a revelância que o consentimento prévio e a confiança judicial assumem em todo o Instituto
da Adopção, confere-se-lhes carácter urgente, correndo igualmente durante as férias judiciais.

3.3. Processo Adoptivo


Ao pretender adoptar uma criança, existem uma série de procedimentos legais que um casal
(ou uma pessoa só) têm que seguir:

1º procedimento – Comunicar a intenção de adoptar ao organismo da Segurança Social ou Santa


Casa da Misericórdia29, consoante a sua área de residência. Este procederá então ao estudo dos
interessados a vários níveis, no prazo máximo de seis meses, notificando-os, sobre a sua aceitação
ou não como candidatos.

Em caso de rejeição da candidatura existe a alternativa de recorrer para Tribunal competente


em matéria de família ou de família de menores da área de rede do organismo da Segurança Social.

2º procedimento – Se a candidatura for aceite, e depois de confiada a criança judicial e


administrativamente aos candidatos, inicia-se a chamada pré-adopção. Durante este período o
organismo de Segurança Social deverá acompanhar, para fins necessários à elaboração de um
inquérito, a evolução da relação entre a criança e os adoptantes. Este acompanhamento não deverá
ultrapassar o prazo de um ano.

3º procedimento – perante a certeza de que se encontram reunidas as condições necessárias para


que seja requerido a adopção, será elaborado um relatório pelo organismo da Segurança Social.
Caso a adopção não seja requerida no prazo de um ano, este mesmo organismo terá
obrigatóriamente de reapreciar a situação.

É obrigatório ter presente a protecção do segredo da identidade que exige que se atribua
carácter secreto ao processo de adopção a aos procedimentos preliminares, incluindo os de natureza
administrativa, e que se crie um crime próprio para quem viole esse segredo. Trata-se de um príncipio
que admite excepções definidas apenas judicialmente.

29
Ver Anexo nº 2- Ficha de Candidatura, Ficha de Informação Médica e Questionário Individual ao Candidato à Adopção
fornecidos pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
Clara R. d’Almeida Rodrigues 33
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

3.4. Dados Estatísticos


De acordo com os dados oferecidos pela Agência Lusa (atrvés do cruzamento de dados das
Listas Nacionais de Adopção, em funcionamento desde 1 de Junho de 2006) sobre Adopção,em
Março de 2009 existiam 2.154 crianças que se encontravam em situação de adoptabilidade, tendo a
maioria destas crianças idades compreendidas entre os 0 e os 10 anos. Deste total, 819 crianças têm
a adopção decretada, 631 estão em fase de pré-adopção, 565 aguardam proposta de candidato a
adopção, 103 crianças estão em vias de integração no sei familiar e 36 estão com alteração do
projecto de vida.

900
800
700
600
500
400
300
200
100
0
Adopção Fase de Pré- Aguardam Vias de Alteração do
Decretada Adopção Proposta de Integração no Projecto de
Candidato Seio Familiar Vida

Ilustração 6 - Crianças em Condições de Adoptabilidade

Fonte: Agência Lusa

Segundo os mesmos dados, dessas 2.154 crianças, 579 têm até 3 anos de idade, 560 têm
idades compreendidas entre os 4 – 6 anos, 554 têm entre os 7 – 10 anos, 398 entre os 11 – 15 anos
e apenas 63 crianças têm idades superiores a 15 anos.

700
600
500
400
300
200
100
0
0 - 3 anos 4 - 6 anos 7 - 10 anos 11 - 15 anos > 15 anos

Ilustração 7 - Faixa Etária de Crianças em Condições de Adoptabilidade

Fonte: Agência Lusa

Quantos aos candidatos que pretendem adoptar, de acordo com a Agência Lusa, as Listas
revelam que existem 2.541 candidatos seleccionados e 2.446 aguardam resposta.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 34
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Os números revelam ainda que a maioria dos candidatos (2.102) manifestam preferência por
crianças de raça branca, 2.396 preferem crianças até aos 3 anos de idade e 1.296 gostariam de
adoptar crianças entre os 4 e os 6 anos de idade.

Quanto à preferência pelo sexo da criança, dos 2.541 candidatos seleccionados, 699
candidatos gostariam de adoptar uma criança do sexo feminino e 225 gostariam de poder ser pais
adoptivos de uma criança do sexo masculino, enquanto os restantes 1617 não têm preferência pelo
género da criança.

1800
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
Género Feminino Género Masculino Não têm Preferência

Ilustração 8 - Preferência dos Candidatos à Adopção quanto ao Género da Criança

Fonte: Agência Lusa

É ainda de salientar que do total dos candidatos à adopção, 10 manifestaram vontade de


adoptar crianças com deficiência, enquanto outros 4 não colocaram obstáculos à adopção de
crianças com problemas graves de saúde.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 35
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Capítulo II – Protecção de Crianças em Perigo no Brasil

1. Área de Intervenção
A segunda parte desta pesquisa foi realizada no Brasil, no Estado de Santa Catarina, mais
propriamente na ilha de Florianópolis.

Ilustração 9 - Mapa do Brasil

Em 2007, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a


população do Brasil era de 183,987,291 habitantes, e a população do Estado de Santa Catarina, no
mesmo ano apresentava-se com 5,866,252 habitantes.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 36
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Histórico sobre a cidade de Florianópolis

Ilustração 10 - Mapa da Ilha de Florianópolis

Florianópolis, é uma cidade brasileira, capital do Estado de Santa Catarina, conhecida


também como "Ilha da Magia". Situa-se no litoral catarinense, e conta com uma parte insular (ilha de
Santa Catarina) e outra parte continental incorporado à cidade em 1927, com a construção da ponte
Hercílio Luz, que ligou a ilha ao continente.
Os primeiros habitantes da região de Florianópolis foram os índios tupis-guaranis. Estes
praticavam a agricultura, mas tinham na pesca a actividade básica para sua subsistência.
No início do século XVI, embarcações aportavam na Ilha de Santa Catarina para
abastecerem-se de água. Apenas por volta de 1675 é que Francisco Dias Velho, junto com sua
família e agregados, dá início à povoação da ilha com a fundação de Nossa Senhora do Desterro
Clara R. d’Almeida Rodrigues 37
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

(actual Florianópolis).
A ilha de Santa Catarina, por sua invejável posição estratégica como vanguarda dos domínios
portugueses no Brasil, passa a ser ocupada militarmente a partir de 1737. Este acontecimento
resultou num importante passo na ocupação da ilha.
No século XIX, Desterro foi elevada à categoria de cidade; tornou-se Capital da Província de
Santa Catarina em 1823 e inaugurou um período de prosperidade, com o investimento de recursos
federais. Projectou-se a melhoria do porto e a construção de edifícios públicos, entre outras obras
urbanas. A modernização política e a organização de actividades culturais também se destacaram.
Com o advento da República (1889), as resistências locais ao novo governo provocaram um
distanciamento do governo central e a diminuição dos seus investimentos. A vitória das forças
comandadas pelo Marechal Floriano Peixoto determinou em 1894 a mudança do nome da cidade
para Florianópolis, em homenagem a este oficial.
A cidade, ao entrar no século XX, passou por profundas transformações, sendo que a
construção civil foi um dos seus principais suportes económicos. A implantação das redes básicas de
energia eléctrica e do sistema de fornecimento de água e captação de esgotos somaram-se à
construção da Ponte Governador Hercílio Luz, como marcos do processo de desenvolvimento
urbano.
Em 2007, a população de Florianópolis é de 396,723 Habitantes, de acordo com os dados
estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Hoje, a área do município,
compreendendo a parte continental e a ilha é de 436,5 km2 .
Fazem parte do Município de Florianópolis os seguintes distritos: Sede, Barra da Lagoa,
Cachoeira do Bom Jesus, Campeche, Canasvieiras, Ingleses do Rio Vermelho, Lagoa da Conceição,
Pântano do Sul, Ratones, Ribeirão da Ilha, Santo António de Lisboa e São João do Rio Vermelho 30

2. Evolução da Política Social da Infância no Brasil


As propostas e encaminhamento da Política para a infância fazem parte da forma como o
Estado brasileiro foi-se constituindo ao longo da história.
Para entendermos melhor o que é o Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído no início
dos anos 90, vamos situá-lo em relação aos Códigos de Menores de 1927 e 1979. Estas três
Legislações marcam não só a regulamentação Jurídica e Política para a infância, mas também os
fundamentos que o sustentaram.

2.1. Código de Menores de 1927


Este Código consolidava as Leis de assistência e Protecção a Menores que se constituíu
desde o inicio da República e que visava os delinquentes e os abandonados.
Para a Política da Infância Brasileira da época, resumia-se nestas duas categorias: aqueles
que se encontravam sem família e eram, por isso, considerados abandonados e os que ameaçavam

30
Fonte: Guia Turístico Florianópolis
Clara R. d’Almeida Rodrigues 38
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

a ordem pública, considerados como delinquentes.


Os abandonados não tinham residência certa, e não tinham ninguém que assumisse ou se
responsabilizasse pela sua tutela ou ainda os que tinham famílias consideradas imorais. De acordo
com o artigo 9º do Decreto de Lei 17.943-A, de 12/10/1927, “reza que a autoridade pública pode
ordenar a prisão da criança quando a sua casa for perigosa ou anti-higiénica”.
O Estado intervinha junto à criança para estabelecer uma vigilância da autoridade pública,
sobrepondo-se à família para garantir a higiene e a raça, através do Programa de Controle de
Lactação e da Alimentação para inspecção das pessoas que tivessem crianças pequenas em sua
guarda.
O abandono definia-se por categorias que envolviam tanto a falta de habitação como a moral.
Os abandonados eram responsabilizados pela situação em que se encontravam e passavam a ser
objecto da acção do Estado.
Os delinquentes eram considerados os rebeldes, que viviam em casa dos progenitores, mas
que recusavam receber instrução e que constantemente ameaçavam a ordem pública.
Esta Constituição não previa processo penal para delinquentes menores de 14 anos. O único
procedimento era interná-los.
A condenação por crime grave exigia internamento para maiores de 16 e menores de 18
anos.
O trabalho era proibido a menores de 12 anos e menores de 14 anos que não tivessem
completado instrução primária.
A indústria empregava menores a partir dos 12 anos, com salários inferiores ao dos adultos e
com longas jornadas de trabalho.
Os industriais combatiam as decisões dos Juízes relativas ao trabalho das crianças,
defendendo a não intervenção do Estado nessa questão.
Deste modo, de acordo com os autores Irene Rizzini e Francisco Pilotti31, podemos sintetizar
as características do Código de Menores de 1927, como sendo:
 Controlo da infância abandonada e delinquente através da garantia da ordem e da moral;
 Visão higienista e repressora;
 Facilitação da inserção da criança no trabalho;
 Abrigamento e internamento como forma correctiva básica;
 Visão da criança como incapaz e perversa;
 Poder absoluto do Juíz sobre a família e a criança;
 Estímulo ao trabalho e combate ao vício como forma de reabilitação.

2.2. Código de Menores de 1979


A 10 de Outubro de 1979, surge o Código de menores de 1979 que deu continuidade ao
Código de 1927, acentuando as disposições relativas ao abandono e à delinquência, já destacados
como categorias no Código de 1927. Havia, no entanto, uma visão mais terapêutica ou de tratamento

31
Rizzini, Irene e Pilotti, Francisco; A arte de governar crianças: a história das Políticas Sociais da Legislação e da Assistência
à infância no Brasil; Rio de Janeiro: Instituto interamericano del niño; Editora Universitária Danta Úrsula; Amais livraria e
Editora, 1995
Clara R. d’Almeida Rodrigues 39
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

relativa ao infractor. Entretanto, dentro dos estabelecimentos e no processo de internamento,


predominava a mesma visão moralista, de inibição dos desvios e de vícios na família ou na
sociedade. A intervenção era dada pelo Juíz.
Neste Código, compreendia-se a privação das condições de subsistência, de saúde e de
instrução, por omissão dos pais ou responsáveis. Valorizava-se a manutenção da ordem através da
autoridade judiciária, que na aplicação da lei deveria sobrepor a protecção aos interesses do menor
sobre qualquer outro bem ou interesse judicialmente tutelado.
O Juíz de Menores tinha o arbítrio absoluto sobre a criança e o adolescente.
As crianças e adolescentes eram vistos, como fora do sistema, enquanto marginais ou
inimigos do sistema, enquanto infractores.
Para os que estivessem de fora do sistema, havia um esquema de assistência, através de
entidades, para recepção e triagem em centros especializados.
Para os inimigos do sistema, a autoridade judiciária poderia aplicar, o seu critério.
Foi instituída também a colocação familiar através da guarda ou adopção, depois da análise
dos candidatos pelo judiciário.
As entidades privadas de assistências complementavam o sistema público, mas actuavam de
forma isolada para o abrigamento32 de menores, de acordo com a sua orientação religiosa.
O trabalho do menor passou a ser regulado apenas pela consolidação das Leis do Trabalho,
que foram instituídas em 1943, e que proibia o trabalho ao menor de 12 anos, sujeitando aqueles de
12 a 14 anos à garantia de frequência à escola.
A Funabem (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor) articulou um modelo de
atendimento operacionalizado pela Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), que
mantinham um conjunto de instituições de recepção, triagem e internamento, com combinação do
público e do privado que separava os carenciados dos considerados de conduta anti-social.
As unidades de internamento eram verdadeiras prisões para menores, onde as crianças e
adolescentes eram vistos segundo a doutrina da situação irregular, segundo a qual os menores são
sujeitos de direitos quando se encontrarem em estado de patologia social.
De acordo com os mesmos autores atrás referidos, podemos também sintetizar as
características respectivas ao Código de Menores de 1979:
 Visão autoritária da política;
 Poder centralizador do Executivo e do Juiz;
 Repressão aos marginais, como anti-sociais;
 Internamento e tratamento dos marginalizados;
 Visão da família e da criança como responsáveis pelas irregularidades;
 Controlo do comportamento anti-social;
 Livre arbítrio do Juiz;

32
Abrigamento é uma Medida Provisória e de Protecção para garantir a segurança e sobrevivência de crianças, sempre que os
seus direitos forem violados. A violação desses direitos pode ocorrer por qualquer uma das formas previstas no artigo 98 do
ECA: pode ser aplicada por acção ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou
responsáveis. Ainda segundo o Estatuto, o abrigamento pode ser uma Medida aplicada em razão de conduta de crianças e
adolescentes.É também uma Medida de transição para a colocação de crianças em famílias substitutas, não implicando
privação de liberdade (ECA, 1990).
A palavra correspondente para Abrigamento em Portugal, entende-se por Acolhimento.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 40
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

 Ausência de direitos do menor;


 Prisão cautelar de menores para apurar infracção penal de natureza grave;
 Internamento por condições de pobreza;
 Abrigamento de crianças;
 Centralização Executiva.

2.3.Estatuto da Criança e do Adolescente33


A Lei 8.069, de 13 de Julho de 1990, denominada de Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), regulamentou o artigo 227 da Constituição de 1988, que estabelece os direitos fundamentais
da criança e do adolescente.
O Estatuto harmoniza-se com a convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente,
aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de Novembro de 1989.
Através do ECA, as crianças e os adolescentes não são mais considerados menores ou
incapazes, mas pessoas em desenvolvimento para se tornarem protagonistas e sujeitos de direitos e
passarem a assumir plenamente as suas responsabilidades dentro da comunidade. Com o ECA a
definição de menores foi abolida, por se considerar que a palavra menor tem uma conotação negativa
e por esta definição se encontrar directamente relacionada com a palavra incapaz.
A ruptura do Código de Menores situou-se num contexto de forte mobilização popular e
política, na mudança da ordem repressora para institucionalização democrática, participativa e
descentralizada.
No final dos anos 70, a sociedade brasileira expressou, de forma clara, através de
manifestações em massa, o movimento de repulsa e rejeição à ordem autoritária na luta pela
democratização do país.
Com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente foram reafirmados os direitos de
cidadania das crianças e dos adolescentes, isto é, direito de frequentar a escola, de morar, de se
alimentar, de se divertir e de participar na vida social da localidade onde residem. Esses direitos,
geram necessidades que precisam ser atendidas tanto pelo Poder Público quanto pela sociedade.
O ECA prevê no seu artigo 19 que: “toda a criança tem direito a ser educada no seio da sua
família e , excepcionalmente, em família substituta…”. Neste sentido, também foram alteradas as
práticas de actuação destinadas aos adolescentes em situação de risco pessoal e social. Na procura
de solução para esses casos no seio da sua própria família, responsabilizando-a, foge-se da solução
mais fácil, que era o internato, procurando outras formas de apoio como a família substituta. A
internação continua prevista apenas para os adolescentes que cometem actos inflacionais muito
graves.
A família passou a ser a principal responsável pelo bem-estar físico e emocional das crianças
e adolescentes, necessitando de infra-estrutura económica e social para cobrir as suas necessidades.
Neste sentido desenvolvem-se acções que visem a melhoria das condições de vida da família para
que esta possa suportar com essas responsabilidades, garantindo habitação, alimentação, educação,
saúde e lazer paras as suas crianças e adolescentes.

33
Ver anexo nº 3 – Estatuto da Criança e do Adolescente
Clara R. d’Almeida Rodrigues 41
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

A nova institucionalização implica não só uma democratização do Estado, mas um processo


de participação da sociedade na gestão pública. Deste modo, a sociedade passou a ser co-
responsável pelo desenvolvimento pleno das crianças e adolescentes, tornando-se parceira do Poder
Público na condução das políticas voltadas para a infância e juventude.
Para institucionalizar esta participação da sociedade, o ECA nos seus artigos 88 e 131,
estabeleceu a criação de Conselhos Municipais dos Direitos e Conselhos Tutelares que passaram a
integrar o conjunto de órgãos e entidades responsáveis pela formulação e implementação da política
de defesa dos direitos.
O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente é criado por Lei, em cada esfera do
Governo. Metade dos membros dos conselhos são de entidades não-governamentais e outra metade
instituições do Governo. Cabe a este Conselho formular e deliberar sobre a política e as acções a
serem implementadas, em sua respectiva esfera de actuação (Municipal, Estadual e Federal).
Com o ECA também foram criados Conselhos Tutelares. A Lei estabelece que “em cada
Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto por cinco membros, eleitos pelos
cidadãos locais para mandato de três anos, permitida uma reeleição” (artigo 132 da Lei n.º 8.069/90).
As responsabilidades deste Conselho são bastante extensas e estão claramente definidas no
artigo 136 do Estatuto. É atribuído ao Conselho o dever de zelar, ao nível municipal, pelo
cumprimento de todos os direitos da criança e do adolescente principalmente quando estes direitos
estiverem sendo ameaçados ou violados.
Como pode ser concluído, os dois Conselhos têm funções muito importantes e
imprescindíveis na formulação de uma Política Municipal de Defesa dos Direitos.
Para melhor compreensão das principais características e das principais atribuições foram
elaboradas as seguintes tabelas:

PARTICIPAÇÃO PRINCÍPAIS PRINCÍPAIS


CARACTERÍSTICAS ATRIBUIÇÕES

 Órgão máximo de deliberação para as questões  Organizar o processo eleitoral de instalação


da criança e do adolescente; do Conselho Tutelar;

 Participação paritária: metade dos conselheiros  Definir o numero de Conselhos Tutelares que
CONSELHO DOS
será de organizações não governamentais e devem de existir no Município;
DIREITOS
metade instituições públicas;
DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE  Registar
 Não tem número definido de membros, havendo as entidades governamentais e não
um único Conselho dos Direitos por Município; governamentais que actuam na política de
garantia dos direitos;
 Será criado por cada esfera do Governo sem
que haja subordinação entre conselhos;  Registar os programas desenvolvidos pelas
organizações governamentais, especificando
 A função de conselheiro é considerada de os regimes de atendimento;
interesse público e não será remunerado;
 Comunicar o registo das entidades
 Sem o Concelho dos Direitos não pode ser governamentais ao Conselho Tutelar e à
criado nem o Conselho Tutelar nem o Fundo autoridade judiciária
Municipal.

Ilustração 11 - Actuação do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente


Clara R. d’Almeida Rodrigues 42
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

PRINCIPAIS PRINCIPAIS
PARTICIPAÇÃO
CARACTERÍSTICAS ATRIBUIÇÕES
 Órgão deliberativo de fiscalização não  Destinado a atender casos de violação ou
sendo subordinado ao Conselho dos ameaça dos direitos, podendo requisitar
Direitos; serviços públicos e executá-los;

 Criado apenas na esfera municipal;  Fiscalizar e atender casos de ameaça ou


violação de direitos, por acção ou omissão
 Cada Município deve de ter pelo da sociedade e do Estado; pela falta,
menos um Conselho Tutelar; omissão ou abuso dos pais e responsáveis;

 Composto por cinco membros, eleitos  Atender e aconselhar os pais ou


pelos cidadãos locais, para mandato responsáveis;
de três anos, permitida uma
reeleição;  Requisitar serviços públicos nas áreas de
saúde, educação, serviço social,
CONSELHO  Eventualmente os membros podem previdência, trabalho, segurança, etc;
TUTELAR ser remunerados;
 Encaminhar ao Ministério Público as
 Órgão autónomo, encarregado pela infracções administrativas;
sociedade de zelar pelo cumprimento
dos direitos da criança e do  Encaminhar à autoridade judiciária os casos
adolescente; da sua competência;

 A remuneração dos membros e o dia  Assessorar o Poder Executivo na


e hora de funcionamento do Conselho elaboração da proposta orçamental para
Tutelar serão definidos em lei acções de atendimento de direitos da
municipal; criança e do adolescente.

 A previsão dos recursos necessários


ao funcionamento do Conselho
Tutelar constará na Lei Orçamental
Municipal;

 O exercício efectivo da função do


Conselheiro constituirá serviço
público relevante.
Ilustração 12 - Actuação do Conselho Tutelar

Fonte: Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, arts. 88 a 137.

Com o ECA, a gestão da política, passou a ser estruturada na perspectiva da


descentralização político-administrativo e da necessidade de articulação efectiva entre os órgãos do
Estado e da sociedade. Esse reordenamento institucional foi orientado para a municipalização das
acções, reforçando de um lado, a autonomia do Município para gerir os seus problemas e, por outro
lado, a participação do cidadão como co-responsável pela implantação das acções, como pode ser
observado na seguinte tabela:
Clara R. d’Almeida Rodrigues 43
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

PARTICIPANTES NOVAS ATRIBUIÇÕES

 Estabelecer as normas gerais da Política de Garantia dos Direitos da Criança e do


Governo Federal Adolescente.

 Coordenar e executar programas estaduais, de forma de suplementar à acção do


Governo Município ou quando as acções necessárias extrapolarem as competências e
Estadual recursos municipais.

Governo  Planeamento, coordenação e execução de programas municipais.


Municipal
 Participar activamente, por meio de organizações representativas, da formulação
da politica assumindo a responsabilidade, em cooperação com o Governo, pelo
Sociedade
planeamento, fiscalização, execução e controlo de acções.

Ilustração 13 - Novas atribuições distribuídas pelos vários Participantes.

Fonte: Baseado no artigo 204 da Constituição Federal

3. Sistema de Protecção Brasileiro para Crianças em Perigo


No Brasil, o Estatuto define como criança a pessoa da faixa etária compreendida entre os
zero e doze anos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Contrariamente a Portugal, através do Artigo 3º nº2 da Lei de Protecção de Crianças e
Jovens em Perigo (Lei nº147/99 de 1 de Setembro), na Legislação Brasileira, mais propriamente no
Estatuto da Criança e do Adolescente, não existe nenhum artigo explícito quanto às situações que
determinam que uma criança se encontra em situação de perigo. Contudo, o Artigo 98º exposto no
ECA, refere que “as Medidas de Protecção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os
direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados I) por acção ou omissão da sociedade
ou do Estado; II) por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III) em razão da sua conduta.”
Quanto aos Direitos à infância reconhecidos no Brasil pela Lei, estes são enumerados em
artigos anteriores do ECA, ora vejamos:

 Artigo 3º, “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à


pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-
lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade.”
 Artigo 4º, “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
 Artigo 5º, “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer
atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”
Clara R. d’Almeida Rodrigues 44
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Deste modo, apesar de a Lei não ser explícita, conclui-se que sempre que um dos direitos
mencionados nestes artigos seja ameaçado ou violado, considera-se que uma criança se encontra
em situação de Perigo.

Com o ECA, instalou-se em cada Município um Sistema de Protecção de Crianças.Este Sistema


diverge de acordo com as necessidades e estrutura de cada Município.

Nesta pesquisa, será retratado o Sistema de Protecção de Crianças do Município de


Florianópolis.

1º Nível de Intervenção
Qualquer situação de crianças pode ser sinalizada ao Conselho Tutelar através da população
em geral, hospitais, Polícia Militar, escolas, entidades com competência em matéria de infância ou
pela própria infância.
Neste primeiro nível, actua-se sobre a forma de denúncia.

2º Nível de Intervenção
Nesta fase, o Conselho Tutelar é quem recebe as denúncias feitas na fase anterior, recolhe
os dados objectivos sobre a situação de risco anteriormente sinalizada, a identificação da entidade
que faz a denúncia e a identificação básica da criança.
Quando necessário, se a criança se encontrar em perigo junto da família biológica, o
Conselho Tutelar faz o encaminhamento para as entidades de acolhimento disponíveis.

3º Nível de Intervenção
Neste nível, encontram-se os Programas de Atendimento da Secretaria de Assistência Social.
Estes programas visam o atendimento à família de forma a impedir a institucionalização da
criança ou actuar de forma a melhorar a família de modo a que possibilite um retorno da criança ao
seio familiar.
Para melhor compreensão achamos pertinente descrever cada um dos programas oferecidos
pela Prefeitura que as famílias das crianças em estudo beneficiam. Sendo eles:

 SOS Criança:
É um projecto destinado a dar os primeiros atendimentos a partir de informações ou de
denúncias sobre violação dos direitos das crianças.
É um atendimento a crianças em carácter de emergência, por se encontrarem submetidos à
situação de abandono, vítimas de violência e /ou maus tractos, negligenciados ou perdidos, enquanto
são efectuadas as medidas necessárias à solução dos seus problemas.
O SOS Criança é um serviço mantido pela Secretaria do Desenvolvimento Social e funciona
24 horas por dia e todos os dias da semana.
Os educadores sociais do programa, actuam em parceria com o Conselho Tutelar e em
Clara R. d’Almeida Rodrigues 45
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

permanente contacto com o Juízado da Vara da Infância e da Juventude34, contribuindo nas


providências necessárias para a cessação dos abusos e a garantia dos direitos das crianças.
Actualmente, o SOS Criança, conta com dois Educadores Sociais, que fazem o trabalho de
abordagem às crianças de rua, acompanhamento às vítimas de maus tractos e abusos sexual e visita
domiciliária às famílias.

 Programa de Abordagem de Rua:


Tem o objectivo de identificar crianças em situação de rua no Município de Florianópolis,
encaminhando-os para os serviços de atendimento adequados.

 PETI (Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil):


É um programa de transferência directa de renda do Governo Federal para famílias de
crianças e adolescentes na faixa etária dos sete aos quinze anos envolvidos no trabalho precoce.
O objectivo do PETI é erradicar as chamadas piores formas de trabalho infantil do país,
aquelas consideradas perigosas, penosas, insalubres ou degradantes. Para isso acontecer, o PETI
concede uma bolsa às famílias destas crianças em substituição à renda que elas traziam para casa,
assegurando que as famílias matriculem as crianças na escola e que estas a frequentem.
A família poderá permanecer no Programa pelo prazo máximo de quatro anos, que passam a
contar a partir da sua inserção em programas e projectos de geração de emprego e renda.

 Programa Sentinela:
O Projecto Sentinela é um conjunto de acções sociais especializadas e multi-profissionais
dirigidas a crianças, adolescentes e famílias que estejam envolvidas com a violência sexual.
O programa actua em dois eixos previstos na Política de Garantia e Defesa dos Direitos das
Crianças e Adolescentes, Lei n º 8.069 de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente: prevenção e
atendimento.
A prevenção prevê a participação das secretarias estaduais de assistência social em
campanhas de esclarecimento e capacitação de profissionais, enquanto que o atendimento envolve:
assistentes sociais e psicólogos; entrevistas com os familiares; identificação dos casos, com
levantamento das informações familiares e sobre a situação específica de cada caso; apoio
psicossocial; manutenção de uma equipa de educadores para acompanhamento e abordagem junto
às crianças e aos adolescentes vítimas de abuso sexual e violados em relação aos seus direitos.
Em prol da execução deste projecto foram criados Centros de Referência nos municípios,
para acolhimento das pessoas vítimas de abuso sexual em tempo integral, isto é, 24 horas, em todos
os dias da semana. Para além destes Centros de Referência terem em vista o atendimento e apoio
psicossocial, existe também uma preocupação de estabelecimento de parcerias com diferentes
sectores (saúde, educação, justiça, desporto, segurança, cultura e lazer) que prestam serviços à
criança, ao adolescente e à família.
Os Centros de Referência estão directamente ligados ao Juízado e à Promotoria da Criança e

34
O Juízado da Vara da Infância e Juventude, é correspondente em Portugal ao Tribunal de Menores.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 46
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Adolescente.
Estes Centros acolhem também as famílias nos municípios, com o objectivo de proporcionar
protecção imediata nos casos de violência sexual sofrida por crianças entre os 0 e 6 anos de idade,
tendo como princípio a garantia dos direitos à integridade e à convivência familiar comunitária.
Deste modo, este Programa contribui para a organização de um sistema de informação sobre
as violações de direitos sociais e para a eficácia da repressão e responsabilização dos violadores.

 Projecto de Orientação e Apoio Sócio-familiar:


O Projecto de Orientação e Apoio Sócio-Familiar surgiu com o objectivo de reforçar as acções
dos Programas já implementados no município, que actuam dando apoio sócio-familiar e para
assegurar ainda mais, que os direitos das crianças e dos adolescentes não sejam violados,
fortalecendo assim uma política sustentada nos direitos humanos.
Desta forma, o objectivo maior deste projecto é prestar atendimento à criança ou ao
adolescente em seu contexto familiar perante a ameaça ou violação de direitos, visando a garantia
dos seus direitos fundamentais e o fortalecimento dos vínculos familiares, através de atendimento
interdisciplinar, atendimento aos casais e famílias em conflito, reuniões em grupos terapêuticos,
orientação e apoio familiar, entre outros para a defesa dos direitos da cidadania.
Investir e preparar a família de origem para o retorno dos filhos que se encontram
institucionalizados é um dos pontos relevantes do Programa. Neste sentido, através do atendimento
individualizado ou em grupos terapêuticos, os técnicos conseguem trabalhar os conflitos que deram
origem a problemática das famílias, que inúmeras vezes envolvem o uso de substâncias químicas
como álcool, drogas e histórico de violência doméstica. Este é o objectivo geral, garantir o
fortalecimento destas famílias e dos vínculos familiares, valorizando a capacidade de cada membro
da família para encontrar soluções para seus problemas.
Este Programa conta com a parceria do Conselho Tutelar, Ministério Público, Poder
Judiciário, Secretaria da Mulher, Idoso, Criança, Adolescente e Desenvolvimento Comunitário, e por
último, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Deste modo, para que seja possível elaborar um diagnóstico correcto, estes programas têm
que:
 Identificar os objectivos funcionais de intervenção;
 Identificar as competências/potencialidades da criança e da família ou de outros
responsáveis;
 Identificar as necessidades/factores de risco percepcionadas pela criança e pela família;
 Definir as prioridades da família quanto a objectivos e apoios e quanto aos recursos
disponíveis para dar resposta a essas prioridades;
 Articular com outros programas, serviços/ entidades envolvidos.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 47
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

4º Nível de Intervenção
Neste nível, encontram-se as Entidades de Acolhimento, que podem ser sobre a forma de
Abrigo (0 aos 6 anos), Casas Lares (7 aos 18 anos) e Casas de Passagem35.
As Entidades de Acolhimento são uma Medida para atender crianças e jovens desprotegidos
e em estado de abandono social, que não implica a privação de liberdade.
Estas entidades são constituídas por crianças ou adolescentes órfãos, abandonados, vítimas
de maus-tratos físicos, psíquicos ou de abuso sexual, crianças carentes de condições básicas da
família para suprir sua subsistência, crianças ou adolescentes abandonadas por serem portadores de
deficiências mentais e físicas e crianças com vivência de rua que em determinado momento o retorno
à família biológica se considere difícil ou inadequado.

5º Nível de Intervenção
Nesta fase, temos o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente. Cabe a este
Conselho formular e deliberar as políticas e as acções a serem implementadas, com vista à protecção
e à garantia dos direitos das crianças.

6º Nível de Intervenção
Por último, o Juízado da Vara da Infância e da Juventude e a Promotoria da Infância.
Nesta fase, o Juízado e a Promotoria trabalham em parceria na garantia de que os direitos
das crianças não sejam violados.
O Juízado intervém a nível Estadual, enquanto que a Promotoria intervém ao nível municipal.
No Estado de Santa Catarina, existe apenas um Juíz na área da Infância e juventude.
Quando uma criança se encontra institucionalizada, tanto o Juizado como a Promotoria,
solicitam às Entidades de Acolhimento a elaboração de um relatório com vista à definição da actual
situação da criança (se mantém vínculo afectivo com os pais, se estes a visitam no abrigo, se
mostram preocupados com o seu desenvolvimento, etc.).
O Conselho Tutelar tem o poder de decisão quanto à institucionalização de uma criança,
tendo em vista a salvaguarda do bem-estar desta, mas apenas o Juizado tem o poder de decisão
quanto ao retorno familiar ou encaminhamento para família substituta através da adopção.
Para melhor compreensão deste Sistema pode-se graficamente representar através de uma
pirâmide de seis níveis de Intervenção:

35
Esta diferenciação resulta da idade que a criança apresenta, pois considera-se que para o seu desenvolvimento ser
satisfatório, a criança deve ser institucionalizada num Abrigo com crianças da mesma faixa etária. À medida que a criança
cresce e se a sua situação ainda for a de permanecer numa Instituição de Acolhimento, ela terá de ser transferida para outro
Abrigo.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 48
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Ilustração 14 - Modelo Organizacional Piramidal do Sistema de Protecção de Crianças em Perigo Brasileiro.

Medidas de Protecção
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Artigo 98) as Medidas de Protecção
são aplicáveis à criança quando os direitos reconhecidos neste mesmo Estatuto forem ameaçados ou
violados.

Estas Medidas de Protecção à Criança visam:

 Afastar o perigo em que se encontra a criança;


 Proporcionar-lhe condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde,
formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;
 Garantir a recuperação física e psicológica da criança vítima de qualquer forma de exploração
ou abuso.

A Lei brasileira (Artigo 101 do ECA) tipifica estas Medidas da seguinte forma:

 encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;


 orientação, apoio e acompanhamento temporários;
 matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
 inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
 requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou
ambulatorial;
 inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras
e toxicômanos;
 abrigo em entidade;
 colocação em família substituta.

As principais medidas de protecção, definidas no artigo 101 do ECA, são as que visam a
manutenção da criança na família e na comunidade de origem, visando garantir os seus direitos
Clara R. d’Almeida Rodrigues 49
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

sociais básicos e prevenindo o seu abandono.


A primeira medida é o encaminhamento aos pais ou ao responsável, mediante termo de
responsabilidade para que assumam a protecção da criança e do adolescente. Para assegurar um
ambiente familiar favorável ao desenvolvimento destes, devem ser oferecidos os serviços de
orientação, apoio e acompanhamento temporários.
Qualquer criança precisa que as suas necessidades pedagógicas sejam atendidas e deste
modo, a matrícula e frequência são obrigatórias em estabelecimento de ensino fundamental.
Nem sempre a família está em condições de oferecer a atenção necessária, podendo deste
modo, ser indicada a sua inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e
ao adolescente.
Quando se trata de casos que seja necessário uma atenção especializada na área da saúde,
serão requisitados tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico em regime hospitalar.
Para os que se encontram prejudicados pela dependência de drogas ou álcool, propõe-se a
inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio, orientação e tratamento de alcoólatras e
toxicodependentes.
Quando todos esses esforços não são bem sucedidos, o ECA determina o Acolhimento
Institucional para estas crianças, recomendando o Abrigo como Medida Temporária, até que os
familiares possam recuperar a sua capacidade de protecção.
Contudo, quando a autoridade judiciária verifica que a família biológica está temporariamente
ou definitivamente impossibilitada para a educação e o cuidado com os seus filhos, poderá indicar a
Medida de Colocação em Família Substituta na forma de guarda, tutela ou adopção.
A aplicação destas Medidas é realizada tanto pelos Conselhos Tutelares como pelo Juízado
da vara da Infância e Juventude, tendo em consideração que:
 Estas Medidas têm por objectivo a protecção integral da criança ou adolescente;
 Como Medidas de Protecção podem ser aplicadas de maneira isolada ou cumulativa, isto é,
podem ser aplicadas várias medidas ao mesmo tempo, podendo ser substituídas a qualquer
momento;
 Na aplicação das Medidas de Protecção deve-se privilegiar as que visam o fortalecimento dos
vínculos familiares e comunitários;
 É imprescindível a integração entre o Abrigo e as Medidas de Protecção.

Neste estudo é dado ênfase à Medida de Protecção à Criança em Abrigo em Entidade que
corresponde à Lei Portuguesa à Medida de Promoção e Protecção em Acolhimento Institucional, e à
Medida de Protecção em Colocação em Família Substituta, sob a forma de Adopção.

Duração das Medidas de Protecção

Contrariamente a Portugal, na Lei Brasileira não se encontra específicado a duração que uma
Medida de Protecção deve ter. Contudo, esta diz-nos que no caso de se tratar de uma Medida de
Protecção em Abrigo, a Lei prevê que esta Medida seja temporária, não explicando o tempo exacto
que se pretende que uma criança esteja temporariamente institucionalizada. Mesmo assim, a duração
destas Medidas devem decorrer consoante o acordado pelas autoridades competentes.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 50
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

4. Abrigos no Brasil
“ O abrigo…e ter um programa, não é simplesmente um corredor de espera. O tempo pode
ser curto, mas dois ou três meses na vida de uma criança é muito…”.
(Isabel S. Kahn Marin)36

Muitas crianças e adolescentes que sobrevivem nos espaços urbanos, marcados pela
exclusão e pela violência, espelham o abandono, a fome, a exploração e a negligência de uma
realidade incómoda para a sociedade brasileira.
Os registos históricos demonstram que já no final do século XVIII, a questão do abandono
começa a incomodar a sociedade da época, o que exigiu investimentos para o atendimento dos
“menores”.
A história da institucionalização de crianças tem um longo percurso. Consta que por volta do
século XII um Bispo, ao caminhar pelas ruas de Roma testemunhou a pesca de bebés entre as redes
dos pescadores, determinou a construção do que teria sido um dos primeiros asilos do mundo para
crianças órfãs ou abandonadas.37
No Brasil, a prática de encaminhar crianças e adolescentes pobres para os chamados
“internatos de menores” ganha força a partir do final do século XIX.
De acordo com a autora Luciana Esmeralda Ostetto, em “Educação Infantil em Florianópolis”,
foram as Confrarias, Irmandades e Santas Casas de Misericórdia que assumiram de início o cuidado
com as crianças abandonadas.
Para recolhê-las, foram criadas as “Rodas dos Enjeitados” ou “Roda dos Expostos”, que foi
um sistema importado de Portugal38, que consistia numa porta giratória com uma gaveta, onde as
crianças eram depositadas em sigilo, mantendo-se o anonimato das mães que abandonavam.
Muitos dos “filhos da Roda” eram entregues aos cuidados de “amas” em troca de pagamento.
O crescente número de crianças abandonadas e as dificuldades de manutenção do cuidado pelas
“amas” levaram à criação de grandes orfanatos, onde essas crianças eram atendidas colectivamente.
As primeiras rodas do Brasil foram criadas em Salvador da Bahia, em 1726 e no Rio de
Janeiro em 1738, também em Florianópolis existiu uma “Roda dos Expostos” em 1828.
As crianças que eram nestas rodas abandonadas eram filhos de escravas, filhos de uniões
ilegítimas e filhos de toda a pobreza!
O Estado Brasileiro assumiu muito tardiamente o atendimento nesta área, sendo inicialmente
para cuidar dos chamados “delinquentes”, criando “reformatórios” ou “institutos correccionais”,
deixando para as entidades filantrópicas o cuidado das crianças abandonadas e carentes, fundando-
se assim, em todo o Brasil, instituições de natureza religiosa ou laica voltadas ao cuidado dos
menores.

Em 1927 é aprovado o primeiro Código de Menores, denominado de Código de Mello Mattos.

36
Marin, Isabel S. Kahn. Alternativas de atendimento à criança e ao jovem abandonado. Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo,
1990. Pág.3
37
Rizzini, Irene; Rizzini, Irma; Naiff, Luciene; Baptista, Rachel. Acolhendo crianças e adolescentes: experiências de promoção
do direito à convivência familiar e comunitária no Brasil. Rio de Janeiro, 2006. Pág.31
38
Ver Anexo nº 4 – Imagens da Roda dos Expostos e histórico da mesma em Portugal
Clara R. d’Almeida Rodrigues 51
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

A rede pública de assistência à menoridade começa então a expandir-se desde a década de


30, com a criação de grandes internatos. Neste modelo institucional, o controlo exercido sobre as
crianças privava-as de liberdade, pois acreditava-se que o isolamento social era necessário para que
pudessem vir a ser reintegradas na sociedade devidamente “reparadas” e “adaptadas”.
A infância era anulada nestes locais, visto que as crianças não participavam da vida em
comunidade.
Durante décadas, inúmeras críticas a este modelo de atendimento foram ganhando
consistência, surgindo assim em 1964 a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM),
com o objectivo de estabelecer uma política inovadora de âmbito nacional com uma coordenação
central.
Mesmo com novos princípios e novo discurso, o internamento continuou sendo a medida
mais usada para enfrentar os problemas das crianças. O termo “internato” era utilizado para designar
todas as instituições de acolhimento, provisório ou permanente, voltadas ao atendimento de órfãos,
carentes ou delinquentes juvenis. Os internatos vinculados directa ou indirectamente à FUNABEM
continuaram mantendo, entretanto, a mesma concepção, estrutura e funcionamento dos modelos que
pretendiam substituir, permitindo o isolamento das crianças.
Deste modo, as relações sociais destas crianças ficavam ainda mais prejudicadas pelo
estigma do abandono ou da delinquência, associado à dependência institucional.39

Em 1979 foi editado no Brasil, um novo Código de Menores que consagrava a doutrina da
“situação irregular”, pela qual a conduta jurídica invocava as condições sociais e pessoais da infância
e da adolescência, e não o sistema que as gerava, para definir o seu destino.
Pouco a pouco, os internatos foram-se remodelando e começaram a utilizar os serviços da
comunidade como a escola, centros de saúde, complexos desportivos, entre outros.
A década de 80, foi o apogeu da busca de cidadania e dos direitos legalmente constituídos
das crianças e adolescentes que se apresentavam em sistema de internato.
É nesta década que os movimentos sociais pela criança e adolescente se tornam instituintes.
A década de 1990 marca uma mudança importante de paradigmas em relação ao cuidado e
protecção à população infantil e juvenil, do ponto de vista dos seus direitos. Nesse sentido, condena-
se a prática centenária da Institucionalização de Crianças devido à sua condição de pobreza e fica
estabelecido o carácter de excepcionalidade e temporalidade desta prática. 40 Crianças (até aos 12
anos) não podem ser privadas de liberdade e havendo necessidade de serem afastadas da família, o
encaminhamento para um abrigo é uma das alternativas.41 Porém a ênfase será colocada no direito à
convivência familiar e comunitária, reforçando-se que a institucionalização deve constituir uma última
medida, consideradas todas as possibilidades da criança permanecer com a sua família de origem.

39
Colectânea de textos, Trabalhando Abrigos. Instituto de Estudos Especiais da Pontifía Universidade Católica de São Paulo,
Brasil, 1993 pág. 15-21
40
Estatuto da Criança e do Adolescente, capítulo II, artigo 101, parágrafo único
41
Estatuto da Criança e do Adolescente, Capítulo II
Clara R. d’Almeida Rodrigues 52
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

4.1. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Abrigo


O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) foi elaborado através de um movimento
crítico, ficando nele explícito o atendimento personalizado, privilegiando-se as acções
descentralizadas e municipalizadas. O ECA exige atendimento digno para as crianças e
adolescentes.

No Brasil, existem três serviços destinados a crianças ou adolescentes que se tratam de


programas distintos que são muitas vezes confundidos. São eles o Internato, o Abrigo e o Albergue.
O Internato é constituído por uma Medida socioeducativa privativa de liberdade dirigida a
adolescentes que praticaram actos ilícitos.
O Abrigo é uma Medida para atender crianças e jovens desprotegidos e em estado de
abandono social, que não implica a privação de liberdade.
Os Abrigos são constituídos por crianças ou adolescentes órfãos, abandonados, vítimas de
maus-tratos físicos, psíquicos ou de abuso sexual, crianças carentes de condições básicas da família
para suprir sua subsistência, crianças ou adolescentes abandonadas por serem portadores de
deficiências mentais e físicas e crianças com vivência de rua que em determinado momento o retorno
à família biológica se considere difícil ou inadequado.
O Abrigo foi pensado para acabar com o isolamento social de crianças que precisam de
Acolhimento Institucional.
O Abrigo é, deste modo, uma alternativa de moradia digna onde essas crianças possam ter
uma vida com rotinas semelhante à da esfera familiar.
O Albergue é um lugar que também oferece protecção. É um espaço destinado a crianças,
jovens e adultos, no qual podem pernoitar, tomar banho, alimentar-se e participar de actividades
educativas.
Dentro do Albergue, estando a criança em companhia da sua família ou responsável, é ela
quem responde legalmente pela sua guarda.

4.2. Princípios Norteadores do Abrigo


O Acolhimento em Abrigo, no Estatuto da Criança e do Adolescente, é considerado uma
Medida provisória e excepcional, utilizável como uma forma de transição para posteriormente existir
um retorno à família de origem ou para colocação das crianças e adolescentes em família substituta,
não implicando a privação dos mesmos de liberdade (artigo 101 do ECA).
No artigo 92, o ECA determina quais são os princípios e critérios que devem orientar esta
Medida, sendo eles:
I. Preservação dos vínculos familiares;
II. Integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de
origem;
III. Atendimento personalizado e em pequenos grupos;
IV. Desenvolvimento de actividades em regime de co- educação;
V. Não desmembramento de grupos de irmãos;
Clara R. d’Almeida Rodrigues 53
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

VI. Evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e
adolescentes abrigados;
VII. Participação na vida da comunidade local;
VIII. Preparação gradativa para o desligamento;
IX. Participação de pessoas na comunidade no processo educativo.

O Abrigo é um lugar que oferece protecção, é uma alternativa de moradia provisória em um


clima residencial, com um atendimento personalizado, em pequenas unidades, para pequenos grupos
de crianças.
A transitoriedade é uma circunstância vivida no Abrigo, mas esta provisoriedade está
inteiramente relacionada à história singular de cada criança e adolescente e ao seu projecto de vida.
Existem crianças e adolescentes que terão uma permanência breve, que podia durar horas
ou dias, outras crianças e adolescentes terão uma permanência continuada, que poderá durar meses
ou anos.
O Abrigo deverá ter condições para ficar o tempo que for necessário com aqueles que ainda
não foram integrados numa família.
O Abrigo é um serviço que faz parte de uma rede de atendimento que se complementa e
deve-se articular para oferecer a protecção integral preconizada pelo ECA.
A problemática da Institucionalização na infância, por estar presente na realidade de muitas
famílias Brasileiras em condições socioeconómicas desfavorecidas, tornou-se relevante de estudos
na actualidade.
Dos vários estudos, será destacado em anexo42 a Teoria Ecológica do Desenvolvido Humano
proposta por Bronfenbrenner43. Esta abordagem é estudada pelos alunos da Universidade Federal de
Santa Catarina, como ponto de partida para reconhecer os processos evolutivos e os múltiplos
factores que influenciam o Desenvolvimento Humano das crianças institucionalizadas no Brasil.

4.3. O Abrigo: encaminhamento, fiscalização e redes de serviços


“Só é possível o indivíduo manter a sua auto-identificação como pessoa de importância em
um meio que confirma esta identidade…”.
(Peter Berger & Thomas Luckman)44

a) Encaminhamento das crianças para o abrigo


As crianças e adolescentes que se encontram desprotegidos e em estado de abandono social
são encaminhados para o Abrigo por decisão do Conselho Tutelar ou pelo Juízado da Vara da
Infância e Juventude.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, os próprios Abrigos poderão acolher

42
Ver Anexo nº 5 – Teoria Ecológica do Desenvolvimento Humano proposta por Bronfenbrenner
43
Bronfenbrenner, Urie; A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados; Porto Alegre: Artes
Médicas, 1996.
44
Berger, Peter &Luckmann, Thomas. A construção da realidade. 9ª Ed. Editora Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro, 1991
pág.31
Clara R. d’Almeida Rodrigues 54
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

crianças e adolescentes em carácter excepcional e de urgência, comunicando às autoridades


competentes até ao segundo dia útil imediato.

b) Fiscalização do Abrigo
A fiscalização do Abrigo é de competência dos Conselhos Tutelares, do Juízado da Vara da
Infância e Juventude e do Ministério Público.
O artigo 97 do ECA estabelece as Medidas aplicáveis aos Abrigos ou entidades que não
cumprirem com as suas obrigações no atendimento.

c) Redes de Serviços e Programas existentes


O Abrigo é uma Medida de Protecção cujo bom funcionamento depende de relações
adequadas e frequentes com órgãos públicos, como os Conselhos Tutelares, a Vara da Infância e da
Juventude, os Conselhos de Direitos e de Assistência Social, o Ministério Público e as secretarias do
Executivo Municipal, especialmente aquelas responsáveis pela assistência social, saúde e educação.
Estes órgãos são complementares, devem planear muitas vezes juntos, mas cada um tem a
sua competência específica. 45
Assim, ao Abrigo compete oferecer o acolhimento, a moradia, a protecção e um quotidiano
saudável, enquanto as equipas e serviços municipais de assistência social estão em busca de
condições para reintegração à família e à comunidade, oferecendo os serviços de atendimento à
criança, ao adolescente e seus familiares.46

A parceria entre Abrigo e Conselho Tutelar torna-se fundamental durante o processo de


intervenção e apoio, para que a criança e o adolescente abrigados possam retornar ao convívio
familiar. Por outro lado, o envolvimento da Vara da Infância e da Juventude é indispensável quando
se identifica uma situação de abandono real.

4.4. Tipos de Abrigos


Existem vários tipos de Abrigos, cada um com as suas próprias características. Eles podem
ser classificados a partir de três critérios:

1. Pelo tamanho das unidades e capacidade de atendimento


2. Pelo tempo de permanência da criança no Abrigo
3. Pela especialização do atendimento

1. O Abrigo de acordo com o tamanho das unidades e capacidade de atendimento


O Estatuto da Criança e do Adolescente não recomenda qualquer forma de atendimento
realizado em grandes instituições.
Os Abrigos, segundo o ECA devem ser casas comuns que devem ter a capacidade física

45
Ver Anexo nº 6 - Rede de Serviços e Programas de Atenção às Crianças em Perigo existentes no Brasil.
46
Colectânea de textos, Trabalhando Abrigos, Instituto de Estudos Especiais da Pontifia, Universidade Católica de São Paulo,
Brasil, pág. 34
Clara R. d’Almeida Rodrigues 55
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

adequada ao número de atendimentos, e devem possuir casas de banho, cozinha, dormitórios,


quintal e salas de estudo em condições de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança.
Os Abrigos devem ser adequados ao desenvolvimento individual e social de crianças e
adolescentes.
O Estatuto da Criança e do Adolescente não define um número exacto de crianças que
podem morar num Abrigo, contudo este tem que proporcionar um atendimento personalizado e em
pequenos grupos.

2. O Abrigo de acordo com o tempo de permanência da criança


Quanto ao tempo de permanência, os abrigos distinguem-se em dois tipos:

a) Abrigos de permanência breve


Estes Abrigos são destinados a crianças ou jovens que permanecerão abrigados durante um
tempo relativamente curto, que pode durar horas, dias ou meses mediante condições favoráveis de
retorno à família de origem ou de integração numa família substituta.
Os Abrigos de permanência breve apresentam-se de diversas formas: em casas divididas de
acordo com a faixa etária, em casas para abrigar crianças e jovens sem distinção de idade ou sexo
ou em casas destinadas exclusivamente a adolescentes.

b) Abrigos de permanência continuada


Este tipo de Abrigos destinam-se tanto a crianças ou adolescentes que, tendo passado por
um Abrigo de permanência breve, não possuem condições favoráveis à integração familiar a curto
prazo.
Embora o Abrigo não seja a solução mais adequada para a criança ou adolescente, este será
para muitas crianças a sua casa, até que haja condições para outra definição para a sua situação.
Isto significa que o Abrigo de permanência continuada é um espaço que se constitui num
ponto de referência para a criança, onde o seu projecto de vida deve ser construído a partir das
relações que estabelece com outras crianças, adolescentes e adultos, tanto no Abrigo quanto na
comunidade.
Em Abrigos de permanência continuada é segundo o ECA recomendável que o número de
crianças seja menor, proporcionando uma atenção individualizada.

3. O Abrigo de acordo com a especialização do atendimento


Os Abrigos devem possuir capacidade e condições necessárias para abrigar qualquer criança
ou jovem que precise de apoio e protecção. Contudo, existem muitas crianças que necessitam de um
atendimento especializado. Deste modo, distingue-se dois tipos de Abrigos: os de atendimento
convencional e os que oferecem um atendimento especializado.
Neste último, quando o encaminhamento de uma criança é feito a este tipo de Abrigo ele
ocorre em circunstâncias muito especiais em que, para sua própria protecção ou tratamento, sejam
Clara R. d’Almeida Rodrigues 56
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

necessárias acções especializadas não disponíveis num Abrigo comum.


Este tipo de Abrigo caracteriza-se por receber crianças e adolescentes que necessitam de
atenção especializada, seja por problemas físicos ou mentais que apresentam por terem sofrido
traumas sérios produzidos pela violência sexual, maus-tratos ou por possuírem doenças infecto-
contagiosas como o HIV, por exemplo.

4.5. Acolhimento Institucional versus Família Acolhedora


Quando, para a protecção da integridade física e psicológica, for detectada a necessidade do
afastamento da criança e do adolescente da família de origem, os mesmos deverão ser atendidos em
serviços que ofereçam cuidados e condições favoráveis ao seu desenvolvimento saudável, devendo-
se de acordo com o Plano Nacional de Promoção, Protecção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2009), trabalhar no sentido de viabilizar a
reintegração à família de origem ou, na sua impossibilidade, o encaminhamento para família
substituta. Tais serviços podem ser oferecidos na forma de Acolhimento Institucional ou Programas
de Famílias Acolhedoras.

 Acolhimento Institucional:
Segundo o Plano atrás mencionado, adoptou-se o termo Acolhimento Institucional para
designar os Programas de Abrigo em entidade, definidas no art. 90 do ECA, como aqueles que
atendem crianças e adolescentes que se encontram como Medida Protectiva de Abrigo.
O Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes pode ser oferecido em diferentes
modalidades como: Abrigo Institucional em pequenos grupos, Casa Lar e Casa de Passagem.
Todas estas modalidades de acolhimento constituem “ Programas de Abrigo”.
Todas as entidades que se desenvolvem Programas de Abrigo têm o dever de prestar plena
assistência à criança e ao adolescente, oferecendo-lhes acolhimento, cuidado e espaço para
socialização e desenvolvimento.
O Abrigo, como já referimos anteriormente, define-se como sendo uma entidade que
desenvolve um Programa específico, que é a Modalidade de Acolhimento Institucional. Atende
crianças e adolescentes em grupo, em regime integral, por meio de normas e regras estipuladas por
entidade ou órgão governamental ou não governamental.
O Abrigo segue parâmetros estabelecidos pela lei, é uma Medida Provisória e Excepcional,
não implicando a privação de liberdade das crianças e adolescentes.
A Casa Lar é uma Modalidade de Acolhimento Institucional oferecido em unidades
residenciais, nas quais pelo menos uma pessoa ou casal trabalha como cuidador residente – em uma
casa que não é a sua – prestando cuidados a um grupo de crianças ou adolescentes. As Casas-
Lares têm a estrutura de residências privadas, podendo estar distribuídas tanto em um terreno
comum ou separadamente em bairros residenciais.
A Casa de Passagem é um Acolhimento Institucional de curtíssima duração, onde se realiza
diagnóstico eficiente, com vista à reintegração à família de origem ou encaminhamento para
Acolhimento Institucional ou familiar.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 57
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

 Família Acolhedora:
A Família Acolhedora, define-se como uma família que participa em Programas de
Acolhimento, recebendo crianças e adolescentes sob a sua guarda, de forma temporária até a
reintegração da criança com a sua própria família ou seu encaminhamento para uma família
substituta.
A Família Acolhedora também é denominada no Brasil por “Família de Apoio”, “Família
Cuidadora”, “Família Solidária”, “Família Guardiã”, entre outras.
O Programa de Famílias Acolhedoras caracteriza-se como um serviço que organiza o
acolhimento, na residência de Famílias Acolhedoras, de crianças e adolescentes afastados da família
de origem mediante Medida Protectiva. Representa uma modalidade de atendimento que visa
oferecer protecção integral às crianças e aos adolescentes até que seja possível a reintegração
familiar.
Este Programa é constituído por uma metodologia de funcionamento que contemple:
 Uma mobilização, cadastro, selecção, capacitação, acompanhamento e supervisão das
Famílias Acolhedoras por uma equipa multi-profissional;
 Acompanhamento psicossocial das famílias de origem, com vista à reintegração familiar;
 Articulação com redes de serviços, com Juízado da Vara da Infância e Juventude e com
todos os actores do sistema de Garantia de Direitos das crianças e dos adolescentes.
Este Programa é muitas vezes confundido com a adopção, pois trata-se de um Serviço
Provisório, até que seja viabilizada uma solução de carácter permanente para a criança e
adolescente – reintegração familiar ou excepcionalmente a adopção.
As Famílias Acolhedoras estão vinculadas a um Programa que as selecciona, prepara e
acompanha para o acolhimento de crianças ou adolescentes indicados pelo Programa.
A manutenção da guarda estará vinculada à permanência da Família Acolhedora no
Programa.
O Programa deve ter como objectivos:
 Cuidado individualizado da criança ou do adolescente, proporcionado pelo atendimento em
ambiente familiar;
 A preservação do vínculo e do contacto da criança e do adolescente com a sua família de
origem (excepto determinação judicial em contrário);
 O fortalecimento dos vínculos comunitários da criança e do adolescente, favorecendo o
contacto com a comunidade e a utilização da rede de serviços disponíveis;
 A preservação da história da criança ou do adolescente, através dos registos e fotografias,
inclusive pela Família Acolhedora;
 Preparação da criança e do adolescente para o desligamento da Família Acolhedora;
 Permanente comunicação com a Justiça da Infância e da Juventude, informando à Autoridade
Judiciária sobre a situação das crianças e adolescentes atendidos e de suas famílias.47

47
Plano Nacional de Promoção, Protecção e Defesa do Direito de crianças e adolescentes à convivência Familiar e
Comunitária, Brasília, 2006
Clara R. d’Almeida Rodrigues 58
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Ilustração 15 - Esquema bidireccional da criança acolhida 48

Deste modo, tanto o Acolhimento Institucional, quanto os Programas de Famílias Acolhedoras


têm que se organizar segundo os princípios e directrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente,
especialmente no que se refere à excepcionalidade e à provisoriedade do acolhimento, ao
investimento na reintegração à família de origem, à preservação do vínculo entre grupos de irmãos, à
permanente comunicação com a Justiça da Infância e da Juventude e à articulação com a rede de
serviços.

4.6. Descrição das Instituições de Acolhimento de Crianças e Adolescentes existentes em


Florianópolis
Existem sete Instituições de Acolhimento para Protecção de Crianças que se encontram em
Situação de Risco em Florianópolis, sendo elas: 49

Sociedade Espírita de Recuperação Trabalho e Educação (SERTE)


A SERTE surgiu em Dezembro de 1956 e é uma Organização Não Governamental,
assistencial que actua em Florianópolis e há cinquenta e três anos atende crianças de 0 a 6 anos de
idade.
O objectivo principal desta instituição é acolher em regime de internato crianças que sofrem
algum tipo de violência e proporcionar-lhes melhor qualidade de vida até serem adoptadas por novas
famílias ou reintegradas nas suas famílias de origem.
A SERTE atende vinte e cinco crianças em regime de internato e cento e vinte crianças na
creche e pré-escola.

48
Silva, Enid. R. A. da. O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil.
Brasília, IPEA/CONANDA, 2004, pág.318.
49
Estas instituições reúnem-se mensalmente para discutirem a situação das crianças presentes nas mesmas de modo a
cooperam entre si com vista à melhoria das condições de vida das crianças e para melhor compreensão do histórico das
respectivas famílias, uma vez, que existem irmãos que se encontram em vários abrigos
Clara R. d’Almeida Rodrigues 59
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Lar Recanto do Carinho


O Lar Recanto do Carinho surgiu em 29 de Junho de 1992 em Florianópolis e é uma
Organização Não Governamental que tem como objectivo prestar apoio a crianças e adolescentes
dos 0 aos 20 anos de idade, portadores de HIV ou filhos de portadores desta doença que se
encontravam órfãos ou em situação de risco de morte por apresentarem uma desestrutura familiar.
Esta instituição surgiu pela necessidade de existir um espaço de acolhimento e apoio a estas
crianças que até então se encontravam abandonadas.
O Lar Recanto do Carinho, actualmente atende cinquenta e seis crianças em regime de
internato e presta assistência a vinte e seis famílias de crianças que foram reintegradas, procurando
promover a qualidade de vida destas crianças e adolescentes proporcionando-lhes uma rotina de vida
estável, garantindo os seus direitos.
Os recursos financeiros desta instituição vêm de doações e eventos realizados pela
comunidade e convénios com Entidades Públicas.

Obras Sociais da Comunidade Paroquial de Coqueiros (OSCOPAC)


A OSCOPAC é uma entidade não governamental, sem fins lucrativos, coordenada e dirigida
por voluntários eleitos por Assembléia Geral.
Esta instituição foi fundada no ano de 1980 e desenvolve atividades que visam a inserção de
crianças e adolescentes abrigados em famílias substitutas quando não é possível o retorno à família
de origem. Atualmente a OSCOPAC tem a seguinte organização: Presidente, Vice-Presidente,
Tesoureiro, Secretário, Coordenadora Voluntária, Assistente Social , duas Estagiárias de Serviço
Social, seis Educadores Sociais, Psicóloga Voluntária, Auxiliar de Serviços Gerais, Auxiliar
Administrativo, Psicopedagogas Voluntárias, Professoras (uma de ensino fundamental e outra de
artes plásticas), Professoras Voluntárias e Médico Voluntário.
A OSCOPAC tem dois programas de atendimento relativamente a crianças e adolescentes
em risco:
 A Casa-Lar Nossa Senhora do Carmo, que consiste em abrigar crianças e adolescentes do
sexo feminino dos 6 aos 18 anos;
 A Casa-Lar São João da Cruz, que consiste em abrigar crianças e adolescentes do sexo
masculino dos 6 aos 18 anos.
Esta instituição atende cerca de vinte e seis crianças e adolescentes nestas duas Casas-
Lares que funcionam como moradia (24 horas) onde as crianças levam uma vida normal o mais
parecida possível com uma família, vão à escola, médicos, dentistas, psicólogos, etc.

Acção Social Missão- Casa Lar


A Acção Social Missão, é uma Entidade Não Governamental destinada a abrigar crianças e
adolescentes em situação de risco pessoal ou social, visando o seu desenvolvimento e protecção
integral. Esta instituição foi fundada em 21 de abril de 1993 e apoiada pelo Movimento Emaús.
A ASM atende onze crianças e adolescentes do sexo masculino, com idades entre 6 e 18
anos, provenientes de Florianópolis em regime de Abrigo Provisório e são encaminhados pelo
Clara R. d’Almeida Rodrigues 60
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Juizado da Infância e Juventude e Conselhos Tutelares. Das onze vagas disponibilizadas, sete são
ocupadas por crianças e adolescentes sem perspectiva de Guarda ou Adopção, são crianças que não
possuem perfil de crianças geralmente procuradas por casais que desejam adoptar.
O atendimento da ASM visa oferecer uma referência familiar a todas as crianças e
adolescentes, responsabilizando-se para que estes tenham um lar, alimentação, educação, saúde e
suprimento de todas as suas necessidades.

Casa Lar Cretinha


Depois de vários contactos realizados com esta instituição, não nos foi facultada qualquer tipo
de informação.
Tem-se o conhecimento de que esta instituição se encontra em Processo Judicial, porque
existe um centro terapêutico onde os adolescentes em fase de recuperação são quem supervisionam
as crianças institucionalizadas, onde muitas vezes agridem as crianças mais novas.

Lar São Vicente de Paulo

Foi neste Abrigo que foi realizada a pesquisa. Deste modo será explicado em que consiste
esta Instituição e onde ela se encontra inserida.
A pesquisa foi realizada na Irmandade do Divino Espírito Santo (IDES), foi fundada em 10 de
Junho de 1773, sendo caracterizada como uma Organização Não-Governamental, assistencial, sem
fins lucrativos e com sede em Florianópolis.
É administrada por uma directoria voluntária e em cada dois anos é feita uma eleição para a
composição da nova directoria.
Esta Instituição tem como principal objectivo prestar assistência a crianças, adolescentes e a
famílias em situação de vulnerabilidade, visando promover a cidadania e o desenvolvimento social,
preocupando-se com o âmbito educativo e profissional.
Inicialmente quando fundada, a IDES não apresentava actividades com fins sociais, esta era
apenas direccionada para o culto ao Divino Espírito Santo, mantendo as tradições religiosas, através
de uma festa anual, a Festa do Divino.50
As suas actividades foram alteradas e em 1910, quando iniciou as suas actividades sociais,
com o abrigo, denominado São Vicente de Paulo.
Os seus recursos financeiros são provenientes de doações de associados e da comunidade,
promoções especiais, festa do Divino Espírito Santo, exposições e venda de trabalhos artesanais,
parcerias com empresas para o encaminhamento de jovens trabalhadores e convénios com governos
Federal, Estadual ou Municipal.
A organização é representada nos Conselhos Municipal da Criança e Adolescente e
Assistência Social e integra o Fórum contra o trabalho infantil.
No momento a IDES é composta por cerca de oitenta funcionários entre os quais:
Professores (cedidos pela Prefeitura de Florianópolis), Pedagogas, Monitores, Recreadores,

50
Ver Anexo nº 7 – Imagens da Festa do Divino e Histórico da mesma.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 61
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Assistente de Recursos Humanos, Assistentes Sociais, Assistentes Administrativos, Assessor de


Directoria, Psicóloga Voluntária, Recepcionista, Motorista, gráfico, entre outros…

Actualmente existem três núcleos desenvolvidos pela Irmandade abrangendo um universo de


mais de mil e duzentas Crianças e Adolescentes, sendo eles:
 Núcleo da Infância (NUI) que compreende o Abrigo Lar São Vicente de Paulo e o Jardim
de Infância Girassol.

É no Abrigo que é realizado todo este estudo.


O Abrigo Lar São Vicente de Paulo funciona como Medida de Protecção em concordância
com o Estatuto da Criança e do Adolescente e tem como objectivo acolher crianças do Município de
Florianópolis, de ambos os sexos, na faixa de 0 a 6 anos de idades que tiveram seus direitos violados
ou foram vítimas de maus tratos, negligência, abuso sexual, abandono, usadas para a mendicidade,
motivos de grande pobreza ou filhos de dependentes químicos, gerando risco pessoal.
Este Abrigo tem capacidade para abrigar vinte e cinco crianças. As crianças permanecem no
Abrigo até serem reintegradas na sua família consanguínea (pais ou parentes) ou serem
encaminhadas para adopção.
As principais actividades desenvolvidas são: alimentação, higiene, lazer, promoção ao bem-
estar físico, psicológico e social. Como se trata de uma situação temporária, o Abrigo estimula a
manutenção dos vínculos familiares, sempre que o Juízado autorize, possibilitando a visita dos
familiares duas vezes por semana.
Quanto ao Jardim de Infância Girassol este foi criado em 1977 e atende crianças de ambos
os sexos, faixa etária de 2 a 6 anos de idade, durante onze horas por dia, visando contribuir para a
sua formação pessoal, psico-social é educativa através de vivências pedagógicas que despertem
para a auto-descoberta.
Apresenta trinta e sete profissionais, sendo estes vinte e quatro educadores cedidos pela
Prefeitura Municipal de Florianópolis em carácter temporário.
O Jardim de Infância Girassol atende em média duzentos e quarenta e cinco crianças.

 Núcleo de Arte e Educação (NAE)


Este núcleo atende duzentas crianças e adolescentes dos 6 a 14 anos, proporcionando a
estes, actividades de arte e de lazer. Os objectivos são: democratizar o acesso à cultura;
proporcionar uma perspectiva de vida diferente com oportunidades melhores que as oferecidas pela
sociedade e formar cidadãos com capacidade de desenvolvimento artístico.
As crianças e adolescentes participam das seguintes actividades didáctico-pedagógicas:
 Actividades escolares: orientação às tarefas escolares, desenvolvimento da linguagem oral e
escrita;
 Actividades artístico-culturais: coro, flauta, teatro, artes, dança e capoeira;
 Actividades desportivas: futebol, ténis e jogos
 Actividades de integração grupal com natureza e o meio ambiente.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 62
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

 Núcleo de Formação e Trabalho (NUFT)


Este núcleo tem como objectivo a inserção de adolescentes de 14 a 18 anos no mercado de
trabalho, dando a oportunidade a estes que aperfeiçoem suas habilidades pessoais e profissionais.
Jovens em situação de vulnerabilidade social integram equipas de trabalho em empresas e
desenvolvem actividades laborais. Conta com trezentos e dezasseis adolescentes de ambos os
sexos em cinquenta e quatro empresas.
O Núcleo de Formação e Trabalho tem ainda a finalidade de oferecer a jovens de 14 a 17
anos um espaço de aprendizagem e qualificação profissional, visando inseri-los no mercado de
trabalho, atendendo em média quinhentos e sessenta adolescentes por semestre.

5. Adopção no Brasil
“A adopção não é uma garantia de felicidade, nem um risco de infelicidade. Ela é uma das
formas de abordar a criação de um grupo familiar, no seio do qual ocorrerão os mesmos problemas
enfrentados por todos os pais e todos os filhos.”
(Hubert et Monique)

A adopção trata-se de um tema bastante extenso onde muitas premissas devem ser
estudadas e requerem uma atenção devida.
Existe sobretudo duas perspectivas que merecem especial atenção: a perspectiva do
pretendente à adopção e a perspectiva das crianças que se encontram em condição de adopção.
Contudo, nesta pesquisa apenas iremos referir de um modo superficial de alguns pontos que
nos parecem importantes sendo um deles, o modo como este processo se desenvolve no Brasil para
melhor compreender quais as semelhanças e diferenças quanto ao Sistema Português, pois não será
possível o aprofundamento necessário desta temática.
Para melhor compreensão deste processo, fomos pessoalmente à Central de Adopção de
Florianópolis, onde a Assistente Social responsável por este departamento nos elucidou quanto a
esta temática.

5.1. Requisitos Gerais da Adopção


De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), existem requisitos
necessários para adoptar, estando eles presentes no artigo 40 e seguintes:

a) Quanto à idade mínima do Adoptante e diferença de idades entre Adoptante e Adoptado:


Quanto à idade mínima e diferença de idade, o ECA diz-nos que a idade mínima para adoptar
é vinte e um anos. Sendo uma grande conquista para as crianças e adolescentes brasileiras que
anseiam por um lar, pois a lei anterior previa que somente os maiores de trinta anos poderiam
adoptar, permitindo assim, a inovação legal através de um aumento do número de adoptantes em
potencial.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 63
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

A diferença mínima de idade entre adoptante e adoptado é de dezasseis anos, com a


intenção de que a colocação em família substituta seja similar à filiação consanguínea.

b) Quanto à Adopção realizada por mais de uma pessoa


Quanto à possibilidade de adopção por mais de uma pessoa, a lei autoriza que podem
adoptar conjuntamente aqueles casados entre si, ou que vivam na forma conceituada pela Lei nº
9.278/96, que regulamenta a união estável. Contudo, de acordo com o artigo 42 do ECA, “os
divorciados e os judicialmente separados poderão adoptar conjuntamente, contando que acordem
sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na
constância da sociedade conjugal”.

c) Quanto à Adopção efectuada por Homossexuais


Face ao exposto na alínea anterior, observa-se que quando a Lei trata de adopção realizada
por duas pessoas simultaneamente, refere-se a um casal, composto por um homem e uma mulher,
adopção conjunta é vinculada ao casamento e união estável, regimes aos quais é vedada a adesão
de pessoas do mesmo sexo.
Contudo, não existe expressamente na Lei a proibição de uma criança ser adoptada por uma
pessoa cuja sua orientação sexual seja diversa da dita convencional. A adopção de uma criança no
Brasil pode ser feita só com uma pessoa, formando uma família monoparental, a preferência sexual
do adoptante não é significativa para o processo de adopção. Contudo, depende um pouco da
aceitação do Juíz para este tema, pois não há nenhuma regra legal no Código Civil ou no Estatuto da
Criança e do Adolescente que permita ou proíba a colocação do menor em lar substituto cujo titular
seja homossexual.
Em oposição à Lei Portuguesa, a Lei Brasileira mostra-se bastante flexível quanto a este
tema, existindo muitas crianças brasileiras no Estado de Santa Catarina a serem adoptadas por
“casais” homossexuais, não havendo grande oposição por parte dos Juíz da Vara da Infância quanto
as estes casos.

d) Quanto à condição económica do Adoptante


A condição económica, segundo relatos da Assistente Social, responsável pelo Departamento
da Adopção de Florianópolis, também não é preponderante para o processo adoptivo. É claro, que
será feito um estudo prévio das condições económicas do adoptante, pois este tem que assegurar as
condições de vida da criança adoptada.
Em Portugal, este requisito tem um peso muito importante para o processo adoptivo em
oposição à Lei Brasileira.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 64
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

5.2. Processo Adoptivo


“Adoptar é pedir à religião e à lei aquilo que da natureza não se obteve”
(Cícero)

Existem quatro principais etapas no processo de adopção:


1º - O interessado em adoptar deve ter mais de vinte e um anos e não ter nenhum antecedente
criminal. O estado civil, a classe social ou a preferência sexual não tem peso no processo, como foi
referido anteriormente.

Nesta primeira fase de inscrição, existe uma distinção para os pretendentes à adopção que
são residentes no Estado de Santa Catarina, onde a inscrição dos interessados à adopção deve ser
feita no Fórum da cidade ou da comarca onde residem, para os residentes em outros Estados a
inscrição deve ser feita no próprio Estado de residência do pretendente, tendo em vista que o CNA
(Cadastro Nacional de Adopção) supre a necessidade de habilitações diversas e por último, a
inscrição feita por estrangeiro, que devem ter habilitação na CEJA (Comissão Estadual Judiciária de
Adopção) que funciona na Corregedoria Geral de Justiça em Florianópolis.
Contudo, de acordo com o artigo 31 do ECA, “a colocação em família substituta estrangeira
constitui medida excepcional”, que quer dizer, que só depois de esgotadas todas as possibilidades de
inserção de uma criança em família substituta a nível nacional é que então se procura que esta seja
adoptada a nível internacional.

2º - Depois de fazer a inscrição51, o candidato passa por uma entrevista, faz uma dinâmica de grupo e
recebe a visita do Serviço Social do Juízado que confirmará as condições de habitação onde a
criança irá viver. Uma vez habilitado, recebe a carta de adopção, que em geral é válida por um ano.

De acordo com a autora Lucinete Silva Santos 52, esta fase exige uma preparação adequada,
onde deve incluir uma entrevista inicial para esclarecimento quanto aos aspectos/procedimentos
legais da adopção; estudo sócio-familiar e psicológico do casal ou pessoa interessada, aprofundando-
se durante a fase do estudo social; preparação dos interessados para enfrentar os mitos e
preconceitos do meio social em face da adopção; orientação psicológica que deve acompanhar os
vários estágios do processo até que ambas as partes considerem esgotada a necessidade de
acompanhamento; indicação de leitura pertinente ao assunto e ainda a reflexão quanto às questões
que motivaram a adopção.
Para Lucinete S. Santos53, a questão da motivação que leva a adoptar prende-se muitas
vezes com o facto da impossibilidade de procriação que cria em algumas mulheres o sentimento de
inferioridade e que as leva a ver na adopção a alternativa para camuflar esta situação. Nestes casos,

51
Ver anexo nº 8 - Ficha de Cadastro de Pretendentes à Adopção
52
Santos, Lucinete Silva; Adopção no Brasil: desvendando mitos e preconceitos; Serviço Social e Sociedade; São Paulo:
Cortez; ano XVIII, Volume nº 54, Julho 1997; página 162
53
Santos, Lucinete Silva; Adopção: da maternidade à maternagem – Uma crítica ao mito do amor materno; Serviço Social e
Sociedade; São Paulo: Cortez; ano XIX, Volume nº 57, Julho 1998; página 105-107
Clara R. d’Almeida Rodrigues 65
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

de acordo com a autora, estes casais pretendem sempre crianças recém-nascidas e com
características semelhantes às dos adoptantes. Tenta-se fazer de conta que a filiação é biológica,
escondendo da criança a sua história e tentando mesmo esquecer que este filho é adoptivo.
Outra das motivações, segundo a referida autora, prende-se com o sentimento de
generosidade/caridade como motivo para adoptar. Nestes casos a criança/adolescente termina sendo
colocada na condição de objecto de caridade dos adoptantes. Em função da experiência na área da
adopção, a autora diz-nos que “dificilmente pode resultar num processo satisfatório de incorporação e
vivência dos papéis parentais de pais e filhos, já que nessa perspectiva o adoptado torna-se objecto
da boa acção dos adoptantes e, certamente, não ocupará lugar de filho e sujeito no contexto familiar”.

No fim desta segunda fase, quando habilitados os pretendentes passam a figurar no CUIDA
(Cadastro Único Informatizado de Adopção e Abrigo), concorrendo à adopção em todas as Comarcas
do Estado de Santa Catarina. Este Cadastro foi instituído em 2005, até então se um pretendente de
outro Estado do Brasil quisesse adoptar uma criança do Estado de Santa Catarina teria que se
deslocar até este Estado para se inscrever para conseguir adoptar uma criança em Santa Catarina,
dificultando e aumentando o tempo de decorrência de todo o processo adoptivo.
O CUIDA é um sistema de informações acerca de pretendentes à adopção, inscritos e
habilitados em Santa Catarina, de entidades de abrigo e de crianças e adolescentes abrigados ou em
condições de colocação em família substituta.54
Este sistema de informações foi criado com o objectivo de facilitar os procedimentos relativos
ao encaminhamento de crianças e adolescentes para adopção e racionalizar a sistemática da
inscrição de pretendentes à adopção evitando a multiplicidade de pedidos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente previu a criação de Comissões Estaduais Judiciárias
de Adopção nos Estados Brasileiros. Em Santa Catarina, esta instituição adveio da Resolução nº
001/93 da Corregedoria Geral da Justiça.
Constituiu-se a Comissão, presidida pelo Corregedor Geral da Justiça e mais cinco membros,
sendo eles: um Juiz da Vara da Infância e da Juventude da comarca da capital; um Procurador da
Justiça; um Representante da Ordem dos Advogados do Brasil, secção de Santa Catarina; um
Representante do Conselho Regional de Psicologia e um Representante do Conselho Regional do
Serviço Social.
Esta Comissão Estadual Judiciária de Adopção - CEJA- foi instituída em 1993 e tem a
finalidade de contribuir para a garantia do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes no
Estado de Santa Catarina.
Existe também 23 grupos de estudos e apoio à adopção em Santa Catarina, criados e
acompanhados pelo Juízado da Vara da Infância e da Juventude e pela CEJA, que tem por objectivo
estimular as adopções nacionais e colaborar na preparação dos candidatos à adopção.

3º - Localizada uma criança com o perfil compatível com o desejado, o candidato é contactado e faz
visitas sucessivas à criança no abrigo.

54
Ver anexo nº 9 - Ficha de Cadastro de criança/adolescente em condições de colocação em família substituta.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 66
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Esta terceira fase, é uma fase bastante delicada, pois é a altura em que um pai/mãe ou uma
família se encontra em ansiedade por ver o seu filho adoptivo e há uma criança/adolescente cheia de
expectativas com a sua nova família.
Esta fase é marcada pela identificação de ambas as partes e por grande emoção.
Através das sucessivas visitas do candidato à adopção à criança no abrigo, pretende-se
estimular um vínculo afectivo entre estes e avaliar a reciprocidade de sentimentos entre os mesmos.
Segundo o artigo 46 do ECA, a Autoridade Judiciária é que fixará este prazo de convivência.
Contudo, se o adoptando não tiver mais de um ano de idade o estágio de convivência poderá ser
dispensado.

4º - Com a aprovação do Juízado, é emitida uma nova certidão de nascimento, em que os pais dão o
sobrenome ao filho e podem até, mudar o nome próprio da criança.
Esta alteração do nome está prevista no artigo 47, 5º em que nos diz que a “a sentença
conferirá ao adoptado o nome do adoptante e, a pedido deste, poderá determinar a modificação do
prenome”.

Nesta última fase existe a licença de maternidade para a mãe ou pai adoptivo que é
estabelecida mediante a idade da criança:
0 a 1 ano – 120 dias;
1 a 4 anos – 60 dias;
4 a 8 anos – 30 dias.

5.3. Adopções directas


Existem dois tipos de adopções, as que são feitas pela via judicial e as adopções directas,
também denominadas por “adopções prontas”.
O primeiro tipo de adopções, as que são feitas pela via judicial, são aquelas que nos
referimos anteriormente por todo o processo que acarretam.
Quanto às adopções directas, entendem-se como as situações que chegam até à Equipa
Técnica das Varas da Infância, já estabelecidas (sem terem passado pela inscrição para o cadastro
de adopção) em que a criança já se encontra aos cuidados desta família adoptiva que procura esta
Equipa com a finalidade de legalizar esta adopção. Nestes casos, é frequente a progenitora entregar
voluntariamente o seu filho directamente à pessoa interessada ou casal, ou por intermédio de
terceiros, desconhecendo os interessados.
De acordo com a autora Cláudia Fonseca55, a “circulação de crianças” em bairros populares
das capitais brasileiras, faz com que estas crianças passem grande parte da infância ou adolescência
em casas que não são as dos seus progenitores. O número de crianças nesta situação é
extraordinariamente elevado. Esta autora refere ainda que no universo pesquisado, mais de metade
das mães tinha em algum momento dado um dos seus filhos.
As adopções directas no Brasil são possíveis de se tornarem adopções legais. Contudo, o

55
Fonseca, Cláudia; Caminhos da adopção; São Paulo: Cortez, 1995; página 14
Clara R. d’Almeida Rodrigues 67
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Juíz da Vara da Infância não aceita de bom agrado este tipo de adopção, uma vez que prefere que
este se faça pela forma mais viável que é através do cadastro, onde há todo um estudo social e
psicológico dos interessados e um acompanhamento mais adequado de modo a proteger as crianças.
Deste modo, o Juíz tenta desmotivar este tipo de adopção, na medida em que esta
normalmente acaba por gerar medo, insegurança e ansiedade uma vez que os pais adoptivos e a
própria criança se encontram demasiado expostos, pois os pais biológicos têm conhecimento onde a
criança se encontra e podem até uns anos mais tarde chantagear e até mesmo querer extorquir
dinheiro.
Em todo o caso, o casal ou pessoa interessada pode recorrer a um advogado e tentar
oficializar esta adopção, mas dificilmente será autorizada pelo Juízado.
Segundo Lucinete S. Santos56, neste ponto levanta-se a questão se a progenitora tem o
direito de indicar o casal ou interessados na adopção do seu filho ou se simplesmente esta ao abrir
mão dos seus direitos maternos perde esse direito?
Perante esta questão a autora defende o “principio de que a escolha da progenitora deve ser
considerada ponderada desde que os interessados apresentem as condições básicas necessárias
para o bem-estar geral da criança”. Pois a autora entende que se partir do “princípio de que a
progenitora que abre mão do pátrio poder sobre seu filho – independentemente das suas razões e do
seu sofrimento – tem suprimido automaticamente o direito de escolha sobre quem poderá lhe
substituir na vida do ser que gerou durante nove meses”. Para Lucinete S. Santos, está-se a adoptar
uma visão demasiado moralista, uma vez que deixa-se de ter em conta as condições de vida e
escolhas dos indivíduos, julgando negativamente uma mãe e deste modo exclui-la da sua vida o
direito em relação ao filho que gerou.

5.4. Dados Estatísticos


De acordo com os dados oferecidos pelo CUIDA (Cadastro Único Informatizado de Adopção
e Abrigo) em Maio de 2009 existiam 145 Instituições de Acolhimento no Estado de Santa Catarina,
dividindo-se em 84 Abrigos Institucionais, 7 Casas de Passagem, 32 Casas Lares e 22 Projectos de
Famílias Acolhedoras.
Segundo os mesmos dados, existiam 1444 crianças e/ou adolescentes abrigados, sendo 748
do sexo feminino e 696 do sexo masculino.

56
Santos, Lucinete Silva; Adopção no Brasil: desvendando mitos e preconceitos; Serviço Social e Sociedade; São Paulo:
Cortez; Ano XVIII; Volume nº 54; Julho 1997; página 169-170
Clara R. d’Almeida Rodrigues 68
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

760

740

720
Crianças/Adolescentes
700
Abrigados
680

660
Sexo Feminino Sexo Masculino

Ilustração 16 - Número de crianças/adolescentes abrigados segundo o sexo em Maio de 2009

Fonte: Cadastro Único Informatizado de Adopção e Abrigo

Destas crianças e/ou adolescentes abrigados 62% tem idade acima dos 10 anos, 54%
encontram-se nas instituições por motivos de carência económica. 57
Das 1444 crianças e/ou adolescentes abrigados apenas 10% é que estão efectivamente em
condições de adopção, o que significa que já foram destituídos do poder familiar. Têm idades
compreendidas entre os 8 e os 15 anos e a adopção torna-se difícil de ser realizada devido à idade
que apresentam. Os restantes 90% de crianças abrigadas não estão em condições de serem
adoptadas porque têm ainda uma família com a qual mantêm um vínculo afectivo constante. São
filhos de pais desprovidos de poder material e emocional de cuidar, em seu sentido mais amplo.
Entretanto, essas famílias continuam juridicamente responsáveis pelos seus filhos que vivem nos
abrigos.
Quanto aos candidatos à Adopção, de acordo, com os dados fornecidos pelo CUIDA
(Cadastro Único Informatizado de Adopção Abrigo) em Maio 2009 existiam 2983 pretendentes
habilitados, sendo destes 2083 a nível estadual (de Santa Catarina), 645 interestadual (de todos os
outros Estados do Brasil) e 255 internacionais.

57
Este motivo de carência económica das famílias biológicas, que leva as crianças a serem institucionalizadas tem sido alvo de
inúmeras críticas, uma vez que segundo o ECA, Artigo 23, a carência económica não é considerado motivo suficiente para um
filho ser afastado da sua família de origem. Contudo, na prática verifica-se que este é um dos principais motivos que levam ao
abrigamento das crianças brasileiras, pois estas famílias vivem em condições de extrema pobreza.
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Feografia e Estatística) em 2007, aproximadamente um terço das famílias, vivia
com rendimento mensal de até 1 2 salário mínimo per capita.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 69
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

2500

2000

1500
Pretendentes
1000 Habilitados

500

0
Estadual Interestadual Internacional

Ilustração 17 - Número de Pretendentes à Adopção Habilitados a nível Estadual, Interestadual e a nível Internacional em
Maio de 2009

Fonte: Cadastro Único Informatizado de Adopção e Abrigo

A adopção de crianças pequenas até aos 5 anos, quando em situação de abandono, não é
demorada porque tem muitos candidatos inscritos e estes são chamados imediatamente. Quando as
crianças são maiores fica mais difícil a aceitação. Este é um tema alvo de muita preocupação e muito
retratado no Brasil, pois apresenta-se como uma grande problemática, a adopção Tardia.
Tem-se vindo a constatar a preocupação para esta causa, tentando-se sensibilizar os
pretendentes à adopção para os inúmeros casos de meninos de idade superior à desejada pelos
pretendentes, aguardando em instituições por uma família substituta.58
De acordo, com os dados fornecidos pelo CUIDA a média anual são 400 adopções nacionais
e 50 adopções para o estrangeiro. O perfil das crianças adoptadas por estrangeiros têm idades entre
os 7 e os 14 anos, são grupos de irmãos, pardas (mistura de índio com branco) ou mulatas, do sexo
masculino e são crianças que viviam em abrigos.

Adopções Nacionais

Adopções
Estrangeiras

Ilustração 18 - Número de média anual de adopções nacionais e para o estrangeiro

Fonte: Cadastro Único Informatizado de Adopção e Abrigo

58
Ver Anexo nº 10- Adopção Tardia (estudo realizado pela autora Marlizete Vargas)
Clara R. d’Almeida Rodrigues 70
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Todo este processo adoptivo não é demorado nem burocrático, o que acontece é que as
pessoas fazem muitas escolhas em relação às características da criança que pretendem adoptar.
Dos 80% dos inscritos como pretendentes à adopção aceitam crianças somente até aos 3 anos,
preferencialmente do sexo feminino, sem irmãos, saudáveis e de raça branca.
De acordo com a autora Luciene Silva Santos59, Mestre em Serviço Social e Membro
Colaboradora do Grupo de Estudos sobre Adopção do Tribunal de Justiça de São Paulo, parece-lhe
“importante e urgente iniciar uma discussão sobre a situação de milhares de crianças que estando
com idade superior a dois anos, estão praticamente condenadas a viver institucionalizadas, devido à
ausência de casais ou pessoas interessadas em adoptá-las… Urge, neste sentido, iniciar um trabalho
técnico de orientação e sensibilização dos interessados em adopção, sobretudo daqueles que estão
situados numa faixa etária entre 45/55 anos de idade, visando estimular as adopções tardias e
apresentar uma resposta às crianças com mais de dois anos de idade e que aguardam ansiosos, nos
abrigos, uma família que as acolha, possibilitando-se, assim, um futuro melhor para estas
crianças/adolescentes”.
Segundo esta mesma autora, esta escolha de idade da criança está relacionada com a ideia
de que a criança sendo recém-nascida não apresentará problemas de adaptação, uma vez que
facilmente se inserirá no meio familiar.
Outro preconceito que a autora enumera que está relacionado com a escolha da criança que
se pretende adoptar, é que esta possua uma semelhança física com o casal ou pessoa interessada.
Esta semelhança favorecerá a identificação entre as duas partes, contudo torna-se num preconceito
por partes dos pais adoptivos, pois aqui estes pais tentam esconder o facto de terem um filho
adoptivo.

6. Estudo de Caso
A realização deste trabalho de investigação proporcionou o contacto com a realidade social
das crianças em risco brasileiras que foram institucionalizadas por decisão do Juíz da Vara da
Infância e da Juventude de Florianópolis.
Assim, cumpre-nos reflectir sobre os resultados obtidos. Deste modo, a discussão de
resultados que são apresentados traduz algumas observações resultantes do tratamento e análise de
informações recolhidas nos relatórios do Abrigo Lar São Vicente de Paulo e complementados com os
processos do Juízado.
Para se aceder aos processos das crianças abrigadas no Lar São Vicente de Paulo, foi
necessário ter uma autorização escrita do Juiz da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis60,
que permitiu, deste modo, complementar toda a informação já recolhida pelos relatórios da instituição.
O estudo de relatórios e de processos tem sido uma metodologia utilizada por diversos
pesquisadores para avaliar resultados de Políticas Sociais.
Por serem retrospectivos, estes documentos possuem uma dimensão longitudinal e embora
não contenham uma versão completa dos eventos, encerram informações que a área legal e social

59
Santos, Lucinete Silva; Adopção no Brasil: desvendando mitos e preconceitos; Serviço Social e Sociedade; São Paulo:
Cortez; ano XVIII, Volume nº 54, Julho 1997; Página 163
60
Ver Anexo nº 11 – Autorização do Juiz da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 71
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

considera importantes em relação à tomada de decisões reforçando sua validade como fonte de
pesquisa.
Os relatórios e processos por possuírem uma cronologia, constituem-se testemunhos dos
percursos acidentados das crianças que tiveram sua infância judicializada.
As personagens contidas nestes processos vivem na sua maioria em favelas onde a luta pela
sobrevivência, as rupturas das uniões e a constituição de novas uniões, a mãe adolescente com
problema psiquiátrico, a desprotecção da mães e dos seus filhos perante um padrasto violento, a
orfandade causada pelas mortes de HIV, a prisão da progenitora, ou do padrasto, a exploração
económica pelo avô, as violências físicas e o abuso sexual, a dependência química dos responsáveis
pela família são alguns dos casos que vão configurando problematizações particulares e da
sociedade.
Alguns se adaptam às condições dadas, outros procuram contorná-las e construir alternativas
para a realização dos projectos familiares.
Nesse quadro a institucionalização assume características de política de assistência social
fazendo frente à insuficiência de políticas de emprego, habitação, educação e saúde.
O princípio da excepcionalidade esteve presente na maioria dos abrigamentos, dado o quadro
multifacetado de exclusão social a que está sujeita parte considerável das famílias brasileiras, o que
as impossibilita de assumir a guarda dos sobrinhos, netos, irmãos que não podem permanecer em
sua família nuclear.

6.1. Caracterização das Crianças em Estudo


Para a caracterização das crianças em risco que se encontram institucionalizadas no abrigo
Lar São Vicente de Paulo, é necessário ter em conta os seguintes aspectos:
 Identificação da criança;
 Filiação;
 Situação de saúde da criança.
Quanto à identificação da criança, pretende-se realizar o seu enquadramento relativamente à
idade, sexo, nacionalidade, raça, etc. …

6.2. Caracterização do Meio Familiar e Programas dos quais as famílias beneficiam


Após a caracterização das crianças, outro ponto importante é as condições socioeconómicas
das famílias de origem.
Através da caracterização do meio familiar, pretende-se conhecer elementos que possam
possibilitar uma melhor compreensão sobre as influências e contributos que, decorrendo do contexto
familiar, se reflictam nas situações vivenciadas pelas crianças em causa.
Para a caracterização do meio familiar com quem viviam as crianças, é fundamental ter em
conta as seguintes dimensões: agregado familiar; composição do mesmo; estado de saúde dos
progenitores; situação económica e a situação habitacional do agregado familiar.
Para além da caracterização do meio familiar é essencial também neste ponto referir quais os
Clara R. d’Almeida Rodrigues 72
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Programas que as famílias beneficiam. Programas estes criados pela Prefeitura Municipal de
Florianópolis que achou ser necessário a criação de uma rede de atendimento composta por vários
programas com características distintas mas que se complementam, com o principal objectivo de
implementar uma política de prevenção e atendimento à criança e sua família, visando garantir os
direitos das crianças assegurados por lei.

6.3. Identificação da Situação de Risco e da Entidade Sinalizadora


A denúncia ou sinalização, considerada como a fase inicial de um processo de uma
intervenção junto das crianças em risco, tem uma importância crucial para a identificação das
situações de perigo e posterior acompanhamento dos processos.
Deste modo, torna-se imprescindível começar por se analisar as entidades responsáveis pela
sinalização das situações de perigo destes três processos.

6.4. Solução encontrada e Projecto de Vida


Foi um desafio em vinte e cinco casos possíveis de serem estudados, optar apenas por três
casos, porque cada situação é única e tem particularidades muito próprias.
A escolha destes três casos, prende-se ao facto da grande diferenciação quanto ao tipo de
acolhimento e que por isso mesmo a solução encontrada e o projecto de vida de cada uma das
crianças em estudo também será bem diferenciado.
Foi possível encontrar três casos bem distintos em que os três irão ter soluções diferentes de
modo a que se possa ter um campo mais alargado de vivências que permita uma maior perspectiva
da realidade brasileira.

Nota: os nomes de todos os intervenientes presentes no estudo de caso são fictícios de modo a
proteger a identidade das crianças.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 73
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Caso nº 1: Andreia

Caracterização da criança:
A Andreia nasceu a 3 de Abril de 2007, tem deste modo, actualmente dois anos de idade. É
do sexo feminino, de nacionalidade Brasileira, é de raça negra, está registada com nome de pai e de
mãe e é natural de Florianópolis.
A Andreia foi institucionalizada em 31 de Julho de 2008, no Lar São Vicente de Paulo, em
Florianópolis, com uma Medida de Protecção de Abrigo em Entidade.

Sinalização:
A sinalização do caso da Andreia foi efectuada em 16 de Agosto de 2007 pela Unidade de
Saúde Local.
Nesta denúncia constava que a recém-nascida Andreia, estava sendo negligenciada ao que
se refere aos cuidados de saúde, bem como sendo exposta às ruas para a prática de mendicidade.
Mais tarde, nova denúncia foi efectuada ao Conselho Tutelar, de que a criança era
constantemente alimentada com café e que os progenitores usavam álcool e drogas na frente da
mesma.
Contudo, a Andreia tem quatro irmãos e três tios que foram anteriormente institucionalizados,
e deste modo, esta família teve inúmeras sinalizações feitas por várias entidades ao longo de todo o
processo, que serão enunciadas ao longo das problemáticas existentes.

Caracterização do meio familiar:


A configuração deste caso é muito particular uma vez que existe duas mães e um pai.
Entendemos tratar-se de uma família que vive em bigamia, pois o progenitor (Sr. Álvaro)
convive maritalmente na mesma casa com a avó da Andreia (Sra. Marcela) e com a progenitora (Sra.
Albertina).
Da união do progenitor com a avó da criança, resultaram três filhos: Antonieta, actualmente
com catorze anos, Alexandre com doze anos e André com nove anos.
A família é recomposta, visto que antes de casar com o Sr. Álvaro, a Sra. Marcela (avó) teve
uma filha, a Sra. Albertina (mãe da Andreia) que também vive maritalmente com o Sr. Álvaro (o seu
padrasto), havendo fortes suspeitas de que o Sr. Álvaro tenha abusado sexualmente da Sra.
Albertina, quando esta era ainda adolescente.
Da união da Sra. Albertina e do Sr. Álvaro, nasceram quatro filhos: Alzira, actualmente com
sete anos, António com quatro anos, Adalberto com três anos e a Andreia com dois anos.
A Sra. Albertina teve anteriormente à união com o Sr. Álvaro outro filho, Alfredo que possuí
treze anos. O Alfredo vivia na casa da avó paterna, mas como esta faleceu, foi viver com a
progenitora (Sra. Albertina).
Este adolescente não frequenta a escola e é analfabeto.
Para melhor compreensão do agregado familiar, apresentamos o seguinte esquema:
Clara R. d’Almeida Rodrigues 74
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Ilustração 19 - Agregado familiar da Andreia.

A família apresenta forte carência socioeconómica e cultural. O progenitor não possui


qualificação profissional e está constantemente desempregado. Este é usuário de álcool e drogas,
agredia os filhos e “as companheiras” com frequência.
O sustento da família provinha da mendicidade das crianças, onde se mantinha a exploração
económica dos filhos, uma vez que nenhum dos adultos exercia trabalho remunerado e também se
aproveitavam dos benefícios recebidos dos Programas da Rede de Atendimento de Florianópolis.
Contudo, parte desses recursos eram utilizados para a manutenção da dependência alcoólica do
mesmo, privando as crianças do direito de terem uma alimentação adequada.
A relação familiar era muito conflituosa, havendo brigas frequentes entre os adultos.
Tanto a progenitora como a avó da criança em causa são portadoras de deficiência mental.
A progenitora é de difícil relacionamento, onde apresentava comportamento agressivo e
inconstante, principalmente em relação aos filhos.
As crianças não frequentavam regularmente a escola e mendigavam tanto no período
nocturno como diurno nas ruas.
Quanto à situação habitacional deste agregado, não consta em nenhum dos relatórios deste
caso, nenhuma visita domiciliária realizada.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 75
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Problemas e diligências efectuadas:


Para melhor compreensão do caso da Andreia, é importante começar pelo histórico da
família, de modo a se conseguir ter uma percepção global de todo o contexto onde está criança se
encontrava inserida. Para tal, começar-se-á por enunciar o percurso de vida dos irmãos e tios da
Andreia.
Foram encontrados relatos de atendimento à família no Programa SOS Criança datados
desde 2001. Nas informações a respeito da família, nas sinalizações feitas consta que as crianças
apresentam inúmeras faltas na escola.
O parecer social do técnico que atendeu a família no Programa SOS Criança em 2003 relata
sobre a comprovação que a menor Antonieta (tia da Andreia) sofreu violência sexual enquanto
mendigava pelas ruas e recomendava que a família recebesse atendimento psicossocial sistemático
no Programa Sentinela.
Em Janeiro de 2003, a família começou a ser atendida pelo PETI, sendo apenas Alexandre
(tio de Andreia) e Antonieta (tia da Andreia) que recebiam o benefício da Bolsa Criança Cidadã, com
o objectivo de que estas crianças frequentassem a escola e deixassem de mendigar pelas ruas de
Florianópolis, contudo, era o progenitor o responsável pelo recebimento da Bolsa, gastando todo o
dinheiro da Bolsa em bebida alcoólica.
Em Outubro de 2004, a família passou a ser acompanhada pelo POASF por se tratar de uma
família que se encontrava em situação de carência económica, uso de álcool por parte dos pais,
negligência severa e problemas psiquiátricos da mãe.
De acordo com o parecer social deste último Programa (PROASF), o Sr. Álvaro era usuário
de álcool , não se responsabilizando pelo sustento dos filhos, agredindo-os frequentemente e
costumava, ter relações sexuais com as companheiras na frente das crianças.
De acordo com um relato da Psicóloga do Posto de Saúde Local, ressaltava a sua
preocupação com a possibilidade de Antonieta (tia) sofrer violência sexual pelo pai, tendo em vista o
comportamento da adolescente, que se apresentava com um comportamento muito sexualizado para
a sua idade e por esta dormir no quarto com o progenitor, enquanto que os irmãos dormiam com a
mãe.
Entretanto a família deixou de comparecer aos atendimentos marcados, aparecendo apenas
quando objectivavam conseguir algum benefício, impedindo deste modo, a realização de um
atendimento sistemático que pudesse levar a mudanças na organização familiar.
De acordo com a direcção da creche, a família era extremamente negligente em relação à
higiene pessoal das crianças e a alimentação dos mesmos não era dada de forma adequada,
chegando à creche sempre com fome.
Em Outubro de 2005, a professora relata que as crianças Alexandre e Antonieta (tios)
estavam bem atrasados em relação ao ano escolar, possuíam dificuldades para assimilar o conteúdo
das matérias, não estavam alfabetizados, não faziam as actividades solicitadas, apresentando
grandes dificuldades cognitivas e de dicção, apresentando comportamento agressivo em relação aos
colegas da escola.
Um outro profissional da escola relatou que encontrou as crianças na rua a pedirem esmola.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 76
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Nos atendimentos realizados, quando questionados sobre a dinâmica familiar, as crianças


normalmente faziam relatos em defesa dos pais, porém em alguns momentos referiam o alcoolismo
do pai e também que a Sra. Marcela (avó da Andreia) fazia uso de bebidas alcoólicas, que a mãe
vendia roupas e alimentos para comprar tabaco e álcool e que faltavam às aulas porque não tinham
roupas limpas para usar e não queriam ir sujos.
Ambas as crianças referiam-se ao progenitor como um modelo/referência.
O POASF tentou acompanhar a família no sentido de responsabilizar os progenitores quanto
aos cuidados e protecção dos filhos, bem como, ao abandono dos hábitos de rua, a frequência
escolar, a matrícula dos mesmos em projectos extra-escolares, cuidados de saúde e higiene, entre
outros. Ainda propuseram à família o acompanhamento psicológico para as crianças com o objectivo
de trabalhar com os mesmos a auto-protecção e o auto-cuidado.
Contudo, constatou-se que para além de deixarem de comparecer aos atendimentos, não
frequentavam a escola não compareciam assiduamente aos atendimentos psicológicos, a família
também não fez as matrículas das crianças para o ano de 2006 e ainda eram vistas as crianças na
rua até de madrugada a mendigarem, os cuidados de higiene continuavam muito precários e os
menores não frequentavam a creche, ficando em casa aos cuidados dos adultos.
A 12 de Novembro de 2005, a criança Alexandre na altura com oito anos foi vítima de
violência sexual praticada por um adolescente da comunidade, com a agravante do facto não ter sido
denunciado pelos progenitores, sendo descoberto apenas com a intervenção de uma agente de
saúde, que levou a mesma criança a ser internada no Hospital Infantil Joana Gusmão, em
Florianópolis.
Posto tudo isto, e pela inexistência de familiares que se pudessem responsabilizar pelos
cuidados de forma adequada das crianças, a 10 de Janeiro de 2006 o Juíz da Vara da Infância e da
Juventude de Florianópolis determinou que as crianças fossem abrigadas, decretando uma acção de
destituição do poder familiar e busca e apreensão com abrigamento dos menores.
A Antonieta foi institucionalizada na Casa Lar Cretinha, o Alexandre, o André e o Alfredo
foram institucionalizados na Acção Social, enquanto a Alzira, o António e o Alberto foram
institucionalizados na SERTE (Sociedade Espírita de Recuperação, Trabalho e Educação).
Em 10 de Agosto de 2007, o POASF deixou de atender à família. Porém foi realizado
acompanhamento sistemático no período de Julho de 2004 a Junho de 2006.
Após o abrigamento das crianças a intervenção com a família foi pautada na reorganização familiar.
No entanto, consta no parecer social que naquele período não ocorreram mudanças significativas
para a reinserção familiar das crianças e adolescentes institucionalizados. A família não possuía
condições internas de accionar mecanismos que possibilitassem as mudanças nos padrões
comportamentais estabelecidos.
A 3 de Abril de 2007, nasceu a Andreia quando os irmãos e tios desta já se encontravam
institucionalizados.
Em Agosto de 2007 houve uma denúncia da Unidade de Saúde Local onde constava que a
Andreia estava sendo exposta às ruas com os progenitores enquanto estes mendigavam utilizando a
criança para a mendicidade, referindo que a menor estava sendo negligenciada quanto aos cuidados
Clara R. d’Almeida Rodrigues 77
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

de saúde e que estava sendo frequentemente alimentada com café e que os progenitores usavam
drogas e álcool na frente da criança pondo em risco a sua saúde e integridade física.

Institucionalização:
Face a todo o exposto anteriormente, em 29 de Julho de 2008, o Juiz da Vara da Infância e
da juventude de Florianópolis determinou a acção de perda e suspensão do poder familiar da
Andreia.
Esta criança foi institucionalizada a 31 de Julho de 2008 no Lar São Vicente de Paulo, por
decisão do Juiz com Medida Protectiva Excepcional de Abrigamento, artigo 136, I e II, artigo 101, VII
do ECA.
A Andreia chegou à instituição acompanhada por um Oficial de Justiça, não apresentava
marcas nem hematomas no corpo, apenas vinha com roupas muito sujas.
No dia 2 de Agosto o Juízado suspendeu o poder familiar do mesmo, sendo citados
pessoalmente onde estes não apresentaram contestação quando à suspensão.
A criança foi atendida no dia 4 de Agosto de 2008, pelo pediatra voluntário do Abrigo, sendo
diagnosticada como uma criança saudável.
Durante todo o tempo que a Andreia se encontrou institucionalizada, nenhum familiar
compareceu na Instituição para procurar ou saber algo da situação da criança, mostrando assim, um
elevado desinteresse.
Apesar desta criança ter irmãos abrigados em outras instituições de Florianópolis, nunca se
tentou fortalecer o vínculo entre irmãos, uma vez que estes foram abrigados antes do nascimento da
Andreia.

Solução encontrada e Projecto de Vida:


Todas as crianças merecem ter a sua vida pautada por segurança, amor e protecção, para tal
e diante da dinâmica que esta família apresenta, de nenhum familiar ter manifestado algum desejo
em obter a guarda da criança, visto o histórico familiar que já é permeado por adopções de outros
irmãos e tios maternos da referida criança e intervenções sem sucesso com a família da mesma, a
assistente social e a psicóloga do Abrigo Lar São Vicente de Paulo, onde a menor se encontrava
institucionalizada, sugeriram a inserção da Andreia em uma família substituta garantindo uma
referência familiar, bem como um desenvolvimento social e emocional saudável.
Em 14 de Abril de 2009, foi decretado pelo Juiz da Vara da Infância e da Juventude que a
Andreia devesse ser colocada em família substituta, iniciando assim o seu processo de adopção.
Em 24 de Abril de 2009, a Andreia foi adoptada por um casal heterossexual.

Conclusão:
Neste caso foi visível que o curto tempo de institucionalização da criança foi benéfico, uma
vez que rapidamente se conseguiu a colocação desta criança em família substituta através da
adopção.
A Andreia tem actualmente dois anos e como podemos constatar o processo de adopção
Clara R. d’Almeida Rodrigues 78
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

desta criança decorreu num período de tempo bastante curto, uma vez que o processo de adopção
iniciou-se a 14 de Abril e no dia 24 do mesmo mês a criança foi adoptada.
Infelizmente, nem todos os casos no Brasil se processam com a mesma rapidez, existindo
milhares de famílias em lista de espera por um filho.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 200 mil
crianças sem família no Brasil.
Um dos factores que levou a que o processo de adopção desta criança fosse bastante mais
rápido que o comum deveu-se ao facto da idade que esta apresenta, pois de acordo com as
estatísticas, apenas 4% dos pretendentes à adopção estão dispostos a levar para casa uma criança
com idade superior a quatro anos.
De acordo com uma reportagem realizada em 2004, sobre as famílias que pretendem adoptar
crianças no Brasil, em São Paulo cerca de dois mil candidatos aguardam uma menina de raça
branca, de olhos azuis com até um ano de idade. Uma criança com essas características, segundo a
pesquisa efectuada pelo repórter, aparece para adopção apenas uma vez por ano, o que implica que
o último pretendente da fila teria de viver dois mil anos para conseguir adoptar.
Quanto mais exigentes, ao nível de características físicas das crianças, os pretendentes para
adopção forem, mais anos terão de aguardar até poderem concretizar o sonho de serem pais, sendo
essas exigências um verdadeiro entrave a todas as crianças que esperam eternamente numa
instituição por uma família que as receba para serem parte integrante dela.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 79
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Caso nº 2: Gustavo

Caracterização da criança:
O Gustavo nasceu a 17 de Junho de 2001, tem portanto, actualmente oito anos. É do sexo
masculino, de nacionalidade Brasileira, é de raça branca, está registado com nome de pai e de mãe e
é natural de Florianópolis.
Trata-se de uma criança que nasceu prematura, com visíveis sequelas da sua prematuridade,
apresentou baixo peso ao nascer, tem bastantes problemas no seu desenvolvimento
neuropsicomotor, traços autistas, hiperactividade, estrabismo, não fala, não ouve, não tem
capacidade de controlar as fezes, tem microcefalia61 e estereotipias.62
Deste modo, Gustavo é uma criança que necessita de cuidados especiais, acompanhamento
constante e medicação diária.
Devido a todas as suas incapacidades, a escolaridade desta criança é realizada numa escola
especial, em Florianópolis, a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais).63
O Gustavo foi institucionalizado em 11 de Setembro de 2001 no Lar São Vicente de Paulo,
em Florianópolis com uma Medida de Protecção de Abrigo em Entidade.

Sinalização:
O caso do Gustavo foi sinalizado pela assistente social da Maternidade Carmela Dutra, em
Florianópolis em 10 de Setembro de 2001, onde o Gustavo nasceu.
Esta enviou um relatório para o Juízado da Vara da Infância e Juventude, onde concluía que
a progenitora apresentava um desvio de conduta, sem condição de se auto determinar e com pouco
suporte familiar sendo a sua condição socioeconómica bastante desfavorável.
A Sra. Úrsula (progenitora da criança em causa) foi na altura encaminhada para um médico
psiquiatra para avaliação, constatando-se que a paciente se encontrava incapacitada para assumir as
suas funções, até que fosse realizado um tratamento adequado.
Na altura, a assistente social da Maternidade não encontrou nenhuma pessoa disponível na
família alargada que pudesse assumir a guarda provisória do Gustavo, sugerindo que este ao receber
a alta hospitalar devesse ser recolhido por uma instituição de acolhimento temporário.

Caracterização do meio familiar:


A família desta criança, trata-se de uma família recomposta, pois a progenitora (Sra. Úrsula)
possui dois filhos, Débora actualmente com 21 anos, fruto de um envolvimento amoroso e Jairo
actualmente com 16 anos, fruto de outro envolvimento amoroso.

61
Microcefalia entende-se por: Pequenez anormal da cabeça. (L. Manuila; A. Manuila; P. Lewalle e M. Nicoulin; Dicionário
Médico, Volume I; Climepsi Editores, Lisboa, 2000)
62
Estereotipias refere-se a movimentos repetitivos do corpo ou de objetos. Este comportamento é comum em muitos indivíduos
portadores de distúrbios do desenvolvimento , embora pareça ser mais comum no autismo. Na verdade, se uma pessoa com
algum tipo de deficiência apresentar um comportamento de auto-estimulação, freqüentemente será também rotulada de portar
características autísticas. (http://maoamigaong.trix.net)
63
Esta instituição iniciou a sua missão em 26 de Agosto de 1964, com 41 pessoas que se encontravam ligadas directa ou
indirectamente ao problema da pessoa portadora de deficiência mental com o objectivo de promover e articular acções de
defesa de direitos, prevenção, orientação, prestação de serviços e apoio às famílias direccionadas à melhoria da qualidade de
vida da pessoa com deficiência mental
Clara R. d’Almeida Rodrigues 80
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

O progenitor (Sr. António) esteve anteriormente casado, durante quinze anos e desta união
possui três filhos: Fábio com 28 anos, casado; Camila com 23 anos e a Clara com 21 anos. As
mesmas residem com a mãe.
O Sr. António e a Sra. Úrsula vivem em união de facto há 12 anos e desta união possuem um
filho. O Gustavo.
Para melhor compreensão desta composição familiar, apresentamos o seguinte esquema:

Ilustração 20 - Agregado familar do Gustavo

Sr. António (progenitor) tem actualmente 48 anos, é pedreiro e a Sra. Úrsula (progenitora)
tem 39 anos e é revendedora da Avon. Estamos a falar de uma família com uma condição
socioeconómica desfavorável e com pouco suporte familiar.
Em 4 de Janeiro de 2002 foi realizada pela assistente social do Conselho tutelar uma visita
domiciliária, onde segundo o relatório da mesma, o casal vivia numa casa de madeira, simples, sem
conforto, composta por quatro divisões, sendo precárias as condições de higiene e habitabilidade. A
casa do casal encontrava-se construída no terreno da mãe da Sra. Úrsula, e no mesmo terreno
encontrava-se a casa da mesma e também uma casa de um irmão da Sra. Úrsula, portanto tio
materno do Gustavo.
A Sra. Úrsula declarou que a sua mãe era deficiente visual (cega) e o seu irmão que reside
ao lado da sua casa é usuário de droga e de álcool, sendo uma pessoa extremamente agressiva.
Em entrevista com a tia materna do Gustavo (Sra. Rosa), actualmente com 42 anos, declarou
que a sua irmã sempre viveu próximo da sua casa e que a progenitora não criou os seus filhos
(Débora e Jairo), que estes foram criados pela avó e que esta sempre teve que auxiliar nos cuidados
Clara R. d’Almeida Rodrigues 81
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

dispensados à adolescente e à criança. Declarou também que a Sra. Úrsula não possui condições
para educar adequadamente o Gustavo, que esta tem bastantes problemas em se relacionar com o
irmão que vive na casa ao lado da sua, por este ser usuário de álcool e drogas e por este a agredir
com frequência.
O Sr. António declarou que a Sra. Úrsula é uma pessoa bastante instável, com problemas
psiquiátricos e que é bastante difícil a convivência com a mesma, sendo uma relação pautada por
grandes conflitos.

Institucionalização:
No caso do Gustavo, a institucionalização foi o caminho que assegurava a sua protecção,
pois tratava-se de uma situação de risco, em função da incapacidade psicológica da progenitora em
cuidar do filho. A criança nasceu prematura, necessitando de cuidados especiais e como não existia
ninguém na sua família alargada capaz de assegurar a sua protecção e o seu desenvolvimento
saudável, em 11 de Setembro de 2001 foi determinado pelo Juiz da Vara da Infância e da Juventude
de Florianópolis o abrigo do recém-nascido Gustavo na instituição Lar São Vicente de Paulo com
Medida de Protecção de Abrigo em Entidade.
O Gustavo foi institucionalizado em 11 de Setembro de 2001, após a alta hospitalar a criança
foi abrigada no Abrigo Lar São Vicente de Paulo, onde continua abrigado até à recente data. Desde a
sua institucionalização os progenitores fizeram poucas visitas à criança, não mantendo o vínculo
afectivo.
Por não apresentarem mudança na dinâmica familiar, os pais em 10 de Março de 2004,
perderam o poder familiar da criança, sendo esta encaminhada para adopção.
Durante todo o tempo que Gustavo se encontra institucionalizado, constata-se que o menor
não se vincula afectivamente a ninguém (característica dos traços autistas que apresenta),
submetem-no frequentemente a avaliação neurológica, existindo um forte acompanhamento médico,
a criança recebe também atendimento semanal de fisioterapia na Associação Santa Catarina de
Reabilitação e atendimento com fonocudióloga e otorrino, em Florianópolis e é acompanhado pelos
profissionais da APAE.
Ao longo do todo o tempo da institucionalização do Gustavo, constata-se um desenvolvimento
bastante lento tanto ao nível motor como ao nível psicológico.

Problemas e diligências efectuadas:


O Gustavo é a criança que há mais tempo se encontra abrigada no Lar São Vicente de Paulo,
pois logo após o nascimento foi institucionalizado permanecendo até então.
Devido a este factor, o processo do Gustavo, é um processo muito extenso, datado desde
2001 até ao corrente ano.
O Gustavo é uma criança que necessita de cuidados especiais devido à sua insuficiência
tanto física como psíquica.
Em 7 de Março de 2002, em declarações prestadas em tribunal o Sr. António disse que em
virtude do estado psiquiátrico da sua companheira, considera que esta não tem condições de assumir
Clara R. d’Almeida Rodrigues 82
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

os cuidados sobre o filho. Declarou também que a gravidez não foi planeada, que os dois não
pretendiam ter aquele filho, que por ele, o Gustavo poderia ser entregue para adopção.
Na mesma data, em declarações prestadas em tribunal, a Sra. Rosa (tia materna do
Gustavo), disse que acompanhou Gustavo quando este foi encaminhado para o Lar são Vicente de
Paulo e demonstrou o seu desejo em assumir guarda do sobrinho, declarando que tem filhos e
sobrinhos que a poderiam auxiliar.
Em 12 de Março de 2002 foi pedido à Sra. Rosa que apresentasse a documentação para
formalizar a guarda da criança, contudo esta acabou por nunca comparecer, mostrando deste modo o
seu desinteresse.
Uma vez extinto o poder familiar dos progenitores sob a guarda da criança, em 10 de Março
de 2004 e pela tentativa falhada de entregar o Gustavo à guarda da tia materna, o Desembargador da
Comissão Estadual Judiciária de Adopção (CEJA), em 28 de Julho de 2004, informou que em
consulta aos bancos de dados de pretendentes à adopção nacional e internacional, não foi localizado
interessado na adopção da criança.
Devido à gravidade do quadro de saúde do Gustavo torna-se bastante dificultosa a colocação
em família substituta, mesmo a nível internacional.
Com sete anos de idade, o Gustavo extrapola a faixa etária atendida pelo Lar São Vicente de
Paulo, onde se encontra abrigado. Para além deste facto, o seu comportamento, consequente das
necessidades especiais das quais é portador, coloca em risco as restantes crianças do abrigo.
Como tal, a Assistente Social da instituição com o objectivo de providenciar a transferência do
Gustavo, efectuou contacto telefónico com a directora administrativa do Lar Menino Deus em Brusque
que logo manifestou preocupações em relação ao atendimento que o Gustavo receberia ao ser
transferido para aquele abrigo, uma vez que o Lar Menino Deus, atende adultos, na maioria
portadores de doenças mentais e neuro-psiquiátricas e de que no momento estavam a atender 16
internos, na faixa etária de 18 a 60 anos, existindo apenas duas monitoras no abrigo, uma no período
diurno e outra no nocturno.
Deste modo, considerando as condições de saúde e as necessidades que o Gustavo exige e
avaliando que as condições oferecidas pelo Lar Menino Deus, não atendiam essas necessidades,
poderiam colocá-lo em situação de risco.
Perante esta situação, ficavam esgotadas todas as possibilidades de transferência de
instituição, uma vez que era inexistente outra instituição que pudesse atender adequadamente as
necessidades da criança.

Solução encontrada e Projecto de vida:


Devido aos problemas graves de saúde que o Gustavo apresenta e como podemos
percepcionar pelos pontos anteriores aqui enunciados, a adopção desta criança é bastante difícil de
ser concretizada, pois o Gustavo há cinco anos que aguarda a sua colocação em família substituta
através da adopção, uma vez que os seus pais foram destituídos do poder familiar. Até então, não foi
possível encontrar nem no CUIDA (Cadastro Único Informatizado de adopção e abrigo) e nem na
CEJA (Comissão Judiciária de Adopção), pretendentes a adopção de criança com as características
Clara R. d’Almeida Rodrigues 83
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

do Gustavo, ou seja, portador de necessidades especiais.


Uma vez que o Lar São Vicente de Paulo, instituição onde o Gustavo se encontra abrigado,
atende somente crianças dos 0 aos 6 anos de idade e o Gustavo já tem sete anos, passa deste modo
a faixa etária atendida por esta instituição. Além disso, o seu comportamento começou por pôr em
risco as outras crianças abrigadas na mesma instituição. Contudo, perante a inexistência de outra
instituição que pudesse atender adequadamente às suas necessidades, o Juízado da Vara da
Infância e da Juventude de Florianópolis decidiu em 30 de Março de 2009, verificar a situação actual
da família de origem do Gustavo, através de uma visita domiciliária e de uma entrevista com a
progenitora, o progenitor e com a irmã mais velha da criança, a fim de apurar se será possível a
realização de um retorno familiar como projecto de vida para o Gustavo.
Desta entrevista e visita domiciliária apurou-se que:
 A progenitora demonstrou que ainda nutre a esperança de ter sob seus cuidados o seu filho;
 A progenitora demonstrou que tem um bom senso de organização;
 A casa encontrava-se em fase de acabamento de construção, contudo apresentava-se
organizada e limpa;
 A Sra. Úrsula continua a viver com o progenitor do Gustavo e tem a seu cuidado o filho Jairo,
com 16 anos de idade;
 A irmã mais velha, Débora de 21 anos, é casada e reside no mesmo bairro;
 O Sr. António continua a trabalhar como pedreiro e a Sra. Úrsula vende produtos da Avon e
roupas;
 Através do trabalho dos progenitores, construíram a nova casa e que aos poucos estão a
fazer o acabamento necessário;
 O Sra. António confessou que partilha com a Sra. Úrsula o desejo de assumir o filho;
 O Sr. António relatou que a Sra. Úrsula apresenta uma significativa melhoria no quadro de
depressão e de distúrbios psiquiátricos que apresentou após o parto do Gustavo e que agora tem
condições psicológicas para assumir os cuidados com o filho, dizendo que esta agora é uma pessoa
responsável e organizada no que faz, tanto no trabalho como vendedora como também nos cuidados
com a casa;
 O Sr. António refere que possuí uma boa convivência com os filhos da Sra. Úrsula e que a
ajudou na criação destes;
 A Débora (irmã do Gustavo) declarou que apesar de morar em outro endereço, está sempre
em contacto com a progenitora, irmão e padrasto, salientando a melhoria no quadro de saúde
emocional da sua mãe, conseguindo manter com esta uma boa convivência;
 Débora referiu que auxiliará a mãe nos cuidados com o Gustavo e que deseja muito o seu
retorno familiar;
 Tantos os progenitores como a irmã demonstraram consciência dos problemas apresentados
pelo Gustavo e da necessidade de cuidados especiais que ele exige. Perante o estudo feito à família
biológica do Gustavo, conclui-se que esta apresenta disponibilidade afectiva para acolhê-lo, como
também, estrutura para atender às suas necessidades se receber um acompanhamento adequado.
Deste modo, o Juiz autorizou a 16 de Abril de 2009, uma aproximação gradativa entre a
Clara R. d’Almeida Rodrigues 84
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

criança e a sua família de origem, iniciando-se através de visitas à instituição e posteriormente de


saídas do Gustavo da instituição para passar os fins-de-semana com a família.
Todo este processo, segundo o Juiz, terá que ser acompanhado pela equipa técnica do
abrigo e pela Psicóloga e Assistente Social do sector técnico do Juízado, com o objectivo da
realização de um retorno familiar.
A 23 de Abril de 2009 o Provedor do Lar são Vicente de Paulo foi a tribunal romper com o
compromisso de ter sob a sua guarda esta criança.

Conclusão:
Numa primeira análise superficial do caso do Gustavo, parece imatura a decisão do Juiz, ao
decretar um retorno ao convívio familiar desta criança, uma vez que este se encontra
institucionalizado desde que nasceu e em sete anos não foi criado qualquer tipo de vínculo com a
família de origem. Contudo, também não existe nenhuma instituição que promova um acolhimento
adequado às suas características.
Fazendo uma análise aprofundada de todo este caso, rapidamente se considera que o que
parecia imaturo em tal decisão, consegue-se agora percepcionar que é a solução mais viável, tendo
em conta o contexto familiar que foi alterado durante os anos de institucionalização do Gustavo quer
também pelas próprias características psíquicas e comportamentais deste.
Passa-se a explicar:
O retorno familiar é uma fase muito delicada tanto na vida da criança como na vida da própria
família.
Para a adaptação não ser muito “dolorosa” é indispensável que o tempo de institucionalização
da criança seja o mais reduzido possível e que se preserve os vínculos afectivos, para que o regresso
ao lar seja sinónimo de segurança para a criança.
No caso do Gustavo isso não seria possível devido ao tempo de acolhimento e à inexistência
de vínculos com a família biológica, mas tendo em conta de que se trata de uma criança em que foi
diagnosticada como ser possuidora de traços autistas, o problema da vinculação familiar não se
colocará, uma vez que este não se vincula a ninguém, característica da doença que comporta. “A
organização Mundial de Saúde define o Síndrome do Autismo como sendo uma síndrome presente
desde o nascimento e que se manifesta invariavelmente antes dos 30 meses de idade (…) ocorrem
problemas muito graves de relacionamento social antes dos cinco anos de idade, como incapacidade
de desenvolver contacto olho a olho, ligação social, vinculação e jogos em grupo”.64
Quanto ao estado psicológico da progenitora temos de ter em conta que o surgimento dos
sintomas psiquiátricos apresentados pela Sra. Úrsula esteve relacionado com os seguintes eventos
traumáticos associados: a gravidez não planeada bem como a inexistência de desejo de serem
novamente pais, conflitos familiares vivenciados durante a gravidez, ausência de apoio emocional da
família de origem perante o nascimento prematuro do Gustavo, o internamento do recém-nascido nos
cuidados intensivos em função do risco de vida, impossibilidade de cuidar e amamentar o bebé.
Actualmente, a progenitora apresenta significativa melhora nos sintomas psiquiátricos, não

64
Gauderer, Christian; Autismo e outros atrasos do desenvolvimento. Guia prático para pais e profissionais; 2ª Edição Revista
e Ampliada, Revinter; Rio de Janeiro, 1997,Pág.32
Clara R. d’Almeida Rodrigues 85
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

realiza acompanhamento por profissionais de saúde mental e não faz uso de medicação.
De acordo com Andreani (2006), no parto prematuro, a autora explica: “surge então, tanto um
bebé prematuro, quanto uma mãe prematura e um pai prematuro, parceiros distintos, formados a
partir de uma gestação interrompida precocemente (…) o nascimento de um bebé prematuro tende a
ser vivido como um momento de crise aguda, ansiogênico e desgastante. A separação imposta pelo
internamento do bebé numa UTI Neonatal é dolorosa para a mãe, para o pai e também para o bebé
(…) a família, por sua vez também prematura, geralmente não dispõe de recursos pessoais e/ou
sociais para lidar com esta situação mobilizadora e stressante, podendo deflagrar neste momento
conflitos de diversas ordens.” 65
As mudanças constatadas actualmente na família biológica do Gustavo relacionam-se com a
estabilização nas condições de saúde da progenitora, manutenção do vínculo conjugal e crescimento
dos irmãos. A família biológica demonstra disponibilidade afectiva e instrumental para aceitar as
necessidades do Gustavo e se organizar para atendê-las, bem como também existe um sentimento
de pertença em relação à criança.

65
Andreani, G.Custódio, Z. A.O. e Crepaldi, M.A. (2206) Tecendo as redes de apoio na prematuridade. Aletheia, Dez. 2006,
págs. 115-126
Clara R. d’Almeida Rodrigues 86
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Caso nº 3: Laís

Caracterização da criança:
A Laís nasceu a 21 de Dezembro de 2003, tem actualmente cinco anos. É do sexo feminino,
nacionalidade Brasileira, é de raça negra, está registada com apenas nome de mãe e é natural de
Florianópolis.
A Laís foi institucionalizada a 18 de Dezembro de 2007, no Lar São Vicente de Paulo, em
Florianópolis, com uma Medida de Protecção de Abrigo em Entidade.

Sinalização:
As sinalizações feitas contra a família desta criança foram iniciadas em 1999, quando a Laís
ainda não tinha nascido.
Para melhor compreensão de todo o histórico familiar, estas sinalizações seram enunciadas
mais à frente no ponto dos Problemas e Diligências efectuadas.
Após o nascimento da Laís, em Março de 2003, através de uma visita domiciliária efectuada
pelo Programa POASF, constatou-se que a Laís estava com dermatite por falta de higiene.
Meses mais tarde, em contacto com o Programa Abordagem de Rua, o Conselho Tutelar foi
informado que a progenitora ia para a rua vender “balas”66 e usava a Laís para pedir esmola.
Em 2004, houve novamente inúmeras sinalizações de que as crianças se encontravam em
risco por negligência.

Caracterização do meio familiar:


O agregado familiar desta família era composto por Sandro (irmão da Laís) actualmente com
quinze anos, Lucas (irmão da Laís) de doze anos, Leandro (irmão da Laís) com onze anos, Laís (a
criança em estudo) com cinco anos, Sra. Alda (progenitora) e o Sr. Cassias (avô).
Para melhor compreensão de toda a estrutura familiar é necessário começar por explicar a
história de vida da progenitora, a Sra. Alda.
De acordo com relatórios de entrevistas realizados à progenitora, concluí-se que:
 Os pais da mesma, separaram-se quando esta era muito pequena e a sua mãe passou a
conviver maritalmente com o Sr. Cassias, o qual a registou como filha;
 Quando a Sra. Alda tinha aproximadamente cinco anos, a sua mãe faleceu, ficando ela sob
os cuidados do Sr. Cassias. Contudo, após a morte da mãe, o seu pai biológico, tentou
assumir a sua guarda e como não conseguiu o que desejava ateou fogo na casa em que ela
residia com o padrasto. A Sra. Alda apresenta o rosto todo marcado por cicatrizes de
queimadura, consequência desse acontecimento;
 Quando a Sra. Alda tinha seis anos, o Sr. Cassias molestou-a sexualmente, tendo esta fugido
de casa, passando a residir na rua, sendo posteriormente institucionalizada até aos dezoito
anos de idade;
 Dos dezoito aos vinte e um anos permaneceu na rua até que ficou grávida do seu primeiro

66
“Balas” é uma expressão utilizada no Brasil para doces, rebuçados, pastinhas elásticas, etc.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 87
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

filho (Sandro), passando a viver maritalmente com o progenitor deste, mas ao fim de cinco
anos separaram-se. Entretanto, este senhor já faleceu;
 Nesta altura não tendo sítio onde viver, voltou a procurar o Sr. Cassias, onde ficou a viver
com este;
 Posteriormente conviveu maritalmente com o Sr. Mateus e desta união nasceram o Lucas e o
Leandro;
 Em Dezembro de 2003, nasce a Laís, fruto de uma relação de namoro e cujo progenitor veio
a falecer antes do nascimento da criança;
 A Sra. Alda verbalizou que tinha cinco filhos, sendo que um deles havia sido entregue para
“adopção à brasileira”67, negando dar mais informações sobre este facto;
 A Sra. Alda e o Sr. Cassias são usuários de substâncias ilícitas e de álcool;
 A Sra. Alda apresenta um estrutura de personalidade fragilizada, possuindo um histórico de
vida bastante conturbado, uma vez que foi uma criança de rua e por ter tido uma
adolescência institucionalizada;
 Ao longo de todo o processo, esta família beneficiou de vários programas enunciados em
pontos seguintes.

Problemas e diligências efectuadas:


O processo desta família iniciou-se em 27 de Abril de 1999, através de uma denúncia feita ao
SOS Criança que recebeu a informação de que as crianças, Sandro, Lucas e Leandro (irmãos da
Laís) estavam sendo negligenciados quanto à higiene e alimentação pelos pais, o avô (Sr. Cassias) e
os progenitores dos mesmos eram usuários de drogas, que o pai (Sr. Mateus) agredia a mãe e as
crianças e que a progenitora e os meninos dormiam ao relento.
Em 6 de Maio de 1999, o Técnico do SOS Criança realizou o primeiro atendimento tendo
encerrado o caso e repassado a situação ao Conselho Tutelar, sugerindo tratamento de alcoolismo
ao Sr. Mateus, progenitor das crianças.
Em 6 de Julho de 2000, a Sra. Alda cansada de ser vítima de violência doméstica pelo
companheiro e de viver em condições de miséria por este não contribuir para o sustento da família,
num dos momentos críticos das suas brigas, a Sra. Alda num momento de desespero, descontrolou-
se colocando fogo na sua casa.
O Sr. Mateus fugiu do local e a Sra. Alda foi conduzida pela polícia. Na mesma data, as crianças
atrás enunciadas foram abrigadas na SERTE (Sociedade Espírita de Recuperação, Trabalho e
Educação) e a progenitora iniciou atendimento psiquiátrico pelo NAPS (Núcleo de Apoio
Psicossocial).
Segundo relatório situacional da SERTE, em 9 de Agosto do mesmo ano, a progenitora
visitou sempre que possível os filhos e mostrou ter um vínculo afectivo muito forte com as crianças.
A Assistente Social desta instituição, veio deste modo sugerir que esta família fosse
encaminhada a um Programa de Habitação, uma vez que as crianças se encontravam abrigadas
somente por falta de moradia, pois a Sra. Alda já se tinha afastado do Sr. Mateus, e deste modo

67
A expressão “adopção à brasileira”, está inerente a todo aquele que entrega o filho para adopção a uma pessoa conhecida
sem documento oficial.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 88
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

tinham terminado os conflitos familiares.


O POASF recebeu doação de materiais, que foram utilizados para a construção de uma casa
de madeira, simples e pequena, mas com capacidade de abrigar a família. Esta casa foi construída
no terreno, junto à casa do Sr. Cassias, sob a responsabilidade da progenitora e orientada por este
Programa.
Em 20 de Setembro de 2001, as crianças foram desinstitucionalizadas ficando sob a
responsabilidade materna.
Em 7 de Dezembro de 2001, a Central de Denúncia do SOS Criança recebeu nova denúncia
de que a mãe agredia as crianças com frequência e costumava espancá-las durante a noite.
A Central de Atendimento do SOS Criança, em 9 de Julho de 2002, voltou a receber nova
denúncia relatando que o Lucas estava cheio de marcas de cigarro pelo corpo.
A Sra. Alda era uma vendedora ambulante, sendo a Assistente Social do Conselho Tutelar
informada pelo Programa Abordagem de Rua que as crianças ficavam na companhia da progenitora,
enquanto esta vendia pelas ruas, expondo as crianças. Deste modo, foram encaminhados para o
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).
Além das dificuldades socioeconómicas a Sra. Alda mostrava que necessitava de orientações
para o convívio familiar, desta forma, foi também encaminhada para ter um acompanhamento
psicológico em 6 de Maio de 2003, trabalhando no sentido de fortalecer o seu papel enquanto mulher
e mãe, de modo a esta assumir as suas responsabilidades maternas.
Para eliminar o vínculo estabelecido com a rua, o Sandro e o Lucas foram matriculados numa
escola perto da residência.
A Sra. Alda em 21 de Dezembro de 2003 teve mais uma filha, a Laís.
Novamente surgiram denúncias quanto à negligência, exposição à rua e à falta de higiene da
recém-nascida.
Em Dezembro de 2004, a Sra. Alda deixou de frequentar o Programa POASF, sendo este
facto encaminhado ao Juízado da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis sobre os sérios
riscos que estas crianças corriam.
Em Janeiro de 2005, através de um contacto realizado com um vizinho, apurou-se que:
 Família era visitada por uma Assistente Social;
 O avô, Sr. Cassias residia nos fundos da casa e era agressivo com as crianças, contudo era
responsável por ir buscá-las à escola;
 Para além dos filhos, a Sra. Alda convidou um adolescente de rua para morar em sua casa;
 Que a família estava sendo atendida pelo POASF devido à progenitora ser muito negligente
com as crianças;
 A Sra. Alda estava fortemente envolvida com o tráfico de drogas e usava as crianças para
entregar pedra de crack68;

68
O crack é um estupefaciente, deriva da planta de coca, é resultante da mistura de cocaína, bicarbonato de sódio ou amônia e
água destilada, resultando em grãos que são fumados em cachimbos. O consumo do crack é maior que o da cocaína, pois é
mais barato e seus efeitos duram menos. Transformou-se na droga de eleição de muitas crianças e adolescentes brasileiros
pelo baixo preço e pela acessibilidade a esta droga. (Equipa Brasil Escola)
Clara R. d’Almeida Rodrigues 89
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

 As crianças estavam abandonadas sem comida e sem supervisão;


 A Sra. Alda teria sido abusada sexualmente pelo pai adoptivo, o Sr. Cassias;
 A Sra. Alda disse que iria trabalhar e não voltou mais, deixando as crianças entregues a uma
vizinha (Sra. Daiane), que esta agredia as crianças com frequência e que levava homens para
dentro de casa onde consumiam álcool e drogas na frente das crianças;
 Que a Sra. Alda já havia se ausentado outras vezes durante longos períodos de tempo e
quando estava em casa não cuidava dos filhos;
 Referia ainda a existência de uma das crianças estar em situação de rua.
Em 28 de Março de 2005, a equipa de diagnóstico do Programa Sentinela, realizou uma visita
domiciliária em que abordou a progenitora sobre o motivo de esta ter abandonado as crianças, na
qual esta se defendeu dizendo que as tinha deixado ao cuidado da Sra. Daiane, porque não confiava
no seu pai adoptivo, visto que este já tinha abusado sexualmente dela e também já tinha tentado
abusar de um dos seus filhos. Confessou também que estava bastante nervosa em função de ter
descoberto que era portadora de HIV.
Em 17 de Novembro de 2005, nova abordagem a pessoas da comunidade foi efectuada,
onde se comentou que a progenitora levava a Laís consigo, que parecia existir um forte vínculo desta
com a filha, contudo existia a suspeita de que a Sra. Alda estivesse a utilizar a filha para pedir
esmola.
Comentaram ainda que a casa era frequentada à noite por diversas pessoas que não
apresentavam ser de boa índole, e que existiam sempre pessoas novas a viverem na casa.
Disseram também que no início do ano a progenitora se ausentou da casa por um período de
sessenta dias, e que esta se encontrava escondida em Canasvieiras69, em virtude de dívidas
decorrentes do envolvimento com drogas, que as próprias crianças relataram na comunidade que a
mãe estava a dever drogas e que foi várias vezes ameaçada de morte. Que a casa era frequentada
por pessoas estranhas e que se comercializava drogas (crack, maconha, comprimido de ecstasy)
dentro de casa.
Quanto às crianças a informação era de que frequentemente ficavam sem supervisão e
alimentação, que deambulavam pelo bairro pedindo alimentos e por solidariedade, a comunidade
acabava por ajudar esta família. Em relação à Laís, comentava-se que esta era cuidada por várias
pessoas.
Quanto ao avô, (Sr. Cassias), comentou-se que também este era usuário de drogas, que às
vezes supervisionava as crianças, mas segundo comentários teria abusado sexualmente do filho
mais novo da Sra. Alda (Leandro).
De acordo com a professora da escola do Sandro e do Lucas, as crianças chegavam sempre
em péssimas condições de higiene e o Lucas apresentava um comportamento extremamente
agressivo, tanto para os professores como para os colegas, agredindo-os.
Segundo a professora, o Sandro tinha comentado na escola que teria ido a uma festa à noite
com o avô e a mãe na casa de um travesti e que tinha ingerido vinho. Confrontado com esta

69
Canasvieiras é um dos distritos do Município de Florianópolis. Este distrito situa-se no norte da ilha.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 90
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

informação, Sandro confessou que era verdade e que o avô lhe tinha mostrado o pénis.
Em visita à creche, a educadora do Leandro disse que este era uma criança bastante
inteligente, mas que demonstrava um comportamento agressivo. Que a progenitora era negligente
com os filhos e que as educadoras tinham sempre que dar banho ao Leandro quando ele chegava à
creche em virtude do seu odor e em função da falta de higiene os colegas acabavam por se afastar
dele. Disse também que a progenitora era bastante ausente e que não comparecia nem mesmo para
matricular as crianças.
No dia 4 de Outubro de 2006, Sandro, Lucas e Leandro foram obrigados, por se encontrarem
em situação de risco, caminhando sozinhos pelas ruas, foram encontrados pelo Projecto Abordagem
de Rua.
A progenitora, apresentou contestação no dia 5 de Outubro de 2006.
Em 26 de Novembro desse mesmo ano, as crianças foram “raptadas” da instituição pela
progenitora, pois segundo esta os seus filhos estavam expostos a situações de risco dentro do
abrigo.
As crianças diziam que foram agredidas pelos monitores.
Em 19 de Setembro de 2007 foi registada uma denúncia de violência sexual envolvendo o
Leandro. De acordo com o denunciante, a filha da vizinha presenciou o abuso do avô, o Sr. Cassias,
contra o neto, Leandro. Informou que a mãe é totalmente negligente com os quatro filhos e que os
mesmos estão sempre abandonados.
A criança em causa foi encaminhada para atendimento no Programa Sentinela para
realização de diagnóstico.
Em Outubro do mesmo ano, em reunião com o POASF, o Conselho Tutelar solicitou Busca e
Apreensão das quatro crianças e Suspensão do Poder Familiar devido à situação de vulnerabilidade
pessoal e social ao qual os mesmos estavam submetidos no convívio materno.

Institucionalização:
A Laís foi institucionalizada no Lar São Vicente de Paulo a 18 de Dezembro de 2007, com
quatro anos de idade e os seus irmãos foram abrigados na mesma data na Casa Lar Cretinha em
Florianópolis.
A Laís chegou ao Lar São Vicente de Paulo com forte odor a urina, com as unhas das mãos e
dos pés sujas e compridas, piolhos e insectos no cabelo, feridas pelo corpo, marca de queimaduras
nas costas e ferida no glúteo (relatou que foi o avô que lhe fez esta ferida).
De acordo com um relatório psicossocial do Lar São Vicente de Paulo, em Março de 2007,
Laís apresenta um desenvolvimento compatível com a idade.
A Sra. Alda comparecia a todos os dias da visita, apresentando forte vínculo familiar com a
filha, que chorava sempre ao terminar a visita.
Em Julho de 2008, de acordo com um novo relatório da Assistente Social do Lar São Vicente
de Paulo foi solicitado que as crianças fossem inseridas numa família substituta, de modo a não
ficarem afastados os irmãos, uma vez que a progenitora não demonstrava mudança de atitude.
Uma vez que a adopção é remota para estas crianças, porque apresentam idades entre os
Clara R. d’Almeida Rodrigues 91
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

catorze e os quatro anos (em 2008), a Sra. Alda ao ter consciência deste facto sente-se segura
afirmando que os filhos não serão adoptados e em decorrência disso não se propõe a mudar.

Solução encontrada e Projecto de Vida:


Um estudo realizado anteriormente, apresentou parecer final inconclusivo, visando ser
fundamental um estudo psicológico e social mais detalhado e profundo pelo Programa Sentinela, em
que apurou o seguinte:
Em 3 de Abril de 2009 em abordagem à Laís, esta relembrou que quando a progenitora
voltava para casa, trazia consigo namorados que dormiam com ela, ocasiões em que a Laís
presenciava o casal mantendo relações sexuais, referindo que isso aconteceu com vários parceiros,
comentando que havia um deles que agredia fisicamente a Sra. Alda.
Sobre o avô, o Sr. Cassias, verbalizou que este agredia fisicamente ela e os irmãos usando
uma vara, vassoura, chinelo, cinto por todo o corpo e ainda que batia nas faces das crianças, ficando
estas muitas vezes com marcas. Comentou que as agressões físicas aconteciam todos os dias.
Segundo a Laís, a suspeita de violência sexual contra o Leandro, perpetrada pelo Sr. Cassias
era verdadeira. A criança comentou que já havia presenciado o avô “namorando” (SIC) com o
Leandro várias vezes, momentos em que o irmão e o avô ficavam sem roupas e o “vô colocava o
pinto na bunda do meu irmãozinho” (SIC). Ainda que havia observado o irmão Leandro e o avô a
tomar banho juntos.
Relatou também que o Sr. Cassias também “namorava” (SIC) com o Sandro, sem relatar
mais detalhes.
Laís também informou que ela era vítima de violência sexual realizada pelo avô,
mencionando que este a colocava no colo, passava a mão pelo seu corpo e pela vagina por baixo da
roupa, retirava o pénis para fora, solicitava que ela o tocasse, “até que saía um chichi branco” (SIC).
Relatou ainda que isso ocorreu por muitas vezes.
Ainda sobre o Sr. Cassias, a Laís relatou que este fazia uso de bebidas alcoólicas e que o
referido senhor obrigava os netos a irem-lhe comprar as bebidas para ele.
Laís trouxe também a informação de que o irmão Sandro “namorava” (SIC) com o Leandro
referindo-se a actos sexuais e ainda que ambos se beijavam na boca. Contou também que o Sandro
já tinha tentado fazer o mesmo com ela, somente uma vez, ocasião que teria passado a mão em seu
corpo.
Relatou que havia comentado com a progenitora, a qual lhe disse que depois falaria com o
Sandro.
Mencionou que por vezes acompanhava a progenitora até ao centro da cidade para vender
doces, ocasiões em que permanecia andando pelas ruas o dia todo com fome.
De acordo com os técnicos do Programa Sentinela sobre os relatos da Laís, acerca da
possibilidade do Sandro ter manipulado sexualmente ela e o Leandro, avaliaram que diante do
contexto em que as crianças cresceram, estavam reproduzindo comportamentos aprendidos na
família, consequência de todas as violências sofridas.
A Sra. Alda está internada para tratamento devido ao uso de substâncias ilícitas, na fazenda
Clara R. d’Almeida Rodrigues 92
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

terapêutica do CRETA (Centro de Recuperação de Toxicómanos e Alcoólicos) em Florianópolis, onde


já fugiu duas vezes, mas acabou sempre por voltar.
Perante o relatório final do Programa sentinela, a Promotora da Justiça do Ministério Público
da Vara da infância e da Juventude de Florianópolis, destituiu o poder familiar e requereu que fosse
solicitado o CUIDA (Cadastro Único Informatizado de Adopção e Abrigo) e o CEJA (Comissão
Judiciária de Adopção) para que envie informações urgentes, sobre a existência de casais,
interessados na adopção das crianças.
Concluí-se, deste modo, que de facto o melhor para a criança em estudo seria ser a
colocação da mesma em família substituta através da adopção, uma vez que o retorno familiar não
será possível pelo atrás enunciado e pela inexistência de algum familiar para ficar com a guarda da
Lias.
Contudo, a Laís já tem cinco anos e torna-se difícil com esta idade ser adoptada, pois os pais
pretendentes à adopção preferem sempre crianças de uma faixa etária mais baixa.

Conclusão:
Nesta situação foi notório que o prolongamento do tempo de acolhimento da Laís foi
altamente negativo, pois não é prudente um retorno familiar, uma vez que não existem esforços da
progenitora para arranjar mecanismos para melhorar e organizar a sua vida de modo a que esta
criança possa retomar ao convívio materno.
No dia 4 de Junho do presente ano, realizámos uma visita domiciliária com Assistente Social
do Abrigo Lar São Vicente de Paulo, onde a Laís se encontra abrigada, e pudemos constatar, que
para além das condições de habitabilidade serem muito precárias, verificámos que de facto a
progenitora desistiu do tratamento que estava a realizar no CRETA, os três irmãos da Laís fugiram da
Casa Lar Cretinha, onde o irmão mais velho, alegou que os monitores os agrediam e constatámos
também que o Sr. Cassias (avô) continua a viver na mesma casa que a progenitora, dormindo numa
cama na cozinha.
Deste modo, torna-se impossível que a Laís volte para esta família, pois estaria em risco e
num clima de insegurança ao ter o Sr. Cassias por perto.
De acordo com o autor Ballone em “Abuso Sexual Infantil” (2003) 70, o abuso sexual significa “
além da penetração vaginal ou anal na criança, também tocar seus genitais ou fazer com que a
criança toque os genitais do adulto” também é considerado abuso sexual. De acordo com os
depoimentos da criança, isto foi o sucedido entre o avô e a neta.
De acordo com vários autores, o abuso sexual intra-familiar, nunca é um acto isolado, existe
sempre tendência a que a criança seja vítima de abuso sexual prolongado, tendo esta muito medo de
contar aos outros membros da família.
Por outro lado, a única solução para este caso seria a colocação da criança em família
substituta, através da adopção, contudo, de acordo com uma pesquisa realizada em 2005 71 sobre

70
http://www.virtualpsy.org/org/infantil/abuso.html
71
Pesquisa realizada por 20 alunos de Psicologia, orientados pela Professora Isabela Saraiva de Queiroz, para o Projecto
“filhos do Coração”. (http://www.pucminas.br)
Clara R. d’Almeida Rodrigues 93
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

crianças que vivem em abrigos brasileiros, aponta que quanto mais velha é a criança, maior é o
tempo de permanência na instituição, onde mais de metade das crianças com interesse em adopção
têm menos de seis anos.
Esta mesma pesquisa diz-nos que existem muito poucos casais interessados em adoptar
crianças com mais de quatro anos.
Deste modo, esta criança poderá ser mais uma das muitas crianças que vivem sob a ameaça
do esquecimento, vivendo até aos 18 anos de idade em abrigos, tendo a sua infância e adolescência
institucionalizada.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 94
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Conclusão Final

Pretende-se com esta conclusão final, fazer um levantamento de todas os aspectos referidos
ao longo de toda a dissertação que permitam realizar um estudo comparativo entre as Legislações e
Sistemas de Protecção à infância entre Portugal e Brasil com a finalidade de verificar quais as
semelhanças e diferenças entre as Políticas Sociais de apoio à criança nos países e procurar retirar o
que cada país tem de melhor nas suas modalidades de funcionamento.

Deste modo, Portugal destaca-se como pioneiro em relação a muitos outros países, não só
em relação ao Brasil, no que respeita à Protecção à Infância, com o Diploma aprovado em 1911, com
a criação dos primeiros Tribunais de Menores.

No Brasil, só passado dezasseis anos, em relação a Portugal, é que surge o primeio marco
legislativo de Protecção à Infância, o Código de Menores de 1927, onde a preocupação deste
diploma apenas se centraliza na distinção entre dois grupos: delinquentes e abandonados, não sendo
dada especial atenção à assistência de protecção à infância como em Portugal.

Só em 1979 é que este Código é alterado, embora haja uma visão mais terapêutica e
pedagógica, é em Portugal com a criação da OTM em 1978 que surge a preocupação da intervenção
direccionada para a família de forma a promover a convivência familiar no sentido da prevenção.

Para uma melhor percepção das Leis que actualmente se encontram em vigor, procedeu-se a
análise das convergências entre os seguintes pontos: Sistema de Protecção Português e Brasileiro
para crianças em perigo, aplicação de Medidas de Protecção à infância e Adopção em Portugal e no
Brasil.

No primeiro ponto, o Sistema Português de Protecção à Criança e Jovem em Perigo (Lei nº


147/99) enquanto que o mesmo Sistema no Brasil é fundamentado no Estatuto da Criança e do
Adolescente.

Estes dois Diplomas são a base de comparação de todo o estudo.

Começa-se por considerar que o conceito de criança é diferente nos dois países, como foi
anteriormente referido a Legislação Portuguesa não distingue o conceito de criança de jovem,
englobando ambos na faixa etária dos 0 aos 18 anos, enquanto que a Legislação Brasileira define
que se é criança dos 0 aos 12 anos e adolescente dos 12 aos 18 anos, fazendo uma clara distinção.

No que diz respeito às situações que determinam que uma criança se encontra em situação
de perigo, Portugal conceptualiza todas essas situações tendo em vista a aplicação da Lei. No Brasil
as definições de Perigo não são tão precisas, comportando apenas de uma forma geral que quando
os direitos são ameaçados ou violados, designa, então, que uma criança está efectivamente em
situação de perigo.

Ao ser efectuada uma denúncia relativa à questão anterior, inicia-se o processo de


intervenção, sendo este mesmo, distinto nos países em estudo, apresentando Portugal, três níveis de
intervenção e o Brasil seis. Apesar da diferença, o processo de intervenção acaba por ser
praticamente o mesmo, o que difere é a denominação das entidades que intervêm ao longo de todo o
processo.

Outra distinção importante de salientar é o facto de em Portugal ser necessário o


consentimento expresso dos pais ou representante legal para se iniciar a intervenção, na Lei
Brasileira este procedimento não se aplica.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 95
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

A criação do Estatuto da Criança e do Adolescente originou a formação de Sistemas de


Protecção de crianças em cada Munícipio com características próprias de modo a satisfazer as
necessidades da população existente. Este Sistema diverge de acordo com essas necessidades. Em
Portugal, o Sistema de Protecção foi elaborado de forma uniforme, sendo de aplicação geral.

No segundo ponto, destaca-se as Medidas de Protecção. Tanto em Portugal como no Brasil


só em último caso a criança é retirada do seu seio familiar, uma vez que existe uma clara distinção e
uma ordem preferencial nos dois países entre as Medidas que previligiam e procuram preservar os
relacionamentos afectivos e o meio familiar e social próprios da criança e as Medidas que recorrem a
soluções de outra natureza que visam assegurar igualmente as condições que satisfaçam as
necessidades da criança, ainda que ausentes do seu contexto sócio-familiar natural.

Portugal e Brasil tipificam oito Medidas de Protecção à criança. Portugal faz uma clara
distinção agrupando as suas oito Medidas em dois grupos: sendo o primeiro grupo, as Medidas em
Meio Natural de Vida, e o segundo grupo, as Medidas em Regime de Colocação. No primeiro grupo
destacam-se as Medidas que beneficiam o apoio junto da família nuclear ou na impossibilidade desta
o apoio junto da família alargada ou pessoa idónea enquanto medidas que substituem a família como
protecção de crianças em perigo.

A Lei Brasileira apresenta também oito Medidas de Protecção, mas no entanto não as
agrupa, verificando-se em seis delas o apoio junto da família e em duas delas a substituição desta.

A Medida Protectiva de Abrigo em Entidade corresponde à Medida Portuguesa em


Acolhimento Institucional enquanto que a Medida Brasileira em Colocação em Família Substituta
corresponde em Portugal à Medida de Confiança à Pessoa Seleccionada para a Adopção ou
Instituição com Vista à Futura Adopção.

Enquanto que as Medidas de Protecção no Brasil são Medidas de prevenção de perigo e


abandono quase no seu todo em que é atribuida uma responsabilidade parental, as Medidas de
Protecção Portuguesas não visam tanto a prevenção, mas pretendem sim afastar perigo e
proprcionar às crianças condições favoráveis para o seu desenvolvimento harmonioso.

Como foi referido anteriormente a duração das Medidas de Protecção em Portugal – Medidas
em Meio Natural de Vida – estas não podem ter duração superior a um ano ou em caso de interesse
da criança, este prazo pode ser alargado até dezoito meses, enquanto que a duração das Medidas
em Regime de Colocação têm uma duração de acordo com o estabelecido no acordo ou na decisão
Judicial mas a Lei prêve que estas Medidas sejam revistas por períodos nunca superiores a seis
meses (artigo 62º da Lei nº147/99).

No Brasil, o ECA não prêve a duração de uma Medida de Protecção, contudo ao tratar-se de
uma Medida de Abrigo em Entidade, a Lei prêve que esta Medida seja temporária não especificando
mesmo assim a duração exacta da mesma.

Na dissertação, foi dada especial atenção aos Abrigos no Brasil, tendo um capítulo dedicado
só a este tema, uma vez que este país concentra grande parte da sua atenção à infância
institucionalizada e pela pesquisa em território Brasileiro ter sido realizada num Abrigo.

É também importante mencionar que existe uma diferença no que respeita às idades
compreendidas das crianças que vivem nas instituições entre Portugal e o Brasil, pois desde a
existência do ECA, no Brasil, todos os Abrigos se encontram diferenciados por faixas etárias das
crianças acolhidas havendo uma distinção dos 0 aos 6 anos, dos 7 aos 12 anos e dos 13 aos 18. Tal
facto acontece por se considerar que o desenvolvimento de uma criança será mais saudável com a
co-existência desta com crianças da mesma idade.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 96
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

Em Portugal, esta é uma realidade que começa a ser implementada, existindo contudo muitas
instituições que acolhem crianças de todas as idades, verificando-se mais nas instuições que
apresentam um forte culto religioso.

O quarto ponto relevante neste estudo comparativo remete-se para a Adopção.

Em ambos os países, a Adopção surge como a melhor solução para uma criança em perigo
sem possibilidade de crescer na sua família biológica.

Enquanto que no Brasil, a Adopção de uma criança depende do consentimento dos pais ou
do representante legal da mesma, consentimento este que só será dispensado caso os pais sejam
desconhecidos ou tenha sido destituido o pátrio poder. Em Portugal, uma Adopção só será decretada
se uma criança for filha de pais incógnitos ou falecidos, se os progenitores puserem a criança de
alguma forma em perigo ou abandonado a criança ou em caso de acolhimento institucional os
progenitores não manifestarem o interesse em manter os vínculos afectivos com a mesma.

Como já foi mencionado, em Portugal a Adopção pode ser Plena ou Restrita, já no Brasil a
Lei só prêve um tipo de Adopção que corresponderá à Adopção Plena que se realiza em Portugal,
uma vez que esta se caracteriza pela irrevogabilidade da decisão que atribui ao adoptante o estatuto
e a responsabilidade igual à de um progenitor biológico.

Quanto aos requisitos para adoptar, a Lei Portuguesa prêve que duas pessoas casadas há
mais de quatro anos têm de ter idade igual ou superior a 25 anos enquanto que uma pessoa singular
tem de ter mais de 30 anos, no Brasil a Lei prêve 21 anos como idade mínima para poder adoptar,
podendo adoptar, casados entre si ou que estejam em união estável (correspondente à união de facto
em Portugal). Uma pessoa singular, de acordo com a Lei Brasileira também poderá adoptar, cuja sua
preferência sexual não é significativa, na medida em que no Brasil, existe uma equidade na resolução
dos casos, uma vez que o Juiz é soberano na decisão e por isso, não havendo na Lei algo que proíba
ou que permita a Adopção por Homossexuais, cabe ao Juiz a resolução de cada litígio.

A diferença de idades entre adoptante e adoptando também difere nos dois paises, em
Portugal esta diferença não pode ser superior a 50 anos, excepto se o adoptando for filho de um dos
cônjuges. A Lei Brasileira, por sua vez refere que a diferença de idades miníma é de 16 anos de
maneira a que seja similar à filiação consanguínea.

A condição económica do adoptante é outro aspecto que difere, pois no Brasil não é
preponderante desde que o adoptante consiga assegurar as condições mínimas de vida, o que não
acontece em Portugal, uma vez que este aspecto é fulcral para uma Adopção ser decretada.

No que diz respeito ao Processo Adoptivo, este é similar nos dois países, constatou-se
contudo, que em Portugal o Processo Adoptivo se desenvolve mais lentamente que no Brasil, o que
se pode dever ao facto dos entraves colocados pelo Sistema Português.

Quanto aos dados estatísticos apresentados nos capítulos respeitantes à Adopção nos dois
países, infelizmente não é possível a realização de um estudo comparativo dos mesmos, uma vez
que os dados recolhidos em Portugal não correspondem aos mesmos dados recolhidos no Brasil.

Como síntese conclusiva e depois de tudo o que foi exposto, é possível afirmar que apesar
das diferenças mencionadas, estas não são determinantes para se concluir que os Sistemas de
Protecção a Crianças em Perigo dos dois países sejam manifestamente distintos. Ao nível Legislativo
é que essas diferenças são mais notórias, considerando a Legislação Portuguesa mais completa
nesta matéria, o Estatuto da Criança e do Adolescente Brasileiro, por sua vez, parece-nos bastante
mais vago e abrangente.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 97
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.

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