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Resumo
As crianças representam um dos grupos mais vulneráveis da sociedade em todo o mundo. A
família, apesar de todas as mudanças que tem vindo a sofrer, continua sendo o primeiro e o mais
importante agente para o desenvolvimento pessoal e social do indivíduo. No entanto, para muitas
crianças, o processo de socialização é transferido, por diversas razões, para a responsabilidade de
instituições de acolhimento, quando esgotadas todas as formas de uma criança permanecer na sua
família biológica. Isto é, quando uma família se mostra incapacitada para suprir as necessidades de
uma criança e de se responsabilizar por ela, a “mão” do Estado intervem no sentido de proteger e
afastar qualquer tipo de perigo que se mostre ameaçador para o bem –estar físico e psíquico da
criança.
Assim, através de uma recolha levada a cabo nestes dois paises, foi possível detectar as
diferenças e semelhanças jurídicas na protecção de crianças em risco, que apesar da herança
cultural que os une e da diferenciação política que os afasta, ambos os paises, enfretam problemas
legais de intervenção que merecem ser analisados.
Abstract
Children represent one of the most vulnerable groups of society all over the world. The family,
despite all the changes that have been suffering, remains the first and most important agent for the
personal and social development of the individual. However, for many children, the socialization
process is transferred, for various reasons, for the responsibility of the host institutions, when
exhausted all forms of a child to stay in their biological family. This is, when a family shows total
inability to help the needs of a child and take responsibility for it, the "hand" of the State intervenes to
protect and ward off any danger that is threatening the physical well-being and psychological
development of children.
The concern and legislation on child protection has suffered several changes over time. In
various degrees the emphasis on "child in danger" was taking its natural evolution considering the
political, economic and social development in both Portugal and Brazil
Thus, through a collection undertaken in these two countries, was possible to establish the
differences and similarities in the legal protection of children at risk, in spite of the cultural heritage that
unites and political differentiation that sets them apart, the two countries, face problems that relate to a
legal intervention, which merit study.
Introdução
Esta pesquisa será realizada no âmbito do Mestrado em Política Social do Instituto Superior
de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa.
Este estudo irá constituir um contributo para o domínio actualizado deste problema social uma
vez que, na actualidade, os estudos sobre a Protecção de Crianças em Perigo, bem como a
funcionalidade das instituições e os níveis de comparação entre Portugal e Brasil são praticamente
inexistentes. Face a este panorama, será necessária a sua abordagem no domínio de percepcionar
quais as políticas que regem cada país na Protecção de Crianças em Perigo.
Por outro lado, julga-se que o presente trabalho poderá fornecer elementos que poderão
contribuir para a criação de um quadro de acções e medidas que venham de encontro aos problemas
evidenciados, podendo não só beneficiar as crianças dos dois países em causa como também a
estrutura das várias instituições que as protegem.
Pretende-se assim, com este estudo, fazer um alerta a todos os que se preocupam e
participam na procura de estratégias que possam minimizar este problema social, captando e
analisando com minuciosidade os factores que o determinam, levando à formação de políticas de
intervenção social bem sucedidas.
A escolha deste tema deve-se, não só ao interesse de ser dada continuação às pesquisas já
realizadas mas também ao interesse que sempre existiu pela problemática das Crianças em Perigo e
pela curiosidade de estabelecer uma comparação com o objectivo de percepcionar quais as
semelhanças e as diferenças que estão subjacentes a estes dois países que são tão distintos política
e culturalmente.
Espera-se que a comparação entre estas duas realidades enriqueça o estudo social a este
nível e que possua benefícios, no sentido de contribuir para a definição de algumas políticas de
intervenção, essencialmente a nível social, de modo a evitar a marginalidade e exclusão social de
muitas crianças nos dois países.
Metodologia
Observação participante:
A observação participante, segundo o Dr. Hermano Carmo 1, é aquele em que o investigador
assume explicitamente o seu papel de estudioso junto da população observada. Neste sentido, todos
aqueles para quem se direcciona o estudo ou que mais directamente estão envolvidos nele, têm
conhecimento das funções e dos objectivos do investigador.
“ A observação participante tem sido cada vez mais utilizada quer como ferramenta exploratória,
quer como técnica principal de recolha de dados, quer ainda como instrumento auxiliar de pesquisas
de natureza quantitativa”.
No presente trabalho a observação participante será utilizada, essencialmente, como uma
ferramenta exploratória no sentido em que nos vai permitir conhecer a dinâmica de funcionamento da
1
Carmo, Hermano; Ferreira, Manuela Malheiro; Metodologia da investigação. Guia para auto-aprendizagem; Universidade
Aberta, 2ª Edição, 2008; págs. 121 e 122.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 7
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Diário de campo:
O diário de campo torna-se importante para relembrar e ter sempre presente pontos que com
o passar do tempo poderia passar despercebidos. A opção utilizada foi o uso de um caderno que
acompanhará ao longo de todo este processo.
Estudo de caso:
O estudo de caso tem sido muito utilizado em ciências sociais, designadamente pesquisas
qualitativas, pois é um método que se caracteriza por uma grande intensidade e flexibilidade, bem
como pela recolha de grande quantidade de material informativo.
O estudo de casos consiste numa “ abordagem empírica que investiga um fenómeno actual
no seu contexto real; quando os limites entre determinados fenómenos e o seu contexto não são
claramente evidentes e no qual são utilizadas muitas fontes de dados.” 2
Neste estudo cingi-me apenas a três casos distintos de menores brasileiros em acolhimento
institucional, de forma a percepcionar quais as soluções Legislativas possiveís para encontrar
Projectos de Vida diferenciados para as três crianças em estudo .
Pesquisa bibliográfica:
Grande parte deste trabalho passará pela procura de informação que esclareça sobre o tema alvo
do estudo.
Esta fase passará por uma consulta exaustiva e variada de literatura como livros de ciências
sociais, dissertações de mestrado, relatórios de estágio de colegas, toda a legislação portuguesa e
brasileira referente a menores e pesquisa na Internet.
2
Carmo, Hermano; Ferreira, Manuela Malheiro; Metodologia da investigação. Guia para auto-aprendizagem; Universidade
Aberta, 2ª Edição, 2008; pág. 234.
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A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Deste modo, podem ser evidenciados três primeiros importantes marcos legislativos em
Portugal, sendo eles: a Lei de Protecção de Infância em 1911, a Organização Tutelar de Menores em
1978 e por último, a criação das Comissões de Protecção de Menores em 1991.
3
Art. 36º nº5 e art. 68º nº1 da Constituição da República Portuguesa
4
Art.27º nº1 da Convenção dos Direitos da Criança
5
OTM, Decreto-Lei nº314/78 de 27 de Outubro
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A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Nesta mesma Lei (art.3º nº2), considera-se que uma criança está em perigo quando
designadamente se encontra numa das seguintes situações:
6
Lei nº147/99 de 1 de Setembro, que aprova a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
7
Ver Anexo nº 1 - Lei nº 147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
Clara R. d’Almeida Rodrigues 10
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
1º Nível de Intervenção
Sempre que uma criança se encontra em situação de risco, qualquer pessoa que tenha
conhecimento de tal situação pode comunicá-la às Entidades Competentes em Matéria de Infância e
Juventude,8 às Entidades Policiais, às Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) ou às
Autoridades Judiciárias. As Autoridades Policiais e Judiciárias comunicam às CPCJ as situações de
crianças e jovens em perigo que conheçam no exercício das suas funções. As Entidades com
Competência em Matéria de Infância e Juventude comunicam às CPCJ as situações de perigo que
conheçam no exercício das suas funções sempre que não possam assegurar atempadamente a
protecção que a circunstância possa exigir.
Numa primeira fase, recolhe-se os dados objectivos sobre a situação de perigo anteriormente
sinalizada, a identificação da entidade sinalizadora e a identificação básica da criança.
Depois de realizada esta fase, é fundamental recolher todos os elementos necessários que
permitam elaborar um diagnóstico profundo sobre a situação e todo o meio envolvente do menor em
situação de perigo.
Está deste modo, iniciada a primeira fase de intervenção para a promoção dos direitos e
protecção da criança em perigo.
2º Nível de intervenção
Se não for possível remover devidamente a situação de perigo, a Segurança Social envia um
relatório para a CPCJ, solicitando a intervenção daquela entidade na situação.
A CPCJ irá tentar obter os consentimentos legalmente necessários para intervir. Caso sejam
prestados, a Comissão Restrita aplica a Medida de Promoção e Protecção mais adequada para
remover ou afastar o menor da situação de perigo. Nesta fase, a CPCJ pode decidir qual a Entidade
responsável pelo acompanhamento executivo da Medida, continuando assim a intervir na situação.
8
Nomeadamente, as Autarquias Locais, Segurança Social, Escolas, Serviços de Saúde, Forças de Segurança, Associações
Desportivas, Culturais e Recreativas
9
Art. 4º, Lei nº147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
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A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Audição obrigatória e participação – a criança, bem como os pais, têm direito a ser
ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e
protecção;
3º Nível de Intervenção
De acordo com o art. 68º alínea b), da Lei nº147/ 99, de 1 de Setembro, sempre que existir
incumprimento do Acordo de Promoção e Protecção celebrado na CPCJ, esta remete o processo ao
Ministério Público, sendo então instaurado Processo de Promoção e Protecção judicial. Nesta terceira
fase, é já o Tribunal que solicita à Entidade Responsável pelo caso a elaboração de relatório com
vista á definição da actual situação de perigo, bem como proposta da Medida de Promoção e
Protecção mais adequada à salvaguarda do bem - estar do menor.
Esta fase constitui a intervenção da Segurança Social enquanto Equipa de Assessoria Técnica
dos Tribunais nos Processos de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.
Nesta fase, incluem-se também os Processos de Promoção e Protecção que têm origem na
sequência de Procedimentos de Urgência, ao abrigo do art. 91º, da referida lei, em que o Tribunal
solicita à CPCJ relatório sobre as condições do agregado familiar, bem como a definição e
acompanhamento do projecto de vida do menor.
10
As CPCJ dão conhecimento aos organismos de Segurança Social das situações de crianças e jovens que se encontrem em
situação susceptível de determinar a Confiança com vista a futura Adopção e de outras situações que entendam dever
encaminhar para Adopção. De acordo com o Príncipio da Subsidariedade, as comunicações obrigatórias não determinam a
cessação da intervenção das entidades e instituições, salvo quando os consentimentos forem negados ou retirados.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 12
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Intervenção Judicial
A intervenção Judicial tem lugar quando:
Modalidades de Funcionamento:
MINISTÉRIO TRIBUNAL
PÚBLICO
COMISSÕES DE PROTECÇÃO
DE CRIANÇAS E JOVENS
A Medida de Promoção dos Direitos e Protecção da Criança tem de ser realizada através de
um Acordo (Acordo de Promoção e Protecção) que é definido como sendo um compromisso reduzido
a escrito entre a CPCJ ou pelo Tribunal e os pais, representante legal ou quem tenha a guarda de
facto e, ainda, a criança ou jovem com mais de 12 anos, pelo qual se estabelece um plano contendo
Medidas de Promoção e Protecção.11
11
Art. 5º f), Lei nº147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
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A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
ser sempre efectuada de modo consensual com os pais, representante legal, ou com quem tenha a
guarda de facto da criança, enquanto que a intervenção da CPCJ depende do consentimento
expresso destes.12
Duas ideias estão presentes na definição das Medidas de Protecção e nos fins que visam
atingir. Por um lado uma clara distinção (e até uma ordem de preferência) entre as Medidas que
privilegiam e procuram preservar os relacionamentos afectivos e o meio familiar e social próprios da
criança ou jovem (o seu habitat normal parafreseando a linguagem da biologia) e as Medidas que
recorrem a soluções de outra natureza, que visam assegurar igualmente as condições que satisfaçam
as necessidades da criança ou jovem ainda que ausentes do seu contexto sócio-familiar natural. É
esta a lógica da dictomia, Medidas em Meio Natural de Vida e Medidas em Regime de Colocação.”13
Deste modo, as Medidas de Promoção e Protecção que visam afastar a criança de uma
situação considerada como perigo para esta, podem-se distinguir como:
a) Acolhimento Familiar
Em Lar Familiar
Em Lar profissional
b) Acolhimento em Instituição
2.1.3. Confiança a Pessoa Seleccionada para Adopção ou Instituição com Vista a Futura Adopção
12
A intervenção da CPCJ só é iniciada quando as Entidades com Competência em Matéria de infância e Juventude não
conseguem remover o perigo em que a criança se encontra
13
Clemente, Rosa; Inovação e Modernidade no Direito de Menores- A PERSPECTIVA DA LEI DE PROTECÇÃO DE
CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO; Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de Direito da Família; Coimbra
Editora, 2009, pág.89
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A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
A medida de apoio junto dos pais é a medida que se encontra em consonância com o
primado da prevalência na família. Este primado define-se como o reconhecimento de que a famíliaé
o meio priveligiado para a socialização de uma criança. Só em situações de exepção que declarem o
superior interesse da criança é que esta deve ser afastada do seio familiar onde foi gerada.
14
Tendo em conta o artigo 39.º “a medida de apoio junto dos pais consiste em proporcionar à
criança ou jovem apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda
económica”.
Esta medida tem como objectivo orientar no sentido da aquisição ou reforço das
competências necessárias ao exercício de uma parentalidade responsável e adequada à satisfação
das necessidades da criança
16
De acordo com o artigo 40.º “a medida de apoio junto de outro familiar consiste na
colocação da criança ou do jovem sob a guarda de um familiar com quem resida ou a quem seja
entregue, acompanhada de apoio de natureza psicopedagógica e social e quando necessário, ajuda
económica”.
Tanto a medida de apoio junto de outro familiar como a medida de confiança a pessoa
idónea, são medidas cujo objectivo visa orientar para a aquisição por parte da criança de
competências emocionais, educativas e sociais que a capacitem para prosseguir em segurança o seu
percurso.
Esta medida visa a entrega da criança a uma pessoa que não faz parte da sua família
biológica como forma de a proteger de uma situação de perigo.
14
Lei nº147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
15
Clemente, Rosa; Inovação e Modernidade no Direito de Menores- A PERSPECTIVA DA LEI DE PROTECÇÃO DE
CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO; Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de Direito da Família; Coimbra
Editora, 2009, pág.97
16
Lei nº147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
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A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
confiança a pessoa idónea consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de uma
pessoa que, não pertencendo à sua família, com eles tenha estabelecido relação de afectividade
recíproca”.
Esta medida é aplicada a jovens de idade superior a 15 anos ou inferior, quando se trata de
mães adolescentes, esta é executada no sentido de proporcionar as condições necessárias a uma
automatização nos contextos escolar, profissional e social, bem como ao fortalecimento de relações
com os outros e consigo próprio. Pretende-se criar condições de formação pessoal, profissional e de
inserção na vida activa.17
De acordo com os artigos 39.º, 40.º, 43.º e 45.º atrás referidos, mencionam na execução das
medidas, os apoios a prestar de natureza psicopedagógica, social e económica.
Tais apoios tão referidos nestes artigos, são explicados da seguinte maneira: “ o apoio
psicopedagógico consiste numa intervenção de natureza psicológica e pedagógica que tenha em
conta as diferentes etapas de desenvolvimento da criança ou do jovem e o respectivo contexto
familiar…” ; o apoio social define-se como uma “intervenção que envolve os recursos comunitários,
tendo em vista contribuir para o desenvolvimento integral da criança ou jovem e para a satisfação das
necessidades sociais do agregado…” e por último, “o apoio económico consiste na atribuição de uma
prestação pecuniária, a pagar pelos serviços distritais da Segurança Social, para a manutenção da
criança ou do jovem, ao agregado familiar com quem reside, tendo como fundamento a necessidade
18
de garantir os cuidados adequados ao desenvolvimento integral da criança ou jovem…”.
As medidas aplicadas pelas CPCJ ou em Processo Judicial, por decisão negociada, integram
um acordo de promoção e protecção que em meio natural de vida, deve incluir:
17
Artigo 45.º, Lei nº 147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
18
Artigo 11.º, 12.º e 13.º correspondentes, Lei nº 147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em
Perigo
Clara R. d’Almeida Rodrigues 17
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
As medidas de promoção e protecção de apoio junto dos pais, apoio junto de outro familiar,
confiança a pessoa idónea e apoio para a autonomia de vida têm a duração estabelecida inicialmente
no acordo ou na decisão judicial. Contudo, estas medidas não podem ter a duração superior a um
ano, mas pode ser extendido o prazo até dezoito meses se necessário, com vista ao interesse da
criança.
No caso das medidas de promoção e protecção apoio junto dos pais e confiança a pessoa
idónea, também podem ser prorrogadas por um prazo de dezoito meses desde que se mantenham os
consentimentos e os acordos legalmente exigidos.
1ª Fase – Preparação da criança, dos pais, do familiar acolhedor ou da pessoa idónea, dependendo
da tipologia da família;
A medida em acolhimento familiar é uma solução que a Lei define como em regime de
colocação, pois implica o afastamento da criança do seu contexto familiar e frequentemente também
do seu contexto social.
De acordo com o artigo 46.º da mesma Lei, “o acolhimento familiar consiste na atribuição da
19
Artigo 8-º, Decreto-Lei nº 12/2008 de 17 de Janeiro
20
Lei nº 147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
Clara R. d’Almeida Rodrigues 18
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família, habilitadas para o efeito,
visando a sua integração em meio familiar e a prestação de cuidados adequados às suas
necessidades e bem-estar e a educação necessária ao seu desenvolvimento integral”.
Segundo esta definição, torna-se necessário aqui neste ponto proceder-se à definição de
família.
No Código Civil, não há nenhum preceito específico que contenha a noção família, o mais
próximo da definição desejada, encontra-se no artigo 1576.º que explica que “são fontes das relações
jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção”. Deste modo, este artigo
torna-se incompleto na medida em que deixa de parte as relações parafamiliares, como por exemplo,
a convivência em união de facto e economia comum.
O acolhimento familiar tem por base a previsibilidade do regresso da criança à família natural
e em circunstância alguma podem ter qualquer relação de parentesco com a criança.
A confiança da criança para acolhimento familiar só pode ser atribuida a uma pessoa singular
ou a uma família que seja seleccionada pela Segurança Social ou a Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa, que a Lei define como sendo instituições de enquadramento.
21
Em conformidade com o Artigo 8.º , podem colocar-se até duas crianças em acolhimento
em lar familiar, desde que o número total de crianças a viverem juntas não seja superior a quatro.
Mas caso a família de acolhimento não tenha filhos menores nem crianças a cargo o número
de crianças em acolhimento pode ser três.
21
Decreto-Lei nº11/2008 de 17 de Janeiro
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A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
De acordo com o Artigo 14.º da mesma Lei, para ser família de acolhimento, a pessoa
responsável, tem de reunir alguns requisitos mencionados neste artigo.
A Lei diz que este tipo de medida consiste no acolhimento de crianças que detenham
algumas necessidades especiais quer de foro emocional e comportamental como também alguma
deficiência ou doença crónica e que por isso mesmo necessitam de cuidados especiais e de uma
protecção adequada à sua situação que pode ser culminada através do acolhimento em lar de
alguém detentor de capacitação técnica.
O acolhimento familiar pode ser um acolhimento de curta duração, isto é, quando é previsível
que o retorno da criança à sua família biológica seja efectuado num prazo nunca superior a seis
meses, ou um acolhimento prolongado, que consiste em um acolhimento de maior duração, devido às
condições não se encontrarem reunidas para que seja possivel um retorno da criança à família
natural.
22
Segundo o Artigo 26.º , o acolhimento familiar de uma criança tanto em lar familiar como
em lar profissional é efectuado de acordo as seguintes fases:
Nesta última fase, na cessação do acolhimento, o retorno da criança à sua família de origem
é um marco importante na vida desta e para tal é imprescíndivel que a criança seja preparada para tal
acontecimento. A Lei prêve que a criança deve ser preparada para sair do lar da família de
acolhimento no mínimo um mês antes.
22
Decreto-Lei 11/2008 de 17 de Janeiro
Clara R. d’Almeida Rodrigues 20
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Quando a criança retorna à sua família natural, a equipa técnica por um período mínimo de
seis meses deve-se manter informada sobre o percurso de vida da criança.
b) Acolhimento em Instituição
23
Como pode ser verificado no Artigo 49.º “a medida de acolhimento em instituição consiste
na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações e
equipamento de acolhimento permanente e de uma equipa técnica que lhes garantam os cuidados
adequados às suas necessidades e lhes proporcionem condições que permitam a sua educação,
bem-estar e desenvolvimento integral”.
As instituições de acolhimento podem ser de natureza diversa, estas podem ser públicas ou
cooperativas, sociais ou privadas consoante o acordo de cooperação estabelecido com o Estado.
Estas instituições funcionam em regime aberto, isto é, possibilita a livre entrada e saída da
criança da instituição desde que vá de encontro com as normas de funcionamento desta.
Caso não haja decisão judicial que se oponha, a criança deve ser visitada na instituição pelos
pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto.
Um dos direitos da criança em acolhimento institucional, é que esta receba uma educação
que garanta o desenvolvimento integral da sua personalidade e potencialidades, sendo-lhe sempre
assegurada a prestação dos cuidados de saúde e formação escolar. Pretende-se também que a
criança usufrua de um espaço de privacidade e de um grau de autonomia na condução da sua vida
pessoal adequados à sua idade e situação.
Tal como a medida em acolhimento familiar, o acolhimento institucional pode ser de curta
duração ou prolongado.
Quando o acolhimento em instituição se realiza num prazo não superior a seis meses, este é
efectuado numa casa de acolhimento temporário e define-se como sendo de curta duração.
23
Lei nº 147/99 de 1 de Setembro – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo
Clara R. d’Almeida Rodrigues 21
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
medidas aplicadas pelas CPCJ ou em processo judicial, por decisão negociada, integram um acordo
de promoção e protecção que em regime de colocação deve incluir:
Centro de Acolhimento
Concelho Unidade de Emergência
Temporário
Aveiro 8 1
Beja 1 0
Braga 11 6
Bragança 3 0
Castelo Branco 2 0
Coimbra 8 1
Évora 2 0
Faro 4 0
Guarda 2 0
Leiria 6 0
Lisboa 17 0
Portalegre 2 0
Porto 13 0
Santarém 5 0
Setúbal 8 8
Viana do Castelo 2 0
Vila Real 2 0
Viseu 1 0
Açores 6 2
Madeira 2 2
Ilustração 2 - Número de Centros de Acolhimento por Concelho (com ou sem unidade de emergência).
Clara R. d’Almeida Rodrigues 22
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Aveiro 7 0
Beja 3 0
Braga 21 4
Bragança 8 0
Castelo Branco 7 3
Coimbra 17 0
Évora 10 0
Faro 10 0
Guarda 8 0
Leiria 3 0
Lisboa 36 0
Portalegre 2 1
Porto 36 0
Santarém 12 1
Setúbal 15 0
Viana do Castelo 5 0
Vila Real 5 0
Viseu 5 0
Açores 34 0
Madeira 10 3
Ilustração 3 - Número de Lares de Infância e Juventude por Concelho (com ou sem unidade de emergência).
Nesta última tabela para além dos dados enunciados falta ainda mencionar a Casa Pia de
Lisboa que integra oito Centros de Educação e Desenvolvimento, sendo eles:
e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que integra catorze Lares de Infância e Juventude sendo
eles:
Residência de Autonomização
Para além dos Centros de Acolhimento Temporário e dos Lares de Infância e Juventude
apresentados na tabela, em Lisboa também existem três Centros de Acolhimento Familiar e
Aconselhemento Parental (CAFAP) que visam essencialmente intervir no contexto familiar, ajudando
a família a criar condições e a potencializar os recursos necessários à manutenção das crianças e
jovens nos seus agregados de origem, prevenindo assim a sua institucionalização ou possibilitando a
sua desistitucionalização e reintegração familiar.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 24
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
2.1.3. Confiança a Pessoa Seleccionada para Adopção ou a Instituição com vista a Futura
Adopção
Esta medida consiste na colocação da criança sob a guarda de um candidato seleccionado para
adopção pelo organismo da Segurança Social ou na colocação de uma criança sob a guarda de uma
instituição com o objectivo que a criança venha aser adoptada.
Tendo em conta a Lei nº 31/2003 de 22 de Agosto,24 Artigo 35.º, nº 3, esta medida de promoção e
protecção é considerada a executar no meio natural de vida no caso de confiança a pessoa
seleccionada para adopção e eu regime de colocação no caso de confiança a instituição com vista a
futura adopção.
Enquanto que a aplicação das medidas de promoção dos direitos e protecção atrás mencionadas
é da competência exclusiva das CPCJ e dos tribunais, esta medida de confiança a pessoa
seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção é apenas da competência
exclusiva dos tribunais.
Em caso de perigo iminente para a criança, qualquer entidade com competência em matéria
de infância e juventude ou as CPCJ podem solicitar a intervenção do tribunal ou das entidades
policiais de modo a pôr termo a uma situação de perigo para a criança. “Enquanto não for possível a
intervenção do Tribunal, as autoridades policiais retiram a criança ou jovem do perigo que se
encontra e asseguram a sua protecção de emergência em casa de acolhimento temporário…” (Artigo
91.º, nº 3, da mesma lei referida em parâgrafo anterior).
Posto isto, o Tribunal assim que tenha conhecimento da situação, profere decisão provisória,
pelo prazo de quarenta e oito horas, aplicando uma das medidas de promoção e protecção dos
direitos da criança. Depois de decretada a decisão provisória, o processo segue todas as fases
correspondentes como sendo um processo judicial de promoção e protecção.
24
Lei que altera alguns artigos da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei nº147/99 de 1 de Setembro)
Clara R. d’Almeida Rodrigues 25
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
A execução do Plano é assegurada pelo Instituto da Segurança Social, I.P., Centros Distritais
de Segurança Social, em ligação como Centro de Segurança Social da Madeira, o Instituto de Acção
Social dos Açores e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
1ª Fase – denominada a Fase Piloto, onde foram efectuados os primeiros protocolos com 5
instituições em 14 de Novembro de 2007, envolvendo 6 Lares, abrangendo 184 crianças e
jovens acolhidos;
2ª Fase – denominada o Primeiro Alargamento, onde foram efectuados mais 21 protocolos,
que envolveram 21 Lares, abrangendo 584 crianças e jovens acolhidos;
3ª Fase – designado Segundo Alargamento, em 23 de Setembro de 2008 foram celebrados
mais 79 protocolos que envolveram 84 Lares de Infância e Juventude, alcançando 2113
crianças e jovens acolhidos, abrangendo na totalidade 2881 crianças e jovens;
4ª Fase – o Terceiro Alargamento, teve a sua iniciação em Abril de 2009 não existindo ainda
dados concretos.
Deste modo, com base nos dados fornecidos pelo Relatório de Caracterização das Crianças e
Jovens em Situação de Acolhimento em 2008, foí possível apurar que:
194
2155 Com início Cessaram
de Acolhimento
Acolhimento que iníciou
anterior a em anos
2008 anteriores
Com início Cessaram
de Acolhimento
Acolhimento que iníciou
em 2008 em 2008
7801 3760
Ilustração 4 - Crianças e Jovens em Acolhimento antes de 2008 e com início em 2008 e Crianças e Jovens que inicaram
acolhimento antes de 2008 e com início em 2008, respectivamente
Fonte: Plano de Intervenção Imediata – Relatório de Caracterização das Crianças e Jovens em Situação de Acolhimento em 2008
Clara R. d’Almeida Rodrigues 27
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Fonte: Plano de Intervenção Imediata – Relatório de Caracterização das Crianças e Jovens em Situação de Acolhimento em 2008
3. Adopção em Portugal
As crianças quando abandonadas, negligenciadas ou maltratadas, necessitam de uma
alternativa ao seu ambiente familiar disfuncional. É aqui que a adopção aparece como a melhor
solução para a criança em risco, sem hipótese de crescer na sua família biológica.
As respostas que cada sociedade pode encontrar para estas crianças são à medida da sua
civilização e do seu humanismo. Contudo, tanto em Portugal como no Brasil, a adopção aparece
como a melhor alternativa para crianças desprovidas de um projecto de vida com a sua família
natural.
A adopção surge desta forma, como a melhor solução, uma vez que substitui plenamente o
25
Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio
Clara R. d’Almeida Rodrigues 28
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
meio familiar inserindo a criança num novo. No entanto, apenas se recorre à adopção quando não há
hopótese de integração do menor na família biológica. Perante o instituto da adopção 26 a criança,
assume legalmente um vínculo natural de filiação aos pais adoptivos e é dotada de todos os direitos
de um filho natural. A adopção pode representar uma vantagem para ambas as partes, na medida em
que não só permite que a criança encontre um meio familiar adequado ao seu desenvolvimento,
como também pode ajudar um casal a completar o seu projecto familiar.
Esta medida de confiança a pessoa ou instituição com vista a futura adopção só é decretada
se:
26
O Instituto da Adopção, não é uma instituição ou organização em sentido material, mas trata-se de todo um enquadramento
jurídico que regula a forma como o menor passa a pertencer a outra família que não a sua, como filho legítimo. Isto é, o
Instituto da Adopção incorpora todo o conjunto de leis que dizem respeito à adopção.
Em Portugal, a Segurança Social é a entidade competente para a selecção dos candidatos à adopção e para o
acompanhamento dos casos em todo o país. No entando, tanto a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa como o Refúgio Aboim
em Ascenção em Faro (desde 2002), trabalharam em parceria com os Organismos da Segurança Social na inscrição, estudo e
avaliação dos candidatos à adopção; integram as crianças nas famílias seleccionadas para adoptar; acompanham e avaliam o
período de pré-adopção com vista à constituição definitiva do vínculo da família adoptiva e asseguram, também, um serviço de
atendimento e informação sobre questões relacionadas com a adopção.
A Santa Casa de Misericórdia de Lisboa apenas pode intervir no Concelho de Lisboa, enquanto que o Refúgio Aboim
Ascenção tem competência para intervir apenas no Algarve.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 29
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
duas pessoas casadas há mais de quatro anos, ambas com idade igual ou superior a 25 anos
de idade;
uma pessoa singular com mais de 30 anos de idade;
quem não tiver mais de 60 anos de idade e não pode haver diferença de idades superior a 50
anos entre adoptante e adoptando, excepto se a criança adoptada for filha do cônjuge do
adoptante.
b) Adopção Restrita
27
Artigo 1988.º, nº2 do Código Civil
28
Em Portugal este pressuposto define-se como princípio de subsidiariedade, artigo 15 º do Código Civil
Clara R. d’Almeida Rodrigues 30
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
A confiança judicial do menor tem, como primeira finalidade, a defesa deste, evitando que se
prolonguem situações em que esta sofre as carências derivadas da ausência de uma relação familiar.
De acordo com o artigo 1973.º do Código Civil, “o vínculo da adopção constitui-se por sentença
judicial”.
Todo o processo adoptivo é instruído com um inquérito onden deve constar para além da
personalidade e a saúde do adoptante e do adoptando, a capacidade do adoptante para educar o
menor, a sua situação familiar e económica e as motivações que levaram esate a realizar o pedido de
adopção.
O Código Civil de 1966 fazia a exigência da não existência de descentes legítimos dos
adoptantes, isto com o pressuposto de que a adopção poderia ser prejudicial aos filhos do casal.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 31
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
A criação de um vínculo semelhante à filiação, leva a que a diferença de idades entre adoptante a
adoptando não seja superior a 50 anos.
A Lei prêve em todos os casos que o adoptando tenha estado ao cuidado do adoptante durante
prazo suficiente para se poder avaliar a conveniência da constituição do vínculo entre ambos.
Contudo, a confiança aministrativa não pode ser decidida se houver oposição de quem exerça o
poder paternal ou a tutela ou de quem detenha, de direito ou de facto, a guarda do menor e que o
organismo de Segurança Social tem o dever de comunicar, em cinco dias, ao magistrando do
Ministério Público junto ao Tribunal competente, quer a decisão e seus fundamentos, quer a oposição
que tenha impedido essa confiança.
Procura-se, por outro lado, que todas as situações de menores relativamente aos quais se pode
desencadear o processo judicial de confiança sejam dadas a conhecer a esses organismos, aos
quais igualmente deverão dirigir-se todos os que pretendem adoptar.
g) Idade do Adoptando
A idade limite do adoptando é de 15 anos, no que se refere o nº2 do artigo 1980.º do Código Civil,
estabelecendo-se, no entanto, a possibilidade de vir a ser adoptado quem, à data da petição judicial
de adopção, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado, desde que tenha sido confiado
aos adoptantes ou a um deles com idade não superior a 15 anos ou quando for filho do cônjuge do
adoptante.
judicialmente de pessoas e bens; c) dos pais do adoptando, ainda que menores e mesmo que não
exerçam o poder paternal, desde que não tenha havido confiança judicial nem medida de promoção e
protecção de confiança a pessoa ou a instituição com vista a futura adopção; d) do ascendente, do
colateral até ao 3º grau ou do tutor, quando, tendo falecido os pais do adoptando, tenha este a seu
cargo e com ele viva”.
Dada a revelância que o consentimento prévio e a confiança judicial assumem em todo o Instituto
da Adopção, confere-se-lhes carácter urgente, correndo igualmente durante as férias judiciais.
É obrigatório ter presente a protecção do segredo da identidade que exige que se atribua
carácter secreto ao processo de adopção a aos procedimentos preliminares, incluindo os de natureza
administrativa, e que se crie um crime próprio para quem viole esse segredo. Trata-se de um príncipio
que admite excepções definidas apenas judicialmente.
29
Ver Anexo nº 2- Ficha de Candidatura, Ficha de Informação Médica e Questionário Individual ao Candidato à Adopção
fornecidos pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
Clara R. d’Almeida Rodrigues 33
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
900
800
700
600
500
400
300
200
100
0
Adopção Fase de Pré- Aguardam Vias de Alteração do
Decretada Adopção Proposta de Integração no Projecto de
Candidato Seio Familiar Vida
Segundo os mesmos dados, dessas 2.154 crianças, 579 têm até 3 anos de idade, 560 têm
idades compreendidas entre os 4 – 6 anos, 554 têm entre os 7 – 10 anos, 398 entre os 11 – 15 anos
e apenas 63 crianças têm idades superiores a 15 anos.
700
600
500
400
300
200
100
0
0 - 3 anos 4 - 6 anos 7 - 10 anos 11 - 15 anos > 15 anos
Quantos aos candidatos que pretendem adoptar, de acordo com a Agência Lusa, as Listas
revelam que existem 2.541 candidatos seleccionados e 2.446 aguardam resposta.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 34
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Os números revelam ainda que a maioria dos candidatos (2.102) manifestam preferência por
crianças de raça branca, 2.396 preferem crianças até aos 3 anos de idade e 1.296 gostariam de
adoptar crianças entre os 4 e os 6 anos de idade.
Quanto à preferência pelo sexo da criança, dos 2.541 candidatos seleccionados, 699
candidatos gostariam de adoptar uma criança do sexo feminino e 225 gostariam de poder ser pais
adoptivos de uma criança do sexo masculino, enquanto os restantes 1617 não têm preferência pelo
género da criança.
1800
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
Género Feminino Género Masculino Não têm Preferência
1. Área de Intervenção
A segunda parte desta pesquisa foi realizada no Brasil, no Estado de Santa Catarina, mais
propriamente na ilha de Florianópolis.
(actual Florianópolis).
A ilha de Santa Catarina, por sua invejável posição estratégica como vanguarda dos domínios
portugueses no Brasil, passa a ser ocupada militarmente a partir de 1737. Este acontecimento
resultou num importante passo na ocupação da ilha.
No século XIX, Desterro foi elevada à categoria de cidade; tornou-se Capital da Província de
Santa Catarina em 1823 e inaugurou um período de prosperidade, com o investimento de recursos
federais. Projectou-se a melhoria do porto e a construção de edifícios públicos, entre outras obras
urbanas. A modernização política e a organização de actividades culturais também se destacaram.
Com o advento da República (1889), as resistências locais ao novo governo provocaram um
distanciamento do governo central e a diminuição dos seus investimentos. A vitória das forças
comandadas pelo Marechal Floriano Peixoto determinou em 1894 a mudança do nome da cidade
para Florianópolis, em homenagem a este oficial.
A cidade, ao entrar no século XX, passou por profundas transformações, sendo que a
construção civil foi um dos seus principais suportes económicos. A implantação das redes básicas de
energia eléctrica e do sistema de fornecimento de água e captação de esgotos somaram-se à
construção da Ponte Governador Hercílio Luz, como marcos do processo de desenvolvimento
urbano.
Em 2007, a população de Florianópolis é de 396,723 Habitantes, de acordo com os dados
estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Hoje, a área do município,
compreendendo a parte continental e a ilha é de 436,5 km2 .
Fazem parte do Município de Florianópolis os seguintes distritos: Sede, Barra da Lagoa,
Cachoeira do Bom Jesus, Campeche, Canasvieiras, Ingleses do Rio Vermelho, Lagoa da Conceição,
Pântano do Sul, Ratones, Ribeirão da Ilha, Santo António de Lisboa e São João do Rio Vermelho 30
30
Fonte: Guia Turístico Florianópolis
Clara R. d’Almeida Rodrigues 38
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
31
Rizzini, Irene e Pilotti, Francisco; A arte de governar crianças: a história das Políticas Sociais da Legislação e da Assistência
à infância no Brasil; Rio de Janeiro: Instituto interamericano del niño; Editora Universitária Danta Úrsula; Amais livraria e
Editora, 1995
Clara R. d’Almeida Rodrigues 39
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
32
Abrigamento é uma Medida Provisória e de Protecção para garantir a segurança e sobrevivência de crianças, sempre que os
seus direitos forem violados. A violação desses direitos pode ocorrer por qualquer uma das formas previstas no artigo 98 do
ECA: pode ser aplicada por acção ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou
responsáveis. Ainda segundo o Estatuto, o abrigamento pode ser uma Medida aplicada em razão de conduta de crianças e
adolescentes.É também uma Medida de transição para a colocação de crianças em famílias substitutas, não implicando
privação de liberdade (ECA, 1990).
A palavra correspondente para Abrigamento em Portugal, entende-se por Acolhimento.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 40
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
33
Ver anexo nº 3 – Estatuto da Criança e do Adolescente
Clara R. d’Almeida Rodrigues 41
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Participação paritária: metade dos conselheiros Definir o numero de Conselhos Tutelares que
CONSELHO DOS
será de organizações não governamentais e devem de existir no Município;
DIREITOS
metade instituições públicas;
DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE Registar
Não tem número definido de membros, havendo as entidades governamentais e não
um único Conselho dos Direitos por Município; governamentais que actuam na política de
garantia dos direitos;
Será criado por cada esfera do Governo sem
que haja subordinação entre conselhos; Registar os programas desenvolvidos pelas
organizações governamentais, especificando
A função de conselheiro é considerada de os regimes de atendimento;
interesse público e não será remunerado;
Comunicar o registo das entidades
Sem o Concelho dos Direitos não pode ser governamentais ao Conselho Tutelar e à
criado nem o Conselho Tutelar nem o Fundo autoridade judiciária
Municipal.
PRINCIPAIS PRINCIPAIS
PARTICIPAÇÃO
CARACTERÍSTICAS ATRIBUIÇÕES
Órgão deliberativo de fiscalização não Destinado a atender casos de violação ou
sendo subordinado ao Conselho dos ameaça dos direitos, podendo requisitar
Direitos; serviços públicos e executá-los;
Deste modo, apesar de a Lei não ser explícita, conclui-se que sempre que um dos direitos
mencionados nestes artigos seja ameaçado ou violado, considera-se que uma criança se encontra
em situação de Perigo.
1º Nível de Intervenção
Qualquer situação de crianças pode ser sinalizada ao Conselho Tutelar através da população
em geral, hospitais, Polícia Militar, escolas, entidades com competência em matéria de infância ou
pela própria infância.
Neste primeiro nível, actua-se sobre a forma de denúncia.
2º Nível de Intervenção
Nesta fase, o Conselho Tutelar é quem recebe as denúncias feitas na fase anterior, recolhe
os dados objectivos sobre a situação de risco anteriormente sinalizada, a identificação da entidade
que faz a denúncia e a identificação básica da criança.
Quando necessário, se a criança se encontrar em perigo junto da família biológica, o
Conselho Tutelar faz o encaminhamento para as entidades de acolhimento disponíveis.
3º Nível de Intervenção
Neste nível, encontram-se os Programas de Atendimento da Secretaria de Assistência Social.
Estes programas visam o atendimento à família de forma a impedir a institucionalização da
criança ou actuar de forma a melhorar a família de modo a que possibilite um retorno da criança ao
seio familiar.
Para melhor compreensão achamos pertinente descrever cada um dos programas oferecidos
pela Prefeitura que as famílias das crianças em estudo beneficiam. Sendo eles:
SOS Criança:
É um projecto destinado a dar os primeiros atendimentos a partir de informações ou de
denúncias sobre violação dos direitos das crianças.
É um atendimento a crianças em carácter de emergência, por se encontrarem submetidos à
situação de abandono, vítimas de violência e /ou maus tractos, negligenciados ou perdidos, enquanto
são efectuadas as medidas necessárias à solução dos seus problemas.
O SOS Criança é um serviço mantido pela Secretaria do Desenvolvimento Social e funciona
24 horas por dia e todos os dias da semana.
Os educadores sociais do programa, actuam em parceria com o Conselho Tutelar e em
Clara R. d’Almeida Rodrigues 45
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Programa Sentinela:
O Projecto Sentinela é um conjunto de acções sociais especializadas e multi-profissionais
dirigidas a crianças, adolescentes e famílias que estejam envolvidas com a violência sexual.
O programa actua em dois eixos previstos na Política de Garantia e Defesa dos Direitos das
Crianças e Adolescentes, Lei n º 8.069 de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente: prevenção e
atendimento.
A prevenção prevê a participação das secretarias estaduais de assistência social em
campanhas de esclarecimento e capacitação de profissionais, enquanto que o atendimento envolve:
assistentes sociais e psicólogos; entrevistas com os familiares; identificação dos casos, com
levantamento das informações familiares e sobre a situação específica de cada caso; apoio
psicossocial; manutenção de uma equipa de educadores para acompanhamento e abordagem junto
às crianças e aos adolescentes vítimas de abuso sexual e violados em relação aos seus direitos.
Em prol da execução deste projecto foram criados Centros de Referência nos municípios,
para acolhimento das pessoas vítimas de abuso sexual em tempo integral, isto é, 24 horas, em todos
os dias da semana. Para além destes Centros de Referência terem em vista o atendimento e apoio
psicossocial, existe também uma preocupação de estabelecimento de parcerias com diferentes
sectores (saúde, educação, justiça, desporto, segurança, cultura e lazer) que prestam serviços à
criança, ao adolescente e à família.
Os Centros de Referência estão directamente ligados ao Juízado e à Promotoria da Criança e
34
O Juízado da Vara da Infância e Juventude, é correspondente em Portugal ao Tribunal de Menores.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 46
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Adolescente.
Estes Centros acolhem também as famílias nos municípios, com o objectivo de proporcionar
protecção imediata nos casos de violência sexual sofrida por crianças entre os 0 e 6 anos de idade,
tendo como princípio a garantia dos direitos à integridade e à convivência familiar comunitária.
Deste modo, este Programa contribui para a organização de um sistema de informação sobre
as violações de direitos sociais e para a eficácia da repressão e responsabilização dos violadores.
Deste modo, para que seja possível elaborar um diagnóstico correcto, estes programas têm
que:
Identificar os objectivos funcionais de intervenção;
Identificar as competências/potencialidades da criança e da família ou de outros
responsáveis;
Identificar as necessidades/factores de risco percepcionadas pela criança e pela família;
Definir as prioridades da família quanto a objectivos e apoios e quanto aos recursos
disponíveis para dar resposta a essas prioridades;
Articular com outros programas, serviços/ entidades envolvidos.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 47
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
4º Nível de Intervenção
Neste nível, encontram-se as Entidades de Acolhimento, que podem ser sobre a forma de
Abrigo (0 aos 6 anos), Casas Lares (7 aos 18 anos) e Casas de Passagem35.
As Entidades de Acolhimento são uma Medida para atender crianças e jovens desprotegidos
e em estado de abandono social, que não implica a privação de liberdade.
Estas entidades são constituídas por crianças ou adolescentes órfãos, abandonados, vítimas
de maus-tratos físicos, psíquicos ou de abuso sexual, crianças carentes de condições básicas da
família para suprir sua subsistência, crianças ou adolescentes abandonadas por serem portadores de
deficiências mentais e físicas e crianças com vivência de rua que em determinado momento o retorno
à família biológica se considere difícil ou inadequado.
5º Nível de Intervenção
Nesta fase, temos o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente. Cabe a este
Conselho formular e deliberar as políticas e as acções a serem implementadas, com vista à protecção
e à garantia dos direitos das crianças.
6º Nível de Intervenção
Por último, o Juízado da Vara da Infância e da Juventude e a Promotoria da Infância.
Nesta fase, o Juízado e a Promotoria trabalham em parceria na garantia de que os direitos
das crianças não sejam violados.
O Juízado intervém a nível Estadual, enquanto que a Promotoria intervém ao nível municipal.
No Estado de Santa Catarina, existe apenas um Juíz na área da Infância e juventude.
Quando uma criança se encontra institucionalizada, tanto o Juizado como a Promotoria,
solicitam às Entidades de Acolhimento a elaboração de um relatório com vista à definição da actual
situação da criança (se mantém vínculo afectivo com os pais, se estes a visitam no abrigo, se
mostram preocupados com o seu desenvolvimento, etc.).
O Conselho Tutelar tem o poder de decisão quanto à institucionalização de uma criança,
tendo em vista a salvaguarda do bem-estar desta, mas apenas o Juizado tem o poder de decisão
quanto ao retorno familiar ou encaminhamento para família substituta através da adopção.
Para melhor compreensão deste Sistema pode-se graficamente representar através de uma
pirâmide de seis níveis de Intervenção:
35
Esta diferenciação resulta da idade que a criança apresenta, pois considera-se que para o seu desenvolvimento ser
satisfatório, a criança deve ser institucionalizada num Abrigo com crianças da mesma faixa etária. À medida que a criança
cresce e se a sua situação ainda for a de permanecer numa Instituição de Acolhimento, ela terá de ser transferida para outro
Abrigo.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 48
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Medidas de Protecção
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Artigo 98) as Medidas de Protecção
são aplicáveis à criança quando os direitos reconhecidos neste mesmo Estatuto forem ameaçados ou
violados.
A Lei brasileira (Artigo 101 do ECA) tipifica estas Medidas da seguinte forma:
As principais medidas de protecção, definidas no artigo 101 do ECA, são as que visam a
manutenção da criança na família e na comunidade de origem, visando garantir os seus direitos
Clara R. d’Almeida Rodrigues 49
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Neste estudo é dado ênfase à Medida de Protecção à Criança em Abrigo em Entidade que
corresponde à Lei Portuguesa à Medida de Promoção e Protecção em Acolhimento Institucional, e à
Medida de Protecção em Colocação em Família Substituta, sob a forma de Adopção.
Contrariamente a Portugal, na Lei Brasileira não se encontra específicado a duração que uma
Medida de Protecção deve ter. Contudo, esta diz-nos que no caso de se tratar de uma Medida de
Protecção em Abrigo, a Lei prevê que esta Medida seja temporária, não explicando o tempo exacto
que se pretende que uma criança esteja temporariamente institucionalizada. Mesmo assim, a duração
destas Medidas devem decorrer consoante o acordado pelas autoridades competentes.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 50
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
4. Abrigos no Brasil
“ O abrigo…e ter um programa, não é simplesmente um corredor de espera. O tempo pode
ser curto, mas dois ou três meses na vida de uma criança é muito…”.
(Isabel S. Kahn Marin)36
Muitas crianças e adolescentes que sobrevivem nos espaços urbanos, marcados pela
exclusão e pela violência, espelham o abandono, a fome, a exploração e a negligência de uma
realidade incómoda para a sociedade brasileira.
Os registos históricos demonstram que já no final do século XVIII, a questão do abandono
começa a incomodar a sociedade da época, o que exigiu investimentos para o atendimento dos
“menores”.
A história da institucionalização de crianças tem um longo percurso. Consta que por volta do
século XII um Bispo, ao caminhar pelas ruas de Roma testemunhou a pesca de bebés entre as redes
dos pescadores, determinou a construção do que teria sido um dos primeiros asilos do mundo para
crianças órfãs ou abandonadas.37
No Brasil, a prática de encaminhar crianças e adolescentes pobres para os chamados
“internatos de menores” ganha força a partir do final do século XIX.
De acordo com a autora Luciana Esmeralda Ostetto, em “Educação Infantil em Florianópolis”,
foram as Confrarias, Irmandades e Santas Casas de Misericórdia que assumiram de início o cuidado
com as crianças abandonadas.
Para recolhê-las, foram criadas as “Rodas dos Enjeitados” ou “Roda dos Expostos”, que foi
um sistema importado de Portugal38, que consistia numa porta giratória com uma gaveta, onde as
crianças eram depositadas em sigilo, mantendo-se o anonimato das mães que abandonavam.
Muitos dos “filhos da Roda” eram entregues aos cuidados de “amas” em troca de pagamento.
O crescente número de crianças abandonadas e as dificuldades de manutenção do cuidado pelas
“amas” levaram à criação de grandes orfanatos, onde essas crianças eram atendidas colectivamente.
As primeiras rodas do Brasil foram criadas em Salvador da Bahia, em 1726 e no Rio de
Janeiro em 1738, também em Florianópolis existiu uma “Roda dos Expostos” em 1828.
As crianças que eram nestas rodas abandonadas eram filhos de escravas, filhos de uniões
ilegítimas e filhos de toda a pobreza!
O Estado Brasileiro assumiu muito tardiamente o atendimento nesta área, sendo inicialmente
para cuidar dos chamados “delinquentes”, criando “reformatórios” ou “institutos correccionais”,
deixando para as entidades filantrópicas o cuidado das crianças abandonadas e carentes, fundando-
se assim, em todo o Brasil, instituições de natureza religiosa ou laica voltadas ao cuidado dos
menores.
36
Marin, Isabel S. Kahn. Alternativas de atendimento à criança e ao jovem abandonado. Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo,
1990. Pág.3
37
Rizzini, Irene; Rizzini, Irma; Naiff, Luciene; Baptista, Rachel. Acolhendo crianças e adolescentes: experiências de promoção
do direito à convivência familiar e comunitária no Brasil. Rio de Janeiro, 2006. Pág.31
38
Ver Anexo nº 4 – Imagens da Roda dos Expostos e histórico da mesma em Portugal
Clara R. d’Almeida Rodrigues 51
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Em 1979 foi editado no Brasil, um novo Código de Menores que consagrava a doutrina da
“situação irregular”, pela qual a conduta jurídica invocava as condições sociais e pessoais da infância
e da adolescência, e não o sistema que as gerava, para definir o seu destino.
Pouco a pouco, os internatos foram-se remodelando e começaram a utilizar os serviços da
comunidade como a escola, centros de saúde, complexos desportivos, entre outros.
A década de 80, foi o apogeu da busca de cidadania e dos direitos legalmente constituídos
das crianças e adolescentes que se apresentavam em sistema de internato.
É nesta década que os movimentos sociais pela criança e adolescente se tornam instituintes.
A década de 1990 marca uma mudança importante de paradigmas em relação ao cuidado e
protecção à população infantil e juvenil, do ponto de vista dos seus direitos. Nesse sentido, condena-
se a prática centenária da Institucionalização de Crianças devido à sua condição de pobreza e fica
estabelecido o carácter de excepcionalidade e temporalidade desta prática. 40 Crianças (até aos 12
anos) não podem ser privadas de liberdade e havendo necessidade de serem afastadas da família, o
encaminhamento para um abrigo é uma das alternativas.41 Porém a ênfase será colocada no direito à
convivência familiar e comunitária, reforçando-se que a institucionalização deve constituir uma última
medida, consideradas todas as possibilidades da criança permanecer com a sua família de origem.
39
Colectânea de textos, Trabalhando Abrigos. Instituto de Estudos Especiais da Pontifía Universidade Católica de São Paulo,
Brasil, 1993 pág. 15-21
40
Estatuto da Criança e do Adolescente, capítulo II, artigo 101, parágrafo único
41
Estatuto da Criança e do Adolescente, Capítulo II
Clara R. d’Almeida Rodrigues 52
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
VI. Evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e
adolescentes abrigados;
VII. Participação na vida da comunidade local;
VIII. Preparação gradativa para o desligamento;
IX. Participação de pessoas na comunidade no processo educativo.
42
Ver Anexo nº 5 – Teoria Ecológica do Desenvolvimento Humano proposta por Bronfenbrenner
43
Bronfenbrenner, Urie; A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados; Porto Alegre: Artes
Médicas, 1996.
44
Berger, Peter &Luckmann, Thomas. A construção da realidade. 9ª Ed. Editora Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro, 1991
pág.31
Clara R. d’Almeida Rodrigues 54
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
b) Fiscalização do Abrigo
A fiscalização do Abrigo é de competência dos Conselhos Tutelares, do Juízado da Vara da
Infância e Juventude e do Ministério Público.
O artigo 97 do ECA estabelece as Medidas aplicáveis aos Abrigos ou entidades que não
cumprirem com as suas obrigações no atendimento.
45
Ver Anexo nº 6 - Rede de Serviços e Programas de Atenção às Crianças em Perigo existentes no Brasil.
46
Colectânea de textos, Trabalhando Abrigos, Instituto de Estudos Especiais da Pontifia, Universidade Católica de São Paulo,
Brasil, pág. 34
Clara R. d’Almeida Rodrigues 55
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Acolhimento Institucional:
Segundo o Plano atrás mencionado, adoptou-se o termo Acolhimento Institucional para
designar os Programas de Abrigo em entidade, definidas no art. 90 do ECA, como aqueles que
atendem crianças e adolescentes que se encontram como Medida Protectiva de Abrigo.
O Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes pode ser oferecido em diferentes
modalidades como: Abrigo Institucional em pequenos grupos, Casa Lar e Casa de Passagem.
Todas estas modalidades de acolhimento constituem “ Programas de Abrigo”.
Todas as entidades que se desenvolvem Programas de Abrigo têm o dever de prestar plena
assistência à criança e ao adolescente, oferecendo-lhes acolhimento, cuidado e espaço para
socialização e desenvolvimento.
O Abrigo, como já referimos anteriormente, define-se como sendo uma entidade que
desenvolve um Programa específico, que é a Modalidade de Acolhimento Institucional. Atende
crianças e adolescentes em grupo, em regime integral, por meio de normas e regras estipuladas por
entidade ou órgão governamental ou não governamental.
O Abrigo segue parâmetros estabelecidos pela lei, é uma Medida Provisória e Excepcional,
não implicando a privação de liberdade das crianças e adolescentes.
A Casa Lar é uma Modalidade de Acolhimento Institucional oferecido em unidades
residenciais, nas quais pelo menos uma pessoa ou casal trabalha como cuidador residente – em uma
casa que não é a sua – prestando cuidados a um grupo de crianças ou adolescentes. As Casas-
Lares têm a estrutura de residências privadas, podendo estar distribuídas tanto em um terreno
comum ou separadamente em bairros residenciais.
A Casa de Passagem é um Acolhimento Institucional de curtíssima duração, onde se realiza
diagnóstico eficiente, com vista à reintegração à família de origem ou encaminhamento para
Acolhimento Institucional ou familiar.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 57
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Família Acolhedora:
A Família Acolhedora, define-se como uma família que participa em Programas de
Acolhimento, recebendo crianças e adolescentes sob a sua guarda, de forma temporária até a
reintegração da criança com a sua própria família ou seu encaminhamento para uma família
substituta.
A Família Acolhedora também é denominada no Brasil por “Família de Apoio”, “Família
Cuidadora”, “Família Solidária”, “Família Guardiã”, entre outras.
O Programa de Famílias Acolhedoras caracteriza-se como um serviço que organiza o
acolhimento, na residência de Famílias Acolhedoras, de crianças e adolescentes afastados da família
de origem mediante Medida Protectiva. Representa uma modalidade de atendimento que visa
oferecer protecção integral às crianças e aos adolescentes até que seja possível a reintegração
familiar.
Este Programa é constituído por uma metodologia de funcionamento que contemple:
Uma mobilização, cadastro, selecção, capacitação, acompanhamento e supervisão das
Famílias Acolhedoras por uma equipa multi-profissional;
Acompanhamento psicossocial das famílias de origem, com vista à reintegração familiar;
Articulação com redes de serviços, com Juízado da Vara da Infância e Juventude e com
todos os actores do sistema de Garantia de Direitos das crianças e dos adolescentes.
Este Programa é muitas vezes confundido com a adopção, pois trata-se de um Serviço
Provisório, até que seja viabilizada uma solução de carácter permanente para a criança e
adolescente – reintegração familiar ou excepcionalmente a adopção.
As Famílias Acolhedoras estão vinculadas a um Programa que as selecciona, prepara e
acompanha para o acolhimento de crianças ou adolescentes indicados pelo Programa.
A manutenção da guarda estará vinculada à permanência da Família Acolhedora no
Programa.
O Programa deve ter como objectivos:
Cuidado individualizado da criança ou do adolescente, proporcionado pelo atendimento em
ambiente familiar;
A preservação do vínculo e do contacto da criança e do adolescente com a sua família de
origem (excepto determinação judicial em contrário);
O fortalecimento dos vínculos comunitários da criança e do adolescente, favorecendo o
contacto com a comunidade e a utilização da rede de serviços disponíveis;
A preservação da história da criança ou do adolescente, através dos registos e fotografias,
inclusive pela Família Acolhedora;
Preparação da criança e do adolescente para o desligamento da Família Acolhedora;
Permanente comunicação com a Justiça da Infância e da Juventude, informando à Autoridade
Judiciária sobre a situação das crianças e adolescentes atendidos e de suas famílias.47
47
Plano Nacional de Promoção, Protecção e Defesa do Direito de crianças e adolescentes à convivência Familiar e
Comunitária, Brasília, 2006
Clara R. d’Almeida Rodrigues 58
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
48
Silva, Enid. R. A. da. O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil.
Brasília, IPEA/CONANDA, 2004, pág.318.
49
Estas instituições reúnem-se mensalmente para discutirem a situação das crianças presentes nas mesmas de modo a
cooperam entre si com vista à melhoria das condições de vida das crianças e para melhor compreensão do histórico das
respectivas famílias, uma vez, que existem irmãos que se encontram em vários abrigos
Clara R. d’Almeida Rodrigues 59
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Juizado da Infância e Juventude e Conselhos Tutelares. Das onze vagas disponibilizadas, sete são
ocupadas por crianças e adolescentes sem perspectiva de Guarda ou Adopção, são crianças que não
possuem perfil de crianças geralmente procuradas por casais que desejam adoptar.
O atendimento da ASM visa oferecer uma referência familiar a todas as crianças e
adolescentes, responsabilizando-se para que estes tenham um lar, alimentação, educação, saúde e
suprimento de todas as suas necessidades.
Foi neste Abrigo que foi realizada a pesquisa. Deste modo será explicado em que consiste
esta Instituição e onde ela se encontra inserida.
A pesquisa foi realizada na Irmandade do Divino Espírito Santo (IDES), foi fundada em 10 de
Junho de 1773, sendo caracterizada como uma Organização Não-Governamental, assistencial, sem
fins lucrativos e com sede em Florianópolis.
É administrada por uma directoria voluntária e em cada dois anos é feita uma eleição para a
composição da nova directoria.
Esta Instituição tem como principal objectivo prestar assistência a crianças, adolescentes e a
famílias em situação de vulnerabilidade, visando promover a cidadania e o desenvolvimento social,
preocupando-se com o âmbito educativo e profissional.
Inicialmente quando fundada, a IDES não apresentava actividades com fins sociais, esta era
apenas direccionada para o culto ao Divino Espírito Santo, mantendo as tradições religiosas, através
de uma festa anual, a Festa do Divino.50
As suas actividades foram alteradas e em 1910, quando iniciou as suas actividades sociais,
com o abrigo, denominado São Vicente de Paulo.
Os seus recursos financeiros são provenientes de doações de associados e da comunidade,
promoções especiais, festa do Divino Espírito Santo, exposições e venda de trabalhos artesanais,
parcerias com empresas para o encaminhamento de jovens trabalhadores e convénios com governos
Federal, Estadual ou Municipal.
A organização é representada nos Conselhos Municipal da Criança e Adolescente e
Assistência Social e integra o Fórum contra o trabalho infantil.
No momento a IDES é composta por cerca de oitenta funcionários entre os quais:
Professores (cedidos pela Prefeitura de Florianópolis), Pedagogas, Monitores, Recreadores,
50
Ver Anexo nº 7 – Imagens da Festa do Divino e Histórico da mesma.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 61
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
5. Adopção no Brasil
“A adopção não é uma garantia de felicidade, nem um risco de infelicidade. Ela é uma das
formas de abordar a criação de um grupo familiar, no seio do qual ocorrerão os mesmos problemas
enfrentados por todos os pais e todos os filhos.”
(Hubert et Monique)
A adopção trata-se de um tema bastante extenso onde muitas premissas devem ser
estudadas e requerem uma atenção devida.
Existe sobretudo duas perspectivas que merecem especial atenção: a perspectiva do
pretendente à adopção e a perspectiva das crianças que se encontram em condição de adopção.
Contudo, nesta pesquisa apenas iremos referir de um modo superficial de alguns pontos que
nos parecem importantes sendo um deles, o modo como este processo se desenvolve no Brasil para
melhor compreender quais as semelhanças e diferenças quanto ao Sistema Português, pois não será
possível o aprofundamento necessário desta temática.
Para melhor compreensão deste processo, fomos pessoalmente à Central de Adopção de
Florianópolis, onde a Assistente Social responsável por este departamento nos elucidou quanto a
esta temática.
Nesta primeira fase de inscrição, existe uma distinção para os pretendentes à adopção que
são residentes no Estado de Santa Catarina, onde a inscrição dos interessados à adopção deve ser
feita no Fórum da cidade ou da comarca onde residem, para os residentes em outros Estados a
inscrição deve ser feita no próprio Estado de residência do pretendente, tendo em vista que o CNA
(Cadastro Nacional de Adopção) supre a necessidade de habilitações diversas e por último, a
inscrição feita por estrangeiro, que devem ter habilitação na CEJA (Comissão Estadual Judiciária de
Adopção) que funciona na Corregedoria Geral de Justiça em Florianópolis.
Contudo, de acordo com o artigo 31 do ECA, “a colocação em família substituta estrangeira
constitui medida excepcional”, que quer dizer, que só depois de esgotadas todas as possibilidades de
inserção de uma criança em família substituta a nível nacional é que então se procura que esta seja
adoptada a nível internacional.
2º - Depois de fazer a inscrição51, o candidato passa por uma entrevista, faz uma dinâmica de grupo e
recebe a visita do Serviço Social do Juízado que confirmará as condições de habitação onde a
criança irá viver. Uma vez habilitado, recebe a carta de adopção, que em geral é válida por um ano.
De acordo com a autora Lucinete Silva Santos 52, esta fase exige uma preparação adequada,
onde deve incluir uma entrevista inicial para esclarecimento quanto aos aspectos/procedimentos
legais da adopção; estudo sócio-familiar e psicológico do casal ou pessoa interessada, aprofundando-
se durante a fase do estudo social; preparação dos interessados para enfrentar os mitos e
preconceitos do meio social em face da adopção; orientação psicológica que deve acompanhar os
vários estágios do processo até que ambas as partes considerem esgotada a necessidade de
acompanhamento; indicação de leitura pertinente ao assunto e ainda a reflexão quanto às questões
que motivaram a adopção.
Para Lucinete S. Santos53, a questão da motivação que leva a adoptar prende-se muitas
vezes com o facto da impossibilidade de procriação que cria em algumas mulheres o sentimento de
inferioridade e que as leva a ver na adopção a alternativa para camuflar esta situação. Nestes casos,
51
Ver anexo nº 8 - Ficha de Cadastro de Pretendentes à Adopção
52
Santos, Lucinete Silva; Adopção no Brasil: desvendando mitos e preconceitos; Serviço Social e Sociedade; São Paulo:
Cortez; ano XVIII, Volume nº 54, Julho 1997; página 162
53
Santos, Lucinete Silva; Adopção: da maternidade à maternagem – Uma crítica ao mito do amor materno; Serviço Social e
Sociedade; São Paulo: Cortez; ano XIX, Volume nº 57, Julho 1998; página 105-107
Clara R. d’Almeida Rodrigues 65
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
de acordo com a autora, estes casais pretendem sempre crianças recém-nascidas e com
características semelhantes às dos adoptantes. Tenta-se fazer de conta que a filiação é biológica,
escondendo da criança a sua história e tentando mesmo esquecer que este filho é adoptivo.
Outra das motivações, segundo a referida autora, prende-se com o sentimento de
generosidade/caridade como motivo para adoptar. Nestes casos a criança/adolescente termina sendo
colocada na condição de objecto de caridade dos adoptantes. Em função da experiência na área da
adopção, a autora diz-nos que “dificilmente pode resultar num processo satisfatório de incorporação e
vivência dos papéis parentais de pais e filhos, já que nessa perspectiva o adoptado torna-se objecto
da boa acção dos adoptantes e, certamente, não ocupará lugar de filho e sujeito no contexto familiar”.
No fim desta segunda fase, quando habilitados os pretendentes passam a figurar no CUIDA
(Cadastro Único Informatizado de Adopção e Abrigo), concorrendo à adopção em todas as Comarcas
do Estado de Santa Catarina. Este Cadastro foi instituído em 2005, até então se um pretendente de
outro Estado do Brasil quisesse adoptar uma criança do Estado de Santa Catarina teria que se
deslocar até este Estado para se inscrever para conseguir adoptar uma criança em Santa Catarina,
dificultando e aumentando o tempo de decorrência de todo o processo adoptivo.
O CUIDA é um sistema de informações acerca de pretendentes à adopção, inscritos e
habilitados em Santa Catarina, de entidades de abrigo e de crianças e adolescentes abrigados ou em
condições de colocação em família substituta.54
Este sistema de informações foi criado com o objectivo de facilitar os procedimentos relativos
ao encaminhamento de crianças e adolescentes para adopção e racionalizar a sistemática da
inscrição de pretendentes à adopção evitando a multiplicidade de pedidos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente previu a criação de Comissões Estaduais Judiciárias
de Adopção nos Estados Brasileiros. Em Santa Catarina, esta instituição adveio da Resolução nº
001/93 da Corregedoria Geral da Justiça.
Constituiu-se a Comissão, presidida pelo Corregedor Geral da Justiça e mais cinco membros,
sendo eles: um Juiz da Vara da Infância e da Juventude da comarca da capital; um Procurador da
Justiça; um Representante da Ordem dos Advogados do Brasil, secção de Santa Catarina; um
Representante do Conselho Regional de Psicologia e um Representante do Conselho Regional do
Serviço Social.
Esta Comissão Estadual Judiciária de Adopção - CEJA- foi instituída em 1993 e tem a
finalidade de contribuir para a garantia do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes no
Estado de Santa Catarina.
Existe também 23 grupos de estudos e apoio à adopção em Santa Catarina, criados e
acompanhados pelo Juízado da Vara da Infância e da Juventude e pela CEJA, que tem por objectivo
estimular as adopções nacionais e colaborar na preparação dos candidatos à adopção.
3º - Localizada uma criança com o perfil compatível com o desejado, o candidato é contactado e faz
visitas sucessivas à criança no abrigo.
54
Ver anexo nº 9 - Ficha de Cadastro de criança/adolescente em condições de colocação em família substituta.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 66
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Esta terceira fase, é uma fase bastante delicada, pois é a altura em que um pai/mãe ou uma
família se encontra em ansiedade por ver o seu filho adoptivo e há uma criança/adolescente cheia de
expectativas com a sua nova família.
Esta fase é marcada pela identificação de ambas as partes e por grande emoção.
Através das sucessivas visitas do candidato à adopção à criança no abrigo, pretende-se
estimular um vínculo afectivo entre estes e avaliar a reciprocidade de sentimentos entre os mesmos.
Segundo o artigo 46 do ECA, a Autoridade Judiciária é que fixará este prazo de convivência.
Contudo, se o adoptando não tiver mais de um ano de idade o estágio de convivência poderá ser
dispensado.
4º - Com a aprovação do Juízado, é emitida uma nova certidão de nascimento, em que os pais dão o
sobrenome ao filho e podem até, mudar o nome próprio da criança.
Esta alteração do nome está prevista no artigo 47, 5º em que nos diz que a “a sentença
conferirá ao adoptado o nome do adoptante e, a pedido deste, poderá determinar a modificação do
prenome”.
Nesta última fase existe a licença de maternidade para a mãe ou pai adoptivo que é
estabelecida mediante a idade da criança:
0 a 1 ano – 120 dias;
1 a 4 anos – 60 dias;
4 a 8 anos – 30 dias.
55
Fonseca, Cláudia; Caminhos da adopção; São Paulo: Cortez, 1995; página 14
Clara R. d’Almeida Rodrigues 67
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Juíz da Vara da Infância não aceita de bom agrado este tipo de adopção, uma vez que prefere que
este se faça pela forma mais viável que é através do cadastro, onde há todo um estudo social e
psicológico dos interessados e um acompanhamento mais adequado de modo a proteger as crianças.
Deste modo, o Juíz tenta desmotivar este tipo de adopção, na medida em que esta
normalmente acaba por gerar medo, insegurança e ansiedade uma vez que os pais adoptivos e a
própria criança se encontram demasiado expostos, pois os pais biológicos têm conhecimento onde a
criança se encontra e podem até uns anos mais tarde chantagear e até mesmo querer extorquir
dinheiro.
Em todo o caso, o casal ou pessoa interessada pode recorrer a um advogado e tentar
oficializar esta adopção, mas dificilmente será autorizada pelo Juízado.
Segundo Lucinete S. Santos56, neste ponto levanta-se a questão se a progenitora tem o
direito de indicar o casal ou interessados na adopção do seu filho ou se simplesmente esta ao abrir
mão dos seus direitos maternos perde esse direito?
Perante esta questão a autora defende o “principio de que a escolha da progenitora deve ser
considerada ponderada desde que os interessados apresentem as condições básicas necessárias
para o bem-estar geral da criança”. Pois a autora entende que se partir do “princípio de que a
progenitora que abre mão do pátrio poder sobre seu filho – independentemente das suas razões e do
seu sofrimento – tem suprimido automaticamente o direito de escolha sobre quem poderá lhe
substituir na vida do ser que gerou durante nove meses”. Para Lucinete S. Santos, está-se a adoptar
uma visão demasiado moralista, uma vez que deixa-se de ter em conta as condições de vida e
escolhas dos indivíduos, julgando negativamente uma mãe e deste modo exclui-la da sua vida o
direito em relação ao filho que gerou.
56
Santos, Lucinete Silva; Adopção no Brasil: desvendando mitos e preconceitos; Serviço Social e Sociedade; São Paulo:
Cortez; Ano XVIII; Volume nº 54; Julho 1997; página 169-170
Clara R. d’Almeida Rodrigues 68
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
760
740
720
Crianças/Adolescentes
700
Abrigados
680
660
Sexo Feminino Sexo Masculino
Destas crianças e/ou adolescentes abrigados 62% tem idade acima dos 10 anos, 54%
encontram-se nas instituições por motivos de carência económica. 57
Das 1444 crianças e/ou adolescentes abrigados apenas 10% é que estão efectivamente em
condições de adopção, o que significa que já foram destituídos do poder familiar. Têm idades
compreendidas entre os 8 e os 15 anos e a adopção torna-se difícil de ser realizada devido à idade
que apresentam. Os restantes 90% de crianças abrigadas não estão em condições de serem
adoptadas porque têm ainda uma família com a qual mantêm um vínculo afectivo constante. São
filhos de pais desprovidos de poder material e emocional de cuidar, em seu sentido mais amplo.
Entretanto, essas famílias continuam juridicamente responsáveis pelos seus filhos que vivem nos
abrigos.
Quanto aos candidatos à Adopção, de acordo, com os dados fornecidos pelo CUIDA
(Cadastro Único Informatizado de Adopção Abrigo) em Maio 2009 existiam 2983 pretendentes
habilitados, sendo destes 2083 a nível estadual (de Santa Catarina), 645 interestadual (de todos os
outros Estados do Brasil) e 255 internacionais.
57
Este motivo de carência económica das famílias biológicas, que leva as crianças a serem institucionalizadas tem sido alvo de
inúmeras críticas, uma vez que segundo o ECA, Artigo 23, a carência económica não é considerado motivo suficiente para um
filho ser afastado da sua família de origem. Contudo, na prática verifica-se que este é um dos principais motivos que levam ao
abrigamento das crianças brasileiras, pois estas famílias vivem em condições de extrema pobreza.
De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Feografia e Estatística) em 2007, aproximadamente um terço das famílias, vivia
com rendimento mensal de até 1 2 salário mínimo per capita.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 69
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
2500
2000
1500
Pretendentes
1000 Habilitados
500
0
Estadual Interestadual Internacional
Ilustração 17 - Número de Pretendentes à Adopção Habilitados a nível Estadual, Interestadual e a nível Internacional em
Maio de 2009
A adopção de crianças pequenas até aos 5 anos, quando em situação de abandono, não é
demorada porque tem muitos candidatos inscritos e estes são chamados imediatamente. Quando as
crianças são maiores fica mais difícil a aceitação. Este é um tema alvo de muita preocupação e muito
retratado no Brasil, pois apresenta-se como uma grande problemática, a adopção Tardia.
Tem-se vindo a constatar a preocupação para esta causa, tentando-se sensibilizar os
pretendentes à adopção para os inúmeros casos de meninos de idade superior à desejada pelos
pretendentes, aguardando em instituições por uma família substituta.58
De acordo, com os dados fornecidos pelo CUIDA a média anual são 400 adopções nacionais
e 50 adopções para o estrangeiro. O perfil das crianças adoptadas por estrangeiros têm idades entre
os 7 e os 14 anos, são grupos de irmãos, pardas (mistura de índio com branco) ou mulatas, do sexo
masculino e são crianças que viviam em abrigos.
Adopções Nacionais
Adopções
Estrangeiras
58
Ver Anexo nº 10- Adopção Tardia (estudo realizado pela autora Marlizete Vargas)
Clara R. d’Almeida Rodrigues 70
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Todo este processo adoptivo não é demorado nem burocrático, o que acontece é que as
pessoas fazem muitas escolhas em relação às características da criança que pretendem adoptar.
Dos 80% dos inscritos como pretendentes à adopção aceitam crianças somente até aos 3 anos,
preferencialmente do sexo feminino, sem irmãos, saudáveis e de raça branca.
De acordo com a autora Luciene Silva Santos59, Mestre em Serviço Social e Membro
Colaboradora do Grupo de Estudos sobre Adopção do Tribunal de Justiça de São Paulo, parece-lhe
“importante e urgente iniciar uma discussão sobre a situação de milhares de crianças que estando
com idade superior a dois anos, estão praticamente condenadas a viver institucionalizadas, devido à
ausência de casais ou pessoas interessadas em adoptá-las… Urge, neste sentido, iniciar um trabalho
técnico de orientação e sensibilização dos interessados em adopção, sobretudo daqueles que estão
situados numa faixa etária entre 45/55 anos de idade, visando estimular as adopções tardias e
apresentar uma resposta às crianças com mais de dois anos de idade e que aguardam ansiosos, nos
abrigos, uma família que as acolha, possibilitando-se, assim, um futuro melhor para estas
crianças/adolescentes”.
Segundo esta mesma autora, esta escolha de idade da criança está relacionada com a ideia
de que a criança sendo recém-nascida não apresentará problemas de adaptação, uma vez que
facilmente se inserirá no meio familiar.
Outro preconceito que a autora enumera que está relacionado com a escolha da criança que
se pretende adoptar, é que esta possua uma semelhança física com o casal ou pessoa interessada.
Esta semelhança favorecerá a identificação entre as duas partes, contudo torna-se num preconceito
por partes dos pais adoptivos, pois aqui estes pais tentam esconder o facto de terem um filho
adoptivo.
6. Estudo de Caso
A realização deste trabalho de investigação proporcionou o contacto com a realidade social
das crianças em risco brasileiras que foram institucionalizadas por decisão do Juíz da Vara da
Infância e da Juventude de Florianópolis.
Assim, cumpre-nos reflectir sobre os resultados obtidos. Deste modo, a discussão de
resultados que são apresentados traduz algumas observações resultantes do tratamento e análise de
informações recolhidas nos relatórios do Abrigo Lar São Vicente de Paulo e complementados com os
processos do Juízado.
Para se aceder aos processos das crianças abrigadas no Lar São Vicente de Paulo, foi
necessário ter uma autorização escrita do Juiz da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis60,
que permitiu, deste modo, complementar toda a informação já recolhida pelos relatórios da instituição.
O estudo de relatórios e de processos tem sido uma metodologia utilizada por diversos
pesquisadores para avaliar resultados de Políticas Sociais.
Por serem retrospectivos, estes documentos possuem uma dimensão longitudinal e embora
não contenham uma versão completa dos eventos, encerram informações que a área legal e social
59
Santos, Lucinete Silva; Adopção no Brasil: desvendando mitos e preconceitos; Serviço Social e Sociedade; São Paulo:
Cortez; ano XVIII, Volume nº 54, Julho 1997; Página 163
60
Ver Anexo nº 11 – Autorização do Juiz da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 71
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
considera importantes em relação à tomada de decisões reforçando sua validade como fonte de
pesquisa.
Os relatórios e processos por possuírem uma cronologia, constituem-se testemunhos dos
percursos acidentados das crianças que tiveram sua infância judicializada.
As personagens contidas nestes processos vivem na sua maioria em favelas onde a luta pela
sobrevivência, as rupturas das uniões e a constituição de novas uniões, a mãe adolescente com
problema psiquiátrico, a desprotecção da mães e dos seus filhos perante um padrasto violento, a
orfandade causada pelas mortes de HIV, a prisão da progenitora, ou do padrasto, a exploração
económica pelo avô, as violências físicas e o abuso sexual, a dependência química dos responsáveis
pela família são alguns dos casos que vão configurando problematizações particulares e da
sociedade.
Alguns se adaptam às condições dadas, outros procuram contorná-las e construir alternativas
para a realização dos projectos familiares.
Nesse quadro a institucionalização assume características de política de assistência social
fazendo frente à insuficiência de políticas de emprego, habitação, educação e saúde.
O princípio da excepcionalidade esteve presente na maioria dos abrigamentos, dado o quadro
multifacetado de exclusão social a que está sujeita parte considerável das famílias brasileiras, o que
as impossibilita de assumir a guarda dos sobrinhos, netos, irmãos que não podem permanecer em
sua família nuclear.
Programas que as famílias beneficiam. Programas estes criados pela Prefeitura Municipal de
Florianópolis que achou ser necessário a criação de uma rede de atendimento composta por vários
programas com características distintas mas que se complementam, com o principal objectivo de
implementar uma política de prevenção e atendimento à criança e sua família, visando garantir os
direitos das crianças assegurados por lei.
Nota: os nomes de todos os intervenientes presentes no estudo de caso são fictícios de modo a
proteger a identidade das crianças.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 73
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Caso nº 1: Andreia
Caracterização da criança:
A Andreia nasceu a 3 de Abril de 2007, tem deste modo, actualmente dois anos de idade. É
do sexo feminino, de nacionalidade Brasileira, é de raça negra, está registada com nome de pai e de
mãe e é natural de Florianópolis.
A Andreia foi institucionalizada em 31 de Julho de 2008, no Lar São Vicente de Paulo, em
Florianópolis, com uma Medida de Protecção de Abrigo em Entidade.
Sinalização:
A sinalização do caso da Andreia foi efectuada em 16 de Agosto de 2007 pela Unidade de
Saúde Local.
Nesta denúncia constava que a recém-nascida Andreia, estava sendo negligenciada ao que
se refere aos cuidados de saúde, bem como sendo exposta às ruas para a prática de mendicidade.
Mais tarde, nova denúncia foi efectuada ao Conselho Tutelar, de que a criança era
constantemente alimentada com café e que os progenitores usavam álcool e drogas na frente da
mesma.
Contudo, a Andreia tem quatro irmãos e três tios que foram anteriormente institucionalizados,
e deste modo, esta família teve inúmeras sinalizações feitas por várias entidades ao longo de todo o
processo, que serão enunciadas ao longo das problemáticas existentes.
de saúde e que estava sendo frequentemente alimentada com café e que os progenitores usavam
drogas e álcool na frente da criança pondo em risco a sua saúde e integridade física.
Institucionalização:
Face a todo o exposto anteriormente, em 29 de Julho de 2008, o Juiz da Vara da Infância e
da juventude de Florianópolis determinou a acção de perda e suspensão do poder familiar da
Andreia.
Esta criança foi institucionalizada a 31 de Julho de 2008 no Lar São Vicente de Paulo, por
decisão do Juiz com Medida Protectiva Excepcional de Abrigamento, artigo 136, I e II, artigo 101, VII
do ECA.
A Andreia chegou à instituição acompanhada por um Oficial de Justiça, não apresentava
marcas nem hematomas no corpo, apenas vinha com roupas muito sujas.
No dia 2 de Agosto o Juízado suspendeu o poder familiar do mesmo, sendo citados
pessoalmente onde estes não apresentaram contestação quando à suspensão.
A criança foi atendida no dia 4 de Agosto de 2008, pelo pediatra voluntário do Abrigo, sendo
diagnosticada como uma criança saudável.
Durante todo o tempo que a Andreia se encontrou institucionalizada, nenhum familiar
compareceu na Instituição para procurar ou saber algo da situação da criança, mostrando assim, um
elevado desinteresse.
Apesar desta criança ter irmãos abrigados em outras instituições de Florianópolis, nunca se
tentou fortalecer o vínculo entre irmãos, uma vez que estes foram abrigados antes do nascimento da
Andreia.
Conclusão:
Neste caso foi visível que o curto tempo de institucionalização da criança foi benéfico, uma
vez que rapidamente se conseguiu a colocação desta criança em família substituta através da
adopção.
A Andreia tem actualmente dois anos e como podemos constatar o processo de adopção
Clara R. d’Almeida Rodrigues 78
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
desta criança decorreu num período de tempo bastante curto, uma vez que o processo de adopção
iniciou-se a 14 de Abril e no dia 24 do mesmo mês a criança foi adoptada.
Infelizmente, nem todos os casos no Brasil se processam com a mesma rapidez, existindo
milhares de famílias em lista de espera por um filho.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 200 mil
crianças sem família no Brasil.
Um dos factores que levou a que o processo de adopção desta criança fosse bastante mais
rápido que o comum deveu-se ao facto da idade que esta apresenta, pois de acordo com as
estatísticas, apenas 4% dos pretendentes à adopção estão dispostos a levar para casa uma criança
com idade superior a quatro anos.
De acordo com uma reportagem realizada em 2004, sobre as famílias que pretendem adoptar
crianças no Brasil, em São Paulo cerca de dois mil candidatos aguardam uma menina de raça
branca, de olhos azuis com até um ano de idade. Uma criança com essas características, segundo a
pesquisa efectuada pelo repórter, aparece para adopção apenas uma vez por ano, o que implica que
o último pretendente da fila teria de viver dois mil anos para conseguir adoptar.
Quanto mais exigentes, ao nível de características físicas das crianças, os pretendentes para
adopção forem, mais anos terão de aguardar até poderem concretizar o sonho de serem pais, sendo
essas exigências um verdadeiro entrave a todas as crianças que esperam eternamente numa
instituição por uma família que as receba para serem parte integrante dela.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 79
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Caso nº 2: Gustavo
Caracterização da criança:
O Gustavo nasceu a 17 de Junho de 2001, tem portanto, actualmente oito anos. É do sexo
masculino, de nacionalidade Brasileira, é de raça branca, está registado com nome de pai e de mãe e
é natural de Florianópolis.
Trata-se de uma criança que nasceu prematura, com visíveis sequelas da sua prematuridade,
apresentou baixo peso ao nascer, tem bastantes problemas no seu desenvolvimento
neuropsicomotor, traços autistas, hiperactividade, estrabismo, não fala, não ouve, não tem
capacidade de controlar as fezes, tem microcefalia61 e estereotipias.62
Deste modo, Gustavo é uma criança que necessita de cuidados especiais, acompanhamento
constante e medicação diária.
Devido a todas as suas incapacidades, a escolaridade desta criança é realizada numa escola
especial, em Florianópolis, a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais).63
O Gustavo foi institucionalizado em 11 de Setembro de 2001 no Lar São Vicente de Paulo,
em Florianópolis com uma Medida de Protecção de Abrigo em Entidade.
Sinalização:
O caso do Gustavo foi sinalizado pela assistente social da Maternidade Carmela Dutra, em
Florianópolis em 10 de Setembro de 2001, onde o Gustavo nasceu.
Esta enviou um relatório para o Juízado da Vara da Infância e Juventude, onde concluía que
a progenitora apresentava um desvio de conduta, sem condição de se auto determinar e com pouco
suporte familiar sendo a sua condição socioeconómica bastante desfavorável.
A Sra. Úrsula (progenitora da criança em causa) foi na altura encaminhada para um médico
psiquiatra para avaliação, constatando-se que a paciente se encontrava incapacitada para assumir as
suas funções, até que fosse realizado um tratamento adequado.
Na altura, a assistente social da Maternidade não encontrou nenhuma pessoa disponível na
família alargada que pudesse assumir a guarda provisória do Gustavo, sugerindo que este ao receber
a alta hospitalar devesse ser recolhido por uma instituição de acolhimento temporário.
61
Microcefalia entende-se por: Pequenez anormal da cabeça. (L. Manuila; A. Manuila; P. Lewalle e M. Nicoulin; Dicionário
Médico, Volume I; Climepsi Editores, Lisboa, 2000)
62
Estereotipias refere-se a movimentos repetitivos do corpo ou de objetos. Este comportamento é comum em muitos indivíduos
portadores de distúrbios do desenvolvimento , embora pareça ser mais comum no autismo. Na verdade, se uma pessoa com
algum tipo de deficiência apresentar um comportamento de auto-estimulação, freqüentemente será também rotulada de portar
características autísticas. (http://maoamigaong.trix.net)
63
Esta instituição iniciou a sua missão em 26 de Agosto de 1964, com 41 pessoas que se encontravam ligadas directa ou
indirectamente ao problema da pessoa portadora de deficiência mental com o objectivo de promover e articular acções de
defesa de direitos, prevenção, orientação, prestação de serviços e apoio às famílias direccionadas à melhoria da qualidade de
vida da pessoa com deficiência mental
Clara R. d’Almeida Rodrigues 80
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
O progenitor (Sr. António) esteve anteriormente casado, durante quinze anos e desta união
possui três filhos: Fábio com 28 anos, casado; Camila com 23 anos e a Clara com 21 anos. As
mesmas residem com a mãe.
O Sr. António e a Sra. Úrsula vivem em união de facto há 12 anos e desta união possuem um
filho. O Gustavo.
Para melhor compreensão desta composição familiar, apresentamos o seguinte esquema:
Sr. António (progenitor) tem actualmente 48 anos, é pedreiro e a Sra. Úrsula (progenitora)
tem 39 anos e é revendedora da Avon. Estamos a falar de uma família com uma condição
socioeconómica desfavorável e com pouco suporte familiar.
Em 4 de Janeiro de 2002 foi realizada pela assistente social do Conselho tutelar uma visita
domiciliária, onde segundo o relatório da mesma, o casal vivia numa casa de madeira, simples, sem
conforto, composta por quatro divisões, sendo precárias as condições de higiene e habitabilidade. A
casa do casal encontrava-se construída no terreno da mãe da Sra. Úrsula, e no mesmo terreno
encontrava-se a casa da mesma e também uma casa de um irmão da Sra. Úrsula, portanto tio
materno do Gustavo.
A Sra. Úrsula declarou que a sua mãe era deficiente visual (cega) e o seu irmão que reside
ao lado da sua casa é usuário de droga e de álcool, sendo uma pessoa extremamente agressiva.
Em entrevista com a tia materna do Gustavo (Sra. Rosa), actualmente com 42 anos, declarou
que a sua irmã sempre viveu próximo da sua casa e que a progenitora não criou os seus filhos
(Débora e Jairo), que estes foram criados pela avó e que esta sempre teve que auxiliar nos cuidados
Clara R. d’Almeida Rodrigues 81
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
dispensados à adolescente e à criança. Declarou também que a Sra. Úrsula não possui condições
para educar adequadamente o Gustavo, que esta tem bastantes problemas em se relacionar com o
irmão que vive na casa ao lado da sua, por este ser usuário de álcool e drogas e por este a agredir
com frequência.
O Sr. António declarou que a Sra. Úrsula é uma pessoa bastante instável, com problemas
psiquiátricos e que é bastante difícil a convivência com a mesma, sendo uma relação pautada por
grandes conflitos.
Institucionalização:
No caso do Gustavo, a institucionalização foi o caminho que assegurava a sua protecção,
pois tratava-se de uma situação de risco, em função da incapacidade psicológica da progenitora em
cuidar do filho. A criança nasceu prematura, necessitando de cuidados especiais e como não existia
ninguém na sua família alargada capaz de assegurar a sua protecção e o seu desenvolvimento
saudável, em 11 de Setembro de 2001 foi determinado pelo Juiz da Vara da Infância e da Juventude
de Florianópolis o abrigo do recém-nascido Gustavo na instituição Lar São Vicente de Paulo com
Medida de Protecção de Abrigo em Entidade.
O Gustavo foi institucionalizado em 11 de Setembro de 2001, após a alta hospitalar a criança
foi abrigada no Abrigo Lar São Vicente de Paulo, onde continua abrigado até à recente data. Desde a
sua institucionalização os progenitores fizeram poucas visitas à criança, não mantendo o vínculo
afectivo.
Por não apresentarem mudança na dinâmica familiar, os pais em 10 de Março de 2004,
perderam o poder familiar da criança, sendo esta encaminhada para adopção.
Durante todo o tempo que Gustavo se encontra institucionalizado, constata-se que o menor
não se vincula afectivamente a ninguém (característica dos traços autistas que apresenta),
submetem-no frequentemente a avaliação neurológica, existindo um forte acompanhamento médico,
a criança recebe também atendimento semanal de fisioterapia na Associação Santa Catarina de
Reabilitação e atendimento com fonocudióloga e otorrino, em Florianópolis e é acompanhado pelos
profissionais da APAE.
Ao longo do todo o tempo da institucionalização do Gustavo, constata-se um desenvolvimento
bastante lento tanto ao nível motor como ao nível psicológico.
os cuidados sobre o filho. Declarou também que a gravidez não foi planeada, que os dois não
pretendiam ter aquele filho, que por ele, o Gustavo poderia ser entregue para adopção.
Na mesma data, em declarações prestadas em tribunal, a Sra. Rosa (tia materna do
Gustavo), disse que acompanhou Gustavo quando este foi encaminhado para o Lar são Vicente de
Paulo e demonstrou o seu desejo em assumir guarda do sobrinho, declarando que tem filhos e
sobrinhos que a poderiam auxiliar.
Em 12 de Março de 2002 foi pedido à Sra. Rosa que apresentasse a documentação para
formalizar a guarda da criança, contudo esta acabou por nunca comparecer, mostrando deste modo o
seu desinteresse.
Uma vez extinto o poder familiar dos progenitores sob a guarda da criança, em 10 de Março
de 2004 e pela tentativa falhada de entregar o Gustavo à guarda da tia materna, o Desembargador da
Comissão Estadual Judiciária de Adopção (CEJA), em 28 de Julho de 2004, informou que em
consulta aos bancos de dados de pretendentes à adopção nacional e internacional, não foi localizado
interessado na adopção da criança.
Devido à gravidade do quadro de saúde do Gustavo torna-se bastante dificultosa a colocação
em família substituta, mesmo a nível internacional.
Com sete anos de idade, o Gustavo extrapola a faixa etária atendida pelo Lar São Vicente de
Paulo, onde se encontra abrigado. Para além deste facto, o seu comportamento, consequente das
necessidades especiais das quais é portador, coloca em risco as restantes crianças do abrigo.
Como tal, a Assistente Social da instituição com o objectivo de providenciar a transferência do
Gustavo, efectuou contacto telefónico com a directora administrativa do Lar Menino Deus em Brusque
que logo manifestou preocupações em relação ao atendimento que o Gustavo receberia ao ser
transferido para aquele abrigo, uma vez que o Lar Menino Deus, atende adultos, na maioria
portadores de doenças mentais e neuro-psiquiátricas e de que no momento estavam a atender 16
internos, na faixa etária de 18 a 60 anos, existindo apenas duas monitoras no abrigo, uma no período
diurno e outra no nocturno.
Deste modo, considerando as condições de saúde e as necessidades que o Gustavo exige e
avaliando que as condições oferecidas pelo Lar Menino Deus, não atendiam essas necessidades,
poderiam colocá-lo em situação de risco.
Perante esta situação, ficavam esgotadas todas as possibilidades de transferência de
instituição, uma vez que era inexistente outra instituição que pudesse atender adequadamente as
necessidades da criança.
Conclusão:
Numa primeira análise superficial do caso do Gustavo, parece imatura a decisão do Juiz, ao
decretar um retorno ao convívio familiar desta criança, uma vez que este se encontra
institucionalizado desde que nasceu e em sete anos não foi criado qualquer tipo de vínculo com a
família de origem. Contudo, também não existe nenhuma instituição que promova um acolhimento
adequado às suas características.
Fazendo uma análise aprofundada de todo este caso, rapidamente se considera que o que
parecia imaturo em tal decisão, consegue-se agora percepcionar que é a solução mais viável, tendo
em conta o contexto familiar que foi alterado durante os anos de institucionalização do Gustavo quer
também pelas próprias características psíquicas e comportamentais deste.
Passa-se a explicar:
O retorno familiar é uma fase muito delicada tanto na vida da criança como na vida da própria
família.
Para a adaptação não ser muito “dolorosa” é indispensável que o tempo de institucionalização
da criança seja o mais reduzido possível e que se preserve os vínculos afectivos, para que o regresso
ao lar seja sinónimo de segurança para a criança.
No caso do Gustavo isso não seria possível devido ao tempo de acolhimento e à inexistência
de vínculos com a família biológica, mas tendo em conta de que se trata de uma criança em que foi
diagnosticada como ser possuidora de traços autistas, o problema da vinculação familiar não se
colocará, uma vez que este não se vincula a ninguém, característica da doença que comporta. “A
organização Mundial de Saúde define o Síndrome do Autismo como sendo uma síndrome presente
desde o nascimento e que se manifesta invariavelmente antes dos 30 meses de idade (…) ocorrem
problemas muito graves de relacionamento social antes dos cinco anos de idade, como incapacidade
de desenvolver contacto olho a olho, ligação social, vinculação e jogos em grupo”.64
Quanto ao estado psicológico da progenitora temos de ter em conta que o surgimento dos
sintomas psiquiátricos apresentados pela Sra. Úrsula esteve relacionado com os seguintes eventos
traumáticos associados: a gravidez não planeada bem como a inexistência de desejo de serem
novamente pais, conflitos familiares vivenciados durante a gravidez, ausência de apoio emocional da
família de origem perante o nascimento prematuro do Gustavo, o internamento do recém-nascido nos
cuidados intensivos em função do risco de vida, impossibilidade de cuidar e amamentar o bebé.
Actualmente, a progenitora apresenta significativa melhora nos sintomas psiquiátricos, não
64
Gauderer, Christian; Autismo e outros atrasos do desenvolvimento. Guia prático para pais e profissionais; 2ª Edição Revista
e Ampliada, Revinter; Rio de Janeiro, 1997,Pág.32
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realiza acompanhamento por profissionais de saúde mental e não faz uso de medicação.
De acordo com Andreani (2006), no parto prematuro, a autora explica: “surge então, tanto um
bebé prematuro, quanto uma mãe prematura e um pai prematuro, parceiros distintos, formados a
partir de uma gestação interrompida precocemente (…) o nascimento de um bebé prematuro tende a
ser vivido como um momento de crise aguda, ansiogênico e desgastante. A separação imposta pelo
internamento do bebé numa UTI Neonatal é dolorosa para a mãe, para o pai e também para o bebé
(…) a família, por sua vez também prematura, geralmente não dispõe de recursos pessoais e/ou
sociais para lidar com esta situação mobilizadora e stressante, podendo deflagrar neste momento
conflitos de diversas ordens.” 65
As mudanças constatadas actualmente na família biológica do Gustavo relacionam-se com a
estabilização nas condições de saúde da progenitora, manutenção do vínculo conjugal e crescimento
dos irmãos. A família biológica demonstra disponibilidade afectiva e instrumental para aceitar as
necessidades do Gustavo e se organizar para atendê-las, bem como também existe um sentimento
de pertença em relação à criança.
65
Andreani, G.Custódio, Z. A.O. e Crepaldi, M.A. (2206) Tecendo as redes de apoio na prematuridade. Aletheia, Dez. 2006,
págs. 115-126
Clara R. d’Almeida Rodrigues 86
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Caso nº 3: Laís
Caracterização da criança:
A Laís nasceu a 21 de Dezembro de 2003, tem actualmente cinco anos. É do sexo feminino,
nacionalidade Brasileira, é de raça negra, está registada com apenas nome de mãe e é natural de
Florianópolis.
A Laís foi institucionalizada a 18 de Dezembro de 2007, no Lar São Vicente de Paulo, em
Florianópolis, com uma Medida de Protecção de Abrigo em Entidade.
Sinalização:
As sinalizações feitas contra a família desta criança foram iniciadas em 1999, quando a Laís
ainda não tinha nascido.
Para melhor compreensão de todo o histórico familiar, estas sinalizações seram enunciadas
mais à frente no ponto dos Problemas e Diligências efectuadas.
Após o nascimento da Laís, em Março de 2003, através de uma visita domiciliária efectuada
pelo Programa POASF, constatou-se que a Laís estava com dermatite por falta de higiene.
Meses mais tarde, em contacto com o Programa Abordagem de Rua, o Conselho Tutelar foi
informado que a progenitora ia para a rua vender “balas”66 e usava a Laís para pedir esmola.
Em 2004, houve novamente inúmeras sinalizações de que as crianças se encontravam em
risco por negligência.
66
“Balas” é uma expressão utilizada no Brasil para doces, rebuçados, pastinhas elásticas, etc.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 87
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filho (Sandro), passando a viver maritalmente com o progenitor deste, mas ao fim de cinco
anos separaram-se. Entretanto, este senhor já faleceu;
Nesta altura não tendo sítio onde viver, voltou a procurar o Sr. Cassias, onde ficou a viver
com este;
Posteriormente conviveu maritalmente com o Sr. Mateus e desta união nasceram o Lucas e o
Leandro;
Em Dezembro de 2003, nasce a Laís, fruto de uma relação de namoro e cujo progenitor veio
a falecer antes do nascimento da criança;
A Sra. Alda verbalizou que tinha cinco filhos, sendo que um deles havia sido entregue para
“adopção à brasileira”67, negando dar mais informações sobre este facto;
A Sra. Alda e o Sr. Cassias são usuários de substâncias ilícitas e de álcool;
A Sra. Alda apresenta um estrutura de personalidade fragilizada, possuindo um histórico de
vida bastante conturbado, uma vez que foi uma criança de rua e por ter tido uma
adolescência institucionalizada;
Ao longo de todo o processo, esta família beneficiou de vários programas enunciados em
pontos seguintes.
67
A expressão “adopção à brasileira”, está inerente a todo aquele que entrega o filho para adopção a uma pessoa conhecida
sem documento oficial.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 88
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
68
O crack é um estupefaciente, deriva da planta de coca, é resultante da mistura de cocaína, bicarbonato de sódio ou amônia e
água destilada, resultando em grãos que são fumados em cachimbos. O consumo do crack é maior que o da cocaína, pois é
mais barato e seus efeitos duram menos. Transformou-se na droga de eleição de muitas crianças e adolescentes brasileiros
pelo baixo preço e pela acessibilidade a esta droga. (Equipa Brasil Escola)
Clara R. d’Almeida Rodrigues 89
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
69
Canasvieiras é um dos distritos do Município de Florianópolis. Este distrito situa-se no norte da ilha.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 90
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
informação, Sandro confessou que era verdade e que o avô lhe tinha mostrado o pénis.
Em visita à creche, a educadora do Leandro disse que este era uma criança bastante
inteligente, mas que demonstrava um comportamento agressivo. Que a progenitora era negligente
com os filhos e que as educadoras tinham sempre que dar banho ao Leandro quando ele chegava à
creche em virtude do seu odor e em função da falta de higiene os colegas acabavam por se afastar
dele. Disse também que a progenitora era bastante ausente e que não comparecia nem mesmo para
matricular as crianças.
No dia 4 de Outubro de 2006, Sandro, Lucas e Leandro foram obrigados, por se encontrarem
em situação de risco, caminhando sozinhos pelas ruas, foram encontrados pelo Projecto Abordagem
de Rua.
A progenitora, apresentou contestação no dia 5 de Outubro de 2006.
Em 26 de Novembro desse mesmo ano, as crianças foram “raptadas” da instituição pela
progenitora, pois segundo esta os seus filhos estavam expostos a situações de risco dentro do
abrigo.
As crianças diziam que foram agredidas pelos monitores.
Em 19 de Setembro de 2007 foi registada uma denúncia de violência sexual envolvendo o
Leandro. De acordo com o denunciante, a filha da vizinha presenciou o abuso do avô, o Sr. Cassias,
contra o neto, Leandro. Informou que a mãe é totalmente negligente com os quatro filhos e que os
mesmos estão sempre abandonados.
A criança em causa foi encaminhada para atendimento no Programa Sentinela para
realização de diagnóstico.
Em Outubro do mesmo ano, em reunião com o POASF, o Conselho Tutelar solicitou Busca e
Apreensão das quatro crianças e Suspensão do Poder Familiar devido à situação de vulnerabilidade
pessoal e social ao qual os mesmos estavam submetidos no convívio materno.
Institucionalização:
A Laís foi institucionalizada no Lar São Vicente de Paulo a 18 de Dezembro de 2007, com
quatro anos de idade e os seus irmãos foram abrigados na mesma data na Casa Lar Cretinha em
Florianópolis.
A Laís chegou ao Lar São Vicente de Paulo com forte odor a urina, com as unhas das mãos e
dos pés sujas e compridas, piolhos e insectos no cabelo, feridas pelo corpo, marca de queimaduras
nas costas e ferida no glúteo (relatou que foi o avô que lhe fez esta ferida).
De acordo com um relatório psicossocial do Lar São Vicente de Paulo, em Março de 2007,
Laís apresenta um desenvolvimento compatível com a idade.
A Sra. Alda comparecia a todos os dias da visita, apresentando forte vínculo familiar com a
filha, que chorava sempre ao terminar a visita.
Em Julho de 2008, de acordo com um novo relatório da Assistente Social do Lar São Vicente
de Paulo foi solicitado que as crianças fossem inseridas numa família substituta, de modo a não
ficarem afastados os irmãos, uma vez que a progenitora não demonstrava mudança de atitude.
Uma vez que a adopção é remota para estas crianças, porque apresentam idades entre os
Clara R. d’Almeida Rodrigues 91
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
catorze e os quatro anos (em 2008), a Sra. Alda ao ter consciência deste facto sente-se segura
afirmando que os filhos não serão adoptados e em decorrência disso não se propõe a mudar.
Conclusão:
Nesta situação foi notório que o prolongamento do tempo de acolhimento da Laís foi
altamente negativo, pois não é prudente um retorno familiar, uma vez que não existem esforços da
progenitora para arranjar mecanismos para melhorar e organizar a sua vida de modo a que esta
criança possa retomar ao convívio materno.
No dia 4 de Junho do presente ano, realizámos uma visita domiciliária com Assistente Social
do Abrigo Lar São Vicente de Paulo, onde a Laís se encontra abrigada, e pudemos constatar, que
para além das condições de habitabilidade serem muito precárias, verificámos que de facto a
progenitora desistiu do tratamento que estava a realizar no CRETA, os três irmãos da Laís fugiram da
Casa Lar Cretinha, onde o irmão mais velho, alegou que os monitores os agrediam e constatámos
também que o Sr. Cassias (avô) continua a viver na mesma casa que a progenitora, dormindo numa
cama na cozinha.
Deste modo, torna-se impossível que a Laís volte para esta família, pois estaria em risco e
num clima de insegurança ao ter o Sr. Cassias por perto.
De acordo com o autor Ballone em “Abuso Sexual Infantil” (2003) 70, o abuso sexual significa “
além da penetração vaginal ou anal na criança, também tocar seus genitais ou fazer com que a
criança toque os genitais do adulto” também é considerado abuso sexual. De acordo com os
depoimentos da criança, isto foi o sucedido entre o avô e a neta.
De acordo com vários autores, o abuso sexual intra-familiar, nunca é um acto isolado, existe
sempre tendência a que a criança seja vítima de abuso sexual prolongado, tendo esta muito medo de
contar aos outros membros da família.
Por outro lado, a única solução para este caso seria a colocação da criança em família
substituta, através da adopção, contudo, de acordo com uma pesquisa realizada em 2005 71 sobre
70
http://www.virtualpsy.org/org/infantil/abuso.html
71
Pesquisa realizada por 20 alunos de Psicologia, orientados pela Professora Isabela Saraiva de Queiroz, para o Projecto
“filhos do Coração”. (http://www.pucminas.br)
Clara R. d’Almeida Rodrigues 93
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
crianças que vivem em abrigos brasileiros, aponta que quanto mais velha é a criança, maior é o
tempo de permanência na instituição, onde mais de metade das crianças com interesse em adopção
têm menos de seis anos.
Esta mesma pesquisa diz-nos que existem muito poucos casais interessados em adoptar
crianças com mais de quatro anos.
Deste modo, esta criança poderá ser mais uma das muitas crianças que vivem sob a ameaça
do esquecimento, vivendo até aos 18 anos de idade em abrigos, tendo a sua infância e adolescência
institucionalizada.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 94
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Conclusão Final
Pretende-se com esta conclusão final, fazer um levantamento de todas os aspectos referidos
ao longo de toda a dissertação que permitam realizar um estudo comparativo entre as Legislações e
Sistemas de Protecção à infância entre Portugal e Brasil com a finalidade de verificar quais as
semelhanças e diferenças entre as Políticas Sociais de apoio à criança nos países e procurar retirar o
que cada país tem de melhor nas suas modalidades de funcionamento.
Deste modo, Portugal destaca-se como pioneiro em relação a muitos outros países, não só
em relação ao Brasil, no que respeita à Protecção à Infância, com o Diploma aprovado em 1911, com
a criação dos primeiros Tribunais de Menores.
No Brasil, só passado dezasseis anos, em relação a Portugal, é que surge o primeio marco
legislativo de Protecção à Infância, o Código de Menores de 1927, onde a preocupação deste
diploma apenas se centraliza na distinção entre dois grupos: delinquentes e abandonados, não sendo
dada especial atenção à assistência de protecção à infância como em Portugal.
Só em 1979 é que este Código é alterado, embora haja uma visão mais terapêutica e
pedagógica, é em Portugal com a criação da OTM em 1978 que surge a preocupação da intervenção
direccionada para a família de forma a promover a convivência familiar no sentido da prevenção.
Para uma melhor percepção das Leis que actualmente se encontram em vigor, procedeu-se a
análise das convergências entre os seguintes pontos: Sistema de Protecção Português e Brasileiro
para crianças em perigo, aplicação de Medidas de Protecção à infância e Adopção em Portugal e no
Brasil.
Começa-se por considerar que o conceito de criança é diferente nos dois países, como foi
anteriormente referido a Legislação Portuguesa não distingue o conceito de criança de jovem,
englobando ambos na faixa etária dos 0 aos 18 anos, enquanto que a Legislação Brasileira define
que se é criança dos 0 aos 12 anos e adolescente dos 12 aos 18 anos, fazendo uma clara distinção.
No que diz respeito às situações que determinam que uma criança se encontra em situação
de perigo, Portugal conceptualiza todas essas situações tendo em vista a aplicação da Lei. No Brasil
as definições de Perigo não são tão precisas, comportando apenas de uma forma geral que quando
os direitos são ameaçados ou violados, designa, então, que uma criança está efectivamente em
situação de perigo.
Portugal e Brasil tipificam oito Medidas de Protecção à criança. Portugal faz uma clara
distinção agrupando as suas oito Medidas em dois grupos: sendo o primeiro grupo, as Medidas em
Meio Natural de Vida, e o segundo grupo, as Medidas em Regime de Colocação. No primeiro grupo
destacam-se as Medidas que beneficiam o apoio junto da família nuclear ou na impossibilidade desta
o apoio junto da família alargada ou pessoa idónea enquanto medidas que substituem a família como
protecção de crianças em perigo.
A Lei Brasileira apresenta também oito Medidas de Protecção, mas no entanto não as
agrupa, verificando-se em seis delas o apoio junto da família e em duas delas a substituição desta.
Como foi referido anteriormente a duração das Medidas de Protecção em Portugal – Medidas
em Meio Natural de Vida – estas não podem ter duração superior a um ano ou em caso de interesse
da criança, este prazo pode ser alargado até dezoito meses, enquanto que a duração das Medidas
em Regime de Colocação têm uma duração de acordo com o estabelecido no acordo ou na decisão
Judicial mas a Lei prêve que estas Medidas sejam revistas por períodos nunca superiores a seis
meses (artigo 62º da Lei nº147/99).
No Brasil, o ECA não prêve a duração de uma Medida de Protecção, contudo ao tratar-se de
uma Medida de Abrigo em Entidade, a Lei prêve que esta Medida seja temporária não especificando
mesmo assim a duração exacta da mesma.
Na dissertação, foi dada especial atenção aos Abrigos no Brasil, tendo um capítulo dedicado
só a este tema, uma vez que este país concentra grande parte da sua atenção à infância
institucionalizada e pela pesquisa em território Brasileiro ter sido realizada num Abrigo.
É também importante mencionar que existe uma diferença no que respeita às idades
compreendidas das crianças que vivem nas instituições entre Portugal e o Brasil, pois desde a
existência do ECA, no Brasil, todos os Abrigos se encontram diferenciados por faixas etárias das
crianças acolhidas havendo uma distinção dos 0 aos 6 anos, dos 7 aos 12 anos e dos 13 aos 18. Tal
facto acontece por se considerar que o desenvolvimento de uma criança será mais saudável com a
co-existência desta com crianças da mesma idade.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 96
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
Em Portugal, esta é uma realidade que começa a ser implementada, existindo contudo muitas
instituições que acolhem crianças de todas as idades, verificando-se mais nas instuições que
apresentam um forte culto religioso.
Em ambos os países, a Adopção surge como a melhor solução para uma criança em perigo
sem possibilidade de crescer na sua família biológica.
Enquanto que no Brasil, a Adopção de uma criança depende do consentimento dos pais ou
do representante legal da mesma, consentimento este que só será dispensado caso os pais sejam
desconhecidos ou tenha sido destituido o pátrio poder. Em Portugal, uma Adopção só será decretada
se uma criança for filha de pais incógnitos ou falecidos, se os progenitores puserem a criança de
alguma forma em perigo ou abandonado a criança ou em caso de acolhimento institucional os
progenitores não manifestarem o interesse em manter os vínculos afectivos com a mesma.
Como já foi mencionado, em Portugal a Adopção pode ser Plena ou Restrita, já no Brasil a
Lei só prêve um tipo de Adopção que corresponderá à Adopção Plena que se realiza em Portugal,
uma vez que esta se caracteriza pela irrevogabilidade da decisão que atribui ao adoptante o estatuto
e a responsabilidade igual à de um progenitor biológico.
Quanto aos requisitos para adoptar, a Lei Portuguesa prêve que duas pessoas casadas há
mais de quatro anos têm de ter idade igual ou superior a 25 anos enquanto que uma pessoa singular
tem de ter mais de 30 anos, no Brasil a Lei prêve 21 anos como idade mínima para poder adoptar,
podendo adoptar, casados entre si ou que estejam em união estável (correspondente à união de facto
em Portugal). Uma pessoa singular, de acordo com a Lei Brasileira também poderá adoptar, cuja sua
preferência sexual não é significativa, na medida em que no Brasil, existe uma equidade na resolução
dos casos, uma vez que o Juiz é soberano na decisão e por isso, não havendo na Lei algo que proíba
ou que permita a Adopção por Homossexuais, cabe ao Juiz a resolução de cada litígio.
A diferença de idades entre adoptante e adoptando também difere nos dois paises, em
Portugal esta diferença não pode ser superior a 50 anos, excepto se o adoptando for filho de um dos
cônjuges. A Lei Brasileira, por sua vez refere que a diferença de idades miníma é de 16 anos de
maneira a que seja similar à filiação consanguínea.
A condição económica do adoptante é outro aspecto que difere, pois no Brasil não é
preponderante desde que o adoptante consiga assegurar as condições mínimas de vida, o que não
acontece em Portugal, uma vez que este aspecto é fulcral para uma Adopção ser decretada.
No que diz respeito ao Processo Adoptivo, este é similar nos dois países, constatou-se
contudo, que em Portugal o Processo Adoptivo se desenvolve mais lentamente que no Brasil, o que
se pode dever ao facto dos entraves colocados pelo Sistema Português.
Quanto aos dados estatísticos apresentados nos capítulos respeitantes à Adopção nos dois
países, infelizmente não é possível a realização de um estudo comparativo dos mesmos, uma vez
que os dados recolhidos em Portugal não correspondem aos mesmos dados recolhidos no Brasil.
Como síntese conclusiva e depois de tudo o que foi exposto, é possível afirmar que apesar
das diferenças mencionadas, estas não são determinantes para se concluir que os Sistemas de
Protecção a Crianças em Perigo dos dois países sejam manifestamente distintos. Ao nível Legislativo
é que essas diferenças são mais notórias, considerando a Legislação Portuguesa mais completa
nesta matéria, o Estatuto da Criança e do Adolescente Brasileiro, por sua vez, parece-nos bastante
mais vago e abrangente.
Clara R. d’Almeida Rodrigues 97
A Mão de Deus. A Protecção de Crianças em Perigo em Portugal e no Brasil: um estudo comparativo.
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