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DADOS DE ODINRIGHT

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SUMÁRIO

1. Capa
2. Folha de rosto
3. Sumário
4. Dedicatória

5. Prólogo: Eu sou Malala


6. Parte Um: Antes do perigo

1. 1. Livre como um pássaro


2. 2. O lápis mágico
3. 3. Avisos
7. Parte Dois: Uma sombra sobre nosso vale

1. 4. Mulá FM
2. 5. Convivendo com o terrorismo
8. Parte Três: Encontrando minha voz

1. 6. Uma chance de falar


2. 7. Diário de uma estudante
3. 8. Classe dispensada?
4. 9. Deslocada
5. 10. Uma paz estranha
6. 11. Enfim, boas notícias
7. 12. Uma ameaça contra mim
8. 13. Um dia como qualquer outro
9. Parte Quatro: Uma nova vida, longe de casa

1. 14. Um lugar chamado Birmingham


2. 15. Uma centena de perguntas
3. 16. Preenchendo as lacunas
4. 17. Mensagens do mundo todo
5. 18. Milagres
6. 19. Este novo lugar
7. 20. Uma garota entre muitas
10. Epílogo: A mais jovem na história
11. Glossário
12. Linha do tempo da vida de Malala
13. Sobre as autoras
14. Créditos

Landmarks

1. Cover
2. Body Matter
3. Table of Contents
4. Copyright Page
Às crianças do mundo todo que não têm acesso à
educação; aos professores que, com valentia,
continuam a lecionar; e a todos que já lutaram por seus
direitos humanos básicos e pela educação.
As palavras em negrito ao longo do texto constam no glossário.
Prólogo
••••
Eu sou Malala

Quando fecho os olhos, consigo ver meu quarto. A cama


está desarrumada, porque saí correndo para a escola,
atrasada para uma prova. Na escrivaninha, minha agenda
está aberta no dia 9 de outubro de 2012.
Posso ouvir as crianças da vizinhança brincando no beco
atrás de casa. Posso ouvir meus irmãos mais novos
brigando pelo controle da televisão. Sinto cheiro de arroz no
fogo enquanto minha mãe trabalha na cozinha. Então ouço
a voz profunda do meu pai, me chamando pelo meu apelido.
— Jani — ele diz. É “querida” em persa.
Saí da minha adorada casa no Paquistão naquela manhã
— planejando voltar para a cama assim que chegasse da
escola —, mas fui parar a um mundo de distância.
Quando abro os olhos, estou no meu novo quarto. Em
uma casa resistente de tijolinhos em um lugar úmido e frio
chamado Birmingham, que fica na Inglaterra. Aqui, mal se
ouve qualquer som: nada de crianças rindo ou gritando. Não
tem ninguém no andar de baixo picando legumes e
cochichando com a minha mãe. Através das paredes
espessas, ouço alguém da minha família chorar de
saudades de casa.
Então meu pai entra pela porta da frente, e ouço sua voz
estrondosa.
— Jani! — ele diz.
Há preocupação em seu tom, como se temesse que eu
não estivesse ali para responder. Isso porque não muito
tempo atrás alguém tentou me machucar — só porque eu
defendia meu direito de ir para a escola.

••••
Aquele dia de outubro de 2012 devia ser um dia comum. Eu
tinha quinze anos, estava no nono ano na escola e havia
perdido a hora porque tinha ficado acordada até tarde na
noite anterior, estudando para a prova.
Minha mãe sacudiu meu ombro de leve.
— Acorde, pisho — ela disse, me chamando de “gatinha”
em pachto , a língua falada pelo nosso povo. — São sete e
meia e você está atrasada para a escola!
Fiz uma prece rápida para Deus. Se esse for seu desejo,
Alá , posso tirar a melhor nota na prova , por favor? Ah, e
obrigada pelo meu sucesso até agora !
Engoli o café da manhã enquanto meu irmão mais novo,
Atal, choramingava. Ele reclamou que estavam me dando
atenção demais depois que falei em público sobre meninas
terem o mesmo direito de ir à escola que os meninos.
— Quando Malala for primeira-ministra, você pode ser o
secretário dela — brincou meu pai.
— Não! — gritou Atal, o palhacinho da família. — Ela é que
vai ser minha secretária!
Corri porta afora e rua abaixo a tempo de ver o ônibus
cheio de outras meninas a caminho da escola.
Nunca mais vi minha casa.

••••
À tarde, minhas colegas e eu encarávamos nossas provas,
tentando pensar em meio às buzinas e ao barulho das
fábricas da cidade de Mingora. Ao fim do dia, eu estava
cansada, mas feliz. Sabia que tinha me saído bem.
Pedi para minha melhor amiga, Moniba, esperar comigo o
último ônibus, para que pudéssemos conversar mais um
pouco.
Contamos piadas e rimos até a hora de entrar na dyna ,
uma caminhonete branca aberta nos fundos que era o
“ônibus” da Escola Khushal.
Como sempre, nosso motorista, Usman Bhai Jan, tinha um
truque de mágica para nos mostrar. Naquele dia, ele fez um
pedregulho desaparecer. Não importava o quanto
tentássemos, nunca conseguíamos descobrir seu segredo.
Dezenove meninas, duas professoras e eu balançávamos
ao longo da estrada Haji Baba, em meio a uma mistura de
riquixás, mulheres em trajes esvoaçantes e homens de
moto buzinando e costurando no trânsito. Nosso veículo não
tinha janelas, só um plástico amarelado que se agitava na
lateral.
Estávamos a menos de três minutos da minha casa
quando o ônibus da escola parou de repente. Parecia
estranhamente silencioso lá fora.
— Está tudo tão calmo hoje — eu disse a Moniba. — Cadê
todo mundo?
Não lembro de mais nada depois disso.
O que me contaram que aconteceu foi:
Dois jovens em trajes brancos se colocaram na frente da
caminhonete. Um deles veio para a parte traseira e se
aproximou de nós.
— Quem é Malala? — ele perguntou.
Ninguém disse nada, mas algumas meninas olharam na
minha direção. O homem levantou o braço e apontou para
mim. Algumas meninas gritaram, e eu apertei a mão de
Moniba.
Quem é Malala? Eu sou Malala, e esta é minha história.
PARTE UM
••••
Antes do perigo
1
••••
Livre como um pássaro

Eu sou Malala Yousafzai, uma menina como qualquer outra


— mas tenho meus talentos.
Posso estalar os dedos das mãos e dos pés quando quero.
Posso ganhar de alguém com o dobro da minha idade no
braço de ferro.
Gosto de bolinhos, mas não de balas. E acho que chocolate
amargo nem devia ser considerado chocolate.
Não ligo para maquiagem ou joias e não sou muito
feminina. Mas minha cor favorita é rosa.
Costumo dizer que, se você olhar dentro da mochila de um
menino, sempre vai estar bagunçada. Se olhar para o
uniforme dele, sempre vai estar sujo. Não é minha opinião. É
um fato.
Sou pachto, membro de um povo orgulhoso que se
espalhou pelo Afeganistão e pelo Paquistão. Meu pai,
Ziauddin, e minha mãe, Toor Pekai, nasceram em uma aldeia
nas montanhas. Depois de se casar, eles se mudaram para
Mingora, a maior cidade do vale do Swat, que fica no
noroeste do meu amado país, o Paquistão.
Nasci em 1997, no vale do Swat, que é conhecido por sua
beleza: montanhas altas, montes verdejantes e rios
cristalinos.
Recebi o nome de uma jovem pachto muito valente que
ficou conhecida como Malalai de Maiwand, uma aldeia no
Afeganistão. Ela encorajou os guerreiros em uma batalha
centenas de anos atrás. Mas não acredito em combates.
Digo isso apesar de discutir com meu irmão Khushal o
tempo todo. Ele é dois anos mais novo que eu. Discutimos
sobre quem é o melhor aluno. Sobre quem acabou com o
salgadinho. Sobre tudo o que se pode imaginar.
Meu outro irmão, Atal, me irrita menos. Ele é seis anos
mais novo que eu. É bem bom em correr atrás da bolinha de
críquete quando a jogamos longe. Mas às vezes também cria
suas próprias regras.
Quando eu era mais nova, depois que meus irmãos
chegaram, tive uma conversinha com Deus. Eu disse a Ele:
Você não me consultou antes de mandar esses dois. Às
vezes eles são muito inconvenientes.
Mesmo assim, no Paquistão, meus irmãos e eu corríamos
como um bando de coelhos, brincando de pega-pega,
amarelinha ou polícia e ladrão. Às vezes, tocávamos a
campainha da casa de alguém, então corríamos para nos
esconder. Mas nossa brincadeira preferida era críquete.
Jogávamos dia e noite no beco perto de casa ou lá em cima
no terraço.
Quando eu me cansava dos meus irmãos, descia a escada
e batia na parede entre nossa casa e a da minha amiga
Safina. Duas batidinhas, esse era o nosso código. Ela batia
de volta em resposta.
Safina é alguns anos mais nova que eu, mas éramos muito
próximas. Costumávamos imitar uma à outra, mas, uma vez,
meu único brinquedo — um celular de plástico cor-de-rosa
que meu pai havia me dado — desapareceu.
Naquela tarde, quando fui brincar com Safina, ela estava
com um telefone igualzinho! Achei que Safina tinha ido longe
demais. Ela disse que era seu, mas não acreditei. Quando
Safina não estava olhando, peguei um par de brincos dela.
No dia seguinte, um colar.
Minha mãe descobriu e ficou tão chateada que nem
conseguia olhar para mim.
— Safina me roubou primeiro! — exclamei.
Mas, para ela, aquilo não importava.
— Você é mais velha, Malala — minha mãe disse. —
Deveria dar o exemplo.
Senti vergonha, pensando em como meu pai ia ficar
decepcionado comigo.
Mas quando ele chegou em casa, não me deu bronca.
Sabia que eu já estava sendo dura o bastante comigo
mesma. Em vez disso, me disse que todas as crianças
cometem erros — até mesmo heróis como Martin Luther King
Jr., ativista americano pelos direitos civis, e o grande
pacifista indiano Mahatma Gandhi.
Então ele me disse uma frase que seu pai costumava lhe
dizer:
— Uma criança é sempre uma criança quando criança,
mesmo que seja um profeta.
O que meu pai queria dizer era que mesmo pessoas que
realizaram grandes feitos na vida podem ter agido de
maneira infantil, porque já foram crianças.
Nosso povo acredita em badal , ou seja, que uma má ação
deve ser respondida com outra. Eu pensei que Safina tinha
me roubado, então a roubei. Mas minha experiência com a
vingança foi amarga. Safina e eu logo voltamos a ser
amigas, e jurei que não queria mais saber de badal .

••••
Desde que me lembro, nossa casa sempre esteve cheia de
gente, em um fluxo sem fim de vizinhos, parentes e amigos
do meu pai. Uma das partes mais importantes de ser pachto
é sempre abrir a porta para uma visita.
Nos fundos de casa, minha mãe e as mulheres se reuniam
para cozinhar, rir e falar sobre roupas novas, joias e as
outras mulheres da vizinhança. Meu pai e os homens
ficavam na sala de visitas, tomando chá e falando de
política.
Eu às vezes me afastava das brincadeiras de criança,
passava na ponta dos pés pelo grupo das mulheres e ia me
juntar aos homens na sala, onde absorvia cada palavra que
diziam sobre o vasto mundo além do nosso vale.
Depois de um tempo, eu voltava para as mulheres, para
ouvir seus cochichos e suas risadas. Minha parte preferida
era que ninguém usava lenço ou véu ali. Era encantador ver
seus cabelos escuros e compridos e seus rostos bonitos
pintados de batom e hena.
No lugar onde cresci, as mulheres seguiam a prática da
purdah : eram separadas dos homens e precisavam se
cobrir em público. Algumas, como minha mãe, cobriam o
rosto com um lenço. Outras se cobriam com vestes pretas
compridas e esvoaçantes, às vezes usando luvas e meias
pretas também. Elas escondiam cada centímetro de pele —
e até mesmo os olhos.
Mas quando não havia homens, as mulheres podiam
mostrar seus lindos rostos — e eu descobria um mundo
totalmente novo. Sempre me perguntava como era viver se
escondendo.
Ainda pequena, eu disse a meus pais que, independente
do que as outras meninas fizessem, eu nunca ia cobrir meu
rosto daquele jeito. Minha mãe e alguns dos nossos parentes
ficaram chocados. Mas meu pai disse que eu poderia fazer
como quisesse.
— Malala vai viver livre como um pássaro — ele disse a
todo mundo.
Eu sabia que era a preferida do meu pai. Algo raro para
uma menina paquistanesa.
No Paquistão, quando um menino nasce, é motivo de
celebração. Deixam presentes no berço do bebê. Escrevem
seu nome na árvore genealógica da família. Quando uma
menina nasce, ninguém nem visita os pais.
Meu pai não se importava com aqueles costumes. Vi meu
nome — em tinta azul brilhante — bem ali, em meio aos
homens na nossa árvore genealógica. Foi o primeiro nome
de mulher incluído em trezentos anos.
Às vezes, quando eu pensava no futuro, as competições de
empinar pipa que fazíamos quando pequenos me vinham à
mente. Os meninos que queriam vencer tentavam cortar o
fio da pipa das outras crianças. Eu sempre ficava meio triste
ao ver pipas tão bonitas indo ao chão.
Eu tinha medo de que meu futuro pudesse ser cortado
como o fio daquelas pipas só porque eu era menina.
Conforme Safina e eu ficássemos mais velhas, esperariam
que cozinhássemos e limpássemos para nossos irmãos. Não
poderíamos ser advogadas ou engenheiras, estilistas ou
artistas — ou a maioria das coisas com que sonhávamos. E
não permitiriam que saíssemos de casa sem a companhia de
um parente homem.
Às vezes me perguntava quão livre realmente poderia ser.
Meu pai seguia esperançoso.
— Olha só essa menina — ele disse com orgulho quando
aprendi a ler. — O céu é o limite para ela!
Eu tinha muito mais sorte do que a maioria das garotas por
outro motivo também: meu pai era dono de uma escola, a
Khushal. Era um lugar humilde, que ficava perto de um rio
fedorento e contava com pouco mais que lousas e giz. Mas,
para mim, era o paraíso.
Meu pai fazia tudo na escola. Era professor, diretor e
zelador. Depois que pagava as contas do lugar, não sobrava
muito dinheiro para comprar comida. Mas a escola era o
sonho dele, e todos ficávamos felizes por ser realidade.
Meus pais dizem que, assim que aprendi a andar, eu
entrava nas salas vazias e dava aulas no meu próprio
linguajar de bebê. Quando cresci, passei a assistir algumas
aulas. Mal podia esperar para usar o uniforme que via as
meninas mais velhas usando todos os dias ao chegar:
shalwar kamiz — uma bata comprida azul-escura com
calça branca solta — e um lenço branco na cabeça. Quando
finalmente chegou a hora de me tornar estudante, mal podia
conter a empolgação.
Dá para dizer que cresci na escola. A escola era meu
mundo, e meu mundo era a escola.
2
••••
O lápis mágico

Toda primavera e todo outono, minha família visitava um dos


meus lugares preferidos no mundo: Shangla, a aldeia nas
montanhas onde meus pais cresceram. Era uma viagem de
quatro horas de ônibus, por estradas de onde se via o vale
do rio Swat de um lado e paredões de rocha do outro.
Enquanto subíamos mais e mais, meus irmãos apontavam
para os carros ou ônibus que haviam caído lá embaixo. Em
certo ponto, o ar ficava mais fresco, e não víamos nada além
de montanhas. Era montanha, montanha, montanha, e só
um pedacinho de céu.
Embora a maior parte das pessoas na aldeia fosse pobre,
nossa família sempre preparava um banquete para quando
chegássemos. Principalmente no Eid ul-Fitr, a celebração que
marca o fim do Ramadã — mês mais sagrado do ano na
nossa religião, o islamismo. Durante o Ramadã, os
seguidores do islã, que são chamados de muçulmanos,
passam o dia inteiro sem comer, do nascer ao pôr do sol,
para se concentrar em suas preces e lembrar tudo o que
receberam de Deus. No Eid ul-Fitr, nossa família compartilha
tigelas de arroz com frango, espinafre e cordeiro, além de
maçãs, bolos bonitos e bules de chá com leite adoçado. Nós
levávamos caixas de doces e outros presentes que eram
transportados em cima do ônibus.

O que é Ramadã?
O que é Eid ul-Fitr?
O que é Eid ul-Azha?
•••••••••
Ramadã é o nono mês do calendário islâmico. É considerado o mês sagrado,
no qual muçulmanos de todo o mundo refletem sobre sua fé rezando com
ainda mais devoção, lendo o Sagrado Corão , passando o tempo com a
família, fazendo caridade e jejuando todos os dias do nascer ao pôr do sol.
(As famílias às vezes fazem uma refeição juntas quando o sol se põe.)
O Eid ul-Fitr, também conhecido como Pequena Celebração, dura três
dias e marca o fim do Ramadã. Envolve banquetes, visitas familiares e
presentes — principalmente para as crianças.
No Dhu al-Hijjah, o décimo segundo mês do calendário islâmico, é
realizado o Eid ul-Azha, o festival do sacrifício, também conhecido como
Grande Celebração. Nele, é lembrado o sacrifício do profeta Abraão em
nome de Alá. O espírito do Eid ul-Azha envolve compartilhar as bênçãos de
Alá com seus entes queridos e com os menos privilegiados à sua volta.

Aos olhos dos meus primos, eu era uma menina da cidade.


Eles me provocavam porque eu não gostava de andar
descalça e usava roupas compradas — não feitas em casa,
como as deles. Mal sabiam que pessoas de cidades de
verdade, como Islamabad, capital do Paquistão, achariam
que eu era uma menina do campo.
Quando estávamos juntos em Shangla, todos vivíamos a
vida do campo. Assim que o galo cantava, saíamos de casa
para receber o dia. Comíamos mel direto do favo e ameixas
verdes com uma pitada de sal. Nenhum de nós tinha
brinquedos ou livros, então brincávamos de amarelinha e
críquete em um barranco.
A vida das mulheres nas montanhas não era fácil. Não
havia comércio de verdade, nem hospitais ou médicos.
Assim como as mulheres de Mingora, as de Shangla também
cobriam o rosto. Não podiam encontrar ou falar com homens
que não fossem parentes próximos. Nenhuma delas sabia ler
— nem mesmo minha mãe, que havia crescido ali.
Muitas meninas da aldeia não iam à escola. As pessoas
achavam o estudo menos importante do que era para os
meninos, já que elas se casavam ainda muito jovens e iam
morar com a família do marido.
— Por que mandar minha filha para a escola? — os homens
costumavam dizer. — Ela não precisa de estudo para cuidar
da casa.
Eu nunca retrucava quando os mais velhos falavam. Na
minha cultura, nunca se desrespeita os mais velhos, mesmo
que estejam errados. Mas quando eu via como a vida das
mulheres ali era difícil, ficava confusa e triste.
Perguntei ao meu pai por que as mulheres eram tratadas
tão mal em nosso país.
Ele me disse que a vida era ainda pior para as mulheres no
Afeganistão, país vizinho ao nosso, onde um grupo perigoso
chamado Talibã havia assumido o poder. O Talibã era contra
a maior parte das coisas consideradas “ocidentais” — ou
seja, que seriam aceitáveis nos Estados Unidos, no Canadá
ou em países europeus. O grupo defendia que as crenças e
os comportamentos ocidentais não eram apropriados com
base em sua interpretação bastante rígida do islã, que
distorcia as verdadeiras crenças islâmicas e ameaçava os
direitos dos outros.
No Afeganistão, as escolas para meninas tinham sido
destruídas e todas as mulheres eram forçadas a se cobrir
dos pés à cabeça com uma roupa que só tinha uma janelinha
para os olhos. Era o que chamavam de burca . Elas tinham
sido proibidas de rir alto e de passar esmalte nas unhas, e às
vezes iam presas só por andar desacompanhadas de um
homem da família.
Depois de ouvir tais coisas, agradeci a Deus por morar no
Paquistão, onde as meninas eram livres para ir à escola. Eu
não sabia que o Talibã não estava apenas no Afeganistão.
Havia membros do movimento no Paquistão também, e eles
logo lançariam sua sombra sobre minha infância ensolarada.
Meu pai me disse que eu não devia me preocupar.
— Vou proteger sua liberdade, Malala — ele falou. —
Continue sonhando.
••••
Quando eu tinha oito anos, a escola do meu pai ocupava três
prédios e tinha mais de oitocentos alunos. Como a maioria
das famílias pagava para que os filhos estudassem ali, nossa
família finalmente tinha dinheiro o bastante para comprar
uma televisão! Às vezes, Safina e eu víamos Shaka Laka
Boom Boom , um programa sobre um menino chamado
Sanju que tinha um lápis mágico capaz de tornar seus
desenhos reais. Se tinha fome, Sanju desenhava uma tigela
de comida. Se estava em perigo, desenhava um policial.
Sanju era um pequeno herói, sempre protegendo as pessoas.
Comecei a sonhar em ter meu próprio lápis mágico. À
noite, eu rezava: Deus, por favor, me dê o lápis de Sanju.
Não vou contar a ninguém. É só deixar no meu armário. Vou
usar o lápis para fazer todo mundo feliz. Então eu ia olhar a
gaveta do armário. Mas o lápis nunca estava lá.
Eu queria muito ter um lápis mágico quando minha mãe
me pedia para levar o lixo até o aterro perto de casa. Poderia
apagar tudo: o cheiro, os ratos, a montanha gigante de
comida apodrecendo. Uma tarde, eu estava prestes a jogar
as cascas de batata e de ovo na pilha de lixo quando vi algo
se mover. Dei um salto.
Era uma garota da minha idade. Ela e alguns meninos que
estavam por perto reviravam o lixo. Quis falar com eles, mas
fiquei com medo.
Mais tarde, perguntei ao meu pai sobre aquelas crianças.
Por que não estavam na escola?
Meu pai me disse que eles vendiam o que conseguiam
encontrar no lixão para ajudar a família a comprar comida.
Se fossem para a escola, todos passariam fome.
Então percebi que Deus estava me mostrando como seria
minha vida se eu não pudesse ir à escola. Um lápis capaz de
mudar o mundo era algo que não existia. Eu teria que fazer
alguma coisa. Mas o quê?
Escrevi uma carta para Deus, pedindo força e coragem
para tornar o mundo um lugar melhor . Assinei, enrolei,
prendi a um pedaço de madeira, coloquei um dente-de-leão
em cima e soltei em um córrego que dava no rio Swat. Deus
certamente encontraria a carta ali.
Assim como eu queria ajudar as crianças do lixão, minha
mãe queria ajudar todo mundo. Ela costumava fazer uma
panela de arroz com frango a mais para dar para uma família
pobre da vizinhança.
Uma vez, perguntei a ela por que sempre dava comida
para os outros.
— Sabemos como é sentir fome, pisho — ela disse. —
Nunca podemos nos esquecer de compartilhar o que temos.
3
••••
Avisos

Uma noite, abri a porta para seis anciãos locais e para um


homem franzindo a testa que disse ser um mufti , um
estudioso do islã. Meu pai me mandou para o outro cômodo,
mas eu ainda podia ouvir cada palavra do que diziam.
O mufti falou que tinha um problema com nossa escola.
— Represento os bons muçulmanos, e todos achamos que
você precisa fechar o ensino médio para meninas — ele
disse. — As adolescentes não devem ir à escola. Elas devem
seguir a purdah .
O mufti claramente acreditava que meninas não tinham o
mesmo direito à educação que meninos. O que nós
sabíamos, e ele não, era que sua própria sobrinha estudava
na escola do meu pai, em segredo.
Meu pai debatia com o mufti quando um dos outros
homens os interrompeu. Ele expressou sua surpresa ao ver
mais de um exemplar do Corão, o livro sagrado da religião
muçulmana, em nossa casa.
— É claro! — meu pai disse. — Sou muçulmano.
Meu pai e os homens chegaram a um acordo: as meninas
mais velhas iam entrar na escola por um portão separado.
Enquanto a porta se fechava atrás dos visitantes, pensar
naquele mufti fazia meu estômago se retorcer. Eu sabia que
ele estava errado. Não havia nada de anti-islâmico em
meninas indo à escola.
Meus pais tinham me colocado em um madraçal . Era
uma escola a céu aberto onde meninos e meninas
estudavam juntos o Corão, que nós, muçulmanos,
acreditamos conter as palavras de Deus, ou Alá. Esse livro
sagrado foi escrito em árabe. Eu amava os sons das preces
e as histórias sobre como viver de acordo com seus
ensinamentos.
Embora meus colegas de classe no madraçal pudessem
recitar todo o Sagrado Corão, eles não aprendiam o que as
palavras em árabe significavam de fato. Eu era a única que
queria aprender o que diziam e que estudava outras
matérias — ciências, matemática e literatura — em outra
escola, a Khushal.
Eu nunca tinha dado muita importância àquela diferença
até mais tarde, depois que o mufti foi à nossa casa. Um dia,
as crianças da vizinhança estavam se dividindo em times
para um jogo de críquete quando um dos meninos disse que
não queria que eu ficasse no dele.
— Nossa escola é melhor do que a sua — o menino disse,
falando do madraçal.
Eu não concordava nem um pouco.
— Minha escola é a melhor — eu disse.
— Sua escola é ruim — ele insistiu. — Não segue o
caminho certo do islã.
Eu não soube como responder, mas tinha certeza de que
o menino estava errado. A Escola Khushal era a melhor de
todas. Em um país onde não se permitia que mulheres
saíssem em público sem a companhia de um homem, eu e
as outras meninas podíamos viajar para toda parte através
das páginas dos livros. Em um país onde logo seria
esperado que mantivéssemos distância de nossos colegas
do sexo masculino, corríamos livres como o vento.
Não sabíamos aonde nossa educação poderia nos levar.
Só queríamos uma oportunidade de aprender em paz. Assim
que tirávamos as mochilas das costas dentro da Escola
Khushal, tínhamos as mesmas preocupações que qualquer
outro estudante: quem ia tirar a nota mais alta na prova do
dia e quem sentaria com quem no recreio. Trabalhávamos
duro, ríamos juntas.
Como um lugar onde eu aprendia tanto, um lugar onde
ria, podia ser ruim?
PARTE DOIS
••••
Uma sombra sobre nosso vale
4
••••
Mulá FM

Uma noite, quando estávamos visitando parentes que


moravam por perto, ouvi um estranho lamento no rádio. A
princípio, parecera com qualquer outro imã (líder religioso)
dando conselhos. Rezem diariamente, ele disse, e as
mulheres murmuraram em aprovação.
Então ele começou a chorar. Parem de ouvir música , o imã
implorou. Parem de ir ao cinema. Parem de dançar. Parem ,
ele insistiu, ou Deus mandará outro terremoto para punir a
todos nós. Algumas mulheres começaram a chorar, uma vez
que a lembrança do terremoto do ano anterior — um dos
piores que já haviam assolado nossa região — estava fresca
na memória.
Eu queria dizer a elas que não era verdade: um terremoto
podia ser explicado pela ciência. Mas aquelas mulheres não
haviam estudado e tinham sido criadas para acreditar nos
líderes religiosos. Então ficaram com medo.
Meu pai disse que não devíamos ouvir aquilo que todos
chamavam de Mulá FM (mulá é outro nome para imã). Mas,
na escola, minhas amigas repetiram tudo o que ele havia
falado, quase palavra por palavra. Toda música era haram ,
dissera o mulá, o que significava que era proibida pelo islã. A
única estação de rádio permitida era a dele. Os homens
deviam deixar o cabelo e a barba crescerem, ele continuara,
e as mulheres deviam ficar em casa seguindo a purdah o
tempo todo, podendo sair apenas em caso de emergência,
usando burca e acompanhadas de um parente homem.
Muitas pessoas admiravam a maneira como o mulá falava
sobre a importância da prece diária. Elas não acreditavam no
nosso governo, se ressentiam por ele não ter sido de muita
ajuda depois do terremoto. Por isso, concordavam com a
ideia do mulá de trazer a lei islâmica de volta.
A voz no rádio pertencia a Fazlullah, um dos líderes de um
grupo que havia ajudado muita gente depois do terremoto.
Agora, ele estava usando o desastre para espalhar o medo.

••••
Em casa, comecei a servir o chá para meu pai e os homens
que o visitavam de modo a ouvir suas discussões sem que
notassem.
Naqueles dias, as conversas se concentravam em dois
assuntos: a Mulá FM e a guerra do outro lado da fronteira, no
Afeganistão. Nos anos anteriores, os Estados Unidos e outros
países travavam uma batalha para derrotar o governo talibã
no Afeganistão, que protegia a Al-Qaeda , outro grupo
perigoso que tinha crenças parecidas.
Talibã . Assim que ouvi a palavra, lembrei da conversa que
havia tido com meu pai quando estávamos em Shangla.
Naquela época, o Talibã parecia algo muito distante, algo
ruim acontecendo em outro lugar. Mas Fazlullah era
paquistanês e estava ligado ao Talibã. Meu pai alertou os
outros homens de que logo aquele movimento chegaria ao
nosso vale.
Pela primeira vez, me ocorreu que nosso mundo mudava
diante dos meus olhos, e não para melhor.

••••
A Mulá FM lançou a sombra escura do medo sobre nosso vale.
Cheguei à escola um dia e encontrei todas as minhas
amigas reunidas num canto, falando sobre o programa da
noite anterior. Fazlullah havia anunciado que as escolas para
meninas eram haram — proibidas pelo Sagrado Corão.
Então, em julho de 2007, ele convocou as pessoas a se
opor violentamente contra o governo.
Meu pai disse que nossa família devia fazer o melhor para
ignorar o que o mulá pregava.
— Devemos levar uma vida plena, ainda que só em nosso
coração — ele falou.
Assim, nossas conversas durante o jantar continuaram a
girar em torno de Einstein e Newton, poetas e filósofos, e
outros assuntos intelectuais. Meus irmãos e eu
continuávamos brigando pela posse do controle remoto da
televisão, sobre quem tirava as melhores notas, sobre tudo e
qualquer coisa.
Então Fazlullah uniu forças com outro grupo do Talibã e
anunciou que as mulheres estavam proibidas de sair em
público. De repente, onde quer que eu olhasse, talibãs
pareciam brotar como erva daninha.
Havia rumores de que os homens da Mulá FM ficavam
ouvindo o que se passava do outro lado das portas. Se
identificassem o som de alguém vendo televisão, o que
consideravam pecado, invadiam a casa e destruíam o
aparelho.
Meus irmãos e eu não compreendíamos por que lutadores
com nomes engraçados ou um menininho com um lápis
mágico eram tão ruins. Mas nos assustávamos toda vez que
alguém batia na porta.
Em determinado momento, colocamos a televisão dentro
do armário. Assim, se desconhecidos entrassem, não a
veriam.
Como Fazlullah tinha ficado tão poderoso? E por que
ninguém estava preparado para desafiar o mulá?

••••
Quando Fazlullah começou a anunciar em seu programa o
nome de meninas que continuavam estudando, minha mãe
insistiu que eu não fosse mais à escola sozinha. Ela tinha
medo de que membros do Talibã me vissem de uniforme.
A Escola Khushal estava sob a sombra da Mulá FM . A cada
dia, eu notava que mais colegas tinham ficado em casa. Um
professor avisou meu pai que não ensinaria mais meninas.
Eu estremecia ao ouvir as histórias sobre os homens de
Fazlullah punindo homens e mulheres que os
desobedecessem. O que estavam fazendo com minha
cidade? O que estavam fazendo conosco?
Deus , eu dizia na hora de ir para a cama, por favor,
proteja minha cidade e o povo.

••••
Meu pai foi a uma reunião para se pronunciar contra o Talibã.
Depois, viajou para Islamabad para pedir ao governo que
protegesse seus cidadãos. Enquanto estava fora, tomei o
costume de fazer a ronda pela casa uma, duas e até três
vezes para me certificar de que todas as portas e janelas
estivessem trancadas.
Às vezes, meu pai só voltava bem tarde. Às vezes, dormia
na casa de um amigo, para o caso de estar sendo seguido.
Ele nos protegia mantendo distância, mas não tinha como
evitar que nos preocupássemos. Naquelas noites, eu ouvia
minha mãe rezar até bem tarde.
Meu pai era apenas um diretor de escola, mas parecia um
falcão, ousando voar aonde outros não iam. Já minha mãe
mantinha os pés firmes no chão.

••••
Um dia, deparamos com uma mensagem para meu pai
grudada no portão da escola. Dizia:
Sua escola é ocidental e infiel. O senhor ensina meninas e
seu uniforme vai contra o islã. Pare com isso ou criará
problemas, e suas crianças vão chorar pelo senhor.
A assinatura a seguir dizia: Fedaim do islã — devotos do
islã.
O Talibã tinha ameaçado meu pai. Agora eu estava com
medo.
No dia seguinte, ele deu sua resposta ao Talibã através de
uma carta publicada num jornal. Por favor, não machuquem
os alunos , meu pai escreveu, porque o Deus em que vocês
acreditam é o mesmo Deus para o qual eles rezam todos os
dias.
Nosso telefone não parava de tocar naquela noite. Eram
amigos ligando para agradecer a meu pai pela carta.
Ele sempre tinha sido um homem ocupado. Mas, agora,
toda vez que saía de casa eu me perguntava: Será que vai
voltar?
Meu pai decidiu que os uniformes escolares iam mudar. Os
meninos não iam mais usar o uniforme “ocidental”,
composto por camisa e calça comprida — passariam a usar o
conjunto tradicional de túnica e calça chamado shalwar
kamiz. Eu ainda usava meu shalwar kamiz azul e branco,
mas o talibã dizia que as meninas não podiam usar a calça
branca para não ficarem parecidas com meninos. O uniforme
que eu amava agora fazia com que me sentisse uma
criminosa.

O que é shalwar kamiz ?


•••••••••
Shalwar kamiz é uma roupa tradicional usada por homens e mulheres de
todas as idades. Trata-se de um conjunto de calça comprida e solta (shalwar
) e túnica comprida (kamiz ). O estilo varia de acordo com a região, mas em
geral o traje é feito de tecido leve e é bastante confortável!

Então pensei: Por acaso fiz algo de errado para precisar


temer? Só quero ir para a escola. Isso não é crime. É um
direito meu. E eu ainda era filha de Ziauddin Yousafzai, o
homem que ousara responder ao Talibã. Ia manter a cabeça
erguida — ainda que meu coração palpitasse.
Às vezes, quando eu sentia medo, uma vozinha no meu
coração sussurrava: Por que você não luta para tornar o
Paquistão um lugar melhor?
Devido à atenção que meu pai recebia, fui abordada por
jornalistas que queriam o depoimento de uma menina sobre
a proibição de ir à escola. Dei entrevistas para canais de TV
de rede nacional em que falava sobre a educação das
meninas. Apesar de nervosa, tinha conseguido. E gostado.
Então disse para mim mesma: Vou continuar lutando pela
paz e pela democracia no meu país.
Eu só tinha dez anos, mas sabia que ia encontrar uma
maneira de fazer aquilo.
5
••••
Convivendo com o terrorismo

Um dia, eu estava na escola quando ouvimos um barulho


assustador do lado de fora. Todos — alunos e professores —
correram para o pátio e olharam para cima. Um enxame de
helicópteros pretos do Exército escureceu o céu. Eles
chicoteavam o ar à nossa volta, criando uma tempestade de
pó e areia, e afogando nossas vozes com seu ruído.
Algo pousou aos nossos pés. Plunc! Plunc! Plunc! Gritamos
— depois comemoramos. Balas! Soldados jogavam doces
para nós. Ríamos enquanto pegávamos as balas. Caía doce
do céu! E a paz estava a caminho!
Vínhamos rezando para que alguém enfrentasse Fazlullah
e seus homens com turbantes pretos e armas poderosas.
Agora nossa cidade estava cheia de soldados de uniforme
verde.
Os homens de Fazlullah desapareceram quase do dia para
a noite, como neve derretendo. Mas sabíamos que não
tinham ido muito longe, então Mingora permaneceu em
meio à tensão e ao medo. Todo dia, assim que a aula
acabava, meus irmãos e eu corríamos para casa e
trancávamos a porta. Não havia mais críquete no beco. Não
brincávamos mais de esconde-esconde na rua. Não caíam
mais doces do céu.

••••
Uma noite, ouvimos um anúncio que não compreendemos.
Bati na parede que dava para a casa de Safina para que
alguém viesse nos explicar o que era “toque de recolher”.
Ela, a mãe e o irmão nos disseram que significava que
tínhamos que ficar dentro de casa durante certos horários
do dia e toda a noite.
Mais tarde, fortes luzes brancas varreram o céu,
iluminando nossos quartos. Então: bum! Um baque fez o
chão tremer. Meus irmãos e eu corremos até nossos pais e
ficamos todos abraçados, tremendo enquanto ouvíamos as
bombas caírem. Toda vez que escutávamos um barulho, nos
agarrávamos com ainda mais força, até que acabamos
pegando no sono.
Esperávamos que o barulho significasse que o Exército
tinha derrotado o Talibã. Meu pai saiu para descobrir o que
havia acontecido e voltou com a testa franzida. Sentimos
um aperto no coração quando ele nos deu a notícia: o Talibã
tinha assumido o controle do vale.
O conflito entre o Exército e o Talibã se arrastou por um
ano e meio. Com meus irmãos, não sobrava espaço para
mim na cama dos meus pais, então eu tinha que dormir em
uma pilha de cobertores no chão. (Mesmo em meio à
guerra, odiava que meus irmãos roubassem meu lugar!) Por
mais estranho que pareça, nos acostumamos com os
bombardeios.
Eu costumava falar com Deus, deitada no chão do quarto
dos meus pais. Abençoe e proteja a gente , eu dizia. Pedia
paz para todos. E, especialmente, para o Swat. Tentava
tampar os ouvidos e visualizar minhas preces flutuando até
Deus.
De alguma maneira, acordávamos a salvo todas as
manhãs. Então, um dia, minhas preces foram respondidas.
O Exército não tinha vencido, mas pelo menos havia
conseguido forçar o Talibã a se esconder, se não a ir
embora.

••••
As portas da nossa escola não estiveram abertas durante
todo o conflito, mas sempre que possível eu estava lá.
Conforme eu e minhas amigas crescíamos, a competição
amistosa que havia entre nós ficava mais séria. Não
queríamos apenas tirar boas notas; queríamos tirar as notas
mais altas.
Embora todas quiséssemos ser a melhor, o que mais
importava para cada uma de nós era o elogio de um
professor. Aquilo nos fazia acreditar que tínhamos futuro.
Em um país onde tantas pessoas consideram um
desperdício mandar meninas à escola, são os professores
que nos ajudam a acreditar nos nossos sonhos. Nossa
diretora, a sra. Maryam, era inteligente e independente —
tudo o que eu queria ser. Ela havia feito faculdade. Tinha
um trabalho e recebia seu próprio salário.
Tínhamos nossas aulas normais, como álgebra, química e
física, mas naquela época conversávamos bastante sobre o
Exército e o Talibã. O povo do Swat estava encurralado entre
os dois. Uma amiga gostava de me irritar dizendo:
— O Talibã é bom, o Exército não.
Eu sempre dizia a ela que, quando se estava preso no
meio de uma guerra, nenhum dos lados era “bom”.

••••
O caminho para ir e voltar da escola agora era assustador,
então quando eu estava a salvo em casa só queria relaxar.
Um dia, cheguei antes dos meus irmãos e liguei a televisão,
mas só apareceu estática. Tentei todos os canais. Nada
além de estática.
A princípio, achei que fosse uma queda de energia —
vinham ocorrendo muitas delas —, mas naquela noite
descobrimos que os homens de Fazlullah tinham cortado
todos os canais a cabo. Sem nada para ver além da rede
governamental, estávamos praticamente isolados do
mundo.
Outro dia, encontrei meu pai com as mãos na cabeça.
— Ah, jani — ele disse. — Todo mundo enlouqueceu.
Então meu pai contou que os homens de Fazlullah tinham
destruído uma escola para meninas em uma cidade
próxima.
Senti o coração apertado. Não conseguia imaginar por que
alguém ia querer tirar das crianças a chance de aprender a
ler e escrever. Por que um edifício escolar era tamanha
ameaça para o Talibã?
Por favor, Deus , rezei, nos ajude a proteger nosso vale e
a impedir essa violência.
Todos os dias, os homens de Fazlullah atingiam um novo
alvo. Lojas, estradas, pontes. E escolas. A maior parte dos
ataques ocorria fora de Mingora, mas foram ficando cada
vez mais próximos. Um dia, eu estava lavando a louça na
cozinha quando uma bomba explodiu tão perto que a casa
inteira tremeu e o ventilador em cima da janela caiu.
Eu tinha crescido ouvindo a palavra “terrorismo”, mas só
agora compreendia do que se tratava. Terrorismo é
diferente de guerra, na qual soldados se enfrentam cara a
cara numa batalha. Terrorismo é ir dormir à noite sem saber
que horrores o dia seguinte vai trazer. É andar pela sua
própria rua sem saber em quem pode confiar. É quando o
inimigo está em todo lugar e ataca vindo do nada.
Nossa família cumpria uma rotina toda vez que ouvíamos
uma explosão. Ligávamos um para o outro para nos
certificar de que estávamos todos bem. Então ficávamos
esperando pelas sirenes. E rezávamos.
Ainda assim, esse tipo de terror aleatório nos levava a
fazer coisas estranhas. Meu pai começou a pegar um
caminho diferente para casa todas as noites, caso alguém
estivesse estudando sua rotina. Minha mãe evitava o
mercado, e meus irmãos ficavam dentro de casa mesmo
nos dias de sol. Como eu estava na cozinha nas duas vezes
em que uma bomba explodira perto de casa, procurava me
manter o mais longe possível daquele cômodo. Mas como
alguém pode viver com medo de um cômodo da própria
casa?
A noite era o pior horário.
Era quando os homens de Fazlullah realizavam a maior
parte de seus ataques — especialmente a destruição de
escolas. Só em 2008, o Talibã atacou duzentas delas. Todas
as manhãs, antes que eu virasse a esquina da rua da
Khushal, fechava os olhos e fazia uma prece — com medo
de abri-los e descobrir que minha escola havia sido reduzida
a destroços durante a noite. Conviver com o terrorismo era
assim.
Uma noite, quando ocorreu uma explosão bem perto de
casa, fui até meu pai.
— Você está com medo? — perguntei.
— À noite nosso medo é grande, jani — ele disse. — Mas
pela manhã, com a luz do dia, reencontramos nossa
coragem.
PARTE TRÊS
••••
Encontrando minha voz
6
••••
Uma chance de falar

Meu pai se pronunciava contra o bombardeio de escolas,


ainda que fosse perigoso. Também viajou à capital para pedir
ajuda ao governo.
Ele estava sendo corajoso. Minha mãe vivia preocupada.
Ela nos abraçava forte e rezava por nós antes que fôssemos
para a escola. Ficava sentada até tarde da noite com o
celular na mão — tentando não ligar para meu pai de hora
em hora.
Na aula, escrevíamos discursos sobre como nos sentíamos
em relação à campanha do Talibã para destruir as escolas
para meninas e sobre a importância que nossa própria
escola tinha para nós. Planejávamos discursar durante uma
assembleia. Naquele dia, a equipe de um canal pachto foi à
nossa escola.
Ficamos animadas e surpresas — não achávamos que
alguém se importasse com o que um grupo de meninas tinha
a dizer. Eu me sentia um pouco mais confortável diante das
câmeras do que a maioria das garotas. Mas mesmo eu
estava nervosa.
A Escola Khushal era uma democracia, de modo que todas
as meninas teriam sua chance de discursar. Algumas falaram
de amigas que haviam deixado a escola por medo e do
quanto amávamos aprender.
Então Moniba, que era a melhor entre nós ao se dirigir ao
público (e, é claro, minha melhor amiga), falou como uma
verdadeira poeta.
— Por causa do Talibã, o mundo inteiro nos vê como
terroristas — ela disse. — Não é o caso. Os pachtos são
amantes da paz. Nossas montanhas, nossas árvores, nossas
flores… tudo em nosso vale é pacífico.
Eu falaria em seguida, e assim que colocaram o microfone
na minha frente as palavras saíram firmes e determinadas,
com força e orgulho. Microfones me faziam sentir como se
falasse com o mundo todo.
— Não é a Idade da Pedra — eu disse. — Mas parece que
estamos regredindo. Cada vez mais, as meninas estão sendo
privadas de seus direitos. — Falei sobre como eu amava a
escola e quão importante era continuar aprendendo. — Não
temos medo de ninguém e vamos seguir com nossa
educação. Esse é o nosso sonho.
Naquele instante, sabia que não era eu, Malala,
discursando; minha voz era a voz de muitas outras que
queriam falar e não podiam. Eu estava falando com
jornalistas locais, mas a sensação era de que o vento ia
carregar minhas palavras, assim como espalhava o pólen
das flores na primavera, plantando sementes na terra.
Depois daquilo, adquiri o hábito curioso de fazer discursos
diante do espelho; não era meu reflexo que eu via, e sim
centenas de pessoas me ouvindo.
Às vezes eu me achava meio boba ao me dar conta de que
estava falando na frente de um espelho. Talvez eu ainda
fosse aquela pequena Malala que dava aula para a sala
vazia. Mas talvez fosse algo mais.
Talvez aquela menina no espelho, a menina que imaginava
discursar para o mundo, fosse a Malala que eu viria a me
tornar.
Ao longo de 2008, enquanto nosso Swat era atacado, não
fiquei em silêncio. Falei com canais de televisão locais e
nacionais, emissoras de rádio e jornais — falei para quem
quisesse ouvir.
7
••••
Diário de uma estudante

— Depois de 15 de janeiro, nenhuma menina, de qualquer


idade, deve ir para a escola. Se nos contrariarem, sabem o
que poderemos fazer. E os pais e diretores serão os
responsáveis.
Essa notícia foi divulgada pela Mulá FM no fim de
dezembro de 2008. A princípio, não acreditei. Como um
único homem poderia impedir mais de 50 mil meninas de ir
à escola?
Algumas colegas de classe tentaram me convencer do
perigo.
— O Talibã já explodiu centenas de escolas e ninguém fez
nada — disse uma.
Então nós poderíamos fazer , argumentei. Mas, em alguns
dias, passamos de 27 alunas em nossa classe a dez.
Era difícil não sentir o baque conforme as famílias das
meninas simplesmente se rendiam a Fazlullah. Fiquei triste
e frustrada, mas compreendia. Os pais, irmãos e tios que
obrigavam minhas amigas a ficar em casa o faziam porque
se preocupavam com a segurança delas. Sempre que eu
sentia que havia sido derrotada, tinha uma de minhas
conversas com Deus. Nos ajude a aproveitar os dias de
escola que nos restam, Senhor, e nos dê coragem para
continuar lutando por mais.

••••
Eu me perguntei o que faria se não pudesse ir à escola.
Passaria o resto da vida dentro de casa, longe de vista, sem
televisão para ver e sem livros para ler? Como ia completar
meus estudos e me tornar médica, que era meu maior
sonho na época?
Tentamos desfrutar dos dias antes de 15 de janeiro, mas,
a cada manhã, alguém chegava na escola com outra
história terrível sobre os homens de Fazlullah atacando
gente que não vivia da maneira como o Talibã determinava.
Agora, seríamos proibidas de ir à escola.
Uma tarde, ouvi meu pai falando ao telefone.
— Todas as professoras recusaram — ele disse. — Estão
com muito medo. Mas vou ver o que posso fazer.
Ele desligou e saiu de casa depressa.
Fiquei sabendo que um amigo que trabalhava na BBC, a
poderosa corporação britânica de radiodifusão, havia pedido
que ele indicasse uma professora ou aluna mais velha para
escrever um diário relatando como era a vida sob o regime
talibã. As professoras já haviam recusado. Uma aluna mais
velha tinha concordado, mas o pai dela disse que era
arriscado demais.
Meu pai sabia que os talibãs eram cruéis, mas teve
vontade de dizer que nem eles machucariam uma criança.
No entanto, respeitou a decisão do pai da garota e se
preparou para ligar para a BBC com más notícias.
Eu tinha onze anos. Sabia que queriam uma menina mais
velha, mas disse:
— Por que não eu?
Olhei para meu pai, que tinha uma expressão
esperançosa — e aflita — no rosto. Eu sabia que o diário
poderia ser lido por gente de fora do Paquistão. Afinal de
contas, era a BBC.
Meu pai sempre tinha me ajudado. Poderia eu ajudá-lo?
Sabia que era capaz. Faria o necessário para poder
continuar indo à escola. Mas primeiro fomos falar com
minha mãe. Se não tivéssemos o apoio dela, não
seguiríamos em frente.
Minha mãe respondeu com um verso do Sagrado Corão.
— A mentira deve morrer — ela falou. — E a verdade deve
prevalecer.
Deus ia me proteger, minha mãe disse, porque minha
missão era digna.
Nossa família não olhava para a vida e via perigo. Todos
víamos possibilidades. Acreditávamos na esperança.
— As coisas só vão melhorar se erguermos a voz — disse
minha mãe.
Eu não sabia como escrever um diário, então o jornalista
da BBC me ajudou. Preocupado com minha segurança, ele
sugeriu que eu usasse um nome falso, para que o Talibã não
soubesse quem estava escrevendo. Ele escolheu o
pseudônimo Gul Makai, que significa centáurea-azul (uma
flor) e é o nome da heroína de um conto do folclore pachto.
Meu primeiro texto saiu com data de 3 de janeiro de 2009,
cerca de duas semanas antes do prazo final do ultimato de
Fazlullah. O título era: “Tenho medo”. Escrevi sobre como
era difícil estudar ou dormir à noite com o som constante de
combates nas montanhas nos arredores da cidade. E contei
que caminhava para a escola todas as manhãs olhando por
cima do ombro, com medo de que um talibã estivesse me
seguindo.
A história do que vinha acontecendo no Swat tinha ido
parar em um blog na internet, onde o mundo inteiro poderia
ver. Era como se Deus tivesse finalmente concedido meu
desejo de ter um lápis mágico.

••••
Meu segundo texto falava de como a escola era o centro da
minha vida e do quão orgulhosa eu ficava ao andar pelas
ruas de Mingora usando meu uniforme. O jornalista da BBC
me pediu então que na publicação seguinte eu escrevesse
um pouco sobre o conflito na região. Aquilo era novidade
para ele, mas para mim, que convivia diariamente com o
problema, não.
Às vezes, era como se eu não tivesse medo. Só que, um
dia, a caminho da escola, ouvi passos atrás de mim. Meu
coração parou, mas de alguma forma meus pés seguiram
em frente, cada vez mais rápido, até ganhar distância. Corri
para casa, fechei a porta e, alguns segundos depois, dei
uma olhada do lado de fora. Lá estava o homem, gritando
ao celular com alguém, sem nem ligar para mim.
Ri um pouco comigo mesma. Malala , pensei, há motivos
reais para ter medo. Não precisa imaginar o perigo onde
não tem.
A verdadeira preocupação, me parecia, era que me
descobrissem. É claro que foi Moniba a primeira a adivinhar
a identidade de Gul Makai.
— Li um diário na internet — ela disse um dia no recreio.
— Parecia a nossa história e o que está acontecendo aqui na
escola. É você, não é? — ela perguntou.
Eu tinha que contar a verdade à minha amiga. Mas aquilo
só a deixou mais brava.
— Como pode dizer que é minha melhor amiga e guardar
um segredo tão importante de mim?
Ela me deu as costas e foi embora. Ainda assim, eu sabia
que não contaria a ninguém que era eu.
Quem acabou revelando nosso segredo foi meu pai, sem
querer. Ele disse a um jornalista que só ir e voltar da escola
a pé já era muito perigoso para as crianças. Sua própria
filha, continuou, achara que um homem que apenas falava
ao celular pretendia machucá-la. Quase todo mundo
reconheceu aquele relato do diário, e em abril meus dias
como Gul Makai já estariam acabados.
Mas o diário cumpriu sua função. Agora inúmeros
jornalistas acompanhavam a tentativa de Fazlullah de
fechar as escolas para meninas no Paquistão, incluindo um
homem de um importante jornal nos Estados Unidos, o New
York Times .
8
••••
Classe dispensada?

Alguns dias antes de a escola fechar oficialmente, meu pai


me levou a uma reunião com dois jornalistas do New York
Times . Eles queriam acompanhá-lo com uma câmera no
último dia de aula.
No fim da reunião, um dos dois virou para mim e
perguntou:
— O que você faria se chegasse o dia em que não pudesse
mais voltar para o vale e para a escola?
— Isso nunca vai acontecer — eu disse, teimosa e cheia de
esperança.
Quando ele insistiu que talvez acontecesse, comecei a
chorar. Acho que foi naquele momento que os jornalistas
decidiram me filmar também. Foi assim que uma equipe com
duas câmeras me acompanhou do começo ao fim do meu
último dia de aula. Ouvi meu pai tentar dissuadi-los — ele
havia dado permissão para que filmassem a escola, não
nossa casa —, mas uma hora acabou desistindo, e a
filmagem começou.
— Eles não podem me impedir. Vou concluir minha
educação — eu disse à câmera. — Esse é o nosso pedido ao
mundo: salvem nossas escolas, salvem nosso Paquistão,
salvem nosso Swat.
Eu não sabia que minhas palavras iam chegar a tantos
ouvidos, seja em lugares distantes do mundo, seja ali
mesmo no Swat, onde o Talibã poderia ficar sabendo.
Mais tarde naquele dia, enquanto minhas amigas e eu
atravessávamos o portão da escola e a câmera registrava
cada passo nosso, a sensação era de que estávamos indo a
um enterro. Nossos sonhos morriam.

Tínhamos todas prometido ir à escola naquele último dia,


por isso fiquei triste ao constatar que a maior parte das
minhas colegas de classe estava ausente. Então mais uma
menina entrou correndo pela porta. O pai e os irmãos a
haviam proibido de comparecer, mas assim que saíram de
casa, ela fugiu. Como é estranho um mundo em que uma
menina que quer ir à escola precisa desafiar militantes
carregando metralhadoras — e sua própria família.
Os professores tentaram agir como se tudo estivesse
normal. Alguns até nos deram lição de casa, como se fossem
voltar a nos ver depois das férias de inverno. Minhas amigas
e eu estávamos tristes, mas tomamos uma decisão: faríamos
do nosso último dia o melhor de todos. Ficamos na escola
até tarde, para prolongar aquilo o máximo possível, e pelo
menos por algumas horas fingimos que o Talibã não existia.

••••
Meu pai queria que eu continuasse treinando meu inglês.
Então me incentivou a assistir um DVD que um dos jornalistas
tinha me dado, de uma série de TV chamada Betty, a feia.
Eu amava Betty, com seu aparelho nos dentes e seu
coração grande. Ficava maravilhada vendo-a passear
livremente pelas ruas de Nova York com suas amigas — sem
véu cobrindo o rosto e sem necessidade da companhia de
homens. Minha parte favorita, no entanto, era ver o pai de
Betty cozinhar para ela, em vez do contrário!
Enquanto via Betty e suas amigas perambulando por aí,
nós ficávamos presas em casa sem nada para fazer.
Aquele tempo todo, eu continuava escrevendo o diário,
que assinava como Gul Makai.
Quatro dias depois do fechamento de todas as escolas
para meninas, os homens de Fazlullah destruíram outras
cinco instituições de ensino. Estou bastante surpresa ,
escrevi. As escolas já estavam fechadas. Por que precisavam
ser destruídas também?

••••
Durante aqueles dias sombrios e tediosos, ouvimos rumores
sobre conversas secretas com o Talibã. Então, do nada,
Fazlullah fez um anúncio surpreendente: não havia
problemas em meninas mais novas irem para a escola, mas
ele insistia que as acima de dez anos permanecessem em
casa, respeitando a purdah .
Eu tinha onze, mas não ia deixar que aquilo me impedisse.
Além do mais, passaria facilmente por uma menina de dez.
A sra. Maryam mandou uma mensagem para todas as
meninas mais velhas: se quisessem quebrar as regras, ela
abriria as portas da escola. No dia seguinte, saí de casa com
meus livros escondidos debaixo do lenço e a cabeça erguida.
Mas Mingora havia mudado no mês em que a escola ficara
fechada. As ruas estavam silenciosas, as lojas tinham sido
fechadas, as casas se mantinham escuras. Mais de um terço
da população havia fugido.
Minhas amigas e eu estávamos um pouco assustadas, mas
tínhamos um plano: se um talibã nos parasse, diríamos
apenas:
— Estamos no quarto ano.
Quando chegamos ao portão da escola, a sra. Maryam nos
esperava lá. Deu um abraço em cada uma de nós e disse
que éramos muito corajosas. Ela também corria um grande
risco só de estar ali.
— Esta escola secreta é nosso protesto silencioso — a sra.
Maryam disse.
9
••••
Deslocada

Depois que o documentário do New York Times foi ao ar,


recebemos mensagens de apoio de pessoas do mundo todo.
Foi assim que percebi quão poderosa a mídia pode ser. Pela
primeira vez, sabíamos que a história das meninas do vale
do Swat era ouvida fora das fronteiras do Paquistão.
O Exército e o Talibã continuavam em confronto, e depois
do que deveria ter sido um período de paz, a situação
piorou. De novo, Mingora se viu bem no meio de toda a
confusão.
Tínhamos permanecido ali apesar dos problemas e dos
conflitos. Mas daquela vez, minha mãe disse que era melhor
ir embora e se abrigar em Shangla.

••••
Fiquei no telhado, olhando para as montanhas, para os
becos onde costumávamos jogar críquete, tentando
memorizar cada detalhe caso nunca mais visse minha casa.
Então desci para começar a fazer a mala. Na pressa, peguei
calças de um shalwar kamiz e túnicas de outros, então
acabei ficando com roupas que não combinavam.
Quase chorei quando minha mãe me disse que eu teria
que deixar meus livros da escola para trás. Eu amava a
escola, e meus livros eram tudo para mim!
Éramos crianças, afinal — crianças com preocupações
infantis, mesmo com uma guerra acontecendo.
Botei meus livros em uma sacola e escondi no quarto de
hóspedes, que parecia o lugar mais seguro. Sussurrei alguns
versos do Sagrado Corão para protegê-los. Em seguida a
família inteira se reuniu, e fizemos algumas preces juntos
para deixar nosso doce lar sob a proteção de Deus.
Estávamos prestes a nos tornar pessoas deslocadas
internamente, ou IDP s, na sigla em inglês. É o termo que
usam para aqueles que precisam deixar seu lar porque é
perigoso demais ficar, mas se mantêm no mesmo país.
Deslocados internos. É o que somos agora, não
paquistaneses, não pachtos. Nossa identidade foi reduzida a
três letras: IDP.
Do lado de fora, as ruas estavam tomadas pelo tráfego:
pessoas com malas, pacotes de arroz e sacos de dormir.
Famílias inteiras equilibradas em motos, outras correndo
pelas ruas só com a roupa do corpo. Ninguém sabia
exatamente para onde estava indo, só que precisava ir
embora. Dois milhões de pessoas fugiam de casa. Era o
maior êxodo da história pachto.
A viagem, que em geral levava algumas horas, se
estendeu por dois dias. Meu pai parou em Peshawar porque
sentia que era seu dever alertar as pessoas para o que
estava acontecendo. Minha mãe, meus irmãos e eu
seguimos em frente.
Quando finalmente chegamos a Shangla, nossos parentes
ficaram chocados ao nos ver.
— Por que vieram para cá? — perguntaram.
O Talibã tinha deixado as montanhas há pouco tempo,
mas havia boatos de que logo retornaria.
Para deslocados internos, nenhum lugar era seguro.

Quem são os deslocados internos?


•••••••••
São pessoas que foram forçadas a deixar sua casa em busca de segurança,
mas que não atravessaram a fronteira para outro país. Hoje, há mais de 40
milhões de pessoas no mundo que foram deslocadas devido a violência,
guerras, fome e muitas outras ameaças à saúde, à segurança e aos
direitos humanos.
Um refugiado é uma pessoa que deixou sua casa por motivos similares,
mas atravessou uma fronteira internacional. Neste momento, há mais de
22,5 milhões de refugiados no mundo. *
Um deslocado pode pedir para emigrar para outro país por questões de
segurança. Atualmente, cerca de 3 milhões de pessoas esperam para
saber se seu pedido de asilo humanitário será ou não aceito.
Se todos os deslocados e refugiados formassem seu próprio país, teria
mais gente do que na França.

* Fonte: Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR


).

••••
Fui para a escola da aldeia, sabendo que ficaria na mesma
classe que minha prima Sumbul. Quando cheguei, vi que
havia apenas três meninas na sala dela. A maioria das
garotas de Shangla interrompe os estudos depois que
completa dez anos, então as poucas que permaneciam na
escola aprendiam junto com os meninos.
Eu chamava a atenção naquela turma: não cobria o rosto
como as outras meninas, falava livremente e fazia
perguntas.
Ah, como sentia saudade de casa. E da minha antiga
escola. E dos meus livros. E até mesmo de Betty, a feia .
Em maio, o Exército enfrentou o Talibã em Mingora
durante quatro dias. Pelo rádio, era impossível dizer quem
estava vencendo. Ao fim, um combate direto teve início nas
ruas.
Tentei imaginar aquilo: talibãs lutando no beco em que
jogávamos críquete.
O Exército finalmente anunciou que os talibãs haviam
fugido, então pudemos respirar um pouco melhor. Mas nos
perguntávamos para onde o Talibã iria agora. Retornaria às
montanhas?

••••
Meu aniversário de doze anos chegou quando ainda
aguardávamos para voltar para casa. Foi estranho. Esperei o
dia inteiro por uma festa — mas tinha tanta coisa
acontecendo que ninguém lembrou da data. Foi difícil não
comparar com meu aniversário de onze anos. Eu tinha
comido bolo com minhas amigas, havia bexigas e eu tinha
feito um pedido pela paz no nosso vale.
Fechei os olhos e repeti aquele pedido no meu aniversário
de doze anos.
10
••••
Uma paz estranha

Depois de três meses, finalmente estávamos a caminho de


casa. Conforme dirigíamos montanha abaixo e víamos o rio
Swat, meu pai começou a chorar. Quando vimos as
condições em que a pobre Mingora se encontrava, todos
nos entregamos às lágrimas.
Para onde quer que olhávamos, víamos pilhas de entulho,
carros queimados e janelas quebradas. As vitrines das lojas
estavam estilhaçadas e as prateleiras se encontravam
vazias. Parecia que todos os prédios estavam marcados por
buracos de balas.
O governo havia dito que era seguro retornar, mas nossa
cidade ainda parecia uma zona de guerra. Soldados do
Exército olhavam para nós dos telhados, protegendo as
ruas.
A estação de ônibus, em geral cheia de veículos de cores
fortes e centenas de viajantes, estava deserta, porque a
maioria das pessoas ainda tinha medo de voltar. Mato
crescia pelas rachaduras do asfalto.
Mas não havia sinal do Talibã.
Tínhamos ouvido que aparelhos de TV e joias haviam sido
roubados de casas próximas à nossa. Então prendemos o
fôlego enquanto olhávamos para o jardim abandonado e
meu pai destrancava o portão. Corri para o quarto de
hóspedes, onde havia escondido meus livros, e descobri que
eles estavam a salvo. Fiz uma prece em agradecimento
enquanto os folheava. Como era bom rever as equações de
segundo grau, as anotações de estudos sociais e meus
livros de gramática do inglês.
Depois de tudo por que havíamos passado, comecei a
pensar que me tornar uma líder política poderia ser uma
escolha melhor do que estudar medicina. Nosso país tinha
tantos problemas. Talvez um dia eu pudesse ajudar a
resolvê-los.

••••
O Swat finalmente estava em paz. O Exército permaneceu
ali, mas as lojas reabriram, e as mulheres andavam
livremente nos mercados. Plantei um caroço de manga do
lado de fora de casa. Sabia que levaria bastante tempo para
que uma árvore crescesse e desse frutos, mas era meu
modo de dizer que estava esperançosa por um futuro longo
e pacífico em Mingora.
Uma das minhas maiores preocupações naquela época
era minha altura. Por volta da época em que completei treze
anos, parei de crescer. Antes, eu era uma das meninas mais
altas da classe, mas agora estava entre as mais baixas.
Andava fazendo muitos discursos, e tinha medo de que
minha altura tornasse mais difícil chamar a atenção das
pessoas!
No começo de 2010, nossa escola foi convidada para
participar de uma assembleia que englobaria todos os
distritos. Sessenta alunos do Swat inteiro foram escolhidos
como membros. A maioria eram meninos, mas onze
meninas da minha escola tinham sido incluídas. Quando
fizemos uma eleição para ver quem seria a porta-voz, eu
ganhei! Era estranho ficar ali no palco enquanto as pessoas
se dirigiam a mim como “sra. oradora”, mas levei aquela
responsabilidade muito a sério.
A assembleia se reuniu quase todos os meses por um ano,
e passamos nove resoluções. Decidimos que nenhuma
criança deveria ser forçada a trabalhar. Pedimos ajuda para
colocar crianças de rua ou com deficiência nas escolas.
Exigimos que todas as escolas destruídas pelo Talibã fossem
reconstruídas. Assim que concordamos quanto às
resoluções, elas foram enviadas ao governo — e algumas
foram até levadas adiante. Estávamos sendo ouvidos,
estávamos fazendo a diferença, e a sensação era boa.

••••
No começo de 2011, ouvimos falar que mais escolas
haviam sido destruídas e que os talibãs estavam
ameaçando quem os criticava.
Por volta da mesma época, chegou em casa uma carta
anônima endereçada ao meu pai. Você nos criticou, e vai
encarar as consequências.
Começava a parecer que o Talibã nunca havia ido embora
de verdade.
Tentei dizer a mim mesma que aquela carta terrível era só
uma ameaça vazia. Mas ainda assim rezava pela segurança
do meu pai todos os dias. Rezava para que minha escola
permanecesse aberta e para que as escolas destruídas
fossem reerguidas. E rezava para crescer. Se ia me tornar
uma política e trabalhar pelo meu país, disse a Deus,
precisava pelo menos enxergar acima da tribuna.
11
••••
Enfim, boas notícias

Um dia, em outubro de 2011, meu pai me mostrou um e-mail


em que eu mal pude acreditar. Eu tinha sido indicada a um
prêmio da paz internacional. Depois fui convidada para
discursar em uma conferência sobre educação em Lahore,
uma das maiores cidades do Paquistão. O ministro-chefe
local estava criando uma rede de escolas e, para minha
surpresa, ia me dar um prêmio pela minha campanha pelos
direitos das meninas.
No evento, usei um shalwar kamiz cor-de-rosa, meu
preferido. Decidi que ia contar a todo mundo como minhas
amigas e eu tínhamos desafiado as regras do Talibã e
continuado a ir à escola em segredo.
— As meninas do Swat não tinham e não têm medo de
ninguém — eu disse ao público.
Mal fazia uma semana que eu tinha voltado quando uma
amiga entrou correndo na classe um dia e anunciou que o
governo paquistanês tinha me dado o primeiro Prêmio
Nacional da Paz para Jovens. Eu nem conseguia acreditar.
Naquele dia, os jornalistas invadiram a escola. Foi uma
loucura.
Eu ainda não tinha crescido nem um centímetro quando
chegou a cerimônia de premiação, mas estava determinada
a ser ouvida. Quando o primeiro-ministro me entregou o
prêmio, entreguei a ele uma lista de exigências — incluindo
um pedido para que o governo reconstruísse as escolas que
Fazlullah havia destruído e abrisse uma universidade para
mulheres no Swat. Naquele momento, tive certeza de que ia
ser política — para poder agir eu mesma em vez de precisar
pedir ajuda aos outros.
Quando foi anunciado que aquele prêmio seria concedido
anualmente e que receberia meu nome, notei que meu pai
franziu a testa. Em nosso país, costumamos fazer esse tipo
de homenagem só depois que a pessoa já morreu, e não
quando ainda está viva. Ele era um pouco supersticioso, e
achou que era um mau agouro.
Eu era alvo de atenção mundial, mas continuava a mesma
Malala para meus irmãos, que ainda brigavam comigo, me
provocavam e tentavam me tirar o controle da televisão.
Eu me perguntava o que minhas amigas achavam de todos
aqueles prêmios. Éramos um grupo bastante competitivo,
afinal de contas. Teria Moniba arranjado uma nova melhor
amiga enquanto eu estava fora?
Mas, no meu primeiro dia de volta às aulas, entrei na sala
e deparei com todas as meninas reunidas em volta de um
bolo e gritando:
— Surpresa!
Elas tinham juntado dinheiro para me comprar um bolo
branco com cobertura de chocolate em que se lia: SUCESSO
PARA SEMPRE !
Minhas queridas amigas só queriam comemorar meu
sucesso comigo. Eu sabia, no fundo do coração, que
qualquer uma de nós poderia ter conquistado o que eu havia
conquistado; tinha a sorte de contar com pais que me
encorajavam apesar do medo que todos sentíamos.
— Agora vocês podem voltar à lição — a sra. Maryam disse
quando terminamos de comer o bolo.
12
••••
Uma ameaça contra mim

Meu pai e eu estávamos reunidos com uma jornalista


paquistanesa no começo de 2012 quando, com lágrimas nos
olhos, ela disse que tinha algo que queria mostrar a ele. Os
dois olharam para a tela do notebook com o rosto
preocupado, então o fecharam rapidamente.
Pouco tempo depois, o celular do meu pai tocou e ele saiu.
Quando voltou, parecia muito sério.
— O que foi? — perguntei. — Você está escondendo
alguma coisa de mim.
Meu pai sempre tinha me tratado como uma igual, mas
dava para ver que tentava decidir se me protegia ou se
contava o que estava acontecendo. Soltou um suspiro
pesado, então me mostrou o que tinha visto no computador.
Ele procurou meu nome no Google. O Talibã dizia que
Malala Yousafzai “devia morrer”.
Lá estava, preto no branco. Uma ameaça de morte contra
mim.
Lembrei de como ficara nervosa em 2009, quando a escola
reabrira e eu caminhara até lá com os livros escondidos sob
o lenço. Mas tinha mudado desde então. Estava três anos
mais velha. Havia viajado, feito discursos e recebido
prêmios. Ali estava uma ameaça de morte contra mim, e eu
permanecia tão calma quanto possível. Era como se tivesse
lido a respeito de outra pessoa.
Olhei de novo para a mensagem na tela. Então fechei o
notebook e nunca mais olhei para aquelas palavras. O pior
tinha acontecido. Eu havia me tornado um alvo do Talibã.
Agora voltaria a fazer o que precisava fazer.
— Você está bem, jani ? — perguntou meu querido pai, à
beira das lágrimas.
— Aba — eu disse, tentando tranquilizá-lo. — Todo mundo
sabe que vai morrer um dia. Ninguém pode impedir isso. Não
importa se a morte vai vir por meio de um talibã ou do
câncer.
Mas meu pai, um orgulhoso e destemido pachto, estava
abalado como eu nunca o tinha visto. E eu sabia o motivo.
Que ele fosse um alvo do Talibã era uma coisa. Meu pai
sempre dizia:
— Que me matem. Vou morrer por aquilo em que acredito.
Mas ele nunca tinha imaginado que o Talibã considerasse
machucar uma criança. Me machucar.
Meu pai sugeriu que interrompêssemos nossa campanha.
Vi o medo em seu rosto, mas sabia que ele honraria minha
vontade, não importava o que eu decidisse. Só que não
havia o que decidir. Senti uma força poderosa dentro de
mim, algo maior e mais forte do que eu, que me tirou todo o
medo. Agora era eu quem devia dar a meu pai a dose de
coragem que ele sempre tinha me dado.
— Aba — eu disse. — Foi você quem disse que, se
acreditamos em algo maior que nossa vida, então nossa voz
vai apenas se multiplicar, mesmo depois da morte. Não
podemos parar agora.
Ele compreendeu. Ainda assim, disse que devíamos tomar
cuidado com o que falávamos e para quem falávamos.
Enquanto voltávamos para casa, perguntei a mim mesma
o que faria se um talibã se aproximasse para me matar.
Bom, vou ter que tirar o sapato e usá-lo para bater nele.
Mas então lembrei a mim mesma: Você não deve tratar os
outros com crueldade. Deve combatê-los de maneira
pacífica, através do diálogo.
Malala , eu disse a mim mesma, apenas diga a ele o que
está em seu coração. Que você quer educação. Para si
mesma. Para todas as meninas. Para a irmã dele, para a
filha dele. Para ele.
Eu ia fazer isso. Então diria: “Agora você pode fazer o que
quiser”.

••••
Na primavera, houve um pequeno milagre na campanha pela
educação dentro da minha própria casa. Minha mãe
começou a aprender a ler.
Enquanto meu pai e eu estávamos ocupados falando por
todo o vale do Swat, ela tinha começado a ter aulas com
uma das professoras do primário da Khushal. Logo minha
mãe já era capaz de ler a língua nacional paquistanesa, o
urdu — e tinha começado a aprender inglês também.
Minha mãe gostava de estudar ainda mais do que eu, se é
que isso é possível. Muitas vezes fazíamos a lição de casa
juntas à noite, tomando chá — duas gerações de mulheres
pachtos alegremente debruçadas sobre seus livros.
••••
Eu sentia que meu aniversário de quinze anos seria um
ponto de virada para mim. Já era considerada adulta — na
nossa sociedade, deixamos a infância aos catorze anos. Mas
era hora de pensar no meu futuro. Tinha certeza de que
queria ser uma líder política. E começava a me preocupar
com todos os prêmios que vinha recebendo. Via tantas
crianças sofrendo — como podia desfrutar de festas de gala
e cerimônias?
Eu disse a meu pai que queria gastar parte do dinheiro que
havia recebido ajudando pessoas necessitadas. Nunca tinha
esquecido das crianças que vi no lixão tantos anos antes.
Queria ajudar crianças como aquelas. Então organizei uma
reunião com 21 meninas da escola, e discutimos como
poderíamos ajudar todas as meninas no Swat a receber
educação. Decidimos que focaríamos em crianças em
situação de rua ou trabalho infantil. O plano era continuar
conversando a respeito e, no outono, decidir exatamente o
que fazer.

••••
No começo de agosto, meu pai recebeu a assustadora
notícia de que Zahid Khan, um amigo próximo que também
criticava o Talibã, tinha sofrido um ataque. Haviam dito para
a gente que o Talibã tinha fugido, mas ainda havia violência
no vale. As pessoas que mais corriam risco eram aquelas
que pediam paz.
Por algum milagre, Zahid Khan sobreviveu. Depois daquilo,
no entanto, notei uma mudança no meu pai. Antes que ele
entrasse na escola, olhava para um lado e para o outro da
rua quatro ou cinco vezes para se certificar de que não
estava sendo seguido. À noite, entrava no meu quarto com a
desculpa de que queria me dar boa-noite, mas na verdade só
queria conferir se todas as janelas estavam trancadas.
— Se os talibãs quisessem me matar — eu dizia a ele —
teriam feito isso em 2009. Aquela era a hora.
Então ele balançava a cabeça para mim e dizia:
— Não, você tem que ficar em segurança.
Às vezes eu me preocupava que alguém pudesse pular o
muro e entrar em casa. Às vezes, depois que todo mundo já
tinha pego no sono, eu saía na ponta dos pés e ia verificar se
o portão da frente estava mesmo trancado.
13
••••
Um dia como qualquer outro

A segunda terça-feira de outubro de 2012 começou como


qualquer outra. Eu tinha perdido a hora, como sempre.
Depois de conversar com Moniba, havia ficado acordada até
bem tarde estudando para a prova final de estudos
paquistaneses.
Enquanto corria porta afora, disse a mim mesma para não
me preocupar demais com a prova. Eu só precisava
trabalhar duro e agradecer a Deus por tudo o que tinha.
Então sussurrei uma prece em agradecimento. E
acrescentei: Ah, Deus , por favor, me deixe tirar a maior
nota da turma, já que me esforcei tanto.
Nossos professores sempre diziam:
— Deus não vai dar boas notas a vocês se não se
esforçarem. Ele nos banha com Suas bênçãos, mas também
é honesto.
Por isso eu sempre me esforçava.

••••
Depois da prova, fiquei procurando meu irmão Atal
enquanto conversava com Moniba, porque ele iria para casa
comigo naquele dia. Mas conforme as meninas se reuniam
para ver nosso motorista fazer um truque de mágica,
esqueci completamente das instruções da minha mãe em
relação a meu irmão.
Sentamos nos nossos lugares de sempre na dyna : Moniba
ao meu lado e o resto das minhas amigas à nossa frente, no
outro banco. Uma menininha chamada Hina pegou o
assento do meu outro lado, onde minha amiga Shazia
costumava ficar, obrigando Shazia a sentar no banco que
ficava ao meio, onde em geral ficavam nossas mochilas.
Shazia pareceu tão infeliz que pedi a Hina que trocasse de
lugar com ela.
Quando o ônibus escolar estava prestes a sair, Atal
chegou correndo. As portas estavam fechadas, mas ele
pulou e se agarrou à tampa da traseira. Era um truque novo
e perigoso, se segurar ali.
— Sente lá dentro, Atal — disse o motorista.
Mas ele não quis saber.
— Sente lá dentro com as meninas, Atal Khan Yousafzai,
ou não vou levar você! — o motorista disse, com mais força
dessa vez.
— Prefiro ir andando pra casa do que nesse ônibus! —
gritou Atal. Ele pulou e saiu correndo, bravo.
Estava quente e grudento lá dentro, enquanto
chacoalhávamos pelas ruas lotadas de Mingora na hora do
rush. Uma das meninas começou a cantar para passar o
tempo. O ar estava denso, com o cheiro familiar de
combustível, pão e carne misturado ao fedor do córrego
próximo, onde todo mundo jogava lixo. Como sempre,
viramos na via principal na altura do posto de controle do
Exército e passamos pelo pôster em que se lia: TERRORISTAS
PROCURADOS.
Depois que deixamos a fábrica de salgadinhos para trás, a
rua ficou estranhamente quieta. O veículo reduziu a
velocidade até parar. Não lembro do jovem que bloqueou o
caminho e perguntou ao motorista se aquele era o ônibus
da Escola Khushal. Não lembro do outro homem entrando
pela traseira e se aproximando de nós. Não o ouvi
perguntar:
— Quem é Malala?
E não ouvi o bang, bang, bang das três balas.
A última coisa de que me lembro é de estar pensando na
prova. Depois, tudo ficou escuro.
PARTE QUATRO
••••
Uma nova vida, longe de casa
14
••••
Um lugar chamado Birmingham

Acordei em 16 de outubro, com um monte de gente em


volta olhando para mim. Todos tinham quatro olhos, dois
narizes e duas bocas. Pisquei, mas não adiantou nada. Eu
estava vendo tudo em dobro.
A primeira coisa que pensei foi: Graças a Deus não morri.
Mas não tinha ideia de onde estava. Aquelas pessoas
falavam inglês, e como eu sabia a língua tentei falar
também, mas não saiu som nenhum. Tinha um tubo na
minha garganta. Haviam roubado minha voz.
Eu estava em uma cama alta, com máquinas complicadas
bipando e vibrando à minha volta. Entendi tudo. Aquilo era
um hospital.
Senti um aperto no coração e pânico. Onde estavam meus
pais? Tinham se machucado? Eu sabia que algo havia
acontecido comigo. Tinha certeza de que algo havia
acontecido com meu pai também.
Uma mulher simpática usando um lenço na cabeça veio
para o meu lado e começou a rezar em urdu. Ouvindo
aquelas palavras lindas e reconfortantes do Sagrado Corão,
fechei os olhos e adormeci.

••••
Quando abri os olhos, estava em uma sala verde sem
janelas e com luzes muito fortes. Um médico falou comigo
em urdu. A voz dele saía abafada, mas compreendi que
estava a salvo e que ele havia me trazido do Paquistão.
Tentei falar, sem sucesso. Uma enfermeira me deu papel e
caneta, mas eu não conseguia escrever direito. Então ela
escreveu o alfabeto inteiro em um pedaço de papel para
que eu apontasse para as letras.
A primeira palavra que soletrei foi “pai”. Depois “país”.
Onde estava meu pai? Eu queria saber. E que país era
aquele?
Eu ainda tinha dificuldade de ouvir a voz do médico, mas
ele parecia dizer que eu estava num lugar chamado
Birmingham. Eu não sabia onde ficava. Só depois descobri
que estava na Inglaterra.
Por que o médico não tinha dito nada sobre meu pai? Me
movi para soletrar “pai” de novo e senti uma pontada na
cabeça. Era como se houvesse uma centena de lâminas
dentro do meu crânio, se debatendo e retinindo. Tentei
respirar. A enfermeira levou um pano à minha orelha e ele
ficou manchado de sangue. Meu ouvido estava sangrando?
O que havia acontecido comigo?
Enfermeiros e médicos entravam e saíam, lançando-me
perguntas. Eu fazia que sim e que não com a cabeça em
resposta. Eles perguntaram se eu sabia como me chamava.
Assenti. Perguntaram se eu conseguia mexer a mão
esquerda. Balancei a cabeça em negativa. Tinham muitas
perguntas, mas não respondiam às minhas.

••••
Uma mulher entrou e me disse que era a dra. Fiona
Reynolds. Falou comigo como se fôssemos velhas amigas.
Ela me entregou um ursinho de pelúcia verde — eu
estranhei um pouco a cor — e um caderno rosa. A primeira
coisa que escrevi foi: Obrigada.
Então escrevi: Por que meu pai não está?
Olhei para todos os equipamentos médicos complicados à
minha volta e escrevi: Meu pai não tem dinheiro. Quem vai
pagar por isso?
— Seu pai está bem — ela disse. — Ele está no Paquistão.
Não se preocupe com o pagamento.
Se meu pai estava bem, por que não estava comigo? E
onde estava minha mãe?
As palavras de que eu precisava não me vinham à mente.
Ela pareceu compreender aquilo.
— Uma coisa ruim aconteceu com você — a dra. Fiona
disse. — Mas está a salvo agora.
O que tinha acontecido? Tentei lembrar. Durante aqueles
primeiros dias no hospital, eu oscilava entre o mundo real e
um mundo de sonhos. Imagens variadas vagavam pela
minha cabeça.
Eu via uma multidão reunida à minha volta enquanto me
mantinha deitada em uma cama, ou talvez uma maca. Não
conseguia ver meu pai. Tentava gritar: Onde está aba, onde
está meu pai? Mas não conseguia falar. Então o via, e ficava
feliz e aliviada.
Eu estava em uma maca, e meu pai estendia os braços
para mim.
Eu tentava acordar, ir para a escola, mas não conseguia.
Então via a escola e minhas amigas, mas não conseguia
alcançá-las.
As imagens pareciam muito reais, mas eu sabia que nem
todas eram. De alguma forma, tinha ido parar em um lugar
chamado Birmingham, em uma sala cheia de máquinas, só
com o ursinho verde ao meu lado.
Achava que talvez tivesse levado um tiro, mas não tinha
certeza. Eram sonhos ou lembranças?
Eu não conseguia lembrar das palavras. Escrevi aos
enfermeiros pedindo um arame para limpar os dentes.
Então notei que meu ursinho de pelúcia tinha sumido. No
lugar dele havia aparecido um branco. Mas o ursinho verde
tinha ficado ao meu lado; ele tinha me ajudado. Peguei o
caderno e escrevi: Cadê o ursinho verde?
Ninguém me deu a resposta que eu queria. Só disseram
que aquele era o mesmo ursinho que a dra. Fiona havia me
dado. As luzes e as paredes tinham lhe emprestado um
brilho esverdeado, mas o ursinho era branco, insistiam.
Sempre tinha sido branco.
As luzes fortes no quarto eram como adagas quentes nos
meus olhos. Parem as luzes , implorei no meu caderno.
Os enfermeiros faziam o que podiam para escurecer o
ambiente, mas assim que a dor aliviava um pouco, minha
cabeça voltava à mesma questão: onde estava meu pai?
Toda vez que um médico ou enfermeiro diferente entrava
no meu quarto, eu entregava meu caderno e apontava para
as perguntas sobre meu pai. Eles diziam que eu não
precisava me preocupar.
Mas eu me preocupava. Não conseguia evitar.
Tinha certeza de que os médicos e enfermeiros estavam
todos comentando:
— Malala não tem dinheiro. Malala não pode pagar pelo
tratamento.
Um médico parecia estar sempre triste, então escrevi um
bilhete para ele. Por que você está triste? , perguntei. Achei
que era porque ele sabia que eu não podia pagar a conta do
hospital. Mas ele respondeu:
— Não estou triste.
Quem vai pagar? , escrevi. Não temos dinheiro.
— Não se preocupe — o médico falou. Depois daquilo, ele
sempre sorria quando me via.

••••
A dra. Fiona entrou no meu quarto e me entregou um
recorte de jornal. Era uma foto do meu pai ao lado do chefe
do Exército do Paquistão. Meu pai estava vivo! E ao fundo
da foto estava Atal!
Sorri, agradecida. Então notei uma figura coberta com
lenço sentada ao fundo da foto, perto do meu irmão. Só
dava para identificar seus pés. Eram os pés da minha mãe!
Essa é minha mãe! , escrevi para a dra. Fiona.
Dormi um pouco melhor naquela noite, embora meu sono
ainda fosse permeado de sonhos estranhos. Eu acordava e
olhava em volta em busca do ursinho verde. Mas só
encontrava o branco.
Agora que eu sabia que minha família estava a salvo,
passava o tempo todo me preocupando com uma maneira
de pagar pelo tratamento. Estaria meu pai em casa,
vendendo nossas poucas posses? Ligando para os amigos
para pedir dinheiro emprestado?
Mal consegui acreditar quando o homem que havia falado
comigo em urdu, o dr. Javid Kayani, entrou com o celular na
mão e disse:
— Vamos ligar para os seus pais. — Então ele continuou,
de maneira firme, mas bondosa: — Não chore. Seja forte.
Não vai querer que sua família fique preocupada.
Assenti. Não tinha chorado nem uma vez desde que
acordara. Meu olho esquerdo lacrimejava o tempo todo,
mas aquilo não era choro.
Depois de uma série de bipes, ouvi a voz querida e
familiar do meu pai.
— Jani? — ele disse. — Como está se sentindo, minha jani
?
Eu não conseguia responder, por causa do tubo na minha
garganta. E não podia sorrir, porque meu rosto estava
dormente. Mas sorria por dentro, e tinha certeza de que
meu pai sabia.
— Vou chegar logo — ele disse. — Agora descanse. Em
dois dias estaremos aí.
Sua voz estava alta e animada. Talvez um pouco animada
demais.
Então me dei conta: também tinham dito a ele para não
chorar.
15
••••
Uma centena de perguntas

Fiz uma nova anotação no meu diário cor-de-rosa: espelho.


Quando consegui o que queria, fiquei surpresa com o que
vi. Metade da minha cabeça fora raspada e meu cabelo
comprido já era. Pontos marcavam minha sobrancelha
esquerda. Havia um hematoma roxo e amarelo em volta do
meu olho esquerdo. Meu rosto estava tão inchado que
lembrava um melão. E o canto esquerdo da minha boca
estava caído.
Quem era aquela pobre Malala, de aparência tão
estranha? O que havia acontecido com ela?
Agora meu cabelo está pequeno , foi tudo o que consegui
escrever.
O Talibã tinha raspado minha cabeça?, perguntei a mim
mesma.
Qeum fez isso comigo? , escrevi, embaralhando as letras.
O que aconteceu comigo?
A dra. Fiona disse o que sempre dizia:
— Uma coisa ruim aconteceu com você, mas está a salvo
agora.
Mas daquela vez não bastou. Levei um tiro? , escrevi. Não
conseguia mover o lápis rápido o bastante para
acompanhar minhas perguntas. Será que mais alguém tinha
se machucado? Uma bomba havia explodido?
Frustrada, comecei a me contorcer. Vi o celular no cinto da
dra. Fiona e apontei para indicar que o queria. Fingi digitar
na minha própria palma e depois levar o “telefone” à orelha.
A dra. Fiona pousou a mão com delicadeza sobre meu
pulso. Começou a falar devagar e com calma.
— Você levou um tiro — a médica disse. — No ônibus,
quando voltava para casa da escola.
Então eles fizeram mesmo, pensei. Os talibãs realmente
fizeram o que haviam dito que fariam. Fiquei furiosa. Não
por terem atirado em mim. Mas por não ter tido uma chance
de falar com eles. Agora nunca ouviriam o que eu tinha a
dizer.
— Duas outras meninas ficaram feridas — a dra. Fiona
disse. — Mas agora estão bem. Shazia e Kainat.
Não reconhecia aqueles nomes. Ou talvez não lembrasse
quem elas eram.
A dra. Fiona explicou que a bala tinha entrado pela minha
têmpora, perto do olho esquerdo, e descido 45 centímetros
até se alojar no meu ombro esquerdo. Poderia ter arrancado
um olho ou ter entrado no meu cérebro, ela disse.
— É um milagre que esteja viva.
Tentei falar, mas lembrei que não conseguia. Então voltei
a olhar para o espelho.
Admito que costumava ser sensível quanto à minha
aparência. Eu achava que meu nariz era grande demais.
Que minha pele era escura demais. Que meus dedos dos
pés eram compridos demais.
Mas olhei para aquela Malala no espelho com nada além
de curiosidade. Eu era como uma cientista estudando um
espécime. Queria compreender exatamente por onde a bala
havia entrado e o que exatamente havia feito.
Não fiquei triste com o que vi. Não estava assustada. Só
pensei: Minha aparência não importa. Estou viva.
Vi que a dra. Fiona tinha colocado uma caixa de lenços
entre nós e me dei conta de que esperava que eu fosse
chorar. Talvez a velha Malala tivesse chorado. Mas agora
aquele rosto estranho no espelho era prova de que eu ainda
estava aqui na terra.
Eu queria saber mais. A bala tinha passado pelo meu
cérebro? Era por isso que eu não conseguia ouvir direito? E
por isso não conseguia fechar o olho esquerdo?
Eu tinha uma centena de perguntas para a dra. Fiona, mas
só fiz uma. Quando posso ir pra casa?

••••
Fiquei olhando para o relógio no quarto enquanto esperava
pela minha família. Acompanhar a movimentação dos
ponteiros me reassegurava de que eu estava mesmo viva.
Também me ajudava a contar os minutos até minha família
chegar.
O relógio sempre tinha sido meu inimigo em casa —
roubando meu sono pela manhã quando tudo o que eu
queria era me esconder debaixo do cobertor. Eu queria só
ver quando minha família ouvisse que eu finalmente havia
feito as pazes com ele — e que, pela primeira vez na vida,
estava acordando cedo! Todas as manhãs, esperava
avidamente pelas sete horas, quando amigos como Yma,
que trabalhava no hospital, e os enfermeiros da ala infantil
vinham me fazer companhia.
Quando eu já estava conseguindo enxergar bem o
bastante, eles me levaram um aparelho de DVD e uma pilha
de filmes.
Tinham ligado a televisão nos primeiros dias, mas minha
visão ainda estava tão embaçada que eu havia pedido que
desligassem. Agora meus olhos tinham melhorado, embora
eu ainda estivesse com um pouco de visão dupla. Minhas
opções eram Driblando o destino, High School Musical,
Hannah Montana e Shrek. Escolhi Shrek . Gostei tanto que vi
a sequência logo em seguida.
Uma enfermeira descobriu que se cobrisse meu olho
machucado com um pedaço de gaze o problema da visão
dupla era amenizado. Assim, passei o dia com um ogro
verde e um burro falante enquanto esperava que meus pais
chegassem à Inglaterra.

••••
Depois de alguns dias no hospital, o tubo na minha garganta
foi removido, e recuperei minha voz. Então comecei a fazer
minhas perguntas à dra. Fiona. Era como estar de volta às
aulas de biologia na escola.
Fiquei sabendo que, no Paquistão, os médicos disseram a
meus pais que eu não sobreviveria a menos que fosse
levada para um hospital melhor. Meus pais concordaram
que o dr. Javid e a dra. Fiona me levassem. Os dois médicos,
que estavam no Paquistão a trabalho, tinham sido
chamados para ajudar no meu tratamento e haviam ficado
ao meu lado por quase duas semanas. Não era à toa que se
comportavam como se me conhecessem há muito tempo.
Havia uma última coisa que eu queria saber:
— Eu fiquei em coma — disse. — Por quanto tempo?
— Uma semana — a dra. Fiona me disse.
Eu tinha perdido uma semana da minha vida. Nesse
período, levei um tiro, fui operada e levada para o outro
lado do mundo. A primeira vez que peguei um avião e saí do
Paquistão foi em um jatinho particular para que salvassem
minha vida.
O mundo não parou de girar, e eu não sabia nada do que
tinha acontecido. Me perguntei o que mais teria perdido.
16
••••
Preenchendo as lacunas

Meu pai disse ao telefone que estaria ao meu lado em dois


dias. Mas dois dias se tornaram mais dois. O dr. Javid fez
outra ligação para o Paquistão. Meu pai prometeu que toda
a família estaria comigo logo — só mais um dia.
Eu não acreditava que eles viriam de fato até que o dr.
Javid ajustou minha cama para que eu os recebesse
sentada. Já fazia dezesseis dias que eu tinha saído da minha
casa em Mingora. Eu havia passado por quatro hospitais e
viajado milhares de quilômetros.
Durante todo aquele tempo, não chorei nenhuma vez.
Nem quando os enfermeiros removeram os grampos da
minha cabeça, nem quando agulhas penetraram minha
pele, nem quando a luz parecia adagas nos meus olhos. Mas
quando a porta se abriu e ouvi vozes familiares dizendo jani
e pisho , quando todo mundo veio para cima de mim,
chorando, beijando minhas mãos, com medo de me tocar,
finalmente chorei. Chorei e chorei e chorei um pouco mais.
Nossa, como chorei.
Pela primeira vez na vida, eu estava feliz em ver meus
irmãos irritantes. Depois de dezesseis dos dias mais
assustadores de nossas vidas, estávamos todos juntos de
novo.
Meus pais tentaram esconder que estavam preocupados
comigo, mas eu conseguia ver em seus olhos. Quem
poderia culpá-los? Eu tinha me olhado no espelho e sabia
que metade do meu rosto estava paralisado e metade do
meu cabelo tinha sido raspado. Assim que falei com Atal e vi
seu rosto surpreso, me dei conta de como devia soar
estranha: ainda falava apenas frases curtas e simples, como
se tivesse três anos de idade.
Não se preocupe , eu queria dizer. A velha Malala continua
aqui.
Sorri para tentar tranquilizá-los, mas uma sombra
perpassou o rosto de minha mãe. Achei que eu estava
sorrindo — mas o que meus pais viam era uma careta
estranha, toda torta.

••••
— Está tudo bem. Estamos todos aqui agora — meu pai
dizia quando eu perguntava o que havia acontecido comigo.
Então tentava mudar de assunto, e eu deixava.
Um dia, quando estávamos sozinhos, ele pegou minha
mão, com os olhos cheios de lágrimas.
— Jani , eles me ameaçaram tantas vezes. Você levou
minha bala. Deveria ter sido eu. — Depois de uma pausa,
meu pai continuou: — As pessoas passam por alegrias e
sofrimento na vida. Você teve todo o sofrimento de uma vez
só, e o resto da sua vida vai ser cheio de alegria. — Ele não
conseguiu falar mais.
Eu queria dizer a meu pai que não estava sofrendo — e
que não queria que ele sofresse. Abri outro sorriso torto e
disse apenas:
— Aba .
Era tão injusto que meu pobre cérebro danificado não
conseguisse escolher as palavras certas diante de uma
pessoa que eu amava tanto.
Mas meu pai compreendia. Ele sorriu de volta, apesar dos
olhos úmidos.
Um pouco mais tarde, minha mãe estava me ajudando no
banheiro quando a vi dar uma olhada no meu reflexo no
espelho. Nossos olhos se encontraram por um momento,
então desviou o olhar.
— Seu rosto — sussurrou depois. — Vai melhorar?
Contei à minha mãe o que os médicos me disseram: em
algum momento, meu rosto ia melhorar. Mas nunca seria
como antes.
Quando ela me acompanhou de volta à cama, olhei para
meus pais.
— É o meu rosto, e eu o aceito. Vocês precisam aceitar
também — falei, com delicadeza.
Eu queria dizer tantas outras coisas a meus pais. Tivera
tempo de me acostumar com meu novo rosto. Mas para eles
ainda era um choque. Quando você vê a morte , eu queria
dizer, as coisas mudam. Não importava se eu não conseguia
piscar ou sorrir. Ainda era eu, Malala.
Sabia que minha recuperação era uma bênção, um
presente de Deus e de todas as pessoas que haviam se
preocupado comigo e rezado por mim. Então me sentia em
paz. Mas enquanto eu melhorava em Birmingham, vendo
Shrek e seu burro falante, meus pobres pais tinham estado
a milhares de quilômetros de distância, lidando com sua
própria dor.
A partir daquele dia, nossa família passou a se curar
unida.

••••
Aos poucos, meus pais me contaram tudo o que havia
acontecido nos dezesseis dias entre o ataque e o nosso
reencontro.
O que descobri foi:
Assim que o motorista do ônibus escolar, Usman Bhai Jan,
se deu conta do que havia acontecido, me levou direto para
o Hospital Central do Swat. As outras meninas gritavam e
choravam. Eu estava deitada sobre Moniba, sangrando.
Naquele dia, meu pai estava em um encontro da
Associação de Escolas Particulares, no qual faria um
discurso. Quando soube o que havia acontecido, correu para
o hospital. Ele me encontrou lá dentro, deitada numa maca,
com a cabeça enfaixada, os olhos fechados e o cabelo todo
bagunçado.
— Minha filha, minha corajosa filha, minha linda filha —
meu pai me disse de novo e de novo, como se aquilo
pudesse me despertar. Acho que, de alguma maneira, eu
sabia que ele estava comigo, mesmo inconsciente.
Os médicos disseram a ele que a bala não tinha chegado
perto do cérebro e que o ferimento não era grave. Logo o
Exército tomou conta da situação, e às 15h eu estava em
uma ambulância a caminho de um helicóptero que ia me
levar para outro hospital, na cidade de Peshawar. Não havia
tempo para esperar minha mãe, então a sra. Maryam, que
havia chegado ao hospital pouco depois do meu pai, insistiu
em ir junto caso eu precisasse de ajuda de uma mulher.
— Não chorem — minha mãe dissera às vizinhas à beira
das lágrimas. — Rezem. — Enquanto o helicóptero
sobrevoava nossa cidade, ela correu para o telhado. Tirou o
lenço da cabeça, um gesto raro para uma mulher pachto, e
o ergueu para o céu. — Deus, eu a confio ao Senhor —
minha mãe disse.
Os canais paquistaneses mostravam fotos e vídeos meus,
com preces e poemas. O pobre Atal ligou a televisão depois
da escola, ouviu a notícia e se deu conta de que se não
tivesse ficado bravo por não poder ir agarrado na traseira,
teria estado naquele ônibus também.
Enquanto isso, eu estava em Peshawar, onde um médico
descobriu que meus ferimentos eram bastante sérios. Ele
me operou, então os dois médicos britânicos — a dra. Fiona
e o dr. Javid — assumiram meus cuidados.
A dra. Fiona insistiu que eu receberia melhor tratamento
no hospital do dr. Javid em Birmingham, na Inglaterra: o
Queen Elizabeth. Mas eu precisaria ser levada
imediatamente — em no máximo dois dias. Minha família
não poderia ir comigo. O dr. Javid garantiu ao meu pai que
eles tomariam conta de mim.
— Não é um milagre que vocês por acaso estivessem aqui
quando Malala levou um tiro? — meu pai comentou.
— Sou da opinião de que Deus manda a solução primeiro
e o problema depois — respondeu o dr. Javid.

••••
Eu tinha perdido tanta coisa! No entanto, enquanto meus
pais me explicavam o que havia acontecido, acrescentando
que o mundo inteiro estava acompanhando as notícias, era
quase como se estivessem me contando uma história. Como
se aquelas coisas tivessem acontecido com alguma outra
menina que não eu.
Talvez seja porque eu não me lembre de nada sobre o
ataque. Absolutamente nada.
Os médicos e enfermeiros tinham explicações
complicadas para isso: o cérebro nos protege de lembranças
dolorosas demais. Ou, diziam, o meu podia ter desligado
assim que fui ferida. Amo a ciência, mas não preciso que me
explique por que não lembro do ataque.
Na verdade, eu sei o motivo: Deus foi bom para mim.
Ninguém me entende quando digo isso. Imagino que, se
você nunca chegou perto de morrer, não tem como
entender mesmo. Mas eu e a morte estivemos bem
próximas. Só que a morte, ao que parece, não me quis.

••••
Quando finalmente assisti ao telejornal, descobri que um
porta-voz de Fazlullah havia dito que o Talibã tinha sido
“forçado” a atirar em mim porque eu não parava de criticar
o movimento.
Eles tinham me alertado, tinham ido à imprensa, e eu não
havia parado.
Meus outros crimes eram defender a educação e a paz.
Nos termos deles, eu defendia a educação ocidental, que,
na opinião dos talibãs, era contra o islã.
E o Talibã tentaria me matar de novo, dissera Fazlullah.
— Que isso sirva de lição.
Era uma lição, de fato. Minha mãe estivera certa ao citar o
Sagrado Corão. A mentira deve morrer, ela me dissera
tantos anos antes, quando eu estava considerando escrever
o diário para a BBC. E a verdade deve prevalecer.
A verdade sempre triunfará sobre a mentira. Essa é a
verdadeira crença islâmica, que nos guiou em nossa
jornada.
O Talibã atirou em mim para tentar me silenciar. Mas
agora o mundo todo estava ouvindo minha mensagem.
17
••••
Mensagens do mundo todo

Um dia, recebi um saco de cartões. Estávamos perto do Eid


ul-Azha, a Grande Celebração, uma das festas mais sagradas
para os muçulmanos. Então pensei: Que legal, meus amigos
me mandaram cartões por causa do feriado. Mas como eles
sabiam onde eu estava?, me perguntei.
Então notei as datas de postagem: 16 de outubro, 17 de
outubro. Eram os dias subsequentes ao ataque. Os cartões
não tinham nada a ver com o Eid. Eram de pessoas do
mundo todo, me desejando melhoras. Muitos tinham sido
enviados por crianças. Fiquei impressionada com a
quantidade de cartões que havia recebido.
Descobri que havia oitocentos cartões e cartas para mim.
Alguns eram endereçados apenas para “Malala, Hospital de
Birmingham”. Um tinha sido endereçado para “A menina que
levou um tiro na cabeça, Birmingham”.
Havia presentes também. Caixas de chocolate. Ursinhos de
pelúcia de todos os tamanhos. O mais precioso, talvez, foi o
pacote mandado pelos filhos de Benazir Bhutto. Dentro,
havia dois lenços que tinham pertencido à mãe deles, a
primeira mulher a se tornar primeira-ministra no mundo
islâmico — e um dos meus maiores ídolos.
Aparentemente, muitas pessoas haviam tentado me
visitar. Jornalistas, celebridades e muitos políticos. Mas o
hospital havia mantido todo mundo à distância para que eu
tivesse privacidade enquanto me recuperava.
Agora eu descobria que atores e cantores famosos tinham
tuitado sobre mim ou me desejado melhoras através do
Facebook. Era emocionante, avassalador e — como meu
cérebro ainda não estava funcionando direito — confuso.
Como aquelas celebridades sabiam quem eu era?
Enquanto eu era mantida em um quarto sem janelas,
totalmente alheia ao que acontecia no mundo exterior, o
mundo exterior sabia exatamente o que havia acontecido
comigo. Descobri que mais de duzentos jornalistas do mundo
inteiro tinham ido ao hospital para me ver. Tirando o dia que
tentei assistir à BBC , não havia visto o jornal desde que
cheguei. Mas agora compreendia: eu era a notícia.
Era incrível. Enquanto eu me sentia sozinha naquele
hospital, me perguntando sobre minha família, me
preocupando com quem pagaria pelo meu tratamento,
pessoas do mundo todo se preocupavam comigo ! Eu já não
me sentia tão solitária.
Mal podia esperar para voltar para casa e contar a Moniba
sobre aqueles famosos!

••••
Em dezembro, depois de quase dois meses hospitalizada,
finalmente permitiram que eu fizesse meu primeiro passeio:
ao Jardim Botânico de Birmingham. Fomos eu, minha mãe e
duas enfermeiras. Meu pai não foi: ele tinha aparecido tanto
na televisão que estava com medo de chamar a atenção das
câmeras.
Fui no banco de trás do carro, virando a cabeça de um lado
para o outro no caminho, louca para absorver tudo daquele
país totalmente novo.
Eu não estava acostumada ao vento forte e ao ar frio. Mas
as plantas eram lindas! E familiares!
— Temos dessa lá no vale também — eu disse a uma das
enfermeiras. — E dessa também!
Minha mãe ficou tão animada que ligou para meu pai.
— Pela primeira vez — ela disse —, estou feliz.
Àquela altura, minha família estava morando em um
prédio alto de Birmingham e me visitava todos os dias. A
vida estava mesmo voltando ao normal, já que meus irmãos
estavam me deixando louca de novo! Depois de mais ou
menos um dia me tratando como uma boneca de porcelana,
tinham voltado a ser irritantes.
— Por que tanta onda com a Malala? — Atal disse uma vez.
— Eu a vi. Ela sobreviveu.
— Deixem os dois em casa! — implorei aos meus pais. —
Eles só fazem barulho e ainda querem ficar com meus
presentes.
Eu finalmente era capaz de ler de novo, e a linguagem e as
lembranças começaram a voltar. Embora eu ainda tivesse
dificuldade de lembrar os nomes de algumas das minhas
amigas, estava fazendo bastante progresso, e me animava a
cada dia.
Naquele mesmo mês, recebi minha primeira visita que não
era da família: Asif Ali Zardari, presidente do Paquistão.
O hospital tinha medo de que a visita atraísse muita
atenção dos jornalistas, mas eu tinha que recebê-lo. O sr.
Zardari havia prometido que o governo cobriria todas as
minhas despesas médicas.
Eu vesti um casacão roxo e escapei do prédio pela saída de
funcionários. Passamos de carro por um aglomerado de
jornalistas e fotógrafos, que nem nos notaram. A cena
parecia saída de um livro de espionagem.
Fomos levados a um escritório. Enquanto esperávamos,
Atal, Khushal e eu brincávamos com um joguinho eletrônico
chamado Elf Bowling. Era a primeira vez que eu jogava, e
mesmo assim ganhei dos dois. Prova de que a velha Malala
estava de volta.
Quando o presidente entrou, levou a mão à minha cabeça,
um gesto de respeito no meu país. Ele falou que havia
conseguido um emprego para meu pai em Birmingham. Tudo
ficaria bem, disse. Meu trabalho era focar na minha
recuperação.
Depois, o sr. Zardari disse que eu era “uma menina
extraordinária e um orgulho para o Paquistão”.
Foi um dia incrível. O líder do meu país me tratava com
respeito e todas as minhas preocupações relativas a dinheiro
tinham sido resolvidas.
Mas, ah, foi um dia agridoce. Porque então eu entendi: não
voltaríamos para casa por um bom tempo.
18
••••
Milagres

Finalmente fui liberada do hospital, e 2013 teve um início


feliz. Era muito bom estar em casa com minha família,
mesmo que essa casa fosse um apartamento num edifício
alto com elevador. Eu teria dado qualquer coisa para estar
em casa de verdade, mas o que mais importava era que
minha família estava unida de novo.
Tentei ganhar forças caminhando ao ar livre. Mas ainda
não conseguia ouvir direito, então sempre tinha que virar de
um lado para o outro para descobrir o que estava
acontecendo. Uma simples ida ao mercadinho podia ser
exaustiva para mim. Exaustiva e fascinante.
Nos cafés de Birmingham, víamos homens e mulheres
sentados juntos de uma maneira que seria impensável no
Swat. As mulheres usavam salto alto e short curto, deixando
as pernas à mostra mesmo no inverno.
— As pernas são feitas de ferro aqui para não sentirem
frio? — perguntou minha mãe.

••••
Eu sentia muita falta de casa. Tinha saudade das minhas
amigas da escola, das montanhas, das cachoeiras, do lindo
rio Swat, dos campos verdes exuberantes. Então foi duro
quando descobri que algumas pessoas no Paquistão me
criticavam. Elas questionavam a honestidade da minha
família. Havia até quem dissesse que meu pai havia atirado
em mim só para que pudéssemos viver em meio ao luxo no
exterior.
Também recebi notícias da escola. Pelo Skype, Moniba me
disse que sentia muito minha falta e que nenhuma outra
menina poderia ocupar o lugar que eu havia deixado em seu
coração. Ela também me disse que Shazia e Kainat já tinham
se recuperado e estavam de volta à escola. E que minhas
amigas haviam guardado um lugar para mim na sala.
— Ah, aliás — Moniba disse —, você acertou tudo na prova
de estudos paquistaneses.
Era a que eu havia feito na manhã do ataque.
••••
Fiz muitas cirurgias, incluindo uma para melhorar minha
audição. Um dispositivo eletrônico bem pequeno foi colocado
atrás da minha orelha para me ajudar a escutar. Algumas
semanas depois, um receptor foi encaixado, e ouvi um leve
bipe. Então outro. Então veio o som da voz do médico. A
princípio, todo mundo soava como um robô, mas logo minha
audição melhorou.
Como Deus é grande! Ele nos deu olhos para ver a beleza
do mundo, mãos para tocá-la, um nariz para sentir sua
fragrância, e um coração para desfrutar de tudo. Mas não
nos damos conta de como nossos sentidos são milagrosos
até perdermos um.
O retorno da minha audição era só um milagre.
Um talibã dera três tiros à queima-roupa atingindo três
meninas em um ônibus escolar — mas nenhuma de nós
morreu.
Uma pessoa tentou me silenciar. E milhões ergueram sua
voz.
Tudo isso eram milagres também.
19
••••
Este novo lugar

Agora estamos adaptados à vida em Birmingham, em uma


casa de tijolinhos localizada em uma rua com muitas
árvores. É muito bonito. Calmo. E tranquilo demais. Não tem
crianças jogando críquete nos becos. As mulheres não
sentam na varanda dos fundos para fofocar.
Mas quando saímos para caminhar no principal centro
comercial de Birmingham, fico surpresa com os tipos
diferentes ali: meninos de rosto sardento com camisas de
times de futebol, executivos de terno e executivas de
terninho, muçulmanas conservadoras de burca e jovens
muçulmanas usando jeans e lenço na cabeça.
Às vezes, as pessoas pedem para tirar foto comigo. Não
me importo. Entendo que são as mesmas pessoas que me
apoiaram quando precisei e que agora me dão coragem para
continuar. É estranho ser tão conhecida e tão solitária ao
mesmo tempo.
••••
Na escola nova, uso o uniforme das estudantes inglesas:
malha verde, camisa listrada, meia-calça e saia azul. Outras
meninas muçulmanas da minha classe também usam a saia
até os tornozelos, como eu. Outras meninas sobem a saia
assim que chegam na escola, para que fique ainda mais
curta. Que país interessante é esse , penso, em que algumas
meninas são livres para cobrir o corpo enquanto outras são
livres para não cobrir.
Aqui também temos projetores e notebooks, vídeos e Wi-Fi,
e aulas como música, arte, ciências da computação e até
mesmo culinária (de que não gosto). Às vezes, eu queria
voltar para minha casa no Paquistão, onde a escola era só
um professor e uma lousa. Outras vezes fico triste que
minhas antigas amigas não desfrutem de toda essa
tecnologia e dessas aulas especiais. Mas então lembro que
elas têm o que eu não tenho: uma à outra.
Minhas novas colegas e eu nem sempre entendemos as
piadas umas das outras, e não consigo ser tão livre ou
irreverente quanto elas. Sou uma boa menina, sempre fui.
Mas agora digo a mim mesma que devo tomar um cuidado
especial com o que digo e faço. Muitas pessoas contam
comigo.
No Paquistão, eu era apenas Malala. Em Birmingham, pelo
menos no começo, eu era “Malala, a menina que levou um
tiro do Talibã”. Queria voltar a ser apenas Malala, uma
menina normal.
Sim, eu tinha visto e vivido coisas que minhas novas
amigas nem podiam imaginar. Mas conforme o tempo
passava, me dava conta de que elas haviam tido
experiências que eu nem podia imaginar. O que estou
descobrindo é que temos muito mais em comum do que de
diferente, e todos os dias aprendemos algo novo umas com
as outras. Todos os dias me sinto um pouco mais como a
velha Malala, só mais uma menina na classe.
••••
Até podermos voltar ao Paquistão, contamos com as visitas
de amigos e familiares para matar a saudade do nosso país.
Minha mãe nunca fica tão feliz como quando há mais
cadeiras em volta da mesa de jantar. E sua disposição para
experimentar coisas novas cresce junto com sua alegria. Ela
voltou a estudar inglês. Chegou até a permitir que a
fotografassem.
Meu pai pode não ser mais diretor de escola, mas ainda vai
a conferências sobre educação para meninas e fala em
defesa da paz. A princípio, foi estranho para ele que as
pessoas quisessem ouvi-lo falar por minha causa, e não o
contrário.
— Malala costumava ser conhecida como minha filha — ele
diz. — Mas tenho orgulho de dizer que agora sou conhecido
como o pai da Malala.
Nesse meio-tempo, ele assumiu uma nova
responsabilidade em casa. Eu o provocava dizendo que,
enquanto ambos nos ocupávamos defendendo os direitos
das mulheres, minha mãe ainda era a única encarregada de
limpar e cozinhar. Agora ele cozinha toda manhã. Sempre a
mesma coisa: ovo frito. Sua comida pode não ser muito
saborosa, mas tem muito amor.

••••
Conforme o primeiro aniversário do ataque se aproximava,
os jornalistas voltaram a me entrevistar. Descobri que eu não
estava nem de perto tão chateada quanto alguns deles em
relação ao que havia acontecido comigo. Acho que vejo
minha situação de maneira diferente. Se dissesse a mim
mesma: “Malala, você nunca vai poder voltar para casa
porque é alvo do Talibã”, eu viveria em sofrimento.
Encaro tudo da seguinte maneira: posso ver! Posso ouvir!
Posso falar! Estou vivendo a vida que Deus quer para mim.
Os jornalistas também me perguntam se tenho medo. Digo
que não. E é verdade.
Fico frustrada quando eles querem focar no ataque, e não
na minha luta pela educação das meninas. Eu até
compreendo. Mas na minha cabeça, a violência e a tragédia
criaram uma oportunidade.
Nunca esqueço dessa oportunidade, especialmente
quando penso na organização que criei para ajudar outras
crianças, o Fundo Malala, e lembro de todo o bem que fez e
continuará a fazer. Estamos ajudando meninas no Swat que
não receberam educação porque foram forçadas a trabalhar.
Estamos ajudando crianças refugiadas em todo o mundo. É
nosso dever garantir que essas crianças tenham comida,
abrigo e educação. E vamos fazer isso.

O que é o Fundo Malala?


•••••••••
Enquanto eu me recuperava do ataque do Talibã, meu pai e eu sabíamos
que precisávamos encontrar uma maneira de continuar com nossa luta para
ajudar as meninas que não tinham acesso a uma educação livre, segura e
de qualidade. Meninas como eu. Assim foi criado o Fundo Malala.
Conforme as pessoas se ofereciam para nos ajudar, reuníamos suas
generosas doações e as utilizávamos em nossa causa. Nosso primeiro ato
foi ajudar quarenta meninas na minha casa, o vale do Swat, no Paquistão.
Através do Fundo Malala, pudemos fornecer dinheiro para seus uniformes,
sapatos, materiais escolares e muito mais. Quando demos esse presente a
elas, estabelecemos o objetivo de um dia atingir 40 milhões de meninas.
Estamos caminhando para isso. O que começou com duas pessoas
defendendo o que acreditavam que era certo se tornou um esforço mundial
envolvendo milhares e milhares de meninas. Abrimos escolas — incluindo
uma no Líbano para meninas sírias refugiadas —, nos reunimos com
dezenas de primeiros-ministros e presidentes e, o mais importante,
estabelecemos contato com milhares de meninas, para poder compartilhar
suas histórias com o mundo.

Penso no mundo como uma família. Quando um de nós


sofre, temos todos que contribuir e ajudar. Porque quando as
pessoas dizem que me apoiam, na verdade estão dizendo
que apoiam a educação das meninas.
Então, sim, os talibãs atiraram em mim. Mas eles só
podem atirar em um corpo. Não podem matar minhas ideias
e não podem impedir minha campanha para ver todas as
crianças na escola. Continuo aqui por um motivo: para
dedicar minha vida a ajudar as pessoas.
20
••••
Uma garota entre muitas

No meu aniversário de dezesseis anos, ganhei o presente


mais extraordinário do mundo: fui convidada para falar nas
Nações Unidas, em Nova York. Naquele dia, 12 de junho de
2013, que as Nações Unidas chamaram de Dia de Malala,
haveria quatrocentas pessoas presentes: funcionários de
alto escalão de todo o mundo e crianças comuns como eu.
Seria muito diferente dos aniversários que eu havia passado
no Paquistão, com medo, não muito tempo antes.
Minha família inteira viajou para Nova York. Vimos Annie
na Broadway e ficamos em um hotel em que entregavam
pizza no quarto em uma bandeja de prata. Gostei do agito
de Nova York em comparação com a sonolência de
Birmingham. E senti que aquela cidade era uma velha
amiga depois de ter assistido Betty, a feia. Eu mal podia
esperar para contar a Moniba: os Estados Unidos eram um
país muito agradável, mas Nova York era tão barulhenta e
tumultuada quanto as outras cidades que eu tinha visto,
com buzinas e gente correndo para lá e para cá.
Mal podia acreditar que ia me dirigir às Nações Unidas.
Demorei para me vestir naquela manhã. Coloquei meu
shalwar kamiz rosa preferido e um dos lenços de Benazir
Bhutto. Então fiquei de pé e falei não só com o público ali
presente, mas com todas as pessoas no mundo que
pudessem ser encorajadas pelas minhas palavras.

Queridos irmãos e irmãs,


Lembrem-se de uma coisa: o Dia
de Malala não é o meu dia. Hoje é o dia de todas as
mulheres, todos os meninos, todas as meninas que
ergueram a voz para defender seus direitos. Milhares de
pessoas foram mortas por terroristas, e milhões foram
feridas. Sou apenas uma delas.
Então aqui estou… uma menina entre muitas.
Não falo por mim, mas por todas as meninas e por
todos os meninos.
Levanto a voz não com a intenção de gritar, mas para
que aqueles que não têm voz possam ser ouvidos.
Aqueles que lutaram por seus direitos.
O direito de viver em paz.
O direito de ser tratado com dignidade.
O direito à igualdade de oportunidade.
O direito à educação.
No dia 9 de outubro de 2012, o Talibã atirou no lado
esquerdo da minha testa. E atirou nas minhas amigas
também. Eles acharam que as balas iam nos silenciar.
Mas fracassaram. E então, daquele silêncio, surgiram
milhares de vozes. Os terroristas achavam que podiam
mudar nossos objetivos e impedir nossas ambições, mas
nada mudou na minha vida a não ser por isso: a
fraqueza, o medo e a desesperança morreram. A força,
o poder e a coragem nasceram. Sou a mesma Malala.
Minhas ambições são as mesmas. Minhas esperanças
são as mesmas. Meus sonhos são os mesmos.
Uma criança, um professor, um livro e uma caneta
podem mudar o mundo.

Enquanto ouvia os aplausos e sentava no meu lugar, só


conseguia pensar que eu tinha percorrido um longo
caminho desde a Malala bebê que dava aulas para cadeiras
vazias na Escola Khushal. Ou a Malala que discursava na
frente do espelho do banheiro ainda menina. De alguma
forma, com a graça de Deus, eu estava realmente falando
diante de milhões de pessoas.
Uma vez, eu havia pedido a Deus para ficar mais alta.
Percebi que Deus havia respondido minhas preces, me
tornando tão alta como o céu e me dando uma voz capaz de
chegar a pessoas em qualquer lugar. Com minha altura,
recebi também uma responsabilidade e um dom. A
responsabilidade de tornar o mundo um lugar mais pacífico,
que carrego comigo em todos os momentos da minha vida.
E o dom de ser capaz de fazer isso.
Paz em todos os lares, em todas as ruas, em todos os
vilarejos, em todos os países — esse é o meu sonho.
Educação para todos os meninos e para todas as meninas
no mundo.
Eu sou Malala. Meu mundo mudou, mas eu não.
Epílogo
••••
A mais jovem na história

Em outubro de 2014, praticamente dois anos depois do


ataque, recebi uma grande honra. Me tornei a pessoa mais
jovem na história a receber o prêmio Nobel da paz. Eu
estava na aula de química quando descobri. A vice-diretora
foi até nossa sala e pediu que eu a acompanhasse. Será que
tinha me metido em encrenca?, pensei.
Quando ela me disse que eu havia recebido o Nobel da paz
junto com o ativista pelos direitos das crianças Kailash
Satyarthi, fiquei em choque. Respondi com toda a
formalidade. Agradeci a ela por me dar a notícia e disse que
me sentia honrada. Foi só quando vi as lágrimas nos olhos
dos meus professores que me parabenizavam que me dei
conta do que aquilo tudo realmente significava. Estavam
todos felizes por mim, e eu também estava, porque a causa
que havia sido parte da minha vida por tanto tempo tinha
sido reconhecida de maneira tão notável.
A cerimônia de entrega do prêmio foi linda e inspiradora.
Fiquei feliz em ter a companhia de minhas corajosas amigas
do Paquistão, Shazia e Kainat, assim como a de garotas que
conheci enquanto viajava pelo Fundo Malala, que também
tiveram que defender seus direitos. Significou muito para
mim termos vivido essa experiência juntas.

O que é o prêmio Nobel da paz?


•••••••••
Idealizado pelo cientista Alfred Nobel, o primeiro prêmio Nobel da paz foi
concedido em 1901. Os ganhadores são escolhidos por um comitê de cinco
pessoas na Noruega, mas todos podem se candidatar, não importa quem
sejam ou de onde venham — desde que tenham trabalhado para promover
a paz, em benefício da humanidade. Martin Luther King Jr., Barack Obama e
os Médicos sem Fronteiras foram alguns dos ganhadores ao longo da
história.
Kailash Satyarthi e eu recebemos o prêmio em 2014 pela nossa “luta
para que crianças e jovens exerçam seu direito à educação”.
Quanto mais aprendia sobre Kailash, mais especial me sentia por dividir o
prêmio com ele. Kailash trabalha incansavelmente para resgatar crianças
vítimas de trabalho infantil e escravo. Esse homem generoso e
comprometido é um grande exemplo, demonstrando que os adultos têm a
responsabilidade de proteger as crianças. Seu trabalho prova que o amor e
a gentileza podem fazer a diferença.
Sou muito grata pelo prêmio Nobel da paz ter reconhecido os direitos das
crianças.

Tenho trabalhado sem parar como ativista pela educação


através do Fundo Malala. Nosso trabalho se amplia a cada
dia, mas sei que ainda temos muito a fazer. Agradeço a Deus
por ter me dado essa plataforma. É o trabalho da minha
vida, minha missão, meu sonho.
••••
Tanta coisa mudou nos últimos anos. Agora moro em Oxford,
na Inglaterra, onde faço faculdade. Mas sou a mesma Malala
que estudava no Swat. Minha vida mudou, mas eu não. Se
perguntassem à minha mãe, ela diria:
— Bem, talvez Malala tenha se tornado mais sábia, mas
ainda é a mesma menina bagunceira em casa, que deixa a
blusa em um canto, a calça em outro e está sempre
gritando: “Ainda não fiz a lição de casa!”.
Algumas coisas, mesmo que pequenas, continuam iguais.
Talvez vários de nossos amigos no Paquistão pensem que
temos sorte de morar na Inglaterra; mas viver eLivros,
distante de seu próprio lar, onde seus pais e antepassados
nasceram e onde sua família tem séculos de história, é algo
muito triste. Não poder mais tocar o solo ou ouvir o doce
som dos rios. Hotéis refinados e reuniões em palácios não
podem substituir a sensação de estar em sua verdadeira
casa.
O amor e o encorajamento das pessoas me dão a energia
necessária para continuar lutando. Nunca vou desistir de
defender a paz e a educação para todos. Quero construir
escolas e me certificar de que há professores qualificados
em tantos lugares quanto puder. Isso é outra coisa que não
mudou: sou a mesma menina teimosa, que nunca desiste.
GLOSSÁRIO
••••
aba : termo afetuoso em pachto para “pai”

Alá: palavra árabe para “Deus”

Al-Qaeda: organização fundamentalista islâmica

badal : vingança

burca: roupa usada por algumas muçulmanas para cobrir o


corpo em público

Corão: livro sagrado dos muçulmanos

dyna : caminhonete aberta nos fundos

fedaim: devotos do islã

haram : o que é proibido pelo islã

IDP : sigla em inglês para pessoas deslocadas internamente

imã: líder religioso local

jani : querido(a)

madraçal: escola que ensina o islã

mufti: estudioso do islã

mulá: nome informal para um imã ou líder religioso


pachto: povo que habita regiões do Paquistão
e do Afeganistão; língua falada por essas pessoas

pisho : gatinho(a)

purdah : segregação ou reclusão das mulheres, uso do véu

Ramadã: período de reflexão durante o nono mês do


calendário islâmico, em que é feito jejum todos os dias do
nascer ao pôr do sol

shalwar kamiz : veste tradicional composta por túnica


(kamiz ) e calça (shalwar ) soltas

Talibã: movimento fundamentalista islâmico;


o nome vem da palavra talib , que originalmente
se referia a qualquer estudante da religião

urdu: língua nacional do Paquistão


LINHA DO TEMPO DA VIDA DE MALALA
••••
12 de julho de 1997: Malala nasce no vale do Swat, em
Mingora, no Paquistão.

Setembro de 2008: Em meio às ameaças do Talibã de


fechar escolas, Malala defende a importância da educação.

3 de janeiro de 2009: Malala começa a escrever para o


site da BBC urdu sobre a vida sob o Talibã.

15 de janeiro de 2009: O fechamento das escolas para


meninas pelo Talibã passa a vigorar.

Maio de 2009: Devido à turbulência local, a família de


Malala e os residentes do Swat precisam deixar o vale.

Outubro de 2009: O New York Times retrata Malala e seu


pai no documentário Class Dismissed [Classe dispensada].

2009-10: Malala aparece na televisão defendendo o direito


à educação das meninas.

Outubro de 2011: Desmond Tutu nomeia Malala ao Prêmio


Internacional da Paz para Crianças.

Dezembro de 2011: Malala recebe o primeiro Prêmio


Nacional da Paz para Jovens, do Paquistão.

9 de outubro de 2012: Malala leva um tiro do Talibã no


caminho de volta da escola.
15 de outubro de 2012: Malala é levada para
Birmingham, na Inglaterra, para dar continuidade a seu
tratamento.

Março de 2013: Malala volta à escola em Birmingham.

12 de julho de 2013: Malala fala às Nações Unidas em seu


aniversário de dezesseis anos, que
é declarado o Dia de Malala.

Outubro de 2013: Malala e seu pai criam o Fundo Malala.

Julho de 2014: Malala viaja para a Nigéria e se pronuncia


contra o sequestro em massa de meninas.

Dezembro de 2014: Malala se torna a mais jovem


vencedora do prêmio Nobel da paz. Ela viaja para a Suécia
para receber o prêmio compartilhado com Kailash Satyarthi,
ativista pelos direitos das crianças.

12 de julho de 2015 : Malala abre uma escola no vale do


Beca, no Líbano, para meninas sírias refugiadas.

Outubro de 2015: O documentário Malala tem lançamento


internacional.

Setembro de 2016: Malala lança a campanha #YesAllGirls


para apoiar a educação das meninas.

Abril -setembro de 2017: Malala viaja pelo mundo


falando diretamente tanto com meninas quanto com líderes
mundiais.

Outubro de 2017: Malala começa seus estudos na


Universidade de Oxford.
MALALA YOUSAFZAI iniciou sua campanha pelo direito das meninas à educação
aos dez anos, quando o vale do Swat era atacado por terroristas e o ensino
estava ameaçado. Usando o pseudônimo Gul Makai, escreveu um blog para a
BBC urdu contando como era a vida sob o domínio do Talibã. Também participou
de um documentário do New York Times sobre a educação no Paquistão.
Aproveitava toda oportunidade que surgia para falar em defesa da paz e do
direito de todas as crianças à educação.
Em 2011, em reconhecimento de sua coragem e ativismo, Malala foi indicada
ao Prêmio Internacional da Paz para Crianças e recebeu o primeiro Prêmio
Nacional da Paz para Jovens, do Paquistão. Em outubro de 2012, sofreu um
ataque do Talibã quando voltava da escola, mas sobreviveu e seguiu com sua
campanha. Foi agraciada com inúmeros outros prêmios e se tornou a mais
jovem vencedora do Nobel da paz, em 2014.
Hoje Malala estuda na Universidade de Oxford, na Inglaterra, e segue
defendendo o acesso universal à educação por meio do Fundo Malala
(malalafund.org ), uma organização sem fins lucrativos que investe em
programas comunitários e apoia os defensores da educação em todo o mundo.

PATRICIA McCORMICK foi duas vezes finalista do National Book Award e é autora
de diversos romances aclamados para jovens, entre eles Cut , Sold e Never Fall
Down . Para mais informações, acesse <patriciamccormick.com >.
Copyright © 2018 by Salarzai Limited
Publicado mediante acordo com Little, Brown, and Company, Nova York, Nova
York, EUA . Todos os direitos reservados.

O selo Seguinte pertence à Editora Schwarcz S.A.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,


que entrou em vigor no Brasil em 2009.

TÍTULO ORIGINAL Malala: My Story of Standing Up for Girls’ Rights


ILUSTRAÇÃO DE CAPA Kerascoët
ILUSTRAÇÕES DE MIOLO Joanie Stone
PREPARAÇÃO Nathália Dimambro
REVISÃO Thaís Totino Richter e Renata Lopes Del Nero
VERSÃO DIGITAL Marina Pastore
ISBN 978-65-5782-077-3

Todos os direitos desta edição reservados à


EDITORA SCHWARCZ S.A.
Rua Bandeira Paulista, 702 , cj. 32
04532-002 — São Paulo — SP
Telefone: (11 ) 3707-3500
www.seguinte.com.br
contato@seguinte.com.br
Table of Contents
Folha de rosto
Sumário
Dedicatória
Prólogo: Eu sou Malala
Parte Um: Antes do perigo
1. Livre como um pássaro
2. O lápis mágico
3. Avisos
Parte Dois: Uma sombra sobre nosso vale
4. Mulá fm
5. Convivendo com o terrorismo
Parte Três: Encontrando minha voz
6. Uma chance de falar
7. Diário de uma estudante
8. Classe dispensada?
9. Deslocada
10. Uma paz estranha
11. Enfim, boas notícias
12. Uma ameaça contra mim
13. Um dia como qualquer outro
Parte Quatro: Uma nova vida, longe de casa
14. Um lugar chamado Birmingham
15. Uma centena de perguntas
16. Preenchendo as lacunas
17. Mensagens do mundo todo
18. Milagres
19. Este novo lugar
20. Uma garota entre muitas
Epílogo: A mais jovem na história
Glossário
Linha do tempo da vida de Malala
Sobre as autoras
Créditos

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