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Paidéia, 2002, 12(23), 19-29

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A INTELIGÊNCIA HUMANA: CONTORNOS DA PESQUISA

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Maria José Miranda
FPCE- Universidade de Lisboa

RESUMO: A inteligência humana é entendida e abordada como um conceito plural, que marca o
comportamento adaptativo. O artigo toca as definições conceituais e operacionais, a distinção entre concep-
ções implícitas e explícitas, e as teorias explícitas categorizadas em paradigmas em que confluem as metáfo-
ras subjacentes da pesquisa psicológica no domínio da inteligência, e examina dois modelos sistêmicos da
organização adaptativa. O desenvolvimento das tecnologias da observação e da análise das evidências acentu-
arão seguramente a interdisciplinaridade da pesquisa, cientificamente rica e socialmente promissora, porque
integrativa.

Palavras-chave: inteligência; adaptação; paradigmas da investigação; auto-organização;


interdisciplinaridade

ON CONTOURS OF RESEARCH IN HUMAN INTELLIGENCE

ABSTRACT: Human intelligence is understood and referred to as a plural concept, which shapes
adaptative behavior. The paper considers conceptual and operational definitions of intelligence, implicit and
explicit theories, major paradigms of research and underlying metaphors on mental processing, and examines
two systemic models of self-management. The variety of techniques of data collection and experimental
evidence analysis will definitely enhance the interdisciplinary framework of the research on human intelligence,
scientifically sound and socially pervasive, for its integrative nature.

Key-words: intelligence; adaptation; research paradigms; self-management; interdisciplinarity.

Na linguagem comum, a palavra inteligência Entende-se aqui por contornos a envolvente


refere uma qualidade dos indivíduos. Na linguagem epistemológica, a montante das teorias e dos mode-
científica, refere uma qualidade do comportamento. los, da própria pesquisa.
As raízes do estudo científico da inteligência
humana podem ser datadas pelo interesse pelas ma- Da Problemática
nifestações extremas dessa qualidade do comporta-
mento: a genialidade e a deficiência funcional. Os Num texto recente, Nathan Brody refere-se aos
desenvolvimentos são ditados pelo interesse pelos artigos de Spearman de 1904 ('General intelligence'
mecanismos da adaptação. objectively determined and measured) e de Binet &
A literatura psicológica sobre a inteligência Simon de 1905 (Méthodes nouvelles pour le
humana, para além de vastíssima nos vários domí- diagnostic du niveau intellectuel des anormaux) como
nios da própria Psicologia, é extremamente os trabalhos que marcaram definitivamente a inves-
diversificada: quanto aos pontos de partida, aos ob- tigação da inteligência humana ao longo de todo o
jetivos, às metodologias, ao enquadramento. século XX (Brody, 2000): o primeiro, no sentido da
modelização pioneira do construto inteligência; o
' Artigo recebido para publicação em janeiro de 2002; aceito em segundo, no sentido da operacionalização pioneira
junho de 2002 do construto inteligência. Mesmo se o argumento é
2
Endereço para correspondência: Maria José Miranda, Faculdade de
Psicologia e Ciências da Educação, Universidade de Lisboa, Alameda relativamente simplista, equaciona de fato grandes
da Universidade, Cep. 1649-013, Lisboa, Portugal E-mail parâmetros da investigação científica: os de nível de
mjmiranda@reitoria.ul.pt
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observação e de nível de análise. Aborda a investi- que toca os efeitos práticos"?
gação científica (no sentido do caráter público dos
métodos utilizados e da replicabilidade dos resulta- Do Conceito e do Construto
dos encontrados), no que se refere à descrição e à
explicação, e muito designadamente numa ciência Dois Simpósios, o primeiro organizado pelos
da vida como é o caso da Psicologia, que se ocupa editores do Journal of Educational Psychology em
do ser vivo (o humano, em particular) em condições 1921 (Thorndike, 1921) e o segundo em meados da
habituais de vida (Reuchlin, 1999). década de 80 (Sternberg & Detterman, 1986), conti-
O construto inteligência: construto enquanto nuam a constituir referências de grande interesse re-
construção teórica e/ou empírica em que se alicerça lativas ao conceito / construto de inteligência
a investigação, isto é, construção por natureza hipo- (Miranda, 1986; Miranda, 2000, prelo).
tético-dedutiva, logo simultaneamente heurística e No aspecto da sua natureza, o coeficiente de
hermenêutica. Seguramente isto condiz às exigên- correlação da ordem de .50 entre as freqüências de
cias de pertinência científica e relevância social. Mas ocorrências listadas (comportamentos como racio-
será igualmente significativo e útil para o indivíduo cínio abstrato, processamento da informação, adap-
e para a sociedade? tação ao meio) põem em evidência alguma
Retomando os referenciais de Brody (2000), sobreposição entre as concepções explícitas dos es-
no termo de praticamente um século de investigação pecialistas, distanciadas várias gerações. Por outro
fundamental e aplicada, situar-nos-emos nós muito lado, há emergência, com o tempo, de duas novas
longe da resposta atribuída a Alfred Binet, proferida preocupações (Sternberg, 2000): os aspectos
pouco depois da publicação da sua Escala Métrica, à metacognitivos e os aspectos situacionais do com-
pergunta "o que é a inteligência?". Em resposta: "a portamento inteligente.
inteligência é o que a minha Escala mede" (A litera- Há mais de 20 anos a questão do "protótipo"
tura americana de língua inglesa refere preferencial- relativamente ao qual se situaria a singularidade (a
mente a mesma, afinal definição operacional, do con- idiossincrasia individual) foi levantada por U.
ceito, atribuindo-a a Edwin Boring e formalizada no Neisser. Constituindo um protótipo uma instância
seu artigo de 1923, Intelligence as the tests test it). comportando todas as propriedades típicas de algo,
Teremos explorado consistentemente alguns pontos o procedimento científico mais heurístico fundamen-
básicos, tais como aunivocidadevermvpolimorfismo ta-se na recolha de uma multiplicidade de evidência
do conceito, a articulação elementarismo versus es- empírica, e sua articulação. Recolha de evidência
truturalismo, o jogo das influências cognitivas versus tão ampla quanto possível, e construção de modelos
afetivo-emocionais e a interculturalidade versus compreensivos e extensivos, ainda que não necessa-
relativismo do comportamento 'inteligente'? Tere- riamente exaustivos (Neisser, 1979). Por outras pa-
mos refletido consistentemente sobre a questão pos- lavras, a prevalência, no estudo da inteligência hu-
ta por David Wechsler, no seu discurso quando da mana, da operacionalização do construto sobre a
atribuição do Distinguished Professional definição do conceito.
Contribution Award pela Associação Americana de A noção de protótipo é lida por Robert
Psicologia em 1974, em termos de "o que é medido Sternberg como o prelúdio do último ato de uma peça
pelos testes não é o que os testes medem (...). O que de teatro a estrear no ano 2000, com o título 'Seis
os testes [de inteligência] medem é algo muito mais autores em busca de uma personagem', de cuja es-
importante: a capacidade de um indivíduo para com- tréia se assume como o crítico teatral. À imagem, na
preender o mundo à sua volta e o conjunto dos seus inversa, da do Nobel da Literatura de 1934, Luigi
recursos para enfrentar os desafios que ele lhe colo- Pirandello, a temática da peça é centrada numa as-
ca" (Wechsler, 1975, p. 139)? Ou ter-nos-emos efe- sembléia de autores que procuram o dirigente legíti-
tivamente quedado ao nível do comentário de John mo do 'País da Inteligência'. Os dirigentes anterio-
Stuart Mill sobre o conceito de bem-estar, "toda a res e a sua atuação, infirmaram de reconhecimento
gente tem uma noção suficientemente correta - no consensual durável. Designadamente o Senhor Fa-
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tor, nas várias organizações assumidas (a monárquica, crenças mais ou menos formalizadas e cuja nature-
a oligárquica, a hierárquica, a anárquica, que nem as za, conteúdo e aspectos são suscetíveis de fornecer
tentativas de alternância por rotatividade foram ca- informação relevante ao trabalho científico.
pazes de salvar), que viria a ser derrubado pelo Se- Para Sternberg, o seu estudo importa no que
nhor Metacomponente, responsável de uma ordem se refere a monitorização das elaborações do pró-
nova, caracterizada esta pela primazia da organiza- prio investigador, ao confronto com constfutos da
ção do poder sobre a estrutura do próprio poder; nova sua e de outras teorias explícitas, à compreensão do
ordem, no entanto, fragilizada pelo importante pa- comportamento motivado, à compreensão de mudan-
pel de quadros superiores, como o Senhor Aprendi- ças desenvolvimentistas ao longo da vida, e à diver-
zagem, o Senhor Transferência, o Senhor Memória. sidade cultural (Sternberg, 1990). Sternberg e cola-
A dinâmica da peça gera ainda questões aparente- boradores desenvolveram vários estudos com adul-
mente não centrais, como as atividades dirigidas em tos e com crianças visando à identificação de cate-
contraposição com as do dia a dia, a valorização cul- gorias de comportamentos "inteligentes" em grupos
tural de certas atividades em detrimento de outras, e transversais diferenciados, sua comparação e com-
as implicações educativas (Sternberg, 1979). Omi- paração com dimensões bem estipuladas da teoria
te-se aqui, e intencionalmente, o último ato da peça, psicológica (Sternberg, 2000).
naturalmente datado, e caído na armadilha, aliás pre- Um desses estudos (Sternberg, Conway,
vista pelo crítico teatral, nas suas palavras o risco " Ketron & Bernstein, 1981) incidiu sobre os concei-
de [vir a] ser ridiculizado por autores de uma peça tos implícitos de inteligência, de inteligência "aca-
sobre os testes de inteligência no ano 3000 ou mes- dêmica", e de inteligência do dia a dia. Os partici-
mo 2100" (p. 258). pantes foram de amostras de ocasião, estudantes
A alegoria reporta-se claramente às aborda- universitários e psicólogos doutorados de universi-
gens diferencialista e cognitivista em psicologia da dades e centros de investigação, e pessoas comuns
inteligência humana, e às perspectivas globalista e em situações do quotidiano. Três planos experimen-
elementarista da investigação. A personagem emer- tais, metodologicamente distintos, foram organiza-
gente é, naturalmente, a mais cara ao autor nessa dos; as tarefas incluíam listagem de comportamen-
época: a análise componencial da inteligência tos, auto-avaliação, aplicação de uma técnica dife-
(Sternberg, 1977). São claramente aludidos os gran- rencial para fins comparativos com resultados de
des modelos fatoriais e a 'revolução' cognitivista, auto-avaliação, avaliação de indivíduos fictícios.
suas mais valias e fragilidades, e até as eventuais (e Dois grandes aspectos emergentes da
acontecidas) resolução de antinomias e convergên- inventariação, pelos sujeitos das experiências, de
cia metodológica. Como são aludidos o relativismo "comportamentos inteligentes" podem ser realçados
cultural e os contextos situacionais. E estão do estudo. O primeiro, assimilações consistentes,
subjacentes, pelo menos à distância de 20 anos, as por parte dos universitários, do conceito de inteli-
conotações hoje designadas de teorias implícitas e gência a inteligência acadêmica, e do mesmo à inte-
explícitas da inteligência humana. ligência do dia a dia por parte do outro grupo, gene-
ricamente os "leigos". Por outras palavras, uma va-
Das Teorias Implícitas da Inteligência Humana lorização diferencial das qualidades ligadas a pros-
secução de estudos e das ligadas à vida na comuni-
A designação refere-se a concepções gerado- dade. O segundo, os padrões dominantes dos dois
ras de apreciações e juízos globais sobre as pessoas, grupos (universitários e leigos) postos em evidência
e que influenciam práticas e decisões. As teorias pela análise fatorial: no grupo leigo, três fatores, fa-
explícitas formuladas pelos especialistas são cons- tor 1 aptidão para resolver problemas práticos, fator
truções baseadas ou testadas em dados da observa- 2 aptidão verbal,, fator 3 competência social, expli-
ção do funcionamento intelectual em situações cam 46% da variância dos resultados; no grupo não
leigo, de novo três fatores explicam 51 % da variância,
estandardizadas, na evidência empírica, portanto. As
inteligência verbal, resolução de problemas e inteli-
implícitas, são construções informais, sistemas de
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gência prática. No grupo leigo; o fator 1 (aptidão missora para a investigação e para a prática clínica
para resolver problemas práticos) explica dois ter- (Matarazzo, 19,92; Vernon et ai, 2000).
ços da variância total; no grupo não leigo, os fatores Na área da neurobiologia, os trabalhos do ci-
inteligência verbal e resolução de problemas, mais entista português Antônio Damásio na Universidade
de 80%. Por outras palavras, um entendimento di- de Iowa constituem uma referência incontornável do
ferencial de facetas críticas da inteligência, ao servi- final do último milênio. O conceito básico da obra
ço da adaptação. mundialmente famosa (Damásio, 1994) é relativa-
mente simples: na terminologia cartesiana, não há
Dos Paradigmas e Metáforas res cogitans sem res extensa = não há cogito sem
corpo = não há pensamento sem o substrato
As teorias explícitas da inteligência humana neurobiológico.
enquadram-se em quatro grandes paradigmas, os O paradigma diferencial radica na evidência
quais cobrem praticamente os grandes modelos e téc- das diferenças individuais. Os construtos psicoló-
nicas até meados dos anos 80: são eles o biológico, o gicos subsumem as diferenças observadas em dimen-
diferencial, o construtivista e o informacional sões. No limite, as dimensões descrevem todos os
(Miranda, 1986, 2000, prelo). indivíduos e, por conseqüência, explicam a
O paradigma biológico tem as suas raízes no idiossincrasia. A teoria, a lei, passa pelas diferen-
século de ouro da Grécia Antiga: Hipocrates (460- ças.
377, a.c), por exemplo, referiu-se à cabeça, ao cére- O paradigma diferencial é eminentemente
bro, como sede do pensamento. Já no século das lu- avaliativo: a avaliação é o ponto de partida (averi-
zes, a teoria frenológica de Franz Joseph Gall (1758- guação da variabilidade do desempenho), a avalia-
1828) teve mais impacto na crença popular do que ção é o ponto de chegada (indicadores de competên-
na ciência, mesmo a do seu tempo que a rejeitou: a cia (s) e partilha da informação favorecedora do auto-
configuração do crânio reproduziria a estrutura do conhecimento). Os dois grandes motores dos desen-
cérebro onde se localizariam as diferentes funções volvimentos teóricos e práticos foram e são a evolu-
cognitivas; as protuberâncias cranianas constituiri- ção dos métodos de observação e a evolução dos
am, assim, indicadores do desenvolvimento de "fa- métodos de análise de dados. Destes, a análise
culdades mentais". fatorial (redução da multiplicidade das observações
A teoria neuropsicológica de D. Hebb distin- a um pequeno número de fatores explicativos) ocu-
gue a Inteligência A e a Inteligência B: a primeira, pa um lugar proeminente na teoria psicológica (mo-
significa o potencial inato, isto é, a capacidade do delos e técnicas), como na teoria dos testes (valida-
sistema nervoso central que inclui a do seu próprio ção das medidas). Mais recentemente, os modelos
desenvolvimento, não observável nem mensurável; estruturais abrem novas vias à exploração dos dados
a segunda, observável e mensurável, é o resultado e, conseqüentemente, a modelização.
da interação da Inteligência A com o meio, isto é, o O paradigma construtivista é indissociável de
fenótipo (Hebb, 1949). Na teoria de Cattell (1987), J. Piaget, "zoólogo por formação, epistemólogo por
a inteligência fluida (gf) é biologicamente organiza- vocação, e logicista por método" (Miranda, 1986, p.
da, constitucional portanto, e significa o funciona- 36). Inteligência é adaptação: no plano mental se
mento intelectual biologicamente determinado. prolonga e conclui o conjunto de processos
Os estudos da atividade cerebral têm exami- adaptativos, cujo ponto de partida são as trocas en-
nado a relação entre a estrutura e o funcionamento tre o organismo e o meio que caracterizam a adapta-
do cérebro e o processamento da informação: velo- ção biológica. Adaptação é assimilação (o sujeito
cidade da condução neuronal, potenciais evocados, age sobre o meio, no sentido de apreensão e incor-
metabolismo da glucose, especialização hemisférica. poração das instâncias do meio) e acomodação (o
Algumas consistências com o desempenho em tes- meio age sobre o sujeito, no sentido de modificação
tes de inteligência têm sido apontadas (Eysenck, das estruturas existentes). Assimilação e acomoda-
1982), e a via é por muitos autores considerada pro- ção são comuns ao orgânico, a ação, e ao pensamen-
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to - invariantes, portanto, da vida, e a lei funcional A metáfora sistêmica poderá ser entendida como um
da inteligência. O desenvolvimento humano é uma empreendimento transversal, a relação da inteligên-
sucessão de grandes construções. No construtivismo cia com os mundos externo e interno do indivíduo.
psicogenético, o desenvolvimento é uma marcha para Caracteriza a metáfora geográfica o mapa
o equilíbrio, e cada construção integra e reorganiza, mental emergente das diferenças individuais,
num plano superior, as que a antecedem. designadamente os modelos fatoriais. A unidade base
O paradigma informacional centra-se nos me- é o fator. Exemplos relevantes, as teorizações de
canismos da cognição, isto é, os "programas" do Spearman, Thurstone, Guilford, Cattell, Vernon,
processamento da informação. No estudo das repre- Carroll. Sternberg aponta como pontos fortes a
sentações e dos processos entram os correlatos, os especificação de estruturas que descrevem (e expli-
componentes e os conteúdos cognitivos e o treino cam) o funcionamento cognitivo, a operacionalização
cognitivo, nos aspectos da consistência, da variabi- dos construtos, a tecnologia disponível de recolha e
lidade e da mudança. A teoria componencial da in- de tratamento de dados. Como pontos fracos, a in-
teligência humana (Sternberg, 1977) articula, com suficiente consideração dos processos intervenientes,
base no raciocínio analógico, os processos e as es- a dependência estrita das diferenças individuais, os
tratégias com as aptidões. riscos da análise fatorial exploratória, incluindo o
A metodologia da avaliação privilegia as ta- da alguma indeterminação na escolha das modalida-
refas e processamento dos estímulos, em laborató- des de rotação dos eixos, e a limitada generalização
rio, e recorrendo a tecnologia altamente sofisticada. para as atividades do dia a dia.
Os modelos decorrentes são, freqüentemente, ou A metáfora informacional centra-se nas roti-
demasiado circunscrito ou demasiado gerais, e não nas do processamento da informação que o pensa-
têm em conta a variabilidade, individual como mento utiliza. A unidade base é o componente. Os
situacional. O paradigma informacional introduz estudos cognitivistas de Hunt e os seus próprios so-
definitivamente, na investigação em psicologia da bre o raciocínio analógico (Sternberg, 1977) enqua-
inteligência humana, por um lado a acentuação dos dram-se aqui. As vantagens, a especificação dos pro-
processos básicos da representação/ retenção/ cessos e estratégias mentais, a análise do desempe-
processamento da informação e, por outro, a impor- nho em tempo real, a simulação por computador. As
tância de processos mais gerais, de natureza limitações, a insuficiente consideração das estrutu-
integradora (genericamente, a metacognição). ras mentais enquanto fontes de diferenças individu-
Os paradigmas (Kuhn, 1983) supõem metáfo- ais, a questionável analogia computacional e, uma
ras, para cujas questões a investigação científica vez mais, a limitada generalização para as ativida-
procura as respostas. Na psicologia da inteligência des do dia a dia.
humana R. Sternberg encontra sete metáforas, que A metáfora biológica funda-se na anatomia e
descreve em termos de duas categorias de "pergun- fisiologia do cérebro e do sistema nervoso central da
tas motivantes", a inicial e a derivada. A pergunta ótica da ligação com o desempenho de tarefas
inicial, ou "pressuposta" como a refere o autor, cognitivas. A unidade base varia conforme as pistas
centra-se na relação entre inteligência e os mundos de pesquisa — potenciais evocados, velocidade e
interior e exterior das pessoas; a derivada, na forma eficácia da transmissão neuronal, especificidade fun-
primitiva de resposta (Sternberg, 1990,2000). Nou- cional — e, mais recentemente, em função dos
tros termos, as teorias implícitas e as hipóteses dados fornecidos pelas novas tecnologias
condutoras da investigação. tomográficas e de scanning. Os pontos fortes são as
As metáforas geográfica, informacional, bio- associações mais ou menos consistentes das ativida-
lógica e epistemológica (ou genético-epistemológica) des cognitiva e neurobiológica, o rigor das técnicas
tratam a pergunta pressuposta qual a relação entre a experimentais, e a eventual abertura a avaliação re-
inteligência e o mundo interno do indivíduo?'; as lativamente independente da aculturação. As limi-
metáforas antropológica e sociológica, 'que relação tações, a pelo menos ainda reduzida aplicabilidade
entre a inteligência e o mundo externo do indivíduo?'. prática, a negligência dos contextos em que se reali-
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za o comportamento inteligente, e atribuição causai almente neutro nos seus pressupostos como nas suas
insuficientemente suportada pela evidência experi- implicações.)
mental. A metáfora sistêmica incorpora uma noção de
A metáfora genético-epistemológica gera a inteligência polimórfica e polifacetada, o que suben-
procura às estruturas em que se organizam o conhe- tende diferentes níveis de observação e de análise.
cimento e os processos mentais. A unidade base é o A unidade base é o sistema, o conceito nuclear o de
'esquema'. A metodologia da observação privilegia interação. Interação de subsistemas, interação com
a experimentação em estudo de casos. O o meio caracterizado pelos contextos do vivido.
construtivismo psicogenético oferece uma teoria Modelos ilustrativos, os de Gardner (1999) e
compreensiva da inteligência e do desenvolvimento Sternberg (1985, 1996). Estes modelos são
cognitivo e integra a descrição de estruturas e pro- plurimetafóricos, integram diferentes níveis de aná-
cessos a partir de uma enorme extensão e variedade lise, e incluem aptidões amplas. As dificuldades
de dados obtidos da infância à adolescência. Para colocam-se ao nível da complexidade teórica e da
Sternberg (2000), as limitações intrínsecas decorrem operacionalização da teoria.
da ênfase numa margem etária relativamente estrei- As metáforas valem o que valem, e a sua utili-
ta e da concentração na lógica do pensamento em dade reside no enquadramento que fornecem, no
detrimento de outros aspectos do comportamento conjunto como isoladamente, aos propósitos do in-
inteligente. vestigador.
Como referido antes, nas metáforas antropo-
lógica e sociológica o acento é deslocado para o Da Auto-Organização e Auto-Governo Mental
mundo externo ao indivíduo. A metáfora antropoló-
gica é bem ilustrada nos estudos interculturais (o que A variedade das teorias da inteligência huma-
de modo nenhum significa negligência da na evidenciará complementaridade, no sentido de,
interculturalidade ou transculturalidade noutras abor- em larga medida, decorrer da focalização de deter-
dagens). A questão central é o contorno cultural da minados aspectos da inteligência, e designadamente
inteligência, que emerge da organização manifesta relevantes do ponto de vista educacional. A "organi-
do pensamento inteligente (tarefas de categorização, zação" do funcionamento cognitivo é perspectivada
por exemplo). Além do seu valor intrínseco, transversalmente, tanto no que se refere aos indiví-
designadamente a chamada de atenção para os duos como às situações. Mas a inteligência pode
determinantes culturais e suas implicações, até no ser entendida como uma qualidade exercida no dia a
que se refere aos próprios conceitos / construto de dia (na escola, no trabalho, nas relações interpessoais,
inteligência, estes estudos reforçaram a importância na tomada de decisão), uma auto-organização men-
dos indícios bem estabelecidos da necessidade de tal através da qual os acontecimentos, externos como
apreciação do pensamento inteligente referenciado internos, ganham ordenação e significado para o
a contextos em que exerce e/ou manifesta. Se a me- indivíduo. As teorias e as medidas tradicionais co-
táfora antropológica trata da aculturação em sentido brem uma parte dessa organização. A articulação
lado, a sociológica trata-a também, embora em sen- dos diferentes aspectos insere-se numa abordagem
tido mais estrito, colocando o acento na sistêmica, integradora e compreensiva que, sem pre-
internalização seletiva de interações sociais ou nas tender substituir-se às formalizações visa, antes,
aquisições mediadoras, aliás, igualmente seletivas subsumi-las (Sternberg, 1988b).
porque orientadas. No processo de socialização,
portanto, num determinado nicho cultural. Limita- O modelo triárquico
ções têm sido apontadas quanto a alguma impreci- A expressão 'teoria triárquica da inteligência
são de conceitos envolvidos e a algumas ambigüida- humana' (Sternberg, 1985,1988b) constitui o subtí-
des interpretativas. (Por outro lado, em ambos os tulo da obra em que é apresentada pela primeira vez,
casos pode questionar-se, pelo menos, se o princípio Beyond IQ. Julgo difícil dissociar a escolha do ad-
do relativismo cultural implícito é cientifica e soci- vérbio da postura assumida por L.J. Cronbach, no
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termo de um longo intervalo de 18 anos, relativa- novidade traduz-se na eficácia das respostas, em parte
mente às 'disciplinas' da psicologia científica: de que resultante de alguma automatização adquirida de
um rationale teórico compreensivo, e extensivo abre processos de resolução de problemas.
caminho à superação de antinomias e à convergên- As inter-relações das três sub-teorias, do pon-
cia de metodologias. O QI, por seu turno, não cons- to de vista teórico como da operacionalização, co-
tituirá a formulação mais feliz para designar a pers- brem simultaneamente, segundo o autor, os funda-
pectiva "convencional" ou "tradicional" da avalia- mentos e as manifestações do pensamento inteligen-
ção da inteligência, consubstanciada designadamente te. Os componentes atuam em diferentes níveis de
nas medidas diferenciais; será, no entanto, marcador, atividade e em contextos desigualmente significati-
enquanto sigla-resumo. vos para o indivíduo; e a sua Valencia adaptativa,
A teoria triárquica articula três sub-teorias bem como a da eficácia dos automatismos de
expressamente referenciadas ao mundo interno (tra- processamento da informação e da facilidade de li-
tamento da informação), ao mundo externo (interação dar com situações novas, têm caráter universal. O
com o meio), e ao protagonismo da inteligência na que não significa que regulações idênticas do pensa-
adaptação a ambos (as experiências individuais me- mento e da ação sejam universalmente adaptativas.
diadoras). Recupera, agora como sub-teoria, a teo- O meio tipifica o comportamento inteligente; mas as
ria componencial (Sternberg, 1977) e introduz as sub- escolhas possíveis são desigualmente acessíveis e
teorias contextual e experiencial. limitadas pela compatibilização das alternativas com
A sub-teoria componencial trata os mecanis- as aptidões, as motivações, os valores e os afetos do
mos do comportamento inteligente, mecanismos en- indivíduo (Sternberg, 1985, 1988b, 1990).
tendidos como 'componentes', funcionalmente di- A inteligência integra dinamicamente os me-
ferenciados numa estrutura hierárquica definida pelo canismos da cognição, as boas práticas do vivido e
nível de generalidade: os metacomponentes, os com- a contratualização com o meio, no sentido de auto-
ponentes de execução, os componentes de aquisição. organização ao mesmo tempo satisfatória e eficaz.
Os metacomponentes são processos executivos de A auto-organização serve o sucesso adaptativo no
ordem superior, que regem o planejamento, a plano interno, serve o êxito no plano externo. Su-
monitorização e a avaliação da atividade cognitiva. cesso e/ou êxito enquanto vivência singular,
Os componentes de execução constituem-se em es- idiossincrática, segundo os padrões pessoais coinci-
tratégias reguladoras do funcionamento cognitivo. dentes ou não com os estereótipos sociais. Adapta-
Os componentes de aquisição organizam o conheci- ção e ação são indistintamente o verso e o reverso de
mento (formal, como informal ou tácito) através da uma mesma moeda: a elaboração cognitiva, por na-
filtragem (por codificação, combinação e compara- tureza estruturante, assegura a transformação do
ção seletivas) da informação nova. dado em adquirido, e as aquisições são estruturas
A sub-teoria contextual postula os objetivos complexas, relativamente estáveis e disponibilizáveis
comportamentais do pensamento inteligente: a adap- em contexto. A 'moeda' será a inteligência.
tação ao meio; a modelação do meio em função de A noção de successful intelligence (Sternberg,
necessidades e expectativas; a seleção do meio como 1996) ou inteligência funcional (Miranda, 2000).
recurso adaptativo. No centro está, portanto, a adap- elucida do formato da auto-organização mental. Pen-
tação. Ao meio físico e social envolvente à escala sar bem, funcionalmente, implica uma gestão equili-
macro, como à escala micro — situacional, o meio brada dos aspectos analítico, criativo e prático da
imediato. inteligência, em função dos contextos do mundo real
A sub-teoria experiencial focaliza pontos crí- e das metas e dos objetivos que o indivíduo se pro-
ticos da atividade cognitiva, designadamente a dis- põe alcançar. A inteligência analítica direciona os
ponibilidade dos mecanismos de processamento da processos mentais para a resolução de problemas e a
informação e a relativa maleabilidade do repertório tomada de decisões. A inteligência criativa gera as
comportamental no confronto com o inesperado. A idéias e os problemas. A inteligência prática regula
capitalização da experiência anterior na adaptação à a ação no quotidiano.
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Os grandes aspectos da inteligência constitu- petências e áreas de influência, pode ser categorizado
em as "chaves" do sucesso e do êxito: chave n° 1, em Funções, Níveis, Tendências, Formas, e Âmbi-
descoberta de boas soluções, chave n° 2, descoberta tos. Legislar / executar / avaliar, correspondem às
de bons problemas, chave n° 3, produção e Funções legislativa, executiva e judicial. A admi-
implementação das soluções (Miranda, 2000, prelo, nistração central / regional, aos Níveis global e lo-
Sternberg, 1996). cal. Os grandes princípios orientadores, às Tendên-
A operacionalização, funcional, do modelo cias liberal e conservadora. As estratégias de ação,
triárquico começou a ser ensaiada há quase uma dé- às Formas hierárquica / monárquica / oligárquica /
cada, visando a construção de uma bateria com ní- anárquica. A soberania nacional e a concertação in-
veis diferenciados para desde a infância à idade adulta ternacional, aos Âmbitos interno e externo.
(Sternberg, 1993). O rationale inclui as sub-estru- Os indivíduos e as sociedades são sistemas
turas componencial, contextual e experiencial do auto-organizados. A competência adaptativa reflete
pensamento aplicado à resolução analítica / criativa a qualidade da auto-organização, das aptidões como
/ prática de problemas. O material (a amostra de dos motivos, interesses e afetos. As aptidões refle-
situações e de funções) é apresentado em formato tem-se no NÍVEL adaptativo. Os motivos, interesses
verbal, quantitativo e figurativo. e afetos, no ESTILO adaptativo. Auto-organização
É ainda dentro do quadro do modelo triárquico mental inclui, por definição, auto-governação.
que Sternberg se dá conta da sobrevalorização do No plano individual como no plano social, a
lado cognitivo da auto-organização mental função legislativa liga-se à criação / formulação /
(Sternberg, 1988b), no sentido da ênfase na trans- planejamento de objetivos; a função executiva à sua
formação da informação em conhecimento explícito implementação; a função judicial à monitoragem e
ou tácito, transformação mediada pela disponibili- avaliação desta; o nível global tem a ver com grau
dade e progressiva evocabilidade das estratégias elevado de abstração e com o processamento de um
operativas. O lado não cognitivo, os processos todo em conjunto; o nível local com o pormenor de
conativos de controle e orientação das condutas concepção e realização; a tendência liberal maximiza
(Reuchlin, 2001), faz parte dessa auto-organização, a flexibilidade de regras e procedimentos, a conser-
e constitui-se numa modalidade particular do con- vadora privilegia normas e práticas estipuladas. Tam-
fronto adaptativo, que a designação genérica de "es- bém no plano individual, como no social, e no que
tilos intelectuais" resume. A interface cognitivo / respeita as estratégias de ação, a forma hierárquica
conativo é teoricamente incontornável, detentor de pondera e ordena objetivos, a forma monárquica fo-
valor heurístico e hermenêutico significativos. caliza-os isoladamente, a forma oligárquica consi-
dera-os no conjunto, a forma anárquica aleatoriza-
O modelo do auto-governo mental os; no que respeita os teatros de ação, o âmbito in-
No já citado Simpósio dos anos 80 sobre a terno supõe delimitação, o externo interação. No
inteligência e sua medida, R. Sternberg intitula o seu plano social, como no plano psicológico, as funções
artigo de "A inteligência é auto-governo mental" são exercidas em contextos mais ou menos largos
(Sternberg, 1986). No comportamento inteligente, (níveis), com maior ou menor flexibilidade (tendên-
manifestam-se os processos, as estruturas e as repre- cias), com uma estruturação variável (formas), e em
sentações mentais reguladoras do pensamento e da situações mais ou menos amplas (âmbitos); embora
ação adaptativos nas várias instâncias das condições qualquer função seja teoricamente compatível com
habituais de vida. As sociedades humanas dispõem qualquer nível, tendência, forma ou âmbito de atua-
também elas de uma organização que, nos regimes ção, alguns agrupamentos são mais freqüentes e,
democráticos, regulam as várias instâncias dâ vida eventualmente, mais eficazes.
coletiva para o bem comum. A governação das soci- As variedades das cinco dimensões constitu-
edades é o ponto de partida do modelo analógico do em os 13 estilos de pensamento: Legislativo, Execu-
auto-governo mental. tivo e Judicial; Global e Local; Liberal e Conserva-
O exercício da governação, em termos de com- dor; Hierárquico, Monárquico, Oligárquico e Anár-
A Inteligência Humana 27
quico; Interno e Externo. No modelo da inteligên- Considerações Finais
cia como auto-governo mental, a idiossincrasia é des-
crita em termos dos estilos: os indivíduos evidenciam A problemática da inteligência humana cruza
preferências no confronto com o real, e recorrem em toda a história do pensamento ocidental. A questão
contexto a combinações estilísticas. Os estilos da inteligibilidade é primacial na história das idéias,
interagem com as aptidões, e são interdependentes. como terá sido primacial na sobrevivência da espé-
Diferenças individuais ocorrem quanto ao estilo do- cie.
minante, e quanto às combinações. A socialização A psicologia científica autonomizou-se pelo
maximiza a flexibilidade das relações do indivíduo seu objeto - a consciência, e pela súa metodologia
consigo mesmo, com os outros e com as coisas. de análise experimental - o impacto nela provocado
(Miranda, 1994,1999; Sternberg, 1986,1988a, 1988b). pela manipulação de estímulos do meio. Por analo-
O Inventário de Estilos de Pensamento — IEP gia com as leis das ciências físicas, as leis do com-
(Miranda, 1994, 1996-2000, 1999; Sternberg & portamento do organismo humano, convenientemen-
Wagner, 1991) operacionaliza o modelo. Trata-se de te equipado para interagir significativamente com o
um inventário de auto-descrição, para adolescentes e meio, seriam universais. A mesma analogia ditava a
adultos. É constituído por 13 escalas, os 13 estilos de orientação no sentido do elementarismo, da redução
pensamento, de 8 itens cada. A resposta é numa esca- dos fenômenos observáveis às unidades de análise
la tipo Likert de sete pontos: o indivíduo situa-se rela- tão simples quanto possível.
tivamente a cada afirmação em termos de como ela se A perspectiva molecular cedo se revelou
aplica a si. O resultado bruto de cada escala é o quo- inoperante para dar conta das modalidades de
ciente do somatório dos pontos pelo número de itens. interação indivíduo / meio. O indivíduo é um sujei-
O resultado derivado, um percentil. O protocolo indi- to, um sujeito ativo e responsivo. E um sujeito de
vidual traduz um perfil estilístico geral. pensamentos e de afetos.
A adaptação portuguesa do IEP foi aplicada a Os princípios e os métodos da psicologia ge-
amostras portuguesas do terceiro ciclo do Ensino Bá- ral por um lado, e da psicologia diferencial por ou-
sico (7°-9° anos de escolaridade), do Ensino Secundá- tro, enquadraram os desenvolvimentos teóricos e
rio (10°-12° anos de escolaridade), de universitários, práticos da pesquisa ao longo de mais de um século.
e de adultos em geral. A análise dos resultados, por Determinaram opções mais freqüentemente estan-
amostra, incluiu estudos diferenciais, metrológicos e ques do que confluentes.
normativos. Ao longo de todo esse período, a evolução das
O primeiro aspecto sobressalente é o da técnicas estatísticas de tratamento de dados foram
interculturalidade do modelo: a comparação de resul- determinantes: a análise fatorial como primeiro en-
tados das amostras americanas e portuguesas pôs em saio de modelização estrutural, a análise de variância
evidência semelhanças esperadas. Um segundo as- como primeiro ensaio de modelização de interações,
pecto, a sua natureza desenvolvimentista: efetivamen- e posteriores desenvolvimentos e aproximações, abri-
te, e em ambas as amostras culturais, as distribuições ram caminho aos modelos multivariados e aos mo-
de resultados dos grupos definidos por variáveis in- delos integrados. A psicometria (Dickès, 2001) li-
dependentes invocadas são distintas, não obstante gou definitivamente a psicologia geral e a psicolo-
configuração gaussiana da distribuição dos resultados gia diferencial.
de cada escala. Não menos determinantes foram os caminhos
Um terceiro aspecto a salientar, transversal nas abertos pelos estudos de sujeito único, de formato
quatro amostras, respeita a operacionalização: por um clínico como laboratorial. Do ponto de vista
lado, a precisão dos resultados das escalas é elevada e epistemológico, do ponto de vista metodológico, do
significativa em níveis exigentes de probabilidade; por ponto de vista da articulação da evidência obtida em
outro, a evidência relativa à estrutura interna do ins- domínios diferenciados.
trumento (matrizes de intercorrelações e matrizes As perspectivas interdisciplinar e pluri-
fatoriais) é consistente com o modelo teórico. metodológica afiguram-se constituir o contorno de
28 Maria José Miranda
todos os possíveis da pesquisa psicológica. No cen- Hebb, D.O. (1949). The organization of behavior.
tro está o sujeito, o sujeito gnoseológico e axiológico, A neuropsychological theory. New York: Wiley.
a pessoa:© eu que conhece e sente, que se reconhece Kuhn, T.S. (1983). La structure des revolutions
o protagonista desse conhecer e desse sentir scientifiques. Paris: Flammarion.
(Damásio, 1999), se constrói pela alteridade, que cria, Mattarazzo, J.D. (1-992). Psychological testing and
inventa e transmite, e que interioriza valores. Na his- assessment in the XXIst century. American
tória da psicologia da inteligência humana, a adap- Psychologist, 47(8), 1007-1018.
tação foi ganhando sentido psicológico e lugar cen- Miranda, M.J. (1986). Perspectivas da investigação
tral na pesquisa, mesmo quando não diretamente re- e avaliação da inteligência. Revista Portuguesa
ferida. de Psicologia, 23, 27-54.
Na natureza, toda a adaptação é compatibili- Miranda, M.J. (1994). Estudo do Inventário de Esti-
dade vital. A racionalidade, porém, impõe ao ser los de Pensamento com estudantes universitári-
humano a inteligibilidade, condição dessa forma su- os; dados metrológicos, Psychologica,12, 131-
perior de adaptação, a coincidência vivida. 141.
Cabe à ciência esclarecer como cada um é Miranda, M. J. (1996-2000). Manual do Inventário
como todos os outros, mais como alguns outros, mas de Estilos de Pensamento. I - Estudantes uni-
como nenhum outro. E descrever os mecanismos da versitários, II - Ensino Básico, III - Ensino Se-
apropriação, que inclui postular as condições favo- cundário. Lisboa: Centro de Psicometria e Psi-
ráveis da sua disponibilização e transferência. E for- cologia da Educação.
necer as ferramentas da auto-ajuda e da entre-ajuda, Mranda, M.J. (1999). L'intelligence comme auto-
e das suas conseqüências últimas, o diálogo com a gouvernement mental: du modele à la mesure des
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