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710 RESENHAS BOOK REVIEWS

DEPENDÊNCIA QUÍMICA: PROBLEMA BIOLÓGI- sobre a origem do problema das drogas em relação ao
CO, PSICOLÓGICO OU SOCIAL? Mota LA. São homem. Trata-se de um livro que “fala as questões das
Paulo: Paulus; 2007. 84 pp. (Coleção Questões drogas e não a questão das drogas”. Nesse sentido, esti-
Fundamentais da Saúde, 12). mula a reflexão para a causa (etiologia) do uso de subs-
ISBN: 978-85-349-27 tâncias psicoativas tanto para os profissionais da área
da saúde, educação, segurança, ciências sociais quanto
O consumo de substâncias psicoativas é uma carac- para o mundo acadêmico e outros que se interessem
terística comum a populações da maioria dos países, por esta temática.
inclusive a do Brasil, sendo o tabaco e o álcool as mais Mota critica em seu livro o reducionismo de muitas
utilizadas. Muitas variáveis (ambientais, biológicas, teorias que tentam ditar suas “verdades” sobre a etiolo-
psicológicas e sociais) atuam simultaneamente para in- gia da relação entre o uso de drogas e o homem. Escre-
fluenciar a tendência de qualquer pessoa vir a usar dro- ve o autor, “entre os saberes psicológicos não existe uma
gas e isto se deve à interação entre o agente (a droga),o teoria geral das dependências” (p. 29). É preocupação
sujeito (o indivíduo e a sociedade) e o meio (os contex- constante a questão da “eugenia ou da higienização
tos sócio-econômico e cultural). social” que utilizaria as drogas para desencadear uma
Existe no mundo extensa produção bibliográfica nova corrida às tendências de produzir um cenário
sobre questões relacionadas às drogas (psicológicas, à seleção artificial dos indivíduos mais aptos. O autor
sociais, educacionais, políticas, sanitárias, econômicas aponta que o uso de drogas vem como uma panacéia,
e religiosas), popularmente conhecidas como drogas ou seja, o remédio para todos os males. A proposta do
lícitas e ilícitas. A partir do século XX, essas publica- livro é justamente uma investigação sobre a etiologia
ções se intensificaram. Várias foram as razões para is- das drogas. O autor elege a dimensão do modelo biop-
so. O avanço científico e tecnológico, o conhecimento sicossocial o mais apropriado para esse fim, e argu-
armazenado, a gama de tratamentos existentes, o en- menta que é necessário um tratamento interdisciplinar
volvimento de muitas áreas do conhecimento com es- para a investigação desse fenômeno que é ao mesmo
sa temática, a alta prevalência de pessoas envolvidas tempo biológico, psicológico e social, como lócus para
(portadores de dependência, narcotraficantes, crian- compreender “as questões das drogas versus o homem”.
ças, adolescentes, adultos ou idosos). As reflexões so- Para poder tecer seus argumentos, Mota divide sua
bre essas questões ocupam grande parte da atenção obra, além da introdução e conclusão, em cinco capítu-
dos estudiosos. Embora esses estudos representem los. O primeiro define o que é droga e traça uma breve
boa bagagem na produção de conhecimento, ainda se revisão do termo. O segundo versa sobre a biologia das
fazem necessárias mais pesquisas para a melhor com- drogas da eugenia às neurociências, traz à tona as con-
preensão da complicada relação entre as drogas e o ho- cepções teóricas sobre a etiologia de causa e as ciências
mem. Ainda que tenhamos uma significativa produção biológicas, passando por Comte, Darwin, Lombroso e
intelectual sobre substâncias psicoativas, somos um pelas teorias genéticas. O terceiro descreve a questão
tanto acanhados na compreensão deste fenômeno, que do uso de substâncias psicoativas e a psicologia: entre
muito bem é articulado na obra de Leonardo de Araújo o prazer, o condicionamento e a angústia, de maneira
e Mota. a abordar os modelos psicanalítico e comportamental,
Parafraseando Conte 1, pergunta-se: qual o campo citando a influência da família, da personalidade e do
em que se situam as drogas? A resposta é muito varia- aprendizado social. Freud refere que o uso de drogas
da e heterogênea, tanto pelas disciplinas e ciências que estaria a cargo pela luta por felicidade e como amorte-
se ocupam da área das substâncias psicoativas em re- cedor de preocupações. Recentemente, os psicanalis-
lação ao uso de drogas, bem como pelos diferentes lu- tas referem que o uso de substâncias psicoativas seria
gares que a droga ocupa na vida física, psíquica, legal um sintoma da patologia social. Para a psicanálise as
e social do usuário e da comunidade. O uso de drogas forças psíquicas são iguais em todos, mas cada indi-
situa-se em uma encruzilhada temática. O fenômeno víduo elabora seu sofrimento de forma distinta, por-
diz respeito ao campo sociológico, médico, psicológico, tanto, a dependência de drogas seria apenas um dos
jurídico, etimológico, psicanalítico, educacional, fami- recursos dentre outros disponíveis. O quarto capítulo
liar e o religioso. Na pluralidade das interfaces desses oferece uma reflexão sobre a sociedade e o problema
campos é que o fenômeno da droga se situa. Sendo das drogas no contexto social contemporâneo. Centra-
assim, cada lócus desse campo questiona e toma pa- se nos fatores sociais de risco que favorecem o uso de
ra si esse fenômeno em nome de alguma verdade que substâncias psicoativas. Traz à baila Engels, Durkheim
postula, oferecendo as mais diversas soluções 2. É com e Merton para discorrer sobre a etiologia do uso de
essa perspectiva em vista que o autor desenvolve seu drogas. No último capítulo, o autor aborda questões
trabalho, “Dependência Química: Problema Biológico, centrais do modelo biopsicossocial da dependência e
Psicológico ou Social?”. coloca-o como uma síntese necessária para tal explica-
Mota é graduado em Ciências Sociais, professor ção. Descreve o fenômeno como complexo para se ater
universitário e doutorando em sociologia (Universi- aos reducionismos teóricos, pois cada teoria tende a se
dade Federal do Ceará); procura fomentar a discussão intitular detentora de repostas.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 24(3):710-713, mar, 2007


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A conclusão final é que paradoxalmente ao que PSIQUIATRIA INSTITUCIONAL: DO HOSPÍCIO


tem mostrado a história, a etiologia da dependência À REFORMA PSIQUIÁTRICA. Lougon M. Rio de
química é tarefa impossível de se realizar, e precisará Janeiro: Editora Fiocruz; 2006. 226 pp. (Coleção
ainda ocupar muitas mentes e esforços. Praticamente Loucura & Civilização).
nenhum cientista ou teoria chegou a uma conclusão ISBN: 85-75411-088-1
definitiva sobre essa questão, visto que as ciências são
intrinsecamente transitórias e que nenhuma instância Nas últimas décadas, o problema representado pe-
acadêmica isoladamente é capaz de fornecer uma te- los transtornos mentais tem ocupado cada vez mais a
oria ou resposta consistente sobre as causas do uso e agenda das políticas de saúde. Muitos países têm cons-
abuso de substâncias psicoativas. truído políticas de saúde mental comprometidas com
Embora os problemas do uso de drogas sejam con- o desenvolvimento de novas formas de cuidado, com a
siderados como uma (re)emergência na sociedade, não melhoria da qualidade de vida, garantia dos direitos de
se pode deixar de ressaltar a importância de se realizar cidadania e combate às formas de violência, exclusão
discussões com serenidade e comprometimento, não e estigma, de que são alvo as pessoas com transtornos
levando a construções anômalas, sem fundamentação mentais. Tais políticas têm se caracterizado pela redu-
alguma, não sendo possível pensar e abordar o tema ção significativa de leitos psiquiátricos e pela implan-
em sua complexidade com reducionismos e preconcei- tação de serviços baseados na comunidade.
tos, apenas no campo conceitual teórico, puramente No Brasil do final dos anos 1980, o processo de re-
homogêneo e desarticulado. democratização, as pressões dos movimentos sociais
Nesse sentido é imperativa e útil a visão de uma associadas à luta pelos direitos humanos levaram à
perspectiva de interdisciplinaridade ou a transdiscipli- construção da “Reforma Psiquiátrica”, que obteve su-
naridade, que permita conhecer o tema de forma mais cesso na consolidação de uma nova Política de Saúde
ampla, pois a conjugação de esforços e abrangência de Mental que tem como principais características: a re-
cada área possibilita por meio de pressupostos com- dução de leitos e o maior controle sobre os hospitais
partilhados uma visão sistêmica do fenômeno “drogas”. psiquiátricos; a criação de rede de serviços substituti-
Isso tudo desvela a dimensão deste entrecruzamen- vos; a aprovação de nova legislação em saúde mental
to epidemiológico que é o processo saúde-doença. O – a Lei no. 10.216, de 6 de abril de 2001 – e a criação de
problema das drogas supera as questões simplesmente dispositivos de apoio aos processos de desinstituciona-
médicas, alimentando novas questões e problemas a lização, além da introdução da saúde mental na pauta
ele relacionados, como por exemplo, a violência, a cor- de prioridades da educação permanente para o Siste-
rupção, a instabilidade política, o crime organizado, a ma Único de Saúde (SUS). Em nosso país, a expansão
lavagem de dinheiro, o favorecimento da propagação de leitos psiquiátricos atingiu seu ápice em 1985, com
de AIDS e hepatites, entre outras. O produto “droga” 123.355 leitos credenciados ao Instituto Nacional de
encontra-se entre as três atividades mais lucrativas do Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS),
mundo, superando o petróleo e o mercado das armas. que representavam 23,57% do total de leitos oferecidos
Além disso, forma uma rede direta e indireta com um no Brasil, ocupando o primeiro lugar em oferta por es-
dos maiores empregadores de pessoas na produção, no pecialidade. Atualmente, estima-se que o número de
consumo e na distribuição de substâncias psicoativas. leitos psiquiátricos, credenciados ao SUS, esteja em
Essa atividade agrega valor à sua existência, o que em torno de 38.842, ao lado da expansão progressiva da
muitas vezes explica a reduzida eficiência e eficácia de cobertura assistencial em saúde mental composta por
explicações, consolidando como poderosa economia “uma rede com 1.123 CAPS distribuídos em todo o país,
ilegal. 479 Serviços Residenciais Terapêuticos, 860 ambulató-
De forma geral, encontram-se nessa obra argu- rios de saúde mental, cerca de 60 Centros de Convivên-
mentos consistentes para fundamentar as questões cia e Cultura e 2.741 beneficiários do Programa de Volta
das drogas e talvez por isso se torne referência para os para Casa” 1.
interessados no estudo deste fenômeno. O paradoxo É nesse contexto que situamos o livro de Mauricio
da droga é que ele ao mesmo tempo traz alivio, alegria Lougon, ou mais precisamente no inicio desse proces-
diversão, poder, sedução, produz dor, sofrimento, desa- so, uma vez que o texto permite revisitar a história pio-
gregação, escraviza e mata. neira de transformação de uma instituição psiquiátrica
no Brasil. O livro contempla duas partes distintas: a
Ana Maria Bellani Migott primeira, produzida nos anos 1980, relata a experiência
Instituto de Ciências Biológicas, Universidade de Passo Fundo,
Passo Fundo, Brasil.
de transformação da Colônia Juliano Moreira. O autor
pierinas@bol.com.br integrou a equipe desse projeto e pôde documentar e
analisar o processo no período de 1982 a 1985. A se-
1. Conte M. Psicanálise e redução de danos: articu- gunda parte, elaborada duas décadas após a primeira,
lações possíveis. Revista da Associação Psicanalí- discute as conseqüências decorrentes do processo de
tica de Porto Alegre 2004; (25):23-33. desinstitucionalização com base em estudos sobre as
2. Le Poulichet S. Toxicomanias y psicoanalisis: las experiências norte-americana e européia. Como apên-
narcoses del deseo. Buenos Aires: Amorrortu Edi- dice são apresentadas 15 fotos do acervo pessoal do au-
tores; 1990. tor que ilustram aspectos do estudo empreendido.
Na primeira parte temos três capítulos. O primei-
ro caracteriza a Colônia Juliano Moreira que, na época,
mantinha cerca de 2.600 internos, na maioria idosos,
habitantes da instituição há mais de vinte anos. So-
mava-se a essa população 1.200 funcionários e 3 mil
moradores, resultado de anos de ocupação de terras
públicas. O texto descreve a instituição, suas funções

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 24(3):710-713, mar, 2007

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