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LIVRO 2_HISTORIA_INTEG_Tiago_2023.

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História Integrada
BRASIL: ADMINISTRAÇÃO COLONIAL 4
1. Formação étnica Apesar de apresentarem variações de uma comunidade
da população colonial para outra, possuíam um idioma de base comum, ao qual
os jesuítas deram o nome de língua geral quando a instru-
A população do Brasil Colônia foi formada por três mentalizaram para facilitar seu trabalho catequético.
troncos étnicos, os quais influenciaram em grau variável A propósito, o Padre José de Anchieta escreveu uma
a cultura e a sociedade coloniais: o indígena americano, o Gramática da Língua Tupi, bastante usada pelos
negro de origem africana e o branco de procedência missionários.
portuguesa.
 Jês ou Tapuias
Viviam no interior brasileiro, sobretudo no Planalto
O elemento indígena
Central. Mostravam certo atraso em relação aos índios do
Quando os portugueses chegaram ao Brasil, estima-se litoral no tocante a técnicas de artesanato e de cultivo. Os
que este fosse habitado por cerca de 5 milhões de amerín- jesuítas, mais habituados ao contato com os tupis-guaranis,
dios (ou, mais especificamente, brasilíndios), espalhados chamavam os tapuias de “povo de língua travada”, devido
pelo atual território nacional. Apesar de descenderem de à dificuldade de compreendê-los.
ancestrais comuns, provavelmente procedentes da Ásia,
compreendiam centenas de comunidades com idiomas Os outros dois grupos classificados por von den
próprios. Atualmente, essa população está reduzida a Steinen eram minoritários dentro da população indígena
aproximadamente 800.000 indivíduos*, grande parte dos brasileira, visto que a maior parte das áreas onde viviam
quais, desenraizados e vivendo precariamente, moram nas situava-se fora das atuais fronteiras nacionais. Os nuarua-
proximidades dos centros urbanos. Outros habitam as ques habitavam o norte da Amazônia, e os caribas ou
áreas de floresta e conservam suas tradições, ainda que caraíbas ocupavam apenas a extremidade setentrional do
possivelmente alteradas por influências externas. Existe Brasil, de onde se estendiam para a região do Caribe (de-
também, nas regiões mais remotas, um número impreciso nominação derivada de cariba).
de tribos “isoladas”, que praticamente não mantêm Não obstante a diversidade cultural entre os povos
contato com o mundo exterior. brasilíndios, seu modo de vida e suas técnicas não apre-
* Esses dados podem ser inexatos porque, pelos critérios utilizados nos recen- sentavam diferenças significativas. Assim, embora os
seamentos brasileiros, é o próprio entrevistado que declara sua qualificação tupi-guaranis fossem considerados mais adiantados que
étnica.
os tapuias, é possível descrever a vida dos indígenas
Embora haja divergências entre os antropólogos a brasileiros de uma forma geral, visto que as similitudes
respeito da classificação dos brasilíndios, prevalecem os eram mais numerosas que as distinções entre eles.
estudos do alemão Karl von den Steinen (1855-1929), que No plano tecnológico, os índios do Brasil encontra-
dividiu os indígenas do Brasil em quatro denominações vam-se no estágio do Paleolítico (Idade da Pedra Las-
principais. Dois desses grupos englobavam a grande cada), caracterizado pela economia de coleta (alimentação
maioria da população nativa brasileira, à época do Desco- proporcionada pela Natureza – caça, pesca, frutos e raízes)
brimento. Eram eles: e pelo nomadismo, mais frequente entre os tapuias.
Muitos grupos complementavam seu sustento com o
 Tupis-guaranis cultivo da mandioca e do milho, recorrendo à queimada
Habitavam a costa e as áreas próximas do litoral, (coivara) para preparar o plantio. Além da pedra lascada,
desde o Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte. utilizavam materiais como madeira, ossos e fibras

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vegetais. Também produziam mais primitivas, as ocas eram formadas apenas pela co-
utensílios feitos com palha ou com as bertura e pelos troncos que a sustentavam).
cascas de certos frutos. Algumas popu- * Existiam também ocas maiores, construídas para abrigar mais de uma família.
lações chegaram a desenvolver uma A religião dos brasilíndios era politeísta, estruturada
arte plumária de rara beleza. A de forma bastante simples e estreitamente ligada às for-
maioria das tribos tinha conheci- ças da Natureza. O Sol, a Lua e Tupã (entidade que co-
mentos de cerâmica, a qual chegou a mandava os raios e trovões) eram as divindades principais.
alcançar um notável nível artístico A mitologia indígena completava-se com numerosas
entre os habitantes da Ilha de Marajó. lendas, na maioria ligadas à origem do mundo, assim
Por ter características tribais, a como dos animais e das plantas. Existia ainda a crença em
organização social dos indígenas seres protetores da floresta, como o Curupira.
Exemplar da cerâmica brasileiros estabelecia fortes A guerra não se configurava como situação perma-
Marajoara, mostrando a laços entre os habitantes de cada nente, mas ocorria com frequência, geralmente envolven-
habilidade decorativa dos
índios que habitavam a Ilha
aldeia. Não havia distinções en- do disputas de território. Algumas tribos praticavam a
de Marajó, na embocadura tre os membros da tribo, exceto antropofagia costumeiramente; mas, na maioria dos casos,
do Rio Amazonas.
com relação ao cacique ou mo- essa prática tinha caráter ritual, aplicando-se a inimigos
rubixaba, que chefiava a comunidade, e o pajé, que exercia capturados.
as funções de feiticeiro, curandeiro e conhecedor das pro-
priedades medicinais existentes na Natureza. Os indígenas e a colonização
Os homens, que ocupavam uma posição superior na
O etnocentrismo* dos europeus, apoiados em sua
comunidade, dedicavam-se à guerra, à caça e protagoni-
superioridade técnica e na certeza de que seguiam a
zavam as festividades com cantos e danças. Às mulheres
religião verdadeira – o cristianismo –, levou-os a ver, nos
cabia cuidar dos filhos pequenos, trabalhar nas roças e
naturais da América, homens bestializados e inferiores,
preparar os alimentos. A poligamia era admitida.
destinados a serem escravizados, quando não destruídos,
As aldeias (tabas) agrupavam habitações rudimenta-
pelos brancos “civilizados”. Somente alguns humanistas,
res (ocas) cobertas com folhagens e dispostas em círculo,
como o francês Montaigne (1533-92), relativizaram essa
cada uma abrigando uma família*. A rusticidade dessas
comparação, resgatando a dimensão humana dos gentios
moradias estava relacionada com a maior ou menor pro-
(pagãos) “selvagens”. Alguns papas também se posicio-
pensão do grupo para o nomadismo (nas comunidades
naram em favor dos índios,
reconhecendo-os como possuidores
de alma e merecedores de viver em
liberdade. Em 1537, o pontífice Paulo
III condenou a escravização dos ame-
ríndios; foi acatado pelo governo da
Espanha, mas não pelos portugueses
estabelecidos no Brasil**.
* Tendência de certos povos a considerar sua
cultura superior às demais.
** Além de apresar os índios e escravizá-los por
iniciativa própria, os colonos luso-brasileiros
dispunham de um instrumento legal para alcançar
aquele objetivo: a “guerra justa”, isto é, a legítima
reação a uma agressão cometida pelos silvícolas.
Na maioria das vezes, tratava-se de mero pretexto
para capturar os índios.

Os contatos iniciais entre


brasilíndios e portugueses foram
amistosos, com os primeiros forne-
cendo mão de obra para a extração
do pau-brasil. Entretanto, quando a
Prática da antropofagia por indígenas brasileiros. Ilustração (colorida ulteriormente) extraída do livro publicado colonização lusa começou a se fazer
em 1557 pelo alemão Hans Staden, que viveu prisioneiro dos índios tupinambás por volta de 1550. realmente sentir, as relações se
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modificaram: os portugueses, necessitando de trabalha- Além de sua presença física na sociedade do Brasil
dores para seus empreendimentos agrícolas, apossaram- Colônia, os ameríndios tiveram influência marcante na
se da terra e passaram a escravizar os silvícolas, cultura do período: na culinária, no vocabulário, na topo-
suscitando sua reação. Mas a superioridade bélica dos nímia (denominação de lugares), no folclore e até em há-
brancos, combinada com a falta de união entre os nativos, bitos cotidianos como banhar-se diariamente ou repousar
levou a resistência indígena ao colapso. em redes. Hoje em dia, em decorrência da crescente preo-
Pode-se dizer que os naturais da terra, diante do cupação com a sustentabilidade, a preservação do meio
impacto da colonização, tiveram três destinos distintos: ambiente e o interesse pela Natureza, os saberes ancestrais
• Nos séculos XVI e XVII, muitos índios foram escra- dos nativos têm sido valorizados.
vizados ou simplesmente mortos pelos portugueses,
embora essa mortandade tenha sido menor que a praticada O elemento negro
pelos espanhóis em suas colônias. Nos séculos seguintes,
Embora existam populações negroides nativas no
a dizimação da população indígena diminuiu considera-
Sudeste Asiático, na Nova Guiné e na Austrália, consi-
velmente, mas continuou a ocorrer nas áreas de expansão
dera-se a África ao sul do Saara (especialmente a África
da agropecuária.
Oriental) como o berço desse tronco étnico; por isso, o
• Nos dois primeiros séculos da colonização, a falta de continente africano é também conhecido como Continen-
mulheres portuguesas que se dispusessem a vir para o Bra- te Negro*. No transcorrer da Idade Moderna, um grande
sil fez com que os colonizadores se relacionassem com as contingente de negros africanos foi deslocado à força para
índias, gerando mestiços (mamelucos) que viriam a as Américas e obrigado a trabalhar, na condição de escra-
constituir uma parcela significativa da população colonial. vos, em colônias de exploração implantadas pelas potên-
Por outro lado, durante o processo de interiorização da co- cias marítimas europeias. Calcula-se que, entre o século
lonização, um número expressivo de nativos engajou-se
XVI e a primeira metade do XIX, cerca de 10 milhões de
em ações militares (bandeiras e lutas pela ocupação do
africanos foram transportados através do Atlântico, vindo
interior nordestino) ou em atividades econômicas (pecuá-
a constituir uma parcela ponderável da população das
ria e extrativismo vegetal), desenvolvidas pelos lusos-bra-
Américas (na maioria das Antilhas, a proporção de negros
sileiros, vindo a inserir-se na sociedade colonial e se
chega a quase 100%). Note-se que sua presença foi menos
miscigenando com descendentes de europeus. Esses dois
processos de integração originaram tipos ainda hoje marcante nas maioria das possessões hispano-americanas,
comuns em certas regiões, como os sertanejos nordestinos onde prevaleceu a mão de obra indígena.
e os caipiras (ou caboclos) do Sudeste. * Os povos da África do Norte não fazem parte da África Negra, pois estão
relacionados, étnica e culturalmente, com os árabes e com os berberes (principal
• Houve ainda populações que, por habitarem regiões etnia saariana).

menos acessíveis ao avanço da


colonização, conseguiram sobreviver
intocadas, até os dias atuais.
Excetuando-se algumas medidas
implementadas pelo marquês de
Pombal no século XVIII, o Brasil não
teve uma política indigenista consis-
tente até 1910, quando foi criado o
Serviço de Proteção aos Índios
(atualmente Funai – Fundação Na-
cional do Índio). Todavia, esses
órgãos têm encontrado grande difi-
culdade para proteger as populações
nativas. Atualmente, a demarcação
das terras indígenas e o sistema de
quotas no ensino superior apontam
para uma possível melhora nas
condições de existência dos mais O mapa mostra as principais rotas do tráfico de escravos africanos controladas pelos portugueses. Havia
antigos habitantes do Brasil. outras, dominadas por ingleses e franceses, que ligavam a África às Antilhas e à América do Norte.

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Durante a Idade Média, a escravidão, tão relevante desiguais. Os escravos eram cambiados por produtos de
na Antiguidade, praticamente deixou de existir na custo baixo (aguardente, tabaco, tecidos de má qualidade
Europa, embora os Estados cristãos do Mediterrâneo e objetos de metal*), mas seriam vendidos nas colônias
mantivessem a prática de usar cativos muçulmanos como americanas por preços altamente compensadores – mesmo
remadores em suas galeras (barcos de guerra que, apesar perdendo-se na travessia, em média, 40% dos cativos
de disporem de velas, tinham nos remos seu principal transportados. Na verdade, o comércio de escravos afri-
meio de propulsão). Já no mundo islâmico, que incluía a canos tornou-se um dos negócios mais rentáveis do
África do Norte, a escravidão era institucionalizada, Sistema Colonial, em muito contribuindo para a acumula-
abrangendo indistintamente brancos e negros. Estes ção primitiva de capitais que então se processava na
últimos eram levados para a África Setentrional em Europa. Observe-se, a propósito, que numerosos comer-
caravanas que atravessavam o Saara, transportando ciantes de escravos residiam nas próprias colônias.
também ouro, marfim e pimenta-vermelha. * Eventualmente, os escravos podiam ser trocados por armas de fogo e munições,
Pouco depois de iniciarem a Expansão Marítimo-Co- pois convinha aos traficantes fortalecer os chefes africanos com quem comerciavam.
mercial, os lusitanos descobriram e ocuparam os arquipé- O tráfico negreiro provocou algumas mudanças nas
lagos atlânticos dos Açores, Madeira e Cabo Verde; ali populações africanas que o praticaram: além de criar novas
desenvolveram a produção açucareira, que já praticavam necessidades, relacionadas com os produtos utilizados no
no sul de Portugal. Para cultivar a cana e produzir o escambo, tornaram as guerras intertribais mais intensas e
açúcar, recorreram a escravos trazidos da África Conti- frequentes, com o objetivo precípuo de fazer prisioneiros
nental*. Esse foi o início do escravismo moderno, que se para serem negociados. Houve comunidades africanas que
tornaria a mola propulsora da economia de muitas se organizaram como Estados semibárbaros cristianizados
colônias, entre elas o Brasil**. superficialmente, que mantinham relações quase oficiais
* Escravos africanos foram também introduzidos no Algarve (sul de Portugal), com os governos europeus ligados à atividade escravista.
a fim de trabalhar nas lavouras de cana e engenhos de açúcar.
Um exemplo foi o Reino do Congo, que compreendia
** A escravidão negra foi justificada durante muito tempo pela interpretação territórios atualmente pertencentes a Angola e às duas
tendenciosa, não endossada pela Igreja, de um episódio bíblico: os negros
estavam destinados a ser escravos porque esta foi a maldição lançada por Noé Repúblicas do Congo. Desde 1509, os soberanos congole-
sobre a descendência de seu filho Cam, da qual eles faziam parte. ses converteram-se formalmente ao catolicismo e adotaram
A colonização da América impulsionou extraordi- nomes portugueses, fazendo do comércio de escravos sua
nariamente o comércio transatlântico de seres humanos. principal fonte de renda. Em 1857, com a economia arra-
Praticada a princípio apenas pelos portugueses, essa sada devido ao fim do tráfico e com seu território bastante
atividade passou depois a contar com intensa participação diminuído, o Reino do Congo tornou-se um protetorado
de franceses, holandeses e sobretudo ingleses, os quais português, subsistindo oficialmente até 1914.
chegaram a ser hegemônicos nesse setor da economia. O tráfico transatlântico de escravos inseriu a África
Entretanto, na segunda metade do século XVIII, com o no circuito do comércio europeu como área periférica,
advento da Revolução Industrial e a necessidade de atuando em dois campos: fornecimento de mão de obra
ampliar seus mercados consumidores, a Grã-Bretanha para as colônias americanas e geração de lucros que
tornou-se ferrenha opositora do tráfico negreiro e do contribuiriam diretamente para o enriquecimento dos
trabalho escravo, na expectativa de que este último fosse Estados que o praticavam. No Atlântico Sul, as relações
substituído por mão de obra assalariada capaz de consumir entre a África e o Brasil se processaram de forma direta,
produtos ingleses. No entanto, malgrado as pressões na maioria das vezes sem necessidade de se recorrer ao
britânicas, o Brasil manteve o tráfico até 1850. Na África comércio triangular. Esse relacionamento produziu um
Oriental e no Oceano Índico, controlados pelos árabes, o notável intercâmbio nos costumes, na linguagem e até na
comércio de escravos somente seria suprimido no final do alimentação das duas regiões.
século XIX, por exigência das potências industriais.
Os negros trazidos para as Américas eram quase Os negros no Brasil
sempre capturados por outras comunidades em guerras Quando os portugueses começaram a colonização do
tribais, sendo depois vendidos aos comerciantes brancos. Brasil, lançaram mão da escravização dos índios para suprir
As negociações eram realizadas em feitorias estabelecidas suas necessidades de mão de obra. Os primeiros escravos
pelos europeus no litoral atlântico da África e em africanos foram introduzidos na capitania de Pernambuco já
Moçambique. As transações eram feitas por meio do em 1534, mas o trabalho indígena continuou a ter destaque
escambo, isto é, da troca de mercadorias com valores na economia colonial até o começo do século XVII.
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Na época, alegava-se que o trabalhador africano era


muito mais produtivo que o silvícola brasileiro. De
acordo com esse ponto de vista, o ameríndio não se
adequava ao trabalho agrícola, fosse por rebeldia, fosse
por preguiça, debilidade física ou inaptidão natural; por
oposição, os africanos seriam mais submissos, mais
diligentes, mais robustos e mais adaptados à escravidão.
Esse raciocínio foi desmentido pelas constantes
demonstrações de resistência contra a condição de
escravos: suicídios, abortos, prática da capoeira como
forma de luta, assassinatos de senhores e de feitores*,
revoltas, fugas e formação de quilombos (refúgios de
escravos em locais de difícil acesso, nos quais os
fugitivos muitas vezes recriavam formas de organização
existentes na África). Há ainda que lembrar o banzo,
doença psicossomática causada pela saudade da terra
natal e que fazia numerosas vítimas entre os escravos
deslocados de sua região de origem.
* Feitores: empregados do fazendeiro – muitos deles mestiços livres ou escravos
alforriados (libertos) – incumbidos de controlar o trabalho dos cativos, a quem
geralmente tratavam com extrema brutalidade.

Conforme já foi estudado, os altos lucros proporcio- Padre Antônio Vieira (1608-97), um dos mais ilustres representantes da
Companhia de Jesus no Brasil. Orador e escritor de raro talento, seus sermões
nados pelo comércio de africanos induziram os portugue- e suas cartas figuram com destaque na literatura barroca portuguesa. Foi
ses e outros colonizadores a preferir a escravidão negra à ardoroso defensor dos índios e grande crítico da crueldade com que eram
tratados os escravos negros.
“escravidão vermelha”, ainda que esta apresentasse baixo
custo e maior disponibilidade. Desde meados do século
Conforme escreveu em 1711 o jesuíta Antonil, “os
XVII, a mão de obra negra dominou amplamente a econo-
escravos são os pés e as mãos do senhor de engenho”.
mia colonial, ficando o trabalhador indígena restrito a
Realmente, além dos cativos destinados às tarefas mais
tarefas não compulsórias ou a ser escravizado em áreas
pesadas, havia outros que conviviam com seus senhores,
onde houvesse escassez de africanos.
a quem serviam como criados domésticos. Nessa cate-
Legalmente, os escravos da Época Colonial não
goria estavam incluídas as mucamas (servidoras da mu-
possuíam quaisquer direitos. Portanto, além do trabalho
lher do fazendeiro) e as mães pretas (amas de leite dos
extenuante nas plantações e nos engenhos, estavam
filhos do proprietário). Contudo, a intimidade com a fa-
sujeitos a sofrer punições físicas e torturas que, em casos
mília do senhor não era garantia contra maus-tratos.
extremos, podiam levá-los à morte, sem que o senhor
O crescimento de cidades como Recife, Salvador e
fosse responsabilizado. Dada a importância da escravidão
Rio de Janeiro, sobretudo no século XVIII, deu origem
no período, a Igreja nunca se opôs a ela, embora houvesse
a uma nova categoria de trabalhadores escravos: os
membros do clero que criticassem o tratamento cruel
negros de ganho ou escravos de ganho. Tratava-se de
dispensado aos cativos. O exemplo mais eloquente dessa
prestadores de serviços urbanos (barbeiros, carrega-
compaixão foi dado pelo padre jesuíta Antônio Vieira
dores, vendedoras de quitutes), cuja remuneração
(1608-97), justamente admirado pela genialidade de suas
pertencia ao senhor. Era comum esses trabalhadores
cartas e sermões.
serem autorizados a guardar parte do que ganhavam,
Mesmo assim, existiam diferenças no tratamento
para ser usada em sua alforria.
dado aos escravos por seus senhores. Os trabalhadores
Deve-se ainda mencionar a diferenciação entre os
braçais destinados à lavoura eram os mais sujeitos à
escravos crioulos (criados no Brasil) ou ladinos
crueldade dos feitores e dos proprietários. Outros, utili-
(espertos, vivos, sagazes) dos africanos adultos, que
zados em trabalhos mais especializados, como serviços
mostravam dificuldade para entender e cumprir ordens,
artesanais ou as atividades no engenho, tinham situação
sendo por isso chamados de boçais (broncos, estúpidos).
um pouco melhor. Todos, porém, eram alojados nas
Essa distinção tornava os primeiros mais valiosos, pois
senzalas, em condições insalubres e de grande
os segundos somente se prestavam ao trabalho braçal.
promiscuidade.
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Apesar de pertencerem a muitas nações (etnias) com Todavia, nem todos os negros brasileiros aderiram
características culturais próprias, os escravos trazidos para integralmente ao catolicismo. Muitos deles, em uma
o Brasil poderiam ser classificados em dois grandes manifestação de resistência cultural, conservaram parte de
grupos: os sudaneses*, originários do Golfo da Guiné; e seus cultos ancestrais, associando entidades africanas a
os bantos, naturais do Congo, de Angola e de Moçam- figuras da religião católica. Esse sincretismo recebeu, já no
bique. Os primeiros distinguiam-se dos segundos pela século XX, o influxo do espiritismo kardecista, dando origem
estatura elevada, pela cor mais escura e pela maior evolu- à umbanda. Esta, a princípio marginalizada e até perseguida
ção técnica. No Brasil, os sudaneses concentraram-se na sob a acusação de curandeirismo, ocupa hoje posição de
Bahia, enquanto os bantos foram distribuídos pelo restante destaque no panorama religioso do País. Ainda no século
do território. Os colonizadores aproveitaram-se da XX, brasileiros afrodescendentes resgataram cultos
variedade entre as etnias para realizar uma Diáspora praticados no Golfo da Guiné (sobretudo na Nigéria) e os
Negra, dispersando e misturando os indivíduos das introduziram no Brasil, sob o nome genérico de candomblé.
diversas nações, para dificultar rebeliões. Até certo ponto, Ainda que representem uma grande parcela da
essa estratégia foi mal sucedida, pois a condição de população brasileira, os negros têm sido objeto de
preconceito e discriminação; mesmo após a abolição da
escravo, comum a todos eles, serviu-lhes como fator de
escravatura, sancionada em 1888, a maioria deles
coesão para superar suas diferenças.
permaneceu marginalizada, muito embora as diversas
* O termo sudaneses, neste caso, não significa naturais do Sudão (país africano
ao sul do Egito), mas os habitantes da região ao sul do Saara, na África Ocidental.
Constituições sempre tenham afirmado a igualdade entre
A porção litorânea desses territórios, abrangendo os atuais Gana, Togo, Benin e os cidadãos brasileiros. Em tempos recentes, movimentos
Nigéria, era conhecida dos portugueses pelo nome de Costa da Mina. da comunidade negra, demonstrando crescente conscien-
A longa duração da escravidão no Brasil fez com que tização acerca da questão racial no Brasil, vêm registrando
a influência negra em nossa formação social fosse bem avanços e conseguindo a implementação de políticas
maior que a do elemento indígena. É o que se depreende voltadas para a proteção de afrodescendentes e de indí-
do grande número de festividades populares de origem genas. Como exemplos, podemos citar, respectivamente,
africana, com especial destaque para as manifestações o reconhecimento das comunidades quilombolas e a
musicais. Assim também ocorreu com a culinária e a demarcação das terras dos chamados “povos da floresta”,
além da adoção do sistema de quotas em algumas
linguagem.
situações. A propósito, cumpre observar que a “Constitui-
Um aspecto relevante da presença africana no Brasil
ção Cidadã” de 1988, em seu artigo 5.º, considera a prática
diz respeito à religião. Tão logo chegavam, os escravos
do racismo um crime inafiançável e imprescritível*.
recebiam o batismo, não só para merecerem a salvação de
* Inafiançável: que não permite a soltura do preso mediante pagamento de
suas almas, mas também como instrumento de aculturação fiança. Imprescritível: que não tem prazo para deixar de ser julgado.
– a exemplo do que se fez com os índios –, para melhor
Atualmente, os descendentes de africanos compreen-
sujeitá-los à dominação dos colonizadores. Uma vez
dem, além dos negros puros, uma grande proporção de
batizados, os negros passavam a fazer parte da
mulatos (mestiços de branco e negro). Em alguns estados da
comunidade católica, participando das cerimônias e cele-
Federação, notadamente na Bahia, eles chegam a constituir
brações religiosas; mas permaneciam apartados dos de-
a maioria da população. Os cafuzos (mestiços de negro e
mais fiéis. Para preservar as diferenciações sociais, a
índio) são relativamente raros, pois a convivência de
hierarquia católica estimulou a construção de igrejas “para indígenas e negros foi pouco frequente em nossa História.
os homens pretos”, incentivou a devoção a santos de raça
negra e criou irmandades (associações religiosas for- O elemento branco
madas por leigos) exclusivas para africanos ou afrodes-
cendentes, fossem eles livres ou escravos. O branco de origem portuguesa foi o tronco étnico
As principais devoções dos negros brasileiros que preponderou no Brasil Colônia* – se não numerica-
foram dedicadas a Nossa Senhora do Rosário mente (devido às limitações demográficas de Portugal),
(representada com tez clara*) e a dois santos efeti - certamente em todos os demais aspectos da vida brasileira.
Por se tratar do grupo dominante no processo de coloni-
vamente negros: São Benedito e Santa Ifigênia. Deve-
zação, coube-lhe impor, à sociedade que estava se for-
se ainda lembrar Nossa Senhora Aparecida, cuja
mando na colônia, a língua, a religião, os padrões culturais
imagem, encontrada no Rio Paraíba do Sul em 1717,
e a organização jurídico-administrativa.
possui coloração quase negra.
* Os portugueses, assim como os espanhóis, catalães, franceses, italianos e
* A veneração dos negros por essa santa se deve ao fato de que as contas do romenos, fazem parte dos latinos – um dos três grandes grupos étnicos europeus,
rosário utilizado nas orações católicas eram de cor escura, ou mesmo preta. juntamente com os germânicos e os eslavos.

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Durante certo tempo, acreditou-se que os primeiros 2. Período Pré-Colonial (1500-30)


colonizadores fossem somente criminosos condenados à
pena de degredo (exílio) na América, sendo as mulheres Dá-se o nome de Período Pré-Colonial aos anos que se
que para cá vieram aquelas cujo comportamento as torna- seguiram ao Descobrimento, entre 1500 e 1530, durante os
va indesejáveis em Portugal. Realmente, houve pessoas quais não houve fixação sistemática de portugueses nas
nessas condições que emigraram para o Brasil; mas terras recém-encontradas. Esse abandono, no entanto, foi
correspondiam apenas a uma fração do conjunto. De qual- relativo, pois algumas expedições portuguesas vieram ao
quer forma, contrariamente à América Espanhola, onde a Brasil nesse período, para reconhecer o litoral (expedições
aristocracia colonial descendia da pequena nobreza exploradoras) ou para patrulhá-lo (expedições guarda-
castelhana, os proprietários rurais que formaram a elite da
costas). Houve também comerciantes portugueses que vie-
sociedade colonial brasileira tinham origem bem mais
ram explorar o pau-brasil*, ainda que de forma esporádica.
modesta: citadinos pobres ou desajustados, trabalhadores
não qualificados e camponeses. A nobreza reinol* não * Pau-brasil: árvore produtora de uma tintura vermelha muito utilizada nas
manufaturas têxteis da época.
participou desse processo; os nobres que aqui estiveram
fizeram-no em caráter temporário, apenas para exercer os A fraca presença lusitana até a década de 1530 é
altos cargos da administração colonial. Mesmo os donatá- explicada principalmente pelo maior interesse de Portugal
rios que receberam capitanias em território brasileiro pre- no comércio com o Oriente, cujos produtos proporcio-
feriram permanecer na Europa (uma notável exceção navam uma margem de lucro muito superior à oferecida
foram os governantes de Pernambuco, que administraram pelo pau-brasil. Ademais, esse foi o momento em que os
pessoalmente sua capitania até meados do século XVII). portugueses, realizando um extraordinário esforço militar,
* Reinol: natural do Reino [de Portugal]. estavam construindo seu império nas Índias, conquistando
Os portugueses que se estabeleceram no Brasil foram pontos estratégicos que iam de Ormuz, no Golfo Pérsico,
movidos pela ambição de enriquecer, bem como de até Malaca, no Sudeste Asiático.
adquirir poder e prestígio social. Vieram portanto para
dominar os grupos que fossem colocados sob sua auto- Primeiras expedições
ridade, ou seja, índios e negros. Tal mentalidade seria
responsável por algumas características marcantes da
sociedade brasileira, não só durante o Período Colonial,
mas também em épocas subsequentes: o espírito elitista
do setor dominante, os preconceitos sociais, o menosprezo
pelo trabalho manual e, no plano administrativo, a ten-
dência a confundir o bem público com os interesses pri-
vados*. Por outro lado, diversamente do que ocorreu nas
colônias inglesas, os preconceitos não impediram a mis-
cigenação dos portugueses com indígenas e africanos.
* Essa característica representa uma herança da Monarquia Portuguesa (assim
como de outros reinos absolutistas), a qual era patrimonialista, isto é,
considerava os recursos do Estado como propriedade particular do governante.

A intensificação do povoamento da colônia, sobretudo


no século XVIII (quando a mineração atraiu dezenas de
milhares de lusitanos), deu origem a uma camada de brancos
pobres que, mesmo não fazendo parte do setor social mais
elevado, consideravam-se superiores aos não brancos. O fato
de estes últimos serem mais numerosos levou as autoridades
do império, no século XIX, a incentivar a imigração euro-
peia para o Brasil, com vistas a promover o “branqueamen-
to” da população. No século XX, as correntes imigratórias
procedentes da Europa e do Oriente Médio fizeram com que
o percentual de brancos aumentasse.
É importante lembrar que a partir de 1908, quando
começou a imigração japonesa, outro tronco étnico, repre- Gravura do século XVI (colorida ulteriormente) mostrando um episódio recorrente
sentado pelos naturais do Extremo Oriente, veio integrar- do Brasil Pré-Colonial: o combate dos portugueses aos contrabandistas franceses
de pau-brasil, em uma época na qual a costa brasileira era habitada apenas por
se no grande amálgama da população brasileira. selvagens.

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A notícia do descobrimento do Brasil foi recebida Europa, desbancando os italianos que até então monopo-
com interesse pelo rei de Portugal, D. Manuel I (1495- lizavam essa atividade. Nos anos subsequentes à viagem
1525). Antes que a esquadra de Cabral regressasse das de Vasco da Gama, a Coroa e a burguesia lusas auferiram
Índias, o soberano enviou uma expedição exploradora grandes lucros; mas também tiveram gastos consideráveis,
para fazer o reconhecimento da nova terra. Comandadas fosse com a organização das viagens, fosse com as gran-
por Gaspar de Lemos (o mesmo que levara ao rei a carta des despesas administrativas e militares necessárias à
de Pero Vaz de Caminha), duas caravelas zarparam de manutenção de um império colonial no Oriente. As
Lisboa em 1501, levando a bordo o navegador florentino condições econômicas do reino lusitano deterioraram-se
Américo Vespúcio, defensor da ideia de que Colombo não rapidamente, atingindo o ponto crítico no final da década
havia chegado às Índias, mas descobrira um novo de 1520. O elemento catalisador da crise foi a brusca
continente. A expedição costeou uma grande extensão de queda no preço das especiarias e de outros produtos,
litoral contínuo, o que convenceu o comandante a mudar provocada pela saturação dos mercados europeus; com
o nome de Ilha de Vera Cruz para Terra de Santa Cruz. efeito, os portugueses, no afã de lucrar o máximo possível,
Entretanto, a expedição não encontrou nenhum sinal de ignoraram a influência da oferta e da procura sobre os
especiarias ou de metais preciosos – principais objetos de preços. Como as mercadorias orientais eram ofertadas em
interesse para o mercantilismo lusitano –, mas apenas uma quantidade superior às necessidades dos mercados, os
grande quantidade de pau-brasil. preços caíram, causando grandes prejuízos aos portugue-
Uma segunda expedição exploradora foi organizada ses. A crise financeira foi agravada por uma cláusula do
por particulares em 1503, sob o comando de Gonçalo Tratado de Saragoça (firmado com a Espanha em 1529),
Coelho e mais uma vez com a participação de Américo no qual foi estipulado que os portugueses pagariam uma
Vespúcio. Como acontecera com Gaspar de Lemos, os vultosa indenização pela posse das Ilhas Molucas, as
navegadores nada encontraram, afora o pau-brasil, que quais, pelos termos daquele tratado, deveriam ter cabido
oferecesse interesse imediato para os portugueses. Diante aos espanhóis.
desses resultados, D. Manuel relegou o Brasil a segundo A situação exigia que Portugal encontrasse um
plano, preferindo concentrar seu interesse no comércio substitutivo para compensar a depreciação das mercadorias
com as Índias. provenientes das Índias. A opção mais viável seria o açúcar,
No início do século XVI, os franceses começavam a que contava com grande demanda e alcançava bons preços
se interessar pela exploração ultramarina; mas ainda não nos mercados europeus. Portugal já produzia esse artigo
estavam em condições de enfrentar um choque direto com nos Açores, Madeira, Cabo Verde e também no Algarve,
as potências ibéricas. Informados acerca do estado de em território metropolitano; entretanto, a produção era
abandono do Brasil e da abundância de madeira vermelha limitada pela exiguidade das terras cultivadas. Assim, para
na região, desde 1509 passaram a frequentar a costa aumentar a fabricação de açúcar, seria necessário ampliar as
brasileira para extrair madeira tintorial. áreas de plantio – possibilidade oferecida pelas vastas
A presença francesa em terras pertencentes a Portugal dimensões do território brasileiro. Além disso, urgia que o
preocupou o governo de Lisboa. Em 1516 e 1526, foram governo luso iniciasse o povoamento de sua colônia
enviadas ao Brasil duas expedições guarda-costas, ambas ocidental, a fim de evitar o risco de perdê-la para outras
comandadas por Cristóvão Jacques. As duas obtiveram potências, notadamente a França.
algum sucesso, aprisionando contrabandistas (muitos
deles executados após sua captura) e apresando a carga Expedição de
que transportavam. Essas, porém, eram apenas medidas Martin Afonso de Souza
paliativas, que por si sós não impediriam os franceses de
Para iniciar a colonização efetiva do Brasil,
se fixar na costa brasileira.
D. João III (1525-57), sucessor de D. Manuel, organizou
uma expedição cujo comando foi confiado a Martin
3. Primórdios da colonização Afonso de Souza. A frota de cinco navios transportava 400
portuguesa pessoas (entre tripulantes e povoadores com suas
mulheres), além de animais domésticos, instrumentos
Por volta de 1530, a economia lusitana, embasada no agrícolas, peças de engenho de açúcar e mudas de cana.
comércio com o Oriente, desabou. Desde que descobrira Com esses elementos à disposição, Martin Afonso deveria
o caminho marítimo para as Índias, em 1498, Portugal fundar, onde lhe parecesse apropriado, o primeiro núcleo
tornara-se o grande distribuidor de produtos orientais na de povoamento português em território brasileiro.
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Em janeiro de 1531, a frota alcançou a costa brasileira * A posse implicava o direito de explorar o território concedido, não devendo
ser confundida com a propriedade, que continuava em poder do Estado. Nesse
na altura da Paraíba. De lá, os barcos navegaram para o sentido, a doação da capitania diferenciava-se da doação em sentido estrito, na
sul, costeando o litoral até o Rio da Prata, ultrapassando qual o doador transfere para o recebedor todos os direitos sobre o objeto doado,
não cabendo portanto a possibilidade de reversão.
o meridiano divisório previsto pelo Tratado de Torde-
silhas. Retornando para o norte, Martin Afonso finalmente Nos Açores, Madeira e Cabo Verde, o sistema de
decidiu-se: em 22 de janeiro de 1532, fundou a vila de São capitanias dera bons resultados graças a algumas condi-
Vicente – marco inicial da colonização lusitana no Brasil ções propícias: Portugal vivia um momento econômico
– no litoral do atual estado de São Paulo. Ali se favorável, as distâncias em relação à metrópole eram
construíram as primeiras casas, a igreja e um engenho de razoavelmente curtas e as capitanias tinham extensão
açúcar. A fixação dos colonos contou com a ajuda de João reduzida, o que facilitava sua administração. No Brasil, o
Ramalho, náufrago ou degredado português casado com a atual Arquipélago de Fernando de Noronha fora transfor-
filha de um cacique. mado em capitania hereditária no ano em 1504 (capitania
de São João).

Martim Afonso de Sousa (1490-1571), comandante da primeira expedição


colonizadora enviada ao Brasil. Em 1532, fundou a vila de São Vicente,
marco inicial da fixação regular de lusitanos no Brasil.

Capitanias hereditárias
A expedição de Martin Afonso lançou as bases da
colonização portuguesa no Brasil. Contudo, seu balanço
pode ser considerado insatisfatório, pois resultou na
fundação de apenas uma vila. Na verdade, Portugal
precisava criar muitos outros núcleos semelhantes, não só
para viabilizar a defesa contra possíveis invasores estran-
geiros, mas sobretudo para tornar a colônia rentável.
Como faltavam à Coroa os recursos necessários a esse
empreendimento, D. João III, em 1534, decidiu implantar Divisão do Brasil em capitanias hereditárias (1534). As capitanias setentrionais
tiveram seu território orientado na direção norte-sul porque, caso mantivessem
no Brasil um sistema já utilizado com êxito nas Ilhas do a orientação leste-oeste vigente para as demais, seu território seria
Atlântico: as capitanias hereditárias. Nesse sistema, o excessivamente estreitado, a ponto de inviabilizar a obra de colonização.
monarca concedia a posse* hereditária de certos territórios
coloniais a particulares, para que os administrassem. As capitanias foram organizadas com base em dois
Tratava-se, portanto, de transferir os ônus da colonização documentos: a carta de doação e o foral. A primeira
para a iniciativa privada, em vez de serem assumidos pelo nomeava o donatário e definia os limites da capitania,
poder real. tomando como referência certos pontos do litoral, como
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um cabo ou a foz de um rio. A partir dessas indicações, o estava inserido no capitalismo mercantil, pois sua
território da capitania estendia-se para oeste até encontrar finalidade era produzir lucros, enquanto a doação do
o Meridiano de Tordesilhas*. A carta de doação também feudo estava ligada a uma economia essencialmente de
definia o caráter hereditário da concessão: a capitania era subsistência.
indivisível e inalienável, não podendo ser objeto de venda, A divisão do Brasil efetuada por D. João III apre-
doação, empréstimo ou arrendamento; somente a Coroa sentou certas estranhezas: a colônia foi dividida em 14
tinha o direito de readquiri-la, quando julgasse convenien- capitanias (duas delas subdivididas em dois lotes),
te. Uma vez que Portugal era uma monarquia absoluta, o doadas a treze donatários pertencentes à pequena
rei poderia impor, a seu próprio critério, as condições de nobreza de Portugal. Martin Afonso de Souza recebeu
recompra. uma capitania dividida em dois lotes; e seu irmão, Pero
* Dependendo de sua posição geográfica, as capitanias alcançavam uma Lopes de Souza, três capitanias distanciadas umas das
extensão entre 30 e 100 léguas (aproximadamente 180 e 600km) na direção outras. Mais estranhamente ainda, Martin Afonso,
leste-oeste. As capitanias setentrionais, no entanto, orientavam-se no sentido
norte-sul, tendo como limite a capitania de Itamaracá, a primeira a orientar-se pouco depois de ter sido contemplado com terras no
paralelamente ao Equador. Brasil (para onde aliás não retornou), foi nomeado
O foral definia os direitos e deveres do donatário* e os governador-geral das Índias, tendo permanecido no
deveres da Coroa, que não possuía deveres específicos. Os Oriente de 1542 a 1545.
deveres do recebedor da capitania, aparentemente simples, Alguns anos após sua implantação, o sistema de capi-
consistiam basicamente em povoar e defender o território tanias hereditárias já podia ser tido como um fracasso. Vá-
sob sua jurisdição – o que naturalmente acarretaria despesas. rias razões contribuíram para esse resultado: diversos
Os direitos eram bastante amplos, mas exigiam igualmente donatários não demonstraram interesse pelas terras que ha-
gastos para serem implementados: trazer colonos, conceder- viam recebido; outros esgotaram seus recursos financeiros
lhes sesmarias**, fundar vilas, aplicar a justiça, escravizar sem obter resultados (o donatário do Espírito Santo morreu
índios e extrair minerais preciosos; até o direito de cobrar tão pobre que foi sepultado envolto apenas em um lençol);
impostos podia ser entendido como oneroso, pois seriam ataques de índios inviabilizaram algumas tentativas (o do-
necessários investimentos para que a capitania atingisse natário da Bahia de Todos os Santos foi morto e devorado
certo grau de prosperidade. A Coroa, por sua vez, tinha pelos silvícolas); além disso, as distâncias em relação à
direitos importantes: recebimento do dízimo dos impostos e metrópole eram excessivas, assim como a extensão de
do quinto dos minerais preciosos, monopólio sobre o pau- alguns territórios, maiores até do que certos reinos euro-
brasil (única riqueza até então encontrada na colônia) e o peus; finalmente, há que considerar a falta de centralização
direito de recobrar a posse da capitania. Deve-se esclarecer administrativa, pois não existia uma autoridade que pudesse
que cada donatário se subordinava pessoalmente ao rei, o coordenar o processo de colonização.
que caracterizava o sistema de capitanias como uma Somente duas capitanias prosperaram: a de São
estrutura descentralizada. Vicente, onde a vila do mesmo nome serviu como ponto
* A palavra donatário provém do latim donatio (doação), indicando que a posse
de partida para a colonização; e a de Pernambuco, cujo
da capitania fora dada pelo rei a um nobre de sua escolha. donatário, além de estabelecer boas relações com os
** Sesmaria: grande extensão de terra concedida pelo donatário a um colono
índios, foi favorecido pelo solo de massapê ou massapé,
para que a cultivasse dentro de no máximo cinco anos. Tratava-se – como no apropriado ao cultivo da cana.
caso da própria capitania – de um título de posse (e não de propriedade) que
poderia ser revertido, caso o sesmeiro ou seus herdeiros descumprissem o
compromisso de cultivo; mas essa cláusula raras vezes foi aplicada. Governo-geral
Há quem pense serem as capitanias um resquício do O mau resultado do sistema de capitanias, combinado
feudalismo, por se tratar de uma doação. No sistema com a crise do comércio oriental e com a frequência cada
feudal, o suserano concedia o feudo ao vassalo em caráter vez maior de contrabandistas franceses no litoral bra-
hereditário, criando com isso laços de fidelidade pessoais sileiro, tornava premente a necessidade de colonizar o
e recíprocos. Entretanto, na relação feudovassálica, a Brasil. Para atender a esse objetivo, D. João III (com justa
terra concedida pelo suserano somente reverteria a ele razão cognominado o Colonizador), em 1548, decidiu
por motivo de traição ou de extinção da linhagem do criar um governo-geral no Brasil. Tendo em vista que um
vassalo. No caso das capitanias, porém, a concessão dos motivos de insucesso das capitanias fora a falta de
podia ser interrompida a qualquer momento, mediante unidade administrativa, a nomeação de um governador-
uma compensação (não necessariamente pecuniária) da geral, com jurisdição sobre todo o território da colônia e
Coroa ao donatário. Ademais, o sistema de capitanias posicionado acima dos donatários, deveria facilitar o
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processo colonizador, agora sob a supervisão direta do Com Tomé de Sousa também chegou ao Brasil um
Estado. Os recursos disponíveis continuavam limitados, primeiro grupo de jesuítas, chefiados pelo Padre Manuel
mas esperava-se que fossem aplicados de forma mais da Nóbrega. Nas décadas subsequentes, os membros dessa
eficiente. As capitanias hereditárias não seriam extintas*, ordem religiosa ganhariam enorme projeção na catequese
o que significava a continuidade do capital privado na dos índios e na organização do ensino colonial.
colonização; mas os capitães-donatários deixariam de Tomé de Souza desenvolveu a capital e impulsionou a
depender diretamente do rei, ficando sujeitos à autoridade atividade colonizadora, principalmente no tocante à produção
açucareira. Durante seu governo, foi criado o bispado de
centralizadora do governador-geral.
Salvador, com jurisdição sobre todo o clero da colônia.
* Aos poucos, o governo português foi comprando as capitanias hereditárias de
seus respectivos donatários, transformando-as em capitanias reais. A primeira
O sucessor de Tomé de Sousa, Duarte da Costa (1553-
a ser adquirida foi a capitania da Bahia de Todos os Santos, para nela ser 58), revelou-se um mau administrador. Permitiu que os ín-
instalado o governo-geral. As últimas a voltar para o controle da Coroa foram dios da região fossem escravizados, o que suscitou a reação
readquiridas em 1759, na administração do marquês de Pombal.
dos nativos e atritos entre colonos e jesuítas, pois estes
O primeiro governador-geral foi Tomé de Sousa últimos defendiam a liberdade dos silvícolas. O governador
(1549-53), que se instalou na Bahia, escolhida em virtude também entrou em choque com o bispo, D. Pero Fernandez
de sua posição geográfica, mais ou menos equidistante Sardinha, cujo cargo era o segundo na hierarquia colonial*.
entre o norte e o sul da colônia. Ali surgiu a cidade de São O bispo embarcou para Portugal, a fim de se queixar ao rei;
Salvador da Bahia de Todos os Santos, primeira capital mas o navio em que viajava naufragou no litoral de Alagoas
do Brasil – função que manteria até 1763. e ele veio a ser devorado pelos índios – fato que contribuiu
Tomé de Sousa recebeu do rei um regimento para aumentar o desprestígio de Duarte da Costa.
(regulamento) que definia suas atribuições e organizava * Como nas monarquias do Antigo Regime a Igreja estava ligada ao Estado, o
bispo de Salvador tinha certa influência nos assuntos de governo, sendo
a administração da colônia. Suas principais incum- inclusive o eventual substituto do governador.
bências eram fundar a capital, assentar colonos voltados Foi durante a administração do segundo governa-
para a produção de açúcar, construir fortes e pacificar dor-geral que os franceses realizaram uma primeira
índios hostis aos portugueses. Para cumprir suas tarefas, tentativa de se fixar no Brasil, fundando no Rio de
o governador contava com três assessores: o provedor- Janeiro uma colônia a que deram o nome de França
mor, que administraria as finanças; o ouvidor-mor, Antártica. Duarte da Costa foi informado, mas nada fez
responsável pela estrutura judiciária; e o capitão-mor da a respeito.
costa, encarregado dos assuntos militares. Coube ao terceiro governador-geral, Mem de Sá
(1558-72), pôr fim à invasão francesa – ocasião em que foi
fundada a cidade do Rio de Janeiro –, bem como pacificar
os índios da Bahia e reconciliar colonos e jesuítas. Sua
atuação foi tão bem avaliada pelo governo de Lisboa que
ele permaneceu no cargo muito além do habitual período
de quatro anos, vindo a falecer no Brasil.
Em 1572-78 e 1602-12, o Brasil foi dividido em
duas repartições administrativas, com capitais em
Salvador e Rio de Janeiro. Embora essa medida, na
ocasião, não tivesse produzido resultados práticos, seria
retomada, com outra configuração, de 1621 a 1774.

Câmaras municipais
As câmaras municipais foram um importante
componente do aparelho administrativo colonial,
presente em todas as cidades e vilas do Brasil*, podendo
ser definidas como órgãos dotados de autonomia para
tratar de assuntos locais. Durante a maior parte da Época
Colonial, as câmaras eram formadas por três vereadores,
sob a presidência de um juiz ordinário, todos eleitos pelos
Desembarque de Tomé de Sousa, primeiro governador-geral do Brasil, na Baía moradores da localidade. Eleitores e candidatos deviam
de Todos os Santos, onde fundou a cidade de Salvador, primeira capital da
colônia. ser “homens-bons”, entendidos como possuidores de
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cabedal (bens materiais). Ora, visto que a posse de terras cer-Quebir (1578), o maior desastre bélico da história
era praticamente a única riqueza existente, as câmaras portuguesa. D. Sebastião pereceu combatendo; entre-
municipais representavam a classe dos latifundiários tanto, como não houve sobreviventes que pudessem
(também conhecida como aristocracia rural ou elite testemunhar sua morte, criou-se a lenda de que ele não
agrária), que dominaria a vida econômica, social e morrera, mas apenas desaparecera, para um dia
política brasileira até a primeira metade do século XX. regressar e restaurar a grandeza de Portugal. Esta é a
* No Brasil Colônia, as cidades e vilas eram centros urbanos dotados de origem do sebastianismo, crença que persistiu até o
administração própria, correspondendo aos atuais municípios. A diferença entre século XIX, tendo inclusive encontrado adeptos no
elas residia na maior importância das cidades, por sediarem órgãos administrativos
coloniais superiores aos existentes nas vilas. São Vicente, fundada em 1532, foi Brasil.
a primeira vila do Brasil; já Salvador e Rio de Janeiro, fundadas respectivamente D. Sebastião não teve filhos e foi sucedido por seu
em 1549 e 1565, foram as duas primeiras cidades. Deve-se ressaltar que, no Brasil
atual, toda sede de município é considerada cidade.
tio-avô, o cardeal D. Henrique, último representante da
Dinastia de Avis, que morreu em 1580. Reivindicada por
A atuação das câmaras municipais estava definida nas
vários pretendentes, a Coroa Portuguesa foi assumida
Ordenações Reais. Estas eram o principal instrumento
por Felipe II da Espanha, com o nome de Felipe I de
normativo do Estado absolutista português, pois regula-
Portugal. Felipe, que era bisneto legítimo do rei
mentavam não apenas a administração do Reino e dos ter-
português D. Manuel I, teve como principal adversário
ritórios ultramarinos, mas também determinavam a ordem
D. Antônio, também bisneto de D. Manuel, mas por
jurídica, tanto civil como criminal*. Entre as atribuições
linha de bastardia. O soberano espanhol derrotou as
das câmaras, podem ser citadas a organização do policia-
forças de D. Antônio e foi reconhecido como monarca
mento, a cobrança de taxas e pedágios, a fixação de nor-
legítimo pelos representantes da nobreza e da burguesia
mas locais e a fiscalização do comércio. Nos primeiros
portuguesas, reunidos na cidade de Tomar (1581). Aos
séculos da colonização, a ineficiência das autoridades
nobres, ele concedeu títulos e honrarias; e aos
coloniais e o isolamento de certas vilas fez com que as
burgueses, vantagens comerciais. Essas circunstâncias
câmaras muitas vezes ultrapassassem os limites de suas
explicam o comentário que lhe foi atribuído sobre sua
funções e desafiassem o poder central, constituindo assim
ascensão ao trono de Portugal: “Herdei, conquistei,
um contraponto à opressão metropolitana. Em outras
comprei”.
palavras, representavam o localismo colonial contra o
Começou assim a União Ibérica (1580-1640),
centralismo metropolitano. No século XVIII, em decor-
também conhecida pelos lusitanos como Domínio
rência da intensificação do povoamento e da urbanização
Espanhol ou Período Filipino, pois os três soberanos
da colônia, as câmaras passaram a contar com a participa-
hispânicos que reinaram em Portugal tinham o nome de
ção de comerciantes.
Felipe. Eles pertenciam a um ramo da Dinastia de
* A organização jurídico-administrativa de Portugal foi regulamentada por três
ordenações reais: as Ordenações Afonsinas (1446), de D. Afonso V; as
Habsburgo; mas, como lusitanos e espanhóis tinham
Manuelinas (1512), de D. Manuel I; e finalmente as Ordenações Filipinas dificuldade para pronunciar esse nome, preferiram dar à
(1602), de Felipe II (III da Espanha). linhagem de seus soberanos o nome de Casa d’Áustria,
No Brasil Colônia, a autonomia das vilas e cidades em alusão à origem austríaca dos habsburgos.
era simbolizada pelo pelourinho, coluna de pedra erigida A diferenciação numérica dos Felipes que reinaram
na praça principal e na qual eram amarrados os escravos na Espanha e em Portugal significa que o reino luso não
submetidos a castigos públicos. foi incorporado ao Estado Castelhano, mas apenas regido
pelo mesmo monarca. Assim, o aparelho administrativo
português, na Europa e no ultramar, permaneceu separado
4. União Ibérica
de seu congênere espanhol; mas perdeu a autonomia,
D. João III morreu em 1557, deixando o trono para ficando subordinado às diretrizes emanadas da Espanha*.
seu único neto, D. Sebastião, então com três anos de Essa dependência foi ainda mais sentida nas relações
idade. Educado na rigidez da Contrarreforma, o jovem exteriores de Portugal, forçado a se alinhar com os
soberano tornou-se um católico fanático, influenciado interesses espanhóis – o que significava envolver-se nas
anacronicamente pelo espírito cruzadista medieval. Sem guerras da Espanha contra holandeses, ingleses e
dar ouvidos a seus conselheiros, decidiu organizar uma franceses.
expedição contra os mouros de Marrocos, não levando * É interessante notar que o Império Ibérico (conjunto de territórios na Europa
e possessões ultramarinas) formado pela união entre Portugal e Espanha foi o
em conta as péssimas condições financeiras e militares mais extenso surgido até então, superando o Império Romano e o Império
do reino luso. A aventura terminou na Batalha de Alcá- Mongol fundado por Gengis Khan.

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De um modo geral, a União Ibérica foi danosa para  Início da expansão territorial brasileira
Portugal. Em 1580, a Espanha estava no apogeu, mas em O meridiano divisório fixado pelo Tratado de
breve entraria em declínio, a partir da derrota da Invencí- Tordesilhas permaneceu em vigor, pois Portugal e
vel Armada* (1588). Portugal, cuja decadência econômica Espanha continuavam oficialmente a ser dois Estados
começara em 1530 (crise do comércio com o Oriente) e distintos. Na prática, porém, essa separação era irrelevan-
que sofrera um duríssimo golpe militar em Alcácer- te, pois tanto as terras a leste como a oeste daquela linha
Quebir, ver-se-ia envolvido em um prolongado ciclo de estavam subordinadas ao mesmo monarca. Essa circuns-
guerras, tendo como inimigos a Holanda, a França e a tância induziu os moradores da vila de São Paulo a
Inglaterra. Isso provocou diversos ataques ao Brasil, a ultrapassar o limite estabelecido, penetrando em terras
perda temporária de Angola para os holandeses e castelhanas. Começou assim o fenômeno do bandeirismo,
sobretudo o desmantelamento do império português nas que marcaria a vida dos paulistas no século XVII e início
Índias, com a maioria de suas possessões passando para o do XVIII. A pouca ou nenhuma resistência encontrada
controle da Companhia Unida das Índias Orientais, estimulou os luso-brasileiros a prosseguir em seu avanço
formada por capitais da Holanda. para o sul e para o oeste, alargando os limites do Brasil
* Invencível Armada foi uma grande esquadra organizada por Felipe II da Espanha em detrimento da Espanha. Ao final desse processo – que
para invadir a Inglaterra. A tentativa fracassou não só por conta dos ataques incluiu a ocupação da Amazônia –, o território brasileiro
ingleses, mas principalmente devido às condições meteorológicas adversas.
seria acrescido em cerca de 200%.
Em meio a tantas consequências negativas, a União
Ibérica produziu um resultado benéfico para o Brasil: o  Divisão do Brasil
início da expansão territorial que levaria as fronteiras Em 1621, o governo espanhol resolveu dividir o
brasileiras a limites próximos dos atuais. Brasil em duas colônias distintas: o Estado do Brasil,
com capital em Salvador; e o Estado do Maranhão, com
A União Ibérica e o capital em São Luís. Em 1751, o segundo passou a ser
Império Luso-Espanhol denominado Estado do Grão-Pará e Maranhão, sendo
Os holandeses arrebataram de
Portugal o Cabo da Boa Esperança,
Ceilão e quase todas as possessões lusas
no Sudeste Asiático. Simultaneamente,
outra empresa dos Países Baixos, a
Companhia Holandesa das Índias
Ocidentais, atacou as colônias luso-
espanholas do Atlântico, ocupando
temporariamente Angola, invadindo o
Brasil em duas ocasiões (na Bahia e em
Pernambuco) e conquistando algumas
ilhas do Caribe pertencentes à Espanha,
além do atual Suriname.
Foi ainda durante o Domínio
Espanhol que a França fez uma
segunda tentativa de se fixar no Brasil,
invadindo o Maranhão (1612-15).
Mas, como ocorrera com a França
Antártica, essa segunda iniciativa
também fracassou.

A União Ibérica e o Brasil


No Brasil, a união luso-espanhola,
além de atrair ataques externos,
produziu ao menos dois outros efeitos, Repartição do Brasil em duas colônias distintas: o Estado do Brasil e o Estado do Maranhão, mais tarde
a saber: redenominado Estado do Grão-Pará e Maranhão. Essa divisão, iniciada em 1621, durante a União Ibérica,
foi mantida até 1774, quando as duas colônias foram reunificadas por decisão do marquês de Pombal.
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sua capital transferida para Belém. Essa divisão


perdurou até 1774, quando o marquês de Pombal
reunificou as duas colônias.
A criação do Estado do Maranhão foi motivada por
dois fatores: necessidade de ampliar a presença ibérica nas
capitanias do Norte e na foz do Amazonas, para impedir
a fixação de franceses na região; e o fato de que os ventos
e correntes marítimas tornavam mais fáceis as comunica-
ções do Maranhão e Pará com a metrópole do que com a
própria capital do Brasil.
Os primeiros tempos da Restauração Portuguesa foram
extremamente difíceis. A Espanha não reconheceu a
independência de Portugal, contra quem combateu até
1668. Havia ainda os holandeses que, à época da Restau-
ração, ocupavam boa parte do Nordeste Brasileiro; e,
embora fossem expulsos em 1654, continuaram em guerra 1º de dezembro de 1640: aclamação do duque de Bragança como rei de
Portugal, com o nome de D. João IV. Esse episódio, que pôs fim à União
com Portugal até 1661. Além disso, o império português no Ibérica, assinalou o início da Restauração Portuguesa (Tela do pintor
Oriente caíra quase todo em poder dos holandeses, devido português Veloso Salgado).

à ação da Companhia das Índias Orientais. Em tal cenário de descalabro econômico, a colônia
Antes da União Ibérica, os lusitanos tinham uma ativa brasileira tornou-se a principal fonte de recursos para a
parceria econômica com os Países Baixos, sobretudo em debilitada economia de Portugal. Nas palavras do próprio
relação ao comércio de açúcar. Esses laços foram rompi- D. João IV, “o Brasil é agora a vaca leiteira de Portugal”.
dos quando Portugal passou para o domínio da Espanha, Essa mudança de foco alterou as relações luso-brasileiras
pois esta se encontrava em guerra com a República das e provocou um endurecimento nas regras vigentes,
Províncias Unidas (nome oficial da Holanda na época). criando uma situação à qual alguns historiadores deram o
Como o conflito entre lusos e flamengos estendeu-se até nome de “arrocho colonial”. Até então, as normas que
depois da Restauração, Portugal e Holanda não reataram regiam os contatos entre metrópole e colônia, ainda que
sua antiga ligação comercial. Nessa circunstância, neces- sempre favoráveis à primeira, eram aplicadas de forma
sitando urgentemente de ajuda financeira, o governo relativamente branda. Agora, porém, ocorreria uma inten-
português voltou-se para a Inglaterra, restabelecendo rela- sificação do fiscalismo, isto é, do rigor na cobrança dos
ções cujas raízes remontavam à Idade Média. O primeiro impostos, com vistas a aumentar a arrecadação, coibindo
empréstimo inglês a Portugal foi efetuado já em 1641, a sonegação e o contrabando. Daí o uso da expressão
tornando-se o marco inicial de uma prolongada depen- “arrocho” (aperto) para definir esse enrijecimento.
dência da economia lusa em face do capitalismo britânico.
Em 1642, um tratado anglo-português rompeu o mono- O “arrocho colonial”
pólio comercial luso sobre o Brasil, ao permitir que navios
ingleses pudessem comerciar diretamente produtos que O alvo do aperto fiscal metropolitano seriam os
não fossem monopólio da Coroa Portuguesa. A hegemonia segmentos superiores da sociedade colonial, por serem
britânica seria consolidada em 1703 pelo Tratado de os únicos em condições de arcar com a elevação da
Methuen* (mais conhecido na história de Portugal como tributação. Com efeito, os homens livres pobres não
Tratado dos Panos e Vinhos), que aumentou o déficit da teriam como suportar o aumento da carga fiscal, e a
balança comercial portuguesa. Por esse acordo, a Ingla- massa de escravos obviamente não era tributável. Ou
terra cobraria baixas taxas sobre a importação de vinhos seja, o “arrocho” iria recair sobre a aristocracia rural e,
lusitanos; em contrapartida, os tecidos de lã ingleses em menor escala, sobre os comerciantes urbanos. Em
foram isentados de tributação, tornando-se tão baratos que 1642, foi dado o primeiro passo no sentido de endurecer
inviabilizaram os lanifícios portugueses. o controle metropolitano sobre os recursos coloniais:
criou-se em Lisboa o Conselho Ultramarino –
* Geralmente, os acordos diplomáticos (isto é, firmados entre Estados
Soberanos) levam o nome do local em que foram assinados. Exemplos: Tratado semelhante ao Conselho das Índias espanhol –, com
de Susa (448 a.C.), Tratado de Tordesilhas (1494) ou Tratado de Versalhes jurisdição sobre a administração das colônias. Sua
(1919). O Tratado de Methuen, porém, leva o nome de John Methuen,
embaixador inglês que o negociou. primeira providência importante, tomada de acordo com
as práticas mercantilistas, foi autorizar a criação da
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Companhia Geral de Comércio do Brasil (1649), que iluministas propunham que o absolutismo fosse
monopolizaria o comércio de açúcar e a venda de substituído por governos representativos; o inter-
escravos para a colônia. Mas a incapacidade da empresa vencionismo mercantilista, pelo liberalismo econômi-
para cumprir suas atribuições, em um território que se co; e a sociedade de ordens (baseada na desigualdade
estendia do litoral de São Vicente até o Rio Grande do jurídica das camadas sociais), pela igualdade civil. Tais
Norte, levou a sua extinção em 1662. reivindicações se embasavam em alguns princípios
O fortalecimento do fiscalismo passava necessaria- fundamentais: o racionalismo (valorização da razão), o
mente pelo enfraquecimento do localismo, pois seria liberalismo (a liberdade como um direito natural inalie-
preciso reduzir o poder local dos colonos para melhor nável) e a igualdade perante a lei. Outro fundamento
sujeitá-los ao pagamento dos impostos. Nesse sentido, do pensamento iluminista era o naturalismo, segundo o
seria preciso diminuir a autonomia das câmaras munici- qual os homens deviam tomar a natureza como modelo.
pais, representativas dos “homens-bons”. Para alcançar As ideias básicas do iluminismo já estavam presentes
esse objetivo, o Conselho Ultramarino introduziu no na Inglaterra no final do século XVII, por ocasião da
Brasil um cargo que já existia em Portugal desde o século Revolução Gloriosa de 1688 e do Bill of Rights (“Decla-
XIV: o juiz de fora, magistrado nomeado pelo Conselho* ração de Direitos”) de 1689, que estabeleceu a supremacia
com funções judiciais e também administrativas, podendo do Parlamento sobre o rei. Na Europa Continental,
inclusive substituir os juízes ordinários na presidência das entretanto, o iluminismo somente triunfaria em 1789, com
câmaras municipais. O primeiro juiz de fora designado a eclosão da Revolução Francesa.
para o Brasil assumiu a presidência da câmara de Salvador Houve contudo vários monarcas europeus do século
em 1696. Nas décadas seguintes, outros seriam indicados XVIII que puseram em prática algumas reformas de
para presidir diversas câmaras municipais, cerceando a caráter iluminista, sem no entanto abrir mão do absolutis-
autonomia dos colonos e limitando sua capacidade de mo. Esses dirigentes foram denominados déspotas escla-
resistir ao centralismo metropolitano. recidos, isto é, governantes absolutos (déspotas), mas
* Em Portugal, os juízes de fora eram nomeados diretamente pela Coroa. “iluminados” (esclarecidos) pelas ideias da Ilustração. Em
A aplicação das duas faces do “arrocho” – o fiscalis- seus respectivos países, as medidas progressistas que ado-
mo e o centralismo – expôs uma contradição que até então taram deram uma sobrevida ao Antigo Regime; mas na
era pouco sentida pelos moradores do Brasil: a oposição França, onde Luís XV (1715-74) e Luís XVI (1774-92)
entre as conveniências da metrópole e os interesses dos não realizaram nenhuma reforma, a revolução tornou-se
colonos. A percepção de que havia um antagonismo entre inevitável.
as duas partes iria desencadear as primeiras rebeliões
O marquês de Pombal
coloniais, irrompidas em fins do século XVII e início do
XVIII. Em Portugal, o representante do despotismo esclare-
cido foi Sebastião José de Carvalho e Melo, que
governou o país em nome do rei D. José I (1750-77). De
5. Administração Pombalina origem burguesa, foi designado secretário dos Negócios
Estrangeiros (ministro do Exterior) em 1750. Veio a tor-
Iluminismo e despotismo esclarecido nar-se o governante de fato em 1755, quando comandou
a reconstrução de Lisboa, arrasada por um terremoto, e
No transcorrer do século XVIII, o Antigo Regime foi nomeado secretário de Estado (equivalente a
vigente na maioria dos Estados europeus começou a dar primeiro-ministro). Nobilitado com os títulos de conde
sinais de desgaste. O trinômio absolutismo-mercanti- de Oeiras e marquês de Pombal, conservou o cargo até a
lismo-sociedade de ordens viu-se contestado por morte do rei.
filósofos e economistas cujas ideias formaram uma O período pombalino interrompeu momentaneamente
ideologia conhecida como iluminismo (ou Ilustração, o longo declínio de Portugal, iniciado por volta de 1530,
nos países ibéricos), representativa dos interesses da com a crise do comércio oriental, agravado pela União
burguesia. Esta havia apoiado o Antigo Regime Ibérica e continuado após a Restauração de 1640. Pombal
enquanto lhe conveio; agora, porém, aquela estrutura se combinou uma forte centralização e atitudes tirânicas com
transformara em um entrave ao progresso da classe medidas modernizadoras, influenciadas pelo pensamento
burguesa, que passou a combatê-la. Os pensadores iluminista.

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• Transferência da capital brasileira de Salvador para


o Rio de Janeiro (1763).
• Reunificação do Estado do Grão-Pará e Maranhão
ao Brasil (1774).
• Extinção das últimas capitanias hereditárias, trans-
feridas para o controle da Coroa (1759).
• Intensificação do fiscalismo sobre a mineração, com
a criação da finta (pagamento do quinto do ouro calculado
por estimativa, em substituição à cobrança sobre a extração
efetiva) e monopólio real da exploração de diamantes.
• Incentivo à diversificação das exportações brasilei-
ras (Renascimento Agrícola), com o propósito de
contrabalançar a decadência da produção aurífera.
Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), mais tarde marquês de
Pombal, elaborando planos para reconstruir Lisboa após o terremoto de • Criação de duas companhias de comércio privile-
1755. A energia que demonstrou na execução do projeto levou o rei D. José giadas: a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e
I a lhe atribuir funções de primeiro-ministro, as quais ele exerceria até a
Maranhão (1755) e a Companhia Geral de Comércio de
morte do soberano.
Pernambuco e Paraíba (1759). As duas empresas, con-
Os principais aspectos do governo pombalino em troladas pela Coroa, monopolizavam o comércio com
Portugal foram os seguintes: aquelas capitanias, priorizando respectivamente a produ-
ção de algodão e a de açúcar.
• Nomeação de elementos da burguesia para participar
da administração, diminuindo o espaço ocupado pela • Defesa do Rio Grande do Sul e do litoral de Santa
nobreza tradicional. Esta última sofreu um duro golpe Catarina, mediante a construção de fortes e aumento dos
quando alguns de seus representantes, acusados de atentar efetivos militares, a fim de conter os espanhóis e assegurar
contra a vida do rei, foram torturados e executados. o domínio português sobre o Sul do Brasil.
• Expulsão dos jesuítas de Portugal e colônias, sob a No Brasil, a expulsão dos jesuítas ordenada por
acusação de interferirem nos assuntos de governo e de Pombal abriu duas lacunas graves: a questão educacional,
planejarem a criação de um império teocrático em terras tendo em vista que os jesuítas eram os responsáveis pelo
americanas. Essa decisão de Pombal evidencia seu ensino na colônia; e a administração dos aldeamentos
anticlericalismo – especialmente seu antijesuitismo –, indígenas, até então sob a responsabilidade da Companhia
nutrido pelo pensamento iluminista. de Jesus. Visando resolver esses problemas, o governo
pombalino tomou as seguintes providências:
• Proibição dos autos de fé (punições públicas de he-
reges, incluindo a execução na fogueira), o que enfraque- • O ensino foi secularizado ou laicizado, saindo da
ceu a atuação da Inquisição e, por conseguinte, a influência responsabilidade do clero e passando a ser ministrado por
da própria Igreja. professores seculares/leigos, isto é, não eclesiásticos. O
novo sistema educacional, denominado aulas régias, passou
• Reforma e modernização do sistema educacional
a ser gerido pelo Estado, sendo os professores remunerados
português, destacando-se as mudanças introduzidas no
por meio de um imposto especial, o subsídio literário.
currículo da Universidade de Coimbra.
• Foi criado o Diretório dos Índios para suceder a
• Esforço para reduzir o déficit da balança comercial
tutela dos jesuítas sobre os indígenas, os quais ainda foram
portuguesa, restringindo a importação de produtos ingle-
beneficiados por outras medidas: proibição definitiva de
ses, incentivando a produção de vinhos (principal produto
sua escravização, equiparação dos aborígenes cristianiza-
de exportação português), recuperando as manufaturas
dos aos demais súditos* brasileiros e incentivo aos casa-
têxteis do país e limitando as remessas de ouro brasileiro
mentos interétnicos**.
para a Inglaterra.
* A expressão “súdito” (alguém que deve obediência a um monarca),
Com relação ao Brasil, o governo de Pombal atuou característica do Antigo Regime, gradualmente cedeu lugar ao termo
em quatro eixos: centralização administrativa, incentivo “cidadão” (já utilizado em regimes republicanos desde a Antiguidade),
à atividade produtiva, arrocho fiscal (aumento da a partir da Revolução Francesa.
tributação) e defesa das fronteiras sulinas. Nesse contexto, ** Na verdade, a “integração” dos índios na sociedade colonial visava
devem ser destacados os seguintes aspectos: permitir que eles fossem recrutados para as tropas que enfrentavam os
espanhóis nas fronteiras do Sul.
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A Viradeira Diferentemente do que ocorreu na América Espanhola,


o Santo Ofício (Inquisição) não foi instalado em terras
D. José I morreu em 1777, sendo sucedido por sua
brasileiras, limitando-se a realizar três “visitações”, entre
filha, D. Maria I, católica devota e irredutível adversária
1591 e 1628, durante a União Ibérica, mas não chegou a
de Pombal. Tão logo a soberana assumiu o trono, o até ali
realizar nenhum auto de fé. Na ausência dos inquisidores,
poderoso ministro demitiu-se das funções que exercia e
as autoridades eclesiásticas coloniais enviavam para Lisboa
retirou-se para suas propriedades no interior.
D. Maria alterou – quando não anulou – algumas os suspeitos de se desviarem do catolicismo, a fim de serem
iniciativas pombalinas, restabelecendo a influência julgados pela Inquisição. Desses acusados, 22 morreram na
política da nobreza e afastando os administradores de fogueira (todos no século XVIII), condenados como
origem burguesa nomeados por Pombal; além disso, a judaizantes*.
nova governante afrouxou as medidas de contenção do * Quando D. Manoel I expulsou os judeus de Portugal, em 1496, foram
autorizados a permanecer aqueles que se convertessem ao catolicismo.
déficit comercial; e o país, que sob a férrea administração Conhecidos como cristãos novos, esses ex-judeus e seus descendentes eram
do marquês alcançara certa estabilidade econômica, discriminados e foram muito perseguidos pela Inquisição, sob a acusação de
serem judaizantes, isto é, de praticar o judaísmo secretamente.
retomou sua trajetória de decadência, atrelada ao
predomínio do capitalismo britânico. Essa mudança de
rumos ficou conhecida em Portugal pelo nome de Atuação dos jesuítas
Viradeira. A partir de então, a influência iluminista em
Como em todas as demais áreas dominadas pelo
Portugal cedeu lugar às ideias conservadoras, direcionadas
catolicismo romano, o clero do Brasil Colônia com-
para a preservação do Antigo Regime. Mesmo assim,
preendia sacerdotes seculares (não pertencentes a uma
pode-se destacar, como uma medida progressista nesse
congregação específica) e membros do clero regular.
ambiente de estagnação intelectual, a fundação da
Destes, os frades carmelitas, os franciscanos e os
Academia das Ciências de Lisboa, em 1779.
beneditinos tiveram certo destaque, sobretudo por suas
No Brasil, a pressão fiscalista continuou no reinado de
atividades missionárias na Amazônia. Mas foi a Compa-
D. Maria I; no entanto, as companhias de comércio
nhia de Jesus que, de longe, ganhou maior projeção,
privilegiadas criadas por Pombal foram extintas. Mas a
devido à sua atuação em duas frentes: a evangelização
medida econômica de maior repercussão foi a entrada em
dos ameríndios e a organização do sistema educacional
vigor, em 1785, do Alvará de Proibição Industrial, que
da colônia. Em ambos os aspectos, os padres jesuítas
fechou todas as manufaturas existentes no Brasil (produção
cumpriam objetivos estabelecidos por seu fundador,
têxtil, peças de vestuário, artigos de couro, cutelaria,
construção naval e outras), com exceção da produção de Santo Inácio de Loyola, no âmbito da Contrarreforma.
açúcar e seus derivados, bem como de tecidos grosseiros, Procurando contrabalançar a perda de fiéis católicos para
destinados a enfardar produtos e a vestir escravos. Essa o protestantismo, Loyola conclamou seus seguidores a
proibição tornou o Brasil mais dependente dos produtos converter os gentios (pagãos), principalmente na América
ingleses, os quais eram intermediados por Portugal graças ao e na Ásia. Paralelamente a essa atividade missionária, os
exclusivo comercial metropolitano. jesuítas deveriam dedicar-se a robustecer a fé dos jovens
católicos por meio da educação. Na Europa, o ensino
jesuítico foi direcionado preferencialmente para os
6. A Igreja e os jesuítas membros da nobreza e das casas reais, de modo a
comprometê-los com a defesa do catolicismo e o apoio à
A Igreja no Brasil Colonial Igreja, quando viessem a assumir funções de governo.
Esse viés político dos inacianos iria levá-los, no século
A Igreja Católica teve papel de destaque no Brasil XVIII, a ser duramente atacados pelos filósofos
Colonial, dando suporte à dominação metropolitana e iluministas.
atuando como ordenadora religiosa, moral, cultural e No Brasil, desde que chegaram com o primeiro go-
ideológica da sociedade – uma decorrência de sua vernador-geral, os loyolistas assumiram o controle do
tradicional ligação com o Estado absolutista. No entanto, ensino, fundando diversos colégios*, não apenas para
ela encontrou certa dificuldade para manter a integridade educar os filhos dos colonos, mas também para catequizar
da doutrina junto às camadas populares, devido à e instruir os indígenas. Foi visando a este último objetivo
existência, na formação social brasileira, de raízes culturais que o Padre Manoel da Nóbrega, em 1554, ordenou a
não europeias, principalmente de origem africana. fundação do colégio de São Paulo de Piratininga, terceiro

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colégio instalado no Brasil (os dois primeiros foram os índios catequizados em grandes aldeamentos
fundados em Salvador e São Vicente) e o primeiro (também conhecidos como missões ou reduções),
localizado longe do litoral**. controlados pelos inacianos, deu origem a uma mão de
* Os colégios coloniais brasileiros ensinavam desde as primeiras letras até o obra laboriosa, dedicada ao cultivo de diversos produtos,
que hoje seria considerado o Ensino Médio. Todavia, enquanto na América ao artesanato e à pecuária, o que fez desses aldeamentos
Espanhola foram criadas diversas universidades, no Brasil não existiram
instituições de ensino superior, devido ao temor, sentido pela metrópole, de que prósperos polos econômicos com características de
os colonos se desenvolvessem intelectualmente, tornando-se potencialmente comunidades urbanizadas.
perigosos para a exploração colonial.

** O povoado surgido em torno do colégio jesuítico de São Paulo foi elevado Supressão da
a vila em 1560, quando absorveu os moradores de Santo André da Borda do Companhia de Jesus
Campo, vila fundada por João Ramalho em local menos favorecido.

Não se pode portanto estudar a situação dos brasilí- No transcorrer do século XVIII, as ideias
ndios no Período Colonial sem envolver a Companhia de iluministas ganharam força nos meios intelectuais
Jesus. Nesse sentido, destaca-se a figura de José de An- europeus. Uma faceta da nova ideologia era seu
chieta (1534-97), incansável catequizador e educador dos anticlericalismo, motivado por dois fatores: 1) o
indígenas, com justiça apelidado o Apóstolo dos racionalismo iluminista, ao sobrepor a razão à fé,
Gentios*. chocava-se com a posição da Igreja, que pregava o
inverso; 2) a Igreja representava um dos pilares do
* O Padre Anchieta foi canonizado em 2014, tornando-se o terceiro santo
“brasileiro”, embora tenha nascido nas Ilhas Canárias, pertencentes à Antigo Regime e do absolutismo, ambos combatidos
Espanha. pelo liberalismo dos filósofos da Ilustração. Nesse
cenário, os jesuítas tornaram-se um alvo preferencial
dos anticlericais, por serem a ordem religiosa mais
atuante na defesa da Igreja e do Papado.
A campanha antijesuítica intensificou-se com a
ascensão ao poder, em várias monarquias católicas, de
soberanos considerados “déspotas esclarecidos”. Acusa-
dos de se imiscuírem nos assuntos de governo, os ina-
cianos foram expulsos sucessivamente de Portugal
(1759), França* (1762), Áustria e Duas Sicílias** (1767),
Espanha e Ducados de Parma e de Módena (1768)***.
Finalmente, em 1773, a Companhia de Jesus foi
suprimida pelo papa Clemente XIV, influenciado pela
opiniões da época.
* O rei francês Luís XV não pode ser considerado um déspota esclarecido, mas
Anchieta e Nóbrega na Cabana do Cacique Pindobuçu, de Benedito Calixto muitos de seus ministros e outros auxiliares foram influenciados pelas ideias
(1927). A tela retrata a visita dos dois jesuítas à aldeia de Iperoig (atual ilustradas, que tinham na França seu principal centro de irradiação.
Ubatuba), com o intuito de negociar um armistício entre portugueses e índios
tupinambás. Estes, na época, integravam a Confederação dos Tamoios, aliada ** O Reino das Duas Sicílias (também conhecido como Reino de Nápoles)
dos franceses instalados na Baía da Guanabara. incluía a Ilha da Sicília e a porção meridional da Península Itálica.
*** O elevado nível intelectual dos jesuítas e sua reputação de excelentes
A ordem jesuítica se distinguiu na defesa dos indíge- professores fez com que fossem acolhidos por monarcas acatólicos, como
Frederico II da Prússia (luterano) e Catarina II da Rússia (cristã ortodoxa).
nas contra os propósitos escravistas dos colonizadores, o
que gerou constantes atritos, principalmente com os Privado de seu mais eficiente sustentáculo, o Papado
bandeirantes paulistas. Exemplos desses incidentes passaria por grandes abalos nas décadas seguintes, a partir
foram a Botada dos Padres para Fora, ordenada pela da eclosão da Revolução Francesa. O clímax dessa crise
câmara municipal de São Paulo em 1640, e a expulsão foi a prisão do papa Pio VII entre 1809 e 1814, por deter-
dos jesuítas do Maranhão em 1684, por ocasião da minação de Napoleão Bonaparte. Com a queda do impe-
Revolta de Beckman. Entretanto, deve-se lembrar que, rador francês, Pio VII retornou a Roma, onde um de seus
se de um lado os padres da Companhia de Jesus foram primeiros atos foi o restabelecimento da Companhia de
ardorosos defensores e protetores dos aborígenes, de Jesus. Esta permanece ativa nos dias de hoje e continua a
outro, ao catequizá-los, promoviam sua aculturação e os ser criticada pelos anticlericais. Em 2013, pela primeira
tornavam mais submissos, inibindo sua capacidade de vez um jesuíta assumiu o Papado, com o nome de
resistir à escravização. Outrossim, o sistema de agrupar Francisco.
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1. (FUVEST) – Com a fundação da vila de São Vicente, instalou-se na 4. Hoje em dia, nas grandes cidades, enterrar os
colônia a primeira instituição da administração local. Que instituição mortos é uma prática quase íntima, que diz respeito
era essa e como estava organizada? apenas à família. A menos, é claro, que se trate de
Resolução uma personalidade conhecida. Entretanto, isso nem sempre foi
Era a Câmara Municipal, representando o poder local. De com- assim. Para um historiador, os sepultamentos são uma fonte de
posição elitista, dela faziam parte apenas os “homens-bons” informações importantes para que se compreenda, por exemplo,
(grandes proprietários de terras e de escravos), que escolhiam, a vida política das sociedades.
entre eles, os vereadores, procuradores e um juiz ordinário, res- No que se refere às práticas sociais ligadas aos sepultamentos,
ponsável pela presidência da Câmara. O pelourinho simbolizava a
a) na Grécia Antiga, as cerimônias fúnebres eram desvalorizadas,
autonomia municipal.
porque o mais importante era a democracia experimentada
2. Sobre o regime de Capitanias Hereditárias, assinale Verdadeiro pelos vivos.
ou Falso. b) na Idade Média, a Igreja tinha pouca influência sobre os rituais
(0) Foi instituído no Brasil por D. João III, o Colonizador, em 1534. fúnebres, preocupando-se mais com a salvação da alma.
(1) Os donatários recebiam lotes de terras, tornando-se legítimos c) no Brasil Colônia, o sepultamento dos mortos nas igrejas era
proprietários. regido pela observância da hierarquia social.
(2) Cada donataria se constituía em uma unidade autônoma. d) na época da Reforma, o catolicismo condenou os excessos de
(4) As capitanias eram hereditárias, mas poderiam ser loteadas e gastos que a burguesia fazia para sepultar seus mortos.
vendidas. e) no período posterior à Revolução Francesa, devido às grandes
(8) O capitão-donatário devia satisfações apenas ao rei. perturbações sociais, abandona-se a prática do luto.
Resolução Resolução
Os donatários recebiam apenas a posse da terra, reservando-se o A forte hierarquização da sociedade colonial brasileira transparecia
seu domínio – ou propriedade – ao Estado. Embora fossem here- não só no posicionamento dos vivos durante os serviços religiosos
ditárias, as capitanias eram indivisíveis e inalienáveis, no todo ou (os “homens-bons” e suas famílias ocupavam os assentos mais
em parte.
próximos do altar), mas também no dos mortos. Com efeito, os
Resposta: V, F, V, F e V
membros das famílias influentes tinham suas sepulturas no interior
3. ”Jean de Léry viveu na França na segunda metade das igrejas, ao passo que os mortos de menor expressão social
do século XVI, época em que as chamadas guerras eram enterrados nos terrenos circunvizinhos, com uma simples
de religião opuseram os católicos aos protestantes. cruz a marcar o local da inumação.
No texto abaixo, ele relata o cerco da cidade de Sancerre por tropas Resposta: C
católicas.
(...) desde que os canhões começaram a atirar sobre nós com 5. (FUVEST) – “E [os índios] são tão cruéis e bestiais que assim matam
maior frequência, tornou-se necessário que todos dormissem nas aos que nunca lhes fizeram mal, clérigos, frades, mulheres... Esses
casernas. Eu logo providenciei para mim um leito feito de um lençol gentios a nenhuma coisa adoram, nem conhecem a Deus.”
atado pelas suas duas pontas e assim fiquei suspenso no ar, à (Padre Manuel da Nóbrega, em carta de 1556.)
maneira dos selvagens americanos (entre os quais eu estive
durante dez meses), o que foi imediatamente imitado por todos os “(...) Não vejo nada de bárbaro ou selvagem no que dizem daqueles
nossos soldados, de tal maneira que a caserna logo ficou cheia povos; e na verdade, cada qual considera bárbaro o que não se
deles. Aqueles que dormiram assim puderam confirmar o quanto pratica em sua terra.
esta maneira é apropriada tanto para evitar os vermes quanto para
(...) Esses povos não me parecem, pois, merecer o qualitativo de
manter as roupas limpas (...).”
selvagens somente por não terem sido se não muito pouco
Neste texto, Jean de Léry
modificados pela ingerência do espírito humano e não haverem
a) despreza a cultura e rejeita o patrimônio dos indígenas ameri-
quase nada perdido de sua simplicidade.”
canos.
(Michel de Montaigne, Ensaios, 1588.)
b) revela-se constrangido por ter de recorrer a um invento de
selvagens.
a) Compare as concepções dos dois autores sobre as populações
c) reconhece a superioridade das sociedades indígenas america-
nas com relação aos europeus. nativas do Brasil.
d) valoriza o patrimônio cultural dos indígenas americanos, adap- b) Indique a concepção que prevaleceu e quais as consequências
tando-o às suas necessidades. para a população indígena.
e) valoriza os costumes dos indígenas americanos porque eles Resolução
também eram perseguidos pelos católicos. a) A concepção expressa por Manuel da Nóbrega revela a
Resolução continuidade de uma visão católica intolerante em relação aos
O texto se explica por si mesmo, mostrando como um europeu não cristãos (“gentios”) herdada da Idade Média e empregada
que vivera entre os índios do Brasil assimilou algumas de suas como justificativa para a conquista e colonização da América. Já
práticas, adaptando uma delas (o uso da rede) às suas necessida- a concepção de Montaigne evidencia o pensamento renascen-
des na Europa. tista (portanto, moderno), embasado no racionalismo, no
Resposta: D antropocentrismo e no universalismo.

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b) Prevaleceu a concepção predominante nos reinos ibéricos, pois 8. (UFP) – Durante a época de Pombal (1750-1777), Portugal buscou
a eles coube colonizar a maior parte do continente americano. anular os desastrosos efeitos que o Tratado de Methuen (1703)
As consequências foram a dizimação da população indígena e havia trazido para sua economia. Sobre as ações do ministro, é
a aculturação de seus remanescentes, insertos nos estratos incorreto afirmar que
inferiores da sociedade colonial. a) transferiu a capital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro.
b) estimulou a criação de manufaturas em Portugal, proibiu a
6. (FUVEST) – Os portugueses chegaram ao território, depois deno- exportação de ouro e combateu o contrabando.
minado Brasil, em 1500, mas a administração da terra só foi organi- c) criou a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e a
zada em 1549. Companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba.
Isso ocorreu porque, até então, d) reafirmou o poder da Companhia de Jesus, colocando nas
a) os índios ferozes trucidavam os portugueses que se aventuras- mãos dos jesuítas a reforma do ensino em Portugal.
sem a desembarcar no litoral, impedindo assim a criação de e) criou para o Brasil inúmeros impostos complementares, além
núcleos de povoamento. de impor a primeira derrama à população mineira.
b) a Espanha, com base no Tratado de Tordesilhas, impedia a pre- Resolução
sença portuguesa nas Américas, policiando a costa com expe- Uma das medidas marcantes da administração pombalina, dentro
dições bélicas. do chamado despotismo esclarecido, foi a expulsão dos jesuítas
c) as forças e atenções dos portugueses convergiam para o de Portugal e do Brasil, ao mesmo tempo em que se laicizava o
Oriente, onde vitórias militares asseguravam relações comer- ensino.
ciais lucrativas. Resposta: D
d) os franceses, aliados dos espanhóis, controlavam as tribos
indígenas ao longo do litoral, bem como as feitorias da costa 9. A questão étnica no Brasil tem provocado diferentes atitudes:
sul-atlântica. I. Instituiu-se o “Dia Nacional da Consciência Negra” em 20 de
e) a população de Portugal era pouco numerosa, impossibilitando novembro, em vez da tradicional celebração do 13 de maio. Essa
o recrutamento de funcionários administrativos. nova data é o aniversário da morte de Zumbi, que hoje simboliza
Resolução a crítica à segregação e à exclusão social.
De 1500 a 1530 (Período Pré-Colonial), o Brasil permaneceu em II. Um turista estrangeiro que veio ao Brasil no Carnaval afirmou
uma situação de relativo abandono por parte de Portugal, pois este que nunca viu tanta convivência harmoniosa entre as diversas etnias.
estava muito mais interessado na exploração do comércio de Também sobre essa questão, estudiosos fazem diferentes refle-
especiarias com as Índias. Todavia, a preocupação metropolitana xões:
em iniciar a colonização do Brasil data de 1530, quando o comércio “Entre nós [brasileiros], (...) a separação imposta pelo sistema de
de produtos orientais começou a dar sinais de crise. Já em 1532, produção foi a mais fluida possível. Permitiu constante mobilidade
Martim Afonso de Sousa fundou a vila de São Vicente e, em 1534, de classe para classe e até de uma raça para outra. Esse amor,
foi implantado o sistema de capitanias hereditárias, o que evidencia acima de preconceitos de raça e de convenções de classe, do
a seriedade das intenções colonizadoras lusitanas nesse momento. branco pela cabocla, pela cunhã, pela índia (...) agiu poderosamente
A data de 1549, correspondente ao estabelecimento do Governo- na formação do Brasil, adoçando-o.”
Geral na Bahia, assinala na verdade o início da centralização (Gilberto Freyre, O mundo que o português criou)
administrativa dentro da colonização.
“[Porém] o fato é que ainda hoje a miscigenação não faz parte de
Resposta: C
um processo de integração das ‘raças’ em condições de igualdade
7. (ETF) – O Quilombo dos Palmares passou para a História do Brasil social. O resultado foi que (...) ainda são pouco numerosos os
como o símbolo da resistência negra, sediado na Serra da Barriga, segmentos da ‘população de cor’ que conseguiram integrar-se,
no atual estado de Alagoas. Esta experiência existiu porque efetivamente, na sociedade competitiva.”
a) os holandeses dominaram o Nordeste e não tinham interesse (Florestan Fernandes, O negro no mundo dos brancos)

no escravo africano. Considerando as atitudes expostas acima e os pontos de vista dos


b) os paulistas começaram a apresar o índio e a vendê-lo para as estudiosos, é correto aproximar
lavouras nordestinas, suprimindo o braço escravo. a) a posição de Gilberto Freyre e a de Florestan Fernandes igual-
c) as invasões holandesas permitiram a fuga dos escravos negros mente às duas atitudes.
porque desorganizavam as fazendas, nos primeiros tempos. b) a posição de Gilberto Freyre à atitude I e a de Florestan Fer-
d) a fuga era a única saída para os quilombolas auxiliados pelos nandes à atitude II.
jesuítas. c) a posição de Florestan Fernandes à atitude I e a de Gilberto
e) os escravos africanos foram estimulados pelos bandeirantes, Freyre à atitude II.
que pretendiam valorizar a mão de obra indígena. d) somente a posição de Gilberto Freyre a ambas as atitudes.
Resolução e) somente a posição de Florestan Fernandes a ambas as atitudes.
Com efeito, as lutas contra o invasor holandês desarticularam os Resolução
engenhos produtores de açúcar, tornando-se, portanto, um dos Mera interpretação de texto. A atitude I se refere à atual posição
elementos explicativos da formação de quilombos no Nordeste dos afrodescendentes na luta pela igualdade social. Já a atitude II
colonial. Palmares, um aglomerado de núcleos de fugitivos, não reflete uma posição de integração (ainda que circunstancial) étnica
era formado apenas por escravos negros mas sim por mulatos, e racial. Ora, as observações de Florestan Fernandes e de Gilberto
indígenas, mestiços e brancos marginalizados. Freyre concordam, respectivamente, com as atitudes I e II.
Resposta: C Resposta: C

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10. (FATEC) – A escravidão indígena adotada no início da colonização c) Com o primeiro governador-geral, veio a primeira missão jesuí-
do Brasil foi progressivamente abandonada e substituída pela tica, chefiada por Manuel da Nóbrega e incumbida de cuidar
africana, entre outros motivos devido das coisas espirituais.
a) ao constante empenho do Papado na defesa dos índios contra d) O governador-geral, o ouvidor-mor e o provedor-mor receberam
os colonos. cada qual o seu regimento.
b) à bem-sucedida campanha dos jesuítas em favor dos índios. e) Com a criação do Governo-Geral, as capitanias hereditárias fo-
c) à completa incapacidade dos índios para o trabalho. ram extintas.
d) aos grandes lucros proporcionados pelo tráfico negreiro aos ca-
pitais particulares e à Coroa. 15. (MACKENZIE) – "Do rei os donatários não recebiam mais do que
e) ao desejo manifestado pelos negros de emigrarem para o Brasil a própria terra e os poderes para conquistá-la".
em busca de trabalho. (Eduardo Bueno, Capitães do Brasil)

11. No Brasil e no Caribe, a escravidão africana constituiu-se na princi- Assinale a alternativa correta sobre o sistema de colonização citado
pal modalidade de trabalho. Na América de colonização espanhola no texto.
– México, Peru –, predominou o trabalho indígena compulsório. a) O sistema de capitanias tinha por objetivo solucionar a questão
Explique as origens dessas diferenças. demográfica em Portugal, deslocando para a colônia o exce-
dente de população.
12. (FUVEST) – Com relação ao Período Colonial, tanto na América b) Pernambuco e São Vicente foram as capitanias bem-sucedidas,
Portuguesa como na América Espanhola, considere as seguintes graças ao apoio francês ao comércio do açúcar e extrativismo
afirmações: de pau-brasil.
1. A mão de obra africana, empregada nas atividades econômicas, c) Financiado totalmente pelo governo português, fracassou em
era predominante. virtude da péssima administração.
2. As Coroas controlavam as economias por intermédio de mono- d) As lutas contra nativos, longas distâncias, falta de recursos,
pólios e privilégios. levaram o sistema ao fracasso, embora seu legado, como o lati-
3. Os nascidos nas Américas não sofriam restrições para fúndio e a estrutura social excludente, tenham sido duradouros
ascender nas administrações civis e religiosas. em nosso país.
4. A alta hierarquia da Igreja Católica mantinha fortes laços polí- e) A excelente situação econômica de Portugal facilitou o apoio
ticos com as Coroas. aos donatários, que reproduziram no Brasil o sistema feudal
5. As rebeliões manifestaram as insatisfações políticas de dife- europeu.
rentes grupos sociais.
Das afirmações acima, são verdadeiras apenas 16. (FUVEST) – Os primeiros jesuítas chegaram à Bahia com o
a) 1, 2 e 3. b) 1, 3 e 4. c) 2, 3 e 5. governador-geral Tomé de Sousa, em 1549, e em pouco tempo se
d) 2, 4 e 5. e) 3, 4 e 5. espalharam por outras regiões da colônia, permanecendo até sua
expulsão pelo governo de Portugal em 1759. Sobre as ações dos
jesuítas nesse período, é correto afirmar que
13. (UCSAL) – Ao estabelecer o sistema de capitanias hereditárias, a) criaram escolas de arte que foram responsáveis pelo desenvol-
D. João III objetivava vimento do barroco mineiro.
a) demonstrar que as sugestões feitas por Cristóvão Jacques, al- b) defenderam os princípios humanistas e lutaram pelo reconhe-
guns anos antes, eram extraordinárias. cimento dos direitos civis dos nativos.
b) repetir em territórios brasileiros uma experiência bem-sucedida c) foram responsáveis pela educação dos filhos dos colonos por
nas ilhas do Oceano Atlântico e no litoral oriental da África. meio da criação de colégios secundários e escolas de “ler e
c) povoar o litoral brasileiro em toda a sua extensão concomitan- escrever”.
temente, impedindo assim novas incursões estrangeiras. d) causaram constantes atritos com os colonos por defenderem,
d) incentivar o cultivo da cana-de-açúcar por meio da doação de esses religiosos, a preservação das culturas indígenas.
terras a estrangeiros, modernizando assim a produção. e) formularam acordos políticos e diplomáticos que asseguraram
e) fortalecer o poder da nobreza portuguesa, que se encontrava a incorporação da região amazônica ao domínio português.
em declínio, oferecendo-lhe vastas áreas de terras no Brasil.
17. (UFSC) – “Se edificamos com eles as suas igrejas [...], eles servem
14. (FUVESTÃO) – A instituição do Governo-Geral do Brasil, com sede a Deus e a si, nós servimos a Deus e a eles; mas não eles a nós. Se
na Baía de Todos os Santos, gerou profundas alterações na es- nos vêm buscar em uma canoa [...], para os ir doutrinar por seu turno,
trutura administrativa da colônia. Entre essas modificações, pode- ou para ir sacramentar os enfermos a qualquer hora do dia ou da noite,
mos mencionar as seguintes, exceto: em distância de trinta, de quarenta, e de sessenta léguas, não nos
a) A arrecadação dos impostos passou a ser coordenada e fis- vêm eles servir a nós, nós somos os que os imos servir a eles.” [sic]
calizada por um provedor-mor. (António Vieira. Obras completas do Padre António Vieira: Sermões.
b) A defesa da colônia passou para o comando e responsabilidade Porto: Lello & Irmão, 1959. p. 39.)
de um capitão-mor da costa.

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Durante o ano de 2008, celebram-se os 400 anos do nascimento dos grupos indígenas brasileiros. Vários missionários jesuítas
do padre Antônio Vieira, missionário jesuíta, pregador renomado e moravam nas aldeias procurando conhecer os hábitos, a cultura
autor do fragmento anteriormente citado. e respeitando a religiosidade indígena.
Sobre o padre Antônio Vieira e a atuação dos jesuítas na América, c) A educação foi um dos principais instrumentos de evangeliza-
é correto afirmar: ção dos jesuítas, que fundaram colégios no Brasil e organizaram
(01) Os missionários jesuítas, entre eles José de Anchieta, Manuel aldeamentos conhecidos como Missões para catequizar os
da Nóbrega e Antônio Vieira, atuaram no Brasil, na tentativa de indígenas e convertê-los para o catolicismo.
converter os povos indígenas ao catolicismo. d) Os jesuítas chegaram ao Brasil como o braço religioso da Coroa
(02) Os aldeamentos e reduções foram criados pelos missioná- Portuguesa. Tinham como missão catequizar os indígenas e
rios jesuítas em Brasil, Paraguai e Argentina, como tentativas apoiar os bandeirantes na captura dos índios, que passavam a
de escravização das comunidades indígenas. morar nas vilas e missões.
(04) A autonomia administrativa permitida aos jesuítas pelas autori- e) A ação militar foi a forma pela qual os jesuítas participaram da
dades da Espanha e de Portugal possibilitou aos grupos aldea- colonização portuguesa no Brasil. Apoiados pelo Marquês de
dos e às Reduções um desenvolvimento pacífico e harmonio- Pombal, estabeleceram Missões na região de São Paulo e no
so até o século XX. Sul do País para manter os índios reunidos.
(08) Na América do Sul, os jesuítas fundaram aldeamentos,
reduções e escolas, nos quais pretendiam educar os colonos 20. (UNESP) – "Há uma encruzilhada de três estradas sob a minha cruz
e convencer os povos indígenas que a aceitação pacífica do de estrelas azuis: três caminhos se cruzam – um branco, um verde
trabalho escravo os tornaria dignos do Céu. e um preto – três hastes da grande cruz / E o branco que veio do
(16) Nas reduções e aldeamentos do Paraguai e do Brasil, além da norte, e o verde que veio da terra, e o preto que veio do leste
evangelização, os jesuítas organizavam atividades artísticas, derivam, num novo caminho, completam a cruz / unidos num só,
como a música e o teatro. fundidos num vértice."
(32) O padre Antônio Vieira, além de dedicar-se às atividades (Guilherme de Almeida, Raça)
missionárias, atuou como pregador e publicou extensa obra,
com destaque para os “Sermões”, que reúnem as suas Nessa visão poética da história do povo brasileiro, o autor
pregações. a) refere-se ao domínio europeu e à condição subalterna dos
africanos na formação da nacionalidade.
18. (FUVEST) – “A fundação de uma cidade não era problema novo b) trata dos seus três grupos étnicos, presentes desde a coloni-
para os portugueses; eles viram nascer cidades nas ilhas e na zação, mesclados numa síntese nacional.
África, ao redor de fortes ou ao pé das feitorias; aqui na América, c) critica o papel desempenhado pelos jesuítas sobre
dar-se-ia o mesmo e as cidades surgiriam...” portugueses, índios e negros na época colonial.
(João Ribeiro, História do Brasil.) d) expressa ideias e formas estéticas do movimento romântico
do século XIX, que enaltecia a cultura negra.
Baseando-se no texto, é correto afirmar que as cidades e as vilas, e) elogia o movimento nacionalista que resultou na implantação
durante o Período Colonial Brasileiro, de regimes políticos autoritários no Brasil.
a) foram uma adaptação dos portugueses ao modelo africano de
aldeias junto aos fortes para proteção contra ataques das tribos 21. (UNIFESP) – Encerrado o período colonial no Brasil, entre as várias
inimigas. instituições que a metrópole implantou no País, uma sobreviveu à
b) surgiram a partir de missões indígenas, de feiras do sertão, de Independência.
pousos de passagem, de travessia dos grandes rios e próximas
aos fortes do litoral. Trata-se das
c) foram planejadas segundo o padrão africano para servir como a) províncias gerais.
sede administrativa das capitais das províncias. b) milícias rurais.
d) situavam-se nas áreas de fronteiras para facilitar a demarcação c) guardas nacionais.
dos territórios também disputados por espanhóis e holandeses. d) câmaras municipais.
e) foram núcleos originários de engenhos construídos perto dos e) cortes de justiça.
grandes rios para facilitar as comunicações e o transporte do
açúcar. 22. (VUNESP) – “Efetivamente, ocorriam casamentos mesmo entre
os escravos. É preciso lembrar que a Igreja incumbia os senhores
19. (IBMEC-SP) – A Companhia de Jesus foi criada na Espanha em de manter seus cativos na religião católica, responsabilizando-os
1534 no contexto da Contrarreforma, tendo uma atuação impor- pelo acesso aos sacramentos e ritos de culto. Dessa forma, o
tante no processo colonizador da América Portuguesa. Sobre a casamento era não só forma de aculturação, mas também de
atuação da Companhia de Jesus na colonização do Brasil, podemos estabilidade nos plantéis, desestimulando fugas e mesmo as
afirmar: alforrias, revertendo sempre no interesse do próprio senhor. Como
a) Os jesuítas foram responsáveis pela fundação das primeiras exemplo, no Serro Frio, Francisca da Silva de Oliveira, a conhecida
cidades brasileiras como São Paulo, São Vicente e Salvador. A Chica da Silva, casava sistematicamente seus escravos. Em 30 de
catequização dos indígenas era feita em reduções onde eles julho de 1765, na matriz de Santo Antônio do Tejuco, casaram-se
permaneciam em regime de escravidão. seus escravos Joaquim Pardo e Gertrudes Crioula.”
b) Os jesuítas se destacaram na ação educativa e catequizadora (Júnia Ferreira Furtado, Cultura e sociedade no Brasil Colônia.)

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Assim, para os senhores de escravos, permitir e incentivar o casa- 24. (VUNESP) – Sobre o tratamento dispensado aos índios no Período
mento dos seus escravos significava Colonial, pode-se afirmar:
a) contrapor-se aos interesses da Igreja Católica, que defendia os a) Os colonos de várias regiões do Brasil e os representantes das
rituais religiosos apenas aos homens livres. ordens religiosas, especialmente os jesuítas, entraram em
b) ampliar, de maneira substancial, as ocorrências de alforrias das conflito, pois defendiam formas diversas nas relações com as
crianças nascidas desses casamentos. sociedades indígenas.
c) resgatar as tradições culturais e religiosas dos povos africanos, b) As ordens religiosas de origem portuguesa e os grandes pro-
assegurando o casamento entre pessoas da mesma etnia. prietários rurais defendiam a escravização indiscriminada dos
d) ter escravos disciplinados para o trabalho e menos propensos povos indígenas, mesmo para aqueles que fossem
aos atos de rebeldia contra a escravidão. catequizados.
e) evitar as uniões entre africanos e colonizadores brancos, em c) Com o início do tráfico negreiro para o Brasil em fins do século
nome do projeto de “embranquecimento” do Brasil. XVI, uma ampla legislação do Estado português de proteção
aos índios passou a vigorar, cessando de imediato a escravidão
23. (FATEC) – O sistema de Capitanias Hereditárias indígena.
a ) deixou sua marca na História do Brasil, pois estimulou o povoa- d) Para a Igreja Católica e para os senhores de escravo, árduos
mento e fez funcionar satisfatoriamente a produção e o co- defensores do sentido religioso da colonização do Brasil, a
mércio na colônia. escravização indígena deveria ser um instrumento de conversão
b) gerou uma administração política centralizada nas mãos dos religiosa.
capitães-donatários e desvinculada do governo português. e) A experiência de escravização dos povos indígenas no Brasil foi
c) foi regulamentado por dois documentos legais: a Carta de efetiva em poucas regiões do Nordeste, em atividades de
Doação, que estipulava os direitos e deveres dos donatários, e menor importância econômica e apenas nas primeiras décadas
a Carta Foral, que definia as condições da posse de capitania. da presença lusa.
d) foi adotado devido à presença de estrangeiros no litoral, à
péssima situação econômica de Portugal e ao sucesso do
sistema, já utilizado nas ilhas do Atlântico.
e) dava ao capitão-donatário um poder limitado sobre sua
capitania, uma vez que o rei ficava com a terra quando
ocorresse sua morte.

10. D

11. A adoção do escravismo africano na América Portuguesa e no


Caribe, onde também predominava a grande lavoura mercan-
til, explica-se pela escassez de braços nas metrópoles e pela
alta lucratividade do tráfico negreiro. Na América Espanhola –
México e Peru –, onde se desenvolveu a mineração, o emprego
da mão de obra indígena é explicado pela existência de formas
de trabalho compulsório entre as populações indígenas pré-
colombianas, como a mita e o cuatequil, praticadas, respec-
tivamente, pelos incas e pelos astecas.

12. A afirmação I é falsa porque a mão de obra africana foi predo-


minante na América Portuguesa e a indígena, na América
Espanhola. A afirmação III é falsa porque os altos cargos civis
e religiosos da administração espanhola eram exercidos pelos
chapetones (nobres nascidos na Espanha), e não pelos criollos
(aristocracia rural nascida na América).
Resposta: D

13. C 14. E 15. D 16. C

17. (01) + (16) + (32) = 49 18. B 19. C

20. B 21. D 22. D 23. D

24. A

79

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