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Daniel Goleman
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A meditação alivia real mente os
quadros de ansiedade? Pode
combater o estresse, a hiper
tensão, as doenças cardíacas?
Ajuda a diminuir a incidência de doen
ças psicossomáticas tão comuns em nos
sos dias?
Essas sào algumas das questões que
Daniel Goleman coloca e responde cm
A mente meditativa. Ao relatar expe
riências científicas realizadas no Oriente
e no Ocidente, ele mostra que o estado
meditativo tem uma ação preventiva, e
em alguns casos curativa, no organismo
humano.
Escrito há mais de vinte anos, este
livro foi o ponto de partida para Inte
ligência emocional. Uma das mais
comentadas nos últimos tempos, essa
teoria revolucionária desloca a inteli
gência para o plano emocional, liber
tando-a da prisão puramente intelectual
a que foi confinada pela tradição posi
tivista.
O caminho para a ampliação do
entendimento humano passou por uma
reflexão profunda acerca das necessi
dades do homem e dos valores que ele
cria enquanto ser social — e que nem
sempre respondem de maneira positiva
a essas necessidades. Essa dicotomia, as
aflições e angústias que provoca, leva
ram o Autor a buscar respostas fora do
círculo científico ocidental, analítico
demais para abarcar, com a sensibili
dade exigida, as questões existenciais.
A mente meditaíiva — e, por conse
quência, inteligência emocional — c o
resultado dessa procura. E teve início
quando, ainda estudante de Psicologia
cm Harvard, Goleman passou a explo
rar o que chama de “caminhos pouco
usuais da mente”. Esses caminhos, co
nhecidos no Ocidente pelo nome gené
rico de estados alterados de consciência,
vem sendo percorridos pelas religiões
orientais há mais de 4 000 anos. Por
tanto, foi a cias que o Autor se voltou
cm sua exploração (pouco) acadêmica.
Daniel Goleman
A MENTE MEDITATIVA
As Diferentes Experiências
Meditativas no Oriente
e no Ocidente
Tradução de
Marcos Bagno
Editor
Nelson dos Reis
Editor-assistente
Ivany Picasso Batista
Preparação dos originais
Maurício Balthazar Leme
Revisão
Irene Catarina Nigro
Márcia Cruz Nóboa Leme
Ornella Miguellone
Projeto/Computação gráfica
Wander Camargo Silva
Capa
Christof Gunkel
ISBN 85 08 06130 7
1996
PARTE IV
A psicologia da meditação 131
19. Ábhidhammax uma psicologia oriental 131
20. Psicologia: Oriente e Ocidente 154
21. Meditação: pesquisa e aplicações práticas 175
Bibliografia 203
Leituras recomendadas 213
índice remissivo 215
Nota à edição brasileira
O VISUDDHIMAGGA:
UM MAPA PARA O ESPAÇO INTERIOR
1 As referências para esse e outros livros citados no texto podem ser encontradas na
Bibliografia.
26 A mente meditativa
2 Além da excelente tradução inglesa do original páli por Nanamoli Thera (1976),
outros comentários contemporâneos sobre o Visuddhimagga consultado incluem:
Bhikku Soma (1949), E. Conze (1956), Kalu Rimpoche (1974), Kashyap (1954),
Lama Govinda (1969), Ledi Sayadaw (1965), Mahasi Sayadaw (1965, 1970), Narada
Thera (1956), Nyanaponika Thera (1949, 1962, 1968), Nyanatiloka (1952a e b,
1972), P. V. Mahathera (1962).
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 27
O mestre
O mestre de meditação ideal foi o Buda, que, segundo
dizem, desenvolveu o poder de conhecer a mente e o coração
dos outros. Ele enquadrava perfeitamente cada pessoa no tema
e na circunstância adequados para a concentração. Na falta
desse mestre ideal, o Visuddhimagga aconselha o candidato1 a
meditador a escolher seu mestre segundo o nível de progresso
1 Onde está "o candidato”, "o meditador”, “ele”, “dele” ao longo das Partes I e III deste
livro, leia-se também “a candidata", “a meditadora”, "ela”, "dela". A via da medita
ção obviamente não está fechada para os membros de qualquer sexo, raça ou credo.
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 33
2. A via da concentração
Ao descrever a via da concentração, o mapa do Visuddhi-
magga padece de uma grave falha: começa com a descrição de
um avançado estado alterado, que muitos ou a maioria dos
meditadores podem jamais vir a vivenciar. Ele passa por cima
das etapas preliminares ordinárias — e muito mais comuns. Essa
lacuna pode ser preenchida com outras fontes budistas, que
começam com o estado de mente normal do meditador em vez
de com os estados muito raros que o Visttddhimagga descreve
em detalhe.
No início, o foco do meditador distrai-se do objeto de
meditação. Ao notar que está se distraindo, ele redireciona sua
consciência para o foco apropriado. Sua unidirecionalidade1 é
A um passo da absorção
Nas primeiras etapas da meditação, há uma tensão entre
concentração no objeto da meditação e pensamentos dispersi
vos. As principais distrações são os desejos sensuais; má vonta
de, desespero e ira; preguiça e torpor; agitação e preocupação;
e dúvida e ceticismo. Com muita prática, chega um momento
em que esses obstáculos são totalmente superados. Há então
uma notável aceleração da concentração. Nesse momento, os
atributos mentais, como a unidirecionalidade e a beatitude,
que amadurecerão em absorção total simultaneamente, passam
a dominar. Cada um esteve presente anteriormente em diferen
tes graus, mas quando vêm ambos de uma vez têm um poder
especial. Esse é o primeiro êxito digno de nota na meditação
concentrativa; por ser o estado que beira a absorção total, ele é
chamado concentração-“acesso”.
O Visuddhimagga'. um mapa para o espaço interior • 35
Visões
Podem ocorrer experiências visionárias no limiar desse
nível, quando fatores como o arrebatamento amadureceram
mas o pensamento discursivo continua, e enquanto um foco
sustentado sobre o objeto de concentração permanecer fraco. Se
a concentração sustentada alcançar força total, os processos
mentais necessários para visões serão podados na medida em
que a atenção permanecer no objeto primeiro. O acesso e os
níveis mais profundos de absorção são, por esse motivo, antité-
ticos a visões, mas quando o nível de acesso se aproxima (ou ao
se emergir da absorção mais profunda) as visões tornam-se mais
prováveis. As visões podem ser assustadoras — uma imagem de
si mesmo como cadáver, por exemplo, ou a forma de uma fera
36 A mente meditativa
7® JHANA
CONSCIÊNCIA DO NADA,
SERENIDADE E UNOREClONALIDADE.
ESTADOS
INFORMES
6® JHANA
CONSCIÊNCIA ríFINTTA DO NÃO-OBJETO.
SERENDADE E UNlDlREClONAL IDADE.
5° JHANA
CONSCIÊNCIA DO ESPAÇO INFINITO.
SERENDADE E UNDiREClONALlDADE.
£cr 4® JHANA
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UJ
SERENDADE E UNIOREClONALIDADE, BEATTTUDE.
TODAS SENSAÇÕES CORPORAIS DE PRAZER CESSAM.
o 3® JHANA
SENSAÇÕES DE BEATTTUDE. UNlDiREC.ONAUDADE E SERENIDADE.
- O ÊXTASE CESSA. .
2® JHANA
SENSAÇÕES DE ÊXTASE, BEATTTUDE E UNlDlREClONALIDADE.
NENHUM PENSAMENTO DO PFLME1RO OBJETO DE CONCENTRAÇÃO.
ESTADOS
MATERIAIS
1® JHANA
CESSAM TODOS OS PENSAMENTOS ESTORVANTES, A PERCEPÇÀO SENSORIAL,
A CONSCIÊNCIA DA DOA CORPORAL ATENÇÃO INICIAL E IN NTERRUPTAMENTE
SUSTENTADA AO PRMEIRO OBJETO DE CONCENTRAÇÃO. SENSAÇÕES DE ÊXTASE,
BEATITUDE E UN DlRECIONAUDADE
ESTADO DE ACESSO
PENSAMENTOS ESTORVANTES SUPERADOS,
OUTROS PENSAMENTOS PERMANECEM.
CONSCIÊNCIA DE DADOS SENSORIAIS E ESTADOS CORPORAIS.
O PRIMEIRO OBJETO DE CONCENTRAÇÃO DOMINA O PENSAMENTO.
SENSAÇÕES DE ÊXTASE, FELICIDADE. SERENIDADE
PENSAMENTOS INCIAS E SUSTENTADOS NO PRIMEIRO OBJETO.
" ___ CENTELHAS DE LUZ OU LEVEZA CORPORAL. .—--- -
BAIXO
Fig. 1. Etapas na via da concentração
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 39
Terceiro jhana
Para ir ainda mais fundo, o meditador controla o segundo
jhana tal como fez com o primeiro. Em seguida, quando emer
ge do segundo jhana, ele vê que o êxtase — uma forma de exci
tação — é grosseiro se comparado à beatitude e à unidireciona
lidade. Ele atinge o terceiro nível de jhana contemplando nova
mente o primeiro objeto e abandonando os primeiros pensa
mentos do objeto e em seguida o êxtase. Essa serenidade emer
ge com o desvanecimento do êxtase. Esse jhana é extremamen
te sutil, e sem essa serenidade recentemente emersa a mente do
meditador seria puxada de volta ao êxtase. Se permanecer no
terceiro jhana, uma beatitude suavíssima enche o meditador, e
em seguida essa beatitude inunda seu corpo. Visto que a beati
tude desse nível é acompanhada de serenidade, a mente do
meditador é mantida fixa num ponto nessas dimensões sutis,
resistindo à atração de um êxtase mais grosseiro. Tendo domi
nado o terceiro jhana como os anteriores, o meditador pode ir
mais fundo se vir que a beatitude é mais perturbadora do que
a unidirecionalidade e a serenidade.
Quarto jhana
Para ir mais fundo ainda, o meditador tem de abandonar
todas as formas de prazer mental. Precisa renunciar a todos os
estados mentais que podem se opor à quietude mais pronuncia
da, mesmo o êxtase e a beatitude. Com a cessação total da bea-
titude, a serenidade e a unidirecionalidade ganham sua força
total, as sensações de prazer corporal são totalmente abandona
das; as sensações de dor cessaram no primeiro jhana. Não há
uma só sensação ou pensamento. A mente do meditador nesse
nível extremamente sutil repousa com unidirecionalidade em
serenidade. Assim como sua mente se torna progressivamente
mais quieta a cada nível de absorção, sua respiração torna-se
mais calma. Nesse quarto nível, a respiração do meditador é
tão calma que ele não pode sentir a menor agitação; ele perce
be sua respiração como cessando por inteiro.
40 ■ A mente meditativa
Jhdnd informe
O próximo passo na concentração culmina nos quatro
estados chamados “informes”. Os primeiros quatro jhanas são
atingidos pela concentração numa forma material ou em
algum conceito derivado dela. Mas o meditador atinge os esta
dos informes ultrapassando toda percepção de forma. Para
entrar nos primeiros quatro jhanas, o meditador substitui pro
gressivamente mais objetos sutis de concentração. Todos os
jhanas informes compartilham os fatores mentais de unidire-
cionalidade e serenidade, mas a cada nível esses fatores tor
nam-se mais refinados. A concentração aproxima-se da imper
turbabilidade. O meditador não pode ser perturbado, mas
emerge após um limite de tempo autodeterminado estabeleci
do antes desse estado.
Quinto jhana
O meditador alcança a primeira absorção informe e o
quinto jhana entrando no quarto jhana por qualquer uma das
kasinas. Estendendo mentalmente os limites da kasina à máxi
ma extensão imaginável, sua atenção é desviada da luz colorida
da kasina e dirigida ao espaço infinito ocupado por ela. A
mente do meditador agora reside numa esfera em que todas as
percepções de forma cessaram. Com a plena maturidade da
serenidade e da unidirecionalidade, sua mente está tão firme
mente estabelecida nessa consciência sublime que nada pode
rompê-la. Ainda existe um ínfimo vestígio dos sentidos no
quinto jhana, embora sejam desprezados. A absorção seria que
brada se o meditador dirigisse sua atenção a eles.
Uma vez dominado o quinto jhana, o meditador vai ainda
mais fundo adquirindo primeiramente uma consciência do
espaço infinito e logo dirigindo sua atenção a essa consciência
infinita. Deste modo, o pensamento de espaço infinito é aban
donado, enquanto permanece a consciência do infinito vazio.
Isso marca o sexto jhana. Tendo dominado o sexto, o medita-
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 41
QUADRO 1
NÍVEL DE JHANA ATINGÍVEL CONFORME
O TEMA DE MEDITAÇÃO
Mais alto nível
Tema de meditação
de jhana atingível
Reflexões; elementos; repugnância
da comida Acesso
Partes do corpo; cadáveres Primeiro
Benevolência; alegria altruísta;
compaixão Terceiro
Serenidade Quarto
Espaço infinito Quinto
Consciência infinita Sexto
Nada Sétimo
Kasinas\ consciência da respiração;
nem percepção nem não-percepção Oitavo
3. A via da introvisão1
O Visuddhimagga vê o domínio dos jhanas e o gozo de sua
sublime beatitude como de importância secundária para o
punna, a sabedoria arguta. O domínio do jhana é parte de um
1 "Introvisão” traduz aqui o inglês insight. Não se trata do insight comumente usado
em psicologia e que significa "compreensão repentina, em geral intuitiva, de suas
próprias atitudes e comportamentos, de um problema, de uma situação” (conforme
definição do Not'o Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda
Ferreira), mas, antes, em sentido místico, de uma “visão interior” (/» + sight), razão
por que optamos pelo termo “introvisão”. (N. T.)
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 43
Atentividade
A primeira fase, a atentividade, implica romper com a
percepção estereotipada. Nossa tendência natural é ficarmos
habituados ao mundo em torno de nós, deixando de notar o
que é familiar. Também substituímos nomes ou preconcepções
abstratas pela evidência crua de nossos sentidos. Na atentivi
dade, o meditador metodicamente enfrenta os fatos nus de sua
experiência, vendo cada evento como se ocorresse pela primei
ra vez. Ele faz isso pela atenção contínua à primeira fase da
percepção, quando sua mente é receptiva em vez de reativa.
Restringe sua atenção à observação nua de seus sentidos e pen
samentos. Atenta para eles na medida em que surgem em
qualquer dos cinco sentidos ou em sua mente, a qual, no
Visuddhimagga, constitui um sexto sentido. Enquanto atenta
para as impressões de seus sentidos, o meditador mantém a
reação simplesmente para registrar tudo quanto observa. Se
qualquer comentário, julgamento ou reflexão posterior surge
Tipos de atentividade
Há quatro tipos de atentividade, idênticas em função mas
diferentes no foco. A atentividade pode focalizar o corpo, os
sentimentos, a mente ou objetos mentais. Qualquer um desses
serve de ponto fixo para a atenção nua do fluxo de consciência.
Na atentividade do corpo, o meditador atenta para cada
momento de sua atividade corporal, como sua postura e os
movimentos dos membros. O meditador nota o movimento e
a posição de seu corpo sem se importar com o que faz. Os obje
tivos desse ato são desprezados; o foco está no ato corporal em
si mesmo. Na atentividade de sentimento, o meditador focali
za suas sensações internas, a despeito de serem agradáveis ou
desagradáveis. Ele simplesmente nota todas as suas sensações
internas à medida que lhe chamam a atenção. Alguns senti
mentos são a primeira reação a mensagens dos sentidos, alguns
são sensações físicas que acompanham estados psicológicos,
alguns são subprodutos de processos biológicos. Qualquer que
seja a fonte, o sentimento é registrado em si mesmo.
Na atentividade de estados mentais, o meditador se foca
liza em cada estado à medida que eles vêm à consciência. Qual
quer humor, modo de pensamento ou estado psicológico que se
apresente, ele simplesmente o registra como tal. Se, por exem
plo, existe raiva por causa de algum barulho perturbador, nesse
momento ele simplesmente nota “raiva”. A quarta técnica, a
atentividade de objetos mentais, é virtualmente a mesma que
se acaba de descrever, exceto pelo nível no qual as operações da
mente são observadas. Em vez de notar a qualidade dos estados
46 A mente meditativa
Início da introvisão
A prática da introvisão começa no ponto em que a atenti
vidade continua sem interrupção. Na meditação de introvisão,
a consciência fixa-se em seu objeto, de modo que a mente con
templativa e seu objeto emergem juntos numa sucessão inin
terrupta. Esse ponto marca o início de uma cadeia de introvi-
sões — a mente conhecendo a si mesma —, terminando num
estado nirvânico (Figura 2).
A primeira constatação na introvisão é a de que os fenô
menos contemplados são distintos da mente que os contempla:
dentro da mente, a faculdade por meio da qual a mente teste
munha suas próprias operações é diferente das operações que
ela testemunha. O meditador sabe que a consciência é distinta
dos objetos que ela apanha, mas esse conhecimento não está no
nível verbal tal como expresso aqui. Ao contrário, o meditador
sabe disso e de cada constatação decorrente em sua experiência
direta. Ele pode não ter palavras para suas constatações; ele
compreende mas não consegue necessariamente declarar essa
compreensão.
ALTO
NIRODH
cessação total de consciência.
NIRVANA
A CONSCÉNCIA CESSA DE TER UM OBJETO.
REALIZAÇÃO
PERCEPÇÃO DA NATUREZA HORRENDA, INSATISFATÓRIA E
TEDIOSA DOS FENÔMENOS FÍSICOS E MENTAIS. DOR FÍS»CA. EMERGÊNCIA DO
DESEJO DE FUGIR DESSES FENÔMENOS. PERCEPÇÃO DO DESVANEOMEMTO DOS
s. OBJETOS MENTAIS, PERCEPÇÃO VELOZ E PERFEITA. DESAPAREOMENTO
DE LUZES. ÊXTASE. ETC.
IQ
PSEUDONIRVANA
PERCEPÇÃO CLARA DO SURGIMENTO E PASSAGEM
DE CADA MOMENTO MENTAL SUCESSIVO. ACOMPANHADA
DE VÁRIOS FENÔMENOS COMO LUZ BRILHANTE. SENSAÇÕES EXTÃTCAS.
0 TRANQUILIDADE, DEVOÇÃO. ENERGIA. FELICIDADE. FORTE ATENTMDADE,
SERENIDADE PARA COM OBJETOS DE CONTEMPLAÇÃO,
PERCEPÇÃO RÁPIDA E CLARA E APEGO A ESSES
NOVOS ESTADOS EMERGENTES.
FASE DE REFLEXÕES
' ESSES PROCESSOS SÃO VISTOS COMO NEM AGRADAVEIS NEM
CONFIÁVEIS. EXPERIÊNCIA DE DUKKHA. INSATISFAÇÃO. ESSES PROCESSOS SÃO
VISTOS COMO EMERGINDO E PASSANDO A CADA MOMENTO DE CONTEMPLAÇÃO.
EXPERIÊNCIA DE AN.CCA, IMPERMANÊNCIA. A CONSCIÊNCIA E SEU .
OBJETO SÃO PERCEBIDOS A CADA MOMENTO COMO
PROCESSOS DISTINTOS E SEPARADOS.
---------- ATENTMDADE ‘
ATENTMDADE DA FUNÇÃO DO CORPO,
SENSAÇÕES FISCAS, ESTADOS MENTAIS OU OBJETOS MENTAIS.
BAIXO
Fig. 2. Etapas na via da introvisão
48 A mente meditativa
Tal como uma mãe cuida de seu único filho, assim ele deixa seu
coração e mente se encherem de infinito amor por todas as criatu
ras, grandes e pequenas, pratica a benevolência para com o mundo
todo, acima, abaixo, em volta, sem exceção, e torna-se completa
mente livre da malevolência e da inimizade.
Cessação total
Existe um estado semelhante ao nirvana (pouco conheci
do no Ocidente) chamado nirodh (cessação). No nirvana, há a
cessação de consciência; no nirodh, os processos corporais tor
nam-se quiescentes. Essa cessação absoluta de consciência é
extremamente difícil de alcançar. O nirodh é acessível apenas a
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 59
VIAS DE MEDITAÇÃO:
UM PANORAMA
dada por e para o povo que a ela adere. Parte das diferenças
entre os mapas de meditação decorrem desse nível. O panora
ma dos mapas de meditação neste capítulo está dirigido para o
nível da doutrina final, na qual as diferenças doutrinais desapa
recem. Aqui a unidade da prática entra em foco. As religiões
podem diferir em virtude das circunstâncias de tempo e lugar,
mas as experiências que antecedem às crenças são frequente
mente as mesmas. Algum grau de unidade na doutrina final é
inevitável: todos os seres humanos são semelhantes no sistema
nervoso, e é nesse nível que operam as leis que governam a
doutrina final.
O mapa do 'Visuddhtinagga enfraquece aparentes distinções
entre as vias espirituais nas técnicas e estados de meditação.
Essas distinções, de fato, derivam de ideologias diferentes. Os
mapas de viagem do Visuddhimagga nos dão uma tipologia para
classificar as técnicas em termos de suas mecânicas, atravessan
do a camada conceituai das religiões. Este panorama deseja ser
condensado, não exaustivo. Na maioria dos casos, examino ape
nas uma técnica ilustrativa dentre as várias disciplinas que per
tencem a dado caminho espiritual. Essa é uma comparação de
partes de práticas e estados específicos, mais do que uma taxio-
nomia das vias espirituais.
Baseei a maior parte dos resumos a seguir em fontes
publicadas, mais do que na minha investigação pessoal. Eles
podem, portanto, parecer incompletos ou imprecisos para
alguém que esteja num desses caminhos. Cada via é uma tradi
ção viva que se apresenta diferentemente a cada pessoa confor
me suas necessidades e circunstâncias.
Os resumos são didáticos, não definitivos. Minha intenção
é dar às pessoas não envolvidas neles uma idéia daquilo com
que se parecem. Examino cada caminho em detalhes suficien
tes para mostrar seu sabor único, enquanto demonstro seus
pontos de semelhança com outras vias.
Vias de meditação: um panorama 63
4. O bhakti hindu
Sri Ramakrishna, um santo bengali da virada do sécu
lo, foi uma vez a um espetáculo teatral sobre a vida de Sri
Chaitanya, o santo bhakti do século XVII conhecido por seus
cânticos e danças de amor pelo Senhor Krishna. Em diversos
momentos durante o espetáculo, ao ver as representações da
devoção de Chaitanya a Krishna, Ramakrishna entrou em
samadhi, uma profunda absorção meditativa.
O samadhi de Ramakrishna marca-o como um bhakta por
excelência. Bhakti, ou devoção a um ser divino, é a forma mais
popular de adoração nas religiões do mundo contemporâneo.
Um cristão cantando o “Pai nosso”, um judeu hassídico dançan
do e cantando no Muro das Lamentações, um sufi recitando “EI
Allah Hu”, um hindu cantando “Hare Krishna” e um budista
japonês repetindo “Na-mu-a-mi-da-bu-tsu, Na-mu-a-mi-da-
bu-tsu” estão todos engajados mais ou menos no mesmo proces
so devocional, embora dirigidos para diferentes seres divinos.
O bhakti é a mais poderosa escola de prática religiosa no hin-
duísmo; suas raízes são antigas. No clássico Srimad Bhagavatam,
a recordação ou constante repetição do nome de Krishna é reco
mendada sobre todas as práticas como o melhor caminho para
esta época. No Kalisantaram Upanishad, Brahma faz para o
poeta Narada o elogio do mais elevado ou w^Az-mantra: “Hare
Rama, Hare Krishna” — Hare, Rama e Krishna são manifesta
ções de Vishnu. A essência do bhakti é fazer do objeto de devo
ção o pensamento central da pessoa. O devoto pode escolher
qualquer deidade ou ser divino como seu objeto devocional, ou
ishta. O que impulsiona sua prática é tentar manter o pensa
mento do ishta na dianteira de sua mente o tempo todo. Além
de kirtan (recitar ou cantar), há três níveis de japa, repetição do
nome: falado, verbalizaçãò calada e mental. Alguns consideram
cada forma sucessiva de japa como "dez vezes” mais eficaz que
a anterior (Poddar, 1965).
Poddar sugere que o neófito pratique um mínimo de seis
horas de japa por dia. Desde o início, o devoto também se
64 ■ A mente meditativa
5. A cabala judaica
“Em toda religião”, escreve o cabalista contemporâneo
Z’ev ben Shimon Halevi (1976), “existem sempre dois aspec
tos, o vísivel e o oculto.” O visível se manifesta como rituais,
escrituras, ofícios; o oculto traz a luz que deve iluminar essas
formas. No judaísmo, as doutrinas ocultas são chamadas caba
la (Jzabbalah'). Essas doutrinas, segundo a tradição, originaram-
se com os anjos, que foram instruídos por Deus. Os cabalistas
identificam as grandes figuras dos tempos bíblicos — Abraão,
David, os Profetas —, bem como os essênios e outros grupos
místicos da história judaica, como portadores dessa tradição.
Halevi diz que Joshua ben Miriam, também conhecido como
Jesus, foi um transmissor da cabala. Essa tradição judaica ocul
ta emergiu pela primeira vez na Europa na Idade Média, e várias
linhagens de sua transmissão continuam na presente data.
A cosmologia da cabala supõe uma realidade multinivela-
da, sendo cada nível um mundo completo em si mesmo. Esses
planos são arranjados hierarquicamente: a parte superior de
cada um corresponde ao aspecto inferior do que está acima. A
esfera mais alta é a de Metatron, o arcanjo-mor, que ensina os
70 ■ A mente meditativa
6. O hesicasma cristão
Os primeiros monges cristãos foram eremitas que viveram
durante o século IV nas partes mais remotas do árido deserto
do Egito. Um registro daquela época (Waddell, 1957, p. 57)
conta que “uma vez certo irmão trouxe um cacho de uvas para
o santo Macário”, um dos eremitas. Mas o santo
que, por puro amor, não pensava em suas próprias coisas mas nas
dos outros, levou-o para outro irmão, que parecia mais fraco. E o
doente deu graças a Deus pela gentileza de seu irmão, mas ele,
também pensando mais em seu vizinho do que em si mesmo,
levou as uvas para outro, e este para outro, de modo que o mesmo
cacho de uvas foi levado de cela em cela, distantes como elas eram
deserto adentro e como ninguém mais soubesse quem primeiro as
tinha enviado, foram levadas finalmente ao primeiro doador.
74 A mente meditativa
1 A Oração de Jesus, também chamada Oração do Coração, tal como praticada na tra
dição ortodoxa oriental, consiste na mesma oração acima citada como a “do Publica-
no": “Senhor Jesus Cristo, filho de Deus vivo, tem piedade de mim, pecador”. (N. T.)
2 Uma antologia dos textos da Filocalia foi publicada no Brasil pelas Edições Paulinas
sob o título Pequena Filocalia. A mesma editora publicou outros livros que tratam da
tradição monástica dos primeiros Padres do Deserto e das práticas de oração da Orto
doxia. Outro livro que recomendaríamos ao leitor interessado é Padres do Deserto. Os
homens ébrios de Deusy de Jacques Lacarrière, que traduzimos para as Edições Loyola.
(N. T.)
76 ■ A mente meditativa
A palavra hesicasma vem de uma raiz grega que significa "quietude, mansidão”, e
designa até hoje a prática da oração contemplativa de muitos monges ortodoxos.
(N. T.)
Vias de meditação: um panorama 77
7. Sufismo
Para o sufi, a fraqueza humana básica é o estar preso pelo
eu inferior. Os santos ultrapassaram sua natureza inferior, e os
noviços procuram escapar dela. A meditação é essencial nos
esforços do noviço para purificar o coração. “Meditação por
uma hora”, dizia um antigo mestre sufi, “vale mais do que
culto ritual por um ano inteiro”.
A principal meditação dos sufis é o zikr, que significa
“recordação”. O zikr por excelência é La ilâha illã 'llahx “Não
há deus senão Deus”. Bishi al-Hafi, um antigo sufi de Bagdá,
dizia: “O sufi é aquele que mantém puro o Coração”. O sufi
visa a uma pureza que é total e permanente. O próprio profeta
Maomé dizia: “Para tudo existe um polimento que remove a
ferrugem; e o polimento do Coração é a invocação de Alá”. A
recordação de Deus pela repetição de seu nome purifica a
mente do meditador e abre seu coração para Ele. Um zikr, por
exemplo, sempre acompanha a dança sufi; ele realça o efeito da
dança mantendo a lembrança de Deus constante. “A dança abre
uma porta na alma para as influências divinas”, escreveu Sultan
Walad, filho de Rumi. “A dança é boa quando surge da recor
dação do Amado.”
80 A mente meditativa
8. A meditação transcendental
A Meditação Transcendental (MT) é a técnica de medita
ção mais conhecida no Ocidente, e Maharishi Mahesh Yogi, seu
formulador, o mais famoso yogi. A MT é uma meditação mân-
trica hindu clássica numa embalagem ocidental moderna.
Maharishi foi habilidoso ao evitar os termos sânscritos e ao usar
descobertas científicas para validar a meditação numa cultura
cética, de modo que o norte-americano normal possa sentir-se à
vontade em adotar uma prática desenvolvida por e para hindus
na índia. Ele também não acentua a natureza ortodoxa de suas
crenças. A teoria por trás da MT — “Ciência da inteligência cria
tiva” — é uma reapresentação atualizada da doutrina básica de
pensamento vedântico da escola advaíta de Sankaracharya do
século VIII.
Sankaracharya escreveu numa época em que o budismo
dominava a índia. Sua cruzada religiosa altamente exitosa fez o
hinduísmo reviver, oferecendo ao meditador um estado final de
não-dualidade em vez do nirvana. A meta do advaíta é a união
da mente do meditador com Brahma informe ou consciência
infinita, um passo além da meta bhakti de união com uma
forma de Deus. O meio para essa união informe é o samadhi.
Essa também é a meta na MT, embora Maharishi não a des
creva mais nesses termos. A MT tem raízes que remontam a
Sankaracharya, mesmo sendo uma reformulação do pensamen
to advaíta modelada para ouvidos ocidentais.
Vias de meditação: um panorama ■ 87
12. O zen
A palavra zen é um cognato do termo páli jhana, e ambos
derivam do sânscrito dhyana (“meditação”). O intercâmbio
cultural que culminou no zen japonês liga-o à tradição do
Nisuddhimagga através da escola Ch’an de meditação chinesa.
As mudanças sofridas na viagem ao longo do tempo e do espa
ço da índia do século V até o Japão de hoje são mais eviden
tes na doutrina do que nas características da prática. As dife
renças doutrinais — bem semelhantes às que existem entre o
budismo Theravada e o Mahayana — enfatizaram essas mudan-
106 A mente meditativa
1 E tal como o Cristo também, para quem a vida humana é uma "cruz”, que tem de
ser carregada até que o cristão não lhe sinta mais o peso. (N. T.)
112 A mente meditativa
2 It: pronome pessoal neutro, inexistente cm português, usado em inglês, entre outras
funções, como sujeito de verbos impessoais: it rains (“chove”), it is late (“é tarde”), it
is hot today ("está quente hoje”), etc. (N. T.)
Vias de meditação: um panorama ■ 113
Você tem que observar, tal como observa uma lagartixa atraves
sando uma parede, vendo suas quatro patas, como ela adere à
parede, você tem que observá-la, e enquanto observa você vê
todos os movimentos, a delicadeza de seus movimentos. Então,
da mesma maneira, observe seu pensamento, não o corrija, não o
suprima — não diga que é difícil demais apenas observe-o,
agora, nesta manhã.
VIAS DE MEDITAÇÃO:
SUA UNIDADE ESSENCIAL
16. Atenção
A mais forte concordância entre as escolas de meditação
está na importância de reeducar a atenção. Todos esses siste
mas podem ser categorizados abrangentemente em termos das
principais estratégias para reeducar a atenção descritas no
Visuddhimagga'. concentração ou atentividade (mindfulness). Usan
do o trajeto do Visuddhimagga como exemplo, podemos ver se
melhanças de técnicas obscurecidas pela superposição do jargão
e da ideologia.
Os diferentes nomes usados pelos sistemas de meditação
para descrever um único e mesmo modo e destino formam
legião. Às vezes o mesmo termo é usado em sentidos técnicos
especiais mas muito diferentes por várias escolas. Aquilo que
traduz o termo inglês void (“vazio”), por exemplo, é usado pelos
yogis indianos para se referir aos estados de jhana e pelos budis
tas M.ahayana para representar a percepção do vazio essencial de
todo fenômeno. O primeiro uso denota um estado mental esva
ziado de conteúdos (por exemplo, os jhanas informes); o segun
do refere-se ao vazio do fenômeno. Outro exemplo: Phillip
Kapleau (1967) distingue entre zazen e meditação, dizendo
que os dois “não devem ser confundidos”; Krishnamurti (1962)
diz que só a “consciência sem escolha” é realmente meditação.
O reconhecimento de que ambos, zazen e consciência sem esco
lha, são técnicas de introvisão permite-nos ver que essas obser-
122 A mente meditativa
QUADRO 2
1 Referência ao episódio da conversão do apóstolo Paulo, narrado no livro dos Atos dos
Apóstolos, capítulo 9- (N. T.)
126 A mente meditativa
QUADRO 3
A PSICOLOGIA DA MEDITAÇÃO
Fatores mentais
No Ábhidhammay além dos objetos dos cinco sentidos,
existem os pensamentos; isto é, a própria mente pensativa é
contada como o “sexto” sentido. Assim, tal como um som ou
136 A mente meditativa
QUADRO 4
Afetivos:
Agitação Compostura
Cobiça Desprendimento
Aversão Não-aversão
Inveja Imparcialidade
Avareza Vivacidade
Preocupação Maleabilidade
Contração Adaptabilidade
Torpor Proficiência
Perplexidade Retidão
A psicologia da meditação ■ 143
Tipos de personalidade
O modelo do Abhidhamma para tipos de personalidade
deriva diretamente do princípio de que os fatores mentais
emergem com forças diferentes. Se a mente de uma pessoa é
habitualmente dominada por um fator específico ou conjunto
de fatores, estes determinarão a personalidade, os motivos e o
comportamento. A exclusividade de cada padrão pessoal de
fatores mentais dá margem a diferenças individuais em perso
nalidade acima e além das categorias abrangentes dos tipos
principais. A pessoa em quem a ilusão predomina é um dos
tipos comuns, tal como o são a pessoa rancorosa, em quem a
aversão predomina, e a pessoa voluptuosa, em quem a cobiça é
forte. Um tipo mais positivo é a pessoa inteligente, em quem
são fortes a atentividade e a introvisão.
A visão do Abhidhamma da motivação humana provém de
sua análise dos fatores mentais e de sua influência sobre o com
portamento. São os estados mentais de uma pessoa que a
movem a buscar uma coisa e a evitar outra. Se a mente é domi
nada pela cobiça, então essa se tornará o motivo predominante,
e a pessoa se comportará de acordo com isso, buscando obter o
objeto de sua cobiça. Se o egoísmo é um fator poderoso, a pes
soa agirá de modo auto-engrandecedor. Cada tipo de persona
lidade é, nesse sentido, também um tipo motivacional.
O Visuddhimagga dedica uma seção ao reconhecimento
dos principais tipos de personalidade, visto que cada tipo de
144 A mente meditativa
As roupas adequadas têm pontas viradas para fora com fios pendu
rados, são ásperas ao toque como juta, encardidas, pesadas e ruins
de usar. E o tipo certo de tigela para ele é uma tigela feia de barro
ou uma tigela de ferro pesada e disforme tão repugnante quanto
uma caveira. O tipo certo de estrada para ele pedir esmolas é desa
gradável, sem aldeia por perto, e acidentada. O tipo certo de aldeia
para ele é onde as pessoas perambulem como se não dessem por sua
presença. As pessoas adequadas para o servir são repugnantes,
repulsivas, com roupas sujas, malcheirosas e nojentas, que lhe sir
vam seu mingau e seu arroz como se o estivessem atirando para ele
rudemente. O tipo certo de comida é feito de arroz partido, lei te
lho rançoso, papa azeda, sopa de legumes velhos ou qualquer outra
coisa que sirva só para encher o estômago.
Saúde mental
Os fatores que formam os estados mentais de alguém de
instante em instante determinam a saúde mental da pessoa. A
definição operacional de distúrbio mental no Áhhidhamma é
simples: a ausência de fatores positivos e a presença de fatores
negativos. Cada variedade de distúrbio mental deriva do domí
nio de determinados fatores negativos sobre a mente. O caráter
especial de cada fator negativo leva a um distúrbio particular —
o egoísmo, por exemplo, acentua as ações puramente egocên
tricas que nós na psicologia ocidental chamamos comporta
mento “sociopático”; a agitação e a preocupação são a ansieda
de no âmago das neuroses; a aversão dirigida a um objeto ou
situação específicos é uma fobia.
O critério para a saúde mental é igualmente simples: a
presença de fatores positivos e a ausência de fatores negativos
na economia psicológica de uma pessoa. Os fatores positivos,
além de suplantarem os negativos, também oferecem um neces
sário ambiente mental para um grupo de estados afetivos posi
tivos que não podem emergir na presença dos fatores negativos.
Incluem-se aí a benevolência (karuna) e a “alegria altruísta”
(mudita) — isto é, comprazer-se na felicidade dos outros.
A pessoa normal tem uma mistura de fatores positivos e
negativos no fluxo de estados mentais. Cada um de nós às vezes
vivência períodos de estados mentais totalmente positivos ou
negativos enquanto nosso fluxo de consciência transcorre. Pou
quíssimas pessoas, no entanto, vivenciam apenas estados men
tais sadios, e nesse sentido todos nós somos “doentes”. De fato,
uma escritura cita uma afirmação do Buda sobre as pessoas nor
mais: “Todos os mundanos são desajustados”. O objetivo do
desenvolvimento psicológico no Abhidhamma é aumentar o
volume de estados positivos — e, proporcionalmente, diminuir
os negativos — na mente de uma pessoa. No ápice da saúde
mental, nenhum fator negativo sequer emerge na mente da
pessoa. Embora esse seja o ideal que cada pessoa é instada a
buscar, ele, é claro, raramente se concretiza.
148 A mente meditativa
A política da consciência
O arabat representa um desafio para o paradigma da psi
cologia ocidental. Do ponto de vista ocidental, ele é de uma
virtude inconcebível. Na nossa cultura e na nossa psicologia,
não temos tal modelo para semelhante transformação da cons
ciência: essa visão do desenvolvimento humano ultrapassa a
visão e os objetivos da psicologia ocidental. Faltam ao arabat
várias características que a psicologia ocidental considera atri
butos da natureza humana; ele parece bom demais para existir.
Onde e quando as visões religiosa e psicológica das possi
bilidades humanas começaram a divergir no Ocidente? Vir
tualmente, desde o início da psicologia moderna. Em certa
medida, psicologia é autobiografia: a história pessoal de teóri
cos que influenciaram diretamente sua articulação e sua ênfase
teórica. Freud, por exemplo, na sua introdução ao Mal-estar da
civilização, conta ter recebido uma carta do escritor Romain
Rolland, que se tornara discípulo do grande santo indiano Sri
Ramakrishna. Rolland descrevia o sentimento de alguma coisa
“ilimitada e infinita”, que ele via como “a base fisiológica de
muita da sabedoria do misticismo”. Freud rotulou o sentimen
to de “oceânico” e, admitindo sua perplexidade e sua incapaci
dade de descobrir esse sentimento oceânico em si mesmo,
empreendeu a reinterpretação desse fato de experiência de uma
maneira consoante com sua própria visão de mundo, colocando
como sua origem um sentimento de desamparo infantil que ele
via como a fonte do sentimento religioso.
Ao fazer isso, Freud explicitamente aplicou um molde
que ele tinha elaborado para compreender experiências de um
A psicologia da meditação ■ 155
1 Traduzimos por “patamar" o termo inglês plateau (emprestado, por sua vez, do fran
cês), que nessa acepção significa o ponto mais elevado de uma progressão, a partir do
qual não se verificam mais mudanças. (N. T.)
A psicologia da meditação ■ 173
Meditação e estresse
Enquanto estive na índia em 1971, conheci muitos yogis
indianos, lamas tibetanos e monges budistas. Fiquei assombra
do com a serena cordialidade, a receptividade e a prontidão
daqueles homens e mulheres, não importa em que situação.
Cada um deles era o tipo de pessoa com quem eu gostava de
estar, e sentia-me preenchido quando os deixava.
Havia grandes diferenças em suas crenças e em seus ante
cedentes. A única coisa que compartilhavam era a meditação.
Depois conheci S. N. Goenka, um mestre que não era monge,
mas um industrial que tinha sido um dos homens mais ricos da
Birmânia. Embora tivesse obtido enorme êxito, Goenka desco
briu que seu ritmo acelerado cobrou na forma de enxaquecas
diárias. Tratamentos médicos em clínicas européias e norte-
americanas não tiveram efeito em suas enxaquecas, e ele se vol
tou para a meditação como um último recurso. Três dias depois
de sua primeira instrução suas enxaquecas desapareceram.
Nos anos 1960 houve um golpe militar na Birmânia e o
novo governo socialista confiscou todas as propriedades de
Goenka, deixando-o quase sem vintém. Ele emigrou para a
índia, onde se valeu de antigos negócios e de relações familiares
176 A mente meditativa
1 Instituto Nacional da Saúde, organismo do governo federal dos Estados Unidos, res
ponsável pelas diretrizes oficiais em relação às questões da saúde. (N. T.)
182 A mente meditativa
Meditação e psicoterapia
Hans Selye (1978) aponta para a necessidade de uma
“terapia do estresse” que funcionasse não contra determinado
agente produtor de males ou que melhorasse algum sintoma
específico, mas que fosse preventiva, trabalhando de modo a
favorecer o organismo como um todo. O padrão de reação ao
estresse que encontrei entre os meditadores é aquele em que o
meditador está mais alerta porém tranquilo em relação aos
indícios de ameaça, e se recupera deles mais eficientemente. Na
medida em que a fase de recuperação do estresse é a chave para
os sintomas de ansiedade crónica e distúrbios psicossomáticos,
a meditação pode funcionar como uma terapia para o estresse,
no nível psicológico bem como no nível puramente somático,
facilitando a recuperação mais rápida das situações estressantes.
Dessa forma, a meditação pode se revelar um acessório útil em
qualquer psicoterapia.
Outros processos da meditação podem coincidir com
aspectos da terapia. Por exemplo, na medida em que dirige sua
atenção para dentro, o meditador fica aguçadamente conscien
te de pensamentos, sentimentos e estados colhidos do estoque
armazenado de sua experiência total que emergem espontanea
mente. Dado que o meditador está, ao mesmo tempo, profun
damente relaxado, o conteúdo total de sua mente pode ser visto
como formando uma “hierarquia de dessensibilização”. Essa
hierarquia não se limita àqueles itens que o terapeuta e os
pacientes identificaram como problemáticos, embora estes cer
tamente estejam incluídos, mas se estende a todos os assuntos
da vida da pessoa, a tudo quanto esteja “na mente de alguém”.
Nesse sentido, a meditação pode ser uma autodessensibilização
natural, global.
1 86 ■ A mente meditativa
Ch’ui o desenhista
Podia traçar círculos mais perfeitos à mão livre
Do que com o compasso.
Como meditar
Para o leitor que gostaria de tentar a meditação, aqui vão
algumas práticas simples. Você pode experimentar todas, mas
se for continuar a meditar é melhor ficar com aquela que lhe
pareça a mais conveniente.
Encontre uma cadeira confortável, de encosto reto, num
cômodo tranquilo onde você não será perturbado. Sente-se reto
mas relaxado. Mantenha a cabeça, o pescoço e a coluna alinha
dos, como se um grande balão de hélio estivesse levantando sua
cabeça. Manter a cabeça na vertical ajudará sua mente a ficar
mais alerta — e estar alerta é essencial na meditação.
Feche os olhos e mantenha-os fechados até terminar a ses
são. É bom sentar-se pelo menos 15 minutos de cada vez, de
preferência mais — 20 ou 30 minutos ou mesmo uma hora, se
possível. Você deve decidir quanto tempo planeja ficar sentado
antes de começar. Assim você não cederá tão facilmente à ten
tação de levantar-se e fazer algo “urgente” ou “mais útil”. Insis
tências para interromper a meditação vão surgir e desaparecer,
198 A mente meditativa
e você tem de resistir a elas. Faça com que seu relógio lhe avise
quando a sessão tiver terminado.
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