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A meditação alivia real mente os
quadros de ansiedade? Pode
combater o estresse, a hiper­
tensão, as doenças cardíacas?
Ajuda a diminuir a incidência de doen­
ças psicossomáticas tão comuns em nos­
sos dias?
Essas sào algumas das questões que
Daniel Goleman coloca e responde cm
A mente meditativa. Ao relatar expe­
riências científicas realizadas no Oriente
e no Ocidente, ele mostra que o estado
meditativo tem uma ação preventiva, e
em alguns casos curativa, no organismo
humano.
Escrito há mais de vinte anos, este
livro foi o ponto de partida para Inte­
ligência emocional. Uma das mais
comentadas nos últimos tempos, essa
teoria revolucionária desloca a inteli­
gência para o plano emocional, liber­
tando-a da prisão puramente intelectual
a que foi confinada pela tradição posi­
tivista.
O caminho para a ampliação do
entendimento humano passou por uma
reflexão profunda acerca das necessi­
dades do homem e dos valores que ele
cria enquanto ser social — e que nem
sempre respondem de maneira positiva
a essas necessidades. Essa dicotomia, as
aflições e angústias que provoca, leva­
ram o Autor a buscar respostas fora do
círculo científico ocidental, analítico
demais para abarcar, com a sensibili­
dade exigida, as questões existenciais.
A mente meditaíiva — e, por conse­
quência, inteligência emocional — c o
resultado dessa procura. E teve início
quando, ainda estudante de Psicologia
cm Harvard, Goleman passou a explo­
rar o que chama de “caminhos pouco
usuais da mente”. Esses caminhos, co­
nhecidos no Ocidente pelo nome gené­
rico de estados alterados de consciência,
vem sendo percorridos pelas religiões
orientais há mais de 4 000 anos. Por­
tanto, foi a cias que o Autor se voltou
cm sua exploração (pouco) acadêmica.
Daniel Goleman

A MENTE MEDITATIVA
As Diferentes Experiências
Meditativas no Oriente
e no Ocidente

Tradução de
Marcos Bagno
Editor
Nelson dos Reis
Editor-assistente
Ivany Picasso Batista
Preparação dos originais
Maurício Balthazar Leme
Revisão
Irene Catarina Nigro
Márcia Cruz Nóboa Leme
Ornella Miguellone
Projeto/Computação gráfica
Wander Camargo Silva
Capa
Christof Gunkel

© 1988 by Daniel Goleman


Todos os direitos reservados.
Edição publicada por acordo com
Jeremy P. Tarcher, Inc., do Putnam Berkley Group, Inc.
Título original: The meditative mind

ISBN 85 08 06130 7

1996

Todos os direitos reservados pela


Editora Ática
Rua Barão de Iguape, 110 - CEP 01507-900
Tel.: PABX (011) 278-9322 - Fax: (011) 277-4146
Caixa Postal 8656 - End. Telegráfico "Bomlivro"
São Paulo (SP)
Para Neemkaroli Baba e Sayadaw U Pandica,
para Tara, Govinddas e Hanuman
Sumário

Nota à edição brasileira 7


Prólogo 9
Prefácio 17
Introdução 21
PARTE I
O Visuddhimagga-. um mapa para o
espaço interior 25
1. Preparação para a meditação 26
2. A via da concentração 33
3. A via da introvisão 42
PARTE II
Vias de meditação: um panorama 61
4. O bhakti hindu 63
5. A cabala judaica 69
6. O hesicasma cristão 73
7. Sufismo 79
8. A meditação transcendental 86
9- O yoga ashtanga de Patanjali 91
10. O tantra indiano e o yoga kundalini 96
11.0 budismo tibetano 101
12. O zen 105
13. A quarta via de Gurdjieff 110
14. A consciência sem escolha de
Krishnamurti 115
PARTE III
Vias de meditação: sua unidade essencial 119
15. Preparação para a meditação 119
16. Atenção 121
17. Ver aquilo em que se crê 124
18. Estados alterados na meditação 126

PARTE IV
A psicologia da meditação 131
19. Ábhidhammax uma psicologia oriental 131
20. Psicologia: Oriente e Ocidente 154
21. Meditação: pesquisa e aplicações práticas 175

Bibliografia 203
Leituras recomendadas 213
índice remissivo 215
Nota à edição brasileira

Escrevi A mente meditativa há mais de vinte anos, quando


comecei a explorar, como estudante de Psicologia em Harvard,
os caminhos pouco usuais da mente. Dei-me conta, no curso
desses estudos, de que todas as grandes tradições espirituais
abrigam em seu íntimo uma teoria e um método psicológicos,
meios para enfrentar o grande e perene desafio humano: harmo­
nizar coração e mente. Em época mais recente, comecei a formu­
lar esse desafio em termos de “inteligência emocional”, trazen­
do a inteligência para nossas vidas emocionais. E considero os
sistemas de meditação das grandes religiões como meios pode­
rosos para lidarmos com nossas emoções, particularmente as
emoções aflitivas. Por isso, espero que este pequeno livro pro­
porcione aos leitores brasileiros uma grande paz interior.
I
Prólogo

Rapidamente surgiu e espalhou-se ao meu redor a paz e a alegria


e o conhecimento que perpassa toda a arte e o argumento da terra;
e sei que a mão de Deus é a minha própria mão mais velha, e sei
que o Espírito de Deus é meu irmão mais velho...
(Walt Whitman, Leaves ofGrass)

Estive naquele paraíso mais iluminado


pela luz d’Ele, e vi coisas que, para narrá-las,
aquele que de lá retorna não tem capacidade nem conhecimento;
pois, à medida que se aproxima o objeto de sua ânsia,
nosso intelecto fica tão profundamente esmagado
que não consegue retraçar o caminho que seguiu.
Mas qualquer coisa do sagrado reino
que estava no poder da memória
será meu tema até que a canção se conclua.
(Dante, Inferno)

A maioria de nós não tem uma experiência assim tão vívi­


da e irresistível como a de Dante ou Whitman, e contudo eu e
você temos momentos em que ficamos desorientados no tempo
e/ou no espaço; momentos em que parecemos estar no limiar de
outro estado de ser; momentos em que nosso próprio ponto de
vista parece trivial e sentimos uma maior harmonia intuitiva
no universo. Talvez as suas experiências tenham ocorrido
depois de você se sentir “fora do ar” por causa de um filme,
10 A mente meditativa

livro, obra de arte ou música irresistível, ou num ofício litúr-


gico; talvez depois de um período de devaneio perto de um rio,
de uma montanha ou do oceano; possivelmente em consequên­
cia de uma febre alta; por ocasião de um acontecimento trau­
mático; por meio de drogas ou na hora do parto; por olhar para
as estrelas ou ficar apaixonado. O que é tão instigante acerca
desses momentos é que estamos fora de controle pessoal, e
todavia tudo parece harmonioso e em perfeita ordem.
Nessas experiências nós apreendemos, embora normal­
mente não consigamos articulá-lo, um sentido mais profundo
para nossas vidas. O sine qua non dessas experiências é que não
são mediadas por nosso intelecto. Freqúentemente, porém, tão
logo elas passam, voltamos às nossas mentes analíticas e tenta­
mos rotular o que aconteceu. E é aí que o problema começa.
Disputas sobre rótulos têm levado a incríveis incompreensões
entre os homens, culminando mesmo em guerras religiosas.
Uma vez que rotulamos nossas experiências, esses rótulos
revestem-se de poder por conta própria por meio de suas asso­
ciações com momentos profundos e, além disso, eles dão a nos­
sos egos a segurança de sabermos de tudo, de estarmos no con­
trole. Alguns rótulos tratam as experiências como fenômenos
psicológicos: “Eu fiquei fora de mim”, uma “alucinação”, um
“estado dissociado”, “emergência da mente inconsciente”, “his­
teria”, “ilusão”. Outros rótulos, concentrando-se no conteúdo,
implicam um acontecimento místico ou espiritual: “Deus veio
até mim”; “Adentrei o espírito”; “Senti a Presença de Cristo”
ou de “um espírito guia”; “Compreendi o Tao” ou “o Dharma”
ou a “Lei Divina”.
Em 1961, envolvi-me numa disputa de rótulos. Tendo
ingerido psilocibina, tive a experiência mais profunda da
minha vida até então. O contexto era místico-religioso, e um
rótulo espiritual parecia apropriado. No entanto, eu era na
época professor de ciências sociais em Harvard, e portanto
tinha toda a simpatia por rótulos que implicassem que a subs­
tância química era um psicotomimético — ou seja, deixava você
louco. Se por um lado a substância química não me deixou
Prólogo ■ 11

louco, desconfiei que o conflito sobre o rótulo (frequentemen-


te dentro de mim mesmo) ia acabar me enlouquecendo. Cari
Jung descreve a insanidade de Richard Wilhelm, tradutor do
I Ching, como a consequência de sua tentativa de incorporar
simultaneamente duas culturas em seu ser.
Aparentemente, a batalha girava em torno do pequeno
cogumelo psilocibina. Os curandeiros mexicanos chamavam-
no Teonanactyl — a carne dos deuses —, útil para experiências
divinatórias e místicas. Humphry Osmond tornou o rótulo um
pouco mais palatável para a mente ocidental ao inventar a pala­
vra psicodélico, significando “manifestação da mente”. O rótulo
da comunidade psiquiátrica para o mesmo cogumelo era “um
derivado psicotomimético da triptomina”, de interesse apenas
para a indução experimental de estados pseudo-esquizofrêni-
cos. Usando um dos sistemas de rotulação, éramos explorado­
res dos domínios místicos experimentados por Moisés, Maomé,
Cristo e Buda. Conforme o outro, éramos loucos varridos, con­
duzindo-nos a nós mesmos à insanidade.
Havia uma validade intuitiva no uso das metáforas espiri­
tuais. A corroboração para essas interpretações veio de paralelos
óbvios entre as experiências imediatas com psicodélicos e a lite­
ratura mística. Resolvi o quase insuportável dilema tomando a
direção de uma interpretação espiritual. Por cinco anos tenta­
mos encontrar rótulos que otimizassem o valor dessas experiên­
cias para a humanidade. A questão tinha implicações importan­
tes para a política da consciência humana. Usando um conjun­
to de metáforas, todo estado mental não contínuo com a cons­
ciência racional, normal, desperta, era tratado como desviante —
como um reflexo de desajuste. O outro conjunto de metáforas
tratava os estados alterados da consciência como oportunidades
raras e preciosas para a humanidade penetrar domínios maiores
de sua própria consciência potencial. Sendo assim, essas expe­
riências deviam ser cultivadas, e não suprimidas, ainda que
representassem uma ameaça para as instituições sociais existen­
tes. Por levantar essa questão, estávamos seguindo as pegadas de
12 A mente meditativa

William James, que, em 1902, escreveu sobre estados alterados


de consciência em 'Varieties ofreligious experience\

Nenhuma descrição do universo em sua totalidade pode ser defi­


nitiva, o que deixa essas outras formas de consciência bastante
desprezadas. Como apreciá-las é a questão, pois são tão descontí­
nuas com a consciência ordinária. No entanto, elas podem deter­
minar atitudes, embora não possam fornecer fórmulas, e desven­
dar uma região, embora não consigam dar um mapa. De todo
modo, elas impedem uma conclusão prematura das nossas contas
com a realidade.

Viemos a apreciar a sofisticação e a sensibilidade dos sis­


temas orientais de rotular estados alterados de consciência. Por
aproximadamente 4 000 anos, as religiões orientais têm desen­
volvido mapas e roteiros para o terreno da exploração interior.
Podíamos entender alguns deles, enquanto outros eram basea­
dos em perspectivas culturais demasiado estranhas a nós mes­
mos para serem úteis. Em 1967 fui à índia por causa da atra­
ção desses mapas e porque queria encontrar um caminho — ou
talvez um mestre - por meio do qual pudesse utilizar os mapas
mais efetivamente. Esperava então poder estabilizar aqueles
estados alterados de consciência e integrá-los com a vida diária
normal. Nenhum de nós tinha conseguido isso por meio dos
psicodélicos.
Na índia, encontrei-me com Neemkaroli Baba, que era
muito mais do que eu podia ter esperado. Ele vivia no estado
chamado sahaj samadhi, no qual os estados alterados de cons­
ciência eram parte integrante de sua vida. Em sua presença,
tinha-se a sensação de espaço infinito e de atemporalidade, bem
como de profundo amor e compaixão. Maharaji, como o cha­
mávamos, uma vez ingeriu uma dose enorme de psicodélicos e,
para minha absoluta surpresa, nada aconteceu. Já que sua cons­
ciência não era limitada a nenhum lugar, então não havia aonde
ir, pois ele já estava aqui, em todas as suas possibilidades.
Ver alguém e ser alguém são duas coisas diferentes — e eu
de longe preferia ser alguém do que ver alguém. A questão era
Prólogo ■ 13

como efetuar a transformação daquele que eu pensava ser


naquele ou naquilo que Maharaji era ou não era. Tomei tudo o
que vinha dos lábios de Maharaji como instruções específicas,
embora não fosse capaz de segui-las todas. Mas então fiquei
mais confuso, pois ele dava instruções contraditórias. Percebi
que estava diante de um mestre, como um koan Zen, que não
seria efetivo enquanto alguém permanecesse vinculado ao
racional. Dali de onde eu estava, na minha mente racional,
razoável, analítica, eu não poderia chegar aonde pensava estar
indo. O que fazer?
Na presença de Maharaji, experimentei meu coração abrir-
se e senti ondas até então nunca vivenciadas de amor cada vez
mais avassalador. Talvez fosse aquele o caminho — afogar-se no
amor. Mas minha mente não se aquietaria. O cientista social —
este cético — não se afogaria sem lutar. Usando todas as ferra­
mentas, inclusive meu desejo sensual e o intelecto, bem como
a culpa e o senso de responsabilidade, a estrutura do meu ego
revidou. Por exemplo, nos templos em que Maharaji ficava,
havia estátuas de Hanuman, um deus-macaco que tinha todo o
poder devido à sua total devoção a Deus. Hanuman é profun­
damente amado e venerado pelos devotos de Maharaji. Sentei-
me diante de uma estátua de cimento de um macaco com dois
metros e meio, pintada de vermelho, e cantei para ele e medi­
tei a seu respeito. O tempo todo, uma voz me dizia: “Aí, hem,
sentado adorando um ídolo de cimento de um macaco. Você
realmente passou das medidas”. Era a batalha interior, para a
qual o Bhagavad Gita é uma metáfora.
Meus amigos budistas disseram que o problema era uma
questão de disciplina da mente, e, quando indagado, Maharaji
afirmou que se alguém dirigisse a mente para um ponto conhe­
ceria Deus. Talvez fosse o que eu tinha de fazer. Comecei então
a meditar a sério. O caminho devocional permitia demasiada
distração da mente, e eu tinha de ser mais rígido comigo
mesmo. Em 1971 comecei uma prática séria de meditação em
Bodh Gaya, onde Buda tinha sido iluminado. Numa série de
cursos de dez dias, eu, junto com outros cem ocidentais, fui
14 A mente meditativa

gentilmente guiado para dentro das técnicas theravadanas de


meditação budista — o máximo de simplicidade na prática.
Durante esse período, conheci Anagarika Munindra, um
mestre thcravada no que parecia, em sua quase transparente qua­
lidade, refletir a serenidade consciente e leve a que o método
conduzia. Eu estava contentíssimo com minhas primeiras
degustações de uma nova tranquilidade profunda. Pedi para
aprender mais, e ele me apresentou o Visuddhiinagga, uma parte
da tradição escolástica budista. Finalmente, eu, um psicólogo
ocidental, fiquei verdadeiramente humilhado do ponto de vista
intelectual. Porque vi o que era de fato o psyche logos. Ali,
naquele único volume, havia um sistema de categorias de con­
dições mentais sofisticadamente articulado e abrangente, mais
uma filosofia e um método para libertar nossa consciência da
tirania de nossa própria mente. Ali estava o sistema de rotula-
ção que eu vinha procurando desde 1961. Era surpreendente­
mente livre de julgamentos de valor e, assim, prestava-se a ser­
vir de meio para comparar sistemas metafóricos contrastantes
acerca de estados alterados de consciência. Sorvi o livro como
um vinho precioso.
Embora meu intelecto estivesse deliciado com o sistema
subjacente às práticas, descobri-me áspero e resistente à própria
meditação. Havia um erro no modo como estava praticando o
método, ou era um indício de que a forma da prática espiritual
não era o meu caminho? Deixei com alegria Bodh Gaya para
cumprir a promessa de participar de uma celebração bhakti e
também para encontrar Maharaji, que era meu Guru. Você
pode perguntar por que, sendo Maharaji, um hindu, o meu
Guru, eu tinha ido estudar meditação budista em primeiro
lugar — em vez de permanecer com ele. Bem, a resposta é que
ele não me permitiria ficar, e sempre repetia “Sub Ek” (tudo é
um). Falou longamente de Cristo e de Buda, e depois me man­
dou embora. Portanto, quando estava longe de Maharaji, não
me parecia incoerente procurar outras tradições. Porque, no
método do Guru, todos os outros métodos alimentavam o pro­
cesso de purificação que me permitiria fundir-me com meu
amado Maharaji. A fusão seria o fim da jornada.
Prólogo ■ 15

Ao deixar Bodh Gaya, eu me organizara para passar o


verão com Munindra em Kosani, um vilarejo do Himalaia. No
último momento ele não pôde vir, e assim Dan Goleman e eu,
e cerca de outros vinte, praticamos uma coleção de métodos
budistas, hindus e cristãos durante aquele verão. Nessa época,
em conversa com Dan, descobri que eu e ele tínhamos muito
em comum. Ambos tínhamos formação em psicologia; ambos
éramos ligados a Harvard; tínhamos o mesmo Guru; e ambos
tínhamos um apreço pela teoria e prática budista de meditação.
Havia diferenças importantes entre Dan e eu. Entre elas
estava o fato de que ele estava motivado a levar o que pudesse,
daquelas experiências e práticas, para a comunidade científica.
Eu, por outro lado, já fazia muito que deixara a academia. Dan
poderia cumprir a tarefa intelectual de integração: fornecer um
panorama necessário das vias espirituais e dos estados alterados
de consciência que elas atravessam. Como você descobrirá neste
livro, ele fez justamente isso.
Esta obra é o início de uma fundamentação sistemática
para apreciar a universalidade da jornada espiritual, semelhan­
te à fundamentação filosófica apresentada por Aldous Huxley
em sua Perennial philosophy. E, certamente, quando podemos
reconhecer os traços comuns, podemos honrar as diferenças.
Ram Dass
Barre, Massachusetts
Prefácio

Escrevi a primeira parte deste livro enquanto vivia num


minúsculo lugarejo do Himalaia durante a estação das monções
de 1971- Durante vários meses antes disso, eu estivera estudan­
do com yogis e swamis indianos, lamas tibetanos, e leigos e
monges budistas do sul. Termos e conceitos estranhos me
assaltavam: samadhi^ jhanay turiya, nirvana e uma legião de
outros usados por aqueles mestres para explicar suas vias espi­
rituais. Cada via parecia ser na essência a mesma que cada outra
delas, mas cada uma tinha sua maneira própria de explicar
como percorrê-la e que sinais importantes esperar. Eu estava
confuso. As coisas começaram a tomar forma no meu entendi­
mento, porém, com uma observação de Joseph Goldstein, um
mestre de meditação insight, em Bodh Gaya. É pura matemáti­
ca, disse ele: Todos os sistemas de meditação têm por meta o
Um ou o Zero — a união com Deus ou o esvaziamento. A via
para o Um é através da concentração n’Ele; para o Zero é a
penetração no vazio da própria mente. Essa foi a minha primei­
ra diretriz para classificar técnicas de meditação.
Um ou dois meses depois, descobri-me alojado até o fim
das chuvas de monções naquela aldeia das montanhas. Cinco de
nós tinham ido para lá estudar com um mestre de meditação
durante as chuvas. Ele nunca apareceu. Em seu lugar, veio uma
enxurrada de ocidentais, mandados por meu Guru, Neemkaroli
Baba. No final do período das monções, haviam-se reunido trin­
ta ou quarenta peregrinos ocidentais. No meio deles havia
18 A mente meditativa

estudiosos de praticamente todas as principais tradições espiri­


tuais: dos vários ramos do yoga* indiano, de diferentes seitas do
budismo tibetano, do sufismo, da contemplação cristã, do Zen,
de Gurdjieff, de Krishnamurti, e de inúmeros swamis, gurus,
yogis e babas. Cada um trazia seu pequeno tesouro particular de
livros favoritos e sua bagagem de anedotas pessoais. Dessas fon­
tes literárias e pessoais eu selecionei para mim as principais
semelhanças e diferenças entre todas essas vias de meditação.
Os escritos que vieram a formar este livro começaram
como explicações para mim mesmo. Eu precisava de mapas, e
cada uma daquelas tradições tinha o seu próprio a oferecer. Em
diversas ocasiões, cada um desses mapas me ajudou a encontrar
o meu caminho na meditação ou fez-me sentir seguro em terri­
tório desconhecido. Nenhum é completo em si mesmo, pois
todos eles juntos não conseguirão explicar cada faceta da expe­
riência de qualquer meditador. Cada um de nós tem sua estra­
da particular para seguir, embora por algum período possamos
percorrer rotas bem traçadas. Os mapas incluídos aqui estão
entre os mais conhecidos. São rotas populares, mas de modo
algum definem o terreno todo. Esse território mental em sua
maior parte não está mapeado; cada um de nós é um explorador.
Minhas principais dívidas na realização deste livro são
para com Neemkaroli Baba, que me inspirou a empreender
seriamente minha própria caminhada. Minha compreensão
deve muito a conversas e encontros com Sayadaw U Pandita,
Ram Dass, Anagarika Munindra, Chogyam Trungpa, Bhagavan
Das, Ananda Mayee Ma, Kunu Rinpoche, Krishnamurti, S.
N. Goenka, Swami Muktananda, Nyanaponika Mahathera,
Bhikku Nyanajivako, Joseph Goldstein, Herbert Guenther,
K. K. Sah, padre Theophane, Yogi Ramagyadas, Charles Reeder,
e muitos outros que percorreram essas vias ativamente. Os

1 Embora os dicionários e enciclopédias de língua portuguesa registrem a grafia ioga


e deem a palavra como nome feminino, optamos nesta tradução por manter a grafia
tradicional yoga, usada nas principais línguas de cultura, e considerá-la um termo
masculino, como em sânscrito, alemão e nas outras línguas românicas. (N. T.)
Prefácio 19

editores do Journal of Transpersonal Psychology me encorajaram


a pôr meu trabalho na forma de artigos, nos quais partes deste
livro estão resumidas. Minhas viagens pela Ásia se fizeram
como bolsista de pré-doutorado de Harvard e em seguida
como bolsista de iniciação à pesquisa do Social Science
Research Council.
A mente meditativa inclui muito do que escrevi durante a
década que se seguiu a meu retorno da Ásia. Reúne partes de
artigos que apareceram primeiro em Theories of personality
(Wiley) de Calvin Hall e Gardner Lindzey, ReVision, Psychology
Today, American Journal of Psychotherapy,Journal of Transpersonal
Psychology, e num relatório para o Institute for Noetic Sciences.
Meu pensamento nesses escritos foi influenciado por discussões
com vários outros que estão se dedicando a interesses seme­
lhantes, incluindo Richard Davidson, Gary Schwartz, David
McClelland, David Shapiro, Herbert Benson, Daniel Brown,
Jack Engler, Mark Epstein, Jon Kabat-Zinn, Kathleen Speeth,
Mihalyi Csikzentmihalyi, Gerald Fogel, Roger Walsh e, espe­
cialmente, minha mulher, Tara Bennett-Goleman.
A todos quantos me ajudaram sou profundamente grato.
Introdução

A meditação era novidade no Ocidente uns quinze anos


atrás, quando escrevi As variedades da experiência meditaúva^ que
compõe as três primeiras partes deste livro. Para ser exato,
mestres orientais como Yogananda e D. T. Suzuki tinham
vindo à América bem antes disso e ganharam seguidores aqui
e ali. Mas durante os últimos anos 60 e primeiros 70 havia um
interesse florescente pela meditação como o Ocidente jamais
testemunhara antes.
Tomado por esse interesse, comecei a fazer meditação na
faculdade e, como estudante de psicologia, viajei à Ásia para
estudar as tradições meditativas em seus contextos originais.
Aqueles de nós que foram arrastados pelas doutrinas de medi­
tação do Oriente viram-se diante de uma profusão de técnicas,
escolas, tradições e linhagens. Subitamente ouvimos falar de
estranhos estados de consciência e de exóticos estados de ser —
samadhi e satori, Boddhisattvas e tulkus.
Era um terreno novo e desconhecido para nós. Precisáva­
mos de um guia de viagens para aquela topografia do espírito.
Escrevi Variedades para ser esse guia, um panorama das princi­
pais tradições meditativas que agora estavam encontrando tan­
tos estudantes ávidos. Meu objetivo era tornar o exótico mais
familiar e mostrar os traços comuns subjacentes àquelas tradi­
ções, respeitando ao mesmo tempo suas diferenças.
Hoje, mais de uma década depois, as coisas mudaram. A
meditação infiltrou-se na nossa cultura. Milhões de norte-ame-
22 ■ A mente meditativa

ricanos têm tentado a meditação, e muitos têm-na incorporado


a suas vidas ocupadas. A meditação hoje é uma ferramenta-
padrão usada em medicina, psicologia, educação e autodesen-
volvimento. Além disso, há muita gente tarimbada que se
encontra hoje na sua segunda década como meditadores.
Na medida em que esses meditadores ocuparam seus luga­
res nas fileiras dos negócios, das profissões e da academia, eles
fizeram da meditação uma parte da estrutura cultural. As pes­
soas meditam no trabalho para aumentar sua eficiência; psico-
terapeutas e médicos ensinam-na a seus pacientes; e estudantes
universitários escrevem teses sobre ela. A mente meditativa
amplia Variedades, rastreando esta emergência e o progresso da
meditação na vida do Ocidente.
Lembro-me do falecido mestre tibetano Chogyam Trungpa
ter-me dito em 1974: “O budismo chegará ao Ocidente como
uma psicologia”. O conceito de que o budismo — como as
demais grandes tradições espirituais do mundo — continha uma
psicologia, qualquer que fosse, era novidade para mim. Ao
longo dos anos, porém, o crescente relacionamento entre as psi­
cologias do Oriente e do Ocidente se tornou tema principal em
meus escritos.
Nos anos que se seguiram à publicação de Variedades,
escrevi uma série de artigos sobre os encontros entre a cultura
ocidental e as tradições meditativas do Oriente. Os temas
incluíam descrições das psicologias orientais, a receptividade e
resistência de psicólogos ocidentais àqueles pontos de vista
orientais e o papel da meditação na psicoterapia, medicina e
pesquisa da consciência.
Vários desses artigos foram incorporados à Parte IV deste
livro. O leitor deve notar que qualquer diferença de tom é
devida aos fóruns variados em que esses escritos apareceram
primeiramente. Além disso, na Parte IV o texto inclui exem­
plos femininos.
O capítulo sobre Abhidhamma foi escrito originalmente
para um manual universitário sobre teoria da personalidade.
Introdução ■ 23

No seu treinamento formal, nunca se ensina à maioria dos psi­


cólogos que as práticas meditativas do Oriente são o ramo apli­
cativo de antigas teorias psicológicas, algumas das quais tão
bem elaboradas quanto as teorias dos tempos modernos. Este
capítulo foi escrito para preencher essa lacuna.
O capítulo sobre meditação e estresse baseia-se num arti­
go que escrevi para Psychology Today e inclui uma breve instru­
ção sobre como meditar. Uma nota sobre meditação e psicote-
rapia foi publicada originalmente no Journal of Transpersonal
Psychology. E minhas reflexões sobre meditação e pesquisa de
consciência foram escritas como uma dissertação para uma
fundação.
Estes capítulos novos dão um equilíbrio fundamental ao
livro. Variedades descrevia vários estados meditativos relativa­
mente raros; o material adicionado nesta edição discute aplica­
ções e implicações mais cotidianas da meditação — como ela
ajuda a lidar com o estresse e como pode melhorar a qualidade
de vida em geral.
Entretanto, apesar de seus usos práticos, o verdadeiro con­
texto da meditação é a vida espiritual. Em seu ponto mais alto,
os estados de consciência descritos nas fontes clássicas podem
nos colocar acima da mesquinhez produzida pelas preocupações
diárias bem como transformar a consciência ordinária.
Esses estados transcendentais parecem ser sementes de
vida espiritual, e foram vivenciados pelos fundadores e primei­
ros seguidores de cada religião do mundo. Moisés recebendo os
Dez Mandamentos, os quarenta dias de vigília de Jesus no
deserto, as visões de Alá no deserto e a iluminação de Buda sob
a árvore Bo — são todas revelações de estados extraordinários de
consciência.
Com demasiada frequência, as instituições religiosas e as
teologias duram mais que a transmissão dos estados transcen­
dentais originais que as geraram. Sem essas experiências vivi­
das, as instituições da religião ficam sem sentido, e suas teolo­
gias parecem vazias. A meu ver, a crise moderna das religiões
24 ■ A mente meditativa

estabelecidas é provocada pela escassez de experiência pessoal


desses estados transcendentais — o espírito vivo no núcleo co­
mum de todas as religiões.
E esse espírito une a diversidade de formas meditativas.
Como declara um antigo Zen: “Desde os tempos antigos nunca
houve dois caminhos. Aqueles que chegaram percorreram to­
dos a mesma estrada”.
PARTE I

O VISUDDHIMAGGA:
UM MAPA PARA O ESPAÇO INTERIOR

O clássico budista Abhidhamma é provavelmente a mais


ampla e mais detalhada psicologia tradicional dos estados de
consciência. No século V d.C., o monge Buddhaghosa resumiu
a parte do Abhidhamma sobre meditação no Visuddhimaggay a
“Via da Purificação” (Nanamoli, 1976)*. Buddhaghosa explica
que a “purificação” definitiva deve ser estrítamente entendida
como nibbana (sânscrito: nirvana), que é um estado alterado de
consciência.
O Visuddhimagga foi durante séculos parte de um manual
oral de filosofia e psicologia budista que os monges aspiran­
tes memorizavam ipsis litteris. Por ser tão detalhado e comple­
to, o Visuddhimagga nos dá um quadro abrangente de um
único ponto de vista a respeito da meditação. Deste modo, ele
dará um bom pano de fundo e base de comparação para com­
preender outros tipos de meditação, tema da Parte II. O

1 As referências para esse e outros livros citados no texto podem ser encontradas na
Bibliografia.
26 A mente meditativa

Visuddhimagga começa com os conselhos sobre os melhores


ambientes e atitudes para a meditação. Em seguida descreve
os modos específicos como o meditador treina sua atenção e
os sinais que ele encontra ao percorrer a via meditativa rumo
ao estado nirvânico. Termina com as consequências psicológi­
cas para o meditador de sua experiência de nirvana2.
O Nisuddhimagga é um livro de receitas tradicionais para a
meditação, mas não nos fala necessariamente sobre as práticas
específicas dos budistas theravadanos contemporâneos. A pro­
gressão que ele descreve é um tipo ideal e como tal não preci­
sa conformar-se às experiências de nenhuma pessoa dada. Mas
os meditadores experimentados na sua maioria decerto reco­
nhecerão sinais familiares aqui e ali.

1. Preparação para a meditação


A prática começa com sila (virtude ou pureza moral).
Este cultivo sistemático do pensamento, palavra e ato virtuo­
sos concentra os esforços do meditador para a alteração da
consciência na meditação. “Pensamentos não virtuosos”, por
exemplo, fantasias sexuais ou raiva, levam à distração durante
a meditação. São uma perda de tempo e energia para o medi­
tador sério. A purificação psicológica significa descartar pen­
samentos dispersivos.
O processo de purificação é uma das três grandes divisões
do treinamento no esquema budista, sendo as outras duas
samadhi (concentração meditativa) e punna (introvisão). A
introvisão é entendida no sentido especial de “ver as coisas
como são”. Purificação, concentração e introvisão são estreita-

2 Além da excelente tradução inglesa do original páli por Nanamoli Thera (1976),
outros comentários contemporâneos sobre o Visuddhimagga consultado incluem:
Bhikku Soma (1949), E. Conze (1956), Kalu Rimpoche (1974), Kashyap (1954),
Lama Govinda (1969), Ledi Sayadaw (1965), Mahasi Sayadaw (1965, 1970), Narada
Thera (1956), Nyanaponika Thera (1949, 1962, 1968), Nyanatiloka (1952a e b,
1972), P. V. Mahathera (1962).
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 27

mente ligadas. Esforços para purificar a mente facilitam a con­


centração inicial, que permite a introvisão sustentada. Desen­
volvendo a concentração ou a introvisão, a pureza se torna, em
vez de um ato de vontade, fácil e natural para o meditador. A
introvisão fortalece a pureza, enquanto ajuda a concentração; a
forte concentração pode ter como subprodutos a introvisão e a
pureza. A interação não é linear; o desenvolvimento de qual­
quer uma facilita as outras duas. Não existe progressão neces­
sária, mas antes uma espiral simultânea das três no curso da via
da meditação. Embora a apresentação seja linear aqui por
necessidade, existe uma inter-relação complexa no desenvolvi­
mento da pureza, concentração e introvisão do meditador. São
três facetas de um único processo.
A purificação ativa na tradição do Visuddhimagga começa
com a observância de códigos de disciplina para leigos, noviços
e monges totalmente ordenados. Os preceitos para o leigo são
apenas cinco: abster-se de matar, de roubar, de ter intercurso
sexual ilegal, de mentir e de intoxicar-se. Para os noviços a lista
se amplia para dez, os cinco primeiros tornando-se mais estri­
tos no processo. Para os monges existem 227 proibições e
observâncias que regulam cada detalhe da vida monástica diá­
ria. Embora a prática de pureza varie com o modo de vida da
pessoa, seu intento é o mesmo: é a necessária preparação para a
meditação.
Em certo nível, estes são códigos para o comportamento
social adequado, mas isso é secundário em importância para a
pureza motivacional que o comportamento adequado prenun­
cia. A pureza é entendida não apenas no sentido exterior ordi­
nário de decência, mas também como as atitudes mentais das
quais brotam o discurso, a ação e o pensamento adequados.
Assim, por exemplo, o Visuddhimagga impele o meditador, caso
surjam pensamentos lascivos, a combatê-los imediatamente
pela contemplação do corpo no aspecto de repugnância. O
objetivo é liberar o meditador de pensamentos de remorso,
culpa ou vergonha, bem como da lascívia. O comportamento é
controlado porque afeta a mente. Atos de pureza visam a pro-
28 A mente meditativa

duzir uma mente calma e dominada. A pureza da moralidade


tem apenas a pureza da mente como objetivo.
Por ser uma mente controlada o objetivo da pureza, a con­
tenção dos sentidos faz parte da purificação. O meio para tanto
é sati (atentividade). Na atentividade, o controle dos sentidos
advém através do cultivo do hábito de simplesmente observar
percepções sensoriais, sem permitir que estimulem a mente em
cadeias de pensamento. A atentividade é a atitude de prestar
aos estímulos sensoriais o mínimo de atenção. Quando sistema­
ticamente desenvolvida na prática do vipassana (ver as coisas
como são), a atentividade torna-se o caminho para o estado nir-
vânico. Na prática diária, a atentividade leva à separação das
próprias percepções e pensamentos do meditador. Ele se torna
um observador de seu fluxo de consciência, enfraquecendo o
impulso à atividade mental normal e preparando assim o cami­
nho para estados alterados.
Nos estágios iniciais, antes do firme assentamento na
atentividade, o meditador é distraído por seu meio ambiente.
O Visuddhiinagga por isso dá instruções ao candidato a medita­
dor sobre o melhor estilo de vida e situação. Ele tem de com­
prometer-se num “meio de vida correto” para que a fonte de
seu suporte financeiro não seja causa de desconfianças; no caso
dos monges, profissões como astrologia, quiromancia e inter­
pretação de sonhos são expressamente proibidas, ao passo que a
vida de mendigo é recomendada. As posses devem ser míni­
mas; um monge deve possuir apenas oito itens: três túnicas,
um cinto, uma tigela de pedinte, uma navalha, uma agulha de
costura e sandálias. Deve alimentar-se com moderação, o bas­
tante para garantir a saúde física mas menos do quanto causa­
ria torpor. Sua morada deve ser ao largo do mundo, um lugar
de solidão; para chefes de família que não podem viver isola­
dos, um cômodo deve ser posto à parte para a meditação. A
preocupação indevida com o corpo deve ser evitada, mas, em
caso de doença, o meditador deve buscar o medicamento apro­
priado. Adquirindo os quatro requisitos de posses, alimento,
moradia e medicamento, o meditador deve ter apenas o neces-
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 29

sário para seu bem-estar. Obtendo esses requisitos, ele deve


agir sem avidez, de modo que até suas necessidades materiais
permaneçam inatingidas pela impureza.
Uma vez que o próprio estado mental de uma pessoa é afe­
tado pelo estado mental de seus próximos, o meditador sério
deve cercar-se de pessoas que pensam como ele. Essa é uma das
vantagens dos sanghas^ estritamente definidos como aqueles
que atingiram o estado nirvânico e, em seu sentido mais largo,
a comunidade das pessoas naquela via. A meditação é auxilia­
da pela companhia de pessoas conscienciosas ou concentradas e
é prejudicada pelos que são agitados, distraídos e imersos em
preocupações mundanas. Pessoas agitadas, mundanas normal­
mente falam de um modo que não leva ao desapego, à impas­
sibilidade ou à tranquilidade, qualidades que o meditador
busca cultivar. Os tipos de assunto característicos do falatório
mundano, sem proveito, são assim enumerados pelo Buda
(Nyanaponika Thera, 1962, p. 172):

sobre reis, ladrões, ministros, exércitos, fome e guerra; sobre


comer, beber, vestir e morar; sobre enfeites, perfumes, parentes,
veículos, cidades e países; sobre mulheres e vinho, a fofoca da rua
e do poço; sobre ancestrais e ninharias várias; contos sobre a ori­
gem do mundo, conversas sobre coisas que são assim ou assado, e
assuntos semelhantes.

Em estágios avançados, o meditador pode descobrir que


são obstáculos coisas que antes eram auxílios. O Nisuddhimagga
lista dez categorias de apegos potenciais, todos empecilhos ao
progresso na meditação: (1) qualquer moradia fixa se sua
manutenção é motivo de preocupação, (2) família, se seu bem-
estar gera inquietação, (3) acúmulo de presentes ou reputação,
que envolve perda de tempo com admiradores, (4) um séquito
de discípulos ou a ocupação de estar ensinando, (5) projetos, ter
“algo para fazer”, (6) perambulações, (7) pessoas caras a alguém
cujas necessidades pedem atenção, (8) doença que necessita de
tratamento prolongado, (9) estudos teóricos não acompanhados
30 ■ A mente meditativa

pela prática, e (10) poderes psíquicos sobrenaturais, cuja práti­


ca se torna mais interessante que a meditação. Desprender-se
dessas obrigações libera o meditador para a busca sincera da
meditação, isso é, “purificação” no sentido de liberar a mente
de questões preocupantes. A vida do monge é traçada para esse
tipo de liberdade; para o leigo, breves retiros permitem um
isolamento temporário.
Essas práticas ascéticas são opcionais no “caminho do
meio” do Buda. O monge sério pode praticá-las se achar algu­
ma delas útil. Mas ele tem de ser discreto em sua observância,
praticando-as de modo a não chamar atenção indevida. Essas
práticas incluem vestir somente túnicas feitas de trapos; comer
somente uma tigela de comida, e só uma vez por dia; viver na
floresta sob uma árvore; morar num cemitério ou a descoberto;
ficar sentado até terminar a noite. Embora opcionais, o Buda
aprecia os que seguem esses modos de vida “por amor à fruga­
lidade, à continência, à austeridade, ao desapego”, enquanto
critica os que se orgulham de praticar austeridades e desdenhar
dos outros que não o fazem. Em todas as facetas do treinamen­
to, o orgulho espiritual prejudica a pureza. Qualquer ganho em
ascese é perdido no orgulho. A meta da purificação é simples­
mente uma mente despreocupada com circunstâncias exterio­
res, calma e madura para a meditação.

Penetrando a via da concentração


A pureza é a base psicológica para a concentração. A essên­
cia da concentração é a não-distração; a purificação é a elimina­
ção sistemática de fontes de distração. Agora o trabalho do
meditador é atingir a unificação da mente, apontá-la numa só
direção. O fluxo de pensamento normalmente é aleatório e
difuso. A meta da concentração na meditação é focalizar o fluxo
de pensamento fixando a mente num único objeto, o tópico de
meditação. Nos últimos estágios da meditação concentrativa, a
mente não só está dirigida para o objeto, mas finalmente pene-
tra-o; totalmente absorta nele, a mente move-se para a unida-
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 31

de com o objeto. Quando isso acontece, o objeto é a única coisa


na consciência do meditador.
Qualquer objeto de atenção pode ser tema para a concentra­
ção meditativa, que é simplesmente sustentar um único ponto
de foco. Mas o caráter do objeto focalizado tem consequên­
cias definidas para o resultado da meditação. O Visuddhimagga
recomenda quarenta temas de meditação:

• dez kasinas, rodas coloridas com cerca de trinta centímetros


de circunferência: terra, água, fogo, ar, azul-escuro, amare­
lo, vermelho-sangue, branco, luz, espaço delimitado
• dez asubhas, cadáveres repulsivos, decompostos: por exem­
plo, um cadáver intumescido, um cadáver corroído, um
cadáver infectado de vermes, etc., incluindo um esqueleto
• dez reflexões: sobre os atributos do Buda, a Doutrina, o
sangha, paz, a própria pureza da pessoa, a própria liberali­
dade da pessoa, a própria posse de qualidades divinas da
pessoa, ou sobre a inevitabilidade da morte; contemplação
sobre as 32 partes do corpo ou na inspiração-expiração
• quatro estados sublimes: benevolência, compaixão, alegria
na alegria de outrem e serenidade
• quatro contemplações sem forma: do espaço infinito, da
consciência infinita, do reino do nada e do reino da “nem
percepção nem não-percepção”; a repugnância da comida
• os quatro elementos físicos: terra, ar, fogo, água como for­
ças abstratas (isto é, extensão, mobilidade, calor, coesão)

Cada um desses temas tem consequências específicas para


a natureza, profundidade e subprodutos da concentração; a
meditação sobre um cadáver, por exemplo, torna-se muito dife­
rente da contemplação da benevolência. Todos esses temas são
adequados para desenvolver a concentração na profundidade
necessária para se atingir o estado nirvânico. A concentração
produzida pelos temas de natureza complicada — por exemplo,
os atributos do Buda — é menos unificada do que a produzida
por um objeto simples — por exemplo, a kasina de terra, uma
roda cor de barro. Além da profundidade de concentração pro-
32 ■ A mente meditativa

duzida por um dado objeto de meditação, cada um tem distin­


tos subprodutos psicológicos. A meditação sobre a benevolên­
cia, por exemplo, tem vários resultados: o meditador dorme e
desperta comodamente; não sonha sonhos ruins; é gentil com
todos os seres; sua mente concentra-se facilmente; sua expres­
são é serena; e morre harmonizado.
O Buda sabia que pessoas de temperamentos diferentes se
adaptam melhor a alguns temas de meditação que a outros.
Suas diretrizes para enquadrar as pessoas no melhor tema de
meditação se baseiam nos seguintes tipos principais de tempe­
ramento: (1) o disposto à raiva; (2) o lascivo, iludido ou excitá­
vel; (3) o propenso à fé; (4) o inteligente.
Temas adequados ao tipo raivoso são: os quatro estados
sublimes e as quatro kasinas coloridas; para o lascivo, os dez
cadáveres, as partes do corpo, e a respiração; para o fiel, as seis
primeiras reflexões; e para o inteligente reflexões sobre a mor­
te, a repugnância da comida e os elementos físicos. Os temas
restantes são adequados para qualquer um. O Visuddhimagga
também especifica o ambiente físico apropriado para cada tipo.
Ao meditador lascivo, por exemplo, deve ser designada uma
cabana apertada, sem janelas, num lugar feio na proximidade
de gente hostil; o tipo raivoso, por outro lado, deve receber
uma choupana confortável, ampla, numa área agradável perto
de gente amistosa.

O mestre
O mestre de meditação ideal foi o Buda, que, segundo
dizem, desenvolveu o poder de conhecer a mente e o coração
dos outros. Ele enquadrava perfeitamente cada pessoa no tema
e na circunstância adequados para a concentração. Na falta
desse mestre ideal, o Visuddhimagga aconselha o candidato1 a
meditador a escolher seu mestre segundo o nível de progresso

1 Onde está "o candidato”, "o meditador”, “ele”, “dele” ao longo das Partes I e III deste
livro, leia-se também “a candidata", “a meditadora”, "ela”, "dela". A via da medita­
ção obviamente não está fechada para os membros de qualquer sexo, raça ou credo.
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 33

na meditação, sendo o melhor mestre aquele que obteve maio­


res êxitos. O apoio e o conselho do mestre são cruciais para o
meditador abrir seu caminho em meio ao desconhecido terreno
mental. O pupilo “se refugia” em seu mestre, comprometendo-
se a submeter-se a ele.
O pupilo submete o egoísmo, a fonte de obstáculos que o
impede de prosseguir na meditação, até o ponto em que ele é
transcendido. Mas a responsabilidade pela salvação é posta
francamente sobre os ombros do próprio discípulo, não sobre os
do mestre; o mestre é somente um “bom amigo” na via. O mes­
tre aponta o caminho; o discípulo tem de caminhar por si
mesmo. A essência do papel do mestre é dada nestas linhas do
Zenrin japonês:

Se desejas conhecer a estrada até a montanha,


Tens de perguntar ao homem que vai e volta por ela.

2. A via da concentração
Ao descrever a via da concentração, o mapa do Visuddhi-
magga padece de uma grave falha: começa com a descrição de
um avançado estado alterado, que muitos ou a maioria dos
meditadores podem jamais vir a vivenciar. Ele passa por cima
das etapas preliminares ordinárias — e muito mais comuns. Essa
lacuna pode ser preenchida com outras fontes budistas, que
começam com o estado de mente normal do meditador em vez
de com os estados muito raros que o Visttddhimagga descreve
em detalhe.
No início, o foco do meditador distrai-se do objeto de
meditação. Ao notar que está se distraindo, ele redireciona sua
consciência para o foco apropriado. Sua unidirecionalidade1 é

1 Optamos por traduzir o termo inglês onc-pointedness por “unidirecionalidade". Seu


significado principal é “fixação da mente num único ponto; concentração; direciona-
mento único da mente". (N. T.)
34 A mente meditativa

ocasional, vindo intermitentemente. Sua mente oscila entre o


objeto de meditação e pensamentos, sentimentos e sensações
dispersivos. O primeiro sinal da concentração vem quando a
mente do meditador não é afetada nem pelas distrações exter­
nas, com os sons circundantes, nem pela turbulência de seus
próprios pensamentos e sentimentos variados. Embora os sons
sejam ouvidos, e seus pensamentos e sentimentos sejam nota­
dos, eles não perturbam o meditador.
Na próxima etapa, sua mente concentra-se no objeto por
períodos prolongados. O meditador se aprimora na medida em
que repetidamente redireciona sua mente perambulante para o
objeto. Sua habilidade em redirecionar a atenção gradualmen­
te aumenta na proporção em que o meditador vê os maus resul­
tados das distrações (por exemplo, agitação) e sente as vanta­
gens de uma calma unidirecionalidade. Quando isso acontece,
o meditador é capaz de superar hábitos mentais antagónicos ao
recolhimento calmo, como o tédio devido à sede de novidade.
A mente do meditador pode agora permanecer concentrada por
longos períodos.

A um passo da absorção
Nas primeiras etapas da meditação, há uma tensão entre
concentração no objeto da meditação e pensamentos dispersi­
vos. As principais distrações são os desejos sensuais; má vonta­
de, desespero e ira; preguiça e torpor; agitação e preocupação;
e dúvida e ceticismo. Com muita prática, chega um momento
em que esses obstáculos são totalmente superados. Há então
uma notável aceleração da concentração. Nesse momento, os
atributos mentais, como a unidirecionalidade e a beatitude,
que amadurecerão em absorção total simultaneamente, passam
a dominar. Cada um esteve presente anteriormente em diferen­
tes graus, mas quando vêm ambos de uma vez têm um poder
especial. Esse é o primeiro êxito digno de nota na meditação
concentrativa; por ser o estado que beira a absorção total, ele é
chamado concentração-“acesso”.
O Visuddhimagga'. um mapa para o espaço interior • 35

Esse estado de concentração é como uma criança ainda


incapaz de ficar de pé firmemente mas que não para de tentar.
Os fatores mentais da absorção total não estão fortes no nível
de acesso; sua emergência é precária, e a mente flutua entre eles
e seu discurso interior, as ruminações usuais e pensamentos dis­
persivos. O meditador ainda está aberto aos seus sentidos e per­
manece consciente dos ruídos circundantes e dos sentimentos
de seu corpo. O tema de meditação é um pensamento domi­
nante mas ainda não ocupa totalmente a mente. Nesse nível de
acesso, fortes sensações de enlevo ou arrebatamento emergem,
junto com alegria, prazer e serenidade. Há também uma aten­
ção fugaz ao tema de meditação como que se chocando com ele,
ou um foco mais sustentado sobre ele, notando-o repetidamen-
te. Às vezes, há formas luminosas ou lampejos de luz brilhan­
te, especialmente se o tema de meditação é uma kastna ou a res­
piração. Pode haver também uma sensação de leveza, como se
o corpo estivesse flutuando no ar. A concentração-acesso é um
êxito precário. Se não for consolidada em absorção mais com­
pleta na mesma sessão, terá de ser protegida entre as sessões,
evitando-se as ações ou encontros dispersivos.

Visões
Podem ocorrer experiências visionárias no limiar desse
nível, quando fatores como o arrebatamento amadureceram
mas o pensamento discursivo continua, e enquanto um foco
sustentado sobre o objeto de concentração permanecer fraco. Se
a concentração sustentada alcançar força total, os processos
mentais necessários para visões serão podados na medida em
que a atenção permanecer no objeto primeiro. O acesso e os
níveis mais profundos de absorção são, por esse motivo, antité-
ticos a visões, mas quando o nível de acesso se aproxima (ou ao
se emergir da absorção mais profunda) as visões tornam-se mais
prováveis. As visões podem ser assustadoras — uma imagem de
si mesmo como cadáver, por exemplo, ou a forma de uma fera
36 A mente meditativa

ameaçadora e terrível — ou totalmente benignas, como a figura


de uma divindade benévola ou um Buda. As visões meditati-
vas são bastante vívidas; o Visuddhimagga diz que elas são tão
realistas quanto conversar com um visitante que chega a nossa
casa. Pessoas tímidas ou ansiosas que têm uma visão terrifican­
te — alerta-se — podem ficar loucas. Outro perigo para o medi-
tador é ficar extasiado com visões beatíficas e assim interrom­
per progressos maiores ao fazer delas a meta da meditação, fra­
cassando em fortalecer mais a concentração. A meta do medi-
tador está além das visões. Diz-se no Zen: “Se tu encontrares o
Buda, mata-o”.

Absorções totais ou jta


Concentrando-se continuamente no objeto de meditação,
chega o primeiro momento que marca uma ruptura total com
a consciência normal. É a absorção total ou jhana. A mente
parece subitamente afundar no objeto e permanece fixada nele.
Pensamentos estorvantes cessam totalmente. Não há nem per-
cepção sensorial nem a costumeira consciência do corpo; a dor
corporal não pode ser sentida. Além da atenção inicial e sus­
tentada ao objeto primeiro, a consciência é dominada pelo
êxtase, pela beatitude e pela unidirecionalidade2. Esses são os
fatores mentais que, quando em ascendência simultânea, cons­
tituem o jhana.
Há uma sutil distinção entre êxtase e beatitude. O êxtase,
no nível do primeiro jhana, é comparado ao prazer ou à excita­
ção inicial de se alcançar um objeto há muito buscado; a beati­
tude é o gozo desse objeto. O êxtase pode ser experimentado
como o eriçamento dos cabelos no corpo, como uma alegria
momentânea que cintila e desaparece como faísca, como ondas

2 Traduzimos os termos ingleses rapture e bliss respectivamente por "êxtase" e “beati-


cude”, dois termos que fazem parte do vocabulário místico tradicional da língua por­
tuguesa. (N. T.)
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 37

que se derramam através do corpo repetidamente, como a sen­


sação de levitação, ou como imersão numa arrebatadora felici­
dade. A beatitude é um estado mais controlado de êxtase con­
tínuo. A fixação num único objeto é própria da mente que se
centra no estado jhãnico. O primeiro sabor do jhana dura um-
breve momento, mas com esforços continuados o estado jhãnico
pode ser mantido por intervalos cada vez mais longos. Até ser
amestrado, o jhana é instável e pode ser facilmente perdido. O
controle total ocorre quando o meditador consegue atingir o
jhana quando, onde, tão logo e tanto quanto queira.

Jhanas mais profundos


No curso da meditação, a unidirecionalidade torna-se cada
vez mais intensa pela sucessiva eliminação dos fatores jhãnicos.
A unidirecionalidade absorve a energia investida nos outros
fatores e em cada nível jhãnico mais profundo (Fig. 1). Tor-
nar-se ainda mais fixado após o domínio do primeiro jhana é
algo que requer eliminar o redirecionamento inicial e repe­
tido da mente ao objeto de meditação. Após emergir do esta­
do jhãnico^ esses processos de atenção parecem grosseiros em
comparação com os outros fatores mentais mais sutis do jhana.
Assim como os obstáculos foram superados no caminho para o
nível de acesso, e assim como os pensamentos foram acalmados
para atingir o primeiro jhana, a atenção inicial e repetida ao
primeiro objeto é abandonada no limiar do segundo jhana.
Para ir além desse tipo de atenção, o meditador entra no pri­
meiro jhana focalizando o primeiro objeto. Mas então ele libe­
ra a mente de qualquer pensamento do objeto, dirigindo em
vez disso sua mente para o êxtase, a beatitude e a unidireciona­
lidade. Esse nível de absorção é mais sutil e estável que o pri­
meiro. A mente do meditador está agora totalmente livre de
quaisquer pensamentos verbais, mesmo dos do primeiro obje­
to. Somente uma imagem refletida do objeto permanece como
o foco da unidirecionalidade.
ALTO
8® JHANA
NEM PERCEPÇÀO NEM NÃO-PERCEPÇÃO,
SERENIDADE E UNlDREClONALlDADE.

7® JHANA
CONSCIÊNCIA DO NADA,
SERENIDADE E UNOREClONALIDADE.

ESTADOS
INFORMES
6® JHANA
CONSCIÊNCIA ríFINTTA DO NÃO-OBJETO.
SERENDADE E UNlDlREClONAL IDADE.

5° JHANA
CONSCIÊNCIA DO ESPAÇO INFINITO.
SERENDADE E UNDiREClONALlDADE.

£cr 4® JHANA

i
UJ
SERENDADE E UNIOREClONALIDADE, BEATTTUDE.
TODAS SENSAÇÕES CORPORAIS DE PRAZER CESSAM.

o 3® JHANA
SENSAÇÕES DE BEATTTUDE. UNlDiREC.ONAUDADE E SERENIDADE.
- O ÊXTASE CESSA. .

2® JHANA
SENSAÇÕES DE ÊXTASE, BEATTTUDE E UNlDlREClONALIDADE.
NENHUM PENSAMENTO DO PFLME1RO OBJETO DE CONCENTRAÇÃO.

ESTADOS
MATERIAIS
1® JHANA
CESSAM TODOS OS PENSAMENTOS ESTORVANTES, A PERCEPÇÀO SENSORIAL,
A CONSCIÊNCIA DA DOA CORPORAL ATENÇÃO INICIAL E IN NTERRUPTAMENTE
SUSTENTADA AO PRMEIRO OBJETO DE CONCENTRAÇÃO. SENSAÇÕES DE ÊXTASE,
BEATITUDE E UN DlRECIONAUDADE

ESTADO DE ACESSO
PENSAMENTOS ESTORVANTES SUPERADOS,
OUTROS PENSAMENTOS PERMANECEM.
CONSCIÊNCIA DE DADOS SENSORIAIS E ESTADOS CORPORAIS.
O PRIMEIRO OBJETO DE CONCENTRAÇÃO DOMINA O PENSAMENTO.
SENSAÇÕES DE ÊXTASE, FELICIDADE. SERENIDADE
PENSAMENTOS INCIAS E SUSTENTADOS NO PRIMEIRO OBJETO.
" ___ CENTELHAS DE LUZ OU LEVEZA CORPORAL. .—--- -

BAIXO
Fig. 1. Etapas na via da concentração
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 39

Terceiro jhana
Para ir ainda mais fundo, o meditador controla o segundo
jhana tal como fez com o primeiro. Em seguida, quando emer­
ge do segundo jhana, ele vê que o êxtase — uma forma de exci­
tação — é grosseiro se comparado à beatitude e à unidireciona­
lidade. Ele atinge o terceiro nível de jhana contemplando nova­
mente o primeiro objeto e abandonando os primeiros pensa­
mentos do objeto e em seguida o êxtase. Essa serenidade emer­
ge com o desvanecimento do êxtase. Esse jhana é extremamen­
te sutil, e sem essa serenidade recentemente emersa a mente do
meditador seria puxada de volta ao êxtase. Se permanecer no
terceiro jhana, uma beatitude suavíssima enche o meditador, e
em seguida essa beatitude inunda seu corpo. Visto que a beati­
tude desse nível é acompanhada de serenidade, a mente do
meditador é mantida fixa num ponto nessas dimensões sutis,
resistindo à atração de um êxtase mais grosseiro. Tendo domi­
nado o terceiro jhana como os anteriores, o meditador pode ir
mais fundo se vir que a beatitude é mais perturbadora do que
a unidirecionalidade e a serenidade.

Quarto jhana
Para ir mais fundo ainda, o meditador tem de abandonar
todas as formas de prazer mental. Precisa renunciar a todos os
estados mentais que podem se opor à quietude mais pronuncia­
da, mesmo o êxtase e a beatitude. Com a cessação total da bea-
titude, a serenidade e a unidirecionalidade ganham sua força
total, as sensações de prazer corporal são totalmente abandona­
das; as sensações de dor cessaram no primeiro jhana. Não há
uma só sensação ou pensamento. A mente do meditador nesse
nível extremamente sutil repousa com unidirecionalidade em
serenidade. Assim como sua mente se torna progressivamente
mais quieta a cada nível de absorção, sua respiração torna-se
mais calma. Nesse quarto nível, a respiração do meditador é
tão calma que ele não pode sentir a menor agitação; ele perce­
be sua respiração como cessando por inteiro.
40 ■ A mente meditativa

Jhdnd informe
O próximo passo na concentração culmina nos quatro
estados chamados “informes”. Os primeiros quatro jhanas são
atingidos pela concentração numa forma material ou em
algum conceito derivado dela. Mas o meditador atinge os esta­
dos informes ultrapassando toda percepção de forma. Para
entrar nos primeiros quatro jhanas, o meditador substitui pro­
gressivamente mais objetos sutis de concentração. Todos os
jhanas informes compartilham os fatores mentais de unidire-
cionalidade e serenidade, mas a cada nível esses fatores tor­
nam-se mais refinados. A concentração aproxima-se da imper­
turbabilidade. O meditador não pode ser perturbado, mas
emerge após um limite de tempo autodeterminado estabeleci­
do antes desse estado.

Quinto jhana
O meditador alcança a primeira absorção informe e o
quinto jhana entrando no quarto jhana por qualquer uma das
kasinas. Estendendo mentalmente os limites da kasina à máxi­
ma extensão imaginável, sua atenção é desviada da luz colorida
da kasina e dirigida ao espaço infinito ocupado por ela. A
mente do meditador agora reside numa esfera em que todas as
percepções de forma cessaram. Com a plena maturidade da
serenidade e da unidirecionalidade, sua mente está tão firme­
mente estabelecida nessa consciência sublime que nada pode
rompê-la. Ainda existe um ínfimo vestígio dos sentidos no
quinto jhana, embora sejam desprezados. A absorção seria que­
brada se o meditador dirigisse sua atenção a eles.
Uma vez dominado o quinto jhana, o meditador vai ainda
mais fundo adquirindo primeiramente uma consciência do
espaço infinito e logo dirigindo sua atenção a essa consciência
infinita. Deste modo, o pensamento de espaço infinito é aban­
donado, enquanto permanece a consciência do infinito vazio.
Isso marca o sexto jhana. Tendo dominado o sexto, o medita-
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 41

dor obtém o sétimo jhana entrando primeiro no sexto e em


seguida dirigindo sua consciência para a não-existência de
consciência infinita. Assim, o objeto do sétimo jhana é a absor­
ção no nada, ou no vazio. Ou seja, a mente do meditador toma
por objeto a consciência da ausência de qualquer objeto.
Dominando esse sétimo jhana, o meditador pode então
revê-lo e descobrir que qualquer percepção é um inconvenien­
te, pois sua ausência é mais sutil. Assim motivado, o medita­
dor atinge o oitavo jhana após ter passado pelo sétimo. Dirige
então sua atenção ao aspecto da tranquilidade e desvia-a da
percepção do vazio. A delicadeza disso é sugerida pela estipu­
lação de que não deve haver nenhuma insinuação de desejo de
atingir essa tranquilidade ou de evitar a percepção do nada.
Atingindo a tranquilidade, ele atinge um estado ultra-sutil em
que só existem processos mentais residuais. Não existe nenhu­
ma percepção grosseira aqui: este é um estado de “não-per-
cepção”. Existe percepção ultra-sutil: portanto, “não não-percep-
ção”. O oitavo jhana, por conseguinte, é chamado “a esfera nem
de percepção nem de não-percepção”. Nenhum estado mental
está decididamente presente: seus resíduos permanecem,
embora quase ausentes. Esse estado aproxima-se dos limites
últimos da percepção. Tanto na mente quanto no corpo; o
metabolismo do meditador torna-se progressivamente mais
quieto através dos jhanas informes. “O oitavo jhana', diz um
comentador, “é um estado tão extremamente sutil que não se
pode dizer se ele é ou não”.
Cada jhana repousa no anterior. Ao penetrar qualquer
jhana, a mente do meditador galga cada nível sucessivamente,
eliminando um a um os elementos grosseiros de cada jhana.
Com a prática, a travessia dos níveis jhânicos torna-se quase ins­
tantânea, com a consciência do meditador detendo-se a cada
nível no caminho por alguns poucos momentos de consciência.
À medida que os fatores mentais mais grosseiros são elimina­
dos, a concentração se intensifica. O aspecto grosseiro de um
tema de meditação limita a profundidade dejhana que o medi-
42 ■ A mente meditativa

tador pode atingir através dele. Quanto mais simples o tema,


mais profundo o jhana (Quadro 1).

QUADRO 1
NÍVEL DE JHANA ATINGÍVEL CONFORME
O TEMA DE MEDITAÇÃO
Mais alto nível
Tema de meditação
de jhana atingível
Reflexões; elementos; repugnância
da comida Acesso
Partes do corpo; cadáveres Primeiro
Benevolência; alegria altruísta;
compaixão Terceiro
Serenidade Quarto
Espaço infinito Quinto
Consciência infinita Sexto
Nada Sétimo
Kasinas\ consciência da respiração;
nem percepção nem não-percepção Oitavo

3. A via da introvisão1
O Visuddhimagga vê o domínio dos jhanas e o gozo de sua
sublime beatitude como de importância secundária para o
punna, a sabedoria arguta. O domínio do jhana é parte de um

1 "Introvisão” traduz aqui o inglês insight. Não se trata do insight comumente usado
em psicologia e que significa "compreensão repentina, em geral intuitiva, de suas
próprias atitudes e comportamentos, de um problema, de uma situação” (conforme
definição do Not'o Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda
Ferreira), mas, antes, em sentido místico, de uma “visão interior” (/» + sight), razão
por que optamos pelo termo “introvisão”. (N. T.)
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 43

treinamento totalmente perfeito, mas suas vantagens para o


meditador estão no fato de tornarem sua mente manejável e
flexível, de modo a acelerar seu treinamento em puiína. De fato,
os jhanas mais profundos às vezes são chamados em páli, a lín­
gua do Vtsuddhimagga^ “jogos de concentração”, o jogo de
meditadores bem desenvolvidos. Mas o ponto crucial de seu
treinamento é uma via que não precisa incluir os jhanas. Essa
via começa com a atentividade2 (satipatthanaY prossegue atra­
vés da introvisão (vipassana) e termina no nirvana.

Atentividade
A primeira fase, a atentividade, implica romper com a
percepção estereotipada. Nossa tendência natural é ficarmos
habituados ao mundo em torno de nós, deixando de notar o
que é familiar. Também substituímos nomes ou preconcepções
abstratas pela evidência crua de nossos sentidos. Na atentivi­
dade, o meditador metodicamente enfrenta os fatos nus de sua
experiência, vendo cada evento como se ocorresse pela primei­
ra vez. Ele faz isso pela atenção contínua à primeira fase da
percepção, quando sua mente é receptiva em vez de reativa.
Restringe sua atenção à observação nua de seus sentidos e pen­
samentos. Atenta para eles na medida em que surgem em
qualquer dos cinco sentidos ou em sua mente, a qual, no
Visuddhimagga, constitui um sexto sentido. Enquanto atenta
para as impressões de seus sentidos, o meditador mantém a
reação simplesmente para registrar tudo quanto observa. Se
qualquer comentário, julgamento ou reflexão posterior surge

2 A língua inglesa tem diversos substantivos abstratos que os dicionários normalmen­


te traduzem por “consciência": consciencey consciousness, auareness, mindfidness. Cada um
deles se refere a um traço semânticd específico das muitas aplicações do termo “cons­
ciência" em português. Como neste livro a palavra “consciência" tem importância
destacada, tentaremos reduzir seu uso para traduzir o inglês consciousness. No caso de
mindfulness optamos por “atentividade", termo derivado do adjetivo "atentivo", que
encontramos no dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, cujo exemplo é
justamente “meditação atentiva". (N. T.)
44 A mente meditativa

na mente do meditador, eles se tornam o foco da atenção nua.


Eles não são nem repudiados nem perseguidos, mas simples­
mente descartados após terem sido notados. A essência da
atentividade é, nas palavras de Nyanaponika Thera, um mon­
ge budista moderno, “a consciência clara e sincera daquilo que
realmente acontece a nós e em nós, nos sucessivos momentos de
percepção”.
Qualquer poder de concentração que o meditador tenha
desenvolvido previamente ajuda-o na busca absoluta da atenti­
vidade. A unidirecionalidade é essencial na adoção desse novo
hábito de percepção nua. O melhor nível de jhana para prati­
car a atentividade é o mais baixo, o do acesso. Isso porque a
atentividade é aplicada à consciência normal, e a partir do pri­
meiro jhana esses processos normais cessam. Um nível de con­
centração mais baixo que o do acesso, por outro lado, pode ser
facilmente ofuscado por pensamentos dispersivos e lapsos na
atentividade. No nível de acesso, existe um desejável equilí­
brio: percepção e pensamento retêm seus padrões usuais, mas a
concentração é poderosa o bastante para permitir que a cons­
ciência do meditador não se desvie desses padrões. Os momen­
tos de entrada ou de saída do jhana são especialmente propícios
à prática da introvisão. As operações da mente são transparen­
tes nesses momentos, tornando-as mais vulneráveis à observa­
ção atenta do meditador.
O método preferido para o cultivo da atentividade é fazê-
la preceder de um treinamento nos jhanas. Existe, porém, um
método chamado “introvisão nua” no qual o meditador come­
ça a atentividade sem nenhum sucesso prévio na concentração.
Na introvisão nua, a concentração se fortalece através da práti­
ca da própria atentividade. Durante as primeiras etapas da
introvisão nua, a mente do meditador é intermitentemente
interrompida por pensamentos dispersivos entre momentos de
observação conscienciosa. Algumas vezes o meditador nota os
dispersivos, algumas vezes não. Mas a concentração momentâ­
nea gradualmente se fortalece à medida que mais pensamentos
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 45

desgarrados são notados. Os pensamentos dispersivos desapare­


cem tão logo notados, e o meditador reassume a atentividade
imediatamente depois. Finalmente, o meditador alcança o
ponto no qual sua mente está livre de obstáculos. Quando ele
nota cada movimento da mente sem interrupção é o mesmo
que a concentração de acesso.

Tipos de atentividade
Há quatro tipos de atentividade, idênticas em função mas
diferentes no foco. A atentividade pode focalizar o corpo, os
sentimentos, a mente ou objetos mentais. Qualquer um desses
serve de ponto fixo para a atenção nua do fluxo de consciência.
Na atentividade do corpo, o meditador atenta para cada
momento de sua atividade corporal, como sua postura e os
movimentos dos membros. O meditador nota o movimento e
a posição de seu corpo sem se importar com o que faz. Os obje­
tivos desse ato são desprezados; o foco está no ato corporal em
si mesmo. Na atentividade de sentimento, o meditador focali­
za suas sensações internas, a despeito de serem agradáveis ou
desagradáveis. Ele simplesmente nota todas as suas sensações
internas à medida que lhe chamam a atenção. Alguns senti­
mentos são a primeira reação a mensagens dos sentidos, alguns
são sensações físicas que acompanham estados psicológicos,
alguns são subprodutos de processos biológicos. Qualquer que
seja a fonte, o sentimento é registrado em si mesmo.
Na atentividade de estados mentais, o meditador se foca­
liza em cada estado à medida que eles vêm à consciência. Qual­
quer humor, modo de pensamento ou estado psicológico que se
apresente, ele simplesmente o registra como tal. Se, por exem­
plo, existe raiva por causa de algum barulho perturbador, nesse
momento ele simplesmente nota “raiva”. A quarta técnica, a
atentividade de objetos mentais, é virtualmente a mesma que
se acaba de descrever, exceto pelo nível no qual as operações da
mente são observadas. Em vez de notar a qualidade dos estados
46 A mente meditativa

mentais na medida em que aparecem, o meditador nota os


objetos que ocupam esses estados, por exemplo, “barulho per­
turbador”. À medida que cada pensamento aparece, o medita­
dor nota-o em termos de um esquema detalhado para classifi­
cação de conteúdo mental. A categoria mais ampla nessa lista
rotula todos os pensamentos como obstáculos ou auxílios rumo
à iluminação.
Qualquer uma dessas técnicas de atentividade romperá
com as ilusões de continuidade e razoabilidade que sustentam
nossa vida mental. Na atentividade, o meditador começa a tes­
temunhar as unidades aleatórias do material mental com o qual
sua realidade é construída. Dessas observações emerge uma
série de constatações sobre a natureza da mente. Com essas
constatações, a atentividade amadurece em introvisão.

Início da introvisão
A prática da introvisão começa no ponto em que a atenti­
vidade continua sem interrupção. Na meditação de introvisão,
a consciência fixa-se em seu objeto, de modo que a mente con­
templativa e seu objeto emergem juntos numa sucessão inin­
terrupta. Esse ponto marca o início de uma cadeia de introvi-
sões — a mente conhecendo a si mesma —, terminando num
estado nirvânico (Figura 2).
A primeira constatação na introvisão é a de que os fenô­
menos contemplados são distintos da mente que os contempla:
dentro da mente, a faculdade por meio da qual a mente teste­
munha suas próprias operações é diferente das operações que
ela testemunha. O meditador sabe que a consciência é distinta
dos objetos que ela apanha, mas esse conhecimento não está no
nível verbal tal como expresso aqui. Ao contrário, o meditador
sabe disso e de cada constatação decorrente em sua experiência
direta. Ele pode não ter palavras para suas constatações; ele
compreende mas não consegue necessariamente declarar essa
compreensão.
ALTO

NIRODH
cessação total de consciência.

NIRVANA
A CONSCÉNCIA CESSA DE TER UM OBJETO.

------- INTROVISÃO SEM ESFORÇO


CONTEMPLAÇÃO Ê RÁPIDA, FÃCl. INCANSÁVEL.
CONHECIMENTO INSTANTÂNEO DE ANATTA, AAACCA, DUKKHA.
CESSAÇÃO DA DOR. SERENIDADE PENETRANTE.

REALIZAÇÃO
PERCEPÇÃO DA NATUREZA HORRENDA, INSATISFATÓRIA E
TEDIOSA DOS FENÔMENOS FÍSICOS E MENTAIS. DOR FÍS»CA. EMERGÊNCIA DO
DESEJO DE FUGIR DESSES FENÔMENOS. PERCEPÇÃO DO DESVANEOMEMTO DOS
s. OBJETOS MENTAIS, PERCEPÇÃO VELOZ E PERFEITA. DESAPAREOMENTO
DE LUZES. ÊXTASE. ETC.

IQ
PSEUDONIRVANA
PERCEPÇÃO CLARA DO SURGIMENTO E PASSAGEM
DE CADA MOMENTO MENTAL SUCESSIVO. ACOMPANHADA
DE VÁRIOS FENÔMENOS COMO LUZ BRILHANTE. SENSAÇÕES EXTÃTCAS.
0 TRANQUILIDADE, DEVOÇÃO. ENERGIA. FELICIDADE. FORTE ATENTMDADE,
SERENIDADE PARA COM OBJETOS DE CONTEMPLAÇÃO,
PERCEPÇÃO RÁPIDA E CLARA E APEGO A ESSES
NOVOS ESTADOS EMERGENTES.

FASE DE REFLEXÕES
' ESSES PROCESSOS SÃO VISTOS COMO NEM AGRADAVEIS NEM
CONFIÁVEIS. EXPERIÊNCIA DE DUKKHA. INSATISFAÇÃO. ESSES PROCESSOS SÃO
VISTOS COMO EMERGINDO E PASSANDO A CADA MOMENTO DE CONTEMPLAÇÃO.
EXPERIÊNCIA DE AN.CCA, IMPERMANÊNCIA. A CONSCIÊNCIA E SEU .
OBJETO SÃO PERCEBIDOS A CADA MOMENTO COMO
PROCESSOS DISTINTOS E SEPARADOS.

---------- ATENTMDADE ‘
ATENTMDADE DA FUNÇÃO DO CORPO,
SENSAÇÕES FISCAS, ESTADOS MENTAIS OU OBJETOS MENTAIS.

CONCENTRAÇÃO-ACESSO INTROVISÃO NUA


ALCANCE PRÉVIO DA OBTENÇÃO DA HABILIDADE DE NOTAR
CONCENTRAÇÃO DE ACESSO NA VIA TOOOS OS FENÔMENOS MENTAIS NO PONTO EM QUE
DA CONCENTRAÇÃO. PENSAMENTOS DISPERSIVOS NÃO PERTURBAM>
SERÍAMENTE A PRÁTICA.

BAIXO
Fig. 2. Etapas na via da introvisão
48 A mente meditativa

Continuando sua prática de introvisão, depois que se deu


conta da natureza separada da consciência e de seu objeto, o
meditador pode, com introvisão ulterior, obter uma clara
compreensão de que esses processos duais são desprovidos de
identidade. Ele vê que eles surgem como efeitos de suas res-
pectivas causas, não como o resultado da direção de qualquer
agente individual. Cada momento de consciência segue con­
forme sua própria natureza, sem consideração pela “vontade de
alguém”. Fica certo para o meditador que em nenhum lugar
da mente pode ser detectada alguma entidade residente. É a
experiência direta da doutrina budista de anatta, literalmente
“não-identidade”, de que nenhum fenômeno tem uma perso­
nalidade residente. Isso inclui mesmo a “própria identidade de
alguém”. O meditador vê sua vida passada e futura meramen­
te como um processo causa-efeito condicionado. Ele não mais
duvida se o “eu” realmente existe; ele sabe que “eu sou” é uma
concepção errada. Ele percebe a verdade das palavras do Buda
no cânon páli:

Somente quando as partes estão reunidas


E que brota a palavra “carruagem”;
Assim também se dá com a noção de um ser
Quando os agregados estão presentes.

Continuando a praticar a introvisão, o meditador desco­


bre que sua mente testemunhante e seus objetos vêm e vão
numa frequência além de seu alcance. Ele vê todo o seu campo
de consciência num fluxo contínuo. O meditador dá-se conta
de que seu mundo de realidade é renovado a cada momento
mental numa cadeia sem fim. Com essa percepção, ele sabe a
verdade da impermanência (páli: aniccã) nas profundezas de
seu ser.
Descobrindo que esses fenômenos surgem e se vão a cada
momento, o meditador começa a vê-los como nem agradáveis
nem confiáveis. O desencantamento se instala: aquilo que está
constantemente mudando não pode ser a base para nenhuma
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 49

satisfação duradoura. Ao constatar que sua realidade privada é


desprovida de identidade e sempre cambiante, o meditador é
levado a um estado de desapego em relação a seu mundo de
experiência. Dessa perspectiva desapegada, as qualidades
impermanentes e impessoais de sua mente levam-no a vê-la
como uma fonte de sofrimento (páli: dukkha).

Pseudonirvana: as "dez corrupções"


O meditador em seguida continua sem nenhuma reflexão
ulterior. Após aquelas constatações, o meditador começa a ver
claramente o início e o fim de cada momento sucessivo de cons­
ciência. Com essa clareza de percepção, podem ocorrer:

• a visão de uma luz brilhante ou forma luminosa


• sensações extáticas que causam arrepios na pele, tremor
nos membros, a sensação de levitar e outros atributos do
êxtase
• tranquilidade na mente e no corpo, tornando-os leves,
plásticos e flexíveis
• sentimentos devocionais e fé no mestre de meditação, no
Buda, em seus ensinamentos — incluindo o método da
própria introvisão — e no sangha, acompanhados pela
confiança jubilosa nas virtudes da meditação e pelo
desejo de incentivar amigos e parentes a praticá-la
• vigor na meditação, como uma firme energia nem dema­
siado relaxada nem demasiado tensa
• sublime felicidade inundando o corpo do meditador,
uma beatitude inédita que parece não ter fim e moti­
va-o a contar aos outros sobre essa experiência extraor­
dinária
• rápida e clara percepção de cada momento de consciência:
a percepção é aguçada, forte e lúcida, e as características
de impermanência, não-identidade e insatisfação são
claramente compreendidas de uma só vez
50 A mente meditativa

• conscienciosidade forte, de modo que o meditador facil­


mente nota cada momento sucessivo de consciência; a
atentividade ganha um impulso só para si
• serenidade para com o que quer que surja na consciência:
sem se importar com o que lhe vem à mente, o medita­
dor mantém uma neutralidade desapegada
• um sutil apego às luzes e aos outros fatores listados aqui,
e prazer em sua contemplação

O meditador freqúentemente fica exaltado na emergência


desses dez sinais e pode falar deles pensando que atingiu a ilu­
minação e terminou a tarefa de meditação. Mesmo que não
pense que eles marcam sua libertação, ele pode deter-se para
gozá-los. Por isso, essa etapa, chamada “Conhecimento do que
surge e se vai”, é também chamada pelo Visuddhhnagga “as dez
corrupções da introvisão”. E um pseudonirvana. O grande
perigo para o meditador está em “tomar por engano como a
Via aquilo que não é a Via” ou, em lugar disso, vacilar na
busca ulterior da introvisão por causa de seu apego a esses
fenômenos. Finalmente, o meditador, seja por si só ou por
advertência de seu mestre, dá-se conta de que essas experiên­
cias são uma etapa ao longo do caminho, e não seu destino
final. Nesse ponto, ele dirige o foco de introvisão sobre eles e
sobre seu próprio apego a eles.

Constatações mais elevadas


À medida que esse pseudonirvana gradualmente diminui,
a percepção do meditador de cada momento de consciência
torna-se mais clara. Ele pode fazer discriminações cada vez
mais finas dos sucessivos momentos até sua percepção ficar per­
feita. À medida que sua percepção se acelera, o final de cada
momento de consciência é mais claramente percebido do que
seu surgimento. Finalmente, o meditador percebe cada
momento somente quando se esvai. Ele experimenta a contem­
plação da mente e de seu objeto como esvaindo-se aos pares a
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 51

cada momento. O mundo de realidade do meditador está num


constante estado de dissolução. Uma terrível constatação brota
disso; a mente fica tomada de medo. Todos os seus pensamen­
tos parecem amedrontadores. Ele vê os pensamentos por vir
como uma fonte de terror. Para o meditador, tudo o que entra
em sua consciência — mesmo aquilo que alguma vez foi muito
agradável — agora parece opressivo. Ele é incapaz de evitar essa
opressão; ela faz parte de cada momento.
Nesse ponto, o meditador constata a qualidade insatisfa­
tória de todos os fenômenos. Ele vê a mais ínfima percepção
como profundamente destituída de qualquer satisfação possí­
vel. Ali não há nada senão perigo. O meditador é levado a sen­
tir que em todos os tipos de pensamento por vir não há uma
coisa sequer em que ele possa depositar suas esperanças ou
apoiar-se. Tudo em sua consciência, cada pensamento, cada
sensação, parece insípido. Isso inclui qualquer estado mental
que o meditador possa conceber. Em tudo o que percebe, o
meditador só vê sofrimento e infortúnio.
Sentindo esse infortúnio em todos os fenômenos, o medi­
tador fica inteiramente enojado deles. Embora continue com a
prática da introvisão, sua mente é dominada pelos sentimentos
de descontentamento e indiferença para com todos os seus pró­
prios conteúdos. Mesmo o pensamento da forma de vida mais
alegre ou dos mais atraentes objetos parece desestimulante e
aborrecido. Ele se torna absolutamente desapaixonado e adver­
so em relação à multiplicidade do material mental — a qualquer
tipo de pensamento, destino ou estado de consciência.

Introvisão sem esforço


Entre os momentos de observação, ocorre ao meditador
que somente na cessação de todos os processos mentais o alívio
é possível. Sua mente agora não se fixa mais em seus conteú­
dos, e o meditador deseja escapar do sofrimento devido a tais
fenômenos. Sensações dolorosas podem inundar seu corpo, e
pode ocorrer de ele não mais conseguir ficar por muito tempo
52 A mente meditativa

em uma postura. A natureza desconfortável do material men­


tal torna-se mais evidente que nunca; o desejo de libertar-se
dela emerge na raiz de seu ser.
Com esse forte desejo de libertar-se dos processos mentais,
o meditador intensifica seus esforços por observar esses proces­
sos com o propósito justamente de escapar deles. A natureza
deles - sua impermanência, o elemento de dor e sua ausência
de sentido — torna-se clara e evidente. O corpo do meditador
algumas vezes sofrerá dores agudas e severas de intensidade
crescente. Todo o seu corpo e mente podem parecer uma massa
de sofrimento; a inquietação pode dominar sua introvisão. Mas,
ao atentar sistematicamente para essas dores, elas cessarão.
Neste ponto, a habilidade do meditador de simplesmente aten­
tar torna-se forte e lúcida. A cada momento, ele conhece mais
claramente as três características dos fenômenos mentais. Uma
dessas três acaba por dominar sua compreensão.
Agora a contemplação do meditador procede automatica­
mente, sem especial esforço, como se levada adiante por si
mesma. Cessam os sentimentos de pavor, desespero e infortú­
nio. As dores ausentam-se totalmente do corpo. A mente do
meditador abandonou tanto o medo quanto o deleite. Emer­
gem uma clareza de mente extremamente sublime e uma pene­
trante serenidade. O meditador não precisa fazer nenhum
esforço deliberado ulterior; o ato de observar continua num
ritmo firme durante horas sem que ele se canse. Sua meditação
ganha seu próprio impulso, e a introvisão se torna especialmen­
te rápida.
A introvisão agora se aproxima de seu auge; a observação
por parte do meditador de cada momento de consciência é agu­
çada, forte e lúcida. O meditador sabe instantaneamente que
cada momento é impermanente, doloroso ou sem sentido ao
ver sua dissolução. Vê todos os fenômenos mentais como limi­
tados e circunscritos, inconvenientes ou alheios. Seu desapego
para com eles está no ápice. Sua observação não mais entra ou
se estabelece em nenhum fenômeno que seja. Nesse momento,
surge uma consciência que toma por objeto a “insignificância,
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 53

a não-ocorrência, a não-formação”: nirvana. A percepção de


todos os fenômenos físicos e mentais cessa inteiramente.
Esse momento de penetração do nirvana não dura, em sua
primeira ocorrência, mais que um segundo. Imediatamente
após, dá-se o momento de “fruição”, quando a mente do medi­
tador reflete sobre a experiência do nirvana recém-ocorrida.
Essa experiência é um choque cognitivo de consequências psi­
cológicas as mais profundas. Por pertencer a um reino para
além da realidade do senso comum da qual nossa linguagem
deriva, o nirvana é uma “realidade supramundana”, definível
somente em termos daquilo que ele não é. O nirvana não tem
fenomenologia alguma, nenhuma característica experiencial. É
o estado não-condicionado.

Nirvana: mudanças subsequentes


A palavra nirvana deriva do prefixo negativo nir e da raiz
vana> “queimar”, uma expressão metafórica para a extinção dos
motivos para vir-a-ser. No nirvana, o desejo, o apego, o interes­
se pessoal são incinerados. Mudanças comportamentais decisi­
vas seguem-se a esse estado de consciência, e a realização total
do nirvana exerce uma alteração permanente da consciência do
meditador. Tendo atingido o nirvana, aspectos do ego do medi-
tador e de sua consciência normal são abandonados para nunca
mais ressurgirem.
A via da introvisão difere significativamente da via da
concentração neste ponto: o nirvana destrói aspectos “sujos” de
estados mentais — ódio, ganância, desilusão, etc. —, ao passo
que o jhana simplesmente os suprime. O fruto do nirvana para
o meditador é a pureza moral sem esforço; de fato, a pureza se
torna seu único comportamento possível. O jhana oculta as
“sujeiras” do meditador, mas suas sementes permanecem laten­
tes em sua personalidade como potencialidades. Ao emergir do
estado jhânico, os atos impuros tornam-se novamente possíveis
se surgirem situações que os fomentem. Para atingir a pureza
sem esforço, o egoísmo do meditador precisa “morrer”. Ou
54 A mente meditativa

seja, todos os seus desejos oriundos do interesse pessoal devem


deixar de controlar seu comportamento, o que acontece ao se
atingir o nirvana.
Depois que a introvisão culminou no estado nirvânico, a
mente do meditador fica livre de certas motivações e estados
psicológicos, que não aparecem mais. Na maturação total da
introvisão, sua pureza torna-se perfeita. Então, ele terá desisti­
do inteiramente da potencialidade de atos impuros. Aquilo
que nas primeiras etapas era difícil para o meditador torna-se
um estado auto-sustentado em que as atitudes de pureza são
subprodutos fáceis, involuntários, do próprio estado.
O número de vezes em que o meditador entra no estado
nirvânico determina seu nível de mestria, isto é, sua habilida­
de de atingir o nirvana quando, onde, tão logo e tanto quanto
queira. Mas seu nível de mestria não é o mesmo que as mudan­
ças de personalidade causadas pelo nirvana. Ele pode entrar no
nirvana com um dado grau de introvisão inúmeras vezes sem
qualquer mudança subseqiiente em seu ser. Quanto mais pro­
fundamente ele desenvolver a introvisão antes de entrar no nir­
vana, maiores serão as mudanças subsequentes. A natureza do
próprio nirvana é idêntica em cada nível em que é alcançado.
Já que o nirvana é a completa extinção da consciência, ele é
sempre o mesmo, embora ultrapasse a experiência. Mas há dife­
renças entre níveis de mudanças causadas pelo nirvana. As dife­
renças são computadas em termos da consequente perda de
ego, por parte do meditador, e da alteração em sua consciência
normal depois de ter emergido do nirvana. Entrar no estado
nirvânico é o seu “despertar”; essas mudanças subsequentes são
a sua “libertação”.
O primeiro nível de libertação é o do Sotapanna, “o que
entra na correnteza”. A “correnteza” em que se entrou é a que
conduz à perda total do eu egoísta, a cessação de todo o esfor­
ço por vir-a-ser. O meditador torna-se aquele que entrou na
correnteza no momento de reflexão após sua primeira penetra­
ção no nirvana. Ele permanece um Sotapanna até que sua intro­
visão se aprofunde no grau necessário para atingir o próximo
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 55

nível. É seguro ocorrer essa libertação final, segundo se diz,


“dentro de mais sete vidas”. Aquele que entra na correnteza
perde os seguintes traços de personalidade: a ânsia por objetos
sensoriais; quaisquer ressentimentos fortes o bastante para
deixá-lo agitado; a avidez de ganhar, ter posses ou ser louvado;
a incapacidade de compartilhar; a incapacidade de perceber a
natureza relativa e ilusória de qualquer coisa que possa parecer
agradável ou bela; a ilusão de considerar permanente o que é
impermanente (anicca); a ilusão de ver sentido naquilo que não
tem sentido (anattd)\ a adesão a meros ritos, ritualismos com­
pulsivos e a qualquer crença de que isso ou aquilo é “a verda­
de”; e as dúvidas quanto à utilidade da via de meditação pela
introvisão. Aquele que entra na correnteza também não conse­
gue mais, por natureza, comprometer-se em mentira, roubo,
má conduta sexual, em ferir fisicamente alguém ou ganhar sua
vida à custa dos outros.
Quando a introvisão do meditador se aprofunda a ponto
de as percepções de dukkha, anatta ou anicca se difundirem
mais completamente em sua consciência, sua introvisão se
torna um nível mais profunda. Nesse nível mais profundo,
tanto sua avidez de desejos sensuais quanto sua malevolência
tornam-se mais fracos. Além daquilo que abandonou ao entrar
na correnteza, o meditador renuncia a desejos grosseiros por
objetos sensuais e ao ressentimento. Ele agora é um sakadgami,
“que retorna uma vez”, que ficará totalmente libertado nesta
vida “ou na próxima”. Diminui a intensidade de seus senti­
mentos de atração e aversão: ele não pode mais ser impelido
nem repelido por coisa alguma. O impulso sexual, por exem­
plo, reduz-se; ele pode ainda ter relações sexuais para a procria­
ção, mas não terá necessidades sexuais compulsivas. A impar­
cialidade caracteriza suas reações para com todo e qualquer
estímulo.
Na fase seguinte de aprofundamento de sua introvisão, ele
abandona totalmente a avidez de desejos sensuais e a malevo­
lência. Aquilo que tinha diminuído quando atingiu o nível do
sakadgami extingue-se agora completamente. O meditador é
56 A mente meditativa

um anagamiy “aquele que não retorna”, e ficará totalmente livre


da roda do vir-a-ser na sua vida presente. Além daquilo que
abandonou previamente, suas últimas propensões residuais
remanescentes à ânsia ou ao ressentimento desaparecem. Cessa
toda aversão aos estados mundanos, como perda, desgraça, dor
ou repreensão. A maliciosidade na motivação, volição ou dis­
curso torna-se impossível para aquele que não retorna. Ele nem
sequer consegue mais ter um pensamento de má vontade para
quem quer que seja, e a categoria de “inimigo” desaparece de
seu pensamento, junto com a de “desagrado”. Similarmente,
mesmo seu mais sutil desejo por objetos sensuais desaparece. A
atividade sexual, por exemplo, não tem cabimento para aquele
que não retorna, porque seus sentimentos lascivos se foram,
junto com seus desejos de prazeres sensuais. A serenidade pre­
valece para com todos os objetos externos; o valor deles para o
que não retorna é absolutamente neutro.
Quando a introvisão do meditador amadurece completa­
mente, ele supera todos os obstáculos remanescentes para a
libertação. Ele agora é um arahanty um “ser desperto” ou santo;
a palavra arahant significa “aquele que é digno” de veneração.
O arahant é livre de sua anterior identidade socialmente con­
dicionada; vê os conceitos consensuais de realidade como ilu­
sões. Está absolutamente livre de sofrer e de agir de modo que
incrementasse seu carma. Não tendo qualquer sentimento de
“eu”, seus atos são puramente funcionais, para a manutenção de
seu corpo ou para o bem dos outros. O arahant faz tudo com
graça física. Nada em seu passado pode fazer com que pensa­
mentos de ânsia, ódio ou coisa parecida lhe venham à mente.
Seus feitos passados estão apagados como determinantes de
comportamento, e ele está livre de seus antigos hábitos condi­
cionados. Ele vive inteiramente no momento; todas as suas
ações expressam espontaneidade. Os últimos vestígios de
egoísmo que o meditador abandona nesta etapa final são: seu
desejo de conquistar lucro, fama, prazer ou louvor mundanos;
seu desejo de equiparar-se aos jhanas materiais ou informes;
obstinação ou agitação mental; cobiça do que quer que seja.
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 57

Para o arahant, a menor inclinação no sentido de um pensa­


mento ou ato não virtuoso é literalmente inconcebível.
Com a total extinção das raízes “daninhas” — luxúria,
agressão e orgulho — como motivos no comportamento do
meditador, a benevolência, a alegria altruísta, a compaixão e a
serenidade emergem como bases para suas ações. Comporta­
mentos derivados de motivos daninhos são vistos como “iná­
beis”; os atos do arahant neste sentido são “hábeis”. Seus
motivos são totalmente puros. O sonho também muda para o
arahant', ele não tem sonhos devidos a estados corporais (por
exemplo, sonhos de estar sendo perseguido, de sentir calor ou
frio) ou por causa de suas impressões dos acontecimentos diá­
rios, mas pode ter sonhos premonitórios que antevêem acon­
tecimentos futuros. Embora o arahant possa experimentar dor
corporal, ele a suporta com serenidade. Um traço predomi­
nante do arahant é a abnegação, comparada no cânon páli ao
amor materno:

Tal como uma mãe cuida de seu único filho, assim ele deixa seu
coração e mente se encherem de infinito amor por todas as criatu­
ras, grandes e pequenas, pratica a benevolência para com o mundo
todo, acima, abaixo, em volta, sem exceção, e torna-se completa­
mente livre da malevolência e da inimizade.

Aquele que “despertou” desse modo é capaz de uma per-


cepção dual: “Saber como cada coisa realmente é, e como cada
coisa parece ser”. Para o arahant, a realidade normal é percebi­
da simultaneamente com o valor das “nobres verdades” da
impermanência, sofrimento e não-identidade. Ambos os níveis
de percepção estão evidentes em cada momento. Por exemplo,
mesmo os prazeres mundanos são uma forma de sofrimento.
Wei Wu Wei (1968, p. 61) assim fala do significado do sofri­
mento no nível de consciência do arahant*.

Quando o Buda descobriu que estava Desperto... pode-se supor que


ele observou que aquilo que até então ele tinha visto como felici­
dade, se comparado ao sofrimento, já não era mais assim. Seu único
58 ■ A mente meditativa

padrão daqui para a frente era ananda ou o que tentamos imaginar


como beatitude. O sofrimento ele via como a forma negativa da
felicidade, a felicidade como a forma positiva do sofrimento, res-
pectivamente os aspectos negativo e positivo da experiência. Mas,
em relação ao estado numênico que só agora ele conheceu, ambos
podem ser descritos... como dukkha (sofrimento). Dukkha era a con-
traparte de sukhay que implicava "conforto e bem-estar”... para o
Buda nada fenomenal podia parecer sukha embora na fenomenali-
dade pudesse parecê-lo em contraste com dukkha.

O modo como o arahant pode compreender a verdade do


não-eu é mais fácil de entender. Como diz D. T. Suzuki (1958,
p. 293), o arahant descobre “por conhecimento imediato que
quando o coração de alguém ficou limpo das impurezas dos
impulsos e desejos ordinários ego-centrados, nada sobrou ali
para se chamar de ego-resíduo”. Em termos mais simples,
depois que o meditador deixou partir seu eu egoísta para se tor­
nar um arahant, ele descobre que não sobrou mais “ego”.
Para o arahant^ a percepção na meditação de introvisão
tornou-se perfeita: ele testemunha os mais diminutos segmen­
tos do trabalho de sua mente, a cadeia dos momentos mentais.
Segundo essa tradição, o Buda testemunhava 17 x 1021 mo­
mentos mentais num “piscar de olhos”, cada qual distinto e
diferente do precedente e do seguinte. Como ele, o arahant vê
que as menores peças do mosaico da consciência estão mudan­
do a cada momento. Nada no universo de sua mente é constan­
te. Dado que sua realidade externa provém de seu universo
interno, em lugar nenhum ele pode achar qualquer estabilida­
de ou permanência.

Cessação total
Existe um estado semelhante ao nirvana (pouco conheci­
do no Ocidente) chamado nirodh (cessação). No nirvana, há a
cessação de consciência; no nirodh, os processos corporais tor­
nam-se quiescentes. Essa cessação absoluta de consciência é
extremamente difícil de alcançar. O nirodh é acessível apenas a
O Visuddhimagga: um mapa para o espaço interior ■ 59

um “que não retorna” ou a um arahant, e somente se tiver


dominado também todos os oito jhanas. Nem o “que entra na
correnteza” nem o “que retorna uma vez” renunciou suficien­
temente aos apegos ligados ao ego para acumular a supercon-
centração exigida para o nirodh. Para obter acesso a esse estado
de total não-ocorrência, mesmo o mais ínfimo desejo sensual é
um obstáculo.
Na via para o nirodh, o meditador pratica a introvisão,
usando como base cada jhana em sucessão até o oitavo, “nem
percepção nem não-percepção”. Com a cessação desse último
estado de consciência ultra-sutil, ele entra no nirodh. A cessa­
ção do nirodh é chamada “diferentemente real”, pois todos os
dados de nossa experiência de realidade, mesmo os mais sutis
estados, estão ausentes.
Embora o nirodh possa durar até sete dias do ritmo tem­
poral humano, não existe sequência de tempo no estado em si
mesmo: o momento imediatamente anterior e o imediatamen­
te posterior a ele parecem em sucessão. O limite de sete dias
dado para o nirodh pode ser devido à sua fisiologia singular. O
ritmo cardíaco do meditador e seu metabolismo normal,
segundo dizem, cessam junto com sua consciência (ou, mais
provavelmente, continuam abaixo do limiar da percepção). Os
processos metabólicos continuam num nível residual, e o corpo
do meditador não decai como um cadáver. O meditador tem de
estabelecer uma duração de tempo predeterminada para sua
permanência nesse estado antes de entrar nele. Ao emergir do
nirodh, ele atravessa os jhanas em ordem inversa até a consciên­
cia normal. No oitavo jhana, a consciência é reassumida; no
terceiro, a função corporal normal; no primeiro, os pensamen­
tos e a percepção dos sentidos.
Em seus extremos mais elevados, a via da concentração
através dos jhanas e a via da introvisão até o nirvana tendem a
se encontrar. Mesmo assim, permanecem diferenças extrema­
mente sutis mas cruciais entre esses raríssimos estados de
consciência. No sétimo jhana, “nada”, a percepção é a da cons­
ciência sem objeto. No oitavo jhana, mesmo o nada não está
60 ■ A mente meditativa

presente; ele permanece porém como uma função latente, e


não se pode sequer dizer que o nada não existe: esse é o super-
sutil domínio da “nem percepção nem não-percepção”. No
nirvana, a consciência está à beira da extinção com a percep­
ção da nenhuma-consciência. Essa cessação da consciência cul­
mina no nirodhy no qual não há percepção alguma que seja.
Atingir o mais alto dos jhanas não altera duradouramente a
personalidade do meditador, enquanto o nirvana altera-a irre-
vogavelmente.
Essa vias diferentes marcam dois extremos na exploração e
no controle da mente. Um meditador que conseguisse discipli­
nar suficiente unidirecionalidade para atingir os jhanas infor­
mes poderia entrar facilmente no estado nirvânico, desde que
escolhesse desviar sua poderosa concentração para observar sua
própria mente. Inversamente, um meditador que tivesse entra­
do no estado nirvânico poderia muito bem ser tão indiferente
aos obstáculos e distrações que, se escolhesse focalizar um único
objeto de percepção, ele prontamente entraria e prosseguiria
através dos níveis jhânicos. Aqueles que atravessam essas vias
distintamente diferentes até seus ápices, então, podem facil­
mente não pertencer mais só a uma delas, mas a ambas. Com o
controle total de uma delas, concentração ou introvisão, a outra
é facilmente atingível. No final, a distinção entre as rotas de
meditação dissolve-se.
PARTE II

VIAS DE MEDITAÇÃO:
UM PANORAMA

A experiência é a precursora de todos os ensinamentos


espirituais, mas a mesma experiência pode ser expressa diferen­
temente. Em qualquer tradição, o mapa estabelecido dos esta­
dos meditativos é, em certo grau, arbitrário. O mapa não é o
território, e logo de saída o terreno atravessado na meditação é
nebuloso. Não é de espantar que os mapas dos estados medita­
tivos pareçam tão diferentes uns dos outros. Lao-tse reconhece
esse dilema no Tao Te Chingx

O caminho de que se pode falar


Não é o caminho constante;
O nome que pode ser nomeado
Não é o nome constante.

Os tibetanos reconhecem dois níveis de religião: “a dou­


trina expediente” e a “doutrina final”. As doutrinas expedien­
tes são a multiplicidade de religiões do mundo, cada uma mol-
62 ■ A mente meditativa

dada por e para o povo que a ela adere. Parte das diferenças
entre os mapas de meditação decorrem desse nível. O panora­
ma dos mapas de meditação neste capítulo está dirigido para o
nível da doutrina final, na qual as diferenças doutrinais desapa­
recem. Aqui a unidade da prática entra em foco. As religiões
podem diferir em virtude das circunstâncias de tempo e lugar,
mas as experiências que antecedem às crenças são frequente­
mente as mesmas. Algum grau de unidade na doutrina final é
inevitável: todos os seres humanos são semelhantes no sistema
nervoso, e é nesse nível que operam as leis que governam a
doutrina final.
O mapa do 'Visuddhtinagga enfraquece aparentes distinções
entre as vias espirituais nas técnicas e estados de meditação.
Essas distinções, de fato, derivam de ideologias diferentes. Os
mapas de viagem do Visuddhimagga nos dão uma tipologia para
classificar as técnicas em termos de suas mecânicas, atravessan­
do a camada conceituai das religiões. Este panorama deseja ser
condensado, não exaustivo. Na maioria dos casos, examino ape­
nas uma técnica ilustrativa dentre as várias disciplinas que per­
tencem a dado caminho espiritual. Essa é uma comparação de
partes de práticas e estados específicos, mais do que uma taxio-
nomia das vias espirituais.
Baseei a maior parte dos resumos a seguir em fontes
publicadas, mais do que na minha investigação pessoal. Eles
podem, portanto, parecer incompletos ou imprecisos para
alguém que esteja num desses caminhos. Cada via é uma tradi­
ção viva que se apresenta diferentemente a cada pessoa confor­
me suas necessidades e circunstâncias.
Os resumos são didáticos, não definitivos. Minha intenção
é dar às pessoas não envolvidas neles uma idéia daquilo com
que se parecem. Examino cada caminho em detalhes suficien­
tes para mostrar seu sabor único, enquanto demonstro seus
pontos de semelhança com outras vias.
Vias de meditação: um panorama 63

4. O bhakti hindu
Sri Ramakrishna, um santo bengali da virada do sécu­
lo, foi uma vez a um espetáculo teatral sobre a vida de Sri
Chaitanya, o santo bhakti do século XVII conhecido por seus
cânticos e danças de amor pelo Senhor Krishna. Em diversos
momentos durante o espetáculo, ao ver as representações da
devoção de Chaitanya a Krishna, Ramakrishna entrou em
samadhi, uma profunda absorção meditativa.
O samadhi de Ramakrishna marca-o como um bhakta por
excelência. Bhakti, ou devoção a um ser divino, é a forma mais
popular de adoração nas religiões do mundo contemporâneo.
Um cristão cantando o “Pai nosso”, um judeu hassídico dançan­
do e cantando no Muro das Lamentações, um sufi recitando “EI
Allah Hu”, um hindu cantando “Hare Krishna” e um budista
japonês repetindo “Na-mu-a-mi-da-bu-tsu, Na-mu-a-mi-da-
bu-tsu” estão todos engajados mais ou menos no mesmo proces­
so devocional, embora dirigidos para diferentes seres divinos.
O bhakti é a mais poderosa escola de prática religiosa no hin-
duísmo; suas raízes são antigas. No clássico Srimad Bhagavatam,
a recordação ou constante repetição do nome de Krishna é reco­
mendada sobre todas as práticas como o melhor caminho para
esta época. No Kalisantaram Upanishad, Brahma faz para o
poeta Narada o elogio do mais elevado ou w^Az-mantra: “Hare
Rama, Hare Krishna” — Hare, Rama e Krishna são manifesta­
ções de Vishnu. A essência do bhakti é fazer do objeto de devo­
ção o pensamento central da pessoa. O devoto pode escolher
qualquer deidade ou ser divino como seu objeto devocional, ou
ishta. O que impulsiona sua prática é tentar manter o pensa­
mento do ishta na dianteira de sua mente o tempo todo. Além
de kirtan (recitar ou cantar), há três níveis de japa, repetição do
nome: falado, verbalizaçãò calada e mental. Alguns consideram
cada forma sucessiva de japa como "dez vezes” mais eficaz que
a anterior (Poddar, 1965).
Poddar sugere que o neófito pratique um mínimo de seis
horas de japa por dia. Desde o início, o devoto também se
64 ■ A mente meditativa

esforça por manter o japa no meio das atividades de sua vida.


O mala, ou rosário, é um auxílio técnico comum para o japa\
com o manuseio de cada conta, o devoto recita o nome uma
vez. Outros auxílios incluem ajustar a recitação a cada respira­
ção ou a cada batida do pulso. Qualquer que seja o recurso
mnemónico, o princípio é o mesmo: o devoto dirige sua aten­
ção imediata ao isbta sempre que sua mente cessar de se enga­
jar em outra coisa. O objetivo dessa etapa da prática é tornar o
hábito de repetição mais forte que todos os outros hábitos
mentais do devoto. Gradualmente, sua mente será ocupada
exclusivamente pelo pensamento da deidade ou se concentrará
nela, enquanto outros pensamentos vêm e vão na periferia da
consciência. Dessa maneira, o devoto fica unidirecionado para
seu ishta.
Alguns conselhos para o devoto repetem o Nisuddhimagga.
Visto que o hábito mental da constante adoração por meio da
recordação é vulnerável no princípio a outras exigências de
atenção, o devoto é instado a manter o satsang, a companhia de
pessoas na mesma trilha. A permanência em satsang opõe-se às
demandas dos apegos mundanos, tal como o darshan, a visita
aos santos. Além disso, o devoto é exortado a evitar falar de
“mulheres, saúde, incrédulos e inimigos”. O sucesso do devoto
depende da virtude: a pureza, diz Vivekananda (1964), “é abso­
lutamente o trabalho básico, a fundação sobre a qual repousa
todo o edifício do bhakti". Ao dar conselhos a seus próprios dis­
cípulos, Ananda Mayee Ma, a última santa indiana, faz eco ao
Visuddhimagga para monges budistas (1972, p. 126-9):

Indolência e lascívia - são estes os dois maiores obstáculos na tri­


lha... Escolhe cuidadosamente tuas ocupações e mantém-te estri­
tamente fiel a elas como pensamentos e sentimentos divinos des­
pertos... Empenha-te nelas mesmo quando não houver vontade de
fazê-lo, tal como se toma um remédio... Comida, sono, toalete,
roupas, etc. devem receber só a atenção estritamente necessária
para a manutenção da saúde... Rancor, ambição, etc. devem ser
totalmente abandonados. Tu tampouco deves ser perturbado pelo
elogio ou pelo prestígio.
Vias de meditação: um panorama ■ 65

A ajuda do guru iguala-se em importância à pureza para o


progresso do devoto. Ananda Mayee Ma (1972) comparava o
papel do guru ao dos especialistas em qualquer campo especí­
fico ao qual alguém deve-se dirigir para tornar-se mais profi­
ciente. Mas a função do guru transcende a do especialista mun­
dano. Além de dirigir o discípulo, o guru também é o interme­
diário da graça divina necessária para que os esforços do discí­
pulo frutifiquem. Não importa quão diligente seja o devoto,
sem a bênção do guru seus esforços são inúteis.
Ramana Maharshi (1962) fala de “Guru-kripa”, submis­
são a um mestre cuja graça desce sobre o devoto. “Se a submis­
são for completa, perde-se todo sentimento de eu.” Quando o
devoto se submete ao ser puro do guru, sua mente fica purifi­
cada. A mente purificada acalma-se facilmente, permitindo
que o devoto se volte para dentro na meditação e encontre o eu.
Essa é a “graça” do guru, que de fato está imanente no devoto.
Não existe, segundo Ramana Maharshi, nenhuma diferença
entre Deus, guru e o eu: o guru externo ajuda o devoto a encon­
trar seu eu interno na meditação. O guia exterior reconduz o
devoto para dentro de si mesmo.
Como em todas as trilhas, a virtude — que no início é um
ato de vontade — se torna um subproduto da própria prática. À
medida que a mente do devoto se concentra em seu objeto
devocional, ela se retira dos objetos mundanos. Pelo amor de
Deus, diz Vivekananda, o amor pelos prazeres dos sentidos e do
intelecto fica obnubilado. À medida que sua consciência fica
mais completamente imbuída do pensamento de seu ishta, o
devoto acha repugnância nas delícias mundanas. Nesse ponto,
observa Poddar (1965), “comparados ao gozo de repetir o
‘Rama nama’ (isto é, o mantra), todos os outros gozos do
mundo são insípidos”.
O bhakti começa na dualidade, com o devoto separado de
seu ishta' tal como de qualquer objeto de amor. Os Bhakti
Saíras, de fato, têm uma tipologia do Amor Divino que inclui
amar o ishta como um amigo, como a esposa e como um filho.
Prabhavananda e Isherwood (1969) sugerem que “todos os
66 A mente meditativa

relacionamentos humanos podem ser sublimados através da


prática do yoga bhakti”. Embora esse amor possa começar com
as formas do amor interpessoal e as energias nele investidas, ele
termina na união com o estado de amor evocado pelo objeto de
amor. Aqui, diz Vivekananda, “o Amor, o Amante e o Amado
são Um”. Com essa união, o bhakti funde-se com a via do jhana.
O fruto do japa é a constante recordação do amado em cada
momento. Isso produz uma “intoxicação de amor”; seus sinais
são o êxtase e a absorção. As sensações de beatitude, arrebata­
mento e alegria dessa intoxicação caracterizam a concentração
de acesso. O comportamento do devoto intoxicado de amor,
porém, é algumas vezes tão errático quanto o de um demente.
O Srimad Bhagavatam (XI, ii) descreve essa fase:

O devoto perde todo o senso de decoro e perambula solto pelo


mundo... Seu coração desmancha-se de amor enquanto canta habi­
tualmente o Nome de seu senhor amado, e tal como um possesso
ele ora irrompe em acessos de riso, ora chora, ora grita, ora canta
alto e ora começa a dançar.

O devoto arrebatado está no limiar do samadhi, ou jhana.


Seu êxtase indica o nível de acesso; está à beira do primeiro
jhana. Se se concentrar com bastante intensidade em seu ishta,
ele pode entrar no samadhi. Uma vez alcançado o samadhi, con­
forme Swami Muktananda (1971), não há mais necessidade de
cântico ou japa\ eles são um prelúdio para a funda meditação do
samadhi. Um perfeito bhakta pode atingir o samadhi ao menor
estímulo que sugira sua devoção, como fez Sri Ramakrishna.
O poder inicial do bhakti é o elemento de amor interpes­
soal sentido pelo devoto para com sua deidade. À medida que
progride nesse caminho, esse amor se transforma de interpes­
soal em amor transcendental ou transpessoal. O devoto não
depende mais do objeto de devoção para conceder beatitude.
Ao contrário, ele descobre que os estados transcendentais, dos
quais a beatitude é um aspecto, existem dentro de si próprio.
Ele não precisa mais se apegar à forma externa de seu objeto
Vias de meditação: um panorama ■ 67

devocional; os estados antes evocados pela forma de seu amado


acabaram-se tornando artefatos de sua própria consciência.
Sankaracharya, o fundador do hinduísmo advaíta, observou
que o bhakti termina com uma busca do eu — uma importan­
te diferença entre o budismo, que procura dissolver o senti­
mento do eu, e o hinduísmo, que almeja unir o meditador
com um eu “mais alto”. No bhakti, aquilo que começa como
uma evocação externa de amor torna-se no fim uma absorção
interna na qual o devoto no samadhi deleita-se ininterrupta­
mente no “puro eu”.
O devoto conduz sua mente à unidirecionalidade através
da recordação constante do ishta e assim finalmente alcança o
samadhi no nível do primeiro jhana. Mas, se tiver de ultrapas­
sar esse nível, precisa transcender seu próprio objeto devocio-
nal. Qualquer pensamento de nome e forma, mesmo o de uma
deidade, prende o devoto ao primeiro jhana. Sri Ramakrishna,
por exemplo, por muitos anos um devoto fervoroso da Divina
Mãe, experimentara diversas visões e estados beatíficos como
devoto d’Ela. Mais tarde, foi fazer iniciação com um asceta nu
(Swami Saradananda, 1963, p. 255):

Após ter-me iniciado... o Nu pediu-me que eu deixasse minha


mente livre de função em todos os aspectos e me fundisse na medi­
tação do Eu. Mas quando me sentei para meditar não conseguia de
modo algum fazer minha mente ir além dos laços de nome e forma
e deixar de funcionar. A mente se retirava de todas as outras coi­
sas, mas tão logo o fazia, a forma intimamente familiar da Mãe
universal aparecia... Mas, finalmente, reunindo todas as forças da
minha vontade, cortei a forma da Mãe em pedaços com a espada
do discernimento... Não permanecia função alguma na mente, que
rapidamente transcendeu o reino dos nomes e formas, fazendo-me
imergir no samadhi.

O Visuddhimagga diz que na penetração inicial de um novo


plano de consciência medi cativa o meditador precisa cortar
seus laços com o plano anterior. Cada plano tem seus pontos
especiais de apelo, alguns extremamente sublimes. O pré-
requisito para galgar o plano seguinte, mais alto, é desprender-
68 ■ A mente meditativa

se do plano inferior, como fez Ramakrishna, para que a cons­


ciência não seja puxada de volta a ele. Para o devoto, isso sig­
nifica que a forma do seu ishta deve finalmente ser abandona­
da para que ele mesmo se torne, no samadhi^ essa manifestação
de puro ser pela qual o ishta é adorado.
Para além do samadhiy existe um estado no qual uma cons­
ciência samddhica se difunde em meio a todas as atividades do
devoto. O japa, se desenvolvido nesse ponto, repete-se como
que por si mesmo virtualmente a cada momento, dia e noite.
Esse estado é sahaj sarnadhi e marca o ponto final na evolução
espiritual do devoto. No sahaj samadhiy não há distinção entre
o devoto, o mundo e o ishta\ sua percepção de si e do mundo
muda radicalmente. Como declara Vivekananda (1964, p. 90):
“Quando uma pessoa ama o Senhor, o universo inteiro torna-se
caro para ela... toda a sua natureza é purificada e completamen­
te transformada”. A renúncia se torna fácil, já que desapareceu
todo apego que não ao ishta amado.
Desse amor intenso e todo absorvente vem a fé e a sub­
missão, a convicção de que nada que acontece é contra a pes­
soa: “Não meu, mas Teu será feito”. Esse altruísmo fica evi­
dente nas palavras de Ananda Mayee Ma, falando de si mesma
(1972, p. 37): “Verdadeiramente este corpo pertence a todos;
por esta razão, ele age e fala, tanto quanto possível, para satis­
fazer as necessidades das pessoas com quem ele lida em qual­
quer dado momento”. Nesse ponto mais alto da via do bhakti,
a pessoa detecta o sagrado dentro do secular; tudo é sagrado
porque expressa o amado. O devoto não precisa mais observar
nenhuma forma especial ou símbolo para adorar. Ele adora
em seu coração, pois o mundo tornou-se seu altar. Kabir
(1970, p. 48-9) resume eloqúentemente sua própria expe-
riência desse estado:

Ó Sadhu! A simples união é o melhor,


Desde o dia em que encontrei o meu Senhor, não houve fim para o
gozo do nosso amor.
Não fecho os olhos, não fecho os ouvidos, não mortifico meu corpo;
Vejo com olhos abertos e sorrio, e enxergo Sua beleza em toda parte;
Vias de meditação: um panorama ■ 69

Pronuncio Seu Nome, e tudo quanto vejo me faz lembrar d’Ele; o


que quer que eu faça se torna Sua adoração.
A aurora e o ocaso são um só para mim; todas as contradições se
resolveram.
Aonde quer que vá, movo-me em torno d’Ele,
Tudo quanto faço é a Seu serviço:
Quando me deito, deito-me prostrado a Seus pés.
Ele é o único adorável para mim: não tenho nenhum outro.
Minha língua abandonou as palavras impuras, ela canta Sua glória
dia e noite:
Se me ergo ou me sento, nunca O posso esquecer; pois o ritmo de
Sua música lateja em meus ouvidos.
Kabir diz, estou imerso na grande bem-aventurança que
transcende todo prazer e toda dor.

5. A cabala judaica
“Em toda religião”, escreve o cabalista contemporâneo
Z’ev ben Shimon Halevi (1976), “existem sempre dois aspec­
tos, o vísivel e o oculto.” O visível se manifesta como rituais,
escrituras, ofícios; o oculto traz a luz que deve iluminar essas
formas. No judaísmo, as doutrinas ocultas são chamadas caba­
la (Jzabbalah'). Essas doutrinas, segundo a tradição, originaram-
se com os anjos, que foram instruídos por Deus. Os cabalistas
identificam as grandes figuras dos tempos bíblicos — Abraão,
David, os Profetas —, bem como os essênios e outros grupos
místicos da história judaica, como portadores dessa tradição.
Halevi diz que Joshua ben Miriam, também conhecido como
Jesus, foi um transmissor da cabala. Essa tradição judaica ocul­
ta emergiu pela primeira vez na Europa na Idade Média, e várias
linhagens de sua transmissão continuam na presente data.
A cosmologia da cabala supõe uma realidade multinivela-
da, sendo cada nível um mundo completo em si mesmo. Esses
planos são arranjados hierarquicamente: a parte superior de
cada um corresponde ao aspecto inferior do que está acima. A
esfera mais alta é a de Metatron, o arcanjo-mor, que ensina os
70 ■ A mente meditativa

seres humanos. Cada nível implica um estado de consciência, e


a maioria das pessoas existem nos níveis mais baixos — mineral,
vegetal, animal. Na visão do cabalista, o homem normal é
incompleto, restrito como está a esses planos mais baixos. Ele
vive uma vida mecânica, preso pelos ritmos de seu corpo e
pelas reações e percepções habituais; busca cegamente o prazer
e evita a dor. Embora possa ter breves lampejos de possibilida­
des mais elevadas, ele não deseja alcançar esse nível de cons­
ciência. A cabala busca despertar o estudioso para suas próprias
limitações e prepará-lo para entrar num estado de consciência
em que ele se sintoniza com uma percepção mais elevada, não
sendo mais escravo de seu corpo e dos condicionamentos. Para
ficar livre, o aspirante deve primeiro desiludir-se dos jogos
mecânicos da vida. Em seguida, constrói um alicerce para
entrar numa consciência mais elevada, o Paraíso interior. Este
é, diz Halevi, o significado alegórico da servidão no Egito: a
escravidão do ego limitado, a purificação do aspirante no deser­
to e sua entrada na terra do leite e do mel.
Para cumprir essa tarefa, o cabalista deve observar a ope­
ração do Yesod, sua mente ordinária ou ego, de modo a ver atra­
vés de suas próprias fraquezas e ilusões e trazer à consciência as
forças inconscientes que moldam seus pensamentos e ações.
Para tanto, ele tenta alcançar o nível de percepção chamado
Tiferet, um estado de clareza que é testemunha ou “observador”
do Yesod. Desse estado de elevada autopercepção emana aquilo
que às vezes é visto como um anjo da guarda que guia a pessoa
em meio a situações difíceis com desenvoltura e habilidade. O
Tiferet está para além da mente ordinária que lida com assun-
tos cotidianos; aqui o ego é transcendido. E o reino do espíri­
to, a ponte entre o homem e o divino, o portal do Paraíso. É a
alma. Assim, num estado de Yesod, o ego governa; quando o
Tiferet é dominante, atinge-se um estado mais elevado, em que
a pessoa olha para dentro de si mesma. Esse estado de consciên­
cia desperta normalmente é apenas vislumbrado ao longe na
vida do homem comum. O cabalista busca obter entrada per­
manente nesse estado e ascender a níveis ainda mais elevados.
Vias de meditação: um panorama 71

As características da preparação do cabalista — sua funda­


mentação para estados mais elevados — variam de escola para
escola, embora as bases sejam em geral constantes. Quando o
aspirante contacta um Maggidy ou mestre, sua preparação
começa de fato. O Maggid dirige-o na auto-observação sincera,
usando o conteúdo da vida do discípulo como material de ensi­
no. Há vários sistemas que ajudam o aspirante a conhecer a si
mesmo, tal como uma intricada numerologia que transforma as
letras e palavras hebraicas num código numérico com interpre­
tações místicas. Um dos mais conhecidos sistemas cabalísticos
é a Árvore da Vida, um mapa das hierarquias e atributos dos
diversos planos que se entrecruzam no mundo e dentro do
homem. A árvore serve de arcabouço por meio do qual o aspi­
rante observa sua própria natureza e de chave para destravar as
dimensões ocultas que guiam sua vida. Mas uma mera com­
preensão intelectual da árvore pode ser Yesódica, a serviço do
ego. Não importa com que elegância o aspirante penetra os
emaranhados da árvore, seus estudos de nada valerão se ele des­
prezar seu desenvolvimento espiritual. O pré-requisito é a pre­
paração de sua vontade, sua capacidade de atenção firme. Para
tanto, o cabalista volta-se para a meditação. Escreve Halevi
(1976, p. 126):

Preparação significa ser capaz de receber e partilhar... o grau de


recepção determina a qualidade do Conhecimento dado. A troca é
precisa, e é paga com o montante de atenção consciente numa
situação complexa. Onde há atenção, há poder.

As instruções para a meditação fazem parte dos ensina­


mentos secretos dos cabalistas e, a não ser as regras gerais, não
são tornadas públicas. Cada discípulo aprende da boca de seu
Níaggid. Em geral, a meditação na cabala é um desdobramento
das orações normais do judeu piedoso. A concentração medita-
tiva permite que o cabalista penetre as profundezas de um
tema particular — uma palavra numa oração ou num aspecto da
árvore — e também que detenha seu pensamento de modo a
72 ■ A mente meditativa

permanecer unidirecionado no tema. Esse foco fino é kavvanah,


o meditador concentra-se em cada palavra da oração regular
com sua atenção total, até o ponto em que sua mente transcen­
de o simples significado das palavras e então as usa como um
veículo para um estado mais elevado. Azriel de Gerona, um
cabalista medieval, assim descreveu o processo de kavvanah'. “é
quando o pensamento se expande e ascende à sua origem, de
modo que quando a atinge ele termina e não pode ascender
mais adiante”. Como consequência desse estado, as palavras da
oração ficam transformadas, cheias de um influxo divino oriun­
do desse vazio de pensamento.
Segundo a doutrina cabalista, pode ser perigosa a entrada
no Paraíso interior por alguém que não preparou suficiente­
mente uma base através da autopurificação. O Talmud conta a
história de quatro rabinos que entraram no Paraíso: um ficou
louco, um morreu e outro perdeu a fé; só um, o Rabbi Akiba,
retornou em paz. Os escritos influentes de Abraão Abulafia,
uma das mais detalhadas elaborações da meditação cabalista,
foram escolhidos para ensinar uma abordagem segura do Paraí­
so interior. A meditação de Abulafia combina várias letras do
alfabeto hebraico numa meditação sobre os nomes sagrados de
Deus. Esse método é distinto da oração; o aspirante entrega-se
a ele em reclusão, e não na sinagoga, em horas determinadas e
sob a orientação de seu Maggid. Halevi descreve a trilha percor­
rida por alguém que pratica tal meditação. Enquanto vai repe­
tindo o nome, ele dirige sua atenção para acima do Yesod, a
mente ordinária limitada, rumo ao Tiferet, uma consciência
além do ego. Ou seja, dirige seu pensamento para longe de
todas as formas deste mundo, focalizando-o no nome. Se seus
esforços encontrarem a graça de Deus, o eu repentinamente se
erguerá para além do Tiferet num estado de êxtase chamado
Daat, ou conhecimento. Aqui sua sensação de separação de
Deus se dissolve, ainda que só por um momento. Ele se enche
de grande alegria e é arrebatado por um doce enlevo. Quando
emerge desse estado, ele de novo ficará consciente da repetição
interna do nome, que ele transcendera por um instante no esta­
do que os theravadanos chamariam jhana.
Vias de meditação: um panorama ■ 73

O fim da via da cabala é o devekut^ no qual a alma do aspi­


rante adere a Deus. Quando o cabalista estabiliza sua consciên­
cia neste nível, ele já não é mais um homem comum, mas um
homem sobrenatural, um Zaddik, ou santo, que escapou das
cadeias de seu ego pessoal. As qualidades de alguém que atin­
giu este estado incluem serenidade, indiferença ao elogio ou à
censura, um sentido de estar a sós com Deus, e a profecia. A
vontade do ego está submersa na vontade divina, de modo que
os seus atos servem a Deus e não a um eu limitado. Ele não pre­
cisa mais estudar a Torah, porque ele se tornou Torah. Um
comentador clássico define o devekut como um estado mental
no qual (Scholem, 1974, p. 175)

Tu te lembras constantemente de Deus e de Seu amor, e não afas­


tas teu pensamento d’Ele... a tal ponto que, quando uma pessoa
assim fala com alguém, seu coração não está com ela, mas ainda
está diante de Deus. E de fato pode ser plausível dizer daqueles
que atingiram esse nível que à sua alma foi concedida vida imor­
tal ainda nesta vida, porque eles próprios são uma morada para o
Espírito Santo.

6. O hesicasma cristão
Os primeiros monges cristãos foram eremitas que viveram
durante o século IV nas partes mais remotas do árido deserto
do Egito. Um registro daquela época (Waddell, 1957, p. 57)
conta que “uma vez certo irmão trouxe um cacho de uvas para
o santo Macário”, um dos eremitas. Mas o santo

que, por puro amor, não pensava em suas próprias coisas mas nas
dos outros, levou-o para outro irmão, que parecia mais fraco. E o
doente deu graças a Deus pela gentileza de seu irmão, mas ele,
também pensando mais em seu vizinho do que em si mesmo,
levou as uvas para outro, e este para outro, de modo que o mesmo
cacho de uvas foi levado de cela em cela, distantes como elas eram
deserto adentro e como ninguém mais soubesse quem primeiro as
tinha enviado, foram levadas finalmente ao primeiro doador.
74 A mente meditativa

Os Padres do Deserto, como os yogis indianos de hoje em


dia no alto Himalaia, buscavam o isolamento do deserto mais
áspero para se comunicar com Deus, livres das distrações mun­
danas. As práticas de meditação e as regras de vida desses pri­
meiros monges cristãos têm grandes semelhanças com as dos
seus irmãos abnegados hindus e budistas, vários países a leste.
Embora Jesus e seus ensinamentos fossem a inspiração deles, as
técnicas de meditação que adotaram para encontrar seu Deus
sugerem ou um empréstimo do Oriente ou uma redescoberta
espontânea. Os métodos dos Padres do Deserto influenciaram
o monaquismo cristão até os dias de hoje; seu amor altruísta
permaneceu como um exemplo a ser seguido.
A lembrança constante de Deus — tal como o bhakti e o
cabalista a praticam — tem sido um esteio da adoração cristã
desde o princípio, embora o uso atual das contas do rosário seja
uma pálida reminiscência de uma lembrança muito mais ativa.
Thomas Merton (1960) observa que aquilo que hoje se pratica
como “oração” em igrejas cristãs é só uma — embora seja a única
sobrevivente — de uma série de práticas contemplativas mais
intensas. Os Padres do Deserto meditavam com a repetição
verbal ou calada de uma única frase das Escrituras, um equiva­
lente cristão do mantra. A mais popular era a oração do Publi-
cano: “Senhor Jesus Cristo, filho de Deus vivo, tem piedade de
mim, pecador”. Na sua forma reduzida, Kyrie eleison, era repe­
tida silenciosamente ao longo do dia “até se tornar tão espon­
tânea e instintiva quanto a respiração”.
Os Padres do Deserto enfatizavam a pureza, e seus atos
ascéticos são prodigiosos; são Simeão, o Estilita, que viveu trin­
ta anos no alto de uma coluna, foi um dos mais conhecidos. Tal
como no Visuddhimagga^ a purificação era usada para auxiliar a
concentração; nas palavras de um dos padres, “se não estiver
limpa de pensamentos alheios, a alma não pode orar a Deus em
contemplação”. Uma máxima corolária é que a vida no mundo
só importa na medida em que reflete uma vida interior de prá­
tica contemplativa. O espírito desta tradição, preservado em
ordens monásticas modernas como a dos beneditinos trapistas,
Vias de meditação: um panorama ■ 75

é condensado pelo santo abade Doroteu, um dos antigos Padres


do Deserto, ao dar orientações sobre a preparação espiritual
(Kadloubovsky e Palmer, 1969, p. 161):
Sobre qualquer coisa que tenhas a fazer, mesmo se for muito
urgente e demandar grande cuidado, não te quero ver atormenta­
do nem agitado. Para ficares tranquilo, tudo o que fizeres, seja
grande ou pequeno, é tão-somente um oitavo do problema, ao
passo que manter um estado imperturbável, ainda que para tanto
seja preciso falhar no cumprimento da tarefa, são os outros sete
oitavos. Assim, se estás ocupado com alguma tarefa e desejas cum-
pri-la à perfeição, tenta cumpri-la — coisa que, como eu disse, seria
um oitavo do problema — e, ao mesmo tempo, tenta preservar teu
estado inalterado — coisa que constitui sete oitavos. Se, porém, a
fim de cumprires tua tarefa, fores inevitavelmente arrastado a pre­
judicar a ti mesmo ou a outro discutindo com ele, não deves per­
der sete oitavos só para preservar um.

Uma grande tradição que deriva das práticas dos Padres


do Deserto, embora virtualmente perdida no cristianismo oci­
dental, pouco mudou na Ortodoxia oriental desde o primeiro
milénio. E a prática da Oração de Jesus1. Sua repetição cumpre
o mandamento de Paulo de “orar incessantemente”. Os antigos
padres chamavam-na “a arte das artes e a ciência das ciências",
que leva o orante rumo à mais alta perfeição humana. Essa tra­
dição está preservada na coletânea de escritos cristãos primiti­
vos conhecida como Filocalia (Kadloubovsky e Palmer, 1971).
Sua tradução do grego para o russo na virada deste século veio
na cristã de uma onda de revivescência da prática em toda a
Rússia (French, 1970)2.

1 A Oração de Jesus, também chamada Oração do Coração, tal como praticada na tra­
dição ortodoxa oriental, consiste na mesma oração acima citada como a “do Publica-
no": “Senhor Jesus Cristo, filho de Deus vivo, tem piedade de mim, pecador”. (N. T.)
2 Uma antologia dos textos da Filocalia foi publicada no Brasil pelas Edições Paulinas
sob o título Pequena Filocalia. A mesma editora publicou outros livros que tratam da
tradição monástica dos primeiros Padres do Deserto e das práticas de oração da Orto­
doxia. Outro livro que recomendaríamos ao leitor interessado é Padres do Deserto. Os
homens ébrios de Deusy de Jacques Lacarrière, que traduzimos para as Edições Loyola.
(N. T.)
76 ■ A mente meditativa

A prática da Oração fortalece a concentração. Tal como no


bhakti hindu, os pré-requisitos para o sucesso com a Oração são
“humildade genuína, sinceridade, resistência, pureza”. Hesí-
quio de Jerusalém, um mestre do uso da Oração de Jesus do
século V (agora conhecida no Ocidente como hesicasmãp, des­
creve-a como uma arte espiritual que liberta a pessoa comple­
tamente dos pensamentos e palavras apaixonados, dos atos
malévolos e dá “um conhecimento seguro de Deus, o Incom­
preensível”. A prática da Oração traz a pureza do coração, que
é “o mesmo que preservar a mente, mantida perfeitamente
livre de todas as fantasias” e de todos os pensamentos. O cami­
nho para essa pureza é a invocação incessante de Cristo, com
atenção perfeita, resistindo a todos os outros pensamentos.
Hesíquio descreve os pensamentos como “inimigos incorporais
e invisíveis, maliciosos e sagazes em nos prejudicar, habilido­
sos, ágeis e experientes na guerra”, que entram pelos cinco sen­
tidos. Uma mente presa pelos sentidos ou pelo pensamento
está distante de Jesus. Ultrapassar a percepção dos sentidos e
obter uma mente silenciosa é estar com Ele.
Entre as “Instruções para os hesicastas” está a de encontrar
um mestre que traga o Espírito consigo. Uma vez encontrado,
o noviço entrega-se a seu mestre, obedecendo a todas as suas
ordens. Outras instruções incluem a reclusão numa cela quieta
e pouco iluminada, comer somente o necessário para manter-se
vivo, cumprimento total dos ritos da Igreja, jejuns, vigílias e,
o mais importante, a prática da Oração.
A Filocalia cita são Nilo: “Aquele que deseja ver o que sua
mente realmente é precisa libertar-se de todos os pensamentos;
então a verá como uma safira ou a cor do céu”. Suas instruções
para aquietar a mente mandam sentar-se num tamborete baixo
na solidão da cela logo ao despertar e, durante uma hora (ou
mais, se a pessoa for capaz), “recolher a mente de suas andan-

A palavra hesicasma vem de uma raiz grega que significa "quietude, mansidão”, e
designa até hoje a prática da oração contemplativa de muitos monges ortodoxos.
(N. T.)
Vias de meditação: um panorama 77

ças e perambulações costumeiras, e calmamente conduzi-la


para dentro do coração por meio da respiração, mantendo esta
oração: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de
mim!’ conectada com a respiração”. Quando, com a prática,
torna-se possível orar assim com perfeita unidirecionalidade,
“então, abandonando o plural e o diverso, unimo-nos com o
Uno, o Único e o Unificador, diretamente numa união que
transcende a razão” — presumivelmente, no jhana.
A Oração não deve ser limitada a sessões específicas, mas
praticada sem distração em meio a toda atividade. A Oração
assim praticada traz pureza à atividade mundana. O monge
que domina essa habilidade tem a estatura de Cristo, porque
goza de perfeita pureza de coração. A meta dos esforços dos
Padres do Deserto era o que Merton chama de “não-lugar e
não-mente” — uma condição designada pela palavra quies,
“quieto” —, quando o monge abandonou toda preocupação com
seu eu limitado. Combinadas com a vida ascética no deserto,
essas práticas de oração, nas palavras de Merton, “permitiam que
o velho eu superficial fosse expulso e davam ensejo à gradual
emergência do verdadeiro eu secreto, no qual o Crente e o Cris­
to eram ‘um espírito’”. Santo Isaac comenta que aquele que atin­
giu um estado de oração sem esforço, constante (Kadloubovsky
ePalmer, 1971, p. 213),

alcançou o ápice de todas as virtudes e tornou-se a morada do


Espírito Santo... quando o Espírito Santo vem habitar um homem,
este nunca para de orar, pois o Espírito Santo ccnstantemente ora
nele... Comendo ou bebendo, dormindo ou fazendo alguma coisa,
mesmo no sono profundo, seu coração exala sem esforço o incenso
e os suspiros da oração.

Os temas dos atos de purificação, meditação profunda e


finalmente sua fruição na pureza espontânea e na recordação
constante de Deus não são exclusivos dos hesicastas ortodoxos
orientais. Esses fios condutores estão difundidos nas tradições
contemplativas católicas ocidentais. Santo Agostinho, por
78 ■ A mente meditativa

exemplo, advogava as mesmas práticas básicas. Além disso, a


semelhança da entrada no jhana e da união com o Uno da mís­
tica cristã é clara nas Confissões de Agostinho. Ele pregava um
longo processo de autonegação, autocontrole e a prática da vir­
tude como preparação para “a escalada rumo à contemplação de
Deus”. Só essa autodisciplina ascética pode resultar na reorga­
nização do caráter, pré-requisito para entrar nos planos mais
elevados da vida espiritual. Agostinho insiste em que só depois
de o monge ter ficado “limpo e curado” é que ele pode come­
çar a prática adequada do que chama “contemplação”. A pró­
pria contemplação acarreta “recolhimento” e “introversão”.
Recolhimento é concentrar a mente, banindo todas as imagens,
pensamentos e percepções sensoriais. Tendo esvaziado a mente
de todas as distrações, a introversão pode começar. A introver­
são concentra a mente na sua parte mais profunda naquilo que
é visto como o passo final antes que a alma se encontre com
Deus: “A mente se abstrai de todos os sentidos corporais, na
medida em que eles a interrompem e confundem com seu alvo­
roço, a fim de ver-se a si mesma em si mesma”. Vendo assim, a
alma chega a Deus “em si e acima de si mesma”. Agostinho
descreve o lado físico do estado induzido por essa experiência
em termos semelhantes ao do Visuddhimagga para o quarto
jhana (Butler, 1966, p. 50):

Quando a atenção da mente está totalmente afastada e retirada dos


sentidos corporais — chama-se êxtase. Então, quaisquer corpos que
estejam presentes não são vistos com os olhos abertos, nem voz
alguma é ouvida. É um estado a meio caminho entre o sono e a
morte: a alma é arrebatada de tal maneira a ser subtraída dos sen­
tidos corporais mais do que no sono, mas menos do que na morte.

A ainda definitiva Regra para os mosteiros, de são Bento,


descreve essa progressão em termos de graus de “humildade”
ou pureza. No 122 e mais alto grau, o monge não somente
parece ser humilde em todos os aspectos, mas também tem
uma genuína humildade interna. Sua humildade decorre de
um constante pensamento muito parecido com a Oração do
Vias de meditação: um panorama ■ 79

Publicano: “Senhor, sou pecador e indigno de erguer meus


olhos para o Céu”. Nesse ponto, a autodisciplina até então obti­
da com esforço torna-se fácil (Doyle, 1948, p. 28-9):

Tendo galgado todos esses degraus da humildade, portanto, o


monge agora chegará a este perfeito amor de Deus que expulsa o
temor. E todos aqueles preceitos que ele antes nào observara sem
medo começam agora a ser guardados por causa desse amor, sem
qualquer esforço, como que naturalmente e por hábito. Seu moti­
vo não será mais o medo do inferno, mas sim o amor de Cristo, os
bons hábitos e o deleite nas virtudes que o Senhor se dignará mos­
trar-lhe pelo Espírito Santo em Seu servo doravante purificado do
vício e do pecado.

7. Sufismo
Para o sufi, a fraqueza humana básica é o estar preso pelo
eu inferior. Os santos ultrapassaram sua natureza inferior, e os
noviços procuram escapar dela. A meditação é essencial nos
esforços do noviço para purificar o coração. “Meditação por
uma hora”, dizia um antigo mestre sufi, “vale mais do que
culto ritual por um ano inteiro”.
A principal meditação dos sufis é o zikr, que significa
“recordação”. O zikr por excelência é La ilâha illã 'llahx “Não
há deus senão Deus”. Bishi al-Hafi, um antigo sufi de Bagdá,
dizia: “O sufi é aquele que mantém puro o Coração”. O sufi
visa a uma pureza que é total e permanente. O próprio profeta
Maomé dizia: “Para tudo existe um polimento que remove a
ferrugem; e o polimento do Coração é a invocação de Alá”. A
recordação de Deus pela repetição de seu nome purifica a
mente do meditador e abre seu coração para Ele. Um zikr, por
exemplo, sempre acompanha a dança sufi; ele realça o efeito da
dança mantendo a lembrança de Deus constante. “A dança abre
uma porta na alma para as influências divinas”, escreveu Sultan
Walad, filho de Rumi. “A dança é boa quando surge da recor­
dação do Amado.”
80 A mente meditativa

O zikr é também uma medicação solitária. No começo, é


uma repetição oral, mais tarde é silenciosa; um manuscrito do
século XIV diz: “Quando o coração começa a recitar, a língua
deve parar”. O objetivo do zikr, como em todos os sistemas de
meditação, é ultrapassar o estado natural da mente de distração
e desatenção. Controlada a mente, o sufi pode ficar unidirecio-
nado para Deus. O comentário sufi sobre a consciência normal
é que os homens estão “adormecidos num pesadelo de desejos
insatisfeitos” e que, com a transcendência que a disciplina
mental traz, esses desejos desaparecem.
O estado normal de atenção - disperso e casual, imprevi­
dente e descuidado - é o modo do profano. A recordação, que
ancora a mente do sufi em Deus, focaliza sua atenção e permi­
te-lhe desviar-se dos atrativos mundanos. Um sufi egípcio do
século IX comentava sobre os esforços especiais que o noviço
faz: “As massas fazem penitência dos pecados, ao passo que o
eleito faz penitência da distração”. Após intensa prática de
meditação ou canto em grupo, o relaxamento que se segue aos
esforços pode trazer uma enxurrada de velhos hábitos mentais.
O grau dessa recaída serve para medir o progresso espiritual.
Nenhuma virtude é adquirida se os hábitos e reações condicio­
nados passarem a dominar tão logo a intensidade do pratican­
te diminuir.
Existe uma inter-relação entre esforço e graça na via sufi.
Um itinerário da via sufi escrito no século XI por al-Qushari
elenca as estações espirituais (maqam) devidas aos esforços pró­
prios da pessoa. Esses atos purificatórios preparam o sufi para
atingir estados (hal) que são independentes de seu próprio
esforço. Esses estados sem esforço são dons de Deus. A primei­
ra estação é a da “conversão”, na qual o sufi resolve abandonar
a vida mundana e consagrar-se à busca espiritual. Vem em
seguida certo número de esforços para autopurificação. Eles
incluem a luta implacável contra a própria natureza carnal, aju­
dada por uma retirada na solidão para se libertar dos maus
hábitos. Nessa fase, o sufi pode minimizar seu envolvimento
em atividades mundanas e renunciar ainda mais totalmente aos
Vias de meditação: um panorama ■ 81

prazeres de ordinário permitidos a ele. Pode-se tornar um men­


digo por vontade própria, aceitando suas tribulações como tes­
tes de pureza e experimentando contentamento em tudo o que
lhe aparecer no caminho. Essa última estação funde-se no pri­
meiro estado dado por Deus, a satisfação para com as coisas na
medida em que são ordenadas por Deus.
A premissa central que sustenta esses atos de renúncia
permeia o pensamento sufi. Abu Said de Mineh esquematizou-
a assim (Rice, 1964, p. 34): “Quando ocupado com teu eu,
estás separado de Deus. O caminho para Deus tem um só passo:
o passo para fora de ti mesmo". Al-Ghazali, um legalista do
século XII que se tornou sufi, comentava acerca da essência do
caminho do sufi (Nicholson, 1929, p. 39):

O dom da doutrina reside em superar os apetites da carne e liber­


tar-se das disposições para o mal e das qualidades vis, de modo que
o coração fique limpo de tudo menos de Deus; e os meios de
limpá-lo são dhikr Allah, a comemoração de Deus e a concentra­
ção de cada pensamento n’Ele.

Ao longo de seu caminho rumo à ausência de desejo, o sufi


passa por estados típicos de progresso em vários outros mode­
los de meditação. Qurb é o sentimento da constante proximida­
de de Deus induzido pela concentração n’Ele. No mahabba, o
sufi perde-se a si mesmo na consciência de seu amado. Entre os
frutos do mahabba estão visões e a “estação da unidade", em que
o zikr (a recordação), o zakir (aquele que recorda) e o mazkur
(aquele que é recordado) se tornam um. Um budista theravadano
poderia ver essas experiências como a entrada no primeiro
jbana. Os sufis reconhecem a mestria no ponto em que a aten­
ção do zakir fixa-se no zikr sem esforço, deixando fora da mente
qualquer outro pensamento. Os sufis vêem esse estado, chama­
do fana, como um puro dom de graça em que o zakir está “per­
dido na Verdade". Fana significa “dissipar-se em Deus".
Chega-se aí, observa Arberry (1972), quando “tanto o eu quan­
to o mundo foram abandonados". A cessação da consciência
82 A mente meditativa

interna e externa num foco unidirecionado no zikr marca a


absorção do sufi no fana, comparável ao jhana budista.
A prática no caminho sufi estende-se a cada momento des­
perto, como fica evidente em orientações para a técnica indivi­
dual numa ordem proto-sufi (Bennett, 1973, p. 34): “Sê pre­
sente a cada respiração. Não deixes tua atenção vagar nem pelo
instante de uma respiração. Lembra-te de ti sempre e em cada
situação”. A extensão da prática a todas as situações culmina no
baqa, permanecer em certo grau de consciência-//^ ainda que
em meio à atividade rotineira. O sufi al-Junaid de Bagdá (sécu­
lo X) dá uma definição clássica do fana como “morrer-para-si”,
que culmina no baqa, “vida-n’Ele”. Nessa transição, o sufi não
deixa de funcionar como um indivíduo; ao contrário, sua natu­
reza torna-se perfeita. O sufi Idries Shah (1971) fala dessa
mudança em termos de uma “dimensão extra de ser” operando
paralelamente à cognição ordinária e chama isso de “consciên­
cia objetiva”. Outros falam de uma transformação interior pela
qual o sufi adquire “reflexos que se conformam com a realida­
de espiritual”.
Os sufis insistem em que sua doutrina nunca deve ser fixa­
mente dogmática, mas flexível o bastante para responder às
necessidades de pessoas, épocas e lugares específicos. Como
afirma um mestre sufi moderno, Abdul-Hamid (Shah, 1972,
p. 60): “A Obra é levada a cabo pelo mestre em concordância
com sua percepção da situação em que se encontra. Isso signi­
fica que não existe nenhum manual, nem sistema, nem méto­
do senão aquele que pertence à escola do momento”. Tem havi­
do vários guias escritos para o aspirante a sufi em diferentes
épocas e lugares. Um deles é Regra sufi para iniciantes, de Abu
al-Najib (1975), do século XII, uma manual clássico da via
sufi. Embora essa regra sufi possa ter pouca semelhança com a
prática contemporânea, ela nos dá ilustrações úteis das caracte-
rísticas do método sufi e comparações instrutivas com outras
trilhas espirituais.
Ibn al-Najib (1097-1168) estabeleceu suas regras para a
conduta de iniciantes na ordem Suhrwardi, à qual pertencia;
Vias de meditação: um panorama ■ 83

seu propósito é comparável ao do Visuddhimagga. Embora


sejam pertinentes para um determinado grupo numa dada
época e lugar, essas regras têm sido usadas em todo o mundo
muçulmano e são a base para obras de instrução sufis mais
recentes. Essas regras dão uma das muitas variantes do treina­
mento sufi. Várias regras têm ressonâncias com os conselhos
dados aos aspirantes budistas, hindus, cabalistas e cristãos pri­
mitivos. Tal como se diz ao bhakti que mantenha o satsang^ al-
Muridin aconselha: “O sufi deve-se associar com pessoas do seu
tipo e com aquelas de quem possa beneficiar-se”. O noviço
deve-se unir a um mestre qualificado, um shayk, buscando
constantemente sua orientação e obedecendo a ele totalmente.
E instado a prestar serviço a seu shayk e seus seguidores. O ser-
viço é exaltado como a melhor vocação para o aspirante; o servo
é mandado ocupar um lugar próximo do shayk. Tal como no
Visuddhimagga e no Sermão da Montanha de Cristo, a regra do
noviço ordena: “Ninguém deve-se preocupar com as provisões
para a subsistência, nem deve-se ocupar em buscá-las, reuni-las
e armazená-las”. Pois o próprio Profeta “não acumulou nada
para amanhã”. Cobiçar comida, roupas ou abrigo é obstáculo
para a pureza do sufi, pois Deus revelou: “Aqueles corações
presos por seus desejos ficam afastados d’Ele”. Embora o celi­
bato não seja exigido dos sufis, essas regras do século XII reco­
mendam: “Em nossa época, convém evitar o casamento e supri­
mir o desejo pela disciplina, jejum, vigílias e viagens”. Final­
mente, o sufi precisa ser um muçulmano por excelência, obser­
vando à letra todas as regras da fé, pois “quanto mais santo o
homem, mais estritamente será julgado”.
Cada mestre, ordem e grupo sufi tem seus próprios méto­
dos ou combinação de técnicas de ensinamento. Os caminhos
variam, mas a meta é a mesma. Mahmud Shabastri, mestre e
autor de 0 jardim secretoy fez esta descrição:

O homem que atinge o segredo da unidade


É aquele que não se deteve nas etapas do caminho.
Teu ser não passa de espinhos e ervas daninhas,
84 ■ A mente meditativa

Expulsa e limpa tudo isso de ti.


Varre bem o quarto do teu coração,
Deixa-o pronto para ser a morada do Amado.
Quando tu te fores, Ele entrará,
E em ti, vazio de ti mesmo, Ele exibirá Sua beleza.

A doutrina sufi prega que os homens estão presos por seus


condicionamentos — os espinhos e ervas daninhas que os afas­
tam de Deus. O homem comum é vítima da dor por seu con­
dicionamento. Hábitos arraigados de pensamento, sentimento
e percepção ditam as reações humanas ao mundo; o homem é
um escravo de seus hábitos. As pessoas estão adormecidas mas
não sabem disso. Para despertá-las de sua condição — o primei­
ro passo para livrá-las dela —, as pessoas precisam de um cho­
que. Uma das funções das histórias didáticas sufi, como o conto
dos cegos e do elefante1, é dar esse choque. Esses contos têm
diversas camadas de significado. Algumas estão ocultas para a
maioria dos ouvintes, algumas são óbvias. Nem todo mundo
tira a mesma lição das histórias, pois o que o ouvinte ouve
depende da etapa em que se encontra ao longo da via sufi. O
mestre habilidoso usa com precisão o conto certo no momento
exato para transmitir um ensinamento para o qual o discípulo
está maduro.
Esses choques e lições ajudam o aspirante sufi em seu
caminho rumo à purificação interior. Segundo a psicologia sufi,
nossos impulsos habituais são o conteúdo da alma inferior, ou
nafíy que precisa ser disciplinada e vigiada continuamente para
que não desvie o aspirante para o mal e para longe de Deus. Al-
Muridin recomenda a superação da influência dos nafs pela

1 Seis cegos mendigos se aproximaram de um elefante, e cada um deles tocou uma


parte diferente do animal, chegando a conclusões totalmente disparatadas acerca do
aspecto verdadeiro do animal: o que tocou a tromba julgou que o elefante era um
tipo de cobra, e assim por diante. Uma interpretação espiritual possível dessa histó­
ria é a de que os seres humanos, em sua condição natural, animal, mundana, são
cegos que tentam compreender uma realidade muito maior do que a apreendida por
seus sentidos. Por isso só conseguem interpretar, e erroneamente, partes dela. (N. T.)
Vias de meditação: um panorama • 85

observação minuciosa de suas operações. Os nafsy diz um dita­


do, são como um ídolo; olhar para ele com simpatia é idolatria;
examiná-lo com atenção é adoração. Por meio da observação
minuciosa de seus ímpetos, impulsos e desejos inferiores o sufi
pode quebrar o domínio deles sobre a mente e então substituir
suas qualidades negativas por virtudes.
Al-Muridin comenta em suas regras que “o sufi consuma­
do está numa posição de estabilidade e é imune aos efeitos dos
estados mentais cambiantes ou das circunstâncias nocivas”.
Essa serenidade permite ao sufi consumado estar no mundo
mas não ser do mundo. Uma calma exterior, porém, pode não
refletir o êxtase interior de uma estreita comunhão com Deus.
Um shayk moderno descreve o estado supremo do sufi como
“ébrio por dentro e sóbrio por fora”.
Um antigo mestre inclui em sua lista dos atributos do
perfeito sufi: um sentimento de estar inteiramente sujeito a
Deus e não à própria vontade; o desejo de não ter desejo pes­
soal algum; a “graça” — isto é, o desempenho perfeito de ações
a serviço de Deus; honestidade em atos e pensamentos; a colo­
cação dos interesses alheios à frente dos próprios interesses; ser­
viço totalmente altruísta; recordação constante de Deus; gene­
rosidade, destemor e a capacidade de morrer nobremente. Mas
o sufi pode tropeçar nessas fórmulas específicas ao usá-las para
medir seu progresso espiritual ou, pior, ao tentar avaliar os pro­
gressos de outrem por meio dessa lista.
Aqueles que vierem a julgar os outros devem prestar aten­
ção a um conto sufi recontado por Idries Shah (1971, p- 75):

Yaqub, o filho do Juiz, disse que certa vez interrogou Bahaudin


Nawshband da seguinte maneira:
- Quando eu estava em companhia de Murshid de Tabriz, ele fazia
regularmente um sinal para que ninguém lhe dirigisse a palavra,
quando estava num momento de especial reflexão. Mas tu nos és
acessível a qualquer momento. Devo concluir que essa diferença se
deve à tua capacidade incomparavelmente maior de desprendi­
mento, estando essa capacidade sob o teu domínio, ao invés de ser
fugidia?
86 A mente meditativa

Bahaudin lhe respondeu:


— Não, tu estás sempre em busca de comparações entre as pessoas
e entre os estados. Estás sempre em busca de provas e diferenças,
e quando não as buscas procuras semelhanças. Não precisas de
tanta explicação em assuntos que estão fora de tais medições.
Modos diferentes de comportamento da parte dos sábios devem ser
vistos como devidos a diferenças em individualidade, e não em
qualidade.

8. A meditação transcendental
A Meditação Transcendental (MT) é a técnica de medita­
ção mais conhecida no Ocidente, e Maharishi Mahesh Yogi, seu
formulador, o mais famoso yogi. A MT é uma meditação mân-
trica hindu clássica numa embalagem ocidental moderna.
Maharishi foi habilidoso ao evitar os termos sânscritos e ao usar
descobertas científicas para validar a meditação numa cultura
cética, de modo que o norte-americano normal possa sentir-se à
vontade em adotar uma prática desenvolvida por e para hindus
na índia. Ele também não acentua a natureza ortodoxa de suas
crenças. A teoria por trás da MT — “Ciência da inteligência cria­
tiva” — é uma reapresentação atualizada da doutrina básica de
pensamento vedântico da escola advaíta de Sankaracharya do
século VIII.
Sankaracharya escreveu numa época em que o budismo
dominava a índia. Sua cruzada religiosa altamente exitosa fez o
hinduísmo reviver, oferecendo ao meditador um estado final de
não-dualidade em vez do nirvana. A meta do advaíta é a união
da mente do meditador com Brahma informe ou consciência
infinita, um passo além da meta bhakti de união com uma
forma de Deus. O meio para essa união informe é o samadhi.
Essa também é a meta na MT, embora Maharishi não a des­
creva mais nesses termos. A MT tem raízes que remontam a
Sankaracharya, mesmo sendo uma reformulação do pensamen­
to advaíta modelada para ouvidos ocidentais.
Vias de meditação: um panorama ■ 87

A técnica de MT de Maharishi entra na corrente das pra­


ticas do jhana> embora seja sempre alardeada como única.
Como todos os yogis advaítas, Maharishi considera que “a dua­
lidade é a causa fundamental do sofrimento". Sua técnica para
transcender a dualidade começa com a repetição de um man-
tra, uma palavra ou som do sânscrito. Exatamente como no
Visuddhimagga^ em que diferentes temas de meditação são da­
dos a pessoas de temperamento diferente, Maharishi prega que
a escolha do mantra adequado para um indivíduo específico é
um fator vital na MT. E, exatamente como o Visuddhiniagga
retrata níveis mais delicados de unidirecionalidade como cada
vez mais arrebatadores e sublimes, Maharishi descreve o
“encanto" que cresce à medida que se permite à mente seguir
sua tendência natural em ir para “um campo de felicidade
maior" entrando em estados mais sutis de pensamento — isto é,
o mantra.
Existe uma mística em torno da qualidade especial do
mantra de cada pessoa, e os mestres advertem os recém-chega­
dos a nunca revelar o seu a ninguém ou sequer pronunciá-lo em
voz alta. Mas, como os meditadores às vezes têm dificuldades
de decorar, pessoas que entram em categorias gerais de idade,
educação, etc. recebem o mesmo mantra. Os próprios mantras
não são de modo algum exclusivos da MT, mas derivam de fon­
tes do sânscrito-padrão usadas por muitos hindus de hoje.
Como milhões de bhaktis modernos na índia, o meditador de
MT em lowa pode entoar silenciosamente o “Shyam” (um
nome do Senhor Krishna), ou “Aing" (um som consagrado à
Divina Mãe).
A crença de que certos sons mântricos outorgam favores es­
peciais ou são apropriados a tipos específicos de pessoas é am­
plamente difundida no hinduísmo. Os antigos Saiva Upanishads,
por exemplo, contêm uma dissertação sobre as cinquenta letras do
alfabeto sânscrito, tratando cada uma como um mantra em si
mesma e descrevendo suas virtudes especiais. A letra umkara
(U) concede força; kumkara (kã) é um antídoto contra venenos;
ghamkara (gha) concede prosperidade; phamkara (pha) oferece
poderes psíquicos.
88 A mente meditativa

Na MT, os meditadores aprendem a evitar a concentração


esforçada. O discípulo é instruído a trazer suavemente sua
mente de volta ao mantra cada vez que ela se dispersar. Na ver­
dade, esse é um processo para se ficar unidirecionado, embora
a concentração seja passiva em vez de forçada. A citadíssima
descrição que Maharishi (1969, p. 470) faz a seguir da nature­
za da MT retrata bem o estreitamento do foco de atenção sobre
um objeto de meditação, e a transcendência desse objeto, para
ascender, através da concentração-acesso, ao segundo jhana. A
meditação transcendental, diz ele, implica "... conduzir a aten­
ção para dentro na direção dos mais sutis níveis de pensamen­
to até que a mente transcenda a experiência do mais sutil esta­
do de pensamento e chegue à fonte do pensamento...”
Tal como nos jhanas, a beatitude advém com o apazigua­
mento da mente. O objetivo do mantra é o que Maharishi
chama “consciência transcendental”: quando a mente “chega à
experiência direta da beatitude, ela perde todo contato com o
exterior e fica contida no estado da beatitude-consciência
transcendental”. Na linguagem do Visuddhimagga, isso é con­
centração-acesso ou jhana de acesso. A fase seguinte no progra­
ma de Maharishi é a infusão do jhana, ou consciência transcen­
dental, nos estados de vigília, sonho e sono com a alternância
de atividade normal com períodos de meditação. O estado
assim obtido é chamado “consciência cósmica”, na qual
“nenhuma atividade, por mais rigorosa, pode nos subtrair do
Ser”. Maharishi nega a necessidade de impor a renúncia de si
mesmo. Ele vê a purificação como parte da consciência cósmi­
ca. É um efeito da transcendência, não um pré-requisito.
Segundo Maharishi, a “proficiência nas virtudes só pode ser
obtida pela experiência repetida do sarnadh i”.
Antes de o meditador atingir a consciência cósmica, os
efeitos de sua meditação diária gradualmente enfraquecem à
medida que o tempo passa; na consciência cósmica, tais efeitos
persistem sempre. Maharishi assim formula a transição da
consciência transcendental para a cósmica (1966, p. 53):
Vias de meditação: um panorama ■ 89

Desse estado de puro Ser a mente retorna novamente à experiên­


cia do pensamento no mundo relativo. ... Com mais e mais práti­
ca, aumenta a capacidade da mente em manter sua natureza essen­
cial enquanto experimenta objetos por meio dos sentidos. Quan­
do isso ocorre, a mente e sua natureza essencial, o estado de Ser
transcendental, tornam-se um, e a mente então é capaz de conser­
var sua natureza essencial - Ser - mesmo se comprometida em
pensamento, fala ou ação.

Ele vê a consciência cósmica como um estado no qual fun­


cionam dois níveis distintos de organização do sistema nervo­
so. Normalmente, esses níveis inibem um ao outro, mas aqui
eles operam lado a lado enquanto conservam suas característi-
cas exclusivas: a consciência transcendental, por exemplo, con­
vive com o estado de vigília. “O silêncio”, diz Maharishi, “é
vivenciado com a atividade e no entanto é separado dela”. O
meditador na consciência cósmica descobre que essa paz inte­
rior persiste em todas as circunstâncias como uma "percepção
pura” junto com a atividade. Embora os efeitos da transcendên­
cia durante a meditação possam esmorecer depois de termina­
da a meditação, a consciência cósmica, uma vez dominada, é
permanente. A pessoa em consciência cósmica experimentou
na transcendência um estado jhãnico em que a percepção dos
sentidos cessa. Durante a vigília, ela permanece relativamente
separada da percepção dos sentidos, embora esteja mais sensí­
vel aos seus próprios processos de pensamento e aos aconteci­
mentos exteriores.
À medida que a consciência cósmica se aprofunda, o
meditador descobre que a beatitude da consciência transcen­
dental persiste agora em outros estados. À proporção que essa
beatitude impregna outras áreas de sua vida, ele descobre que
comparativamente os prazeres sensuais não são tão atraentes
quanto antes. Embora ainda tenha desejos, suas ações não são
mais levadas por eles. Seu estado é de serenidade: a turbulência
e a excitação de emoções intensas — medo, raiva, rancor, depres­
são ou ânsia — são suavizadas por um permanente estado de
“alerta repousante”. Finalmente, elas param de surgir. A sere-
90 ■ A mente meditativa

nidade também revela no meditador uma melhor resistência à


força oscilante do estresse da vida e das tensões diárias. Ele des­
cobre que uma nova estabilidade interior prevalece onde antes
havia dispersões. A tranquilidade também manifesta no medi­
tador o amor ao próximo em intensidade igual, sem preferên­
cias indevidas por determinadas pessoas; seus apegos esmore­
cem. Ele também constata que se satisfaz mais facilmente com
tudo o que lhe ocorre, estando mais livre dos desejos e dos
desagrados. Segundo Maharishi, a vida na consciência cósmica
é relaxada (1969, p. 287):

O homem iluminado vive uma vida de completude. Suas ações,


livres do desejo, atendem somente às necessidades do momento.
Ele não tem nenhum sonho pessoal a realizar. Está comprometido
em cumprir o propósito cósmico, e portanto suas ações são guia­
das pela natureza. E por isso que ele não tem de se preocupar com
suas necessidades. Suas necessidades são as necessidades da nature­
za, que se encarrega de satisfazê-las, uma vez que ele é o instru­
mento do Divino.

Um passo à frente na progressão prometida por Maharishi


é a consciência de Deus. Esse estado é o resultado da devoção
durante a consciência cósmica. Na “consciência de Deus” o
meditador percebe todas as coisas como sagradas; “todas as coi­
sas são naturalmente vivenciadas na consciência de Deus”. A
princípio, diz Maharishi, essa experiência de unidade na diver­
sidade pode ser esmagadora, e o meditador pode ficar total­
mente perdido nela. Gradualmente, porém, a consciência de
Deus mescla-se com outras atividades, tal como numa fase ini­
cial a consciência transcendental fundiu-se com os estados nor­
mais para produzir a consciência cósmica.
Na consciência de Deus, o meditador renuncia à sua indi­
vidualidade. Esse é o “estado mais purificado”, no qual o medi­
tador superou a menor mancha de impureza no pensamento ou
na ação; ele agora habita em perfeita harmonia com a natureza
e o divino. Atingir a consciência de Deus, segundo Maharishi,
implica uma transformação, pela qual a pessoa percebe Deus
Vias de meditação: um panorama 91

em todos os aspectos da criação. Para além da consciência de


Deus, o praticante de MT pode evoluir para um estado chama­
do “unidade”. Aqui sua consciência é tão refinada que percebe
todas as coisas livre de qualquer ilusão conceituai.
Os caminhos para esses estados mais elevados na MT são
técnicas avançadas dadas aos meditadores ao longo de vários
anos de prática e de serviço para a organização da MT. O curso
de MT para siddhis avançados procura ampliar os limites do
meditador, desenvolvendo poderes inabituais, como a habilida­
de de “levitar”. A fundamentação clássica para usar a medita­
ção no cultivo de habilidades “sobrenaturais” é examinada na
próxima seção.

9. O yoga ashtanga de Patanjali


O manual hinduísta para meditadores mais semelhante ao
Visuddhimagga é o Yoga Sutras de Patanjali, ainda a fonte mais
autorizada sobre yoga hoje em dia (Prabhavananda e Isherwood,
1969; Vivekananda, 1970). A maioria dos sistemas de medita­
ção indianos modernos, incluindo a MT, reconhece o Yoga
Sutras como uma fonte de seus próprios métodos. Existem inú­
meras escolas espirituais chamadas “yoga”: o bhakti yoga é o
caminho da devoção; o karma yoga usa o serviço altruísta; e o
gyana yoga toma o intelecto como seu veículo. A via esboçada
no Yoga Sutras condensa todas elas.
Embora seus métodos possam variar, todas as trilhas yogi-
cas buscam transcender a dualidade na união. Todas essas tri­
lhas consideram que o locus da dualidade está dentro da mente,
na separação entre os mecanismos de consciência e seu objeto.
Para transcender a dualidade, o aspirante deve penetrar um
estado em que essa falha é superada na fusão do vivenciador
com o objeto. Esse estado é o samadhi* onde a consciência do
meditador funde-se com seus conteúdos.
Os aforismas do yoga são um mapa esquemático desse
estado. A mente, diz ele, está repleta de ondas de pensamento
92 ■ A mente meditativa

que criam o abismo que o yoga procura transpor. Acalmando


suas ondas de pensamento, apaziguando sua mente, o yogi
encontrará a união. Essas ondas de pensamento são a fonte de
emoções fortes e de hábitos cegos que prendem o homem a um
falso eu. Quando sua mente fica clara e quieta, o homem pode
conhecer a si mesmo como realmente é. Nessa quietude, pode
conhecer Deus. Nesse processo, sua crença errónea em si
mesmo como um indivíduo único, separado de Deus, será
superada. À medida que suas ondas de pensamento são subju­
gadas, o ego do yogi retira-se. Finalmente, como homem liber­
to, está apto a vestir seu ego ou a descartá-lo como um conjun­
to de roupas. Vestindo seu ego, ele age no mundo; descartan-
do-o pelo apaziguamento da mente, ele une-se a Deus.
Mas primeiro ele precisa submeter-se a uma árdua disci­
plina de mente e corpo. Essa transformação começa com a con­
centração, voltando sua mente para a unidirecionalidade. No
sistema de Patanjali, a unidirecionalidade é o principal méto­
do em torno do qual giram todos os demais. Algumas fontes
fazem os aforismas remontar a 1500 anos, por volta do mesmo
período do Visuddhimagga. O Zeitgeist espiritual de então está
refletido em ambos; de fato, as trilhas que eles esboçam são em
grande parte idênticas. A principal diferença entre esses dois
manuais de meditação é a insistência de Patanjali de que o
samadhi, mais do que o nirvana, é a estrada para a libertação.
O yoga real (“do rei”), ou raja yoga, descrito por Patanjali
impõe ashtanga'. oito práticas-chave ou membros. Os dois pri­
meiros, yama e niyama, são o treino moral para a pureza. Os
dois seguintes são asana, o desenvolvimento através de exercí­
cios físicos de uma postura firme e ereta, ou “sentada”, e pra-
nayam, exercícios para controlar e acalmar a respiração. Tanto o
terceiro quanto o quarto membros se desenvolveram intricada-
mente por conta própria, de modo que algumas escolas yógicas
usam essas práticas como seus métodos principais — e a maio­
ria dos ocidentais associam “yoga” exclusivamente com esses
dois membros.
Vias de meditação: um panorama ■ 93

A maior parte dos manuais de hatha e pranayam salientam


que eles são auxílios para a obtenção do samadhi* e não fins em
si mesmos. Alguns, porém, concentram-se exclusivamente em
rigorosas purificações físicas como meio de alterar a consciên­
cia. Vyas Dev (1970), por exemplo, detalha 250 posturas
asana, elabora cinquenta diferentes exercícios pranayam e 25
shat-karmas e mudras — métodos para limpeza dos órgãos inter­
nos. Antes de se sentar em meditação profunda por um longo
período, adverte Vyas Dev, o yogi deve limpar totalmente os
intestinos pela injeção e expulsão de água através do ânus, esva­
ziar a bexiga pela injeção e expulsão de água por meio de um
cateter, e purificar seu sistema digestivo engolindo e puxando
de volta cerca de vinte metros de cordão feito de fio fino. Deve
também engolir dois ou três quartilhos de água morna salgada
para provocar vomito, e engolir e puxar de volta uma fita de
gaze de três polegadas de largura e sete metros de comprimen­
to para terminar o trabalho. Ele então está pronto para a medi­
tação séria.
A estipulação de Pantajali acerca desses quatro primeiros
membros, porém, é que o yogi deve fazê-los simplesmente até
que seu corpo e sua mente fiquem acalmados. São meras pre­
liminares para sentar-se em meditação, úteis para superar os
obstáculos à concentração, como dúvida, preguiça, desespero
e vontade de prazeres sensuais. A verdadeira meditação come­
ça com o segundo grupo de membros. Todos esses são passos
para que se alcance a unidirecionalidade. No quinto membro,
pratyahara, o yogi subtrai sua mente dos objetos dos sentidos,
focalizando sua atenção no objeto de meditação. No sexto,
dharana, ele prende sua mente ao objeto. O sétimo, dhyana,
envolve “um fluxo ininterrupto de pensamento na direção do
objeto de concentração”. O sexto e o sétimo membros corres­
pondem, no sistema Visuddhimagga, à aplicação inicial e sus­
tentada de atenção. O membro final é o samadhi.
A combinação dharana-dhyana-samadhi é um estado cha­
mado samyama. Esse estado altamente concentrado dá a chave
para poderes sobrenaturais como a clarividência e a telepatia.
94 ■ A mente meditativa

Os Sutras têm uma longa seção sobre como aplicar o samyama


para obter diversos poderes. Ao focalizar o samyama em suas
memórias, o yogi pode obter conhecimento de suas vidas pas­
sadas; o samyama sobre as marcas do corpo de outrem revela seu
estado de mente; o samyama sobre a própria garganta do yogi
aplaca sua fome e sede. Tal como no Visuddhimagga, os Sutras
veem esses poderes como sutis armadilhas para o aspirante. O
yogi é instado a desprezar esses engodos como derradeiras ten­
tações para o ego.
Os aforismas dizem que o samyama sobre “momentos iso­
lados e sua sequência” dá um conhecimento discriminativo, ou
prajna, que “libera da servidão da ignorância”. Mas essa incur­
são na via da introvisão parece atenuada na maioria dos comen­
tários modernos a Patanjali. É o samadhi que é ensinado como
o coração do yoga; Vivekananda (1970) diz: “O samadhi é o
próprio yoga; é o meio mais elevado”. Patanjali elenca diversos
objetos adequados para a concentração: a sílaba Om, ou outro
mantra; o coração; uma divindade ou “alma iluminada”; ou um
símbolo divino. O yogi, ao fundir a consciência com o objeto
primeiro, primeiro alcançará o samadhi savichara — concentra­
ção-acesso. Nesse nível de samadhi, existe identidade com o
objeto primeiro “mesclada com a percepção de nome, qualida­
de e conhecimento”. Depois disso vem o samadhi nirvichara —
primeiro jhana, em que há identidade sem outra percepção.
Uma vez atingido o nível nirvichara, o yogi deve eliminar até
mesmo o pensamento do objeto primeiro e assim alcançar o
samadhi nirvikalpa (como no exemplo de Sri Ramakrishna), em
que todo sentimento de dualidade fica obliterado.
Nirvikalpa é o samadhi mais profundo; nele, a mente está
na sua maior quietude. A tradição yogica diz que alguém nesse
estado poderia ficar por até três meses em meditação profunda
ininterrupta, com a respiração e outras funções metabólicas vir­
tualmente suspensas durante todo esse tempo. Nesse samadhi,
diz um comentador, “uma avalanche de beatitude indescritível
varre para longe todas as idéias de dor e censura... Todas as
dúvidas e desconfianças são dissipadas para sempre; as oscila-
Vias de meditação: um panorama 95

ções da mente se interrompem; o impulso das ações passadas se


extingue”. Mas um limite do samadhi nirvikalpa é que ele só
pode ser gozado enquanto o yogi permanece quieto, absorto na
meditação profunda.
O passo final do yoga ashtanga é estender a quietude pro­
funda do samadhi ao estado de vigília do yogi. Quando o
samadhi se difunde ao longo dos outros estados de modo que
nenhuma atividade ou agitação interior possa enfraquecer seu
domínio sobre a mente do yogi, este fica marcado como um
jivan-mnkti, um homem liberto. Em sua introdução à biografia
de Sri Ramakrishna, o cronista anónimo dá uma descrição elo­
quente do estado fruído por este santo (M., 1952, p. 27). Ao
emergir do samadhi nirvikalpa.

ele está esvaziado das ideias de “eu” e “meu”, enxerga o corpo


como uma simples sombra, um estojo externo que reveste a alma.
Ele não habita no passado, não dedica nenhum pensamento ao
futuro e olha com indiferença para o presente. Observa tudo no
mundo com um olhar de imparcialidade; já não é tocado pela
variedade infinita de fenômenos; já não reage ao prazer e a dor. Ele
— isto é, seu corpo — permanece inalterado se for louvado pelos
bons ou atormentado pelos perversos; pois ele se dá conta de que
é o Brahma único que se manifesta através de todas as coisas.

O santo indiano Ramana Maharshi (1962) propôs uma


simples definição operacional para distinguir entre um yogi
em samadhi nirvikalpa e um em samadhi sahaj'. se persistir
uma diferença entre o samadhi e o estado de vigília, é samadhi
nirvikalpa no melhor dos casos; se não houver diferença, o yogi
atingiu sua meta de samadhi sahaj.
O yogi em sahaj parcialmente reside no samadhi, não mais
se identificando com seus pensamentos ou sentidos. Seu ser está
enraizado numa consciência que transcende o mundo sensorial,
e assim ele permanece separado desse mundo ainda que operan­
do nele. Esse “ideal do yoga, o estado de jivan-mnkti", escreve
Eliade (1970), é a vida num “eterno presente” em que “já não
se possui uma consciência pessoal — isto é, uma consciência ali-
96 A mente meditativa

mentada por sua própria história -, mas uma consciência-teste­


munha que é pura lucidez e espontaneidade”.
No saniadbi sabaj, a meditação é auto-sustentada, fato
espontâneo da existência do yogi. Ele exprime sua tranquilida­
de de mente em suas ações. Está livre de todos os laços e inte­
resses do ego; suas ações não estão mais presas pelos depósitos
do passado. Meher Baba (1967) descreve isso como ‘‘um estado
de total vigilância em que não há fluxo e refluxo, acréscimo e
decréscimo, mas apenas a estabilidade da verdadeira percep-
ção”. O jivan-mukti transcendeu a consciência de seu corpo
junto com o universo conceituai; ele não vê o mundo como
diferente de si mesmo. Para aquele que vive no sahaj, não há
ego, e não há “outros”.

10. O tantra indiano e o yoga kundalini


A tradição tântrica originária da índia é, segundo algumas
fontes, um refinamento de antigas práticas xamanísticas que
conquistaram seu lugar nos sistemas de meditação tanto hin­
dus quanto budistas (Eliade, 1970). O tantra indiano altera a
consciência despertando energias que estão normalmente
latentes. Alguns sistemas de meditação introduzidos no Oci­
dente têm suas raízes no yoga kundalini y uma doutrina tântri­
ca. A kundalini y diz a fisiologia tântrica, é uma enorme reserva
de energia espiritual localizada na base da coluna. Quando des­
pertada, a kundalini percorre a coluna atravessando seis centros,
ou cbakras, alcançando o sétimo no topo da cabeça. A kundalini
tem poucos correlatos específicos com as noções ocidentais de
anatomia. Os cbakras se referem a padrões de energia, localiza­
dos em determinados centros não-físicos.
Quando a kundalini se concentra num cbakra, ela ativa
energias características desses centros. Cada cbakra tem um
conjunto emblemático de atitudes, motivos e estados mentais
que dominam a mente de uma pessoa quando a kundalini a
excita. O primeiro cbakra, localizado entre o ânus e a genitália,
Vias de meditação: um panorama ■ 97

tem a ver com a luta pela sobrevivência. Territorialidade, pos-


sessividade, força bruta, preocupação descabida com o corpo e
a saúde, e o temor pela própria segurança — tudo isso reflete o
estado mental do primeiro chakra. O segundo chakra abrange a
sexualidade e a sensualidade. Está na genitália. Quando esse
chakra é ativado, a concupiscência, a cupidez e a ânsia por pra-
zeres sensuais são o estado mental predominante. A ânsia de
ser poderoso e de influenciar os outros está ligada ao terceiro
chakra, localizado perto do umbigo. A persuasão ou a manipu­
lação dos outros para que sirvam aos propósitos de alguém são
o comportamento do terceiro chakra.
A maioria das pessoas na maior parte do tempo é motiva­
da por estados mentais em que esses três primeiros chakras
estão ativos. O yoga kundalini visa a elevar essas energias para
os chakras mais altos, tal como a cabala procura levar a cons­
ciência para planos superiores. O quarto chakra, no centro do
peito, perto do coração, representa o amor altruísta e o cuida­
do para com os outros. O amor puro de uma mãe por seu filho
vem do quarto chakra. Mas o amor do quarto chakra não é
romântico; ao contrário, ele se combina com um desapego cla­
rividente que leva à compaixão. Quando a kundalini ativa os
três chakras mais altos, o yogi vivência estados transcendentais.
Esses três centros são o quinto chakra na garganta, o sexto no
centro da testa e o sétimo no topo da cabeça. O meditador pro­
cura liberar a kundalini de seus chakras inferiores, onde habi­
tualmente está aprisionado, e conduzi-lo para os superiores.
Quando a kundalini alcança seu sétimo chakra e se estabiliza ali,
ele sente um estado de intenso êxtase e de união com Deus. Ele
é considerado liberto, livre da servidão àqueles hábitos e atos
que derivam dos chakras inferiores, dos quais a maioria dos
homens é prisioneira.
A essência da prática tântrica é o uso dos sentidos para
transcender a consciência sensual no samadhi. Embora os senti­
dos sejam, obviamente, o meio para a transcendência em todas
as técnicas de unidirecionalidade, o tantrismo é único na diver­
sidade de técnicas que oferece para transcender a consciência
98 A mente meditativa

dos sentidos. Entre elas estão o uso do mantra; yantra, objetos


para exercícios de visualização como uma mandala; concentra­
ção em shabd, sons interiores supersutis; pranayam e asanas;
concentração no jogo de forças nos chakras’, e maithuna, o des­
pertar do shakti — energia kundalini — por meio da prática
sexual controlada e ritual.
O maithuna é a técnica tântrica que mais fascina os oci­
dentais, que com demasiada frequência confundem-na com
uma indulgência para com os apetites sexuais, em vez de vê-
la como meio para dominá-los. O intercurso sexual ritual é
um meio poderoso para despertar a energia kundalini, permi­
tindo ao yogi autodisciplinado que conduza essa energia para
seus chakras superiores. O maithuna é uma das cinco ações
geralmente proibidas para os yogis hindus, mas usadas pelos
tântricos do Bon Marg, ou “via canhota”. As quatro primeiras
são o consumo de peixe, carne e álcool e a realização de certos
mudras, coisas que o tântrico faz de modo estritamente ritual,
como um prelúdio ao maithuna. Ao longo do ritual, ele faz o
japa silencioso de seu próprio mantra especial, dado por seu
guru, e em dados momentos recita alguns outros mantras.
Durante o próprio maithuna, o yogi executa ações rituais cuida­
dosamente traçadas — incluindo onde e como tocar exatamente
o corpo do parceiro.
No maithuna, o homem é passivo, a mulher é ativa; já que
o objetivo é o despertar da energia, mais do que o clímax, há
pouco movimento. Durante o intercurso, o tântrico mental­
mente recita mantras como: “Om, a ti, deusa resplendente...
dentro do fogo do eu, usando a mente como uma concha sacri­
fical, eu, que estou empenhado em domar os órgãos dos senti­
dos, ofereço esta oblação”. No momento da ejaculação, ele deve
repetir um mantra que consagra seu próprio sêmen como uma
oferenda sacrifical (Bharati, 1970). A chave para o maithuna,
bem como a meta de todas as práticas tântricas, é o desprendi­
mento nascido do samadhi. Esse desprendimento converte a
energia dos desejos em formas mais elevadas. Os textos tântri­
cos freqúentemente repetem (Eliade, 1970, p. 263): “Pelos
Vias de meditação: um panorama ■ 99

mesmos atos que fazem com que alguns homens queimem no


inferno por milhares de anos, o yogin ganha a salvação eterna”.
A linguagem tântrica é velada e, assim, presta-se a diver­
sos níveis de interpretação. Ações que, vistas de fora, parecem
impróprias podem ter, dentro do Tantra, um significado espe­
cial, mais profundo. Um exemplo desse significado duplo no
Tantra é um kapala tibetano, uma taça feita de um crânio
humano engastado numa base de prata. Sua descrição num
museu afirma:

O vaso contém o Ámrit usado na execução de rituais esotéricos.


Aqueles que têm conceitos dualistas como puro e impuro não
podem admitir o uso de um crânio humano. Mas os tânrricos, que
ganharam a Sabedoria Transcendental, não têm superstição e para
eles taças de ouro e crânios humanos são a mesma coisa. Os crânios
são usados para simbolizar essa atitude da mente.

Uma versão moderna do yoga kundalini é o siddha-yoga,


ensinado pelo falecido Swami Muktananda (Amma, 1969;
Muktananda, 1969). Este sistema começa com as práticas tra­
dicionais çomo asana^ pranayam, cânticos e japa. Ele instrui o
noviço a meditar com o mantra “Guru Om”, ou com cada res­
piração, “so-ham”. Muktananda enfatiza as relações guru-discí-
pulo. O núcleo do treinamento siddha-yvgà. é a tradição na qual
o guru oferece ao discípulo uma experiência transcendental
direta, instantânea. Esse processo, chamado shaktipat diksha, é
uma iniciação pelo olhar, pelo toque ou pela palavra. Nessa
transmissão o discípulo que se aproxima do guru com amor,
devoção e fé tem seu shakti — a energia da kundalini — ativado.
Quando isso ocorre, todas as outras praticas podem ser
abandonadas. A ação interna da kundalini produz meditação,
pranayam y asanas e mudras espontâneos sem o treinamento ou a
vontade prévia do discípulo. Esse processo de purificação atra­
vés do shaktipat pode levar de três a doze anos. Nesse período,
ele transforma inteiramente a personalidade do praticante, pois
o “eu limitado” foi abandonado. O devoto atinge um senti-
100 A mente meditativa

mento de “unidade com o Intelecto Cósmico onipresente”. As


imagens e a terminologia com que Muktananda descreve esse
processo derivam da kundalini (1970, p. 54):

A kundalini, que fica no Muladhara [primeiro chakra}, gradual­


mente se eleva, atravessando os chakras em seu caminho, até alcan­
çar o Sahasrara [sétimo chakrd}, o lótus de mil pétalas na coroa da
cabeça... e o esforço espiritual de um aspirante é recompensado.

Durante o shaktipat o meditador pode experimentar uma


ampla variedade de reações involuntárias. Elas incluem pode­
rosos estados de alegria, languidez ou agitação; estranhas pos­
turas corporais, gestos, tremores ou poses de dança; sentimen­
to de fascínio ou temor; um período de dor em todas as partes
do corpo; diversas agitações internas, palpitações musculares
ou arrepios; meditação profunda espontânea; visões de luzes,
divindades ou lugares celestiais acompanhadas de grande ale­
gria e arrebatamento; e, finalmente, há uma “luz divina de bri­
lho indescritível’’ ou um sutil som interior durante a medita­
ção (Muktananda, 1970).
Esses fenômenos servem para purificar o meditador de
modo que ele possa sustentar o turiya — um estado semelhante
ao jhana — mesmo durante os três estados normais de vigília,
sono e sonho. Ele atingirá o estado ulterior de Turiyatita quan­
do sua kundalini tiver se estabilizado no chakra mais alto, o
sahasrara. Uma pessoa nesse estado avançado esqueceu a cons­
ciência do corpo, goza uma beatitude extraordinária e profun­
da tranquilidade e conquistou “o fruto do Yoga”, permanecen­
do “sempre absorvida no Estado Supremo”, faça o que fizer. Ela
executa todo e qualquer ato com paz e serenidade. Um discí­
pulo de Muktananda, Amma (1969, p. 11), diz de alguém
nesse estado: “Ele não tem nada o que fazer nem o que realizar;
entretanto, ele executa as atividades da vida mundana manten­
do um distanciamento delas”. Alguém em turiyatita tornou-se
um siddha, nome que denota os poderes psíquicos supranor-
mais que ele supostamente possui, entre os quais a capacidade
de despertar a kundalini nos outros.
Vias de meditação: um panorama 101

O yoga tantra é um dos raros sistemas de meditação tra­


dicional que veem no alcance de siddhis (poderes psíquicos
supranormais) pelo yogi a marca do fim de sua trilha. Diz uma
escritura tântrica: “Pois todo sadhana cessa quando deu seu
fruto em siddhi". Algumas práticas tântricas são designadas
para produzir siddhis específicos, como a leitura da mente. Uma
razão para os siddhis representarem libertação para alguns é o
status elevado que a posse desses poderes implica. Mas a medi­
tação é central para todas as práticas tântricas; o despertar da
kundalini é o meio; o samadhi é o objetivo.

11.0 budismo tibetano


As técnicas do Mahayana tibetano estão fundamentadas ns
tradição budista clássica expressa pelo Visuddhimagga. Ele tam­
bém combina elementos clássicos puramente tibetanos e tan-
trismo. Num esboço de teoria e prática da meditação feito pek
Dalai Lama (1965), a teoria apresentada é essencialmente a dc
Nisuddhimagga theravadano — ou como os mahayanistas chamarr
o Theravada, a tradição “Hinayana”, ou “Veículo Menor”, err
contraste com o “Veículo Maior” deles. Uma diferença funda
mental entre essas duas importantes tradições budistas é que (
bodhisattva mahayana promete obter a iluminação não apena
para si mesmo, mas para a salvação de todos os seres sencien
tes. Essa diferença no motivo, diz o Dalai Lama, é decisiva; el;
cria uma diferença tanto no caminho quanto na meta. Ele con
sidera o nirvana hinayana como uma etapa prévia ao objetivi
mahayana de bodhisattvidade. Entretanto, sua concepção do esta
do nirvânico concorda com a do Vtsuddhimagga'. é “libertaçã
dessa servidão” de samsara por uma cessação em que as “raíze
da ilusão são totalmente arrancadas”, o ego ou “eu pensante”
extirpado. Mas para os mahayanistas a meta está além do nirvs
na, está em regressar ao mundo e ajudar os outros na salvação
O motivo determina o resultado da introvisão dentro d
vazio. Se a pessoa desenvolve a introvisão somente para libe
102 ■ A mente meditativa

tar-se a si mesma, ela será aquilo que o Visuddhimagga\ como


vimos anteriormente, chama um arahant. Se for motivada pelo
“Bodhi-chitta de amor e compaixão”, ela obtém a “liberação
superior” do boddhisattva, em que seu estado de consciência faz
dela um veículo de compaixão mais perfeito de modo a poder
conduzir outras pessas à libertação. Em ambos os casos, diz o
Dalai Lama, um boddhisattva “limpou sua mente de todas as
impurezas e removeu os motivos e inclinações que levavam a
elas”. Ele cortou os laços com o mundo normal de nome e
forma, o locus da consciência ordinária.
A via mahayana começa como um ensinamento muito
próximo da doutrina Visuddhimagga. Existem três “preceitos
morais”, modos de o meditador realizar o “Triplo Refúgio” -
Buddha, Dharma e Sangha — como suas realidades internas. O
primeiro preceito do meditador do budismo tibetano é o sila,
votos de comportamento irrepreensível. O segundo é o samadhi
(tibetano: shiney), fixação da mente em um objeto para desen­
volver sua unidirecionalidade. As condições aconselháveis para
praticar o samadhi são as mesmas do Visuddhimagga. O medita­
dor deve viver em reclusão, cortar suas amarras com as ativida­
des mundanas e assim por diante. Os primeiros objetos de
meditação incluem aqueles listados no Visuddhimagga, tal como
a consciência da respiração. Alguns, especialmente nos últimos
estágios, assemelham-se a deidades tântricas indianas. Esses
temas mais avançados são o objeto de visualização. Tais temas
vêm em inúmeros aspectos “de modo a acompanhar as atitudes
físicas, mentais e sensuais de diferentes indivíduos”, e desper­
tam muita fé e devoção. Esses temas de visualização incorpo­
ram diferentes aspectos da mente. O meditador identifica-se
com esses estados ou qualidades mentais à medida que visuali­
za a figura. Chogyam Trungpa (1975,p.47) descreve uma des­
sas figuras:

Sobre o disco da lua de outono, claro e puro, tu colocas uma síla­


ba-semente. Os serenos raios azuis da sílaba-semente emanam
serena compaixão que se irradia para além dos limites do céu ou
Vias de meditação: um panorama ■ 1 03

do espaço. Ela satisfaz as necessidades e desejos dos seres sencien-


tes, trazendo um calor primordial para que as confusões possam
ser esclarecidas. Então, a partir da sílaba-semente, tu crias um
Mahavairocana Buddha, branco na cor, com os traços de um aris-
trocrata - um menino de oito anos com um olhar belo, inocente,
puro, poderoso, nobre. Veste trajes de um rei da índia medieval.
Usa uma coroa dourada cintilante incrustada de jóias maravilho­
sas. Parte de seus longos cabelos negros baloiçam sobre seus
ombros e costas; o resto está arranjado num coque encimado por
um radiante diamante azul. Está sentado de pernas cruzadas sobre
o disco lunar com suas mãos no mudra de meditação segurando um
vajra lavrado no puro cristal branco.

O Dalai Lama lista quatro passos para atingir o samadhi.


Há uma fixação inicial da mente do meditador no objeto pri­
mário enquanto tenta prolongar seu período de meditação
nesse objeto. No próximo passo, sua concentração é intermi­
tente. As distrações vêm e vão em sua mente, alternando com
atenção no objeto primário. Nessa fase, ele pode experimentar
alegria e êxtase em sua unidirecionalidade; esses sentimentos
fortalecerão seus esforços na concentração. Essa fase, como o
jhana de acesso, culmina quando a mente finalmente ultrapassa
todo distúrbio, permitindo-lhe concentrar-se no objeto sem
nenhuma interrupção, na perfeita unidirecionalidade dos jhanas.
A etapa final é a da “quietude mental”, em que sua concentra­
ção total vem com esforço mínimo — isto é, domínio do jhana.
O meditador pode agora concentrar-se em qualquer objeto com
facilidade; tornaram-se possíveis poderes psíquicos.
O domínio do jhana é importante no Mahayana não pelos
poderes que torna possível, mas devido à sua utilidade para que
o meditador realize o Sunyata^ o esvaziamento essencial do
mundo dos fenômenos, incluindo o mundo de dentro da mente
do meditador. O instrumento para esse rompimento é o tercei­
ro preceito do meditador, a prática do vipassana (tibetano: thag-
thong). Ele usa o poder do samadhi como um degrau para a
meditação no Sunyata. O Dalai Lama (1965) não especifica
detalhes da técnica do vipassana na prática tibetana. Mas men-
104 A mente meditativa

ciona que o fluxo da mente indisciplinada do meditador pode


ser interrompido “e a mente dispersiva ou projetante pode ser
trazida ao repouso pela concentração na constituição física do
corpo e na constituição psicológica da mente da pessoa”— duas
técnicas de vipassana ensinadas no Visuddhimagga. Por meio do
vipassana com o Sunyata como foco, o meditador descarta suas
crenças no ego, atingindo finalmente “a meta que conduz à
destruição de todas as impurezas morais e mentais”.
Essa meta, porém, não representa a culminação do desen­
volvimento espiritual do meditador no budismo tibetano, mas
uma etapa ao longo do caminho em sua prática e evolução pos­
terior. O controle dos processos mentais, que ele obtém através
da concentração e da introvisão, prepara-o para treinamento
ulterior em técnicas como visualizações e o cultivo de qualida­
des como a compaixão. As diversas escolas dentro do budismo
tibetano têm sua ênfase particular e programas exclusivos para
treinamento avançado. Em todas elas, as habilidades meditati-
vas básicas de concentração e introvisão são pré-requisitos para
esforços mais complexos, avançados, no treinamento da mente
do meditador.
Chogyam Trungpa (1976), ao resumir a via budista tibe-
tana, adverte que, antes de começar qualquer técnica tibetana
avançada, o meditador precisa desenvolver “senso comum
transcendental, ver as coisas como são”. Por essa razão, a medi­
tação vipassana forma a base do meditador. Ao ver as coisas cla­
ramente, o meditador relaxa suas defesas nas situações de vida
diária. Isso abre-o para o shunyata, “experiência direta sem
nenhum suporte”. Isso, por sua vez, inspira o meditador a diri­
gir-se para o bodhisattva ideal. Mas esse não é o fim do cami­
nho: para além da experiência do bodhisattva está a do yogi,
para além do yogi está o siddha e para além do siddha está o
Buddha (Buda). Em cada um desses níveis, o meditador tem
um sentimento único de si mesmo e do mundo — por exemplo,
o bodhisattva vivência o shunyata. Num nível ainda mais eleva­
do fica o espaço psicológico do mahamudra. Aqui, diz Trungpa
(Guenther e Trungpa, 1975, p. 36), “os símbolos não existem
Vias de meditação: um panorama ■ 1 05

como tais; o sentimento de experiência deixa de existir. Rela­


cionando-se diretamente com o jogo das situações, a energia se
desenvolve através de um movimento de espontaneidade que
nunca se torna frívolo”. Isso leva a pessoa a “destruir o que quer
que precise ser destruído e a criar o que quer que precise ser
criado”. Quando alguém chegou ao mabamndra, não há mais
conflito ao longo do caminho.
É difícil avaliar a verdadeira natureza de qualquer via
espiritual sem participar de suas práticas. Isso se aplica ainda
mais a sistemas como o budismo tibetano, em que o núcleo da
instrução é esotérico. Vajrayana, o segmento tântrico do budis­
mo tibetano, é guardado em segredo; o grande tântrico lendá­
rio Milarepa adverte (Chang, 1970): “Os ensinamentos do Tan-
tra devem ser praticados secretamente; eles ficarão perdidos se
exibidos na feira livre”. Ainda que relatados publicamente,
muitos métodos tibetanos são “auto-secretos”, de modo que é
preciso praticá-los e provar realmente seus frutos para com­
preendê-los. Traduções como a de Evans-Wentz (1968, 1969)
dão ao leitor um gosto vívido das doutrinas tibetanas. Mas para
seguir esse caminho emaranhado é preciso encontrar um lama
como guru, pois até hoje os métodos específicos no budismo
tibetano são transmitidos apenas do mestre para o discípulo em
linhas de transmissão que remontam há vários séculos.

12. O zen
A palavra zen é um cognato do termo páli jhana, e ambos
derivam do sânscrito dhyana (“meditação”). O intercâmbio
cultural que culminou no zen japonês liga-o à tradição do
Nisuddhimagga através da escola Ch’an de meditação chinesa.
As mudanças sofridas na viagem ao longo do tempo e do espa­
ço da índia do século V até o Japão de hoje são mais eviden­
tes na doutrina do que nas características da prática. As dife­
renças doutrinais — bem semelhantes às que existem entre o
budismo Theravada e o Mahayana — enfatizaram essas mudan-
106 A mente meditativa

ças e obscureceram as similaridades. Algumas versões da


meditação zen, ou zazen, permanecem idênticas à atentividade
ou à introvisão. Tal como na atentividade, todas as variedades
de zazen alargam seu foco da meditação sentada para todo o
espectro das situações de vida do meditador.
O zazen prático do zen importa, mas estudos escriturísti­
cos extensivos são desencorajados. O antigo mestre Soto Dogen
(1971, P- 62) afirmava:

Não importa o quanto você diga conhecer bem... as doutrinas eso­


téricas e exotéricas; enquanto possuir uma mente que está presa ao
corpo, você contará em vão os tesouros dos outros, sem ganhar
sequer meio centavo para si mesmo.

O zazen começa, como o vipassana, com um firme assenta­


mento na concentração; uma ampla variedade de técnicas de
concentração é empregada. O samadhi ou jhana, na terminolo­
gia zen, é a “grande fixação” ou “um estado de unidade”, em
que as diferenças entre as coisas se dissolvem para que elas sur­
jam para o meditador com o aspecto de uniformidade. Esse é
um estado intermediário na trilha rumo à realização final do
zen. Suzuki adverte (1958, p. 135): “Se esse estado de grande
fixação for tomado como o final, não haverá elevação, nem
impulso para o satori, nem penetração, nem introvisão na Rea­
lidade, nem corte das amarras de nascimento e morte”. As
absorções profundas não são o bastante. São passos necessários
mas não suficientes rumo à iluminação. A sabedoria da intro­
visão vem após o samadhi e flui dele.
Entre as técnicas zen estão alguns métodos exclusivos para
alcançar o jhana. Um deles, o koan (usado primeiramente pela
seita Rinzai), é um enigma absolutamente impossível de ser
resolvido pela razão. Sua “solução” reside em transcender o
pensamento pela liberação da mente do meditador da armadi­
lha da linguagem (Miura e Sasaki, 1965). Tendo recebido um
koan como “Como era teu rosto antes de nasceres?” ou “Que é
Mu?”, o aspirante mantém o koan constantemente em mente.
Vias de meditação: um panorama ■ 107

Não importa o que esteja fazendo, quando outros assuntos


invadirem sua mente ele imediatamente deixa-os partir e retor­
na a seu koan. Ao descobrir que sua mente racional é incapaz de
resolver o insolúvel, ele atinge uma intensidade febril de con­
centração da qual surge uma extrema frustração. Quando isso
acontece, o que antes era um koan total mente expresso fica
reduzido a um fragmento emblemático, por exemplo, simples­
mente “Mu”. Quando sua faculdade discursiva finalmente se
esgota, chega o momento da “realização” para o meditador. Seu
pensamento cessa e ele entra no estado de daigi, ou “fixação”.
Seu koan “revela todos os seus segredos” à medida que atinge o
samadhi (Suzuki, 1958).
Yasutani, um roshi moderno que veio ensinar nos Estados
Unidos, utilizava o koan para seus discípulos mais avançados.
Aos iniciantes ele impunha a concentração na respiração. O
objetivo do zazen, na sua opinião, não era tornar a mente inati­
va tmjhana, mas “acalmá-la e unificá-la no meio da atividade”.
Consequentemente, seus discípulos praticavam técnicas de
concentração até terem desenvolvido um pouco de joriki, força
mental decorrente da unidirecionalidade da mente. Os frutos
do joriki são serenidade, determinação e uma maturidade
potencial no discípulo para o Kensho-godo, o despertar no satori
para “ver dentro de tua Verdadeira-natureza”. Quando o discí­
pulo usa um koan, por exemplo, seu samadhi é desfrutado quan­
do há “absoluta unidade com Mu, absorção não-pensante em
Mu — isso é maturidade”. Nesse ponto, “o dentro e o fora fun­
dem-se numa só unidade”. Com essa experiência do samadhi, o
Kensho-godo pode acontecer, onde ele “verá cada coisa tal como
é”. Uma dada experiência kensho pode ocorrer em qualquer
lugar dentro de uma amplo espectro de profundidade, intensi­
dade e clareza.
O joriki fortalece o satori do meditador. Isso ajuda-o a
estender sua vigília para além da própria sessão de zazen. O
joriki que ele desenvolve em seu zazen cultiva o efeito de satori
até finalmente moldar todo o resto de sua vida diária. Quando
o discípulo obtém algum controle sobre a mente por meio de
108 A mente meditativa

exercícios de unidirecionalidade, como contar as respirações, ou


quando esgotou sua mente racional com o koan, Yasutani-rwA/
normalmente o envia para um método mais avançado chama­
do shikan-taza, “apenas sentar”. Nesse tipo de meditação zen,
o discípulo coloca-se num elevado estado de consciência con­
centrada sem nenhum objeto primário. Ele apenas se senta,
alerta e consciente, livre de pontos de vista ou pensamentos
discriminatórios, simplesmente olhando. Essa técnica é bastan­
te semelhante ao vipassana. Uma prática relacionada é o “zazen
móvel”, em que ele entra completamente em cada ação com
atenção total e clara consciência. Corresponde à “atenção nua”
tal como descrita no Visuddhimagga. Kapleau (1967) observou
esses paralelos e cita um Sutra páli sobre atentividade como
uma “prescrição” para o zazen:

Naquilo que é visto deve haver somente o visto;


Naquilo que é sentido deve haver somente o sentido;
Naquilo que é pensado deve haver somente o pensado.

Há vários tipos de satori na prática zazen, alguns dos quais


podem ser experiências de jhana, algumas etapas na trilha da
introvisão. Yasutani alerta seus discípulos, por exemplo, a des­
prezarem makyOy visões e sensações intensas. Diz que elas
podem surgir quando a capacidade de concentração do discípu­
lo desenvolveu-se a um nível dentro do alcance do kensho, exa­
tamente como fenômenos semelhantes podem surgir quando o
meditador se aproxima da concentração-acesso. Kapleau descre­
ve uma etapa de “falso satori”, às vezes chamada “gruta de Satã”,
em que o meditador experimenta profunda serenidade e acredi­
ta ter alcançado a realização final. Exatamente como o pseudo-
nirvana na trilha vipassana, essa pseudo-emancipação precisa
ser ultrapassada. A rota final rumo à iluminação tal como des­
crita por Kapleau (1967, p. 13) também se enquadra nas eta­
pas imediatamente anteriores ao nirvana na trilha vipassana'. os
esforços do meditador são “impulsionados, por um lado, por
uma servidão interior dolorosamente sentida — uma frustração
com a vida, um medo da morte, ou ambos —, e, por outro, pela
Vias de meditação: um panorama • 109

convicção de que através do satori pode-se obter a libertação”.


Yasutani afirma que o satori normalmente se segue a um perío­
do de samadhi. Num ensaio sobre seu próprio treinamento zen,
D. T. Suzuki fala sobre sua primeira experiência de samadhi^
baseada no koan Mu (1970, p. 10):

Mas o samadhi não é o bastante. Você precisa superar esse estado,


ser despertado dele e esse despertar é prajna. Esse momento de
superação do samadhi e de vê-lo pelo que ele é — isso é satori.

Os mestres zen acentuam a necessidade de amadurecer um


satori inicial por meio de mais meditação até que ele finalmen­
te permeie toda a vida do meditador. Essa fruição total repre­
senta um estado de mente tranquilizada, para além de qualquer
necessidade de prática ulterior. Suzuki (1949) descreve esse
estado mental final como um estado em que os fatos da expe­
riência diária da pessoa são recebidos tal como vêm; todos os
acontecimentos penetram a consciência do meditador e são
recebidos com não-reação. Essa não-reação, esclarece Blofeld
(1962), “não significa a apatia de um transe, mas um estado de
mente brilhantemente claro em que os detalhes de cada fenô­
meno são percebidos, embora sem avaliação nem apego”.
Hui Hai, um antigo mestre zen, assim se manifestou:
“Quando as coisas acontecerem, não dês resposta: evita que tua
mente se instale em qualquer coisa que seja”. O mestre zen
Bassui, do século XIV, avisava que o zazen “não é mais do que
olhar para dentro da própria mente, sem desprezar nem acari­
ciar os pensamentos que surgem”. Essa neutralidade é tanto o
meio quanto o fim do zen. Ela deve se estender para além do
estar sentado em zazen y para dentro do resto do dia do medita­
dor. Ruth Sasaki (Miura e Sasaki, 1965, p. xi) pormenoriza:

O praticante experiente do zazen não depende de estar sentado em


quietude em sua almofada. Estados de consciência alcançados pri­
meiramente apenas na sala de meditação gradualmente se tornam
contínuos, a despeito de quaisquer outras atividades em que ele
esteja empenhado.
110 A mente meditativa

Na etapa final zen de “não mente”, a clareza espontânea do


satori manifesta-se em todos os atos da pessoa. Aqui, os meios
e os fins se fundem; a postura da atentividade está construída
dentro da consciência do meditador como uma percepção total
desprovida de autoconsciência. Tendo experimentado a imper-
manência de todas as coisas, que “a vida é dor, que todas as for­
mas são ku, vazias ou ocas”, ele cessa de apegar-se ao mundo
fenomenal, embora continue a agir nele.
Em reconhecimento da profundidade dessa transformação
de personalidade, dá-se pouca ênfase no zen aos preceitos
morais. Em vez de simplesmente impor preceitos de fora para
dentro, sua observância emerge de dentro, como um produto
derivado da mudança na consciência que o zazen pode provo­
car. Thomas Merton (1965) salienta que os ensinamentos zen
são herdeiros do espírito do taoísta Chuang Tsé, que escreveu
estas palavras (p. 61):

Mentes livres, pensamentos idos,


Semblantes claros, faces serenas.
Tudo o que vem de fora deles
Vem quieto, como as quatro estações.

13. A quarta via de Gurdjieff


O sistema espiritual que George I. Gurdjieff (1877-1948)
trouxe para o Ocidente, após longas viagens pela Ásia encon­
trando-se com “homens admiráveis”, trata-se, nas palavras de
seu pupilo Orage, das doutrinas religiosas do Oriente camufla­
das sob “uma terminologia que não causasse estranheza às
mentes factuais dos pensadores ocidentais”. Ouspensky (1971),
outro discípulo de Gurdjieff, diz que esse sistema é uma “esco­
la esotérica”, não adequada ao gosto das massas, que diz como
fazer aquilo que as religiões populares ensinam que tem de ser
feito, isto é, a transformação da consciência da pessoa. O pró-
Vias de meditação: um panorama ■ 111

prio Gurdjieff chamou-a “a quarta via’’: não o caminho tradi­


cional do faquir, monge ou yogi, mas a via do “homem esper­
to”, que não se retira do mundo em meditação solitária, mas
trabalha sua consciência no espelho de seus relacionamentos
com pessoas, animais, propriedades e ideias. Num estágio
avançado, o discípulo de Gurdjieff tem de compartilhar seu
conhecimento adquirido com outras pessoas a fim de avançar
ainda mais, e assim se desenvolveram inúmeros grupos gurd-
jieffianos de segunda, terceira e quarta gerações, cada um com
seu próprio estilo e idiossincrasias. Posto que a escola original
de Gurdjieff fez uso de um amplo espectro de técnicas, qual­
quer grupo de sua quarta via dos dias atuais pode ou não usar
os métodos examinados aqui, que são primordialmente os de
Ouspensky.
Gurdjieff diz que a maioria das pessoas estão “adormeci­
das”, vivendo uma vida de reação automática a estímulos. “O
homem contemporâneo”, escreve Gurdjieff (1971), “desviou-se
gradualmente do tipo natural que ele devia representar... as
percepções e manifestações do homem moderno... representam
apenas os resultados de reflexos automáticos de uma ou outra
parte de sua integridade geral”. Tal como o Buda1, Gurdjieff
entende o estado normal do homem como um estado de sofri­
mento. Nós, seres humanos, por sermos incapazes de ver a
situação tal como realmente é, permanecemos dominados pelo
egoísmo, pelas paixões animais como medo, excitação e ódio, e
pela busca do prazer. O sofrimento, porém, pode nos dar um
impulso para a liberdade. O caminho para a libertação não está
nas noções convencionais de vida virtuosa, mas num programa
intencional para a autotransformação. O remédio que Gurdjieff
propõe começa com a auto-observação. Kenneth Walker
(1969, p. 206), que estudou com Ouspensky e Gurdjieff,
exprime-se assim:

1 E tal como o Cristo também, para quem a vida humana é uma "cruz”, que tem de
ser carregada até que o cristão não lhe sinta mais o peso. (N. T.)
112 A mente meditativa

Estamos aprisionados dentro de nossas próprias mentes, e por


mais longe que as estendamos, e por mais que as embelezemos,
continuamos dentro de suas paredes. Se algum dia tivermos de
escapar de nossas prisões, o primeiro passo terá de ser perceber­
mos nossa verdadeira situação e ao mesmo tempo vermos a nós
mesmos como de fato somos e não como imaginamos que somos.
Isso pode ser feito mantendo-nos a nós mesmos num estado de
consciência passiva...

Walker aqui descreve a “autolembrança”, uma técnica de


dividir deliberadamente a atenção de alguém de modo a diri­
gir uma porção dela para a própria pessoa. Dentro dos múlti­
plos e flutuantes eus, a pessoa estabelece uma percepção que
apenas observa o resto: o “eu observador” ou a “testemunha”.
No princípio há uma grande dificuldade para se chegar a um
eu observador estável, o iniciante constantemente se esquece de
lembrar-se de si mesmo, e a auto-observação dissolve-se na sua
identificação total costumeira com qualquer “eu” que governa
sua mente num dado momento. Mas com persistência a auto-
observação do iniciante se fortalece, pois, nas palavras de Ous-
pensky, “quanto mais apreciamos nosso atual estado psicológi­
co de adormecido, mais apreciamos a urgente necessidade de
transformá-lo”. A auto-recordação é como a atentividade. A
atitude psicológica requerida nesse método é o desapego de si
mesmo, como se os próprios pensamentos e atos fossem os de
alguma outra pessoa com quem não se tem muita intimidade.
Ouspensky (Walker, 1969, p. 40) instrui:

Observe-se a si mesmo muito cuidadosamente e você verá que não


você mas it2 fala dentro de você, move-se, sente, ri e chora em
você, tal como it chove, pára de chover e chove de novo fora de
você. Tudo acontece em você e seu primeiro trabalho é observar e
examinar it acontecendo.

2 It: pronome pessoal neutro, inexistente cm português, usado em inglês, entre outras
funções, como sujeito de verbos impessoais: it rains (“chove”), it is late (“é tarde”), it
is hot today ("está quente hoje”), etc. (N. T.)
Vias de meditação: um panorama ■ 113

Quando o aspirante se dá conta de que houve um lapso


em sua auto-observação, ele redireciona sua mente dispersa
para a tarefa de observar-se a si mesmo. Embora vários círcu­
los gurdjieffianos usem uma multiplicidade de técnicas, elas
quase sempre são subsidiárias da autolembrança. A principal
habilidade almejada é a capacidade de dirigir a atenção à auto-
observação. Ouspensky (1971) qualifica tanto o estado de
transe do samaclhi quanto o estado normal de identificação que
“aprisiona o homem em algum cubículo de si mesmo” como
antitéticos a seu objetivo. Tal como na meditação de introvi-
são, na autolembrança as “lentes distorcidas da personalidade”
são abandonadas para que a pessoa se veja claramente. Na
autolembrança, como na atentividade do zazen, a pessoa reco­
nhece a si mesma em integralidade sem comentar e sem
nomear o que é visto.
Outro exemplo de exercício gurdjieffiano de autolem­
brança é focalizar um aspecto do comportamento diário — por
exemplo, os movimentos das mãos ou gestos faciais -, perscru­
tando-o o dia todo. Outra instrução ainda para a autolembran­
ça é: “Onde quer que se esteja, o que quer que se faça, lembrar-
se da própria presença e reparar sempre no que se faz”. Essas
instruções são paralelas às da atentividade. A semelhança entre
os sistemas possivelmente não é acidental. Tanto Gurdjieff
quanto Ouspensky viajaram por regiões em que o vifrassana ou
técnicas similares eram ensinadas precisamente para aprender
tais métodos, e Gurdjieff foi um grande compilador, reformu-
lador e transmissor de doutrinas orientais.
No curso da autolembrança, o discípulo se apercebe (tal
como na via da introvisão) de que seus estados interiores estão
em constante fluxo e de que não existe nada parecido com um
“eu” permanente interno. Em vez disso, ele vê um elenco inter­
no de personagens ou “características principais”. Cada uma,
por sua vez, domina a cena e adiciona suas idiossincrasias à
forma de sua personalidade. Com a auto-observação, a multi­
plicidade desses eus fica aparente mas em seguida se dissipa.
Ao serem observados, esses eus perdem seu poder à medida que
114 A mente meditativa

o discípulo deixa de se identificar com eles. À proporção em


que fortalecer seu eu observador e permanecer destacado de
todos os outros, o discípulo “despertará”. Ao despertar, ele
sacrifica seus eus cotidianos. Walker descreve esse estado des­
perto como “uma sensação de estar presente, de estar aí, de
pensar, perceber, sentir e mover-se com certo grau de controle
e não apenas automaticamente”. Nesse estado, a testemunha se
cristaliza como uma função mental constante. O discípulo
pode ver a si mesmo com plena objetividade.
Essa ordem de autoconhecimento é preliminar ao estado
mais elevado, “consciência objetiva”. Nesse estado, o discípulo
vê não somente a si mesmo mas tudo o mais também com
plena objetividade. A consciência objetiva é a culminação da
autolembrança. A consciência ordinária da pessoa não é desalo­
jada, mas a plena objetividade é sobreposta a ela. Isso traz um
“silêncio interior” e uma sensação libertadora de distância em
relação aos burburinhos contínuos da mente. A experiência do
mundo, na consciência objetiva, fica inteiramente alterada;
Walker (1969, p. 47-48) descreve o estado final do treinamen­
to de Gurdjieff:

O pequeno “eu” limitador da vida diária, o eu que insiste em seus


direitos pessoais e sua exclusividade, já não está ali para isolar a
pessoa de tudo o mais, e na ausência dele a pessoa é recebida den­
tro de uma ordem de existência muito mais ampla... à medida que
o clamor de pensamento desfalece no silêncio interior, uma sensa­
ção esmagadora de “ser” toma seu lugar... Conceitos tão limitados
quanto os de “teu”, “meu”, “dele”, “dela” não fazem sentido... e
mesmo aquelas velhas divisões do tempo em “antes” e “depois”
ficaram afogadas na insondável profundeza de um onipresente
“agora”. Igualmente desapareceu assim... a divisão entre o sujeito
e o objeto, o conhecedor e a coisa conhecida.

Bennett (1973) dá sete categorias de homem no sistema


de Gurdjieff, das quais as três últimas são homens “libertos”;
essas três últimas são gradações da consciência objetiva. Como
parte de sua transformação rumo à consciência objetiva, a pes-
Vias de meditação: um panorama 115

soa fica livre das influências arbitrárias e irracionais das fontes


internas e externas respectivamente. O homem liberto, na
sexta categoria, por exemplo, é o mesmo que “o bodhisattva do
budismo Mahayana^ ou os grandes santos e wadis do cristianis­
mo e do islamismo. Já não se preocupa com seu próprio bem-
estar, mas comprometeu-se a si mesmo na salvação de todas as
criaturas”.

14. A consciência sem escolha de Krishnamurti


J. Krishnamurti, nascido no sul da índia na década de
1890, foi educado na Inglaterra sob a orientação da teósofa
Annie Besant. A visão de Krishnamurti da condição humana
é próxima daquela do budismo. A mente e o mundo, diz
Krishnamurti, estão num fluxo incessante: “Só existe um fato,
a impermanência”. A mente humana agarra-se a um “eu” dian­
te da insegurança desse fluxo. Mas o “eu” existe apenas através
da identificação com aquilo que ele imagina ter sido e quer ser.
O “eu” é uma “massa de contradições, desejos, buscas, realizações
e frustrações, com a mágoa superando a alegria”. Uma fonte de
mágoa é o constante conflito mental entre “o que é” e “o que
deve ser”. A mente condicionada, na análise de Krishnamurti,
foge dos fatos de sua impermanência, de seu vazio e sua mágoa.
Ela ergue paredes de hábito e repetição e persegue seus sonhos de
futuro ou agarra-se ao que já foi. Essas defesas nos paralisam. Elas
nos impedem de viver no momento presente.
Krishnamurti opõe-se a métodos de meditação, a solução
que tantos outros advogam. Na medida em que a mente tenta
escapar do condicionamento por meio da meditação, diz
Krishnamurti, ela simplesmente cria, na própria tentativa,
outra prisão de métodos a seguir e de metas a atingir. Ele se opõe
a técnicas de qualquer tipo e insiste que deixemos de lado toda
autoridade e tradição: delas só se pode obter conhecimento, ao
passo que o necessário é a compreensão. Segundo Krishnamurti,
nenhuma técnica pode libertar a mente, pois qualquer esforço da
116 A mente meditativa

mente só faz tecer outra rede. Ele se opõe enfaticamente, por


exemplo, aos métodos de concentração (citado em Coleman,
1971, p. 114):

Ao repetir Ámen ou Om ou Coca-Cola indefinidamente você obvia-


mente passa por alguma experiência porque pela repetição a mente
fica quieta... Uma das táticas iniciais favoritas de alguns mestres de
meditação é insistir para que seus discípulos aprendam a concen­
tração, isto é, fixar a mente em um pensamento e expulsar todos
os demais pensamentos. É uma coisa muito estúpida, feia, que
qualquer menino de escola consegue fazer por ser obrigado.

A “meditação” que Krishnamurti advoga não tem siste­


ma, muito menos “repetição e imitação”. Ele propõe, tanto
como meio quanto como fim, uma “consciência sem escolha”
(choiceless awareness), que é “vivenciar o que existe sem no­
mear”. Esse estado está além do pensamento; todo pensamen­
to, diz ele, pertence ao passado, e a meditação está sempre no
presente. Para estar no presente, a mente precisa abandonar os
hábitos adquiridos pela necessidade de estar segura; “seus deu­
ses e virtudes têm de ser devolvidos à sociedade que os gerou”.
É preciso abandonar todo pensamento e toda imaginação.
Krishnamurti aconselha (1962, p. 8-10):

Deixe a mente esvaziar-se, e não se encher com as coisas da mente.


Então, só há meditação, e não um meditador que está meditando...
a mente apanhada pela imaginação só pode gerar ilusões. A mente
tem de estar clara, sem movimento, e à luz dessa claridade o
intemporal se revela.

Krishnamurti parece advogar um estado final único, um


método sem método. Mas, num exame mais acurado, ele reve­
la diretamente o “como” a todos os que podem ouvir, embora
ao mesmo tempo insista em que “não há como algum; método
algum”. Ele nos instrui a “apenas ficarmos atentos a tudo isso...
a todos os nossos próprios hábitos, reações”. Seu meio é obser-
Vias de meditação: um panorama • 117

var constantemente a própria percepção da pessoa. A “não-téc­


nica” de Krishnamurti fica mais clara em suas instruções para
um grupo de jovens escolares indianos. Primeiro disse a eles
que se sentassem tranquilos, de olhos fechados, e então obser­
vassem a progressão de seus pensamentos. Insistiu para que
continuassem esse exercício em outros momentos, inclusive
quando andassem ou estivessem na cama à noite:

Você tem que observar, tal como observa uma lagartixa atraves­
sando uma parede, vendo suas quatro patas, como ela adere à
parede, você tem que observá-la, e enquanto observa você vê
todos os movimentos, a delicadeza de seus movimentos. Então,
da mesma maneira, observe seu pensamento, não o corrija, não o
suprima — não diga que é difícil demais apenas observe-o,
agora, nesta manhã.

Ele chama essa atenção cuidadosa de “autoconhecimento ”.


Sua essência é “perceber as maneiras de sua própria mente” de
modo a que a mente fique “livre para se acalmar”. Quando a
mente está calma, a pessoa compreende. A chave para a com­
preensão é “a atenção sem a palavra, sem o nome”. Ele instrui:
“Olhe e seja simples”: onde existe atenção sem pensamento rea­
tivo, existe realidade.
O processo que Krishnamurti propõe para o autoconheci­
mento duplica o treinamento da atentividade. Mas o próprio
Krishnamurti provavelmente não toleraria essa comparação por
causa do perigo que julga inerente à busca de qualquer meta
por meio de uma técnica. O processo que ele sugere para acal­
mar a mente jorra espontaneamente da percepção que se tem
da própria condição, pois saber “que você esteve adormecido já
é um estado desperto”. Esta verdade, insiste ele, atua na mente,
liberando-a. Krishnamurti (1962, p. 60) assegura-nos:

Quando a mente se dá conta da totalidade de seu próprio condi­


cionamento... então todos os seus movimentos chegam a um fim:
ela está completamente tranquila, sem qualquer desejo, sem qual­
quer compulsão, sem qualquer motivo.
118 A mente meditativa

Esse despertar é, para Krishnamurti, um processo automá­


tico. A mente descobre a solução — ou, antes, é arrebatada por
ela — “através da intensidade da própria questão”. Esse dar-se
conta não pode ser buscado: “Ele vem sem convite”. Se alguém
experimentar esse despertar de que fala Krishnamurti, um
novo estado emergirá, assegura-nos ele. Nesse estado, a pessoa
está liberta dos hábitos condicionados de percepção e cognição,
esvaziada de seu eu. Estar em tal estado, diz Krishnamurti, é
amar: “Onde está o eu, o amor não está”. Esse estado traz um
“estar sozinho além da solidão” onde não há movimento algum
dentro da mente, mas sim um puro vivenciar, “atenção sem
motivo”. Está-se livre da inveja, da ambição, da sede de poder,
e a pessoa ama com compaixão. Aqui, sentir é saber, num esta­
do de total atenção sem observador algum. Vivendo num eter­
no presente, a pessoa pára de recolher impressões ou experiên­
cias; o passado morre para ela a cada momento. Com essa cons­
ciência sem escolha, está-se livre para ser simples; como afirma
Krishnamurti (Coleman, 1971, p. 95):

Estar longe, longe do mundo do caos e da miséria, viver nele, into­


cado... A mente meditativa está desligada do passado e do futuro
e apesar disso é sadiamente capaz de viver com clareza e razão.
PARTE III

VIAS DE MEDITAÇÃO:
SUA UNIDADE ESSENCIAL

Em cercos aspectos, cada método de meditação é parecido


com todos os outros, com alguns outros e com nenhum outro.
O primeiro nível é o dos traços comuns mais gerais, a despeito
das variações idiossincráticas de técnica, ênfase ou crença de
qualquer sistema. Nesse nível mais universal, todos os sistemas
de meditação são variações de um único processo de transfor­
mação da consciência. Os elementos centrais desse processo são
encontrados em cada sistema, e suas características anulam as
diferenças ostensivas entre as várias escolas de meditação.

15. Preparação para a meditação


Aqui está o fundamento menos comum entre os sistemas
de meditação no tocante ao trabalho de base preparatório exi­
gido do medicador. Os sistemas examinados aqui representam
o espectro total de atitudes quanto à necessidade de o medita-
dor se preparar através de algum tipo de purificação. Elas vão
120 A mente meditativa

da insistência enfática na purificação como prelúdio para a


meditação — expressa nas tradições bhaktiy cabalista, cristã e
sufi — até as opiniões de Gurdjieff e Krishnamurti de que tais
esforços são inúteis se acarretam evitar situações de vida nor­
mais. Finalmente, existe a noção de escolas, como, por exemplo,
a MT e o zen, de que a pureza genuína emerge espontaneamen­
te como um subproduto da própria meditação. Os tântricos do
Bon Marg marcam uma atitude extrema em relação à pureza ao
advogarem a violação da continência sexual e outras como
parte da prática espiritual.
Ideias sobre o melhor contexto para a meditação também
abrangem um amplo espectro. Os Padres do Deserto se retira­
ram para as zonas áridas do Egito a fim de evitar o burburinho
e a companhia mundana; a solidão hermética era essencial em
seu programa de rígida autodisciplina. Os yogis indianos
modernos procuram montanhas isoladas e retiros na floresta
pelas mesmas razões. Versões ocidentalizadas do yoga indiano
como a MT, no entanto, opõem-se a qualquer mudança força­
da nos hábitos de vida do meditador; em vez disso, a medita­
ção é simplesmente inserida numa agenda diária normal. A
prática zen intensiva é feita idealmente num contexto monás­
tico, mas, como a MT, pode fazer parte da rotina diária normal
do meditador. Tanto Gurdjieff quanto Krishnamurti são enfá­
ticos: a família, o trabalho e a vida mundana são o melhor con­
texto para a disciplina interior, fornecendo a matéria-prima
para a meditação.
Na maioria dos sistemas clássicos de meditação, porém,
um mosteiro ou ashram é o ambiente apropriado para a medi­
tação, monges e yogis são os companheiros ideais, o ato de
renúncia é a vocação mais elevada, e as escrituras são a melhor
leitura. Sistemas modernos como a MT dirigem os discípulos
para tarefas e atividades organizacionais enquanto vivem seu
estilo de vida normal sem impor qualquer mudança maior.
Krishnamurti é o único entre os porta-vozes espirituais a não
defender que o aspirante busque a companhia de outros na
mesma trilha, como também se opõe a que o aspirante procu-
Vias de meditação: sua unidade essencial ■ 121

re a orientação de um mestre — elementos essenciais em todos


os outros sistemas.
Ao não propagar nenhuma doutrina explícita Krishnamurti
de novo está só. Embora outras escolas, como o zen, desencora­
jem o estudo intelectual, todas têm ensinamentos formais e
informais que os discípulos assimilam. Em algumas tradições, o
estudo formal é enfatizado: o monge beneditino, por exemplo,
deve dedicar um terço de seu dia ao estudo, e os outros dois ter­
ços à oração (meditação) e ao trabalho manual.

16. Atenção
A mais forte concordância entre as escolas de meditação
está na importância de reeducar a atenção. Todos esses siste­
mas podem ser categorizados abrangentemente em termos das
principais estratégias para reeducar a atenção descritas no
Visuddhimagga'. concentração ou atentividade (mindfulness). Usan­
do o trajeto do Visuddhimagga como exemplo, podemos ver se­
melhanças de técnicas obscurecidas pela superposição do jargão
e da ideologia.
Os diferentes nomes usados pelos sistemas de meditação
para descrever um único e mesmo modo e destino formam
legião. Às vezes o mesmo termo é usado em sentidos técnicos
especiais mas muito diferentes por várias escolas. Aquilo que
traduz o termo inglês void (“vazio”), por exemplo, é usado pelos
yogis indianos para se referir aos estados de jhana e pelos budis­
tas M.ahayana para representar a percepção do vazio essencial de
todo fenômeno. O primeiro uso denota um estado mental esva­
ziado de conteúdos (por exemplo, os jhanas informes); o segun­
do refere-se ao vazio do fenômeno. Outro exemplo: Phillip
Kapleau (1967) distingue entre zazen e meditação, dizendo
que os dois “não devem ser confundidos”; Krishnamurti (1962)
diz que só a “consciência sem escolha” é realmente meditação.
O reconhecimento de que ambos, zazen e consciência sem esco­
lha, são técnicas de introvisão permite-nos ver que essas obser-
122 A mente meditativa

vações aparentemente desconectadas estão de fato enfatizando


a mesma distinção: a que existe entre concentração e introvi-
são. Por “meditação” Kapleau entende concentração, enquanto
Krishnamurti nega que as práticas de concentração pertençam
ao reino da meditação.
O Quadro 2 classifica as técnicas de cada sistema de medi­
tação conforme a tipologia do Visuddhimagga. O critério para
classificação é a mecânica da técnica: (a) concentração, em que a
mente focaliza um objeto mental fixo; (b) atentividade, em que
a mente observa-se a si mesma; ou (c) ambas as operações pre­
sentes em combinação integrada.
Um segundo pré-requisito para classificação é a consis­
tência interna em descrições. Se é uma técnica de concentra­
ção, outras características da trilha jhana são mencionadas —
por exemplo, beatitude crescentemente sutil acompanhando
concentração aprofundada ou falta de consciência dos sentidos.
Se é uma técnica de introvisão, outras características de práti­
cas de introvisão, como a percepção da impessoalidade dos pro­
cessos mentais, devem estar presentes. Se é uma técnica com­
binada, tanto as técnicas de concentração quanto as de introvi­
são devem estar mescladas e integradas, como no vipassana
theravadano.
Na concentração, a estratégia de atenção do meditador é
fixar seu foco num único preceito, trazendo constantemente de
volta sua mente dispersiva para esse objeto. Algumas instru­
ções para fazer isso enfatizam uma asserção ativa da vontade do
meditador em aderir ao objeto-alvo e resistir a qualquer disper­
são. Outras sugerem um modo passivo de simplesmente recu­
perar o objeto-alvo quando ele se perde no fluxo da consciên­
cia. Assim, um antigo texto theravadano exorta o meditador a
cerrar os dentes, fechar os punhos e dar duro, lutando para
manter a mente fixa nos movimentos de sua respiração; um
meditador MT, por outro lado, é instruído a “iniciar comoda­
mente o mantra” cada vez que notar que sua mente se disper­
sou. Embora essas abordagens sejam opostas num continuum de
atividade-passividade, elas são meios equivalentes para reorien-
Vias de meditação: sua unidade essencial ■ 123

tar constantemente para um único objeto de concentração e assim


desenvolver a unidirecionalidade. Com as técnicas de atentivi­
dade - seja a “autolembrança” de Gurdjieff, o “autoconheci­
mento” de Krishnamurti, ou o shikan-taza do zazen — os funda­
mentos da atenção são idênticos: todos acarretam a vigilância
contínua e total de cada momento sucessivo, uma vigilância
global da cadeia de consciência do meditador.

QUADRO 2

TIPOLOGIA DE ATENÇÃO APLICADA


ÀS TÉCNICAS DE MEDITAÇÃO

Sistema Técnica Tipo


Bhakti Japa Concentração
Cabala Kavvanah Concentração
Hesicasma Oração do Coração Concentração
Sufi Zikr Concentração
Raja yoga Samadhi Concentração
Meditação Meditação
Transcendental Transcendental Concentração
Kundalini yoga Siddha yoga Concentração
Budismo tibetano Vipassana Integrada
Zen Zazen Integrada
Gurdjieff Autolembrança Atentividade
Krishnamurti Autoconhecimento Atentividade
Theravada Vipassana Integrada

Talvez haja poucos tipos puros entre as escolas de medita­


ção, salvo aqueles sistemas centrados em torno de uma única
técnica, por exemplo MT ou Krishnamurti. A maioria das
escolas é eclética, usando uma variedade de técnicas de ambas
as abordagens. Elas fazem concessões às necessidades indivi­
duais, moldando técnicas para o progresso do aspirante. Os
124 A mento meditativa

sufis, por exemplo, usam principalmente o zikr, uma prática de


concentração, mas também às vezes empregam técnicas de
introvisão como Mnragaba, que é a atenção ao fluxo da própria
consciência da pessoa. Por simplicidade, nas seções precedentes
uma técnica específica foi enfatizada, geralmente a mais
importante.
Diferentes sistemas de meditação podem adotar opiniões
totalmente contraditórias sobre a necessidade de, virtualmente,
cada ato preparatório, seja um ambiente específico, a necessi­
dade de um mestre ou conhecimento prévio do que se espera
da meditação. Mas a necessidade de o meditador reeducar sua
atenção, seja através da concentração ou da atentividade, é o
único ingrediente constante na receita de cada sistema de
meditação para se alterar a consciência.

17. Ver aquilo em que se crê


As crenças do meditador determinam como ele interpreta
e rotula suas experiências de meditação. Quando um sufi entra
no estado em que já não tem consciência de seus sentidos, e seu
único pensamento é o de Alá, ele sabe que isso é fana\ quando
um yogi não tem mais consciência de seus sentidos, e sua
mente está totalmente focalizada em sua divindade, então dirá
que entrou no samadhi. Vários nomes diferentes são usados para
descrever uma e a mesma experiência: jhana, samyana ou
samadhi, fana, Daat, turiya, a grande fixação e consciência
transcendental. Todas parecem referir-se a um estado único
com idênticas características. Esses muitos termos para um
estado único vêm respectivamente do budismo theravadano,
raja yoga, sufismo, cabala, kundalini yoga, zen e MT.
A história da religião é farta de exemplos de experiências
transcendentais interpretadas em termos de noções específicas
de tempo, lugar e crença. O santo indiano Ramana Maharshi
viu seus próprios estados transcendentais em termos de filoso­
fia advaíta. Ele conjectura que, durante a sua grande experiên-
Vias de meditação: sua unidade essencial ■ 125

da na estrada de Damasco1, Saulo, ao retornar à sua consciên­


cia normal, interpretou o que acontecera em termos de Cristo
e dos cristãos porque àquela época estava preocupado com eles
(Chadwick, 1966). O grupo de referência de uma pessoa dá a
ela uma explicação de suas realidades interiores; Berger e
Luckmann (1967) sublinham que embora “Saulo pudesse ter-
se tornado Paulo na solidão do êxtase religioso... ele só pode­
ria continuar Paulo no contexto da comunidade cristã que o
reconheceu como tal e confirmou o ‘novo ser’ em que ele agora
situava sua identidade”.
A interação entre as crenças do meditador, seu estado inte­
rior e sua autodefinição fica clara num exemplo recente tirado
do yoga kundalini. Nessa tradição, o guru é crucial para o
meditador, seja ajudando-o a alcançar os almejados estados de
meditação, seja interpretando e confirmando o significado des­
sas mesmas experiências.
Swami Rudrananda, um mestre do yoga kundalini * descre­
ve o incidente que precedeu sua exaltação à dignidade de
swami. Enquanto meditava, seu mestre tocou-lhe o ombro, e
nesse momento (Rudi, 1973, p. 85):

eu imediatamente senti dentro de mim a irrupção de uma grande


força espiritual que me arrastou contra as paredes de pedra e
desencadeou um grande choque elétrico, gerando espasmos ao
longo do meu corpo. Movimentos semelhantes aos de um epilép­
tico controlaram meu corpo por cerca de uma hora. Muitas visões
estranhas apareceram e senti coisas se abrindo dentro de mim que
nunca se haviam aberto antes.

Rudrananda tomou sua experiência para confirmar seu


merecimento do título swami * uma posição avançada. Embora
um conjunto de crenças sobre estados alterados em meditação
possam torná-los seguros, o meditador não precisa de conheci­

1 Referência ao episódio da conversão do apóstolo Paulo, narrado no livro dos Atos dos
Apóstolos, capítulo 9- (N. T.)
126 A mente meditativa

mento prévio específico de tais estados para vivenciá-los. Em


sua autobiografia (1972), por exemplo, Swami Muktananda
conta como seu guru lhe atribuiu uma prática de medita­
ção, mas não deu informações suplementares sobre o que es­
perar além das instruções simples. Quando posteriormente
Muktananda entrou em estados extraordinários, ele o fez ino­
centemente. Somente depois de experimentar tais estados é
que ele topou com livros que lhe eram um arcabouço interpre-
tativo para compreender o que acontecera. O biógrafo de Sri
Aurobindo, Satprem (1970, p. 256), da mesma forma descre­
ve os estados insólitos que Aurobindo vivenciou no curso de
seu desenvolvimento espiritual, mas observa:

Sri Aurobindo foi o primeiro a confrontar-se com suas próprias


experiências e... levou alguns anos para compreender exatamente
o que acontecera. Descrevemos a... experiência... como se as etapas
estivessem ligadas com muito cuidado, cada uma com seu rótulo
explicativo, mas as explicações vieram muito tempo depois,
naquele momento ele não tinha sinais orientadores.

18. Estados alterados na meditação


Na meditação, o método é o germe do objetivo: os contor­
nos do estado que o meditador alcança dependem de como che­
gou lá. A trilha da concentração leva o meditador a fundir-se
com seu objeto de meditação no jhana e depois a transcendê-
lo. À medida que atinge níveis mais profundos, a beatitude
torna-se mais irresistível, embora mais sutil. Na via da atenti-
vidade, a mente do meditador assiste às suas próprias opera­
ções, e ele consegue perceber segmentos cada vez mais finos de
seu fluxo de pensamento. À medida que sua percepção se torna
mais aguda, ele fica cada vez mais desapegado daquilo a que
assiste, desviando-se por fim de toda percepção no estado nir-
vânico. Nesse estado, não há experiência, qualquer que seja.
Todo sistema que usa a concentração descreve a mesma
jornada jhana adentro, embora as diversas escolas enquadrem
Vias de meditação: sua unidade essencial ■ 127

as descrições em termos diferentes. Os atributos-chave desse


estado são sempre os mesmos: perda da consciência dos sen­
tidos, atenção unidirecionada para um objeto com exclusão
de todos os demais pensamentos e sentimentos de sublime
êxtase. Os sistemas que usam a atentividade descrevem a via
da introvisão: percepção cada vez mais refinada da mente do
meditador, desprendimento desses eventos e uma focalização
imperiosa no momento presente. O estado nirvânico, de per
si, não é necessariamente citado como o ponto-final dessa
progressão.
Esses dois são os estados alterados prototípicos na medita­
ção. Eles não esgotam, porém, todas as mudanças possíveis na
consciência que a meditação acarreta. A atenção é extremamen­
te flexível e pode mudar a percepção de várias outras maneiras
além das duas principais descritas aqui. A reeducação da aten­
ção pode também ser ligada a exercícios em outros biossiste-
mas; por exemplo, com o movimento na dança sufi. Práticas
adicionais como respiração controlada, jejum, visualizações ou
adoção de crenças fortes contribuem para a forma final do esta­
do alterado, acima e além dos efeitos dos exercícios de atenção
do meditador.
A atenção é a chave para os estados meditativos alterados,
mas o acréscimo de outras práticas contribui para a complexi­
dade do cálculo dos estados de consciência resultantes. Um
exemplo de um estado alterado mais complexo é o produzido
pela técnica do yoga kundalini chamada shaktipatdiksha, a
transmissão direta de um estado meditativo alterado do mestre
para o discípulo por meio do olhar ou do toque. A atividade
semelhante a um ataque apopléptico desse estado pode ser
devida a exercícios de controle da respiração bem como a
expectativas geradas pela intensa relação guru-discípulo, e tal­
vez em parte ao exibicionismo — tudo isso em acréscimo aos
efeitos básicos da concentração. Quanto mais meios forem usa­
dos para alterar a consciência, mais intricada será a topografia
do estado resultante.
128 A mente meditativa

A literatura de todo sistema de meditação descreve um


estado alterado. O jhana é o protótipo de uma variedade na
qual o estado alterado é um enclave de consciência nitidamen­
te delimitado, separado dos outros estados. Os estados jhânicos
são mutuamente exclusivos dos principais estados normais:
acordado, dormindo e sonhando. Outro tipo de estado altera­
do, porém, funde-se com esses estados principais. Essa fusão
acrescenta novas funções aos estados normais, mudando suas
características. Ela atende ao critério de Tart (1971) para “esta­
dos superiores de consciência”: (1) todas as funções dos estados
“inferiores”, isto é, vigília, sono e sonho, estão disponíveis; e
(2) alguns novos aspectos, derivados de um estado alterado,
estão presentes em acréscimo. Esse tipo de transmutação de
consciência é um traço de consciência alterado, uma mudança
permanente que transforma cada momento da vida do medita-
dor. O estado “desperto” é o estado ideal de um traço de cons­
ciência alterado. Virtualmente todos os sistemas de meditação
reconhecem o estado desperto como o objetivo último da
meditação (Quadro 3).
Na MT, por exemplo, a “consciência transcendental” é o
estado alterado que permeia os estados normais. As fases que se
seguem à “consciência transcendental” depois de evolução pos­
terior são “consciência cósmica”, “consciência de Deus” e final­
mente “unidade”. Cada uma representa um mergulho mais
profundo da consciência meditativa nos estados normais. A
maioria dos sistemas reconhece que esses traços alterados ocor­
rem gradualmente e em graus diferentes. No Nisuddhimagga,
por exemplo, há um gradiente similar nos quatro níveis de
purificação decorrentes da penetração cada vez mais funda do
estado nirvânico.
A meta de todas as vias de meditação, sejam quais forem
sua ideologia, fonte ou métodos, é transformar a consciência do
meditador. Nesse processo, o meditador morre para seu eu pas­
sado e renasce para um novo nível de experiência. Seja através da
concentração no jhana ou da introvisão no nirvana, os estados
alterados que o meditador alcança são dramáticos na sua descon-
tinuidade com seus estados normais. Mas a transformação derra-
Vias de meditação: sua unidade essencial ■ 129

deira para o meditador é um estado ainda mais novo: o estado


desperto, que se mescla com sua consciência normal e a recria.
Cada escola rotula esse estado final de modo distinto. Mas,
não importa quão diferentes sejam os nomes, essas escolas todas
propõem a mesma fórmula básica numa alquimia do eu: a difu­
são dos efeitos da meditação nos estados de vigília, sono e
sonho do meditador. No início, essa difusão requer o esforço do
meditador. À medida que progride, torna-se mais fácil para ele
manter a consciência meditativa prolongada no meio de suas
outras atividades. À medida que os estados produzidos por sua
meditação se misturam com sua atividade diária, o estado des­
perto amadurece. Quando atinge a maturidade total, ele muda
permanentemente sua consciência, transformando sua vivência
de si mesmo e de seu universo.

QUADRO 3

NOMES PARA O ESTADO DESPERTO

Sistema Nome do estado desperto

Bbakti Sahaj samadhi


Cabala Devekut
Hesicasma Pureza de coração
Sufi Baqa
Raja yoga Sahaj samadhi\ jivamukti
Meditação transcendental Consciência cósmica;
consciência de Deus; unidade
Kundalini yoga Turiyatita\ Siddha
Budismo tibetano Boddhisattva
Zen Mttjodo no taigeti
(“não-mente”)
Gurdjieff Consciência objetiva
Krishnamurti Consciência sem escolha
Budismo theravadano Arahantidade
130 A mente meditativa

Embora fontes como o Visuddhimagga tracem distinções


conforme o ângulo de entrada dessa transformação (concentra­
ção ou introvisão), é provável que nesse ponto todas as vias se
fundam. Ou, mais exatamente, da nossa perspectiva, as seme­
lhanças podem ultrapassar as diferenças. Um ser desperto
transcende suas próprias origens; pessoas de qualquer fé podem
reconhecê-lo como excepcional ou “perfeito”, ou — se inclina­
das a isso — reverenciá-lo como um santo.
PARTE IV

A PSICOLOGIA DA MEDITAÇÃO

Os sistemas de meditação do Oriente são aplicações de


psicologias espirituais. Deste modo, têm grande potencial de
intercâmbio fértil com a psicologia ocidental - um potencial
que apenas começou a ser explorado.

19. Abhidhamma: uma psicologia oriental


As tentativas de elaborar uma compreensão sistemática da
personalidade humana e da saúde mental não se iniciaram com
a psicologia ocidental contemporânea. Nossa psicologia for­
mal, com pouco mais de um século de idade, não passa de uma
versão recente de um esforço provavelmente tão antigo quanto
a civilização. Os modelos ocidentais de saúde e normalidade
são o produto da cultura européia e norte-americana, e são ape­
nas um conjunto dentre os inúmeros ideais e normas que os
povos, em várias épocas e lugares, têm articulado.
Algumas das mais ricas fontes alternativas de psicologias
bem formuladas e de visões das possibilidades humanas são as
religiões orientais. Bastante separadas das fábulas da cosmolo-
132 A mente meditativa

gia e do dogma das crenças, a maioria das grandes religiões


asiáticas têm em seu núcleo uma psicologia pouco conhecida
das massas de adeptos da fé, mas bastante familiar aos “profis­
sionais” adequados, sejam eles yogis, monges ou sacerdotes.
Essa é a psicologia prática que as pessoas aplicam para discipli­
nar suas próprias mentes e corações a fim de atingir um estado
de ser mais ideal.
Tal como existe uma profusão de teorias da personalidade
na civilização ocidental, existem inúmeras psicologias orien­
tais. Mas, enquanto existem grandes diferenças de crença e
visão de mundo entre as religiões que contêm as psicologias
orientais, existe muito menos diferença entre as próprias psico­
logias. Um traço comum a essas psicologias é que vêem defei­
tos nos seres humanos tal como são, postulando um modo de
ser ideal que qualquer um, buscando com diligência, pode
alcançar. O caminho para essa transformação passa sempre por
uma mudança radical, de modo que essas qualidades ideais
possam tornar-se traços estáveis. As psicologias orientais tam­
bém concordam em que o principal meio para essa transforma­
ção do eu é a meditação.
Uma das exposições mais sistemáticas e complexas dessas
psicologias é a do budismo clássico. Chamada, na língua páli
dos tempos de Buda, Abhidhamma (ou Abhidharma em sânscri-
to), que significa “a doutrina final”, essa psicologia elabora as
investigações originais de Gautama Buda sobre a natureza
humana. Por ter sua origem nos ensinamentos básicos de Buda,
o Abhidhamma^ ou uma psicologia muito parecida com ele, está
no âmago de todos os vários ramos do budismo. Desde o seu
desenvolvimento mais amplo durante o primeiro milénio após a
morte de Buda, ela foi preservada quase inalterada pelos budis­
tas theravadanos como parte de suas escrituras, o cânon páli.
Embora o Abhidhamma tenha sido desenvolvido na índia
quinze ou mais séculos atrás, os budistas de hoje continuam a
aplicá-lo de várias maneiras como um guia para as operações da
mente. Os insights de Gautama Buda no século V a.C. — e a
psicologia que deriva desses insights — refinaram-se e evoluíram
nas várias correntes, doutrinas e escolas do budismo, num pro-
A psicologia da meditação ■ 133

cesso de evolução parecido com aquele pelo qual, por exemplo,


o pensamento de Freud se desenvolveu em escolas separadas de
psicanálise1.
Muitos princípios do Abhidhamma representam os ensina­
mentos psicológicos comuns a todas as fés orientais, mais do
que os limitados ao budismo. Como um protótipo da psicolo­
gia asiática, o Abhidhamma nos apresenta um ideal da saúde
mental que difere marcadamente dos conceitos da psicologia
ocidental. Como outras psicologias orientais, o Abhidhamma
contém um ideal da personalidade aperfeiçoada em torno do
qual se orienta sua análise das operações da mente. Nas pala­
vras de Nyanaponika Thera, um monge-doutor budista
moderno: “Na doutrina budista, a mente é o ponto inicial, o
ponto focal e também, com a mente liberta e purificada do
santo, o ponto culminante” (1962, p. 12).

A personalidade na psicologia budista


Uma antiga narrativa ilustra bem a atitude extremamente
analítica do Abhidhamma em relação à pessoa. Uma linda jovem
tinha brigado com o marido e estava correndo de volta para a
casa de seus pais. Passou por um monge que, enquanto cami­
nhava em sua perambulação diária por esmolas, viu a mulher
passar por ele “vestida como uma ninfa celestial”. O monge, que
naquele momento estava refletindo sobre a natureza do esque­
leto humano, olhou para ela e notou a brancura de seus dentes.
Pouco depois, o marido apareceu, em louca perseguição. Per­
guntou: “Venerável mestre, o senhor por acaso viu uma
mulher?” Respondeu o monge (Buddhaghosa, 1976, p. 22):
Se foi um homem ou uma mulher
que passou por mim, eu não reparei;
mas apenas que nessa longa estrada
está indo um saco de ossos.

1 Uma excelente descrição do Abhidhamma está em Lama Govinda, The psychological


altitude of early Buddhist philosophy (1969). Para resenhas mais detalhadas do
Abhidhamma ver também Guenther (1976), Narada (1968) e Nyanaponika (1971).
134 A mente meditativa

Dado que o velho monge da história estava meditando


sobre uma das 32 partes do corpo — o esqueleto —, para ele este
aspecto da bela mulher avultava mais que todos. Através da
observação atenta na meditação, o monge pôde desprender-se
de todos os constituintes do corpo e da mente, de modo que
nenhum deles tinha mais valor que qualquer outro. Dessa pers-
pectiva, os ossos de uma pessoa são tão dignos de atenção quan­
to seus pensamentos. Esse grau de elevado desprendimento
reflete o espírito do Abhidhamma na medida em que ele inves­
tiga e disseca a personalidade humana.
Aquilo que designamos com o termo “personalidade”
equivale bem de perto no Abhidhamma ao conceito de atta, ou
eu. Mas uma premissa central no Abhidhamma é que não exis­
te nenhum eu permanente, apenas um agregado impessoal de
processos que vêm e vão. A aparência da personalidade provém
do entrecruzamento desses processos impessoais. Aquilo que
parece ser o “eu” é a soma total das partes do corpo, pensamen­
tos, sensações, desejos, lembranças e assim por diante. O único
fio contínuo na mente é o bhava, a continuidade da consciên­
cia ao longo do tempo. Cada momento sucessivo de nossa per-
cepção é moldado pelo momento anterior, e por sua vez deter­
minará o momento seguinte. É o bhava que conecta um
momento de consciência com o que se lhe segue. Podemos
identificar o “eu” com atividades psicológicas como nossos
pensamentos, lembranças ou percepções, ainda que tais fenô­
menos sejam parte de um fluxo contínuo. A personalidade
humana, diz o Abhidhamma, é como um rio que mantém uma
forma constante, aparentando uma única identidade, embora
nenhuma gota seja a mesma do momento anterior. Nessa visão,
“não há ator separado da ação, não há percipiente separado da
percepção, não há sujeito consciente por trás da consciência”
(Van Aung, 1972, p. 7). Nas palavras do Buda (Samyutta-
Nikaya, 1972, I, p. 35):
Somente quando as partes estão reunidas
É que brota a palavra “carruagem”,
Assim também se dá com a noção de um ser
Quando os agregados estão presentes.
A psicologia da meditação ■ 135

O estudo da personalidade no budismo não lida com um


complexo de entidades postuladas, como “ego” ou “inconscien­
te”, mas com uma série de eventos. O evento básico é o relacio­
namento contínuo dos estados mentais com os objetos dos sen­
tidos - por exemplo, um sentimento de desejo (o estado men­
tal) para com uma mulher bonita (o objeto dos sentidos). Os
estados mentais de uma pessoa estão em constante fluxo de ins­
tante em instante; seu ritmo de mudança é calculado em
microssegundos. O método básico que o Ábhidhanrína propõe
para o estudo das incontáveis mudanças da mente é a intros-
pecção, uma observação íntima e sistemática da própria expe­
riência da pessoa.
Sem a introspecção cuidadosa, pensa-se que um estado
como o desejo pode persistir sem interrupção por um longo
tempo, mas o Abhidhamma diz que não é assim. Por exemplo,
mesmo quando alguém está no ápice de um ato sexual arden­
te, em que o desejo parece esmagador, o Abhidhamma afirma
que, se a pessoa tivesse de monitorar atentamente cada estado
mental sucessivo, ela veria que esse desejo, na verdade, é
entremeado de inúmeros outros sentimentos que chegam e
vão. Não são apenas os estados mentais da pessoa que variam
de instante em instante; também variam os objetos dos senti­
dos. Embora a pessoa possa pensar que durante o ato sexual ela
preste atenção apenas a seu amante, o exame minucioso de seu
fluxo de consciência revelaria que, em acréscimo, uma multi­
dão de outros objetos ocupam sua mente e seus sentidos. Eles
podem incluir uma variedade de sensações agradáveis, diver­
sos sons próximos e distantes e um sortimento de cheiros, gos­
tos e visões. Lembranças aleatórias, planos futuros e outros
pensamentos se misturariam a esses objetos dos sentidos.

Fatores mentais
No Ábhidhammay além dos objetos dos cinco sentidos,
existem os pensamentos; isto é, a própria mente pensativa é
contada como o “sexto” sentido. Assim, tal como um som ou
136 A mente meditativa

uma visão pode ser o objeto de um estado mental, também o


pode um pensamento — por exemplo, o pensamento “devo pôr
o lixo para fora” pode ser o objeto de um estado mental de aver­
são. Cada estado mental é composto de um conjunto de pro­
priedades, chamadas fatores mentais, que se combinam para
temperar e definir esse estado.
O sistema do Abhidhamma examinado aqui enumera 53
categorias desses fatores mentais; em outros ramos do budis­
mo, a conta chega até 175. Em qualquer estado mental apenas
um subconjunto dos fatores está presente. As qualidades úni­
cas de cada estado mental são determinadas pelos fatores que
ele combina. O momento de desagrado por ter de pôr o lixo
para fora, por exemplo, teria uma combinação mais complexa
do que a simples aversão; uma dúzia ou mais de outros fatores
mentais, como uma percepção errónea do que realmente signi­
fica pôr o lixo para fora, se combinariam com a aversão.
Os estados mentais vêm e vão de modo lícito e organizado.
Tal como na psicologia ocidental, os teóricos do Abhidhamma
acreditam que cada estado mental deriva em parte de influên­
cias biológicas e contextuais, além de um resíduo do momento
psicológico precedente. Cada estado, por sua vez, determina a
combinação particular de fatores no próximo estado mental.
Os fatores mentais são a chave para o que no Ocidente
conhecemos como “carma”, ou kamma^ em páli. No Abhidhamma^
kamma é um termo técnico para o princípio de que todo ato é
motivado por estados mentais subjacentes. No Abhidhainma,
como em muitas psicologias orientais, um dado comportamen­
to é, em essência, eticamente neutro. Sua natureza moral não
pode ser determinada sem se levarem em conta os motivos sub­
jacentes da pessoa ao realizá-lo. Os atos de alguém que tem
uma mistura negativa de fatores mentais — que age, por exem­
plo, por malícia ou cobiça - são nocivos, muito embora o ato
em si possa parecer nem bom nem mau a um observador. O
Dhammapada, uma coletânea de versos ditos por Gautama
Buda, começa com uma afirmação da doutrina do carma no
Abhidbamma (Babbitt, 1965, p. 3):
A psicologia da meditação ■ 137

Tudo o que somos é o resultado do que temos pensado: está fun­


dado em nossos pensamentos, é composto de nossos pensamentos.
Se um homem fala ou age com pensamento ruim, a dor o segue,
tal como a roda segue a pata do boi que puxa a carroça... Se um
homem fala ou age com um pensamento puro, a felicidade o
segue, como uma sombra que nunca o abandona.

O Abhidhamma distingue entre fatores mentais que são


kusula — puros, saudáveis ou positivos — e akustila - impuros,
malsãos ou negativos. A maioria dos fatores mentais percep-
tuais, cognitivos e afetivos se encaixam na categoria de positi­
vos ou negativos. Chegou-se ao julgamento de “positivo” ou
“negativo” empiricamente, com base na experiência coletiva do
grande número dos primeiros meditadores budistas. Seu crité­
rio era se um particular estado mental facilitava ou prejudica­
va suas tentativas de acalmar suas mentes na meditação. Os
fatores que prejudicavam a meditação foram designados como
“negativos” e os que a auxiliavam como “positivos”.
Além dos fatores positivos ou negativos, há sete proprie­
dades neutras presentes em todo estado mental. A apercepção
(phassa) é a mera consciência de um objeto; a percepção (sanna),
seu primeiro reconhecimento como pertencente a um sentido
ou outro; a volição (cetand), a reação condicionada que acompa­
nha a primeira percepção de um objeto; o sentimento (vedana\
as sensações despertadas pelo objeto; a unidirecionalidade
(ekaggatd) é o foco de atenção; a atenção espontânea (manasikarã)
é o direcionamento involuntário da atenção devido à atração
pelo objeto; e a energia psíquica {jivitindriya)y que empresta
vitalidade aos outros seis fatores, unindo-os. Esses fatores ofe­
recem um arcabouço básico de consciência em que os fatores
positivos e negativos se encaixam. A combinação particular de
fatores que se encaixa nesse arcabouço varia de um momento
para outro.

Fatores mentais negativos. O fator negativo central, a


ilusão, é perceptual: a ilusão (mohaj é definida como um obscu­
recimento da mente que leva à percepção errónea do objeto de
138 A mente meditativa

consciência. A ilusão é vista no Abhidhamma como ignorância


básica, a fonte primordial do sofrimento humano. Essa percep-
ção errónea da verdadeira natureza das coisas — o simples fra­
casso em ver claramente, sem preconceitos ou prevenções de
qualquer tipo — é o cerne de todos os estados mentais negati­
vos. A ilusão, por exemplo, leva à “falsa visão” ou mau discer­
nimento (jditthi). A falsa visão implica colocar alguma coisa na
categoria errada ou classificação enganada. O trabalho desse
fator é claro no caso do paranoico, que percebe erroneamente
como ameaçador alguém que não lhe quer mal algum, e assim
categoriza a outra pessoa como parte de uma conspiração fan­
tasiosa contra ele próprio. O Buda é citado como tendo dito
que, enquanto a mente da pessoa for dominada pela falsa visão,
tudo aquilo que ela fizer ou a que aspirar só poderá “levá-la a
um estado indesejado, desagradável, desconfortável, ao pesar e
ao sofrimento” (Anguttara nikaya, 1975, I, p. 23). Entre as fal­
sas visões perniciosas que o Buda explicitamente critica está
um dos pressupostos mais difundidos de muitas teorias ociden­
tais da personalidade: o de que existe um “eu” ou “ego” estabe­
lecido. No Abhidhainma, não existe eu algum enquanto tal, mas
um “processo autoconsumidor de fenômenos físicos e mentais
que continuamente surgem e voltam a desaparecer imediata­
mente” (Nyanatiloka, 1972, p. 25).
A perplexidade (yiciktccbd) denota a incapacidade de deci­
dir ou fazer um julgamento correto. Quando esse fator domina
a mente de uma pessoa, ela se enche de dúvidas e, em caso
extremo, pode ficar paralisada. Outros fatores cognitivos nega­
tivos são o despudor (ahirika) e a irresponsabilidade (anottappa)\
essas atitudes permitem que a pessoa desconsidere as opiniões
dos outros e seus próprios padrões interiorizados. Quando esses
fatores dominam, a pessoa contempla os atos nocivos sem cons­
trangimento, e por isso está pronta a comportar-se mal. De
fato, esses fatores são pré-requisitos para os estados mentais que
subjazem a todo ato de maldade. Outro fator prejudicial que
pode levar à prática do erro é o egoísmo (mana). Essa atitude de
interesse próprio faz com que as pessoas vejam os objetos uni-
A psicologia da meditação ■ 1 39

camente em termos de satisfação de seus próprios desejos ou


necessidades. A concatenação desses três fatores mentais num
único momento — despudor, irresponsabilidade e egoísmo —
sem dúvida é a base frequente de muitos dos males humanos.
O resto dos fatores mentais negativos são afetivos. A agi­
tação (uddhacca) e a preocupação (ktikkucca) são estados de dis­
tração, remorso e ruminação. Esses fatores criam um estado de
ansiedade, aspecto central da maioria dos distúrbios mentais.
Outro conjunto de fatores negativos tem a ver com o apego:
cobiça (lobha\ avareza (macchariya) e inveja (issa) denotam dife­
rentes tipos de apego doentio a um objeto, enquanto a aversão
(dosa) é o lado negativo do apego. Cobiça e aversão se encon­
tram em todos os estados mentais negativos, e sempre se com­
binam com a ilusão. Dois fatores negativos finais são a contra­
ção (thina) e o torpor (middha). Esses fatores conferem uma
inflexibilidade rígida aos estados mentais. Quando esses fato­
res negativos imperam, a mente de uma pessoa, bem como seu
corpo, torna-se vítima da preguiça.

Fatores mentais positivos. Cada um dos fatores negati­


vos se contrapõe a um fator positivo. Esses fatores são ou posi­
tivos ou negativos; não há meio-termo. O meio para se atingir
um estado mental sadio, no Abhidhamma^ é substituir os fato­
res negativos por seus polos opostos. O princípio que permite
isso é semelhante à “inibição recíproca” tal como usada em des­
sensibilização sistemática, onde o relaxamento inibe seu opos­
to fisiológico, a tensão. Para cada fator mental negativo existe
um fator positivo correspondente que o suplanta. Quando um
dado fator positivo está presente num estado mental, o fator
negativo que ele suprime não pode emergir.
O fator positivo central é a introvisão (panna\ o oposto da
ilusão. A introvisão, no sentido de “clara percepção do objeto
tal como realmente é”, suprime a ilusão, que é o fator negati­
vo fundamental. Esses dois fatores não podem coexistir num
único estado mental: onde há clareza não pode haver ilusão;
nem onde há ilusão em qualquer grau pode haver clareza. A
140 A mente meditativa

atentividade (sati) é a compreensão clara e contínua de um


objeto; essa parceira essencial da introvisão fortalece e mantém
a clareza na mente de uma pessoa. Introvisão e atentividade são
os fatores positivos primários; quando presentes num estado
mental, os demais fatores positivos também tendem a se apre­
sentar. A presença desses dois fatores positivos é suficiente para
suprimir todos os fatores negativos.
Alguns fatores positivos requerem certas circunstâncias
para emergirem. Os fatores cognitivos gêmeos da modéstia
(hiri)., que inibe o despudor, e da discrição (ottappa), o oposto da
irresponsabilidade, só vêm à mente quando há um pensamen­
to de um ato nocivo. Modéstia e discrição estão sempre ligados
à retidão {cittujjukatã)y a atitude do julgamento correto. Outro
fator positivo é a confiança (saddhd), uma segurança baseada na
percepção correta. Esse grupo de fatores mentais — modéstia,
discrição, retidão e confiança - agem juntos para produzir
comportamento virtuoso tal como julgado pelos padrões pes­
soais e sociais.
O conjunto de fatores negativos formados pela cobiça,
avareza, inveja e aversão se opõe aos fatores positivos de des­
prendimento (alobha\ não-aversão (adosa), imparcialidade
(tatramajjhata) e compostura (passadhi), que refletem a tranqui­
lidade física e mental que emerge da redução dos sentimentos
de apego. Os quatro fatores acima substituem uma atitude de
apego ou rejeição por uma imparcialidade para com qualquer
objeto que possa surgir na percepção da pessoa.
Os fatores negativos da cobiça, egoísmo, inveja e aversão,
por exemplo, podem fazer com que uma pessoa ambicione um
emprego mais prestigioso com salário mais alto e mais glamour,
ou que inveje alguém que tenha um emprego assim, ou que
despreze sua própria posição inferior. Os fatores positivos opos­
tos de compostura, desprendimento, não-aversão e imparciali­
dade, por outro lado, levariam a pessoa a pesar as vantagens de
salário e prestígio contra desvantagens como mais pressão e
fadiga, a avaliar corretamente as forças que levaram outra pes­
soa a ter um emprego assim e as fraquezas que fazem a pessoa
ter um desempenho inferior ao que poderia ter. Finalmente,
A psicologia da meditação ■ 141

esses quatro fatores positivos levariam a pessoa a pesar toda e


qualquer vantagem que seu próprio emprego pode ter, no que
diz respeito a ele ser mais apropriado, quais são as capacidades
legítimas da pessoa, e como usá-las para obter melhor posição
dentro dos limites de suas habilidades. Mais importante ainda,
a imparcialidade levaria a pessoa a examinar friamente toda a
situação, nem infeliz por não ter um emprego melhor, nem
desprezando o seu próprio emprego, nem resignando-se a acei­
tar com desesperança um emprego inadequado. Esses quatro
fatores mentais positivos permitem que alguém aceite as coisas
como são, mas também que faça as mudanças que lhe parece­
rem apropriadas.
O corpo e a mente, no Abhidhamma^ são vistos como inter-
conectados. Embora todo fator afete tanto o corpo quanto a
mente, o conjunto final de fatores positivos são os únicos expli-
citamente descritos como tendo efeitos físicos e psicológicos.
Eles são a flutuabilidade (ahuta\ a maleabilidade {muduta\ a
adaptabilidade (Jzammannata) e a proficiência (pagunnata).
Quando esses fatores emergem, uma pessoa pensa e age com
uma leveza e um desembaraço naturais, tendo desempenhos
num ápice de suas habilidades. Eles suprimem os fatores nega­
tivos de contração e torpor, que dominam a mente em estados
como a depressão. Esses fatores positivos possibilitam que a
pessoa se adapte física e mentalmente a condições instáveis,
enfrentando quaisquer desafios que possam surgir.
O Quadro 4 lista os fatores positivos e negativos. Na psi-
codinâmica do Abhidhamma* os fatores mentais positivos e
negativos são mutuamente inibidores; a presença de um supri­
me seu oposto. Mas nem sempre há uma correspondência um a
um entre um par de fatores positivos e negativos; em alguns
casos um único fator positivo poderá inibir um conjunto de
fatores negativos — o desprendimento, sozinho, por exemplo,
inibe a cobiça, a avareza, a inveja e a aversão. Alguns fatores-
chave inibirão todo o conjunto oposto; por exemplo, quando a
ilusão está presente, nem um único fator positivo pode emer­
gir junto com ela.
142 A mente meditativa

É o kamma da pessoa que determina se ela experimentará


predominantemente estados positivos ou negativos. A combi­
nação particular de fatores é o resultado de influências biológi­
cas e contextuais bem como dos resíduos dos estados mentais
anteriores. Os fatores normalmente emergem em grupo, tanto
positivos quanto negativos. Em qualquer estado mental os
fatores que o compõem emergem com forças diferentes; o fato
que vier a ser o mais forte determinará como uma pessoa viven-
ciará e agirá em qualquer momento dado.

QUADRO 4

FATORES MENTAIS POSITIVOS E NEGATIVOS

Fatores negativos Fatores positivos


PerceptuaislCognitivos:
Ilusão Introvisão
Falsa visão Atentividade
Despudor Modéstia
Irresponsabilidade Discrição
Egoísmo Confiança

Afetivos:
Agitação Compostura
Cobiça Desprendimento
Aversão Não-aversão
Inveja Imparcialidade
Avareza Vivacidade
Preocupação Maleabilidade
Contração Adaptabilidade
Torpor Proficiência
Perplexidade Retidão
A psicologia da meditação ■ 143

Embora todos os fatores negativos possam estar presentes,


o estado vivenciado será bastante diferente dependendo, por
exemplo, se é a cobiça ou o torpor que domina a mente. A hie­
rarquia da força dos fatores, portanto, determina se um estado
específico será negativo ou positivo. Quando um fator específi­
co ou conjunto de fatores ocorre freqúentemente nos estados
mentais de uma pessoa, ele se torna um traço da personalida­
de. A soma total dos fatores mentais habituais de uma pessoa
determina seu tipo de personalidade.

Tipos de personalidade
O modelo do Abhidhamma para tipos de personalidade
deriva diretamente do princípio de que os fatores mentais
emergem com forças diferentes. Se a mente de uma pessoa é
habitualmente dominada por um fator específico ou conjunto
de fatores, estes determinarão a personalidade, os motivos e o
comportamento. A exclusividade de cada padrão pessoal de
fatores mentais dá margem a diferenças individuais em perso­
nalidade acima e além das categorias abrangentes dos tipos
principais. A pessoa em quem a ilusão predomina é um dos
tipos comuns, tal como o são a pessoa rancorosa, em quem a
aversão predomina, e a pessoa voluptuosa, em quem a cobiça é
forte. Um tipo mais positivo é a pessoa inteligente, em quem
são fortes a atentividade e a introvisão.
A visão do Abhidhamma da motivação humana provém de
sua análise dos fatores mentais e de sua influência sobre o com­
portamento. São os estados mentais de uma pessoa que a
movem a buscar uma coisa e a evitar outra. Se a mente é domi­
nada pela cobiça, então essa se tornará o motivo predominante,
e a pessoa se comportará de acordo com isso, buscando obter o
objeto de sua cobiça. Se o egoísmo é um fator poderoso, a pes­
soa agirá de modo auto-engrandecedor. Cada tipo de persona­
lidade é, nesse sentido, também um tipo motivacional.
O Visuddhimagga dedica uma seção ao reconhecimento
dos principais tipos de personalidade, visto que cada tipo de
144 A mente meditativa

pessoa tem de ser tratada de um modo que segue suas dispo­


sições. Um método recomendado para avaliar o tipo de perso­
nalidade é a observação cuidadosa de como uma pessoa fica de
pé e se move. Diz-se ali que a pessoa voluptuosa ou sensual,
por exemplo, é graciosa ao andar; a pessoa rancorosa arrasta os
pés enquanto caminha; a pessoa delirante anda rapidamente.
Uma típica regra empírica para essa análise declara (Vajiranana,
1962, p. 99):

Do voluptuoso a pegada é dividida ao meio,


Do homem pouco amistoso ela deixa um rastro para trás.
A pegada do delirante é uma impressão feita rapidamente...

Ela prossegue observando que um Buda deixa uma pega­


da perfeitamente uniforme, já que sua mente é calma e seu
corpo, equilibrado.
O autor do Visuddhimagga reconheceu que cada detalhe da
vida é um indício do caráter; esse manual do século V dá um
perfil comportamental notavelmente completo para cada tipo
de personalidade. A pessoa sensual, diz-nos ele, é encantadora,
polida, e responde com cortesia quando interpelada. Quando
uma pessoa assim dorme, ela faz sua cama cuidadosamente,
deita-se suavemente e mexe-se pouco durante o sono. Ela exe­
cuta suas tarefas artisticamente; varre com vassouradas suaves e
uniformes, e faz um trabalho completo. Em geral, são trabalha­
dores habilidosos, polidos, caprichosos e circunspectos. Ves­
tem-se com asseio e bom gosto. Quando comem, preferem
comida leve, doce, bem preparada e servida de modo suntuoso;
comem devagar, em pequenos bocados, e apreciam o sabor. Ao
verem qualquer objeto agradável, param para admirá-lo e são
atraídas por suas qualidades, mas não notam seus defeitos.
Lamentam muito ter de abandonar um objeto assim. Mas, no
lado negativo, são freqiientemente pessoas pretensiosas, insin­
ceras, vaidosas, gananciosas, insatisfeitas, lascivas e frívolas.
A pessoa rancorosa, em contrapartida, fica de pé rigida­
mente. Essas pessoas fazem sua cama displicentemente e às
A psicologia da meditação ■ 145

pressas, dormem com o corpo tenso e respondem com raiva ao


serem acordadas. Quando trabalham, são grosseiras e descuida­
das; quando varrem, a vassoura faz um barulho irritante, arra­
nhado. Suas roupas parecem apertadas demais e sem acabamen­
to. Ao comer, preferem comida picante, com gosto acre ou
ácido; comem atabalhoadamente, sem prestar atenção ao sabor,
embora não gostem de comida de sabor delicado. Não têm
interesse em objetos de beleza e percebem até o menor defeito,
desconsiderando os méritos. São normalmente raivosas, cheias
de malícia, ingratas, invejosas e medíocres.
O terceiro tipo é distinto desses dois. A pessoa delirante
fica de pé de um modo desmazelado. Sua cama é descuidada,
ela dorme escarrapachada e desperta com preguiça, resmun­
gando. Como trabalhadores, são inábeis e bagunceiros; varrem
desajeitadamente e de modo aleatório, deixando montes de lixo
para trás. Suas roupas são soltas e desengonçadas. Não ligam
para o que comem e comerão o que quer que lhes apareça no
caminho; são comensais nojentos, colocando grandes nacos de
comida na boca e sujando o rosto com comida. Não fazem a
menor idéia se um objeto é bonito ou não, mas acreditam no
que quer que os outros lhes digam e elogiam ou desaprovam de
acordo com isso. Freqúentemente demonstram preguiça e tor­
por, distraem-se facilmente, são dados ao remorso e à perplexi­
dade, mas também podem ser obstinados e teimosos.
O Visuddhimagga prossegue especificando as condições
ideais que devem ser arranjadas para pessoas de cada tipo quan­
do começam a meditar. O primeiro objetivo em seu treinamen­
to é neutralizar suas tendências psicológicas dominantes, e
assim trazer equilíbrio à sua mente. Por essa razão, as condições
prescritas para cada tipo não são aquelas que elas naturalmen­
te escolheriam. A cabana dada à pessoa sensual, por exemplo, é
um barraco de capim sujo que deve ser “salpicado de sujeira,
cheio de morcegos, dilapidado, alto demais ou baixo demais,
num lugar árido, ameaçado por leões e tigres, com uma trilha
lamacenta, acidentada, onde até a cama e a cadeira estejam
146 A mente meditativa

cheias de percevejos. E tem de ser feio e repugnante, inspiran­


do o nojo tão logo avistado” (p. 109). O Visuddhimagga detalha
as outras condições que cabem à pessoa sensual (Buddhaghosa,
1976, p. 109-10):

As roupas adequadas têm pontas viradas para fora com fios pendu­
rados, são ásperas ao toque como juta, encardidas, pesadas e ruins
de usar. E o tipo certo de tigela para ele é uma tigela feia de barro
ou uma tigela de ferro pesada e disforme tão repugnante quanto
uma caveira. O tipo certo de estrada para ele pedir esmolas é desa­
gradável, sem aldeia por perto, e acidentada. O tipo certo de aldeia
para ele é onde as pessoas perambulem como se não dessem por sua
presença. As pessoas adequadas para o servir são repugnantes,
repulsivas, com roupas sujas, malcheirosas e nojentas, que lhe sir­
vam seu mingau e seu arroz como se o estivessem atirando para ele
rudemente. O tipo certo de comida é feito de arroz partido, lei te­
lho rançoso, papa azeda, sopa de legumes velhos ou qualquer outra
coisa que sirva só para encher o estômago.

As condições ideais para a pessoa rancorosa, por outro


lado, são as mais agradáveis, confortáveis e cômodas que se pos­
sam arranjar. Para a pessoa delirante, as coisas devem ser sim­
ples e claras, e quase tão agradáveis e confortáveis quanto para
o rancoroso. Em cada caso, o ambiente é talhado para inibir o
tipo de fator mental que normalmente domina cada tipo de
personalidade: a pessoa voluptuosa encontra pouca coisa que
cobiçar; a rancorosa, pouco que desprezar e para a delirante as
coisas são claras. Esse programa de ambientes projetados para
promover a saúde mental é um predecessor antigo daquilo que
os modernos defensores de planos similares chamam “terapia
do meio ambiente”. Buda também viu que os diferentes tipos
de pessoas se encaminhariam mais prontamente para tipos
diferentes de meditação, e por isso ele delineou uma ampla
variedade de métodos de meditação talhados para se ade­
quarem aos diferentes tipos de personalidade.
A psicologia da meditação ■ 147

Saúde mental
Os fatores que formam os estados mentais de alguém de
instante em instante determinam a saúde mental da pessoa. A
definição operacional de distúrbio mental no Áhhidhamma é
simples: a ausência de fatores positivos e a presença de fatores
negativos. Cada variedade de distúrbio mental deriva do domí­
nio de determinados fatores negativos sobre a mente. O caráter
especial de cada fator negativo leva a um distúrbio particular —
o egoísmo, por exemplo, acentua as ações puramente egocên­
tricas que nós na psicologia ocidental chamamos comporta­
mento “sociopático”; a agitação e a preocupação são a ansieda­
de no âmago das neuroses; a aversão dirigida a um objeto ou
situação específicos é uma fobia.
O critério para a saúde mental é igualmente simples: a
presença de fatores positivos e a ausência de fatores negativos
na economia psicológica de uma pessoa. Os fatores positivos,
além de suplantarem os negativos, também oferecem um neces­
sário ambiente mental para um grupo de estados afetivos posi­
tivos que não podem emergir na presença dos fatores negativos.
Incluem-se aí a benevolência (karuna) e a “alegria altruísta”
(mudita) — isto é, comprazer-se na felicidade dos outros.
A pessoa normal tem uma mistura de fatores positivos e
negativos no fluxo de estados mentais. Cada um de nós às vezes
vivência períodos de estados mentais totalmente positivos ou
negativos enquanto nosso fluxo de consciência transcorre. Pou­
quíssimas pessoas, no entanto, vivenciam apenas estados men­
tais sadios, e nesse sentido todos nós somos “doentes”. De fato,
uma escritura cita uma afirmação do Buda sobre as pessoas nor­
mais: “Todos os mundanos são desajustados”. O objetivo do
desenvolvimento psicológico no Abhidhamma é aumentar o
volume de estados positivos — e, proporcionalmente, diminuir
os negativos — na mente de uma pessoa. No ápice da saúde
mental, nenhum fator negativo sequer emerge na mente da
pessoa. Embora esse seja o ideal que cada pessoa é instada a
buscar, ele, é claro, raramente se concretiza.
148 A mente meditativa

Uma razão pela qual poucas pessoas alcançam a saúde


mental ideal está nos anusayas^ inclinações latentes da mente
para estados mentais negativos. Os anusayas jazem adormeci­
dos na mente da pessoa até que surja o momento oportuno para
que emerjam. Sete fatores negativos são anusayas particular­
mente fortes: cobiça, falsa visão, ilusão, aversão, dúvida, orgu­
lho e agitação. Enquanto a pessoa vivência um estado mental
saudável, esses anusayas ficam latentes, mas eles nunca estão
longe de tomar a dianteira quando surge a ocasião. O critério
final para a saúde mental absoluta é ter erradicado os anusayas
da mente, eliminando dessa forma até mesmo a tendência para
estados mentais negativos. O princípio dos anusayas é o que há
de mais próximo do conceito ocidental de inconsciente.
Na qualidade de catálogo das propriedades mentais que
vivenciamos de instante em instante, a lista de fatores mentais
do Ábhidhamma está longe de ser exaustiva. As possibilidades
de classificação de estados mentais são incontáveis; os teóricos
do Abhidhamma não têm a pretensão de oferecer um compên­
dio total. Mas sua análise é premeditada; suas categorias são
elaboradas para ajudar a pessoa a reconhecer, e assim controlar,
estados mentais-chave de modo a poder livrar-se definitiva­
mente de estados negativos. O budista praticante embarca
num programa coordenado de controle ambiental, comporta-
mental e da atenção para atingir seu objetivo final, um nível de
estados mentais exclusivamente sadios. Na via budista clássica,
uma pessoa que atingisse esse nível de saúde entraria nos terri­
tórios controlados por um mosteiro, regularia suas ações
tomando os votos de monge e, mais importante, meditando.

Meditação: o caminho para a saúde mental. Uma vez


que as pessoas se familiarizem com as categorias de fatores
mentais positivos e negativos, de modo a poder vê-los em ação
em sua própria mente, elas descobrirão que saber simplesmen­
te que um estado é negativo contribui pouco ou nada na sua
eliminação. Por exemplo, se uma pessoa reconhece a predomi­
nância de fatores negativos em sua mente, ou se deseja que eles
A psicologia da meditação ■ 149

desapareçam, ela simplesmente está acrescentando aversão e


desejo à miscelânea psicológica. A estratégia que o Ábhidbamma
oferece para alcançar estados sadios é não persegui-los direta­
mente nem ter aversão aos estados negativos. A abordagem
recomendada é a meditação.
No Abhidhamma, atingir um estado mental sadio signifi­
ca substituir os fatores negativos por seus opostos polares. O
princípio que permite isso é semelhante à “inibição recíproca”
tal como usada em dessensibilização sistemática, onde o relaxa­
mento inibe seu oposto fisiológico, a tensão.
Para cada fator negativo existe pelo menos um fator posi­
tivo que efetivamente bloqueia a entrada de sua contraparte
negativa na consciência. Em casos onde fatores negativos espe­
cíficos são particularmente intensos, seus opostos têm de ser
repetidamente invocados para que sejam erradicados. À medi­
da que decresce a influência dos fatores negativos, aumenta a
força das influências positivas correspondentes. O progresso
na meditação pode ser descrito simplesmente como o cultivo
das qualidades positivas à custa das negativas, um processo
que visa à erradicação de todos os fatores negativos da mente
da pessoa.
A dinâmica da dualidade negativo-positivo abre o caminho
para uma mente limpa de fatores negativos. O Abhtdhamma
afirma que fatores positivos não podem existir no mesmo
momento mental com fatores negativos, por causa das relações
antagónicas específicas entre os fatores mentais. Não se pode
conceber que a mente esteja ao mesmo tempo pesada e leve,
límpida e nebulosa. A existência de um num dado momento
anula o outro. A consciência normal desperta envolve uma
oscilação entre as duas influências, mas a completa ausência de
todos os fatores negativos por um longo período de tempo rara­
mente é encontrada na consciência normal.
O Abhidhamma formula dois métodos distintos de reorga­
nização da consciência, elaborados para diminuir e finalmente
erradicar o impacto dos fatores negativos. O primeiro emprega
uma estratégia meditativa de concentração; o segundo, uma
150 A mente meditativa

estratégia de atentividade (jnindfulness). O progresso nessa ou


naquela forma de meditação pode ser compreendido e explica­
do simplesmente em termos de reestruturação dos papéis
desempenhados pelos vários fatores mentais.
O Abhidhamma considera como ponto de partida uma pes­
soa cuja mente está presa por fatores negativos. Quando os
fatores positivos são fracos, a saúde psicológica da pessoa é
pobre; tal como visto através das lentes do Abhidhamma, o esta­
do mental de uma pessoa normal é melancólico (Nyanaponika,
1949, p. 67):

Resultados de uma indolência e torpor geral dos processos men­


tais: a força do hábito predomina; as mudanças e adaptações são
feitas lentamente e de má vontade e no menor grau possível; o
pensamento é rígido, inclinado ao dogma. Leva muito tempo para
aprender com a experiência ou com o conselho; as afeições e aver­
sões são fixas e preconcebidas; no geral, o caráter mostra-se mais
ou menos inacessível.

Dado que a atentividade e a concentração da pessoa são


consideradas fracas, não se espera muito controle sobre as habi­
lidades perceptuais no início. Os primeiros passos visam a tor­
nar a mente do meditador flexível e receptiva à influência de
qualidades positivas enquanto enfraquecem o controle entra­
nhado dos fatores negativos. A prática inicial frequentemente
é difícil e até dolorosa, já que a mente do meditador não está
acostumada ao tipo de disciplina mental exigida.
A meditação, tecnicamente falando, é a tentativa consis­
tente de manter um foco de atenção específico. Por exemplo,
no esforço de focalizar sua atenção nas sensações da respiração,
o meditador tenta manter a mente concentrada. Sua mente, na
verdade, não permanecerá concentrada, mas se dispersará em
outros pensamentos e sentimentos. Na prática, ele gasta a
maior parte de seu tempo tentando lembrar-se de trazer sua
mente dispersiva de volta para seu objeto de concentração, a
respiração. A coisa importante é seu esforço de concentrar-se
na respiração.
A psicologia da meditação ■ 151

Num tipo alternativo de meditação, a atentividade, o


meditador adota uma atitude neutra para com o que quer que
apareça e desapareça em seu fluxo de consciência, atribuindo
um valor igual a qualquer coisa que surja em sua mente. Não
importa o que possa cruzar sua mente, o meditador tenta man­
ter sua atentividade. Seu esforço não se dirige à geração de fato­
res positivos de per si. Dado que os fatores positivos são as pro­
priedades mentais que mantêm estável sua atenção, eles virão a
dominar sua mente como um subproduto de seu sucesso na
meditação. Aprendendo a meditar com maior eficiência, o
meditador ao mesmo tempo aumenta a quantidade de fatores
positivos em seus estados mentais.
O êxito final na meditação — o nibbana ou nirvana — só é
possível quando o meditador desenvolveu os sete fatores de ilu­
minação num grau elevado. Esses fatores são: atentividade,
sabedoria, energia, êxtase, calma, concentração e serenidade.
Esses sete fatores são habilidosamente equilibrados para acele­
rarem a mente do meditador na direção do nibbana (Goldstein,
1976, p. 147):

Estas são as sete qualidades da iluminação que têm de ser amadu­


recidas na nossa prática. Três delas são fatores excitantes e três são
fatores tranquilizantes. Sabedoria, energia e êxtase excitam a
mente; deixam-na desperta e alerta. Calma, concentração e sereni­
dade tranquilizam a mente e apaziguam-na. Todas têm de estar
em harmonia: se houver excitação demasiada, a mente fica sem
repouso; se houver demasiada tranquilidade, ela adormece. O fator
da atentividade é tão poderoso porque não apenas serve para des­
pertar e fortalecer todos os outros fatores, mas também os mantém
em seu equilíbrio apropriado.

No Abhidhamma se afirma que o nibbana causa uma alte­


ração radical e permanente nos estados mentais da pessoa. A
importância do nibbana para a personalidade está em seu efeito
secundário. Diferentemente do jhana, que tem um efeito de
curta duração na personalidade do meditador, a personalidade
pós-nibbana é tida como irrevogavelmente alterada. A primei-
152 A mente meditativa

ra experiência da pessoa no nibbana dá início a uma progressão


de mudanças que pode finalmente levar ao ponto em que os
fatores negativos não mais aparecem. Não apenas não existem
fatores negativos em seus estados como ela também erradicou
toda e qualquer tendência latente que pudesse potencialmente
levar ao surgimento de um fator negativo em sua mente.
Essa transformação da consciência é gradual. Embora a
experiência do nibbana seja sempre a mesma, à medida que se
fortalece a introvisão do meditador ele pode atingir o nibbana
em profundidades cada vez maiores. A cada nível sucessivo,
grupos de fatores negativos ficam totalmente inibidos. Final­
mente, nem um único fator negativo sequer aparecerá em qual­
quer dos estados mentais da pessoa. Um meditador que chega
a esse ponto é chamado arahat. Ele ainda conserva, porém, ves­
tígios de seus traços de personalidade próprios, como fica evi­
dente no amplo espectro de estilos pessoais nas histórias dos
seres iluminados.

Arahatx tipo ideal de personalidade sadia. O arahat


corporifica a essência da saúde mental no Abhidhamma. Seus tra­
ços de personalidade estão permanentemente alterados; todos
os seus motivos, percepções e ações, em que ele estava engaja­
do previamente sob a influência dos fatores negativos, terão
desaparecido. Rune Johansson, em The psychology of Nirvana
(1970), fez a triagem das fontes do Abhidhamma quanto aos
atributos da personalidade do arahat. Sua lista inclui:

• ausência de\ avidez por desejos sensuais; ansiedade, res­


sentimentos ou medos de qualquer sorte; dogmatismos
como a crença de que isso ou aquilo é “a Verdade”; aver­
são a condições como perda, desgraça, dor ou censura;
sentimentos de luxúria ou ódio; experiências de sofri­
mento mental; necessidade de aprovação, prazer ou elo­
gio; desejo de qualquer coisa para si mesmo além dos
itens essenciais e necessários; e
• predomínio de\ imparcialidade para com outros e sereni­
dade em todas as circunstâncias; estado permanente de
A psicologia da meditação • 1 53

alerta e calmo deleite na experiência, sem importar quão


ordinária ou aparentemente entediante; fortes sentimen­
tos de compaixão e benevolência; percepção rápida e pre­
cisa; compostura e habilidade em agir; abertura em rela­
ção aos outros e sensibilidade para suas necessidades.

Uma das poucas menções a sonhos no Abhidhamma suge­


re outro atributo incomum do arahat. Os sonhos das pessoas
são classificados em quatro tipos. O primeiro se deve a algum
distúrbio orgânico ou muscular e envolve caracteristicamenre
uma forte sensação física como estar caindo, voando ou sendo
perseguido. Os pesadelos pertencem a essa categoria. O segun­
do tipo de sonho se deve às atividades da pessoa durante o dia,
e evoca essas experiências passadas. Tais sonhos geralmente são
mundanos. O terceiro tipo de sonho é de um evento real tal
como ele ocorre, semelhante ao princípio da sincronicidade de
Jung. O último tipo de sonho é o clarividente, uma precisa pro­
fecia de acontecimentos ainda por ocorrer. Quando um arahat
sonha, é sempre um sonho clarividente (Van Aung, 1972).
Buda era adepto da interpretação simbólica de seus sonhos,
embora não haja sistema formal algum para a análise simbóli­
ca no Abhidhamma. Pouco antes de sua iluminação, o Buda teve
uma série de vívidos sonhos que prediziam sua iluminação, o
ensinamento que ministraria depois, o afluxo de discípulos e a
trajetória do budismo depois de sua morte.
Embora possa parecer inacreditavelmente virtuoso na
perspectiva da psicologia ocidental, o arahat encarna o tipo
ideal na maioria das psicologias asiáticas. O arahat é o ser ilu­
minado, um protótipo notável sobretudo por sua ausência na
teoria da personalidade ocidental. Mas o arahat é um tipo
ideal, ponto-final numa transformação gradativa que qualquer
um pode empreender e na qual qualquer um pode ter sucesso
ainda que em proporção mínima. Assim, o meditador pode não
se tornar um santo da noite para o dia, mas pode muito bem
vivenciar a própria transformação de modo a conseguir uma
proporção maior de estados mentais saudáveis.
154 A mente meditativa

20. Psicologia: Oriente e Ocidente


O arabat é facilmente reconhecido em quase todas as
grandes religiões mundiais como o protótipo do santo. Embo­
ra a religião ocidental ainda sustente essa possibilidade, a psi­
cologia nunca a sustentou.

A política da consciência
O arabat representa um desafio para o paradigma da psi­
cologia ocidental. Do ponto de vista ocidental, ele é de uma
virtude inconcebível. Na nossa cultura e na nossa psicologia,
não temos tal modelo para semelhante transformação da cons­
ciência: essa visão do desenvolvimento humano ultrapassa a
visão e os objetivos da psicologia ocidental. Faltam ao arabat
várias características que a psicologia ocidental considera atri­
butos da natureza humana; ele parece bom demais para existir.
Onde e quando as visões religiosa e psicológica das possi­
bilidades humanas começaram a divergir no Ocidente? Vir­
tualmente, desde o início da psicologia moderna. Em certa
medida, psicologia é autobiografia: a história pessoal de teóri­
cos que influenciaram diretamente sua articulação e sua ênfase
teórica. Freud, por exemplo, na sua introdução ao Mal-estar da
civilização, conta ter recebido uma carta do escritor Romain
Rolland, que se tornara discípulo do grande santo indiano Sri
Ramakrishna. Rolland descrevia o sentimento de alguma coisa
“ilimitada e infinita”, que ele via como “a base fisiológica de
muita da sabedoria do misticismo”. Freud rotulou o sentimen­
to de “oceânico” e, admitindo sua perplexidade e sua incapaci­
dade de descobrir esse sentimento oceânico em si mesmo,
empreendeu a reinterpretação desse fato de experiência de uma
maneira consoante com sua própria visão de mundo, colocando
como sua origem um sentimento de desamparo infantil que ele
via como a fonte do sentimento religioso.
Ao fazer isso, Freud explicitamente aplicou um molde
que ele tinha elaborado para compreender experiências de um
A psicologia da meditação ■ 155

cipo diferente da que Rolland estava descrevendo, mas que


parecia ter tornado os dados mais cômodos para Freud, que
anotou: “A ideia de os homens receberem uma sugestão de sua
conexão com o mundo em torno deles por meio de um senti­
mento que desde o início é dirigido para tal fim soa tão estra­
nha e encaixa-se tão mal na textura da nossa psicologia que se
justifica a tentativa de descobrir uma explicação psicanalítica
de tal sentimento”.
Nas palavras finais dessa mesma introdução, Freud articu­
lou uma atitude para com esse e outros aspectos de estados alte­
rados de consciência que, desde então, se tornou um pressupos­
to implícito para muitos, senão de todos aqueles que seguiram
a trilha psicanalítica aberta por ele: “Não seria difícil encontrar
conexões aqui com certo número de obscuras modificações da
vida mental, como transes ou êxtases. Mas sou levado a excla­
mar, nas palavras do mergulhador de Schiller: ‘Rejubile aque­
le que respira cá em cima na luz da aurora’” (isto é, na cons­
ciência normal desperta).
William James criticava Freud por descartar categorica­
mente os estados espirituais. Embora não tivesse Freud em
mente, James referiu-se à mesma distorsão intelectual ao escre­
ver (1961, p. 29):

Todos nós seguramente estamos familiarizados de modo geral com


esse método de desacreditar estados mentais pelos quais temos
antipatia. “Materialismo médico” parece ser, de fato, uma boa
denominação para o sistema de pensamento simplório que estamos
considerando. O materialismo médico liquida com são Paulo ao
chamar sua visão na estrada de Damasco de lesão supurada do cór­
tex occipital, sendo ele epiléptico. Torce o nariz para santa Teresa
como se fosse uma histérica, para são Francisco de Assis como um
degenerado hereditário. Trata o mal-estar de George Fox para com
a hipocrisia de sua época e sua ânsia de veracidade espiritual como
sintomas de um cólon desarranjado. Todas essas tensões mentais,
diz ele, são, quando se chega ao cerne da questão, devidas à ação
pervertida de várias glândulas que a fisiologia ainda descobrirá.
156 A mente meditativa

Consideremos como a psicologia, ou como o Ocidente em


geral, vê a vida espiritual. Vivemos numa cultura que se agar­
ra à visão científica do mundo. No esforço por ser uma ciência,
a psicologia adaptou essa visão com muitos lucros mas a gran­
des custos. Tornar-se psicólogo significa moldar-se socialmen­
te para ter uma atitude negativa para com a evolução espiritual
ou para desconsiderar essa possibilidade.
O resultado disso é que, enquanto cultura, um dos assun-
tos tabus que dificilmente entram na nossa consciência coletiva
é a experiência religiosa. Numa pesquisa sobre a “qualidade de
vida” dos norte-americanos, em meados dos anos 1970, uma das
perguntas era: “Você já teve alguma vez o sentimento de estar
bem próximo de uma força espiritual poderosa que parecia
erguê-lo para fora de você mesmo?” Quarenta por cento respon­
deram que isso acontecera ao menos uma vez; vinte por cento
disseram que isso acontecera várias vezes; e cinco por cento rela­
taram que isso acontecera freqúentemente. Quase todas essas
pessoas confessaram que nunca tinham falado com ninguém —
terapeuta, pastor, padre ou rabino — acerca de suas experiências.
“Iam pensar que eu estava louco” — era o motivo. Tais experiên­
cias não se encaixam na visão de mundo geral ou na visão de
mundo religiosa do Ocidente, muito menos na sua visão de
mundo psicológica. Enquanto nação de “místicos enrustidos”,
nossas teorias das possibilidades humanas são, como um todo,
muito limitadas. Temos um ponto cego coletivo.

Pontos de vista sobre a realidade


Os indivíduos em cada cultura codificam a experiência em
termos das categorias de seu próprio sistema linguístico, cap­
tando a realidade apenas como é apresentada em seu código.
Cada cultura acentua e classifica as experiências diferentemen­
te. O antropólogo reconhece que o estudo de um código dife­
rente do nosso próprio pode nos levar a conceitos e aspectos de
realidade a partir dos quais nossa própria maneira de olhar para
o mundo nos exclui.
A psicologia da meditação ■ 157

Cada cultura tem um vocabulário especializado nestas


áreas da existência que são mais salientes para seu modo pró­
prio de vivenciar o mundo. Sob esse prisma, é intrigante que
nossa própria cultura tenha como seu principal vocabulário
técnico para descrever experiências interiores uma nosologia de
psicopatologia altamente especializada, ao passo que as cultu­
ras asiáticas, como a indiana, têm vocabulários igualmente
complexos para os estados alterados de consciência e as etapas
do desenvolvimento espiritual.
A cultura molda a percepção para conformá-la a certas
normas, limita os tipos de experiência ou categoria para expe­
riências disponíveis ao indivíduo e determina a adequabilidade
ou aceitabilidade de um dado estado de consciência ou sua
comunicação em situação social. Como mostrou Goffman
(1962), esses princípios se aplicam à psicopatologia em nossa
cultura, e os estados alterados de consciência podem igualmen­
te ser sujeitos às mesmas influências. A cultura ocidental tem
sido historicamente repressiva para com alguns estados altera­
dos de consciência, como as heresias gnósticas da Idade Média
que levaram ao estabelecimento da Inquisição. Em outros con­
textos, estados alterados foram encorajados, por exemplo, os
exercícios espirituais inacianos no monaquismo católico.
Nossa realidade cultural normativa admite estados especí­
ficos. Na medida em que a “realidade” é uma convenção con­
sensualmente validada, mas arbitrária, um estado alterado de
consciência pode representar um modo de ser anti-social, des­
regrado. Na opinião de Ramanujan (1973), tal consciência
alterada constitui um atentado contra uma ordem cultural
implícita, e assim está “desmascarando, desfazendo o artificial.
E um ato de violação contra lealdades ordinárias esperadas, um
colapso do previsível e do seguro”. Esse mesmo elemento de
imprevisibilidade foi um fator na formulação da política públi­
ca de hospitalização involuntária dos psicóticos. Visto que os
estados alterados podem subverter a ordem social da mesma
maneira, esse mesmo temor do imprevisível pode ter sido uma
força de motivação importante por trás da repressão em nossa
158 A mente meditativa

cultura dos meios de indução aos estados alterados — os psico-


délicos, por exemplo — ou para uma suspeita mais geral de téc­
nicas como a meditação.
Embora o sistema cultural de valores que levou à predo­
minância do estado desperto e à exclusão dos estados alterados
(exceto a intoxicação alcoólica) da norma cultural tenha prova­
do ser funcional em termos, digamos, do produto nacional
bruto e do crescimento económico, ele também nos tornou,
enquanto cultura, relativamente ineptos em termos de estados
alterados de consciência. Outras culturas “primitivas” e tradi­
cionais, embora menos produtivas materialmente do que a
nossa, são de longe muito mais experientes do que nós nos
emaranhados da consciência. Algumas culturas educam expli-
citamente alguns ou todos os membros na alteração da cons­
ciência e várias desenvolveram “tecnologias” para tal fim. Os
bosquímanos são treinados para entrar em transe por meio da
dança e para usar o estado de transe para curar (Katz, 1973);
um “guerreiro” índio yaqui reeduca seus hábitos perceptuais de
modo a apreender mensagens e forças naturais normalmente
não captadas; os senoi da Malásia sistematicamente utilizam os
conteúdos do sonho para manter relações interpessoais harmo­
niosas na vida comunitária (Stewart, 1969).
As culturas asiáticas têm vocabulários altamente desen­
volvidos para descrever e delimitar graus, níveis e tipos distin­
tos de estados alterados pela meditação que nossa língua só
vagamente ou desajeitadamente pode começar a abordar. A
psciologia budista enumera oito níveis distintos de jhana,
enquanto os termos ocidentais “concentração”, “absorção” e
“transe” — combinados, nossa melhor aproximação — erram o
alvo; os dezoito estágios de consciência que levam ao nirvana
descritos no mesmo sistema não têm nenhum equivalente em
nossa linguagem. Embora o inglês tenha tomado emprestado o
termo “nirvana”, seu uso comum é uma distorção daquilo que
designava originalmente; embora tenhamos cooptado o concei­
to, desprezamos totalmente a experiência a que ele se refere. A
base experimental das doutrinas orientais, no entanto, podem
A psicologia da meditação ■ 159

dar provas muito mais consequentes para nossa psicologia e


nossa cultura do que os conceitos que oferecem.
Embora as psicologias oriental e ocidental possam sobre­
por-se parcialmente — num interesse comum pelos processos
de atenção, ou numa compreensão da natureza do sofrimento
humano —, cada uma delas também explora de ponta a ponta
territórios e técnicas que a outra despreza ou apenas toca. O
pensamento psicanalítico, por exemplo, mapeou aspectos
daquilo que se poderia chamar “carma" no Oriente com muito
mais detalhes e complexidade do que qualquer escola oriental
de psicologia, tal como as escolas orientais desenvolveram
uma coleção de técnicas para alterar voluntariamente a cons­
ciência, e assim estabeleceram uma tecnologia para lidar com
realidades para além da mente tal como conceitualizada na
psicologia contemporânea ou vivenciada em nosso estado nor­
mal de consciência.

Psicologias: Oriente e Ocidente


Tendo descrito a visão, o objetivo e os métodos da psico­
logia budista, vamos olhar para ela do ponto de vista ociden­
tal. Quem, dentre os psicólogos do Ocidente, apreciaria esse
tipo de transformação radical? Um candidato provável seria
William James. Em seus Principies of psychology, ele escreve
(1950, p. 424):

A faculdade de redirecionar reiteradamente e por vontade própria


uma atenção dispersiva é a verdadeira raiz do discernimento, do
caráter e da vontade. Ninguém é senhor de si se não a possuir.
Uma educação que tivesse de aperfeiçoar essa faculdade seria a
educação por excelência.

James viu a virtude de se reeducar a atenção — a essência


da meditação —, mas acrescenta: “E mais fácil definir esse ideal
do que dar instruções práticas de como alcançá-lo”.
Embora “redirecionar por vontade própria uma atenção
dispersiva” seja o passo fundamental na meditação, James apa-
160 A mente meditativa

rentemente não estava ciente de que a educação que recomen­


dava existia nas psicologias orientais. Apesar de James estar
familiarizado com alguns aspectos da filosofia do Oriente, não
é de surpreender que não tivesse conhecimento de suas psico­
logias. A maioria dos psicólogos norte-americanos, como um
todo, têm ignorado essas psicologias orientais. Isso é com­
preensível por causa de sua inacessibilidade, até recentemente,
àqueles que não liam páli, sânscrito ou as demais línguas em
que podem ser encontradas. Além disso, quando traduzidas
para o inglês, essas psicologias raramente são identificadas
como tais, sendo mais frequentemente tratadas como doutrina
religiosa. Quando trazidas à atenção dos primeiros teóricos da
personalidade, como Freud, elas foram rejeitadas incontinenti.
A maioria dos teóricos ocidentais da personalidade, no
entanto, têm desprezado até mesmo o fato de que psicologias
orientais como o Abhidhamma existem. Mesmo que tais psico­
logias tivessem sido trazidas à sua atenção, a probabilidade é
que a maioria dos teóricos diminuiria a validade delas por
causa de uma série de razões. Para o behaviorista, por exem­
plo, uma psicologia como as do Oriente seria rejeitada em vir­
tude de sua natureza introspectiva, fenomenológica. A posição
behaviorista é que a experiência interior não pode ser estuda­
da cientificamente e assim nenhuma psicologia existe baseada
na instrospecção.
O behaviorismo, nos seus primórdios, travou batalhas
contra os introspeccionistas de Titchener, que sustentavam
posições bastante semelhantes às do Abhidhamma'. as de que a
consciência é diretamente observável, é composta de unidades
descritíveis e que a tarefa do psicólogo é analisá-la em seus
componentes. Ao afirmar a posição behaviorista, Watson
(1913) foi enfático em sua crítica aos introspeccionistas, a
quem acusava de terem substituído por “consciência” aquilo
que anteriormente era chamado alma: “Parece que chegou o
tempo em que a psicologia tem de descartar todas as referên­
cias à consciência; em que ela não precisa mais iludir-se em
pensar que o objeto de observação é feito de estados mentais”.
A psicologia da meditação ■ 161

Os psicólogos ocidentais, como um todo, têm sido refra­


tários às psicologias orientais. Esses psicólogos não se deram
conta de que elas são psicologias. Ao contrário, para eles as tra­
dições orientais não passam de sistemas religiosos complicados
e obscuros, totalmente desprovidos de temas que um psicólo­
go rigoroso devesse levar em consideração.

Aspectos comuns aos dois sistemas. Uma olhada nos


principais modelos de sanidade na psicologia ocidental revela
um leque de notáveis semelhanças com a psicologia oriental.
Por exemplo, a descrição de Gordon Allport (1968) da matu­
ridade ou saúde mental manifesta essas características como
percepção realista, auto-aceitação ou satisfação consigo mesmo,
compaixão e benevolência. Não há controvérsia aqui — os dois
sistemas podem facilmente se reconciliar. Mas o sistema budis­
ta diverge radicalmente do pensamento de Allport a respeito
da ênfase desse último numa forte ego-identidade. Um dos
fundamentos do budismo é que não existe eu permanente, que
o próprio ego é uma ilusão. Essa opinião marca a principal dis­
paridade entre os dois.
Considere-se, também, a etapa final de maturidade no
ciclo da vida segundo Erik Erikson (1963). Entre os atributos
dessa etapa estão a aceitação das circunstâncias de vida da pes­
soa, a falta de ressentimento e a ausência de medo (especial­
mente da morte). Novamente, não há contenda com o budis­
mo - até Erikson acrescentar ego-integridade, defesa do estilo
de vida pessoal, defesa do sentimento de eu da pessoa. Se a pes­
soa não tem eu permanente e imutável algum, o que há ali para
defender?
Uma das aproximações mais completas entre a psicologia
ocidental e as características do arahat é a pessoa auto-realiza-
da de Abraham Maslow (1971). Essa pessoa tem uma clara per­
cepção da realidade, bem como espontaneidade, desapego (rela­
cionamentos que não são aderentes, intrusivos ou possessivos),
independência em relação à lisonja e à crítica e compaixão.
162 A mente meditativa

Outro paralelo vem da descrição de Ernest Becker da


“armadura do caráter” (1969, p- 83-4):

Isso torna... as pessoas notavelmente rígidas, como observou


Reich, como se elas realmente usassem uma armadura. Elas ficam
notavelmente indiferentes a pontos de vista que elas decidiram
não valer a pena considerar ou que são demasiado ameaçadores
para serem considerados. Elas se afastam firmemente daqueles que
ameaçam invadir seu mundo e perturbá-lo, mesmo que o pertur­
bem pela gentileza ou pelo amor. O amor arrasta uma pessoa, der­
ruba barreiras, coloca o relacionamento humano em termos recí­
procos. Em uma palavra, o amor deixa os relacionamentos fora do
controle da pessoa com armadura. Ele obtém força de viver, sim­
plesmente porque obtém sua força de ficar exposto sem armadura,
aberto às necessidades dos outros.

Essa, obviamente, é a postura do arahat'. desprotegido e


aberto às necessidades dos outros. Em termos de um tipo ideal
de “sanidade”, há aqui uma conjunção com o budismo.
Uma similaridade notável se encontra num ensaio escrito
há quarenta anos por Franz Alexander (1941). Tem um título
infeliz: “O treinamento budista como uma catatonia artificial”.
Alexander, que se formou no Instituto Psicanalítico de Berlim
nos anos 1930, antes de vir para a América, teve acesso a tradu­
ções de textos budistas do páli para o alemão. Diferentemente
de Freud, ele realmente estudou esses textos e, diferentemente
da maioria dos psicólogos ocidentais, ficou fascinado pelo que
descobriu. Observando que as primeiras etapas da meditação
envolvem uma renúncia ascética ou um abandono do mundo,
ele concluiu em termos psicanalíticos: “Essa supressão sinto­
mática da vida emocional significa na verdade retirar a libido
do mundo e dirigi-la para o corpo num ‘frenesi sádico’ que
todos reconhecemos clinicamente como melancolia”.
Assim, viu a primeira etapa da progressão da introvisão
como melancolia. Acerca da absorção meditativa, ele observou:
“O corpo da própria pessoa e, de fato, seu corpo inteiro, torna-
se o único objeto. Esse sentimento de prazer, uma voluptuosi-
A psicologia da meditação ■ 1 63

dade consumada de todos os órgãos, tecidos e células, um pra­


zer completamente livre dos genitais, um orgasmo dissemina­
do ao longo de todo o corpo, é uma condição que temos descri­
to — o esquizofrénico em seu êxtase catatônico”.
Segundo Alexander, na meditação a pessoa se move da
melancolia para a catatonia. O passo seguinte, propõe ele, con­
siste numa constante diminuição do sentimento de prazer junto
com uma gradual transição para a apatia — o estágio da indife­
rença. Ele via o estágio final como uma condição de completo
esvaziamento e uniformidade da mente. Referindo-se ao nirva­
na, conclui: “Não é difícil, para nós, reconhecer nessa condição
o último estágio da esquizofrenia — schizophrenia dementia".
Apesar de seu tom analítico, a análise de Alexander não é
hostil. Ele via uma notável semelhança entre a progressão da
introvisão e uma boa psicanálise, e via o objetivo final da absor­
ção budista como um esforço de regressão psicológica à condi­
ção da vida intra-uterina. O caminho para o nirvana, escreve
ele, pode ser comparado a um filme que é rodado ao contrário.
Para ele, os estágios da introvisão de fato trazem de volta os
estágios do desenvolvimento cognitivo na infância, uma idéia
mais sistematicamente desenvolvida por Daniel Brown (1977).
Em seguida, aponta a marcante semelhança entre o método
psicanalítico e a doutrina de Buda, isto é, a superação da resis­
tência e do narcisismo efetivos, de modo que a pessoa pode
recordar o passado em vez de repeti-lo numa regressão.
Alexander viu que nas abordagens freudiana e budista
havia alguma coisa de muito similar. Em seus próprios escritos
Freud descreve a postura de atenção do analista em termos de
“atenção sobrepairante” (even-hovering attentiori). Sua descrição
da atitude de atenção do analista faz com que soe muito seme­
lhante à meditação-atentividade, ou introvisão. Freud escreve
que ela simplesmente “consiste em não fazer esforço algum
para concentrar a atenção em qualquer coisa em particular e
manter em relação a tudo o que se ouve a mesma medida de
calma e de atenciosidade tranquila”. Nesse sentido, a psicaná­
lise é uma meditação de introvisão interpessoal: o cliente ofe-
164 A mente meditativa

rece o fluxo de consciência e o analista oferece a testemunha —


atenção introvisional, sobrepairante.
Aqui, porém, termina a semelhança na técnica. Na análi­
se, a pessoa não continua através da progressão da introvisão
como descrita no Abhidhamma. Isso seria visto como uma
digressão. Embora haja alguns traços comuns, a psicanálise e a
psicoterapia em geral pairam sobre o nível mais baixo da intro­
visão no modelo budista. Elas nunca procedem à progressão
exigida pela tradição budista para transformar a consciência de
modo permanente.

O Ocidente encontra o Oriente: um pouco de história.


A psicologia asiática tem-se mostrado extraordinariamente
duradoura, sobrevivendo por mais de dois mil anos; em compa­
ração, as teorias da personalidade ocidentais são bastante jovens.
Virtualmente todo sistema oriental de meditação transplantado
para o Ocidente - Meditação Transcendental, Zen, etc. - deri­
va dessa psicologia ou de outra muito parecida. Mas essas
importações recentes não são de modo algum a primeira disse­
minação da teoria psicológica oriental no Ocidente.
Pensadores ocidentais, desde o tempo dos gregos e roma­
nos, têm sido influenciados pelas filosofias orientais. Afinal,
Alexandre (356-323 a.C.) e seus exércitos fundaram reinos que
se espalharam até o norte da índia, e tanto as técnicas quanto
as idéias atravessaram a Eurásia pelas rotas da seda, séculos
antes até da época de Alexandre. Plotino (205-270 d.C.) foi um
dos primeiros filósofos cujo pensamento teve paralelos muito
próximos das visões psicológicas dos pensadores orientais de
seu tempo. Natural do Egito, de estirpe romana, Plotino foi à
Pérsia e à índia em 242 para estudar suas filosofias. Suas idéias
tornaram-se a marca registrada dos místicos cristãos séculos
depois. Plotino fez o mapa de um mundo de experiências para
além das fronteiras da realidade sensitiva, e comparado a ele o
mundo normal era ilusório. Em sua teoria, uma pessoa poderia
desenvolver-se rumo à perfeição divorciando a “alma” — isto é,
a consciência que percebe através dos sentidos, mas não
A psicologia da meditação ■ 165

incluindo os próprios sentidos — de seu corpo. Ao fazer isso, a


pessoa transcende a autopercepção, o tempo e o espaço, para
vivenciar o Um inefável num estado de êxtase. A versão de
êxtase de Plotino coincide com a de textos clássicos indianos
como o Yoga Sutras de Patanjali, que diz que a pessoa que con­
seguir transcender os limites ordinários do corpo, dos sentidos
e da mente entrará num estado alterado de união extática com
Deus. Essa mesma doutrina tornou-se parte da psicologia cris­
tã, emergindo de uma forma ou de outra dentro dos escritos
influentes do egípcio santo Antão (Waddell, 1957), são João da
Cruz (1958) e Mestre Eckhardt, para citar uns poucos.
Com o surgimento das ciências naturais, a abordagem
positivista veio a dominar a ciência e a filosofia ocidentais. Para
os pensadores positivistas, os aspectos místicos da religião -
senão a própria religião — ficaram fora de moda. A psicologia
ocidental tem suas raízes na tradição positivista, e em sua
maioria os psicólogos voltaram-se para preocupações outras
que não as da mística religiosa. No século XIX, o pensamento
oriental tinha menos impacto nas psicologias recém-nascidas
do que nos filósofos e poetas. Os escritos dos transcendental is-
tas, como Emerson e Thoreau, e a poesia de Walt Whitman,
estão permeados de palavras e conceitos do Oriente. William
James, o mais importante psicólogo norte-americano do sécu­
lo passado, era profundamente interessado em religião. Ele
ligou-se a Vivekananda, um siuaini indiano que percorreu os
Estados Unidos após ter falado no I Congresso Mundial de
Religiões em 1893. A religião e o oculto fascinavam James; seu
livro Varieties of religious experience (1961) permanece um clássi­
co na psicologia da religião. Mas, visto que o pensamento
oriental é amplamente religioso, a tendência científica da psi­
cologia moderna levou a grande maioria dos psicólogos ociden­
tais a desconsiderar os ensinamentos de seus colegas orientais.
Uma razão por que alguns psicólogos ocidentais se inte­
ressaram pelas teorias orientais é que elas lidam em parte com
uma gama de experiências que nossos próprios teóricos despre­
zaram amplamente. Um exemplo bem registrado é o caso do
166 A mente meditativa

psiquiatra canadense R. M. Bucke. Sua experiência ocorreu


durante uma visita à Inglaterra em 1872; um relato nos diz
(Bucke, 1969, p. iii):

Ele e dois amigos tinham passado a noite lendo Wordsworth,


Shelley, Keats, Browning e especialmente Whitman. Partiram à
meia-noite, e ele fez um longo percurso em um coche. Sua
mente, profundamente influenciada pelas ideias, imagens e emo­
ções evocadas pela leitura e pela conversa do serão, estava calma
e apaziguada. Ele se achava num estado de júbilo quieto, quase
passivo.
De repente, sem aviso de qualquer sorte, ele se viu envolvido,
por assim dizer, numa nuvem de cor flamejante. Por um
momento, pensou em fogo - algum incêndio repentino na gran­
de cidade. No momento seguinte percebeu que a luz estava den­
tro dele mesmo.
Imediatamente depois, assaltou-o uma sensação de regozijo, de
imensa alegria, acompanhada ou imediatamente seguida de uma
iluminação intelectual simplesmente impossível de se descrever.

Depois disso, Bucke iria falar de sua experiência como um


lampejo de “consciência cósmica”, uma expressão que Walt
Whitman, o poeta norte-americano do século XIX, havia
tomado emprestada da filosofia vedântica da índia, e da qual
Bucke, por seu turno, se apropriou. Ao usar esse conceito
oriental para interpretar seu estado psicológico incomum,
Bucke foi um dos primeiros a se voltar para o Oriente para
compreender aspectos da mente sobre os quais as psicologias
ocidentais pouco têm a dizer. A psicologia da época de Bucke
não oferecia rótulos, a não ser os da psicopatologia, para esta­
dos como o que ele vivenciou aquela noite. O moderno interes­
se em psicologias orientais pode ser devido em parte à crescen­
te frequência de experiências de estados alterados, como a de
Bucke, com as quais nossas teorias psicológicas não lidam.
Nossas psicologias atuais quase nada dizem de tais estados —
quer sejam induzidos por drogas, meditação ou outros meios —
que dê conta da experiência da pessoa que passa por eles. Mui-
A psicologia da meditação ■ 167

tas psicologias orientais oferecem meios para a compreensão de


estados alterados que podem dar sentido a essas experiências
freqúentemente perturbadoras.
Entre os modernos teóricos da personalidade, Cari Jung
foi provavelmente o mais bem informado sobre as psicologias
orientais. Jung foi amigo íntimo do orientalista Heinrich
Zimmer e foi ele próprio uma autoridade sobre a mandala, um
motivo central na arte sacra do Oriente. Jung escreveu prefá­
cios para livros do erudito zen D. T. Suzuki (1974) e de
Richard Wilhelm, tradutor do I Ching e de outros textos taoís-
tas chineses. Jung também escreveu comentários sobre as tra­
duções de Evans-Wentz do Litro tibeta no da grande libertação
(1969b) e do Livro tibetano dos mortos (1969a), duas obras
importantes no compêndio psicológico do budismo tibetano.
Herman Hesse, amigo e vizinho de Jung, disseminou o pensa­
mento oriental em seus romances Siddhartha (1970) e Viagem
ao Oriente (1971). Jung penetrou temas estranhos à ciência
positivista por sua análise abrangente das religiões orientais.
Embora ele também advirta sobre os perigos de um ocidental
ser engolido pelas tradições orientais, os escritos de Jung for­
mam uma importante ponte entre as psicologias do Oriente e
do Ocidente.
A obra de Cari Jung mostra que ele era de longe muito
mais informado sobre psicologias orientais do que Freud. Ape­
sar de sua familiaridade com as psicologias orientais, Jung era
crítico áspero dos europeus que tentavam aplicar doutrinas
orientais a si próprios. Ele julgava que era fácil demais ficar fas­
cinado pelas formas exóticas do Oriente como um meio de evi­
tar os próprios problemas pessoais (1968, p. 99-101):

As pessoas farão qualquer coisa, não importa quão absurda, para


evitar enfrentar suas próprias almas. Praticarão yoga e todos os
seus exercícios, observarão um estrito regime alimentar, aprende­
rão teosofia de cor, ou repetirão mecanicamente textos místicos da
literatura do mundo todo - tudo porque não se aguentam a si
mesmas e não têm a menor fé em que algo de útil possa jamais vir
de suas próprias almas.
168 ■ A mente meditativa

Jung estudou diligentemente as psicologias orientais,


espicaçando aqueles que se entregavam a elas com um interes­
se além do acadêmico. Ele provavelmente também queria evi­
tar críticas à suas próprias teorias e métodos. A exploração de
Jung pela psique humana e seu uso de mandalas, do I Ching e
outros instrumentos fê-lo parecer a alguns de seus contempo­
râneos tão louco quanto qualquer místico oriental. Jung repli­
cava, com certo mau humor (1968, p. 101-2):

Não tenho o menor desejo de perturbar tais pessoas em sua perse­


guição despeitada, mas quando qualquer um que espera ser leva­
do a sério é delirante o bastante para pensar que uso os métodos
do yoga e as doutrinas do yoga, ou que faço meus pacientes, sem­
pre que possível, desenharem mandalas com o propósito de levá-
los ao “ponto certo” - então, eu realmente tenho de protestar e
acusar essas pessoas de terem lido meus escritos com a mais hor­
renda desatenção.

Outra fonte da resistência de Jung provinha de suas pró­


prias ideias acerca da função da religião. Para Jung, as religiões
se desenvolvem como um meio para os humanos conhecerem
os arquétipos — aquelas potencialidades de ação e pensamento
inerentes à verdadeira estrutura da psique humana. As religiões
orientais, achava ele, representavam o mais elevado nível de
desenvolvimento que refletia a maturidade das antigas civiliza­
ções da Ásia. A Europa e suas fés nativas eram mais jovens e
portanto menos sofisticadas. Tal como cada pessoa tem de atra­
vessar cada etapa de desenvolvimento para atingir a plena
maturidade, assim também cada raça. Era antinatural para os
europeus voltarem-se para disciplinas como o yoga, pois tais
métodos refletiam uma história e experiência exclusivamente
orientais.
Entretanto, Jung não rejeitava o objetivo das psicologias
orientais; objetava-se simplesmente ao método delas enquanto
inadequados à mente ocidental. Identificava o estado alterado
que um yogi busca no transe (ou samadhi) como uma absorção
no inconsciente coletivo, a camada mais profunda da psique e
A psicologia da meditação ■ 169

o reino dos arquétipos. Jung acreditava que seu próprio méto­


do de individuação levava ao mesmo objetivo: um afastamento
para longe do ego e na direção do self. Em seu ensaio sobre
“Yoga e Ocidente”, Jung mostra seu respeito por essa psicolo­
gia oriental; ao mesmo tempo, não o endossa como um méto­
do para o Ocidente: “Digo a quem quer que possa: Estude yoga
- você aprenderá muitíssima coisa com isso —, mas não tente
aplicá-lo, pois nós, europeus, não somos constituídos de modo
a podermos aplicar esses métodos corretamente, sem mais nem
menos” (1958, p. 534). Em vez de tomar emprestado do
Oriente um yoga inadequado, dizia Jung, devemos encontrar
nosso próprio caminho (1958, p. 483):

Ao invés de aprender de cor as técnicas espirituais do Oriente e


imitá-las à maneira cristã — imitatio Christi! —, com uma atitude
conseqiientemente forçada, seria muito mais conveniente desco­
brir se existe no inconsciente uma tendência introvertida seme­
lhante àquela que se tornou o princípio espiritual guia do Orien­
te. Deveríamos assim estar numa posição em nossas próprias bases
com nossos próprios métodos.

Jung à parte, as psicologias orientais fizeram suas maio­


res incursões no Ocidente através de sua influência sobre as
visões holísticas de teóricos como Angyal e Maslow, os huma­
nistas Buber e Fromm, o existencialista Boss e a corrente dos
“psicólogos transpessoais” (Tart, 1976). Maslow, por exemplo,
mergulhou profundamente na literatura oriental, e Buber,
Fromm e Boss tiveram, cada um, uma história de contato pes­
soal com mestres orientais. Buber conhecia as obras dos mes­
tres hassídicos, os místicos do judaísmo. Fromm teve um diá­
logo duradouro com mestres budistas; seu livro Zen Btiddhism
and Psychoanalysts (1970) teve como co-autores D. T. Suzuki,
um experiente discípulo e erudito do Zen, ao lado de Richard
De Martino, um professor de religião.
Medard Boss, o influente existencialista suíço, foi convi­
dado como conferencista em psiquiatria na índia, onde teve a
170 A mente meditativa

oportunidade de encontrar-se com santos indianos. Sentindo


que as terapias ocidentais eram incapazes de levar a uma intro-
visão iluminadora de poder comparável ao dos métodos orien­
tais, voltou-se para as tradições indianas em busca de orienta­
ção. Boss não se impressionava muito com os ocidentais que
conhecia que tinham assumido as vestes de santos indianos;
achava que eles tinham inflado seu ego com fórmulas de sabe­
doria indiana, mas que fora isso não tinham mudado, não
tinham realmente incorporado aquelas fórmulas à sua própria
existência. Os sábios indianos que conheceu, porém, impres­
sionaram-no profundamente (1965, p. 187-8):

E havia contudo as figuras sublimes dos próprios sábios e dos san­


tos, cada um deles um exemplo vivo da possibilidade do cresci­
mento e da maturidade humanos e da obtenção de uma impertur­
bável paz interior, de uma alegre liberdade sem culpa, de uma
bondade altruísta e de uma tranquilidade purificadas... Por mais
cuidadosamente que eu observasse as vidas ativas dos santos, por
mais dispostos que estivessem para me falarem de seus sonhos, eu
não conseguia detectar em nenhum deles um vestígio de uma ação
egoísta ou qualquer tipo de vida oculta reprimida ou consciente­
mente escondida.

Boss saiu desses encontros com a convicção de que, à luz


dos ensinamentos e do comportamento dos mestres orientais,
os métodos e objetivos da psicoterapia ocidental eram inade­
quados. Comparado ao grau de autop uri fi cação que a discipli­
na oriental exige, “mesmo o melhor treinamento ocidental para
a análise não passa de um curso introdutório”. No entanto, na
opinião de Boss, todos os “yogis” ocidentais, que tanto o desa­
pontavam, poderiam ter-se beneficiado com uma psicanálise
como preparação para seu treinamento posterior em disciplinas
orientais. O psiquiatra italiano Alberto Assagioli concordaria
com a avaliação de Boss das relações entre terapias ocidentais e
disciplinas orientais. A “psicossíntese” de Assagioli (1971) ofe­
rece um amplo conjunto de métodos terapêuticos que come­
çam lidando com os problemas físicos da pessoa — especialmen-
A psicologia da meditação • 171

te distúrbios psicossomáticos —, prossegue com as perturbações


psicológicas e finalmente culmina em exercícios espirituais.
Alan Watts, embora ele próprio não fosse um teórico da
psicologia, fez muito para despertar o interesse dos psicólogos
ocidentais para os ensinamentos orientais na qualidade de con­
ferencista convidado em inúmeras escolas de medicina, hospi­
tais e institutos psiquiátricos, e numa série de livros, sobretu­
do Psychotherapy East and West (1961). Watts reconhecia que o
que chamava “vias de libertação” orientais se assemelhava à
psicoterapia ocidental pelo fato de ambas se preocuparem em
mudar os sentimentos das pessoas sobre si mesmas e sua rela­
ção com os outros e com o mundo da natureza. As terapias oci­
dentais, em sua grande maioria, lidam com pessoas perturba­
das; as disciplinas orientais, com pessoas normais, socialmente
ajustadas. Mesmo assim, Watts achava que os objetivos das vias
de libertação eram compatíveis com as metas terapêuticas de
vários teóricos, sobretudo a individuação de Jung, a auto-reali­
zação (self-actualizatiori) de Maslow, a autonomia funcional de
Allport e a individualidade {selfhood) criativa de Adler.
Cerca de dez anos depois do lançamento do livro de
Watts comparando disciplinas orientais e terapias ocidentais,
foi publicado postumamente um livro de Abraham Maslow
(1971) que indiretamente levava a obra de Watts um passo à
frente. Maslow, um ano antes de morrer, tinha sofrido um ata­
que cardíaco quase fatal. Após recuperar-se desse contato com
a morte, ele pôs-se a organizar e repensar suas importantes
contribuições à teoria da personalidade. Um produto desse
esforço foi um ensaio chamado “Teoria Z”, no qual postulava
um grau de sanidade mais “plenamente humano” do que qual­
quer outro que tinha descrito até então. Esses “transcendedo-
res auto-realizados” são pessoas que, na sua descrição, se asse­
melham aos tipos ideais de pessoas plenamente sadias das psi­
cologias orientais. Embora não cite um único psicólogo orien­
tal como fonte de suas idéias, Maslow tempera à vontade sua
argumentação com conceitos orientais, chamando, por exem­
plo, um terapeuta no nível da Teoria Z, entre outros termos,
172 A mente meditativa

de “guia taoísta”, “Guru”, “Boddhisattva” e “Tsaddik”, nomes


usados nas tradições orientais para designar um sábio ou
santo. E quase certo que Maslow desenvolveu seu novo concei­
to de sanidade independentemente, assimilando porções de
psicologias orientais na medida em que se encaixavam em seu
próprio pensamento. Parece improvável que tenha estudado
qualquer uma das escolas orientais com a intenção de tomar
emprestado seus conceitos.
O mesmo volume póstumo contém um ensaio em que
Maslow apresenta uma nova perspectiva acerca de um livro
anterior, Religions, values, and peak-experiences (1964). Nesse
ensaio, ele alerta contra aqueles que exaltem a “experiência de
pico” como um fim em si mesma ou que se desviem do mundo
numa busca romântica: “A grande lição dos verdadeiros místi­
cos... é que o sagrado está no cotidiano, que deve ser buscado
na vida diária da pessoa, em seus vizinhos, amigos e familiares,
no quintal de sua casa, e que essa viagem pode ser um voo a par­
tir do confronto com o sagrado — essa lição pode facilmente
ficar perdida”. Aqui novamente ele repete as psicologias orien­
tais ao reconhecer ao mesmo tempo o valor e o trabalho árduo
exigido naquilo que ele chama “a experiência do patamar”1
(1971, p. 348-9):

A experiência do patamar pode ser alcançada, aprendida, adquiri­


da por um longo trabalho árduo... Um rápido vislumbre certa­
mente é possível nas experiências de pico que podem, afinal, ocor­
rer às vezes a qualquer um. Mas fixar residência, por assim dizer,
no patamar mais alto... é coisa totalmente diferente. Tende a ser o
esforço de uma vida.

Um íntimo colaborador de Maslow, Anthony Sutich, fun­


dou um jornal de psicologia em 1969 dedicado ao estudo do tipo

1 Traduzimos por “patamar" o termo inglês plateau (emprestado, por sua vez, do fran­
cês), que nessa acepção significa o ponto mais elevado de uma progressão, a partir do
qual não se verificam mais mudanças. (N. T.)
A psicologia da meditação ■ 173

de conceitos que Maslow descrevia. O Journal of Transpersonal


Psychology (Jornal de Psicologia Transpessoal) de Sutich tornou-se
0 fórum para psicólogos com interesses semelhantes aos de
Maslow; a “Teoria Z” foi publicada primeiro aqui, e o próprio
Maslow foi membro fundador do conselho editorial. Embora
não haja um porta-voz individual da perspectiva transpessoal,
esse grupo de psicólogos, como um todo, é mais aberto ao estu­
do e ao uso das psicologias orientais. A declaração de Sutich
(1969) no primeiro número do Journal expressa os múltiplos
interesses da psicologia transpessoal (p. 1):

Psicologia Transpessoal é o título dado a uma força emergente no


campo da psicologia por um grupo... que está interessado naque­
las capacidades e potencialidades humanas radicais que não têm
lugar sistemático na ... teoria behaviorista ("primeira força"), na
teoria psicanalítica clássica (“segunda força") ou na psicologia
humanista (“terceira força”). A Psicologia Transpessoal emergente
(“quarta força”) preocupa-se especificamente com... valores radi­
cais, consciência unitiva, experiências de pico, êxtase, experiência
mística, temor religioso, ser, auto-realização, essência, beatitude,
prodígio, significado profundo, transcendência do eu, espírito,
unidade, consciência cósmica... e conceitos, experiências e ativida­
des correlatas.

Por lidarem com fenômenos como “temor religioso’’ e


“consciência unitiva”, os psicólogos com orientação transpes-
soal recorreram ao auxílio das psicologias orientais, tal como R.
M. Bucke um século antes. Uma área em que alguns conside­
ram as psicologias ocidentais como deficientes em relação às do
Oriente é na abordagem das aspirações espirituais humanas ou
da vida religiosa. Charles Tart, um importante investigador
dos estados alterados de consciência (1969), editou uma cole­
ção pioneira dessas teorias orientais em Transpersonalpsychologies
(1976). Tart observa que as psicologias orientais não comparti­
lham as mesmas hipóteses das teorias ocidentais e por isso não
sofrem das mesmas limitações (1976, p. 5):
174 ■ A mente meditativa

A psicologia ocidental ortodoxa tem lidado muito escassamente


com o lado espiritual da natureza humana, optando por desprezar
sua existência ou por rotulá-la de patológica. Todavia, muito da
angústia de nosso tempo decorre de um vazio espiritual. Nossa cul­
tura, nossa psicologia excluíram a natureza espiritual do homem,
mas o custo dessa supressão forçada é enorme. Se quisermos nos
encontrar a nós mesmos, encontrar nosso lado espiritual, é impera­
tivo que consideremos as psicologias que têm lidado com isso.

Tart sugere que o campo da experiência espiritual é liga­


do ao campo dos estados alterados de consciência. Na medida
em que as psicologias orientais nos ajudam a predizer ou con­
trolar tais estados alterados, as próprias psicologias são ciências
de estados específicos, isto é, teorias que derivam de, e se apli­
cam a, estados de consciência específicos. O propósito de Tart
ao investigar as psicologias transpessoais do Oriente não é ofe­
recê-las para serem adotadas indiscriminadamente pela psico­
logia ocidental, mas considerá-las como guias para nossos pró­
prios esforços. Ele acredita que podemos usar o pensamento
oriental para construir, ao modo da ciência contemporânea,
uma compreensão mais plenamente informada desses campos
espirituais e das consciências alteradas que acarretam. Tart
adverte: “Não tenho dúvida alguma de que muitas escrituras
sagradas contêm uma grande quantidade de informação valio­
sa e de sabedoria, e estou certo de que muitos mestres espiri­
tuais têm a nos ensinar muita coisa de imenso valor, mas
mesmo os mais elevados tipos de ensinamentos espirituais têm
de ser adaptados à cultura e ao povo a que são apresentados se
realmente tiverem de ser conectados às suas psiques como um
todo” (1976, p. 58). Tart prevê “o desenvolvimento da tradição
científica com o vasto e inexplorado [para a ciência] mar de
potenciais humanos que podemos chamar de potencialidades
espirituais do homem”.
Talvez a integração mais sofisticada de psicologias orien­
tais e ocidentais até o momento esteja emergindo do trabalho
de eruditos ocidentais que mergulharam nas disciplinas orien­
tais e combinaram esses insights com os da psicologia conven-
A psicologia da meditação ■ 175

cional. Um esforço pioneiro nessa tradição é Transformation of


consciousness (1986), com contribuições de Ken Wilber, Jack
Engler, Daniel P. Brown e Mark Epstein. Seu trabalho combi­
na a grande tradição clínica ocidental do desenvolvimento psi­
cológico com as teorias do Oriente, mostrando como elas se
encaixam numa visão complementar das possibilidades huma­
nas. Esse trabalho marca uma nova era no diálogo entre essas
psicologias, era em que as duas correntes de pensamento se
encontram com respeito e compreensão mútuos.

21. Meditação: pesquisa e aplicações práticas

Meditação e estresse
Enquanto estive na índia em 1971, conheci muitos yogis
indianos, lamas tibetanos e monges budistas. Fiquei assombra­
do com a serena cordialidade, a receptividade e a prontidão
daqueles homens e mulheres, não importa em que situação.
Cada um deles era o tipo de pessoa com quem eu gostava de
estar, e sentia-me preenchido quando os deixava.
Havia grandes diferenças em suas crenças e em seus ante­
cedentes. A única coisa que compartilhavam era a meditação.
Depois conheci S. N. Goenka, um mestre que não era monge,
mas um industrial que tinha sido um dos homens mais ricos da
Birmânia. Embora tivesse obtido enorme êxito, Goenka desco­
briu que seu ritmo acelerado cobrou na forma de enxaquecas
diárias. Tratamentos médicos em clínicas européias e norte-
americanas não tiveram efeito em suas enxaquecas, e ele se vol­
tou para a meditação como um último recurso. Três dias depois
de sua primeira instrução suas enxaquecas desapareceram.
Nos anos 1960 houve um golpe militar na Birmânia e o
novo governo socialista confiscou todas as propriedades de
Goenka, deixando-o quase sem vintém. Ele emigrou para a
índia, onde se valeu de antigos negócios e de relações familiares
176 A mente meditativa

para começar uma nova empresa. Enquanto sua nova empresa


começava a caminhar, ele viajou por toda a índia dando cursos
de meditação de dez dias. Alguma reserva de energia permitia-
lhe ser em tempo integral um professor de meditação e um
homem de negócios. Seu exemplo me ajudou a ver que não é
preciso ser monge para meditar. É possível separar os efeitos
físicos da meditação de seu contexto monástico.
Quando voltei da índia para Harvard, descobri que o psi­
cólogo Gary Schwartz tinha iniciado pesquisas sobre medita­
ção. Ele tinha verificado que os meditadores apresentavam
níveis de ansiedade diária muito inferiores ao dos não-medita-
dores. Eles tinham muito menos problemas psicológicos ou
psicossomáticos, como resfriados, dores de cabeça e insónia.
Minha experiência pessoal, e essas descobertas científicas,
sugeriam que os meditadores podiam dominar as dificuldades
da vida, controlar bem as pressões diárias e sofrer menos com
elas. Com Schwartz como meu orientador de tese, elaborei um
estudo para ver como a prática da meditação ajuda alguém a
lidar com o estresse.
Chamei dois grupos de voluntários para nosso laboratório
de fisiologia. Um grupo era formado de professores de medita­
ção, que vinham meditando havia pelo menos dois anos. O
outro grupo era constituído de pessoas interessadas em medi­
tação mas que ainda não tinham começado a meditar. Uma vez
no laboratório, pediu-se a cada voluntário que se sentasse cal­
mamente e que relaxasse ou meditasse. Se não-meditadores
eram designados para o tratamento com meditação, eu os ensi­
nava a meditar ali mesmo no laboratório. Após vinte minutos
de relaxamento ou meditação, os voluntários viram um peque­
no filme que descrevia uma série de acidentes sangrentos com
operários de uma carpintaria. O filme é um procedimento-
padrão para induzir estresse durante estudos de laboratório
porque toda pessoa que assiste a ele fica agitada com os aciden­
tes apresentados.
Os meditadores tiveram um padrão único de reação ao
filme. Assim que o acidente estava para acontecer, seus ritmos
A psicologia da meditação ■ 177

cardíacos aumentavam e eles começavam a suar mais do que os


não-meditadores. Para preparar-se para a visào aflitiva, suas
batidas cardíacas aumentavam e seus corpos mobilizavam aqui­
lo que os fisiologistas chamam reação fight-or-flight (“luta-ou-
vôo”). Mas tão logo o acidente acabava os meditadores se recu­
peravam, seus sinais de excitação corporal caíam mais depressa
que os dos não-meditadores. Após o filme, eles estavam mais
relaxados que os não-meditadores, que ainda mostravam sinais
de tensão.
Esse padrão de maior excitação inicial e recuperação mais
rápida foi apresentado por meditadores experientes que tinham
ou não meditado antes de começar o filme. De fato, os medita­
dores sentiram-se mais relaxados todo o tempo que passaram
no laboratório. Recuperação rápida do estresse é um traço típi­
co de meditadores. Mesmo os novatos, que meditavam pela
primeira vez naquele dia no laboratório, ficavam menos ansio­
sos após o filme e recuperavam-se mais depressa que os não-
meditadores.
A própria meditação parece ser a causa mais provável da
rápida recuperação do estresse. Se a rápida recuperação entre os
meditadores experientes tivesse sido o resultado de algum
traço de personalidade comum ao tipo de pessoas aferradas à
meditação, os novatos teriam sido tão lentos na recuperação
quanto as pessoas que relaxaram.
Meu estudo pode explicar a menor incidência de ansieda­
de e distúrbios piscossomáticos entre os meditadores. As pes­
soas cronicamente ansiosas ou que têm um desajuste psicosso­
mático compartilham um padrão específico de reação ao estres­
se; seus corpos se mobilizam para enfrentar o desafio, em segui­
da param de reagir quando o problema foi superado. A eleva­
ção da tensão inicial é essencial pois permite-lhes disciplinar
sua energia e consciência para lidar com uma ameaça potencial.
Mas seus corpos permanecem excitados para o perigo quando
deviam estar relaxados, reunindo energias gastas e acumulando
recursos para o novo confronto com o estresse.
178 A mente meditativa

A pessoa ansiosa enfrenta os acontecimentos normais da


vida como se fossem crises. Cada mínima ocorrência aumenta
sua tensão, e sua tensão, por sua vez, amplia o próximo evento
ordinário — um prazo final, uma entrevista, uma consulta ao
médico — ao tamanho de uma ameaça. Por seu corpo permane­
cer mobilizado depois que um acontecimento já passou é que a
pessoa ansiosa tem um limiar de ameaça menor para o próxi­
mo. Se tivesse ficado num estado relaxado, ela apreenderia o
segundo evento com tranquilidade.
Um meditador lida com o estresse de uma maneira que
rompe a espiral ameaça-excitação-ameaça. O meditador relaxa
depois que um desafio passou mais frequentemente que o não-
meditador. Isso diminui sua probabilidade de ver ocorrências
inocentes como ameaçadoras. Ele percebe a ameaça com maior
precisão, e reage com excitação apenas quando necessário. Uma
vez excitado, sua rápida recuperação torna menos provável para
ele do que para a pessoa ansiosa ver o próximo prazo final como
uma ameaça.

Efeitos da meditação sobre o cérebro. O apelo popular


da meditação é a promessa de tornar a pessoa mais relaxada por
mais tempo. Mas alguns membros altamente pressionados da
sociedade não estão certos de que o relaxamento é uma coisa boa.
Quando Herbert Benson, da Escola de Medicina de Harvard,
escreveu um artigo na Harvard Business Revietu insistindo para
que os empresários dessem aos empregados um tempo de pausa
para meditação, houve uma enxurrada de cartas protestando que
o estresse e a tensão eram essenciais para a boa administração dos
negócios. Um amigo meu, quando aconselhado a meditar para
diminuir sua pressão sanguínea, respondeu: “Preciso ir com mais
calma, mas não quero me tornar um zumbi”.
Felizmente, a meditação não cria zumbis. Os especialistas
em meditação que conheci na índia e nos Estados Unidos esta­
vam entre as pessoas mais animadas que jamais encontrei. A
investigação dos efeitos da meditação sobre o cérebro pode
explicar por quê.
A psicologia da meditação • 179

A meditação treina a capacidade de prestar atenção. Isso a


distingue de outros meios de relaxamento, que em sua maioria
deixam a mente dispersar-se quanto queira. Esse aguçamento da
atenção perdura para além da própria sessão de meditação. Ele
aparece de diferentes maneiras no resto do dia do meditador.
Verificou-se, por exemplo, que a meditação melhora a capacida­
de de apreender deixas perceptuais sutis no ambiente e de pres­
tar atenção ao que está acontecendo em vez de deixar a mente
dispersar-se alhures. Essas habilidades significam que, na con­
versação com outra pessoa, o meditador deve ser mais enfático.
Por poder prestar uma atenção mais aguçada ao que a outra pes­
soa está fazendo ou dizendo, o meditador pode captar porções
maiores das mensagens ocultas que o outro está enviando.

Técnicas de MT e de Gurdjieff. Todas as técnicas de


meditação parecem ser meios igualmente efetivos de diminuir
o nível de ansiedade e ajudar a lidar com o estresse. Mas os
diferentes tipos de meditação reeducam a atenção de modos
diferentes.
Alguns de meus colegas em Harvard — Gary Schwartz,
Richard Davidson e Richard Margolin — compararam pessoas
treinadas em Meditação Transcendental (MT) com um grupo
treinado numa técnica gurdjieffiana. Esta técnica leva o nome
de G. I. Gurdjieff, o russo da virada do século que trouxe para
o Ocidente um amálgama de técnicas meditativas esotéricas
que compilou em suas viagens pela Ásia.
Na MT o meditador ouve em sua mente um som sânscri-
to, reiniciando o som mentalmente repetido toda vez que sua
mente se dispersa. O treinamento gurdjieffiano, como a MT,
inclui técnicas que melhoram a capacidade de manter um único
e sutil pensamento na mente. Mas os discípulos gurdjieffianos
também aplicam esse poder aprimorado de atenção para apren­
der uma complicada série de movimentos semelhantes à dança
e para sentir áreas específicas ao longo do corpo.
O grupo de Harvard testou os meditadores MT e gurdjief-
fianos um a um. Os pesquisadores olhavam para os padrões de
180 A mente meditativa

ondas cerebrais enquanto o meditador se concentrava nas sen­


sações de sua própria mão direita, e depois numa fotografia de
alguém sentado numa cadeira do laboratório. Os psicólogos
registraram sinais da parte do cérebro que controla a visão e da
parte que controla movimentos musculares. Descobriram que
quando um meditador gurdjieffiano se concentrava em sua
mão, o centro de movimentos musculares em seu cérebro fica­
va ativo, como que se preparando para comandar um movi­
mento. Ao mesmo tempo, a área visual do cérebro ficava menos
ativa. Quando um discípulo gurdjieffiano olhava para a foto­
grafia, a área motora se aquietava. Tais diferenças não aparece­
ram no grupo de MT, nem num grupo de pessoas que nunca
tiveram treinamento de meditação de qualquer tipo.
Os cérebros dos meditadores gurdjieffianos mostraram
especificidade cortical, a habilidade de acionar aquelas áreas do
cérebro necessárias para a tarefa pertinente deixando inativas ao
mesmo tempo as áreas irrelevantes.
Esse é o modo como o cérebro funciona quando estamos
no pico de nossa eficiência e alerta. Se áreas demais ficam
demasiado excitadas, ficamos superexcitados e temos desempe­
nho pobre. Se muito poucas áreas estão ativas, ficamos grogues.
As engrenagens do cérebro e do corpo funcionam melhor quan­
do apenas aquelas áreas que são essenciais ao trabalho pertinen­
te ficam ativadas. O treinamento gurdjieffiano desenvolveu
essa habilidade, enquanto a MT não.
Tanto a MT quanto o treinamento gurdjieffiano ativam o
poder de atenção enquanto relaxam o corpo. Mas só o treina­
mento gurdjieffiano aplica essa prontidão relaxada ao aprimo-
ramento das habilidades de detecção sensorial e controle mus­
cular. Essa mesma combinação de treinamento é encontrada
em várias artes marciais orientais. Se a mente do mestre de
caratê se dispersasse, ele quebraria sua mão e não o tijolo. A
concentração poderosa amplia a eficiência de qualquer tipo de
atividade.
O resultado da pesquisa mostra que uma técnica de medi­
tação é tão boa quanto outra para aprimorar o modo como lida-
A psicologia da meditação ■ 181

mos com o estresse. Os meditadores tornam-se mais relaxados


quanto mais tempo permanecerem meditando. Ao mesmo
tempo, tornam-se mais alertas, coisa que outros métodos de
relaxamento não conseguem fazer porque não treinam a capa­
cidade de prestar atenção.

Propriedades curativas da meditação


Em 1984, o National Institute of Health (NIH)1 publicou
um relatório de consenso que recomendava a meditação (junto
com restrições de sal e dietas) preferencialmente ao uso de dro­
gas como o primeiro tratamento para a hipertensão moderada.
Esse reconhecimento oficial foi um catalisador na difusão da
meditação e de outras técnicas de relaxamento como tratamen­
tos na medicina e na psicoterapia.
No início dos anos 1970, quando preparei minha disser­
tação de pesquisa sobre meditação e relaxamento como antído­
tos à reatividade ao estresse (Goleman e Schwartz, 1976), essa
idéia era novidade. Descobri que a meditação diminuía os
níveis de ansiedade e acelerava a recuperação do meditador da
excitação causada pelo estresse. As aplicações clínicas para dis­
túrbios do estresse pareciam óbvias.
Eu não estava sozinho em minhas descobertas. A metade
da década de 70 presenciou uma enxurrada de pesquisas sobre
meditação, particularmente seus benefícios para a saúde (ver
Shapiro e Walsh, 1984, para um panorama mais completo). O
rigor metodológico desses estudos, francamente, era desigual.
Mas a essência das descobertas era clara: a meditação era útil de
diversas maneiras. Por exemplo, a prática regular da meditação
diminuía a frequência de resfriados e dores de cabeça e reduzia
a severidade da hipertensão. Embora essas aplicações médicas
tenham recebido alguma atenção, a receptividade inicial mais
forte para a meditação partiu dos psicoterapeutas, que a viam

1 Instituto Nacional da Saúde, organismo do governo federal dos Estados Unidos, res­
ponsável pelas diretrizes oficiais em relação às questões da saúde. (N. T.)
182 A mente meditativa

como um meio para os pacientes administrarem a ansiedade


sem drogas, para obterem acesso a memórias e sentimentos
bloqueados, e como uma prescrição geral para lidar com toda
sorte de estresse. A meditação era por excelência uma ferra­
menta de controle do estresse e foi vigorosamente comerciali­
zada como tal para escolas, hospitais e empresas, junto com
uma gama de outras técnicas de relaxamento.
Meditação e relaxamento não são uma e a mesma coisa; a
meditação é, em essência, o esforço de reeducar a atenção. Isso
dá à meditação seus efeitos cognitivos exclusivos, como o
aumento da concentração e da empatia do meditador. O uso
mais comum da meditação, entretanto, é como uma técnica de
relaxamento rápida e fácil.
Embora as raízes orientais da meditação fossem exóticas,
ficou claro para os pesquisadores que, em termos de seus efei­
tos metabólicos, a meditação tinha muito em comum com téc­
nicas nativas de relaxamento como o relaxamento progressivo
e o biofeedback da tensão muscular de Edmund Jacobsen, e com
produtos importados da Europa como o treinamento autogêni-
co. A meditação diferia de outras técnicas de relaxamento em
seus componentes de atenção, como salientou Herbert Benson
(1975) em seu best-seller The relaxation response, mas muito de
sua qualidade terapêutica residia em sua eficácia em levar o
meditador a um estado de profundo relaxamento.
À medida que prossegue a pesquisa sobre técnicas de rela­
xamento para o controle de distúrbios do estresse, torna-se mais
incisiva a prova de sua eficácia. As mudanças neuroendócrinas
trazidas à tona em alguém profundamente relaxado mostraram
ser mais profundas do que acreditavam os primeiros pesquisa­
dores que viam as técnicas de relaxamento sobretudo em termos
de seu alívio da tensão muscular e da fadiga mental. Investiga­
ções mais biologicamente sofisticadas têm revelado efeitos pro­
fundos na função imunológica bem como uma gama de outras
modificações com aplicações clínicas específicas.
Janice Kiecolt-Glaser (1985, 1986) descobriu, por exem­
plo, que residentes idosos de um asilo que usavam um exercício
A psicologia da meditação ■ 1 83

de relaxamento mostraram um aumento significativo na força


de suas defesas imunológicas contra tumores e vírus. Estudan­
tes de medicina que usaram tais técnicas durante o estresse dos
exames apresentaram aumentos nos níveis de células auxiliares
que defendem contra doenças infecciosas. A descoberta dessas
mudanças explica relatos anteriores de que a meditação, por
exemplo, aumentava a resistência a gripes e resfriados.
Talvez o primeiro e maior interesse médico no relaxamen­
to tenha sido seu auxílio na luta contra doenças cardíacas. Pes­
quisadores que trabalharam com o doutor Benson relataram que
a meditação diminuía a reação do corpo à norepinefrina, um
hormônio liberado em reação ao estresse. Embora a norepinefri­
na normalmente estimule o sistema cardiovascular, elevando a
pressão sanguínea, ela não teve seu efeito habitual nos medita-
dores. Ao contrário, os meditadores mostraram um decréscimo
na pressão sanguínea. Essa reação simula a dos betabloqueado-
res prescritos para o controle da pressão sanguínea.
O uso clínico do relaxamento no controle da pressão alta,
especialmente nos casos moderados, tornou-se um tratamento
bem estabelecido, como reflete o relatório do NIH; se pratica­
do regularmente, ele frequentemente consegue substituir a
medicação ou diminuir a dependência de drogas. Num estudo
britânico, verificou-se que pacientes treinados nesses métodos
tinham pressão sanguínea mais baixa quatro anos depois que o
treinamento terminou (Patel et alii, 1985).
Os benefícios para os pacientes de males cardíacos vão
além do controle da pressão sanguínea. Verificou-se que o
relaxamento ajuda a aliviar o sofrimento causado pela angina
e pela arritmia e a diminuir os níveis de colesterol no sangue.
Dean Ornish (1983) mostrou que o relaxamento aumenta o
fluxo de sangue para o coração, diminuindo o perigo de isque-
mia assintomática.
Os diabéticos também podem lucrar com o relaxamento.
Richard Surwit (1983) verificou que o relaxamento melhorava
a regulação da glicose em pacientes com diabetes surgida na
idade adulta. Usando o relaxamento progressivo de Jacobsen
184 A mente meditativa

com asmáticos, Paul Lehrer (1986) verificou que a prática


diminuía as reações emocionais que freqúentemente precedem
os ataques e melhorava o fluxo em vias aéreas compçimidas.
Para os pacientes de dor, algumas formas de relaxamento
oferecem interesse particular. Jon Kabat-Zinn (1985) desco­
briu que a meditação conscienciosa, combinada com yoga,
diminuía a dependência de analgésicos e reduzia o nível de dor
em sofredores de dor crónica. As causas de sofrimento iam de
dores nas costas e de cabeça (enxaqueca e tensão) aos diferentes
casos de dor vistos em clínica. Quatro anos depois de termina­
do o tratamento, os benefícios ainda se mantinham.
Técnicas de relaxamento de todos os tipos têm sido usadas
por pacientes de diferentes tipos, particularmente onde o
estresse desempenha um papel principal ou exacerba o proble­
ma — e há poucos casos onde o estresse não conta. Algumas das
mais promissoras aplicações se verificam nos efeitos colaterais
da diálise renal e da quimioterapia do câncer, nos distúrbios
gastrintestinais, insónia, enfisema e problemas de pele.
O relaxamento também é amplamente usado como um
acessório na psicoterapia, onde tem sido bem aceito muito mais
abrangentemente do que na medicina. Mesmo assim, há alguns
problemas na aplicação dessas técnicas. Algumas pessoas rea­
gem ao relaxamento com aumento de tensão e até com pânico
(Cohen, 1985). Nesses casos, o relaxamento precisa ser intro­
duzido após preparação cognitiva inicial ou simplesmente não
ser introduzido.
Há outras situações em que a meditação pode não ser
apropriada para pacientes. Um esquizóide pode provavelmente
piorar sua apreensão da realidade, ficando excessivamente
absorto em realidades interiores; aqueles em estados emocio­
nais agudos podem estar agitados demais para começar a medi­
tação; os obsessivos-compulsivos podem, por um lado, ser
muito fechados às experiências novas para tentar a meditação
ou, por outro, superzelosos em seus esforços.
Uma tarefa a ser empreendida é delimitar as diferenças
significativas, se as há, entre técnicas de relaxamento e de
A psicologia da meditação ■ 185

meditação em termos das pessoas e problemas para os quais


elas serão mais eficazes. Mas, como deixa claro o resultado das
pesquisas, tais métodos oferecem um meio poderoso de desper­
tar a capacidade interna dos pacientes de participar de sua pró­
pria cura.

Meditação e psicoterapia
Hans Selye (1978) aponta para a necessidade de uma
“terapia do estresse” que funcionasse não contra determinado
agente produtor de males ou que melhorasse algum sintoma
específico, mas que fosse preventiva, trabalhando de modo a
favorecer o organismo como um todo. O padrão de reação ao
estresse que encontrei entre os meditadores é aquele em que o
meditador está mais alerta porém tranquilo em relação aos
indícios de ameaça, e se recupera deles mais eficientemente. Na
medida em que a fase de recuperação do estresse é a chave para
os sintomas de ansiedade crónica e distúrbios psicossomáticos,
a meditação pode funcionar como uma terapia para o estresse,
no nível psicológico bem como no nível puramente somático,
facilitando a recuperação mais rápida das situações estressantes.
Dessa forma, a meditação pode se revelar um acessório útil em
qualquer psicoterapia.
Outros processos da meditação podem coincidir com
aspectos da terapia. Por exemplo, na medida em que dirige sua
atenção para dentro, o meditador fica aguçadamente conscien­
te de pensamentos, sentimentos e estados colhidos do estoque
armazenado de sua experiência total que emergem espontanea­
mente. Dado que o meditador está, ao mesmo tempo, profun­
damente relaxado, o conteúdo total de sua mente pode ser visto
como formando uma “hierarquia de dessensibilização”. Essa
hierarquia não se limita àqueles itens que o terapeuta e os
pacientes identificaram como problemáticos, embora estes cer­
tamente estejam incluídos, mas se estende a todos os assuntos
da vida da pessoa, a tudo quanto esteja “na mente de alguém”.
Nesse sentido, a meditação pode ser uma autodessensibilização
natural, global.
1 86 ■ A mente meditativa

Isso pode influir na diminuição da tensão normalmente


associada a material reprimido quando a meditação foi usada
como acessório para a terapia, permitindo assim que material
doloroso anterior emerja com maior consciência. Após meditar,
a associação livre do paciente tem-se mostrado particularmen­
te rica em conteúdo, enquanto, ao mesmo tempo, o paciente
está mais apto a tolerar esse material. Dessa forma, a medita­
ção parece melhorar o acesso ao inconsciente.
Muitas terapias contemporâneas partem de uma com­
preensão da condição humana semelhante em alguns aspectos
à do Abhidhamma. Freud, por exemplo, viu a “neurose univer­
sal do homem”; Buda viu que “todos os seres mundanos são
desajustados”. Embora o insight fosse semelhante, a resposta
foi diferente. Freud tentou, através da análise, ajudar seus
pacientes a encarar, compreender e reconciliar-se com essa
“trágica” condição de vida. Buda procurou, através da medita­
ção, erradicar as fontes de sofrimento numa reorientação radi­
cal da consciência.
A terapia psicodinâmica, desde Freud, tem trabalhado
dentro das coerções da consciência para alterar o impacto dos
conteúdos do passado da pessoa na medida em que afetam o
presente. As psicologias asiáticas têm desprezado amplamente
os conteúdos da consciência, buscando ao mesmo tempo alterar
o contexto em que eles são registrados na consciência.
As psicoterapias convencionais assumem como dados os
mecanismos subjacentes aos processos mentais, buscando ao
mesmo tempo alterá-los no nível dos padrões socialmente con­
dicionados. Os sistemas asiáticos desconsideram esses mesmos
padrões socialmente condicionados, enquanto visam ao contro­
le e à auto-regulação dos próprios mecanismos subjacentes.
As terapias rompem com o domínio do condicionamento
passado sobre o comportamento presente; a meditação visa a
alterar o processo de condicionamento em si, de modo a não
mais ser um determinante primordial nos atos futuros. Na
abordagem asiática a mudança de comportamento e de perso­
nalidade é secundária, um epifenômeno de mudanças, através
A psicologia da meditação ■ 187

da voluntária auto-regulação de estados mentais, no processo


básico que define nossa realidade.
A consciência é o meio que transporta as mensagens que
compõem a experiência. As psicoterapias se preocupam com
essas mensagens e seus significados; a meditação, em vez disso,
se dirige para a natureza do meio, a consciência. Essas duas
abordagens não são de forma alguma exclusivas; ao contrário,
são complementares. Uma terapia do futuro pode integrar téc­
nicas de ambas as abordagens, produzindo possivelmente na
pessoa toda uma mudança mais consumada e mais poderosa do
que cada uma delas sozinha.

Meditação e pesquisa da consciência:


algumas propostas
Como vimos anteriormente, há duas estratégias fundamen­
tais de atenção na meditação: concentração e atentividade
(mindfulness). O estado alcançado pelo meditador depende do
método usado. A concentração leva o meditador a ficar unidire-
cionado e finalmente funde sua atenção com seu objeto. A aten­
tividade leva o meditador a testemunhar as operações de sua
própria mente, vindo a perceber com desapego os mais finos
segmentos de seu fluxo de pensamento. Os estados alterados
produzidos por cada abordagem são radicalmente diferentes.
Embora essas duas rotas da atenção para estados alterados
representem protótipos, elas não esgotam todas as mudanças
possíveis na consciência que a meditação pode acarretar. A
manipulação da atenção pode ser ligada a outras práticas como
movimento, controle da respiração ou jejum. A adição de
outras práticas aumenta a complexidade do cálculo das mudan­
ças na consciência.
A literatura clássica sobre a fenomenologia da meditação
traça uma distinção entre estados alterados e traços alterados de
consciência. Os estados alterados são temporários e ocorrem
caracteristicamente dentro do espectro da atividade do medita­
dor — os transes chamados samadhi em sânscrito e jhana em páli.
188 A mente meditativa

Traços alterados são transformações permanentes na natureza da


consciência do meditador e persistem a despeito da atividade
em que ele esteja engajado. Os estados alterados meditativos
duram apenas enquanto uma manobra particular de atenção
(como a unidirecionalidade) é executada, e diminuem rapida­
mente quando cessa o esforço. Os traços alterados são mudanças
na consciência que se tornam habituais e fáceis; são, assim, um
aspecto automático dos estados de consciência básicos da pessoa.
Eles permanecem depois que cessa o esforço inicial.

Pesquisas sobre meditação e consciência. Embora a


pesquisa sobre meditação até o presente tenha sido amplamen­
te fragmentária, ela tende a confirmar os aspectos gerais das
mudanças de estado e dos traços de consciência descritos nas
fontes clássicas. Mas nenhuma das pesquisas sustenta conclusi­
vamente essas afirmações, em parte por causa da amostragem
preconcebida e outros problemas metodológicos (ver J. M.
Davidson, 1976; Shapiro, 1980; Schuman, 1980) e porque
medições radicais nunca foram feitas.
As mudanças de estado durante a meditação têm sido um
importante foco de pesquisa. A literatura clássica deixa claro
que o estado produzido pela meditação depende das especifi­
cidades da manipulação da atenção envolvida. As técnicas de
unidirecionalidade (one-pointedness\ por exemplo, devem pro­
duzir um estreitamento da percepção, alcançando, em seu
ponto mais plenamente focalizado, um estado alterado no qual
o meditador ignora todos os estímulos externos. As técnicas
de atentividade devem produzir um estado de percepção per­
manente dos estímulos sem nenhum condicionamento da rea­
ção orientadora.
Dois dos primeiros estudos sobre meditação parecem ter
confirmado essas hipóteses clássicas. Anand e seus colaborado­
res (1961) levaram uma unidade portátil de EEG (eletrencefa-
lograma) para a índia e mediram um yogi obsequioso que afir­
mava poder entrar num estado de samadhi. Durante a medita­
ção, seu EEG mostrou um forte e contínuo ritmo alfa. Quando
A psicologia da meditação ■ 189

os pesquisadores fizeram ruídos altos e até tocaram o braço do


yogi com um tubo de ensaio quente, não houve, dizem eles,
quebra no ritmo alfa. A ausência de bloqueio alfa, por parte do
yogi, frente a um estímulo forte sugere que, de fato, ele estava
num estado de samadhi, indiferente a estímulos externos.
Kasamatsu e Hirai (1969) fizeram um teste semelhante em
meditadores zen no Japão. Levaram sua unidade de EEG para
um zenclo e mediram monges engajados em meditação intensa.
A hipótese que os investigadores buscavam testar era. a de que
os meditadores estavam tentando cultivar uma atitude de aten-
tividade (jnindfulness). Os meditadores zen foram submetidos a
um estímulo monótono, uma série de quarenta ruídos de pan­
cadas leves. Se sua meditação tivesse produzido a capacidade de
estar atentivo, eles deveriam reagir plenamente à sequência
inteira de pancadas. Se estivessem num mero estado normal de
vigília, então seu ritmo alfa seria quebrado por cada pancada
(uma reação orientadora normal) até por volta da décima panca­
da; além deste ponto, não deveriam mostrar bloqueio do ritmo
alfa, um sinal de que se teriam habituado ao estímulo.
Kasamatsu e Hirai relatam que a maior parte dos medi­
tadores zen se habituaram às pancadas, indicando que não
estavam num estado alterado. No entanto, os três monges
que foram qualificados por seu mestre como os mais avança­
dos reagiram ao último som de pancada tão intensamente
quanto ao primeiro — um padrão que indica um estado de
prontidão atentiva e constante, para além da faixa normal dos
estados de vigília.

Repetição. Os dois estudos descritos acima são freqúen-


temente citados, mas nunca foram repetidos com sucesso.
Ambos foram feitos nos primórdios da pesquisa de EEG sem
auxílio da análise de computador ou outras práticas correntes.
Cada estudo deveria ser reproduzido para se estabelecer se
aquelas técnicas de treino da atenção podem resultar nos esta­
dos alterados descritos na literatura clássica. Essa reprodução
exigiria uma seleção muito cuidadosa dos sujeitos e das medi-
1 90 ■ A mente meditativa

das: o nível de realização exigido dos sujeitos é muito alto — e


raro. Seria fácil obter falsos negativos se fossem examinados
sujeitos inadequados. Os sujeitos têm de praticar realmente
uma técnica de atenção que resulte na transformação hipoteti-
zada. Muitos meditadores zen, por exemplo, praticam outras
técnicas além da atentividade. Os candidatos mais prováveis
para a reprodução do estudo da atentividade se encontrariam
entre os praticantes avançados da meditação-introvisão do esti­
lo theravadano (Brown, 1984). A medida de atividade cerebral
mais apropriada para esses estudos seria o potencial evocado
(evokedpotential), junto talvez com as medições alfa usadas nos
estudos mais antigos. O potencial evocado representa uma
poderosa medida dos processos centrais do cérebro e pode ofe­
recer uma reprodução mais definitiva.
A análise total do espectro de EEG seria uma medida adi­
cional útil, particularmente para traçar a cartografia das dife­
renças sutis entre estados alterados na meditação. Novamente
é preciso ter muito cuidado na escolha dos sujeitos. Visto que
os estados a serem avaliados são frágeis e que poucos pratican­
tes são hábeis o bastante para evocá-los quando solicitados,
uma comparação entre sujeitos só pode gerar resultados frutí­
feros se os meditadores forem rigorosamente adequados.

Traços alterados e estados alterados na meditação. Os


objetivos das diversas vias de meditação, embora expressos em
termos diferentes, compartilham um núcleo comum: a transfor­
mação da consciência. Embora cada tradição descreva “aqueles
que chegaram lá” em sua própria linguagem e de acordo com
sua própria cosmologia e sistema de crenças, existem sobreposi­
ções notáveis. O conjunto de traços de personalidade descritos
para o arahat no budismo clássico serve tão bem quanto qual­
quer outro para representar o tipo ideal de ser “acabado”.
Um estudo ilustrativo de meditadores em vários níveis de
perfeição foi realizado por Brown e Engler (1980), que admi­
nistraram uma bateria de testes de personalidade em perfeitos
meditadores budistas de introvisão nos Estados Unidos e na
A psicologia da meditação • 191

índia. Uma descoberta desse estudo é particularmente fértil.


Meditadores que receberam três meses de intenso treinamento
em meditação-introvisão foram submetidos a testes Rorschach
antes e depois de seu treinamento. Independentemente, seu
mestre classificou cada um quanto a seu progresso em unidire-
cionalidade ou atentividade. As respostas aos testes Rorschach
dos indivíduos de classificação mais alta foram comparadas. Os
treinados em unidirecionalidade deram respostas ralas, sem
imaginação; os treinados em atentividade deram respostas far­
tas com ricas associações. O padrão das respostas Rorschach
parece refletir as consequências do treinamento meditativo; a
unidirecionalidade intensa indica que o meditador despreza o
encadeamento das associações mentais, enquanto a atentivida­
de intensa indica que o meditador apreende todo e qualquer
elemento em seu fluxo de consciência. O estudo não deixa claro
por quanto tempo esses traços de consciência persistiriam
depois de os meditadores retornarem a suas vidas normais.
Outros estudos têm documentado uma gama de efeitos
duradouros da meditação, embora não esclareçam se os efeitos
de longo prazo são subprodutos da meditação em geral ou
específicos a uma estratégia de atenção. Esses traços-efeitos
incluem percepção acurada e distração reduzida (Pelletier,
1974; Van Nuys, 1971), estabilidade autónoma e recuperação
acelerada de excitação provocada por estresse (Orme-Johnson,
1973; Goleman e Schwartz, 1976), e nível de ansiedade geral
diminuído (Davidson, Goleman e Schwartz, 1976).
O Abhidhamma sugere que a meditação pode produzir cer­
tas mudanças duradouras na personalidade. Estudos empíricos
recentes da personalidade em meditadores investigam a gran­
de mudança sugerida: o decréscimo de estados psicológicos
negativos e o aumento dos positivos. Por exemplo, os medita­
dores demonstraram ser significativamente menos ansiosos se
comparados a não-meditadores (Ferguson e Gowan, 1976;
Goleman e Schwartz, 1976; Nidich et alii, 1973), apresentam
menos distúrbios psicossomáticos, mais bom humor, e são
menos neuróticos na escala de Eysenck (Schwartz, 1973). Os
192 A mente meditativa

meditadores também mostram uma crescente independência


dos estímulos situacionais, isto é, um locus interno de controle
(Pelletier, 1974); são mais espontâneos, têm maior capacidade
de fazer contato íntimo, aceitam-se melhor, e têm uma auto-
avaliação melhor (Seeman et alii, 1972); têm mais empatia para
com outras pessoas (Lesh, 1970; Leung, 1973); e exibem
menos medo da morte (Garfield, 1974). Embora tais estudos
não tenham sido elaborados para avaliar especificamente as for­
mulações do Ábhidhamma sobre o impacto da meditação na
personalidade, os resultados tendem a corroborar sua premissa
principal: a de que a meditação reduz os estados negativos
enquanto aumenta os positivos.
A literatura sugere de modo rudimentar que o treina­
mento na meditação gera efeitos em estados e traços. Tal como
nos efeitos-estados, os efeitos-traços encontrados até agora
precisam ser reproduzidos e ampliados. Há dois modelos
gerais que podem revelar-se muito úteis na apreensão desses
efeitos duradouros: perfis básicos e índices de desempenho em
reação a desafios.
Não existe até agora nenhum estudo metodologicamente
rigoroso dos efeitos duradouros da meditação (Shapiro, 1980).
Idealmente, tal estudo controlaria diferenças iniciais nos sujei­
tos (como motivação), enviá-los-ia aleatoriamente a tratamen­
tos, e faria medições pré e pós-tratamento. Um estudo defini­
tivo levaria esses fatores em conta e então mediria seus sujeitos
numa série de dimensões relevantes para as mudanças induzi­
das pela meditação. Baterias de testes de personalidade padro­
nizados, medições de comportamento e, sobretudo, medições
cerebrais da atenção são os primeiros candidatos. Os relatos dos
próprios meditadores e a literatura clássica, bem como a pes­
quisa contemporânea, deveriam ser consultados para a formu­
lação de hipóteses específicas.
Muitos traços só se manifestam sob condições especiais.
Por exemplo, estudos de hipertensos mostram que o registro da
pressão sanguínea tomada de uma pessoa em repouso pode
A psicologia da meditação ■ 1 93

estar dentro da faixa normal, ao passo que um registro tomado


sob estresse indicará hipertensão. Em repouso, alguns atributos
especiais dos meditadores podem ficar latentes, ao passo que o
estresse ou outras condições podem trazer à tona esses atribu­
tos. Uma escala de testes de desempenho poderia avaliar essas
capacidades ocultas.
Quaisquer que sejam as especificidades do modelo e da
medição, a pesquisa mais frutífera será guiada pela sabedoria
das psicologias orientais. Essas psicologias podem oferecer uma
perspectiva teórica sobre o curso das mudanças na meditação
que pode informar a pesquisa. Poucos estudos de meditação até

tiva teórica abrangente. A maioria dos estudos tem sido frag­


mentário. Alguns medindo ondas cerebrais, outros observando
mudanças metabólicas, outros ainda avaliando efeitos psicoló­
gicos. Os relatórios dos laboratórios científicos parecem-se um
pouco com o conto dos seis cegos e o elefante.
As psicologias orientais, no entanto, oferecem muitas teo­
rias e hipóteses testáveis sobre o que a meditação é e faz. Refi­
nar essas hipóteses resultaria numa compreensão ocidental da
meditação que seria bem fundamentada na teoria e nos dados.
Um excelente exemplo de como esse trabalho pode ser realiza­
do é a pesquisa de Daniel Brown (1984) sobre mudanças na
percepção de meditadores vipassana.
Existe uma abundância de hipóteses de trabalho a ser des­
coberta nas psicologias orientais. Com um arcabouço como este
para orientá-las, a pesquisa sobre meditação pode crescer para
tornar-se uma valiosa contribuição para nosso entendimento da
consciência humana.

Meditação e fluxo: vivendo no Tao


Diz-se que o arahat, a todo momento e em toda circuns­
tância, vivência um estado interno de calmo deleite, é aguda­
mente atento a todos os aspectos importantes da situação e
194 A mente meditativa

exibe “meios habilidosos” em resposta às exigências do


momento. Um estado semelhante foi descrito na psicologia
contemporânea por Csikzenmihalyi (1978), que estudou um
amplo espectro de atividades intrinsecamente prazerosas, todas
marcadas por uma experiência semelhante, que ele chama
“fluxo” (flow).
Os elementos-chave do fluxo são: (a) a fusão da ação e da
consciência na firme concentração na tarefa em execução, (b) a
focalização da atenção num puro envolvimento sem preocupa­
ção com o resultado, (c) esquecimento de si mesmo com eleva­
da consciência da atividade, (d) habilidades adequadas para res­
ponder à exigência ambiental, (e) clareza no tocante a estímu­
los situacionais e reações apropriadas. O fluxo aparece quando
há um encaixe perfeito entre a capacidade da pessoa e as exi­
gências do momento. A zona do fluxo é limitada, de um lado,
pelas situações que induzem a ansiedade, onde as exigências
superam a capacidade, e, do outro, pelo tédio, onde a capacida­
de ultrapassa a exigência.
Num trabalho correlato, Hartmann (1973) propõe um
modelo de “aguçamento inibitório” (inhibitory sharpening) nos
padrões da excitação cortical, que representa a especificidade
otimizada da reação cerebral à exigência ambiental. A atenção
focalizada implica pequenas áreas claramente demarcadas de
excitação cortical circundadas por áreas de inibição.
Quando não fica clara a demarcação cerebral de excitação
e inibição, ocorre um “transbordamento” de excitação para
áreas do cérebro irrelevantes à atividade em curso. Isso, propõe
Hartmann, caracteriza um funcionamento cortical menos equi­
librado, menos delicadamente ajustado, tal como encontrado
na fadiga. Esse “transbordamento” de excitação pode ocorrer
também em ansiedade aguda, e pode ser responsável pela habi­
lidade diminuída de perceber e reagir em estados de ansiedade.
A especificidade cortical flnamente sintonizada, por outro
lado, caracteriza o funcionamento vigilante descansado, permi-
A psicologia da meditação • 195

rindo flexibilidade na resposta às exigências ambientais com


reações habilidosas. Esse pode ser um aspecto do substrato neu-
rofisiológico do fluxo.
Enquanto eu interpreto o modelo do fluxo em termos de
neurofisiologia, a formulação de Hartmann aponta para uma
característica significativa do fluxo: ele exige precisão e fluidez
na padronização neurológica, de modo que a ativação possa
transformar exigências situacionais rígidas em flutuantes. O
estado de fluxo não é um padrão determinado de excitação per­
manente; ele exige flexibilidade. A pessoa que é cronicamente
ansiosa, ou habitualmente bloqueada dentro de qualquer confi­
guração de excitação, tem probabilidade de confrontar-se com
mais situações em que seu estado interno é inadequado para o
encaixe favorável com as exigências ambientais — isto é, não-
fluxo. Circunstâncias cambiantes requerem estados internos
cambiantes.
Há duas maneiras de aumentar a probabilidade de uma
experiência de fluxo: regular o desafio ambiental para encaixá-
lo nas habilidades da pessoa, como nos jogos, ou auto-regula­
ção de capacidades internas para enfrentar uma maior variação
nas exigências externas. Considero que a meditação pode ser
um equivalente funcional da segunda estratégia, produzindo
uma mudança no estado interno que poderia maximizar as pos­
sibilidades de fluxo.
“Algumas pessoas”, observa Csikzenmihalyi, “entram no
fluxo simplesmente dirigindo sua consciência de forma a limi­
tar o campo de estímulo de um modo que permite a fusão da
ação e da consciência” — isto é, o foco de atenção com exclusão
de estímulos dispersantes. Isso é idêntico à habilidade básica
praticada na meditação: é o núcleo essencial de toda disciplina
meditativa (embora as técnicas possam variar de acordo com o
grau de esforço dispendido na atenção).
Uma constelação de descobertas acerca dos efeitos dura­
douros da meditação sugere um espectro de mudanças, que
inclui o aguçamento perceptivo e o crescimento da habilidade
196 A mente meditativa

de responder a um estímulo-alvo desprezando ao mesmo


tempo os estímulos irrelevantes; especificidade cortical aumen­
tada — isto é, excitação da área cortical apropriada a uma dada
atividade com respectiva inibição das zonas corticais irrelevan­
tes, um padrão subjacente à reação habilidosa; crescente excita­
bilidade cortical específica a situações, com inibição límbica;
estabilidade autónoma e decréscimo do nível de ansiedade; e
serenidade e tranquilidade na resposta a estímulos carregados
emocionalmente e ameaçadores.
Na medida em que essas diversas descobertas são válidas
para qualquer meditador individual, esses traços deveriam ope­
rar de modo a diminuir o patamar de entrada no fluxo ao tra­
zer para seu domínio aquelas instâncias onde o fluxo de outro
modo teria sido excluído por percepção errónea, distração, esta­
dos excitados inadequados a exigências específicas, ou funcio­
namento prejudicado pela ansiedade. Na medida em que se
expande a abrangência do fluxo e seu sentimento dos prazeres
intrínsecos da atividade, haveria um concomitante encolhi­
mento nos domínios das situações indutoras de ansiedade e
tédio na vida diária. De fato, o ajuste do estado interno da pes­
soa com as demandas de ação específicas, como no “fluxo”, tem
sido um ideal em vários sistemas asiáticos para o autodesenvol-
vimento. Nas palavras do mestre zen Unmon: “Se você andar,
apenas ande. Se se sentar, apenas se sente. Mas, faça o que fizer,
não oscile”.
A fenomenologia do fluxo compartilha muitos atributos do
estado mental do meditador tal como descrito no Abhidhamma'.
clareza de percepção, prontidão, serenidade; e flexibilidade, efi­
ciência e habilidade na ação. Na medida em que os efeitos dura­
douros da meditação se aproximam desse ideal, o estado de fluxo
pode ser visto como um benefício da meditação.
Neste sentido, o objetivo do treinamento meditativo
coincide em parte com as qualidades do comportamento habi­
lidoso e, de modo mais geral, com o fluxo: ação desimpedida
de ansiedade, clareza de percepção e acuidade da resposta, pra-
A psicologia da meditação ■ 197

zer na ação por si mesma. A natureza dessa experiência está


muito bem condensada na tradução feita por Merton de um
poema do mestre taoísta Chuang Tsé:

Ch’ui o desenhista
Podia traçar círculos mais perfeitos à mão livre
Do que com o compasso.

Seus dedos geravam


Formas espontâneas tiradas do nada. Sua mente
Era ao mesmo tempo livre e sem preocupação.

Nenhum ímpeto, nenhuma compulsão,


Nenhuma necessidade, nenhuma atração:
Então os teus afazeres
Estão sob controle.
És um homem livre.

Como meditar
Para o leitor que gostaria de tentar a meditação, aqui vão
algumas práticas simples. Você pode experimentar todas, mas
se for continuar a meditar é melhor ficar com aquela que lhe
pareça a mais conveniente.
Encontre uma cadeira confortável, de encosto reto, num
cômodo tranquilo onde você não será perturbado. Sente-se reto
mas relaxado. Mantenha a cabeça, o pescoço e a coluna alinha­
dos, como se um grande balão de hélio estivesse levantando sua
cabeça. Manter a cabeça na vertical ajudará sua mente a ficar
mais alerta — e estar alerta é essencial na meditação.
Feche os olhos e mantenha-os fechados até terminar a ses­
são. É bom sentar-se pelo menos 15 minutos de cada vez, de
preferência mais — 20 ou 30 minutos ou mesmo uma hora, se
possível. Você deve decidir quanto tempo planeja ficar sentado
antes de começar. Assim você não cederá tão facilmente à ten­
tação de levantar-se e fazer algo “urgente” ou “mais útil”. Insis­
tências para interromper a meditação vão surgir e desaparecer,
198 A mente meditativa

e você tem de resistir a elas. Faça com que seu relógio lhe avise
quando a sessão tiver terminado.

Meditação sobre a respiração. Uma das práticas mais


simples é a meditação sobre a respiração. Essa prática cultiva
tanto a concentração quanto a atentividade. Embora tenha sido
este o método que supostamente levou o Buda à iluminação,
ele também encontrou um uso mais mundano na psicoterapia
e nas medicinas comportamentais como uma técnica para se
ficar mais profundamente relaxado.
Para começar, dirija sua consciência para a respiração,
atentando para cada inalação e exalação. Você pode observar a
respiração notando as sensações nas narinas ou atentando para
o sobe-desce da barriga enquanto respira.
Tente ficar alerta para cada respiração em sua duração
total: a inspiração inteira, a expiração inteira. Não tente con­
trolar sua respiração — apenas observe-a. Se sua respiração ficar
mais rala, deixe-a assim. Se ficar mais rápida ou mais lenta,
deixe. A respiração regula-se a si mesma. Enquanto medita, seu
trabalho é simplesmente estar atento a ela.
Cada vez que perceber que sua mente se dispersou, condu­
za-a gentilmente de volta para a respiração. Durante a medita­
ção, seu contrato com você mesmo é que qualquer outra coisa
que não sua respiração — pensamentos, planos, lembranças,
sons, sensações — são distrações. Não ligue para seus outros
pensamentos. Qualquer coisa que entre em sua mente além de
sua respiração é, neste momento, uma distração.
Se tiver dificuldades em manter sua mente na respiração,
você pode ajudar a concentração repetindo uma palavra a cada
inalação e exalação. Se estiver observando a respiração nas nari­
nas, pense “dentro” com cada inalação e “fora” com cada exala­
ção. Se estiver observando o sobe-desce da barriga, pense
“sobe” a cada inspiração e “desce” a cada expiração. Certifique-
se de estar ligado na experiência real da respiração e não apenas
na repetição das palavras.
A psicologia da meditação ■ 1 99

Mantra. Algumas das meditações concentrativas mais


amplamente usadas empregam mantras como objetos de aten­
ção. Essas técnicas, como vimos, são encontradas virtualmente
em todas as grandes tradições espirituais, do cristianismo,
judaísmo e islamismo ao budismo e hinduísmo. Na moderni­
dade, a técnica tem sido adaptada como a “resposta ao relaxa­
mento” para ajudar as pessoas a entrar num estado relaxado.
Pegue uma palavra ou som simples que tenha um signifi­
cado positivo para você. Muitas pessoas escolhem uma frase
com simbolismo espiritual para elas, como “adonai”, “Kyrie
eleison” ou “um”. No hinduísmo, os nomes de Deus como
“Ram” são comuns; no budismo tibetano, o mantra “Om Mane
Padme Hum” é muito usado.
Uma vez decidido o mantra a ser usado, as indicações são
semelhantes às da meditação sobre a respiração. Sente-se com
calma e repita seu mantra mentalmente para você sem emitir
nenhum som. Cada vez que sua mente se dispersar, traga-a de
volta ao mantra. Não ligue para nenhum outro pensamento,
deixando o mantra preencher sua consciência.

Respiração atentiva. Para cultivar a atentividade, come­


ce com a simples meditação sobre a respiração descrita acima.
Uma vez que tiver obtido um domínio razoável da meditação
sobre a respiração, você pode expandir a prática numa atentivi­
dade mais geral — uma meditação sobre a própria mente. Na
meditação-atentividade, cada coisa que penetra em sua mente
torna-se o objeto da meditação.
Novamente, use a respiração como seu objeto básico de
meditação. Mas agora, cada vez que sua mente se dispersar,
esteja alerta para a natureza dessa dispersão. Em outras pala­
vras, use suas distrações como objetos de meditação.
Por exemplo, se sua mente se distrair com um som que
você ouvir, rotule essa distração de “ouvir”. Se sua mente se dis­
trair com um pensamento, chame isso de “pensar”; se for uma
lembrança, “lembrar”; se for uma sensação do corpo, “sentir”.
Cada vez que tiver rotulado uma distração, traga sua mente de
volta à respiração.
200 ■ A mente meditativa

Comer atentivamente. Com a atentividade, qualquer


atividade pode ser meditativa se você prestar total e cuidadosa
atenção àquilo que está fazendo. Comer, por exemplo. O méto­
do para comer atentivamente é prestar atenção total e cuidado­
sa a cada aspecto da experiência.
Comece sentando-se com calma e conduzindo sua atenção
à sua respiração, observando as inspirações e expirações. Quan­
do se sentir tranquilo e sereno, comece a comer.
Ajuda se você comer vagarosamente, decompondo cada
movimento para poder atentar a cada nuança de sensação, som,
sabor e movimento. Por exemplo, se for apanhar um bocado de
comida, faça isso numa velocidade que lhe permita notar a dis­
tensão e retensão dos músculos em seu braço e mão e a sensa­
ção do garfo contra a pele. Evite a tendência de ir “no automá­
tico”, apanhar o próximo bocado antes de acabar com o atual.
Vamos supor que você vai comer amêndoas. Pegue uma e
segure-a entre os dedos. Sinta a textura da pele contra a ponta
dos dedos e a forma e a pressão enquanto segura a amêndoa.
Olhe para ela: observe sua cor e seu formato e as ranhuras ao
longo da casca.
Vagarosamente, leve a amêndoa para a boca. Atente para
o primeiro momento em que pode sentir-lhe o cheiro. Se esti­
ver atento, você poderá perceber que começou a salivar antes de
a amêndoa alcançar sua boca. Fique atento ao primeiro contato
da amêndoa com seus lábios.
Em seguida, ponha-a na boca e comece a mastigar lenta­
mente. Observe a sensação de seus dentes ao atravessarem a
amêndoa e o trabalho da língua enquanto move os pedaços de
amêndoa dentro da boca. Repare no sabor da casca. Escute os
sons da mastigação. Sintonize-se nas sensações criadas por
cada mordida.
Observe como os pedaços mastigados de amêndoa se mis­
turam com a saliva enquanto você engole. Certifique-se de
mastigar todos os pedaços completamente e de engoli-los antes
de pegar outra amêndoa. Continue a comer cada amêndoa res­
tante com a mesma lentidão cuidadosa. Permaneça calmo e
concentrado o tempo todo.
A psicologia da meditação ■ 201

Andar atentivamente. Tire os sapatos. Fique de pé num


lugar e sinta as sensações em seus pés enquanto tocam o solo.
Apreenda tudo o que sentir a cada momento. Quando estiver a
ponto de dar um passo à frente, observe sua intenção mental de
dar este passo. Erga lentamente seu pé, sentindo cada sensação
- leveza, suspensão, tensão, movimento —, percebendo cada
impressão presente.
É melhor começar num ritmo lento para poder prestar
atenção às sensações. Mais tarde, você poderá ir mais depressa
e continuar a manter a atenção. Mova o pé para a frente, ponha-
o de novo no chão e transfira seu peso para ele. Todo o tempo,
esteja atento às sensações nesse movimento. Quando surgirem
pensamentos, não se importe com o conteúdo deles. Traga sua
mente de volta às sensações do pé e prenda-se a essa simples
experiência de andar. Continue a fazer isso enquanto quiser -
de cinco minutos a meia hora ou mais.
No começo, para manter a mente concentrada, é interes­
sante rotular a ação. Por exemplo, você pode dizer para si
mesmo: “Para cima — para a frente — para baixo", observando a
sensação do peso enquanto ele se transfere de um pé para o
outro. Mais tarde você pode simplificar o processo eliminando
as palavras. Concentre-se apenas na sensação.
Para observar o processo da mente em maior detalhe,
observe a intenção que precede cada movimento, bem como as
próprias sensações. Assim: intenção de levantar, levantar; inten­
ção de ir para a frente, ir para a frente; intenção de situar-se,
situar-se; intenção de mudar de pé, mudar de pé.
Finalmente, você pode desenvolver uma percepção direta
de toda a rotina — intenção, movimento, sensações — sem rotu­
lar nada.
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Sobre psicologias orientais, meditação


e psicoterapia, meditação e saúde
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Transformaiion of consciousness. Boston & London, New Science
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índice remissivo

Abade Doroteu, santo, 75 Absorção total. Ver Jhanas


Abdul-Hamid, 82 Abu al-Najib, 82
Abhidhamma, 25, 186 Abulafia, Abraão, 72
conceitos psicológicos do, Abu Said de Mineh, 81
131-53 Adler, Alfred, 171
desenvolvimento do, 132-3 Advaíta, hinduísmo, 67, 86-7,
fluxo e, 196 124-5
interconexão mente-corpo no, Agitação (uddhacca), 139, 147
141 Agostinho, santo, 77-8
psicólogos ocidentais e, 160
Akiba, Rabbi, 72
sobre categorias de fatores
“Alegria altruísta” (mudita), 147
mentais, 135-43, 148-9
Alexander, E, 162, 163
sobre motivação, 143
Alfa, ritmo, 188
sobre nirvana, 151-2
Al-Ghazali, 81
sobre o eu, 134-5
sobre personalidade, 143, Al-Junaid de Bagdá, 82
191-2 Allport, Gordon, 161, 171
sobre reorganização da cons­ Al-Muridin, 83, 84-5
ciência, 149-50 Al-Qushari, 80
sobre saúde mental através Altruísmo, 56-7
da meditação, 148-52 Amma, 100
Abhidharma. Ver Abhidhamma Anagami (“o que voltou uma
Absorção. Ver Jhanas vez”), 56
216 A mente meditativa

Anand, B. K.» 188 meditação e, 150, 179-81,


Ananda Mayee Ma, 64, 68 182
Anatta (percepção da não-exis­ Atentividade (mindfulness) (sati),
tência), 47, 55, 57 43-6, 122, 127, 140, 143,
Anicca. Ver Impermanência 188
Anguttara nikaya, 138 auto-recordação e, 112
Ansiedade, 139, 147, 177,
comendo com, 200
181, 191, 194, 196
controle dos sentidos e, 28
Antão, santo, 165
AnusayaSy 148 de estados mentais, 45
Apercepção (phassa), 137 de objetos mentais, 45-6
Arahant. Ver Arahat desapego e, 187
Arahat (ser desperto), 56-9,102, do corpo, 45
152-3, 161, 190, 193-4 do sentimento, 45
Arberry, A. J., 81 Gurdjieff e, 113
Armadura do caráter, 162 habilidades perceptivas e, 150
Artes marciais, 180 jhanas e, 44
Asana (desenvolvimento da pos­ mantendo a, 151
tura ereta), 93, 98, 99 meditação sobre respiração
Ascéticas, práticas,30
e, 199
Ashtanga yoga, 91-6
passo final no, 95 método da introvisão nua e,
quatro primeiros membros, 44-5
93-4 pesquisa sobre, 189
quatro últimos membros, tipos de, 45-6
94- 6 via da introvisão e, 127
Assagioli, Alberto, 170 zen e, 110
Asubhas, como temas de medi­ Atta (eu), 134
tação, 31 Aurobindo, Sri, 126
Atenção espontânea (manasikard), “Autoconhecimento ”, 117,123
137 Autogênico, treinamento, 182
“Atenção nua”, 108
Auto-observação, 113
Atenção (reeducação da), 34,
Auto-realização, 68, 171
127-8
comparação de sistemas pa­ “Auto-recordação”, 112-3, 123
ra, 121-4 Avareza (macchariyd), 139, 141
concentração e, 187 Aversão (dosa), 139, 140, 141
entrada no fluxo e, 195 Azriel de Gerona, 72
James e, 159 Baba, Meher, 96
índice remissivo ■ 217

Baqa (vida n’Ele), 82 meditação na, 71-3


Becker, E., 162 Caminhar atentivamente, 201
Behaviorista, psicologia, 160 Cânon páli, 132
Benevolência (karuna), 147, 153 Caráter, 144. Ver também Per­
Bennett, J. G., 114 sonalidade
Benson, Herbert, 178, 182, 183 Cardiovascular, sistema, 183
Bento, são, 78 Cerebral (atividade), 189
Berger, P. L., 125 meditação e, 178-81, 195-6
Besant, Annie, 115 pesquisa, 193
Betabloqueadores, 183 técnicas gurdjieffianas versas
Bbakti, 63-9, 74, 91 Meditação Transcendental
Bhakti Suttras, 65 e, 179-81
Bharati, Agehananda, 98 transbordamento e, 194
Ch’an, escola chinesa de medi­
Bhava (continuidade da cons­
tação, 105
ciência ao longo do tempo),
Chadwick, A. W., 125
134
Chaitanya, Sri, 63
Biofeedback, 182
Chakras (centros físicos), 96-7,
Bishi al-Hafi, 79
100
Bodhisattva, 101, 104, 115
Chang, G. C. C.» 105
Bosquímanos, 158
Chogyam Trungpa, 102, 104
Boss, Medard, 169-70 Chuang Tsé, 110, 197
Brahma, união com, 86 Clareza, 139
Brown, Daniel P, 163, 175, Clarividência, 93, 153
190, 193 Cobiça <dobha\ 139, 140, 141
Buber, Martin, 169 Cohen, Alan, 184
Bucke, R. M., 166, 173 Colesterol, níveis de, 183
Buda, 29, 30, 32, 102, 132, Comer com atentividade, 200
134, 136, 138, 153, 186 Compaixão, 57, 153
Buddbaghosay 25, 144 Comportamento. Ver também
Budismo tibetano, 101, 105 Personalidade
Budismo. Ver Theravadano^ mé­ foco no, 113
todos de meditação do bu­ influência de estados men­
dismo; Tibetano, tais no, 143-6
budismo; Zen natureza moral do, 136
Butler, D. C., 78 social, e pureza, 27
Cabala, 69-73, 97, 120, 124 Compostura (passadhí), 140-1,
cosmologia da, 69-70 153
218 A mente meditativa

Concentração-acesso, 34, 35, reorganização da, 149-50


44, 88, 94 traços alterados de, 188
Concentração, via da (samadhi), transformação da, 152, 153,
33-42, 121-2, 124, 187-9 164
às margens da absorção, 34-5 “Consciência cósmica’’, 89-90,
atentividade e, 44-5 128
bhakti e, 65-7 “Consciência de Deus’’, 90-1,
budismo tibetano e, 102 128
caminho para a introvisão e, “Consciência objetiva”, 114,
26-7, 59 115
controle muscular e, 180-1 “Consciência sem escolha”, 116-
distrações e, 33-4 8, 121
entrando na, 30-2 Consciência transcendental, 88,
estados alterados e, 126-7 89, 124, 128
estágios preliminares de en­ Contemplação, santo Agostinho
trada na, 33-4 sobre, 77-8
etapas na, 38 Contemplações informes como
Krishnamurti sobre, 116 temas de meditação, 31,41-
maithuna e, 98 42
mantendo a, 150-1 Contextos para meditação,
níveis jhãnicos, 36-42 espectro dos, 120-1
objetivo da, 30-1 Contração (fhind), 139
pureza e, 26-7, 30 Controle, 148, 192
temas de meditação, 31 Corpo, 45, 141. Ver também
unidirecionalidade e, 187 Cérebro; Metabolismo
visões e, 35-6 “Gruta de Satã”, 108
yoga e, 92 Csikzenmihalyi, M., 194, 195
zen e, 106-8 Cultura, 156-9
Confissões (santo Agostinho), 78 Daat (conhecimento), 72, 124
Congresso Mundial de Reli­ Daigt (fixação), 107
giões, Primeiro, 165 Dalai Lama, 102, 103
Consciência. Ver também Estados Dança, 158, 179
alterados de consciência Darshan (visita dos santos), 64
estrutura básica da, 137 Davidson, J. M., 188
introspeccionistas sobre, 160 Davidson, R. J., 191
pesquisas sobre, 187-93 DeMartino, Richard, 169
psicoterapia e, 186-7 Desapego, 49, 134
índice remissivo • 219

Desapego {alobha'), 140-1 Erikson, E., 161


Despudor {ahirikã), 138 Esquizofrenia, 184
Dessensibilização, 139, 185 catatônica, 162-3
Devekut, lò Essênios, 69
"Dez corrupções da introvisão”, Estados alterados de consciên­
49-50 cia, 126-30, 190-3
Dhammapada, 136 frequência de experiências de,
Dharana (sexto membro do 157-9
ashtanga yoga), 93 Freud sobre, 154-5
Dharma, 102 "técnicas" para, 159
Dhyana (sétimo membro do versus traços alterados de
ashtanga yoga), 93 consciência, 187
Diabetes, 183-4 vocabulário asiático para.
Disciplina, códigos de, 27 157,158
Discrição (ottappa), 140 Estados despertos, 113-4, 128-
Distrações, 34-5 30
Distúrbios mentais, 147
nomes para, 129- Ver tam­
Distúrbios psicossomáticos, 177
bém nomes específicos
Doença cardíaca, 183
para tais estados, p. ex.,
Dogen, 106
Bodhisattva
Dor, 39, 184
Estados mentais
Dores de cabeça, 181
atentividade dos, 45
Doyle, L. J., 79
chakras e, 96-8
Drogas, 166
Dukkha, 49, 55, 58 em relação aos objetos dos
Eckhardt, Mestre, 165 sentidos, 135
Ego. Ver Eu inflexíveis, 139
Egoísmo (mana), 138, 140, influência sobre o comporta­
144-5. Ver também Eu mento, 143-6
Elementos físicos como temas opostos polares, 139
de meditação, 31-2 propriedades (Ver Fatores
Eletrencefalograma, 188-9 mentais)
Eliade, M., 95, 96, 98 propriedades neutras nos,
Emerson, Ralph Waldo, 165 137
Energia psíquica (jivitindriya), saúde mental e, 147
137 Estados sublimes como temas
Engler, Jack, 175, 190 de meditação, 31, 32
Epstein, Mark, 175 Estresse, 175-8, 182-5
220 A mente meditativa

Eu (self) Freud, Sigmund, 154-5, 162,


Ábidhamma sobre, 133-5 167,186
aceitação do, 192 Fromm, Erich, 169
bhakti e, 64-5, 68 Garfield, C., 192
estados despertos e, 129 Goenka, S. N., 175
Gurdjieff e, 114 Goffman, E., 157
hesicasma sobre, 77-8 Goleman, D., 98, 181
Krishnamurti sobre, 117-8 Gowan, J., 191
nirvana hinayana e, 101 Grande fixação, 124
percepção da não-existência Gurdjieff, G. I., 120, 123, 179
do (anatta), 47, 48-9, 56, “Quarta via”, 110-5
58 Gurdjieffiana, técnica, 179-81
psicologia budista e, 138, exercício de auto-recordação,
161 113
rendição do, 33 Guru, 126
sahaj sarnadhi e, 95 lama tibetano como um, 105
transformação do, 132 papel no bhakti hindu, 65
visão cabalista do, 73 yoga tântrico e, 99
visão de Allport sobre, 161 Gyana yoga, 91
zen e, 109-10 Hal (estados alcançados pela
“Eu observante”, 112 purificação), 80
Evans-Wentz, W. Y, 105, 167 Halevi, Z’ev ben Shimon, 69,
Êxtase, 36, 39 70, 72
"Falso satori”, 108 Hare, 63
Fana, 81, 124 Hartmann, E., 194
Fatores mentais, 135-43 Harvard Business Review, 178
inibição dos, 36-7, 139-42 Hesicasma, 73-79, 120
negativos, 137-9, 142, 147, Hesíquio de Jerusalém, 76
148,149 Hesse, Herman, 167
neutros, 137 “Hinayana”, tradição, 101. Ver
padrões de, 143 também métodos de medi­
perceptual-cognitivos, 142 tação do Budismo theravadano
positivos, 137-8, 139-42, Hipertensão, 181, 183, 192-3
147, 148, 149 Hirai, T., 189
tipos de personalidade e, 143 Hui Hai, 109
Ferguson, P., 191 Ibn al-Najib, 82
Filocalia, 75-6 Z Ching, 167, 168
Fluxo, 193-7 Idade Média, 157
índice remissivo • 221

Ilusão <jnoha\ 137, 139, 143, Isherwood, C.» 91


145 Ishta. Ver Objeto devocional
Imparcialidade {tatramajjhata}, Isquemia, 183
140-1,152-3 James, William, 155, 159, 165
Impermanência (aniccã), 48, 55 Japa (repetição do nome), 63-
Imunológico, sistema, 182-3 4, 66, 68, 99
Inconsciente, 135, 186 Jardim secreto, 0 (Shabastri), 83-
Infinito, consciência do, 40 84
Infinito, espaço, 40 Jhartas (absorção total), 122,
Inflexibilidade, 162 124,187
“Inibição recíproca”, 139, 149 atentividade e, 43-5
Introspecção, 135 atributos básicos dos, 1 26
Introspeccionistas, 160 bhakti e, 65-6
Introversão, 78 budismo tibetano e, 103-4
“Introvisão nua”, 44-5 descrição, 36
Introvisão ^panna)^ 139 estados alterados de cons­
ciência e, 128
Introvisão, via da, 27, 46
fases de, 36-42, 158
atentividade e, 43-6, 126,
informe, 40, 60
143
Meditação Transcendental e,
auto-recordação e, 113
87
cessação da consciência e, 58-
níveis de, 158
60 oitavo nível, 41-2, 59
estado de introvisão sem es­ personalidade e, 151-2
forço, 51-3 primeiro, 36
estado nirvânico, 53-8 quinto, 40-1
estágio do pseudonirvana, segundo, 37, 39
49- 50 sétimo nível, 59
etapas da, 47 sexto, 40
e via da concentração, 59 temas de meditação e, 42
percepções mais elevadas da, unidirecionalidade e, 37
50- 1 velocidade de travessia, 41
percepções sobre, 50-1 Jivan-mukti (homem liberto),
primeiras percepções da, 46, 95, 96
48-9 João da Cruz, são, 165
tradição mahayana e, 102 “Jogos de concentração”, 43
visão psicanalítica da, 162-4 Johansson, Rune, 152-3
Visuddhimagga sobre, 43-60 Jorikiy 107
Inveja (m^), 139, 140, 141 Joshua ben Miriam, 69
222 A mente meditativa

Journal ofTranspersonal Psychology, Maharishi Mahesh Yogi, 87, 88,


173 90
Jung, Cari Gustav, 153, 167-9, Mahayana, tradição, 101-5,
171 121
Kabir, 68 Maithuna (emergência da ener­
Kadloubovsky, E., 75 gia kundalini através do in-
Kalisantaram LJpanishad, 65 tercurso sexual, 98
Kapala (taça de crânio humano), Makyo (visões e sensações in­
99 tensas), 108
Kapleau, P., 108 Mala (rosário), 64
Karma, 136, 158
Mal-estar da civilização (Freud),
Kasamacsu, A., 189
154
Kasinas^ como temas de medi­
Mandalas, 168
tação, 31-2, 35, 40
Kavvanah, 72 Mantra, 63, 88-9, 98, 99, 116,
Kensho-godoy 107 199
Kiecolt-Glaser, Janice, 182 Maslow, Abraham, 161, 169,
Kirtan (cânticos), 63, 99 171-3
Koan, 107-8, 109 Mau discernimento (ditthi\ 138
Krishna, Senhor, 63 Mazktir (o relembrado), 81
Krishnamurti, J., 115-8, 120- Meditação. Ver também Medi­
1, 122, 123 tação, vias de ritual, 97-8
Knndalini yoga, 96-101, 124 como caminho para saúde
chakras, 96, 97-8 mental, 148-52
Ku (vazio), 110 como meditar, 197-200
Kyrie eleisony 74 efeitos no cérebro, 178-9
Lao Tsé, 61 estresse e, 175-8
Lesh, T. V., 192 fluxo e, 193-7
Leung, P., 192
norepinefrina e, 183
Levitação, 91
pesquisa sobre, 176-8, 188-
Livre associação, 186
Litro tibetano da grande liberta­ 93
ndo^ 167 práticas e aplicações, 197-
Litro tibetano dos mortos, 167 200
Luckmann, T., 125 psicologia da, 131-201
Macário, 73 recuperação do estresse e,
Maggid (mestre), 71, 72 177
Mababba^ 81 relatório do NIH e, 181
A iabamudra^ 104-5 relaxamento versasy 182
índice remissivo 223

Meditação, temas de. Ver tam­ Krishnamurti sobre, 121


bém Objeto de meditação sufismo e, 82-3
conforme o temperamento, Metabolismo, 41, 58-9
32 Metatron, 69
contemplação informe como, Milarepa, 105
40-2 Mnemónicos, recursos, 64
margem da absorção e, 35 Modéstia (hiri), 140
níveis jhânicos e, 36-42 Monges, 148
Visiiddhimagga sobre, 31
budistas, 27, 28-9, 30, 44,
Meditação, vias de. Ver também
74,132
sistemas de meditação es­
cristãos, 73-9, 121
pecíficos
cabalistas e, 71-3 hindus, 74
Krishnamurti e, 116-8 pesquisa sobre, 188-9
objetivo das, 128-9 Motivação, 143-4
panorama das, 61-118 Mudras (métodos para limpeza
reeducação da atenção, com­ de órgãos internos), 93, 99
paração de técnicas para, Muktananda, Swami, 99-100
121-4 AXuragaba (técnica de introvi-
semelhanças e diferenças, são), 124
61-2, 74, 81, 82, 83, 87, Músculos (controle do) e treina­
92, 101-2, 105-6, 115, mento gurdjieffiano, 180-1
119-31, 190, 191 Nada (no-thing-nessY 41,59
tipologia das, 122-4 Nafs (impulsos habituais), 84-5
tipos de personalidade e, Nanamoli Thera, 25
145-6 Não-aversão (adosa), 140-1
transformação do eu e, 132 Não-existência. Ver A natta
visão psicanalítica, 162-4
Não-eu. Ver Eu
Meditação Transcendental (MT),
Na rada, 63
86-91, 120, 123, 124, 164,
National Institute of Health
179-81
Meio ambiente, 195-6 (NIH), 181, 183
Melancolia, 162 Nibbana, 151-2. Ver também
Mente, em relação com o cor­ Nirvana
po, 141 Nicholson, R. A., 81
Merton, Thomas, 74, 77, 110, Nidich, S., 191
197 Nilo, são, 76
Mestre, 32-3. Ver também Guru; Nirodh (cessação), 58-60
A\aggid metabolismo e, 58-9, 60
224 A mente meditativa

Nirvana, 25, 43, 52-3, 126 Pelletier, K.» 191, 192


alteração da consciência e, Percepção (sanna), 137
53-8 Percepção(ões), 41, 68, 137,
Hinayana, 101 150
momento de penetração no, aguçamento da, 191, 195
53 clareza de, 196
níveis de domínio, 54-8 dos índios Yaqui, 158
sonho e, 57 dual, do arahat, 57
uso ocidental do termo, 158 sobre a via da introvisão, 51-2
visão psicanalítica do, 163 Perplexidade {vicikiccha), 138
Nirvikalpa samadhi, 94-5 Personalidade, 190-2
Niyama, 92 Abhidhamma sobre, 192
Norepinefrina, 183 condições de meditação e,
Nyanaponika Thera, 44, 133 145-6
Nyanatiloka Mahathera, 138 do arahat, 153
Objeto de meditação, 33-4, 37. fatores mentais e, 143
Ver também Meditação, temas motivação e, 143
de nirvana e, 60
Objeto devocional (ishta), 63, psicologia budista da, 133-5
64, 65-6 temas de meditação e, 32
Objetos mentais, 45-6 testes de, 192
Oração cristã, 74, 75-6 tipos, 143-6
Oração de Jesus, 76 Visuddhimagga sobre, 144-6
Oração do Publicano, 77-8 zen e, 110
Orage, 110 Pesquisas, 188-93
Orme-Johnson, D. W., 191 Pessoas libidinosas, 146
Ornish, Dean, 183 Pessoas rancorosas, 144, 146
“O treinamento budista como Pessoas sensuais, 144-5
uma catatonia artificial” Plotino, 164-5
(Alexander), 162 Ouspensky, Poddar, H. P, 63, 65
P D., 110, 111, 112, 113 Posses, limitação de, 28-9
Padres do Deserto. Ver Monges Prabhavananda, Swami, 91
cristãos Pranayam (exercício de contro­
Páli, 43, 105, 136, 160, 162 le da respiração), 92, 93, 98,
Palmer, G. E. H., 75 99
Patanjali, 91, 165. Ver também Práticas, 197-201
Ashtanga yoga andar atentivamente, 201
Patel, Chandra, 183 comer atentivamente, 200
índice remissivo ■ 225

mantraSy 199 níveis de jhana, 158


meditação sobre respiração,
198 Psicologia ocidental, 131, 132,
Pratyahara (quinto membro do 133, 136, 138, 154-75
ashtanga yoga), 93 disseminação de teorias psi­
Preocupação (kukkuccã), 139, cológicas orientais na, 154-
147, 182 75
Preparação para a meditação estados alterados de cons­
ashtanga yoga e, 91-3
ciência e, 154-59
bhakti e, 64-7, 120
interesse pela psicologia ori­
budismo tibetano e, 103-4
ental, 159-61
cabala e, 70-2, 120
comparação entre sistemas, semelhanças com a psicolo­
119-21 gia oriental, 161-4
hesicasma e, 73-8, 120 visão de mundo da, 154-6
Meditação Transcendental e, Psicologia oriental, 131-3, 156-
86-8 74. Ver também Abhidhamma
sufismo e, 79-80, 82-3, 120 Psicologias. Ver psicologia bu­
Visuddhimagga e, 26-33 dista; psicologia oriental; psi­
zen e, 106-10 cologia ocidental
Principies of psychology (James), Psicologias transpessoais, 173-4
159 Psicossíntese, 170
Pseudonirvana, 49-50, 108 Psicoterapia, 184-7
Psicanálise, 154-6, 159, 162, Psychology of nirvana, The
170 (Johansson), 152
alteração da consciência e, Psychotherapy, East and West
159 (Watts), 171
budista, 133 Pulso, ajustando a recitação ao,
disseminação da, 164-75
64
longevidade da, 164
Punna. Ver Introvisão, via da
pesquisa e, 193
psicologia ocidental e, 154- Purificação
bhakti e, 64
75
psicoterapia e, 185-7 comparação das exigências
Psicologia budista, 133. Ver dos sistemas para, 119-20
também Abhidhamma hesicasma e, 77, 78-9
da personalidade, 133-5 kundalini yoga e, 99-100
do eu, 138, 161 Meditação Transcendental e,
fatores mentais na, 135-6 88
226 A mente meditativa

na tradição do Visuddhimagga, Respiração como tema de medi­


26-32, 128 tação, 35
psicanálise e, 170 Retidão (cittujjukata), 140
via sufi da, 80 Rigidez. Ver Inflexibilidade
yoga e, 93 Rinzai (seita do Zen), 106
“Quarta via”, 110-5. Ver tam­ Rolland, Romain, 154
bém Gurdjieff, G. I., Rorschach, teste, 191
Rosário {mala}, 64, 74
Qurb, 81
Rudi, 125
Raja yoga, 92, 124
Rudrananda, Swami, 125
Ramakrishna, Sri, 63, 68, 94, Sacerdotes, 132
154 Sadbana, 101
Ramana Maharshi, 65, 95, 124 Sahaj samadhi, 68, 95-6
Ramanujan, C. K., 157 Sahasrara (chakra mais eleva­
Reação condicionada (vedana), do), 100
137 Saiva Upanishads, 87
Realidade, percepção da Sakadgami (o que voltou uma
cabalística, 69-70 vez), 55
cultura e, 157-9 Samadhi. Ver Concentração, via
do arahant, 56, 57-8 de
Receptividade, 43 Samsara, 101
Reflexos como temas de medi­ Samyama, 93-4
tação, 30-1 Sangha, 29, 102
Regras para os mosteiros, 78 Sankaracharya, 67, 86
Regra sufi para iniciantes (Abu Sânscrito, 87, 160
al-Najib), 82 Santos, 124-5, 130, 133
arahat como, 154
Reich, Wilhelm, 162
Saradananda, Swami, 67
Relaxamento, técnicas de, 182-
Sati. Ver Atentividade
85 Satori, despertar, 107, 110
Relaxation response, The (Benson), Satprem, 126
182 Satsang (companhia de pessoas
Religião, Ocidente, 154-6 na mesma via), 64
Religions, values, and peak- Saúde mental, 147
experiences (Maslow), 172 Allport e, 161
Respiração, 39 anusayas e, 148
ajustando a recitação na, 64 critério para, 147
meditação sobre, 103-5 meditação como caminho pa­
sufismo sobre, 82 ra, 148-52
índice remissivo ■ 227

Savichara samadbi. Ver concen­ Simeão o Estilita, são, 74


tração-acesso Sincronicidade, 153
Schiller, J., 155 Sofrimento, 49, 111, 138-9
Scholem, G.» 73 Sonhos, 57, 153, 158
Schuman, Marjorie, 188 Sotapanna (entrar no fluxo), 54
Schwartz, Gary E.» 176, 181, Srimad Bhagavatam, 63, 66
191 Sufismo, 79-86, 120, 124, 127
Seeman, W., 192 Sunyata, 103
Selye, Hans, 185 Surwit, Richard, 183
Senoi, 158 Sutich, Anthony, 172-3
Sentidos, controle dos, 28 Suzuki, D. T„ 58, 107, 109,
Sentimento (vedana), 137 167
Ser desperto. Ver Arahat Talmud, 72
Serenidade, 57, 85, 89, 152, Tantra yoga, 96-101
196 Tântricos do Bon Marg, 98,
Sexuais, pensamentos, 27-8 120
Sexual, atividade, 55, 98, 135 Tao Te Ching (Lao-tse), 61
Shabastri, Mahmud, 83-4 Tart, Charles, 128, 173-4
Shabd (sons interiores super- Telepatia, 93
sutis), 98 Temperamento. Ver Personali­
Shah, Idries, 82, 85-6 dade
Shakti (energia kundalini), 98 Teste psicológico, 191, 193
Shaktipat diksha, 99-100, 127 “Testemunha”, 112
Shapiro, Deane, 181, 188 Theravadano, budismo
Shat-karmas (métodos de lim­ métodos de meditação, 26-60,
peza de órgãos internos), 93 73, 101, 105, 122-3, 125,
Shikan-taza (apenas sentar), 132,190
123 Transbordamento, 194
Shiney, 102. Ver também Con­ Thoreau, Henry David, 165
centração, vias de Tibetano
Shunyata (experiência direta sem dois níveis de religião, 61
apoios), 104 kapala, 99
Siddha yoga, 99 Tiferet (estado de percepção ele­
Siddhartha (Hesse), 167 vada), 70, 72
Siddhis (poderes psíquicos so- Titchener, E. B., 160
brenaturais), 101 Torah, 73
Sila (virtude ou pureza moral), Torpor {middha'), 139
26,102 Traços de consciência alterados,
Símbolos nos sonhos, 153 187, 190-3
228 A mente meditativa

Transcendentalistas, 165 Vipassana, 103-4, 106, 108,


Transe, 168, 187 113- Ver também Introvisão,
Transformation of conciousness^ vias da
175 Virtude, 27, 65. Ver também
Transpersonal psychologies (Tart, Purificação
ed.), 173 Vishnu, 63
"Triplo refúgio”, 102 Visões, 35-6, 125. Ver também
M.ayko
Tttriya (absorção), 100, 124
Visualização, 102-3, 104
Turiyatita, 100
Visuddhimagga (Buddhaghosa),
"Unidade”, na Meditação Trans­
25-60, 62, 64, 74, 83, 87,
cendental, 91, 128 92,101
Unidirecionalidade (ekaggata\ Ver também Abidhamma
34, 36-7, 39, 40, 60, 87, processo de purificação e, 26,
123, 127, 137,188 33
ashtanga yoga de Patanjali e, sobre condições de meditação
92 para tipos de personali­
atentividade e, 44 dade, 145-6
budismo tibetano e, 103 sobre entrada em estados des­
como propriedade neutral pertos, 130
de estado mental, 137 sobre preparação para medi­
concentração e, 187 tação, 26-33
Meditação Transcendental e, sobre reeducação da atenção,
87 121
sobre ishta, 64 sobre temas de meditação,
31-2
Vajiranana, P., 144
sobre tipos de personalidade,
Vajrayana, 105
143-6
Van Aung, Z., 134
sobre via de concentração,
Varieties of religious experience 33-42
(James), 12, 165 sobre via de introvisão, 33-60
Vazio, como objeto de medi­ tipologia de técnicas de me­
tação, 41 ditação, 122-4
Vedântica, filosofia, 166 zen e, 105, 108
"Veículo Menor”, 101. Ver tam­ Vivekananda, Swami, 65-6, 91,
bém métodos de meditação 165
do budismo theravadano Vocabulário, cultura e, 156,
Verbais, pensamentos, 37 158-9
índice remissivo ■ 229

Volição (cetana), 137 Yasutani, 108, 109


Vyas Dev, Swami, 93 Yesod (ego), 70, 72
WaãiSy 115 Yoga, 169, 184
Walad, Sultan, 79 ashtanga, 91-6
Walker, Kenneth, 111-2, 114 kundalini, 96-101, 122, 124,
Walsh, R., 181 125
Watson, J. B., 160 Yoga Sutras (Patanjali), 165
Watts, Alan, 171 Yogi, 95, 96, 104, 132
Wei Wu Wei, 57 Zakir (o que lembra), 81
Whitman, Walt, 9, 165, 166 Zazen, 106-10, 121-2
Wilber, Ken, 175 “Zazen móvel”, 108
Wilhelm, Richard, 167 Zen, 105-10, 120, 121, 124,
Yama, 92 164, 189, 190
Yantra (exercícios de visualiza­ Zenrimy 33
ção de objetos), 98 Zikr (lembrança), 79, 124
Yaqui, índios, 158 Zimmer, Heinrich, 167
Impresso nas oficinas da
Gráfica Palas Athcna
Uma viagem de dois anos à Ásia o
colocou cm contato direto com diver­
sos sistemas religiosos c práticas de
meditação. Ao estudá-los mais atenta­
mente, ele observou que cada qual con­
tem uma teoria e um método psicológi­
cos que conduzem ao conhecimento e
ao controle das emoções. Percebeu
também que o descaso ocidental para
com as várias dimensões da psique é
tanto que nem mesmo há um voca­
bulário adequado para expressar os
diversos estados de consciência do ser
humano.
Assim, buscando expressões que
explicassem melhor a tradição oriental e
a importância, nela, da meditação,
Goleman passou a elaborar “mapas”
que o ajudassem a empreender essa jor­
nada a um território até então desco­
nhecido. São eles que compõem as três
primeiras partes deste livro, que o Au­
tor, com muita propriedade, chama de
“guia de viagem para a topografia do
espírito”. Elas oferecem um panorama
das principais tradições meditativas —
como o bhakti hindu, a cabala judaica, o
tantra, o yoga, o budismo tibetano — e
explicam suas práticas.
A última parte mostra como a
desatenção da tradição positivista aos
estados alterados de consciência acabou
levando a maior parte das correntes psi­
cológicas atuais a desprezar esses cami­
nhos, tão perturbadores quanto reais,
da mente. Mostra também o outro lado
dessa moeda, o da integração Oriente/
Ocidente, para o qual contribuíram de­
cisivamente os trabalhos de Jung, Boss,
Assaglioli, Watts e Maslow.
Também é nesta última parte que o
leitor encontra exemplos das aplicações
cotidianas da meditação. Focalizando
principalmente o controle da ansiedade
c de uma série de desordens orgânicas,
Goleman descreve experiências que com­
provam como a prática meditativa está
diretamente ligada à melhoria da quali­
dade de vida.
*

bra que precedeu e orientou as pesquisas de Daniel Golc­

0 man sobre a “inteligência emocional”, A mente meditativa


aborda, com sensibilidade, um tema de fundamental im­
portância: a necessidade de se harmonizar coração e mente
para se conquistar uma vida mais plena c saudável, resgatando a
emoção do limbo em que a cultura ocidental a tinha aprisionado.
■ -

Ao questionar o predomínio do pensamento positivista no C 1


mundo ocidental, Golcman procura, na milenar filosofia oriental, o ’’ ’

substrato para defender a busca do equilíbrio entre o espiritual c o


/.í‘.I
racional. Para isso, examina diferentes sistemas religiosos — como o
budismo tibetano, a cabala judaica c o tantra —, realizando um estu­
do comparativo com as correntes psicológicas do Ocidente.
r
* —

Mostra também que o desequilíbrio entre emoção c razão afeta o


bom funcionamento do organismo humano, c sugere práticas medi-
tativas que, restaurando a harmonia interna, ajudam na prevenção e
na cura de males como estresse e ansiedade, melhorando a qualidade
de vida.
Ao buscar nas tradições oriental e ocidental a complementari­
dade, Daniel Golcman demonstra que é possível encarar a vida não
como problema, mas como desenvolvimento de um processo de
construção da paz interior.
Á
Daniel Golcman, Ph.D. pela Universidade de Harvard, é colu­
nista de psicologia c comportamento no jornal The New York Times.
Foi editor-sênior da revista Psychology Today e professor em
Harvard. Além de A mente meditativa e Inteligência emocional,
escreveu Vital lies, siniple thuth: the psychology of self deception.

ISBN aS-0a-0bl3D-7

9 7885 061303

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