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Florianópolis
2021
Rodrigo Guimarães Soares
Florianópolis
2021
Soares, Rodrigo Guimarães
Uma análise axiológica: valores associados às pesquisas
qualitativas catarinenses em ensino de Física / Rodrigo
Guimarães Soares ; orientadora, Marinês Domingues
Cordeiro, 2021.
82 p.
Inclui referências.
Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de
licenciado em Física e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Física
________________________
Profa. Dra. Marinês Domingues Cordeiro
Coordenadora do Curso e Orientadora
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
Banca Examinadora:
________________________
Profa. Dra. Gabriela Kaiana Ferreira
Avaliadora
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
________________________
Prof. Dr. Henrique César da Silva
Avaliador
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
Aos meus pais e a minha irmã que proporcionaram tudo que
sempre precisei, sobretudo, amor.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho só foi possível graças a uma rede de apoio. Primeiramente, não poderia
deixar de agradecer meu pai e minha mãe, Fábio e Gera, que sempre me apoiaram e
garantiram que estivesse ao meu alcance todos os recursos que me foram necessários. Sempre
compreensivos quanto às minhas escolhas, ao meu tempo e aos meus interesses. Sobretudo,
me amaram incondicionalmente e sempre se preocuparam com a minha felicidade, com a
minha satisfação com o que escolhi para minha vida. Mesmo estando a maior parte do tempo
a mais de 600km de distância, se fizeram presentes e preocupados com cada etapa da
graduação. Comemoraram comigo cada pequena vitória e, espero, ainda o farão muitas vezes.
Ainda sobre minha família, não poderia deixar de mencionar minha irmã, Marina,
que sempre foi minha âncora. Nos momentos mais difíceis, dos maiores questionamentos e
dúvidas existenciais, sempre foi quem se preocupou, em primeiro lugar, com a minha saúde.
Quando estava mais perdido e quase desistindo do curso, foi através do suporte dela que
encontrei o caminho de volta a mim mesmo.
É claro, também não poderia deixar de mencionar minhas melhores amigas, Carol e
Marina. A família que escolhi. Além do suporte emocional, do carinho, do desafogo, foi com
elas com quem realmente me encontrei. Elas me ajudaram a enxergar o mundo e, com muito
amor e carinho, deixei de viver apenas dentro de mim. Ninguém sabe melhor o quanto me
perdi e nem a dimensão da dificuldade que tive em cada etapa. Descobri o mundo, mas
também a mim mesmo com vocês. Nos últimos anos, também foram essenciais para que este
trabalho pudesse ser feito outros amigos, como Gustavo e Bárbara.
Sou muito grato também à minha orientadora, Marinês. Pela confiança e
dedicação a minha formação, mas também por todo trabalho que estamos fazendo juntos
desde o final de 2018. Além de me mostrar o caminho dentro da pesquisa, das muitas leituras,
é também responsável em grande parte pelo meu interesse pela filosofia, história e ensino da
Física, o campo com o qual tanto me interesso e pretendo fazer carreira. Obrigado pela
dedicação e pela paciência ao me orientar. É claro, através deste agradecimento, também
agradeço a todos e todas professores e professoras que fizeram parte da minha graduação.
Não poderia deixar de agradecer ainda a professora Gabriela e ao professor
Henrique, por terem aceito participar da banca deste trabalho, mas também pelos encontros
durante as disciplinas da graduação. Em especial a professora Gabriela, também muito
responsável pela minha intenção em seguir carreira na área, por ter me mostrado e estimulado
outras perspectivas dentro do campo da natureza da ciência e da pesquisa em ensino de Física,
desde a metade do ano passado, também sempre compreensiva, gentil e dedicada à minha
formação.
A esperança está na própria essência da imperfeição dos homens, levando-os a uma
eterna busca. Uma tal busca, como já vimos, não se faz no isolamento, mas na comunicação
entre os homens – o que é impraticável numa situação de agressão.
O desespero é uma espécie de silencio, de recusa do mundo, de fuga. No entanto a
desumanização que resulta da “ordem” injusta não deveria ser uma razão da perda da
esperança, mas, ao contrário, uma razão de desejar ainda mais, e de procurar sem descanso,
restaurar a humanidade esmagada pela injustiça.
Não é, porém, a esperança em cruzar de braços e esperar. Movo-me na esperança
enquanto luto e, se luto com esperança, espero.
Se o diálogo é o encontro dos homens para ser mais, não pode fazer-se na
desesperança. Se os sujeitos do diálogo nada esperam do seu quefazer, já não pode haver
diálogo. O seu encontro é vazio e estéril. É burocrático e fastidioso. (Paulo Freire, 1970)
RESUMO
Este trabalho faz parte de um projeto maior, que tem como objetivo traçar um quadro
axiológico da área de pesquisa em ensino de Física. A fim de dar início ao tratamento
qualitativo do universo amostral deste projeto, artigos publicados em periódicos de
classificação A1 e A2 pela QualisCapes, focando em trabalhos de metodologia qualitativa de
campo, dentro da primeira quinta parte do século XXI, foram selecionados três trabalhos, de
autoria filiada à instituições catarinenses. Com o objetivo de dar indicativos para este
panorama geral, foram escolhidos um artigo do período inicial do século, outro ao fim da
primeira década e, finalmente, um referente ao final da última década do período. Para a
análise, foram empreendidos três estudos de caso, tendo como pano de fundo a epistemologia
de Larry Laudan e de Helen Longino, com o propósito de estabelecer critérios para a asserção
de valores que permeiam a prática científica na área. Além disso, a partir deste referencial
epistemológico, os estudos fundamentam-se em uma concepção de ciência como prática
social: resultado da crítica intersubjetiva entre pares, dentro de uma comunidade diversificada,
possibilitada através de amplos canais de comunicação, em pé de igualdade de autoridade
intelectual. Identificou-se que há, dentre os artigos analisados, uma apreciação à valores
cognitivos como coerência e ineditismo, ao mesmo tempo em que valores como a adequação
empírica possuem papéis mais secundários. Os indicativos obtidos, portanto, permitem
vislumbrar valores associados à tradição de pesquisa na área que servirão para futuras análises
mais amplas que, além do diagnóstico da área, possibilitarão discussões profundas sobre a
área no que se refere, por exemplo, ao contraste entre esses valores, os resultados e os
objetivos da comunidade.
Palavras-chave: Epistemologia. Valores. Ensino de Física.
ABSTRACT
This work is part of a bigger project, which has the purpose of draw the axiological picture of
the area of research in the teaching of physics. In order to start the qualitative treatment of the
sample universe of this project, papers published in journals classified as A1 and A2 by the
QualisCapes, focusing on works with qualitative field methodology, inside the fifth part of the
XXI century with authors affiliated at institutions in Santa Catarina. In order to give
indications for this general panorama, one article was chosen from the beginning of the
century, another at the end of the first decade and, finally, one referring to the end of the last
decade of the period. For the analysis, three case studies were undertaken, with the
background of the epistemology of Larry Laudan and Helen Longino, with the purpose of
establishing criteria for the assertion of values that permeate scientific practice in the area. In
addition, based on this epistemological framework, the study is based on a conception of
science as a social practice: the result of intersubjective criticism among peers, within a
diverse community, made possible through broad communication channels, with equality of
intellectual authority. It was identified that, among the articles analyzed, there is an
appreciation for cognitive values such as coherence and novelty, while values such as
empirical adequacy have more secondary roles. The indications obtained, therefore, permit to
glimpse values associated with the tradition of research in the area that will serve for future
broader analysis that, in addition to the diagnosis of the area, will allow for in-depth
discussions about the area with regard, for example, to the contrast between these values, the
results and objectives of the community.
Keywords: Epistemology. Values. Physics teaching.
LISTA DE FIGURAS
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................15
1.1 OBJETIVOS.........................................................................................................17
1.1 OBJETIVOS
Nas seções abaixo estão descritos o objetivo geral e os objetivos específicos deste
TCC.
artigos deste universo da pesquisa, todos de autoria catarinense. Deu-se preferência pela
seleção de um artigo que correspondesse aproximadamente a cada um dos períodos do recorte
temporal: 2000, 2010 e 2020.
II- Examinar os valores que despontam de cada obra, de cada autor e de cada
estágio da primeira quinta parte do século XXI, classificando aqueles que permeiam as
pesquisas, buscando possíveis evoluções temporais e interligações que suscitam indícios
da identidade da comunidade;
Com esse objetivo específico, espera-se encontrar os possíveis valores associados aos
trabalhos para que se possa vislumbrar os recortes temporais e referentes aos tipos de
trabalhos, abrindo caminho, portanto, para o quadro geral do projeto, que possui um objetivo
maior que o diagnóstico da área. Além do panorama geral, marcos epistemológicos ainda
possuem potencialidades para avaliação de caminhos futuros para a comunidade, através do
contraste entres os valores, objetivos e resultados da comunidade. Isto é, a avaliação de
possíveis contradições ou afirmações entre o empreendimento científico e os valores
esperados.
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preciso que as produções científicas sejam escrutinadas pela comunidade para que se agregue
valor e solidez aos conhecimentos erigidos. Dessa maneira, a crítica aqui empreendida é
entendida como, além de importante para a formação profissional do autor, parte importante
da boa prática científica que se espera de uma comunidade científica robusta.
Como recorte da pesquisa, os artigos em periódicos científicos representam um
desses canais de comunicação entre pares e, portanto, também veículo de crítica.
Caracterizam, de certa maneira, uma convergência das produções acadêmicas: obras inéditas,
trabalhos de eventos que foram expandidos e, ainda, dissertações e teses advindas dos
programas de pós-graduação que foram divididas e sintetizadas. A fim de se tornar relevante
perante o contexto no qual este trabalho se encontra, dentro da Universidade Federal de Santa
Catarina, foram escolhidos artigos de autores filiados a instituições catarinenses. Dessa forma,
foram feitos estudos de caso para cada um dos três artigos, escolhidos justamente por serem
emblemáticos para o vislumbre do quadro geral que será construído posteriormente. O
primeiro, publicado no ano de 2004, trata de uma intervenção didática aplicada em uma turma
de 8ª série do Ensino Fundamental. O segundo, de 2013, ancorado em uma perspectiva
advinda da psicologia, foca na relação entre a afetividade de licenciandos e suas escolhas
profissionais para a docência. O terceiro e último estudo de caso foi publicado no ano de 2019
e tem como objetivo a análise de possíveis relações entre teorias de aprendizagem e
licenciandos, focando na formação de professores.
metodologias diferentes de ensino e, sendo esta última uma escolha, perpassa por um juízo de
valor. Sendo assim, nesta primeira análise, será minuciado um artigo deste tipo: a proposta e
formulação de uma metodologia alternativa (em oposição ao modelo tradicional de ensino),
seguida de sua implementação e avaliação. É preciso destacar a importância de pesquisas
assim que possuem um percentual representativo dentre as produções acadêmicas da área e
desempenham um papel importante para que se promovam inovações e o teste de novas
formas de ensinar Física.
Publicado em 2004, na edição de número dois no periódico científico Ciência &
Educação, classificado como A1 na classificação QualisCapes no triênio de 2013-2016 dentro
da área de ensino, o artigo aqui analisado destaca a implementação de um módulo didático no
ensino fundamental. Conforme consulta nos currículos Lattes dos autores, suas áreas de
atuação são, respectivamente, a educação não formal, formação de professores e divulgação
científica; história, filosofia da ciência e ensino de física e também divulgação científica.
Dentro de um contexto de dissertação de mestrado, o artigo discute uma proposta
implementada voltada à formação cidadã. Para isso, o artigo parte de propostas teóricas
vinculadas à Aprendizagem Centrada em Eventos (ACE), Ciência Tecnologia e Sociedade
(CTS), ainda embasando-se em demandas discutidas pela UNESCO para a educação no
século XXI e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). A proposta interdisciplinar dos
autores fundamenta-se em uma situação problema ligada à Segunda Guerra Mundial, dentro
do contexto do Projeto Manhattan, visando à articulação entre formação cidadã e
interdisciplinar com o ensino de Física Moderna, já que o recorte histórico é permeado por
conteúdos científicos como a radioatividade, armas químicas, produção de energia, entre
outros. A proposta também é fundamentada no formato de um RPG (Roleplaying Game, ou
Jogos de Papéis). Cabe o destaque de que já no resumo os autores destacam o papel dos
estudantes como centro das atividades em sala de aula. Ainda cabe a ressalva de que, na
tentativa de aprofundar as discussões aqui realizadas, a dissertação completa foi procurada,
porém não encontrada, já que o arquivo digital do Programa de Pós Graduação em Educação
Científica e Tecnológica (PPGECT-UFSC), programa de pós-graduação na qual tal
dissertação foi realizada, começa a partir do ano de 2005 e este trabalho foi escrito durante o
período em que a universidade estava fechada em razão da pandemia do covid-19.
No que diz respeito ao escopo metodológico que concerne esta pesquisa, os autores
não se classificam quanto às escolhas metodológicas e classificação da pesquisa. Enquanto
autores, entendem-se como pesquisadores, o que pressupõe a ideia de que compreendem o
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trabalho como atividade de pesquisa, porém, não há menções explícitas quanto à classificação
metodológica da pesquisa. Contudo, mesmo sem se classificar como pesquisa, o artigo
adentrou o escopo desta pesquisa visto que pode ser interpretado como pesquisa qualitativa de
campo de ensino. Em outras palavras, entende-se este trabalho como pesquisa interpretativa
de campo, pois elabora uma proposta didática e a aplica em uma situação real de ensino,
dentro de um determinado contexto e, embasado em pressupostos teóricos, avalia a aplicação
com métodos interpretativos de coleta e análise de dados para então erigir conhecimentos
científicos.
Inicialmente, os pesquisadores discutem a necessidade de se repensar os papéis dos
atores pedagógicos com base no trabalho de outros autores da área de pesquisa, como
Solomon (1990) e Aikenhead (1988), que se referem a baixa utilização do conhecimento
escolar e o papel da mídia na construção de concepções prévias e intuitivas das pessoas com
relação ao mundo que os circunda. Citando Edgar Morin, Jacques Delors, Ricardo e
Zylbersztajn os autores apresentam os apoios que norteiam a elaboração da proposta didática,
no que se refere ao que entendem como finalidades da vida escolar: a formação cidadã; a
aquisição de cultura; a tolerância à diversidade; o desenvolvimento de pensamento crítico; o
desenvolvimento de autonomia; à contextualização do conhecimento científico. Destarte, ao
iniciar o artigo trazendo essas referências, os autores demarcam e justificam a razão de ser do
trabalho, assim como estabelecem o objetivo principal do que entendem ser o foco da vida
escolar evidenciando, portanto, coerência externa. Isto é, tais objetivos vislumbrados pelos
autores para a educação científica são coerentes com os marcos teóricos, filosóficos e
educacionais escolhidos.
Aprofundando este raciocínio, na seção sobre as Contribuições para uma renovação
no ensino de ciências, os autores destacam as dificuldades enfrentadas na época para o ensino
de uma área que vêm de rápidas transformações e que possui uma dificuldade intrínseca,
acentuada pelo distanciamento devido à descontextualização da produção do conhecimento
científico. Os autores argumentam a contradição existente entre a valorização científica, tanto
devida a capacidade de esclarecimento quanto na sua eficácia em produzir novas teorias e
tecnologias, com relação à proposição escolar do ensino de ciências “já superadas” e
descontextualizadas. A partir de então, os autores exibem diferentes áreas da pesquisa em
ensino de ciências, justificadas a partir deste primeiro diagnóstico das necessidades e
urgências da área. A primeira delas é a metodologia de ensino com base no CTS. Por um lado,
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os autores defendem que esta abordagem parte de uma ciência como função de um contexto
social, além de objetivar a ação dos sujeitos nas atividades a serem desenvolvidas em sala de
aula. Exibindo, novamente, coerência com as justificativas e objetivos iniciais da proposta.
Por outro lado, os autores também compreendem os limites e, portanto, a validade de tal
proposta metodológica, visto que ainda se trata de uma abordagem em construção e,
consequentemente, possuidora de dificuldades também. Aqui, citam, por exemplo, a tendência
de formação de uma visão instrumentalizada da ciência, ao mesmo tempo em que também
trazem as dificuldades atreladas à formação docente e de infraestrutura das escolas oriundas
de uma proposta como aquela, que modifica os papéis dos atores do sistema de ensino. Ao
mesmo tempo, os pesquisadores também entendem as dificuldades intrínsecas com relação,
por exemplo, a atribuição de novas responsabilidades impostas aos alunos, agora centro do
processo de ensino-aprendizagem.
Ainda sobre o aporte teórico da pesquisa, os autores exibem outro construto teórico
que baseia a pesquisa, em convergência com as concepções e objetivos ligados ao CTS: a
ACE. Esse referencial parte de uma ação planejada utilizando como parâmetro um evento de
domínio público, preferencialmente aqueles que possuam material para promover discussões,
polêmicas e que permita o aprofundamento de questões científicas dentro de determinados
contextos sociais ricos e abrangentes. Um dos objetivos ligados a esta abordagem é a
priorização do processo no qual conhecimentos científicos são construídos, tirando assim a
valorização da descoberta em si, mas depositando-a no processo de construção como um todo.
Com isso, interessantemente, os autores esperaram o contorno da limitação ligada ao CTS
quanto à tendência de formação de uma ciência instrumentalista. A ideia era de que, ao se
trabalhar com as duas concepções de maneira conjunta, atingir-se-ia o objetivo de se
transmitir uma ciência mais contextualizada, de uma maneira na qual se reduza também os
riscos e dificuldades atrelados a cada uma das abordagens se trabalhadas sozinhas. Neste
ponto, em termos de valores cognitivos, pode-se também argumentar em favor do alcance da
proposta. Ao se trabalhar com duas abordagens, com objetivos convergentes, espera-se
atenuar as suas limitações individuais e, portanto, como resultado, obter-se-ia um novo
construto, uma nova proposta mais robusta e, assim, com maior alcance.
Sendo assim, os autores elaboram uma proposta, embasada nesses construtos
teóricos, que visa:
“[...] a estruturação de um contexto de discussão da ciência que não
envolvesse especificamente apenas a Física, a valorização da formação de
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para a atividade em geral. A disposição das cadeiras e das placas com os nomes fictícios
foram mencionadas pelos pesquisadores, ainda ressaltando a satisfação notória dos alunos
quanto aos seus nomes e profissões fictícias. Além do engajamento, os pesquisadores
entendiam o desempenho desta comissão como fundamental para o sucesso da proposta e,
portanto, suas carteiras permaneceram sempre no centro da sala de aula.
A sequência das aulas utilizadas pelos pesquisadores encontra-se no quadro seguinte.
Quadro 1 – Disposição das aulas do módulo didático.
Conteúdo das aulas
Introdução e apresentação do jogo. Distribuição dos estudantes nos diferentes
Aulas 1 e 2
grupos.
Definição quanto ao tipo de bomba que seria usada. Análise dos
Aulas 3 e 4 diversos tipos de energia e os danos que cada uma poderia causar. O que
poderia ser usado em uma bomba?
Discussão da Energia Nuclear. Análise do conhecimento necessário para a
Aulas 5 e 6
construção de uma bomba.
Todas as vantagens do mundo: aula dos cientistas favoráveis à construção da
Aulas 7 e 8
bomba nuclear.
Todos os riscos do mundo: aula dos cientistas contrários à construção da
Aulas 9 e 10
bomba nuclear.
Debate entre os dois grupos de cientistas e jogo de perguntas e respostas
Aulas 11 e 12
sobre os conceitos já estudados.
Aulas 13 e 14 Julgamento final: a decisão do CETODES.
Aulas 15 e 16 Encerramento das discussões.
Fonte: (SAMAGAIA, PEDUZZI, 2004).
Para a pesquisa por parte dos grupos, a pesquisadora forneceu uma lista de materiais
próprios para cada grupo, com diferentes aprofundamentos em diferentes áreas, ao mesmo
tempo em que disponibilizou uma lista de materiais que poderiam ser consultados que foi
chamada pela pesquisadora como dossiê.
Primeiramente, após a apresentação da atividade e da distribuição dos dossiês entre
os grupos, iniciou-se com a leitura de uma suposta carta direcionada aos membros do
CETODES, vinda do presidente do país do qual os membros faziam parte. Nela, o presidente
resume os últimos acontecimentos e contextualiza os estudantes quanto a situação do país na
guerra, ao mesmo tempo em que expõe as demandas: a construção ou não da bomba e a
urgência de que seja mantido informado pelos grupos através de cartas confidenciais de cada
um dos membros da comissão.
Importa ressaltar que a pesquisadora também assumiu um papel na atividade:
Gromsnik, um funcionário do governo responsável, na etapa inicial da atividade, pela leitura
de boletins informativos e de pequenos textos explicativos. Neste momento, todos os alunos
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participavam das discussões com relação aos últimos acontecimentos do contexto fictício.
Com o mesmo fim, foram elaborados dois mapas: um com a vista completa do planeta e outro
com recorte adaptado do mapa da Europa antes da Segunda Guerra. Os autores sugerem que
este fato não foi percebido pelos estudantes. Interessantemente, os autores relatam um aspecto
interessante com relação ao papel dessa personagem atribuída a pesquisadora. Antes das
leituras das atualidades, Gromsnik procurou indagar os estudantes quanto ao que se esperava
de Puplitz (ditador análogo à Hitler). Interessante pois, de acordo com os pesquisadores, em
um dado momento, os alunos começaram a problematizar as ações tomadas pelo ditador e,
portanto, “mesmo sem perceberem, questionavam e discutiam com bastante fluência os
acontecimentos históricos” (SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 264, 2004). Os autores ainda
mencionam que muitos alunos discutiam o que fariam se estivessem na posição de tal ditador.
Ao mesmo tempo, também enfatizam que os problemas de coerência da passagem do tempo
eram explicados, pois o planeta em questão possuía características diferentes das da Terra e,
com isso, uma semana na Terra significava anos no planeta fictício. Os últimos minutos das
aulas eram dedicados às reuniões dos grupos e o auxílio tanto da pesquisadora, quanto dos
membros da comissão organizadora, com relação às suas próprias demandas para as
atividades seguintes.
Algumas aulas contaram com discussões a respeito de conceitos mais físicos e
matemáticos. Por exemplo, houve aulas nas quais foram abordadas os tipos de energia
associados a diferentes formas de causar destruição, assim como aulas onde foram discutidas
relações de proporcionalidade entre variáveis e a construção de esboços de equações. Foi
desenvolvida, inclusive, atividades que envolviam o cálculo de possíveis estragos causados de
diferentes formas, como por exemplo, alguém sendo atingido por uma mola, por um vaso em
queda livre, por um carro e outros, com a finalidade de se discutir a eficiência atrelada a cada
tipo de energia utilizada como meio de destruição. Os pesquisadores ainda mencionam que os
tipos de energia não surgidos espontaneamente foram trazidos pelos professores. Foram
discutidos efeitos da utilização de armas químicas, biológicas e nucleares, relembrando ainda
as aulas que precederam as atividades, sobre fissão nuclear. A partir de então, após a escolha
do tipo de armamento a ser utilizado, foram elaboradas discussões mais detalhadas sobre os
fundamentos da construção de uma bomba nuclear. São abordados, neste momento, conceitos
sobre o átomo, partículas elementares e enriquecimento de urânio. Em seguida, entre os
momentos iniciais e finais de cada aula, que se mantinham os mesmos, foram expostos os
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errados, mas sim a importância da tomada de decisão com base em fatos e bons argumentos,
assim como a possibilidade de se mudar de opinião com base nas evidências. A atividade
ainda teve um momento de retrospectiva dos avanços tecnológicos desencadeados pelos
avanços científicos da época, bem como a abordagem de acontecimentos como o ataque a
Pearl Harbor e o teste da primeira bomba atômica em um deserto.
Após toda a apresentação do módulo, os autores enfim discutem os resultados e
empreendem a análise propriamente dita. Inicialmente, os autores já adiantam a conclusão de
que a expectativa com relação a um maior engajamento e atenção por parte dos alunos foi
alcançada, com a exceção dos momentos iniciais, quando a pesquisadora-professora ainda
explicava sobre o funcionamento da atividade.
Os estudantes do grupo favorável à construção da bomba, segundo os pesquisadores,
encontraram dificuldades em encontrar materiais a respeito devido ao seu grande poder de
destruição. Com isso, focaram seus argumentos com base no material disponibilizado pela
pesquisadora e nas pesquisas consequentes à esta tecnologia, principalmente no uso na
medicina. Os autores alegam, portanto, que esse grupo atingiu os objetivos da atividade com
competência e eficiência, demonstrando engajamento e comprometimento com a atividade. Já
no caso do grupo contrário à bomba, houve dificuldade em encontrar alternativas ao uso da
bomba, devido à alta complexidade das questões envolvidas. Após uma vasta pesquisa
externa, a solução trazida pelos mesmos foi a utilização de armas químicas. Nesta altura, os
autores sugerem uma possível influência do conflito entre Iraque e EUA, que acontecia na
época da implementação da atividade. De acordo com os pesquisadores, este argumento
obteve certo sucesso na obtenção de alguns votos dos membros da CETODES em virtude de
ser uma alternativa mais barata e, supostamente, menos danosa. O grupo dos jornalistas
também passou dificuldades, mas principalmente com relação à obtenção de informações para
a construção dos seus materiais, tendo em vista que, na carta presidencial, exigia-se
confidencialidade por parte dos demais grupos. Ainda havia a dificuldade de que os grupos de
cientistas não queriam “vazar” informações que pudessem comprometer as suas
argumentações durante os debates e as explanações perante a comissão. Neste ponto, os
autores também relatam alguns casos de espionagem e furto por parte dos jornalistas, na
tentativa de obterem algum furo jornalístico. Por consequência, no lugar de impedir o acesso à
informação, os demais grupos passaram a manipular a imprensa a seu favor. Questões como
essas foram importantes para a discussão, ao fim da atividade, a respeito de noções de ética.
Os autores ainda destacam a importância deste caso no sentido de se promover uma leitura
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crítica das fontes das quais obtêm-se informações. Por último, com relação a participação da
comissão organizadora, os autores relatam que os membros deste grupo acabaram adentrando
os grupos os quais estavam monitorando, inclusive chegando a participar das atividades e
demandas de cada um deles. Com esse engajamento, os autores concluem, portanto, o sucesso
da atividade no sentido de ter tido uma boa aceitação entre os estudantes, assim como o
incentivo à plena participação dos estudantes, que revelaram prazer e satisfação com a
atividade.
Contudo, os autores ainda revelam que um dos objetivos iniciais da pesquisa pode
não ter sido alcançado. Embora a imparcialidade tenha sido incentivada, conforme os autores,
durante a atividade, uma vez que se trata de um episódio histórico dramático, exacerbado e de
consequências catastróficas, os autores perceberam que muitas vezes a imparcialidade não
pôde ser alcançada.
Como instrumento de coleta de dados, os pesquisadores fizeram uso de observações
de campo, tendo a pesquisadora também como professora da aplicação, além dos materiais
produzidos pelos estudantes e a estruturação de uma entrevista com determinados estudantes.
Houve um grande volume de materiais produzidos pelos estudantes e, portanto, os
pesquisadores destacam, particularmente, os jornais e as cartas ao presidente do país da
situação fictícia desenvolvida. Os primeiros trechos desses materiais trazidos pelos autores
foram utilizados como indícios de engajamento e de desenvolvimento de pensamento crítico
por parte dos estudantes. Ainda vale o destaque de que tais materiais foram produzidos em
classe, com o intuito de minimizar o risco de influências e auxílios externos por cada grupo.
Pode-se pensar, a partir desta preocupação da pesquisa, uma certa precaução no sentido de
que os dados obtidos tivessem validade e fidedignidade, novamente pensando em uma
transposição aos valores cognitivos associados. A fim de exemplificação, os autores trazem
trechos onde os jornalistas questionam a confidencialidade das discussões entre os grupos dos
cientistas, alegando a importância do conhecimento público de questões tão importantes. Ao
mesmo tempo, também trazem trechos de cartas do grupo do Projeto Arbetritz, direcionadas
aos membros da comissão, posicionando-se com relação à construção da bomba como medida
de proteção nacional, incluindo ainda, trechos das cartas dos membros da comissão, ao
presidente, também posicionando-se, tanto a favor, quanto contra a construção da bomba.
Neste ponto, vale destacar que os autores também trazem trechos onde houveram
tentativas de explicação dos conceitos científicos que permearam as discussões e pesquisas
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entrevistados. Além disso, uma das entrevistas foi descartada devido a problemas técnicos
relacionados ao áudio da gravação, resultando assim, em um total de 11 alunos entrevistados.
O artigo revela o que se esperou obter com as perguntas da entrevista: a percepção e opinião
sobre as atividades em comparação com as aulas tradicionais, possíveis indícios de mudança
de opinião a nível individual no decorrer da atividade e a verificação de possíveis pesquisas
extraclasse.
Neste ponto, vale o destaque quanto à representatividade, a fidedignidade e a
validade das entrevistas. É salutar a tentativa da pesquisa de promover dados pertinentes, visto
que o grupo amostral representou 36% de todos os participantes, levando em conta também os
entrevistados durante a fase piloto. Aliás, a própria fase piloto é uma demonstração de um
rigor metodológico proficiente. Ainda pode ser incluído neste argumento a tentativa de
corroboração de uma percepção de campo da pesquisa: a de que houveram pesquisas
extraclasse. Dessa forma, os dados se tornam mais válidos, visto que são corroborados por
diferentes fontes de dados.
Contudo, há pontos a se questionar. Como não há a pormenorização quanto à escolha
dos alunos, mesmo que exista a menção de que foi decorrente de participações nas atividades
desenvolvidas, especialmente no que se refere ao engajamento, são questões subjetivas e
interpretativas da parte da pesquisa, logo, a pormenorização ganha importância no sentido de
dar subsídios que suportem tal escolha. Pensando na participação de sala de aula, por
exemplo, um estudante mais tímido, mesmo que esteja engajado com a atividade, pode passar
por desinteressado à primeira vista. O mesmo argumento vale com relação às perguntas da
entrevista. Em nenhum momento os autores as revelam, embora discutam quais foram os seus
objetivos. Assim, a salutar tentativa de atribuição de robustez a pesquisa perde força, visto
que o leitor não possui subsídios o suficientes para a avaliação da real representatividade,
fidedignidade e validade das entrevistas (especialmente no que se refere à escolha dos
participantes e as perguntas feitas pelos pesquisadores). Assim sendo, sem o apoio da
dissertação de mestrado da qual a pesquisa faz parte (que não pode ser encontrada), partes
importantes da pesquisa não são escrutinadas no artigo.
Quanto à análise das entrevistas propriamente ditas, primeiramente, a pesquisa
refere-se a 5 falas que suportam a ideia de que o engajamento com as atividades, por parte dos
estudantes, foi positiva. Os autores ainda tomaram o cuidado de que cada fala é proveniente
de algum membro de cada um dos 5 grupos do jogo. O argumento, percebido pela
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pesquisadora em campo, nos materiais desenvolvidos pelos alunos e até mesmo, como
sugerido pelos pesquisadores, nos comportamentos inesperados dos estudantes (previsão de
atitudes do ditador e a tentativa de obter verbas para o projeto Arbetritz) também é
corroborado por todas essas falas. A inferência de que a metodologia empregada é, portanto,
envolvente e engajadora é notavelmente robusta, além de bem suportada, por diferentes fontes
de dados: os leitores possuem subsídios suficientes para pensar que tal argumento é válido,
representativo e fidedigno.
Os autores também evidenciam pontos da entrevista que corroboram o indicativo
inicial de que houveram pesquisa extra-classe. Para tanto, são trazidos três trechos das
entrevistas. Nesse ponto, os pesquisadores ainda utilizam tais trechos para aprofundar ainda
mais o argumento com relação ao engajamento dos alunos. O trecho seguinte, por exemplo,
além de explicitar a pesquisa extraclasse, deixa evidente também a impressão pessoal quanto
ao módulo em si.
“Eu comentei lá em casa isso [o jogo] e a minha irmã me contou o que era. Daí eu
comecei a ler sobre a Segunda Guerra, sobre o Hitler, como ele era. Eu também procurei na
internet e minha irmã perguntou algumas coisas para as amigas dela, foi bem legal!”.
Vanessa – CETODES. (SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 271, 2004).
Dessa forma, também pode-se notar, aqui, a robustez da pesquisa que triangula dados
e, consequentemente, corrobora impressões iniciais a partir de outras fontes, algo essencial na
pesquisa qualitativa, especialmente quando o próprio pesquisador é a fonte de dados.
No que se refere às mudanças de opinião, os autores enfatizam que durante toda a
atividade houve a preocupação de promoção da imparcialidade, ou seja, destacam que em
nenhum momento foi objeto da proposta classificar como certas ou como erradas as
percepções dos alunos, embora houve a preocupação com relação a ênfase do risco e da
responsabilidade das escolhas dos alunos. Para demonstrar esses episódios de mudança de
opinião, os autores trazem 5 trechos de entrevistas. Vale destacar, portanto, a
representatividade destes dados, ao mesmo tempo em demonstra uma certa incoerência com a
hierarquia da metodologia. As demais inferências construídas pelos autores com base na
entrevista, contudo, são menos robustas.
Com relação à tentativa de minimização da hierarquia escolar e a descentralização
das atividades com relação ao papel do professor, a pesquisa aborda apenas um trecho de uma
entrevista o que, evidentemente, perde em termos de representatividade.
40
“O ponto mais positivo foi o professor integrado com os alunos, quebrando aquela
regrinha do professor falando e mandando. Isso foi bem legal”. Bruno – Jornalista.
(SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 272, 2004).
A fala denota uma impressão explícita do aluno em questão quanto à dinâmica entre
a professora e a turma, em relação às atividades tradicionais. É importante, visto que foi uma
preocupação inicial da proposta do módulo. No entanto, suportada apenas por um trecho, a
inferência perde substância.
Em seguida, aparece um ponto interessante da pesquisa. Os autores trazem dois
trechos que demonstram reclamações dos estudantes com relação à proposta:
“A professora explicou bem, eu gostei bastante das aulas, mas acho que faltou mais
física. Chamar mais para o quadro, mandar fazer exercício, estas coisas”. Pedro – Jornalista
(SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 272, 2004).
“Acho que a matéria mesmo ficou um pouquinho falha, que o jogo era mais cultural,
mas acho que isso deve ter sido o objetivo”. Daniela S. – Cientista Contrário ao Projeto
Arbetritz (SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 273, 2004).
De acordo com os autores, essas reclamações foram constantes nas duas entrevistas.
A questão interessante se refere à importância e implicações de tais trechos para a pesquisa.
Após argumentar quanto à interdisciplinaridade e a contextualização do episódio histórico
como fatores norteadores da proposta, como atributos do jogo que apresentam os conteúdos
envolvidos indiretamente, os autores revelam que “considerando que essa foi uma opção
consciente da pesquisadora, a opinião dos estudantes é compreensível, mas não relevante,
enquanto crítica à ação”. Ou seja, o mesmo tipo de dado apresentado pela pesquisadora,
utilizado antes como indicador que corrobora pontos erigidos pela pesquisa, agora são
tratados como irrelevantes já que são consequência de uma escolha metodológica da pesquisa.
Embora os pontos dos alunos não invalidam a proposta, é salutar que, posto que um dos
objetivos das entrevistas era justamente da percepção dos alunos quanto ao módulo didático,
deve-se levar em consideração opiniões como essa. A pesquisa ainda argumenta que a
ausência do conteúdo foi sentida pelos estudantes por estarem mais habituados com as
metodologias tradicionais, concomitantemente com o fato de que não foram avisados da
mudança metodológica deliberadamente. Isto é, argumentam que por estarem adaptados ao
modelo tradicional de ensino, resistem a uma proposta alternativa. O argumento é válido,
contudo, não invalida a objeção trazida pelos alunos não apenas levando em conta o objetivo
41
da entrevista, mas como ponto crucial no sentido de que sejam pormenorizados pontos
contrários às hipóteses e objetivos da pesquisa. Isso ainda ganha relevância nesse caso, visto
que a pesquisa também falha no sentido de demonstrar, de fato, os conteúdos físicos trazidos
pela proposta. Não há menções de mais detalhes, inclusive, com relação à atividade
explicativa que percebeu o módulo de ensino. Não se sabe como foram abordados os assuntos
que depois seriam trazidos novamente na implementação didática. Ou seja, podem inclusive
terem sido abordados de maneira expositiva. Nesse caso, sem a pormenorização destes fatos,
não há subsídios para que o leitor avalie a impressão negativa dos alunos com relação à uma
suposta falta de conteúdos físicos. Na segunda fala, inclusive, a aluna demonstra a percepção
de que o foco “mais cultural” seja realmente um dos objetivos da metodologia. Ao mesmo
tempo, em um trecho anterior trazido pela pesquisa da mesma aluna, ela demonstrou
engajamento com a proposta.
“Percebi bastante diferença porque envolveu bastante coisa com cultura, a ciência
mesmo, em uma maneira diferente de aprender que é com um jogo. Todo mundo se envolve.
Tem diferentes papéis, diferentes funções dentro dele”. Daniela S. - Cientista Contrária ao
Projeto Arbetritz (SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 271, 2004).
Ou ainda:
“Antes eu era contra mas não sabia porque, não sabia como. Aí depois eu vi
exatamente o que era esta bomba, eu vi o que podia fazer, então [...] agora tenho meus
motivos [...]. Esse jogo contou as coisas e o pessoal deu uma opinião. Mas quando botou
para a realidade, falaram: nossa, eu fiz isso? Não. Foi uma maneira de demonstrar que as
pessoas não estão bem conscientes do que elas querem mesmo”. Daniela S. – Cientista
Contrário ao Projeto Arbetritz (SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 272, 2004).
Ou seja, a partir da percepção dessa mesma estudante, os autores utilizam tais trechos
para evidenciar tanto a percepção positiva quanto à atividade e o incentivo à imparcialidade
dos estudantes. A aluna demonstra uma visão lúcida da proposta. Por que seria a sua
impressão da falta de um conteúdo inválida? Resumidamente, a falta de pormenorização de
alguns detalhes e aspectos da proposta didática, assim como a atividade que a precedeu, não
dá ao leitor os elementos necessários para que também possa avaliar tais falas críticas à
proposta como realmente irrelevantes, ou mesmo quanto a avaliação da abordagem de
conceitos físicos durante as aulas.
Vale ainda o destaque de que também não há um maior detalhamento quanto ao
grupo amostral. Os autores indicam, como mencionado, que foram selecionados alunos mais e
42
menos engajados no jogo, mesmo que não sejam pormenorizados também esses critérios de
seleção. Porém, as impressões e opiniões dadas pelos estudantes, utilizadas como evidências
das inferências construídas pela pesquisa, ou mesmo os que foram tratados como irrelevantes,
não indicam de quais alunos se está falando. As falas sobre boas impressões sobre o módulo
vieram apenas dos alunos que demonstraram um maior engajamento? As críticas vieram de
alunos que demonstraram bom engajamento? Qual a proporção, destes 16 alunos
entrevistados (4 da fase piloto), entre os alunos supostamente engajados e não engajados?
Neste ponto, também pode-se abrir uma discussão com relação a utilização dos dados
das falas dos estudantes de um ponto de vista mais filosófico. Os autores apresentam as falas
dos estudantes como auto evidentes, isto é, não são erigidas interpretações de tais falas. Sem a
interpretação desses dados, a adequação empírica não é vista como valor da pesquisa, mas
como atributo auto evidente. Isto é dizer que os dados são crus. E mais: são trechos
específicos selecionados dentro de uma narrativa completa, sem a indicação de qual parte do
grupo amostral se encontrava o respondente (entre os interessados ou não). Estes, são
resquícios de inclinações positivistas que entendem que o leitor chegará inequivocamente às
mesmas conclusões que os autores perante as evidências.
Finalmente, de maneira coerente, o artigo resgata o objetivo inicial do trabalho: a
implementação didática de um módulo que promova a aquisição de cultura e a promoção de
um desenvolvimento autônomo e crítico. Tais objetivos são, de fato, abordados e
fundamentados durante a investigação, no sentido de que são encontrados dados que indicam
realmente o alcance destes objetivos. O trabalho ainda resgata os objetivos dos aportes
teóricos, enfatizando o CTS, sugerindo, consequentemente, o seu alcance. Tendo como a base
a parte do módulo didático na qual ocorreram discussões éticas e filosóficas, o atendimento
também dos objetivos de outras bases teóricas do artigo: os PCNs. Para isso, destacando a
importância e os objetivos tratados por esses parâmetros com relação à interdisciplinaridade e
ao desenvolvimento de valores e atitudes, os autores ainda inferem sobre o alcance de tais
objetivos, bem como a possibilidade viável e real de sua promoção em atividades como essa,
sugerindo a robustez e a coerência de tal construto, a partir dos dados provenientes da
pesquisa: a entrevista e as observações de campo. Enfim, os autores partem para a defesa de
metodologias como essa que promovem um maior envolvimento dos estudantes, proposição
essa embasada nos dados obtidos pela pesquisa, em favor de alterações profundas no ensino
de física: “a relação cristalizada entre o mau humor e a atividade escolar não é condição
43
o término do conflito com Hitler. Nesta altura da história, a Alemanha nazista já havia se
rendido e o seu ditador já havia cometido suicídio. O intuito, portanto, era o fim da Guerra no
Pacífico - o conflito com os japoneses. É claro que, possivelmente, a existência de um ditador
genocida e tão exacerbadamente ligado à ideais fascistas e de ódio devem ter influenciado a
escolha dos autores. Mesmo assim, há de se notar essas incongruências históricas. Também é
de se destacar que o conflito com o Japão também seria capaz de mediar discussões
importantes sobre as consequências dos construtos científicos e as múltiplas facetas de
conflitos históricos. Por exemplo, seria interessante a discussão quanto o porquê da formação
da aliança de um país cuja população seria também discriminada perante os fascistas italianos
e os nazistas alemães. O tratamento dado pelos países europeus e os EUA à população
asiática, incluindo aí também o papel importante da Austrália para que o Japão tomasse
partido dos países do eixo: discriminação racial e crimes de guerra também ocorreram entre
os países aliados. Há ainda o episódio de Pearl Harbor: uma tragédia sensível à população
estadunidense que culminou na entrada do país na Guerra, mas que foi produto de uma série
de sanções e pressões dos próprios EUA sobre o Japão. Todas essas nuances históricas, além
de contextualizar o conflito de maneira mais precisa a um nível histórico, também permitem a
discussão de pontos relacionados à ética e sua relação com os reais interesses políticos e
econômicos que envolviam o estabelecimento da emergente superpotência que tentava
demarcar regiões de influência.
Enfim, é possível destacar que os autores demonstram a preocupação quanto a
reprodutibilidade da atividade ao descrever minuciosamente as etapas da aplicação. A maior
parte do artigo e, consequentemente desta análise, se deu justamente com essa preocupação,
não por acaso. A metodologia de ensino alternativa, baseada em abordagens interativas e que
promovam um pensamento crítico e a contextualização do conhecimento científico, é bem
detalhada teoricamente e permeou todo o artigo. Há, portanto, uma clara coerência externa.
Contudo, algumas lacunas metodológicas limitam justamente a possibilidade de reprodução
deste módulo didático e diminuem a força das conclusões finais. É preciso que, percebendo
essas lacunas, a comunidade científica da área se preocupe em reproduzir módulos como este
em diferentes contextos, preocupando-se com a minúcia de pontos controversos, inesperados
e que apontem as dificuldades associadas à este tipo de intervenções para que se possa, de
maneira mais concreta, abrir terreno para que propostas ambiciosas como esta possam
multiplicar-se e gerar um impacto mais profundo no ensino de Física, de uma forma mais
45
contundente, uma vez que tenham seus defeitos e falhas amplamente tratados por uma
comunidade que abrange diferentes realidades dentro do contexto nacional.
Fonte: o autor.
47
Levando em conta o objetivo do projeto que engloba esta pesquisa (fazer um mapa
axiológico das pesquisas em ensino de Física) é preciso levar em conta uma característica
inerente da área: trata-se de uma área interdisciplinar. O levantamento dos valores cognitivos
associados às produções da área não será suficiente para a plena descrição dos valores que
permeiam os juízos e as tomadas de decisão por parte dos pesquisadores da área. Precisam ser
levantados, também, os valores contextuais que vêm atrelados a essas pesquisas que são,
inerentemente, interdisciplinares. Isto é, além do apoio à própria Física e à Educação, muitas
pesquisas ancoram-se em áreas como a sociologia, a psicologia, a política, a história e outros.
Portanto, tratando-se de um estudo de caso que dará início a outras análises de uma revisão
mais ampla dos periódicos acadêmicos foco da pesquisa, neste capítulo, será analisado um
artigo que possui como suporte uma fundamentação na área da psicologia que, naturalmente,
já possui uma série de metodologias e valores tradicionais associados. Assim, embora em um
primeiro momento sejam foco da análise os valores cognitivos associados, este estudo de caso
abrirá caminho para futuros trabalhos que também irão englobar uma série de artigos como
este, que buscam suporte em outras áreas do conhecimento científico.
O terceiro artigo analisado neste trabalho foi publicado em 2013 no Caderno
Brasileiro de Ensino de Física, primeiro número do trigésimo volume do periódico. A revista
é, dentro do quadriênio do escopo da pesquisa, classificado como A2 pela QualisCapes. O
intuito do trabalho foi de analisar a influência das dimensões afetivas sobre a escolha pela
docência em Física como carreira profissional, tendo como sujeitos licenciandos da
Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC) e da Universidade de São Paulo (USP). O
trabalho parte das seguintes perguntas de pesquisa: qual a influência da dimensão afetiva na
decisão de seguir a carreira de professor de Física; quais são as principais experiências
emocionais que motivam a escolha da carreira de professor de Física; e quais eventos
originam essas experiências emocionais. Assim, através de um questionário com 68
licenciandos destas instituições, os autores concluíram que há, de fato, um peso dado às
experiências emocionais positivas e de interesse dos acadêmicos sujeitos da pesquisa no que
se refere às suas motivações para a docência em Física.
48
teórico, posto que, ao justificar a razão de ser do trabalho, também faz alusão a outros
pesquisadores que também optaram por essa reorientação. Destoando, portanto, desses
empreendimentos excessivamente cognitivistas que vem obtendo resultados similares e
repetitivos por não considerarem a multidimensionalidade do problema, alicerçados em uma
nova área fértil. Dessa nova forma de abordar os problemas da área, os autores argumentam
que “não basta que [o aluno] conheça de maneira apropriada os fatos, os algoritmos e os
procedimentos para ter garantia de sucesso” (CUSTÓDIO, PIETROCOLA, SOUZA CRUZ,
p. 28, 2013).
Ainda sobre a consistência externa do trabalho, os autores indicam que ainda
existiam, na data de publicação do artigo, poucos trabalhos na educação científica diretamente
relacionados às relações emotivas e de afeto (REISS, 2005). Destes, muitos tratam esse
âmbito como subcategoria, tendo como escopo atitudes sobre ciências. Atitudes essas que
englobam três domínios: o cognitivo, o afetivo e o comportamental. Desta revisão da área
também saem outros focos e lacunas ainda existentes neste tipo de pesquisa: muitos destes
trabalhos são voltados para o interesse em ciências, ao mesmo tempo em que demonstram o
declínio progressivo deste ao longo da vida escolar dos estudantes (BARAM-TSABARI;
YARDEN, 2005; KRAPP; PRENZEL, 2011). Finalmente, também ganha espaço no trabalho
a demonstração da fertilidade deste campo de pesquisa, destacando, por exemplo, o interesse
de diferentes pesquisadores por esta emergente área quanto a relação da variável gênero no
interesse pela ciência, influência de fatores sociais, curriculares, níveis de instrução e ainda
outros fatores envolvidos na equação que estabelece e determina as expectativas e interesses
dos estudantes com a ciência e a carreira científica (DAWSON, 2000; BUCCHERI;
GURBER; BRUHWILER, 2011; SUNDBERG; DINI; LI, 1994; PARK; KHAN; PETRINA,
2009; KJAERNSLI; LIE, 2011).
De maneira muito consistente, os autores apontam um problema da área e, em
seguida, as lacunas da pesquisa científica para o tratamento deste problema para, enfim,
justificar a existência e as escolhas metodológicas da pesquisa empreendida. A importância
surge do fato de que um país não prescinde da formação de profissionais que atuem na área
científica, destacando o envolvimento universitário com a Física como objeto de interesse
político nacional, no sentido de desenvolver a expertise tecnológica de um país. A urgência
surge da discrepância entre tal importância e a carência de docentes que promovem esses
envolvimentos. Tal urgência e demanda é corroborada por dados: para o período de 1990-
2001, eram precisos em torno de 55 mil professores de física, mas formaram-se apenas 7 mil,
50
elementar, visto que, por não permitir inferências generalizadoras, exprime e ressalta
características de um fenômeno delimitado por aspectos específicos de uma determinada
realidade e sujeitos. Fazem parte da amostra da pesquisa alunos de licenciatura em Física.
Responderam o questionário completo, no semestre de 2006/1, dezoito alunos da terceira fase
do curso da UDESC e, responderam as duas primeiras questões do questionário, cinquenta
alunos das turmas de Metodologia de Ensino de Física I e II da USP nos semestre de 2005/2 e
2006/1.
A descrição do contexto, todavia, se encerra por aí. Não há a pormenorização do
perfil destes alunos quanto à faixa etária, gênero, etnia, classe social, etc. Não apenas são
características importantes para o entendimento pleno do contexto da pesquisa, ainda levando
em conta que é uma característica imprescindível deste tipo de pesquisa interpretativa de
campo, como, neste caso, pode-se até destacar uma certa incoerência externa, posto que os
autores apontam que existem pesquisas que analisam a influência da variável gênero, por
exemplo, quanto aos aspectos afetivos relacionados às ciências. Ou seja, a própria área de
pesquisa, citada pelos autores, indica e pesquisa a influência de tais fatores nos sentimentos e
nas afetividades. Vale ainda destacar que, sendo o objeto de pesquisa a relação de
características e influências subjetivas dos sujeitos de pesquisa, esses parâmetros contextuais
possuem um potencial especialmente relevante para as relações e sentimentos destes para com
a ciência. Ora, se o escopo da pesquisa está direcionado para as emoções e experiências
positivas dos estudantes com relação à ciência, é razoável esperar que o contexto específico
de cada aluno determine, dite e influencie esses sentimentos. Ao mesmo tempo, tendo tomado
para si o caráter de pesquisas descritivas (naturalística e, portanto, aproximando-se de estudos
etnográficos), seria coerente a expectativa de minúcias quanto ao maior número possível de
detalhes e variáveis que estão influenciando o fenômeno estudado. Segundo Lüdke (1986),
estudos dessa natureza devem partir da hipótese de que o comportamento humano é
significativamente influenciado pelo contexto em que se situa. Ou ainda, entende que é
virtualmente impossível entender um comportamento humano sem tentar entender o quadro
referencial dentro do qual os indivíduos interpretam seus pensamentos, sentimentos e ações.
Dessa maneira, prescindindo do contexto, as interpretações dizem mais respeito às
expectativas teóricas dos pesquisadores, que do próprio fenômeno investigado.
Indo adiante, após ter ancorando-se nesta metodologia qualitativa descritiva e
interpretativa, a fim de responder suas perguntas norteadoras, a pesquisa revela o seu
52
pensar sobre a terceira pergunta que a pesquisa pretende responder: quais eventos originam
essas experiências emocionais. Sendo essa uma pergunta chave para a pesquisa, porque
apenas uma parcela diminuta, cerca de 25% dos sujeitos, a responderam? A diferença entre os
questionários sugere alterações no decorrer da elaboração da pesquisa, ou mesmo de
diferenças entre os focos e expectativas quanto às respostas de cada grupo amostral. Ainda
existe o fato de que há uma lacuna de pelo menos 7 anos entre a aplicação do questionário e o
envio do artigo. Há de se destacar, portanto, que pesquisas do tipo qualitativa devem
preocupar-se em evitar o surgimento de empecilhos para a representatividade das induções e
inferências construídas e, por isso, espera-se um rigor metodológico no sentido de que sejam
garantidas a representatividade e a validade dos resultados, perante a devida minúcia dos
passos e decisões tomadas em cada etapa da pesquisa que, por natureza, constrói
conhecimentos através do processo de indução.
Ainda há de se destacar que o questionário aparece apenas no apêndice do artigo.
Embora os autores tenham se preocupado em expor os objetivos de cada pergunta, é
importante notar que o instrumento de coleta, ou seja, o meio pelo qual serão obtidas as
evidências para as induções da pesquisa recebe, aparentemente, um papel secundário.
Característica esta que evoca um aspecto positivista, no sentido de que se cria uma
expectativa autoevidente dos resultados experimentais.
Finalmente, outro questionamento que emerge referente ao questionário, é quanto à
preocupação com a descrição plena do fenômeno. As perguntas do questionário englobam e
direcionam as respostas diretamente para as experiências e sensações positivas -
especialmente a terceira pergunta que é precedida de um depoimento indutor. Mesmo que o
foco do estudo sejam as relações e emoções positivas que levam os estudantes a escolher e
persistir na carreira de docente em Física, é preciso que sejam averiguadas situações e pontos
contrários às expectativas da pesquisa. Uma pesquisa de natureza qualitativa e interpretativa
deve preocupar-se com possíveis outras razões que não as referentes à hipótese inicial -
pontos fora da curva são essenciais (LÜDKE, 1986; CARVALHO, 2004). Assim, não
permitir que o fenômeno se manifeste em sua totalidade e complexidade, buscando expor
possíveis sentimentos controversos e antagônicos, faz com que a pesquisa assuma um tom de
corroboração da hipótese inicial, sem testá-la perante possíveis explicações alternativas e
mesmo contrárias às expectativas teóricas (e porque não, afetivas?) dos pesquisadores. Esse
questionamento leva a outra pergunta: qual a validade de um recorte de pesquisa que apenas
avalia o que é procurado? Qual o papel de uma hipótese dentro de uma pesquisa acadêmica?
54
Certamente, não basta procurar e avaliar apenas perguntas que a corroborem, é preciso testá-
la, compará-la e alcançá-la por diferentes meios. A pormenorização, portanto, vai além da
descrição do fenômeno e do rigor metodológico dos pesquisadores. Qual a relevância de se
descrever apenas os aspectos que se espera interpretar?
Após a introdução ao instrumento de pesquisa, os autores explicam como se deu a
análise, dividida em duas fases. Na primeira, foram extraídas das narrativas dos estudantes as
cargas afetivas relacionadas à escolha da carreira docente em física. Esta fase foi a parte
quantitativa do estudo, visto que, após a devida categorização de expressões de afetos, foram
analisadas as ocorrências de cada tipo de sentimento associado às falas (embora, como será
visto, mesmo nesta fase da pesquisa, o caráter interpretativo-qualitativo também esteja
presente). Na segunda fase, o aprofundamento e a interpretação das experiências emocionais
em dois momentos: com relação às experiências emocionais positivas e de interesse. Para
isso, primeiramente, as narrativas foram minuciosamente lidas e detalhadas, para enfim
passarem por uma codificação desses extratos em categorias básicas. Finalmente, as
categorias básicas foram englobadas pelas duas categorias mais amplas.
Para a análise das cargas afetivas, os autores primeiramente apresentam o referencial
teórico utilizado, mais uma vez, denotando embasamento e, consequentemente, coerência
externa. Ao utilizar referências como Russel e Shaver, a pesquisa se propõe a compreender
uma emoção de maneira a estar conectada a um episódio real, a partir da codificação de níveis
básicos da hierarquia emotiva. Em outras palavras, isso quer dizer que sentimentos como
satisfação, entusiasmo são diferentes manifestações do sentimento de alegria. Assim,
entendem que uma pessoa satisfeita, não necessariamente está entusiasmada, todavia, ambos
expressam emoções positivas ligadas à alegria. Assim, os autores apresentam a lista de
palavras que expressam sentimentos que foram utilizadas e contabilizadas nas narrativas dos
sujeitos da pesquisa.
Figura 2 – Elementos do trabalho acadêmico.
55
É importante destacar que foi contabilizada apenas uma citação por narrativa. Assim,
fica evidente que as palavras mais citadas foram: interesse, gostar e curiosidade, enquanto que
as menções negativas foram muito pouco frequentes (apenas 3 menções). As demais menções
tiveram recorrências intermediárias.
Após, para análise da distribuição e ocorrência dessas emoções, as citações foram
englobadas em categorias de emoções mais “elementares”, de acordo com o referencial
teórico utilizado neste trabalho. Aqui, os autores apresentam que há, na literatura, muitas
classificações possíveis mas que, no entanto, utilizaram como emoções básicas: amor, alegria,
raiva, interesse e tristeza e as dividiram nas três seguintes categorias: emoções positivas (amor
e alegria), emoções negativas (raiva e tristeza) e, finalmente, a emoção de interesse. Embora
positiva também, o interesse ganhou notoriedade em uma categoria própria devido ao
entendimento, pela pesquisa, de que possui uma característica funcional diferente das demais
emoções positivas. Segundo os autores, e os diferentes referenciais trazidos na pesquisa, as
questões que normalmente se associam com a escolha pela carreira docente em Física estão
sujeitas diretamente com o interesse. Por que a Física? Por que o ensino de Física e não a
pesquisa básica? O que me interessa na Física? Assim, o interesse seria a emoção positiva
mais associada a essa escolha profissional, sendo responsável, em grande parte, pela
motivação pelo desenvolvimento de capacidades, habilidades e conhecimentos sobre a Física.
56
Assim sendo, o estudo perde robustez quanto a fidedignidade e validade das suas
induções devido à falta de triangulação de dados, da minúcia dos procedimentos
metodológicos e da pormenorização dos pontos fora da curva. Sabe-se, pelo referencial
teórico trazido pelos autores, que o fenômeno estudado é abstrato e complexo. São explícitas
as diferentes categorias possíveis para as emoções, além do fato de que há outros estudos que
abordam as diferentes variáveis, a de gênero por exemplo, que investigam as influências que
moldam e ditam os sentimentos com a ciência. Assim, faz-se necessária, estando diante de
tópicos tão complexos e sujeitos a tantas variáveis, a minúcia das possíveis e diferentes
influências que levam a cada tipo de afeto.
Posto que evidenciaram um possível indício sobre a influência das emoções positivas
e de interesse para a decisão pela Licenciatura em Física, os autores argumentam e estendem a
noção do porquê o interesse recebeu tratamento diferenciado das outras emoções positivas.
Dentro do entendimento da pesquisa, as emoções positivas são atribuições do indivíduo à uma
proposição, a uma ação, a um objeto, a uma ideia, a um conceito ou a uma representação. O
interesse, contudo, promove a busca e o movimento do indivíduo à uma informação do
ambiente, podendo ser prático ou cognitivo. Assim, as emoções positivas, como alegria e
felicidade revelam sentimentos familiares e, consequentemente, sensações boas que indicam
situações favoráveis para a sobrevivência, enquanto que o interesse motiva à tentativa de
apropriação de um conhecimento novo, complexo, conflitante ou desafiador. Finalmente, as
emoções de interesse expostas pelos sujeitos da pesquisa, portanto, seriam reforçadas,
alimentadas ou incentivadas pelas respostas das emoções positivas associadas a essas
experiências. Partindo do exposto, os pesquisadores realizam a fase qualitativa do estudo:
primeiro analisando as narrativas dos acadêmicos quanto às experiências emocionais
positivas, seguida da análise das experiências emocionais do interesse.
No que se refere às emoções positivas, os autores exprimem uma série de trechos das
narrativas dos acadêmicos para, então, erigir as análises. Assim, de maneira muito consistente,
as análises sempre são respaldadas com o robusto aporte teórico apresentado pelos autores.
De maneira representativa, os autores trazem falas de diferentes alunos que, conversando
entre si, corroboram as conclusões extraídas. Por exemplo, na fala de um dos licenciandos:
“Durante todo Ensino Fundamental e Médio sempre tive uma aproximação maior
com as matérias ditas exatas, com uma maior inclinação para Matemática e a Física. Como
essas matérias sempre foram problemas de muitos alunos, muitas vezes eu estava ensinando
as matérias para os colegas, e constantemente os colegas aprendem melhor com minhas
58
finalmente, a decisão pela carreira docente. Contudo, é evidente que o sentimento primeiro
era negativo. Esse episódio corrobora as discussões anteriores com relação à falta de
pormenorização dos episódios negativos. As múltiplas facetas dessas sensações é reconhecida
pelos autores que identificam a pluralidade de sensações, que são subjetivas, proporcionadas
por essas experiências. A sensação de prazer no ato de ajudar ou ensinar os colegas, é
diferente do prazer em se entender e identificar os fenômenos naturais associados ou não ao
cotidiano, assim como a obtenção de respostas para questões desafiadoras e o sentimento de
independência na busca por questões que não foram aprofundadas em sala de aula. Fica
explícita a complexidade e os multi fatores associados que podem levar uma pessoa, dentro de
um contexto, a ter motivação para tornar-se docente e, consequentemente, a incoerência com
relação a preferência dos relatos positivos que apareceram no primeiro momento.
De maneira coerente com a seção anterior, ao analisar as experiências
emocionais do interesse, os autores trazem trechos onde são explicitadas, associadas a essas
emoções, experiências que remontam à curiosidades com relação a artefatos e aparelhos
eletrônicos, ao universo e ao mundo como um todo. Ou seja, outros trechos das narrativas dos
respondentes que evidenciam a satisfação com a obtenção de conhecimentos e explicações.
Interessantemente, algumas respostas novamente remontam a experiências plurais:
sentimentos bons por incentivos ou decisões pedagógicas dos professores, a curiosidades da
infância, ou relações indiretas da vida escolar, como ao conversar sobre o assunto ou explicá-
lo para colegas. Também aparecem aqui outros tópicos pertinentes para a pesquisa em ensino
de física. Assunto já abordado historicamente, os autores encontram, a partir dessa perspectiva
diferente, novamente a discrepância entre os assuntos científicos que interessam aos alunos e
os que são abordados nos currículos dos cursos como causa do declínio desse interesse com o
passar dos anos escolares.
Nesse ponto, já pode-se perceber alguns pontos de fertilidade da pesquisa, posto que
algumas dessas sensações possuem diferentes raízes. Uma pergunta que poderia ser
respondida por pesquisas futuras, por exemplo, seria a importância dada ao compartilhamento
dos saberes. Ou seja, como a comunicação, as trocas com colegas, amigos ou familiares,
interfere nas relações dos estudantes com o conhecimento? Seriam essas interações
responsáveis por uma sensação de pertencimento que motiva os alunos e candidatos a vidas
acadêmicas a participar de uma comunidade de pesquisadores ou de professores que partilham
dos mesmos interesses?
60
Apontam que as escolhas pela carreira docente podem ser fortemente marcadas por cargas
afetivas e que, portanto, não devem ser consideradas como ruídos para essas tomadas de
decisão já que podem fazer parte da criação de vínculos duradouros. Dessa maneira aponta
caminhos para a pesquisa na área: entendem que as experiências emocionais não são único
requisito para a criação de relações estáveis e duradouras com a física, mas que ainda falta um
mecanismo capaz de explicar como experiências emocionais positivas e do interesse
momentâneas influenciam o desenvolvimento de interesses duradouros. Com isso, entendem e
evidenciam a fertilidade da pesquisa. Ao mesmo tempo, indica para os formadores e
professores da área: o incentivo a atividades que promovam e permitam a criação de emoções
positivas e interesse nos alunos.
Pensando nos problemas que foram usados para a justificativa da pesquisa, os autores
concluem:
“Portanto, somos considerados a considerar que uma das soluções
para escassez de professores de Física no Ensino Médio e a baixa motivação
na disciplina está na melhoria da instrução oferecida neste nível, tal como
assinalaram recentemente Brock e Rocha Filho (2011)”. (CUSTÓDIO,
PIETROCOLA, SOUZA CRUZ, p. 51, 2013)
ciência e a docência e, concluem, a partir das evidências mostradas, que há, de fato, um
núcleo que reside nestes afetos. Contudo, como a pesquisa não faz triangulações de dados e
hipóteses, não faz uma possível análise de outros casos não relacionados com essas sensações
positivas, não há como garantir que esses sentimentos positivos permeiam a escolha da
maioria dos estudantes. O que se pode concluir é que são fatores realmente importantes para
aqueles que tiveram experiências positivas. Uma pergunta que pode ser feita a partir de
pesquisas futuras, mais uma vez denotando a fertilidade da pesquisa, é com relação aos alunos
que desistiram da carreira: o que leva estudantes da licenciatura desistirem da carreira
docente? Certamente seria interessante uma investigação científica que se preocupa em
analisar, por exemplo, como estudantes que possuem afetividades com a ciência ainda assim
tiveram que trocar de carreira profissional, forçados ou não. Ou mesmo, àqueles que
persistiram no curso, mas que não associam essas escolhas necessariamente a experiências
positivas.
Finalmente, pode-se argumentar que a pesquisa é coerente e consistente,
principalmente quanto ao aporte teórico e a interpretação das evidências obtidas. Entretanto,
devido ao caráter interpretativo, assemelha-se mais a um estudo de caso do que uma pesquisa
naturalística e, consequentemente, e de maneira consistente com essa metodologia, é
compreensível que não busque generalizações ou o estabelecimento de padrões. Ao mesmo
tempo, principalmente pela análise do instrumento de coleta, fica evidente o viés do
pesquisador. O estudo parece tentar corroborar as expectativas iniciais dos pesquisadores sem,
no entanto, comparar possíveis outras interpretações ou variáveis atreladas ao fenômeno. Para
tanto, seria necessário um novo formato de pesquisa, com triangulações e pormenorização dos
pontos contraditórios que surgiram.
Fonte: o autor.
64
Assim sendo, o questionário aplicado, utilizando uma escala do tipo Likert, foi
analisado a partir da média ponderada das afirmativas. Um questionário foi encaminhado a 44
formadores, obtendo retorno de 23 respostas e outro questionário foi enviado a 97
licenciandos, obtendo retorno de 43 respostas completas. Com isso, os autores alegam terem
obtido indicativos da articulação entre conhecimentos científicos e pedagógicos. Dessa
maneira, indicam que tanto os licenciandos quanto os formadores responderam positivamente
no que se refere a presença dos tópicos ligados às componentes do PCK nas disciplinas
pedagógicas de física. Segundo os autores, os formadores indicaram tal presença em alto grau.
As respostas dos licenciandos, contudo, avaliaram a presença com médias próximas de muito
pouco para dois componentes do PCK: conhecimentos sobre a compreensão dos alunos e
sobre a avaliação de aprendizagem. Também fazia parte do foco dos questionários uma
análise das atividades realizadas nas Práticas como Componente Curricular e nos Estágios
Supervisionados.
Com essas respostas, os autores elaboraram as entrevistas buscando confirmar os
resultados dos questionários, bem como elucidar articulações entre os saberes nas Práticas de
Ensino. Os componentes do PCK indicados com baixa presença nas respostas dos estudantes
no questionário foram objeto de questionamentos durante as entrevistas. Os resultados
trazidos pelos autores são respostas às quatro perguntas seguintes:
Quadro 4 – Questionário aplicado pelo terceiro artigo.
De que forma as disciplinas pedagógicas de Física permitem que você se informe sobre a
1
aprendizagem de Física dos alunos do Ensino Médio?
De que forma as disciplinas pedagógicas de Física permitem que você construa
2
conhecimentos sobre a avaliação da aprendizagem dos estudantes?
Comente sobre os conhecimentos e habilidades construídos no curso, que você utilizou
3
nas Práticas como Componente Curricular.
4 Comente como foi o seu Estágio Supervisionado.
Fonte: (CLEBSCH, A. B; ALVES FILHO, J. P., 2019).
70
uma realidade bem determinada. É função do contexto e, portanto, não generalizável, embora
possua o poder de indicar possíveis correlações para futuros estudos. É fácil notar como um
conhecimento que depende e se fecha em torno de um contexto perde valor na medida em que
se limita a compreensão desta realidade.
Além da falta de informações contextuais, pode-se ainda inquirir a representatividade
dos dados perante ao universo estudado. É questionável, levando em conta os objetivos da
pesquisa, o tamanho do universo amostral trabalhado na pesquisa. Levando em conta que são
6 instituições que formam este universo, são 12 licenciandos entrevistados, de um total de 43
respondentes dos questionários. A fim de comparação, por exemplo, para o primeiro período
de 2019, ingressaram no curso de licenciatura em Física pela UFSC aproximadamente 45
alunos. No mesmo período, 16 alunos pela UDESC e ainda 40 ingressos nas duas turmas do
IFSC, tanto no campus de Jaraguá do Sul, quanto no campus de Araranguá.
Pode-se ainda ponderar a respeito da validade das inferências trazidas pelos autores
na seção de análise e discussão dos resultados. Os autores, para esta parte da análise, trazem
uma série de trechos das narrativas dos estudantes que foram avaliados como explícitas ou
implícitas. Além das questões com relação à representatividade destes dados perante ao que o
estudo se propõe a responder, é interessante a análise das evidências implícitas trazidas pelos
autores. No quadro a seguir, produzido pelos autores do artigo, são demonstrados os
indicativos que implicaram na classificação de cada fala como explícita, ou implícita,
mencionando os termos, frequência de aparição e as disciplinas foco da pesquisa.
Quadro 5 – Presença da Aprendizagem Significativa nas licenciaturas em Física de SC.
Forma Disciplinas
Licenciand Práticas de
Indicativos de pedagógica Frequência
o ensino
presença s de Física
Mapas
conceituais,
conhecimentos
L4IF Explícita X 8
prévios, X
Aprendizagem
Significativa
Ausubel,
L5IF Explícita X X 5
subsunçores
Moreira,
Ausubel,
mapas
L6IF Explícita X - 4
conceituais,
Aprendizagem
Significativa
Mapas
L13U Implícita X X 3
conceituais
72
Aprendizagem
L15IF Explícita X X 3
Significativa
Conhecimentos
L8IF Implícita - X 2
prévios
Ausubel,
L10IF Aprendizagem Explícita X X 2
Significativa
L2IF Ausubel Explícita - X 1
Conhecimentos
L3U Implícita X -
prévios
Fonte: (CLEBSCH, A. B; ALVES FILHO, J. P., 2019).
resultados dessas entrevistas que englobou um grupo amostral da mesma dimensão das
entrevistas com os licenciandos. Como os resultados de tais entrevistas não são mostrados, a
validade das conclusões construídas pelos autores deveria, em condições ideais, ser
perscrutada por instrumentos e intervenções, ou triangulações posteriores. Mesmo que a
identificação da relação da inclinação dos alunos à TAS tenha surgido depois das entrevistas,
a análise da entrevista com os formadores poderia corroborar ou contrapor a possível
correlação. Dessa forma, o artigo inadvertidamente excluiu fontes de dados essenciais para
solidificar ou nuançar suas conclusões. A discussão de dados contraditórios e inesperados é
igualmente, senão até mais importante, que a análise de dados que corroboram as expectativas
dos pesquisadores (LÜDKE, 1986). É claro que, por ser um método de construção de
conhecimento científico que é função do contexto, a análise de possíveis pontos fora da curva
ou inesperados pelos autores também é de fundamental importância para o fazer científico,
uma vez que pesquisas como essa possuem o potencial de atribuir corpo e robustez a estudos
posteriores. Desse modo, o escrutínio dos dados, aliado ao entendimento pleno do contexto e
que perpassa pelas diferentes possíveis interpretações, é parte essencial da pesquisa
interpretativa. Entendendo a ciência como prática coletiva, a partir da visão de Longino, é
essencial que a comunidade científica, uma vez percebendo lacunas deixadas por trabalhos
férteis como esse, empreenda novas pesquisas sobre o tema, preenchendo tais vácuos e
alcançando assim, novos patamares para o conhecimento científico, a partir da crítica
intersubjetiva entre pares e tendo como ponto de partida valores compartilhados pela
comunidade, levando em conta as diferentes interpretações e nuâncias axiológicas dentro de
sua diversidade.
Outro ponto a ser indagado é a respeito das triangulações teóricas e de dados
sugeridas pelo resumo e pela introdução do artigo. Não há menções na seção de metodologia,
nem na apresentação e discussão de dados, nem na conclusão, sobre as análises de
documentos legais e a utilização da Análise de Conteúdo. Embora o resumo indique que essas
análises ocorreram neste trabalho, fica evidente que são parte da pesquisa maior, da qual o
trabalho deriva, mas que não são pormenorizados no artigo como sugere o resumo. Com isso,
por não terem nenhum espaço no artigo, acabam por criar expectativas que, sem a leitura da
tese por completo, se tornam frustradas, já que não são mostradas tais triangulações. Perde-se,
dessa maneira, a precisão que se espera de um resumo de um artigo científico.
77
Pode-se ainda argumentar outro valor cognitivo atrelado a esta pesquisa: o alcance. A
pesquisa mostra como os conceitos ligados ao PCK podem ser utilizados para a avaliação e
elaboração de esclarecimentos sobre a formação e a construção de saberes docentes, até
mesmo a nível curricular. É razoável argumentar, portanto, que a pesquisa escancara
caminhos para que se possa aproximar do PCK dos professores, tendo em vista a discordância
das respostas dos questionários destes e dos licenciandos. Finalmente, esta investigação
evidencia o alcance deste construto teórico, mostrando o seu potencial para a análise de
saberes docentes e suas correlações e coerência com outras concepções teóricas. Como
argumentado no início deste capítulo, a pesquisa indica caminhos para a construção de uma
epistemologia do professor, portanto.
É notório, dessa maneira, a fertilidade e o alcance da investigação, visto que indica
uma possível inclinação teórica entre os licenciandos à TAS, a partir da análise de
componentes do PCK. Pode ser que exista, nos currículos dos cursos de licenciatura em física,
algo que inspire e atinja os estudantes em direção a este corpo teórico. Mesmo que questões
metodológicas que apoiam a validade e a fidedignidade possam ser expandidas em pesquisas
interpretativas de campo similares futuramente, nota-se que o estudo não perdeu em valores
como a fertilidade e o alcance - e esse é um dos maiores objetivos de uma pesquisa desta
natureza. Quer dizer, um dos objetivos de pesquisas interpretativas de campo como esta, é
justamente de criar subsídios ou possíveis indicativos de correlações entre fatores em um
determinado contexto. O trabalho demonstra possíveis inclinações e articulações que
perpassam os cursos, atingindo futuros professores no sentido da promoção de uma
aprendizagem significativa. Algumas perguntas são deixadas pelo trabalho e cabe a
comunidade de pesquisa em ensino de física respondê-las. Existe uma tendência no
alinhamento dos estudantes com algumas representações intuitivas? Que repercussões essas
inclinações poderiam trazer para o ensino de física e para a formulação dos currículos dos
cursos de licenciatura em física? Essa possível inclinação poderia carregar consigo algum
potencial motivador para os futuros licenciandos? Como seria possível contemplar tais
inclinações nos currículos? Será que currículos construídos em cima de questões como esta,
advindas da pesquisa científica da área de ensino de física, poderiam contribuir para
mudanças mais profundas no ensino de física propriamente dito? A pesquisa percebe a
influência de certos corpos teóricos que, possivelmente, marcam os alunos justamente onde há
lacunas nas suas formações. Pode-se criar, além disso, possíveis parâmetros para a avaliação
de cursos. O estudo é fértil, portanto, por sugerir indicações para pesquisas futuras, que
78
podem até mesmo elucidar questões para a formação dos novos currículos em licenciatura em
física, ao escancarar lacunas nos atuais, ao mesmo tempo em que indica possíveis caminhos
teóricos que chamam mais a atenção dos licenciandos. Essas questões são essenciais, uma vez
que a Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de 2019 exige uma reestruturação das
licenciaturas e que esse é um dado potencial para a elaboração desses novos projetos.
Finalmente, pode-se concluir que o artigo funciona muito bem a nível teórico. O
artigo possui preocupações acerca da coerência externa, é fértil e ainda demonstra o alcance
de construtos teóricos. Ao mesmo tempo, a nível metodológico, existem algumas lacunas que
devem ser percebidas, identificadas e preenchidas pela comunidade científica de pesquisa na
área. Mais estudos são necessários. Mas estudos que dialoguem com a pesquisa. Que
evidenciem seus pontos positivos e negativos, procurem corroborar inferências construídas,
que empreenda triangulações, ao mesmo tempo em que se proponham interpretações
diferentes, a partir de contextos diferentes.
Fonte: o autor.
80
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
voos mais altos, mais ambiciosos, tendo em mente os problemas característicos da área.
Contudo, se uma área científica reside em uma série de trabalhos inéditos, se não existe o
interesse em se criticar e reproduzir propostas, corre-se o risco de se criar uma série de
trabalhos separados, limitados em suas individualidades e permeados pelo viés de seus
próprios inventores. Para Longino, a objetividade do conhecimento científico reside na
capacidade de uma comunidade plural criar condições, caminhos e espaços de crítica
intersubjetiva. Se não há reproduções em diferentes contextos, sob diferentes interpretações e
perspectivas, as pesquisas acabam por encerrar-se em si mesmas.
Além da proeminência destes valores, também há de se destacar o papel
secundário que são atribuídos a outros valores cognitivos, tais como a precisão, adequação
empírica, representatividade, fidedignidade e validade. Nos três estudos de caso aqui
empreendidos, é importante destacar que houve demonstrações de preocupações
metodológicas. A tentativa de minimização da intervenção dos pesquisadores sobre a
obtenção de dados, e ainda o empreendimento de triangulações de dados e teorias. Contudo, a
falta de pormenorização em pontos importantes da pesquisas acabam por abreviar os
potenciais dessa salutar diligência metodológica. Os três artigos manifestaram descrições
pouco profundas de seus contextos e dos sujeitos de pesquisa. Ainda houve casos em que o
universo amostral, ou mesmo a corroboração de considerações através das evidências
construídas, foram pouco representativos.
Dessa maneira, atesta-se em favor das expectativas iniciais da pesquisa, que
antecipou a prevalência de valores como a coerência e o ineditismo, deslocando para papéis
menos importantes valores como a adequação empírica, a partir das concepções de Almeida
(2012). Enfocando nestes valores mais proeminentes, é importante destacar, mais uma vez, a
prevalência destes valores especialmente em referência à construção dos instrumentos de
pesquisa, mas em menor grau durante os processos de avaliação. É claro, trata-se de valores
fluidos, isto é, partindo de uma perspectiva antropológica, estão associados à maneira com a
qual estes pesquisadores foram treinados. Trata-se da cultura da área, da tradição de pesquisa
relacionada aos participantes desta comunidade, que treina seus novos pesquisadores a partir
dos mesmos valores tácitos. Em outras palavras, refere-se a conjuntos de normas, condutas e
comportamentos esperados e associados a uma comunidade, tal qual o contrato social de
Rousseau, ou ainda o contrato didático: um contrato metodológico da área de pesquisa em
ensino de Física. Vale, desta maneira, e levando em conta que nos três trabalhos pelo menos
um dos autores teve ao mesmo um período da sua formação no Programa de Pós Graduação
84
REFERÊNCIAS
KUHN, T. S. Objetividade, juízo de valor e escolha teórica. In: A Tensão Essencial. Lisboa:
Edições 70, p. 363, 2009.
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Editora
Perspectiva S.A, 1997.
LAUDAN, L. Science and values: the aims of science and their role in scientific debate.
Berkeley, Los Angeles: University of California Press, 1984.
GIL, A. C. Métodos e Técnicas de pesquisa social. 6 ed. São Paulo: editora Atlas, 2008.