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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS FÍSICAS E MATEMÁTICAS


DEPARTAMENTO DE FÍSICA
LICENCIATURA EM FÍSICA

Rodrigo Guimarães Soares

Uma análise axiológica: valores associados às pesquisas qualitativas


catarinenses em ensino de Física

Florianópolis
2021
Rodrigo Guimarães Soares

Uma análise axiológica: valores associados às pesquisas qualitativas


catarinenses em ensino de Física

Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em Física


do Centro de Ciências Físicas e Matemáticas da
Universidade Federal de Santa Catarina como requisito
para a obtenção do título de Licenciado em Física
Orientador: Profa. Dra. Marinês Domingues Cordeiro

Florianópolis
2021
Soares, Rodrigo Guimarães
Uma análise axiológica: valores associados às pesquisas
qualitativas catarinenses em ensino de Física / Rodrigo
Guimarães Soares ; orientadora, Marinês Domingues
Cordeiro, 2021.
82 p.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) -


Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências
Físicas e Matemáticas, Graduação em Física, Florianópolis,
2021.

Inclui referências.

1. Física. 2. Epistemologia. 3. Valores. 4. Ensino de


Física. I. Cordeiro, Marinês Domingues. II. Universidade
Federal de Santa Catarina. Graduação em Física. III. Título.
Rodrigo Guimarães Soares

Uma análise axiológica: valores associados às pesquisas qualitativas


catarinenses em ensino de Física

Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de
licenciado em Física e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Física

Florianópolis, 21 de maio de 2021.

________________________
Profa. Dra. Marinês Domingues Cordeiro
Coordenadora do Curso e Orientadora
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

Banca Examinadora:

________________________
Profa. Dra. Gabriela Kaiana Ferreira
Avaliadora
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

________________________
Prof. Dr. Henrique César da Silva
Avaliador
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
Aos meus pais e a minha irmã que proporcionaram tudo que
sempre precisei, sobretudo, amor.
AGRADECIMENTOS

Este trabalho só foi possível graças a uma rede de apoio. Primeiramente, não poderia
deixar de agradecer meu pai e minha mãe, Fábio e Gera, que sempre me apoiaram e
garantiram que estivesse ao meu alcance todos os recursos que me foram necessários. Sempre
compreensivos quanto às minhas escolhas, ao meu tempo e aos meus interesses. Sobretudo,
me amaram incondicionalmente e sempre se preocuparam com a minha felicidade, com a
minha satisfação com o que escolhi para minha vida. Mesmo estando a maior parte do tempo
a mais de 600km de distância, se fizeram presentes e preocupados com cada etapa da
graduação. Comemoraram comigo cada pequena vitória e, espero, ainda o farão muitas vezes.
Ainda sobre minha família, não poderia deixar de mencionar minha irmã, Marina,
que sempre foi minha âncora. Nos momentos mais difíceis, dos maiores questionamentos e
dúvidas existenciais, sempre foi quem se preocupou, em primeiro lugar, com a minha saúde.
Quando estava mais perdido e quase desistindo do curso, foi através do suporte dela que
encontrei o caminho de volta a mim mesmo.
É claro, também não poderia deixar de mencionar minhas melhores amigas, Carol e
Marina. A família que escolhi. Além do suporte emocional, do carinho, do desafogo, foi com
elas com quem realmente me encontrei. Elas me ajudaram a enxergar o mundo e, com muito
amor e carinho, deixei de viver apenas dentro de mim. Ninguém sabe melhor o quanto me
perdi e nem a dimensão da dificuldade que tive em cada etapa. Descobri o mundo, mas
também a mim mesmo com vocês. Nos últimos anos, também foram essenciais para que este
trabalho pudesse ser feito outros amigos, como Gustavo e Bárbara.
Sou muito grato também à minha orientadora, Marinês. Pela confiança e
dedicação a minha formação, mas também por todo trabalho que estamos fazendo juntos
desde o final de 2018. Além de me mostrar o caminho dentro da pesquisa, das muitas leituras,
é também responsável em grande parte pelo meu interesse pela filosofia, história e ensino da
Física, o campo com o qual tanto me interesso e pretendo fazer carreira. Obrigado pela
dedicação e pela paciência ao me orientar. É claro, através deste agradecimento, também
agradeço a todos e todas professores e professoras que fizeram parte da minha graduação.
Não poderia deixar de agradecer ainda a professora Gabriela e ao professor
Henrique, por terem aceito participar da banca deste trabalho, mas também pelos encontros
durante as disciplinas da graduação. Em especial a professora Gabriela, também muito
responsável pela minha intenção em seguir carreira na área, por ter me mostrado e estimulado
outras perspectivas dentro do campo da natureza da ciência e da pesquisa em ensino de Física,
desde a metade do ano passado, também sempre compreensiva, gentil e dedicada à minha
formação.
A esperança está na própria essência da imperfeição dos homens, levando-os a uma
eterna busca. Uma tal busca, como já vimos, não se faz no isolamento, mas na comunicação
entre os homens – o que é impraticável numa situação de agressão.
O desespero é uma espécie de silencio, de recusa do mundo, de fuga. No entanto a
desumanização que resulta da “ordem” injusta não deveria ser uma razão da perda da
esperança, mas, ao contrário, uma razão de desejar ainda mais, e de procurar sem descanso,
restaurar a humanidade esmagada pela injustiça.
Não é, porém, a esperança em cruzar de braços e esperar. Movo-me na esperança
enquanto luto e, se luto com esperança, espero.
Se o diálogo é o encontro dos homens para ser mais, não pode fazer-se na
desesperança. Se os sujeitos do diálogo nada esperam do seu quefazer, já não pode haver
diálogo. O seu encontro é vazio e estéril. É burocrático e fastidioso. (Paulo Freire, 1970)
RESUMO

Este trabalho faz parte de um projeto maior, que tem como objetivo traçar um quadro
axiológico da área de pesquisa em ensino de Física. A fim de dar início ao tratamento
qualitativo do universo amostral deste projeto, artigos publicados em periódicos de
classificação A1 e A2 pela QualisCapes, focando em trabalhos de metodologia qualitativa de
campo, dentro da primeira quinta parte do século XXI, foram selecionados três trabalhos, de
autoria filiada à instituições catarinenses. Com o objetivo de dar indicativos para este
panorama geral, foram escolhidos um artigo do período inicial do século, outro ao fim da
primeira década e, finalmente, um referente ao final da última década do período. Para a
análise, foram empreendidos três estudos de caso, tendo como pano de fundo a epistemologia
de Larry Laudan e de Helen Longino, com o propósito de estabelecer critérios para a asserção
de valores que permeiam a prática científica na área. Além disso, a partir deste referencial
epistemológico, os estudos fundamentam-se em uma concepção de ciência como prática
social: resultado da crítica intersubjetiva entre pares, dentro de uma comunidade diversificada,
possibilitada através de amplos canais de comunicação, em pé de igualdade de autoridade
intelectual. Identificou-se que há, dentre os artigos analisados, uma apreciação à valores
cognitivos como coerência e ineditismo, ao mesmo tempo em que valores como a adequação
empírica possuem papéis mais secundários. Os indicativos obtidos, portanto, permitem
vislumbrar valores associados à tradição de pesquisa na área que servirão para futuras análises
mais amplas que, além do diagnóstico da área, possibilitarão discussões profundas sobre a
área no que se refere, por exemplo, ao contraste entre esses valores, os resultados e os
objetivos da comunidade.
Palavras-chave: Epistemologia. Valores. Ensino de Física.
ABSTRACT

This work is part of a bigger project, which has the purpose of draw the axiological picture of
the area of research in the teaching of physics. In order to start the qualitative treatment of the
sample universe of this project, papers published in journals classified as A1 and A2 by the
QualisCapes, focusing on works with qualitative field methodology, inside the fifth part of the
XXI century with authors affiliated at institutions in Santa Catarina. In order to give
indications for this general panorama, one article was chosen from the beginning of the
century, another at the end of the first decade and, finally, one referring to the end of the last
decade of the period. For the analysis, three case studies were undertaken, with the
background of the epistemology of Larry Laudan and Helen Longino, with the purpose of
establishing criteria for the assertion of values that permeate scientific practice in the area. In
addition, based on this epistemological framework, the study is based on a conception of
science as a social practice: the result of intersubjective criticism among peers, within a
diverse community, made possible through broad communication channels, with equality of
intellectual authority. It was identified that, among the articles analyzed, there is an
appreciation for cognitive values such as coherence and novelty, while values such as
empirical adequacy have more secondary roles. The indications obtained, therefore, permit to
glimpse values associated with the tradition of research in the area that will serve for future
broader analysis that, in addition to the diagnosis of the area, will allow for in-depth
discussions about the area with regard, for example, to the contrast between these values, the
results and objectives of the community.
Keywords: Epistemology. Values. Physics teaching.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Diagrama V para a primeira análise........................................................................44

Figura 2 – Elementos do trabalho acadêmico...........................................................................52

Figura 3 – Diagrama V para a segunda análise.........................................................................60

Figura 4 – Diagrama V para a terceira análise..........................................................................75


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Disposição das aulas do módulo didático..............................................................31


Quadro 2 – Questionário utilizado pelo segundo artigo............................................................49
Quadro 3 – Categorias dos saberes pedagógicos de conteúdo e suas respectivas subcategorias
...................................................................................................................................................65
Quadro 4 – Questionário utilizado pelo terceiro artigo.............................................................66
Quadro 5 – Presença da Aprendizagem Significativa nas licenciaturas em Física de SC........68
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

SNEF Simpósio Nacional de Ensino de Física


PCN Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
PNLD Plano Nacional do Livro Didático
IFC Instituto Federal Catarinense
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UDESC Universidade Estadual de Santa Catarina
USP Universidade de São Paulo
IFSC Instituto Federal de Santa Catarina
MMC Modelo de Mudança Conceitual
TAS Teoria da Aprendizagem Significativa
PCK Conhecimento Pedagógico de Conteúdo ou Pedagogical Content Knowledge
PPC Projeto Pedagógico de Curso
ACE Aprendizagem Centrada em Eventos
CTS Ciência, Tecnologia e Sociedade
UNESCO União das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
RPG Roleplaying Game, ou Jogos de Papéis
PPGECT Programa de Pós Graduação em Educação Científica e Tecnológica
CETODES Comissão Especial para Tomada de Decisões Estratégicas
EUA Estados Unidos da América
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................15
1.1 OBJETIVOS.........................................................................................................17

1.1.1 Objetivo Geral......................................................................................................17

1.1.2 Objetivos Específicos...........................................................................................17

2 METODOLOGIA E MARCOS TEÓRICOS....................................................19


3 PRIMEIRA ANÁLISE: UM ESTUDO DE CASO DO ARTIGO “UMA
EXPERIÊNCIA COM O PROJETO MANHATTAN NO ENSINO FUNDAMENTAL”
(SAMAGAIA, R; PEDUZZI, L, O. O, 2004)........................................................................24
4 SEGUNDA ANÁLISE: UM ESTUDO DE CASO DO ARTIGO
“EXPERIÊNCIAS EMOCIONAIS DE ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO COMO
MOTIVAÇÃO PARA SE TORNAREM PROFESSORES DE FÍSICA” (CUSTÓDIO, F.
F; PIETROCOLA, M; SOUZA CRUZ, F. F, 2013).............................................................45
5 TERCEIRA ANÁLISE: UM ESTUDO DE CASO DO ARTIGO
“APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA E CONSTRUÇÃO DE SABERES DOCENTES
NA LICENCIATURA E FÍSICA” (CLEBSCH, A. B; ALVES FILHO, J. P., 2019).......61
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................76
REFERÊNCIAS...................................................................................................81
15
1 INTRODUÇÃO

Da disputa por influências pelas superpotências durante a Guerra Fria,


principalmente após a Sputnik, o processo de ensino em ciências ganhou importância e se
tornou foco de interesse político e estratégico de muitas nações. Deu-se início à era dos
grandes projetos de ensino que visavam à massificação do ensino de ciências. Como
resultado, o primeiro Simpósio Nacional de Ensino de Física (SNEF), em 1971, geralmente
tido como marca do início da área de pesquisa do Ensino de Física (NARDI, 2014). Fala-se,
portanto, de mais de meio século da instituição de uma comunidade acadêmico-científica
brasileira. Após esta fase inicial, a comunidade centra a sua atenção, majoritariamente, em
temas de investigação como as concepções alternativas, mudanças conceituais e
representações mentais, nos anos 70, e então para a pesquisa em formação de professores e de
cunho microetnográfico, nos anos 90. No decorrer do tempo, a comunidade ganha força e o
conhecimento produz novas questões a serem trabalhadas, no sentido de promover uma
melhoria do ensino propriamente dito (MOREIRA, 2004). Dessa maneira, fica evidente que,
embora não na mesma intensidade que as ciências ditas duras, a pesquisa em ensino de Física
possui um histórico de mudanças ou transformações paradigmáticas.
O conhecimento compartilhado, sendo embasado, é direcionado de acordo com os
interesses intelectuais e políticos da comunidade, permeado também pela necessidade de
preenchimento das lacunas deixadas. Além da produção acadêmica, vitórias no que diz
respeito à políticas públicas mostram a evolução da área, principalmente através da
consolidação de documentos legais como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio e o Plano Nacional Do Livro Didático (ALMEIDA, 2012). Não obstante, o cenário do
ensino a nível nacional continua preocupante e, assim, urge a necessidade de novos
direcionamentos para a pesquisa, visando não apenas à aproximação da academia com a
escola, mas a melhoria do ensino e aprendizagem em si. É preciso que a pesquisa não resulte
em meras recomendações para os professores ou na produção de estudos de casos jamais
replicados. O problema ainda vai além da problemática dicotomia pesquisa-escola: muitas
linhas de pesquisas não dialogam entre si e há a proeminência de concepções de ensino
desvinculadas das de aprendizagem (ALMEIDA, 2012; MOREIRA, 2000).
A partir das análises de Almeida (2012) e Moreira (2000), pode-se argumentar, em
termos axiológicos, que a alta especialização, resultando em linhas de pesquisas e referenciais
teóricos particulares que distanciam-se entre si, desempenha em favor de alguns valores,
16

enquanto se afasta de outros. Poder-se-ia argumentar, por exemplo, uma valorização da


coerência com esses referenciais próprios e do ineditismo, em detrimento de valores como a
adequação empírica e escopo. Dessa forma, a averiguação deste quadro há de ter
potencialidades importantes no que diz respeito ao avanço da área. Embora já existam
indicativos sobre a importância de uma análise axiológica da área desde os anos de 1990
(ALLCHIN, 1999; MATTHEWS, 1990), poucas pesquisas se propuseram a isto. As que se
lançam à uma perspectiva filosófica da ciência, o fazem tendo os valores na ciência como
conteúdo a ser ensinado, capaz de mediar o ensino de ciências (CORDEIRO; PEDUZZI,
2016; BATISTA; LUCAS, 2013; SALVI; BATISTA, 2009). Assim, exibe-se uma lacuna na
pesquisa em ensino de Física: a necessidade e possibilidade de se investigar a própria prática e
tradição de pesquisa na área a partir de uma perspectiva filosófica como instrumento analítico.
Destarte, este trabalho faz parte de um projeto maior, intitulado “Valores da pesquisa
em Ensino de Física: o estado da arte no século XXI” que parte justamente da premissa de que
se faz necessário o mapeamento axiológico da área: quais são os valores associados à
comunidade de pesquisa; como a dinâmica da negociação desses valores acontece; qual o
contraste entre os objetivos da área e os valores que permeiam as pesquisas. Já tendo
construído um marco teórico, a coleta de dados e uma análise quantitativa, este estudo marca
o início da próxima etapa do projeto - uma análise axiológica qualitativa. Após este estudo,
sendo ele mesmo um estudo de caso, outros contextos serão analisados, permitindo assim, o
mapeamento dos valores da comunidade como um todo. Nas primeiras etapas da pesquisa,
buscou-se, nos periódicos de Qualis-Capes de categoria A1 e A2, varrer e selecionar todas as
publicações em Ensino de Física, de primeiros autores brasileiros, que tenham natureza
qualitativa de campo.
O estudo de caso deste trabalho se refere a artigos desse quadro, publicados por
autores afiliados a instituições catarinenses, no início, meio e fim deste período - 2000, 2010 e
2020, respectivamente – e, portanto, almeja evidenciar possíveis recorrências e interações
entre os valores da comunidade. Em outras palavras, busca-se, de maneira inicial, identificar
possíveis valores que possivelmente permeiam e que são negociados pela comunidade
científica catarinense, por meio da análise dessas publicações durante o determinado período.
Buscou-se a sinalização de artigos que potencialmente podem permitir um quadro geral da
área. Isto é, selecionando um artigo próximo ao início do século, outro próximo do final da
primeira década e, por último, um do final da segunda década, espera-se identificar possíveis
17

distinções temporais. Ao mesmo tempo, os artigos selecionados possuem diferentes escopos:


enquanto um ancora-se em pesquisas relacionadas ao campo da psicologia (interdisciplinar,
portanto), outro foca na formação de professores e o último trata de uma intervenção didática.
Além de possíveis traços temporais que possam indicar relações para a análise mais geral do
quadro de todas as publicações da época, também foram foco da pesquisa estudos que
englobam características marcantes na área, também procurando elucidações para o posterior
quadro geral. Quais são seus objetivos, seus resultados, permeados pela análise axiológica, e,
finalmente, suas implicações para o Ensino de Física no Brasil. Assim, chega-se a pergunta e
os objetivos desta pesquisa, a partir da questão de pesquisa: que valores emergem da prática
científica de alguns autores e que indicativos dão para a identidade desta comunidade?

1.1 OBJETIVOS

Nas seções abaixo estão descritos o objetivo geral e os objetivos específicos deste
TCC.

1.1.1 Objetivo Geral

Identificar quais valores articulam as pesquisas no Ensino de física expressos nos


artigos publicados por autores catarinenses em diferentes momentos do século XXI.

1.1.2 Objetivos Específicos

I- Selecionar e analisar os artigos publicados por autores catarinenses em


periódicos relevantes e que possuam natureza qualitativa identificando seus valores
articulados, valores esses tradicionalmente tidos como cognitivos, nas pesquisas no
Ensino de Física;

O projeto do qual esta pesquisa faz parte trata de um amplo levantamento


bibliográfico da área. No estágio em que se encontra, investiga a totalidade de artigos
publicados em periódicos categorizados como A1 e A2 que tratam Ensino de Física,
publicados entre os anos de 2000 e 2020. Após esta primeira seleção, foram escolhidos os
artigos com metodologias qualitativas de campo. Para esta pesquisa, foram selecionados três
18

artigos deste universo da pesquisa, todos de autoria catarinense. Deu-se preferência pela
seleção de um artigo que correspondesse aproximadamente a cada um dos períodos do recorte
temporal: 2000, 2010 e 2020.

II- Examinar os valores que despontam de cada obra, de cada autor e de cada
estágio da primeira quinta parte do século XXI, classificando aqueles que permeiam as
pesquisas, buscando possíveis evoluções temporais e interligações que suscitam indícios
da identidade da comunidade;

A partir da análise minuciosa de cada um dos artigos, procurou-se a seleção de


valores cognitivos associados, principalmente aqueles normalmente atribuídos à pesquisas
acadêmicas e científicas robustas, que permitem a crítica intersubjetiva entre pares. Nesse
sentido, através de uma abordagem qualitativa, foram selecionados indicativos que sugerem
apreciação de diferentes valores, como: coerência externa, precisão, alcance,
reprodutibilidade, fertilidade, validade, fidedignidade, dentre outros.

III- Ponderar tais identidades axiológicas e suas negociações, sobre as


implicações para o campo de pesquisa no Ensino de Física.

Com esse objetivo específico, espera-se encontrar os possíveis valores associados aos
trabalhos para que se possa vislumbrar os recortes temporais e referentes aos tipos de
trabalhos, abrindo caminho, portanto, para o quadro geral do projeto, que possui um objetivo
maior que o diagnóstico da área. Além do panorama geral, marcos epistemológicos ainda
possuem potencialidades para avaliação de caminhos futuros para a comunidade, através do
contraste entres os valores, objetivos e resultados da comunidade. Isto é, a avaliação de
possíveis contradições ou afirmações entre o empreendimento científico e os valores
esperados.
19

2 METODOLOGIA E MARCOS TEÓRICOS

O tipo de pesquisa é Estudo de Caso Documental, uma abordagem qualitativa


que pressupõe uma imersão em um dado contexto, de maneira a vislumbrar e identificar
variáveis de um fenômeno e suas possíveis correlações. O valor desta metodologia reside no
fato de que permite justamente a obtenção de indícios de compreensão de uma situação para
outras similares. Isto é, através da procura e identificação de valores, processos e fatores de
um contexto, permite, além da descrição, a avaliação ou interpretação da dinâmica deste
contexto e suas dimensões. Um fator limitante deste tipo de pesquisa é justamente a
impossibilidade de produzir generalizações, justamente por estar atrelado a um determinado
contexto, realidade ou documento. Contudo, dá indicativos que podem trilhar caminhos para
trabalhos futuros e, portanto, se encaixa e é coerente com os objetivos deste trabalho. Dessa
forma, com o intuito de dar subsídios para as interpretações erigidas neste trabalho, partiu-se
de marcos epistemológicos das relações entre ciência e valores de Laudan (1984) e Helen
Longino (1990).
A epistemologia do filósofo se propõe a abordar a racionalidade da ciência,
partindo de críticas referentes ao modelo traçado inicialmente por Kuhn (1962), em A
Estrutura das Revoluções Científicas. Trata-se, portanto, de uma tentativa de preencher
lacunas deixadas pela obra pioneira de Kuhn, que inseriu influências subjetivas na prática
científica. A investida buscou salvar a racionalidade ainda entendendo essas interferências
subjetivas como inerentes à prática científica. Para tanto, Laudan elabora um modelo
reticulado triádico que, através de sucessivos ajustes e negociações entre as dimensões
teórica, metodológica e axiológica da prática científica, em contrapartida ao modelo
hierárquico dos positivistas. Reticulado, pois percebe sucessivos ajustes nas relações entre os
valores associados a cada dimensão com a finalidade de, nas escolhas teóricas, salvaguardar a
racionalidade da ciência a partir de um modelo de justificação na tomada de decisão pela
teoria axiologicamente melhor suportada pelas evidências e pelos métodos.
Apesar de focar nas críticas entre os pares, Longino não foca nos momentos de
grandes dissensos e na construção de consenso como Laudan. Assim como o filósofo,
compreende as dimensões metodológica, teórica e axiológica, contudo, de maneira menos
rígida e reconhecendo a influência, inclusive, de valores contextuais e extra científicos. Por
sua vez, Longino entende a ciência como prática objetiva a partir, principalmente, da
capacidade de uma comunidade em fazer circular os conhecimentos e da crítica entre pares, e
20

difere, portanto, dos sucessivos ajustes metodológicos, teóricos e axiológicos de Laudan. A


filósofa preocupa-se muito mais com a dimensão social e coletiva da ciência, com a
objetividade como produto dessa negociação, Laudan, por sua vez, investiga essa negociação
de um ponto de vista mais interno e individual. As perspectivas são, desse modo,
complementares.
Como pano de fundo, a filosofia de Longino funciona como uma lente que foca nas
dinâmicas dentro das práticas científicas, permitindo a avaliação da objetividade da área. Para
a autora, a negociação de valores permeia todo o fazer científico e, portanto, não é
característica restrita aos momentos de escolhas de teorias ou períodos de revoluções
paradigmáticas, no sentido kuhniano. Portanto, se faz presente nas escolhas metodológicas, no
tratamento de dados e nas interpretações feitas pelos cientistas. Ademais, estão associados a
essa negociação não apenas os valores cognitivos usuais, mas também aqueles contextuais e
subjetivos. Longino propõe condições que, a partir da crítica intersubjetiva entre pares,
sustentam a objetividade da ciência. Algumas delas: a heterogeneidade da comunidade e a
igualdade de autoridade intelectual dos membros que definem a comunidade. Isto é dizer que,
sendo a ciência inerentemente sujeita a valores de natureza contextuais e extra científicos, é a
sua abertura à crítica que ampara e resguarda sua objetividade, desde que sejam direcionados
aos problemas da área olhares plurais, em pé de igualdade intelectual, com amplos canais de
comunicação, que permitem a negociação, trocas e interpretações desses valores. Essas
condições não garantem a esperada objetividade, mas criam as condições ideais para tal. É
explícito e evidente que a ciência não é um espaço igualitário e diversificado, Longino
defende, no entanto, que quanto mais a comunidade científica for diversificada e plural,
melhor funcionará este mecanismo de filtragem das preferências subjetivas (do indivíduo e de
comunidades homogêneas).
Neste ponto, cabe também a elucidação do tipo de pesquisa escopo deste trabalho:
pesquisas interpretativas de campo. Com relação ao caráter interpretativo e, dessa forma,
qualitativo, é importante o destaque de que não se trata meramente de pesquisas opostas às
quantitativas. Isto é, apesar da usual atribuição de uma relação dicotômica, não são
mutuamente excludentes. Em pesquisas de natureza social, as pesquisas qualitativas são
especialmente fecundas uma vez que permitem a construção de panoramas profundos e
minuciosos de determinados contextos, sociológicos ou antropológicos. Perspectivas estas que
21

fogem de análises exclusivamente quantitativas. De certa maneira, portanto, são opostas,


embora não necessariamente excludentes.
Destarte, pesquisas qualitativas são abordagens que permitem o exame de fenômenos
e eventos, a partir da minúcia de detalhes e aspectos pertinentes referentes a um contexto, que
emergem a partir da interpretação do pesquisador, que é visto também como instrumento de
coleta, ou pelo ponto de vista deste projeto de pesquisa, o meio pelo qual as evidências são
geradas. Do exposto, segue a noção de que o viés do investigador permeia todo o
empreendimento da pesquisa qualitativa. Pode-se averiguar tal suposição a partir do
entendimento de como são construídas as evidências a partir dos instrumentos mais
comumente associados a este tipo de pesquisa: observações, questionários e entrevistas. É
evidente a presença do olhar do pesquisador a partir das observações; contudo, também está
presente nos outros instrumentos. Será que os dados advindos de questionários e entrevistas
são autoevidentes? Sua objetividade e distanciamento da interpretação do pesquisador é
garantida pela verbalização do sujeito da pesquisa? Afinal, dados apenas tornam-se dados
relevantes para uma pesquisa a partir do juízo do pesquisador. Quer dizer, a partir do universo
estudado, apenas são tomados como pertinentes aqueles que são vistos como importantes pelo
próprio pesquisador. A distinção entre sujeito e objeto é dificilmente defendida mesmo nas
ciências ditas duras, quem dirá no caso de pesquisas que se propõem a investigar contextos e
fenômenos sociais.
Ao mesmo tempo, também se faz necessária uma revisão quanto à visão tradicional
no que diz respeito aos tipos de pesquisa quantitativa e uma suposta objetividade realista. Isto
é, dentre os tipos de pesquisa qualitativas, há as interpretativas, exploratórias e as explicativas.
A interpretação e, por conseguinte, o viés do pesquisador, é evidente no terceiro e,
usualmente, se supõe que os outros tipos estão associados a construções mais “realistas”.
Entretanto, são duas as razões que evidenciam também a sujeição destes tipos de pesquisa
quanto às perspectivas do pesquisador no que se refere aos tipos de dados e as evidências
construídas: uma de natureza metodológica e outra axiológica.
No âmbito axiológico, é preciso, primeiramente, elucidar os propósitos, os objetivos,
de cada uma. A exploratória pretende ressaltar ou evidenciar um problema e a proposição de
possíveis hipóteses. Assim, está sujeita à interpretação da pesquisa, posto que é ela quem
decide possíveis relações de causa e efeito, ao mesmo tempo que é também quem decide do
que se trata realmente de um problema - ambas são características que pressupõem uma
interação com o sujeito de pesquisa e não emergem e nem são explícitas naturalmente no
22

fenômeno. Na pesquisa descritiva, se intenta a identificação de possíveis correlações entre as


variáveis do fenômeno estudado e, portanto, é função do que se interpreta como variável e
como possível relação entre variáveis. No âmbito metodológico, é preciso que se leve em
conta que, sendo o pesquisador a fonte de evidências e de dados, a sua comunicação e
divulgação perpassa, portanto, pelo seu próprio processo racional de discurso, de linguagem.
Assim, qualquer leitura posterior passa, primeira e inequivocamente, por um primeiro filtro
que é da própria pesquisa.
Uma vez tendo esclarecido e explicitado o que se entende por pesquisa qualitativa
dentro desta investigação, é importante a nuância quanto ao que se refere ao espaço: o que
caracteriza uma pesquisa de campo? Gil (2008) reconhece estudos de campo como distintos
dos levantamentos que, tendo como compromisso a representatividade, se limitam a estudos
menos estendidos, amplos e profundos. São estudos que produzem dados passíveis de análises
quantitativas. Embora os estudos qualitativos também pretendem ser representativos, o fazem
com relação ao tratamento de dados, mais significativamente do que quanto às seleções
amostrais. Dessa forma, dizem respeito a objetos de estudo não tratáveis a partir de
perspectivas quantitativas: perscrutam relações, a partir de um ponto de vista sistêmico, mais
aprofundadas de um contexto. Finalmente, é imprescindível a trabalhos de campo um contato
direto com a comunidade, contexto ou realidade foco da pesquisa.
Dessa maneira, fica exposta a importância e a justificativa do escopo deste projeto:
são investigações com características relevantes para as pesquisas em ensino de Física.
Inclusive, como aponta Moreira (2000), são pesquisas recorrentes e representam uma bela
parcela das produções da área. Finalmente, ainda há uma constatação a ser feita. A partir do
pano de fundo construído com os marcos epistemológicos de Laudan e Longino, entende-se
ciência como prática sujeita às dimensões metodológica, axiológica e teórica. Contudo, por
conta da natureza dessas pesquisas interpretativas de campo, também surge mais uma
dimensão, esta, referente à metodologia de ensino. A dimensão metodológica, portanto,
possui dois níveis: um que delimita e direciona a investigação, outro que se refere à
intervenção pedagógica, incluindo a Engenharia Didática e a avaliação de aplicações
pedagógicas. É importante frisar que essas dimensões não possuem uma estrutura hierárquica,
mas ajustam-se de maneira reticulada, sobrepondo-se, ou não, a depender de cada pesquisa e
pesquisador.
23

Em virtude da inerente interpretação do pesquisador que está atrelada a este tipo de


pesquisa, revela-se a importância da triangulação analítica, tanto no domínio fatual, quanto
axiológico e metodológico. Por meio de triangulações, o viés do pesquisador pode ser
minimizado, ou, pelo menos, explicitado no decorrer da pesquisa. Com essa preocupação,
pode-se revelar possíveis pontos contrários às expectativas do pesquisador e, por
consequência, um fazer científico mais atento às nuances dos fenômenos (complexos) que são
objeto de pesquisa. Além de precaução, também poder-se-ia argumentar em favor da
atribuição de robustez a conclusões erigidas a partir de indicações de dados provenientes de
diferentes fontes, por exemplo. Esta triangulação também é produto e advém do caráter
coletivo da pesquisa, isto é, pode ser trabalhado e questionado a partir de diferentes
pesquisadores que tenham interesse (crítica intersubjetiva) e pela reprodução de condições
similares e de dados. Portanto, é evidente que a ausência de triangulações é fator limitante
para as induções feitas por essa abordagem de pesquisa que se direciona à fenômenos tão
complexos como os educacionais. É razoável pensar que, sem triangulações analíticas,
constroem-se, com maior probabilidade, um comprometimento maior com a coerência
externa da pesquisa, do que com a miríade de possibilidades que podem estar influenciando,
de fato, o fenômeno estudado. Dessa forma, estar-se-ia promovendo pesquisas muito mais
preocupadas com a corroboração dos referenciais teóricos trazidos, do que com a comparação
de diferentes possibilidades a partir da minúcia do fenômeno propriamente dito. Assim, com
a finalidade de proporcionar uma ferramenta de síntese e de visualização mais direta das
conclusões advindas das análises de cada estudo de caso, este trabalho também pressupõe a
utilização do instrumento heurístico V de Gowin, objetivando uma possível observação mais
direta das interações dos domínios metodológicos, teóricos e das questões de pesquisa.
Por último, é importante ressaltar o caráter e a natureza deste trabalho. Cada estudo
de caso passou por um profundo exame dos objetivos teóricos e metodológicos, em contraste
com suas construções de instrumentos de análise e com os resultados e conclusões obtidas. No
entanto, nunca foi o propósito do trabalho apenas apontar problemas ou incongruências. Em
nenhum momento houve a tentativa de desqualificação dos trabalhos analisados. É preciso
enfatizar o profundo respeito por todos os grupos de pesquisas, instituições e autores que
fizeram parte do grupo amostral da pesquisa. O trabalho trata, sobretudo, de um exercício de
crítica de um pesquisador em formação: exercício este que possui uma salutar importância
como ato político, como ato pedagógico e como ato científico. Como exposto pelo referencial
teórico da pesquisa, a crítica possui importância central e crucial para o fazer científico. É
24

preciso que as produções científicas sejam escrutinadas pela comunidade para que se agregue
valor e solidez aos conhecimentos erigidos. Dessa maneira, a crítica aqui empreendida é
entendida como, além de importante para a formação profissional do autor, parte importante
da boa prática científica que se espera de uma comunidade científica robusta.
Como recorte da pesquisa, os artigos em periódicos científicos representam um
desses canais de comunicação entre pares e, portanto, também veículo de crítica.
Caracterizam, de certa maneira, uma convergência das produções acadêmicas: obras inéditas,
trabalhos de eventos que foram expandidos e, ainda, dissertações e teses advindas dos
programas de pós-graduação que foram divididas e sintetizadas. A fim de se tornar relevante
perante o contexto no qual este trabalho se encontra, dentro da Universidade Federal de Santa
Catarina, foram escolhidos artigos de autores filiados a instituições catarinenses. Dessa forma,
foram feitos estudos de caso para cada um dos três artigos, escolhidos justamente por serem
emblemáticos para o vislumbre do quadro geral que será construído posteriormente. O
primeiro, publicado no ano de 2004, trata de uma intervenção didática aplicada em uma turma
de 8ª série do Ensino Fundamental. O segundo, de 2013, ancorado em uma perspectiva
advinda da psicologia, foca na relação entre a afetividade de licenciandos e suas escolhas
profissionais para a docência. O terceiro e último estudo de caso foi publicado no ano de 2019
e tem como objetivo a análise de possíveis relações entre teorias de aprendizagem e
licenciandos, focando na formação de professores.

3 PRIMEIRA ANÁLISE: UM ESTUDO DE CASO DO ARTIGO “UMA


EXPERIÊNCIA COM O PROJETO MANHATTAN NO ENSINO FUNDAMENTAL”
(SAMAGAIA, R; PEDUZZI, L, O. Q, 2004)

Propostas e aplicações de módulos didáticos são parte importante e tradicional nas


produções acadêmicas em ensino de Física. Como mencionado na introdução, também fazem
parte de um âmbito metodológico das pesquisas do escopo deste trabalho - a engenharia
didática como dimensão de metodologia de ensino. Em outras palavras, baseando-se nas
relações entre ciência e valores a partir dos referenciais utilizados nesta pesquisa, além dos
domínios metodológico, fatual e teórico, ainda há a dimensão a respeito das metodologias de
ensino empregadas. Dimensão esta que possui um amplo e evidente peso na história da área
de pesquisa. Muitas produções são direcionadas para produzir, testar e comparar abordagens e
25

metodologias diferentes de ensino e, sendo esta última uma escolha, perpassa por um juízo de
valor. Sendo assim, nesta primeira análise, será minuciado um artigo deste tipo: a proposta e
formulação de uma metodologia alternativa (em oposição ao modelo tradicional de ensino),
seguida de sua implementação e avaliação. É preciso destacar a importância de pesquisas
assim que possuem um percentual representativo dentre as produções acadêmicas da área e
desempenham um papel importante para que se promovam inovações e o teste de novas
formas de ensinar Física.
Publicado em 2004, na edição de número dois no periódico científico Ciência &
Educação, classificado como A1 na classificação QualisCapes no triênio de 2013-2016 dentro
da área de ensino, o artigo aqui analisado destaca a implementação de um módulo didático no
ensino fundamental. Conforme consulta nos currículos Lattes dos autores, suas áreas de
atuação são, respectivamente, a educação não formal, formação de professores e divulgação
científica; história, filosofia da ciência e ensino de física e também divulgação científica.
Dentro de um contexto de dissertação de mestrado, o artigo discute uma proposta
implementada voltada à formação cidadã. Para isso, o artigo parte de propostas teóricas
vinculadas à Aprendizagem Centrada em Eventos (ACE), Ciência Tecnologia e Sociedade
(CTS), ainda embasando-se em demandas discutidas pela UNESCO para a educação no
século XXI e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). A proposta interdisciplinar dos
autores fundamenta-se em uma situação problema ligada à Segunda Guerra Mundial, dentro
do contexto do Projeto Manhattan, visando à articulação entre formação cidadã e
interdisciplinar com o ensino de Física Moderna, já que o recorte histórico é permeado por
conteúdos científicos como a radioatividade, armas químicas, produção de energia, entre
outros. A proposta também é fundamentada no formato de um RPG (Roleplaying Game, ou
Jogos de Papéis). Cabe o destaque de que já no resumo os autores destacam o papel dos
estudantes como centro das atividades em sala de aula. Ainda cabe a ressalva de que, na
tentativa de aprofundar as discussões aqui realizadas, a dissertação completa foi procurada,
porém não encontrada, já que o arquivo digital do Programa de Pós Graduação em Educação
Científica e Tecnológica (PPGECT-UFSC), programa de pós-graduação na qual tal
dissertação foi realizada, começa a partir do ano de 2005 e este trabalho foi escrito durante o
período em que a universidade estava fechada em razão da pandemia do covid-19.
No que diz respeito ao escopo metodológico que concerne esta pesquisa, os autores
não se classificam quanto às escolhas metodológicas e classificação da pesquisa. Enquanto
autores, entendem-se como pesquisadores, o que pressupõe a ideia de que compreendem o
26

trabalho como atividade de pesquisa, porém, não há menções explícitas quanto à classificação
metodológica da pesquisa. Contudo, mesmo sem se classificar como pesquisa, o artigo
adentrou o escopo desta pesquisa visto que pode ser interpretado como pesquisa qualitativa de
campo de ensino. Em outras palavras, entende-se este trabalho como pesquisa interpretativa
de campo, pois elabora uma proposta didática e a aplica em uma situação real de ensino,
dentro de um determinado contexto e, embasado em pressupostos teóricos, avalia a aplicação
com métodos interpretativos de coleta e análise de dados para então erigir conhecimentos
científicos.
Inicialmente, os pesquisadores discutem a necessidade de se repensar os papéis dos
atores pedagógicos com base no trabalho de outros autores da área de pesquisa, como
Solomon (1990) e Aikenhead (1988), que se referem a baixa utilização do conhecimento
escolar e o papel da mídia na construção de concepções prévias e intuitivas das pessoas com
relação ao mundo que os circunda. Citando Edgar Morin, Jacques Delors, Ricardo e
Zylbersztajn os autores apresentam os apoios que norteiam a elaboração da proposta didática,
no que se refere ao que entendem como finalidades da vida escolar: a formação cidadã; a
aquisição de cultura; a tolerância à diversidade; o desenvolvimento de pensamento crítico; o
desenvolvimento de autonomia; à contextualização do conhecimento científico. Destarte, ao
iniciar o artigo trazendo essas referências, os autores demarcam e justificam a razão de ser do
trabalho, assim como estabelecem o objetivo principal do que entendem ser o foco da vida
escolar evidenciando, portanto, coerência externa. Isto é, tais objetivos vislumbrados pelos
autores para a educação científica são coerentes com os marcos teóricos, filosóficos e
educacionais escolhidos.
Aprofundando este raciocínio, na seção sobre as Contribuições para uma renovação
no ensino de ciências, os autores destacam as dificuldades enfrentadas na época para o ensino
de uma área que vêm de rápidas transformações e que possui uma dificuldade intrínseca,
acentuada pelo distanciamento devido à descontextualização da produção do conhecimento
científico. Os autores argumentam a contradição existente entre a valorização científica, tanto
devida a capacidade de esclarecimento quanto na sua eficácia em produzir novas teorias e
tecnologias, com relação à proposição escolar do ensino de ciências “já superadas” e
descontextualizadas. A partir de então, os autores exibem diferentes áreas da pesquisa em
ensino de ciências, justificadas a partir deste primeiro diagnóstico das necessidades e
urgências da área. A primeira delas é a metodologia de ensino com base no CTS. Por um lado,
27

os autores defendem que esta abordagem parte de uma ciência como função de um contexto
social, além de objetivar a ação dos sujeitos nas atividades a serem desenvolvidas em sala de
aula. Exibindo, novamente, coerência com as justificativas e objetivos iniciais da proposta.
Por outro lado, os autores também compreendem os limites e, portanto, a validade de tal
proposta metodológica, visto que ainda se trata de uma abordagem em construção e,
consequentemente, possuidora de dificuldades também. Aqui, citam, por exemplo, a tendência
de formação de uma visão instrumentalizada da ciência, ao mesmo tempo em que também
trazem as dificuldades atreladas à formação docente e de infraestrutura das escolas oriundas
de uma proposta como aquela, que modifica os papéis dos atores do sistema de ensino. Ao
mesmo tempo, os pesquisadores também entendem as dificuldades intrínsecas com relação,
por exemplo, a atribuição de novas responsabilidades impostas aos alunos, agora centro do
processo de ensino-aprendizagem.
Ainda sobre o aporte teórico da pesquisa, os autores exibem outro construto teórico
que baseia a pesquisa, em convergência com as concepções e objetivos ligados ao CTS: a
ACE. Esse referencial parte de uma ação planejada utilizando como parâmetro um evento de
domínio público, preferencialmente aqueles que possuam material para promover discussões,
polêmicas e que permita o aprofundamento de questões científicas dentro de determinados
contextos sociais ricos e abrangentes. Um dos objetivos ligados a esta abordagem é a
priorização do processo no qual conhecimentos científicos são construídos, tirando assim a
valorização da descoberta em si, mas depositando-a no processo de construção como um todo.
Com isso, interessantemente, os autores esperaram o contorno da limitação ligada ao CTS
quanto à tendência de formação de uma ciência instrumentalista. A ideia era de que, ao se
trabalhar com as duas concepções de maneira conjunta, atingir-se-ia o objetivo de se
transmitir uma ciência mais contextualizada, de uma maneira na qual se reduza também os
riscos e dificuldades atrelados a cada uma das abordagens se trabalhadas sozinhas. Neste
ponto, em termos de valores cognitivos, pode-se também argumentar em favor do alcance da
proposta. Ao se trabalhar com duas abordagens, com objetivos convergentes, espera-se
atenuar as suas limitações individuais e, portanto, como resultado, obter-se-ia um novo
construto, uma nova proposta mais robusta e, assim, com maior alcance.
Sendo assim, os autores elaboram uma proposta, embasada nesses construtos
teóricos, que visa:
“[...] a estruturação de um contexto de discussão da ciência que não
envolvesse especificamente apenas a Física, a valorização da formação de
28

uma opinião crítica sob um ponto de vista polêmico e o uso do conhecimento


científico como fator decisivo na tomada de decisão, buscando favorecer a
formação de cidadãos mais ativos e capazes de perceber a necessidade da
compreensão da ciência e da construção e manutenção de posicionamentos”
(SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 261, 2004).

Ainda pensando em sanar as dificuldades encontradas em cada um dos aportes


teóricos utilizados, os autores ainda enfatizam a dificuldade em se encontrar, dentro da
literatura da área ligada ao CTS e a ACE, uma metodologia de trabalho, no sentido de que
apenas há a sugestão do deslocamento dos estudantes para o centro das atenções do processo
de aprendizagem, sem, contudo, indicar caminhos mais diretos e práticos. Portanto, os autores
ainda buscam um novo aporte: o RPG. A justificação por essa metodologia veio do fato de
que, além do objetivo em encontrar uma metodologia de trabalho mais robusta e prática, trata-
se de uma abordagem interativa, dentro de uma história que contextualiza, norteia e direciona
os acontecimentos, mas também recebe as influências individuais dos atores do jogo de
papéis. O RPG demanda interações, ações e tomadas de decisão por parte dos seus
participantes. Os autores ainda chamam atenção para pesquisas da área (RODRIGUES, 1993)
que envolvem esta temática e que criam, como expectativa, a previsão de um ganho de
atenção dos alunos com relação às aulas expositivas vinculadas a uma metodologia mais
tradicional, já que, sem a participação efetiva de cada ator no jogo, a atividade simplesmente
não anda, em contrapartida ao papel passivo e secundário no qual os estudantes se encontram
tradicionalmente. Resumidamente, os autores ainda vão além no argumento mencionado
anteriormente com relação a combinação de aportes teóricos que possuem não apenas
convergências axiológicas e de objetivos, mas também que se completam a fim de mitigar
limitações e dificuldades, ainda criando expectativas e hipóteses para o resultado final da
proposta: coerência, alcance e validade.
A partir deste pretexto, os autores elaboraram a proposta didática: um módulo de
ensino que problematiza o desenvolvimento e a utilização das bombas nucleares que
marcaram uma nova era no período posterior à Segunda Guerra Mundial. A proposta,
implementação e avaliação aconteceu em um contexto de dissertação de mestrado da primeira
autora deste trabalho. A proposta foi construída tendo como público alvo as aulas de ciência
da 8ª série do ensino fundamental. A implementação aconteceu em uma escola pública
29

estadual na cidade de Florianópolis. O único critério de escolha da turma foi o da


conveniência dos horários. O módulo contou com 16 aulas e, portanto, devido ao grande
número de aulas envolvidas, se sucedeu de maneira simultânea ao currículo normal da escola.
Duas das quatro aulas semanais de ciências da turma eram dedicadas a esta implementação e,
no restante, as aulas normais do professor titular da turma. Os pesquisadores ainda citam um
fator que influenciou o início dos trabalhos: a coerência entre os temas científicos abordados
no módulo didático e o programa da disciplina do professor da turma.
É importante frisar que, devido ao currículo e o livro-texto utilizado no programa da
disciplina desta turma, a aplicação do módulo ocorreu posteriormente a um conjunto de aulas
que abordaram alguns tópicos que seriam utilizados no módulo, por exemplo, o
funcionamento de usinas nucleares. Ministradas pela pesquisadora, as aulas que precederam a
aplicação do módulo também teve como objetivo a familiarização dos estudantes com a
presença da pesquisadora, que também participou de aulas regulares na disciplina entre os
meses de abril e agosto, quando a proposta propriamente dita foi implementada. Aqui, no que
se refere a valores cognitivos, percebe-se preocupações metodológicas da pesquisa, posto que
existe uma preocupação quanto à aclimatação da pesquisadora dentro do contexto da
pesquisa, além de que a aplicação de aulas preliminares que introduziram tópicos ligados ao
módulo. Pode-se traduzir esses cuidados tomados como evidência de valores como validade e
fidedignidade, no sentido de que objetivava-se a construção de condições ideais para a
realização da atividade.
Assim sendo, a proposta tratou-se de uma reprodução mais fidedigna quanto possível
do contexto do Projeto Manhattan, durante a Segunda Guerra Mundial. Embora fictícia, os
pesquisadores enfatizam a tentativa de se criar uma história o mais próxima possível das
condições que levaram as tomadas de decisão do projeto real, levando em conta o contexto
político da época, incluindo pressões da imprensa e relações exteriores. Dessa maneira,
também entram aqui valores como a precisão e, novamente, a fidedignidade da proposta,
desta vez, no sentido histórico e de maneira coerente com os objetivos pedagógicos da
mesma.
Ainda com relação a esses valores, os autores relatam a necessidade de uma pesquisa
histórica: história da ciência, mas também o contexto social e político da época da Segunda
Grande Guerra. Neste ponto, os autores destacam a importância dos conhecimentos físicos
associados ao tema “que otimizaram uma percepção quanto às necessidades conceituais em
torno do módulo apresentado” (SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 262, 2004). Sendo assim, da
30

mesma maneira que anteriormente os pesquisadores justificaram a participação da


pesquisadora em aulas que antecederam a aplicação e em aulas preparatórias para o módulo,
os autores justificam o papel da pesquisadora também como professora, visto que se fez
necessário um conhecimento mais específico tanto no que se refere a conhecimentos ligados à
física e a história da ciência, quanto a esses conhecimentos sócio-políticos do período
histórico analisado. Os pesquisadores também demonstraram um rigor metodológico tendo
em vista que reconheceram a necessidade deste perfil mais especializado do professor, ao
mesmo tempo em que entendem e reconhecem as limitações atreladas a essa escolha
metodológica. Havia uma preocupação quanto ao nível de complexidade e aprofundamento
dessas questões que, todavia, limitam as possibilidades de futuras reproduções. Os autores
enfatizam dois receios mais evidentes que os levaram a tomar essa decisão: a aplicação do
módulo propriamente dito e a limitação do professor durante a aplicação. Há preocupação, de
acordo com os pesquisadores, de não comprometer a análise dos dados, visto que, em caso de
ineficiência ou desinteresse pelas aulas, não seria evidente a atribuição de relações de causa e
efeito entre os componentes do fenômeno estudado, isto é, não seria trivial “descobrir qual
dos agentes havia contribuído mais fortemente para o resultado” (SAMAGAIA, PEDUZZI, p.
262, 2004). Temor que também recai sobre os objetivos do trabalho que era justamente de
desenvolver um instrumento de ensino. O rigor metodológico pode ser também entendido em
termos de valores cognitivos, novamente associados a precisão, validade e fidedignidade.
Concomitantemente, a escolha metodológica foi de fato uma decisão racional e consciente, já
que os autores estavam cientes dos riscos atrelados a mesma e declaram essa limitação aos
pares na redação da investigação. Este papel dado ao pesquisador-professor, ainda será o de
instrumento de coleta de dados, além de agente direto da pesquisa, se enquadra com a visão
de Lüdke e André (1986).
Pensando nas características metodológicas explícitas dos autores até então, quanto
ao contexto, não há pormenorização. Sabe-se que o módulo didático foi implementado em
uma turma de 8ª série do ensino fundamental de uma escola pública em Florianópolis, porém,
a descrição termina aí. É importante destacar, portanto, que a falta de detalhamento quanto ao
contexto enfraquece as induções construídas em uma pesquisa qualitativa de campo,
justamente por se tratar de um conhecimento dependente do mesmo. Esta pormenorização é
particularmente importante em pesquisas que abordam fenômenos sociais, como o é esta
pesquisa, posto que descreve a interação direta entre o pesquisador - o instrumento de coleta -
31

e o fenômeno em sua totalidade. Há, nos dados colhidos, a atribuição de importância e


relevância das evidências empíricas pelo pesquisador e, consequentemente, sua interpretação.
A complexidade e a profundidade de fenômenos educacionais exige, portanto, um maior
detalhamento quanto aos sujeitos da pesquisa para que se tenha um quadro mais completo das
múltiplas possíveis relações de causa e efeito entre as variáveis, permitindo assim, uma maior
confiabilidade e rigidez das conclusões feitas pelos autores.
A proposta baseou-se na reconstituição do contexto, embora fictício, do Projeto
Manhattan, nesta atividade chamado de Projeto Arbetritz, e objetivava que os alunos
membros de um comitê tomassem uma decisão quanto à construção de uma bomba nuclear
que seria utilizada para a aceleração do término de um grande conflito armado. A comissão
foi chamada de CETODES (Comissão Especial para Tomada de Decisões Estratégicas) e era
formada por membros representantes da sociedade de diferentes áreas. A comissão seria
informada a respeito das implicações positivas e negativas de outros dois grupos: um de
cientistas favoráveis à construção da bomba e outro contra. Ainda existiam outros dois
grupos: os jornalistas e a comissão organizadora. O primeiro era responsável pela divulgação
e cobertura dos acontecimentos do jogo, mas também de informações trazidas em pesquisas
extraclasse. O segundo era formado com o objetivo de auxiliar a professora-pesquisadora e
eram alocados em todos os grupos, com exceção da CETODES. O objetivo deste último
grupo era justamente de descentralizar a função organizacional, também sendo coerente com
o corpo teórico da pesquisa que objetivava um papel mais ativo e central por parte dos
estudantes.
Os grupos foram divididos com base nas escolhas pessoais dos estudantes, apenas
sendo necessário o respeito quanto a boa distribuição do número de alunos entre os grupos.
Neste ponto, os autores destacam a importância do entendimento dos jogos de papéis, visto
que nas discordâncias que existiram entre as divisões de grupos, os alunos não estariam
expressando suas opiniões pessoais, mas sim, a opinião atrelada ao papel o qual
desempenhavam. Ainda com relação à preocupação de estimular a plena participação e o
engajamento dos alunos, a pesquisadora ainda demonstra a preocupação na organização das
carteiras e em aspectos que chamavam a atenção dos alunos. Em cada atividade, por exemplo,
a disposição das carteiras era alterada e os alunos recebiam papéis com nomes e profissões
fictícias, tais como: Dr Mendelévio Estrôncio, médico ginecologista e srta. Vanessa Veloso,
religiosa. Com a mesma preocupação, com o intuito de não permitir a desvalorização do papel
dos participantes do CETODES, a pesquisadora tratou de enfatizar o papel central do grupo
32

para a atividade em geral. A disposição das cadeiras e das placas com os nomes fictícios
foram mencionadas pelos pesquisadores, ainda ressaltando a satisfação notória dos alunos
quanto aos seus nomes e profissões fictícias. Além do engajamento, os pesquisadores
entendiam o desempenho desta comissão como fundamental para o sucesso da proposta e,
portanto, suas carteiras permaneceram sempre no centro da sala de aula.
A sequência das aulas utilizadas pelos pesquisadores encontra-se no quadro seguinte.
Quadro 1 – Disposição das aulas do módulo didático.
Conteúdo das aulas
Introdução e apresentação do jogo. Distribuição dos estudantes nos diferentes
Aulas 1 e 2
grupos.
Definição quanto ao tipo de bomba que seria usada. Análise dos
Aulas 3 e 4 diversos tipos de energia e os danos que cada uma poderia causar. O que
poderia ser usado em uma bomba?
Discussão da Energia Nuclear. Análise do conhecimento necessário para a
Aulas 5 e 6
construção de uma bomba.
Todas as vantagens do mundo: aula dos cientistas favoráveis à construção da
Aulas 7 e 8
bomba nuclear.
Todos os riscos do mundo: aula dos cientistas contrários à construção da
Aulas 9 e 10
bomba nuclear.
Debate entre os dois grupos de cientistas e jogo de perguntas e respostas
Aulas 11 e 12
sobre os conceitos já estudados.
Aulas 13 e 14 Julgamento final: a decisão do CETODES.
Aulas 15 e 16 Encerramento das discussões.
Fonte: (SAMAGAIA, PEDUZZI, 2004).

Para a pesquisa por parte dos grupos, a pesquisadora forneceu uma lista de materiais
próprios para cada grupo, com diferentes aprofundamentos em diferentes áreas, ao mesmo
tempo em que disponibilizou uma lista de materiais que poderiam ser consultados que foi
chamada pela pesquisadora como dossiê.
Primeiramente, após a apresentação da atividade e da distribuição dos dossiês entre
os grupos, iniciou-se com a leitura de uma suposta carta direcionada aos membros do
CETODES, vinda do presidente do país do qual os membros faziam parte. Nela, o presidente
resume os últimos acontecimentos e contextualiza os estudantes quanto a situação do país na
guerra, ao mesmo tempo em que expõe as demandas: a construção ou não da bomba e a
urgência de que seja mantido informado pelos grupos através de cartas confidenciais de cada
um dos membros da comissão.
Importa ressaltar que a pesquisadora também assumiu um papel na atividade:
Gromsnik, um funcionário do governo responsável, na etapa inicial da atividade, pela leitura
de boletins informativos e de pequenos textos explicativos. Neste momento, todos os alunos
33

participavam das discussões com relação aos últimos acontecimentos do contexto fictício.
Com o mesmo fim, foram elaborados dois mapas: um com a vista completa do planeta e outro
com recorte adaptado do mapa da Europa antes da Segunda Guerra. Os autores sugerem que
este fato não foi percebido pelos estudantes. Interessantemente, os autores relatam um aspecto
interessante com relação ao papel dessa personagem atribuída a pesquisadora. Antes das
leituras das atualidades, Gromsnik procurou indagar os estudantes quanto ao que se esperava
de Puplitz (ditador análogo à Hitler). Interessante pois, de acordo com os pesquisadores, em
um dado momento, os alunos começaram a problematizar as ações tomadas pelo ditador e,
portanto, “mesmo sem perceberem, questionavam e discutiam com bastante fluência os
acontecimentos históricos” (SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 264, 2004). Os autores ainda
mencionam que muitos alunos discutiam o que fariam se estivessem na posição de tal ditador.
Ao mesmo tempo, também enfatizam que os problemas de coerência da passagem do tempo
eram explicados, pois o planeta em questão possuía características diferentes das da Terra e,
com isso, uma semana na Terra significava anos no planeta fictício. Os últimos minutos das
aulas eram dedicados às reuniões dos grupos e o auxílio tanto da pesquisadora, quanto dos
membros da comissão organizadora, com relação às suas próprias demandas para as
atividades seguintes.
Algumas aulas contaram com discussões a respeito de conceitos mais físicos e
matemáticos. Por exemplo, houve aulas nas quais foram abordadas os tipos de energia
associados a diferentes formas de causar destruição, assim como aulas onde foram discutidas
relações de proporcionalidade entre variáveis e a construção de esboços de equações. Foi
desenvolvida, inclusive, atividades que envolviam o cálculo de possíveis estragos causados de
diferentes formas, como por exemplo, alguém sendo atingido por uma mola, por um vaso em
queda livre, por um carro e outros, com a finalidade de se discutir a eficiência atrelada a cada
tipo de energia utilizada como meio de destruição. Os pesquisadores ainda mencionam que os
tipos de energia não surgidos espontaneamente foram trazidos pelos professores. Foram
discutidos efeitos da utilização de armas químicas, biológicas e nucleares, relembrando ainda
as aulas que precederam as atividades, sobre fissão nuclear. A partir de então, após a escolha
do tipo de armamento a ser utilizado, foram elaboradas discussões mais detalhadas sobre os
fundamentos da construção de uma bomba nuclear. São abordados, neste momento, conceitos
sobre o átomo, partículas elementares e enriquecimento de urânio. Em seguida, entre os
momentos iniciais e finais de cada aula, que se mantinham os mesmos, foram expostos os
34

argumentos de cada grupo de cientistas na tentativa de convencer os membros da comissão.


Havia, inclusive, um tempo para perguntas por parte destes membros.
Nas aulas seguintes, houve duas atividades destacadas como importantes pelos
pesquisadores: um jogo de pergunta e resposta e um debate. Divididos entre os grupos, cada
um deveria complementar ou responder uma palavra posta no quadro. Em ordem aleatória, os
alunos deveriam, coletivamente, construir definições aceitáveis e completas a respeito de cada
um dos conceitos trazidos pela professora. O fato interessante trazido pelos pesquisadores
esteve justamente na conceituação coletiva de conceitos como reação em cadeia, fissão
nuclear, entre outros. No debate, a estrutura foi embasada nos debates políticos
televisionados. Cada grupo de cientista tinha um determinado tempo para argumentar em
favor de suas colocações e, então, era submetido a uma série de perguntas. Cada estudante de
cada grupo respondeu ao menos uma pergunta, mas também foram elaboradas respostas
coletivas.
Finalmente, realizou-se o julgamento final. O julgamento começou com uma
argumentação oral e individual de cada um dos membros do CETODES, apresentando seus
argumentos e justificativas para suas posições finais. O resultado: a comissão decidiu em
favor do Projeto Arbetritz. Neste ponto, os pesquisadores abordam comemorações feitas pelos
alunos do grupo de cientistas favoráveis à construção da bomba, assim como indagações por
parte dos alunos da comissão que queriam saber se haviam “acertado” nas suas decisões.
Enfim, a pesquisadora-professora explanou sobre os acontecimentos reais e o número de
vítimas das bombas de Hiroshima e Nagazaki. Os pesquisadores relatam que os alunos
ouviram com atenção e perplexidade a contextualização dos acontecimentos reais, passando
por recapitulações e a explanação dos nomes, mapas e países reais envolvidos no episódio
histórico. Posteriormente, houve uma discussão a respeito das alternativas possíveis,
inclusive, do argumento proveniente do grupo contrário à construção da bomba, em favor do
uso de armas químicas e biológicas. Aqui, os autores realçam a importância da participação
do professor titular (ouvinte durante toda atividade) da turma sobre os efeitos nocivos do uso
destes tipos de armamentos. Destacam também a surpresa que demonstraram os alunos sobre
esta concepção ingênua com relação às essas armas.
Depois desta contextualização do episódio real, a pesquisadora iniciou discussões de
cunho ético, envolvendo questões sobre o juízo de valores em tomadas de decisão sob pressão
como essa. Também houve a ressalva quanto a não existência de posicionamentos certos ou
35

errados, mas sim a importância da tomada de decisão com base em fatos e bons argumentos,
assim como a possibilidade de se mudar de opinião com base nas evidências. A atividade
ainda teve um momento de retrospectiva dos avanços tecnológicos desencadeados pelos
avanços científicos da época, bem como a abordagem de acontecimentos como o ataque a
Pearl Harbor e o teste da primeira bomba atômica em um deserto.
Após toda a apresentação do módulo, os autores enfim discutem os resultados e
empreendem a análise propriamente dita. Inicialmente, os autores já adiantam a conclusão de
que a expectativa com relação a um maior engajamento e atenção por parte dos alunos foi
alcançada, com a exceção dos momentos iniciais, quando a pesquisadora-professora ainda
explicava sobre o funcionamento da atividade.
Os estudantes do grupo favorável à construção da bomba, segundo os pesquisadores,
encontraram dificuldades em encontrar materiais a respeito devido ao seu grande poder de
destruição. Com isso, focaram seus argumentos com base no material disponibilizado pela
pesquisadora e nas pesquisas consequentes à esta tecnologia, principalmente no uso na
medicina. Os autores alegam, portanto, que esse grupo atingiu os objetivos da atividade com
competência e eficiência, demonstrando engajamento e comprometimento com a atividade. Já
no caso do grupo contrário à bomba, houve dificuldade em encontrar alternativas ao uso da
bomba, devido à alta complexidade das questões envolvidas. Após uma vasta pesquisa
externa, a solução trazida pelos mesmos foi a utilização de armas químicas. Nesta altura, os
autores sugerem uma possível influência do conflito entre Iraque e EUA, que acontecia na
época da implementação da atividade. De acordo com os pesquisadores, este argumento
obteve certo sucesso na obtenção de alguns votos dos membros da CETODES em virtude de
ser uma alternativa mais barata e, supostamente, menos danosa. O grupo dos jornalistas
também passou dificuldades, mas principalmente com relação à obtenção de informações para
a construção dos seus materiais, tendo em vista que, na carta presidencial, exigia-se
confidencialidade por parte dos demais grupos. Ainda havia a dificuldade de que os grupos de
cientistas não queriam “vazar” informações que pudessem comprometer as suas
argumentações durante os debates e as explanações perante a comissão. Neste ponto, os
autores também relatam alguns casos de espionagem e furto por parte dos jornalistas, na
tentativa de obterem algum furo jornalístico. Por consequência, no lugar de impedir o acesso à
informação, os demais grupos passaram a manipular a imprensa a seu favor. Questões como
essas foram importantes para a discussão, ao fim da atividade, a respeito de noções de ética.
Os autores ainda destacam a importância deste caso no sentido de se promover uma leitura
36

crítica das fontes das quais obtêm-se informações. Por último, com relação a participação da
comissão organizadora, os autores relatam que os membros deste grupo acabaram adentrando
os grupos os quais estavam monitorando, inclusive chegando a participar das atividades e
demandas de cada um deles. Com esse engajamento, os autores concluem, portanto, o sucesso
da atividade no sentido de ter tido uma boa aceitação entre os estudantes, assim como o
incentivo à plena participação dos estudantes, que revelaram prazer e satisfação com a
atividade.
Contudo, os autores ainda revelam que um dos objetivos iniciais da pesquisa pode
não ter sido alcançado. Embora a imparcialidade tenha sido incentivada, conforme os autores,
durante a atividade, uma vez que se trata de um episódio histórico dramático, exacerbado e de
consequências catastróficas, os autores perceberam que muitas vezes a imparcialidade não
pôde ser alcançada.
Como instrumento de coleta de dados, os pesquisadores fizeram uso de observações
de campo, tendo a pesquisadora também como professora da aplicação, além dos materiais
produzidos pelos estudantes e a estruturação de uma entrevista com determinados estudantes.
Houve um grande volume de materiais produzidos pelos estudantes e, portanto, os
pesquisadores destacam, particularmente, os jornais e as cartas ao presidente do país da
situação fictícia desenvolvida. Os primeiros trechos desses materiais trazidos pelos autores
foram utilizados como indícios de engajamento e de desenvolvimento de pensamento crítico
por parte dos estudantes. Ainda vale o destaque de que tais materiais foram produzidos em
classe, com o intuito de minimizar o risco de influências e auxílios externos por cada grupo.
Pode-se pensar, a partir desta preocupação da pesquisa, uma certa precaução no sentido de
que os dados obtidos tivessem validade e fidedignidade, novamente pensando em uma
transposição aos valores cognitivos associados. A fim de exemplificação, os autores trazem
trechos onde os jornalistas questionam a confidencialidade das discussões entre os grupos dos
cientistas, alegando a importância do conhecimento público de questões tão importantes. Ao
mesmo tempo, também trazem trechos de cartas do grupo do Projeto Arbetritz, direcionadas
aos membros da comissão, posicionando-se com relação à construção da bomba como medida
de proteção nacional, incluindo ainda, trechos das cartas dos membros da comissão, ao
presidente, também posicionando-se, tanto a favor, quanto contra a construção da bomba.
Neste ponto, vale destacar que os autores também trazem trechos onde houveram
tentativas de explicação dos conceitos científicos que permearam as discussões e pesquisas
37

dos alunos. Segundo os autores, os alunos recorrem a esquemas e definições, possivelmente


advindos de pesquisas externas, posto que tais conceitos não foram abordados dentro desta
metodologia. Em seguida, um dos trechos trazidos pelos autores para a exemplificações:
“[...] fissão nuclear é: quando um nêutron livre é jogado em alta velocidade se
chocando com um átomo grande criando mais dois átomos pequenos e liberando mais
nêutrons, se isto não for controlado causa uma reação em cadeia (que é o processo da
bomba) liberando altas quantidades de radiação”. Andrey – CETODES. (SAMAGAIA,
PEDUZZI, o. 270, 2004)
Neste ponto, cabe uma discussão com relação às pesquisas externas realizadas pelos
estudantes. Segundo o artigo, não raro surgiram em classe perguntas com alto grau de
profundidade, como por exemplo, perguntas sobre a produção e funcionamento de bombas de
magnésio. Os autores tratam essa questão como possíveis indícios de pesquisas externas e,
mais tarde, procuraram corroborar esses dados com perguntas feitas na entrevista o que
demonstra, mais uma vez, preocupações com relação aos dados obtidos e inferências
construídas, denotando uma salutar rigidez metodológica, culminando, finalmente, em uma
triangulação de dados.
Interessantemente, das observações e da análise dos materiais produzidos em sala, os
autores relatam um comportamento inesperado e frutífero dos alunos: a tentativa de previsão
das ações do ditador. Algumas ações do ditador eram, portanto, previstas pelos alunos e, para
evidenciar tal fato, a pesquisa traz a fala de uma aluna, embora não especifiquem se a origem
do trecho (fala ou produção escrita). Além disso, outro ponto inesperado segundo os
pesquisadores, se refere à preocupação, por parte dos grupos de cientistas e mesmo da
comissão, quanto ao financiamento da pesquisa. Os autores se referem a esses dois pontos
inesperados como evidências com relação ao engajamento dos alunos. Essa era hipótese
inicial, surgida nas escolhas teóricas e metodológicas do trabalho, esperando-se um
envolvimento maior do que em metodologias mais tradicionais.
Com relação ao outro instrumento de coleta, os pesquisadores aplicaram uma
entrevista semi-estruturada, tomando o cuidado de selecionar alunos que demonstraram
“atenção extrema” e outros justamente pelo oposto. Os autores revelam que foram
consideradas as atuações no jogo de perguntas e respostas, o material produzido e o
engajamento pela atividade. Dos 42 participantes da atividade, foram selecionados 16 alunos.
Desses, 4 participaram de uma fase piloto, a fim de testar a relevância das perguntas. Segundo
os autores, esta fase resultou em modificações na estrutura das entrevistas para os demais
38

entrevistados. Além disso, uma das entrevistas foi descartada devido a problemas técnicos
relacionados ao áudio da gravação, resultando assim, em um total de 11 alunos entrevistados.
O artigo revela o que se esperou obter com as perguntas da entrevista: a percepção e opinião
sobre as atividades em comparação com as aulas tradicionais, possíveis indícios de mudança
de opinião a nível individual no decorrer da atividade e a verificação de possíveis pesquisas
extraclasse.
Neste ponto, vale o destaque quanto à representatividade, a fidedignidade e a
validade das entrevistas. É salutar a tentativa da pesquisa de promover dados pertinentes, visto
que o grupo amostral representou 36% de todos os participantes, levando em conta também os
entrevistados durante a fase piloto. Aliás, a própria fase piloto é uma demonstração de um
rigor metodológico proficiente. Ainda pode ser incluído neste argumento a tentativa de
corroboração de uma percepção de campo da pesquisa: a de que houveram pesquisas
extraclasse. Dessa forma, os dados se tornam mais válidos, visto que são corroborados por
diferentes fontes de dados.
Contudo, há pontos a se questionar. Como não há a pormenorização quanto à escolha
dos alunos, mesmo que exista a menção de que foi decorrente de participações nas atividades
desenvolvidas, especialmente no que se refere ao engajamento, são questões subjetivas e
interpretativas da parte da pesquisa, logo, a pormenorização ganha importância no sentido de
dar subsídios que suportem tal escolha. Pensando na participação de sala de aula, por
exemplo, um estudante mais tímido, mesmo que esteja engajado com a atividade, pode passar
por desinteressado à primeira vista. O mesmo argumento vale com relação às perguntas da
entrevista. Em nenhum momento os autores as revelam, embora discutam quais foram os seus
objetivos. Assim, a salutar tentativa de atribuição de robustez a pesquisa perde força, visto
que o leitor não possui subsídios o suficientes para a avaliação da real representatividade,
fidedignidade e validade das entrevistas (especialmente no que se refere à escolha dos
participantes e as perguntas feitas pelos pesquisadores). Assim sendo, sem o apoio da
dissertação de mestrado da qual a pesquisa faz parte (que não pode ser encontrada), partes
importantes da pesquisa não são escrutinadas no artigo.
Quanto à análise das entrevistas propriamente ditas, primeiramente, a pesquisa
refere-se a 5 falas que suportam a ideia de que o engajamento com as atividades, por parte dos
estudantes, foi positiva. Os autores ainda tomaram o cuidado de que cada fala é proveniente
de algum membro de cada um dos 5 grupos do jogo. O argumento, percebido pela
39

pesquisadora em campo, nos materiais desenvolvidos pelos alunos e até mesmo, como
sugerido pelos pesquisadores, nos comportamentos inesperados dos estudantes (previsão de
atitudes do ditador e a tentativa de obter verbas para o projeto Arbetritz) também é
corroborado por todas essas falas. A inferência de que a metodologia empregada é, portanto,
envolvente e engajadora é notavelmente robusta, além de bem suportada, por diferentes fontes
de dados: os leitores possuem subsídios suficientes para pensar que tal argumento é válido,
representativo e fidedigno.
Os autores também evidenciam pontos da entrevista que corroboram o indicativo
inicial de que houveram pesquisa extra-classe. Para tanto, são trazidos três trechos das
entrevistas. Nesse ponto, os pesquisadores ainda utilizam tais trechos para aprofundar ainda
mais o argumento com relação ao engajamento dos alunos. O trecho seguinte, por exemplo,
além de explicitar a pesquisa extraclasse, deixa evidente também a impressão pessoal quanto
ao módulo em si.
“Eu comentei lá em casa isso [o jogo] e a minha irmã me contou o que era. Daí eu
comecei a ler sobre a Segunda Guerra, sobre o Hitler, como ele era. Eu também procurei na
internet e minha irmã perguntou algumas coisas para as amigas dela, foi bem legal!”.
Vanessa – CETODES. (SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 271, 2004).
Dessa forma, também pode-se notar, aqui, a robustez da pesquisa que triangula dados
e, consequentemente, corrobora impressões iniciais a partir de outras fontes, algo essencial na
pesquisa qualitativa, especialmente quando o próprio pesquisador é a fonte de dados.
No que se refere às mudanças de opinião, os autores enfatizam que durante toda a
atividade houve a preocupação de promoção da imparcialidade, ou seja, destacam que em
nenhum momento foi objeto da proposta classificar como certas ou como erradas as
percepções dos alunos, embora houve a preocupação com relação a ênfase do risco e da
responsabilidade das escolhas dos alunos. Para demonstrar esses episódios de mudança de
opinião, os autores trazem 5 trechos de entrevistas. Vale destacar, portanto, a
representatividade destes dados, ao mesmo tempo em demonstra uma certa incoerência com a
hierarquia da metodologia. As demais inferências construídas pelos autores com base na
entrevista, contudo, são menos robustas.
Com relação à tentativa de minimização da hierarquia escolar e a descentralização
das atividades com relação ao papel do professor, a pesquisa aborda apenas um trecho de uma
entrevista o que, evidentemente, perde em termos de representatividade.
40

“O ponto mais positivo foi o professor integrado com os alunos, quebrando aquela
regrinha do professor falando e mandando. Isso foi bem legal”. Bruno – Jornalista.
(SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 272, 2004).
A fala denota uma impressão explícita do aluno em questão quanto à dinâmica entre
a professora e a turma, em relação às atividades tradicionais. É importante, visto que foi uma
preocupação inicial da proposta do módulo. No entanto, suportada apenas por um trecho, a
inferência perde substância.
Em seguida, aparece um ponto interessante da pesquisa. Os autores trazem dois
trechos que demonstram reclamações dos estudantes com relação à proposta:
“A professora explicou bem, eu gostei bastante das aulas, mas acho que faltou mais
física. Chamar mais para o quadro, mandar fazer exercício, estas coisas”. Pedro – Jornalista
(SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 272, 2004).
“Acho que a matéria mesmo ficou um pouquinho falha, que o jogo era mais cultural,
mas acho que isso deve ter sido o objetivo”. Daniela S. – Cientista Contrário ao Projeto
Arbetritz (SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 273, 2004).
De acordo com os autores, essas reclamações foram constantes nas duas entrevistas.
A questão interessante se refere à importância e implicações de tais trechos para a pesquisa.
Após argumentar quanto à interdisciplinaridade e a contextualização do episódio histórico
como fatores norteadores da proposta, como atributos do jogo que apresentam os conteúdos
envolvidos indiretamente, os autores revelam que “considerando que essa foi uma opção
consciente da pesquisadora, a opinião dos estudantes é compreensível, mas não relevante,
enquanto crítica à ação”. Ou seja, o mesmo tipo de dado apresentado pela pesquisadora,
utilizado antes como indicador que corrobora pontos erigidos pela pesquisa, agora são
tratados como irrelevantes já que são consequência de uma escolha metodológica da pesquisa.
Embora os pontos dos alunos não invalidam a proposta, é salutar que, posto que um dos
objetivos das entrevistas era justamente da percepção dos alunos quanto ao módulo didático,
deve-se levar em consideração opiniões como essa. A pesquisa ainda argumenta que a
ausência do conteúdo foi sentida pelos estudantes por estarem mais habituados com as
metodologias tradicionais, concomitantemente com o fato de que não foram avisados da
mudança metodológica deliberadamente. Isto é, argumentam que por estarem adaptados ao
modelo tradicional de ensino, resistem a uma proposta alternativa. O argumento é válido,
contudo, não invalida a objeção trazida pelos alunos não apenas levando em conta o objetivo
41

da entrevista, mas como ponto crucial no sentido de que sejam pormenorizados pontos
contrários às hipóteses e objetivos da pesquisa. Isso ainda ganha relevância nesse caso, visto
que a pesquisa também falha no sentido de demonstrar, de fato, os conteúdos físicos trazidos
pela proposta. Não há menções de mais detalhes, inclusive, com relação à atividade
explicativa que percebeu o módulo de ensino. Não se sabe como foram abordados os assuntos
que depois seriam trazidos novamente na implementação didática. Ou seja, podem inclusive
terem sido abordados de maneira expositiva. Nesse caso, sem a pormenorização destes fatos,
não há subsídios para que o leitor avalie a impressão negativa dos alunos com relação à uma
suposta falta de conteúdos físicos. Na segunda fala, inclusive, a aluna demonstra a percepção
de que o foco “mais cultural” seja realmente um dos objetivos da metodologia. Ao mesmo
tempo, em um trecho anterior trazido pela pesquisa da mesma aluna, ela demonstrou
engajamento com a proposta.
“Percebi bastante diferença porque envolveu bastante coisa com cultura, a ciência
mesmo, em uma maneira diferente de aprender que é com um jogo. Todo mundo se envolve.
Tem diferentes papéis, diferentes funções dentro dele”. Daniela S. - Cientista Contrária ao
Projeto Arbetritz (SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 271, 2004).
Ou ainda:
“Antes eu era contra mas não sabia porque, não sabia como. Aí depois eu vi
exatamente o que era esta bomba, eu vi o que podia fazer, então [...] agora tenho meus
motivos [...]. Esse jogo contou as coisas e o pessoal deu uma opinião. Mas quando botou
para a realidade, falaram: nossa, eu fiz isso? Não. Foi uma maneira de demonstrar que as
pessoas não estão bem conscientes do que elas querem mesmo”. Daniela S. – Cientista
Contrário ao Projeto Arbetritz (SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 272, 2004).
Ou seja, a partir da percepção dessa mesma estudante, os autores utilizam tais trechos
para evidenciar tanto a percepção positiva quanto à atividade e o incentivo à imparcialidade
dos estudantes. A aluna demonstra uma visão lúcida da proposta. Por que seria a sua
impressão da falta de um conteúdo inválida? Resumidamente, a falta de pormenorização de
alguns detalhes e aspectos da proposta didática, assim como a atividade que a precedeu, não
dá ao leitor os elementos necessários para que também possa avaliar tais falas críticas à
proposta como realmente irrelevantes, ou mesmo quanto a avaliação da abordagem de
conceitos físicos durante as aulas.
Vale ainda o destaque de que também não há um maior detalhamento quanto ao
grupo amostral. Os autores indicam, como mencionado, que foram selecionados alunos mais e
42

menos engajados no jogo, mesmo que não sejam pormenorizados também esses critérios de
seleção. Porém, as impressões e opiniões dadas pelos estudantes, utilizadas como evidências
das inferências construídas pela pesquisa, ou mesmo os que foram tratados como irrelevantes,
não indicam de quais alunos se está falando. As falas sobre boas impressões sobre o módulo
vieram apenas dos alunos que demonstraram um maior engajamento? As críticas vieram de
alunos que demonstraram bom engajamento? Qual a proporção, destes 16 alunos
entrevistados (4 da fase piloto), entre os alunos supostamente engajados e não engajados?
Neste ponto, também pode-se abrir uma discussão com relação a utilização dos dados
das falas dos estudantes de um ponto de vista mais filosófico. Os autores apresentam as falas
dos estudantes como auto evidentes, isto é, não são erigidas interpretações de tais falas. Sem a
interpretação desses dados, a adequação empírica não é vista como valor da pesquisa, mas
como atributo auto evidente. Isto é dizer que os dados são crus. E mais: são trechos
específicos selecionados dentro de uma narrativa completa, sem a indicação de qual parte do
grupo amostral se encontrava o respondente (entre os interessados ou não). Estes, são
resquícios de inclinações positivistas que entendem que o leitor chegará inequivocamente às
mesmas conclusões que os autores perante as evidências.
Finalmente, de maneira coerente, o artigo resgata o objetivo inicial do trabalho: a
implementação didática de um módulo que promova a aquisição de cultura e a promoção de
um desenvolvimento autônomo e crítico. Tais objetivos são, de fato, abordados e
fundamentados durante a investigação, no sentido de que são encontrados dados que indicam
realmente o alcance destes objetivos. O trabalho ainda resgata os objetivos dos aportes
teóricos, enfatizando o CTS, sugerindo, consequentemente, o seu alcance. Tendo como a base
a parte do módulo didático na qual ocorreram discussões éticas e filosóficas, o atendimento
também dos objetivos de outras bases teóricas do artigo: os PCNs. Para isso, destacando a
importância e os objetivos tratados por esses parâmetros com relação à interdisciplinaridade e
ao desenvolvimento de valores e atitudes, os autores ainda inferem sobre o alcance de tais
objetivos, bem como a possibilidade viável e real de sua promoção em atividades como essa,
sugerindo a robustez e a coerência de tal construto, a partir dos dados provenientes da
pesquisa: a entrevista e as observações de campo. Enfim, os autores partem para a defesa de
metodologias como essa que promovem um maior envolvimento dos estudantes, proposição
essa embasada nos dados obtidos pela pesquisa, em favor de alterações profundas no ensino
de física: “a relação cristalizada entre o mau humor e a atividade escolar não é condição
43

intrínseca ao aprendizado"(SAMAGAIA, PEDUZZI, p. 273, 2004). Ainda na promoção


destas convicções, os pesquisadores fazem uso do argumento de que a descentralização das
atividades em torno do professor, em oposição ao método tradicional, indica o estímulo a
essas convicções, mais uma vez recorrendo aos dados da pesquisa.
Vale ressaltar também a coerência metodológica visto que a pesquisa não generaliza
resultados, mas aponta indícios. Congruente, pois, se tratando de uma pesquisa interpretativa
de campo, qualquer tipo de generalização seria descabida, dada a dependência do contexto no
qual o fenômeno educacional acontece. Constrói bases e indica caminhos, principalmente no
que se refere a correlações entre variáveis do sistema, mas não possui, de fato, a capacidade
de generalização.
Contudo, é importante enfatizar algumas lacunas metodológicas. Embora tenha
indicado, inicialmente, a preocupação quanto a utilização da pesquisadora também no papel
de professora, inclusive justificando tal escolha apesar dos riscos (conhecidos) atrelados a esta
decisão, os autores não retornam a essa discussão na conclusão do trabalho. Concluem, com
apoio dos dados obtidos, que tal proposta é viável, possível e frutífera, mas sem voltar a
discussão que limita a sua reprodutibilidade. Por não retomar a discussão, a metodologia é
tratada como algo dado, quando na verdade deveria permear todo o processo de produção do
conhecimento, visto que limita as induções erigidas.
Outro ponto vacante no sentido metodológico da pesquisa é quanto a falta de
pormenorização de alguns pontos cruciais da pesquisa: a escolha dos alunos para a entrevista,
a descrição minuciosa do contexto da pesquisa e o detalhamento da atividade que precedeu a
aplicação. Sem essa pormenorização, a pesquisa aproxima-se de um relato de experiência,
apesar da salutar preocupação metodológica que, inicialmente, sugere robustez. Salutar, visto
que se propõe à construção de um conhecimento científico a partir de uma pesquisa
interpretativa, válido perante as evidências construídas, mas que possui como empecilhos a
perda de representatividade, devido a essas lacunas metodológicas.
Finalmente, há de se destacar também alguns pontos quanto à interdisciplinaridade
da atividade. Os autores denotam a importância e a preocupação quanto a preparação da
pesquisadora quanto aos conhecimentos históricos envolvidos. Uma abordagem CTS ou ACE
e, neste caso, uma proposta híbrida, é inerentemente interdisciplinar e o rigor quanto aos
conteúdos abordados deve ser estendido para todas as áreas e disciplinas envolvidas. Os
autores declaram e enfatizam a preparação da pesquisadora-professora para tal. Contudo, há
pontos que foram inexplorados. As bombas nucleares não foram usadas tendo como objetivo
44

o término do conflito com Hitler. Nesta altura da história, a Alemanha nazista já havia se
rendido e o seu ditador já havia cometido suicídio. O intuito, portanto, era o fim da Guerra no
Pacífico - o conflito com os japoneses. É claro que, possivelmente, a existência de um ditador
genocida e tão exacerbadamente ligado à ideais fascistas e de ódio devem ter influenciado a
escolha dos autores. Mesmo assim, há de se notar essas incongruências históricas. Também é
de se destacar que o conflito com o Japão também seria capaz de mediar discussões
importantes sobre as consequências dos construtos científicos e as múltiplas facetas de
conflitos históricos. Por exemplo, seria interessante a discussão quanto o porquê da formação
da aliança de um país cuja população seria também discriminada perante os fascistas italianos
e os nazistas alemães. O tratamento dado pelos países europeus e os EUA à população
asiática, incluindo aí também o papel importante da Austrália para que o Japão tomasse
partido dos países do eixo: discriminação racial e crimes de guerra também ocorreram entre
os países aliados. Há ainda o episódio de Pearl Harbor: uma tragédia sensível à população
estadunidense que culminou na entrada do país na Guerra, mas que foi produto de uma série
de sanções e pressões dos próprios EUA sobre o Japão. Todas essas nuances históricas, além
de contextualizar o conflito de maneira mais precisa a um nível histórico, também permitem a
discussão de pontos relacionados à ética e sua relação com os reais interesses políticos e
econômicos que envolviam o estabelecimento da emergente superpotência que tentava
demarcar regiões de influência.
Enfim, é possível destacar que os autores demonstram a preocupação quanto a
reprodutibilidade da atividade ao descrever minuciosamente as etapas da aplicação. A maior
parte do artigo e, consequentemente desta análise, se deu justamente com essa preocupação,
não por acaso. A metodologia de ensino alternativa, baseada em abordagens interativas e que
promovam um pensamento crítico e a contextualização do conhecimento científico, é bem
detalhada teoricamente e permeou todo o artigo. Há, portanto, uma clara coerência externa.
Contudo, algumas lacunas metodológicas limitam justamente a possibilidade de reprodução
deste módulo didático e diminuem a força das conclusões finais. É preciso que, percebendo
essas lacunas, a comunidade científica da área se preocupe em reproduzir módulos como este
em diferentes contextos, preocupando-se com a minúcia de pontos controversos, inesperados
e que apontem as dificuldades associadas à este tipo de intervenções para que se possa, de
maneira mais concreta, abrir terreno para que propostas ambiciosas como esta possam
multiplicar-se e gerar um impacto mais profundo no ensino de Física, de uma forma mais
45

contundente, uma vez que tenham seus defeitos e falhas amplamente tratados por uma
comunidade que abrange diferentes realidades dentro do contexto nacional.

Figura 1 – Diagrama V para a primeira análise.


46

Fonte: o autor.
47

4 SEGUNDA ANÁLISE: UM ESTUDO DE CASO DO ARTIGO “EXPERIÊNCIAS


EMOCIONAIS DE ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO COMO MOTIVAÇÃO PARA
SE TORNAREM PROFESSORES DE FÍSICA” (CUSTÓDIO, J. F; PIETROCOLA, M;
SOUZA CRUZ, F. F, 2013).

Levando em conta o objetivo do projeto que engloba esta pesquisa (fazer um mapa
axiológico das pesquisas em ensino de Física) é preciso levar em conta uma característica
inerente da área: trata-se de uma área interdisciplinar. O levantamento dos valores cognitivos
associados às produções da área não será suficiente para a plena descrição dos valores que
permeiam os juízos e as tomadas de decisão por parte dos pesquisadores da área. Precisam ser
levantados, também, os valores contextuais que vêm atrelados a essas pesquisas que são,
inerentemente, interdisciplinares. Isto é, além do apoio à própria Física e à Educação, muitas
pesquisas ancoram-se em áreas como a sociologia, a psicologia, a política, a história e outros.
Portanto, tratando-se de um estudo de caso que dará início a outras análises de uma revisão
mais ampla dos periódicos acadêmicos foco da pesquisa, neste capítulo, será analisado um
artigo que possui como suporte uma fundamentação na área da psicologia que, naturalmente,
já possui uma série de metodologias e valores tradicionais associados. Assim, embora em um
primeiro momento sejam foco da análise os valores cognitivos associados, este estudo de caso
abrirá caminho para futuros trabalhos que também irão englobar uma série de artigos como
este, que buscam suporte em outras áreas do conhecimento científico.
O terceiro artigo analisado neste trabalho foi publicado em 2013 no Caderno
Brasileiro de Ensino de Física, primeiro número do trigésimo volume do periódico. A revista
é, dentro do quadriênio do escopo da pesquisa, classificado como A2 pela QualisCapes. O
intuito do trabalho foi de analisar a influência das dimensões afetivas sobre a escolha pela
docência em Física como carreira profissional, tendo como sujeitos licenciandos da
Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC) e da Universidade de São Paulo (USP). O
trabalho parte das seguintes perguntas de pesquisa: qual a influência da dimensão afetiva na
decisão de seguir a carreira de professor de Física; quais são as principais experiências
emocionais que motivam a escolha da carreira de professor de Física; e quais eventos
originam essas experiências emocionais. Assim, através de um questionário com 68
licenciandos destas instituições, os autores concluíram que há, de fato, um peso dado às
experiências emocionais positivas e de interesse dos acadêmicos sujeitos da pesquisa no que
se refere às suas motivações para a docência em Física.
48

Quanto à caracterização da pesquisa, os autores entendem a pesquisa erigida


como naturalística, com aspectos descritos, portanto, embora também reivindicam um caráter
interpretativo também. Há também uma análise de dados quantitativos. Contudo, a pesquisa
adentrou o escopo da pesquisa por características que a assemelham mais intimamente aos
estudos de caso. Isto se deve ao fato de que, embora os autores não se definem desta maneira,
há uma tentativa de descrição de um fenômeno, - a busca por sentimentos e experiências
emocionais de licenciandos de duas universidades com relação à Física e à docência -
buscando evidenciar possíveis relações de causa e efeito - sentimentos positivos e a escolha
por essa carreira profissional. A interação com os agentes do fenômenos, a elaboração do
instrumento de coleta de dados e a maneira como se dá a construção do conhecimento são
característicos de uma pesquisa qualitativa e interpretativa de campo. Isto é, há uma interação
com os sujeitos da pesquisa e são feitas inferências a partir da interpretação dos
pesquisadores, que também decidem quais são os dados que serão analisados, dentro de um
fenômeno social. Assim sendo, a pesquisa aqui analisada faz parte do escopo deste trabalho.
Inicialmente, a pesquisa se justifica partindo de aspectos e problemas clássicos da
área do ensino de física: baixo interesse e ingresso nos cursos de Física, a grande evasão,
poucos formandos e ainda a importância, perante a sociedade, de que se promova a formação
de profissionais nesta área. Ainda se faz referência a casos emblemáticos que demonstram
que, mesmo dentre os poucos interessados, muitos, na verdade, possuem interesse em outras
áreas ligadas à Física, como a Engenharia. Também são citados pelos autores, como casos
simbólicos quanto uma possível associação dos afetos para a insistência na área, narrativas de
alunos que que persistem no curso de Física, apesar do baixo desempenho acadêmico. A
hipótese inicial erige-se, portanto, em contrapartida da grande parte das pesquisas de ensino
de física que, como chamam os autores, possuem uma perspectiva mais cognitivista. Isto é,
atacam tais problemas, históricos e marcantes da área, com trabalhos que discutem, criticam e
desenvolvem novas metodologias de ensino de Física, que investigam eficácias e fazem
comparações entre diferentes abordagens de ensino, passando inclusive por concepções
diversificadas de ensino e de aprendizagem. O trabalho propõe, no entanto, que a formação de
vínculos longevos de interesse pela área também possui, além do campo cognitivista, uma
dimensão afetiva: aspectos subjetivos e emocionais como estímulos de escolha e persistência
pela Física. Já pensando na transposição em termos de valores cognitivos associados à
pesquisa, pode-se perceber, desde o princípio, a coerência da pesquisa com relação ao aporte
49

teórico, posto que, ao justificar a razão de ser do trabalho, também faz alusão a outros
pesquisadores que também optaram por essa reorientação. Destoando, portanto, desses
empreendimentos excessivamente cognitivistas que vem obtendo resultados similares e
repetitivos por não considerarem a multidimensionalidade do problema, alicerçados em uma
nova área fértil. Dessa nova forma de abordar os problemas da área, os autores argumentam
que “não basta que [o aluno] conheça de maneira apropriada os fatos, os algoritmos e os
procedimentos para ter garantia de sucesso” (CUSTÓDIO, PIETROCOLA, SOUZA CRUZ,
p. 28, 2013).
Ainda sobre a consistência externa do trabalho, os autores indicam que ainda
existiam, na data de publicação do artigo, poucos trabalhos na educação científica diretamente
relacionados às relações emotivas e de afeto (REISS, 2005). Destes, muitos tratam esse
âmbito como subcategoria, tendo como escopo atitudes sobre ciências. Atitudes essas que
englobam três domínios: o cognitivo, o afetivo e o comportamental. Desta revisão da área
também saem outros focos e lacunas ainda existentes neste tipo de pesquisa: muitos destes
trabalhos são voltados para o interesse em ciências, ao mesmo tempo em que demonstram o
declínio progressivo deste ao longo da vida escolar dos estudantes (BARAM-TSABARI;
YARDEN, 2005; KRAPP; PRENZEL, 2011). Finalmente, também ganha espaço no trabalho
a demonstração da fertilidade deste campo de pesquisa, destacando, por exemplo, o interesse
de diferentes pesquisadores por esta emergente área quanto a relação da variável gênero no
interesse pela ciência, influência de fatores sociais, curriculares, níveis de instrução e ainda
outros fatores envolvidos na equação que estabelece e determina as expectativas e interesses
dos estudantes com a ciência e a carreira científica (DAWSON, 2000; BUCCHERI;
GURBER; BRUHWILER, 2011; SUNDBERG; DINI; LI, 1994; PARK; KHAN; PETRINA,
2009; KJAERNSLI; LIE, 2011).
De maneira muito consistente, os autores apontam um problema da área e, em
seguida, as lacunas da pesquisa científica para o tratamento deste problema para, enfim,
justificar a existência e as escolhas metodológicas da pesquisa empreendida. A importância
surge do fato de que um país não prescinde da formação de profissionais que atuem na área
científica, destacando o envolvimento universitário com a Física como objeto de interesse
político nacional, no sentido de desenvolver a expertise tecnológica de um país. A urgência
surge da discrepância entre tal importância e a carência de docentes que promovem esses
envolvimentos. Tal urgência e demanda é corroborada por dados: para o período de 1990-
2001, eram precisos em torno de 55 mil professores de física, mas formaram-se apenas 7 mil,
50

aproximadamente, como trazem os autores. Com o problema exposto, os autores abordam as


possíveis razões obtidas até então pela pesquisa em educação científica, embora também
indiquem que, na verdade, poucos estudos tenham se proposto a responder essas importantes
questões. Entre as razões para a carência de docentes estão: o abandono do curso para a
inserção no mercado de trabalho, dificuldades econômicas no período do curso, baixas
expectativas quanto à remuneração futura e o status negativo atrelado à profissão. Como
resultado, essas escassas pesquisas sugerem a melhoria da formação inicial dos professores
como aspecto elementar para a formação de mais docentes - o foco, portanto, é centrado na
compreensão dos problemas e nas dificuldades associadas à formação e ao exercício da
profissão. Outras pesquisas, as que focam nas atitudes sobre ciências, por sua vez, abordam o
problema focando nas expectativas e nas relações dos futuros candidatos (os estudantes do
ensino médio) quanto às carreiras científicas. Dessa maneira a pesquisa parte de uma posição
intermediária: investiga a dimensão afetiva de licenciandos na decisão de seguir com a
carreira docente em Física. Os autores esperam, com essa abordagem, a fundamentação mais
ampla dos tipos de relações que interferem na escolha e na persistência pela carreira, focando
em influências reais dessas decisões - e não tendências comportamentais de alunos do ensino
médio -, visando a indicação de práticas educacionais mais eficazes e diretas que pesem nas
escolhas profissionais, por entenderem que as atitudes desenvolvidas por estudantes em
relação à ciência são determinantes para essas escolhas de carreira.
A pesquisa também justifica e se lança sobre outra lacuna da pesquisa acerca das
atitudes sobre ciências, mas dessa vez de natureza metodológica. Também aqui denotando
coerência e consistência, os autores pretendem o aprofundamento de questões que exploram a
importância das dimensões afetivas para os licenciados e, por isso, contrastam com esta
tradição de pesquisa que faz uso de escalas do tipo Likert. Para tanto, partem de uma
abordagem naturalística com a finalidade de nuançar mais explicitamente os afetos envolvidos
nas escolhas profissionais dos sujeitos da pesquisa, através de um questionário aberto.
Antes de abordar o questionário, no entanto, cabem aqui algumas discussões acerca
das decisões metodológicas e a análise do contexto da pesquisa. Os autores ancoram a
pesquisa em uma metodologia naturalística fazendo referência a metodologias etnográficas,
isto é, de natureza descritiva e altamente dependente do contexto. Porém, a metodologia
empregada não se limita a isso: os autores também reivindicam um caráter interpretativo.
Inerentemente à pesquisas desse tipo, a plena descrição do contexto assume importância
51

elementar, visto que, por não permitir inferências generalizadoras, exprime e ressalta
características de um fenômeno delimitado por aspectos específicos de uma determinada
realidade e sujeitos. Fazem parte da amostra da pesquisa alunos de licenciatura em Física.
Responderam o questionário completo, no semestre de 2006/1, dezoito alunos da terceira fase
do curso da UDESC e, responderam as duas primeiras questões do questionário, cinquenta
alunos das turmas de Metodologia de Ensino de Física I e II da USP nos semestre de 2005/2 e
2006/1.
A descrição do contexto, todavia, se encerra por aí. Não há a pormenorização do
perfil destes alunos quanto à faixa etária, gênero, etnia, classe social, etc. Não apenas são
características importantes para o entendimento pleno do contexto da pesquisa, ainda levando
em conta que é uma característica imprescindível deste tipo de pesquisa interpretativa de
campo, como, neste caso, pode-se até destacar uma certa incoerência externa, posto que os
autores apontam que existem pesquisas que analisam a influência da variável gênero, por
exemplo, quanto aos aspectos afetivos relacionados às ciências. Ou seja, a própria área de
pesquisa, citada pelos autores, indica e pesquisa a influência de tais fatores nos sentimentos e
nas afetividades. Vale ainda destacar que, sendo o objeto de pesquisa a relação de
características e influências subjetivas dos sujeitos de pesquisa, esses parâmetros contextuais
possuem um potencial especialmente relevante para as relações e sentimentos destes para com
a ciência. Ora, se o escopo da pesquisa está direcionado para as emoções e experiências
positivas dos estudantes com relação à ciência, é razoável esperar que o contexto específico
de cada aluno determine, dite e influencie esses sentimentos. Ao mesmo tempo, tendo tomado
para si o caráter de pesquisas descritivas (naturalística e, portanto, aproximando-se de estudos
etnográficos), seria coerente a expectativa de minúcias quanto ao maior número possível de
detalhes e variáveis que estão influenciando o fenômeno estudado. Segundo Lüdke (1986),
estudos dessa natureza devem partir da hipótese de que o comportamento humano é
significativamente influenciado pelo contexto em que se situa. Ou ainda, entende que é
virtualmente impossível entender um comportamento humano sem tentar entender o quadro
referencial dentro do qual os indivíduos interpretam seus pensamentos, sentimentos e ações.
Dessa maneira, prescindindo do contexto, as interpretações dizem mais respeito às
expectativas teóricas dos pesquisadores, que do próprio fenômeno investigado.
Indo adiante, após ter ancorando-se nesta metodologia qualitativa descritiva e
interpretativa, a fim de responder suas perguntas norteadoras, a pesquisa revela o seu
52

instrumento de coleta de dados: um questionário aberto que permitirá a obtenção tanto de


dados quantitativos quanto qualitativos. O questionário utilizado pelos autores segue:
Quadro 2 – Questionário utilizado pelo segundo artigo.
Quais motivos o levaram a fazer o curso de Licenciatura em Física (relação
1
com o conhecimento)?
Havia algum assunto (fenômeno, tecnologia) que o intrigava durante o Ensino
2
Médio?
“Lembro-me ainda hoje do meu primeiro dia de aula de ciências. Na
escola pública que frequentava, ciências era uma disciplina ministrada na
quinta série. Eu tinha 11 anos recém-feitos e guardo na memória os
sentimentos de entusiasmo e alegria quando a professora nos contava que
Texto indutor a matéria era constituída de átomos e moléculas. Não me recordo bem
dos detalhes do conteúdo ensinado. Se ela apresentara a diferença entre
gases e líquidos, ou se discutira sobre a água, o ar ou outra substância
qualquer. Seria pedir muito à memória 30 anos depois. Porém, os
sentimentos continuam vivos até hoje” (Um professor de Física).
Na sua história existe algo semelhante, uma explicação que fez sentido para
3 você, isto é, deu certa satisfação (alegria) em conhecer? (cite mais de uma se
houver).
Fonte: (CUSTÓDIO, J. F; PIETROCOLA, M; SOUZA CRUZ, F. F, 2013).

Os autores ainda explicitam as intenções de cada pergunta. Para a primeira:


explorar as motivações para ensinar física e se há alguma correlação com conhecimentos de
física. Na segunda, a influência da curiosidade e a dimensão do interesse com o mundo
natural e de aparelhos tecnológicos. Finalmente, na terceira questão, após um texto indutor, o
resgate de memórias e lembranças possivelmente associados com a escolha pela docência.
Assim sendo, cabem aqui algumas indagações. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer a
coerência, até certo ponto, entre as perguntas do questionário com as perguntas norteadoras da
pesquisa. Contudo, existem pontos limitantes para esta coerência, que também acabam por
influenciar na fidedignidade e validade dos resultados obtidos através deste instrumento,
como a falta de triangulação de dados e a diferenciação do instrumento para cada grupo
amostral. Como única fonte de dados, a confiança perante as conclusões dos autores perde
robustez, posto que é um estudo interpretativo. Através de outros resultados que corroboram
as mesmas interpretações, certamente tratar-se-iam de conclusões mais robustas, uma vez que
permitiriam o convencimento mais contundente dos leitores perante evidências diversificadas
que apontem no mesmo sentido. Quanto à diferenciação do instrumento para os estudantes da
UDESC e da USP, sendo que esses últimos não responderam a terceira pergunta, a falta de
detalhamento do porquê de tais diferenças abre lacunas e aponta ainda mais questões que
deixam em cheque a representatividade das evidências. Este ponto fica mais evidente ao se
53

pensar sobre a terceira pergunta que a pesquisa pretende responder: quais eventos originam
essas experiências emocionais. Sendo essa uma pergunta chave para a pesquisa, porque
apenas uma parcela diminuta, cerca de 25% dos sujeitos, a responderam? A diferença entre os
questionários sugere alterações no decorrer da elaboração da pesquisa, ou mesmo de
diferenças entre os focos e expectativas quanto às respostas de cada grupo amostral. Ainda
existe o fato de que há uma lacuna de pelo menos 7 anos entre a aplicação do questionário e o
envio do artigo. Há de se destacar, portanto, que pesquisas do tipo qualitativa devem
preocupar-se em evitar o surgimento de empecilhos para a representatividade das induções e
inferências construídas e, por isso, espera-se um rigor metodológico no sentido de que sejam
garantidas a representatividade e a validade dos resultados, perante a devida minúcia dos
passos e decisões tomadas em cada etapa da pesquisa que, por natureza, constrói
conhecimentos através do processo de indução.
Ainda há de se destacar que o questionário aparece apenas no apêndice do artigo.
Embora os autores tenham se preocupado em expor os objetivos de cada pergunta, é
importante notar que o instrumento de coleta, ou seja, o meio pelo qual serão obtidas as
evidências para as induções da pesquisa recebe, aparentemente, um papel secundário.
Característica esta que evoca um aspecto positivista, no sentido de que se cria uma
expectativa autoevidente dos resultados experimentais.
Finalmente, outro questionamento que emerge referente ao questionário, é quanto à
preocupação com a descrição plena do fenômeno. As perguntas do questionário englobam e
direcionam as respostas diretamente para as experiências e sensações positivas -
especialmente a terceira pergunta que é precedida de um depoimento indutor. Mesmo que o
foco do estudo sejam as relações e emoções positivas que levam os estudantes a escolher e
persistir na carreira de docente em Física, é preciso que sejam averiguadas situações e pontos
contrários às expectativas da pesquisa. Uma pesquisa de natureza qualitativa e interpretativa
deve preocupar-se com possíveis outras razões que não as referentes à hipótese inicial -
pontos fora da curva são essenciais (LÜDKE, 1986; CARVALHO, 2004). Assim, não
permitir que o fenômeno se manifeste em sua totalidade e complexidade, buscando expor
possíveis sentimentos controversos e antagônicos, faz com que a pesquisa assuma um tom de
corroboração da hipótese inicial, sem testá-la perante possíveis explicações alternativas e
mesmo contrárias às expectativas teóricas (e porque não, afetivas?) dos pesquisadores. Esse
questionamento leva a outra pergunta: qual a validade de um recorte de pesquisa que apenas
avalia o que é procurado? Qual o papel de uma hipótese dentro de uma pesquisa acadêmica?
54

Certamente, não basta procurar e avaliar apenas perguntas que a corroborem, é preciso testá-
la, compará-la e alcançá-la por diferentes meios. A pormenorização, portanto, vai além da
descrição do fenômeno e do rigor metodológico dos pesquisadores. Qual a relevância de se
descrever apenas os aspectos que se espera interpretar?
Após a introdução ao instrumento de pesquisa, os autores explicam como se deu a
análise, dividida em duas fases. Na primeira, foram extraídas das narrativas dos estudantes as
cargas afetivas relacionadas à escolha da carreira docente em física. Esta fase foi a parte
quantitativa do estudo, visto que, após a devida categorização de expressões de afetos, foram
analisadas as ocorrências de cada tipo de sentimento associado às falas (embora, como será
visto, mesmo nesta fase da pesquisa, o caráter interpretativo-qualitativo também esteja
presente). Na segunda fase, o aprofundamento e a interpretação das experiências emocionais
em dois momentos: com relação às experiências emocionais positivas e de interesse. Para
isso, primeiramente, as narrativas foram minuciosamente lidas e detalhadas, para enfim
passarem por uma codificação desses extratos em categorias básicas. Finalmente, as
categorias básicas foram englobadas pelas duas categorias mais amplas.
Para a análise das cargas afetivas, os autores primeiramente apresentam o referencial
teórico utilizado, mais uma vez, denotando embasamento e, consequentemente, coerência
externa. Ao utilizar referências como Russel e Shaver, a pesquisa se propõe a compreender
uma emoção de maneira a estar conectada a um episódio real, a partir da codificação de níveis
básicos da hierarquia emotiva. Em outras palavras, isso quer dizer que sentimentos como
satisfação, entusiasmo são diferentes manifestações do sentimento de alegria. Assim,
entendem que uma pessoa satisfeita, não necessariamente está entusiasmada, todavia, ambos
expressam emoções positivas ligadas à alegria. Assim, os autores apresentam a lista de
palavras que expressam sentimentos que foram utilizadas e contabilizadas nas narrativas dos
sujeitos da pesquisa.
Figura 2 – Elementos do trabalho acadêmico.
55

Fonte: Fonte: (CUSTÓDIO, J. F; PIETROCOLA, M; SOUZA CRUZ, F. F, 2013).

É importante destacar que foi contabilizada apenas uma citação por narrativa. Assim,
fica evidente que as palavras mais citadas foram: interesse, gostar e curiosidade, enquanto que
as menções negativas foram muito pouco frequentes (apenas 3 menções). As demais menções
tiveram recorrências intermediárias.
Após, para análise da distribuição e ocorrência dessas emoções, as citações foram
englobadas em categorias de emoções mais “elementares”, de acordo com o referencial
teórico utilizado neste trabalho. Aqui, os autores apresentam que há, na literatura, muitas
classificações possíveis mas que, no entanto, utilizaram como emoções básicas: amor, alegria,
raiva, interesse e tristeza e as dividiram nas três seguintes categorias: emoções positivas (amor
e alegria), emoções negativas (raiva e tristeza) e, finalmente, a emoção de interesse. Embora
positiva também, o interesse ganhou notoriedade em uma categoria própria devido ao
entendimento, pela pesquisa, de que possui uma característica funcional diferente das demais
emoções positivas. Segundo os autores, e os diferentes referenciais trazidos na pesquisa, as
questões que normalmente se associam com a escolha pela carreira docente em Física estão
sujeitas diretamente com o interesse. Por que a Física? Por que o ensino de Física e não a
pesquisa básica? O que me interessa na Física? Assim, o interesse seria a emoção positiva
mais associada a essa escolha profissional, sendo responsável, em grande parte, pela
motivação pelo desenvolvimento de capacidades, habilidades e conhecimentos sobre a Física.
56

Também cabe a menção de que não há diferenciação quanto às proporções e


menções relativas a cada grupo amostral da pesquisa. Cabe ainda constatar que os
respondentes oriundos da UDESC tiveram mais espaço para responder, posto que no
questionário aplicado a eles havia uma questão a mais - questão esta que ainda conta com um
texto indutor que claramente aponta na direção de experiências positivas quanto à vivências
escolares. Assim sendo, surgem algumas indagações, novamente, quanto à pormenorização de
como foi feita essa contagem. Se apenas foi levada em conta uma citação por narrativa, como
foram escolhidas as emoções relativas para cada uma? No caso de alunos que expressaram
mais de uma emoção, como foi feita a tomada de decisão de qual seria contabilizada? Houve
respondentes que apresentaram emoções controversas? Essas questões evidenciam, portanto,
que mesmo na parte quantitativa da pesquisa, é possível perceber seu caráter qualitativo e
interpretativo, posto a natureza subjetiva e abstrata do objeto da pesquisa. Supondo, por
exemplo, que a citação escolhida foi devido à maior recorrência da emoção na narrativa de
cada licenciando, parece razoável supor que, apesar de poucas, as emoções negativas
possuem, de fato, um peso elevado para as três narrativas que as geraram.
Quanto à distribuição dessas ocorrências, os autores apresentam o seguinte dado: “no
total, a frequência de emoções positivas foi de cento e uma ocorrências, a frequência da
emoção interesse foi de quarenta e seis ocorrências, contra três ocorrências de emoções
negativas”. Levando em conta que o universo amostral contou com 68 acadêmicos (50 da
USP e 18 da UDESC), é razoável pensar que cada narrativa, que contribuiu com uma unidade
para cada ocorrência, se refere à uma resposta de cada uma das questões do questionário.
Assim, por não haver a minúcia, o leitor pode assumir que os estudantes da UDESC
possuíram um peso maior nessa contabilização. E, levando em conta o teor da terceira
pergunta - o texto indutor - é no mínimo razoável supor que esse peso extra para este grupo
amostral, pendeu para o lado das emoções positivas. Portanto, no momento em que a pesquisa
taxa como irrelevante às menções à emoções negativas para concluir que “parece razoável
pensarmos que a escolha da carreira de professor de Física não está ligada a eventos
emocionais que envolvam emoções negativas”, o leitor pode assumir que, com os dados
mostrados pela pesquisa, não seria possível vislumbrar qualquer outra possibilidade. Há,
realmente, indicações para tal conclusão. Contudo, perde-se confiança na indução com base
nas evidências mostradas, devido à falta de comparações e minúcias de dados inesperados
fornecidos pela pesquisa.
57

Assim sendo, o estudo perde robustez quanto a fidedignidade e validade das suas
induções devido à falta de triangulação de dados, da minúcia dos procedimentos
metodológicos e da pormenorização dos pontos fora da curva. Sabe-se, pelo referencial
teórico trazido pelos autores, que o fenômeno estudado é abstrato e complexo. São explícitas
as diferentes categorias possíveis para as emoções, além do fato de que há outros estudos que
abordam as diferentes variáveis, a de gênero por exemplo, que investigam as influências que
moldam e ditam os sentimentos com a ciência. Assim, faz-se necessária, estando diante de
tópicos tão complexos e sujeitos a tantas variáveis, a minúcia das possíveis e diferentes
influências que levam a cada tipo de afeto.
Posto que evidenciaram um possível indício sobre a influência das emoções positivas
e de interesse para a decisão pela Licenciatura em Física, os autores argumentam e estendem a
noção do porquê o interesse recebeu tratamento diferenciado das outras emoções positivas.
Dentro do entendimento da pesquisa, as emoções positivas são atribuições do indivíduo à uma
proposição, a uma ação, a um objeto, a uma ideia, a um conceito ou a uma representação. O
interesse, contudo, promove a busca e o movimento do indivíduo à uma informação do
ambiente, podendo ser prático ou cognitivo. Assim, as emoções positivas, como alegria e
felicidade revelam sentimentos familiares e, consequentemente, sensações boas que indicam
situações favoráveis para a sobrevivência, enquanto que o interesse motiva à tentativa de
apropriação de um conhecimento novo, complexo, conflitante ou desafiador. Finalmente, as
emoções de interesse expostas pelos sujeitos da pesquisa, portanto, seriam reforçadas,
alimentadas ou incentivadas pelas respostas das emoções positivas associadas a essas
experiências. Partindo do exposto, os pesquisadores realizam a fase qualitativa do estudo:
primeiro analisando as narrativas dos acadêmicos quanto às experiências emocionais
positivas, seguida da análise das experiências emocionais do interesse.
No que se refere às emoções positivas, os autores exprimem uma série de trechos das
narrativas dos acadêmicos para, então, erigir as análises. Assim, de maneira muito consistente,
as análises sempre são respaldadas com o robusto aporte teórico apresentado pelos autores.
De maneira representativa, os autores trazem falas de diferentes alunos que, conversando
entre si, corroboram as conclusões extraídas. Por exemplo, na fala de um dos licenciandos:
“Durante todo Ensino Fundamental e Médio sempre tive uma aproximação maior
com as matérias ditas exatas, com uma maior inclinação para Matemática e a Física. Como
essas matérias sempre foram problemas de muitos alunos, muitas vezes eu estava ensinando
as matérias para os colegas, e constantemente os colegas aprendem melhor com minhas
58

explicações. Sempre obtive prazer ao ensinar meus colegas” (CUSTÓDIO, PIETROCOLA,


SOUZA CRUZ, p. 38, 2013).
Os autores apresentam várias falas como essa que denotam sensações positivas, de
prazer e de satisfação, quanto à obtenção de um conhecimento. O fenômeno ainda ganha em
diversidade, denotando as múltiplas facetas dessas sensações, evidenciando que há, em outros
relatos, sensações parecidas a partir de experiências positivas diferentes. Alguns trechos
remetem ao gosto pelo conhecimento e a satisfação ao se aprender algo, a satisfação ao
perceber o conhecimento estudado no cotidiano, a empolgação com certas metodologias ou
escolhas didáticas dos professores durante o ensino médio ou, como o trecho acima, quanto ao
contentamento em ajudar alguns colegas com o conteúdo estudado. Há ainda as experiências
relacionadas à vivência escolar, e também os relatos fora dela. A corroboração dessas muitas
experiências distintas, através da recorrência, ganha confiança e validade. Há ainda relatos
como o seguinte:
A decisão veio na 5a série do Ensino Fundamental, quando dois episódios com a
professora de ciências me fizeram escolher pela Física [...] A professora insistia em
responder às minhas perguntas repetindo o que estava escrito no livro didático. Em uma aula
sobre os planetas do sistema solar, ela repetia: “O sistema solar é composto por nove
planetas”. Na fase do por que, fiz a pergunta: “professora, como eles têm tanta certeza?”
“O sistema solar é composto por nove planetas”, foi a resposta. Ironicamente, na semana
seguinte, o jornal publicou uma notícia sobre a possibilidade de um novo planeta... algumas
aulas depois, “a lua só mostra uma face para Terra”, a aluninha perguntadora: “mas,
professora, se a lua gira, como pode?”. Mais uma vez, a resposta encontrada foi a repetição
do livro. A dúvida persistiu até uma festa de aniversário onde, com dois balões, pude
observar o resultado da combinação dos movimentos de rotação e translação da lua. Nesse
dia, tive a certeza do meu destino (CUSTÓDIO, PIETROCOLA, SOUZA CRUZ, p. 39-40,
2013).
Neste exemplo, os autores reconhecem que não foi a satisfação a força motriz
por detrás do interesse, mas, ao contrário, a insatisfação. A insuficiência das respostas
geraram, portanto, uma inquietação inicial. Há sim as sensações e sentimentos positivos
associados com o episódios dos balões. Os autores argumentam que a inquietação da
entrevistada a movimentou para então, tendo sanado suas expectativas com respostas mais
profundas, encontrar sensações positivas que incentivam e provocam mais o interesse e,
59

finalmente, a decisão pela carreira docente. Contudo, é evidente que o sentimento primeiro
era negativo. Esse episódio corrobora as discussões anteriores com relação à falta de
pormenorização dos episódios negativos. As múltiplas facetas dessas sensações é reconhecida
pelos autores que identificam a pluralidade de sensações, que são subjetivas, proporcionadas
por essas experiências. A sensação de prazer no ato de ajudar ou ensinar os colegas, é
diferente do prazer em se entender e identificar os fenômenos naturais associados ou não ao
cotidiano, assim como a obtenção de respostas para questões desafiadoras e o sentimento de
independência na busca por questões que não foram aprofundadas em sala de aula. Fica
explícita a complexidade e os multi fatores associados que podem levar uma pessoa, dentro de
um contexto, a ter motivação para tornar-se docente e, consequentemente, a incoerência com
relação a preferência dos relatos positivos que apareceram no primeiro momento.
De maneira coerente com a seção anterior, ao analisar as experiências
emocionais do interesse, os autores trazem trechos onde são explicitadas, associadas a essas
emoções, experiências que remontam à curiosidades com relação a artefatos e aparelhos
eletrônicos, ao universo e ao mundo como um todo. Ou seja, outros trechos das narrativas dos
respondentes que evidenciam a satisfação com a obtenção de conhecimentos e explicações.
Interessantemente, algumas respostas novamente remontam a experiências plurais:
sentimentos bons por incentivos ou decisões pedagógicas dos professores, a curiosidades da
infância, ou relações indiretas da vida escolar, como ao conversar sobre o assunto ou explicá-
lo para colegas. Também aparecem aqui outros tópicos pertinentes para a pesquisa em ensino
de física. Assunto já abordado historicamente, os autores encontram, a partir dessa perspectiva
diferente, novamente a discrepância entre os assuntos científicos que interessam aos alunos e
os que são abordados nos currículos dos cursos como causa do declínio desse interesse com o
passar dos anos escolares.
Nesse ponto, já pode-se perceber alguns pontos de fertilidade da pesquisa, posto que
algumas dessas sensações possuem diferentes raízes. Uma pergunta que poderia ser
respondida por pesquisas futuras, por exemplo, seria a importância dada ao compartilhamento
dos saberes. Ou seja, como a comunicação, as trocas com colegas, amigos ou familiares,
interfere nas relações dos estudantes com o conhecimento? Seriam essas interações
responsáveis por uma sensação de pertencimento que motiva os alunos e candidatos a vidas
acadêmicas a participar de uma comunidade de pesquisadores ou de professores que partilham
dos mesmos interesses?
60

Ao mesmo tempo, também aparecem aqui outros trechos ligados à insatisfações.


Enquanto um respondente se refere a curiosidades da infância, para as quais obteve respostas
evasivas dos pais, relatando que isso fez com que buscasse respostas em outras fontes, outro
se refere a inclinações para o estudo de matemática, frustradas pelo alto grau de abstração,
mas que acabaram por resultar em um interesse pela física como conciliadora entre o mundo
matemático e o mundo “real”. Ou seja, mais exemplos de experiências inicialmente ruins, a
insatisfação por exemplo, que os moveram ao ponto de buscar novas respostas.
Interessantemente, os autores também trazem um trecho que remonta ao contexto do
acadêmico que relata ter encontrado interesse pelos assuntos ligados à física. Ao trazer o
trecho onde um estudante relata que parte deste interesse remonta aos tempos de escola
pública, com poucos recursos didáticos, e portanto, onde teve que usar de sua criatividade
para a montagem de equipamentos com recursos alternativos de baixo custo. Assim, mais uma
vez nota-se que a sensação positiva, ligada às sensações boas da aquisição de conhecimento e
na participação de atividades mais livres e criativas, estão, na verdade, associadas a uma, pelo
menos inicialmente, experiência ruim, e mais do que tudo, diretamente associadas a um
contexto específico, novamente levando à importância da pormenorização do contexto dos
entrevistados: muitos apresentam questões, preferências e sensações subjetivas que são,
consequentemente, produtos de suas realidades individuais. É possível, tendo isto posto,
perceber como as lacunas deixadas pela pesquisa apontam para possíveis pesquisas futuras,
novamente evidenciando o caráter fértil da pesquisa: os afetos e sensações positivas ligados à
ciência possuem origem e são funções de que contextos? Como o desenvolvimento
psicológico das crianças de diferentes realidades, incentivos e limitações afeta essas
inclinações para a ciência? Finalmente, este trabalho se depara com outro ponto de fertilidade
da pesquisa: seria a visão positivista da ciência, a de que o conhecimento científico se
apresenta como mais robusto por apresentar respostas “verdadeiras” responsável por um
interesse inicial pelos assuntos científicos? Seria essa uma das razões pela resistência em se
desassociar das expectativas positivistas da ciência que realmente se empreende?
Finalmente, quanto às conclusões e discussões erigidas pelos autores, os autores
alegam que as experiências emocionais dos acadêmicos pesquisados formam parte importante
de suas motivações para se tornarem professores de física. Essa conclusão é coerente com os
indícios trazidos, porém perde em substância por, dadas as questões, não haver comparações e
minúcias com pontos controversos. Porém, a pesquisa dá indicativos para pesquisas futuras.
61

Apontam que as escolhas pela carreira docente podem ser fortemente marcadas por cargas
afetivas e que, portanto, não devem ser consideradas como ruídos para essas tomadas de
decisão já que podem fazer parte da criação de vínculos duradouros. Dessa maneira aponta
caminhos para a pesquisa na área: entendem que as experiências emocionais não são único
requisito para a criação de relações estáveis e duradouras com a física, mas que ainda falta um
mecanismo capaz de explicar como experiências emocionais positivas e do interesse
momentâneas influenciam o desenvolvimento de interesses duradouros. Com isso, entendem e
evidenciam a fertilidade da pesquisa. Ao mesmo tempo, indica para os formadores e
professores da área: o incentivo a atividades que promovam e permitam a criação de emoções
positivas e interesse nos alunos.
Pensando nos problemas que foram usados para a justificativa da pesquisa, os autores
concluem:
“Portanto, somos considerados a considerar que uma das soluções
para escassez de professores de Física no Ensino Médio e a baixa motivação
na disciplina está na melhoria da instrução oferecida neste nível, tal como
assinalaram recentemente Brock e Rocha Filho (2011)”. (CUSTÓDIO,
PIETROCOLA, SOUZA CRUZ, p. 51, 2013)

Interessantemente, as conclusões erigidas pela pesquisa apontam na mesma direção


da chamada pesquisa cognitivista no sentido de questões e dificuldades relacionadas à
formação docente. É claro, difere no sentido de que há a indicação da promoção de escolhas
didáticas que propiciem a criação de emoções e sensações positivas para os estudantes. Os
autores ainda sugerem a urgência por mais evidências empíricas. Embora não de maneira
explícita, fica clara a importância de trabalhos como esse que indicam lacunas na área de
pesquisa, pois, como mencionam os autores, não basta que o professor e os alunos dominem
os algoritmos e os procedimentos para que tenham sucesso. Ainda vale o destaque para o
último parágrafo do artigo, no qual os autores garantem que não possuem uma visão ingênua:
entendem que há ainda outros fatores que levam as pessoas a optarem por carreiras como
professores de Física. Urgência por empregos e adequação de horários, por exemplo, são
alguns dos argumentos citados pelos autores. Mas pode-se ir além: pressão dos pais, falta de
opção por conta da nota de corte, indecisões e a pressão para que se faça um curso superior.
Nesse sentido, os autores deixam claro que o foco do trabalho foi justamente de nuançar as
possíveis causas e maneiras pelas quais os estudantes constroem emoções positivas com a
62

ciência e a docência e, concluem, a partir das evidências mostradas, que há, de fato, um
núcleo que reside nestes afetos. Contudo, como a pesquisa não faz triangulações de dados e
hipóteses, não faz uma possível análise de outros casos não relacionados com essas sensações
positivas, não há como garantir que esses sentimentos positivos permeiam a escolha da
maioria dos estudantes. O que se pode concluir é que são fatores realmente importantes para
aqueles que tiveram experiências positivas. Uma pergunta que pode ser feita a partir de
pesquisas futuras, mais uma vez denotando a fertilidade da pesquisa, é com relação aos alunos
que desistiram da carreira: o que leva estudantes da licenciatura desistirem da carreira
docente? Certamente seria interessante uma investigação científica que se preocupa em
analisar, por exemplo, como estudantes que possuem afetividades com a ciência ainda assim
tiveram que trocar de carreira profissional, forçados ou não. Ou mesmo, àqueles que
persistiram no curso, mas que não associam essas escolhas necessariamente a experiências
positivas.
Finalmente, pode-se argumentar que a pesquisa é coerente e consistente,
principalmente quanto ao aporte teórico e a interpretação das evidências obtidas. Entretanto,
devido ao caráter interpretativo, assemelha-se mais a um estudo de caso do que uma pesquisa
naturalística e, consequentemente, e de maneira consistente com essa metodologia, é
compreensível que não busque generalizações ou o estabelecimento de padrões. Ao mesmo
tempo, principalmente pela análise do instrumento de coleta, fica evidente o viés do
pesquisador. O estudo parece tentar corroborar as expectativas iniciais dos pesquisadores sem,
no entanto, comparar possíveis outras interpretações ou variáveis atreladas ao fenômeno. Para
tanto, seria necessário um novo formato de pesquisa, com triangulações e pormenorização dos
pontos contraditórios que surgiram.

Figura 3 – Diagrama V para a segunda análise.


63

Fonte: o autor.
64

5 TERCEIRA ANÁLISE: UM ESTUDO DE CASO DO ARTIGO “APRENDIZAGEM


SIGNIFICATIVA E CONSTRUÇÃO DE SABERES DOCENTES NA
LICENCIATURA EM FÍSICA” (CLEBSCH, A. B; ALVES FILHO, J. P., 2019)

O último artigo aqui analisado corresponde a outra linha de pesquisa em ensino de


Física, marcante e representativa para o quadro geral que pretende ser traçado dentro do
projeto do qual esta pesquisa faz parte. A questão da formação de professores é uma linha
grande dentro do ensino de Física e representa boa parte das produções acadêmicas da área. É
notório a recorrência de trabalhos, inclusive em nível internacional, sobre esta questão que
visam ao aprofundamento do entendimento quanto ao conhecimento do professor, isto é, a
epistemologia do professor. Como se faz um professor? Quais são os atributos que são
necessários para que um professor desenvolva, além do conhecimento de conteúdo, para
garantir um ensino mais eficaz? Por representar uma área tão importante do ensino de Física,
este capítulo trata de analisar um artigo sobre formação de professores.
O artigo analisado, publicado no ano de 2019, na edição de número três do periódico
científico Dynamis, que se encontra na categoria A2 na classificação da QualisCapes para a
área de ensino, dentro do triênio 2012-2016, tem como autores doutores da área de ensino de
física, vinculados ao Instituto Federal Catarinense (IFC) e à Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Dentro do contexto de uma tese de doutorado, o objetivo do artigo é de
apresentar dados derivados de tal trabalho, classificando explícita ou implicitamente a
presença da Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS), relacionando-a com o
Conhecimento Pedagógico de Conteúdo (PCK). Dessa forma, a fim de analisar os cursos de
licenciatura em física de Santa Catarina, a pesquisa analisa documentos legais, além de
entrevistas e questionários com docentes formadores e licenciandos de seis instituições
públicas do estado que oferecem esses cursos. Destarte, esperava-se evidenciar indicativos da
ocorrência de relações entre os conhecimentos teórico-pedagógicos na construção dos saberes
de licenciandos, com foco nas práticas e nas disciplinas pedagógicas de Física.
No decorrer do artigo, os autores não se classificam quanto ao tipo de metodologia
de pesquisa aplicada, embora deixem claro que compreendem o seu trabalho como pesquisa.
O classificam como tal e, inclusive, utilizam o termo para designar o próprio estudo de
maneira recorrente, tal como no trecho: “Podemos tecer algumas relações entre a Teoria da
Aprendizagem Significativa (TAS) e o os componentes do PCK a partir dos resultados que
65

obtivemos na pesquisa” (CLEBSH, ALVES FILHO, p. 177, 2019). O mesmo acontece


quando fazem referência à tese da qual este artigo é derivado. Contudo, não há menções
quanto ao tipo de metodologia de pesquisa. Não se faz alusão ao caráter quantitativo ou
qualitativo, ou ainda quanto à definição de uma categoria de pesquisa. Os autores não deixam
claro se entendem a própria pesquisa como estudo de caso, pesquisa-ação, estudo etnográfico,
revisão bibliográfica ou qualquer outra categoria de pesquisa interpretativa. Recorrendo à tese
a fim de identificar aprofundamentos quanto a este perfil metodológico, nada foi encontrado.
Com o auxílio da ferramenta de pesquisa de texto, não foi encontrada nenhuma menção clara
quanto ao caráter da pesquisa ao serem utilizados termos de pesquisa como: metodologia,
pesquisa, estudo, investigação, etnografia, quantitativo e qualitativo. Ainda que, como
mencionado, foram encontradas passagens nas quais os autores demonstram claramente que
entendem-se como pesquisa. Não obstante, a pesquisa constrói induções e intenta encontrar
relações entre variantes de um fenômeno, que está inserido em um sistema social complexo de
ensino, através de instrumentos típicos da pesquisa interpretativa e, para isso, coleta dados e
informações diretamente com os agentes imersos nos fenômenos estudados - docentes
formadores, licenciandos e documentos legais. Por isso, considerou-se que o trabalho faz
parte do tipo de pesquisa foco desta investigação, posto que classifica-se como pesquisa -
embora não especificamente quanto ao tipo - além de possuir caráter interpretativo de campo.
Os autores apresentam o contexto da pesquisa revelando um certo rigor
metodológico e teórico. Há, já no resumo, indícios que sugerem robustez da pesquisa, da qual
faz parte o referido artigo. A pesquisa, como apresentam os autores, manifesta tanto uma
preocupação com triangulações teóricas quanto de dados, envolvendo questionários e
entrevistas com dois grupos de sujeitos, formadores e licenciandos, mas também a análise de
documentos legais, como projetos pedagógicos e planos de ensino de disciplinas pedagógicas
de física e estágios supervisionados. No artigo, os autores fazem referências ao uso da Análise
de Conteúdo de Bardin para a elaboração das categorias de análise, juntamente com o uso de
aportes teóricos sobre saberes docentes, como por exemplo, o PCK. Sendo o objeto de estudo
da pesquisa os cursos de licenciatura em física de seis instituições públicas do estado, na
primeira etapa, realizou-se o exame de documentos legais e publicações científicas visando à
identificação de como se constituíram os currículos das licenciaturas em física em Santa
Catarina. Na segunda etapa, procederam com a análise dos projetos pedagógicos dos cursos
em vigor para os concluintes de 2016 e os planos de ensino das disciplinas pedagógicas e de
estágio supervisionado obrigatório. Finalmente, na última etapa, foram realizados
66

questionários e entrevistas com docentes formadores e licenciandos das instituições foco do


trabalho. A aprendizagem significativa não foi objeto de estudo, mas emergiu das entrevistas
com os licenciandos. É importante deixar claro que alguns desses aspectos mencionados no
resumo e introdução, como etapas importantes da pesquisa, não ganham aprofundamento no
restante do artigo aqui analisado. Embora sejam trazidos pelos autores como etapas da
pesquisa, ou como aporte teórico importante para a criação de categorias, a análise de
documentos legais e a Análise de Conteúdo, por exemplo, não foram abordadas no restante do
artigo. Assim sendo, sem o apoio da tese, partes importantes da pesquisa não são escrutinadas
no artigo.
Fazendo uma tradução em termos de valores cognitivos, os autores exibem coerência
teórica externa com outros autores e aportes teóricos, evidenciando suas associações,
convergências e divergências, ao mesmo tempo em que explicitam suas conexões com o
empreendimento da pesquisa. Os autores criaram categorias de análise com base na Análise
de Conteúdo e possuem como aporte teórico sobre saberes docentes autores como Schulman
(1986), evocando o PCK, que concebe conhecimento profissional docente composto por três
categorias: o conhecimento pedagógico de conteúdo, conhecimento de conteúdo da matéria e
o conhecimento curricular. O conhecimento de conteúdo da matéria, para Schulman, envolve
a noção, do docente, do porquê determinados assuntos são mais relevantes, enquanto outros
são secundários. Isto é, envolve o entendimento do professor a respeito dos conteúdos e da
estrutura de diferentes assuntos dentro de uma disciplina. Busca, portanto, o entendimento da
organização dos principais aspectos do conhecimento de uma área, bem como suas
ramificações, processos de formação e representações. Os autores sugerem uma aproximação
com a teoria de Ausubel neste ponto, uma vez que, dentro da TAS, há a concepção de que
parte da função do professor é identificar a estrutura de uma disciplina. Da mesma maneira,
correlacionam esta distribuição dos saberes fundamentais e secundários, unificadores e
abrangentes, visando à apuração de subsunçores para a promoção da Aprendizagem
Significativa. Os autores, portanto, estabelecem correlações e convergências entre essas
teorias.
Ainda sobre o PCK, Schulman (1986) entende o conhecimento curricular como o
conhecimento de programas e materiais instrucionais de um assunto para cada nível de
ensino. Finalmente, o conhecimento pedagógico de conteúdo (Pedagogical Content
Knowledge, PCK) é referente ao conhecimento para se ensinar um determinado assunto.
67

Envolve a transposição didática de um conteúdo, transformando e elaborando-o de tal maneira


que possibilite o ensino do mesmo.
Além do PCK e da TAS, os autores ainda exibem como referência teórica
pesquisadores como Carvalho e Gil-Perez (1992), que entendem o conhecimento sobre a
matéria, sobre aprendizagem, sobre a preparação de atividades e sobre avaliação, como
algumas das partes essenciais da formação docente. Saberes conceituais e metodológicos da
área, saberes sobre o ensino da área e saberes pedagógicos são vistos como fundamentais,
portanto, para uma “sólida formação teórica”, como afirmam os autores (CLEBSCH, ALVEZ
FILHO, 2019). Ao mesmo tempo, também se faz referência ao trabalho de Porlán Ariza e
Rivero García, que concebem como integrantes do conhecimento docente os saberes
disciplinares básicos, metadisciplinares e a experiência profissional. Neste ponto, os autores
evidenciam a aproximação dos saberes disciplinares básicos com o entendimento de saberes
teóricos de Carvalho e Gil-Perez, já que são ligados ao conhecimento curricular, ao ensino, à
aprendizagem e aos sistemas de ensino. Concomitantemente, os autores também relacionam
as concepções dos saberes metodológicos da área e o pensamento docente espontâneo de
Carvalho e Gil-Perez, com os saberes disciplinares, ligados às teorias gerais e as cosmovisões
de Porlán Ariza e Rivero García. Interessantemente, os autores também indicam um ponto de
divergência entre esses referenciais teóricos, trazendo à tona o fato de que a relevância da
experiência profissional, vista como relacionada à prática docente e como fonte
fenomenológica para Porlán Ariza e Rivero García, não possui análogo para o pensamento de
Carvalho e Gil-Perez. Os autores ainda vão além e encontram semelhanças entre Carvalho e
Gil-Perez com a concepção de Schulman. Nesta perspectiva, o conhecimento de conteúdo
desenvolvido por Schulman seria vinculado aos saberes teóricos da área do pensamento dos
brasileiros, ainda fazendo conexões com os saberes disciplinares de Porlán Ariza e Rivero
García. Da mesma forma, relacionam o conhecimento pedagógico geral (Schulman), os
saberes pedagógicos (Carvalho e Gil-Perez) e, novamente, os saberes disciplinares (Porlán
Ariza e Rivero Garcia), referentes à aprendizagem e à educação.
Ao mesmo tempo em que os autores demonstram as coerências, convergências e
complementaridades entre o aporte teórico utilizado, também evidenciam como cada um foi
utilizado em cada etapa da pesquisa. Para a análise curricular, Carvalho e Gil-Perez
embasaram a identificação da formação teórica. Para a análise das Práticas de Ensino, os
saberes fenomenológicos de Porlán Ariza e Rivero Garcia e o PCK de Schulman, que também
embasou a integração entre os saberes pedagógicos e específicos. Os autores também
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referenciam a concepção do PCK apresentada por Park e Oliver, que identificaram


componentes do PCK relativos à professores de Ciências, para a formulação das subcategorias
de análise. Nesse sentido, Park e Oliver veem o PCK como uma sucessão de aplicações,
aquisições de conhecimentos sobre um tópico, reflexão e novas aplicações. Portanto, na visão
da investigação empregada, essa concepção do PCK é integrada e relacionada com as
disciplinas pedagógicas de física que contêm Práticas de Ensino. Visto que promovem a
aquisição de saberes ligados à conhecimentos pedagógicos da área e a sua mobilização
prática. Da mesma forma o fazem, na concepção dos autores, os Estágios Supervisionados.
Na seção da Metodologia do artigo, os autores esclarecem como foram empregados e
estruturados os questionários e entrevistas da pesquisa. Fazendo uso da Análise de Conteúdo,
os autores elaboraram dimensões e categorias de análise com base em documentos legais e
nos aportes teóricos sobre saberes docentes. Na dimensão curricular, buscou-se a identificação
da distribuição dos saberes teóricos e práticos nos currículos dos cursos. A dimensão
pedagógica teve como objetivo a análise de disciplinas pedagógicas de Física. Nela, os
componentes do PCK foram utilizados para analisar a contribuição das disciplinas na sua
construção. Na dimensão prática, o objetivo foi de aprofundar aspectos relativos às disciplinas
de Estágio Supervisionado e às Práticas de Ensino como Componente Curricular, visando a
análise da utilização dos saberes teóricos construídos nos cursos de práticas de ensino. A
teoria do PCK e seus componentes foram utilizados para a construção de categorias nas
dimensões pedagógica e prática. Salienta-se que a dimensão curricular não é aprofundada
pelos autores no artigo foco deste trabalho. Embora não haja justificativa explícita para tal, o
foco nas dimensões derivadas do PCK fica evidente, visto que o objetivo do trabalho é traçar
relações entre este e a TAS. No quadro 1, os autores mostram o conhecimento pedagógico de
conteúdo como categoria de análise, sendo suas subcategorias adaptações dos componentes
do PCK de Park e Oliver (2008).
Quadro 3 – Categorias dos saberes pedagógicos de conteúdo e suas respectivas subcategorias.
Saberes Pedagógicos de Conteúdo
Subcategorias Critérios de análise
Orientações gerais com relação à instrução. Crenças sobre natureza da
Orientações para
ciência. Conhecimento sobre aprendizagem em ciências. Objetivos do
o ensino
professor com o Ensino de Física.
Conhecimentos
sobre Conhecimento sobre concepções alternativas, dificuldades de aprendizagem,
compreensão dos níveis de desenvolvimento, interesses e necessidades dos estudantes.
alunos
Conhecimento do Conhecimento de materiais para o ensino dos assuntos. Conhecimento sobre
69

o currículo de Física (conceitos fundamentais e periféricos) e currículo


Currículo
horizontal (assuntos de outras áreas).
Conhecimento das
Conhecimento de estratégias que são utilizadas no Ensino de Física, bem
estratégias
como estratégias que se aplicam ao ensino de temas específicos dentro de um
instrucionais para
domínio da Física.
o ensino
Conhecimento da Estudos relativos à avaliação da aprendizagem em Física. Também
avaliação da discussões acerca de métodos específicos para avaliação da aprendizagem em
aprendizagem Física.
Eficácia do
Crença do professor sobre sua capacidade de ensinar tópicos com êxito.
professor
Fonte: (CLEBSCH, A. B; ALVES FILHO, J. P., 2019).

Assim sendo, o questionário aplicado, utilizando uma escala do tipo Likert, foi
analisado a partir da média ponderada das afirmativas. Um questionário foi encaminhado a 44
formadores, obtendo retorno de 23 respostas e outro questionário foi enviado a 97
licenciandos, obtendo retorno de 43 respostas completas. Com isso, os autores alegam terem
obtido indicativos da articulação entre conhecimentos científicos e pedagógicos. Dessa
maneira, indicam que tanto os licenciandos quanto os formadores responderam positivamente
no que se refere a presença dos tópicos ligados às componentes do PCK nas disciplinas
pedagógicas de física. Segundo os autores, os formadores indicaram tal presença em alto grau.
As respostas dos licenciandos, contudo, avaliaram a presença com médias próximas de muito
pouco para dois componentes do PCK: conhecimentos sobre a compreensão dos alunos e
sobre a avaliação de aprendizagem. Também fazia parte do foco dos questionários uma
análise das atividades realizadas nas Práticas como Componente Curricular e nos Estágios
Supervisionados.
Com essas respostas, os autores elaboraram as entrevistas buscando confirmar os
resultados dos questionários, bem como elucidar articulações entre os saberes nas Práticas de
Ensino. Os componentes do PCK indicados com baixa presença nas respostas dos estudantes
no questionário foram objeto de questionamentos durante as entrevistas. Os resultados
trazidos pelos autores são respostas às quatro perguntas seguintes:
Quadro 4 – Questionário aplicado pelo terceiro artigo.
De que forma as disciplinas pedagógicas de Física permitem que você se informe sobre a
1
aprendizagem de Física dos alunos do Ensino Médio?
De que forma as disciplinas pedagógicas de Física permitem que você construa
2
conhecimentos sobre a avaliação da aprendizagem dos estudantes?
Comente sobre os conhecimentos e habilidades construídos no curso, que você utilizou
3
nas Práticas como Componente Curricular.
4 Comente como foi o seu Estágio Supervisionado.
Fonte: (CLEBSCH, A. B; ALVES FILHO, J. P., 2019).
70

Novamente pensando em matéria de valores cognitivos, poder-se-ia afirmar que há


uma preocupação dos autores com a fidedignidade e validade do estudo, uma vez que buscam
a confirmação dos dados obtidos por meio de um instrumento metodológico, o questionário,
através de outro, as entrevistas. Foram realizadas 23 entrevistas, sendo 11 delas com
formadores e 12 com licenciandos. Para análise das transcrições das entrevistas, os
pesquisadores utilizaram a ferramenta de pesquisa de texto de um software, com base em
algumas palavras-chave ligadas à TAS. A identificação dos entrevistados se deu através de
um código - (D/L-X-U/IF). A primeira letra (D ou L) identificou se o entrevistado era docente
formador (D) ou licenciando (L) e o número (X) a sequência de entrevistados. A última
notação identificou a instituição a qual o entrevistado pertence, sendo U relativo a
Universidade e IF a Instituto Federal. Consideraram-se como presença explícita a utilização
do termo “Aprendizagem Significativa”, bem como a presença de termos claramente ligados à
TAS, como “Ausubel”, “subsunçores” e “Moreira”. Caracterizaram-se como presença
implícita a utilização de termos indiretamente ligados à TAS, tais como: “mapas conceituais”
e “conhecimentos prévios”. É importante ressaltar que a TAS não era objeto inicial de estudo
dos pesquisadores, mas que emergiu das entrevistas com os licenciandos. Apenas a partir das
respostas dos licenciandos nas entrevistas é que os autores perceberam a possível relação
entre suas inclinações teóricas e a TAS, dentro do contexto da construção de saberes docentes
nos cursos alvo da pesquisa.
Embora valores como fidedignidade, validade e coerência tenham surgido na análise
deste trabalho, evidenciando assim preocupações teóricas e metodológicas dos autores com
tais valores que permeiam a prática científica, pode-se questionar até que ponto essas
intenções se estendem pela pesquisa explícita no artigo. Pensando em fidedignidade, não há
nenhuma menção às informações demográficas dos respondentes da pesquisa, tanto dos
questionários quanto das entrevistas. Sabe-se apenas que o universo amostral estava contido
nas instituições públicas de ensino catarinense que ofertam cursos de licenciatura em física.
Não há menção à proporção de respondentes oriundos dos institutos ou das universidades
federal ou estadual. Não há, ainda, menções a respeito de suas classes sociais, gênero, idade
ou etnia. Informações essas que são essenciais para que se possa traçar com algum grau de
precisão e fidedignidade o contexto no qual a pesquisa interpretativa de campo está inserida.
A plena descrição e entendimento do contexto é parte fundamental e indispensável de
qualquer pesquisa qualitativa que, justamente por ser interpretativa, tece conhecimentos sobre
71

uma realidade bem determinada. É função do contexto e, portanto, não generalizável, embora
possua o poder de indicar possíveis correlações para futuros estudos. É fácil notar como um
conhecimento que depende e se fecha em torno de um contexto perde valor na medida em que
se limita a compreensão desta realidade.
Além da falta de informações contextuais, pode-se ainda inquirir a representatividade
dos dados perante ao universo estudado. É questionável, levando em conta os objetivos da
pesquisa, o tamanho do universo amostral trabalhado na pesquisa. Levando em conta que são
6 instituições que formam este universo, são 12 licenciandos entrevistados, de um total de 43
respondentes dos questionários. A fim de comparação, por exemplo, para o primeiro período
de 2019, ingressaram no curso de licenciatura em Física pela UFSC aproximadamente 45
alunos. No mesmo período, 16 alunos pela UDESC e ainda 40 ingressos nas duas turmas do
IFSC, tanto no campus de Jaraguá do Sul, quanto no campus de Araranguá.
Pode-se ainda ponderar a respeito da validade das inferências trazidas pelos autores
na seção de análise e discussão dos resultados. Os autores, para esta parte da análise, trazem
uma série de trechos das narrativas dos estudantes que foram avaliados como explícitas ou
implícitas. Além das questões com relação à representatividade destes dados perante ao que o
estudo se propõe a responder, é interessante a análise das evidências implícitas trazidas pelos
autores. No quadro a seguir, produzido pelos autores do artigo, são demonstrados os
indicativos que implicaram na classificação de cada fala como explícita, ou implícita,
mencionando os termos, frequência de aparição e as disciplinas foco da pesquisa.
Quadro 5 – Presença da Aprendizagem Significativa nas licenciaturas em Física de SC.
Forma Disciplinas
Licenciand Práticas de
Indicativos de pedagógica Frequência
o ensino
presença s de Física
Mapas
conceituais,
conhecimentos
L4IF Explícita X 8
prévios, X
Aprendizagem
Significativa
Ausubel,
L5IF Explícita X X 5
subsunçores
Moreira,
Ausubel,
mapas
L6IF Explícita X - 4
conceituais,
Aprendizagem
Significativa
Mapas
L13U Implícita X X 3
conceituais
72

Aprendizagem
L15IF Explícita X X 3
Significativa
Conhecimentos
L8IF Implícita - X 2
prévios
Ausubel,
L10IF Aprendizagem Explícita X X 2
Significativa
L2IF Ausubel Explícita - X 1
Conhecimentos
L3U Implícita X -
prévios
Fonte: (CLEBSCH, A. B; ALVES FILHO, J. P., 2019).

Os autores interpretaram como presença implícita da TAS, na fala dos entrevistados,


quando houveram menções a termos indiretamente vinculados à teoria. Entretanto, em um dos
trechos apresentados como evidência, a fala do licenciando em questão não necessariamente
está ligada às concepções da teoria de Ausubel.
L3U: [...] todos os professores de todas as disciplinas pedagógicas, eles discutem
muitos aspectos interessantes. [...] Em todas as disciplinas que a gente tem. Inclusive às
vezes. Por exemplo, tô fazendo a disciplina de Evolução dos Conceitos da Física. Poderia ser
uma disciplina só de conteúdo, né? Mas a gente também discute esta questão que os alunos
têm conhecimento prévio. (CLEBSCH, ALVES FILHO, p.174, 2019).
Os autores fazem uso deste e de outro trecho, nos quais os entrevistados
indicam entender a relevância do conhecimento sobre a compreensão dos alunos, para então
relacioná-los como atributos vinculados à TAS implicitamente. Nota-se, através do quadro 2,
que foram justamente essas falas - as que remetem a conhecimentos prévios - que fizeram
com que os autores considerassem tais trechos como evidências implícitas da presença da
TAS nas concepções dos entrevistados. Todavia, conhecimentos prévios ou concepções
alternativas são campos teóricos amplamente estudados acerca da compreensão dos alunos,
inclusive a nível histórico dentro da área de pesquisa, compreendendo uma área mais
abrangente do que a TAS. Há diversos grupos de pesquisa e concepções teóricas diferentes na
área de pesquisa em ensino de física sobre a compreensão dos alunos. O trabalho de Arruda e
Villani, por exemplo, publicado em 1994, elabora uma síntese sobre o Modelo de Mudança
Conceitual (MMC). Também pode-se mencionar o trabalho de Filocre (1986), que utiliza a
teoria de Piaget como referência da “Física Intuititva”. Existe ainda o trabalho de Viennot
(1985) sobre as semelhanças dos saberes históricos e as concepções intuitivas dos alunos,
além das suas implicações para a adoção de estratégias pedagógicas. Ainda cabe mencionar os
73

trabalhos de Mortimer sobre perfis epistemológicos (1996) e mudanças conceituais (1991).


Esses são apenas alguns trabalhos acerca da compreensão dos alunos e não encerram a
vastidão de publicações e trabalhos na área. Fica evidente, portanto, que falas deste tipo
podem não estar necessariamente associadas à TAS, dado que a noção da importância dos
conhecimentos prévios dos alunos pode estar associada a outros corpos teóricos. A partir
dessa reflexão, fica evidente que, ao menos com relação a este grupo de evidências, não é
possível indicar relações entre as narrativas dos entrevistados e a TAS.
Pode-se ir adiante e, caso não se considere tais evidências implícitas como realmente
vinculadas à TAS, o universo amostral das entrevistas se torna ainda mais tímido. Seriam
apenas seis entrevistados, de um total de 12 licenciandos, que mostram, explicitamente,
conhecimentos ligados a este corpo teórico. Esse grupo amostral, em relação ao universo de
seis instituições públicas do estado de Santa Catarina, limita a representatividade da pesquisa.
Também nesse sentido, o estudante faz referência a disciplina de Evolução dos
Conceitos de Física, que não é uma disciplina foco do estudo, por não ser uma disciplina
pedagógica de física, nem Práticas de Ensino como Componente Curricular ou Estágio
Supervisionado. Devido à identificação usada pelos autores, sabe-se que o aluno responsável
por essa fala é advindo de uma universidade. Dentre as duas universidades pertencentes ao
grupo amostral do trabalho, apenas a UFSC possui tal disciplina no seu projeto pedagógico e
ela não faz parte do grupo de disciplinas das Práticas de Ensino como Componente Curricular.
A disciplina entra no projeto pedagógico como Conteúdo Curricular de Natureza Científico-
Cultural, com o objetivo de “mostrar o processo de construção e evolução do conhecimento
científico, como também, analisar a física como parte da Cultura”. (UNIVERSIDADE
FEDERAL DE SANTA CATARINA, p. 24, 2009). A disciplina é, portanto, uma disciplina
cujos objetivos são mais teóricos que teórico-práticos. Lembrando que a pesquisa procura
evidências das articulações teórico-práticas dentre as disciplinas pedagógicas e de estágio dos
cursos de licenciatura em física, mesmo considerando esta como uma menção implícita à
teoria de Ausubel, o licenciando a faz trazendo à tona uma disciplina que foge da análise da
pesquisa. Esse resultado, todavia, mostra outra fertilidade da pesquisa - o que se aprende de
conhecimentos sobre docência em disciplinas que não são necessariamente voltadas para isso?
Seguramente, questões como essa podem fundamentar pesquisas futuras para a comunidade,
evidenciando assim o caráter frutífero desta pesquisa.
Ainda vale lembrar que, inicialmente, os autores trazem um dado advindo do
questionário aplicado, onde os licenciandos indicam a baixa presença de atividades que
74

contemplam o desenvolvimento de um conhecimento da compreensão dos alunos. Esse dado é


incoerente com a proposição ou suposição de que possa existir um vínculo entre falas como
essa (do trecho da entrevista de L3U), mesmo que implicitamente, e a TAS. Incoerente, pois,
a partir da constatação dos licenciandos que existem lacunas na sua formação quanto ao
conhecimento sobre a compreensão dos alunos, os autores inferem inclinações teóricas em
direção à uma teoria específica. Supondo, desta maneira, que os estudantes reconhecem uma
teoria ligada justamente a uma área a qual identificam lacunas na sua formação. Além da
relevância dos dados utilizados para tal inferência, a própria suposição perde substância já que
é incoerente com outros dados da pesquisa. Novamente, cabe a ressalva de que tais
compreensões possam estar ligadas inclusive a outras concepções teóricas sobre a
compreensão dos alunos. Não há, com esse universo de dados, como atribuir relações de
causa e efeito entre a TAS e o PCK, já que não há consistência entre as evidências e as
inferências construídas pelos autores, pelo menos em trechos que entendem vínculos à TAS
implicitamente.
Contudo, um valor cognitivo importante emerge a partir da análise desta pesquisa: a
fertilidade da investigação. Embora não se possa inferir, com base nesses dados, a relação
implícita entre a fala dos estudantes e a TAS, a pesquisa dá indicações das inclinações
teóricas dos alunos, suportada pela análise das evidências explícitas da TAS nas entrevistas. O
questionário aplicado na pesquisa sinalizou a presença em alto grau dos componentes do PCK
nas disciplinas pedagógicas de física, dentro da visão dos formadores, ao mesmo tempo em
que os licenciandos identificaram a baixa presença de componentes ligados à compreensão
dos alunos. Logo, a pesquisa aponta na direção de relações até então despercebidas até mesmo
por esses docentes formadores. Portanto, cria subsídios e indica caminhos para possíveis
pesquisas futuras que podem formular uma compreensão mais aprofundada dessas
identificações teóricas dos docentes em formação. Pesquisas essas que podem, inclusive,
embasar futuras alterações de currículo, posto que podem indicar aspectos teóricos e
metodológicos que mais inspiram os futuros professores, além de possibilitar alterações que
sejam certeiras, no sentido de preencher as lacunas indicadas pelos licenciandos nas suas
formações. Fica evidente, desta maneira, a fertilidade deste empreendimento científico que
poderá, ainda, contribuir para a elaboração de um currículo de formação de professores
embasado em pesquisas na área de ensino de física.
75

Outro ponto a ser destacado é quanto ao outro dado proveniente do questionário.


Além do conhecimento sobre a compreensão dos alunos, o questionário apontou para uma
lacuna, identificada pelos licenciandos, no que se refere à construção de conhecimentos sobre
avaliação de aprendizagem. Este dado é pouco explorado pelo artigo. As evidências utilizadas
quanto uma possível conexão entre esta questão e a TAS se deu com base em menções sobre
mapas conceituais. As falas de dois alunos foram utilizadas como evidências. A do primeiro,
tendo este mencionado o termo “Aprendizagem Significativa”, foi apresentada como
explícita, enquanto que do segundo, foi considerada como implícita por apenas mencionar o
termo “mapa conceitual”
L13U: Vocês vão fazer uma prova, porque eu preciso que vocês façam a prova
porque é... Mas além da prova vocês vão fazer um mapa conceitual do conteúdo. Então a
gente fez. Então Física II a gente fez assim. Eu tinha um assunto, uma aula antes da prova a
gente fazia um mapa conceitual, com todos os conceitos e os ligantes. E ela falava que esse
era o método que você tinha de... falar pro aluno estudar. Pro aluno estudar o conceito pra
fazer a prova. E aí depois ela fazia prova. Eu gostava desse jeito. Eu ainda não apliquei
mapa conceitual dentro de sala de aula. Eu quero ver como é que é essa aplicação.
(CLEBSCH, ALVES FILHO, p. 175, 2019).
Vale destacar que, assim como na discussão referente aos conhecimentos prévios, os
mapas conceituais não necessariamente estão associados à TAS, apesar de que podem
realmente estar associados. A diferença entre os dois casos é que há, de fato, uma ampla
variedade de pesquisas, até mesmo com relação ao histórico de pesquisa na área, com relação
aos conhecimentos prévios. Contudo, o argumento ainda é válido: este aluno pode não
necessariamente estar referindo-se à teoria de Ausubel. Além do mais, é interessante notar que
a fala deste aluno foi assumida como evidência implícita tendo esta menção como único fator
para isso: a menção aos mapas conceituais foi o único fator decisivo para a entrada desta
narrativa para o escopo da pesquisa. Há lacuna, portanto, além de centrar-se na timidez das
evidências implícitas, centra-se no fato de que foi uma constatação advinda dos questionários,
quanto a poucas menções de atividades que promovam conhecimentos sobre avaliação de
aprendizagem, mas que pouco foi explorada pelo artigo. Embora seja uma ferramenta útil e de
potencial didático interessante, os mapas conceituais não encerram as possibilidades e
necessidades dos conhecimentos sobre avaliação pensando a nível de formação docente.
Indo mais adiante, da análise das entrevistas com os formadores, os autores alegam
não terem obtido dados. A lacuna subside no fato de que essa é a única menção do artigo aos
76

resultados dessas entrevistas que englobou um grupo amostral da mesma dimensão das
entrevistas com os licenciandos. Como os resultados de tais entrevistas não são mostrados, a
validade das conclusões construídas pelos autores deveria, em condições ideais, ser
perscrutada por instrumentos e intervenções, ou triangulações posteriores. Mesmo que a
identificação da relação da inclinação dos alunos à TAS tenha surgido depois das entrevistas,
a análise da entrevista com os formadores poderia corroborar ou contrapor a possível
correlação. Dessa forma, o artigo inadvertidamente excluiu fontes de dados essenciais para
solidificar ou nuançar suas conclusões. A discussão de dados contraditórios e inesperados é
igualmente, senão até mais importante, que a análise de dados que corroboram as expectativas
dos pesquisadores (LÜDKE, 1986). É claro que, por ser um método de construção de
conhecimento científico que é função do contexto, a análise de possíveis pontos fora da curva
ou inesperados pelos autores também é de fundamental importância para o fazer científico,
uma vez que pesquisas como essa possuem o potencial de atribuir corpo e robustez a estudos
posteriores. Desse modo, o escrutínio dos dados, aliado ao entendimento pleno do contexto e
que perpassa pelas diferentes possíveis interpretações, é parte essencial da pesquisa
interpretativa. Entendendo a ciência como prática coletiva, a partir da visão de Longino, é
essencial que a comunidade científica, uma vez percebendo lacunas deixadas por trabalhos
férteis como esse, empreenda novas pesquisas sobre o tema, preenchendo tais vácuos e
alcançando assim, novos patamares para o conhecimento científico, a partir da crítica
intersubjetiva entre pares e tendo como ponto de partida valores compartilhados pela
comunidade, levando em conta as diferentes interpretações e nuâncias axiológicas dentro de
sua diversidade.
Outro ponto a ser indagado é a respeito das triangulações teóricas e de dados
sugeridas pelo resumo e pela introdução do artigo. Não há menções na seção de metodologia,
nem na apresentação e discussão de dados, nem na conclusão, sobre as análises de
documentos legais e a utilização da Análise de Conteúdo. Embora o resumo indique que essas
análises ocorreram neste trabalho, fica evidente que são parte da pesquisa maior, da qual o
trabalho deriva, mas que não são pormenorizados no artigo como sugere o resumo. Com isso,
por não terem nenhum espaço no artigo, acabam por criar expectativas que, sem a leitura da
tese por completo, se tornam frustradas, já que não são mostradas tais triangulações. Perde-se,
dessa maneira, a precisão que se espera de um resumo de um artigo científico.
77

Pode-se ainda argumentar outro valor cognitivo atrelado a esta pesquisa: o alcance. A
pesquisa mostra como os conceitos ligados ao PCK podem ser utilizados para a avaliação e
elaboração de esclarecimentos sobre a formação e a construção de saberes docentes, até
mesmo a nível curricular. É razoável argumentar, portanto, que a pesquisa escancara
caminhos para que se possa aproximar do PCK dos professores, tendo em vista a discordância
das respostas dos questionários destes e dos licenciandos. Finalmente, esta investigação
evidencia o alcance deste construto teórico, mostrando o seu potencial para a análise de
saberes docentes e suas correlações e coerência com outras concepções teóricas. Como
argumentado no início deste capítulo, a pesquisa indica caminhos para a construção de uma
epistemologia do professor, portanto.
É notório, dessa maneira, a fertilidade e o alcance da investigação, visto que indica
uma possível inclinação teórica entre os licenciandos à TAS, a partir da análise de
componentes do PCK. Pode ser que exista, nos currículos dos cursos de licenciatura em física,
algo que inspire e atinja os estudantes em direção a este corpo teórico. Mesmo que questões
metodológicas que apoiam a validade e a fidedignidade possam ser expandidas em pesquisas
interpretativas de campo similares futuramente, nota-se que o estudo não perdeu em valores
como a fertilidade e o alcance - e esse é um dos maiores objetivos de uma pesquisa desta
natureza. Quer dizer, um dos objetivos de pesquisas interpretativas de campo como esta, é
justamente de criar subsídios ou possíveis indicativos de correlações entre fatores em um
determinado contexto. O trabalho demonstra possíveis inclinações e articulações que
perpassam os cursos, atingindo futuros professores no sentido da promoção de uma
aprendizagem significativa. Algumas perguntas são deixadas pelo trabalho e cabe a
comunidade de pesquisa em ensino de física respondê-las. Existe uma tendência no
alinhamento dos estudantes com algumas representações intuitivas? Que repercussões essas
inclinações poderiam trazer para o ensino de física e para a formulação dos currículos dos
cursos de licenciatura em física? Essa possível inclinação poderia carregar consigo algum
potencial motivador para os futuros licenciandos? Como seria possível contemplar tais
inclinações nos currículos? Será que currículos construídos em cima de questões como esta,
advindas da pesquisa científica da área de ensino de física, poderiam contribuir para
mudanças mais profundas no ensino de física propriamente dito? A pesquisa percebe a
influência de certos corpos teóricos que, possivelmente, marcam os alunos justamente onde há
lacunas nas suas formações. Pode-se criar, além disso, possíveis parâmetros para a avaliação
de cursos. O estudo é fértil, portanto, por sugerir indicações para pesquisas futuras, que
78

podem até mesmo elucidar questões para a formação dos novos currículos em licenciatura em
física, ao escancarar lacunas nos atuais, ao mesmo tempo em que indica possíveis caminhos
teóricos que chamam mais a atenção dos licenciandos. Essas questões são essenciais, uma vez
que a Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de 2019 exige uma reestruturação das
licenciaturas e que esse é um dado potencial para a elaboração desses novos projetos.
Finalmente, pode-se concluir que o artigo funciona muito bem a nível teórico. O
artigo possui preocupações acerca da coerência externa, é fértil e ainda demonstra o alcance
de construtos teóricos. Ao mesmo tempo, a nível metodológico, existem algumas lacunas que
devem ser percebidas, identificadas e preenchidas pela comunidade científica de pesquisa na
área. Mais estudos são necessários. Mas estudos que dialoguem com a pesquisa. Que
evidenciem seus pontos positivos e negativos, procurem corroborar inferências construídas,
que empreenda triangulações, ao mesmo tempo em que se proponham interpretações
diferentes, a partir de contextos diferentes.

Figura 4 – Diagrama V para a terceira análise.


79

Fonte: o autor.
80

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fim de conclusão, vale o resgate de cada estudo de caso aqui empreendido e,


finalmente, o estabelecimento do panorama geral que engloba os três. Com relação ao
primeiro artigo, Uma experiência com o projeto Manhattan no ensino fundamental (2004),
que trata de uma intervenção didática nos primeiros anos do recorte temporal do projeto de
pesquisa, ficaram evidentes alguns valores cognitivos associados, como a preocupação quanto
a reprodução e a coerência externa. Ainda há de se notar uma salutar preocupação
metodológica quanto à fidedignidade e validade das evidências e das conclusões elaboradas,
principalmente devido à tentativa de triangulação de dados e a fase piloto das entrevistas
aplicadas. No que se refere à reprodutibilidade, os autores descrevem com minúcia a
intervenção, perpassando cada etapa da implementação do módulo de ensino, denotando os
objetivos atrelados a cada uma, de maneira coerente com os aportes teóricos utilizados. Ainda
há a minúcia dos objetivos da pesquisa como um todo e quanto aos papéis desempenhados
pelos alunos. Essa mesma capacidade de ser uma aplicação passível de reprodução por pares
foi limitada, contudo, devido ao alto grau de especialização por parte da professora, neste
caso, também pesquisadora. Ao mesmo tempo, os pesquisadores justificam tal escolha em
nome de uma salutar preocupação quanto aos dados produzidos: esperava-se aspirar a
confiança no papel desempenhado pelo aplicador, com o propósito de que possíveis lacunas
no seu conhecimento, ou distanciamento dos propósitos da pesquisa, não comprometessem os
dados. Contudo, ainda é possível destacar que, apesar desta preocupação inicial, alguns
pontos não pormenorizados durante o artigo criam nuvens quanto à precisão dos dados e
inferências construídas. Pode-se apontar, por exemplo, para o descarte dos dados obtidos
relativos aos alunos que sugeriram uma não apreciação da metodologia utilizada, ao
aprofundamento dos conteúdos físicos e a minúcia das atividades que precederam o módulo.
Outro ponto importante proveniente da falta de pormenorização de alguns passos da
pesquisa é, por exemplo, quanto à descrição do contexto, à seleção dos entrevistados e suas
relações com os trechos utilizados (os trechos apresentados não fazem referência ao grupo de
entrevistados, os engajados ou não, ao qual pertenciam as respostas dos estudantes utilizadas
para cada ponto de pesquisa). Ao mesmo tempo, a proposta possui ainda certo grau de
representatividade (dos entrevistados em relação ao universo amostral, por exemplo) e conclui
com o alcance dos objetivos e expectativas iniciais quanto ao engajamento dos alunos perante
81

uma metodologia alternativa à tradicional, além da inclusão de discussões contextuais, sociais


e políticas dentro das aulas de ciências. Ainda vale o destaque de que cabe à comunidade,
tendo a percepção destas lacunas metodológicas, o interesse pela reprodução, pela
pormenorização de pontos contrários às expectativas da pesquisa, a fim de promover a salutar
crítica intersubjetiva e, portanto, a construção de um conhecimento que seja coletivo e mais
robusto.
Quanto ao segundo artigo, Experiências emocionais de estudantes de
graduação como motivação para se tornarem professores de física (2013), de período de
publicação próximo a metade do recorte temporal da pesquisa e que estuda a influência da
afetividade pela escolha profissional de licenciandos de Física, nota-se, mais uma vez, uma
robusta consistência e coerência externa. Ainda coerentemente à metodologia empregada, não
busca a generalização das induções construídas, embora não promova triangulações de fonte
de dados. Além de não minuciar os pontos contrários à pesquisa, às três ocorrências de
emoções negativas, por exemplo, diminui a força das inferências construídas, justamente por
não haver a comparação de diferentes interpretações, a possível convergência das induções
perante diferentes fontes de dados e a minúcia dos pontos fora da curva. Dessa forma, o
estudo corrobora as expectativas dos pesquisadores sem, no entanto, testar possíveis
alternativas de interpretação e o exame de dados inesperados. Contudo, mais uma vez, cabe a
ressalva de que tais lacunas também podem ser investigadas em comunidade, passando por
diferentes filtros interpretativos. A pesquisa ainda denota fertilidade uma vez que deixa várias
possíveis perguntas para pesquisas futuras: como a comunicação entre colegas e familiares
interfere na relação dos estudantes com o conhecimento? Como o desenvolvimento
psicológico das crianças de diferentes realidades, incentivos e limitações afeta essas
inclinações para a ciência?
Finalmente, quanto ao terceiro artigo, é importante o destaque de que a
pesquisa aponta para a possível relação entre certos corpos teóricos e futuros docentes. Assim,
a pesquisa se mostra fértil, uma vez que indica caminhos para pesquisas futuras que podem
contribuir, inclusive, para a formação dos novos currículos das licenciaturas, ao apontar para
possíveis inclinações teóricas em pontos onde existem lacunas na formação de professores. A
pesquisa também denota preocupações a respeito de valores como fidedignidade e validade.
Por exemplo, a pesquisa obtém indícios a partir de uma fonte de dados, o questionário, para
então corroborá-los através de outra, as entrevistas. A salutar triangulação de dados é
característica importante deste tipo de pesquisa e atribui solidez para as asserções construídas
82

pelos pesquisadores. Entretanto, a falta da descrição do contexto estudado, a dimensão do


grupo amostral selecionado e falta da descrição de pontos importantes da pesquisa, tornam-se
empecilhos para a apreciação desses valores. Ademais, pelo menos quanto às conclusões
erigidas a partir das evidências implícitas de menções à TAS, os autores acabam afastando-se
de valores como adequação empírica, visto que, justamente pela falta de pormenorização e
minúcia de alguns pontos importantes da pesquisa além do fato de que essas induções não são
coerentes com as evidências demonstradas. Finalmente, cabe novamente o destaque para a
fertilidade da pesquisa que possui o potencial de provocar alterações contundentes nos
currículos dos cursos de formação de professores de Física, especialmente se houver o
interesse da comunidade em reproduzir os dados da pesquisa, elucidando pontos que a
pesquisa deixou de minuciar. Além disso, ainda cabe o destaque quanto à coerência externa
da pesquisa que, além de elencar convergências e complementaridades entre os referenciais
teóricos utilizados, ainda evidencia o alcance de construtos teóricos no sentido de se
aproximar de uma epistemologia do professor.
Dessa maneira, pensando em um retrato geral dos três estudos de caso, é
evidente a apreciação dos pesquisadores catarinenses aqui analisados quanto à coerência com
seus referenciais teóricos. Esse valor é notavelmente relevante para os três grupos de
pesquisadores, principalmente no que se refere à construção das pesquisas, dos instrumentos
de análise e da intervenção didática. Contudo, também há de se destacar que tal amparo nos
respectivos marcos teóricos se estende de diferentes maneiras na avaliação dos produtos das
pesquisas. Enquanto alguns trabalhos resgatam os construtos teóricos apresentados
inicialmente, outros, quem sabe até mesmo devido aos obstáculos metodológicos, apresentam
incongruências ou inconsistências teóricas na avaliação das evidências construídas, com
relação aos seus referenciais. Também há de se destacar a distinção de valores como o
ineditismo, uma vez todos se propõe à aplicação, análises e proposições construídas de forma
original, embasados consistentemente em robustos construtos teóricos, é verdade. Todavia,
isso ocorre a partir de combinações que parecem objetivar o contorno de limitações teóricas,
produzindo trabalhos originais. É salutar a busca e a evidência por valores como esses, uma
vez que a coerência externa pressupõe um diálogo com uma comunidade científica.
Característica que está diretamente associada ao caráter coletivo intrínseco à ciência. Ao
mesmo tempo, trabalhos inovadores, originais e inéditos são claras marcas de trabalhos que
buscam o alcance de novos patamares em uma área científica. Trabalhos que tentam alçar
83

voos mais altos, mais ambiciosos, tendo em mente os problemas característicos da área.
Contudo, se uma área científica reside em uma série de trabalhos inéditos, se não existe o
interesse em se criticar e reproduzir propostas, corre-se o risco de se criar uma série de
trabalhos separados, limitados em suas individualidades e permeados pelo viés de seus
próprios inventores. Para Longino, a objetividade do conhecimento científico reside na
capacidade de uma comunidade plural criar condições, caminhos e espaços de crítica
intersubjetiva. Se não há reproduções em diferentes contextos, sob diferentes interpretações e
perspectivas, as pesquisas acabam por encerrar-se em si mesmas.
Além da proeminência destes valores, também há de se destacar o papel
secundário que são atribuídos a outros valores cognitivos, tais como a precisão, adequação
empírica, representatividade, fidedignidade e validade. Nos três estudos de caso aqui
empreendidos, é importante destacar que houve demonstrações de preocupações
metodológicas. A tentativa de minimização da intervenção dos pesquisadores sobre a
obtenção de dados, e ainda o empreendimento de triangulações de dados e teorias. Contudo, a
falta de pormenorização em pontos importantes da pesquisas acabam por abreviar os
potenciais dessa salutar diligência metodológica. Os três artigos manifestaram descrições
pouco profundas de seus contextos e dos sujeitos de pesquisa. Ainda houve casos em que o
universo amostral, ou mesmo a corroboração de considerações através das evidências
construídas, foram pouco representativos.
Dessa maneira, atesta-se em favor das expectativas iniciais da pesquisa, que
antecipou a prevalência de valores como a coerência e o ineditismo, deslocando para papéis
menos importantes valores como a adequação empírica, a partir das concepções de Almeida
(2012). Enfocando nestes valores mais proeminentes, é importante destacar, mais uma vez, a
prevalência destes valores especialmente em referência à construção dos instrumentos de
pesquisa, mas em menor grau durante os processos de avaliação. É claro, trata-se de valores
fluidos, isto é, partindo de uma perspectiva antropológica, estão associados à maneira com a
qual estes pesquisadores foram treinados. Trata-se da cultura da área, da tradição de pesquisa
relacionada aos participantes desta comunidade, que treina seus novos pesquisadores a partir
dos mesmos valores tácitos. Em outras palavras, refere-se a conjuntos de normas, condutas e
comportamentos esperados e associados a uma comunidade, tal qual o contrato social de
Rousseau, ou ainda o contrato didático: um contrato metodológico da área de pesquisa em
ensino de Física. Vale, desta maneira, e levando em conta que nos três trabalhos pelo menos
um dos autores teve ao mesmo um período da sua formação no Programa de Pós Graduação
84

em Educação Científica e Tecnológica (PPGCET) da UFSC, o questionamento quanto ao


treinamento metodológico de pesquisa que estão recebendo os pesquisadores da área.
Assim, conclui-se que o trabalho cumpriu seus objetivos, no sentido de
vislumbrar indicativos e possíveis características mais marcantes dos trabalhos produzidos
pela área dentro do recorte temporal. A partir de então, será empreendido uma ampla análise
qualitativa dos artigos e publicações da área na primeira quinta parte deste século, com o
objetivo final de traçar um quadro axiológico da área como um todo, pensando, além do
diagnóstico da área, implicações para o ensino de Física.
Finalmente, é importante enfatizar novamente que este trabalho não intenta, em
nenhum momento, desqualificar os estudos aqui analisados. É necessário o destaque quanto
ao profundo respeito direcionado a cada grupo de pesquisa, a cada autor das pesquisas do
escopo do estudo. Todos são pesquisadores notoriamente importantes para a área de pesquisa,
com produções significativas em volume e em qualidade, com implicações e resultados
contundentes para o ensino de Física. O objetivo nunca foi o de apontar erros e problemas das
pesquisas, mas evidenciar a necessidade de que a comunidade de pesquisa da área se
comunique, teste os conhecimentos produzidos, reproduza-os, compare-os, a fim de que se
promova, dentro do que Longino entende como boa prática científica, a crítica intersubjetiva.
Isto é, evidenciar que, para que o conhecimento científico produzido seja robusto, é preciso
que se crie condições para que críticas deste tipo, as mais importante para a filósofa seja
possível: além dos veículos de comunicação entre pares, visões diversificadas, de diferentes
contextos, analisando os fenômenos estudados, em pé de igualdade. Mais do que uma
miscelânea de pesquisas desconexas e que encerram-se em si mesmas, uma comunidade viva
e dinâmica, que analisa o fenômenos a partir de diferentes pontos de vistas, interpretações e
contextos. A adequação empírica, por exemplo, valor que permitiu muitas discussões neste
trabalho a respeito dos métodos, triangulações e validações com relação às pesquisas
analisadas, é um valor que não precisa necessariamente ser objetivado por cada pesquisa. É
preciso que exista o interesse da comunidade em reproduzir resultados, em analisar os mesmo
fenômenos colocados em diferentes contextos, sob diferentes óticas. É preciso que as
pesquisas dialoguem entre si. A crítica aqui desempenhada, como primeiro exercício de um
pesquisador em formação, é - e deveria ser - almejada e esperada por uma comunidade
científica que pretende ser robusta.
85

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