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GOIÂNIA-GO
2020
TATYANE ALVES DE ALMEIDA SALES
GOIÂNIA-GO
2020
Dedico esta dissertação às pessoas mais
importantes da minha vida, minha família. Em
especial aos meus pais, Antônio e Sandra; aos
meus irmãos, Camila e Anderson, e ao meu
esposo Glênio. Todos sempre me apoiaram na
busca dos meus ideais.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, Sandra e Antônio, pelos ensinamentos de
vida, fazendo-me orgulhosa da pessoa que me tornei. Sem vocês não seria possível a
finalização deste projeto.
Aos meus irmãos, Anderson e Camila, os quais admiro muito. Sempre apoiaram
minhas decisões e, mesmo sem perceber, me dão forças para continuar lutando pelos meus
ideais. Ao meu esposo e amigo Glênio, que, em momentos de crises e nervosismo, soube ser
paciente e compreensível.
Com muito carinho, agradeço ao meu professor e orientador Heitor, por acreditar em
mim. Além de me incentivar a participar do programa de mestrado, comprometeu-se, com
muita dedicação e competência, a me orientar nesta dissertação. Muita gratidão pela paciência
e pela compreensão, bem como pela ansiedade e pela impaciência nos momentos necessários.
Sem essas intervenções, este estudo não teria se consolidado.
Ao meu primo Chystian Jhony, inteligentíssimo. Mesmo com suas limitações sempre
conseguiu me socorrer em momentos de dificuldades na minha relação com a língua
portuguesa e as normas da ABNT.
Agradecimento especial aos meus companheiros do Esportlab (Laboratório de Estudos
dos Esportes), que, certamente, representou um divisor águas na minha formação acadêmica.
Aos professores vinculados ao Programa de mestrado Profissional em Educação Física
(PROEF), internos e externos, que contribuíram para esta pesquisa com reflexões a análises
pertinentes.
Aos sujeitos participantes deste estudo. Aos meus colegas de trabalho da Escola
Municipal Vovó Dulce, grupo ao qual me orgulho de fazer parte. E a todos aqueles que
contribuíram de forma direta ou indireta para que minha pesquisa se materializasse.
Por fim, minha gratidão a Deus e a intercessão de Maria, que me acompanham em
todos momentos da vida, concedendo-me sabedoria e discernimento em minhas ações.
A TODOS, MINHA PROFUNDA GRATIDÃO!!
Amor Pra Recomeçar
“Eu te desejo não parar tão cedo
Pois toda idade tem prazer e medo
E com os que erram feio e bastante
Que você consiga ser tolerante
Quando você ficar triste que seja por um dia
E não o ano inteiro
E que você descubra que rir é bom
Mas que rir de tudo é desespero
Desejo que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda, exista amor prá recomeçar
Prá recomeçar
Eu te desejo muitos amigos
Mas que em um você possa confiar
E que tenha até inimigos
Prá você não deixar de duvidar
Quando você ficar triste que seja por um dia
E não o ano inteiro
E que você descubra que rir é bom
Mas que rir de tudo é desespero
Desejo que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda, exista amor prá recomeçar
Prá recomeçar
Eu desejo que você ganhe dinheiro
Pois é preciso viver também
E que você diga a ele
Pelo menos uma vez
Quem é mesmo o dono de quem
Desejo que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda, exista amor prá recomeçar
Eu desejo que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda, exista amor prá recomeçar
Prá recomeçar, prá recomeçar”.
(Compositores: Mauro Santa Cecilia/Mauricio
Barros/Roberto Frejat)
RESUMO
O objetivo geral desta dissertação foi o de analisar as propostas curriculares formuladas pela
Secretaria Municipal de Educação de Senador Canedo para o componente curricular
Educação Física, no Ensino Fundamental. Por sua vez, os objetivos específicos foram:
analisar os objetivos e a organização dos conteúdos de Educação Física para o Ensino
Fundamental II em duas propostas curriculares do município de Senador Canedo e investigar
as percepções de alguns professores de Educação Físicas modulados no Ensino Fundamental
II sobre a organização dos conteúdos apresentada por essas propostas curriculares. No que diz
respeito aos procedimentos metodológicos, a pesquisa é de natureza qualitativa, tendo como
método o estudo de caso. Para coleta de dados, optou-se pela técnica da análise documental e
pela entrevista semiestruturada. Para análise dos dados, adotou-se a técnica de análise de
conteúdo. Os resultados demostraram que as proposições de conteúdos disposta na proposta
curricular da referida Secretaria de Educação foram organizadas para cumprir demanda
burocráticas exigidas pelas instâncias superiores, sem nenhuma preocupação com a realidade
das escolas do município de Senador Canedo. Por conseguinte, verifica-se um documento
com excesso de conteúdos, principalmente relacionados com o componente esportes, bem
como temas relativos à saúde; crítica essa também identificada na percepção dos professores
entrevistados. Apesar de apontarem elogios na diversificação de conteúdos presentes nas
propostas, os docentes teceram críticas contundentes com relação à disposição desses
conteúdos no decorrer do ano letivo. Diante de uma proposta com essas características, os
professores criam estratégias – cada um à sua maneira – para não trabalharem com as
proposições que não correspondem às suas concepções de Educação Física e à realidade onde
estão inseridos. Percebe-se também que, apesar da insatisfação na disposição dos conteúdos,
os professores não teceram críticas aprofundadas sobre a estruturação conceitual do
documento. O fato de o currículo funcionar como uma imposição para o cumprimento da
sequência estabelecida não parece incomodar o processo de transmissão de conhecimento.
Neste sentido, entende-se que a proposta curricular de Senador Canedo não atende de forma
satisfatória às pretensões dos professores que a põem em prática, sendo necessária uma
reformulação que de fato considere o conhecimento acerca do componente curricular, bem
como a realidade dos alunos, da escola e do município.
The general objective of this research was to analyze the curricular proposals formulated by
the Senador Canedo Municipal Education Secretariat (SEMEC) for the Physical Education
curriculum component in Elementary School. In turn, the specific objectives were: to analyze
the objectives and organization of Physical Education (PE) content for Elementary Education
II in two curricular proposals from the municipality of Senador Canedo; and to investigate the
perceptions of PE teachers modulated in Elementary School II on the organization of the
contents presented by the curricular proposals formulated by SEMEC. With regard to
methodological procedures, this research is of a qualitative nature, using the case study
method. For data collection, we opted for the technique of document analysis and semi-
structured interview. For data analysis, the content analysis technique was chosen. The results
showed that the content proposals set out in the SEMEC curriculum proposal were organized
to fulfill bureaucratic demands placed by the higher authorities without any concern or
analysis of the current situation in the reality of the schools in the municipality of Senador
Canedo. As a result of this process, it was possible to verify a document with an excess of
content, mainly related to the sports component and health-related topics, a criticism also
identified in the teachers' perception of the proposal. Despite pointing to praise for the
diversification of content present in the proposals, the teachers make strong criticisms
regarding their disposition during the school year. Faced with a proposal with these
characteristics, we identified that teachers create strategies, each in their own way, to
circumvent the propositions indicated in the proposal that did not correspond to their
conceptions of PE and the reality that they are inserted. We also realized that despite the
dissatisfaction in the content provision, teachers do not make in-depth criticisms about the
conceptual structure of the document and the fact that the curriculum functions as an
imposition of following the established sequence does not seem to disturb the process of
knowledge transmission in PE classes. In this sense, it could be seen that Senador Canedo's
curriculum proposal does not satisfactorily meet the professors' intentions that put it into
practice, requiring a reformulation that in fact considers the responsibility knowledge of the
curricular component, as well as the students' reality, school and municipality.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
1.1 Objetivo geral .................................................................................................................... 15
1.2 Objetivos específicos ......................................................................................................... 15
2 ENQUADRAMENTO TEÓRICO ..................................................................................... 16
2.1 Cultura e currículo escolar .............................................................................................. 16
2.2 O currículo da Educação Física Escolar ........................................................................ 25
2.2.1 Percurso histórico da Educação Física na escola ............................................................ 26
2.2.2 A Educação Física como componente curricular da Educação Básica ........................... 29
2.2.3 O debate contemporâneo do currículo da Educação Física Escolar ................................ 32
2.2.4 As pesquisas sobre o currículo da Educação Física Escolar ........................................... 34
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..................................................................... 43
3.1 Pesquisa qualitativa .......................................................................................................... 43
3.2 Metodologia ....................................................................................................................... 44
3.3 Técnicas e instrumentos de coleta de dados ................................................................... 46
3.4 Técnica de análise dos dados ........................................................................................... 49
3.5 Procedimento éticos .......................................................................................................... 51
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................................ 52
4.1 Os currículos de Educação Física de Senador Canedo ................................................. 52
4.1.1 A estrutura conceitual dos documentos ........................................................................... 55
4.1.2 Os objetivos da Educação Física nos documentos .......................................................... 56
4.1.3 Os conteúdos da Educação Física nos documentos ......................................................... 58
4.2 A percepção dos professores sobre os currículos da Educação Física em Senador
Canedo e seus desdobramentos na prática pedagógica ....................................................... 64
4.2.1 O perfil dos professores entrevistados ............................................................................. 64
4.2.2 Relação dos professores com a proposta ......................................................................... 65
4.2.3 Idealização de uma proposta curricular e o currículo de Senador Canedo ...................... 71
4.2.4 Interferência da organização dos conteúdos na prática pedagógica dos professores ...... 73
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 78
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 80
APÊNDICE A – Pedido de autorização para coleta de dados ............................................ 87
APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ........................................ 88
APÊNDICE C – Roteiro da Entrevista ................................................................................ 89
ANEXO A – Proposta Político-Pedagógica Curricular da Rede Municipal de Ensino de
Senador Canedo ...................................................................................................................... 90
ANEXO B – Matriz Curricular de Senador Canedo .......................................................... 98
12
1 INTRODUÇÃO
Este estudo versa sobre a organização dos conteúdos da Educação Física (EF) em
propostas curriculares para as escolas. Verifica-se que esse tema carece de investigação na
área acadêmica, a fim de enriquecer as reflexões sobre a prática pedagógica do professor. A
intenção de pesquisar a organização dos conteúdos da EF advém da falta de propostas
curriculares na área que auxiliem de forma efetiva o docente na escola.
Após alguns anos de experiência com leituras, pesquisas e análises acerca das práticas
pedagógicas, o professor depara-se com um impasse para materializar o planejamento das
aulas. Diante de uma imensidão de conhecimentos acumulados sobre as manifestações
corporais no decorrer da história, organizar os conteúdos pertinentes à EF torna-se uma tarefa
difícil. Além disso, existem poucas propostas que têm se preocupado em organizar esses
conteúdos forma coerente, considerando os atenuantes presentes na realidade escolar.
Parte-se do ponto de vista de que a diversidade de conteúdos da EF pode ser
considerada um ponto positivo, pois amplia o leque de experiências corporais dos alunos.
Contudo, a liberdade ou a falta de clareza em organizá-los pode também gerar uma confusão
no processo ensino-aprendizagem, o que dificulta a democratização da cultura corporal de
movimento no ambiente escolar.
Essas manifestações corporais – assim como em outras áreas do conhecimento escolar
– possuem uma quantidade enorme de informações e níveis de complexidade. O fato de a EF
ter uma diversidade de conteúdos e não apresentar uma organização curricular consolidada,
que oriente o planejamento do professor, interfere no processo de efetivação do ensino e da
aprendizagem na escola (IMPOLCETTO; DARIDO, 2011). Isso porque gera insegurança no
professor no momento em que esse deve eleger o que e quando ensinar determinados
conteúdos.
Apesar de não haver consenso sobre a necessidade de uma possível organização
curricular da EF, alguns autores, como Kunz (1994), salientam que a elaboração de um
programa mínimo poderia organizar a “bagunça interna” existente, causada por falta de
conteúdos definidos, em uma hierarquia de complexidade e objetivos para cada ano de ensino.
Já Daolio (2002), por exemplo, defende que os conteúdos da EF não devem ser sistematizados
nos moldes de outras disciplinas. Porém, existem indícios de que a elaboração de uma
proposta curricular com critérios definidos pode ser benéfica à legitimação e à consolidação
desse componente curricular, fato admitido pelo autor supracitado, que concorda com a
elaboração de um programa com alguns princípios preestabelecidos.
13
Ao pesquisarem sobre o assunto, Rosário et al. (2003) afirmam que as propostas não
apresentam caminhos a serem trilhados pelos professores e que esse tema expõe déficit de
pesquisas. Rosário e Darido (2005) tratam da necessidade de novos estudos científicos que
deem suporte aos professores para organizar os conteúdos durante os anos escolares; e mais,
afirmam não ser prudente que cada professor, em sua realidade, teste ano após ano novas
possibilidades de organização sem critérios definidos.
Nota-se que a falta de suporte teórico leva os professores a definirem os conteúdos das
mais variadas formas. Pesquisas realizadas com professores da Educação Básica revelam que
a seleção de conteúdos no âmbito escolar tem sido apresentada a partir da experiência dos
docentes, sem explicitar critérios de organização e princípios de sistematização, em uma
ordem lógica de diversificação e aprofundamento (ROSÁRIO; DARIDO, 2005;
IMPOLCETTO; DARIDO, 2011).
Essas e outras pesquisas demonstram que os critérios considerados pelos professores
para a seleção de conteúdos dizem respeito às experiências anteriores do docente, na
formação e no contato – quando estudante – com as práticas corporais, às condições físicas e
materiais da escola, à motivação, à adesão e à destreza motora dos alunos; ao atendimento a
programas da escola; aos jogos escolares, aos eventos esportivos intercolegiais, aos
megaeventos esportivos e às festas juninas; aos pré-requisitos de uma modalidade por nível de
dificuldade técnica; e à interdisciplinaridade (ROSÁRIO; DARIDO, 2005; IMPOLCETTO;
DARIDO, 2011; MATOS; VIEIRA; FERREIRA NETO, 2015).
Salienta-se que as incertezas e a falta de orientação na hora de planejar podem
acarretar prejuízos quanto à valorização da EF como componente curricular importante para a
formação humana. Dentre as consequências identificadas, encontram-se: predominância dos
conteúdos de esportes, principalmente dos quatro esportes mais populares no país (futebol,
voleibol, basquetebol e handebol); repetição de conteúdos com a mesma complexidade para
14
2 ENQUADRAMENTO TEÓRICO
Existe uma relação íntima e orgânica entre educação e cultura. Tomando a palavra
educação em um sentido amplo de socialização do indivíduo ou restrita ao domínio escolar,
sempre vai haver a presença de três variáveis, a saber: comunicação, transmissão de saberes e
aquisição de hábitos e valores, o que se configuram em conteúdos da educação. “Este
conteúdo que se transmite na educação é sempre alguma coisa que nos precede, nos ultrapassa
e nos institui enquanto sujeitos humanos, pode-se perfeitamente dar-lhe o nome de cultura”
(FORQUIN, 1993, p. 10).
O fato de a criança chegar ao estado de cultura é o que difere o homem do animal, e
esse processo ocorre por intermédio da educação. Diversos hábitos e valores são adquiridos
no meio familiar e social antes mesmo de o indivíduo chegar à escola. Essas interações
contribuem para a construção de identidade na formação humana das pessoas. Todavia, é na
escola que ocorre a transmissão de conhecimento de forma organizada e sistematizada
(FORQUIN, 1993).
Tendo em vista que a cultura é a referência para o que deve ser ensinado na escola,
pois “a cultura é o conteúdo substancial da educação, sua fonte e justificação última”
(FORQUIN, 1993, p. 14), pode-se afirmar que a educação não é nada sem a cultura, assim
como esta depende daquela para se perpetuar.
Para Forquin (1993), o entendimento de cultura como transmissão de conhecimento
escolar não tem relação somente com o desenvolvimento do indivíduo, mas também com a
continuidade da humanidade. É através da herança cultural passada de uma geração a outra
que as pessoas conseguem sobreviver, evoluir e dar continuidade a existência. Boscatto,
Impolcetto e Darido (2016) salientam que a escola abre as portas da vida particular, que é a
família, dando acesso a vida pública.
17
de intencionalidades sociais, políticas e ideológicas. O que difere uma de outra é que, nas
teorias pós-críticas, as relações de poder também se expressam nos pequenos contextos, sendo
necessário levantar questões sobre elementos da construção de identidade cultural dos
indivíduos, tais como: etnia, raça, gênero, entre outros (SOUZA JÚNIOR, 2007).
No âmbito das teorias críticas e pós-criticas, existem várias abordagens curriculares.
Neste estudo, a fim de subsidiar as reflexões, adota-se as abordagens que consideram esse
instrumento como produto das relações sociais. Ratificando esse pensamento, Forquin (1993,
p. 22) afirma que currículo é “um processo educacional, um conjunto contínuo de situações de
aprendizagem [...] às quais um indivíduo vê-se exposto ao longo de um dado período, no
contexto de uma instituição de educação formal”. Esse mesmo autor acrescenta que:
O currículo, em seu conteúdo e nas formas através das quais se nos apresenta e se
apresenta aos professores e alunos, é uma opção historicamente configurada, que se
sedimentou dentro de uma determinada trama cultural, política, social e escolar; está
carregado, portanto, de valores e pressupostos que é preciso decifrar. [...] o projeto
cultural de socialização que a escola tem para seus alunos não é neutra. [...] o
currículo reflete o conflito entre interesses dentro de uma sociedade e os valores
dominantes que regem os processos educativos. (SACRISTÁN, 2000, p. 17).
O currículo é uma projeção política do tipo de sujeito que se pretende formar dentro de
uma determinada sociedade. Assim sendo, percebe-se que não é possível nortear algo na
educação sem objetivos, metas e conteúdos coerentes com o posicionamento ideológico e
político adotado, aspecto esse que deve ser definido no currículo (SACRISTÁN, 2000).
Segundo Sacristán (2000), é o acesso ao conhecimento que possibilita a participação
cada vez maior de pessoas nos processos culturais e econômicos da sociedade.
mesmo do recorte cultural, deve-se estabelecer o debate sobre qual perspectiva cultural a ser
considerada no processo de formação dos indivíduos na escola.
Forquin (1993) admite duas perspectivas apresentadas por Cuche (2002) sobre a
constituição do termo cultura na sociedade: uma, universalista; e outra, relativista. Segundo
Cuche (2002), há conceitos contraditórios no pensamento sobre cultura que foram difundidos
no decorrer da história. O primeiro designa um sentido universalista de cultura da
humanidade, transmitindo a ideia de um progresso cultural do ser humano e das civilizações
como um todo, admitindo o conhecimento produzido pelas sociedades desenvolvidas como
patrimônio cultural da humanidade. O segundo diz respeito a uma visão particularista,
sinônimo de nação, acreditando que “cada povo, através de sua cultura própria, tem um
destino específico a realizar” (CUCHE, 2002, p. 27). Assim, mesmo estabelecendo
comunicação com outras nações, deve manter sua originalidade e, diante de acontecimentos
históricos, até mesmo sua superioridade.
A consolidação do entendimento de cultura com base nas visões apresentadas –
universalista e particularista – tem impacto direto nas concepções que abordam o processo de
seleção de conteúdos da cultura nas propostas curriculares da Educação Básica.
A visão relativista ou particularista de transmissão de conhecimento defende que o
currículo deve priorizar as características específicas de cada grupo ou etnia, ou seja, a
composição dos conteúdos a serem tratados na escola deve contemplar costumes, valores,
hábitos, conhecimentos e outros elementos inerentes ao grupo de determinada região. Essa
visão tem por objetivo manter os aspectos culturais específicos de cada comunidade. Para os
seus defensores, a sociedade atual é pluricultural, e a ideia de universalidade do conhecimento
impõe a supremacia das culturas mais desenvolvidas economicamente, reforçando o controle
social sobre as classes economicamente desfavorecidas.
Alguns estudiosos da cultura salientam que o conhecimento transmitido pela escola
não pode encerrar-se dentro das fronteiras de uma única realidade territorial, e nem as pessoas
que se submetem ao ensino escolar de uma comunidade podem ficar restritas aos
acontecimentos e às descobertas de sua realidade (FORQUIN, 1993; YOUNG, 2007). Assim:
Ainda de acordo com Forquin (1993), a ideia de cultura como função de transmissão
cultural da educação significa:
[...] esta última exclui todo julgamento de valor, toda apreciação e toda seleção [...] é
preciso implicar um esforço voluntário com vistas a conferir aos indivíduos (ou
ajudar o indivíduo a adquirir) as qualidades, competências, disposições, que se tem
por relativamente ou intrinsecamente desejáveis, que para isso nem todos os
componentes da cultura, no sentido sociológico, são de igual utilidade, de igual
valor. (FORQUIN, 1993, p. 12).
aprendizagens informais e ocultas; e ainda outros que não deixam marcas no tempo, pois não
resistem ao envelhecimento das gerações (FORQUIN, 1993).
Os conteúdos escolares não são a soma de tudo o que foi produzido e pensado pelos
homens desde o início dos tempos. Todavia, aquilo que se firmou ao longo de gerações deve
“aceder a uma existência pública, virtualmente comunicável e memorável, cristalizado nos
saberes cumulativos e controláveis, nos sistemas de símbolos inteligíveis, nos instrumentos
aperfeiçoáveis, nas obras admiráveis” (FORQUIN, 1993, p. 13-14). Desse modo, nem tudo o
que é produzido culturalmente deve ser tratado como conteúdo escolar, pois, além das
propostas curriculares não conseguirem incorporar uma vasta quantidade de conhecimentos,
nem todos os acontecimentos e todas as descobertas são plausíveis de serem transmitidos por
meio da escola.
Segundo a perspectiva defendida por Young (2007), as escolas podem e devem
transmitir conhecimentos que, para a maioria dos jovens ou adultos, não estariam acessíveis,
em casa, na comunidade ou no ambiente de trabalho. Neste sentido, pode-se afirmar que a
escola
[...] é um lugar específico, onde os membros das gerações jovens são reunidos [...] a
fim de adquirir sistematicamente, segundo procedimentos e modalidades fortemente
codificadas [...] disposições e competências que não são do mesmo tipo das que eles
teriam podido adquirir ao acaso das circunstâncias da vida e em função de suas
demandas espontâneas. (FORQUIN, 1993, p. 169).
abrangentes da cultura. Isso tende a tornar a ideia de cultura inconsistente, com função apenas
de transmissão.
O recorte universalista da cultura para os conteúdos tratados na escola garante a
democratização do acesso ao conhecimento, uma vez que:
O ensino pode ser direcionado a uma população de múltiplas culturas sem precisar ser,
em si mesmo, multicultural. Como mencionado, o que vai definir as intencionalidades do
currículo são as escolhas pedagógicas, que são, também, políticas. Isso significa que, se
durante as escolhas dos objetivos, métodos, procedimentos e conteúdos estiver implícita a
diversidade cultural dos grupos de alunos submetidos ao processo, rompendo com o
etnocentrismo presente nas sociedades historicamente hegemônicas, combatendo a exclusão e
a discriminação, esse currículo se apresenta como um documento que admite a pluralidade
cultural entre os educandos. Contudo, não necessariamente contempla valores e princípios
adotados por cada grupo específico (FORQUIN, 2000).
No contexto do multiculturalismo, Forquin (2000) apresenta uma nova orientação para
formular o currículo, afirmando que a escola não pode mais negar que o ensino deve ser
direcionado a um determinado grupo, em uma determinada região e época. No entanto, “não
se pode subscrever uma concepção de educação multicultural segundo a qual todos os valores
e todos os significados adotados pelos grupos culturais sejam aceitáveis somente por serem
diferentes uns dos outros” (FORQUIN, 2000, p. 62). E acrescenta: “é preciso encontrar tipos
de ‘meta-valores’, critérios de escolha verdadeiramente fundamentais, que garantam
funcionalidade, racionalidade e universalidade na formação dos indivíduos como pessoas,
como trabalhadores e como cidadãos” (FORQUIN, 2000, p. 62-63).
Dessa maneira, existem duas formas de combater o etnocentrismo por meio do
currículo. Primeira, oferecendo para cada grupo escolarização de forma separada,
recuperando, assim, expressões minoritárias e fortalecendo uma cultura hegemônica.
Segunda, favorecendo a coexistência, em uma mesma instituição, de várias culturas, criando,
dessa forma, a verdadeira escola pluricultural. Nesse contexto, devem ser considerados o
alargamento e o enriquecimento de perspectivas, sendo constante a ocorrência de conflitos e a
necessidade de mediações (FORQUIN, 2000).
25
Nos capítulos que se seguem, o percurso histórico da EF na escola será descrito, a fim
de demarcar a trajetória dessa disciplina e seu currículo no contexto escolar, bem como os
26
Para Nunes e Rúbio (2008), poucos foram os autores que tentaram projetar a história
do currículo da EF. Dessa forma, este estudo opta, inicialmente, por reportar-se aos contextos
históricos, às teorias e às abordagens pedagógicas que, de certa forma, influenciaram as
propostas curriculares da EF durante seu percurso no ambiente escolar.
Acerca dessa questão, Freitas (1995) pontua que as teorias educacionais discutem as
relações entre educação e sociedade, projetando uma concepção de educação formulada
dentro de um projeto de sociedade. Neste sentido, o currículo expressa essa concepção,
determinando ações para a sua consolidação na escola.
Para Souza Júnior (2007, p. 63), “[...] o currículo […] é uma teoria pedagógica, pois
formula orientações para o cumprimento do papel social da escola, materializando a prática
pedagógica e sendo mediado pelas metodologias específicas”. Sendo assim, a teoria
pedagógica consiste em uma opção de fonte de dados para investigações sobre o currículo.
Segundo Nunes e Rúbio (2008), o primeiro currículo da EF escolar, datado do início
do século XX, apresentava como conteúdo a ginástica. Por influência do movimento
higienista, que preconizava “hábitos de higiene e saúde valorizando o desenvolvimento do
físico e da moral, a partir dos exercícios” (DARIDO; SANCHES NETO, 2005, p. 5),
surgiram métodos sistematizados voltados para a ginástica. Os mais utilizados nas escolas
foram os métodos sueco, francês e alemão.
Associado a esse movimento, surgiu o modelo militarista, com a ideia de formar uma
geração capaz de suportar batalhas e atuar em guerras, defendendo a pátria, caso fosse
necessário. Para tanto, eram selecionados indivíduos considerados adequados fisicamente,
sendo excluídos aqueles que não atendessem a determinados padrões (SOARES et al., 2002).
De acordo com as perspectivas higienista e militarista da EF, não eram necessários
fundamentos teóricos de suporte para a execução dos exercícios, pois sua função era
essencialmente prática. Portanto, para ensinar e fazer EF, não havia necessidade do domínio
de conhecimentos; apenas executar bem a técnica (DARIDO; SANCHES NETO, 2005).
No período militar, entre 1964 e 1984, o currículo da EF passou da instrução dos
métodos ginásticos e calistênicos – com fins militares – para a associação com o esporte.
Nesse período, a EF tornou-se sinônimo de esporte. O governo usava escolas públicas e
27
recursos das atividades motoras para estimular os processos cognitivo, afetivo e psicomotor,
com vistas à aprendizagem formal, valorizando o conhecimento de aspetos da psicologia para
a formação integral do aluno. Essa concepção, apesar de extrapolar a questão biológica e
preocupando-se em incluir os conhecimentos advindos da psicologia no currículo, pouco
contribuiu com a EF no contexto escolar (DARIDO; SANCHES NETO, 2005).
No final dos anos de 1980, surgiu também a abordagem desenvolvimentista,
representada no Brasil por Tani et al. (1988). Essa abordagem baseava-se na aprendizagem
motora e o desenvolvimento motor. O objetivo era o de proporcionar aos alunos experiências
com exercícios, de acordo com o desenvolvimento biológico. Os educandos eram divididos
por faixa etária, para que adquirissem determinadas habilidade motoras (DARIDO;
RANGEL, 2005).
Conforme Darido e Rangel (2005), essas duas abordagens pedagógicas –
psicomotricidade e desenvolvimentista – continuaram dissociando os conteúdos da EF dos
acontecimentos sociais, desprezando, assim, os aspectos socioculturais no processo de
aprendizagem.
Posteriormente, vieram outras abordagens, que também influenciaram os currículos
em EF, com o objetivo de proporcionar autonomia aos alunos com relação aos conhecimentos
sobre saúde. Guedes e Guedes (1997) defendem a importância do acesso as informações sobre
conceitos e teorias sobre saúde, estimulando vivências que favoreçam a prática de atividades
físicas como escolha individual, responsabilizando o indivíduo pelo bem-estar físico. Em
outra perspectiva, baseada na concepção de saúde coletiva, Palma (2000) reforça a
necessidade da promoção de saúde, direcionando o olhar para as questões socioeconômicas da
comunidade em que o indivíduo está inserido. Essas tendências (saúde renovada e saúde
coletiva), apesar de apontarem para a construção da autonomia e acrescentarem a necessidade
de conhecimentos teóricos nas aulas de EF, foram pouco significativas no contexto curricular,
bem como para a legitimação da área, pois representaram a negação de outros conteúdos da
disciplina, além de desvalorizarem a especificidade da EF, que é o movimento.
Além dessas perspectivas, a partir da década de 1980, teóricos brasileiros começaram
a defender concepções na área da EF influenciados pelas ciências humanas, admitindo o
conceito de cultura como o centro das discussões sobre a legitimidade e a especificidade da
área. A mudança de fonte de referências – das ciências naturais, médicas e biológicas para as
ciências humanas – promoveu a reformulação das bases teóricas e metodológicas da EF,
transformando os conteúdos específicos a serem trabalhados na escola (SILVA; RUFINO;
DARIDO, 2012).
29
O primeiro documento a legislar sobre a educação nacional foi a Lei n.º 4.024/1961,
na qual estava previsto, em seu art. 22, a prática da EF nos cursos primário e médio, para
alunos de até 18 anos. Uma década depois, por meio de uma reforma da educação, essa lei foi
substituída pela Lei n.º 5.692, de 11 de agosto de 1971, em que a EF passou a ser obrigatória
em todos os níveis de ensino, sendo facultativa a alunos em algumas condições específicas,
quais sejam: trabalhassem mais de seis horas; tivessem mais de 30 anos de idade; prestassem
serviço militar; fossem fisicamente incapacitados (CORRÊA; MORO, 2004; IMPOLCETTO;
DARIDO, 2018).
Segundo Impolcetto e Darido (2018), a LDB de 1971 expressou a responsabilidade da
capacitação física conferida à disciplina, sem atrapalhar a lógica do mercado capitalista,
facultando-a a quem teoricamente já estaria vinculado a uma instituição encarregada de
preparar o corpo para determinadas funções. Nessa regulamentação a EF apareceu no texto
como mera atividade “que por seus meios, processos e técnicas, desperta, desenvolve e
aprimora forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando, constituindo um dos
fatores básicos para a conquista das finalidades da educação nacional” (BETTI, 1991, p. 104).
O termo atividade reforça o entendimento de seu caráter estritamente prático, que a diferencia
EF das outras disciplinas.
Em 1977, por meio da Lei n.º 6.503, foi acrescentada a facultatividade da EF a alunos
de pós-graduação e a mulheres com prole, evidenciando a falta de necessidade do preparo
físico diante de trabalhos intelectuais e o papel da mulher, ainda vista pela sociedade como a
responsável pela criação dos filhos (CASTELLANI FILHO, 1988).
A LDB n.º 9.394/96 garantiu o status à EF de componente curricular da Educação
Básica, integrando-a à proposta curricular pedagógica da escola, “ajustando-se às faixas
etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos” (BRASIL,
1996, s. p.). Em 2001, foi acrescentado o termo “obrigatório” depois da expressão
componente curricular, denotando a legalidade da EF na Educação Infantil, no Ensino
Fundamental e no Ensino Médio (IMPOLCETTO; DARIDO, 2018).
Para Souza Júnior (2001), a EF como componente curricular passou a ser reconhecida
como uma disciplina com conhecimentos específicos, pertinente de seleção, organização e
sistematização, capaz de oferecer reflexões sobre a cultura e a outras dimensões do
conhecimento responsáveis pela formação dos alunos.
De acordo com Corrêa e Moro (2004), a mudança na legislação, embora tenha trazido
conquistas do campo progressista, apresentou, de modo geral, contradições, especialmente em
relação ao expresso no art, 26 da LDB de 1996, quando ressalta a necessidade de uma base
31
nacional comum para o sistema de ensino escolar, admitindo uma parte diversificada
construída a partir das características regionais e locais, o que mostra certo controle da
educação pelo Estado.
O referido artigo da lei foi contemplado pelos PCNs, documento organizado com o
objetivo de nortear a construção curricular de estados e municípios, bem como projetos
curriculares das escolas, dando origem a uma referência curricular nacional. Os PCNs
propõem a organização do currículo em ciclos de aprendizagem, definindo objetivos,
conteúdos, metodologias e critérios de avaliação para todas as matérias escolares,
apresentando, também, temas transversais, envolvendo todas as disciplinas. Assim, essa
proposta é definida como “[…] aberta e flexível, a ser concretizada nas decisões regionais e
locais sobre o currículo e sobre os programas de transformação da realidade educacional
empreendidas pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores” (BRASIL,
1998, p. 50).
Apesar de haver indícios nos PCNs de rompimento com a visão de aptidão física,
existem críticas de autores da área sobre o caráter eclético das concepções de EF e suas
intenções de engessamento quanto a objetivos e conteúdos flexibilizados pela lei. Mesmo esse
documento se apresentando como uma proposta aberta e flexível, com possibilidades de
alterações e mudanças de concepções, são limitados no que diz respeito a conhecimentos
referentes à realidade.
Segundo Silva e Venâncio (2005), a autonomia concedida pela atual LDB às escolas
trouxe avanços no atendimento às demandas da realidade. Porém, em algumas instituições, o
instrumento para materializar essas mudanças, ou seja, o currículo, não tem sido empregado
adequadamente, resultando na reprodução de materiais produzidos por órgãos superiores,
compreendido, dessa forma, como demanda meramente burocrática.
Nas últimas décadas, as políticas educacionais têm impelido os municípios e estados a
construírem propostas curriculares em comum para as redes de ensino. Essas propostas,
expressas em documentos legais, são denominadas de currículo oficial. Galian (2014) afirma
que, após a criação da LDB/96 e a publicação dos PCNs, a construção de propostas
curriculares se intensificou. Nesse contexto, a EF passou a ser constituída de diversas
abordagens de ensino e propostas curriculares, demonstrando concepções diversificadas de
homem, educação e sociedade. Essas perspectivas têm coexistido no cotidiano das escolas
brasileiras.
Neste sentido, a fim de reafirmar os ideais de formação básica comum e de garantir a
igualdade social presente na CF/1988 e na LDB/96, o Conselho Nacional de Educação (CNE)
32
elaborou os DCNs para a Educação Básica, no qual está previsto, em seu art. 14, a
necessidade de construir uma base curricular comum para educação no país. Desse modo, a
BNCC consiste em um documento que traz conhecimentos produzidos culturalmente em
várias instâncias de cada disciplina escolar. Esses conhecimentos são considerados essenciais,
sendo que alunos devem ter acesso a eles durante a Educação Básica. Além disso, a BNCC
contempla o que foi denominado de parte diversificada, isto é, elementos peculiares de
diferentes contextos regionais (BOSCATTO; IMPOLCETTO; DARIDO, 2016).
Santos e Neira (2015) alegam que, apesar do progresso das teorias críticas nos
discursos da área, incluindo a discussão sobre a função social do conhecimento, suas
proposições não romperam com os projetos da modernidade de formação de sujeitos
universalizados. Em defesa das teorias pós-críticas, esses autores defendem a desconstrução
daquilo que está instaurado na sociedade atual, asseverando que as práticas corporais são
constituídas em meio às relações de poder. Essas relações não são apenas políticas e
econômicas, mas também de classe, etnia, sexualidade, gênero, religião, entre outras.
Com o objetivo de compreender as contribuições das teorias curriculares nas
produções científicas da EF, Rocha et al. (2015) revelam que existe um movimento de
superação dos trabalhos baseados no caráter técnico-prescritivo do currículo que se
fundamenta exclusivamente nos conteúdos da ginástica e esporte, distanciando das teorias
tradicionais de currículo. Esse movimento revela estudos que priorizam as teorias críticas do
currículo, com influências – de forma tímida – das teorias pós-criticas. Nesse contexto deve
ser ressaltada também a aproximação entre produções teóricas e prática pedagógica.
Conforme Souza Júnior (2007, p. 17), o currículo como elemento pedagógico procura
materializar a função escolar de “favorecer seus sujeitos numa reflexão sistemática, periódica,
paulatina e contínua acerca dos conhecimentos produzidos pela humanidade de forma a
procurar superar a aleatoriedade, o acaso, o senso comum nas aprendizagens”. Assim sendo,
ao interagir com outros elementos pedagógicos, o currículo faz uma seleção cultural,
fundamentando, assim, a cultura escolar.
Souza Júnior (2007) destaca a importância da implementação de concepções e práticas
de ensino que procurem superar as teorias tradicionais de currículo. Para o referido autor, “é
necessário superarmos, cada vez mais, os currículos prescritivos-normativos-racionalistas, e
construirmos um currículo emancipatório, que reconhece, prioriza o potencial produtor dos
sujeitos educacionais” (SOUZA JÚNIOR, 2007, p. 316). Destarte, é preciso avançar para
promover a materialização de currículos críticos na cultura escolar. Isso exige modificação de
intenção e alteração nas ações governamentais, a fim de atingir, principalmente, a prática
pedagógica dos professores em sala de aula.
Essas alterações precisam atender a demandas que ultrapassam questões
epistemológicas. Em meio às transformações sociais, ocorre um grande fluxo cultural. Esse
fluxo, ao mesmo tempo em que aproxima grupos diferentes, causa tensões entre a diversidade,
sendo necessário, assim, recursos para amenizar e impedir o caos. Isso significa que “o
currículo é pensado para garantir a organização, o controle e a eficiência social” (NUNES;
RÚBIO, 2008, p. 56). As alterações curriculares, além de tentarem atender a fatores
34
A participação dos docentes na construção das propostas curriculares tem sido cada vez mais
ampliada (GALIAN, 2014), dando origem a temas de debates no campo acadêmico.
Nos trabalhos pesquisados, ficou claro que alguns professores consideram negativa a
implantação de um currículo comum para uma rede de ensino, pois limita a autonomia do
professor e desconsidera a realidade de cada escola. E mais, há resistência dos alunos a
determinados conteúdos, falta recursos e estrutura para as escolas e não há formação
continuada para a implementação do currículo (FREITAS, 2011; CASTELLANI, 2013).
Por outro lado, existem professores que veem de forma positiva a implementação
dessas propostas (TENÓRIO, 2012), apontando como vantagens o estímulo para desenvolver
novas práticas e a diversificação de conteúdo. Para esses professores, as mudanças a partir da
implementação dessas propostas possibilitam a valorização da disciplina, com reflexos no
comportamento dos alunos (FREITAS, 2011).
Castellani (2013) procurou levantar pontos positivos e negativos sobre a proposta
curricular apresentada pela rede de ensino do Estado de São Paulo. Após entrevistar 10
professores, sendo um deles participante da construção da proposta, constatou que uma das
principais críticas sobre o processo de construção foi a falta de diálogo entre os formuladores
da proposta e os professores da rede.
Tenório et al. (2017) procuraram analisar a interação dos professores diante de uma
proposta curricular para EF, embasada na perspectiva crítico-superadora e formulada em um
contexto específico de gestão democrática participativa, no município de Camaragibe-
Pernambuco. O estudo demonstrou que, de modo geral, a percepção dos professores é a de
que as propostas curriculares servem de orientação e suporte para a organização dos
conteúdos as serem desenvolvidos na escola e que a presença desse documento pode nutrir e
legitimar a EF. No entanto, os conceitos trazidos pela proposta ainda precisam ser absorvidos
pelos docentes. O diálogo entre o que se estabelece no documento e a prática pedagógica
mostra que a apropriação dos conceitos intrínsecos da tendência crítico-superadora é
compreendida como oposta ou superficial. Mesmo diante de uma proposta inovadora,
construída com a colaboração de professores, os docentes podem seguir diversas concepções
curriculares sobre EF, podendo ser contraditórias e apresentar heranças das visões de aptidão
física e higienista.
Diferentemente do município de São Paulo, a proposta curricular do município de
Barueri-São Paulo, contou com a participação dos professores para a sua elaboração. Os
resultados demonstraram que a maioria dos professores é favorável à existência do currículo
comum, que uniformiza a prática pedagógica na rede, facilitando a mobilidade dos estudantes,
37
aumento da complexidade em diversas dimensões. Ressalta-se, todavia, que esse ideal marcha
a passos lentos na direção de uma formação básica que possibilite o desenvolvimento pleno
do indivíduo para lutar por uma sociedade igualitária.
A desvalorização da EF no ambiente escolar não se dá somente pela falta de conteúdos
adequados e organizados no decorrer do processo de escolarização, mas também pela falta de
apropriação teórica e prática dos agentes envolvidos sobre a especificidade da área. Neste
sentido, para a consolidação da EF na escola, deve-se superar as diversidades de concepções
presentes na área, procurando soluções sensatas para resolver problemas recorrentes
ocasionados pela herança histórica, dedicando esforços em encontrar elementos que as
aproximam mais do que as diferem. Entende-se que esse seria um dos caminhos para lutar
contra a necessidade inerente ao sistema educacional de controle social, a fim de encontrar um
ponto de equilíbrio e definir critérios mínimos para organização curricular, como ocorre em
outras áreas de ensino.
43
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Por exprimir a essência do objeto, que, nesse caso, se manifesta por meio das relações
sociais, esse tipo de pesquisa é bastante utilizada em investigações na área da educação, como
alternativa às pesquisas de cunho quantitativo-positivista, que vigoraram, em especial, na
década de 1970 (TRIVIÑOS, 1987).
A abordagem qualitativa permite investigar elementos particulares das relações, com
um universo de significados, aspirações, valores e atitudes, de processos e fenômenos, que
não podem ser quantificados (MINAYO, 2004). Ressalta-se que esse fato não impossibilita a
coleta de dados numéricos ou leituras mediante esses dados, a fim de desvendar a totalidade
do objeto pesquisado.
O conjunto de práticas materiais e interpretativas utilizadas pelo pesquisador é o que
confere visibilidade ao objeto, transformando-o em uma série de representações (DENZIN;
LINCOLN, 2006). Portanto, a pesquisa qualitativa não só permite, mas também solicita
interação do pesquisador com o objeto pesquisado (pessoas, fatos, locais, entre outros), pois,
para desvendar o fenômeno, o pesquisador deve interpretá-lo conforme a sua visão de homem
e de mundo, baseando-se em produções científicas preexistentes.
Diante do exposto, fica evidente que a pesquisa qualitativa contempla os objetivos
propostos por este estudo, uma vez que, somente a partir de uma análise criteriosa, é possível
compreender as nuanças presentes em um documento curricular e as percepções que os
professores formulam sobre a organização dos conteúdos nesses documentos. Esse é um tema
pouco discutido na área da EF escolar.
44
3.2 Metodologia
Este estudo tem por objetivo analisar a organização dos conteúdos para o componente
curricular EF no âmbito das propostas curriculares formuladas pela SEMEC para o Ensino
Fundamental II. Para a sua consecução, busca-se desvendar os conhecimentos e as percepções
de um grupo de professores de Educação Física inseridos nessa realidade social específica –
Secretaria Municipal de Educação (SME) de Senador Canedo – sobre a organização dos
conteúdos nesses documentos. Dessa forma, optou-se pelo método do estudo de caso,
categoria de pesquisa que se preocupa em explorar uma unidade analisada de forma
aprofundada, exprimindo a natureza e a abrangência do grupo pesquisado (TRIVIÑOS, 1987).
Segundo Yin (2005), o estudo de caso é uma investigação empírica que enfrenta uma
situação tecnicamente única, apresentando mais variáveis de interesse do que dados
propriamente ditos, confrontando um fenômeno contemporâneo com seu contexto da vida
real, principalmente quando a distância entre o fenômeno e o contexto não está bem
delineada.
O estudo de caso contribui com o conhecimento que se tem sobre vários fenômenos
individuais, de grupo, organizacionais, sociais e políticos, entre outros. Justifica-se a opção
pelo estudo de caso em função do desejo de desvendar fenômenos sociais complexos,
preservando características holísticas e significativas acerca do que ocorre na vida real (YIN,
2005).
Apesar do olhar para a unidade, o estudo de caso permite generalizações, pois “se
concentra no estudo de um caso particular, considerado representativo de um conjunto de
casos análogos, por ele significativamente representativo” (SEVERINO, 2007, p. 121).
Importa salientar que, dentre os métodos de pesquisa, esse é considerado, no âmbito
das pesquisas qualitativas, um dos mais relevantes e “exige severidade maior na objetivação,
originalidade, coerência e consistência das ideias” (TRIVIÑOS, 1987, p. 134), devido ao
envolvimento e à proximidade do pesquisador com o processo e o resultado do estudo.
Diante disso, entende-se que seja necessário situar o município de Senador Canedo, a
SEMEC, bem como a EF no contexto da educação formal do município. A região onde hoje
se encontra Senador Canedo era composta por grandes fazendas até meados das décadas de
1930 e 1940. A região era rota das grandes boiadas, que saíam do norte do estado de Goiás
para região Sudeste do país. A região possuía dois pontos de pouso dessas boiadas,
45
Bonsucesso e Bonito, na divisa com Bela Vista. À época, essas fazendas cultivavam fumo e
agricultura de subsistência, além da criação de gado (BUENO; SILVA, 2020).
Senador Canedo teve origem na década de 1930. A educação nessa época ocorria por
meios informais, de acordo com as condições financeiras das famílias, uma vez que a
atividade permanente era a agropecuária de subsistência, o que não demandava o domínio da
leitura e da escrita. Assim, o processo educacional na região se desenrolava por meio de
organizações espontâneas, financiadas por fazendeiros e pela boa vontade de educadores da
região. A primeira escola foi organizada na fazenda do Sr. Alexandre Pereira Lima. Quando
os filhos desse fazendeiro alcançaram a idade escolar, ele criou uma das primeiras escolas
multisseriadas da região, chamada de Escola Isolada Alfredo Pinto (PREFEITURA DE
SENADOR CANEDO, 2014; BUENO; SILVA, 2020).
Devido a sua localização privilegiada, na década de 1930 a região de Senador Canedo
foi contemplada com a implantação de uma estrada de ferro – Rede Ferroviária Federal S/A –,
o que mudou significativamente a estrutura do povoado. Foi montado um grande
acampamento na usina velha de cozinhar dormentes, nomeada de Esplanada, por ser um local
muito plano. À época, muitos agregados de fazendeiros se mudaram para Esplanada, o que
deu origem ao primeiro loteamento, em Vargem Bonita. A estação recebeu o nome de
Senador Canedo, em homenagem ao fazendeiro pioneiro da região, Antônio Amaro da Silva
Canedo, político importante, pois havia sido senador no período da República Velha
(BUENO; SILVA, 2020).
Em 1953, o povoado passou a ser distrito de Goiânia. Na década de 1980, com a
chegada do transporte coletivo e a implantação do Projeto Hortigranjeira, houve um grande
crescimento populacional na região, demandando infraestrutura, como a construção de
escolas. Assim, foi construído o Colégio Estadual Pedro Xavier Teixeira. Nota-se que a
infraestrutura existente não atendia às demandas da população, principalmente com relação à
falta de emprego, tornando Senador Canedo uma cidade dormitório. Com base em estudos e
mediante vontade do povo canedense, em 1988 foi assinado a Lei n.º 10.435, concedendo
emancipação política à região. A primeira eleição no município foi realizada em 1989
(BUENO; SILVA, 2020).
Com uma explosão demográfica acelerada, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), e o êxodo urbano na região, algumas empresas começaram a se deslocar
para o município. Em função de sua proximidade com a capital do estado, Goiânia, e de
outros polos econômicos, como Anápolis e Itumbiara, foi instalada na cidade, no ano de 1996,
uma subsidiária da Petrobras, a Transpetro, importante terminal de distribuição de
46
1
PHILLIPS, B. S. Pesquisa Social. Rio de Janeiro: Agir, 1974.
47
2
CELLARD, A. A análise documental. In: POUPART, J.; DESLAURIES, J. P.; GROULX, L. H.; MAYER,
R.; PIRES, A. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, RJ: Vozes,
2008.
48
roteiro de perguntas que busque explorar as impressões dos sujeitos sobre o objeto em
pesquisa.
Essa técnica é bastante privilegiada nas pesquisas qualitativas, pois, “ao mesmo tempo
que valoriza a presença do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis para que o
informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação”
(TRIVIÑOS, 1987, p. 146).
Para o desenvolvimento da entrevista para este estudo, elaborou-se um roteiro prévio
de questões, conforme Apêndice C.
A técnica utilizada para analisar os dados da pesquisa foi a análise de conteúdo. Essa
técnica consiste em um recurso empregado em pesquisas de natureza qualitativas. Segundo
Bardin3 (1979 apud MINAYO, 2004, p. 303), a análise de conteúdo pode ser definida como:
3
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1979.
50
Considerando essa perspectiva técnica, o processo de análise dos dados iniciou-se com
a pré-análise, definida por Trivinõs (1987, p. 161) como a fase de organização do material;
em seguida, foi feita a descrição analítica, isto é, o material foi “submetido a um estudo
aprofundado, orientando este, a princípio, pelas hipóteses e pelo referenciais teórico”. Importa
ressaltar que a análise preliminar
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
sobre a organização dos conteúdos de EF para a II fase, contemplando a páginas 427 a 443 do
documento (Anexo A).
A Diretora de Ensino, Cláudia Lúcia de Alcãntara, relatou que existe um documento
em construção para substituir essa proposta. Todavia, foi finalizada somente a parte de
organização dos conteúdos curriculares, construída pelos coordenadores de áreas, orientados
pelas novas demandas da BNCC. Os dois documentos não se encontram publicados em
nenhum meio de comunicação, mas são disponibilizados no início de cada ano letivo a
coordenadores, professores e interessados, quando solicitados, e para os gestores e
coordenadores da SEMEC, via e-mail. No período da pandemia, os documentos foram
disponibilizados na plataforma utilizada para as aulas a distância.
Portanto, existem dois documentos curriculares em vigência na rede de ensino: a
Proposta Político-Pedagógica Curricular da Rede Municipal de Ensino de Senador Canedo
(2014), com fundamentação teórica, metas, diretrizes pedagógicas e organização dos
conteúdos das disciplinas curriculares para a educação do município; e um documento de
organização curricular, formulado em 2018, elaborado para se ajustar às demandas da BNCC.
Esse último deve compor a nova proposta do município. Importa mencionar que as alterações
na matriz curricular em 2019 possuem autorização legal. Essas alterações foram aprovadas
pelo CME através do Ofício GAB n.º 186/2019. E ainda, em 2019 foi o ano de
implementação da BNCC, sendo deliberada, portanto, a sua execução. O referido documento
é composto de 50 páginas.
O primeiro documento curricular para o componente EF na rede de Ensino de Senador
Canedo foi elaborado e publicado em 2014; o segundo, em 2018. Com dito anteriormente, sua
implementação nas escolas do município foi determinada em 2019, cumprindo as demandas
de adequação sugeridas pela BNCC, com base em sua última versão, de 2017.
Além do que foi relatado, a necessidade de analisar os dois documentos curriculares se
deu pelo fato de ser recente a transição da proposta de 2014 para a de 2019 e da pesquisa ter
sido realizada durante o processo de transição das propostas de organização curricular para os
componentes curriculares.
Após uma análise minuciosa e a identificação dos temas recorrentes presentes nos
documentos, foi realizado o cruzamento dos dados obtidos em diferentes seções, o que
permitiu chegar a três categorias de significados, quais sejam: a estrutura conceitual dos
documentos; os objetivos para a Educação Física; e os conteúdos para a Educação Física. Os
Quadros 1 e 2 mostram as subcategorias e os códigos referentes ao primeiro e ao segundo
documento curricular de Senador Canedo.
54
Quadro 2 – Categorias obtidas na análise do documento 2019 da SME de Senador Canedo (2014)
Categorias Subcategorias Códigos
• Confusão conceitual. • Confusão conceitual com relação aos
Estrutura conceitual
temas sobre saúde.
• EF como transmissão • Cultura corporal de movimento.
da cultura corporal de • Diversidade cultural.
movimento. • Acesso ao conhecimento e mundo do
Objetivos para a EF • Leitura crítica sobre trabalho.
os temas da saúde.
• Formação para
cidadania.
• Conhecimentos sobre • Referência de conteúdos conceituais
saúde. relacionados a saúde.
• Predominância do • Jogos para reforçar o processo de
conteúdo esporte. estimulação cognitiva.
• Tentativa de • Excesso de conteúdos.
Conteúdos para a diversificação de • Jogos como estratégia de ensino dos
EF conteúdos. esportes (metodologia) 6º e 7º ano.
1º temas sobre saúde, esporte;
2º dança, esporte;
3º ginástica, esporte;
4º Lutas, PCA e esporte.
• Classificação dos esportes.
Fonte: Adaptado de Prefeitura de Senador Canedo (2014).
55
sugeridas pela BNCC. O documento foi organizado em sete seções, quais sejam: (1)
competências para EF no ensino fundamental; (2) habilidades 6º/7º; (3) eixo
desenvolvido/unidade temática; (4) objetos de conhecimentos/conteúdos; (5)
habilidades/expectativas/possibilidades desenvolvidas; (6) possibilidades de conteúdos
interdisciplinares; e (7) habilidades 8º/9º.
Na seção (5) habilidades/expectativas/possibilidades desenvolvidas, verificou-se que
as habilidades das seções (2) habilidades 6°/7° e (7) habilidades 8º/9º – em que foram
distribuídas por bimestres e conteúdos – repetiram-se em todas as turmas. Mesmo o
documento apresentando as mesmas habilidades para 6º, 7º, 8º e 9º anos, os conteúdos e as
habilidades dessas turmas são apresentados em quadros separados e organizados por
bimestres, com diferenciação apenas na descrição dos temas sobre saúde.
Assim como no primeiro documento, os temas sobre saúde foram mantidos de uma
forma mais detalhada como eixos em todos os bimestres, tanto na coluna da seção (3) eixos
desenvolvidos quanto na seção de (6) possibilidades de conteúdos, o que denota a mesma
confusão conceitual entre eixos e conteúdos da EF.
Na seção (1) competências para EF no Ensino Fundamental, observa-se a transcrição
do texto original da BNCC. As habilidades propostas para EF também foram retiradas na
íntegra do documento. Porém, ao final do texto, foram criadas habilidades específicas para o
município. Embora não demonstrem objetivos e características da realidade específica da
região, consistem em avanço em relação ao documento anterior, apresentando
intencionalidades compatíveis com a BNCC.
A partir da análise do segundo documento, foi possível constatar que esse material
parece uma tentativa de adequação colocada por demandas burocráticas para as redes
municipais com vistas ao atendimento à BNCC. Apesar das consideráveis alterações em sua
estrutura e na concepção de EF, pouco avançou em termos de proposta curricular com
fundamentos autênticos, preocupando-se em contemplar especificidades da realidade escolar
do município.
Com base na análise das três primeiras seções do primeiro documento (habilidades
gerais, objetivos e expectativas de aprendizagem), depreende-se, primeiramente, o foco nos
objetivos propostos para EF. Fica evidente na proposta a promoção da saúde, a formação em
valores e alguns elementos do lazer, como observado no seguinte trecho do documento, na
57
seção habilidades gerias para EF (1): “[…] sendo esta um instrumento para promover a saúde,
utilizar criatividade, o tempo de lazer, expressar afetos e sentimentos em diversos contextos
de convivência” (PREFEITURA DE SENADOR CANEDO, 2014, p. 427). Do ponto de vista
da saúde, prevalece o uso de termos e expressões, tais como: “promover a saúde onde os
alunos possam ser capazes de escolher melhor uma prática de atividade física” e a
“valorização de hábitos para melhor qualidade de vida” (PREFEITURA DE SENADOR
CANEDO, 2014, p. 427).
Com relação à formação em valores, ficou explícita a ênfase em valores pessoais e
coletivos para inserção social, tais como: “expressão de sentimentos, ajustar relações afetivas,
reconhecer e respeitar características próprias e dos outros através de vivencias práticas dos
conteúdos de EF” (PREFEITURA DE SENADOR CANEDO, 2014, p. 427). Nesse contexto,
estimula-se a participação em atividades onde se espera que o aluno aprenda a ser solidário e
repudie qualquer forma de violência.
Sobre as intenções pertinentes ao lazer, ressalta-se a importância de o aluno saber
como utilizar seu tempo de lazer e reivindicar espaços para isso; porém não há um esforço de
detalhamento dessa perspectiva.
Ainda com relação aos objetivos, um olhar cuidadoso sobre as expectativas de
aprendizagem, permite identificar a preocupação com o desenvolvimento cognitivo dos
estudantes, especialmente a estimulação das habilidades de leitura, escrita e interpretação de
textos. O documento reforça, em várias partes, a necessidade de “refletir e registrar os
conhecimentos aprendidos através da oralidade, textos escritos e áudio visual”
(PREFEITURA DE SENADOR CANEDO, 2014, p. 427), estando essa necessidade voltada
para todas as turmas, e presente em todos os conteúdos e temas apresentados.
No que se refere ao segundo documento, com base na análise das seções (1), (2) e (3),
é possível observar mudanças nos objetivos da EF. Nota-se uma tentativa de manter os
pressupostos do documento anterior e, ao mesmo tempo, obedecer ao que está preestabelecido
na proposta da BNCC para o componente curricular EF. Desse modo, pode-se afirmar que,
quando há no documento a cópia das habilidades da BNCC para a EF, criam-se habilidades
específicas para Senador Canedo, transcrevendo o que estava estabelecido como habilidades
gerais no documento de 2014.
Com base nas seções competências específicas para a EF e descrição das habilidades
para o 6º, 7º, 8º e 9º, foi possível identificar objetivos que ampliam o entendimento da EF. A
primeira evidência, demonstrada de forma explícita no documento, é a EF como transmissão
da cultura corporal de movimento e a aprendizagem das práticas corporais. Houve, portanto,
58
Outro elemento que se mostrou consistente no cruzamento dos dados foi o conteúdo.
Os conteúdos foram descritos em dois quadros do primeiro documento (eixos temáticos e
conteúdo), presentes nas duas últimas seções de forma inter-relacionadas. Em alguns
momentos, o quadro de eixos temáticos apresenta conteúdos da EF; em outros, temas sobre a
EF. O quadro do tema (4) eixos temáticos do documento demonstra inter-relação com o
quadro de tema (5) conteúdos, o que parece explicar, especificar ou apresentar soluções
metodológicas para o exposto no quadro de eixos temáticos.
Percebe-se, na descrição dos conteúdos da II fase, no documento de 2014, uma ênfase
em elementos conceituais de temas relacionados com a saúde e o esporte. Os temas mais
recorrentes que tratam da saúde são: alimentação saudável, prevenção e reabilitação de
doenças, importância da prática de exercícios físicos, atividade física e seus benefícios. É
importante ressaltar que, quando observados os conteúdos da EF como objeto de
aprendizagem, o esporte é predominante em todas as turmas. Existem referências a outros
59
conteúdos, como danças, jogos, ginástica e lutas, mas prevalece a descrição do conteúdo
esporte nos aspectos conceituais e procedimentais.
O Quadro 3 mostra a distribuição dos conteúdos apresentados nas seções dos eixos
temáticos e conteúdos. Nesse quadro é possível identificar os conteúdos recomendados em
cada bimestre.
Os jogos aparecem com maior frequência nos eixos temáticos e nos conteúdos.
Todavia, na maioria das vezes, não aparece como objeto de aprendizagem, e sim como
suporte para o ensino dos esportes, como estratégia de ensino para desenvolver a formação em
valores e como reforço para a estimulação cognitiva.
O 1º bimestre traz como tema geral os conhecimentos sobre saúde em todas as turmas.
Apenas no 6º ano, no quadro de eixos temáticos, é indicado jogos de expressão corporal no 1º
bimestre, e jogos populares, no 2º bimestre. No 7º ano, por sua vez, aparece o conteúdo jogos
coletivos tradicionais. Ressalta-se que, no 1º bimestre do 8º ano, aparece o conteúdo ginástica,
a fim de desenvolver o tema saúde; e, no 9º ano, não aparece indicações de conteúdos para
serem desenvolvidos, somente o tema saúde.
O conteúdo danças aparece de forma recorrente no 2º bimestre das turmas do 7º, 8º e
9º anos, com exceção apenas do 6º ano, onde prevalece jogos como tema central para
desenvolvimento cognitivo e suporte para o desenvolvimento do esporte. Temas relacionados
com os aspectos culturais aparecem quando indicado o conteúdo danças, sugerindo termos e
expressões como: “dança como cultura corporal”, “danças de origem indígena, regionais,
tradicionais, urbanas”, entre outros.
A partir do 3º bimestre, o conteúdo esporte coletivo se faz presente em todas as
turmas. Apenas no 6º ano é que aparecem os jogos pré-desportivos no quadro de eixos
temáticos, sendo especificados no quadro de conteúdos para quais esportes os jogos devem
ser direcionados. Além dos esportes coletivos tradicionais (futebol, futsal, basquete, handebol
60
e vôlei), indicados em vários bimestres, com a presença de até três esportes coletivos em um
só bimestre para cada turma, o atletismo também é citado como conteúdo do 6º e 9º anos.
Como eixo temático, o conteúdo ginástica foi citado apenas uma vez em um bimestre
para a turma de 8º ano, sendo apresentados os elementos que devem ser desenvolvidos nas
aulas, tais como: alongamento, relaxamento, exercícios localizados (com e sem materiais) e
caminhada. O conteúdo lutas é especificado como capoeira e aparece apenas em um bimestre
para a turma de 9º ano.
A recorrência da expressão “temas transversais à EF” no quadro de eixos temáticos diz
respeito a conhecimentos relacionados com a saúde, o conhecimento sobre o corpo, os
sistemas esquelético e muscular, os planos, eixos e segmentos, entre outros. Mesmo alguns
temas sobre saúde fazerem-se presentes no quadro de eixos temáticos anteriores, a ideia é
reforçada em outros eixos de bimestres diferentes.
Quando a expressão “atividades recreativas” é citada nos eixos temáticos, a
especificação, no quadro de conteúdo, traz sempre as mesmas sugestões: festivais, jogos e
gincanas. Essa recorrência aponta para a formação de valores mediante atividades recreativas,
priorizando momentos de socialização. Todavia, não demonstra evidências de
desenvolvimento por meio de atividades pedagógicas, de modo que exija do aluno jogar ou
realizar algum tipo de movimento de maneira sistematizada.
Diante disso, é possível extrair algumas conclusões: falta de preocupação em organizar
e definir conceitos imprescindíveis para o direcionamento da prática pedagógica do professor;
objetivos da EF centrados no desenvolvimento cognitivo; promoção da saúde; construção de
valores; organização de conteúdos com ênfase em temas relacionados com a saúde; e
desequilíbrio na distribuição dos conteúdos, com a predominância de esportes tradicionais.
A partir dessas constatações, infere-se que as concepções que influenciaram a
organização desse documento estão pautam-se em concepções tradicionais da EF, como
esportistas, saúde renovada e até mesmo a psicomotricidade. Nesse bojo, o documento da
Prefeitura de Senador Canedo (2014) assemelha-se mais a uma colcha de retalhos, sendo
criado para cumprir determinações burocráticas, sem nenhuma pretensão de adequar-se à
realidade dos alunos do município e contribuir com o trabalho dos docentes da área na escola.
Acerca do segundo documento da Prefeitura de Senador Canedo (2019), nota-se que o
conteúdo esportes está presente em todas as turmas e em todos os bimestres, assim como os
temas vinculados à saúde, com exceção do 1º bimestre do 6º ano, sendo esse tema substituído
por história da EF, como mostra o Quadro 4:
61
Ao final de cada quadro relativo aos bimestres, tem-se uma linha denominada
possibilidades de conteúdos interdisciplinares, onde são apresentados os componentes
curriculares e as possibilidades de conhecimentos que podem ser desenvolvidos em conjuntos
entre esses componentes.
De forma geral, o segundo documento evidenciou melhor organização e diversificação
(quantidade) entre os conteúdos danças, ginástica e lutas em relação ao primeiro documento,
acrescentando o conteúdo inédito de práticas corporais de aventura. Por outro lado, houve um
aumento da recorrência do conteúdo esportes e temas relacionados com a saúde no decorrer
dos bimestres, o que deu origem a um currículo mais inchado, com possibilidades mínimas de
ser cumprido no decorrer do ano letivo.
Diante do exposto, o documento de 2019 aparenta ser mais uma necessidade em
cumprir demandas burocráticas de adequação à BNCC do que reparar problemas identificados
no documento anterior. De fato, apresentou uma melhor estruturação e trouxe mudanças nas
63
concepções de EF, que se aproximam das perspectivas críticas da EF. Segundo Nunes e Rúbio
(2008), as perspectivas críticas estabelecem como fundamental a democratização da gestão do
patrimônio cultural através do acesso a manifestações da cultura corporal e aos problemas
sociopolíticos que a envolvem.
No entanto, a mudança de perspectiva parece não ocorrer de forma intencional. Nota-
se uma dificuldade em abandonar totalmente os princípios tradicionais do currículo em EF –
esportivista e de promoção da saúde – e, ao mesmo tempo, não demonstra esforços em
considerar especificidades da realidade escolar do município, com vistas a auxiliar o trabalho
docente. Esses problemas também foram identificados na análise do documento de 2014.
Neste sentido, infere-se que os esforços dedicados na reformulação dessa proposta
ocorreram apenas para atender a demandas das políticas educacionais vigentes, o que
representa uma compreensão limitada do que vem a ser uma proposta curricular e o seu papel
no contexto educacional. Salienta-se que essa formulação de currículo pode acarretar
prejuízos no âmbito da democratização dos componentes da cultura corporal de movimento,
sendo essa a especificidade da EF Escolar.
Compreendendo o currículo como ferramenta pedagógica, pode-se afirmar que o
documento da SEMEC vai na contramão do que se tem encontrado sobre propostas
curriculares construídas para redes de ensino que apresentam um movimento de superação do
caráter técnico-prescritivo do currículo, distanciando-se das teorias tradicionais da EF
(ROCHA et al., 2015).
Após o término da análise dos documentos, a pesquisadora foi a campo para verificar
a percepção dos agentes que desenvolvem e materializam essa proposta na realidade escolar
do município, bem como identificar concepções de organização de conteúdos que estão
presentes na prática pedagógica dos professores que atuam na rede de ensino de Senador
Canedo.
64
Os dados levantados mostram que o grupo é homogêneo no que tange à época em que
os profissionais se formaram, ao tempo de docência e à atuação na rede educacional do
município. São apenas 3 anos de diferença com relação à conclusão da graduação; 2 anos, à
experiência docente; apenas um professor atua há mais de 6 anos no município. Até o ano de
2014, não havia professores contratados com licenciatura em Educação Física para ministrar
65
Eu aprovo ela. Avalio como boa nesse ponto de influenciar que o professor trabalhe
outras qualidades e avalio negativamente porque, como ela traz algumas dessas
propostas que não são conhecidas ainda, que muitos alunos realmente nunca viram,
deixa a desejar na questão de materiais. (PROFESSOR 2).
[...] ela dinamiza todos os conteúdos da Educação Física, todas as partes temáticas
que nós devemos assim desenvolver com os estudantes [...] em relação àquela
perspectiva antiga tradicional de conteúdos da Educação Física, é uma forma até
boa, né? Regular e dinâmica, assim para ‘gente’ tá mostrando e trabalhando os
conteúdos com os meninos. (PROFESSOR 6).
66
[...] ela não está muito inserida na realidade porque tem partes da proposta que ela
pede para você trabalhar três esportes em um único bimestre, por exemplo, e então
fica complicado e acaba que a gente tem que escolhendo os conteúdos de acordo
com a realidade e materiais que a gente tem disponível , com a estrutura da escola e
com o tempo [...]. (PROFESSOR 3).
[...] tendo uma proposta curricular que seja trabalhada bimestralmente, eu não vejo
como interessante, porque, se eu tivesse essa possibilidade de fazer os meus ajustes
na proposta, seria muito mais interessante para mim desenvolver o mesmo conteúdo
lá do primeiro ao nono ano, por exemplo [...]. Lógico, né? Analisando a
especificidade da turma, a questão da logística da escola de materiais e etc.
(PROFESSOR 6).
[...] com essa reformulação, essa última que teve com a BNCC, deu uma melhorada
em relação à organização, só que deixa muito a desejar quando o assunto é a
realidade e a distribuição desse conteúdo durante o ano [...] porque tem partes da
proposta que ela pede para você trabalhar três esportes em um único bimestre, por
exemplo, e então fica complicado. (PROFESSOR 3).
Propostas que não são conhecidas ainda, que muitos alunos realmente nunca viram,
deixa a desejar na questão de materiais. Aí sim, dificulta para a gente não ter esse
tanto de materiais para trabalhar tanto esporte. Acaba que nós trabalhamos
superficialmente esses esportes complexos e voltamos a trabalhar os esportes de
casa. Vamos dizer assim que são os nossos ali do dia a dia. (PROFESSOR 2).
Esses relatos remetem à discussão sobre até que ponto a proposta não se alia à
realidade da estrutura física e material das escolas ou à concepção dos professores, pois
68
somente alguns conteúdos são possíveis de serem contemplados integralmente nas aulas de
EF, principalmente os não tradicionais.
Contribuindo com essa discussão, Godoi e Borges (2019) defendem que oportunidades
de formação continuada para os professores podem favorecer a implementação de uma
proposta curricular inovadora de forma mais satisfatória. Neste sentido, os professores
entrevistados disseram que a gestão atual vem promovendo formações sobre conteúdos
considerados novos, tais como danças juninas, badminton, entre outros.
Com relação aos problemas levantados, os professores deram algumas sugestões,
como: diminuição de conteúdos, principalmente o de esportes; e organização de conteúdos
que se aproximem mais da realidade dos alunos, da escola e do município, para que os
professores tenham condições mínimas de cumprir o estabelecido no documento.
Para o professor (5), “[...] o principal é dar uma diminuída na quantidade de conteúdos
por bimestre, para nós podermos conseguir… ter uma unidade em todo município”. Ainda
nesse contexto, o professor (3) revelou sentimento de frustração diante de um currículo com
condições nulas de ser implementado de forma completa:
[...] eu acredito que pode ser retirado alguns conteúdos no sentido de tentar
contemplar fazer um currículo… não muito extenso, mas também que contemple
grande parte do conteúdo, mas de uma forma mais enxuta e também com a carga-
horária que a gente tem. [...] para tirar aquela sensação que faltou muita coisa para
ser trabalhada, que parece que não consegui contemplar o conteúdo, o currículo,
nem 50%. Acho que é isso. (PROFESSOR 3).
Ainda sobre essa questão, o professor 4 levantou outra problemática, defendendo que,
mesmo a proposta sugerindo muitos conteúdos por bimestres, seria possível implementá-la
minimamente caso fosse admitido maior flexibilização ou opções no sistema de lançamento
de conteúdos, o Gestor de Municípios (GEMUL). Assim, o docente poderia inserir as
modificações que consideram necessárias em sua realidade.
[...] porque, às vezes, assim, você fica muito engessado no GEMUL. Ele é como se
fosse uma camisa de força. Às vezes, assim, eu quero dar algo que lá no GEMUL, lá
naquelas habilidades, não tem, sabe? Aí você tem que ficar achando habilidades para
você se aproximar do que é que você está dando. (PROFESSOR 4).
[...] pelo menos, ao meu ver, me ajuda muito a ter um direcionamento, no que... ela
pode me ajudar a trabalhar durante aquele período ali e inovar, criar outras coisas,
trabalhar com outros esportes, criar outras visões de atividades, de exercícios físicos
para as crianças. (PROFESSOR 2).
O professor (5) disse: “Então, acho que a proposta ela vem realmente para auxiliar o
professor e dá um norte para ele saber o que é que tem que trabalhar de acordo com o que o
pessoal do município. Acho que é mais interessante aí para nossa população”.
70
[...] 13 professores argumentam que a adoção do currículo comum pode dar unidade
à prática pedagógica na rede de ensino. [...] afirmam que é importante padronizar os
conteúdos a serem ensinados durantes aulas, facilitando a mobilidade dos estudantes
dentro da rede.
críticas. O fato de a proposta curricular funcionar mais como mecanismo de controle do que
realmente como suporte para o trabalho pedagógico parece não os incomodar. Essa
constatação denota que os docentes enxergam a proposta curricular como algo que aponta
quais conteúdos devem ser desenvolvidos em um determinado momento, conforme a série, o
ano ou o agrupamento. Desse modo, não evidenciam preocupação com as intencionalidades
implícitas na organização dos conteúdos no documento curricular.
[...] acredito que deve ter as diretrizes, e a linha de ensino utilizado pelo município,
os conteúdos, o objetivo da aplicação dos conteúdos, a distribuição deles, de acordo
com o ensino e a interdisciplinaridade [...] tem que ser levado em consideração a
carga-horária da disciplina, o calendário escolar também, a realidade dos alunos e
também da estrutura, as condições da prefeitura [...]. (PROFESSOR 3).
Além desses elementos, os professores (3) e (6) salientaram que a organização dos
conteúdos deve considerar a realidade da população do município e das escolas,
interdisciplinar e multidisciplinarmente. O professor (3) afirmou que “[...] tem de ser levado
em consideração a interdisciplinaridade ou a multidisciplinaridade, a metodologia de ensino
[...]”. O professor (6) disse que: “[...] além da questão da interdisciplinaridade, que eu acho
importantíssimo, relacionar a Educação Física aos demais componentes curriculares, que para
mim é essencial no meu trabalho”.
Sobre o equilíbrio entre os temas da cultura corporal, os professores sugeriram maior
espaço na proposta de conteúdos, como lutas, ginástica e dança, tanto de de forma geral
quanto regionais, principalmente com incentivo de formação continuada. Os docentes
73
continuaram insistindo na crítica aos conteúdos fora da realidade cultural dos alunos: “[...] a
gente podia aprofundar um pouco mais questões da ginástica e da dança” (PROFESSOR 1).
Deveria ter uma reorganização dos conteúdos em si, reorganização dos conteúdos
seria mais interessante [...]. Tipo, a questão dos quatro esportes, por exemplo, e
organizar, ao invés de quatro no ano, colocar só no máximo dois ou três, dá uma
ênfase maior no trabalho com dança e ginástica. (PROFESSOR 6).
[...] Algumas danças que eles colocaram são bacanas. Mas, outras não fazem parte
da realidade da criançada. Então, precisa ser trabalhado os dois lados. Coisas novas
e coisas da realidade deles. [...]. A própria quadrilha não apareceu nem como brecha.
(PROFESSOR 2).
Eu vejo que eles colocaram lutas somente no oitavo e nono ano. E Lutas é um
conteúdo importantíssimo para todas as séries. Desde o primeiro ano [...]. Não teve
predominação de lutas, danças, essas coisas; nem apareceu em alguns casos.
(PROFESSOR 2).
pode provocar o que Freire, Marani e Sanches Neto (2017) encontraram em pesquisa
realizada: os professores registram conteúdos que não foram desenvolvidos ou deixam de
registrar o que realmente foi desenvolvido nas aulas.
Essa conduta não contribui como o processo ensino-aprendizagem, pois instrumentos
de controle, como avalição de larga escala, sistemas padronizados de diários, preenchimento
de planilhas, entre outros, não garantem a adesão de princípios norteadores de uma proposta
curricular. Além disso, geram prejuízos para o aprendizado dos educandos (FREIRE;
MARANI; SANCHES NETO, 2017).
Quando comparadas as falas dos professores e a disposição dos conteúdos nos
documentos, ficam evidentes alterações de sequências, substituições e omissões de alguns
conteúdos durante todo ano letivo, como mostram os seguintes relatos: “[...] eu faço vôlei e,
deixa eu pensar, história da EF; no 7º ano, é vôlei e EF e atividade física; no 8º ano, é vôlei e
outra coisa; no 9º ano, vôlei e outra coisa” (PROFESSOR 5). Em nenhum momento, na
disposição dos conteúdos no documento, é dada a possibilidade de desenvolver o mesmo
conteúdo esportivo em todas as turmas.
Verifica-se que o professor desenvolve o conteúdo de acordo com suas concepções,
combinando uma prática corporal a outra, como relatado:
[...] começar com a ginástica [...] Aí entra a ginástica no básico, né? [...] que seria os
movimentos humanos e aí encaixando alguns esportes, por exemplo, atletismo dá
pra encaixar junto com a ginástica, dá pra colocar alguns esportes coletivos juntos
com, unificando com a ginástica rítmica [...]. (PROFESSOR 1).
É perceptível que cada professor organiza sua prática pedagógica de acordo com suas
concepções de EF, adaptando os conteúdos conforme a realidade da escola (materiais
disponíveis, níveis de conhecimento dos alunos, projetos) e o principal evento esportivo
organizado pela SEMEC, os Jogos Esportivos e Culturais da Primavera (JECUP), realizado
durante o segundo semestre escolar, como corroborado pelas seguintes falas: “[...] força você
a trabalhar com alguns conteúdos no primeiro semestre em prol de outros no segundo
semestre” (PROFESSOR 6); “[...] geralmente em junho, maio, junho, eu trabalho com dança,
né? A parte teórica de várias danças e faço as festas juninas, os ensaios da festa, e eu tento
trabalhar até agosto pelo menos três esportes por causa dos eventos” (PROFESSOR 3).
Essas falas reforçam o que Rosário e Darido (2005) e Impolcetto e Darido (2011)
afirmam sobre a falta de um referencial com critérios de seleção de conteúdos. Para os
referidos autores, esse fato leva os professores a selecionarem os conteúdos desenvolvidos na
75
escola das mais variadas formas, conforme as experiências práticas, as condições físicas e os
materiais, os eventos esportivos e culturais, entre outros.
O professor (4) defende que o currículo do município deve ser unificado. Uma das
formas para isso é considerar o JECUP, evento esportivo de grande visibilidade política que
envolve as escolas municipais de Senador Canedo: “[...] porque, às vezes, a gente trabalha um
conteúdo numa escola, outro professor está trabalhando outro, mas nós temos eventos em
comum. Então a minha sugestão seria trabalhar de forma mais unitária”.
Nas respostas dos professores (1) e (3), os esportes continuam sendo o conteúdo
predominante, não somente pela sua presença na proposta, mas também por ser um conteúdo
de cunho mais prático e realista para o desenvolvimento com os alunos, principalmente o
futebol. De acordo com o professor (1), “[...] primeiro a ginástica, depois a dança e depois os
esportes; no caso terceiro e quarto período ficaria com os esportes; um é destinado ao futebol,
e o outro eu vou de acordo com a escola”.
[...] geralmente eu início com o que eu tenho de material pelo menos, mas eu tento
trabalhar em todos os bimestres, pelo menos um ou dois esportes por bimestre, né? E
de acordo com os projetos da escola, de acordo com o calendário escolar, o que a
gente tem de evento. (PROFESSOR 3).
Além dos esportes, saúde e atividade física também foi um tema indispensável na
organização da disciplina de EF; porém, o seu desenvolvimento parece ser trabalhado de
forma isolada, mediante aulas teóricas, sem associação direta com o conteúdo “prático”
desenvolvido durante o bimestre. Para o professor (4), “[…] é imprescindível você trabalhar
saúde, desde o primeiro aninho até o nono ano. A saúde é importantíssima. Eu gosto de
trabalhar ela em todos os bimestres; cada bimestre tirar um pedacinho e trabalhar uma ou duas
aulas para trabalhar a questão da saúde”.
Eu escolho sempre alguns desses conteúdos que eu citei acima e algo para a saúde,
então, por exemplo, 1º bimestre um esporte e algo sobre a saúde; 2º dança e algo
sobre a saúde; 3º bimestre alguma luta e conteúdo para a saúde, e assim vai… Eu
vou variando entre esportes, lutas, jogos, brincadeiras e algo relacionado a saúde do
corpo humano. (PROFESSOR 4).
Com base nos relatos das práticas pedagógicas dos professores, marcadas pela
predominância do conteúdo esporte e temas relacionados com a EF na promoção da saúde,
infere-se que a organização dos conteúdos disposta nos documentos, mais precisamente o
currículo de 2014, representa, de certa forma, a concepção de EF de alguns professores
entrevistados. Santos (2002) defende a ideia de que uma proposta curricular é sempre fruto de
76
disputas e embates. Para essa autora, ainda que o grupo responsável por sua formulação
compartilhe de concepções e objetivos comuns, os conflitos estarão sempre presentes.
Constata-se também, mediante as falas dos docentes sobre temas relacionados com a
saúde, o mesmo equívoco evidenciado na análise dos documentos. Os professores não veem a
necessidade de fazer relações entre os conteúdos desenvolvidos e esses temas,
desenvolvendo-os, dessa forma, de forma isolada. Esse fato pode ser explicado pela forma
como esses temas estão colocados no documento, dispostos aleatoriamente, sem conexão com
os conteúdos propostos no bimestre, o que parece também não incomodar os professores.
Além disso, a organização disposta nos documentos interfere significativamente na
prática pedagógica dos professores, mesmo esses profissionais tecendo críticas contundentes à
organização da proposta curricular. A demanda de trabalho do docente aponta caminhos para
a explicação desse fato, uma vez que, diante das demandas da realidade, julgam outras
questões como mais imediatas para serem resolvidas no dia-a-dia escolar, o que, muitas vezes,
impossibilita uma crítica mais aprofundada sobre o currículo.
Portanto, aquele professor que tem liberdade e reponsabilidade individual de organizar
os conteúdos de suas aulas precisa aprender a estruturar sua prática pedagógica adequando-se
a um currículo oficial, construído ou não a partir de sua colocação sobre os saberes que
compete ao componente EF. Neste sentido, importa considerar a conjuntura atual das políticas
educacionais, que pressiona os gestores, e esses, por sua vez, pressionam os professores para
que cumpram com as demandas burocráticas, com consequências diretas na prática
pedagógica.
Essa conjuntura convida os educadores a fazerem frente no campo de luta sobre as
políticas educacionais voltadas para os interesses da lógica de mercado, que dedicam mais
esforços em criar instrumentos para controlar o trabalho do professor do que realmente
construir um documento que o ajude a pensar a organização dos conteúdos que, de fato,
permita democratizar o acesso ao conhecimento; no caso da EF, que permita ampliar as
experiências do educando, imergindo-o na cultura corporal de movimento.
Sobre essa discussão, Souza Júnior (2007) ressalta a necessidade de viabilizar as
condições de materialização do currículo. Dessa forma, mudanças devem ser implementadas,
desde alterações nas intenções e nas ações governamentais até a prática pedagógica dos
professores na gestão de sala de aula. Neste sentido, um dos fatores que viabilizaria esse
processo diz respeito a assunção, por parte dos docentes, do papel de agentes intelectuais
diante do currículo, confrontando seus pressupostos e exigindo transformações significativas
para o desenvolvimento da prática pedagógica.
77
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87
Solicito Vossa senhoria autorização para realização de uma pesquisa intitulada A organização
curricular dos conteúdos de Educação Física sob a ótica dos professores do Ensino Fundamental
II de Senador Canedo, como parte de suas atribuições no programa de Mestrado Profissional em
Educação Física em Rede Nacional (PROEF), Pólo UFG - Universidade Federal de Goiás, orientado
pelo pesquisador Dr. Heitor Rodrigues de Andrade, desenvolvido em conjunto com a pesquisadora
Tatyane Alves de Almeida Sales na Universidade Federal de Goiás. que se encontra modulada no
período matutino na Escola Municipal Vovó Dulce. O presente projeto será realizado com professores
da Rede Municipal de Educação de Senador Canedo. A professora pesquisadora se encontra modulada
no período matutino na Escola Municipal Vovó Dulce situada no Jardim das Oliveiras.
Atenciosamente,
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Tatyane Alves de Almeida Sales
Professora de Educação Física Efetiva da Rede Municipal de Senador Canedo
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1- Que o estudo tem por objetivo: Investigar o conhecimento e concepções dos professores vinculados
a Secretaria Municipal de Educação de Senador Canedo sobre a sistematização dos conteúdos de
Educação Física no decorrer do Ensino Fundamental II.
2- Que a metodologia da pesquisa é de natureza qualitativa e que para coleta de dados serão utilizadas
análise documental e a entrevista semiestruturada com os professores efetivos da Rede Educacional de
Senador Canedo modulados no Ensino Fundamental II.
3- Que, para fins de registro e análise, será utilizado um celular para registrar os áudios das entrevistas.
E, que os dados obtidos serão arquivados por um período mínimo de cinco anos e que após este
período os mesmos serão destruídos.
4- Que, sempre que desejar, será fornecido esclarecimentos sobre cada uma das etapas do estudo. E,
que, a qualquer momento, eu poderei recusar a continuar participando do estudo e, também, que eu
poderei retirar este meu consentimento, sem que isso me traga qualquer prejuízo. Esse procedimento
pode ser realizado, a qualquer momento, por meio de ligação telefônica a cobrar diretamente ao
responsável da pesquisa.
5- Que as informações conseguidas por meio da minha participação não permitirão a identificação da
minha pessoa, exceto aos responsáveis pelo estudo.
6- Finalmente, tendo eu compreendido tudo o que me foi informado sobre a minha participação no
mencionado estudo e estando consciente dos meus direitos e benefícios que a minha participação
implica, concordo em dele participar. Para tanto, dou o meu consentimento sem que para isso tenha
sido forçado ou obrigado.
Endereço do pesquisador responsável: Rua 7, Quadra G, Lote 16 – Setor Marechal Rondon – CEP
74560350 – Goiânia/GO - 62-992967774 - e-mail: taty86-2010@hotmail.com
Goiânia,.........de............ de 2019.
Dados pessoais
Nome:
Idade:
Dados da formação
Instituição: Pós-graduação:
Ano de conclusão:
Dados profissionais
Tempo de docência: Escola:
Tempo de docência no município:
Questões:
1- Você conhece a proposta curricular oferecida pela prefeitura de Senador Canedo? Me fale um
pouco, já chegou a ler, quando tomou contato com ela?
2- Como você avalia a proposta curricular da SEMEC? Ela auxilia o trabalho do professor?
Utiliza?
3- Na sua opinião o que deve compor uma proposta curricular? O que deve ser levado em
consideração na construção de uma proposta curricular?
4- Quais conteúdos devem ser trabalhados na Educação Física? Como você organiza os
conteúdos de EF em suas aulas?
5- Você faz alguma diferenciação nos conteúdos entre os níveis de ensino?
6- Você tem sugestões para a proposta curricular oferecida pela SEMEC?
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