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Capítulo 1

Cidade dos Mortos.

⠀⠀⠀⠀Sinceramente é difícil dizer que não é bom este lugar, o subterrâneo não me trouxe
nada de bom, em realidade só me confirmou minhas expectativas, um local nojento,
desconfortável e horrível no geral. No máximo as coisas boas foram as pessoas e nem isso
direito, mas pelo menos, ignorando o quão esquisito e fora deste mundo tal lugar parece, é
mais confortável que ser uma escrava dos Drow.
⠀⠀⠀⠀Eu espero que Sarith, Tipsy e Topsy ainda estejam bem, mesmo que minha opinião
desses seres sejam mais negativas do que positiva, eu fiz uma promessa e eu irei
cumpri-la, mas não ao custo da vida dos meus amigos e colegas.
— Aposto dez peças de ouro que o Topsy gosta dos cogumelos, eles são bem calados,
devem ser amigos… — Comenta Jimjar, um homem um pouco mais baixo que eu, com um
nariz um pouco avantajado, brincos que dominam suas orelhas enormes, o seu sorriso que
normalmente está sempre ali, mesmo sendo cinza, ele é um dos únicos brilhos que existem
no subterrâneo, a única pessoa do subterrâneo que merece respeito e, por mais que eu
odeie admitir, o meu melhor amigo.
— Eu aceito a aposta, do jeito que as coisas por aqui tão, certeza que esse lugar esconde
algo — Comento enquanto vou entrando mais ainda nesta floresta de cogumelos, já
conversamos com um ser horrível, era como uma criatura feita de restos mortais e
cogumelos, no entanto, ela ainda falava, pensava e parecia agir, não irei dormir direito me
lembrando do buraco em sua cabeça com vários fungos crescendo, aquele ser já foi
alguém? Alguém de verdade? É impossível saber. E pra ser honesta, não iria mudar nada
saber
⠀⠀⠀ Jimjar olha pra mim decepcionado com o que falei, reviro os olhos de forma antecipada
pois já sei o que vem. — São só cogumelinhos legais, eu acho eles até meio fofos. E a
gente chegou cedo, certeza que vai dar tudo certo. —
⠀⠀⠀⠀Sua animação e otimismo me surpreendem independente de quantas vezes eu a veja,
no entanto ainda não sabemos, os três saíram sem nenhum aviso prévio e foram
teleportados por cogumelos? Extremamente confuso na minha opinião, além de muito
arriscado. — Só você acha isso, eu consigo sentir seus olhares, vamos encontrar eles e ir
embora logo. — Enquanto eu demonstro a minha opinião, e antes de Jimjar conseguir
protestar passamos por mais um daqueles círculos eles estão no meio de uma conexão,
pelo menos é assim que os habitantes daqui chamam, eu chamaria de pesadelo, cerca de
10 cogumelos, alguns aparentam ser pedras com fungos nascendo em vários locais, outros
tem uma aparência mais humanóide e é possível mofo cobrindo partes de seus corpos, o
mais alto me lembra os restos mortais de uma pessoa o que eu espero que seja só minha
imaginação, mas mesmo se não for, ainda é assustador, eles estão parados… se
encarando, apenas se encarando sem parar.
— Vamo falar com eles, vai ver eles viram o Sarith, já que os outros dois são pequenos —
O sorriso bobo de Jimjar com essa piada me faz sorrir fraco e balançar a cabeça, ele pode
falar isso, mas é da mesma altura que os dois. Quando chegamos perto todos os
miconidéos, como gostam de ser chamados, viram pra gente em conjunto, o barulho de
seus mucos vem em uníssono, tenho um arrepio e não consigo esconder minha cara de
nojo, mas fica ainda pior enquanto sinto os fungos entrarem em meus ouvidos, nariz, olhos
e boca. É assim que eles se comunicam, espalhando fungos e falando em nossa mente, só
espero que eles não consigam ler nossos pensamentos, se não eles irão ouvir tudo o que
penso de verdade, me surpreende Hatash, Tanux e Jimjar estarem tão tranquilos com isso.
⠀⠀⠀⠀Hatash e Tanux são as outras pessoas da equipe, pelo menos as que estão aqui,
Hatash é um humano de cabelos e olhos castanhos, um rosto magro e altura mediana, para
humanos, ele é muito maior que eu. No entanto sua característica mais marcante é o
quanto ele se importa com seu Deus, Tyr, ele não para de falar sobre como certas pessoas
merecem a luz, outras não e assim por diante. No entanto, quando está mais calmo sua
companhia é tolerável, e ele é muito útil em combate. Tanux é um caso à parte, acredito que
ele seja um ser do vazio, uma criatura que já morreu e voltou a vida por meio de alguma
magia maligna, pacto com algum ser mais poderoso, ou coisas assim, digo isso pois ele não
aparenta se importar muito com nada, sem muitas opiniões, gostos ou desgostos, apenas
uma máscara que ele nunca tira, suas duas espadas e com suas poucas palavras, é como
se ele já estivesse morto, e acho que ele realmente está, tanto que sua pele já está cinza.
Eu acredito qu–
— Oi oi oi, nossa faz muito tempo que não tem ninguém novo por aqui, é bom ver gente
nova, vocês são da superfície né? Como que é lá? Eu ouvi dizer que tem cidades voadoras,
e além do mais tem pessoas que conseguem fazer castelos e também tem gente que… —
Agora eu admito, minha cara de desconforto neste momento não é porque ele é um ser
horrível, o motivo se encontra na voz esganiçada, no quanto ele está falando e o quão
rápido ele se mantém ali. Tanto que até parei de prestar atenção, meu olhar se voltou ao
teto e comecei a pensar sobre os últimos acontecimentos. Iara e Anastácia, outras colegas
nossas, aparentemente saíram do subterrâneo por causa de uma fada, além de que dois
clones foram mantidos aqui no lugar delas, ainda não me desce tais coisas, são tantas
coincidências, tantas formas que isto poderia dar errado, não acho que elas iriam mentir pra
gente, mas e se elas mentiram? Pensando bem, não sei basicamente nada do passado de
Anastácia e Iara, até do Buppido eu tenho mais conhecimento.
— Eu não sei quantos metros tem um tijolo, e nem como derreter o ferro, acho que com
lava. — Olho pra Hatash muito confusa, como a conversa poderia ter chegado nesse
assunto? Desde quando as pessoas perguntam esse tipo de coisa uma à outra?
— Eu aposto que a conversa poderia ser mais legal e muito divertida se a gente falasse por
mais tempo, mas é… Gabsbide né? Então, você viu um drow por aqui? Cabelo longo até a
cintura, de alguma forma sedoso mesmo com a gente no subterrâneo, muito forte, porte de
guerreiro e olheiras no rosto, ou talvez um gnomo das profundezas com um cabelo longo
também, óculos e tal, nariz achatadinho e bem pequena, ou um outro gnomo exatamente
igual só que com cabelo curto? —
⠀⠀⠀⠀Graças ao meu bom Moradin que o Jimjar sabe que a gente tem tempo contado por
aqui, o cogumelo de vira pra ele, e todos os outros atrás também, sinto o arrepio chegando
de longe mas respiro fundo para não demonstrar o quão desconfortável estou. — Eu acho
que ele foi chamado pro casamento, deve estar no jardim ensaiando pro casamento com os
outros, vocês deviam ir participar! Mas além disso vocês deviam ficar pra me ver
construindo a TORRE DE FUNGOS! vai ser uma torre enorme, maior que o Yggmorgus vai
sair do subterrâneo quebrando as cavernas chegando na superfície, só com a ajuda de
Araumycos! Mas pra isso eu preciso saber como que a madeira é feita vocês podem me
contar? —
⠀⠀⠀⠀Eu sinto que se continuar a ouvir essa voz eu mesmo vou passar pela parede e subir
a superfície. Coloco o meu sorriso mais verdadeiro que consigo antes e o respondo —
Infelizmente estamos com pressa, mas quando a gente voltar eles te contam tudo tchau
tchau obrigada —
⠀⠀⠀⠀E assim começo a andar junto dos meus colegas, escuto alguma piadinha de Jimjar
sobre querer falar com ele sobre a torre de fungos, no entanto eu apenas ignoro, Hatash
fica pra trás pra perguntar aonde esse jardim fica, o que acho inteligente pois na minha
vontade de sair o mais rápido possível acabei esquecendo. Quando ele volta e aponta para
seguirmos em frente, fico pela primeira vez contente, um sorriso finalmente passa pela
minha barba. Escuto Jimjar e Hatash conversando sobre alguma coisa relacionada a Tyr,
mas eu não me importo o bastante para realmente prestar atenção, tudo que consigo
pensar é em como esse lugar não me passa as melhores sensações, as vezes consigo ver
criaturas parecidas com macacos feitas de fungos que parecem estar só fazendo patrulha
por aí. Tantos cogumelos me lembra de Stool, o que me deixa triste novamente, Stoll era
ume pequene cogumelo também, parecide com uma criança em personalidade e com uma
pedra em aparência, elu andava sempre junto de Dylidae, ele foi morte pelo assassino que
estava com a gente, não entendo como. Antes de morrer Stoll gostava de falar comigo, pois
eu era da superfície, elu tinha uma curiosidade que até incomodava as vezes, mesmo
assim, eu nunca abri muito espaço pra ter uma amizade com elu. E eu me arrependo todos
os dias disso, elu morreu sem ver nada, com esperanças de conhecer um mundo novo, e
com muita dor, eu ainda escuto o seu grito horrorizado em minha cabeça, talvez se eu
tivesse mantido elu perto, tivesse feito amizade de verdade, eu não teria que ver elu sendo
enterrade por Dylidae. A última vez que conversamos elu me explicou que sua raça não
tinha gêneros, mas elu não se incomodava em ser chamado de qualquer jeito. Eu acredito
que os outros cogumelos são assim, então quando estão falando com uma pessoa, a
chamarei pelo pronome correta, mas quando for uma aberração dessas que se formou no
topo de uma carcaça humana, destruindo tudo que a pessoa era, só para nascer, elus não
são nem elus, nem elas, nem eles, são apenas monstros.
—Por isso que o Tanux também deve seguir o Tyr não é Tanux? E quando a gente salvar os
outros três eles também vão perceber que a luz é o caminho, vai ver eles também queiram
— Hatash fala enquanto passamos ao lado de um desses monstros que parece ter sido o
corpo de um orc que foi completamente dominado por fungos e está em um estado de
decomposição muito avançado.
— Não, eu sigo Casscioni, sua história é muito bonita. E não, eu não preciso da luz. —
Tanux responde, Casscioni é uma Deusa que domina a dor, tristeza e basicamente a morte
no geral, em minha cidade normalmente não falamos muito sobre ela, mesmo que nem
todos dos seus seguidores sejam ruins.
—Ah, ela não é nada perto da luz Dele… — Enquanto Hatash continua sua pregação
infinita, uma das criaturas solta um grande barulho, como se uma pequena explosão
acontecesse dentro dela, e após alguns segundos uma grande névoa roxa se forma
começando a flutuar e sumir aos poucos, normalmente eu desconfiaria mais, mas cada
segundo aqui, pode ser o que causará a morte do trio, quando passamos por dentro
daquela fumaça, tento prender minha respiração mas alguns poros entram em meu nariz e
olhos, sinto uma pequena queimação e uma ardência onde tais esporos vão passando, mas
além de uma pequena tosse, um cheiro fétido e meus olhos ficando vermelhos, da mesma
cor de meus cabelos. Nada aconteceu, passamos sem problemas, só com algumas
reclamações de Hatash e Jimjar.
— Quando voltarmos a superfície, eu pago uma rodada de bebida pra todo mundo que
quiser — Jimjar diz com uma animação que não condiz com o momento, ele já me falou
isso algumas vezes, especialmente nas noites em que eu não consigo manter minhas
lágrimas silenciosas, pelo menos por causa de nossa amizade os turnos de vigia ao fazer
acampamento não são tão solitários, e além do mais, ele já está me devendo umas seis
garrafas de cerveja, então isso me deixa ainda mais feliz.
— É bom mesmo, já que você tá me devendo umas 50 peças de ouro de todas as apostas
que eu ganhei, e ainda vou ganhar mais antes de sairmos daqui. — Quando me vê falando
isso Jimjar da um pequeno sorriso, ele sabe o quão pessimista eu fico com a saída as
vezes, e me ver sorrindo e falando de ir embora desse inferno, deve deixar ele feliz.
— Eu aposto, que até lá, eu já vou recuperar todo meu dinheiro. — Jimjar diz como se
estivesse dizendo um fato incontestável.
⠀⠀⠀⠀Pela primeira vez no dia eu solto uma risada alta, com Hatash me acompanhando, o
vício em apostas de Jimjar era impressionante, acho bem capaz de na superfície ele ser
uma pessoa que aposta se vai ou não chover. Toco o ombro de meu amigo gnomo e antes
de conseguir falar, Hatash chega primeiro —Eu aposto 50 peças de prata que tu ainda vai
estar devendo pra ela —
⠀⠀⠀ E Jimjar aperta a mão dele, com um sorriso confiante ao falar — Daqui a pouco vão ser
duas pessoas me devendo. —
⠀⠀⠀⠀Independente de como as coisas estão por aqui, estou feliz por não estar sozinha
neste lugar, e que pelo menos são com pessoas assim, mais o Jimjar que os outros, porém
eu fico feliz que temos diferentes tipos de personalidade. Meus pensamentos são
interrompidos pela voz preocupada de Jimjar e sua mão sendo colocada na minha frente—
Espera. cuidado. — Só de ouvir estas palavras todos nós nos colocamos preparados pra
um ataque, Tanux deslizou instantaneamente sua mão para a bainha de uma de suas
espadas, eu peguei o meu martelo de ossos e Hatash apertou o seu colar de Tyr, Jimjar
apenas coloca a o dedo indicador em frente a seus lábios e faz um pequeno "shh", após
alguns segundos de preocupação e do medo subindo nós escutamos um zunido muito alto
e algumas batidas vindo de uma das vertentes da caverna que não conseguimos ver, solto
um suspiro baixo, tentando me manter o mais silenciosa possível, assim como todos os
outros, demora pouco pra esse medo ser reforçado, voando de forma caótica notamos que
esse barulho eram das asas de um ser que aparenta ser um inseto muito grande, em pé ele
provavelmente seria mais alto que nosso amigo mascarado, é possível ver enquanto ele
voa um pouco de saliva saindo de sua boca, no entanto o mais assustador é um grande
ferrão, que claramente podeira perfurar o peito de um humano e chegar ao seu coração,
sua pele, não, isso não tem pele, suas escamas tem cores obsidianas, consigo ver de longe
que algumas partes são mais cascudas que as outras, como uma armadura nojenta. Em
seu vôo ele não viu uma das paredes, talvez o motivo seja seus olhos estarem com cores
vermelho carmesim, que não imagino serem normais. Ele felizmente passa pela gente sem
nos ver. Jimjar começa de forma silenciosa a se mover, normalmente eu não me sentiria
bem em deixar um monstro desses pra trás pois ele poderia machucar outras pessoas, mas
os seres daqui não são pessoas.
⠀⠀⠀⠀Entretanto, acho que tal pensamento fez algum Deus querer pregar uma peça nesta
anã, pois assim que começo a andar só escuto um grande barulho de algo se quebrando,
eu acabei por pisar em uma grande cabeça de cogumelo, e um barulho crocante, nada
natural e muito alto, neste silêncio, atraiu instantaneamente a atenção da criatura. Escuto o
zunido aumentando gradativamente e muito rápido, ficando tão alto que até meus ouvidos
estão doendo. Mas sem nenhuma explicação este zunido para, ele parou e se tornou uma
voz, a voz de meu pai.
—Por que você levou seu irmão com você? Por que você não o salvou e deixou ele virar
comida das aranhas, por que não foi você que morreu no lugar dele? — Sua voz que
sempre foi tão doce, mesmo grave, agora carregava muita dor, muita decepção e raiva, tudo
por minha culpa, tento abrir a boca para respondê-lo, mas as palavras não saem. Sinto as
lágrimas começando a se acumular no meu rosto mas antes de ouvir mais verdades de meu
pai meus ombros começam a ser balançados novamente.
⠀⠀⠀⠀ Uma outra voz invade minha mente, reconheceria ela de longe, especialmente porquê
ele está gritando bem alto, no meu ouvido. É Jimjar, que parece assustado por algum
motivo. —Eldeth, acorda! A gente precisa quebrar ess– — Sua voz foi interrompida, mas
dessa vez eu consigo levantar os olhos, e ele não parou de falar, o chirriado voltou, e voltou
tão alto que é impossível escutar qualquer coisa, além disso, consigo sentir o vento em
minhas costas, ele está vindo, e vindo muito rápido. Espero que a raiva em meu rosto não
seja tão perceptível para Jimjar, pois quando viro para este monstro girando meu martelo
com toda minha força da esquerda pra direita tudo que eu sinto é o ódio subindo, quem
esse ser pensa que é, para brincar desse jeito com minha mente.
⠀⠀⠀⠀Felizmente eu acerto, ao fazer contato sinto uma de suas cascas amassando no
formato de minha arma, isso no entanto não diminuiu sua velocidade, talvez ele seja muito
forte, ou eu não bati forte o bastante, mas o chão agora está bem sujo, não só com o
sangue preto que sai do machucado que acabei de fazer nele, como também do meu
sangue, após ser estocada no ombro esquerdo. Pelo menos o meu ataque serviu pra fazer
ele errar meu coração, nos primeiros dois segundos a dor nem me tocou, mas então a dor
vai aumentando cada vez mais, ela se espalha como uma maldição por todo o meu corpo,
seu ferrão atravessou meu ombro inteiro, todos os meus nervos estão gritando implorando
para meu cérebro tirar a fonte de dor dali, mesmo com meu sangue jorrando e minha visão
desfocando, a pior parte mesmo são todas as minhas energias sendo sugadas, olho pra
baixo e todo o ar que estava segurando escapa, o machucado, além de enorme, parece
estar contaminando todo o resto do meu corpo, cicatrizes pretas começam a me
contaminar, não só o exterior, mas o interior, não sei é veneno, mas sinto a ardência
percorrendo todo meu corpo assim como agora consigo sentir o sangue.
— Tyr, meu Senhor, essa criatura não merece a luz, e eu vou ajudar uma merecedora dela
com o seu poder. — A luz do colar de Hatash brilha, e brilha muito forte, essa energia
radiante sai de força concentrada de seu receptáculo e é jogada na direção da criatura
acertando-a bem em sua cabeça, sinto meu ombro queimando apenas pela proximidade
com a força celestial desse clérigo. A criatura recebeu bem mais dano que meu ombro,
consigo ver seu rosto queimado, uma parte dele derretendo e um grito de dor que
claramente não é nada humano, nem perto disso na realidade.
⠀⠀⠀⠀A voz de Jimjar agora consegue chegar em meu ouvido, ele ainda continua quase
gritando e com uma preocupação bem necessária. —Sai de perto dele, e se cura que eu
aposto que isso tá doendo muito. — Sinto a mão de Jimjar tocando meu ombro direito e me
puxando para trás de forma brusca, consigo segurar o xingamento enquanto o resto do
ferrão desse monstro me rasga ainda mais ao sair.
⠀⠀⠀⠀Minhas pernas fraquejam e consigo ver de cima pra baixo Jimjar jogando uma adaga,
errando por pouco e apenas arranhando a carapuça dele. — Eu tô ótima! Não vou morrer
pra uma vespa gigante. — Falo isso com o máximo de determinação que conseguia, sendo
honesta estou bem assustada, mas não deixarei meus amigos em perigo para me esconder,
prefiro morrer sendo burra do que sobreviver sendo covarde, não dessa vez, não de novo.
— Você ainda vai se matar. — Jimjar parece um pouco decepcionado falando isso, mas não
consigo responder imediatamente pois logo depois Tanux passa a mão por cima de uma de
suas espadas e ela começa a brilhar e queimar com um fogo mágico verde. Ele pula na
frente do monstro e faz três cortes rápidos, dois com sua espada flamejante e um com sua
espada normal, os cortes flamejantes parecem causar um dano maior, o zunido fica
claramente muito maior e o monstro se afasta rapidamente, ele ainda estava se afastando
para se recuperar do ataque de Hatash e já está bem pior, Hatash tenta lançar outra
explosão radiante mas o monstro consegue desviar. Consigo ver ele girando em cima da
gente, como uma fera se preparando pra atacar uma presa. Uma das adagas de Jimjar
passa longe dele. Para um ser tão barulhento ele é bem rápido. Ele aproveitou o momento
do ataque dele para o atacar, em um rasante ele iria acertar a barriga de Jimjar, mas ele
consegue pular para o lado antes de ser perfurado, passando do meu lado, é o momento
perfeito para acabar com a diversão da criatura, no entanto, ao pegar minha arma sinto meu
ombro fraquejando e acabo deixando ela cair sem conseguir levantar direito. Felizmente,
Tanux não está fraco como eu e conseguiu acertar esse ser enquanto ele passava ao nosso
lado, vejo o sangue, que mais parece lodo, voando para cima após Tanux tirar a espada que
foi fincada no olho da criatura, me afasto um pouco recebendo o mínimo desse sangue em
minhas roupas, a criatura se debate como uma barata após ser esmagada. No fim isso
durou muito menos do que deveria, pois Hatash imediatamente chegou perto, colocou a
mão na frente da criatura e a fritou com uma luz cegante. Fechei os olhos e quando abri vi
Tanux se movendo em minha direção olhando o machucado.
—Que idéia foi essa de continuar ali na frente nesse estado? —Diz ele colocando suas
mãos de forma delicada onde fui perfurada.
⠀⠀⠀⠀Solto um pequeno gemido de dor e balançando a cabeça negativamente com um
pequeno sorriso digo — Ele… ele nem conseguiu fazer nada direito, só me pegou
desprevenida na primeira vez. —
⠀⠀⠀⠀Vejo Tanux virando seu olhar para mim enquanto Hatash faz uma pequena reza para o
seu Deus, o mascarado se aproxima de Jimjar e eu entregando algumas ataduras rústicas,
não é a primeira vez que ele retira algo que ninguém esperava da bolsa, sinto que em
algum momento ele vai tirar outra espada e lutar com ela em sua boca — Valeu, aposto que
a Eldeth ia acabar deixando pra depois se curar. — Ele não estava errado, eu tenho magias
de cura, mas elas serão mais necessárias em algum outro momento, para uma outra
pessoa.
Quando Jimjar passa as ataduras sinto ele com bastante força pressionando e prendendo o
meu ombro, que já estava doendo — Aí! O que aconteceu com tratar quem se machucou
bem? — Digo fechando os olhos com toda a dor acumulada.
⠀⠀⠀⠀Vejo ele me dando dois tapinhas no ombro, que agora percebo que provavelmente não
vou conseguir utilizar direito, minha mão inconscientemente viaja até o machucado
pressionando um pouco, em esperanças que ele vá magicamente se regenerar. Antes de
Jimjar responder com alguma piadinha vejo uma coisa que não esperava ver, um cogumelo.
Essa parte é muito normal por aqui, admito mas esse cogumelo carrega consigo um
pequeno cajado, tem duas pernas, dois braços e um rosto, ele não parecia ter sido criado
nos restos mortais de uma criatura pensante, parecia apenas uma pessoa comum que foi
azarada o bastante para acabar com várias formas de fungos, cogumelos menores e um
pouco de decomposição em seu olhar. Devo admitir que gosto de sua cor roxa, mas no
momento não estamos muito receptivos, então todos nós pegamos nossas "ferramentas de
manter a paz" como Jimjar gostaria de chamar. Tento levantar meu martelo com as duas
mãos e falho, então só deixo ele ao meu lado. — Esperem, abaixem as armas, estou em
paz. — Escuto uma voz calma, rouca e até um pouco distante, o que deixa todos nós um
pouco surpresos, já que conseguimos ver a boca dele se mexendo ao falar. Ele consegue
falar.
—Quem é você? E por que um diabo atacou a gente aqui?— Hatash indaga, com seu jeito
muito calmo. Vejo a expressão dessa criatura mudar, mudar para uma confusão, mas no
final suas feições revelam um sorriso, e seus braços se abrem, sua voz logo volta, dizendo
em alto e bom som.
— Eu sou Soberan Basilda, u ds líderes do Bosque-Nunca-Claro. Sejam bem vinds —

Capítulo 2
São só um bando de corpos sem vida

⠀⠀⠀⠀Não consigo me segurar e acabo soltando uma risada fraca, que belo jeito de ser
recebida, perdendo a maioria dos movimentos do braço. Mas não posso reclamar, nada que
uma noite de sono bem dormida não resolva, no entanto o meu problema maior é esse
cogumelo em minha frente, normalmente esses seres são esquisitos, confusos e distantes,
já esse daí parece quase um ser pensante. Começo a dizer com o máximo de educação
que consigo. — Bom, muito obrigada, mas só estamos de passagem. Você por acaso viu
um dr– — Infelizmente, sou interrompida por outra dessas criaturas, essa realmente mostra
o lado verdadeiro dessas "pessoas" também tem um corpo humanoide,mas ela é maior,
muito maior, com uma parte de seu braço completamente comido por decomposição,
parecendo se manter unido apenas por um fiapo de uma pele mole e seu rosto é ainda pior,
é como se cogumelos tivessem dominado onde seus olhos deveriam ser deixando apenas
dezenas de buraco que se viram pouco a pouco, consigo ver que ao se mover uma boa
quantidade de algum líquido escapa de seu corpo, com vários desses pequenos buracos
espalhados. Todo esse lugar sempre acaba me trazendo péssimas sensações, mas esse
monstro é tudo que mais odeio aqui em uma só pessoa, exceto pela sua cor, adoro a cor
vermelha e ele está basicamente pintado com variações dela, ele então começa a falar, mas
sem abrir a boca, sinto seus esporos entrando no meu corpo e preciso me segurar para não
sair de perto, no fim, seus esporos são como os dos outros, horríveis, mas indolores,
insalubres e nada diferente do ar normal.
— Olá macis, vocês chegaram em um ótimo momento! O Bosque-Nunca-Claro está quase
chegando em algo muito incrível, não, incrível não, algo maravilhoso. Comemorem! Porquê
o dia da comemoração está chegando! — Pela primeira vez consigo ver que não sou só eu
que pareço odiar cada palavra saída da boca desses dois, um deles nos dá um "bem
vindos" após um ataque de um diabo e o outro fala que chegamos no momento perfeito,
com meu ombro latejando de dor e as memórias de meu pai ainda frescas em minha mente.
Antes de expressar toda a minha decepção
⠀⠀⠀⠀Hatash fala primeiro com sua voz mais aguda, recheada de uma indignação que já
estamos acostumados —É normal o boa vindas ser um ataque de um mosquito gigante?
Porquê não parece que toda essa luz falsa tá funcionando, já que eles ainda entram aqui.—
⠀⠀⠀⠀Só consigo fazer um pequeno bico com a boca, mesmo que eu não goste de admitir,
Hatash está certo, Tanux aponta silenciosamente para o corpo morto da criatura com suas
espadas, não consigo ver o rosto dele, mas assumo que ele está tão decepcionado quanto
eu. Vejo as duas criaturas se virando, uma mais silenciosa e a outra barulhenta, seus
minerais quebrando entre si e caindo no chão. Os dois não demonstram nenhuma reação
mas o menor fala primeiro — Eu sinto muito que isto tenha acontecido com vocês, não é
nada normal. Bosque-Nunca-Claro normalmente não tem ataques. — Não entendo muito a
sua surpresa, literalmente Hatash perguntou sobre esse demônio, sua voz mudou um
pouco, ela está mais fraca, como se estivesse respirando enquanto fala. A maior das duas
criaturas se aproxima do corpo, consequentemente de Tanux, que mantém a espada pronta
mas um pouco afastada já que a aberração ainda não demonstrou ser uma ameaça, esse
ser encosta em cima do corpo e fica parada ali.
Jimjar da um passo à frente sussurrando para mim —Eu aposto que ele tá chamando os
amigos dele para levar o corpo. Quer ver? — E ele encara a criatura menor continuando em
um tom mais alto — O que ele tá fazendo com o corpo? É tipo um ritual? —
⠀⠀⠀⠀Impossível dizer quantas vezes já vi ele indagando alguém com algo apenas para
ganhar uma aposta, e ele genuinamente parece interessado em todas as vezes, imagino se
ele já fez isso comigo. Antes de conseguir me aprofundar na opinião de meus amigos e em
nossa conversas, sinto a voz da criatura vermelha falar em minha mente — Eu estou
convocando s caçadors pra levar ess criatur até um dos outros círculos. — Eu entendo
muito bem o que isso quer dizer, ele vai fazer o que esses bichos fazem de melhor, dominar
e acabar com uma pessoa que um dia foi pensante, no caso dessa criatura… eu estou
contente de ver ela indo embora, no entanto, o sorriso de Jimjar para mim acaba com minha
felicidade, ele fica tão feliz de ganhar uma aposta que ninguém fez com ele que chega a ser
bobo.
⠀⠀⠀⠀ Tanux, que não parece ter prestado atenção no pequeno desafio entre Jimjar e eu,
fala enquanto guarda a espada — Qual o motivo de tanta celebração? Vai ser tempo fértil?
— Jimjar precisa se segurar para não rir, enquanto o cogumelo maior se vira para o
espadachim parecendo animado, o quão animado uma casca vazia com vários buracos
pode ser.
— Ótima pergunta maci, é uma surpresa! Mas uma das preparações tá acontecendo no
interior de jardim de boas vindas, mas se quiserem… amanhã eu posso dar uma espiadinha
pra vocês, mas vocês vão conhecer a grande fertilizadora! Pelo menos se ela quiser, não
sei se sua excelência vai dar a sua graça.— O seu jeito animado e feliz me lembra de minha
mãe, a diferença é que ela é uma mulher muito bonita, gentil e incrível e ele é um monstro
que me faz ter vontade de vomitar. Quase iguais. Respiro fundo para me manter calma e
olho para a criatura menor, que ainda é nojenta, mas bem menos que o outro.
⠀⠀⠀⠀Novamente tentando manter minha classe e ignorando tudo que ele falou, pois não me
importo, falo— Que bom, a gente não vai querer ver, só queremos encontrar um elfo, drow
de uns 1,70 cabelo longo e branco, e um gnomo das profundezas tem cabelo longo e
branco também, óculos e tal, nariz achatadinho e bem pequena, ou um outro gnomo
exatamente igual só que com cabelo curto e castanho? — Consigo ver o pequeno cogumelo
se mexendo e virando pra mim, pelo menos esse tem buracos onde estariam os olhos,
então imagino que ele esteja me olhando nos olhos, me encarando ele fala com sua voz
que aparenta estar sempre sem ar.
— Eu não vi ninguém com essa descrição, mas se quiserem, eu posso mostrar
Bosque-Nunca-Claro para vocês, que tal enquanto isso, você Phylo, ir ajudar a levar a
carcaça dess ser até os caçadores? — A criatura, que agora sabemos o nome, parece um
pouco relutante em ir, provavelmente além de horrível é preguiçosa, mas com a diferença
de tamanho e força tão exorbitante, fica claro que é mais rápido se ela levar o demônio.
Colocando ele nos "ombros" já é possível ver alguns dos fungos se espalhando até o corpo
de forma nada natural, o decaimento de algo que já á foi vivo parece ter sido muito
acelerado.
⠀⠀⠀⠀Ele se ajeita e olhando para Basilda fala em nossas mentes e na dele. —Boa sorte
Basilda, e se vocês precisarem de mais alguma coisa, basta me chamar, eu estarei por ai,
olhando para as coisas tão belas que a grande fertilizadora faz. —
⠀⠀⠀⠀E assim ele começa a andar para longe, deixando algumas pegadas e fazendo um
pouco de barulho, novamente tento levantar meu martelo mas consigo com muita
dificuldade. Tento esconder e não deixar isso transparecer, mas com toda certeza Tanux e
Jimjar perceberam. Então eu só coloco ele em minhas costas, junto a meu escudo e
ignorando toda a dificuldade que tive pra fazer isso e os olhares dos dois, Basilda começa a
falar, desta vez em nossa mente, o que novamente me deixa desconfortável, mesmo que
não muito já que a dor no meu ombro correu até o meu braço e sinto os dois pulsando e a
dor acumulando —Venham, andem comigo, eu não vi ess drow, mas outrs apareceram por
aqui um tempo atrás, els foram levads para o jardim de boas vindas a pedido junto de Phylo
e nunca mais voltaram… eu estou com medo de que algo tenha acontecido com els, tais
macis nem foram mencionads por Phylo, estou com medo de que algo esteja
acontecendo… não fiquem por aqui muito tempo. —
⠀⠀⠀⠀Todos nós acabamos ficando uns 5 ou 6 segundos em silêncio com a quantidade de
informação dadas por essa criatura, não é comum uma pessoa se abrir desse jeito para
estranhos, olho para trás vendo Phylo sumindo em meio às luzes ardentes e florescentes,
eu achei que ele só era extremamente esquisito igual aos outros, mas olhando em
retrospecto Basilda pareceu um pouco desconfortável com as ações de Phylo, agora vejo o
motivo. Passo a mão em minha barba, fechando os olhos logo depois, todos os meus
instintos dizem para não me envolver e deixar pra trás esses três, mas não conseguiria
olhar para mim mesma em uma lagoa se fizer isso, então eu abro os olhos e falando
—Certo, se você tá tão preocupado assim, por que não vai falar com ele ou– — Sou
interrompida por Hatash que fala mais alto que todos nós, como sempre — Ou só matar ele.
— As vezes eu me preocupo se quando eu ficar doente minha equipe vai me matar, essa
sempre parece ser a primeira solução. Basilda balança, o que assumimos ser a cabeça
dele, negativamente olhando pra baixo e passando ao lado de um grande buraco ele
responde nossas dúvidas.
—Eu não posso, tenho parte de minha colônia aqui, e somos pacífics, se minhas suspeitas
forem realidade apenas iremos embora. — Jimjar parece meio confuso com o quão pacífico
alguém pode ser, já que tal ação iria deixar uma pessoa muito ruim a solta em uma cidade
que ele aparentemente é o líder. Novamente passo a mão em meu ombro, se realmente
fossemos enfrentar aquela criatura eu seria inútil, não consigo nem usar meu martelo e meu
último treinamento de luta foi a mais de 10 anos. Pelo bem da equipe espero que a minha
memória muscular funcione.
⠀⠀⠀⠀ Tanux responde o cogumelo com uma voz rouca, talvez seja raiva? É quase
impossível ler esse homem — Se você gosta tanto desse lugar, por que não vai lutar para
defendê-lo? Se sua família depende de você, é sua obrigação ajudar. —
⠀⠀⠀⠀O cogumelo parece concordar, tanto que ele se vira para Tanux, o que é uma cena
engraçada já que o pequeno cogumelo tem no máximo 30 centímetros, sem expressões a
única coisa que nos deixa ver que ele está determinado e ofendido pelas palavras de Tanux
são sua linguagem corporal e sua voz que agora parece mais séria ao falar — Eu não vou
condenar tods que amo apenas para defender um lugar, não é certo entrar em uma luta
perdida. — Pela primeira vez um dos cogumelos parece estar falando algo certo, ele então
continua andando, deixando Tanux calado, o que é bem comum. ⠀⠀⠀⠀Mas Jimjar não se
abate, como sempre, e começa a falar com um pequeno sorriso, parecendo orgulhoso da
criatura em nossa frente. —Que foda, mas tu não sabe onde nossos amigos podem estar?

⠀⠀⠀⠀Jimjar é sempre uma dúvida, nunca sei quando ele vai ser extremamente útil e trazer o
assunto para nosso objetivo, ou quando ele vai dar risada de alguém falando sobre um
período fértil. O cogumelo ouvindo as palavras de Jimjar aponta para o longe, nós não
conseguimos ver porque vários dos maiores cogumelos estão na frente. Mas ele
aparentemente consegue mesmo sendo menor que a maioria dos cogumelos. —Eu estou
sempre andando por aqui, eu teria visto tais macis, se eu não vi, é porque els estão no
único lugar que não vou. jardim de boas vindas. E me lembra, eu gostaria de pedir, suplicar
na verdade. Por favor, vejam o que se esconde em tal jardim? Não sei a quanto tempo seus
amigs sumiram, mas els provavelmente estarão lá. — E elu abaixa sua grande cabeça de
cogumelo. E novamente eu só consigo fechar os olhos decepcionada, não com elu ou com
o trio de sumidos, mas comigo mesma, eu daria todo o meu dinheiro e cortaria minha barba
pra ser como Iara e Anastácia, que conseguem só ir embora e abandonar seus amigos de
viagem, claro, elas tinham um bom motivo, mas nós também. Nosso motivo é a
sobrevivência. Porém, não consigo, espero que tal ação não nos condene depois.
⠀⠀⠀⠀ Eu suspiro abrindo os olhos e vendo e cogumelo ainda abaixade. —Não se preocupe,
a gente vai invadir esse jardim e encontrar nossos amigos e ver se Phylo é confiável ou
não, vamo lá gente? —
⠀⠀⠀⠀Viro para meus amigos tentando demonstrar uma animação que não tenho, mas todos
eles me olham sem demonstrar tal animação, Jimjar parece até decepcionado e Hatash
coloca a mão no meu ombro, imagino que ele vai discordar da decisão que tomei, mas ele
só começa a falar devagar apertando meu ombro um pouquinho, o que faz que eu
instantaneamente ajoelhe quando a dor em meu ombro se torna insuportável, são como
milhares de agulhas perfurando todo meu braço a cada segundo, as marcas pretas estão
pressionando como se alguém estivesse empurrando meu braço contra o concreto. —
Desse jeito você não vai a lugar nenhum. — Hatash fala com uma calma que não é nada
normal pra ele, está calmo porque não é ele que sente como se seu braço estivesse saindo
do corpo.
⠀⠀⠀⠀ Jimjar, que ri quando eu retiro o braço de Hatash de meu machucado sussurrando um
xingamento, completa a idéia deles dizendo — A gente vai acampar pertinho desse tal
jardim e ai amanhã a gente entra lá, você pode levar a gente até lá? —
⠀⠀⠀⠀E cogumelo se mantém sem expressão olhando nossa interação, mas após a fala de
Jimjar ele começa a se movimentar para frente adentrando a floresta de cogumelos e
fungos, Tanux estende a mão me ajudando a levantar, consigo jogar pra fora um "obrigada"
e com a ajuda dele me ajeito um pouco limpando a sujeira que tinha em minhas roupas.
Olho para os dois engraçadinhos que começaram a andar em nossa frente e chegando
perto devagar acerto um soco fraco no braço de Hatash, que instantaneamente coloca a
mão onde foi acertado falando um "AÍ" muito mais alto o necessário, não consigo me
segurar e acabo dando uma risada enquanto falo — Para de frescura, foi bem fraquinho,
muito melhor do que o que tu fez com meu braço — Consigo ver Jimjar rindo e mesmo que
não consiga ter nenhuma leitura em Tanux tenho certeza que pelo menos ele está sorrindo
por baixo da máscara. Hatash não está sorrindo já que ele está fazendo seu drama de
sempre.
⠀⠀⠀⠀Ele mantém a mão no braço me olhando indignado e soltando um som agudo e alto,
que significa que ele está extremamente ofendido. Nesse momento dou graças aos Deuses
por ser pequena e não ter que escutar isso de perto. Mesmo assim, ele fala — Pois fique
sabendo que sem esse braço não consigo conjurar magias! E ninguém quer isso! Quem vai
trazer a luz desse jeito?! —
⠀⠀⠀⠀Ao som de algumas risadas nosso caminho começa a ser feito, até peço desculpas a
Hatash pelo soco, mas todo mundo sabe que não me sinto realmente mal pelo que fiz, a
distância não é tão longa, então só temos tempo para fazer algumas piadas entre nós
mesmos, zoar um pouco de Hatash por ser tão fanático, criticar Jimjar pelo seu vício em
apostas e nada muito importante, normalmente sempre que vamos dormir falamos as
coisas que são necessárias, como os planos para o dia seguinte, o que iremos comer,
aonde vamos, quem vai explorar e é o momento de cuidar de si mesmos. Passando da
lama e de vários outros cogumelos pequenos uma enorme, limpa e cristalina fonte de água,
um rio, se encontra no meio dessa depressão, um único amalgamado de cogumelos se
segura como a única coisa seca nesse lugar, vários cogumelos fluorescente fazem
constelações nesse lago, não consigo entender mas são como as estrelas que via antes de
cair nesse lugar, se olhando pra baixo eu vejo estrelas, o que será que vejo se olhar pra
cima? Esses cogumelos continuam iluminando um caminho que após subirmos desse lugar,
não antes de Hatash lavar o rosto com a água, vemos uma grande ravina, que estava na
frente e quase cai. Vejo uma das pedras partidas em minha pressa caindo no infinito, pelo
menos é o que parece antes de escutar ela se partindo em vários pedaços lá embaixo.
—Cuidado com a queda. — e cogumelo diz como se essa fala fosse me ajudar caso eu
tivesse caído, a pior parte é que não consigo sentir sarcasmo em sua voz, acho que até os
mais inteligentes deles ainda são meio burros.
Jimjar, que sai dando alguns pulos e passando na frente, fala com seu sorriso característico
— Ela já passou por coisa pior, um dia ela caiu de boca em um horror gancho. — Escuto
Hatash dando uma risadinha e imediatamente reviro os olhos eles nunca deixarão essa
passar.
Após quase morrer para uma coisa natural do subterrâneo, e quase me jogar para ver se
eles param com essas piadas bobas, que só aconteceram uma ou duas vezes, chegamos
no outro lado, e imediatamente consigo sentir a mudança de clima por aqui, mesmo que
tudo ainda seja natural e com cores e tons que eu nem sabia que existiam. É possível sentir
um ar mais sério, mais elegante, uma cerca natural se formou em volta desse lugar e ela
tem vários cogumelos com espinhos, o que nem sabia que era possível. Essa cerca é
enorme, tanto de tamanho quanto de largura, nem sei como aquela criatura enorme entra
nesse lugar. Mas por algum motivo, consigo escutar alguns barulhos vindo de dentro desse
local, o que é estranho, já que eu não ouvi nenhum barulho tão alto assim das criaturas,
talvez só o Phylo, mas ele não está aqui.
— Lugar aqui é escondido, vocês podem se esconder e não vão ser vists por ninguém. E é
confortável. — Basilda comenta enquanto puxa um pedaço de cogumelos com toda sua
força, o que não é muito, então ele só consegue abrir após a ajuda de Tanux, que com uma
mão conseguiu abrir o que parece ser uma mini caverna dentro dessa caverna,
provavelmente não iria caber todo mundo, mas esse é o ponto positivo de ter duas pessoas
muito pequenas, têm luz natural, resfriamento natural e muito mais, normalmente eu iroa
odiar dormir em cima do inimigo, mas no momento o meu ombro é mais forte que eu.
⠀⠀⠀⠀Basilda fica na porta enquanto todo mundo entra devagar, Hatash está preparado pra
fazer uma magia caso os cogumelos ataquem, o que é engraçado já que ele precisa ficar
corcunda para entrar aqui, Jimjar e eu estamos ótimos e Tanux tem quase que se agachar,
estava prestes a agradecer Basilda quando elu fecha a "porta" na nossa cara subitamente.
Hatash instantemente foi abrir, mas assim que escutamos alguns barulhos, os barulhos dos
grandes passos de Phylo paramos e só nos mantemos em silêncio. Não sabemos o que
eles conversaram, já que não usam palavras, mas Basilda foi embora com ele, Hatash só
respira fundo e se vira pra gente falando
—Acho que a luz vai confiar, e pelo menos tem um ótimo lugar pra dormir — Novamente
concordo com ele, me sentando contra a parede e começando a tirar o curativo para colocar
outro, é nojento ver partes de minha pele ficando presas nas ataduras, olhar o lodo preto
sujar minhas roupas, além de toda a dor e a quantidade de calor que sinto nessa região.
Tanux novamente para ao meu lado e começa a me tratar, ignorando os meus protestos.
Jimjar se senta do outro canto da parede tirando alguns dados do bolso começando a jogar
sozinho e Hatash apenas se deita.
—Aí, isso ainda dói. — Digo ao fechar os olhos para não olhar para o que ele faz comigo,
não vejo, mas escuto os dados de Jimjar rolando e ele falando logo depois
—A culpa é tua que tu ficou parada por algum motivo, enquanto a criatura ia pra cima de tu.
— abro a boca para xingá-lo, mas lembro que ele não viu o quê eu vi, e nem viu algo
parecido, se não ele não teria me salvado. Suspiro, tanto de dor quanto de decepção por
mim mesma por cair em um truque daqueles.
—Ela foi atacada e continuou lutando, acredito que foi bem. — Tanux pelo menos me
defende, enquanto Hatash parece mais próximo de dormir a cada segundo, ver eles
confortáveis e sem nenhum sangue em seus rostos me faz sentir muito bem também.
Balanço negativamente a cabeça e só mantenho o sorriso ao falar — Sinceramente, foi até
bom… ah… foi, foi bom já que eu posso treinar minhas lutas marciais. E um braço vai ser o
suficiente— Jimjar da uma risada fraca e só mantém sua rotina de jogar dados
—Sem um braço? Quero ver viu, porque tu precisa descansar isso sim. — talvez ele só
esteja preocupado, mas mesmo assim, não posso ser uma inútil para a minha equipe nesse
nível. Hatash, que esqueceu que precisava prestar atenção em nossas conversas fala
olhando pra cima
— Pelo menos, os cogumelos esquistos são bem legais, se eles mudarem um pouco podem
merecer a luz. — Até eu estou surpresa, Hatash normalmente não dá esses passes de
forma fácil, mesmo que ninguém aqui ligue, mas para ele aceitar os cogumelos e fungos em
sua religião quer dizer que ele provavelmente realmente os acha legais. O que na minha
opinião está completamente errado, eles não são nada humanos e não tem nem conceito
de ética, moral ou algo assim, eu não duvido nada que todos eles estejam querendo só
existir até morrer e decompor tudo e todos que tocam neles. Dando uma risada, pela
primeira vez conseguindo ignorar a dor completamente, viro para Hatash e falo
— Eles não merecem, para seguir um Deus você precisa de alma e cérebro, e eles não tem
isso, eles são só um bando de corpos sem vida —

Capítulo 3
Se os Deuses me deixassem voltar no tempo e fazer tudo de novo, eu faria
exatamente igual.

⠀⠀⠀⠀Adoraria dizer que estou dormindo e sonhando com algo bom, infelizmente o que
pensei que seria apenas uma gota de água no mar se tornou um dilúvio, uma discussão
entre Tanux, Hatash e Jimjar se iniciou e então se espalhou como fogo em palha seca e tal
fogo tenta até agora me trazer para a luta. Jimjar e Tanux estão do lado de que os monstros
do lado de fora podem ser considerados humanos enquanto Hatash se mantém neutro,
apenas eu sou completamente contrária e eu prefiro comer o ensopado de minha mãe
umas 6 vezes do que argumentar. No entanto, já conheço eles e Jimjar só vai me deixar em
paz quando eu começar a falar.
"Poxa gente, por que não só traçamos o plano e seguimos em frente?"
"Uai, pra que fazer um plano pra ajudar esse povo se eles não são pessoas"
⠀⠀⠀⠀Balanço minha cabeça negativamente com Jimjar reprimindo minhas tentativas de
escapar dessa discussão em segundos, é a primeira vez em semanas que vejo ele tão
irritado.
"Olha, tanto faz se tu vê eles como gente, eles são um monte de cogumelos e fungos, não
são gente, nem pensar direito eles pensam."
"Se for pensar assim, humanos são só um monte de órgãos, músculos e ossos…"
"Isso mesmo Tanux, porra Eldeth, os cara tão ajudando a gente e tu fala um bagulho
desses?"
"Gente pelo amor de Deus…"
⠀⠀⠀⠀Começo a ficar cada vez mais insatisfeita, não entendo porque estou sendo tratada
como vilã, eles viram as coisas e criaturas que conversamos, eles deveriam saber. Nesse
ponto a dor do meu ombro parece decair em razão da dor em meu peito, odeio me sentir
errada e odeio sentir que estou decepcionando meus amigos.
"Vocês viram o que eles fazem e o que fizeram? Eles não têm vida real, eles não são como
eu ou você, e a gente não vai ter vida nenhuma se a gente não planejar esse negócio logo
viu?"
⠀⠀⠀⠀Vejo Jimjar levantar e se aproximar, consigo ver em seus olhos uma raiva que nunca
vi, nem entendo direito o porquê de tanto ódio, ele normalmente é tão calmo, seus trejeitos
até mudaram e sua fala está um pouco mais cadenciada, passos duros e fortes que não
combinam com a sua estatura, acabo por engolir em seco, ele parece não só com raiva,
como decepcionado, muito decepcionado.
"Então a porra do Stoll não era nada? Só um corpo sem vida pra tu? Ele morto ou vivo
foda-se? Pau no cu do sofrimento que ele teve?"
⠀⠀⠀⠀Essas palavras me acertaram como facas, não só o que ele falou mas como ele falou,
sua voz carregava dor, arrependimento e raiva de, senti lágrimas começando a se formar
em meus olhos, como ele poderia pensar algo assim? Claro que não, Stoll era uma das
únicas coisas boas aqui embaixo. Abro a boca para respondê-lo mas sinto que se falar
minha voz demonstrará que estou prestes a chorar, então me contento em apenas abaixar a
cabeça e suspirar, não quero olhar para ele, nem para ninguém, no momento eu só gostaria
de poder abraçar meu pai e ouvir ele dizer que tudo ficaria bem.
"Ela não pensa isso, todo mundo aqui adorava elu, certamente não mereceu o destino que
teve, mas gritar e brigar não vai resolver nada, ou trazer ele de volta." A voz de Tanux
parece mais imponente que o normal, ele provavelmente também está com raiva, sinto um
pouco de sangue em minha boca de tanto que mordi o interior de meu lábio, os pés de
Jimjar e Tanux se afastam e escuto o som deles se sentando, graças a Tyr que Hatash se
manteve calado, e olha que nem acredito nesse Deus. Vai ser uma longa noite, onde tudo
que eu gostaria de fazer é chorar.
"Certo, a gente vai entrar naquele jardim quando acordamos, vocês acham que teremos
algum problema lá?" Tanux voltou a sua voz séria e neutra agora, devo admitir que respeito
sua capacidade de se manter calmo, tão calmo quanto Stoll.
"Provável que tenha né rapaziada, se não o povo não teria sumido, e o povo tava bem
ferrado quando sumiu"
"Mas não tem problema, Tyr vai nos ajudar e proteger a gente"
"Independente se Tyr irá ou não nos ajudar, acho interessante a gente formar um plano,
como vamos procurar?"
⠀⠀⠀⠀Pelo menos dessa vez a conversa não tem como foco um dos meus maiores erros,
respiro fundo ajeitando minha postura, não poderia me manter fazendo todo esse drama por
motivo nenhum, coloco meu cabelo para trás e levanto o olhar para Jimjar.
"A gente vai de forma furtiva, eu não consigo usar meu porrete e a gente não deveria estar
lá, então é melhor a gente não ser visto, vai que dá algum problema"
"Eu concordo com ela, ou seja, sem magia, Hatash." Um pequeno sorriso aparece em meus
lábios, a forma como ele enfatizou em sua voz e seus movimentos quase beijando Hatash
de tão próximo que ficou.
"Eu sei eu sei, não posso mostrar a luz pra eles, não no início, só se eles merecerem."
"Se a gente encontrar um problema antes de achar eles, lutaremos tentando ao máximo
fazer silêncio sem deixar sobreviventes. E se for depois iremos correr, provavelmente não
estarão em condições de lutar e seria burro colocá-los em risco. Beleza?" Olho para todos
esperando alguma reclamação ou adendo, mas ninguém parece ter nenhum, vejo Jimjar
levantando a mão em um joinha e o seu sorriso característico
"Tá jóia, e a melhor parte, não vamo precisar ficar de guarda, já que hoje estamos seguros"
"Ainda assim eu vou ficar, vai que o Phylo aparece aqui do nada"
"E tu vai brigar com aqueles 3 metros de fungos com teu braço todo ferrado?"
"Sim, Hatash, o mesmo braço que eu vou te quebrar na porrada se tu continuar falando
bobagens" Respondo enquanto balanço a cabeça negativamente, pelo menos a piada
parece ter funcionado já que Jimjar riu e Hatash só falou algo sobre Tyr que minha mente
decidiu ignorar já que seria a mesma coisa das últimas. Vejo todos eles se preparando para
dormir, colocando seus sacos, bolsas e ficando confortáveis, Tanux dorme sentado na
parede com suas espadas encostadas em seu corpo, até parece acordado, sempre
preparado para uma batalha, Hatash, depois de fazer uma oração por meia hora se deitou
de barriga para cima, colocou os pés na parede e dormiu imediatamente, Jimjar se cobriu
com uma das antigas roupas de Ront, ficou de lado usando seus braços como travesseiro e
dormiu um pouco depois. Me deixando completamente sozinha, pode parecer bobagem
mas me sinto muito mal por todos que perdemos nesse caminho. Me sento perto da porta
deixando meu martelo ao meu lado, não poderia usá-lo para nada, mas me sinto mais
segura do seu lado. Junto minhas mãos sentindo a dor em meu ombro aumentar, mas já
estou me acostumando com ela. Fico nessa posição pelo que parece horas e mais horas,
não consigo dormir, minha mente martela várias vezes cada um de meus erros e minhas
hipocrisias em relação aos cogumelos, antes de dormir, aperto minhas mãos e fecho os
olhos com força.
"Tanjir, faz tempo que não conversamos… a gente chegou na floresta de cogumelos, você
ia adorar aqui, tem tanta luz, é quieto, é bonito… é pacífico, que nem você. Eu acredito que
esse Phylo tá escondendo algo grande…"
"Eu aposto! Que você não tá falando sozinha" A voz de Jimjar me assusta um pouco, mas
consigo manter o barulho mínimo, abro os olhos encarando meu amigo que já está de pé se
aproximando, seu rosto amassado e marcas no braço revelam o sono pesado que ele
estava agora a pouco.
"Sinto muito, eu te acordei? Eu tava indo deitar"
"Não não, eu levantei porque é hora de trocar as tuas ataduras, aposto que tu tinha
esquecido" ⠀⠀⠀⠀Quando ele aponta para meu ombro vejo que ele está cheio de sangue e
aquela gosma preta, me pergunto como consegui esquecer de algo tão chamativo quanto
isso.
"Tem razão, mas não precisa, eu troco sozinha" E assim minha camisa sai do meu corpo
deixando apenas as ataduras que uso para cobrir meu peito e manter os machucados em
minhas costas presos.
"Eu aposto todo meu dinheiro que tu não consegue, vem vem, que vamo trocar a das costas
também." E ele vem andando bem rápido até mim, se aproveitando do meu movimento de
sair da parede ele já se aproxima ficando atrás de mim, começando a delicadamente retirar
meus curativos no braço.
"Você tem que ser mais cuidadosa Eldeth, o que vai ser de você quando eu não tiver aqui?
Tiver fazendo milhões em uma casa de aposta?" Não consigo segurar a risada, é
impressionante a confiança que ele tem em si mesmo mesmo que sempre termine o dia
com menos do que começou.
"É mais fácil o subterrâneo inteiro decidir ir pra superfície do que isso rolar… aí"
"Bom, mas quando a gente subir, você vai junto comigo em um cassino né?" Sinto meus
olhos subirem, quase desmaiando de dor quando, sem aviso nenhum, Jimjar começa a
costurar meu machucado, olho para o lado e vejo que além do grande buraco no ombro
existem vários cortes, buracos e queimaduras que eu nem senti na hora, no entanto agora
eu sinto cada uma delas.
"Se… se tu ainda tiver dinheiro até lá."
⠀⠀⠀⠀A risada rouca dele me faz abrir um sorriso, devo sempre frisar que admiro muito sua
capacidade de manter o sorriso no rosto, a felicidade enquanto estamos em uma situação
tão ruim como a nossa, suspiro fechando os olhos, meu sorriso some ao lembrar do que já
perdemos aqui.
"Todo… todo mundo que estava na prisão no início já morreu ou me deixou né? O meu
irmão, Elorin, Shuushar, Iara, Pyetro, Sarith, Tipsy, Topsy, Dylidae, Stoll, Buppido, Ront,
Derendil… só ficou a gente, sempre só nós dois… eu… se eu te perder nesse subterrâneo
também eu… eu não sei o que ia acontecer comigo, eu gosto dos outros mas…"
⠀⠀⠀⠀Sinto minha voz falhando no final, e suas mãos saindo do machucado e indo para meu
cabelo começando um carinho ali, Jimjar normalmente não era carinhoso e para ele não ter
falado nada ainda, provavelmente é porque eu estraguei o clima.
"Acho que realmente somos os últimos de nós, né? Mas não se preocupa, nada vai
acontecer comigo, nem contigo, a gente já passou por tanta coisa, e eu já aguentei tanta
merda que tu fala, como sobre os cogumelos, que tu nunca vai se livrar de mim. Eu
apostaria todo meu dinheiro nisso"
⠀⠀⠀⠀Novamente solto uma risada com ele falando, dessa vez consigo sentir as lágrimas
descendo pelo meu rosto, fazia tempo que não chorava, é uma mistura de tristeza,
saudade, raiva e felicidade. Abaixo a cabeça e cubro meu rosto com a mão ao sentir um
abraço de Jimjar, minha voz sai abafada, espero que isso esconda o quanto estou
chorando. Admito que não me acho muito boa em controlar meus sentimentos, hipocrisia eu
sei.
"Lembra como a gente foi pego? É tudo culpa minha, s.. se eu não tivesse te atacado por
motivo nenhum…"
"Shhhh, pensar desse jeito é um bom jeito de perder várias horas de sono, a culpa não é
sua, é da Ilvara e do animal de estimação dela."
"Merda… eu queria, eu queria poder matar ela, ele merece essa justiça, puta que pariu… eu
sinto, eu tava errado sobre as pessoas lá fora, elus são pessoas, a Ilvara e os escravagistas
dela que são os monstros."
⠀⠀⠀⠀Minha mão aperta em meu peito, olhando para baixo consigo lembrar exatamente de
quando pegaram a gente, de chutarem meu irmão, de sermos levados para prisão, deles
fazendo o Tanjir como exemplo, do seu rosto deformado cheio de dor, da última porrada que
o deixou quase inconsciente e então dele sendo jogado para as aranhas eu sei que ele
sentiu toda a dor enquanto eu não fiz nada, eu só assisti de longe, eu chamei ele para o
subterrâneo, eu que ataquei Jimjar o que trouxe os drows, eu que planejava a fuga, eu que
dei a faca para ele, eu que matei meu irmão.
"Você tá certa, eles são os monstros, e a culpa é toda deles, eles que mataram, eles que
prenderam, eles que merecem a morte e não você. Eu não conheci muito o Tanjir, só alguns
meses, mas ele não ia te culpar e ele estaria feliz de que tu vai conseguir ser a melhor
madrinha que o filho dele poderia ter."
"Se a gente conseguir chegar até lá…" Minha voz sai quase como um sussurro, ela está
fraca, curta e embargada. Muito diferente de minhas lágrimas que começaram a cair em
uma corrida entre si.
"A gente vai. A gente vai achar nossos amigos ali, ajudar as pessoas que moram aqui e
seguir o caminho."
"A… a gente tem que esperar a Iara e a Anastácia, elas voltaram e falaram que iam…"
⠀⠀⠀⠀Jimjar anda bem rápido até ficar na minha frente, sinto suas mãos de forma delicada
tocando em minha bochecha e levantando meu rosto para encarar o dele que está bem
próximo, consigo ver vários detalhes no seu rosto, assim como ele deve ver as lágrimas
acumuladas em meu rosto que vão escorrendo até minha barba. Vejo que ele está tentando
manter a expressão calma, mas ainda tem um pouco de lágrimas nos seus olhos, suas
sobrancelhas estão mais para baixo que o normal, ele não está só triste, como também
está bravo o que certamente não é normal para ele, sua boca se mantém entreaberta por
uns dois segundos antes de seus olhos encontrarem com os meus e ele começar a falar.
"Pau. No. Cu. Das duas. Digo, não exatamente, espero que elas estejam bem e tal, mas a
gente não vai se manter aqui em baixo em perigo esperando pessoas que saíram porque
queriam. Eu espero que elas cheguem e consigam ajudar a tiefling, mas é loucura querer se
matar por causa delas" Eu adoraria discordar dele, mas com o Sem Nome perto de nós, tão
perto que acabou com minhas costas, com a perseguição dos drow, é loucura querer voltar
e ficar parados.
"Certo… tá… mas… se as coisas ficarem feias por aqui… vocês vão correr tá…? Vocês não
merecem morrer assim."
⠀⠀⠀⠀Ele dá um sorriso fraco balançando a cabeça negativamente e se colocando atrás de
mim novamente, Jimjar parece mais calmo, espero que ele não pense menos de mim
agora, odeio chorar na frente dos outros, graças aos Deuses que Tanux e Hatash estão
dormindo, sinto ele começar a colocar algumas ataduras novas para cobrir o machucado no
ombro, impressionante como ele continua sendo eficiente mesmo em meio a uma conversa,
normalmente eu acabo focando demais em uma parte do trabalho e esqueço das outras.
"Eu aposto que tu não vê o quão hipócrita tu é…" Viro para ele, prestes a chorar ainda mais,
porque já estou sensível e receber xingamentos sem estar preparada sempre me faz ficar
abalada, felizmente, ele continua "Shhh, é de um jeito bom, tipo, tu fala, xinga as raças
daqui de baixo, a Tipsy, o Topsy e tal, mas mesmo assim tu sempre tenta defender a gente,
tenta se jogar na frente e pensa primeiro nos amigos do que em você. Burra."
⠀⠀⠀⠀E ele se agacha mordendo o excesso de linha que meus pontos tinham, ainda bem
que ele sabe fazer esse trabalho de medicina, seria quase impossível fazer isto sozinha,
sinto um alívio enorme passando pelo meu corpo com a dor no ombro diminuindo enquanto
ele vai fechando os machucados com as bandagens
"Eu não vou… responder isso, mas entre nós, tu não quer… descansar? Digo, não morrer,
mas passar uma semana sem ter que andar dez quilômetros, dormir em um lugar
confortável e não quase morrer?"
"Se eu estiver com você, não tem tanto problema, porque mesmo na merda ainda é bem
divertido"
⠀⠀⠀⠀Sinto suas mãos mudando para as costas e retirando o curativo improvisado que fiz
quando encontrei aqueles monstros, foi sorte eu ter saído com minha vida, mas ainda assim
preferiria sair sem deixar minhas costas cheias de cicatrizes, ele começa a passar uma
"pomada" que na verdade não passa de uma gosma com vários cogumelos, ervas e água
para amenizar a dor e não deixar infeccionar, eu espero.
"Você não é fofo assim normalmente… toma cuidado que vai perder teu cargo de
insensível" Ele ri e pressiona mais forte do que o necessário em minha lombar me fazendo
gemer um pouco com a dor, ele começa a falar e sua voz está mais grossa, já sei o que
vem aí e mesmo assim não consigo impedir minha risada.
"Sim, eu sou o insensível, me chame de Anastácia! E eu durmo de cabeça pra baixo porque
sou uma vampira sem coração"
"Jimjar, para com isso tadinha" Mesmo que estivesse reclamando ainda dava para escutar o
sorriso em minha voz, até o jeito que alonguei o seu nome mostrava que achava bem
engraçado a idéia de rir do quão melancólica Anastácia era às vezes.
"É verdade, só não durmo de cabeça pra baixo quando tô de joelhos pra Iara"
⠀⠀⠀⠀Ele aproveita que estou dando uma risada realmente alta dessa vez para pressionar
com toda sua força um dos machucados que tinha, não sei exatamente o porquê, mas
espero que seja por um motivo bom pois está doendo bastante, fico completamente sem ar,
tanto pela risada tanto pela dor que passa correndo por todo meu corpo. Sussurro um "filho
da puta" bem baixo enquanto respiro fundo para tentar manter a compostura, ele
rapidamente passa as ataduras em volta de meu corpo novamente. Ainda acho engraçado
as piadas dele, mas no momento estou muito mais concentrada em não gritar de dor, muito
mais ofegante do que gostaria de admitir.
"Porra…. Dava pra ter avisado antes pelo menos…"
"Eu aposto que nem foi tão ruim! Agora vai se vira pra dormir. Não, não, não, não você não
vai ficar de guarda, eu fico" Ele levanta a mão com um dedo pra cima, provavelmente
tentando passar a confiança que ele já tem, reviro os olhos me ajeitando para dormir, deito
no chão macio e olho para Jimjar de cima para baixo, normalmente eu tentaria lutar bem
mais contra essa idéia, mas meu braço e costas estão me matando, então eu só gostaria de
fechar os olhos um pouco.
"Qualquer coisa, só me chamar"
"Não vou chamar, mas tudo bem."
"Haha, é bom que me chame"
"Shhhhhhh"
⠀⠀⠀⠀E ele se aproxima sentando ao meu lado, começando a fazer um cafuné fraco em
meus cabelos, é bom sentir um pouco de afeto. Suspiro fechando os olhos e começando a
tentar relaxar, o toque de Jimjar é carinhoso, gentil, esse lugar é macio e tem um clima bom.
Estou cercada de pessoas que gosto e tirando a dor em meu braço, seria um dia perfeito.
Mas ainda assim me sinto tão vazia. Tão sozinha. Quando estou conversando com Jimjar
não tenho isso, quando estou rindo com o fanatismo de Hatash não tenho isso e quando
estou tentando ser uma boa líder para Tanux não tenho isso, mas sempre que estou
sozinha tudo que tenho são memórias de um passado melhor, sempre cortado pelos drow.
Me lembro de como meu mundo era, na superfície, sempre fugindo de responsabilidades e
querendo apenas diversão sem pensar. Eu gostaria de voltar para aquela época, onde meu
irmão estava vivo. Sinto a mão de Jimjar em meu rosto por uns dois segundos antes dele
voltar ao cafuné. Em um mundo tão cruel, com monstros e diabos querendo nossa pele, não
estou feliz de ter caído aqui, mas estou muito feliz de estar com essas pessoas, e
especialmente o gnomo da profundezas com vício em apostas.
⠀⠀⠀⠀Começo a adormecer devagar, normalmente eu odeio dormir, sempre tenho
pesadelos, mas quando adormeço desse jeito eu tenho paz, sonhos calmos e felizes, assim
como minha vida um dia foi.
Adormeci.
⠀⠀⠀⠀Tive uma das piores noites da minha vida, minha menstruação chegou como um
dragão arrasando uma cidade, acredito que essa seja a razão de que no meio da noite senti
algo pressionando minha garganta, parecia frio, como um metal. Mas além disso eu estava
suando frio, meu corpo quente e meu machucado explodindo em dor. Parece que o Deus da
sorte decidiu gargalhar hoje, onde está Elliey e sua balança de justiça quando se precisa
dela? Minha cólica e o empalamento em meu braço parecem estar brigando para ver quem
vai me matar de dor hoje. Deixei meus amigos lá dentro, todos dormiam como bebês,
infelizmente não tive esse luxo, acho que no meio da noite Hatash mexeu seus pés e está
com eles contra o peito de Tanux, nem consegui perceber direito, tive que sair correndo
rapidamente do nosso esconderijo para longe, infelizmente perdi uma das rações pois usei
a sacola para vomitar. Parei perto do lago sem nem perceber, talvez tenha sido a memória
do quão bonito aqui é, olho para as "folhas" de cogumelos que brilham em um roxo
fluorescente, os grandes caules que correm por todo o lugar. Troquei o absorvente feito de
um pedaço de lã que eu usava para cobrir meu martelo, logo depois queimei a outra parte
da lã usada. Ao fazer isso, infelizmente acabei encarando o lago, que também é lindo, a
reflexão de todas as cores passa um ar místico, infelizmente consigo ver meu rosto em
detalhes nele. Meus olhos castanhos já não brilham mais como antes, agora eles estão
acompanhados por duas enormes bolsas roxas, meu rosto além de estar muito amassado
também está bem mais caído que o normal, a coisa que tinha mais orgulho, que era minha
barba cresce de forma desorganizada, sem nenhuma trança ou detalhe bem feito, ela
parece um furacão de tanto nó se encontrando. Meu cabelo nem se fala, está muito maior
do que deveria, minhas tranças se perderam e agora pareço mais um monte de cabelo do
que uma pessoa, se eu tivesse a coragem já teria cortado tudo isso, além de estar muito
mais fraca do que deveria. Consegui tomar um banho rápido, lavei o rosto umas dez vezes,
tentando limpar a sujeira que carrego comigo e rezando para que um rosto novo, muito mais
bonito de preferência, apareça. Não é sempre que posso passar alguns minutos no silêncio.
⠀⠀⠀⠀E como sempre, meu silêncio é interrompido cedo demais, seja por Hatash tentando
levar alguém pra religião dele, seja por uma aposta mal colocada de Jimjar, ou nesse caso,
o grito mais agonizante que eu já ouvi.

Capítulo 4
Eu juro, não vi nada.

⠀⠀⠀⠀Me viro na direção de onde esse som saiu, tento encontrar, por alguns segundos, de
onde exatamente ele vem, sei que não é na direção do nosso acampamento. Normalmente
iria apenas ignorar e seguir minha vida, afinal provavelmente esse grito vem de alguma
criatura do subterrâneo, mas minha curiosidade foi atiçada, então vou me dirigindo
lentamente, como uma mosca seguindo a luz de um lampião apenas para ser queimada.
Passo por alguns cogumelos, tendo que me abaixar, desviar e evitar umas cinco quedas
diferentes, é especialmente difícil se esconder quando todas as "plantas" desse lugar tem
um brilho fluorescente que se movem junto comigo, pelo menos o roxo que ilumina o local
continua bonito.
⠀⠀⠀⠀Chego perto e ao ver um ser pequeno, cinza, mas com barba bem longa e uma
pequena faca na mão em frente a um pequeno cogumelo com pernas, sem olhos que me
lembra um pouco de Stoll por elu ser totalmente igual a uma pedra, só que verde. Agora eu
entendo o porquê o grito parecia tão horrível, de me sentir curiosa, minha mente não
percebeu instantaneamente, mas o grito era igual ao de Stoll.
⠀⠀⠀⠀Sinto minha respiração ficar travada e preciso de alguns segundos me controlando,
meu sangue sobe e sinto meu corpo inteiro tremer, não sei o que aconteceu, não sei se o
cogumelo atacou ele, então não sei porquê eu estou correndo para cima desse homem sem
saber a história e com um dos meus braços inutilizado. Talvez seja a raiva de ver uma
pessoa claramente mais forte matando um outro ser, talvez as palavras de Jimjar tenham
funcionado, talvez seja a culpa de não ter feito absolutamente nada para salvar Stoll ou
talvez eu tenha enlouquecido completamente. Começo a sentir o sangue desse homem
caindo de minha mão, vejo seu rosto desmaiado, talvez morto, com vários hematomas e
cortes. Sua expressão estava sorrindo ao matar o cogumelo, mas agora sua boca está
fechada e dois dos seus dentes estão no chão, a barba que um dia foi branca está
manchada de vermelho, não usei nada de meu treinamento, o peguei desprevenido, ele não
teve chance. Minha respiração pesada se aproxima dele mais uma vez, dessa vez de
punhos abertos chego perto e retiro um pequeno broche de sua blusa me lembra de um
Deus insano, tinha que ser uma criatura inferior seguindo um Deus ainda mais inferior, deixo
cair esse metal e olho para a escória em meus pés, não sou ninguém para decidir quem
vive ou morre mas com certeza gostaria de matar esse homem, suspiro e me agacho perto
do cogumelo. Não posso procurar batimentos, porque essa raça não tem um, então só falo
em um sussurro:
"Você… você está vivo?" Espero, espero tempo demais, alguns segundos, talvez um ou
dois minutos, não tenho muita noção de tempo, nem sei quanto tempo passei batendo
nesse homem. Suspiro colocando a mão para me levantar quando escuto um estrondo bem
alto atrás de mim, no meio da floresta, imediatamente levanto minha guarda, sentindo um
de meus braços implorando para que eu pare, mas vejo Phylo aparecendo, nojento como
sempre, enorme mas inexpressivo.
"Oh minha Senhora, o que aconteceu aqui?" Tem um homem desmaiado com o nariz
quebrado, minhas mãos pingando de sangue, estou ofegante e em cima de um corpo
morto, o quão estúpido você precisa ser para não entender o que está acontecendo aqui,
não posso xingar essa criatura já que ela me pegou assassinando uma pessoa.
"E-eu ele tava, eu não fiz, ele merec–" Antes que minha voz demonstrasse demais a minha
falta de confiança, quase tropeço no cogumel mort ao mpeu lado, estava me afastando
instintivamente. Ainda mais quando vejo Phylo começando a se aproximar.
"Não se preocupe, eu juro, não vi nada. Claro, se você me ajudar, me entregando esses
corpos para fazer a decomposição." Ele fala como se estivesse me pedindo uma xícara de
chá, como se não fossem dois corpos mortos, como se a vida de um dos seus não
importasse. Provavelmente não importa.
⠀⠀⠀⠀Quando vou falar sinto minha voz fraquejar, tudo que acabei de fazer vai caindo cada
vez mais em minhas costas, me sinto mal, tenho vontade de vomitar, não só pela dor no
braço e virilha, como também pelo que fiz. "T-ta, pode… pode levar"
"Agradeço muito! Não sei onde dormiram, mas o convite para ver o jardim de boas vindas
ainda está de pé!" Ele então se aproxima dos corpos enquanto eu vou me afastando
lentamente, dando alguns passos para trás, ele não esperou minha resposta, apenas
colocou os corpos desses dois no ombro e começou a levá-los para longe, tenho quase
certeza que vi o derro que ataquei se mexendo antes de desaparecer em meio aos grandes
cogumelos.
⠀⠀⠀⠀Ando devagar até o nosso "esconderijo" sinto meu corpo doendo e minha cabeça
latejando, assim como meus braços e meu punho, nem sei quais sensações estão sendo
causadas pelos meus machucados e quais pelo meu próprio corpo, ainda assim continuo
andando, minha cabeça perdida em pensamentos, passo por baixo de cogumelos que se
parecem como árvores, vejo ao longe as criaturas "se comunicando" me parece um monte
de carcaças, pedras e ou cogumelos em um círculo parados. Mas em outras partes vejo
alguns deles "trabalhando" no topo de uma das elevações ao lado da parede um monte de
cogumelos estão cuidando do solo e analisando o crescimento de… plantas…?
Cogumelos…? Nunca vou saber porquê ignorei completamente e não me aproximei. Chego
em frente a parede onde estamos escondidos e encaro ela por alguns segundos pensando
nos amigos que ficaram para trás na nossa viagem, Anastácia, Iara, Buppido e Ront.
Estamos nesse lugar irreal por causa de outros amigos. E se no caminho nós nos
perdemos, nós morremos? Vale a pena perder o navio para salvar um bucaneiro? Estou
pensando nisso demais. Eles são pessoas boas, mesmo sendo do subterrâneo, eles não
merecem isso tudo, tenho que ajudá-los. Não irei perder meu navio e nem minha tripulação,
nem que seja apenas eu a afundar.
⠀⠀⠀⠀Novamente me pego confusa comigo mesmo e esses papos de pirata, talvez
conversar com aqueles piratas a algumas semanas me fez mal. Será se faz semanas ou eu
estou enlouquecendo?
"Você tá tentando aprender uma visão que atravessa paredes? Ou só achou a decoração
bonita?" Admito, eu me assustei com a voz de Hatash saindo do nada, olho para o lado
vendo um olhar confuso de meu amigo humano, em uma de suas mãos ele carrega o seu
símbolo sagrado e em outro um cogumelo comestível.
"Não não… eu só tava sei lá analisando as coisas e a gente precisa ir rápido, e ver se a
gente encontra os nossos amigos rápido."
"Eles tão bem, a luz é uma benção para eles, ela sempre ajuda quem eu peço" Ele está
claramente muito confiante, algo que eu invejo, seu rosto está animado e sorridente, ele
teve uma boa noite de sono e provavelmente já rezou hoje, algo que ele faz todos os dias.
''Se a Luz é tão boa, por que você foi sequestrado, capturado, esqueceu quem são seus
pais, descobriu que tu aparentemente tinha uma vida onde era um bruxo de um demônio e
participava de uma equipe de mercenários''
⠀⠀⠀⠀Ficamos em silêncio por alguns segundos, fico pensando se Hatash acabou
esquecendo seu passado novamente, se eu fui rude demais, se eu lembro das coisas
erradas, se ele está irritado. Seu sorriso sumiu. Por 3 segundos então ele volta com a frase
mais "Hatash" que já existiu.
"Naaaah, a Luz sempre me ajuda e ela não deixaria nada de ruim rolar comigo e pra que
um pacto se já sou abençoado pela luz?"
"Você não acredita nas coisas que te falaram? Tu parecia bem interessado quando sua
possível antiga equipe falava sobre teu passado" Espero que meu rosto não esteja
demonstrando o quão surpresa e… decepcionada estou, Hatash descobriu que tinha uma
outra vida que não se lembra, uma vida completamente diferente e que parece ser a
principal enquanto essa não passa de uma coadjuvante. No seu lugar eu choraria por horas
e horas e então decidiria procurar um jeito de descobrir mais sobre, admito que respeito o
quão despreocupado com isso ele é.
"Pra que ficar pensando nisso? Eu já tenho tudo que preciso, minha fé, eu confio que ela
me guia, se eu tiver que descobrir mais sobre esse passado, a luz me levará até ele."
Hatash aperta em sua mão o símbolo, ainda orgulhoso de si mesmo e confiante em Tyr,
sinceramente toda essa fé cega normalmente é só ignorada mas dessa vez não consigo me
segurar e acabo sentindo um pouco de inveja, a cada segundo nesse inferno eu fico menos
e menos confiante e sei que não sou a pessoa mais eficaz para liderar esse grupo. Ainda
assim, respiro fundo abrindo a "porta" de onde passamos a noite, chegando lá vejo Jimjar
jogando seus dados matinais, sempre que acorda ele lança 3 dados de 6 dependendo do
resultado ele decide a sorte dele para o dia. Vejo os resultados: 3, 2 e 1. Acabo sorrindo,
adoro o seu rosto preocupado com literalmente nada, já que não passa de uma superstição
boba. Tanux está rezando e ou meditando, nunca sei. Antes que pudesse falar Hatash
passa em minha frente jogando cogumelos amarelos na frente de todos e falando animado:
"Conseguimos muita comida que são quase os nossos colegas! Bom dia e que a luz dê sua
bênção pra gente!"
"Olha, eu aposto 5 peças de prata que isso aqui deve ser venenoso" Jimjar diz com uma
voz lamentosa, ele está assumindo que tudo vai dar errado e se preparando… ele poderia
não apostar, mas infelizmente é viciado demais nisso. ⠀⠀⠀⠀E para provar ainda mais que
esses dados não passam de besteira eu conheço esses cogumelos, são comestíveis e com
gosto doce.
"Não se preocupa, eles são de boa pra comer, um ótimo café pra quem não tem café de
verdade, valeu" Olho para Hatash e aceno com a cabeça como uma forma de
agradecimento, ele não parece prestar muita atenção, no momento ele está com a boca
cheia de cogumelos. Chego perto de Tanux para chamá-lo para comer e escuto um pouco
de seu ritual, assim como escuto Jimjar falar que ninguém tinha apostado com ele, então
ele não perdeu… mas ignoro meu amigo gnomo dessa vez.
"Escute minha súplica para aqueles caídos. Deixe-me com os imperfeitos mais uma vez,
segure a última chama neste hibernu, não nos deixe desistir. Nos deixe responder o
chamado da honra. Pelos derrotados, perdidos. Pelos quebrados e impuros. Não nos deixe
desistir." ⠀⠀⠀⠀Sua voz sai um pouco mais grave que o normal, sua postura está bem ereta
e mesmo coberto pela máscara consigo sentir que isso parece bem sério. Não parece uma
oração, parece mais como um lema, um pedido ou um código. Eu gostei, me dá esperança
que iremos vencer e ajudar nossos amigos. Ou como ele mesmo diz, os derrotados. Ainda
assim, preciso tirar ele de sua concentração, então apenas toco seu ombro com firmeza.
"Ei, o Hatash conseguiu comida, quer um pouco?" Consigo expressar meu melhor sorriso
olhando para os olhos da máscara, dessa vez verdadeiro, senti certa confiança após um
início de dia bem ruim.
"Ah sim, vou querer sim, não está envenenado certo?"
"Claro que não! A Luz nunca deixaria eu me envenenar" Hatash diz o que parece ser uma
piada ou sarcasmo, mas ele realmente acredita nisso, tanto que antes mesmo de receber a
informação de que eles não são venenosos ele já tinha comido cerca de 3.
"Eles realmente não tão, confia" Após minha confirmação vejo Tanux pegando algumas
frutinhas e se virando para comer, todos nós já nos acostumamos a olhar para o outro lado,
respeitar sua privacidade.
"E você, tá bem? Melhor que meus dados aposto…" Jimjar se aproxima ao falar isso, vejo
ele olhando para meu ombro e braço com certa preocupação, não resisto e acabo
suspirando, odeio que fiquem com essa pena desnecessária comigo.
"Tô ótima, não se preocupa, só vou trocar as ataduras e tô pronta pra socar uns cogumelo"
Tento passar o máximo de confiança, que nem eu acredito tanto, para eles. Aparenta
funcionar já que Jimjar abre um sorriso e vejo Tanux acenar com a cabeça enquanto me
entrega algumas bandagens de pano.
⠀⠀⠀⠀Passo os próximos cinco minutos um pouco afastada enquanto troco os materiais que
usei para estancar o sangramento e ajudar na minha regeneração, enquanto o grande
rombo no meu ombro está exposto sinto a sensação estranha de vento passando pela parte
de dentro da minha carne. Coloca a mão por cima desse machucado, que agora já não se
encontra com tantas marcas pretas e após algumas palavras de concentração consigo
recitar uma magia de cura que aprendi com minha mãe. Vejo o tamanho do machucado
diminuir bastante, tento conjurar novamente, mas as pontas pretas parecem impedir
qualquer ajuda externa.
"Vai ser do jeito difícil…" Suspiro ao abrir minha bolsa e retirar uma agulha, uma linha para
costura e um cantil cheio de álcool de cogumelo, sempre soube que costurar não seria
inútil.
⠀⠀⠀⠀Respiro fundo, não posso fazer barulho para não incomodar meus colegas, mas ainda
é difícil segurar um gemido de dor ao passar o álcool em meu machucado, perco o controle
do meu braço ao sentir aquela pontada infernal percorrendo meu corpo, as lágrimas se
acumulando nos meus olhos e o cantil derramando, nem penso no prejuízo que isso é
porque no momento todo meu cérebro grita para que eu pare o "fogo" em meu ombro, aos
poucos minha respiração fica um pouco menos ofegante e eu consigo focar minha visão
novamente, mordo meu lábio enquanto minhas mãos trêmulas pegam a agulha na minha
frente. Magias de cura são a melhor coisa já encontrada, porque medicina é para loucos.
⠀⠀⠀⠀Após quase não conseguir colocar a linha na agulha eu levo o objeto pontudo ao meu
ombro respirando fundo, o machucado é grande mas eu consigo fechá-lo com a costura,
preciso me concentrar, me acalmar. Respiro fundo e enfio a agulha em minha pele, a
sensação é excruciante, um objeto estrangeiro está penetrando cada pedaço da minha
pele. A dor é aguda, contínua e insuportável. Meus músculos estão se contraindo e vejo
algumas bolhas pretas explodindo e queimando ainda mais minha pele. Além de estar
ofegante, chorando e suando não aguento e acabo sussurrando sem fôlego.
"Puta que pariu"
"Chamou!?"
⠀⠀⠀⠀Mais uma vez eu tomo um susto com a voz de Jimjar aparecendo do silêncio absoluto,
fecho os olhos novamente com a agulha se movendo para o lado e arranhando meu
músculo exposto ao ar livre, fui descuidada e tomei bem no meio do meu cu.
"Eita! Aposto que tu não tá muito bem?" Jimjar diz enquanto se aproxima, normalmente eu
tentaria mentir e fingir que eu estou ótima. Mas nem forças pra isso vou conseguir. Fecho os
olhos abaixando a cabeça e sussurrando bem mais baixo.
"Não… magia não tá funcionando no machucado então vou colocar uns pontos." Meu braço
inteiro ainda está latejando e só consigo escutar Jimjar se aproximando devagar.
"Não não, eu coloco se preocupa não, aposto que tu nem vai sentir nada."
⠀⠀⠀⠀Ele perdeu a aposta. E perdeu feio, doeu e muito, minha pele foi furada vinte vezes e
cada uma dessas eu sentia a quantidade de dor aumentando, quase como se esse fosse o
objetivo do machucado. Sempre que a linha passava era como se eu estivesse recebendo
um corte de papel contínuo e bem grande. Eu estava agarrando um cogumelo tão forte que
parti sua parte no meio sem querer, chorei e chorei bastante, mas silenciosamente para
meu orgulho se manter intacto. Acho que Jimjar decidiu ser bem minucioso já que ele
aparentemente levou uns 50 minutos para terminar os pontos. Estou suada, quente e
ofegante, passo um bom tempo sentada olhando pra baixo com Jimjar em minha frente. O
machucado arde, a dor continua latejante e eu gostaria de voltar para a minha casa e nunca
mais pensar em me machucar desse jeito, no entanto finalmente retiro os olhos dos pés de
Jimjar quando ele termina de colocar a última parte da atadura, passo uns dois segundos
me concentrando para minha voz não sair trêmula e então digo.
"Vamo continuar? A gente tem um jardim pra ver" Jimjar me olha preocupado, com pena.
Odeio ser olhada com pena.
"Certeza? Tu é malhada e tal mas acho que precisa descansar com um buraco desse
tamanho no ombro" Vejo suas mãos indo para a cintura e sua voz garante que ele não está
pedindo e sim mandando, não resisto e acabo rindo ao levantar, quase caindo de novo.
"Lembra quando a gente literalmente viu um lorde diabo? Eu sei quando correr e sei meus
limites, não se preocupa." Coloco minha mão no seu ombro, ele olha para ela, eu também,
ao ver que estou tremendo e muito, retiro ela rapidamente e vou andando para longe dele.
"Ainda acho melhor você ficar pra trás."
"E eu acho melhor você não perder todo seu dinheiro em apostas."
⠀⠀⠀⠀Pelo menos dessa vez consegui o deixar calado, passo por algumas "folhas" de
cogumelos até encontrar Hatash e Tanux abastecendo nossos recursos em um pequeno
lago de água cristalina, após alguns minutos de conversa fiada e cerca de oito litros de água
potável finalmente começamos a caminhar para o jardim, subir a pequena elevação é bem
difícil com apenas um braço podendo ser utilizado, acabo demorando bem mais do que
gostaria, quase caindo algumas vezes e suando bem mais que o necessário. Achei que
meus amigos estavam indo junto comigo apenas para me fazer companhia, mas olhando
para eles todos estão cansados, com dificuldade e quase caindo. Hatash está lá embaixo,
nem é tão íngreme, mas todos acabaram com problemas na hora de subir, no final a gente
chegou no topo, finalmente.
"Ninguém voltou daqui porque é um inferno subir" Hatash exclama com todo seu corpo
curvado, mãos no joelho e recuperando aos poucos o ar. Para isso, Tanux responde com
uma voz serena, quase como se não tivesse sido um desafio.
"Não foi tão ruim, um pequeno exercício."
⠀⠀⠀⠀Tudo bem que ele está certo, mas ainda é complicado dizer isso para nossos amigos
sedentários, Jimjar e Hatash são menos de exercícios e mais de… pra ser sincera não sei
no que Jimjar é especializado e Hatash é especialista em pregar sobre seu Deus em todos
os momentos. Não tenho tempo para pensar nisso, vejo uma cerca natural que protege
essa parte do local, com vinhas roxas e alguns cogumelos fluorescentes que brilham em
azul, amarelo e todas cores muito vivas, o que contradiz a sensação de vazio que sinto
quando olho pelas frestas vendo apenas um plano cinza e com vários corpos, que
normalmente seria normal, mas nesses os cogumelos brilhantes não se fazem presentes.
Consigo escutar alguns murmúrios vindo da outra parte, como se alguém, não, algumas
pessoas estivessem do outro lado, não consigo entender o que dizem mas parecem
abafadas e fracas. Espero que seja só o vento, não tem vento no subterrâneo.
"Venham, ajudo vocês a subirem" Tanux se aproxima daquela cerca e se coloca em uma
posição onde conseguimos usá-lo de apoio para subir, a cerca não é tão grande, mas como
todos nós somos pequenos sua ajuda é bem vinda. Vejo que dentre todos nós o que teve
maior dificuldade foi Hatash mesmo sendo um dos mais altos, ele realmente precisa fazer
mais exercícios. Assim que todos nós passamos imediatamente começamos a olhar para
todos os lados, procurando qualquer sinal de perigo, Hatash cria uma pequena fonte de luz
em sua mão que nos tira da escuridão quase que completa, o cheiro é horrível, corpos
apodrecidos, digo, micoides estão dormentes, encostados em paredes imóveis, a luz de
Hatash vai iluminando, mas não é apenas nossa visão que chama nossa atenção, a
audição também.
⠀⠀⠀⠀Os murmúrios que não passavam de sussurros que poderiam ser confundidos com um
barulho ambiente vão aumentando, pouco a pouco, devagar, enquanto chegamos perto o
que eu rezava para ser minha imaginação se torna uma sinfonia de gemidos, lamentos e
grunhidos. A luz de Hatash é infortuna, ela nos mostra a verdade, mas o que ninguém
deveria ver, dezenas de pessoas daqui do subterrâneo estão no chão, algumas presas até a
cabeça, outras até a cintura, diferente dos "cadáveres" que estavam claramente mortos,
essas pessoas estão vivas, em uma agonia constante, fungos crescendo de suas cabeças,
a boca de uma está completamente rasgada com um fungo se espalhando até seu pescoço,
mas sua respiração se mantém fraca e sonora. Uma outra pessoa parece bem, até se olhar
para seu peito, onde um cogumelo usou a parte frontal do corpo dessa pessoa para seu
crescimento, sua respiração é vazia, desesperada, como se mesmo sem mais pulmões ela
continuasse tentando puxar ar. Mofo em seus olhos, fungos abrindo buracos em seus rostos
decompondo pouco a pouco não só a vida como a sanidade dessas pessoas.
"Meu Deus…" A voz de Hatash é fraca, preocupada, é até difícil de escutar no meio de
tanto barulho, pela primeira vez ele não mencionou Tyr ao falar essa frase, até ele deve
estar surpreso, a luz que ele carrega fica um pouco mais fraca com ele se afastando, nem
parece proposital, ele só não quer estar mais perto de tanto horror.
⠀⠀⠀⠀Nada poderia ser pior, até que o olho de uma das pessoas, uma drow, encontram com
os meus, eles estão marejados e mesmo com fungos crescendo no seu braço deixando ele
inchados por dentro e por fora com uma clara corrente que sobe até sua cabeça parecendo
deixar completamente irreconhecível a parte esquerda do seu rosto, com mofo arrancando
pedaços do seu cabelo e consumindo completamente seu olho, ela fala com quase um
sussurro, sem voz nenhuma, mas com um sentimento de derrota, de dor, mesmo com toda
a dificuldade para falar ela solta nos mostra seu verdadeiro desejo.
"Por favor… pelos seus Deuses de luz… tenham piedade e… me matem… por favor…"

Capítulo 5
O reencontro.

⠀⠀⠀⠀Dizem que preguiças são preguiçosas, mas eu não acho que elas são só isso,
criaturas fofas, com garras, olhos grandes e que vivem em florestas de Hūsara. Elas não
parecem ligar pra nada, apenas segurando em árvores e comendo folhas. Eu sonho em ser
uma preguiça, meu único desejo seria para todos serem preguiças, vivendo vidas
insignificantes com objetivos alcançáveis, por que não podemos ser como as preguiças. Eu
tento me convencer a viver com mentiras mirabolantes e idéias inalcançáveis, por que não
conseguimos ser como as preguiças?
⠀⠀⠀⠀Por que estou vendo algo tão horrível? O rosto de uma das pessoas acaba de ser
completamente dominado por um dos cogumelos e enquanto ela agoniza, mesmo sem
rosto ela continua viva, se é que se pode chamar isso de viver. Nunca vi nada igual, nem
meus amigos, quero correr, quero chorar, quero ir embora e nunca mais voltar. Mas não
posso ser como preguiça e apenas ser livre, respiro fundo me concentrando novamente e
virando para meus amigos falando em um tom sério e estável.
"Se acalmem! Não tem perigo, vamo ver se da pra salvar alguém"
⠀⠀⠀⠀A mulher ainda repete que quer ser morta, e para ser sincera, entendo-a, nós
chegamos perto dessa cama de cogumelos em meio aos murmúrios ouço pedidos de ajuda,
súplicas para a morte e balbucias sem sentido percebo que quem fez isso é extremamente
sádico, essas pessoas estão quase mortas, todas elas, mas apenas vivas o bastante para
manterem a consciência, o cogumelo substituiu apenas o bastante do pulmão de uma, se
infiltrou na garganta de outra, os únicos que estão em um estado aceitável são a mulher
que pediu ajuda e o duergar que eu enfrentei hoje de manhã. Levanto o olhar para Hatash
que está olhando assustado para tudo isso.
"A gente tem que matar eles, rápido, indolor." Falo um pouco mais baixo retirando uma
adaga de ossos do meu bolso, vejo Jimjar me olhar indignado imediatamente e Tanux
começar a pegar a espada dele.
"Mas a gente não pode fazer nada? A luz não saiu deles ainda." Me mate me ajude diga
para minha família os amo chama minha mãe socorro são exemplos da trilha sonora que
acompanha as palavras preocupadas de Hatash. Olho para as pessoas mais uma vez.
Respirando fundo e fechando os olhos. Eu sei que consigo salvar duas dessas pessoas,
uma delas é o duergar que eu entreguei a Phylo, mas é justo quando nem elas querem?
Quando o resto também mereceria viver? Eles são de raças do subterrâneo, eles
provavelmente são pessoas horríveis.
"Se é seu desejo morrer, se eles estão em constante dor e perderam o controle de seus
corpos, o melhor é fazer seu último desejo." Tanux já retirou completamente uma de suas
espadas, vejo ela começando a brilhar em roxo que se conecta com a iluminação natural e
dá ainda mais destaque para a cena nojenta em minha frente. Hatash suspira, ainda
confuso mas parecendo concordar com Tanux, meu braço dói, meus ouvidos começam a
escutar um zumbido cada vez mais alto, uma dor de cabeça enorme vai tomando conta de
todos os meus sentidos, estou sobrecarregada, preciso descansar, meu corpo inteiro dói. A
voz de Jimjar está abafada mas consigo perceber que ele não quer isso, Tanux responde
algo que não consigo decifrar, meus olhos focam no que vejo, graças aos Deuses nenhum
dos meus amigos está ali. Tipsy já teria agido. O zumbido para, a dor não, mas eu tomei
minha decisão.
"Tanux, começa a cortar o chão em volta dela" Falo rápido ao apontar para a mulher que se
comunicou com a gente, a mais fácil de se salvar primeiro. "Hatash, cura ela enquanto
Jimjar começa a cortar o outro. Desculpa por isso."
⠀⠀⠀⠀Admito que nem eu esperava minha próxima ação, com certeza a drow também não,
mas ela terá que desculpar o olho roxo que dei para ela, mas é melhor passar por isso
desacordada, após o desmaio das duas pessoas que poderiam ser salvas começamos a
trabalhar para tirar eles dali, estavam muito mal, mas vivos e talvez conseguiriam sair dessa
situação horrenda com algumas sequelas.
"Tanux. Os outros não podem ser salvos de jeito nenhum. Faça o pedido deles." Minha voz
sai um pouco mais baixa, provavelmente é a vergonha de ter que fazer algo assim. Os sons
da espada de Tanux cortando a garganta de cada uma daquelas pessoas é bem mais alto
nos meus ouvidos do que na realidade, Tanux não é um monstro então todos foram cortes
rápidos e misericordiosos, o som de sangue caindo no chão some em meio a alguns
estrondos, o chão começa a tremer e sinto a presença de algo se aproximando.
⠀⠀⠀⠀Meus sussurros desesperados instantaneamente começam, aparentemente fui a única
que escutou tanto barulho, a minha adaga estava sendo usada para cortar algumas
ligações de cogumelos, Hatash fazia uma oração de cura para as pessoas e quando Tanux
estava indo para a sexta vítima o barulho começou. Não conseguimos retirar o duegar da
terra ainda, mas a drow já saiu. "Merda, merda se esconde rápido, rápido, leva ela" Em
movimentos rápidos todo mundo conseguiu se esconder relativamente bem, Hatash quase
caiu atrás de uma das árvores de cogumelo, Jimjar literalmente sumiu nas sombras junto da
moça, nem eu sei onde ele está, Tanux se jogou embaixo de um pequeno buraco que ficava
perto dali e eu consegui ficar atrás de um grande cogumelo vermelho e amarelo.
⠀⠀⠀⠀Sinto um calafrio, o clima parece ficar mais frio, um arrepio percorre minha espinha e
meu coração começa a acelerar cada vez mais, preciso me concentrar para não deixar
minha respiração ofegante fazer qualquer barulho, os estrondos vão aumentando pouco a
pouco e infelizmente a reação natural de meu corpo, um instinto de um ser mais fraco se
prova certa. Uma criatura que parece estar em seu estado larval, se arrastando pelo chão
protuberâncias em vários lugares que mostram algumas características que provam que um
dia aquilo foi um micoide, sua cor flui entre verde musgo e amarelo queimado com algumas
manchas cinzas espalhadas aleatoriamente, ele não tem uma boca mas tem dezenas de
olhos onde cada um parece estar chorando pus e se mexendo rapidamente e sem motivo
um rastro opaco e seroso é deixado para trás dessa enorme criatura que talvez um dia
parecesse um humanoide, mesmo sem boca os seus poros são espalhados por todo o lugar
e conseguimos escutar uma voz distante, quase etérica.
"Eu ouvi alguma coisa! Foram vocês, viajantes? Ou foram vocês, meus convidados?" Sem
nem perceber, ou nem ligar para as pessoas que tiveram sua garganta cortada, ele só
recebe silêncio dos sobreviventes, após se virar para eles batendo no cogumelo que uso
como proteção, meu esconderijo farfalha e treme bastante, graças a isso o pequeno suspiro
que dei ao levar esse susto passa despercebido. A iluminação vermelha passou de linda
para assustadora quando a enorme criatura se fez presente, sua voz apesar de aparentar
doce sinto um sadismo grande vindo dele, sua próxima frase assusta um pouco,
especialmente pois vejo os esporos ao meu redor mudando de um rosa fraco para um
vermelho sangue, tento tapar meus ouvidos mas é tarde demais.
"Melhor garantir não é, meus lindos convidados?"
⠀⠀⠀⠀O cenário muda, rapidamente é como se eu estivesse fora do subterrâneo, de volta à
superfície em um beco escuro, caída no chão uma lata de lixo ao meu lado e o céu que está
completamente iluminado por um vermelho quase mogno mas muito mais forte, vivido,
quase como se o próprio céu estivesse chorando, meu coração acelera e minha respiração
diminui se tornando um desafio mesmo sendo algo tão simples. Tento me levantar e ao
olhar para os meus braços vejo marcado em em cortes o nome de cada um dos meus
amigos e em seguida a data de sua morte, apesar de não saber de onde veio, sei que são
memórias para nunca esquecer com quem eu falhei. Tanjir, meu querido irmão, não está
marcado em meus braços e sim no meu peitoral, assim como sua esposa e seu filho, que
mesmo vivos suas datas de morte são as mesmas de Tanjir. Tudo por minha culpa.
⠀⠀⠀⠀Percebo que não sei onde estou, talvez eu tenha sido teleportada para longe? Preciso
me mover, preciso sair daqui e achar meus amigos. Começo a lentamente me mover,
minhas pernas estão dormentes, chego na rua vendo uma cidade muito diferente, difícil de
entender, as formas e tamanhos parecem inventados, errados, inexistentes. Algo que nem
nos meus maiores sonhos eu poderia imaginar, no entanto todas as partes das casas
parecem perto do colapso. Exceto por uma única grande mansão que apesar de ser imensa
é completamente dominada por pinturas diferentes, com cores que brilham de formas que
apesar de eu estar olhando diretamente não consigo descrever como elas realmente são,
quando vou me aproximar sinto meu pé pisando em algo pegajoso, olho para baixo e
percebo que o chão não passa de uma coletânea de estrelas que estão brilhando e
sumindo em um vazio da escuridão, um vazio impossível, um vazio que me atrai, sinto
lágrimas negras caindo do meu rosto e sumindo em um vazio infinito. Mesmo na escuridão
posso ver um pequeno vulto iluminado pela estrela que logo some, e outra, e outra e outra.
Percebo que não é algo natural, existe algo acabando com as estrelas, destruindo como se
fosse um buraco negro invisível que eu não posso ver mas posso sentir, posso ver suas
consequências mas não consigo entender como essa coisa o faz mas sei que preciso
correr, preciso fugir, todos os neurônios que tenho estão gritando para que eu escape
novamente aquele instinto que não vem de minha parte cultural e sim da minha raça
humanoide do mesmo jeito que a reação instantânea de um inseto é fugir do seu predador
natural.
⠀⠀⠀⠀Escuto meus passos, essas são as únicas fontes de som que essa cidade inteira tem,
e mesmo sem olhar pra baixo eu sinto alguma coisa se aproximando cada vez mais, como
um vírus que pouco a pouco tenta dominar o meu corpo, mas espera, se as estrelas estão
nos meus pés, o que está acima de mim? Instantaneamente desvio meu olhar para cima, o
oceano parece estar flutuando, como se o mundo estivesse de cabeça para baixo, consigo
ver um único peixe se movendo na suspensão impossível que se encontra ali, quase como
se só o ambiente estivesse desafiando a gravidade. Ou pelo menos é o que eu achava,
pouco a pouco eu vejo que a imensidão marítima está descendo, preciso correr mas sei que
não existe como fugir, a descida aleatoriamente se tornou rápida se aproximando cada vez
pronta para me esmagar, tudo que consigo fazer é fechar meus olhos abaixar a cabeça e
me preparar para o impacto. A última coisa que vejo são dois pequenos brilhos roxos que
se movimentam juntos.
⠀⠀⠀⠀Aperto meu peito tentando manter minha respiração silenciosa, novamente estou
encarando o chão da caverna, não sei como não gritei e não sei o que aconteceu, mas sei
que infelizmente perdi as forças na perna e acabei ajoelhada, engasgando com minha
própria saliva e sentindo lágrimas escorrerem pelo meu rosto, da mesma cor escura que
saia do meu braço, mesmo assim o suspiro aliviado se faz presente com o barulho daquela
criatura indo embora, infelizmente o barulho das outras pessoas também parou. Ainda
escondida me viro para as pessoas, é nojento, todas elas estão ainda mais transformadas
naquelas coisas, quase não consigo ver a cabeça do anão que enfrentei pois a quantidade
exorbitante de cogumelos e fungos dominou a parte superior do seu pescoço endurecendo
e se tornando apenas uma casca infernal.
"Eldeth, Eldeth, vamo, a gente precisa continuar" A voz preocupada de Jimjar alcança meus
ouvidos enquanto ele me leva para um lugar longe dessa cena horrível, agora quem carrega
a moça é Tanux. Em um silêncio desconfortável nós levamos ela até uma parte mais densa
daquela floresta de cogumelos, quando chegamos lá, Hatash começa a fazer uma oração
de cura nela, a medida que a oração segue algumas das cascas de cogumelo vão saindo,
sendo expulsas de seu corpo. Olhando para eles era possível ver que todos tinham
passado por uma experiência similar a minha agora a pouco, todos estavam claramente
preocupados, ansiosos e querendo esquecer o que viram, decidir não mencionar já que não
quero falar sobre o que aconteceu comigo, imagino que eles também não.
"Ela tá acordando, a luz deu sua benção" a voz de Hatash me trás uma felicidade que
nunca imaginei sentir, era bom ter alguma coisa pra me distrair, até eu estou começando a
gostar dessa luz, qualquer coisa para não pensar nos corpos secos que estavam a uns 50
metros da gente, a mulher tosse um pouco cuspindo algumas partes de mocoides. Sua
aparência está bem melhor, ainda desnutrida e muito magra, seu braço inteiro tem uma
cicatriz imensa, que ocupada 90% dele e vai subindo até a parte esquerda do seu corpo,
um dos seus olhos já não existe mais e nenhuma cura poderia ser boa o bastante para
curar isso, o seu cabelo também parou de crescer no lado esquerdo que sem a parte dos
cogumelos ali apenas faz um grande buraco em seu crânio, seu olhar parece cansado ainda
que esteja viajando para todos os lugares.
"Vocês… vocês me tiraram de lá…? Por que? Eu.. eu.." Ela novamente começa a tossir e
seu rosto se abaixa com ela vomitando uma grande quantidade de sangue e cogumelos, ela
limpa sua boca e quando levanta vê a marmita que Tanux está oferecendo a ela, eu estava
prestes a tirar uma colher da minha bolsa quando vejo a mulher quase que arrancando da
mão de Tanux e começando a comer de tudo com as mãos, deixando uma bagunça no
chão e quase se engasgando várias vezes, ela nem parece notar que está quase
engasgando de tanta fome. Hatash estende seu cantil para ela parecendo um pouco
assustado.
"Calma minha filha toma uma águinha e agradece a luz" Ela também pega o cantil muito
rápido bebendo o seu conteúdo inteiro de uma só vez deixando um pouco de água cair em
suas roupas, depois de alguns segundos dela comendo seu olhar se levanta para todos nós
com ela ofegante de tanto comer.
"Desculpem, a gente… não tinha comida nem água lá, vocês, eu…" Seu olhar desvia para
um canto com ela parecendo hesitar, sua mente ainda lenta com a quantidade de
informação chegando, mas ela estava claramente indecisa antes de continuar "Obrigada,
quem são vocês?''
⠀⠀⠀⠀Hatash instantaneamente estufa o peito parecendo orgulhoso de si mesmo e até estou
feliz dele já estar no seu estado irritante que é o normal. Respiro fundo ouvindo ele começar
a nos descrever como seguidores da luz em busca de fazer o certo e apagar os males da
sociedade. Coloco meu único braço que funciona em seu ombro e me aproximo da moça.
"Não, não somos seguidores da luz, mas a gente realmente tá tentando deixar o
subterrâneo menos fodido, e a gente tá procurando um homem como você, drow de uns
1,70 cabelo liso, longo e branco, um gnomo das profundezas que tem cabelo longo e
branco também, óculos, nariz achatadinho e bem pequena, ou um outro gnomo exatamente
igual só que com cabelo curto e castanho e umas roupas menos cuidadas." Sei que não
deveria perturbar uma pessoa que acabou de sair daquela situação horrível, mas ainda
estamos aqui em busca dos nossos amigos e eu irei encontrá-los. A drow fecha o olho com
bastante intensidade, parecendo se forçar a lembrar, mesmo sendo de uma raça horrível ela
ainda tem a capacidade de devolver uma gentileza grande como a que fizemos.
"Sim, eu vi, eles por algum motivo são especiais, foram chamados pra algum tipo de festa
daquela besta, eles tão mais fundo no jardim." Ao terminar de falar ela aponta para o norte,
em direção a entrada de uma caverna que deve levar ainda mais fundo nesse inferno.
"Obrigado, aposto que a gente vai entrar lá, resgatar nossos amigos e voltar, mas antes,
qual seu nome moça?" Jimjar entrega uma de suas rações para ela e colocando em sua
mão uma poção de cura que encontramos no caminho. Não consigo me segurar e acabo
xingando ele mentalmente já que esses recursos poderiam ser importantes para ele. Muito
estúpido.
"Eu me chamo Sentry. Muito obrigada, não sei porque me ajudaram… mas obrigada…
muito obrigada mesmo, vocês vão enfrentar aquela criatura né? Eu… eu quero ir junto, eu
quero me vingar." Ela levanta o olhar para nos encarar e é possível sentir a raiva, o ódio que
a motiva para enfrentar esse monstro, até fica difícil avisá-la que não iremos matar a
criatura e só ajudar nossos amigos e voltar, não é nossa guerra para lutar e não é nosso
território para defender.
"Pode vir com a gente. A gente vai conseguir justiça."
Não só eu, como Jimjar e Hatash se viram surpresos para Tanux, não conseguimos ler o
que ele está pensando por conta da sua máscara, mas pela sua postura ele não parece
estar acanhado com nossos olhares que estão desaprovando cada palavra que saiu da
boca dele. Suspiro e passo a mão no rosto tentando me acalmar para não xingar o meu
amigo.
"Na verdade, a gente não vai. A gente primeiro vai achar nossos amigos e voltar e se ele
estiver vulnerável, talvez" E meu olhar muda para encarar apenas Tanux com minha
expressão exasperada e cansada tentando o fazer entender a bobagem que ele falou.
"Talvez, eu quero deixar bem frisado que talvez, a gente possa voltar lá pra enfrentar essa
criatura."
⠀⠀⠀⠀Sentry também suspira e um silêncio desconfortável se faz presente enquanto ela
bebe toda a poção de cura seguida, seus machucados vão pouco a pouco se fechando e o
corpo dela expulsa ainda mais dos invasores com a ajuda da alquimia. "Eu não tenho
problema em… só ajudar vocês… eu estou em dívida com vocês… é necessário que a
gente… que eu possa pagar o que fizeram de algum jeito. Eu vou acompanhar vocês,
apenas um pouco, vocês tem uma besta? Eu usava uma"
⠀⠀⠀⠀Ela começa a se levantar com um pouco de dificuldade, eu nem vi quando mas ela já
terminou de comer a ração de Jimjar, olha para o meu amigo gnomo e vejo ele retirando a
besta que compramos de um grupo de bardos no caminho. Ele entrega a besta, a bolsa de
dardos com as munições e a Sentry coloca em volta do quadril, seu braço esquerdo não
existe e seu olho também, mas ela consegue se manter de pé com dificuldades ela tem
centenas de cicatrizes que parecem como partes da pele que explodiram, ainda assim ela
aparenta estar pronta para nos seguir em direção ao perigo, provavelmente não tem mais
nada a perder.
"Vamo entrar na caverna e primeiro analisar o local, tentar descobrir onde estão os nossos
amigos e se tudo der certo a gente nem vai precisar olhar pro diabo na caverna. Certo?"
Após passar as informações para os meus amigos viro para eles e vejo aos poucos eles
concordando, consigo sentir que Tanux e Sentry ainda desejam enfrentar a criatura e tirar a
sua vida como uma forma de julgamento pelo sofrimento causado nesses humanoides mas
eles não irão contra o plano sozinhos, pelo menos sei que Tanux não irá.
⠀⠀⠀⠀Começamos a nos mover em direção a grande caverna lentamente passando por uma
floresta de cogumelos e fungos, as luzes somem e voltam conforme nos fazemos
presentes, a única demarcação que estamos aqui são as sombras que fazemos ao passar
pela luz fluorescente desses seres. No silêncio enquanto caminhamos uma ansiedade
misteriosa começou a crescer em cada um de nós, apesar de saber por alto o que
poderíamos enfrentar era como se a cada passo estivéssemos caminhando cada vez mais
para um desconhecido. A única coisa que interrompe esse silêncio são nossos passos e
agora as orações de Hatash feitas em sussurros, apesar de concordar com Hatash uma
superstição como essa é boa nesse momento. Não achei que diria após passar um mês
com medo de ficar sem água, mas esse lugar é úmido em abundância para o meu gosto,
especialmente agora que estamos na entrada da caverna, consigo ver várias gotas de água
caindo, correndo pelas paredes, sou a primeira a entrar, o caminho vai descendo um pouco
mais e esse lugar fica cada vez mais estreito e mais frio, enquanto nos movemos um pouco
para frente uma névoa que no início era imperceptível começa a ficar cada vez mais grossa
fazendo minha visão escurecer um pouco. O lado positivo é que não precisei da minha
visão para escutar os ecos que vem do fim dessa caverna horrorosa, uma cacofonia de
vozes gritam de forma asmática um tipo de música distante e desconhecida. Passando um
pouco pela névoa consigo ver um grande espaço aberto que se abre depois desse corredor
em que estamos acabar, são dezenas de corpos, alguns mais humanóides que outros.
Alguns deles vivos, com olhares que viajam de um lugar para outro, outros já mortos, seus
corpos balançando no mesmo ritmo que todos os outros em uma dança organizada. Esse
canto entra em meus ouvidos e a voz de cada pessoa no mesmo nível de loucura e de
felicidade exclama em minha cabeça em uníssono
Do chão infertil o cogumelo ascendeu
Da escuridão o seu amor ela mandou
Deseje. Anseie, sorria.
A Senhora vai se casar.
Devorar. Rasgar. Dançar.
Seus felizes esporos vão ser espraiados.
Juventude perfaz, belezas são apodrecidas.
Famintos, sedentos, devorados.
Mortos, soltos, bodas.
Araumycos e Zuggtmoy.
Vão se juntar, coração com coração.
Serão somente um, só morte causará separação.
Glória! Glória! Glória! Glória! Glória! Glória! Glória! Glória! Glória! Glória.

⠀⠀⠀⠀Como um ensaio nojento eles começam a repetir essa música horrível, mas a pior
parte é quando eu finalmente encontro, uma gnoma das profundezas, ainda pequena mas
dessa vez ainda mais magra, seus olhos vermelhos e claramente cansados, seu corpo se
move contra a sua vontade e seus óculos estão perdidos a muito tempo, seu cabelo que um
dia já foi bem cuidado com vários cogumelos presos ali, vejo fungos em sua boca servindo
de comida, apesar de estar quase igual, como se precisassem dela bonita para alguma
coisa. Nossos olhares se encontram e finalmente vejo Tipsy depois de tanto tempo de
procura. Seu olhar estava fraco, como se tivesse desistido, mas assim que ela me olha a
esperança volta e apesar de não sorrir seus movimentos voltam a ser de alguém com vida.
Seu olhar se mexe em direção a esquerda e vejo em uma dança igualmente cansada e sem
vida Sarith, ele sim continua exatamente o mesmo, a única mudança seria que ele está um
pouco menos musculoso. Também com fungos na boca para se manter apimentando.
Nossos olhares também se encontram e é a primeira vez que com certeza posso dizer que
ele está feliz em me ver. Faço um sinal com a mão para que ele espere e procuro
rapidamente onde está Topsy, e bem no fundo encontro ele dançando do mesmo jeito que
os outros. Não sei como todos eles conseguem cantar igualmente apesar de estarem com a
boca tapada, estava prestes a me mover, cega pela felicidade de encontrar eles novamente
quando Tanux coloca a mão no meu ombro e aponta para o meio do círculo de seres
cantando e novamente eu vejo a imensa criatura que estava lá fora, indo de um lado para o
outro de forma animada com todos os seus olhos, se é que podem ser chamados disso,
fechados enquanto aproveita a música, como um maestro insano aproveitaria sua obra
macabra, Tanux é o primeiro a falar o que todos nós estávamos pensando.
"A gente não tem opção que não seja enfrentar aquela criatura, e tenho certeza que
ninguém vai sentir falta dessa aberração."

Capítulo 6
Apesar de nós sermos os quebrados.

⠀⠀⠀⠀As palavras de Tanux são como facas em meu peito, mesmo sabendo que é
impossível de resgatar três pessoas de tamanho médio que estão em volta de uma enorme
e que se encontra no meio. Deixando ainda mais difícil o fato de que todos estão em uma
dança organizada e que a falta das suas posições seria sentida. Retiro alguns cabelos da
frente do meu olho, nem percebi mas já estava suando. Estava prestes a me virar para
comentar sobre como poderia ser arriscado atacar de frente quando Hatash aponta para
frente, seguindo seu olhar e ouvindo sua voz preocupada acabo entendendo tudo.
"A dança acabou, o… o Sarith tá indo pra frente… é tipo um casamento fodido da porra."
Como eu queria dizer que ele está maluco, vejo Sarith e um amalgamado de cogumelos,
fungos que a única parte humanoide restando são as pernas, a larva nojenta se moveu para
trás de um palanque de cogumelos, como um padre prestes a casar essas duas pessoas.
Não consigo escutar o que eles estão falando porque eles se comunicam por esporos, e
eles só estão chegando perto da gente agora. Os esporos estão chegando perto, o
desespero sobe todo meu corpo queimando enquanto empurro todo mundo para trás, no
lugar de falar, eu gritei, o que chamaria atenção dessas criaturas se elas não estivessem
em uma hipnose completa.
"Se afastem! Rápido não deixem que…" Percebi tarde demais. Os esporos já estão em
minha mente e novamente eu sinto eles tentando dominar os meus sentidos, dessa vez são
diferentes da alucinação que passei com a lesma. Essa eu sei que não é real, mas consigo
ver todo o ensaio desse casamento sumindo, pouco a pouco essa caverna se transforma no
interior de grande torre, olhando pra cima consigo ver escadas redondas que sobem até
onde minha visão alcança, iluminadas por fungos e mofos que brilham com uma bela cor.
⠀⠀⠀⠀No centro dessa torre, vejo uma figura humanoide, sua silhueta lembra uma mulher
mas feita inteiramente de fungos e mofo, ela é três, quatro vezes maior que os servos que
parecem moldadas com a inspiração dessa mulher, eles estão subindo e descendo a
escadas arrumando e tecendo a roupa desse ser, cantando uma canção calma que apesar
de tentar não consigo genuinamente entender, usando a própria substância da mulher eles
transformaram seu corpo em um grande vestido de noiva, fazendo um véu de liquen e uma
longa cauda de micélio, a única coisa que me tira do foco são as palavras
Luz, me ajude a expurgar esse ser pois ele não lhe merece
⠀⠀⠀⠀E logo depois uma explosão de luz que me deixa cega por alguns segundos, quando
minha visão retorna vejo que estou no mesmo lugar, naquela caverna fria e escura, olhando
para trás os olhos de Hatash estão brilhando em uma cor amarelado, ele é o único de pé
enquanto todos nós estamos ajoelhados, agachados ou no chão, vejo que quem pareceu
mais afetado com a visão foi Tanux, que está um pouco mais atrás apenas com uma
pequena parte da máscara levantada cuspindo um pouco de sangue. Olhando para cima
vejo que Hatash nem parece afetado, aparentemente ter uma fé cega pode ser bom às
vezes.
⠀⠀⠀⠀Quando meus olhos voltam a focar nas atrocidades que deveriam estar acontecendo
no meio daquele local, me surpreendo a ver que todos os seres, inclusive meus amigos
estão se movendo para uma parte ainda mais profunda da caverna, andando como se
fossem parte de uma só mente, aquela grande lesma no entanto começa a se mover para
sair da caverna, ele deve ser algum tipo de guarda ou patrulha que ajuda a pegar as
pessoas para serem mortas.
"Quando ele passar por aqui. A gente ataca, eu sirvo de isca e vocês pegam ele de
surpresa." Agradavelmente, todo mundo entende que para pegar ele de surpresa é
necessário se esconder, não tem muitos lugares mas é surpreendente ver Tanux subindo
sem muitos esforços em cima de um dos cogumelos no teto e levando junto consigo Jimjar.
Hatash consegue se agachar atrás de um dos cogumelos, é um péssimo esconderijo pois
consigo ver metade da suas pernas a drow é tão boa nisso que nem eu sei onde ela se
encontra, mas espero que esteja escondida e eu só não seja cega. Pouco a pouco o
barulho dessa criatura se movendo começam a se aproximar cada vez mais, minha
respiração falha enquanto tento me acalmar. Sinto a dor em meu ventre começar a
aumentar em conjunto com minha dor no peito causada pela ansiedade, infelizmente não
posso focar nisso agora, já que aquela grande criatura acaba de passar pela entrada,
cobrindo quase que por completo e balançando o teto fazendo com que Tanux e Jimjar
precisem se segurar ela começa a se mover, seus esporos começam a se mover entrando
em contato comigo, agora que ele está perto consigo ver vários vermes, insetos e outros em
seu corpo, alguns ativamente comendo seus órgãos, apesar dele não parecer sentir a
quantidade de minhocas caindo no chão me fazem não ficar ainda mais enjoada, ele se
aproxima rapidamente, me olhando de perto, ele nem tentou ver se algum dos meus amigos
estava por perto, preciso olhar para cima para encarar seus inúmeros olhos, minha boca
seca, não sei o que falar, ainda bem que ele é a primeira pessoa a falar, falando tanto na
minha mente quanto normalmente, posso sentir a animação e calma na voz dele''
"Bem vinda viajante! Eu não a conheço! És uma amiga da noiva? Ou a sua noiva?" Antes
que eu possa responder para tentar enrolar um pouco ele e garantir o momento perfeito ele
continua com a mesma animação. "Independente, deixe o amor da grande semeadora tocar
você e você se tornará uma escolhida também, uma escolhida do Grande Corpo!"
⠀⠀⠀⠀É difícil dizer o que ele quer dizer, mas consigo ver que seus esporos estão
novamente ficando vermelhos, fecho meus punhos me preparando para a luta, não sei
exatamente o que falar mas sei que minha equipe está esperando um sinal então me coloco
em uma posição de luta ao falar "Eu trouxe bem mais que só um convidado pro casamento,
e eles tão chegando… agora." A última palavra saiu, mas saiu como um grito, uma ordem.
Todos sabem que esse é o momento para atacar, exceto Sentry, então seu ataque saiu um
pouco atrasado, mas a visão é l
bela ainda assim.
⠀⠀⠀⠀A criatura, não demonstra reação além da mudança dos esporos que vão de um
vermelho muito vivo para dezenas de cores ao mesmo tempo, tornando o campo de batalha
que já brilhava com cores florescentes ainda mais iluminado, como se o próprio ar estivesse
multicolor. O verde brilhante das espadas de Tanux são a primeira quebra de expectativa,
ele caiu exatamente em cima das costas dessa criatura, perfurando ela inúmeras vezes,
vejo a cor das espadas lentamente sendo tomadas pelo amarelo fraco que acredito ser o
sangue da criatura, não tenho tempo para reclamar do cheiro, pois antes dele se espalhar
sinto o ardor ao meu lado e mudança repentina de clima quase me faz olhar para trás. Nem
percebi quando estava começando a correr em direção a criatura que tem 5 vezes o meu
tamanho, mas quando estou chegando perto vejo o resultado daquela chama, uma imensa
parede de fogo literalmente descendo do teto da caverna, como se fosse mandada por um
ser divino intervindo nas nossas atividades, infelizmente esse "Deus" era apenas Hatash,
que não se preocupou em colocar esse fogo longe de mim, então imediatamente sinto meu
corpo gritando de dor com as chamas se espalhando pelo meu braço direito, rapidamente
apago o fogo com meu único braço que ainda funciona direito, felizmente as ataduras me
protegem um pouco da dor e das marcas, mas meu ombro que já estava ruim, está ainda
pior agora, não posso parar mesmo com todo meu corpo implorando para que eu descanse.
Nesses poucos segundos de luta já é possível ver que o monstro conseguiu assimilar o que
aconteceu, pulando o dobro do meu tamanho eu consigo acertar um grande soco no que eu
imagino ser o seu rosto. Infelizmente o virote de Sentry passa longe do nosso alvo.
Especialmente pra mim.
"Vocês são péssimos convidados. Inferiores, se ajoelhem." Consigo sentir a raiva na voz
dele e na minha mente, como se estivéssemos sentindo a mesma coisa, ele com uma
rapidez que alguém tão grande não deveria ter, ele levanta batendo Tanux e Jimjar contra o
teto, vejo que um pouco do muco começa a tentar dominar eles, queimando um pouco de
suas peles, estou prestes a conectar outro soco quando os esporos ao meu redor se tornam
ainda mais densos, o próprio ar fica mais pesado, eu acabo errando o meu soco, não
apenas pelo ar rarefeito e sim pela consequência desses esporos, como se estivessem
chamando ou invocando essas criaturas, dois grandes micoides que literalmente saíram do
chão, não tinha percebido isso antes mas a parede da caverna não é composta apenas por
cogumelos mortos, duas outras criaturas, como se eles estivessem apenas em um estado
dormente esperando uma ordem quebram os cogumelos endurecidos que faziam parte de
suas carcaças. Eles não parecem ter consciência, apenas atacando de forma aleatória e
sem apego nenhum com sua própria segurança ou de seus amigos.
"Eldeth, atrás de você." O grito rouco e preocupado de Sentry vem do fundo da caverna,
após me afastar dessas quatro criaturas que quase me acertaram com seus ataques não
percebi que uma delas, uma que eu não vi, uma que provavelmente estava no teto caiu no
meu ponto cego, não vi na minha visão periférica e nem escutei com o tanto de caos que
aconteceu, olhando para trás vejo uma grande criatura, quase do tamanho de Phylo
levantando seus dois grandes braços para me esmagar, sua pele é completamente feita por
cogumelos e fungos endurecidos, apesar de não ter olhos consigo ver uma flecha
exatamente onde seria sua testa, uma pena que essas criaturas não tenham um cérebro se
não o ataque dela seria fatal, como zumbis as criaturas que estavam na minha frente me
seguram, 8 "braços" tentam me agarrar, atrapalhando meu movimento e me deixando presa
ali, de canto de olho vejo que Jimjar e Tanux caíram da criatura e ela aproveitou para
empurrar eles contra a parede, Jimjar cospe bastante sangue ao cair no chão mas Tanux
não parece tão afetado, ele é melhor em aguentar dor do que meu amigo gnomo.
⠀⠀⠀⠀Meus pensamentos são interrompidos novamente, dessa não vez não é por um grito
de ninguém, mas sim por uma pausa completa em todos os tipos de pensamentos, eu senti
o ataque, ele acertou em cheio, os micoides seguraram meus braços não consegui nem me
proteger, a dor é pungente mas rápida, minha visão fica embaçada, meu coração que
estava extremamente acelerado começa a se acalmar e o chão fica cada vez mais perto, a
única coisa que vejo antes de desmaiar é a maior das criaturas levantando os braços
novamente se preparando para mais um ataque.
10
20
30
40
50
60
⠀⠀⠀⠀Em 60 segundos uma batalha pode mudar e pode mudar muito, foi apenas um minuto,
eu perdi meu irmão em menos de um minuto, eu ataquei Jimjar em menos de 50 segundos
e eu fui fraca novamente, aqui e agora por mais de um minuto, não posso continuar sendo
inútil nem por um segundo.
⠀⠀⠀⠀Minha visão continua embaçada, não acordei direito, meu cérebro começa a disparar a
dor que percorre todo meu corpo começando na região da cintura, se espalhando para uma
náusea no estômago, movendo-se para a falta de ar no peito que percorre até a dor mo
meu braço que agora além de estar com um buraco enorme no ombro também foi
queimado, infelizmente um novo competidor para a quantidade de dor chegou, uma dor de
cabeça latejante e contínua. Gostaria de saber o que está acontecendo de verdade, escuto
alguns gritos abafados não consigo entender o que eles dizem, minha cabeça está
zumbindo demais, mas eu consigo ver uma grande parede com um tom esbranquiçado se
movendo perto do meu rosto, o que imagino ser alguns olhos da criatura estão se movendo
mas sem focar em nada. Tento me mexer para atacá-lo, levantar, tentar de alguma forma
ser útil, mas não consigo fazer nada, estou sem voz para feitiços, estou sem forças para
violência e não consegui nem servir como um escudo de carne. Minha consciência
novamente começa a se apagar, meus últimos pensamentos sendo como nem consegui
enfrentar a lesma nojenta que estávamos tentando matar, um pouco antes de fechar os
olhos novamente, a voz de Tanux corta pelas barreiras feitas pela dor, ele está falando alto,
como um general falaria para seus soldados, com certeza não é comigo, ele nem deve
conseguir me ver, mas a batalha não deve estar indo bem porque consigo perceber o
cansaço em sua voz mas sua determinação continua queimando como fogo em palha seca.
"Levante!. Eu tenho certeza que vocês ainda podem lutar, não desistam. Pelos nossos
amigos, os que já perdemos e os que ainda estão aqui, quando vocês estiverem sem
esperança lembrem-se que apesar de nós sermos os quebrados juntos apesar de não
termos números somos um exército movido por honra, vontade ou medo, não importa, mas
quando lutamos juntos podemos acabar com esta besta horrorosa que não merece nem o
chão que toca. Não merece tirar as nossas vidas e certamente não merece continuar viva. E
Sentry tu também pode se sentir incluída, mas você é mais opcional"
⠀⠀⠀⠀Ele está certo, não posso desistir, posso morrer depois, começo a sentir toda aquela
pressão do meu corpo correndo por todo meu corpo, a adrenalina está voltando, mas não é
só ela, minha chama da esperança estava quase apagando nesta nevasca de solidão, mas
não só o discurso de Tanux, o mais calado de nós, mas como também as imagens que vejo
enquanto ele fala, eu realmente não posso desistir, eu realmente preciso levantar, eu ainda
posso lutar, eu nasci para lutar, não, não nasci para lutar eu nasci para não desistir. Eu
ainda tenho fé no meu objetivo, que vamos todo sair daqui juntos. Imagens de Jimjar
sorrindo ao ganhar uma aposta, Tanux percebendo que desenhamos bobagens em sua
máscara enquanto ele dormia, Hatash ficando bêbado de cogumelos e achando que traiu
Tyr porque fez um símbolo de Beamaria, Anastácia ficando vermelha ao receber elogios de
Iara, Iara alegrando nossas noites enquanto canta uma boa história em forma de música,
lembro até de Dylidae que saiu faz tempo, sempre nos dando vários presentes, desde
armas a bugigangas inúteis. E também lembro dos que já foram, da ingenuidade de Stoll
sempre perguntando as coisas mais bobas, como ele e Gablagou eram amigos, de
Shuushar dando palestras de como fazer o bem, de Tipsy fazendo Topsy perder seu jeito
sério ao fazer algum comentário inapropriado, me lembro de Sarith que sempre tentava
manter a pose de superior, mas no fundo era apenas um homem que adorava piadas ruins
e quando bebia enchia as pessoas com multidões de elogios. Mas a pior parte é a última
coisa que vejo antes de me levantar, eu me vi. Eu consegui me ver sorrindo. Junto com
todas essas pessoas do subterrâneo, junto com criaturas como Stoll e Gablagou eu sei que
estava feliz com meus amigos. Especialmente com Jimjar, ele está ao meu lado apostando
alguma bobagem comigo. E eu vou ver essa cena novamente.
⠀⠀⠀⠀Lentamente vou levantando e minha respiração vai ficando mais silenciosa, eu sei o
que preciso fazer, infelizmente não vai ser nada bonito, sem pensar nas consequências
minhas duas mãos se movem rapidamente até dois dos olhos da criatura e com toda a força
que me resta eu começo a apertar em tentativa de arrancar esses olhos, não sinto muita
resistência mas consigo ver os esporos mudando freneticamente e a criatura gritando de
dor, minhas unhas perfuram a pele dentro de seu olho, minhas mãos estão sujas de muco e
sangue, mas elas ficam ainda mais quando consigo forças o suficiente para puxar, agora
não só minhas mãos estão sujas, como todo o meu corpo, já que depois de arrancar seus
olhos sangue começou a jorrar dos buracos abertos que fiz, meus sentidos começam a
voltar a tempo de escutar a criatura expressando sua dor com gritos enlouquecidos.
"Era pra você estar liberada, vocês não percebem? Ela está ajudando vocês, não, não, não.
Vocês não merecem ela. Você com toda certeza não merece."
⠀⠀⠀⠀Tenho pouco tempo para ver o campo de batalha, duas das criaturas de cogumelo
estão atacando Jimjar que parece já ter levado alguns golpes pelo sangue descendo pela
sua cabeça, Tanux estava de frente para a criatura com parte de sua roupa e corpo
queimados e espadas em mãos, Hatash foi jogado para longe e ele está encostado contra a
parede usando alguma magia de cura em si mesmo, Sentry é a única que está bem, bem
ao longe com sua besta de mão mas pelo menos é possível ver que as 4 criaturas mortas
tem virotes em seus corpos assim como a grande lesma, que está me encarando
diretamente, sei que me olha com raiva, um ódio simples, ele não quer mais apenas me
liberar e sim me matar. O primeiro ataque é surpreendente, ele literalmente tenta me
atropelar com seu imenso corpo, felizmente consigo me jogar para o lado rápido o bastante
para desviar, ele é enorme, então esse ataque não é muito rápido, mas ainda assim, sinto
que se todo aquele peso passasse por mim seria meu fim. Ele se vira após acertar a
parede, todos os seus olhos me encarando, estou me preparando para atacar novamente
quando escuto a voz animada de Jimjar
"Eldeth! Tu tá viva qu– puta que pariu" Nosso reencontro de poucos segundos é
interrompido por um soco no ombro que Jimjar levou da maior das criaturas. Comecei a me
mover para ajudá-lo quando aqueles esporos me cercam novamente e começam a vibrar,
infelizmente a vibração continua até nos esporos que estão dentro do meu corpo, sinto
como se meu cérebro fosse explodir e meu pulmão fosse implodir, os esporos que estavam
no meu estômago também vibram mas esses foram bem simples de resolver, acabei
vomitando no chão, minhas pernas fraquejam novamente, dessa vez para que eu possa
vomitar, os esporos passam rasgando, outra coisa que passará rasgando é a criatura que
novamente começou a se mover em minha direção para tentar me esmagar de novo, e
dessa vez não tenho tempo para desviar, fecho meus olhos esperando o impacto direto que
receberei.
⠀⠀⠀⠀Surpreendentemente o impacto não chega pela frente e sim pela esquerda, meu corpo
inteiro foi empurrado alguns metros para longe da criatura, me arranhei um pouco na pedra,
mas pelo menos não fui morta. Jimjar me salvou. De alguma forma ele conseguiu chegar a
tempo de me jogar para longe, ele parou com seu corpo em cima de mim, eu comentaria
algo sobre seu rosto suado ou seu sangramento, mas não temos tempo.
"Tu acabou de voltar, não pode morrer duas vezes rapidão." Ele me ajuda a levantar e
juntos encaramos a criatura, agora olhando para ela consigo ver todos os seus detalhes,
várias perfurações, cortes e queimaduras estão espalhados por seu corpo, ele parece muito
machucado, seu olhar que uma vez foi quase que elegante agora mostrava o seu interior,
uma raiva cheia de superioridade, meu olhar viaja para Jimjar, ele usa duas adagas em
cada mão, está ofegante mas concentrado, sempre que ele entra em uma batalha ele pula
de um lado para o outro como se sua energia estivesse procurando lugares para sair, um
sorriso domina meu rosto começando a andar para frente falo alto o bastante para Jimjar
escutar.
"Eu não vou morrer, não até tu ganhar uma aposta que fez comigo" Ao terminar de falar
finalmente começo a me mover mais rápido. Como se um peso tivesse sido tirado dos meus
ombros, a dor ainda se faz presente mas eu lembrei de um bom motivo para lutar e nada vai
me impedir de reunir meus amigos novamente. Minhas pernas ainda funcionam
perfeitamente, consigo colocar força o bastante nelas para pular nas costas da criatura, é
uma sensação estranha, diferente, como se eu estivesse lentamente afundando em areia
movediça que vai queimando pouco a pouco minha pele, pelo menos essa lesma tem pele
que pode ser agarrada, como se estivesse escalando uma montanha vou me impulsionando
para cima, várias vezes minhas unhas perfuram seu corpo, chamei tanto sua atenção que vi
todos os olhos se movendo para baixo de meu corpo e sua voz ecoando em minha mente
como dezenas de gritos diferentes
"Saia de cima de mim, você é patética. Vocês vão morrer, eu vou matar todos. Todos vocês,
seus animais." Não tenho tempo para responder, já sei o que fazer, sei como fazer e sei que
essa é uma das nossas únicas chances. Ele pula tentando esmagar meu corpo contra o
teto, mas me seguro em seu corpo e não solto. Meu movimento continua, ele vai pular de
novo quando os esporos mudam para aqueles de dor, olho para baixo seguindo o
movimento dos olhos da besta, Jimjar entendeu o que quis fazer e fincou suas duas adagas
na criatura prendendo elas ao chão, atrapalhando o movimento da besta.
⠀⠀⠀⠀Seus gritos são ignorados, meus movimentos finalmente são recompensados
chegando no topo de seu corpo, onde se encontraria o que quer que seja a cabeça dele,
coloco todo meu corpo preso contra o dele, nem me batendo seria possível me soltar, meus
músculos estão tensos mas firmes, apertando seu corpo e puxando parte da pele dele para
mim sussurro apenas para ele ouvir.
"Diz pra sua Senhora de merda, que esses animais mataram você e estão indo atrás dela."
Ao terminar de falar minha ameaça utilizando todo meu peso, puxo o seu "pescoço" para
trás, deixando toda aquela parte totalmente exposta para meus amigos que estão de frente
para ele, sei que posso ser atacada mas ainda assim meu grito se espalha por toda
caverna.
"Acerta esse merda no pescoço. Agora." Meu grito foi o bastante para trazer a atenção dos
meus amigos, Hatash não conseguiu atacar ele ainda está muito fraco, mas vejo Tanux se
movendo rapidamente para baixo do monstro, sua espada corta o pescoço com facilidade, a
felicidade de que minha hipótese estava certa é cortada pela metade com o inimigo ainda
vivo, ele ainda grita insultos no meu ouvido, os esporos começam a vibrar, todos eles se
aproximam para tentar me fazer sair, não vamos conseguir, Tanux precisa virar sua katana
novamente para atacar, eu não vou aguentar. Estou quase soltando quando escuto sua voz
mais uma vez
"Podem tentar, mas perto de mim vocês não são nada, na–" Sua voz foi cortada, não, não
foi só sua voz, até a telepatia foi cortada, os esporos também, como se estivessem
desaparecendo no próprio ar, por alguns segundos não sei o que aconteceu, até ver o virote
acertando o outro lado da caverna, um único virote de Sentry, que saiu do seu esconderijo
para pegar o ângulo perfeito, ela acertou dentro do machucado aberto por Tanux e a parte
mais frágil do seu pescoço era ainda mais fraca por dentro. A primeira frase que escuto
quase me faz querer enfrentar essa criatura novamente.
"Graças a Luz a gente conseguiu, vamo orar pra Ele assim que der."

Capítulo 6
Nós liberamos Zuggtmoy.

⠀⠀⠀⠀Todas as emoções pulam em mim como se fossem uma barragem de água


explodindo, felicidade, dor, medo, alívio, preocupação e muito mais, todo meu corpo pede
para que eu descanse e ainda assim sei que preciso continuar, então apesar de demorar
uma grande risada sai de meus lábios, apesar de estar lacrimejando, minha felicidade é
palpável, além da minha grande risada meus passos em direção ao Hatash são o único som
que se escuta, já que os passos de Sentry são inaudíveis e Tanux e Jimjar estão bem
intrigados com minha mudança súbita de humor. Chegando perto de Hatash enquanto ele
se levanta do chão com facilidade eu consigo o levantar, puxando-o para um abraço bem
apertado, minhas lágrimas caindo em seu peito e molhando sua roupa.
"Uau, Tyr realmente é belo, converti até a Eldeth." Novamente acabo rindo, dessa vez de
forma abafada, o barulho de carne sendo cortada passa pelos meus ouvidos e retornando
minha cabeça do peito dele, consigo ver Sentry furando e cortando o corpo daquela criatura
repetidas vezes, em golpes desleixados e rápidos, a voz orgulhosa de Hatash corta os
meus pensamentos me fazendo encarar o homem novamente.
"Pode abraçar que Tyr tá do seu lado." E sinto dois tapinhas nas minhas costas, limpo as
minhas lágrimas e me afasto de Hatash, por dois segundos nos encaramos e percebo que
apesar dele estar tão sorridente quanto eu, ele também foi bem machucado nessa luta,
olhando para trás vejo Tanux checando com Jimjar se ele está bem e Sentry separando
cada pedaço de carne daquela criatura, minhas mãos correm para minha bolsa de
componentes retirando algumas ervas medicinais e um pouco de lama do lago negro, o
grito indignado de Hatash chama atenção dos nossos colegas quando eu coloco a folha e a
lama em cima de seus machucados expostos, minha magia é fraca, nem perto do que o
próprio Hatash poderia fazer, mas ainda preciso ajudar no que posso, ele suspira aliviado
com a cura que recebe antes deu me agradecer da melhor forma possível.
"Ufa! Achei que tu tava sujando meu manto sagrado." Reviro os olhos antes de me afastar
virando para o resto das pessoas, estamos relativamente machucados, ofegantes e com
menos sangue no corpo do que o recomendado, passo a mão em meu braço, felizmente
não terei nenhuma cicatriz de queimadura. Antes que eu consiga dar as ordens do que
faremos, Sentry, que acaba de guardar 4 dos olhos dessa criatura em sua bolsa, olha para
mim com um olhar sério e uma postura severa, apesar disso consigo ver que ela parece
mais calma, talvez até agradecida.
"Eu consegui o que queria neste lugar, mas ainda tenho uma dívida com vocês, caso
queiram, continuarei acompanhando seu grupo nessa jornada." Parece que ela está falando
com todo o grupo, mas ela está inclinada em minha direção e estamos nos encarando.
Talvez seja compaixão pelo que passamos, mas acabo sorrindo para ela novamente.
"Claro que queremos! Sua companhia foi de grande ajuda em combate e você parece ter
uma personalidade cativante." Hatash, como não consegue ficar calado nunca, faz um
barulho inelegível de protesto enquanto aponta para Sentry para logo depois dar a sua
opinião, que ninguém pediu.
"Ela? Ela é toda séria e nem gosta de Tyr, como que ela é cativante?" Sentry, talvez por já
perceber como lidar com Hatash nesse pouco tempo que passou com ele, só ignora meu
amigo humano, assim como o resto da equipe. Minha mente, deixa as reclamações de
Hatash como um zunido enquanto começo a focar na situação que estamos, afinal, já tenho
muitas preocupações. Preciso achar meus amigos que aparentemente entraram em uma
espécie de parede, preciso descobrir se a rainha do decaimento está realmente aqui,
preciso decidir se vamos ou não continuar o caminho, preciso fazer tantas coisas. Seria
melhor ser uma preguiça.
⠀⠀⠀⠀Os nossos passos e as gotas de água batendo contra o chão são os únicos sons que
correm por essa grande caverna agora, lentamente estamos nos aproximando de onde nós
perdemos nossos amigos e por algum motivo não consigo me sentir bem, não é medo, eu
sempre estou com medo então sei como ele é, esse sentimento é diferente como se meu
próprio corpo soubesse que estamos prestes a fazer história. Espero que seja uma história
com final feliz.
⠀⠀⠀⠀A caverna serve quase como um portal, a divisão entre o lugar que estávamos e esse
que entramos é gritante, a caverna tinha uma coloração neutra, poucos cogumelos e
relativamente úmida mas ainda era algo que conseguimos entender, esse lugar é muito
diferente, o chão que piso é roxo, a parede também, a coloração vai mudando para tons
diferentes de magenta, turquesa e algumas outras cores que não consigo descrever com
exatidão. O ar é tão úmido que minhas roupas começaram a ficar molhadas e não só eu
como Sentry e Jimjar começam a sentir o nariz coçando e os sinais de rinite atacando.
Hatash passa a mão em uma parede e sua unha corta um pouco da parede, até a parede
parece meio viva, como se estivéssemos dentro de alguma coisa. As cores, as partes de
cogumelo voando aleatoriamente, até a gravidade parece diferente. É como se esse lugar
não fosse real, fosse algo alienígena. Talvez seja. Ou talvez eu só não tenha capacidade de
entender. Não é como se estivéssemos apenas dentro de um estipe sinto como se
estivéssemos atravessando uma boa parte do subterrâneo apesar de não andar muito
sempre vão mudando, sempre pulsando, talvez respirando. Todos em uma única vontade,
como um único organismo. A única coisa que me faz voltar a Ecrã é a voz de Sentry, que
apesar de continuar neutra tem um pouco de incerteza escondida em meio a calmaria.
"As paredes estão sangrando" Ela diz ao apontar para uma das paredes. Infelizmente ela
está certa, a unha de Hatash conseguiu cortar, mas esse corte é um pouco mais profundo,
olhando mais de perto são duas marcas, alguém, alguma coisa mordeu essas paredes
enquanto se movia. Passando a mão pelas marcas percebo que são de uma boca pequena,
elas também foram feitas em uma altura que seria similar a de um dos meus amigos
gnomos. Apesar de ser apenas um palpite, é o melhor jeito de saber onde eles poderão
estar. Sem virar minha cabeça completamente consigo ver a preocupação em todos os
meus companheiros, Jimjar está apostando com Tanux que isso é de um dragão, Hatash
está perguntando para Sentry se ela sabe uma oração de Tyr, Tanux e Sentry estão
ignorando os outros dois. Um suspiro involuntário escapou ao me virar para eles, odeio
mentir, mas preciso passar o mínimo de segurança para eles, então meu peito sobe, minha
postura fica mais confiante e um fraco sorriso se forma.
"Essas marcas foram deixadas pelos nossos amigos, só seguir elas rapidinho que a gente
chega neles."

Um dia (2, 1, 2)
Dois dias (3, 2, 2)
Três dias (1 , 2, 1)
Quatro dias. (1, 1, 1)

"A gente se perdeu em algum lugar, a Eldeth não sabe onde a gente tá indo certeza. Que
Tyr nos ajude.* Os gritos de reclamação de Hatash já nem mais me incomodam. Admito que
não sei se os rastros foram deixados pelos nossos amigos mas sei que com certeza não
nos perdemos e que estamos indo em direção a o que deixou as marcas. Pelo meu bem é
bom que seja uma gnoma irritante, Jimjar, que está depressivo desde que seus dados
caíram o pior resultado, olha para Hatash como se ele tivesse acabado de anunciar que iria
matar todos nós, antes de falar com a confiança advinda de uma rolagem aleatória e inútil.
"Cê tá certo! A gente deve ter se perdido hoje, era isso que a serpente triolha queria dizer"
na primeira vez que ouvi a expressão "serpente triolha" eu dei risada. Essa é a décima vez
que escutamos desde que montamos o acampamento.
Sentry, que acaba de fazer um símbolo na parede para alertar qualquer viajante que
existem diabos por perto, se vira para Jimjar apontando a adaga para ele e falando de
forma irritada e cansada "'Jimjar, sua probabilidade de seu dia ser três na rolagem é de
0,463%. Isso são uma em duzentos e dezesseis, então todo ano isso acontece, é só
probabilidade e não sorte. Escuta o que eu estou lhe falando e para de ser otário."
⠀⠀⠀⠀Descobrimos algumas coisas sobre Sentry, ela é bem malvada quando irritada, como
quando irritam ela por vinte e quatro horas sobre três rolagens de dado ou quando passam
quatro horas explicando os motivos de Tyr ser melhor que Lolth. Apesar disso, ela
normalmente só fica emburrada e em silêncio por alguns minutos antes de voltar ao normal.
Sentry é a filha mais nova e seus dois pais morreram em uma guerra civil que aconteceu
em Menzoberranzan, ela nasceu nas vielas, o que torna ela uma das pessoas mais
discriminadas por lá, apenas ficando atrás de homens pobres. Ela tem um gato chamado
Jonathan e seu vocabulário mistura um jeito mais formal e informal pois sua irmã conseguiu
um bom trabalho e ela teve que aprender a falar bonito na frente de pessoas importantes.
"Mas qual a probabilidade de cair hoje?" Jimjar parece decepcionado, triste, cansado e
preocupado, ainda assim, após falar essa frase boba ele parece orgulhoso do argumento
que usou. Tenho que interromper para não deixar Sentry ainda indignada com a loucura de
meus amigos.
"Uma em duzentos e dezesseis, vem Jimjar vamo deitar" Começo a puxar meu amigo para
uma das camas no chão, podemos reclamar de muitas coisas desse lugar. Que não
podemos descansar de verdade pelo constante medo de um ataque, precisamos ficar
sempre alertas contra perigos, barulhos estranhos e horripilantes acompanham cada passo
dado, sequestrou nossos amigos, parece uma criatura enorme e muito mais. Mas pelo
menos o chão é macio. Tanux, que esteve ocupado fazendo sua oração quase que
aleatoriamente olha para mim e pergunta.
"Que dia e que mês é hoje?" Ele olha para os lados, como se isso fosse dar uma resposta.
Todos nós nos colocamos para pensar vejo que todos vão dar sua resposta, menos Sentry
que não sabe nem quanto tempo ficou presa naquele lugar. Hatash diz que é dia quatro de
Linija, o que me faz achar que ele não sabe que dia é nem quando está na superfície,
Jimjar diz que é dia seis de tespecil, e eu digo que é dia dois de tespecil. O silêncio que
cão após as respostas não dura muito, o primeiro a falar é Hatash, levantando as mãos
como se estivesse sendo acusado por um crime.
"Talvez, eu tenha errado já que todo mundo falou algo parecido." Novamente acabo rindo do
quão bobo a maioria dos meus amigos são, um deles usa uma máscara e não tira ela por
nada, outro decide seu dia baseado em uma chance aleatória, Hatash só é muito estúpido e
eu sou uma líder que não lidera nada, uma guerreira que não luta por nada e uma vida
inutilizada.
"Burro." A voz séria de Sentry é contrariada pelo seu pequeno sorriso olhando para Hatash,
ela passa ao meu lado me tirando dos meus pensamentos autodestrutivos, outra coisa que
ela gosta de fazer, zoar Hatash. Não sei se ela realmente odeia ele ou gosta bastante dele.
Ela se senta ao meu lado me olhando nos olhos e acenando com a cabeça. Provavelmente
ela gosta mais de mim por ser mulher. Hatash também escutou seu xingamento, então
antes que ela pudesse falar comigo ele interrompeu com sua voz extremamente indignada.
"Não sou burro! Eu tava preso por um tempão com os peixe filha da puta como que eu ia
saber que dia é? Tu também não sabe e se tu não se lembra, foi a gente que te salvou, tu
devia agradeço a gente de joelhos e também…." Dessa vez meus pensamentos não são
tristes, eu só paro de prestar atenção completamente no que Hatash diz, mas vejo ele e
Sentry começando a discutir, o que acontece na maioria das vezes que eles conversam
nesse acampamento. Hatash não é uma boa primeira propaganda dos clérigos de Tyr para
Sentry. Meu olhar viaja no nosso acampamento, roupas jogadas, as camas uma ao lado da
outra e uma fogueira improvisada com uma panela em cima. Sinto saudades daquela
carroça, era mais difícil de andar pelo subterrâneo mas tínhamos um teto. Lentamente
começo a me perder pensando no passado, como uma gota de água em um oceano tão
grande que poderia ser confundido com o infinito, talvez eu seja a vilã de toda essa obra. Se
uma pessoa é covarde, cheia de falhas, mata quem quer que fique perto por muito tempo,
qual seria o nome para um ser desses? Vírus? Parasita? Eldeth? Jimjar? Jimjar?
"Jimjar?" Ele não só invadiu meu campo de visão, como também minha voz interna e
externa, tudo isso porque meu amigo se aproximou muito de mim. Muito mesmo, gente, ele
tem que se afastar, calma o que tá acontecendo comigo? Estou perdendo o jeito.
⠀⠀⠀⠀Um sorriso calmo se forma em meu rosto, tentando manter uma expressão serena ao
olhar para as jóias de obsidiana que são os olhos de meu amigo, ele parece relativamente
preocupado, suas mãos tocam meus ombros e ele fala quase como um sussurro. "Amiga, tu
tá bem? Tá encarando o nada a um tempão que nem uma maluca. E olha que eu ando com
o Hatash." Nem percebi quando comecei a lacrimejar, provavelmente é esse o motivo dele
estar tão perto, tentando manter minhas fraquezas um segredo que só duas pessoas
sabem, assim como eu gosto. Balanço a cabeça negativamente e falo um pouco mais alto.
"Tô bem, é que eu tava pensando se dava pra usar as paredes como comida pro sopão, cês
acham que dá?" Essa é uma pergunta simples. Não precisa de discussão, mas conheço as
pessoas de minha equipe, sei que Jimjar vai entender que não quero falar sobre o que
realmente me deixava aflita no momento e vai dar sua opinião, Tanux vai falar o que acha e
não discutir, Hatash vai querer comer e Sentry vai usar o senso comum e não aceitar.
Aproveito que isso me comprou alguns minutos de paz e calma, para os meus amigos serão
minutos de discussão e estresse mas para cada um seu cada um e me deito na cama no
chão.
⠀⠀⠀⠀Nunca pensei que estaria nessa situação, desde sempre fui ensinada a tomar cuidado
com as criaturas do subterrâneo, acreditei fielmente que eles eram psicopatas, ladrões e
perigosos. Apesar de na maioria das vezes isso ser verdade, meu melhor amigo é um
gnomo das profundezas, salvei a vida de uma drow que provavelmente me colocaria pra ser
escrava caso esse lugar fosse sua cidade natal, e acredito que Tanux seja um drow ou
morto vivo, as duas opções são ruins. E ainda assim aqui estou eu arriscando minha vida
pra salvar um drow e dois gnomos das profundezas, meus pais estariam decepcionados
mas Tanjir orgulhoso, ele sempre teve um coração mole demais. Acho que ainda é
necessário tomar cuidado com todaa as criaturas daqui, mas não é como se todas fossem
ruins. Na verdade, não acredito que elas sejam criaturas, talvez elas sejam apenas
pessoas.
"O que você está fazendo?" Meus pensamentos são interrompidos por Sentry que me olha
confusa, ela ainda está sentada ao meu lado, e admito que nem percebi quando me cobri
completamente deixando apenas meus olhos de fora do saco de dormir. Mas ela já me viu
dormindo então não faz sentido, devolvo sua pergunta com outra pergunta.
"Ue, como assim o que eu tô fazendo?"
"Isso." Ela aponta para a minha situação atual. "Você vai dormir logo antes do jantar? Daqui
a pouco ficará pronto e você não terá apetite." Minha confusão aumenta ainda mais, o
sopão só ficará pronto daqui uma hora e estou confortável demais para sair do meu lugar
"Eu tenho tempo pra tirar uma soneca, não tem problema."
"O que é uma soneca?" Sentry não faria uma piada dessas, ela não é sarcástica neste
nível. Olho para ela preocupada, mesmo que esteja bem confortável, preciso levantar da
cama para explicar algo tão importante.
⠀⠀⠀⠀Passei alguns minutos explicando para a minha nova amiga o que significa soneca e
como ela poderia utilizar dessa arte, perdi o sono, mas pelo menos eu consegui me divertir
com as caras e bocas que ela fazia como se estivesse aprendendo astrologia avançada,
acabo rindo de sua característica mais normal e um sorriso pequeno também se forma no
rosto dela, é raro ver Sentry sem a cara emburrada, me lembra um pouco Anastácia. Após a
explicação minha atenção se vira para os meus outros amigos e começamos a conversar
sobre assuntos variados, nenhum realmente importante mas acho que essa é a parte mais
importante, uma conversa calma, normal e engraçada, piadas bobas, risadas sem motivo e
um pouco de paz nesse caos que é as nossas vidas. Cada dia que eu trabalho como
aventureira forçada me lembro de nunca mais trabalhar como isso. Nossas risadas, assim
como o fogo da fogueira vai apagando pouco a pouco, as pessoas começam a se deitar pra
dormir, deixando apenas Hatash e eu para ficar no primeiro turno de guardas, estamos com
pouca iluminação da fogueira e a única coisa que deixa a caverna mais clara são os
cogumelos fluorescentes que iluminam esse lugar, deixando-o relativamente belo.
"Será se Tyr beijava na boca?" Meu pescoço até estala quando viro com muita rapidez para
Hatash, que tipo de pergunta é essa especialmente para o seu Deus que você respeita
tanto, deixei cair um pouco da sopa que estava tomando, antes de me recompor e falar com
um pequeno sorriso.
"Talvez, de acordo com as teorias os Deus viveram com a gente a muito tempo atrás né, ele
pode ter se apaixonado" Na verdade acredito que ninguém iria querer ficar com Tyr ele
parece bem chato e focado apenas na justiça, mas não quero falar essa parte para o meu
amigo que beijaria Tyr a qualquer momento. Nossos olhares se encontram e vejo que ele
está totalmente sério e isso é uma questão que aflige bastante ele, ou pelo menos quw ele
tem bastante curiosidade para saber.
"Se até Deuses beijam na boca, por que muitos clérigos fazem votos de castidade?" Antes
que pudesse realmente responder, minha atenção é tomada por um barulho conhecido na
parte de frente dessa "caverna" passos. E apesar de fazer muito tempo, eu viajei com essas
duas pessoas a muito tempo, consigo reconhecer, independente do que esteja acontecendo
e de onde nós estamos eles sempre andam juntos, Topsy e Tipsy aparecem, estão
claramente cansados, mancando e abraçados, um usando o outro de apoio, Topsy tem os
caninos que eram avantajados raspados, provavelmente ele que deixou a marca nas
paredes que seguimos, a primeira coisa que eles fazem não é falar, apenas cuspir um
monte de cogumelos no chão com algumas partes de sangue. Hatash é o primeiro a se
movimentar colocando as mãos por cima dos dois e começando uma oração de cura, a voz
de Tipsy sai fraca, ela olha para mim e consigo ver suas pupilas sendo tomadas por um
verde escuro e as veias no seu pescoço ficando roxas, ela foi envenenada.
"Nós… Nós liberamos Zuggtmoy… ela vai vir matar vocês, todo… todo mundo" a
respiração dos dois fica maia acelerada e é possível ver a palpitação de sangue ficando
ainda maior, maior e maior. Eu reconheço essa transformação. Eles vão virar verdadeiros
servos de Zuggtmoy, suas cabeças vão explodir, minha ordem sai mais como um grito, uma
súplica para meu amigo mas também para qualquer entidade, Deus ou pessoa que possa
me ajudar.
"Hatash. Me dá a adaga. Rápido." Ele nem tira a adaga direito e eu já peguei ela de suas
mãos. Não sei como essa transformação funciona, mas pelo que eu entendi o coração, ou a
própria corrente sanguínea está contaminada com esporos que sobrecarregam o cérebro e
ele explode. Deuses, não me deixem errar.
⠀⠀⠀⠀O punhal é antigo, feito de ossos por Dylidae, paro completamente de respirar
enquanto me aproximo dos meus dois amigos, eles estão se mexendo, se debatendo com
os cogumelos tentando dominar tudo que eles têm. "Segura ela Hatash." Nem olhei para
Hatash quando dei a ordem. Meu foco total está em não errar. Seguro a adaga com força,
não posso tremer, não posso errar. Chego perto de Tipsy e faço um buraco no sua
garganta, que é fundo o bastante para chegar na traquéia, apesar disso não ajudar a
corrente sanguínea, esporos são como energia, sempre procuram o caminho de menos
resistência e nesse caso, o ar é bem menos resistente que Tipsy. Levanto o olhar para
Hatash enquanto Tipsy fica parada, espero que desmaiada. Topsy me olha com raiva, nos
poucos segundos que ele tem de vida ele vai achar que matei sua irmã. Também espero
que esses não sejam seus últimos momentos de vida.
"Agora segura ele." Meus outros amigos já acordaram, mas não consigo nem notar a
presença deles, nesse momento só existe Topsy, a adaga e eu. Topsy se move mais que
ela, lutando para não ter o mesmo destino de sua irmã, Hatash, de forma inteligente conjura
um feitiço para acalmar suas emoções e eu não posso perder essa oportunidade, faço um
buraco na garganta dele com a adaga, que não só expulsa sangue do lugar mas também
consigo ver alguns esporos que brilham e pulsam com força. Topsy também sofre um
desmaio, talvez essa seja uma defesa do corpo. Ou talvez eu tenha errado e eu matei dois
dos meus melhores amigos.
⠀⠀⠀⠀Me afasto lentamente, soltando a adaga no chão, solto todo o ar que nem sabia que
estava guardando quando encaro os corpos dos dois gêmeos em minha frente, os dois
caídos, sangrando e quase mortos, ou mortos. O vulto de Tanux e Jimjar passam muito
rápido, os dois correndo para certificar que eles estão vivos, eles colocam os dedos no
pescoço checando o pulso dos gnomos, o silêncio é ensurdecedor. Tenho vontade de gritar,
fechar os olhos e não escutar a resposta, não posso fugir da realidade então apenas fecho
os olhos e espero as consequências dos meus atos, a voz de Tanux anuncia o resultado,
escuto um suspiro vindo de Jimjar não sei se será positivo ou negativo.
"Eles estão vivos."

Capítulo 7
A emo e a indecente tão bem?

⠀⠀⠀⠀Quase não consigo acreditar, foi uma aposta completa e a vida finalmente sorriu para
mim, minhas pernas fraquejam me levando ao chão, as lágrimas caindo de meu rosto são
uma incógnita até para mim, alívio, felicidade, ansiedade, medo, não sei se é só um deles
ou uma mistura de todos juntos. Mas eu posso finalmente respirar fundo e dizer que meus
amigos estão aqui, eu não falhei completamente. Agora só preciso achar Sarith e
poderemos sair deste inferno.
"Você está bem?"
"Cê tá de boa?"
⠀⠀⠀⠀Sentry e Jimjar dizem quase que em uníssono, os dois estão claramente preocupados
comigo e me olhando como se a qualquer momento eu fosse desabar de chorar, algo que
só faço de madrugada, respiro fundo, não posso deixar essa situação me abalar, pelo
menos não ainda, ainda não acabou, levanto do chão limpando um pouco minhas roupas e
encarando os dois digo com toda a confiança que posso transparecer no momento.
"Tô bem, só o estresse. Eles… tão bem… bem?" Hatash apenas concorda com a cabeça e
novamente ele está sério enquanto faz uma oração de cura para os meus colegas,
mostrando a diferença de poder mágico que temos, eu consegui curar alguns dos
machucados de Hatash, já ele consegue fechar feridas abertas apenas com o poder da voz,
apesar de não gostar de Tyr seu poder é bem útil, Sentry se aproxima do corredor que eles
partiram e olhando para mim comenta.
"Se você está bem, então eu vou explorar mais na frente e volto pra reportar para você."
Sua voz é séria e impassível, mas consigo sentir uma ponta de medo escondido atrás de
toda essa força de vontade. Tanux, que provavelmente sentiu a mesma coisa que eu,
levanta a mão direita de sua espada e se aproxima de Sentry.
"Eu também irei. Talvez tenha alguma coisa perigosa lá na frente." Vejo Sentry encarar ele
por alguns segundos parecendo analisar se apesar de ser um homem ele poderia ser um
bom parceiro de equipe nessa missão, ela não consegue esconder sua cara de decepção,
parecendo ainda mais triste ela aponta com o seu braço funcional para Jimjar.
"Eu vou com o Apostador, ele não leva duas espadas, uma armadura pesada e usa uma
máscara, ele vai ser melhor para essa missão furtiva." Tanux se vira para Jimjar, não
consigo dizer se ele está feliz ou triste por não ir, mas ele parece ter aceitado pois se afasta
logo depois. Jimjar olha para nossos amigos respirando com dificuldade, depois para Sentry
e então para mim.
"Vamo lá, deixa só eu arrumar as coisas." Imaginei que ele iria ir em sua bolsa, e procurar
alguma arma ou poção diferente, eu estava muito enganada mas não estou nada surpresa,
ele realmente foi para sua bolsa, mas não para o motivo certo.
⠀⠀⠀⠀Jimjar se movimenta rápido, ele sabe que está com pouco tempo, então de um dos
bolsos menores na sua bolsa ele retira seus três dados. E lança eles contra o chão, o
resultado é 5, 2 e 1 que comparado aos nossos outros dados é muito bom, então Jimjar
aparenta instantaneamente se animar, como se isso fosse a confirmação que ele precisava,
diferentemente de Sentry que parece se arrepender de escolher um supersticioso para sua
equipe de exploração, Jimjar passa correndo se encontrando com Sentry na frente do
corredor que eles vão explorar, não consigo me segurar e acabo indo até Jimjar o
abraçando, ele demorou alguns segundos para me abraçar de volta e sem que eu precise
falar nada, ele sussurra em meu ouvido com uma voz calma, como se tivesse certeza que
daria tudo certo.
"Nem se preocupa, a gente já volta tu nem vai sentir a nossa falta.'' Me afasto olhando para
ele com um pouco de raiva, odeio o quão otimista ele é, odeio muito, aponto meu dedo em
sua direção e estreito um pouco os olhos, minha voz sai sem nenhuma falha, ainda bem,
estou a beira de lágrimas o tempo inteiro, adoraria culpar a dor fo meu útero mas nem senti
isso direito nesses últimos dias de tanta preocupação.
"É bom mesmo. Se encontrarem qualquer coisa que não conseguem lidar, voltem pra cá.
Por favor." O início da frase foi apenas para Jimjar, mas desde a primeira pausa já comecei
a falar com Sentry também, não posso realmente dar ordens para eles, mas gosto de
demonstrar minha preocupação já que é só isso que posso fazer no momento. A drow
parece um pouco surpresa mas Jimjar apenas concorda e começa a se movimentar,
fazendo ela seguir seus movimentos, uma missão rápida, fácil e sem problemas, eu espero.
Enquanto eles se afastam entrando na escuridão escuto Jimjar falando: "Vamo apostar se a
gente vai encontrar uma cogumelona putassa?" E não consigo ver, mas sei que Sentry
revirou o olho.
⠀⠀⠀⠀Volto o olhar novamente para meus dois colegas deitados no chão, o furo que fiz em
seus pescoços já estão fechados e apesar de não estarem comendo a cura parece deixar
eles mais saudáveis, ainda assim eles precisam comer, então olho para Tanux batendo uma
palma fraca e dando o meu melhor sorriso antes de falar. "Quando eles acordarem vão
estar com fome, vamo cozinhar algo bom pra eles?" Tanux estava encostado na parade,
então ele apenas se levanta e começa a se dirigir até nossos materiais de cozinha, que
estão largados ao lado de armas, armaduras, escudos e poções.
⠀⠀⠀⠀Hatash, que está no meio de um trabalho extremamente importante e precisa manter a
concentração para garantir a segurança dos nossos amigos, decide se virar indignado para
mim e falar completamente indignado. "Eu também tô com fome! Tyr tá fazendo tudo mas
eu também preciso comer né, faz marlin frito!" Acabo encarando ele por alguns segundos,
estou incrédula com o nível de prioridades que meus amigos tem. Tanux, que conseguiu
assimilar as bobagens de Hatash bem mais rápido que eu, coloca a mão no ombro do
nosso clerigo particular e diz com uma voz calma.
"A gente vai fazer, agora continua curando eles para que eles acordem bem, depois você
comerá." Hatash encara ele por alguns segundos tentando analisar se ele está ou não
falando a verdade, após decidir acreditar ele apenas murmura "é bom mesmo" e volta a
rezar, seus olhos brilhando em uma luz amarela e nossos amigos pulsando com essa
mesma energia as vezes, apesar dele ser chato, vejo que ele também parece preocupado
com nosso colegas, não parou de fazer o feitiço nem por um segundo.
⠀⠀⠀⠀O tempo passa como um borrão, é estranho fazer algo que eu amo tanto que é
cozinhar nesse lugar e pra pessoas que nem sei como encarar, apesar de tudo não deixo
isso me abalar, pelo menos não agora. Junto com a ajuda de Tanux é fácil de preparar tudo,
apesar de todos estarmos cansados toda a adrenalina e felicidade de trazer nossos amigos
de volta nos deixa bem elétricos, sei que eles merecem bastante paz, pelo menos no que
podemos fazer para eles, então acabo obrigando Tanux a virar um ajudante de cozinheiro
que trabalhou bem mais do que deveria, fiz o marlin frito de Hatash, que funciona quase
como batata frita, faço minha famosa pizza de cogumelos que honestamente é um dos
meus melhores pratos, apesar de dar muito trabalho e gastar muitos recursos, acabo
usando o que sobrou do marlin e da pizza junto com o sopão de ontem, não podemos
desperdiçar, por último, misturo um pouco de água com um cogumelo doce, serve quase
como um suco de laranja, um suco de laranja bem fraco. Quando terminanos, olho para
Hatash, que parece genuinamente cansado após manter as duas pessoas bem durante
uma hora e ainda continua mantendo, coloca a mão nas costas de Tanux e quando ele me
olha encaro seus olhos com um sorriso falando.
"Bom trabalho viu? Eu fico feliz que você não morreu praquele dragão, você é um parceiro
muito importante pra gente." Consigo ver seus olhos se abrindo surpreso com essa
declaração aleatória, admito que não tem um motivo para falar esse tipo de coisa do nada,
no entanto, após ver a situação dos meus amigos, sei que preciso demonstrar aos meus
aliados que os amo enquanto ainda posso.
"T..Tiipsy…" A voz de Topsy corta o silêncio que ficou após minha afirmação, sua voz é
fraca e ele quase não consegue abrir os olhos, vejo suas mãos tateando o chão em busca
de sua irmã, nós dois corremos até ele enquanto Hatash cai no chão de tanto cansaço,
chego perto de Topsy segurando sua cabeça e colocando meu cantil contra sua boca, sua
mente ainda parece lenta, então ele ainda não lembrou de me ver abrindo um buraco na
garganta dela, enquanto ele bebe, quase que automaticamente digo em um tom baixo,
tentando ao meu máximo ser gentil.
"Ela tá bem… ela tá descansando agora, olha pro lado, ela tá respirando e dormindo, olha"
Sei que é extremamente suspeito passar a garantia de que ela está bem ao dizer que ela
está respirando, mas preciso muito que ele não surte, Hatash não teria outro feitiço
daqueles, seu olhar vai até Tipsy instantaneamente e parece analisar o estado da irmã, ele
vê a cicatriz no pescoço e parece pronto para se movimentar até ela, quando ela se vira
dormindo para o outro lado, uma boa hora para ela mostrar que está viva, Topsy afasta o
cantil da boca delicadamente, ele olha para mivm, então para Tanux e depois Hatash, a voz
dele ainda está rouca, como se não tivesse sido usada há tempos, ele sempre parece triste
mas dessa vez ele aparenta estar desolado, traumatizado.
"Nós… tínhamos perdido a esperança, foi horrível, ela invadiu cada canto do nosso corpo,
da nossa mente, eu ainda consigo sentir… e… eu não achei que vocês viriam obrigado. Eu
não queria que ela morresse lá'' Ele termina olhando novamente para sua irmã, Tanux
chega perto dele agachando em frente a Topsy, ele começa a falar tão baixo que precisei
me aproximar mais para escutar.
"Sinto muito que vocês passaram por isso, mas é claro que nós estaríamos aqui, somos
todos aliados nessa batalha. Além do mais, onde se encontra Sarith?" Tanux, que é bem
mais focado do que eu, não tem medo de procurar as informações que ainda precisamos,
Topsy fecha os olhos balançando a cabeça negativamente, como se estivesse se
lembrando de tudo que passou, ainda de olhos fechados ele responde parecendo ainda
mais triste do que antes.
"Ele ficou lá, Ela sabia que vocês estão indo, Ela sabe de tudo que acontece aqui, Ela
mandou a gente para morrer juntos e expulsar vocês, Ela quer o Sarith de padrinho do
casamento. Se Ela se conectar com esse lugar, Ela vai conseguir dominar o mundo todo."
Tanux parece confuso, sua cabeça pende para o lado como um cachorro antes de olhar
seus arredores, ele demora um pouco mas finalmente pergunta.
"O que é esse lugar? Se conectar com o que?" Tanux, como sempre se manteve impassível
em suas perguntas, em seu modo de falar e em sua mente, eu espero, porém o silêncio de
Topsy logo depois me deixou extremamente inquieta, foram alguns segundos nada mais,
mas ainda assim me fez com que e me sentisse desconfortável, como se eu precisasse de
uma resposta positiva dele, mesmo que todo mundo saiba que não vai ser uma notícia boa,
nunca é uma notícia boa por aqui, Topsy finalmente responde.
"A gente tá em Araumycos, no centro dele, Araumycos é como um cogumelo muito grande,
duzentos e cinquenta e sete mil quilômetros e quatrocentos metros, quatrocentos e um
agora, quatrocentos e dois agora." Ele passa a mão pelos seus cabelos, como se estivesse
tentando arrancar essa informação da sua própria cabeça, talvez por não conseguir, ele
apenas suspira e continua falando. "Eu não sei porque eu sei dessas coisas, mas eu sei,
Araumycos é um monte de fungos, colônia de fungos eu acho, atrás desse monte de fungo
tem uma parede de uma caverna… e… se a Zuggtmoy conseguir realmente se conectar a
esse monte de fungo que tá nas paredes, ar, cogumelos, micoides em mais um monte de
coisa, ela vai conseguir poder o bastante pra rivalizar com um Deus superior.''
⠀⠀⠀⠀Quando você escuta uma notícia ruim, a primeira coisa que gostamos de fazer é
negar, infelizmente eu não consigo, eu sei que ele fala a verdade, olhando nos seus olhos é
como ver o relato de alguém que já viveu isso e eu sei como os fungos de criaturas que
servem a Senhora do decaimento, não posso nem imaginar como é estar em contato com a
fonte, ele viu o que vai acontecer e provavelmente sabe que isso é verdade. Sei que deveria
escutar tudo que ele fala e apenas aceitar e tentar processar tudo que aconteceu, mas não
consigo fazer apenas isso, então ao perceber que ele vai continuar falando me dirijo
lentamente até o jantar que fizemos e começo a fazer um grande prato para Topsy, Tanux,
que tem mais maturidade mental do que eu coloca as duas mãos nos ombros de Topsy e
diz quase que em um sussurro.
"Nós não vamos deixar isso acontecer, e vocês estão seguros com a gente agora, é só
seguir em frente que a gente chega no Sarith?" Topsy apenas concorda com a cabeça,
percebo que ele sabe de mais coisas, muito mais, mas também sei que ele provavelmente
não quer falar sobre isso e se fosse questão de vida ou morte ele falaria. Pelo menos eu
acho que ele iria. O prato de comida que fiz está pesado, quase dois quilos de comida para
que ele possa ficar bem o mais rápido possível, antes que eu consiga entregar o prato pra
ele vejo algo impressionante, intrigante mas não tão surpreendente.
⠀⠀⠀⠀Hatash segura sua faca em suas mãos enquanto abre um buraco na parede do lugar,
ele esfaqueou e cortou um buraco do tamanho da minha cabeça nessa colônia de fungos
do tamanho do reino de Emperio, ele retira a amostra de fungos que ele esquartejou da
parede e olha dentro do espaço que ele mesmo abriu, ainda segurando um pedaço da
parede roxa nas mãos ele se vira olhando para o grupo com um sorriso animado e dizendo
''Realmente tem uma caverna aqui atrás!" Apesar de tudo, não posso reclamar dele ficar
feliz, é sempre bom ver alguém se animando mesmo que seja por uma das razões mais
estúpidas que eu já vi.
⠀⠀⠀⠀Levo o grande prato de comida para Topsy entregando em suas mãos que ainda
tremem com as lembranças do que passou, ele segura a colher com uma das mãos e
coloca o prato em seu colo, encarando a comida por alguns segundos, percebo que ele
parece se segurar para devorar aquilo completamente, apesar de estar com nutrientes o
bastante para viver ele não estava comendo. Ele começa a levantar a colher cheia de
diversos tipos de alimentos até a boca quando Tipsy se move, ela involuntariamente solta
um grande bocejo e levanta a parte superior do corpo, seus olhos ainda quase que
fechados enquanto ela olha de um lado para o outro. Topsy por sua vez, imediatamente
levanta, quase tão rápido que nem parece que estava fatigado até agora a pouco. Ele
segura o prato em suas mãos e se aproximando fala de forma rápida e preocupada.
"Tisy, você está bem? Descansa mais, come um pouco e volte a dormir, você está com dor?
O Hatash lhe curou direito?" Tipsy demora alguns segundos para responder, ela encara o
irmão e lentamente leva sua mão até a bochecha de Topsy, fazendo um carinho leve, como
se quisesse comprovar que ele era real. Em minhas memórias de Tipsy ela sempre foi muito
extravagante, suas brigas eram exageradas, suas tristezas também, até seus sorrisos e
gargalhadas eram chamativos. Mas agora, ela apenas mantém um pequeno sorriso no rosto
enquanto olha para seu irmão com todo o amor que ela poderia dar para ele, então, em um
tom de voz baixíssimo ela sussurra com sua voz falhando e com uma mistura estranha de
felicidade e tristeza.
"Eu tô tão feliz que tu tá bem, e eu não preciso de nada disso… só de um abraço, por
favor." Topsy sempre teve problemas em demonstrar o quanto amava sua irmã com ações
diretas, era sempre algo indireto ou secreto, mas pela primeira vez vejo ele abraçando-a
sem nenhum problema, é um abraço forte e mútuo, por alguns segundos parece que só os
dois existem no mundo, eu não sei o que eles passaram ali, eu nunca mais terei algo assim
com meu irmão, eu não tenho como impedir que meu irmão morra, ou impedir que eles
sofram o que já sofreram, mas eu posso impedir que eles continuem a sofrer, eu posso
garantir que eles não terão medo de perder a pessoa que eles amam dessa forma e eu vou
garantir que eles fiquem bem.
⠀⠀⠀⠀Acho que demorou pouco mais de um minuto para que Tipsy percebesse que tinham
outras pessoas no lugar, ela só olhou para o resto de nós quando Topsy se afastou e
começou a listar os ingredientes que tinham no prato que ela aparentemente deveria comer,
depois que ele terminou de falar ela assegurou o irmão de que ele poderia comer primeiro e
que ela não estava com fome e então olhou para o resto da equipe, seu olhar é bem mais
cansado do que eu me lembro, suas expressões também quase como se toda essa
experiência tivesse sugado não só sua energia física como sua alma, ainda assim, ela
mantém seu pequeno sorriso no rosto ao falar com a gente
"Não achei que vocês iam vir, mas especialmente o Hatash, achei que ele já teria morrido
ou algo assim. A emo e a indecente tão bem? O Buppido e o Dylidae continuam
esquisitos?" Seus olhos estão lacrimejando e ela parece com dificuldade para falar, nem
Hatash consegue realmente levar o insulto a sério, é como se ela quisesse apenas
continuar de onde paramos, fazendo piadas com Hatash, rindo de Anastácia e Iara sendo
opostos completos, vendo as loucuras que Buplido e Dylidae fazem. Apenas suspiro
fechando os olhos, a parte mais triste é que não consigo realmente responder nenhuma de
suas perguntas, espero que Buppido esteja morto, não sei se Iara, Anastácia e Dylidae
estão bem e também não acho que seria uma boa notícia a receber que duas de suas
amigas te abandonaram porque um assassino estava na mesma cidade que a irmã de uma
delas, apesar de acreditar que Iara tem um bom motivo, não posso dizer o mesmo de
Anastácia e seria pior ainda dizer que Dylidae apenas desistiu de procurá-los e foi pra uma
missão de autoconhecimento ou algo do tipo. No entanto, não consigo me manter calada
por muito tempo, uma conversa precisa no mínimo fluir um pouco, olho para ela e com meu
melhor sorriso falso exclamo.
"Acho que isso pode ficar pra depois, agora escolhe, você quer marlin frito com grãos ou
minha pizza de cogumelos! Tu precisa comer, não pode dizer não!'' Tipsy olha para Topsy
que concorda com a cabeça para tudo que eu falo, e depois olha para o resto do jantar, ela
vê uma grande quantidade de marlins fritos, uma deliciosa pizza de cogumelos com
inúmeros recheios e um pote do tamanho de uma criança pequena cheio de um líquido
cinza e com pedaços de cogumelo, carne, grãos e massa que eu chamo de sopão. Ela
lentamente levanta o braço e aponta para o pote de sopa virando para mim e dizendo.
"Eu quero a sopa, como nos velhos tempos." Seu olhar revela que ela realmente só quer a
sopa pela sua nostalgia, ela provavelmente gosta do sabor mas ela só quer viver aqueles
momentos de novo, quando estávamos todos juntos e ela não tinha passado meses nesse
inferno. Estou me levantando para servi-la quando Tanux levanta sua mão falando em alto e
bom som.
"Eu também quero uma sopa! Estou com saudade do quão salgada ela é." Ele mentiu três
vezes seguidas, ninguém quer comer sopa, ele não está com saudade e a sopa não tem
nada de salgada. Hatash também levanta a mão e completa o que Tanux disse.
"Se Tyr quiser eu como uma sopa hoje, bota pra mim Eldeth?" E ele tenta com todo o seu
carisma fazer uma cara fofa para que eu faça tudo por ele, estou prestes a mandá-lo fazer
sozinho quando vejo que o sorriso de Tipsy parece um pouquinho maior, bem pouco, mas
neste ponto tudo que posso fazer para animar esses dois gnomos eu farei, então apenas
reviro os olhos e como eu sempre fazia quando todos estávamos no acampamento digo em
voz baixa mas alta o bastante para que todos possam ouvir.
"Tá bom tá bom, vou botar logo pra todo mundo, mas não quero ver nenhuma sobra no
prato." Separo para cada pessoa uma porção de sopa, inclusive Topsy que já colocou a
quantidade exorbitante de comida no chão só espera que eu termine de servir a todos.
⠀⠀⠀⠀E por alguns minutos, realmente parece que voltamos no tempo, apesar de não
termos alguns dos nossos amigos aqui, nós tomamos a nossa sopa enquanto conversamos,
contando as notícias sobre as pessoas que viajam com a gente. Nós fofocamos por alguns
minutos. O calor da sopa nos esquenta por dentro mas a companhia nos esquenta muito
mais, Tipsy rindo, Topsy sorrindo, Hatash gritando com alguma piada de Tipsy e eu
tentando acalmar todo mundo. Voltamos para uma noite onde ficávamos em turnos
conversando por horas, como na noite do bordel ou em um dos dias em Gracklstugh. Por
alguns minutos ficamoos felizes e é como se nada tivesse acontecido. Apenas alguns
minutos, pois um pouco depois, enquanto Tipsy exclama que Hatash precisa de mais
hobbies, Sentry e Jimjar voltam.
⠀⠀⠀⠀Seus olhares parecem cansados, apesar de não estarem machucados os dois
parecem tristes, sua postura parece derrotada apesar de não ter sangue em suas armas ou
armaduras, o rosto de Jimjar se ilumina quando vê os dois irmãos bem, mas como Sentry
não tem nenhuma ligação com eles, ela me olha e como um soldado falando com seu
capitão começa a repassar o resultado da missão.
"Eldeth. Nós estamos com grandes problemas."

Capítulo 8
"Dá azar ver a noiva antes do casamento"

⠀⠀⠀⠀Tudo que eu quero, tudo que eu preciso é de um dia, apenas um dia sem preocupação
nenhuma, um dia onde eu estaria deitada em um campo de flores olhando para o céu sem
pensar em nada apenas existindo, como uma preguiça vive a vida toda. Meu sorriso sumiu
completamente, meus ombros caíram e minhas mãos começaram a tremer um pouco,
infelizmente ver Sentry e Jimjar me lembrou que temos muito trabalho para fazer e muitas
quase mortes para viver, Tipsy que não sabe de tudo que está acontecendo, apenas dá um
pequeno aceno para Jimjar e mantém seu pequeno sorriso no rosto dizendo.
"Oi Jimjar, tava com saudade, oi moça… também!" Ela ainda parece estar meio desconexa
com a realidade, tanto que nem questionou a aparência de Sentry, a drow apenas faz um
movimento com a cabeça em resposta ao cumprimento de Tipsy enquanto Jimjar vai
abraçar os dois irmãos, Sentry se agacha para falar comigo, não estou acostumada com
tanto profissionalismo no meu grupo, mas ela imediatamente começa a repassar tudo que
aconteceu na missão, como um autômato programado para recontar tudo que viu ao seu
criador.
"Existe uma torre gigante mais fundo nessa caverna, uma torre de cogumelos
inexplicavelmente grande. Acredito que ela sabia que estávamos nos movimento para lá
pois…" Ela tem que parar para respirar em meio a sua fala já que um dos seus pulmões foi
completamente destruído pelos cogumelos, eu apenas respiro fundo, ansiosa com que
outros terrores teremos que ver, ela continua ''quando estávamos nos esgueirando em volta
da torre uma das dezenas, talvez centenas de corpos que estão em volta da torre acordou e
ele era um dos meus colegas, ela sabe que estamos indo até lá e está brincando com a
gente. Alguma pergunta?" E ela se afasta voltando a ficar de pé, novamente como se
tivesse esperando por alguma ordem. Balanço a cabeça negativamente e aponto para o
jantar que está próximo à Topsy antes de falar.
"Eu sinto muito que você tenha passado por isso. Muito obrigada, vai ser muito boa essa
informação, mas se quiser desabafar eu estou aqui, mas você também tem que comer." Eu
sei que ela provavelmente não quer me ouvir falar para ela almoçar agora, mas manter uma
alimentação saudável é de extrema importância, especialmente para pessoas que estão
sempre se arriscando como a gente, ela apenas faz um aceno de concordância e depois se
dirige até a comida, encarando Topsy que encara ela de volta. E os dois se encaram
silenciosamente.
⠀⠀⠀⠀Lentamente vou até uma das paredes me sentando contra ela, preciso de um tempo
para pensar em como resolver toda essa situação que acabamos enfrentando. Como eu sai
de ser uma assistente de ferreira para encontrar uma lorde diaba que sabe da minha
existência e quer me torturar em específico? Infelizmente acho que tudo isso é minha culpa,
e por minha culpa meus amigos estão sofrendo com isso, então preciso tirar eles disso de
alguma forma. Sarith ainda está vivo, então temos que encontrá-lo mas não conseguimos
entrar de forma furtiva sendo que ela sabe cada passo que iremos dar antes mesmo deles
acontecerem. Minhas mãos correm pelos meus cabelos e fecho os olhos. Como eu queria
me deitar em uma cama confortável agora.
"Viu? Falei que ia ser facinho né?" Meus devaneios são interrompidos por Jimjar que me
olha sorrindo enquanto se senta ao meu lado com um dos maiores pratos de comida que eu
já vi, não sei como ele é tão pequeno mesmo comendo mais que um cavalo, ele ainda tem
sua expressão cansada por trás desse sorriso, mas parece bem mais animado ao ver que
seus amigos estão bem, abraço meus joelhos colocando minha cabeça por cima deles
olhando para Jimjar e pergunto.
"Como foi a exploração? Pelo relatório de Sentry não foi boa." O sorriso de Jimjar diminui
lembrando do que viu, encostando sua cabeça contra a parede ele olha para Tipsy e Topsy
voltando a sorrir antes de me responder.
"Não tem pra que ficar falando de notícia ruim, eles tão bem! E o Sarith não era parte da
decoração fora da torre, então ele provavelmente tá lá dentro." Acompanho seu olhar
enquanto ele fala e vejo Hatash brigando com Tipsy e Topsy porque eles roubaram o último
pedaço de carne na sopa, os dois parecem confusos enquanto Sentry toma uma sopa cheia
de carne. Sei que ele não quer falar sobre coisas ruins, mas acredito que se vamos invadir
uma torre onde a rainha dos fungos mora precisamos de no mínimo um bom plano, antes
que eu consiga pensar no que falar, acabo falando.
"Não tem como a gente só ir embora né?" Pensei que Jimjar ia me xingar, apostar que eu ia
me arrepender de falar isso, mas apenas o vejo suspirando e colocando a mão em seus
olhos os limpando, ele me olha por alguns segundos antes de colocar a sua outra mão
contra meu joelho e dizer com uma voz baixa.
"Claro, a gente pode ir embora, mas tu realmente quer ir?"
⠀⠀⠀⠀Eu não sei. Eu não sei se quero ir embora, se quero arriscar a vida de cinco para
salvar a vida de um, não sei como invadir o local, não sei se aguentaria viver comigo
mesma sabendo que mais um amigo morreu por minha causa, eu não sei fazer nada.
Honestamente eu sei que não vou conseguir abandonar Sarith, especialmente agora que
sabemos que ele está vivo e sozinho por lá, mas eu queria tanto que outra pessoa
escolhesse para mim, que alguém me dissesse o que fazer, o que pensar e como agir. Jogo
minha cabeça para trás assim como Jimjar fazendo um grunhido inelegível e logo depois
digo.
"Não, porra vamo resolver como a gente vai invadir essa torre." Jimjar, que já sabia que
essa seria minha reação bate palminhas como se tivesse vendo uma peça, uma peça onde
a protagonista odeia cada segundo que ela tem de tempo de palco.
⠀⠀⠀⠀O que segue são cerca de vinte minutos onde Jimjar, Sentry Tanux e eu tentamos
encontrar alguma linha de ação que nos passe segurança o bastante para invadir na casa
de uma das pessoas mais poderosas do universo. No final tivemos a visão otimista de
Jimjar, a visão pessimista de Sentry, a visão realista de Tanux e a minha visão ansiosa.
Todos tínhamos ideias diferentes e problemas com as ideias dos outros o que deixava ainda
mais difícil de montar um verdadeiro plano que todos possam seguir em conjunto, no final
de todo esse planejamento levanto devagar e bato duas palmas para garantir a atenção de
todos, então digo.
"Ok, eu tomei minha decisão e vocês vão seguir! A gente vai infelizmente ter que entrar pela
porta. Da frente. Não tem sentido em tentar se esconder se ela vê tudo que ocorre aqui, nós
não vamos respirar os esporos dela. Vamos pegar Sarith e ir embora o mais rápido
possível. Tipsy e Topsy ficarão aos cuidados da Sentry." Vejo Sentry imediatamente abrir a
boca para questionar claramente não gostando de se tornar uma vigia, coloco minha mão
em seu ombro e continuo minha explicação. "Essa luta não é sua, não ia gostar se você
morresse por nós, eles precisam de proteção, você vai ser útil aqui. Fique, por favor"
⠀⠀⠀⠀Apesar de parecer odiar essa decisão ela apenas abaixa a cabeça concordando
lentamente, Jimjar joga uma moeda para cima, após ver o resultado ele levanta o olhar para
mim e também acena positivamente com a cabeça. Tanux se manteve calado, mas sei que
se ele tivesse algum problema com o plano iria falar algo, lentamente me movimento até
meus dois amigos gnomos agachando em frente aos dois, eles param de conversar entre si
e me olham, estou sorrindo apesar do medo e estou falando apesar de não ter certeza de
nada.
"A gente vai pegar o Sarith de volta, vocês ainda tão machucados então vão ficar aqui com
a Sentry. Eu queria passar mais tempo com vocês, mas quanto menos tempo ele passar lá,
melhor. Tudo bem?" Vejo a expressão dlees que estava marcada com bastante felicidade
mudando para uma mescla de decepção, tristeza e decepção, Topsy apenas acena cok a
cabeça, imagino que ele, Anastácia, Sentry e Tanux se darão bem, Tipsy se aproxima me
abraçando no meio dos meus devaneios, de6morei pouco tempo para corresponder mas
quando consegui a abracei com força, como se não quisesse soltar, porque eu não quero, e
bem baixo ela me diz.
"Por favor, voltem, eu não quero perder vocês de novo." Sua voz sai abafada contra o meu
pescoço, a tristeza que ela escondeu no fundo da sua alma transbordando com a nossa
partida, me afasto um pouco e encaro minha amiga, nossos rostos quase se tocando, faço
como ela fez com Topsy e coloco uma mão em sua bochecha, apesar de não acreditar em
nada do que falo, mantenho meu melhor sorriso ao dizer.
"É claro que a gente vai voltar bem, dessa vez com um drow gostoso a mais."
⠀⠀⠀⠀As preparações são feitas de forma rápida, nós juntamos o que precisamos, como
armas, máscaras improvisadas, armaduras, itens de aventureiros, e uma ou duas rações,
no pior dos casos devemos demorar cerca de duas horas, não quero passar mais de cinco
minutos naquela torre, impressionante como independente do quanto eu proteste e tente
impedir parece que sempre eu vou me colocando mais e mais fundo nas teias de tragédia,
quando estamos prestes a sair, Hatash e Jimjar estão se despedindo de Tipsy e Topsy eu
vou até Sentry que está sentada contra a parede parecendo irritada, quando eu me
aproximo ela me olha e antes que ela possa me mandar embora digo.
"Eu sei que tu não quer me ouvir, mas tu realmente tem o trabalho mais importante. Se a
gente não voltar em oito horas, tu vai embora e leva eles junto, tudo bem?" Sei que isso é
admitir que não tenho certeza se vamos voltar, só de pensar nesse caso já me faz sentir
meu estômago revirar, talvez seja apenas a sopa, Sentry, apesar de estar irritada continua
sendo alguém que aparenta ter um bom senso, talvez por isso ela saiba que não estou
mentindo e que realmente preciso dela, ela segura sua adaga nas mãos e sem olhar para
mim me responde.
"Eu falei que iria apresentar minha irmã para você, então é bom que você saia viva. Mas eu
vou fazer o que me foi pedido." Um pequeno sorriso domina meu rosto quando ela mostra
que apesar de tudo, ainda tem esperanças, faço um rápido carinho na cabeça de Sentry e
antes de começar a me movimentar para saída digo.
"Se cuida, viu?"
⠀⠀⠀⠀Nos despedimos dos nossos aliados com lágrimas rápidas no caso de Jimjar, um tom
melancólico se fez presente enquanto as conversas e desejos de boa sorte eram jogados
entre si, Tipsy falou com todos individualmente desejando boa sorte, até rezou com Hatash,
apostou com Jimjar que a gente ia conseguir em menos de 10 minutos sem nenhuma
morte, trocou palavras de conforto com Tanux e apenas me abraçou. Antigamente ela
estaria gritando e tentando trazer todos para o lado mais otimista, mas ela ainda não voltou
ao seu normal, talvez nunca volte. Topsy, um pouco mais de longe nos olha apertando com
força um pedaço de pano que usamos de lençol, ele apenas diz.
''Eu espero, que dê tudo certo para vocês." Estava prestes a concordar quando escuto
Jimjar levantando seu braço e dando um grito que lembra muito o barulho que os vaqueiros
fazem, algo como "irrraa" e sem muito contexto ele olha para Topsy e com um sorriso
repleto de confiança responde quase que em um grito.
"A gente vai fazer a rainha do decaimento a nossa puta! Ouviu?' A última parte ele grita
olhando para as paredes, sinto o olhar de Sentry me julgando por levar ele e não ela, sinto
meu rosto ficar quente de vergonha e raiva por esse tipo de brincadeira em um momento
tão sério, começo a puxar Jimjar para o caminho e ao sons de risada de Tipsy e Hatash que
se divertiram com a piada de Jimjar.

1000 passos.
2000 passos.
3000 passos.
4000 passos.
5000 passos.
6000 passos.
⠀⠀⠀⠀O tempo passa muito rápido, rápido demais, o silêncio que assola meu grupo é mortal,
como se todos nós estivéssemos esperando um ataque a qualquer momento, Tanux e eu
andamos na frente, olhares atentos a procura dessa torre, um pouco mais atrás vai Hatash
e por último Jimjar, que vai nos direcionando pouco a pouco, o caminho continua
exatamente o mesmo, se eu não soubesse para onde estamos indo até ficaria mais
relaxada, mas esse tempo de paz dura pouco. Preciso segurar minha surpresa quando vejo
a torre foi dita como gigante, mas para ser honesta eu não tenho certeza se ela tem um fim,
é como se fosse uma conexão de cogumelos onde milhares de fungos menores se juntam
entre si nessa torre, a maioria desses com tamanho o bastante para ser sua própria torre,
sua forma é alongada e com várias protuberâncias e falhas, como se a própria natureza
tivesse errado ao fazer esse ser.
⠀⠀⠀⠀Olhando para cima, não vi quando pisei em um tapete de fungos que se solidificou no
chão, é como se todo o lugar tivesse sido contaminado, a parede parece ser o mesmo ser,
mas o chão em volta desse torre é uma concentração de milhares de fungos e cogumelos
diferentes. Meus olhos são quase dominados pela luz roxa que sai das "janelas" dessa
torre, mas a pior parte são os sons, a mesma cacofonia de uma música sem sintonia ecoa
de dentro do lugar, se mesmo de tão longe ainda consigo escutar, não quero nem imaginar
lá dentro.
⠀⠀⠀⠀A máscara deixa o cheiro mais fraco, graças aos Deuses, é como se tivéssemos
entrado na própria decomposição, um cheiro mofo e decaimento preenche todo meu corpo,
mesmo sendo só um cheiro sinto essa decomposição tentando tomar conta do meu corpo,
da minha mente, da minha alma. Os gritos de Jimjar são a única coisa que corta meus
pensamentos desse cheiro horrível.
"Olhem pra frente, não se distraiam, vamo, vamo." Uma das direções que Jimjar e Sentry
nos passaram é não olhar para os lados quando estiver entrando na torre, não se distrair
com o jardim. Infelizmente eu sou péssima em controlar meu próprio corpo.
⠀⠀⠀⠀Um barulho baixo de explosão toma meus ouvidos, quando percebo já estou olhando
para o lado, vejo o que deveria ser evitado. Centenas, talvez milhares, de corpos que nem
parecem mais corpos, são formatos humanóides que já foram quase que completamente
por fungos e cogumelos, o que aconteceu com Sentry parece nada mais que piada perto
disso, é difícil dizer de que raça eles são, sua idade, eles já são mais cogumelos do que
pessoas. Alguns líquidos que se assemelham a sangue e pus se espalham pelo chão do
jardim como a água macabra para as flores ainda mais macabras. A explosão ocorreu na
garganta de um drow, além de cabelos de prata, um peitoral e seu rosto é impossível dizer
onde essa pessoa termina e os fungos começam, essa explosão é seguida por gritos de
horror do drow, que por alguns segundos parece ter recuperado consciência. Felizmente
seu inferno dura muito pouco, pois após me encarar e gritar por cinco a seis segundos ele
cai novamente, esse momento de lucidez e terror sendo os últimos momentos de sua vida.
Para mim lembrarei desse momento para sempre, inclusive acabo por deixar esse lugar
ainda mais nojento com o meu vômito involuntário, nem tive tempo para parar, senti a mão
de Jimjar me levando para frente assim que terminei de expulsar meu almoço do meu
corpo.
⠀⠀⠀⠀Quando chegamos perto da porta dessa torre é impossível não olhar, cerca de doze
criaturas fazem uma dança sádica em volta da entrada, todos em estágios diferentes de
decomposição e transformações, alguns já são apenas micoides com uma silhueta parecida
com a de um humanoide, outros são uma junção de pessoas e cogumelos, com pedaços de
fungos dominando alguns dos seus órgãos, um deles, um drow, teve metade do seu rosto
dominado por cogumelos, mas é possível ver um olhar de horror enquanto ele se move em
uma dança incansável e rápida, já outros se parecem como humanóides normais, um
duergar que tem uma aparência normal, dança com um sorriso de orelha a orelha, com uma
felicidade impossível. Que os Deuses dêem um destino diferente para Sarith.
⠀⠀⠀⠀A voz de uma aranha gigante que foi pega por essa dança insana grita para as outras
criaturas, sua voz é esganiçada e com várias mudanças de tom, as próprias cordas vocais
sendo tomadas e moldadas ao bel prazer de Zuggtmoy.
"PhhYYlo trouxE TANtos conVidADOs pRa FEsTa" Antes que possamos responder, Jimjar,
que se manteve focado completamente na missão, talvez porque ele já viu esses horrores,
abre a porta da torre e quase como um instinto, uma tentativa de fugir dessa maldição,
todos nós entramos dentro da torre, pulando em um desconhecido, invadindo a casa de
uma lorde demônio e eu esperava muita coisa, morte instantânea, uma dança
enlouquecedora, o corpo de Sarith transformado em cogumelos, mas não esperava ouvir
essas nove palavras de meu amigo.
"Saiam! Dá azar ver a noiva antes do casamento"

Capítulo 9
"Se for por isso eu viro vegano"

⠀⠀⠀⠀Várias criaturas estão trabalhando no vestido e véu da noiva, alguns deles são
completamente cogumelos, completamente humanóide ou uma metade completa, quase
como se fossem adquiridos a pedido da própria Zuggtmoy, quem nos deu a ordem para sair
foi Sarith. Sua aparência continua exatamente a mesma, mas olhando nos seus olhos vejo
que ele se encontra completamente dominado pelos esporos de Zuggtmoy, apesar de dar
uma ordem importante, ele não mostra nenhuma mudança em seu expressão, como uma
marionete que apenas repete o que seu criador sente, Tanux entendeu a situação mais
rápido que eu, com um passo para frente e com as duas mãos preparadas para sacar suas
espadas ele diz olhando para frente, encarando a noiva.
"Nós sabemos, mas precisamos levar o padrinho Sarith para outro lugar, tem cogumelos lá
fora que podem substituí-lo." Apesar de ser uma aposta, não posso condenar sua tentativa,
se isso der certo nós estaremos livres sem precisar lutar e ninguém mais vai sofrer. Olho
para ela esperando sua resposta, e pela primeira vez, realmente me sinto pequena.
⠀⠀⠀⠀A aparência de Zuggtmoy denuncia toda a sua natureza alienígena, algo que uma
pessoa comum como eu não poderia nem tentar entender, sua forma lembra a de uma
humanoide, seu rosto se mescla com uma coroa de cogumelos que cresce como se fosse
um cabelo com partes vivas, fungos se mexem de um lado para o outro colocando "brilho"
no seu cabelo, seus braços são esticados e finos demais, e com partes faltando para
manter a anatomia correta, como seu cotovelo ou as juntas das mãos, suas mãos se
parecem mais como garras alongadas com umas unhas repletas de cogumelos venenosos,
em volta de seu corpo correm dois tentáculos que apesar de estarem descansando agora
aparentam ter uma textura gosmenta, como uma geleia estragada, seu torso é feito de
cogumelos muito finos, como teias de aranha que mostram a parte de dentro de seu corpo,
o vazio de seu interior é mais assustador do que o exterior, a parte inferior dela é feita de
milhares de cogumelos, suas pernas quase não podem ser vistas por trás de tantos seres
em frente. E isso é apenas seu corpo, assim como na visão que tivemos ela usa um vestido
branco feito de micélio que ainda está no processo de ser feito, o vestido corre até o chão,
quatro, talvez cinco vezes maior que eu. A parte que parece mais importante é o seu véu,
que cada pequena alteração é feita com extremo cuidado pelas madrinhas e padrinhos, um
deles, sendo Sarith que parou de tentar falar com a gente e voltou ao seu trabalho.
⠀⠀⠀⠀Olhar para esse ser é como olhar diretamente no infinito, me faz me sentir
insignificante, seu olhar distante, seus pequenos movimentos, até sua respiração parece de
outro mundo, ela não olha para seus convidados, ela não precisa.
⠀⠀⠀⠀Sua voz invade nossas mentes, o que mostra que nossas máscaras não serviram de
nada contra seus esporos, mesmo em minha mente consigo sentir a suavidade com que ela
fala, como se até mesmo em minha mente ela conseguisse ser persuasiva, a voz invade
não só minha mente, meu corpo sente esses esporos "falando" dentro do meu sangue, dos
meus órgãos, em todo lugar. Quando ela fala, sua voz ecoa como se mesmo estando na
minha frente ela ainda estivesse longe demais para ser entendida.
"Sua arrogância de me tratar como uma igual é surpreendente. Eu sei o motivo de estarem
aqui, e me surpreende terem passado pelo meu sacerdote. Mas por que vocês acham que
merecem o seu amigo de volta?" Não consigo encontrar suas verdadeiras intenções por trás
dessa pergunta, não consigo entender se temos realmente chances de recuperar meu
amigo sem precisar de uma luta. Mas com certeza precisamos evitar lutar de todas as
formas, sem contar Zuggtmoy nós já estaríamos em uma grande desvantagem numérica, é
a minha vez de falar, não consigo manter uma posição de defesa, então apenas me
aproximo. Sei que se ela quisesse dominar a nossa mente ou nos matar já o teria feito,
então no mínimo ela está interessada nesses humanóides em sua frente.
"A gente sabe o quão poderosa a senhora é, nós só queremos nosso amigo nos
acompanhando e iremos partir, sem atrapalhar em nada em seu casamento." O único som
que perfura meus ouvidos é o ensaio terrível que ocorre acima de nossas cabeças, como
um coral infernal que canta músicas de comemoração para esse casamento. Zuggtmoy não
me responde instantaneamente, mas sinto seus esporos correndo por meu corpo cada vez
dominando mais de minha mente. Ela nos responde devagar, ainda sem olhar em nossa
direção, mas perecendo tudo que fazemos.
"Humanoides mentem, matam, enganam e erram. No fim, dizem que suas imperfeições são
o que os tornam verdadeiramente humanóides. Mas a verdade é que vocês não passam de
erros que precisam ser consertados. Vocês não vão atrapalhar o casamento porque sabem
que irão morrer se tentarem. Ainda assim, você quer tirar um de meus padrinhos apenas
por egoísmo próprio. Não é irônico?" Sua pergunta é claramente retórica, não consigo sentir
nenhuma gota de dúvida no mar de confiança que essa pessoa, se é que posso chamá-la
assim, Hatash, no entanto, também é extremamente confiante, sua voz estridente corta os
aposentados da Lady quando ele fala, sem esconder sua raiva e indignação, neste ponto,
acho que nem faz mais sentido realmente esconder.
"Você mesma disse, que a gente não passa de erros, então deixa o Sarith ir embora, ajuda
a gente a ir embora que a gente não te incomoda mais. Ele não quer ficar aqui, pergunta
pra ele que ele vai te dizer o quanto ele quer ir embora" Pela primeira vez, algo que falamos
parece ter tomado a verdadeira atenção da Senhora do decaimento, por poucos segundos
ela nos olhas, sinto seus esporos viajando de um lado para o outro em meu corpo apenas
para me causar um extremo desconforto.
"Que tipo de piedade você pede? Você súplica para um ser superior lhe ajudar, lhe poupar.
Quantas vezes um porco pediu para ser poupado?" Quantas vezes uma vaca suplicou para
ser poupada?" Ela olha para as roupas de couro que todos nós usamos. "Quantas vezes
uma árvore implorou para que parassem?" Seus olhos param nas armas que tem seus
cabos feitos de madeira. "Por que um ser superior pouparia um ser inferior, pensem o pouco
que vocês conseguem com esses cérebros limitados, um ser superior, não poupa um ser
inferior."
⠀⠀⠀⠀Jimjar, que agora que olho para ele realmente depois de tanto tempo, ele está
claramente irritado e traumatizado com toda essa situação, com os corpos mortos que ele
vê, com o controle de Sarith e as brincadeiras com as vidas de nossos amigos. Ele chega
perto da Rainha e olha para ela como uma igual, o que deve fazer ela odiar a gente ainda
mais, ele então diz em voz alta e com uma determinação verdadeira, como uma montanha
de coragem em meio a uma tempestade de medo.
"Porra, se for por isso eu viro vegano, agora se tu tá tirando as escolhas dos outros porque
humanóides comem animais então puta que pariu eu aposto que todos os diabos dão risada
dos teus motivos pelas costas." Normalmente quem estatia xingando os outros seria
Hatash, então admito que é bem estranho ver Jimjar sendo a pessoa que faz as decisões
erradas e xinga uma pessoa que pode matar a gente a qualquer momento. No entanto,
Zuggtmoy não parece irritada. Infelizmente não vi nenhuma mudança em suas expressões
desde que chegamos, então não posso dizer se ele conseguiu irritá-la. Os.esporos param
de se mexer dentro de mim quando ela parece focar no meu amigo gnom, assim que
percebo que ela focou sua atenção nele, quase que como um instinto meu punho se fecha,
estou preparada para fazer uma das piores decisões do universo, socar uma lorde diabo.
Enquanto ela começa a falar em nossas mentes minha imaginação corre como fogo em
uma floresta seca, quando ela mandar seus lacaios atacar Jimajr, irei pular e socar seu
rosto, gritar para Tanux agarrar Sarith e enquanto eles estarão distraídos a gente corre, terei
que fazer o mesmo procedimento que fiz em Tipsy e Topsy mas é a nossa melhor aposta.
No entanto, quando ela finalmente fala, não é uma ameaça e sim uma explicação.
"Tem algo que vocês não conseguem entender, meu propósito é dominar Ecrã, cada Dna e
cada gene meus são perfeitos sem nenhuma falha. E eu entendi, eu decidi. A sensatez
humanóide está errada, confusa, limitada. Então, eu irei eliminar cada ser para que os
superiores renasçam, seu amigo não tem escolha, nem ele, nem vocês merecem esse
privilégio. Ele está melhor agora, dominado por mim, perfeito sem nenhuma falha." Sua voz
continua calma, seu tom não muda, como se ela não tivesse raiva nenhuma contra os
humanoides nem contra Jimjar, ela não tem nenhuma parcialidade neste jogo, ela apenas
vê a verdade, e viu que para a sua dominação, os humanóides não são necessários do jeito
que eles são.
⠀⠀⠀⠀Percebo que ainda não sabemos se ela vai deixar sairmos com Sairth omu se ela está
apenas brincando com a gente, talvez motivada pela coragem aleatória de jimjar, talvez
motivada pela raiva que sinto ao ser tratada como se minha vida não significasse nada,
mesmo após lutar para continuar vivendo de formas que nem eu consigo descrever, eu me
aproximo de Jimjarz segurando sua mão, estou fingindo que é para acalmar meu amigo,
mas eu só preciso de ajuda para conseguir falar sem chorar.
"Respeitosamente, Senhora, se você quer dominar o mundo, nós não podemos impedir,
mas você pode deixar o Sarith com a gente, a gente realmente só quer nosso amigo de
volta." É patético admitir tanto para ela, quanto para o mundo que nós não podemos fazer
nada para impedir uma das maiores atrocidades que poderiam acontecer em Ecrã, mas o
que uma garota sem um braço e sem armas, um gnomo com uma faca, um humano com
pouquíssimo poderes celestiais e Tanux com duas espadas podem fazer contra uma das
pessoas mais poderosas do universo. Novamente ela não necessariamente me olha, mas
os esporos parecem focar em mim, a densidade do ar parece um pouco mais pesada
quando tento respirar.
"Eu não irei sujar o meu vestido de noiva com o sangue de Insignificantes, mas eu não
tenho problema em mandar meus ajudantes expulsá-los. Também posso encontrar um
substituto para Sarith. Então irei dar uma chance para vocês, sou uma rainha generosa,
vocês acreditam que o que eu faço é errado, e que o meu controle é ruim, então qual o
motivo de só quererem salvar Sarith?" Admito que eu não imaginava receber uma chance,
muito menos receber uma pergunta desse tipo, todos nós paramos para pensar por alguns
segundos, tento pensar em alguma razão que seja nobre, que nos defenda e mostre que
merecemos salvar nosso amigo. Mas quanto mais eu penso, mais eu enxergo a verdade e
sei que ela também vê, nesse ponto não tem porque tentar mentir, levanto meu olhar e
encaro a mulher ao dizer
"Não tem motivo. Nós apenas somos egoístas e queremos nosso amigo de volta. Ele..
estamos com saudade, por favor deixe ele ir." Pella primeira vez, uma pequena mudança
acontece no rosto de Zuggtmoy, um pequeno sorriso se forma em seu rosto, por alguns
segundos eu acreditei que estaria tudo bem, achei que ela deixaria ele ir, como eu estava
enganada.
⠀⠀⠀⠀Tudo acontece muito rápido, os barulhos param de forma abrupta e o único som que
escutamos são de explosões, todos os padrinhos e madrinhas começam a ter suas cabeças
abertas, não entendo o motivo, mas não tenho tempo para tentar entender, minha mão se
move rápido para tirar a adaga de minha cintura, mas não rápido o bastante, meus dedos
tremem quando eu pulo contra Sarith, nós dois caímos no chão, seu olhar continua calmo e
apático até seus últimos momentos. Eu errei, fui lenta demais, cuidadosa demais, irritante
demais. Estou tremendo demais, não consigo manter meus braços sem parar de tremer,
seu corpo treme quando os esporos correm até sua cabeça e por estar tão próxima consigo
ver seu olhar de horror ao saber que vai morrer. Dura menos de um segundo, logo depois
seu olhar volta ao vazio de cogumelos quando sua cabeça explode em esporos.
⠀⠀⠀⠀Perdemos Sarith.
⠀⠀⠀⠀Perderemos muito mais.
⠀⠀⠀⠀Minha respiração volta como uma bala correndo de uma arma, a adrenalina e a raiva
correm por todo meu corpo, estou hiperventilando mas não posso parar, olho para trás,
todos os cuidadores de Zuggtmoy estão começando a levantar novamente, inclusive Sarith.
Hatash, envolto pelo ódio levanta seus braços e em uma oração rápida conjura um raio de
luz contra a Rainha do decaimento, no entanto quem realmente recebe o seu ataque não é
ela, achei que estaríamos lutando contra doze pessoas, mas todos os servos só voltaram a
trabalhar no seu vestido de noiva, como se não fosse necessário lutar contra a gente. Do
chão, como um bullete atacaria sua presa, vejo Phylo recebendo o ataque, seu corpo está
maior, mais forte e mais resistente finalmente vejo sua boca realmente abrindo, de alguma
forma ele adquiriu quatro presas protuberantes que são maiores que uma criança humana.
Jimjar, que apesar de estar chocado com o que aconteceu, grita para Zuggtmoy enquanto
encara o corpo sem vida, mas se movimentando de nosso amigo.
"Por que? Por que você fez isso? Nós fizemos tudo que tu pediu." Seus gritos ecoam pela
torre que agora se encontra silenciosa, o silêncio que recebemos de volta é ainda pior, ela
não fez isso por algum motivo maior, ela só queria nos machucar e acabar com Sarith não
passou de uma grande piada, ignorando os berros de Jimjar ela ordena a Phylo.
"Expulse eles e os deixem bonitos. Voltarei a meditar, me acordem quando o véu ficar
pronto." E como se fossemos nada, seus olhos se fecham novamente, Phylo, que nem
parece aquele mesmo cogumelo que conhecemos ouviu as ordens de sua Deusa e
começou a se mover, Tanux também que apesar de estar calado sua espada treme, talvez
de raiva, talvez de medo, o corpo inteiro dele treme ao ser jogado para fora da torre. As
próprias paredes de cogumelo se abriram de acordo com as motivações desse sacerdote.
Tanux bate contra o chão em uma das protuberâncias de pessoas. Estou prestes a me
mover quando em outro movimento rápido ele leva Jimjar e eu para longe, o próprio chão
ajudando-o a se mover, no meu do ar sinto Jimjar me abraçando e quando nós dois caímos
no chão seu corpo bate contra a parede, ele me olha e com aquela mesma voz calma de
sempre diz.
"O Sarith não foi sua culpa, mas agora a gente precisa matar esse monstro." Antes que eu
possa responder a voz de Phylo percorre nossa mente, ainda feliz, mas agora com sua
parte insana muito mais em destaque, não só maluco, como superior.
"Vocês não podem me matar! Eu não o Yestabroad, eu sou melhor, eu sou o Escolhido pela
Decomposição, eu sou a vontade Dela encarnada."
⠀⠀⠀⠀Seus passos são rápidos, ele sempre foi forte, mas dessa vez também se move de
forma ágil, o primeiro a agir é Hatash, que mesmo não sendo jogado para trás saiu junto
com a gente, em uma tentativa de tentar parar seus movimentos uma quantidade de luz
cegante atinge Phylo, que continua se movimentando sem medo algum, em minha mente
escuto suas palavras de oração.
Com Ela sendo minha luz, posso caminhar pela escuridão.
⠀⠀⠀⠀Finalmente me levanto, o seu primeiro ataque é direcionado completamente contra
mim, talvez ele saiba que eu sou a líder desse grupo, um ataque de duas mãos de cima
para baixo, não sei como meus braços não tiveram seus ossos quebrados quando o contato
aconteceu, meu cabelo voa com a intensidade que esse ataque chegou, meus joelhos
fraquejam e quase ajoelho, Tanux se aproveita desse momento e finca sua espada contra a
perna da criatura, que não reage, não sente, não teme. Jimjar, sabe que não posso
continuar por muito tempo, ele tira o escudo de minhas costas e quando Phylo parte para o
segundo ataque contra meus braços o som de metal contra pedra domina o lugar. Não
tenho muitas forças e nem capacidade de realmente entender essa luta, então apenas olho
para Jimjar e digo de forma fraca.
"Obrigada."
⠀⠀⠀⠀Ele sorri se virando para a criatura e….

1 segundo.
⠀⠀⠀⠀Jimjar acabou de se virar, seu sorriso ainda está no rosto, ele acabou de me salvar,
meus cabelos ainda estão de pé, quando ele se vira o seu suor molha meu rosto, não, não
é suor, é sangue. Rápido. Rápido demais.
⠀⠀⠀⠀A anatomia de Phylo não funciona corretamente, de sua barriga onde achávamos
estar relativamente seguros saiu um braço, com a mesma intensidade que um dos socos
teria partiu contra Jimjar atingindo seu peito esquerdo diretamente, o sangue de meu amigo
jorra para todo lado e a 3 centímetros de meus olhos vejo o coração de Jimjar, ainda
pulsando sendo segurado pela mão de Phylo.

2 segundos.

⠀⠀⠀⠀Vejo Hatash gritar, o movimento inútil de Tanux tentando alcançar Jimjar, mas não
consigo ouvi-los, é como se todo o mundo estivesse parado, como se novamente eu
estivesse vivendo o meu maior pesadelo, a única coisa que realmente iria me deixar
completamente quebrada aconteceu, de novo. Primeiro meu irmão, agora meu melhor
amigo, os dois morrem na minha frente comigo ao lado, comigo sendo a culpada. Seu
sangue cai aos meus pés, rapidamente o corpo de Jinjar vai ficando mais pálido, mais fraco
e como se toda a vida que ele viveu e ainda iria viver estivesse sendo arracanda dele, com
dificuldade ele olha para trás, seu olhar se encontra novamente com o meu. Não sou eu que
estou morrendo mas sinto todas as minhas memórias com ele passando pelo meu corpo.

3 segundos.

⠀⠀⠀⠀Após me olhar, ele fica parado, sua cabeça cai em seus ombros e seu coração para de
pulsar.
Não
Não
Não
Não
⠀⠀⠀⠀De novo não, todos os seus sorrisos, todas as apostas bobas, todos os momentos que
passamos juntos, eu perdi meu melhor amigo, meu melhor amigo está morto. Não, não,
Jimjar sempre dá um jeito, a gente sempre dá um jeito, nós sempre escapamos juntos, dos
drows, de Demogorgon, de aranhas gigantes, sempre estávamos juntos, por que não pode
ser eu? Por que alguém tão bom está morrendo na minha frente novamente, ele tem tanta
coisa para viver, ele tem tantas apostas para ganhar, nós tiramos um resultado bom no
dado, por que as coisas não dão certo para nós? O que eu fiz para ser punida dessa forma
pelos Deuses?

4 segundos.
⠀⠀⠀⠀Não estou mais consciente, minhas mãos agarram o braço de Phylo, não sinto mais
dor no braço, nenhuma dor pode ser maior que a que sinto agora, tento gritar, chorar,
arranhar, não escuto nada, não sinto nada, sou fraca. Incapaz. Inútil. Não salvo ninguém,
não ajudo ninguém, só quero morrer. Seu braço sai do corpo de meu amigo que cai no
chão, como se não fosse nada. Não era para ser assim, não deveria ser desse jeito, como
alguém tão importante para mim pode partir de forma tão simples, tão aleatória, poderia ser
eu ali, deveria ser eu ali. Seu coração caído ao seu lado, seus dados jogados em números
aleatórios, toda sua história, toda sua personalidade não passa de uma memória, nunca
mais chegarei perto, escutarei sua risada. Nunca mais.
5 segundos
⠀⠀⠀⠀Eu não quero mais viver, eu só quero morrer junto com Jimjar. Eu quero acabar com
tudo. Eu quero matar Phylo, quero matar Zuggtmoy, Quero matar o mundo para trazer quem
eu amo de volta. Eu sou a pessoa que vive mas sinto como se estivesse morta, ele morreu
me salvando, ele morreu me carregando nas costas como sempre, ele morreu sendo a
pessoa boa que ele sempre foi. Não aguento mais todo esse caos, toda essa guerra. Será
se ele sabia o quanto eu o amava? O quanto eu esperava ansiosamente nossos turnos
juntos para que tivéssemos tempos a sós? Quantas vezes eu sonhei com ele, quantas
vezes eu perguntei a Tanjir se ele aprovava Jimjar pois eu o amava, eu nunca poderei
contar para ele se ele sabia, o por que ele é sempre tão incrível. Eu não aguento mais.

6 segundos.
⠀⠀⠀⠀O corpo de Jimjar já não passa de mais um entre tantos outros nedse lugar, minha
visão fica turva, não sinto mais os esporos em meu corpo, não consigo pensar, só quero
matar quem tirou a pessoa que eu mais amava de mim. Devagar não consigo me mover de
forma rapida pego o coração de Jimjar em minhas mãos, ele sempre me dizia que eu fazia
o melhor. Engraçado como isso nunca foi o suficiente para ninguém. Talvez manter seu
coração comigo me faça acreditar que ele ainda pode voltar. Ele está morto.

⠀⠀⠀⠀Jimjar caiu no chão. Morto. Phylo o matou, eu odeio Phylo. Eu não me importo mais
com meu corpo, com minha alma, com minha energia vital. Eu não me importo mais, eu só
quero matá-lo, Jimjar merece uma vingança, ele merece algo maior. Não sei quem está
falando comigo, só consigo ver vermelho e preto, minha fúria parece sair de meu corpo,
talvez finalmente sacrificar tudo que eu tenha seja algo positivo, vou finalmente poder matar
esse homem, meu corpo cresce, meu poder também. Ele matou Jimjar. Ele merece um
destino pior que a morte.
⠀⠀⠀⠀Não sei de onde sai essa força, ou esses novos poderes, mas me movimento rápido,
me movimento como alguém que não está cansada, como alguém que não perdeu tudo que
tinha, finalmente estou frente a frente a essa criatura, e meu primeiro soco acerta em cheio
seu rosto. Apenas meu soco o levou alguns metros para trás e nesse momento um portal
escuro, escuro como minha alma se abre, acompanho Phylo dentro dessa passagem e
finalmente me encontro sozinha com o assassino de Jimjar, em um lugar novo que não
prestei atenção para saber onde é, com habilidades novas que não ligo de onde vem, tudo
que eu me importo, tudo que eu quero é matar Phylo.

FELIZ ANIVERSÁRIO CAROL IRRRAAAAAAAAAAA


uuUUUUUUUUu

Capítulo 10
"Trás ele de volta"
⠀⠀⠀⠀O lugar já não mais parece o subterrâneo, apesar de ainda não conseguir o calor de
aruna não tem mais a umidade do bosque nunca claro, a única luz vem de meu corpo,
como se a própria magia desconhecida estivesse saindo do meu corpo, Phylo conseguiu se
soltar de minha mão e ele lentamente entende seus arredores e muda sua postura,
querendo conversar.
“Só um soquinho fraco né? E você usou uma magia de teleporte para nos levar até Isan né?
De onde vem esse poder?” Meu rosto sujo com o sangue de meu amigo, meu peito sujo
com o cérebro de Sarith, minha mão segurando o coração de Jimjar. No momento eu não
sinto mais tristeza, não sinto mais culpa, apenas um ódio imenso contra esse ser, deixo
escapar um pequeno suspiro e levanto o olhar para a cabeça de Phylo.
“Babaca, eu não te perguntei onde a gente tá, nem o que achou do meu soco, cala a boca
e vem lutar.” Tanjir ficaria irritado que eu não deixei meu inimigo ter tempo de se preparar,
que não conversei e que não estou lutando com a etiqueta que uma luta deveria ter, ele,
assim como Jimjar não está mais aqui para falar comigo. Meu movimento novamente é
mais rápido que o meu normal, em poucos segundos avanço até ele, minha altura duas
vezes maior que o normal, finalmente consigo socar esse monstro no rosto, quando minha
mão faz contato com a superfície parece que estou socando uma montanha, mas pela
primeira vez na minha vida sou forte o bastante para passar por qualquer rocha. Phylo não
se abala, apenas sendo empurrado alguns metros para trás, seus esporos mudam e a
risada dele envolve minha mente. Meu olhar não muda, não me importo com os sons, com
o que ele fará, só me importo com o que me ajudará a matar esse homem. Normalmente
me surpreenderia ver Phylo sumindo no chão que se abriu em um túmulo de cogumelos,
mas dessa vez eu consigo acompanhar, eu consigo sentir. As risadas eram apenas uma
distração, ele literalmente aparece atrás de meu corpo tentando me segurar, esse poder de
teleporte novamente se faz útil, apesar de estar mais forte ainda não sei controlar aonde
exatamente devo ir, então apenas me afastei de Phylo fugindo do ataque sem nem me
mexer, não tenho tempo para me familiarizar com essas novas habilidades, Phylo corre até
mim, seus passos novamente ecoam no chão, e cada vez que o estrondo chega em meus
ouvidos as memórias das últimas feições de Jimjar também aparecerem, ele é forte mas
sem técnica nenhuma, consigo desviar dos ataques, consigo o prever, consigo lutar. O
sentimento de ser forte pela primeira vez na vida é ótimo, mas ainda não consigo ser feliz,
pelo menos seus esporos também parecem infelizes, ao desviar do último da sua sequência
de ataques consigo me agachar e acertar um golpe com minha palma contra seu peito, por
um segundo ele perde não só a pose como a concentração em seus esporos, olhando de
cima para baixo para uma criatura dessas, pela primeira vez sou superior. Pela primeira vez
posso falar
“Desse jeito você nunca vai vencer. Tu não era o Escolhido da Decomposição? Vem, me
mata, me mata como matou Jimjar.” Suas costas se movem primeiro, antes que seu punho
consiga viajar até meu rosto e o seu ataque seja completo consigo chutar seu ombro e
empurrar essa criatura para trás fazendo-a perder equilíbrio. Ele cai com suas costas
viradas ao chão, suas mãos no chão e seu rosto virado para mim. É minha vez de partir
para o ataque, subo em cima dele e começo a socar seu rosto, admito que eu também não
me lembro de como usar as técnicas, apenas uso o instinto e a força que apareceu nesse
meu corpo.
⠀⠀⠀⠀Cada soco causa um barulho imenso, cada ataque quebra partes de cogumelo da
criatura, cada soco é pelo Jimjar, cada ataque é por Sarith, não luto por mim, apenas pelos
meus aliados caídos. Meus punhos sangram mas seu rosto também, esporos voam para
todos os lados com uma quantidade exorbitante de cores procurando qualquer ajuda, seu
rosto deformado, suas forças se esvaindo enquanto ele tenta me tirar de cima de seu corpo,
suas mãos empurram meu corpo que não se move, seus esporos tentam dominar minha
mente que não se abala, as imagens horríveis da minha mente somem quando ele começa
a se concentrar em outra coisa.
“Senhora!? Eu sinto muito… você… sua gentileza é infinita.” Ele me empurra, me enviando
a alguns metros de seu corpo, uma força revigorada, seus esporos brilham de forma
aleatória, dois braços aparecem abaixo dos outros dois, tão nojentos quanto os primeiros,
sua pele parece enrijecida como se a rocha tivesse se tornado metal, sua risada ecoou pelo
campo de batalha, ele não está mais falando em minha mente mas falando alto, agindo
para uma plateia irreal, como se tudo isso fosse uma grande brincadeira.
“Se eu fosse você, pararia de me achar, você não é especial, só uma primata inferior.” A
imagem animada de Phylo já nem existe mais, não que eu me importasse, ele poderia
implorar que ainda seria morto, espero que ele implore, suplique e sofra quando for morrer,
limpo meu rosto do sangue de cogumelo.
“Já não falei para você parar de falar e só lutar? Para com essa porra de covarde e vem
apanhar.” Dessa vez ele que parte no ataque, levanto minha mão para trntar defender
esses socos, três deles me acertam com uma força maior que antes, perco o ar dos meus
pulmões, quando isso acontece sua mão se abre e uma explosão de esporos acontece
diretamente no meu rosto, não estava esperando, não estava preparada, precisava respirar,
sinto-me novamente caindo em memórias, em falhas e antes de me afogar sei o que
preciso fazer, sei como fazer, preciso perder minha vida.
⠀⠀⠀⠀De novo meu poder aumenta, minha vontade e minha força aumentam, como um trato,
essa ilusão já não me afeta, agora consigo ver com precisão seus movimentos, agora sei
que não existe a chance de perder essa luta, nesse momento sei que conseguiria enfrentar
Zuggtmoy, mas não me importo com ela, só quero matar quem tirou Jimjar de mim. Phylo se
move e tenta me acertar com um soco, desviar nunca foi tão fácil, meu punho fechado
acertou seu rosto novamente um ser de mais de dois metros voar contra a parede.
⠀⠀⠀⠀Seu corpo jogado contra a parede, seus dois braços a mais mal apareceram e já estão
inutilizados, pedras caídas em cima de seu corpo e as pedras de seu corpo quebradas, seu
tamanho continua igual, mas parece diferente, mais fraco, sua força vai ficando menor, seus
esporos caindo no chão imóveis, não pode mais falar, mas pode sentir, apesar de não ter
necessariamente um rosto, sinto que ele está com medo, que bom. Ando devagar até a
razão de meu ódio, essa luta, já acabou, mas ainda não terminei. Meus passos são
pesados, assim como os pecados de Phylo, ele é o vilão, ele é o demônio, ele é quem tem
que morrer para que eu me sinta bem, para que Jimjar seja vingado.
⠀⠀⠀⠀”Ninguém vai lembrar do seu nome, cogumelo maldito.” Espero que Jinjar esteja
vendo de onde quer que ele esteja, porque mesmo segurando seu coração em uma das
mãos, o primeiro soco na cabeça de Phylo acerta, estou batendo com a parte debaixo da
mão não é técnica que procuco, apenas força bruta, seu rosto se quebrando ainda mais,
pedras e cogumelos caindo no chão ao seu lado, seus esporos ganham vida uma última vez
tentando encontrar algo para salvá-lo, mas dessa vez não tem fuga, não têm Senhora para
ajudar e não tenho um pingo de piedade em meu coração pois ele foi tomada junto a Jimjar.
⠀⠀⠀⠀Nunca me considerei alguém vingativa, sempre me culpei por tudo mas dessa vez,
apenas dessa vez, me deixo levar pelo ódio. Phylo já não é mais uma ameaça, nem sei se
ele está realmente vivo, mas isso não me impede de continuar batendo, de continuar
socando seu rosto cada vez mais, não só seus cogumelos vão caindo, seu corpo começa a
se quebrar, cada vez mais seu crânio vai sendo destruído por meus ataques, um de seus
olhos caiu, sua boca já perdeu boa parte dos dentes, o himênio já está aberto e mesmo
assim não consigo parar de socar. Sei que entreguei minha vida, minha alma, apenas para
ver esse ser morrer, eu sacrifiquei meu futuro, apenas para conseguir o matar.
⠀⠀⠀⠀Minutos se passam comigo socando o corpo de Phylo, agora ele não passa de um
corpo sem cabeça, seu crânio esmagado por minha mão, o sangue escorrendo por meus
punhos, lágrimas caindo de meu rosto, meu corpo treme, o poder vai diminuindo e mesmo
assim não consigo parar de atacar, como um instinto, como se por atacar essa criatura de
alguma forma a dor que sinto por perder Jimjar fosse passar. Infelizmente ela não para.
⠀⠀⠀⠀Me ajoelho ao lado de Phylo, minha mão dói, mas não é nada comparado a dor que
sinto no peito, é difícil respirar, nunca pensei que perderia aquele que mais amo em minha
vida. A gente sempre acha um jeito de escapar, a gente tem a sorte do nosso lado, a gente
vai sair do subterrâneo juntos. Tudo isso não passa de um monte de mentiras agora, de
idéias que nunca voltarão, eu perdi Jimjar e mesmo após matar Phylo eu não me sinto bem,
acabar com a vida da pessoa que o tirou de mim não fará ele voltar, não fará com que eu
possa conversar com ele novamente, falar os segredos que eu sempre deixava para falar
em outros dias, meus medos e minhas inseguranças me fizeram não viver com Jimjar como
eu gostaria e agora eu nunca mais poderei conversar com ele.
⠀⠀⠀⠀Os sussurros voltam. Sei o que fazer. Sei o que fiz e não me arrependo. Não trouxe
Jimjar de volta não me sinto melhor ao ter matado Phylo, mas não me sinto mal por ter o
feito e por ter vendido tudo que eu tenho para conseguir isso. Tenho poucos segundos para
tentar não deixar pontas soltas, não posso matar meus amigos que sobraram, uso o resto
desse poder que tenho para teleportar de volta para os meus amigos que sobraram.
⠀⠀⠀⠀Tanux e Hatash estão fazendo o caminho de volta, o corpo de Jimjar sendo carregado
por Jimjar, vendo ele novamente me faz quase vomitar, tenho vontade de chorar de novo de
gritar para Hatash, minha mente para de funcionar e só consigo suplicar para qualquer
divindade ‘’Trás ele de volta” “Me leva no lugar dele” “Dê mais uma chance pra ele”
infelizmente minhas preces aos Deuses são ignoradas e eu tenho que viver com minhas
decepções, Hatash sorri quando me vê e os dois andam em minha direção, o sorriso de
Hatash não dura muito, ele vê que estou carregando o coração de Jimjar na minhas mão e
o sangue de Phylo em todo meu corpo e sei que não posso dar nenhuma notícia boa para
eles, minha voz sai fraca, rouca e sem vida.
“Você… vocês… não tem como trazer ele de volta né?” Meu olhar vai para Jimjar e escuto
Hatash suspirar, ele passa mão pelo símbolo de Tyr quando me responde, eu já sei o que
ele vai falar, mas ainda precisava da confirmação, a voz de Hatash também sai fraca, mais
baixa que o normla é até esquisito vê-lo falando como um ser humano comum.
“Não… pra Tyr ajudar precisa ser rápido e não pode faltar órgãos vitais… tipo o coração ou
a cabeça… eu… sinto muito, não deu pra fazer nada” Ele passa a mão no rosto e vejo que
seus olhos estão lacrimejando, pelo menos sei que Jimjar vai ser lembrado, e sei que não
tenho muito tempo. A missão de resgate a Sarith foi um fracasso completo, mas não
podemos falhar com Tipsy e Topsy também. Levo minha mão até o braço de Hatash e
consigo manter um sorriso pequeno ao falar.

“Não é sua culpa, nem sua Tanux, nem minha, a culpa é de Phylo que o matou, era de
Phylo.” Eles parecem ficar um pouco mais animados quando percebem que Phylo está
morto. Infelizmente terei que acabar com essa felicidade já que preciso avisá-los que tenho
que ir embora. Então mesmo sem querer eu continuo. “Mas a gente não pode parar, só
que.. eu não vou poder ir com vocês. Com Phylo eu… eu errei e preciso acertar, pagar pelo
que fiz eu acho.” Os dois estão claramente confusos, Hatash parece a ponto de gritar
enquanto Tanux responde com uma voz fria, impassível como sempre.
“Não, o que quer que tenha acontecido nós vamos com você, a gente enfrenta e tu não
precisará ir embora.” Hatash concorda com a cabeça várias vezes antes de apontar para
mim e falar em um tom mais alto, sem gritar, o que é surpreendente.
“O Jimjar e o Sarith morreram, tu não pode ir embora com eles, tu é tipo, a líder e tal.”
Suspiro antes de fechar os olhos, odeio que preciso ir embora, odeio saber o motivo de ter
que ir embora, odeio que não me arrependo, mas infelizmente é necessário. Lentamente eu
me aproximo dos dois, abraçando-os em silêncio. Por uns 5 segundos nos mantemos ali,
sem falar nada, apenas na companhia uns dos outros. Infelizmente meu tempo está
acabando. Levanto a cabeça para olhar para Tanux, não consigo ler seu rosto, mas seu
olhar está tão triste quanto o meu.
“Eu não queria esperar por elas, mas a Anastácia tem um capacete que pode teleportar ou
algo assim. Espera elas depois do bosque que elas vão levar vocês pra fora daqui, a Tipsy
e o Topsy podem levar meu lugar e o do Jimjar e a Sentry o do Sarith, se ela quiser sair, por
favor, faz isso por mim.”
⠀⠀⠀⠀Antes de sua resposta, antes que eu finalmente desabe em lágrimas como quero fazer
desde que voltei novamente um portal se abre debaixo dos meus pés, dessa vez eu não
estou no controle, olho para meus amigos pela última vez, não sei quando voltarei, não sei
se voltarei. Eles estão comigo a bastante tempo, mas não tanto quanto Jimjar ou Sarith, não
tanto quanto Tipsy e Topsy, espero que eles fiquem bem, espero que eles me desculpem e
espero que esse seja meu último suspiro.
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