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Contação de Histórias - Espaço Carybé de Artes

Estrelando: “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá”


(Jorge Amado - com ilustrações de Carybé)

Interpretação: Rany Dias e Lucas Alves.


Supervisão: Simone Lopes
Apoio: ViaPress Comuniação LTDA, Prefeitura de Salvador, Exército
Brasileiro e Galeria Oxum.

“ O mundo só vai prestar


para nele se viver
no dia em que a gente ver
um gato maltês casar
com uma alegre andorinha
saindo os dois a voar
o noivo e sua noivinha
dom gato e dona andorinha”

(Estêvão da Escuna - Poeta popular,


Mercado da 7 portas da Bahia)

Era uma vez…. A história do Gato Malhado e da Andorinha Sinhá! (Essa história foi
contada pela primeira vez pelo Vento, que contou para a Manhã, que contou para o Tempo,
em troca de uma flor azul.)

Mas acontece que eu ouvi a história foi do Sapo Cururu, vocês conhecem o sapo
Cururu? Pois é! Ele mesmo! Figura ilustríssima! Sujeito letrado… Membro do Instituto,
crítico universitário, Doutor em Filosofia e especialista em línguas mortas! Muito respeitado!

Devo lhes dizer também que o Sapo Cururu considera que pode ser que a história
tenha perdido um pouco da sua beleza. Pois quando vai passando de boca em boca não há
história que consiga guardar todos os seus encantos…

Então… Era uma vez A Andorinha Sinhá! Uma passarinha muito lindinha e também
muito louquinha! Ela era tão graciosa! Vivia sorrindo, tratava todo mundo bem! Amiga das
flores, do vento, das árvores, do bem-te-vi, do sabiá e do rouxinol (que era apaixonado por
ela). Aliás, ela tinha muitos admiradores, fazia questão de tratar todos bem e eles
suspiravam quando ela passava, alegre, sorridente e louquinha.

Mas acontece que só um bichinho do parque ainda não era seu amigo. Vocês são
capazes de adivinhar quem era ele? Ele mesmo! O Gato Malhado! Sujeitão difícil, caladão,
corpulento e metido a quieto! Ele era corpulento! Tinha garras e um silêncio que dava medo.
Lhe diziam “Bom dia Seu Gato!” e ele passava direto, nem um oi! Não era de manter
relações com os vizinhos. E a Andorinha, ao observá-lo, pensava: como aquele sujeito
metido lhe dava nos nervos!
Mas a verdade mesmo, é que a Andorinha Sinhá era doida para conhecer o Gato
Malhado! Conversar e saber mais dele!

Até que… Em um lindo dia! Quando a Primavera chegou, vestida de luz, de cores e
de alegria, quando as árvores verdes se vestiram do colorido das flores… Todos os bichos
se espantaram, pois viram… vocês não sabem o que eles viram… SUPREENDEMENTE,
O Senhor Gato Malhado amanheceu SORRINDOOO! Sim ele acordou feliz! Disposto! Com
vontade de sentir o cheirinho das flores e o ar puro da primavera…

Ele estava se sentindo tão feliz com a Primavera! Queria tanto conversar,
compartilhar sua felicidade… Mas quando olhou ao redor, todo inspirado e contente,
reparou que não tinha ninguém! Ninguém, ninguém… Nem um patinho, nem o Seu
Papagaio, nem a Dona Galinha ou a Vaca Mocha.

O Gato Malhado então entendeu que todos se esconderam, que todos se sugiram
porque estavam com medo dele. Foi uma triste constatação, então ele parou um pouco de
sorrir. Depois resolveu que não ia se importar! Era um gato orgulhoso e também não queria
estragar aquele dia tão lindo…

Até que, viu que vinha voando ao seu redor uma alegre andorinha. Só ela não havia
fugido! E ele reparou que ela estava olhando para ela e sorrindo.
- E você? Não quis fugir igual aos outros?
- Eu? Fugir? Não tenho medo de você, os outros são covardes… você nem
pode voar, é um gatarrão ainda mais tolo do que feio. E olha lá que és feio…

Naquela hora, todo mundo que tava escondido observando ficou preocupado com a
andorinha “pronto! agora que ele vai comer ela, coitadinha! Como tem contagem de afrontar
ele assim?!”

Mas o Gato Malhado sorriu, achou a andorinha a coisa mais desaforadinha e mais
graciosa! Mesmo assim, por garantia, ela voou um pouquinho mais alto, por segurança,
onde ele não conseguisse alcançá-la.
- Tu me achas feio? De verdade?
- Feiíssimo… - Reafirmou lá do alto
- Não acredito. Só uma criatura cega poderia me achar feio.
- Feio e convencido!

Mas os pais da Andorinha estavam muito preocupados mesmo, com medo do que
aquele gato poderia fazer com ela e como ela era muito obediente e amava os seus pais ela
se despediu:
- Até logo, seu feio…

Ao chegar em casa tomou um belo sermão da sua mãe! “Pois não sabia que aquele
sujeito era mal? Que era suspeito de ter roubado os ovos da dona patinha, ter derrubado
uma florzinha linda com suas próprias garras?”

Mas a Andorinha Sinhá tinha cabeça a dura, quando ela duvidava de alguma coisa,
ninguém conseguia mudar o pensamento dela até que ela descobrisse a verdade, e seu
coração dizia que ele era bom (ela sabia ver com o coração). E você acham que ela tava
certa ou tava errada?
Ela estava certa! O Gato Malhado só era um sujeito quieto, ele nem imaginava que
pensavam tantas coisas ruins sobre ele. E todos aqueles crimes, roubar os ovos da patinha,
derrubar a florzinha, todas essas coisas feias, quem tinha feito foi a Dona Cobra que na
calada da noite aparecia e ele mesmo fazia questão de colocar ela pra correr e defender
todos ali.

Mas, mesmo assim, a mãe da Andorinha Sinhá disse a ela:

- Uma andorinha jamais pode ser amiga de um gato! É contra a regra de todas
as gerações de todas as andorinhas!
- Mas ele não me fez nada…
- Mas é um gato! Ainda por cima Malhado!
- Só por ser um gato? Ainda por cima malhado? Mas ele tem coração como
todos nós…
- Coração? Quem disse que ele tem coração? Quem?
- Você viu o coração dele? Diga!
- Ver não vi…
- Então…

E assim a Andorinha Sinhá foi dormir se sentindo triste… E antes de dormir


suspirou:
- Ai ai… ele é feio, mas até que é simpático.

O gato Malhado antes de dormir também pensou na Dona Andorinha, e viu na


imaginação a passarinha que sorria.

Logo de manhãzinha, já no dia seguinte, se viam e perguntaram um para o outro:

- Que fizeste de ontem para hoje? Hoje estás ainda mais linda do ontem e
mesmo mais lindo do que estavas no sonho em que ti vi…
- Conta-me o teu sonho. Eu não te conto o meu porque sonhei com uma
pessoa muito feia: sonhei contigo…
Riam os dois…

Segundo os estudos do Sapo Cururu, há muitos que não acreditam em amor à


primeira vista. Já outros, ao contrário, além de acreditar, afirmam que é o único amor
verdadeiro. De acordo com o estudos, tanto os uns como os outros têm razão. É que o
amor está no coração das criaturas, adormecido, e um dia qualquer ele desperta, com a
chegada da primavera ou mesmo no rigor do inverno. Mas todas as pesquisas indicam que
na primavera é bem mais fácil!

De repente, o amor desperta do seu sono à inesperada visão de outro ser. Mesmo
se já o conhecemos, é como se o víssemos pela primeira vez e por isso se diz que foi a
primeira vista. Assim o amor do Gato Malhado pela Andorinha Sinhá. Já o que se passava
no coraçãozinho da passarinha, não esperem que eu explique! Não sou capaz de entender
o coração de uma mulher, quanto mais o de uma andorinha!
Logo mais, quando amanheceu… Vocês sabem o que aconteceu? A andorinha foi
novamente visitar o Gato Malhado. Vocês podem estar se perguntando, mas ela não era
uma passarinha obediente? Amava e obedecia aos seus pais? Sim, sim ela era! Bondosa,
comportada e amável! Não era do tipo que ouvia “não faça isso” e “ia logo fazer”, não não.
Mas ela também gostava que lhe convencessem com razões boas e justas, e ninguém
havia conseguido lhe provar que era pecado ou um crime manter relações cordiais com o
gato malhado.

E assim ela voou em direção a ele, fazendo voltinhas ao seu redor e falando com
uma voz doce:
- Não me diz bom dia, seu mal educado?
- Bom dia, Sinhá… Quer dizer Senhorita Sinhá, com todo o respeito.
- Vá lá… Pode me chamar de Sinhá se assim preferir… E eu lhe chamarei de
feio.
- Já lhe disse que não sou feio.
- Puxa! Que convencido! É a pessoa mais feia que eu conheço.

O Gato Malhado achou um desaforo um bichinho tão pequenininho que ele tinha
sido tão legal, lhe tratar daquele jeito, logo ele, um gato vivido! Bonito! Se chateou e disse:

- Então até logo!


- Se ofendeu? Além de feio é convencido? Não precisa ir embora. Não lhe
chamo mais de feio. Agora só lhe trato de formoso!
- Não quero também…
- Então como vou lhe chamar?
- Gato.
- Gato não posso.
- Por quê?
- Não posso conversar com nenhum gato. Os gatos são inimigos das
andorinhas.
- Quem lhe disse?
- É verdade eu sei (respondeu com voz triste)
- Mas nós não somos inimigos, não é?
- Nunca!
- Então nós podemos conversar.
- Vá embora que papai vem ai! Depois eu vou volto para conversar com você,
feiosão!

E assim o verão chegou, com seu Sol ardente, noites estreladas… E o tempo
passou rápido, pois é sempre assim quando se está feliz, ele passou voando para o Gato
Malhado e para a Andorinha Sinhá que passaram a fazer longos passeios juntos! Longas
conversas à sombra das árvores, olhares tímidos, com sorrisos, palavras murmuradas.

Já quando chegou o outono, o vento já estava começando a soprar um pouco frio,


certo dia o gato malhado estava tão apaixonado que não conseguia mais segurar o seu
coração e, de repente, ficou um pouco triste e quieto. Seu bigodes estavam murchos de
tristeza.. vocês perceberam? Os bigodes dele começaram até a cair! Tadinho do gato
malhado! Sem nada entender a Andorinha lhe perguntou:

- O que tens?
- Se eu não fosse um gato, te pediria para casares comigo…

A Andorinha levantou voo, seu coraçãozinho bateu tão forte que de lá mesmo o gato
foi capaz de ouvir… Ela encontrou uma asinha no Gato Malhado (o que correspondia a um
beijo) e voou para longe com os olhos cheios de lágrimas…

O Inverno chegou sem que o Gato Malhado tivesse tido novas notícias da Andorinha
Sinhá. E num escuro frio de inverno ele estava todo se tremendo, embaixo da sua mantinha
e pegou um poeminha que havia escrito para a Dona Sinhá com todo o seu carinho e pediu
para que entregassem a ela:

Soneto do amor impossível


Para minha adorada Andorinha Sinhá

A andorinha Sinhá
A andorinha Sinhô
A andorinha bateu asas e voou

Vida triste minha vida,


não sei cantar nem voar,
não tenho asas nem penas,
não sei soneto escrever.

Muito amo a andorinha,


com ela queri casar.
Mas a andorinha nãoq uer,

comigo casar não pode


porque eu sou gato malhado,
ai!

Gato Malhado

Ao ler o seu poema, a andorinha Sinhá lhe enviou uma cartinha, nela estava escrito:

Meu querido Gato Malhado,

Eu nunca tinha sido tão feliz, até o dia em que eu conheci você. Mas “uma andorinha não
pode jamais se casar com um gato.” O melhores momentos da minha vida aconteceram
nessa primavera, nesse verão e nesse outono, quando no parque eu passeava com você.

Assinado, da para sempre tua Andorinha Sinhá.


E assim, naquele inverno, agora com o tempo passando devagar, ele passou todo o
inverno debaixo do seu cobertorzinho lendo e relendo a cartinha da Dona Sinhá, se
tremendo de frio, agora o tempo pelo contrário ficou passando bem devagar…

Mas, vocês se lembram do que o doutor Sapo Cururu disse no começo? Pois é, a
história, quando passou de boca em boca, perdeu muito da sua beleza, e a história original
mesmo, foi contada pelo vento, que contou para manhã, que contou para o tempo, em troca
de uma flor azul!
E agora, eu quero que todos vocês contem para mim o que foi que vocês acham que
se perdeu quando a história foi passando de língua em língua!
Me contem aí! Como que vocês acham que foi que acabou de verdade a história do
Gato Malhado e da Andorinha Sinhá?

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