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É comum perguntar-se às crianças: "O que você quer ser quando crescer?" Nessa fase,
geralmente temos muitos sonhos. Sabemos que queremos ir à lua ou pilotar o avião
mais rápido do mundo; salvar animais em extinção ou fazer uma brilhante descoberta
científica que transforme a vida das pessoas. Ainda não temos idade para pensar no
mercado de trabalho, na administração do orçamento doméstico nem em como nos
manter e sustentar nossa família. Temos apenas nossos sonhos e a secreta certeza de
ser únicos, predestinados a realizar algo de muito especial na vida. Mesmo que nossos
pais tenham outros sonhos para nós, sabemos a diferença entre os sonhos deles e os
nossos. Quando crianças, ainda somos capazes de ouvir a voz do espírito.
À medida que crescemos, as coisas vão mudando. As pessoas nos dizem: "É melhor
começar a pensar no que quer fazer de sua vida. Como é que você vai se sustentar?" O
tempo de sonhar chega ao fim; precisamos "enfrentar a realidade" e pensar em como
sobreviver neste velho mundo, vasto e hostil. A sensação que tínhamos de ser
especiais se apaga diante das altas taxas de desemprego, da competição acirrada
pelas vagas disponíveis e das crises e reviravoltas econômicas, que nos levam a achar
que será muita sorte se conseguirmos um emprego, qualquer que seja ele. E se
estamos insatisfeitos nesse emprego ou somos demitidos, nos sentimos desvalorizados
e desconfiados de nossos sonhos e aspirações mais profundos, simplesmente porque
talvez não haja nenhuma outra oportunidade de trabalho. E mesmo que haja, é provável
que já tenhamos perdido há muito tempo a capacidade de ouvir a voz do coração e de
sentir que temos algo muito especial a fazer na vida.
O mapa composto
por Liz Greene
Os relacionamentos e como sobrevivê-los
Este seminário teve lugar a 27 de Abril de 1997 no Regents College em Londres, como
parte do Período Lectivo de Verão do programa de seminários do "Centre for Psychological
Astrology".
O conceito por trás do mapa composto é que este representa a própria relação
como um terceiro factor. Duas pessoas criam um terceiro elemento entre elas. O
mapa composto é como um campo de energia que afecta ambas as pessoas,
extraindo certas coisas de cada indivíduo bem como impondo-lhes ópria dinâmica.
O mapa composto não descreve o que cada pessoa sente em relação à outra.
Neste sentido ele é muito diferente da sinastria, a qual descreve a química existente
entre duas pessoas em termos de como estas se afectam uma à outra. Ao
explorarmos a sinastria numa relação, dizemos: “A tua Vénus encontra-se no meu
Marte. Tu activas o meu Marte e fazes com que eu reaja Marcialmente, e eu activo a
tua Vénus e invoco em ti uma resposta Venusiana. É por isso que temos certos
sentimentos um pelo outro.” Quando olhamos um mapa composto, não exploramos
aquilo que duas pessoas activam entre si ou sentem uma pela outra. Interpretamos
o campo energético que essas duas pessoas geram entre elas. O mapa composto é
como uma criança, uma terceira entidade que carrega as impressões genéticas de
ambos os pais mas que conjuga essas impressões numa forma completamente
nova e que existe independentemente de cada um deles.
Como o mapa composto contém todas as mesmas características que um mapa
natal, é necessário abordar a sua interpretação de maneira similar. O mapa
composto tem um núcleo de identidade, que representa o seu "propósito" (o Sol) e
um conjunto característico de respostas e necessidades emocionais (a Lua). Tem
um modo de comunicação (Mercúrio) e uma série distinta de valores e ideais
(Vénus). Tem um modo de expressar energia e vontade (Marte). Tem a sua própria
forma de crescimento e expansão (Júpiter) e tem limitações e mecanismos de
defesa inatos (Saturno). Tem uma vulnerabilidade específica em relação ao
colectivo devido a padrões de origem colectiva do relacionamento (Quíron). Reflecte
certos ideais colectivos que anseiam por mudança e progresso (Urano). Tem
aspirações inatas que reflectem certas fantasias colectivas (Neptuno). Possui um
instinto de sobrevivência de base que pode sustentar a continuidade da relação mas
que pode igualmente ser destrutivo se a relação se encontrar em perigo (Plutão).
Tem uma imagem ou um papel a desempenhar perante os olhos da sociedade
(MC), e uma "personalidade" que se expressa de forma característica para o mundo
exterior (Ascendente). Os signos num mapa composto descrevem a matéria básica
ou o "temperamento" do qual a relação é feita; os planetas descrevem as energias
motivadoras; e as casas descrevem as esferas da vida através das quais os
planetas se expressam. Tudo isto é Astrologia básica e não é menos aplicável ao
mapa composto que ao mapa natal individual.
O eterno triângulo
por Liz Greene
Apollon, Abril de 1999
Nada entra nas nossas vidas que não esteja ligado, de um modo ou doutro,
com a nossa viagem individual. Isto não implica culpabilidade ou causalidade
mas implica sem dúvida um significado mais profundo, que pode ser
transformador para o indivíduo preparado para procurar tal significado. Se um
triângulo entra na nossa vida, é com uma finalidade. Se reagimos apenas com
amargura e raiva, essa é uma escolha nossa, mas também poderíamos optar
por transformar o triângulo num trampolim de lançamento para uma verdadeira
procura interior. Isto é particularmente difícil porque, habitualmente, a
experiência da humilhação invoca todos os sistemas defensivos da nossa
infância e é muito complexo conseguir ultrapassar reacções tão primárias e
alcançar uma perspectiva mais distante. Enquanto astrólogos, podemos achar
que vale a pena tentar descobrir se existe, em absoluto, um qualquer
sinal-padrão no mapa astral que conduza aos triângulos; se há razões mais
profundas para que um indivíduo se envolva num triângulo, seja por escolha
sua ou de outrém; e porque é que algumas pessoas têm mais tendência para
triângulos que outras. Podemos também considerar quais as possíveis
abordagens que podem ajudar-nos a trabalhar com os triângulos de forma mais
criativa, o que comportará analisá-los psicológica e simbolicamente.
A universalidade dos triângulos
Existem muitos tipos de triângulo e nem todos implicam uma relação sexual
adulta. Mesmo que nos limitássemos a considerar os triângulos sexuais,
encontraríamos muitos tipos diferentes; os triângulos sexuais nem sempre são
feitos da enorme carga dramática de Tristão e Isolda. Em alguns triângulos
amorosos adultos, todos os lados são fixos: há dois parceiros e há uma terceira
pessoa envolvida com um dos dois e não há nenhum movimento, o triângulo é
estático e pode continuar assim por muitos anos, até que um dos três
elementos morra. Noutros triângulos amorosos, um dos lados muda
constantemente. Uma pessoa pode praticar adultério serial – às vezes, como
no caso de John F. Kennedy, com uma média de substituições (de amante)
incrível. Mas ambas as situações são triângulos e, embora tenhamos tendência
a atribuir um maior valor romântico à primeira, ambas evocarão a mesma gama
de emoções arquétipo.
Para além dos triângulos onde existe um envolvimento sexual, entre qualquer
tipo de combinação dos dois sexos, existem muitos outros tipos de triângulo. O
mais importante é aquele que envolve pais e filhos. Os triângulos também
podem envolver amizades. Mais complicados ainda são os triângulos que
envolvem companheiros não-humanos. Um dos parceiros pode ter ciúme e
sentir-se traído pela dedicação do outro ao trabalho, ou a um seu empenho
artístico, ou ao seu crescimento espiritual. Tais triângulos podem evocar
exactamente os mesmos sentimentos de ciúme que os triângulos de tipo
sexual. Quando uma pessoa se retira num espaço criativo, de certo modo
"abandona" a pessoa com quem vive e isso pode criar ciúmes enormes ao
parceiro. O processo criativo é um acto de amor, o que é talvez o motivo pelo
qual tradicionalmente se diz que a 5a. casa os rege ambos. Existem até
triângulos que envolvem animais de estimação; isto pode parecer absurdo, mas
um dos parceiros pode sentir-se extremamente ciumento, magoado, perturbado
e abandonado porque o outro (parceiro) é profundamente ligado ao seu cão ou
gato – mesmo que não se deseje admitir tais sentimentos em público. Estes
vários tipos de triângulo podem não parecer relacionados; a única coisa que
têm em comum é que têm como elemento um ou outro tipo de amor que, num
triângulo, já não é exclusivo. E quando temos de partilhar o amor de alguém,
quer seja com outra pessoa ou com algo inefável como a imaginação ou o
espírito, podemos sentir-nos traídos, diminuídos e defraudados.
Este pequeno diagrama é uma imagem simplista dos três vértices do triângulo.
Por enquanto os significadores astrológicos foram omitidos. Algumas pessoas
experimentam só um destes três lados numa vida inteira, e outras
experimentam-nos todos.
O último grupo – triângulos que reflectem vida psíquica não vivida – inclui todos
os outros. Quando olhamos mais a fundo os triângulos familiares, não podemos
deixar de nos perguntar porque é que queremos tanto estar próximos de um
dos pais em especial. O que é que esse progenitor significa para nós? Porque é
que podemos enfrentar a indiferença de um dos progenitores mas requeremos
nada menos que uma absoluta fusão com o outro? No fim, inevitavelmente,
encontraremos pedaços da nossa alma enraizados ao longo dos lados do
triângulo – de qualquer triângulo, seja ele motivado por dinâmicas familiares, de
poder, de defesa, ou por todas elas. Existem excepções, porque existem
sempre excepções a qualquer padrão psicológico; mas, essencialmente,
independentemente da posição que nele ocupamos, quando um triângulo entra
nas nossas vidas traz sempre uma mensagem sobre dimensões de nós
próprios por nós não reconhecidas ou vividas. Se um tipo de triângulo continua
a repetir-se, então é uma mensagem muito forte e precisamos de ouvir o que
ela tenta dizer-nos.
O triângulo familiar
Os triângulos familiares não acabam na infância, mas têm repercussões ao
longo da vida. Se não resolvidos, podem entrar secretamente nas nossas
relações adultas – se um triângulo familiar não for "curado" podemos continuar
a recriá-lo, uma ou muitas vezes, esperando, a um nível muito profundo e
inacessível de nós próprios, encontrar um modo de curá-lo ou resolvê-lo. Freud
desenvolveu a teoria do triângulo edipiano, também conhecido como "o
romance familiar", num contexto muito específico. Na sua perspectiva,
ligamo-nos apaixonadamente ao progenitor do sexo oposto e entramos numa
situação de rivalidade e competição com o progenitor do nosso sexo.
Dependendo de como o triângulo edipiano for resolvido na infância – e isto
depende das reacções dos pais bem como do temperamento inato de cada um
de nós – as nossas relações futuras serão inevitavelmente afectadas. Se
"ganharmos" de forma inequívoca e conseguirmos o amor exclusivo do
progenitor do sexo oposto, sofreremos porque nunca aprendemos a separar ou
partilhar, experimentaremos uma espécie de falsa energia infantil porque
sentiremos que derrotámos o/a nosso/a rival. Sentir-nos-emos omnipotentes, o
que pode abrir as portas a uma sucessiva incapacidade de lidar com qualquer
tipo de decepção amorosa. E a relação com as pessoas do próprio sexo pode
ser perturbada, por consequência.
Freud pensava que a solução mais saudável para o conflito edipiano é uma
espécie de derrota branda, onde recebemos amor suficiente do progenitor
amado mas somos contudo forçados a reconhecer que a relação entre os
nossos pais é, em última análise, inviolável. Podemos então aprender a
respeitar as relações entre as outras pessoas e criar uma autoconfiança através
das relações que estabelecemos fora do círculo mágico parental. Estamos aqui
no reino do que Winnicott chamou "suficientemente bom" – um casamento
parental suficientemente bom, uma relação suficientemente boa com ambos os
pais, amor e carinho suficientes para que a derrota edipiana seja acompanhada
por uma razoável sensação de segurança dentro da família e pela certeza de
que continuaremos a ser amados. É importante também que não tenhamos
medo de ser punidos pelo progenitor rival. Infelizmente muitos pais, carentes
emocionalmente e ressentidos com um matrimónio infeliz, castigam os filhos
por lhes "roubarem" o amor do parceiro. Temos de reconhecer que não
podemos suplantar um progenitor de forma a obter o outro, mas também
precisamos de saber que continuaremos a ser amados pelo progenitor que
tentamos "destronar". Naturalmente, este é um ideal que poucas famílias
conseguem atingir; um grande numero de pessoas sofre por excessiva vitória
ou excessiva derrota edipiana. O que conta realmente é aquilo que fazemos e
quanta consciência disso temos. E nada é tão eficaz a activar a consciência
como um triângulo relacional.
O mapa natal pode dizer-nos muito sobre a imagem que temos dos nossos pais
e as experiências que encontrámos através deles; quando olhamos para um
mapa astral podemos encontrar alguns indícios edipianos úteis. Os
significadores parentais normalmente mostram-se de forma muito evidente e de
maneira a incluir as nossas necessidades emotivas e sexuais, assim como a
imagem que temos de nós próprios como homens ou mulheres. Podemos
encontrar planetas na 10.a ou na 4a. casa, o que sugere imediatamente que o
progenitor é representativo de algo mítico e arquétipo. Não ter planetas nas
casas parentais não significa que não se têm conflitos com os pais, ou que não
projectamos neles nenhuma imagem subjectiva; mas, em tal caso, é mais fácil
perceber o progenitor como uma pessoa separada de nós próprios, outro ser
humano, ainda que imperfeito. Quando existem planetas a ocupar estas casas,
os deuses planetários aparecem com a cara do progenitor, usando as suas
roupas. Um pedaço do nosso próprio destino, do nosso próprio caminho interior,
vem visitar-nos muito cedo na vida, disfarçado de mãe ou pai e é-nos
transmitido através da herança familiar. Isto não é "mau" ou "negativo", mas
implica decididamente algo de poderoso, fascinante e compulsivo ligado à
relação com os pais, que requer um maior grau de (auto)consciência e um
maior esforço integrador.
Lealdades divididas
Muitas vezes a criança acaba por sentir-se como uma bola de futebol num jogo
especialmente agressivo. Um dos progenitores – principalmente se ele ou ela é
o Traído – pode tentar apropriar-se da criança, declarada ou subtilmente, de
forma a magoar o Traidor. Alguns guiões parecem ser lidos por muita gente; por
exemplo, "O teu pai deixou-me porque era um sacana. Era incapaz de amar.
Ele não amava nenhum de nós, senão não se tinha ido embora com aquela
Vejamos agora o que estará realmente por trás das dinâmicas dos triângulos -
por trás dos modelos parentais e das defesas e jogos de poder e de todas as
outras razões aparentemente "causais" para que os triângulos entrem nas
nossas vidas. Creio que existe sempre um elemento de vida não-vivida em
todos os triângulos e, por vários motivos, às vezes parecemos ser incapazes de
o descobrir, a não ser através do stress emocional extremo
Um triângulo pode ser como um grande trígono num mapa astral: a energia
circula à sua volta, regressa a si mesma e não alimenta mais nada na vida da
pessoa. Dentro dos triângulos, as três pessoas têm tendência a projectar umas
nas outras elementos de si próprias. O triângulo mantém essas projecções no
lugar e pode existir uma enorme resistência a mudanças; poderíamos mesmo
dizer que o triângulo se forma porque existe resistência a mudanças e o que
quer que seja que procura uma expressão dentro de nós é experimentado
através de projecções. Quando este género de triângulo se quebra, as
projecções regressam a casa outra vez. É libertada energia psíquica, seja
através da morte ou da renúncia voluntária a alguém. O momento em que isto
acontece não é casual. Da parte de um, ou dois, ou mesmo dos três
componentes do triângulo, há questões inconscientes que chegaram finalmente
a um ponto em que podem ser integradas, mesmo que a única expressão disso
seja “deixar andar”. As projecções começam a tornar-se conscientes no
momento em que estamos prontos para o fazer. Não acredito que se chegue a
um verdadeiro perdão de nenhum outro modo. É uma espécie de dom; não
pode criar-se com um acto de vontade. É muito triste ouvir o Traído dizer
"Perdôo-te" não porque lhe vem do coração mas como forma de conseguir de
volta o parceiro errante. Por detrás desta frase, pode não existir perdão nenhum
(embora isto possa acontecer a nível não totalmente consciente), e assim a
punição continuará eternamente. O perdão só pode chegar com o
reconhecimento da própria cumplicidade com o triângulo, qualquer que seja o
nosso papel nele, e com o retirar das nossas projecções. Antes disso, o perdão
não é verdadeiramente possível. Parece emergir apenas a partir de algo que foi
genuinamente integrado dentro de nós. O processo inteiro é transformador. Não
podemos fabricar perdão se fomos traídos - nem fabricá-lo para nós próprios,
se somos o Traidor. A única coisa que podemos fazer é trabalhar para integrar
aquilo que pertence à nossa própria alma.
Liz Greene:
A natureza da predição
Alguns anos atrás, eu dei um seminário para o Wrekin Trust, que foi transcrito, editado e
se transformou num livro chamado "The Outher Planets and Their Cycles". A propósito,
enquanto examinava a carta natal da União soviética, eu fiz uma previsão sobre o seu
futuro. Foi uma espécie de palpite, eu não tinha nessa época muito conhecimento sobre
as sutilezas da astrologia mundial. Minha previsão bastante ingênua era baseada no
fato que Plutão se aproximaria lentamente da conjunção do Sol natal da União Soviética
em sete anos. Eu havia observado que sempre que um transito poderoso atingia esse
Sol em Escorpião, a liderança soviética mudava. Em termos mundiais isto é uma
conclusão razoavelmente óbvia e simples, uma vez que o Sol reflete, entre outras
coisas, a liderança de uma nação. A razão pela qual eu esperava um colapso em vez
de outra típica luta pela liderança é porque a abrangência de Plutão é bastante mais
ampla do que a dos outros planetas exteriores. Ele tende e apagar tudo e nada resta da
sua forma ou estrutura originais.
Não se pode dizer que seis milhões de judeus tinham um transito particular ou aspectos
progredidos que os levariam aos campos de concentração. É loucura supor tal coisa
assim como a recusa da nossa cumplicidade inconsciente quando estes atos de
brutalidade acontecem num nível de massa. Existem movimentos coletivos e revoltas,
assim como existem desastres naturais tais como inundações e terremotos os quais
podem suplantar a escolha, complexos e a vontade individual. Também pode haver
outros fatores mais profundos e de ordem espiritual, sobre os quais eu não estou em
posição de comentar.
Muitas pessoas do círculo astrológico crêem em Karma. Eu não sou incrédula. Mas eu
sinto que tudo é mais complicado do que aquilo que um dia alguém chamou de "a teoria
do ding-dong" – alguém foi bom ou mau em sua vida passada e portanto será
recompensado ou punido na vida atual. Como moralidade é uma coisa profundamente
subjetiva e relativa, eu atribuo pouco valor a essas aproximações simplistas com o reino
do espírito. Mas deve haver algo que continua através e além de uma simples
encarnação mortal, ao qual a herança recebida acumula substancia de acordo com as
escolhas feitas em cada vida, e que atua como um imã para o tipo de experiência que
atraímos. Isto pode ser o fator acima e além dos esforços conscientes na vida de uma
pessoa. Pode haver fatores na herança familiar sobre os quais não se tem controle. Por
mais injustos que eles pareçam, nós somos herdeiros dos conflitos e complexos
familiares que se cristalizaram através de muitas gerações e estes freqüentemente
agem como um tipo de destino. Se esses conflitos permanecem sem solução por muito
tempo, nós podemos perder a mobilidade para escolher ou evitar certos eventos, e sem
dúvida, qualquer indivíduo possui maior liberdade de escolha se não há um peso
acumulado desta herança psicológica.
Assim, há muitos outros fatores além da consciência individual que determinam como
Um dos principais objetivos em explorar este tema é sugerir que nós podemos ter mais
liberdade do que pensamos, em níveis que não estaríamos inicialmente conscientes. Se
aprendermos a trabalhar com os movimentos planetários com mais intuição e com uma
abordagem menos literal do tipo "Urano se aproxima de tal ponto e tal e tal acontecerá"
, nós poderíamos descobrir o que Pico della Mirandola quis dizer quando afirmou que os
seres humanos são co-criadores com Deus. Tomando literalmente, esse conceito não
faz justiça a nós astrólogos. Isto também pode ser totalmente destrutivo, porque há
claro, algo como uma profecia auto cumprida. Em função de nossas percepções serem
invariavelmente distorcidas por nossos complexos individuais, nós estamos inclinados a
interpretar os trânsitos e progressões não de acordo com o que eles podem significar,
mas de acordo com o que os nossos complexos dizem que vão fazer conosco. Até o
astrólogo mais "tradicional" e ortodoxo não é capaz de ser objetivo quando é para
prever eventos. Podemos até não estar certos sobre o que um "evento" realmente é,
uma vez que muito depende de como e quando uma pessoa percebe o que aconteceu.
Nossas suposições sobre o futuro são fortemente coloridas por nossa própria psique
tanto quanto nossas suposições o são sobre o presente.
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A abordagem psicológica para trânsitos e progressões é mais desafiadora que a
abordagem literal, pois envolve assumir responsabilidade por aquilo que está
simbolizado pelas configurações da carta natal. Isto também requer aprender a
trabalhar com técnicas preditivas tradicionais em mais de um nível. Não significa que
não há valor em tentar compreender como um movimento planetário afeta o plano
material. É tolice ignorar esta dimensão da vida assim como é ignorar a psique. Se
alguém tem o Sol progredido fazendo quadratura a Netuno na segunda casa, enquanto
Saturno em transito faz conjunção à Netuno natal, não é uma boa idéia fazer uma
parceria de negócios com alguém cujas credenciais sejam pouco conhecidas. A
aplicação concreta dos princípios astrológicos pode ser de grande valor para nós. Mas
sem o respaldo do entendimento psicológico precedendo a interpretação literal, eu acho
que podemos muitas vezes, criar o nosso próprio destino, manifestar nossas próprias
previsões, e gerar um sofrimento considerável, quando nada disso seria necessário.
Níveis de expressão
1. Significado ou teleologia
2. Material emocional
Por exemplo, uma pessoa que tem muito elemento terra, muitos planetas em Touro, e
um Saturno forte, com uma forte necessidade de estrutura e estabilidade, que tem sido
casada por 23 anos e tem três crianças, dois carros, um emprego seguro e grande casa
hipotecada, e quando Vênus progredido chega no Júpiter natal na quinta casa, o
resultado disto pode ser qualquer coisa menos maravilhoso no nível emocional e
material. Nós astrólogos sabemos que a abertura do coração que essa progressão pode
refletir pode ser justamente o que a pessoa precisa. Mas, no entanto, o que ele vai dizer
à sua esposa? E ele pode pagar as custas do processo?
Muito depende de como o indivíduo está vivendo a sua vida e se ele está em contato
com as diferentes configurações de sua carta natal. É improvável que alguns de nós
possa alegar estar totalmente em contato com tudo o que está dentro de nós, portanto é
uma questão de grau de inconsciência. Se uma pessoa se casou cedo por razões
sociais ou de segurança, e se os talentos potenciais da quinta casa têm sido cruelmente
reprimidos, este aspecto progredido pode liberar um grande conflito e sofrimento. A
pessoa pode ficar apaixonada por alguém que não é sua ou seu cônjuge, e então terá
que encarar as conseqüências. Às vezes é o cônjuge que ativa o Júpiter renegado. Não
é incomum ver este tipo de experiência aparentemente delegada nas cartas dos
clientes, ou em nossas próprias cartas. Alguém se senta e espera a Princesa ou
Príncipe Encantado chegar e ao contrário, quando Urano em transito atinge a Vênus, é
o parceiro que dá no pé. Porque somos tão relutantes para entender quão
poderosamente a psique inconsciente afeta a maneira pela qual o transito ou a
progressão se expressam?
De algum modo este é o mais complexo dos três níveis de expressão, porque nós
somos confrontados com o mistério da consciência individual. A realidade emocional é a
cola que existe entre o nível do significado e o nível da manifestação. E é também a
área na qual nós temos alguma oportunidade de exercitar a liberdade da escolha
individual. Com o tempo a questão psicológica está tão solidificada que deve ser
expressa de forma concreta, nós podemos somente planejar o futuro, mas não
podemos desfazer o que foi tricotado na realidade do presente. Este é realmente
terreno que foi denominado por Jung e Hillman como alma, e que é a mediadora entre o
espírito e a matéria.
Uma pessoa que tenha Saturno em transito fazendo oposição ao sol natal, que tem em
termos de teleologia uma oportunidade soberba de aumentar o senso de identidade
pessoal, pode estar profundamente deprimida e insegura. Ele ou ela podem sentir-se
fracassados e todas as conquistas do passado podem parecer sem valor. Temas
parentais podem vir para a superfície, particularmente aqueles relacionados com o pai e
o complexo paterno. Os desafios deste transito podem não ser percebidos como
desafios, mas como vitimização. Questões sobre as bases da identidade pessoal
podem ter que ser suscitadas e algumas atitudes e suposições sobre a vida precisam
ser esclarecidas antes que uma visão do mundo mais saudável possa crescer sem seu
lugar. A relação com o masculino – dentro de si mesmo e o homem na vida de alguém –
podem ter que sofrer uma completa reavaliação. Há muitas coisas que as pessoas
podem sentir sob o transito de Saturno em oposição ao Sol que não são prazerosas, e
quando as pessoas se sentem mal, elas querem saber se o astrólogo pode reconhecer
a sua infelicidade e ajudá-los a entender seus fundamentos. O astrólogo com uma
inclinação mais espiritual poderia precisar de experiência em psicoterapia para trabalhar
neste nível.
3. Materialização
Pode haver também um destino em cada existência – algo que a alma ou o Self pode
desejar cumprir no decorrer de uma vida particular. No pensamento da filosofia grega
haviam dois tipos de destino afetando o individuo, as erínias e o daimon. O primeiro
poderia ser grosseiramente equiparado à herança ancestral, e o último com o destino
ou propósito da alma. E pode haver também um destino coletivo – nações e povos
inteiros podem ter um destino especifico em termos de evolução humana, e uma
herança ancestral especifica. Como indivíduos, nós às vezes somos pegos em
movimentos que são muito maiores que nós, porque somos parte de uma humanidade
maior, que por sua vez está sintonizada com os ciclos planetários. Portanto, nós
compartilhamos as vicissitudes desta humanidade maior, e temos que dar conta da
bagagem psicológica que herdamos da nossa origem racial, religiosa, social e nacional.
Há questões filosóficas sobre as quais cada um de vocês tem suas próprias crenças e
convicções individuais, Eu estou mencionando-as porque elas podem ser fatores na
materialização dos trânsitos e progressões. De todas as áreas que eu tenho
mencionado, a única na qual podemos ser realmente eficazes como indivíduos é a
esfera dos nossos complexos inconscientes. Nossa habilidade para reconhecer, conter,
trabalhar com eles e transformá-los poderia realmente afetar o coletivo do qual fazemos
parte. Isto pode até afetar o nosso "karma". Antes da previsão de algum evento está
sempre o individuo ou o grupo deles. No final somos forçados a voltar para nossos
próprios jardins para contemplar o que está crescendo lá, se desejamos entender
porque e que tipo de eventos são prováveis de nos acontecer.
Recentemente eu tive uma segunda sessão com uma cliente que veio me ver a primeira
vez há anos atrás. Eu não tinha ouvido nada sobre ela desde então. Eu notei que Plutão
em transito estava agora se aproximando de Kiron na sua quarta casa a 5º de Sagitário.
Isto revelou que, alguns anos antes, seu pai havia morrido. Minha cliente contou-me
que quando ele morreu, não fez nenhum sentido para ela. Era aparentemente um
não-evento. Ela não tinha tido um relacionamento íntimo com ele. Ela acreditava que
pouco sentia por ele e portanto, quando ele morreu, era como se nada houvesse
acontecido, pois ele não tinha sido presente.
Isto foi como ela colocou as coisas. Nós havíamos discutido a relação com seu pai
durante a nossa primeira sessão, e suas percepções não haviam mudado desde então.
Eu não estou inclinada a ver o lugar de Kiron como uma área da vida onde o individuo
não sente nada. Mas minha cliente estava convencida que era este o caso, e foi aí que
terminou a discussão sobre seu pai.
A razão pela qual ela veio me ver numa segunda sessão foi que ela estava muito
aborrecida com seu cunhado, que estava doente. Ele havia desenvolvido pequenos
tumores malignos, e embora os médicos tivessem operado e removido-os, novos
tumores estavam crescendo, e ela tinha medo de que ele pudesse morrer. O que ela
não podia entender era que, embora ela não fosse próxima de seu cunhado, a idéia da
sua morte encheu-a de um terror cego. Contemplar a morte de qualquer outro, inclusive
seu marido ( ela havia se casado quando a vi pela ultima vez), não evocava nela uma
resposta tão drástica.
Por alguma razão o papel que esse cunhado exerceu em sua vida foi maior do que ela
havia pensado. Ela o via raramente. Eles tiveram um relacionamento amigável, mas ela
não era muito próxima à irmã casada com ele, e tampouco tinha tido fantasias eróticas
com ele. Ela não podia entender porquê estava agora neste estado de extrema
ansiedade com a mera idéia que este homem poderia deixar a sua vida. Ela chamou
seu estado de "obsessão irracional", o que realmente era. Nós poderíamos observar
que junto ao transito de Plutão conjunção ao Kiron, Netuno em transito estava passando
e repassando sobre o seu Sol natal.
Gradualmente ficou mais evidente que o evento real que sustentava a sua ansiedade foi
a morte de seu pai. Isto poderia soar estranho pois ele já havia morrido, mas no nível
interno ele não havia morrido em absoluto. Não houve sofrimento, nem separação
emocional, e nenhum sentido de perda no momento da morte real. No entanto, a
presença de Kiron na quarta casa combinada com um trígono de Sol e Júpiter, sugeriu a
mim que existiam sentimentos muito ambivalentes relativos ao seu pai, extremamente
positivos tanto quanto dolorosos, os quais haviam sido totalmente reprimidos. Esta
senhora tinha o hábito de reprimir todos os sentimentos. Embora fosse muito inteligente,
tinha um curioso vazio, como se tivesse a cabeça oca.
Se nós tentássemos prever os eventos sugeridos pelo transito de Plutão sobre Kiron na
quarta casa poderíamos dizer: " Ela vai mudar de casa ou emigrar. Ou talvez ela vá se
divorciar". Ou se fossemos um pouco mais atrevidos, poderíamos dizer "aqui está a
morte de um dos seus pais, e isto pode despertar sentimentos muito dolorosos e
confusos". A morte de seu pai é certamente uma possível expressão deste transito,
especialmente se levarmos em conta a conjunção de Netuno em transito sobre o seu
Sol natal. Mas como o pai pode morrer se ele já morreu?
Para minha cliente, o evento da morte do pai está acontecendo agora. Esta é a sua
realidade, embora possa não ser a sua ou a minha. Essa morte e os sentimentos
dolorosos que a acompanham não têm nada a ver com o pai de carne e osso colocado
dentro de seu caixão. Agora, pela primeira vez, minha cliente está encarando o medo, o
pânico e a dor que ela negou quando seu pai real se foi. Ela concentrou seus
sentimentos num homem que não era realmente a pessoa pela qual ela tinha
sentimentos. Seu cunhado é um substituto, um gancho para o seu complexo paterno
inconsciente. Saber se o cunhado vai morrer não está claro pelo transito. Em certo
sentido isto sequer é relevante. É a possibilidade de sua morte que evocou uma reação
tão poderosa. Nós poderíamos dizer que a sua morte está sincronizada com a
maturidade do complexo paterno que agora está pronto para se tornar consciente.
É comum as pessoas serem pouco conscientes disso, e ficarem chocadas com suas
reações violentas quando alguns anos mais tarde, a ex-mulher ou o ex-marido
casam-se novamente. O inferno todo desaba, embora o parceiro desaparecido tivesse
sido colocado no gelo num compartimento secreto da alma. Embora ele ou ela tenham
ido fisicamente, a amada presença ainda está internamente ali, e quando o ex-parceiro
assume um compromisso, toda a dor e medo são experimentados como se a separação
tivesse acabado de acontecer. De fato, ela acabou de acontecer, embora no plano
concreto isso aconteceu há anos atrás. Isto pode acontecer quando vemos Vênus
progredida conjunção à Plutão, ou Saturno transitando sobre Vênus, ou Urano em
transito fazendo oposição à Lua na sétima casa.
Quando as relações acabam, o fim pode ser só para um daquele casal. Às vezes os
relacionamentos também terminam antes de seu fim real. O casal continua vivendo
juntos toda uma vida, mas a vida deixou a relação dois, dez ou trinta anos atrás. Isto
pode estar refletido por um transito ou aspecto progredido relevante, mesmo que não
haja um evento físico. Movimentos na carta podem descrever o fim de algo, mas não há
um final visível, nenhum evento concreto. Ou o transito ou aspecto progredido relevante
pode descrever o fim de algo muito tempo depois de alguém dizer "Oh, isso acabou
anos atrás". Finais, tanto quanto começos, são questões altamente pessoais. Pessoas
diferentes têm diferentes dimensões de tempo para processar os acontecimentos.
Alguns eventos que nada significam para uma pessoa, muito significam para outra. A
morte em si mesma tem diferentes significados para diferentes pessoas, e alguém pode
ficar cheio de raiva e terror e negar sua doença fatal até o final, enquanto a outra está
pacificamente resignada à morte como um rito de passagem anos antes de sua
passagem real.
O acontecimento em si não é tão importante como uma entidade objetiva. Mas aquilo
que alguém experimenta internamente acrescenta importância e sentido ao evento, de
Temos que ser muito cuidadosos quando tentamos definir um evento, porque quanto
mais de perto nós o olhamos, mais subjetivo ele fica. Uma observação de aspectos da
época da morte de um individuo é um vívido exemplo disso. Com isso quero dizer que
são importantes não somente os aspectos que aparecem na carta da pessoa que
morre, mas também aqueles que ocorrem nas cartas daqueles que são próximos à ela.
Nós podemos pensar que a morte é um evento terrivelmente especifico, que ocorre num
momento particular, e então temos que levantar a carta para esse momento preciso.
Mas nenhum astrólogo pode sustentar com êxito uma típica "assinatura da morte" – isto
é diferente em cada carta natal. E se os aspectos vão se formando, às vezes por muitos
anos, isto pode ser relevante tanto quanto aqueles que acontecem num momento
preciso. É possível que algumas mortes realmente aconteçam num plano interno, bem
antes da morte real e estejam refletindo algo interno de um individuo que "entregou os
pontos".
Tentar compreender o sentido da materialização dos trânsitos e progressões significa
que devemos ter em mente os três níveis de expressão, incluindo os níveis emocional e
teleológico. Esses dois últimos têm influencia direta na realidade dos eventos. Não só
os três níveis são relevantes, mas é sábio lembrar toda a complexidade dos níveis.
Somente quando nós temos um grande quadro do que está acontecendo nós podemos
de forma responsável dizer, "há uma possibilidade de tal e tal acontecer". Sem essa
visão maior, nós estamos atirando dardos de olhos vendados. Podemos ter o alvo
preciso, mas também podemos também ferir alguém nos olhos.
Liz Greene:
Certamente que uma relação não pode ser devidamente compreendida apenas com
uma vista de olhos às constelações astrológicas de cada um dos parceiros. Até que
ponto é que um horóscopo da relação pode ser detalhado?