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Reformando a Família

Richard Baxter
Este livro não pode ser revendido ou distribuído para vendas
sem a permissão escrita da Editora Caridade Puritana. Breves
citações são permitidas com indicação da fonte.

Todos os direitos em língua portuguesa pertencem à ECP. Para a


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© 2020, Editora Caridade Puritana Edição 1, junho de 2020

Publicado originalmente em inglês com o título: “Leading a


Family for Christ”
Sumário

Um Breve Comentário
Liderando uma Família para Cristo
Os Deveres Especiais dos Maridos para com suas Esposas
Os Deveres dos Pais
Motivos Especiais para uma Educação de Filhos mais Segura e
Cuidadosa
Orientações aos Novos Cristãos
Contribuidores da obra:

Design: Wallas Pinheiro

Tradução: Jotta Dickson / Fabrício Franco / Müller Viana

Revisão: Luiz Castaldi/ Carlina Crepaldi / Gabriel Lago


Um Breve Comentário
Esta é uma das obras mais práticas que já publicamos e
apresenta um tema que permanece importante para todas as eras:
como um lar deve ser governado à luz das Escrituras? Uma
pergunta tão simples com respostas fáceis, mas a difícil aplicação
dessas verdades é o que ainda nos incomoda. Por isso julgamos
que este livro será proveitoso para muitos casais recém casados
que ainda não têm experiência na Palavra de Deus.

Traduzimos diferentes partes do livro “The Pactical Works of


Richard Baxter” que julgamos mais apropriadas para a publicação
deste livro. No primeiro capítulo, Baxter abordará o governo geral da
família; logo depois — no segundo capítulo — ele falará sobre a
importância desse governo em relação ao relacionamento entre
marido e esposa. O terceiro e o quarto capítulo tratam sobre a
educação dos filhos. E no quinto ele dá algumas orientações aos
novos na fé, que consideramos válidas e aplicáveis aos filhos (tanto
os mais novos quanto os mais velhos).

Agradeço a Deus por nos ter abençoado com esse trabalho para
servir a Igreja dele. Dedico essa obra à minha esposa e filhos, pois
até aqui o Senhor tem nos sustentado. Sou tão agraciado por Deus
por ter vocês em minha vida! Agradeço também a nossa equipe que
trabalhou arduamente nessa obra!

Que o nosso Deus te abençoe na leitura dessa obra tão


edificante!

Filipe Macedo

(Editor geral)
Liderando uma Família para Cristo
Oprincipal requisito para o correto governo das famílias é a
aptidão dos governantes e dos governados para tal tarefa… No
entanto, se pessoas inaptas para as suas relações se constituíram
em uma família, o seu primeiro dever é o de se arrependerem do
seu pecado e imprudência precedentes e, prontamente, voltarem-se
para Deus, buscando tal aptidão que é essencial para o correto
cumprimento dos deveres de suas respectivas posições. Aos pais,
três coisas são de maior necessidade: 1. autoridade; 2. habilidade;
3. santidade e disposição de vontade.

1. Instruções gerais: que os pais mantenham a sua


autoridade em suas famílias. Pois, uma vez que a sua autoridade
for perdida e for desprezado por aqueles que deve governar, sua
palavra não surtirá efeito sobre eles. Você apenas cavalga, todavia,
sem as rédeas. Seu poder de governar desaparece quando a sua
autoridade é perdida. E, aqui, você deve primeiro entender a
natureza, o uso e a extensão da sua autoridade: tal como os seus
relacionamentos são distintos para com a sua esposa e com os
seus filhos, assim é a sua autoridade. A sua autoridade sobre sua
esposa apenas é necessária para a ordem de sua família, para a
administração segura e prudente de seus negócios e o seu convívio
confortável. O poder do amor e do interesse complicado deve fazer
mais do que ordens magistrais. A sua autoridade sobre os seus
filhos é muito maior; no entanto, somente aquela que está vinculada
com amor é indispensável para a sua boa educação e felicidade.
Para a preservação de sua autoridade, observe as seguintes
subinstruções:

Instrução 1: Que a sua família entenda que a sua autoridade


procede de Deus, o qual é o Deus da ordem e, portanto, em
obediência a Ele, eles são obrigados a obedecer-lhe. “Não há
autoridade que não venha de Deus” (Rm 13:1), e não há nenhuma a
qual a criatura inteligente possa reverenciar tanto quanto a que
procede de Deus. Todos os vínculos são facilmente rompidos e
rejeitados — ao menos pela alma, senão pelo corpo — os quais não
são percebidos como sendo divinos. Uma consciência iluminada
dirá aos usurpadores ambiciosos: “A Deus eu conheço, assim como
a seu Filho Jesus, contudo, quem sois vós?”.

Instrução 2: Quanto mais de Deus manifestar-se sobre você,


em seu conhecimento, santidade e inculpabilidade de vida, maior
será a sua autoridade aos olhos de todos os da sua casa que
temem a Deus. O pecado o tornará desprezível e vil; a santidade,
sendo a imagem de Deus, torná-lo-á honroso. Aos olhos dos fiéis,
“uma pessoa vil é menosprezada”; todavia, eles honram “os que
temem ao Senhor” (Sl 15:4). “A justiça exalta uma nação” — e uma
pessoa — “não obstante, o pecado é uma vergonha a qualquer um”
(Pv 14:34). Aqueles que honram a Deus, Ele os honrará, e aqueles
que o desprezam sejam menosprezados (1Sm 2:30). Aqueles que
se entregam a paixões e conversas vis (Rm 1:25) parecerão vis
quando se fizeram de tal forma. Os filhos de Eli se tornaram vis por
causa de seu pecado (1Sm 3:13). Bem sei que homens deveriam
discernir e honrar uma pessoa colocada em autoridade por Deus,
embora sejam moralmente e naturalmente vis; contudo, isso é tão
difícil, que raramente é bem feito. E Deus é tão severo contra
ofensores orgulhosos, que Ele geralmente os castiga, tornando-os
vis aos olhos dos outros. Ao menos, quando estão mortos e os
homens ousam falar livremente deles, os seus nomes apodrecem
(Pv 10:7). Os exemplos dos maiores imperadores do mundo —
persas, romanos e turcos — realmente nos mostram que, se (por
tédio, embriaguez, gula, orgulho e, especialmente, perseguição)
eles se tornarem vis, Deus permitirá que eles se tornem vergonha e
objeto de escárnio dos homens ao descobrir a sua nudez. Acaso um
pai ímpio pensará em manter a sua autoridade sobre os outros ao
passo que ele se rebela contra a autoridade de Deus?

Instrução 3: Não mostre a sua debilidade natural por meio de


paixões, palavras ou ações imprudentes. Pois, se pensam
desdenhosamente sobre você, algo ínfimo os atrairá ainda mais a
desprezarem as suas palavras. Naturalmente, há no homem uma
estima tão alta por razão, que dificilmente são persuadidos de que
devem se rebelar contra a razão de serem governados (pelo bem da
ordem) pela insensatez. Eles são bastante aptos ao pensarem que a
razão mais sensata deve suportar o governo. Portanto, quaisquer
expressões tolas e fracas, paixões inadequadas ou ações
imprudentes são muito aptas em torná-lo desprezível aos olhos de
sua família.

Instrução 4: Não perca a sua autoridade ao negligenciar usá-la.


Se permitir que os seus filhos tomem a posição de liderança, ainda
que por pouco tempo, e tenham, digam e façam o que desejam, o
seu governo não será nada mais que um mero nome ou imagem.
Uma conduta moderada entre um rigor imponente e uma sujeição
suave o preservará ao máximo do desprezo de sua família.

Instrução 5: Não perca a sua autoridade devido à excessiva


familiaridade. Se criar os seus filhos como seus companheiros ou
como se fossem iguais a você, e falar com eles ou permitir que
falem com você como seus companheiros, eles rapidamente
desejarão se sobrepor a você e manter os seus costumes. Ainda
que outros possam governá-los, eles dificilmente suportarão ser
governados por você, pelo contrário, menosprezarão sujeitar-se
onde antes eram iguais.

2. Instruções gerais: Empenhe-se pela prudência e


habilidade em governar. Aquele que se compromete a ser pai,
compromete-se a ser governador; e não é um pecado ínfimo ou
mera tolice ocupar um lugar para o qual você é totalmente incapaz,
quando se diz respeito a uma questão de tão grande importância.
Pode discernir isso em um caso que não é seu, como se um homem
se comprometesse a ser um professor de escola que não sabe ler
ou escrever; ou ser um médico que não conhece doenças nem os
seus remédios; ou ser um piloto que não sabe dizer como fazer o
trabalho de um piloto; por que não percebe como esse é o seu
próprio caso?
Instrução 1: Para se adquirir a habilidade de um governo santo,
é necessário que seja bem estudado na Palavra de Deus. Portanto,
Deus ordena aos reis que eles leiam a Lei todos os dias de suas
vidas (Dt 17:18-19) e que a Lei não se aparte de suas bocas; antes,
que nela meditem dia e noite (Js 1:8). E todos os pais devem ser
capazes de ensiná-la aos seus filhos e falar sobre ela tanto em casa
como fora, ao se deitarem e ao se levantarem (Dt 6:6-7; 11:8-9).
Todo governo dos homens é, antes, subordinado ao governo de
Deus para promover a obediência às suas leis.

Instrução 2: Entenda bem os diferentes temperamentos de sua


famíliae lide com eles assim como são e da forma como podem
suportar, não como se fossem todos semelhantes. Alguns são mais
inteligentes e outros mais maçantes. Alguns são afetuosos e outros
com disposições mais rígidas. Alguns serão mais bem trabalhados a
partir de amor e gentileza, e outros necessitam de mais
animosidade e severidade. A prudência deve adequar suas
condutas às disposições deles.

Instrução 3: Deve distinguir bem entre as diversas falhas e as


adequar as suas repreensões. Aqueles que são mais obstinados
devem ser mais severamente repreendidos, juntamente com
aqueles que são falhos em maior peso. Algumas falhas ocorrem
mais por mera incapacidade e inevitável fragilidade da carne (a
ponto de não haver tanta determinação) manifesta por aqueles que
as cometem. Estes devem ser mais gentilmente tratados, como
merecendo mais compaixão do que reprovação. Alguns são vícios
habituais, e toda a natureza é mais desesperadamente depravada
do que em outros. Estes devem ter mais do que uma correção
particular. Eles devem ser mantidos em um modo de vida que seja
mais efetivo para destruir e mudar tais hábitos. E alguns são retos
no coração, e nas coisas principais e mais importantes são culpados
em apenas pequenas falhas presentes; nestas, alguns são mais
casuais e outros mais frequentes. Se não discriminar prudentemente
as suas repreensões conforme as suas falhas, você apenas as
endurecerá e perderá a finalidade de suas correções. Pois há uma
justiça da família que não deve ser destruída, a menos que destrua
as suas famílias, assim como há uma justiça maior pública
necessária ao bem público.

Instrução 4: Seja um bom marido para a sua esposa, um bom


pai para os seus filhos, e que o amor tenha domínio em todo o seu
governo, para que a sua família possa facilmente ter interesse em
obedecer-lhe. Pois interesse e amor próprio são os governantes
naturais do mundo. Essa é a forma mais eficaz de se obter
obediência ou qualquer bem, para fazer os homens perceberem que
é para o seu próprio bem e para empreender amor próprio por você,
para que possam ver que o benefício é como sendo para eles
próprios. Se não lhes fizer nenhum bem, mas for amargo, descortês
e desafeiçoado com eles, poucos serão governados por você.

Instrução 5: Se for habilidoso em governar os outros, aprenda


primeiro a dominar bem a você mesmo. Acaso espera ter os outros
sob a sua vontade e governo mais do que você próprio? Acaso está
apto a governar sua família no temor de Deus e em uma vida santa
aquele que é ímpio e não teme a Deus ele mesmo? Ou está apto a
impedir-lhes paixão, embriaguez, gula, luxúria ou qualquer forma de
sensualidade aquele que não consegue manter-se longe de tais
coisas? Acaso sua família não desprezará tais reprovações que são,
por você próprio, contraditórias em sua vida? Sabe que isso é
verdade quando se trata de pregadores iníquos. E não é tão
verdadeiro para outros governadores?

3. Instruções gerais: Deve ser uma pessoa santa se quiser


ser o governador santo da sua família. As ações dos homens
seguem a inclinação de suas disposições. Eles agirão assim como
são. Um inimigo de Deus não governará uma família para Deus.
Nem mesmo um inimigo da santidade (ou que a desconhece)
estabelecerá uma ordem santa em sua casa ou, de maneira santa,
administrará os seus negócios. Bem sei que é mais barato e mais
fácil chamar os outros à mortificação e à santidade de vida do que
nos conduzir, nós mesmos, a essas coisas; entretanto, quando não
se trata de uma simples ordem ou desejo que é necessário, mas da
condução de um governo santo e zeloso, pessoas ímpias — embora
algumas delas possam ir longe — não têm nem as finalidades nem
os princípios que esse trabalho exige.

Instrução 1: Para esse fim, certifiquem-se de que suas próprias


almas estejam inteiramente sujeitas a Deus e que obedeçam com
mais precisão às suas leis do que esperam que qualquer membro
da família obedeça a suas ordens. Se ousam desobedecer a Deus,
por que eles deveriam temer desobedecer a vocês? Podem vingar
mais severamente a desobediência ou recompensar mais
abundantemente a obediência do que Deus o pode? Acaso são
maiores e melhores do que o próprio Deus?

Instrução 2. Certifiquem-se de depositar seus tesouros no céu e


fazer com que o gozo de Deus na glória seja o fim supremo, tanto
nos assuntos como no governo de suas famílias e em todas as
demais coisas que lhes são confiadas. Devotem a si mesmos e tudo
a Deus e façam tudo por Ele… Se, assim, estiverem separados para
Deus, são santificados; então separarão tudo o que têm para o uso
e o serviço dele…

Instrução 3: Mantenha a autoridade de Deus em sua família


mais cuidadosamente do que a sua própria. A sua autoridade
apenas é em prol de Deus. Repreenda ou corrija mais
animosamente aqueles que erram e desonram a Deus mais do que
os que erram e desonram a você. Lembre-se do triste exemplo de
Eli: não considere pecado algum com pouca gravidade,
especialmente os maiores pecados dos seus filhos. A honra de
Deus deve ser a maior em sua família e o seu serviço deve ter a
primazia dos seus. Pecados contra Ele devem ser considerados
como as ofensas mais intoleráveis.

Instrução 4: Que o amor espiritual a sua família seja


predominante, que o seu cuidado seja maior pela salvação de suas
almas e que a sua compaixão seja maior por suas misérias
espirituais. Seja primeiramente cuidadoso em fornecer-lhes uma
porção no céu e em salvá-los de absolutamente tudo que os possa
privar disso. Jamais prefira os bens transitórios da terra antes das
riquezas eternas. Jamais se preocupe acerca de tantas coisas a
ponto de se esquecer que uma coisa é necessária a você; contudo,
escolha por você mesmo e por eles a melhor parte (Lc 10:42).[1]
Os Deveres Especiais dos Maridos
para com suas Esposas

Aquele que espera submissão ou conforto de sua esposa deve


ser fiel em cumprir o dever de marido. A falha no vosso dever pode
causar a falha de outrem contra vós ou, ao menos, de alguma outra
forma, afligir-vos; e ser-vos-á pior, no final, do que se uma centena
tivesse falhado com seus deveres contra vós. Um bom marido ou
faz uma boa esposa, ou, facilmente e vantajosamente, suporta uma
má. Portanto, dar-vos-ei orientações para a vossa parte do dever no
qual a vossa felicidade está em grande parte baseada.

Orientação I. O marido deve encarregar-se da principal parte do


governo de toda a família, até da própria esposa. Portanto ele deve
esforçar-se para ser apto e capaz para o governo do qual se
encarrega. Essa habilidade consiste:

1. Em santidade e sabedoria espiritual, para que ele se


familiarize com o fim para o qual deve conduzi-los, a regra pela qual
deve guiá-los e as principais obras que devem fazer. Um homem
ímpio e irreligioso é tanto um estranho quanto um inimigo para a
parte principal do governo familiar.

2. Sua habilidade consiste numa devida familiarização para com


as obras do seu chamado e os trabalhos nos quais seus servos
devem ser empregados. Pois aquele que é extremamente estranho
aos seus trabalhos será inapropriado para governá-los — a não ser
que conceda essa parte do governo a sua esposa ou a um
administrador que está familiarizado com eles.
3. Ele deve estar familiarizado tanto com o comum
temperamento quanto com as debilidades da humanidade, para que
saiba o quanto deve suportar, e, também, os temperamentos
particulares, faltas e virtudes daqueles que deve governar.

4. E ele deve ter prudência para administrar sua liderança sobre


eles; justiça para lidar com todos como merecem; e amor para fazer-
lhes todo o bem possível, tanto para a alma quanto para o corpo.

E sendo, portanto, capaz, deve fazer disso seu trabalho diário e,


especialmente, estar certo de governar-se bem para que o exemplo
seja parte do seu governo.

Orientação II. O marido deve unir autoridade e amor para que


nenhum destes seja omitido ou oculto; os dois, porém, devem ser
exercidos e mantidos. O amor não deve ser exercido tão
imprudentemente a ponto de destruir o exercício da autoridade, e a
autoridade não pode ser exercida tão magistralmente e
imperiosamente sobre uma esposa a ponto de destruir o exercício
do amor. Tal como o vosso amor deve ser um amor governante, as
vossas ordens devem ser todas ordens amorosas. Não percais
vossa autoridade, pois isso apenas vos desabilitará de cumprir o
ofício de marido para com a vossa esposa ou o de mestre para com
os vossos servos. Ainda assim, a autoridade não deve ser mantida,
em hipótese alguma, de modo inconsistente com o amor conjugal; e,
consequentemente, nem deve ser mantida pela fúria ou pela
crueldade, ou por ameaças e chicotes — a não ser por distração ou
perda da razão, ou seja, o cessar da capacidade de liderar a esposa
de outro modo devido. Há muitos casos de igualdade em que a
autoridade não deve ser exercida, mas não há casos de hierarquia
ou indignidade tão grandes nos quais o amor conjugal não deva ser
exercido, e, portanto, nada deve excluí-lo.

Orientação III. É dever dos maridos preservar a autoridade de


suas esposas sobre seus filhos e os servos da casa, já que são
governadores conjuntos sobre todos os subordinados. As
debilidades das mulheres são, muitas vezes, capazes de expô-las
ao desprezo: tanto que os servos e os filhos são capazes de
subestimá-las ou desobedecer-lhes se os maridos não interferirem
para preservar a honra e a autoridade de suas esposas. Ainda
assim, isso deve ser feito cuidadosamente para que:

1. Não justifique qualquer erro, vício ou fraqueza de suas


esposas — eles podem ser ocultos ou ignorados tanto quanto
necessário, mas nunca possuídos ou defendidos.

2. Não seja instigada a obediência de nenhuma ilegalidade


proposta por elas, dado que ninguém tem autoridade para
contradizer a Lei de Deus ou desobedecer a qualquer forma do seu
governo. Vós não fareis nada mais do que enfraquecer vossa
própria autoridade diante de pessoas minimamente entendidas se
justificardes qualquer coisa contrária à autoridade de Deus. Mas, se
a coisa ordenada é legítima — ainda que contenha inconveniências
—, deveis repreender a desobediência dos subordinados e não
deveis permitir-lhes desprezar as ordens de vossas esposas nem
pôr suas próprias razões e vontades contra elas ao dizer: “Não
faremos isso”. Como podem elas ajudar-vos no governo se
permitirdes que sejam desobedecidas?

Orientação IV. Deveis, também, preservar a honra de vossas


esposas tanto quanto a autoridade. Se elas possuem quaisquer
debilidades desonrosas, estas não devem ser mencionadas pelos
filhos ou servos. Da mesma maneira que cobrimos as partes mais
desonrosas do nosso corpo natural — “Porque os membros que em
nós são mais nobres não têm necessidade disso” (1Co 12:24) —,
assim devemos fazer nesse caso. Não deveis permitir que os filhos
e os servos portem-se desdenhosamente ou rudemente contra
vossas esposas, nem que as desprezem ou digam-lhes palavras
grosseiras, orgulhosas ou desdenhosas. Os maridos devem livrá-las
desse tipo de insulto e menosprezo.
Orientação V. O marido deve ultrapassar a esposa em
conhecimento e ensiná-la nas matérias da salvação. Ele deve
instruí-la na Palavra de Deus, direcioná-la nos deveres particulares,
ajudá-la a vencer suas próprias corrupções e trabalhar para
fortalecê-la contra as tentações. Se ela estiver com dúvidas em
qualquer assunto que o marido possa esclarecer, deve pedir seu
esclarecimento e ele deve explicar, em casa, o que ela não
entendeu no culto (1Co 14:35). Mas, se o marido for um beberrão
ignorante ou fez-se incapaz de instruir sua esposa, ela não é
obrigada a pedir-lhe, em vão, que a ensine aquilo que ele mesmo
não entende. Esses maridos, que desprezam a Palavra de Deus e
vivem em intencional ignorância, não desprezam apenas as próprias
almas, mas as de suas famílias também; ao se fazerem incapazes
em seus deveres, são normalmente desprezados pelos seus
subordinados — já que Deus falou a Eli que assim seria: “aos que
me honram honrarei, porém os que me desprezam serão
desprezados” (1Sm 2:30).

Orientação VI. O marido deve ser o principal professor da


família. Ele deve instruí-los, examiná-los, dirigi-los aos assuntos
divinos, bem como ao seu culto, e vigiar para que o dia do Senhor e
a adoração sejam observados por todos que moram sob o seu teto.
Sendo assim, ele deve trabalhar por tal entendimento e habilidade
tanto quanto for necessário. Se ele for incapaz ou negligente, é seu
pecado e será sua vergonha. Se a esposa for mais sábia e mais
capaz e tornar-se responsável pelo ensino, é desonra; mas, se
nenhum deles o fizer, o pecado, a vergonha e o sofrimento serão
comuns aos dois.

Orientação VII. O marido deve ser a boca da família nas suas


orações conjuntas diárias a Deus. Desse modo, ele deve ser capaz
de orar, bem como de ter um coração devoto. Ele deve ser como um
sacerdote para a família e, portanto, deveria ser o mais santo, para
que seja apto de estar entre eles e Deus e oferecer suas orações a
Ele. Se essa responsabilidade for lançada sobre a esposa, será
desonroso.
Orientação VIII. O marido deve ser o principal provedor da
família (normalmente). Espera-se que ele seja o mais apto de mente
e corpo e que seja o principal cuidador da propriedade. Portanto, ele
deve ter um cuidado especial para que sua esposa e filhos não
sintam falta de nada que lhes seja propício na medida em que o
pode providenciar.

Orientação IX. O marido deve ser o mais paciente da família,


suportando as fraquezas e paixões pecaminosas de sua esposa,
não acobertando os pecados contra Deus, mas evitando fazer
reclamações de toda e qualquer fragilidade como se fossem
dirigidas a si mesmo, para que se preservem o amor e a paz, os
quais devem ser o temperamento natural da relação.

Orientação X. A prática de todos esses deveres deve ser


cuidadosamente considerada. De tal modo que:

1. Sejam eles praticados com prudência e não com insensatez,


frieza ou desconsideração.

2. Sejam todos praticados em amor e ternura conjugais, como


que sobre aquela que é sensível e o vaso mais fraco. Que ele não
ensine, comande ou reprove a esposa tão imperiosamente quanto o
faz com um filho ou um servo.

3. A devida convivência seja mantida, e o marido não se


mantenha distante e desconhecido de sua esposa.

4. O amor seja confiante, sem suspeitas vis e ciúmes sem


motivo.

5. Sejam todos praticados com gentileza e não com paixão


pecaminosa, grosseria e acidez.
6. Não haja encobrimentos injustos ou imotivados de segredos,
os quais deveriam ser de conhecimento comum aos dois.

7. Não sejam tolamente revelados à esposa segredos tais que a


colocariam em uma armadilha, fazendo que ou não os suportasse,
ou não os guardasse.

8. Nenhum dos seus próprios assuntos, que deveriam ser


mantidos em segredo, sejam conhecidos de outros — o ensinar e o
reprovar da parte dele para com ela deve ser, em sua maior parte,
secreto.

9. Seja ele constante e não se canse de seu amor e dever.

Isso resume o assunto.


Os Deveres dos Pais

Pais ímpios são os maiores servos do diabo no mundo e os


inimigos mais sangrentos das almas de seus filhos! Mais almas são
corrompidas por pais ímpios do que por qualquer outro instrumento.

1. Entendei e lamentai o estado miserável e corrupto de vossos


filhos, o qual herdaram de vós.

2. Treinai vossos filhos na obediência completa a vós e livrai-os


de suas próprias vontades. A conduta comum dos pais é agradar
seus filhos por tanto tempo, ao permitirem que tenham tudo o que
almejam e desejam, que suas vontades acostumam-se a ser
satisfeitas, e, então, não conseguem suportar que sejam negadas.
Logo, não conseguem suportar nenhum tipo de governo (já que não
suportam nenhuma contradição aos seus desejos).

Ser obediente significa renunciar às próprias vontades e ser


governado pelas vontades dos pais. Deixar que os filhos tenham as
próprias vontades é o mesmo que lhes ensinar desobediência, além
de endurecê-los e treiná-los contra qualquer possibilidade de
obediência. Dizei-lhes constantemente e com amor sobre a
excelência da obediência e como ela agrada a Deus; também sobre
sua necessidade de governo, quão incapazes são de governar a si
mesmos e quão pernicioso é que os filhos tenham suas próprias
vontades. Falai constantemente sobre a grande desgraça da
obstinação e da teimosia, ensinando-lhes o que sucedeu às
crianças com tais caraterísticas.
3. Em todos os vossos discursos sobre Deus, as sagradas
escrituras, a vida por vir ou sobre qualquer dever sagrado, falai
sempre com gravidade, seriedade e reverência — como quem fala
das coisas mais sagradas e solenes. Pois, antes que as crianças
tenham qualquer entendimento nítido dos detalhes, é bom que
tenham seus corações tomados por uma reverência geral e uma alta
estima dos assuntos sagrados; isso levará temor continuamente às
suas consciências, ajudará seus discernimentos, prontificá-las-á
contra qualquer dano e desprezo profano e será como uma semente
de santidade dentro delas. Pois “O temor do Senhor é o princípio da
sabedoria” (Sl 111:10; Pv 9:10; 1:7). A própria maneira de os pais
conversarem e portarem-se, expressando grande reverência às
coisas de Deus, tem o poder gigantesco de deixar consciência
similar nos filhos. A maioria dos filhos de pais devotos, que depois
se tornam piedosos, podem dizer-lhes isto por experiência própria:
que, desde a tenra juventude, aprenderam a reverência às coisas
sagradas — que o falar e a conduta dos pais lhes ensinaram.

4. Que o principal cuidado e trabalho na educação dos vossos


filhos seja este: fazer com que a santidade mostre-se a eles como o
estado de vida mais amável, deleitoso, agradável, lucrativo, honroso
e necessário, e não como desnecessário, desonroso, sofrido ou
desconfortável. Atraí-os especialmente para o amor à santidade —
ao representá-la como digna de amor. Toda a habilidade dos pais
para a educação piedosa dos filhos consiste nisto: fazê-los conceber
a santidade como a vida mais amável e desejável — representando-
a em palavras e práticas —, não somente como a vida mais
necessária, mas também a mais rentável, honrosa e deleitosa. “Os
seus caminhos são caminhos de delícias, e todas as suas veredas
de paz” (Pv 3:17).

5. Exponde constantemente a vossos filhos a baixeza brutal da


sensualidade dos prazeres da carne e a maior excelência dos
prazeres do espírito, que consistem em sabedoria e no bom
proceder. Vosso principal cuidado deve ser salvá-los dos prazeres
da carne, que não somente são, em geral, a soma de toda
iniquidade — mas também daqueles aos quais as crianças são mais
inclinadas. Pois os seus sentidos e a sua carne ainda estão muito
vívidos, não lhes faltando somente fé, mas também uma
racionalidade clara para resistir-lhes. Além da depravação natural, o
costume de obedecer aos sentidos (os quais estão bastante
fortalecidos) sem razão (a qual, na juventude, é quase inútil)
aumenta esse pecado pernicioso. Desse modo, deveis
continuamente vos esforçar para imprimir em suas mentes uma
aversão fervorosa a uma vida que busca os prazeres da carne.
Arrazoai-lhes veementemente contra a glutonaria, bebedices e
contra o excesso de divertimentos.

6. Para esse fim, e também para a saúde de seus corpos,


mantende seus apetites sob uma vigília rigorosa — já que são
incapazes de vigiarem a si mesmos. Mantende-os tão
completamente quanto podeis sob as regras da razão, tanto na
quantidade quanto na qualidade de seu alimento. Não obstante,
dizei-lhes a razão de vossa restrição, ou eles lutarão secretamente
para quebrar seus laços para convosco. A maioria dos pais são
culpados pelo grande dano e perigo à saúde de seus filhos e de
suas almas, ao agradá-los e saciá-los com mais comida e bebida do
que é necessário. Se eu os chamasse de demônios e de assassinos
de seus filhos, eles achariam que eu estaria falando muito
severamente. Eles destroem as almas de seus filhos ao acostumá-
los a serem governados pelos próprios apetites, os quais, mais tarde
na vida, sem a graça especial de Deus, não poderão ser
sobrepujados por nenhum ensino do mundo. O que seria todo o
vício e vilania senão o satisfazer dos desejos da carne? E, quando
eles se habituarem a isso, estarão enraizados no seu pecado e
miséria.

7. Quanto aos esportes e à recreação: deixai vossos filhos


envolverem-se tanto quanto necessário para sua saúde e alegria,
embora não tanto a ponto de levar as suas mentes para longe de
coisas melhores e atraí-los para longe dos livros e deveres do tipo;
nem a ponto de tentá-los às apostas ou cobiças. As crianças devem
participar de esportes que tragam saúde ao corpo e entusiasmo à
mente. Recreações que exercitam o corpo são as melhores; cartas,
dados e jogos inativos como esses são, de todas as maneiras,
inadequados, já que tendem a destruir tanto o corpo quanto a
mente. O tempo gasto nos esportes e recreações deve ser limitado
para que não sejam mais importantes que o trabalho. Assim que
tenham o uso da razão e do falar, coisas melhores devem ser-lhes
ensinadas, mas não os deixeis sem nada para fazer até os cinco ou
seis anos de idade — para que não ganhem o hábito de jogar seu
tempo fora em brincadeiras. Crianças são capazes, desde bem
cedo, a aprender coisas simples que podem prepará-las para
assuntos úteis mais tarde.

8. Usai toda a vossa sabedoria e diligência para arrancar as


raízes do orgulho, e, para esse fim, não agradeis vossos filhos ao
dizer-lhes quão maravilhosos são (como é o costume de pais tolos).
Todavia, treinai-os para serem humildes e simples, e para que falem
do orgulho e da presunção como desgraças — a fim de que se crie
uma aversão a esses pecados em suas mentes. Fazei com que
aprendam os textos da escritura que expõem o aborrecimento e a
resistência de Deus ao orgulhoso (e como ama e honra os
humildes). Mostrai a ganância por coisas mundanas observada em
outras crianças como sendo a sua vergonha, para que vossos filhos
não desejem ser como elas. Arrazoai-lhes contra o gabar-se e
contra qualquer tipo de orgulho a que estão sujeitos. Ainda assim,
elogiai tudo o que é nobre — pois esse é o encorajamento devido a
vossos filhos.

9. Falai-lhes sobre a desgraça da extravagância, do esplendor e


das riquezas do mundo, e também do pecado do egoísmo e da
cobiça; observai diligentemente contra essas coisas e contra
qualquer outra que possa tentá-los nisso. Quando vossos filhos
virem mansões, extravagância e luxo, dizei-lhes que essas coisas
são armadilhas do diabo para seduzir pobres pecadores a amarem
este mundo, perdendo suas almas e o mundo por vir. Contai-lhes o
quanto o paraíso excede todas essas coisas e que os amantes
deste mundo nunca poderão ir para lá — e que apenas os humildes,
mansos e pobres em espírito entrarão no paraíso. Falai-lhes sobre o
glutão rico em Lucas 16, que estava vestido em púrpura e seda e
que festejava magnificamente todos os dias, mas, quando ele foi ao
inferno, não conseguia receber uma gota de água para refrescar a
língua, enquanto Lázaro estava nas alegrias do paraíso.

Não façais como os perversos, que seduzem seus filhos com a


cobiça e as coisas do mundo, dando-lhes tudo que desejam e
falando-lhes sobre todos os ricos e grandes nas coisas terrenas
como sendo superiores. Pelo contrário, dizei-lhes quão mais feliz um
crente pobre é e afastai tudo que possa tentar suas mentes à
cobiça. Tudo isso é o mínimo para curar vossos filhos desse
pernicioso pecado.

10. Mantende vossos filhos o mais longe possível das más


companhias, especialmente dos amigos ímpios. Esse é um dos
maiores perigos para a ruína das crianças no mundo. Isso acontece
especialmente quando são mandados para as escolas comuns — já
que quase não existem escolas boas desse tipo, mas nelas estão
muitas crianças cruéis, ímpias e mal-educadas; tais crianças
blasfemarão, falarão besteiras e farão de suas obscenidades e
injúrias motivos de vanglória; além de brigar, apostar, desprezar e
negligenciar suas lições. E tais crianças desprezarão aquele que
não fizer como elas, se não lhe baterem ou maltratá-lo antes.

Existe tamanho poder de combustão na natureza dessas faíscas,


que a maioria das crianças — quando ouvem outros tomando o
nome de Deus em vão, cantando músicas vulgares, proferindo
palavras sujas ou xingando uns aos outros — rapidamente os
imitam. E, mesmo que tivésseis vigiado vossos filhos dentro de casa
o máximo possível, eles seriam infectados por tais vícios bestiais
quando saíssem, vícios tais que muito dificilmente seriam curados.

Portanto, deixai aqueles que são capazes educarem vossas


crianças em casa ou em uma escola privada e bem ordenada.
Aqueles que não conseguem assim fazer devem ser os pais mais
vigilantes, cobrando seus filhos para que se relacionem com as
melhores crianças, falando-lhes sobre a odiosidade das práticas das
crianças ímpias e da perversidade daqueles que as praticam,
contando quão miseráveis são tais crianças. Porém, quando tudo for
feito, será pela grande misericórdia de Deus se eles não forem
arruinados pela força do contágio, mesmo considerando todos os
antídotos aplicados!

Consequentemente, aqueles que arriscam suas crianças em


escolas e companhias profanas — aprendendo os modos e
costumes do mundo, sob a pretensa justificativa de que serão mal
educadas e ignorantes do curso do mundo — podem pensar de si
mesmos e suas justificativas como quiserem, mas, no que me toca,
eu preferiria que meu filho fosse um limpador de chaminés a ser
culpado de tê-lo vendido ou exposto ao diabo!

11. Ensinai vossos filhos a conhecer a preciosidade do tempo e


não deixeis que percam um minuto sequer. Falai-lhes
constantemente sobre quão precioso o tempo é, quão curta é a vida
do homem, quão grandioso é seu trabalho e o quanto nossa vida
eterna de alegria ou miséria depende desse pequeno tempo.
Arrazoai-lhes sobre a odiosidade do pecado daqueles que brincam e
jogam seu tempo fora. Mantende as horas de vossos filhos contadas
e não deixeis que percam nenhuma com o excesso de sono, de
brincadeiras ou qualquer outra coisa; mas engajai-os em algum
empreendimento que valha o seu tempo.

Treinai vossos filhos em uma vida de trabalho e diligência e não


os acostumeis com a facilidade e a ociosidade enquanto forem
novos. Muitas crianças não são ensinadas em nenhum ofício nem
ocupadas em nenhum emprego, mas são tratadas como se fossem
somente capazes de decorar a casa e brincar. A recreação não
deveria ser mais do que uma pequena parte de seu tempo. No
entanto, pelos pecados dos pais, muitas são comprometidas desde
cedo com uma vida de ociosidade, que no futuro será quase
impossível de sobrepujar. Elas são ensinadas a viver como porcos
ou vermes, que vivem apenas por viver e não fazem quase bem
algum ao mundo por viverem. Elas acordam, vestem-se e adornam
a si mesmas, vão para o desjejum e daí vão jogar cartas ou dados,
ou tagarelam e conversam fiado, algumas brincam ou fazem visitas
sem propósitos; e então vão para o jantar, para as conversas de
novo e para a cama. Essa é a vida lamentável de muitos que têm
obrigações grandiosas para com Deus.

12. Que vosso próprio exemplo ensine a vossos filhos a


santidade, sublimidade e a irrepreensibilidade de boca e vida que
desejais que eles aprendam e pratiquem. O exemplo dos pais é
poderosíssimo para as crianças — tanto para o bem quanto para o
mal. Se elas virem que viveis em temor a Deus, isso contribuirá
muito para persuadi-las de que essa é a maneira de viver mais
necessária e excelente e que elas devem viver da mesma maneira.
Mas, se elas virem que viveis como carnais, indulgentes e numa
vida mundana, serão encorajadas grandemente a imitar-vos. Mesmo
que lhes faleis bem, elas acreditarão antes nos vossos maus hábitos
do que em vossas palavras.

13. Deixai vossos filhos perceberem que os amais e que todas


as vossas ordenanças, restrições e correções são para o seu bem,
e não simplesmente porque vós quereis assim. Se eles perceberem
que os amais, obedecer-vos-ão com mais vontade e serão mais
facilmente levados ao arrependimento de sua desobediência; eles
vos obedecerão tanto no coração quanto em ações externas, e tanto
longe da vista quanto na vossa frente. O amor deles a vós (que é
causado por vosso amor a eles) deve ser o principal meio de levá-
los a amar tudo o que é bom e que lhes ordenais; também deve ser
o meio pelo qual as vontades de vossos filhos são moldadas
verdadeiramente à vontade de Deus, fazendo-os santos.

Se fordes muito frios com vossos filhos — e muito duros —, eles


apenas vos temerão em vez de amar-vos, e, consequentemente,
não terão amor pelos livros nem pelas práticas que lhes ordenais;
não só isso, mas também serão tentados a odiar vosso governo e
qualquer bem a que tentardes persuadi-los. Serão como
passarinhos numa gaiola, esperando pela oportunidade de fugir.
Eles estarão cada vez mais na companhia de crianças ímpias e
preguiçosas, porque vosso furor e frieza não trazem nenhum tipo de
deleite em vossa companhia. E o temor os fará mentirosos — já que
a mentira parecerá necessária à sua fuga.

Pais que demonstram muito amor às suas crianças podem


mostrar severidade com segurança quando elas cometerem alguma
falta. Eles observarão que é somente seu erro que vos decepciona,
e não eles mesmos, e o vosso amor os reconciliará convosco assim
que forem corrigidos. A correção dos pais que são sempre frios ou
irritados — e que não mostram nenhum amor a seus filhos — vai
aliená-los e não lhes fará nenhum bem. Amor fraternal com a
severidade somente no pecado é o único caminho para fazer-lhes
bem.

Se Deus não permitir que tenhais filhos, privando-vos de todo


esse cuidado e trabalho, não reclameis; antes, sede agradecidos,
acreditando que isso é o melhor para vós. Lembrai-vos de quantos
deveres, dores e sofrimentos Ele vos livrou, e quão poucas crianças
tornam-se piedosas — mesmo quando os pais fazem o melhor.
Lembrai a vida miserável pela qual as crianças devem passar e
quão triste o medo de seus pecados e de sua condenação teria sido
para vós.
Motivos Especiais para uma
Educação de Filhos mais Segura e
Cuidadosa
Como a parte principal do cuidado e do governo da família
consiste na educação correta dos filhos, juntarei aqui alguns motivos
mais específicos para despertar a atenção dos pais quanto a esse
dever. Embora a maior parte do que tenho a dizer já foi dito na
minha obra “O Descanso dos Santos”, Parte III, Capítulo 14, Seção
11 etc., e que, portanto, seja aqui omitida, ainda assim algo deve ser
acrescentado, a fim de que não pareça que o assunto se tenha
esgotado ainda com tanto a se dizer.

Motivo 1: Considerai o quão profundamente a própria natureza


vos envolve para a maior cautela e diligência pela sagrada
educação de vossos filhos. Eles são, por assim dizer, partes de vós
mesmos, e aqueles a quem a natureza vos ensina a amar, a prover
e a ter um maior cuidado. Acaso sereis indiferentes às suas
principais preocupações? Ou negligentes de suas almas? Não
demonstrareis amor por vossos filhos de uma forma mais distinta
como qualquer animal selvagem ou pássaro o faz por seus filhotes,
nutrindo-os até que possam sair ao mundo e buscar por si mesmos
o seu sustento corporal? Não são cães ou quaisquer outros animais
que trazeis ao mundo, mas filhos que possuem almas imortais e,
portanto, é a atenção e a educação adequadas a suas naturezas
que lhes deveis, ainda que os conduzam mais efetivamente ao
contentamento de suas almas. A própria natureza se encarrega de
lhes ensinar alguns instintos naturais sem a vossa ajuda, da mesma
forma como pássaros aprendem a voar. No entanto, diz respeito a
vossa confiança e cautela ao ensiná-los coisas maiores e mais
significativas. Se imaginásseis que não tendes nada mais a fazer
além de os alimentar, deixando todo o resto para a natureza, assim
eles sequer aprenderiam a falar. E se a natureza, por si mesma, vos
condenar por não os ensinardes a falar, isto vos condenará ainda
mais, pois não os ensinastes tanto o que deveriam falar quanto o
que deveriam fazer.

Eles têm uma herança eterna de felicidade para alcançar; e


deveis chamar a atenção deles para isso. Eles têm uma miséria sem
fim da qual escapar; e é isso que deveis ensiná-los diligentemente.
Se não os ensinardes a escapar das chamas do inferno, que
agradecimento eles devem por tê-los ensinado somente sobre o que
devem falar ou aonde devem ir? Se não os ensinardes o caminho
para o paraíso e como eles podem se certificar de sua salvação,
qual agradecimento eles devem por terdes ensinado tão somente a
viver por um pouco em um mundo miserável? Se não os ensinardes
a conhecer a Deus, e como servi-lo e serem salvos, não estais
ensinando nada a eles, ou ainda pior do que nada. Está em vossas
mãos fazer a maior bondade ou a maior crueldade de todas no
mundo. Ajudai-os a conhecer a Deus e a serem salvos e fazeis mais
por eles do que se os ajudásseis a serem senhores e príncipes. Se
negligenciardes as suas almas, e os criardes na ignorância,
mundanismo, impiedade e pecado, vós os traís ao diabo, o inimigo
das almas, como se verdadeiramente os tivésseis vendido para ele.
Assim os vendeis para serem escravos de Satanás. Traí-los para
aquele que os enganará e abusará nesta vida e na próxima.

Se vísseis nada mais que uma fornalha em chamas (muito pior


são as chamas do inferno), não pensaríeis que qualquer homem ou
mulher mais adequado a ser chamado de demônio são os pais, que
poderiam achar motivos em seus corações para colocar seus filhos
nele, ou colocá-los nas mãos de alguém que assim o faria? Então,
que monstros desumanos sois, que ledes na Escritura qual é o
caminho para o inferno e quem são aqueles que Deus entregará a
Satanás para serem atormentados por ele e, ainda assim, conduzis
os vossos filhos por este mesmo caminho e não vos esforçais nem
um pouco para os salvar dele? Quão tamanha agitação vos move
para que lhes possais prover comida, roupas e uma manutenção
apropriada no mundo quando estais mortos! E quão pequeno é o
vosso esforço em preparardes as suas almas para a herança
celestial! Se credes verdadeiramente que há tamanha alegria ou
tormentos para os vossos filhos (e para vós mesmos) assim que a
morte vos remover daqui, é possível que leveis isso à menor de
suas considerações e façais esse o menor e o último de vossos
cuidados, para garantirdes a eles uma felicidade sem fim?

Se os amais, demonstrai isto naquelas coisas das quais depende


o seu eterno bem-estar. Não digais que amais vossos filhos, e ainda
assim os conduzis ao inferno. Se os amais, não sejais tão
impiedosos com eles ao ponto de os amaldiçoardes; não deveis
dizer “Deus nos livre”, ou “esperamos o melhor”, como se isso
tornasse as coisas melhores ou servisse de qualquer desculpa. O
que podeis fazer ainda mais para os condenardes, se estudastes
para fazê-lo tão maliciosamente quanto o próprio diabo?
Possivelmente, não podeis fazer mais do que educá-los na
ignorância, descuido, mundanismo, sensualidade e impiedade. O
diabo pode fazer nada mais para condenar, a eles ou a vós
mesmos, senão o tentar a pecar e vos desviar da piedade. Não há
outro caminho para o inferno. Nenhum homem é condenado por
coisa alguma além disso. E, mesmo assim, vós os criareis de tal
forma nesta vida e ainda direis: “Deus nos livre, não desejamos
condená-los”?

Todavia não é de admirar que fazeis por vossos filhos tal como
fazeis por vós mesmos. Quem pode considerar que um homem
deva ser razoável para com o seu filho, com aquilo que é tão
irracional para si mesmo? Ou que esses pais deveriam ter piedade
das almas de seus filhos, sem que a tivessem de suas próprias?
Não desejais condenar a vós mesmos, contudo, ainda assim o
fazeis. Se viverdes vidas ímpias, assim como o fareis por vossos
filhos se os exercitardes na ignorância de Deus e no culto da carne
e do mundo. Assim, procedeis como alguém que incendeia a própria
casa e diz: “Deus não permita que eu a queime!”; ou como alguém
que lança o seu próprio filho ao mar e diz que não pretendia afogá-
lo; ou o treina a furtar ou a assaltar e diz que não pretendia que ele
fosse enforcado, contudo, se pretendeis fazer dele um ladrão, tal
pode ser a consequência, como se tivésseis a intenção de que ele
fosse enforcado, pois a lei assim determina, tal como o juiz assim o
fará.

Portanto, se pretendeis educar os vossos filhos na impiedade,


como se eles não tivessem Deus ou ao menos uma alma para se
importarem, de igual modo deveríeis dizer que tendes por intenção
que eles sejam condenados. E não seríeis como um inimigo assim
como, certamente, o diabo não é mais desculpável por lidar tão
cruelmente com os vossos filhos, do que vós mesmos, que sois os
seus pais e que sois obrigados por natureza a amá-los e prevenir a
sua miséria? É, sim, detestável quanto aos ministros que se
encarregam das almas e as traem por negligência e assim são
culpados de sua eterna miséria. Contudo, quanto aos pais, é ainda
mais antinatural e, portanto, mais imperdoável.

Motivo 2: Considerai que Deus é o Senhor e Dono dos vossos


filhos, tanto pelo direito da criação quanto pela redenção. Portanto,
na justiça, deveis entregá-los a Ele e educá-los para Ele. Do
contrário, roubais a Deus suas próprias criaturas e roubais a Cristo
aqueles por quem Ele morreu e isto para entregá-los ao diabo, o
inimigo de Deus e deles próprios. Não foi o mundo, a carne ou o
diabo que os criou ou os redimiu, mas Deus; e não é possível que
algum direito seja construído sobre um direito absoluto do que o de
transformá-los em nada e redimi-los de um estado muito pior do que
nada. E, depois de tudo isso, os próprios pais dessas crianças os
roubem de seu absoluto Senhor e Pai e os vendam para serem
escravizados e atormentados?

Motivo 3: Lembrai-vos de que em seu batismo os dedicastes a


Deus. Levaste-los a fazer um voto solene e uma aliança para serem
totalmente dele e viverem para Ele. Neste voto eles renunciaram à
carne, ao mundo e ao diabo; neste mesmo voto vós prometestes
ensiná-los virtuosamente a levar uma vida cristã e piedosa, para que
eles pudessem obedientemente observar à vontade e mandamentos
sagrados de Deus e, nos mesmos, andassem todos os dias de suas
vidas. Acaso, após tudo isso, quebrareis tão solene promessa e
fareis com que eles quebrem tal voto e aliança, criando-os em
ignorância e impiedade? Entendestes e considerastes bem o que
fizestes? Quão solenemente vós mesmos os comprometestes em
um voto a Deus, para viverem uma vida mortificada e santa? Acaso
fareis isso tão solenemente em um momento e, logo após, por toda
a vida deles, vos empenhareis em destruir?

Motivo 4: Considerai quão grande poder a educação dos filhos


tem para o resto de suas vidas. À parte da natureza e da graça, não
há nada que geralmente permaneça sempre com eles.
Frequentemente, a obstinação da depravação natural contraria uma
boa educação. Contudo, se algum meio for o mais provável para se
fazer o bem, este é o da boa educação. Não obstante, a má
educação é constantemente mais bem-sucedida em tornar os filhos
maus. Ela nutre aquelas sementes de perversidade que brotam
quando os filhos crescem. Isso faz com que muitos se tornem
orgulhosos, ociosos, que satisfazem a própria carne, licenciosos,
cheios de luxúria, cobiçosos e tudo o que é mau. E ele [o filho criado
em tal condição] tem uma tarefa muito difícil que vem depois de
arrancar esses vícios, os quais uma educação ímpia enraizou tão
profundamente. Pais ímpios servem ao diabo de maneira tão eficaz
nas primeiras impressões que geram nas mentes de seus filhos,
que, como magistrados e ministros, são mais eficientes do que
todos os meios de reforma no que podem posteriormente fazer para
recuperá-los daquele pecado para Deus. Enquanto, se primeiro
comprometerdes os seus corações a Deus por meio de uma
educação piedosa, esta terá todas aquelas vantagens que o pecado
tem agora. “Instrui a criança no caminho em que deve andar, e até
quando envelhecer não se desviará dele” [Pv. 22:6]. A língua a qual
os ensinais a falar enquanto são crianças, eles a usarão depois, por
toda a vida, se viverem com aqueles que a usam. Assim é com as
opiniões que eles recebem primeiro. Os costumes e hábitos os
quais aprendem a princípio dificilmente mudam depois. Não tenho
receio em afirmar que uma educação piedosa é o meio primordial e
comum designado por Deus para produzir a fé genuína e outras
graças nos filhos dos crentes. Muitos podem ter graça fértil antes,
todavia, não podem ter fé genuína, arrependimento, amor ou
qualquer graça, antes que tenham a própria razão em ato de
exercício. E a pregação da palavra por ministros públicos não é o
meio comum primordial de graça, exceto para aqueles que não
tinham a graça até que ouvissem a tal pregação, isto é, para
aqueles em quem os primeiros meios designados foram
negligenciados ou provados em vão. Ou seja, este segundo meio
executa apenas aquilo que não foi feito pelo primeiro. A prova é
inegável, porque Deus designa que os pais ensinem diligentemente
seus filhos a doutrina de sua santa palavra antes que eles venham à
ministração pública. O ensino dos pais é o primeiro, e consiste na
mesma finalidade que o ensino público: produzir fé, amor e
santidade. Deus não aponta nenhum outro meio para ser usado por
nós, sobre o qual não possamos esperar sua bênção. Portanto, é
evidente que o meio comum designado para a primeira e a
verdadeira graça é a instrução e a educação piedosa dos pais para
com os seus filhos. A pregação pública é designada para a
conversão daqueles que perderam apenas a bênção do primeiro
meio designado. Logo, se negais uma educação piedosa a vossos
filhos, renegais-lhes o primeiro meio designado de sua verdadeira fé
e santificação; assim, o segundo meio se vê em desvantagem.

Motivo 5: Igualmente, considerai quantas e quão grandes são as


vossas vantagens acima de todos os demais para o benefício de
vossos filhos.

1. Nada se aprende tão bem quanto aquilo que é reconhecido


por provir do amor. Quanto mais o amor for identificado em vossas
instruções, maior sucesso podeis esperar. Assim, vossos filhos são
mais confiantes no amor dos pais do que de qualquer outro; se
ministros ou estranhos falam com eles em amor ou não, eles não
sabem, mas do amor de seus pais eles não têm dúvidas.

2. E o amor deles para convosco é um grande preparativo para o


vosso sucesso. Todos nós ouvimos aqueles a quem ternamente
amamos com maior atenção e disposição do que fazemos para com
os outros. Os filhos não amam o ministro da mesma forma como
amam seus pais.

3. Vós os tendes convosco, com frequência, antes que eles


tenham recebido quaisquer opiniões falsas ou más impressões;
antes que tenham qualquer pecado, exceto aquele com o qual eles
nasceram. Sois aqueles que devem causar as primeiras impressões
sobre eles. Vós os tendes enquanto são mais ensináveis, mais
flexíveis e mais carinhosos, e resistem menos à vossa instrução. A
princípio, eles não se levantam contra o vosso ensino com
presunção e objeções orgulhosas. Todavia, quando chegam diante
do ministro, são como papel já escrito ou impresso, incapazes de
receber outra impressão. Eles têm muito o que desaprender, antes
que possam ser ensinados e vêm com orgulhosa e forte resistência,
para lutar contra a instrução, em vez de prontamente recebê-la.

4. Vossos filhos dependem inteiramente de vós para o seu


sustento presente e em muito para a sua futura subsistência.
Portanto, eles sabem que é do interesse deles vos obedecer e
agradar. Tal como o interesse pessoal é o viés comum do mundo,
assim é com os vossos filhos; podeis mais facilmente governá-los,
pois eles têm esse suporte para que possais segurá-los mais do que
qualquer outro que não tenha essa vantagem o possa fazer. Eles
sabem que não é para nada que eles vos servem.

5. Vossa autoridade sobre os filhos é inquestionável. Eles


contestarão a autoridade dos ministros e a dos magistrados, e
perguntarão a eles quem lhes deu o poder de ensiná-los e de
governá-los. No entanto, a autoridade dos pais está acima de
qualquer discussão. Eles não vos chamarão tiranos ou usurpadores,
nem vos exigirão prova da validade de vossa ordenação ou da
continuidade de vossa sucessão. Portanto, pai e mãe são
mencionados no quinto mandamento como o primeiro poder natural,
em vez de reis ou rainhas.

6. Vós tendes o poder da vara para forçá-los. “A insensatez está


ligada ao coração de uma criança, mas a vara da correção a
afastará dela” [Pv. 22:15]. E vossa correção será melhor entendida
como proveniente do amor do que a do magistrado ou qualquer
outra.

7. Vós tendes melhor oportunidade de conhecer tanto as


doenças quanto a temperatura de vossos filhos, o que é uma grande
vantagem para a escolha e aplicação do melhor remédio.

8. Vós tendes a oportunidade de vigiá-los e discernir todas as


suas falhas a tempo, mas, se um ministro vem falar com eles, ele
não saberá tão bem a qual erro repreender, senão aquele que os
outros lhe dizem, ou o que a criança confessa. Também podeis
discernir qual o sucesso que suas exortações anteriores tiveram e
se eles se corrigiram ou se ainda continuam em pecado, e se deveis
recorrer a remédios mais severos.

9. Vós tendes a oportunidade de falar com eles da maneira mais


familiar, que é mais compreendida do que o sermão de um ministro
no púlpito, que poucos deles recordam ou entendem. Podeis
despertar a atenção deles com perguntas que os levem a vos
responder e, assim, despertá-los para uma consideração séria do
que dizeis.

10. Estais tão frequentemente com eles, que podeis repetir as


vossas instruções e levá-los para casa, assim, o que não é feito em
uma determinada vez pode ser feito em outra; ao passo que outros
homens raramente falam com eles, e o que é tão raramente dito é
facilmente negligenciado ou esquecido.

11. Tendes poder para colocá-los sob a melhor condição possível


e para remover muitos impedimentos dos seus caminhos, que
frustram os esforços de outros homens.

12. O vosso exemplo está diante deles e constantemente à sua


vista, sendo um contínuo e poderoso sermão. Por todas essas
vantagens, Deus vos permitiu, acima de todos os outros, que fôsseis
instrumentos para o bem dos vossos filhos e os primeiros e maiores
promotores de sua salvação.
Motivo 6: Considerai o quão reconfortante seria para vós que os
vossos filhos, tal como podeis confiantemente esperar, fossem feitos
filhos de Deus, sendo trazidos a conhecê-lo, a amá-lo e a servi-lo,
através de vossos próprios esforços em uma educação piedosa
para eles.

1. Deveis amar os vossos filhos considerando-os, acima de tudo,


como filhos de Deus, antes mesmo de considerá-los vossos,
adornados à imagem de Deus e despertados a uma vida celestial
divina. Isso vos remete a amá-los com um tipo de amor mais
sublime do que o mero afeto natural. Muito vos alegraria ver os
vossos filhos avançarem e serem reis ou príncipes; oh, quão maior
motivo de alegria é vê-los sendo feitos membros de Cristo,
vivificados pelo seu Espírito e selados para a vida eterna!

2. Uma vez que os vossos filhos sejam feitos filhos de Deus, pela
regeneração do Espírito, vós estareis muito mais livres dos cuidados
e dos problemas deles do que antes. Agora podeis corajosamente
confiá-los aos cuidados do Pai celestial, que é capaz de fazer muito
mais por eles do que sois capazes de desejar. Ele os ama muito
mais do que vós mesmos. Ele é sujeito, por sua própria promessa, a
protegê-los, a prover-lhes e a garantir que todas as coisas
cooperem para o seu bem. Aquele que veste os lírios dos campos e
não permite que os jovens leões ou corvos sejam desprovidos
proverá alimento necessário para os seus próprios filhos (embora
Ele queira que também façais vosso dever por eles, pois são os
vossos filhos). Enquanto eles forem filhos de Satanás e servos do
pecado, vós tendes motivos para temer, não apenas com receio de
que sejam expostos a misérias neste mundo, porém, muito mais
para que não sejam arrebatados em seus pecados para o inferno.
Vossos filhos, enquanto forem ímpios, são piores do que lobos e
tigres. Não obstante, quando renovados pelo Espírito de Cristo,
estão sob a responsabilidade da santíssima Trindade e, abaixo de
Deus, sob a responsabilidade dos anjos; vivos ou mortos, eles estão
seguros, pois o Eterno Deus é a sua porção e defesa.
3. Deve ser um contínuo consolo ao pensardes em tamanha
escravidão e calamidades das quais o vosso filho está liberto. Ao
pensardes em quantos juramentos ele teria prestado, quantas
mentiras e maldições ele teria proferido, no quão bestial e carnal
seria a vida que teria vivido, quantas transgressões ele teria
cometido contra Deus e contra os homens, no quanto ele teria
agradado ao diabo, em quais tormentos no inferno ele deveria
suportar como recompensa de tudo isso; e então, pensar em quão
misericordiosamente Deus impediu que tudo isso acontecesse e em
como ele pode servir a Deus no mundo e, finalmente, viver com
Cristo na glória. Que tamanha alegria é essa para um pai consciente
e crente que toma as misericórdias de seus filhos como suas
próprias!

4. A religião ensinará os vossos filhos a serem obedientes, mais


do que a natureza os pode ensinar. Isso os ensinará a vos amar,
mesmo quando não tiverdes mais o que lhes dar, tão bem como se
tivésseis a riqueza de todo o mundo. Isso os ensinará a vos honrar,
ainda que sejais pobres e desprezíveis aos olhos dos outros. Isso os
ensinará a vos obedecer e, se cairdes em pobreza, a vos auxiliar
conforme suas forças. Caberá a eles vos confortar no tempo de
vossa aflição e dificuldade; enquanto filhos ímpios serão como
espinhos em vossos pés ou nos vossos olhos e partirão os vossos
corações, fazendo com que proveis uma dor maior do que qualquer
inimigo possa causar. Um filho cheio da graça suportará as
fraquezas, enquanto um filho inexperiente não cobrirá a nudez de
seu pai. Um filho cheio da graça pode orar por vós, orar convosco e
ser uma bênção para a vossa casa, enquanto um filho ímpio é mais
capaz de amaldiçoar e de provar-se uma maldição àqueles com
quem vive.

5. E não é uma profunda alegria pensar na felicidade eterna de


vosso filho e que podereis viver juntos no paraíso para sempre? No
entanto, a miséria prevista de um filho desprovido da graça vos
pode entristecer sempre que o olhardes nos olhos.
6. Por fim, será um grande acréscimo à vossa alegria pensar que
Deus abençoou as vossas diligentes instruções e os fez instrumento
de todo aquele bem que é feito em favor e por vossos filhos, e por
toda a felicidade que eles têm para sempre. Pensar que isso lhes foi
estendido por intermédio de vós vos trará a uma maior participação
nas delícias desta alegria.

Motivo 7: Lembrai-vos de que a miséria e o pecado original de


vossos filhos são por vossa responsabilidade; portanto, em justiça,
vós que os perdestes — sois obrigados a fazer o melhor para os
salvar. Se tivésseis transmitido hanseníase [lepra], ou alguma
doença hereditária ao corpo deles, não faríeis o possível para curá-
los? Oh, sim, poderíeis fazê-lo, mas tanto quanto os machucais! É
mais como o pecado de Adão que passa pela natureza de vossos
filhos e, de fato, traz julgamentos sobre eles; e até o pecado de
Adão não vem direto a eles, contudo, é-lhes transmitido por vós.

Motivo 8: Por fim, considerai o quão grande é a necessidade


que eles têm da mais elevada ajuda que vós podeis conceder-lhes.
Não é uma doença física, um simples inimigo, uma miséria tolerável
que vos chamam em favor da ajuda deles; antes, é contra o pecado,
contra Satanás e contra o fogo do inferno! É contra o corpo de
pecado; não um, mas muitos; não insignificante, mas pernicioso,
tendo tomado o coração; pecados com raízes profundas, que não
são facilmente arrancados. Todo o ensino, diligência e vigilância que
podeis usar são minimamente insuficientes, provando-se ainda
muito poucos. Eles [os filhos] têm vícios obstinados que os
possuem, os quais não são rápido e facilmente eliminados, e as
raízes remanescentes tendem a continuar brotando, quando
pensastes que elas foram completamente destruídas. Oh, então,
qual sabedoria e diligência são necessárias para uma obra tão
grande e necessária?!

E, agora, permiti-me falar seriamente aos corações daqueles


pais descuidados e ímpios, que negligenciam a santa educação de
seus filhos. E para aqueles professores da piedade, que fazem
imprudentemente tão grande obra, com alguns deveres e palavras
formais tão corriqueiros, que mais se parecem com a omissão total
de tal obra de piedade. Oh, não sejais tão inclementes para com as
almas que ajudastes a trazer ao mundo! Não penseis neles de modo
tão vil, como se não valessem o vosso trabalho. Não façais com os
vossos filhos assim como com os animais, provendo apenas para a
sua carne. Lembrai-vos que não são animais, mas homens, que
gerastes e criastes. Educai-os e, então, usai-os como homens para
o amor e a obediência do seu Criador. Oh, tende piedade e ajudai
as almas que corrompestes e arruinastes! Tende misericórdia das
almas que devem perecer no inferno, se não forem salvas no dia da
salvação! Oh, ajudai aqueles que têm tantos inimigos para os
atacar! Ajudai aqueles que têm tantas tentações para enfrentar,
tantas dificuldades para superar e um julgamento tão severo para se
submeter! Ajudai aqueles que são tão fracos e tão facilmente
enganados e derrotados! Ajudai-os enquanto ainda tendes
vantagens, antes que o pecado os tenha endurecido, a graça os
tenha abandonado, e Satanás coloque uma guarnição mais forte em
seus corações. Ajudai-os enquanto são ensináveis, antes que eles
cresçam e desprezem a vossa ajuda; antes que sejais separados
deles e divididos à parte, e as vossas oportunidades se esgotem.
Não pensais que os vossos esforços, de ano para ano, são tantos
que não serão maiores a favor da provisão dos corpos de vossos
filhos. Oh, não sejais cruéis com as suas almas! Não os vendais
para Satanás, e ainda por nada! Não os traiais devido a vossa
negligência impiedosa do inferno. Ou, se algum deles vier a perecer,
que não seja por vossa causa, pois sois sujeitos ao bem deles. A
destruição das almas dos vossos filhos é uma obra muito mais
cabível a Satanás do que aos próprios pais. Lembrai-vos de como é
confortável trabalhar com Cristo para a salvação de almas. Vós
pensais que o chamado dos ministros é honroso e feliz, e de fato o
é, pois eles servem a Cristo em tão sublime obra. Todavia, se não
negligenciardes tal obra, podeis fazer por vossos filhos mais do que
qualquer ministro possa fazer. O lar é o vosso local de pregação,
onde Deus vos chama a exercer as vossas habilidades na santa
instrução de vossas famílias. Vossa responsabilidade é pequena em
comparação à do ministro — ele tem algumas centenas de almas
espalhadas por toda a igreja para cuidar. Acaso, pensaríeis que é
muito instruir e cuidar daqueles poucos que estão em vossa
responsabilidade e que vivem sob o vosso teto? Podeis falar
odiosamente de ministros infiéis e traidores das almas, no entanto,
não considerais o quão odioso é um pai que trai a alma do próprio
filho? Se Deus vos confiou senão talentos terrenos, sede diligentes
em como os usais, pois sereis cobrados por tal confiança. Acaso,
quando Ele vos confiou almas, ainda que as almas de vossos filhos,
vós as traireis? Se algum governante, por alguma lei, vos proibir da
instrução e do bom governo das vossas famílias — assim como
impediram a Daniel de orar em sua própria casa (Dn 6) —, então
vós os consideraríeis monstros de impiedade e desumanidade e,
assim, protestaríeis contra essa perseguição satânica, que tornaria
os homens traidores da alma de seus próprios filhos e destruiria
toda religião da terra. E, ainda assim, quão facilmente podeis
negligenciar tais deveres quando ninguém vos proíbe, e ainda,
jamais acusais a vós mesmos de tal horrível impiedade ou
desumanidade? Que hipocrisia e parcialidade cega é essa! Seria um
pecado tão hediondo em outra pessoa por vos restringir? E não é
tão hediondo assim para vós mesmos, que sois muito mais
obrigados a tal tarefa, mas que, voluntariamente, vós mesmos vos
restringis? Então, não negueis essa diligência indispensável a
vossos filhos necessitados, pois amais as suas almas, assim como
amais a felicidade da igreja ou da nação, assim como amais a honra
e o interesse de Cristo e como amais vossa presente e eterna paz.
Não considerais os vossos filhos como escravos de Satanás aqui e
participantes do inferno para sempre, se alguma diligência da vossa
parte puder contribuir para evitar isso. Não deis à vossa própria
consciência a razão de vos acusar contra vós mesmos, assim
dizendo: Tudo isso foi muito para vós! Se os tivésseis instruído
diligentemente, e cuidado mais deles, os corrigido e feito a vossa
parte, seria mais provável que eles nunca tivessem chegado a esse
ponto. Vós lavrais os vossos campos; removeis as ervas daninhas
dos vossos jardins; o quanto vos esforçais por vossas terras e gado!
Acaso, não vos esforçareis ainda mais pelas almas dos vossos
filhos? Lamentavelmente, que criaturas elas se tornarão se as
deixardes por sua própria conta! Quão ignorantes, descuidados,
brutos e bestiais serão! Oh, que situação lamentável os pais ímpios
trouxeram ao mundo! A ignorância e o egoísmo, a sensualidade
bestial e a malignidade diabólica cobriram a face da terra como um
dilúvio e afastaram a sabedoria, a abnegação, a piedade, a
caridade, a justiça e a temperança do mundo quase por completo.
Confinando estas coisas ao seio de apenas algumas almas
humildes e anônimas, que amam a virtude por causa da própria
virtude, e buscam sua recompensa somente da parte de Deus, e
esperam que, abstendo-se da iniquidade, transformem-se em presa
dos lobos (Is 59:15). A educação perversa desmoralizou o mundo e
o subjugou a Satanás, tornando-o quase como o inferno. Oh, não
vos ajunteis ao diabo nesta perversidade antinatural e horrível!
Orientações aos Novos Cristãos
Sobre a Novidade da Piedade

Tomai cuidado para que não considereis a novidade ou a


reputação da verdade e piedade mais do que a evidência sólida de
sua excelência e necessidade; para que, quando a novidade e a
reputação se forem, vossa religião não murche nem se consuma.

Cristo fala sobre João Batista e os judeus: “Ele era a candeia


que ardia e alumiava; e vós quisestes alegrar-vos por um pouco de
tempo com a sua luz” (Jo 5:35). Todos os homens são mais tocados
por coisas que parecem novas e estranhas. Não é fragilidade
apenas das crianças, que se aprazem com novas roupas,
brinquedos e jogos; mas, mesmo para pessoas mais sábias e
graves, as coisas novas são mais tocantes, e a repetição e o
costume entorpecem a alegria. Nossas habitações, posses e honras
são-nos mais prazerosas no primeiro momento, e toda condição de
vida toca-nos mais no início. Se a natureza não precisasse de
novidade, a publicação dos jornais não seria um negócio tão
lucrativo por tanto tempo, a não ser que as matérias fossem mais
verdadeiras e mais desejáveis. […] Não vos admireis, pois, se a
religião for mais aceitável quando vier com essa vantagem. Quando
os homens ouvem a doutrina da piedade e as informações de um
outro mundo pela primeira vez, por um poderoso pregador […], não
é de se admirar que as coisas de um momento tão grandioso
toquem-nos por um tempo. Fala-se daqueles que receberam a
palavra de Deus como que em terreno pedregoso, “e imediatamente
elas brotaram”, e eles “logo a receberam com alegria” (Mt 13:5,20);
mas logo murcharam, porque lhes faltava a raiz. Esses tipos de
ouvintes não podem continuar-se satisfazendo em um pregador,
profissão ou costume mais do que um glutão em um prato, ou um
adúltero em uma prostituta: pois esse é apenas um tipo de prazer
natural ou sensual que eles têm nas verdades mais elevadas, e
cada um dos prazeres devem ser alimentados com novidade e
variedade de assuntos. Os atenienses foram ávidos atrás da
doutrina de Paulo como uma novidade, embora a tenham rejeitado
depois, pois não lhes parecia crível. “Nós poderíamos saber que
nova doutrina é esta da qual tu estás falando? Porque nos trazes
certas coisas estranhas aos nossos ouvidos; nós queríamos, pois,
saber o significado dessas coisas. (Pois todos os atenienses e
estrangeiros residentes de nenhuma outra coisa se ocupavam
senão de dizer e ouvir alguma novidade.) (At 17:19-21).”

A esse tipo de adepto[2], as maiores verdades ficam fora de


moda, e eles se cansam delas como que de algo maçante e
ordinário; eles precisam ter uma nova luz, uma nova forma de
religião que mais recentemente veio à moda. Suas almas estão
cansadas daquele maná que a princípio era aceitável como comida
dos anjos. Para eles, coisas velhas parecem inferiores e as coisas
novas, superiores, e ter alguma novidade na religião é crescer em
maturidade. Muitos deles, no fim, despojaram-se tanto de seus
velhos trajes, de modo que o velho Cristo e o velho evangelho foram
abandonados.

A luz do evangelho é comunicada mais rapidamente do que o


calor. Sua primeira parte, sendo mais aceitável a eles, é
rapidamente recebida, e a religião parece-lhes melhor a princípio.
Primeiro eles têm apenas a luz do conhecimento, depois o calor de
uma nova e próspera profissão. Deve haver algum tempo para a
ação do calor, antes de ele começar a queimá-los. Então, eles já
têm o suficiente e desfazem-se do conhecimento tão rápido quanto
eles aprenderam. Se os pregadores apenas trouxessem luz e não
atirassem raios, até mesmo um próprio Herodes os ouviria de bom
grado e faria muitas coisas. Mas, quando suas Herodias se
intrometem, eles não conseguem suportá-los[3]. Se os pregadores
falassem apenas com as fantasias ou entendimentos dos homens e
não se intrometessem tão pungentemente em seus corações, vidas
e interesses carnais, o mundo os suportaria e escutaria, como
escuta aos atores ou, pelo menos, às palestras de filosofia ou
medicina. Um sermão que não tem mais que algumas noções gerais
capengas, enfeitadas com um uso elegante de palavras[4],
raramente obtém ofensa e perseguição. É raro que as pregações de
tais homens sejam desprezadas por ouvintes carnais ou que as
suas pessoas sejam odiadas. “Certamente suave é a luz, e
agradável é aos olhos ver o sol” (Ec 11:7); mas não ser queimado
pelo seu calor. O próprio Cristo, como prometido, foi muito desejado
pelos judeus. Mas, quando Ele veio, eles não conseguiram suportá-
lo. Sua doutrina e vida era muito contrária às suas expectativas.
“Senhor, a quem vós buscais, virá de repente ao seu templo; até o
mensageiro do pacto, em quem vos deleitais; eis que ele virá, diz o
SENHOR dos Exércitos. Mas quem poderá permanecer no dia da
sua vinda? E quem ficará de pé quando Ele aparecer? Porque Ele é
como o fogo do refinador e como o sabão dos lavandeiros” (Ml 3:1-
2). Muitos, quando vêm inicialmente a Cristo (por profissão),
pensam muito pouco que Ele os lançaria ao fogo, refiná-los-ia,
purgaria suas impurezas e os colocaria de novo no modelo do
evangelho[5]. Muitos querem divertir-se um pouco pela luz, de modo
que não aguentarão ser derretidos pelo fogo. Uma vez que o
pregador faz isso, ele é severo, intolerável e perde a glória que
havia ganhado antes. E a prazerosa novidade da religião acaba. O
evangelho é enviado para fazer tal obra na vida e alma, que essas
pessoas delicadas não aguentariam. Ele deve cativar todo
pensamento a Cristo e matar toda concupiscência e prazer que é
contra a sua vontade, colocando uma nova e celeste vida na alma.
Deve possuir os homens com apreensões profundas e vívidas das
grandes coisas da eternidade. Não são opiniões maçantes e
oscilantes que criarão e carregarão na alma uma ação tão vigorosa,
constante e vitoriosa, como é necessário à salvação. Quando o
evangelho vem ao coração e faz essa grande e dominante ação,
então esses homens ficam impacientes com a busca e o incômodo
causado, e logo o abandonam. Eles são como crianças, que amam
o livro por sua decoração e elegância, tomando-o para si o mais
rápido possível, mas para brincar com ele, não para aprender.
Quando fazem isso, logo se cansam. A princípio, muitos vêm a
Cristo maravilhados e querem ser seus servos, por ser algo que
parece bom; até eles ouvirem que o Filho do homem não tem nem
mesmo o conforto dos pássaros ou raposas[6], e que sua doutrina e
seu caminho são inimigos de seus interesses mundanos e carnais, e
então eles vão embora. Inicialmente, receberam Cristo cheios de
regozijo, pensando que Ele os agradaria ou não os contradiria
muito. Mas, quando descobriram que recebiam um convidado que
os governaria e não seria governado por eles, que não os faria ter
prazer nem aproveitar suas riquezas, mas os manteria numa vida
que eles não aguentariam e até mesmo os desmoralizaria no
mundo, então Ele não é mais bem-vindo. Enquanto, se Cristo fosse
recebido como Cristo, e a verdade e a piedade deliberadamente
fossem acolhidas por sua distinta excelência e necessidade, as
raízes profundas haveriam de prevenir essa apostasia e curar tal
hipocrisia.

Mas ai! Os pobres ministros descobrem, pela triste experiência,


que nem todos os santos se reúnem para ouvi-los. Nem “se alegram
por um pouco de tempo com a sua luz”[7], para exaltá-los e tomar
parte deles. O florescer tem sua beleza e doçura. Mas nem tudo que
floresce ou aparece no botão se tornará um perfeito fruto: alguns
serão danificados, e alguns levados pelo vento. Alguns serão
levados com a neve, outros comidos pelos bichos. Alguns caem
rapidamente, e outros aguentam até que as rajadas mais fortes os
derrubem. Uns são enganados e intoxicados pelos falsos mestres
ou por preocupações mundanas e a sedução das riquezas, tornam-
se infrutíferos e desviam-se. As concupiscências de alguns têm
mais raízes do que a palavra. Os amigos de alguns são mais
interessantes do que Cristo e, portanto, eles o abandonam para
satisfazer suas demandas. Alguns são corrompidos pelas
esperanças de nomeações ou favores de homens. Alguns, com
medo de Cristo pelas ameaças e desaprovações desses homens,
preferem o risco da condenação para escapar da perseguição.
Alguns são tão sábios mundanamente que conseguem ver razão em
deixar o zelo e ao mesmo tempo poder salvar suas almas e corpos.
Também atestam ser seu dever o que outro homem chama de
pecado (se, no fim, tão somente responder suas expectativas).
Alguns ficarão cansados da verdade e do dever, como que de uma
coisa maçante e repetitiva, sendo supridos por aquela variedade a
qual deve perdurar os deleites da novidade.

No entanto, não confundais o que eu disse, como se todas as


afeições promovidas pela novidade e mitigadas pela repetição e uso
fossem um sinal de que a pessoa é só uma hipócrita. Eu sei que há
algo na natureza do homem, no melhor, algo que resta, que nos
dispõe a ser mais passionalmente afetados com as coisas quando
elas nos parecem novas e são apreendidas pela primeira vez, do
que quando elas ficam velhas e as temos conhecido ou usado por
muito tempo. Acredito que não há um homem entre mil que se
alegrou mais na luz da verdade quando a ouviu pela primeira vez do
que quando já estava familiarizado com tal verdade. Ou não seja
muito mais afetado por um poderoso ministro, a princípio, do que
depois de se sentar por muito tempo diante dele. O mesmo sermão
que até os comoveu na primeira audiência os tocaria menos se eles
o ouvissem uma centena de vezes. Os mesmos livros que nos
tocam grandemente na primeira ou segunda lida nos tocarão menos
quando os lermos mais de vinte vezes. As mesmas palavras de
oração que nos tocam muito quando são usadas com pouca
frequência movem menos nossas afeições quando são usadas ao
longo de todo o ano. No início de nossa conversão, nós temos um
mais apaixonado pesar pelos nossos pecados e um amor à piedade
maior do que conseguimos manter posteriormente. E tudo isso é o
caso do instruído ou do não-instruído, do são ou do doente, embora
nem todos sejam da mesma forma. Mesmo o próprio paraíso é
afirmado por Cristo como se participasse disso, quando Ele diz que
“haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do
que por noventa e nove pessoas justas que não necessitam de
arrependimento” (Lc 15:7,10). E eu sei que é dever dos ministros
perceber essa disposição em seus ouvintes e não os entediar dando
a mesma coisa, mas servi-los com uma variedade aprazível e
proveitosa. Não pregando a eles um outro Cristo ou um novo
evangelho; é o mesmo Deus, Cristo, Espírito e Escritura, e o mesmo
paraíso, igreja, fé, esperança, arrependimento e obediência que
pregaremos a eles por toda a nossa vida. Embora eles digam que
ouviram isso uma centena de vezes, vamos fazer com que
continuem ouvindo, e não lhes trazendo uma nova crença. Se
escutam tão frequentemente sobre Deus, Cristo e o paraíso, até
pela fé, amor e fruição eles os alcançam como seu objetivo que eles
acataram. Mas, ainda assim, há uma grande variedade de
informações subordinadas, de palavras, métodos e aplicações
oportunas necessárias à alta performance de nossos ministros e ao
benefício dos rebanhos, conquanto use o médico a mesma
farmácia, dispensário, fármacos e forma de administrar.

Mas, apesar de tudo isso, embora os melhores sejam mais


tocados com coisas que lhes parecem novas e sejam entediados
pelo longo e frequente uso das mesmas expressões, ainda assim
eles não se cansam da substância de sua religião, também não
desejam uma mudança. E embora eles não sejam tão
apaixonadamente tocados com os mesmos sermões e livros, ou
com os pensamentos ou menções dos mesmos assuntos
substanciais da religião, como eram a princípio; todavia, abraçam
seus julgamentos e estimam-nos com mais solidez, como que
decididamente aderindo às suas vontades e praticando-as melhor
do que antes em suas vidas. Enquanto isso, aqueles que tomam
sua religião apenas pela novidade acabarão por largá-la quando
esta cessar de ser-lhes nova, e mudarão para uma mais nova ou
não terão nenhuma.

E como são insensatos aqueles que são religiosos apenas por


causa de sua educação, de seus amigos ou das leis ou julgamentos
de seus governantes, ou pelo costume do país, visando à sua
reputação: desde o início eles são hipócritas e, portanto, não podem
ser salvos por continuar em uma religiosidade tão carnal como essa.
Eu reconheço que a lei, o costume, a educação e os amigos,
quando estão acompanhados da piedade, são uma grande
vantagem, oferecendo ajuda e tirando aqueles impedimentos que
podem impregnar-se nas mentes carnais. Mas a verdade não é
nossa até que ela seja recebida por sua própria evidência, nem
vossa fé divina até acreditardes no que acreditais, porque Deus é a
verdade que a revela. Nem sois vós filhos de Deus até amá-lo por
vós mesmos. Nem sois vós verdadeiramente religiosos, até que a
verdade e bondade da própria religião seja a principal coisa que vos
torna religiosos. Isso ajuda muito a descobrir a sinceridade do
homem, quando ele não é apenas um religioso entre religiosos, mas
também entre o profano e os inimigos, os escarnecedores e
perseguidores da religião. E quando um homem não ora apenas em
família, mas entre os que não oram e que ridicularizam o que ora
constante e fervorosamente. Quando um homem é celeste entre os
terrenos e temperado entre os intemperados e os rebeldes. Quando
sustenta a verdade entre aqueles que a reprovam e que sustentam
o contrário. Quando um homem não é levado apenas por uma
corrente de companhia ou vantagens externas à sua religião, nem
evita o pecado por não ter tentação, mas é religioso mesmo que
contra a corrente, e inocente quando lançado (de má vontade) sobre
as tentações. Piedoso quando a piedade é considerada bizarra,
hipocrisia, facção, cômica, desobediência ou heresia, e prefere
perder a reputação de honesto à honestidade em si mesma.
Confira também outras obras da Editora Caridade Puritana

[1] Retirado de “Um Diretório Cristão” nas Obras Práticas de


Richard Baxter, vol. 4, Soli Deo Gloria, uma divisão da Reformation
Heritage Books, www.heritagebooks.org
[2] N. do T.: Ing. professor, derivado de profissão. Aquele que
professa algo.
[3] N. do T.: Mc 6:17-28.
[4]
N. do T.: “...general toothless notions in a handsome dress of
words”.
[5] Cf. Rm 6:17.
[6] N. do T.: Mt 8:20.
[7] Cf. Jo 5:35.

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