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Copyright 2017 by Tim Challies

Published by Cruciform Press.


Translated and printed by permission. All rights reserved.
Publicado originalmente em inglês sob o título: The Commandment We Forgot
1a edição 2019
ISBN: 978-85-85034-26-9

Tradução: Ulisses Teles Revisão da Tradução: Cesare Turazzi Capa e Diagramação: Haas Comunicação
(Tiago Dias) Versão Ebook: Livro em Pixel

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Editora Trinitas LTDA São Paulo, SP


www.editoratrinitas.com.br
Sumário INTRODUÇÃO
Capítulo 1 - Promessas de Bênçãos, Ameaças de Julgamento

Capítulo 2 - Obediência Momentânea, Honra Eterna

Capítulo 3 - A Honra de um é a Vergonha de Outro

Capítulo 4 - Maneiras Práticas de Honrar os Pais

Capítulo 5 - O Problema Traiçoeiro do Dinheiro

Capítulo 6 - Quando Honrar é Difícil

Capítulo 7 - Pais Dignos de Honra


INTRODUÇÃO

Uma Posição de Especial Honra


Este é um mandamento de Deus. Este é um mandamento com promessa,
conectado às bênçãos divinas. É um mandamento colocado em especial lugar de
honra e significância. É um mandamento que se relaciona à vida por inteiro de
cada ser humano. É um mandamento para seguir em casa, na igreja, no trabalho,
fornecendo um alicerce sólido para toda a sociedade. No entanto, é um
mandamento completamente negligenciado. Não é exagero chamá-lo de “o
mandamento esquecido”. É o quinto mandamento dos Dez Mandamentos de
Deus para a humanidade: “Honra a teu pai e a tua mãe”.
O propósito deste pequeno livro é explorar como podemos honrar o quinto
mandamento e cumprir suas obrigações. Em particular, devemos entender como
podemos fazê-lo mesmo sendo adultos. Claro, o mandamento se aplica às
crianças, mas ele cessa quando saímos de casa quando casamos? Ele acaba
quando nossos pais morrem? Esse mesmo mandamento tem alguma relevância
para aqueles cujos pais se mostram indignos de respeito pelo abandono ou
abuso? Então há as questões práticas e urgentes que devemos enfrentar: Quais
são minhas obrigações para com os meus pais? Preciso apoiá-los
financeiramente? Ainda devo obedecer aos meus pais, embora eu já seja adulto?
Essas são algumas das perguntas que carecem de respostas, isso se desejamos
honrar a Deus, honrando seu mandamento.
Devo dizer que tive muita esperança para este livreto quando comecei a
pesquisar e escrevê-lo. Gosto de pensar que atingi o objetivo. Meu desejo era
que ele fosse bíblico, dependendo da Bíblia como fonte última da verdade e
como a única autoridade que requer obediência e atinge a consciência. Queria
que fosse prático, respondendo a perguntas reais de maneiras reais para a vida
real. Desejava que fosse multicultural, aplicando-se aos leitores de contextos
diferentes mundo afora. Queria que fosse convincente, para impactar e, talvez,
até mesmo transformar a maneira como vivemos. Isso é verdade, quer sejamos
jovens, quer sejamos velhos; quer sejamos pais, quer sejamos filhos; não
importando se somos independentes ou se vivemos sob o teto deles ou, ainda, se
eles é que vivem sob o nosso teto.
Nosso versículo-chave será Deuteronômio 5.16: “Honra a teu pai e a tua
mãe, como o Senhor, teu Deus, te ordenou, para que se prolonguem os teus dias
e para que te vá bem na terra que o Senhor, teu Deus, te dá”. Esse versículo nos
levará para outros lugares do Antigo Testamento: Êxodo, que mostra as terríveis
consequências de desobedecer ao mandamento de Deus, e Provérbios, que fala
sobre as promessas de Deus de abençoar aqueles que levam sua lei a sério. E é
claro, chegaremos ao Novo Testamento, vendo como Jesus modelou e ensinou a
maneira de honrar os pais, e aprender de Paulo como mandamentos dados desde
os tempos antigos se aplicam aos cristãos contemporâneos.
Espero que você me acompanhe para, juntos, descobrirmos o mandamento
que esquecemos.
Três Motivos para Obedecer a Este Mandamento e Conhecê-lo De imediato,
precisamos entender por qual razão é crucial que conheçamos o quinto
mandamento e lhe prestemos obediência. Aqui estão três motivos.
Todos nós somos filhos. Eis o mais básico da biologia. Todo ser humano é
descendência de outros dois seres humanos. Alguns de nós sempre conheceram e
respeitaram ambos os pais. Alguns conheceram apenas um dos pais biológicos.
Alguns cresceram com pais adotivos, e alguns foram criados pela assistência
social. Alguns de nós vivem mais que os pais. Seja como for, o quinto
mandamento se aplica a cada um de nós por uma razão muito simples: nós todos
somos filhos. Não existe ser humano fora dessa extensão, porque não existe uma
pessoa sem pais biológicos.
Também sabemos que os mandamentos de Deus devem ser tomados tanto no
sentido primário como por princípios mais amplos. As cláusulas do mandamento
ultrapassam o simples relacionamento dos filhos para com seus pais,
estendendo-se para outras posições de autoridade instituídas por Deus. A correta
ordenação do governo familiar, do governo da igreja e do governo civil depende
deste mandamento. Sendo assim, em certo sentido, ele é universal. Somos todos
filhos, estamos todos sob autoridade, portanto, todos nós precisamos ouvir o
quinto mandamento e a ele dar ouvidos.
Este mandamento acompanha uma promessa. A segunda razão é que este
mandamento acompanha uma promessa. É coisa boa e sábia obedecer ao
mandamento, de modo a ser possível apreciar as bênçãos prometidas. Por outro
lado, é tolice e perigoso desobedecer ao mandamento e privar-se das bênçãos
prometidas. Quando Paulo escreve aos filhos em Éfeso, ele recorda a promessa
de Deus para a obediência: “Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor, pois isto é
justo. Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro mandamento com
promessa), para que te vá bem, e sejas de longa vida sobre a terra” (Ef 6.1–3).
Deus promete uma vida longa e uma boa vida àqueles que obedecem a este
mandamento. É agradável a Deus quando obedecemos, então naturalmente Ele
nos concede suas bênçãos (Cl 3.20). Exploraremos a natureza delas em breve.
Deus dá a este mandamento um lugar de especial honra. Os crentes têm
dividido os Dez Mandamentos em dois grupos, ou duas tábuas. O primeiro grupo
explica nosso dever para com Deus e o segundo explica nosso dever para com os
homens. Este mandamento cai entre os dois, lembrando-nos assim de que nossos
pais têm um papel singular em nossa vida. Eles nos são representantes de Deus,
tendo em vista que, quando honramos nossos pais, honramos e obedecemos a
Deus. Não podemos dizer que obedecemos e amamos a Deus se não obedecemos
e amamos nossos pais. Se removemos este mandamento, minamos todos os
demais e caímos em séria e perigosa desobediência.
Todos nós somos filhos, devemos, portanto, buscar as bênçãos de Deus, e
precisamos dar proeminência ao mandamento de Deus que recebe proeminência.
Por esses motivos e muitos outros, não podemos mais ignorar o mandamento
esquecido.
Uma Palavra de Advertência Antes de concluir a introdução, gostaria de dar
uma palavra de advertência. Há algo profundo dentro de nós que escuta um
mandamento e imediatamente procura pela cláusula de exceção. Mas você não
conhece meus pais. . . Mas meus pais me abandonaram. . . Mas meus pais foram
abusivos. . . Lidaremos com exceções e veremos como a honra toma formas
diferentes em diferentes situações. Discutiremos o que fazer em casos de abuso
ou com pais especialmente contenciosos. Mas é preciso lidar com o princípio
antes de lidar com as exceções. Não desejo escusar ou minimizar experiências
horrendas. No entanto, antes que possamos fazer qualquer outra coisa,
precisamos entender e admitir isto: não existem condicionantes no quinto
mandamento. Devemos honrar nossos pais. Não há exceções.
Finalizando Deixe-me terminar com uma amostra do que está por vir conforme
progredimos neste livreto. Em nosso primeiro capítulo, exploraremos as
promessas que Deus faz das bênçãos e ameaças de julgamento ligadas ao quinto
mandamento. Em seguida, analisaremos a honra e a obediência como formas
básicas de cumprir o quinto mandamento. Depois, discutiremos o papel da
cultura em entender o mandamento e obedecer ao mandamento. Abordaremos
maneiras práticas pelas quais todos nós podemos honrar a Deus quando
honrando nossos pais. Lidaremos com casos difíceis, como negligência, abuso e
abandono — casos em que honrá-los é difícil ou a obediência seria pecaminosa.
E, finalmente, discutiremos o que significa ser um pai digno de honra.
CAPÍTULO 1

Promessas de Bênçãos, Ameaças de Julgamento

Enquanto preparava este pequeno livro, interagi com muitas pessoas carregando
sérias dúvidas e grandes preocupações quanto ao quinto mandamento. Descobri
que nos sentimos bem perante suas implicações para as crianças, mas ficamos
perplexos com suas implicações para aqueles na idade adulta. Como nós,
adultos, prestamos honra aos nossos pais? Quais são nossas contínuas
obrigações? E quanto aos pais que são difíceis, ausentes, abusivos ou até mesmo
estão mortos? Quais são as limitações deste mandamento?
Antes de chegarmos a respostas satisfatórias para todas essas perguntas,
precisamos entender a seriedade com que Deus transmite esse mandamento.
Neste capítulo, exploraremos os benefícios que Deus promete àqueles que lhe
obedecem. No entanto, isso significa que também precisamos dar uma boa
olhada nas tenebrosas consequências que Ele promete àqueles que desobedecem.
A respeito do relacionamento dos filhos com seus respectivos pais, a Bíblia
contém doces promessas de bênçãos, mas também terríveis ameaças de
julgamento.
Um Mandamento com Promessa
Os Dez Mandamentos têm um papel crucial em nosso mundo. Eles nos
ensinam a viver da forma como Deus quer que vivamos. O Deus que nos criou
revela como viver vidas plenas e satisfatórias. Esses mandamentos ensinam o
rebelde e o desordenado a como viver em submissão e ordem. O quinto
mandamento, então, fala a pessoas propensas à rebeldia contra autoridades —
isto é, todos nós — e conduz em direção a este bom plano: “Honra a teu pai e a
tua mãe, como o Senhor, teu Deus, te ordenou, para que se prolonguem os teus
dias e para que te vá bem na terra que o Senhor, teu Deus, te dá” (Dt 5.16).
Você notou que Deus insere bênçãos neste mandamento? Escrevendo séculos
depois, o apóstolo Paulo é cuidadoso em salientar: “Filhos, obedecei a vossos
pais no Senhor, pois isto é justo. Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro
mandamento com promessa), para que te vá bem, e sejas de longa vida sobre a
terra” (Ef 6.1–3). Junto dessas duas sentenças estão três motivos por que os
filhos devem honrar seus pais, assim como duas grandes promessas para aqueles
que o fazem.
Por que os filhos devem honrar seus pais?
• Primeiro, porque a natureza exige isso. Paulo diz que “isso é certo”. É
assim que Deus planejou a humanidade, para que filhos honrem seus pais.
Todos os seres humanos de todas as eras têm esse conhecimento e essa
expectativa.
• Segundo, porque a lei de Deus exige isso. Paulo cita o quinto mandamento
para mostrar que Deus exige honra como parte importante de sua vontade
revelada à humanidade.
• Terceiro, porque o Evangelho exige isso. Paulo diz aos filhos que
obedeçam seus pais “no Senhor”.
Aqueles que depositam fé no Senhor são chamados a segui-lo em tudo. O
Evangelho assegura ao filho que ele pode honrar seus pais com alegria, e o
Evangelho lhe dá a motivação para o fazer.
O que acontece com aquele que ouve a natureza, a lei e o Evangelho, tendo
por objetivo honrar seus pais? Deus o abençoa. “Honra a teu pai e a tua mãe. . .
para que te vá bem, e sejas de longa vida sobre a terra”. A bênção de Deus sobre
aqueles que obedecem ao quinto mandamento toma forma de duas maneiras:
uma vida longa e uma boa vida. Essas bênçãos são tanto um motivo para
obedecer quanto uma consequência natural da obediência.
Uma Vida Longa, Uma Boa Vida
Os Dez Mandamentos foram dados por Deus a um povo em particular, num
contexto único. Naqueles dias, vida longa dentro da Terra Prometida simbolizava
a bênção divina. Um sinal de que o povo estava sob o favor de Deus, e
experimentando a boa vida prometida que acompanharia a fidelidade ao dever
para com a aliança. Por outro lado, um vida breve ou uma vida vivida no exílio
simbolizavam o desfavor divino, dado que exemplificava as maldições que
acompanhariam a quebra das obrigações da aliança.
Precisamos entender, como os israelitas, que essas promessas não eram
garantias. Deus não estava dizendo “Honrem seus pais e lhes garanto que
viverão para ver pelo menos oitenta aniversários”. Também não queria dizer “Se
você teve uma vida curta, isso é prova de que você desonrou os seus pais”. Ao
invés disso, Deus diz que aqueles que honram seus pais geralmente
experimentam uma vida melhor do que aqueles que não o fazem. Por quê?
Porque aqueles que honram seus pais estão fazendo as coisas da maneira de
Deus, vivendo em seu bom plano.
O que, então, está implícito na promessa dessa boa e longa vida? Dennis
Rainey diz o seguinte: “Você quer viver sob o favor de Deus? Você gostaria de
sentir a bênção e a boa mão de Deus sobre sua vida? Então obedeça aos
mandamentos de Deus”.1 Ele também salienta um benefício escondido: honrar
nossos pais ajuda a completar nossa transição para a fase adulta. Buscando
deliberadamente por maneiras de honrar nossos pais, começamos a devolver o
amor que eles nos têm dado desde o nascimento. Nós aperfeiçoamos o
relacionamento alcançando-os com amor assim como eles nos alcançaram. O
amor, o cuidado, a honra são agora mútuos, simplesmente como Deus deseja.
Nós crescemos.
Uma Vida Curta, Uma Vida Miserável
Enquanto o quinto mandamento estabelece os termos da bênção dada pela
obediência, isso envolve também as consequências da desobediência. Tais
consequências são apresentadas com maior detalhe em outro lugar da Bíblia,
primeiro na lei civil e depois na literatura sapiencial do Antigo Testamento.
Revelando a lei que governaria a nação de Israel, Deus incluiu uma
penalidade para aqueles que, de maneira flagrante e sem arrependimento,
violassem o quinto mandamento. Pode ser chocante perceber que essa pena era a
mesma para o assassinato e outros crimes horríveis.
• Quem ferir seu pai ou sua mãe será morto. Quem amaldiçoar seu pai ou
sua mãe será morto (Êx 21.15, 17).
• Se alguém amaldiçoar seu pai ou sua mãe será morto; ele amaldiçoou seu
pai ou sua mãe; seu sangue cairá sobre ele (Lv 20.9).
• Se alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não obedece à voz de
seu pai e à de sua mãe e, ainda castigado, não lhes dá ouvidos, seu pai e
sua mãe o pegarão, e o levarão aos anciãos da cidade, à sua porta, e lhes
dirão: Este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz, é
dissoluto e beberrão. Então, todos os homens da sua cidade o apedrejarão
até que morra; assim, eliminarás o mal do meio de ti; todo o Israel ouvirá e
temerá (Dt 21.18–21).
E pensar que a rebelião das crianças e adolescentes de hoje é vista como algo
normal! E pensar que hoje em dia lidamos com isso de forma tão leviana! A lei
de Deus mostra quão seriamente Ele considera o quinto mandamento. Como é,
então, que o tratamos de forma tão superficial?
O livro de Provérbios mostra ainda mais as consequências horríveis de
desonrar os pais:
• O que maltrata a seu pai ou manda embora a sua mãe filho é que
envergonha e desonra (Pv 19.26).
• A quem amaldiçoa a seu pai ou a sua mãe, apagar-se-lhe-á a lâmpada nas
mais densas trevas (Pv 20.20).
• Os olhos de quem zomba do pai ou de quem despreza a obediência à sua
mãe, corvos no ribeiro os arrancarão e pelos pintãos da águia serão
comidos (Pv 30.17).
Embora retratado em linguagem poética, o quadro é claro: há doces bênçãos
reservadas para aqueles que obedecem ao quinto mandamento e há os mais
terríveis julgamentos guardados para aqueles que assim não procedem. Deus
espera e exige que os filhos honrem seus pais.
O Dever de Honrar
Você e eu não vivemos na antiga Israel. Não estamos mais sob as leis civis
da nação de Deus. No entanto, as bênçãos divinas ainda se estendem até nós.
Afinal, Paulo livremente assegurou aos filhos que Deus os abençoaria se
honrassem seus pais. Eles reconheceriam, como nós reconhecemos, que a
promessa da terra não mais era válida. Mas a regra geral continua: se vivemos
nos caminhos de Deus, recebemos o favor de Deus, e se resistimos aos caminhos
de Deus, privamo-nos do favor de Deus. Honre a Deus ao honrar seus pais e
espere tudo correr bem com você. Desonre a Deus ao desonrar seus pais e espere
o contrário. Essa é a forma como Deus estruturou o mundo.
CAPÍTULO 2

Obediência Momentânea, Honra Eterna

Já olhamos para as doces bênçãos que Deus promete àqueles que ouvem o
quinto mandamento, e já observamos os terríveis juízos que Ele promete contra
aqueles que não o guardam. Vimos também que os filhos têm o dever de honrar
os pais por toda a vida. Mas, embora tenhamos aprendido por que devemos
honrar nossos pais, ainda não consideramos o como. Nossa pergunta para este
capítulo é a seguinte: como prestar honra aos nossos pais, especialmente quando
adultos?
Honre e Obedeça
Em ambas as narrativas dos Dez Mandamentos — encontrados nos livros de
Êxodo e Deuteronômio — Deus ordena aos filhos: “Honra a teu pai e a tua
mãe”. Não há uma palavra sobre obediência. No entanto, quando lemos as
aplicações do mandamento espalhadas pela Bíblia, vemos a obediência como um
componente-chave da honra que os filhos devem a seus pais. Isso levanta a
pergunta: a obediência aos pais é permanente ou temporária? Honrar sempre
exige obediência? Se desejo honrar meus pais, devo continuar obedecendo
mesmo na idade adulta? Para responder a essas perguntas, precisamos examinar
a honra e a obediência, procurando o que as torna parecidas e o que as distingue.
Obedeça
O que o quinto mandamento não exige é tão importante quanto o que ele
exige. O quinto mandamento não é “Obedeça a teu pai e a tua mãe”. Ao invés
disso, é “Honra a teu pai e a tua mãe”. Apesar disso, a Bíblia claramente dá
bastante ênfase sobre os filhos obedecendo aos pais.
Encontramos a linguagem de obediência em muitas outras interpretações e
aplicações do quinto mandamento. Entretanto, cavando mais fundo, encontramos
algo interessante: a linguagem da obediência tende a surgir apenas nas passagens
que falam a filhos jovens, filhos ainda dependentes de seus pais. Quando vamos
a passagens que falam de filhos adultos, encontramos uma mudança sutil da
linguagem de respeito e provisão. Dessa forma, a obediência é uma forma
particular de honra — uma forma de honra para filhos mais novos.
Todos os filhos devem honrar seus pais em todos os períodos da vida. Mas
enquanto mais jovens, a honra frequentemente toma a forma de obediência. É
por isso que Paulo faz referência ao quinto mandamento e diz aos filhos mais
jovens que “obedeçam aos pais” (Ef 6.1–3; Cl 3.20). Obedecer é submeter-se à
vontade de uma pessoa que, por direito, carrega consigo posição de autoridade, é
cumprir suas exigência ou seus pedidos. Como minha esposa e eu ensinamos aos
nossos filhos, a obediência significa “faça agora, faça certo e faça de coração
alegre”. A obediência é a manifestação de honra por parte do filho.
Os pais estão certos em esperar e exigir obediência de seus filhos, e os filhos
estão certos quando expressam honra aos pais por meio da obediência. A
obediência aos pais ensina o filho a ser submisso a todas as autoridades,
incluindo o próprio Deus. É sob a instrução e disciplina dos pais que os filhos
são preparados para viver vidas ordenadas neste mundo. John MacArthur diz
isso bem: “Filhos que demonstram respeito e obediência aos pais construirão
uma sociedade ordenada, harmoniosa e produtiva. Uma geração de filhos
indisciplinados e desobedientes produzirá uma sociedade caótica e destrutiva”.2
Os filhos devem obedecer aos pais enquanto sob a autoridade deles. Os pais
devem ensinar a seus filhos a obediência, para que assim possam aprender a
honrar — e passar o resto da vida honrando — seus pais, professores, chefes,
governos e, fundamentalmente, honrar a Deus.
Honra
Mas o que é a honra? Biblicamente, a palavra honra refere-se a peso ou
significância. Honrar pai e mãe significa tê-los em grande excelência e dar
grande valor ao relacionamento com eles. John Currid explica: “A questão é que
um filho não pode deixar de levar seus pais a sério ou ter pensamentos que os
rebaixe. Eles devem ser considerados com grande seriedade e valor”.3 E
podemos aprender sobre honra lendo passagens que descrevem o
comportamento de desonra. Essas são passagens da lei civil e da literatura
sapiencial, que também observamos no capítulo anterior: Levítico 20.9,
Provérbios 30.17, e outras passagens.
O que descobrimos? Filhos que desonram seus pais são rebeldes e
teimosamente resistentes à disciplina que os tiraria dessa mesma rebelião. Eles
podem ser verbalmente abusivos, zombadores, filhos que amaldiçoam os
próprios pais. Eles podem ser até mesmo violentos com seus próprios pais.
Voltando-nos ao Novo Testamento, descobrimos que a desonra deles pode tomar
a forma de recusar cuidado aos próprios pais ou falha em suprir suas
necessidades físicas e financeiras (Mc 7.8–13; 1Tm 5.8).
Dessa forma, para honrar nossos pais, devemos respeitá-los e reverenciá-los,
falar bem deles e tratá-los com gentileza, carinho e dignidade. Devemos
assegurá-los de que receberão cuidado e que suas necessidades serão supridas.
Dennis Rainey diz que “A honra é uma atitude acompanhada de ações que
transmitem aos pais: ‘Vocês são dignos. Vocês têm valor. Vocês são as pessoas
que Deus soberanamente colocou em minha vida’”4. Tudo isso e muito mais está
relacionado a essa pequena palavra.
Obedecer Hoje, Honrar Sempre
Precisamos considerar por que razão a exigência básica do quinto
mandamento não é obediência, mas honra. Estou convencido de que são pelo
menos dois os motivos: a partir de dado momento, não mais somos obrigados a
obedecer aos nossos pais, e, mesmo antes de chegar a esse ponto, havia
momentos em que não podíamos ou não deveríamos obedecer. Em outras
palavras, há vezes em que podemos desobedecer aos nossos pais enquanto ainda
os honramos.
O fim da obediência. Chega um momento quando obedecer aos pais não
mais é apropriado. A tarefa dos pais é educar os filhos para que estes se tornem
independentes e sejam funcionais fora da autoridade paterna e materna. Na
maioria dos casos, o relacionamento do pai e da mãe com o filho será
permanentemente alterado no momento do casamento, quando “deixa o homem
pai e mãe e se une à sua mulher” (Gn 2.24). Tornando-se independente dos pais,
o filho deixa a supervisão e autoridade deles. Ele não mais deve obediência da
mesma forma ou no mesmo grau.
O pecado da obediência. Pode haver também ocasiões em que a obediência
seria pecaminosa, tais como quando os pais ordenam seus filhos a pecar ou
quando ordenam o filho a desobedecer ao governo. Quando isso acontece, o
filho deve desobedecer à autoridade dos pais para obedecer à autoridade de
Deus. Outra ocasião para a desobediência aceitável é quando os pais exigem
obediência de seus filhos adultos ou quando suas exigências por obediência
tornam-se abusivas. Em tais casos, o filho não está sob a obrigação divina de
obedecer.
O comando fundamental de Deus à humanidade não é “Obedeçam pai e
mãe”, uma vez que a obediência se encerra e pode, às vezes, ser pecaminosa. Ao
invés disso, o mandamento de Deus é “Honra a teu pai e a tua mãe”, porque a
honra jamais acaba e nunca é errada.
Honra Perfeita, Obediência Perfeita
Não ficamos sem um modelo bíblico de honra e obediência. Nós o vemos
perfeitamente manifesto em Jesus. Embora Deus, Jesus nasceu de pais terrenos e
honrou e obedeceu a ambos desejosa, alegre e perfeitamente. Vemos sua
obediência enquanto ainda era criança, em Lucas 2.51: “E desceu com eles para
Nazaré; e era-lhes submisso”. Vemos Jesus os honrando quando, em momentos
antes de morrer, assegurou provisão para sua mãe: “Vendo Jesus sua mãe e junto
a ela o discípulo amado, disse: Mulher, eis aí teu filho.Depois, disse ao
discípulo: Eis aí tua mãe. Dessa hora em diante, o discípulo a tomou para casa”
(Jo 19.26–27).
E assim como honrou e obedeceu mãe e pai terrenos, Ele também honrou e
obedeceu ao Pai celestial. Ele invariavelmente falou bem de seu Pai, direcionou
glória a Ele e o reverenciou. E é claro, Jesus obedecia-lhe em tudo: “Porque eu
desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele
que me enviou” (Jo 6.38).
Jesus honrou e obedeceu a Deus honrando seus pais terrenos e lhes
obedecendo. Se quisermos honrar e obedecer a nossos pais, devemos aprender
sobre Jesus. Se quisermos que nossos filhos nos honrem e obedeçam, devemos
ensinar-lhes sobre Jesus. Como sempre, Ele é o exemplo de como obedecer
perfeitamente à perfeita lei de Deus.
CAPÍTULO 3

A Honra de um é a Vergonha de Outro

Um vídeo intitulado “Pais Asiáticos Reagem a ‘Eu Amo Você’”5 viralizou


alguns anos atrás. Ele mostra um número de adultos asiáticos falando aos
próprios pais “Eu amo você” e gravando a reação deles. Por que este vídeo
viralizou? Por que dizer e ouvir “Eu amo você” é incomum em muitas culturas
asiáticas. Não é que pais e filhos asiáticos não se amem, é claro, mas que amor e
honra são demonstrados de outras maneiras. Esses filhos estavam surpreendendo
seus pais com algo que pareceria irrelevante em muitas outras partes do mundo.
Nesta análise do quinto mandamento — “Honra a teu pai e a tua mãe” —,
chegamos agora ao ponto em que se faz preciso falar sobre cultura. Já
entendemos que os filhos têm uma dívida de honra para com seus pais pelo resto
da vida, mas apenas deixamos implícito como a honra é demonstrada de
maneiras diferentes em diferentes contextos. Nosso objetivo é encontrar
maneiras por meio das quais cada um de nós poderá expressar a honra que
devemos a nossos pais. No entanto, para fazê-lo, temos de levar em conta as
diferenças culturais.
Tenho o privilégio de morar naquela que talvez seja a cidade mais
multicultural do mundo. Até mesmo minha própria igreja, que é pequena, tem
representantes de pelo menos trinta culturas diferentes, e muito da pesquisa para
este capítulo veio de entrevistas com eles. Estas incluíram discussões com
pessoas representando Bielorrússia, Canadá, El Salvador, Gana, Índia, Iraque,
Jamaica, Filipinas e Coreia do Sul. Depois de examinar as diferenças e
similaridades entre esses contextos, eu os classifiquei em dois grupos amplos,
dois tipos de cultura, cada qual com maneiras bem diferentes de honrar os pais.
Uma Cultura de Autonomia
O primeiro tipo de cultura valoriza a autonomia e a independência como
grandes virtudes. Os pais esperam, finalmente, recuperar a própria
independência, vendo os filhos saindo de casa. Eles esperam ansiosamente por
uma aposentadoria de tranquilidade e entretenimento. Enquanto isso, os filhos
esperam ansiosamente por conquistar a independência permanente à parte dos
pais. Essa cultura tende a idealizar a diversão e a liberdade da juventude, ao
mesmo tempo que teme as responsabilidades da idade adulta. A idade não é
associada com sabedoria e respeito, mas com o medo e até mesmo a zombaria
pela perda das faculdades físicas e mentais. Os adultos que estão envelhecendo
temem a iminente perda da independência.
Essa cultura tem poucas expectativas fixas de como os filhos adultos devem
honrar seus pais, agora envelhecendo. Os pais podem esperar pouco mais do que
ligações telefônicas regulares e visitas em grandes feriados. Conforme os pais
envelhecem, os filhos até podem ficar mais envolvidos no cuidado deles, mas
tipicamente não os levam para a própria casa, nem se tornam seus cuidadores
primários. Ao invés disso, conforme os pais envelhecem, espera-se que eles se
mudem para casas de repouso ou asilos, onde viverão seus últimos dias.
Quando o assunto é finanças, os pais devem apoiar seus filhos até que se
tornem independentes, mas há pouca expectativa de retorno mais tarde na vida.
Em vez disso, os pais devem diligentemente poupar para a própria aposentadoria
e guardar dinheiro. Quando os pais realmente precisam de cuidado, essa
responsabilidade é distribuída entre os filhos dispostos e não recai sobre algum
filho em particular, baseado no gênero ou na ordem de nascimento.
Essas baixas expectativas são compartilhadas tanto pelos pais quanto pelos
filhos de forma semelhante. Um entrevistado disse: “Meus pais me disseram
que, quando estiverem velhos, nós deveríamos apenas interná-los em algum
asilo. Eles odiariam atrapalhar nossas vidas de alguma maneira”. Filhos
crescidos não desejam passar pela dificuldade de cuidar dos pais. Pais idosos não
querem ser inconvenientes, precisando pedir ajuda aos filhos. Se há vergonha
nessa cultura, ela está atrelada aos pais que não pouparam diligentemente para
seu próprio cuidado e sustento.
Uma Cultura de Autoridade
Outro tipo de cultura valoriza a honra e o respeito como grandes virtudes,
enquanto teme e evita qualquer coisa que possa trazer vergonha. Culturas assim
respeitam os mais idosos, associando a idade com sabedoria e autoridade, e
associando os jovens com a insensatez. Há frequentemente termos ou títulos para
os mais velhos e costumes para demonstrar respeito e defesa aos de idade mais
avançada. Essas culturas depositam um valor menor na independência e
autonomia e muito mais valor no dever para com a família.
A honra é demonstrada na obediência e no sacrifício, enquanto a vergonha
vem da desobediência e do egoísmo. Dessa forma, até mesmo os filhos adultos
devem honrar seus pais passando tempo com eles e os envolvendo no cotidiano.
Honrar significa não apenas buscar a sabedoria deles em grandes decisões da
vida, mas também dar ouvidos a conselhos. E assim como os pais se
sacrificaram por seus filhos, os filhos devem, mais tarde, agir reciprocamente,
com sacrifícios que beneficiarão seus pais. As ações ou o comportamento dos
filhos de qualquer idade possibilitará ou diminuirá a reputação da família.
Há tipicamente uma forte hierarquia dentro da família, em que o filho mais
velho (ou filho ou filha mais velhos em algumas culturas) tem a maior
responsabilidade pelo cuidado e provisão. Espera-se que, conforme seus pais
envelhecem, ele os trará para a própria casa, trazendo honra tanto para o filho
quanto para seus pais. Colocar os pais em um asilo ou em alguma casa de
repouso traria grande vergonha para toda a família — vergonha para o filho, por
não cumprir com seu dever, e vergonha para os pais, por não terem dado boa
instrução aos próprios filhos.
Duas Formas de Honra
Essas são descrições muito amplas, é claro, mas suspeito que você seja capaz
de reconhecer esses dois tipos de cultura. A cultura da autonomia existe mais
dentro dos países ocidentalizados, e a cultura da autoridade existe em sociedades
nas quais ou a honra ou a vergonha sempre estão em jogo, tipo que envolve a
maior parte da população da Terra. As diferenças entre ambas são, no mínimo,
gritantes.
Considere o seguinte: um adulto norte-americano pode dizer: “Meus pais
moram em um asilo”, e os demais pensarão que a família fez algo bom e nobre.
Os pais estão felizes porque economizaram diligentemente e podem estar em um
asilo de boa qualidade, e os filhos também estão felizes, afinal seus pais estarão
recebendo cuidado profissional e cercados de pessoas da mesma idade.
Mas se um adulto indiano disser: “Meus pais moram em um asilo”, seus
conterrâneos ficarão horrorizados e pensarão que a família fez algo
completamente vergonhoso. Afinal, o filho está se recusando a cumprir com a
própria obrigação, o que demonstra que seus pais não lhe deram uma boa
educação. Então esses pais são tratados por profissionais frios em vez de filhos
amáveis, estão cercados de estranhos, e não de membros da família. A honra de
uma cultura é a vergonha da outra. Isso nos força a lidar com algumas
considerações.
Primeiro, nossas pressuposições culturais podem estar equivocadas. Mas,
enquanto não reconhecermos que boa parte das nossas tomadas de decisão é
guiada por normas culturais em vez de orientações bíblicas, não conseguiremos
discernir quais das nossas práticas culturais estão equivocadas. Um tipo de
cultura pode exigir pouquíssimo, enquanto outra pode exigir muito.
Uma cultura pode legitimar a desonra, enquanto outra pode idolatrar a honra.
Como cristãos, precisamos pensar cuidadosamente e biblicamente, e não
simplesmente aceitar aquilo que a cultura dita. Filhos ocidentais podem não
fazer esforço para convencer seus pais de que deveriam ser honrados, enquanto
pessoas de outras culturas talvez precisem recusar-se ao conformismo com
algumas das expectativas colocadas sobre eles.
Segundo, nós precisamos demonstrar honra de maneiras apropriadas à nossa
cultura e significativas para os nossos pais, mas ainda permanecendo fiéis às
Escrituras. Dessa forma, como eu demonstro honra a meus pais pode parecer
bem diferente de meu amigo ganês ou cubano que senta do meu lado na Igreja
Grace Fellowship. Eu não preciso, necessariamente, honrar meus pais da
maneira ganesa, e meus amigos não precisam, necessariamente, honrar seus pais
de uma maneira canadense. Nós podemos e deveríamos aprender uns com os
outros, mas sem julgamento pelo que parece ou desonra ou honra exagerada.
CAPÍTULO 4

Maneiras Práticas de Honrar Seus Pais

Os mandamentos de Deus são perfeitamente claros no que dizem e no que


exigem amplamente. No entanto, obedecer a esses mandamentos de maneiras
práticas nos detalhes da vida pode apresentar um desafio. É algo que requer
meditação, oração e criatividade. Este é exatamente o caso com o quinto
mandamento — “Honra a teu pai e a tua mãe” —, em especial para filhos
adultos. Filhos mais novos honram seus pais por meio da obediência, mas e
quanto aos adultos? Como honramos nossos pais apropriadamente? Esperei
alguns capítulos para chegar a este ponto neste pequeno livro, e meu ritmo lento
foi deliberado. Temos a tendência de pular as questões básicas para ir direto à
prática. Apenas me dê uma lista de coisas para fazer, e eu as farei! Mas a
verdadeira transformação e a correta aplicação virão apenas depois que tivermos
aplicado tempo entendendo o mandamento de Deus — o que ele significa, por
qual razão Deus o outorga, por que motivo importa tanto. Agora, estamos
prontos para considerar o modo prático de honrar nossos pais.
Honra a Quem a Honra é Devida
Em um capítulo anterior, salientei que honrar os pais é uma forma de honrar
toda a autoridade, incluindo o próprio Deus. Como Tim Keller diz, “É o respeito
pelos pais que é a base para todos os outros tipos de respeito e todos os outros
tipos de autoridade”.6 Também salientei que não há um cessar deste
mandamento — devemos honrar nossos pais na infância e na idade adulta,
porque lhes devemos uma honra que nunca acaba.
Qual é a honra que Deus quer que prestemos a nossos pais? Oferecerei seis
sugestões amplas, embora certamente possa haver mais. E aviso de antemão: em
todos os casos, haverá a tentação de dizer: “Sim, mas você não conhece os meus
pais. Você não conhece quem eles são ou o que eles me fizeram”. Entendo que,
em certos casos, demonstrar honra pode ser difícil ou quase impossível. No
próximo capítulo, discutiremos alguns casos difíceis. Mas, por ora, vamos
simplesmente considerar algumas formas práticas de demonstrar honra aos
nossos pais.
Perdoe
Talvez a mais importante maneira de expressar honra aos nossos pais seja
concedendo perdão. Não existe o pai perfeito ou a mãe perfeita. Sem exceção,
pais não suprem todas as expectativas dos filhos nem, com toda a probabilidade,
suas próprias expectativas. Nossos pais pecaram contra nós. Eles tomaram
decisões insensatas, eles tiveram expectativas irreais, disseram e fizeram coisas
que nos deixaram profundamente machucados. Por essa razão, muitos filhos
entram na idade adulta controlados por ira e amargura. Eles se veem incapazes
de passar por cima dos erros e pecados dos próprios pais. Podemos melhor
honrar nossos pais perdoando-lhes. E isso é, na verdade, possível, porque
servimos e imitamos um Salvador perdoador. Na cruz, Jesus morreu pelos
pecados daqueles que o machucaram. No exato momento em que os pregos
perfuraram sua carne, Ele clamou: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que
fazem” (Lc 23.34). Colocando-nos aos pés da cruz e considerando tal Salvador,
quem somos nós, recusando o perdão aos nossos pais? Honramos nossos pais
quando lhes estendemos graça e perdão.
Fale Bem Deles
Outra maneira de honrar os pais é falando bem deles e se recusando a falar
mal deles. Vivemos numa época em que é considerado nobre colocar para fora as
mágoas, como se fosse terapêutico lavar a roupa suja em público. Fazemos
pouco caso de falar ao mundo exatamente o que pensamos de nossos
governadores, nossos chefes, nossos pais. No entanto, a Bíblia nos adverte de
que devemos honra e respeito a todas as autoridades que Deus instituiu sobre nós
(Rm 13.7). Isso nos adverte de que nossas palavras têm o poder de estender
honra e desonra. Não podemos deixar passar que, no Antigo Testamento, a pena
por amaldiçoar os pais é a mesma que a pena por agredi-los, porque a raiz do
pecado é a mesma (Êx 21.15–17; Lv 20.9). Amaldiçoar os pais ou agredi-los é
violar o quinto mandamento. Devemos falar bem de nossos pais. Devemos falar
bem deles enquanto vivos e falar bem deles depois de falecidos. Precisamos falar
bem deles para nossos irmãos, para nossos cônjuges, para nossos filhos.
Devemos falar bem deles para nossas igrejas e comunidades, modelando um tipo
de honra e respeito contracultural, um tipo que não mais existe já faz um bom
tempo. Cristão, fale bem de seus pais e se recuse a falar mal deles.
Estime-os Publicamente e em Privado

Uma terceira maneira de demonstrar honra a nossos pais é mantê-los em alta


estima tanto em particular quanto publicamente. Num poderoso sermão sobre o
quinto mandamento, Tim Keller diz que os filhos precisam “respeitar a
necessidade que os [pais] têm de verem a si mesmos nos próprios filhos”. Os
pais anseiam por ver como impactaram seus filhos, como seus filhos são um
reflexo de suas forças, de seus valores. “Você não percebe o quanto é importante
dar crédito a seus pais em tudo que for possível. Você não percebe o quão crucial
é dizer algo como: ‘Sabe, tudo o que eu realmente aprendi sobre guardar
dinheiro, aprendi com você’. Dizer: ‘Sabe, pai, aquilo foi algo que você me
ensinou, e é algo que, de verdade, eu realmente adoro’”7. Essas são medidas
simples, mas que dão grande alegria e honra aos pais. Podemos estimá-los em
privado por meio de conversas particulares ou podemos fazê-lo publicamente,
talvez por meio de discursos ou homenagens ou conversas em jantares nos
feriados. Dennis Rainey faz um desafio aos filhos, que eles escrevam um tributo
formal a seus pais, entregue-lhes e o leia em voz alta na presença deles.8
Podemos honrar nossos pais estimando-os.
Busque a Sabedoria Deles
Honramos nossos pais quando buscamos a sabedoria deles por meio das idas
e vindas da vida. A Bíblia constantemente associa a juventude com insensatez e
a idade avançada com sabedoria, e nos diz que aqueles que viveram vidas mais
longevas geralmente acumularam maior sabedoria (Pv 20.29; Jó 12.12).
Fazemos bem, portanto, em confiar em nossos pais para entendimento, para
buscar a opinião deles quando enfrentamos grandes e importantes decisões. Em
algumas culturas esse é o esperado, o que em outras já é evitado. Mas isso é um
exemplo de que a sabedoria bíblica deve ter precedência sobre as normas
culturais. É honrável a nossos pais buscar a ajuda deles, mesmo se no fim de
tudo não pudermos dar ouvidos a seus conselhos.
Apoie-os
Além disso, podemos também honrar nossos pais apoiando-os. No entanto,
não estou falando de apoio financeiro, mas sim de outras formas de amor e
cuidado. Eu penso em Davi, sufocado por preocupações e com os ataques de
seus inimigos, clamando a Deus, “Não me rejeites na minha velhice; quando me
faltarem as forças, não me desampares” (Sl 71.9). Davi temia a solidão que
geralmente acompanha a idade avançada. Assim, também, acontece com nossos
pais já idosos.
Quando jovens, precisamos da ajuda de nossos pais, e desejamos
independência. Nossos pais nos criam para sermos fortes e livres. Mas há uma
via de mão dupla aqui, uma passada de bastão, porque conforme envelhecem,
nossos pais ficam fracos e começam a perder a independência (Ec 12.1–8).
Honramos nossos pais ao dar-lhes a segurança de que nós não os abandonaremos
na velhice. Assim como eles cuidaram de nós, também cuidaremos deles. Essa é
a nossa responsabilidade, e deveria ser também nossa alegria.
Numa época em que milhões de adultos de idade mais avançada moram
sozinhos ou são internados em asilos e hospitais, e cuidados por profissionais no
lugar de membros da família, os cristãos têm a oportunidade de manifestar
especial honra. Bryan Chapell e Kent Hughes dizem que, mesmo que os pais não
passem por necessidades financeiras, “ainda existe uma obrigação cristã no que
diz respeito ao cuidado prático, um cuidado de amor. Pode haver a contratação
de enfermeiras, mas deve haver mais — o cuidado não pode ser dado à distância,
mediante um representante. A negligência emocional e o abandono não são
opção, pois tal conduta ‘é pior do que a de um descrente’”.9
Supra Necessidades
Finalmente, podemos honrar nossos pais suprindo suas necessidades
financeiras. Na primeira carta de Paulo a Timóteo, ele dá instruções de como
honrar as viúvas da igreja. Paulo fornece dois princípios importantes: os filhos
devem retribuir aos pais; e os cristãos que não suprem as necessidades de
membros da família comportam-se pior do que os descrentes (1Tm 5.4, 8).
Comentaristas bíblicos são quase unânimes em estender esses princípios aos
filhos e seus pais idosos. O que é notável em algumas culturas é controverso em
outras, incluindo a minha própria. Stott salienta que “culturas africanas e
asiáticas, que desenvolveram a família estendida no lugar da família nuclear,
reprovam o Ocidente nesta questão”.10
Enquanto os filhos ainda são jovens, Deus espera que os pais supram as
necessidades deles (2Co 12.14), mas, no tempo certo, é preciso que os filhos
estejam dispostos a retribuir. Famílias devem manter-se unidas dessa forma,
cuidando uns dos outros enquanto ainda jovens e quando mais idosos. Quando
fortes os pais e fracos os filhos, os pais devem suprir. Quando fortes os filhos e
fracos os pais, os filhos devem suprir. Talvez nenhuma forma de honra
testemunhe mais profundamente contra o Ocidente do que esta. Mas é evidente:
Deus chama o cristão a ser responsável pelo suprimento de membros da própria
família. Esse mandamento se aplica igualmente aos pais de filhos mais novos e
aos filhos de pais idosos. Por ser este princípio tão estranho à cultura ocidental,
dedico o próximo capítulo a ele.
CAPÍTULO 5

O Problema Traiçoeiro do Dinheiro

O canal Crash Course Philosophy tem mais de cinco milhões de inscritos,


tornando-o um dos mais populares do Youtube. Um de seus vídeos mais
conhecidos chama-se “Obrigações Familiares”, no qual é explicada a visão da
filósofa americana Jane English, de que filhos crescidos não têm obrigação
nenhuma para com seus pais e não deveriam sentir-se responsáveis por cuidar
deles ou até mesmo manter vivo o relacionamento. Essencialmente, pelo fato de
não escolher nascer, o filho não tem obrigação para com as pessoas que optaram
por concebê-lo.
Bons pais dão amor de forma incondicional com nenhuma expectativa de
reciprocidade. O modelo mais apropriado de conduzir relacionamentos, partindo
dos pais para seus filhos crescidos, é a amizade, diz English. A amizade é algo
de livre escolha e permite ao filho cuidar de seus pais por uma escolha, e não por
obrigação.11
Tal visão parece dura, mas, embora poucas pessoas a expliquem em termos
contundentes, ela é comum no mundo ocidental. Pressupomos que os pais
deveriam cuidar de seus filhos para a independência, e que os filhos deveriam
então ser livres de mais outras obrigações, especialmente quando o assunto é
finanças. Como cristãos, precisamos olhar para além da filosofia e olhar, ao
invés disso, para a Bíblia, buscando nela nossa orientação.
Uma Obrigação de Honra
De acordo com Os Dez Mandamentos, os filhos são obrigados a honrar seus
pais. “Honra a teu pai e a tua mãe, como o Senhor, teu Deus, te ordenou, para
que se prolonguem os teus dias e para que te vá bem na terra que o Senhor, teu
Deus, te dá” (Dt 5.16). Essa honra é exigida dos filhos mais novos, é claro, mas
igualmente dos filhos já crescidos. É uma obrigação que nunca acaba. Todavia, a
honra inclui provisão financeira? A Bíblia deixa claro que, sim, inclui. Veremos
isso ao longo de um breve exame de duas passagens relevantes.
Retribua de Alguma Forma
Em 1Timóteo 5, Paulo escreve para Timóteo visando explicar como a igreja
deve cuidar das viúvas mais velhas, daquelas que não podem mais suprir para si
mesmas. Ele explica que a igreja tem a obrigação de cuidar delas, mas que esta é
secundária em relação à obrigação da própria família dela. “Honra as viúvas
verdadeiramente viúvas. Mas, se alguma viúva tem filhos ou netos, que estes
aprendam primeiro a exercer piedade para com a própria casa e a recompensar a
seus progenitores; pois isto é aceitável diante de Deus” (1Tm 5.3–4). A igreja
deve cuidar somente daquela cuja família estiver indisposta ou incapaz de fazê-
lo.
Por que a família deve ter a responsabilidade primária? Paulo oferece uma
lista de cinco motivos. Primeiro, é uma demonstração de piedade o cristão cuidar
de seus próprios membros da família. A generosidade com o tempo, atenção e
dinheiro mostra que a pessoa está vivendo para o bem dos outros, e não para o
próprio bem. Segundo, é certo que os filhos “façam alguma retribuição” a seus
pais pelo cuidado e provisão que uma vez receberam. Como o comentarista
bíblico William Barcley diz: “Cuidar dos filhos exige um sacrifício tremendo e é
simplesmente correto que os filhos, em retribuição, façam sacrifícios pelos pais”.
Terceiro, isso agrada a Deus.12 O Deus que tão cuidadosamente e intimamente
cuida de nossas necessidades se agrada quando, com amor, damos atenção às
necessidades dos outros.
No versículo 8, Paulo adiciona uma quarta razão importante: “Ora, se
alguém não tem cuidado dos seus e especialmente dos da própria casa, tem
negado a fé e é pior do que o descrente”. Aqui, Paulo faz um apelo à lei natural.
Mesmo descrentes sabem que devem cuidar de seus pais, uma vez que Deus
escreveu isso em seus corações (Rm 2.15). Os cristãos conhecem isso de duas
formas — pela lei natural e pela lei revelada de Deus na Bíblia. O cristão que se
recusa a dar ouvidos a ambas as leis negou as implicações práticas da fé e, dessa
forma, se fez pior do que um descrente.
Finalmente, ele dá um quinto motivo: aliviar o fardo da igreja. “Se alguma
crente tem viúvas em sua família, socorra-as, e não fique sobrecarregada a
igreja, para que esta possa socorrer as que são verdadeiramente viúvas” (1Tm
5.16). Se a igreja pode ser aliviada do fardo do cuidado à família, ela libera
recursos que então podem ser usados para cuidar daqueles que não têm
familiares.
Tornando a Palavra de Deus Vazia
A segunda passagem relevante está em Marcos 7, onde Jesus desafia as
autoridades religiosas pela rígida adesão a uma lei feita por homens, que
contradiz a lei de Deus. Jesus disse:
“Bem invalidais o mandamento de Deus para guardardes a vossa
tradição.
Porque Moisés disse: Honra a teu pai e a tua mãe; e quem maldisser, ou
o pai ou a mãe, certamente morrerá. Vós, porém, dizeis: Se um homem
disser ao pai ou à mãe: Aquilo que poderias aproveitar de mim é Corbã,
isto é, oferta ao Senhor;

Nada mais lhe deixais fazer por seu pai ou por sua mãe, invalidando
assim a palavra de Deus pela vossa tradição, que vós ordenastes. E
muitas coisas fazeis semelhantes a estas” (Mc 7.9–13).
Esses líderes religiosos estavam declarando suas posses “Corbã”, jurando
dedicá-las a Deus para que depois da morte tudo o que possuíssem passasse a ser
propriedade do templo. No entanto, ao fazê-lo, cometiam dois graves erros.
Primeiro, eles estavam negligenciando uma responsabilidade primária em favor
de uma secundária. Doar as próprias riquezas ao templo poderia ter sido uma boa
coisa, mas menos importante do que o dever de suprir as necessidades dos
próprios pais. Segundo, eles estavam deliberadamente deixando de socorrer seus
pais por causa da ira ou do rancor. T. W. Manson explica o “Corbã” desta
maneira: “Um homem passa pela formalidade de votar algo a Deus, não para que
ele possa dar algo a Deus, mas para prevenir que outra pessoa o tenha”.13 Mark
Strauss conclui: “Jesus condena esse uso do qorbān, não apenas porque a honra
pelos pais supera o voto feito, mas porque os motivos egoístas por trás de tais
tradições são contrários ao coração de Deus e ao âmago do verdadeiro espírito
da lei”.14
Honra e Provisão
Vamos concluir com quatro pontos de aplicação.
Primeiro, os filhos têm a obrigação de honrar seus pais por toda a vida, e esta
honra inclui sustento financeiro quando necessário, algo que recebe bastante
apoio da erudição bíblica. Douglas Milne diz: “Quando os filhos são
dependentes dos pais, é certo que os pais devem sustentá-los, mas os papéis são
invertidos nos anos posteriores, quando os pais tornam-se dependentes de seus
filhos”. MacArthur diz bastante do mesmo: “[Os filhos] carregam uma dívida
àqueles que os trouxeram ao mundo, deram de vestir, de comer, forneceram-lhes
moradia, deram sustento, amor, cuidado”.15 A honra é mais do que sustento, mas
não menos que isso.
Segundo, talvez haja circunstâncias extenuantes que deverão ser abordadas
com sabedoria e discernimento, possivelmente sob a orientação de líderes das
igrejas locais. Algumas formas de sustento podem, na verdade, possibilitar o
vício e o comportamento repugnante.
Alguns pais podem exigir ajuda financeira mesmo sendo capazes de prover o
próprio sustento. Alguns pais podem ter prejudicado tanto seus filhos que o
apoio financeiro é especialmente difícil. Líderes que oram e são conhecedores da
Bíblia podem trazer clareza a tais complexidades.
Terceiro, um cristão que se recusa a cuidar de seus pais ou membros da
família próximos pecou de tal modo que ser disciplinado pela igreja não deve ser
algo a surpreendê-lo. A pessoa que não toma essa responsabilidade “tem negado
a fé”, tornando-se “pior do que o descrente”. Essas acusações são sérias e
indignas de alguém que reivindica seguir o Salvador que, com certeza,
sustentava a própria mãe (Jo 19.27).
CAPÍTULO 6

Quando Honrar é Difícil

A motivação por trás deste livreto partiu do saber que poucos de nós considera
seriamente o quinto mandamento, e também do desejo de expor como podemos
ativamente cumpri-lo, mesmos quando já tivermos saído de debaixo da
autoridade de nossos pais. Nosso foco tem sido Deuteronômio 5.16: “Honra a
teu pai e a tua mãe, como o Senhor, teu Deus, te ordenou, para que se
prolonguem os teus dias e para que te vá bem na terra que o Senhor, teu Deus, te
dá”. Já vimos que este mandamento não é só destinado às crianças. Em qualquer
idade, temos uma dívida de honra para com nossos pais, o que pode ser expresso
de várias maneiras: perdoando-lhes, falando bem deles, estimando-os tanto
publicamente quanto em particular, buscando pela sabedoria deles, apoiando-os
e sustentando-os.
Muito bem e muito bom. Isso tudo vai direto ao ponto suficientemente bem
quando temos um bom relacionamento com nossos pais, quando eles nos criaram
bem, quando eles nos amaram e nos respeitaram. Mas e quanto às pessoas que
foram adotadas e nunca conheceram seus verdadeiros pais? E quanto às pessoas
que tiveram pais difíceis, ausentes ou abusivos? E quanto às pessoas cujos pais
comportaram-se de maneiras totalmente indignas? Essa dívida de honra estende-
se até mesmo a eles? Sempre que dialogo sobre este tópico, a maior parte das
pessoas se atém a esse tipo de preocupação, mais do que a qualquer outro. “Você
realmente espera que eu honre meus pais? Vou falar um pouco sobre eles…”.
Minha abordagem deste capítulo se deu com cuidado, com oração e com a
Bíblia nas mãos. Enquanto eu o escrevia, pensava em pessoas que conheço e
amo, muitas delas da minha própria igreja, pessoas que têm passado por
situações dolorosas. E até onde eu posso entender, todos os filhos devem honrar
seus pais.
Não existem cláusulas de exceção. Reconheço que, em alguns casos, a honra
será extremamente difícil. Reconheço que, em alguns casos, o prejuízo é
profundo. Reconheço que alguns traumas passados não podem e não devem ser
desprezados. No entanto, apesar dos pesares, eu ainda acredito que sempre
haverá uma dívida de honra que todos nós devemos para com nossos pais.
Um Contexto Diferente de Honra
Quero começar mudando um pouco de contexto. Os pais não são as únicas
pessoas a quem Deus nos diz que devemos honrar. Eles não são a única fonte de
autoridade a quem devemos honra. Em Romanos 13, Paulo escreve sobre as
autoridades civis e diz isto: “Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo,
tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra,
honra” (v. 7). É importante reconhecer que Paulo escreveu essas palavras
enquanto sob o reino de líderes romanos tiranos. No entanto, até mesmo neste
contexto, ele exortou o povo crente de seus dias a prestar honra e respeito ao
governo.
Douglas Moo salienta que a história da interpretação dessa passagem “é a
história das tentativas de evitar o que parece ser seu significado direto” e adverte
que “nós não devemos obscurecer [seu significado] sob um monte de
qualificações”. A passagem ensina que toda a autoridade é, no final das contas,
uma extensão da autoridade divina de Deus delegada aos seres humanos, porque
“não há autoridade que não proceda de Deus” (Rm 13.1a). Ela também nos
ensina que toda a autoridade é uma demonstração da soberania de Deus, porque
“as autoridades que existem foram por ele instituídas” (Rm 13.1b). Há um tipo
de honra que nós devemos mesmo ainda que a outra parte não a mereça. Tal
honra lhes pertence por causa de uma posição dada por Deus. Moo conclui: “O
governo é mais do que um incômodo a ser tolerado; ele é uma instituição
estabelecida por Deus para realizar alguns de seus propósitos na terra”.16
Portanto, quando honramos nossos governantes, honramos a Deus; e quando
desonramos nossos governantes, de igual modo desonramos a Deus.
Do Governo à Família
Muito do que é verdadeiro acerca das autoridades civis deve ser verdadeiro
também a respeito dos pais. Assim como Deus é soberano para levantar
governantes para liderar uma nação, assim também Deus escolhe pai e mãe para
dar filhos à luz. Assim como Deus delega autoridade e responsabilidade ao
governo, Deus delega autoridade e responsabilidade aos pais. Assim como Deus
espera que honremos o governo como uma extensão da autoridade e soberania
divinas, Ele espera que honremos os pais como uma extensão de sua autoridade
e soberania. Assim como honrar os governantes é honrar a Deus, da mesma
forma honrar os pais é honrar a Deus. Devemos dar a nossos governantes e a
nossos pais tudo o que lhes é devido, incluindo a honra. Não há exceção para
governos ruins e pais ruins.
Honrando o Desonroso
Portanto, como honrar pais que se comportaram de maneira desonrosa e
abominável? Por vezes será algo muito difícil. Exigirá que exercitemos muita
sabedoria e que caminhemos por linhas bem tênues. Sem conhecer os casos
individuais, falar de forma ampla pode ser difícil e perigoso. Graças a Deus, Ele
nos coloca sob o cuidado de pastores e líderes que podem nos ajudar em
dificuldades como essas, e fazemos bem em buscar o cuidado e conselho deles.
Deixe-me oferecer algumas sugestões mais gerais, mas também pedirei que você
pense, ore e converse com outras pessoas, buscando por bons conselhos e
sabedoria. No caso específico do abuso, Dennis Rainey oferece sábias
orientações em seu livro sobre o quinto mandamento. Enquanto isso, aqui vão
algumas distinções a considerar.
Faça distinção entre honra e obediência. Em um capítulo anterior, nós
aprendemos que a honra nem sempre inclui obediência. Quando os pais exigem
aquilo que Deus proíbe, devemos nos submeter à autoridade maior de Deus ou
do governo. Quando os pais ultrapassam seus limites e exigem obediência de
filhos adultos, nós também podemos nos recusar a obedecer-lhes. Mas mesmo
quando nos recusamos a obedecer, nós ainda podemos honrá-los. Em vez de
explodir de raiva ou fazer um grande espetáculo de resistência, podemos
responder com dignidade, calma e respeito, mas ainda com firme resolução. Isso
pode não tornar a reação de nossos pais melhor, mas pelo menos teremos sido
inculpáveis aos olhos de Deus.
Faça distinção entre a pessoa e a posição. Mesmo que honrar nossos pais
por meio de um relacionamento fosse impossível ou insensato, ainda poderíamos
honrar a paternidade e a maternidade como posições. Podemos aprender como a
Bíblia descreve o propósito de Deus para os pais e determinar que falemos
apenas bem acerca deles. As Forças Armadas exigem que os soldados respeitem
a hierarquia, e não o homem em si, e em algum grau podemos fazer o mesmo
com os pais — honrar a posição quando nada encontrarmos digno de honra na
pessoa. O filho adotado pode nunca ter conhecido seus pais biológicos, mas ele
ainda pode evitar falar mal deles, podendo ainda falar bem da maternidade e da
paternidade em si.
Faça distinção entre honra e relacionamento. Em alguns casos, as ações
do passado foram tão deploráveis que o filho precisa afastar-se dos pais. Por
exemplo, Deus não exige que filhos mantenham na idade adulta um
relacionamento próximo com pais que abusaram sexualmente deles no passado e
permanecem impenitentes. O melhor que podem fazer para honrar a Deus nesta
situação talvez seja recusar-se a desonrá-los. Em tais casos, honrar a Deus pode
significar honestamente enfrentar o trauma deixando a vingança em suas mãos,
reconhecendo perante Deus que Ele não cometeu erros ao escolher aqueles pais.
Isso pode significar estender perdão aos pais (se por isso eles buscarem) ou pelos
menos expressar uma disposição a conceder-lhes perdão (caso eles ainda não o
tenham buscado). Isso significa abandonar a amargura, confiando em Deus
através da dor, agarrando-se firmemente na demonstração de sua compaixão na
cruz. Em última instância, é absolver Deus de toda a culpa pelo que aconteceu e
confiar que nada aconteceu à parte de sua soberania.
Faça distinção entre honra e concordância. Alguns filhos suspeitam que
honrar os pais significa concordar com posições odiosas da parte deles. Um filho
cujos pais são racistas pode supor que honrá-los indique tolerância para com
suas crenças racistas. No entanto, a honra pode ser estendida de uma maneira
genuína, mas ainda firme. Afinal, somos chamados a honrar governantes a favor
do aborto mesmo mantendo nossa posição firme a favor da vida e desafiando o
governo a mudar. Honrar nossos pais não significa necessariamente aprovar tudo
o que fizeram ou todas as crenças que eles sustentam.
Faça distinção entre honra e apoio. Honrar seus pais não significa apoiar
pecados e comportamentos pecaminosos. Não significa acobertar o que fizeram
ou continuam a fazer, nem significa esconder alguma coisa das autoridades civis.
Aqueles que sofreram abuso não desonrarão seus pais se tornarem esse abuso
conhecido e processarem seus pais no ponto máximo da lei.
Essas são cinco distinções que podem ser úteis enquanto consideramos os
casos difíceis. No entanto, devemos estar cientes de que podem ser perigosas.
Devemos cuidar para que não caiamos em uma definição de honra tão estreita
que chegue a não ter sentido algum. Como indivíduos convencidos da
necessidade de honrar nossos pais, devemos meditar em Deuteronômio 5.16,
Romanos 13.1–7 e em outras passagens-chave, para em seguida responder à
convicção de Deus. Ele nos ajudará, Ele nos guiará em toda verdade, em toda
obediência (Jo 16.13).
Honra a Quem Merece a Honra
Quanto mais leio e estudo as Escrituras, mais concluo que Deus pede coisas
impossíveis de seu povo. No mínimo, Ele pede coisas que seriam impossíveis
sem sua presença, sua sabedoria e seu poder. Nos casos difíceis, prestar honra
aos pais pode parecer impossível. Mas o chamado ainda existe: “Dê [...] honra a
quem a honra é devida”. Para muitos, esse é o tipo de desafio mais profundo.
Para todos nós, é um desafio que nos faz desesperadamente necessitados da
graça de Deus.
CAPÍTULO 7
Pais Dignos de Honra
Estamos perto de concluir nossa análise do quinto mandamento e, em particular,
de como filhos adultos devem obedecer-lhe. “Honra a teu pai e a tua mãe, como
o Senhor, teu Deus, te ordenou, para que se prolonguem os teus dias e para que
te vá bem na terra que o Senhor, teu Deus, te dá”. Ainda que se atentar a esse
mandamento seja algo relativamente mais direto para filhos jovens sob a
autoridade de seus pais, é muito mais difícil saber o que isso implica para filhos
adultos. Por meio desse pequeno livro, temos aprendido como expressar essa
honra.
Aprendemos que todos os filhos devem honra aos seus pais, uma dívida que
perdura mesmo depois da infância. Todos os filhos de todas as idades devem
honrar seus pais. Exploramos esse ponto de vários ângulos e, agora, para
concluir, desejo explorá-lo por apenas mais uma perspectiva.
Os filhos não carregam consigo a responsabilidade plena pelo quinto
mandamento. Tendo em vista que o filho deve honrar seus pais, os pais, por sua
vez, devem tornar-lhes fácil esse processo, vivendo vidas honrosas. Devemos
repetir o que já dissemos antes: um filho não deve esperar até que seus pais
provem ser dignos de honra, para que então consiga prestar-lhes honra, porque a
honra devida aos pais vem da posição, não do comportamento.No entanto, ainda
há um ônus sobre os pais para que estes vivam uma vida digna e respeitável. E
isso é o que eu quero considerar neste capítulo: como nós, que somos pais,
podemos viver vidas dignas de honra? Como podemos tornar a honra algo fácil
para nossos filhos, tanto agora quanto no futuro?
A Glória dos Filhos
Provérbios 17.6 declara: “Coroa dos velhos são os filhos dos filhos; e a
glória dos filhos são os pais”. É a segunda parte deste provérbio que me interessa
em particular. O que significa “a glória dos filhos são os pais”? Mesmo devendo
reconhecer um contexto único do Antigo Testamento, ainda podemos concordar
com Eric Lane, que diz: “Para os próprios filhos, a maior bênção era ter pais dos
quais poderiam se orgulhar — respeitados na comunidade, prósperos nos
negócios e empenhados em instruí-los”.17
É uma bênção para os filhos ter pais honrosos, sendo correto que eles se
orgulhem do pai e, é claro, da mãe também.
No comentário de John Kitchen sobre o provérbio, ele enfatiza a importância
dos pais viverem com honra:
Os filhos encontram grande honra em ter um pai honroso. De fato, o
mandamento exige que os filhos honrem pai e mãe (Êx 20.12), mas
também cabe ao pai dar a seus filhos motivos para tal. Que incentivo
terreno maior poderia haver do que viver de maneira honrosa como um
homem, do que ter filhos que têm orgulho de você e desejam imitar o
seu caráter?18
Quando vivem de maneira honrosa, os pais são o orgulho dos filhos.
Vivendo de Maneira Honrosa
Como os pais vivem de maneira honrosa? Há centenas de possibilidades,
centenas de formas de responder a isso. Poderíamos criar uma lista de
características que devem marcar o pai cristão: amor, gentileza, paciência e
ternura. Poderíamos tecer uma lista de deveres que os pais devem cumprir:
passar tempo de qualidade com os filhos, orar por eles, ler a Palavra de Deus
para eles. Poderíamos também escrever uma lista de características e
comportamentos a evitar: não irritar nossos filhos, não tratá-los injustamente,
não fracassar em criá-los na disciplina e na instrução do Senhor. As
possibilidades são infinitas. Quanto a mim, desejo manter-me simples e propor
três áreas de ênfase.
Primeiro, faça da piedade sua principal preocupação. Como pais, há uma
tendência de esperarmos mais de nossos filhos do que esperamos de nós
mesmos. Temos grandes expectativas para eles, mas apenas expectativas
modestas para nós mesmos. Uma vida de honra perante os outros começa com
uma vida de honra perante Deus. Buscando a Deus, desejaremos ser quem Ele
quer que sejamos, teremos o desejo de nos revestirmos de todas as características
nobres associadas à piedade. Desejaremos nos comportar da forma como Deus
deseja que nos comportemos, colocando de lado qualquer atitude indigna de um
cristão e enfatizando aquelas atitudes dignas de um cristão.
Dessa forma, modelaremos caráter e comportamento maduros, expressando e
demonstrando amor a nossos filhos, mesmo quando eles nos irritarem ou nos
pressionarem à beira do desespero. Viveremos com uma consciência limpa
perante Deus, perante os homens e diante de nossos próprios filhos.
Segundo, identifique e imite modelos dignos. Especialmente dentro da
igreja local, procure pais cuja paternidade ou mães cuja maternidade provaram
ser bem-sucedidas. Deus nos colocou em meio a comunidades de uma igreja
local para que possamos receber ajuda nos desafios e nas dificuldades da vida.
Deus nos cerca de outros crentes para que possamos observar modelos honrosos
a serem imitados. Seja deliberado em identificar pais cujos filhos os amam e
honram, cujos filhos se deleitam em estar com os próprios pais.
Aprenda a imitá-los. Pergunte: “O que vocês fizeram para cultivar o respeito
de seus filhos? Como vocês os educaram? O que vocês lhes ensinaram?”.
Pergunte aos filhos: “O que os seus pais fizeram que os levaram a honrá-los? O
que vocês amam neles? Por que vocês amam passar tempo com eles?”. Há muito
que podemos aprender por meio da curiosidade e da imitação.
Terceiro, recomende seus filhos à graça de Deus. Aprenda a ser piedoso e
a imitar modelos dignos, depois recomende seus filhos à graça de Deus. É sua
responsabilidade viver uma vida digna de honra, e é sua responsabilidade ensinar
a seus filhos a importância da honra. Mas em última instância, a honra deve ser
oferecida pelos filhos, não forçada pelos pais. A responsabilidade recai sobre os
filhos. Eles podem ter o coração duro, indispostos a identificar o amor e graça
que você, pai ou mãe, manifesta, indispostos a perdoar seus fracassos,
indispostos a dar ouvidos ao mandamento de Deus. Mas pelo menos você terá
vivido uma vida de honra. Você terá cumprido o seu dever dado por Deus.
Em certos momentos, talvez você faça apelos a seus filhos, quando estes
agem de forma desonrosa, ou, sendo vocês cristãos, até mesmo apelos para a
igreja. Os líderes da igreja devem levar a sério a responsabilidade que cada
membro tem de obedecer ao quinto mandamento. No entanto, no fim, seus filhos
terão de seguir os próprios caminhos na vida. Eles escolherão honrar a Deus
honrando-o, ou desonrar a Deus desonrando-o. No entanto, ainda que escolham
mal, você poderá ter o conforto de saber que, mesmo que seus filhos o
abandonem, Deus jamais o abandonará.
Pais, tornem a honra algo fácil para seus filhos. Torne-a um deleite, que eles
se orgulhem de vocês. Viva de tal maneira que a glória dos filhos
verdadeiramente seja os pais (Pv 17.6).
Tim Challies éé cristão, marido de Aileen e pai de três filhos, que
têm entre 11 e 17 anos. É também co-fundador das publicações
Cruciform Press e autor de vários livros, incluindo O Caráter do
Cristão e Dê o Exemplo. Ele adora a Deus e serve como pastor na
igreja Grace Fellowship em Toronto, Ontário, e publica
diariamente em seu site: www.challies.com.
NOTAS
1 Dennis Rainey. The Forgotten Commandment.
2 John MacArthur. Ephesians: MacArthur New Testament Commentary.
3 John Currid. A Study Commentary on Deuteronomy.
4 Dennis Rainey. The Forgotten Commandment.
5 Para assistir, acesse: www.youtube.com/watch?v=26en95whUAk.
6 Timothy Keller. The Timothy Keller Sermon Archive.
7 Timothy Keller. The Timothy Keller Sermon Archive.
8 https://www.cru.org/communities/families/honor-parents-with-tribute.html.
9 Bryan C. & Kent Hughes. 1 and 2 Timothy and Titus: To Guard the Deposit.
10 John Stott. The Message of 1 Timothy & Titus.
11 https://www.youtube.com/watch?v=p7cOwQQDI7o.
12 William Barcley. A Study Commentary on 1 and 2 Timothy.
13 T.W. Manson. The Teaching of Jesus.
14 Mark Strauss. Mark.
15 Douglas Milne. 1 Timothy, 2 Timothy, Titus. John MacArthur. 1 Timothy: The MacArthur New Testament
Commentary.
16 Douglas Moo. The Epistle to the Romans.
17 Eric Lane. Proverbs: Everyday Wisdom for Everyone.
18 John Kitchen. Proverbs: A Mentor Commentary.
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DÊ O EXEMPLO
Deus quer que sua vida seja uma tela, a matéria-prima para a produção de uma linda obra de arte. E ele
também espera que essa obra de arte seja exposta, admirada e imitada. Quero falar com você, jovem, em
seus 16, 18 ou 20 anos. Com você que está no ensino médio ou na universidade, ou quem sabe iniciando
sua carreira ou até mesmo se casando. Quero falar com você e quero falar para você.
Há muitas maneiras de investir seu tempo nessa fase da vida, mas a Bíblia me convenceu de que nenhuma
delas é melhor que buscar a santidade. Na carta de Paulo ao jovem Timóteo, você (sim, você!) é chamado a
ser um exemplo para outros jovens e até mesmo para cristãos mais velhos. Ele o chama para dar um
exemplo de maturidade e santidade em sua fala, conduta, amor, fé e pureza.
Junte-se a mim conforme exploramos essas áreas e enxergamos como elas se aplicam ao que você pensa, ao
que você fala, ao que está escondido em seu coração e ao que a sua vida transmite ao mundo.

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O CARÁTER DO CRISTÃO
Seu caráter tem se tornado mais semelhante ao caráter de Cristo? Uma boa forma de iniciar a caminhada da
santidade é compreender e imitar as qualificações e qualidades de caráter que a Bíblia determina para os
presbíteros e diáconos. Enquanto esses são chamados a exemplificar essas características, todos os outros
cristãos são chamados a apresentá-las em suas próprias vidas.
Em “O Caráter do Cristão”, Tim Challies explora a Bíblia para considerar como podemos apresentar as
virtudes cristãs mais elevadas e, assim, nos encorajarmos mutuamente em amor e boas obras, à semelhança
de Cristo.

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