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Vitória
2009
RAQUEL FERREIRA MIRANDA
UFES
Vitória, Agosto de 2009
Aos meus pais, pelo incentivo ao estudo, apoio
e por tudo que me ensinaram.
Aos meus amados irmãos, Lídia e Rafael, pela
presença constante, apoio e incentivo a cada
passo e a cada conquista.
E às minhas amadas sobrinhas Laura e Alice.
AGRADECIMENTOS
À professora Íris Goulart, por quem tenho grande admiração, exemplo que tento
seguir. Obrigada pela amizade, parceria e incentivo constante.
À Flavia Vaz, amizade especial construída durante este período, e aos demais
colegas da pós pela pequena, mas engrandecedora convivência.
RESUMO
ABSTRACT
INTRODUÇÃO...................................................................................................... 15
CAPÍTULO I.......................................................................................................... 18
1. RELACIONAMENTO INTERPESSOAL...........................................................18
CAPÍTULO II......................................................................................................... 39
2. COOPERATIVISMO..........................................................................................39
CAPÍTULO III........................................................................................................ 63
CAPÍTULO IV........................................................................................................78
4. METODOLOGIA............................................................................................... 78
5. CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO.............................................................85
5.2 A COOPERATIVA............................................................................................ 92
5.3 PARTICIPANTES..............................................................................................96
7.2 O RESTAURANTE.........................................................................................125
11.3 CONFIANÇA................................................................................................157
11.4 COMUNICAÇÃO...........................................................................................157
12.1 MICRO-AMBIENTE.......................................................................................157
12.2 MACRO-AMBIENTE......................................................................................157
RELACIONAMENTOS........................................................................................157
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................157
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................157
ANEXOS..............................................................................................................157
LISTA DE TABELAS
social......................................................................................................................23
de Participação Acionária
INTRODUÇÃO
mais pobre que não se encaixa no perfil de trabalhador exigido pelo mercado.
presente estudo das relações interpessoais foi baseado no modelo proposto por
relacionamentos.
em uma região de baixa renda da cidade, a Ilha das Caieiras. Ao longo de oito
CAPÍTULO I
1. RELACIONAMENTO INTERPESSOAL
diferentes perspectivas teóricas. Henry Sullivan, por exemplo, era psiquiatra e sua
19
principal contribuição para a área foi sua obra sobre relacionamento interpessoal
e sua principal obra sobre o tema (Psicologia das Relações Interpessoais) foi
teóricas. Dentre eles destacam-se Steve Duck e Robert Hinde. Steve Duck teve
países sul-americanos.
21
seus principais textos sobre esta área de investigação foram publicados como
produção na área. Para tanto, organiza cerca de 1600 textos sobre o tema,
lugar, e ainda mais importante, é a orientação teórica que Hinde propõe para os
estudos na área influenciado pela Etologia Clássica, cujos principais autores a ela
ligados, Konrad Lorenz, Niko Tinbergen e Karl von Frisch, foram laureados com o
interpessoal (em particular de Konrad Lorenz, John Bowlby e Robert Hinde) foi
Sociedade
Grupo
Relacionamento
Estrutura Sócio-
cultural Ambiente
Físico
Interação
Comportamento
do Indivíduo
Processos
Psicológicos
Figura 1: Relações dialéticas entre níveis sucessivos de complexidade social (Hinde, 1997)
relacionamentos.
ambiente físico e biológico em que está inserido como é influenciado por eles. O
que é preciso vê-los não como entidades estanques, mas como processos que se
a qual é influenciada pelo tipo de grupo a que está relacionada. Assim, cada um
Moura, 2001).
múltiplos usos. É usado para definir ações, relações entre indivíduos, ou como um
determinado fim (Frantz, 2001). Assim, para este autor, pode-se definir a
comuns.
27
que têm sido realizados buscando discutir como a cooperação pode ser mantida
em grandes grupos (Messick & Liebrand, 1995; Buskens & Snijders, 1997).
recursos (Booth, 1984; Wade, 1987). Entretanto, outras pesquisas não têm
contexto de dilema social. Segundo Parks (2000), um dilema social pode ser
definido como uma situação na qual um grupo de pessoas pode decidir entre
aos participantes que optem por uma escolha cooperativa ou outra não
cooperativa (Hopthrow & Hulbert, 2005). De acordo com Parks (2000), os estudos
para a cooperação.
comunicação dentro do grupo tem sobre a escolha cooperativa (Kerr & Kaufman-
Gilliland, 1994; Cotterell, Eisenberger & Speicher, 1992; Isaac & Walker, 1988): a
cooperação mútua.
cooperação entre colegas de trabalho torna a tarefa e sua execução mais fáceis
benefício, à não cooperação, às vezes, é motivada por ganância e, por vezes, por
diminuem.
A cooperação também pode ser afetada pela identidade do grupo (Kerr &
Kaufman-Gilliland, 1994; Orbell, Van De Kragt & Dawes, 1988). Esse fator pode
(Gaertner, Dovidio, Rust, Nier, Banker & Ward, 1999; Worchel & Norvell, 1980).
conjunto em projetos locais (Nasciutti, Dutra, Matta & Lima, 2003). Dessa
social.
32
bens e riquezas. Porém o cooperativismo, por isso mesmo, como prática social
agressivos.
à agressão.
Além disso, Deutsch (1949, citado por Danheiser & Graziano, 1982)
expectativas sociais.
pertencimento constituído pela família, tribo, ou nação. Já nas culturas por ele
& Zhou, 1999; Finkelstein, Allen & Rhoton, 2003), sobre similaridade e
(Smith, Hamington & Neck, 2000; Pelled, Xin & Weiss, 2001; Yang & Mossholder,
podem ser citadas as influências do contexto nas trocas entre líder e membro
atitudes do subordinado (Smith & Canger, 2004), efeitos do estilo cognitivo sobre
a troca entre líder e membro (Allinson, Armstrong & Hayes, 2001), e, a influência
aplicados à liderança. Berson, Dan & Yammarino (2006), por exemplo, abordaram
argumentam que indivíduos com apego seguro – que mostram mais confiança
são os que mais ajudam aos outros, e tendem a ser independentes e confiáveis –
conflito disfuncional.
(Joplin, Nelson & Quick, 1999), relacionamento romântico (Foley & Powell, 1999),
agressividade (Greenberg & Barling, 1999; Grandey, Dickter & Sin, 2004),
competição (Kahalas, 2001), e, emoções (Fitness, 2000). O apoio social tem sido
Homant, 2004), com o estresse (Beehr, Jex, Stacy & Murray, 2000; Stephens &
37
confiança nas relações também é investigada (Atkinson & Butcher, 2003; Ferres,
Connell & Travaglione, 2004), assim como a amizade (e.g. Markiewicz, Devine &
contudo, tem sido reconhecida por diferentes autores. Sato (1999), por exemplo,
organização sempre será aquilo que as pessoas nela envolvidas fazem e/ou
políticos que dão forma aos objetivos e orientam as práticas. Em função disso,
esse motivo, Sato (1999) argumenta que uma organização cooperativa deve estar
CAPÍTULO II
2. COOPERATIVISMO
cooperativismo representa outra importante parte deste trabalho. Este item tem
sua origem no latim opus, operis, que quer dizer trabalho, efeito de trabalho,
com base no princípio “um homem, um voto” por meio da Assembléia Geral de
Marie Charles Fourier, Willian King e Jean Joseph Charles Louis Blanc (Klaes,
acessíveis; proibição do trabalho para menores de dez anos; abriu uma escola
(Pinho, 1982). Owen considerava que a reforma social seria alcançada por
1828, uma revista mensal denominada The Co-operator, na qual disseminava sua
(Nascimento, 2005). Sua idéia central era que a sociedade deveria ser organizada
2001).
43
Estado e via nas associações uma forma de organização produtiva que poderia
mulher identificada pelo nome de Anee Tweedale. O contexto da época indica que
original pode ter sido uma estratégia de sobrevivência daquele grupo, em virtude
2005).
permanecem inalterados.
(Namorado, 2003).
a falta de transporte isolava as regiões umas das outras. Ainda segundo o autor, o
como também procurou incentivar sua criação (Cruz, 2002). É a partir desse
46
momento que as cooperativas no Brasil passam a ter uma dupla origem: uma
cooperativas.
cooperativas (Cruz, 2002). A renda obtida pelo cooperado não é um salário fixo,
atribuições.
marcado pela trajetória ascendente dos pinheiros que se projetam para o alto,
levam os seus valores à prática. São eles: 1) adesão voluntária e livre; 2) gestão
política e religião têm liberdade para se associar a uma cooperativa. Ser sócio é
Cada cooperativa elabora sua norma, estatuto e regimento interno, que servirá de
sócio tem direito a um voto ou, como se diz, cada homem equivale a um voto, o
Integralizam o capital social através de cotas partes. Uma parte deste capital é
sendo que outros fundos podem ser criados em assembléias gerais. As sobras
que devem decidir sobre suas atividades, objetivos e missão. Não há interferência
2002).
50
2002).
primeiro grau são conhecidas como singulares, sendo seu quadro social formado
deste ramo ocorreu a partir de 1907, por obra de João Pinheiro, governador de
1982; Gawlak & Turra, 2002). O ramo de crédito teve sua primeira cooperativa em
1902, no Rio Grande do Sul, onde foi criada a Caixa Rural de Nova Petrópolis,
uma iniciativa de Teodoro Amstadt, um padre jesuíta (Guimarães & Araújo, 1999).
do cooperativismo.
uma alternativa ao capitalismo? Isto não será objeto deste estudo, mas
de renda e, por isso mesmo, ela estaria sendo utilizada como estrutura
(Alcântara, 2005, Santos, 2002, Singer, 2001, Singer, 2000). Machado e Ribas
Nardi, 2006). O capital da empresa solidária é possuído pelos que nela trabalham
e apenas por eles. Trabalho e capital estão fundidos porque todos os que
trabalhadores, para que todos tenham o mesmo poder de decisão sobre ela.
Empresas solidárias são, em geral, administradas por sócios eleitos para a função
partir de 1981 e se agrava no início dos anos 1990 com a abertura de mercado
da Economia Solidária têm sido realizados tanto por instituições públicas, quanto
identitário.
como:
Singer (2002) ressalta que há pessoas que não apresentam uma inclinação
participar deste tipo de gestão, sem consciência real do seu papel e nem mesmo
estes tipos de empreendimentos. Esta autora ainda observou que mesmo que os
mais descontraído.
perspectiva tem sido defendida por Paul Singer, para quem as cooperativas de
que não possuem qualquer característica de tal organização e por isto são
sociais de seus próprios sócios. Na cooperativa não há salário mínimo nem Fundo
face das adversidades atuais. De outro, a visão segundo a qual, em boa parte dos
trabalhadores.
(Tabelas 1 e 2).
Tabela 1
Números do Cooperativismo por Ramo de Atividade (31/12/2008)
Ramo de Atividade Cooperativas Associados Empregados
Trabalho 1.746 287.241 4.997
Agropecuário 1.611 968.767 134.579
Crédito 1.113 3.215.866 38.796
Transporte 1.060 90.744 7.640
Saúde 894 215.755 47.132
Habitacional 340 78.983 1.354
Educacional 327 57.331 2.980
Produção 215 11.931 2.442
Infra-estrutura 148 623.431 5.664
Consumo 138 2.316.036 8.813
Mineral 53 19.975 105
Turismo e Lazer 22 1.116 44
Especial 15 531 10
TOTAIS 7.682 7.887.707 254.556
Fonte: Sistema de Informações – OCB
62
Tabela 2
Números do Cooperativismo por Ramo de Atividade (31/12/2006)
Ramo de Atividade Cooperativas Associados Empregados
Trabalho 1.874 413.777 5.595
Agropecuário 1.549 886.076 123.890
Crédito 1.102 2.462.875 30.396
Transporte 896 74.976 5.431
Saúde 888 349.474 34.738
Habitacional 371 83.633 1.153
Educacional 327 69.786 2.808
Produção 200 20.631 463
Infra-estrutura 161 624.812 5.462
Consumo 144 1.820.531 7.463
Mineral 45 17.628 83
Turismo e Lazer 22 3.509 31
Especial 12 972 6
TOTAIS 7.603 7.393.075 218.415
Fonte: Sistema de Informações – OCB
de produção (ramo em que atua a cooperativa que é objeto de estudo desta tese)
proprietários.
63
CAPÍTULO III
cooperado.
vista que esta opção de trabalho, mais que uma alternativa voluntária, reflete um
fracasso.
tratar de um tipo de organização que leva seus sócios a viverem vários papéis ao
fornecedores. Este quadro seria agravado por fatores como o baixo nível de
que o rodízio não é tão sadio quanto poderia se supor. Veronese (2008) também
se refere à liderança nas cooperativas como uma questão chave para o êxito dos
66
heterogestão.
progresso real nas condições de trabalho desses profissionais, mas sim sua
passiva e pouco efetiva nas decisões, pois participam muito pouco, procurando se
envolver apenas o suficiente para a realização do seu trabalho, como faziam nas
foco dos cooperados ainda está no ganho individual, sem uma visão
falta de formação cultural para organizar o trabalho e a vida cotidiana com base
a cooperativa pensada e a real. Isto gera conflitos intra e inter-grupais que podem
mais amplo. Como o trabalhador brasileiro não foi preparado para a cooperação
organizacional.
os autores, esse pode ser o fato que impede uma maior qualidade nas relações
interorganizacionais.
esfera produtiva local. Essas relações foram construídas ao longo dos anos,
subjetividade particular.
cada um. Os relatos dos participantes indicam que os encontros foram produtivos
75
empresa.
dos grupos, antes dos trabalhadores ingressarem como sócios da cooperativa (no
noção de níveis de complexidade, de modo que, ainda que nosso foco de estudo
Objetivos específicos:
CAPÍTULO IV
4. METODOLOGIA
mais profundo das relações e processos que não podem ser reduzidos à
qualitativa tem cinco características básicas, sendo elas: o fato de ter o ambiente
as pessoas dão às coisas e à vida são os focos de atenção e a análise dos dados
descritivo e que deve ser organizado de modo a captar dados suficientes para
2002). Segundo Yin (2001: 32) um estudo de caso é "uma investigação empírica
vezes conflitantes pontos de vista presentes numa situação social. Tem como
cotidiano da cooperativa.
80
as cooperadas nos meses de outubro de 2006 a maio de 2007, data do início das
entrevistas.
Os dados foram coletados por meio de observação ‘in loco’ das atividades
rigidamente o roteiro visto que o objetivo principal das entrevistas era permitir que
da cooperativa.
81
pesquisadora, em geral não era preciso e nem mesmo possível fazer perguntas,
dificuldades e superação.
assim como dados sobre a cooperativa nas poucas fontes disponíveis. Quanto
Quadro1.
foi realizada durante cada visita realizada à cooperativa e também nos períodos
recursos materiais.
preparar e desfiar o siri, feito pelas cooperadas que desfiavam como atividade
possível fazer uma breve descrição das tarefas realizadas pelas cooperadas e a
A organização dos dados foi feita à luz da obra de Robert Hinde. Nesse
cooperativa.
Hinde. Assim, parte-se do nível dos relacionamentos (as interações ficam como
relacionamento.
85
5. CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO
leste com os bairros de Santo André e São Pedro. A prefeitura de Vitória dividiu a
“Grande São Pedro”, (Ilha das Caieiras, Condusa, Conquista, Nova Palestina,
Redenção, Resistência, São José, Santo André, São Pedro e Santos Reis) Na
A Ilha das Caieiras aparece nas plantas da Província do Espírito Santo desde
1878. Sua ocupação, que teve início na década de 1920, tem suas raízes na
nas fazendas de Santa Leopoldina que, utilizando os rios Santa Maria e Bubu,
O nome Ilha das Caieiras tem suas origens em dois fatores característicos:
área estava cercada por mangues que por ocasião das marés altas lhe conferia
ou forno onde se calcina a pedra calcária para se fazer a cal. A palavra no plural
vinha das ostras. Produzida em grande quantidade, a cal era ensacada e levada
maior área ocupada e uma parte alta chamada de Morro da Ilha que teve uma
ocupação mais recente após a retirada de terra para a urbanização dos bairros da
parte alta residem os novos ocupantes, que vieram de São Pedro, outros bairros
A maioria das casas da Ilha das Caieiras são próprias, de alvenaria, mas
no setor informal.
apresentados pela prefeitura de Vitória do ano 2000 a Ilha das Caieiras possuía
97,8% destes possuíam água e 70,9% possuíam rede de esgoto e a coleta de lixo
atendia a 91,3%.
Caieiras, em Santo André. Há ainda como espaço de lazer uma praça que contém
geralmente feito pelos homens e o desfio feito pelas mulheres. Logo pela manhã,
em torno de seis e meia, ficam à espera da maré baixar um pouco para lançar na
água os jererês, que são pequenas redes com restos de peixes colocados ali
como isca, usadas para a captura de siris. Elas são deixadas ali flutuando presas
mar. No litoral brasileiro são encontrados 302 espécies de siris, de acordo com
marinha. Siris de seis espécies habitam o litoral do Espírito Santo, mas os três
um local de difícil acesso, pois não havia linhas de ônibus e para ter acesso à Ilha
era necessário atravessar o mangue por meio de uma trilha. Havia um isolamento
“... aqui era mangue, aqui onde eu tô era uma ilha cercada de água e pra
chegar vinha de Santo Antonio e vinha andando num caminho que era
mato, um caminho tipo roça, aqui nós tinha caminho, não tinha rua.”
(C12)
calçamento das ruas, não havia água encanada, nem energia elétrica. A falta de
com a pesca ou desfio de siri era prejudicada pela falta de infra-estrutura, pois
“Aqui na Ilha não tinha água, a gente pegava água debaixo da pedra...
não tinha uma pia em casa, não tinha banheiro, agora é tudo fácil, tudo
bom, tem tudo dentro de casa, naquela época não era assim não.” (C2)
pesca e do desfio do siri que era abundante na região. Ainda hoje este quadro é
se vieram de fora da Ilha são casadas com homens que são nascidos na Ilha.
“Todo mundo mexe com pescado mesmo quem trabalha fora, todo
mundo mexe mesmo que tem outro trabalho são tudo marisqueira,
desfiadeira, outras também pescam e os homens que trabalham nessas
firma de varrer rua também pescam.”(C10)
futebol são também parte do processo de melhoria das condições de vida na Ilha.
“As escolas que fizeram, né, hoje tem várias escolas; asfaltaram as ruas
porque aqui era muito feio, era tudo mangue, aí começaram as asfaltar
fizeram a pracinha, melhorou bastante, eu acho de uns 10 anos pra cá.”
(C1)
“As coisas mudaram muito aqui pra melhor porque as ruas não eram
calçadas, tem creche, tem escola próxima. Agora as crianças já sai com
lanche, mas mesmo assim em casa eles comem.” (C9)
91
preocupação constante das cooperadas: manter os filhos ocupados para que não
elas algo muito positivo apesar de colocar em risco a continuidade da tradição das
5.2 A Cooperativa
outros, na Ilha das Caieiras a partir da concepção do Projeto Terra, que partia de
Poligonais. O Projeto Terra congregava no seu escopo toda população que vivia
sociedade, foi pensado um projeto que atendesse à “cidade formal” e foi intitulado
baixa do bairro por ter um plano de intervenção voltado para orla, mais para a
Caieiras. Até meados da década de 1980, foi importante a atuação de Dona Laura
pescadores em torno desta ação. E foi a partir deste quadro de pouca mobilização
94
população local.
na Ilha das Caieiras. Este espaço foi alugado pela prefeitura de Vitória, com
seis mulheres em cada dia de segunda a sábado, sendo que aos domingos as
atividades, pela mesma presidente eleita na única votação realizada para o cargo,
do mar para realização de pratos típicos da culinária capixaba que podem ser
desenvolvimento local.
parte para quem visita Vitória. Descrevem a tarefa como feminina por tradição,
separam-se a carne das vísceras, guardando o casco para ser vendido como
Movimento, da TV Gazeta.
5.3 Participantes
quatro mudaram-se para o local em função dos maridos serem naturais da Ilha.
Dentre as entrevistadas apenas uma não possui filhos. Apenas duas cooperadas
Pesquisa e ainda apresentaram dificuldade para assinar o nome completo. Quase todas as
cooperadas apresentavam algum laço de parentesco com as outras cooperadas, com apenas
uma exceção.
98
Partici- Natural Idade Estado Civil Filhos Escolaridade / Reside com Entrada na Função na Parentes na
pantes Religião Cooperativa Cooperativa Cooperativa
C1 Vitória/ Ilha 25 anos Casada [não no 1 Sexta série / Marido e filha 2002 Limpeza e Irmã C3
civil] há 2 anos Católica pequenas Tias C4 e C10
compras Prima C8
C2 Vitória / Ilha 66 anos Solteira, mas já 1 Analfabeta / Amiga 1999 Lavar vasilhas e Tia C5 e C12
morou junto. Católica passar as
toalhas
C3 Vitória/ Ilha 26 anos Casada [não no 3 Segundo grau Marido e 3 filhos 1998 Atender aos Irmã C1
civil] há 3 anos Completo / clientes Tias C4 e C10
Católica Prima C8
C4 Vitória/ Ilha 41 anos Solteira 0 Quinta série / Mãe e um 1998 Limpeza Irmã C10 Prima
Católica sobrinho C8
Tia C1 e C3
Cunhada C6
C5 Vitória/ Ilha 29 anos Casada no civil e 1 Primeiro Científico Marido e filho 1998 Atender aos Irmã C12
no religioso há 3 /Católica clientes Sobrinha C2
anos Cunhada C9
C6 Santa 45 anos Casada há 27 4 Oitava série / Marido, 2 filhas, 1998 Atender aos Cunhada C4
Leopoldina anos [não no civil] Católica genros e clientes C10
Marido da Ilha 2 netos.
C7 Aldeia /MG 56 anos Viúva / Casada há 12 Oitava série / Marido e 2 filhos 2000 Ajudante de Não tem.
Marido da Ilha 19 anos [não no Católica cozinha
civil]
C8 Vitória/ Ilha 26 anos Solteira, possui 1 Segundo grau Pai, mãe, irmão, 1998 Cozinheira Prima C1 e C3
um filho Completo / filho. Tias C10, C4 e
Católica C11
C9 Vitória 38 anos Separada, 6 Primário / 6 filhos e 1 neto 1998 Cozinheira Cunhada
Marido da Ilha Católica C5, C12
C10 Vitória/ Ilha 43 anos Casada há 30 6 Quinta série / Marido, 3 filhos 1999 Cozinheira Irmã C4
anos no civil Evangélica Tias C1 e C3
Prima C8
Cunhada C6
C11 Rio de Janeiro 36 anos Casada há 20 2 Primário / Marido, 2 filhos 1998 Atende aos Tia de C8
Marido da Ilha anos no civil Católica Clientes
C12 Vitória/ Ilha 44 anos Casada há 26 3 Sétima série / Marido, 2 filhas, 1998 Compras e Irmã C5
anos no civil Católica filho e nora Caixa Cunhada C9
Sobrinha C2
Madrinha C1
Quadro 1: Dados Sociodemográficos
99
enfoque não somente no relacionamento, mas também nos indivíduos que dele
de vida destas mulheres, cada entrevista foi marcada pelo relato de uma vivência
C1
C1 tem 25 anos e nasceu na Ilha das Caieiras. Estudou até a sexta série.
Seu pai também é natural da Ilha, mas a mãe é de Santa Leopoldina, tendo se
mudado para a Ilha após o casamento, há 30 anos. Tem cinco irmãos, sendo que
junto, mas tenho uma filha com outro homem, ele não queria, me mandou tirar,
ele vivia no mundo das drogas, mas eu não quis tirar.” Tem uma filha de seis
tem contato freqüente com a menina. Não tem filhos com o atual marido que é
gari. Mora de aluguel, no Santo André, bairro que fica ao lado da Ilha. A vida em
casa não é fácil. A filha tem se mostrado muito agressiva, agitada e ela atribui seu
100
agressões físicas do padrasto à mãe: “eu já até conversei com a psicóloga que
tinha no posto porque ela vê muita briga minha, discussão com meu marido e aí
ela fica tremendo , ela fica cheia de medo dele, né, porque ele me bate. Tem
quatro anos que eu vou fazer com ele, ele bebe, fica agressivo, chutou meu
guarda-roupa novinho, quebrou, minha cama tá toda ruim, na minha televisão ele
nos finais de semana quando o marido chega bêbado em casa. Apesar de relatar
de separação.
atividades na cooperativa e recebia uma ajuda financeira de uma irmã por esses
cuidados. Às vezes, desfiava siri. Relata que nunca gostou de desfiar, o que faz
lentamente, conseguindo ganhar pouco com o desfio. Em 2002, foi orientada pela
isso, tem tentado vagas na área de serviços gerais: “eu já botei vários currículos,
agora é esperar chamar, né? É muito pouco que eu ganho, eu botei currículo ali
C2
Analfabeta, possui uma história de vida peculiar, a começar pelo relato que faz do
próprio nascimento: “eu nasci, ocupei oito parteira e eu não larguei o choro, então
eles me levaram pro cemitério dentro de uma caixinha de sapato, as parteira que
cima e é eu que estou aqui, ocupei oito parteira. Eu e a mamãe quase morremo
porque ela tomou um susto da vaca porque ela foi fazer xixi e não tinha banheiro
na época aí ela assustou e eu nasci.” C2 nasceu na Ilha, assim como seus pais.
nasceu, a vida era muito precária na Ilha, pois não havia luz elétrica, água
sofreu até retornar à casa dos pais. Já na infância trabalhava com o desfio de siri
para ajudar em casa: “eu desfiava siri na rua pra mim sobreviver, eu comecei a
desfiar siri pros outros eu acho que eu tinha uns dez anos e já ganhava aquele
né?” Mas, na época, o desfio do siri e demais mariscos não era garantia de
para a sobrevivência das famílias: “Eu trabalhei tanto nesse mar pra tirar ostra
nos meio do canal, sururu e trazia pra vender, só que tem a gente não tinha lucro
102
companheiro e com ele um casal de filhos. A filha faleceu dias após o parto,
situação retratada por ela como relativamente comum para a época em função da
assim, eu tive a menina na sexta e no sábado ela foi dá banho aí ela deu banho e
condições precárias “eu morava num barraco que era num barranco e aí eu caí e
vim rolando, rolando e aí fique com a coluna ruim, aí quando vira o vento sul eu
C2 tem para o trabalho apesar da idade, sendo esta disposição para trabalhar
morando na casa de uma amiga, de quem aluga um quarto. Tem uma vida
entrada nos meu papel, mas surgiu um problema aí e parou porque diz que nos
meu papel fala como se eu fosse uma empresária aí e eu não sou nada, mas aí
eu não consegui aposentar”. Isto traz uma grande frustração, pois, dentro da sua
esperado para conseguir uma melhoria de vida. O filho está tentando por meio de
um advogado provar que ela tem o direito à aposentadoria, mas ela não consegue
103
explicar como está o processo. C2 vive com o dinheiro que recebe na cooperativa
e do siri que às vezes desfia em casa. Ela mesma lava as roupas e cuida da
filhos. Relata que não se envolveu mais com ninguém “porque eu fiquei com
trabalhar, ganhar meu dinheirinho, não quero saber de homem não. Eu não gosto
sobrinha. Teve medo, no início, de entrar e não dar certo porque já sabia de
filho a incentivou a entrar e ela achou que era uma oportunidade de ganhar um
pouco mais. Hoje diz que nunca saiu e não sai mais da cooperativa porque
considera a cooperativa como sua casa. Tem vontade de trabalhar e ainda brinca
que tem mais ânimo para o trabalho que suas colegas mais jovens. O que C2
as mesas.
C3
C3, 26 anos, tem o segundo grau completo e é irmã de C1. Nasceu na Ilha
e tem três filhos: um menino de oito anos cujo pai era usuário de drogas e faleceu
em função disso; um menino de cinco anos cujo pai também tem envolvimento
104
com drogas e não ajuda na criação do filho; e, uma menina de um ano e três
meses, filha dela com o atual companheiro que é gari e ajuda na criação dos
demais filhos. Apesar das dificuldades que enfrenta para criar os filhos, C3
apresenta-se muito tranqüila e otimista. Conta com a ajuda da mãe nos cuidados
com as crianças e usufrui das melhorias ocorridas na Ilha nos últimos anos, como
cooperativa, tinha como atividade o desfio do siri, mas não se acha uma boa
desfiadeira: “Desfio desde os 13 anos e desfio uns 3 quilos e meio por dia, mas
quem é rápido desfia 10 quilos.” Contou com o apoio dos pais quando iniciou as
pessoas: “Foi bom pra mim também porque eu fiquei menos tímida, mais certa
restaurante.
C4
na cooperativa. O seu nascimento é visto por ela como um milagre e está envolto
no risco de vida e no problema de uma perna mais curta que a outra que a
acompanha ainda hoje: “Eu nasci e cabia numa caixinha de sapato. Essa perna
aqui tem problema. Foi milagre porque eu nasci em casa e a minha mãe tava
105
muito doente. Eu nasci pequenininha e com a perninha com problema. Foi Deus
que me deu a vida.” Nasceu na Ilha, assim como seus pais. Estudou até a quinta
série e parou por não ter condições de comprar material de estudo e nem de arcar
com o custo do deslocamento até a escola que, na época, ficava fora da Ilha.
desfio de siri e na aposentadoria que era de seu pai. Apesar de ser solteira, não
se considera como tal porque é apaixonada por uma pessoa. Não tem
mais de 20 anos, mas não deu certo porque ele era casado, mas se ele tivesse
comigo ele tava numa boa, ele conversava comigo e eu falava que ele tinha que
melhorar, parar com a cachaça, ele era uma pessoa muito boa, mas a minha
esperança é a última que morre.” A relação que estabelece com esta pessoa
parece estar próxima de um amor platônico, pois não tem contato com ele e se
baseia em relatos de sonhos para explicar que acredita que ele gosta dela, mas
prefeitura para criar uma cooperativa na Ilha. Participou desde o início das
atividades e nunca saiu da cooperativa. No início, a mãe não queria que ela
participasse, mas depois apoiou: “Mãe não gostava não, mas eu falei que tinha
106
que procurar o que fazer porque ela queria que eu ficasse só em casa fazendo as
coisas pra ela. Agora minha mãe acha bom.” Com a participação na cooperativa,
pelo trabalho que desenvolve, pois não sentia o reconhecimento da mãe pelo
trabalho doméstico que realizava em casa, bem como mantinha pouco contato
banheiros.
C5
maneira muito articulada, fala alto. É casada no civil e no religioso com o primeiro
e único namorado que teve, fato muito valorizado por ela, pois diz não ser muito
comum a união oficial entre os casais na Ilha. Tem um filho de um ano e seis
meses que considera um milagre, pois na adolescência teve que fazer cirurgia
para retirar um ovário. Em função da cirurgia e porque não dava muito valor ao
mas hoje percebe a falta que o estudo faz e pensa em retomar: “Mas hoje eu
penso em voltar e fazer faculdade, eu acho que vou voltar, eu tava até
conversando com meu marido ou até fazer um supletivo.” O pai era muito rígido e
casamento. Não saía de casa sozinha e sabia que não podia namorar porque ele
não deixaria e ela não queria namorar escondido como as irmãs, até que
conheceu o atual marido que se dispôs a ir até a casa dela e pedi-la em namoro.
Com três meses de namoro ficou noiva. O noivado durou dois anos, mas enfatiza
107
que não mantinham relação sexual neste período. O tempo foi necessário para
construírem uma casa ao lado da casa da sogra: “...meu pai nunca deixou a gente
passear na rua de mão dada, só no dia do cursinho de noivo com dois anos e um
mês. E isso ele agüentou porque ele já era vivido e dormia com outras mulheres,
mas aí casei virgem, em janeiro de 2004. Casamos no cartório pra gente casar no
civil no Ação Global pra não pagar e eu não fui pra casa dele não. Quando foi 27
de março casei na igreja e fui pra casa que ele construiu no São Pedro V. ” O
antes do casamento dizia que ela não poderia continuar na cooperativa porque
não achava certo ela ficar junto com um monte mulheres atendendo gente de
fora. Mas depois do casamento ela disse que queria continuar e ele não se
importou.
casa “...desde cinco anos eu desfio siri, mas eu não sou muito rápida não.”
Apesar de ter nascido na Ilha, não gosta de frutos do mar e muito menos de siri,
C6
chegou, nunca tinha visto siri e foi aprender o desfio com a sogra, que também é
conseguiram construir uma casa. Duas filhas se casaram, mas não tinham
cômodos para que as filhas pudessem morar: “minhas filha arrumou marido e
marido novo é preguiçoso aí o quê que eu fiz, separei a casa de cima, terminei
por dentro e dividimo pra elas com três cômodos pra cada uma e um banheiro no
meio.” A terceira filha: “mora num morro, mas eu mesmo não fui lá não, ela paga
das filhas estava passando por sérios problemas em função do uso de drogas.
Estudou até oitava série e fez curso de assistente de enfermagem ainda quando
“entrei no início... só que teve uma época que eu me afastei porque eu já tinha
pesado.”
109
expõe esta insatisfação por considerar que isto não seria bem recebido pela
presidente.
C7
pai bebia muito, batia na mãe e esta deixou a casa levando os filhos e deixando
com o pai as filhas. Segundo ela era o costume local: “quando eu era bem
mas aí o meu pai bebia muito e o juizado de menor tirou as duas filhas do meu pai
e meus irmãos homens fico com a minha mãe.” Ainda criança passou por
momentos em que tinha que ficar na rua fugindo do pai que ficava muito
agressivo em casa: “eu já fui quase menino de rua, já dormi na rua, já fui quase
estuprada quando eu era criança.” Aos 11 anos casou com um engenheiro que
era quase 30 anos mais velho e mudou-se para Belo Horizonte. Não sabia que
iria se casar. Pensava que seria adotada. Não sabia que teria que dormir com um
homem: “(...) fui criada no juizado de menores onde eu casei com 11 anos de
idade... eles me passou como se fosse uma mercadoria, eu falo que eles me
vendeu (ri um pouco) porque eu nem sabia, eu sabia que ele ia me adotar, aí
110
depois que eu fiquei sabendo que era um casamento já era quase no dia.” Logo
que casou engravidou, mas não entendia bem o que estava acontecendo. A
família do marido não a tratava bem e ele, apesar de dar roupas boas, de levá-la
lembrá-la de onde ela tinha saído. Apesar de viver entre o ter muito e ser
humilhada, durante vinte e cinco anos viveu com ele e teve dez filhos. Tinha
períodos em que ficava muito triste e chegou a tomar vários remédios e se trancar
humilhações e não tinha forças para se separar dele e deixar os filhos porque não
queria abandoná-los: “...eu tomei veneno eu já tinha 19 anos de casada, meu filho
já tava grande porque meu filho nasceu quando eu completei 12 anos de idade.”
ter casado com ela quando ela ainda estava no juizado de menores, em Aldeia. O
encontro foi casual, mas a partir desse momento a sua vida tomaria um novo
rumo: “esse meu atual marido eu já conhecia desde a época do juizado de menor,
ele que queria casar comigo na época só que esse era muito pobrezinho e não
tinha nada e para tirar uma menina do juizado tinha que ter bens financeiros.
mulher dele que a gente foi se vê por acaso.” Apesar de ter tentado evitar, C7
teve que deixar os filhos com o ex-marido porque não teria condições de mantê-
los e os filhos mais velhos também não aceitaram o fato de ela se relacionar com
não aceitavam o fato dela estar com outra pessoa. Em função disto perdeu o
contato com os filhos. O mais novo ainda era um bebê e o ex-marido ganhou na
111
justiça a guarda dele: “...eu tinha um bebê e ele entrou na justiça e ganhou o
direito de ficar com o bebê e me tirou ele. Minha filha mais velha revoltou comigo
também e chegou até pegar um revolver pra mim, os filhos que eu criei sozinha
porque ele só ajudava com dinheiro porque ele ficava meses fora de casa porque
ele tinha outras mulheres.” Reencontrou este filho quando ele estava com 12
anos. Uma antiga amiga o levou à Vitória para passar férias e entrou em contato
com ela. Dos demais filhos, apenas duas filhas mantêm contato esporádico com
ela. Mudou-se para a Ilha porque ficaria próxima da família do atual marido.
também vendia cerveja na praia. Até que disse a uma vizinha, que é cooperada,
No início, o marido não queria que ela entrasse porque achava que a cooperativa
segundo casamento teve dois filhos e, apesar de viver muito bem com o marido,
há cerca de dois anos ele estava bêbado e a agrediu fisicamente com muita
violência. A partir deste momento descobriu que tinha diabetes e relaciona o início
da doença ao choque que teve em função da violência que sofreu. A partir disso,
passou a não aceitar mais o marido em casa “...eu não queria deixar ele voltar
porque parecia que eu tava olhando no espelho e vendo meu passado, tava
repetindo aquelas pancada, meu pai me espancava tanto que eu dormia no mato
112
e aquilo ali tava repetindo tudo, eu queria vender minha casa, botei placa. Aí eu
filho chorava junto comigo, olhava as marca no meu corpo, mas me marcou mais
por dentro do que por fora.” Foi a intervenção da presidente da cooperativa que
para ajudar nas despesas, pois o marido não consegue um trabalho fixo. Ele
vende picolé.
C8
os pais, ela passa os finais de semana com a namorada, que sempre a ajudou
muito na criação do filho. Em função de o filho ser fruto de uma única relação
DNA: “o nascimento do meu filho foi uma mudança muito grande, ele não foi
preconceito muito grande. Aí eu fui fiquei com um cara uma vez até pra ver se eu
ia mudar de opção, transei de camisinha e tudo e até que ele não acreditou que o
filho era dele, aí teve que fazer DNA e tudo e saiu agora em março e ele viu que
próprio dinheiro e com isso maior independência dos pais. Entrou para a
cooperativa com dezoito anos. Participou das reuniões iniciais. Na época, a mãe
também participava da cooperativa, mas depois achou que não valia à pena e
saiu. O pai de C8 não gosta que ela participe. Acha que não tem futuro e que
curto por ter mudado para Vila Velha. Tem tias e primas trabalhando na
cooperativa.
C9
C9 tem 38 anos e estudou até a quarta série. Tem seis filhos e uma neta.
Mudou para a Ilha há 16 anos porque o ex-marido é natural do local. Ela passou
por muitas dificuldades. Houve momentos que não tinha o que comer em casa.
Separou-se do marido e recebe uma pequena ajuda dele, mas ainda assim não
vestir os filhos: “Eu vim pra cá pra sobreviver porque antes eu tava passando
muita necessidade, era fome, era fome que eu passava.” Entrou na cooperativa
desde o início das atividades e saiu durante o período do pós-parto do último filho
que está com dois anos de idade. C9 não tem parentes na Ilha, mas três parentes
a bolsa-família: “eu vim pra cá e deixei três crianças pequenas em casa, uns vão
pra escola e quando dá meio dia pegam um na creche e de tarde outros dois.
Hoje eu tenho bolsa-escola que me ajuda um pouco porque tem vez que nem um
114
salário mínimo a gente tira, é só trabalhar pra comer mesmo, meus filhos não têm
hora de lazer não, nem eu não tenho.” C9 não sabia trabalhar com pratos típicos
porque, apesar de ser natural de Vitória, não aprendeu a fazer pratos com peixe e
mariscos com a mãe. Aprendeu depois que mudou para a Ilha. Por isso não se
considera boa desfiadeira, se acha muito lenta. Aprendeu a fazer os pratos típicos
peixe eu não sabia fazer não era porque cada região tem um...um... um tipo de
como fazer a comida, mas hoje já faço de tudo e recebo elogio de todo lado.”
foi uma possibilidade de obter uma renda e ter um local de trabalho, sentir-se
acolhida e útil.
C10
C10 tem 43 anos e é casada há 27 anos. Tem seis filhos e três netos.
Nasceu e sempre morou na Ilha. A vida de C10 não tem sido fácil. Ainda
adolescente, casou-se e teve filhos, mas o casamento foi marcado pela violência
do marido e pelas fugas que tinha que fazer durante a madrugada quando ele
chegava bêbado e a espancava: “...ele saía pra rua e quando chegava em casa
de madrugada ele me tirava da cama, eu fingia que tava dormindo porque não
tinha luz, era de lamparina aí eu ficava quietinha com a minha criança e ele
chegava da rua já me batendo e minhas crianças saia de casa correndo pra casa
da minha mãe e eu pulava a janela e ia nadando pela maré até a casa de minha
pesca no mangue e da ajuda dos familiares para sobreviver, pois o marido não
115
sustentava a casa. Durante os anos de agressão, C10 saía de casa por alguns
dias, mas acabava voltando porque ele ameaçava os filhos. Ele não deixava os
filhos acompanhá-la, bem como acreditava que não deveria se separar, que Deus
parar com as agressões físicas, apesar das agressões verbais continuarem: “até
o dia que eu resolvi a reagir ele nunca mais encostou a mão em mim pouco
tempos atrás eu tive que dar uma paulada nele. Eu não sei como eu tive essa
coragem, Raquel, ele tocava fogo nas minhas roupas, meus calçados porque eu
sempre ganhei as coisas dos outros, aí nesse dia eu não agüentei, ele já me
deixou toda roxa, quebrou esse dedo meu, aí eu peguei o pau e as irmãs dele
tudo perto desfiando siri e eu falei se ele vir me bater eu vou socar a cara dele
porque eu já tava já, só Deus que sabe, dentro da igreja, né, eu falei ai Deus você
vai me perdoar, mas eu não vou deixar barato não, aí eu peguei, Raquel, dei uma
cacetada e quebrei o braço dele. Aí veio todo mundo em cima de mim, aí eu falei
não se mete porque quando eu tava apanhando ninguém vem me acudir e todo
mundo vendo, aí ele falo ai, você quebrou meu braço, aí eu falei assim não era só
pra mim quebrar seu braço não, era pra mim te matar porque já tô cansada de
sofrer. Aí ele parou de me bater, nunca mais encostou a mão em mim, aí eu falei
se eu soubesse que você ia parar de me bater já tinha acertado a sua cara muito
queria que ela trabalhasse na cooperativa. Tem uma irmã e duas sobrinhas na
cooperativa. Além do que recebe na cooperativa, ainda desfia siri e recebe oitenta
116
reais de bolsa-família, dinheiro que tem usado para comprar camas para os filhos
C11
e 13 anos. O marido é natural da Ilha mas C11 nasceu no Rio porque o pai era
trabalho. Quando tinha quatro anos mudou-se para Ilha. O marido é pescador.
em Jardim da Penha. Começou a desfiar siri com 12 anos porque era uma
possibilidade de renda para a família. Estudou até a quarta série porque os pais
porque eu não trabalhava, comecei a desfiar siri aqui na Ilha quando era nova,
mas não sabia fazer nada direito, ... eu era tímida e não gostava de conversar e
hoje eu sou atendente aqui.” Os filhos não trabalham com pesca ou desfio e ela
não quer que eles tenham a mesma vida dos pais. Tenta incentivá-los a estudar
e, para isto, buscou bolsa para a filha em uma escola privada fora da Ilha.
C12
C12 tem 44 anos e é natural da Ilha. É casada há 26 anos e tem três filhos,
porque não tinha escola na Ilha e isto inviabilizava a continuidade devido aos
117
custos com ônibus e material. O estudo também não era valorizado pelas
Apesar de não ser comum mulheres pescarem, com 16 anos ela já pescava
incomodava em pedir: “Mas papai deixava eu porque ele sabia que eu sabia
remar, ele confiava que eu sabia me virar porque quando o tempo virava eu
alguém que tava do meu lado,eu não tinha vergonha, eu pedia, eu falava: ‘eu não
consigo mais remar você me ajuda?’” Sempre foi comunicativa e muito ativa para
casa, era referência para os irmãos. Casou-se nova porque, na época, o pai não
tempo, mas o marido não gostava, pois o ambiente era masculino e ela logo
renda. O marido pesca, mas o filho não seguiu a profissão do pai, trabalha como
siri:“não quero meus filhos pescando porque gostaria de dar ao meus filho uma
vida melhor, eu quero que meus filho cresça mais que eu.”
afastou-se por algum tempo em função das brigas que aconteciam. Retornou
eleita para assumir a presidência. Contudo, seu marido achava que o risco de ela
marido nunca gostou da cooperativa, ele achou que pelo meu jeito de ser eu ia
118
documentos ficaram com um antigo contador que foi indicado pela OCB/ES.
Creche Magnólia, em uma tarde para tratar da criação de uma cooperativa para
uma rotina, de prestar conta do que fazem e não havia o interesse. A partir deste
Projeto Terra, implementados pela Secretaria Municipal de Ação Social. Mas não
alguns momentos houve a paralisação dos trabalhos porque não tinham recursos
ganhavam com a venda dos salgados. Com isto, não tinham condições de investir
“... na época era negócio de salgado, não mexia com desfiamento de siri
não, era tudo assim: salgadinho de siri, de camarão, de sururu,
entendeu? Era tudo do mar. Aí disso foi falado, vocês vão ficar num
galpão até construir o lugar. Aí a gente trabalhou numa laje alugada,
num terraço um tempo e fazia, mas era muito salgado e ganhava muito
121
“...cada dia uma era presidente, uma confusão só igual a siri na lata, era
tudo agitado. Era assim, dividia os lucros e não sobrava nada, eu acho
que é assim até hoje, a gente ainda não conseguiu assim... resolver
isso.”(C11)
na época, com quase a totalidade dos votos. Havia 49 mulheres trabalhando com
salgados e ela obteve 47 votos, apenas as duas outras candidatas não votaram
Senac, mas relataram que não havia registros destes cursos, de quem ministrou
“Aí elegemo a presidente numa reunião na igreja porque pra passar pra
cá tinha que ter diretoria, negócio de secretário, presidente e aí ninguém
queria se candidatar.” (C4)
secretários, conselho fiscal, ou seja, inicialmente foi montada uma estrutura que
122
realizada para escolha das lideranças e por mais que apresentem uma cooperada
como vice-presidente, ela não tem nenhuma atividade específica. O que ocorre é
que, frente a alguma crítica, a presidente diz que irá colocar o cargo à disposição
e, com isso, as demais se calam. Efetivamente, não sabem precisar o tempo, mas
“Então eu falei assim, já que nós três candidatamo, mas só eu fui eleita
eu gostaria que você fulano seria do conselho fiscal. ‘Ah, pelo amor de
Deus’. Aí eu não deixei falar e você também fulano. ‘Ah, mas eu não sei
nada, eu tenho medo’. Aí eu falei assim: oh, formamos a chapa e fui
lendo os nomes e tal e não podia entrar parente, né, aí botei só as que
não era parente. Então, entendeu que todos os demais que não se
candidataram iam ser do conselho fiscal.” (C12)
seu registro como uma cooperativa de produção com o objetivo de desfiar o siri e
orientações fossem seguidas, pois não conseguiram se organizar para ficar por
reserva.
controle adequado deste dinheiro e, na mudança para a nova sede, não houve
uma contribuição de dez reais designada como quota inicial para que cada mulher
participasse da cooperativa.
“A prefeitura deu uma verba de R$600,00 pra nós começar só que nesse
início, nessas brigas esse dinheiro sumiu que ninguém sabia como, nem
pra onde. Não tinha liderança, todo muito mandava, compra isso, compra
aquilo.”(C12)
“Nós abrimos com nosso dinheiro mesmo, cada um teve que dar um
tanto de R$10,00 pra poder começar. Foi no tempo em que nós
começamos pra valer aqui, mas ela já vinha funcionando desde lá
embaixo, mas ela vingo mesmo quando teve a presidência, aí ela tá até
hoje”. (C9)
sem o amparo do poder público. O apoio externo, inclusive financeiro, sempre foi
visto como essencial para a sobrevivência da cooperativa. Por outro lado, não
aceitam que este apoio financeiro externo venha acompanhado de uma proposta
Basta suspender um pela poã que vários virão juntos assim como as cooperadas
porque, quando desfiavam em casa, esperavam que as pessoas fossem até à Ilha
tinham que vender diariamente o que produziam, já que não tinham informações
“... nós não conhecia os restaurante, não conhecia a cidade, era roceiro.
Então quando nós começamos a conhecer outras áreas, que era as
áreas de restaurante pra quem nós tinha que oferecer o siri foi aonde
nós levamos esses 400kgs de siri desfiado por essas 49 pessoas.
Colocamos esses 400kgs tudo na mão das pessoas, fiado. Oh Raquel,
nós não ficamo com nem um dedo de siri e também não ficamos mais
fazendo nem um mês de divulgação, nem saindo mais. Todos viraram
freguês e vieram buscar aqui.” (C12)
7.2 O Restaurante
iam até a cooperativa para comprar o siri desfiado e pediam para degustar pratos
mais como objetivo o desfio do siri, sendo este comprado, a preço de mercado,
das cooperadas que desfiam por conta própria, para uso na culinária e revenda
aos clientes do restaurante da cooperativa. Apesar do desfio não ser mais uma
que também era utilizada para o desfio. Mas, com o aumento de demanda,
a área externa após solicitações feitas pela presidente aos diretores que eram
clientes do restaurante e viam que o toldo improvisado com lonas não atendia às
doação do telhado.
cooperadas tinham em casa, portanto, o cardápio foi criado a partir do que sabiam
uma venda individualizada, onde o cliente definia quanto poderia pagar para uma
uma valorização do preço e da qualidade do siri vendido na Ilha, pois muitas ex-
“... as pessoas desfiavam nas casas, sentadas na rua, cada uma com
sua vasilhinha e as venda era menos porque não era de boa qualidade,
hoje até as pessoas que desfiavam em casa tem boa qualidade porque
aprenderam mais, foi desenvolvendo mais, tinha menos restaurante,
agora tem mais turista, vem gente pra conhecer a cooperativa, aqui
agora é ponto turístico e aqui era só lama, mato, agora é muito lindo,
mudou muito.” (C7)
129
rua não existe mais. Regras de higiene aprendidas durante os cursos mudaram a
paisagem da Ilha que era repleta de desfiadeiras nas calçadas desfiando o siri
sem nenhuma condição de higiene. Esta exposição do desfio nas ruas funcionava
também como uma forma, apesar de precária, de atrair vendas, pois pessoas
das desfiadeiras. Mas apesar de tentarem ficar de modo acessível aos possíveis
compradores, isto não trazia retorno financeiro já que, pela falta condições
preço geralmente bem baixo. Não havia valorização do trabalho destas mulheres.
“E você hoje você passa aqui e é muito raro você ver uma pessoa
desfiando siri na rua, mas essa redondeza toda aqui era gente desfiando
siri na rua e era a única atração que tinha pra você vender o seu siri.
Eles não passavam pra comprar siri, mas a gente achava, igual vem ali
oh, aí eu dizia esse carro é meu, esse é meu e quem já tinha a sua
própria venda não se preocupava porque o dono do rancho beliscão, do
partido alto já ia direto na sua casa e comprava.”(C12)
130
divisão do trabalho.
do trabalho, pois aos poucos a atividade de desfio deixou de ser realizada pela
tinham interesse passaram a desfiar o siri por conta própria, às vezes em casa, às
feitas como a de criar uma escala de folgas, mas mantinham a divisão do trabalho
diário.
“No início uma turma trabalhava até meio dia e outra de meio dia até às
5 horas, todas trabalhavam num dia só. Depois nós tentamos dar folgas
pra umas num dia e deixar as outras, aí começamos a ver que não dava
certo....”(C12)
presidente propôs a divisão em duas turmas de trabalho, ficando cada uma das
convivência diária.
“Agora você trabalha dia sim e dia não, são duas turmas, uma em cada
dia. Aí nós tivemos a necessidade porque em todas as empresas tem
férias, tem folga, então nós achamos assim, vamos dividir um grupo de
pessoas que uns cozinha, uns tem o dom de lavar, uns de passar. Então
nós fizemos duas turmas.” (C12)
aos clientes, ter possibilidade de conversar com eles. Apesar deste relato, a
“Aí eu achei que eu tinha que não tá mais fazendo e falei: oh gente, eu
não posso eu tá fazendo torta, tá fazendo moqueca porque chegam
pessoas pra conversar e eu não tem como e o meu trabalho aqui é tá
vendendo palavras.”(C12)
segundas-feiras.
cooperada. Relata que buscou verificar o “dom” de cada uma para definir a
responsáveis por atender os clientes. Cada dia uma é responsável por lavar as
toalhas das mesas e pagam R$5,00 por semana para que a cooperada mais
“Já faz tempo que eu sirvo aqui fora, mas quem decidiu é a presidente,
ela mesmo que decide. (...) eu acho que ela escolheu quem tem mais
jeito pra lidar com as pessoas.” (C6)
mesmo setor/área.
“...eu tenho mais jeito pra receber os clientes, mas eu não atendo, fico
ajudando, arrumando as mesas, mas sou mais responsável pelo tanque,
eu fazia muito as compras, mas se precisar de ir no Carrefour comprar
um peixe eu que vou, eu faço um monte de coisa aqui dentro.”(C7)
difícil.
“Agora eu gosto de servi, mas antes eu não gostava não porque eu tinha
vergonha porque se tá demorando a pessoa briga aí eu chorava lá
dentro aí depois eu parava e agora eu peço paciência, peço mais 10
minutinhos. No início eu nem vinha aqui fora. As menina começava a rir
porque eu deixava a bandeja em cima da mesa eu tava mais querendo
133
sair de perto. Foi bom pra mim também porque eu fiquei menos tímida.
(C3)
café que conversam sobre a vida e as que desfiam siri o preparam para o
atividades é definido como nove horas, mas este horário não é cumprido por
todas, sendo comum atrasos. As atividades são iniciadas pela retirada das mesas
“Eu chego nove horas, mas não tem ninguém, as meninas chegam tudo
9:30, eu e a C6, minha tia C10 chegamos nove horas aí a gente fica
sentada ali (aponta para a área externa próxima à entrada para área
interna da cooperativa). Aí depois todo mundo vai e chega, junta e vai
tirar as mesas pra fora, varrer o pátio, limpar os banheiros aí depois só
vai lavar vasilha porque não tem nada pra fazer até esperar o pessoal
chegar pra depois que o pessoal vai embora a gente vai fazer a limpeza
e durante a gente vai lavando as vasilhas, ajuda a picar um tempero,
entendeu?” (C1)
anterior que pode ser reaproveitado. Verificam os ingredientes que estão faltando
cooperadas que desfiam o siri por conta própria possuem uma rotina diferente,
“O garçom vem aqui fora e atende, né, aí vem aqui e coloca na parede,
se for moqueca de badejo, porque siri, sururu, camarão tudo panelão; o
cação a gente faz 5, 6 porções, o badejo e o dourado faz na hora, faz a
moqueca na hora, aí dá 10 a 15 minutos. Aí sai da cozinha fervendo,
borbulhando só que eu coloco na mesa e falo é de fulano só que eu faço
meu trabalho coloco lá, mas eles brincam tanto que fica lá e é tão bonito
ir pra mesa do cliente borbulhando, fica tão bonita a moqueca
borbulhando, mas tem hora que eles esquecem e ficam aqui fora com
brincadeira. (C10)
Ilha continue. Constatam que houve grande diminuição de siris que antes eram
encontrados até mesmo dentro das casas. Na própria bandeja onde colocam os
siris para serem desfiados é possível observar vários animais ainda muito
pequenos que não deveriam ter sido capturados e são utilizados mesmo sabendo
“Só quando o Ibama vem os pescador não pesca porque senão eles leva
tudo, mas não pode pescar de rede, com o jereréu, que é um arco com
cordinha e aí só vem os grande pode pegar.” (C8)
cooperadas.
“Aqui é assim, tem a presidente, mas todo mundo faz tudo, só que tem
que ninguém pegou aquela responsabilidade, pegou assim de vir de
cozinhar, atender, mas de mexer com papel não, nós tamo parada até
hoje”.(C11)
existe uma reserva financeira para ser reinvestida na cooperativa. Apesar de ser
dividido entre as cooperadas, percebe-se que este valor tem sido fixo em torno
valor que receberiam pelo trabalho, imaginando ser algo bem mais alto do que a
relação não era empregatícia e que os rendimentos seriam bem menores que o
pessoas pescam para fazer o dinheiro necessário para compras de alimentos que
dívidas e, em função disto, o crédito ficou ainda mais raro. As compras são feitas
cartão de crédito de uma cooperada (C7). O siri é comprado das cooperadas que
“Aqui a gente paga muita coisa, é tudo caro as coisa que compra, peixe,
camarão e ninguém vende fiado é tudo no dinheiro, eles vende e dá 5
horas eles chega aqui pra receber.” (C2)
“Todo dia, continuo assim tipo você faz em casa, todo dia um pouquinho
e peixe aqui da Ilha só se tiver o dinheiro na hora, mas hoje a gente tem
fornecedor que tem peixaria e aí é assim, a gente pega hoje e eles dão
um prazinho que é pouco e domingo ele chega aqui pra receber. E arroz
e todo resto a gente compra à vista ou tem a cara e a coragem da
presidente porque aqui ninguém suporta prazo ou cheque aqui na Ilha.”
(C11)
presidente relatou que não faz reuniões de prestação de contas porque, no início,
cooperada trabalhou durante a semana e não foi no fim de semana, ela não
pessoas diminui.
139
“Nós fazia uma prestação de contas item por item e isso deu uma
polêmica na comunidade em geral porque algumas pessoas daqui chega
em casa e passa de uma forma que poderia dizer assim que fizemos um
balanço, mas diziam que nós tamo devendo doze mil e tanto e não
falava o resto e eu não tinha como falar cala a sua boca. Então eu falei
quando vocês quiser prestação de contas abre o meu caderno porque eu
não vou falar mais porque isso gerou polêmica na Ilha toda e parece que
nós tamos devendo e não vamo pagar mais ninguém e são coisas que
nós fizemos um levantamento e foram vocês mesmo que me
pediram.”(C12)
desfiado ganhando um pequeno valor sobre o quilo de siri vendido. Apesar das
retiradas da cooperativa.
disponibilizadas aos clientes. Em função da primeira estrutura ter sido cedida pela
aceitou que o controle do dinheiro que seria investido na cooperativa fosse feito
“ Hoje não tem ninguém de fora que vem e fala vocês tem que fazer isso
ou aquilo, a não ser a vigilância sanitária que tem as normas regras de
cozinha e de limpeza.” (C12)
“(...)se tiver muito capim aqui a presidente pede pra prefeitura ajudar,
mas a gente precisa de uma geral aqui na reforma mesmo e não
consegue, vamos ver se a associação das cooperativas ajudam.”(C11)
uma importante fonte de renda das cooperadas. O siri é vendido em caixas que
cada caixa, dependendo do tamanho do siri, pode dar cerca de cinco quilos de siri
desfiado. Para o desfio, é necessário que o siri seja fervido até ficar vermelho. Em
seguida, utilizam facas pequenas e com ponta para obterem melhor a carne. Há
uma valorização de quem desfia com rapidez, pois ser rápida significa desfiar
maior quantidade por dia. As casquinhas do siri são lavadas e o cento vendido
não gostar ou ter enjoado do siri exatamente por ser opção freqüente na
pratos feitos por elas com o siri para que pudessem almoçar.
trabalho com a pesca para viabilizar o sustento da família. O desfio era ensinado
às crianças pelas mulheres mais velhas como forma de conseguir uma fonte de
renda, as desfiadeiras que vieram de outra região após se casarem com homens
como a queixa de que hoje os jovens não têm mais o mesmo respeito e interesse
desfio por considerarem que dessa forma poderão ter um futuro melhor. O estudo
que não era valorizado pelas famílias das cooperadas, pois implicava em custos
acarreta certa intervenção nas decisões e atitudes que ocorrem com um número
Ilha das Caieiras. As mulheres que não são da Ilha, ao se casarem e mudarem
familiares que se estendiam para tios, tias, primos, cunhadas e cunhados. Este
familiares. Às vezes, este respeito é retratado como medo dos pais ou tios que
eram muito jovens. Muitas vezes, era almejado pelas mulheres para saírem da
permanece.
Por outro lado, é possível notar que as mulheres vão encontrando formas
trabalho que lhes propiciam um mínimo de renda para que possam custear as
dos moradores ao mundo que ocorre fora da Ilha. As mulheres mais jovens
ou bairros de Vitória, mas ocorre o retorno e isto parece ter relação com o apoio
familiar que encontram na Ilha, tais como ajuda para cuidar dos filhos, moradia na
casa dos pais para uma casa em bairro vizinho não há um distanciamento do
146
cotidiano da família. Isto ocorre inclusive porque é comum a mãe, agora avó,
gerações) e com tios, tias e primos. Na família nuclear, as relações conjugais são
Ilha propiciaram uma maior aproximação das famílias. Os homens saíam para
da região, que não exigiam sua saída da Ilha. O desfio do siri era feito nas portas
que brincavam nas ruas e vendiam o siri às pessoas que passavam pela Ilha.
responsáveis pela luta por melhores condições de vida. Durante anos, a Dona
Laura foi uma figura que ocupava lugar central na mobilização para o processo de
147
siri.
vizinhas e até mesmo tinham o hábito de ir desfiar na porta da casa de uma irmã,
casa, passar o dia fora as colocava diante de novos desafios, como deixar os
geralmente nas calçadas, nas portas das casas. Portanto, as relações de trabalho
de siri, sendo estas relações, muitas vezes, mediadas pela família, pois os
recheados com frutos do mar. Neste momento, não havia uma estrutura
presentes. Não havia uma figura de liderança, cada dia uma pessoa coordenava
reserva para compra dos produtos necessários para produção dos salgados o que
propiciava divergências, assim como não ter uma liderança estabelecida propiciou
“tinha um grupo que queria ser mais que os outros, mas a gente tinha
que ficar quieta, brigavam por causa de liderança.”(C4)
no trabalho.
“Uma das coisas foi não ter espírito cooperativista, não conseguir em
grupo, mas a primeira coisa mesma foi o dinheiro porque o pessoal daqui
gosta de ganhar dinheiro todo dia, pescador gosta assim ele pescou e
quer o dinheiro e desfiadeira também é assim, já é da cultura
daqui.”(C11)
informal. Sendo que a formalização do trabalho que desenvolviam não era o foco,
para a cooperativa que seria criada com o foco na atividade do desfio de siri.
“ E tava muito bagunçado pra gente vir pra cá, eles fizeram isso aqui e
nós ficamos um ano pra vir pra cá por causa da bagunça que nós tava
151
porque nós não se entendia, nós brigava muito, uma falava uma coisa,
outra falava outra e não era assim, não era assado e todo dia tinha um
tititi. Aí eles fizeram uma reunião e disseram que ‘ou isso acaba ou vocês
resolve isso aqui’. Um ano já tinha isso aqui, e eles fizeram essa reunião
na igreja aqui da Ilha e tinha as 49 mulheres, veio todo o pessoal da
prefeitura, do ‘Pronagefe’, aí chegou lá falou que tinha que montar uma
diretoria lá pra poder continuar e vir pra cá, senão não ia continuar ia
acabar o projeto. Aí foi aí que teve a eleição.”(C11)
identificam como casadas, ressaltando que “não no papel”, em função dos custos
comuns famílias grandes, com muitos filhos, as famílias das cooperadas são
imperando a idéia do casamento por toda a vida. Já as mais novas têm filhos com
de rompimento de relações.
relação aos estudos que é valorizado no discurso de todas mesmo sendo comum
escolas, bem como o CAJUN que fica localizado no São Pedro e oferece cursos
dos jovens e trazido para os pais a expectativa de um futuro melhor para os filhos.
CAJUN.
“No Cajun tem atividade o dia inteiro pras criança aprender música,
capoeira, balé aí é muito importante pras criança não ficar na rua.”(C7)
um fracasso, pois não acreditam que terão sucesso financeiro nestas profissões.
pelo desfio e pela culinária e as mães acreditam que esta é a forma das filhas
favoráveis à inserção delas na cooperativa, não viam com bons olhos as mulheres
que achar mais adequado. Portanto, sair de casa e permanecer fora por certo
tempo para trabalhar foi uma grande alteração nas rotinas das famílias.
“Mãe não gostava não, mas eu falei que tinha que procurar o que fazer
porque ela queria que eu ficasse só em casa fazendo as coisas pra
ela.”(C4)
154
colegas e clientes:
“(...) com problemas em casa a gente fica mais chateada, triste... a gente
não chega todo dia alegre e ai as pessoas perguntam o que tá
acontecendo. A presidente pergunta direitinho, ela quer saber... nesse
dia fica difícil trabalhar.” (C1)
pela oportunidade.
vizinhas. O contato social durante o desfio do siri ainda permanece porque apesar
da vida pessoal é comum, pois sabem o que acontece com os vizinhos, parentes
e participam, vão à casa da pessoa que está passando por problemas familiares
“(...) ela [a presidente] foi na minha casa mais o marido dela me tirar da
cama. Eu acho que se não tivesse a cooperativa eu não tinha
saído.”(C7)
barracões no mesmo terreno para abrigar os filhos que se casam tornando muito
próxima a convivência entre os familiares. Talvez por isto seja comum o relato de
brigas, discussões entre vizinhos, cunhadas, irmãs, mas que após certo tempo e
sociais.
a criação de uma cooperativa dos pescadores por falta de interesse por parte dos
homens.
157
que todas fazem parte de uma única equipe. Apesar de divergências entre as
a organização em geral são deixados por uma turma para a outra no dia seguinte.
158
“eu até já me acostumei com a minha turma, mas eu me dou bem nos
dois grupos.”(C3)
“Às vezes, eu falo abertamente e falo maldita hora que nós fizemos isso,
não devia ter dividido as pessoa, eu vejo que é uma coisa que tá
afetando cada vez mais.” (C12)
A divisão das turmas tem sido utilizada também como forma de evitar o
familiares.
“(...) já chegou a passar mão em faca pra matar uma colega pra nós ter
que entrar no meio. Depois elas continua e resolve e fica tudo bem.
Acontece discussão e de um grupo passa pra outro, uma fica sem
conversa com a outra.”(C6)
devem ter uma história comum de interações passadas sendo que e o curso da
com todas as cooperadas, pois é a única presente todos os dias e com isso passa
a ser o elo entre as turmas, sendo esse elo, muitas vezes, responsável por
159
estar geral, pois passam a ter que conviver com reclamações, críticas que, às
“(...) o dia demora mais a passar, não pode falar nada que dá conversa,
tem que ficar todo mundo quietinho senão dá confusão.”(C8)
as outras, que não há disposição de todas para ajudar, pois quando o trabalho de
“Oh, tem divisão de tarefa, mas ó a minha sobrinha mesmo ela trabalha
no tanque, ela e aquela senhora mais velha só que ela vai mais de dez
vezes na venda, toda hora, sol quente, é chuva. Tem a divisão, mas tem
umas que acha que são garçonete e elas não pode fazer nada, não pode
colocar uma pimenta, fazer um vinagrete, elas não pode fazer nada
mesmo se não tiver atendendo. Eu falo eu tô ocupada, quando eu tô
desocupada eu faço, eu não deixo o meu serviço de lado.” (C10)
cooperada não recebe nada pelos demais dias trabalhados. Isto gera discussões,
faltar já que receberão proporcionalmente aos dias trabalhados. Então, esta regra,
apesar de ser vista com rígida demais, ainda seria uma forma de conseguir a
“(...) tem gente que fica segunda a quarta sem aparecer e no fim de
semana quer vir só pra não perder o dinheirinho e aí não é certo, mas eu
não vou falar pra presidente não deixar ela vir não, eu vou falar não por
mim... mas não é porque eu acho certo, mas porque eu sei da
necessidade, eu não tenho aquela coragem de dizer, mas também fico
pensando se acontecer comigo elas não falar assim. (C5)
161
responsabilidade social no grupo (Aquino, Steisel e Kay, 1992). Por outro lado, a
pode ocasionar medo, quer de nada receber por esforços ou de ser explorado
organização.
“Eu mesma tinha 3 cunhadas que trabalhavam aqui, minha irmã, minha
prima, porque elas não via rendimento porque trabalhava muito e não via
rendimento aí é preferível trabalhar em casa, desfia siri em casa, minha
cunhada mesmo que trabalha em casa ganha 280 por semana desfiando
siri.”(C10)
assumirem dívidas.
contas. É raro a presidente não estar presente e, nestas situações, quem assume
visão que possuem da própria cooperativa, pois não atribuem o mesmo valor ao
onde teriam carteira assinada e deveres a cumprir, bem como chefia a respeitar.
163
“As pessoas não acham que aqui é uma empresa, ninguém, não encara
aqui como uma empresa e mesmo assim se organizar, eu tô falando
talvez porque eu mesmo já não acredito assim mais, né?”(C5)
trabalho que lhes dê carteira assinada. As únicas que não relatam tal aspiração
são C2 e C12.
familiares, vai até a casa das cooperadas que estão com problemas, conversa
“Não é difícil pra mim hoje dinheiro, falta das coisas, vender, comprar,
mas essa união tá difícil.”(C12)
164
Tenta, por meio do exemplo pessoal, mostrar que o trabalho não pode
parar, evita se queixar de cansaço por acreditar que desta forma evita o desânimo
das cooperadas.
a estrutura organizacional.
da Ilha. Portanto, a adaptação ao trabalho formal é difícil para estas mulheres que
adaptação a novos valores. Apesar disto ter trazido mudanças, não conseguiu
alterar grande parte dos valores e práticas de trabalho valorizadas pelas mulheres
desistências na cooperativa.
cooperativa apenas três não estão desde o início. Mesmo assim, duas entraram
no ano seguinte e uma há cinco anos. Apesar de terem se ausentado por algum
trabalho pode ser visto como um objetivo ainda a ser atingido. Contudo, a
familiar e comunitário.
(Hinde, 2001).
cooperativa altera a rotina da Ilha ao ser projetada como local bem sucedido de
culinária capixaba não apenas pela qualidade dos pratos, mas também pelo traço
mulheres de uma área carente que produzem pratos típicos da culinária local
entre o novo e o antigo marca essa evolução que tem como ponto central a
equilíbrio entre os “recursos” que recebem e os que doam, a fim de que a troca se
As influências do meio em que os indivíduos vivem devem ser vistas assim como
isso formalizar, pelo menos socialmente, o trabalho. Isso porque não há uma
outra vida para os filhos. Não desejam que as filhas sigam a profissão de
“Eu gosto quando vem aqui filmar aqui e fala que lindo! Aí eu acho bom,
ah como vocês desfiam, que gracinha, aí eu gosto porque coisa que nem
eu dou valor, porque eu não dou.”(C5)
trabalho onde um coopera com o outro, compreende o outro, ajuda o outro, faz
formal, vincularam à idéia de não estar em um emprego fixo, formal, com carteira
“Eu acho Raquel, que a cooperativa tem que ser assim as pessoas ter
união com as outras, se unir, né? É... e eu acho que a cooperativa tem
que ser assim tudo organizadinho, o que entra, o que sai, entendeu?
Prestar conta pra gente, eu acho que isso é que é cooperativa.” (C1)
outro.
“Eu não entendo o que é cooperação, eu não entendo... eu acho que não
tem nada a ver com cooperativa não. É uma ajuda, é um ajudar o outro,
mas aqui não tem isso, aqui não tem isso, Raquel. Eles falam sempre
que nós somos cooperadas, não somos, aqui nós não somos
cooperadas porque ninguém ajuda ninguém, aqui não tem nada disso de
um ajudar o outro, um quer engolir o outro. Pra mim aqui é o espaço e a
gente trabalha junto aqui .”(C10)
“Aqui eu acho que quase não tem cooperação, tem pouca. (...) tem muita
gente aqui que é assim, acha que não é dela fazer e aí não ajuda
também.”(C1)
Por outro lado, também retratam uma melhora significativa nas relações
“Eu não sei se foi a convivência, eu não sei se foi o número de pessoas,
eu não sei, mas melhorou. (...)sendo que agora todo mundo sabe fazer
quase tudo e foi o que foi melhorando também quando todo mundo foi
aprendendo a fazer quase tudo, isso ajudou na cooperação.”(C11)
R$50,00 a R$80,00 para todas. Mas, como não sabem o faturamento total da
Portanto, crêem que possa haver desigualdade na distribuição dos recursos por
suas irmãs têm privilégios e aparecem mais em fotos, filmagens e falam mais
ao recurso igualitário perde força e faz com que a falta de comunicação clara
fatores impeditivos para que ações cooperativas ocorram de forma mais dinâmica.
falta de outras oportunidades que avaliem como melhores. Assim, o foco está
Portanto, conforme exposto por Hinde e Groebel (1991), é mais provável que
cooperadores.
Desse modo, com base nos resultados deste estudo, bem como nos resultados
desfio do siri para o restaurante e a maioria que permaneceu não tinha habilidade
contexto de trabalho.
O sentido do trabalho para cada uma parece ser fator que influenciará
satisfação com a atividade que realizam parecem mais aptas a atos cooperativos.
unem para ajudá-la. Neste sentido, a presidente é figura de referência tendo sido
citada por todas como alguém que se preocupa e age para ajudá-las a resolver
que pode fazer para ajudar. As duas cooperadas que trabalham em uma
176
lanchonete da área nobre de Vitória relatam que, a partir da vivência que tiveram
proprietário disse a elas ter percebido uma postura diferente, cooperativa nas
ações cooperativas.
(Hinde, 1997). Assim, por exemplo, A ajuda B que, por sua vez, ajuda A.
maioria é natural da Ilha e as que não nasceram no local residiam havia mais de
comuns nas histórias de vida. É comum também que as mulheres da Ilha sejam
mais engajadas na busca por melhorias para o local onde vivem, sendo as
A maioria, apesar de trabalhar com o desfio do siri, não tem habilidade para
desfiar grande quantidade e isso faz com que não consigam bom rendimento
não está mais relacionada com o desfio, a permanência torna-se atrativa como
cooperativa.
para que as diferentes visões fossem expostas de maneira clara para que os
11.3 Confiança
de uma regra básica para uma organização cooperativa: clareza nas ações,
11.4 Comunicação
cooperadas.
pessoal e familiar.
muitas vezes, expressas de modo indireto. Parece que, por não terem o hábito da
comunicação formal relativa aos aspectos profissionais, estes são tratados por via
reuniões porque as cooperadas não sabem manter entre elas o que é comentado
na reunião. Relata que fofocas eram criadas na Ilha a partir de situações que
havia exposto em reuniões com as cooperadas. Por isso, não faz reuniões de
conflito.
aspecto gerador de conflito porque criou categorias vistas como mais importantes
e outras como menos importantes. Com isso houve discussão sobre a forma de
divisão dos rendimentos, considerando que deveria ser diferenciada porque havia
um grupo que alegava que o trabalho de desfio era mais importante que a
recatagem e a limpeza e, por isto, não era justa a divisão igual. O aspecto
cooperativa.
presença durante toda a semana. Estes aspectos nem sempre são tratados
fato de algumas saírem mais cedo alegando que já cumpriram suas tarefas e não
surgem em torno desta situação, pois não há um movimento das cooperadas que
aqueles que explicitam diferenças, sejam essas na visão que têm sobre
(Hinde 1997).
11.6 Satisfação
para o trabalho. Por outro lado, há cooperadas que expressam satisfação com os
diárias.
relacionamentos.
dois níveis: o micro e o macro. Apesar dos limites não serem claros, o micro se
12.1 Micro-ambiente
cooperadas que são naturais da Ilha, como uma opção para ajudar na renda
o desfio começavam a desfiar. O local do trabalho era a porta das casas, a rua,
com intensa convivência social. A razão pela qual a porta das casas, as calçadas
tornaram-se lugar importante parece ter relação com o pouco espaço das
residências, por ser uma atividade que consumia o dia todo e ao desfiarem nas
portas das casas conseguiam manter uma proximidade com vizinhos, que em
geral também eram parentes, tornando o trabalho mais agradável, bem como
pois por não saberem como conservar o produto tinham que vendê-lo
‘disputarem’ os clientes.
especialmente do siri. Cuidados com a higiene que até então não existiam no
relacionamentos.
188
onde a atividade principal era o desfio do siri e não restaurante. Portanto, o que
estrutura física que já existia para outra finalidade. Assim as bancadas são
utilizadas como espaço para o preparo dos pratos a serem servidos e exposição
dos pratos e talheres que ficam expostos nas bancadas ou em uma área
banheiros não foram projetados para atenderem ao público externo, por isto há
foi construído um telhado, mas em dias de chuva, como as laterais são abertas
ambiente físico da cooperativa pode ser visto como um reflexo dos processos que
qualidade, mas que buscam permitir a sobrevivência do negócio. Por outro lado a
12.2 Macro-ambiente
ambiente fora da Ilha, como se este fosse um espaço à parte da cidade de Vitória.
facilidade de acesso a outras regiões de Vitória, têm propiciado aos jovens outras
opções de trabalho.
período, toda a parte baixa da Ilha das Caieiras passou por mudanças: as ruas
de turistas por meio de passeios de barcos. A Ilha passa a ser divulgada como um
190
logo entrando para área interna do restaurante, estabelecem pouco contato, fato
naturais disponíveis e, por isso, na Ilha, a alimentação sempre foi rica em peixes e
frutos do mar. Há cooperadas que relatam que o siri era tão farto que houve
pescado na natureza facilitava o seu uso na culinária. Isso fez com que as
moqueca capixaba é um prato de fácil acesso já que o peixe era fruto da pesca
na Ilha e que usam diariamente. Saladas e demais carnes não são pratos típicos
prestação de serviços.
marcar uma rotina da Ilha também envolve o hábito de receberem o dinheiro pelo
diário, sem a preocupação de uma carga horária fixa, mas isto não significa que
mulheres, contudo, mostram uma evolução dos valores familiares. Elas percebem
homens não ocupam a posição de provedores nas famílias. Algumas têm uma
história marcada pela luta pela sobrevivência sem a ajuda masculina e, mesmo as
discurso das cooperadas e têm forte impacto nas relações familiares, de amizade
e de trabalho, tendo em vista que são valores, normas, princípios que regem a
Tribuna.
imagem.
para os turistas.
cooperadas.
da Ilha, podendo gerar o conflito entre elas. Por outro lado, parece aumentar a
distintos.
não apenas pertence a diferentes grupos que irão influenciá-lo, mas há uma
Esta forte influência que o grupo familiar tem sobre os processos que
permeados pelas regras dos grupos familiares e regras da comunidade local que
pessoas.
198
prática, não se pode pensar o ambiente histórico humano como algo isolado de
relacionamentos interpessoais.
cooperativa exige uma nova estrutura e dinâmica nas relações entre as pessoas,
exigem novos papéis e novas relações entre as pessoas, as quais são inseridas
vezes, dividindo o mesmo espaço físico, mas era um trabalho individualizado. Não
com outras pessoas. O relacionamento que estabeleciam nas portas das casas
era uma relação entre vizinhos, parentes e amigos e não relações profissionais ou
desfio do siri, é adaptada para atender a nova atividade. Neste período são feitos
experiência anterior nessa área. São criados dois turnos de trabalho, gerando
cooperadas, que passam a ter maior envolvimento apenas com o seu grupo de
ao surgimento de certa rivalidade entre eles. Esta divisão proporciona uma nova
apenas três mantêm o desfio do siri como importante fonte de renda, por
desfiarem uma maior quantidade diária. As demais não têm o desfio como
atividade fixa, sendo uma atividade extra que rende muito pouco em função da
gestão do negócio, mas não compreendiam que para intervenção externa ocorrer
cooperativa.
esfera profissional o indivíduo não é desprovido dos demais papéis sociais que
totalmente familiar.
própria história para as filhas, do trabalho que realizam propiciar opção também
mesmas e da Ilha.
que ninguém quis ocupar, fazendo a mediação entre as cooperadas das distintas
que o grupo se desfaça e que cada uma siga seus próprios interesses.
205
de toda ordem.
exercer tais funções. Assim, apesar das queixas com relação à não prestação de
suas crenças nos papéis que a organização deve desempenhar, criando modelo e
Por outro lado, a forma de atuar da presidente nas situações mais difíceis
ou associações para que as pessoas possam sair da pobreza, mas sem propiciar
Buscava-se geração de renda para a população, mas nenhum estudo prévio foi
de impostos, que caberia à OCB dar dinheiro para reformas, ou seja, não se
restaurante.
siri desfiado que passou a ser congelado. Antes, o que desfiavam e não vendiam
tinha que ser descartado porque não sabiam o que fazer para conservar o
da mídia local e nacional retrata também este processo de reencaixe como algo
contexto, mas há uma barreira comum nas cooperativas populares: o baixo nível
cooperativa. Por outro lado, os autores crêem que este problema possa ser
as desfiadeiras foi necessário basear-se nos dados das entrevistas, pela falta de
carga horária, por exemplo. Nas entrevistas, ficou claro que apenas os conteúdos
sociais e profissionais.
atividade anterior, ou seja, ao desfio do siri e à forma como este era realizado, um
Moura, 2001; Rocha, Zoby, Gastal & Xavier, 2003; Maciel, Sena & Sabóia, 2006;
isto gera conflitos intra e inter-grupais que, por sua vez, podem resultar na evasão
Essa sobreposição das relações também foi observada por Estol e Ferreira (2006)
profissionais.
“fora da Ilha”. Até mesmo os pedidos a políticos são feitos quando esses vão à
Ilha.
da comunidade da Ilha.
Tem-se que salientar que este estudo abordou uma cooperativa formada
cooperadas esteja preparado para isto. Hinde (2001) explica que o curso de um
sobreposição entre os diferentes grupos sociais, pois este pode ser um fator
exemplo, temos um histórico que nos mostra uma relação com o trabalho muito
era baseada no indivíduo apesar de ser uma atividade realizada por quase todas
para obterem sucesso. Então, deve-se definir objetivos e construir os meios para
um mercado competitivo.
organizacional deve partir dos indivíduos que fazem parte da organização, que
para convivência em uma organização cooperativa. Sabe-se que não é nada fácil
valorizar os conhecimentos das cooperadas para que seja possível uma troca de
maneira cooperativa.
pessoas que estão fora da Ilha relativa à cooperativa estudada reflete o interesse
que propicia uma organização formada por pessoas sem formação formal, mas
preservação ambiental sendo que todo este processo deve contar com a
se com questões práticas de gestão que, na maioria das vezes, não encontram
CONSIDERAÇÕES FINAIS
continuada;
outros.
enriquecedora, mesmo que sua concretização ainda seja parcial e seletiva. Uma
que tal perspectiva gera. Isto não impede que, futuramente, se investigue em
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Bookman.
238
ANEXOS
seguintes itens:
Dados Sócio-Demográficos
1. Idade
2. Estado Civil
3. Nasceu onde?
5. Reside no bairro?
6. Próximo à cooperativa?
cooperadas?
resolvida?
cooperadas?
10. O que você acha que mudou para a comunidade da Ilha o início das
atividades da cooperativa?
Conte um exemplo.
Cooperativa? E hoje?
240
atualmente?
11. Se você tivesse que explicar para alguém o que é cooperação, como você
falaria?
e Vice)
A. Histórico da Cooperativa
seu início?
cooperativa?
da cooperativa.
9.O que você acha que levou à mudança no número de cooperada ao longo
dos anos?
3.Como foram/são definidas o que cada uma faz, de que maneira faz, em
C. Instalações e Cooperação
242
um produto?
Roteiro de Observação
recursos materiais.
restaurante. Será efetuada uma breve descrição das tarefas realizadas pelos
Identificação do Participante
Nome:____________________________________________________________
RG: ______________ Órgão Emissor: ________ Data de Nascimento: ___/___/___
_________________________ ______________________________
Participante Raquel Ferreira Miranda – Pesquisadora
_______________________________
Prof. Dr. Agnaldo Garcia – Orientador Vitória/ES. ___/___/___
245
Cargo: ____________________________________________________________
_________________________ ______________________________
Responsável pala Instituição Raquel Ferreira Miranda – Pesquisadora
_______________________________
Prof. Dr. Agnaldo Garcia – Orientador Vitória/ES. ___/___/___