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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

AS MULHERES DA ILHA DAS CAIEIRAS:


RELACIONAMENTO INTERPESSOAL E COOPERAÇÃO NA
FORMAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE UMA COOPERATIVA

Raquel Ferreira Miranda

Vitória
2009
RAQUEL FERREIRA MIRANDA

AS MULHERES DA ILHA DAS CAIEIRAS:


RELACIONAMENTO INTERPESSOAL E COOPERAÇÃO NA
FORMAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE UMA COOPERATIVA

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Espírito Santo como requisito
parcial para obtenção do grau de Doutor, sob
orientação do Prof. Dr. Agnaldo Garcia.

UFES
Vitória, Agosto de 2009
Aos meus pais, pelo incentivo ao estudo, apoio
e por tudo que me ensinaram.
Aos meus amados irmãos, Lídia e Rafael, pela
presença constante, apoio e incentivo a cada
passo e a cada conquista.
E às minhas amadas sobrinhas Laura e Alice.
AGRADECIMENTOS

Agradecimento especial ao professor Agnaldo, orientador criterioso, cuidadoso,


generoso, sempre disposto a transmitir de forma clara e competente os
conhecimentos e direcionamentos que possibilitaram a realização deste projeto.
Obrigada pelo apoio e paciência ao longo deste período. Que a nossa parceria
possa continuar no desenvolvimento da pesquisa em relacionamento
interpessoal.

À professora Íris Goulart, por quem tenho grande admiração, exemplo que tento
seguir. Obrigada pela amizade, parceria e incentivo constante.

Às cooperadas pela disponibilidade e pela forma como se dispuseram a falar de


suas trajetórias de vida, seus relacionamentos, propiciando a realização deste
projeto.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES pelos


conhecimentos transmitidos, especialmente ao professor Paulo Menandro pelas
contribuições na qualificação deste projeto.

À Flavia Vaz, amizade especial construída durante este período, e aos demais
colegas da pós pela pequena, mas engrandecedora convivência.

Aos queridos amigos da UFV-Campus Rio Paranaíba, parceiros na construção


desta nova etapa profissional.

À querida amiga Séfora pela carinhosa acolhida em Vila Velha.

À Maria Lúcia Fajóli pela disponibilidade, interesse em ajudar e pela extrema


educação com que trata todos os alunos.

Á Capes e à Petrobrás que ajudaram a viabilizar minha estadia em Vitória.

À todos os que de diversas formas me ajudaram na concretização deste trabalho,


fica aqui o registro de meu sincero agradecimento.
Miranda, Raquel Ferreira. As Mulheres da Ilha das Caieiras: Relacionamento
Interpessoal e Cooperação na Formação e Funcionamento de uma Cooperativa.
Vitória, 2009, 245pg. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Espírito Santo.
Programa de Pós-Graduação em Psicologia.

RESUMO

O relacionamento interpessoal nas organizações ainda é uma área pouco


investigada. O presente trabalho teve como objetivo descrever e analisar
aspectos dos relacionamentos interpessoais, com ênfase no processo de
cooperação, entre as participantes de uma cooperativa de produção da Ilha das
Caieiras, na cidade de Vitória, Espírito Santo, buscando compreender o
desenvolvimento histórico e a situação atual desses relacionamentos.
Participaram da pesquisa 12 mulheres cooperadas. Os dados da pesquisa foram
obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas com as participantes e
observação das instalações e da rotina de trabalho na cooperativa, de outubro de
2006 a maio de 2007. As entrevistas foram gravadas e transcritas e os dados de
observação sobre o funcionamento da cooperativa, as atividades nela
desenvolvidas e o relacionamento entre as cooperadas foram registrados em um
diário de campo. A cooperativa estudada tem suas bases na tradição da culinária
capixaba. Os dados foram analisados por análise de conteúdo e organizados de
acordo com o referencial teórico de Robert Hinde. A discussão parte da
caracterização dos relacionamentos, discutindo os tipos de relacionamento
presentes: familiares, na comunidade e no trabalho, em seus aspectos históricos
e contemporâneos, e algumas dimensões desses relacionamentos: cooperação,
reciprocidade, confiança, comunicação, conflito e satisfação. Tendo como ponto
focal os relacionamentos, foram discutidas suas relações com o ambiente físico
(micro e macro ambiente), a estrutura sócio-cultural (incluindo as tradições
culturais alimentares, as tradições ligadas ao trabalho e as tradições familiares),
os grupos e a sociedade mais ampla. São destacados três pontos em relação ao
histórico e à situação contemporânea dos relacionamentos: a) uma história de
sobreposição de diferentes formas de relacionamento: familiar, comunitária e de
trabalho; b) a transposição de padrões de relacionamento familiares e
comunitários para as relações de trabalho; c) a necessidade de um amplo
planejamento de treinamento para o desenvolvimento interpessoal e
organizacional.
Miranda, Raquel Ferreira. The Women from “Ilha das Caieiras”: Interpersonal
Relationship and Cooperation Regarding Setup and Maintanance of a
Cooperative. Vitória, 2009, 245pg. Doctoral thesis. Post Graduation Program of
the Federal University of Espírito Santo.

ABSTRACT

The interpersonal relationship in the organizations is an under-researched field.


Describing and analyzing the interpersonal relationship aspects is the aim of the
present study; focusing the cooperation process among the actors of a
cooperative based on Ilha das Caieiras in the city of Vitória, in the state of Espírito
Santo in Brazil. Understanding the historical development and the current situation
of interpersonal relationships is key. Twelve (12) women of the cooperative took
part in this pool. The research data were collected during partially-structured
interviews, during facilities visitation, work routine observation, between October
2006 and May 2007. The interviews were recorded and transcribed. The
observation data on the cooperative work, on its activities and on the relation
among cooperative members were registered on a field diary. The studied
cooperative has its roots on the traditional cuisine of the state of Espírito Santo.
The data were analyzed using content analysis and they were organized
according to theoretical reference by Robert Hinde. It means that, the study starts
off with the relationships characterization, examining the types of relationships
such as: family related, in the community and at work, regarding their historical
and current aspects and some relationship dimensions such as cooperation,
reciprocity, trust, communication, conflict and satisfaction. The study focus on
relationships, the connections between relationships and the physical environment
(micro or macro), the social and cultural structure (including cuisine and cultural
traditions, the traditions related to the work and the family traditions). The groups
and the society as a whole were also described. Three major points are remarked
regarding the history and the contemporary situation of the relationships: a) a
history of overplacing different forms of relationships, family, community and at
work; b) transposing relationship patterns from the family and community to the
work relations; c) the need for a wide training plan to the interpersonal and
organizational development.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................... 15

CAPÍTULO I.......................................................................................................... 18

1. RELACIONAMENTO INTERPESSOAL...........................................................18

1.1 A PESQUISA DO RELACIONAMENTO INTERPESSOAL – HISTÓRICO.....................18

1.2 ROBERT HINDE: UM REFERENCIAL EM RELACIONAMENTO INTERPESSOAL.........21

1.3 COOPERAÇÃO E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL.........................................26

1.4 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL E ORGANIZAÇÕES.......................................34

CAPÍTULO II......................................................................................................... 39

2. COOPERATIVISMO..........................................................................................39

2.1 HISTÓRICO DO COOPERATIVISMO....................................................................39

2.2 PRINCÍPIOS COOPERATIVISTAS E RAMOS DO COOPERATIVISMO........................47

2.3 O CENÁRIO DO COOPERATIVISMO NO BRASIL..................................................53

CAPÍTULO III........................................................................................................ 63

3. GESTÃO E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL NAS COOPERATIVAS..63

3.1 PROBLEMAS NA GESTÃO DE SISTEMAS COOPERATIVOS...................................64

3.2 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL E TRABALHO COOPERADO..........................70

3.3 RELACIONAMENTO INTERPESSOAL E INTERORGANIZACIONAL............................71

3.4 A TRANSFORMAÇÃO DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS NO ÂMBITO DO TRABALHO

COOPERADO – O PAPEL DA PSICOLOGIA..............................................................73

RELACIONAMENTO INTERPESSOAL, COOPERAÇÃO E COOPERATIVA –

UMA PROPOSTA DE INVESTIGAÇÃO – OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA........76

CAPÍTULO IV........................................................................................................78
4. METODOLOGIA............................................................................................... 78

4.1 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS..........................................................80

4.2 PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DOS DADOS........................................................82

CAPÍTULO V – RESULTADOS E DISCUSSÃO...................................................85

5. CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO.............................................................85

5.1. A ILHA DAS CAIEIRAS....................................................................................85

5.2 A COOPERATIVA............................................................................................ 92

5.3 PARTICIPANTES..............................................................................................96

6. AS COOPERADAS: HISTÓRIAS DE VIDA.....................................................99

7. A COOPERATIVA: ASPECTOS HISTÓRICOS..............................................119

7.1 A FORMAÇÃO DA COOPERATIVA...................................................................119

7.2 O RESTAURANTE.........................................................................................125

7.3 O IMPACTO DA COOPERATIVA NA COMUNIDADE DA ILHA................................128

8. A COOPERATIVA: ASPECTOS CONTEMPORÂNEOS................................130

8.1 ROTINAS DE TRABALHO................................................................................130

8.2 ESTRUTURA ADMINISTRATIVA E RENDIMENTO FINANCEIRO.............................136

9. RELACIONAMENTOS: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA...........................142

9.1 RELAÇÕES FAMILIARES................................................................................142

9.2 RELAÇÕES NA COMUNIDADE.........................................................................146

9.3 RELAÇÕES DE TRABALHO.............................................................................148

10. RELACIONAMENTOS: UMA PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA...........152

10.1 RELAÇÕES FAMILIARES..............................................................................152

10.2 RELAÇÕES NA COMUNIDADE.......................................................................154

10.3 RELAÇÕES DE TRABALHO...........................................................................157


10.4 RELACIONAMENTOS EM TRANSFORMAÇÃO...................................................157

11. COOPERAÇÃO E OUTRAS DIMENSÕES DO RELACIONAMENTO.........157

11.1 A COOPERATIVA E A COOPERAÇÃO NA PERCEPÇÃO DAS COOPERADAS.......157

11.2 SIMILARIDADE E RECIPROCIDADE................................................................157

11.3 CONFIANÇA................................................................................................157

11.4 COMUNICAÇÃO...........................................................................................157

11.5 CONFLITO INTERPESSOAL...........................................................................157

11.6 SATISFAÇÃO.............................................................................................. 157

12. O AMBIENTE FÍSICO E OS RELACIONAMENTOS....................................157

12.1 MICRO-AMBIENTE.......................................................................................157

12.2 MACRO-AMBIENTE......................................................................................157

13. SOCIEDADE, ESTRUTURA SÓCIO-CULTURAL E OS

RELACIONAMENTOS........................................................................................157

13.1 TRADIÇÕES CULTURAIS E TRABALHO..........................................................157

13.2 FAMÍLIA E TRADIÇÕES CULTURAIS...............................................................157

13.3 MÍDIA E TRADIÇÕES CULTURAIS..................................................................157

14. OS GRUPOS E OS RELACIONAMENTOS..................................................157

15. RELACIONAMENTOS E COOPERATIVA: UMA SÍNTESE.........................157

15.1 A DIMENSÃO SÓCIO-CULTURAL: CONSTRUÇÃO DO SISTEMA COOPERATIVO

COMO UMA REORGANIZAÇÃO DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS..............................157

15.2 A DIMENSÃO SÓCIO-CULTURAL E AMBIENTAL: A TRANSFERÊNCIA DAS

RELAÇÕES FAMILIARES E DE AMIZADE PARA O TRABALHO...................................157

15.3 A DIMENSÃO GRUPAL: ESTILO DE LIDERANÇA E PROCESSO DECISÓRIO.......157

16. GESTÃO E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL....................................157


16.1 GESTÃO E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL NO TRABALHO COOPERADO....157

16.2 O FUTURO: ALTERANDO RELACIONAMENTOS............................................157

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................157

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................157

ANEXOS..............................................................................................................157
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Números do Cooperativismo por Ramo de Atividade............................61

Tabela 2: Números do Cooperativismo por Ramo de Atividade............................62


LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Dados Sociodemográficos....................................................................98


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Relações dialéticas entre níveis sucessivos de complexidade

social......................................................................................................................23

Figura 2: Bairros da Região 7................................................................................85


LISTA DE SIGLAS

ACI Aliança Cooperativa Internacional

ANTEAG Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas Autogestionárias e

de Participação Acionária

OCA Organização das Cooperativas da América

OCB Organização das Cooperativas Brasileiras

OCB/ES Organização das Cooperativas Brasileiras – regional Espírito Santo

PRONAGER Programa de Geração de Emprego e Renda

SESCOOP Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo


15

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, ocorreram importantes transformações no mundo do

trabalho, como a tendência ao desaparecimento de empregos permanentes e o

surgimento de novas tecnologias gerando profundas modificações nas relações

trabalhistas. O trabalhador não-qualificado, já historicamente excluído, passou a

ocupar uma posição ainda mais vulnerável frente à concentração de capital

financeiro e ao desemprego. Neste cenário, não por acaso, ressurge o

cooperativismo como uma alternativa de organização do trabalho, com o apoio do

poder público, como uma possibilidade de geração de renda para a população

mais pobre que não se encaixa no perfil de trabalhador exigido pelo mercado.

As cooperativas populares são, em geral, constituídas por pessoas que não

conseguiram inserção no mercado formal de trabalho por falta de qualificação

profissional e que necessitam de uma atividade geradora de renda para lhes

restituir a condição de cidadã. Assim, os excluídos socialmente buscam uma

atividade produtiva condizente com suas possibilidades e habilidades com o

intuito de obter rendimento.

Diante destas dificuldades, algumas cooperativas passam longe dos

preceitos cooperativistas, mantendo uma estratificação hierárquica rígida e

relações de assalariamento como qualquer empresa. Neste caso, a designação

de “cooperativa” serve tão somente para facilitar a supressão dos direitos

trabalhistas. Assim, o trabalho cooperativo ressurge como uma alternativa frente à

falta de opções de emprego e não como uma busca de autonomia no trabalho.


16

As relações interpessoais, foco principal deste estudo, são objeto de

interesse das organizações por terem impacto no comprometimento, na

satisfação, na produtividade do trabalhador, dentre outros Sua relevância é

inquestionável, mas encontra-se pouca produção abordando esta temática no

contexto organizacional, especialmente em organizações cooperativas. O

presente estudo das relações interpessoais foi baseado no modelo proposto por

Hinde (1997) que possibilitou uma compreensão da natureza e da dinâmica dos

relacionamentos.

Este trabalho é fruto de uma pesquisa desenvolvida junto a uma

cooperativa de produção localizada no município de Vitória, mais especificamente

em uma região de baixa renda da cidade, a Ilha das Caieiras. Ao longo de oito

meses foi estabelecido contato com as cooperadas e observou-se suas rotinas de

trabalho, as relações interpessoais, a estrutura sócio-cultural e o ambiente em

que estavam inseridas.

A cooperativa iniciou as atividades em 1999, sendo originalmente

composta por 49 mulheres, identificadas como as desfiadeiras de siri da Ilha das

Caieiras. Essas mulheres nunca haviam participado de um grupo cooperativo e

estavam sem um trabalho formal, viviam, basicamente, do desfio de siri que

faziam individualmente nas calçadas da Ilha. No momento da pesquisa, a

atividade da cooperativa não era o desfio do siri, mas um restaurante de culinária

típica capixaba, sediado em um local construído, às margens do mangue e cedido

pela prefeitura de Vitória para uso das cooperadas.

Pretende-se, com este estudo, contribuir para a pluralidade da análise do

tema cooperativismo, especialmente cooperativismo popular, buscando colaborar


17

na construção de caminhos alternativos para intervenção no campo e o debate

sobre constituição destas organizações, em especial, a contribuição que o estudo

dos relacionamentos interpessoais pode oferecer.

O trabalho está estruturado em três partes. Primeiramente, são

apresentados alguns aspectos do cooperativismo, seu surgimento, princípios e

desenvolvimento no Brasil. Seguem-se algumas considerações sobre as

propostas de Robert Hinde para o estudo do relacionamento interpessoal,

referencial teórico desta tese. Em seguida, apresenta-se uma revisão de

pesquisas sobre relações interpessoais nas cooperativas, a justificativa e os

objetivos da pesquisa. Na segunda parte, apresenta-se a metodologia utilizada

para a coleta e a análise dos dados, bem como as características dos

participantes e da organização estudada. Na terceira, são apresentados os

resultados e a discussão dos dados. Por último, seguem as considerações finais e

as referências bibliográficas que serviram de suporte teórico para o

desenvolvimento deste trabalho.


18

CAPÍTULO I

1. RELACIONAMENTO INTERPESSOAL

Este capítulo faz uma introdução ao tema do relacionamento interpessoal.

Dada extensão da área e o grande número de trabalhos publicados sobre o tema,

os seguintes aspectos foram selecionados: a) um breve histórico sobre a

pesquisa do relacionamento interpessoal; b) uma apresentação da obra de Robert

Hinde relativa ao relacionamento interpessoal, autor que serve de referencial

teórico para a presente pesquisa; c) sendo a cooperação um importante aspecto

do relacionamento interpessoal na formação e consolidação das cooperativas,

faz-se um breve item sobre cooperação e relacionamento Interpessoal.

Finalmente, são apresentados alguns aspectos da pesquisa do relacionamento

interpessoal nas organizações.

1.1 A Pesquisa do Relacionamento Interpessoal – Histórico

Reflexões sistemáticas sobre o relacionamento interpessoal remontam à

Antiguidade. Aristóteles e Platão, no mundo grego antigo e Cícero, na antiguidade

romana, são exemplos de pensadores que escreveram sobre relações humanas.

A pesquisa em relacionamento interpessoal, contudo, como campo de

investigação científica, teve um desenvolvimento expressivo nos últimos quarenta

anos. Autores como Argyle, Sullivan, Heider foram pioneiros da área,

representando contribuições de diferentes áreas do conhecimento ou de

diferentes perspectivas teóricas. Henry Sullivan, por exemplo, era psiquiatra e sua
19

principal contribuição para a área foi sua obra sobre relacionamento interpessoal

na psiquiatria. Fritz Heider foi fortemente influenciado pela Psicologia da Gestalt,

e sua principal obra sobre o tema (Psicologia das Relações Interpessoais) foi

publicada em 1958. Michel Argyle também exerceu um papel de destaque na

história dos estudos sobre relacionamento interpessoal. A pesquisa do

relacionamento interpessoal, como uma área de pesquisa, contudo, torna-se mais

evidente com a criação de sociedades científicas internacionais, de periódicos

científicos, de congressos reunindo autores ligados ao tema e interessados na

construção de uma ciência específica dos relacionamentos interpessoais, ainda

que, haja uma grande diversidade teórica e metodológica.

A pesquisa sobre relacionamento interpessoal, segundo Garcia (2005a), foi

marcada pela contribuição de autores de diferentes disciplinas e orientações

teóricas. Dentre eles destacam-se Steve Duck e Robert Hinde. Steve Duck teve

participação importante na organização da International Society for the Study of

Personal Relationships (ISSPR), sociedade que tinha como principal objetivo

estimular e apoiar a pesquisa científica sobre relacionamentos interpessoais e

aperfeiçoar a comunicação entre pesquisadores do tema fortalecendo o campo de

Relacionamento Interpessoal dentro da comunidade acadêmica. Duck também

esteve à frente da criação do primeiro periódico da área, no início da década de

1980, o Journal of Social and Personal Relationships. Em 1987, durante

Conferência Internacional sobre Relacionamento Interpessoal, em Iowa, foi criada

a International Network on Personal Relationships (INPR) com o objetivo de

promover a colaboração interdisciplinar no estudo dos processos de

relacionamento. A fusão dessas duas sociedades, em junho de 2002, deu origem


20

à International Association for Relationships Research – IARR (Associação

Internacional de Pesquisa do Relacionamento), organização que se propõe a

continuar o trabalho anteriormente desenvolvido pela ISSPR e INPR. A sociedade

reúne atualmente cerca de 700 profissionais de 20 países.

Garcia (2005a, 2006) analisou as publicações e os temas abordados nas

pesquisas sobre relacionamento interpessoal veiculadas pelas principais

publicações internacionais especializadas (JSPR e PR). Entre os temas mais

investigados estão o relacionamento romântico, o relacionamento familiar e as

relações de amizade. Três aspectos, segundo o autor, se destacam como

representativos do conteúdo dos estudos de relacionamento interpessoal: os

participantes, as dimensões do relacionamento e o contexto. Com relação aos

participantes, as principais propriedades estudadas são a idade, gênero, etnia e

certos aspectos psicológicos. As dimensões do relacionamento mais investigadas

nos estudos publicados nos principais periódicos são a comunicação, o apego, o

compromisso, o perdão, a similaridade, a percepção interpessoal, o apoio social e

emocional e o lado negativo do relacionamento – agressão, violência e ameaças

ao relacionamento. O terceiro elemento marcante nos estudos de relacionamento

é o contexto, representado por fatores ambientais, geográficos, ecológicos,

sociais, culturais, econômicos, tecnológicos, entre outros.

Segundo Garcia (2006), há uma grande diferença na produção científica

entre diferentes países da América do Sul. As publicações sobre relacionamento

interpessoal são desigualmente distribuídas, sendo que Brasil, Argentina, Chile e

Colômbia possuem uma produção nitidamente mais expressiva que os demais

países sul-americanos.
21

1.2 Robert Hinde: Um Referencial em Relacionamento


Interpessoal

Robert Hinde é um dos autores contemporâneos que mais contribuiu para

a tentativa de organização de uma “ciência do relacionamento interpessoal”.

Apesar de o autor ter investigado e escrito sobre diferentes temas de pesquisa,

seus principais textos sobre esta área de investigação foram publicados como

livros (Hinde, 1979, 1987 e 1997). As publicações de Hinde sobre o tema

apresentam dois pontos mais relevantes. Primeiramente, procura sistematizar a

produção na área. Para tanto, organiza cerca de 1600 textos sobre o tema,

produzidos especialmente nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Em segundo

lugar, e ainda mais importante, é a orientação teórica que Hinde propõe para os

estudos na área influenciado pela Etologia Clássica, cujos principais autores a ela

ligados, Konrad Lorenz, Niko Tinbergen e Karl von Frisch, foram laureados com o

Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, em 1973. As propostas de Hinde para a

organização de uma ciência do relacionamento interpessoal, em seus pontos

fundamentais, representa uma aplicação de princípios da Etologia Clássica para

esta nova área de investigação, em pleno desenvolvimento (Garcia, 2005).

A contribuição da Etologia Clássica para os estudos sobre relacionamento

interpessoal (em particular de Konrad Lorenz, John Bowlby e Robert Hinde) foi

discutida por Garcia (2005). Garcia e Ventorini (2005) também discutiram a

contribuição da obra de Hinde para os estudos em Psicologia Organizacional.

Segundo Garcia e Ventorini (2005), os princípios para uma “ciência dos

relacionamentos” proposta por Hinde recebem a influência da Etologia Clássica e

da teoria de sistemas. Da Etologia Clássica herdou a ênfase na descrição (base


22

descritiva) como um meio para compreender a dinâmica dos relacionamentos. A

descrição é considerada a base para a teorização e a generalização. Os autores

ainda mencionam como atitudes orientadoras da Etologia no estudo dos

relacionamentos interpessoais a ênfase na descrição e classificação, análise e

síntese dos resultados da análise, o mover-se entre níveis de complexidade e a

ênfase na questão da função, evolução, desenvolvimento e causação, além do

senso de humildade referente à diversidade da natureza.

De acordo com Hinde (1997), o relacionamento interpessoal faz parte de

um sistema de relações com diferentes níveis de complexidade que afetam e são

afetados uns pelos outros (partindo de processos fisiológicos, passando por

interações, relacionamentos, grupos e sociedade) e ainda a estrutura sócio-

cultural e ambiente físico (Figura 1).


23

Sociedade

Grupo

Relacionamento
Estrutura Sócio-
cultural Ambiente
Físico

Interação

Comportamento
do Indivíduo

Processos
Psicológicos

Figura 1: Relações dialéticas entre níveis sucessivos de complexidade social (Hinde, 1997)

Segundo Garcia e Ventorini (2005), para organizar a área de pesquisa

sobre relacionamento interpessoal, Hinde parte do conteúdo das interações,

passando para a sua diversidade e qualidade. Discute ainda a reciprocidade e

complementaridade, a intimidade, a percepção interpessoal e o compromisso,

pois estas categorias ajudariam a organizar dados descritivos sobre

relacionamentos.

A descrição dos relacionamentos envolve, em essência, a descrição das

interações – conteúdo e qualidade, descrição das propriedades advindas da

freqüência relativa e padronização da interação dentro do relacionamento e a

descrição de propriedades mais ou menos comuns a todas as interações dentro

do relacionamento. Insere a comunicação verbal e não-verbal como elementos

importantes para a compreensão do relacionamento.

Garcia e Ventorini (2005) destacam ainda quatro estágios para o estudo

dos relacionamentos, propostos por Hinde: a) descrição dos fenômenos; b) a


24

discussão de processos subjacentes; c) o reconhecimento das limitações; e, d) re-

síntese. Uma vez que relacionamentos são processos há considerável

sobreposição entre esses estágios. Para Hinde (1997) a descrição de um

relacionamento requer dados sobre o que os participantes fazem, pensam e

sentem. Sugere que a descrição atinja os diversos níveis de complexidade, desde

as interações, os relacionamentos e grupos.

Para Hinde (1997), há relacionamento se os indivíduos têm uma história

comum de interações passadas e o curso da interação atual é influenciado por

elas. Relacionamentos são definidos a partir de uma série de interações no

tempo, entre indivíduos que se conhecem. Os mesmos fatores intervenientes nas

interações também estão presentes nas relações. Atitudes, expectativas,

intenções e emoções dos participantes são de fundamental importância. Por sua

vez, os relacionamentos agrupados compõem uma rede, formando o grupo social.

Hinde (1997) salienta que essas redes de relacionamentos — a família e o grupo

da igreja, entre outros — podem sobrepor-se ou manter-se completamente

separadas, comportando-se como grupos distintos, uns em face dos outros.

Assim como nas interações e relacionamentos, cada grupo tanto influencia o

ambiente físico e biológico em que está inserido como é influenciado por eles. O

autor reconhece a existência de níveis distintos de complexidade no

comportamento social. Cada um deles (interações, relacionamentos, grupos

sociais) possui propriedades próprias. Por exemplo, algumas propriedades dos

relacionamentos, tais como comprometimento e intimidade, dificilmente se

aplicam às interações isoladas.


25

Além de considerar as diferenças entre esses níveis, Hinde (1997) ressalta

que é preciso vê-los não como entidades estanques, mas como processos que se

inter-relacionam e se influenciam mutuamente. A natureza de uma interação ou

de um relacionamento depende de ambos os participantes, do comportamento

que os indivíduos manifestam em cada interação, da natureza do relacionamento,

a qual é influenciada pelo tipo de grupo a que está relacionada. Assim, cada um

desses níveis não somente influenciam o ambiente físico e a estrutura sócio-

cultural (idéias, mitos, valores, crenças, costumes e instituições), como também

são modificados por eles.

Nessa perspectiva, os termos relacionamento diádico e relacionamento

interpessoal são utilizados para referir-se a uma seqüência real de interações

entre duas pessoas no tempo ou a uma seqüência potencial de interações entre

duas pessoas que já interagiram no passado. No nível comportamental, um

relacionamento envolve uma série de interações entre indivíduos que se

conhecem. Assim, a descrição de uma interação refere-se ao conteúdo do

comportamento apresentado (o que fazem juntos), à qualidade do comportamento

(de que forma é feito) e à padronização (freqüência absoluta e relativa) das

interações que o compõem. Algumas das mais importantes características dos

relacionamentos dependem de fatores afetivos/cognitivos, que também devem ser

considerados na descrição (Hinde, 1997).

De acordo com Hinde (2001), o pleno entendimento das relações exige um

enfoque não somente no relacionamento, mas também no nível individual, com os

participantes. O curso de um relacionamento depende, em grande medida, das

características psicológicas de ambos os participantes. Portanto, a formação e as


26

mudanças nos relacionamentos envolvem características pessoais dos

participantes como expectativas, posicionamento quanto a normas culturais,

sociais e organizacionais, auto-conceito, auto-estima, valores religiosos,

habilidades de comunicação, dentre outras.

1.3 Cooperação e Relacionamento Interpessoal

A palavra cooperação, etimologicamente, é originária do verbo latino

cooperari, de cum e operari = operar juntamente com alguém (Pinho, 1966), ou

seja, é a prestação de auxílio objetivando um fim comum. E no ambiente

organizacional trata-se da associação de pessoas que, com base em seus

próprios esforços e ajuda mútua organizam e administram uma empresa com o

objetivo de proporcionar serviços que satisfaçam suas necessidades, sujeitando-

se ao efeito de princípios cooperativos ou normas de funcionamento (Correia &

Moura, 2001).

A cooperação é um conceito, de certa forma, ambíguo que permite

múltiplos usos. É usado para definir ações, relações entre indivíduos, ou como um

conceito de organização institucional. Em princípio é entendida como uma ação

consciente e combinada entre indivíduos ou grupos associativos com vista a um

determinado fim (Frantz, 2001). Assim, para este autor, pode-se definir a

cooperação como um processo social, embasado em relações associativas, na

interação humana, pela qual um grupo de pessoas busca encontrar respostas e

soluções para seus problemas comuns, realizar objetivos comuns e busca

produzir resultados, através de empreendimentos coletivos com interesses

comuns.
27

Hinde e Groebel (1991), na obra Cooperation and Prosocial Behaviour,

situam a cooperação, a confiança e o altruísmo entre as maiores virtudes

humanas, enfatizando, em suas análises, as perspectivas da biologia e da

psicologia social. De acordo com os autores, usa-se o termo cooperação para

referir-se às ocasiões nas quais dois ou mais indivíduos, mutuamente, melhorem

as possibilidades de outros alcançarem um objetivo, sendo mais provável que

cooperadores recebam benefícios de atos cooperativos dos outros que os não

cooperadores. Ressaltam ainda que a cooperação tende a acontecer

primordialmente em pequenos grupos, mas encontramos na literatura estudos

que têm sido realizados buscando discutir como a cooperação pode ser mantida

em grandes grupos (Messick & Liebrand, 1995; Buskens & Snijders, 1997).

As organizações tem sido descritas como um conjunto de recursos pelos

quais indivíduos e grupos competem e quando os recursos são abundantes e

suficientes para satisfazer as necessidades de cada membro, os conflitos sobre

os recursos serão provavelmente menores. Entretanto, se os recursos tornam-se

escassos, os indivíduos podem perceber uma disjunção entre seus interesses e

aqueles de outros membros da organização. Esta situação pode levar para a

competição intragrupo e o conflito que impacta negativamente o funcionamento

organizacional. Pesquisadores sugerem que o incremento da escassez tende a

diminuir a cooperação encorajando os indivíduos a maximizarem seus próprios

resultados (Aquino, 1998).

Aquino (1998) propõe que os efeitos da escassez sobre o comportamento

intragrupo sejam moderados por dois fatores: a) a habilidade dos membros do

grupo para comunicação, e b) o acesso ao recurso dentro do grupo. Hijzen,


28

Boekaerts e Vedder (2006) ressaltam que é crucial que os indivíduos aprendam a

ouvir um ao outro, a dialogar, a apoiar os membros, a dar opinião ou solucionar

conflitos de grupo para que o grupo se desenvolva. De acordo com Aquino,

Steisel e Kay (1992), a cooperação é maior quando os recursos são distribuídos

igualmente, por promoverem sentimentos de harmonia e responsabilidade social

no grupo. Distribuição desigual, por outro lado, promove individualismo e

competitividade. Tais motivações são provavelmente intensificadas durante

períodos de extrema escassez levando a grande conflito e competição por

recursos (Booth, 1984; Wade, 1987). Entretanto, outras pesquisas não têm

encontrado evidências significativas de que a distribuição dos recursos no grupo

afete a cooperação (Samuleson & Messik, 1986).

Na literatura, muitos dos estudos sobre cooperação estão baseados em um

contexto de dilema social. Segundo Parks (2000), um dilema social pode ser

definido como uma situação na qual um grupo de pessoas pode decidir entre

maximizar interesses próprios ou coletivos. Os pesquisadores geralmente pedem

aos participantes que optem por uma escolha cooperativa ou outra não

cooperativa (Hopthrow & Hulbert, 2005). De acordo com Parks (2000), os estudos

apontam para a importância do cuidado na escolha do esquema de recompensa

para a cooperação.

Várias explicações têm sido propostas para explicar o impacto que a

comunicação dentro do grupo tem sobre a escolha cooperativa (Kerr & Kaufman-

Gilliland, 1994; Cotterell, Eisenberger & Speicher, 1992; Isaac & Walker, 1988): a

comunicação pode (a) facilitar a compreensão das regras, (b) promover a

coordenação de ações cooperativas, (c) alterar as expectativas que os outros têm


29

do comportamento, (d) aumentar as normas gerais de benevolência, (e) criar

normas sociais locais de cooperação, (f) humanizar os membros do grupo, (g)

promover a solidariedade no grupo, (h) facilitar a coordenação das ações para

obter bom público, e (i) ter conseqüências na confiança/comprometimento para

cooperação mútua.

Dovidio, Gaertner e Kawakami (2003) enfocam o impacto que o

estabelecimento de relações competitivas ou cooperativas exerce sobre a

geração de conflitos, apontando que relações competitivas entre grupos podem

gerar sentimentos mutuamente negativos e estereótipos para os membros do

grupo. Ao contrário, relação cooperativamente interdependente entre membros de

diferentes grupos pode reduzir conflitos. Segundo Harrisson e Laplante (2001), a

cooperação entre colegas de trabalho torna a tarefa e sua execução mais fáceis

reduzindo a dificuldade do trabalho.

Pesquisa de Parks, Sanna e Posey (2003) demonstrou que, apesar da

escolha cooperativa ser normalmente motivada por um desejo de todos ao

benefício, à não cooperação, às vezes, é motivada por ganância e, por vezes, por

medo, quer de nada receber por esforços ou de ser explorado.

Segundo Jehn e Shah (1997), a cooperação ajuda o desempenho de um

outro membro do grupo ou contribui para facilitar como os membros do grupo

coordenam seus esforços. A cooperação inclui os membros que ajudam a um

outro nas tarefas e participam no comportamento mutuamente benéfico. Estes

autores propõem que a cooperação é maior em grupos de amigos do que em

grupos de conhecidos por causa das diferenças em trocas sociais.


30

A visão de um mundo pacífico está baseada na cooperação em oposição à

competição (Bonta, 1997). Competição, cooperação e individualismo são

conceitos interligados e definidos como três tipos de estruturas objetivas (Bonta,

1997; Johnson, Maruyama, Johnson, Nelson & Skon, 1981): estruturas do

competidor, nas quais a realização de objetivos interligados é correlacionada

negativamente entre pessoas diferentes; estruturas cooperativas, nas quais há

uma correlação positiva para as pessoas cujos objetivos interligados são

alcançados; e estruturas individualistas, em que objetivos não são ligados ao

todo. Johnson e Johnson (1983) sumarizaram estes conceitos em termos diretos:

os competidores alcançam seus objetivos somente quando outros participantes

não o fazem; os cooperadores alcançam seus objetivos somente quando outros

participantes também o fazem; e, os individualistas alcançam seus objetivos sem

afetar a consecução dos objetivos de outros.

Bay-Hinitz, Peterson e Quilitch (1994) demonstraram que quando crianças

jogam jogos cooperativos suas agressões diminuem e os comportamentos

cooperativos aumentam. Inversamente, quando jogam jogos de competição há

um aumento de comportamentos agressivos e os comportamentos cooperativos

diminuem.

De acordo com Boyd e Richerson (1991), a reciprocidade é outra

importante fonte de interação social. Neste caso, os cooperadores agem de forma

diferenciada baseados em comportamentos prévios dos outros – eu coopero com

você somente se você cooperou em momento anteriores. Se indivíduos

comumente empregam algumas de tais regras, a interação cooperativa entre

reciprocadores persistirá enquanto interações de não reciprocadores e não


31

cooperadores cessará logo. Reciprocadores são mais prováveis de receber

benefícios de atos cooperativos dos outros do que os não-cooperadores.

Trabalhos teóricos sugerem que reciprocidade pode facilmente conduzir à

evolução da cooperação, mas somente em pequenos grupos.

A cooperação também pode ser afetada pela identidade do grupo (Kerr &

Kaufman-Gilliland, 1994; Orbell, Van De Kragt & Dawes, 1988). Esse fator pode

estabelecer e, conseqüentemente, aumentar a resposta cooperativa na falta de

alguma expectativa de reciprocidade futura, recompensas ou punições atuais.

Além disso, essa identidade opera independentemente das ordens da

consciência. A cooperação intergrupo também tem sido objeto de pesquisas

(Gaertner, Dovidio, Rust, Nier, Banker & Ward, 1999; Worchel & Norvell, 1980).

Vugt e De Cremer (1999) relatam dois estudos experimentais sobre o papel

da identificação grupal na seleção e cooperação com os líderes para administrar

conflitos. De Cremer e Van Knippenberg, (2002) ressaltam que os achados da

literatura sobre liderança carismática e cooperação mostram que líderes

percebidos como carismáticos podem promover a cooperação porque eles

motivam os outros a continuar com o grupo ou com interesse organizacional.

Percebe-se que as ações coletivas fortalecem o sentimento de "pertença" e

solidificam os vínculos comunitários, permitindo a elaboração e o engajamento

conjunto em projetos locais (Nasciutti, Dutra, Matta & Lima, 2003). Dessa

maneira, projetos de ação comunitária podem se revelar como riquíssimos

elementos de construção de cidadania, de resgate da auto-estima, de

conscientização, em última análise, do lugar que cada ator ocupa no mundo

social.
32

A organização da cooperação, em seus aspectos práticos, exige de seus

sujeitos e atores a comunicação de interesses, de objetivos e práticas, a respeito

do qual precisam falar, argumentar e decidir como partícipes de um projeto

comum. Assim, criam as condições necessárias para a socialização de

conhecimentos e de experiências, necessárias para a cooperação. As

organizações cooperativas são fenômenos complexos que nascem da articulação

e da associação de indivíduos que se identificam por interesses ou necessidades,

buscando o seu fortalecimento pela organização e instrumentalização, com vistas

a objetivos e resultados, normalmente, de ordem econômica. A cooperação é um

acordo racional de interesses e necessidades frente à produção e distribuição de

bens e riquezas. Porém o cooperativismo, por isso mesmo, como prática social

educativa, cultural e política, tem a característica de incorporar esses elementos

ao seu sentido econômico (Frantz, 2001).

De acordo com Palmieri (2004) na psicologia, em especial na psicologia do

desenvolvimento, a discussão teórica e conceitual da cooperação e competição

vem sendo considerada no nível das ações ou comportamentos observáveis, isto

é, estudos têm sido realizados para investigar a ocorrência de comportamentos

caracterizados como pró ou anti-sociais. Para a maioria dos autores,

comportamentos pró-sociais são aqueles que representam ações ou atividades

consideradas como socialmente positivas, visando atender às necessidades e ao

bem-estar de outras pessoas, como, por exemplo, o altruísmo, a generosidade, a

cooperação, os sentimentos de empatia e simpatia, etc. Por outro lado,

comportamentos anti-sociais incluem ações ou atividades consideradas como

socialmente negativas, voltadas, por exemplo, à destruição ou ao prejuízo de


33

outras pessoas, e relacionadas a comportamentos egoístas, competitivos, hostis e

agressivos.

Para Edwards (1991), a cooperação e a competição constituem aspectos

de um mesmo fenômeno relacional, a depender do contexto e do valor adaptativo

de cada tipo de ação. Para o autor, ambos os comportamentos estão a serviço de

objetivos individuais que vão sendo constituídos em contextos grupais

determinados, que ora favorecem a cooperação, ora a competição. Desta forma,

o indivíduo estará sempre maximizando suas possibilidades de adaptação ao

ambiente, caracterizado por uma cultura ou situação específica. É assim que a

vivência de situações cooperativas pode favorecer a expressão de

comportamentos de natureza pró-social, conduzindo o indivíduo a se relacionar

positivamente em relação às necessidades e bem-estar de outras pessoas, da

mesma forma que contextos competitivos convidam os indivíduos à hostilidade e

à agressão.

Segundo Danheiser e Graziano (1982), Deustch, em artigo publicado em

1949, definiu a cooperação como o contexto interativo em que as ações de um

participante favorecem o alcance do objetivo de ambos, sendo a competição

caracterizada como a busca de objetivos mutuamente exclusivos, ou seja, quanto

mais um indivíduo se aproxima de seu objetivo, mais o outro se afasta da

possibilidade de alcançar o seu.

Além disso, Deutsch (1949, citado por Danheiser & Graziano, 1982)

destaca que normas e regras de natureza cooperativa e competitiva estabelecidas

por um grupo social podem ser estruturadas dentro de um único contexto

complexo, o qual organiza diferentes situações de relacionamento entre os


34

indivíduos. Este seria o caso, por exemplo, da cooperação intragrupo associada à

competição intergrupo. A análise de Deutsch (1949) contribui, particularmente,

para chamar a atenção para a importância do contexto, com suas regras e

expectativas sociais.

Em se tratando da análise de padrões culturais marcados pelo

individualismo e pelo coletivismo, encontramos nos estudos de Triandis (1991) a

cooperação entendida como um dos atributos característicos de grupos sociais

coletivistas, onde a motivação individual sistematicamente se refere ao grupo de

pertencimento constituído pela família, tribo, ou nação. Já nas culturas por ele

classificadas como individualistas, as pessoas tenderiam mais à competição e à

defesa de seus interesses particulares.

1.4 Relacionamento Interpessoal e Organizações

De acordo com Garcia (2005a) o tema do relacionamento em ambiente

organizacional representa uma proporção muito pequena dos estudos publicados

em revistas internacionais especializadas sobre relacionamento interpessoal.

As obras sobre relacionamento interpessoal, adotadas em cursos de

Administração, não refletem a situação contemporânea da área (e.g. Minicucci,

2001; Moscovici, 1997). Um panorama mais amplo dos estudos sobre

relacionamento interpessoal nas organizações surge nos periódicos internacionais

de Psicologia Organizacional. Diferentes aspectos do relacionamento

interpessoal, conforme organizados por Hinde (1997), estão presentes nessas

publicações. Por exemplo, várias publicações têm abordado similaridade,

diferença, reciprocidade e complementaridade. Entre estas, estão pesquisa sobre


35

diferenças de idade e seus efeitos na relação supervisor-subordinado (Perry, Kulik

& Zhou, 1999; Finkelstein, Allen & Rhoton, 2003), sobre similaridade e

complementaridade entre colegas (Tett & Murphy, 2002), sobre os efeitos da

similaridade na percepção e na avaliação (Strauss, Barrick & Connerley, 2001),

sobre os efeitos da similaridade com colegas e clientes no desempenho (Leonard,

Levine & Joshi, 2004), sobre o papel da dissimilaridade entre supervisor e

subordinado (Duffy & Ferrier, 2003) e sua influência no local de trabalho.

Outros temas também são discutidos, como o conflito e sua resolução

(Smith, Hamington & Neck, 2000; Pelled, Xin & Weiss, 2001; Yang & Mossholder,

2004) e relações de poder (Garcia, 2002; Morand, 2000). A percepção

interpessoal tem sido investigada ao lado de outros fatores, como a comunicação

(Thorsteinson & Balzer, 1999), a influência de relacionamento afetivo para a

percepção e a avaliação do outro (Lefkowitz, 2000). Ainda abordam as

discrepâncias nas percepções no ambiente de trabalho (Becker, Ayman &

Korabik, 2002) e a avaliação de chefe, colega e subordinado que, em última

análise, reflete o produto de percepção (Furnham, 2002). Da mesma forma, os

estudos sobre satisfação, também envolvem outras dimensões, como inovação

no trabalho (Janssen, 2003) e lealdade direcionada ao supervisor (Chen, 2001).

Como influências devidas a características individuais e influências sociais,

podem ser citadas as influências do contexto nas trocas entre líder e membro

(Coglieser & Schriesheim, 2000), os efeitos da personalidade do supervisor nas

atitudes do subordinado (Smith & Canger, 2004), efeitos do estilo cognitivo sobre

a troca entre líder e membro (Allinson, Armstrong & Hayes, 2001), e, a influência

de gênero no relacionamento patrão-empregado (Adebayo & Udebge, 2004).


36

Entre as etapas de relacionamento, as iniciais costumam receber maior ênfase,

como a afiliação ou o ajustamento de novos funcionários (Cooper-Thomas &

Anderson, 2002), as entrevistas com candidatos (Lievens & Paepe, 2004;

Silvester, Anderson-Gough, Anderson & Mohamed, 2002).

Liderança é outro ponto largamente investigado nas organizações, sendo,

contudo, mais um fenômeno de grupo que um relacionamento interpessoal.

Contudo, aspectos tipicamente investigados nas relações interpessoais têm sido

aplicados à liderança. Berson, Dan & Yammarino (2006), por exemplo, abordaram

o estilo de apego e as diferenças individuais na percepção e emergência da

liderança. Adultos seguros mostram mais segurança no trabalho e valorizam mais

os relacionamentos, com os quais mostram alta satisfação, confiança,

comprometimento e interdependência em relação aos outros. Estes autores ainda

argumentam que indivíduos com apego seguro – que mostram mais confiança

são os que mais ajudam aos outros, e tendem a ser independentes e confiáveis –

são capazes de negociar um papel de liderança melhor do que indivíduos

inseguros, que também preferem evitar a interação social ou tendem a engajar no

conflito disfuncional.

Outros temas encontrados nestas publicações nos remetem a temas

clássicos da pesquisa sobre relacionamento interpessoal, como apego e saúde

(Joplin, Nelson & Quick, 1999), relacionamento romântico (Foley & Powell, 1999),

agressividade (Greenberg & Barling, 1999; Grandey, Dickter & Sin, 2004),

competição (Kahalas, 2001), e, emoções (Fitness, 2000). O apoio social tem sido

investigado em sua relação com a percepção interpessoal (Kennedy, Homant &

Homant, 2004), com o estresse (Beehr, Jex, Stacy & Murray, 2000; Stephens &
37

Long, 2000) e com compromisso (Stinglhamber & Vandenberghe, 2003). A

confiança nas relações também é investigada (Atkinson & Butcher, 2003; Ferres,

Connell & Travaglione, 2004), assim como a amizade (e.g. Markiewicz, Devine &

Kausilas, 2000; Olk & Elvira, 2001).

Os relacionamentos no trabalho, segundo Mangam (1981), podem estar

sujeitos ao conflito e à cooperação, à indiferença, amizade, à guerra e à paz, à

tensão e tolerância. Em função da natureza da organização a ser investigada, a

cooperação e os elementos que a facilitam e seus obstáculos emergem como um

foco de atenção para as relações interpessoais nas cooperativas.

A importância do relacionamento interpessoal para as organizações,

contudo, tem sido reconhecida por diferentes autores. Sato (1999), por exemplo,

ressalta que o que faz a organização é a interação entre as pessoas. A

organização sempre será aquilo que as pessoas nela envolvidas fazem e/ou

desenvolvem. Por serem processos movidos por pessoas, grande diversidade de

interesses estão presentes. São interesses subjetivos, sociais, econômicos e

políticos que dão forma aos objetivos e orientam as práticas. Em função disso,

esses processos sociais envolvem dois aspectos principais: a harmonia (devido a

interesses semelhantes, comuns e compartilhados) e o conflito (interesses

diferentes e contraditórios). Segundo Sato (1999), o motor das interações em uma

organização cooperativa seria o binômio cooperação e confrontação.

A partir dessa perspectiva, a cooperação, como um princípio fundamental

do cooperativismo merece ser investigada na vivência cotidiana de uma

cooperativa popular. A construção de uma cooperativa envolve dimensões de

natureza simbólica e material, de ordem política, econômica e psicossocial. Por


38

esse motivo, Sato (1999) argumenta que uma organização cooperativa deve estar

aberta à negociação, permitindo às pessoas a construção de laços e a

organização de grupos. Essas negociações não se limitam aos negócios, mas

envolvem, sobretudo, os significados por trás dos objetivos a serem perseguidos,

as motivações que os sustentam, os meios para alcançar tais objetivos,

considerando-se o contexto no qual a cooperativa está inserida.


39

CAPÍTULO II

2. COOPERATIVISMO

Ao lado do relacionamento interpessoal, apresentado no capítulo anterior, o

cooperativismo representa outra importante parte deste trabalho. Este item tem

por finalidade apresentar aspectos relevantes das cooperativas para o presente

estudo. Neste sentido, divide-se em três partes: a) um breve histórico do

cooperativismo; b) princípios cooperativistas e ramos do cooperativismo; e, c) o

cenário do cooperativismo no Brasil.

2.1 Histórico do Cooperativismo

O termo cooperativismo se originou da palavra cooperação. Este termo tem

sua origem no latim opus, operis, que quer dizer trabalho, efeito de trabalho,

ofício. Cooperar significa operar ou obrar simultaneamente; trabalhar em comum;

colaborar; ajudar; auxiliar (Holanda,1995).

De acordo com Oliveira (2000) entende-se por cooperativa uma “união de

pessoas, cujas necessidades individuais de trabalho, de comercialização ou de

prestação de serviços em grupo, e respectivos interesses sociais, políticos e

econômicos, fundem-se nos objetivos coletivos da associação”. Este autor ainda

ressalta que a principal diferença entre uma cooperativa e as empresas comuns é

a forma de decidir sobre os fins da organização, pois na cooperativa decide-se

com base no princípio “um homem, um voto” por meio da Assembléia Geral de

Sócios, todos tendo o mesmo poder. As cooperativas se apóiam sobre indivíduos

trabalhando em cooperação, permitindo a cada um desenvolver-se, resultando no


40

crescimento do próprio grupo social. Segundo Campos (2001) a história do

cooperativismo como associativismo é rica em experiências que retratam a

importância da ajuda mútua para o progresso social e econômico dos povos.

Schmidt e Perius (2003, p.63), ao definirem o que são as cooperativas

ressaltam a importância dos valores disseminados:

As cooperativas são associações autônomas de


pessoas que se unem voluntariamente e constituem
uma empresa, de propriedade comum, para satisfazer
aspirações econômicas, sociais e culturais. Baseiam-se
em valores de ajuda mútua, solidariedade, democracia,
participação e autonomia. Os valores definem as
motivações mais profundas do agir cooperativo, sendo a
instância inspiradora dos princípios do Movimento
Cooperativista Mundial.

A origem do sistema cooperativista sofreu a influência das idéias socialistas

que emergiram a partir de uma reação da luta emancipatória da classe operária

contra as precárias condições de trabalho geradas pela Revolução Industrial. O

cooperativismo surgiu como reação ao empobrecimento dos artesãos provocado

pela difusão das máquinas e da organização fabril da produção. Os primeiros

movimentos sociais de defesa e de libertação dos interesses da classe operária

surgiram na Inglaterra e França, com idéias de cooperação, de ajuda mútua e de

solidariedade entre as pessoas (Singer, 2002).

Os principais precursores do cooperativismo são Robert Owen, François

Marie Charles Fourier, Willian King e Jean Joseph Charles Louis Blanc (Klaes,

2005). Um dos principais idealizadores foi Robert Owen (1771-1858), um grande

industrial inglês que se tornou conhecido por sua habilidade empresarial e

filantropia. Em suas indústrias, seus operários recebiam toda assistência, mesmo

em períodos de crise e baixa produção, Owen mantinha seus trabalhadores nas


41

fábricas e pagava seus salários de forma integral. Acreditava que o capital

investido deveria ter um dividendo limitado e o excedente deveria ser reinvestido

nos trabalhadores (Nascimento, 2005). Devido à distância em relação à cidade,

os operários tinham que residir junto à fábrica. Owen, percebendo suas

dificuldades, implementou algumas ações, visando melhoria para seus

trabalhadores, como: construção de casas para residências com preços mais

acessíveis; proibição do trabalho para menores de dez anos; abriu uma escola

oferecendo ensino gratuito; reduziu jornada de trabalho e aumentou salários

(Pinho, 1982). Owen considerava que a reforma social seria alcançada por

associação voluntária e combate ao lucro e à concorrência, com as associações

cooperativas presentes em todas as áreas da atividade econômica, atingindo, por

fim, o setor de serviços de forma que a produção fosse efetivamente dos

trabalhadores (Évora, 2000/2001).

Após a implementação de melhorias, notou que estas geraram uma

repercussão positiva, com a elevação da situação econômica em sua fábrica.

Este fato, aliado a sua formação humanística, o estimulou a prosseguir e o levou

a propor leis de proteção aos trabalhadores (Singer, 2002). Em 1817, Owen

apresentou um plano ao Governo britânico de sustento para os pobres, através de

construção de Aldeias Cooperativas, aonde viveriam e produziriam sua própria

subsistência (Veiga & Fonseca, 2001). Em 1825, mudou-se para os Estados

Unidos e fundou uma Aldeia Cooperativa que seria posteriormente um modelo de

sociedade. Voltou para a Inglaterra em 1829 após a experiência ter falhado.

Influenciou a criação da primeira cooperativa owenista, fundada por George


42

Mudie em Londres, e outras que se seguiram, como a cooperativa de consumo

fundada por Willian King (Singer, 2002).

William King (1786-1865) foi um médico inglês que percebeu na

cooperação uma forma de gerar melhores condições de vida, minimizando as

desigualdades sociais (Pinho, 1982; Singer, 2002). King publicou, a partir de

1828, uma revista mensal denominada The Co-operator, na qual disseminava sua

teoria sobre cooperação e ganhava adeptos entre os trabalhadores da Grã-

Bretanha. A revista durou aproximadamente dois anos e conseguiu boa difusão

no país, inclusive registrando aumento no número de cooperativas durante sua

existência. Na época de seu encerramento em agosto de 1830, já surgiam outras

publicações sobre o tema (Veiga & Fonseca, 2001; Singer, 2002).

Na França, Charles Fourrier (1772-1837) idealizou a organização da

sociedade em uma comunidade suficientemente grande, que oferecesse uma

diversidade de trabalho para todos, resultando em um aumento tanto na

produtividade quanto na produção, dispensando a figura do Estado. Estabeleceu

um sistema de mercado para conciliar as preferências por diferentes tipos de

produto e trabalho e propôs diversos mecanismos de redistribuição de renda

(Nascimento, 2005). Sua idéia central era que a sociedade deveria ser organizada

de tal forma que os homens pudessem expressar livremente suas paixões e

desejos e que estas espontaneamente eram capazes de se harmonizar e, sob

determinadas condições, iriam levar a uma sociedade perfeita, resultando em

aumento de produtividade em benefício de todos (Pinho, 1982; Veiga & Fonseca,

2001).
43

Outro precursor do cooperativismo foi Louis Blanc (1812-1882), historiador,

jornalista, orador e político. Reivindicava o auxílio financeiro governamental para

fundar as associações operárias, ou seja, defendia a ampla intervenção do

Estado e via nas associações uma forma de organização produtiva que poderia

beneficiar os trabalhadores enquanto co-proprietários do sistema de produção

(Pinho, 1982; Évora, 2000/2001).

A primeira cooperativa surgiu em Rochdale, um centro industrial na

Inglaterra, em 1844, fundada por 28 trabalhadores. Autores como Silva (2004),

Veiga e Fonseca (2001) e Gawlak e Turra (2002) ressaltam o papel de uma

mulher identificada pelo nome de Anee Tweedale. O contexto da época indica que

se tratava de um período em que ocorreu uma derrota de reivindicações dos

trabalhadores, após uma prolongada greve de tecelões, portanto, o impulso

original pode ter sido uma estratégia de sobrevivência daquele grupo, em virtude

da dificuldade financeira dos trabalhadores adquirirem produtos em preços

acessíveis (Singer, 2002).

A cooperativa de Rochdale estruturou-se de forma auto-suficiente, não

dependendo de doações de simpatizantes, como nas cooperativas de Owen. A

intenção dos pioneiros era manter os ideais socialistas e as cooperativas de

produção e consumo se tornavam instrumentos para tal objetivo (Nascimento,

2005).

Na Alemanha, Schulze-Delitzsch fundou cooperativas de artesãos (de

compras para mestres sapateiros) e de crédito. A associação fundada dependia

da filantropia de burgueses ricos para sobreviver. Ao tomar conhecimento da

existência de uma associação em Eilenburg que se mantinha através de


44

contribuições dos seus membros e dos empréstimos de intermediários

financeiros, oferecendo como garantia a responsabilidade ilimitada de todos os

sócios, reorganizou a associação, adaptando-se às necessidades dos artesãos e

pequenos comerciantes urbanos e destinando os empréstimos ao financiamento

de investimentos produtivos. Surgiram, assim, os Bancos do Povo, de natureza

autogestionária e, em 1865, o Banco Alemão de Cooperativas, para administrar

os recursos excedentes de cooperativas e conceder empréstimos às cooperativas

necessitadas. O modelo cooperativo alemão foi implantado na Itália por Luigi

Lazzatti, ao criar o banco cooperativo de Milão, em 1864. Destacou-se por limitar

a responsabilidade na garantia de empréstimos e estabelecer cotas de capital de

pequeno valor (Nascimento, 2005).

Nascimento (2005) ressalta que a Cooperativa de Rochdale foi o grande

exemplo de cooperativa bem sucedida, pois conseguiu, em momentos de crise,

partilhar perdas eqüitativamente – vantagem essa que as empresas capitalistas

não possuíam. Após um século e meio de sua fundação, os valores de ajuda

mútua, igualdade de direitos e deveres cultivados pelos tecelões ingleses

permanecem inalterados.

Atualmente, as cooperativas de trabalho constituem força importante na

Europa, em países como Espanha e Itália. O exemplo mais conhecido

mundialmente é o da Mondragon Cooperative Corporation, um dos mais

importantes grupos cooperativos na Espanha, originado no País Basco

(Namorado, 2003).

Desde 1895, as cooperativas estão organizadas internacionalmente, sendo

a Aliança Cooperativa Internacional (ACI) uma associação não-governamental e


45

independente, atualmente sediada em Genebra, Suíça. A entidade coordena o

movimento nos cinco continentes. A ACI representa e presta apoio às

cooperativas e suas correspondentes organizações e objetiva a integração,

autonomia e desenvolvimento do cooperativismo. No continente americano, essa

articulação é feita pela Organização das Cooperativas da América (OCA),

fundada em 1963, com sede na Colômbia, com representações de vinte países,

incluindo o Brasil (OCB, 1992).

De acordo com Cruz (2002), o Brasil apresentava, na época do surgimento

das primeiras cooperativas, condições bem diversas das que propiciaram a

difusão do cooperativismo na Europa. As indústrias brasileiras não sofreram, nas

mesmas proporções, o impacto da Revolução Industrial. Pequenas propriedades

agrárias praticamente não existiam aqui, predominando os latifúndios. Além disso,

a falta de transporte isolava as regiões umas das outras. Ainda segundo o autor, o

início do movimento cooperativista no Brasil ocorreu em 1847, quando o médico

francês Jean Maurice Faivre, adepto de Charles Fourier, fundou, no Paraná, a

colônia Tereza Cristina, organizada em bases cooperativas. Essa organização,

apesar de sua breve existência, contribuiu como elemento formador do

florescente cooperativismo brasileiro. Em 1895, Menezes e Tosta criaram as

primeiras cooperativas de consumo e de operários no Brasil.

No Brasil, as cooperativas foram regulamentadas, inicialmente, por meio do

Decreto 1.637, de 1907. Durante o governo de Getúlio Vargas as cooperativas

passaram a ter uma regulamentação específica através do Decreto 19.770, de

1931. Entretanto, o Estado não só regulamentou a constituição de cooperativas,

como também procurou incentivar sua criação (Cruz, 2002). É a partir desse
46

momento que as cooperativas no Brasil passam a ter uma dupla origem: uma

surge de forma espontânea por interesses dos trabalhadores e outra em resposta

aos incentivos do Estado. Em 1943, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)

concedeu amparo previdenciário aos trabalhadores que se organizassem em

cooperativas.

Na atualidade, os empreendimentos cooperativistas são regidos pela Lei

5.764/71, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime

jurídico das sociedades cooperativas, prevê o registro na Organização das

Cooperativas do Brasil (OCB) e dá outras providências. O artigo 90 da lei

supracitada proíbe a existência de vínculo empregatício entre os associados e as

cooperativas (Cruz, 2002). A renda obtida pelo cooperado não é um salário fixo,

mas um pró-labore que tende a ser variável.

A Constituição Federal de 1988 prevê em seu parágrafo único, artigo 174,

o apoio e estímulo ao movimento do cooperativismo e outras formas de

associativismo. Ressalte-se que as cooperativas de trabalho são também

utilizadas para recuperar empresas falidas, através da autogestão dos

funcionários, objetivando a manutenção de sua fonte de renda (Cruz, 2002).

A representação de todo o sistema cooperativista nacional cabe à

Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), constituída em 1969, durante o

IV Congresso Brasileiro de Cooperativismo. O órgão que representa politicamente

e regula as atividades das cooperativas no nível estadual são as Organizações

das Cooperativas Estaduais que estão presentes em todos os estados brasileiros,

sendo constituída através da filiação de cooperativas singulares, centrais e

confederações de todos os ramos cooperativistas. Em 1998, com a Medida


47

Provisória nº 1.715 foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem do

Cooperativismo (SESCOOP), para investir continuamente na educação e

formação dos seus cooperados, dirigentes e funcionários, entre outras

atribuições.

O movimento cooperativista possui como símbolo um círculo envolvendo

dois pinheiros para indicar a união do movimento, a imortalidade de seus

princípios, a fecundidade de seus ideais e a vitalidade de seus adeptos. Tudo isso

marcado pela trajetória ascendente dos pinheiros que se projetam para o alto,

procurando subir cada vez mais (Cruz, 2002).

Esta breve contextualização histórica apresentou um pouco da trajetória de

regulamentação e implementação do cooperativismo europeu e brasileiro. Na

seqüência, serão discutidos os princípios e os ramos do cooperativismo.

2.2 Princípios Cooperativistas e Ramos do Cooperativismo

Ao longo da evolução do cooperativismo, houve a necessidade de

modernização dos princípios cooperativistas, que segundo Silva (2004), foram

inicialmente reformulados pelos próprios pioneiros de Rochedale em 1854, depois

pelos cooperados presentes nos congressos da ACI em 1937 em Paris e 1966 em

Viena. Os princípios cooperativistas são orientações pelas quais as cooperativas

levam os seus valores à prática. São eles: 1) adesão voluntária e livre; 2) gestão

democrática; 3) participação econômica dos membros; 4) autonomia e

independência; 5) educação, formação e informação; 6) inter-cooperação; 7)

interesse pela comunidade (OCB, 1992).


48

De acordo com Gawlak e Turra (2002), quanto ao primeiro princípio, a

adesão livre e voluntária, todas as pessoas, independente do gênero, raça,

política e religião têm liberdade para se associar a uma cooperativa. Ser sócio é

uma decisão e escolha individual. Para a adesão, no momento atual, são

necessários alguns critérios, como o candidato interessado conhecer previamente

a doutrina, filosofia e os princípios cooperativos, os objetivos, estatuto e estrutura

da cooperativa, direitos e deveres dos sócios, acreditar na cooperativa e, como

um dos donos do empreendimento ter postura participativa e empreendedora.

Cada cooperativa elabora sua norma, estatuto e regimento interno, que servirá de

norteador na análise de adesão. Assim, podemos dizer que as cooperativas estão

abertas a todas as pessoas aptas e que estejam dispostas a aceitar a

responsabilidade de sócio do empreendimento.

No que concerne ao segundo princípio, a gestão democrática pelos sócios,

a participação de todos os sócios é fundamental no processo de administração. O

controle do empreendimento, estabelecimento das políticas internas e a tomada

de decisões são realizados coletivamente através do voto. Nas cooperativas cada

sócio tem direito a um voto ou, como se diz, cada homem equivale a um voto, o

que coloca todos os membros em posição de igualdade. Os membros elegem os

representantes, diretores e conselheiros, de maneira democrática, sendo que as

decisões são tomadas em assembléias gerais, considerado órgão supremo da

cooperativa (Gawlak & Turra, 2002).

Participação econômica dos sócios é o terceiro princípio da doutrina

cooperativista. Neste princípio, os sócios contribuem eqüitativamente e controlam

democraticamente o capital de sua cooperativa, para seu próprio benefício.


49

Integralizam o capital social através de cotas partes. Uma parte deste capital é

propriedade comum da cooperativa, sendo que os resultados, quando positivos,

se destinam a formar fundo de reserva e fundo de assistência técnica,

educacional e social da cooperativa. Visam o desenvolvimento da cooperativa,

sendo que outros fundos podem ser criados em assembléias gerais. As sobras

líquidas apuradas no exercício são rateadas entre os associados

proporcionalmente às suas operações (Gawlak & Turra 2002).

No quarto princípio, a autonomia e independência, as cooperativas são

empresas autônomas de ajuda mútua, controladas e dirigidas por seus membros,

que devem decidir sobre suas atividades, objetivos e missão. Não há interferência

governamental nas decisões, e se houver acordo ou parcerias com outras

instituições, deve ficar assegurado o controle democrático e autonomia de seus

membros (Gawlak & Turra, 2002).

No que diz respeito ao quinto princípio, a educação, formação e

informação, ele objetiva o desenvolvimento cultural e profissional do cooperado,

membros e dirigentes; administradores e funcionários. Destaca, portanto, a

necessidade das cooperativas reservarem, a partir dos excedentes obtidos, um

percentual para o fundo destinado a promover a educação. Treinamento e

educação continuada possibilitam o desenvolvimento efetivo da cooperativa. Vale

ressaltar também, a importância de informar os princípios cooperativistas nas

comunidades, principalmente junto ao público jovem e lideranças, disseminando

os benefícios da cooperação em todos os níveis de ensino (Gawlak & Turra

2002).
50

O sexto princípio aborda a cooperação entre cooperativas ou inter-

cooperação, destaca o sentido de união, integração, cooperação, entre outros.

Entende-se que no contexto atual de globalização, é fundamental a integração

para fortalecimento do sistema cooperativista, assegurando sua sobrevivência.

Parte do pressuposto, que a integração do movimento cooperativista, atuando

através de redes em estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais,

fortalece o sistema e possibilita às cooperativas atender melhor as necessidades

de seus associados (Gawlak & Turra 2002).

Finalmente, o sétimo princípio, o interesse pela comunidade, que preocupa

com o desenvolvimento sustentável, através de políticas aprovadas por seus

membros, que beneficiam a comunidade na qual a cooperativa está inserida. Por

exemplo, as cooperativas que elaboram políticas de preservação do meio

ambiente, ou produção de alimentos sem produtos químicos, dentre outras.

Propiciam também benefícios para a comunidade através da geração de trabalho,

produção, renda, prestação de serviços, entre outros. As cooperativas contribuem

com o desenvolvimento econômico, cultural e social, visando atender as

necessidades de seus cooperados e suas famílias. Buscam de forma ampla, a

melhoria na qualidade de vida da comunidade em que vivem (Gawlak & Turra

2002).

Segundo Guimarães e Araújo (1999), o cooperativismo classifica as

sociedades cooperativas por grau e ramo de atividade. As cooperativas de

primeiro grau são conhecidas como singulares, sendo seu quadro social formado

por pessoas físicas. As cooperativas de segundo grau são as centrais de

cooperativas e as federações de cooperativas. Seu quadro social é formado por


51

cooperativas singulares. As cooperativas de terceiro grau são as cooperativas

cujo quadro social é formado por centrais de cooperativas e federações.

Cada ramo de cooperativa teve a sua própria história no Brasil, com

dificuldades e sucessos distintos. As cooperativas brasileiras estão divididas em

treze ramos de atividade. Os ramos e seus respectivos objetivos são os

seguintes: a) cooperativas agropecuárias (produzir, comercializar e beneficiar

produtos agropecuários); b) educacionais (fornecer ensino com qualidade ou

ensinar o cooperativismo); c) de trabalho (promover a força de trabalho de seus

associados); d) de produção (produzir bens e produtos para comercialização); e)

de saúde (prestar serviços na área de saúde); f) de consumo (adquirir e distribuir

bens de consumo); g) habitacionais (comprar ou construir a casa própria); h) de

infra-estrutura (atender direta e prioritariamente o próprio quadro social com

serviços de infra-estrutura como as cooperativas de eletrificação rural); i) de

mineração (exploração de minério e pedras preciosas); j) especiais (formadas por

menores de idade e grupos que necessitem de tutela, como portadores de

deficiência); l) de crédito (conceder crédito e prestar serviços bancário); m) de

transporte (atuam no transporte de cargas e de passageiros); n) turismo e lazer

(prestam serviços turísticos, artísticos, de entretenimento, de esportes e de

hotelaria) (OCB, 2007).

O primeiro ramo cooperativista a surgir no Brasil foi o de produção

agropecuária, em 1847, numa colônia no Paraná. Entretanto, o desenvolvimento

deste ramo ocorreu a partir de 1907, por obra de João Pinheiro, governador de

Minas Gerais, que apoiou o movimento para reduzir a intermediação de produtos

agrícolas, nas mãos de estrangeiros, o que contribuiu para a criação de inúmeras


52

cooperativas de café, arroz, milho e outros cultivos. Em 1887, surgiu no ramo de

consumo, a cooperativa dos empregados da Cia. Paulista, em Campinas, São

Paulo. Em 1889, surge a cooperativa de consumo em Ouro Preto, e em 1891 a

Associação Cooperativa dos Empregados da Companhia Telefônica, em Limeira,

no Estado de São Paulo. Este movimento depois se expandiu para os outros

estados, surgindo a Cooperativa Militar de Consumo no Rio de Janeiro em 1894,

a Cooperativa de Consumo de Camaragibe, em Pernambuco, em 1895 (Pinho,

1982; Gawlak & Turra, 2002). O ramo de crédito teve sua primeira cooperativa em

1902, no Rio Grande do Sul, onde foi criada a Caixa Rural de Nova Petrópolis,

uma iniciativa de Teodoro Amstadt, um padre jesuíta (Guimarães & Araújo, 1999).

As cooperativas de trabalho apareceram em 1938, com a Cooperativa de

Trabalho dos Carregadores e Transportadores de Bagagem do Porto de Santos,

em São Paulo. Em 1941, é a vez das cooperativas de eletrificação rural, dentro do

ramo de serviços, sendo a primeira delas a Cooperativa de Força e Luz de Quatro

Irmãos, no Rio Grande do Sul. O ramo educacional surge, em 1987, com a

formação de cooperativas conduzidas por pais de alunos e professores. A

primeira experiência foi em Itumbiara, cidade do interior de Goiás.

A partir da década de 1990 observamos grande crescimento no número de

cooperativas independentemente do ramo de atividade. Apresentamos a seguir

um pouco do cenário atual do cooperativismo no Brasil.


53

2.3 O Cenário do Cooperativismo no Brasil

Ao abordarmos o cenário atual do cooperativismo temos que esclarecer as

denominações economia solidária e autogestão e suas relações com o contexto

do cooperativismo.

De acordo com Alcântara (2005) podemos chamar de Economia Solidária

todos os empreendimentos que, embora tenham formas e classificações diversas,

possuam como característica comum a solidarização de capital e autogestão.

A literatura referente à Economia Solidária recorrentemente se vê diante do

dilema: a Economia Solidária é uma forma alternativa de geração de renda ou é

uma alternativa ao capitalismo? Isto não será objeto deste estudo, mas

importantes autores consideram a Economia Solidária uma alternativa de geração

de renda e, por isso mesmo, ela estaria sendo utilizada como estrutura

organizacional do trabalho em algumas políticas públicas com esta finalidade

(Alcântara, 2005, Santos, 2002, Singer, 2001, Singer, 2000). Machado e Ribas

(2002) também ressaltam ser o objetivo central da economia solidária a geração

de possibilidades econômicas destinadas à reintegração dos excluídos pela

ordem neoliberal de forma que passem a pertencer novamente ao processo de

produção e, portanto, com possibilidade de trabalho e de renda.

A empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse dos meios de

produção, que é reconhecidamente a base do capitalismo (Barfknecht, Merlo &

Nardi, 2006). O capital da empresa solidária é possuído pelos que nela trabalham

e apenas por eles. Trabalho e capital estão fundidos porque todos os que

trabalham são proprietários da empresa e não há proprietários que não trabalhem


54

na empresa. A propriedade da empresa é dividida por igual entre todos os

trabalhadores, para que todos tenham o mesmo poder de decisão sobre ela.

Empresas solidárias são, em geral, administradas por sócios eleitos para a função

e que se pautam pelas diretrizes aprovadas em assembléias gerais ou, quando a

empresa é grande demais, em conselhos de delegados eleitos por todos os

trabalhadores (Singer, 2001). Segundo Barfknecht, Merlo e Nardi (2006), a

proposta do movimento de economia solidária visa reverter e superar a economia

capitalista individualista e competitiva, na qual o capital e o mercado determinam

a conduta e a vida dos trabalhadores. Trata-se de tentar construir um exercício de

poder compartilhado, de relações sociais e de cooperação entre os trabalhadores,

privilegiando o trabalho em detrimento do capital; enfim, vivenciar outra forma de

organização do trabalho e de sociedade.

Os primeiros empreendimentos solidários no Brasil começaram a ganhar

mais destaque na década de 1980 e se tornaram mais comuns a partir da metade

da década de 1990. Eles são resultantes de vários movimentos sociais que se

desenvolveram diante da crise de desemprego que passou a assolar o país a

partir de 1981 e se agrava no início dos anos 1990 com a abertura de mercado

para os produtos importados (Coutinho, Beiras, Picinin & Lückmann, 2005).

Segundo Singer (2000), os primeiros empreendimentos são resultados do apoio

de assessores sindicais a operários que se apossaram da massa falida de

empresas assumindo seu controle administrativo com o objetivo de manter os

empregos e a renda dos trabalhadores. Essas empresas se uniram para formar a

Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas Autogestionárias e de

Participação Acionária (ANTEAG).


55

De acordo com Andrada (2006), a Economia Solidária faz ressurgir

fortemente o cooperativismo em vários países, como um dos caminhos possíveis

de combate ao desemprego, mas com vistas a ultrapassar esse objetivo,

considerando seu poder de contestação de relações subordinadas de trabalho.

Esta autora ressalta ainda que o incentivo e o financiamento de ações no campo

da Economia Solidária têm sido realizados tanto por instituições públicas, quanto

por organizações não-governamentais, principalmente nos últimos dez anos.

Coutinho, Beiras, Picinin e Lückmann (2005) afirmam que a economia

solidária tem se disseminado cada vez mais como uma possibilidade de

sobrevivência das camadas da população excluídas do mercado formal de

trabalho. Entretanto, mesmo o cooperativismo sendo visto como uma resposta

aos problemas sócio-político-econômicos do sistema capitalista, não devemos

considerá-lo como a terceira via, entre o capitalismo e o socialismo, mas uma

forma de reinclusão no mercado de trabalho, funcionando como uma sociedade

de pessoas e não de capital (Nascimento, 2005).

Rodríguez (2002) lembra que, além do objetivo de geração de renda as

cooperativas servem ainda como um veículo de reconhecimento social de

determinadas profissões que sofrem preconceitos sociais e são constantemente

discriminadas - o autor denomina este processo de reencaixe econômico, social e

identitário.

Para Singer (2001), muitas cooperativas, provavelmente, passaram por

períodos em que eram empresas solidárias e outros em que se assemelhavam

mais a empresas capitalistas. Essas oscilações se devem à inserção econômica e

social de cada cooperativa - muitas surgem a partir de lutas operárias ou


56

camponesas - que impregna os cooperadores ora de valores solidários e

democráticos, ora de individualismo e culto à competição.

Segundo Singer (2001), a economia solidária se compõe das empresas

que efetivamente praticam os princípios do cooperativismo, principalmente, a

autogestão. Ao se referir à autogestão, pode-se falar de organizações coletivas,

que adotam, geralmente, uma estrutura mais horizontal. As tomadas de decisões

são compartilhadas pelo grupo, diferentemente do que acontece nas

organizações tradicionais ou nas empresas mercantis, que geralmente adotam o

modelo de heterogestão, cuja tomada de decisões fica restrita à direção da

empresa. Autogestão, conforme Albuquerque (2003, p. 20), pode ser entendida

como:

[...] conjunto de práticas sociais, que se caracteriza pela


natureza democrática das tomadas de decisão, que propicia
a autonomia de um coletivo. É um exercício de poder
compartilhado, que qualifica as relações sociais de
cooperação entre pessoas e/ou grupos independente do tipo
das estruturas organizativas ou das atividades, por
expressarem intencionalmente relações sociais mais
horizontais.

Singer (2002) ressalta que há pessoas que não apresentam uma inclinação

espontânea para a autogestão e buscam a inserção em cooperativas ou

associações para fugir da pobreza ou para sobreviver. Desta forma, aceitam

participar deste tipo de gestão, sem consciência real do seu papel e nem mesmo

do papel ou função da organização. De forma geral, ainda segundo este autor, a

autogestão é entendida como um conjunto de práticas sociais, cujo processo de

decisão é regido de forma democrática, possibilitando a autonomia do coletivo. É

um exercício de poder compartilhado, que apresenta relações sociais mais

horizontais, com participação e responsabilidade de todos os envolvidos.


57

No sistema cooperativista, autogestão se refere justamente à gestão e

participação democrática dos sócios, os quais participam ativamente das políticas

e tomadas de decisões. Diferente da visão utópica inicial do cooperativismo e

ainda preservada na chamada economia solidária, o sistema cooperativista tem

avançado em busca de uma gestão profissional, capaz de assegurar melhores

resultados para a organização.

Ao pesquisar uma determinada cooperativa de produção, Lima (1996)

encontrou entre os cooperados dificuldade de compreensão sobre a estrutura e

forma de funcionamento da cooperativa, principalmente no que tange às questões

financeiras. Isto reflete as informações e capacitações deficitárias, o que aliadas à

baixa participação em assembléias ou reuniões, e conseqüente desconfiança

interna dirigidas à diretoria, se constitui em um problema a ser enfrentado por

estes tipos de empreendimentos. Esta autora ainda observou que mesmo que os

cooperados não demonstrassem consciência de serem co-proprietários do

empreendimento estes descrevem esta estrutura de forma positiva, destacando a

existência de relacionamentos mais afetivos, maior flexibilidade no horário e a

compensação dos atrasos ou faltas, e percepção de um ambiente de trabalho

mais descontraído.

Albuquerque e Macareño (1999), Singer (2002) e Lima (1996) destacam

que o estímulo inicial para o nascimento da cooperativa é a possibilidade de ser

uma fonte geradora de renda. A história do nascimento da cooperativa, da sua

organização pode ter impacto sobre sua forma de funcionamento, principalmente

se aliada à ausência de compreensão e consciência dos cooperados quanto ao

seu papel e seu poder de intervir nessa estrutura.


58

Lima (2004) refere-se a uma pesquisa realizada no período de 1997/2000

entre quinze cooperativas da região Nordeste, todas organizadas por empresas

ou integrantes de programas governamentais de atração de empresas. Nessas,

os trabalhadores pouco percebiam a diferença entre a cooperativa e uma

empresa comum. Mesmo considerando que eram cooperativas de terceirização,

foram feitas tentativas de criar uma mentalidade cooperativa entre os

trabalhadores com treinamentos e cursos sobre cooperativismo que não surtiram

efeito. Esse quadro parece refletir que, para os trabalhadores, o trabalho

associado, em grande medida, significa falta de opções de emprego ou opção

frente ao desemprego, e não uma procura por autonomia/democracia no trabalho.

As cooperativas, em função do trabalho associado, do acesso à posse e gestão

coletiva e pela desoneração da gestão da força de trabalho, se adequam à

flexibilidade exigida pela produção capitalista. As empresas têm, nas

cooperativas, a força de trabalho que precisam, diminuindo ou aumentando suas

encomendas sem alterar seus gastos com funcionários, ficando para os

trabalhadores das cooperativas a instabilidade dos ganhos.

Segundo Lima (2004), a partir dos anos 1990, em função da reestruturação

econômica e adoção de políticas neoliberais no Brasil, com o fim da proteção a

setores industriais, privatização de estatais e tentativas de desregulamentação do

mercado de trabalho, multiplicaram-se no país as cooperativas de trabalho e

produção industrial. Esse crescimento atendeu à necessidade empresarial de

diminuição de custos, com incentivo e organização de cooperativas por parte de

empresas para reduzirem gastos com gestão da força de trabalho, e à economia


59

solidária, na tentativa de minimizar o aumento do desemprego e garantir renda

para trabalhadores excluídos do mercado de trabalho.

Vários grupos de trabalhadores envolveram-se na autogestão ou na co-

gestão de empresas mergulhadas em dificuldades financeiras. Para Lima (2004),

duas interpretações tentam explicar a expansão das empresas autogestionárias.

A primeira defende a hipótese de que as cooperativas de produção se constituem

no modelo da economia solidária pela posse dos meios de trabalho pelos

trabalhadores e de sua gestão democrática. Além de opção ao desemprego e

recuperação de postos de trabalho em empresas falimentares, a formação de

redes cooperativas se constituiria numa semente de uma economia social, na

qual a “lógica do mercado” estaria subordinada a uma “lógica solidária”. Essa

perspectiva tem sido defendida por Paul Singer, para quem as cooperativas de

produção estariam na base da economia solidária.

A segunda perspectiva trabalha com a hipótese de que essas mesmas

cooperativas se constituem em um modelo de trabalho flexível, pós-fordista e

funcional ao capital. Os trabalhadores-proprietários deslocariam a oposição

capital-trabalho para a relação de colaboração capital-trabalho, uma vez que

mudariam sua situação de classe a partir da sua transformação em trabalhadores-

proprietários e a adoção de uma perspectiva gerencial no trabalho. Isso implicaria

flexibilidade no uso da força de trabalho e busca constante de competitividade

como garantia de permanência no mercado, enfraquecendo a lógica solidária. A

inserção das cooperativas em redes empresariais as tornaria competitivas pela

maior responsabilização dos trabalhadores na gestão, o que poderia significar


60

maior intensificação do trabalho, instabilidade de ganhos, contratação de

trabalhadores assalariados, novas hierarquias, entre outros (Lima, 2004).

Dá-se ainda o crescimento de empresas denominadas de cooperativa, mas

que não possuem qualquer característica de tal organização e por isto são

denominadas de cooperfraudes. As cooperativas na legislação brasileira são

consideradas associações de trabalhadores autônomos e, conseqüentemente, a

cooperativa não tem nenhuma responsabilidade sobre o ganho e os direitos

sociais de seus próprios sócios. Na cooperativa não há salário mínimo nem Fundo

de Garantia por Tempo de Serviço, férias, 13º salário e os demais direitos

trabalhistas. Existe um Projeto de Lei 7.009 de 2006 do presidente Lula,

tramitando no Congresso, que obriga as cooperativas a garantirem aos sócios os

direitos trabalhistas básicos.

Há certa controvérsia sobre o significado da forma de organização

cooperativa. De um lado, o entendimento de que se trata de opção efetiva em

face das adversidades atuais. De outro, a visão segundo a qual, em boa parte dos

casos, o trabalho em cooperativas poderia ser exemplo da própria precariedade

do trabalho. Isso porque a disseminação do trabalho realizado em cooperativas

no Brasil teve lugar no interior de um contexto francamente desfavorável para os

trabalhadores.

Segundo Antunes (1999), é imprescindível entender as mutações e

metamorfoses que vêm ocorrendo no mundo contemporâneo e seus principais

significados e conseqüências. É nessa perspectiva que nos propomos a

compreender o papel do relacionamento interpessoal na formação e

funcionamento de uma cooperativa de produção.


61

Segundo a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB, 1992),

considera-se cooperativa uma associação autônoma de pessoas que se unem,

voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais

e culturais comuns, por meio de uma empresa de propriedade coletiva e

democraticamente gerida. As cooperativas baseiam-se em valores de ajuda

mútua e responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade. De

acordo com a OCB, o crescimento do número de cooperativas tem sido

expressivo como demonstram os dados de 2008 e 2006, por ramos de atividades

(Tabelas 1 e 2).

Tabela 1
Números do Cooperativismo por Ramo de Atividade (31/12/2008)
Ramo de Atividade Cooperativas Associados Empregados
Trabalho 1.746 287.241 4.997
Agropecuário 1.611 968.767 134.579
Crédito 1.113 3.215.866 38.796
Transporte 1.060 90.744 7.640
Saúde 894 215.755 47.132
Habitacional 340 78.983 1.354
Educacional 327 57.331 2.980
Produção 215 11.931 2.442
Infra-estrutura 148 623.431 5.664
Consumo 138 2.316.036 8.813
Mineral 53 19.975 105
Turismo e Lazer 22 1.116 44
Especial 15 531 10
TOTAIS 7.682 7.887.707 254.556
Fonte: Sistema de Informações – OCB
62

Tabela 2
Números do Cooperativismo por Ramo de Atividade (31/12/2006)
Ramo de Atividade Cooperativas Associados Empregados
Trabalho 1.874 413.777 5.595
Agropecuário 1.549 886.076 123.890
Crédito 1.102 2.462.875 30.396
Transporte 896 74.976 5.431
Saúde 888 349.474 34.738
Habitacional 371 83.633 1.153
Educacional 327 69.786 2.808
Produção 200 20.631 463
Infra-estrutura 161 624.812 5.462
Consumo 144 1.820.531 7.463
Mineral 45 17.628 83
Turismo e Lazer 22 3.509 31
Especial 12 972 6
TOTAIS 7.603 7.393.075 218.415
Fonte: Sistema de Informações – OCB

O maior número de cooperativas está no setor de trabalho, seguido pelo

agropecuário. O maior número de associados está ligado às cooperativas de

crédito e de consumo. O maior número de empregados encontra-se nas

cooperativas do ramo agropecuário, seguido pelo ramo de saúde. As cooperativas

de produção (ramo em que atua a cooperativa que é objeto de estudo desta tese)

apresentaram um crescimento de aproximadamente 15%, bem como o número de

associados cresceu também cerca de 15% e o de empregados cerca de 35%

entre 2005 e 2006. “Trabalho cooperativo” refere-se ao trabalho realizado por

pessoas organizadas em cooperativas, que corresponde à produção ou à

prestação de serviços por coletivos de trabalhadores que, em vez de se

mostrarem empregados, ostentam a condição de associados em

empreendimentos criados por iniciativas deles próprios e dos quais são

proprietários.
63

CAPÍTULO III

3. GESTÃO E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL NAS


COOPERATIVAS

O foco deste trabalho são as relações interpessoais em uma cooperativa

de produção e seu papel formador e mantenedor do empreendimento. Neste

sentido, procura-se fazer a revisão de pesquisas já realizadas que abordem,

ainda que indiretamente, relações interpessoais neste tipo específico de

organização. Esta literatura, por vezes, confunde-se com as análises da gestão

dessas instituições, representando uma área de interseção da Administração e da

Psicologia Organizacional. Este item representa, assim, a interseção dos itens

anteriores, procurando integrar aspectos da gestão de sistemas cooperados e

suas ligações com o relacionamento interpessoal nessas organizações. A

literatura pertinente às relações interpessoais nas cooperativas, especificamente

no caso brasileiro, foi organizada nos seguintes itens:

a) Problemas na Gestão de Sistemas Cooperativos: investigações sobre a

gestão de sistemas cooperativos e suas dificuldades, com diversas implicações

para relações interpessoais nessas organizações;

b) Relacionamento Interpessoal e Trabalho Cooperado: pesquisas sobre

relações interpessoais em sistemas de trabalho cooperado;

c) Relacionamento Interpessoal e Interorganizacional: algumas

investigações tratam conjuntamente estes dois níveis de relacionamento

mostrando suas imbricações e como as relações interpessoais ultrapassam os

muros de uma organização e têm reflexos na vida da organização na sociedade;


64

d) A Transformação das Relações Interpessoais no Âmbito do Trabalho

Cooperado – O Papel da Psicologia: trabalhos discutindo o papel do psicólogo e

da Psicologia Social e Organizacional na transformação das relações

interpessoais necessárias para a implementação do sistema de trabalho

cooperado.

3.1 Problemas na Gestão de Sistemas Cooperativos

Lima (2004) investigou dificuldades na formação de uma cultura

autogestionária entre os trabalhadores de cooperativas de produção, tendo em

vista que esta opção de trabalho, mais que uma alternativa voluntária, reflete um

quadro de desemprego estrutural. O autor enumera algumas dessas dificuldades:

a) elementos culturais do assalariamento, visto como acesso a direitos de

cidadania, dificultam a compreensão de uma proposta autogestionária; b) a

intensificação do trabalho inicial nem sempre é compreendida e bem aceita; c) a

fragilidade econômica das cooperativas, ligadas a programas de geração de

renda; d) raramente os trabalhadores entendem as características de uma

cooperativa, considerando-a uma empresa semelhante às outras, exceto pela

inexistência de certos direitos dos empregados; e) a falta de carteira assinada é

vista como símbolo de exclusão social; f) a participação nas cooperativas é vista

negativamente devendo-se à falta de opção de empregos; g) a permanência na

cooperativa é vista como temporária. Além disso, a falta de participação é

atribuída à baixa escolaridade dos trabalhadores e ao fato de inexistir o hábito de

se manifestarem em assembléias. A falta de instrução formal afeta


65

particularmente os que ocupam cargos de direção. Em grande medida, os

trabalhadores continuam agindo como empregados. O autor entende que essas

questões indicam a necessidade de educação cooperativa permanente.

Clemente, Albuquerque e Reyes (1993) mostraram, em estudo realizado na

Espanha, que a criação de cooperativas por agentes externos tem influenciado no

não-comprometimento dos sócios que a vêm como órgão assistencialista. Essas

cooperativas não nascem da conscientização e motivação dos seus sócios, mas

da influência de técnicos e autoridades externas, contribuindo para o seu

fracasso.

Albuquerque (1994) alerta para a grande possibilidade de fracasso das

cooperativas. E destaca as dificuldades para administrar uma cooperativa por se

tratar de um tipo de organização que leva seus sócios a viverem vários papéis ao

mesmo tempo, muitas vezes conflitantes, como donos, empregados e

fornecedores. Este quadro seria agravado por fatores como o baixo nível de

escolaridade dos sócios e a característica do trabalho individual desenvolvido no

campo (no caso das cooperativas agrícolas). Ocorre grande tendência ao

fracasso, apesar das expressivas somas de dinheiro que são investidas na

formação da cooperativa. Assim, os fracassos não podem ser justificados

unicamente por carência de apoio financeiro. Outras dificuldades referem-se ao

surgimento daqueles que falam (dirigentes) e os que ouvem e obedecem

(associados), negando com isso o teor participativo do sistema cooperativista. O

fator liderança também interfere diretamente na participação do sócio, sugerindo

que o rodízio não é tão sadio quanto poderia se supor. Veronese (2008) também

se refere à liderança nas cooperativas como uma questão chave para o êxito dos
66

processos cooperativos autogestionários. Contudo, indica haver pouca produção

teórica específica sobre o tema, já que a autogestão tem princípios diversos da

heterogestão.

Maciel, Sena e Sabóia (2006) relatam o mal-estar na percepção que os

cooperados têm de seu papel em uma cooperativa de trabalho autogestionário.

Através da análise dos discursos, perceberam que, apesar de terem ocorrido

certas mudanças na postura e atitudes dos cooperados em relação ao seu

trabalho anterior em empresas tradicionais, existem ainda hábitos e expectativas

ligados ao tipo de emprego anterior. Relatam a existência de uma cultura híbrida.

Provavelmente, isto ocorre porque as cooperativas não representam um

progresso real nas condições de trabalho desses profissionais, mas sim sua

deterioração. No entanto, a atitude geral dos cooperados ainda é bastante

passiva e pouco efetiva nas decisões, pois participam muito pouco, procurando se

envolver apenas o suficiente para a realização do seu trabalho, como faziam nas

organizações tradicionais. As lideranças apresentam dificuldades quanto às

relações interpessoais e à forma de gestão democrática. A diretoria, indicada com

base apenas no estilo carismático, não ouve os cooperados e age como se

fossem os proprietários da empresa. Por outro lado, os cooperados delegam aos

líderes o poder de decisão que caberia à assembléia e tendem a reclamar das

decisões tomadas, mostrando um distanciamento do poder, como faziam nas

organizações tradicionais. A auto-estima dos associados é, em geral, baixa. O

foco dos cooperados ainda está no ganho individual, sem uma visão

compartilhada das vantagens do trabalho coletivo. Assim, a existência de

cooperativas não garante as transformações individuais e sociais necessárias


67

para uma real modificação nas relações de trabalho. No caso investigado, a

cooperativa é apenas uma alternativa ao desemprego, permeada pela idéia de

perda de benefícios e direitos, bem como rebaixamento salarial e insegurança.

Para os cooperados, a cooperativa é, geralmente, uma alternativa ao

desemprego. As cooperativas são o reflexo do aprofundamento da deterioração

das condições de trabalho e é dessa maneira que o cooperado percebe sua

situação. Na cooperativa, prevalecem os modelos de gestão capitalista, com a

separação entre trabalho manual e trabalho intelectual, a fragmentação da

produção e a conseqüente perda do controle sobre o processo de trabalho, com a

separação entre produção e gestão. Os fatores socioculturais externos

influenciam as relações e a formação autogestionária, impedindo que a

participação e a autogestão ocorram.

Scopinho e Martins (2003) analisaram o desenvolvimento organizacional e

interpessoal em cooperativas de produção agropecuária. Abordaram a

convivência social e relações interpessoais que interferem no desenvolvimento

organizacional. Segundo os autores, as cooperativas de produção agropecuária

enfrentam dificuldades de sobrevivência relacionadas a dificuldades econômicas

e dificuldades de relacionamento interpessoal entre os cooperados, devidas à

falta de formação cultural para organizar o trabalho e a vida cotidiana com base

em princípios cooperativistas. Segundo os autores, dá-se o distanciamento entre

a cooperativa pensada e a real. Isto gera conflitos intra e inter-grupais que podem

resultar na evasão de sócios. Há dificuldades na comunicação e na condução do

processo decisório, crise de representatividade e falhas no papel da coordenação,

que oscila entre o centralismo e a ausência de direção, propiciando a


68

fragmentação e a insatisfação. Tradicionalmente, os trabalhadores rurais têm uma

noção de cooperação e experiência de organização do trabalho coletivo restritas

ao âmbito do trabalho familiar. Assim, a noção de cooperação é nova para eles.

Para os autores, a consolidação do Sistema Cooperativista dos Assentados deve

partir da compreensão das relações que se estabelecem entre os cooperados a

partir das atividades cotidianas de trabalho, do convívio familiar e socialmente

mais amplo. Como o trabalhador brasileiro não foi preparado para a cooperação

autogestionária, deve-se criar condições para seu desenvolvimento interpessoal e

organizacional.

De acordo com Nasciutti, Dutra, Matta e Lima (2003), o trabalho

cooperativado esbarra nas hierarquias sociais (relações de dominação), mas os

autores insistem em uma solidariedade emergente através de uma nova cultura.

Seus resultados, obtidos a partir de entrevistas e observação participante de

cooperativas populares urbanas na cidade do Rio de Janeiro, apontam para a

percepção da eficácia da ação coletiva, dos frutos da solidariedade e da

cooperação na geração de renda e da possibilidade de outras formas de vínculos

de trabalho não baseados na sujeição. Citam como pontos positivos do trabalho

cooperativado a mudança na auto-estima e a consciência de potencialidades

desconhecidas. Por outro lado, a falta de carteira assinada, os entraves

burocráticos estatais e o investimento que os trabalhadores fazem na instituição

cooperativa são dificuldades que devem ser consideradas.

Os autores ainda apontam contradições e desafios próprios do trabalho nas

cooperativas, como as dificuldades interpessoais nas relações de poder, na

tomada de decisões, nas práticas de subjugação que persistem nos movimentos


69

autogestionários. Por outro lado, reconhecem os prazeres da apropriação da força

de trabalho, da disposição do tempo, da possibilidade da aprendizagem, da auto-

estima recuperada e à descoberta do outro como possível co-operador (Nasciutti,

Dutra, Matta & Lima, 2003).

Correia e Moura (2001) analisaram a cultura organizacional de uma

cooperativa sediada em Natal a partir da identificação, percepção e

compartilhamento dos ritos, valores, normas, atitudes, comunicação e

relacionamento interpessoal, política de recursos humanos, processo decisório,

auto-hetero-avaliação e socialização. Os resultados mostraram que os valores

cooperativistas não eram compartilhados, ocorrendo uma distorção do que se

entende por cooperativismo. Com base nos resultados, propuseram que a

entidade cooperativa interagisse de forma mais eficiente, disseminando os valores

cooperativistas, esclarecendo seus significados.

No estudo acima, as questões ligadas ao relacionamento interpessoal se

destacaram. Não obstante o relacionamento ser considerado bom pela maioria

dos respondentes, em conversas paralelas foi observado que muitos criticam a

falta de união e entrosamento no grupo. Expressam, assim, uma atitude defensiva

na interação com as pessoas, responsabilizando o outro pela desunião. Segundo

os autores, esse pode ser o fato que impede uma maior qualidade nas relações

interpessoais. Entre os aspectos que poderiam ser melhorados, os entrevistados

citaram a necessidade de melhoria na qualidade das relações interpessoais

(Correia e Moura, 2001).


70

3.2 Relacionamento Interpessoal e Trabalho Cooperado

Rocha, Zoby, Gastal e Xavier (2003) procuraram mapear as relações

interpessoais a partir do mapeamento da rede de comunicação interpessoal de

agricultores estabelecidos em três projetos de assentamento de reforma agrária

de Unaí, MG. A partir de entrevistas utilizaram questões sobre as interações

política, afetiva e técnica entre os assentados e os motivos que os induziram a se

comunicar no assentamento. Verificaram-se que, nos três assentamentos, as

pessoas mantinham baixo nível de interação/comunicação interpessoal, o que foi

considerado um fator restritivo ao surgimento de novas lideranças locais, à

integração grupal e ao desenvolvimento de atividades coletivas, principalmente

aquelas que dependiam da integração do grupo. Os autores deixam clara a

importância desses relacionamentos para o esforço cooperativo:

“O relacionamento interpessoal pode tornar-se e manter-se


harmônico e prazeroso, permitindo um trabalho cooperativo, em
equipe, com integração de esforços, conjugando energias,
conhecimentos e experiências para se alcançar um produto maior
que a soma das partes, ou seja, de plena sinergia. Ou então tenderá
a tornar-se tenso, conflitante, levando à desintegração de esforços, à
divisão de energias e à crescente deterioração do desempenho
grupal, tendendo para um estado de entropia do sistema e,
finalmente, para a dissolução do grupo” (Rocha, Zoby, Gastal &
Xavier, 2003, p. 308)

Sugerem, assim, a realização de atividades vivenciais visando o

desenvolvimento interpessoal desses grupos, permitindo uma comunicação mais

eficiente, a identificação de indivíduos com capacidade de liderança e

cooperação, o desenvolvimento da auto-estima e da capacidade de tomada de

decisões (Rocha, Zoby, Gastal & Xavier, 2003).


71

Apesar da presente pesquisa não ter como objetivo a investigação de

empresas familiares, a questão do parentesco assume um importante papel na

organização da cooperativa investigada. Assim, a título de ilustração, é citada

uma pesquisa sobre a dinâmica interpessoal da empresa familiar. Possivelmente,

uma maior aproximação entre pesquisas referentes a empresas familiares e

cooperativas que envolvem parentes geraria um fecundo campo de investigação.

Estol e Ferreira (2006), ao estudarem o processo sucessório e a cultura

organizacional em uma empresa familiar brasileira, ressaltam que estas

constituem uma parcela significativa dos grandes grupos empresariais brasileiros.

Tais empresas se caracterizam por sua origem e história estarem vinculadas a

uma família cujos membros se encontram à frente da administração dos negócios

e mantêm expectativas acerca de sua continuidade na organização. A grande

participação da família na direção e gerenciamento das empresas familiares

costuma desencadear conflitos relacionados às dificuldades de se separarem as

relações familiares das decisões profissionais. Esses conflitos costumam vir à

tona principalmente durante o processo sucessório.

3.3 Relacionamento Interpessoal e Interorganizacional

Gonçalves (2005) investigou o papel das relações interpessoais em redes

interorganizacionais. Segundo o autor, a busca de relacionamentos, ajuda mútua,

interação, integração, flexibilidade, autodefesa, compartilhamento e

complementaridade têm levado pessoas a estabelecerem comunicação e

gerarem formas organizacionais inovadoras. Neste contexto, uma rede

interorganizacional representa um arranjo de pessoas, com uma estrutura de


72

comunicação e um conjunto de relações interpessoais. Segundo o autor, a gestão

de redes e seu funcionamento repousam cada vez mais no manejo sistemático

dos relacionamentos interpessoais. Destaca a importância de buscar subsídios

em modelos existentes para a compreensão da influência dos atores como

animadores de rede, seus vínculos e interdependência. Espera que a ênfase em

relações interpessoais possa contribuir para a temática de redes, principalmente

no que se refere à perspectiva interorganizacional, como instrumento gerencial e

referência futura para a modelagem matemática e computacional de redes

interorganizacionais.

Silva, Pedrozo, Begins, Estivalete, Jerônimo, Maraschin, Pasqual, Silveira,

Barata e Jardim (2004), ao investigarem a formação de uma rede de

relacionamentos e cooperação entre organizações (cooperativas gaúchas de

grãos), relataram a importância de redes de relações interpessoais para a

efetivação das ações de cooperação entre as cooperativas, ao promover

credibilidade, segurança e confiabilidade, elementos importantes para a seleção

de parceiros para cooperação. Segundo os autores, as redes de relações

pessoais estão na base da formação de parcerias, se originam das ações de

cooperação informal e agilizam essas parcerias.

Batschauer e Campos (2005) investigaram a cooperação em sistemas

produtivos no setor eletrometalmecânico, encontrando intensas relações

interpessoais e interempresariais. A região investigada (no sul do Brasil)

apresentava uma grande concentração de empresas do setor cujos vínculos de

proximidade e confiança interpessoal estimulavam as interações entre os agentes

do setor produtivo e entre estes e as organizações públicas e privadas. Essas


73

especificidades histórico-culturais locais consolidaram um ambiente propicio às

relações sociais além dos vínculos familiares e de vizinhança e se estenderam à

esfera produtiva local. Essas relações foram construídas ao longo dos anos,

favorecendo a manutenção de laços de confiança entre os agentes produtivos

locais. Segundo os autores, essas redes sociais funcionariam como importantes

canais de comunicação e interação facilitando a disseminação de informações e

de conhecimentos e o compartilhamento de recursos produtivos comuns. Além da

proximidade espacial, os laços culturais e os vínculos de confiança interpessoal

teriam contribuído para a consolidação da estrutura industrial na região.

Leitão, Fortunato e Freitas (2006) apontam a questão dos relacionamentos

interpessoais e de sua inerente dimensão emocional, como crucial para a vida

associada, pois são esses processos interativos que formam o conjunto de

sistemas que a organizam. As condições em que ocorrem tais relacionamentos

definem a forma de convivência entre os seres humanos, que são seres de

relações. Desta forma, deteriorações nas relações interpessoais resultam em

deterioração das relações sociais e das relações inter e intra-organizacionais.

3.4 A Transformação das Relações Interpessoais no Âmbito do


Trabalho Cooperado – O Papel da Psicologia

Martí, Bertullo, Barrios, Silveira e Soria (2005) ressaltam as mudanças

subjetivas dos trabalhadores geradas pelas experiências cooperativas, ou seja,

suas formas de fazer, sentir e pensar. Para os autores, a subjetividade é produto

de condições e processos sócio-históricos específicos, isto é, das relações sociais


74

e suas transformações em um dado período de tempo. As mudanças nas

relações sociais, incluindo as reconfigurações dos laços sociais, geram mudanças

nas formas de fazer, sentir e pensar, ou seja, da subjetividade. Neste sentido, as

transformações econômicas e sociais geram novas “condições de vida”,

juntamente com o processo de formação das cooperativas, produzindo uma

subjetividade particular.

Albuquerque, Barreto e Cirino (1999) analisaram, do ponto de vista da

Psicologia Social das Organizações, os fatores psicossociais que afetam o êxito

ou fracasso de três cooperativas rurais. Segundo os autores, a psicologia pouco

tem estudado as organizações cooperativas. Os fatores encontrados foram:

identificação do sócio com a cooperativa, a atuação do líder e conflitos entre

sócios. Segundo os autores, raras são as cooperativas que mantêm um sistema

regular de comunicação aberta entre diretoria e sócios. Apontam a falta de ações

governamentais e recursos para um estudo prévio das condições psicossociais

existentes e propõem a realização de estudos empíricos para detectar as reais

condições psicossociais para a implementação dos programas.

Rodrigues, Imai e Ferreira (2001) relatam a experiência de um estágio

curricular na área de Psicologia Organizacional e do Trabalho, realizada numa

instituição pública, com o objetivo de criar um espaço no local de trabalho para

tratar do desenvolvimento interpessoal dos indivíduos, incluindo

autoconhecimento, relacionamento interpessoal, educação permanente e

qualificação profissional, saúde e trabalho, tempo livre e aposentadoria. Foram

compostos três grupos de funcionários e foram realizados seis encontros com

cada um. Os relatos dos participantes indicam que os encontros foram produtivos
75

para o desenvolvimento interpessoal. Segundo os autores, a competência

interpessoal passa a ser um requisito imprescindível em todos os níveis

ocupacionais de uma empresa, para lidar com a comunidade interna ou externa à

empresa.

Favero e Eidelwein (2004), aproximando Psicologia e cooperativismo

solidário, propuseram que o trabalho do psicólogo deveria começar na formação

dos grupos, antes dos trabalhadores ingressarem como sócios da cooperativa (no

caso, de feirantes). Destacaram a importância de se trabalhar questões

individuais, culturais e sociais que foram construídas historicamente através de

modelos de relacionamentos fundamentados em um modo de produção

capitalista. Segundo os autores, a intervenção psicológica representaria uma

estratégia para o esclarecimento de dúvidas, a formação de cultura de

participação e relacionamento econômico coerentes com a economia solidária,

prevenindo problemas futuros de não adequação de alguns feirantes.

Finalmente, Coutinho, Beiras, Picinin e Lückmann (2005) também

discutiram o papel da Psicologia, especificamente da Psicologia Social e do

Trabalho, na consolidação de empreendimentos solidários. Propõem diversas

maneiras de atuação na organização ou com cada trabalhador. Segundo os

autores, as metas desses programas deveriam ser o desenvolvimento da

autonomia e da solidariedade, buscando re-significar a identidade profissional do

trabalhador/cooperado, fortalecendo o vínculo grupal. Essas iniciativas deveriam

levar os grupos a assumirem progressivamente o papel de sujeitos de sua própria

história, conscientes dos determinantes sócio-políticos de sua situação, tornando-

se ativos na busca de soluções para os problemas enfrentados.


76

Relacionamento Interpessoal, Cooperação e Cooperativa – Uma


Proposta de Investigação – Objetivos e Justificativa

Três elementos principais compõem a presente proposta de pesquisa. Em

primeiro lugar, a cooperativa representa o grupo estudado, dentro do qual foram

investigadas a estrutura e a dinâmica dos relacionamentos interpessoais. Em

segundo lugar, esta investigação se situa na área da Psicologia Organizacional,

especificamente as relações interpessoais nas organizações. Dessa forma, o

relacionamento entre membros de uma organização é visto como um tema

relevante para a compreensão das organizações, com reflexos em outros níveis

de organização (como grupos, sociedade e outros). Um terceiro elemento

fundamental para esta proposta é a utilização de princípios propostos por Robert

Hinde para a construção de uma “ciência do relacionamento interpessoal”,

perspectiva esta que, influenciada pela Etologia Clássica, enfatiza a importância

da descrição dos relacionamentos como base para a investigação, introduz a

noção de níveis de complexidade, de modo que, ainda que nosso foco de estudo

sejam as relações interpessoais, pode-se, de um lado, discutir interações

específicas e seu papel para os relacionamentos, assim, como discutir como os

relacionamentos afetam a estrutura e a dinâmica do grupo, nível de complexidade

que segue o de relacionamentos, conforme Hinde (1997). Em suma, o estudo do

relacionamento interpessoal em uma cooperativa de produção é uma contribuição

para o conhecimento deste tipo de organização, contribuindo para o avanço da

Psicologia Organizacional, ao mesmo tempo que contribui para o avanço de uma

“Ciência do Relacionamento Interpessoal”, tomando como referencial teórico a

obra de Robert Hinde (1979, 1987, 1997).


77

A presente pesquisa tem como objetivo geral identificar, descrever e

analisar o relacionamento interpessoal, com ênfase na cooperação interpessoal,

como um aspecto central para a formação e o funcionamento de uma cooperativa

de produção do município de Vitória, Espírito Santo.

Objetivos específicos:

a) Analisar e descrever o desenvolvimento histórico do relacionamento

interpessoal entre os membros da cooperativa, das origens da cooperativa ao

momento atual, com ênfase nas relações de cooperação;

b) Analisar e descrever o relacionamento interpessoal contemporâneo

entre os membros da cooperativa, com ênfase nas relações de cooperação;

c) Investigar os possíveis impactos dos relacionamentos desenvolvidos

entre membros da cooperativa na relação com familiares e outros membros da

comunidade da Ilha das Caieiras.


78

CAPÍTULO IV

4. METODOLOGIA

Pesquisa qualitativa, estudo de caso, exploratório-descritivo, coerente com

o referencial teórico adotado.

A pesquisa é qualitativa porque a intenção não foi medir o fenômeno, mas

analisá-lo em seus aspectos qualitativos, valorizando a análise do mundo

empírico em seu ambiente natural, o contato direto e prolongado do pesquisador

com o ambiente e a situação que está sendo estudada. Envolve a obtenção de

dados descritivos, enfatizando mais o processo do que o produto e se preocupa

em retratar a perspectiva dos participantes (Godoy, 1995). Portanto, a pesquisa

qualitativa, segundo Minayo (1996), trabalha com o universo de significados,

motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço

mais profundo das relações e processos que não podem ser reduzidos à

operacionalização de variáveis. Ludke e André (1986) salientam que a pesquisa

qualitativa tem cinco características básicas, sendo elas: o fato de ter o ambiente

natural como fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal

instrumento; os dados coletados são predominantemente descritivos; a

preocupação com o processo é maior do que com o produto; o "significado" que

as pessoas dão às coisas e à vida são os focos de atenção e a análise dos dados

tende a seguir um processo indutivo.

O estudo de caso foi a abordagem mais adequada por se tratar de uma

pesquisa que pretende analisar em profundidade uma determinada empresa, uma

cooperativa (Godoy, 1995). É uma técnica que cumpre papel dominantemente


79

descritivo e que deve ser organizado de modo a captar dados suficientes para

compor um quadro completo da unidade básica de pesquisa do projeto. Permite

o acesso a informações, obtidas in loco, no trato direto com a realidade. (Goulart,

2002). Segundo Yin (2001: 32) um estudo de caso é "uma investigação empírica

que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real,

especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão

claramente definidos". De acordo com Ludke e André (1986) os estudos de casos

enfatizam a "interpretação em contexto", buscam retratar a realidade de forma

completa e profunda - a inter-relação entre os componentes -, usam uma

variedade de fontes de informação e procuram representar os diferentes e às

vezes conflitantes pontos de vista presentes numa situação social. Tem como

preocupação central a compreensão de uma instância singular, cada caso é

tratado como tendo um valor intrínseco. Dessa maneira, apresenta um caráter

particularizante, o que é uma limitação para a generalização dos resultados.

A unidade de análise foi uma cooperativa de desfiadeiras de siri, criada em

1999, na Ilha das Caieiras, em Vitória, Espírito Santo.

Os sujeitos de pesquisa foram 12 mulheres atuantes na cooperativa, trata-

se de uma análise intencional, não probabilística, assim definida porque

representavam bem o universo estudado e eram aquelas que atuavam no

cotidiano da cooperativa.
80

4.1 Procedimento de Coleta de Dados

Neste trabalho, busca-se apresentar a história de uma cooperativa de

produção localizada na periferia de Vitória a partir das relações interpessoais

estabelecidas ao longo das atividades desenvolvidas na cooperativa. A

reconstituição das trajetórias das cooperadas e da cooperativa ocorreu a partir de

alguns contatos telefônicos e contatos pessoais ocorridos entre a pesquisadora e

as cooperadas nos meses de outubro de 2006 a maio de 2007, data do início das

entrevistas.

Os dados foram coletados por meio de observação ‘in loco’ das atividades

(produtivas e administrativas) e entrevistas semi-estruturadas com as cooperadas.

As entrevistas foram realizadas durante o mês de maio de 2007 na própria

cooperativa, agendadas previamente conforme disponibilidade dos sujeitos, no

dia em que a cooperada estaria de folga das atividades na cooperativa.

Todas as entrevistas foram gravadas após consentimento, por escrito, das

entrevistadas, conforme modelo em anexo e transcritas pela pesquisadora. O

tempo de duração das entrevistas variou de 46 minutos a 2h48 minutos,

respeitando sempre a disponibilidade do entrevistado.

As entrevistas foram orientadas por um roteiro semi-estruturado, conforme

apresentado em anexo, que serviu de referência para a pesquisadora abordar as

temáticas que deveriam compor a entrevista. Não houve preocupação em seguir

rigidamente o roteiro visto que o objetivo principal das entrevistas era permitir que

as cooperadas falassem de sua história de vida, enfatizando seus

relacionamentos familiares, de amizade, de trabalho na construção e manutenção

da cooperativa.
81

As entrevistas fluíram de forma a ser mínima a participação da

pesquisadora, em geral não era preciso e nem mesmo possível fazer perguntas,

pois em função da necessidade de falarem sobre a própria vida, as cooperadas

abordavam muitas das temáticas pretendidas. Temos, em geral, ao final das

entrevistas, um quadro de vidas marcadas por momentos de muito sofrimento,

dificuldades e superação.

Foram coletados dados sócio-demográficos de todos os participantes,

assim como dados sobre a cooperativa nas poucas fontes disponíveis. Quanto

aos participantes, foram coletadas informações quanto a idade, estado civil,

residência, estrutura familiar, escolaridade e treino profissional, entrada e função

na cooperativa, parentes na cooperativa, atividade anterior, pontos a destacar na

história de vida, religião, se é ou não natural da Ilha, há quanto tempo está na

região e se continua morando no bairro, conforme dados apresentados no

Quadro1.

A observação deu-se de forma participante de acordo com um roteiro pré-

estabelecido. Dois aspectos foram observados: o ambiente físico e as tarefas

desempenhadas. Em ambos, foram destacadas as características que podem

afetar de forma mais direta o relacionamento entre as cooperadas. A observação

foi realizada durante cada visita realizada à cooperativa e também nos períodos

antes ou após a realização das entrevistas.

Com relação ao ambiente físico, foram feitas observações em suas

dimensões macro e micro-espaciais. As dimensões macro-espaciais dizem

respeito às características geográficas da região, incluindo o local onde os

funcionários residem, o deslocamento para o local de trabalho e relações entre as


82

cooperadas fora do ambiente de trabalho. As dimensões micro-espaciais referem-

se à área de trabalho, com ênfase ao espaço disponível, equipamentos e outros

recursos materiais.

Quanto às tarefas observamos como era feita a atividade de receber,

preparar e desfiar o siri, feito pelas cooperadas que desfiavam como atividade

autônoma, o preparo dos pratos servidos e o atendimento no restaurante. Foi

possível fazer uma breve descrição das tarefas realizadas pelas cooperadas e a

organização e execução do trabalho. Para esta descrição, foram utilizados

também os dados da entrevista com as cooperadas.

4.2 Procedimento de Análise dos Dados

As entrevistas foram transcritas e seu conteúdo foi analisado de acordo

com Bardin (1977). A intenção da análise de conteúdo é a inferência de

conhecimentos relativos às condições de produção ou de recepção. Dessa

maneira, ao iniciar o trabalho de análise de conteúdo deve-se realizar uma leitura

flutuante do material com o objetivo de destacar os aspectos relevantes e

pertinentes ao estudo. O tratamento do material consiste em: ordenação;

classificação e análise propriamente dita, surgindo assim, categorias de análise e

seus principais elementos.

A organização dos dados foi feita à luz da obra de Robert Hinde. Nesse

sentido, os dados foram organizados dentro de diferentes níveis de complexidade

que compõem um sistema de relações dialéticas entre interações,

relacionamentos, grupos e sociedade e destes com a estrutura sócio-cultural e o

ambiente físico. O foco deste trabalho recai sobre o nível do relacionamento,


83

ressaltando a importância da perspectiva temporal para sua melhor compreensão.

Portanto, a organização dos dados foi baseada na história dos relacionamentos e

considerando vários dos níveis de complexidade propostos por Hinde.

Ao realizar o projeto de pesquisa o objetivo primordial era o estudo da

cooperação como uma dimensão importante do relacionamento interpessoal para

a formação e funcionamento de uma cooperativa de produção, mas no decorrer

do trabalho outras dimensões do relacionamento, tais como a reciprocidade,

comunicação, conflito, confiança e satisfação mostraram-se fundamentais para a

compreensão dos processos organizacionais. Portanto, a fim de compreender a

dinâmica dos relacionamentos no contexto da cooperativa estudada

focalizaremos a história de relacionamentos destas mulheres, principalmente os

familiares e os relacionamentos construídos ao longo da história de trabalho na

cooperativa.

Nos parágrafos seguintes, procura-se ampliar o modelo proposto por

Hinde. Assim, parte-se do nível dos relacionamentos (as interações ficam como

episódios destes relacionamentos) e suas relações dialéticas com o ambiente

físico, com o grupo, a sociedade, alguns aspectos da estrutura sócio-cultural e as

características das pessoas. Apesar do modelo de Hinde ser de natureza

sincrônica, optou-se pela utilização de uma abordagem diacrônica, ou seja,

considerando-se que relacionamentos são, por definição, fenômenos históricos,

que se desenvolvem no tempo. Hinde (1997) incluiu a dimensão de

desenvolvimento dos relacionamentos em particular. Supõe-se, assim, que tratar

a complexidade em torno dos relacionamentos como algo em movimento permite

uma melhor caracterização e compreensão do fenômeno. A presente abordagem


84

tem como foco os relacionamentos, especificamente a cooperação. Contudo, ela

evidencia a importância de se analisar também relacionamentos não somente em

sua estrutura e funcionamento interno à díade, mas considerando os aspectos

exteriores considerando a contribuição da investigação de redes de

relacionamento.
85

CAPÍTULO V – RESULTADOS E DISCUSSÃO

5. CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO

5.1. A Ilha das Caieiras

De acordo com dados da Prefeitura de Vitória a Ilha das Caieiras localiza-

se geograficamente ao norte e a oeste com a Baía Noroeste de Vitória, ao sul e a

leste com os bairros de Santo André e São Pedro. A prefeitura de Vitória dividiu a

cidade em oito regiões administrativas ficando a Ilha das Caieiras localizada na

região VII que compreende dez bairros, o chamado complexo demográfico da

“Grande São Pedro”, (Ilha das Caieiras, Condusa, Conquista, Nova Palestina,

Redenção, Resistência, São José, Santo André, São Pedro e Santos Reis) Na

região mais carente de Vitória e de povoação mais recente, os bairros surgiram a

partir da ocupação do lixão da cidade e da invasão de áreas de manguezal, no

final da década de 1970.

Figura 2: Bairros da Região 7 – Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória


86

A Ilha das Caieiras aparece nas plantas da Província do Espírito Santo desde

1878. Sua ocupação, que teve início na década de 1920, tem suas raízes na

implantação da fábrica de cal Boa Esperança e no transporte do café produzido

nas fazendas de Santa Leopoldina que, utilizando os rios Santa Maria e Bubu,

desembocava frente à Ilha, fazendo desta um ponto de parada antes de alcançar

o Porto de Vitória (PMV, 2007).

O nome Ilha das Caieiras tem suas origens em dois fatores característicos:

um geográfico e outro histórico. Geograficamente, no início de sua ocupação, a

área estava cercada por mangues que por ocasião das marés altas lhe conferia

um aspecto insular. Historicamente, a expressão “caieiras” significa fábrica de cal

ou forno onde se calcina a pedra calcária para se fazer a cal. A palavra no plural

sugere a disseminação de fornos dedicados a essa atividade na região. Todavia,

não há notícias de jazidas de calcário em rocha na Ilha das Caieiras, que

pudessem fornecer a matéria-prima para a fábrica de cal. O material, nesse caso,

vinha das ostras. Produzida em grande quantidade, a cal era ensacada e levada

em barcaças para a Estação Vitória-Minas, sendo enviada para várias regiões do

Brasil (Ferreira, 2005).

O bairro se desenvolveu de forma lenta. Os moradores criaram fortes

vínculos familiares em decorrência do casamento entre os migrantes das mesmas

famílias que residiam no local. Atualmente, é característico na Ilha certo grau de

parentesco, principalmente entre moradores da parte baixa do bairro. Por volta de

1940, parte do mangue foi aterrado, facilitando o acesso à Vitória e transformando

a Ilha das Caieiras em península.


87

As décadas de 1960 e 1970 caracterizaram-se pelo grande crescimento

urbano que somado à falta de planejamento adequado que orientasse tal

crescimento levaram à crescente favelização da população nos morros e

mangues. A ocupação desordenada do complexo demográfico da Grande São

Pedro afetou diretamente a Ilha das Caieiras, provocando uma grande

deteriorização nos aspectos naturais da área, principalmente a degradação do

mangue, reduzindo-se a qualidade de vida da população.

O bairro possui uma parte baixa próxima ao mangue, que corresponde a

maior área ocupada e uma parte alta chamada de Morro da Ilha que teve uma

ocupação mais recente após a retirada de terra para a urbanização dos bairros da

Grande São Pedro, e hoje caracterizada por um loteamento. Os moradores que

residem na parte baixa são os pioneiros e filhos dos primeiros habitantes. Já na

parte alta residem os novos ocupantes, que vieram de São Pedro, outros bairros

de Vitória e municípios vizinhos em busca de uma casa própria.

A maioria das casas da Ilha das Caieiras são próprias, de alvenaria, mas

ainda inacabadas, pois é comum o aumento da área construída à medida que

precisam de novos espaços. O abastecimento de água atinge a maior parte das

casas, seja de forma oficial ou clandestina, porém o sistema é insuficiente, uma

vez que no verão há um déficit no abastecimento. Para atenuar este problema

várias casas utilizam como reservatório de água, tonéis de latão, normalmente

sem tampa e em condições precárias.

Quanto às relações de trabalho dos chefes de família, as principais

ocupações profissionais são de pesca, serviços gerais, serviço militar, empregada

doméstica, construção civil e comércio. Cabe ressaltar que o baixo índice de


88

escolaridade compromete a inserção no mercado de trabalho elevando a atuação

no setor informal.

De acordo com dados sociodemográficos do IBGE, censo 2000,

apresentados pela prefeitura de Vitória do ano 2000 a Ilha das Caieiras possuía

uma população de 1.356 pessoas em um total de 357 domicílios, sendo que

97,8% destes possuíam água e 70,9% possuíam rede de esgoto e a coleta de lixo

atendia a 91,3%.

Na Ilha há duas escolas, uma unidade de saúde, uma equipe de programa

de saúde da família. Toda a assistência social, como o CAJUN (Projeto

Caminhando Juntos) e o CRAS, estão localizados em um bairro vizinho à Ilha das

Caieiras, em Santo André. Há ainda como espaço de lazer uma praça que contém

brinquedos para crianças.

O siri sempre foi abundante na Ilha das Caieiras e o processo de pesca é

geralmente feito pelos homens e o desfio feito pelas mulheres. Logo pela manhã,

em torno de seis e meia, ficam à espera da maré baixar um pouco para lançar na

água os jererês, que são pequenas redes com restos de peixes colocados ali

como isca, usadas para a captura de siris. Elas são deixadas ali flutuando presas

a pedaços de isopor. É nessa hora que os crustáceos saem do mangue - onde

costumam se abrigar e se alimentar de restos de pescados e folhas - e entram no

mar. No litoral brasileiro são encontrados 302 espécies de siris, de acordo com

dados do Instituto Ecológico Aqualung, entidade fluminense ligada à preservação

marinha. Siris de seis espécies habitam o litoral do Espírito Santo, mas os três

mais comuns são: siri-tinga, siri-açu e siri-pimenta.


89

O local onde está situada a cooperativa estudada, a Ilha das Caieiras, é

referência constante durante as entrevistas, sendo que as entrevistadas fazem,

principalmente, comparações entre a Ilha de quando eram jovens ou crianças e a

Ilha no momento atual.

Em um primeiro momento relatam histórias da Ilha das Caieiras que fazem

referência aos tempos de adolescência. O discurso é marcado pela descrição de

um local de difícil acesso, pois não havia linhas de ônibus e para ter acesso à Ilha

era necessário atravessar o mangue por meio de uma trilha. Havia um isolamento

em relação ao restante da cidade, referem-se à cidade de Vitória como algo

distante da Ilha, como se fossem mundos diferentes.

“... aqui era mangue, aqui onde eu tô era uma ilha cercada de água e pra
chegar vinha de Santo Antonio e vinha andando num caminho que era
mato, um caminho tipo roça, aqui nós tinha caminho, não tinha rua.”
(C12)

Referem-se ainda a um local sem infra-estrutura básica, pois não havia

calçamento das ruas, não havia água encanada, nem energia elétrica. A falta de

infra-estrutura ocasionava um cotidiano duro, difícil. A produção que conseguiam

com a pesca ou desfio de siri era prejudicada pela falta de infra-estrutura, pois

muito se estragava em função do armazenamento inadequado, da falta de

condições adequadas de conservação e da falta de informações.

“Aqui na Ilha não tinha água, a gente pegava água debaixo da pedra...
não tinha uma pia em casa, não tinha banheiro, agora é tudo fácil, tudo
bom, tem tudo dentro de casa, naquela época não era assim não.” (C2)

Ressaltam uma característica dos moradores da Ilha: eram famílias que

tinham laços de parentesco e moravam há muitos anos no mesmo local,

caracterizavam-se por serem famílias de baixa renda, que viviam basicamente da


90

pesca e do desfio do siri que era abundante na região. Ainda hoje este quadro é

bem apropriado, pois as próprias cooperadas têm uma relação de parentesco ou

se vieram de fora da Ilha são casadas com homens que são nascidos na Ilha.

Mesmo as famílias que possuem membros trabalhando em outra atividade, a

pesca e o desfio do siri permanecem como atividade secundária destas pessoas.

“Aqui na Ilha era só famílias antigas mesmo e a Ilha era um lugarzinho


bem humilde mesmo, as ruas sem calçamento, bequinho, não tinha
essas ruas que tem hoje e as pessoas ficavam sentadas na rua com
suas faquinhas desfiando siri, qualquer lugar a gente sentava, sem
touca, sem nada pra desfiar.”(C6)

“Todo mundo mexe com pescado mesmo quem trabalha fora, todo
mundo mexe mesmo que tem outro trabalho são tudo marisqueira,
desfiadeira, outras também pescam e os homens que trabalham nessas
firma de varrer rua também pescam.”(C10)

Nos últimos 10 anos muitas mudanças ocorreram na Ilha e ressaltam como

fundamental para a dignidade e reconhecimento das famílias que moravam na

região, o processo de urbanização da Ilha. O início da urbanização possibilitou o

acesso à água tratada e encanada, à energia elétrica, bem como realizou a

abertura e calçamento das ruas. A abertura de escolas e creches na Ilha

possibilitou maior disponibilidade de tempo das mulheres para exercerem

atividades que ajudam na renda familiar e deram melhores condições de

alimentação às crianças. A criação de áreas de lazer como praça e campo de

futebol são também parte do processo de melhoria das condições de vida na Ilha.

“As escolas que fizeram, né, hoje tem várias escolas; asfaltaram as ruas
porque aqui era muito feio, era tudo mangue, aí começaram as asfaltar
fizeram a pracinha, melhorou bastante, eu acho de uns 10 anos pra cá.”
(C1)

“As coisas mudaram muito aqui pra melhor porque as ruas não eram
calçadas, tem creche, tem escola próxima. Agora as crianças já sai com
lanche, mas mesmo assim em casa eles comem.” (C9)
91

A partir das melhorias ocorridas nas condições de vida, a população da Ilha

começa a demandar, por meio de abaixo-assinados encaminhados à prefeitura, a

instalação de serviços bancários, serviços de correio. Neste momento, a

urbanização já os colocava frente a uma nova realidade, marcada por uma

pequena melhoria nas condições de vida e pela facilidade de acesso a outras

regiões da cidade. O interesse da administração municipal em criar novas formas

de geração de renda para a população da Ilha gerou investimentos que

propiciaram qualificação da mão-de-obra feminina que trabalhava com a

manipulação de alimentos e o desenvolvimento de oportunidades de trabalho, tais

como a criação de restaurantes na Ilha em função dos turistas que passam a

visitar a região para conhecer a tradição do desfio do siri e experimentar a

culinária local baseada em peixes e frutos do mar.

“... aqui não tinha banco, nós fizemo baixo-assinado, eu e as mulheres,


pra fazer casa lotérica aqui. Meu marido fala que eu faço coisa que não
ganho nada, mas eu ganho e toda comunidade também. Correio não
tinha também.”(C7)

As mudanças na Ilha com relação à abertura de escolas e o

desenvolvimento de atividades extras como aulas de capoeira, música, dança em

centros de assistência social foram importantes na tentativa de envolver os

adolescentes em atividades culturais retirando-os das ruas. Esta é uma

preocupação constante das cooperadas: manter os filhos ocupados para que não

se envolvam com o tráfico e uso de drogas. O aumento na escolaridade da

população também propiciou a inserção dos filhos das cooperadas em outras

atividades que não as relacionadas à pesca e ao desfio o que é considerado por


92

elas algo muito positivo apesar de colocar em risco a continuidade da tradição das

famílias na pesca e no desfio do siri.

Em síntese, a Ilha das Caieiras apresenta uma história peculiar de

ocupação que influenciou a formação da cooperativa visto que a atividade

desenvolvida pelas cooperadas é típica das mulheres da região. Os laços de

parentesco também são resultado do processo de ocupação da Ilha. Portanto,

pode-se inferir que as relações entre as cooperadas são fortemente influenciadas

pelo local onde vivem e onde está estabelecida a cooperativa.

5.2 A Cooperativa

Durante os oito anos de gestão do prefeito Luiz Paulo Veloso Lucas, de

1996 a 2004, houve o desenvolvimento de ações de saneamento básico,

urbanização, serviços de saúde e educação, qualificação profissional, dentre

outros, na Ilha das Caieiras a partir da concepção do Projeto Terra, que partia de

premissas como o planejamento com ações integradas e articuladas, gestão

compartilhada, participação popular e criação de áreas delimitadas denominadas

Poligonais. O Projeto Terra congregava no seu escopo toda população que vivia

nos assentamentos informais e precários da cidade, um perfil sócio-econômico

abaixo da realidade dos demais moradores do município (Ferreira, 2005).

Preocupados com a receptividade do conjunto da população ao Projeto

Terra, que poderia ser visto como atendendo apenas a um segmento da

sociedade, foi pensado um projeto que atendesse à “cidade formal” e foi intitulado

Projeto Orla. Este era compatível com um projeto do governo federal, do


93

Ministério do Meio Ambiente, que visava a compatibilização das políticas

ambientais e patrimoniais do governo federal. Inicialmente, a área da Ilha das

Caieiras, não estava contemplada no Projeto Terra e sim no Projeto Orla,

havendo a mudança durante o processo de implantação, pois o Projeto Orla

acabou restringindo-se à parte nobre da cidade e o Projeto Terra às áreas de

manguezal (Ferreira, 2005).

O Projeto Terra, na Ilha das Caieiras, afetou, prioritariamente, a região

baixa do bairro por ter um plano de intervenção voltado para orla, mais para a

atividade turística, com exploração da gastronomia e da tradição histórica da

região do que para um plano de desenvolvimento.

Nessa perspectiva as principais intervenções urbanísticas do Projeto Terra

na Ilha das Caieiras foram, segundo Ferreira (2005): a construção do píer em

frente aos principais restaurantes, o atracadouro para os turistas que chegam à

baía e os espaços livres de lazer na praça e em frente à igrejinha. Mas faltou a

urbanização dos becos e das áreas de risco do morro.

A presença das mulheres na vida social da comunidade é dominante. São

elas as responsáveis pelo desenvolvimento do movimento comunitário na Ilha das

Caieiras. Até meados da década de 1980, foi importante a atuação de Dona Laura

nas iniciativas de mobilização popular, mas desde o seu afastamento parece

haver um descrédito da comunidade em relação à perspectiva de que estas

mobilizações poderiam reverter em melhorias. Mesmo com o desenvolvimento do

Projeto Terra na Ilha a participação popular na tomada de decisões foi pequena.

Por exemplo, a instalação da peixaria comunitária no bairro não conseguiu unir os

pescadores em torno desta ação. E foi a partir deste quadro de pouca mobilização
94

dos homens, dos pescadores da Ilha, que surgiu a possibilidade de investir em

um projeto que envolvesse as mulheres e, mais especificamente, as tradicionais

desfiadeiras de siri da Ilha das Caieiras.

O Projeto Terra em parceria com o Programa de Geração de Emprego e

Renda (PRONAGER) promoveu, junto às desfiadeiras de siri da Ilha das Caieiras,

a criação da cooperativa como uma estratégia de geração de renda para a

população local.

Segundo dados da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB/ES) a

cooperativa foi fundada em 08/02/1999, por 49 mulheres que trabalhavam em

condições precárias nas calçadas e quintais de suas casas, as quais foram

qualificadas por meio de recursos financeiros disponibilizados pelo PRONAGER

nas áreas de teoria da organização, higiene e manipulação de alimentos, culinária

de mariscos, noções de contabilidade e matemática básica, formação de preços e

custos e técnicas de congelamento. Embora, inicialmente, ainda não houvesse a

formalização da cooperativa começaram a trabalhar em um terraço de uma casa

na Ilha das Caieiras. Este espaço foi alugado pela prefeitura de Vitória, com

recursos da parceira estabelecida entre o Projeto Terra e o Pronager. As

mulheres faziam salgados que eram encomendados, primordialmente, por órgãos

da prefeitura para realização de eventos. A criação da cooperativa visava aliar

geração de trabalho e renda com a preservação de atividades tradicionais da

cultura capixaba como a coleta e o desfio de siris.

A cooperativa possuía no momento da pesquisa 28 mulheres cadastradas

como cooperadas, segundo a presidente, mas apenas 13 estavam participando

efetivamente das atividades. Elas trabalhavam em sistema de rodízio (turnos):


95

seis mulheres em cada dia de segunda a sábado, sendo que aos domingos as

cooperadas dos dois grupos trabalhavam em conjunto devido ao aumento no

número de clientes. A cooperativa era presidida, desde que iniciou suas

atividades, pela mesma presidente eleita na única votação realizada para o cargo,

em 1999. No momento da pesquisa trabalhavam no preparo do siri e outros frutos

do mar para realização de pratos típicos da culinária capixaba que podem ser

degustados no restaurante da cooperativa, gerenciado pelas cooperadas.

A escolha desta cooperativa para a realização do estudo se deve ao fato

de reunir pessoas que trabalham juntas, com a participação cotidiana dos

membros, por estarem há oito anos no mercado apresentando-se como uma

opção de geração de renda e principalmente por ter as cooperadas trabalhando

dentro da comunidade da qual são oriundas realizando uma atividade

característica da região. A Cooperativa está situada no ramo de atividade de

cooperativas de produção, caracterizado por agrupar pessoas para produzir, em

ação cooperativa, bens e produtos para comercialização. Ainda segundo dados

da PMV a expectativa em relação à Cooperativa era propiciar uma melhoria da

qualidade de vida, da geração de renda, do processo de trabalho, propiciando

maior divulgação do produto característico da região, aumento da produção e

desenvolvimento local.

Na revista Pequenas Empresas, Grandes Negócios, de

17 de abril de 2005, uma reportagem sobre a Cooperativa das Desfiadeiras de Siri

ressalta a importância do Sebrae para a sua organização, sendo relatado que as

mulheres que integram a cooperativa chegam a vender até 40 quilos de siri

desfiado e abriram o próprio restaurante onde, em média, servem 350 refeições


96

por semana o que garante uma renda mensal de aproximadamente R$ 500,00 a

cada uma. No site da UFES, encontra-se uma descrição da atividade

desenvolvida na cooperativa ressaltando que as desfiadeiras são uma atração à

parte para quem visita Vitória. Descrevem a tarefa como feminina por tradição,

sendo que a técnica da "desfiadura" do siri é manual, simples e de gestos

precisos e repetitivos: “o casco é aberto e depois, com uma faca de madeira,

separam-se a carne das vísceras, guardando o casco para ser vendido como

"casquinha" de siri em restaurantes e lanchonetes”. No período da pesquisa a

Cooperativa ainda foi pauta da Revista Globo Rural e do programa Em

Movimento, da TV Gazeta.

5.3 Participantes

Participaram da pesquisa 12 mulheres atuantes na cooperativa. Na época

da pesquisa, um total de 13 cooperadas desempenhavam funções cotidianamente

no local. Apenas uma cooperada não se dispôs a participar.

A idade das participantes variou de 25 a 66 anos. Nove delas tinham entre

25 e 45 anos. A maioria (oito) havia nascido na Ilha das Caieiras e as outras

quatro mudaram-se para o local em função dos maridos serem naturais da Ilha.

Dentre as entrevistadas apenas uma não possui filhos. Apenas duas cooperadas

iniciaram as atividades na cooperativa após o período de inicial, sendo que as

demais participaram do processo de formação da cooperativa. Todas as

cooperadas residem nas proximidades da cooperativa o que facilita o

deslocamento à pé ou por meio de bicicleta.


97

O nível de escolaridade, em geral, é baixo. Somente duas cooperadas haviam

completado o segundo grau. Apenas uma cooperada se identificou como analfabeta.

Contudo, várias não conseguiram ler o Termo de Consentimento para Participação em

Pesquisa e ainda apresentaram dificuldade para assinar o nome completo. Quase todas as

cooperadas apresentavam algum laço de parentesco com as outras cooperadas, com apenas

uma exceção.
98

Partici- Natural Idade Estado Civil Filhos Escolaridade / Reside com Entrada na Função na Parentes na
pantes Religião Cooperativa Cooperativa Cooperativa
C1 Vitória/ Ilha 25 anos Casada [não no 1 Sexta série / Marido e filha 2002 Limpeza e Irmã C3
civil] há 2 anos Católica pequenas Tias C4 e C10
compras Prima C8
C2 Vitória / Ilha 66 anos Solteira, mas já 1 Analfabeta / Amiga 1999 Lavar vasilhas e Tia C5 e C12
morou junto. Católica passar as
toalhas
C3 Vitória/ Ilha 26 anos Casada [não no 3 Segundo grau Marido e 3 filhos 1998 Atender aos Irmã C1
civil] há 3 anos Completo / clientes Tias C4 e C10
Católica Prima C8
C4 Vitória/ Ilha 41 anos Solteira 0 Quinta série / Mãe e um 1998 Limpeza Irmã C10 Prima
Católica sobrinho C8
Tia C1 e C3
Cunhada C6
C5 Vitória/ Ilha 29 anos Casada no civil e 1 Primeiro Científico Marido e filho 1998 Atender aos Irmã C12
no religioso há 3 /Católica clientes Sobrinha C2
anos Cunhada C9
C6 Santa 45 anos Casada há 27 4 Oitava série / Marido, 2 filhas, 1998 Atender aos Cunhada C4
Leopoldina anos [não no civil] Católica genros e clientes C10
Marido da Ilha 2 netos.
C7 Aldeia /MG 56 anos Viúva / Casada há 12 Oitava série / Marido e 2 filhos 2000 Ajudante de Não tem.
Marido da Ilha 19 anos [não no Católica cozinha
civil]
C8 Vitória/ Ilha 26 anos Solteira, possui 1 Segundo grau Pai, mãe, irmão, 1998 Cozinheira Prima C1 e C3
um filho Completo / filho. Tias C10, C4 e
Católica C11
C9 Vitória 38 anos Separada, 6 Primário / 6 filhos e 1 neto 1998 Cozinheira Cunhada
Marido da Ilha Católica C5, C12
C10 Vitória/ Ilha 43 anos Casada há 30 6 Quinta série / Marido, 3 filhos 1999 Cozinheira Irmã C4
anos no civil Evangélica Tias C1 e C3
Prima C8
Cunhada C6
C11 Rio de Janeiro 36 anos Casada há 20 2 Primário / Marido, 2 filhos 1998 Atende aos Tia de C8
Marido da Ilha anos no civil Católica Clientes
C12 Vitória/ Ilha 44 anos Casada há 26 3 Sétima série / Marido, 2 filhas, 1998 Compras e Irmã C5
anos no civil Católica filho e nora Caixa Cunhada C9
Sobrinha C2
Madrinha C1
Quadro 1: Dados Sociodemográficos
99

6. AS COOPERADAS: HISTÓRIAS DE VIDA

De acordo com Hinde (2001), o pleno entendimento das relações exige um

enfoque não somente no relacionamento, mas também nos indivíduos que dele

participam e suas características. Portanto, para entender o papel dos

relacionamentos na construção da cooperação e da cooperativa, é importante

apresentar aspectos da história de vida destas mulheres.

A trajetória de vida das cooperadas entrevistadas é fortemente marcada

pela luta pela sobrevivência. Apesar de alguns pontos de similaridade na história

de vida destas mulheres, cada entrevista foi marcada pelo relato de uma vivência

muito peculiar, muito própria. Apresenta-se, a seguir, de forma sucinta, a trajetória

de cada uma das doze cooperadas entrevistadas (C1 a C12).

C1

C1 tem 25 anos e nasceu na Ilha das Caieiras. Estudou até a sexta série.

Seu pai também é natural da Ilha, mas a mãe é de Santa Leopoldina, tendo se

mudado para a Ilha após o casamento, há 30 anos. Tem cinco irmãos, sendo que

uma irmã também é cooperada. Outros familiares também já fizeram parte da

cooperativa em outros momentos. É casada há quatro anos: “não no papel, moro

junto, mas tenho uma filha com outro homem, ele não queria, me mandou tirar,

ele vivia no mundo das drogas, mas eu não quis tirar.” Tem uma filha de seis

anos. O pai, que recentemente se tornou evangélico, paga pensão alimentícia e

tem contato freqüente com a menina. Não tem filhos com o atual marido que é

gari. Mora de aluguel, no Santo André, bairro que fica ao lado da Ilha. A vida em

casa não é fácil. A filha tem se mostrado muito agressiva, agitada e ela atribui seu
100

comportamento ao fato de ela presenciar as brigas do casal, que envolvem

agressões físicas do padrasto à mãe: “eu já até conversei com a psicóloga que

tinha no posto porque ela vê muita briga minha, discussão com meu marido e aí

ela fica tremendo , ela fica cheia de medo dele, né, porque ele me bate. Tem

quatro anos que eu vou fazer com ele, ele bebe, fica agressivo, chutou meu

guarda-roupa novinho, quebrou, minha cama tá toda ruim, na minha televisão ele

fez um buraco aí ela vê aquilo tudo.” As agressões são freqüentes, principalmente

nos finais de semana quando o marido chega bêbado em casa. Apesar de relatar

grande sofrimento e insatisfação, em momento algum considera a possibilidade

de separação.

C1 trabalhava em casa, cuidando de um sobrinho, antes de iniciar as

atividades na cooperativa e recebia uma ajuda financeira de uma irmã por esses

cuidados. Às vezes, desfiava siri. Relata que nunca gostou de desfiar, o que faz

lentamente, conseguindo ganhar pouco com o desfio. Em 2002, foi orientada pela

irmã, que já trabalhava na cooperativa, a procurar a presidente para começar a

trabalhar. Ela seguiu o conselho da irmã e começou, assim, a participar das

atividades na cooperativa. São muitas as relações de parentesco de C1 na

cooperativa. Além da irmã, possui duas tias trabalhando no local e a presidente é

sua madrinha. É possível perceber o interesse e a expectativa de trabalhar em um

emprego formal, com carteira assinada. Preocupa-se com a aposentadoria e, por

isso, tem tentado vagas na área de serviços gerais: “eu já botei vários currículos,

agora é esperar chamar, né? É muito pouco que eu ganho, eu botei currículo ali

na Sipolatti, na limpeza que eles tavam precisando, na padaria porque ganha

quatrocentos e pouco com carteira assinada, entendeu?” Na cooperativa, é


101

responsável por lavar os banheiros, ajudar na limpeza e fazer pequenas compras

de material quando há necessidade.

C2

C2, com 66 anos de idade, é a cooperada com idade mais avançada.

Analfabeta, possui uma história de vida peculiar, a começar pelo relato que faz do

próprio nascimento: “eu nasci, ocupei oito parteira e eu não larguei o choro, então

eles me levaram pro cemitério dentro de uma caixinha de sapato, as parteira que

me disseram e quando eu larguei o choro lá embaixo o coveiro me trouxe pra

cima e é eu que estou aqui, ocupei oito parteira. Eu e a mamãe quase morremo

porque ela tomou um susto da vaca porque ela foi fazer xixi e não tinha banheiro

na época aí ela assustou e eu nasci.” C2 nasceu na Ilha, assim como seus pais.

Tem dois irmãos, sendo um deles o pai da presidente da cooperativa. Quando

nasceu, a vida era muito precária na Ilha, pois não havia luz elétrica, água

encanada e viviam basicamente da pesca. Ainda menina foi trabalhar como

empregada doméstica e, desta época, traz recordações de maus tratos que

sofreu até retornar à casa dos pais. Já na infância trabalhava com o desfio de siri

para ajudar em casa: “eu desfiava siri na rua pra mim sobreviver, eu comecei a

desfiar siri pros outros eu acho que eu tinha uns dez anos e já ganhava aquele

dinheirinho e comprava um quilo de arroz, de feijão, né e assim ajudava em casa,

né?” Mas, na época, o desfio do siri e demais mariscos não era garantia de

venda e recebimento imediato do dinheiro, o que ocasionava maiores dificuldades

para a sobrevivência das famílias: “Eu trabalhei tanto nesse mar pra tirar ostra

nos meio do canal, sururu e trazia pra vender, só que tem a gente não tinha lucro
102

porque ia vender e o pessoal demorava a pagar.” C2 não se casou, mas teve um

companheiro e com ele um casal de filhos. A filha faleceu dias após o parto,

situação retratada por ela como relativamente comum para a época em função da

falta de condições sanitárias básicas na Ilha: “a menina a parteira matou, matou

assim, eu tive a menina na sexta e no sábado ela foi dá banho aí ela deu banho e

boto pomada penicilina no umbigo da criança. Aí menina, a menina morreu

pretinha igual um carvão, o umbigo apodreceu aí ficou só o menino.” Morava em

condições precárias “eu morava num barraco que era num barranco e aí eu caí e

vim rolando, rolando e aí fique com a coluna ruim, aí quando vira o vento sul eu

fico toda corcunda e me dói a coluna.” Em função da idade apresenta algumas

queixas com relação à saúde, mas o empenho e disposição no trabalho são

enormes. As próprias cooperadas relatam que se espantam com a disposição que

C2 tem para o trabalho apesar da idade, sendo esta disposição para trabalhar

relatada com orgulho pela mesma.

Após a separação do companheiro, passou a morar com a mãe e o filho.

Atualmente, em função do falecimento da mãe e do casamento do filho, está

morando na casa de uma amiga, de quem aluga um quarto. Tem uma vida

simples e ainda não conseguiu se aposentar “quando eu completei 66 anos eu dei

entrada nos meu papel, mas surgiu um problema aí e parou porque diz que nos

meu papel fala como se eu fosse uma empresária aí e eu não sou nada, mas aí

eu não consegui aposentar”. Isto traz uma grande frustração, pois, dentro da sua

simplicidade, expressa que a aposentadoria é a grande chance e o momento

esperado para conseguir uma melhoria de vida. O filho está tentando por meio de

um advogado provar que ela tem o direito à aposentadoria, mas ela não consegue
103

explicar como está o processo. C2 vive com o dinheiro que recebe na cooperativa

e do siri que às vezes desfia em casa. Ela mesma lava as roupas e cuida da

limpeza da casa em que mora.

Em relação à vida amorosa, C2 só teve relacionamento com o pai de seus

filhos. Relata que não se envolveu mais com ninguém “porque eu fiquei com

medo do homem (risos). Eu já perdi uma porção de casamento, mas eu só quero

trabalhar, ganhar meu dinheirinho, não quero saber de homem não. Eu não gosto

de farra, não gosto de ficar metida na casa de ninguém.”

A entrada na cooperativa ocorreu por convite da presidente que é sua

sobrinha. Teve medo, no início, de entrar e não dar certo porque já sabia de

histórias de brigas que estavam acontecendo e não gosta de se envolver. Mas o

filho a incentivou a entrar e ela achou que era uma oportunidade de ganhar um

pouco mais. Hoje diz que nunca saiu e não sai mais da cooperativa porque

considera a cooperativa como sua casa. Tem vontade de trabalhar e ainda brinca

que tem mais ânimo para o trabalho que suas colegas mais jovens. O que C2

deseja atualmente é ter segurança e estabilidade na vida, o que julga só ser

possível se conseguir a garantia financeira proporcionada pela aposentadoria. Na

cooperativa, é responsável por lavar as vasilhas e passar as tolhas que cobrem

as mesas.

C3

C3, 26 anos, tem o segundo grau completo e é irmã de C1. Nasceu na Ilha

e tem três filhos: um menino de oito anos cujo pai era usuário de drogas e faleceu

em função disso; um menino de cinco anos cujo pai também tem envolvimento
104

com drogas e não ajuda na criação do filho; e, uma menina de um ano e três

meses, filha dela com o atual companheiro que é gari e ajuda na criação dos

demais filhos. Apesar das dificuldades que enfrenta para criar os filhos, C3

apresenta-se muito tranqüila e otimista. Conta com a ajuda da mãe nos cuidados

com as crianças e usufrui das melhorias ocorridas na Ilha nos últimos anos, como

a criação de creches e escolas municipais.

C3 é cooperada desde os 18 anos. Começou na cooperativa logo após o

início das atividades e saiu durante os períodos de pós-parto. Antes da

cooperativa, tinha como atividade o desfio do siri, mas não se acha uma boa

desfiadeira: “Desfio desde os 13 anos e desfio uns 3 quilos e meio por dia, mas

quem é rápido desfia 10 quilos.” Contou com o apoio dos pais quando iniciou as

atividades porque via na cooperativa uma possibilidade de melhorar a renda.

Aprendeu, em função das atividades na cooperativa, a se comunicar melhor, a se

relacionar com os clientes e passou a ter mais segurança no convívio com as

pessoas: “Foi bom pra mim também porque eu fiquei menos tímida, mais certa

pra falar com as pessoas.” É responsável pelo atendimento aos clientes no

restaurante.

C4

C4 tem 41 anos e é solteira. Tem uma irmã e duas sobrinhas trabalhando

na cooperativa. O seu nascimento é visto por ela como um milagre e está envolto

no risco de vida e no problema de uma perna mais curta que a outra que a

acompanha ainda hoje: “Eu nasci e cabia numa caixinha de sapato. Essa perna

aqui tem problema. Foi milagre porque eu nasci em casa e a minha mãe tava
105

muito doente. Eu nasci pequenininha e com a perninha com problema. Foi Deus

que me deu a vida.” Nasceu na Ilha, assim como seus pais. Estudou até a quinta

série e parou por não ter condições de comprar material de estudo e nem de arcar

com o custo do deslocamento até a escola que, na época, ficava fora da Ilha.

Mora com a mãe e um sobrinho. Cuida da casa e ajuda, com a renda da

cooperativa e do desfio de siri, a complementar a renda da mãe que consiste no

desfio de siri e na aposentadoria que era de seu pai. Apesar de ser solteira, não

se considera como tal porque é apaixonada por uma pessoa. Não tem

envolvimento com ele apesar de se manter na expectativa de que ainda será

possível se relacionarem “não sou solteira porque eu gosto de uma pessoa há

mais de 20 anos, mas não deu certo porque ele era casado, mas se ele tivesse

comigo ele tava numa boa, ele conversava comigo e eu falava que ele tinha que

melhorar, parar com a cachaça, ele era uma pessoa muito boa, mas a minha

esperança é a última que morre.” A relação que estabelece com esta pessoa

parece estar próxima de um amor platônico, pois não tem contato com ele e se

baseia em relatos de sonhos para explicar que acredita que ele gosta dela, mas

tem vergonha de procurá-la.

C4 sempre foi muito caseira. Tem medo da violência e isto inibia a

manutenção de relacionamento social. Vislumbrou na entrada para a cooperativa

uma oportunidade de sair da rotina de casa e ter um convívio com diferentes

pessoas. Foi à reunião quando ouviu o carro de som anunciando a proposta da

prefeitura para criar uma cooperativa na Ilha. Participou desde o início das

atividades e nunca saiu da cooperativa. No início, a mãe não queria que ela

participasse, mas depois apoiou: “Mãe não gostava não, mas eu falei que tinha
106

que procurar o que fazer porque ela queria que eu ficasse só em casa fazendo as

coisas pra ela. Agora minha mãe acha bom.” Com a participação na cooperativa,

C4 conseguiu resgatar um pouco do convívio social, sentir-se útil e reconhecida

pelo trabalho que desenvolve, pois não sentia o reconhecimento da mãe pelo

trabalho doméstico que realizava em casa, bem como mantinha pouco contato

com as pessoas. Na cooperativa, é responsável pela limpeza, principalmente dos

banheiros.

C5

C5 tem 29 anos e nasceu na Ilha, bem como seus pais. Apresenta-se de

maneira muito articulada, fala alto. É casada no civil e no religioso com o primeiro

e único namorado que teve, fato muito valorizado por ela, pois diz não ser muito

comum a união oficial entre os casais na Ilha. Tem um filho de um ano e seis

meses que considera um milagre, pois na adolescência teve que fazer cirurgia

para retirar um ovário. Em função da cirurgia e porque não dava muito valor ao

estudo, C5 parou de estudar quando cursava o primeiro ano do segundo grau,

mas hoje percebe a falta que o estudo faz e pensa em retomar: “Mas hoje eu

penso em voltar e fazer faculdade, eu acho que vou voltar, eu tava até

conversando com meu marido ou até fazer um supletivo.” O pai era muito rígido e

permitia namoro só com pedido oficial do rapaz e com o compromisso de

casamento. Não saía de casa sozinha e sabia que não podia namorar porque ele

não deixaria e ela não queria namorar escondido como as irmãs, até que

conheceu o atual marido que se dispôs a ir até a casa dela e pedi-la em namoro.

Com três meses de namoro ficou noiva. O noivado durou dois anos, mas enfatiza
107

que não mantinham relação sexual neste período. O tempo foi necessário para

construírem uma casa ao lado da casa da sogra: “...meu pai nunca deixou a gente

passear na rua de mão dada, só no dia do cursinho de noivo com dois anos e um

mês. E isso ele agüentou porque ele já era vivido e dormia com outras mulheres,

mas aí casei virgem, em janeiro de 2004. Casamos no cartório pra gente casar no

civil no Ação Global pra não pagar e eu não fui pra casa dele não. Quando foi 27

de março casei na igreja e fui pra casa que ele construiu no São Pedro V. ” O

marido é carpinteiro, trabalha em obras e, apesar das dificuldades financeiras,

antes do casamento dizia que ela não poderia continuar na cooperativa porque

não achava certo ela ficar junto com um monte mulheres atendendo gente de

fora. Mas depois do casamento ela disse que queria continuar e ele não se

importou.

C5 tem duas irmãs e uma tia na cooperativa. Entrou no início, quando

anunciaram que haveria a reunião na igreja. Foi representando o pai que é

pescador e daí surgiu a proposta de uma atividade para as mulheres. Desde

então, começou a participar das atividades e cursos visando organizar a

cooperativa e só se afastou em um período após o nascimento do filho. Na

cooperativa, é responsável pelo atendimento aos clientes. C5 tinha a expectativa

de que a cooperativa fosse possibilitar um salário mínimo, carteira assinada, pois

sonha em conseguir um emprego formal. Antes da cooperativa desfiava siri em

casa “...desde cinco anos eu desfio siri, mas eu não sou muito rápida não.”

Apesar de ter nascido na Ilha, não gosta de frutos do mar e muito menos de siri,

faz pratos da culinária local, mas não come.


108

C6

C6 tem 45 anos. Não é formalmente casada, mas mora com o

companheiro há 27 anos. Tem cinco filhos. É natural de Santa Leopoldina e

mudou-se para Ilha em função do companheiro ser natural da Ilha. Quando

chegou, nunca tinha visto siri e foi aprender o desfio com a sogra, que também é

natural da Ilha. No início, moravam em uma casa de pau de mangue.

Posteriormente, trabalhando vendendo picolé, desfiando siri e vendendo mariscos

conseguiram construir uma casa. Duas filhas se casaram, mas não tinham

condições financeiras de pagar aluguel e, por isso, construiu, no andar de cima,

cômodos para que as filhas pudessem morar: “minhas filha arrumou marido e

marido novo é preguiçoso aí o quê que eu fiz, separei a casa de cima, terminei

por dentro e dividimo pra elas com três cômodos pra cada uma e um banheiro no

meio.” A terceira filha: “mora num morro, mas eu mesmo não fui lá não, ela paga

aluguel e mora lá em cima com dificuldade também, só depende de mim porque

eu crio o filho dela.” No momento da entrevista C6 cuidava de dois netos e uma

das filhas estava passando por sérios problemas em função do uso de drogas.

Estudou até oitava série e fez curso de assistente de enfermagem ainda quando

morava em Santa Leopoldina. Começou na cooperativa desde as primeiras

reuniões e fez os cursos. Houve um momento em que se afastou por cerca de

oito meses porque surgiu a oportunidade de trabalhar com carteira assinada:

“entrei no início... só que teve uma época que eu me afastei porque eu já tinha

outro serviço em vista..., aí eu trabalhei, aí depois enjoei do serviço, era muito

pesado.”
109

C6 tem duas cunhadas trabalhando na cooperativa. Demonstra muita

insatisfação com relação ao que ganha e com a organização da cooperativa, com

a falta de prestação de contas, de reuniões para tomada de decisões, mas não

expõe esta insatisfação por considerar que isto não seria bem recebido pela

presidente.

C7

C7 tem 56 anos e é natural de Aldeia, cidade próxima a Governador

Valadares, Minas Gerais. Aos 42 anos começou a estudar e terminou a oitava

série. Sua história de vida é repleta de momentos de sofrimento e de

reconstrução. Ainda muito criança foi entregue ao juizado de menores porque o

pai bebia muito, batia na mãe e esta deixou a casa levando os filhos e deixando

com o pai as filhas. Segundo ela era o costume local: “quando eu era bem

pequenininha os meus pais separaram e as filhas mulher ficavam com os pais,

mas aí o meu pai bebia muito e o juizado de menor tirou as duas filhas do meu pai

e meus irmãos homens fico com a minha mãe.” Ainda criança passou por

momentos em que tinha que ficar na rua fugindo do pai que ficava muito

agressivo em casa: “eu já fui quase menino de rua, já dormi na rua, já fui quase

estuprada quando eu era criança.” Aos 11 anos casou com um engenheiro que

era quase 30 anos mais velho e mudou-se para Belo Horizonte. Não sabia que

iria se casar. Pensava que seria adotada. Não sabia que teria que dormir com um

homem: “(...) fui criada no juizado de menores onde eu casei com 11 anos de

idade... eles me passou como se fosse uma mercadoria, eu falo que eles me

vendeu (ri um pouco) porque eu nem sabia, eu sabia que ele ia me adotar, aí
110

depois que eu fiquei sabendo que era um casamento já era quase no dia.” Logo

que casou engravidou, mas não entendia bem o que estava acontecendo. A

família do marido não a tratava bem e ele, apesar de dar roupas boas, de levá-la

para morar em um bom apartamento, sempre a humilhava fazendo questão de

lembrá-la de onde ela tinha saído. Apesar de viver entre o ter muito e ser

humilhada, durante vinte e cinco anos viveu com ele e teve dez filhos. Tinha

períodos em que ficava muito triste e chegou a tomar vários remédios e se trancar

no quarto quando tinha 19 anos de casada porque não agüentava mais as

humilhações e não tinha forças para se separar dele e deixar os filhos porque não

queria abandoná-los: “...eu tomei veneno eu já tinha 19 anos de casada, meu filho

já tava grande porque meu filho nasceu quando eu completei 12 anos de idade.”

Separou-se do marido quando reencontrou um antigo conhecido que queria

ter casado com ela quando ela ainda estava no juizado de menores, em Aldeia. O

encontro foi casual, mas a partir desse momento a sua vida tomaria um novo

rumo: “esse meu atual marido eu já conhecia desde a época do juizado de menor,

ele que queria casar comigo na época só que esse era muito pobrezinho e não

tinha nada e para tirar uma menina do juizado tinha que ter bens financeiros.

Depois de 24 anos, eu já tava separada de cama do meu marido e ele também da

mulher dele que a gente foi se vê por acaso.” Apesar de ter tentado evitar, C7

teve que deixar os filhos com o ex-marido porque não teria condições de mantê-

los e os filhos mais velhos também não aceitaram o fato de ela se relacionar com

o atual marido. Aceitavam a separação porque entendiam o sofrimento dela, mas

não aceitavam o fato dela estar com outra pessoa. Em função disto perdeu o

contato com os filhos. O mais novo ainda era um bebê e o ex-marido ganhou na
111

justiça a guarda dele: “...eu tinha um bebê e ele entrou na justiça e ganhou o

direito de ficar com o bebê e me tirou ele. Minha filha mais velha revoltou comigo

também e chegou até pegar um revolver pra mim, os filhos que eu criei sozinha

porque ele só ajudava com dinheiro porque ele ficava meses fora de casa porque

ele tinha outras mulheres.” Reencontrou este filho quando ele estava com 12

anos. Uma antiga amiga o levou à Vitória para passar férias e entrou em contato

com ela. Dos demais filhos, apenas duas filhas mantêm contato esporádico com

ela. Mudou-se para a Ilha porque ficaria próxima da família do atual marido.

Quando chegou, moravam em um barraco improvisado feito com tábuas. O

marido não conseguia emprego e C7 começou a fazer chup-chup para vender e

também vendia cerveja na praia. Até que disse a uma vizinha, que é cooperada,

que gostaria de entrar para a cooperativa. A vizinha se propôs a ensiná-la a

limpar camarão, desfiar siri e trabalhar com mariscos. Com a abertura do

restaurante, C7 começou a trabalhar na cooperativa como ajudante de cozinha,

mas mantinha atividades extras para ajudar a complementar a renda da família.

No início, o marido não queria que ela entrasse porque achava que a cooperativa

era muita bagunça, mas depois percebeu que trabalhavam seriamente. No

segundo casamento teve dois filhos e, apesar de viver muito bem com o marido,

há cerca de dois anos ele estava bêbado e a agrediu fisicamente com muita

violência. A partir deste momento descobriu que tinha diabetes e relaciona o início

da doença ao choque que teve em função da violência que sofreu. A partir disso,

passou a não aceitar mais o marido em casa “...eu não queria deixar ele voltar

porque parecia que eu tava olhando no espelho e vendo meu passado, tava

repetindo aquelas pancada, meu pai me espancava tanto que eu dormia no mato
112

e aquilo ali tava repetindo tudo, eu queria vender minha casa, botei placa. Aí eu

só fazia chorar, minhas vizinha me levaram no médico, eu me salvei porque meu

filho chorava junto comigo, olhava as marca no meu corpo, mas me marcou mais

por dentro do que por fora.” Foi a intervenção da presidente da cooperativa que

fez com que C7 aceitasse o marido de volta e, apesar da mágoa, retomaram o

casamento. C7 trabalha ainda em uma lanchonete em Jardim da Penha, à noite,

para ajudar nas despesas, pois o marido não consegue um trabalho fixo. Ele

vende picolé.

C8

C8 tem 26 anos e mora com os pais, um irmão e um filho. Completou o

segundo grau e tem o sonho de fazer faculdade de Psicologia ou Biologia. O filho

é fruto de uma relação esporádica, pois C8 é homossexual e relata que, em uma

única experiência heterossexual, engravidou. C8 enfrentou preconceitos em casa

e na comunidade por assumir a relação com a namorada. Apesar de morar com

os pais, ela passa os finais de semana com a namorada, que sempre a ajudou

muito na criação do filho. Em função de o filho ser fruto de uma única relação

sexual, o pai do garoto só assumiu a paternidade após realização do exame de

DNA: “o nascimento do meu filho foi uma mudança muito grande, ele não foi

desejado até porque eu sou homossexual, todo mundo sabe e eu sofro um

preconceito muito grande. Aí eu fui fiquei com um cara uma vez até pra ver se eu

ia mudar de opção, transei de camisinha e tudo e até que ele não acreditou que o

filho era dele, aí teve que fazer DNA e tudo e saiu agora em março e ele viu que

era dele e ele começou agora a dar pensão de 80,00.”


113

C8 começou a desfiar o siri com 12 anos e, desde então, conseguiu ter o

próprio dinheiro e com isso maior independência dos pais. Entrou para a

cooperativa com dezoito anos. Participou das reuniões iniciais. Na época, a mãe

também participava da cooperativa, mas depois achou que não valia à pena e

saiu. O pai de C8 não gosta que ela participe. Acha que não tem futuro e que

seria melhor procurar um emprego, mas ela já se acostumou, apesar de achar

que ganha pouco. C8 já se afastou das atividades da cooperativa por um período

curto por ter mudado para Vila Velha. Tem tias e primas trabalhando na

cooperativa.

C9

C9 tem 38 anos e estudou até a quarta série. Tem seis filhos e uma neta.

Mudou para a Ilha há 16 anos porque o ex-marido é natural do local. Ela passou

por muitas dificuldades. Houve momentos que não tinha o que comer em casa.

Separou-se do marido e recebe uma pequena ajuda dele, mas ainda assim não

conseguia sustentar a casa e contava com a ajuda de terceiros para alimentar e

vestir os filhos: “Eu vim pra cá pra sobreviver porque antes eu tava passando

muita necessidade, era fome, era fome que eu passava.” Entrou na cooperativa

desde o início das atividades e saiu durante o período do pós-parto do último filho

que está com dois anos de idade. C9 não tem parentes na Ilha, mas três parentes

do ex-marido trabalham na cooperativa. Além da renda da cooperativa C9 recebe

a bolsa-família: “eu vim pra cá e deixei três crianças pequenas em casa, uns vão

pra escola e quando dá meio dia pegam um na creche e de tarde outros dois.

Hoje eu tenho bolsa-escola que me ajuda um pouco porque tem vez que nem um
114

salário mínimo a gente tira, é só trabalhar pra comer mesmo, meus filhos não têm

hora de lazer não, nem eu não tenho.” C9 não sabia trabalhar com pratos típicos

porque, apesar de ser natural de Vitória, não aprendeu a fazer pratos com peixe e

mariscos com a mãe. Aprendeu depois que mudou para a Ilha. Por isso não se

considera boa desfiadeira, se acha muito lenta. Aprendeu a fazer os pratos típicos

na Ilha e hoje se orgulha de ser cozinheira: “(...) moqueca, coisas de marisco,

peixe eu não sabia fazer não era porque cada região tem um...um... um tipo de

como fazer a comida, mas hoje já faço de tudo e recebo elogio de todo lado.”

Diante das dificuldades financeiras e para criar os filhos sozinha, a cooperativa

foi uma possibilidade de obter uma renda e ter um local de trabalho, sentir-se

acolhida e útil.

C10

C10 tem 43 anos e é casada há 27 anos. Tem seis filhos e três netos.

Nasceu e sempre morou na Ilha. A vida de C10 não tem sido fácil. Ainda

adolescente, casou-se e teve filhos, mas o casamento foi marcado pela violência

do marido e pelas fugas que tinha que fazer durante a madrugada quando ele

chegava bêbado e a espancava: “...ele saía pra rua e quando chegava em casa

de madrugada ele me tirava da cama, eu fingia que tava dormindo porque não

tinha luz, era de lamparina aí eu ficava quietinha com a minha criança e ele

chegava da rua já me batendo e minhas crianças saia de casa correndo pra casa

da minha mãe e eu pulava a janela e ia nadando pela maré até a casa de minha

mãe.” C10 morava em uma casa precária e dependia do próprio trabalho de

pesca no mangue e da ajuda dos familiares para sobreviver, pois o marido não
115

sustentava a casa. Durante os anos de agressão, C10 saía de casa por alguns

dias, mas acabava voltando porque ele ameaçava os filhos. Ele não deixava os

filhos acompanhá-la, bem como acreditava que não deveria se separar, que Deus

a ajudaria a agüentar. Mas, há cerca de dois anos, C10 o enfrentou e conseguiu

parar com as agressões físicas, apesar das agressões verbais continuarem: “até

o dia que eu resolvi a reagir ele nunca mais encostou a mão em mim pouco

tempos atrás eu tive que dar uma paulada nele. Eu não sei como eu tive essa

coragem, Raquel, ele tocava fogo nas minhas roupas, meus calçados porque eu

sempre ganhei as coisas dos outros, aí nesse dia eu não agüentei, ele já me

deixou toda roxa, quebrou esse dedo meu, aí eu peguei o pau e as irmãs dele

tudo perto desfiando siri e eu falei se ele vir me bater eu vou socar a cara dele

porque eu já tava já, só Deus que sabe, dentro da igreja, né, eu falei ai Deus você

vai me perdoar, mas eu não vou deixar barato não, aí eu peguei, Raquel, dei uma

cacetada e quebrei o braço dele. Aí veio todo mundo em cima de mim, aí eu falei

não se mete porque quando eu tava apanhando ninguém vem me acudir e todo

mundo vendo, aí ele falo ai, você quebrou meu braço, aí eu falei assim não era só

pra mim quebrar seu braço não, era pra mim te matar porque já tô cansada de

sofrer. Aí ele parou de me bater, nunca mais encostou a mão em mim, aí eu falei

se eu soubesse que você ia parar de me bater já tinha acertado a sua cara muito

antes.” Um dos filhos de C10 é usuário de drogas e este é mais um fator de

dificuldade que ela enfrenta no cotidiano. C10 só iniciou as atividades na

cooperativa quando começaram a trabalhar na sede, em 1999, pois o marido não

queria que ela trabalhasse na cooperativa. Tem uma irmã e duas sobrinhas na

cooperativa. Além do que recebe na cooperativa, ainda desfia siri e recebe oitenta
116

reais de bolsa-família, dinheiro que tem usado para comprar camas para os filhos

que dormiam no chão.

C11

C11 tem 36 anos e é casada há vinte anos. Tem um casal de filhos, de 19

e 13 anos. O marido é natural da Ilha mas C11 nasceu no Rio porque o pai era

pescador e mudava de cidade de tempos em tempos buscando bons locais de

trabalho. Quando tinha quatro anos mudou-se para Ilha. O marido é pescador.

Além de trabalhar na cooperativa, ela ainda trabalha à noite, em uma lanchonete

em Jardim da Penha. Começou a desfiar siri com 12 anos porque era uma

possibilidade de renda para a família. Estudou até a quarta série porque os pais

não valorizavam o estudo. C11 participou da formação da cooperativa. Foi a

primeira experiência de trabalho formal onde teve a oportunidade de aprender a

trabalhar: “a cooperativa me ajudou muito porque abriu as porta da minha vida

porque eu não trabalhava, comecei a desfiar siri aqui na Ilha quando era nova,

mas não sabia fazer nada direito, ... eu era tímida e não gostava de conversar e

hoje eu sou atendente aqui.” Os filhos não trabalham com pesca ou desfio e ela

não quer que eles tenham a mesma vida dos pais. Tenta incentivá-los a estudar

e, para isto, buscou bolsa para a filha em uma escola privada fora da Ilha.

C12

C12 tem 44 anos e é natural da Ilha. É casada há 26 anos e tem três filhos,

sendo um rapaz de 25 anos e gêmeas de 13 anos. Estudou até a sétima série

porque não tinha escola na Ilha e isto inviabilizava a continuidade devido aos
117

custos com ônibus e material. O estudo também não era valorizado pelas

famílias, pois a filha ajudava no trabalho de casa, no desfio do siri e na pesca.

Apesar de não ser comum mulheres pescarem, com 16 anos ela já pescava

sozinha. Ainda tirava sururu do mangue e, caso precisasse de ajuda, não se

incomodava em pedir: “Mas papai deixava eu porque ele sabia que eu sabia

remar, ele confiava que eu sabia me virar porque quando o tempo virava eu

sempre tive facilidade de ter parceiro de me coligar, então eu me coligava com

alguém que tava do meu lado,eu não tinha vergonha, eu pedia, eu falava: ‘eu não

consigo mais remar você me ajuda?’” Sempre foi comunicativa e muito ativa para

os negócios, tinha facilidade de negociar para conseguir sucesso nas vendas. Em

casa, era referência para os irmãos. Casou-se nova porque, na época, o pai não

permitia longos namoros e, após o casamento, continuou pescando por algum

tempo, mas o marido não gostava, pois o ambiente era masculino e ela logo

engravidou. Então, concentrou-se no desfio de siri como forma de conseguir

renda. O marido pesca, mas o filho não seguiu a profissão do pai, trabalha como

trocador de transporte coletivo e as filhas apenas estudam e não gostam desfiar

siri:“não quero meus filhos pescando porque gostaria de dar ao meus filho uma

vida melhor, eu quero que meus filho cresça mais que eu.”

C12 participou das reuniões iniciais para a criação da cooperativa, mas

afastou-se por algum tempo em função das brigas que aconteciam. Retornou

quando estava acontecendo o processo de formalização da cooperativa e foi

eleita para assumir a presidência. Contudo, seu marido achava que o risco de ela

se envolver em problemas era grande e não queria seu envolvimento: “Meu

marido nunca gostou da cooperativa, ele achou que pelo meu jeito de ser eu ia
118

ficar brigando, me desentendendo com as pessoas e eu também.” Ao assumir a

presidência da cooperativa, ela tornou-se referência e é quem decide a entrada

ou retorno de cooperadas. Ainda é responsável pelas finanças da cooperativa e

isto faz com que ela vá à cooperativa todos os dias da semana.


119

7. A COOPERATIVA: ASPECTOS HISTÓRICOS

7.1 A Formação da Cooperativa

No contato com as cooperadas observou-se que não há preocupação com

relação à documentação e ao registro da história da cooperativa e, como a base

principal é a oral, cada uma dá um enfoque e a própria interpretação dos fatos. Ao

solicitar o acesso à documentação, tais como o estatuto, o documento que

autorizava o funcionamento da cooperativa, que a vinculava à OCB/ES, a

presidente explicou que não havia documentação alguma na cooperativa, pois os

documentos ficaram com um antigo contador que foi indicado pela OCB/ES.

Como elas não conseguiram pagá-lo, os documentos estavam retidos e elas

estavam sem contador havia mais de um ano.

As cooperadas, em geral, não fazem referências detalhadas sobre como

ocorreu o surgimento da cooperativa. Foi possível encontrar um relato mais

detalhado sobre o início da cooperativa na entrevista com a presidente.

De acordo com os relatos orais, o início da cooperativa foi marcado pela

passagem de um carro de som na Ilha convidando os pescadores para uma

reunião com o prefeito e demais técnicos ligados à prefeitura de Vitória, na

Creche Magnólia, em uma tarde para tratar da criação de uma cooperativa para

os pescadores. Os homens não compareceram à reunião porque não tinham

interesse em se associarem, pois o trabalho do pescador é voltado para uma

rotina muito particular e geralmente pescam o quanto precisam para sobreviver

naquele dia, no máximo com a perspectiva da semana e não gostam de ter a


120

obrigação da pesca em determinado dia e hora específicos. Dessa maneira, uma

associação significaria, aos olhos deles, a necessidade de se enquadrarem em

uma rotina, de prestar conta do que fazem e não havia o interesse. A partir deste

contexto surgiu a proposta de desenvolver alguma atividade para as 49 mulheres

presentes, ao lado de três homens.

“Falaram que ia ter uma reunião do ‘Pronagefe’ com o pessoal da


prefeitura pra ajudar as desfiadeira e os pescador, era pros pescador. Aí
eu peguei e falei eu também vou e a idéia era ter uma cooperativa pros
pescador, mas os homens daqui não gostam de participar de nada, eles
são cada um pra si, eles não gosta de sair, não gosta de reunião e aí
numa dessas reunião saiu de fazer uma cooperativa de mulher. Aí tinha
49 mulheres participando das reuniões e tinha o pessoal da prefeitura
que vinha em equipe e foi 3 homens, só foi as mulheres e filhas deles, aí
eu não lembro se foi Eliana que falou de fazer a cooperativa das
mulheres e aí foi uma coisa rápida. Aí começamos não foi cooperativa
não, foi um monte de curso que eu nem lembro mais porque já faz muito
tempo, pra gente ir se preparando. Os curso era quase toda noite e
alugaram uma casa e a prefeitura pagava o aluguel, água, luz.”(C11)

Iniciaram as atividades sem a formalização da cooperativa. As mulheres

que participaram da reunião com técnicos da prefeitura e demonstraram interesse

começaram a trabalhar com os salgados e fizeram cursos promovidos pelo

Projeto Terra, implementados pela Secretaria Municipal de Ação Social. Mas não

houve um movimento destas mulheres para a formalização da cooperativa. Em

alguns momentos houve a paralisação dos trabalhos porque não tinham recursos

financeiros, pois o funcionamento era baseado na divisão de todo o dinheiro que

ganhavam com a venda dos salgados. Com isto, não tinham condições de investir

na compra de material para a produção dos salgados.

“... na época era negócio de salgado, não mexia com desfiamento de siri
não, era tudo assim: salgadinho de siri, de camarão, de sururu,
entendeu? Era tudo do mar. Aí disso foi falado, vocês vão ficar num
galpão até construir o lugar. Aí a gente trabalhou numa laje alugada,
num terraço um tempo e fazia, mas era muito salgado e ganhava muito
121

dinheiro, muito dinheiro. No aniversário de Vitória encomendaram todos


os salgados a nós e nessa época ganhamo 380,00, era muito dinheiro e
era muita mulher.” (C5)

“...cada dia uma era presidente, uma confusão só igual a siri na lata, era
tudo agitado. Era assim, dividia os lucros e não sobrava nada, eu acho
que é assim até hoje, a gente ainda não conseguiu assim... resolver
isso.”(C11)

Após, aproximadamente, um ano de trabalho na sede improvisada, a

equipe da prefeitura de Vitória que acompanhava o projeto de implantação da

cooperativa exigiu a realização da eleição para presidente e diretoria da

cooperativa para a liberação da sede construída pela prefeitura para abrigá-las às

margens da baía de Vitória (ES), ao lado de uma escola municipal. No momento

da eleição apenas três mulheres se candidataram e a atual presidente foi eleita,

na época, com quase a totalidade dos votos. Havia 49 mulheres trabalhando com

salgados e ela obteve 47 votos, apenas as duas outras candidatas não votaram

nela. Durante os primeiros meses, as cooperadas fizeram cursos ministrados pelo

Senac, mas relataram que não havia registros destes cursos, de quem ministrou

ou participou. Eram cursos que buscavam capacitá-las para a manipulação de

alimentos, principalmente frutos do mar, e também abordavam noções de

contabilidade, atendimento ao cliente e de cooperativismo.

“Aí elegemo a presidente numa reunião na igreja porque pra passar pra
cá tinha que ter diretoria, negócio de secretário, presidente e aí ninguém
queria se candidatar.” (C4)

“...foi cursos de organização, manipulação de alimentos, conservação


de alimentos, contabilidade. Mas isso foi tudo antes de começar o
trabalho aqui.” (C8)

A estrutura inicial, proposta no dia da eleição para presidente, contemplava

secretários, conselho fiscal, ou seja, inicialmente foi montada uma estrutura que
122

no momento da pesquisa não funcionava mais. Na verdade, não havia clareza

entre as cooperadas sobre a função de uma diretoria ou de um conselho fiscal.

Centravam-se na necessidade de produzir e vender para obterem melhores

condições de vida, mas não estavam atentas e interessadas em formatar uma

estrutura organizacional que funcionasse. Não tinham clareza da importância

destes processos para a viabilidade do projeto cooperativo. Com o passar do

tempo, apenas a figura da presidente permanece. Nenhuma outra eleição foi

realizada para escolha das lideranças e por mais que apresentem uma cooperada

como vice-presidente, ela não tem nenhuma atividade específica. O que ocorre é

que, frente a alguma crítica, a presidente diz que irá colocar o cargo à disposição

e, com isso, as demais se calam. Efetivamente, não sabem precisar o tempo, mas

há anos não há uma reunião entre as cooperadas para tratar da estrutura

organizacional, de eleições para a presidência e diretoria e nem mesmo para

tratar da prestação de contas.

“Então eu falei assim, já que nós três candidatamo, mas só eu fui eleita
eu gostaria que você fulano seria do conselho fiscal. ‘Ah, pelo amor de
Deus’. Aí eu não deixei falar e você também fulano. ‘Ah, mas eu não sei
nada, eu tenho medo’. Aí eu falei assim: oh, formamos a chapa e fui
lendo os nomes e tal e não podia entrar parente, né, aí botei só as que
não era parente. Então, entendeu que todos os demais que não se
candidataram iam ser do conselho fiscal.” (C12)

Após a mudança para a sede atual, houve a formalização da cooperativa e

seu registro como uma cooperativa de produção com o objetivo de desfiar o siri e

comercializá-lo. A prefeitura disponibilizou a estrutura física para o início das

atividades e, nos primeiros seis meses da cooperativa, disponibilizou profissionais

para orientar a condução dos negócios e mediar as relações entre as cooperadas.

Uma nova forma de organização do trabalho foi implantada, trabalhavam


123

diariamente, dividindo-se em turno da manhã e da tarde. Não trabalhavam com a

produção de salgados, apenas com o desfio de siri. Técnicos da prefeitura

orientaram para a criação de um fundo de reserva e uma distribuição quinzenal

dos rendimentos, entretanto, a cultura do dinheiro diário impediu que as

orientações fossem seguidas, pois não conseguiram se organizar para ficar por

um período sem o recurso financeiro e nem mesmo para terem um fundo de

reserva.

A sede foi disponibilizada pela prefeitura com equipamentos básicos como

fogão e freezer, ficando as cooperadas responsáveis pelos custos com materiais

para o início dos trabalhos, pois a prefeitura já havia disponibilizado R$600,00

quando se reuniram para trabalhar na sede provisória. Contudo, não houve um

controle adequado deste dinheiro e, na mudança para a nova sede, não houve

nova ajuda financeira. Assim, para investirem na compra de facas específicas

para a realização do desfio do siri e na formalização da cooperativa foi cobrada

uma contribuição de dez reais designada como quota inicial para que cada mulher

participasse da cooperativa.

“A prefeitura deu uma verba de R$600,00 pra nós começar só que nesse
início, nessas brigas esse dinheiro sumiu que ninguém sabia como, nem
pra onde. Não tinha liderança, todo muito mandava, compra isso, compra
aquilo.”(C12)

“Nós abrimos com nosso dinheiro mesmo, cada um teve que dar um
tanto de R$10,00 pra poder começar. Foi no tempo em que nós
começamos pra valer aqui, mas ela já vinha funcionando desde lá
embaixo, mas ela vingo mesmo quando teve a presidência, aí ela tá até
hoje”. (C9)

A estreita relação com a prefeitura possibilitou a continuidade dos trabalhos

neste primeiro momento de formalização da cooperativa, mas apesar dos cursos

realizados as cooperadas não foram preparadas para a sobrevivência do negócio


124

sem o amparo do poder público. O apoio externo, inclusive financeiro, sempre foi

visto como essencial para a sobrevivência da cooperativa. Por outro lado, não

aceitam que este apoio financeiro externo venha acompanhado de uma proposta

de intervenção ou acompanhamento do uso dos recursos.

O nome da cooperativa foi escolhido em função de perceberem

semelhanças entre o comportamento do siri quando são colocados juntos e o

comportamento das cooperadas, pois os siris brigam e estão sempre juntos.

Basta suspender um pela poã que vários virão juntos assim como as cooperadas

que brigam, fazem barulho, mas permanecem unidas.

“O nome só surgiu por causa do nosso movimento mesmo, por causa de


tudo discutir, fazer barulho, fazer zuada, igual o siri na lata (risos). Eles
brigam, um mata o outro, mas tão ali bem juntinho mesmo. É, o siri na
lata surgiu por isso, desde o inicio, a gente sabia que poderia colocar
esse nome como, mas parece que em Salvador já tem uma Siri na Lata,
então nós não poderia registrar, mas poderia ter de nome fantasia.”
(C12)

A atividade de desfio desenvolvida pelas cooperadas restringia-se ao

cozimento do siri, ao desfio e ao recatamento, para que pudessem conseguir o

máximo de aproveitamento do siri e à embalagem em sacos plásticos

transparentes para que pudessem agregar valor ao produto. A divisão do trabalho

ocorreu diferenciando cooperadas que tinham habilidade no desfio do siri e

conseguiam produzir uma grande quantidade, as que faziam a recatagem do siri,

as que embalavam e as que cuidavam da limpeza do espaço físico. Portanto,

apesar de serem desfiadeiras de siri, nem todas realizavam a atividade de desfio.

A comercialização do siri desfiado foi um grande desafio, pois não

conheciam os restaurantes na grande Vitória que seriam potenciais clientes da

cooperativa por demandarem uma maior quantidade de siri desfiado e que


125

tivessem condições de pagar um preço melhor por um produto de qualidade. Isto

porque, quando desfiavam em casa, esperavam que as pessoas fossem até à Ilha

em busca do siri e o preço era baseado no quanto o comprador oferecia porque

tinham que vender diariamente o que produziam, já que não tinham informações

sobre a forma adequada de conservação e manipulação do siri e este estragava

se não fosse vendido imediatamente após o desfio.

“... nós não conhecia os restaurante, não conhecia a cidade, era roceiro.
Então quando nós começamos a conhecer outras áreas, que era as
áreas de restaurante pra quem nós tinha que oferecer o siri foi aonde
nós levamos esses 400kgs de siri desfiado por essas 49 pessoas.
Colocamos esses 400kgs tudo na mão das pessoas, fiado. Oh Raquel,
nós não ficamo com nem um dedo de siri e também não ficamos mais
fazendo nem um mês de divulgação, nem saindo mais. Todos viraram
freguês e vieram buscar aqui.” (C12)

A partir do processo de formação da cooperativa pode-se compreender as

primeiras implicações do relacionamento interpessoal no desenvolvimento do

projeto proposto pela prefeitura de Vitória. Este empreendimento foi fruto da

história de engajamento das mulheres da comunidade da Ilha, mulheres que

possuíam vínculos familiares e de amizade e uma história de luta por melhorias

nas condições de vida da comunidade. No próximo item, será discutida a

alteração da atividade desenvolvida na cooperativa: do desfio do siri à criação de

um restaurante de comida típica capixaba.

7.2 O Restaurante

A criação do restaurante ocorre em função da demanda dos clientes que

iam até a cooperativa para comprar o siri desfiado e pediam para degustar pratos

típicos da culinária capixaba. Surgiu como uma possibilidade de agregar renda


126

para as cooperadas. Foi uma mudança na organização do trabalho da

cooperativa feita pelas próprias cooperadas sem a orientação externa e que se

iniciou de forma bem simples, com pequenas porções servidas na casquinha de

siri e com a venda de cerveja e refrigerante. Atualmente, a cooperativa não tem

mais como objetivo o desfio do siri, sendo este comprado, a preço de mercado,

das cooperadas que desfiam por conta própria, para uso na culinária e revenda

aos clientes do restaurante da cooperativa. Apesar do desfio não ser mais uma

atividade da cooperativa, ainda não houve alteração na documentação e ela ainda

é registrada na OCB/ES como uma cooperativa de produção.

“O restaurante foi montado porque os cliente vinham comprar o siri e


perguntavam ‘porque vocês não fazem uma casquinha pra gente
degustar?’. Eles ficavam pedindo aí a gente inventou de colocar um toldo
com umas mesinhas pra vender só uns tira-gostos assim, aí a gente foi e
resolveu vender as moquecas porque o movimento começou a
aumentar. Tanto é que os outros restaurantes morrem de ciúme porque
aqui dá gente porque é um projeto social da prefeitura, né, e as pessoas
vem sempre aqui.” (C8)

O restaurante foi, inicialmente, improvisado na área interna da cooperativa

que também era utilizada para o desfio. Mas, com o aumento de demanda,

passaram a utilizar a área do estacionamento para exporem as mesas, sendo o

estacionamento deslocado para a rua. A Unimed-Vitória patrocinou o telhado para

a área externa após solicitações feitas pela presidente aos diretores que eram

clientes do restaurante e viam que o toldo improvisado com lonas não atendia às

condições adequadas. Com a cobertura, a área tornou-se mais adequada para o

atendimento aos clientes e uma placa foi exposta na cooperativa indicando a

doação do telhado.

“Nós colocamos o toldo, umas mesinhas feinhas mesmo, mas era um


espaço querido pela humildade e pelo trabalho. Nós conseguimos
127

comprar duas caixinhas de skin e tá vendendo a casquinha como a


moquequinha e nós nem falava que era restaurante nós falava que era
degustação. Muitos achavam que tinha que entrar aqui comer e ir
embora, aí nós falamos que é degustação porque é pouquinho, mas é a
venda.” (C12)

“A Unimed que deu o telhado porque quando ventava, o vento jogava o


posinho e as meninas ficavam preocupada de cair na comida. Aí a gente
colocava a mesa só no lugar que tava bom e o resto lá dentro da
cooperativa pra caber todo mundo.” (C12)

O funcionamento do restaurante foi baseado na experiência que as

cooperadas tinham em casa, portanto, o cardápio foi criado a partir do que sabiam

cozinhar. Em determinado momento percebem que o cardápio é restrito e

encontram dificuldade em atender clientes que não gostam de peixes/frutos do

mar, mas a mudança não é fácil. Encontram dificuldades de implementar saladas

e outros tipos de carne porque não possuem o hábito de cozinhá-los.

“(...) dentro do curso nós tivemos a aula de culinária e também já sabia


porque era tudo da Ilha, quem não nasceu aqui casou com alguém
daqui.”(C12)

“...temos que fazer novos pratos porque é bom tá sempre renovando o


cardápio, colocando uma salada, mas as pessoas que trabalham aqui
dentro não aceitam. Outro dia veio uma mesa de 15 pessoas e tinha uma
que não comia nada de marisco e aí tivemos que improvisar uma salada
pra ele na hora.” (C8)

O restaurante foi uma estratégia de sobrevivência, uma vez que o desfio

não gerava um rendimento mínimo necessário para as cooperadas. Além disso, a

divisão de tarefas dava origem a muita discórdia, levando ao esvaziamento da

cooperativa. Em função da criação do restaurante, as cooperadas menos aptas

para o desfio permanecem na cooperativa como uma possibilidade de renda. A

seguir, será discutida a repercussão da cooperativa na comunidade da Ilha.


128

7.3 O Impacto da Cooperativa na Comunidade da Ilha

De acordo com o relato das cooperadas, a cooperativa teve grande

impacto na comunidade da Ilha das Caieiras, principalmente em termos de tornar

a Ilha conhecida e freqüentada por turistas, propiciando o surgimento de novos

restaurantes. A mudança da atividade da cooperativa do desfio de siri para o

restaurante parece ter propiciado o desenvolvimento de novos negócios e

aquecido o mercado de comercialização do pescado na própria Ilha. Migrou-se de

uma venda individualizada, onde o cliente definia quanto poderia pagar para uma

venda com preços praticamente tabelados.

“A Ilha ficou mais conhecida, abriu mais restaurantes, primeiro abriu um


aqui, depois um lá embaixo, o pessoal foi tudo abrindo restaurante, o
Pirão da Ilha, lá embaixo abriu, o Recanto da Sereia aqui e todos lotam
no fim de semana...” (C1)

“Depois que a cooperativa abriu, tanto de restaurante que abriu nessa


Ilha, foi um ponto turístico que começou da cooperativa primeiro, quer
dizer, as pessoas que tinham casa que são beirada de rua agora são
restaurante e a casa fica nos fundos ou em cima.” (C9)

Em função da abertura da cooperativa e dos cursos de capacitação para a

adequada manipulação do siri desfiado observam que, a partir deste momento há

uma valorização do preço e da qualidade do siri vendido na Ilha, pois muitas ex-

cooperadas que aprenderam sobre higiene e conservação do siri passaram a

oferecer em casa um produto de melhor qualidade podendo-se observar a

valorização do trabalho das desfiadeiras também na comunidade local.

“... as pessoas desfiavam nas casas, sentadas na rua, cada uma com
sua vasilhinha e as venda era menos porque não era de boa qualidade,
hoje até as pessoas que desfiavam em casa tem boa qualidade porque
aprenderam mais, foi desenvolvendo mais, tinha menos restaurante,
agora tem mais turista, vem gente pra conhecer a cooperativa, aqui
agora é ponto turístico e aqui era só lama, mato, agora é muito lindo,
mudou muito.” (C7)
129

“Depois da cooperativa melhorou muito o siri. Trouxe um preço melhor


porque naquela época era pouca a gente, os produtos ficaram melhor
porque naquela época os produtos ficavam na rua. O preço do siri antes
da cooperativa era 13,00 reais e depois valorizou bastante, hoje tá 23,00
reais.” (C4)

Relatam que, após o início da cooperativa, o desfio do siri que ocorria na

rua não existe mais. Regras de higiene aprendidas durante os cursos mudaram a

paisagem da Ilha que era repleta de desfiadeiras nas calçadas desfiando o siri

sem nenhuma condição de higiene. Esta exposição do desfio nas ruas funcionava

também como uma forma, apesar de precária, de atrair vendas, pois pessoas

interessadas na compra do siri desfiado freqüentavam a Ilha para adquirirem o siri

das desfiadeiras. Mas apesar de tentarem ficar de modo acessível aos possíveis

compradores, isto não trazia retorno financeiro já que, pela falta condições

adequadas para o desfio, quem buscava o siri destas desfiadeiras pagava um

preço geralmente bem baixo. Não havia valorização do trabalho destas mulheres.

“E você hoje você passa aqui e é muito raro você ver uma pessoa
desfiando siri na rua, mas essa redondeza toda aqui era gente desfiando
siri na rua e era a única atração que tinha pra você vender o seu siri.
Eles não passavam pra comprar siri, mas a gente achava, igual vem ali
oh, aí eu dizia esse carro é meu, esse é meu e quem já tinha a sua
própria venda não se preocupava porque o dono do rancho beliscão, do
partido alto já ia direto na sua casa e comprava.”(C12)
130

8. A COOPERATIVA: ASPECTOS CONTEMPORÂNEOS

8.1 Rotinas de Trabalho

A divisão de tarefas na cooperativa passou por mudanças, inicialmente, em

função da necessidade de adaptação das cooperadas ao novo contexto de

trabalho. Após a instalação do restaurante, houve nova mudança na rotina e

divisão do trabalho.

Após o início das atividades do restaurante começaram uma nova divisão

do trabalho, pois aos poucos a atividade de desfio deixou de ser realizada pela

cooperativa e novas rotinas foram implementadas. Assim, as cooperadas que

tinham interesse passaram a desfiar o siri por conta própria, às vezes em casa, às

vezes nas dependências da cooperativa e vendendo o produto para a

cooperativa. Questões relativas à necessidade de um dia de folga surgiram já que

o restaurante funcionava todos os dias da semana. Algumas tentativas foram

feitas como a de criar uma escala de folgas, mas mantinham a divisão do trabalho

diário.

“No início uma turma trabalhava até meio dia e outra de meio dia até às
5 horas, todas trabalhavam num dia só. Depois nós tentamos dar folgas
pra umas num dia e deixar as outras, aí começamos a ver que não dava
certo....”(C12)

Na tentativa de solucionar a insatisfação com a falta de dias de folga a

presidente propôs a divisão em duas turmas de trabalho, ficando cada uma das

turmas trabalhando em dias alternados e no domingo, em função do aumento do

movimento, todas trabalhavam. A divisão das cooperadas, em duas turmas,

ocorreu em função das afinidades e das habilidades, mas em casos de


131

desavença entre cooperadas surgiu a opção de troca de turma para evitar a

convivência diária.

“Agora você trabalha dia sim e dia não, são duas turmas, uma em cada
dia. Aí nós tivemos a necessidade porque em todas as empresas tem
férias, tem folga, então nós achamos assim, vamos dividir um grupo de
pessoas que uns cozinha, uns tem o dom de lavar, uns de passar. Então
nós fizemos duas turmas.” (C12)

Inicialmente a presidente ajudava nas atividades da cozinha, mas relata

que, em determinado momento, passou a considerar mais importante dar atenção

aos clientes, ter possibilidade de conversar com eles. Apesar deste relato, a

presidente, durante o período de pesquisa, raramente era vista na área externa

onde os clientes do restaurante eram atendidos. Passou a atuar apenas como

responsável pela parte financeira e colabora no trabalho interno quando há

necessidade de executar qualquer atividade que esteja pendente.

“Aí eu achei que eu tinha que não tá mais fazendo e falei: oh gente, eu
não posso eu tá fazendo torta, tá fazendo moqueca porque chegam
pessoas pra conversar e eu não tem como e o meu trabalho aqui é tá
vendendo palavras.”(C12)

A cooperativa serve apenas almoço de segunda a domingo e vende

também o siri desfiado. As cooperadas trabalham de 9 horas às 17 horas em dias

alternados e a presidente está presente todos os dias folgando, às vezes, às

segundas-feiras.

A presidente definiu as atividades que seriam de responsabilidade de cada

cooperada. Relata que buscou verificar o “dom” de cada uma para definir a

atividade. Dessa forma, desempenham basicamente as seguintes funções: as

cozinheiras que produzem os pratos pedidos pelos clientes, a responsável pelo


132

tanque, que lava e enxuga todas as vasilhas, a responsável pela limpeza e as

responsáveis por atender os clientes. Cada dia uma é responsável por lavar as

toalhas das mesas e pagam R$5,00 por semana para que a cooperada mais

velha, C2, passe as toalhas.

“Já faz tempo que eu sirvo aqui fora, mas quem decidiu é a presidente,
ela mesmo que decide. (...) eu acho que ela escolheu quem tem mais
jeito pra lidar com as pessoas.” (C6)

Apesar da divisão das atividades, no cotidiano, as cooperadas realizam

várias atividades de acordo com a necessidade. Há momentos em que algumas

ajudam as outras no desenvolvimento das atividades mesmo não sendo do

mesmo setor/área.

“...eu tenho mais jeito pra receber os clientes, mas eu não atendo, fico
ajudando, arrumando as mesas, mas sou mais responsável pelo tanque,
eu fazia muito as compras, mas se precisar de ir no Carrefour comprar
um peixe eu que vou, eu faço um monte de coisa aqui dentro.”(C7)

“Mas aqui na cooperativa eu ajudo um pouco em tudo, frito, lavo vasilha,


todo mundo vai fazendo assim, fazendo o que tá precisando.” (C3)

As cooperadas relatam congruência entre as tarefas que realizam, que

foram atribuídas a elas pela presidente e as tarefas preferidas ou expõem que

venceram o desafio imposto por uma atividade que consideravam inicialmente

difícil.

“Eu gosto de fazer tudo, eu faço tudo porque eu dou de 10 nessas


mulher aqui. Eu faço tudo, lavo os banheiro, passo roupa, lavo vasilha,
ajudo a limpar aqui fora, eu não paro não, eu não tem preguiça de fazer
nada não.” (C2)

“Agora eu gosto de servi, mas antes eu não gostava não porque eu tinha
vergonha porque se tá demorando a pessoa briga aí eu chorava lá
dentro aí depois eu parava e agora eu peço paciência, peço mais 10
minutinhos. No início eu nem vinha aqui fora. As menina começava a rir
porque eu deixava a bandeja em cima da mesa eu tava mais querendo
133

sair de perto. Foi bom pra mim também porque eu fiquei menos tímida.
(C3)

A chegada na cooperativa é o momento em que sentam, conversam,

tomam um café para, em seguida, iniciarem as atividades. É neste momento do

café que conversam sobre a vida e as que desfiam siri o preparam para o

cozimento e o desfio durante os intervalos de trabalho. O horário de início das

atividades é definido como nove horas, mas este horário não é cumprido por

todas, sendo comum atrasos. As atividades são iniciadas pela retirada das mesas

que ficam guardadas no interior da cooperativa para colocá-las na área externa,

onde antes do restaurante era o estacionamento. Em seguida realizam a limpeza

da área externa, a limpeza dos banheiros, a preparação dos temperos, peixes,

mariscos e, conforme relatam, sempre há necessidade de buscar algum

ingrediente no mercado. Esta, inclusive, parece ser uma característica dos

moradores da Ilha. Compram cada dia um pouquinho em função de receberem

com a venda diária do pescado. Na cooperativa repetem o hábito de comprar aos

poucos os produtos necessários para a produção dos pratos.

“Eu chego nove horas, mas não tem ninguém, as meninas chegam tudo
9:30, eu e a C6, minha tia C10 chegamos nove horas aí a gente fica
sentada ali (aponta para a área externa próxima à entrada para área
interna da cooperativa). Aí depois todo mundo vai e chega, junta e vai
tirar as mesas pra fora, varrer o pátio, limpar os banheiros aí depois só
vai lavar vasilha porque não tem nada pra fazer até esperar o pessoal
chegar pra depois que o pessoal vai embora a gente vai fazer a limpeza
e durante a gente vai lavando as vasilhas, ajuda a picar um tempero,
entendeu?” (C1)

“Chego e varro aqui fora, boto as mesas, depois eu vou na venda


compro as coisas que tá precisando e pego no siri. Depois eu paro e
venho servir aqui fora as pessoas.” (C3)
134

Na cozinha, as cozinheiras, ao chegarem, verificam se há algo do dia

anterior que pode ser reaproveitado. Verificam os ingredientes que estão faltando

e fazem a lista de compra, o pré-preparo dos pratos e, nos finais de semana, o

pré-cozimento visando a atender os clientes com maior rapidez. As cooperadas

responsáveis pelo atendimento aos clientes devem anotar os pedidos,

encaminhá-los à cozinha, buscar o prato pronto e levá-lo à mesa do cliente.

Depois deve recolher, levar a conta e efetuar o recebimento. As cooperadas

responsáveis pela limpeza devem lavar a louça, cuidar da limpeza do banheiro e,

após quinze horas, começar novamente a arrumar o espaço externo e limpar as

áreas internas. Durante o período da pesquisa, foi possível observar que as

cooperadas que desfiam o siri por conta própria possuem uma rotina diferente,

pois chegam à cooperativa e priorizam o trabalho do desfio. Então, vão ferver o

siri e em seguida aproveitam todo o tempo possível para o desfio.

Aos domingos todas as cooperadas trabalham e ainda contratam o serviço

de dois garçons para ajudarem no atendimento aos clientes, mas não há

consenso sobre a eficiência do atendimento prestado pelos garçons. Acham que

não têm o mesmo empenho no trabalho e ainda representam um custo.

“O garçom vem aqui fora e atende, né, aí vem aqui e coloca na parede,
se for moqueca de badejo, porque siri, sururu, camarão tudo panelão; o
cação a gente faz 5, 6 porções, o badejo e o dourado faz na hora, faz a
moqueca na hora, aí dá 10 a 15 minutos. Aí sai da cozinha fervendo,
borbulhando só que eu coloco na mesa e falo é de fulano só que eu faço
meu trabalho coloco lá, mas eles brincam tanto que fica lá e é tão bonito
ir pra mesa do cliente borbulhando, fica tão bonita a moqueca
borbulhando, mas tem hora que eles esquecem e ficam aqui fora com
brincadeira. (C10)

Não há preocupação das cooperadas em tratar das questões relativas aos

cuidados ambientais necessários para que a fartura de peixes e frutos do mar da


135

Ilha continue. Constatam que houve grande diminuição de siris que antes eram

encontrados até mesmo dentro das casas. Na própria bandeja onde colocam os

siris para serem desfiados é possível observar vários animais ainda muito

pequenos que não deveriam ter sido capturados e são utilizados mesmo sabendo

que a produção de carne será ínfima. O cuidado dos pescadores em relação ao

uso de apenas instrumentos de pesca permitidos e respeito ao tamanho do

animal capturado só ocorre nos dias em que há fiscalização do Ibama.

“Só quando o Ibama vem os pescador não pesca porque senão eles leva
tudo, mas não pode pescar de rede, com o jereréu, que é um arco com
cordinha e aí só vem os grande pode pegar.” (C8)

“Cuidado só quando chega aquela época do camarão porque a gente


fica querendo esconder pra não pegarem pra gente poder trabalhar
porque caranguejo a gente não trabalha. O siri mesmo quando é
pequenininho eu tiro alguma coisa dele, mas aí pescaram ele e já trouxe
ele. Já diminuiu e muito o siri, quando eu era pequena eu via siri na
janela porque a casa de mãe tem uma pedra assim e vinha siri e hoje
você pode deixar a isca o dia inteirinho e não pega nenhum.”(C5)

‘Eles [o Ibama] querem proibir a pesca predatória, a pesca do balão. A


pesca é de barco grande, de motor e eles arrastam a rede no fundo do
mar e pegam tudo, não pegam só o siri ou o camarão, pegam tudo. Pega
os peixinhos pequenos, pega os sirizinhos, tudo pequenininho, tudo
junto. E a metade da pesca aqui é feita assim e a outra metade não, é
artesanal e não é predatória porque só pega o siri grande.”(C8)

O cenário retratado pelas cooperadas ao abordarem a divisão do trabalho

na cooperativa demonstra a importância do papel da presidente na definição das

atividades designadas, bem como a capacidade de adaptação de cada cooperada

à nova rotina do restaurante. As relações no cotidiano de trabalho são

estabelecidas, primordialmente, baseadas no grupo de trabalho específico, ou

seja, a divisão em dois turnos de trabalho caracterizou também uma divisão na

própria cooperativa ao diminuir a convivência e a integração entre as cooperadas


136

no ambiente da cooperativa já que o único encontro ocorre aos domingos e não

há atividades desenvolvidas em conjunto com o objetivo de discutir e tomar

decisões. A figura da presidente torna-se o elo de ligação entre as turmas, sendo

ainda mais uma figura central no desenvolvimento da cooperativa. A estrutura

administrativa e a gestão dos recursos financeiros também estão centradas na

presidente sendo compatíveis com o quadro de divisão e pouca mobilização das

cooperadas.

8.2 Estrutura Administrativa e Rendimento Financeiro

A estrutura administrativa da cooperativa, no momento da pesquisa,

restringia-se à presidente e à vice, eleitas no momento de formação da

cooperativa, mas não há qualquer organização de assembléia, de prestação de

contas. Com exceção da presidência, não há diferenciação por cargos, mas

apenas por atividades de trabalho a serem desenvolvidas.

“Aqui é assim, tem a presidente, mas todo mundo faz tudo, só que tem
que ninguém pegou aquela responsabilidade, pegou assim de vir de
cozinhar, atender, mas de mexer com papel não, nós tamo parada até
hoje”.(C11)

O valor arrecadado com o restaurante era direcionado para o pagamento

dos fornecedores e para o pagamento semanal das cooperadas, portanto não

existe uma reserva financeira para ser reinvestida na cooperativa. Apesar de ser

combinado que após o pagamento das despesas, semanalmente, o lucro será

dividido entre as cooperadas, percebe-se que este valor tem sido fixo em torno

R$50,00/semanal, podendo chegar a R$80,00, quando há grande número de


137

clientes, nos finais de semana ou feriados. Essa situação de um recebimento

semanal parece estar relacionada à cultura local onde as pessoas ganham

diariamente o dinheiro da venda do pescado e compram diariamente os produtos

básicos para casa.

“E a preocupação é isso, é o capital de giro pra investimento porque eu


sei que eu tenho uns copos que não é adequado pra restaurante, mas
pra eu investir eu vou ter que pensar e como eu sobrevivo disso a gente
ainda não pensou como a gente pode pegar um dinheiro pra investir pra
gente fazer de 1000 fazer 2000, só estamos fazendo pra comer
mesmo.”(C12)

A questão financeira, desde o início, foi algo que influenciou a permanência

ou não de cooperadas porque demonstravam grande expectativa com relação ao

valor que receberiam pelo trabalho, imaginando ser algo bem mais alto do que a

realidade propiciava e também em função da expectativa da cooperativa

representar um emprego com carteira assinada. Quando perceberam que a

relação não era empregatícia e que os rendimentos seriam bem menores que o

esperado houve certa decepção e desistência de participantes.

“... achamo que 50 mulher era muita e aí na primeira semana ganhamo


50,00 e um monte de mulher fico aborrecida porque queria ganhar muito
mais. Aí pegamo e saiu uma porção e as que ficaram são as que tão
aqui hoje, as outras preferiram ficar em casa, lógico, o preço já estava
estabilizado alto e realmente o siri é os marido delas que pegam e elas
não tem gasto nenhum, despesa nenhuma e o que ganha é delas. Aí fico
nós aqui, um dia sim, um dia não e melhorou pouco pra gente.”(C5)

Na Ilha das Caieiras não há a cultura do vender fiado até porque as

pessoas pescam para fazer o dinheiro necessário para compras de alimentos que

necessitam no dia-a-dia. Portanto, quando as cooperadas obtêm prazos na

compra do pescado, estes tendem a ser bem curtos. A relação com os

fornecedores passou por momentos difíceis, pois não conseguiam pagar as


138

dívidas e, em função disto, o crédito ficou ainda mais raro. As compras são feitas

no varejo local ou, às vezes, em supermercados de grandes redes utilizando o

cartão de crédito de uma cooperada (C7). O siri é comprado das cooperadas que

desfiam por conta própria em casa ou durante os intervalos de trabalho na

cooperativa e por isto ainda é possível chegar na cooperativa e apreciar como é

feito o preparo e o desfio do siri.

“Aqui a gente paga muita coisa, é tudo caro as coisa que compra, peixe,
camarão e ninguém vende fiado é tudo no dinheiro, eles vende e dá 5
horas eles chega aqui pra receber.” (C2)

“Todo dia, continuo assim tipo você faz em casa, todo dia um pouquinho
e peixe aqui da Ilha só se tiver o dinheiro na hora, mas hoje a gente tem
fornecedor que tem peixaria e aí é assim, a gente pega hoje e eles dão
um prazinho que é pouco e domingo ele chega aqui pra receber. E arroz
e todo resto a gente compra à vista ou tem a cara e a coragem da
presidente porque aqui ninguém suporta prazo ou cheque aqui na Ilha.”
(C11)

O controle financeiro é realizado pela presidente da cooperativa. A própria

presidente relatou que não faz reuniões de prestação de contas porque, no início,

quando faziam reuniões ocorria muita briga e as informações eram veiculadas na

comunidade, expondo a cooperativa e dificultando as relações na comunidade.

Toda semana, geralmente aos domingos, a presidente paga um valor referente ao

trabalho realizado na semana em função do que foi arrecadado. Contudo, se a

cooperada trabalhou durante a semana e não foi no fim de semana, ela não

recebe, ou seja, é necessária a presença em todos os turnos de trabalho para o

recebimento do pagamento da semana. Há também as questões relativas ao

clima que interfere no rendimento financeiro, pois se chove o movimento de

clientes diminui drasticamente, bem como há meses do ano que o fluxo de

pessoas diminui.
139

“Nós fazia uma prestação de contas item por item e isso deu uma
polêmica na comunidade em geral porque algumas pessoas daqui chega
em casa e passa de uma forma que poderia dizer assim que fizemos um
balanço, mas diziam que nós tamo devendo doze mil e tanto e não
falava o resto e eu não tinha como falar cala a sua boca. Então eu falei
quando vocês quiser prestação de contas abre o meu caderno porque eu
não vou falar mais porque isso gerou polêmica na Ilha toda e parece que
nós tamos devendo e não vamo pagar mais ninguém e são coisas que
nós fizemos um levantamento e foram vocês mesmo que me
pediram.”(C12)

No momento das entrevistas, algumas cooperadas estavam muito

insatisfeitas com a forma de pagamento e com a não prestação de contas do

dinheiro arrecadado pela cooperativa semanalmente e em períodos como a

Semana Santa, quando há um crescimento enorme na encomenda de tortas

capixabas, na venda do siri desfiado – a cooperativa compra e revende o siri

desfiado ganhando um pequeno valor sobre o quilo de siri vendido. Apesar das

desconfianças, estas cooperadas têm medo de expressar isso e de serem

retiradas da cooperativa.

“A divisão é feita assim, nós trabalhamos a semana toda sem receber,


pode dar o movimento que for e se chegar no domingo e der movimento
aí a gente ganha 50,00 e 60,00 se der movimento, se não der a gente
não ganha nada. Aí ela vai lá dentro e não fala que deu tanto, gasto
tanto e sobrou tanto não, ela entra paga os garçom e já vem com o
dinheiro separado e paga cada uma e a gente nem vê nada. Aí isso
também causa um pouco de estresse na gente.” (C6)

“Na Semana Santa eu fiz diferente, peguei recibo de todo mundo,


mesmo que seja frio porque pescador não tem nota, mas eu grampeei,
mandei eles assinar e eu tenho certeza que elas não têm dúvida porque
fizemos tudo com transparência, viram o freezer cheio e tivemos uma
venda boa. Elas não me ajudam, mas me incentivam a pedir.”(C12)

Como o restaurante foi instalado em uma estrutura criada para atender ao

desfio do siri, observamos dificuldades vivenciadas pelas cooperadas no

desenvolvimento do trabalho no restaurante em função da não adaptação das


140

instalações e equipamentos à mudança do negócio da cooperativa. Há demanda

por melhoria nas instalações, incluindo a reforma do piso, a ampliação da

cozinha, instalação de armários na cozinha e a construção de banheiros para uso

exclusivo das cooperadas, pois hoje elas utilizam as mesmas instalações

disponibilizadas aos clientes. Em função da primeira estrutura ter sido cedida pela

prefeitura, criou-se uma expectativa de que caberia à prefeitura propiciar a

reforma nas instalações para funcionamento adequado. A OCB/ES propôs um

projeto de reestruturação que não foi implantando porque a presidente não

aceitou que o controle do dinheiro que seria investido na cooperativa fosse feito

por um profissional da OCB.

“ Hoje não tem ninguém de fora que vem e fala vocês tem que fazer isso
ou aquilo, a não ser a vigilância sanitária que tem as normas regras de
cozinha e de limpeza.” (C12)

“(...)se tiver muito capim aqui a presidente pede pra prefeitura ajudar,
mas a gente precisa de uma geral aqui na reforma mesmo e não
consegue, vamos ver se a associação das cooperativas ajudam.”(C11)

O desfio do siri, apesar de não ser uma atividade da cooperativa, ainda é

uma importante fonte de renda das cooperadas. O siri é vendido em caixas que

custam aproximadamente R$40,00, podendo chegar a R$50,00 no verão e baixar

para R$25,00 no inverno, quando a demanda é menor. Segundo as desfiadeiras,

cada caixa, dependendo do tamanho do siri, pode dar cerca de cinco quilos de siri

desfiado. Para o desfio, é necessário que o siri seja fervido até ficar vermelho. Em

seguida, utilizam facas pequenas e com ponta para obterem melhor a carne. Há

uma valorização de quem desfia com rapidez, pois ser rápida significa desfiar

maior quantidade por dia. As casquinhas do siri são lavadas e o cento vendido

aos restaurantes que servem a casquinha de siri. Algumas cooperadas relatam


141

não gostar ou ter enjoado do siri exatamente por ser opção freqüente na

alimentação, inclusive durante algumas visitas na cooperativa pude presenciar

pratos feitos por elas com o siri para que pudessem almoçar.

“Quando tá com casco vermelhinho aí deixa cozinhar um pouquinho, uns


dez minutos e aí tira pra carne soltar. E aquelas casquinha eu lavo
todinhas e vendo pra restaurante. Uma caixa depende do tamanho do
siri, se o siri tiver gordo dá 5 ou 6 kg. Se pegar de manhã pra mim desfiar
até umas 6 horas da tarde eu desfio 10 kg de siri. Então é mais ou
menos 2 caixas, 2 caixas e meia, mas é direto, sem eu levantar pra
nada. Dura 6 meses congelado, mas não dá tempo, eles procura demais,
o ano inteiro os pessoal procura, eles não enjoa de siri não, eu não
suporto mais olha nem siri, mas eu preciso desfiar ele, né?” (C10)

A cooperativa mudou a vida financeira das desfiadeiras da Ilha, mesmo as

que não permaneceram na cooperativa, por ter propiciado o aprendizado de

técnicas de higiene e de conservação por meio do congelamento do siri desfiado

e uma valorização real do preço final do siri.


142

9. RELACIONAMENTOS: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

O que caracteriza um relacionamento é a existência de uma história

comum de interações passadas que influenciará as novas interações (Hinde,

1997). Estão presentes nas relações: atitudes, expectativas, intenções e emoções

dos participantes, sendo um relacionamento afetado por outros relacionamentos

dos participantes. No caso da pesquisa realizada, as participantes são todas do

sexo feminino, residentes em uma região específica da cidade de Vitória,

denominada Ilha das Caieiras, fazem parte de uma cooperativa e apresentam

laços de parentesco e de amizade anterior ao início das atividades de trabalho.

São abordados três tipos de relacionamentos que retratam aspectos relevantes

para compreensão do universo pesquisado: os relacionamentos familiares, os

relacionamentos na comunidade e os relacionamentos no trabalho.

9.1 Relações Familiares

A comunidade da Ilha das Caieiras é formada basicamente por antigas

famílias de pescadores que ali se estabeleceram a partir das décadas de 1920 e

1930. Viviam de maneira precária, basicamente da pesca de subsistência sendo

comum a existência de famílias grandes, com muitos filhos que ajudavam no

trabalho com a pesca para viabilizar o sustento da família. O desfio era ensinado

às crianças pelas mulheres mais velhas como forma de conseguir uma fonte de

renda, as desfiadeiras que vieram de outra região após se casarem com homens

da Ilha aprenderam o desfio do siri com vizinhas, cunhadas ou sogras e também

como alternativa à melhoria da renda.


143

As cooperadas relatam o respeito aos mais velhos e às tradições, bem

como a queixa de que hoje os jovens não têm mais o mesmo respeito e interesse

em aprender as tradições, contrapondo-se ao discurso de que gostariam que os

filhos seguissem um caminho diferente da pesca e que as filhas não seguissem o

desfio por considerarem que dessa forma poderão ter um futuro melhor. O estudo

que não era valorizado pelas famílias das cooperadas, pois implicava em custos

de deslocamento e de material que não tinham como arcar.

Em geral as relações familiares não se restringem ao marido e filhos, há

um envolvimento e inclusive proximidade física dos pais, irmãos, sobrinhos o que

acarreta certa intervenção nas decisões e atitudes que ocorrem com um número

maior de membros da família.

Historicamente, o relacionamento familiar é a base das relações sociais da

Ilha das Caieiras. As mulheres que não são da Ilha, ao se casarem e mudarem

para o local passam por um processo de aproximação com a família do esposo,

incluindo valores e tradições da Ilha, e um distanciamento de suas raízes.

A carência em termos de acesso à luz elétrica, água encanada, o

afastamento dos recursos da cidade propiciavam o fortalecimento dos laços

familiares que se estendiam para tios, tias, primos, cunhadas e cunhados. Este

cenário de precariedade ajudou no processo de inserção das mulheres nas

atividades de trabalho como forma de contribuírem na renda familiar utilizando-se

dos recursos naturais da Ilha.

A escolarização não era valorizada pelas famílias, inclusive porque na Ilha

não tinham acesso à escola. Estudar representava um dispêndio de tempo e

dinheiro. As famílias incentivavam o desenvolvimento de atividades de trabalho


144

voltadas para o cotidiano e a tradição da Ilha, as mulheres voltadas para o desfio

do siri e os homens para a pesca. As mulheres, apesar de não ser habitual,

podiam pescar se estivessem acompanhadas por homens da família que dariam

suporte em caso de necessidade.

A valorização e respeito aos mais velhos está presente nas relações

familiares. Às vezes, este respeito é retratado como medo dos pais ou tios que

tinham reações agressivas diante de problemas ou situações que não

correspondiam ao comportamento esperado. O casamento ocorria quando ainda

eram muito jovens. Muitas vezes, era almejado pelas mulheres para saírem da

tutela e rigidez do pai, mas em geral se livravam do controle paterno e passavam

ao do marido. Este quadro é comum na história de vida de cooperadas mais

velhas e se repete com as mais jovens, apesar de um importante fator

diferenciador: as mais velhas têm histórias de casamentos duradouros, mesmo

quando marcado pela violência do companheiro, não sendo comuns histórias de

separação. As mais jovens já têm histórias marcadas diferentes parceiros.

Contudo, a marca da violência contra a mulher no ambiente doméstico

permanece.

Por outro lado, é possível notar que as mulheres vão encontrando formas

de se desvencilhar do sofrimento vivenciado pela participação em atividades de

trabalho que lhes propiciam um mínimo de renda para que possam custear as

necessidades básicas e contam ainda com a interferência de familiares em casos

onde a violência doméstica coloca em risco a própria vida.


145

No que diz respeito à importância das relações familiares nesse contexto

social observa-se que rupturas e mudanças vão se consolidando ao longo das

trajetórias das mulheres da Ilha.

As mudanças nas relações familiares estão relacionadas aos aspectos da

vida em uma sociedade urbana, visto que o afastamento da Ilha da cidade de

Vitória é rompido com o projeto de urbanização e a divulgação do local como área

turística. A facilidade de acesso à Ilha torna-se também uma facilidade de acesso

dos moradores ao mundo que ocorre fora da Ilha. As mulheres mais jovens

apresentam momentos em que saíram da Ilha para residirem em outras cidades

ou bairros de Vitória, mas ocorre o retorno e isto parece ter relação com o apoio

familiar que encontram na Ilha, tais como ajuda para cuidar dos filhos, moradia na

casa dos pais, freqüentemente ampliadas para abrigar os filhos.

Essas rupturas e mudanças, identificadas como subjacentes às alterações

no espaço físico da Ilha, ao acesso à escolarização e a uma maior troca com o

contexto externo à Ilha propicia uma mudança nas relações familiares

comprometendo, especialmente, a continuidade das tradições culturais, pois hoje

não há interesse dos pais que os jovens aprendam e exerçam atividades de

pesca, desfio do siri. Há a expectativa de que os filhos sigam caminhos diferentes,

que lhes propiciem maiores oportunidades de rendimento financeiro.

Apesar do crescimento de bairros vizinhos que hoje abrigam filhos(as) e

netos(as) dos primeiros moradores da Ilha, o ponto de encontro, praticamente

diário, são as casas na Ilha, ou seja, mesmo após o casamento e a mudança da

casa dos pais para uma casa em bairro vizinho não há um distanciamento do
146

cotidiano da família. Isto ocorre inclusive porque é comum a mãe, agora avó,

cuidar dos netos para as filhas trabalharem.

São pontos de destaque a convivência com a família estendida (três

gerações) e com tios, tias e primos. Na família nuclear, as relações conjugais são

marcadas por conflitos e a dependência dos filhos em relação aos pais.

9.2 Relações na Comunidade

A convivência entre os moradores era próxima, as casas muito simples

levavam a um cotidiano voltado para a rua. Assim, as crianças brincavam, os

homens pescavam e arrumavam os barcos e as mulheres faziam suas atividades

também nas calçadas. A distância da região central de Vitória e o difícil acesso à

Ilha propiciaram uma maior aproximação das famílias. Os homens saíam para

vender o pescado, mas as mulheres em geral permaneciam na Ilha. Ainda hoje é

comum fazerem referência a determinados locais baseando-se na localização das

residências dos moradores mais antigos da Ilha.

À mulher era direcionado o trabalho doméstico e com os produtos próprios

da região, que não exigiam sua saída da Ilha. O desfio do siri era feito nas portas

das casas, onde ficavam sentadas e enquanto desfiavam conversavam com as

vizinhas com as quais, em geral, tinham laços de parentesco. Olhavam os filhos

que brincavam nas ruas e vendiam o siri às pessoas que passavam pela Ilha.

Na comunidade da Ilha das Caieiras, historicamente, as mulheres têm sido

responsáveis pela luta por melhores condições de vida. Durante anos, a Dona

Laura foi uma figura que ocupava lugar central na mobilização para o processo de
147

urbanização da Ilha, o acesso ao transporte público, ao sistema público de ensino

e saúde, áreas de lazer.

A partir do Projeto Terra algumas melhorias ocorreram em termos de

urbanização, de disponibilidade de transporte coletivo para acesso à Ilha e a

criação de creches e escolas, propiciando uma reorganização da rotina da

comunidade. Com a reunião realizada por profissionais da Prefeitura de Vitória

visando criar opções de geração de renda para a população da Ilha percebe-se o

início de mudanças no cotidiano das mulheres que trabalhavam com o desfio do

siri.

As relações na comunidade eram fortemente influenciadas pelo

parentesco. Com o trabalho em grupo, surgem novas desavenças que refletiram

na comunidade em geral. Até aquele momento, mantinham o convívio com as

vizinhas e até mesmo tinham o hábito de ir desfiar na porta da casa de uma irmã,

da mãe, convivendo assim com os respectivos vizinhos. Contudo, cada uma

cuidava da venda da sua produção e recebia o dinheiro da forma combinada com

o comprador. O desenvolvimento de uma rotina de trabalho que implicava sair de

casa, passar o dia fora as colocava diante de novos desafios, como deixar os

filhos em casa ou na creche, aprender a dividir as tarefas e a respeitar o outro

colega de trabalho, definir preço e forma de recebimento do produto que vendiam

coletivamente. A partir desta nova organização do trabalho passam a ter as

relações na comunidade mediadas também pelo interesse financeiro, pelas

disputas de poder na comunidade.

As participantes retratam um cenário repleto de fofocas. O que acontecia

no ambiente de trabalho era rapidamente conhecido por todos da Ilha sendo


148

inevitável o envolvimento da comunidade, o que tornava cada situação de

trabalho na incipiente cooperativa um fato discutido na comunidade.

9.3 Relações de Trabalho

Antes das reuniões para a formação da cooperativa, o trabalho das

desfiadeiras era individualizado, apesar de realizado em ambientes sociais,

geralmente nas calçadas, nas portas das casas. Portanto, as relações de trabalho

entre as desfiadeiras não existiam propriamente, pois tinham um convívio social

durante a realização da atividade de desfio, mas era uma atividade desenvolvida

de modo independente. Neste primeiro momento, as relações de trabalho entre os

pescadores e as desfiadeiras se davam em função da compra e venda das caixas

de siri, sendo estas relações, muitas vezes, mediadas pela família, pois os

pescadores eram seus pais, irmãos ou maridos.

As relações de trabalho entre as desfiadeiras surgem, efetivamente, no

momento em que se interessam em participar do projeto proposto pela Prefeitura

e começaram a desenvolver as atividades no terraço alugado para fazer salgados

recheados com frutos do mar. Neste momento, não havia uma estrutura

administrativa visando apoiar o desenvolvimento das atividades, eram apenas um

grupo de mulheres que estavam trabalhando na produção de salgados e se

aprimorando por meio de cursos básicos ministrados por técnicos da prefeitura.

No primeiro ano de trabalho, o apoio e a cooperação estavam raramente

presentes. Não havia uma figura de liderança, cada dia uma pessoa coordenava

os trabalhos. Enfrentavam dificuldades com relação ao controle de estoque, pois


149

não havia um responsável pela compra de produtos para viabilizar a produção

dos salgados, controlar as vendas, o recebimento e distribuição dos lucros. A

inexistência de estrutura administrativa inviabilizou a criação de um fundo de

reserva para compra dos produtos necessários para produção dos salgados o que

gerava discussão e desavenças. O fato de não terem uma rotina de trabalho

estabelecida com funções específicas para cada mulher ou grupo de trabalho

propiciava divergências, assim como não ter uma liderança estabelecida propiciou

uma disputa pelo poder.

“tinha um grupo que queria ser mais que os outros, mas a gente tinha
que ficar quieta, brigavam por causa de liderança.”(C4)

As mulheres não tinham o hábito de trabalhar em parceria e nem mesmo

de negociarem uma quantidade maior de produtos, administrar os custos e os

ganhos. O que acontecia no ambiente de trabalho era transposto para situações

sociais gerando fofoca e levando a discussões e brigas no ambiente de trabalho e

em casa, sendo freqüente a participação de familiares nas discussões iniciadas

no trabalho.

“Enquanto uma trabalhava a outra se encostava na outra, então dava


muita fofoca porque não dá conta de você vigiar 50, uma falava da outra
e dava confusão.”(C5)

Essas divergências pessoais somadas ao fator financeiro foram

determinantes para a desagregação das participantes. A questão financeira surge

como fator de insatisfação quando diminui a demanda da prefeitura por salgados

produzidos pelas desfiadeiras. A forma de divisão dos lucros também ocasionava

discussões, pois culturalmente, valorizavam e estavam habituadas ao


150

recebimento diário e a expectativa de pagamento apenas por evento que

participavam aumentou a insatisfação levando à discussões.

“Uma das coisas foi não ter espírito cooperativista, não conseguir em
grupo, mas a primeira coisa mesma foi o dinheiro porque o pessoal daqui
gosta de ganhar dinheiro todo dia, pescador gosta assim ele pescou e
quer o dinheiro e desfiadeira também é assim, já é da cultura
daqui.”(C11)

A dificuldade de estruturação da cooperativa ocorre em função destas

mulheres, ao longo de suas trajetórias de vida, terem sobrevivido do trabalho

informal. Sendo que a formalização do trabalho que desenvolviam não era o foco,

o que despertava interesse era a possibilidade de rendimento financeiro. A

formalização só ocorre no momento em que os salgados já não eram mais fonte

de rendimentos e a equipe da prefeitura impõe como condição para mudança

para nova sede e ajuda no desenvolvimento do trabalho a formalização do

trabalho e um retorno à atividade primária de desfio e comercialização do siri

desfiado. Neste momento ocorre a escolha de uma liderança e de uma diretoria

para a cooperativa que seria criada com o foco na atividade do desfio de siri.

“No começo não era restaurante, era só de produção, a gente vinha


desfiava, outras ficava aí na parte administrativa, outras na limpeza e
exigia menos a cooperação porque cada uma ganhava o que produzia. A
gente comprava o siri dos pescadores, a cooperativa comprava pra
gente poder desfiar.” (C8)

A mudança para o local definitivo de trabalho só ocorre após a

formalização da cooperativa, aproximadamente um ano após as primeiras

reuniões devido à desorganização das cooperadas, pois em função de brigas e

desentendimentos não conseguiam se organizar como uma cooperativa.

“ E tava muito bagunçado pra gente vir pra cá, eles fizeram isso aqui e
nós ficamos um ano pra vir pra cá por causa da bagunça que nós tava
151

porque nós não se entendia, nós brigava muito, uma falava uma coisa,
outra falava outra e não era assim, não era assado e todo dia tinha um
tititi. Aí eles fizeram uma reunião e disseram que ‘ou isso acaba ou vocês
resolve isso aqui’. Um ano já tinha isso aqui, e eles fizeram essa reunião
na igreja aqui da Ilha e tinha as 49 mulheres, veio todo o pessoal da
prefeitura, do ‘Pronagefe’, aí chegou lá falou que tinha que montar uma
diretoria lá pra poder continuar e vir pra cá, senão não ia continuar ia
acabar o projeto. Aí foi aí que teve a eleição.”(C11)

A eleição e formalização da cooperativa aconteceram em função de uma

imposição da equipe da PMV para que pudessem assumir o espaço físico

construído especialmente para a instalação da cooperativa. Sua formalização

ocorre com 49 cooperadas, sendo registrada como uma cooperativa de produção.


152

10. RELACIONAMENTOS: UMA PERSPECTIVA


CONTEMPORÂNEA

Quanto aos relacionamentos no momento presente, as relações familiares,

as relações na comunidade e as relações no trabalho foram abordadas.

10.1 Relações Familiares

As cooperadas, em geral, não oficializaram a união com o parceiro, mas se

identificam como casadas, ressaltando que “não no papel”, em função dos custos

financeiros para oficializar a união. Diferentemente da geração anterior onde eram

comuns famílias grandes, com muitos filhos, as famílias das cooperadas são

constituídas de um a seis filhos, com exceção de uma cooperada que possui 12

filhos. É comum o uso do álcool em excesso pelos maridos e agressões físicas às

mulheres. Mesmo assim, há relações duradouras.

Há diferenças entre as cooperadas mais jovens e as mais velhas no modo

de estabelecerem e manterem as relações amorosas. É comum as mulheres com

mais de 40 anos relatarem um casamento infeliz, com agressões físicas a ela e

aos filhos e mesmo assim apresentarem-se resignadas frente a tal situação,

imperando a idéia do casamento por toda a vida. Já as mais novas têm filhos com

diferentes parceiros e, apesar de também sofrerem agressões, têm uma história

de rompimento de relações.

Buscam propiciar aos filhos condições que não tiveram, principalmente, em

relação aos estudos que é valorizado no discurso de todas mesmo sendo comum

que os filhos abandonem os estudos para trabalhar ou por se envolverem com


153

drogas. Nos últimos anos, o processo de urbanização da Ilha, a instalação de

escolas, bem como o CAJUN que fica localizado no São Pedro e oferece cursos

de música, artes e atividades esportivas têm colaborado para o desenvolvimento

dos jovens e trazido para os pais a expectativa de um futuro melhor para os filhos.

Entre as cooperadas, encontramos vários relatos que mostram filhos

adolescentes envolvidos em atividades de arte ou esporte desenvolvidas no

CAJUN.

“No Cajun tem atividade o dia inteiro pras criança aprender música,
capoeira, balé aí é muito importante pras criança não ficar na rua.”(C7)

As cooperadas esperam que seus filhos não sigam a tradição da Ilha de se

tornarem pescadores ou desfiadeiras, vislumbram esta possibilidade como sendo

um fracasso, pois não acreditam que terão sucesso financeiro nestas profissões.

E isto tem reduzido o número de desfiadeiras. Hoje, as jovens não se interessam

pelo desfio e pela culinária e as mães acreditam que esta é a forma das filhas

escreverem uma história diferente, mais bem sucedida.

No início, os familiares das cooperadas, em sua maioria, não foram

favoráveis à inserção delas na cooperativa, não viam com bons olhos as mulheres

trabalhando fora de casa. A cultura local é baseada no trabalho individual, onde

cada um pode produzir o quanto precisa para sobreviver no horário e local em

que achar mais adequado. Portanto, sair de casa e permanecer fora por certo

tempo para trabalhar foi uma grande alteração nas rotinas das famílias.

“Mãe não gostava não, mas eu falei que tinha que procurar o que fazer
porque ela queria que eu ficasse só em casa fazendo as coisas pra
ela.”(C4)
154

Os problemas familiares têm impacto no trabalho e o fato de se

conhecerem e a suas famílias propicia uma aproximação e até mesmo uma

interferência das colegas de trabalho visando ajudar na solução de problemas

domésticos. Problemas vivenciados na esfera doméstica também influenciam no

rendimento e nas relações de trabalho, pois, ao enfrentarem os problemas, têm

dificuldade de obter um bom rendimento no trabalho e boa convivência com as

colegas e clientes:

“(...) com problemas em casa a gente fica mais chateada, triste... a gente
não chega todo dia alegre e ai as pessoas perguntam o que tá
acontecendo. A presidente pergunta direitinho, ela quer saber... nesse
dia fica difícil trabalhar.” (C1)

Entre as cooperadas os vínculos familiares permeiam a construção do

relacionamento no ambiente de trabalho. A inserção e saída de cooperadas, em

vários momentos, foram baseadas nas relações de parentesco acarretando

implicações familiares, tais como a discussão, desavenças e também gratidão

pela oportunidade.

10.2 Relações na Comunidade

Concomitante ao processo de urbanização da Ilha com criação de espaços

de lazer, melhoria no sistema de transporte público, estabelecimento de creches e

escolas, as mulheres passam a vislumbrar o trabalho fora de casa, pois começam

a contar com uma infra-estrutura mínima no bairro.

Nos últimos oito anos, moradores passam a utilizar o espaço antes

destinado às residências para a instalação de restaurantes. Apesar da mudança


155

no aspecto físico e de acessibilidade da Ilha, uma situação permanece: as

relações entre as cooperadas não se restringem ao ambiente de trabalho, pois a

convivência social é constante já que possuem laços de parentesco e são

vizinhas. O contato social durante o desfio do siri ainda permanece porque apesar

de maior atenção aos fatores de higiene e conservação do siri o desfio é

geralmente feito em um ambiente com várias desfiadeiras que conversam

enquanto trabalham. É muito raro encontrar alguém desfiando sozinho, sem um

vizinho, parente ou amigo por perto para conversar. A interferência em aspectos

da vida pessoal é comum, pois sabem o que acontece com os vizinhos, parentes

e participam, vão à casa da pessoa que está passando por problemas familiares

com marido ou filho visando mediar e ajudar na solução dos problemas.

“(...) ela [a presidente] foi na minha casa mais o marido dela me tirar da
cama. Eu acho que se não tivesse a cooperativa eu não tinha
saído.”(C7)

Não se encontram “portas fechadas”. Há uma intensa comunicação e

participação na vida dos vizinhos e parentes. As casas estão sempre abertas, há

uma proximidade de uma casa da outra e é comum as famílias construírem

barracões no mesmo terreno para abrigar os filhos que se casam tornando muito

próxima a convivência entre os familiares. Talvez por isto seja comum o relato de

brigas, discussões entre vizinhos, cunhadas, irmãs, mas que após certo tempo e

intermediação são resolvidas. As relações na comunidade passam pelas relações

familiares em função dos laços de parentesco estarem presentes nas relações

sociais.

Com o projeto de urbanização e de proposta de empreendimentos

populares para geração de renda a presidente da cooperativa torna-se figura


156

central no desenvolvimento de contato com o poder público municipal e estadual

e como conseqüência passa a ser figura importante na comunidade. Acaba por

ocorrer um intercâmbio, a cooperativa interfere no cotidiano da Ilha e as pessoas

da comunidade se julgam no direito de participar do cotidiano da cooperativa. As

situações que ocorrem na cooperativa são tratadas pela comunidade em geral

como se fosse do interesse da comunidade saber o que ocorre e propor soluções

ou ao menos fazer comentários. Isto é fator de conflito entre as cooperadas e

pessoas da comunidade em geral e entre cooperadas e familiares.

A cooperativa ajuda na abertura da Ilha para a presença de turistas, visto

que a prefeitura inicia a divulgação da urbanização da área do manguezal,

valorizando a beleza natural, a atividade do desfio do siri e da culinária capixaba.

A freqüência de turistas propicia o surgimento de novas relações entre a

comunidade da Ilha e moradores da cidade de Vitória, especialmente com o

surgimento de restaurantes de comida típica capixaba. Este intercâmbio entre a

comunidade da Ilha e o restante da cidade ocasiona a saída dos jovens para

buscar trabalho na cidade.

Há uma diferença entre as atividades masculinas e femininas na

comunidade, as quais influenciam o desenvolvimento de relacionamentos e

atividades sociais. A pesca individualiza o trabalho dos homens, pois pescam

quando e quanto precisam, fazendo os próprios horários e trabalhando pela

subsistência diária. O contexto e organização do trabalho masculino inviabilizaram

a criação de uma cooperativa dos pescadores por falta de interesse por parte dos

homens.
157

A formação da cooperativa é parte da história dos relacionamentos na

comunidade, baseando-se em relações internas e externas (com uma clientela,

por exemplo). Portanto, a evolução histórica ainda abre a rede de

relacionamentos dos habitantes da Ilha para Vitória.

As mudanças históricas nos relacionamentos na comunidade incluem uma

maior articulação entre seus membros, com a evolução da cooperação visando

fins comuns. Pode-se compreender a formação da cooperativa como parte desse

movimento histórico que transformou também as relações entre as pessoas, as

condições do grupo e do local e da própria cultura do grupo.

10.3 Relações de Trabalho

A organização do trabalho na cooperativa baseava-se na divisão das

cooperadas em duas turmas que trabalhavam em dias alternados, com exceção

do domingo, quando, em função do aumento de clientes no restaurante, as duas

turmas trabalhavam. Esta divisão parece ter implicações sobre a perspectiva de

que todas fazem parte de uma única equipe. Apesar de divergências entre as

turmas, em geral, todas as cooperadas percebem a importância da boa

convivência e algumas chegam a avaliar que a divisão em dois grupos distintos

tem aspectos negativos, ao observarem que esse é um dos fatores que

ocasionam fofocas e discussões, pois as cooperadas de um grupo comentam o

que está ocorrendo no outro grupo sem as envolvidas estarem presentes.

Também ocorre discussões sobre as condições em que a cozinha, os alimentos e

a organização em geral são deixados por uma turma para a outra no dia seguinte.
158

“eu até já me acostumei com a minha turma, mas eu me dou bem nos
dois grupos.”(C3)

“Às vezes, eu falo abertamente e falo maldita hora que nós fizemos isso,
não devia ter dividido as pessoa, eu vejo que é uma coisa que tá
afetando cada vez mais.” (C12)

A divisão das turmas tem sido utilizada também como forma de evitar o

contato entre cooperadas que tenham se desentendido. Já ocorreram brigas que

envolveram agressão física e, na maioria das vezes, envolvem discussões verbais

relacionadas à vida pessoal das cooperadas. Como elas se conhecem e têm

laços de parentesco, as discussões que ocorrem no ambiente de trabalho se

assemelham às discussões e brigas que ocorrem em casa e com temas

familiares.

“(...) já chegou a passar mão em faca pra matar uma colega pra nós ter
que entrar no meio. Depois elas continua e resolve e fica tudo bem.
Acontece discussão e de um grupo passa pra outro, uma fica sem
conversa com a outra.”(C6)

Hinde (1997) observa que, para haver relacionamento, os indivíduos

devem ter uma história comum de interações passadas sendo que e o curso da

interação atual é influenciado por elas. Considerando que as relações

profissionais devem ser construídas no cotidiano de interações ocorridas no

ambiente de trabalho, a restrição do contato entre as cooperadas, no trabalho,

pode afetar a construção destas relações profissionais. Há situações onde, em

função de desavenças, a cooperada muda de turma e de atividade para evitar o

convívio com determinada colega. Apenas a presidente continua tendo contato

com todas as cooperadas, pois é a única presente todos os dias e com isso passa

a ser o elo entre as turmas, sendo esse elo, muitas vezes, responsável por
159

comentários sobre o que está ocorrendo em um grupo no outro, o que também

acaba gerando discussões entre as cooperadas.

Os conflitos, mesmo quando restritos a duas cooperadas, levam a um mal-

estar geral, pois passam a ter que conviver com reclamações, críticas que, às

vezes, implicam em mais discussão e novos conflitos.

“(...) o dia demora mais a passar, não pode falar nada que dá conversa,
tem que ficar todo mundo quietinho senão dá confusão.”(C8)

A divisão das atividades de trabalho também gera conflitos. Apesar desta

divisão e da definição prévia dos responsáveis por cada atividade, há sempre

desentendimentos e insatisfação por considerarem que umas trabalham mais que

as outras, que não há disposição de todas para ajudar, pois quando o trabalho de

um setor está sobrecarregado não há disponibilidade e interesse das demais

cooperadas em ajudar as que estão sobrecarregadas.

“a pessoa fica olhando e não tem o expediente de ir lá, pegar e fazer, é o


que a minha tia fala, umas pessoas aqui faz e outras querem montar na
outra. Aí fica lá sentada ao invés de tá ajudando a gente, fica sentada
olhando.” (C1)

“Oh, tem divisão de tarefa, mas ó a minha sobrinha mesmo ela trabalha
no tanque, ela e aquela senhora mais velha só que ela vai mais de dez
vezes na venda, toda hora, sol quente, é chuva. Tem a divisão, mas tem
umas que acha que são garçonete e elas não pode fazer nada, não pode
colocar uma pimenta, fazer um vinagrete, elas não pode fazer nada
mesmo se não tiver atendendo. Eu falo eu tô ocupada, quando eu tô
desocupada eu faço, eu não deixo o meu serviço de lado.” (C10)

A divisão das atividades foi realizada pela presidente da cooperativa,

portanto, o que pode ser um fator negativo para o desenvolvimento da

cooperação. A divisão das atividades deveria ser pautada em um processo de

tomada de decisões compartilhadas entre as cooperadas, o que permitiria o


160

engajamento e a co-responsabilidade pelo processo de construção da

organização cooperativa, conforme pressupõe a autogestão (Singer, 2002).

A questão financeira é um aspecto importante que permeia as relações no

trabalho. Relacionado à gestão financeira dá-se uma falta de clareza na

exposição dos custos de produção e dos valores recebidos, pois não há

prestação de contas e esse é um fator de instabilidade e gerador de uma série de

boatos, fofocas que interferem no relacionamento entre as cooperadas no

cotidiano do trabalho. O financeiro ainda é fator de conflitos nas relações de

trabalho no dia-a-dia porque em caso de falta de um dia de trabalho na semana a

cooperada não recebe nada pelos demais dias trabalhados. Isto gera discussões,

pois algumas se sentem afrontadas por esta decisão da presidente e outras,

apesar de considerarem um equívoco, acreditam que se houver uma

flexibilização, o número de faltas aumentará muito porque as cooperadas poderão

faltar já que receberão proporcionalmente aos dias trabalhados. Então, esta regra,

apesar de ser vista com rígida demais, ainda seria uma forma de conseguir a

participação diária das cooperadas.

“Oh, se eu trabalhei na segunda, quarta e sexta e se domingo eu não


acordei bem e não vim trabalhar eu recebo, dependendo da minha
doença, mas se eu não vim às vezes eu não recebo e firma nenhuma
você fica sem receber nada se você trabalhou 3 dias, aqui você
fica.”(C6)

“(...) tem gente que fica segunda a quarta sem aparecer e no fim de
semana quer vir só pra não perder o dinheirinho e aí não é certo, mas eu
não vou falar pra presidente não deixar ela vir não, eu vou falar não por
mim... mas não é porque eu acho certo, mas porque eu sei da
necessidade, eu não tenho aquela coragem de dizer, mas também fico
pensando se acontecer comigo elas não falar assim. (C5)
161

A distribuição igualitária dos recursos promove sentimentos de harmonia e

responsabilidade social no grupo (Aquino, Steisel e Kay, 1992). Por outro lado, a

distribuição dos recursos financeiros, como tem ocorrido na cooperativa estudada,

pode ocasionar medo, quer de nada receber por esforços ou de ser explorado

(Parks, Sanna e Posey, 2003) o que compromete a própria existência da

organização.

Compatível com esta perspectiva observa-se que a desistência de

cooperadas têm ocorrido, principalmente em função da insatisfação com o

rendimento financeiro com o trabalho na cooperativa. O desfio do siri, quando

realizado em quantidade maior propicia um melhor retorno financeiro semanal do

que o trabalho na cooperativa.

“Eu mesma tinha 3 cunhadas que trabalhavam aqui, minha irmã, minha
prima, porque elas não via rendimento porque trabalhava muito e não via
rendimento aí é preferível trabalhar em casa, desfia siri em casa, minha
cunhada mesmo que trabalha em casa ganha 280 por semana desfiando
siri.”(C10)

As relações interpessoais no trabalho são permeadas pela figura da

presidente, que media as relações entre as cooperadas das diferentes turmas,

bem como é a principal mediadora das relações pessoais e familiares que já

existiam antes do início da cooperativa, já que têm algum laço de parentesco.

De acordo com a presidente e a vice, após a primeira e única eleição, não

houve mais nenhuma cooperada interessada em assumir a presidência em

função dos problemas que enfrentam na cooperativa, principalmente os

financeiros. A forma de gerir o negócio por meio da negociação com fornecedores

e pedidos de doações a políticos dificulta o interesse visto que as cooperadas


162

sentem-se envergonhadas e temerosas de fazer pedidos de doações e

assumirem dívidas.

No entanto, entre as cooperadas encontramos insatisfação com a não

alternância de poder e, mais precisamente, insatisfação com a não prestação de

contas. É raro a presidente não estar presente e, nestas situações, quem assume

é uma das irmãs que também trabalham na cooperativa, ficando as demais

cooperadas impedidas de participar da gestão financeira.

[a presidente] “não confia em ninguém em questão de dinheiro, só na


família dela. ...e não bota nenhuma cooperada porque não confia, mas
eu não acho isso certo porque não foi assim que eu aprendi.”(C6)

A falta de confiança é um fator constante no discurso das cooperadas

quando fazem referências às questões financeiras exatamente por não terem

acesso ao faturamento da cooperativa. Há uma dicotomia em relação aos

vínculos que estabelecem com a presidente, pois ora apresentam insatisfação

pela falta de participação na gestão dos recursos financeiros, pela impossibilidade

de fazer sugestões e críticas na forma de organização do trabalho e ora enfatizam

que a cooperativa permanece em atividade graças ao empenho da presidente que

não desiste de buscar ajuda.

“[a presidente] compra fiado e tem a cara de pau de pedir e depois se


não tem o dinheiro joga mais frente. Às vezes eu via ela no telefone e ela
falava mentira pra nossa sobrevivência e por isso que eu falo: ela é uma
líder e merece respeito.”(C10)

A relação que estabelecem com a presidente também está pautada na

visão que possuem da própria cooperativa, pois não atribuem o mesmo valor ao

trabalho que realizam na cooperativa ao que é realizado em empresas privadas

onde teriam carteira assinada e deveres a cumprir, bem como chefia a respeitar.
163

“As pessoas não acham que aqui é uma empresa, ninguém, não encara
aqui como uma empresa e mesmo assim se organizar, eu tô falando
talvez porque eu mesmo já não acredito assim mais, né?”(C5)

O envolvimento com o trabalho e com a liderança no local de trabalho

acabam sendo focados no atendimento às necessidades básicas. Buscam

receber o dinheiro para pagar as contas semanalmente e sonham com um

trabalho que lhes dê carteira assinada. As únicas que não relatam tal aspiração

são C2 e C12.

Para que as cooperadas estabeleçam uma relação profissional é

necessário que o ambiente de trabalho seja diferenciado dos demais ambientes

em que convivem, pois caso contrário, a cooperativa pode se tornar uma

extensão do ambiente doméstico. Tal situação pode acarretar a primazia das

relações familiares e de amizade mesmo no contexto organizacional em

detrimento do estabelecimento de relações de trabalho.

A relação pessoal ou familiar com a presidente é um fator importante na

análise que fazem da liderança, pois a presidente se envolve com os problemas

familiares, vai até a casa das cooperadas que estão com problemas, conversa

com os maridos e filhos buscando reconciliação em caso de brigas e geralmente

consegue o sucesso na tentativa de ajuda. Na perspectiva da presidente, seu

maior desafio é estabelecer a união entre as cooperadas, vale considerar que

para ela união é similar à cooperação.

“Não é difícil pra mim hoje dinheiro, falta das coisas, vender, comprar,
mas essa união tá difícil.”(C12)
164

Tenta, por meio do exemplo pessoal, mostrar que o trabalho não pode

parar, evita se queixar de cansaço por acreditar que desta forma evita o desânimo

das cooperadas.

A inserção e permanência das cooperadas na cooperativa são, em vários

momentos, mediadas pelo relacionamento familiar. Entram por indicação de

algum familiar e também há casos de desligamento em função de brigas e

discussões com familiares seja no ambiente de trabalho ou doméstico. Portanto,

há uma transposição do relacionamento familiar para o ambiente de trabalho e do

relacionamento que se desenvolve no ambiente de trabalho para o contexto

familiar. Ainda não está claro para as cooperadas as diferenças entre

relacionamento pessoal/familiar e relacionamento profissional, o que ocasiona

uma série de boatos que podem se transformar em conflitos. Portanto, há uma

permanência de relações anteriores, uma transposição da estrutura familiar para

a estrutura organizacional.

Apesar do reconhecimento da influência dos laços de parentesco na

aceitação de determinadas regras e na aceitação da gestão financeira da

cooperativa, a permanência das cooperadas se dá, principalmente, pela

dificuldade de obter um trabalho formal e de se adaptarem às regras do trabalho

formal. Ao obterem a oportunidade de um trabalho com carteira assinada, como

tanto almejam, não permanecem ou se desinteressam em função da necessidade

de cumprimento de horários, regras rígidas quanto à assiduidade e deslocamento

da Ilha. Portanto, a adaptação ao trabalho formal é difícil para estas mulheres que

têm uma história de vida profissional marcada pela informalidade. A organização


165

também gerou conflitos interpessoais e algumas relações retrocederam,

reorganizando algumas relações.

No processo de formalização da cooperativa houve a introdução de um

novo código de comportamento no cotidiano de trabalho, que implicava

reconstrução do modo de trabalho a que estavam habituadas e a construção e

adaptação a novos valores. Apesar disto ter trazido mudanças, não conseguiu

alterar grande parte dos valores e práticas de trabalho valorizadas pelas mulheres

que passaram a ser cooperadas. Isto somado às questões financeiras e

problemas de relacionamento no trabalho pode ter agravado o número de

desistências na cooperativa.

Por outro lado, dentre as doze cooperadas que permanecem na

cooperativa apenas três não estão desde o início. Mesmo assim, duas entraram

no ano seguinte e uma há cinco anos. Apesar de terem se ausentado por algum

período, em geral, este pequeno grupo permaneceu porque a cooperativa, com a

diminuição de cooperadas passou a lhes dar o mínimo de retorno financeiro

necessário para a sobrevivência. Além disso, com a mudança de finalidade da

cooperativa do desfio para o restaurante as mulheres que apresentavam pouco

rendimento no desfio passam a ter atividades em que se sentem mais úteis e

outras que possuem a habilidade para o desfio ainda conseguem complementar a

renda com a venda do siri que desfiam por conta própria.

Em termos de relacionamento, as relações originadas pela reunião das

desfiadeiras em uma cooperativa são produtos da história comum de interações

passadas (Hinde, 1997) que eram de ordem, primordialmente, familiar ou de

amizade. O estabelecimento de relações profissionais entre as cooperadas no


166

trabalho pode ser visto como um objetivo ainda a ser atingido. Contudo, a

cooperativa permitiu uma nova organização econômica para as mulheres da Ilha

das Caieiras propiciando mudanças nas relações estabelecidas no contexto

familiar e comunitário.

10.4 Relacionamentos em Transformação

A organização do trabalho das desfiadeiras em uma cooperativa propiciou

uma alteração na trajetória de vida das mulheres envolvidas. À medida que as

mudanças nas condições de vida ocorriam seus relacionamentos também eram

alterados, pois as mudanças nos relacionamentos envolvem características

pessoais dos participantes como expectativas, posicionamento quanto às normas

culturais, sociais e organizacionais, auto-conceito, auto-estima, dentre outras

(Hinde, 2001).

Com a cooperativa altera-se a rede de relações das cooperadas: na Ilha

passam a assumir um novo papel na comunidade, deixando de ser apenas

desfiadeiras e passando a cooperadas, objeto de interesse dos meios de

comunicação, do poder público municipal e da sociedade capixaba em geral. A

cooperativa altera a rotina da Ilha ao ser projetada como local bem sucedido de

comércio de uma atividade típica capixaba. As cooperadas também passam a ter

relações com a comunidade externa à Ilha. Donos de restaurantes de Vitória que

passam a comprar o siri desfiado da cooperativa e profissionais da área do

turismo que passam a ter o restaurante da cooperativa como ponto turístico da

culinária capixaba não apenas pela qualidade dos pratos, mas também pelo traço

cultural e social que a cooperativa representa como exemplo de associação de


167

mulheres de uma área carente que produzem pratos típicos da culinária local

servidos em um ambiente simples e rústico à beira do mangue.

As mudanças no espaço físico e no trabalho que exerciam propiciam o

surgimento de um novo contexto e de novas relações, agora desfiadeiras de siri e

cooperadas. Fora do local tradicional para o desfio, a casa, ou melhor, a porta da

casa, abre-se a possibilidade de novos papéis serem desempenhados, novas

experiências serem vivenciadas. Com a abertura do restaurante, as cooperadas

têm o leque de contatos ampliado e passam a reconhecer valores e idéias

diferentes das que compartilhavam na Ilha.

A cooperativa e o restaurante reorganizam as relações entre as

cooperadas e abrem novas possibilidades de relacionamento. Uma forte dialética

entre o novo e o antigo marca essa evolução que tem como ponto central a

mudança parcial na qual alguns aspectos avançam e outros resistem à mudança.

Segundo Hinde (1997) os participantes de um relacionamento mantêm um

equilíbrio entre os “recursos” que recebem e os que doam, a fim de que a troca se

estabeleça de forma justa. Entretanto, os relacionamentos não consistem

simplesmente na soma de ações recíprocas de dar e receber. Compreendem

também trocas que ocorrem dentro de um determinado contexto sócio-histórico.

As influências do meio em que os indivíduos vivem devem ser vistas assim como

a natureza dos participantes e de toda a sua história de interações passadas.


168

11. COOPERAÇÃO E OUTRAS DIMENSÕES DO


RELACIONAMENTO

11.1 A Cooperativa e a Cooperação na Percepção das


Cooperadas

Para se compreender melhor a dinâmica e estrutura de uma organização

de trabalho cooperado, a cooperação se destaca. A cooperação entre indivíduos

de um mesmo grupo é um fenômeno comum que tende a aumentar as

possibilidades do grupo e de seus membros alcançarem os objetivos propostos

(Hinde & Groebel, 1991).

Pensar as relações de cooperação na cooperativa é diferente de analisá-

las no contexto da comunidade ou no contexto familiar. Isso porque,

historicamente, a atividade de trabalho vivenciada e aprendida pelas cooperadas

é baseada em uma estrutura individualizada, enquanto no contexto da

comunidade e familiar há forte participação e entrosamento, principalmente nos

momentos de crise pessoal ou familiar, todos participam e buscam ajudar.

Indagamos às cooperadas como elas explicariam a alguém o que é uma

cooperativa e em seguida como explicariam o que é cooperação. Expressaram

grande dificuldade nestas questões e retrataram situações contraditórias. Por um

lado, apresentam-se orgulhosas por terem conseguido criar a cooperativa e com

isso formalizar, pelo menos socialmente, o trabalho. Isso porque não há uma

relação formal de trabalho em função das questões administrativas da

cooperativa. Mas socialmente são reconhecidas como cooperadas e este

reconhecimento é uma condição diferenciadora para estas mulheres. A

visibilidade e reconhecimento do trabalho que realizam quando são foco de


169

reportagens veiculadas na mídia sobre a cultura e a culinária do estado é também

uma situação recompensadora. Por outro lado, expressam a pouca valorização

que dão à atividade e à proposta cooperativista, ao almejarem um trabalho que

propicie carteira assinada, rendimento fixo de um salário mínimo e ao desejarem

outra vida para os filhos. Não desejam que as filhas sigam a profissão de

desfiadeira e apenas uma cooperada relatou ter um filho diretamente envolvido

com a pesca. Para os jovens, o desfio e a pesca só se tornam opções quando há

abandono do estudo e não encontram outras oportunidades de trabalho.

“Eu me sinto assim orgulhosa, sabe porque Raquel, é um trabalho que


eu gosto de fazer, gosto de vir pra cá, gosto de trabalhar e gosto de
ganhar meu dinheirinho. Eu me admiro muito, gosto muito e gosto do
meu trabalho, meu, é meu trabalhinho porque eu nunca pude ter um
trabalho mesmo com essa coisa toda, mas é um orgulho muito grande
pra mim fazer bem feito.”(C10)

“Eu gosto quando vem aqui filmar aqui e fala que lindo! Aí eu acho bom,
ah como vocês desfiam, que gracinha, aí eu gosto porque coisa que nem
eu dou valor, porque eu não dou.”(C5)

“Eu gosto muito da palavra desfiadeira, eu gosto porque nós somos


muito procuradas e também foi uma luta e vejo como muita vitória
mesmo e nós ainda temos muito o que alcançar e agora a gente vê não
só o nosso lado, mas o lado dos filhos também, como que meu filho vai
sobreviver. Acho que não gostaria que meu filho pescasse porque
gostaria de dar ao meu filho uma vida melhor, eu quero que meu filho
cresça mais que eu.”(C12)

Ao explicarem o que é uma cooperativa, algumas diziam, inicialmente, que

não sabiam fazê-lo. Em geral, remetiam à idéia de cooperativa como um local de

trabalho onde um coopera com o outro, compreende o outro, ajuda o outro, faz

parceria, tem união entre as pessoas. Buscaram a comparação com o trabalho

formal, vincularam à idéia de não estar em um emprego fixo, formal, com carteira

assinada, conforme almejado no momento da criação. À medida que foram


170

instigadas a refletir sobre o tema começaram a identificar e expressar algumas

características próprias da proposta cooperativista como o compartilhamento de

informações, de tomada de decisão, geralmente caracterizadas por elas como a

prestação de contas sobre a gestão financeira.

“Eu acho Raquel, que a cooperativa tem que ser assim as pessoas ter
união com as outras, se unir, né? É... e eu acho que a cooperativa tem
que ser assim tudo organizadinho, o que entra, o que sai, entendeu?
Prestar conta pra gente, eu acho que isso é que é cooperativa.” (C1)

“Quando eu entrei aqui eu achei que era um grupo de pessoas


cooperando. Um grupo, porque sozinho é mais difícil, mas com um grupo
é mais fácil até pra pedir alguma coisa porque hoje olham mais pros
grupos. Quando eu soube que ia ter a cooperativa eu pensei ‘agora eu tô
empregada’, mas não foi assim como eu pensei... porque eu pensei que
eu ia ter meu emprego, mas não tive.”(C5)

“Cooperativa é assim, as mulheres reunidas, né, nós somos


cooperadas. As pessoas comentam isso, que cooperativa é isso, as
mulheres reunidas que é cooperativa. Eu não vejo isso como empresa é
mais uma reunião das mulheres para trabalhar.” (C10)

“Ah, eu acho que cooperativa é cooperar, é todo mundo tá junto. O que


eu vejo mais é essa parte de união.”(C12)

A partir da perspectiva de que cooperativa baseia-se na cooperação, as

cooperadas estão denominando de cooperação basicamente o ato de ajudar o

outro.

“Ah... é assim ajudar, né?”(C2)

“Uma pessoa ajudando a outra no momento difícil também porque é


claro que a gente discute também, mas depois a gente se entende e fica
tudo normal uma ajudando a outra.”(C3)

Parte das cooperadas não identificou a cooperação no cotidiano de

trabalho, não observando ajuda de uma cooperada à outra no trabalho e parte

considera que já houve mudanças, percebendo situações de ajuda mútua. Assim,


171

algumas expressaram que trabalhar junto em um mesmo local, com a

denominação de cooperativa, não significa que haja cooperação, mas apenas

compartilhamento de espaço físico. E ainda fazem uma consideração importante:

na comunidade o trabalho é individualizado, portanto, as cooperadas tendem a

transpor para a experiência na cooperativa esse modelo, ou seja, cada um produz

o que precisa para sobreviver, vende de acordo com a necessidade, não há

abertura para pensar no processo de trabalho que envolva outras pessoas.

“Eu não entendo o que é cooperação, eu não entendo... eu acho que não
tem nada a ver com cooperativa não. É uma ajuda, é um ajudar o outro,
mas aqui não tem isso, aqui não tem isso, Raquel. Eles falam sempre
que nós somos cooperadas, não somos, aqui nós não somos
cooperadas porque ninguém ajuda ninguém, aqui não tem nada disso de
um ajudar o outro, um quer engolir o outro. Pra mim aqui é o espaço e a
gente trabalha junto aqui .”(C10)

“Aqui eu acho que quase não tem cooperação, tem pouca. (...) tem muita
gente aqui que é assim, acha que não é dela fazer e aí não ajuda
também.”(C1)

“(...) as pessoas aqui estão acostumadas a trabalhar individual. Eles


queriam fazer igual lá nas paneleiras é: cada um vende o seu, cada um
bota o seu preço, aí muitas por isso, muitas saíram, muitas os maridos
não deixaram e as quem ficou foi as que cooperaram desde o início.
Quem não conseguiu cooperar se afastou porque tem que trabalhar todo
mundo com um objetivo só. (C8)

Por outro lado, também retratam uma melhora significativa nas relações

interpessoais no trabalho nos últimos anos e consideram que fatores como a

diminuição do número de cooperadas, bem como o fato de terem aprendido a

exercer todas as tarefas realizadas na cooperativa foram importantes para o

desenvolvimento de ações cooperativas. Essa observação das cooperadas

encontra respaldo na literatura que demonstra que a cooperação tende a

acontecer primordialmente em pequenos grupos (Hinde & Groebel, 1991).


172

“Eu não sei se foi a convivência, eu não sei se foi o número de pessoas,
eu não sei, mas melhorou. (...)sendo que agora todo mundo sabe fazer
quase tudo e foi o que foi melhorando também quando todo mundo foi
aprendendo a fazer quase tudo, isso ajudou na cooperação.”(C11)

A percepção que possuem da cooperativa e de cooperação está baseada

na vivência cotidiana. A cooperativa nasce de uma proposta externa, onde o

poder público municipal condiciona a ajuda ao grupo de mulheres da Ilha, em

termos de estrutura física de trabalho, à criação da cooperativa. Tem a sua

estrutura administrativa centrada na figura da presidente desde o início das

atividades; os laços familiares permeiam a saída, entrada ou permanência na

cooperativa; não construíram um estatuto que balizasse as relações de trabalho a

serem estabelecidas entre as cooperadas, entre as cooperadas e fornecedores,

entre cooperadas e clientes; a divisão do trabalho ocorre de forma “intuitiva”, pois

até então realizavam o trabalho do desfio individualmente e realizavam todas as

etapas, mas com a cooperativa dividiram as cooperadas para realização do

trabalho em etapas, fragmentado-o. Mudam o ramo de atividade da cooperativa

ao deixarem a produção de desfio de siri para criação do restaurante, mas não

passam por nenhum processo de qualificação para realização da nova atividade.

Novamente passam por algumas tentativas de organização do trabalho até

chegarem ao modelo atual de duas turmas de trabalho que se alternam durante a

semana em turnos de oito horas de trabalho.

As cooperadas, por meio de tentativa e erro, buscam conseguir uma forma

de funcionamento da cooperativa que propicie sua sobrevivência. Mas em um

cenário de escassez de recursos como ocorre na cooperativa em estudo, Aquino,

Steisel e Kay (1992) e Aquino (1998) ressaltam que tende a diminuir a


173

cooperação, embora dois fatores possam moderar os efeitos da escassez: o

acesso ao recurso dentro do grupo e a habilidade para comunicação. O acesso

ao recurso é aparentemente igualitário para todas as cooperadas, pois

semanalmente a presidente efetuava o pagamento de um valor que variava de

R$50,00 a R$80,00 para todas. Mas, como não sabem o faturamento total da

semana começam a achar que a presidente recebe rendimentos maiores.

Portanto, crêem que possa haver desigualdade na distribuição dos recursos por

não terem acesso à prestação de contas. Também indicam a desigualdade na

visibilidade das cooperadas em reportagens, considerando que a presidente e

suas irmãs têm privilégios e aparecem mais em fotos, filmagens e falam mais

durante as entrevistas, assumindo papel de destaque. Em função disso, o acesso

ao recurso igualitário perde força e faz com que a falta de comunicação clara

sobre a gestão dos recursos financeiros e as expectativas que possuem sejam

fatores impeditivos para que ações cooperativas ocorram de forma mais dinâmica.

A distribuição desigual dos recursos promove o individualismo e a

competitividade entre as cooperadas podendo fomentar relações competitivas que

geram sentimentos mutuamente negativos entre os membros do grupo, em

detrimento de relações cooperativas que tendem a reduzir os conflitos (Dovidio,

Gaertner & Kawakami, 2003).

As cooperadas parecem estar voltadas para a batalha pela sobrevivência

individual diária e a permanência na cooperativa tem sido fortemente baseada na

falta de outras oportunidades que avaliem como melhores. Assim, o foco está

mais no bem-estar individual do que no coletivo.


174

A reciprocidade foi um importante fator para a cooperação. As participantes

cooperavam ou ajudavam aquelas que as ajudavam mais, o que geralmente

coincidia com aquelas que apresentavam laços de parentesco mais próximos.

Portanto, conforme exposto por Hinde e Groebel (1991), é mais provável que

cooperadores recebam benefícios de atos cooperativos dos outros que os não

cooperadores.

Diante da falta de estrutura administrativa, a cooperação passa a se basear

apenas nos vínculos pessoais/familiares o que, de acordo com Jehn e Shah

(1997), é esperado, pois a cooperação tende a ser maior em grupos de amigos.

Desse modo, com base nos resultados deste estudo, bem como nos resultados

encontrados por Jehn e Shah (1997), Harrisson e Laplante (2001) e Hinde e

Groebel (1991), as relações familiares e de amizade podem funcionar como ponto

de apoio para o desenvolvimento de ações cooperativas sendo importantes para

o próprio desenvolvimento e manutenção da cooperativa. As cooperadas, mesmo

com críticas em relação à gestão financeira, permanecem em função dos vínculos

familiares e da maior adaptação ao novo modelo de trabalho já que o foco saiu do

desfio do siri para o restaurante e a maioria que permaneceu não tinha habilidade

para o desfio do siri em grande quantidade.

Porém, as diferenças de ações cooperativas desenvolvidas nas relações

de trabalho, familiar e de amizade se contrapõem aos estudos apresentados, pois

de acordo com esses estudos a cooperativa estudada teria como vantagem no

desenvolvimento de ações de cooperação o fato de ser composta por um grupo

de mulheres que têm relações familiares e de amizade, considerando que isso

facilitaria as trocas sociais. E realmente baseando-se no fato de a escolha


175

cooperativa ser, normalmente, motivada por um desejo de todos ao benefício cria

condições para que as relações de intimidade entre as cooperadas se tornem

uma vantagem no desenvolvimento dessas ações. Contudo, essa situação

também pode se tornar fator de desvantagem quando as relações de intimidade

estão estruturadas em função da história das relações familiares e de amizade

podendo ocorrer uma reprodução de situações de controle e até mesmo de

exploração próprias do ambiente doméstico, mas que são transpostas para o

contexto de trabalho.

O sentido do trabalho para cada uma parece ser fator que influenciará

também na disponibilidade para cooperar, pois as que gostam e expressam

satisfação com a atividade que realizam parecem mais aptas a atos cooperativos.

Apesar de a cooperação ser limitada na cooperativa estudada, ações

cooperativas estão presentes e não estão restritas ao ambiente de trabalho. Há

grande envolvimento das cooperadas, principalmente da presidente, com

questões de ordem familiar que estejam dificultando a vida de uma colega e se

unem para ajudá-la. Neste sentido, a presidente é figura de referência tendo sido

citada por todas como alguém que se preocupa e age para ajudá-las a resolver

problemas de toda ordem. Portanto, parece haver um estilo de cooperação na

comunidade que se estende à cooperativa.

Considerando que o trabalho das desfiadeiras era extremamente

individualizado apesar de realizado em ambiente coletivo, é certo que as

cooperadas que permaneceram na cooperativa reconhecem o desenvolvimento

de um olhar diferenciado para o trabalho, voltado também para o outro, para o

que pode fazer para ajudar. As duas cooperadas que trabalham em uma
176

lanchonete da área nobre de Vitória relatam que, a partir da vivência que tiveram

na cooperativa, ganharam um diferencial para o trabalho na lanchonete, pois o

proprietário disse a elas ter percebido uma postura diferente, cooperativa nas

duas que não percebe nos demais funcionários.

Portanto, ainda há muito a ser feito para o avanço de ações de cooperação

na cooperativa estudada. Sem dúvida, a própria experiência de trabalho coletivo

já é uma evolução que as mulheres da Ilha com toda dificuldade e empecilhos

quanto à própria capacitação para gestão de um negócio estão conseguindo

vencer. A história da comunidade tem episódios de avanços na cooperação,

alternando-se com a busca individual. Possivelmente, o estilo de cooperação na

comunidade não está adequado ao tipo de cooperação na cooperativa, em que o

trabalho tende a ser hierarquizado.

Ao lado da cooperação, ainda serão abordadas algumas dimensões do

relacionamento que foram marcantes no relacionamento entre as cooperadas e

que a literatura apresenta como dimensões relacionadas ao estabelecimento de

ações cooperativas.

11.2 Similaridade e Reciprocidade

A reciprocidade é uma dimensão do relacionamento fundamental para o

estabelecimento de ações cooperativas e ocorre em interações nas quais os

participantes mostram comportamentos similares direcionados um ao outro

(Hinde, 1997). Assim, por exemplo, A ajuda B que, por sua vez, ajuda A.

Na cooperativa, há muitas similaridades na história de vida pessoal e

familiar das cooperadas, inclusive em função de suas relações de parentesco. A


177

maioria é natural da Ilha e as que não nasceram no local residiam havia mais de

15 anos e apropriaram-se da cultura local após o casamento. As histórias de uma

criação rígida, às vezes, pautada também na violência doméstica, com

casamentos acontecendo quando ainda eram muito jovens, o enfrentamento de

dificuldades financeiras que podem ter chegado à privação alimentar, a baixa

escolaridade e o desfio do siri com atividade de trabalho são características

comuns nas histórias de vida. É comum também que as mulheres da Ilha sejam

mais engajadas na busca por melhorias para o local onde vivem, sendo as

principais líderes comunitárias.

Estas similaridades possivelmente favoreceram o surgimento da

cooperativa. A similaridade, de características pessoais e de comportamento tem

sido considerada um ponto importante de aproximação entre as pessoas e na

formação de relações de amizade.

A maioria, apesar de trabalhar com o desfio do siri, não tem habilidade para

desfiar grande quantidade e isso faz com que não consigam bom rendimento

desfiando o siri em casa. Como a atividade que desempenham na cooperativa

não está mais relacionada com o desfio, a permanência torna-se atrativa como

possibilidade de renda associada a uma rotina de trabalho relativamente flexível,

que propicia conjugar, quando há interesse, desfio do siri e atividades do

restaurante. Portanto, esse é um ponto de similaridade entre o grupo atual de

cooperadas que pode nos ajudar a compreender a permanência delas na

cooperativa.

A reciprocidade, por sua vez, é uma importante fonte de interação social e,

na cooperativa, está relacionada à questão: ‘eu coopero com você somente se


178

você cooperou em momentos anteriores’. Portanto, algumas regras de

reciprocidade são impostas para que a cooperação ocorra.

As similaridades e as diferenças pessoais entre os participantes de um

relacionamento podem causar efeitos positivos ou negativos. As similaridades

comportamental, cognitiva e emocional facilitam a comunicação e a cooperação,

fortalecendo as crenças positivas sobre o futuro do relacionamento, reduzindo as

possibilidades de conflito, melhorando os resultados das atividades e aumentado

o grau de satisfação com o relacionamento.

Hinde (1997) alerta sobre a importância de se perceber em quais

momentos as diferenças e as similaridades entre o comportamento dos

participantes são relevantes para o crescimento ou estabilidade do

relacionamento. Na cooperativa as diferenças entre o comportamento das

cooperadas poderiam ser objeto de crescimento, desde que houvesse abertura

para que as diferentes visões fossem expostas de maneira clara para que os

processos vigentes pudessem ser questionados e aprimorados. Já as

similaridades na história familiar, pessoal, ora facilitam o relacionamento, inclusive

propiciando a permanência na cooperativa e ora dificultam, levando à

divergências e à saída de cooperadas.

Nas relações entre as cooperadas, observa-se uma maior

concordância na forma de pensar e agir em relação à vida familiar, o que pode

ajudar a explicar o porquê da transposição destes vínculos para o ambiente de

trabalho, tornando a cooperativa uma extensão das relações familiares.


179

11.3 Confiança

A confiança é um fator importante nos relacionamentos, especialmente

como base para a cooperação. A confiança envolve uma expectativa positiva

sobre a conduta do outro (Olivier, 2005). Na cooperativa, a confiança ultrapassa

os limites organizacionais em função das relações entre as cooperadas não

serem, primordialmente, relações de trabalho. Essas são permeadas por antigos

laços de amizade ou de parentesco. Portanto, poderia ter plenas condições de

desenvolvimento favorável, mas a gestão dos recursos financeiros dificultou a

plena relação de confiança entre as cooperadas. A falta de confiança na gestão

financeira surge do não compartilhamento de informações, do não cumprimento

de uma regra básica para uma organização cooperativa: clareza nas ações,

compartilhamento da tomada de decisão e prestação de contas. Isto ocasiona

menor satisfação com o trabalho, menor comprometimento com a cooperativa,

aumentando os conflitos e diminuindo ações cooperativas.

Novamente, há de se considerar que padrões tradicionais de

relacionamentos na comunidade parecem ser insuficientes quando transpostos

para o empreendimento econômico.

11.4 Comunicação

A comunicação é outro processo associado à cooperação. Na cooperativa,

o processo de comunicação formal é centrado na figura da presidente, pois é ela

quem toma as decisões sobre compra de material, negociação com fornecedores,

pedidos de ajuda a pessoas, empresas ou órgãos públicos. Cabe também à


180

presidente autorizar a realização de filmagens, reportagens e pesquisas na

cooperativa. É ela quem abre ou fecha as portas de acesso às demais

cooperadas.

Apesar do distanciamento que deveria haver entre ambiente de trabalho e

ambiente doméstico a forma de comunicação estabelecida na cooperativa é

similar à estabelecida nas relações familiares. As divergências são tratadas de

maneira semelhante. Em casa ou no trabalho há sempre discussão.

Os primeiros momentos de conversa surgem no café da manhã. Logo que

chegam à cooperativa, conversam sobre aspectos da vida pessoal, não abordam

questões do trabalho. É um momento de comunicação voltada para o contexto

pessoal e familiar.

Ao longo do dia, o clima é de descontração, mas percebe-se que a

comunicação relativa às atividades de trabalho geralmente envolvem reclamação,

muitas vezes, expressas de modo indireto. Parece que, por não terem o hábito da

comunicação formal relativa aos aspectos profissionais, estes são tratados por via

indireta e fica na pendência de intervenção da presidente para que o bom

relacionamento entre cooperadas seja retomado.

No que se refere à comunicação formal a presidente justifica que não faz

reuniões porque as cooperadas não sabem manter entre elas o que é comentado

na reunião. Relata que fofocas eram criadas na Ilha a partir de situações que

havia exposto em reuniões com as cooperadas. Por isso, não faz reuniões de

prestação de contas. Tendo em vista a relevância da comunicação para o

desenvolvimento de atos cooperativos, parece que a comunicação truncada entre


181

as cooperadas de um mesmo turno de trabalho e também entre os diferentes

turnos enfraquece o grupo e fortalece a figura da presidente como a agregadora.

A forma como as cooperadas se comunicam influencia no relacionamento.

Desse modo, se logo no início da manhã não conseguem estabelecer uma

comunicação clara, isto poderá ser motivo de desentendimentos ao longo do dia,

podendo afetar a convivência em espaços sociais e familiares. A comunicação

pode moderar os efeitos da escassez de recursos, as divergências entre

indivíduos e grupos e maximizar o potencial cooperativo das cooperadas no

cotidiano de trabalho (Aquino, 1998).

11.5 Conflito Interpessoal

Hinde (1997) esclarece que o conflito pode interferir na manutenção dos

relacionamentos em função das alterações quanto às formas de pensar, perceber,

sentir e agir de cada participante.

O curso do relacionamento freqüentemente depende do modo pelo qual os

conflitos são manipulados e dos aspectos que estão envolvidos na situação de

conflito.

Na cooperativa, os conflitos atingem as relações de trabalho e, em geral,

também estão relacionados às relações familiares. Por vezes, o conflito surge de

comentários feitos por algumas cooperadas acerca dos problemas familiares de

outras cooperadas. Assim, ocorrem casos de comentarem sobre relações extra-

conjugais do marido de uma colega, causando desavenças e até mesmo de

mudança de turno de trabalho.


182

Estas mulheres não apenas se envolvem diretamente em conflitos na

família e no trabalho, mas também atuam como mediadoras de conflitos,

principalmente, na esfera familiar que, em alguns casos, são marcadas pelas

situações de violência doméstica.

No início das atividades da cooperativa, a fragmentação do trabalho de

desfio em etapas a serem executadas por grupos de diferentes cooperadas foi um

aspecto gerador de conflito porque criou categorias vistas como mais importantes

e outras como menos importantes. Com isso houve discussão sobre a forma de

divisão dos rendimentos, considerando que deveria ser diferenciada porque havia

um grupo que alegava que o trabalho de desfio era mais importante que a

recatagem e a limpeza e, por isto, não era justa a divisão igual. O aspecto

financeiro apresenta-se como motivador de conflitos em diferentes momentos da

cooperativa.

Na cooperativa, as situações de conflito geralmente envolvem aspectos da

gestão financeira, do controle da assiduidade e do pagamento condicionado à

presença durante toda a semana. Estes aspectos nem sempre são tratados

abertamente. O conflito dá-se entre a liderança e as cooperadas ou entre as

cooperadas que se percebem como recebendo tratamento injusto e diferenciado.

O cumprimento do horário de trabalho é um fator de conflito, pois as que

cumprem o horário determinado de nove às dezessete horas se aborrecem com o

fato de algumas saírem mais cedo alegando que já cumpriram suas tarefas e não

se disporem em ajudar as outras para finalização das tarefas.

Apesar do acompanhamento inicial feito pela equipe da prefeitura para

formalização da cooperativa, não houve a profissionalização das relações entre


183

as cooperadas. Não há um distanciamento entre as relações que estabelecem no

cotidiano da Ilha enquanto amigas ou parentes e as relações no trabalho. A

cooperativa passa a ser uma extensão da casa de cada cooperada e os conflitos

surgem em torno desta situação, pois não há um movimento das cooperadas que

distingue o espaço organizacional do espaço doméstico. Talvez a natureza da

atividade desenvolvida pela cooperativa dificulte o estabelecimento de fronteiras,

propiciando uma mistura entre papéis familiares e papéis do trabalho.

Portanto, são fatores de conflito no relacionamento entre as cooperadas

aqueles que explicitam diferenças, sejam essas na visão que têm sobre

determinado aspecto do trabalho, das atividades desempenhadas ou que

explicitam diferenças nas características pessoais, nos objetivos pessoais,

podendo estar relacionado também a uma exposição pessoal que gera

repercussões indesejadas. A comunicação equivocada, ineficaz ou a não

comunicação também são importantes fatores para emergência de conflitos

(Hinde 1997).

Conflito não é necessariamente uma coisa ruim, pode ser meramente um

sintoma de uma mudança na natureza do relacionamento ou também pode ser

construtivo (Hinde, 1997). No momento da pesquisa os conflitos, por não serem

tratados abertamente pelas cooperadas, funcionavam como entrave ao

desenvolvimento da cooperativa e era potencializado pela situação de

desconfiança, propiciando um desinteresse das cooperadas pela cooperativa.


184

11.6 Satisfação

A satisfação pode referir-se ao trabalho ou aos relacionamentos. Estes dois

aspectos, por vezes, se confundem. Assim, mesmo a satisfação com o trabalho

pode estar ligada à satisfação com os relacionamentos no local de trabalho. Em

ambos os casos, está relacionada ao desenvolvimento de atos cooperativos.

A satisfação pode ser vista como conseqüência ou causa do

relacionamento. Hinde (1997) propõe que a relação entre a satisfação e a

qualidade do relacionamento é dinâmica e dialética: quanto maior a satisfação,

maior o interesse em aumentar a intimidade, o compromisso e o investimento,

que resultam em maior satisfação.

Na cooperativa, algumas cooperadas pareciam estar em processo de

desinvestimento nas relações ali estabelecidas em função de vários conflitos

familiares, as discordâncias ocorridas no ambiente doméstico sendo transpostas

para o trabalho. Por outro lado, há cooperadas que expressam satisfação com os

relacionamentos na cooperativa, principalmente após a redução no número de

cooperadas. Isto porque, em número maior as divergências, fofocas e brigas eram

diárias.

A satisfação com o trabalho envolve aspectos como a expectativa dos

indivíduos em relação à cooperativa e às cooperadas. Com relação ao primeiro

aspecto, quase todas as cooperadas relataram uma expectativa inicial de que a

criação da cooperativa seria a oportunidade de trabalho formal, com carteira

assinada, salário mínimo e direito à aposentadoria. Com o tempo perceberam que

isto não ocorreria, gerando insatisfação com o trabalho.


185

No momento da pesquisa algumas das principais causas de insatisfação

com o trabalho era o baixo rendimento financeiro, a divisão de tarefas, mas,

especialmente, o pouco interesse em ajudar as outras que estão

sobrecarregadas, divergências ou ressentimentos familiares. Assim, a

insatisfação com o trabalho também está ligada com a insatisfação com

relacionamentos.

Em termos de satisfação com o trabalho, todas se orgulham de participar

da cooperativa devido à divulgação da mesma na mídia e o interesse e a

valorização que pessoas externas demonstram com relação ao seu trabalho.

Enfim, a satisfação está diretamente atrelada ao rendimento financeiro, à

estabilidade das relações familiares e das relações de amizade no trabalho e

influencia no investimento das cooperadas no desenvolvimento da cooperativa.


186

12. O AMBIENTE FÍSICO E OS RELACIONAMENTOS

O ambiente físico e a estrutura sócio-cultural são fundamentais para

compreensão da dinâmica dos relacionamentos na cooperativa estudada. Em um

espaço geográfico reduzido, marcado por fortes laços familiares e tradições

culturais, encontramos um grupo que já mantinha relacionamento anterior ao

surgimento da cooperativa. A criação da cooperativa propicia um novo cenário

para o relacionamento das desfiadeiras.

Para uma sistematização mais clara do ambiente físico, foram propostos

dois níveis: o micro e o macro. Apesar dos limites não serem claros, o micro se

refere ao ambiente mais próximo, da casa ou da cooperativa e o macro às

dimensões mais amplas, do bairro e da cidade de Vitória.

12.1 Micro-ambiente

As atividades de trabalho com o desfio de siri remontam a infância das

cooperadas que são naturais da Ilha, como uma opção para ajudar na renda

familiar. Assim que apresentavam condições de manipular a faca apropriada para

o desfio começavam a desfiar. O local do trabalho era a porta das casas, a rua,

com intensa convivência social. A razão pela qual a porta das casas, as calçadas

tornaram-se lugar importante parece ter relação com o pouco espaço das

residências, por ser uma atividade que consumia o dia todo e ao desfiarem nas

portas das casas conseguiam manter uma proximidade com vizinhos, que em

geral também eram parentes, tornando o trabalho mais agradável, bem como

atendiam à necessidade de desfiar o siri e já apresentá-lo disponível para venda,


187

pois por não saberem como conservar o produto tinham que vendê-lo

rapidamente e aproveitavam o desfio na rua como atrativo e como forma de

‘disputarem’ os clientes.

A tradição do desfio nas ruas começa a sofrer transformações em função

do projeto desenvolvido pela Prefeitura de Vitória visando capacitar as

desfiadeiras para a criação de uma cooperativa de desfio. Com a qualificação

mudanças passam a ocorrer no cotidiano da atividade de desfio, pois as

desfiadeiras de siri aprendem noções de higiene e de conservação de alimentos,

especialmente do siri. Cuidados com a higiene que até então não existiam no

trabalho realizado nas calçadas passam a ser exigidos pelas próprias

desfiadeiras, tais como o uso de touca no cabelo, higienização das mãos e

vasilhas e congelamento do siri desfiado.

O início da atividade de desfio na cooperativa marca a vivência de um novo

contexto de trabalho, local fechado, divisão de atividades, compartilhamento de

material, horário definido, situações novas, pois apesar do desfio ser

originalmente feito nas calçadas, nessa época existia apenas a convivência

social, mas não o compartilhamento da produção.

O desfio na cooperativa era realizado em local fechado, utilizando-se de

bancadas, dessa forma, não participavam mais diretamente do cotidiano da Ilha

enquanto desfiavam. Na cooperativa aumentou a relação de proximidade física

entre as desfiadeiras que compartilhavam um ambiente mais estruturado para

realização do desfio e passaram também a compartilhar os equipamentos. A

mudança de ambiente e métodos de trabalho está associada às mudanças nos

relacionamentos.
188

A prefeitura construiu uma área com o objetivo de abrigar uma cooperativa

onde a atividade principal era o desfio do siri e não restaurante. Portanto, o que

encontramos na cooperativa, no momento da pesquisa, foram adaptações na

estrutura física que já existia para outra finalidade. Assim as bancadas são

utilizadas como espaço para o preparo dos pratos a serem servidos e exposição

das vasilhas a serem enxutas. A falta de armários também dificulta a organização

dos pratos e talheres que ficam expostos nas bancadas ou em uma área

improvisada como armário, pedaços de madeira que funcionam como estante. Os

banheiros não foram projetados para atenderem ao público externo, por isto há

apenas dois banheiros, compartilhados pelas cooperadas e pelos clientes e que

têm entrada improvisada pelos fundos da cooperativa. O próprio local onde os

clientes são atendidos é resultado de uma adaptação da área que era

originalmente estacionamento para os clientes que comprariam o siri desfiado e

foi construído um telhado, mas em dias de chuva, como as laterais são abertas

fica difícil atender adequadamente aos clientes.

O micro-ambiente sofreu mudanças constantes nos últimos anos visando

adaptar-se às necessidades básicas para funcionamento da cooperativa. O

ambiente físico da cooperativa pode ser visto como um reflexo dos processos que

ocorrem no seu interior: uma série de pequenos “jeitinhos”, que comprometem a

qualidade, mas que buscam permitir a sobrevivência do negócio. Por outro lado a

infra-estrutura simples e pouco adaptada é muitas vezes atrativo turístico.

O relacionamento nesse novo ambiente passa por um rearranjo, o novo

cenário exige uma nova organização do trabalho e possibilita a emergência de

conflitos de trabalho, mas que em função dos vínculos pessoais.


189

12.2 Macro-ambiente

A Ilha das Caieiras apresenta propriedades físicas e sofreu mudanças

históricas que afetam o relacionamento entre as pessoas. O relacionamento entre

mulheres que compõem o grupo estudado é claramente influenciado por

características próprias da região da Ilha das Caieiras, como trabalho informal

baseado nas atividades de pesca, a pouca relação que estabelecem com o

ambiente fora da Ilha, como se este fosse um espaço à parte da cidade de Vitória.

Analisando o ambiente físico em que as cooperadas estão inseridas, mesmo após

os aterros que ligaram a Ilha à cidade de Vitória a separação permanece em

termos do pouco acesso aos recursos da cidade. Isso fica evidenciado ao

diferenciarem o fato de nascer na Ilha ou em Vitória como se o primeiro não

fizesse parte do segundo local.

Entre as mudanças trazidas pela urbanização da Ilha, estão a criação de

restaurantes, creches, escolas, centros de atenção aos jovens (com atividades

esportivas, dança, música). As mudanças no ambiente físico, inclusive a

facilidade de acesso a outras regiões de Vitória, têm propiciado aos jovens outras

opções de trabalho.

As políticas públicas de geração de renda implementadas no município de

Vitória no final da década de 1990 que levaram ao surgimento da cooperativa

faziam parte do projeto de urbanização de áreas populares. Portanto, nesse

período, toda a parte baixa da Ilha das Caieiras passou por mudanças: as ruas

foram asfaltadas, o abastecimento de água foi reestruturado, praças, escolas e

creches foram construídas. Houve a construção da área do píer visando a atração

de turistas por meio de passeios de barcos. A Ilha passa a ser divulgada como um
190

ponto de expressão da culinária tradicional capixaba, de atração cultural. Em

função da mudança da atividade da cooperativa do desfio para o restaurante, as

cooperadas passam a manter contato com um maior número de pessoas,

principalmente de fora. Contudo, ainda há uma tendência das mulheres

manterem-se afastadas do local onde os turistas são servidos, atendendo-os e

logo entrando para área interna do restaurante, estabelecem pouco contato, fato

este relatado por elas como vergonha, timidez.


191

13. SOCIEDADE, ESTRUTURA SÓCIO-CULTURAL E OS


RELACIONAMENTOS

Os relacionamentos afetam e são afetados pela estrutura sócio-cultural

(Hinde, 1997). A estrutura sócio-cultural é algo muito amplo e diversificado. Nos

parágrafos seguintes, são considerados apenas alguns aspectos dessa estrutura,

a saber, algumas tradições culturais da Ilha.

13.1 Tradições Culturais e Trabalho

Antes de se tornar uma atração turística, as tradições alimentares da Ilha

representavam as formas possíveis de sobrevivência. Utilizavam os recursos

naturais disponíveis e, por isso, na Ilha, a alimentação sempre foi rica em peixes e

frutos do mar. Há cooperadas que relatam que o siri era tão farto que houve

períodos que se alimentavam basicamente de sua carne. A disponibilidade de

pescado na natureza facilitava o seu uso na culinária. Isso fez com que as

mulheres da Ilha aprendessem a fazer pratos utilizando peixes e crustáceos. A

moqueca capixaba é um prato de fácil acesso já que o peixe era fruto da pesca

dos homens da família e os demais ingredientes eram relativamente acessíveis.

O cardápio do restaurante foi construído baseado nos produtos disponíveis

na Ilha e que usam diariamente. Saladas e demais carnes não são pratos típicos

da região. No restaurante, isto gera dificuldades de atendimento de clientes que,

eventualmente, não apreciam peixes e frutos do mar.

Com o processo de urbanização da Ilha e criação de atrativos turísticos, as

tradições culturais alimentares sofreram uma valorização frente à cidade. Isto

permite a sobrevivência de formas mais primitivas de subsistência adaptando-as


192

ao sistema capitalista. Com o restaurante há uma transição do modelo baseado

na coleta e preparo dos alimentos para a subsistência para um modelo voltado

para o público externo, gerador de renda.

Tradições culturais também afetam o trabalho. Historicamente, as

atividades produtivas da Ilha estão ligadas à pesca (extrativismo). Os

relacionamentos são afetados e afetam a cultura do trabalho na comunidade. De

certa forma, as mudanças econômicas e das relações sociais sofrem um salto,

com a organização da cooperativa e do restaurante, passando da pesca para a

prestação de serviços.

A atividade da pesca realizada primordialmente por homens além de

marcar uma rotina da Ilha também envolve o hábito de receberem o dinheiro pelo

trabalho realizado diariamente. Culturalmente, as atividades desenvolvidas em

torno da pesca, como o desfio do siri, funcionam de modo semelhante. Trabalha-

se de acordo com a necessidade de quanto precisam ganhar para o consumo

diário, sem a preocupação de uma carga horária fixa, mas isto não significa que

trabalhem pouco, pelo contrário, é comum as desfiadeiras trabalharem dez horas

por dia. Contudo, se sentem independentes e livres para trabalhar.

Nesse cenário, as cobranças de horário de trabalho fixo na cooperativa e

rendimento mensal ou quinzenal como proposto inicialmente pelos técnicos da

prefeitura encontrou grande resistência. Mesmo atualmente com o pagamento

semanal, algumas cooperadas prefeririam receber pelo dia de trabalho e escolher

seu horário de trabalho. Talvez esta cultura explique um pouco da dificuldade de

adaptação à rotina de trabalho quando tentaram trabalhar fora da Ilha e fora da

atividade ligada à pesca. No que se refere às tradições culturais e as atividades


193

de trabalho na Ilha, paradoxalmente, enquanto os turistas visitam a Ilha em busca

de atividades típicas da região, os jovens se afastam para não se envolverem

nessas atividades que consideram menos valorizadas, mas vão trabalhar na

construção civil, em serviços de limpeza.

13.2 Família e Tradições Culturais

Apesar das relações familiares terem sido discutidas em capítulos

anteriores, este item busca destacar o papel das tradições culturais na

organização familiar como parte da estrutura sócio-cultural. Aspectos como a

importância da família extensa, a dominância masculina, as diferenças de papéis

de gênero, as mulheres como base da organização social da comunidade são

tradições culturais que têm passado de geração em geração, contudo, tem

enfrentado resistência das novas gerações.

A estrutura familiar das cooperadas reflete forte influência da família nos

papéis, valores e visão de mundo destas mulheres. As duas gerações de

mulheres, contudo, mostram uma evolução dos valores familiares. Elas percebem

mudanças no comportamento em geral dos moradores após a urbanização da

Ilha e a disponibilidade de serviços como transporte e escolas.

Em relação à família, as tradições culturais parecem estabelecer papéis

distintos para homens e mulheres. As freqüentes histórias de violência doméstica,

com episódios recorrentes de agressão da mulher pelo marido apontam para

relações de poder do homem sobre a mulher que a sociedade moderna condena.

Outra característica é o envolvimento das avós no cuidado com os netos e, às

vezes, até assumindo a responsabilidade pela criação dos mesmos.


194

O machismo na Ilha foi apontado, direta ou indiretamente, pelas

cooperadas, e por vezes, foi vinculado à violência doméstica. No entanto, os

homens não ocupam a posição de provedores nas famílias. Algumas têm uma

história marcada pela luta pela sobrevivência sem a ajuda masculina e, mesmo as

que possuem um companheiro, estes não assumem o sustento da família, apesar

de desfazerem das mulheres que tentam conseguir renda.

O ciúme e o incômodo gerados por comentários na comunidade de que

aquele grupo de mulheres reunidas na cooperativa era porta de entrada para

comportamentos inadequados associados à traição fez com que, em alguns

momentos, enfrentassem a posição contrária do marido ou da família em geral

com relação à participação na cooperativa.

As tradições culturais relacionadas à família também se manifestam no

discurso das cooperadas e têm forte impacto nas relações familiares, de amizade

e de trabalho, tendo em vista que são valores, normas, princípios que regem a

vida social da comunidade.

13.3 Mídia e Tradições Culturais

A mídia exerce um papel importante na criação da imagem da cooperativa,

selecionando e divulgando tradições culturais que, por vezes, nem se manifestam

mais, mas que servem de um estereótipo para o grupo.

Com a abertura do restaurante servindo pratos típicos da culinária

capixaba, a cooperativa ficou em evidência nos principais veículos de

comunicação do Estado, voltados para a divulgação turística da região. Durante o

período da pesquisa, equipes de reportagem visitaram o local, como a revista


195

Globo Rural, o programa Em Movimento, da TV Gazeta, o Jornal Local da TV

Tribuna.

As informações repassadas aos jornalistas são parcialmente idealizadas e

romantizadas em alguns aspectos, como seria esperado em um esforço de

marketing e publicidade. A presença na mídia é fator de orgulho para as

cooperadas, apresentam-se de maneira diferenciada buscando projetar uma boa

imagem.

As reportagens funcionam como uma divulgação não apenas da

cooperativa, mas da Ilha como um todo, pois sempre enfocam os aspectos da

cultura da Ilha, das belezas naturais e beneficia o restaurante explorando a sua

localização à beira do mangue e a história de luta das cooperadas para manterem

o empreendimento. A imprensa, assim, contribui para criar a imagem da

cooperativa e do restaurante como uma instituição tipicamente capixaba e opção

para os turistas.

Nos últimos anos, durante a Semana Santa, a cooperativa sempre é foco

de reportagens em função da produção das tortas capixabas, que podem ser

encomendadas ou servidas no restaurante. Esse é um período importante por

propiciar maior rendimento financeiro e também pela visibilidade proporciona às

cooperadas.

Em suma, a exposição na mídia afeta os relacionamentos entre as pessoas

da Ilha, podendo gerar o conflito entre elas. Por outro lado, parece aumentar a

auto-estima dessas mulheres. Possivelmente, a mídia influencie as relações

estabelecidas pela comunidade externa com essas cooperadas.


196

14. OS GRUPOS E OS RELACIONAMENTOS

Cada relacionamento pode envolver interações de diversos tipos e estar

relacionado com um ou mais grupos sociais. Hinde (1997) sugere que os

relacionamentos agrupados compõem uma rede, denominada grupo social e esta

rede de relacionamentos pode sobrepor-se ou manter-se isolada como grupos

distintos.

Ao longo do desenvolvimento da cooperativa ocorrem mudanças na

formação dos grupos de trabalho. Na configuração existente no momento da

pesquisa, a cooperativa estava dividida em dois grupos de trabalho, com o intuito

de propiciar às cooperadas trabalhar em dias alternados. Esta divisão afetou os

relacionamentos estabelecidos pelas cooperadas no grupo de trabalho,

fomentando a competição e as divergências entre os grupos. Brigas que

ocorreram entre cooperadas de um mesmo grupo em contextos externos à

cooperativa e por motivos de ordem pessoal e familiar levam à mudança de grupo

de trabalho como forma de minimizar o mal estar entre as mulheres e tem

fomentado ainda mais aspectos competitivos entre os grupos. Neste cenário a

presidente tenta atuar como mediadora entre os dois grupos.

As cooperadas formam um grupo de trabalho, mas com a especificidade de

estar baseado em relações familiares ou relações de amizade que são anteriores

à formação desse grupo de trabalho. Então, temos um quadro onde o indivíduo

não apenas pertence a diferentes grupos que irão influenciá-lo, mas há uma

sobreposição no grupo de trabalho de questões e relações que originalmente

estão relacionadas ao grupo familiar.


197

Esta forte influência que o grupo familiar tem sobre os processos que

ocorrem na cooperativa ocasiona, no ambiente de trabalho, desentendimentos

oriundos do contexto familiar. Sendo assim, um problema familiar gera

desentendimento também no trabalho repercutindo no processo produtivo e na

dinâmica do grupo de trabalho. Padrões de interação no grupo de trabalho estão

permeados pelas regras dos grupos familiares e regras da comunidade local que

se apresentam como formas de controle da relação estabelecida entre as

pessoas.
198

15. RELACIONAMENTOS E COOPERATIVA: UMA SÍNTESE

A partir dos dados obtidos, são destacados alguns aspectos centrais do

papel dos relacionamentos interpessoais na construção e manutenção de uma

cooperativa de produção. O primeiro aspecto refere-se à construção do sistema

cooperativo como uma reorganização das relações interpessoais. O segundo trata

da dimensão sócio-cultural e ambiental e a transferência das relações familiares e

de amizade para o trabalho. Apesar do modelo de Hinde (1997) apresentar

estruturas sócio-culturais e ambiente físico como duas dimensões distintas, na

prática, não se pode pensar o ambiente histórico humano como algo isolado de

suas determinações sociais e culturais. Neste sentido, também não se pode

pensar na sociedade de forma isolada de suas estruturas sócio-culturais e

ambientais. Finalmente, um terceiro aspecto aborda a liderança e o processo

decisório como partes integrantes da dinâmica da cooperativa.

15.1 A Dimensão Sócio-Cultural: Construção do Sistema


Cooperativo como uma Reorganização das Relações
Interpessoais

O desenvolvimento histórico da cooperativa está dialeticamente

relacionado às mudanças nas relações interpessoais. Paralelamente às

mudanças de ordem geográfica e econômica, dá-se uma reorganização dos

relacionamentos interpessoais.

Do ponto de vista do relacionamento interpessoal, a formação da

cooperativa exige uma nova estrutura e dinâmica nas relações entre as pessoas,

especialmente para as mulheres da Ilha, afetando, ainda indiretamente toda a


199

comunidade. A mudança econômica traz consigo novas formas de produção que

exigem novos papéis e novas relações entre as pessoas, as quais são inseridas

em uma estrutura de trabalho que espera o desenvolvimento de relações

profissionais. Antes da formação da cooperativa trabalhavam, na maioria das

vezes, dividindo o mesmo espaço físico, mas era um trabalho individualizado. Não

havia cumprimento de horário, metas de desfio, divisão do processo de trabalho

com outras pessoas. O relacionamento que estabeleciam nas portas das casas

era uma relação entre vizinhos, parentes e amigos e não relações profissionais ou

de trabalho propriamente ditas.

Com a criação da cooperativa o processo de desfio é fragmentado para

que todas possam ter atividade. Uma das primeiras conseqüências da

organização do trabalho na cooperativa, com a divisão do processo produtivo, foi

a hierarquização das funções, entre as nobres e outras não valorizadas. As

responsáveis pelo desfio acreditavam ser mais importantes, pois faziam a

atividade principal e, com isto, as relações no grupo de trabalho começaram a ser

assimétricas. As atividades não eram vistas como complementares e importantes

para o funcionamento da cooperativa.

A frustração com as expectativas de ganho financeiro e a hierarquização

do trabalho interferiram na construção das relações profissionais entre as

cooperadas nesse momento inicial. Com o rendimento financeiro insatisfatório e a

ocorrência de muitas discussões, desentendimentos entre as cooperadas

começam a ocorrer desistências.

Com o restaurante, novas mudanças se tornam necessárias, na estrutura

física do lugar e no trabalho das cooperadas. A estrutura física, projetada para o


200

desfio do siri, é adaptada para atender a nova atividade. Neste período são feitos

ajustes no processo produtivo, com o estabelecimento de novas funções e uma

reorganização das relações entre as pessoas. A mudança de atividade propicia

certa similaridade entre as cooperadas frente ao trabalho, pois nenhuma tinha

experiência anterior nessa área. São criados dois turnos de trabalho, gerando

dois grupos na cooperativa, o que, novamente, altera as relações entre as

cooperadas, que passam a ter maior envolvimento apenas com o seu grupo de

trabalho. Com isto, há uma cisão entre as cooperadas. As divergências

aumentam e, além dos conflitos interpessoais, agora surgem conflitos

intergrupais. A presidente passa a mediar também a relação entre os grupos, face

ao surgimento de certa rivalidade entre eles. Esta divisão proporciona uma nova

configuração para os relacionamentos na cooperativa, influencia a desmobilização

e propicia a competitividade entre as cooperadas de grupos diferentes.

De modo geral, a permanência na cooperativa está relacionada à

necessidade de um rendimento para sustento das famílias das cooperadas e à

falta de alternativas de trabalho com maiores rendimentos. Dentre as cooperadas,

apenas três mantêm o desfio do siri como importante fonte de renda, por

desfiarem uma maior quantidade diária. As demais não têm o desfio como

atividade fixa, sendo uma atividade extra que rende muito pouco em função da

falta de agilidade para o desfio. Outras duas cooperadas possuem um trabalho

formal, noturno, em uma lanchonete em área nobre de Vitória e, em função disso,

sempre que precisam abrem mão do serviço na cooperativa.

Em função da pouca mobilização das cooperadas, a cooperativa acaba

funcionando de modo muito semelhante a uma empresa privada, com pouca


201

participação dos indivíduos que nela trabalham. Entre as participantes, há uma

oscilação entre aspectos positivos e negativos da cooperativa. De um lado,

sentem orgulho, satisfação, reconhecendo o papel da cooperativa no

desenvolvimento da Ilha e na mudança do papel das mulheres na estrutura social

local. Por outro lado, há a insatisfação, a descrença, a desmobilização em termos

de participação no processo de gestão da cooperativa. Algumas esperavam que

uma intervenção externa propiciasse uma mudança nas relações de trabalho, na

gestão do negócio, mas não compreendiam que para intervenção externa ocorrer

seria necessário que as cooperadas permitissem, se mobilizassem para isso.

15.2 A Dimensão Sócio-Cultural e Ambiental: A


Transferência das Relações Familiares e de Amizade para o
Trabalho

Historicamente, os padrões de relacionamento parecem atrelados a

relações familiares e na comunidade, com amigos e parceiros.

O indivíduo pertence a várias redes de relacionamento ou grupos. Entre as

cooperadas é enorme a influência do grupo familiar sendo este grupo co-

responsável por várias situações vivenciadas no ambiente de trabalho da

cooperativa.

A esfera familiar e a profissional estão intimamente ligadas, pois não é

possível desconsiderar o impacto que uma exerce sobre a outra. Ao entrar na

esfera profissional o indivíduo não é desprovido dos demais papéis sociais que

representa principalmente, os papéis familiares de mãe, esposa, filha, tia. Esses

são fatores de forte influência, portanto, há uma permeabilidade entre os diversos

papéis familiares e profissionais vivenciados pelas cooperadas, sendo, por vezes,


202

a cooperativa, literalmente, uma extensão da casa das cooperadas. Assim não só

preocupações, sentimentos de culpa, desgaste emocional, conflitos, mau-humor,

mas também aspectos positivos como tranqüilidade, disponibilidade para ajudar,

alegria, bom-humor originam-se em ambas as esferas e interferem nos

relacionamentos estabelecidos no espaço familiar e profissional. Na cooperativa o

que é transposto para a esfera profissional são as próprias relações familiares, ou

seja, em função dos vínculos familiares na cooperativa é possível perceber uma

continuidade da relação familiar no contexto de trabalho.

Portanto, falar das relações interpessoais na cooperativa estudada implica

em ressaltar que essas são de ordem primordialmente familiar, considerando que

mesmo a cooperada que não possui laço de parentesco direto se comporta de

forma semelhante às demais considerando a comunidade da Ilha como uma

família que a acolheu em um momento de dificuldades. As fronteiras físicas da

família e organização coincidem, pois a cooperativa localiza-se na parte baixa da

Ilha, onde as cooperadas e seus familiares sempre viveram, o entorno é

totalmente familiar.

Encontramos uma influência mútua entre família e cooperativa que em

vários momentos prejudicam ambos, família e negócios. As pessoas que

executam as tarefas constituem um único grupo de vivência familiar e profissional,

conseqüentemente, a vivência das cooperadas é afetada por aquilo que acontece

em ambos os sistemas. Conflitos são desencadeados em função das dificuldades

de separarem as relações familiares das decisões e relações profissionais.

A presença dos laços familiares cria um sistema organizacional familiar

baseado na lealdade e na submissão, que impede qualquer movimento contrário.


203

Nem tudo, porém, é desvantagem. A relação cooperativa/família carrega consigo

lealdade, dedicação, sensibilidade à vivência dos colegas, sacrifícios feitos pela

família, orgulho familiar.

O caráter informal das relações estabelecidas na cooperativa tem

implicações no modo como são distribuídas as atribuições e responsabilidades e

constituem a visão que as cooperadas têm do negócio.

Apesar dos laços familiares, não há expectativa de que as filhas venham a

se envolver com o desfio ou na cooperativa. Isto seria uma última opção, na

ausência de outras oportunidades. Também estão cientes de que, sem o

interesse dos jovens, a cultura do desfio e da culinária pode se perder. Esta

situação retrata a dicotomia entre valorização e desvalorização do trabalho que

desenvolvem, bem como retrata o desejo e expectativa de deixarem algo da

própria história para as filhas, do trabalho que realizam propiciar opção também

para as filhas. Oscilam entre não acreditar no desenvolvimento do trabalho que

realizam e valorizarem a importância da cooperativa para o desenvolvimento de si

mesmas e da Ilha.

As cooperadas parecem viver o conflito entre o passado e o presente.

Procuram manter as tradições culturais do passado, mas também devem atender

às exigências contemporâneas de uma organização e administração modernas.

Assim, a transmissão de ensinamentos de geração a geração entra em conflito

com as novas demandas da sociedade moderna, mudanças sociais e do

ambiente físico, da estrutura de trabalho, das demandas e ofertas da sociedade.

Algumas características das relações observadas na cooperativa são

coerentes com as observações de Macêdo (2001), Lodi (1993, 1994), Vidigal


204

(1996) quando caracterizam a cultura de organizações onde são predominantes

as relações familiares entre os trabalhadores, tais como: a supervalorização das

relações afetivas em detrimento de vínculos organizacionais; a tomada de

decisões é marcada pelo improviso e impulsividade da presidente, sendo

observado ainda uma supervalorização de aspectos emocionais; posturas

centralizadoras da presidente chegando ao autoritarismo e paternalismo como

características da sua liderança; uso da comunicação verbal e de contatos

pessoais ao invés de contratos formais.

15.3 A Dimensão Grupal: Estilo de Liderança e Processo


Decisório

Do ponto de vista organizacional, pode-se apontar algumas dificuldades

presentes na cooperativa, como a falta de capacitação das cooperadas, a

interferência dos relacionamentos familiares nas relações profissionais, a

precariedade no estabelecimento de relações profissionais propriamente ditas,

restrições à intervenção externa na gestão administrativo-financeira, apesar da

demanda por ajuda financeira externa.

A liderança de um empreendimento cooperativo é bastante complexa.

Geralmente, é uma situação ambígua visto que a autogestão é o foco em uma

organização cooperativa. Na cooperativa estudada a líder assume uma posição

que ninguém quis ocupar, fazendo a mediação entre as cooperadas das distintas

turmas de trabalho e entre o público interno e o externo. Neste sentido, recebe

críticas de todos os lados. Contudo, possivelmente, é sua presença que impede

que o grupo se desfaça e que cada uma siga seus próprios interesses.
205

A presidente é a figura central da cooperativa e o poder de decisão

encontra-se em suas mãos. Praticamente, não há participação das cooperadas

nas decisões relativas à rotina de trabalho e à gestão financeira. Acrescido a isto

a presidente ocupa ainda grande influência na vida familiar das demais

cooperadas, sendo uma figura de referência do grupo para solucionar problemas

de toda ordem.

A concentração do poder de decisão nas mãos da presidente gera um

clima de insatisfação e instabilidade no ambiente de trabalho. A sociabilidade da

presidente facilita o trânsito na comunidade externa, contribuindo para a

sobrevivência da cooperativa. Segundo ela, “não tem vergonha de pedir, de dever

e renegociar” (C12). As demais cooperadas não se sentem à vontade para

exercer tais funções. Assim, apesar das queixas com relação à não prestação de

contas da gestão financeira, da permanência de uma única pessoa na

presidência, expressam não terem coragem de assumir situações que impliquem

pedir ajuda financeira a outras instituições e renegociar dívidas.

Na cooperativa, a presidente, talvez em função do seu estilo de liderança,

conseguiu imprimir à condução do negócio sua visão de mundo, seus valores e

suas crenças nos papéis que a organização deve desempenhar, criando modelo e

cursos de ação. Ainda cabe à presidente permitir ou não a entrada de

cooperadas, autorizar a mudança de turno de trabalho, definir o valor do

pagamento semanal, fazer o controle do caixa, atender aos fornecedores e decidir

sobre a compra de produtos, intervir em discussões entre as cooperadas e em

problemas de ordem familiar vivenciadas por elas.


206

As decisões são tomadas prioritariamente pela presidente. Quando avalia

ser adequado comunicar às demais os problemas existentes e as soluções

propostas, geralmente aproveita o momento de chegada, enquanto tomam um

café, para fazer as comunicações. O ambiente familiar serve de palco para

discussões que envolvem situações vivenciadas na cooperativa assim como

temas familiares são discutidos na cooperativa.

Por outro lado, a forma de atuar da presidente nas situações mais difíceis

tem possibilitado a sobrevivência da cooperativa devido à sua capacidade de

agregar as mulheres que decidiram ou precisam permanecer na cooperativa. Por

isto, com a relação de confiança entre algumas cooperadas e a presidente

diminuindo em função da não prestação de contas da gestão financeira a

cooperativa tem sofrido ainda mais, pois a diminuição do interesse de algumas

cooperadas afeta a própria organização.


207

16. GESTÃO E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL

16.1 Gestão e Relacionamento Interpessoal no Trabalho


Cooperado

Neste item, são discutidos os resultados obtidos à luz dos estudos

organizacionais voltados para empreendimentos cooperativos, especialmente

aqueles que analisam aspectos do relacionamento interpessoal.

Grande parte da discussão que permeia o quadro do cooperativismo

popular passa pela definição de economia solidária que, segundo Alcântara

(2005), refere-se à solidarização de capital e a autogestão. Os resultados,

contudo, indicam a dificuldade da implantação de autogestão, caracterizada pela

tomada de decisões compartilhada pelo grupo e pelo poder compartilhado.

A inserção das cooperadas na cooperativa, conforme ressalta Singer

(2002), é um reflexo de políticas públicas que propõem a criação de cooperativas

ou associações para que as pessoas possam sair da pobreza, mas sem propiciar

condições mínimas de atuação, abrindo as portas mais para o assistencialismo do

que para a autogestão.

Este cenário reproduz, em parte, o ocorrido na Ilha onde a proposta de

formação da cooperativa não surge das desfideiras, mas da Prefeitura de Vitória.

Buscava-se geração de renda para a população, mas nenhum estudo prévio foi

feito visando compreender as atividades desenvolvidas pelos moradores e as

peculiaridades do local e da organização de trabalho vigente. De modo

semelhante ao estudo de Clemente, Albuquerque e Reyes (1993), as cooperadas

da Ilha vêem a cooperativa como órgão assistencialista. Em vários momentos,


208

expressaram que caberia à cooperativa dar melhores condições de vida a elas,

como se a cooperativa fosse uma entidade sem relação com as cooperadas e

dependente do poder público. Nesse sentido, esperam deste o atendimento de

suas necessidades básicas de renda e mesmo necessidades mais simples como

a divulgação do restaurante. Acreditam que deveriam ser isentos do pagamento

de impostos, que caberia à OCB dar dinheiro para reformas, ou seja, não se

colocam como agentes do processo.

A formação da cooperativa não significou uma melhoria real nas condições

de vida das cooperadas, apesar da elevação do preço do siri e do aprendizado de

técnicas de conservação do produto. Isto porque houve o esvaziamento da

cooperativa e o fracasso na divisão do trabalho de desfio por ter gerado um

quadro de desigualdade entre desfiadeiras e ajudantes, ou seja, uma

hierarquização entre os que administram, os que executam atividade vistas como

mais nobres e os demais que apenas auxiliam. Com a fragmentação da produção

e a perda do controle sobre o processo de trabalho propiciaram grande

insatisfação acarretando a mudança na atividade, passando do desfio ao

restaurante.

Com a cooperativa, as desfiadeiras de siri obtiveram uma condição melhor

de trabalho e renda, pois aprenderam técnicas de manipulação e conservação do

siri desfiado que passou a ser congelado. Antes, o que desfiavam e não vendiam

tinha que ser descartado porque não sabiam o que fazer para conservar o

produto. Em função da melhoria nas condições do produto, o preço se elevou

resultando em aumento da renda. Além do objetivo de geração de renda, a

cooperativa funcionou ainda como um veículo de reconhecimento social da


209

profissão de desfiadeira de siri. Conforme Rodríguez (2002), o reconhecimento

social de determinadas profissões que sofrem preconceitos sociais e são

constantemente discriminadas representa um importante papel das cooperativas

populares. Assim, houve um processo de reencaixe econômico, social e

identitário (Rodríguez, 2002) das desfiadeiras de siri da Ilha, profissão da grande

maioria das mulheres da comunidade. O orgulho das cooperadas ao serem o foco

da mídia local e nacional retrata também este processo de reencaixe como algo

muito benéfico e propiciado, em larga medida, pela criação da cooperativa e pela

urbanização da Ilha das Caieiras.

Parte fundamental do processo de formação de uma cooperativa encontra-

se na preparação dos trabalhadores para o exercício da atividade neste novo

contexto, mas há uma barreira comum nas cooperativas populares: o baixo nível

de escolaridade. Na cooperativa estudada esse quadro se repete. Albuquerque

(1994) e Lima (2004) concordam que a baixa escolaridade é um fator que

compromete o processo de formação dos trabalhadores para a experiência

cooperativa. Por outro lado, os autores crêem que este problema possa ser

minimizado com uma educação cooperativa permanente, fomentando a

participação e análise da atividade que realizam, se é individual ou não. Para

compreender como ocorreu o processo de educação cooperativa realizado com

as desfiadeiras foi necessário basear-se nos dados das entrevistas, pela falta de

documentos referentes a cursos ministrados, especificando seu conteúdo ou

carga horária, por exemplo. Nas entrevistas, ficou claro que apenas os conteúdos

que tratavam da manipulação de alimentos ainda eram recordados,

possivelmente por relacionarem-se com o cotidiano das desfiadeiras, donas de


210

casa e por ter ajudado a resolver o problema da conservação do siri. Portanto,

para que a formação ocorra é necessário conhecer a realidade da comunidade,

do trabalho a ser desenvolvido na cooperativa e do grupo de cooperadas, a

trajetória dos indivíduos, os aspectos relativos aos relacionamentos familiares,

sociais e profissionais.

As dificuldades para o desenvolvimento de uma cultura autogestionária já

estão presentes nas expectativas das cooperadas no momento de formação da

cooperativa, incluindo a valorização do assalariamento, da carteira assinada, a

incompreensão quanto à necessidade de intensificação do trabalho, a falta de

entendimento das características e peculiaridades de uma cooperativa, a

participação na cooperativa vista como falta de opção de emprego, a

permanência na cooperativa vista como temporária, entre outros fatores.

Há uma transferência de hábitos de um cenário anterior ao

estabelecimento da cooperativa para os processos que se iniciam na cooperativa

persistindo, entre as cooperadas, expectativas e hábitos ligados ao tipo de

atividade anterior, ou seja, ao desfio do siri e à forma como este era realizado, um

processo de trabalho individualizado e com a possibilidade de rendimento diário:

“trabalhou, vendeu, recebeu”.

Algumas das investigações empíricas em torno do cooperativismo,

autogestão e economia solidária abordam relações interpessoais, de modo

positivo, considerando seu aspecto potencializador no desenvolvimento destas

organizações, ou como possíveis geradoras de conflitos e entraves (Correia &

Moura, 2001; Rocha, Zoby, Gastal & Xavier, 2003; Maciel, Sena & Sabóia, 2006;

Scopinho & Martins, 2003). Portanto, pode-se considerar como primordial a


211

compreensão das relações interpessoais e posterior reorganização das mesmas

frente às transformações impostas pela mudança de atividade econômica.

Os dados apresentados por Scopinho e Martins (2003) relativos às

dificuldades de sobrevivência enfrentadas pelas cooperativas são, exatamente, os

aspectos geradores de conflito e insatisfação na cooperativa das desfideiras: as

dificuldades econômicas e dificuldades de relacionamento interpessoal entre os

cooperados, relacionadas à falta de formação para organizar as relações de

trabalho, sociais e familiares e a vida cotidiana com base em princípios

cooperativistas. Existe um distanciamento entre a cooperativa pensada e a real e

isto gera conflitos intra e inter-grupais que, por sua vez, podem resultar na evasão

de membros. Este processo ocasiona também dificuldades e entraves na

comunicação e na condução do processo decisório.

Outro aspecto importante no desenvolvimento dos relacionamentos em

organizações cooperativas refere-se à liderança. Albuquerque (1994) apresenta

um quadro similar ao encontrado na cooperativa das desfiadeiras: onde há

aqueles que falam (os dirigentes) e os que ouvem e obedecem, os associados,

sente-se a falta da concretização de um princípio básico do cooperativismo que é

a participação de todos os membros. Considerando a realidade estudada na

cooperativa das desfiadeiras, quanto à liderança foram observadas e abordadas

pelas entrevistadas dificuldades em relação à gestão democrática. As relações

interpessoais liderança-cooperadas parecem preservadas quando não se trata de

aspectos de trabalho. A presidente é figura central para as cooperadas quando se

encontram em alguma situação de conflito, de desestruturação familiar e até

mesmo dificuldades financeiras.


212

Na pesquisa presente ficou evidente que as dificuldades de relacionamento

interpessoal vivenciadas no contexto da cooperativa tinham, em geral, origens no

ambiente doméstico. Deu-se, assim, a sobreposição das relações familiares e da

comunidade sobre as relações de trabalho, inclusive no ambiente da cooperativa.

Essa sobreposição das relações também foi observada por Estol e Ferreira (2006)

que, em estudo relativo à gestão de empresas familiares, apontam que a

participação da família na gestão da empresa costuma desencadear conflitos

relacionados às dificuldades de separar relações familiares e decisões

profissionais.

Um aspecto que tem sido alvo recente dos estudos organizacionais

focando organizações cooperativas envolve a idéia de redes interorganizacionais

visando a cooperação entre cooperativas, com base nas relações interpessoias

(Gonçalves, 2005; Batschauer & Campos, 2005; Silva, 2004). A cooperativa

investigada parece estar completamente isolada, não apresentando qualquer

relação com outras cooperativas. Também não foi percebida qualquer

mobilização no sentido de estabelecer contatos para desenvolvimento de

parcerias com agências de turismo ou qualquer outra organização ou pessoas de

“fora da Ilha”. Até mesmo os pedidos a políticos são feitos quando esses vão à

Ilha.

Em suma, a cooperativa estudada apresenta características e dificuldades

semelhantes às de outras cooperativas que vem sendo investigadas no Brasil.

Com relação à aplicação prática dos princípios cooperativistas (OCB, 1992),

apenas o princípio da adesão voluntária dos membros foi observado no cotidiano

da cooperativa estudada. Outros princípios ainda precisam ser implementados de


213

forma mais abrangente, como a gestão democrática, a participação econômica

dos membros, a autonomia e independência, o investimento em educação,

formação e informação, o contato e cooperação com outras cooperativas. Com

relação ao último princípio que enfatiza o interesse pela comunidade, a história de

formação da cooperativa desempenhou um importante papel de projeção positiva

da comunidade da Ilha.

16.2 O FUTURO: Alterando Relacionamentos

Conforme observado na revisão de literatura, as organizações cooperativas

são fenômenos complexos, pois têm sua origem em interesses ou necessidades

de um grupo específico que busca pela via da associação obter resultados

primordialmente de ordem econômica. Para atingir este objetivo o grupo deve

criar e fazer parte de uma organização baseada em princípios cooperativistas.

Tem-se que salientar que este estudo abordou uma cooperativa formada

por mulheres, em sua maioria, excluídas do mercado e que tiveram na

cooperativa a primeira oportunidade de reencaixe econômico, social e identitário,

conforme expresso por Rodriguez (2002), bem como, a oportunidade de ter a

profissão de desfiadeira valorizada e reconhecida, pois é exatamente a partir da

cooperativa que conseguem estabelecer um valor mínimo para o produto que

comercializavam, o siri desfiado.

Na cooperativa observa-se mais variáveis afetivas, como lealdade e

dedicação ao familiar mais próximo, do que variáveis racionais que estariam

ligadas aos aspectos administrativos. A grande questão está em como conciliar

conflitos, interesses, intenções, funções, consanguinidade, afetividade e


214

hierarquia doméstica com gestão profissional dos negócios. A idéia de

profissionalização carrega consigo a constituição de normas profissionais

condutoras de eficiência/eficácia, e neste contexto qual é a diferença se as

relações familiares se fizerem ou não presentes? Além dessa questão, pode-se

questionar: é possível unir relacionamento familiar e todo seu sentido histórico-

simbólico-subjetivo com a objetividade e as exigências administrativas de uma

organização para sobreviver no mercado atual?

Na verdade, é possível conjugar profissionalização das relações no

ambiente da cooperativa com relações familiares desde que o grupo de

cooperadas esteja preparado para isto. Hinde (2001) explica que o curso de um

relacionamento depende em grande medida das características psicológicas dos

participantes, portanto, a formação e as mudanças nos relacionamentos envolvem

características pessoais dos participantes. Estas características são identificadas

pelo autor como sendo as expectativas do indivíduo, o posicionamento quanto a

normas culturais, sociais e organizacionais, o autoconceito, a auto-estima, os

valores religiosos, as habilidades de comunicação, dentre outras.

A cooperativa organiza-se a partir das relações estabelecidas entre as

pessoas que são cooperadas, entre as cooperadas e as pessoas da comunidade

em que estão inseridas e entre as cooperadas e o ambiente físico e cultural.

Portanto, as relações podem funcionar como potencializadoras ou como

dificultadoras dependendo de como são estabelecidas. Deve-se analisar se há

sobreposição entre os diferentes grupos sociais, pois este pode ser um fator

dificultador do estabelecimento de relações profissionais na cooperativa. O

estabelecimento de relações profissionais deve ser algo almejado, pois se as


215

relações pautarem-se apenas em vínculos de amizade e familiares podem

facilmente dificultar o desenvolvimento do empreendimento. O estabelecimento

de relações profissionais pode ser facilitado pelo processo de formalização das

relações no ambiente de trabalho.

Ao propor a criação de uma organização cooperativa será importante,

inicialmente, analisar a atividade que as pessoas da comunidade em questão

realizam. É fator primordial compreender como é a organização do trabalho

realizado pelas pessoas daquela comunidade ou do grupo específico. Na Ilha, por

exemplo, temos um histórico que nos mostra uma relação com o trabalho muito

individual, sendo a quantidade de investimento na atividade de trabalho

relacionado ao necessário para sobrevivência diária. A organização do trabalho

era baseada no indivíduo apesar de ser uma atividade realizada por quase todas

as mulheres da Ilha e a atividade realizada no ambiente coletivo. Assim, após o

estudo de como é organização do trabalho na comunidade onde deverá ser

implementada a cooperativa é importante compreender os fatores facilitadores e

dificultadores para a criação de uma organização do trabalho que esteja coerente

com a atividade desenvolvida e as exigências de uma organização cooperativista.

Após este processo de reconhecimento da atividade desenvolvida pelos

futuros membros da cooperativa e a verificação de viabilidade de uma

organização do trabalho que propicie atender aos princípios cooperativistas será

importante construir junto com o grupo os objetivos da cooperativa e o processo

de trabalho a ser implementado.

Para o desenvolvimento da cooperação é necessário estar claro entre as

cooperadas os objetivos a serem atingidos e o processo pelo qual irão passar


216

para obterem sucesso. Então, deve-se definir objetivos e construir os meios para

atingi-los, bem como construir regras, rotinas, procedimentos, superando as

diferenças em prol de um projeto comum atendendo, inclusive, as exigências de

um mercado competitivo.

É preciso criar uma organização do trabalho que propicie a cooperação, ou

seja, aspectos como a distribuição igualitária de recursos pautada ainda na

valorização do processo de comunicação claro, transparente, onde todas possam

estar cientes dos objetivos a serem alcançados.

Na cooperativa em estudo observa-se que as expectativas das cooperadas

não estavam, desde o momento da criação da cooperativa, coerentes com o que

uma organização cooperativa pode e deve oferecer aos seus cooperados.

Portanto, um trabalho com o objetivo de profissionalizar as relações no contexto

organizacional deve partir dos indivíduos que fazem parte da organização, que

propiciam a existência da organização cooperativa. É preciso que as cooperadas

compreendam o que é uma cooperativa, independentemente do ramo de atuação,

em quais princípios este tipo de organização de baseia. Isto de forma clara,

pautado na realidade em que vivem e na compreensão que possuem do que seja

uma cooperativa. O primeiro momento, portanto, é trabalhar as expectativas dos

indivíduos do grupo que será formado.

Cursos de formação e aprimoramento são fundamentais para

instrumentalizar as cooperadas para a realização de atividades com qualidade e

para convivência em uma organização cooperativa. Sabe-se que não é nada fácil

assimilar e rapidamente incorporar novas formas de pensar e de agir, colocando-

as em prática de modo a sempre levar em consideração o outro, por mais


217

elevadas que sejam as metas de democracia, igualdade e autogestão. Por isso, a

preparação das cooperadas para trabalharem neste novo contexto é importante,

ressaltando que cursos devem ser realizados constantemente, inclusive deve

ocorrer um processo de incentivo para a busca de escolarização formal, já que é

comum a baixa escolaridade. Temáticas como o que é cooperativismo, seus

princípios, diferenças entre cooperar e competir, relações entre indivíduo e

coletividade, noções de Direito aplicado ao cooperativismo, noções de

administração e contabilidade, adequação de produtos e serviços às

necessidades do mercado, visando promover viabilidade econômica do

empreendimento são algumas temáticas importantes para preparar as

cooperadas para o trabalho cotidiano. O ideal é fazer um processo de avaliação

constante para acompanhar o desenvolvimento da cooperativa que vislumbre

também intervenções à medida que as dificuldades surgirem. É fundamental

valorizar os conhecimentos das cooperadas para que seja possível uma troca de

experiências entre o que as cooperadas sabem e conhecem da atividade que

realizam, a aquisição de novos conhecimentos e a realização do trabalho de

maneira cooperativa.

A vinculação de um produto ou serviço a uma comunidade popular tem

possibilidade de repercussão positiva quando atrelado à qualidade e

desenvolvimento das pessoas. A imagem positiva construída pela mídia e por

pessoas que estão fora da Ilha relativa à cooperativa estudada reflete o interesse

que propicia uma organização formada por pessoas sem formação formal, mas

que realizam atividades típicas, ainda de modo artesanal.


218

A formalização da cooperativa é um fator importante, portanto a

regularização jurídica; a organização contábil, elaboração de plano de negócios,

incluindo estudos de viabilidades, organização das normas de conduta,

organização da produção apropriada à estrutura cooperativa, aos princípios de

preservação ambiental sendo que todo este processo deve contar com a

participação das cooperadas.

A rotatividade no poder, processo de comunicação claro e pautado na

participação de todas cooperadas no processo de tomada de decisão,

apresentação de prestação de contas incluindo custos e lucros, distribuição

igualitária dos recursos são processos que ajudam no desenvolvimento de ações

cooperativas entre as cooperadas.

Um dos problemas que se apresenta no trabalho de formação de

cooperativas com grupos populares é o fato de esses trabalhadores depararem-

se com questões práticas de gestão que, na maioria das vezes, não encontram

precedentes em suas experiências anteriores, tais como a produção sem a

possibilidade substituir, contratar ou demitir as pessoas em função das

necessidades do empreendimento. Assim, construir uma cooperativa implica em

avaliar quantas cooperadas seriam possíveis ou necessárias para que o

desenvolvimento das atividades seja compatível com um rendimento financeiro

mínimo necessário para a manutenção da cooperativa e das cooperadas.


219

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações finais estão relacionadas a dois planos distintos, um

referente ao caso específico da organização e funcionamento das cooperativas e

o papel do relacionamento interpessoal e outro referente à contribuição de Robert

Hinde para a pesquisa do relacionamento interpessoal nas organizações.

Particularmente, quanto à cooperativa investigada, algumas considerações

podem ser feitas:

(a) A necessidade de estudos prévios das condições sociais e históricas

para a implantação de uma cooperativa, incluindo um estudo das redes de

relações interpessoais e como estas serão afetadas pelo novo empreendimento;

(b) A necessidade da formação das pessoas que irão participar do

empreendimento, levando-se em conta a história da população alvo e a história

da atividade a ser desenvolvida no empreendimento, buscando sua formação

técnica, mas também social e administrativa. A formação deve dar-se de forma

continuada;

(c) A necessidade de acompanhamento do desenvolvimento organizacional

e interpessoal, incluindo as relações profissionais.

A presente pesquisa apresenta uma perspectiva dos relacionamentos

como uma contribuição específica para os estudos organizacionais,

particularmente no caso das cooperativas. Esta perspectiva permite:

(a) Compreender a estrutura e a dinâmica das cooperativas a partir dos

relacionamentos interpessoais em sua história e funcionamento atual. O foco nos

relacionamentos contribui para a compreensão de uma estrutura complexa,

complementando outras perspectivas de investigação;


220

(b) Subsidiar formas de capacitação dos associados no âmbito das

relações interpessoais, visando desenvolver as relações profissionais com o

público interno e externo à cooperativa, incluindo fornecedores e clientes, entre

outros.

Finalmente, sugere-se que sejam feitas pesquisas para abordar o

relacionamento interpessoal de uma perspectiva mais ampla, integrando aspectos

internos e externos e considerando diferentes níveis de complexidade, o ambiente

físico e estruturas sócio-culturais, o que representa uma abordagem

enriquecedora, mesmo que sua concretização ainda seja parcial e seletiva. Uma

dificuldade que emerge das propostas de Hinde é a extensão e a complexidade

que tal perspectiva gera. Isto não impede que, futuramente, se investigue em

maior profundidade um aspecto específico da cooperativa.


221

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ANEXOS

São apresentados, a seguir, os roteiros de entrevistas e de observação.

Além dos dados específicos em relação ao tema específico de pesquisa (a

cooperação) serão coletados dados básicos sobre os participantes, incluído os

seguintes itens:

Dados Sócio-Demográficos

1. Idade

2. Estado Civil

3. Nasceu onde?

4. Há quanto tempo está na região?

5. Reside no bairro?

6. Próximo à cooperativa?

7. Qual o meio de transporte que você utiliza para vir trabalhar?

8. Com quem você mora?

9. Qual a idade do(s) seu(s) filho(s)?

10. Você estudou até que série?

11. Quando você entrou na Cooperativa?

12. Você é responsável por alguma atividade específica na Cooperativa?

13. Você possui parentes na Cooperativa?

14. Onde você trabalhava antes de entrar na cooperativa?

15. Qual a sua religião?

16. Você participa de alguma atividade na comunidade?

17. Você participa de algum partido político?


239

Roteiro de Entrevista 1 - Histórico da Cooperativa e Cooperação

1. Quais as mudanças que você observa que ocorreram na comunidade da

Ilha das Caieiras que influenciaram a vida dos moradores?

2. Como era o seu dia-a dia na ilha antes da cooperativa?

3. Você participou da formação da cooperativa?

4. Como ocorreu a formação da cooperativa?

5. Você acha que a cooperação ajudou na formação da cooperativa? Como?

6. No início (ou quando vc entrou) da cooperativa eram quantas cooperadas?

7. Nos primeiros anos, o que dificultava o relacionamento entre as

cooperadas?

8. Já houve brigas entre vocês na cooperativa? E como a situação foi

resolvida?

9. Nos primeiros anos da cooperativa, como era a cooperação entre as

cooperadas?

10. O que você acha que mudou para a comunidade da Ilha o início das

atividades da cooperativa?

11. A sua experiência na Cooperativa afetou a cooperação com seus

familiares? Conte um exemplo.

12. A sua experiência na Cooperativa afetou a cooperação com seus amigos?

Conte um exemplo.

13. A sua experiência na Cooperativa afetou a cooperação com outras

pessoas da comunidade? Conte um exemplo.

14. O que os seus familiares acharam quando você começou a trabalhar na

Cooperativa? E hoje?
240

Roteiro de Entrevista 2 – Trabalho e Cooperação (Atual)

1. Atualmente, são quantas as cooperadas? O que você acha que levou a

alteração no número de participantes ao longo dos anos?

2. O que você acha que dificulta o relacionamento entre as cooperadas

atualmente?

3. O que você acha que facilita a cooperação entre as cooperadas?

4. O que você acha que dificulta a cooperação entre as cooperadas?

5. O que você mudaria para facilitar a cooperação entre as cooperadas?

6. Atualmente, como ocorre a cooperação entre vocês na realização das

atividades? Conte um exemplo.

7. Quais são as pessoas que mais cooperam com você na cooperativa?

8. Você acha que os problemas pessoais (com filhos, marido...) afetam a

cooperação entre as cooperadas? Conte um acontecimento.

9. Existem atividades que são preferidas pelas cooperadas?

10. Como vocês se organizam para respeitar aos cuidados ambientais

(período de defeso, tamanho dos animais)

11. Se você tivesse que explicar para alguém o que é cooperação, como você

falaria?

12. Do que você mais sente orgulho na cooperativa?

13. Em caso de entrada de novas cooperadas, quais características você

acha importante observar para a escolha das novatas?


241

Roteiro de Entrevista 3 – A Cooperativa: Organização e Trabalho (Presidente

e Vice)

A. Histórico da Cooperativa

1.Como surgiu a cooperativa? Quem foram as pessoas importantes para o

seu início?

2.Como você se tornou presidente / vice da cooperativa?

3.Como ocorreu a escolha do nome da cooperativa?

4.Quais as dificuldades que vocês tiveram no início das atividades da

cooperativa?

5.Conte os acontecimentos/fatos que foram importantes para a organização

da cooperativa.

6.Como ocorreu a cooperação para a formação da cooperativa?

7.Quantas eram as participantes para a formação da cooperativa?

8.E atualmente, quantas são as cooperadas?

9.O que você acha que levou à mudança no número de cooperada ao longo

dos anos?

B. Atividades Produtivas e Cooperação

1.Existe uma estrutura com cargos definidos na cooperativa?

2.Quais são as atividades realizadas na cooperativa?

3.Como foram/são definidas o que cada uma faz, de que maneira faz, em

que tempo faz?

4. Como a cooperação afeta a realização das atividades?

C. Instalações e Cooperação
242

1. Como foi a construção das instalações? Como foi feito o projeto, as

cooperadas atuaram como, quanto tempo demorou para ficar pronto?

2. Como vocês conseguiram os equipamentos para iniciar o trabalho?

3. Como se dá a cooperação em relação ao espaço físico e equipamento?

D. Atividades Administrativas e Cooperação

1. Como a cooperação afeta o estabelecimento de objetivos da cooperativa?

2. Como a cooperação interfere nas decisões tomadas na cooperativa?

3. Como é a situação de férias?

4. Quem são os fornecedores?

5. Como são feitas as negociações com os fornecedores? (pescadores)

6. Vocês trocam algum material com fornecedores como forma de adquirir

um produto?

E. Entorno Social e Cooperação

1. Como a cooperativa atua na vida da comunidade da Ilha das Caieiras?


243

Roteiro de Observação

Dois aspectos serão observados: o ambiente físico e as tarefas

desempenhadas. Em ambos, serão destacadas as características que possam

afetar de forma mais direta a cooperação entre os funcionários.

a) Ambiente físico: em suas dimensões macro e micro-espaciais. As

dimensões macro-espaciais dizem respeito às características geográficas da

região, incluindo o local onde os funcionários residem, o deslocamento para o

local de trabalho, e relações de cooperação entre os funcionários (como residir no

mesmo imóvel, utilizar-se do mesmo meio de transporte ou comunicação). As

dimensões micro-espaciais referem-se à área de trabalho, com ênfase ao

compartilhar e cooperar quanto ao espaço disponível, equipamentos e outros

recursos materiais.

b) Tarefas: referentes às atividades de desfiar e no atendimento no

restaurante. Será efetuada uma breve descrição das tarefas realizadas pelos

funcionários com ênfase na cooperação de outros funcionários para sua execução

(simultaneamente ou de forma seqüenciada). Para esta descrição, serão incluídos

dados da entrevista administrativa.


244

Termo de Consentimento para Participação em Pesquisa – Participante

Título da Pesquisa: O Relacionamento Interpessoal na Formação e Funcionamento de


uma Cooperativa de Produção
Pesquisadora: Raquel Ferreira Miranda
Orientador: Prof. Dr. Agnaldo Garcia
Instituição: UFES – Universidade Federal do Espírito Santo / PPGP – Programa de Pós-
Graduação em Psicologia

Objetivo da Pesquisa: Investigar o papel do relacionamento interpessoal na formação e


funcionamento de uma cooperativa de produção da Grande Vitória.

Descrição do Procedimento: Serão realizadas entrevistas com cada participante acerca


de aspectos relevantes de seus relacionamentos para a formação e manutenção das
atividades da cooperativa.

Benefícios: Espera-se que os resultados contribuam para um melhor entendimento


sobre as relações entre os relacionamentos na formação e na manutenção das atividades
das cooperativas.

Análise de risco e sigilo: Todo o procedimento de pesquisa descrito obedecerá


rigorosamente aos critérios éticos estabelecidos pela legislação vigente que regulamenta
pesquisa com seres humanos. As entrevistas seguirão técnica padrão cientificamente
reconhecida e serão aplicados em local escolhido pelo pesquisador. Serão preservados o
sigilo das informações e a identidade dos participantes, sendo que os registros das
informações poderão ser utilizados para fins exclusivamente científicos e divulgação em
congressos e publicações científicas, resguardando-se sempre o anonimato dos
participantes. O participante terá a liberdade de interromper ou desistir de sua
participação em qualquer fase da pesquisa. Dúvidas, informações suplementares e
esclarecimentos serão fornecidos a qualquer momento aos participantes ou seus
responsáveis pelo pesquisador. Os dados coletados serão mantidos por cinco anos e
depois serão inutilizados. A previsão do período para os procedimentos descritos é de
janeiro a dezembro de 2007.

Identificação do Participante
Nome:____________________________________________________________
RG: ______________ Órgão Emissor: ________ Data de Nascimento: ___/___/___

Estando de acordo, assinam o presente termo de consentimento em 02 (duas) vias.

_________________________ ______________________________
Participante Raquel Ferreira Miranda – Pesquisadora

_______________________________
Prof. Dr. Agnaldo Garcia – Orientador Vitória/ES. ___/___/___
245

Termo de Consentimento para Realização da Pesquisa – Instituição

Título da Pesquisa: O Relacionamento Interpessoal na Formação e Funcionamento de


uma Cooperativa de Produção
Pesquisadora: Raquel Ferreira Miranda
Orientador: Prof. Dr. Agnaldo Garcia
Instituição: UFES – Universidade Federal do Espírito Santo / PPGP – Programa de Pós-
Graduação em Psicologia

Objetivo da Pesquisa: Investigar o papel do relacionamento interpessoal na formação e


funcionamento de uma cooperativa de produção da Grande Vitória.

Descrição do Procedimento: Serão realizadas entrevistas com cada participante acerca


de aspectos relevantes de seus relacionamentos para a formação e manutenção das
atividades da cooperativa.

Benefícios: Espera-se que os resultados contribuam para um melhor entendimento


sobre as relações entre os relacionamentos na formação e na manutenção das atividades
das cooperativas.

Análise de risco e sigilo: Todo o procedimento de pesquisa descrito obedecerá


rigorosamente aos critérios éticos estabelecidos pela legislação vigente que regulamenta
pesquisa com seres humanos. As entrevistas seguirão técnica padrão cientificamente
reconhecida e serão aplicados em local escolhido pelo pesquisador. Serão preservados o
sigilo das informações e a identidade dos participantes, sendo que os registros das
informações poderão ser utilizados para fins exclusivamente científicos e divulgação em
congressos e publicações científicas, resguardando-se sempre o anonimato dos
participantes. O participante terá a liberdade de interromper ou desistir de sua
participação em qualquer fase da pesquisa. Dúvidas, informações suplementares e
esclarecimentos serão fornecidos a qualquer momento aos participantes ou seus
responsáveis pelo pesquisador. Os dados coletados serão mantidos por cinco anos e
depois serão inutilizados. A previsão do período para os procedimentos descritos é de
janeiro a dezembro de 2007.

Identificação do Responsável pela Instituição


Nome:____________________________________________________________

RG: ______________ Órgão Emissor: ________ Data de Nascimento: ___/___/___

Cargo: ____________________________________________________________

Estando de acordo, assinam o presente termo de consentimento em 02 (duas) vias.

_________________________ ______________________________
Responsável pala Instituição Raquel Ferreira Miranda – Pesquisadora

_______________________________
Prof. Dr. Agnaldo Garcia – Orientador Vitória/ES. ___/___/___

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