Você está na página 1de 17

As 5 Solas da Reforma Protestante

Na Idade Média, o culto às relíquias, indulgências e


outros elementos como suposto meio de graça,
cresceu e tomou proporções incríveis. “Era possível
comprar cera dos ouvidos e leite da Virgem Maria,
estrume do burro do estábulo de Belém, os de cabelo
e da barba do Salvador” (Martin Dreher).
A Reforma fundamentou-se em cinco pilares (5 Solas),
que são as bases da genuína fé evangélica, vitais para
a saúde espiritual da igreja.
Vamos examinar brevemente alguns dos antigos
caminhos, algumas doutrinas fundamentais – a saber,
os cinco solas da Reforma (Sola Scriptura, Sola Fide,
Sola Gratia, Solus Christus, Soli Deo Glória).
Quando a igreja medieval se perdeu, a redescoberta
dessas doutrinas fundamentais durante a Reforma
ajudou a igreja a recuperar o equilíbrio.

1º Sola: Sola Scriptura

O que queremos dizer quando afirmamos que


acreditamos na Sola Scriptura, ou somente nas
Escrituras? Como todos os solas, um entendimento
adequado da doutrina requer uma certa quantidade de
contexto – histórico e teológico.
Em primeiro lugar, precisamos entender que a
doutrina da Reforma da Sola Scriptura surgiu no
contexto da Igreja Católica Romana da Idade Média
tardia e seus ensinamentos.
Foi uma resposta ao erro percebido no ensino da
igreja. Então, o que os reformadores consideraram
questionável?
A disputa com Roma não era sobre a inspiração ou
inerrância das Escrituras. Roma afirmou ambas as
doutrinas.
O problema, em vez disso, era devido ao fato de que,
ao longo de muitos séculos, Roma havia gradualmente
adotado uma visão da relação entre a igreja, a
Escritura e a tradição que efetivamente colocava a
autoridade final em algum lugar diferente de Deus.
A tradição foi concebida como uma segunda fonte de
revelação, e o papa e o magistério romano foram
vistos como a autoridade final em questões de fé e
prática.
Os Reformadores queriam chamar a igreja de volta a
uma visão da relação entre as Escrituras e a tradição
que era encontrada na igreja primitiva.
Eles acreditavam que a própria Bíblia ensinava tal
ponto de vista.
A doutrina da Reforma do Sola Scriptura, ou a doutrina
da Reforma da relação entre Escritura e tradição,
afirma que a Escritura deve ser entendida como a
única fonte de revelação divina, a única norma
inspirada, infalível, final e autorizada de fé e prática.
Por quê? Porque a Escritura é “soprada por Deus” (2
Tm 3:16). Em outras palavras, o que a Escritura diz,
Deus diz. Há, portanto, uma diferença ontológica
básica entre as Escrituras (a Palavra de Deus) e
quaisquer palavras das criaturas.
A Escritura é metafisicamente única. A Escritura deve
ser interpretada na e pela igreja, e deve ser
interpretada dentro do contexto hermenêutico da regra
de fé (Atos 15).
Entre os evangélicos, há um mal-entendido comum da
Sola Scriptura que vê a Bíblia não apenas como a
única autoridade final, mas como a única autoridade
em geral.
Em outras palavras, a igreja, os credos ecumênicos,
as confissões de fé, são amplamente rejeitados,
mesmo como autoridades secundárias.
É a atitude “Nenhum credo senão Cristo” ou “Nenhum
credo senão a Bíblia” tão prevalente na igreja hoje.
Claro, aqueles que afirmam tais slogans não
conseguem perceber que uma declaração como
“Nenhum credo senão Cristo” é em si um credo – uma
declaração de em quem alguém acredita.
Aqueles que defendem este mal-entendido da doutrina
da Reforma muitas vezes não sabem que esta não é a
visão da igreja primitiva e não é a visão dos
Reformadores magisteriais.
Eles tinham a Escritura como única autoridade final,
mas também aceitavam outras fontes como sendo
dignas de consultas, análises e aplicação prática na
comunidade cristã, a exemplo dos escritos de teólogos
reconhecidamente fiéis às Sagradas Escrituras.
O Sola Scriptura não significa afirmar que o cristão
deve consultar, pesquisar e analisar única e
exclusivamente as Escrituras na busca pelas
respostas que necessita, mas ao analisar outras
fontes, independentes de quais sejam, o veredito final
sobre tais respostas sempre deve ser das Escrituras.
São as Escrituras que devem “bater o martelo” sobre
se tais respostas encontradas devem ou não serem
aceitas pelo verdadeiro cristão.
2º Sola: Sola Fide
Muitas vezes referida como “a causa material” da
Reforma, a doutrina da justificação Sola Fide (somente
pela fé) foi um ponto chave do debate entre os
reformadores protestantes e a Igreja Católica Romana
no século XVI, e permaneceu um ponto de desacordo
desde então.
Martinho Lutero e seus seguidores expressaram a
importância da doutrina da justificação pela fé somente
ao ensinar que é “o artigo pelo qual a igreja
permanece ou cai.”
Lutero estava correto ao afirmar a importância
central desta doutrina?
Para responder a essa pergunta, devemos entender o
significado da própria justificação, bem como as
diferenças entre as doutrinas protestante e católica
romana.
A doutrina católica romana da justificação é mais
claramente expressa no Decreto sobre a Justificação,
produzido na Sexta Sessão do Concílio de Trento em
1547.
De acordo com este Decreto, os seres humanos
caídos são “feitos justos” por meio da “pia da
regeneração”.
Em suma, a causa instrumental da justificação (ser
feito justo) é o batismo.
Diz-se que a justificação envolve a remissão de
pecados e “também a santificação e renovação do
homem interior.”
A justificação não é somente pela fé, de acordo com o
Concílio de Trento, porque a esperança e a caridade
(isto é, o amor) devem ser acrescentadas.
Os reformadores rejeitaram a ideia de que justificação
significa “fazer justo” por uma fé que não está só e que
se realiza por meio do instrumento do batismo.
Mas por quê? Para responder a essa pergunta,
devemos ter alguma compreensão das questões
básicas referentes ao debate.
O primeiro ponto a observar é que Deus é
absolutamente justo e reto e Ele julgará o mundo com
justiça. Então, qual é o problema disso?
O problema é que, embora Deus seja perfeitamente
justo e reto, nós não somos. Somos criaturas caídas,
pecaminosas e injustas (Romanos 3: 9–18).
Isso levanta uma questão infinitamente séria para
cada um de nós: Como posso eu, um pecador injusto,
estar diante de nosso Deus infinitamente justo e santo
no julgamento final?
Roma ofereceu uma resposta. Para que uma pessoa
seja declarada justa por Deus, ela primeiro deve ser
feita justo por Deus. Como vimos acima, a justificação
para Roma significa ser “feito justo”.
O que segue é uma espécie de simplificação de uma
doutrina muito mais complicada, mas em seu cerne, a
doutrina romana da justificação inclui a ideia de
santificação e renovação.
A base da justificação, a base sobre a qual a
declaração de justiça é feita, portanto, é uma justiça
infundida.
É uma graça que é infundida ou derramada em nossas
almas. Se uma pessoa coopera com essa graça
infundida, ela é renovada e santificada.
A pessoa que coopera com a graça, portanto, tem uma
justiça inerente. Pode-se perder esse estado de graça
por causa do pecado mortal.
No entanto, se isso acontecer, o sacramento da
penitência é um meio pelo qual uma pessoa pode ser
restaurada ao estado de justificação.
De acordo com os reformadores, havia sérios
problemas com a doutrina romana.
Em primeiro lugar, o padrão do julgamento de Deus é
a justiça absolutamente perfeita (Mateus 5:48).
Ele não pode exigir menos sem negar a si mesmo e
sua própria santidade.
Uma pessoa não pode ser declarada justa e
sobreviver ao julgamento de Deus, portanto, com base
em nada menos do que perfeição.
Desde a queda de Adão e Eva, entretanto, apenas um
homem viveu uma vida de perfeita justiça, e esse
homem é Jesus Cristo (Hebreus 4:15).
Os Reformadores argumentaram, portanto, em
oposição à ideia de Roma de infusão de uma doutrina
de dupla imputação. Imputar algo significa reconhecê-
lo legalmente.
A doutrina da dupla imputação significa que nosso
pecado é imputado a Cristo e Sua justiça é imputada a
nós (2 Coríntios 5:21).
Também é importante notar aqui que, para Roma, a
justificação é pela fé, mas não somente pela fé. Para
Roma, a fé é necessária, mas a fé não é suficiente.
Lembre-se de que, para Roma, a causa instrumental
da justificação é o batismo.
Os reformadores argumentaram, ao contrário, que o
único instrumento de justificação é a fé, e que mesmo
essa fé é um dom de Deus. É pela graça (Romanos
3:28; 5:1; Efésios 2: 8).
A doutrina reformada da justificação é claramente
expressa nas confissões e catecismos reformados
clássicos dos séculos dezesseis e dezessete.
O Catecismo Maior de Westminster, por exemplo,
fornece uma declaração concisa da doutrina bíblica:
Pergunta 70: O que é justificação?
Resposta: A justificação é um ato da graça
gratuita de Deus aos pecadores, no qual ele
perdoa todos os seus pecados, aceita e
considera suas pessoas justas aos seus olhos;
não por qualquer coisa realizada neles ou por
eles, mas apenas para a perfeita obediência e
plena satisfação de Cristo, por Deus imputada a
eles e recebida pela fé somente.
3º Sola: Sola Gratia
No início do século V, ocorreu uma controvérsia
teológica que moldaria para sempre o pensamento da
igreja.
Em suas Confissões, Agostinho de Hipona
escreveu na forma de uma oração as palavras: “Dê o
que tu comandas e comanda o que tu queres.”
O monge britânico Pelágio ficou chateado com
essas palavras, acreditando que elas dariam aos
cristãos uma desculpa para não obedecer a Deus.
Pelágio acreditava que se Deus ordenasse algo,
então o homem era naturalmente (sem a graça) capaz
de fazê-lo.
Ele acreditava que isso era possível porque ele
também acreditava que o pecado de Adão afetou
apenas Adão. Todos os seres humanos nascem no
mesmo estado em que Adão nasceu, capaz de
obedecer a Deus ou desobedecê-lo.
Se eles obedecem, suas boas obras merecem a
salvação. Caso contrário, eles merecem o castigo de
Deus.
Agostinho, por outro lado, ensinou que o pecado de
Adão impactou dramaticamente todos os seus
descendentes.
As igrejas reformadas seguiram Agostinho em sua
rejeição ao pelagianismo. A Confissão de Fé de
Westminster, por exemplo, tem uma explicação clara
da doutrina do pecado original. Pelo pecado de nossos
primeiros pais:
“Eles caíram de sua retidão original e da comunhão
com Deus, e assim se tornaram mortos em pecado e
inteiramente corrompidos em todas as partes e
faculdades da alma e do corpo.
Eles sendo a raiz de toda a humanidade, a culpa deste
pecado foi imputada, e a mesma morte em pecado e
natureza corrompida transmitida a toda a sua
posteridade descendente deles pela geração comum.
Desta corrupção original, por meio da qual estamos
totalmente indispostos, incapacitados e tornados
opostos a todo o bem, e totalmente inclinados a todo o
mal, procedem todas as transgressões reais (VI.1-4).”
Desde a queda, todos os seres humanos nascem
neste estado decaído com sua vontade (uma das
faculdades da alma e do corpo) em escravidão ao
pecado.
Por causa da queda, nascemos espiritualmente
mortos, incapazes de escolher ou desejar o bem
(Romanos 3:10-12; 5:6; Efésios 2:1).
Embora o Pelagianismo tenha sido condenado como
heresia em vários concílios, incluindo o terceiro
concílio ecumênico em 431, ele levantou sua cabeça
de várias formas desde então.
No final do período medieval, a Igreja Católica
Romana havia caído em um tipo de semipelagianismo.
A justificação do pecador era vista como uma espécie
de trabalho sinérgico e cooperativo entre Deus e o
pecador. A doutrina de sola gratia foi a resposta
protestante a isso.
A doutrina protestante de Sola Gratia é encontrado
em todas as principais confissões reformadas. Está
subjacente a tudo o que é dito sobre o estado do
pecador caído, eleição, chamado, regeneração,
conversão, justificação e muito mais. O ponto que os
reformadores quiseram fazer no século dezesseis é o
mesmo que Agostinho fez no quinto.
Não somos salvos nos puxando para cima. O pecador
caído não é um homem que está se afogando e
precisa apenas fazer sua parte estendendo a mão
para agarrar o salva-vidas lançado por Deus.
Não, o pecador está em uma condição muito mais
séria. Ele não pode pegar um colete salva-vidas
porque não está apenas se afogando.
Ele é um cadáver frio, morto e sem vida no fundo do
mar. Se ele quiser ser salvo, não será capaz de
cooperar com Deus. Sua salvação será um ato de
pura graça, e somente graça, da parte de Deus
(Efésios 2: 8).
4º Sola: Solus Christus
Quando discutimos o slogan da Reforma, Solus
Christus, é importante entender o ponto preciso da
disputa.
Os reformadores não rejeitaram a doutrina da Igreja
Católica Romana sobre a pessoa de Cristo.
O trinitarismo niceno e a cristologia calcedoniana não
eram o problema, e os teólogos das igrejas
reformadas prontamente usaram os argumentos
bíblicos e teológicos de teólogos patrísticos e
medievais para defender o trinitarismo e a cristologia
tradicionais.
O problema, então, não era a pessoa de Cristo.
O problema era a obra de Cristo. O debate centrou-se
no sistema sacramental que Roma havia construído,
um sistema no qual a graça de Cristo era mediada
para o povo por meio de um elaborado sistema de
sacerdotes e obras sacramentais.
Por meio desse sistema sacramental, a igreja romana
controlava efetivamente a vida do cristão desde o
nascimento (batismo) até a morte (extrema unção) e
até mesmo depois (missas pelos mortos).
Martinho Lutero e outros reformadores perceberam
que esse elaborado sistema de obras obscurecia a
pessoa e a obra de Cristo, pois era tão claramente
ensinado nas Escrituras.
Lutero argumentou que o papado, por meio desse
sistema sacramental, usurpou as prerrogativas de
Cristo, tornando-se dispensador da graça de Deus.
Somente Cristo, e não a igreja, é nosso único
Mediador.
Como Huldrych Zwingli proclamou: “Cristo é o
único meio de salvação para todos os que foram,
são ou existirão”.
No artigo 54 de seus sessenta e sete artigos(1523),
Zwínglio explicitamente contrasta a visão
sacramentalista romana com Solus Christus: “Cristo
suportou todas as nossas dores e sofrimentos.
Portanto, quem atribui às obras de penitência o que é
somente de Cristo, erra e blasfema contra Deus”.
A Confissão de Fé de Westminster afirma que
somente Cristo é o objeto de nossa fé: “os principais
atos da fé salvadora são aceitar, receber e repousar
somente em Cristo para justificação, santificação e
vida eterna, em virtude da aliança da graça” (XIV.2).
Os reformadores e seus herdeiros tinham a intenção
de proclamar Jesus Cristo e Ele crucificado (1
Coríntios 2:2).
Eles reconheceram que, porque Cristo é o único meio
de salvação para o homem, Ele é o centro da
mensagem da Bíblia (Atos 4:12).
Seus livros eram centrados em Cristo. Seus sermões
eram centrados em Cristo. Sua adoração era centrada
em Cristo.
Tudo isso contrastava fortemente com a religião
centrada no homem do catolicismo romano da Idade
Média tardia.
Se quisermos ver uma espiritualidade sadia em
nossos dias, também devemos crer e confessar a
doutrina bíblica do Solus Christus.

5º Sola: Soli Deo Gloria

Soli Deo gloria não é precisamente paralelo aos outros


quatro solas porque, em certo sentido, é o início e o
fim dos outros quatro.
O Espírito Santo inspirou as Escrituras apenas para a
glória de Deus. Cristo se humilhou até a morte e foi
ressuscitado e exaltado à destra do Pai, somente para
a glória de Deus.

Graça e misericórdia são oferecidas aos pecadores


rebeldes somente para a glória de Deus. A justificação
é pela fé somente para a glória de Deus. Soli Deo
gloria, portanto, é central.
É importante entender que quando falamos sobre a
glória de Deus, estamos falando antes de mais nada
sobre um atributo de Deus.
Como a Confissão de Fé de Westminster explica:
“Deus tem toda a vida, glória, bondade, bem-
aventurança em e de Si mesmo.” Ele é o Deus da
glória (Atos 7:2).
Ele também manifesta Sua glória nas obras de criação
e redenção, mais significativamente na pessoa e obra
de Jesus Cristo, o Senhor da glória (1 Coríntios 2:8).
Deus também se glorifica na igreja e por meio dela.
Nós, como crentes, somos chamados a fazer tudo o
que fazemos para a glória de Deus (1 Coríntios
10:31).
Devemos usar nossos dons para servir uns aos outros
“a fim de que em tudo Deus seja glorificado por Jesus
Cristo” (1 Pedro 4:10-11).
Os Salmos estão repletos do início ao fim com
atribuições de louvor à glória de Deus, e isso
demonstra onde deve estar o foco da adoração da
igreja. Adoração não existe para nosso
entretenimento. A adoração existe apenas para a
glória de Deus.
A redescoberta dos cinco solas da Reforma é uma
parte importante para voltar ao caminho certo.

Você também pode gostar