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Convite A Loucura Brennan Manning
Convite A Loucura Brennan Manning
Convite à
Loucura
Traduzido por
Sueli Saraiva
Preparado por Amigo Anônimo
www.semeadores.net
~2~
CONVITE À LOUCURA
Categoria: Espiritualidade
Copyright © 2005, por Brennan Manning
Publicado srcinalmente por Harper San Francisco,
uma divisão da Harper Collins Publishers, Nova York, EUA
Editor-assistente:
Preparação Omar
de texto: deCarlos
José SouzaSiqueira
Revisão de provas: Aldo Menezes
Supervisão de produção: Lilian Melo
Colaboração: Miriam de Assis
Capa: Douglas Lucas
Imagem: Stockphotos
Os textos das referências bíblicas foram extraídos da Nova Versão Internacional (Sociedade Bíblica
Internacional), salvo indicação específica.
Manning, Brennan
07-1439 CDD–248.4
Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados pela:
Associação Religiosa Editora Mundo Cristão
Rua Antônio Carlos Tacconi, 79, São Paulo, SP, Brasil, CEP 04810-020
Telefone: (11) 2127-4147 — Home page: www.mundocristao.com.br
Editora associada a:
• Associação de Editores Cristãos
• Câmara Brasileira do Livro
• Evangelical Christian Publishers Association
~3~
Conteúdo
Conteúdo................................................................................................................ 4
Agradecimentos.................................................................................................. 5
Introdução........................................................................................................... 5
PARTE UM............................................................................................................... 7
O MODO COMO VIVEMOS.................................................................................... 7
Capítulo um............................................................................................................ 7
Verdade...............................................................................................................7
Capítulo dois.........................................................................................................21
Transparência................................................................................................... 21
Capítulo três......................................................................................................... 30
Distrações......................................................................................................... 30
PARTE DOIS.......................................................................................................... 40
A MENTE DE CRISTO.......................................................................................... 40
Capítulo quatro.....................................................................................................40
A descoberta do pai.......................................................................................... 40
Capítulo cinco.......................................................................................................45
Um coração misericordioso............................................................................... 45
Capítulo seis......................................................................................................... 53
A obra do Reino................................................................................................. 53
PARTE TRÊS..........................................................................................................67
O PODER DA CRUZ............................................................................................ 67
Capítulo sete........................................................................................................ 67
A sabedoria da ressurreição..............................................................................67
EPÍLOGO............................................................................................................... 76
A REVOLUÇÃO................................................................................................... 76
~4~
A GRADECIMENTOS
É difícil se separar dos filhos. Em 1976, a Dimension Books publicou Gentle
Revolutionaries: Breaking Through to Christian Maturity [Revolucionários
moderados:
convicção, euAbrindo caminhocomo
queria mostrar paraa aigreja
maturidade cristã]. Cheio
estava deixando escapardeospaixão
pontose
centrais sobre as boas-novas de Jesus para nós. Recentemente, quando me
deparei com esse filho abandonado (já que o livro estava esgotado), descobri que
ainda era importante que a igreja ouvisse essa mensagem.
Ao mesmo tempo, acredito que aprendi a expor as coisas com um pouco
mais de graça e humildade do que fiz em meu tempo de juventude. Assim, com
ajuda de Carla Barnhill e de meus amigos da Harper San Francisco, em especial
Cindy DiTiberio, revisei, atualizei e fiz ajustes no antigo trabalho, de forma que
agora ele está pronto, assim espero, para uma nova geração de leitores.
Portanto, para aqueles que têm olhos para ver e ouvidos para ouvir, por favor,
prossigam a leitura.
I NTRODUÇÃO
É extraordinário o que um simples convite da Casa Branca pode fazer para
entorpecer as faculdades críticas", advertia o falecido Reinhold Niebuhr. Uma
advertência grave! O privilégio de pregar para o presidente é tão prestigioso que
a maioria dos clérigos usa a oportunidade para retribuir a gentileza. Em uma
atmosfera de admiração mútua, a religião se dissolve num Sonrisal verbal, e a
pregação profética se torna praticamente impossível.
O pedido de outros cristãos para escrever um livro sobre a mente de Jesus
traz armadilhas semelhantes, embora muito menos sofisticadas. Ao querer
agradar a todos, fico muito tentado a escrever algo insípido, uma exposição
crivada de clichês, metáforas torturantes e histórias sem sentido. Então todos
ficarão felizes e gloriosamente satisfeitos.
No entanto, este livro foi escrito a partir da crença de que Jesus Cristo
viveu, morreu e ressuscitou para formar o povo santo de Deus, uma comunidade
de cristãos que viveriam sob o domínio do Espírito; homens e mulheres que
seriam tochas humanas acesas com o fogo do amor por Cristo, profetas e
amantes inflamados com o Espírito ardente do Deus vivo. Oferecer uma obra
inócua seria uma prostituição do evangelho, um insulto a Deus e um grave
desserviço ao leitor.
Durante dois anos, tive o privilégio de viver com uma comunidade cristã
conhecida como Irmãozinhos de Jesus e ver o tema deste livro se desenvolver
nas tarefas mais simpl es do mundo comum. A vida de um irmãozinho tem como
modelo a vida oculta de Jesus de Nazaré, os muitos anos que ele passou na
obscuridade dedicada ao trabalho manual e à oração antes de embarcar no
ministério público de pregar, ensinar e curar.
Passei os primeiros seis meses na pequena aldeia de Saint-Rémy, na
França, a uns 150 quilômetros a sudeste de Paris. No inverno, recolhia esterco
nas fazendas vizinhas e lavava pratos num restaurante local. As noites eram
envoltas em silêncio, na adoração em ação de graças e na meditação das
Escrituras. Os dias passavam num ritmo contínuo de envolvimento com o mundo
~5~
e afastamento dele. Foi uma iniciação gradual rumo a uma vida contemplativa
sem clausura e entre os pobres.
Nosso grupo de sete (dois franceses, um alemão, um espanhol, um eslavo,
um coreano e eu) mudou-se para Farlete, outra pequena aldeia no deserto de
Zaragoza, na Espanha. Nos 12 meses em que vivemos ali, passamos a amar o
calor, a simplicidade e a profunda amizade de um remoto povoado espanhol com
uma população de seiscentos habitantes. No verão, trabalhávamos de 10 a 12
horas por dia na colheita de trigo ou em trabalhos de construção, revezando
turnos
comprar como cozinheiro
bebidas para a na fraternidade
festa e economizando
que marcava dinheiro suficiente para
O fim da colheita.
Nossa harmonia com os aldeões era profunda porque não somente
compartilhávamos a pobreza, a labuta, o pão amargo e a ansiedade sobre a
colheita, mas também a alegria do nascimento de um bebê, pelas núpcias dos
recém-casados e uma multidão de experiências menores tecidas na base da vida
rural.
Durante o ano, muitas vezes ficávamos temporariamente sozinhos,
retirados em uma montanha alta e rochosa que, além de muito distante da vida
urbana, também é um dos mais remotos eremitérios da Europa. Em muitas e
longas horas de oração nas cavernas, eu percebia de uma nova maneira que o
conhecimento redentor de Jesus Cristo substitui todo o resto, permitindo-nos
experimentar uma liberdade que não é restringida pelos limites de um mundo
que seAo encontra
mesmo aprisionado.
tempo, reconheci que muitas das importantes questões
teológicas na igreja de hoje não são importantes, nem teológicas, e que, num
tempo caracterizado (em algumas partes) pela confusão, encenações baratas e
infidelidade, o que Jesus exige não é mais retórica, mas renovação pessoal,
fidelidade ao evangelho e comportamento produtivo. Conforme disse o cardeal
Paul-Emile Léger em seu adeus a Montreal: "O tempo de falar acabou". 1
Essa é a premissa fundamental em torno da qual os 230 discípulos que
compõem os Irmãozinhos de Jesus organizam sua vida. Os irmãozinhos
aprendem a separar o essencial do secundário e a perceber que esse modo
particular de vida é simplesmente uma conseqüência exterior de um imenso,
apaixonado e determinado amor à pessoa de Jesus.
Viver entre as mais pobres e desamparadas das pessoas como um
trabalhador
espontâneo braçal,
louvor asem trajes
Deus, clericais, passar
comunicar-se atravésdias e semanas
de valores no deserto
de amizade queem
não
podem ser comunicados pela pregação, tudo isso satisfaz não um desejo de
novidade, mas uma compulsão de amor. Alguns poderiam chamar a isso loucura.
Eu chamo de verdadeira sabedoria do Deus de amor.
1
O cardeal Léger foi arcebispo de Montreal, Canadá, até 1967, quando renunciou a sua posição como príncipe
da Igreja Católica e partiu para a Africa a fim de trabalhar com leprosos e crianças deficientes. Ele morreu em
1991. (N. da T.)
~6~
PARTE UM
O MODO COMO VIVEMOS
CAPÍTULO UM
V ERDADE
A narrativa evangélica sobre a purificação do templo é uma cena
desconcertante (Jo 2:13-22). Ela nos apresenta o retrato de um Salvador
enfurecido. O Cordeiro
jugo e aprendam submisso
de mim, pois de
souDeus que edisse
manso "Tomem
humilde sobre vocês
de coração" (Mto 11:29)
meu
improvisou um chicote e circulou furiosamente pelo templo, destruindo bancas e
mostruários, espancando os mercadores e dizendo: "Saiam daqui! Aqui não é o
Wal-Mart. Vocês não transformarão um espaço sagrado num passeio de
consumo! Mentirosos! Visitar o templo é um sinal de reverência a meu Pai. Fora
daqui!".
Ainda mais desconcertante é o amor intenso de Jesus pela verdade. Onde
o dinheiro, o poder e o prazer mandam, o corpo da verdade sangra de mil
feridas. Muitos de nós temos mentido a nós mesmos por tanto tempo que nossas
reconfortantes ilusões e justificativas assumiram uma aura de verdade; nós as
apertamos em nosso peito como uma criança aperta um ursinho favorito.
Não está convencido? Considere então um homem que cita o apóstolo
Paulo sobre
martíni um pouco
no almoço. Ou de vinho veemente
a defesa ser bom para o estômago
de um ao falarsobre
"cristão liberal" de seu terceiro
a nudez
em O último tango em Paris, a violência em Pulp fiction — Tempo de violência ou
a cena de sexo oral em Garotos de programa porque eles "se integram
perfeitamente ao enredo e são realizações estéticas".
Ou então o honesto diácono da igreja que aceita trapacear e sonegar em
seus negócios porque "é o único modo de ser competitivo". Ou todas as igrejas
nas quais o delírio sobre a falta de culpa é uma realidade, a maestria na exegese
bíblica é uma santidade, o tamanho da congregação é a prova de sua
autenticidade e por aí afora. Não existe limite para as defesas que inventamos
contra a transgressão da verdade em nossa vida.
A questão dolorosa que enfrentamos na igreja de hoje é se o amor de Deus
pode ser comprado tão barato. O primeiro passo na busca da verdade não é a
resolução moral de
uma deformação deevitar o hábito
caráter da mentirinha
possa ser. — por
Não se trata maisdecisão
de uma desagradável que
sobre deixar
de enganar os outros, e sim da decisão de parar de nos enganar.
A menos que tenhamos a mesma paixão inexorável pela verdade que
Jesus demonstrou no templo, estamos destruindo nossa fé, traindo o Senhor e
nos enganando. O auto-engano é inimigo da integridade, pois ficamos impedidos
~7~
de nos ver como realmente somos. Ele encobre nossa falta de crescimento no
Espírito da verdade, impedindo-nos de compreender nossa real personalidade.
Muitos anos atrás, testemunhei o poder do auto-engano reeditado de
forma dramática no centro de reabilitação de alcoólicos de uma pequena cidade
americana. O trecho é extraído de meu livro O evangelho maltrapilho. O cenário:
uma sala de recreação ampla e de dois andares na orla de uma colina com vista
para um lago artificial. Estavam lá reunidos 25 dependentes químicos. Nosso
líder era um experiente conselheiro, hábil terapeuta e membro veterano da
2
equipe.
chegadaSeu nome: Sean Murphy-O' Connor, mas ele normalmente anunciava sua
dizendo:
— É ele mesmo. Vamos trabalhar.
Sean mandou que um paciente chamado Max assumisse a "cadeira de
interrogatório" no centro do grupo disposto em "U". Max, um homem franzino e
de baixa estatura, era um cristão nominal, casado e com cinco filhos, proprietário
e presidente de sua empresa, rico, afável e dotado de uma pose notável.
Desde quando você tem bebido como um porco, Max? — Murphy-O'Connor
havia começado o interrogatório.
Isso é injusto — Max recolheu-se.
Veremos. Quero saber da sua história com a bebida. Quanta cachaça por
dia?
Max reacendeu seu cachimbo.
Tomo duas Marias com os rapazes antes do almoço e dois Martins depois
que o escritório fecha, às cinco. Depois...
O que são Marias e Martins? — interrompeu Murphy-O'Connor.
Bloody Marys: vodca, suco de tomate, uma pitada de limão e de
Worcestershire, um toque de extrato de pimenta vermelha; e martinis: gim,
extra-seco, gelado com uma azeitona e uma espremida de limão.
Obrigado, Maria Martins. Prossiga.
Minha esposa gosta de um drinque antes do jantar. Viciei-a em Martini há
muitos anos. Claro que ela os chama de "aperitivos" — sorriu Max. — Vocês
naturalmente entendem o eufemismo, não é verdade, senhores?
Ninguém respondeu.
Como eu ia dizendo, tomamos dois martínis antes do jantar e mais dois
antes de dormir.
Um total de oito drinques por dia, Max? — quis saber Murphy- O'Connor.
Exatamente. Nem uma gota a mais nem a menos.
Você é mentiroso.
Sem se abalar, Max explicou:
Vou fingir que não ouvi isso. Estou na ocupação há vinte e tantos anos e
construí minha reputação em cima da honestidade, não da falsidade. As pessoas
sabem que minha palavra é de confiança.
Já chegou a esconder uma garrafa em casa? — perguntou Benjamim, um
índio navajo do Novo México.
Não seja ridículo. Tenho um bar na minha sala de estar maior que um
traseiro de elefante. Nada pessoal, sr. Murphy-O'Connor.
Max sentia que havia recuperado o controle. Estava sorrindo.
Você guarda bebida na garagem, Max?
2
No srcinal, "Croesus O'Connor". (N. do R.)
~8~
Naturalmente. Tenho de repor o estoque. Um homem na minha posição
recebe muita gente em casa — o executivo arrogante havia reassumido.
Quantas garrafas na garagem?
Não sei dizer a quantidade com precisão. Assim, de improviso, eu diria dois
engradados de Smirnoff, um engradado de gim Beefeater, algumas garrafas de
bourbon e de uísque e um punhado de licores.
O interrogatório prosseguiu por mais vinte minutos. Max eximia-se e
esquivava-se, minimizava, racionalizava e justificava seu hábito de beber.
Finalmente, apanhado por um implacável interrogatório cruzado, ele admitiu que
guardava uma garrafa de vodca no criado-mudo, uma garrafa de gim na mala
para fins de viagem, outra no banheiro para fins medicinais e três mais no
escritório para ter o que oferecer aos clientes. Ele trejeitava ocasionalmente, mas
nunca perdia sua postura confiante.
— Senhores — sorriu Max, — acho que todos nós já nos demos o direito
de dourar a pílula uma vez ou outra nessa vida — foi como ele colocou, dando a
entender que apenas homens de envergadura podiam dar-se ao luxo de rir de si
mesmos.
Você é mentiroso — ecoou outra voz.
Não é preciso ficar vingativo, Charlie — retrucou Max. — Lembre-se da
passagem do evangelho de João sobre o cisco no olho do seu irmão e a viga no
seu. E (Senti-me
aquela outra em Mateus
compelido sobre oMax
a informar roto que
falando do rasgado.entre o cisco e a
a comparação
tábua não se encontrava no evangelho de João, mas no de Mateus, e que a
história do roto e do rasgado era um provérbio secular que não constava nos
evangelhos. Senti, porém, que um espírito de presunção e um ar de
superioridade espiritual haviam me envolvido de repente, como um nevoeiro.
Decidi abrir mão da correção fraternal. Afinal, eu não estava em Hazelden
fazendo uma pesquisa para um livro. Eu era apenas um bêbado incorrigível como
Max.)
— Tragam-me um telefone — disse Murphy-O'Connor.
Um telefone foi trazido num carrinho para a sala. Murphy-O'Connor
consultou um bloco de notas e discou um número interurbano para a cidade de
Max. O receptor era amplificado eletronicamente, de modo que a pessoa do
outro lado da linha podia ser ouvida claramente por todos no salão do lago.
Hank Shea?
Ele mesmo. Quem está falando?
Meu nome é Sean Murphy-O'Connor. Sou conselheiro de um centro de
reabilitação de drogas e álcool no Meio-Oeste. Você se recorda de um cliente
chamado Max? (Pausa) Ótimo. Com a permissão da família dele, estou
pesquisando a história de Max com a bebida. Como você trabalha como barman
nesse lugar todas as tardes, fiquei pensando se você saberia me dizer
aproximadamente quantos drinques o Max consome por dia?
Conheço o Max muito bem, mas você tem certeza de que tem permissão
para me interrogar?
Tenho uma declaração assinada. Pode falar.
— Max é um cara fan tástico. Gosto demais dele. E le des peja t rinta
contos no balcão toda tarde. O Max tomas os seus seis martinis básicos, compra
mais uns drinques e sempre me deixa uma gorjeta de cinco dólares. Grande
sujeito.
Max pôs-se de pé num salto. Erguendo a mão direita desafiadoramente,
ele despejou um caudal de palavrões digno de um estivador. Ele atacou os
~9~
ancestrais de Murphy-O'Connor, colocou em dúvida a legitimidade de Charlie e a
integridade de toda a unidade de tratamento. Ele agarrou-se ao sofá e cuspiu no
tapete.
Então, num feito notável, recuperou imediatamente a compostura. Max
sentou-se e observou, sem nenhuma afetação, que até mesmo Jesus havia
perdido a paciência no templo ao ver os saduceus comercializarem pombas e
bolos. Depois de uma prédica improvisada sobre a ira justificada, ele reabasteceu
o cachimbo, imaginando que o interrogatório havia terminado.
Você já tratou mal algum dos seus filhos? — Fred perguntou.
Fico feliz que você tenha levantado esse assunto, Fred. Tenho uma
profunda ligação com meus quatro garotos. No último dia de Ação de Graças
levei-os para uma expedição de pescaria nas Rochosas. Quatro dias de vida dura
no mato. Foi memorável. Dois de meus filhos formaram-se em Harvard, você
sabe, e Max Jr. está no terceiro ano da...
Não foi o que eu perguntei. Pelo menos uma vez na vida todo pai trata mal
um de seus filhos. Tenho 62 anos e posso assegurar que é assim. Agora dê-nos
um exemplo específico.
Seguiu-se uma longa pausa. Finalmente:
Bem, fui um tanto duro com minha filha de nove anos na última véspera
de Natal.
O que aconteceu?
Não lembro. Apenas fico com uma sensação de pesar quando penso nisso.
Onde aconteceu? Quais eram as circunstâncias?
— Espere aí u m minuto — a vo z de M ax ergueu-se com fú ria. — Já
disse que não lembro. Só não consigo me livrar dessa sensação ruim.
Sem alarde, Murphy-O'Connor discou mais uma vez para a cidade de Max
e falou com a esposa dele.
— Sean Murphy-O'Connor falando, minha senhora. Estamos no meio de
uma terapia de grupo e seu marido acaba de contar que tratou mal sua filha na
véspera do Natal passado. A senhora poderia fornecer os detalhes, por favor?
Uma voz suave encheu a sala.
— Sim, posso contar-lhe a coisa toda. Parece que foi ontem. Nossa filha
Debbie queria um par de sapatos de presente de Natal. Na tarde de 24 de
dezembro meu marido levou-a de carro até a cidade, deu-lhe sessenta dólares e
disse que ela comprasse o melhor par de sapatos que houvesse na loja. Foi
exatamente o que ela fez. Quando entrou novament e na caminhonete que meu
marido estava dirigindo, ela beijou-o no rosto e disse que ele era o melhor pai do
mundo. Max estava orgulhoso como um pavão e decidiu celebrar no caminho de
volta para casa. Ele parou no Cork'n'Bottle, um bar que fica a alguns quilômetros
da nossa casa, e disse a Debbie que voltava já. Era um dia limpo e
extremamente frio, cerca de vinte graus abaixo de zero, por isso Max deixou o
motor funcionando e fechou as portas do lado de fora de modo que ninguém
pudesse entrar. Isso era um pouco depois das três da tarde, e...
Silêncio.
— Sim?
O som de uma respiração pesada encheu a sala de recreação. A voz
esmoreceu. Ela estava chorando.
— Meu marido en controu no ba r alguns velhos colegas do ex ército.
Envolvido na euforia da reunião, perdeu a noção de tempo, de propósito e de
tudo o mais. Ele saiu do Cork'n'Bottle à meia-noite. Bêbado. O motor havia
parado de funcionar e as janelas do carro estavam bloqueadas com o gelo. A
~ 10 ~
pequena Debbie tinha graves ulcerações de frio nas orelhas e nos dedos da mão.
Quando a levamos ao hospital, os médicos tiveram de operar. Amputaram o
polegar e o indicador da mão direita. Ela vai ficar surda pelo resto da vida.
Max parecia estar tendo um ataque do coração. Ele lutava para manter-se
de pé, fazendo movimentos desajeitados e descoordenados. Os óculos voaram
para a direita e o cachimbo, para a esquerda. Ele caiu de quatro, soluçando
histericamente.
Murphy-O'Connor levantou-se e disse suavemente:
— Vamos circulando.
Vinte e quatro alcoólicos e viciados subiram a escadaria de oito degraus.
Viramos à esquerda, reunimo-nos ao longo da amurada do mezanino e olhamos
para baixo. Ninguém consegue esquecer o que viu naquele dia, 24 de abril,
exatamente ao meio-dia. Max ainda estava de quatro. Seus soluços haviam
crescido a berros. Murphy-O'Connor aproximou-se dele, pressionou seu pé contra
o tórax de Max e empurrou. Max rolou de costas no chão.
— Seu canalha miserável — urrou Murphy-O'Connor. — Tem uma porta
à sua direita e uma janela à sua esquerda. Tome o que for mais rápido. Saia
daqui antes que eu vomite. Não dirijo um centro de reabilitação para mentirosos.
Se isso soa como uma resposta cruel, devemos lembrar da filosofia desse
centro de reabilitação baseado no amor disciplinar. Ela está alicerçada na
convicção, nascida
pode ser iniciada deque
até longa experiência,
a pessoa admitade que
que nenhuma recuperação
é impotente a respeito doefetiva
álcool e
que a sua vida se tornou ingovernável.
A alternativa ao evitar a verdade de sua situação é sempre alguma forma
de autodestruição. Para Max havia três opções: loucura, morte prematura ou
abstinência. Contudo, nenhuma opção era possível até que o inimigo fosse
identificado mediante uma interação dolorosa, impiedosa, com seus
semelhantes. O auto-engano precisava ser desmascarado em todo o seu
absurdo.
A continuação da história é interessante. Max suplicou e obteve permissão
para ficar. Então começou a passar pela mais notável transformação de
personalidade que o grupo já havia testemunhado. O homem se tornou honesto e
mais sincero, mais aberto, mais afetuoso e mais sensível do que era antes. O
amor disciplinar
O desfechoo tornou
de sua real e a verdade
história é ainda o libertou.
mais interessante. Uma noite antes de
Max terminar o tratamento, outro homem, Fred, passou pelo seu quarto. A porta
estava entreaberta. Max estava sentando à sua escrivaninha lendo o romance
Watership Down [Rio abaixo]. Fred bateu e o cumprimentou. Durante alguns
minutos, Max permaneceu fixo no livro. Quando ele levantou os olhos, suas
bochechas estavam riscadas de lágrimas.
— Fred — disse, a voz embargada, — acabo de orar pela primeira vez em
minha vida.
Em autobiografia, Agostinho mostrou a estreita relação entre a busca pela
verdade e a conversão do coração. Max não pôde encontrar a verdade do Deus
vivo até enfrentar a realidade de seu alcoo lismo. Com base na perspectiva
bíblica, Max era um mentiroso. Na filosofia, o oposto da verdade é um erro; na
Bíblia, o contrario
a aparência da verdade
de existência é uma
ao que mentira.
de fato A mentira
não existia: umde Max consistia
inofensivo ato deem dar
beber
socialmente. A verdade, para ele, era equivalente a livrar-se das aparências para
reconhecer a realidade de seu alcoolismo.
No evangelho de João, o mentiroso obstinadamente recusa-se a ver a luz e
a verdade, e mergulha nas trevas. O Diabo é o pai das mentiras: "Ele foi
homicida desde o princípio e não se apegou à verdade, pois não há verdade nele.
~ 11 ~
Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira" (J o
8:44).
O Diabo é o grande ilusionista. Ele enverniza a verdade: "Se afirmarmos
que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em
nós" (1 Jo 1:8). Incita-nos a dar importância ao que não tem importância, veste
com falso resplendor o que é menos importante e nos desvia do que é
insuperavelmente verdadeiro. O Diabo nos faz viver num mundo de ilusão,
devaneios e sombras.
~ 12 ~
reconhecer a realidade onipresente de Deus. "Diz o tolo em seu coração: 'Deus
não existe'" (Sl 14:1).
Da perspectiva bíblica, um grande teólogo pode ser considerado um
estúpido, enquanto uma lavadeira analfabeta que louva a Deus pelo pôr do sol é
vista como infinitamente mais inteligente. O cristão referido nestas páginas,
qualquer que seja sua situação ou condição de vida, será considerado inteligente
e interessado na busca da verdade.
O FIM DO DESLUMBRAMENTO
Em uma noite fria, iluminada pelo brilho das estrelas, eu estava ansioso na
escuridão à espera do nascer do sol. As areias do deserto brilhavam como açúcar
prateado. O vento me sussurrava o nome dele repetidas vezes: "Aba, Aba". A
vigília terminava e minha vida nunca mais seria a mesma. Numa caverna
solitária no deserto de Zaragoza, conheci Deus como meu Pai. Eu era novamente
uma criança perdida em deslumbramento, amor e louvor.
Tornar-se uma criancinha novamente (conforme Jesus ordenou que deveria
acontecer) é recuperar um sentimento de surpresa, deslumbramento e vasto
deleite com toda a realidade. Olhe para o rosto de uma criança na manhã de
Natal quando ela entra na sala transformada pela passagem do Papai Noel à
meia-noite. Ou quando ela descobre a moeda debaixo do travesseiro, vê o
primeiro arco-íris
em momentos comoou cheira
esses, acomo
primeira rosa.
um dia PoucosA de
fizemos. nós prendem
passagem a respiração
pelo corredor do
tempo nos fez maiores e todo o resto menor, menos impressionante.
Conhecemos nossa força de vontade e nossa disposição. Adquirimos certo
domínio sobre a natureza, sobre as doenças. Pelo milagre da tecnologia
moderna, somos capazes de experimentar visões, sons e acontecimentos outrora
disponíveis somente para Colombo, Vasco da Gama e outros aventureiros. Havia
um tempo, em passado não muito distante, quando um temporal fazia homens
crescidos estremecer e sentir-se pequenos.
Mas Deus está sendo empurrado para fora do seu mundo pela ciência.
Quanto mais o homem sabe sobre meteorologia, menos inclinado fica a orar num
temporal. Aviões voam agora em cima, embaixo e ao redor de todo tipo de
tempestade. Os satélites reduzem as tormentas, uma vez aterrorizantes, a
eventos fotográficos.
reduzido de teofania aQue infâmia (se um temporal pudesse ser infamado) ser
um incômodo!
Até mesmo o espaço sideral tem gradualmente deixado de nos
impressionar. Falamos sobre sondas em Marte com a mesma empolgação como
se estivéssemos enviando máquinas fotográficas para o East Village, em Nova
York. Estamos saturados, incapazes de nos maravilhar e de sentir medo. Essa
diminuição da capacidade de se impressionar pode ser um sinal de maturidade,
uma conseqüência necessária e saudável do progresso. Mas me sinto propenso a
pensar que isso revela perda de equilíbrio.
Uma pessoa verdadeiramente equilibrada mantém a capacidade de se
deslumbrar e a vontade de expressar essa admiração na própria confissão de sua
condição de criatura, o reconhecimento espontâneo de que ela é um ser
humano, e não um deus; um ser com limitações que, longe de ter abarcado o
infinito,Nossa
é felizinsípida
e desesperadamente subjugado
reação à realidade pormenos
é ainda ele. entusiasmada quando
nos deparamos com Jesus Cristo e analisamos o modo de vida cristão. Embora
sejamos confrontados com uma moral tão sublime e exigente que parece
totalmente impossível, não ficamos impressionados pelo estilo de vida que Cristo
nos apresentou. Ele nos orienta que o padrão do modo de vida cristão é o ágape.
~ 13 ~
"Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos"
(Jo 15:13).
Na fala paulina, o amor de Jesus é kenosis, total auto-esvaziamento. E
Cristo diz categoricamente: "Amem-se uns aos outros. Como eu os amei" (Jo
13:34). Ainda que ele proponha uma intensidade de bondade e de santidade
diante da qual podemos apenas murmurar "Quem então pode ser salvo?",
persiste, de nossa parte, uma impressionante ausência de assombro. Somos
semelhantes ao atleta desafiado a correr cem metros em cinco segundos. Depois
de várias
queixa dotentativas fracassadas,
tênis apertado. O fato ele põe a
de que o culpa
projetonas condições da pista
é humanamente e se
impossível
parece nunca o afetar.
Precisamos de certo tempo para assimilar tudo o que é exigido de nós.
Analisemos rapidamente algumas das demandas radicais registradas nos
evangelhos sinóticos:
~ 14 ~
Não pensem que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas
espada.
Mateus 10:34
vêem, ososaleijados
ouvem, andam,
mortos são os leprosos
ressuscitados são
e as purificados,
boas novas sãoospregadas
surdos
aos pobres.
Lucas 7:22
~ 15 ~
Em seguida, temos a solução da cidadania de segunda classe. Essa visão
defende que a doutrina ética de Jesus foi proposta somente para uma classe
particular. Há duas classes de cidadania no Reino de Deus: o perfeito e o comum.
O último não é chamado para a perfeição. No entanto, o Sermão do Monte
enfaticamente proclama a vocação universal de todos os cristãos à santidade.
Não existe distinção entre o santo e o comum.
Em verdade, essas razões para rejeitar o caminho de Jesus são mais
palatáveis do que aquela usada por muitos cristãos: a ética evangélica é
perturbadora
para debaixo dodemais,
tapeteproblemática demais
e esquecê-la. para
Se você sobreviver.
falar dela comoVamos empurrá-la
é, as pessoas se
afastarão.
Somos relutantes em estruturar nossa doutrina moral em torno do
evangelho. Por exemplo, em três lugares diferentes, o Novo Testamento nos diz
muito claramente que nossos pecados são perdoados na mesma proporção em
que perdoamos aos outros. Essa verdade é descrita vividamente na parábola do
servo impiedoso. Ele deve mais de 10 milhões de dólares ao seu mestre,
enquanto outro servo, colega seu, deve-lhe a soma comparativamente
insignificante de 25 dólares. Há uma desproporção enorme entre as dívidas. No
entanto, apesar de seu mestre graciosamente perdoar-lhe a dívida, o primeiro
servo não perdoa a de seu devedor. A moral é clara: se não perdoarmos nossos
inimigos, nós mesmos não seremos perdoados (cf. Lc 6:37).
~ 16 ~
A Palavra de Deus nos desperta para as nossas carências. Enquanto não
submetermos nossa vida ao julgamento do evangelho e aos padrões de bondade
e de virtude estabelecidas por Jesus, não poderá haver uma consciência profunda
de que somos pecadores carentes de misericórdia. Quantos de nós de fato
experimentaram a verdade de estar salvos — de que nós não nos salvamos, e na
verdade somos pobres e fracos pecadores com falhas hereditárias e virtudes
limitadas; não somos filhos de Deus por nosso mérito, mas pela misericórdia do
Criador.
disso, Se
nosasconformarmos
demandas radicais
com oda vida cristã nunca
cumprimento mornoforem
de umpropostas
conjunto e, em vez
frouxo de
preceitos, quão facilmente nos tornaremos farisaicos e hipócritas. Tentamos nos
salvar por nossas obras . Nunca experimentamos o mistério da redenção ou
dependência amorosa de Deus.
Segundo nossos padrões invulneráveis de justiça e honra, estamos
desempenhando muito bem no jogo cristão. Com que freqüência um cristão
piedoso ora: "Perdoa-me, Senho r, porque pequei. Faz um ano desde minha
última confissão. Fui à igreja todos os domingos e não fiz nada proibido. Não
posso me lembrar de nada mais"? Esse tipo de confissão é uma terrível
deturpação da doutrina cristã.
Se fechamos os olhos para as demandas radicais do Novo Testamento em
nossa doutrina e ignoramos as implicações embaraçosas do preceito do amor
universal,
Passamos tornamos
a ser tão o culpados
cristianismo muito
quanto os fácil e retiramos
fariseus, seuassignificado.
ignorando questões
importantes das difíceis leis da caridade, da misericórdia e da fé, enquanto
cumprimos as leis positivas da igreja, que significam apenas os limites do
compromisso cristão.
As demandas radicais de Jesus nos fazem lembrar diariamente nossas
faltas e perceber que a salvação é dom gracioso de Deus. Neste ponto,
chegamos ao núcleo da revelação. Se o evangelho nos diz qualquer coisa, se a
igreja proclama somente uma coisa ano após ano, é que a salvação é um dom
gracioso de Deus. O evangelho é a alegre notícia da redenção graciosa.
~ 17 ~
A BÊNÇÃO
O mesmo tema está contido na primeira bem-aventurança: "Bem-
aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos céus" (Mt 5:3). Em
seu sentido primitivo, a primeira bem-aventurança jamais pretendeu moralizar
ou ameaçar ("afaste-se do dinheiro, da materialidade e de todas as necessidades
pessoais ou outras").
Tampouco a primeira bem-aventurança aspirava ser uma simples
promessa de compensação como qualquer pastor itinerante poderia propor
("viva como um pobre e alcançarás o céu"). Ao contrário, a bem-aventurança era
uma alegre notícia, a grande boa nova de que a era messiânica se instaurara na
história, a proclamação de que o dia da salvação há muito esperado finalmente
chegara.
A questão crucial para determinar o sentido original dessa bem-
aventurança é entender quem são os pobres que Jesus declarou bem-
aventurados? Devemos entender "pobres" num sentido social, como os que são
literalmente destituídos, empobrecidos, indigentes? Ou Jesus usa "pobres" num
sentido religioso, para se referir àqueles que dependem inteiramente de Deus
para tudo o que possuem e que percebem o próprio demérito e, desse modo,
aceitam a salvação como o dom de Deus em Cristo Jesus?
Para compreender seu real significado, a passagem não pode ser tomada
isoladamente. Antes, deve estar situado dentro do contexto de todo o evangelho,
Jesus anuncia que os pobres têm um lugar privilegiado no reino. Vamos comparar
o pobre da primeira bem-aventurança com as duas outras classes privilegiadas
no evangelho.
O evangelho de Mateus nos fala que as crianças têm um direito especial
no amor de Deus;
Não há dúvida de que é necessário aprender a ser como uma criança para
entrar no reino. Mas para se captar todo o vigor da expressão "como crianças",
nós precisamos perceber que a atitude judaica para com as crianças no tempo de
Cristo era drasticamente diferente daquela que existe hoje. Temos a tendência a
idealizar a infância, vê-la como a idade feliz da inocência, despreocupação e fé
simples. Na comunidade judaica dos tempos do Novo Testamento, a criança era
considerada sem nenhuma importância, não merecendo nenhuma atenção ou
favor A criança era considerada com desprezo.
Para o discípulo de Jesus, ser como uma criança significa aceitar a si
mesmo como pouco apreciado, sem importância. Esta compreensão de nós
mesmos muda não somente o modo como vemos nosso valor, mas também o
modo como vemos a graça salvadora de Deus. Se a criança judia recebesse dez
centavos de mesada do pai no fim da semana, ela não os consideraria
pagamento por varrer a casa, lavar a louça e assar o pão. Era um presente
completamente imerecido, um gesto de absoluta generosidade de seu pai.
Jesus deu a esses pequenos desprezados o privilégio de seu reino e os
apresentou como modelos para os discípulos. Eles deviam aceitar o dom do reino
~ 18 ~
da mesma maneira que uma criança aceita a mesada. Se as crianças eram
privilegiadas, não era porque tinham merecido tal privilégio, mas simplesmente
porque Deus se agradava delas. A misericórdia do Senhor fluiu para elas total e
completamente em razão da graça imerecida e da preferência divina.
Outro texto importante destaca o privilégio das crianças. O hino de louvor
diz: "Eu te louvo, Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondeste estas coisas
dos sábios e cultos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, pois assim foi do teu
agrado" (Lc 10:21).
A bênção
desprezadas, de causa
não por Deus derecai
suassobre as crianças
boas qualidades. Elasporque
podem são
estarcriaturas
cientes
de sua pouca importância, mas este não é o motivo pelo qual as revelações lhes
são dadas. Jesus expressamente atribui a bênção que elas recebem à boa
vontade do Pai, à eudokia divina. Os dons não são dados pela mais leve
qualidade ou virtude pessoal. Eles são pura generosidade.
A bem-aventurança dos pequeninos, portanto, oferece uma clara
compreensão do significado da bem-aventurança dos pobres. Na mentalidade da
época do Novo Testamento, pobreza e infância eram consideradas com igual
desprezo. No entanto, Jesus diz que Deus prefere os desfavorecidos- Deus se
agrada em dar um lugar privilegiado no reino àqueles que o mundo considera os
mais desgraçados.
Uma luz adicional é lançada sobre a primeira bem-aventurança, de modo
surpreendente, pelo eprivilégio
de Levi. Os escribas fariseus dos
pecadores. Jesus está sentado à mesa na casa
interrogam porque Jesus come com os cobradores
de impostos e pecadores. "Jesus lhes disse: 'Não são os que têm saúde que
precisam de médico, mas sim os doentes. Eu não vim para chamar justos, mas
pecadores'" (Mc 2:17).
Os pecadores a quem Jesus dirigia a sua missão messiânica eram
verdadeiros pecadores. Eles não tinham feito coisa alguma para merecer a
salvação. Ainda assim, eles se abriram para o dom que lhes foi oferecido. Os
presunçosos, em contrapartida, depositam sua confiança naquilo que fazem por
merecer a partir dos próprios esforços, fechando o coração para a mensagem de
salvação.
Mas a salvação que Jesus prometeu não pode ser conquistada. Não pode
haver barganha com Deus, como numa atmosfera trivial de mesa de pôquer: "Eu
fiz
queisto, entãoobras
nossas você me deve um
exigem aquilo". Jesus destrói
pagamento totalmente
em troca. Esse aensinamento
noção jurídica de
está
claramente estabelecido na parábola dos trabalhadores na vinha. Quando eles
ficam sabendo que os homens que trabalharam apenas uma hora receberão o
mesmo salário daqueles que labutaram o dia todo, os trabalhadores reclamam ao
proprietário:
Nossas obras insignificantes não nos dão o direito de negociar com Deus.
Tudo depende da boa vontade do Senhor. A salvação oferecida por Jesus é
~ 19 ~
puramente gratuita, dirigida especialmente para os que não têm nenhum direito
a ela, aqueles que são tão conscientes de seu demérito que devem confiar na
misericórdia de Deus. Os presunçosos acreditam que conquistam a salvação pelo
cumprimento da lei. Recusando-se a deixar tal loucura, eles rejeitam o amor
misericordioso do Deus redentor.
E na miséria do pecador que Jesus vê a possibilidade de salvação. "Deles é
o reino de Deus". Se na Rússia antiga o pecador era enviado para a Sibéria, na
igreja ele é chamado para o reino. É um puro dom para quem não têm direito a
ele. Esse é o próprio
aventuranças: a falta coração
de valor do
dosevangelho e tema
beneficiários fundamental
do reino. Dizer quedas bem-cifras
somos
não significa rebaixar nossa dignidade, mas destacar a gratuidade absoluta da
promessa de Deus.
Desse modo, a condição privilegiada das crianças e dos pecadores
derrama considerável luz sobre o significado primitivo da primeira bem-
aventurança. Abençoados são os pobres. Abençoados são vocês, conscientes de
sua falta de mérito e prontamente abertos à misericórdia divina.
A primeira bem-aventurança, portanto, não é uma promessa ou uma
ameaça. Jesus alegremente proclama o amanhecer de uma nova era, a era
messiânica que veio afinal . "Vocês, pobres; vocês, nadas; vocês, de pouca
importância pelos padrões do mundo — vocês são abençoados. E a boa vontade
de meu Pai de lhes conceder um lugar privilegiado no reino, não porque
trabalharam tão arduamente,
certas, mas porque ou porque
meu Pai quer vocês". dizem, fazem ou tornam todas as coisas
A pobreza de espírito nos é apresentada como a predisposição
indispensável para o discípulo de Jesus. No momento em que ficamos diante de
Deus, gaguejando como o profeta Jeremias, com os pés no chão, conscientes de
nossa pequenez e fraqueza, reconhecendo que Jesus salva, então a alta
santidade recomendada por Jesus — "Sejam perfeitos como perfeito é o Pai
celestial de vocês" (Mt 5:48) — começa a florescer dentro de nós. A principal
postura do cristão é uma disposição infantil para com Deus, e nossa principal
atitude, a de ação de graças.
Esse tipo de posição contrasta de forma nítida com o pensamento de
muitos cristãos que desenvolveram um falso sentimento de segurança por
cumprirem as leis da igreja. Conforme afirmou John McKenzie:
~ 20 ~
celebração, uma ação de graças permanente e perpétua a Deus. Os salmos nos
lembram que, toda vez que o povo de Deus se reunir, uma atitude de alegre ação
de graças deve ser a oferta de gratidão da assembléia (Sl 95:2; 100:4; 147:7). Se
a comunhão significa ação de graças, o cristianismo significa pessoas
alegremente agradecidas.
O cristão jubiloso é aquele que mantém um sentimento de temor e
deslumbramento diante de Deus, que experimentou o sentimento de pertencer a
uma comunidade redimida. Ele tem uma vívida gratidão de fé nesse grande dom.
Esse
que écrente se abriu para
completamente a verdadedede
dependente que tudo
Cristo, o que
de que possui
"Jesus vem de Deus, de
salva".
Naturalmente, em um certo dia, pode acontecer de ele adorar mais com
desânimo do que com qualquer outra coisa. Neste vale de lágrimas, nenhuma
vida cristã é uma espiral contínua e ascendente rumo ao topo da montanha.
Porém, a orientação básica do cristão é a da alegria e da gratidão. Esse é o
legado do mistério pascal, da morte e ressurreição de Jesus. Não somos os filhos
de Deus por nosso mérito, mas pela misericórdia de Deus.
Essa é a marca que colocamos em cada celebração de adoração. Quando o
dom da redenção graciosa se mostra sob o véu do símbolo, o clamor paulino
emerge espontaneamente do coração: "Como Deus é rico em misericórdia! Com
que excesso de amor ele nos amou" (cf. Ef 2:4).
Quando a luz dessa verdade impressionante se acende em nossa
consciência,
momentos oumuitoshoras;denonós ficam profundamente
entanto, comovidosnormais
retomam às ocupações durantedealguns
sua
existência corriqueira sem atingir o esclarecimento. Não é o caso de Charles de
Foucauld, o padre cuja vida e ministério inspiraram a formação dos Irmãozinhos
de Jesus. A experiência abriu sua mente. E sinalizou o amanhecer de uma vida
nova. Uma imensa alegria encheu seu coração, maior do que qualquer felicidade
que ele alguma vez conhecera.
O que torna sua vida diferente da nossa é que seu sentimento de
deslumbramento nunca desapareceu: "Tão logo acreditei que havia um Deus,
compreendi que nada mais poderia fazer, a não ser viver exclusivamente para
ele: minha vocação religiosa data do mesmo momento de minha fé".
CAPÍTULO DOIS
T RANSPARÊNCIA
Compreender a verdade do evangelho é lançar sobre nossa face tanto a
tristeza quanto a gratidão. Viver como Jesus viveu é partir do chão em direção ao
mundo. "A imitação de Jesus Cristo", escreve George Montague, "exige a
verdadeira assimilação de suas atitudes interiores e seu modo de pensar".
Romano Guardini declarou certa vez que Francisco de Assis "permitiu que,
na sua personalidade, Jesus Cristo se tornasse transparente". Se for esse o
significado de viver ecomo
piedosos, decentes cristão,
corretos são por
tão que as personalidades
opacas? Por que a paz de
de tantos
Cristo cristãos
Jesus não
reina em nosso coração, uma vez que fomos "chamados para viver em paz, como
membros de um só corpo" (Cl 3:15)?
~ 21 ~
Por que a bondade, a compaixão e a confiança que Grande-Medrosa viu
brilhando nos olhos do Pastor 3 não brilham em nossos olhos? Por que nossa
alegria, entusiasmo e gratidão contagiantes não afetam os outros com o amor
por Cristo Jesus? Por que o encanto esplendoroso do Senhor não flui de nossa
personalidade? Por que não somos janelas para a obra de Deus? Por que não
somos transparentes?
Ter a mente de Cristo Jesus, pensar seus pensamentos, compartilhar seus
ideais, sonhar seus sonhos, pulsar com seus desejos, substituir nossas reações
naturais em relação
ainda, assumir às outras
o sistema pessoas
mental e situações
de Cristo pelo interesse
tão completamente que de
"A Jesus; e,
vida que
agora [Filho] vivo no corpo, vivo-a pela fé no [Filho] de Deus, que me amou e se
entregou por mim" (Gl 2:20). Tudo isso não é o segredo ou o caminho para a
transparência. E a própria transparência.
Muitas vezes nossa preocupação com os três desejos humanos mais
básicos — segurança, prazer e poder — é o manto que encobre a transparência.
A infinita luta para ter dinheiro suficiente, bons sentimentos e prestígio rende
uma colheita rica de aflição, frustração, desconfiança, raiva, ciúme, ansiedade,
medo e ressentimento. Esses poderosos desejos amparados pela emoção
causam 99% do sofrimento auto-infligido e desnecessário em nossa vida. Eles
focalizam continuamente nossa atenção no "eu" e nos impedem de ser
transparentes, ofuscando a luz e obscurecendo "a glória de Deus na face de
Cristo" (2Co 4:6).
João, o evangelista, fala do pecador como alguém em estado de trevas.
"[Ele] anda nas trevas; não sabe para onde vai, porque as trevas o cegaram" (lJo
2:11). E o "eu" autogovernado que nos mantém presos numa série de
movimentos e contramovimentos competitivos que nos induzem a manipular as
pessoas e controlar as situações, o que, para a maioria de nós, destrói a paz e a
serenidade interna de nossa vida.
Preso na busca por segurança, prazer e poder, nosso pensamento a cada
momento está concentrado na sombria perseguição a uma felicidade ilusória, e
ficamos, assim, desatentos ao Senhor da Luz. Nossos olhos não estão fixos em
Cristo Jesus, mas em nosso "eu". Nós nos conformamos com um passeio de
montanha-russa, com divertidos picos e vales vertiginosos, entremeados com
longos períodos de quedas, empurrões e sofrimentos de diferentes graus.
Desde
ouvintes paraoalém
iníciododenível
seu do
ministério público,
desejo básico Jesus
e os elevou
advertiu a mente
para não sede seus
distraírem
pelo excessivo interesse das coisas materiais:
3
Grande-Medrosa (Much Afraid) e Pastor (Shepherd) são personagens do romanee Hinds'Feet on High Places
(traduzido em português como Pés como os da corçanos lugares altos [São Paulo: Vida, 1989]), de Hannah
Hurnard, uma alegoria sobre o esforço de elevação dos cristãos. (N. da T.)
~ 22 ~
irradiam a simplicidade e a alegria de um coração fixo em Jesus Cristo, a Luz do
mundo.
Quando o autor de Hebreus ordena ao leitor "[Tenhamos] os olhos fitos em
Jesus, autor e consumador da nossa fé" (Hb 12:2), ele não somente dá uma
prescrição simples para a transparência cristã, mas insiste numa reavaliação de
todo o sistema de valores da pessoa, compreendendo que "onde estiver o seu
tesouro, ali também estará o seu coração" (Lc 12:34).
O apóstolo Paulo teve a audácia de se vangloriar: "Nós, porém, temos a
mente de Cristo"
conversão (ICoJesus
de Paulo, 2:16).Cristo
A suaocupou
vanglória
suaera validada
mente e seupor sua vida.
coração. A partir
Cristo era ada
força cuja influência estava incessantemente em ação perante os olhos de Paulo
(Fp 3:21). Ele era uma pessoa cuja voz Paulo podia reconhecer (2Co 13:3), que o
fortalecia nos momentos de fraqueza (2Co 12:9), o iluminava, mostrava o
significado das coisas e o consolava (ICo 1:4-5). Levado ao desespero pelos
ataques difamadores dos falsos apóstolos, Paulo aceitava as visões e revelações
do Senhor Jesus (2Co 12:1). Para Paulo, a pessoa de Jesus desvendava os
mistérios da vida e da morte (Cl 3:3).
No romance de Harper Lee, To Kill a Mockingbird, Atticus Finch diz: "Você
4
nunca entenderá um homem até que esteja no seu lugar e olhe o mundo pelos
olhos dele". Paulo olhou pelos olhos de Jesus Cristo com tal sensibilidade que
Cristo se tornou o "eu" do apóstolo (Gl 2:20).
Por queem
Paulo insiste não poderia
que essa éser assim com
a operação todo cristão
normal que em
do Espírito anda no Espírito?
nossa vida. A
transparência é a epifania de Cristo Jesus em nossa vida: eis o sentido da bela
imagem registrada em 2Coríntios. Amédée Brunot escreve em Saint Paul and His
Message:5
A VIDA DE CRISTO
"No último e mais importante dia da festa, Jesus levantou-se e disse em
alta voz: 'Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como
diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva'" (Jo 7:37-38). Uma vez
que Jesus ainda estava preso pelas limitações humanas da carne mortal, ele não
pôde se tornar, nas corajosas palavras de Paulo, "o Filho de Deus com poder"
(Rm 1:4). Ele não pôde ser glorificado até que fosse crucificado. Todo o propósito
de seu sofrimento, de sua morte e ressurreição redentoras era o de compartilhar
conosco os frutos de seu triunfo pascal.
4
Traduzido em português como O sol é para todos.Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. (N. da T.)
5
Traduzido em português como São Paulo e sua mensagem.São Paulo: Flamboyant. (N. da T)
~ 23 ~
Na glorificação de Jesus há o que Edward Schillebeeckx chamou de
"transferência de poder": o Pai concede seu poder real a Cristo, a quem torna o
Kyrios. O Senhor Jesus, então, derrama o Espírito Santo para formar o povo santo
de Deus, uma comunidade de profetas e amantes que se renderá ao mistério do
fogo do Espírito que queima por dentro, que viverá em fidelidade cada vez maior
à Palavra irresistível, onipresente. Um povo que entrará no centro de tudo aquilo
que é, no próprio coração e mistério de Deus, no centro daquela chama que
consome e purifica e deixa tudo incandescente com paz, alegria, coragem e
amor excessivo.
"Não apaguem o Espírito", exorta Paulo (lTs 5:19). Resistir ao Espírito
Santo é anular o poder do mistério pasc al e zombar do maior ato de amor que o
mundo já conheceu. No evangelho de João, o único pecado mencionado é
blasfêmia — a rejeição consciente, deliberada, do Espírito de Deus.
Ainda conforme o franciscano Robert Powell e outros observaram, a igreja
vem sendo atualizada, mas não renovada. A igreja, como um todo, ainda
vasculha o horizonte esperando o brilho ígneo do novo Pentecostes. O comunista
que aceita Karl Marx, mas não sua doutrina, pouco difere do cristão que aceita
Jesus Cristo, mas se recusa a moldar sua vida de acordo com o ensinamento de
Cristo.
Paulo escreveu aos filipenses: "Pois, como já lhes disse repetidas vezes, e
agora repito com lágrimas, há muitos que vivem como inimigos da cruz de Cristo.
O destino delessó
é vergonhoso; é apensam
perdição,
naso coisas
seu deus é o estômago
terrenas" e eles Paulo
(Fp 3:18-19). têm orgulho do que
ainda chora
por causa da debilidade, da extrema falta de sinceridade, do adultério espiritual,
da indiferença à oração, da ignorância sobre a Palavra de Deus, da religiosidade
acomodada e da indolência apostólica que mancham a vida cristã no mundo de
hoje.
Quando Jesus Cristo se revela através do evangelho, o qual é ativo e
fecundo, ele pede uma resposta espontânea. Sua mensagem não é uma
renovação de garantia para continuarmos fazendo exatamente o que temos
feito, mas, escreve Edward O'Connor, "uma convocação para o trabalho de
eliminar de nossa vida, com fidelidade e perseverança, tudo em nós que é
contrário à obra e vontade do seu Espírito Santo para nós". Fé significa que
estamos prontos para agir na Palavra. Jesus é cristalino:
~ 24 ~
que a fé é aceita apenas como um sistema fechado de doutrinas bem definida s,
nós perdemos contato com o Deus vivo. A fé que salva é uma rendição a Deus.
"Dizer 'sim' na fé implica um constante pôr-se a caminho", escreve Bernard
Haring, "uma disposição sempre renovada para receber a Palavra de Jesus e agir
nela".
S0ren Kierkegaard, o pai do existencialismo cristão, descreve dois tipos de
cristãos: os que imitam Jesus Cristo e um segundo tipo de pouco valor, aquele
que fica contente em admirar o primeiro.
A distinção
"pessoas decoincide
de dramas" Raymond comNogar entre as
Kierkegaard. As "pessoas
pessoas dedepinturas
pinturas" e o
vêem as
evangelho em segurança, a uma certa distância , como alguém aprecia a Ultima
ceia de Salvador Dali na Galeria Nacional de Arte, em Washington. As pessoas de
dramas não são meras espectadoras, mas, como o público atento que assiste à
tragédia grega Antígona, elas são atingidas pessoalmente no drama da morte e
ressurreição de Jesus.
Muitas vezes, a retórica que usamos para descrever nossa vida em Cristo
exibe apenas uma leve semelhança com o que realmente somos. Orgulhamo-nos
do que estamos oferecendo, pois isso esconde o que estamos sonegando.
Permitimo-nos acreditar que, só porque somos capazes de um sentimento
piedoso, somos capazes de amar. Thomas Merton escreve:
~ 26 ~
julgamento dos homens. E preocupava-se mais com a satisfação ou insatisfação
do Deus vivo do que com a aprovação de seus semelhantes.
Paulo é testemunha corajosa da realidade do Deus invisível e poderoso
exemplo para muitos de nós que se influenciam demais pela opinião dos outros e
se preocupam tanto em manter certa imagem aos olhos da comunidade,
desejosos apenas de ser apreciados e aceitos por qualquer grupo ao qual se
associem, e não especialmente preocupados sobre sua imagem aos olhos de
Deus.
De Deus
somente outrovê,
modo, não
como negligenciaríamos
a oração comreservados
privada e atos tanta freqüência as coisas
de bondade. que
Merton
escreve:
Aqueles que dizem: "Jesus nunca feriria outra pessoa" muitas vezes
pretendem, com isso, descartar a possibilidade de que o Mestre também pediria
a qualquer um para que se arrependesse ou passasse pela dor de se reconhecer
carente. Crer que tudo o que Jesus nos pediu é que sejamos gentis uns com os
outros é substituir o Cristo de Paulo pelo Cristo do humanismo cristão.
que nosEmenvolve,
Hebreus,e lemos: "Livremo-nos
corramos de tudo oa que
com perseverança nos que
corrida atrapalha
nos é eproposta"
do pecado
(Hb 12:1). Na mesma carta se diz: "Adoremos a Deus de modo aceitável, com
reverência e temor, pois o nosso 'Deus é fogo consumidor!'" (Hb 12:28-29). Esse
Deus não é Cristo, o humanitário, Cristo, o mestre das relações interpessoais, ou
Cristo, o camarada. E o Cristo, Senhor e Salvador, que nos chama ao
arrependimento, muda nossa vida e nos coloca em uma nova direção. F. X.
~ 27 ~
Durrwell escreve: "O conhecimento de Jesus Cristo como Senhor redentor é o
único que tem algum valor para nós".
CONVERSÃO CONTÍNUA
A causa da maioria dos fracassos em agir na Palavra pode ser creditada à
ignorância, à desatenção ou à insuficiente estima pela pessoa de Cristo. Um
pouco de boa vontade para com o mundo substitui tanto a conversão radical
quanto
que nosamude
expressa morte
ou nos do "eu"
desafie. O que o evangelho
cristianismo exige.ecoa
autêntico Não queremos um
na primeira Deus
carta
aos coríntios:
~ 28 ~
O tema dominante da segunda parte do evangelho de João é a união com
o Senhor. Por meio da bela imagem da videira e seus ramos, Jesus chama todas
as pessoas para si. "Permaneçam em mim, habitem em mim, recorram a mim,
venham a mim", ele chama (cf. Jo 15:4ss.). De modo significativo, Jesus não diz:
"Venham para um dia de renovação, um retiro, um grupo de oração, uma
liturgia", mas "venham a mim".
Seria essa a superioridade presunçosa de um religioso fanático? Sim, não
fosse ele o Salvador do mundo. Trata-se de um egoísta ou o Senhor Ressuscitado
que deve
ousaria ser proclamado como a única esperança do mundo. Ninguém mais
dizer:
João 6:51
Quem crê no Filho tem a vida eterna; já quem rejeita o Filho não
verá a vida.
João 3:36
Na prisão, Paulo não conseguiu pensar em nada maior do que desejar aos
efésios que:
~ 29 ~
Portanto, já que vocês ressuscitaram com Cristo, procurem as
coisas que são do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus.
Mantenham o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas
terrenas. Pois vocês morreram, e agora a sua vida está escondida
com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a sua vida, for
manifestado, então vocês também serão manifestados com ele em
glória.
Colossenses 3:1-4
CAPÍTULO TRÊS
D ISTRAÇÕES
Há certas questões urgentes que todo cristão deve responder com total
sinceridade. Você tem fome de Jesus Cristo? Você anseia passar um tempo
sozinho com ele em oração? Ele é a pessoa mais importante em sua vida? Ele
preenche sua alma como uma canção alegre? Ele está em seus lábios como um
grito de louvor? Ou ele está sufocado por distrações, anulado pelo orgulho? Você
consulta com ansiedade suas memórias, seu Testamento, para aprender mais
sobre ele? Você tem sede da água viva do seu Espírito Santo? Você está se
esforçando para morrer diariamente para qualquer coisa que iniba, diminua ou
ameace sua amizade com ele?
Para verificar onde você realmente está com o Senhor, recorde o que o
entristeceu no último mês. Foi a consciência de que você não ama Jesus o
suficiente? De que você não buscou a sua face em oração com a freqüência
necessária?
ficou abatidoDe
porque vocêdenão
causa umasefalta
importou com sua
de respeito, depessoa o bastante?
uma crítica de umaOu vocêde
figura
autoridade ou em razão de suas finanças , da falta de amigos, de medos sobre o
futuro ou pelo aumento de peso?
De modo inverso, o que o alegrou no último mês? Uma reflexão sobre a
sua eleição para a comunidade cristã? A alegria de dizer suavemente: "Aba, Pai"?
A tarde em que você se retirou durante duas horas, levando só o evangelho
como seu companheiro? Uma pequena vitória sobre o egoísmo? Ou as fontes de
sua alegria foram um carro novo, uma roupa de grife, um grande evento, o sexo,
um aumento salarial ou a perda de meio quilo em seu peso. 7
Quando todos os cristãos se rendem ao mistério do fogo do Espírito que
queima por dentro; quando nos submetemos à verdade salvadora de que
alcançamos a vida somente através da morte, assim como nos voltamos para a
luz somenteno
se enterrar através
chão edas trevas;
morrer, quando
assim comoreconhecemos
Jonas deve serque o grão de
sepultado na trigo deve
barriga da
baleia e o jarro de alabastro do "eu" deve ser quebrado para que os outros
percebam a doce fragrância de Cristo; quando respondemos ao chamado de
Jesus "venha a mim", então o poder ilimitado do Espírito Santo será liberado com
surpreendente força na igreja e no mundo.
~ 30 ~
Mas isso só acontecerá se nos apartarmos da vida que estamos
acostumados a viver, uma vida regida por nossos desejos de segurança, prazer e
poder. São esses desejos que nos impedem de reconhecer a verdade de nossa
necessidade da misericórdia de Deus. São esses desejos que nos impedem de
tirar os resíduos embaçadores de nossa vida sem Deus e nos obstruem a
transparência.
Segurança
Em um sentido muito óbvio, o culto à segurança inclui os crentes que com
freqüência adoram mais no altar do sucesso do que no altar do Deus vivo, que se
curvam mais regularmente às vacas sagradas da segurança e do conforto do que
ao domínio soberano de Jesus Cristo. A síndrome da segurança é facilmente
reconhecível quando o assunto é dinheiro. Uma pessoa pode se sentir segura
com apenas dez dólares aqui e agora. Outra pessoa pode se sentir insegura com
100 mil dólares no banco.
A quantia não importa. O tipo de segurança que buscamos (financeira, de
relacionamento, profissional) não tem importância. O que importa é a quantidade
de tempo, energia, pensamento e atenção que investimos na desgastante luta
para alcançar as condições que acreditamos ser indispensáveis para nos
sentirmos seguros. Os detalhes de nossas listas de compra são bastante
arbitrários, mas o desejo de segurança é muito exigente e afasta nossa mente do
chamado superior
habitados por Cristo para
Jesus. que nossos pensamentos e nosso coração sejam
Num sentido menos óbvio, o desejo de segurança é, na maioria das vezes,
uma questão da nossa programação emocional. Meus sentimentos de
insegurança não são uma conseqüência inevitável de circunstâncias externas
(como, por exemplo, a falência nos negócios) ou de ações de outras pessoas. A
vontade de alcançar tranqüilidade e estabilidade aloja-se em mim. Não está à
mercê de caprichos, fantasias e forças externas imprevisíveis. O que me traz a
sensação de insegurança se liga às minhas necessidades emocionais viciosas,
que devem sempre ser satisfeitas. Quando a realidade não atende minhas
expectativas, fico frustrado, bravo, amargo, ansioso e ressentido.
Por exemplo, digamos que você me fale que achou este livro um
desperdício completo de tempo e dinheiro. Sua crítica desperta a minha
programação
e depressão. Ainterna e menão
realidade afundo num minhas
atendeu pântanoexpectativas.
de tristeza, pena de mim mesmo
Eu esperava, no
mínimo, uma crítica construtiva, possivelmente positiva, e talvez até mesmo um
elogio.
No entanto, não foi você quem destruiu meu equilíbrio interno. Eu fiz isso.
Excessivamente preso ao meu preconcebimento de que necessito me sentir
seguro (neste caso, com sua aprovação) e teimosamente convencido do como o
mundo deveria funcionar, eu me privo de forma prejudicial dos frutos do Espírito
Santo e da vida plena que Jesus prometeu.
O Senhor passou pelo mundo como uma figura de luz e verdade, às vezes
temo, às vezes bravo, sempre justo, amoroso e eficaz, mas nunca inseguro. Uma
palavra, um gesto, umas poucas sílabas traçadas na areia, uma ordem como
"venham, sigam-me!", e destinos foram mudados, espíritos renascidos. Ele
conversou com samaritanos, prostitutas e crianças e lhes falou da verdade, da
misericórdia e do perdão, nunca com sequer um traço de insegurança
obscurecendo seu semblante. Passando seu tempo com aqueles que eram
desaprovados por todos, ele nunca vacilou em seu desejo de lhes oferecer seu
reino.
Quando nos apegamos a um miserável sentimento de segurança, a
possibilidade de transparência torna-se totalmente nula. Da mesma maneira que
~ 31 ~
o amanhecer da fé exige o pôr do sol de nossa anterior incredulidade, de nossas
falsas idéias e convicções equivocadas e circunscritas, assim também o
amanhecer da crença exige o abandono de nossa ânsia pelas garantias materiais
e espirituais. A segurança no Senhor Jesus implica o fim de nossos cálculos e
estimativas de custos.
O tipo de confiança que depende da resposta a ser recebida é falso,
baseado apenas na ansiedade. Na insegurança assustadiça, o crente suplica e
até mesmo exige do Senhor garantias tangíveis de que seu afeto será retribuído.
Se nãoestá
tudo as receber,
acabadofica
oudesanimado, frustrado,
de que nunca talvezexistiu.
realmente mesmoSe convencido de que
as receber, se
tranqüiliza, mas só por algum tempo. Ele precisa de provas adicionais — cada
uma menos convincente que a anterior. No fim, essa falsa confiança morre de
pura frustração.
O que o cristão inseguro não aprendeu é que as garantias tangíveis, por
mais valiosas que possam ser, não podem gerar confiança, sustentá-la ou
fornecer qualquer certeza de sua presença. Jesus Cristo nos chama para que
entreguemos nosso "eu" independente à completa confiança. A transparência, a
certeza e a paz só podem ser alcançadas quando essa decisão é ratificada e a
ansiedade pela confiança, extinta.
O mistério da ascensão do Senhor contém uma importante lição para o
obcecado por segurança. Jesus disse a seus discípulos: "Eu lhes afirmo que é
para o bem
poderia de vocês
beneficiar os que eu vou"Em
apóstolos? (Jo primeiro
16:7). Por quê?conforme
lugar, Como a partida de Jesus
ele disse: "Se eu
não for o Conselheiro não virá para vocês; mas se eu for, eu o enviarei" (Jo 16:7).
Em segundo lugar, porque enquanto Jesus ainda fosse visível na terra, sempre
haveria o perigo de que os apóstolos se tornas sem tão apegados à visão da sua
carne humana que poderiam abandonar a certeza da fé e se inclinar à evidência
tangível dos sentidos. Ver Jesus em pessoa era bom, mas "felizes os que não
viram e creram" (Jo 20:29).
No inverno de 1952, durante um dos combates mais pesados da Guerra da
Coréia, dois cabos da marinha estavam agachados na trincheira de um posto de
observação avançado, quase cem metros dentro das linhas inimigas. Jack
Robison e Tim Casey eram amigos havia mais ou menos um ano. Eles se
conheceram na escola de armamentos de Quântico, Virgínia, saíram juntos em
licença e depois viajaram para Camp Pendleton, Califórnia, para o treinamento de
infantaria avançada. Seu regimento chegara em Pusan no outono de 1951.
Passava um pouco da meia-noite e uma neve clara caía. Acotovelando-se
na trincheira, os dois passavam um cigarro de um lado para o outro quando uma
granada, arremessada por um norte-coreano escondido a cerca de 25 metros de
onde eles estavam, caiu bem no meio deles. Casey percebeu o explosivo
primeiro, displicentemente jogou fora o toco de cigarro e deitou-se sobre a
granada, que detonou imediatamente; o abdome de Casey absorveu a explosão.
Ele piscou para Robison e rolou morto.
Quatro anos mais tarde, Robison entrou para a vida religiosa. Quando
pronunciou os votos solenes, em 1960, ele adotou um novo nome para simbolizar
sua nova vida em Cristo Jesus. Mudou seu primeiro nome de Jack para Casey, na
esperança de que o espírito de auto-sacrifício que animara a vida de Tim Casey
caracterizasse também o seu. Ele também ajudou a mãe de Casey, que era
viúva, e passou a dividir suas férias de Natal entre a própria família, em Rhode
Island, e a sra. Casey, em Chicago.
Certo verão, o padre Casey Robison fez uma visita surpresa à sra. Casey.
Ele estava se sentindo cansado e deprimido. Os dois seguiram o procedimento
habitual de assistir às novelas da tarde na televisão, segurando as mãos um do
outro o tempo todo. Depois do jantar, sentaram-se na sala de estar, tomando
~ 32 ~
uma bebida e lembrando os dias em que Tim era vivo. A depressão do padre se
prolongava. Inesperadamente, ele perguntou:
Mãe, você acha que Casey realmente me amava? Ela sorriu.
Oh, Jack, você me vem com cada uma! — disse num lânguido sotaque
irlandês. — Você nunca fala sério!
Estou falando sério — Robison respondeu. Havia um medo nos olhos da
mulher.
Agora
Eu nãopare dezombando,
estou zombar demãe.
mim, Jack.
Ela o encarou com descrença. Então o medo se transformou em fúria. A
sra. Casey nunca havia blasfemado ou tomado o nome do Senhor em vão. Mas,
naquela noite, ela se levantou e gritou:
— Jesus Cristo, homem, que mais ele poderia fazer por você? Então ela
se dobrou na cadeira, enterrou a cabeça em seu peito
e começou a chorar. A mesma frase foi repetida várias vezes, até se tomar
insuportável:
— Que mais ele poderia fazer por você?
Depois do que pareceu um longo tempo, ela deu um pálido e pequeno
sorriso, e disse com suavidade:
— Ah, Jack, acho que todos nós precisamos reconfirmar essas certezas
de vez em quando.
Foi nessa noite que o padre Casey Robison abandonou a insegurança e
encontrou a paz que vem com a genuína confiança.
"O Diabo nunca se alegra mais", disse Francisco de Assis, "do que quando
rouba a paz do coração de um servo de Deus". Paz e alegria não terão lugar
quando o coração de um cristão almejar um sinal depois do outro do
misericordioso amor de Deus. Nada é dado como certo, nem recebido com
gratidão. Os olhos preocupados e a testa franzida do crente ansioso são os
sintomas de um coração em que a confiança não encontrou morada.
O próprio Senhor precisa atravessar conosco todas as sombras do espectro
emocional, da raiva às lágrimas, e então ao regozijo. Mas a verdade pungente
permanece: não confiamos nele. Não temos a mente de Cristo Jesus. "Não
tenham medo, pequeno rebanho, pois foi do agrado do Pai dar-lhes o Reino" (Lc
12:32). As palavras de sra, Casey deveriam bastar também para nós: "Jesus
Cristo, que mais ele poderia fazer por você?".
A insegurança não somente paralisa nossa relação com o Deus vivo, mas
também provoca um efeito devastador nas relações interpessoais. É o ponto de
partida de toda desavença social. Ela acaba com a sinceridade, que é a ponte
para o mundo existencial do outro. Ela corrói a verdadeira comunicação e causa
um tipo de ruptura no desenvolvimento da personalidade autêntica. Ken Keyes Jr.
escreve:
~ 33 ~
da segurança, você não pode amar os outros, uma vez que esse
nível cria grandes distâncias entre você e as outras pessoas.
PRAZER
Uma vez fechadas as janelas, trancadas as portas e apertadas as porcas e
parafusos em nossa maquinaria mental, começamos a nos sentir seguros. Mas o
~ 34 ~
tédio e o desespero silencioso de nossa existência hermeticamente fechada nos
levam a buscar compensações e satisfações através de todos os tipos de
experiências agradáveis.
Quando as formas de prazer, lazer e recreação reanimam a mente e o
corpo e revitalizam o espírito, elas proporcionam uma sensação de equilíbrio,
tranqüilidade e completude. Mas, buscadas em si mesmas, elas nos enviam a um
passeio na montanha-russa, durante o qual cada sensação deve ser maior que a
anterior para que a emoção continue.
O sexodo
embriagador pode ser ou
álcool a forma de prazer
pela energia mais procurada,
impulsionadora das seguido pelo alguns,
drogas. Para efeito o
prazer é encontrado no conforto da comida. Para outros, é a vida por meio da
música ou do cinema que dá acesso à vida emocional, profundamente enterrada.
Quão facilmente a busca de prazer se transforma em obsessão, e a obsessão em
um tipo de morte da alma:
~ 35 ~
para se encontrar excitação e deflagrar uma paixão não terminam com o físico.
Os cristãos são tão propensos a dependência química, romances, amizades
interesseiras e comportamentos de risco quanto aqueles que não possuem Cristo
no coração. Querem e buscam meios de preencher as lacunas abertas na vida.
No entanto, saem dessas experiências com pouco mais do que uma sensação
temporária de plenitude.
A falta de experiência com o amor divino fica dolorosamente evidente.
Quer busquemos preencher o vazio com atividades ostensivamente carnais,
como sexo ilícito,
necessidade álcoolé ou
de prazer drogas;
baseada em quer
umanos enganemos
preferência acreditando
espiritual, quedonossa
o nome jogo
é o mesmo.
Pense como as igrejas têm explorado e se aproveitado da carência para
substituir o entorpecimento em nossa vida por uma paixão por algo mais,
qualquer coisa. Criamos a adoração na qual a música serve para mexer com as
emoções, mas a alma permanece impassível, em que as palavras ditas são
pouco mais do que manipulações do coração. Criamos experiências catárticas
cheias de choro e dança no Espírito, que nos deixam com a sensação de ter
tocado Deus, mas que não conseguem nos dar a sensação de que Deus nos
tocou.
Corremos para as igrejas onde a mensagem parece boa e nos sentimos
energizados e enaltecidos — mas nunca desafiados ou condenados. Henri
Nouwen
crescendodiz: "Não é de se
rapidamente porsurpreender que as
todos os lados experiências
e se espirituais
tornando artigos estejam
comerciais
altamente procurados. Multidões correm para lugares e pessoas que prometem
intensas experiências de comunhão, emoções catárticas de alegria e doçura e
sensações libertadoras de arrebatamento e êxtase. Em nossa desesperada
necessidade de plenitude e incessante busca pela experiência da intimidade
divina, somos todos propensos a construir nossos próprios eventos espirituais".
PODER
O último desejo que nos impede de vestir a mente de Jesus Cristo é a
cobiça pelo poder. Em seu ministério, Jesus rejeitou qualquer exibição de poder,
exceto o do Espírito Santo. Ao contrário dos "reis das nações [que] dominam
sobre elas" (Lc 22:25), os discípulos não deviam exercer autoridade. O próprio
Senhor executou o trabalho servil de escravo ao lavar os pés sujos de seus
discípulos, exigindo, então, que eles fizessem o mesmo. "Se eu, sendo Senhor e
Mestre de vocês, lavei-lhes os pés, vocês também devem lavar os pés uns dos
outros. Eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz" (Jo 13:14-15).
Quando Jesus se apropriou do título "Ebed Yahweh" 6 de Isaías (cf. Lc 22:24-
30), ele reforçou sua identificação servil quando segurou uma criancinha no meio
do grupo e disse aos discípulos que eles deveriam aprender a ser igual a ela.
John McKenzie afirma:
6
Em hebraico: "Servo do Senhor", conforme Isaías 20:3. (N. da T.)
~ 36 ~
Os jogos de poder que jogamos, aberta ou sutilmente, têm o objetivo de
dominar pessoas e situações, aumentando, assim, nosso prestígio, nossa
influência e reputação. Os variados métodos de manipulação, controle e
agressão passiva de que nos valemos geram uma vida que é pouco mais que
uma série de ataques e contra-ataques competitivos.
Convencemo-nos de que precisamos de poder para ser felizes.
Desenvolvemos um sistema de radar preciso, sintonizado nas ações e vibrações
de qualquer pessoa ou situação que, mesmo remotamente, ameacem nossa
posição de autoridade.
relações afetuosas (com osA outros
incapacidade
e tambémdecom
desenvolver com profundidade
Deus) está arraigada em nosso
hábito de poder. Percebemos as pessoas como objetos que aumentam ou
ameaçam nosso prestígio, como peões a serem avançados ou eliminados,
conforme possam proteger o líder e apressar ou retardar a jogada vitoriosa no
tabuleiro da vida.
O que um amigo meu chama "síndrome do reizinho" — a programação
emocional que busca compensar a carência de poder que experimentamos
quando criança — conduz à preocupação com símbolos de status, como carros
de luxo, os mais modernos aparelhos tecnológicos e casas de alto padrão. Isso
nos motiva a acumular dinheiro como método de exercer poder.
Contudo, a busca pelo poder não se limita a ganhos materiais ou a uma
carreira com o propósito de estabelece r um império pessoal. A atração do poder
é a força porcomo
reconhecido trás pessoa
do desejo de adquirir conhecimento
"interessante". O conhecimento como
podemeio
ser de ser
poder,
mesmo na vida espiritual. O perito sabe que deve ser consultado antes de
qualquer julgamento definitivo.
O jogo de parecer melhor que o outro impede a troca de idéias e produz
espírito de rivalidade e competição demasiadamente humano. Mas os jogos de
poder ocorrem às custas da relação profunda com nossos irmãos e nossas irmãs.
Não podemos seguir a jornada com aqueles que desdenhamos sem que ninguém
saia humilhado.
Um recente perfil psicológico de prósperos empresários americanos
revelou quatro características comuns: 1) são, em grande parte, expatriados
(imigrantes ou exilados de seus países nativos); 2) possuem um locus de controle
interno que os impele a desempenhar um papel ativo na construção de seu
destino;
que 3) são
abriram encorajados
novas pelo exemplo
possibilidades de empresários
de negócios; e 4) têm osaté menosapropriados.
recursos talentosos
As mesmas qualidades eminentemente humanas podem caracterizar os
cristãos que buscam exercer autoridade e poder dentro da comunidade
espiritual. Como exilados numa terra estrangeira, eles não podem se apropriar
da nossa cultura secular, então são movidos pela necessidade de dominar os
outros para serem felizes, incomodad os pelo sucesso de Cinderela dos irmãos e
das irmãs menos dotados que assumiram papéis de liderança. Tais crentes são
diligentes na intriga política e clerical, fingindo se submeter à vontade de Deus.
Os estratagemas de poder são previsíveis. Orgulhamo-nos de nossas
supostas realizações, embora negando qualquer crédito pessoal. Vangloriamo-
nos de nossos dons de discernimento e fazemos orações por um contínuo
esclarecimento. Manifestamos uma extraordinária pseudo-serenidade em face da
adversidade e humildemente reclamamos os fardos da liderança.
O desejo de poder é sutil, podendo não ser reconhecido e detectado, e,
portanto, não ser combatido. Mas os cristãos bem-sucedidos na busca de poder,
reunindo discípulos, adquirindo conhecimento, alcançando status e prestígio e
controlando o mundo estão distantes da mente de Jesus. Ficam receosos quando
um discípulo rouba seu bastão, cínicos quando a avaliação é negativa,
~ 37 ~
paranóicos quando ameaçados, indecisos quando desafiados e loucos quando
derrotados.
Embora vivam completamente na carne, desconsideram a crítica por ela
não estar "no Espírito". Os cristãos que têm êxito no jogo do poder vivem uma
vida vazia: por fora, há considerável evidência de sucesso, mas, por dentro,
estão desolados, sem amor e carregados de ansiedade. O reizinho procura
dominar Deus, em vez de ser dominado. A tragédia é percebida na flagrante
tentativa de contradizer o Senhor.
Mas
Então onde está
Abrão o cordeiro
amarrou para com
o jovem o holocausto?
tiras e correias,
E ali construiu fortes e trincheiras,
E estendeu a faca para matar o próprio filho.
Quando... olhe! Um anjo o chamou do céu,
Dizendo: não toque no rapaz,
Não lhe faça nada, Veja,
Um carneiro preso pelos chifres num arbusto;
Ofereça o Carneiro do Orgulho em seu lugar.
Mas o velho não fez assim, e matou o próprio filho,
E metade das sementes da Europa, uma por uma.
~ 38 ~
rebelião e, assim, trouxeram tanto a maldição quanto a bênção aos
cristãos, deve estar sempre diante de nós.
Não raro, as pessoas fazem outras orações para elas, pedindo por
tranqüilidade, sossego, estabilidade, entendimento, tolerância,
alegria, libertação da ansiedade, de ressentimentos ou culpas, mas
nada parece acontecer. Elas naturalmente se inclinam a correr atrás
de bens desejáveis do modo como fariam por diplomas, sucesso
profissional ou desempenho físico, com a diferença de o fazer
através de Deus, em vez de outros. Esse não é o modo de cura
interior por meio do Senhor. O Senhor tem o dom para nós, e
devemos nos ajustar, aceitar o dom. Não determinamos o que
queremos, nem como o atingir. Decidimos aceitar o dom do Senhor
e fazer tudo que é necessário para recebê-lo e mantê-lo.
7
Traduzido em português como A cura interior. São Paulo: Paulinas, 1989. (N. da T.) queremos, nem como o
atingir. Decidimos aceitar o dom do Senhor e fazer tudo que é necessário para recebê-lo e mantê-lo.
~ 39 ~
PARTE DOIS
A MENTE DE CRISTO
CAPÍTULO QUATRO
A DESCOBERTA DO PAI
~ 41 ~
imediatamente em sua mãe. Mas, até mesmo por ela, o menino nunca havia sido
amado assim antes.
— Irmãozinho, qual é o seu nome?
— Willie.
A cabeça do menino de forma alguma se desgrud ava do peito do homem,
e ele ainda apertava a garrafa na mão.
— Meu remédio é tão poderoso, Willie, que não somente vai endireitar
sua perna, Cada
tortuosos. mas endireitará
vale de dortodos os caminhos
será aterrado esinuosos e todos os de
cada montanha corações
orgulho,
aplainada, e toda a humanidade verá a salvação de Deus.
Ele tocou o cabelo cor de ocre de Willie e o beijou levemente na testa.
— Você gostaria de compartilhar meu jantar comigo, Willie? Em toda a
sua vida, ninguém jamais havia convidado Willie para jantar. Na verdade,
ninguém, a não ser sua mãe e seu pai, o chamara alguma vez para compartilhar
coisa alguma. Sentimentos que Willie jamais soubera que existiam brotaram do
seu coração.
Todos o haviam empurrado para seu isolamento mais e mais profundo.
Mas o homem quis compart ilhar sua refeição com ele. E Willie partilhava de sua
companhia com alegria. Pegou todo o dinheiro do bolso.
— Eu comprarei a sobremesa — anunciou Willie com satisfação. —
Sorvete de limão, algodão-doce e biscoitos dente-de-leão!
Os dois comeram com prazer. Willie falou sem parar e o homem o ouviu
em silêncio. Willie contou sobre o pai e a mãe, como a escola era dura, como ele
desejava ter um amigo. Ele, então, encarou-o firme com seus olhos tristes e
suaves, e teve coragem suficiente para perguntar:
— Você seria meu amigo, senhor?
— Eu sou seu amigo — respondeu o homem que cura.
Inesperadamente, uma sensação de frio tomou conta do coração de Willie.
Ele nunca tivera um amigo. E se ele não soubesse como ser um amigo? O
homem era tão generoso e bom, tão gentil e amoroso. "Com certeza, vou
fracassar e aí perderei o único amigo que já tive", pensou Willie.
— Oh, senhor — o menino pediu em seu medo —, por favor, me diga o
que significa ser um amigo! Eu quero tanto aprender.
— Não aflija seu coração, irmãozinho. Eu lhe direi o tipo de amigo que
sou e, então, você poderá decidir por si mesmo que tipo gostaria de ser. Willie,
se eu lhe disser palavras bonitas, capazes de fazer você se sentir importante,
mas não amá-lo, não serei seu amigo. Se eu compartilhar meu conhecimento
com você, de forma que compreenda todos os mistérios do universo, mas não
amá-lo, não serei de forma alguma seu amigo. Se eu der toda a minha comida
para alimentar sua família e cuidar de todas as suas necessidades, mas não amá-
lo, não serei seu amigo.
O homem continuou:
— Irmãozinho, serei se mpre paciente com vo cê. Se rei sempre gentil
com você. Nunca sentirei ciúmes de seus outros amigos.
~ 42 ~
E o homem disse mais:
— Willie, ou ça com atenção agora. Nunca trairei su a confiança. As
profecias desaparecerão, as línguas cessarão, o conhecimento passará, mas eu
não o esquecerei. Jamais deixarei de ser seu amigo. Irmãozinho, talvez sua
memória não seja tão boa. Se você esquecer tudo, não esqueça de que há três
coisas duradouras na amizade: fé, esperança e amor. E a maior delas é o amor.
Willie ouviu atentamente.
— É tão bonito, senhor — disse, balançando a cabeça. — Mas tenho
medo de nunca poder ser um amigo assim. Sou muito fraco, muito feio, muito
mal-humorado, muito bobo.
Por isso lhe dei meu elixir especial, irmãozinho. Esfregue três gotas em seu
coração toda noite. A primeira gota chama-se "perdão", a segunda, "aceitação",
e a terceira, "alegria". Faça isso e saiba que será abençoado.
Então o homem abriu seu sorriso mais amoroso e partiu. Willie correu,
saltou, pulou e dançou durante todo o caminho de casa. Quando chegou, foi para
seu quarto, fechou a porta e se ajoelhou ao lado da cama. Abriu a garrafa e
começou a esfregar a primeira gota, o perdão para os outros, em seu coração.
Era muito doloroso, pois as outras crianças o haviam magoado profundamente.
Mas logo uma coisa maravilhosa aconteceu: Willie tomara-se tão aberto
pela amizade do homem que as gotas de líquido laranja não repousaram sobre o
peito
para o—Espírito
na verdade, que em
entraram
do homem curaseu coração.
operar num O que normalmente
coração levaria num
comum aconteceu anos
instante no coração aberto, inocente e transparente de Willie. Toda angústia a
respeito de sua perna, das grandes manchas, tudo desapareceu. E Willie
começou a orar alto:
— Oh, El Shaddai, meu amigo, não me deixe. Você pode pedir qualquer
coisa de mim. Tudo o que desejo é você. Apenas ande a meu lado, segurando a
minha mão, em razão de nossa amizade e da alegria de estarmos juntos. Mesmo
que você me faça passar por uma provação a respeito da cura de minha perna e
das grandes manchas, não me importarei. Ficarei contente em ser uma truta
malhada, se apenas você estiver comigo. Lembro-me do que você disse ser o
mais importante. Eu o amo, meu amigo, Faça aquilo que você quiser. Somente
não me abandone. E nunca permita que eu o abandone.
Veja, depois
e percorreu queos
o seu ser, o Espírito do homem
olhos foram abertosque cura
para entrou quant
perceber no coração de Willie
o a vida seria
vazia sem seu amigo. Esse pensamento de tal modo abalou sua mente e
intimidou seu coração que Willie nunca mais foi o mesmo. Mas também lhe abriu
os olhos para ver que, no fundo de seu coração, ele tinha de fato somente um
desejo ardente, não pelas coisas que o novo amigo havia prometido, mas pelo
próprio homem que cura.
~ 43 ~
"É preciso que o mundo saiba que eu amo o Pai e que faço o que meu Pai me
ordenou" (Jo 14:31) oferece clara compreensão sobre os pensamentos que
habitaram a mente de Cristo Jesus: Deus é, e isso é suficiente.
Habitar nesse lugar de descanso supremo não é abstração sonhadora, nem
desculpa para afastar nosso "eu" das necessidades urgentes deste mundo. O
apóstolo Paulo é completamente realista. Ele não está aconselhando seus
ouvintes a assumir uma fé simplista e etérea quando escreve: "Seja a atitude de
vocês a mesma de Cristo Jesus" (Fp 2:5). Ao contrário, esse é um lugar central.
Numa interpretação
descobrimos simples,
o que temos nós,
e, então, cristãos, que
percebemos começamos onde
já chegamos. Não estamos,
é preciso
buscar a Deus, implorar a Deus que se revele a nós, Paulo escreve: "Vocês não
sabem que são santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês?"
(ICo 3:16).
Viver aqui é perceber que temos o que buscamos. Não há necessidade de
correr atrás de segurança, prazer e poder, como fazem os incrédulos. O reino de
Deus está dentro de nós. Tudo o que precisamos é desacelerar o tempo humano
e tirar um tempo para ouvir. Deus está lá todo o tempo.
E assim clamamos com Willie: "Tudo o que eu desejo é você, Senhor"; e
com Paulo: "Quero conhecer Cristo" (Fp 3:10). Oramos com o salmista: "Uma
coisa pedi ao SENHOR; é o que procuro: que eu possa viver na casa do SENHOR
todos os dias da minha vida, para contemplar a bondade do SENHOR e buscar
sua orientação no que
Os cristãos seu se
templo (Sl 27:4).
transferem para esse lugar encontrarão paz e prazer na
suficiência divina. Nesse momento, deixamos de nos preocupar sobre o que não
temos porque estamos usando o tempo para apreciar e desfrutar o que temos. A
maior porcentagem do sofrimento desnecessário, auto-induzido em nossa vida é
eliminada porque as compulsões que uma vez nos impulsionavam a conquistar
segurança, experimentar prazer e desenvolver poder já não se afirmam mais
com suas demandas absurdas de satisfação imediata. Preocupação e ansiedade
já não nos afligem, porque percebemos que elas não vêm do evangelho e não
têm nenhum significado remidor. Apenas prolongam os tempos de trevas em
nossa vida, sendo que nós podemos eliminá-las através da submissão de nossos
pensamentos ao senhorio de Jesus Cristo.
Naturalmente, em nossa condição humana, nem sempre somos capazes
de colocarna
agitações a mente e ode
superfície coração
nossa no caminho
alma não se de Cristo.ondas
tomarão Mas sabemos
ao sabor que as
da maré
se descermos ao santuário interior de nosso "eu" agraciado e ficarmos em
oração, ouvindo nosso Deus, que nos lembra: "Acalma o teu coração e sossega.
Estou com você. Não tenha medo. Eu gravei você nas palmas das minhas mãos.
Tudo está bem".
O efeito dessa escuta não é somente interno e pessoal. Quando as
condições externas da vida já não trazem segurança ou insegurança, quando os
problemas triviais e inevitáveis do dia-a-dia perdem seu poder de quebrar nossa
concentração e fragmentar nossa existência, concebemos o mundo como um
lugar mais amigável.
Experimentamos todo o mundo e tudo ao nosso redor de modo diferente —
não mais em termos de como eles poderiam satisfazer nossas necessidades
viciosas,Vivemos
mundo. mas como
emmanifestações
sintonia com asingulares
mente de de verdade,
Cristo Jesus bondade e beleza
e passamos no e
ao fluxo
à harmonia com o projeto criativo de Deus. George Maloney observa: "Existe
uma grande experiência de unidade ao encontrar Deus em todas as coisas. A
dicotomia entre ação e contemplação deixa de existir".
A percepção de que Deus é o suficiente revela a marca da vida
transparente. Vão-se as tensões, confusões e lutas que sinalizavam o engodo
~ 44 ~
provocado por nossos desejos mais básicos. O agitado esquadrinhar do horizonte
em busca de novas experiências cessa, o agitar constante da mente para fugas e
distrações desaparecem.
Até mesmo os lapsos ocasionais de pensamentos egoístas são vistos como
oportunidades de crescimento numa relação mais profunda com Deus. Seja
agindo assim ou sofrendo a ação, respondemos com a mente de Jesus Cristo.
Nisso reside a transparência.
Ao amar Deus de todo o coração, toda a alma, toda a mente e toda a
força,
nenhum Jesus
"eu"foia transparente e, desse
ser visto; apenas modo,
o amor revelou
supremo Deus. Em Jesus
e incondicional não havia
de Deus. Paul
Tillich fez disso o critério da declaração cristã de que Jesus é a revelação final de
Deus: "Ele se tornou completamente transparente ao mistério que ele revela".
Nossa habilidade em vestir a mente de Cristo Jesus ocorre em virtude de
nossa união sagrada com ele. Esse é o dom do Espírito Santo: "Deus derramou
seu amor em nossos corações, por meio do Espírito Santo que ele nos concedeu"
(Rm 5:5). O poder de amar a Deus de todo o coração é direito inato daquele
renascido no Espírito de Jesus Cristo. É o que nos permite passar pelo mundo
como portadores cristalinos da imagem de Deus.
CAPÍTULO CINCO
U M CORAÇÃO MISERICORDIOSO
8
Traduzido em português como Adeus às armas. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil: 2002. (N. da T.)
~ 45 ~
simples. Eu lavava pratos no Hotel de la Gare e recolhia esterco numa fazenda
vizinha.
A conversa da mesa seguia animada quando o irmão alemão observou que
nossos salários eram inferiores, e o espanhol explicou que os dias eram difíceis.
Notei que nossos patrões nunca eram vistos na igreja da paróquia, e um irmão
francês sugeriu que talvez fossem hipócritas. As críticas se fizeram mais pesadas
e o tom, mais cáustico. Concluímos que nossos auto-suficientes patrões dormiam
todo o dia de domingo, gastavam seu dinheiro sem reflexão e nunca elevavam a
mente
família,eda
o coração
colheita em oração
e assim porpara agradecer a Deus os dons da vida, da fé, da
diante.
O irmão Dominique Voillaume estava sentado no fim da mesa, e não havia
aberto sua boca. Percebi lágrimas rolando de suas faces.
O que houve, Dominique? — Perguntamos. Sua voz era pouco audível.
Ils ne comprennent pas — foi tudo o que ele disse.
Eles não entendem. Quantas vezes, nos últimos anos, aquela frase
transformou meu ressentimento em compaixão. Como passei então a apreciar a
visão de Paul Gallico e a me encantar com sua honestidade. Venho com
freqüência relendo a narrativa da crucificação de Cristo pelos olhos de Dominique
Voillaume, adquirindo uma nova compreensão da mente de Cristo Jesus. No
ápice de sua agoni a de morte, surrado e tiranizado, açoitado e espancado,
cercado por uma multidão de brutos, Jesus diz "Pai, perdoa-lhes. Il s ne
comprennent pas".
O Mestre, cuja atitude para com o pecado fora tão inexorável, o moralista
rígido que cercou o casamento com o alto muro da indissolubilidade, o juiz
austero que condenou a simples intenção de se fazer o mal, o homem sagrado,
no qual nem um único sopro de suspeita jamais tocou, esse Jesus foi não apenas
chamado "amigo dos publícanos e pecadores", mas, de fato, o foi.
Judas Iscariotes adentra o jardim, ao lado da multidão, e saúda o Filho do
Homem com um beijo. Jesus apela ao seu coração e à sua consciência: "Judas,
com um beijo você está traindo o Filho do homem?" (Lc 22:48). Ele não censurará
Judas diante dos outros. Não haverá nenhuma humilhação pública pela traição.
"Amigo, o que o traz?" é tudo o que ele diz.
A compaixão pelos outros e a alegria por seu arrependimento reinam na
mente de "'Qual
pergunta: Cristo.destes
Jesustrês
terminou a parábola
você acha que foi o do bom do
próximo samaritano
homem quecomcaiuuma
nas
mãos dos assaltantes?' O perito na lei respondeu: Aquele que teve misericórdia
dele'. Jesus lhe disse: 'Vá e faça o mesmo'" (Lc 10:36-37).
Nas parábolas da misericórdia divina (Lc 15), Jesus fala do pastor levando
alegremente a ovelha perdida nos ombros e chamando todos os seus amigos
para se alegrarem. A mulher clama: "Alegrem-se comigo, pois encontrei minha
moeda perdida". No retorno do filho pródigo, o pai explica ao indignado filho mais
velho: "Mas nós tínhamos que celebrar e alegrar-nos!". O tema subjacente de
todas as três parábolas apresenta uma compreensão notável na mente de Jesus:
"Eu lhes digo que, da mesma forma, há alegria na presença dos anjos de Deus
por um pecador que se arrepende" (Lc 15:10).
A bondade que Jesus dedicava aos pecadores fluía de sua capacidade de
ler o pessoas
das coração deles e descobrir
de atitudes maisaliirritadas
a sinceridade
ou dee mecanismos
a bondade essenciais.
de defesa Pormais
trás
enigmáticos, de seus ares de dignidade, grosseria ou zombarias, de seus
silêncios ou de suas desgraças, Jesus via uma criancinha que não tinha sido
amada o bastante e que deixara de crescer porque os que estavam a seu redor
deixaram de acreditar nela. Adrian van Kaam escreve:
~ 46 ~
Nesse sentido, Cristo, e depois os apóstolos, fala freqüentemente
sobre os crentes como de crianças, não importando quão
respeitáveis, ricos, inteligentes e prósperos eles possam ser. Pois,
por trás da força de cada um, esconde-se uma pessoa pecadora,
carente de redenção, uma pessoa preciosa aos olhos de Deus por
causa do tesouro sem igual em que se torne no tempo e na
eternidade.
Vejo com
arrependidos que freqüência Jesus Cristo
foram resgatados atravésseda alegrando pelos
solidariedade dos pecadores
Alcoólicos
Anônimos. Os aniversários de primeiro, terceiro, oitavo ou vigésimo ano de
sobriedade de um alcoólatra repercutem a alegria festiva do retorno do pródigo.
Phil, homem velho e alquebrado com três dentes na boca, vivera vinte
anos nas ruas como bêbado. Agora ele se dirige ao púlpito de uma sala lotada e
silenciosa. É o primeiro aniversário dele. Ninguém acreditava que conseguiria.
Ele começa a falar que estava perdido e agora fora encontrado. De repente,
emudece e vira-se de costas para a audiência. Os presentes aplaudem-no de pé.
Homens e mulheres acorrem ao púlpito e beijam efusivamente Phil.
No encantador livrinho Off the Sauce [Sem tempero], Lewis Meyer escreve:
Se alguém
sentimento dequisesse usar somente
uma reunião uma
do AA, essa palavra
palavra para
seria descrever
amor. o
Amor é
a única palavra que conheço que encerra amizade, compreensão,
compaixão, emparia, bondade, honestidade, dignidade e humildade.
O tipo de amor ao qual me refiro é aquele que Jesus tinha em mente
quando disse: "Amem-se uns aos outros". Podem atirar pedras,
podem virar a cara, mas há uma ligação entre os AAs, uma ligação
que raramente se vê em outro lugar. É o único lugar que conheço
onde o status não significa nada. Ninguém zomba de ninguém.
Todos estão aqui porque fizeram de sua vida uma completa
desordem e tentam colar os cacos. As coisas básicas são básicas
aqui. (...) Assisti a milhares de cultos de igreja, reuniões maçônicas,
encontros de irmandades — contudo, nunca encontrei o tipo de
amor que percebo no AA. Em pouco tempo, o importante e poderoso
se rebaixa equerem
as pessoas o humilde sequando
dizer eleva. Ofalam
nivelamento atingido é aquilo que
de fraternidade.
~ 48 ~
Para amar o próximo como a nós mesmos, precisamos reconhecer nosso
valor e nossa dignidade intríns ecos e nos amar de forma saudável e consciente,
conforme Jesus nos ordenou ao dizer: "Ame o seu próximo como a si mesmo". A
tendência de sempre e sempre nos repreendermos com rigor pelos fracassos
reais ou imaginários, depreciar e subestimar nosso valor e enfatizar
exclusivamente nossa desonestidade, nosso egocentrismo e nossa falta de
disciplina pessoal é conseqüência de nossa auto-estima negativa. Reforçados
pela avaliação crítica de nossos semelhantes, por reprovações e humilhações de
nossa comunidade, acabamos radicalmen te incapazes de aceitar, perdoar ou
amar.
No discurso de abertura em uma conferência carismática regional em
Atlantic City, Nova Jersey, o padre Francis McNutt tocou em um nervo exposto
quando disse: "Se Jesus Cristo o perdoou de todos os pecados, lavando-o no seu
sangue, que direito tem você de não perdoar a si mesmo?".
A capacidade de amar a si mesmo é a raiz e o pilar básico de nossa
capacidade de amar aos outros e a Deus. Só posso tolerar nos outros aquilo que
posso aceitar em mim. Van Kaam escreve:
~ 49 ~
— Jesus não teria falado assim com Maria Madalena.
Ela desapareceu rua abaixo. A magnitude do que havia ocorrido começou
a me corroer durante a continuação do teatro. Estivera tão preocupado com o
meu status que tratei a mulher como uma máquina de vender jornal: depositei
uma moeda em sua mão e saquei o jornal. Não demonstrei nenhum consideração
pelo serviço que ela me prestava, nenhum interesse por sua vida e tive uma
espantosa falta de apreço por sua dignidade pessoal.
A preocupação com minha soberba, somada à falha em tratá-la com um
amor afetuoso, imbuído de respeito pela santidade de sua
personalidade única, exacerbou seu sentimento de inutilidade e, além
disso, prejudicou sua auto-estima. Seu autoconceito se formou pelo modo como
ela viu a si mesma refletida nos olhos de outras pessoas. Se viesse à igreja no
domingo e eu estivesse no púlpito, exortando-a a amar a Deus acima de todas as
coisas... quanta hipocrisia do homem que ajudou a minar sua capacidade de
amar alguém. Uma humanidade retraída tem uma capacidade diminuída de
receber os raios do amor de Deus.
A COMPAIXÃO DE JESUS
Pensar como Cristo é ter a atitude relacional que Jesus teve com os seus
discípulos. Sua atitude foi lindamente expressa para mim numa excursão no
último outono pela Sleepy Hollow Village, às margens do rio Hudson. A única
orientação do nosso guia era: "Por favor, sejam gentis com os cordeiros. Eles não
se aproximarão se vocês os amedrontarem".
Quando os olhos de Jesus observavam as ruas e ladeiras, ele sentia
compaixão porque as pessoas estavam desorientadas. Ele lamentou por
Jerusalém. Suas palavras não vinham carregadas de repreensão e humilhação,
castigo e moralismo, acusação e condenação, ridicularização e depreciação,
ameaça e chantagem, avaliação e rotulagem. Sua mente era constantemente
habitada pelo perdão de Deus. Ele tomou a iniciativa de procurar os pecadores e
justificou sua incrível facilidade e familiaridade com eles por meio de parábolas
de misericórdia divina.
A mulher flagrada em adultério, nem mesmo perguntou se estava
arrependida. Nem exigiu uma firme decisão de se corrigir. Não lhe fez uma
preleção sobre as severas conseqüências de uma futura infidelidade. Ele viu sua
dignidade como ser humano prestes a ser destruída pelos presunçosos fariseus.
Depois de lembrá-los de sua participação na culpa da mulher, ele olhou para a
mulher, a amou, perdoou e advertiu para que não pecasse mais.
O psicólogo francês Mare Oraison afirma: "Ser amado é ser olhado de tal
maneira que a verdade do reconhecimento é revelada". Um cristão que não
apenas vê, mas olha o outro, comunica àquela pessoa que ela está sendo
reconhecida como ser humano em meio a um mundo de objetos impessoais —
como alguém, não algo. Se essa simples verdade psicológica, difícil e exigente
como ela é, fosse praticada nas relações humanas, talvez pudéssemos eliminar
98% dos obstáculos para se viver igual a Jesus. Pois este é o próprio fundamento
da justiça: a capacidade de reconhecer o outro como ser humano no qual brilha o
sinal do Cordeiro em sua testa.
A simples compra de um selo postal ou de alguns mantimentos no
supermercado pode ocasionar uma troca de olhares entre balconista e cliente
capaz de transformar um gesto rotineiro num verdadeiro encontro humano
mutuamente enobrecedor. As palavras são desnecessárias nessa interação, pois
o cristão conhece o segredo fundamental de Jesus em relação aos discípulos: seu
respeito soberano pela dignidade deles. Eles são pessoas, não brinquedos, nem
cargos ou possibilidades de compensação pessoal.
~ 50 ~
Na narrativa de Lucas sobre o sofrimento de Jesus, o autor destaca que,
depois da terceira vez que Pedro negou conhecê-lo, "o Senhor voltou-se e olhou
diretamente para Pedro" (Lc 22:61). Naquele olhar foi revelada a verdade do
reconhecimento. Pedro sabia que ninguém jamais o amara como Jesus. O homem
a quem ele confessara como o Cristo, o Filho do Deus vivo, olhou em seus olhos,
viu neles o terror transparente, percebeu nele o terrível drama do vício da
segurança e o amou.
O amor de Jesus por Pedro repousava na completa e incondicional
aceitação
nosso amordo("se
discípulo. Nós,me
realmente queamasse,
tão automaticamente
você faria..."), impomos condições
não vemos que isso para
é
troca, não amor incondicional. (Pois colocamos um de nossos desejo s para
completar a frase.)
Na atitude de Jesus para com Pedro, conseguimos entender que nenhum
homem jamais foi tão libertador de pressões, convenções ou vícios. Jesus era de
tal modo liberto do fogo de desejos, demandas, expectativas, necessidades e da
programação emocional inflexível que podia aceitar o inaceitável. Não precisava
recorrer a gritos, ataques de ódio ou ameaças indevidas. Ele transmitiu seus
sentimentos mais profundos a Pedro através de um olhar. E aquele olhar
transformou e recriou Pedro: "Saindo dali, chorou amargamente" (Lc 22:62).
Compaixão significa que você sente empatia pela aflição de outra pessoa e
envia o sinal: "Sim, eu sei. Estive lá também". Você vivência a situação a partir
da posição
outras daquela
pessoas pessoa.
criaram Sersicompassivo
para é compreender
próprias sem ser arrastadoos por
conflitos
seu que
drama
pungente. E você sabe que a compaixão será mais efetiva se estiver centrada na
aceitação amorosa.
Ao ver Pedro exercendo seu vício e sofrendo por isso, Jesus permaneceu
profundamente sintonizado com a humanidade e dignidade do homem. Seu olhar
transparente, imbuído de perdão divino, não somente fez Pedro chorar, mas lhe
permitiu continuar em frente sua jornada, em direção ao alto, numa vida mais
rica com Cristo. Alguns dias depois, o Jesus ressuscitado diria ao mesmo homem:
Dessa vez não houve negação ou reclamação. Pedro aceitou o que antes
havia sido inaceitável. Anos mais tarde, o mesmo homem escreveria: "Amem-se
sinceramente uns aos outros, porque o amor perdoa muitíssimos pecados" (1 Pe
4:8). À luz do próprio crescimento doloroso, Pedro fala aos cristãos gentios:
"Como crianças recém-nascidas, desejem de coração o leite espiritual puro, para
que por meio dele cresçam para a salvação" (IPe 2:2).
A traição de Pedro ao Mestre, como tantas de nossas próprias recaídas
morais e rejeições ao caminho do Senhor, não foi um fracasso terminal, mas uma
oportunidade
Deus desejavapara
que um
ele doloroso crescimento
fosse. Seria individual
irrealista supor que, em direção
anos à pessoa
mais tarde, que
Pedro
louvaria a Deus por aquela criada que o tornou num covarde choroso no pátio de
Caifás?
Jesus não tinha interesse em reforçar autoconceitos negativos. "Não
quebrará o caniço rachado, não apagará o pavio fumegante" (Mt 12:20). Ele era
impiedoso somente com aqueles que mostravam desprezo pela dignidade
~ 51 ~
humana, e não tinha compaixão dos que punham intoleráveis fardos nas costas
de outros, eles próprios se recusando a carregá-los. Jesus desmascarou as ilusões
e boas intenções superficiais dos fariseus pelo que eles eram, chamando-os
hipócritas: "Raça de víboras" (Mt 12:34). Ele não compactuava com os que não
mostravam misericórdia ou compaixão.
Viver e pensar como Jesus é descobrir a sinceridade, a bondade e a
verdade muitas vezes ocultas por trás do grosso e áspero exterior de nossos
semelhantes. É ver nos outros o bem que eles próprios não vêem e afirmá-lo em
face de poderosas
que ignora evidências
a realidade do mal,em
mascontrário. Não se trataque
de uma perspectiva de um otimismo
reconhece cegode
o bem
maneira tão repetida e insistente que mesmo o obstinado acaba reagindo de
forma positiva. No homem Jesus, a mente de Deus era transparente. Não havia
nada do "eu" para ser visto, apenas o amor incondicio nal de Deus. Ao ver Pedro
no pátio, Jesus revelou o fundamento do ser do homem.
O eixo da revolução moral cristã é o amor (Jesus o classificou como o sinal
pelo qual o discípulo seria reconhecido). O perigo espreita em nossas tentativas
sutis de minimizar, racionalizar e justificar nossa moderação a esse respeito.
Oferecer a outra face, caminhar a milha extra, não devolver os insultos,
reconciliar-se um com o outro e perdoar setenta vezes sete vezes não são
caprichos arbitrários do Salvador. Ele não prefaciou o Sermão do Monte com
"seria bom se...". O novo mandamento estrutura a nova aliança no seu sangue.
Tão central é o preceito do amor que Paulo o chamou cumprimento da Lei.
Segundo John McKenzie, "a razão demanda moderação no amor, como em
todas as coisas; a fé, aqui, destrói a moderação. A fé não tolera um amor
moderado por um companheiro humano mais do que tolera um amor moderado
entre Deus e o homem". O mandamento do amor é o completo código moral do
cristão. Thomas Merton declarou que um "bom" cristão que abriga ódio no
coração por qualquer pessoa ou grupo étnico é objetivamente um apóstata da fé.
~ 52 ~
O membro mais velho chamou dois outros participantes e
confidencialmente jogou a bomba em suas mãos. Ele disse:
— Bem, e então? Se mandarmos este homem embora, ele logo
morrerá. Se o deixamos ficar, só Deus sabe que tipo de problema causará. Qual
deve ser a resposta, "sim" ou "não"?
A princípio, os conselheiros só conseguiam ver objeções.
— Nós só li damos com alcoólicos. Não deveríamos sacrificar este aqui
pelos muitos outros?
Assim ia a discussão, enquanto o destino do recém-chegado pendia na
balança. Então, um dos três falou em tom muito diferente:
— Do que realmente temos medo — ele disse — é de nossa reputação.
Estamos muito mais preocupados com o que as pessoas poderiam dizer do que
com o problema que esse alcoólico desconhecido nos traz. Conforme falávamos,
cinco palavras curtas vieram à minha mente. Alguma coisa continua repetindo
dentro de mim: o que o Mestre faria?
Nenhuma outra palavra foi dita.
CAPÍTULO SEIS
A OBRA D O R EINO
Jesus Cristo não é apenas o centro do evangelho, mas é todo o evangelho.
Os quatro evangelistas nunca se concentram em outra personalidade.
Personagens marginais permanecem na periferia, e não se permite a mais
ninguém tomar o centro do palco. Vários indivíduos são apresentados somente
para interrogar, responder ou reagir a Jesus. Nicodemos, a mulher samaritana,
Pedro, Tomé, Caifás, Pilatos e muitos outros são secundários em relação à
pessoa de Jesus.
E é assim que deve ser, pois o Novo Testamento é uma visão da salvação.
Quando baixar a última cortina, Jesus eclipsará todas as pessoas famosas,
formosas e poderosas
considerados conforme suaque resposta
já viveram. Cada
a Jesus. homemescreveu
Segundo e cada T.mulher
S. Eliot:serão
"O
minha alma, [...] prepara-te para quem sabe como questionar". 9
No homem Jesus há uma absoluta compatibilidade de propósitos em
relação a Deus. No entanto, aqui está em questão mais do que conhecimento e
ligação afetiva: Jesus vive para esclarecer o reino de Deus e a vida no reino de
Deus.
As palavras
contrário, que vive
o Pai, que eu em
lhesmim,
digoestá
não são apenas
realizando a sua minhas.
obra. Ao
João 14:10
9
Coros de "A rocha", em Poesia. Trad. Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981, p. 183. (N. da T.)
~ 53 ~
Pai, se queres, afasta de mim este cálice; contudo, não seja feita a
minha vontade, mas a tua.
Lucas 22:42
E no templo, Jesus responde de forma lacônica À sua mãe: "Por que vocês
estavam me procurando? Não sabiam que eu devia estar na casa de meu Pai?"
(Lc 2:49). Outra passagem é ainda mais básica. Jesus estava ensinando, cercado
por um grupo de ouvintes. Alguém o tocou: "Tua mãe e teus irmãos estão lá fora
e te procuram". E ele, que sabia muito bem quem era a sua mãe, retrucou com a
mesma profundidade que marcou sua vida na terra: "Quem é minha mãe, e
quem são meus irmãos?". Jesus fez uma pausa, olhou os que estavam sentados
ao seu redor e continuou: "Aqui estão minha mãe e meus irmãos! Quem faz a
vontade de Deus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe" (Mc 3:31-35).
Não devemos permitir que essas palavras sejam interpretadas como
alegoria. A vontade de Deus é uma realidade. E como um rio de vida partindo de
Deus em direção a Jesus — uma circulação sangüínea da qual ele recebe vida de
maneira mais profunda e poderosa do que a recebida de sua mãe. E quem
estiver pronto para fazer a vontade de Deus se torna parte dessa circulação
sangüínea.
O crente, o homem que faz a vontade divina, está unido à vida de Cristo
Jesus de forma ainda mais verdadeira, mais profunda e mais forte do que Jesus
esteve unido à sua mãe. Percebemos aqui uma falta absoluta de sentimentalismo
humano em Jesus. Os dois focos de seu ministério são Deus e ele próprio.
Insistamos mais uma vez: é assim que deve ser.
A mente de Jesus estava fixada no cumprimento da vontade divina por
meio da proclamação do reino de Deus. A intimidade de Jesus com Deus e a
consciência da santidade de Deus o encheram de profunda sede das coisas
divinas. Sua vida interior de confiança e rendição amorosa não é simplesmente
questão de oração pessoal, experiência religiosa privada e júbilo na presença
íntima de Deus. Essa relação limitada com Deus ignoraria o mundo real e sua
luta por redenção, justiça e paz. Não, a vida interior de Jesus Cristo ganha
expressão numa qualidade vital, especial, de presença no mundo e em situações
mais ativas.
Havia um intenso desejo dentro de Jesus de apresentar seu Pai por meio
do serviço ao pobre, ao cativo, ao cego e a todos os necessitados. Jesus era
completamente consumido por essa missão. Foi a experiência de Jesus da
santidade de Deus que criou o imperativo de pregar o reino da justiça, da paz e
do amor clemente de Deus.
Jesus Cristo planejou sua vida em torno de tal missão, renunciando aos
confortos da estabilidade e da permanência: "As raposas têm suas tocas e as
aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a
cabeça" (Lc 9:58). Ele nunca se demorou muito num único lugar. Quando os
discípulos o procuravam, ele respondia: "É necessário que eu pregue as boas-
novas do Reino de Deus noutras cidades também, porque para isso fui enviado"
(Lc 4:43). Outros teriam ficado para trás, preocupados com segurança, prazer e
poder, mas Jesus seguiu em frente, sem parar, sempre dirigido pela visão do
reino.
"A relação do Mestre com seus discípulos só pode ser compreendida no
contexto da missão de Jesus", escreve José Comblin. Jesus não estava
preocupado com as famílias de seus discípulos ou com as famílias de amigos e
colegas. Quando um discípulo pediu um tempo para enterrar um familiar, Jesus
respondeu: "Deixe que os mortos sepultem os seus próprios mortos; você,
porém, vá e proclame o Reino de Deus" (Lc 9:60).
~ 54 ~
Quando Jesus recebeu o batismo de João no rio Jordão, passou por uma
fundamental experiência de identidade. Os céus se abriram, o Espírito desceu na
forma de uma pomba e Jesus ouviu a voz de seu Pai: "Tu és o meu Filho amado;
em ti me agrado" (Lc 3:22). Os evangelhos sinóticos relacionam a identificação
de Jesus como "servo de Javé" diretamente a Deus. Independentemente das
evidências externas, Jesus experimentou no Jordão uma confirmação interior,
decisiva, de que era o Filho, o Servo e o Amado do Pai. George Aschenbrenner
diz: "Essa clara e essencial experiência de identidade srcina-se da profunda
intimidade com o seu Pai, é por ela produzida e a celebra".
As tentações no deserto desafiaram a autenticidade da experiência do
Jordão. Todos os três estratagemas de Satanás ("se és o Filho de Deus...")
tiveram a intenção de enfatizar a mesma questão: Jesus era realmente o Filho-
Servo amado? Ou a experiência no Jordão foi somente uma ilusão? Alguém mais
ouviu a voz que Jesus ouviu?
Satanás atacou frontalmente a identidade religiosa de Jesus. 0 periscópio
do evangelho não descreve a luta interna e o conflito feroz no coração humano
de Jesus, mas essa era uma questão tumultuosa. Aschenbrenner observa: "Aqui
lhe era exigido, assumindo riscos e com confiança, que ratifi casse, e assim
assumisse como missão e atividade, a sua relação com o Pai". Na aridez, na
simplicidade, na vastidão e no despojamento do deserto, Jesus interpretou, em
novo e decisivo nível, sua existência e sua missão no mundo, emergindo do
deserto com o sopro de Deus em sua face.
Não se deve supor, no entanto, que o tempo de provação havia acabado.
Lucas diz: "Tendo terminado todas essas tentações, o Diabo o deixou até ocasião
oportuna" (4:13). A confiança de Jesus no Pai não se amparava em uma única
decisão que o deixava certo da sua missão e imune ao Tentador. A luta com o
Diabo no deserto foi o primeiro de uma série de desafios à sua autoconsciência e
identidade interna como Filho-Servo-Amado do Pai.
A constante tentação de seu ministério seria a de cumprir sua missão de
modo contrário ao propósito de Deus. Ele poderia começar com uma
demonstração flamejante de poder, transformando pedras em pão, e terminar
com uma exibição sensacional de poder, descendo da cruz para vingar-se dos
inimigos de Deus. O fascínio pelo aumento de segurança, prazer e poder é o
caminho mundano de Satanás. Jesus rejeitou isso totalmente.
último Na
atoloucura final doo amor,
de confiança, Jesus
ápice de umaaceita
vida livremente a morte
vivida em Deus. na sabe
Jesus cruz.quem
Éo
ele é. Ele reafirma sua posição como Filho-Servo-Amado do Pai e, no nível mais
profundo de sua existência, cumpre sua missão. A morte de Jesus na cruz dá a
forma final, definitiva e eterna de sua identidade espiritual e confiança íntima,
amorosa em Deus. John Shea comenta: "Deus não ressuscitou Jesus dos mortos
porque este nunca hesitou, replicou ou questionou, mas, havendo hesitado,
replicado e questionado, ele permaneceu fiel".
A autoconsciência de Jesus e o zelo incansável demonstrado em seu
ministério devem ser compreendidos como relacionados direta e
incessantemente à sua vida interior de crescente intimidade com o Pai. Não
devemos perder de vista esta ligação lógica: a primazia da missão e seu
profundo zelo em proclamar o reino de Deus não derivam de reflexão teológica,
do desejo de edificar os outros, da espiritualidade da moda ou de um sentimento
indefinido de boa vontade para com o mundo. Sua fonte é a santidade de Deus e
a autoconsciência que Jesus possui de sua relação com Deus.
É altamente significativo que o evangelho seja pontuado por inúmeras
interrupções das atividades principais de Jesus com o propósito de se retirar para
orar. A Bíblia indica que Jesus precisavadesse tipo especial de contato íntimo com
o Pai. Seu próprio crescimento interior e o senso de missão e direção dependiam
~ 55 ~
muito dos momentos de oração. Shea diz: "Apesar de serem especulações (mas
não especulações gratuitas), podemos imaginar que Jesus ia às montanhas para
orar não porque estava marchando em direção ao reino, mas porque precisava
renovar sua liberdade na garantia que Deus lhe dera".
O coração de Deus é o esconderijo de Jesus, um forte e protetor espaço
onde Deus está próximo, onde a relação é renovada, onde a confiança, o amor e
a autoconsciência nunca morrem, mas são continuamente reacesos. Em tempos
de oposição, rejeição, ódio e perigo, Jesus retira-se para aquele esconderijo onde
é amado. Em tempos
perseverança de fraqueza
poderosa. Em facee temor, nasce alidaumincompreensão
ao aumento vigor suave e uma
e da '
desconfiança, somente o Pai o compreende. "Ninguém sabe quem é o Filho, a
não ser o Pai..." (Lc 10:22).
Os fariseus conspiram em segredo para destruí-lo, os amigos dos bons
tempos faltam com a lealdade, um discípulo o nega e outro o trai, mas nada
pode demover Jesus do amor do Pai. Na reclusão, nos lugares isolados, ele se
encontra com El Shaddai, e o que esses momentos significam para o Mestre
dificilmente poderia ser compreendido.
Mas uma coisa pode ser dita: a identidade primeira, crescente, definitiva
de Jesus como o Filho, Servo e Amado de seu Pai é ali profundamente reforçada.
Nada deve interferir na proclamação das boas-novas da vida eterna e na ajuda às
pessoas para que tenham um estilo de vida que lhes permita crescer para a
eternidade
reconhecida—e um modo
para de florescer.
o amor paz e justiça, com lugar para a dignidade humana ser
Igualmente essencial em relação a isso é o fato de Jesus encorajar os
discípulos a adotarem a mesma prática da pausa e do descanso. No retorno
exultante dos discípulos após um ministério produtivo, Jesus os aconselha a
preservar a humanidade e se centrar na autoconsciência: "Venham comigo para
um lugar deserto e descansem um pouco. Então eles se afastaram num barco
para um lugar deserto" (Mc 6:31-32).
É importante manter esses momentos de retiro no contexto e dentro do
ritmo da vida muito ativa e atarefada de Jesus. Tais momentos de oração são
sempre orientados para sua presença no mundo. As principais decisões de sua
vida (por exemplo, a seleção dos doze que formariam um círculo íntimo de
amizade e compartilhariam sua missão) são sempre precedidas de uma noite
sozinhodo
jardim noGetsêmani,
topo da montanha.
passada Sem esquecer,
em súplicas poré forças
claro, apara
noitefazer
de suplício no do
a vontade
Pai.
É difícil, então, deixar de pensar na quantidade de casamentos errados,
empregos errados, relações pessoais erradas e todo o sofrimento concomitante
que seriam evita dos se os cristãos submetessem o processo de tomada de
decisão ao domínio de Jesus Cristo e compartilhassem a sua confiança na direção
de Deus. Muitas vezes nos esquecemos de que temos o mesmo acesso a Deus
desfrutado por Jesus . Mas jamais deverí amos nos esque cer de que o nosso
Criador cuida de nós. Deus conhece cada um de nós pelo nome e está
profundamente envolvido nos dramas de nossa existência pessoal. "Até os
cabelos da cabeça de vocês estão todos contados" (Lc 12:7).
Dentro desse clima de confiança, podemos tranqüilamente procurar
discernir
claras a vontade
e todas de Deus.
as ações É em tal
florescem. atmosferaéque
O resultado menostodas as decisões
vago, ambíguosee tornam
incerto
do que poderíamos supor. Os sons da paz interior ressoam no coração afinado
com Deus, enquanto o coração desafinado, iludido em cantar sua própria canção,
pulsa com agitação, conflito, dissonância e contratempos.
Ao considerar o que significa para nós vestir a mente de Cristo, podemos
facilmente nos afastar das preocupações de Jesus com a sua missão — ele era,
~ 56 ~
afinal, o Messias, o Enviado. O Mestre era sem pecado e não teve nenhuma das
distrações de família, trabalho e vida moderna se interpondo no caminho de seu
chamado. Mas, em vez de sucumbir a essas distrações, podemos encontrar
esperança seguindo o exemplo de Cristo em sua devoção sincera às coisas de
Deus.
O "EU" DIVIDIDO
Jesus sempre
desenvolvimento da pareceu saber
consciência de quem era. Ao
sua pessoa longo de
e missão, sua
mas elevida, houve
sempre um
teve
um sentido coerente do "eu". Sua autoconsciência habitual e sua fidelidade
resoluta à missão contrastam com o modo como vivemos na sociedade
contemporânea. Um estilo de vida centrado em segurança, prazer e poder
impede a possibilidade de estabelecer qualquer sentido coerente do "eu" pela
simples razão de que tais desejos excluem Deus de forma peremptória.
Da mesma maneira que a mente de Cristo Jesus criou o mundo, assim
também nossa mente cria o nosso. Um "eu" ávido por segurança, prazer e poder
barganha livremente a autoconsciência por alguma coisa que aumentará a ilusão
de completude que esses desejos trazem. Nossos padrões viciosos (expectativas,
desejos, afeições, demandas e modelos mentais) dominam a percepção do "eu",
dos outros e do mundo. Esse centro ávido, manipulador, mantém-nos naquele
passeio de montanha-russa de prazer e desapontamento que transforma a
continuidade de caráter e a fidelidade à visão numa impossibilidade.
Paulo chama a vida conduzida pelo desejo sarx — a vida na carne. Nela,
nossa programação mental e emocional nos coloca sob o controle da
necessidade de obter o bastante do mundo para nos sentir seguros, impele-nos a
encontrar a felicidade através de mais e melhores experiências prazerosas e
dirige nossa vontade para o domínio de pessoas e situações, aumentando, assim,
nosso prestígio e poder.
A crise de espiritualidade moderna, grosso modo, é Espírito versus carne.
O fracasso ou a recusa em residir na mente de Cristo cria dualidade e separação
dentro de nós. Não escolhemos com determinação entre Deus e Mamom, e nosso
adiamento já constitui, em si, uma decisão. Nós nos dividimos cuidadosamente
entre carne e Espírito com os olhos atentos em ambos. A relutância em admitir
com toda a consciência que somos filhos de Deus causa esquizofrenia espiritual
do tipo mais aterrador.
Não que eu tenha medo de lhe dizer quem sou; na verdade, posso lhe
dizer porque eu mesmo não sei quem sou. Não dei a anuência interna e profunda
à minha identidade cristã. Tenho medo de perder minha vida ao encontrar meu
verdadeiro "eu". Deus me chama pelo meu nome, e não respondo porque não sei
meu nome.
O estilo de vida dos cristãos esquizóides é errático porque, em diferentes
momentos, nos separamos deliberadamente de nosso verdadeiro "eu".
Agarramo-nos a certos eventos, experiências e relações por conta própria e
excluímos a presença do Espírito que habita em nós. Pode ser um filme, uma
conversa, um caso de amor ilícito ou uma transação empresarial. Depois,
reentramos no "eu" que se considera cristão e tomamos parte em eventos onde
Deus é celebrado em discursos e cânticos. Depois, confidenciamos a amigos que
"o culto foi um pouco chato esta noite".
Alimentados pelo que alguém chamou "o agnosticismo da negligência"
(falta de disciplina pessoal para superar o bombardeio da mídia, conversas fúteis
e relações utilitárias), nossa autoconsciência torna-se embaçada, a presença de
um Deus amoroso se perde na distância e a possibilidade de confiança e
~ 57 ~
intimidade parece menos plausível. A desatenção com o sagrado destrói a
abertura para o Espírito.
Da mesma maneira que a falta de atenção, na esfera das relações
humanas, destrói o amor entre duas pessoas, assim a desatenção com o
verdadeiro "eu" destrói a amorosa consciência da relação divina. Um coração
imaturo se transforma em vinhedo devastado. É impossível contemplar Deus
com o coração e a cabeça cheios de assuntos terrenos.
Quando periodicamente nos fechamos para Deus, nosso coração é tocado
pelo frio dedo
negação de umdo agnosticismo.
Deus O agnosticismo
pessoal quanto cristãodanão
na incredulidade consiste tanto
desatenção na
ao sagrado.
O modo como vivemos dá testemunho irrefutável de nossa consciência amorosa
ou de sua falta.
Viver no Espírito implica o conhecimento existencial de ser amado por
Deus e compartilhar a própria experiência por Jesus desse amor. Mas muitas
coisas que fazemos em nossos momentos de solidão nada têm a ver com o
Espírito ou com a vontade viva de Deus. Incomodados com tal dicotomia,
mergulhamos em atividades espirituais e somos envolvidos por organizações e
eventos relacionados à igreja num esforço de preencher o vazio que sabemos
carecer de conteúdo.
Pouco propensos a renunciar ao controle administrativo de nossa vida e
sem vontade de correr o risco de viver em união com Javé, procuramos
segurança pessoal
oração. Essas e certezas
estruturas em rituais,uma
proporcionam devoções, liturgias
quantidade e encontros
módica de paz dee
prometem que a piedade confortável e as posses materiais que constituem o
sentido do "eu" não serão perturbadas.
Há uma necessidade de discernimento cuidadoso aqui. As evidências de
seriedade, sinceridade e esforço são importantes. Mas alguma coisa está
faltando. Essa alguma coisa é a transparência. A glória que resplandec e na face
de Cristo Jesus não resplandece em muitos de nós. Diferentes de Jesus, não
demos nossa anuência profunda e interna ao que pretendemos ser.
Não nos rendemos ao mistério do fogo do Espírito que queima por dentro.
Até nos aproximamos o suficiente do fogo para sentir o calor, mas jamais
mergulhamos nele, não saímos queimados e transformados de forma
incandescente. Podemos ser mais agradáveis do que a maioria das pessoas, ou
ter melhor moral,
personalidade mas
opaca não vivemos
revela como novas
nosso coração
criaturas. Em vez disso, nossa
dividido.
VIVENDO NO REINO
O único modo possível de escapar de nossa autoconsciência obsessiva e
entrar na vida de Cristo é a rendição a Deus, permitindo que Deus seja Deus.
Uma tal rendição envolve escavar o campo de nosso coração e procurar a pérola
da verdade de Deus escondida no fundo de nós: pertencemos a Deus. Essa
preciosa descoberta toma a segurança, o prazer e o poder em cacos pintados,
sem valor. "Eu as considero [todas as coisas] como esterco para poder ganhar
Cristo" (Fp 3:8).
Ao declarar a realidade de nossa condição divina como filhos e filhas do
Criador
para nosdo encontrar.
universo, adquirimos sentido coerente
A perda pavimenta do "eu".para
o caminho Devemos nos perder
o Espírito Santo
transformar nossa vida. Já apartados da carne, começamos a compreender o que
Paulo quis dizer com: "Foi para a liberdade que Cristo nos libertou" (Gl 5:1).
A consciência amorosa de filho do Pai nos afasta de uma vida perdida na
procura de nossos desejos básicos e nos liberta da busca pelo reino de Deus.
Agora não precisamos viver vidas bifurcadas por nossas necessidades. Tudo o
~ 58 ~
que temos e somos forma somente um "eu", um coração que bate com a
essência de Jesus. Não pode haver firmeza de caráter ou consistência de conduta
sem esse ato corajoso de auto-afirmação. Paulo disse: "Já não sou eu quem vive,
mas Cristo vive em mim" (Gl 2:20). Nisso se encontra a transparência.
Com o véu erguido, muito do sofrimento emocional causado por nossos
desejos viciosos são curados. Podemos começar a derrubar todos os nossos jogos
de manipulação: o jogo do dinheiro, o jogo da segurança, o jogo homem-mulher,
o jogo do poder, o jogo do conhecimento, o jogo de ser especialista e assim por
diante.
tudo o Podemos nos apresentar
que tenho". simplesmente
Na autoconsciência aos outros
humilde e emassim: "Aqui soberana,
liberdade estou. É
podemos verdadeiramente ser para os outros sem medo de rejeição, nem em
razão do benefício que possam nos proporcionar.
Certa noite, em Coney Island, eu e alguns amigos estávamos na entrada
de um restaurante comendo cachorros-quentes. Perto dali, a alguns metros, no
meio da calçada, um homem negro derramava uma lata de cerveja sobre a
cabeça e a blusa de uma jovem branca grávida. Ela não devia ter mais que 15
anos de idade.
O homem relatava com detalhes sórdidos como havia abusado
sexualmente da moça no passado e o que tinha em mente para mais tarde. Ela
começou a chorar. Alguém de nosso grupo viu a cena com desgosto e disse:
— Vamos dar o fora daqui.
Começamos a andar para o carro quando, como um sino que soa
profundamente dentro de minha alma, ouvi: "Quem é você?". Parei como se
meus sapatos estivessem colados no chão.
Eu sou o filho de meu Pai — respondi.
Essa é minha filha — foi a réplica.
Voltei, afastei a garota dali e conversei com ela durante vários minutos.
Alguns espectadores começaram a gritar comigo, chamando-me por nomes
vulgares. Naquela noite, lamentei, não pela multidão ou mesmo pela garota, mas
por mim. Lamentei pelas inúmeras vezes em que havia agido como a sentinela
silenciosa, com medo de reconhecer quem sou, incapaz de reconhecer ao menos
minhas irmãs. Vi a dignidade da jovem sendo degradada e fiquei contente por
me afastar. Eu havia violado minha própria identidade: "Quem sabe que deve
fazer oNão
bemraro
e não o faz,automovidos
somos comete pecado" (Tg4:17).
e automotivados, em vez de ser movidos e
motivados pelo Espírito. Quando o sentido do "eu" deriva de desejos básicos
próprios, agimos de modo a obter a aprovação, evitar a crítica ou escapar da
rejeição. Dietrich Bonhoeffer escreveu:
~ 59 ~
em total consciência de nossa posição como herdeiros do Deus supremo. George
Maloney escreve:
~ 60 ~
Entretanto, a intensidade de nosso desejo importa. Nossa dedicação para o
crescimento é o determinante isolado mais importante do desenvolvimento
espiritual. Sem intenso compromisso interior somos pouco mais do que diletantes
praticando jogos espirituais. A pérola de grande valor — a mente de Cristo —
deve ser o mais valioso tesouro em nossa vida, e devemos procurá-la na oração
perseverante, na cura sacramental e na força da comunidade cristã.
Somente então se revelará em nossa vida o milagre da transparência, do
amor e da unidade. "Se vocês, apesar de serem maus, sabem dar boas coisas
aos
quemseus filhos, (Lc
o pedir!" quanto mais
11:13). o Pai quedeestá
É vontade nosque
Deus céus dará o Espírito
cresçamos Santo a(lTs
em santidade
4:7), conheçamos a verdade que nos liberta (Jo 8:32) e nos alegremos com uma
alegria que ninguém pode tirar de nós (J o 16:22).
O REINO E O MUNDO
A consciência viva da bondade e do amor de seu Pai criou o imperativo
missionário no coração de Jesus e o consumiu com o zelo pela casa do Pai (Jo
2:17). Pensar como Jesus é experimentar ser amado tão completamente por
Deus que nos tornamos, em termos existenciais, incapazes de ser outra coisa
senão os filhos do P ai em Cristo Jesus. Trata-se de uma novidade
esmagadoramente jubilosa, que nos torna um povo esmagadoramente jubiloso.
Não podemos reprimi-lo
Percebemos, porque
portanto, o amor,
que todos por sua natureza,
os homens significa
e mulheres sãocompartilhar.
amados da
mesma maneira, mas reconhecemos que muitos não sabem disso. Eles estão
fechados na solidão, no medo, na alienação, na apatia e na ignorância. Ninguém
lhes contou todas as coisas que aconteceram em Jerusalém; são como ovelhas
sem um pastor.
A assombrosa performance de Robert DeNiro no filme Taxi driver captura
com vigor essa condição. Ele interpreta Travis Bickle, um taxista que não sabe
quem é, onde vai ou por que está vivendo. Ele procura um veterano taxista para
conselho. "Não se leve tão a sério", ele lhe diz, "embebede-se e durma. É tudo o
que há. Você é apenas um taxista". Quantos de nossos irmãos e irmãs vagam
pelos dias com o mesmo sentimento de falta de propósito, de ser órfão no
mundo. Que dádiva podemos ser para o mundo quando nos tornamos respostas
transparentes
Em faceàs àsuas perguntas
solidão e à mais sinceras!
dor que vemos no próximo, não podemos
simplesmente fechar as portas e dizer: "Ficarei em meu próprio mundinho,
seguro e sereno, na presença amorosa de Deus". Nossa consciência de Deus se
torna o local de nascimento de um zelo consumidor e de um desejo muito grande
de proclamá-lo do alto da montanha. Somos levados pelo Espírito a proclamar,
pela palavra e pelo exemplo, a paz, a justiça e o amor clemente de Deus.
Talvez por nada mais (ou nada menos) do que nossa amizade oferecida a
outro, uma amizade verdadeira, desinteressada, sem condescendência e cheia
de profundo respeito, podemos levar o outro a descobrir: "Também sou amado
por meu Pai em Jesus". É a consciência amorosa da santidade de Deus revelada
em Jesus Cristo, junto com uma profunda compaixão pela humanidade redimida,
que cria o imperativo da missão cristã.
Um amigo meu escreveu certa vez:
~ 61 ~
mérito próprio. É apreciar, num sentido muito humano, a dignidade
do título a mim concedido e andar com minha cabeça erguida. E ter
a conduta aristocrática de alguém nascido para a realeza. E não
invejar nenhum homem por coisa alguma, pois minha posição
privilegiada transcende todas as comparações, eclipsa todas as
honrarias e títulos mundanos, e enche meu cálice com uma alegria
para além de qualquer descrição.
Com o que meu Pai se parece? Um dia, ele ficou tão apreensivo de
que eu não
poderoso elepudesse compreender
é que me enviou umaquão amoroso
expressão e sábio,egentil
completa e
perfeita
de si mesmo em seu Filho Jesus. Tudo o que meu Pai tem, ele
confiou a Jesus, de forma que, ao contemplar Jesus, posso ver e
conhecer meu Pai. Permita-me contar a coisa mais linda e
emocionante que ele já me disse. Ao acordar a cada manhã e ao me
deitar tranqüilo, enlevado e feliz, sempre ouço isto como pela
primeira vez: "Como o Pai me amou, assim eu o amo".
A relação de Cristo com o Pai, além de seu contínuo foco nas coisas de
Deus, leva-o a um lugar onde o desejo mais profundo é de que tudo e todos se
encontrem unidos sob Deus. O desejo é refletido na "oração sacerdotal" de Jesus
no cenáculo:
Para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti.
Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu
me enviaste. Dei-lhes a glória que me deste, para que eles sejam
um, assim como nós somos um: eu neles e tu em mim. Que eles
sejam levados à plena unidade, para que o mundo saiba que tu me
enviaste, e os amaste como igualmente me amaste.
João 17:21-23
Você pode agir com grande eficácia, pois perdeu as redes viciosas
que limitavam sua receptividade. Você está agora em harmonia com
as mais delicadas vibrações de todas as pessoas e do mundo ao seu
redor. Abre-se um amplo espectro das melhores sugestões que o
mundo ao seu redor lhe envia o tempo todo, mas que anteriormente
não era possível captar, pois sua consciência estava ocupada.
~ 63 ~
preocupações" (Mt 6:34) não é mais uma máxima moral, mas uma realid ade
pessoal, no nível da experiência diária. Nesse contexto, o escritor Murray Bodo
afirma sobre Francisco:
JUSTIÇA
Deus,Ele
chama. porém, continuaOutro.
é o primeiro se revelando a nós
Se eu não como
ouvir o Outro
meu que nos
semelhante
escravizado, também não estarei ouvindo Deus. Se não me dedicar à
libertação de meu semelhante, então sou um ateu.
Eu não somente não amo Deus, mas estou, de fato, lutando
contra Deus, pois estou afirmando minha própria divindade.
10
"Páscoa", em hebraico. E forma utilizada pelos judeus para designar a festa que comemora a libertação do
Egito. (N. da T.)
~ 65 ~
ação pode revitalizar a presença da igreja no mundo e tornar o
comprometimento com o domínio de Jesus mais profundo e radical.
Quando passamos a ter a mente de Cristo, enxergamos nossa vida e o
crescimento no Espirito de modo bastantes simples. Sabemos, parafraseando
Pascal, que todas as teologias revolucionarias e libertárias, todas as
espiritualidades carismáticas, asiáticas e apofáticas, todos os monturos de
retóricas e débeis boas intenções, todos os resmungos e hesitações dos cristãos
cerebrais, ocupados em cultivar suas idolatrias, não valem mais que um ato de
amor que, num determinado momento, emancipa um escravo do exílio no Egito.
~ 66 ~
PARTE TRÊS
O PODER DA CRUZ
CAPÍTULO SETE
A SABEDORIA D A RESSURREIÇÃO
~ 68 ~
Pouco antes de Paulo chegar em Corinto, ele havia passado por Atenas. Ele
está, então, desanimado por ter fracassado em conquistar a comunidade grega
pelo uso da teologia natural. Falando agora aos coríntios incultos, muitos dos
quais levavam vidas depravadas, Paulo abandona completam ente a abordagem
da sabedoria prolixa e prega a loucura da cruz. "Pois a mensagem da cruz é
loucura para os que estão perecendo, mas para nós, que estamos sendo salvos,
é o poder de Deus" (ICo 1:18).
George Montague observa: "Quando Paulo usa aqui a palavra loucura ou
absurdo,
ou seja, aloucura
palavra não
grega sentidosugere
no (movia) de seralgo que é simplório,
socialmente estúpido,
perigoso, mas banal,
antes
menosprezado, ignorado porque é ridículo". E é isso precisamente o que Paulo
proclama. Suas palavras contrariam o gosto natural dos judeu e gregos, pois ele
prega o Cristo crucificado. Os judeus estão, de fato, procurando um Messias, mas
a morte vergonhosa de Jesus na cruz prova que ele não era o glorioso libertador
que esperavam. A cruz permanece sendo um impedimento para eles, um
obstáculo para a fé.
Os gregos entendem a figura do Messias como um filósofo maior que
Platão. Ele levará os homens a contemplar a ordem e a harmonia do universo.
Mas que Messias é esse que mexerá com tal devoção confortável e culta,
invertendo seus valores e indo para a morte numa cruz, vítima dos detritos
irracionais da humanidade? Tal Messias é realmente uma estupidez aos gregos.
poder No
e a entanto,
sabedoriaPaulo prega
de Deus —ae loucura
consegueda um
cruzincrível
— o Cristo crucificado
sucesso. que édao
A pregação
cruz chama o Espírito para a vida. Judeus e gregos, postos no mesmo patamar,
deixam de lado seus preconceitos para serem tocados pelo poder e pela
sabedoria da cruz. Anos mais tarde, o pai da igreja João Crisóstomo escreveu:
Todo o cânone paulino sugere, sem nenhuma sombra de dúvida, que Paulo
aqui não somente está falando da cruz, mas também da ressurreição, a qual
prova que aquela é o poder e a sabedoria de Deus. O mapa rodoviário para a
mente de Cristo possui como emblema o sinal da cruz.
Os quatro evangelhos são os constituintes da igreja primitiva. Eles
estabelecem o caráter fundamental e as características essenciais da
comunidade apostólica. A igreja moderna se esforça para se conformar a eles.
Tudo o que é enfatizado no Novo Testamento deveria ser enfatizado na igreja de
hoje. Tudo o que era periférico não deveria se tornar central hoje.
Jesus Cristo, no mistério de sua morte e ressurreição, está no centro do
Novo Testamento desde a genealogia de Mateus até o "maranata" do Apocalipse.
Em 1959, num discurso feito em Veneza, Itália, Giovanni Montini expôs tal idéia
deste modo: "Compreender o mistério pascal é compreender o cristianismo,
~ 69 ~
ignorar o mistério pascal é ignorar o cristianismo". A mesma lógica rigorosa deve
ser aplicada à vida espiritual do cristão. A espiritualidade da igreja é uma
espiritualidade pascal, e não outra qualquer.
Voltemos, por um momento, nossa atenção mais uma vez a Francisco de
Assis, o homem chamado por seus contemporâneos "a mais perfeita imagem de
Cristo que já existiu". Ele subiu ao monte santo, e seu espírito serve como uma
tocha sobre o caminho estreito. Seu biógrafo, Tomás de Celano, escreveu: "As
palavras só ganham sentido quando se tenta expressar o amor de Francisco pelo
seu Senhor
teólogo crucificado".
Bonaventure Mais "O
afirmou: deamor
130 anos depois
de Jesus dacrucificado
Cristo morte de Francisco, o tal
absorveu de
modo a mente de Francisco que esse amor se revelou na sua carne. Durante dois
anos antes de sua morte, ele carregou no corpo as marcas da crucificação".
Há dois modos certeiros para o cristão se privar do poder e da sabedoria
da cruz e, deste modo, perder sua força transformadora. O primeiro é
intelectualizar a crucificação, falar em tons pedantes sobre o valor soteriológico
da morte redentora de Jesus. Essa abordagem a reduz e a envolve numa capa
protetora que a designa apenas para a mente. Não transmite inspiração para o
restante de nosso ser; nenhuma vontade visceral de mudar.
A cruz é um fato degradante de nossa história e, portanto, precisamos
resistir à tentação de amenizar seu significado. Carlo Carretto diz: "Sendo
cristãos, é melhor que nós não nos vangloriemos do triunfo da ressurreição sem
antes
Temosaceitar a tremenda
suavizado a cruzrealidade da crucificação
ao trivializá-la e morte
(chegando [de aCristo]
mesmo em nós".
removê-la de
algumas de nossas igrejas), ao ajustá-la com precisão ao nosso teologismo
esquemático e ao ignorá-la em favor da ressurreição.
O sofrimento e a morte de Jesus Cristo não aconteceram num plano frio,
intelectual, estrelado. Esvaziamos seu pleno significado ao nos referir a ela nos
tons neutros de especulação teológica, o que leva até mesmo a sermões
abstratos e pregações vazias. Intelectualizar é um modo sutil, mas eficiente, de
roubar-lhe seu poder. Jürgen Moltmann, citando H. J. Iwand, diz: "Fizemos a
amargura da cruz, a revelação de Deus na cruz de Jesus Cristo, tolerável a nós
mesmos, aprendendo a entendê-la como uma necessidade no processo de
salvação. [...] Em conseqüência, a cruz perde seu caráter arbitrário e
incompreensível".
homem O seminu,
segundotranqüilo
modo e é familiar,
mineralizar a crucificação.
pendurado Você Ao
num crucifixo. conhece aquele
transformá-lo
num objeto de ouro, prata, bronze ou mármore, livramo-nos de sua agonia e
morte como homem. "Não é simplesmente magnífico o Cristo de S. João da Cruz
de Salvador Dali?", dizemos enfatuados. Francisco teria lamentado. Quanto mais
o reproduzimos, mais nos esquecemos dele e de sua hora terceira.
No dia em que o homem mineralizado foi crucificado, não havia nada nele,
a não ser medo e carne. Anos atrás, um amigo me deu um crucifixo muito caro.
Um renomado artista contemporâneo havia esculpido as mãos de Jesus
delicadamente na madeira. Na hora terceira, no entanto, os artistas romanos
esculpiram o homem crucificado sem nenhuma arte. Não foi aplicada nenhuma
delicadeza ao se martelar os cravos, nenhum pigmento vermelho foi necessário
para representar uma gota realística do fluxo de sangue de suas mãos e seus
pés. Sua boca foi extraordinariamente contorcida apenas com seu levantamento
na cruz e sua permanência ali, tremendo de dor.
Temos de tal modo intelectualizado e mineralizado o sofrimento e a morte
desse Homem santo que já não enxergamos o lento desfibrar de seu tecido, a
expansão da gangrena, sua sede intensa. Em vez disso, a imagem que temos
dele no crucifixo parece tão tranqüila, especialmente a que o mostra usando
~ 70 ~
vestes sacerdotais. Supomos, por sua postura calma, que toda a sua vida foi
assim.
Jesus entrou em nosso mundo como um músico, mas o mundo foi
perturbado por seu cântico. Na sexta-feira da crucificação, o mundo retornou à
paz da qual necessitava. Jesus quis transformar o mundo num grande órgão de
catedral, e extraiu música do pão seco, de manadas de porcos, de prostitutas e
defuntos. Naim, Jericó, Cafarnaum e Betânia puseram dois pregos em suas mãos
para calar sua música. Chicago, St. Louis, Nova York e Los Angeles fazem a
mesmaEucoisa com de
gostaria suas
sermentes e seus
Francisco, minerais.
nem que fosse apenas por uma hora. Não
porque o escritor Renan o chamou "único verdadeiro cristão depois de Cristo";
nem porque Daniel Lord o descreveu como "o mais semelhante a Cristo entre
todos os santos"; nem ainda porque o teólogo Romano Guardini disse que "o
Galileu voltou à terra em Assis".
O segredo da transparência de Francisco se enraíza na madeira da cruz.
Ele muitas vezes entrou em êxtase diante de uma imagem do Senhor crucificado.
Num momento como esse, os pensamentos de Francisco poriam abaixo todos os
meus elevados conceitos teológicos e me faria esquecer meus queridos minerais.
Segurança, prazer e poder cessariam sua sirene, porque eu compreenderia o
mistério da hora terceira e conheceria o amor incomparável no coração de Jesus
Cristo, que agradou o divino Pai.
Nosfamiliarizados
estavam primeiros tempos
com osdasalmos,
Ordem eles
Franciscana, quando
perguntaram comosmuita
frades ainda não
simplicidade
a Francisco como deveriam orar. Ele respondeu: "Orem deste modo: nós o
adoramos, Senhor Jesus Cristo, e o louvamos porque, através de sua santa cruz,
redimiu o mundo". Desde sua conversão até sua morte, Francisco se preocupou,
tanto na mente quanto no coração, com Jesus Cristo crucificado e com
O poder e a sabedoria de Deus. A cruz era o motivo de sua pobreza, a
fonte de sua perfeita alegria, a alma de sua transparência. Ele era como um
homem obcecado, sua mente fervilhava com um só pensamento e seu coração
chamejava com um só desejo: conhecer o Cristo crucificado.
Francisco separou o essencial do secundário e considerou seu modo de
vida simplesmente conseqüência exterior de um imenso, apaixonado e
determinado amor à pessoa de Jesus. Assinar todas suas cartas com o tau, 11 fazer
dele a suabeneditina
monástica bandeira eexclusiva naordem
fundar uma parede da cela, romper
mendicante, com a tradição
passar semanas e meses
nos carceri (grutas) em livre louvor a Deus, viver em pobreza e simplicidade
absolutas, tudo isso não se tratava de desejo por novidade, mas de compulsão
do amor.
O que é central no Novo Testamento deve ser centrai na vida da igreja
hoje. O que era central na vida de Francisco deveria ser central na vida do
peregrino que busca uma compreensão cristã mais elevada e uma união
transparente com Deus.
Estou escrevendo estas palavras às duas horas da madrugada da Sexta-
Feira da Paixão. O campus da universidade está dormindo, meu espírito está
sensível a Deus. Em algum lugar distante, um rádio está tocando. É um antigo
spiritual: "Eu creio numa colina chamada monte Calvário". As palavras: "Eu creio
que Cristo, que foi morto na cruz, tem o poder de mudar vidas hoje". Eu ouço
Jesus proferindo a palavra profética na quietude da noite:
11
Nome da 19ª letra do alfabeto grego (z) e da última do alfabeto hebraico (x). É a mais antiga grafia sob a
forma de cruz. Esse sinal foi adotado por algumas ordens religiosas como símbolo da cruz de Cristo, e Francisco
de Assis o utilizava como assinatura. A escolha do tau está associada ao texto de Ezequiel 9:1-7, que fala de
pessoas sendo marcadas com um "sinal" (tau) em razão de gemerem e chorarem pelas abominações cometidas
em Jerusalém. (N. da T.)
~ 71 ~
Irmãozinho, talvez a coisa mais difícil para você aceitar neste
momento seja o fracasso em fazer de sua vida o que deseja. Esta é a
cruz que você menos quis, a cruz que nunca esperou, a cruz que
acha mais difícil de carregar. De algum lugar você tirou a idéia de
que eu esperava que sua vida fosse uma história imaculada de
sucesso, uma espiral ascendente indestrutível para a santidade. Não
percebe que sou realista demais para isso?
umTestemunhei umpoder
Tiago que quis Pedro
emafirmando três vezes
troca do serviço não um
ao reino, me Filipe
conhecer,
que,
depois de três anos comigo, não sabia que devia ver o Pai em mim e
um grupo de discípulos que estavam certos do meu fim no Calvário.
O Novo Testamento está repleto de homens que começaram bem e
vacilaram. Entretanto, apareci a Pedro. Tiago não é lembrado por
sua ambição, mas pelo auto-sacrifício ao reino. Filipe viu o Pai em
Cristo quando lhe mostrei o caminho. E os discípulos, antes
desesperados, tiveram coragem suficiente para me reconhecer no
estranho que repartia com eles o pão na escuridão da estrada para
Emaús. A questão é esta: espero mais fracassos seus do que você
espera de si mesmo.
O mais urgente agora, irmãozinho, é desejar o Espírito Santo.
Clame, deseje
incansável fervorosamente
intercessão. Somentee ore pelo Espírito
o Espírito noite eadiante
pode levá-lo dia em e
para cima. Somente o Espírito pode torná-lo bom e manter seus
olhos fixos em mim.
Felizmente, sua vida, assim como a minha, percebe a ressurreição
depois do Calvário. E minha natureza humana, em sua presente
ressurreição, obtida completamente do esplendor da divindade, que
mostra, como claro espelho, tudo para o que você foi chamado. Se
sofre comigo, você será glorificado comigo. O destino de Cristo, seu
irmão, é seu destino. Com o apóstolo Tomé, vá a Jerusalém e morra
comigo. Quando for, lembre-se de que, quando ascendi aos lugares
divinos, não saí da terra. Permaneci em muitos lugares e,
singularmente, em seu coração. É de sua interioridade profunda que
obterá força para continuar a viagem, nada louvando, nada
valorizando, de nada se vangloriando, além da cruz que carreguei
sozinho na longa estrada do Calvário.
VIDA NO ESPÍRITO
Sem o Espírito Santo mediado pela cruz de Jesus, somos destinados a uma
vida de medo, vício e dor. Mas quando compreendemos a realidade da cruz e
sublimamos tudo na vontade do Espírito Santo, tocamo s no rico veio do tesouro
disponível pelo Espírito de Deus. Imagine a vida com os seguintes dons:
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O dom da Páscoa: libertação do medo da morte
A morte de Jesus possibilita a resposta à freqüente e apavorante questão
da alienação e do absurdo. Tememos o fim da vida porque significa o fim de
nossa influência, nosso afeto, do tempo com nossos amados. O teólogo Wolfhart
Pannenberg escreve:
O sofrimento
verdade. de Cristo
Mesmo a última expõe essas
perversão mentiraas que
da verdade e racionalizações
nos apegamos na—cruz
a da
gabarolice de que somos, ao contrário, bastante humildes ao negar qualquer
semelhança com Cristo — desaparece quando ficamos frente a frente com o
crucificado Filho do homem.
~ 73 ~
O dom de madre Teresa: serviço abnegado
Esse dom incorpora a mente de Cristo. É o modo mais eficaz de
transcender os desejos que continuamente focalizam a atenção no "eu". Madre
Teresa se dedicou aos que a maioria de nós atravessaria a rua para evitar: o
sujo, o doente, o infetado, o desesperado. Sua motivação não era conseguir
reconhecimento ou mesmo o agradável sentimento de ajudar outros. Para ela,
servir significava dar amor, doar-se. Ela falou uma vez de seu trabalho: "Não é
quanto fazemos, mas quanto amor colocamos no que fazemos. Não é quanto nos
doamos,
Ao mas
sofrequanto amor
na cruz, colocamos
Jesus em
abandona tal doação". seu "eu". Ele é o homem
completamente
para os outros. Ele esquece de si. Preocupa-se com os apóstolos (Jo 18:8). Tenta
sensibilizar Pilatos. Conforta as mulheres a caminho da cruz. Perdoa o ladrão.
Oferece conforto a Maria e João quando se encontram ao pé da cruz. O dom
mediador aqui é o poder de sair de si mesmo através do serviço abnegado.
experiência
Ele básica era
havia alcançado a profunda
muito percepção
pela oração de que
ao nosso Deus
Senhor o amava.
suspenso na
cruz. E foi profundamente tocado pelas palavras de Paulo: "Mas
Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor
quando ainda éramos pecadores". A experiência que possuía do
amor humano não tinha o poder de libertá-lo como fez aquela
simples oração diante do Senhor crucificado.
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o poder vivo que nos capacita a suportar inevitáveis humilhações, rejeições,
sacrificios e solidão impostos pela viagem a uma consciência cristã elevada.
CRISTIANISMO AUTÊNTICO
No inverno de 1968, morei numa caverna no deserto de Zaragoza, na
Espanha. Encravada em uma montanha de granito, ela se encontra a cerca de
1.800 metros acima do nível do mar. Ali não via outra face nem ouvia o som de
uma voz humana, exceto nas manhãs de domingo, quando um irmão da aldeia
de Farlete trazia comida, água e querosene para o lampião que usava para ler à
noite.
A caverna fora compartimentada: à direita havia uma capela com um
notável altar de pedra, um tabernáculo feito de ferro forjado e entrelaçado com
veludo vermelho, que o assemelhava a uma arca do tesouro, e um grande
crucifixo na parede de fundo. O lado esquerdo era equipado com uma laje de
pedra que servia de cama, uma escrivaninha de pedra, uma cadeira de madeira,
um fogareiro e um lampião de querosen e. Eu me levantava toda manhã às duas
horas para o que a igreja antiga chamava "adoração noturna".
Na noite de 13 de dezembro de 1968, durante o que começou como uma
longa e solitária hora de oração, ouvi Jesus dizer: "Por amor a você, deixei a
companhia de meu Pai. Vim até você, que correu de mim, fugiu, não quis ouvir
meu nome. Por amor a você, fui coberto de cuspe, perfurado e espancado e
preso à madeira da cruz".
Justamente nessa manhã, num período de tranqüilidade, percebi que
aquelas palavras ainda estão acesas em minha vida. Mesmo que esteja em
estado de pecado ou de graça, fidelidade ou infidelidade, as palavras
permanecem. Naquela noite de 1968, olhei muito tempo para o crucifixo e,
simbolicamente, vi o sangue fluindo de cada ferida e poro do corpo de Cristo.
~ 75 ~
Ouvi o clamor de seu sangue: "Isto não é brincadeira. Não é um jogo ou uma
piada o fato de que o amei".
Quanto mais olhava, mais compreendia que nenhum homem havia me
amado e que nenhuma mulher jamais poderia me amar como ele. Aprendi
naquela noite o que um sábio franciscano me disse no dia em que entrei para a
ordem: "Quando você conhecer o amor de Jesus Cristo, nada mais no mundo
parecerá belo ou desejável".
Há quanto tempo você é cristão? Há quanto tempo tem vivido no Espírito?
Sabe o que
solidão é amar
e pronto Jesus
para abrirCristo? O que éinquieto,
seu coração ter seu voraz?
amor insatisfeito,
Você sabe o suportado
que é ternaa
dor aplacada, o vazio preenchido, alcançar e abraçar este Homem santo e dizer
sinceramente: "Não posso deixá-lo ir. Nos bons e nos maus tempos, na vitória e
na derrota, minha vida não tem sentido sem você"? Se essa experiência não
iluminou sua vida com seu resplendor, então, independentemente de idade,
disposição ou condição de vida, você não compreende o que significa ser cristão.
Isso, e somente isso, é o cristianismo autêntico. Não um código do que se
pode ou não se pode fazer; não uma moralização tediosa; não uma lista de
ordens proibitivas e, certamente, não o mínimo necessário exigido para se evitar
as dores do inferno. A vida no Espírito é a emoção e o incitamento de ser amado
por Jesus Cristo e por ele estar apaixonado. Se o Espírito não queimar, ele não
existe. A oração que brota de meu coração é essa. Se você ainda não a possui,
pode vir a
conheci noconhecê-la
amor do com
Jesusuma insuperável
Cristo e apaixonada
crucificado, no poder alegria
de Deuscomo a que
e em sua
sabedoria.
EPÍLOGO
A REVOLUÇÃO
O Senhor me disse que desejava que eu fosse um louco, de um tipo jamais
visto antes", disse Francisco de Assis. Uma suave revolução acontecerá pela
humilde organização dos cristãos loucos que estão dispostos a subverter a ordem
estabelecida ao reorganizar sua vida em torno da mente de Cristo. Sua questão é
a transparência por meio da veracidade, e seu estilo de vida será moldado pelo
evangelho de Jesus Cristo.
Se "a verdade consiste em que a mente dê às coisas a importância que
elas têm na realidade", nas palavras de Jean Danielou, então o desejo de
segurança, prazer e poder será avaliado de forma realista como sendo palha, e o
domínio de Jesus Cristo pragmaticamente afirmado como a ordem da verdadeira
realidade.
Os loucos por Cristo são violentos, como o evangelho ordena que sejam
(Mt 11:12), mas a violência se aplica a eles próprios (Gl 5:24). Sua bondade é o
belo fruto da reverência a Deus, da compaixão pelo mundo e do respeito a si
mesmos. Suas prioridades são pessoais, determinadas não pela religião popular
do momento, por políticas de poder ou pela cultura do consumo, mas pelo
Sermão do Monte e pelo mistério pascal.
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Para o louco, Jesus Cristo não é um sábio ou um admirável reformador: é o
segundo Adão, autor de uma nova criação. "Estou fazendo novas todas as
coisas!" (Ap 21:5). Jesus redirecionou a realidade e deu-lhe uma orientação
revolucionária. Jesus não arrumou o mundo. Ele o levou a uma freada barulhenta.
O que ele refez a partir dos materiais humanos da velha ordem não foram
pessoas mais agradáveis, com moralidades melhores, mas coisas novas (2Co
5:17).
As categorias de tais revolucionários transcendem todas as distinções
classistas.
conservador, Homem
carismático mulher,
versusversus clérigo versus
tradicional, leigo,
moderno progressista
versus versus
pós-moderno —
todos estão dissolvidos no amor unificador do Espírito (Gl 3:28). As únicas
exigências para ser membro é a consciência empírica de Jesus como Senhor
redentor e de Deus como Aba, a rendição incondicional ao domínio do Espírito
Santo e o comprometimento constante com a missão de construir o novo céu e a
nova terra.
O sentido de missão entre os loucos causará destruição na vizinhança.
Medos serão despertados e rumores circularão de que tais pessoas estão ficando
"estranhas". Os amigos os aconselharão a se restabelecer e a fazer algo
construtivo com suas vidas (como procurar segurança, prazer ou poder). Os
vizinhos cochicharão que são fanáticos religiosos. Os familiares darão
demonstrações ostensivas de suas realizações duvidosas. Estratagemas serão
planejados para levá-los a ver e sentir como são de fato: loucos. Catherine de
Hueck Doherty diz: "É como se o mundo precisasse de loucos — loucos por
Cristo! Loucos pelo amor de Deus! Pois são tais loucos que mudam a face da
terra".
Conforme seria de esperar (Jo 15:18), esses loucos serão ofendidos. O
cristianismo hoje é basicamente inofensivo, um tipo de religião que jamais
transformará coisa alguma. Jesus Cristo, o mestre revolucionário, transgrediu a
ordem religiosa e política da Palestina. Os cristãos também são compelidos a
transgredir e, se não o fizerem, isso é mau sinal: não estarão sendo
revolucionários de fato.
Talvez a motivação da revolução ou sua inspiração orientadora possa ser
mais bem descrita por um sonho que tive durante um retiro de silêncio na selva.
Meu conselheiro espiritual o considerou reflexo fiel da mensagem do evangelho e
recomendou que fosse compartilhado com o povo de Deus.
Em meu sonho, vejo um homem andando no corredor da morte e uma
mulher sendo preparada para receber a injeção letal num presídio do Texas. Vejo
os fornos de Auschwitz e Dachau e caminhões carregados de corpos de judeus
mortos circulando na noite. Vejo Hiroshima e 95 mil corpos queimados,
carbonizados, irreconhecíveis, espalhados por ruas e ladeiras. Vejo o corpo
amarrotado de John F. Kennedy tombado na morte. Vejo a princesa Diana
depositada num caixão fechado na catedral de Londres.
Agora vejo fileiras de cruzes fora do muro da antiga cidade de Jerusalém
com centenas de corpos pregados a elas: ladrões, rebeldes, assassinos. Em uma
colina, vejo mais três cruzes com os corpos de outros três homens mortos, e
todos parecem ser o mesmo indivíduo; entretanto, o homem do meio parece ter
sido atacado e brutalizado um pouco mais do que os outros.
cidade.EmUmseguida,
grupo depassados
homens dois dias,aoencontro-me
correm na estivessem
redor como se praça de uma grande
loucos. Estão
dizendo a coisa mais absurda: a crucificação do homem do meio, nas três cruzes,
não fora apenas outra execução política. Estão dizendo que é o evento mais
importante na história do mundo. Estão dizendo que o homem agora é o centro
da fé e o objeto de adoração de homens de todas as idades e em todo o tempo
por vir. Estão fora de si de tanta alegria.
~ 77 ~
Fico desnorteado. A proclamação alucinada não tem nenhum precedente
em meu estudo das religiões mundiais. Não se ajusta a nenhuma das minhas
categorias teológicas. Nos termos da minha compreensão religiosa, é um
escândalo, uma afronta. Além do mais, esses homens parecem um pouco
fantasmagóricos, e alguém está dizendo que a mulher em sua companhia fora
uma prostituta. De qualquer maneira, o homem estava morto. Eu o vira, e ele
estava tão morto quanto Kennedy deitado no caixão.
Mas, só para ter certeza, volto à colina. Enquanto estou ali, olhando para o
que era
lugar, umagora uma cruz
poderoso coro vazia, um homem
está cantando: surge
"Rei na linha
dos reis do horizonte.
e Senhor De algum
dos senhores".
Dou uma olhada. Já não estou só. Até onde a vista alcança, a paisagem e
pontilhada por pessoas. Todas estão cantando "Rei dos reis e Senhor dos
senhores". O homem se dirige a passos largos para o centro. Ele está banhado de
luz. Como se duas cortinas fossem levantadas, os céus se abrem e estão repletos
dos seres mais belos que eu já vira.
O homem pára e levanta a mão. A terra fica em silêncio. Olho para o ele.
Sua face é incandescente como o brilho do sol ao amanhecer, seus olhos
fulguram como estrelas vésper. "A paz esteja com você", ele diz. Suas palavras
são mais uma ordem do que uma saudação. O universo se aprofunda numa ainda
maior quietude.
"Venha a mim", ele diz, "quando chamá-lo por seu nome. Sim, eu sei seu
nome.
ponta deEu sua
o conheci
língua,acordado e dormindo.
eu sabia todas Antes que
elas. Examinei umamovimento
cada palavra estivesse na
seu. Estou
familiarizado com todos os seus passos. Mais do que um pastor conhece suas
ovelhas, eu o conheço pelo nome. Venha a mim".
Tem início uma lista de chamada. Vejo Bob Dylan e Bono. Francisco de
Assis aparece, seguido por Martinho Lutero. Vejo Howard Hughes e Dorothy Day,
Adolph Hitler e Mohandas Gandhi, Nelson Rockefeller e Charles de Foucauld. Os
seguintes são Agostinho e Ray Charles, o profeta Amós e Hugh Hefher, Jeremias
e David Letterman, Maria e José, Paris Hilton e Brad Pitt, Pedro, Tiago e João. Kim
Jong-Il e George W. Bush. Há ainda meu irmão, meu vizinho, o sujeito que tentou
lavar meu pára-brisa nas ruas de Nova York. Eles vêm sem parar. Todas as
pessoas formosas, famosas e poderosas e os bilhões de anônimos, não famosos,
nem celebridades.
homem Ouço
olhachamar meu
para mim e, nome: "Brennan".
em seguida, Quando
através douEleum
de mim. passo
olha à frente,
através o o
de todo
meu blefe e minha retórica, olha através de meus livros e retiros, para além de
toda a minha racionalização, minimização e justificação. Pela primeira vez, sou
visto e conhecido como realmente sou. Tremendo, pergunto:
Qual é a minha sentença, Senhor? Ele responde firme, mas suavemente:
Não sou seu juiz — e me entrega o Livro. — A palavra que proferi já julgou
você.
Uma longa pausa. Então ele sorri. Caminho até ele e lhe toco a face. Ele
toma minha mão e vamos para casa.
O conteúdo desse sonho é mais real do que o livro que você tem em mãos.
Num dia e hora exatos, conhecidos somente pelo Pai (Mt 24:36), Jesus Cristo, o
Rei da glória,
poderosas ofuscará
que já viveram.o Cada
brilhohomem,
de todas
cadaasmulher
pessoas
queformosas,
alguma vezfamosas
respiroue
será avaliado e medido somente em termos de sua relação com o carpinteiro de
Nazaré. Esse é o reino da verdadeira realidade. O domínio de Jesus Cristo e sua
primazia na ordem criada (Ef 1:10) estão no centro da proclamação do
evangelho. Essa é a realidade.
~ 78 ~
Quando os loucos que buscam viver com a mente de Cristo perguntam a si
mesmos "Por que existo?", eles respondem: "Por causa de Jesus Cristo". Se os
anjos se perguntarem, a resposta será a mesma: "Por causa de Jesus Cristo". Se
o universo inteiro de repente pudesse falar, de norte a sul e de leste a oeste, ele
clamaria em coro: "Nós existimos por causa de Cristo".
O nome de Jesus ecoaria nos mares, nas montanhas e nos vales. Seria
audível no tamborilar da chuva. Seria escrito no céu com raios. As tempestades
rugiriam o nome "Senhor Jesus Cristo Deus-Herói", e as montanhas o ecoariam
de volta. O sol,"Todo
ensurdecedor: em sua marcha está
o universo pelosrepleto
céus rumo ao oeste, cantaria um hino
de Cristo".
Se houver qualquer prioridade em nossa vida pessoal ou profissional mais
importante do que o domínio de Jesus Cristo, desqualificamos a nós mesmos
como testemunhas do evangelho e como membros da suave revolução. Desde o
dia em que Jesus rompeu os laços da morte e a era messiânica irrompeu na
história, há uma nova agenda, um conjunto sem igual de prioridades e uma
hierarquia revolucionária de valores para o crente.
O carpinteiro não somente refinou as éticas platônicas ou aristotélicas,
reordenou a espiritualidade do Antigo Testamento ou renovou a velha criação.
Ele trouxe uma revolução. Precisamos renunciar a tudo o que possuímos, não
apenas a maior parte. Precisamos abandonar nosso velho modo de vida, e não
corrigir apenas algumas de suas poucas aberrações. Devemos ser uma criação
completamente
transformados denova, não asimplesmente
uma glória umanaversão
outra, até mesmo própria renovada.
imagem do Seremos
Senhor
— transparente. A mente será renovada por uma revolução espiritual.
O pecado capital, naturalmente, é continuar a agir como se nunca
houvesse acontecido. Quando temos fome de Deus, nos movemos e agimos,
ficamos alertas e reativos. Quando não a temos, somos diletantes jogando jogos
espirituais. "Deus não tem importância nenhuma, a não ser que ele tenha
absoluta importância", disse Abraham Heschel.
O intenso desejo de aprender a pensar como Jesus já é um sinal da
presença de Deus. O resto é operação e atividade do Espírito Santo. Suponho que
a maioria de nós esteja na mesma posição dos gregos que se aproximaram de
Filipe e disseram: "Queremos ver Jesus" (Jo 12:21). A única questão é: "Com que
intensidade?".
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