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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE HISTÓRIA

Jordana Eccel Schio

EM NOME DO PODER, DA ARTE E DE DEUS: O PAPA SISTO IV (1471


– 1484) E A ANÁLISE DE UMA AMOSTRA DE AFRESCOS DA
CAPELA SISTINA

Santa Maria, RS
2019
Jordana Eccel Schio

EM NOME DO PODER, DA ARTE E DE DEUS: O PAPA SISTO IV (1471 – 1484) E A


ANÁLISE DE UMA AMOSTRA DE AFRESCOS DA CAPELA SISTINA

Monografia apresentada ao Curso de


Graduação em História, da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM, RS) como
requisito parcial para a obtenção do título de
Licenciada em História.

Orientador: Prof. Dr. Francisco de Paula Souza de Mendonça Júnior

Santa Maria, RS
2019
Jordana Eccel Schio

EM NOME DO PODER, DA ARTE E DE DEUS: O PAPA SISTO IV (1471 – 1484) E A


ANÁLISE DE UMA AMOSTRA DE AFRESCOS DA CAPELA SISTINA

Monografia apresentada ao Curso de


Graduação em História, da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM, RS) como
requisito parcial para a obtenção do título de
Licenciada em História.

Aprovado em 11 de dezembro de 2019:

___________________________________________________
Francisco de Paula Sousa de Mendonça Júnior, Dr. (UFSM)
(Presidente/Orientador)

___________________________________________________
Altamir Moreira, Dr. (UFSM)
(Titular)

___________________________________________________
Adriano Comissoli, Dr. (UFSM)
(Titular)

___________________________________________________
Luís Augusto Ebling Farinatti, Dr. (UFSM)
(Suplente)

Santa Maria, RS
2019
DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Olavo Schio e Denise Eccel Schio, que por muitas vezes ao longo dos anos me
definiram como prioridade acima dos seus sonhos, vaidades e desejos. Durante quatro anos
trabalharam e lutaram para proporcionar a mim todas as condições materiais para mais uma
graduação, e mesmo distantes foram incentivadores. Assim, esse trabalho de conclusão de
curso também é uma conquista de vocês, porém, como explicar o diploma ter apenas o meu
nome?
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço ao orientador desse estudo, o Professor Doutor Francisco


de Paula Souza de Mendonça Júnior. Obrigada, por ser atencioso, paciente, compreensivo e
esclarecer tantas dúvidas ao longo desses anos de graduação. Obrigada, pela compreensão e
pelo amparo nos momentos mais difíceis da vida acadêmica e também da pesquisa. Manifesto
aqui minha gratidão por compartilhar sua sabedoria, o seu tempo e sua experiência.
Agradeço ao Ramiro pelo apoio e incentivo, além do tempo dedicado a correção dos
erros de português desse e de outros textos (risos...). Sou grata pela companhia, pela
compreensão, pelas palavras de incentivo, pela honestidade e pelo carinho. Agradeço ainda
pelo amparo durante as várias crises de raiva e por ouvir minhas lamentações durante a
jornada. Viva “os ogros farejadores”!
Agradeço ao amigo Tibérius Cesar pela companhia dentro e fora da sala de aula, pelas
risadas, pelo apoio, pelo incentivo, pela troca de saberes e conhecimento, além da ajuda
durante os semestres e na conclusão desse estudo. Sou grata pela amizade que foi ficando
mais forte e plena ao longo dos semestres. Viva “os ogros farejadores”!
Agradeço à Márcia e o Michel, pela amizade, apoio, compreensão e companhia diária.
Sou grata pela ajuda e o suporte, pois também contribuíram na minha formação, uma vez que,
nas últimas viagens deixaram um espacinho na mala para trazer algum livro útil para a minha
pesquisa, logo, merecem o meu agradecimento.
Agradeço os Professores Doutores Adriano Comissoli e Altamir Moreira, que
compõem a banca avaliadora desta monografia, muito obrigada pela disponibilidade de
participar desta etapa acadêmica e pelas contribuições frutíferas.
Agradeço também aos demais Professores e as Professoras que contribuíram para
minha formação, proporcionando ao longo das inúmeras semanas de aula debates e reflexões
que ultrapassaram questões históricas, valendo também para a vida acadêmica e profissional.
Devo agradecer e mencionar ainda o apoio recebido por parte da Universidade Federal
de Santa Maria por meio do Programa de Bolsa de Iniciação Científica – FIPE Júnior, durante
quase todo o ano de 2017. E ao Programa Residência Pedagógica, do qual participei durante
dezoito meses, entre os anos de 2018 e 2019, ambos construíram para moldar diariamente a
historiadora e professora que aqui se forma.
Agradeço também aos amigos Samuel, Francesco, Thiago e Saul.
RESUMO

EM NOME DO PODER, DA ARTE E DE DEUS: O PAPA SISTO IV (1471 – 1484) E A


ANÁLISE DE UMA AMOSTRA DE AFRESCOS DA CAPELA SISTINA

AUTORA: Jordana Eccel Schio


ORIENTADOR: Francisco de Paula Souza de Mendonça Júnior

Esta monografia busca a partir do estudo de dois afrescos identificar nas figurações religiosas
representações e discursos que auxiliaram na consolidação do poder papal de Sisto IV (1471 –
1487). As fontes escolhidas são duas pinturas murais do chamado Ciclo da Vida de Jesus,
localizadas na parede norte da Capela Sistina. A primeira delas se intitula “Jesus entregando
as chaves a Pedro”, executada entre os anos de 1481 e 1482, pelo artista Pietro Perugino (c.
1450 – 1523). A segunda fonte se intitula “As Tentações de Cristo”, feita entre 1481 e 1482,
pelo pintor Sandro Botticelli (1444 – 1510). A abordagem metodológica desse estudo
percorre as etapas de análise iconográfica e iconológica sugerida pelo historiador da arte
Erwin Panofsky (1892 – 1968), logo se interpretará os dados visuais buscando pelo sentido
mais profundo dos afrescos. O referencial teórico dessa pesquisa se alinha a História Cultural,
que visa entender como determinada realidade ou grupo social se organiza e pensa. Desse
modo, a amostra de afrescos selecionados para esse estudo pode ser analisada a partir dos
conceitos de prática, representação e discurso, propostos pelo historiador francês Roger
Chartier (1945 – ). O trabalho se justifica pela escassez de pesquisas que discutam questões
ligadas à relação entre arte e política no âmbito da História. Por fim, os ciclos de afrescos da
Capela Sistina eram mais que complexos arranjos iconográficos a serviço da Fé. Uma vez
que, identificamos que os afrescos executados por Perugino e Botticelli tinham como objetivo
consolidar a autoridade de Sisto IV, visto que por meio das representações foi exaltada a sua
natureza espiritual e temporal, imortalizando o seu nome e o nome de sua família.

Palavras-chave: História Cultural; Capela Sistina; Sisto IV.


ABSTRACT

IN THE NAME OF POWER, ART AND GOD: POPE SYSTEM IV (1471 - 1484) AND
THE ANALYSIS OF A SAMPLE OF SISTINE CHAPEL FRESCOS

AUTHOR: JORDANA ECCEL SCHIO


ADVISOR: FRANCISCO DE PAULA SOUZA DE MENDONÇA JÚNIOR

This monograph seeks from the study of two frescoes to identify, in religious figurations,
representations and discourses that helped to consolidate the papal power of Sixtus IV (1471 –
1487). The sources chosen are two murals from the so-called Life Cycle of Jesus, located on
the north wall of the Sistine Chapel. The first of these is entitled “Jesus Handing the Keys to
Peter”, executed between 1481 and 1482, by artist Pietro Perugino (c. 1450 – 1523). The
second source is entitled “The Temptations of Christ”, made between 1481 and 1482, by the
painter Sandro Botticelli (1444 – 1510). The methodological approach of this study goes
through the stages of iconographic and iconological analysis suggested by art historian Erwin
Panofsky (1892 – 1968), then the visual data will be interpreted, searching for the deeper
meaning of the frescoes. The theoretical framework of this research aligns with Cultural
History, which aims to understand how a given reality or social group is organized and thinks.
Thus, the sample of frescoes selected for this study can be analyzed from the concepts of
practice, representation and discourse, proposed by the french historian Roger Chartier (1945
– ). The work is justified by the research of questions that discuss issues related to the
relationship between art and politics in the context of history. Finally, the fresco cycles of the
Sistine Chapel were more complex than the iconographic arrangements of the service of the
Faith. Once, we found that the frescoes executed by Perugino and Botticelli had as a
consolidated objective the authority of Sisto IV, since the middle of the representations he
was exalted for his spiritual and temporal nature, immortalizing his name and the name of his
family.
Keywords: Cultural History; Sistine Chapel; Sixtus IV.
LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Afresco “Jesus entregando as chaves a Pedro” ................................................ 77


Figura 02 – Primeiro plano; a entrega das chaves para o apóstolo Pedro .............................. 77
Figura 03 – Primeiro plano; o apóstolo mais amado e o apóstolo Judas ................................ 77
Figura 04 – Primeiro plano; retrato de Perugino no afresco ................................................... 78
Figura 05 – O autorretrato de Perugino ................................................................................. 78
Figura 06 – Primeiro plano; os homens armados ................................................................... 78
Figura 07 – Primeiro plano; os homens com as ferramentas ................................................. 79
Figura 08 – O Retábulo Mérode, por Mestre de Flémalle ..................................................... 79
Figura 09 – Afresco “A punição de Coré, Datã e Abirão”, por Botticelli ............................ 79
Figura 10 – Segundo plano .................................................................................................... 80
Figura 11 – Segundo plano; cena a esquerda do observador ................................................. 80
Figura 12 – Segundo plano; cena a direita do observador ..................................................... 80
Figura 13 – Terceiro plano do afresco ................................................................................... 81
Figura 14 – “O casamento da Virgem”, por Pietro Perugino ................................................ 81
Figura 15 – “O casamento da Virgem”, por Rafael Sanzio .................................................. 81
Figura 16 – Terceiro plano; os arcos ...................................................................................... 82
Figura 17 – O arco de Constantino, em Roma ....................................................................... 82
Figura 18 – Terceiro plano; as inscrições presentes nos arcos .............................................. 82
Figura 19 – O título sobre o afresco “Jesus entregando as chaves a Pedro” ........................ 83
Figura 20 – Afresco “As tentações de Cristo” ....................................................................... 84
Figura 21 – Primeiro plano; o rito de purificação .................................................................. 84
Figura 22 – Primeiro plano; mulher com os galhos de carvalho ........................................... 84
Figura 23 – “O retorno de Judith para Betúlia”, por Botticelli ............................................ 85
Figura 24 – “Alegoria da abundância do outono”, por Botticelli ......................................... 85
Figura 25 – As cortinas, a insígnia da Igreja e o brasão Della Rovere ................................... 85
Figura 26 – Primeiro plano; o cardeal .................................................................................... 86
Figura 27 – “Sisto IV nomeia Platina prefeito da Biblioteca do Vaticano”, por Melozzo da
Forlí .................................................................................................................... 86
Figura 28 – Primeiro plano; rei Fernando II .......................................................................... 87
Figura 29 – Retrato do rei Fernando II .................................................................................. 87
Figura 30 – Primeiro plano; retrato de Botticelli no afresco .................................................. 87
Figura 31 – “A adoração dos Magos”, por Botticelli; e o autorretrato ................................. 88
Figura 32 – Primeiro plano; o retrato de Felippino Lippi ...................................................... 88
Figura 33 –“Disputa com Simão, o Mago e Crucificação de Pedro”, por Filippino Lippi ... 88
Figura 34 – Primeiro plano; o menino e as uvas .................................................................... 88
Figura 35 – Escultura do menino com o ganso ...................................................................... 89
Figura 36 – Segundo plano .................................................................................................... 89
Figura 37 – Segundo plano; a mulher e os animais para o sacrifício ..................................... 89
Figura 38 – Segundo plano; Jesus e os anjos ......................................................................... 90
Figura 39 – Terceiro plano ..................................................................................................... 90
Figura 40 – Terceiro plano; a primeira tentação .................................................................... 90
Figura 41 – Terceiro plano; a segunda tentação .................................................................... 91
Figura 42 – O Hospital Espírito Santo ................................................................................... 91
Figura 43 – Terceiro plano; a primeira tentação .................................................................... 91
Figura 44 – O elo entre o primeiro e o terceiro plano ............................................................ 92
Figura 45 – Terceiro plano; as cidades no horizonte ............................................................. 92
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 10
1. AS CHAVES E O PODER: ANÁLISE DA OBRA DE PERUGINO E O
PONTIFICADO DE SISTO IV .................................................................................... 21
1.1 O DIREITO DOS SUCESSORES DE PEDRO POR PIETRO PERUGINO
........................................................................................................................................... 21
1.2 OS DESAFIOS DE CRISTO PORTADOR DA LEI E SISTO IV
........................................................................................................................................... 35
2. AS TENTAÇÕES DO PODER: ANÁLISE DA OBRA DE BOTTICELLI E O
PAPADO DE SISTO IV................................................................................................. 42
2.1 OS ELEMENTOS PARA A PURIFICAÇÃO E A AUTORIDADE DO PAPA POR
SANDRO BOTTICELLI ................................................................................................. 42
2.2 AS TENTAÇÕES COMO TRIBULAÇÕES PARA ENTRAR NO REINO DE DEUS
........................................................................................................................................... 57
3. CONCLUSÃO ................................................................................................................ 66
FONTES ......................................................................................................................... 71
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 71
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .............................................................................. 75
ANEXO A ....................................................................................................................... 77
ANEXO B ........................................................................................................................ 84
APÊNCICE - CRÉDITO DAS IMAGENS .................................................................. 94
11

INTRODUÇÃO

A monografia que apresentamos resulta de inquietações que surgiram durante o ano de


2017, quando fui bolsista do Programa de Bolsa de Iniciação Científica – FIPE Júnior. Em um
período de oito meses desenvolvemos a pesquisa intitulada “O Julgamento do Diabo: a
iconografia e a iconologia do Diabo nas pinturas murais sobre O Último Julgamento na
Península Itálica entre 1350 – 1550”1. Esse estudo buscou discutir de que forma o Diabo foi
representado em duas fontes imagéticas com temática escatológica, a partir de um recorte
temporal de meados do século XIV e de meados do século XVI, localizadas geograficamente
na Península Itálica2.
O estudo visou compreender se houve influência da Peste Bubônica sobre o
formalismo demoníaco presente nas duas fontes analisadas, estabelecendo relações também
com outro tipo de expressão cultural do período, a obra literária A Divina Comédia, escrita
por Dante Alighieri (1265 – 1321). Os afrescos3 analisados foram “O Último Julgamento” (c.
1340 – 1363), feito pelo pintor florentino Nardo di Cione (1320 – 1366), localizado no altar
da Capela de Strozzi di Mantova, na Basílica Santa Maria Novella, em Florença. E o
muralismo “Juízo Final” (1535 – 1541), pintado pelo artista Michelangelo Buonarroti (1475
– 1564), localizado no altar da Capela Sistina, em Roma.

1
Recentemente foi publicado na Revista Discente Ofícios de Clio – Pelotas, o artigo intitulado “O Julgamento
do Diabo: análise da figura demoníaca em Nardo Di Cione e Michelangelo, entre a Peste Bubônica e o Inferno
de Dante (1350 - 1550)” (2019). Resultado do período em que fui bolsista programa de Iniciação Científica
(FIPE JR/UFSM) – Ano 2017.
2
A unificação italiana ocorreu somente durante o século XIX com o rei Vitor Emanuel II, sendo concluída em
1870, formando então a Itália. Entretanto, no século XV não há uma ideia de Itália, pois havia o Regnum
Italicum no norte da península e as cidades independentes como Florença, Roma, Milão, Veneza, entre outras.
Dessa maneira, optamos pelo uso de Península Itálica ao longo de todo esse estudo. Somado a isso, o historiador
da arte André Chastel escreveu que, “a Itália permaneceu, desde a Antiguidade, profundamente ‘municipal’; lá
as comunas tinham, desde o século XV, as três cidades mais interessantes da Toscana, Pisa, Siena e Florença,
vivem em concorrência tanto na arte como na política. O mesmo sucede com Pádua e Verona. A lenta unificação
regional realizada pelos ‘grandes Estados’ do século XV – Lombardia, República de Veneza, Florença, Estado
pontifical e Reino de Nápoles – não destruiu essa compartimentação [...]” (CHASTEL, 1991, p. 03).
3
Afresco é um método de pintura onde o pigmento puro ou dissolvido em água é aplicado sobre uma base de
gesso ou de cal ainda úmida, as cores são absorvidas, penetrando no revestimento. A pintura sobre essa
superfície tem uma grande durabilidade desde que a parede não tenha infiltrações ou sofra com umidades
constantes. Em climas secos foi uma técnica muito difundida, por isso por toda região da Península Itálica, salvo
Veneza, esse método de pintura era muito usado pelos artistas. A prática na região italiana foi descrita em
detalhe por Cennino Cennini (1370 – 1440), nos primeiros anos do século XV. Giotto di Bondone (1266 – 1337)
foi o primeiro grande mestre que fez uso dessa técnica, depois dele muitos outros mestres italianos usaram,
como: Masaccio (1401 – 1428), Rafael Sanzio (1483 – 1520), Michelangelo (1475 – 1564), Leonardo da Vinci
(1452 – 1519), entre outros. “Antes do afresco, houve o estuque, o mosaico, as incrustações, e todas essas
técnicas continuam a prosperar [...]” (CHASTEL, 1991, p. 07). O afresco foi uma técnica muito usada durante o
Renascimento, principalmente na Península Itálica, pois, nesse período, “a parede nunca é uma unidade distinta;
ou é tratada como um jogo de divisórias, [...]: ela é suporte de mosaico, de pintura e de estuque, e cede à
penetração da decoração; [...]” (CHASTEL, 1991, p. 08).
12

Foi durante a análise da obra de Michelangelo e a sua relação com o papa Paulo III
(1534 – 1549) que surgiram algumas inquietações sobre a prática do mecenato4 pelos
pontífices renascentistas. A ideia amadureceu e o seu resultado é essa monografia intitulada
“Em nome do Poder, da arte e de Deus: o Papa Sisto IV (1471 – 1484) e a análise de uma
amostra de afrescos da Capela Sistina”.

******

Séculos depois, muitas obras, fruto do mecenato papal, atraem o olhar e o interesse das
pessoas. Algumas admiram a beleza dos projetos iconográficos, enquanto que o objetivo
desse trabalho foi estudar os significados intrínsecos de uma amostra de afrescos. Pois, apesar
da temática figurativa mitológica ou religiosa, muitas pinturas feitas entre o século XV e
século XVI, distribuídas pelo território europeu, e, principalmente, na Península Itálica foram
encomendadas por homens do clero e executadas por diferentes artistas. Durante o movimento
Renascentista Italiano a maioria dos pontífices fez uso da prática do mecenato, não só para
celebrar a Fé, mas também para criar uma imagem de poder, de autoridade e de governo.
Assim, mais que camadas de pigmento, as pinturas e os afrescos renascentistas escondiam
estruturas de discursos sociais e políticos, que visavam, a partir de dados visuais, demonstrar
e legitimar o poder e a autoridade do seu patrocinador.
A Capela Sistina atualmente é visitada por milhares de turistas do mundo inteiro,
todavia, a decoração das suas paredes e do teto é resultado da prática do mecenato papal
renascentista, promovida por três papas. Desse modo, a sua construção aconteceu durante o

4
O mecenato durante o movimento Renascentista foi marcado por uma ampla revalorização das artes e da
arquitetura principalmente entre as últimas décadas do século XIV até meados do século XVI, se difundindo por
vários países europeus, especialmente pelas cidades da Península Itálica. Membros do clero e famílias
aristocráticas incentivavam projetos artísticos para adquirir e acumular prestígio e status junto à sociedade.
Artistas e mecenas acreditavam “que a arte pudesse ser usada não só para contar a história sagrada de uma forma
comovente, mas para refletir também um fragmento do mundo real” (GOMBRICH, 2012, p. 247). Ainda
segundo o historiador Robert Lopez, “o que ainda chamamos de cultura humanística, tende a se tornar o símbolo
mais alto da nobreza, a senha mágica que admitiu um homem ou uma nação ao grupo de elite. Seu valor
aumentou no momento em que o valor da terra caiu. Os seus retornos foram elevados quando as taxas de juros
comerciais diminuíram. Os homens de Estado que haviam tentado aumentar o poder e o prestígio ao ampliarem
suas propriedades agora se disputavam para reunir obras de arte. Homens de negócios que estavam procurando
os investimentos mais rentáveis ou mais conservadores no comércio agora investiam em livros. A mudança foi
mais pronunciada na Itália porque, na Itália, homens de negócios e estadistas eram as mesmas pessoas” (LOPEZ,
1962, p. 48, tradução nossa). Assim, a arte era uma forma de investimento e de alcançar status, não só a Igreja
nesse período, mas a sociedade aristocrática buscou através do mecenato e da compra de obras de arte alcançar
prestígio. Uma das famílias italianas que fez uso da arte para manter e ampliar seu poder, por exemplo, foram os
Médici, e principalmente, “um grande comerciante, de fato o chefe da maior organização financeira do mundo
no século quinze, Lorenzo o Magnífico. Ele era ao mesmo tempo o banco dos Médici, o rei não coroado de
Florença, um patrono da arte e um poeta por direito próprio” (LOPEZ, 1962, p. 50, tradução nossa).
13

pontificado de Sisto IV (1471 – 1484), pois fazia parte do projeto papal renascentista de
revitalização e reconstrução de Roma. Ademais, no início do século XVI, a convite do papa
Júlio II (1443 – 1513), o artista Michelangelo Buonarroti (1475 – 1564) foi até Roma para
trabalhar na decoração do teto da Capela Sistina, entre os anos de 1508 e 1512. Todavia ao
invés de um céu simples e cheio de estrelas, Michelangelo produziu um arranjo iconográfico
com cenas do Livro do Gênesis, além de representações menores de profetas e sibilas
(GWYNNE, 2011, p. 178). Posteriormente, o artista retornou a pedido do papa Clemente VII
(1523 – 1534). A encomenda papal visava à decoração do altar da Capela Sistina, porém o
pontífice não viveu para ver o artista iniciar o mural, mas seu contrato foi ratificado pelo papa
Paulo III (1534 – 1549). Assim, entre os primeiros esboços em 1535 e o término em 1541,
Michelangelo trabalhou sozinho em uma vasta composição intitulada “O Juízo Final”
(NÉRET, 2006, p. 72).
Durante o papado de Sisto IV, a decoração interna da capela foi confiada a uma equipe
de artistas, que trabalharam conjuntamente por dois anos a fim de executar o projeto artístico
encomendado pelo Vigário de Cristo. A ornamentação das paredes se divide em três
momentos distintos, na base são representadas pesadas cortinas ou tapeçarias drapeadas e
brocadas. Na parte superior há vinte e oito nichos entre as janelas com o retrato de corpo
inteiro dos papas dos três primeiros séculos (DUFFY, 1998, p. 143). Entre esses arranjos se
encontram os chamados Ciclo da Vida de Moisés (parede sul) e o Ciclo da Vida de Jesus
(parede norte) (GWYNNE, 2011, p. 173), em que são representadas passagens bíblicas do
Antigo e do Novo Testamento.
Os muralismos feitos entre 1481 e 1482 que compõem o chamado Ciclo da Vida de
Moisés (do altar em direção a saída) são: “A viagem de Moisés ao Egito”, feito por Pietro
Perugino (c. 1450 – 1523); “Cenas da vida de Moisés”, executado por Sandro Botticelli
(1444 – 1510); “Travessia do Mar Vermelho”, feito pelo artista Cosimo Rosselli (1439 –
1507); “Descida do Monte Sinai”, do mesmo pintor; “A punição de Coré, Datã e Abirão”,
feito por Botticelli; “Testamento e a morte de Moisés”, do pintor Luca Signorelli (c. 1450 –
1523).
Os afrescos também feitos entre 1481 e 1482 formam o chamado Ciclo da Vida de
Jesus (do altar em direção a saída): “O batismo de Cristo”, feito pelo artista Perugino; “As
tentações de Cristo”, feito por Botticelli; “O chamado de Pedro e André”, executado por
Domenico Ghirlandaio (1449 – 1494); “O sermão na montanha e a cura do leproso”, feito
14

por Cosimo Rosselli; “Jesus entregando as chaves a Pedro”, também produzido feito por
Perugino; e “A última ceia”, feito pelo pintor Rosselli.
Dessa maneira, essa monografia busca, a partir da análise de uma amostra de dois afrescos,
identificar nas figurações religiosas representações e discursos que auxiliaram na
consolidação do poder papal de Sisto IV. Assim, as fontes dessa pesquisa são duas pinturas
murais do chamado Ciclo da Vida de Jesus, localizadas na parede norte da capela. A primeira
fonte foi feita pelo artista úmbrio Pietro Perugino e se intitula “Jesus entregando as chaves a
Pedro”. A segunda fonte se chama “As Tentações de Cristo”, e foi executada pelo pintor
florentino Sandro Botticelli. Desse modo, a pesquisa discutirá questões ligadas à prática de
mecenato pelo pontífice Sisto IV, e a análise de uma amostra do resultado gerado por tal
atividade, produzindo assim, um estudo das relações entre arte e política durante o movimento
Renascentista Italiano. O historiador e professor Rodrigo Patto Sá Motta, no trabalho
intitulado “A história política e o conceito de cultura política”, publicado em 1996, escreveu
que, “a ênfase proposta é trabalhar a política não no nível da consciência e da ação informada
por projetos e interesses claros e racionais, mas no nível do inconsciente, das representações,
do comportamento e dos valores” (MOTTA, 1996, p. 93). Assim, a partir das fontes pictóricas
se buscou analisar o uso político da arte durante o movimento renascentista, identificando em
uma amostra de afrescos, apelos simbólicos intrínsecos e que contém afirmações de poder de
seus atores políticos.
O desenvolvimento desse trabalho se deu pela aplicação das etapas de análise
iconográfica e iconológica sugeridas pelo historiador da arte Erwin Panofsky (1892 – 1968).
Logo, se interpretou os dados visuais das duas fontes buscando pelo sentido mais profundo, a
partir de três fases: a primeira, a descrição pré-iconográfica; a segunda, a análise
iconográfica; e a terceira, a interpretação iconológica. Assim, nos dois primeiros momentos
se fez a leitura e a identificação dos aspectos formais, compositivos e convencionais das
fontes imagéticas.
Na terceira etapa, “ligamos os motivos artísticos e as combinações de motivos
artísticos (composições) com assuntos e conceitos” (PANOFSKY, 1991, p. 50). Ademais, o
historiador da arte afirma que, “uma interpretação realmente exaustiva do significado
intrínseco ou conteúdo poderia até nos mostrar técnicas características de um certo país,
período ou artista” (PANOFSKY, 1991, p. 52). Além disso, “não nos deve levar a crer que
jamais nos seja possível dar uma correta descrição pré-iconográfica de uma obra de arte sem
adivinharmos, por assim dizer, qual o seu locus histórico” (PANOFSKY, 1991, p. 58). Os
15

projetos artísticos servem de veículo de propagação de ideias, valores, entre outras ações, de
um grupo ou indivíduo inserido em um determinado contexto político, econômico, cultural e
social. Para isso, nosso referencial teórico faz uso dos conceitos da corrente historiográfica da
Nova História Cultural (NHC), onde um dos principais nomes é o historiador francês Roger
Chartier (1945 – ).
Tal ramo historiográfico ganhou fôlego nas últimas décadas do século XX,
proporcionando aos (as) historiadores (as) novos horizontes de pesquisa, diversificando os
temas, as fontes e os métodos de análise. Desse modo, uma sociedade, um grupo ou um
indivíduo produzem um conjunto de representações que geram discursos que acarretam em
práticas que legitimam uma posição, justificam determinadas ações, impõe sua autoridade e
poder sobre outros protagonistas sociais. Segundo o historiador brasileiro José D’Assunção
Barros os conceitos de “práticas e representações”, correspondem respectivamente aos
“modos de fazer” e aos “modos de ver” (BARROS, 2011, p. 46). Para mais, o historiador
francês Chartier, afirma que, são:

as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira
própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posição,
por fim, as formas institucionalizadas e objectivadas graças as quais uns
«representantes» (instâncias colectivas ou pessoas singulares) marcam de forma
visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da comunidade.
(CHARTIER, 2002, p. 23)

Por conseguinte, o conceito de representação também é caro para esse estudo, visto
que:

As representações são entendidas como classificações e divisões que organizam a


apreensão do mundo social como categorias de percepção do real. As representações
são variáveis segundo as disposições dos grupos ou classes sociais; aspiram à
universalidade, mas são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as
forjam. O poder e a dominação estão sempre presentes. As representações não são
discursos neutros: produzem estratégias e práticas tendentes a impor uma
autoridade, uma deferência, e mesmo a legitimar escolhas. Ora, é certo que elas
colocam-se no campo da concorrência e da luta. Nas lutas de representações tenta-se
impor a outro ou ao mesmo grupo sua concepção de mundo social: conflitos que são
tão importantes quanto as lutas econômicas; são tão decisivos quanto menos
imediatamente materiais (CHARTIER, 1990, p. 17).

Dessa maneira, entendemos que na segunda metade do século XV, a prática do


mecenato pelo pontífice Sisto IV envolvia uma relação entre ele, o mecenas, e os artistas
convidados. Onde os últimos tinham um compromisso ratificado em contrato para entregar
aquilo que o primeiro havia especificado (BAXANDALL, 1991, p. 11), tendo como resultado
16

dessa prática um conjunto de representações e discursos. Estas, então, associadas a certo


modo de “ver as coisas”, pois, os projetos artísticos eram destinados ao mecenas e esse
julgava de que forma elas deveriam atender aos seus interesses (BAXANDALL, 1991, p. 12).
Assim, ao encomendar um projeto iconográfico em que se representa figurativamente a
passagem bíblica do Novo Testamento, onde Jesus entregou as chaves do Reino dos Céus
para seu apóstolo Pedro, o discurso intrínseco do mecenas Sisto IV, pode ser legitimar a sua
autoridade frente ao colégio de cardeais e demais membros do clero, além dos reis. Pois,

As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem


estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma
autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projecto
reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas.
Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre
colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se
enunciam em termos de poder e de dominação. As lutas de representações têm tanta
importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais
um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que
são os seus, e o seu domínio. (CHARTIER, 2002, p. 17)

Logo, compreendemos que os arranjos iconográficos com passagens do Antigo e do


Novo Testamento que decoram as paredes da Capela Sistina, feitos nas últimas décadas do
século XV, não foram produzidos somente para celebrar a fé. Uma vez que, também serviram
de representação do poder temporal de Sisto IV, decifrado a partir das etapas de análise
iconográfica e iconológica. Para mais, segundo o historiador francês Antoine Prost:

o historiador que pretende reconstruir as representações constitutivas de um grupo


social é levado a privilegiar certos objetos de estudos que requerem métodos de
análise específicos. A atenção centra-se nas produções simbólicas do grupo e, em
primeiro lugar, nos discursos que faz. Ou antes, nos seus discursos enquanto
produções simbólicas. (PROST, 1998, p. 129)

Além disso, este estudo se justifica pela escassez de pesquisas que discutam questões
ligadas à relação entre arte e política no âmbito da História. No cenário nacional citamos o
estudo da professora e historiadora Patrícia Dalcanale Meneses, que analisa o uso da
arquitetura como manifestação de poder e jogo político, tendo como objeto, o período do
cardinalato de Giuliano Della Rovere (1443 – 1513), entre 1471 até 1503, quando foi eleito
pontífice, adotando o nome de Júlio II. Meneses, atualmente, pesquisa sobre os cardeais como
agentes culturais do Renascimento, usando como objeto de estudo o cardinalato da família
Della Rovere, que após a segunda metade do século XV se consolidou em Roma, primeiro
17

com a eleição de Sisto IV e, posteriormente, no início do século XVI, com Júlio II, sobrinho
de Sisto IV (MENESES, 2013).
Em nível internacional citamos alguns estudos, como o da historiadora da arte
medieval e renascentista Rona Goffen, que escreveu o artigo “Friar Sixtus IV and the Sistine
Chapel”, onde aborda questões referentes à decoração interna da Capela Sistina e o papa Sisto
IV. O historiador Peter Howard escreveu o artigo “Painters and the visual art of preaching:
the "Exemplum" of the fifteenth-century frescoes in the Sistine Chapel”. Há também o livro
“The Sistine Chapel before Michelangelo: religious imagery and papal primacy”, publicado
pela primeira vez em 1965, escrito pelo historiador Leopold David Ettlinger, com fotografias
de H. Otto Fein. A pesquisa“The Papal Series in the Sistine Chapel: The Embodiment,
Vesting and Framing of Papal Power” (1998), escrita por Starleen Kay Meyer trata dos
afrescos da Capela Sistina e cria conexões entre a arte, a liturgia e o figurino.
Ainda no âmbito internacional percebemos que as informações sobre a trajetória de
Francesco Della Rovere como cardeal, e posteriormente como o papa Sisto IV, se encontram
predominantemente organizadas em enciclopédias ou dicionários. De modo que, na obra
“Dizionario biográfico degli italiani” (1960), as informações sobre o papa estão dispostas ao
longo de vários verbetes e em diversos volumes. Assim, encontramos dados do pontífice ao
consultar os nomes de Cristoforo, Domenico, Giovanni e Leonardo Della Rovere (Volume
37); Girolamo e Pietro Riario (Volume 87); e Giuliano Della Rovere (Volume 57). No
volume dois da “Enciclopedia dei papi” encontramos dados sobre a família de Sisto IV,
formação religiosa e informações sobre o processo de eleição, além da sua relação com alguns
príncipes seculares.
Além disso, a coleção de livros do historiador franciscano alemão Konrad Eubel,
intitulada “Hierarchia Catholica Medii Aevi” (1913), aborda a trajetória de papas, cardeais e
bispos medievais. No volume dois, encontramos referências sobre o cardinalato de Francesco
Della Rovere, e, após a sua eleição, dados dos cardeais nomeados por ele. Somado a isso,
John Norman D. Kelly e M. J. Walsh escreveram “The Oxford Dicionary of Popes”, com
primeira edição publicada em 1957, onde descobrimos um pequeno verbete sobre o papa Sisto
IV e sua trajetória.
Somado a isso, o historiador francês, especialista em história do papado, Philippe
Levillain, escreveu a trilogia “The Papacy – An Encyclopedia” (2002). No terceiro volume há
um trecho dedicado a carreira eclesiástica e as relações de Sisto IV com vários estados
italianos, abordando também a prática do nepotismo e a vida cultural de Roma durante o seu
18

pontificado. Por fim, o historiador e filósofo cubano Salvador Miranda é responsável pelo
site5 “Cardinals of the Holly Roman Church” (1998 – presente) onde podemos acessar o
nome dos cardeais da Igreja entre 494 até 2019.
De maneira geral, percebemos que a prática de mecenato e o uso da arte como
ferramenta política não são abordadas pelos autores citados acima, pois suas fontes são
documentos diplomáticos e bulas papais, por exemplo. Além disso, muitas das informações
sobre a trajetória laica e secular de Sisto IV se encontram dispostas em verbetes, que são
registros breves com informações gerais sobre o assunto, tema ou pessoa. Desse modo, esta
pesquisa busca contribuir para o estudo da arte e da prática de mecenato como ferramenta de
afirmação e legitimação de poder e de autoridade. Somado a isso, se pretende contribuir com
os estudos sobre o Renascimento Italiano a partir do uso de fontes pictóricas, que permitam
entender e perceber representações e discursos de um grupo social ou de uma sociedade. E,
dessa forma, criar um diálogo interdisciplinar entre o campo historiográfico e o campo
artístico.
Além disso, essa monografia também explora a relação que envolve o pontífice e os
artistas convidados, Perugino e Botticelli, a partir dos vínculos entre eles. Isso porque, durante
o pontificado de Sisto IV, houve a formação de uma rede de poder, pois como escreveu o
professor pernambucano Roberto Machado “o poder não existe; existem práticas ou relações
de poder”, então “não é um objeto, uma coisa, mas uma relação” (MACHADO, 1979, p.
XIV). Para mais, segundo o historiador da arte Michael Baxandall, na segunda metade do
século XV quem encomendava uma obra de arte “fornecia fundos para sua realização e, uma
vez concluído, decidia de que forma usá-lo” (BAXANDALL, 1991, p. 11). Pois, “muito mais
que mera decoração piedosa, os afrescos eram afirmações ideológicas cuidadosamente
elaboradas e carregadas de simbolismo papal” (DUFFY, 1998, p. 143).
Nesse momento, também nos posicionamos sobre a discussão que envolve o modelo
historiográfico sobre o Renascimento, uma vez que muitos historiadores defendem que ele foi
um período. No entanto, o historiador e filósofo italiano Eugenio Garin (1944) defende
continuidades entre a Idade Média e o Renascimento, visão que o historiador Arnold Hauser
(1982) também compartilha quando pontua que o individualismo não era algo particular do
Renascimento (HAUSER, 1982, p. 326). Segundo Garin, a renascença “se centra no homem
com uma intensidade sem igual” (GARIN, 1991, p. 11), desse modo, escreve que:

5
O site é um recurso digital criado e produzido por Salvador Miranda, composto pelas nomeações dos cardeais
do ano 494 ao ano de 2019, além de conter eventos e documentos relativos à origem do cardinalato romano e sua
evolução histórica. Disponível em https://webdept.fiu.edu/~mirandas/cardinals.htm. Acessado em 14 out. 2019.
19

o homem do Renascimento, ou seja, uma série de figuras, que nas suas actividades
específicas põem em prática, de modo análogo, características novas: o artista, que
não é apenas artífice de obras de arte originais, mas que através da sua actividade
altera a sua posição social, intervém na vida da cidade, especializa as suas relações
com os outros; o humanista, o notário, o jurista, que se tornam magistrados, e que
com seus escritos influem na vida política; o arquiteto que negocia com o príncipe
para construir “fisicamente” a cidade. (GARIN, 1991, p. 10 e 11)

Além disso, o historiador Jean Delumeau (1994) escreveu que a vanguarda da


renascença europeia foi a Itália; e o historiador da arte Ernst Gombrich (2012) pontuou que
todos que se interessavam pelo ressurgimento do saber voltavam o olhar para a península.
Conforme o filósofo e historiador italiano Eugenio Garin o Renascimento “teve suas origens
nas cidades-estado italianas, de onde se propagou depois por toda a Europa” (GARIN, 1991,
09).
Assim, aconteceram diferentes Renascimentos, como o Renascimento Italiano, o
Renascimento Nórdico, Renascimento Inglês, e assim por diante. Somado a isso, Garin
também pontua que a Renascença se situa entre meados do século XIV e final do século XVI
(GARIN, 1991, 09). Todavia, a temporalidade dada ao Renascimento varia, porque segundo
Delumeau, a renascença teve seu inicio no século XIII se estendendo até o século XVII
(DELUMEAU, 1994, p. 20), se alastrando pelos países europeus com diferentes intensidades.
Isso porque, além de diferentes Renascimentos houveram também distintas temporalidades.
Gombrich (2006) destaca que o Renascimento envolveu poucos grupos e se
caracterizou por ser um movimento cultural, elitista e urbano. Ademais, Hauser afirmou que
“a Renascença foi inumana, mercantil, realista e não romântica; sob este aspeto, também não
foi muito diferente do último período da Idade Média” (HAUSER, 1982, p. 363). Gombrich
também se posicionou sobre a discussão que envolve o modelo historiográfico renascentista,
quando escreveu que o Renascimento foi um movimento e não um período da História. Dessa
maneira:

Acho que podemos dizer, o que eu queria esclarecer um pouco, é que o


Renascimento não era tanto uma "Era" quanto um movimento. Um "movimento" é
algo que é proclamado. Atraem fanáticos, por um lado, que não toleram nada que
não pertença a ele e que se apaixona e entra; existe um espectro de intensidade em
qualquer movimento, assim como há normalmente várias facções ou "alas". Há
também adversários e muitos outsiders neutros que têm outras preocupações. Acho
que podemos descrever sem esforço o Renascimento como um movimento desse
tipo, mas, desnecessário dizer, uma descrição não é uma explicação. O que o
historiador gostaria de descobrir é, antes, o que tornou o Renascimento um
20

movimento tão vitorioso que se espalhou por toda a Europa6. (GOMBRICH, 2006,
p. 35, tradução nossa)

Diante disso, mesmo que alguns protagonistas do movimento se vissem diferentes das
gerações anteriores, até mesmo cunhando o termo de Idade Média para os dez séculos que
separavam eles da faustosa Antiguidade, muito do que se intensifica na Renascença tem
origem no medievo, como salientamos anteriormente de forma breve. As discussões
historiográficas citadas acima tratam do Renascimento como um movimento, e não como um
período, pontuando que há tanto rupturas quanto continuidades. Tendo como vanguarda a
Península Itálica, ideias e formas de ver e entender o mundo se difundiram por outros países
do continente europeu de forma heterogênea, urbana e elitista.
Não houve uma ruptura do movimento com a Idade Média, mas, ao contrário, ela foi
um combustível, que após várias faíscas e pequenas chamas, começou um pequeno incêndio
durante o século XV e século XVI, que iluminou o Ocidente na Idade Moderna. Dessa forma,
compreendemos que foi um movimento promovido por grupos que tinham consciência
histórica e que amparados por mudanças na estrutura social e econômica reinterpretaram
aspectos do medievo, como o individualismo e o apego a Antiguidade Clássica. O homem e a
mulher não se deitam acuados e envoltos na escuridão da “Idade das Trevas”, para despertar
em um mundo racional, pois na Idade Média não houve “trevas”. Da mesma forma que a
Renascença foi efervescente culturalmente, também foi violenta, religiosa, acometida por
guerras, fomes, pestes.
Ademais, para uma melhor leitura e fluidez do texto optamos por inserir as imagens
citadas nos anexos. Assim, as fontes iconográficas, as imagens oriundas de livros de história
da arte e do banco de imagens on-line Web Gallery of Art7 (onde se fez o estudo de imagens
das pinturas murais com resolução adequada para o estudo) foram anexadas após a
bibliografia consultada. O anexo A se refere às imagens do primeiro capítulo e o anexo B as
do segundo capítulo. Somado a isso, as fontes selecionadas serão visualizadas por meio do

6
I think we can say, what i wanted to clarify a little, is that the Renaissance was not so much an "Age" as it was
a movement. A "movement" is something that is proclaimed. It attracts fanatics, on the one hand, who can´t
tolerate anything that doesn´t belong to it and hangers-on who come and go; there is a spectrum of intensity in
any movement just as there are usually various factions or "wings." There are also opponents and plenty of
neutral outsiders who have other worries. I think we can most effortlessly describe the Renaissance as a
movement of this kind, but, needless to say, a description is not an explanation. What the historian would like to
find out is rather what it was that made the Renaissance such a successful movement that is spread throughout
Europe.
7
O endereço do wga.hu pode ser acessado pelo link <https://www.wga.hu/> acessado em 31 mar. 2019
21

recurso digital lançado pelo Vaticano8, que tem o intuito de tornar a Capela Sistina mais
popular e acessível ao público com acesso a internet.
Destacamos ainda que da mesma forma que há poucos materiais bibliográficos sobre o
pontífice, como salientamos anteriormente, o mesmo acontece em relação, especificamente,
as obras analisadas e os seus autores. Dessa forma, avançamos nessa pesquisa conscientes de
que havia uma limitação do aporte bibliográfico, o que exigiu assim, um amplo leque de
leituras para atender as nossas perguntas. Dessa maneira, as informações históricas, teóricas,
metodológicas e técnicas são provenientes de bibliografia vasta da área histórica e artística
(técnica). A organização dos capítulos se deu de maneira que no primeiro será analisada a
fonte “Jesus entregando as chaves a Pedro”, cotejado com a ligação do pontífice Sisto IV e o
artista Perugino. No capítulo dois, será analisada a fonte “As Tentações de Cristo”, além de
analisar a relação entre o papa e o artista convidado, Botticelli. Também, em ambos, vamos
desenvolver a análise iconográfica e iconológica das fontes imagéticas, buscando identificar
os dados visuais e interpretar o conteúdo destes. Por fim, na conclusão os resultados serão
sintetizados, apresentando as interpretações desse estudo.

8
O recurso lançado pelo Vaticano nos dá uma visão de 360o do interior da capela e pode ser acessado pelo link
<http://www.vatican.va/various/cappelle/sistina_vr/index.html> acessado em 31 mar. 2019
22

1. AS CHAVES E O PODER: ANÁLISE DA OBRA DE PERUGINO E O


PONTIFICADO DE SISTO IV

1.1 O DIREITO DOS SUCESSORES DE PEDRO POR PIETRO PERUGINO

Com mais impetuosidade, a partir do século XIII, alguns pontífices aspiravam


governar o Regnum Italicum9, manipulando as políticas internas de cidades do Norte da
Península Itálica. Certos papas buscavam ainda impor seu poder espiritual e temporal sobre
cidades da região central. Ademais, em 1302, foi publicada pelo papa Bonifácio VIII (1294 –
1303) a bula Unam Sanctam, “nela, declarava notoriamente que ‘é absolutamente necessário à
salvação de toda a criatura humana submeter-se ao pontífice romano’.” (DUFFY, 1998, p.
121). De maneira que, a bula:

[...] começa com a tese tradicional de que na sociedade cristã “há dois gládios, o
espiritual e o temporal”; mas imediatamente passa a insistir em que “é preciso que
um gládio esteja sob o outro, e por conseguinte que o poder temporal esteja
subordinado ao espiritual”. E termina num tom ainda mais arrogante, esclarecendo
que a última instância tanto o gládio temporal quanto o espiritual deve caber ao
vigário de Cristo, uma vez que “o poder espiritual detém a autoridade de instituir o
poder terreno e de julgá-lo caso este deixe de agir como é adequado” (p. 459).
(SKINNER, 1996, p. 37)

Durante a Idade Média houve diversas tensões entre o papa e o imperador, onde o
primeiro diversas vezes promoveu excomunhões, como a praticada por Gregório VII (1073 –
1085) contra Henrique IV (BASCHET, 2006, p. 190 e 191). Desse modo, os pontífices

9
Eram comuns na Península Itálica as cidade-Estado, assim, “durante os séculos XII e XIII, a Península Itálica
centro-setentrional, povoada de cidades mais ou menos autônomas e regidas por um modelo de governação
bastante distinto das práticas monárquicas, constituiu um caso à parte. As cidades, ao despontarem como
entidades políticas subsistentes enquanto um corpo de cidadãos” (MIATELLO, 2010, p. 117). Cada uma era
governada pelos cônsules, sendo a primeira cidade da Península Itálica a adotar a forma de governo consular foi
Pisa, em 1085, e no final do século XII essa forma de autogoverno já era adotada por quase todas cidades do
norte da península. Todas essas cidade-Estado lutavam por sua liberdade e independência, com direito de fazer e
executar suas próprias leis, além de seu formato político. O Regnum Italicum corresponde as cidade-Estado no
norte da Península Itálica. Muitos imperadores germânicos tinham pretensão de conquistar o Regnum Italicum ou
o Regnum do Norte como província, entre os imperadores podemos citar Oto I, Frederico II. E até “os papas
começassem a aspirar eles mesmos a governar o Regnum Italicum” (SKINNER, 1996, p. 35), e um exemplo
dessa aspiração acontece enquanto Dante viveu, “Bonifácio VIII começou a intrometer-se nas facções internas
de Florença, esperando adquirir controle sobre essa cidade a fim de aumentar seus rendimentos e garantir a
fronteira setentrional dos territórios que então possuía (BOASE, 1933, p. 84). Quando os florentinos lhe
enviaram uma embaixada em 1300 (da qual afirma-se que Dante teria participado), para protestar contra essas
maquinações, Bonifácio reagiu excomungando a signo ria inteira, incumbindo Carlos de Anjou de tomar a
cidade e promovendo, assim, o golpe de Estado de 1301” (SKINNER, 1996, p. 36). Assim, “o papado, em fins
do século XIII, conseguira assumir controle direto e temporal sobre uma vasta parte do centro da Itália, assim
como considerável influência sobre a maioria das principais cidades do Regnum Italicum” (SKINNER, 1996, p.
36).
23

buscavam por meio da teoria dos “dois poderes” 10 fortalecer sua posição, garantindo a
validade de suas ações nos assuntos temporais. Muitos papas, entre eles Gregório VII,
buscaram reforçar o poder espiritual dos clérigos e, principalmente, do Vigário de Cristo
(BASCHET, 2006, p. 192 e 193). Esse domínio e demonstração de poder papal se refletiram
de outras maneiras, por exemplo, no final do século XV, quando o pontífice Sisto IV mandou
construir uma capela; e por isso chamada, posteriormente, de Sistina (GOMBRICH, 2012, p.
307). Além da edificação, ele convidou os artistas mais relevantes da segunda metade do
século XV para que decorassem as paredes internas. Segundo o verbete do “The Oxford
Dictionary of the Christian Church”:

Nascido em uma família pobre, Francesco della Rovere entrou na Ordem


Franciscana, onde se tornou professor de sucesso, general em 1464, e cardeal em
1467. Eleito papa em 1471, empreendeu uma cruzada contra os turcos, mas com
pouco sucesso, e logo se voltou quase inteiramente à política italiana e ao
engrandecimento de sua família11. [...] (OXFORD DICTIONARY, 1997, p. 1508,
tradução nossa)

Dessa maneira, percebemos que Sisto IV também se envolveu em assuntos temporais,


pois, segundo o que Roberto Monge escreveu na obra “2000 anos de papas – de São Pedro a
Francisco”,

Na política externa, também Sisto IV tentou organizar uma armada contra os turcos,
mas todo o esforço não resultou devido ao pouco interesse e empenhamento das
potências europeias. Autorizou o rei da Espanha, Fernando, a instaurar o Tribunal da

10
Gregório VII (1073 – 1085) foi segundo Eamon Duffy um dos papas mais enérgicos, sua preocupação latente
era com a responsabilidade e a dignidade do ofício papal. Durante seu pontificado apontou vinte e sete
proposições conhecidos como Dictatus Papae (Memorando do Papa), que foram diretrizes para uma nova
compilação dos cânones destinada a ilustrar as distinções papais. Em uma delas Gregório VII “proclamava que
só o papa podia depor imperadores, além de ter a faculdade de absolver os súditos da vassalagem aos maus
governantes. Todos reconheciam no pontífice a atribuição de fazer um imperador, mas ninguém deduzia disso
que ele também detinha o poder de desfazê-lo” (DUFFY, 1998, p. 95). Além da intromissão em questões laicas e
políticas, Gregório também deixou evidente a “extravagância de sua posição quando afirmou que, devido aos
méritos de São Pedro, o pontífice devidamente eleito era automaticamente um santo” (DUFFY, 1998, p. 95). Ele
veio a se envolver em conflitos entre a Igreja e o Estado, com os atritos entre ele e Henrique IV. Segundo Jérôme
Baschet a “reforma gregoriana” tinha como eixo principal “a reforma da hierarquia secular sob a autoridade
centralizadora do papado e o reforço da separação hierárquica entre laicos e clérigos. Trata-se de nada menos
que reafirmar e consolidar a posição dominante da Igreja no seio do mundo feudal” (BASCHET, 2006, p. 190).
Inocêncio III (1198 – 1216) foi o pontífice representante do auge do poder e da influência papal do período, ele,
segundo Duffy, era um nobre romano batizado com o nome de Lotário de Segni, eleito chefe da Igreja com 37
anos graças aos seus méritos e a sua energia, que chegava a fatigar o séquito que o acompanhava. Financiou
grandes programas de assistência aos mais pobres e de reformas das igrejas romanas, ele também lutou para
conter movimentos carismáticos como os dos primeiros franciscanos, a ortodoxia era uma das maiores
preocupações de Inocêncio III e em relação a alguns monarcas, “Inocêncio combinou sua teoria exaltada da
supremacia papal com a boa vontade prática em acomodar governantes amistosos” (DUFFY, 1998, p. 112).
11
Born of a poor family, Francesco della Rovere entered the Franciscan Order, where he become a successful
lecturer, General in 1464, and Cardinal in 1467. Elected pope in 1471, he undertook a crusade against the Turks,
but with a little success, and soon turned almost entirely to Italian politics and aggrandizement of his family.
24

Inquisição e convidou-o a continuar a “reconquista”. As relações com Luís XI de


França foram tensas porque o soberano defendia a Pragmática Sanção de Bourges,
em 1438, que, afirmando a superioridade dos concílios sobre o Papa, tirava ao
pontífice o direito de nomear bispos franceses, atribuindo-o às catedrais e aos
conventos, e limitava os contributos a pagar à Santa Sé, enquanto Sisto IV
continuava a reivindicar para si esses direitos. [...] Em Itália, inimizou-se com
Florença, colocando-se contra os Medici e em defesa do bispo de Pisa e de um
sobrinho, Girolamo Riario, que tomara parte na conjura dos Pazzi (1478), na qual
deviam ter sido eliminados Giuliano e também Lorenzo de Medici. Estes vingaram-
se atirando pelas janelas do Palácio da Senhoria todos os conjurados, incluindo o
arcebispo. O Papa reagiu com a excomunhão dos Medici e a interdição da cidade.
(MONGE, 2016, p. 426)

Assim, Sisto IV também fez uso do poder temporal para interferir na política interna e
externa. Ao mesmo tempo em que o papa atuou nessas esferas, havia também o engajamento
com a reconstrução e renovação de Roma, estimulado pelo mecenato papal. Segundo o
professor e historiador irlandês Eamon Duffy, muitos contemporâneos de meados do século
XV viam Roma como uma cidade em ruínas, um lugar prostituído e entregue a corrupção,
onde todos tinham um preço e ninguém merecia a confiança. Entre as ruínas animais vagavam
e sem-tetos se abrigavam, os matagais ocupavam o lugar das pessoas (DUFFY, 1998, p. 133).
Esse abandono foi reflexo da ausência prolongada dos papas em função do Grande Cisma
(1378 – 1417), assim, alguns pontífices tomaram para si a tarefa de reinventar e reconstruir
Roma, lugar onde o representante de Deus deveria estar. Logo:

Decididos a mudar tudo isso, os papas do Renascimento se puseram a planejar novas


ruas e a erigir edifícios que lhes perpetuassem os nomes e os de suas famílias,
prédios que seriam dignos tanto do centro da Igreja quanto a maior de todas as
cidades terrenas, a mãe da Europa. (DUFFY, 1998, p. 133 e 134)

O primeiro que se esforçou em reerguer e trazer glória a Roma novamente foi o papa
Nicolau V (1447 – 1455). Porque para ele a riqueza deveria ser usada em livros e edifícios, as
únicas coisas em que valia a pena gastar dinheiro. De modo que, isso vai ao encontro do que
escreveu o historiador da arte Michael Baxandall, uma vez que havia satisfação em gastar o
dinheiro em projetos artísticos e obras arquitetônicas, para além da fruição e ornamentação do
espaço público (BAXANDALL, 1991, p. 13). Nicolau V iniciou a reconstrução de Roma, e
uma de suas maiores obras foi o Vaticano, transformando-o na principal residência papal, e
projetando outras obras como uma piazza diante da basílica, perto de onde Pedro foi
crucificado. Todavia, quem lançou a pedra fundamental desse projeto foi Júlio II, no dia 18 de
abril de 1506 (DUFFY, 1998, p. 144). O historiador da arte André Chastel resume bem esses
apontamentos anteriores, pois:
25

No começo do século XV a Itália vai envolver-se cada vez mais nos assuntos
políticos do Ocidente. Após a liquidação do Grande Cisma (1378 – 1417) que se
seguira ao exílio de Avignon, o papado regressa definitivamente a Roma; a
restauração da cidade principia com Nicolau V, que sabe provocar o brilhante e
remunerador jubileu de 1450; segue-se a criação metódica, por Sisto IV, de um
grande Estado que desempenhará um papel essencial nas guerras e intrigas do fim
do século. (CHASTEL, 1991, p. 215, grifo do autor)

O pontífice Calisto III (1455 – 1458) foi contra o movimento e mandou paralisar todos
os projetos arquitetônicos, na sua visão os papas não deveriam gastar o dinheiro da Igreja em
arte e livros (DUFFY, 1998, p. 142), mas poucos Vigários se comportaram de tal modo, entre
a segunda metade do século XV e primeira metade do século XVI. Muitos papas foram
durante o movimento Renascentista, grandes mecenas, entusiasmados com o objetivo de
revitalizar o centro do mundo cristão, imortalizar o seu nome e o nome de sua família,
fomentando, a partir da renda papal anual, novas ruas, pontes, prédios, hospitais e igrejas,
além de projetos artísticos. Segundo Duffy, “a patronagem papal chegou ao auge com
Francesco della Rovere, o teólogo franciscano que se tornou Sisto IV (1471 – 1484)”
(DUFFY, 1998, p. 142). Seu sobrinho e cardeal, Giuliano Della Rovere, eleito papa anos
depois com o nome de Júlio II (1503 – 1513), além de ser conhecido como il terribile também
foi um sofisticado patrono das artes.
Durante a Idade Média, alguns pontífices buscaram reforçar a importância da espada
espiritual e da espada temporal empunhada pela Igreja, além disso:

Seria absurdo – mas bem em conformidade com nossos hábitos de pensamento –


separar a parte material e a parte espiritual do poder da Igreja. Na lógica do sistema
medieval, tal divisão não tem sentido, pois a Igreja se define nela pelo fato de ser, ao
mesmo tempo, uma instituição encarnada, fundada sobre bases materiais bastante
sólidas, e uma entidade espiritual, sagrada (mesmo se a maneira de articular estas
duas dimensões esteja longe de não apresentar dificuldades, [...]). Ela não teria
nenhum poder material se não lhe fosse reconhecido um imenso poder espiritual.
(BASCHET, 2006, p. 175)

Tal discurso se estende pelo movimento renascentista, pois, os papas se valem de


práticas, como o mecenato, para concretizar discursos de Fé, que reforçam a natureza sagrada
de sua posição. Por isso, Sisto IV encomenda dois ciclos de afrescos que dão ênfase a
autoridade papal a partir de cenas da vida de Moisés e de Jesus. Além disso, devemos destacar
outras aspirações de Sisto IV, já que:

Desde o princípio, Sisto renegou a origem franciscana pelo luxo de seu mecenato.
Somente a tiara que cingiu ao ser coroado custou 100 mil ducados, mais de um terço
26

da renda papal anual. Lançou uma sofisticada campanha de reconstrução que veio
realizar muitas aspirações de Nicolau V. [...] Sua encomenda mais famosa, no
entanto, foi a capela Sistina, no Vaticano. O prédio devia ser o local onde se
realizariam as eleições papais e, mais especificamente, as reuniões e o culto comum
dos duzentos clérigos que, com o pontífice, constituíam a cappela papale ou capela
papal. Amante da música, criou também o coro sistino, que devia oferecer a mais
esplêndida música à liturgia papal. A capela foi decorada com 28 nichos pintados
entre as janelas, com os retratos dos papas dos três primeiros séculos, e dois afrescos
combinados, que apresentavam os ciclos da vida de Moisés e de Jesus, tudo obra dos
melhores pintores da época. (DUFFY, 1998, p. 142 e 143, grifo do autor)

A partir desse excerto se percebe que Sisto foi um dos papas comprometidos com a
reconstrução da cidade e ainda mais preocupado com sua memória e a manutenção de seu
poder como pontífice. Logo, “muito mais que mera decoração piedosa, os afrescos eram
afirmações ideológicas cuidadosamente elaboradas e carregadas de simbolismo papal”
(DUFFY, 1998, p. 143). Por isso, “a mais feliz iniciativa do papa Della Rovere foi chamar em
1481, para a decoração da nova capela do Vaticano que iria tomar o seu nome, uma equipe
completa que incluía, de Signorelli a Botticelli, todos os pintores importantes de Florença;”
(CHASTEL, 1991, p. 281 e 282). De modo que, a decoração interna se divide em três
momentos distintos, como foi apresentado na introdução dessa monografia.
Logo, os arranjos iconográficos com cenas da vida de Moisés e de Jesus buscavam dar
ênfase a autoridade e a estirpe papal que começou com o apóstolo Pedro. De modo que,
artistas, juntamente com seus aprendizes, reproduziram passagens do Antigo e do Novo
Testamento, entre elas, o excerto bíblico em que o apóstolo Pedro recebe de Jesus as chaves
do Reino dos Céus. Assim:

A cena complementar, do outro lado da capela, Cristo entrega as chaves a Pedro, de


Perugino, ostenta uma inscrição semelhante: “Desafio a Cristo portador da lei”. No
fundo retrata-se a história evangélica do dinheiro do tributo, na qual se questionava a
relação de Cristo com o poder temporal do império romano, e a história do
apedrejamento de Cristo após o sermão na sinagoga, em Cafarnaum, quando foi
rejeitada a sua autoridade de mestre religioso. No primeiro plano, Jesus entrega a
Pedro a chave dourada da autoridade espiritual, à qual está presa outra, de metal
inferior, correspondente ao poder temporal, uma deliberada evocação da versão
papista da teoria “dos dois poderes” herdada de Gregório VII e Inocêncio II,
segundo a qual o papa detinha tanto o poder espiritual quanto o temporal,
exercendo diretamente o primeiro e indiretamente o segundo, através dos
governantes cristãos obedientes, Tal qual Cristo, o pontífice era superior em ambas
as esferas. (DUFFY, 1998, p. 143 e 144, grifo do autor)

Dito isso, Perugino representa figurativamente essa tensão entre o poder temporal e
espiritual. No primeiro plano do afresco intitulado “Jesus entregando as chaves a Pedro”
(Figura 01), Jesus entrega ao primeiro papa, o apóstolo Pedro, as chaves do Reino dos Céus. E
depois desse ato a autoridade Dele arrolou para o seu discípulo e assim, sucessivamente para
27

os próximos pontífices. Essa representação de autoridade papal tem raízes na Idade Média,
pois:

Há muito tempo, o papa beneficia-se de uma proeminência de honra como sucessor


de são Pedro, tido como o primeiro bispo de Roma. Com efeito, o papa é, como
indica seu título, o “vicário de Pedro”, seu representante na terra, de onde a
importância dos discursos e das imagens que sublinham a proeminência de Pedro,
príncipe dos apóstolos, fundador da Igreja, investido do poder das chaves e figurado,
a este título, como porteiro do paraíso a partir do século XI. Mas isso ainda é muito
pouco e, ao longo do século XII, e sobretudo com Inocêncio III, o papa se reserva o
título de “vicário de Cristo”. Proclamando-se a imagem terrestre do Salvador, ele
manifesta o caráter monárquico de seu poder, à imagem da realeza de Cristo; ele se
afirma como o chefe da Igreja, desse corpo do qual Cristo é, justamente, a cabeça. A
identificação de Cristo e de seu representante terrestre é cada vez mais forte e
Álvaro Pelayo pode afirmar, em 1332, que “o fiel que olha o pontífice com os olhos
da fé vê o Cristo em pessoa”. (BASCHET, 2006, p. 195)

Todavia, o artista pintou no segundo plano dois momentos em que o poder temporal e
espiritual de Jesus foram questionados pelos seus contemporâneos. Assim, aferimos que tanto
o Filho de Deus quanto seus sucessores entre os homens tiveram a autoridade temporal e
espiritual questionada por seus contemporâneos. Ademais, a política papal a partir do século
XIII passa a ser questionada por várias cidades da península, e muitos se articulam em
facções12 para eliminar a interferência do pontífice. De maneira que há um esforço de
fortalecer a autoridade do Imperador, ao mesmo tempo em que os pontífices constroem um
discurso de soberania da Igreja, ampliando a sua atuação em assuntos laicos. Essa atitude
pode ser exemplificada a partir do decreto Ad Apostolice Sedes, do papa Inocêncio IV (1243 –
1254), onde há a “primeira exposição sistemática que um canonista fez da tese segundo a qual
em sua essência a sociedade cristã é um só corpo unificado, tendo no papa sua cabeça
suprema” (WATT, 1995, p. 72 apud SKINNER, 1996, p. 37).
O afresco analisado nesse capítulo foi feito por Perugino, entre os anos de 1481 e
1482. O arranjo se destaca pelo rigor técnico, o equilíbrio espacial e a paleta de cores
vibrantes. Para mais, o projeto artístico pintado pelo artista úmbrio representa

12
Muitas famílias florentinas eram dividas em dois partidos políticos, os guelfos e os guibelinos, principalmente
a partir de 1240. Os guelfos eram representados pela baixa nobreza e o clero, em oposição aos guibelinos, com
representantes da aristocracia e do poder imperial. A origem desses dois partidos está na Alemanha, como
pontua o historiador brasileiro José de Assunção Barros, “os guelfos constituíam originariamente uma família
descendente do conde bávaro Welf I, (...), que manteve uma irredutível rivalidade com os Hohenstaufen pela
hegemonia na Alemanha de princípios do século XII [...]” (BARROS, 2012, p. 120). Posteriormente, acontece
uma divisão entre as famílias italianas, onde os guelfos se dividem entre os guelfos brancos e guelfos pretos. A
facção dos “Brancos” “bateu-se em Florença para eliminar a interferência do papa nos assuntos da cidade, e após
o golpe de 1301 ela firmou uma aliança com Pistoia, na esperança de derrubar a signoria – favorável ao papa –
dos “Negros” ” (HERLIHY, 1967, p. 226 apud SKINNER, 1996, p. 37).
28

figurativamente, no primeiro plano, a passagem bíblica encontrada no Evangelho de Mateus,


capítulo 16, versículos 18 e 19.

Por isso eu lhe digo: você é Pedro, e sobre essa pedra construirei a minha Igreja, e o
poder da morte nunca poderá vencê-la. Eu lhe darei as chaves do Reino do Céu, e o
que você ligar na terra será ligado no céu, e o que você desligar na terra será
desligado no céu. (Mateus 16:18,19).

Assim, o discurso produzido reforça a posição hierárquica de Sisto IV, contribuindo


para a manutenção desse poder a frente das facções, dos imperadores e do colégio de cardeais,
por exemplo. A cena bíblica representada legitima a preeminência de Sisto IV como sacerdote
(poder espiritual) e imperador (poder temporal). As figuras centrais localizadas no primeiro
plano encenam o excerto bíblico citado anteriormente (Figura 02). Desse modo, Jesus entrega
para o apóstolo as chaves do Reino dos Céus, e Pedro em um gesto de humildade e resignação
estende a mão direita13 para recebê-las. Nesse ato percebemos que uma das chaves é dourada
e a outra de metal inferior, a peça dourada passa da mão de Jesus para a mão de Pedro. O
mesmo não acontece com a de metal inferior, pois ela não é tocada pelas personagens, a sua
passagem acontece porque está presa a chave dourada por delicados fios.
Isso evoca a transferência do poder espiritual, a partir da chave dourada, e a transição
do poder temporal, representado na chave de metal inferior, para os governantes cristãos. De
maneira que, durante a Idade Média, os reis cristãos deveriam se preocupar com a paz dos
seus reinos e salvação das almas dos homens e mulheres cristãs, por meio da prática do
regimen animarum14. No medievo, “acreditava-se que deles dependia o destino de todo o
povo” (LURKER, 2003, p. 591), assim, os reis deveriam se preocupar com as almas dos que

13
O uso da mão direita e da mão esquerda foi por muito tempo carregado de significados culturais, por exemplo,
os canhotos foram perseguidos ou obrigados a aprender e fazer as atividades com a mão direita durante muitos
séculos. Pois, “para a direita é a ideia do poder sagrado, regular e benéfico, o princípio de toda atividade afetiva,
a fonte de tudo que é bom, favorável e legítimo; para a esquerda, esta a concepção ambígua do profano e do
impuro; o fraco e incapaz que é também maléfico e temido” (HERTZ, 1980, p. 111). O direito e o esquerdo
também estão presentes nas representações religiosas, “a direita representa o que é alto, o mundo de cima, o céu;
enquanto que a esquerda está associada ao mundo subterrâneo e a terra” (HERTZ, 1980, p. 112).
14
“Regime das almas” ou “governo das almas” foi uma prática da Idade Média conforme a qual os reis
deveriam conduzir e proteger os homens e mulheres para salvação eterna. Nesse sentido, Carlos Magno é o
primeiro servo da Igreja, “responsável pela Salvação das Almas, ele só o é diante de Deus; é também diante de
Deus que diz estar encarregado de fazer reinar em todo o povo cristão, [...] ‘a paz, a concórdia e a
unanimidade’.” (FAVIER, 2004, p. 471). Assim, “a missão do rei franco diz respeito à Igreja em seu conjunto, e
o papel do papa é ajudar o rei no interesse do povo cristão em sua totalidade.” (FAVIER, 2004, p. 477). O
professor e filósofo Michel Senellart pontua que “por muito tempo, o governo dos reis não foi senão um auxiliar
bastante grosseiro, encarregado da manutenção da ordem e da disciplina dos corpos” (SENELLART, 2006, p.
24). Mas esse governo das almas é plural, a ele cabe a “ação de dirigir e de proteger a cidade, mas também de
conduzir os homens controlando-os, corrigindo-os, orientando-os; virtudes de vigilância, ponderação, controle de
si; deveres e privilégios ligados à magistratura” (SENELLART, 2006, p. 26). Assim, o regimen animarum é
além de uma direção espiritual, uma direção política exercida pelos reis para com os seus homens e mulheres.
29

estavam sobre a sua proteção. Além disso, “a imagem do monarca cristão na Idade Média era
ligada ao retrato ou à alegoria da ordem universal (cósmica), a Civitas Dei;” (LURKER, 2003,
p. 592). Mas, segundo o professor e filósofo Michel Senellart no livro “As Artes de Governar:
do regimen medieval ao conceito de governo”, as estruturas políticas modernas tem suas
bases nas práticas políticas medievais a partir do regimen, poder exercido pelos reis (gládio
temporal). A sociedade cristã medieval se organizava a partir da manipulação do gládio
espiritual pelo papa e o gládio temporal pelos reis, no entanto, os deveres dos laicos deram a
eles autonomia e poder, de maneira que após o século XIII os papas se esforçam para
“governar in temporalibus (nos assuntos temporais)” (SKINNER, 1996, p. 36).
Assim, acreditamos que o regimen como uma prática para a salvação das almas se
transformou ao longo do medievo, causando tensões entre os imperadores e o papa a partir do
século XIII. Além da tensão entre o Vigário de Cristo e os governantes laicos, durante o
movimento Renascentista, haviam atritos entre as cidades independentes da península e o
papa. Por isso, ocorreu a formação de facções em Florença com o objetivo de eliminar a
interferência do papa nos assuntos locais (SKINNER, 1996, p. 37). E dessa forma Sisto IV
encomendou um projeto iconográfico que enfatiza a autoridade papal, com origem no excerto
bíblico citado anteriormente.
Para mais, no primeiro plano do afresco, juntamente com Jesus e Pedro, estão
posicionados os demais apóstolos porque, após a entrega das chaves, “Jesus, então, ordenou
aos discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Messias” (Mateus 16:20). Assim,
eles, conjuntamente com outros espectadores laicos, foram testemunhas da atribuição de
poder delegada a um dos discípulos. Somado a isso, reconhecemos entre eles o apóstolo mais
amado15 (Figura 03), uma vez que Perugino o pintou com delicadas sandálias, semelhantes as
calçadas por Jesus, enquanto os demais seguidores Dele que aparecem no afresco foram
representados com os pés descalços. Neste grupo também podemos identificar o apóstolo
Judas16, pois seus gestos fazem alusão ao bornal com as 30 moedas de prata, preso a sua

15
Essa personagem era muito próxima de Jesus e sempre lembrado como o discípulo mais amado, assim,
citamos algumas passagens bíblicas que falam sobre ele: “Então Jesus disse: “Rapazes, vocês têm alguma coisa
para comer?”. Eles responderam: “Não”. Então Jesus falou: “Joguem a rede do lado direito da barca, e vocês
acharão peixe.” Eles jogaram a rede e não conseguiram puxá-la para fora, de tanto peixe que pegaram. Então o
discípulo que Jesus amava disse a Pedro: “É o Senhor”. Simão Pedro, ouvindo dizer que era o senhor, vestiu a
roupa, pois estava nu, e pulou dentro d’água. (João 21:05-07, grifo nosso) e “Depois de dizer essas coisas, Jesus
ficou profundamente comovido e disse com toda a clareza: “Eu garanto que um de vocês vai me trair”.
Desconcertados, os discípulos olhavam uns para os outros, pois não sabiam de quem Jesus estava falando. Um
deles, aquele que Jesus amava, estava à mesa ao lado de Jesus. Simão Pedro fez um sinal para que ele procurasse
saber de quem Jesus estava falando. (João 13:21-24, grifo nosso).
16
Sobre a traição de Judas há as seguintes passagens bíblicas: “Nesse momento, depois do pão, Satanás entrou
em Judas. Então Jesus disse: “O que você pretende fazer, faça logo.” Ninguém aí presente compreendeu por que
30

cintura, além disso, a sua feição de preocupação se justifica pelo o gesto de levar a mão até a
bolsa, como quem busca conferir seu conteúdo (Figura 03). Os demais não são reconhecidos,
pois não portam atributos que possibilitem a sua identificação.
Ainda no primeiro plano, identificamos próximos aos apóstolos o retrato de Perugino
(Figura 04), autor do afresco. Aferimos isso porque entre 1496 e 1500 ele produziu um
autorretrato (Figura 05) localizado no “Collegio del Cambio”, em Perugia. Batizado Piero di
Cristoforo Vannucci, reconhecido posteriormente como Pietro Perugino, foi um dos mais
famosos pintores da escola da Úmbria e o mais bem sucedido artista renascentista do final do
século XV. Foi mestre de muitos aprendizes, entre eles, Rafael Sanzio (1483 – 1520).
Segundo o historiador da arte Ernst Gombrich “Perugino pertencia à uma geração dos artistas
muito bem-sucedidos que necessitavam de uma numerosa equipe de hábeis aprendizes para
ajudá-los a executar as inúmeras encomendas que recebiam” (GOMBRICH, 2012, p. 315).
O artista se destacou pelo equilíbrio e simplicidade dos arranjos iconográficos, e
“algumas de suas obras de maior êxito demonstram que Perugino sabia como obter uma
sensação de profundidade sem perturbar o equilíbrio do desenho, e que ele tinha aprendido a
manipular o sfumato de Leonardo para evitar uma aparência dura e rígida em suas figuras”
(GOMBRICH, 2012, p. 315). Vemos isso no afresco aqui analisado, porque tal composição
trouxe reconhecimento ao artista úmbrio, em um momento que a questão da fama, da honra e
da glória ainda estava difusa entre os seus contemporâneos, aparecendo com maior
intensidade no início do século XVI. Porém, já percebemos essas práticas em alguns
humanistas, durante a segunda metade do século XV, quando estes escreveram livros de
conselhos para os príncipes17.
Por exemplo, “Francesco Patrizi (1412-94) dedicou sua pormenorizada análise Do
reino e da educação do rei, redigida na década de 1470, ao papa Sisto IV” (COSENZA, 1962,
p. 1345 apud SKINNER, 1996, p. 138). A intenção desses autores era elogiar, aconselhar,
instruir sobre as qualidades que um governante deveria cultivar, além de promover a

Jesus disse isso. Como Judas era o responsável pela bolsa comum, alguns discípulos pensaram que Jesus o tinha
mandado comprar o necessário para a festa ou dar alguma coisa aos pobres. (João 13:27-29) e “Jesus já tinha se
reunido aí muitas vezes com seus discípulos. Por isso, Judas, que estava traindo Jesus, também conhecia o lugar.
Judas arrumou uma tropa e alguns guardas dos chefes dos sacerdotes e fariseus e chegou ao jardim com lanternas
e armas. Então Jesus, sabendo tudo o que lhe ia acontecer, saiu e perguntou a eles: “Quem é que vocês estão
procurando?” Eles responderam: “Jesus de Nazaré.” Jesus disse: “Sou eu.” Judas, que estava traindo Jesus,
também estava com eles. (João 18:02-05).
17
O “espelho” aos príncipes foi uma literatura produzida por humanistas que oferecia uma imagem ideal e que
servisse como um reflexo ao príncipe. Tal prática esteve em auge na segunda metade do século XV (SKINNER,
1996, p. 138), e, “o mais célebre, porém, de todos esses livros de aconselhamento foi, sem sombra de dúvida, “O
príncipe” de Maquiavel, que ele completou em fins de 1513 e dedicou uns dois anos depois ‘ao magnífico
Lourenço de Medici’” (SKINNER, 1996, p. 138).
31

reputação do príncipe, logo, muitos humanistas como Patrizi concebiam “seus tratados tendo
já em mente tal ou qual príncipe em particular” (SKINNER, 1996, 138). E uma produção
mais expressiva desse gênero literário, com conselhos para príncipes, se destacou na primeira
metade do século XVI. Somado a isso, nas entrelinhas desses textos era enfatizado que o
príncipe deveria “almejar o mais elevado grau de honra, glória e fama” (KONTOS, 1972, p.
83-8 apud SKINNER, 1996, p. 139). E “Patrizi proclama, no cabeçalho de um de seus
capítulos, que ‘o rei deve fundar sua glória em seus feitos’, e jamais põe em dúvida que a
glória deva ser tida como ‘a máxima recompensa que se possa dar ao exercício da virtus”
(SKINNER, 1996, p. 139). Assim, sendo Patrizi um humanista que escreveu para Sisto IV,
percebemos as relações entre a reconstrução de Roma e a prática do mecenato como meios
para imortalizar o seu nome, a fim de garantir glória e fama perpétua.
Porém, os príncipes eram também alertados sobre os caprichos da Fortuna, que podia
agir provocando danos inesperados e até mesmo irreparáveis (SKINNER, 1996, p. 140). Por
isso, “na expressão de Patrizi, que ‘apenas por meio da virtus’ um príncipe pode ter a
esperança de vencer a malícia da Fortuna e de realizar os objetivos da ‘fama, glória e fama’”
(SKINNER, 1996, p. 141). Assim, Sisto IV deveria ter virtù para não ser derrotado pela
Fortuna ou se for acometido pelos caprichos dela, porque “‘por ser a Fortuna mulher’ – a meta
do homem de virtù deve consistir em ‘espancá-la e forçá-la’ até submetê-la a sua vontade”
(SKINNER, 1996, p. 142). Dessa maneira, o Vigário de Cristo deve estar preparado para
domar a Fortuna, a fim de garantir fama, glória e honra para si e para a sua família. Isso
também se aplicava a Perugino, que como seus contemporâneos, almejava imortalizar seu
nome, a partir da manipulação de uma técnica artística, como citado anteriormente.
Apontamos isso pois durante o medievo pouca consideração se tinha pela condição do
artista, de modo que as assinaturas somem durante alguns séculos. Isso porque, “a Idade
Média herda o desprezo ao qual a Antiguidade relegara a condição de qualquer homem que
trabalhasse com suas mãos, ainda que fosse um artista” (BAZIN, 1989, p. 05). Somente ao
longo do século XIII os pintores voltam a se destacar pela sua habilidade e técnica. É nesse
período que, segundo o pesquisador e professor Enrico Castelnuovo, “em Pisa e em Modena,
existem inscrições extremamente elogiosas colocadas nas paredes das novas catedrais e
celebrando os artistas que nelas trabalham” (CASTELNUOVO, 1989, p. 155).
Os artistas localizados temporalmente nas últimas décadas do século XV
acompanham, ao mesmo tempo em que são agentes das mudanças no seu status frente à
sociedade. O artifex, figura do medievo que executava o projeto artístico, pois dominava a
32

técnica e seguia as recomendações de quem o procurava, se altera para o artista renascentista,


que passa a ser reconhecido pela sua personalidade, e era sinônimo de uma técnica única.
Além disso, “artistas e humanistas passam a reivindicar a liberalità em favor dos artistas,
invocando o fato de que para estes a operação mental (il desegno) precede a operação manual
que lhe está sujeita” (BAZIN, 1989, p. 06, grifo do autor).
Isso se desenvolve de forma que, no início do século XVI, Michelangelo se destacou
por ser “o primeiro artista”. Pois, quando foi convidado por Júlio II, sobrinho de Sisto IV,
para pintar o teto da Capela Sistina, trabalhou sem aprendizes durante quatro anos. Segundo
Gombrich, Michelangelo “fechou-se na capela, não deixou ninguém se acercar dele e
começou a trabalhar sozinho num plano que, na verdade, continuou ‘assombrando o mundo’
desde o instante em que foi revelado” (GOMBRICH, 2012, p. 307). Ele também impôs sua
vontade e criatividade, declinando de uma sugestão temática do papa citada na introdução.
Assim, a partir dele e de Leonardo da Vinci (1452 – 1519) se construiu a imagem do artista,
do gênio, do indivíduo inquieto, que oscila entre momentos de euforia e melancolia. Ao falar
de Michelangelo o historiador da arte Horst W. Janson destaca que:

O elemento que confere continuidade à sua carreira longa e agitada é a força da sua
personalidade, a fé na verdade subjetiva de tudo o que criava. Convenções, normas e
tradições podiam ser respeitadas por espíritos menores; ele não podia reconhecer
autoridade mais alta do que a ditada por seu próprio gênio. (JANSON, 2001, p. 647)

A equipe de artistas convidados por Sisto IV era formada por artistas florentinos e da
Escola Úmbria, que após a decoração da Capela Sistina ganharam projeção e fama. A
professora de história da arte Michelle O’Malley corrobora com isso quando escreveu que
Perugino e Botticelli foram convidados para executar um dos trabalhos mais importantes do
século XV no Ocidente, a decoração da Capela Sistina. Isso solidificou a sua reputação e
garantiu aos dois pintores sucesso (O’MALLEY, 2010, p. 11). Assim, ao mesmo tempo em
que os papas renascentistas se empenhavam em restaurar Roma e fomentar projetos artísticos
a fim imortalizar o seu nome, os artistas se apropriaram da prática do mecenato para
conquistar fama e perpetuar os seus nomes.
Ainda no primeiro plano do afresco, entre os discípulos e Ele, identificamos homens
seculares, alguns portam suas espadas e outros seguram atributos que identificam a sua
profissão. Destacamos que dois homens estão armados, um empunha uma espada e outro leva
a mão há um cabo que parece ser de uma arma branca (Figura 06). Isso impressiona, pois,
mesmo em um momento santo e benevolente, homens estão armados. Demonstrando o poder
33

dessas pessoas ali representadas ou então evidenciando uma característica da sociedade


renascentista, indo ao encontro do que escreve o historiador canadense Gregory Hanlon. Visto
que, a violência se intensifica durante a Renascença, por dois motivos: interesses ou honra. A
sua recorrência era entre homens jovens independente da camada social, e quanto mais
frequente mais ela era tolerada e mais trivial eram os pretextos (HANLON, 2007, p. 140).
Ainda segundo esse historiador, durante o século XVI aconteceu um aumento e uma
intensificação da violência, pois homens ricos e pessoas a serviço da Igreja muitas vezes
interferiam a favor dos seus, gerando crimes, que em muitos casos ficavam impunes. Hanlon
afirma que:

A frequência de homicídio, especialmente aqueles cometidos por cidadãos notáveis


com interesses materiais sórdidos em jogo, era chocante. Facções urbanas,
articuladas em torno de clientelas nobres, empregavam vagabundos, soldados e
empregados como bravi, ou matadores de aluguel18. (HANLON, 2007, p. 142,
tradução nossa)

Isso nos dá um indicativo de porque há pessoas armadas próximas de figuras santas.


Somado a isso, o professor e historiador John Law escreveu que, “a violência podia na
realidade caracterizar a conquista, a manutenção ou a perda do poder por parte do príncipe do
Renascimento, que por vezes recorria à violência para se desembaraçar dos seus rivais”
(LAW, 1988, p. 29). Por isso, quando Hanlon faz referência a atuação de pessoas em atos
violentos a serviço da Igreja, podemos citar o envolvimento de Sisto IV e membros de sua
família na conspiração de Pazzi, uma vez que:

Inicialmente aliado fervoroso de Milão (o duque de Milão ajudara a garantir sua


eleição) e muito influenciado por seus sanguinários nepotes Pietro e Girolamo
Riario, o papa Sisto deixou-se envolver rapidamente numa série de sórdidas guerras
– contra Florença, Ferrara, Veneza. Nelas, trocou de alianças com o imperturbável
cinismo de um príncipe secular do tempo de Maquiavel. Em 1478, foi conivente
com a conspiração de Pazzi para assassinar Lorenzo e Giuliano de Medici na missa
cantada da catedral de Florença. (DUFFY, 1998, p. 146)

De maneira que, o pontífice Sisto IV, também se envolveu nos assuntos temporais,
perpetrando ações violentas juntamente com membros de sua família, para manter a honra dos
Della Rovere. Ademais, sobre essa conspiração o historiador e professor estadunidense John
W. O’Malley escreveu que:

18
The frequency of homicide, especially those committed by town notables with sordid material interests at
stake, was appalling. Urban factions, articulated around noble clienteles, employed vagrants, soldiers, and hired
hands as bravi, or contract killers.
34

Quando Pietro, cujo estilo de vida luxuoso, morreu em 1474, seu irmão, o conde
Girolamo, ocupou seu lugar ao lado de seu tio para envolvê-lo em uma das intrigas
políticas mais sombrias do dia. Ele foi o principal responsável por arrastar Sisto para a
conspiração Pazzi em Florença, na qual os assassinatos de Lorenzo de'Medici, o
governante da cidade, e de Giuliano, seu irmão, foram planejados para uma missa na
catedral de Florença no domingo de Páscoa, 26 de abril de 1478. Lorenzo escapou dos
assassinos; Giuliano não teve tanta sorte. Não está claro se Sisto sabia que o
assassinato era a peça essencial na conspiração, mas Girolamo certamente sim. No
rescaldo, o papa teve que entrar em guerra com Florença, o que levou a novos
envolvimentos militares na península e a outras maquinações políticas. Dez anos após
a conspiração, em 1488, o próprio Conde Girolamo foi brutalmente assassinado. 19
(O’MALLEY, 2011, p. 174 e 175, tradução nossa)

Assim, para manter a honra dos familiares o papa foi envolvido na trama. Pois,
segundo o professor e historiador James Farr, alguns humanistas florentinos achavam que a
honra era a coisa mais importante da vida e isso teve reflexo em todas as camadas da
sociedade renascentista (FARR, 2007: 125 e 126), tanto laica quanto clerical. Além disso,
para muitos a honra era uma posse e perdê-la era pior que morrer. Farr também escreveu que
ter ou não honra se tornou “a medida social da sociedade na hierarquia cada vez mais visível,
e impôs padrões de conduta aceita e mediu as ações e o valor de um indivíduo em relação a
uma norma reconhecida por seus pares, superiores e inferiores”20 (FARR, 2007, p. 127,
tradução nossa).
Por isso, a conspiração de Pazzi foi um ato legítimo, pois deveria restituir a honra da
família Della Rovere. Além disso, após cingir a coroa papal, Sisto IV se cercou de familiares
e nepotes a fim de manter e ampliar seu poder como Vigário de Cristo. Ele, assim como
outros pontífices renascentistas, formou laços de poder, mesma prática do príncipe e a sua
corte. Até mesmo, porque “o poder do príncipe do Renascimento não dependia da sua
legitimidade como governante e a obtenção de uma sucessão hereditária e o prémio de um
título não lhe garantiam a segurança política contra inimigos internos ou externos” (LAW,
1988, p. 28). Somada a esse debate historiográfico, podemos aferir que esses dois homens

19
When Pietro, whose luxurious lifestyle, died in 1474, his brother, Count Girolamo, took his place at his uncle's
side to involve him in some of the darkest political intrigues of the day. He was principally responsible for
dragging Sixtus into the Pazzi Conspiracy in Florence, in which the murders of Lorenzo de'Medici, the ruler of
the city, and of Giuliano, his brother, were planned for high mass in the cathedral of Florence on Easter Sunday,
April 26, 1478. Lorenzo escaped from the assassins; Giuliano was not so lucky. It is not clear whether Sixtus
was aware that assassination was the essential piece in the conspiracy, but Girolamo certainly did. In the
aftermath the pope had to go to war whit Florence, whith led to further military involvements in the peninsula
and other political machinations. Ten years after the conspiracy, 1488, Count Girolamo was himself brutally
assassinated.
20
measure of social standing in the increasingly visible hierarchy, and it enforced standards of accepted conduct
and measured an individual’s actions and worth against a norm recognized by peers, superiors, and inferiors.
35

armados sejam “soldados de profissão, condottieri” (LAW, 1988, p. 21), pois além do
comportamento guerreiro de muitos príncipes, havia também a figura desses combatentes.
Ainda no primeiro plano do afresco pintado por Perugino, temos dois homens bem
vestidos que estão na borda do afresco (Figura 07), a direita do observador. Essas figuras
chamam a atenção, pois trazem consigo objetos que podem identificar o seu ofício. Um deles
segura na mão esquerda uma ferramenta semelhante a um esquadro enquanto aponta com o
dedo da mão direita para um tipo de pinça ou torquês que é ostentado pelo outro homem.
Ambos parecem alheios ao que se passa entre Jesus e os seus discípulos. A partir dos atributos
ostentados podemos fazer uma comparação com um dos painéis que compõem o “Retábulo
Mérode” (Figura 08), datado de cerca de 1425, do Mestre de Flémalle (possivelmente seu
nome tenha sido Robert Campin [c. 1375 – 1444]), um pintor da arte gótica flamenga.
Ele representa um cenário sólido e quase escultural, e ao retratar José, pai de Jesus,
Mestre de Flémalle representa um carpinteiro de seu tempo. Este se ocupa na fabricação de
peças em madeira enquanto aparece cercado por ferramentas, uma delas chama a atenção por
sua semelhança com o tipo de pinça ou torquês que o homem do afresco de Perugino segura.
Isso nos dá uma pista de sua ocupação na vida mundana, logo uma das figuras representadas
por Perugino era um carpinteiro. O esquadro ostentado pelo outro homem (Figura 07) pode
ser uma representação do arquiteto e escultor Baccio Pontelli (1450 – 1492), pois, este
participou ativamente das reformas urbanistas empreendidas por Sisto IV, além de participar
da construção da Capela Sistina. No entanto, a pesquisadora Carla Mancosu escreveu que nos
documentos oficiais Giovannino de Dolci (1435 – 1485) era apontado como o supervisor da
construção (MANCOSU, 2011, p. 08). Dessa maneira, não podemos afirmar que a figura
pintada com o esquadro era De Dolci ou Pontelli, pois não sabemos qual era a sua fisionomia,
uma vez que, não encontramos retratos ou autorretratos destas personagens. Porém, o
professor e historiador Charles L. Stinger escreveu que:

entre eles estão retratados de Baccio Pontelli (compasso na mão), que foi o arquiteto
da Capela Sistina, Giovannino de'Dolci (segurando uma régua de carpinteiro), que
supervisionou a construção real da capela, e o próprio Perugino (vestido com uma
túnica preta)21. (STINGER, 1998, p. 207, tradução nossa)

Assim, a partir do diálogo com a historiografia aferimos que Sisto IV incluiu no


contrato feito com Perugino que o arquiteto e o construtor também fossem representados

21
among these are portraits of Baccio Pontelli (compass in hand), who was the architect of the Sistine Chapel,
Giovannino de'Dolci (holding a carpenter's square), who supervised the actual constrution of the chapel, and
Perugino himself (dressed in a black robe).
36

próximo das santidades. Além disso, a pedido do papa ambos edificaram uma capela com as
mesmas dimensões que o Templo de Salomão (GIUDICI, 1998, p. 06), pois, ela fazia parte da
campanha de reconstrução e renovação de Roma. Ademais, o espaço também deveria
representar a imagem magnificente de Sisto IV, de maneira que as suas dimensões e a sua
decoração interna deveriam impressionar, mas também simbolizar o poder do papa e de sua
família. Até aqui, explicitamos os atributos e representações que compõe o primeiro plano da
fonte pictórica, entretanto, devemos cotejar o que há nos outros dois níveis da composição.

1.2 OS DESAFIOS DE CRISTO PORTADOR DA LEI E SISTO IV

O afresco de Perugino está na parede norte da capela, a sua frente, na parede oposta,
está o afresco pintado por Sandro Botticelli, intitulado “A punição de Coré, Datã e Abirão”
(Figura 09). O seu arranjo iconográfico faz referência aos desafios contemporâneos
enfrentados pela autoridade papal. Logo:

Na Punição de Coré, de Botticelli, por exemplo, o tema é o terrível castigo que


recaiu sobre os que se rebelaram contra Moisés, sacerdote de Deus, rei e profeta.
Ali, Moisés é um “tipo” ou um símbolo profético do papa, e a inscrição diz:
“Desafio a Moisés portador da lei escrita”. Os contemporâneos hão de ter
compreendido de pronto a alusão ao movimento conciliar e aos príncipes italianos
então em guerra contra o papado. (DUFFY, 1998, p. 143)

Significado complementar ao tema encontramos no segundo plano (Figura 10) do


afresco de Perugino, onde ele representa duas passagens do Novo Testamento, que narram
momentos da vida de Jesus em que a Sua autoridade foi questionada por seus
contemporâneos. Assim, a cena que se desenrola, no segundo plano, a esquerda do
observador, reflete o momento que Ele estava na Galileia e foi até o Templo para ensinar
(Figura 11), conforme excerto do Evangelho de João:

Jesus estava ensinando no Templo. Então ele gritou: “Será que de fato vocês me
conhecem e sabem de onde eu sou? Eu não vim por mim mesmo. Quem me enviou é
verdadeiro, e vocês não o conhecem. Mas eu o conheço, porque venho de junto dele,
e foi ele quem me enviou.” Então tentaram prender Jesus. Mas ninguém pôs a mão
em cima dele, porque a hora dele ainda não tinha chegado. Muitas pessoas do povo
acreditaram nele e diziam: “Quando o Messias vier, será que vai fazer mais sinais do
que este fez?” Os fariseus escutaram o que a multidão estava cochichando sobre
Jesus. Então, os chefes dos sacerdotes e fariseus mandaram guardas para prenderem
Jesus. E Jesus disse: “Ainda vou ficar mais um pouco de tempo com vocês.” (João
07:28-33)
37

Nesse trecho percebemos que algumas pessoas questionavam a origem Dele. Porém, a
sua autoridade vinha de Deus, e Jesus somente fazia sua vontade. Ademais, a cena
representada por Perugino nesse nível do afresco pode se referir ao momento que Ele pagou
tributos aos coletores de impostos em Cafarnaum. Conforme o excerto bíblico do Evangelho
de Mateus:

Quando chegaram a Cafarnaum, os fiscais do imposto do Templo foram a Pedro, e


perguntaram: “O mestre de vocês não paga o imposto do Templo?” Pedro
respondeu: “Paga sim.” Ao entrar em casa, Jesus adiantou-se, e perguntou: “O que é
que você acha, Simão? De quem os reis da terra recebem taxas ou impostos: dos
filhos ou dos estrangeiros?” Pedro respondeu: “Dos estrangeiros!” Então Jesus disse:
“Isso quer dizer que os filhos não precisam pagar. Mas, para não provocar
escândalo, vá ao mar, e jogue o anzol. Na boca do primeiro peixe que você pegar,
vai encontrar o dinheiro para pagar o imposto. Pegue-o, e pague por mim e por
você.” (Mateus 17:24-27)

O pagamento desse tributo foi criado por Moisés, e é narrado no trecho bíblico do
Velho Testamento em Êxodo (30:11-16). Como qualquer outro homem, Jesus deve pagar o
imposto aos ficais do Templo, pois os contemporâneos não conseguiam entender a natureza
sacra Dele. No arranjo iconográfico não fica claro qual momento da vida de Jesus foi
representado, pois tanto homens armados quanto a paisana se aproximam do Filho de Deus.
Porém, percebemos que os dois excertos do Novo Testamento têm como pano de fundo o
questionamento da natureza e autoridade de Jesus. Ademais, no mesmo plano, mas ao lado
direito do observador, Perugino pinta sobre o vasto adro o trecho do Evangelho de João,
quando Jesus é ameaçado com pedras pelos judeus (Figura 12). Assim:

Os judeus disseram: “Agora sabemos que estás louco. Abraão morreu e os profetas
também. E tu dizes: ‘se alguém guarda a minha palavra, nunca vai experimentar a
morte’. Por acaso, tu és maior que o nosso pai Abraão, que morreu? Os profetas
também morreram. Quem é que pretendes ser?” Jesus respondeu: “Se eu glorifico a
mim mesmo, minha glória não vale nada. Quem me glorifica é meu Pai, aquele que
vocês dizem que é o Pai de vocês. Vocês não o conhecem, mas eu o conheço. Se
dissesse que não o conheço, eu seria mentiroso como vocês. Mas eu o conheço e
guardo a palavra dele. Abraão, o pai de vocês, alegrou-se porque viu o meu dia. Ele
viu e encheu-se de alegria.” Então os judeus disseram: “Ainda não tens cinquenta
anos, e viste Abraão?” Jesus respondeu: “Eu garanto a vocês: antes que Abraão
existisse, Eu Sou.” Então eles pegaram pedras para atirar em Jesus. Mas Jesus se
escondeu e saiu do Templo. (João 08:52-59)

Nesse excerto mais uma vez a autoridade de Jesus foi questionada por seus ouvintes.
O mesmo aconteceu com alguns pontífices a partir do século XIII, pois, as ambições
temporais dos papas eram cerceadas por seus contemporâneos, de forma que, “uma maneira
óbvia de se opor às pretensões da Igreja ao domínio temporal consistia em apelar ao
38

imperador para que reequilibrasse a balança, demasiado favorável ao papa” (SKINNER,


1996, p. 38). Assim, há uma tensão entre o primeiro e o segundo plano, pois enquanto em um
dos níveis se exalta o poder arrolado de Jesus para o primeiro papa, percebemos que o
portador da vontade de Deus em diferentes momentos da vida teve sua natureza questionada.
Além disso, os dois momentos da vida de Cristo são representados sobre um vasto
adro calçado com pedras retangulares. As suas linhas dão a superfície plana perspectiva e
profundidade, direcionando o olhar de quem aprecia a obra para o grande edifício que se
ergue no terceiro plano do afresco. Valendo-se da perspectiva linear 22 Perugino explorou a
técnica para criar a ilusão de uma grande igreja que mesmo distante se projeta imponente e
quase que totalmente sólida.
A monumental arquitetura (Figura 13) localizada no limiar do pátio, no terceiro nível,
rivaliza com a cena do primeiro plano. O templo foi disposto na parte central e se destaca pela
cúpula dourada, além dos ângulos e dos detalhes que decoram as paredes. Pela sua
imponência e solidez, tal construção tiraria o fôlego de muitos se existisse no mundo
mundano. Segundo o historiador da arte francês André Chastel, Perugino:

reteve e explorou com sucesso a ampla e convincente estrutura do espaço, de uma


bela respiração, de uma disposição clara, onde um edifício, destacando-se no meio
do vazio, cria uma consonância perfeita (Sistina), e onde a paisagem leve se insinua
com delicadeza” (CHASTEL, 1991, p. 333 e 334).

Assim sendo, a tridimensionalidade do templo impressiona e contrasta com o simples


pátio que a cerca. O equilíbrio da composição acontece pela inserção de arcos, colunas e
janelas. Ademais, a sua forma era similar a arquitetura pintada por Pietro Perugino,
posteriormente, entre 1500 e 1504. Sobre esse ponto da composição o historiador da arte H.
W. Janson escreveu que:

Igualmente surpreendente é a vastidão do fundo, com seus dois arcos de triunfo


romanos (ambos tendo o Arco de Constantino por modelo) nas laterais de uma
estrutura abobadada na qual reconhecemos a igreja ideal, da forma como foi
proposta por Alberti em seu Tratado da Arquitetura. (JANSON, 1996, p. 206)

22
Técnica do desenho pela qual o artista consegue criar a impressão de profundidade tridimensional e volume
em uma superfície plana. A perspectiva linear teria sido descoberta por Leon Battista Alberti (1404 – 1472), que
a apresentou em seu tratado Da Pintura de 1436 (CHASTEL, 1991, p. 218, grifo do autor), e Filippo
Brunelleschi (1377 – 1446) teria sido um dos primeiros a demonstrar seus princípios, assim, abaixo das camadas
de pigmento havia um sistema matemático para dimensionar o tamanho das personagens e dos objetos em
relação à distância. Além disso, “ao procurar um método preciso de transpor as medidas para o papel
[Brunelleschi] deve ter descoberto os princípios da sua perspectiva científica” (JANSON, 2001, p. 588).
39

Dessa maneira, no painel intitulado “O casamento da Virgem” (Figura 14), pintado


por Perugino no início do século XVI, percebemos muitas familiaridades com o arranjo
iconográfico que decora a parede da Capela Sistina. Desde a organização das figuras no
primeiro plano, o vasto pátio pavimentado que se estende pelo segundo plano e que culmina
em uma grande escadaria que leva até o imponente templo. As linhas do adro convergem para
essa peça arquitetônica mais simples e com menos detalhes na fachada, essa variação permite
acessar a paisagem ao fundo pela porta central. Ademais, essa organização compositiva se
repetiu em uma das obras de Rafael, que foi pintor da corte de Urbino e aprendiz de Perugino,
entre os anos de 1483 e 1507.
Ao escrever sobre a obra de Perugino e, a relação entre o artista e o aprendiz, Janson
afirmou que:

A claridade espacial e a perspectiva matematicamente exata dessa cena constituem a


herança de Piero della Francesca, que passou grande parte de seus últimos anos de
vida a serviço de clientes úmbrios, especialmente do duque de Urbino. Foi também
de Urbino, pouco antes de 1500, que Perugino recebeu um aluno cuja fama logo
obscureceria a sua própria – Rafael, o mais clássico de todos os mestres do
Renascimento. (JANSON, 1996, p. 206)

Desse modo, podemos pontuar que a forma arquitetônica do mestre se repete


analogamente em uma pintura a óleo sobre madeira do aprendiz Rafael, também nomeada
como “O casamento da Virgem” (Figura 15), datada de 1504. Nela vemos a mesma
organização composicional e um imponente templo. No térreo há esguias colunas e arcos,
acima volutas ornam a fachada e no piso superior há pequenas colunas e janelas retangulares.
A cúpula parece ser uma peça maciça, ademais, a porta central permite ao observador ver a
paisagem ao fundo. Todavia esse templo supera o do seu mestre tanto pela sua grandiosidade
quanto pela sua proporção e equilíbrio.
Ainda no terceiro plano, há mais dois monumentos (Figura 16) que ajudam a
equilibrar a composição. Eles chamam a atenção, pois, são peças arquitetônicas sólidas, que
contrastam com o céu azul e a paisagem simples. Esse arranjo era reflexo da escola “úmbria”,
pois, “esse interesse pela beleza espaçosa das cenas, pela cor clara, livremente distribuída
sobre edifícios de sonho, mas com pormenores vivos, rostos agudos que prendem a atenção,
desabrocha no ambiente úmbrio” (CHASTEL, 1991, p. 268). Esse dois arcos não se destacam
somente pela decoração e as inscrições douradas, mas também pela semelhança com o arco de
Constantino (c. 312 – 315), localizado próximo do Coliseu, em Roma (Figura 17). Como
citamos anteriormente, no excerto escrito por Janson, os dois arcos pintados por Perugino tem
40

como modelo Arco de Constantino (JANSON, 1996, p. 206). A organização espacial da peça
histórica e da sua representação no afresco se assemelham pela: formatação em três arcos de
passagem, esculturas em baixo relevo, quatro colunas finalizadas com esculturas, além dos
frisos. Perugino repete um detalhe em particular nos dois arcos, as inscrições em latim.
No arco, localizado a esquerda do observador, há a frase “IMENSV SALOMO
TEMPLVMTV HOCQVARTE SACRASTI” (Figura 18). No arco, localizado na direita do
observador, está escrito “SIXTE OPIBVS DISPAR RELIGIONE PRIOR” (Figura 18).
Segundo o professor e historiador Charles L. Stinger, as inscrições que decoram os arcos são a
chave para entender o afresco, assim, ele reescreve como: “IMENSU[M] SALOMO
TEMPLVM TV HOC QVARTE SACRASTI SIXTE OPIBVS DISPAR RELIGIONE
PRIOR”. Isso é traduzido como “você, Sisto IV, desigual em riquezas, mas superior em
religião a Salomão, consagrou este vasto templo” 23 (STINGER, 1998, p. 207, tradução nossa).
Assim, Sisto IV nessa passagem se compara, mas com ressalvas, ao rei Salomão. Para mais,
como pontuamos anteriormente, o pontífice se inspirou no rei quando mandou construir a
Capela Sistina. Segundo Vittorio Giudici a capela deveria ter as mesmas dimensões do
Templo de Salomão (GIUDICI, 1998, p. 06). No Antigo Testamento, no livro de Reis, é dito
que “o Templo de Javé construído por Salomão media trinta metros de comprimento, dez de
largura e quinze de altura” (Reis 06:02).
Salomão, filho de Davi e Betsabéia, foi rei de Israel (CARR-GOMM, 2004, p. 196 e
197), e seu reinado foi longo e próspero. Defendeu os interesses do seu governo a partir da
diplomacia, sem recorrer às armas e a guerra. Ele expandiu os territórios, ampliou as rotas
comerciais e incrementou a riqueza de seu reino (ROTH, 1962, p. 26 e 27). Segundo esse
historiador britânico:

O clímax do reino veio com a construção, no monte Zion, de um templo magnífico,


para abrigar o santuário trazido a Jerusalém por Davi. O Templo foi consagrado com
grande pompa na Festa dos Tabernáculos, ap. 953. Jerusalém tornou-se assim a
capital religiosa e política do país. [...] A fim de acentuar a importância do Templo,
havia uma crescente tendência a proibir sacrifícios animais em qualquer outro lugar.
De início, esta atitude pode ter tido caráter político, destinada a acentuar a
importância do santuário e do clero oficiante. Mas, a longo prazo, serviu para
aumentar as potencialidades espirituais do monoteísmo hebraico, mostrando aos
seus seguidores que a religião era possível sem oferendas de sacrifícios e
permitindo-lhes conservar suas crenças mesmo após a destruição do Templo. A
magnificência do reino de Salomão não foi conseguida sem pesados impostos, [...].
(ROTH, 1962, p. 28)

23
No livro “The Renaissance in Rome”, o professor e historiador Charles L. Stinger traduziu a passagem como
“you, Sixtus IV, unequal in riches but superior in religion to Solomon, have consecrated this vast temple”
(STINGER, 1998, p. 207).
41

Quando Sisto IV se comparou a Salomão, ele destacou que a riqueza do rei era maior,
isso porque o seu Templo “era coberto de ouro e suntuosamente ornamentado” (CARR-
GOMM, 2004, p. 197). Todavia, o papa se destaca pela sua religião, pois o seu poder vem de
Jesus e Pedro, o primeiro papa. A riqueza era importante para Sisto IV, porém reforçar a sua
autoridade espiritual e temporal era uma forma de legitimar seu discurso frente ao colégio de
cardeais e o movimento conciliarista. Visto que, enquanto Salomão reveste o Templo de
riqueza, que era o bem em maior quantidade em seu governo, Sisto IV decora as paredes da
Capela Sistina com passagens do Antigo e do Novo Testamento para celebrar a Fé. Mas entre
as camadas de pigmento e os planos das composições havia discursos de poder que visavam
reforçar a sua soberania. Mesmo quando se representaram no afresco dois momentos da vida
de Jesus e o questionamento de sua natureza encarnada entre os homens, o papa busca
justificar sua autoridade.
Para mais, acima do afresco há o seguinte título “CONTVRBATIO IESV CHRISTI
LEGISLATORIS” (Figura 19), que podemos traduzir como “conturbação de Cristo
legislador”. Percebemos que isso é um reflexo do que pontuamos anteriormente quando
salientamos sobre a essência do Filho de Deus. Assim, se atribui por meio do discurso que as
inquietações de Jesus também atingiram Sisto IV, que sentia que a sua autoridade temporal e
espiritual era questionada por seus contemporâneos. Por isso, as inscrições localizadas nos
arcos exaltam a soberania de Sisto IV. Além disso, elas foram gravadas em sólidas peças
arquitetônicas com fachadas que emulam o arco de Constantino. E esses vestígios da
Antiguidade ocupavam todos os espaços do centro do mundo cristão, pois eram herança do
passado romano. Sobre isso Chastel escreveu:

[...] a arte italiana se constituiu sobre um solo coberto de ruínas familiares em que
inúmeras lendas ou verdadeiras superstições asseguram durante toda a Idade Média
o prestígio dos mirabilia urbis, à espera de que se interroguem os restos enterrados
dos arcos, dos fóruns, dos templos, com um sentimento de emulação de que não há
equivalente em nenhum outro lugar. (CHASTEL, 1991, p. 19, grifo do autor)

Por esse motivo, identificamos emulado no afresco o arco de Constantino, algo


presente no cotidiano de Sisto IV e do artista, assim como de seus contemporâneos. Isso
aconteceu porque:

Roma, enfim, tão importante nos séculos XI e XII, mostra-se estranhamente inativa
e ausente durante todo o período gótico: sua paisagem de ruínas está como que
morta. Seu despertar artístico tardio caracteriza a fase central do Renascimento,
42

quando a arte antiga parece reerguer-se em programas e efeitos novos, com essa
generosidade imperial da Igreja que se abranda no século XVIII e se extingue no
século XIX. (CHASTEL, 1991, p. 04)

Assim, percebemos que segundo Chastel, a igreja e principalmente o mecenato papal


encamparam a revitalização e a reconstrução de Roma. Isso atraiu muitos artistas e arquitetos
que por meio dos projetos artísticos e arquitetônicos imortalizaram o nome dos pontífices
renascentistas e o nome de suas famílias.

******

Nesse arranjo iconográfico intitulado “Jesus entregando as chaves a Pedro”


executado por Perugino percebemos a simetria e o equilíbrio da composição, além da paleta
vibrante de cores. No primeiro plano do afresco foi representada a entrega das chaves do
Reino do Céu ao apóstolo Pedro, o primeiro papa, e exemplo para todos os seus sucessores.
Sobre o primeiro pontífice, superior entre os outros homens, recaiu o fardo de cuidar das
chaves do Reino dos Céus, além de ser o portador do gládio espiritual e temporal. Esse poder
foi arrolado aos demais papas, representantes de Deus entre a humanidade, até chegar a Sisto
IV. Entre os discípulos estão representados contemporâneos do pontífice e o próprio artista.
No segundo plano, sobre o vasto adro dois momentos da vida de Jesus são
representados, e em ambos a condição de Filho de Deus foi questionada. Essa mesma tensão
alguns pontífices renascentistas enfrentaram, pois ao mesmo tempo em que estes
intensificaram sua atuação nos assuntos temporais, imperadores e facções se organizavam
para que a sua autonomia fosse preservada. No terceiro plano, além das monumentais peças
arquitetônicas, há a comparação de Sisto IV com o rei Salomão, todavia enquanto o primeiro
era magnífico por sua fortuna, o papa era glorioso pela sua religião. A sua exaltação reforçava
a sua natureza e a sua autoridade diante de seus contemporâneos.
Por fim, a construção e decoração da Capela Sistina aconteceram paralelamente à
revitalização da Jerusalém terrestre, que havia passado alguns séculos negligenciada e
abandonada, de modo que alguns Vigários de Cristo tomaram para si um papel semelhante ao
de Pedro. Pois, enquanto ao último foi dada a tarefa de construir a Igreja em nome de Jesus,
no Renascimento alguns papas tomaram para si a missão de reconstruir a Igreja de Roma, em
seu nome e em nome de sua família.
43

2. AS TENTAÇÕES DO PODER: ANÁLISE DA OBRA DE BOTTICELLI E O


PAPADO DE SISTO IV

2.1 OS ELEMENTOS PARA A PURIFICAÇÃO E A AUTORIDADE DO PAPA POR


SANDRO BOTTICELLI

O traço fluído e as formas tênues alcançadas por meio de contornos claros fazem com
que as figuras flutuem no afresco pintado por Botticelli. Todavia, essa leveza contrasta com as
ambições de Sisto IV, porque, como outros papas do movimento Renascentista, ele buscou
reconstruir a cidade do Vigário de Cristo e eternizar o seu nome e de sua família. Após eleito
o cardeal Francesco Della Rovere tomou o nome de Sisto IV (Sisto III24 [432 – 440] morreu
mais de mil anos antes da eleição de Francesco). Ele foi eleito papa com a menor margem
necessária, de dois terços25 (doze votos em dezoito) (O’MALLEY, 2011, p. 174, tradução
nossa). Ademais, “novo no colégio [de cardeais], ele estava acima das facções e tinha entre
seus pares uma reputação de austeridade, erudição e habilidades administrativas26”
(O’MALLEY, 2011, p. 174, tradução nossa).
No entanto, apesar da origem franciscana27, após a sua coroação gastou parte da renda
papal com a prática do mecenato, a formação de uma biblioteca, além da restauração e da

24
Sobre o pontífice Roberto Monge escreve que “confirmados os decretos emanados pelo Concílio de Éfeso e
desejados pelo seu predecessor, Sisto retomou a luta contra a heresia de Pelágio e de Nestório. Querendo
celebrar de forma solene a vitória obtida sobre as facção dos nestorianos (Nossa Senhora foi reconhecida por
todos Mãe de Deus), fez erigir um monumento destinado a perpetuar a recordação. A este propósito, aumentou e
restaurou a Basílica de Santa Maria Maior, enriqueceu-a de móveis, frisos e mosaicos, e, ao mesmo tempo,
dotou-a de rendimentos consideráveis. Querendo reparar os estragos arquitetônicos causados pelos visigodos,
interveio em Roma com um intenso programa de reabilitação de igrejas e lugares sagrados.” (MONGE, 2016, p.
98)
25
Quando o papa Paulo II (1464 – 1471) morreu, em 1471, o colégio de cardeais foi convocado para a nova
eleição. No ano de 1471, haviam 25 cardeais, mas somente 18 participaram do conclave. O colégio de cardeais
foi formado por: Guillaume d'Estouteville, bispo de Ostia e Velletri, arcebispo de Rouen, França; decano do
Colégio Sagrado dos Cardeais. Bessarion, bispo de Sabina. Latino Orsini, bispo de Frascati. Filippo Calandrini,
bispo de Albano e Bolonha. Angelo Capranica, titular de S. Croce em Gerusalemme. Berardo Eroli, bispo de
Spoleto. Niccolò Fortiguerra, títular de S. Cecília, bispo de Teano. Bartolomeo Roverella, arcebispo de Ravena.
Giacomo Ammannati-Piccolomini, bispo de Pavia. Oliviero Carafa, arcebispo de Nápoles. Amico Agnifilo,
titular de S. Maria em Trastevere. Marco Barbo, patriarca de Aquileia. Francesco Della Rovere, eleito Papa
Sisto IV. Rodrigo de Borja, diácono de S. Nicola em Carcere Tulliano, administrador de Valência, Espanha.
Francesco Gonzaga, diácono de S. Maria Nuova. Teodoro Paleologo di Monteferrato, diácono de S. Teodoro.
Giovanni Battista Zeno, titular de S. Anastasia. Giovanni Michiel, diácono de S. Angelo em Pescheria.
Informação disponível em https://webdept.fiu.edu/~mirandas/conclave-xv.htm acessado em 22 nov. 2019.
26
New to the college, he was above factions, and he had among his peers a reputation for austerity, learning, and
administrative skills.
27
Após o século XI muitos monges e eremitas abandonaram a vida nas comunidades monásticas para reviver o
estilo de vida dos padres do deserto. Segundo André Vauchez “todas as experiências religiosas desse tempo
foram marcadas pela vontade de voltar à pureza original do cristianismo. O ideal da Ecclesiae primitivae forma
se tornou referência obrigatória da nova espiritualidade, que, de maneira aparentemente paradoxal, procurava,
44

reconstrução da cidade de Roma. A fim de levantar fundos para os seus projetos, o pontífice
vendeu diversas indulgências, e também concedeu visto para um menino de Milão, então com
onze anos, e um menino de oito anos, na época arcebispo de Lisboa (NORWICH, 2011, p.
257). Para mais, o historiador da arte Janson escreve que:

Roma, negligenciada por tanto tempo durante o exílio papal em Avignon, tornou-se
mais uma vez, no final do século XV, um importante centro protetor das artes. O
mais ambicioso projeto pictórico desses anos foi a decoração das paredes da Capela
Sistina, por volta de 1482. Entre os artistas que realizaram esse grande ciclo de
cenas do Velho e Novo Testamento encontramos a maior parte dos mais importantes
pintores da Itália central, incluindo-se aí não apenas Botticelli e Ghirlandaio, mas
também Pietro Perugino, que pintou A Entrega das Chaves. (JANSON, 1996, p.
206)

Desse modo, percebemos qual era a atmosfera que envolvia o papa Sisto IV e os
artistas convidados para decorar a Capela Sistina. Pois, como pontuamos no capítulo anterior,
a execução dos arranjos iconográficos nas paredes dessa capela trouxe fama e prestígio aos
artistas Perugino e Botticelli. Além disso, sobre o pintor florentino Sandro Botticelli,
destacamos que:

No início de sua carreira, Botticelli se incorporou a uma rede de clientes florentinos


politicamente poderosos. Em 1470, depois de alguns anos pintando pequenos painéis
para devoção doméstica, ele recebeu sua primeira comissão pública em Florença.
Foi para pintar dois painéis que contribuíam para um conjunto de sete imagens das
Virtudes da Mercanzia, o alto tribunal comercial de Florença. A comissão surgiu por
meio de intervenção direta e de alto nível, que talvez fosse mais complicada, política

em uma fidelidade intensificada no testemunho dos apóstolos e na mensagem evangélica, a resposta para os
problemas levantados por uma sociedade em mutação” (VAUCHEZ, 1995 , p. 71). Além disso, “para os adeptos
da nova espiritualidade, o amor a Deus se traduzia por uma imitação tão fiel quanto possível da vida do Senhor.
‘Seguir nu o Cristo nu’ (nudus nudum Cristum sequi) e evangelizar os pobres são as duas solicitações
fundamentais dos movimentos espirituais do século XII” (VAUCHEZ, 1995 , p. 74). Por isso, entre o século XI
e o século XIII foram criadas diversas ordens mendicantes, uma delas representada a partir da figura de
Francisco (1181/1182 – 1224). Ele nasceu na cidade de Assis, era filho de um rico mercador, todavia a atmosfera
divina o dissuadiu para a vida espiritual, pois “enquanto ele ora na igreja de San Damiano, diante da imagem de
Cristo na cruz, este dirige-se a ele e o convida a reconstruir a sua igreja. Como bom laico, que as realidades
materiais ainda impedem de elevar-se até as verdades espirituais, Francisco acredita dever tornar-se pedreiro
para reconstruir o edifício que ameaça cair em ruínas. Mas, evidentemente, é para uma missão mais alta que
Cristo o chama. Francisco, cuja conduta o põe em conflito com seus pais, pouco a pouco toma consciência disso
e renuncia à herança paterna. Em um ato definitivo de conversão, ele se desnuda para restituir a seu pai os
tecidos com os quais este faz comércio e põe-se, nu, sob proteção do bispo [...]. Em vez da comodidade material
que seu nascimento devia lhe proporcionar, ele abraça a exigência de uma pobreza radical e escolhe ‘seguir nu o
Cristo nu’.” (BASCHET, 2006, p. 207). Assim, Francisco passou a seguir conforme o Evangelho, além de
praticar penitência. Posteriormente, o papa Inocêncio III (1198 – 1216) concedeu a Francisco o direito de pregar,
reconhecendo o modo de vida proposto por ele (BASCHET, 2006, p. 208). Além disso, ao seu redor se formou
uma comunidade de seguidores, onde todos praticavam diversas penitências e privações. Pela vida devotada à
Cristo e após ser marcado pelas chagas do sacrifício divino, dois anos após a sua morte, em 1224, ele foi
canonizado. Francisco foi fundador da Ordem Franciscana, que praticava a penitência, além de um modo de vida
humilde e voltado à caridade.
45

e dependente nas redes de conexões sociais do que geralmente é considerado.28


(O’MALLEY, 2010, p. 11 e 12)

Assim, percebemos que fama e o prestígio dependiam das redes sociais das quais esses
artistas renascentistas se ligavam, porque, como destacamos no capítulo anterior, o poder e as
suas relações são construídos pelos sujeitos sociais (MACHADO, 1979, p. X). Mercanzia era
um lugar importante para a vida econômica de Florença, suas atividades extrapolavam a
região e a família Médici foi uma das mais influentes nesse espaço. Aliás, Botticelli trabalhou
para eles, pois foi comissionado para pintar, em cerca de 1470, o retábulo “Adoração dos
Magos”. Neste arranjo iconográfico é possível identificar o rosto de Cosimo de Médici (1389
– 1464), além de outros membros de sua família (O’MALLEY, 2010, p. 17). As outras
personagens são os magos, o menino Jesus, Maria e José. Posteriormente, Botticelli também
pintou, por volta do ano de 1485, “O nascimento de Vênus” e a têmpera sobre madeira
intitulada “Primavera”, em torno de 1480, para outros membros da família Médici.
Assim, os projetos iconográficos do artista ganharam visibilidade, pois suas obras
passaram a fazer parte de uma “teia de poder” da família Médici. E essa rede de micro-
poderes se ligava a de outras famílias ricas da península, de cardeais, dos príncipes, entre
outras autoridades. Dessa maneira, o poder e a fama dependiam das relações sociais e das suas
articulações, de maneira que, quando o banqueiro Benedetto Salutati encomendou a Botticelli,
em 1478, o painel “Madonna e a criança e São João”, sua intenção foi presentear o cardeal e
diácono Francesco Gonzaga (1444 – 1483). Esse último era cliente e vizinho do banqueiro em
Roma (O’MALLEY, 2010, p. 18). O painel foi usado como peça de decoração na casa do
cardeal. Por isso, segundo a professora e historiadora Michelle O’Malley por tal obra estar
exposta para a apreciação dos homens mais influentes do alto clero, a hipótese é que isso foi
significativo para que Botticelli fosse convidado para decorar a Capela Sistina (O’MALLEY,
2010, p. 18 e 19). Assim, a partir dessa trajetória percebemos como se moldavam e se
articulavam as redes de poder durante o movimento renascentista.
Banqueiros, comerciantes, príncipes, cardeais, bispos, entre outros membros da elite
urbana, durante o renascimento se beneficiavam da prática do mecenato para garantir poder e
fama a fim de perpetuar os seus nomes e de sua família. O historiador Robert Lopez busca

28
Early in his career, Botticelli became embedded in a network of politically powerful Florentine clients. In
1470, after a few years of painting small panels for domestic devotion, he received his first public commission in
Florence. It was to paint two panels that contributed to a set of seven images of theVirtues for the Mercanzia, the
high commercial court of Florence.The commission came about through direct, high-level intervention, which
was perhaps more complicated, more political and more dependent on webs of social connections than has
generally been considered.
46

explicar o período do Renascimento a partir de um modelo econômico, assim, no artigo


“Hard times and investment in culture” (1969), ele escreveu que houve uma desvalorização
da terra nos últimos séculos da Idade Média. O usufruto dela durante o medievo garantiu
riqueza e poder a aristocracia e a Igreja, pois estes eram donos de grandes porções de solo.
Todavia, com o seu desgaste, houve uma desvalorização do domínio, assim sua posse deixou
de ser vantajosa.
Desse modo, ocorreu uma reestruturação tanto da aristocracia quanto da Igreja, que
passou a reorganizar seu poder a partir do investimento em cultura. O historiador francês
Jérôme Baschet escreveu que “o poder material da Igreja repousa, em primeiro lugar, sobre
uma excepcional capacidade de acumulação de terras e de bens” (BASCHET, 2006, p. 171).
Essa concentração teve início no século IV, pois muitos cristãos fizeram diversas doações à
Igreja a fim de garantir a salvação de suas almas (BASCHET, 2006, p. 171). Assim, durante a
Idade Média o poder do clero se apoiava na retenção de terras por todo território europeu, pois
“desde o século VIII, a Igreja possui cerca de um terço das terras cultivadas na França,
porcentagem que continua idêntica no século XIII” (BASCHET, 2006, p. 173). Todavia, com
o seu desgaste e desvalorização o clero reorganizou seu poder, investindo em outros bens,
como a arte. Por isso, Lopes escreveu que “a cultura foi colocada tão alta – talvez mais do que
em qualquer outro período da história – é a glória imortal da Renascença” 29 (LOPEZ, 1969, p.
49). Em vista disso:

Um grande número buscava uma fuga da realidade, não no céu, mas em um mundo
de sonhos artísticos, literários, filosóficos ou mesmo matemáticos. Todas essas
diversas tendências podem, é claro, ser detectadas durante qualquer período
histórico, mas parecem mais pronunciadas durante a Renascença. É mais fácil
vinculá-los à depressão econômica do que a qualquer outra tendência econômica.30
(LOPEZ, 1969, p. 46, tradução nossa)

Desse modo, durante o movimento renascentista a aristocracia urbana e o alto clero


investiram na prática do mecenato, convidando pintores, escultores, arquitetos, para que estes
construíssem a imagem dos mecenas e de suas famílias. Permitindo que a riqueza e o poder,
antes ligados a terra e a sua posse, fossem revistos e associados à cultura e a erudição. Além
do mais, quando se lê o que escreveu Lopez anteriormente, sobre o esplendor da cultura

29
The culture was placed so high - higher, perhaps, than at any other period in history - is the undying glory of
the Renaissance.
30
A large number sought an escape from reality, not in Heaven but in a world of artistic, literary, philosophical,
or even mathematical dreams. All of these diverse trends may of course be detected during any historical period,
but they seem more pronounced during the Renaissance. It is easier to link them whit economic depression than
with any other economic trend.
47

durante a Renascença, o que se sobressai, em um primeiro momento, são as obras de arte


produzidas na Península Itálica, que para Delumeau foi vanguarda do movimento. Isso
porque precisamos ter em conta o que escreveu o historiador Arnold Hauser:

A nova cultura artística surgiu em primeiro lugar na Itália, porque este país vai à
frente do Ocidente nos domínios econômico e social, daqui irradiou a organização
da vida econômica, aqui se organizaram os meios de transporte e se criaram as
condições financeiras para as Cruzadas, aqui se aperfeiçoou o sistema da livre
concorrência, em oposição aos ideais corporativos da Idade Média, e aqui emergiu o
primeiro sistema bancário, porque a emancipação da classe média urbana se dá aqui
primeiro do que no resto da Europa, porque os princípios intrínsecos do feudalismo31
e da cavalaria eram aqui menos evoluídos do que nos países do Norte e a aristocracia
rural, não só possuía residências na cidade desde épocas bastantes recuadas, mas
também se transformou em aristocracia urbana e, finalmente, sem dúvida, porque a
tradição da antiguidade clássica nunca se perdeu neste país, onde, por toda a parte,
se viam reminiscências do período clássico. (HAUSER, 1982, p. 368)

Assim, a aristocracia urbana e o alto clero que pertenciam a Península Itálica


investiram muito cedo em obras de arte, antes que os outros impérios europeus. Esse elemento
vai ao encontro do que pontuam alguns historiadores, como Delumeau e Gombrich, que
situam a Itália como o berço do movimento Renascentista. Além do mais, a visão de Lopez
também corrobora para o que apontamos na introdução, quando nos posicionamos acerca do
modelo historiográfico do Renascimento, por isso destacamos o excerto escrito por ele, de
modo que:

Certamente, o Renascimento utilizou para o seu desenvolvimento as cidades que a


Idade Média tinha construído, a filosofia que os gregos haviam elaborado e quase
tudo o mais que a humanidade inventara desde o Neanderthal; mas seu modo de vida

31
A terra era elemento fundamental na sociedade medieval, pois a partir dela era construída a relação entre os
senhores de terras e os camponeses. Essa dependência é atualmente chamada pela historiografia como
“dominação senhorial” (SILVA, 2019, p. 43). Segundo o historiador e professor Marcelo Cândido da Silva “o
termo ‘Senhorio’ é hoje mais utilizado do que ‘Feudalismo’, em primeiro lugar, porque consegue definir, de
maneira mais ampla, tanto as relações entre a aristocracia fundiária e os camponeses, livres e não livres, quanto
as relações no interior da própria aristocracia. ‘Senhorio’ permite atentar para o fato de que a dominação
aristocrática no período medieval consistiu em um controle não somente do espaço, mas também dos homens.
‘Feudalismo’ privilegia as relações interpessoais, estando por demais associado à vassalagem, conjunto de
relações hierárquicas de uma pequena parcela do mundo aristocrático, nascidas da concessão de um ‘feudo’ (um
bem imobiliário, uma renda, um benefício) por um membro da aristocracia a outro. Embora ‘feudo’ esteja
presente nos textos do período medieval, ‘Feudalismo’ aparece apenas no século XVII e designa os privilégios
da nobreza que foram estabelecidos na época moderna e que, mais tarde, seriam abolidos pela Revolução
Francesa. O ‘Senhorio’ também é um termo moderno, mas seu uso tem a vantagem de permitir uma visão mais
ampla do fenômeno da dominação senhorial, o qual não se restringia apenas à aristocracia e incluía os
camponeses dependentes e os camponeses livres, chegando a alcançar até mesmo os habitantes de burgos, vilas,
vilarejos e cidades” (SILVA, 2019, p. 43).
48

era condicionado por sua própria economia e não pela economia do passado.32
(LOPEZ, 1969, p. 43, tradução nossa)

A nova economia renascentista praticada pela elite urbana era voltada para a
patronagem de artistas, escultores, arquitetos, humanistas. E, como pontuamos no capítulo
anterior, André Chastel destaca “a generosidade imperial da Igreja” (CHASTEL, 1991, p. 04)
que encampou a renovação artística de Roma. Assim, salientamos que os pontífices, durante o
Renascimento, também estavam empenhados em reconstruir ruas, prédios, entre outras formas
arquitetônicas para imortalizar o seu nome e promover a manutenção da sua fama. Desse
modo, a apropriação do talento de artistas, pintores e arquitetos servia para que esses criassem
uma imagem faustosa e magnífica do papado. Porém, mais que a celebração da Fé e dos
ensinamentos da Igreja, a prática do mecenato por Sisto IV buscava afirmar sua autoridade
como Chefe da Igreja e portador do gládio espiritual e temporal. Pois, segundo o historiador
da arte galês Michael Baxandall:

De um lado o pintor que realizava o quadro ou, ao menos, supervisionava sua


execução. De outro, alguém que encomendava, fornecia fundos para sua realização
e, uma vez concluído, decidia de que forma usá-lo. Ambas as partes agiam de acordo
com as instituições e convenções – comerciais, religiosas, perceptivas, sociais, a
acepção mais ampla do termo – que eram diferentes das nossas e influenciaram suas
relações em comum. (BAXANDALL, 1991, p. 11)

Desse modo, quem encomendava o projeto iconográfico durante o século XV, queria
que o artista atendesse as suas especificações (BAXANDALL, 1991, p. 11). Visto que:

os painéis de altares e afrescos, que nos interessam mais, eram feitos sobre
encomenda, e geralmente o cliente e o artista assumiam um compromisso legal em
que o último se comprometia em entregar aquilo que o primeiro tinha especificado,
com mais ou menos detalhes. (BAXANDALL, 1991, p. 12)

A professora e historiadora Patrícia D. Meneses, que tem uma pesquisa de vulto sobre
a família Della Rovere, escreve que o Frade Antonio da Pinerolo 33 (1414 – 1500) desenvolveu
um importante papel na concepção dos dois ciclos de afrescos que adornam as paredes da

32
To be sure, the Renaissance utilized for its development the towns which the Middle Ages had built, the
philosophy which the Greeks had elaborated, and nearly everything else that mankind had contrived ever since
Neanderthal; but its way of life was conditioned by its own economy and not by the economiy of the past.
33
Em comunicação recente no “XXXVIII Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte - arte & erotismo -
prazer e transgressão na história da arte”, a pesquisadora Meneses tratou de tal temática. Isso se repete no
resumo expandido, onde ela escreve que “a figura de Pinerolo, ainda pouquíssimo estudada, é de grande
importância, uma vez que ele foi um dos avaliadores do ciclo de afrescos – seu nome aparece registrado em um
documento de Janeiro de 1482 – e com toda a probabilidade teve um papel central na gênese dos afrescos”
(MENESES, 2018, p. 54).
49

capela. Assim, as temáticas religiosas não foram escolhidas somente pelo mecenas Sisto IV,
ele teve ajuda de Pinerolo, e mais que a celebração da Fé, as pinturas ajudaram na construção
de um discurso de autoridade, para líderes seculares, mas, sobretudo, para membros da
própria igreja. E segundo Meneses “necessidade de afirmação do poder papal diante da
ameaça posta pelo chamado movimento conciliarista34” (MENESES, 2018, p. 54).
De maneira que, o afresco pintado por Sandro Botticelli, intitulado “As tentações de
Cristo” (Figura 20), feito entre 1481 e 1482, se destaca em um primeiro momento pela
harmonia e equilíbrio. Percebemos que o artista tinha um bom domínio do desenho e da
técnica, pois há uma variedade de gestos e liberdade de movimentos, tornando a figuração
religiosa muito dinâmica. Os corpos são em sua maioria esguios, desprovidos de parte de seu
peso, pois, se observarmos como os pés das personagens tocam o solo, temos a impressão de
que estão prestes a flutuar. Muitas figuras demonstram interesse e alguma expectativa através
de seus rostos e atitudes. Destacamos ainda a habilidade do pintor com os tecidos, uma vez
que todos estão bem vestidos com panos de cores vivas e brocados ricamente decorados.
No primeiro plano (Figura 21) do afresco, um grupo grande de pessoas ocupam o
espaço, as personagens caminham sobre um gramado verde e bem cuidado. Muitas figuras
conversam ou gesticulam entre si, enquanto outros tentam se acomodar para acompanhar
algum ritual que deve tomar forma pela mão das duas pessoas que ocupam a parte central do
plano. Desse modo, um homem com vestes longas de cor azul e detalhes dourados entrega ou
recebe de um jovem uma espécie de bandeja e ramos, bem cortados, de uma planta. O menino
tem um rosto gracioso e delicado, usa uma roupa branca e simples sobre vestes decoradas em
tom de azul e dourado que só são visíveis porque o tecido alvo parece se agitar com o seu
movimento. Ambos são as personagens principais desse primeiro plano.
Aferimos que se trata da representação de uma cerimônia de purificação, pois, no
Novo Testamento, no Evangelho de Lucas, Jesus cura um leproso, conforme a passagem
bíblica, assim:

Aconteceu que Jesus estava numa cidade, e havia aí um homem leproso. Vendo
Jesus, caiu a seus pés, e pediu: “Senhor, se queres, tu tem o poder de me purificar.”

34
Segundo o historiador britânico Quentin Skinner o movimento conciliarista foi uma vertente teórica política
radical do fim da Idade Média que se articulou a partir do século XII com Huguccio e seus seguidores, pois viam
a necessidade “de proteger-se a Igreja contra a possibilidade de heresia ou mau governo do papa” (SKINNER,
1996, p. 394). Muitos defensores dessa vertente pontuavam que o papa não deveria usar o gládio temporal para
intervir em assuntos seculares, de modo que muitos criticavam abertamente “que o papa detenha o poder
máximo de ‘atar e desatar’, nos assuntos temporais tanto quanto espirituais” (GERSON, p. 238 apud SKINNER,
1996, p. 395). Muitos que faziam parte desse movimento conciliarista defendiam que a esfera de jurisdição
secular e eclesiástica deveriam ser consideradas independentes (SKINNER, 1996, p. 397).
50

Jesus estendeu a mão, tocou nele, e disse: “Eu quero, fique purificado.” No mesmo
instante a lepra o deixou. Jesus lhe ordenou que não dissesse nada a ninguém. E
falou: “Vá pedir ao sacerdote para examinar você, e depois ofereça pela sua
purificação o sacrifício que Moisés ordenou, para que seja um testemunho para
eles.” (Lucas 05:12-14)

Esse evento se repete no Evangelho de Marcos 01:40-45 e Mateus 08:01-04 com


palavras e descrições semelhantes. Desse modo, Botticelli representou no primeiro plano a
purificação de um ex-leproso que recebeu a cura de Jesus. O sacrifício mencionado por Ele no
trecho bíblico citado acima foi descrito no Velho Testamento, no terceiro livro da Bíblia,
logo:

Javé falou a Moisés: “Esta é a lei a ser aplicada ao leproso, no dia da sua
purificação: ele será conduzido ao sacerdote e o sacerdote sairá fora do
acampamento. Depois do exame, se verificar que o leproso está curado da lepra,
mandará trazer, para o leproso a ser purificado, duas aves vivas e puras, madeira de
cedro, púrpura escarlate35 e hissopo. Em seguida, mandará imolar uma das aves num
vaso de argila sobre água corrente. Pegará a ave viva, a madeira de cedro, a púrpura
escarlate, o hissopo, e mergulhará tudo, junto com a ave viva, no sangue da ave
imolada sobre a água corrente. Fará, então, sete aspersões sobre o homem que está
se purificando da lepra e o declarará puro. Depois deixará que a ave viva voe para o
campo. Aquele que se purifica lavará as roupas, rapará todos os pelos, se lavará com
água e ficará puro. Depois disso, poderá entrar no acampamento, mas ficará sete dias
fora da sua tenda. No sétimo dia, rapará a cabeça, a barba, as sobrancelhas, bem
como todos os pelos. Depois lavará as roupas, se banhará e ficará puro. (Levítico
14:01-09)

Quando, na passagem bíblica, há a referência ao acampamento, compreendemos


porque há tantas pessoas participando e sendo expectadores da cerimônia. Identificamos o
homem vestido com tecido brocado em azul e dourado como o sacerdote que, segundo o texto
bíblico, deve examinar o recém-curado da lepra e posteriormente realizar os demais ritos de
limpeza. O menino vestido com roupas brancas receberá a purificação. Ele entrega ao homem
ramos de hissopo36 e uma vasilha, possivelmente cheia de água. Somado a isso, no afresco
identificamos outros elementos necessários para o rito, como as aves vivas e puras, que são
trazidas por uma mulher; a madeira, que uma figura feminina carrega sob o ombro; na
composição não identificamos a púrpura escarlate.

35
Na passagem bíblica não está especificado o que era o elemento púrpura escarlate, mas a cor representa a
penitência e os sofrimentos de Cristo durante a Paixão. Além do mais, “era a cor mais sagrada desde tempos
antigos, em parte sem dúvida, porque era difícil e custoso obter o pigmento” (RAMBAUSKE, sem data, p. 28).
36
Ela é uma flor nativa do sul da Europa e Oriente Médio, seu aspecto é semelhante ao da manjerona, suas flores
são rosas ou lilases, é cultivada como planta ornamental, mas ela também tem propriedades medicinais. Segundo
o “Dicionário da Bíblia de Almeida”, o hissopo era um tipo de planta usada na purificação para aspergir líquidos
(ZIMMER. KASCHEL, 2005, p. 155). Além disso, citamos o exemplo bíblico: “peguem alguns ramos de
hissopo, molhem no sangue que estiver na bacia, e com o sangue que estiver na bacia marquem a travessa da
porta e seus batentes” (Êxodo 12:22).
51

No primeiro plano do afresco, percebemos que uma moça se aproxima carregando um


feixe de pequenos galhos (Figura 22), sendo eles um dos elementos usados no rito de
purificação, como pontuamos anteriormente. Sobre essa mulher podemos destacar que seus
traços se assemelham ao de outras figuras femininas pintada por Botticelli. Anos antes de
decorar a capela, o artista pintou o painel intitulado“O retorno de Judith para Betúlia”
(Figura 23), datado de 1472. Porém, notamos que a mesma configuração corporal foi usada na
“Alegoria da abundância do outono” pintada entre 1470 e 1475 (Figura 24). Isso demonstra
que o artista conservava e reutilizava antigos estudos e esboços, formando um estoque de
motivos e posses que eram utilizados novamente em outras composições.
Além disso, no afresco da capela essa mulher foi representada com traços angélicos, e,
não há demonstração de cansaço ou exaustão em seu rosto, mesmo ela carregando um feixe
de galhos sobre o ombro. Ademais, analisando as folhas e os frutos ou sementes presos aos
ramos, percebemos que não são de cedro, como descrito na passagem bíblica, mas sim de
carvalho 37 europeu. Essa árvore era símbolo da família Della Rovere, cotejamos isso com as
representações presentes nas pesadas cortinas ou tapeçarias drapeadas e brocadas localizadas
abaixo dos dois ciclos. Pois, nelas encontramos estampadas a insígnia da Igreja (as duas
chaves do Reino dos Céus e a tiara papal) e abaixo a heráldica da casa Della Rovere (Figura
25).
O brasão usado primeiro por Sisto IV e, posteriormente, por Júlio II, tinha
representado uma árvore de carvalho sobre um fundo azul38 (POPE-HENNESSY, 1964, p.
307). Além disso, Baschet escreveu que, “insígnias exclusivas vêm exprimir a natureza desse
poder” (BASCHET, 2006, p. 195), essa prática teve sua gêneses na Idade Média, e “durante o
século XII, o papa porta uma tiara, em que a coroa, símbolo da realeza de Cristo, junta-se à

37
O carvalho na Antiguidade era símbolo de força e de masculinidade (LURKER, 2003, 119), ademais, ele
como um emblema era imagem de força e de perseverança (LURKER, 2003, 119).
38
O ultramarino não se destacava só pelo seu tom, mas pela sua importância nos contratos entre o mecenas e o
artista contratado. Sua importância se dava pela sua escassez, pois era extraído de um tipo de pedra calcária e os
melhores minerais se encontravam no Oriente, em terras do atual Afeganistão. Somado a isso, era necessário
grandes quantidades de pedras calcárias de onde eram retiradas pequenas quantidades de pigmento, havia ainda a
questão do transporte desse material até a Península Itálica, que encarecia o produto. Além disso, o historiador
da arte Michael Baxandall escreveu que “a preocupação que se verifica nos contratos com a qualidade do
pigmento azul, assim, como o ouro, não era sem fundamento. Depois do ouro e da prata, o azul ultramarino era a
cor mais cara e a mais difícil de se empregar. Existiam nuanças caras e baratas e outras substitutas ainda mais
econômicas, geralmente chamadas de azul alemão. (O azul ultramarino era fabricado a partir do pó do lápis-
lazúli, importado a altos custos do Oriente; o pó era diluído em um líquido várias vezes para se extrair a cor,
sendo que o primeiro extrato obtido – um azul violeta intenso – era o melhor e o mais caro. O azul alemão nada
mais era que o carbonato de cobre; sua cor era menos brilhante e, o mais grave, seu uso se revelava instável,
particularmente em afrescos.) Para evitar desilusões com o azul, os clientes especificavam que o azul seria o
ultramarino; os clientes mais prudentes estipulavam mesmo a tonalidade precisa – o ultramarino a um ou dois ou
quarto florins de onça” (BAXANDALL, 1991, p. 20 e 21).
52

mitra dos bispos” (BASCHET, 2006, p. 195). Ademais, sobre essa prática Baschet escreveu
que tem suas raízes no medievo, pois:

[...] Gregório VII afirma que “os sacerdotes de Cristo devem ser considerados os
pais e senhores dos reis, príncipes e de todos os fiéis”, e é provável que ele sonhasse
em restabelecer a velha unidade do poder temporal e do poder espiritual, mas, dessa
vez, em proveito do papa e não do imperador (Girolamo Arnaldi). Ele afirmava, de
resto, nos Dictatus papae, que “apenas o papa tinha o direito de uso das insígnias
imperiais”, tendência que um texto dos anos 1160 (a Summa perusina) amplifica
ainda mais, enfatizando-a: “O papa é o verdadeiro imperador”. (BASCHET, 2006, p.
196, grifo do autor)

Assim, a representação da insígnia da Igreja e o brasão da família Della Rovere foi um


recurso discursivo usado por Sisto IV para reforçar seu poder como papa, a então figura
portadora do gládio temporal e espiritual. Além do mais, no primeiro plano, próximo da
mulher, Botticelli, representou um cardeal (Figura 26). Isso porque ele veste uma sotaina
vermelha e uma mozeta (capa curta que cobre os ombros), além de um solidéu (pequeno
barrete). Seu rosto parece sereno, no entanto seu olhar demonstra que ele está entediado ou
distraído com seus pensamentos, isso porque o ritual não começou.
Pelas feições corporais e faciais identificamos que é a representação do cardeal
Giuliano Della Rovere (1443 – 1513) e a cotejamos com o afresco feito por Melozzo da Forli
(1438 – 1494) intitulado “Sisto IV nomeia Platina prefeito da Biblioteca do Vaticano”
(Figura 27), datado de 1477. No mural, Sisto IV foi representado sentado e a sua frente
Platina aparece prostrado. O cardeal que está de pé diante do papa é seu nepote, Giuliano
Della Rovere. Talvez Botticelli tenha buscado representar o cardeal com um semblante
contemplativo, como alguém que espera pelo seu momento, como se projetasse ou idealizasse
sua futura eleição no início do século XVI. Além disso, durante pontificado de Sisto IV se
intensificou a prática do nepotismo. Sobre isso Eamon Duffy escreveu que:

Uma das características mais impressionantes do papado do Renascimento foi a


quantidade de parentes que os sucessivos pontífices promoveram. Não se tratava
necessariamente de uma fraqueza moral em si. O papado era uma monarquia eleita,
e os novos papas herdavam dos predecessores uma burocracia labiríntica e um
colégio de cardeais frequentemente hostil e obstrutivo. A existência de lealdades tão
complexas no Sagrado Colégio foi formalmente reconhecida e apontada nos
conclaves. Nos períodos de eleição, as salas dos cardeais nomeados pelo papa morto
eram cobertas de panos roxos, e dos demais, de verdes. (DUFFY, 1998, p. 147)
53

Nesse sentido, a estratégia dos pontífices ao promover parentes ao cardinalato era uma
maneira de garantir apoio, colaboração e suporte para proteger alguns dos interesses do papa.
Entretanto, Sisto IV:

extremou uma vez mais a prática. Tornou cardeais seis nepotes e tratou de casar
outros com filhos e filhas de algumas das maiores dinastias italianas – Nápoles,
Milão, Urbino. Não contente com isso, cumulou-os de benefícios, outorgando rendas
de príncipes aos sobrinhos cardeais. Giuliano della Rovere, o futuro Júlio II, era
arcebispo de Avignon e de Bolonha, bispo de Lausanne, Coutances, Vivier, Menda,
Ostia, Velletri e abade de Nonantola e Grottaferrata, além de fruir de vários
benefícios menores. (DUFFY, 1998, p. 148)

Dessa forma, o papa se cercou de membros de sua família, pois foi o primeiro dos
Della Rovere a vestir a mitra papal. Além do mais, ao conceder poder aos seus parentes ele
garantiu uma rede de influência e autoridade, visto que, como já citamos, o poder é uma
prática construída dentro dos laços familiares ou sociais. Desse modo, Sisto IV, após a sua
eleição, teceu uma teia de poder a partir da prática do nepotismo para garantir sua posição. As
relações dele se construíram a partir de sua família, e isso teve reflexo nas políticas
encampadas por ele, como, por exemplo, na conspiração para assassinar Lorenzo e Giuliano
de Médici (DUFFY, 1998, p. 146). Além disso, sobre essa prática o historiador irlandês
Eamon Duffy escreveu que “no fim do século, a disseminação do nepotismo e das nomeações
venais ao cardinalato, em troca de dinheiro ou favores, tornou o resultado das eleições ainda
mais distante de refletir uma simples busca do candidato ‘de Deus’” (DUFFY, 1998, p. 149).
Outra personagem que identificamos no primeiro plano do afresco é o Rei Fernando II
de Aragão (1452 – 1516). Botticelli pintou o rei católico próximo do sacerdote e do menino
(Figura 28), entretanto seu olhar não acompanha as personagens envolvidas na preparação do
rito de purificação. Ele observa o cardeal Giuliano Della Rovere, que está a sua frente, e seu
olhar sisudo recai sobre o nepote de Sisto IV. Percebemos isso quando comparamos o rosto da
personagem com um retrato do rei católico (Figura 29) feito no final do século XV, pelo
pintor Michel Sittow (1468/9 – 1525/6). Em 1478, o Rei Fernando II e a Rainha Isabel I
fizeram o pedido ao papa Sisto IV para instaurar a inquisição no Reino de Castela. Assim, em
primeiro de novembro de 1478 o papa assinou a bula papal “Exigit Sincerae Devotionis
Affectu” autorizando que os reis católicos perseguissem os hereges e os julgassem em
tribunais especiais da Igreja. Todavia, pouco tempo depois o pontífice foi notificado sobre os
abusos perpetrados, como as execuções em massa, e tentou retomar o controle da situação.
Como afirma a escritora Brenda Ralph Lewis:
54

Relatos de excessos sádicos cometidos por inquisidores na Espanha (antes de Tomas


de Torquemada se tornar inquisidor geral) fizeram com que o papa Sisto IV tomasse
medidas para mudar as permissões que os inquisidores tinham. Em 1482, ele emitiu
uma bula papal colocando um fim na Inquisição Espanhola. Contudo, a tentativa
durou pouco. O rei Fernando pressionou e Sisto resistiu por um tempo fazendo
algumas condições, mas, finalmente em 1483, acabou cedendo e retirou tanto as
condições quanto a bula. Sisto morreu no ano seguinte [...]. (LEWIS, 2010, p. 119)

Esse momento da política externa de Sisto IV demonstra a disputa de autoridade entre


o poder temporal e o poder espiritual. O Vigário de Cristo tentou retomar o controle das ações
perpetradas pelos monarcas católicos, todavia esses foram resistentes, pois o papa dependia
do apoio militar de Fernando, uma vez que os turcos avançavam sobre a península (LEWIS,
2010, p. 120). Ademais, Sisto IV dependia do poder e da riqueza dos monarcas católicos
(BOEHME, 2017, p. 98), em vista disso, acreditamos que por essa razão mesmo após a
finalização do afresco o retrato do rei Fernando II não foi apagado. Além disso, destacamos
que uma das virtudes do príncipe deveria ser a da clemência, mesmo que Patrizi tenha escrito
que eventualmente seria preciso agir com maior severidade a fim de intimidar (SKINNER,
1996, p. 148). “Mas até mesmo Patrizi reconhece que essa é uma via algo perigosa, já que a
severidade ‘facilmente degenera em selvageria’, e que ‘não existe vício mais vergonhoso,
detestável ou desumano’ do que a crueldade de um príncipe” (SKINNER, 1996, p. 148). Por
isso, ao invés de fraco e dependente, Sisto IV agiu com clemência contra Fernando II. Pois,
em seu “espelho de príncipe”, Patrizi aconselha quais deveriam ser as práticas para alcançar a
glória, a fama e a imortalidade de seu nome. Além disso, a benevolência de Sisto IV frente a
atitude transgressora dos monarcas católicos visava ressaltar a qualidade do papa.

Patrizi afirma com bastante ênfase, na ementa de um de seus capítulos, que um rei
“nunca deve iludir, nunca mentir, nunca permitir que outros mintam” (p. 138).
Portanto concorda, em seu Do Príncipe, que “nada é mais infame” do que um
governante “não cumprir a palavra dada”, e insiste em que, “se for o caso, requer-se
absolutamente que ele respeite a fé prometida até mesmo a seus inimigos” (p. 1026).
Evidencia-se, além disso, de numerosas memórias da época, que a um príncipe que
desse mostra de tais qualidades se tributavam os maiores elogios e sinais de
admiração. (SKINNER, 1996, 149)

Assim, Sisto IV no afresco “Jesus entregando as chaves a Pedro” se comparou ao rei


Salomão, mas ressaltando que o pontífice era superior em religião, não em riqueza. Além
disso, quando o Vigário permitiu que os monarcas católicos dessem continuidade a
Inquisição, ele está sendo um príncipe que pratica a benevolência, no entanto, essa atitude
confirma que ele dependia da riqueza de Fernando II e Isabel I. Por isso, seu discurso na fonte
55

anterior de certa forma corrobora com a sua prática política, buscando de certa forma domar a
Fortuna.
Além do mais, ainda no primeiro plano, próximo do cardeal, parcialmente escondido
pelos espectadores o rosto de um homem chama atenção. Sua fisionomia é muito semelhante
a do artista Botticelli (Figura 30). Aferimos isso pois na obra intitulada “A adoração dos
Magos” (Figura 31), citada anteriormente, ele retratou a si mesmo entre as personagens.
Assim, Botticelli agiu da mesma maneira que Perugino no afresco anterior, pois além da
visibilidade obtida pelo trabalho, os pintores também almejavam a fama e a imortalidade de
seus nomes, da mesma forma que os príncipes, papas e demais membros da elite urbana
renascentista. Pois, como já pontuamos anteriormente, o status do artista passava por
mudanças nos últimos séculos da Idade Média. Ademais, o historiador da arte húngaro Arnold
Hauser escreveu que:

O aumento de encomendas de obras de arte na Renascença provoca a ascensão do


artista do nível de artesão pequeno burguês para o trabalhador intelectual livre,
classe que nunca antes tivera quaisquer raízes, mas que agora começa a desenvolver-
se, econômica, segura e socialmente consolidada, muito embora de modo nenhum se
torne um grupo uniforme. (HAUSER, 1982, p. 415)

Além disso, “a emancipação dos pintores e escultores dos grilhões das guildas e a sua
ascensão do nível de artesão ao do poeta e do erudito, têm sido atribuídas à sua aliança com os
humanistas” (HAUSER, 1982, p. 424). Tal informação corrobora com o que já foi
apresentado no capítulo anterior. Nesse viés, com a desvalorização da terra o investimento em
cultura passou a ser o meio pelo qual alguns grupos urbanos reorganizaram suas redes de
poder e influência. Por isso “o público das obras de arte da Renascença é a classe média
urbana e a sociedade palaciana” (HAUSER, 1982, p. 373). E sobre o artista, o historiador
ainda destaca que:

Os homens começam a ter consciência da sua força criadora, no moderno sentido da


palavra, e há cada vez maiores indícios do crescente auto-respeito do artista.
Possuímos assinaturas de quase todos os importantes pintores do Quattrocento, e é
nesta época que Filarete manifesta o desejo de todos os artistas assinarem os seus
trabalhos. Porém, mais característico ainda do que este costume, é o fato de a maior
parte destes pintores também deixarem auto-retratos, se bem que nem sempre sejam
quadros expressamente pintados com esse fim. Os artistas retratam-se – e algumas
vezes retratam, como figurantes, as pessoas de sua família – junto aos fundadores e
patronos, à Virgem e os santos. (HAUSER, 1982, p. 429 e 430, grifo do autor)

Assim, tanto Perugino quanto Botticelli praticam esse costume ao produzirem os


arranjos iconográficos que decoram a Capela Sistina. Além do autorretrato de Botticelli,
56

encontramos também o retrato do artista Filippino Lippi (1457 – 1504) (Figura 32). Ambos
foram amigos e estudaram juntos em Florença, e Botticelli foi aprendiz do pai de Filippino, o
pintor florentino Filippo Lippi (1406 – 1469) (LURKER, 2003, p. 93). Aferimos isso a partir
da comparação com o autorretrato presente na obra intitulada “Disputa com Simão, o Mago e
Crucificação de Pedro” (Figura 33), datada de 1481, executada por Filippino Lippi.
Para mais, nesse primeiro plano podemos destacar a figura de um menino que tenta
carregar vários cachos de uva em sua roupa, expondo a sua nudez (Figura 34). Ele se serviu
de uma porção de frutos dessa videira que cresce próxima a um banco, provavelmente, de
mármore. Todavia, havia uma pequena cobra escondida nesta planta, que incomodada tentou
se enrolar no corpo do menino, para talvez picá-lo. A vinha representa Cristo que “descreve a
si mesmo como vitis vera, a verdadeira videira, e seus discípulos como os ramos” (LURKER,
2003, p. 754), e, tal como a passagem bíblica do Evangelho de João 15:01-15. Ainda segundo
Juan-Eduardo Cirlot, a videira significa sacrifício (CIRLOT, 2005, p. 602). Já a serpente
emula o Demônio e o Mal (LURKER, 2003, 641 e 642), assim, no primeiro plano,
encontramos uma alegoria da luta entre Satanás e Jesus. Ademais, os movimentos corporais e
a expressão facial do menino são semelhantes ao de uma escultura romana (Figura 35), cópia
de uma obra grega, o que demonstra o apego do artista pela cultura clássica. E, como foi
pontuado no excerto escrito por Hauser, havia muitas reminiscências da Antiguidade em
Roma e por toda a península, e isso influenciou diversos artistas e arquitetos durante o
movimento Renascentista.
Ainda no primeiro nível do afresco, percebemos que muitos homens são
representados, todavia não podemos aferir quem são, pois não portam atributos que
possibilitem a sua identificação. Mas, conforme pontuou o historiador Arnold Hauser, as
demais personagens podem ser contemporâneos do pontífice ou do artista. Entre as figuras
encontramos um homem armado com uma arma branca. Provavelmente é a representação de
um condottieri, pois da mesma maneira que os príncipes investiam em cultura, se praticava o
mecenatismo dos condottieiri (MALLETT, 1988, p. 55). Ademais, o historiador inglês
Michael Mallett escreveu que esse soldado renascentista, muitas vezes rico pela sua origem
nobre ou pelas somas recebidas por seus serviços, investia em cultura. Por isso,

Ao contrário dos mercadores e dos banqueiros, que tinham de se contentar com a


liquidação irregular das contas e que estavam fortemente dependentes das
transacções a crédito, os condottieri mais importantes podiam exigir consideráveis
adiantamentos em dinheiro antes de partirem para o campo de batalha com as suas
tropas. Isto sem contar os eventuais golpes de sorte, que podiam surgir no seu
caminho sob a forma de despojos e resgates. Por conseguinte, num período em que a
57

moeda metálica circulante tendia a reduzir-se, os condottieri encontravam-se numa


posição particularmente forte para agir como mecenas, e por isso artistas e homens
de letras competiam entre si para entrarem a serviço, sobretudo desde que o modo de
vida do seu séquito se ia tornando mais estável. (MALLETT, 1988, p. 56)

Em vista disso, essa figura se repete nas duas fontes analisadas. Os condottieri, além
de soldados da guerra ou comandante, também eram mecenas, da mesma maneira que o papa.
Por tal prática o condottieri foi representado próximo de artistas, rei, cardeal, membros do
clero e da aristocracia, entre outros, porque fazia parte da elite urbana que reorganiza seu
poder a partir do investimento em arte. Somado a isso, “se a reputação do príncipe do
Renascimento tem os seus aspectos obscuros e violentos, por outro lado, ele e a sua corte
surgem como uma síntese do bom gosto e da civilização do Renascimento” (LAW, 1988, p.
23). Isso porque a aristocracia e o clero precisaram reorganizar seu poder a partir da
patronagem de projetos artísticos e arquitetônicos, a fim também de alcançar a fama e a
glória, imortalizando os seus nomes.
Assim, avançamos na análise, seguindo para o segundo plano do afresco (Figura 36).
Pois, neste percebemos uma continuação do que acontece no primeiro plano. Entretanto, a
atenção dos espectadores está voltada para o altar em mármore, que possui uma abertura na
sua base, onde vemos fogo, e uma fumaça escura se ergue na parte superior, porque,
provavelmente, há uma chaminé no seu centro. O flamejar das labaredas e a presença do fogo
indicam a presença de Deus e o seu poder purificador (LURKER, 2003, p. 274 e 275), além
de que “na bíblia, a fornalha é uma imagem da purificação” (LURKER, 2003, p. 278). Dessa
maneira, as representações do forno e do fogo reforçam o ato encenado pelo sacerdote e o ex-
leproso. Além do mais, a Lei será cumprida na presença simbólica de Deus. Outro elemento
desse ponto do afresco é a fumaça, observada atentamente por várias personagens, seus rostos
parecem intrigados e muitos analisam as formas que ela toma em contato com o ar, em busca,
talvez, de respostas para suas perguntas. Parece haver uma expectativa muito grande entre
esses homens, e eles esperam que haja algum sinal nessa fumaça.
Desse modo, o primeiro nível do afresco pintado por Botticelli não representa somente
o rito de purificação de um ex-leproso. Nele percebemos também as relações de poder entre
Sisto IV e o seu nepote, Giuliano Della Rovere, uma vez que esse último está sempre próximo
de seu tio, além de que seu olhar parece vislumbrar a sua coroação no início do século XVI.
Isso foi observado pelo rei Fernando II, que a partir de sua expressão circunspecta busca
decifrar o semblante de Giuliano. Percebemos que apesar do esforço do pontífice em
representar a sacralidade de sua autoridade e legitimar seu poder temporal e espiritual, ele foi
58

dependente dos reis, sofrendo pressões para que a vontade desses fosse atendida. Outras
figuras, como a do condottieri, são representadas não pela sua violência, mas pelo seu poder
como mecenas, pois, da mesma forma que o papa, os comandantes também investem em
cultura, a fim de alcançar a honra e a glória.

2.2 AS TENTAÇÕES COMO TRIBULAÇÕES PARA ENTRAR NO REINO DE DEUS

O afresco intitulado “As tentações de Cristo” chama a atenção do observador por sua
paleta de cores vivas e a dinâmica das personagens. O equilíbrio do arranjo iconográfico
ameniza a energia das ações que acontecem nos três planos do mural. No segundo nível
identificamos uma mulher que veste roupas de cores branca e laranja (Figura 37). Ela parece
caminhar depressa, pois a representação dos tecidos indica movimento e carrega sobre a
cabeça uma tigela, provavelmente de barro, com duas galinhas vivas, parcialmente cobertas
por um tecido de cor branca.
Os animais farão parte do ritual de purificação, pois um deles, como citado no excerto
bíblico, será morto (provavelmente na mesma vasilha em que é transportado) e a outra ave
será solta, após a cerimônia. Logo, observamos que os animais trazidos pela mulher (segundo
plano), juntamente com a água e os ramos de hissopo, que são carregados pelo menino, e a
madeira carregada pela mulher (no primeiro plano) serão usados no ritual citado no Antigo
Testamento. No arranjo iconográfico não identificamos a púrpura escarlate, e talvez em
função da ausência desse objeto, o ritual ainda não tenha iniciado, o que gera nas demais
personagens curiosidade e expectativa. Essa atmosfera é muito bem transmitida pelos gestos e
as expressões faciais das figuras, uma delas, por exemplo, inclina o corpo para frente com a
intenção de ver e acompanhar cada detalhe.
O que chama a atenção nesse plano do afresco é o grupo de anjos que acompanha
Jesus Cristo, próximo de uma escada, no limiar do bosque (Figura 38). O Filho de Deus foi
representado conversando com os anjos, enquanto gesticula com a mão esquerda, indicando o
rito cerimonial que deve tomar forma no primeiro plano. Uma das figuras celestes que O
acompanha, carrega um ramo de lírio, e, segundo o filósofo e escritor francês Jean Chevalier,
essa flor representa aquele que restitui a vida, com a promessa de imortalidade e salvação
(CHEVALIER, 1986, p. 652), reforçando a presença de Jesus na cena.
Todavia, a sequência de cenas que dá nome ao afresco está disposta no terceiro plano
(Figura 39). Neste nível, Botticelli representou figurativamente a passagem bíblica do
59

Evangelho segundo Mateus, capítulo 04 dos versículos 01 ao 11. Estes se referem ao


momento em que o Espírito conduziu Jesus para o deserto para ser tentado pelo Diabo três
vezes. Pois, o Filho de Deus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, e quando Ele
sentia fome o Diabo o tentou pela primeira vez; provocando-O para que transformasse
algumas pedras em pão a fim de saciar sua fome; na segunda tentativa o Diabo sugere que o
Filho de Deus salte do templo para que os anjos O salvem; no terceiro teste o Diabo oferece
os reinos terrestres e as suas riquezas se Jesus o adorasse.
Esses momentos da vida de Cristo, no terceiro nível do afresco, podem estar ligados a
cena em que Ele aparece entre os anjos no segundo plano. Desse modo, essa representação faz
referencia a passagem bíblica encontrada no Evangelho de Mateus 05:17, assim: “não pensem
que eu vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim abolir, mas dar-lhes pleno cumprimento”. Os
versículos seguintes citam que o cumprimento das leis garante aos homens e as mulheres um
lugar no Reino dos Céus. Por isso, Jesus aponta para a cerimônia que deve acontecer, porque
ela segue o que está na Lei, garantindo a purificação do ex-leproso.
Somado a isso, na parte superior do afresco pintando por Botticelli, encontramos o
título em latim “TEMPTATIO IESV[U] CHRISTI [LATORIS] EVANGELICAE LEGIS”
que traduzimos como “a tentação de Jesus Cristo, doador da Lei do Evangelho”39
(CAMPBELL, 2008, p. 72, tradução nossa). Logo, o título do mural nos dá indícios do tema
do arranjo iconográfico pintado pelo artista, de modo que relaciona os dois aspectos
pontuados até então nesse subcapítulo.
No terceiro plano do afresco são representadas as três tentações sofridas por Cristo e
podemos dividir em três momentos distintos. Reconhecemos Jesus pelo atributo da auréola,
que indica a sua santidade. Entretanto, a outra personagem sofre mudanças na sua
representação. Na primeira cena, a figura aparece vestida como um eremita, mas das suas
costas saem um par de asas e seus pés são semelhantes aos de uma ave, e além disso na mão
esquerda carrega um rosário e uma bengala. A sua mão direita aponta para um grupo de
pedras e Jesus através de gestos parece indagar sobre a ação (Figura 40). Conforme a
passagem bíblica:

39
No livro intitulado “The Passion Story - From Visual Representation to Social Drama” organizado pela
historiadora Marcia Kupfer, há o artigo intitulado “The Conflicted Representation of Judaism in Italian
Renaissance Images of Christ’s Life and Passion” escrito por Stephen J. Campbell, nele a tradução do latim para
o inglês aparece como “The temptation of Jesus Christ, giver of the evangelical law” (CAMPBELL, 2008, p.
72).
60

Então o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo. Jesus jejuou
durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois disso, sentiu fome. Então o
tentador se aproximou e disse a Jesus: “Se tu és Filho de Deus, manda que essas
pedras se tornem pães!” Mas Jesus respondeu: “A Escritura diz: ‘Não só de pão vive
o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.’ ” (Mateus 04:01-04)

Depois, ambas as figuras reaparecem sobre o templo, ali o velho eremita aponta em
direção ao solo e, mais uma vez, os gestos de Jesus são de alguém que se nega a fazer o que
lhe é pedido (Figura 41). Logo:

Então o diabo o levou à Cidade Santa, colocou-o na parte mais alta do Templo. E lhe
disse: “Se tu és Filho de Deus, joga-te para baixo! Porque a Escritura diz: ‘Deus
ordenará aos seus anjos a teu respeito, e eles te levarão nas mãos, para que não
tropeces em nenhuma pedra.’ ” Jesus respondeu-lhe: “A Escritura também diz: ‘Não
tente o Senhor seu Deus.’ ” (Mateus 04:05-07)

Destacamos que a fachada do templo faz referência a uma das obras encampadas por
Sisto IV, o Hospital Espírito Santo (Figura 42). Posteriormente, sobre um penhasco, Jesus
afasta o eremita, que revela sua real identidade. A figura possui um corpo animalesco e
grotesco, da mão cai a bengala em que ele se apoiava; o mesmo acontece com o rosário. O
manto que escondia seu corpo se abre. Botticelli representa Satanás com um corpo
humanóide, mas com traços animalescos, como: as asas, o rosto, as pernas e os pés. Sobre
isso o historiador da arte francês Pierre Francastel escreveu que:

frequentemente, nos mostram o diabo sob a figura de um homem mais ou menos


deformado. Por vezes suas ancas ou o ventre tem forma de figura humana. Em todos
os casos a ideia é que o verdadeiro diabo é espírito, mas capaz de se encarnar sob
todas as formas de aparências, [...]. (FRANCASTEL, 1982, p. 353)

Assim, Cristo, após a terceira tentação, expulsa o demônio da sua presença (Figura
43), conforme a passagem bíblica:

O diabo tornou a levar Jesus, agora para um monte muito alto. Mostrou-lhe todos os
reinos do mundo e as suas riquezas. E lhe disse: “Eu te darei tudo isso, se te
ajoelhares diante de mim, para me adorar.” Jesus disse-lhe: “Vá embora, Satanás,
porque a Escritura diz: ‘Você adorará ao Senhor seu Deus e somente a ele servirá.’ ”
Então o diabo o deixou. E os anjos de Deus se aproximaram e serviram Jesus.
(Mateus 04:08-11)

Após o diabo revelar sua natureza diante de Jesus, Ele o expulsa da sua presença. E da
mesma forma que é narrado no Evangelho de Mateus, no afresco, três anjos se aproximam,
colocando sobre uma mesa pães, um jarro de vidro e tecidos, pois Cristo tinha fome.
61

Entretanto, esta ação angelical também relembra o rito eucarístico, no qual o Filho de Deus
foi morto para purificar os pecados dos homens e das mulheres. Somado a isso, no texto
apócrifo escrito por Pedro, lemos que: “uma vez que Cristo sofreu na carne, vocês também
devem estar armados com esta convicção: aquele que sofreu na carne, rompeu com o pecado,
a fim de viver o resto de seus dias guiado pela vontade de Deus e não por paixões humanas”
(1 Pedro 04:01,02). Assim, enquanto Cristo esteve entre os homens, foi o Verbo encarnado,
sofrendo assim com as tentações de Satanás. Ele também sentiu fome e sede como os homens
e as mulheres cristãs. Por isso, da mesma maneira que a Sua natureza foi questionada pelos
contemporâneos, a sua carne também sofreu com as seduções e enganações do Mal. Logo, se
tais tentações recaíram sobre Cristo, também poderiam cair sobre o papa. Sendo assim, ao
representar as provocações sofridas pelo Verbo encarnado, Sisto IV relembra cardeais,
conciliaristas, e outros clérigos que ele também pode cair em pecado. Mesmo que o Vigário
tenha reforçado que a sua religião era superior a do rei Salomão.
Somado a isso, o elo entre o rito de purificação (primeiro e segundo nível), narrado no
Antigo Testamento, e as tentações sofridas pelo Filho de Deus (terceiro nível), está no grupo
angélico que acompanha Jesus no limiar do bosque (Figura 44). Pois, a mão Dele aponta para
o rito que deve ter início assim que todos os elementos se façam presentes. Além disso, a
execução correta da cerimônia busca cumprir a Lei trazendo a purificação do ex-leproso, da
mesma maneira que a preparação da Eucaristia emula a remissão dos pecados da
Humanidade. Dessa forma, mesmo que todos sofram com a sedução das forças malignas, o
Reino dos Céus será reservado para os que cumprem a Lei e permanecem fiéis aos
ensinamentos de Deus. Para mais, o afresco pintado por Botticelli une em um arranjo
iconográfico passagens do Antigo e do Novo Testamento, para que a mensagem transmitida
seja de obediência à Deus e ao seu projeto de Salvação. Ademais, o texto apócrifo diz:

[...] E todos vocês revistam-se de humildade no relacionamento mútuo, porque Deus


resiste aos soberbos, mas dá a graça aos humildes. Abaixem-se diante da poderosa
mão de Deus, a fim de que no momento certo ele os levante. Coloquem nas mãos de
Deus qualquer preocupação, pois é ele quem cuida de vocês. Sejam sóbrios e fiquem
de prontidão! Pois o diabo, que é inimigo de vocês, os rodeia como um leão que
ruge, procurando a quem devorar. (1 Pedro 05:05-08)

Dessa maneira, o discípulo Pedro insiste que é necessário resistir às tentações e


provocações de Satanás. Da mesma maneira que reagiu Cristo nas três passagens bíblicas
citadas anteriormente. Além do mais, Deus protege os humildes e castiga os orgulhosos, um
exemplo disso foi a punição do Diabo, que caiu pelo seu orgulho. Percebemos isso na
62

natureza de Satanás, quanto este pede que Cristo o adore. Assim, ao mesmo tempo em que, o
papa era uma entidade temporal, era também uma entidade espiritual, dessa maneira, o
Vigário de Cristo e o corpo clerical podiam realizar a salvação dos homens e as mulheres. Os
cristãos deveriam se conservar humildes e obedecer a Deus, todavia nesse período o clero
ainda era um intermediário obrigatório entre o Pai e a humanidade. Além disso,

se a Igreja é dotada de uma excepcional capacidade de acumular terras e riquezas, é


porque se lhe reconhece uma força distributiva ainda maior; é porque ela está apta a
garantir uma circulação generalizada de benesses materiais e espirituais.
(BASCHET, 2006, 178)

Somado a isso, os homens e as mulheres não podem acessar a Deus diretamente, eles
deveriam colocar na mão dos clérigos suas preocupações. Além do mais, para redimir os
pecados e evitar as tentações demoníacas, a doação de bens era uma forma de receber graças e
a salvação. E o sacrifício eucarístico, representado por Botticelli, era uma maneira de tornar
espirituais as doações materiais, assim:

É essencialmente pelas missas que os clérigos celebram que os bens materiais


oferecidos pelos doadores transformam-se em benesses para a alma. Mais
amplamente, é pela missa, sacrifício ao deus que só tem sentido porque ele é
sacrifício do deus, que são garantidas, a um só tempo, a coesão do corpo social e a
circulação, em seu seio, da graça divina. Finalmente, é por que ela ocupa essa
posição de operadora decisiva e de intermediária obrigatória na troca generalizada
que a Igreja dispõe de tantos bens materiais, que os laicos oferecem a Deus e aos
santos e confiam a seus cuidados perpetuamente. (BASCHET, 2006, p. 179 e 180)

Além disso, essa prática durante a segunda metade do século XV se traduzia na


comemoração do Ano do Jubileu. Esse evento era o “ano durante o qual os penitentes sinceros
que peregrinassem a Roma podiam receber a ‘indulgência plenária’ e, assim, ter anulada toda
penitência a que os sujeitavam os pecados cometidos” (DUFFY, 1998, p. 139). As
peregrinações até Roma possibilitaram que o tesouro crescesse novamente, após o Grande
Cisma. Esse incremento da renda papal possibilitou que alguns papas se tornassem
entusiasmados patronos das artes e da arquitetura, perpetuando os seus nomes no espaço.
Entre os anos de 1471 e 1484 o Vigário de Cristo encampou diversas obras
arquitetônicas e artísticas a fim de imortalizar o seu nome e o de sua família em Roma. E ao
ser mecenas de Botticelli e encomendar que fosse representada as tentações de Cristo, Sisto
IV reforçou a ideia de que enquanto Ele esteve entre os homens e as mulheres, também foi
tentado por Satanás. Entretanto, Jesus foi obediente a Deus, e ao fim da terceira provocação,
houve o momento de graça, quando se emulou o sacrifício eucarístico pelos anjos. Da mesma
63

maneira que, no primeiro plano, para o ex-leproso ser curado, precisou oferecer em sacrifício
bens materiais, conforme dito pela Lei.
Além do mais, os projetos artísticos fomentados por alguns patronos papais
renascentistas ajudavam a criar uma imagem magnífica do papado, pois, além da celebração
da Fé, os afrescos continham discursos. Por exemplo, no afresco pintado por Perugino havia a
intenção de legitimar a autoridade temporal e espiritual de Sisto IV. Enquanto que no mural
pintado por Botticelli o arranjo iconográfico exalta o cumprimento da Lei e a salvação pelo
rito eucarístico. Essas representações e discursos vão ao encontro do que escreveu o
historiador da arte Louis Réau, visto que “acontece também que certos motivos,
historicamente populares, são perseguidos e proscritos pela autoridade eclesiástica por razões
de dogma, conveniência ou simplesmente oportunidade”40 (RÉAU, 2000, p. 22, tradução
nossa). Dessa maneira, a fonte pictórica não deve ser analisada por si só, no caso dos dois
afrescos analisados, eles estão inseridos em um contexto aonde o pontífice Sisto IV, primeiro
de sua família a cingir a mitra papal, convidou diversos artistas para decorar uma capela,
construída sob a sua ordem. O que escreveu o historiador Antoine Prost corrobora com essa
perspectiva:

o historiador que pretende reconstruir as representações constitutivas de um grupo


social é levado a privilegiar certos objetos de estudos que requerem métodos de
análise específicos. A atenção centra-se nas produções simbólicas do grupo e, em
primeiro lugar, nos discursos que faz. Ou antes, nos seus discursos enquanto
produções simbólicas. O que, com efeito, muda é mesmo o objecto de estudo – o
historiador sempre trabalhou e trabalhará ainda durante muito tempo sobre textos,
mesmo apelando a outras fontes – que o ângulo sob a qual ele é considerado.
(PROST, 1998, p. 129)

Além disso, ainda no terceiro plano, após ser tentado três vezes, Jesus expulsa Satanás.
Todavia, Botticelli não representou o deserto como é narrado na passagem bíblica, ele fez uso
de paisagens de sua época. Por exemplo, a fachada do templo onde Satanás e Jesus ficam
durante a segunda tentação, emula o Hospital Espírito Santo, construído por ordem de Sisto
IV. Outro elemento contemporâneo do artista e do papa são as duas cidades representadas no
horizonte (Figura 45), uma delas, ao lado direito do observador, avança sobre as águas, onde
aportam embarcações grandes e pequenas. Em tom salmão claro as edificações se erguem e
lembram Veneza. A cidade, ao lado esquerdo do observador, tem uma arquitetura
acinzentada, e as suas muralhas se estendem sobre os morros. No interior de seus muros, altas

40
Sucede también que ciertos motivos, históricamente populares, son perseguidos y proscritos por la autoridade
eclesiástica por razones de dogma, de conveniencia o simplemente de oportunidad.
64

e baixas edificações preenchem o espaço, mas até o momento não reconhecemos


similaridades com nenhuma cidade italiana.
Ademais, como escreve o historiador Jean Delumeau, durante o século XIV e o século
XVI não foi somente no campo que aconteceram avanços, com o desenvolvimento de novas
técnicas de drenagem, mudanças na forma de cultivo, o melhoramento da horticultura, entre
outros. As cidades também sofreram diversas alterações, segundo as palavras apologistas de
Delumeau “foi no interior das muralhas urbanas que amadureceu a cultura, que se expandiram
as obras de arte, que o homem aprendeu a ultrapassar-se” (DELUMEAU, 1983, p. 255).
Muitas vezes associada à Idade Média:

as epidemias de peste são para as cidades do Renascimento mais temíveis que os


homens de armas. Aparecem com maior frequência e fazem mais vítimas. A partir
do século XV, a peste foi, na Europa um fenômeno essencialmente urbano.
(DELUMEAU, 1983, p. 256)

Tal excerto reforça o que foi debatido na introdução dessa monografia no momento
que nos posicionamos sobre o modelo historiográfico renascentista. Ademais, o autor reforça
a nossa colocação quando escreve que:

Crescimento das cidades mas, mais ainda, promoção da cidade. A cidade, na época
do Renascimento, é um ser de razão. Não só é vivida como também pensada. Mas
neste domínio, como em muitos outros, não se observa um recorte radical entre o
período medieval e o período que se lhe seguiu. Quando os arquitectos do
Renascimento começaram a reflectir sobre a cidade, não rejeitaram em conjunto as
fórmulas a que os acasos, as tentativas e a diversidade dos locais tinham conduzido
os seus predecessores. (DELUMEAU, 1983, p. 258)

Além disso, as cidades durante o Renascimento eram planejadas com diferentes


plantas urbanas, com algumas noções básicas de higiene, que além de práticas para o
cotidiano deveriam ser bela. Pois:

A partir do Renascimento, os príncipes tomaram a peito fazer as suas cidades


simultaneamente mais práticas e mais estéticas. Esta preocupação é particularmente
visível nos papas do fim do século XV e do século seguinte. Abundam textos que o
atestam. Num breve de 1473, Sisto IV escrevia: “Entre os inúmeros objectos que
chamam a nossa solicitude não nos é permitido esquecer a limpeza e embelezamento
da nossa residência. De fato, se há cidade no mundo que deva brilhar pela limpeza e
pela beleza, é antes de todas aquela que tem o título de capital do universo.”
(DELUMEAU, 1983, p. 262)

Assim, mais que uma preocupação com a higiene do espaço urbano e a proteção
contra ataques, ao remodelar as cidades os papas e os urbanistas criavam um discurso de
65

poder que imortalizava seu nome e o de sua família. Isso é exemplificado durante o papado de
Sisto IV, por exemplo, pela construção do mausoléu da família Della Rovere em uma das
entradas da cidade de Roma, assim os peregrinos vindos do norte se deparavam com a força
do papado e a importância dos Della Rovere (DUFFY, 1998, p. 143). Sobre isso Chastel
escreveu que uma das obras-primas de Antonio del Pollaiuolo (1429 – 1498) foi a criação do
“túmulo de Sisto IV (1484 – 1494), que por seu estilo, iconografia e localização numa capela-
mausoléu da abside de São Pedro, resume as ambições de um grande pontífice moderno”
(CHASTEL, 1991, p. 280, grifo do autor). Por conta dessas práticas, o historiador Delumeau
escreve que “Roma era, na Europa do fim do Renascimento, uma cidade-piloto, com as suas
ruas novas, direitas, os seus majestosos monumentos, as suas graciosas fontes, os seus jardins,
já em grande número (Quirinal, Villa Mattei, Villa Médieis)” (DELUMEAU, 1983, p. 268).
Assim, após o Grande Cisma, Roma estava em ruínas e abandonada, no entanto, o retorno dos
Vigários de Cristo trouxe consigo uma atmosfera de reconstrução e renovação, buscando
recuperar e fazer dela um centro adequado para o mundo cristão.

******

No projeto iconográfico intitulado “As tentações de Cristo”, Botticelli representou


uma complexa e dinâmica cena de purificação de um ex-leproso, relegando ao terceiro plano
as tentações encampadas por Satanás contra Jesus. Além disso, as figuras esguias se
posicionam em diversos ângulos e curvaturas, seus tecidos se movem livremente sobre os
corpos, e a paisagem calma contrasta com a energia das personagens. No primeiro e no
segundo nível do afresco, os elementos necessários para a cerimônia de purificação se
aproximam para que os espectadores vejam a Lei do Antigo Testamento ser cumprida pelo
sacerdote. Entre eles, o cardeal Giuliano Della Rovere, o rei Fernando II, o próprio artista e
seu amigo Filippino Lippi serão testemunhas do ritual.
No terceiro plano, as tentações de Cristo acontecem em três momentos distintos. No
entanto, Botticelli não representou o deserto narrado na passagem bíblica, o cenário que
compõe o afresco era contemporâneo ao artista e ao pontífice. Pois, desde Nicolau V havia em
curso um projeto de revitalização e reconstrução de Roma, com o intuito de tornar essa cidade
cristã um lugar belo e faustoso. Porém, além de criar uma nova imagem de Roma, alguns
pontífices renascentistas buscavam por meio da prática do mecenato imortalizar seu nome e o
66

nome de sua família. E os arranjos iconográficos, mais que afrescos decorativos e a serviço da
Fé, eram afirmações de poder e autoridade, carregadas de simbolismo papal.
67

3. CONCLUSÃO

O chamado Ciclo da Vida de Jesus, localizado na parede norte da Capela Sistina,


representa figurativamente passagens da existência de Cristo entre os homens. Nesse estudo
analisamos dois afrescos desse ciclo, o primeiro, feito pelo artista úmbrio Pietro Perugino,
intitulado “Jesus entregando as chaves a Pedro”, e o segundo, produzido pelo pintor
florentino Sandro Botticelli, intitulado “As tentações de Cristo”, ambos datados entre 1481 e
1482. Todavia, mais que figurações religiosas a serviço da Fé e decorações benevolentes, são
representações e discursos políticos, como escreveu o professor Rodrigo Patto Sá Motta.
Ademais, a partir da análise iconográfica e iconológica sugerida pelo historiador da
arte Erwin Panofsky, se fez a “leitura” das fontes pictóricas. Desse modo, descrevemos a
composição na etapa iconográfica, indicamos as personagens, os atributos e os demais
elementos formais e compositivos dos afrescos. Posteriormente, aferimos o significado
intrínseco do afresco e a sua interpretação no nível iconológico. Além do método, o aporte
teórico desse estudo fez uso dos conceitos de prática, representação e discurso; da corrente
historiográfica da Nova História Cultural (NHC), da qual o principal nome é o historiador
francês Roger Chartier.
Desse modo, as práticas adotadas por Sisto IV serviram para mostrar uma forma dele
ver o mundo e reforçar a sua autoridade. Por isso, o mecenato visou, a partir dos afrescos,
marcar e perpetuar o seu nome e o seu poder como papa perante os cardeais, os conciliaristas,
o restante do clero e os laicos. Dessa maneira, as representações de passagens do Antigo e do
Novo Testamento são discursos de poder e de superioridade do Vigário de Cristo, detentor da
espada espiritual e temporal, na qual a segunda era subordinada a primeira.
Houve durante o medievo e, posteriormente, no movimento renascentista, diversas
tensões entre o Vigário de Cristo e os imperadores. De modo que, os papas buscavam por
meio da teoria dos dois poderes consolidar a sua autoridade, garantindo a validade de suas
ações nos assuntos temporais. Visto que Sisto IV não se dedicou somente a revitalizar e
reconstruir Roma, pois após cingir a coroa papal buscou combater os turcos; autorizou o rei
Fernando II a instaurar a Inquisição em seu reino, tentando posteriormente revogar a bula
papal; se envolveu na conspiração dos Pazzi contra membros da família Médici. Assim, ele
atuou na política interna da Península Itálica e na externa, interferindo nos assuntos temporais
dos reis.
68

Dessa maneira, a prática do mecenato papal visou reforçar a natureza sagrada da sua
posição, por isso os dois ciclos de afrescos que decoram a Capela Sistina dão ênfase a sua
autoridade e seu poder, tendo início com Moisés (parede sul) e, posteriormente, com Jesus
(parede norte). Pois, o poder dos céus foi entregue ao discípulo Pedro, o primeiro papa, e tal
jurisdição arrolou aos demais Vigários até Sisto IV, em 1471. Por isso, mais que uma
decoração clemente a Deus, os afrescos eram representações figurativas carregadas de
simbolismo político. Assim, no primeiro plano do afresco intitulado “Jesus entregando as
chaves a Pedro”, o Filho do Pai entrega ao seu discípulo a chave do Reino dos Céus; tal ato
foi testemunhado pelos demais apóstolos e homens laicos, contemporâneos de Sisto IV e do
artista Pietro Perugino, como pontuamos no primeiro capítulo dessa monografia.
No segundo plano, duas cenas da vida de Cristo são representadas, nelas a Sua
natureza foi questionada pelos seus seguidores e contemporâneos. Tal discurso reforçava que
tanto Jesus quanto o papa tiveram a autoridade temporal e espiritual contestada. Assim,
concluimos que Sisto IV buscou se comparar ao Filho de Deus com o intuito de reforçar o seu
poder, pois da mesma maneira que o Verbo Encarnado foi refutado, ele, papa, também foi.
Pois, facções e alguns imperadores, se articulavam para que os papas não interferissem em
assuntos temporais apesar de sua natureza espiritual.
No terceiro plano do mural foram representados dois arcos e uma sólida igreja sobre
um céu azul simples. Acreditamos que essa foi uma segunda forma usada por Sisto IV para
marcar sua autoridade e poder como papa, uma vez que ele era conhecido por seus
contemporâneos como restaurator urbis. Além disso, nos últimos séculos da Idade Média,
ocorreu a desvalorização da terra que até então garantia riqueza e poder a aristocracia e a
Igreja. Por isso, entre o fim do medievo e durante o movimento Renascentista houve uma
reestruturação tanto da aristocracia quanto do clero, que passaram a reorganizar seu poder,
entre outras coisas, a partir do investimento em cultura, por meio da prática do mecenato de
artistas, arquitetos, humanistas, entre outros.
De tal maneira que a riqueza e a autoridade até então associados a posse da terra
foram revistas e associadas a arte e, também, a erudição. Além disso, após o Grande Cisma,
muito papas renascentistas promoveram uma sofisticada e faustosa reconstrução e
revitalização de Roma, a fim de reorganizar o poder da Igreja. Desse modo, Perugino
representou imponentes peças arquitetônicas no terceiro plano do afresco para reforçar o
poder e a riqueza de Sisto IV perante o restante do clero e da aristocracia urbana. Isso se
repetiu no mural pintado por Botticelli, intitulado “As tentações de Cristo”, porque quando o
69

artista representou as provocações de Satanás contra Jesus a fachada do hospital de órfãos


Espírito Santo foi usado como elemento no arranjo iconográfico. Isso porque tal construção
foi financiada por Sisto IV, assim como novas ruas, pontes, e a Capela Sistina. Além disso, no
terceiro plano, além da monumental arquitetura que se ergue no limiar do adro, há também as
inscrições nos arcos, onde há a comparação do papa com o rei Salomão. De maneira que,
enquanto o rei foi magnífico pela sua riqueza, Sisto IV, que consagrou a Capela Sistina, era
glorioso pela sua religião. Identificamos assim uma exaltação da sua natureza espiritual diante
de seus contemporâneos.
Além disso, a patronagem papal se intensificou durante o papado de Sisto IV, e o
melhor exemplo disso foi a decoração interna da Capela Sistina, pois foi confiado a uma
equipe de artistas e aprendizes , entre eles Perugino e Botticelli. Assim, durante dois anos eles
trabalharam na execução do ciclo de afrescos e na representação das pesadas cortinas com
detalhes da insígnia da Igreja e o brasão da família Della Rovere, além do retrato dos papas,
na parte superior das paredes. Somado as representações bíblicas, ambos os artistas se
retrataram entre os laicos, pois nesse momento já havia a preocupação com a fama, a honra e
a glória. Todavia, estes artistas da segunda metade do século XV ainda obedeciam ao que
estava escrito no contrato, ao mesmo tempo em que buscavam se destacar pela técnica e
composição.
Para mais, havia nos artistas a intenção de perpetuar seus nomes, da mesma maneira
que o pontífice. Pois, em seu espelho de príncipe Patrizi aconselhou e instruiu Sisto IV a fim
de promover a sua reputação com o propósito de obter o mais elevado grau de fama e glória
para o seu nome, perpetuando-o no tempo. Assim, suas obras e patronagem eram vias para
garantir a imortalidade do seu papado, por isso, além da decoração da capela, os elementos
arquitetônicos são representados nos dois afrescos. Da mesma maneira que as cidades
representadas no afresco de Botticelli também foram espaço de demonstração da fama e da
glória dos papas, pois principalmente Roma foi revitalizada por estes. Além disso, foi a partir
da construção de ruas, pontes, capelas, hospitais e outras edificações que os príncipes
renascentistas imortalizaram seus nomes. Pois, como escreveu Delumeau, foi no interior das
muralhas urbanas que a cultura se alastrou, evidenciando assim a riqueza e o poder dos
mecenas. Isso porque, redesenhar e reconstruir a cidade eram formas de inscrever o nome dos
papas e dos príncipes do espaço.
Ademais, Botticelli pintou no primeiro plano e no segundo plano do afresco o rito de
purificação de um ex-leproso. Ele e o sacerdote são as figuras centrais, mas muitos
70

espectadores aguardam pelo início da cerimônia, que deve ocorrer conforme a Lei. O atraso se
deve a falta dos elementos necessários, por isso algumas personagens estão entediadas, como
o cardeal Giuliano Della Rovere. Porém, o rei Fernando II, não muito distante, observa o
nepote de Sisto IV. Mas, além de contemporâneos do pontífice, há em ambos os afrescos a
figura do condottieri, que além do envolvimento com guerras e atos violentos, também
praticou o mecenato, conforme apontamos no segundo capítulo dessa monografia. Isso
demonstra que mesmo sendo uma personagem associada à violência e a riqueza, precisava
investir em arte e em cultura para reforçar seu poder e sua autoridade entre a aristocracia e o
clero. Corroborando mais uma vez que durante o movimento renascentista a arte e a prática
do mecenato eram uma maneira de perpetuar seus nomes, garantindo o mais alto grau de
honra, fama e glória.
Além disso, “As tentações de Cristo” que dão nome ao afresco estão representadas no
terceiro plano do afresco. O elo com o primeiro plano está no grupo angélico que acompanha
Jesus no limiar do bosque, no segundo nível do mural. Ali o Filho de Deus fala e aponta que a
Lei deve ser obedecida e cumprida. Da mesma maneira que durante as três tentações
praticadas por Satanás, Cristo se manteve fiel aos ensinamentos do Pai. Aferimos também que
da mesma forma que a natureza e a autoridade Dele foi questionada no afresco de Perugino, o
Verbo Encarnado entre os homens e as mulheres também sofreu com as seduções do Diabo,
no mural de Botticelli. Logo, o papa, representante de Deus entre as pessoas, também pode
sofrer as provocações do Mal. Entretanto, a emulação do sacrifício eucarístico, no terceiro
plano, pelos três anjos representa figurativamente a missa e, principalmente a comunhão
como meio para a remissão e purificação dos pecados. Logo, Botticelli pintou um arranjo
iconográfico que exalta o cumprimento da Lei e a salvação pelo rito eucarístico, exaltando
mais uma vez a religião de Sisto IV e a sua natureza.
Por fim, concluímos que a decoração benevolente encomendada por Sisto IV e
executada por Perugino e Botticelli, tinham como objetivo afirmar a autoridade dele como
Vigário de Cristo, uma vez que por meio das representações foi exaltada a sua natureza
espiritual e temporal. A primeira advinda da sua posição porque após cingir a mitra papal
detinha as chaves do Reino dos Céus, poder e autoridade que arrolou de Cristo para Pedro, e
assim, sucessivamente até Sisto IV. E temporal, pois, ele era o representante desse poder entre
os homens e as mulheres, e por viver entre eles poderia sofrer as tentações de Satanás da
mesma maneira que o Filho de Deus.
71

Além disso, quando Ele andou entre as pessoas sua natureza foi contestada por seus
contemporâneos, da mesma forma que a soberania do papa era questionada pelos reis e
imperadores. Sisto IV tomou para si tarefa semelhante a atribuída ao apóstolo Pedro, pois
quando Jesus entregou as chaves pediu também que edificasse a sua Igreja. Porém Sisto IV
mandou construir e decorar a Capela Sistina, além de ruas, pontes, hospitais, com o propósito
de atingir a fama e a glória, perpetuando o seu nome e de sua família. Acreditamos que mais
que o pigmento impregnado no gesso das paredes da capela, as belas representações bíblicas
refletem o discurso político do papa Sisto IV, que abandonou rapidamente a puída túnica
franciscana por uma faustosa tiara papal. Da mesma maneira que a aristocracia urbana
renascentista, o clero, e, principalmente, o Vigário de Cristo, precisavam reorganizar seu
poder a partir da prática do mecenato, a fim de alcançar a fama e a glória, e imortalizar seus
nomes. Por isso hoje escrevemos essa monografia sobre o papado de Sisto IV da família Della
Rovere.
72

FONTES

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afresco, 335cm×550cm, parede norte, Capela Sistina, Cidade do Vaticano.

Sandro Botticelli (1445 – 1510). “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,
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TREVISAN, Armindo. Como apreciar a arte. Porto Alegre: Age, 2002.


78

ANEXO A

Figura 01 – Afresco “Jesus entregando as chaves a Pedro”

Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482).

Figura 02 – Primeiro plano; a entrega das chaves para o apóstolo Pedro

Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482).

Figura 03 – Primeiro plano; o apóstolo mais amado e o apóstolo Judas


79

Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482).

Figura 04 – Primeiro plano; retrato de Perugino no afresco

Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482).

Figura 05 – O autorretrato de Perugino

Pietro Perugino. “Autorretrato de Perugino” (1496 – 1500).

Figura 06 – Primeiro plano; os homens armados


80

Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482).

Figura 07 – Primeiro plano; os homens com as ferramentas

Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482).

Figura 08 – O Retábulo Mérode, por Mestre de Flémalle

Mestre de Flémalle. “Retábulo Mérode – painel José” (c. 1425).

Figura 09 – Afresco “A punição de Coré, Datã e Abirão”, por Botticelli


81

Sandro Botticelli. “A punição de Coré, Datã e Abirão” (1481 – 1482).

Figura 10 – Segundo plano

Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482).

Figura 11 – Segundo plano; cena a esquerda do observador

Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482).

Figura 12 – Segundo plano; cena a direita do observador


82

Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482).

Figura 13 – Terceiro plano do afresco

Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482).

Figura 14 – “O casamento da Virgem”, por Pietro Perugino

Pietro Perugino. “O casamento da Virgem” (c. 1500 – 1504).

Figura 15 – “O casamento da Virgem”, por Rafael Sanzio


83

Rafael Sanzio da Urbino (1483 – 1520). “O casamento da Virgem” (1504).

Figura 16 – Terceiro plano; os arcos

Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482).

Figura 17 – O arco de Constantino, em Roma

“Arco de Constantino” (312 – 315).

Figura 18 – Terceiro plano; as inscrições presentes nos arcos


84

Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482).

Figura 19 – O título sobre o afresco “Jesus entregando as chaves a Pedro”

Acesso a imagem através de tour on-line pelo interior da Capela Sistina.


85

ANEXO B

Figura 20 – Afresco “As tentações de Cristo”

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 21 – Primeiro plano; o rito de purificação

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 22 – Primeiro plano; mulher com os galhos de carvalho


86

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 23 – “O retorno de Judith para Betúlia”, por Botticelli

Sandro Botticelli. “O retorno de Judith para Betúlia” (1472).

Figura 24 – “Alegoria da abundância do outono”, por Botticelli

Sandro Botticelli. “Alegoria do outono ou alegoria contra o abuso de vinho” (1490 – 1500).

Figura 25 – As cortinas, a insígnia da Igreja e o brasão Della Rovere


87

Acesso a imagem através de tour on-line pelo interior da Capela Sistina.

Figura 26 – Primeiro plano; o cardeal

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 27 – “Sisto IV nomeia Platina prefeito da Biblioteca do Vaticano”, por Melozzo da


Forlí
88

Melozzo da Forlí. “Sisto IV nomeia Platina prefeito da Biblioteca do Vaticano” (1480).

Figura 28 – Primeiro plano; rei Fernando II

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 29 – Retrato do rei Fernando II

Michel Sittow. “Retrato do Rei Fernando II de Aragão” (1452 – 1516).

Figura 30 – Primeiro plano; retrato de Botticelli no afresco

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).


89

Figura 31 – “A adoração dos Magos”, por Botticelli; e o autorretrato

Sandro Botticelli. “Adoração dos magos” (1575).

Figura 32 – Primeiro plano; o retrato de Felippino Lippi

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 33 –“Disputa com Simão, o Mago e Crucificação de Pedro”, por Filippino Lippi

Filippino Lippi. “Disputa com Simão, o Mago e Crucificação de Pedro” (1481 – 1485).

Figura 34 – Primeiro plano; o menino e as uvas


90

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 35 – Escultura do menino com o ganso

Artista desconhecido, “O menino com o ganso”.

Figura 36 – Segundo plano

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 37 – Segundo plano; a mulher e os animais para o sacrifício


91

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 38 – Segundo plano; Jesus e os anjos

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 39 – Terceiro plano

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 40 – Terceiro plano; a primeira tentação


92

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 41 – Terceiro plano; a segunda tentação

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 42 – O Hospital Espírito Santo

“Antigo Hospital Espírito Santo”, localizado a leste da Cidade do Vaticano.

Figura 43 – Terceiro plano; a primeira tentação


93

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 44 – O elo entre o primeiro e o terceiro plano

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).

Figura 45 – Terceiro plano; as cidades no horizonte


94

Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482).


95

APÊNCICE - CRÉDITO DAS IMAGENS

Figura 01 – Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482), afresco,
335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/p/perugino/sistina/>. Acesso em 02 ago. 2019.

Figura 02 – Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482), afresco,
335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/p/perugino/sistina/>. Acesso em 02 ago. 2019.

Figura 03 – Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482), afresco,
335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/p/perugino/sistina/>. Acesso em 02 ago. 2019.

Figura 04 – Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482), afresco,
335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/p/perugino/sistina/>. Acesso em 02 ago. 2019.

Figura 05 – Pietro Perugino. “Autorretrato de Perugino” (1496 – 1500) afresco,


40cmx31cm, Collegio de Cambio, Perugia. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/p/perugino/cambio/2selfpo2.html>. Acesso em 15 jul. 2019.

Figura 06 – Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482), afresco,
335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/p/perugino/sistina/>. Acesso em 02 ago. 2019.

Figura 07 – Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482), afresco,
335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/p/perugino/sistina/>. Acesso em 02 ago. 2019.

Figura 08 – Mestre de Flémalle. “Retábulo Mérode – painel José” (c. 1425), óleo sobre
painel de carvalho, 64,5cmx27cm, em Metropolitan Museum of Art, Nova York, EUA.
Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/m/master/flemalle/merode/0merode.html>. Acesso em 15 ago. 2019.

Figura 09 – Sandro Botticelli. “A punição de Coré, Datã e Abirão” (1481 – 1482), afresco,
335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em < https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/punishme/korah.html >. Acesso em 02 ago. 2019.

Figura 10 – Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482), afresco,
335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/p/perugino/sistina/>. Acesso em 02 ago. 2019.

Figura 11 – Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482), afresco,
335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/p/perugino/sistina/>. Acesso em 02 ago. 2019.

Figura 12 – Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482), afresco,
335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/p/perugino/sistina/>. Acesso em 02 ago. 2019.
96

Figura 13 – Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482), afresco,
335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/p/perugino/sistina/>. Acesso em 02 ago. 2019.

Figura 14 – Pietro Perugino. “O casamento da Virgem” (c. 1500 – 1504), óleo sobre
madeira, 234cmx185cm, Musée des Beaux-Arts, Caen. Disponível em
<https://www.wga.hu/frames-e.html?/html/p/perugino/madonna/marriage.html>. Acesso em
15 jul. 2019

Figura 15 – Rafael Sanzio da Urbino (1483 – 1520). “O casamento da Virgem” (1504), óleo
sobre madeira, 170cmx117cm, Pinacoteca di Brera, Milan. Disponível em
<https://www.wga.hu/frames-e.html?/html/r/raphael/1early/10spozal.html>. Acesso em 15
jul. 2019.

Figura 16 – Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482), afresco,
335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/p/perugino/sistina/>. Acesso em 02 ago. 2019.

Figura 17 – “Arco de Constantino” (312 – 315), mármore e tijolo, 20mx25mx7m, Roma.


Disponível em <http://www.antiquitatesromanae.com/2018/07/22/larco-di-costantino-fra-
tradizione-e-cambiamento-lambiguitas-costantiniana/>. Acesso em 16 ago. 2019.

Figura 18 – Pietro Perugino. “Jesus entregando as chaves a Pedro” (1481 – 1482), afresco,
335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/p/perugino/sistina/>. Acesso em 02 ago. 2019.

Figura 19 – Acesso a imagem através de tour on-line pelo interior da Capela Sistina, recurso
disponível no site do Musei Vaticani (museivaticani.va). Disponível em
<http://www.museivaticani.va/content/museivaticani/en/collezioni/musei/cappella-
sistina/tour-virtuale.html>. Acesso em 15 nov. 2019.

Figura 20 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 21 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 22 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 23 – Sandro Botticelli. “O retorno de Judith para Betúlia” (1472), óleo sobre painel,
31cmx24cm, Galleria degli Uffizi, Florence. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/temptat.html>. Acesso em 16 jan. 2019.

Figura 24 – Sandro Botticelli. “Alegoria do outono ou alegoria contra o abuso de vinho”


(1490 – 1500), têmpera, 192cmx105cm. Doado ao museu por Henri d'Orléans duc d'Aumale
97

em 1897. Les Collections – Du musée Condé, França. Disponível em <http://www.musee-


conde.fr/>. Acesso em 15 nov. 2019

Figura 25 – Acesso a imagem através de tour on-line pelo interior da Capela Sistina, recurso
disponível no site do Musei Vaticani (museivaticani.va). Disponível em
<http://www.museivaticani.va/content/museivaticani/en/collezioni/musei/cappella-
sistina/tour-virtuale.html> Acesso em 15 nov. 2019.

Figura 26 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 27 – Melozzo da Forlí. “Sisto IV nomeia Platina prefeito da Biblioteca do


Vaticano” (1480), afresco, 370cmx350cm, Pinacoteca do Vaticano, Roma. Disponível em <
http://www.museivaticani.va/content/museivaticani/it/collezioni/musei/la-pinacoteca/sala-iv--
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de.html#&gid=1&pid=1>. Acesso em 02 nov. 2019.

Figura 28 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 29 – Michel Sittow. “Retrato do Rei Fernando II de Aragão” (1452 – 1516), óleo
sobre tela, 35cmx28,5cm, Kunsthistorisches Museum Wien, Bilddatenbank. Disponível em
<https://www.khm.at/objekt-datenbank/detail/2440/ ou em
www.khm.at/de/object/feecee9f16/>. Acesso em 15 nov. 2019.

Figura 30 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 31 – BOTTICELLI, Sandro. “Adoração dos magos” (1575) tempera sobre painel,
111cmx134cm, Galleria degli Uffizi, Florence. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/21/20adorat.html>. Acesso em 16 jan. 2019

Figura 32 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 33 – Filippino Lippi. “Disputa com Simão, o Mago e Crucificação de Pedro” (1481
– 1485), afresco, 255cmx598cm. Brancacci Chapel. Disponível em
<http://www.museumsinflorence.com/musei/Brancacci_chapel.html>. Acesso em 15 nov.
2019.

Figura 34 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 35 – Artista desconhecido. “O menino com o ganso”, cópia romana de um original


grego, em mármore, 84cm, Museu do Louvre, Paris, França. Disponível em
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<https://es.wikipedia.org/wiki/Archivo:Child_goose_Louvre_Ma40.jpg>. Acesso em 16 out.


2019.

Figura 36 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 37 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 38 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 39 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 40 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 41 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 42 – “Antigo Hospital Espírito Santo”, localizado a leste da Cidade do Vaticano.


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Figura 43 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 44 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

Figura 45 – Sandro Botticelli. “As Tentações de Cristo” (1481 – 1482), afresco,


335cm×550cm, Capela Sistina. Disponível em <https://www.wga.hu/frames-
e.html?/html/b/botticel/4sistina/temptati/index.html>. Acesso em 03 ago. 2019.

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