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Um texto todo feito com ditados populares. Magnifico.

A língua portuguesa é
deliciosa! Alguns consideram-na traiçoeira!
Este texto da Mafalda prova o quão deliciosa é a nossa língua. Deliciem-se!

É uma expressão portuguesa, com certeza.

Antes de ir desta para melhor, vou dar com a língua nos dentes e lavar roupa suja. Com
a faca e o queijo na mão, com uma perna às costas e de olhos fechados, vou sacudir a
água do capote. Ainda tirei o cavalinho da chuva, tentei riscar este assunto do mapa,
mas eu sou uma troca-tintas, uma vira casacas e vou voltar à vaca fria. Andava eu a
brincar aqui com os meus botões, a chorar sobre o leite derramado, com bicho
carpinteiro e macaquinhos na cabeça, quando decidi procurar uma agulha no palheiro.
Eu sei, eu não bato bem da bola, mas sentia-me pior que uma lesma e tinha uma pedra
no sapato. O problema é que andava a bater com a cabeça nas paredes há algum
tempo, com um aperto no coração e uma enorme vontade de arrancar cabelos. Passei
muitos dias com cara de caso e com a cabeça nas nuvens como uma barata tonta. Mas
eu, que sou armada até aos dentes, arregacei as mangas e procurei o arquivo a eito.
Acontece que uma vez em conversa com um amigo ele disse-me «Tiras-me do sério» e
eu, sem papas na língua, respondi «Se te tiro do sério, deixo-te a rir, é isso?». Ele, de
trombas e com os azeites, gritou em plenos pulmões «Esquece Mafalda, escreves
belissimamente mas não conheces nem 1/4 das expressões portuguesas.» Só faltou
trepar paredes.
É preciso ter lata! O primeiro milho é dos pardais. Primeiro pensei ter posto a pata na
poça, depois achei que ele tinha acordado com os pés de fora e que estava a fazer uma
tempestade num copo d´água e trinta por uma linha. Fiz vista grossa, mas depressa
disse Ó tio! Ó tio! Abri-lhe o coração, o jogo e os olhos na esperança de acertar agulhas
e pôr os pontos nos is. Não lhe ia prometer mundos e fundos nem pregar uma peta, eu
estava mesmo a brincar. Era um trocadilho. Pão, pão, queijo, queijo. Rebeubéu,
pardais ao ninho, fiquei com os pés para a cova, só me apeteceu pendurar as botas e
mandá-lo pentear macacos, dar uma volta ao bilhar grande ou chatear o Camões. Que
balde de água fria! Caraças, levei a peito, aquela resposta era tão sem pés nem cabeça
que fui aos arames.
Eu sei que dou muitas calinadas, meto os pés pelas mãos e faço tudo à balda. Posso
até ser uma cabeça de alho chocho e andar sempre com a cabeça nas nuvens mas não
ia meter o rabo entre as pernas nem que a vaca tossisse. Pus a cabeça em água e fiquei
a pensar na morte da bezerra. Caí das nuvens e com paninhos quentes passei a
conversa a pente fino, não fosse bater as botas. Percebi que ele tinha trocado alhos
por bugalhos, apeteceu-me cortar-lhe as vazas, mas estava de mãos atadas e baixei a
bola.
Engoli o sapo, agarrei com unhas e dentes, dei o braço a torcer e dei-lhe troco com o
intuito de descalçar a bota. Não gosto muito do vira o disco e toca o mesmo, mas isto
já são muitos anos a virar frangos e pus as barbas de molho. Uma mão lava à outra e as
duas lavam as orelhas, mas ele está-se nas tintas, à sombra da bananeira. Não deu
uma mãozinha nem deixou-se comprar gato por lebre. Ficou com a pulga atrás da
orelha, pôs-se a pau antes de estar feito ao bife. Pus mãos à obra, tentei fazer um
negócio da China e bati na mesma tecla. Dados lançados, cartas na mesa, coisas do
arco da velha. Claro que dei com o nariz na porta, o gato comeu-lhe e língua e saiu com
pés de lã. Água pela barba! Devia aproveitar a boleia antes de ficar para tia de pedra e
cal onde Judas perdeu as botas. É que isto pode estar giro e estar fixe, mas não me
apetece segurar a vela com dor de corno e dor de cotovelo só porque não conheço 1/4
das expressões portuguesas.

Mafalda Saraiva

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