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“Então caim disse, Com estas dimensões e a carga que irá levar dentro, a arca não poderá
flutuar, quando o vale começar a ser inundado não haverá impulso de água capaz de a
levantar do chão, o resultado será afogarem-se todos os que lá estiverem e a esperada
salvação transformar-se-á em ratoeira, Os meus cálculos não me dizem isso, emendou o
senhor, Os teus cálculos estão errados, um barco deve ser construído junto à água, não num
vale rodeado de montanhas, a uma distância enorme do mar, quando está terminado
empurra-se para a água e é o próprio mar, ou o rio, se for esse o caso, que se encarregam de
o levantar, talvez não saibas que os barcos flutuam porqiue todo o corpo submergido num
fluido experimenta um impulso vertical e para cima igual ao peso do volume do fluido
desalojado, é o princípio de arquimedes, Permite, senhor, que eu expresse o meu
pensamento, disse noé, Fala, disse deus, manifestamente contrariado, Caim tem razão,
senhor, se ficarmos aqui à espera de que a água nos levante acabaremos por morrer todos
afogados e não poderá haver outra humanidade.”
José Saramago, in Caim, Lisboa, Caminho, 2009, pp. 159-160
a) “— Mas, Lourença, porque não disse que queria ficar mais tempo? — disse D. Inês. A mãe
pediu-lhe que não fizesse caso.” Agustina Bessa-Luís, Dentes de Rato
b) “Naufraguei depois na Foz do rio Mecom e vi como o poeta chorava a morte da sua amada
chinesa, aquela de quem disse “alma minha gentil que te partiste.” Manuel Alegre, Rafael
d) “O poeta sorria, passando os dedos com complacência pelos longos bigodes românticos, que
a idade embranquecera e o cigarro amarelara. Que diabo, algumas compensações havia
de ter a velhice. E em todo o caso o estômago não era mau e conservava-se, caramba,
filhos, um bocado de coração.” Eça de Queirós, Os Maias
e) “Mimosa não fazia outra coisa senão dar puxões ao véu e ao vestido e parecia
desesperada. Queixava-se de uma porção de pessoas e dizia que o bolo de noiva era
uma porcaria.” Agustina Bessa-Luís, Dentes de Rato
f) “Nevava. Um frio tal que o próprio bafo gelava mal saía da boca. Visto de dentro da capa de
oleado, o mundo parecia uma coisa irreal, alva, inefável como um sonho. O céu estava
ainda mais silencioso e mais alto que de costume. E qualquer parte do Robalo, sem ele
querer, diluía-se na magia que enluarava tudo. No Minho, numa noite assim... Pena a
Isabel ter-lhe saído contrabandista... Tê-la encontrado numa terra daquelas... Senão,
mais tarde, quando tivesse a reforma... Até mesmo agora...” Miguel Torga, Fronteira
g) “Dormiram nessa noite os sóis e as luas abraçados, enquanto as estrelas giravam devagar no
céu, Lua onde estás, Sol aonde vais.” José Saramago, Memorial do convento
l) “O romance começava bem. (…) Leu a passagem várias vezes em voz alta. Que raio
seriam as gôndolas? Deslizavam por canais.” Luis Sepúlveda, O velho que lia romances de amor
m) “(…) por isso não é fácil imaginar uma conversa entre o farmacêutico e ele, se bem que não
deva excluir-se a hipótese de um outro diálogo, o farmacêutico a dizer à mulher do
subchefe, Esteve aqui um funcionário escolar que vinha à procura de uma pessoa que
em tempos morou na casa onde os senhores estão a viver, (…)Se calhar é o mesmo
homem que anteontem esteve parado no passeio a olhar para as nossas janelas, Um
tipo de meia-idade, um bocado mais novo do que eu(…)” José Saramago, Todos os nomes
n) “A dona Isabel chamou as filhas para dentro de casa, o Paulinho saiu a correr e a avó Nhé
veio nos ralhar de estramos ali no muro até tão tarde, “mas vocês gostam de dar de beber
aos mosquitos, ou quê?”, e nós rimos porque a avó Nhé gostava de dizer essas
frases…” Ondjaki, Os da minha rua
o) “Depois do intervalo todos voltaram com respiração depressada e o suor do corpo a molhar
as roupas, alegres também porque a camarada professora Berta disse que ainda ia
demorar. Deu ordens à delegada para sentar todo o mundo e apontar numa lista o
nome dos indisciplinados.” Ondjaki, Os da minha rua
p) “Recordo-me de uma frase dita pelo meu pai numa noite em que festejava — com falsa
alegria, quero crer — a morte de um desafecto:
“Era mau e ignorava-o. Nem sabia o que era a maldade. Ou seja: era
absolutamente José Eduardo Agualusa, O vendedor de passados
q) “Estabeleceu-se um curto silêncio em que João Sem Medo estudou, com enervamento
contido, a janela a cinco ou seis metros do chão. Ah! se pudesse escaqueirá-la! Quebrar-
lhe os vidros!... Mas com quê? Nenhum objeto lhe parecia manejável à exceção daquele
alfinete de meio metro que pesava todavia um quilo ou mais.” José Gomes Ferreira, Aventuras de
João sem medo
r) “O que eles têm é inveja de nós, dizia-se nas lojas e nos lares, ouvia-se na rádio e na
televisão, lia-se nos jornais, o que eles têm é inveja de que na nossa pátria não se morra,
por isso nos querem invadir e ocupar o território para não morrerem também.” José
Saramago, As intermitências da morte