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Gonçalves Rodrigues

Davisson Correia
Savassi Rocha

COOPMEDft
J-PITOIA -MtDlCA J,J
SUMÁRIO
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ASPECTOS GERAIS
apíLuJo 01 - Hi tória da Cirurgia ............................................................................................................. 01
apítuJo 02 - De afios da Medicina contemporânea .......................................................................... 07
4- c ap1t
' uJ o ?.-<. - c onceuos
• d e converuencta operatona ........................................................................... .13
•A • ' •

t uJ A
ap1t o u<t- - va açao
' ?\,. li - c lín"1ca pre-operatona
· . . ....................................................................................... .21
apítuJo OS - Controle hldroeletroütico do paciente cirúrgico ..........................................................35
apítuJo 06 - Controle ácido-básico do paciente cirúrgico ................................................................ 61
+ Capítulo 07 - Nutrição e Cirurgia ...............................................................................................................77
-1 apítulo 08- es e djstúrbios da cicatrização .................................................................................... 93
apírulo 09 - Ba es e djs túrbios d a coagulação ................................................................................... 103
Capítulo 1O - Mkrobiota indigena e d efe sa antünfecciosa ............................................................... 11 7
I Capítulq I 1 - Pre paro pré-operatório ....................................................................................................... 127
+ Capítulo Q. - Visita e medicação pré-anestésica ................................................................................ 141
I apírulo 13 - Peroperatório: rotina , cuidado e regi tros ................................................................ 151
I apíruJo 14- - Re posta orgânica ao trauma ..........................................................................................165
1 apíruJo 15 - A sistência m édica pós-opcratória ................................................................................. 175
t Capítulo 16 - Hidratação venosa pós-operatória ................................................................................. 193

Capítulo 17 - Fi ioterapia e m Ckurgi.a .................................................................................................. 209


apítulo 18 - Antibioticoprofilaxia em Cirurgia ................................................................................... 221
apítulo 19- Princípio da antibioricoterapia ......................................................................................2 1
·\ Capítulo 20 - Proftlaxia e tratamento d a doença tromboembólica ................................................. 251
Capítulo 2 1 - O cirurgião e as infecções ...................................................................... 261

SITUAÇÕES ESPECIAIS EM CIRURGIA


Capítulo 12 - Cirurgia no paciente recém-nascido e lactente .......................................................... 273
Capítulo 23 - Cirurgia no p aciente idoso ...............................................................................................281
Capítulo 2.!1.- Cirurgia na paciente grávi da ............................................................................................291
Capítulo .2.5,..- Cirurgia no paciente em u o de droga ........................................................................ 301
Capírulo_2.Q_- Cirurgia no paciente alcooüsta ........................................................................................ 317
Capítulo 27 - Cirurgia no paciente com transtornos psiqu iátricos ................................................. 335
Capítulo 28 - Cirurgia no paciente des nutrido .....................................................................................347
apírulo 29 - Cirurgia no paciente obeso mórbido ............................................................................. 355
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Capítulo 30- Cirurgia no p aciente imunodeprimido ......................................................................... 363


ll - Cirurgia no p aciente ictérico ............................................................................................ 37 5
Capítulo _ll - Cirurgia no p aciente com doença hepática ................................................................. 385
Capítulo 33- Cirurgia no paciente diabético ........................................................................................ 393
Capítulo 34 - Cirurgia no p aciente com cü funções tireoicüanas ................................................... .403
Capítulo 35 - Cirurgia no paciente com o utra endocrinopatias ................................................... .421
apítulo 36 - Cirurgia no pacie nte hipertenso ..................................................................................... .439
Capítulo 37 - Cirurgia no paciente com doença cardíaca ................................................................ .451
Capítulo .}li - Cirurgia no paciente com doença pulmonar .............................................................. .461
Capítulo 39- Cimrgia no p aciente com doença rena1.. ......................................................................473
Capítulo 40- Abordagem do paciente oncológico ............................................................................. .481
Capítulo 41 - Cirurgia no p aciente hematológico ............................................................................... .499
Capítulo 42 - Aspectos étko-legal e p sicossociais dos transplantes de órgãos e tecidos ..... 509
Capítulo 43 - Transplante de órgão abdominais - aspecto cünico ......................................... 523
Capítulo 44 - Cirurgia no paciente com cüstúrbios de deglutição .................................................. 545
Capítulo 45 - Cirurgia nos pacientes neurológico e reumá tico ....................................................... 551
Capítulo 46 - Cirurgia no paciente com órteses e prótese .............................................................. 569
Capítulo 47- Cirurgia na pessoa com deficiência ............................................................................... 577

COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS

l - Febre e hipotermia no pós-operatório ..........................................................................587


I Capítulo 49 - Infecções d o sítio cirúrgico .............................................................................................. 595
Capítulo 50- Outra complicações do sítio cirúrgico ........................................................................ 615
Capítulo 51 - Vias de ace o e ua complicações .............................................................................. 627
Capítulo 52 - Complicações d a laparoscopia ........................................................................................ 64 1
+Capítulo 53 - Ch oque e Cirurgia ............................................................................................................... 649
l Capítulo .54 - Complicações cardíovasculare ...................................................................................... 661
-1 - Complicações respiratórias .............................................................................................. 673
I Capítulo .56 - Complicações urológicas .................................................................................................. 687
t Capírulo 2] - Complicações digestivas ................................................................................................... 693

Índice Remi ssivo ......................................................................................................................................... 703


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ASPECTOS
GERAIS


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01
HISTÓRIA
DA CIRURGIA

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Maria l sabel T o ulson Davisson Correia,
P aulo Robe rto Savassi Rocha

A Cirurgia nos seus primórdios nível, sendo executada por barbeiros que vta)avam de
cidade em cidade. Estes, ao mesmo tempo em q ue corta-
t\ Cirurgia é um antigo ramo da O s primei- ' 'am cabelos, removiam também tumores, extraíam den-
ros procedimentos cirúrgicos datam do período neolítico, tes, suturavam feridas c realiza,·am exsangüinações. r\
cerca de I 0.000 a 6.000 anos a.C. 1\ Lrepanação craniana impo rtância dos barbeiros ncs a ati,·idade foi tão grande
para alívio da hipertensão cerebral parece ter sido realiza- que o símbolo em forma de bas tão listrado, vermelho c
da, pela primeira vez, no ano 8.000 a.C. O s egípcios dei- branco, encontrado até os d ias de hoje em muitas barbea-
xaram registrados em papiros, no ano 3.000 a. ., a utili- rias, ad,·ém da prática ci rúrgica realizada por eles. O ,·er-
zação de procedi mentos cirúrgicos para enferm idades melho significava sangue c o branco, os curati\'C>S.
dos ombros, tórax e do rso, além da circuncisão, excisão 13 16, o ciru rgião francês G uy de Chauliac publi-
do clitó ris, cas tração, remoção de lióase vesical c amputa- cou um livro intitulado Chimrgia o nde descreveu as
ção de membros. Também se atribuem aos egípcios pro- técnicas de correção de hérnias e de fra turas uti lizando
cedimentos como tratamento de fratu ras c de feridas pesos. Após sua publicação, a Ci rurgia ,·oltou a ser res-
complexas. Para esse. ato , o cirurgião utili zava utensílios peitada. l a r:rança, surgiu a Ordem Cirúrgica dos chama-
di,·ersos, incluindo facas, tesouras, serras, clampcs, serin- elos "cirurgiões de a\·entais compridos", denominação
gas, agulhas e curati vos que são empregado até ho je. contrária aos cirurgiões de aventais curtos, barbeiros. O s
a Índ ia, os hindus realiza vam, por volta elo ano cirurgiões passaram, então, a ser inicialmente médicos
2.000 a.C., procedimentos cirúrgicos para tratamento ele com posterio r especialização na área cirúrgica.
fraturas, cálculos ,-esicais e amigdalites. A eles também se t\ mbroise Paré, ciru rgião francês do século XV I, é o
atribui a realização das primeiras operações plásticas, para pai da Cirurgia moderna. Ele havia sido, inicial mente, um
correção ele ampu tações de nariz c orelhas, em crimino-
barbeiro cirurgião, que usou com sucesso a téc nica de
sos que sofriam esses atos como punição.
ligadura de artérias pa ra controle de hemorragias, em vez
1-lipócrates pu blicou, no século IV a.C., a de crição de
da cauteri zação do local sangrante com ferro ou água fer-
vários procedimentos cirúrgicos para o tratamento de
vente. Atribui-se também a ele o primeiro estudo clínico
fraturas c lesões cranianas, en fatizando a importância do
o bservacio nal. Paré tratava fe ri dos de guerra com óleo
posicio namento adet1uado das mãos do ci rurgião para a
guen te, prática am plamente uti lizada até então. Certo dia,
execução desses aros.
ho u,·c fa lta do óleo c ele, simplesmente, tratou as feridas
com ungucntos feitos com terebentina, gema de o\'o e
A Idade Média e a Idade Moderna ó leo ele rosas, cobcn os po r curativos. O bsen ·ou que os
pacientes assim tratados apresentavam melho r evo lução.
Entre os séculos V e XJV, a prática cirúrgica entrou A parti r de tal observação, essa passou a ser a conduta
em decadência c foi considerada como de baixo utilizada e ele relatou-a em seu li\'ro sobre feridas' .

1
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
O inglês \Xfilliam Harvey, cirurgtao e anatomista, tes. esse mesmo período, um colega médico de
descreveu o sistema circulatório em 1628 e publicou Semmelwei s morreu vítima de septicemia decorrente
seus achados no li vro intitulado U111 estudo anatômico do de lesão cortante, após ter-se contaminado com sangue
1 do corafão e do sangm, em ani/1/ai.?-. Mais tarde,
IIIOI ÚI/e!7to de cadáver. Os sintomas apresentados pelo doente
também na Inglaterra, John I Lunter, cirurgião c anato- eram exatamente semelhantes aos das parturientes, o
mista, relatou a estreita relação entre a Mecidina e a que levou emmelweiss a conclui r o que já suspeitava:
Cirurgia. Hunter realizou vá rios o perações experimen- a transmissão das infecções era fr uto do transporte de
tais que contribuiram para o avanço da Cirurgia, além "partículas putrefatas" dos cadáveres às parturientes, e
de estudar a relação fisiopatológica entre diversos siste- o veículo era o médico. Scmmclwciss obrigou a adoção
mas e o ato cirúrgico'. ele condutas higiênicas rigorosas, tais como lavar as
Apesar do conhecimento da anatomia e do controle mãos e troca r as roupas utilizadas durante a dissecção
da hemorragia alcançados até esse período, havia diver- de cadáveres, o que prontamente gerou a redução da
sas limitações que dificultavam o desenvolvimento da incidência de infecções. o entanto, essa atitude cus-
Cirurgia, man tendo-a restrita às áreas do corpo menos tou- lhe sua posição no Hospital de Viena, onde, por
críticas (p. ex., os membros) e às lesões superficiais. condenar as antigas práticas, não te,·e o seu contrato
Raramente, o cirurgião realizava procedimentos abdomi- renovado e se viu obrigado a regressar à Hungria, onde
nais, torácicos ou cerebrais, em virtude da dor associada também foi altamente criticado e perseguido por suas
aos mesmos, além dos riscos de infecção. idéias. Po r isso, Semmelweiss fo i considerado um dos
O grande avanço da Cirurgia veio com o advento da mártires da Medicina 1.<>. Suas teorias sobre trasmissão
anestesia, que aconteceu em 1846, quando o dentista de infecções precederam as técnicas de an ti-sepsia
americano \X'illiam Morton publicou o relaro da utiliza- cirúrgica, relatadas por J oseph Li ster, anos mais tarde.
ção de anestesia inalatória com éter, para aliviar a dor Louis Pasteur, em meados do século XIX, descobriu
du rante operações. Apesar de se creditar a ele a desco- que a fe rmentação ou putrefação, seguida pela necrose
berta da anestesia, foi o cirurgião americano Crawforcl de tecidos, era causada por bactérias. Pasteur, p resente
\XI. Long que, já em 1842, havia utilizado anestésicos para num congresso em Paris, onde também estava
a remoção ele tumores. Seus resultados, entretantO, só Semmelweiss, mostrou para a platéia ao desenhar peque-
foram publicados em 1849' 5. nos círculos, representando os estreptococos, como e
O desafio, a partir dessa época, foi con tro lar as por que a contami nação ocorria 1•
infecções. O médico h úngaro Ignaz Philli p Coube a Joseph Lister, ci rurgião inglês, em 1865, uti-
Semmelweiss teve papel fundamental c relevante no lizar os conhecimentos sobre as infecções, relatados por
controle elas infecções puerperais. Em 1847, ainda Pasteur, para desenvolver as técnicas anti-sépticas utiliza-
jovem assistente no llospital de Viena, verificou que das em Cirurgia. Lister uti lizou o ácido carbólico como
existia gra nde diferença na mortalidade por febre puer- spray não só em salas cirúrgicas, mas também nas fe ridas
peral entre duas enfermarias obstétricas do hospital: e nos curativos, obtendo significativa diminuição das
numa a taxa era de 9,9% e, em outra, de 3,9% . Toda a taxas de infecção. A semelhança de Semmelweiss, Li ter
comunidade científica da época ac reditava que a febre teve suas teo rias questionadas, apesar de as ter publicado
era deco rrente ele " miasmas"- vapor infeccioso - que no Lan cet, em 1867 ':.•.
se encontrava na atmosfera. E ntretanto, Scmmelweiss A evolução gradual da Cimrgia teve sua posição fir-
jamais aceitou essa teo ria frente às di fe renças nas taxas mada no início do século XX, quando os quatro pré-
ele mortalidade entre duas enfermarias elo mesmo hos- requ isitos cl.ínicos fundamentais para a sua realização
pital. J\o pesquisar as possíveis causas, veri ficou que foram identificados c bem compreendidos: 1 -conheci-
uma elas enfermarias era atendida, essencialmente, por mento da anatomia; 2- métodos para controlar a hemor-
parteiras que se preocupavam com higiene rigorosa. A ragia e mante r a hemostasia perioperatória; 3- anestesia
outra enfermaria era freqüentada por estudantes de para permitir a realização de atos sem dor; c 4 - explica-
t'vledicina, que vinham das salas de autópsia, com as ção da natureza das infecções, em conjunto com a elabo-
mesmas roupas sujas lá util izadas e que, também, não ração de mérodos para alcançar a anti-sepsia c a assepsia
lavavam as mãos antes do contacro com as parturien- no ambiente ci rúrgico.

2
Capítulo OI .: História da Cirurgia

••
O século XX postas te rapêuticas c o resultados. t\ descobena dos
J...rrupo sangüíneos t\, B e O, pelo pawlogista au tríaco
Apesa r de rodas as conqui tas acima mencionadas, o h:.arl Landsteiner, po sibilitou aos cimrgiões realizarem
cirurgiôcs, no início do século XX, ainda enfrentavam o atos operatorto maiores, transfundindo os pacientes
d esconfo rto ocial c profissional em relação à sua capaci- com sangue específico c diminuindo as complicaçôcs
dade cien tífica como médicos. Pejorativamente, eram associadas à hipovolcmia c às rcaçôes t ransfusionais .
denominados "novos médicos cienóficos" c "não-pen sa- t\ introdução dos amibióricos, em meados de 1940,
dores", <-Jue traba lha\'am de maneira anesanal, inferior e
minimizou ai nda mais o risco de infecções ci rúrgicas,
rude. I evidente a necessidade de se c riarem c Jcscn-
possibilitando a realização de procedimentos cada \ ' CZ
,·ol\'crcm modelos de im·estipção, conceitos teóricos c
mais complexos. Foi também, nessa época, c.1uc su rgiram
aplicaçôc clínicas válidas que pudessem dcmomtrar a
os primeiros estudos que relacionaram o estado nutricio-
base c ientífica da Ci rurgia. Ass im, no início desse século,
nal do e nferm o e as complicaç<ics pús-opcratórias.
h ou' c hrrande busca pela da especialidade, não
' tudlcy mostrou que pacientes desnutridos, com úlceras
só no meio médico como também na comunidade leiga.
duodenai , ubmctido a tratamento cirúrwco, aprc<,cn -
E ra fundamental <-1uc os pacientes acred itassem nos pro-
tavam aumento das complicaçôcs pús-opcratórias c da
cedimentos cirúrgicos como fo rma de tratamento c não
mortalidade, quando compa rados aos pacientes com
temessem as complicações, até então, tão freqüentes.
bom estado gera l.
I tarefa não foi fácil, pois se demandava a b usca de
O dcscm·olvimcmo da Biomcdicina proporcionou a
resultado. frente à doença, como <-1ue num equilíbrio entre
confecção de instrumentos substit uti vos de fun çiics
o risco da enfermidade c o beneficio do tratamento.
orgânicas, tornando ,·iá,·cl também a realização de trans-
\'\"illiam Stcwan ll alstcd ( 1852-1922) foi o c irurgião,
plantes d e ó rgãos. Os primeiros transplantes de nm
que entre muitos outros, contribuiu para o tom científi-
fo ram realizados nos anos 1950, c o primeiro transplan-
co desse no,·o período. P rofessor de Ci rurgia do
llospital J ohns l lopkins, nos Estados nidm. da te de coração foi feito, em 196-, pelo cirurgião sul-afnca-
, \mérica, introduziu os princípios da "nova" Ciru rt.,ria, ao no Christian Barnard' .
retirar as operações dos "teatros" cirúrgicos para as salas ,\descoberta do microscópio cirúrgico, desenvolvido
de opcraçiics, onde a esterilização, a privacidade c a em 1950, po sibilitou a realização de opc raçiks delicadas
'>obricdadc "c asscmclha\'am às de um laboratúrio de sobre pequenas cstmtura" anatômicas, como as do •mc-
pesquisa. llaltstcd utilizou experiências em anima1s, para rior do ou,·ido c dos olhos. Inicia' a-se a era da microci-
mostra r c.1ue, baseadas em princípios de anaromia, pato- ru rgia, c.1ue \'iria a culminar com o transplante de mem-
logJa c fisiologia, nm·as e sofisticadas técnicas cirúrgicas bros c de face nos dias atuais.
poderiam ser executadas em seres humano com resulta- ,\pós a introdução de tantos a,·anços c com a c:-.ten-
d os clín icos acleq w1dos. t\ ele também se atribui a colo- são do conhecimento na área cirúrgica, tornou-se C\'itkn-
cação da Cirurgia como disciplina universitária tão te a necessidade da s ubcspccialização. () cirurgião não
importante como a Anatomia, a Bacteriologia, a e ra mais capaz de dominar com rigor c ní' cl científico
Bioc.1uímica, a Clínica Médica, entre outras, já bem firma- todos os tipos de opc raç<>cs. ,\ssim, nasceram as
das nessa época. llalsted d escnvoh·cu c disseminou um lidadcs ci rúrgicas, em meados do século XX. t\ tecnolo-
sistema cirúrgico dJfcrcnre, denominado princípios hnl<t- g-ia em muito contribuiu para o a\ anço da Cirurgia c para
tcdianos, inclusive culminando com uma das primeiras a necessidade de especialistas. Por outro lado, c por mais
residência., cirú rgicas c um dos primeiros congressos paradoxal que possa parecer, a" guerra s também contri-
internacionais de médicos-residentes, realizado na cidade buíram para o descnvoh-imcnto da Cirurgia. Foi nos
de Brcslau, Alemanha, hoj e conhecida como \\ 'rochl\\ c campos de batalha, à semelhança do ocorndo com Paré
localizada no udocc;tc da Polônia'·' 11 • c com o tratamento de feridas, que a C irurgia do trauma
Os avanços dos métodos diagnósticos, salientando ::.c tC\'C <teu grande de emolvimcnto . . \ pós a primeira guer-
o papel das radiog-rafias descnvoh·idas em 1895, pelo fbi - ra mundial, os conceitos de hidratação foram introdu7i-
co alemão \'\"ilhelm Conrad Rocmgcn, contribuíram para d os por G eorge Crilc, que utili t.ou água do mar para tra -
a afirmação da Ci rurgia como c iência 1• Com o auxílio da tamento do choque hipovolêmico. Entre esse período c
Radiologia, os ciru rgiôes conseguiram melhorar as pro- a segunda g uerra mundial, estudos de mctaboli<>mo celu-

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Fundamentos em Clínica C irúrgica

lar, metabolismo geral e choque hemorrágico propo rcio- mento. Assim, a cirurgia robótica certamen te virá para
naram à vítimas de guerra melhor tratamento, em con- auxiliar o cirurgião naquilo que for "quase impossível".
junto com os outros desenvolvimento anteriormente A teleciru rgia, na qual o procedimento é realizado em
mencionados. Outras guerras também contribulram para centro cirúrgico de determinado local e transmitido para
o desenvolvimento da Cirurgia. Por exemplo, a punção da audiência na mesma instimição ou até em ou tro país,
veia subclávia, tão importante para monito rização cardía- podendo inclusive contar com o auxílio à distância de
ca, assim como para a oferta de nutrição parenteral, fo i uti- outros profissionais, proporciona a facilidade da educação
lizada por Aubaniac para a infusão de soluções salinas à distância e disponibiliza o tratamento de pacientes que
du ran te a sua experiência na guerra da Coréia. O aprendi- não possam ser removidos do local onde se encontram.
zado de guerra foi transferido para a p rática cirúrgica diá- A cirurgia intra-útero, com o auxíl io da videoci rurg ia,
ria com increm ento importante dos resultad os. a verda- já realizada amplamente em centros especializados, cena-
de, os aspectos anatômicos e as técnicas cirúrgicas, tão mente contribui para a correção d e afecções diagnostica-
bem conhecidos ao lo ngo de mui tos anos, ganharam das precocemente e que, se não tratadas, im·iabilizam a
valiosos aliados com o conheci mento da resposta metabó- sobrevivência do concepto ou contribuem para a preven-
lica à agressão e seu impacto na evolução pós-operatória. ção de seqüelas à nascença.
Sir David Cuthbertson, patologista clínico, em 1942, Grandes avanços têm sid o alcançados pela videoen-
ao tentar responder aos seus colegas o rtopedistas que lhe doscopia, sendo possível, boje, realizarem-se até mesmo
perguntaram por qu e pacientes com fraturas de ossos correções de doenças malignas. Po r exemplo, o câncer
gástrico precoce tem sido tratado, por via encloscópica,
longos apresentavam tempo prolongado de recuperação,
com bons resultados" . Como este, certamente, outros
relatou gue o trauma ou estresse indu zem estado hiper-
procedimentos passarão a faze r parte elas opções tera-
catabólico, com aumento de excreção d e cálcio, fósforo,
pêuticas no futuro e, ni'io só em cenrros el e alm comple-
sulfato e nitrogênio na urina 12• Esse estado é desencadea-
xidade, co mo também em ourros centros.
do por complexa rede d e fenômenos orgânicos (ver
o entanto, jamais se poderá relega r a prática cirúrgi-
Capítulo 14 - Resposta orgânica ao trauma) .
ca a máquinas e, po r isso a Cirurg ia continuará sendo
o último decênio do século XX, com o advento da
uma arte manual e d ependente d e pessoas. f\ técnica
videoendocirurgia, as especialidades cirúrgicas alcança-
operatória não representará isoladamente o progresso da
ram novo patamar. Ao evi tar g rand es incisões para a exe-
Cirurgia, à semelhança d o que ocorreu no passado. O
cução dos mesmos proced imentos cirúrgicos até então
cirurgião precisará continuar a trabalhar em grupo com
realizados, a videoendoci rurgia propo rci ono u menor
o utros especialistas pa ra d esvendar os m istérios metabó-
agressão, com conseqüente resposta o rgânica dimin Lúda,
licos e, talvez, seu maior desafio seja entender a comple-
menos dor pós-operatória e meno r tempo d e internação. xa e intricada res posta o rgâ nica ao trauma c enco ntrar
Esses resultados ge raram d iminuição na incidência de mecanismos para atenuá-la.
complicações associadas às incisões, como hérnias, redu-
ziram os gastos hospitalares e, acima de tudo, trouxeram
melhores índices de acei tação e qua lidade de vida por Referências
parte dos pacientes.
1• Baskerr T F. Rcsusci rarion gn :ats. t\mbroisc Paré and thc arrcst
o f haemorrhage. Rcsuscitation. 2004;62: 133-5.
2 • 11arrison \X/C. D r. \XIilliam l larvcy anel thc D iscovcry of
O século XXI
Circu1ation. 1 cw York : 1\laci\ lillan Company, 1967 .
3 • Ou in N, Sutcliffc J. 1\ l lisrory o f 1\ lcdicinc. cw York: Barnes &
A evol ução no campo cirúrgico certamente continua-
Noblc Books, 1992.
rá, não só como fruto de tecno logia cada ,·ez mais sofis- • ,\l o rron \X'. a t http:/ / www.gcneral-anacs thesia.com/ ima-
ticada, mas essencialmente com no ,·os avanços na área ges/ william-morton.html.
metabó lica, já que muito ainda há para se entender nesta 5 • Long C. at http:/ / www.cviog.uga.edu/ projccts/ gainfo/ 1ong-
bio.honl.
seara. As operações realizadas por robôs são uma pers-
6 . Scmmclweis I P. at htrp:/ / www.uh.edu/ cngincs/ epi622.html.
pectiva em situações específicas e delicadas, em que a 7 • Lisrcr J. ar hrrp:/ / w\\-w.gcocities.com/ vicrorianmcdicine/ cnti-
mão elo ciru rgião tem clificulclacle de executar o procedi- rc.h tml.

4
Capítulo OI .: História da Cirurgia

••
8• I jstcr J. On thc anriscptic principie in rhe practice o f surgcry. 12 • Cuthbcrtson D P. Thc mctabolic rcspnnsc to in jury anel other
Lancct. 1867;2:668-9. rclateel explorations in the ficld of mcraboli sm: an
9 • l lals tcd \'(/, at hnp://c250.colu m bia.cdu/ c250_cclcbra- autobiographical accounr. Scott 1\fcel J. 1982;27:!58 ""1.
tes/ nlur_C<Jiumbians/ william_halsted.html. 13 • Luelwig 1<, Klau tkc G, Bcrnhardj, \X'cine r R. Minimally invasi-
lO • t<.lodlin L\'1. Surgical trium\iratc of T hcodor 1-\:ochcr, llan·ey \ ' C anel local trcatment for mucosa! carh- gastric canccr. Surg

Cushing, anel \XIilliam l lalsrcel. \'(/orlei J Surg. 1998;22: I03- 13. I:ndosc. 2005 ar http:// www.springerli nk.com/ m eclia/ 3d3-
li • Barnarel Ct . Thc first heart transpla nr-backgrounel anel cir- lq v l gy md 8502g9m 7 j / c ontr ib u
cum stanccs. S Afr ,\ Icei J. 1995;85:924-6. tions/ m/ l/ 6/ 6/ m l 665887h 1366413_ h tml/fullrcxt. html.

5
02
DESAFIOS
DA MEDICINA
CONTEMPORÂNEA
..-----------------------------------------------------------------------

J oão Gabriel Marques Fo nseca

"A profissão de 111édico conduifu sms 11/e!llbros por 11111 caminho grego não separava o homem da natu reza, o corpo da
difícil no sémlo passado: 11111a lenta e glmiosa ascensão e111 direção ao mente, o universo da te rra, nem fazia a imensa maioria
bem-estar, sep,uida por 11111a profunda e agitada queda. das distinções tão familiares à no sa vida. Para os gregos,
Nas décadas que se seg11iram à 2aCuetra, os descrevia/li a natureza e o cosmos são perfeito c ordenados por leis
os médicos COIIIO herdeiros do sorte na era dourada da Medicina. 1:::.'/es di vinas; a razão é concebida como divina, externa ao
eram cercados de ad111iradores, pacientes leais, colegas respeitosos e homem, ordenadora do cosmos. Q uando vive em equiJi-
tinha111 plena autonomia e111 seu trabalho, segurança profissional f brio com a natureza, o ho mem está bem, saudável e pro-
mJJa ótli11a mmmeração. Essa era teve vida et11ta. dutivo. As doenças significam um desequilíb rio do
A partir dos anos 80, as manchetes dosjomaispassam/li a estam- homem com a natureza, comum diante das imperfeições
par notícias de 111édicos emocionalmente abatidos {qlfl! consideravaiJI a do mundo humano c o riginado em excessos no comer,
possibilidade de abandonar a profissão). Muitos obsm•adores passa- no beber, no exercício e no sono.
ra/li a desnrPer a i\1edicintl como uma pmfissão em decadência, contei- Como a natureza é perfeita, se o corpo for deixado em
minada pela burocracitl, peltl perda da autonomia, despmtigiada e estado natural, ele tende espo ntaneamente à perfeição e à
pe!fJassada por uma proj11nda insatisfação pessoal". cura. A maior parte dos tratamentos propostos era, por
Com essa afirmação, Abigail Z uger 1 descreve brilhan- isso, expectante. ão havia sentido em intervir no corpo.
temente o trajeto ela Medicina nos últimos 25 anos c nos As idéias terapêuticas da Medicina alopática atual -
desa fia a uma grande reflexão: por que isso aconteceu? medjcamentos, operações etc. - não faz iam sentido na
uma tenta tiva de compreender esse mo mento históri- Medicina grega porque sigru fi cariam interferência de uma
co que vivemos, vamos relembrar, em grandes passos, o razão menor, mundana e humana, num equilíbrio man ti-
trajeto da Medicina Ocidental desde s uas o rigens na do por forças superiores, di vinas.
Grécia clá sica. As idéias gregas se mantiveram até o Renascimento
graças, principalmente, a um famoso médico c pensador
Como chegamos aonde chegamos greco-romano que vi\'CU no século 11, Galeno.
Gale no (129- 199 a.C.) começou a estudar Medicina
r\ Ocidental, até o período que conhecemos aos 16 anos. Era um grande anatomista pelos seus estu-
como Renascimento, está ancorada na tradição da dos de arumais (era proibido estudar no homem) e por-
Medicina grega clássica. que, ainda mwto jovem, trata\'a feridas de gladiadores.
A concepção de mundo da G récia cláss ica era globa- E ra muüo respeitado e chegou a ser médico de
ti zadora, unitária, holística, como chamamos hoje. A Aurélio . Escreveu mais de 200 li vros sobre Medicina,
natureza era vista em sua integralidade, sem as categorias Filosofia, gramática c retó rica. Foi ele quem descreveu
a que estamos acos tumados em nossa civilização. O pela primeira vez a medula espinhal, o nervos crantanos

7
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
e a passagem de sangue pelas artérias (c não de ar como universo como uma g rande máquin a cujo meca111smo
se acrcdita\'a). deve ser observado e restado para ser compreendido. O
Galcno tinha preocupações místicas (\·ia o corpo olhar do filósofo e do teólogo que observa/admi ra pas-
como veículo da alma c achava que todas as coisas têm sivamente um uni verso per feito para encon tra r ncl<.: a
função determinada por Deus), razão pela qual suas materialização da lógica divina c d e uma o rdem preesta-
obras interessaram tanto a teólogos cristãos e muçulma- belecida é substiruido pelo olhar do cientista, que experi-
nos. cus livros foram traduzidos do grego para o árabe menta c usa a razão para conhecer o mundo, po r meio de
c para o latim. prática metódica em que reco lh e "fragmentos do
t\ Med icina "galênica" era cosmoccnrrada, como na mundo" para estudá-los pormenorizadamenre.
Grécia clássica, e seus tratamentos baseados na conrcn- O co rpo humano deixa de ser considerado como
ção de excessos, e em repo uso, ar puro, alimentação, rep resentação terrena da perfeição celeste; deixa de ser
banhos c uns poucos sintomáticos para acalmar c aplacar pensado inteiro, em que a pessoa - c não um órgão -
a dor. ão havia a intenção da cu ra, c sim a de perm iti r adoece. O corpo humano passa a se r visto pela ciência
que o corpo se restabelecesse, readctui rissc o equilíbrio. como uma máquina pensante e a ser observado por par-
r\s ob ras de Galcno tiveram tanta resso nância no tes. Agora, não é mais a pessoa ou o corpo que adoece; o
mundo cri tão que constituiram a base do saber médico qu e adoece são os ó rgãos ou os sistemas.
até o século XVI. ;\ d oença não é mais vista como perda d a harmonia ou
omente a partir do século XV I, em deco rrência das do ec1uilíbrio e passa a ser concebida como um "cnj..,"Uiço",
grandes modificações políticas, geográficas c ideológicas um mau funcionamento passível de intervenção.
por que passou a Europa, urge uma nova concepção d e t\ base ideológ ica das ações te rapêuticas - a conduta
fundamentada em uma nova co ncepção ex pectante que permi te a restauração do equilíbrio - é
do mundo. substituída de forma contundente pelas ações intcrve n-
O Heliocentrismo, c1ue se firmava frente ao cionistas que visam repa rar o "defeito" da " máquina".
Geocenrri mo, as modificaçôcs nas rotas comerciais c Começam a aparecer modelos e teorias médicas que
nas cidades, a emancipação do poder político em relação se o põem radicalmente ao pensamento tradicional, de
ao poder eclesiástico, o nascimento do pen amemo cien- bases g regas.
tífico, c1uc se insinuava num te rritó rio até então monopó- o século XVlll , o corpo humano é concebido ple-
lio do pensamento teológico e filosófico: tudo isso cc>n- namente como uma máquina c, como tal, tende ao eles-
tribu.iu para o aparecimento de uma no,•a \'isão de gaste e à morte. A doença c a saúde passam a ser defini-
mundo. Surgia o pensamento analítico, categorizador, das como diferentes graus de excitabilidade d o co rpo. A
classificado r. Surgia a Ciência. doença é um excesso ou falta de excitabilidade. ;\ saúde
Vesalius (na primeira metade do séc ulo XVI) qu estio - é um "ponto certo". Os tratamentos médicos passam a
na Galeno c promove um amplo c revolucionário estudo \'Ísar à recomposição da "excitabilidade"; usam-se exci-
da anatomia humana. Parré (no final do século XVI) cria tantes (nos estados definidos como ele baixa excitabilida-
locais para hospedar "com hospitalidad e" as pessoas que de) ou sa ngrias (pa ra as situaçôes onde há feb re ou
tinham de ser "cortadas" pc:.:los ciru rgiôes. Pa rré criava os outras formas d e excesso de exci tabilidade) . As sangues-
primeiros hospitais c aproxima\·a, pela primeira vez, a sugas, ve rmes hcmatóragos de vida line - o l lirudo
Cirurgia (agressiva) da ,\Jcclicina (expectante). Harvcy 1\[cdicinalis, eram utilizadas em larga escala.
(1578-1676) estuda a circulação e propôe a existência dos ' a transição d o século XV III para o XlX, uma série
capilares, disparando um eno rm e desenvolvimento de ocorrências contundentes contrib ui u para consolidar
da fisiologia. o pensamento científico apLicado à prática méd ica. A
A "razão" cicia como atributo d i,·ino, externo ao \'acinaçiio an tiva riólica inaugu rou a era d os tratamentos
homem, começa a ceder lugar a uma "razão" humana. O médicos eficientes c de base cientifico-experimental.
teocentrismo vai, progrcssi,·amcntc, dando luga r ao urgiram inúmeros instrumentos médicos: termômetros,
antropocentrismo c a teologia, à ciência. estetoscópios, materiais para aná lise química, materiais
A concepção grega d o universo, como algo perfeitO c cirúrgicos etc. As doenças passaram a ter uma classifica-
equilibrado, dá lugar à concepção racional que "vê" o ção de base científica e a antiga ela sificação gené rica de

8
Capítulo 02 .: Desafios da Medicina contemporânea

••
febres, apoplcxias, constipações etc. cedeu lugar a uma A Belle de rradei ra tentati \'a de sublimar a
classificação "orgâ nica" que permitia a co rrelação dos derrocada do modelo imperial, termina de fo rma trágica
sinais e sin to mas clínicos co m a evolução das doença . na barbárie da primeira guerra m und ial. O mundo oci-
As técnicas de anamncse são aprimoradas, bem como os dental entrava num mo mento histúrico difícil; a perda
métodos de observação e e tudo ele secreções c fluidos dos referenciais centralizado rcs, capazes de o rientar a
corpo rais. O século XJX vê nascer c se desenvolver a vida, abriu espaço para o nazi-facismo e para as mais
Anatom ia PatOlógica. diversas radi cal idades. t\ segunda g uerra mundial mostra-
las a g rande questão do século X IX, que modificou va a face per\'crsa desse momento de desg-over-
ele maneira radical a prática médica até os nossos dias, é no existencial c.1ue, sob muitos aspectos, pcr-.ic;rc até hoje.
a chamada Teoria dos G ermes. Essa teoria, fruto dos De fo rma muito semelhante aos séculos X IV/ XV, o
detalhados estudos microbiológicos descm oh-idos po r século XX c o inicio do século XX I ll'm demonstrado ser
Pas tcur, Koch, Listcr e tantos o utros, modificou radical- uma época de refo rma de paradigmas c de imensas
mente a prútica médica. m udanças. Os ,·aJorcs c as crenças tradicionais estão fragi-
O núcleo ideológico da T eo ria dos G ermes é a cren- lizados. l'ão remos mais insmucionais c
ça de que uma doença tem uma espcci ticidade etiológica. modelos de ,·ida cstá,·cis. ()-, model m tradicio nais q ue
a época, o agcm c era um germe; hoje, é um germe, um oricma,·am as grandes instiruiçôcs soci.1is (o ctsamcnro, a
gcn, um ho rmônio, um anticorpo, um trauma físico ou
Igreja, o governo, a família, a ed ucação, a etc.),
psíquico etc.
até algum tempo atrás, estão apresentando sinais de cansa-
1\ s doenças passaram a ser encaradas como processos
ço c"t remo c não mais sen·cm como de referência.
biológicos c cmm compreendidas como tal; não havia mais
:\ segunda metade elo sécul o X X assis tiu à mais espe-
a necessidade de pensar a pessoa como um todo. O corpo
tacular o nda de dcscm·olvimcnro tccnolúj..,'ico de toda a
era uma máguina consti tuida por processos fisicos c quími-
histó ri a humana. /\ intensidade c a velocidade das mudan-
cos. aúdc c biologia "fundiram-se" numa me ma coisa.
ças nos úlú mos decênio não têm precedentes históricos,
t\s medidas terapêuticas passaram a te r base ciemíti
nem sequer foram imaginadas pela literatura de ficção. O
ca mais consistente c as medidas propm tas, prcvcnti\·as
mundo se tornou apressado, obcecado pela rapido.
c curari\'as, baseadas na concepção m1crobiolúg1ca das
doença'>, passara m a ser eficientes. ,\ s tecnologias da informação transfo rma ram r<nal-
.\ s idéias higienistas modificaram muito o panorama mcnte a \'ida social. ,\ info rmá tica c as telecomun icações
social geral c contribuíram para au mentar, pela primeira criaram outro m undo. T odos nós hoje omos dependen-
\ ' Cz, a cxpcctati\·a de vida das pessoas. O s médi cos pas-
tes, adictos, das comunicaçôcs digitais informatindas.
saram a assumir funçôcs até então atribuídas a Nenh um sistema p rodu ti vo ou pres tador de serviços é
profissões. 1\ Medicina e os médicos atingiram grande capaz de atua r mais sem essas tecnologias.
prestigio social. Vive mos num mundo confuso, supcrpo puloso, sob
t\ prática médica assumiu o status de uma ins tituição g rande pressão de consumo c de prod ução c absoluta-
rotal, passando a exercer amplo controle sobre as pessoas. m ente dependente da tecnologia. ( ) com h io social está
( )s médicos tornara m-se fiscais de corpos, atcsm ndo dchrradado c as relações intcrpcs.,oais tendem a ser cada
saúde, doença, nascimento e mo rte. 1\ passou a \ ' CZ mais \'iolemas. Os fa natismm c os rad icalismo:. c tão

ter eno rme fo rça para decidir sobre o cerro c o errado, o presentes de fo rma muito in tensa. t\s desigualdades
co1wcnicnrc c o inconveniente, a vida c a morte. sociais, culturais c econômicas são eno rmes, fo rmando
' clima de conquistas, sucessos c poder para a verdadeiras lcgiôcs de excl uídos.
1\ ledicina c para os médicos, entramos no ocaso do écu- t\ téc nica tem tOmado o luga r da ética relações
lo X IX c no amanhecer do século XX, período trágico, sociais. Os objeti vos de vida da maioria das pessoas tor-
marcado pela decadência dos últimos 1-,rrandcs impérios nara m-se prosaicos e imediatos, tj uasc sempre lihrados à
ocidentais. F.m função da decadência desses impérios, conquista de bens materiais . . \ s necessidades socio-afeti-
começa a ru ir toda a estrutura de m odelos de vida c valo- vas do ser humano têm sido sistematicam ente sccundari-
res construídos após a revolução francesa, q ue guiavam a zadas. 1\ 1\ Iedicina está totalme nte inserida nesse contex-
vida c as relaçôcs humanas no século X IX. to c o demonstra com incrh·cl clareza.

9
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
A Medicina contemporânea é eminentemente tecnoló- • a relação médjco-paciente mo ra na subjetividade e
gica. Os anos 80 do século passado assistiram a um bootn é, principalmente, artística;
de tecnologias de imagem e de mjcrodosagens para ftns • a anamnese, enquanto escuta, (: um ato artístico
ruagnósticos. A anestesia, a analgesia, a antibioticoterapia, porque é a partir de um fato subjetivo (a escuta do
a qwmioterapia antineoplásica e as técrucas cirúrgicas sintoma) que se formula uma impressão, expressa
o bjetivamente como modelo explicativo (a impres-
ampliaram enormemente uas possibilidades de atuação.
são diag nóstica);
Entretanto, os tributos pagos por esse desenvolvi-
• o exame físico está mais próximo da ciência porque,
mento têm sido enormes.
a partir de um achado (fato) o bjetivo, formula-se
O custo financeiro da prática méruca atual superou
uma interpretação;
rodas as po sibilidades de financiamento - os sistemas • o exame complementar viaja sentado na garupa da
público · e privados de saúde estão falidos e ainda não se tecnologia;
visualizou uma saída. • o aro terapêutico baseia-se na ciência, mas navega
Juntamente com a falência econômico-financeira do na imprevisibilidade.
sistema de saúde, a Medicina despencou num abismo de O desafio está em equilibrar essas forças e habilida-
pro blemas éticos. O exercício da Medicina, tido como des. A palavra tecnologia (techné = arte manual, p roduto
um sacerdócio até meados da segunda metade do século + fogos = proposição, pensamento) significa " produto da
XX, tem experimentado um progressivo proces o de idéia, produto do pensamento" ; até em tempos muito
deterioração. O trabalho méruco está desvalorizado e recentes, era preponderante: a idéia, o pensamento,
passou a ser, inclusive, rejeitado. a reflexão eram precedentes à o bra- o produto era con-
Este cenário de dificuldades e de paradoxos tem sido seqüência da idéia. A avalanche tecnológica da contem-
o pano de fundo da prática médica nos últimos anos. poraneidade tem, em várias ocasiões, inver tido essa rela-
Por tudo isso, a prática da Medici na nos dias atuais ção: o produto comanda a idéia. a prática médica isso
perdeu o glamour que tinha há algu ns decêruos atrás; vem tem-se tornado perigosamente a regra geral: o aparelho,
tornando-se progressivam ente um trabalho árduo c, às o exame, o "objetivo" suplanta e substitui o diálogo; a clí-
vezes, até mesmo penoso. nica tem deixado de ser so berana.

Desafios do médico diante da Medicina Segundo grande desafio - conciliar o simples com
contemporânea o sofisticado

Lown, em seu notável texto A Arte Perdida de Curar


O s médicos exercem hoje sua profissão enfrentando
(1996Y, é contundente quando aponta a importância
continuamente quatro grandes desafios.
relativa dos instrumentos propedêuticos no diagnóstico:
a anamnese responde po r 75% dos diagnósticos, o
Primeiro grande desafio - conci liar o subjetivo exame físico por 10% , os exames complementares de
com o objetivo baixo cusro por 5%, os exames complementares de alto
custo po r mais 5% e o acaso pelos 5% restantes.
Fernando Pessoa nos ensina que a arte é a "interpre- Com o ava nço tecnológico da década de 80 do sécu-
tação objetiva de um fato subjetivo": a obra de arte lo passado, os médicos passaram a inclwr sistematica-
(interpretação objetiva) parte de uma impressão interior mente os exames complementares, principalmente os de
(fato subjetivo); já a ciência é a "interpretação subjetiva alto custo, no dia-a-dia de ambu latórios e hospitais. A
de um fato objetivo" : uma teoria / modelo científico capacidade diagnóstica tornou-se indi cutivelmentc mais
(interpretação subjetiva) parte de uma observação ou de eficiente, mas essa modificação cobrou dois pesados
um experimento (fato objetivo). ônus: o aumento desenfreado do custo financeiro e, pri n-
A Medicina atual se baseia na ciência e na tecnologia, cipalmente, a secundarização da subjetividade na prática
mas o ato médico não é completamente científico nem clínica. A tirou o foco do paciente e o pôs na
completamente tecnológico; é inegável que a arte faz máquina, passando a atuar como indústria de produção
parte da Medicina: em série, perdendo aquele caráter particular e confiden-

10
Capít ulo 02 .: Desafios da Me dicina conte mporânea

••
cial que a caracteri:ta\'a. O médico se transformou numa •\ .\ lcdicina contemporànea está tecnologicamente
pequena en{.,rrcnagcm dessa máguina c o paciente, em sua ava nçada, economicamen te fa lida c huma namente
matéria-prima. A relação médico-paciente foi "coisi fica- frustrada.
da"; médico c paciente, com freqüência, se tratam como Os médicos vivem hoje sob o fogo cruzado da tecno-
objetos. Entre médico e paciente se interpôs n tecno logia. logia, do excesso de in formações, ela pressa, elo pouco
tem po para sua fo rmação pessoal, da cobrança de efi -
ciência c de resultados, da baixa remuneração e da \'igi-
Terceiro grande desafio - reconstruir a relação
Jância quase sempre tendenciosa da míd ia. Pratica r a
médico-paciente i\ledicina arualmente é, majs que rudo, um grande estre -
Até os anos 60 70 do século XX, a era um se . .\ luitos médicos não estão bem como pessoas': do r-
negócio feito em pc<.juena escala, que se basca\'a no con- mem mal, aJjmentam-!>e mal e cuidam mal de si c de suas
taw pessoal direto, voluntário, particular, con fidencial e rclaçcies inte rpessoais•.
personalizado cnrrc a " pessoa" do doente c a "pessoa" Investir em si mesmos é um dos principais desafi os
do médico. 1\ partir dessa época, a t\ 'lcdicina se transfo r- para os médicos atuais. O médicos precisam se alimen-
mou num negócio em la rga escala, a ser uma ta r mel hor: ter mais atenção c cuidado com suas refei-
indústria colossal, perdeu o caráter particular, confiden- ções, saborear com mais calma o alimento. O s médicos
cial. O paciente tornou-se um "consumidor" c o médico, precisam er mais ati,·os fisicamente, cuidar melhor de
um " prestado r de scr\'iços". ;\ .\ ledicina continua expe- sua postura, procurar dormir bem, buscar dive rsão e
rimentando um processo de brutal mercantilizaçào. lazer sistemáticos. Há de se culti\'ar o diálogo, a amizade
Como "prestadores de ser\'Íços" os médicos passa- c o respeito, partic ularmente com seus clientes.
ram a freqüentar a mídia que exibe com igual freqüência Não deixa de ser estranho sugerir essas cotidianidades
as falhas c as conquistas da .i\Jedicina, num paradoxo para médicos, mas ainda mais estranho é perceber
contínuo que mai" confunde do que informa. guc os médicos estão esquecendo isso.
Os médicos cstiio carentes de humanidade: de sensi-
bilidade, de humildade, de senso de obscrvaçiio, de ' 'isào
Referências
social, d<.: criati\'idadc, de ética c de dnculos com seu
pacientes <.JUe tenham como base a confia nça m úwa. I• Zugcr ,\ . Dissati!.faction \\'lth medicai practicc. ;"\ Engl J 1\led.
2004;350:69-" 5.
2• I n 13. \ ane perd1da de curar. J :\ Ed110ra l.tda. ào Paulo,
Quarto desafio - cuidar melhor de si mesmos 1966.
3• Okic S. \'\"hitc Coar, ,\ 1ood lnd1go. , J t\1cd.
O médico afastou-se do paciente e de si próprio como 2005; 153: I 085-!l.
ser humano: os médicos con6am progressivamente menos 4• t\rncdt JT. performance of rcs1dcnts after
em si próprios c, cada vc:t mais, em exames complementa- night call vs aftcr alcohol ingcstton. 2005;
294: 1025-33.
res; os médicos tornaram-se "exame-adictos" numa depen-
dência quase fisica da propcdêutica complementar.

11
03
CONCEITOS DE
CONVENIÊNCIA
,.
OPERATORIA

••
Marco Antônio Gonçalves Rodrigues,
Maria Isabel T o ulson Davisson Correia

Conveniência operatória cação cirúrgica, também o risco operatório do paciente 1•


São muitas as variáveis determinantes da resposta e adap-
O domínio dos conceitos de conveniência operatória
tação do paciente ao procedimento cirúrgico. Condições
é imprescindível para a compreensão da dinâmica que
orgânicas e estado emocional do paciente, utilização de
envolve o período pré-operatório, <.jUe vai desde o instan-
medicamentos capazes de ocasionar instabilidade fisioló-
te em que se discute a opção cirúrgica (indicação cirúrgi- gica, caráter eletivo ou emerge ncial do ato cirúrgico,
ca), até a realização da operação (momento operató rio) ex periência da equipe de saúde, infra-estrutura tecnológi-
(Figu ra 3.1). Duas etapas essenciais do pré-operató rio - ca do hospital, e natu reza da operação e da anestesia são
avaliação clínica e preparo pré-operatório - são discuti- determinantes fundamentais da evolução per e pós-ope-
das, respectivamente, nos capítulos 4 e 11. ratória. D essa forma, nos pacientes com indicação cirúr-
o momento da decisão, nem sempre simples, de gica, deve-se definir o risco operatório e, caso se decida
operar ou não um paciente (decisão cirúrgica) deve-se por realizar o tratamento cirúrgico, escolher o melhor
avaliar uma série de fatores, considerando, além da indi- momento para fazê-lo 1 (Figura 3.2).

--------------------------------------------------------------------------------------------··•
Indicação Decisão Mo mento Término Alta
I Cirúrgica
I f I I Operatório
I I da operação
I I Ambulatorial
I
, ll•alta(ÔO dlitica pri· f>"fJaro
opemlónn pri-opemtório

PRÉ-OPERATÓRIO PEROPERATÓRIO PÓS-OPERATÓRIO


I
=·--------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 3.1 .: F.mpas e fases d o tratamento cirúrg ico

13
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
--------------------------------------------------------------------------------------------··•
Ara/iar as rantagerts e
Conburrfl
drst'OIIIOJ!.tfiS do

!
Tratamento cirúrgico
!
l'trJIII DICAÇÃO CIRÜ RG ICA llistúria natural da doença
T ratamento não-cirúrgico

J 1
1\IOMI·:NTO
DECI AO O PE RATÓRJ ,\
OPnRATÓR IO

1 t
Vulto da operação RI CO CIRL'RGJCO geral do pactcntc

Planqaro rlmliar t llltlhomr o

=·-------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 3.2 .: Conceitos de conveniência operatória (adaptada de 1\lcndclssonh c Barbosa')

Indicação cirúrgica mento em relação a seu paciente. Toda as informaçõe


e os dados do exame clínico, por vezes desprezados,
A indicação cirúrgica correta é condição essencial podem ser relevantes e até decisivos. O utras vezes, são
para se alcançar bons resultados com o procedimento. detalhes dos exames complementares que serão definiti-
Para isso, ela deve ser definida a partir do conhecimento vos na indicação o u não da intervenção cirúrgica.
da evolução e do prognóstico da doença. Avaliando seu Para a maioria das afecções que apresenta mais de
comportamento, conhecido e registrado na literatura, é uma o pção terapêutica, uma delas se destaca por oferecer
possível comparar as vantagens e desvantagens do trata- maior e fi ciência e mel ho res res ultados, com menor mor-
mento cirúrgico com as va ntagens e desvantagens do tra- bimo rtalidade, sendo conside rado tratame nto padrão-
tamento não-cirúrgico (relação risco-benefício). O trata- o uro. Ao o ptar por esse tratamento, o médi co des fruta
mento não-cirúrgico, também conhecido como conser- do conforto técnico c da segurança médico-legal, por
vador, inclui o tratamento expectante (obser\'ação clíni- estar respaldado na literatura. Por o utro lado, para fugir
ca), as inúmera formas de tratamento clinico medica- do padrão-ou ro, é mister que o médico deva se basear
mentoso e os diferentes tipos de terapêutica não-medica- em justificativas clínicas e/ ou técnicas consistentes,
mentosa. E m contrapartida, o tratamento cirú rgico tam- tanto ao optar pela terapêutica cirúrgica (geral mente tida
bém pode variar muito, na dependência do o bjetivo da co mo mais agressiva e, po r vezes, imprudente), quanto
intervenção, da técnica proposta c de seus diferentes ao o ptar pelo tratamento expectante (muitas vezes con-
acessos, incluindo o endoscó pico 0aparoscópico, arrros- fundido como negligência e descaso).
cópico etc.) e o convencional. T odas estas variações e Quem deve indicar o tratamento cirúrgico é o próprio
opções terapêuticas devem ser ponderadas. cirurgião que irá realizar o procedimento, considerando
Po r outro lado, ao indicar o procedimento cirúrgico, que ele não é um artesão nem um técnico, c respo nsabili-
não basta o conhecimento vasto e atualizado da literatu- zar-se-á pelo procedimentd·'. Além disso, com freqüência,
ra, é preciso que o cirurgião consiga aplicar esse conheci- observam-se divergências em relação à indicação de uma

14
Capitulo 3 .: Conceitos de conveniência operatór ia

••
intervenção cirúrgica. Infelizmente, não é raro que colegas complexos que exigem decisões apoiadas em concepçõe
clínicos (ou mesmo cirurgiões) indiquem procccümcntos filosóficas, transparecendo nas decisões e encaminha-
cirúrgicos para outros realizarem. Este erro comum, de mentos da soluções a personalidade do médico.
conseqüências complexas, traz freqüentemente problemas Cirurgiões, anestesiologi sras e clinicas devem traba-
e sofrimento para todos. Ao confrontar-se com iruação lhar em conjunto e de forma ha rmoniosa, de modo a
que possa c beneficiar de terapêutica cirúrgica, o paciente que se procedam, da melhor maneira possÍ\·el, a avalia-
deveria ser orientado: "vamos encaminhá-lo ao cirurgião ção clínica pré-operatória e a defin ição do risco cirúr-
parn verificarmo se o tratamento cirúrgico será boa opção gico. A decisão de operar ou não o paciente deve ser
terapêutica para o seu caso". tomada pelos três, sendo desaconselháveis decisões
lo casos de indicação cirúrgica mais diflcil c duvido- unila terais e conflituosas.
sa, pode ser interessante para o cirurgião dividir a respon-
sabilidade da inclicação com outros colegas mais expe-
Risco cirúrgico
rientes no assunto. ontudo, em última in rância, quem
será o rc ponsável direto pelo paciente c pelas conse- D efine- e risco cirúrgico como a probabilidade de uma
qüência do tratamento será aquele que o realizar. Dessa operação ocasionar, em certo paciente, complicações c
forma, é importante que ele esteja de acordo com a reali - óbito, tanto decorrentes da intervenção sobre o órgão
zação do procedimento c preparado para executá-lo. doente, como em conseqüência da falência de outros
os casos em que tanto o tratamento clínico quan- órgãos e sistemas sobrecarregados pelo trauma anestési-
to ci rúrgico forem aceitos no arsenal terapêutico de
co-cirúrgico. ào se deve confundir "ri co cirúrgico"
certa afecção e apresentarem resultados Ct)uivalcntcs, o com "estado geral do paciente"; as conclições cürucas não
paciente deve ser informado das vantagens e dcs,·anta-
são os únjcos determinantes desse risco. O maior ou
gcns de cada uma dessas opções c poderá opi na r, defi-
menor vulto da operação também determina maior ou
nindo :,cu interc.:::.::.c em ::.c submeter uu não à interven-
menor risco cirúrgico. Por sua vez, e se vulto depende
ção cirúrgica.
tanto da concliçõcs médico-hospitalares, quanto do
po rre da operação, cndo, portanto, ambos componentes
Decisão operatória fundamentais na defirução de e ri!>co. Dessa forma, o
risco pode ser proibitivo de submissão do paciente a uma
Me!>mo havendo indicação formal para o tratamento operação extensa, e ser aceitável para intervenção de
ci rúrgico, nem sempre ele poderá ser realizado, ou seja, menor porte.
nem sempre é possível decidir pela realização da inter- Muitos, na prática, têm confund ido, com preju ízo
venção cirúrgica. A decisão operatória prcssupôc sempre para a dinâmica pré-operatória e conseqüentemente
uma indicação cirúrgica, mas depende tão igualmente da para o paciente, " avaliação das condições clínicas do
magnitude do ri co cirúrgico, ou seja, do risco de compli- doente" com "avaljação do risco cirúrgico". Ao se soli-
cações c óbito que iremos impor ao paciente ao realizar- citar o consórcio de um clínico no pré-operatório, o
mos a operação (Figu ra 3.2). correto seria solicitar "avaliação das condições clínicas
É necessário analisar criteriosamente o beneficio de c auxílio no preparo pré-operatório", uma vez que a
terapêuticas cirúrgicas em pacientes graves. A intensida- definição do risco cirúrgico, como d iscutiremos adian-
de e a 1-,rravidade da doença que e tá motivando a opera- te, só poderá ser feita pelo ciru rgião que irá operar o
ção não são, necessariamente, motivos para contra-indi- paciente. O sucesso da participação do clínico, gue
car o procedimento cirúrgico. a maior parte das ve:tcs, deve extrapolar a de um sim p les consultor, dependerá
a contra-indjcação a uma operação e tá relacionada à da sua capacidade de compreender o problema e as
situação clínica do paciente c não ao problema para o dúvidas em relação à saúde do paciente, de sua expe-
qual o tratamento ci rúrgico está indicado. riência neste tipo de atend imento, da clareza e da obje-
Ao tomar a decisão operatória, deve-se ter em mente tividade com que fizer recomendações propedêutico-
a seqüência lógica da ação te rapêutica: salvar a vida, a te rapêuticas pré-operatórias e de sua disponibilidade
seguir o ó rgão ou o segmento corporal, depois a função em interagir no pré e pós-operatório com o paciente,
e, por fim, a fo rma. Algumas vezes, os problemas são tão seus familia res e com a equipe cirú rgica.

15
•• •
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Fatores relacionados ao paciente (estado geral do paciente) ções mais prováveis4•5• Afinal, a questão aqui não é permi-
tir ou não permitir que o paciente seja operado. A função
As condições em que os pacientes se submetem a um
do clínico, como parte da equipe, e juntamente com o
proceclimento cirúrgico são muito variáveis, varrendo
cirurgião, anestesiologista e demais profissionais da saúde,
todo um espectro que vai da higidez à instabilidade fisio-
é encaminhar o paciente para o centro cirúrgico em suas
lógica extrema. As conseqüências de um procedimento
mdhores conclições clínicas e no momento mais oportu-
cirúrgico dependem da situação clinica prévia do pacien-
no5. Ném do papel fundamental na avaliação e tratamento
te. A avaliação clinica pré-operatória permite a previsão
dos fatores de risco, o clinico eleve contribuir na definição
desta reserva bio lógica e da capacidade de resposta orgâ-
nica e isso permite a projeção da provável evolução pós- ela profilaxia de complicações tromboembólicas e endocar-
operatória. Com razoável probabilidade de acerto, é pos- clite, no tratamento das complicações sistêmicas pós-opera-
sível prever a capacidade de um paciente responder às tórias e no planejamento ela alta hospitalar (definição do
novas demandas fisiológicas e definir seus prováveis momento ideal e dos cuidados domiciLiares)' .
"pontos fracos". Uma avaliação cünica p ré-operatória N os casos de "contra-indicação clínica" ao procecli-
detalhada, seguida de adequado preparo, permite não mento cirúrgico, melhor seria um contato entre os médi-
apenas prever o andamento pós-operatório, mas ta mbém cos responsáveis pelo paciente. E sta ação propicia a
preveni r intercorrências e complicações•. Muitas delas reflexão sobre o caso, decidindo-se sobre a mel ho r con-
serão evitadas e outras, tratadas precocemente. duta, respeita ndo-se a relação risco-benefício, avaliando
A avaliação cünica pré-operatória deve ser, inicialmen- o risco ele não se realizar o proceclimento c analisando a
te, realizada pelo cirurgião. Como responsável pelo pacien- qualidade de viela e, por vezes, até a qualidade de morte
te nada justificaria sua omissão nesse momento importan- do paciente.
te do tratamento cirúrgico. Além de possibilitar ao cirur-
gião o conhecimento da conclição cünica basal do paciente
e a existência ou não de outras afecções associadas, essa
Fatores relacionados ao procedimento cirúrgico
avaliação feita pelo cirurgião estreita a relação méclico- (vulto da operação)
paciente e o ferece a esse último a segurança de que não será Um proceclimcn to Clrurgico, por mais simples que
operado por alguém meramente técnico. Os méclicos resi- seja, promove sempre clesequilibrio na integridade anáto-
dentes de todas as especialidades cirúrgicas devem adquirir
mo-fisiológica elo paciente. Este desequilíbrio e suas con-
habilitação não apenas em técnica cirúrgica, mas também
seqüências dependem não apenas elas condições clínicas
em avaliação e cuidados pré e pós-operatórios.
do doente, mas também da experiência da equipe, da
Em pacientes com maior risco anestésico-cirúrgico, a
infra-estru tura tecnológica do complexo hospitalar, do
partici pação do clinico tanto no pré quanto no pós-ope-
caráter eletivo ou emergencial ela operação e, finalmente,
ratório pode se mostrar muito valiosa, favorecendo a
do porte da operação e da natureza da anestesia. D essa
interpretação de problemas clínicos mais complexos.
forma, o vulto da operação é determinado tan to pelas
Infelizmente, são poucos os programas de fo rmação de
clinicos que se preocupam com o treina mento em avalia- condições médico-hospitalares quanto pelo porte elo
ção pré-operatória e condução clínica de pacientes cirúr- procedimento cirúrgicd'. A decisão fmal quanto à opera-
gicos. Esta lacu na tem sido responsável pela insegurança bilidade é função do cirurgião e de sua equipe. Para tal, o
de alguns clinicas em participar com o cirurgião nessa cirurgião deve avaliar (e só ele pode fazê-lo):
etapa da terapêutica médica. Infelizmente, na prática, • existência ou não de infra-estrutura hospitalar capaz
essa participação não tem sido tão efetiva, em particuJar de suportar o proceclimento que está sendo inclicado
porque geralmente tem sido pontual, com o clinico se (materiais, equipamentos, qualidade e treinamento da
restringindo a classificar o risco cirúrgico (po r exemplo, equipe multiprofissional e clisponibiliclade de trata-
" paciente ASA 3' '), ou a repetir obviedacles (por exem- mento intensivo);
plo, "o paciente não pode apresentar hipo tensão e hipo- • sua capacidade pessoal - conhecimento, habiLidade,
xemia''). Melhor seria listar os problemas e diagnósticos experiência, esmero e domínio técnico e tático - na
elo paciente, salientando as condutas pré-operatórias realização do proceclimento cirúrgico proposto;
desejáveis, c as medidas preventivas para as complica- • natureza, porte e morbimortalidade do procedimento.

16
Capítulo 3 .: Conceitos de conveniência operatória •
••
Os procedimento ctrurgicos são divididos em três não considera as especificidades do paciente, de sua
categorias ou portes, de acordo com a intensidade poten- doença e tampo uco o vulto da operação .
cial do trauma: I, TI e III:
• nível 1, conhecidos como de pegueno porte - trau- Quadro 3. 1 .: Classificação d o risco a nestesio lógico proposta
mas potencialmente peguenos - resposta orgânica pela ociedade Americana de Anestesio logia
leve (por exemplo, hernioplastias não-complicadas) ; •
Paciente saudável, sem outras afccções além da
• nível li, conhecidos como de médio porte - traumas ASA I que motjvou a indicação cirúrgica. Afecção cirúr-
potencialmente moderados- resposta orgânica inten- gica de caráter localizado (0,0 1%)
sa (por exemplo, hemicolectomias ou outras interven- Paciente com doença sistêmica leve a moderada
ASA2
ções não-complicadas da cavidade abdominal); (0, 1°1o)
• nível I l l, conhecidos como de grande po rte- trau- Paciente com doe nça sistêmica grave que limita
mas potencialmente muito intensos - resposta ASA 3 sua capacidade fisica, mas não o incapacita e não
acarreta nsco de morre co nstante (1°/o)
orgânica máxi ma (por exemplo, duodenopancrea-
Paciente com doença grave incapacitante, que
tec romia cefálica, revascularização miocárdica, ASA-4 constitui risco de mone constante (10%)
transplante hepático etc.).
Paciente agônico, moribundo, sem expectativa de
Quanto mais localizada fo r a anestesia, menor será o ASA 5 sobre\"Jvencia a méd io prazo. com ou sem o pro-
risco do paciente. A anestesia geral é, po r princípio, mais cedimentO cirúrgtco
arriscada que a loco-regio nal ou anestesia local; contudo, •
o procedimento anestésico, po r mais banal CJLie pareça (h perccntu:us. entre parênteses. •P"' cada upo. mdJcam a probabobd2dc cstatfs
cica de ,·,biro pchl o1x raçJo: se a indacaç.io carúrwca for emcrgencaaJ, J possa balada
ser, nunca deve ser subestimado . O tempo de aneste ia é de de úbuo dobn. nas pnmeiras que se tornam I R, 2 F
e :U c não altc-n Slhrruticluvamentc o prognósocn n:IS Ulumas
também fatOr fundamental na determinação do risco
do paciente.
A definição do risco cirúrgico é do cirurgião, pois só ele
Quadro 3.2 .: ind ice de risco cardíaco
conhece as condições técnicas e hospitalares, ou seja, seu ••
conhecimento e sua habilidade com o procedimento, as Critério Pontos •
condições de trabalho do hospital onde pretende realizar o História Clinica
procedimento etc2 . Além disso, somente ele conhece o Idade > 70 anos os
porte da operação gue está programando, tem experiência lnfano agudo do miocárdio há menos de seis mc!<Cs lO
Exame Físico
em avaliar a tolerância do paciente em relação à operação
Ritmo de galo pe o u ingurgitamcnto jugular li
proposta e em substituí-la por outras intervenções gue
Estenose aó rtica !,>rave 03
acarretariam diminuição do nsco cirúrgico (ver
RetJtrsibi/idade do risro). Eletrocardiograma
Arrirmias, extrasslsroles supraventriculares 07
Estcnose aórtica grave 07
Classificação do risco Outras Anormalidades
Pa0 2 < nu PaC0 2 > 50mmllg
Avalia do o estado de saúde do paCiente, é possível
K ' < 3mEq/ L ou ii C0 1 < 20m Eq/ L
categorizá-lo, na dependência do potencial risco anesté-
Créia > SOmg/d L ou crearinina > 3mg/dL
sico-cirúrgico, em três catego rias: 03
ASt\T c ALr\T alteradas
• pacientes sem risco especial;
Doença hepáuca c rómca
• pacientes com pegueno/ médio/ grande risco;
D oente acamado cronicamente por causas
• pacientes sem condições cirúrgicas. niio·cardíacas
A Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA)
Tipo de Procedimento Cirúrgico
define cinco classes de risco anestesio lógico, acrescidas lntraperitoneal, intratorááco ou aónico 03
de uma classe especial - E, gue indica o eventual caráter Emergénáa 04
emergencial da o peração (Quadro 3.1 ). A classificação da Total Máximo 53
A A é clássica, muito utilizada, mas deve er vista com •
reservas, pelo seu caráter extremamente genérico, gue
··------------------------------------------------
dt Goldman

17
••• Fundamentos em Clínica Ci rúrgica

Para quantificar o risco de desenvolvimento de com- ração tem que ser feita rapidamente, ainda esta semana")
plicações no paciente cirúrgico, Goldman7 propôs uma o clinico do paciente cria expectativas. Todavia, nem
classificação que considera a história clin.ica, o exame físi- sempre o doente está adequada mente estudado, apresen-
co, a presença de alterações no eletrocardiograma e em ta-se clinicamente preparado ou tem doença em estádio
outros exames, além de aspectos relacionados ao proce- que possibili te a operação, naquele momento. Esse tem
dimento cirúrgico (Q uadro 3.2). A partir da análise des- sido um erro comum e que traz dificuJdades para todos.
ses critérios são somados os pontos que irão determinar a dependência do momento operatório, os procedi-
o índice de risco cardiaco para operação não-cardiaca. mentos cirúrgicos podem ser classificados em:
Q uanto mais alto for o escore cumulativo, maior a mor- • de emergência (urgê ncia extrema);
bimorralidade perioperatória.
• de urgência (relati va);
Devemos ressaltar que nenhum destes índices substi-
• eletivos.
tui a avaliação clínica e, seu uso pode ser considerado dis-
Diante de indicação cirúrgica de urgência, é necessá-
pensável na prática cotidiana. Eles têm sido empregados
rio grande senso crítico para avaliar se o tratamento
mLúto mais para repassar de forma objetiva, àqueles que
cirúrgico é de emergência ou se ele pode ser submetido a
não examinaram o paciente, informação em relação ao
um preparo, po r menor que ele seja.
seu risco anestésico-cirúrgico.
Em situações de emergência (urgência extrema),
quaisquer que sejam as condições clínicas do paciente, o
Reversibilidade do risco tratamento cirúrgico é indicado quando se sabe que o
paciente não terá nenhuma probabilidade de sobreviver
Muitas comorbidades constituem fatores de nsco se não for o perado o mais rápido possível. Exemplificam
reversíveis e, em mu.itos casos, poderão ser tratadas e esta situação o paciente víti ma de trau ma perfurativo pre-
controladas, com a conseqüente redução do risco anesté- cordiaJ, com tam po namento e parada cardíaca, e aquele
sico-cirúrgico do paciente. D entre elas destacam-se os com choque hipovolêmico secundário a ruptura de vísce-
distúrbios h.idroeletroliticos (em especial, a h.ipocalemia), ra abdominal maciça.
a insuficiência cardiaca congestiva, a hipertensão arterial, As operações ele urgência (relativa) são aquelas nas
o h.ipertireoidismo e a presença de foco infeccioso à dis- quais há tempo para a confirmação diagnóstica o u p ara a
tância do sítio cirúrgico. O atraso no momento operató- melhoria das co ndições clinicas do paciente, co m vistas à
rio visa, na maior parte das vezes, alcançar esse objetivo, redução da mo rbimo rtalidade cirúrgica. Pacientes com
por meio de adequado preparo pré-operató rio (ver abdome agudo são bons exemplos dessa condição; seja o
Capítulo 11 ). Outra maneira de reduzir o risco cirúrgico paciente com abdo me agudo inflamatório, que pode
é programar e realizar operação proporcional às condi - agua rdar o período de jejum ideal, ou aquele com quadro
ções clinicas do paciente, algumas vezes controlando as obstruti vo que necessita de cateterismo nasogástr ico e
pretensões cirúrgicas e, outras vezes, realizando o proce- correção de eventuais distúrbios hidroeletroliticos e
dimento em dois ou mais tempos e não de uma só vez. ácido-básicos pré-operatórios.
T odo procedimento cirúrgico, por mais simples que
Momento operatório seja, realizado em caráter de urgência, será sempre mais
arriscado que o mesmo procedimento realizado de fo rma
O momento ideal para se realizar o procedimento eletiva, por não permitir a realização da avaliação clinica
cirúrgico é essencia.l no resultado do tratamento propos- adequada e do preparo clinico e psicológico do paciente.
to. Ao se definir o melhor momento operatório, o cirur- D essa forma, paciente com có lica biliar secundária a
gião deve pesar a evolução natu ral e a gravidade da doen- colecisrolitíase, sem acuti zação da colecis tite, seria mais
ça verst1s as condições clínicas do paciente e os benefícios bem tratado por meio de procedimento eletivo. este
a serem alcançados com um preparo pré-operató rio mais caso, deve-se considerar o sofrimento e o risco do
ou menos prolongado (Figura 3.2) . D efinir o momento paciente, realizando o procedimento eletivo de forma
operatório, assim como indicar o p rocedimento cirúrgico priorizada. O s procedimentos puramente estéticos cons-
é função do cirurgião. Ao indicar uma operação ("seu tituem exemplos clássicos de operações eletivas, também
caso só operando") e definir o seu momento ("sua ope- conhecidas como progra madas.

18
Capitulo 3 .: Conceitos de conveniência operatória

••
e, com base na correta indicação ctrurgica e num A definição dessas estratégias exige que o ancstesiologista
risco operatório aceirável, decide- e pelo traramenro renha conhecimento adequado das comorbidades presen-
cirúrgico (decisão cirúrgica), cabe ao cirurgião definir o tes e do planejamento operatório. A consulta pré-anesté-
momento operatório. Contudo, a decisão de adiar uma sica se completa com a orientação do paciente e de seus
operação não-eletiva em paciente gravemente en fermo é familiares em relação à técnica anestésica e aos cus riscos
dificil, po is o benefício do retardamento do procedimen- inerentes, abrindo espaço para esclarecer todas as dúvidas
to cirúrgico pode não c;cr superio r ao riscos em relação ao procedimento anestésico propo to' "'·12 .
de realizá-la. Conversa franca e aberta entre os médicos t\ capacidade funcional da equipe cirú rgica é resultan-
envohridos, em especial entre o cirurgião e o anestesiolo- te do entrosamento de seus componentes, das suas habi-
gista, poderá favorecer decisão mais equilibrada c menos litaçôes c conhecimentos, da consciência de suas respon-
conturbada". Durante a operação, o cirurgião deve exer- sabilidades profissionais e morais c do reconhecimento
cer liderança tran<.jüila, tomando a iniciativa de estabele- de suas limitações.
cer clima de entrosamento construtivo com o anestcsio-
logista c os demais auxiliares, além de fazer cumprir as
Consentimento informado
normas técnica da ala de operaçãon .
Todos os procedimentos diagnósricos c terapêurico
devem ser cuidadosamenrc (mas não dctalhadamente)
Responsabilidade profissional
explicados ao paciente, incluindo os risco potenciais,
(aspectos médico-legais do benefícios c as eventuais alternativas. particular,
perioperatório) informações sobre procedimentos cirúrgicos devem ser
bem entendidas pelo paciente e seus familiares 1• É
Estabelecida a relação entre o cirurgião e o paciente, imprescindível certificar-se de que o paciente com-
surgem obrigações c responsabilidades daquele em relação preendendo c accimndo o procedimento cirúr!-,rico. ls o
a este e, a partir de cnt:io, o médico pode ser acionado por se torna secundário em casos de extrema gravidade ou
negligência, imperícia ou imprudência. Todos os membros nas situações em ttue as condiçôes fisicas ou mentais do
da equipe m(:dica, incluindo anestcsiologista, clínico e paciente o impeçam de tal discernimento.
auxiliares, podem ser envolvidos em um processo médico- I nrclizmente, mesmo cumpridas todas as etapas rela-
érico-legal Contudo, m cirurgiões são sempre os mais cionadas à o rientação adequada do paciente e seus fami-
expostos, por serem os responsáveis diretos pelo paciente. liares acerca do risco operatório, não é incomum ttue eles
Esses podem ser re ponsabilizados por: ausência de docu- neguem ou subestimem esse ri co, certamente por meca-
mentação (anamncsc, cvoluçôes etc.); indicação cirúrgica nismo de defesa. Assim, tal comportamento tende a
questioná,·el; não-obtenção de auxílio pré c pós-operató- re forçar o conceito de que as intercorrências c complica-
rio de um clinico, nos de maior risco cirúrgico ou na çôcs periopcrató rias decorrem de erro médico 1•
\'igência de complicaçf>cs sistêmicas gra,·cs; não-cumpri- Contudo, o erro médico pressupôc conduta profissional
mento das do clínico, havendo relapso no inadequada ou inobservância técnica, diferentemente do
preparo e nos cuidadm com o paciente; não-obtenção do mau resultado e do acidente im previsível, que decorrem
consentimento informado; entre outros '- " . de snuação incontrolável c de curso inexorável c que,
Os clínicos podem ser responsabilizados por: pon amo, nàu t:vitá\ ei!> .
de documentação; fracasso ou erros na avaliação clínica Considerando a demanda judicial crescente, é essencial
pré-operatória; pré ou pós-o pera- que o paciente assine formulário de conscnrimcnto infor-
tório do paciente (abandono); não-obtenção de outras mado, onde demonstre estar a par do procedimento cirúr-
avaliações especializadas quando indicadas; entre outras -" . gico c de acordo com a sua realização. É de re ponsabilida-
Os anesre iologistas devem, na ituações derivas, dc do cirurgião obter esse consentimento do paciente.
proceder à a\·aliação pré-anesrésica, preferencialmente Duas testemunhas de\'Cm também assinar o fo rmulário,
antes da internação do paciente, com o objerivo de auxi- apenas atestar <-tUC foi mesmo o paciente que assinou
liar na definição do risco anestésico-cirúrgico e definir as o documento. ele de\'{·m estar explicitados em lin!-,ruagem
, - reIaetonat
cstratcgtas . Ias com a con<.I uçao
- anestes1ca
.. ••1
· · 1·1'·. fácil: o diagnóstico do paciente, a natureza e a finalidade do

19
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

procedimento proposto, os riscos desse procedimento, as 5• ierman E, Zakrz.ewski K. Recognirion and managemenr o f preo-
alternativas ao procedimento (caso existam), os seus bene- perarive risk. Rheum Ois Clin North Am. 1999;25:585-622.
6• Rodrigues MAG , Lima AS. Pré, per c pós operatório. ln:
ficios e as conseqüências da aceitação ou a não-aceitação
Fonseca FP, Savassi-Rocha PR. Cirurgia Ambulatorial. 3'. ed.
do procedimento cirúrgico planejado9·' 3• Em situação de Rio de J aneiro: G uanabara Koogan, 1999:5- 13.
emergência, quase sempre não há tempo hábil para a 7• Goldman L. Cardiac risks and complicarions o f noncardiac sur-
obtenção do consentimento informado, devendo a equipe gcry. Ann lntern Med. 1983;98:504- 13.
agir da forma que julgar mais conveniente ao paciente. 8• Roizcn MF. Prcopcrarive evaluarion of paticms: a rcvicw. Ann
Acad Mcd Singapore. 1994;23(6 Suppl):49-55.
9• Wolfsthal D. O procedimento de consultoria. In: \'Volfsthal S.
ed. Tratamento médico perioperatório. Porto Alegre: Artes
Referências Médicas, 1993:XV II-XXJ.
lO • D unphy JE Abordagem do paciente cirúrgico In : \'Vay L\'V cd.
1 • Mendelssonh P, Barbosa H. A conveniência operarona. ln: Ciru rgia - diagnóstico c tratamento. 9°. cd. Rio de Janeiro:
Controle Clínico do Paciente Cirúrgico. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1993:1 -4.
Atheneu; 1983: 1-9. 11 • Souza C, ouza CA. Exame pré-operatório. In: Pctroianu A.
2 • Pimenta LG. Risco Cirúrgico. In: Petroianu A. Clínica Cirúrgica Clínica Cirúrgica - texto c auto-avaliação. Rio de Janeiro:
- texto e auro-avaliaçào. Rio de Janeiro: Revinter; 2001:11 -6. Revintcr; 2001:1 -5.
3 • Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais. 12 • Monrpellier O, llayek E, O ssart l\1. Objcctivcs o f consulrarion in
Relação médico-paciente. Profilaxia da denúncia contra o anesthesia. Phlcbologic. 1989;42:7-20.
p rofissional. Belo Ho rizonte: CREME,\!G; 1997, 72p. 13 • D emling RI !. Assistência p ré-operatória. In: \X'ay L\X' ed.
4 • Barreis 11, Stein HJ , Schomig A, Siewert JR. Risk assessment. - diagnóstico e tratamento. 9a. ed. Rio de Janeiro:
Chirurgic. 1997;68:654-61. Guanabara Koogan; 1993:5-1O.

20
04
AVALIAÇÃO
CLÍNICA
PRÉ-OPERATÓRIA
•• •
Ê nio Roberto Pietra Pedroso, João Gabriel Garcia .Marques,
1\larco Antônio Gonçalves Rodrigues

Introdução paciente, modelo para futuras comparações, c diagnosti-


car outras lesões de tratamento cirúrgico, eventualmente
A intervenção cirúrgica ocasiona sempre agressão ao abordadas no mesmo ato operatório' (Quadro 4. 1).
organismo e, por mais imple que seja, promove, secun-
da riamente, perturbação em sua integridade anáromo-
Quadro 4.1 .: ObjctinlS da a\·ahaçiio clímca prc-opcr:nóna
fi iológica. Boa aceitação e compreensão do ato cirúrgico
pelo paciente, eguilibrio fisiológico, reservas nutricio nais,
----------------------------------------------··•
0 UijCn05UCar condtç<ic' clinu.:a.> que aumentam O CIIU'WCO
respiratórias e cardiovasculares adequadas e normalidade
Redu/Ir a morbimonalidade pcnoperat6na
metabólica favorecem um ato cirúrgico bem-sucedido.
E''identemente, esse procedimento será tão mais bem oums de tratamento cirurwcu

tolerado guanto melhor for a condição clirúca do pacien- ( onheccr a função b.istca opcrat6na do pactcnw

te. Seja para possibili tar decisão cirúrgica segura, seja para I :dtticar rc:laçào medtco·pactt'ntc, com no rc•pctto c na confiança
escolher o melhor momento operatório, é imprescindível Favorecer a educação c a oncnraç;io do pactcntc em rclaç;io ,1os aconteci
mcnto' pcnoperatónos
conhecer essa condição clirúca pré,·ia do paciente, o que é

possível po r meio de adequada avaliação clínica pré-opera- ··----------------------------------------------
tória (\'Cr Capítulo 3 - Conceitos dt COill'miência operatória).
A avaliação c os cuidados pré-operatórios devem ter
inicio tão logo seja feita a indicação cirú rgica. Os exa mes
complementa res e as eventuais interconsuJtas (incluindo Exame clínico pré-operatório
a avaliação anestesiológica) devem ser providenciados
Avaliação geral
preferencialmente ante da inrernaçào, de modo a reduzir
a permanência hospitalar pré-operatória. Os principais O exame clinico (anamne c e exame fisico) pré-ope-
objetivos desta avaliação incluem o diagnóstico, com a ratório constitui a melhor forma de se diagnosticarem
anrecedência necessária, de condições clinicas que pos- condições clínicas que possam influenciar os resultado
sam aumentar o risco anestésico-cirúrgico e a redução da do procedimento cirúrgico' '· . Deve compreender a a,·a-
morbimonalidade perioperatória, por meio do preparo liação de todos os sistemas o rgânicos, particularmente
do paciente c do planejamento da condução do ato cirúr- aqueles que possam interferir significativamente na ação
gico' '. abe-se que cerca de 60% dos pacientes cirúrgicos dos anestésico (pulmonar, renal c hepático) c dos que
apresentam comorbidades, sendo as doenças cardiovas- possam ser afetados de forma significativa po r essas dro-
culares e respiratórias e os distúrbios metabó licos as afec- gas (card iovascu1ar c nervoso).
ções mais comuns. A avaliação clinica adequada po sibi- A anamnese e o exame fisico devem ser feitos de
lita ainda conhecer a função básica p ré-operató ria do forma objetiva, de forma mais completa possh"el, mesmo

21

••
Fundamentos em C línica Cirú rgica

quando realizados no pré-operatório de procedimentos avaliados em relação a três condições básicas de saúde:
de menor porte. O exame clínico deve incluir a avaliação capacidade de cicatrização, estado de coagulação e con-
do estado nutricio nal, a pesquisa de sinais de doenças dições imuno lógicas (defesa antiinfecciosa). A especifici-
hemorrágicas e de antecedentes alérgicos por anestésicos dade destes conteúdos está tratada, respectivamente, nos
e antibióticos, e o diagnóstico de lesões cutâneas que Capítulos 8, 9 e 1O. Na avaliação clínica pré-operatória, o
possam interferi r no ato cirúrgico. P rocessos infecciosos médico deve estar preocupado em identificar as condi-
sistêrnicos ou focais, mesmo à distância, contra-indicam ções mórbidas, envolvendo esses processos orgânicos.
procedimento cirúrgico eletivo. A história familiar pode Em cada sistema, observam-se aspectos específicos a
ser útil na descoberta de doenças metabólicas e distúr- serem avaliados c que, em última análise, são fundamen-
bios da coagulação. tais na avaliação da condição de saúde do paciente e na
definição de seu risco anestésico-cirúrgico. Vários desses
aspectos são discutidos, detalhadamentc, em outros capí-
Anamnese
mlos deste livro.
A história clinica deve ser coletada calma e detalhada-
mente. Anamneses apressadas e superficiais deixam pas- Quadro 4 .2 .. Elem e ntos importantes n o e xame c línico pré-
sar detalhes fundamentais . É necessário permitir que o operatório

paciente fale e relcmbre efetivamente suas condições ------------------------------------------------··


Sistema Ele mentos de suspeita •
pregressas e amais. Se o paciente não puder falar, por
Aspectos gcl'llis Experiência anterior com procedimentos anestésico-
qualquer motivo, é fundamental a entrevista com familiar cirúrgicos; avaliação nutricional; cicatriciais;
ou pessoa que o conheça razoavelmente. Todas as infor- história ttansfusional e suas uso de medicamen-
tos; história de alergias a medicamentos (sulfas, penicili-
mações são importantes. Anamnese pré-operatória bem
nas, ccfalosporinas, antiinflamatórios não-ho nnonais),
feita permite, por si só, uma idéia precisa elas condições contrastes radiológicos, anestésicos, anti-sépticos, látex
do paciente e, conseqüentemente, ele seu prognóstico. das luvas c drenos, esp=drapo; antecedentes mórbidos
pt.'Ssoais c famili.'IJ'CS
No Quadro 4.2, estão sumariados os principais sinais e
Psiquismo Antecedentes p siquiátricos, instabilidade emocional,
sintomas considerados "elementos de suspeita" e, como
alcoolismo, uso d e d rogas
tal, devem ser pesquisados sistematicam ente na avaliação
I hstória de sangr.unento anormal ou de (>Ut:roo> sinais de
clínica pré-operatória. doenças hemorr:ígicas; história ttanSfusional
Endócrino Into lerância ao frio ou ao calor, perda o u !,>anhO cxccssi-
d e peso , poliúria, polidipsia,
\ 'O utilização d e
Exame físico ho m1ónio s, inclusive de corticosteróides
Cardiovascular Dispnéia, ortopnéia, nictúria, edema, dor prccordial, pal-
Como a anamnese, o exame físico deve ser o mais p itações, tonruras, síncope, hipotcnsão postura!, hipcr-
detalhado possível, mesmo quando feito em caráter de wnsão arrcrial, arritmias, in!,'1.trgitamcnto jui(Ular, presen-
ça de bulhas acessórias, sopros, vari.<cs de membros
urgência. o Quadro 4.3, estão listados apenas algu ns
inft.'fiores, sinais de insuficiência venosa crônica ou
dos principais aspectos do exame físico que não elevem trombose ,·enosa profundd
ser esquecidos. Respiratório T osse, expcctoração, sibiláncia torácica, taquipnéia, dis·
O exame fisico pode revelar a existência de afecções pnéia, alteração da ausculta cardíaca (presença de crep ita-
ções), bronquicctasia, defomlidade cervicotor:ícica, pas·
associadas, capazes de interferir no procedimento. A pre- sado de ruberculose ou pncumoconiose, tabagismo
sença de púrpuras ou cquimoses sugere coagulopatia algu- D i1,ocstivo Azta, dispcpsia, refluxo gastrocsot'ágtco, ptrosc, cólica
mas vezes ignorada pelo paciente. O estado nutricional do biliar, diarréia, constipação, P'"sado de hepatite, alcoolis-
paciente é um dos dados pré-operatórios mais importantes mo, sin:ús de insu ficiência pancreática e/ou hepática e
hipenensão porta
e os seus dois extremos - obesidade c desnutrição
Genito -urinário Sinais de data da última mcnstnmçào, uso de
influem negativamente na evolução pós-operatória. método contraceptivo, relação sexual habitual ou recen-
te, doença sexualmente transmissível; sinais de prostatis-
mo, incontinência ou retenção inft."'CÇàO urinária
Avaliação clínica por sistemas :-o;ervoso Convulo;õcs, passado de acidente vascular encefálico,
doc>nça neuromuscular
Todos os pacientes que serão submetidos a procedi- •
mentos invasivos, especialmente os cirúrgicos, devem ser ··------------------------------------------------
22
Capítulo 04 .: Avaliação clínica pré-operatória

••
Quadro 4.3 .. Aurudes do exame flsico, importantes no pré- níveis pré-operatórios aceitáveis pressão sistólica inferior
opcratón o a l60mmllg e pressão ctiastólica menor gue 1 IOmmHg.
----------------------------------------------··• Os medicamentos rupotensores devem ser mantidos até
i\valiar JXM>. altura. massa corporal estado nutricional
no dia do procedimento e reinuodu zidos no pós-opera-
lesões culineas Onfccçõcs bacterianas, escab1ose etc.), espeoal tório tão logo o paciente volte a receber dieta pela via
mente no da punção lombar c no local da fururn arurwca
o ral (ve r Capírulo 36 - Cimr.P,ia no paciente hipertmso).
Pesquisar •inais de doença. hcm<>mij(ic:u
A insuficiência cardíaca de compensada é uma contra-
son:us de doença pulmonar obstrunva e/ ou a
indicação absoluta a operaçõe d erivas. O risco de compli-
\ lcdir a prc•s:lo an crial com o pau<·nu: deitado c em pc: cações cardiopulmonares e circulatórias pe1iféricas aumen-
PcS<JliiS>r de cardfaca cong cs nva

Pcsqwur •mm de msufiurnóa circulatúna penférica


------ ta de fo rma proibitiva em pacientes com qualquer grau de
congestão venosa central. Em pacientes com formas leves
Pcs<Ju"ar smais msufiaênc1a hcpiuca de insuficiência cardiaca, proceclimentos cirúrgicos de
pequeno e méclio porte poderiam ser realizados com razoá-
• vel segurança. É importante salientar que, a menos que não
··---------------------------------------------- haja tempo hábil, em decorrência de indicação cirúrgica
Avaliação da condição hematológica priorizada ou de urgência, o paciente com insuficiência car-
díaca, independentemente do I-,>Tau, deveria ser bem com-
Pacientes com anemia de\'em ter seus índices hema- pensado antes do ato operató rio'·.
timérricos a feridos c corrigidos no pré-operató rio. A A presença de angjna instável ou de infarto recente
hemoglo bina de 1Og/dL tem sido considerada fi siolo- (oco rrido nos três meses anterio res ao momento da ava-
gicamente segura, exceto em idosos, cardiopatas ou liação) contra-indica ou adia uma operação eletiva e
guando se observa grande risco de sangramento. A determina grande risco em pacientes gue necessitam de
anemia deverá ser, sempre que possível, corrigida com tratamento cirúrgjco de urgência. Ao contrá rio, a angi na
antecedência, considerando que há evidências de que estável não representa contra-indicação à realização de
transfusões de denvados de sangue realizadas próximo p rocedimento cirúrgico. Pacientes com lesões ,·al\'ares
ao dia da operação acarretam aumento significativo das leves a moderadas têm risco cirúrgico aumentado apenas
infccçôes cirúrgicas e, em pacientes o ncológicos, das guando apresentam insuficiência cardiaca concomitante.
recidi,•as rumorais. Pacientes com neutropcnia correm E m pacientes com lesões valva res graves, especialmente
sérios riscos de infecção c perturbação na cicatrização. as esrenosantes, há de se tjUCStiona r a necessidade da
A menos gue a operação seja inadiável, pacientes neu- operação cardíaca antes de o paciente ser submetido a
tropênicos não de\'em se r operado . Pacientes com outro ripo de inrervenção' . Além disso, é fundamental
distúrbios da coagulação devem ser também rigorosa- que os pacientes com ,·alvulopatia recebam antibiotico-
mente avaliados e controlados no pré-operató ri o. terapia pro filática (para endocardite infecciosa) sempre
Procedimentos ci rúrgicos reali zados em hemofílicos que se submeterem a procedimentos invasivos que pos-
ou em plaguetopênicos descompensados podem ser sam desencadear bacteriemia. Pacientes com alterações
catastró ficos. Mai ores detalhes estão discutidos no na geração e/ ou condução do estímulo elétrico card íaco
Capítulo 9 - Bases e dist1írbios da coagularão. têm, em geral, risco cirúrgico aumentado . Todas as arrit-
m.ias gra,·es de,·em ser controladas ames do ato cirúrgico .
Avaliação da (unção cardiovascular (ver Capítulo 37- Cimrl!,ia no paciente CO/JI domra cardíaca)

O ato anestésico-operatório é, em si, hipotensor. Por


Avaliação da (unção respiratória
isso, a hipertensão arterial isolada não alteraria significa-
tivamente o risco cirúrgico. Mas, por razões de cguilíbrio ma preocupação significativa no perioperatório é a
homeosnhico e pelo risco que representaria uma gueda manutenção da via aérea line, capa7 de responder rapi-
bru!tca da pressão arterial, é conveniente c mais seguro damente às necessidades metabólicas do paciente. Em
para o paciente que esta se enconue em níveis acei táveis muitos pacientes, com doenças prévias do sistema respi-
no pré-operatório. Atualmente, têm-se considerado rató rio, o ato cirúrgico pode ser de risco ou até estar

23
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
inviabilizado . Pacientes com doença pulmo nar obstr uti- pacientes são reunidos em três classes - A, B c C - com
va crônica, com P0 2 inferior a 60mmHg e PC0 2 supe- base em dnco critérios clinico-terapêuticos (niveis de
rio r a SOmmH g, apresen tam prognóstico ruim. O risco bilirrubina e albumina séricas, presença e gravidade da
cirúrgico desses pacientes é mui to elevado quando su b- ascite e da encefalopatia e au mento do tempo de pro-
metidos a intervenções to rácicas ou abdominais supe- trombina). Pacientes considerados de classe A apresen-
riores. Pacientes as máticos compensados (sem bron- tam pequeno aumento do risco operatório, podendo ser
coespasmo e sem infecção traqueobrônquica) toleram operados sem grandes problemas. Pacientes categoriza-
bem os proceclimentos cirúrgicos. É necessário, entre- dos como classe B apresentam risco operatório significa-
ta nto, cuidado especial na p revenção do bro ncoespas- tivo, merecendo avaliação cuidadosa e esmerado preparo
mo perioperatório porque ele pode precipitar tosse, pré-operatório . O s pacientes incluídos na classe C, por
hipoxemia e insuficiência card íaca. As in fecções pulmo- sua vez, apresentam risco cirúrgico proibitivo e devem
nares, mesmo leves, contra-indicam os p rocedimentos ser operados apenas em situações excepcionais (opera-
cirúrgicos eletivos. Todas as infecções respiratórias ção constitui a única esperança de vida ou há inclicação
devem ser tratadas previamente. de transplante hepático), (ver Capí tulo 32 - Cimrgia 110
paciente com doença hepática) .
Avaliação da função digestiva e do estado nutricional

O controle nutricional c metabólico do paciente Avaliação da função renal


depende, em grande parte, do estado fisiológico do apa- Os pacientes com insuficiência renal podem ap resen-
relho digestivo e de sua capacidade de adaptar-se às exj- tar anemia, hipertensão arterial e clificuldade de elimi nar
gências que o ato cirúrgico impõe ao organismo. Por
inúmeros meclicamentos, além de serem mais propensos
isso, as doenças cligesti vas, incJ ujndo as afecções hepáti-
a infecções. P or isso, a insuficiência renal, em qualquer
cas, merecem especial atenção no pré-operatório .
grau, to rna pio r o prognóstico c justifica o controle rigo-
A obstrução digestiva alta acarreta repercussões clini-
roso do paciente.
cas e riscos importantes à saúde do doente, devendo ser
conduzida, considerando tanto a especificidade do trata-
men to da doença de base, quanto a necessidade de pre- Avaliação da condição endócrina
venir as complicações, po r meio de preparo pré-operató-
rio adequado. O s riscos mais importantes estão relacio- Os fatores que aumentam a morbimo rtalidade de
nados à conseqüente desn utrição que esses pacientes pacientes com diabetes mellitus incluem alterações secun-
apresen tam e ao risco de aspiração de secreções cligesri- dárias à descom pensação me tabólica - hi perglicemia
vas para a árvore respiratória. (cetoacidose, distúrbios hidroele troliticos, respos ta
A úJcera péptica em atividade pode ser agravada pelo inadequada às in fecções e alterações cicatriciais) e risco
estresse ctrurgico. essas condições, o paciente não relacionado à presença de compl icações crônicas, espe-
deveria ser operado, a menos, é claro, que a indicação cialmente lesões vasculares ateroscleróticas, ne uro patia
cirú rgica seja a própria úlcera ou que o proceclimento seja au to nô rnica e infecções. A p reocu pação exclusiva com
de urgência ou emergência. o desequi líb rio hormo nal e metabólico dos pacientes
A ins uficiência hepática, em qualquer grau, com- com endocri no patias se compara à centralização do
promete seriamente a estabilidade homeostática do p roblema do h ipertenso apenas na estabilização dos
paciente d urante procedi mentos cirúrgicos c afeta de níveis pressóricos, descons iderando-se a avaliação das
forma muito negati va o prognóstico. Assi m sendo, o causas e conseqüências dessa afecção. O diabetes mellitus
acom panhamento das condições metabólicas, do esta- descompcnsado, ou qualq uer o utra descom pensação
do nutricio nal e dos processos hemostáticos e cicatri- en dócri no-metabólica, agrava ainda mais o risco cirúr-
ciais em pacientes com insuficiência hepática deve ser gico. Todas as doenças endócrinas devem ser compen-
m ui to cuidadoso. A de fi nição do risco cirúrgico em sadas no pré-operató rio e especial atenção deve ser
hepatopatas graves, particularmen te nos cirróticos, dada ao diabetes mellitus, ao hipo e ao rupertireoidjsmo e
tem-se baseado na classificação de Child-Pugh . Os aos quadros de insuficiência supra-renal.

24
Capítulo 04 .: Avaliação clínica pré-operatória

••
Avaliação neuropsiquiátrica volemia, ruponatremia e rupopotassemia, mas eles não pre-
cisam ser suspensos. Também não há necessidade de sus-
Pacientes epiléticos devem estar bem controlados para
pensão de corticóides, insulina, digitálicos, ansioliticos,
se submeterem a procedimentos cirúrgicos. A doenças
antipsicóticos e antiparkjnsoniano . O CapítuJo 25 -
neurológicas crônicas acarretam sempre risco de proble-
Cirtrrgia no paciente em uso de drogas- trata o assunto com a
mas respiratórios no pós-operatório e exigem atenção
abordagem devida.
especial nesse aspecto. Pacientes com scgüelas de acidente
vascular encefálico têm risco aumentado de recidiva de
quadros isquêmicos cerebrais e devem ser alertados Gunta- Exames complementares pré-operatórios
mente com suas famílias) em relação a essa possibilidade. A
I a avaliação clinica do paciente cirúrgico, além do
manutenção da oxigenação e da pressão arterial deve ser a
exame clínico, por vezes pode ser importante a sohcitação
mais cuidadosa possível, neste pacientes, com o objeti,·o
de exames complementares. Os exames pré-operatórios
de reduzir ao máximo a contribLúção desses fato res no apa-
podem ser categorizados, na dependência da motivação
recimento da i qucmia cerebral. Outra questão relevante é
para sua sohcitação, em dois grupos: os exames orientados
a atcroselerose cerebral, cujas conseqüência funcionai ,
principalmente no que se refere às repercussões sobre as pela a\·aliaçào clínica e agucle solicitados de rotina, inde-
funções cognitivas superiores, podem ser a!,'T'avadas, às pendentemente da presença ou não de si nais c sintomas,
vezes de modo irreversível, pelo trauma cirúrgico. O dis- mesmo em pacientes com classificação clínica AS!\ 1 ' .
túrbios do movimento, principalmente a doença de
Parkinson, podem ser agravados pelo trauma cirúrgico c Exames complementares motivados pelo
exigem controle perioperatório rigoroso.
exame clínico
O risco que pacientes com distúrbios psiquiátricos
graves sofrem em um ato cirúrgico relacionado Vário:. complementan.:s são solicitados com
especialmente ao seu comportamento pós-o perató ri o. o objetivo de complementar informações não esclareci-
Comporramenros pouco colaborativos o u inadequados da pela anam nese e pelo exame físico (por exemplo,
podem comprometer seriamente a e\·olução do pacien- eletrocardiograma diante do achado de pulso arrítmico;
te. Há casos de pacientes gue reabriram feridas operató- radjografia do tórax em paciente com hipcnen ão;
rias e se contaminaram com secreções c excremento . dosagem de eletról itos em paciente em uso de diuréti-
Pacientes com distúrbios psigujátricos graves exigem cos etc.) ou para avaliar o resu ltado de rcrapêucicas in -
acompanhamenro e pecializado no perioperatório. tituídas. Esses exames seriam sol ici tados mesmo gue o
paciente não escivesse se preparando para uma o pera-
ção. É especialmente importante salientar gue a menor
Uso de drogas
suspeita clínica de problemas potencialmente graves
os pacientes cirúrgicos, o uso prévio de drogas, ape- (como doenças hemorrágicas, hipertensão arterial, insu-
sar de trazer contribujções importantes no preparo desses ficiência de sistema fisio lógico principal, diabetes 11/e/litus,
doenres, muitas vezes representa risco arucional de compli- outros distúrbios metabóhcos etc.) justifica a rea lização
cações. Considerando a possibilidade de ocorrer interação ele propedêucica, ,-isando ao diagnóstico c ao dimensio-
medicamentosa potencialmente grave, é essencial o conhe- namento clínico do problema.
cimento dos mcdicamenros gue o paciente vem utilizando,
em espcciaJ an t:i-hipertensivos, ant:icoagulantes, corticoste-
Na presença de comorbidades
róides, hipoglicemiames o rais, insulina, anruntlamatórios
não-hormonais, ácido acetilsalicílico, ant:iconvuJsivantes e a presença de doenças prévia conhecidas ou sus-
psicotrópicos. A maioria dos medicam entos não necessita peitadas, vários exames devem ser solicitados. t\ sua rea-
ser uspen a no período pré-operatório. Exceções devem lização seria necessária independentemente de o pacien-
ser feitas para inibidorcs da monoaminoxidasc (Ii\ U\0), te se submeter ou não à operação, o u seja, seriam realiza-
ant:ideprc si,·os rricíclicos, ant:icoagulantes orais, amiodaro- dos para maior segurança em relação ao acompanhamen-
na e anticoncepcionais orais. O uso de diuréticos rcguer to do paciente. Os principais c..:xames solicitados nessas
cwdados especiais no sentido de minimizar o risco de hipo- simações estão assinalados no Quadro 4.4.

25
• Fundamentos em C línica C irúrgica

••
Quadro 4.4 .: Principais exames complementares pré-operatórios o rientados pelo exame clínico
----------------------------------------------------------------------------------------------------··
Condições associadas HEMO TP/PTI PLQ TS/RS K U/C GLIC RT EC G EU Exames Adicionais

Doença cardiovascular X X X X TE
Doença pulmonar ------------------------------------
obstrutiva X X PFR, GA
crônica

Tabagismo (> 20 maço5/ ano) X X X PFR, GA


Doença hepática -------------------X X PFII

Doença renal X X X X CC
Diabetes X X X X X F,G II,FO
--------,
X X X X
Malignidade X X A ,A I.B
Obesidade mórbida X X X X X 11\IC, PFR, GA

Uso de drogas

X X X
Digoxina X X X
X X
Corticostcróides X X

··----------------------------------------------------------------------------------------------------
l!/ C-
HEMO- hcmOf,m.ma, TP/ PTT- tempo de prmrombina e tempo parcial de tromboplastina, PLQ- plaquetas. 'I / RS · ripagem sanguínea e rescrYa de <ani(UC, K- potássio,
uréia c creatinina, G U C- glicemia, RT- radiografia de tó rax. ECG eletrocardiograma, EU- de unna., PFR - prova de função respiratória, EN- c'Camc neurológico , ECO-
ccocardiO!(fllma, TE· teste de esforço, GA- gasometria anerial, PFII- provas de função hepática, CC- clcarance da creatinina, F- frmosamina, Gil- FO- fundo
de olho, A1'\l - 2-valiaçio nutnc1onal, ALB- albumina, IMC- fndice de massa corporaJ, TEC- tesre de esúmulo com corticouopina

Nos pacientes em uso prévio de drogas Na possibilidade de gravidez


Pacientes em uso prévio de algu ns m ecücamentos Considerando que tanto os anestésicos quanto outras
podem necessitar d e alguns exames complem entares drogas empregadas no período perioperatório podem ser
com diferentes o bjetivos. Entre esses medicamentos, teratogênicos e terem e feito abortivo, quando houver
destacam-se os diuréticos, os anticoagulantes, os digitáli- possibilidade d e gestação (mulheres em idade fértil com
cos e os co rticóides. (ver Quadro 4.4) Pac ientes que vida sexual ativa), o teste de gravid ez deve fazer parte da
usam cüuréticos estão sujeitos a cüstúrbios hidroeletroliti- avaliação pré-operatória-.s_ D eve-se co nsiderar que
cos. Aqueles em uso crônico de corticosteróides es tão mesmo o uso de métodos contraceptivos e episódio
mais propensos a desenvolver insuficiência supra-renal m enstrual recente não afastam, com segu rança, a possibi-
aguda no pós-operatório, além do maior risco de hiper- lidad e d e gravidez, apesar de que, nessa situação, a posi-
glicemia, retenção de sódio e água, entre outros distúr- tividade do método é baixa8 •
bios. Para descobrir se o paciente uso u esses medicamen-
tos nos últimos seis meses a um ano, deve-se indagar se
ele tomou alguma droga para reumatismo, artrite o u aler-
Na suspeita de distúrbios de coagulação
gia. O uso de anticoagulantes orais justifica a realização E mbo ra as p rovas de coagulação - tempo parcial de
de provas de coag ulação, tipagem sangüinea e reserva d e tromboplastina ativad a (PTfa), atividade de protrombi-
hemoderivados. Nos pacientes em uso de digitálicos na (AP / RN I) e plaquetas - sejam exames úteis em
pode ser útil a realização de eletrocarcliograma e a moni- pacientes com distúrbios da coaguJação suspeitados ou
torização do potássio sérico. detectados à anamnese e ao exame físico, seu valor como

26
Capítulo 04 .: Avaliação clinica pr é-operató ria •
••
prO\'a de triagem pré-operatória tem sido guestionado"·'". tratamento dos infectados'] •. O diagnóstico pre\'10 da
Caso estes exames sejam realizados apenas com base na infecção pelo HI V poderia ainda auxiliar na condução
histó ria e no exame clinico, é possível eliminar cerca de per e pós-operatória, devido ao uso de vários medica-
metade deles, sem quaisguer prejuízos para os pacien- mentos e à pos ibilidade de pior evolução clinica, em
te '". J ustificam sua solicitação a presença de sangramen- especial pelo risco de infecção cirú rgica'2." ' 5• O valor da
to ativo ou a história de sangramentos anormais no pas- realização do exame sorológico anti- I JIV tem sido ques-
sado, a presença de má-absorção (por reduzir a absorção tionado po r várias razões: o nível de vírus no sangue em
de vitamina K) ou de malignidade, mas principalmente o alguns pacientes infectados c, possivelmente, sua infec-
uso de anticoagulantes e o cliagnóstico de insuficiência ciosidade estão altos precocemente, antes da detecção de
hepática (por reduzir a íntesc de fatores da coagulação)' . anticorpos e do aparecimento dos sintomas, e não exis-
tem evidências de que o conhecimento prévio ele que o
paciente está infectado pelo HIV diminua a exposição
Na possibilidade de parasitose intestinal
dos p rofissionais da saúde às suas secreções, principal-
i\ maio ria dos autores não rem incluído o exame para- mente nos serYiços de emergências e nas salas cirúrgicas.
sito lógico de fezes na abordagem propcdêutica pré-ope- Além dessas limitações, aspectos clínicos, de saúde públi-
ratória de rotina. Contudo, a alta prevalência de parasito- ca c de ética pro fissio nal devem também ser considera-
se intestinal em nosso meio, particularmente na popula- dos antes de se optar pela realização rotineira do teste
ção mais care nte, justifica ria sua solicitação em casos sorológico pré-operatório''" •• . Os critérios mais empre-
especiais. Os riscos ineren tes à realização de procedi- gados para indicação elo teste sorológico 1" baseiam-se
mento cirúrgico em pacientes parasitados (por exemplo, nagucles deftnidos pela Deporl111enl of 1/ea/th
desnutrição, migração de vermes para as \'ias biliares o u Scimres e estão listados no Quadro 4.5. A ausência do
árvore respi ratória c complicações em anastomoses I 1IV, entretanto, não significa pcrmi sividade com os
digestivas) poderiam ser con iderados bo n motivos para cu idados de bioproreção.
sua solicitação, especialmente no pré-operatório de pro-
cedimentos cirúrgicos do rubo digestivo. ,\lguns scrYiços
têm recomendado alternativamente, nessas situações,
tratamento empírico para ' ermes e parasitas intestinais, ou s.intoma.• co mpath·eis co m AIO..'\

em especial para o Ascaris lumbricóides c o Strongiloides sler- Pacoente soloata a real".açào do exame

coralis; para este último, especialmente, guando hou,·er Cnmporumc:nto de: n-co: u .. • intta\"cn<lso dc: drops illciw etc.
imunossupressiio no pós-operató rio . llo'ltúria de transfusão de sangue (e<>rx:coalmcntc no período de 19-8 a 1985)

··----------------------------------------------
Na suspeita de in fecção vira/ transmissível
Exames complementares pré-operatórios de rotina
Apenas pacientes que apresentam risco detectado de
apresentarem doenças ,·irais transmissíveis (hepatite B, ão considerados exames complementares de rotina
hepatite C, IO etc.) têm tido seus ma rcadores soroló- agueles que devem ser solicitados mesmo em pacientes
gicos pcsguisados no pré-o peratório de procedimentos sem qualquer aJ reração ao exame clinico, portanto sadios,
cirúrgicos eletivos. Contudo, o grande número de casos exceto pela afecção gue motiva a indicação cirú rgica.
de A IO e de po rtadores sadios do vírus da imunodefi-
ciência humana (Hl \'), aliado ao possh·el risco de contá- Desvantagens da solicitação indiscriminada
gio do profissional da saúde (especialmente du rante pro-
cedimen tos cirúrgicos), tem levado alguns autores a A princípio, um maior número de info rmações sobre
ad voga r a realização de rotina do reste sorológico anti- o paciente poderia parecer vantajoso. o entanto , a soli-
li! \' no pré-operatório. Além da proteção dos profissio- citação indiscriminada de exames complementares no
nais de saúde, outro argumento uúlizado tem sido a pos- pré-operatório de pacientes com exame clínico normaJ e
sibilidade de diagnóstico de casos favo re- os eventuais erros na realização c análise desses exames
cendo a prevenção de novos casos e o início precoce do constituem problemas importantes na p rática méd ica.

27
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Alguns auto res' 7 2Q têm afirmado que um resultado altera- mática, não trazem contribuição importante para o pro-
do de exames complementares em pacientes assintomá- cesso de avaliação pré-operatória e para o manuseio do
ticos pode não indicar a presença de doença, sendo, por- paciente" 26 • Mas há também aqueles que solicitam os
tanto, de pouco valor a triagem rotineira pré-operatória. exames pré-operatórios de rotina por acreclitarem que
Por outro lado, exames solicitados de rotina também são, eles possam protegê-los quanto a situações legais diante
com freqüência, ineficazes no diagnóstico de afecções de complicações perioperatórias, apesar das evidências
assintomáticas e têm representado custo desnecessá- de que a realização de triagem não-seletiva é que tem ofe-
ri o10'19.2'·3. Esse problema é especialmente importante em recido risco efetivo de culpabilidade legal'9 ·23·27•9.
países em desenvolvimento, onde a racionalização do Vários au tores'9.28·111 têm responsabili zado a inexpe-
emprego dos limitados recursos destinados à saúde deve riência e o despreparo de algumas equipes méclicas na
ajudar-nos na orientação da prática méclica. Outras des- solicitação excessiva de exames de rotina. Assim, estes
vantagens da solicitação rotineira de exames pré-operató- têm sido, muitas vezes, realizados na tentativa de suprir
rios incluem maior freqüência de res ultados falso-positi- deficiências do exame clínico, quase sempre resultado de
vos e detecção de alterações cujo diagnóstico não facilita atitudes displicentes de pro fi ssionais incapazes.
a condução terapêutica e não melhora o prognóstico do Infelizmente, as atitudes educacionais, no sentido de as
paciente' 7.1 9.20'23• Com freqüência, menos de 2% dos exa- equipes clínicas e cirúrgicas solicitarem menor número
mes solicitados rotineiramente tem impacto na decisão de exames pré-operató rios não-orientados pelo exame
ou no plan ejamento cirúrgico, alterando a técnica anesté- clinico têm sido muito Limitadas2•11.
sico-cirúrgica ou adiando o momento operató rio 7•22.24 .25 •
Além disso, várias afecções detectadas na triagem pré-
operatória não são devidamente condu zidas e acompa- Deftnição dos exames complementares de rotina
nhadas e, em 30% a 95% dos casos, não são sequer regis-
tradas no prontuário méclico o u comunicadas ao pacien- O s principais aspectos que têm influenciado a siste-
te'·22. Tais cond utas definem importantes problemas matização da abordagem propedêutica pré-operatória
médico-legais4 ·"· ' 9. As desvantagens da solicitação incl uem: a freqüência de alterações dos exames comple-
indiscriminada de exames pré-operatórios estão sumaria- mentares mais inclicados, o valor específico de cada
das no Quadro 4.6. exame complementar na definição do risco anestésico-
cirúrgico e do prognóstico perioperatório do paciente, a
Quadro 4.6 .: Desvantagens da solicitação indiscriminada de exames
possibilidade de o resultado alterado de um certo exame
pré-operató rios
favorecer a condução terapêutica e influenciar a evolução
• perioperatória, e a relação custo-beneficio do exame.
Detecção de alterações cujo diagnó stico não altera a condução terapêutica
e não melhora o prognóstico do paciente Entre as conclições clínicas passíveis de serem diag-
Ineficácia na triagem de afecções assintom áticas nosticadas por me.io de exames complementares e que
Maior freqüência d e resultados falso-positivos pod eriam interferir no prognóstico cirúrgico do
Problemas médico-legais paciente destacam-se: anemia, trombocitopenia, distúr-
Elevado custo bios da coagulação, diabetes melíitus, doença pulmonar
obs trut.i va crônica, cardiopatia isq uêmi ca, arritmias
cardíacas, nefrite, síndrome nefrótica, glauco ma, infec-
Vários médicos dizem solicitar exames pré-operató- ção do trato urinário, gravidez, tuberculose, gon orréia,
rios incliscriminadamente, por acreditarem que o exame sífili s e hepatite 31 . Roizen's, um dos maiores estudiosos
clínico seja limitado para indicar as conclições mórbidas do tema, acrescenta a essa lista as seguintes afecções:
que possam afetar a condução anestésico-cirúrgica. Por doença da tireóide, feocromocitoma, do ença de
outro lado, alguns cirurgiões têm argumentado que a Cushing, secreção inapropriada do horm ô nio an tidi u-
solicitação desses exames objetiva satisfazer os anestesio- rético, hipertensão intracraniana e insuficiência cardía-
logistas e evitar a suspensão dos procedimentos cirúrgi- ca descompensada. Entre os exam es complementares
cos 19. Contudo, a própria Sociedade Americana de mais reali zad os n o p ré-o peratório destacam-se o
Anestesiologia, em 2002, definiu que "os testes pré-ope- hemograma, a glicemia, a uréia, a creatinina, o exame
ratórios, com o objetivo de diagnosticar doença assinto- de urina, o eletrocardiograma e a radiografia de tórax.

28
Capítulo 04 .: Avaliação clínica pré-operatória

••
EXAMES LABORATORIAIS uso de nutrição parenteral ou de drogas h.iperglicemiantes
H EMOGRAMA
(corticosterôides e diuréticos tiazídicos); e naqueles que
O hemograma tem sido um dos exames laboratOriais irão se submeter a operação vascular periférica ou f?ypass
mais solicitados no pré-operatório. Por meio elo eritro- coronariano. Pacientes com insuficiência renal, diabetes mel-
grama é possível detectar casos de policitemia e anemia liftts e/ ou hipertensão arterial, com história familiar ou pes-
não-suspeitados ao exame clínico. O conhecimento pré- soal de doença renal e em uso de diuréticos, deveriam rea-
vio e o controle dessas condições podem favorecer a liza r rotineiramente provas de função renal c dosagem séri-
red ução da mo rbimo rtalidade operatória. Contudo, não ca de sódio e potássio.
fo ram encontrados estudos que tivessem avaliado a
morbidade operatória em indivíduos anêmicos e no rmo- ExAME DE URINA
volêmicos, ou que confirmassem que a correção da ane- O exame de urina com pesquisa de glicosúria e pro-
mia normovolêmica leve ou moderada diminua os índi- teinúria constitui teste barato e, para alguns autores,
ces de complicações perioperatórias. A concentração de deveria ser realizado mesmo em individuas assintomáti-
hemoglobina não deve ser utiJi zada como critério de cos e higidos. Como o procedimento cirúrgico implica
diagnóstico de hipovolemia se a anemia é crônica. esta sempre a administração de medicamentos e, com fre-
circunstância, o volume sangüineo pode estar relativa- qüência, a realização de cateterismo vesical, seria impor-
mente normal. A princípio, hemoglobina de l Og/dL tem tante conhecer a função renal e afastar a presença de bac-
sido considerada fi siologicamente segura para oxigena- teriúria assintomática. Desde que corretamente realizado,
ção dos tecidos. Entretanto, este nível pode ser inade- para alguns poderia ser a única avaliação bio-
quado para pacientes com reserva cardíaca reduzida ou química pré-operatória em pacientes com menos de 50
em paciente que se submeterá a procedimentOs cirúrgi- anos. Apesar ela ocorrência relativamente freqüente de
cos com risco de sangramento excessivo. A freqüência aJterações ao exame de urina, para outros autores' 8•25·'7 sua
dessas alterações em exames de triagem pré-operatória realização rotineira no pré-operatório não traria benefí-
relaciona-se com o sexo e a idade do paciente, o que tem cios relevantes aos pacientes. Portanto, embora não seja,
justificado a reali zação do eritrograma de rotina para as a princípio, exame caro, tornar-se-ia dispendioso com
mulheres de rodas as idades, mas apenas para ho mens base na avaliação custo-benefício7 •
nos extremos de idade (recém-nascidos ou com mais de Se a realização ro tineira desse exame é controversa, a
60 anosr 2 . As alterações observadas ao leucograma soli- necessidade da solicitação do exame ele urina e da urocul-
citado de rotina têm sido pouco comuns e parece não tura tem sido consensual em pacientes sinto máticos e
haver diferença em sua freqüência quanto ao sexo e à naqueles com risco importante ele bacteriúria assintomá-
idade. Em contrapartida, sua solicitação deveria ser rea- tica e que serão submetido a in rrumentalização uriná-
lizada na suspeita de infecção, doença miclo ou linfopro- ria. A realização de urocultura, especialmente em pacien-
liferativa, história recente de radioterapia e/ ou quimio- tes que serão submetidos à colocação de próteses ortopé-
terapia, uso de corticosteróides etc.7 dicas ou vascuJares, parece ser vantajosa em idosos, dia-
béticos, pacientes com nefro litíase, má-formação das vias
ExAMES 810QUiMICOS
urinárias e/ ou infecção urinária de repetição, grávidas e
Alterações inesperadas nas concentrações de glicemia pacientes com Al DS' 25 .
em jejum, eletrólitos, uréia e creatinina têm-se mostrado
raras, especialmente em indivíduos mais jovens. Por essa ELETROCARDIOGRAMA
razão, sua solicitação rotineira tem sido dispensada por O eletrocardiograma no pré-operatório tem sido soli-
vários autoresz.;_,,_,! em pacientes h.ígidos com menos de 40 citado com vários objetivos, em particular para diagnos-
ou de 50 anos. Para outros autores1.l-Õ, esses exames pode- ticar afecções cardíacas não-suspeitadas clinicamente
riam ser evitados mesmo em pacientes idosos e sadios. r o (Quadro 4.7). Inúmeras aJterações eletrocardiográficas
entanto, a dosagem da glicemia em jejum deveria ser reali- têm sido observadas nessa ocasião e poderiam viabilizar
zada sistematicamente: em obesos com mais de 40 anos; esse diagnóstico e a definição elo prognóstico cirúrgico
em pacientes com história familiar de diabetes me/litus, em do paciente: alterações do segmento ST e da onda T,

29
• Fundamentos em C línica Cirúrgica

••
sugerindo isquemia do miocárdio ou embolia pulmonar mente abaixo de 45 anos, a detecção de afecções tem
recente; alterações do ritmo cardíaco; taquicardia e bradi- sido incomum; dessa forma, o exame deve ser realizado
cardia sinusais; fibrilação atrial; bloqueio atrioventricular; apenas se houver alterações ao exame clínico que justifi-
bloqueios de condução; sobrecarga de câmaras cardíacas; quem esta conduta7 · ' 8.32. 40'4 1• Os principais critérios para
intervalo PR curto; segmento QT prolongado; ondas T indicação de radiografia de tórax, motivada pela história
em tenda' 8.38• Contudo, estima-se que 50% dessas altera- ou exame clínico, são a presença de sintomas respirató-
ções sejam detectáveis ao exame clínico e 50% por meio de rios agudos, doença maligna conhecida com a possibili-
uma derivação do monitor, o que poderia limitar a impor- dade de metástases pulmonares, emergências cirúrgicas,
tância da realização desse exame no pré-operatório'8• tabagismo pesado (mais de 20 maços/ano) e/ou tabagis-
mo em paciente com mais de 50 anos, imunossupressão,
Quadro 4.7 .: O bjerivos da solicitação de eletrocardiograma no pré- e falta de controle radiológico, nos últimos 12 meses, em
operatório pacientes com qualquer afecção cardiorrespiratória ou
com risco epidemiológico de tuberculose7 •39" 2 •

Auxiliar na avaliação da função cardiovascular c na defin ição do risco


cirúrgico Sistematização propedêutica pré-operatória
Influenciar na escolha da técnica anestésica c das drogas a serem utilizadas,
caso alguma anormalidade seja detectada Critérios para deftnir os exames pré-operatórios
Oferecer linha de base para ser comparada com eletrocardiogramas pós-
• operatórios
A maioria dos estudiosos em propedêutica pré-opera-
··---------------------------------------------- tória tem determinado os exames pré-operatórios de
rotina e definido os protocolos e rotinas para sua solici-
A definição quanto à necessidade de se solicitar o ele- tação na dependência do porte da operação, da idade e
trocardiograma de rotina no pré-operatório tem sido do sexo do pacienté ·7.2°.23.29'43•
feita com base principalmente na idade, uma vez que
pacientes mais idosos, pela maior freqüência de afecções
PORTE DA OPERAÇÃO
cardiovasculares, apresentam maior incidência de altera-
O porte da operação e a sua natureza (eletiva, urgên-
ções eletrocardiográficas. A maio ria dos autores•.7·' 8•23·38
cia ou emergência) também devem nortear a solicitação
tem sugerido que esse exame deveria ser realizado roti-
de exames pré-operatórios. Operações de grande porte e
neiramente apenas em homens acima de 40 anos e em
procedimentos cirúrgicos de urgência e emergência
mulheres com mais de 50 anos. Contudo, também em
requerem a solicitação de maior número de exames.
relação ao eletrocardiograma, a maioria das alterações
Justificam essa maior liberalidade o risco aumentado de
detectadas não tem ocasionado qualquer modificação na
complicações perioperató rias em procedimentos de
conduta anestésico-cirúrgica proposta 17 • Pacientes com
grande porte e a dificuldade em realizar exame clinico
fatores de risco para doença arterial coronariana (história
adequado na urgência, além de os pacientes, nesses
familiar, diabetes me//itus, tabagismo, hipertensão e hiperli-
casos, estarem, via de regra, em piores condições clínicas.
pidemia) devem ser submetidos ao eletrocardiograma
Operações mais extensas em pacientes com demência ou
pré-operatório sistematicamente.
retardo mental, nos quais a história clínica completa não
pode ser colhida, também constituem indicações p ara a
RADIOGRAFIA DE TÓRAX execução de maior número de exames.
A radiografia de tórax no pré-operatório de procedi-
mentos cirúrgicos eletivos não-cardiopulmonares tem
SEXO
sido solicitada na dependência da idade do paciente e da
Os protocolos que definem os exames pré-operató-
existência de maior risco anestésico-cirúrgico , conside-
rios de rotina têm considerado, freqüentemente, o sexo
rando inclusive ser este um exame de custo relativamen-
do paciente. Este critério decorre, em particular, do
te alto7 •25.39 • Para vários autores, a realização da radiografia
maior risco de anemia e infecção urinária assintomática
de tórax ofereceria vantagens evidentes em pacientes
em mulheres co m menos de 40 anos, o que tem justifica-
acima de 60 anos. Em pacientes mais jovens, especial-
do a solicitação de eritrograma e de exame de urina ape-

30
Capitulo 04 .: Avaliação clfnica pré-operatória •
••
nas para a população feminina nesta faixa etária4.J2 • Po r se tratando de homens com menos de 40 anos. Os exames
outro lado, alguns autores' têm recomendado a realiza- sugeridos por Roizen 18"19 para os demais grupos de pacien-
ção de eletrocardiograma em homens acima de 40 anos, tes estão assinalados no Quadro 4.8. Com base na análise
e em mulheres, apenas após os 50 anos. da literatura consul tada, está resumida, no Quadro 4.9,
uma proposta para solicitação de testes pré-operatórios de
rotina, incluindo o exame de urina.
IDADE
Os extremos de idade representam fator de risco Quadro 4.8 .: Sistematização da abordagem propedêutica pré-
para complicações perioperató rias, em particular nos operató ria (Roizen)
casos de operações de maior porte, de duração prolo n- --------------------------------------------··
Idade Homem Mulher •
gada (>3 h), sob anestesia geral e de emergência44 • Assi m
sendo, estão incluidos os recém-nascidos por causa da
imaturidade, e os idosos em virtude das alterações fi-
40-59 anos ECG, Uréia, Glicosc l':ricrograma
J
siológicas pró prias e da grande freqüencia de afecções ECG, Créia, Ghcose
associadas. Estes argumentos justi ficam a necessidade, > 60mos Eritrognma
nestas faixas etárias, de avaliação propedêutica pré-ope- ECG, URia, GlicOic
ratória mais cuidadosa, incluindo história clinica e tórax

exame físico minuciosos29·' 5 •


Em idosos, tem sido recomendado exame dos pulsos
··--------------------------------------------
Quadro 4.9 .: Rotina para solicitação de exames pré-operató rios
arteriais periféricos, avaliação neurológica de ro tina, além
••
de solicitação mais Liberal de exames complementares < 14 14 a 39 40 a 59 > 60 •
(hemograma completo, dosagem de eletrólitos séricos, anos anos anos anos
glicemia, creatinina, exame de urina, radiografia de tó rax (mulher) (mulbcr) X
e eletrocardiograma)'.s. Espirometria, ecocardiograma Exame de urina (mulher) X X
com doppler e dosagem perioperatória de medicamentos X
podem, mui tas vezes, ser benéficos'5• As principais indi- Glicemia X X
cações para espiro metria em idosos têm sido a presença
X X
de dispnéia inexplicada, intolerância ao exercício fisico,
• Radiografia de tórax X
história de asma ou doença pulmonar obstrutiva c rôni-
ca«. Outros exames e cuidados pré e/ ou peroperatórios ··--------------------------------------------
X - exame: Indicado c.m homens c

devem ser solicitados se o exame clinico evidenciar pro-


blemas potenciais. Destacam-se as provas de coagulação,
de função hepática, depuração da creatinina (24h), gaso-
Período de validade dos exames pré-operatórios
metria arterial e cateterização de Swan-Ganz.
Em crianças, o hemograma, a radiografia de tórax e o de rotina
exame de urina têm sido freqüentemente realizados antes Uma questão tem sido muito importante, tendo em
de operações Contudo, existem evidências, na ,rista a dificuldade para se realizarem operações eletivas
literatura, de que apenas o eritrograma seria vantajoso, no nosso meio e a conseqüente demora em sua realiza-
devendo a radiografia de tórax e o exame de urina serem ção: haveria necessidade de se repeti rem exame comple-
abolidos como exames p ré-operatórios de rotina nesse mentares inalterados, realizados até um ano antes do pro-
grupo de
cedimento cirú rgico? Qual seria o período de validade
dos exames pré-operatórios de rotina? MacPherson et
Protocolos e rotinas propedêuticas pré-operatórias aJ.', em 1990, concluíram que os pacientes que vão ser
submetidos a procedimentos cirúrgicos eletivos poderão
Para Roizen18•19 , pacientes assinromáticos e suposta- ser testados de forma segura até quatro meses antes do
mente sadios (ASA 1), que serão submetidos a interven- procedimento, o que não dispensa, no pré-operatório
ções cirúrgicas sem previsão de hemorragia, não necessita- imediato, o exame clínico detalhado.
riam de nenhum exame complementar pré-operatório, em É possível que diferentes exames pré-operatórios

31

••
Fundamentos em Clínica Cirú rgica

apresentem tempo de validade distinto. Por quanto 15 • Rhamc FS, Maki DG . The care for widcr use of resting for I !J V
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especialmente quando ele está alterado , uma vez que 17 • Rabkin W, Ho rne J M. Prcopcrativc electrocardiography: effect
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33
05
CONTROLE
HIDROELETROLÍTICO DO
PACIENTE CIRÚRGICO

••
Paulo Roberto avassi Rocha,
Renato Santiago Gomez

Introdução são, contração muscular, segundo e terceiro mensageiro


intracelular, ativação enzimática, estru tura óssea); magné-
O paciente ctruqpco pode apresentar alterações do sio (estrutura óssea, cofator enzimático, regulação dos
equilíbrio h.idroclettolitico em decorrência da existência de canais de cálcio c ela secreção da paratireóide, excitabili-
comorbidades clínicas e/ ou cirúrgicas. Distúrbios dos líqui- dade da membrana) e fosfato (segundo mensageiro, fos-
dos e eletróliros são extremamente comuns no perioperató- fo rilação protéica, tam pão uriná rio, estoque de energia) '.2.
rio. G randes quantidades de líquidos são freqüentemente
necessárias para corrigir o déficit de fluidos e compensar as
perdas sangi.üneas dw·ante a operação. Al terações impor- Molaridade, molalidade e equivalência
tantes do balanço hidroelettol.itico podem alterar as fun-
Um moi de uma substância repre enta 6,02 x 102'
ções cardiovascular, neurológica c neuromuscular.
moléculas. O peso desta quantidade em gramas é comu-
mente chamado de peso grama-molecular. Molaridacle é
Aspectos fisiológicos e conceituais a unidade padrão de concentração do sistema internacio-
nal de unidades e expressa o número de moles de soluto
Função dos líquidos e eletrólitos por litro de solução. :\ lolalidade é um termo alternativo
que expressa o número de mo les de soluto por kilograma
O adulro hígido requer, em média, 2.000m l a 2.500ml
de soh-ente. A equivalência é também um termo comu-
de água para a manutenção do seu metabolismo normal e
mente uti lizado para substâncias que se io nizam; o núme-
para compensar as perdas normais (urina e perdas insen-
ro de equivalentes de um íon em solução é o número
síveisy . Em geral, as perdas in ensíveis (fezes, respiração,
de moles multiplicado por sua carga (valência). Assim,
evaporação pela pele) não sofrem grandes alterações em
uma solução de um molar de MgCI2 fornece dois equiva-
relação ao normal; entretanto, em situações especiais
lentes de magnésio por litro e dois equivalentes de cloro
podem aumentar enormemente (diarréia, febre, bai.xa
umidade do ambiente, taquipnéia etc). Além da água, ele- por li tro 11 .
mento essencial do o rga nismo, as diversas substâncias
nela dissolvidas, entre as quais os eletrólitos, são respon- Água corporal total e distribuição
áveis, diretamente, pela sobrevivência do indivíduo. dos líquidos orgânicos
Entre as funções dos clerrólitos podemos destacar: sódio
(determinação da osmolaridade, volume extracelular e A água corpo ral total (ACT) distribui-se em dois co m-
potencial de ação da célula); potássio (potencial de mem- partimentos: intracelular e extracelular. O compartimen-
brana da célula, potencial de ação); cálcio (neuro transmis- to extracelular é constituído pelo líquido intravascular c

35
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
pelo líquido intersticial. Durante o crescimento do indi- (24mEq/ L), como principais aruons. Estas diferentes
víduo e dos diversos órgãos ocorrem alterações tanto na concentrações ocorrem devido à diferença de permeabi-
quantidade da ACT como também na distribuição da lidade da membrana plasmática aos diferentes íons e são
mesma. Assim, a ACT corresponde a cerca de 90% do mantidas pela ação de bombas e trocadores de íons na
peso corporal no RN prematuro e 75% no RN a termo. membrana plasmática, como a Na+K+ATPase. Existem
No adulto, do sexo masculino, a ACT corresponde a pequenas diferenças na composição eletrolítica do líqui-
60% do peso corporal, enquanto, no sexo feminino, cor- do intravascular e intersticial que ocorrem pela presença
responde a 50%. Esta diferença entre os sexos é explica- de ânions não-difusíveis (proteínas) conforme explica o
da pelo maior conteúdo lipídico da mulher, uma vez que equilíbrio de Donnan-Gibbs'·3 •
a gordura é um elemento essencialmente anídrico. Pelo
mesmo motivo, os indivíduos obesos e/ou idosos pos-
Distribuição dos líquidos em nível capilar, osmola-
suem menor conteúdo de água em relação ao peso cor-
poral. A distribuição da ACT entre os compartimentos ridade, osmolalidade e pressão osmótica
sofre alteração marcante durante o primeiro ano de vida A passagem de líquidos dos vasos para as células pode
quando o volume do líquido extracelular (LEC) de 40% ser dividida em duas etapas. A primeira di z respeito ao
e do líquido intracelular (LIC) de 30% atingem os valo- movimento dos líquidos, através das membranas capila-
res do adulto de 20% e 40%, respectivamente'·2• res, para o espaço intersticial. E la é explicada pelas forças
O LEC compreende o volume plasmático e o líquido de Starling que atuam tanto na extremidade arteriolar
intersticial que correspondem a 5% e 15% do peso corpo- quanto venular do capilar. Estas forças consistem na
ral, respectivamente. O líquido intersticial intermedeia a pressão hidrostática capilar, pressão hidrostática intersti-
troca hídrica entre os vasos sangüíneos e as células. Ele cial, pressão oncótica capilar e pressão oncótica intersti-
inclui, também, os chamados líquidos transcelulares (secre- cialu·•. A pressão oncótica ocorre devido à presença das
ções gastrointestinais, suor, urina, liquido sinovial etc.) e do proteínas que tendem a permanecer no compartimento
terceiro espaço (edema, íleo funcional, queimados) 2.3. específico o que faz com gue a água também permaneça
neste compartimento. Assim, as forças que tendem a
Composição eletrolítica do LIC e do LEC manter o liguido dentro do vaso incluem a pressão oncó-
tica capilar e a pressão hidrostática intersticial. Por outro
Os líquidos do organismo consistem em solução lado, as forças que causam a saída do liguido do vaso são
aquosa com diferentes tipos de substâncias ou solutos a pressão hidrostática capilar e a pressão oncótica inters-
dissolvidos. Estes podem ser divididos em cristalóides e ticial. Normalmente, cerca de 90% do líguido ftltrado é
colóides. Os cristalóides podem ser substâncias eletrolíti- reabsorvido de volta, para dentro dos capilares. Aquele
cas e não-eletrolíticas. Os solutos eletrolíticos ou íons que não é reabsorvido penetra no liguído intersticial e,
(Na+, K+, Ct, HC03-) apresentam permeabilidade relati- em seguida, retorna ao compartimento intravascular atra-
va e seletiva pela membrana plasmática que representa vés dos vasos linfáticos.
barreira à livre passagem dos mesmos. Por outro lado, os A segunda etapa relaciona-se com o movimento dos
solutos não-eletrolíticos (glicose, uréia, creatinina) atra- liguidos através da membrana plasmática sob influência
vessam a membrana plasmática com relativa facilidade. da osmose. Esta consiste na passagem de água através de
Os colóides (proteínas), por sua vez, apresentam alto membrana semipermeável (no caso a membrana plasmá-
peso molecular e não conseguem atravessar as membra- tica) de um compartimento para o outro em decorrência
nas capilar e plasmática2• da diferença de concentração de solutos não-difusíveis
A distribuição e concentração dos eletrólitos diferem entre os dois lados. A pressão osmótica é a pressão que
entre os compartimentos hídricos do organismo. O LIC deve ser aplicada para impedir o movimento do solvente
tem como principais cátions o potássio (150mE q/ L) e o (água) para o espaço fluídico gue contém maior quanti-
magnésio (40mEq/ L) e, como principais ânions, o fosfa- dade de solutos não-difusíveis'·2 •
to (75mEq/L) e as proteínas (16mEq/L). O Líquido Osmolaridade é uma expressão do número de partí-
intravascular tem, como principal cátion, o sódio culas asmaticamente ativas por litro de solução. Como a
(140mEq/L), e o cloro (103mE q/ L) e o bicarbonato energia cinética média das partículas em solução é simi-

36
•••
Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

lar, independentemente de sua massa, a pressão osmóti- osmolaridade plasmática ao normal. De modo contrário,
ca é geralmente dependente apenas do número de parti- a diminuição na osmolaridade extracelular faz com que
cuJas de soluto não-difusível. Assim, o número de partí- os osmorrecepto res figuem edemaciados e suprimam a
culas em solução é que determina a osm olaridade da liberação de 1-LAD. A secreção diminuída do HAD induz
mesma: 1 mM de NaCI apresenta osmolariclade de diurese hídrica, o gue tende a aumentar a osmolaridade
2m0sm enquanto 1 mM de glicose possui osmolaridade para o no rmaP.2. Existe também um mecanismo de libe-
de 1 mOsm. O smolalidade é o número de partículas ração não-osmótica do HAD guando os barorrecptores
osmoticamente ativas por guilograma de solvente. carotídeos e, possivelmente, os receptores de estiram en-
T onicidade é o termo que é fregüentemente utilizado de to arriai também podem estimular a liberação do HAD
modo intercambiável com a osmolaridade c a osm olali- após redução de 5% a 10% no volume sangüíneo. O s
dade. De forma mais correta, to nicidade refere-se à redis- outros estímulos não-osmóticos incluem a dor, o estres-
tribuição de água entre o LIC e o LEC, mediada osmoti-
se emocio nal c a hipóxia'· 3.
camente. Uma solução isotônica não exerce efeito sobre
O controle da volemia é obtido pela variação da
o volume celular, enquanto as soluções hipotônicas e
excreção renal de sódio por meio ela aldostero na e do
hipertônicas aumentam e dimi nuem o volume celular,
peptideo natriurético arriai' '. Po rtanto, a regulação do
respectivamente. o liquido intravascular, a tonicidade é
volume extracclular protege o conteúdo absoluto de
atribuida principalmente aos eletrólitos, sendo que o
solutos c de água. A aldosterona é secretada pelas células
sódio a·) e os ânions combinados com ele (cloro c
da zona glomerulosa da córtex da supra-renal. ua secre-
bicarbonato) contribuem com cerca de 90% a 95% da
ção pode ser estimulada de diversas maneiras. A hipovo-
pressão osmótica normal de 280m0sm a 290m0sm. O s
lemia é, nom1almente, o principal estímulo de li beração
cristaJóiclcs não-cletrólitos (glicose, uréia, creatinina) são
da aldosterona. A redução do volume circulante efetivo
responsáveis po r 10m0sm a 20m 0sm e as proteínas,
dimin ui a perfusão renal e estimula a liberação de renina
muito importantes na determinação do volume vascular
por meio da pressão oncótica, têm peguena parcela de pelas células justaglomerulares. A renina determina a for-
contribuição para a osmolaridade plasmática (cerca de mação de angiotensina li, gue causa liberação ela aldoste-
2m0sm). Em algumas situações, a glicose e, em menor rona pela supra-renal. Esta, po r sua vez, p rovoca a reab-
extensão, a uréia, podem contribuir de maneira significa- sorção de ódio c água além da excreção de potássio ou
tiva para a osmolaridade i\ ssim, a osmola- hidrogênio no túbulo contorcido distai, restaurando,
ridade pode ser estimada pela seguinte fó rmula5: assim, a volemia. A secreção de aldosterona também
sofre influência da concentração séri ca de potássio.
Osmolaridade =[Na '] x 2 + glicose/ 18 + Qualquer fator gue eleve a concentração sérica deste íon
estimula a secreção de aldosterona. Por o utro lado, a
Regulação do volume do líquido hipocalemia está associada à redução da excreção de
extracelular e da osmolaridade aldosterona. O peptídeo natriurét.ico atrial é secretado
principalmente pelos rniócitos arriais em resposta ao esti-
A osmolaridade plasmática é regulada po r osmorre- ramento da parede em decorrência do aumento do volu-
ccptorcs no hipotálamo. Estes neurô nios especializados me intravascular. o rim, o peptícleo natriurético arriai
controlam a secreção de ho rmônio antidiurético (HAD) age em receptores específicos para induzir a hiperfiltra-
e o mecanismo da sede. Po rtanto, a osmolaridade plas- ção, a inibição do transporte de :-Ja· e a supressão da libe-
mática é mantida dentro de Limites relativamente estrei- ração de reni na, efeitos estes respo nsáveis pela natriu re-
tos po r variação da ingestão hídrica e da excreção hídri- se, cliuresc, queda da volemia e da pressão
ca. O s neurônios especiali zados nos núcleos supra-ópti- As alterações elo eguilibrio hidrocletrolJtico podem
co e paraventricular do hipótalamo são m uito sensíveis às ser divididas em três tipos: alterações de volume, altera-
alterações da osmolariclade extracclular. Quando a osmo- ções de concentração e alterações de composição (altera-
laridade do LEC au menta, estas células enrugam -se e ções no potássio, cálcio, magnésio, fós foro). classi -
liberam o HAD a partir da hipófise posterior. O HAD fi cação é valiosa sob o ponto de vista diagnóst.ico e tera-
aumenta acentuadamente a reabsorção da água nos túbu- peuoco. a avaliação do paciente com distúrbio hidro-
los distais e duetos coletores, o gue tende a reduzir a eletrolitico, análise seg üencial do volume, da concentra-

37
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
ção e da composição, nesta ordem, pode proteger o ves podem surgir alucinações, distúrbios de personalida-
paciente de sérios erros na terapêutica. de e, até mesmo, delirio, convulsões e coma. Quando a
depleção hipotônica ocorre em consegüência de lesões
hipotalâmicas, o paciente não apresenta sede, pois esta
Distúrbios de volume (água) sensação fica comprometida pelas lesões gue constituem
a causa do problema.
Podem ser basicamente de dois tipos:
• depleção de água; Na vigência de hipernatremia grave que se acompanha
• excesso de água. da desidratação celular ocorre contração das células cere-
É importante enfatizar gue, fregüentemente, os dis- brais, podendo levar à hemorragia subaracnóide e subcor-
túrbios são mistos, merecendo análise cuidadosa para sua tical além da trombose dos seios venosos. As manifesta-
interpretação e tratamento. Distúrbios isolados com ções clínicas predominantes incluem agitação, irritação e
perda ou excesso de um únko elemento são pouco letargia. Os pacientes podem ainda apresentar espasmos
comuns na prática. musculares, hiperreflexia, tremores e atax.ia. A hipematre-
mia aguda é mais grave do gue a crônica, uma vez que,
nesta última, ocorre a formação de osmóis ideogênicos que
Depleção de água (depleção hipotônica são ativos e capazes de restaurar a água
ou desidratação hipertônica)

Causas Tratamento

Pode ser devida à ingestão diminuída ou à perda Nos casos em gue a reposição pela via oral é permiti -
excessiva de água e/ ou de soluções hipotônicas. da e a concentração de sódio sérico é inferior a
As situações mais fregüentes incluem a ingestão dimi- 160mE g/ L, a água deve ser administrada, de preferência,
nuída de água, ocorrendo por indisponibilidade da mesma, por esta via. Caso contrário, a administração de água
dificuldade ou impossibilidade de degluóção (disfagia, deve ser feita por via endovenosa, sob a forma de soro
coma etc.) ou por compromeómento da sensação de sede, glicosado isotônico. O volume e a velocidade de admi-
observado em lesões hipotalâm.icas. É mais fregüente em nistração dependem da intensidade da desidratação e
pacientes idosos e doentes que não conseguem ingerir devem ser suficiente para restabelecer a função renal,
líguido em resposta ao aumento da osmolaridade. diminuir a concentração de sódio sérico e normalizar o
As principais causas de perda de água incluem: hematócrito. Quanto mais hipotônico for o Uguido de
• perdas insensíveis (pele e respiração); infusão, mais lenta deve ser a administração.
• diabetes insipidus central; Para fins práócos, pode ser utilizada a seguinte
• diabetes insipidus nefrogênico (induzido por drogas fórmula:
como titio e an fotericina B, hipercaJcemia, hipocalemia,
doença cística medular renal); QI. = VN - VR
As perdas de Uguidos hipotônicos incluem:
• causas renais (diuréticos de alça, manitol, fase diu-
rética da necrose tubular aguda); =
onde QL guantidade de líguido necessária, VN volu- =
• causas gastrointestinais (vômitos, diarréia, uso de me no rmal de água e VR = volume real de água.
catárticos); O volume normal equivale a 60% a 70% do peso cor-
• causas cutâneas (sudo rese excessiva, gueimaduras). poral (esta va riação depende da idade, estado nutricional,
presença de obesidade etc.).
O volume real de água, por sua vez, pode ser obtido
Manifestações clínicas por meio da seguinte fórmula:
A sede é o sintoma mais precoce, surgindo, geralmen-
te, quando a deficiência de água é superior a 2% do peso VR = COQCmtrado de Na' do soro nonna! X VN
corporal. Ela se intensifica à medida gue o déficit aumen- concentraçio de Na· no som do paciente
ta e acompanha-se de boca seca e astenia. os casos gra-

38
Capitulo 05 .: Controle hidroeletrolftico do paciente cirúrgico

••
Estes cálculos são estimados e podem não represen- Manifestações clínicas
tar a necessidade real do paciente. Assim endo e para
Os sintomas mais precoces incluem náuseas, astenia e
evitar hiper-hidratação, recomenda-se administrar meta-
queda do volume urinário. Casos graves podem evolllir
de do valo r calculado, realizar nova avaliação clínica e
com convulsão e coma. O rápido ganho de peso acom-
laboratorial (principalmente nova dosagem de sódio séri-
panha-se, via de regra, po r edema periférico e pulmonar.
co) para continuar a reposição.
Labo ratorialmente, ocorre rápida queda no sódio
os pacientes com hipernatremia de longa duração, a
sérico (hiponatremia) e na osmolalidade plasmática.
correção deve ser mais prudente devido ao fato de que a
O sódio urinário pode apresentar-se normal ou
dissipação do acúm ulo dos solutos cerebrais pode levar
aumentado (natriurese paradoxal) apesar da baixa con-
vários dias. esses casos, a redução da concentração de
centração plasmática indicando inapropriada liberação de
sódio sérico deve ser reduzida a O,SmEq/ h para evitar
sódio como conseqüência do excesso do volume do
apa recimento de edema e convulsões. Recomenda-se
LEC (nos casos de função renal e adrenal preservada).
que a queda do sódio plasmático não exceda 1Om Eq/L,
A velocidade da queda do sódio pia mático parece ser
nas 24 ho ras. O objetivo do tratamento é reduzir os
mais impo rtante do que seu valor absoluto.
níveis do sódio sérico para 145mEq/ L.
Quando os níveis de sódio sérico estão abaixo de
120mEq/L, o edema cerebral, usualmente presente, é o
Excesso de água (expansão hipotônica principal responsável pelas manifestações neurológicas
ou intoxicação hídrica) (comrulsões, náuseas e vômitos, e coma).

Causas
Tratamento
O distúrbio é, quase sempre, iatrogênico e resulta da
administração de água em volume e/ ou velocidade supe- O tratamento inclui uma série de medidas que podem
rior às necessidades de um indivíduo incapaz ou com ser adotadas individualmente ou em conjunto, depen-
comprometimento de diurese hídrica. esses casos, a dendo da gravidade do quadro clinico.
antidi urese está quase sempre presente e resulta do As principais condutas incluem:
excesso de secreção de HAD o bservada em diferentes • restrição hídrica;
si tuações, tais como pós-operatório, traumatismos, situa- • reposição de sódio hipertô nico (3%) em pequena
ções de estresse, insuficiência renal aguda, uso de medi- quantidade (200m] a 300m!). Deve-se salientar que
camentos (p. ex., morfina), infecções agudas etc. Sabe-se nenhuma tentativa deverá ser feita para reposição
que, no período pós-operatório, a sobrecarga líquida não calculada da deficiência de sódio total com base no
é seguida de resposta diurética normal. volume do LEC e na dosagem de sódio sérico, pelo
Situação fam iliar é representada pela síndrome de risco de provocar grave sobrecarga;
Schwartz-Bartter, na qual a hiponatremia é secu ndária à • uso cuidadoso de d iurético osmótico (marutol);
perda de sódio na urina e retenção de água6 • • administração lenta de glicose hipertôruca.
Na intoxicação hidrica, a fonte de água pode ser a É importante lembrar que as perdas insensíveis de água
ingestão oral, mas, na maioria das vezes, resul ta de má (pulmões e pele) e urinária podem, por si só, com o passar
o rientação e excessiva terapêutica parentera1 com gli- do tempo, auxiliar na correção gradual do distúrbio.
cose e água.
Os pacientes com enfermidades crôrucas debilitantes
(câncer, insuficiência cardíaca congestiva e/ ou doenças
Distúrbios de concentração (sódio)
renais c hepáticas) são propensos a apresenta r expansão E m geral, os distúrbios envolvendo a água (volume)
do LEC e algum grau de hipotorucidade no pós-operató- são acompanhados por alterações simultâneas na quanti-
rio o u quando sofrem algum tipo de trauma. E stes dade de sódio do orgarusmo, por exemplo quando um
pacientes estão particularmente sujeitos a reterem água indivíduo perde água (déficit de água), costuma ocorrer
no pós-operatório, além de expandirem e, posteriormen- também perda de sódio, que pode ser proporcio nalmente
te, diluirem o LEC. menor, igual ou maior do que a de água. a maioria dos

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• Fundamentos em Cllnica Cirúrgica

casos, a perda de sódio é pro po rcio nalm ente meno r do < 135mEq/ L. a g rande maio ria das vezes, é acompa-
que a de água, uma vez que a perdas isotônicas e, princi- nhada de hipo-osmolaridade.
palme nte, as hipertô nicas são mais raras. f o primeiro
caso ocorrerá como conseqüência do aumento da con-
Causas e classi(rcação
centração plasmática de sódio (hipernatremia), não signi -
ficando, entre tanto, que a quantidade de sódio do pacie n- Os raros casos em que a hiponatrcmi a não refle te,
te esteja aumentada, mas, apenas, que existe despropo r- necessariamente, a hipo -osmo laridade (pseudo-hipo na-
ção entre o sódio e a água perdida'. Estes pacientes, co n- tremia) são: hipo n atremia com osm olaridade p lasmática
forme relatado anteriormente, irão apresentar quadro cli- normal (hipe rlipid e mia ace ntuada, hiperproteinemia
nico relacionado com a perda de água (hipovole mia) acentuada); hiponatremia com os molaridade plasmática
como também com a hipernatremia. Por o utro lado, aume ntada (hiperglicemia; administração d e manitol,
quando a perda de sódio é maio r do que a de água, desen- so rbitol, g licero l e meios d e contraste) . Para cada
volve-se hiponatre mia. D a mesma forma, quando um 1 OOmg/dL de a ume nto na glice mia acima de 1OOmg/dL,
indivíduo ganha água (excesso d e água) pode o co rrer há redução espe rada de sódio de 1 ,6mEq/ L. A hipona-
ganho de sódio que pode ser pro po rcio nalmente me no r, tre mia h ipo-osmó tica é a m ais comum e refle te, invaria-
igual ou maior d o que o de água. A concentração d e sódio velmente, a re te nção de água a partir d e au mento absolu-
variará na dependê ncia desta pro porção e o paciente apre- to na água corpo ral total ou d e perda excessiva d e sódio
sentará quadro clinico de hipo o u hipernatremia, embora, em relação à d e água. Os p acie ntes p od em apresentar-se
normalmente, este último seja mais raro•. hipe rvo lê micos, euvolé m icos o u hipovolêmicos. Clinica-
Pelo exposto até agora, p ode mos concluir que a an á- mente, a hipo na rre mia é mais bem classificada de acordo
lise da concentração plasmática do sódio irá refletir o com o conteúdo corporal total d e sódi o ' 1:
balanço de ganhos e perdas d e água e sódio e, po rtan to, • hipo natremia com sódio corporal total baixo: perdas
faz-se necessário, p ara compreensão desse balanço, o sangüíneas de 5% a 10% (esómulo não -osmótico do
estudo do equilíbrio do sódio no orga nismo. Este equilí- H AD); perdas renais (diuréticos, d eficiência de mine-
brio glo bal é igual à ingestão total de sódio (em torno de ralocorticó ides, n efropatias perd ed o ras de sal, diurese
170m Eq/ dia) menos a excreção renal de sódio e as per- os mó tica, síndrome perdedo ra de sal associada à
das extra-renais de sódio. A capacidade do rim d e variar h e mo rragia subaracn ó idea); perdas extra-renais
a excreção urinária de sódio (de 1 mEq/ L até mais de (vômitos, diarréia, p e rda para o te rceiro espaço) . Este
100mEq/L) permite que ele d esempenhe função primor- grupo de pacientes apresenta-se hipovolêmico;
dial no equilibrio do sódio . Po r causa da relação entre o • hipo natre mia co m sódio co rporal total a umentado:
volume do LEC e o conteúdo corpo ral to tal d e sódio, a inclui os distúrbios edematosos (insuficiência cardia-
regulação de um está firme mente ligada à d o o utro. Esta ca congcstiva, cirrose, insuficiência re nal e síndrome
regulação é obtida p o r intermédio d e sensores (á tri os: nefró ti ca) que são caracterizados por au mento do
liberação de pepódeo arriai natriuré tico; sis tema renina- sódio e da água corpo ral total. Quando o a umento d a
angioten sina-aldo te ro na: libe ração de renina) , os quais água corporal total exced e o do sódio, observa-se
detectam as alterações no volume intravascular efe ti vo hipo natremia. A hiponatremia nestes quad ros resulta,
que se relacio na mais intimamente com a taxa de p e rfu- p o rtantO, do comprometimento progressivo da
são nos capilares do gue co m o volume mensurável do excreção renal de água livre e, em geral, faz paralelo
liquido intravasc ula r (plas ma). Assim, confo rme visto com a gravidade d a d oença subjacente. Estes pacien-
anteriormente, o ,·olume d o LEC e o conteúdo corporal tes apresentam-se, p o rtanto, hipervolê m icos;
total de sódio são contro lados p elos ajustes apropriados • hipo na tremia co m sódio corporal total no rmal: inclui
na excreção renal de sódio. a síndrome da sec reçã o inadequ ada de HAO
(Sl HAD), absorção de líquido d e irrigação durante a
ressecção transuretral de próstata, insufici ê ncia ele gli-
Hiponatremia
cocorticóides, hipotireo idismo , terapia medicamento-
Trata-se de um d os distúrbios m ais freqüentes na prá- sa (clorpropamida, ciclofosfamida, carbamazepina).
tica clinica e é d efinid a pela concentração de sódio A Sl H AD co rresp o nde à o co rrê ncia de um nível pias-

40
•••
Capítulo OS .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

mático de HAD guc, de fo rma constante ou intermi- tes com hipo função da tireóide ou supra-renal está indi-
tente, e tá inapropriadamente elevado para a osmola- cada a reposição hormonal. A dcmeclocicLina antagoniza
ridade e volemia do paciente naguele mo mento. a a atividade do HAD e pode er útil no tratamento de
sua fi iopatologia observa-se a produção extra-hipofi- pacientes com síndro me da secreção inadequada deste
sária de substâncias " IIAD-Iikt'', observadas nas neo- ho rmônio. O déficit de sódio a') em relação à água
plasias malignas (carcinoma de pulmão, linfoma, leu- (H 20 ) pode ser calculado pela seguinte fórmu la:
cemia etc.), distúrbios do sistema nervoso central
(trauma, hemo rragia subaracnóidea, tumores, menin-
Déficit de Na' (mEq) = H 20 corporal wtal x (140 - JSa atual)
goenccfalite), infecção pulmo nar, drogas (dcsmoprcs-
sina, ocitocina, morfina, antidcpressivos tricíclicos,
clorp ropamida, feho tiazinas, ciclo fosfamida etc.), Esta reposição pode ser feita com solução salina 0,9cY<,
des regulação do osmostato e extra,·asamento de ou solução hipertônica de aCI (3cYo), sendo recomenda-
HAD hipofisário. A hipo natremia associada à hipo- do repo r 50°/o do déficit em 12 a 24 horas. A C!>colha da
função da supra- renal pode ser decorrente da cose- solução estará na dependência da gravidade do quadro c
ereção de HAD com fator de liberação de con icotro- do estado ,·olêmico do paciente. Assim, nos pacientes
pina. O estado volêmico destes pacientes depende da hipovolêmicos e com sódio corporal total dimi nuído, a
causa. ssim, os pacientes com síndrome da secreção escolha recai sobre a solução salina 0,9% . os pacientes
inadeguada de HAD, insuficiência de glicocorticóides com euvolemia ou hiperYo lemia moderada, uma opção
e hipotireoidismo apresentam- e euvolêmicos. seria a utilização de solução salina 0,9% em as ociação
Entretanto, os pacientes com absorção de líguido de com diurético de alça. Por outro lado, o cloreto de sódio
irrigação durante a rcssecção transuretral de próstata hipertôniéo pode ser indicado nos pacientes acentuada-
apresemam-se hipervolêmicos. mente simomáticos. Entretanto, ele deve ser administra-
do com cautela, pois pode precipitar edema pulmonar,
hipocalcmia e acidose metabólica hipcrclorêmica. A cor-
Manifestações clínicas reção mui to rápida da hiponatrcmia pode ind u:tir a lcsi>es
dcsmiclinizantcs na po nte, resultando em següclas neuro-
Os sintomas ão principalmente neurológicos e resul-
lógicas gra,·es. r\ taxa de correção para os pacientes com
tam de aumento na água intracelular (menor osmolaridade
sinto mas b randos é de O,SmF.q/ L/ h, chegando a
do LEq. A gravidade vai depender da velocidade com (1ue
1 mEg/ L/ h nos casos mais graves.
a hipo-osmolaridade se desenvolve c do valor do sódio
plasmático (Na < 120mECJIL). Os pacientes com hipo na-
tremia crônica ou de desenvolvimento lento mostram-se, H ipernatremia
em geral, menos sintomáticos. Os sintomas são inespccífi-
cos e incluem anorexia, náuseas, fraqueza, letargia, confu- É definida pela concentração de sódio maior do que
são, convulsões, podendo evoluir para o coma c a mon e. A 145mF.q/ L e está acompanhada por aumento da osmolari-
saída compensatória de solutos intracelulares (sódio, potás- dade do LEC. F.ntretamo, a osmolaridade pode estar
sio e ami noácidos) ocorre na tentativa de diminuir a ten- aumentada sem hjpernatrcmia nos casos de hiperglicemia'·.
dência da entrada de á!,rua para o U C; portanto, durante o
tratamento, a restauração da concentração do sódio ao nor- Causas e
mal deve ser lenta para que a célula recupere os solutos
intracelulares perdidos para o LEC. r\ hipcrnatrcmia é (jUase sempre o resultado da perda
maior de água em relação à de sódio ou da retenção de
sódio maior do gue a de água. [esmo guando a capaci-
Tratamento dade de concentração renal está prejudicada, o mecanis-
Deve ser direcionado para a correção do distúrbio mo da sede é normalmente efetivo na sua prevenção.
subjacente e da co ncentração de sódio plasmática. os Assim, a hipernatremia é mais comumente ob ervada em
paciente com volume extracelular aumentado deve-se paciemcs debilitados, incapazes de ingerir Uquidos (ido-
fazer restrição hidrica c associar diuréticos. os pacien- sos, prematuros e pacientes em coma).

41

••
Fundamentos em Clínica Ci rúrgica

Clinicamente, a rupernatremia é mais bem classificada gue 158mEq/ L. A hipernatremia croruca é, em geral,
de acordo com o conteúdo corporal rotal de sódio: mais bem tolerada. Na tentativa de reduzir a saída de água
• rupernatremia com conteúdo total de sódio baixo : da célula ocorre aumento da osmolaridade intracelular às
estes pacientes apresentam tanto perda de sódio custas do inositol e de aminoácidos (glutamina e taurina),
guanto de água, mas esta última é maior do gue a pri- fazendo com gue o conteúdo de água dos neurô nios
meira. As chamadas perdas h.ipotônicas podem ser reto rne ao normal após 24 a 48 horas.
renais (diurese osmótica) ou extra-renais (diarréia ou
sudorese). E m ambos os casos, os pacientes manifes-
Tratamento
tam sinais de rupovolemia. A concentração urinária
de sódio é geralmente maior do gue 20mEg/ L nas D eve ser direcionado para a restauração da osmolari-
perdas renais e meno r do gue 1OmEg/L nas perdas dade plasmática ao normal como também para a corre-
extra-renais; ção do distúrbio de base. O déficit de água deve ser cor-
• hipernatremia com conteúdo total de sódio no rmal: rigido em 24 a 48 ho ras com solução hipotônica, como a
ocorre nos casos de perda de água pura pela pele, glicose a 5%. A co rreção rápida da hipernatremia pode
trato respirató rio ou rins. A principal causa é o diabe- resultar em convulsões, edema cerebral, lesão neurológi-
tes insipidus, gue é caracterizado por incapacidade de ca e, até mesmo, mo rte. Em geral, a redução da concen-
concentrar a urina devido à deficiência de secreção do tração plasmática do sódio deve ser de O,SmEg/ L/ hora.
HAD (central) ou falha do túbulo renal em responder Para se calcular o déficit de água, devemos inicialmente
ao HAD liberado (renal). As principais causas de dia- calcular a H20 atual por meio da fórmula:
betes insipidus central são lesão do hipotálamo o u hipó-
fise nas neurocirurgias e no trauma encefálico. O dia- H:zO inicial (Peso 1 0,6) x Na• inicial= HzO atual x Na' atual
betes insipidus nefrogênico pode ser congênito o u
secundário a outras desordens, como insuficiência
renal crônica, hipocalemia, h.ipercalcemia, drepanoci- Uma vez calculada a água atual, o déficit de água é
tose e uso de drogas (litio, anfotericina B, demecloci- estimado pela diferença entre a água inicial e a água atual.
clina, manüol). Pode ocorrer transitoriamente duran- Os pacientes com h.ipernatremia e com diminuição
te o exercício, convulsões ou rabdomiólise em decor- do conteúdo total de sódio devem receber inicialmente
rência do movimento de água para as células; solução isotônica para corrigir o volume plasmático. Só
• h.ipernatremia com aumento do sódio corporal total: depois deve ser ad ministrada solução de glicose 5% . Por
ocorre mais comumente como resultado da adminis- o utro lado, os pacientes com aumento da g uantidade
tração de grandes guantidades de solução salina total de sódio devem receber a glicosc 5% associada a
hipertô nica (NaCI 3% o u aHC03 8,4%). Pode diurético de alça. Os pacientes com diabetes insipidus cen-
ocorrer também nos pacientes com hiperaldostero- tral devem receber vasopressina aguosa, desmopressina
nismo primário e síndro me de Cushing. (DDA VP) e/ ou clorpropamida. P aradoxalmen te, os
pacientes com diabetes insipidus nefrogênico podem ser
beneficiados com o uso de diuréticos tiazídicos.
Manifestações clínicas

Caracterizam -se por alterações neuro lógicas em Distúrbios do potássio


decorrência da desidratação celular. Pode-se o bservar fra-
gueza, letargia, hipcrreflexia, convulsões, coma e morte. O potássio (K•) é o principal cation do Uguido intrace-
Os sintomas estão mais relacionados com a velocidade de lular, o nde sua concentração é de aproximadamente
saída de água das células cerebrais do gue com o valor 150mEgjL. A guantidade total de potássio do organismo,
absoluto da hipernatremia. A diminuição rápida do volu- no indivíduo adulto de 70kg, varia em torno de 3.500mEg.
me cerebral pode levar à ruptura de vasos cerebrais, resul- o líguido extracelular, a concentração é muito baixa e
não ultrapassa 2% do potássio total de organismo. o
tando em hemorragia intracerebral focal o u subaracnói-
dea. Convulsões são comuns especialmente em crianças plasma, os níveis normais oscilam entre 3,5mEg/L e
5,5mEg/L6 • Entretanto, as alterações do potássio sérico
com hipernatremia aguda com sódio plasmático maior do

42
•••
Capítulo OS .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

costumam provocar grave repercussões, podendo levar à (447mg/1OOg). A água de coco (250mg/1 OOrnl) e os sucos
morte. É importante enfatizar que as alterações dos níveis de limão e abaca.x.i (> 1OOmg/1OOrnl) são também ricos em
séricos nem sempre espelham a guantidade total de potás- potássio.
sio do organismo. D esse modo, o indivíduo pode apre-
senta r niveis séricos baixos com potássio to tal normal
PERDAS DE POTÁSSIO
ou até elevado (alcalose metabólica) e vice-versa (acidose
As perdas de potássio ocorrem, via de regra, pelo
metabólica).
tubo gastro intestinal (diarréia, vômiros, fistulas entéricas
Os distúrbios do potássio são estudados contemplan-
o u biliares, laxativos etc.), pela urina (tubulopatias, como
do-se os niveis séricos e não a guantidade deste íon no
a gue ocorre na fase poliúrica da insuficiência renal
organi mo. Além do p H arterial, os niveis sérico sofrem
aguda, uso de diurético , corticosteróides, hiperaldoste-
influência da glicemia, dos hormônios (in sulina, gluca-
ronismo, síndrome de Cushing e excessiva de
gon) e do estado nutricional (menores niveis na subnutri-
bicarbonato) e pelo suor.
ção). O potássio armazenado no interior das células
O suor contém peguena quantidade de po tássio
ajuda a manter constante a sua concentração no sangue.
(1OmEq/L), de modo que somente a sudorese profusa é
Assim sendo, são identificados do is distúrbios: hipo-
causa de perda significati va.
potassemia e hiperpotassemia.
Na cetoacidose diabética ocorre perda de po tássio
por diurese osmó tica, causada pela hiperglicemia e pelo
Hipopotassemia (hipocalemia) desvio para o meio intracelular pela i.nsulino terapia.

Considera-se hi popotassemia a concentração de


DE POTÁSSIO PARA O INTERIOR DA
potássio sérico inferio r a 3,5mEg(L. Ela pode não refle-
tir , como mencionado, a quantidade total de potássio do Observa-se a transferência de potássio para o interior
organismo. A perda de potássio produz alcalose metabó- da célula na ak alose e na administração parenteral de gli-
lica resultante da saida de íons K' da célula e entrada de cose e insulina. Para cada aumento de 0,1 U de pH, o
íons Na· e H ·. abe-se gue à saída de cada três íons K· po tássio do extracelular diminui 0,6mEq(L.
corresponde a entrada de dois íons Na' e um íon H•. E ste Alguns medicamentos, além da insulina, também pro-
último origina-se da água que, ao dissociar-se, deixa uma movem deslocamento de potássio para dentro das célu-
hidro xila no liquido extracelular, re ulta.ndo em alcalo e las, podendo acarretar hipocalemia. Entre eles destacam-
metabólica. se o al buterol, a terbutalina e a teofilina, usualmente uti-
lizados para tratamento da asma brônquica.

Causas
Manifestações clínicas
INGESTÃO INADEQUADA
A necessidade diária de potássio gira em torno de Com base na determinação do potássio sérico, a hipo-
1mEg/ Kgldia, desde gue o indivíduo não apresente per- calemia é classificada em discreta (3,0 a 3,4mEq/ L), mode-
das extras (diarréia, fistulas, uso de diuréticos etc.). Em rada (2,5 a 2,9mEq/L) e grave (abaixo de 2,5mEq/L).
individuas rugidos e com dieta balanceada, e ta causa é As formas leves são usualmente oligo ou assintomáti-
muito pouco freqüente. Ela é o bservada, mais comu- cas. Po r outro lado, niveis séricos inferiores a 3,0mEq/ L
mente, em indivíduos submetidos à hidratação parenteraJ podem desencadear uma série de manifestações clínicas
com o ferta insuficiente de po tássio, nos desnutridos que atingem diferentes ó rgãos e sistemas do organismo .
e alcoólatras. As principais serão relatadas a seguir.
A dieta no rmal de um adulto adio contém entre
80mEq/dia a 120mEq/dia de potássio (2.500 a 4.000mg). DISTÚRBIOS NEUROMUSCULARES
A melhor forma de ingerir potássio é po r meio de frutas Estão relacionados, via de regra, com fenômenos de
e verduras. Alimentos ricos neste cletrólito incluem o fei- hipcrpolarização e incluem astenia, parestesia, hiporrefle-
Jao (460mgl100g), tubérculos como o inhame xia e, mais raramente, parali ia flácida. O paciente,
(670mg/1 OOg), banana (350mg/1OOg) e couve dependendo da imensidade do distúrbio, pode dcsenvol-

43
..----------------------------------------------------------------
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

ver íleo funcional que costuma desaparecer com a nor- Tratamento


malização dos rúveis séricos de p otássio.
Consiste na repos1çao adequada e necessária p ara
manter o balanço normal de potássio. Sabe-se que os
ALTERAÇÕES CARDIACAS casos mais comuns de hipopotassemia ocorrem nos indi-
Incluem as arritmias (principalmente extrassístoles) e víduos submetidos à hidratação e/ou nutrição parenteral
aumento de sensibilidade ao digital. O eletrocardiograma com suplementação insuficiente. As necessidades diárias
costuma demonstrar alterações freqüentes caracterizadas de potássio em pacientes sem perdas extras giram em
por onda U proeminente (<3,0mEq/ L) ou gigante torno de lmEq/Kg de peso. Na presença de perdas
(<2,5mEq/ L), depressão do segmento RS-T, ondas T anormais (fístuJas, diarréia, vômitos etc.) estas devem ser
achatadas (<3,0mE q/ L) ou invertidas (<2,5mEq/ L), adequadamente repostas. A via oral, sempre que possí-
aumento do intervalo QT e alargamento do espaço PR e vel, deve ser a preferencial. D ietas planejadas especifica-
do complexo QRS. As alterações eletrocardiográficas não mente para reposição de potássio podem fornecer até
estão necessariamente relacionadas com os níveis séricos 150mE q/ dia.
do potássio, mas com a relação entre suas concentrações A reposição oral de cloreto de potássio (KCl), na forma
intra e extracelulares (fases 2 e 3 do potencial de ação das de xarope ou drágeas, pode suprir de 30mE q a 40mEq de
células cardíacas). Nos casos mais graves, podem ocorrer potássio sem efeitos colaterais importan tes. D oses maiores
arritmias ventriculares e, até mesmo, parada cardíaca em geraLn ente provocam intolerância gástrica. Para minimizar
assistolia. Os riscos são maiores nos pacientes com isque- este efeito indesejável, recomenda-se administrar cloreto
mia miocárdica ou hipertro fia ventricular esquerda. de potássio, por via oral, juntamente com os alimentos, em
pequenas doses e várias vezes ao dia. E le nunca deve ser
ALTERAÇÕES GASTROINTESTINAIS
administrado em uma única dose alta.
Caracterizam-se pelo desenvolvimento de íleo fun- As principais fontes de pmássiu provenientes de ali-
cional e/ou gas troparesia cujas manifestações clinicas men tos estão sumariadas no Q uadro 5.1.
predominantes incluem náuseas e vômitos e, even tual-
mente, parada de ebminação de gases e fezes.
Quadro 5.1 .: Principais fontes de potássio
----------------------------------------------··
MANIFESTAÇÕES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Suplementos de potássio
As mais freqüentes são irritabilidade, estupor e poh- Substitutos do sal (cloreto de potássio)
dipsia. Parada respiratória pode ocorrer nos casos graves . Frutas (banana, laranja, melão, tomate)
Legumes e verduras (batata, batata doce, espinafre, folhas de nabo,
couve e outros vegetais folhosos verdes, ervilhas c feijões)
ALTERAÇÕES RENAIS
Nas formas crônicas, ocorre disfunção tubuJar por
incapacidade de concentrar urina (nefropatia caliopêni-
ca), resultando em pobúria. Redução da peristalse urete- Em poucas situações, o tratamento da hipocalemia
ral é observada nas formas agudas. constitui emergência. Pelo fato de o potássio ser um íon
predominantemente intracelular, quando administrado
ALTERAÇÕES MUSCULARES por via endovenosa, ele costuma passar rapidamen te
As principais são a rabdomióüse e a mioglobin úria. para o interior das células. Sendo assi m, exceto em situa-
ções muito graves, não se deve pretender co rreção muito
rápida. Como já foi assinalada, em situações não-emer-
ALTERAÇÕES METABÓLICAS
genciais, a reposição por via oral, quando possível, costu-
A alcalose metabóbca ocorre como conseqüência da
ma ser satisfatória. Caso contrário , a reposição deve ser
saída do potássio intracelular em troca de íons H •. Outras
feita por via endoveoosa e o medicamento de escolha é a
alterações incluem a 'hiperghcemia, o balanço nitrogenado
solução de cloreto de potássio 10% (1,3mEq de potássio
negativo e a redução da síntese de glicogênio muscular e de
por mJ). Alguns cuidados são importantes:
proteínas com aumento da produção de amônia.

44
Capítulo OS .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico •
••
• determinar os níveis séricos de potássio antes de Causas
administrá-lo;
DIMINUIÇÃO DA EXCREÇÃO
• avaliar o débito urinário (em pacientes oligúricos, a
O bserva-se diminuição da excreção em ruferentes
admirustração de potássio deve ser muito cautelosa,
situações que incluem as insuficiências renais (aguda e
devendo ser morutorizada);
crônica), uso de antagonistas de aldosterona, triantereno
• em pacientes politraumatizados e/ou no pós-opera-
e de irubidores da enzima conversora da angiotensina,
tório imediato (primeiras 24 ho ras), ocorre aumenro
doença de Adruson etc.
da o ferta endógena de potássio e a reposição só deve
ser feita se os níveis séricos estiverem muito baixos;
• selecionar a dose e a velocidade de administração, SOBRECARGA POR FONTES EXÓGENAS
com base no quadro clíruco. O rirmo não deve exce- Observada nas transfusões de sangue (grandes volu-
der 30mEq/h, exceto nas emergências absolutas mes principalmente), infusão de penicilina cristalina
como na intoxicação digitálica, nas alterações eletro- (cada 1.000.000 de unidades contém 1 ,7mEg de po tás-
carruográficas e/ ou paralisias musculares graves e sio), administração exagerada de potássio por via paren-
quando os níveis séricos estiverem abaixo de teral e/ou oral.
2,0mEq/ U. estes casos, a velocidade de adrrunis tra-
ção pode exceder a 40mEq/ h, mas o paciente de\'e
SOBRECARGA POR AUMEN TO DA OFERTA ENDÓGENA
estar monitorizado eletrocardiograficamente, sendo
Já citada, como as observadas nas destruições teciduais
imprescindivel realizar nova dosagem sérica após
(hemólise , rabdomiólises, lesões por esmagamento com
ad mirustração dos primeiros l OOmEq. r os casos que
destruição muscular e pós-operatórios) e nas acidoses
cursam com níveis séricos acima de 2,5mEg/L c sem
(rerustribuição do potássio do intra para o extracelular). O
manifestações eletroca rruográftcas, a velocidade de
aumento da oferta endógena é também observado nos
infusão não deve exceder 1OmEg/h. Raramente há
casos de Ol'erdose por uso de crack (cocaína). estes casos, o
necessidade de se repor mais que 150-160mEq/ dia.
rápido influxo de potássio para a corrente sangilinea supe-
Quando esta reposição for necessária, é recomendá-
ra a capacidade renal de excretá-lo, acarretando hipercale-
vel a monitorização eletrocardiográfica do paciente;
rrua freqüentemente gra\·e.
• preferir administrá-lo russolvido em solução salina 0,9% .
A glicose promove a transferência de potássio para o
interior da célula. A concentração no soro não deve Manifestações clínicas
ultrapassar 30mEq/ L. Somente em condições excep-
cionais pode ultrapassar 60mEg/L; Os distúrbios decorrentes da hipercalemia estão rela-
• pode ser necessária a correção da hipomagnesemia ou cionados com a hipopolarização que promove imperu-
hipofosfatemia concomitantes. mento da transmissão do estímulo ao longo da célula
muscular. Nas fo rmas leves, as manifestações são ruscre-
tas ou inexistem.
Hiperpotassemia (hipercalem ia)

Considera-se hiperpotassemia quando a concentração ALTERAÇÕES CARDIACAS

do potássio sérico é superio r a 5,5mEq/ L. E la pode não As manifestações mais graves da hipercalerrua ocorrem
refletir a quantidade total de potássio do organismo que no coração e se expressam clinicamente quando os níveis
pode estar normal ou, até mesmo, dimimúda. Diversas séricos se ap roximam ou ul trapassam a 7,0mEg/ L.
situações promovem aumento de potássio sérico sem Independentemente da concentração sérica, alguns fatores
correspondente aumento do potássio total do orgarus- são importantes no agravamento destas manifestações,
mo. Elas incluem as acidoses metabólica e/ ou respirató- incluindo a presença de hiponatremia, hipocalcerrua e aci-
ria (para a queda de cada 0,1 urudade de p H corresponde dose. Assim, para um mesmo valor, a ocorrência destes
um aumento de 0,6mE q/L de potássio), traumatismos fatores costuma exacerbar as manifestações cardiacas,
Qise celular com liberação de potássio), hemólises, trom- representadas, principalmente, por brarucarrua, hipotensão
bocitose e lcucocitosc (hiperpotasscmia fictícia). e/ ou fibrilação ventricular. O eletrocardiograma represen-

45
• Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

••
ta método bastante sensível e útil no diagnóstico e acompa- mente, entretanto, que os sais de cálcio podem desenca-
nhamento desses pacientes, uma vez que as alterações ele- dear arritmias graves na vigência de intoxicação digitálica.
trocardiográficas costumam estar relacionadas com os
níveis séricos elevados do potássio. A primeira alteração
MEDIDAS QUE PROMOVEM A DO
(ondas T altas, pontiagudas e com base estreita) surge quan- POTÁSSIO PARA O INTERIOR DA CÉLULA
do os níveis séricos oscilam entre 6,0mEq,IL e 7,0mEg/L. Existem três opções: emprego do bicarbonato de
Amedida que estes níveis se elevam, observa-se depressão sódio, uso concomitante de glicose e insulina (solução
do segmento ST e diminuição da amplitude de onda R, pro- polarizante) e drogas betadrenérgicas.
longamento do espaço PR, diminuição e até desapareci- O início de ação do bicarbonato é observado após
mento da onda P. O alargamento de QRS ocorre nos casos cinco a dez minutos e persiste por cerca de duas horas.
mais graves e, muitas vezes, precede a fibrilação ventricular. D eve ser empregado, preferencialmente, na vigência de
acidose e/ ou hiponatremia. Seu principal inconveniente
MANIFESTAÇÓES NEUROMUSCULARES é a expansão do extracelular e o risco de edema agudo de
Algumas são semelhantes às observadas na rupocalemia pulmão. As soluções mais utilizadas são a 5% ou 8,4% 6·' .
e incluem fraqueza, astenia e parestesias. Por outro lado, a O cálculo do volume a ser infundido costuma ser empí-
hiperreflexia costuma estar presente. A paralisia muscular rico. Não existe método preciso para avaliar a quantida-
flácida pode atingir os músculos respiratórios, colaborando de de bicarbonato necessária. Uma opção é infundir
para a instalação de insuficiência e/ ou parada respiratória. 10m! de bicarbonato a 8,4% em cinco minutos, seguido
por 40ml em bomba de infusão, para correr em 60 minu-
tos. D eve-se considerar que a quantidade de bicarbonato
Tratamento necessária para elevar de 1 mEq o bicarbonato do plasma
Nas formas leves, a dieta constitui a medida principal. é de 2mEq de bicarbonato por litro de líquido extracelu-
E la inclui a restrição de aH mentos e medicamentos con- lar. Lembrar que reavaliações periódicas costumam ser
tendo potássio e proteínas, aliada à ingestão generosa de necessárias (clínicas e laboratoriais), uma vez que o maior
calorias sob a forma de carboidratos e gorduras, com o risco de correção da acidose é a hipocalemia. Pode-se uti-
objetivo de diminuir o catabolismo protéicd·9 • lizar também, para o cálculo da quantidade de bicarbona-
Nos casos que cursam com níveis séricos de potássio to, a fó rmula de Ash:
elevados (>6,0mE q/ L), outras medidas são necessárias e Quantidade de bicarbonato (mEq) =Peso (Kg) x &m txass x 0,3
devem ser iniciadas imediata mente, principalmente se
coexistem alterações eletrocardiográficas. Tais medidas Habitualmente, administra-se a metade da dose calcu-
objetivam diminuir estes níveis e dependem da rapidez lada e repete-se a avaliação.
com que se deseja agi r. Vários fatores devem ser levados A associação da glicose + insulina tem inicio de
em conta e, algumas vezes, a associação de mais de uma ação mais demorado e que varia de 30 a 60 minutos.
medida é necessária. E las incluem: Entretanto, a duração da ação persiste por tempo mais
prolongado (seis a 24 horas). Recomenda-se administrar
uma unidade de insulina (por via subcutânea) para quatro
MEDIDAS QUE ANTAGONIZAM OS EFEITOS
gramas de gHcose infundidos por via endovenosa.
DO POTÁSSIO SOBRE O MIOCÁRDIO
Habitualmente, prepara-se solução com 100ml de glicose
A injeção intravenosa de gluconato de cálcio 10%
a 50%+ 10Ul de insulina regular, que devem ser adminis-
atua antagonizando os efeitos deletérios da ruperpotasse-
mia sobre o miocárdio. E la constitui o método de atua- trados endovenosamente, em cinco a dez minutos.
ção mais rápido e sua ação ocorre de um a cinco minutos Drogas betadrenérgicas - Atuam aumentando a cap-
após o início da injeção. A duração da ação do medica- tação celular de potássio, podendo ser usadas por via inala-
mento costuma persistir por até duas horas. A dose tória (1O a 20mg de albuterol, diluídos em Sml de solução
empregada é de 10m! da solução a 10%, podendo serre- salina 0,9%) ou por infusão endovenosa (O,Smg de albute-
petida conforme a necessidade. A monitoração por meio rol, diluído em 100m1 de soro glicosado isotônico). O pico
do eletrocardiograma é importante. Deve-se ter em de ação ocorre em 30 minutos (infusão endovenosa) e em

46
Capítulo OS .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

••
90 minutos (via inalató ria). Esta opção deve ser evitada, Distúrbios do cálcio
sempre que possível, por causa do potencial arriunogênico.
As medidas supracitadas, embo ra muito úteis, são
O cálcio co n titui elemento es encial para o o rganis-
mo, participando de inúmeras funções (ncuromuscLtlar,
tem porárias e objetivam, principalmente, manter o
manutenção do ritmo cardiaco, lactação, coagulação san-
paciente em co ndições satisfatórias enquanto se provi-
&rüinea, síntese e liberação da acetilcolina, funcio namento
dencia e/ o u se instituem medidas eficazes para remover
de várias enzimas etc.) .
o excesso de potássio do organismo.
O cálcio total do organismo, no indivíduo adulta no r-
mal, gi ra em corno de 1.1 OOg, dos quais 99% estão nos
MEDIDAS QUE PROMOVEM A EUMINAÇÃO DO EXCESSO ossos e 1% nos liquidas extracelulares. Para manter con-
DE POTÁSSIO DO ORGANISMO centração sérica adequada, o indivíduo deve ingerir de
Este objetivo pode ser alcançado de três maneiras: O,Sg a I ,Og de cálcio dia riamente1" .
resinas de troca iônica, diuréticos de alça e procedimen- O cálcio plasmático apresenla concentração d e
tos dialíLicos. 8,Smg% a 1O,Smg% (2,2 a 2,6mmol/L). Para manter esta
Res inas de troca iô nica: atuam adsorvendo potás- concentração dentro de estreitos limites de no rmalidade,
sio no tubo digestivo, trocando-o por cálcio (Ca) ou exjste um complexo mecanismo envolvendo o parator-
sódio. A resina mais utiljzada, em nosso meio, é o mônio (PTH) , a calcitonina, a vita mina O, os rins, o
poliestirenoss ulfo nato de cálcio (Sorcalj que troca K • intestino delgado e os ossos.
por Ca' ·, eliminando o K+ nas fezes. Seu efeito inicia- O parato rmô nio, prod uzido pela glându las parati-
se após duas ho ras, com duração de até seis ho ra . É reóides, atua principalmente sobre os ossos, rins e intes-
apresentada na fo rma de pó para uso o ral. A prescri ção tino, ele,•ando os rúveis de cálcio no extracelular pelo
usual é de 15g a 30g, diluídos em água, via oral, a cada aumento da reabsorção óssea e tu bula r. Ele atua também
seis o u o ito horas. O enema de retenção constitui estimulando a absorção intestinal de cálcio. Nos rins, o
opção para pacientes impedidos de ingerir liquidas. O paratormô nio influencia a síntese do metabóljro ati,·o da
e feito colateral majs importante e freqüente é a consti- ' 'itamina O que aumenta, ainda mais, a capacidade do
pação intestinal que pode ser tratada co m catárticos intestino de absorver cálcio.
(manito l o u sorbitol). A calcito nina é p rodu zida po r células das paratireói-
des, da tireóide e do rimo e atua reduzindo a concentra-
Diuréticos de alça· atuam aumentando a excreção
ção sérica de cálcio ao estimular o deslocamento do
renal de potá sio; utiliza-se, habitualmente, a furosemida
m esmo para os os os.
na dose de 40mg a 80mg EV o u a bumetanida na dose de
A excreção renal de cálcio mantém-se relativamente
1mg a 2mg EV6·'. Para que estas drogas atuem convenien-
constante (100mg/dia a 200mg/dia) na maio ria dos indi-
temente, é necessário que a função renal esteja preservada.
vídu os e não se relacio na com o cálcio inge rido.
os casos de insuficiência renal moderada (clareamento
Normalmente, o cálcio excretado é igual ao cálcio absor-
de creatinina entre 10ml/ min e SOml/ min), a resposta não
vido. Deste equilíbrio resulta diminuição expressiva de
é tão boa. Nas formas graves de insuficiência renal, a res-
mobilização do cálcio ósseo.
posta é inexpressiva. Devem ser usados desde o início na
Por outro lado, quando a ingestão é baixa o u a excre-
rupercalemia grave. O efeitO costuma ser lento, mas
ção está au mentada, o o rganismo, sob estimulo do para-
pequenas perdas de potássio podem provocar quedas con- tormônio, mobiliza o cálcio ósseo.
sideráveis nos níveis plasmáticos. O cálcio está envolvido em diversas e importantes
Di álise: é muito efetiva (principalmente a hem odiá- funções como na transmissão nervosa na placa ncuro-
lise), podendo no rmalizar os rúveis de po tássio em até muscular, na contração muscular, na coagulação sangüi-
30 minutos. Está indicada na insuficiência renal c sua nea e na mineraljzação óssea.
principal desvantage m é o tempo necessário para prepa- O metabolismo do cálcio está intimamente ligado ao
ro de material, o btenção de acesso venoso, dispo ni bili- do fósforo e a regulação plas mática de ambos é determ i-
dade de equipamentos etc. nada pelos mesmos horm ô nios.

47

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Hipocalcemia Pode ser observada também nas deficiências de vita-


mina D por ingestão e/ ou exposição solar insuficiente,
Considera-se hipocalcemia a concentração de cálcio má-absorção intestinal, icterícia obstrutiva, insuficiência
sérico abaixo de 8,5mg% ou 2,0mmol/L. Antes de diag- renal (não-conve rsão ao composto ati vo nos rins), uso de
nosticá-la, é necessário observar se os níveis séricos de antico nvulsivantes (co nversão da vitamina O em com-
albumina estão no rmais, uma vez que a diminuição de postos inati vos), raquitismo dependente de vitamina O
1,Og/dL de albumina acompanha-se de queda de tipo I (por defeito enzimático) e resistência à ação da
0,8mg% de cálcio. Sabe-se que a maior parte do cálcio vitamina
presente no sangue é transportada pela albumina. Sendo
assim, concentração mui to baixa de albumina acarreta
concentração sérica baixa de cálcio . E ntretanto, nesses OUTRAS CAUSAS

casos, o cálcio que não se encontra ligado à albumi na Incluem a rabdomió lisc, infecção nccrótica de tecidos
pode preveni r os sintomas da hipocalcemia 1u 2 • frouxos, intoxicação po r eti lenoglicol, perda crônica de
cálcio pela urina etc.

Causas
Manifestações clínicas
Três mecanismos básicos podem ser responsáveis,
pela hipocak emia: A concentração érica de cálcio pode estar anormal-
• precipitação; mente baixa sem produzir qualquer sinto ma. D e um
• diminuição da o ferta (endógena ou exógena); modo geral, existe uma variação individual nas manifes-
• outros. tações da hipocak emia. Em algu ns pacientes, elas apare-
Esta divisão é impo rtante do ponto de vista prático cem nas formas leves (<8,5mg%), enquanto outros per-
porque pode influenciar a escolha do tratamento. manecem oligo ou assintomáticos mesmo nas formas
graves (< 6mg%). O fator mais importante no desenvol-
vimento das manifestações clínicas da hipocalcemia é a
PRECIPITAÇÃO
rapidez com que ela se desenvolve 1' .
estes casos, a hipocalcemia é mediada por quelantes
A maior parte destas manifestações reflete alterações
que, ao unirem-se ao cálcio, produzem precipitação do
da irritabilidade neuromuscular provocadas pela diminui-
mesmo e queda dos seus níveis no sangue. As principais
ção do cálcio ionizado. T ais alterações são, via de regra,
condições clinicas que favorecem este tipo de hipocalcemia
reversíveis se a co ncentração de cálcio for restaurada. A
incluem hiperfosfatemia (formação de complexos fosfocál-
manifestação mais importante é a tetania. Acompanham-
cicos que precipitam nos tecidos frouxos e/ou diminuição
na sinto mas gerais caracterizados por mal-estar, câimbras
da mobilização de cálcio ósseo para o espaço extracelular),
musculares c comprometimento da visãou'.
pancreatite aguda, metástases osteoblásticas c uso de fár-
A tetania geralmente é precedida por do rmência e
macos (protamina, EDT A, heparina etc f .
fo rmigamento das extremidades, sensação de peso nas
mãos c nos lábios, câimbras e espasmo carpopedal (mão
D IMINUIÇÃO DA OFERTA DE CÁLCIO de parteiro). os casos mais graves, podem estar presen-
Ocorre nos casos de hipoparatireoidismo idiopático tes estrido r laríngeo, convulsões, arreflexia e asfixia.
ou secundário 11 • O hipoparatireoidismo secundário se Nas formas latentes, os pacientes queixam-se de fra-
deve a inúmeras causas: queza muscular, fadiga, palpitação, do rmência o u formi-
• remoção cirúrgica das paratireóides ou irradiação das gamento das extremidades. Os re flexos tcndinosos pro-
mesmas1\ fundos costumam estar diminuídos.
• alterações da concentração sérica de magnésio (inibi- D o is sinais clinicas são utilizados para pesquisar a
ção do paratormônio); tetania latente: o primeiro, descrito po r Chvostek, é pes-
• doenças graves (sepse, grandes queimados, rabdo- quisado por meio da percussão rápida c firme sobre o
miólise); nervo facial no seu percurso à frente da glândula paróti-
• resistência periférica ao PTH no osso e/ ou rins da. Quando positivo, o paciente apresenta contração da
(pseudohipoparati reoidi smo). boca, nariz e pálpebras. Merece destaque o fato de que

48
Capítulo OS .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico •
••
pessoas no rmais pod em apresentar contração isolada do Entre os ach ados la b o ratoriais , além da hipocalce-
ângulo da boca quando este sinal é pesquisado. m ia (cálcio pode chegar a 3mg%), é comum a hipe rfosfa-
O sinal d e Tro usseau é positivo quando o espas mo temia (6 a 16mg%) .
corpo pedal é induzido pela isquemia do braço p rovoca- A dosagem da albumina é impo rtante para afastar a
da po r insuflação de manguito do aparelho de pressão possibilidade d e hipocalcemia decorrente d e hipoalbumi-
colocado na raiz do membro e ma ntido insuflado pelo nemia (pri ncipa.lmente nos casos de cirrose e ne frose). O
peó odo de três minutos. citrato p lasmático está reduzido c o magnésio tende a
Outras manjfestaçõcs incluem rustúrbios d o sistema ser no rmal.
nc r\'OSO central, tais como demência, psicose, transto rnos A d osagem do para tormô n io é úti.l para dete rm inar se
extrapiramidais, calcificação de gânglios da base, hipe r- a hipocalcemia é secundária à deficiência d e te hormô nio
tensão intracraruana etc. Catarata lenticular surge, com o u se ela decorre da resistência p e riférica ao parato rmô-
frcgüência, nas fo rmas crô nicas. 'estas, a pele e torna nio nos ossos e nos rins (pseudo hipoparatircoidismo).
áspera c d escamativa, com ocasional dermatite esfoliativa o último caso, o diagnóstico é feito pela dosagem séri-
c pigme ntação cutânea, alopécia, perda de o brancelhas, ca do parato rmô ruo, associad a à dosagem da exc reção do
unhas atró ficas, quebradiças ou deformadas. A mo rulíase AMP cíclico uri nário que está d iminuido 1• •
cutânea é comum. Oco rrem aplasia ou hipoplasia dentá- As d osagens de 25-hidroxico lccalciferol e de I ,25-dii-
ria com alteração da coloração do esmalte. drocolccalciferol determina m a extensão da d eficiê ncia
Alterações eletrocardiográficas são freqüentes e da \"itamina O o u de seu me tabó lito (djminuído na insu-
se caracterizam po r prolo ngamento do inte rvalo QT ficiê ncia renal).
em decorrê ncia d o au me nto de ST associado à o nda T O diagnóstico da hipocalcemia está sumariado na
pontiag uda. Figura 5.1.

------------------------------------------------------------------------------------------------··•
I Hipocalccmta

I
Tratar urgente; I T etania
completar diagnóstico 1 ,\Jterações no r.cc

i
Operação cerYtcal
Fármacos I llistóna clínica
Doenças graves I P, t.lg, PTH I

PTH alto
+ + +
PTH alto PTI I normal
P normal ou
P ele,·ado nu baixo baixo
baixo

+ + + 1
- doenças hcpatobiliares - doença renal
completar dtagnósuco
- má absorção distribuição tccidual hipo parari.reoidtsmo
e tratar
- racJUitismo - pseudohipopara
- mctástascs osteoblásticas


··------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 5. 1 .: Algoritmo dtagnósuco da hipocalcemta
ECG- eletrocardio!,>Tama; P - fósforo; l\lg- magnésio; PTII - paratormônto

49
..----------------------------------------------------------------
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Tratamento ca persistência de hipercalciúria e lupercalcemia mesmo


após a interrupção do medicamento por semanas ou, até
as fo rmas agudas ou nas crises de tetania, adminis-
mesmo, meses. Para atenuar esses inconvenientes, reco-
tra-se cálcio endovenoso, lentamente (cinco a dez minu-
menda-se hidratação vigo rosa, fu rosemida e uso de glico-
tos), sob a forma de gluconato de cálcio 10%. O volume
corticó ides em casos especiais.
inicial a ser infundido é de 1Oml a 20mJ, podendo ser
repetido quantas vezes fore m necessárias até o desapare-
cimento das crises e/ ou sintomas. Pode-se também usar Hipercalcemia
infusão endovenosa, com bomba de infusão, de solução
de gluconato de cálcio 0,3% em solução salina 0,9%, por Considera-se hipercalcemia a concentração de cálcio
12 a 24 ho ras. Esta infusão deve ser lenta, com cuidado sérico superio r a 10,5mg% o u 2,6mmol/L.
especial no paciente digitalizado . A quantidade total a ser
administrada deve basear-se na resposta clínica ob tida e
Causas
na calcemia que deve ser dosada várias vezes até sua
completa estabilização. RELACIONADAS CO M AS GLÂNDULAS PARATIREÓIDES
os casos de tetania em que coexiste a hipomagnese- • luperparatireoidismo primário - representa a causa
mia, a resposta à infusão de cálcio costuma ser inadequa- mais freqüente de hipercalcemia no paciente ambula-
da, sendo necessária a administração de sulfato de mag- torial e nos joven s. Ocorre aumen to da produção do
nésio na dose de 48mg/kg peso/ dia. paratormônio por diferentes causas (adeno ma funcio-
a hipocalcemia crônica ou nos casos de crise aguda, nante da paratireóide, neoplasia endócrina múltipla).
após controle, está indicada a administração de cálcio, por • hiperparatireoidismo secundário - pode ser observado
via oral, associado à vitamina O. As diversas preparações no tratamento com lítio, que tem a capacidade de dinU-
disponiveis no mercado incluem o gluconato, o carbonato nuir a sensibilidade das paratireóides ao aumento do
e o lactato de cálcio. A dose usual recomendada é de
cálcio plasmático, requerendo maiores concentrações
1,0g/dia a 1,5g/dia, podendo, em casos mais graves, alcan-
de cálcio para inibir a produção do paratormônio.
çar 2,0g/dia a 4,0g/dia. Recomenda-se associar antiácidos
01idróxido de alumínio) quelantes de fosfato para aumen-
tar a absorção intestinal do cálcio. D eve-se controlar perio- Síndrome paraneoplasica
RELACIONADAS COM DOENÇAS MALIGN AS
dicamente a calcemia e a excreção urinária de cálcio. A hipercalcemia é observada, em média, em 10% a
A vitamin a O deve ser administrada na dose de 20% dos indi v.íduos com neoplasias malignas, atingindo
50.000 a 100.000U/ dia. principalmente os pacientes com câncer de pulmão
O uso dos metabóli tos da vitami na O (1,25-diidroco- (27,3%), mama (25,7%), mieloma múltiplo (7,3%) e
lecalciferol e 25-hidroxicolecalciferol) tem vantagem nos tumo res de cabeça e pescoço (6,9%).
casos em que existe resistência à ação da vitami na. Via de os tumores sólidos com metástases ósseas (mama,
regra, estes metabólitos estimulam a absorção de cálcio próstata, pulmões, rins etc.), estas lesões produzem des-
intestinal e normalizam a resposta calcêmica do PT H. minerali zação óssea com aumento do cálcio plas mático.
E m pacientes com hipocakemia recorren te pode-se
Existem tumores gue secretam um peptideo (PTHrP)
administrar, inicialmente, até 600.000U (15mg de vi tanu -
semelhante ao paratormônio e com mecanismo de
na O por dia), até que os sintomas desapareçam. A partir
ação semelhante.
de então, a dose deve ser progressiva e rapidamente
Os tumores hematológicos (mieloma múltiplo, leuce-
diminuída até atingi r 50.000U diárias (do c de manuten-
mias, ünfomas) podem cursar com n.íveis elevados de 1,25
ção). O controle, no entanto, apresenta várias di ficulda-
(O H) 20 3 (principalmente os ünfomas) e rupercalcenua.
des. Sabe-se que a excreção de cálcio costuma ser exces-
siva durante o tratamento, podendo induzir a nefrocalci-
nose, mesmo quando o cálcio sérico está no limite infe- RELACIONADAS COM A VITAMINA D
rio r da normalidade. Incluem a intoxicação por vitamina O (ingestão crônica
Nos casos em que a hipercalcemia se instala, é impor- de grande quantidade de vitamina O , muito superior às
tante lembrar que a lo nga duração da vitamina O provo- necessidades diárias, aumentando a absorção intestinal de

50
Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

••
cálcio e a reabsorção ó sea); aum ento de 1,25 (O H)2D3 consciência (desorientação, aluci nações, obnubilação e
(observ:tdo nas doenças granulomatosas como a sarcoido- até coma).
se e a tuberculose, que promovem diminuição ou abolição
da sensibilidade aos níveis de JYTHy 1,25 (O H)2D3 deter-
CARDIO VASCULARES
minando produção descontrolada deste metabólito); hiper-
Ocorre aumento da contratilidade rniocárdica. As prin-
calcemia idiopática da infância (alteração congênita rara que
cipais alterações eletrocardiográficas incluem prolonga-
evolui com hipersensibilidade ao aporte da vitamina 0 ).
mento do intervalo PR, diminuição dos intervalos QT e ST,
achatamento abrupto da porção inicial da onda T. Quando
ASSOCIADAS AO AUMENTO DA MOBILIZAÇÃO ÓSSEA o cálcio sérico ultrapassa 16mg% , a onda T torna-se mais
Incluem o hipertireoidismo (catabolismo ósseo supera larga, aumentando, secundariamente, o intervalo QT.
o anabolismo), imobilização (principalmente em adoles- Casos mais gra\·es podem evoluir com bradiarritmias,
centes e crianças), hipervitarninose A e uso de tiazídicos. bloqueios de ramo, bloqueio A V total e até parada cardíaca.

ASSOCIADAS À RENAL./DIMIN U IÇÃO GASTROINTESTINAIS


DA EXCREÇÃO URINÁRIA DE CÁLCIO Relacionam-se, provavel mente, com depressão do
Incluem o hiperparatireoidismo secundário grave sistema nervoso autôno mo que acarreta hipomo tilidade
(aumento da resistência periférica à ação do paratormô- intestinal e hipersecreção gástrica ácida. As principais
nio determinando hipocalcemia que, por sua vez, eleva incluem co nstipação intestinal, náuseas e vômi tos, anore-
os níveis de paratormô nio causando hipercalccmia), into- xia e dor abdo minal. Esta, algu mas vezes, é de tal inten-
xicação po r alumínio c uso de diuréticos tiazídicos. sidade que simula quadro de abdo me agudo .

RELACIONADAS COM D IMINUIÇÃO DA FORMAÇÃO ÓSSEA RENAIS


lncluem o hipotireoidismo e a hipo fosfatemia. A hipercalcernia provoca lesão tubular reversível com
perda da capacidade de concentração renal, que evolui
Manifestações clínicas com poliúria e desidratação. E ta se manifes ta com sede,
mucosa seca, diminuição ou ausência de uor e diminui-
Via de regra, a correlação entre as manifestações cli- ção do rurgor cutân eo.
nicas e os níveis séricos de cálcio é baixa. Po r este, entre Como resul tado da depleção de áhrua causada pela desi-
outros moti\·os, o diagnóstico costuma ser difícil. O s sin- dratação celular e hiporensão, ocorre redução da reabsor-
tomas são inespecíficos e podem ser atribuídos a d ive rsas ção proximal de sódio, magnésio e potássio. T ais alterações
condições coexistentes. a prática clínica, observam-se podem comprometer a função renal quando não tratadas.
pacientes muito sinto máticos, co m pequenas elevações A nefrolitíase, por sua vez, é mais freqüente nos casos de
do cáJcio sérico, enquanto outros podem tolerar taxas de hiperparatireoidismo, pois estes cursam com hi percalciúria.
até 13mg'Y<,, sem apresentar quaisquer sinais o u sinto mas.
Entre as manifestações clínicas mai freqüentes
ÓSSEAS
de tacam-se:
t\ hipercalcemia de origem metas tática pode resulta r
de metásrases osteolíticas o u de reabsorção ó sea, media-
NEUROLÓGICAS da ho rmo nalmcnte, provocando fraturas patológicas,
ão as mais comuns e acometem de 40% a 80°A1dos de formidades e queléticas c dor.
pacientes. A hipercalcemia provoca diminuição de exci-
tabilidade neuromuscular, que se traduz por hipotonici-
Avaliação laboratorial
dade e debilidade muscular, incluindo a própria muscula-
tura respiratória (diminuição da capacidade vital funcio- No esrudo da hipercalcemia, algumas avaliações são
nal). São freqüentes alterações do sistema nervo o cen- impo rtantes:
tral, caracteri zadas por compro meti mento dos níveis de • concentração sérica de albumina c cálcio;

51
• Fundamentos em Clinica Cirúrgica

••
• concentrações de uréia, nitrogênio e creatinina no 12mg% e 14mg% (6-7mEq/ L ou 3,0-3,5mmoi/L) , as
sangue; manifestações clinicas deverão o rientar o tipo e a urgên-
• dosagem de parato rmônio; cia do
• dosagem d e 1,25 (O H2)D 3 no plasma; Em geral não se indica tratamento agressivo para
• dosagens de o utros eletrólitos (fósfo ro, magnésio, pacientes com hipercakemia leve (cálcio sérico total cor-
potássio e cákio); rigido inferior a 12mg% ou 6mEq/ L ou 3mmoi/L) .
• concentração total de cálcio corrigida para os níveis a hipercalcemia leve (cálcio sérico total corrigido
de albumina. inferior a 12mg%), a hidratação seguida da observação,
O s valores no rmais da calcemia (8,5 a 10,5mg%) são nos pacientes assi n tomáticos, constitui opção aceitável
os do cákio sérico total e não os da fração ionizada, que máxime nos pacientes com tumo r, com possibilidade de
é a biologicamente ativa. D essa forma, deve-se corrigir o resposta ao tratamento antineoplásico 0info m as, tumo-
nível de cálcio pelos n1veis de albumina no sangue, já qu e res de ovário, de ca beça e pescoço etc.) ou cirúrgico.
o laboratório fornece valores de calcemia total. a pre- Se a causa é o hiperpa ratireoidismo primário, o tra-
sença de hipoalbuminemia, o cálcio, que co m níveis nor- tamento cirúrg ico deve ser prog ramado o mais rápido
mais d e albumina esta ria ligado a ela, encontra-se livre. possível.
Para este cálculo, pode-se utilizar a seguinte fó rmula: A restrição à ingestão de cálcio bem como a correção
dos d istúrbios associados (hipo magnesemia, distúrbios
aJcio c:oaigido = [(albumina normal- albumina do paciente) li 0,8) ácido-há icos, ins uficiência renal e tc.) podem ser
+ 110111 de dlcio medido do paciente- neccssá rias.
O tratamento etiológico deve ser instituído, quando
Este valor é suficientemente preciso, exceto na pre- possível, independentemente da intensidade da
sença de níveis elevados de paraproteínas séricas (mielo- hipercalccmia.
ma múltiplo).
os pacientes sintomáticos, além das m edidas cita-
das, deve-se implementar tratamento hipocalcêmico para
Tratamento controlar os sintomas c estabilizar a condição metabólica
dos pacientes (ver adiante) .
PREVENÇÃO
a hipercalcemia moderada a grave (cálcio sérico
As medidas preventivas devem interessar, sobretudo, total corrigido entre 12 e 14mg%), a hidratação constitui
os pacientes com riscos reais de desen volver hipercalce- opção inicial essencial, mesmo sabendo-se que apenas
mia. Nestes casos, as principais medidas são:
30% dos pacientes tornam-se normocakêmicos com esta
• consumo adequado diário de líquidos e sal (na ausên- m edida isolada. E la visa restabelecer o líquido extracelu-
cia de contra-indicação);
lar restaurando o intravascular e a diurese sali na. Utiliza-
• controle de náuseas e vômitos; se injeção endovenosa de solução salina 0 ,9% e o vo lume
• suspensão de medicamentos que inibem a excreção total a ser infundido, em 24 horas, varia de acordo com
de cálcio urinário ou que diminuem o flu xo de sang ue o caso, oscilando entre 3.000ml a 6.000ml. A restauração
renal, bem como aqueles que contêm cálcio, vitami-
do extracelular incrementa a excreção urinária de cálcio
nas A e D o u o utros retinóides.
em 1OOmg a 300mg. Esta melhora é, qu ase sempre, tran-
sitória se a causa não é corrigida.
CONTROLE DA HIPERCALCEMIA O uso de diuréticos de alça (furosemida, bumetanida
A intensidade da hipercalcemia e a gravidade dos sin- o u ácido etacrínico) está indicado, pois induzem à hipercal-
tomas são os critérios usualmente utilizados para deter- ciúria ao inibirem a reabsorção de cálcio no ramo ascen-
minar se o tratamento está indicado . os pacientes com dente da alça de H enle' 9 • E les só devem ser administrados
concentração de cálcio sérico total corrigido su perio r a após expansão do extracelular, pois, caso contrário, pode
14mg% (ou maior que 7 5mEq/ L o u 3,Smmoi/L), indi- ocorrer desidratação, o que reduz ain da mais, a eliminação
ca-se tratamento hipocalcêmico de urgência, imediato e do cálcio. Estes diuréticos aumentam, de 400mg/dia a
agressivo. Nos pacientes cuja co ncentração oscila entre 800mg/dia, a excreção urinária de cálcio. A furosemida
deve ser administrada em d oses moderadas de 20mg a

52
•••
Capítulo OS .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

40mg, de 12/ 12 horas. Eventualmente, podem ser necessá- Doses elevadas e repetidas predispõem à rrombocito-
rias do e eJe,·adas (tratamento agre ivo) que atingem de penia, aumento das aminotransferases, nefrotox.icidade,
80mg a 1OOmg a cada quatro horas. Esta conduta requer hipo fosfatemia, reações cutâneas e estomatite.
administração concomitante de grande volumes de solu- O nitrato de gálio é uma droga antineoplásica com
ção salina 0,9% para prevenir hipovo lemia. São sinrações efeito hipocalcêmico. Ele atua interferindo na bo mba
que cx.igem mo nito ramento hemodillâmico intensivo, co m i a-KATPase dos osteoclastos.

medidas constantes do volume urinário e dosagens clctro- A dose recomendada é de 200mg/m 2 da superfície
liticas (fósfo ro, magnésio, potássio e sódio) freqüentes. corporal/dia, ad ministrados po r in fusão endovenosa
Os inibidores d a ressorção óssea (disfosfon atos, durante cinco dias. eu principal inco nveniente é a nefro-
calcitonina, plicamicina c nitrato de gálio) atuam dimi- toxicidade. Seu efeito é superio r ao do etidronato em
nuindo a atividade osteoclástica po r diferentes mecanis- relação ao percentual de pacientes que alcançam a no r-
mos c são usados como medidas adicionais. mocalcemia e a duração da mesma.
Os disfosfonatos (pamidronato, alendronato etc.)
são as drogas mais utilizadas e e feti vasz".2 1• Elas se unem O UTRAS MEDIDAS H IPOCALCEMIANTES
aos cristais de hidrox.iapati ta do osso m ineralizado, impe- I nclucm os glicocorticóides, fosfatos, diálise, inibido-
dindo a ressorção óssea. O pamidro na ro pode ser utili za- res da síntese de prosraglandina e cisplatina.
do na do e de 60mg a 90mg, po r via cndovenosa, em um Os g ücocorticóides são mais eficazes nos casos de
período de 24 ho ras. O inicio dos efeitos só aparece em hipercalcemia secundária a neoplasias que respondem aos
três a ((Uatro dias, ati ngi ndo o máximo em sete a dez d ias esteró ides Qinfomas, mieloma) o u a au mento de síntese
(após o início do trata mento). A duração do efeito pode ou consum o de vitamina O (sa rcoidose e hipervitamino-
persistir por sete a 30 dias. Recomenda-se dei.xa r passar se 0 ). Eles aumentam a excreção de cálcio urinário e ini-
um período de sete dias antes de voltar a administrar o bem a absorção gastroimestinal de cálcio mediada pela
medicamento para ava liação de resposta à dose inicial. vitamina O . A resposta é lenta, podendo demo rar até duas
A caJcitonina é um pepódeo sccretado pela ti reóide semanas para atingir o máximo. A dose diária é de I OOmg
e que tem e feito antagônico ao do parato rmônio, dimi- a 300mg de hidrocortisona ou um equj valente ".
nuindo a rcssorção óssea e a reabsorção de cálcio pelos O fosfatos constituem boa o pção para o tratamento
rins. dose inicial recomendada é de 4Uljkg/dia, fra- crônico por via oral. i\ dose diária é de t,Og a I,Sg de fós-
cionada a cada 12 horas. Esta dose deve ser p rogressiva- foro elementar, dividida em quatro administrações de
mente au mentada até alcançar 8 1/kg/dia, de 12/ 12 250mg a 375mg para minimizar o risco de hiperfosfatemia.
ho ras. Se a resposta a estas doses não for adequada, A administração endovenosa de fosfato produz dimi-
podem-se atingir doses de até 8UI/kg/dia, de 6/ 6 horas. nuição rápida da calcemia. Entretanto, é po uco utilizada
Esta droga pode ser administrada pelas vias intramuscu- po rque existem outras o pções mais seguras c eficazes
para tratar a hipercalcemia grave. Sabe-se que a adminis-
lar ou subcutânea, sendo bem to lerada. A eficácia é
tração rápida de fosfato pode cursar com co mplicações
moderada, o início do efeito é demorado e é especial-
graves, incluindo hipotensào, o ligúri a, insuficiência ven-
mente útil na hipercalcemia da imobilização, na qual os
tricular esquerda e mo rte repentina.
glicocorticóides são relativamente contra-indicados-.
O fosfaro está contra-indicado nos casos de no rmo
Via de regra, a duração do efeito vai diminui ndo com
ou hiperfosfatemia e na insuficiência renal. ua admjnis-
a manutenção do tratamento, mesmo q uando este atinge
tração po r via oral costuma não ser bem tolerada por
a dose máxima.
25% a 50% dos pacientes. Entre os efeitos adversos, a
A plicamicina (também chamada mi tramicina) é um diarréia é o mais com um.
inibido r de síntese de RNA dos osteoclastos. É adminis- A diálise é opção para a hipercalcemia que cursa com
trada, po r via endovenosa, em um a só dose de 25micro- insuficiência renal. A diálise perito neal com dialisado
gramas/ kg de peso, infundidos em bomba de infusão Livre de cálcio pode eliminar de 200mg a 2000mg de cál-
durante uma a oito ho ras. A resposta máx.ima é obtida cio em 24 a 48 ho ras, diminuindo a concentração sérica
em até 48 horas, podendo persistir por três a sete dias. A de 3mg/dL a 12mg/dL. A hemodjá(ise é igualmente efe-
taxa de resposta é de 75%. tiva. importante dosar o fosfato sérico uma vez que se

53
..

--------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Cllnica Cirúrgica

perde grande quantidade deste elemento durante a diáli- energia. Participa, também, do metabolismo do cálcio e
se e a perda do fosfato agrava a rupercalcernia. das reações do equilíbrio ácido-básico (tampão fos fato).
Os inibidores d a síntese d e prostagla ndinas, A acidez gástrica é importante para a sua absorção
representados pela aspirina e pelos antÜ n flamatórios que fica comprometida nos pacientes com hipocloridria
não-esteróides, podem ser úteis nos casos de hipercalce- (idosos) ou naqueles em uso crônico de antiácidos. A
mia induzida por câncer, urna vez que as prostaglandinas excreção do fósforo se dá pelas fezes e urina.
da série E medeiam a ressorção óssea. As de res- A vitamina O estimula a absorção intesti nal do fósfo-
posta, entretanto, são modestas e o uso clinico é restrito. ro, aumenta a sua reabsorção tubular proximal e faz o
A cisplatina, administrada na dose de 100mg/m2 de fósforo migrar do extra para o intracelu lar.
área de superfície corporal, po r via endovenosa, em um As principais fo ntes de fós foro são os alimentos ricos
período de 24 horas, promove normalização do cálcio em pro teínas, incluindo carnes, peixes, ovos, leite
sérico em 70% dos pacientes com tumores sólidos, por (900mg/L) e queijos (200 a 800mg/1 OOg). Os cereais,
legumes e frutas costumam ser respo nsáveis po r apenas
período médio de 34 clias.
30% do fósfo ro ingerido na dieta. As principais fontes
É possível gue, no futuro, o tratamento farmacológi-
vegetais são as ervilhas, feijões, espinafre, fo lhas de nabo,
co da hipercalcemia secundária ao câncer combine inibi-
couve, castanhas e nozes. Outras fo ntes incluem refrige-
dores osteod ásticos com terapia citotóxica ou endócrina.
rantes de co r escura e chocolate.

Distúrbios do fósforo Hipofosfatemia


O fósforo está presente no organismo quase gue exclu- É considerada quando a concentração do fos fato séri-
sivamente sob a forma de fosfato. Constitui o sexto ele- co é inferio r a 2,5mg% ou 0,8mE q/ L e se aco mpanha de
mento mais abundante do corpo, predomina nos ossos e é aumento da excreção urinária de cálcio, magnésio e
o principal ânion intracelular. Sua concentração citoplas- potássio. ão é entidade rara, sendo enco ntrada em inú-
mática oscila em torno de 1OOmEq/L. Um homem no r- meras situações.
mal, pesando 70kg, contém de 700g a 800g de fósforo dos
quais 80% estão nos ossos, e, os 20% restantes, nos mús-
culos, figado, colágeno e demais tecidos:u.n. Causas
A concentração sérica de fósforo inorgânico, no ad ul- As formas mais graves (fósforo < 1,Omg%) são obser-
to normal, varia de 2,5mg% a 4,5mg% (0,8 a 1,SmEg/ L). vadas, com maior freqüência, em alcoolistas crô nicos, na
a criança, a concentração sérica é mais elevada, oscilan- fase de recuperação da cetoacidose cliabética, na alimen-
do entre 4,0mg% e 7,0mg% (1,3 a 2,3 mEq/ L). Mais da tação parenteral prolongada, nos desnutridos (no perío-
metade do fósfo ro encontra-se na forma io nizada. Do do de realimentação), nas doenças degenerativas da idade
restan te, 37% formam complexo com cálcio, sóclio e e no envel hecimento. De acordo com o mecanismo de
magnésio, e 5% a 10% com as proteínas plasmáticas . O produção, as principais causas incluem:
fósforo extracelular representa apenas 1% do fósforo • redistribuição do fos fato para o compartimento intra-
total do organismo e não reflete a reserva corpo ral total celular (administração de glicose, alcalose respirató ria,
do elemento. Assim como acontece com o potássio , o insulina, quei madura grave etc.);
fosfato sérico pode variar até 2,0mg% po r clia, por causa • perda renal de fos fato (cetoacidose não-tratada, hipo-
do seu movimento para dentro (alcalose respirató ria) ou calemia, hipomagnesemia, di uréticos, co rticóides,
para fora das células (acidose). déficit de vitamina D , alcalose metabólica, hiperpara-
O fósforo está intimamente envolvido no metabolis- tireoiclismo, tubulopatia etc.);
mo energético, sendo também utilizado como importan- • diminuição da absorção ou aumento da excreção
te componente para fo rmar moléculas inclispensáveis intestinal (vômitos, cliarréia, síndrome da má absor-
como o O A. Ele faz parte da principal molécula do ção, déficit de vitamina D etc.);
organismo, o trifosfato de adenosina (ATP), moeda de • o utras (alcoolismo, intoxicação por salicilato, desnu-
troca de todas as reações bioquímicas dependentes de trição, septicemia, hemodiálise crônica, Cushing etc.) .

54
Capítulo OS .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

••
Manifestações clínicas sofrer variações rápidas por redistribuição compartimen-
tal2•.n. Alguns princípios devem ser obedecidos, a saber:
Surgem, via de regra, quando os túveis sencos são
• nas formas graves (P< 1mg%), o tratamento deve ser
inferiores a 1,Omg% . A maioria delas é causada pela
imediata e por via endovenosa, principalmente na
depleção de ATP o u por hipó xia tecidual pro vocada pela
vigência de manifestações neurológicas. A dose inicial
diminuição da concentração de 2-3difos foglicerato
deve ser de 2,Smg/kg (0,08mEq/kg) de peso nos
(DPG) nas hemácias, provocando aumento da afinidade
casos agudos e Smg/kg (0, 16mE q/ kg) de peso nos
da hemoglobina pelo oxigênio.
As principais manifestações incluem mal-estar geral, casos crônicos. Na vigência de hipocalcemia, a dose
astenia, anorexia, náuseas e vômitos. São freqüentes as inicial deve ser redu zida pela metade. O tempo de
manifestações inerentes à encefalop atia m etabólica, infusão gira em torno de seis ho ras. Imediatamente
caracterizadas por irritabilidade, confusão mental, obnu- após, deve-se dosar o fos fato sérico ajustando-se a
bilação, co nvulsão e coma. Podem ser também observa- dose de acordo co m o novo valor e o estado cli nico
das disartria, nistagmo, vertigem, ataxia, prose palpebral, do paciente. Recomenda-se não ultrapassa r 7,5mg/kg
anisocoria, crise convulsiva e coma. (0,25mEq/ kg) po r dose;
O acometimento do sistema nervoso periférico • lemb rar-se de tratar a hipocalemia e a hipomagnese-
mani festa-se por parestesia distai e perio ral, arretlexia, mia, freqüentemente coexistentes;
tremores, balismo c paralisia ascendente. • prescrever regularmente suplementos de fós foro nas
Manifestações musculares costumam ser impor- situações clínicas em que é freqüente o aparecimento da
tantes, incluindo fraqueza generalizada, mialgia, rabdo- hipo fos fatemia (alcoolismo, cetoacidose diabética, uso
miólise, mioglobinúria e aumento de CPK. Diminuição de antiácidos, realimentação etc.). Na nutrição parente-
do volume sistólico, insuficiência cardíaca, bloqueio AV tal, recomenda-se administrar de 20mEq a 25mE q de
e diminuição da fração de ejeção podem ser observados. fosfatO de potássio por 1.000Kcal não-protéica24.n;
Em relação ao sistema respiratório, merecem desta- • nas formas moderadas (1mg% a 2mg%) utilizar, sem-
que a diminuição da capacidade vital (determinada pela pre que possível, reposição por via o ral ou cateter
fraqueza muscular) e da liberação do 0 2 pela hemoglobi- nasogástrico na dose diária de l g a 2g de fósforo
na, insuficiência respirató ria aguda e dificuldade de des- (dividida em três a quatro vezes ao dia). A diarréia é o
mame do respirador artificial. efeito colateral mais freqüente;
D o ponto de vista hematológico podem ser obser- • na insuficiência renal crônica, o fósforo deve ser
vadas hemólise, diminuição da atividade leucocitária e administrado com cautela, uma vez que a hiperfosfa-
trombociropenia. Casos crônicos e graves costumam temia acelera a deterioração da função renal.
deterio rar a função hepática. Oco rrem perdas renais de
cálcio, magnésio, potássio, fosfato, glicose, ácido úrico e O s efeitOs colaterais mais importantes da reposição
bicarbo nato. Esta última desencadeia acidose metabólica do fósforo incluem hiperfos fatemia, hipocalcemia, hiper-
nas formas crônicas. calemia (sais contendo po tássio), desidratação, hipoten-
E m relação ao sistema esquelético, que constitui a são e hipernatremia (diurese osmótica) .
principal localização do fós foro, as mani festações mais Para fins práticos, lembrar que:
expressivas incluem rigidez articular, dor óssea, pseudo- • 1m Eq de fosfato contém 31 mg de fósforo elementar
fraturas, osteopo rose e osteomalácia. (0,032mEq = 1 mg);
As principais alterações e ndócrino-metabólicas • Fosfato de potássio - 1 ampola = 10rnl = 20mEq de
estão relacionadas com o hipoparatireoidismo, resistên - fos fato = 625mg de fósfo ro elemen tar;
cia à insulina, inrolerância à glicose e acidosc láctica. • Fosfato de sódio a 27,6% = 4mE q/ ml de fosfato;
• Leite desnatado= 1g de cálcio+ l g de fósforo por litro.

Tratamento
Hiperfosfatemia
Para tratar o paciente com hipofosfatemia deve-se ter
sempre em mente que a reserva corporal total do fósforo É considerada quando os niveis séricos ultrapassam
pode estar normal e que a concentração sérica costuma 4,5mg% ou 1,SmE q/ L.

55
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Causas visível) ou infusão de solução salina 0,9% , associada ao
bicarbonato (risco de piorar a rupocalcernia). Outra opção
a ausência d e insuficiência re nal, a principal causa é
é administrar glicose com insulina, o bedecendo-se ao
o hipoparatireoidismo. A hiperfosfatemia acarreta riscos mesmo esquema utilizado para tratar a hipercalemia.
para o paciente pela possibilidade de rupocalcemia aguda a vigência de insuficiência renal, pode ser necessária
e calei fi cação extra-esquelética23• a diálise perironeal o u a hemodiálise.
As principais causas e mecanismos incluem: a insuficiência renal crô nica, a hiperfos fatemia crô-
• aumento da o ferta exógena (admjnistração de fosfato nica pode ser controlada por restrição de fósfo ro na dieta
pelas vias endo venosa e oral, jleel enema, transfusão e administração de antiácido contendo cálcio. Este age
de sangue estocado, aumento de absorção por exces- reduzindo a absorção intestinal de fosfato.
so de vitamina O); o hipoparatireoidismo , indica-se a vi tamina O ou
• aumento de oferta endógena (trauma com rabdomió- seus metabóli tos.
lise, queimad ura, isquemia tecidual, acidose etc.); r a hiperfosfatemia, por aumento da o ferta endógena,
• diminuição de excreção renal (insuficiência renal e a opção é associar algumas das medidas já descritas,
hipoparatireoidismo, hipertireoidismo, excesso de a saber:
necrose tumoral etc.). • injeção endovenosa de cálcio;
• administração de medicamento que aumenta a excre-
ção uri nária do fósforo;
Mani festações clínicas
• injeção de glicose com
Na maio ria dos casos agudos, as manifestações clini- • diálise (casos especiais).
cas são pobres. Nos pacientes submetidos a diálise, quan-
do a concentração sérica de fosfato encontra-se elevada,
costuma ocorrer hipocalcernia. E sta, por sua vez, estimu- Distúrbios do magnésio
la a produção de paratormô nio pelas paratireóides,
A maio r parte do magnésio encontra-se nos ossos.
aumentando a concentração sérica do cálcio po r meio de Ele é considerado tão ou mais importante do que o cál-
sua mobilização dos ossos. Tal mobilização acarreta, nos cio para evitar e reverter a osteoporose. O magnésio par-
casos crônicos, enfraquecimento ósseo, res ultando em
ticipa de inúmeras reações bioquimicas no o rganismo,
dor e fraturas, m esmo após pequenos traumas. sendo vital para a atividade enzi mática. este aspecto,
O cálcio e o fosfato podem cristalizar-se nas paredes sabe-se que ele é essencial em mais de 300 reações enzi-
dos vasos sangüíneos do coração, causando enrijecimento máticas, incluindo transporte iô nico transmembrana de
grave das artérias com suas co nseqüências (acidente vascu- cálcio, sódio, clo retos e potássio, m etabolismo do ATP ,
lar encefálico, infarto do miocárdio, má-circulação etc.). Os
utilização de carboidratos e síntese de gorduras, proteí-
cristais na pele costumam causar prurido intenso22• nas e ácidos nucléicos. Ele está também envolvido na
O aumento rápido do fosfato sérico, po r sua vez, formação ele ossos e dentes, no funcionamento do siste-
pode provoca r hipocalcemia com tetania o u convulsões. ma nervoso e dos músculos (é essencial na transmissão
neuroquimica e na excitabilidade muscular, funções celu-
Tratamento lares básicas em ó rgãos como cérebro e coração). A pro-
po rção de absorção do magnésio varia entre 35% e 45% .
os casos graves e agudos, que evoluem com hipo- E le pode ser encontrado em vegetais fo lhosos, cereais,
calcernia si nto mática, está indicada a admini stração carnes, g rãos, frutos do mar e sementes . As necessidades
endovenosa de gluconato de cálcioz.' . di árias variam de 30mg/dia em lactentes até 420mg/clia
Na ausência de insuficiência renal, a hiperfosfaternia em adultos, do sexo masculino (Quadro 5.2). Em média,
geralmente se resolve em seis a 12 horas, desde que a as necessidades diárias oscilam em rorno de 350mg/dia.
administração exógena seja interrompida. O teor de magnésio em alguns alimentos está especi-
Algumas drogas aumentam a excreção urinária de fos- ficado no Quadro 5.3.
fato. As principais são acetazolamida ( l 5mg/kg, de quatro Os niveis séricos do magnésio variam numa faixa estrei-
em quatro ho ras), diuréticos, probenecid (resposta impre- ta entre 1,6mEq/L a 2,5mEq/L. A reposição, por via intra-

56
•••
Capítulo 05 .: Controle hidroeletrolítico do paciente cirúrgico

venosa, deve oscilar em torno de 5mg/kg a 15mg/kg de Causas


peso corporal/ dia. O M!f+ extracelular predomina na
L\ s principais causas incluem:
forma livre ionizada (55%), enquanto 33% estão ligados a
proteinas e 12% formam complexos com outros • estados hipercatabólicos (pós-operatório de grandes
operações, rraumatismos, infecções graves, queima-
Quadro 5.2 .: 1 ecessidadcs diárias de m agnésio de acordo com a
duras etc.);
a fa ixa etária c o sexo (extraído c modificado de Dictary Rcfc rcncc • má-absorção (intestino curto, fisrulas digestivas, ope-
lntakc Tablc, Food and utrition Board, !':acionai Acadcmy of rações de f?ypass, doença intestinal inflamatória, diar-
Scicnce 2002) réia prolongada);
•• • apo rte nutricional insuficiente (alcoolismo, hidrata-
Faixa etária mg/dia •
<6 meses 30
ção ,-enosa sem magné io, dietas com ingestão insufi-
Lactemes
7 a 12 meses 75 ciente);
Crianças 1 a 3 anos 80 • disfunção tubular de causa metabó lica (acidosc, dia-
4 a 8 anos 130 betes descompensado, hipocalemia, hipofosfatemia);
Uomens 9 a 13 anos 240 • disfunção rubular induzida por medicamentos (diuréti-
acima de 14 anos 400 a 420
cos, anfotericina B, aminoglicosídeos, cisplatina etc.);
1\lulhcres 9a 13anos 240
14 a -o anos 3 10 a 360 • distúrbios endócrinos (hipcraldosteronismo, hipcrti-
(inclusive na gra,·i- rcoidismo, hiperparatireoidismo etc.).
de/ c lactação)

••
Manifestações clínicas

Quadro 5 .3 .; Teor de m agnésio de diferentes ali men tos ( I UUg) As principais manifestações clinicas são decorrentes
•• de alterações da função ele membrana celular e se relacio-
Alimento mg/ IOOg • nam principalmente com os sistemas nervoso central e
Grão de bico 560 neuromuscular e com o coração. Muitas destas manifes-
Gem1e de trigo 346 tações se confundem com as observadas em outros dis-
Grão de soja 245 tú rbios cletrolíticos, principalmente com o polássio.
,\ vclà 205 Elas incluem:
205 Sistema nervoso central : comprometimentO da
Grã o de trigo 205 memória e da capacidade de concentração, confusão
Milho 160 mental, alucinações, apatia e depressão, sono lência e alte-
i"o7CS 130 rações da personalidade.
Figo 96 Distúrbios neuro muscuJa res: caracterizados po r
Lentilha 90 câimbras, fraq ueza muscular, fasciculações, tremores,
Espinafre e tâmara 65
ataxia, tetania, nistagn1o, mioclonia c convulsões.
Carne de porco 50
M a nifestações cardiovascula res: incl uindo tendên-

•• cia à intoxicação digitálica, alterações elerrocardiográficas
(achatamento da onda T e infradesni velamento do seg-
O s distúrbios do magnésio sérico estão relacionados mento ST) e predisposição às arri tmias.
com a sua diminuição (hipomahrnesemia) ou aumento
(hipermagnesemia). Tratamento
Pode ser administrado pelas vias oral o u parenteral.
Hipomagnesemia Alguns aspectos importantes devem ser levados em
consideração, a saber:
quando os níveis séricos são inferiores
a 1,6mEq/ L. • determinar a etiologia e, quando possível, tratar a causa
e/ou a doença de base (corrigi r aporte insuficiente,

57

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

distúrbios endócrinos, disfunções tubulares etc.). Outra causa é a iatrogênica, por administração exage-
Orientar-se pelos dados clínicos e laboratoriais, rada de compostos contendo magnésio.
incluindo dosagem urinária do magnésio/ 24 horas
(excreção deve ser inferior a 2mEq/dia);
Manifestações clínicas
• sempre que possível, repor o magnésio pela via o ral,
incluindo alimentos ricos em magnésio. Medica- A hipermagnesemia afeta fundamentalmente os siste-
mentos como leite de magnésio e sulfato de magnésio mas nervoso e Os sintomas resultam de
costumam ser inadequados, pois são pouco absorvi- compro metimento da transmissão neuromuscular e cos-
dos e costumam provocar diarréia. Uma boa opção é tumam aparecer quando os níveis de magnésio ultrapas-
a administração do magnésio quelado (a quelação é o sam 4mEqjL. As manifestações são va riáveis e guardam
processo pelo qual minerais se transformam em fo r- relação com os níveis séricos do eletrólito. Quando os
mas digeríveis; sabe-se que os minerais geralmente níveis séricos estão entre 3mEqjL e 6mE qjL, p redomi-
não são quelados, precisando ser processados digesti - na a vasodilatação periférica com conseqüente hipoten-
vamente para formar os quelatos antes de serem utili- são, náuseas e vômitos.
zados pelo organismo). Po r ser um composto orgâni- Níveis séricos iguais ou superio res a 6mEqjL acom-
co, o magnésio quelado apresenta boa biodisponibili- panham-se de desaparecimento dos reAexos tendinosos
dade e tolerância, sendo absorvido por transpo rte profundos, sonolência, confusão e letargia.
ativo, sem depender de moléculas transportadoras no Quando estes níveis se aproximam de I OmEq/ L
sítio absortivo intestinal. Sua utilização garante tera- (casos raros), ocorrem paralisia muscular, depressão res-
pêutica realmente efetiva e segura; pirató ria e narcose.
• a reposição pela via parenteral (endovenosa) está indi- As m anifestações eletrocardiográficas incl uem
cada nos pacientes com impedimento da via oral, aumento do intervalo PR, alargamento de QT, QRS
concentração de magnésio muito baixa (inferior a amplo e bloqueio cardiaco. Com níveis séricos próximos
1mE q/ L) ou nos casos sintomáticos. A dose inicial a 14mEqjL, a parada cardiaca é a regra.
recomendada é de 10m1 de MgS04 a 50% em solução
glicosada a 5% para ser infundida em 4 horas. Esta
dose pode ser repetida nas 18 ho ras restantes do dia.
Tratamento
A via intramuscular deve ser evitada por ser muito Nos pacientes com insuficiência renal está indicada
dolorosa e promover reação fibrótica no local. diálise, utilizando-se dializado sem magnésio. Caso con-
trário, o u na vigência da insuficiência renal leve, algumas
medidas são recomendadas, a saber:
Hipermagnesemia
• expansão do volume circulante com solução salina
É considerada quando os níveis séricos do magnésio 0,9% para favo recer a excreção urinária de magnésio;
ultrapassam a 2,5mEqjL. • furosemida (0,5 a 1mg/kg endovenosa) aumenta a
excreção de magnésio em pacientes com função renal
adequada;
Causas
• injeção endovenosa lenta de clo reto de cálcio 10%
Constitui condição clinica pouco co mum e está, (Sml) ou de gluconato de cálcio 10% (1Oml). Esta
geralmente, associada à utilização de sais de magnésio ou injeção pode ser repetida se os sinto mas não regredi-
medicamentos contendo magnésio (antiácidos, laxativos) rem. O cálcio antagoniza os efeitos neu romusculares
em pacientes com insuficiência renal. Sabe-se que a regu- de hipermagnesemia potencialmente fatai s;
lação da concentração sérica de magnésio se efetua prin- • diálise perito neal (níveis de magnésio > 8mEq/ L ou
cipalmente pelo rim. presença de sintomas graves).

58
•••
Capítulo 05 .: C o ntrole hidroeletrolítico do paciente ci rúrgico

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59
06
CONTROLE
, ,
ACIDO-BASICO
DO PACIENTE CIRÚRGICO
•• •
Paulo Roberto Savassi Rocha

Introdução Acido = H· + base

Para que as células possam exercer, de fo rma adequa-


O ácido e a base de uma semi-reação são chamados de
da, sua função no organismo, é fundamental que a con -
pares conjugados. Prótons (H') livres não existem em
centração de íons hidrogênio (H") nos liquidas o rgânicos
solução. É necessário existir um acei tador de prótons
se mantenha dentro de estreitos Limites de va riação. Sabe-
(uma ba e) antes que um doador libere seu próton, ou
se gue as diferentes enzimas têm seu ótimo funcion:l-
seja, deve haver combinação de duas semj-reações '.
memo em determinado pH. Desvios na concentração de
Fica ev-idente, po rtanto, que uma substância não pode
H. podem ocorrer em diferentes situações clinicas e são
atuar como ácido, a menos que uma base esteja presente
causa de distúrbio de graus variáveis de gravidade. Em
para aceitar os prótons. Desse modo, ácidos sofrerão
situaçôes extremas, esses distúrbios podem determinar,
inclusive, a morte do indivíduo. completa o u parcial ionização em solventes básicos como
O metabolismo celular produz, continuamente, ácido l l20, N H3 líqwda ou etano!, dependendo da basicidade
que são lançados nos liquidas imra e exrracel ular, tenden- do solvente e da fo rça do ácido. Em solventes neutros, a
do a modificar a concentração dos li ', cuja manutenção, ioni zação é in ignificante, independentemente do ácido.
dentro da fruxa ótima para o metabolismo celular, depen- Os ácidos podem ser elas sificados em dois grupos:
de da eliminação do ácido carbônico pelos pulmões, de ácidos fortes e ácidos fracos. 1 a verdade, existem grada-
H• pelos rins e da atuação dos sistemas tampões. ções entre um ácido forte (ácido clorídrico) e outro carac-
O modo como o organismo regula e mantém o equilí- teristicamente fraco (ácido acérico). O ácido forte é con-
brio ácido-básico é de fundamental importância para a ceituado como o que é completa ou quase completamen-
compreensão das al terações desse equilibrio no interior das te ioni zado em solução aquosa. O ácido fraco, por outro
células, no liqwdo intersticial e no sangue (intravascular)'. lado, ioniza-se apenas levemente. Existe uma gradação
contínua desde ácidos guase completamente não-disso-
ciados, como o HC . Em algumas circunstâncias, deter-
Conceito de ácido e base
minado ácido (Hl0 3, p. ex.) pode ser fraco em soluções
Os ácidos são definidos como ubstâncias que podem concentradas, mas forre em soluçõe diluidas 1.
doar próto n(s) para outra, enquanto as bases são definidas As bases, assim como os ácidos, podem também ser
como substâncias guc podem aceita r próton(s) de outra. classificadas em ba es fo rtes c fracas (Quadro 6.1).
E m resumo, o ácido é um doador de prótons c a base é Exemplos de ácido fraco são os ácidos acético e bóri-
um receptor de prórons de Bronstcd-Lowrr, co, enquanto o hidróxido de amônio constitui exemplo
1923r Assim podemos escrever a "semi-reação": de base fraca.

61
..

-----------------------------------------------------------------------
Fundamentos em C línica Ci r úrgica

A água, por sua vez, é uma substância anfipró tica, ácido, nem base e serve de comparação para as demais
pois pode se comportar como ácido ou base, segundo o soluções.
co nceito de Bronsted e Lowrf. A escala de pH vai de O a 14. Quando o pH é igual a
7, as concentrações de H + e O H-, conforme fo i relatado,
Quadro 6. I .: Principais ácidos e bases fortes são iguais e a solução é considerada neutra4•5• U m valor de
pH acima de 7 indica que a concentração de íons O H- é
Ácidos

Bases maior de que a de íons H• e a solução é considerada alca-
HCI NaOH lina. Quando o pH é abaixo de 7, ocorre o fenômeno
H Br KOH inverso e a solução é considerada ácida3 •
A mudança de uma unidade na escala de pH repre-
HI RbOH
senta mudança de dez vezes a da concentração anterior.
IJ OJ CSOI I Jsso significa que o pH 2 é dez vezes mais ácido que o
H CIO Sr(OHh pH 3, e que o pH 1 é 100 vezes mais ácido que o pH 3.
Ba(O i-1) 2 Os fluidos corporais devem manter equilíbrio cons-
tante de ácidos e bases, pois as reações químicas que têm
Ca(OHh
lugar nos sistemas vivos são muito sensíveis mesmo a
Mg(Ollh
pequenas alterações do pH do meio. Qualquer modifica-
ção n as concentrações fisio lógicas de 1-[• ou O H- pode

··-------------------------------------------- afetar seriamente a função celular.
Como foi assinalado, os desvios na concentração de
Conceito de pH H • ocorrem em diferentes situações clinicas, podendo
determinar distúrbios de gravidade variada. É importan-
Como os ácidos se ionizam em íon hidrogênio (H .) te, por esse motivo, determinar a concentração de H+ na
e as bases em íons hidrox.ila (OH ) , conclui-se que a aci- prática médica. E mbora o pl-1 seja, teoricamente, apenas
dez e a alcalinidade de uma solução dependem, respecti- uma medida da atividade de H+, e não da sua concentra-
vamente, da concentração de íons .1-1• e O H . Isso signi- ção rota!, pode-se considerar, do ponto de vis ta clínico,
fica que quanto mais íons H+ existirem em uma solução, os dois termos como inclistintos6 .
mais ácida ela será. Por outro lado, quanto mais íons
OH-, mais alcalina ela será. O termo pH é usado para
descrever o grau de acidez ou alcalinidade de uma solu- Homeostase ácido-básica no organismo
ção. E le significa potência de hidrogênio e fo i criado para
Quando se adicio na ácido ou base à água, mesmo em
simplificar a medida da concentração de H • na água e nas
pequenas quantidades, o pH ela solução se altera rapida-
soluções. A água é a substância padrão usada como refe-
mente. Por outro lado, quando se adiciona ácido ou base
rência para expressar o grau de acidez ou de alcalinidade
ao plasma sangüíneo, observa-se que há necessidade de
das demais substâncias. E la se dissocia em quantidade
quantidades muito maio res de um o u de outro para que
muito pequena em H• e O.H.- e é considerada como líqui-
se produzam alterações no pH. ]sso quer dizer que o
do neutro por ser o que menos se dissocia ou ion.iza. Para
organismo possui mecanismos de defesa contra varia-
cada molécula de água dissociada existem 10.000.000 de
ções bruscas o u significativas do pH. Esses mecanismos
moléculas não-dissociadas. Assim sendo, a concentração
são classificados em três tipos:
de J-1+ na água é de 1/ 10.000.000 ou 0,0000001 ou 1/10-7 .
Para evitar a utilização de frações exponenciais negativas • mecanismo qui mico (representado pelos sistemas
foi criada a denominação pH que representa o inverso do tampão);
• mecanismo respiratório ;
logaritmo da atividade do 1-1•. Po rtanto, o pH de uma
• mecanismo renal.
solução representa o inverso de sua concentração em H ' .
Os líquidos orgâ nicos são co nstituidos de água, con-
a água, a concentração de 1-r é de 10-7 e a de O H- é de
tendo grande quantidade de solutos de di versas caracte-
10-7. Sendo assim, o pH da água é igual a sete (conside-
rísticas quirnicas e iônicas. O sangue arterial é a solução
rado neutro). Isso equi vale dizer que a água não é nem
o rgânica padrão para avaliação do pH. O pH fisiológico

62
Capít ulo 06 .: Controle ácido-básico do paciente cir úrgico •
••
do sangue varia de 7,35 a 7,45 (alcalino em relação à água). as hemácias, os principais sistemas tampão são
No sangue arterial seu valor se situa na porção mais alcali- bicarbonato, hemoglobina, fosfato e oxihemoglobina.
na, isto é, entre 7,40 a 7,45 (Figura 6.1) 4.5. Esses sistemas evitam grandes alterações do pH d os
líquidos bio lógicos quando, nestes últimos, são adiciona-
------------------------------------------··• dos ácidos o u bases. D o po nto de vista quantitativo, o
pH do Sangue
tampão bicarbo nato é o mais impo rtante do o rganismo.
6,85 7,40 7,95
Po r meio dele, é possível determinar o p H do m eio pela
equação de Henderson-HasselbaJch:

pH = pK + (BHC03)
(HHC03)


··------------------------------------------ O valo r de pK é de 6,1 e é determinado, experimen-
talmente, m edindo-se o pH da solução quando as co n-
Figura 6.1 .: Faixa do p H do sangue (7,35 - 7,45) e as suas principais
alterações centrações de BH C03 e HHC0 3 são ig uais. lessas con-
dições, temos pH = pK + log I . Como log 1 = O temos
Valores do pH sangüíneo abaixo de 7,35 significam p H = pK.
acidose e acima de 7,45 significam alcalose. O s valores A concentração fisio lógica de BHC03 no plasma é de
extremos do pH compatíveis com a vida são de 6,85 (aci- 24mEq/ L, enquanto a de H HC03 é de 1 ,2mEq/ L.
dose) e 7,95 (alcalose). Valores abaixo de 6,85 e acima de A concentração de ácido carbônico (H 2C0 3) no san-
7,95 são incompatíveis com a função celular e provocam gue em mEq/ L é calculada multiplicando-se o valor de
dano irreversível das células (morte celular). pC0 2 (mmHg) por 0,03 (valor o btido a partir da cons-
O p H intracelular, por sua vez, é mais baixo que o do tante de dissolução do 0 2 no plasma). Como o valo r
plasma, como resultado da atividade celular que gera, no rmal de pC02 = 40mmHg, temos:
permanentemente, subprodutos ácid os provenientes das
reações quimicas que se processam no interior das célu- HHC0 1= 40 x 0,03 - HHC0 1= 1,2mEq/L
las. O pH intracelular gira em torno de 6,9 nas células
A relação entre as duas é de 20/ 1.
musculares, podendo alcançar 6,4 após exercício físico.
As células dos tecidos com maio r atividade m etabólica Conhecidos esse valores, podemos calcular o valor de pH:
têm pH levemente ácido em relação ao pH do sa ngue1' .
pH =pK + 24 - pH =6,1 + Jog 20
1,2
Mecanismos reguladores - pH = 6,1 + = 7,4

Sistemas tampão
Po rtanto, o p H está na dependência da relação bicar-
Os tampões são substâncias capazes de doar o u de bonato/ ácido carbônico que é, normalmente, de 20 para
absorver H +, corrigindo ou atenuando desvios do pH. 1. Quando essas concen trações se alteram proporcio nal-
Atuam quase que instantaneamente e, no o rganismo , são mente, m antendo-se a relação 20/ 1, não ocorre alteração
constiruidos de soluções de um ácido fraco e do sal deste do pH. Po r outro lado, quando a relação é maio r do que
ácido com uma base forte. Os ácidos fortes não são tam- 20 (seja por aumento do bicarbonato, seja por diminui-
pões eficientes, po is se dissociam, isto é, não retêm l i' ção de ácido carbônico) , o pl l se eleva. Quando o bicar-
mesmo quando o pH é ácido. bonato diminui ou o ácido carbô nico aumenta, ocorre
Os principais tampões existentes no plasma são bicar- d iminuição da relação 20/ 1 c o pH diminui.
bonato, fosfato e proteína. Alteração primária do numerado r da equação (bicar-
bonaro - componente metabólico) relaciona-se com dis-
H2P04 H. Proteúu
túrbios metabó licos (alcalose ou acidosc nos casos de
8 2HPO• 8 . Pmieina
aumento o u diminuição, respectivamente) .
onde B representa um cátion.

63
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Alteração primana do denomjnador da equação O centro resp iratório é mujto sensível às variações da
(pC02- componente respiratório) relaciona-se com dis- pC0 2 no sangue. Excesso de pC02 exerce estímulo
túrbios respiratórios (acidose ou alcalose nos casos de sobre o centro respira tório, que respo nde aumentando a
aumento ou climinwção, respectivamente). Os sistemas ventilação pulmonar e vice-versa. Os qwmjorreceptores
tampão somente moruficam primariamente o compo- no arco aórtico e seio carotídeo, por sua vez, são sens í-
nente metabólico. veis às variações de pH, p02 e pC02 do sangue.
A equação de Henderson-Hasselbalch foi simplifica- Em relação ao pH, a variação míruma capaz de esti-
da por Kassirer-Bleich de modo a relacionar 1-1• (em vez mular os qwrruorreceptores é de O,1U de pH para ambos
de pH) com pC0 2 e HC03- , resultando em expressão de os lados (ácido e alcalino). Essa sensibilidade explica a
grande utilidade clíruca6 . hiperventilação (respiração de Kussmaul) o bservada nas
acidoses majs graves.
Em relação à p0 2 , concentl"ações fisio lógicas ou
aumentadas não exercem estímulo. A hipoxemia, entre-
tanto, determina ruperventilação.
Essa equação teria as seguintes vantagens"': A pC02, po r sua vez, age sobre os quimio rreceptores da
• enfatizar a jnterdependência dos tl"ês componentes mesma maneira que sobre o centro respiratório. Entretanto,
da equação de Henderson -H asselbalch; os quimiorreceptores são 100 vezes mrus sensíveis.
• permitir rápido cálculo de H •, pC0 2 e HC03- logo As respostas respiratórias clássicas, como mecanismo
que dois componentes da equação sejam conhecidos; de regulação do equjlíbrio ácido- básico, são:
• ressaJrar que a acidez do sangue é determinada pela
rusporubilidade relativa de ácido e base representa- bradipnéia na alcalose
dos pelas concentl"ações plasmáticas de HC03- e taquipnéia na acidose
pC02 (relação C02/'H C03- )c não pelos valores
absolutos de cada um desses componentes isolados.
Por outl"o lado, as aJterações na ventilação pulmo nar
E ste conceito rem grande importância prática, pois
HC03- e o C02 total, analisados de modo isolado, acarretam modificações nesse equi.librio (rustúrbios res-
são incapazes de representar o real estado ácido- piratórios), que estão demonstradas na F igu ra 6.2.
básico, cuja avaliação deve ser apoiada no conheci-
mento dos valores desses três componentes.
--------------------------------------------··
Mecanismos de compensação pelos pulmões e rins

Os mecanismos de compensação respiratória e renal,


em comparação aos sistemas tampão, começam a atuar
mais lentamente, mas são mais eficazes em restabelecer o
pH fisiológico. O sistema respiratório constitui a defesa
compensadora nos distúrbios m etabólicos, enquanto os
rins têm função semelhante nos distúrbios respiratórios.

Mecanismos respiratórios

O ácido carbônico é produzido em grande quantida- > pll < p t-1


de no organismo e é eliminado pelos pulmões sob a
forma de C02 (gás). r
A concentração de C0 2 no sangue é mantida pela L___ '_"_ca_lo_s_e_re_s_ri_ra_to_
· r_ia__ IL____
A_ci_d_os_e_r_es_p_ir_ar_ó_ria__
ventilação pulmonar que, por sua vez, é regulada pelo •
centro respiratório buJbar e pelos qwmiorreceptores ··--------------------------------------------
Figura 6.2 .: do equilíbrio ácido-básico na dependên-
localizados no arco aórtico e no seio carotídeo. cia das alrerações na ,·cncilação pulmonar (distúrbios respirarórios)

64
Capítulo 06 .: Controle ácido-básico do paciente cirúrgico •
••
M ecanismos renais do bicarbonato (no interior daguelas célula ) gue retoma
ao sangue.
Os produtos do metabolismo gue se formam conti- Esse processo se perpetua até que o pH na luz dos
nuamente no organismo são predo minantemente ácidos. túbulos (urina) atinja 4,4. r esse ponto, desaparece o gra-
Os ácidos não-voláteis são neutralizados pelos sistemas diente de concentração de íons H+ entre as células e a luz
tampão gue, nesta função, são permanentemente espolia- dos túbulos, interrompendo o processo5 .
dos de suas bases fixas. Essa espoliação, entretanto, é
impedida e/ou atenuada pelos rins que exercem a impor-
tante função de devolver aos sistemas tampão as bases PRODUÇÃO DE AMÓNIA

cedidas para neutralização dos ácidos. O s rins, entretanto, A glutaminase e as amino-oxidases, também atuando
têm capacidade limitada de exercer este tipo de compensa- no interior das células dos túbulos distais, agem respecti-
ção. 1 a vigência de produção exce siva de ácidos (diabe- vamente sobre a gl utamina e outros aminoácidos, fo rman-
tes descompensado, p. ex.), essa capacidade é ultrapassada do amônia 1 J-!3). Esta, por sua vez, difunde-se, passiva-
e se esgota. essas circunstâncias, instala-se a acidose. mente, para a luz d os túbulos, o nde reage com os íons H ' ,
A retenção de bases pelos rins é realizada por meio de formando íons H 4 '. ' essa reação, mantém-se o gradien-
dois mecanismos: excreção de íons-hidrogênio e produ- te de concentração ta nto para os íons H ' como para a
ção de N H 3 (Figura 6.3) . H3, permitindo a manutenção da difusão de ambos.
A produção de N H3 é proporcional à concentração
de H • na luz dos túbulos e seu principal papel consiste
••
• em manter o gradiente de concentração de íons H' entre
Filtrado as células e a luz dos túbulos. Esse gradiente é que possi-
Sangue Células tubulares Na CI bilita a continuação da difusão desses íons c a conse-
qüente reabso rção das bases fixas do fi ltrado g lo merular.
co,+ H,O

Na ' Cl ' Diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos


H,co , /
Na HCO, O diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos baseia-se
+- H' CI·
na anamnese/ exame clinico (que são de fundamental
importância não só para detectar fa tores etiológicos pos-
Glutamina e outros sivelmente envolvidos com o distúrbio, como para reco-
ácidos aminados nhecer as manifestações ind icativas dos mesmos) e nos
NH1 NH; CI' exames laboratoriai .
Os exames laboratoriais necessários para aval iação ini-
cial dos distúrbios ácido-básicos incluem o pH, a pC0 2 e
NH. Cl
o HC03- do sangue arteriaL Os valores de referência são:

··--------------------------------------------
Figura 6.3 .: Mecanismos renais de reab o rção de base por meio
pll = 7,40 (' ,35 a 7,45)

da excreção de íons hidrogênio c produção de , H 3


AC - anidrase carbônica
pH < 7,35 - acidose
(Extraído de Figueiredo c Lopcz') pH > 7,45 - alcalose

=
pC()2 40mmHg
ExCREÇÃO DE IONS (podc:ndo variar de 35mmt-lg a 45mmHg)
A anidrase carbônica realiza, nas células dos túbulos
distais, a síntese de ácido carbônico (a partir do co2 e IIC03- = 24mEq/ L
H20) gue se dissocia em H+ e HC0 3 . Estes íons trocam
de posição com as bases fixas d os sais do filtrado glome- O "excesso de base" (BE) espelha as alterações meta-
ru lar, determinando a acid ificação da urina e a formação bólicas do eguilibrio ácido-básico. Seu valor é dete rm ina-

65

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

do indiretamente pelas medidas do pH, de pC0 2 e hema- LA normal (perda de bicarbonato)


tócri ro. O exame tem alguma utilidade uma vez que o BE LA aumentada (aumento da produçlo de ácidos)
costuma ser empregado na estimativa da quantidade de
Vale ressaltar que é preciso analisar, de forma
soluções que serão administradas para a co rreção de dis-
crítica, os valores da LA, uma vez que eles podem sofrer
túrbios metabólicos (acidose ou alcalose), segundo a fór-
influência de diversos processos'·7 .
mula de Astrupp. Os limites do BE considerados dentro
da normalidade são de (-2,5) a (+2,5) .
Além da avaliação do pH, pC02 e HC0 3-, as dosagens Classificação dos distúrbios ácido-básicos
dos eletrólitos séricos, uréia e creatinina são também úteis.
O termo "lacuna de ânions" (LA) destina-se a desig- Os distúrbios ácido-básicos podem ser classificados em:
nar a diferença numérica entre os cátions e os ânions, que
são determinados na rotina clínica (sódio, cloro e bica-
bornato). O potássio e o magnésio, em geral, não são
incluidos no cálculo da LA, pois suas concentrações são
distúrbios metabólicos < I
'I
acidose

-al-ca-lo_s_e--,

<
muito pequenas. Entretanto, em determinadas situações
clinicas nas quais os cations apresentam elevações impor- I acidose
tantes, podem influir nos valores de LA'.6.7. distú rbios respiratórios
I' -al-ca-Jo_s_e--,

distúrbios mistos (complexos)


Os valores normais da LA estão em torno de
1 OmEq/ L a 14mEq/ L (variações entre 9mE q/ L a
16mE q/ L são aceitas em alguns serviços).
Na prática, a LA representa os ânions diferentes do Na acidose, o pH é inferior a 7,35 e, na alcalose, é
Cl- e do HC0 3- (fosfatos, sulfatos, ácidos o rgânicos e superior a 7,45. Entretanto, dependendo da atuação dos
proteínas com carga negativa) que não são medidos na mecanismos de compensação (sistemas tampão, renais e
rotina, mas que são necessários p ara contrabalançar ele- respiratórios), é possível a ocorrência de acidose ou de
tricamente o Na+. alcalose com pH normal (compensação completa) .
A principal aplicação clínica da LA tem sido classifi- As respostas compensatórias esperadas para as altera-
car as causas de acidose metabólica em dois grupos: ções ácido-básicas simples estão sumariadas no Quadro 6.2.

Quadro 6.2 .: Compensação esperada para os distúrbios ácido-básicos primários

Distúrbio primário Alteração inicial Resposta compensadora Limites de compensação esperad os

co,- =1,2
•t
Acidose metabólica H pC02
•t
pC02 X MICO]'
Alcalose metabólica HC03 pC02 t pC0 = 0,7 x ilHCo
2 3-

Acidose respiratória aguda


t pC02
t HC03• t de 1mEq/L de MIC03 (<30mEq,IL)
t
para cada 1OmmHg de pC02
Acidose respiratória crônica
t pC02 t HC03 t de 4mEq/ L de LlHC0
3 para
t
cada 10mmHg de pC02
Alcalose respiratória aguda pC02 HC03- 2,5mEq/L de HCO; para JlOmmHg de

Alcalose respiratória crônica


• pC02
• HC03
pC02 (pC02 usualmente t a 18mmHg)

t de SmEq/ L de HC03- para



+
• cada t 10mmHgdepC02

··------------------------------------------------------------------------------------------------
t t
elevação; dimin uição

Modifi cado de N arins c Ernmctt 4•

66
•••
Capitulo 06 .: Controle ácido-básico do paciente cirúrgico

Distúrbios metabólicos ação é imediato, mas alcança compensação máxima de 12


a 24 ho ras após a deflagração do processo. Esse mecanis-
Acidose metabólica mo, normalmente, produz apenas atenuação da acidose,
pois não costuma ser suficiente para reto rnar o pH aos
Resulta de um processo que causa diminuição primá- níveis de normalidade. O mecanismo definitivo de corre-
ria da concentração plasmática de H C03-. ção é de natureza renal c requer preservação da fu nção
renal. essa circunstância, os ri ns são capazes, po r via
Etiologia dos mecanismos já citados (excreção de íons H e conser-
vação de bicarbonato), de restabelecer o equ.ilibrio ácido-
A acidose metabólica pode ser secundária ao acúmu- básico. A correção, no entanto, é lenta e gradual.
lo de ácido forte (adição) ou perda de base (sub tração)
pelo liquido extraceluJar.
Quadro 6.3 .: Principais causas de acidose metabólica
A acidose metab6lica de adição tem como causas
principais: •
Com aumento da LA
• acúmulo de ácidos inorgânicos do metabolismo nor-
Jejum
mal (sulfúrico e fosfórico), como ocorre na uremia;
Cetoacidose diabética
• oxidação incompleta de gordura com acú mulo dos Acidose l:ioca
ácidos acetacético e bera-hidroxibutírico (ceroaci- Acidose urêmica (insuficiência
dose diabética); Intoxicação por salicilato, metano!, paraldcldo
• oxidação incompleta de carboidratos (acidose lática); Cctoacidosc alcoólica
• administração ou ingestão de ubstâncias acidifi- Alcoolismn crônico
cantes (N H4 CI, HCI, salicilato etc.). Sem aumento da LA
A acidose metab6Lica de subtração tem como causa Disfunção tubul2r renal
principal a perda de HC03- por: Acidose rubular renal (tip<1s I, 11 c IV)
Diuréticos poupadores de potássio
• via renal (acidose tubular renal, diuréticos que pre-
Perda digestiva de IIC03- (diarréia, nstulas)
servam potássio etc.); .\dministraçào de UCI Ç'Hl:l, aminoácidos caúõnicos)
• via digesti va (diarréia prolongada, fisndas digesti vas Urcterossigmoid<•stomia
de alto débiro, incluindo as pancreáticas, entéricas, lnibid.ttrcs. da a.nidrase carbônica
biliares etc.).
1.. \ - l.:acuna dC"
Do ponto de vista diagnóstico, é útil classificar a aci-
dose metabólica em com ou sem au mento da Lt\. As
principais causas de acidosc metabólica com ou sem
aumento de LA estão sumariadas no Quadro 6.3. Quadro clínico
As manifestações clínicas dependem da doença de
Fisiopatologia/resposta org8nica base que causou o distúrbio. Acidose metabólica discre-
ta costuma ser assintomárica. A presença de compensa-
a acidose metabó lica, ocorre redução do numerador ção respirató ria acompanha-se de hipervenrilação, que se
da equação de Henderson- Hasselbalch e a conseqüente caracteriza por movimentos respirató rios rápidos e pro-
diminuição do pH do sangue. O distúrbio dispara os fundos (respiração de f ussmaul). A hi pervenrilação, em
mecanismos de compensação (sistemas tampão e respi- geral, é percebida quando os valo res do IIC03- sérico são
ratório) para restabelecer a relação de 20/ 1 entre o inferiores a 15mEq/ L. Quando o p H é menor que 7,0,
numerador c o denominado r da equação, retornando o ocorre depressão respiratória.
pH aos níveis fisiológicos. A resposta dos sistemas tam- a fo rma crô nica, as manifestações são vagas e cons-
pão e respiratório são imediatas. O mecanismo respirató- tituídas por mal-estar, astenia, náuseas, vômitos e devem-
rio exerce ua compensação promovendo aumento na se à entidade mórbida que provocou a acidose. os
freqüência e na profundidade da respiração (hipervenrila- casos graves, podem ocorrer efeitos deletérios sérios
ção alveolar). Como resul tado, ocorrem hipocapnia e sob re o sistema cardiovascular (possivelmente relaciona-
diminuição do denominado r da equação. O início de dos às alterações eletrolítica coexistentes), caracteriza-

67
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

dos por depressão da contratilidade miocárdica, redução Nos pacientes com acidose metabólica, o pH da urina é
do limiar para fibrilação ventricular e diminuição da resis- ácido, exceto nos casos de acidose tubular renal, em que ele
tência vascular sistêmica. Tais efeitos induzem ou agra- é alcalino (alcalúria paradoxal), pois o aumento da perda de
vam a insuficiência circulatória preexistentes. bicarbonato na urina é a causa da acidose.

Exames complementares Tratamento

Na acidose metabólica, observa-se diminuição dos D eve ser direcionado, principalmen te, para a causa da
valores de pH, pC0 2 e HC0 3 - . Em relação à diminuição acidose metabólica. O tratamento etiológico é de funda-
da pC0 2, é necessário distinguir se ela decorre de meca- mental importância para o êxito terapêutico . O tratamen-
nismo compensatório (hiperventilação) ou se é prove- to específico da acidose, por sua vez, só deve ser utiliza-
niente de alcalose respiratória associada. do em situações de emergência, uma vez que, nessas cir-
Para estabelecer essa distinção, pode-se utilizar méto- cunstâncias, ocorre comprometimento da contratilidade
do que qualifica a resposta à acidose metabólica como do coração. Mesmo nesses casos, a etiologia da acidose
apropriada quando o decréscimo da pC0 2 é de cerca de metabólica deve ser levada em consideração.
1,OmmHg a 1 ,3mmHg para cada mEq/L da diminuição A medicação de escolha é o bicarbonato de sódio, na
do HC03-. Para avaliação dessa resposta, entretanto, é concentração de 5% (0,6mEq/ mL) ou 8,4%
necessário que o distúrbio tenha, pelo menos, de 12 a 24 (1 ,OmE q/ mL). Essa droga deve ser administrada lenta-
horas de evolução (tempo necessário para que a compen- mente. O ritmo e a quantidade a ser administrada devem
sação respiratória atinja sua plenitude) . Outro recurso para sofrer reavaliação clínica e laboratorial periódicas. O
estabelecer essa diferença é utilizar a seguinte fórmula: ritmo da correção não deve ser rápido, para evitar, entre
outros fatores, desequilíbrio entre o pH do plasma e do
pCOz =1,5 x (HC03- medido) + 8 líquido cefalorraquidiano, pois o bicarbonato cruza a
barreira hematoencefálica mais lentamente, podendo
Se a diminuição da pC0 2 está dentro desses limites, é agravar a encefalopatia. É importante salientar que a infu-
considerada como decorrente da resposta apropriada à são de bicarbonato só é justificada nos processos agudos,
acidose metabólica. Caso contrário, significa a coexistên- independentemente da causa da acidose, quando o
cia de distúrbio respiratório, uma vez que o comporta- distúrbio é muito grave (HC0 3- < 15mEq/ L ou
mento da pC0 2 não é o esperado, ou seja: pH < 7,2) e a causa não pode ser removida prontamente.
A administração não é isenta de riscos, entre os quais
pCOz muito baixo = coexistência de alcalose respiratória incluem-se a sobrecarga circulatória (principalmente nos
muito elevado =coexistência de acidose respiratória pacientes com reserva cardíaca diminuída) e o supertrata-
mento (transformação da acidose em alcalose). O cálcu-
lo da dose de bicarbonato é empírico e grosseiro, e leva
A fórmula é aproximada, podendo ser aceito um des- em consideração a quantidade necessária para elevar o
vio-padrão de até ± 2mmHg. bicarbonato até 15mE q/ L e/ ou o pH arterial para 7,2
A dosagem do potássio sérico é também muito útil. em período de quatro a oito horas. Nos casos graves,
Sabe-se que, para a queda de cada 0,1U de pH, corres- todo déficit pode ser administrado, em bolo, durante
ponde aumento de 0,6mEq/ L do potássio. alguns minutos. A seguinte fórmula pode ser usada:
O cálculo da LA é o método mais eficiente de orien- mEq HC03- = (0,5 x peso (kg)) x (15- HC03- medido)
tação na procura da etiologia da acidose metabólica.
Estima-se que cerca de 30% a 40% dos pacientes com Outra fórmula utiliza, no cálculo, o valor do BE :
LA entre 20mEq/L a 30mEq/L não têm acidose orgâni- mEq HC03-- peso corporal x 0,3 x BE
ca demonstrável. Por outro lado, LA superior a
30mEq/L pode ser considerada como sinônimo de aci- Em ambas as situações, após a administração de
dose orgânica. Para o cálculo da LA, são imprescindíveis metade da dose, é conveniente observar a resposta clíni-
as dosagens séricas do Na+ e do cr, além do HC0 3- . ca do paciente complementada por determinações seria-

68
Capítulo 06 .: Controle ácido-básico do paciente cirúrgico •
••
das do p H, HC03- e eletróli tos. D eve-se lembrar de que, • uso de diuréticos - a adm inistração de diuréticos
entre os riscos de correção da acidose, estão incluídas a tiazídicos ou de alça representa causa comum de
alcalemia e a hipocalemia (por entrada de potássio para o alcalose metabólica associada a depleção de volume
interior das células) . e de potássio;
O risco de tran sformar a acidose metabólica em alca- • pós-hipercapnia - ocorre em pacientes com acidose
lose é maior nos casos com LA au mentada. Q uando a respiratória crônica, submetidos a tratamento para
redução brusca da pC0 2 (freqüente por hiperventila-
não há aumento da LA, pode-se corrigir o HC03- para
ção mecânica). A correção rápida de pC02 normaliza
níveis mais elevados (20mE g/ L), co m menores riscos.
o denominador da equação de H enderson-
O utro aspecto que deve ser considerado é que cada
Hasselbalch, de modo que o p l-l eleva-se em função
grama de bicarbonato de sódio contém 12mE q de Na+.
do aumento compensado r do bicarbonato plasmáti-
Isso signi fica, em m uitos pacientes, aporte de a• co, usualm ente presente nesses pacientes.
suficiente para provocar sobrecarga de volume e fenô- A alcalose metabólica independente da depleção
menos congesti vos. de volume e de NaCI ("salino-não responsiva'') pode
A relação entre a quantidade de bicarbonato adminis- ocorrer nas seguintes siruações:
trada e o aumento do HC0 3- plasmático não é linear. • hipocalemia grave (potássio sérico < 2,0mEq/ L);
as formas mais leves de acidose, 2mEq/ kg elevam o • excesso de mineralocorticóides (hiperaldosteronismo
HC03 - aproximadamente 4mEq/ L. Po r outro lado, nas primário, esteróide exógeno, síndrome de Cushing,
fo rmas mais graves, 2mEq/ kg só elevam o HC0 3- apro- hiperaldosteronismo secundário)- a aldosterona arua
ximadamente 2mEq/ L. nos túbulos distais, incrementando a secreção de K+
e de H+e a reabsorção de I a+e de HC03- com resul-
Alcalose metabólica tante hipocalemia e alcalose metabólica;
• síndromc de Bartter - entidade muito rara, caracte-
A alcalose metabólica representa um p rocesso que rizada po r hipocalemia (perda renal de K:), alcalose
atua au mentando o p l-l do sangue por meio da elevação metabólica salino-resistente, alta concentração de
prim ária da concentração p lasmática do H C0 3- . cr uri nári o e altos niveis séricos de renina e aldos-
Geralmente, essa elevação é mantida à custa da retenção terona. O mecanismo preciso não está completa-
renal anormal de HC03-. men te esclarecido';
• inges tão o u ad ministração exógena de H C0 3-
(citrato, p. ex.) - constitui causa rara de alcalose
Etiologia metabólica porque o rim, com função p reservada,
excreta rapidamente o excesso de bicarbonato.
Classifica-se a alcalose metabólica em dois grupos, de
As principais causas de alcalose metabólica estão
acordo com a dependência da existência o u não de deple- sumariadas no Quad ro 6.4.
ção de volu me e de aCI.
A alcalose metabólica por depleção de volume e
Quadro 6.4 .: Principais causas de alcalosc metabólica
de NaCl (" sali no-res po nsiva") po d e ocorrer nas
seguintes situações:
----------------------------------------------··
Com depleção de volume e Sem depleção de volume e de •
• vômitos/ cateter nasogástrico - o co rrem, além de NaCI (salino-responsivas) NaCI (salino-não responsivas)
das perdas importantes de água + NaC l, perd as Gasttointestinal Excesso de mineralocorticóides
de ío ns hid rogênio (H Cl do suco gástrico). Pode Vômitos Hiperaldostcronismo
ser uma situação grave na obstrução pilórica; a Drenagem gástrica Cushing
perda de ío ns H + tem o mesmo efeito de ga nho D iarréia crônica (RCU I, Esteróide cxógeno
Crohn, diarréia perdedora
do H C0 3 ;
de cloreto, adenoma viloso
• diarréia crô nica/ laxati vos - pode o correr na reto- de cólon)
colite ulcerativa, doença de Crohn e uso abusivo e Uso de diuréticos (tiazidicos e de alça) Hipocalemia ve
crônico de laxativos. Geralmente, a alcalose é de Pós-hipcrcapnia Síndrome de Barner
leve in tensidade e é mantida pela depleção do
Ingestão ou administração exó-
volume extracelular. la maioria dos casos de gçna de alcalinos _____
diarréia, entretanto, o que ocorre é acido se por
perda de bicarbonato nas fezes;
69
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Fisiopatologialresposta orgânica Exames complementares

Na alcalose metabólica ocorre aumento do numera- Na alcalose metabólica, observa-se aumento dos
dor da equação de Henderson-Hasselbalch e o conse- valores de pH, HC0 3 - e BE . A pC0 2 pode estar inal-
qüente aumento do pH do sangue. O distúrbio dispara os terada (principalmente n os casos agudos) ou discreta-
mecanismos de compensação que se antepõem aos efei- mente elevado.
tos da anormalidade primária. A elevação do pH estimu- Geralmente, são observadas hipocalemia e hipocalce-
la a saida de íons H+ do interior da célula, com conse- mia. A dosagem da concentração do cr na urina é
qüente titulação do excesso de H C03- , reduzindo sua importante para diferenciar os dois tipos de alcalose
concentração plasmática. metabólica. Concentração de cr urinário abaixo de
Na alcalose metabólica, o grau de compensação respi- 15mmol/L sugere reposição líquida inadequada, perda
ratória é muito menos previsível que na acidose metabó- pelo tubo digestivo a partir de vômitos ou aspiração
lica. A maioria dos pacientes apresenta, apenas, compen- nasogástrica, administração de diurético ou pós-hipocap-
sação parcial. Em muitos casos (formas agudas), o pC02 nia. Por outro lado, concentração de cr urinário acima
pode manter-se, inclusive, dentro dos limites da normali- de 20mmol/L sugere excesso de mineralocorticóide,
oferta de bases, administração concomitante de diurético
dade ou porque a alcalose é de curta duração ou porque
e/ou presença de hipocalemia grave.
coexiste incapacidade de manter hipoventilação. A hipo-
A LA pode estar aumentada pela maior concentração
ventilação tem, como objetivo, elevar o pC0 2 (denomi-
das proteínas plasmáticas e elevação de proteínas co m
nador da equação de Henderson-H asselbalch), restabele-
carga negati va ind uzida pela ak alemia.
cendo o pH normal.
O pH da urina é variável, podendo ser alcalino na
A compensação renal caracteriza-se pela diminuição
vigência de compensação renal (principalmente nos
da excreção de próLOns. Inicialmente, excre-
casos iniciais) ou ácido (acidúria paradoxal) quando coe-
ção de HC0 3- com alcalinização da urina. A indisponi-
xistem hiponatremia, depleção de água, hipocloremia
bilidade de Na+, K +, Cl+ e água, quando presente, favo-
e/ou hipocalemia.
rece a hiponatremia e a desidratação. Us ualmente,
observa-se aumento de excreção renal de K+ que deter-
mina hipocalemia e acentuação da reabsorção tubular Tratamento
de H C0 3 - , com conseqüente acidúria paradoxal (urina
O tratamento da alcalose metabólica deve obedecer a
ácida na presença de alcalose) . Outro mecanismo res-
alguns princípios e medidas, a saber:
ponsável pela hipocalemia é o deslocamento de potás-
• identificação e eliminação da causa;
sio para o interior das células na troca com íons H +.
• correção dos distúrbios que mantêm ou agravam a
Além de hipocaJemia, costuma ocorrer diminuição da
akalose metabólica. A maioria dos casos do tipo
concentração de cálcio ionizado no sangue. salino-responsivos (associados a depleção de volu-
me/N aCl) pode ser corrigida com administração de
Quadro clínico solução salina 0,9% . D e modo geral, com o restabe-
lecimento da volemia, os mecanismos renais tor-
As manifestações clínicas da alcalose metabólica cos- nam-se suficientes para eliminar, na urina, o exces-
tumam ser pouco específicas. E m geral, o elemento mais so de HC03- . Nos pacientes com vômitos o u aspi-
importante para sugerir o diagnóstico é o reconhecimen- ração nasogástrica, o uso de inibidores de bomba
protônica o u de outros medicamentos supressores
to dos fatores etiológicos: freqüentemente predominam
de ácido pode ser útil. A hipocalemia, normalmen-
as manifestações de hipocalemia e/ou da hipocalcemia
te presente, deve ser corrigida pela administração
associadas. Tais distúrbios acompanham-se de diferentes
de cloreto de potássio, por via endovenosa. Em
manifestações clínicas, incluindo fraqueza muscular, relação à hipocalemia, é importante enfatizar que,
hiporreflexia ou hiperretlexia (hipocalemia ou com a correção da volemia, ela costuma agravar-se
cemia, respectivamente), íleo funcional, tetania, irritabili- porque o excesso de H C0 3- carrega Na+ para os
dade neuromuscular etc. tubos coletores, aumentando as trocas Na+- K+. O

70
•••
Capítulo 06 .: Controle ácido-básico do paciente cirúrgico

clo reto de po tássio está também inclicado nos casos nar o C0 2 produzido pelo organismo. Como co nseqüên-
em que a hipocalemia é a causa da alcalose; cia, oco rre elevação da pC0 2 que se traduz em aumento do
• utilização de substâncias acidificantes - Essas H 2C0 3 (deno minado r da equação de Henderson-
s ubstâncias só devem ser utilizadas nos casos de Hasselbalch) e queda do pH.
alcalose grave e refratária (HC0 3-> 40mmoi/L) e
Quadro 6.5 .: Principais condutas rerapêuticas na alcalose metabólica
perda de clo ro, usualmen te secundária à drena-
de acordo com a etio logia
gem nasogás trica maciça o u o bstrução piló rica. A
solução mais utilizada é o clo reto de am ô nio --------------------------------------------··
Etiologia Tratamento •
H 4 Cl) a 2% (37S mE q/ L). A seguinte fó rmula Vômitos/aepiraçiO nuogútrica Rqaiçlo de volume com N.a 0,9'/e
pode ser utilizada para cáJcuJo gr osseiro da quan- Coaigir hipocalania e bipomlgnc:a-
tidade de H 4 Cl necessária: mia quando praenta

mEq de NH..O =peao oorporal (kg) x 0,3 x BE Uso de diuréLicos Reposição de volume com aCI 0,9%
Corriboir hipocalemia + hipomagnese-
ou
mia quando presentes

mEq de N H4CI = peso (kg) X 0,2 X 1103- a sérico (mF.q/1.)] RepoUçio de valume com NaCI 0,9%
+ c:orreçlo da hipocalania
A indicação do uso de H4 Cl deve ser parcimo- Diarréia crônica (rumor '·iloso, Repos1çào de volume com aCl 0,9%
niosa e cautelosa, tendo em vis ta seus efeitos RCU l, Crohn,laxativos) Corrigir hipocalemia + hipomagnese-
nocivos, entre os quais au mento das perdas de mia quando presentes
Na• c K •. A adm inis tração deve ser parcelada e
KQ
acompanhada de dosagens periódicas de eletróli-
tos e gases an eriais, além da aval iaçãu dus parâ- F.xcesso de mineralocorticóide KCl
metros clinicos. Essa avaliação é compulsóri a
Alcalole usociada com Conaa-indialdo NaCI 0.9"/o
após a infusão da metade da dose calculada. O sobrecarga de volwneímsu6- AdmioilltiiiÇio de KO
114 CI é contra-i ndicado na ins uficiência hepáti- cXnc:ia lallll
peripa
ca. O utra su bstância acidificante que pode ser uti-

lizada é o H CI (0, 1 1, ad m inistrado por via endo- ··--------------------------------------------
1\aO . clo r<to d< ..xlio; KO · cloreto d< potlssio
vcnosa). O H CI atua m ais rapidamen te que o RCUI - n:tocoht< ulcerauva •n<spedfico
Modificado de Prcswn'
H 4CI. A dose a ser administrada pode ser esti-
mada pela seguinte eq uação:
H· (mmol) = peso (kg) X 0,5 X (103 - a sérico (mmol/1.)) Etiologia

Para preparar o H Cl 0,1 r , basta misturar 1OOm mol A acidose respirató ria costu ma ocorrer em todas as
de HCl em um li tro de água destilada. A administra- situações que evoluem com hipoventilação, a saber:
ção deve ser feita através de cateter venoso profu n- • depressão do sistema nervoso central - comu-
do (para evitar tro mbo fl cbite) durante 24 ho ras. mente, ocorre depressão do centro respirató rio
• diálise - pode ser empregada nos pacientes com induzida po r meclicamentos (anestésicos, o piáceos,
sobrecarga de volume com insuficiência renal e barbitúricos etc.), trauma, isquemia cerebral, hiper-
alcalose metabóljca refratária. tensão intracraniana etc.;
O Quadro 6.5 expressa as principais condutas terapêu- • distúrbios neuromusculares afetando a parede torá-
ticas na alcalose metabólica de acordo com a etiologia. cica e m úscuJos respirató rios- incluem-se as mio-
patias, lesão da medula cervical, miastenia grave,
polio mielite, síndro me de Gwllain-Barré, uso de
Distúrbios respiratórios bloqueado res neuro musculares, obesidade etc.;
• ano rmalidades da parede to rácica - destacam-se a
Acidose respiratória cifoescoliose, traumatismos to rácicos (esmagamento,
fraturas múltiplas de costelas etc.), escleroderrnia etc;
Trata-se de distúrbio decorrente de alteração primária
• o bstrução de vias aé reas - pode ser p ro vocada po r
da ventilação pulmo nar, que a torna insuficiente para elimi-
as piração de vô mi tos, acúmulo de secreções,

71
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
corpos estranhos, rumores, broncoe pasmo , edema aguda, a constatação de valores superiores ou inferio res a
de laringe etc.; esses Limites sugerem, respectivamente, alcalosc ou aci-
• doenças pleu ropulmo nares - as principai incluem dose associadas. Geral mente existe, nas for-
a doença pulmonar obstrutiva crônica, edema pul- mas agudas, certa co rrelação entre pC02 c a concentra-
monar, derrame ple ural, pneumo tó rax, p neumo nias ção sérica de I-1C03-. Para cada l Omm Hg de elevação da
extensas etc.; pC0 2, ocorre, em geral, elevação de 1 mEq/ L de HC0 3-
• parada cardiorrespiratória.
e queda de 0,08 no p H.
Na forma crônica, o distúrbio tem du ração suficiente
Fisiopatologia/resposta orgânica para que aconteçam os mecanismos compensadores
renais. Apesar do aumento do HC03- sé rico, a compen-
Na acidose respiratória, oco rre aumento do denomina- ação não costuma ser completa, i to é, o p l l não retor-
dor da equação (diminuição da relação 20/ 1) e conseqüen- na aos valores prévios à instalação do distú rbio.
te queda do p ll. Os mecanismos de compensação (siste-
mas tampão e renaJ) são acionados com o objetivo de ele-
var o numerador (HC03 ), restabelecendo a relação. Quadro clínico
A resposta tampão é rápida e completa-se cerca de 15
As manifestações clínicas são aquelas predominante-
a 20 mi nutos após a instalação do quad ro. Como o
mente decorrentes da afecção de base. os casos de
H2C03 é um par do sistema ta mpão bicarbonato
(HCo,- 11 2C0 3) , os sistemas tampão não-bicarbona to depressão do sistema nervoso central ( C), ocorre
diminuição do nível de consciência c da freqüência respi-
(p roteínas, hemoglobi na, fosfato c lactato) extra c intra-
celulares é que entram em ação captando o li ' , de modo ratória (menos gue dez movi mentos/ minu to) e/ ou do
que o bicarbonato é rapidamente gerado. volume respiratório .
A compensação renal torna-se evidente entre seis a 18 Quando a acid ose res pirató ria decorre da paralisia
horas após a instalação da acidose e alcança o máximo em do músculos respi rató rios, p red ominam fragueza
torno de sete dias. O aumento da pC02 estimula o muscular generalizada e d iminuição do volume respira-
aumento proporcional da capacidade dos ri n em reab- tó rio. Nos caso de afecção pulmonar, além do quadro
sorver HC0 3 . Esse aumento ocorre quando o p ll arte- clínico próprio, pode ocorrer aumento da frec1üência e
rial cai. Parece que a elevação da pC0 2 arterial cau a ele- do ,·olume respiratórios.
vação equivalente na pC02 das células rubulares renais, As manifestações clínica deco rremes da hipercap-
incrementando a formação do ácido carbônico, a concen- nia e da hipoxe mia (usualmente presentes) em pacien-
tração intracelular renal de H· e a secreção do I L'. O tes não-comatosos incluem inquietação, agitação, dis-
aumento da secreção de li ' , por sua vez, estimula a reab- p néia e cianose. A intensidade desta últi ma não costu-
sorção de II C0 1-e a produção de novo de II C0 3- pelos ma re fletir a gravidade da insuficiência ventilatória. São
túbulos renais. imultaneamente, os rins elevam a veloci- também freqüentes a taq uicard ia, taqui pnéia, hi perten-
dade de excreção de Cl . O tamponamento da secreção de são arterial e ce faléia.
W é feito pela amônia I ! 3) , maio r excre- A hipercapnia produz vasodilatação cerebral, poden-
ção urinária de ll 3 11.1) . Q uando a hipercapnia se do levar ao aumento da pressão intracraniana e edema
estabiliza, a eliminação de Cl e de 1 H 4 retorna ao no r- cerebral. T ais alterações manifestam-se, clinicamente,
maJ, mesmo c a ccreção de H. permanecer elevada. por cefaléia, sono lência e, nos casos muito graves, coma.
a prática, podemos disti nguir duas fo rmas de acido- Ocorre também vasodilatação peri férica secundária ao
se re piratória: aguda c crônica. A primeira é conceituada aumento da pC02 , resultando em membros quentes.
como aquela em que a duração do distúrbio é efêmera É importante ressaltar a frec1üência com c1ue a insufi-
(poucos mi nutOs a algumas horas). ' es e caso, a respos- ciência respiratória passa despercebida, especialmente
ta tampão está presente, mas a compen ação renal não é nos pacientes muito graves. fato decorre, quase
e\·idente. Embora a ação dos tampões resulte na pronta sempre, da inespecificidade das manifestações clínicas
geração de I IC0 3- , a qua ntidade produzida é pequena c que, fregüentemente, são atribuídas a outras causas.
não costuma elevar o HC03 plasmático acima de Desse modo, manifestações como agitação, insônia,
30mE q/ L. Como conseqüência, na acidose respiratória taquicardia, taguipnéia e hipertensão arterial da insu fi-

72
•••
Capítulo 06 .: Controle ácido-básico do paciente cirúrgico

c1encia respirato na costumam ser confundidas com Etiologia


an iedade e conduzida como tal. Outras manifestações
decorrentes da hipercarpnia incluem o papiledema, o Várias são as situaçôcs em que ocorre estímulo para a
esturpor e o coma. hiperventilação alveolar. E ssas situações ão de natureza
ru\'ersa e incluem:
• " sínd ro me de hipervc ntilação" - usualmente atri-
Exames complementares buída à ansiedade, podendo ocorrer de fo rma crô-
nica ou periódica;
A determinação do p ll c dos gases arteriais, assim
• uso de drogas- as situações mais freqüentes estão
como nos demais distúrbios ácido-bás icos, é fundamen-
relacionadas com uso excessivo de salicilatos (pro-
tal para estabelecer o diagnóstico. A pC02 está elevada duzem acidosc metabólica simultânea), analépti-
(distúrbio básico), o H Co,- está no rmal (formas agudas) cos (2-4 dinitrofenol c paraldcído) e ho rmô nios
ou ele,•ado (compensação renal) e o pll pode estar dimi- (catecolaminas e progcstero na po r p rovável atua-
nuído ou próximo ao no rmal (fo rmas compensadas). A ção sobre o 'C) ;
p02 costuma estar diminuída. • lesões do C (meningi tes, encefalitcs, trauma,
A radiografia simples do tórax co nstitui exame m uito tumo res, acidente vascular encefálico);
importante po r demo nstrar a causa do distúrbio em per- • febre;
centual expressivo de casos. • septicemias (merecem destaque as provocadas por
bactérias Gram-negativas, que evoluem sem febre);
• hipcnireo idismo;
Tratamento • pncumopatias - incluem as restritivas, embolia pul-
monar c pneumonias. Quase todas as doenças pul-
D eve ser dirigido à causa de base do distú rbio, depen-
monares intersticiais podem conduzir a hi pervcntila-
de da forma de apresentação (aguda ou crô nica) e inclui
ção (sa rcoidose c fibrosc pulmonares, p. ex.);
todas ou ai!,'Umas das seguintes medida :
• insuficiência hepática (fregüentcmente acompan ha-
• supo rte ve ntila tó rio - oxigênio supl emen tar (cate- da por alcalosc respirató ria);
ter, másca ra facial), ou ve ntilação mecânica, quan- • ventilação artificial inadeguada (pode ocorrer cluan-
do ind icada; do os movimentos respiratórios de um paciente são
• uso de broncodilatado res (casos selecionados em "ajudados" por ventilador mecânico com o pacien-
que coexista espasmo brô nquico); te mantendo seu próprio ritmo respiratório);
• estimulação do centro respi ratório por drogas • gestação;
(c1uando coexiste depressão do C); • hipoxcmia (estímulo inicial dos quimiorreceptores
• desobstrução de vias aérea superio res; carotídeos e aó rcicos).
• monitorizaçào adequada e cuidadosa (oxímetro de
pulso, gasometria arterial etc.).
O uso de HC0 3- deve ser restritO aos casos de acidcmia Fisiopatologia/resposta orgânica
grave a ponto de comprometer o desempenho do coração
a alcalose respiratória ocorre diminuição do deno-
e acentuar o desconforto respiratório. [esmo assim, a mi-
minador da cguaçào (aumento da relação 20/ 1) e conse-
lizaçào do I IC03- deve ser considerada como último
güente elevação do p H. Os mecanismos de com pensa-
recur o terapêutico e indicada em caráter excepcional.
ção (sistemas rampão e renal) são acionados com o obje-
tivo de diminuir o numerador, por meio da eliminação de
Alcalose respiratória bicarbonato, restabelecendo a relação.
A resposta tampão (nos casos a!,'Udos) se completa
Trata-se de distúrbio decorrente do aumento primário em 15 minutos. Com a hipervencilação, o p l I do sangue
da ventilação alveolar que a torna excessiva para a velocida- arterial começa a elevar-se em 15 a 20 segundos após o
de da produção de C02 pelo organismo. Como consc- inicio da hiperventilação, atingi ndo o máximo em dez a
güência, ocorre diminuição da pC02 que se traduz em di- quin ze minutos. O nível de HC0 3 do p lasma cai de
minuição do H 2CO , (denominador da ec1uação de modo sim ilar com o passar do tempo. Cerca de 20°/o do
llendcrson-Hasselbalch), aumento da relação 20/ 1 e do p ll. dé fi cit do li ' cxtracel ular, ca usado pela alcalosc respira-

73
..

------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tória aguda, é restabelecido pelo H+ do liquido intrace- normal ou baixa e a do cr encontra-se elevada.
lular. Ocorre, simultaneamente, transferência de K+ e Hipocalemia discreta é usualmente observada não só
Na+ para o intracelular e aumento do ácido lático no como conseqüência da transferência de K+ para o inte-
sangue (aumento da afinidade da hemoglobina pelo oxi- rior das células, como também por aumento da excreção
gênio e vasoconstrição p eriférica, levando a hipóxia deste íon pelos rins. Acidose metabólica pode também
tecidual aliada ao efeito direto da pC0 2, sobre o meta- estar presente como resultado do metabolismo anaeró-
bolismo do ácido lático). bio tecidual (formação do ácido lático) secundário à
Enquanto os sistemas tampão atuam e as mudanças hipóxia tecidual, resultante do aumento da afinidade da
de íons intra e extracelulares ocorrem em período de hemoglobina pelo 0 2 com diminuição da sua liberação
minutos a horas, a resposta renal só se torna efetiva se o para os tecidos.
distúrbio persiste por 24 a 48 horas. Os rins atuam pro-
movendo a redução do bicarbonato plasmático, por
meio do aumento de sua excreção na urina ou clirninui-
Tratamento
ção da geração de HC03- . O estimulo para o decréscimo Não existe n enhum tratamento específico para a alca-
da reabsorção de HC0 3- parece estar ligado à diminuição lose respiratória. Na verdade, a terapêutica visa atuar
da pC0 2 do liquido extracelular. Ocorre, também, sobre a causa de hiperventilação. Nas situações em que
aumento da excreção de K+ n a urina e hipocalemia. É se consegue corrigir a alcalose respiratória rapidamente
importante enfatizar que, na presença de depleção de (principalmente nas formas crônicas), a acidose metabó-
Na+ e CI-, essas respostas podem estar alteradas. lica residual costuma ser facilmente corrigida pelos meca-
nismos renais.
Quadro clínico
A avaliação clinica nem sempre constitui método Distúrbios mistos
sensível para a detecção da hiperventilação, uma vez
Têm-se distúrbios mistos quando duas ou três altera-
que, freqüentemente, não existe correlação entre os
ções ácido-básicas primárias ocorrem simultaneamente.
parâmetros clinicas (ritmo e freqüência respiratória) e o
Conforme foi relatado anteriormente, a compensação
grau de ventilação alveolar. É sabido que a hiperventila-
respiratória ou metabólica esperada para uma simples
ção nem sempre é aparente nos pacientes com respira-
alteração primária acompanha um padrão previsível
ção profunda e taquipnéica. A hipocapnia resultante da
(Quadro 6.2).
hiperventilação manifesta-se, clinicamente, p or sinais e
D esvios significativos desses padrões sugerem a pre-
sintomas inespecíficos incluindo tonteiras, irritabilidade,
sença de distúrbio misto. D esde que existem quatro dis-
tremores, do rmência perioral, parestesias, câimbras,
túrbios primários, as combinações possíveis são em
tetania e síncope. Alguns pacientes predispostos podem
número de seis. Na prática, no entanto, é muito difícil
evoluir com convulsões.
reconhecer distúrbios triplos ou conceber a coexistência
de distúrbios respiratórios mistos. O Quadro 6.6 relacio-
Exames complementares na algumas das causas mais comuns dos principais distúr-
bios ácido-básicos mistos.
Nas formas agudas, o pH está elevado, a pC0 2 baixa A suspeita diagnóstica de um distúrbio misto baseada
e o HC0 3- inalterado ou discretamente diminuído. em elementos clínicos surge quando se encontram, de
Usualmente não ocorrem alterações importantes dos modo concomitante, em um mesmo paciente, situações
principais eletrólitos. clinicas capazes de provocar o distúrbio, conforme expli-
Nas formas crônicas, a duração do distúrbio é sufi- citado no Quadro 6.6. D o ponto de vista laboratorial, as
ciente para permitir a ação dos mecanismos renais. principais alterações encontradas nos distúrbios primá-
Sendo assim, o pH tende a apresentar valores fisiológ1cos rios estão sumariadas no Quadro 6.7 e servem também
ou se aproxima deles, a pC02 mantém-se baixa e o de substrato para o diagnóstico do distúrbio misto quan-
H C0 3- está diminuído. A concentração de Na+ pode ser do presentes .

74
•••
Capítulo 06 .: Controle ácido-básico do paciente cirúrgico

Quadro 6.6 .: E oo logia dos p rincipais distúrbios ácido-básicos mistos essas circunstâncias, uma avaliação mais pro funda,
envolvendo quadro clínico e exames complementares,
----------------------------------------------·· pode elucidar o caso. PrestonJ recomenda abo rdagem sis-
Addose metabólica + acidosc rcapimória
Panda cardlaca temática, passo a passo, desses casos, incluindo:
Edema pulmonar grave • Passo 1 - Identificar o di stúrbio mais ó bvio,
Doença pulmonar + insuticiênc:ia ml8l ou ICpiC
baseado no pH , HC0 3 e pC0 2. Se mais de um
Acido c + alcalosc respirató ria distúrbio estive r aparente, escolher o mais grave
Dose excessiva de salicilato para começar. e todos parecerem graves, esco-
Scpsc
Insuficiência hcp.iúca + renal
lher o gue parecer pio r;
• Passo 2 - Utilizar a fó rmula para compensação
AJcalosc metabólica + IICilbc rapintOOa
esperada para identificar se um segundo distúrbio
Doença pulmonar crônica com supcrposiçlo está presente (Quad ro 6.2). ma vez identificado o
Uso de diumlcos
Uso de corticóidcs distúrbio, a questão que se impõe é se a co mpensa-
V6mitos ção está adequada. Para tal, basta aplicar a fórmula
Reduçlo da hipacapnia com vcntilaçio mcdnica dirigida para o distúrbio em questão. Caso a "com-
Alcalosc mctabóhca + alcalose respmnó ria pensação" não seja a indicada pela fó rmula, é po r-
ll iperemese gr:wfdica que um distúrbio adicional está presente;
Doença hepática crô nica tratada com d1uréúcos • Passo 3 - Calcular a LA. O valor esperado varia
Parada cardíaca tratada co m HC0 1 + \'Cntilaçiio mccfimca de 10mEq/ L a 14mEq/ L, embo ra mui tos auto res
AcidoK c a1ca1osc metabólicas pre firam utilizar va ri ação maio r (9 m Eg/ L a
Supcrposiçio de vômitos na insuficiência renal, cctoacidosc 16m Eg/ L). e o valo r da LA calculado estiver
diabmca c cctoecidosc: alcoólica no rmal, o problema está solucio nado. Po r outro
lado, se a LA esti ve r au mentada, a maio r possibi-
.ModJfteadn dr D unn Buchman 1
lidade é de acidose metabólica. Quando a LA fo r
maio r gue 20mEq/ L, é g uase certa a presença de
acidose me tabólica com LA aumentada. e for
maior que 30mEq/ L, esta possibilidade deve ser
Quadro 6.7 .: Alterações áctdo-básicas c cletroUticas observadas considerada independentemente do s valo res de
nos clisrúrbios
pH e H C0 3-.
••
Distúrbio pC02 HC03- LA K' pH • Nas acidoses metabó licas, com LA aume ntada (aci-

't
dose lá tica ou cetoacidose), devem-se comparar as alte-
Acidosc
metabólica
H n, t t n. t n,'
rações da LA co m as do HC0 1 . Assim procedendo,

metabú hca
It n. t n, t n, t pode-se identificar um distúrbio metabólico adicio nal
oculto, gue pode ser tanto alcalose metabólica quanto
tt t t
'
Acidosc n n, acidosc metabólica co m LA normaP.-
respiratória
Alcalosc
resp1ra1ô na
H + 11 , t n, t t
•• • Referências
LA · l .acuna de 1 altc:r.açlcl sccundana;
2 seus alccnçio prun>.n2; n 'ICm al!c:nçio I• Dunn TJ , Buch man T G . Alterações do equiHbrio h idro-eletro lí-
\l odo ficado de """' c r.mmcn úco e ácid o-b ás1co . In: D o herty Gt-1, Lo wney J K, Mason J E ,
Rc zn ik SJ , Sm irh MA eds. '-: ' ashmgto n ,\ !a nual d e Cirurgia.
Rio de J aneiro: G uanabara-K oogan, 2005:39-59.
2• lasoro EJ , iegd PD. Equilíbrio ác1do - bás 1co. Rio d e Janeiro:
É importante enfatizar que os distúrbios mistos podem Im eramericano, 1979: 140p.
ser mascarados uns pelos outros. Po r exemplo, a coexis- 3• Presron RA . Acid-base , fluid s and elecrro lytes - m ad e ridicu-
tência de acidose e alcalose metabólicas pode evoluir com lously simple. Miam i: Me d Ma srcr, 1997: 156p .
pH c HC0 1 no rmais. Por outro lado, um distúrbio predo- 4• Lopez M. Emergências no s distú rbios m etabó lico s c endócrinos.
In: Lopes t-1 ed . Emergências i éd1cas. Rio d e Janeiro:
minante (mais grave) pode mascarar outro menos grave.
G uanabara-Koogan, 1989:362-95.

75
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
5 • Figueiredo EA, Lopez M. Pós-operató rio. Resposta metabólica à 6 • Narins RG , Em men M. Si mple anel nüxecl acicl-basic clisorders:
agressão cirúrgica e seu tratamento. In: Alves JBR. Cirurgia a pratical approach. Meclicinc. I 980;55:161-87.
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1973:65-125. a concept? Lancet. 1988;2:951-2.

76
07
NUTRIÇÃO
E CIRURGIA

••
Maria I sab e l T o ulson D avisso n Co rre ia,
Lucia n a Ord o n es R ego

Introdução tratamen to. A freqüê ncia e o tipo de exa m es a serem so li-


ci tados d epende m das condições clínicas dos doentes.
os dias de hoje, a inter-relação enrre l'.:utrição e 1\ opção p ela prescrição d e suplem entação oral, nutri -
Cirurgia é be m estabelecid a. Especificame nte, nos úlri- ção c n te ra l e/ o u nutrição pa rente ral é decidida com base
mos três decê nios, com o d csenvo lvimenro d a nutrição na e nfermidade do paciente c na viabilidade d o trato gas-
parcnteral, d e novas fórmulas d e nutrição cnteral e das trointestinal. Em algumas situações, o uso simultâ neo de
di versas pesquisas clínicas c experimentais, novos concei- di fe rentes opções d e te rapia nu tricio nal p ode ser indica-
tOS s urgi ram, mudando s ubstancialmente o prognó rico do. mui to importante que a presc rição da terapia nutri-
de vá rias afccções ci rúrgicas, p ri ncipalmente as gastrocn - cional seja indi vidualizada.
tcrológicas. possível hoje so b rcvida prol o ngad a, t\ terapia nutricio na l não é isenta d e complicações.
mesmo na ausência completa dos intesti nos. t\ desnutri- Essas, em ge ral, ocorre m po r indicação inapropriada,
ção pode ser m ini m izada c até rcverric.la com segu ra nça, ofe rta de nu trie n tes inadeq uada, cuidados com as vias de
em diversas condições clínicas. Em conseqüência d esses acesso e m o nitori zação precários, as im como falta de
avanços, a terapia nutricional tornou -se parte integ rante protocolos d e controle ele qualidade .
do tratamento de múltiplas afecções.
O conhecimento dessas áreas médicas ( iru rgia e
utrição), em especial no que tange à anatomia c metabo- Anatomia cirúrgica gastrointestinal
lismo cirúrgicos e sua relação co m o s aspectos nutric io - e inter- relação metabólica
nais, é fundame ntal pa ra o en tendimento do impacto que
mudanças induzidas tanto pela doe nça como pelo seu tra- O conhecimento da anatomia elo trato gastro intesti nal
tam en to conferem ao prognóstico dos doe ntes. O domí- e sua inter-relação metabólica é fundam ental p ara se
nio do assun to resulta, portanto, em brrandes benefício s entenderem os di ve rsos aspectos nutricionais d ecorre n-
dos pacientes. Contudo, as d iversas etapas da proposta tes dos procedim e ntos ci rú rgicos. As alterações da fi sio-
terapêu tica nutricional devem ser rigorosamen te seguidas. log ia gas troi n testinal são causa freqüe n te de d esnutrição
A avaliação d o estado nutricio nal deve ser rotina em tanto no pré como no pós-o perató rio. P ara que ocorra
pacientes hospitalizad os. E xis te m di versas técnicas pa ra processame ntO ac.l eq uad o d e nutrientes no trato diges ti -
se avaliar o estado n utricional, po rém nenhu ma é consi- vo, é importante <.jue as d iversas e tapas do p rocesso de
de rada padrão-ouro, razão pela gual se indica a utilização alimentação, digestão e abso rção estejam íntegras.
de mais de um a. A avaliação nu tricional c metabóli ca dos A qua ntidade de a lime n to ingerid o por um indi víd uo é
pacientes, por me io de exames la boratoriais, assim como dete rminada, pri ncipalmente, p elo desejo intrínseco de
os cálculos das necessidades nutricionais devem ser obri- comer, o u seja, pe la fome. Já o tipo de ali mento q ue a pes-
gatório s antes do in ício da te rapia n utric io n al c d ura n te o soa pre fere é d eterminado pd o apetite. Gera lmente, a pre-

77

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

sença de qualquer enferrrüdade altera esses dois aspectos o citoplasma, sendo esse mecanismo completamente dife-
fu ndamentais no ato voluntário de comer. Por sua vez, a rente do mecanismo de transporte de glicose nas células
digestão e posterior absorção dos alimentos são controla- do trato gastrointesúnal. A insulina tem papel importante
das por uma série de fenômenos orgânicos voluntários e em determinar a velocidade de transporte de glicose nas
involuntários gue dependem da integridade de estruturas células periféricas, sendo que, na ausência de insulina, esse
anatôrrücas que se inter-relacionam. Assim, a ingestão de fenô meno pode estar reduzido em dez ou mais vezes.
alimentos depende de adequada mastigação e deglutição, Após sua entrada na célula, a glicose combina-se com um
ou seja, é importante que estruturas como a boca, a lin- radical fosfato, num processo denorrünado fosforilação.
gua, os dentes, a faringe e o esôfago mantenham sua capa- Com exceção de algumas células (como no fígado), este é
cidade anatôrrüca e funcional preservadas. A propulsão ao
um fenômeno irreversível, que tem como objetivo captu-
longo do trato gastrointestinal é controlada pelo sistema
rar a glicose na célula, evitando que se difunda de volta
nervoso e pela produção de hormônios originados de
para o extracelular. Assim, a glicose pode ser usada para
diversos órgãos. Logo, aspectos relacionados tanto ao sis-
produzir energia para a célula ou ser acumulada na forma
tema nervoso autônomo, como à presença e à integridade
de glicogênio (glicogênese). Tanto os hepatócitos como
do esôfago, estômago, duodeno e intestino controlam essa
as células dos músculos esqueléticos são os principais
etapa da nutrição. A digestão é comandada pelas secreções
locais de armazenamento de glicose. Assim, na fase pós-
produzidas pelas múltiplas glândulas do trato digestivo,
entre as quais o fígado e o pâncreas têm papel relevante. prandial, há formação de glicogênio.
Por último, a absorção depende também da integridade No período de jejum, em que a quantidade de glicose
dos intestinos. Detalhes sobre cada uma das estapas do circulante se encontra muito diminuída, há necessidade de
processamento de alimentos ao longo do trato gastrointes- liberação de glicose, processo que se faz com a quebra de
tinal são complexos e não são objetivos desta obra. glicogênio e que se intitula glicogenólise. Tanto este fenô-
meno como o anterior são comandados por ação hormo-
nal, principalmente da relação insulina/ glucagon e pela
Metabolismo de carboidratos, lípides resistência periférica à insulina, que ocorre no pós-trauma.
e proteínas Todos esses aspectos têm impacto na resposta metabólica
ao estresse e, por conseguinte, o adequado conhecimento
Grande parte das reações químicas que ocorrem nas
do papel dos carboidratos tanto no pré como no pós-
células destina-se à obtenção de energia proveniente de
operatório deve ser de domínio do médico assistente.
alimentos para uso pelos diversos sistemas fisiológicos
das células. O metabolismo dos diferentes nutrientes
está, em geral, alterado na presença de enfermidades. Metabolismo dos lípides
E m especial, no pós-operató ri o, como conseqüência
da resposta orgânica ao trauma, há mudanças impor- Os Upídes derivados de gorduras neu tras (triglicéri-
tantes do metabolismo. des), dos fosfolípides, do colesterol e de algumas outras
substâncias de menor importância são absorvidos ao
longo do trato gastrointestinal pela influência da linfa.
Metabolismo dos carboidratos
Durante a digestão e sob a ação das enzimas pancreáticas
A glicose constitui a via final comum para o transpor- e dos sais biliares, os triglicérides são desdobrados em
te de quase todos os carboidratos até às células teciduais, monoglicérides e ácidos graxos e esses, ao passarem
por conseguinte será abordado essencialmente o seu pelas células intestinais, são novamente sintetizados em
metabolismo neste capítulo. A glicose é o produto de diminutas parúculas denominadas quilomícrons. Pelo
degradação final dos carboidratos sob a ação da ptialina, efeito da enzima lipoproteina lipase, os guilo microns
da arrUlase e de outras enzimas, como a lactase. Esses car- liberam ácidos graxos e glicerol. Os ácidos graxos, por
boidratos são absorvidos no trato gastrointesúnal pelo serem altamente miscíveis com as membranas celulares,
mecanismo de cotransporte ativo de sódio-glicose. Já em difundem-se, imediatamente, para as células do tecido
outras células, para que a glicose possa ser utilizada, ela adiposo e para os hepatócitos. U ma vez no interior des-
deve ser transportada através da membrana celular para sas células, os ácidos graxos são ressintetizados em trigli-

78
Capitulo 07 .: Nutrição e Cirurgia •
••
cérides. A go rdura é a rmazen ada (lipogênese) em grande Avaliação do estado nutricional
quantidade por dois tecidos: o tecido acliposo e o fígado .
o jejum prolo ngad o, o s triglicérides de positad os n o A prevalê ncia d e desn utrição e m pacie ntes hospitaJj_
tecido adiposo são hidro lizados em ácidos graxos e zados foi descri ta como send o entre 10% e 50%'. o
co lestero l (lipogenó lise) e, a seguir, tran sp o rtados no san- Brasil, o Inquéri to Brasileiro d e Avaliação u tricional
gue, até os tecidos a ti vos, o nde são oxidados p ara produ- H ospitala r (BRAN UTlU) avalio u 4.000 doen tes adul tas,
zir e ne rgia. Q uase to das as células, à exceção do tecido imernad os pelo Sistema Ú nico d e Saúde em hospi tais
cerebral, pod em utilizar ácidos graxos, e m luga r de glico- gerais, e ide n tificou prevalência de des n utrição de 48,1 % ,
se, como fo nte d e energia. Para tal, os ácidos g raxos p re- sendo 12,6% de des nutridos g raves 2• Em pacientes cirúr -
cisam ser tran spo rtados para o interio r da mi tocôndria e, gicos, os dados mostra m que a presença de des nutrição
para isso, depende m d a presença d e uma proteína, a ca r- foi de 35,5% , sendo q ue, e m pacientes com enfe rmidades
nitina. Na mitocôn d ria, os ácidos graxos são d egradad os d o trato gastro intestinal, o índ ice foi de 55% , com 19%
a ace til-coenzima A. de d esnu tridos graves.
O s hormô nios contra- regul ado res do es tresse pro- Diante do algo grau de desn utrição encontrado em
movem climinuição da lipogên ese e a ume nto acentuad o pacientes hospitalizados e tendo em vista sua relação com
d a lipó lise. A reserva lipíclica parece se r a mais impor- risco d e complicações e mortalidad e aumen tado, é funda-
tante fo nte ene rgé ti ca pa ra o p acien te ap ós o estresse. men tal avaliar o estado nu tricional de pacie ntes internados.
O s p rodutos do m etab o lism o lipíclico (lipopro teínas e O o bjetivo da avaliação nu tricional é cliagnosticar o
triglicérides), alé m d e oferecere m e nergia, liga m-se a estado nutricio nal e, assim, p od er iden tificar pacientes
vírus e e ndo toxi nas cir culantes com fun ção de defesa. com risco aume n tado de com plicações, d evido ao seu
Por co nseguinte, um adeq uado estad o nutricio nal é fun- estad o caren ciaL Conseqüen temente, poder-se-ão criar
d am e n tal n esse processo. opções pré-op e ratórias e pós-operatórias para dim inuir a
morbidade e a m o rtalidade. Até recen temen te, as m ecli-
das a n tropo métricas, como peso, altura, pregas cu tâneas
Metabolismo das proteínas e ci_rcun fe rên cias musculares, assim como os testes bio-
Cerca de três quartos dos compo nentes sólidos do quirnicos (princip almente, albumina e linfócitos) eram
corpo humano são constituídos po r proteínas, tais com o: amplamen te usados como fo rma de avalia r o estado
proteínas estruturais, enzimas, n ucleoproteinas, pro teí- nu tricio naP. o entanto, esses métodos ap resentam
nas que transportam oxigênio, p roteínas d os m úsculos diversas desvantagens, como as q ue poste rio rmente
que causam co ntração muscular e m ui tos outros tipos de serão men cionadas, gerando a necessidade d e se d esen-
pro teína com funções inflama tórias e imuno lógicas. volverem técnicas que possam ser mais confiáveis para
Os principais constituintes das pro teín as são os ami- melhor diagn ós ti co do estad o nu tricio naL Ass im, a ava-
n oácidos, d os quais 20 estão presentes nas proteínas cor- liação d o estado nu tricional eleve ser feira p o r abordagem
porais em qua ntidades sign ificativas, motivo pelo qual se m ultiva riada e essencialmente clínica (Quadro 7 .1 ).
intitulam ami noácidos essen ciais. As p roteínas são ini-
cialmente cligeridas no estômago pela ação da p epsina e, Antropometria
pdas secreçõ es pa nc reáticas. a form a
d e aminoácidos, elas são tran sportadas pelo sangue até o As medidas de d ad os an tro pométricos como p eso,
fígado, onde são metabolizadas, e até os m úsculos esque- altu ra, pregas c utân eas tricipital e subescapular, alé m das
léticos, onde ficam a rmazenad as. As p roteínas são tam- circunfe rências m usculares, são as mais utili zadas.
bém fo nte de en ergia, no entan to devem ser vistas, pre- A perda d e peso involu ntá ria superior a I 0% do peso
fe rencialmente, co mo fon te estrutural e de precursores usual sugere desnutrição e tem sido correlacio nada co m
d e ação imuno lógica e inflamatória. estad o nutricional d eficiente, mo rb idade e mo rtalidade
O metabo lismo pro téico é regulado p o r hormô nios, au me ntad as' . J á a p e rda d e mais de um terço do peso
razão pela qual, no jejum associado à resposta o rgânica usual está relacio nada com mo rte imine nte. o e n tan tO,
ao trauma, há acentuada pro teólise, ao contrário do ne m sempre é possível d eterminar-se a p e rda d e peso de
jejum simples, no qual isso oco rre em escala minima. ma neira exata. Morgan e t al.5 mostraram que a acu rácia

79
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
de se avaliar a perda de peso por meio da anamnese foi Além das dificuldades salientadas sobre as medidas de
de 0,67 e que o poder preditivo foi de 0,75. Esses dados pregas e circunferências, outro problema é que a compara-
indicam que 33% daqueles pacientes que tinham perdido ção dos dados encontrados é feita com tabelas de percen-
peso não foram identificados e que 25% daqueles pacien- tis derivadas d e estudos populacionais. Pode-se, assim,
tes estáveis em seu peso foram diagnosticados como classificar um indivíduo de maneira errô nea do ponto de
tendo perdido peso. Assim, a informação sobre a perda vista nutricional, caso este se encontre fora do padrão
de peso isoladamente poderá não ter significado nutricio- esperado, apenas por apresentar biotipo diferente.
nal, uma vez que sofre a influência de enorme variedade
de fato res d e confusão. Essencialmente, o desco nheci- Testes bioquímicas
m ento por parte do paciente do seu peso habitual prévio
e as alterações da composição hídrica co rporal são os A contagem total de linfócitos (valo rizando-se um
fatores de confusão mais comuns. número inferior a 1.500cel/ mm3 como tendo significa-
Po r meio do peso e da altura, obtém-se o índice de do), a dosagem de albumina sérica (valo res inferior es a
massa corpórea - I.MC (peso/ altura2), também chamado 3,5g/dL são sugestivos de desnutrição), a dosagem de
de índice de Quetelet. A faixa situada entre 18kg/m2 e transferrina (inferior a 200mg/dL), e as dosagens d e pré-
25kg/m2 é considerada segura, em relação ao risco d e albumina, de retino! ligado à albumina e de colesterol têm
desenvolvimento de d oenças associadas ao estado nutri- também sido usadas para o d iagnóstico do estado nutri-
cio nal. O I.MC entre 14 e 15kg/m2 está associado à taxa cio naP. Todos esses dados, contudo, po dem estar altera-
de mortalidade alta. dos em outras doenças e não apenas na desnutrição, tal
As pregas cutâneas fornecem parâm etros de porcen- como em neoplasias, doenças im unológicas, hepatopa-
tagem de gord ura corpórea. Como a tela subcu tânea tias e nefropatias. O valor da albumina, apesar de ser um
dado pobre para o diagnóstico do estado nutricional, é
representa aproximadamente 50% d as reservas d e gordu -
indicador prognóstico para o desenvolvimento de co m-
ra do organismo, a medida das pregas constitui parâme-
p]jcações e m ortalidade.
tro r azoável da quantidade· de gordura corpórea to tal. A
técnica é fácil e não-dispendiosa. A maio r crítica a essas
medidas é a grande variabilidade que apresen tam, de Testes de composição corporal
acordo com quem as executa, salientando a importância
de ser realizada por pessoa bem treinada. Outras críticas A análise d e imped ância bioelétrica é uma técnica
são que a medida das pregas cutâneas oferece dados de fácil, rápida, indolor e d e custo relativamente baixo,
usad a no intuito de avaliar a composição corpórea d o
compartimentos corpóreos, enquanto o efeito das doen-
paciente. Por meio de eletrodos, colocados nas extremi-
ças é determinado po r função tecidual, ou seja, as medi-
dades do braço e da perna homolateral, é passada uma
das podem representar boa correlação entre esses dois
corrente elétrica de baixa intensidade que fornece dados
segmentos em indivíduos sadios, mas não em doentes3 .
referentes à resistência da passagem dessa corrente e à
A medida da circunferência do braço é realizada por
reactância, que é a oposição ao fluxo da mesma corrente.
meio do simples uso d e fita m étrica maleável co nvencio-
A grande quantidade de gordura corpórea aumenta o
nal. Essa medida, quando usada numa fórmula, em con-
valo r da resistência, po is a gordura e o osso são maus
junto com a medida da prega cutânea tricipital, dá o valor
condutores, enquanto os tecidos magros são altamente
da circunferência muscular d o braço e da área muscular. co nd utivos. No que se refere à r eactância, a membrana
Esse dado fo rnece, também, por aproximação, o conteú- cel ular é também um indicado r de massa corpórea
d o da massa magra corpórea, já que a m usculatura esque- magra·' . No entanto, em pacientes com distúrbios hídri-
lética representa 60% do conteúdo total de proteína cor- cos, esse teste encontra-se significativamente alterado.
po ral, sendo esta usada como prin cipal fonte fo rnecedora E m laborató rios que estudam a avaliação do estado
d e aminoácidos em períodos de estresse e jejum. nutricional, têm sido usadas a tomografia computadori-
Considera-se significan te o valo r abaixo do percentil 10 zada, a ressonância magnética, a densitometria óssea, as
de uma única medida de área muscular do braço 3 o u, m edidas d e potássio corpóreo total e a análise d e ativação
então, d a medida da circunferência abaixo d o percentil 5. d e nêutrons. Todos esses testes são deveras dispendiosos

80
Capítulo 07 .: Nutrição e Cirurgia •
••
e demandam tempo grande de execução, por 1sso são gem am pla. A histó ria clínica é realizada de fo rma con-
úteis apenas em laborató rios de pesquisa3• vencional, salientando-se a moléstia atual, o tempo de
evolução, os sintomas gastrointestinais associados às
alterações de peso e de ingestão de alimentos, assim
Testes imunológicos como mudanças na capacidade funcional, o u seja, se o
A desnutrição interfere na resposta imunológica. Po r indivíduo continua exerce ndo suas atividades físi-
essa razão, medidas de testes cutâneos de hipersensibili- cas/ motoras habituais, se as dimi nui u o u se está acama-
dadc tardia, por meio da inoculação de antígenos tais do. Detsky et ai! mostraram claramente a grande concor-
como Candida, Tricophyton, caxumba e outros, foram, dância do diagnóstico do estado nutricio nal, entre exami-
no passado, muito usados para medir a competência nadores treinados, usando a avaliação global subjetiva.
im unológica e, indiretamente, o estado nutricional'. Ho uve índice de 91 % de acerto entre dois o bservado res
Todavia, porque grande número de situações pode cau- avaliando o mesmo paciente. o l BRANUTRJ , a avalia-
sar ancrgia, tais como uso de drogas (especialmente os ção glo bal subjetiva foi usada como instrumento para
co rticóides e imunossupressores), presença de infecção, realizar a avaliação nutricional de 4.000 pacientes interna-
de neoplasias e de queimaduras, entre o utras, esses parâ- dos em hospitais do Brasil, após os resultados do estudo
metros fo ram praticamente abando nados na avaliação do piloto terem demonstrado concordância do diagnóstico
estado nutricional. nu tricio nal de 87% , entre examinado res 2•
r\ avaliação global subjetiva dc,·erá abordar perda de
peso involuntária nos últimos seis m eses e nas duas sema-
Índices nutricionais nas anteriores à entrevista, assin1 como a maneira em que
esta ocorreu. Considera-se a perda de peso de menos do
O uso de índices nutricio nais, tais como o índice de
que 5% como pequena, entre 5% e 100;(, como perda
prognóstico nutricional, representa a uti ljzação de fó r-
po tencialmente signi ficante e acima de 10% como perda
mulas matemáticas derivada de equações que combinam
defm.itivamente significante. o entanto, a maneira como
medidas de albumjna sérica, prega cutânea tricipital,
a perda ocorreu é também relevante. Dessa fo rma,
transferrina e testes de sensibilidade cutânea tardia. Cada
paciente que tenha perdido 20% do seu peso habitual nos
um desses dados tem sua própria restrição de uso, co mo
últimos seis meses, mas que nos 15 dias antecedentes à
anteriormente mencio nado. Contudo, quando usados
avaliação tenha conseguido recuperar peguena parte dessa
em conjunto, evidenciaram aumento na sensibilidade de
perda, desde que não haja sinais de edema, é visto como
prever complicações em pacientes cirúrgicos'.
tendo estado nutricional provavelmente melhor do que
um paciente gue, nas duas semanas prévias, continuou a
Testes funcionais perder peso. Po rtanto, é possível encontrarem-se doentes
co m perdas de peso importantes, mas com ganho ou, até
A medida da força de contração do músculo adductor recente estabilização de peso, sendo considerados nutri-
po/Licis, a di namo metria, o teste ergométrico e a espiro- dos. Po r outro lado, outros doentes co m perdas quantita-
metria são medidas funcionais que indiretamente avaliam tivas menos significantes, mas ocorridas abruptamente,
o estado nutricio naP. A ausência de aparelhos adequados podem ser diagnosticados como desnutridos.
e a falta de experiência com a técnica tem Limitado o seu O segundo parâmetro a ser analisado deverá ser a his-
uso. E ntretanto, é uma boa perspectiva para ser utilizada tória de ingestão alimentar em relação ao habi tual do
no futuro como for ma de avaliar o estado nu tricional c paciente, considerando como base: jejum, dieta líg uicla
defini r a terapia nutricional. restri ta, dieta líquida com pleta, dieta sólida em quantida-
de inferior ao habitual e, finalmente, dieta habitual. O
Avaliação global subjetiva período em que as mudanças de hábito alimentar ocorre-
ram é um dado de valo r, uma vez gue paciente, por
os últimos anos, a avaliação global subjetiva'' tem exemplo, em dieta líquida, sem suplementação nutricio-
ganho adeptos na medida em que favorece a avaliação do nal, po r mais de sete dias, seguramente, não recebe as
estado nutricional de um paciente por meio de aborda- necessidades nutricio nais gue demanda. Assim, esse

81
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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doente estará com seu balanço energético negati vo, com como: (A) nutrido; (B) com suspeita de desnutrição ou
conseqüente probabilidade de estar se desnutrindo. moderadamente desnutrido; (C) desnutrido grave.
Questiona- c, posteriormente, sobre a presença de
sintomas/sinais gastrointestinais, tais como anorexia,
náuseas, vômito c diarréia, tendo como resultado signi-
Necessidades nutricionais (proteínas,
ficante a presença de qualquer um deles por período carboidratos, lípides, vitaminas e minerais)
superior a 15 dias. a vigência de dia rréia c vômitos,
É importante ressaltar que o peso utiüzado nos cál-
além de o paciente não conseguir ingerir dieta adequada,
culos nu tricio nais, p rincipalmente no início da terapia
sofre também perdas de nutrientes. As probabilidades de
nutricio nal, deverá ser o peso atual do doente. A exce-
desnutrição em pacientes que apresentam essas altera-
ção fi ca por conta de doentes obesos, edemaciados e
ções são significativas.
das grávidas. No pri meiro caso, deve-se utilizar o peso
A capacidade funcio nal deverá ser o próximo item
ideal baseado no índice de massa co rpó rea entre
analisado, valo rizando-se esta em termos de ati vidades
20kg/m2 e 28kg!m2. os doentes co m edema e nas
físicas. Pergunta-se ao paciente se tem conseguido exer-
grávidas, o peso utili zado é o habitual, ou seja, aquele
cer suas ati vidades físicas habin1ais, como ir trabalhar ,
que o paciente indica ter tido antes da ocorrência da
fazer serviços domésticos e/ o u exercícios físicos. Se a
doença ou gravidez. Em cirscunstâncias em que a info r-
resposta fo r afi rmativa, deve-se questionar se a intensida-
mação do peso não estiver dispo nível e a pesagem não
de dessa atividade tem sido semelhante à anterior ao
fo r possível de se realizar, pode-se utiliza r o peso esti-
período que an tecede a doença ou se está alterada. E m
mado, com base na estatura do doente.
outras sin1ações, os pacientes encontram-se acamados e,
As necessidades nutricionais energéticas (calorias)
desde que isso ocorra, não por incapacidade motora, mas podem ser estimadas de vá rias fo rmas, das quais a
sim po r fraqueza ou cansaço, provavelmente, existe asso- melhor seria a realização de calo rimerria indireta. o
ciação com incapacidade funcio nal. abe-se que, muito entanto, a técnica é dispendiosa e demanda tempo de rea-
antes de alterações antropométricas ocorrerem, existem lização longo, além de sofrer in fluência de diversas
mudanças funcionais decorrentes de desnutrição, como outras variáveis relacio nadas com a doença e o estado do
diminuição de fo rça muscular. paciente. Assim, tem-se optado pela utilização de fó rmu-
Valoriza-se, finalmente, a doença atual do paciente las como a de Harris e Benedict, corrigida pelos fatores
no que concerne às dema ndas metabólicas. r\ p re ença de atividade e estresse, e a fórmula rápida (Quadro 7.2) .
de in fecção e trauma es tá, em ge ral, relacionada a taxas Ressalta-se, que quanto mais grave é o doente, maior o
de metabo lismo aumen tadas. J á o câncer pode ou não risco de intolerância à gücose e de d istúrbios lipídicos,
representar aumento de metabolismo, mas pode inte r- motivo pelo qual menor quantidade de calorias deverá
ferir na deglutição, na digestão e/ o u na absorção, ser oferecida, ao contrário do que muitos profissionais
dependendo de sua localização. E m nosso trabalho', acreditam ser o indicado.
,·erificamo que a presença de câncer au mentou o risco A necessidade de pro teínas é de 1g/kg/dia a
de desnutrição em 2,7 vezes, enquanto a infecção esta- 2g/kg/dia, dependendo da gravidade da doença, da con-
va associada a pio r estado nutricional em 2,6 vezes. dição clínica do doente (essencialmen te função renal e
Assim, o diagnóstico do paciente é fato r de risco para hepática). A im endo, quanto maior a demanda meta-
pior estado nutricio nal. bólica, mais proteínas deverão ser o ferecidas, principal-
O exame físico deverá averiguar três dados básicos: mente quando há perdas de liquidas corpóreos, como no
perda de tecido subcutâneo no nível da região do tríceps caso de pacientes queimados ou com fístulas digestivas.
e da região subescapular; perda de massa muscular, pri n- A necessidade de lípides é de 1g a 1,Sg/dia. o entan-
cipalmente, dos quadríccps e deltóides; presença de to, por questões econô micas, regimes de nutrição paren-
edema de tornozelo e na região sacra, assim como ascite. teral sem a ad ição de üpídios são freqüentes (os lipídios
O diagnóstico do estado nutricional é ba eado na his- para administração venosa são dispendiosos). Logo, nes-
tória c!inica, na doença principal do doente e no exame sas circunstâncias, deve-se administrar lipídes uma a duas
físico simpli fi cado. Assim, o paciente é classificado vezes po r semana para repor as necessidades de ácidos

82
Capítulo 07 .: Nutrição e Cirurgia •
••
graxos essenCiais (linoléico, linolênico e araquidônico), Nutrition Board of the NationaL Academy of Sciences
uma vez que o organismo não consegue sintetizá-los. (Quadro 7.3t Em doentes com perdas aume ntadas,
As vitaminas e os minerais são obrigatôrios em como nos casos de queimaduras e fístulas, a suplemen-
pacientes com via artificial de nutrição. Sua suplemen- tação desses nu trientes é empírica, mas certamente
tação é baseada em recomendações utilizadas para indi- deverá ser maior do que a recomendada para indiví-
víduos sadios, conforme as recomendações dietéticas duos sadios. a prática, deve-se o ferecer, pelo menos,
(dietetic recommended intake - DRI) pela Food and duas vezes a dose recomendada pela DRl.

Quadro 7.1 .: Vantagens e desvantagens das diversas técnicas de avaliação nutricional

Técnica Vantagem Desvantagem


.. ..•
Peso Demanda apenas a existência de balança Erros na informação do peso habirual e da quantidade perdida
Pacientes acamados
Presença de edema

!i\IC (peso/alrura2) Demanda apenas a existência de balança e Depende da composição corporal


fita para medir a altu ra Pacientes acamados
Presença de edema

Pregas cutâneas e circun- Técnica fácil Grande variabilidade de acordo com quem a executa
ferência muscular Mede comparúmentos corpóreos Tabelas criadas a partir de estudos populacionais que podem não
refletir a população analisada
Boa referência para seguimento, mas não para diagnóstico

T estes bioquímicas Maioria dos exames disponíveis em cünica Todos podem estar alterados em outras doenças que não
e hospitais desnutrição, como em neoplasias, doenças auto-imunes, hepatopacias
e nefropatias
Em geral, dispendiosos

Testes de composição Avaliam os compartimentos corpóreos Alterados em pacientes com distúrbios hid roeletrolfticos
corpórea Em geral, são muito dispendiosos

Testes imunológicos Fáceis de serem realizados Outras situações podem causar anergia: uso de corticóidcs e imunos-
supressores, presença de infecção, neoplasias c queimaduras

Calorimetria Avalia o g:&sto energético Sofre influência do estado metabólico do paciente, da temperatura cor-
poral e do ambiente, da alimentação e do grau de acividade flsica
É mais bem indicada para monitorar a terapia nutricional
Testes funcionais A\•aliam força muscular ecessidade de aparelhos adequados c experiência com a técnica
Avaliação subjetiva Relativamente f:ícil de ser realizada
global T reinarnento dos examinadores
Baixo custo
' ão-adcquada para seguimento
Valoriza a doença

83
• Fundamentos em Clínica Cir úrgica

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Quadro 7.2 .: Necessidades nutricionais pela fó rmula ele ll arris e Beneclict, corrigida pelos fatores de injúria c atividade c pela regra do
polcg,u (fórmu la rápida)
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Fórmula de l-larris-Benedict
..

GEB* homem= 66,4730 + ( 13,7516 x P*) +( 5,0033 x A*) - (6,n5o x I*)
GEB* mulher= 655,0955 + (9,504 x P*) +( 1,&496 x A*)- (4.6756 x I* )
*GEB = WISIO energético basal, P =peso em kg, ,\ -altura em em c 1 = idade em anos

GET* = GEB X FA* X FI*


= J._rasto total: f' A = fator de auvidadc c Fl = fawr de injún:1

Fator de mjllno ( FI ) l'ator de m1llria ( FI )

Paciente não complicado 1,0 Pcntonitc 1,5


Pós-upcralúritl de câncer 1,1 ..,.... scpse 1.6
Fratura 1,2 Queimadura 3frYo a 50% 1,7
Scpsc 1,3 Qucim:1du111 5l)Oh, a 70°/o I,H
Peritonitc 1,4 Queimadura 70 - 90% 2,0

Fator de ali\ tdadc (Ft\)

Acamado 1.2
Ambulante 1,3
Fórmula rjpida = Peso atual x 25 a 30kcal/kgldia

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Quadro 7.3 .: ecessidadcs de vitaminas e minerais de acordo
com as recomendações dietéticas* (D Rl)
---------------------------------------------------··• Conduta nutricional pré-operatória
Vitamina A 400 a 1200..,g!dia
A quem indicar
Vitamina D 7,5 a IOf.lg/dia
Vitamina E 3 a 12mg/dia Pacientes desnutridos graves beneficiam-se de terapia
Vitamina K 5a
nutricional pré-operatória quando vão submeter-se a
operações programadas, principalmente naq uelas de
Vitamina C 3 a 95mg/dia
grande porte. O estudo do V A mostrou que pacien-
T iamina 0,3 a 1,6mg/din tes desnutridos graves que receberam nutrição parenteral
Ribofla,-ina 0,4 a 1,8mg!dia pré-operatória tiveram significativa redução de compüca-
1 iaciana 5 a 20mg/dia ções, principalmente infecciosas. O mesmo resultado
Vitamina 86
não foi encontrado em pacientes nutridos ou desnutridos
0,3 a 2,2mg/dia
moderados. Nesses últimos, de acordo com a situação,
rola to 25 a 260f.lg/dia
também se faz necessário o reta rdo elo proced imento
Vitamina 81 2 0,3 a 2,6mg/dia cirúrgico. E m situações em que o paciente tiver que se
Cálcio 400 a 1200mg!dia submeter a propedêutica complementar que demande
Fósforo 300 a 1200mg!dia acréscimo de dias em jejum, a terapia nutricional também
deverá ser avaliada.
Magnésio 40 a 400mg!dia
Ferro 6 a 30mg/dia
Z inco 5 a 19mg/dia Como realizar
lodo 40 a 200mg/dia A via de nutrição a ser utilizada vai depender da doen-
Selênio 10 a 75f.lg/dia ça e das condições do trato digestivo. a maioria das
• vezes, esses pacientes demandam o uso de nutrição
··---------------------------------------------------
variações das dosagens são de acordo com a
• 1\ s erária e "iexu.
fa1xa
parenteral, uma vez que a obstrução do trato gastroi ntes-

84
Capftulo 07 .: Nutrição e Cirurgia

••
tinal está presente. Contudo, sempre que possível, deve- e em jejum por seis a 24 horas, apresentaram capacidade
se utilizar também a via oral e emeraJ. inferior de tolerar a agressão guando comparados ao ani-
mais que receberam carboidratos. Os animais alimenta-
dos responderam ao trauma com resposta orgânica dimi-
Tempo necessário
nuída, melhor tolerância à glicosc, força mu cular aumen-
O preparo pré-operatório é feira por período de sete tada c menor translocação bactcriana. Após essas obscr-
a 14 dias, objetivando essenciaJmente a produção de pro- vaçõe , buscou-se verificar se i so também acontecia em
teínas de fase aguda (proteína C reativa, a -macroglobuli- seres humanos. A hipótese levantada foi que a sobrecarga
nas, proteínas do sistema complemento, Jjgantes metáli- de carboidratos no pré-operatório incorreria em resposta
ca , proteínas pró-coagulantes e inibidores de protcase) orgânica diminuida. Assim sendo, pacientes ubmetidos a
necessárias para a recuperação pós-operatória. colecistectomia convencional receberam, na noite anw-
rior à operação, Smg/kglminuto por via endovenosa.
Isso rcsulrou em hiperinsulinemia, semelhante ao estado
Jejum pré-operatório pós-prandial. Os pacientes ti\·eram redução de 50°10 de
resistência periférica à insulina no pós-operatório, quando
Operações eletivas são, em geraJ, realizadas após dez a
comparados a pacientes em jejum por 12 horas 1'. ' o
16 horas de jejum. A rotina é manter-se o paciente sem
enramo, a oferta de carboidratos por via venosa demanda
comer desde a noite anterior ao aro operatório. Es e perío-
internação no dja anterior, o que gera custos aumentados.
do é tido como fundamental para que, no momento da
Logo, a possibilidade de oferecer a mesma quantidade de
indução anestésica, o estômago esteja completamente
carboidratos por via oral foi a\·aliada de modo que os
vazio e o risco de aspiração seja mínimo. o entanto, esse
pacientes pudessem ser preparados em suas residências.
tempo é uficienremente longo do ponto de vista metabó-
Foi elaborada bebida rica em carboidratos, comendo
lico, para levar a depleção do estoque de glicogênio, o que
12,5% de glicose. A oferta dessa bebida contendo 12,5g
tem impacro na resposta orgânica ao estresse, aJém de gerar
de carbo idratos por IOOmJ, na noite anterio r à operação
desconforto a vários pacicntes 1"·". A resposta endócrino-
(800ml) c até duas horas antes da indução anestésica
metabólica apresentou-se aumentada em pacientes subme-
(400ml), em paciente submetidos a operação colo rrelaJI 2
tidos a jejum nommo, quando comparada a pacientes que
e colocação de prótese LOtai de quadriJI , Lambém diminui
receberam infusão de carboidrato . Esses esmdos mostra-
a resistência periférica à insulina.
ram que o jej um pré-operatório aumenta o esttes c meta-
bólico induzido pelo tratamento cirúrgico1"· 11 .
A o ferta de nutrientes no pré-operatório imediato, mais Conduta nutricional pós-operatória
especificamente carboidrato , rem sido considerada como
um dos possíveis fatores benéficos, potenciaJmente com o pós-operatório, há aumento de metabolismo
ação de minimizar a resposta oq.,tânica. Três estudos recen- desencadeado pela resposta orgânica ao trauma cirú rgi-
tes, dois em pacientes submetidos a o perações ortopédi- co. A falta de oferta dos nutrientes (o raJ, cnteral e paren-
cas1!.11 e outro envolvendo pacientes com enfermidades teral) pode contribuir não só com a piora do estado nuLri-
gastrointe tinais 1• mostraram que paciente que receberam cio naJ, mas também com complicações, principaJmcnte
sobrecarga de carboidratos, no pré-operató rio, tiveram em pacientes previamente desnutridos.
menor resistência hepática à insulina c diminuição das per- a amalidade, a terapia nutricionaJ pós-operatória visa
das de nitrogênio, do p1imeiro ao terceiro dia pós-operató- não só à manutenção ou recuperação do estado nutricio-
rio. Além disso, houve melhor controle glicêmico do grupo nal, ma também à modulação da resposta orgânica.
tratado, o que pode ser traduzido em menor risco de com- Portanto, quanto mais precocemente a nutrição for imro-
plicações relacionadas à hiperglicemia. duzida, melhores resultados poderão ser alcançados.
A hipó tese de que sobrecarga de carboidratos interfira
na resposta metabólica, conforme citado anteriormente,
Jejum e liberação da dieta oral (tipos)
advém de pesquisas em ratos submetidos a estresse impor-
tante. i'-le e e tudo , animais submetidos a grandes A Liberação da dieta oral e o tipo de alimentos permi-
estresses, tais como chogue hemorrágico ou endotoxemia, tidos Qiquidos claros prog redindo para alimentos sóli-

85
..

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

dos) após a resolução do "íleo" não têm sido apoiados coce melhora a cicatrização e o fluxo esplâncnico, esti-
pela Medicina baseada em evidências. O jejum pós-opera- mula a motilidade intestinal, conseqüentemente dimi-
tório é, em geral, prescrito até que haja eliminação de jla- nuindo a estase, e tem impacto na diminuição da m orbi-
tus ou de fezes. Isso, em geral, ocorre em torno do tercei- mortalidade4.z2·23. Em estudo prospectivo randomizado
ro ou quarto dia pós-operatório. Logo, o tempo de inter- realizado por Aguilar-Nascimento et aJ.2<, verificou-se
nação hospitalar é maior, pois se aguarda que o doente que não houve diferença significante entre as taxas de
coma e tolere a dieta para se dar a alta. Acredita-se que a deiscência de anastomose entre o grupo que recebeu
dieta precoce possa levar a distensão abdominal, náuseas nutrição precoce e o submetido a conduta convencional.
e vômitos, piorando o íleo adinâmico. Casto et al. 17 defini- A nutrição precoce é viável e segura, mesmo quando ofe-
ram essa prática como "antiquada e baseada em condutas recida entre quatro a 12 horas após a operação 25' 7 •
existentes há mais de 100 anos, quando a incidência de Na verdade, a oferta precoce de nutrientes estimula
vômitos pós-operatórios era muito mais elevada, devido reflexo que produz atividade propulsiva coordenada e
ao uso de anestésicos rudimentares". induz a secreção de hormônios gastrointestinais, diminuin-
Alguns autores têm estudado o impacto da dieta pre- do, por conseguinte o íleo pós-operatório. Anderson et al. 28
coce na recuperação pós-operatória e todos os paradig- mostraram, em pacientes submetidos a operações colorre-
mas sobre o tema têm sido desafiados e questionados. tais, que o grupo que recebeu tratamento multimodal, no
Alguns estudos têm mostrado que, após a realização de qual a nutrição precoce era uma das variáveis, apresentou
operações colorretais, é possível alimentar os doentes recuperação mais rápida e significante retorno da função
precocemente e dar alta no 2° e 3° dias pós-operatórios' 8 • gastrointestinal, cuja média foi de 48 horas (33h-55h) versus
Essa prática diminui o desconforto dos doentes, o tempo 76 horas (70h- 110h) no grupo controle.
de internação e, conseqüentemente, os custos hospitala- A oferta de nutrição precoce é uma variável que deve
res, sem aumento concomitante de complicações. ser associada à anestesia epidural, operação minimamen-
Até o momento, o tratamento convencional adotado te invasiva, medicações antieméticas, mobilização preco-
pela maior parte dos hospitais e clínicas recomenda o ce no pós-operatório e preparo psicológjco do paciente,
jejum em conjunto com a administração de líquidos entre outras.
intravenosos até que haja eliminação de jlatus ou fezes. A liberação progressiva de nutrientes, iniciada com
Na verdade, não existem protocolos que orientem sobre líquidos claros até alimentos sólidos, tem sido outro aspec-
a liberação da dieta na maioria dos centros. Por exemplo, to controverso e discutido por muitos cirurgiões que, na
no Reino Unido, 78,5% das unidades obstétricas questio- sua maioria, ainda acreditam que essa seqüência deva ser
nadas informaram que a decisão de alimentar as pacien- respeitada. No entanto, em estudo prospectivo randomi-
tes após a realização de cesarianas é feita sem nenhuma zado realizado no Hospital das Clínicas da UFMG,
rotina estabelecida' 9 • Sanches et al. 29 acompanharam 165 doentes submetidos a
A razão pela qual o jejum pós-operatório rotineiro tratamento cirúrgico eletivo para afecções gastrointesti-
ainda é praticado por longo período baseia-se em duas nais. A um grupo foi permitido ingerir dieta livre tão logo
justificativas. A primeira é a crença de que se deva aguar- esta foi liberada, enquanto o outro grupo recebeu alimen-
dar pela resolução da dismotilidade intestinal transitória tos de aco.r do com a progressão habitual (líquidos claros
(íleo pós-operatório). A segunda é justificada pela possi- até dieta regular). Os autores não encontraram nenhuma
bilidade de que a alimentação precoce aumente o risco de diferença na incidência de complicações ou na intolerância
fístulas anastomóticas. Esse aspecto não mais é validado à dieta, entre os dois grupos. Os pacientes que ingeriram
pelas evidências da atualidade. A cicatrização das anasto- dieta livre receberam mais calorias no primeiro dia da dieta
moses e as complicações pós-operatórias são diretamen- (917,13 calorias versus 467,94 calorias). Os autores reco-
te afetadas por diversos fatores, tais como: estado nutri- mendam a prescrição de dieta livre como primeira opção
cional do doente20; uso de drogas imunossupressoras tão logo esta seja liberada. Em outro estudo, Jeffery et al?''
como corticóides; condições locais do abdome influen- comparando os dois tipos de dieta, liquida restrita versus
ciadas pela presença de inflamação, infecção, e/ou cân- livre, verificaram que a incidência ele complicações foi
cer; fluxo esplâncnico adequado; boa técnica cirúrgica, semelhante entre os dois grupos (7,5% versus 8,1 %) .
entre outros 2' . Por outro lado, sabe-se que a nutrição pre- Segundo os autores, essa conduta é bem tolerada (a dieta

86
•••
Capítulo 07 .: Nutrição e Cirurgia

livre é mais palatável para o doente e mais fácil de engolir) considera-se a necessidade de acesso por mais de seis
e diminui o tempo de hospitalização. semanas importante indicativo para realiza r-se ostomia.
O cirurgião deverá conhecer as vantagens de cada tipo de
acesso (cateter ou ostomia) diante da condição do
Nutrição enteral
paciente, do tempo previsto de uso de nutrição enteral,
A nutrição enteraJ, por ser mais fisiológica que a ponderando sobre os potenciais riscos associados a cada
parenteral, deverá ser uma opção no pós-o perató rio de um, de modo que possa indicar a melhor opção durante
alguns pacientes, nos quais a via o ral não seja recomen- o ato o peratório.
dada. É bem estabelecido que o estômago recupera sua
atividade motora pós-operató ria dentro de 24 a 48 horas,
enquanto o cólon demora cerca de 48 a 72 ho ras 11 • Com
Complicações: mecânicas, gastrointestinais e metabólicas
a utilização de cateteres em posição pós-piló rica, é possí- A existência de compticaçõe , principalmente no pós-
vel oferecer dieta enteral precocemente. Além da oferta operatório, devem ser co nhecidas para evitar riscos
dos nutrientes, o utros benefícios da dieta enteral já foram maio res para os pacientes. As complicações mecânicas
relatados, como esómulo à mo tilidade intestinal, reduzin-
mais comuns são o deslocamento, a perda acidental e a
do o tempo de íleo, c aumento do fluxo esplâncnico com
obstrução do lume dos cateteres. Pode, ainda, oco rrer
melho ra da cicatrização.
aspiração com pneumonia, irritação faríngea, o tite, sinu-
site, irritação e erosão nasolabial, esofagite e, no caso de
Indicações estom a, drenagem ao redo r do tubo e dermatite locaP2 •
As complicações gastrointestinais são náuseas, vômi-
A nutrição entcral deverá ser indicada em pacientes
tos, desconforto, distensão , cólica abdominal e diarréia.
com trato brastrointescinal funcioname, para os quais a
São co mplicações normalmente transitórias e podem ser
dieta oral não for permitida imediatamente, como no
solucionadas, em sua maioria, com medidas rotineiras
caso de pacientes submetidos a ressecções de tumo res de
como uso de antieméticos, pró-cinéticos e analgesia,
cabeça e pescoço ou de ó rgãos do trato digestivo proxi-
redução do volume de infusão ou me mo interrupção
mal (esôfago, e tômago, pâncreas etc.), independente-
mente do estado nutricional prévio, visando principal- temporária da dieta. A cicatrização das anastomoses e as
mente minimizar a resposta orgânica. complicações pós-operatórias são diretamente afetadas
po r o utros fatores, como estado nutricio nal do
uso de drogas imunossupressoras, condições locais do
Tipos de dietas abdome influenciadas pela presença de inflamação,
Existem múltiplas fórmulas de dietas enterais adequa- infecção e/ ou câncer, flu xo esplâncnico inadequado e
das a situações particulares de cada enfermo. Essen- boa técnica cirúrgica 21 •
cialmente, as fó rmulas são classificadas de acordo com a As complicações metabólicas não são tão freqüentes,
forma em que os macronutrientes se apresentam. Assim, mas podem oco rrer principalmente em pacientes mais
fó rmulas com nutrientes intactos e complexos são cha- graves. Podem citar-se a desidratação, hiperglicemia e os
madas de poliméricas, e aquelas com nutrientes parcial- distúrbios hidrocletroliticos. As complicações geralmen-
mente hidrolizados são intituladas o ligom éricas. A indi- te ocorrem no início da terapia e estão associadas a
cação de cada tipo de solução faz-se de acordo co m a o utras comorbidades.
situação clínica do doente naquele momento, a presença
de doenças associadas e a tolerância à fórmula prescrita.
Profilaxia das complicações
A profilaxia das complicações relacio nadas com a
Vias de acesso: cateteres e ostomias
nutrição enteral começa com a adequada indicação dessa
O tipo de acesso a ser utilizado depende da preferên- fo rma de terapia e da via de acesso, assi m como da exis-
cia de cada cirurgião, da disponibilidade do hospital e até tência de protocolos de infusão e mo nito ri zação. A exis-
das condições particulares de cada paciente. Geralmente, tência de equipes de terapia nutricio nal em muito tem

87
• Fundamentos em C línica C irúrgica

••
contrib uído para melhores resultados associados ao uso macronutrientes e outras têm minerais adicionados. E m
de nutrição enteral. geral, essas fó rm ulas não têm as vitaminas associadas,
pois considera-se que, pelo tem po ele estocagem, elas
possam perder a ação farmacológica.
Nutrição No Brasil, no entanto, a maioria das soluções utili za-
Por nutrição parenteral entende-se a administração das é preparada por farmácias de manipulação, seguindo
endovenosa de nutrientes necessários para manter o esta- as normas vigentes da Secretaria de Vigilância Sanitária
do nutricional de um indivíduo ou mesmo restaurar do Ministério da Saúde. Essas fórmulas são preparadas
depleções nutricionais. Para atingir tal objetivo com de acordo com a prescrição feita pelo médico assisten te
segurança e eficiência, algumas etapas devem ser cumpri- e incluem praticamen te todos os nutrientes necessários.
das, seguindo-se rotina adaptada às peculiaridades pró-
prias de cada caso. Essa rotina deve incluir indicação pre-
Vias de acesso (sistemas venosos superficial e profundo)
cisa, escolha da via de acesso venoso a ser utilizada, da
solução de aminoácidos e da fonte calórica mais apro- A via de acesso venoso mais comumen te utilizada é a
priada, assim como a provisão de quantidades adequadas punção percutânea infraclavicular de veia subclávia. Essa
de água, eletrólitos, vitaminas e oligoelementos. Os cui- via foi descrita inicialmente po r Aubaniac, na França, em
dados de assepsia devem ser seguidos cuidadosamente 1952, que a utilizava para o acesso venoso rápido de
duran te o preparo das soluções, a obtenção da via de pacientes com ferimentos ele guerra''. O uso dessa via
acesso e a manutenção do cateter venoso. para as in fusões das soluções hiperosmolares normal-
mente utilizadas em nu trição parenteral foi proposto, ini-
cialmente, em 1969, por D udrick34 • Subseqüen temente,
Indicações
descreveram-se a punção da veia jugular interna, veia
A nutrição paren teral está indicada sempre que não jugular externa, veia cefáhca ou basílica, veia femoral para
for possível utilizar-se o trato gastrointestinal, ou, ainda acesso à veia cava inferior, fís tulas arteriovenosas e até
que dispotúvel, quando não se con-seguirem atingir as acesso direto ao átrio di reito. Mais recentemente, tam-
necessidades nutricionais completas pela via oral ou bém se tem indicado o uso de veias periféricas para a
enteral. Mui tas vezes, o trato gastrointestinal é passível in fusão de nu trição parenteral. Neste último caso, a fó r-
de uso, mas a ausência de via de acesso inviabiliza a sua mula nu tricio nal é menos hiperosmolar e utihzam-se dro-
utilização. É por essa razão que o cirurgião deverá estar gas adicionadas à ela, que parecem diminuir a probabili-
atento para as vantagens de uma forma ele terapia sobre dade de lesão vascular, tais como heparina e corticóides.
a de maneira que no ato operatório a decisão de O utra opção é a colocação de cateter longo, em veia cen-
obter o acesso enteral definida. Em pacientes com tral, por meio de acesso periférico (dissecção venosa).
intestino curto, em geral, a nutrição parenteral está indi-
cac4 como principal nutritiva. Pacientes com fístulas
Complicações metabólicas e sépticas relacionadas com os
de alto débito ou com obstrução intes tinal também têm
cateteres venosos e as soluções
indicação de nutrição parenteraL É importante ressaltar
que, mesmo que a nutrição parenteral seja a via de ali- As comphcações da n utrição parenteral são normal-
mentação de escolha, sempre que possível deve-se avaliar mente agrupadas em três tipos principais: mecânicas,
a viabilidade de estimular o trato gas troin testi nal com metabóhcas e infecciosas. N uma coletânea de quatro
pequena quantidade de nutrição enteral, objetivando o estudos sobre complicações da nutrição parentcral, nos
trofismo da mucosa gastrointestinal. quais foram avaliados 2.050 p acientes, a incidência de
complicações mecânicas foi de 6,7% , metabóhcas de
Soluções 25,7% e as complicações infecciosas ocorreram em 4,7%
dos casos35-8 •
Existem múltiplas soluções disponíveis de nutnçao Complicaçõe s m ec ânicas - As complicações são
parenteral, inclusive prontas para uso, fornecidas pela mais comumen te associadas à introdução do cateter
indústria fa rmacêutica. Algum as contêm apenas os venoso, especialmente durante a punção da veia subclá-

88
Capítulo 07 .: Nutrição e Cirurgia •
••
via. As mais freqüentemente relatadas são pneu motórax, D eficiência de ácidos graxos esscnw us po d e ser
hemo-hidrotóra.x e punção arterial acidental. A embolia o bservada após semanas do uso de nutrição
gasosa também po de ocorre r, mas é rara. u ma rev1 ao p arenteral sem lipides, apesar de as manifestações clini-
munclial sobre a freqüência de complicações mecâ nicas cas, como lesões de pele, poderem levar meses pa ra se
dos cateteres, fo ra m avaliados 39.1 80 cateterismos veno - manifes ta re m .
so centraisw. Complicações mecânicas o bservadas após a Raram ente a n utri ção p a re nte ral pode ocasiona r
inserção d o cate ter inclui ram mau-p osicionamento (6%) doença metabólica óssea. Ela e manifesta por hipercal-
lesão arterial (1,4%), pncumo-hidro-hcmo tó rax (1,I %), cemia e p erda excessiva de cálcio c fósforo na u rina. O
trom boses venosas (0,35%), tromboflebite (0, 1%) e exame histopatológico dos óssos desses pacientes revela
cmbo lismo do catete r (0, 1%). Essas complicações devem sinais de osteomalácia. Estudos recentes sugere m que
ser diagnosticadas c tratadas imedia tame nte. Para tanto, é essa anormalidade não decorre de defeitos de mi neraliza-
impo rtante o es tudo raclio lógico d e rotina após a introdu- ção, m as sim da d im in uição na fo rmação de matriz óssea.
ção do cateter. Complicações mecânicas tarclias associadas Complicações infecciosas - 1\ incidência de scp st=
ao cateter inclue m deslocamen to, re tirad a acidental, migra- relacionada ao cateter venoso no início da experiência
ção com em bolia e extravasamento do cate ter. A incidên - com n utrição parenteral era bastante elevada, chegando
cia dos chamados acidentes de punção tende a climinuir a 3m'(, dos casos"' . Com o d esenvolvime n to das equip es
com a maio r experiência de quem a realiza. e pessoal esp ecializado em te rapia n utricio nal, ela redu-
As co mplicações rel acio nadas às soluções são, e m ziu-se para 6 ,5%'2 • Uma das p ri meiras manifestações de
geral, d eco rrentes de p reparo c a rmazen amento in ad e- sepse no doentes recebendo nutrição parenteral é a
q uad os, com conseqüe nte co n taminação c alterações into le râ ncia à glicose. ma vez descartada a possibilida-
fisico-q uímicas. d e de outro fo co in feccioso por meio de exame bacte rio -
Complicações metabólicas - As complicações lógico de urina, sangue, escarro ou secreção de sítio
metabólicas mais freq üentes da nu tri ção pare nte ral são a cirúrgico, o cateter deve ser avaliado, até p rova em con-
intolerân cia à glicose e as alte rações das provas d e função trário, com o causa da febre. t\ conduta mais freqüente-
hepática. comumente ob ervam-se h ipenrigliceri- mente utilizad a é a retirada d o cateter e o envio d e s ua
demia, hipoglice mia, defi ciê ncia dos ácidos graxos essen- p o n ta para c ultura, alé m da realização de hemocultu ras.
ciais, h iperi nsulincmia, aumento d a no repine frina sé rica,
hipe rcapnia e hipervolemia.
Into le rância à g licose é observada em cerca d e 25°1<> Profilaxia das complicações
d os pacien tes"", m anifestando -se p o r hipe rglice mia, g li-
A n utrição pare n teral requer cuidados especiais que
cosúria e, se n ão fo r ma nejada adequad ame n te, po d e
em·o lvem indicação, p rescrição e form ulação adequadas,
evoluir para o coma hipe rosm o lar não-cetótico. O tra ta-
além d e existên cia de p rotOcolos méd icos e de enferma-
me nto co nsiste basica mente e m diminuição d a infusão
gem para a administração e o controle clínico c labo rato-
da qu antidad e d e g licose, pela su bstitui ção d a infusão de
ri al cliário . A p ro fi laxia das complicações é conseq üência
parte d as calorias glicídicas por soluções lip íd icas c
das boas práticas ante riormen te de
ad m inistração exógen a de insuli na.
r\ e tio logia d as alterações h ep áticas decorre ntes d a
nutrição parenteral não é b em conhecida, ma é certa- Referências
men te multifa to rial. U m d os fato res ma is co mume nte
relacio nad os às alterações hepáticas du rante a nutrição I• Bistrian BR, Blackburn G L, Vitale J, Cochran D, 'aylor J.
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Capítulo 07 .: Nutrição e Cirurgia

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91
08
BASES E
DISTÚRBIOS
DA CICATRIZAÇAO -
•• •
l vana Du\·al Araújo,
Rafael Calvão Barbuto

Introdução • ferida com perda total - destruição da epiderme,


() or!,ranismo humano é formado por trilhões de célu- clermc c tecido celu lar subcutâneo, chegando a atin -
las <-1ue se at,rrupam d e acordo com sua morfologia c fun- gir outros tecidos como múscu los, tendões e ossos.
ção (J.,rrau de diferenciação), constituindo quatro tipos este caso, o reparo envolve a formação de novo
básicos de tecido: epitelial, conj unti\ o, muscular c ncn o - tecido, o tecido ele granulação c.1uc \'ai dar o rigem
à cicatrii' \.
so. l·:s:.-.es tecidos se misturam em proporçúes ' 'ari:h eis
formando o parênquima, que se assenta sob re um arca -
bouço de tecido conjumi,·o, o csrroma, formando os Reparo de feridas
ó rgilos c sistemas corpóreos. ,\ regulação do número de
células de um tecido é controlada em muiro preci- \ reparação tecidual pode '>Cr feita por regeneração,
sos, resultado do balanço entre a. produzi- por cicatrização ou pela combinação dois proces-
das c células destruídas (por morte ou a popto'\e). ::.o..,. 0:a cicatrização, o reparo é feito principalmente
Porém, quando há dcsC<.juiübrio nesse balanço, como na pelos fibroblastos c concluí' à formação de cicatriz;
lesão recidual (ferida), o organismo traba lha para n:-,tau- porém, a estrutura inicial do tec1do não é restaurada. !'\a
rar sua integridade o mais rápido possh·cl, substituindo as regeneração há reposição tecidual "original"; a c. trurura
células destruídas por células saudáveis ou restaurando as daniticada é restaurada , e mbora não inteiramente, c a for-
células danificadas '. mação de cicatriz pode também ocorrer'.
O termo ferida é definido como imerrupção na conti- t\ cicatri zação é o mais comum mecanismo de reparo
nuidade de um tecido orgânico, em maior ou menor de feridas. Mesmo os tecid os com capacidad e ele regenera-
extensão, cau'>ada por qualquer tipo de lesão física, quí- ção podem ser reparados por cicatrii'ação; isso ocorre
mica, mecânica ou desencadeada por a fecção clínica . D e quando o tamanho da ferida excede sua capacidade rege-
acordo com a sua profundidade, a ferida pode ser classi- nerati\'a' . Os tecidos humanos que não se regeneram
ficada em: espontaneamente são reparados pela cicatrização.
• ferida superticial - a lesão é limitada à epiderme; D e acordo com a sua capac1dadc prohfcratÍ\'a, a!> célu-
• ferida com perda parcial - atinge a epiderme c pane la!> d o parênquima são classificadas em:
profunda da d crmc. Ocorre nos traumatismos, pro- • células lábeis - proliferam continuamente c têm alta
cedimentos dermatológicos (dcrmoabrasào, n•m ifo- capacidade mitótica. ão muito sensíveis a agentes
por laser ou perlings químicos). t\ repa ração faz tóxicos como <.Juimiotcrápicm c radiação. Fazem
se pela rccpitelização dos anexos epiteliais ou epité- parte desta classe as células dos epi télios (boca, estô-
lio derivado da pele ad jacente não acometida. A mago, bexiga etc.) , medula óssea c tecido linfático;
cJcarrii' decorrente desses ferimentos é praticamcn- • células cstá,·eis- não se reproduzem freqüentemen -
t<.: imperceptível'; te, mas, qua ndo estim ul adas, e ntram em arividaclc

93
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
m1tot1ca. Isso ocorre quando o número de células feito por meio da deposição de fibroblastos no local da
diminui (por lesão ou apoptose) . Exemplo: tecido lesão, formando a cicatriz, que muitas vezes pode levar à
fibroso, fígado, epitélio tubular renal, ossos com- perda de função do tecido•.
pactos;
• células permanentes- normalmente, só se reprodu-
zem na vida embrionária, fetal, e raramente, no Fases da cicatrização
período neonatal. Estas células não se regeneram
quando lesadas, pois não sofrem processo de mito- Durante a cicatrização, os processos fisiológicos
se. Exemplos: neurônios, células musculares cardia- seguem uma série de eventos que começam com a imu-
cas, fotorreceptores da retina e estruturas dos glo- nomodulação da resposta ao trauma, feita po r mediado-
mérulos renais. res quimicos (aminas, citocinas, proteases plasmáticas
A cicatrização constitui processo fisiológico dinâmico etc.), estimulando uma sucessão de respos tas celulares
que busca a restauração da continuidade de tecido bioló- que, por sua vez, desencadeiam novos processos bioqui-
gico que se encontra intacto. O processo de cicatrização micos (Figura 8.1 ). Esses eventos são divididos cronolo-
de feridas envolve uma série complexa de interações gicamente em fases: precoce (coagulação e inflamação),
entre mediadores bioquimicos, células sangüíneas, célu- intermediária (proLiferação celular, síntese da matriz pro-
las da matriz celular e células parenquimatosas, inician- téica e síntese do colágeno), tardia (contração da ferida) e
do-se com a resposta inflamatória gerada pelo trauma e final (maturação ou remodelação da cicatriz)A. Essas
culminando com formação da cicatriz5 7• Como na cica- fases, apesar de distintas, são continuas, interdependen-
trização não há restauração do tecido original, o reparo é tes e podem até ocorrer simultaneamente7 •

-------------------------------------------------------------------------------------------------··•
I Injúria
I
+
I Coagulação
J
l
Inflamação

I matrizSíntese da I Síntese do
extracelular
I colágeno I
I Neoangiogênese I I Fibroplasia
I
I I
t
Contração

I Epitelizaçào
I
!
Maturação I
!
IRemodelamento

I Cicatriz I

··-------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 8. 1 .: Fases da cicatrização (modificado de Tshimura el ai. 1998" )

94
Capítulo 08 .: Bases e distúrbios da cicatrização •
••
O dano tecidual mulada, ativando as cascata da coagulação e do comple-
mento, resultando na formação do coágulo, responsável
A cicatrização inicia-se imediatamente após o dano por manter a bordas da ferida unidas e fornecer a matriz
tecidual, quando diversos mediado res bioquimicos são para a fixação de células inflamatórias9•
liberados, alguns deles com função de neuromediadores. Os eventos fi siológicos envolvidos na cascata da coa-
Detemunados fatores associados diretamente ao trauma gulação podem se processar por via intrínseca ou extrín-
como o grau de contaminação, a localização anatômica, o seca. Po rém, nas duas situações, o resultado final é a pro-
tipo de incisão c o volume da perda tecidual são determi- dução da trombina, enzima responsável pela conversão
nantes na síntese da ferida e no resultado final da cicatriz•. do fibrinogênio em fibrina.
A cicatrização das feridas pode ser elas sifi cada, de O coágulo consiste de plaquetas embebidas em
acordo com sua síntese, em: malha de fibras de fibrina, associadas a glicoproteína
• cicatrização primária (primeira intenção)- é aquela
como fibron ectinas, vitroncctinas e trombospondina"'.
o nde não há perda significativa de tecido, infecção
A fibrina, juntamente com a vitronectina (proveniente
o u edema. este caso, pode se realizar fechamento
do soro) e a fibronectina (produzida pelos fibroblastos
primário com a aproximação das bordas da lesão. A
formação de tecido de granulação não é visível; e células epiteliais) formam a "matriz p rovisória", que
• cicatrização secundária (segunda intenção) - quan- funciona como reservató rio de citocinas e de fatores de
do há grande perda de tecido e pouca epitelização. crescimento que são liberados com a desgranulação das
O processo de reparo, neste caso, é mais co mplica- plaquetas ativada . A fibronectina ama precocemente
do e demorado. Esse método de reparo é ta mbém na adesão celular e modula a mig ração de vários tipos
denominado cicatrização por g ranu lação; celulares para a ferida".
• fechamento primário retardado (terceira intenção Após o controle da hemorragia, um mecanismo auto-
ou sumra secundária) -quando a ferida não é sum- reg ulador contrário à prog ressão da coagulação entra em
rada primariamente ou a sumra se rompe e suas ação. Vários mediadores da fibrinólise são estimulados; o
bordas são reaproximadas após sua limpeza. Esse principal é o fator ativado r do plasminogênio tecidual
tipo de fechamento é utilizado quando a ferida é
(fPA), produzido pelo enclotélio dos vasos lesados. O
contaminada, quando há risco de infecção, quando
plasminogênio ativado converte plasminogênio em pias-
há grande perda de tecido ou quando o fechamen-
mina, que degrada os coágulos de fibrina , além de fibri-
to é feito com muita tensão, levando à deiscência da
nogênio e fator V c VII da coagulação, presentes na
sutura. Realiza-se, usualmente, três a sete dias após
o dano inicial. matriz extracelular". Os produtos dessa degradação são
Quando o fechamento da ferida é realizado por meio fagocitados pelas células do sistema retículo-endo telial,
de suturas, colas, pomes, grampos, entre outros arti fí- determinando o final da coagulação.
cios, é denominado síntese cirúrgica. A síntese cirúrgica
é, portanto, operação fundamental da técnica cirúrgica e
consiste na aproximação das bordas de tecidos secciona-
dos ou ressecados. A resposta inflamatória ocorre simultaneamente o u
imediatamente após a coagulação e dura entre três dias e
uma semana. Caracteriza-se, cünjcamentc, pelos sinais
Eventos precoces
clássicos de dor, rubor (eritcma), calor (hiperemia),
Coagulação mmor (edema) e perda da função local.
A vasodilatação é o primeiro evento da inflamação e
A fase de coagulação inicia-se logo após o trauma, ocorre dez a 15 minutos após a vasoconstricção inicial
com extravasamento de sangue para os tecidos, deco r- (observada logo após o dano), gerando critema e hipere-
rente da lesão de vasos sangüíneos e capilares. A hemor- mia. É mediada por histamina, serotonina, cininas, pros-
ragia estimula a vasoconstricção que é mediada por cate- taglandinas e outros fatores, como leucotrienos e substra-
colaminas circulantes (adrenalina), pelo sistema nervoso tos produzidos pelas células epiteliais. Esses mediadores
simpático (noradrenalina) e por prostaglandinas visando bioquimicos, em especial a hjsramina, a bradicinina e as
controle inicial do dano8 • A atividade plaquetária é csti- prostaglandinas, juntamente com alguns produtos da

95

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

degradação do coágulo (C3a e CSa da cascata do comple- qüentes da cicatrização9•11 •11• E ntre esses fatores estão o
mento e trombina), atuam sobre as células endoteliais fato r transformador do o fato r de
expandindo o espaço entre elas e aumentando a permea- crescimento derivado de plaquetas (FCDP), a interleuci-
bilidade. Apesar de a ação dessas substâncias ser efêmera, na 1 (IL-1), a caguexina, o fator de crescimento de fibro-
em torno de 30 minutos, há exsudação do plasma para o blastos (FCF) e o interferon a e y, que estimulam a
espaço intravascular e a migração de elementos celulares migração, a proliferação e a cüferenciação dos fibroblas-
para a área de injúria, causando o edema' 2• tos, além de induzi-los a secretar co lágeno e fibronectina.
Os mecüadores bioguimicos são substâncias gue A migração celular continua com os linfócitos T e B
modulam a resposta inflamatória, atuando principalmen- e plasmócitos, que p roduzem fatores de crescimento e,
te nas células sangilineas e na microcirculação. São agru- principalmente, atuam como imunomoduladores da res-
pados em várias classes: aminas vasoativas (histamina, posta celular e humoral (prod uzindo anticorpos). Por
serotonina), proteases plasmáticas (cininas- bradicinina, fim, os eosinófilos, presentes em pequena quantidade,
calicina - sistemas do complemento, coagulação e fibri- envolvem-se na fagocitose específica de imunocomple-
nólise), metabólitos do ácido aracdônico (endoperóxi- xos e fonte de fator de crescimento tumoral Após uma
clos, prostaglandinas, tromboxane, leuco trienos), radicais semana, poucas células inflamatórias são encontradas na
livres de oxigênio (peróxidos, superóxidos, oxigênio área da ferida e fibro blastos começam a predominar.
livre), fatores de ati vação plaguetária e de crescimento e
cirocinas (interleucinas, fator de necrose tumo ral). T êm ----------------------------------------------··•
função, duração e sítio cronológico de ação específi cos,
mas, muitas vezes, se sobrepõem. As cininas, de um
100
90
/
/
r --"',
.... ., ·""'· - ·-
/'-.,
. ...
80 f •
modo geral, têm tempo de ação curto, geralmente nos I / ... ,
70 .... ....,
períodos iniciais da inflamação. As prostaglandinas têm I I
60
tempo de ação mais lo ngo, favorecendo a exsudação vas-
I '
cular num período precoce e estimulando a quimiotaxia
% 50
40 /
' '.
de leucócitos e a mitose celular num período mais avan- 30
20
.
.... ....
Esses dois mediadores estimulam as terminações
10 !
nervosas locais (causando a dor), a bradicinina (nos está-
o - - Leucócitos
gios iniciais) e as prostaglandinas (durante quase todo o 4 6 7 9 IO - r:- Macrófagos

processo inflamatório). Outro fator associado gue pro- DI AS


- • - Fibroblaslos

duz dor é a alteração do p H local devido à diminuição da •


oxigenação tecid ual'' .
··----------------------------------------------
Figura 8.2 .: Comportamento das células na fase inflamatória e de
Os leucócitos migram para a ferida, estimulados por fibroplasia
fatores quimiotáxicos presentes no sangue e secretados
por células lesadas ou mortas, e são responsáveis pela
fagocitose de bactérias c tecidos lesados. O s neutrófilos Eventos intermediários
polimorfon uclcarcs aparecem no local da lesão nas pri-
mei ras seis a 24 horas, aumentando seu número nas 24 Proliferação celular
horas seguintes e decaindo a partir daí (Figura 8.2). E les
A proliferação celular é responsável pelo fec hamento
fagocitam as partículas menores e produzem colagenase
da lesão propriamente dito e pode ser dividida em três
c clastase que " limpam" a ferida. Co m a desgranulação
subfases: neoangiogênese, epitelização e fibro plasia.
dos po limorfonucleares, a partir do segundo dia, os
monócitos migram para o espaço extravascular e, por
meio de um processo mecüado por fatores séricos, trans-
fo rmam-se em macró fagos. Os macrófagos são elemen- Com o aumento da prol ife ração celular local é
tos essenciais na cicatrização das feridas, pois, além de necessária a criação de mecanismos para aumentar o
fagocitarem partículas maio res como polimorfonucleares afl uxo de oxigênio e nu trientes para o local da lesão5 .
degradados e bactérias, secretam cüversos fatores de cres- Fatores locais como ni veis elevados de lactato, p H
cimento c quimio táx icos imprescindíveis nas fases subse- ácido e diminu ição da tensão de ox igê nio e citocinas
96
Capítulo 08 .: Bases e distúrbios da cicatrização

••
produzidas nos estágios anterio res (b radicinina, p rosta- FIBROPLASIA

gbndinas e ourros medi adores bioquímica oriundo E sta etapa inicia-se cerca de 48 horas após o trauma
dos macrófagos ati vados) estimulam a migração de (Figura 8.2) e constirui-se no início da formação da cica-
células endoteliais da periferia para o centro da ferida. triz. Algumas substâncias produzidas pela matriz ex trace-
Em seguida, estas células pro liferam, o riginando bro- lutar c pelos fatores de crescimento produzidos po r
tos endoteliais sólidos que fo rmam novos vasos san- macrúfagos e plaquetas, especialmente o [7fCP c o
güínt:o:,' " . 0:, va:,o :, nt:oformados cn.:scem po r meio FCD P, estimulam a migração dos fib roblasros ao longo
de um arcabouço formado por células jovens (p rinci - das redes de fibrina fo rmadas na ferida. t\ partir do ter-
palmente fib roblastos que sintetizam e o rdenam a ceiro dia, há queda contínua da taxa de migração dos
deposição dos feixes de colágeno) e matri z cx tracelu lar, fibroblastos e incremento na síntese da matriz por e sas
formando tecido característico e conhecido como teci- A produção dessa matriz co ntinua crescendo po r
do de gran ulação"·"'. Atualmente está bas tante claro que três semanas, até que a taxa de degradação se iguale à de
a migração, a polarização c a o rientação celulares são sín tcsc'·'2.'"·'''.
influenciadas pelos constituintes da matri z. Além de 1\ natureza dos componentes da matriz extracelular
aumen tar a o ferta de oxigê nio e nutrientes, a neoangio- não é c tática, mudando com o tempo: nas fases iniciais,
gênese aumenta o aporte de células, como macrófagos há excesso de deposição de colágeno tipo 111 , enquanto,
c fibroblastos, para a ferida'•· -. predomina o colágeno tipo J nas fases tardias·.
redes de fibrina e os produtos da fase inflamatória
vão sendo gradativa mente s ubstituídos por um conjunto
EPITELIZAÇÃO
de substância amorfas e proteínas sintetizadas pelos
m a do is dias após a lesão, as células epidérmicas
fibroblas to , como colágeno, pro teoglicanas (ácido hialu-
das margens começam a proliferar e migrar ati,·amente
rô nico, condroitina) e glicoproteínas (fibro nectina, lami-
para o leito da fe rida. Esse p rocesso é estimulado po r
nina). Essas substâncias formam a matri:t. cxtracelular ou
mediado res químicos como fatores de crescimento,
substância fundamental amorfa que confere viscosidade
interlcucinas e fato res estimuladores de fo rmação de
e adcsiviclade ao tecido de cicatrização. Enzimas proteo-
colô nias, muitos deles produzidos pelo próprios que-
üticas produzidas pelos próprios fibroblastos, como a
ratin úcitos'' . A aLJsência ou diminui ção de contato
colagenasc e gelatinase, faci li tam a mo vimentação dessas
celu la r nas margens da ferida, devido à lesão de células
células por meio da substância fundamental amorfa.
vizinhas, é outro fator q ue incenti va a recpitelização,
por meio de modelo o rd enado, conhecido como flu-
lllação. Inicial mente, a célula fi xa-se à área dcsepitcli za- Síntese e deposição do co/ágeno
da; em seguida, o utra célula próxima avança obre a
primeira, ancora-se e é posteri o rmente e ncoberta por () colágeno é uma proteína composta por glicina,
uma terceira célula, que migra sobre ela c anco ra-se e, prolina, hidroxiprolina, lisina c hidroxil.isina, que se o rga-
assim, sucessiva mente. ni:t.a fo rmando cadeias helicoidais longas. o colágeno
mobilização celular tende a ser rápida, po rém que dá sustentação e força tênsil à cicatriz.
é dependente da concentração de alguns fato re locais, Cerca de 1 R ripos di,·ersos de colágeno já foram des-
como FTCf3, FCDP, fatO r de crescimento epidé rm ico cri tos, responsá,·eis pelas mais di,•ersas funções no pro-
e da te nsão de oxigênio no local da lesão. t\pós cesso cicatricial''. O s colágcnos ripo 1 e 111 são os mais
a cobertura da superfície cutânea, há mudança no comuns na dcrme humana, correspondendo, respecti va-
fenótipo das células epiteliais joven s, que se diferen- mente, a 80% c I0% de todo o colágeno da pele. Outros
ciam em queratinócitos''·". O s queratinóciw s iniciam a tipos de colágcno, como o colágeno tipo I V, principal
produção de substâncias, como a caquexina, o intcrfc- componente da membrana basal (na junção epiderme
ro n c as calonas, responsáveis pelo aj uste retrógrado com a derme) e o colágeno tipo Vll, responsável pelas
da dos fato re de crescimento, finalizando o fibrilas de ancoragem (que se estendem da membrana
processo de reepitelização. até a derme), apesar de escassos, têm funçôes
imprescindíveis dentro do processo de cicatrização.

97
..

--------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Uma etapa crítica na síntese do colágeno é a hidroxi- te avascular, o que faz desaparecer a coloração rósea
laçào da prolina e da usina, que requer ambiente rico em observada nos estágios anteriores. A cicatriz madura tem
oxigênio, vitaminas A, C e E e o ferro reduzido (Fe2"'") aproximadamente 80% da força de tensão do tecido nor-
para sua ativaçãd. Po rtanto, fatores como desnutrição, mal e é plana, com cor semelhante à do tecido normal e
idade e estresse (por inibição da atividade enzimática pouco volumosa devido à remodelação do colágeno.
pelos corticosreróides) influenciam negativamente a sin-
tese de colágeno.
Características especiais da cicatrização
em outros tecidos
Eventos tardio s

Contração da ferida Tubo digest ivo

Diferentemente das feridas cutâneas, nas quais o pro-


A contração da ferida é o movimento centrípeto das
gresso da cicatrização pode ser observado diariamente e
bordas das feridas e envolve complexa e bem organizada
interação entre células, matriz extracelular e fatores de qualquer intervenção pode ser precocemente instituida
crescimento, com o objetivo de diminui r seu tamanho;. quando necessária, a cicatri zação de alças intestinais está
Cma ferida de e pessura total rem contração mesmo anatomicamente oculta de inspecções, contando o cirur-
quando há enxertos, que diminuem em 20% o tamanho da gião somente com parâmetros ela evolução do paciente
ferida; nas cicatrizes por segunda intenção, a contração para avaliar o sucesso da operação211•
pode reduzir 62% da área de superficie do defeito cutâ- Além da muscular própria, as alças intestinais são
neo1. A contração não ocorre nas fetidas superficiais. constituidas de três camadas: mucosa (interna), submu-
O processo começa uma semana após a injúria, atin- cosa (mediai) e serosa (externa). A mucosa intesti nal é
gindo seu ápice a partir da segunda seman a, e é mediado uma classe de células epiteliais com a capacidade de p ro-
pelo e pelo FCDP, que estimulam a diferenciação liferar rapidamente em resposta a lesões que vão desde o
dos fibroblastos em miofibroblastos. Os miofibroblasros trauma fisiológico da digestão diária até lesões graves
são fib ras delgadas, o rganizadas e ricas em músculo liso associadas à isquemia e a danos quimicos ou infeccio-
sos21'22 . A recomposição da mucosa é modulada po r diver-
ativo, que formam ligações cruzadas inter e extracelulares
entre os fibroblasros e destes com a matriz extracelu lar, sas citocinas e farores de crescimento que estimulam inte-
formando a cicatriz". rações na matriz celular, dependentes da integrina21 •
Os tecidos mesoteliais, que formam a camada submu-
cosa, são os mais ricos em macró fagos e fibroblastos.
Event os finais Esses fibroblastos se diferenciam em miofibroblastos
que se proliferam e são ativados em resposta a diversos
Fase de maturação
fa tores de crescimento e, particuJarmente, à familia dos
t\ fase de maturação é caracterizada por conúnuo fatores de crescimento plaquctário23• Os miofibroblastos
processo de anabolismo e catabolismo de colágeno, for- ubmucosos e as células intersticiais de Cajal são os dois
mando tecido com f,>rande força tênsil. Esse aumento de tipos de miofibroblastos identificados no intestino. Essas
ten ão da cicatriz ocorre devido à reorganização das células garantem a força tênsiJ e elasticidade necessárias à
fibras de colágeno nas direções de maior solicitação, cicatrização eficiente2'. D evido a essas características, a
semelhante ao que ocorre nos tendões;. submucosa é a camada mais importante a ser incluída nos
A degradação do colágeno é mediada por cirocinas pontos de sutura.
(interferon y, fator de necrose tu moral a - F Ta, As fases p recoces do processo cicatricial de anasto-
e controlada por vá rias metaloproteinas (colagenase, gela- moses do intestino delgado podem ser sintetizadas como
ti nase, hialuronidase), produzidas pelas células endoteliais, se segue. O primeiro passo é a hemostasia e a migração
célula epiteliais, macrófagos e pelos próprios fib roblasros. de leucócitos. Inicialmente, neutrófúos polimorfonuclea-
t\ diminuição dos fatores de esómulo à neoangiogê- res migram para o local da ferida (geralmente após três
nese induzem a red ução da neovasculari zação e apopro- horas e chegando ao máximo em 12 a 24 horas após a
se de células endoteliai , tornando a cicatriz praticamen- lesão), enquanto monócitos e fibroblastos surgem mais

98
Capitulo 08 .: Bases e distúrbios da cicatrização

••
tardiamente na ferida (24 a 48 horas). A degradação enzi- guração paralela às fibras do tecido de forma a suportar
mática do tecido necrótico e a colagenólise o correm , e a altas tensões. a cicatrização de ligamentos e tendões, o
inflamação termina em cerca d e uma semana. Os fibro- que se observa é que, hisrologicamente, as fib ras na cica-
blastos iniciam a produção do colágeno a partir do segun- triz estão com alinhamento menos organizado2'J.w.
do dia pós-operató rio, e a colagenogênese excede a cola-
genólise após o terceiro a quinto dia pós-operatório .
Vários fato res con tribuem com a cicatrização e inte- Condições prejudiciais ao processo
gridade da anastomose, como suprimento sangüineo de cicatrização
(fonte dos mediadores da cicatrização e oxigenação), ten-
são da an astomose, presença de inflamação e condições A cicatrização pode ser adversamente afetada por
clínicas do paciente, como presença de obstrução intesti- várias condições, que interfe rem na formação do coágu-
nal, neoplasia, qu imioterapia, radioterapia, uso de este- lo, na fase de injú ria o u lesão, até à maturação final d a
róides e o utras afecções associadas, como desnutrição, cicatri z. O conhecimento dos fa tores que influenciam
diabetes mellilus, insuficiência vascular, entre outras25 • negativamen te a cicatrização é importante para que o
m édico possa interferir naqueles em que isso seja possí-
vel, red uzindo assim o índice de complicações relaciona-
Se rosas das à má cicatrização, como as fístulas decorrentes da má
cicatrização d e alças intestinais, ou a evisceração por má
A serosa é formada por células mesoteliais e sua cica-
cicatri zação da aponeurose ela parede abdom inal.
trização é ca racterizada pela uniformidade c rapidez com
que ocorre a reepitelização2''. O reparo da serosa começa
na fase de coagulação com estimulo à liberação d e gran- Desnutrição
de variedade de mensageiros quimicos. Algu ns dos prin-
cipais elementos celulares envolvidos são leucócitos, A desn utrição afeta adversamente a cicatrização por
macrófagos e células mesoteliais26. Os macrófagos recru- redu zir a oferta de macro e micronutrientes necessários à
tam novas células endoteliais para a superfície lesada. síntese da matriz, existindo correlação direta entre o grau
Essas células fo rmam pequenas ilhas na superfície lesada, de desnutrição e a aquisição ela força tênsil pela cicatriz.
proliferando c criando pontes de células mesoteliais.
Portanto, o processo de epitelização ocorre simultanea- Carência de o/igoe/ementos
mente em toda a sua superfície e não gradualmente, a
partir das bordas das feridas (como na pele) usualmente V ITAMINA C
cinco a sete dias após a lesão:!". O ácido ascórbico (vitamina C) atua como cofator
na síntese d o colágcno, proteoglicanas c o ut ros
constituin tes da mat riz extracelular. Sua ca rência se
Ossos re lacio na à produção de colágeno de baixa qual idade e,
O processo d e cicatrização óssea envolve série com- conseqüentemente, à redução da força tênsil da cicatriz.
plexa de processos cel ulares e moleculares coordenados, Apesar de o ácido ascórbico ser importante na
que promovem a remoção de material contaminado, cicatrização d os tecidos, apa rentemente sua suplemen-
angiogênese com restauração d a microcirculação, restau- tação é benéfica somente naqueles pacientes com hipo-
ração da continuidade óssea por meio da ativação, proli- vitaminose C, não havendo qu alquer e feito em pacien-
feração e quimioraxia de progenitores ósseos a partir do tes nutridos 11 •
periósteo p róx.imo7R.
VITAMINA A
A vitamina A é importante na fase de epitelização por
Tendões
ser decisiva na replicação e diferenciação das células epi-
A cicatrização dos tendões é processo complexo e teliais, além de promover o desenvolvimento do tecid o
altamente regulado. Os ligamentos são compostos po r ósseo. Também exerce papel impo rtante no bom funcio-
fibras colágenas justapostas e muito próximas, em confi- namento d o sistema imunitário e estimula a função d e

99
• Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

••
mo nócitos e macrófagos. Observou-se que a suplemen- oxigênio é essencial à hidroxilação da prolina. A isque-
tação com vitamina A é capaz de reverter os efeitos dele- mia, ao impedir a chegada de sangue ao local, reduz tam-
térios do uso de corticosteróides31 • bém o aporte de células inflamató rias, oxigênio e nutrien-
tes necessários à cicatrizaçào14 •
ZINCO
Cerca de 380 enzimas necessitam do zinco para exercer Senilidade
suas funções. O zinco exerce papel importante como cofa-
tor na síntese de O A, divisão celuJar e síntese protéica11 • H á um consenso geral de que a cicatrização se dá de
forma mais lenta nos idosos, nos quais todas as fases da
cicatrização estão comprometidas 11 1' . A senescência
Denervação da ferida
afeta adversamente a cicatrização da ferida por red uzi r a
T odo o processo cicatricial pode ser afetado pelos espessura da camada epidérmica, dim in ui r a elasticidade
efeitos da infiltração do an estésico local sobre os tipos da pele e a organização do colágeno, além de diminuir a
celulares próximos à ferida devido à sua m itotoxicidad c. resposta inflamató ria, afetando a fase inicial ela cicatriza-
Verificou-se que a infiltração local de anestésicos red uz a ção. Além disso, em indivíduos idosos, há redução da
força tênsil da cicatriz nas fases precoces, redu z a síntese renovação celular, aumento da fragi lidade vascular,
do colágcno c aumenta o tempo necessário para a epite- red ução da vascularização, alteração da nutrição e da
ljzação de fe ridas cu tâneas, além de aumenta r a incidên- ingestão hídrica.
cia de infecções no localJ2.

Anemia
Infecções
Sabe-se que a anemia afeta negativamente a cicatriza-
A presença de bactérias reduz o p H ótimo para ação ção das feridas.
dos macrófagos, red uz a tensão de oxigênio, diminuin-
do a oferta desse gás para as células envolvidas na cica-
Doenças crônicas
trização, além de reduzir a hidroxilação da prolina
durante a síntese do colágeno . Também ocorre a com- As doenças crônicas, de uma forma geral, como o dia-
petição de células e bactérias pelos nutrientes, o que beles lllellitus, a hipertensão arterial, a insuficiência cardíaca
reduz sua disponibilidade para as células responsáveis e a doença pulmonar obstrutiva crônica, afetam de forma
pela síntese da matriz, processo extremamente depen- indireta o processo cicatricial po r meio de di versos meca-
dente da oferta de nutrientes.
nismos. A presença de anemia relacionada à doença crô-
nica, a neuro patia periférica, a estase e a diminuição da
Tecido necrótico tensão de oxigênio no sangue está entre os fa tores relacio-
nados à m á cicatrização observada nos pacientes com
O tecido necrótico, além ele impedir a difusão elo oxigê- doenças crô nicas. Nos pacientes com dinbeJes melli111s, há
nio na fe rida, interferindo na função de células fagocitárias risco de desnutrição, além de alteração da vascularização
e macrófagos, fornece meio ele cultura para o crescimento e da imunidade, que aumentam o risco de infecções.
de bactérias que vão promover infecção incisio nal u.

Drogas e tratamentos
lsquemia
Glicocorticóides
A isquemia provocada pela afecção ele base, doenças
intercorrentes o u técnica operatória inadequada, afeta Os esteróides comprometem a cicatrização, sobretu-
adversamente a cicatrização" . É amplamente conhecido do quando administrados nos três p rimeiros dias após o
que, no processo cicatricial adequado, a síntese do colá- ferimento. Os esteróides reduzem a reação inflamatória,
geno é proporcional à tensão de oxigênio, uma vez q ue o a epitelização e a sín tese de colágeno nas fe ridas.

100
Capitulo 08 .: Bases e distúrbios da cicatrização

••
Quimioterápicos 13 • ( romack DT, Parras-Reyes B, T \ . Current concepts m
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tecidos irradiados, o <.jUe torna lenta a cicatrização das
cvtokmc . . \ nnu Rc\' \f cd. 199 I ;42:56" -84.
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101
• Fundamentos em Clfnica C irúrgica

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102
09
BASES
E DISTÚRBIOS
DA COAGULAÇÃO

••
D aniel Dias Ribeiro,
Marcelo Eduardo de Lima Sousa

Introdução to rnam-se os primeiros agentes pró-coagulantes a entrar


em ação. Plaquetas são fragmentos de megacariócitos e,
Os seres humanos possuem um sistema hemostático
apesar de não possuírem núcleo, têm estrutura e metabo-
complexo que se destina a manter o sangue fluido em
lismo complexo. Possuem membrana cito plas mática
condições fisiológicas, mas pronto a respo nder de manei-
com glicoproteínas responsáveis pela adesão
ra explosiva às lesões endo telüús para conter o sangra-
(GP l b I 1X- V) e agregação (G P ll b I I Ila) plaquetá-
menta e, após a cicatrização do endotélio, remover o coá-
gulo formado. Para que este equilíbrio fino funcio ne, ria, um complexo sistema de rrucrotúbulos que permite a
vários componentes se interagem. A trombose pode extrusão de substâncias pró-coagulantes contidas nos
ocorrer se os mecanismos de inibição da coagulação esti- grânulos citoplasmáticos alfa e densos, e um sistema
verem diminuídos ou se a ativação da coagulação e tiver semelhante ao sistema acti na-miosina dos músculo ,
exacerbada. Caso a ativação da coagulação esteja prejudi- capaz de mudar a forma da plaqueta de discóide para a de
cada, existe a tendência ao sangramento. Em muitos es fera com pseudópodes. As membranas das plaquetas
casos, pode-se dizer que a trombose é um acidente da ativadas fo rmam uma superficie de fosfo lipides onde
natureza que não te,·e tempo de se adaptar aos avanços ocorrem, praticamente, todas as reações da coagulação.
da Medicina moderna, que permite que o ser humano Os fatores pró-coagulantes são zimógcnos que, após
sobreviva a desafi os hemos táticos, a exemplo de grandes a ativação, transformam-se em serinoproteases. T odas as
operações, traumas e novos tratamentos, como quimiote- reações de ativação dos fatores da coagulação são reações
rapia e terapias hormonais. Entretanto, esses procedi-
de quebra enzimática. Os pró-coagulantes são os fatores
mentos e tratamentos deixam-no vulnerá,·el à trombose.'
1 (fibrinogênío), II (protrombina), V, VI !, VIII, IX, X, XI
A hemostasia é mantida por meio da interação entre
e Xll. Os anticoagulantes naturais, responsáveis por ini-
endotélio, plaquetas, fato res plasmáticos pró-coagulan-
bir e limitar a coagulação, atuam bloqueando os pró-
tes, anticoaJ.,rulantes pró-fibrino liticos e antifibrino líticos.
O endotélio po sui, na sua superficie, substâncias anti- coagulantcs ativados. Três são as principais vias de inibi-
coagulantes (sulfato de heparina), antiagregante plaque- ção da coagulação: via da antitrombina, via da proteína C
tários (óxido nítrico e prostaciclinas) e pró-fibrinolíticos e via do inibidor do fator tecidual. a manutenção
(ativado res do plasminogênio tecidual e uroquinase). da hemostasia, têm-se ainda os antifibrinolíticos
Quando há lesão endotelial, o subendotélio é exposto (0.2-antiplasmioa, inibido r do ativador elo plasminogênío
juntamente com substâncias pró-coagulantes, como o 1 - PAI 1, iníbiclor da fibrinólisc ati vado pela trombioa -
colágeno, fator de von Willebrand, laminína e fibro necti- T AFl) e os pró-fibrino líticos (ativado res do plasminogê-
na. Após a lesão endotelial, as plaquetas são ativadas e nio tecidual - tPA e uroquinase- uPA).

103

••
Fundament os em Clínica Cirúrgica

Fisiologia da coagulação coagulação, ocorre com a exposição do fator tecidual, que


forma um complexo com o fator VIl, ativando-o. Este
Como forma de sim plificar e tomar mais didática a fisio-
complexo, então, ativa tanto o fator X quanto o fator IX, o
log1a da coagulação, as interações que ocorrem durante a
que resulta na formação de pequenas quantidades de trom-
formação e lise do coágulo são descritas em forma de "cas-
cata", separada em vias intrínseca, extrín seca e comum, o bina. A segunda fase, de amplificação, é resultado do gran-
que dci.xa a impressão de que as reações ocorrem sempre na deftedback positivo feito pela trombina nos fatores Vlll e V,
mesma seqüência e de forma independente. Sabe-se, ho je, resultando em maior formação de trombina. A terceira fase,
que estas interações são muito mais complexas do que a de propagação, consiste na manutenção de grande produ-
"cascata da coagulação" pode representar: várias interações ção de trombina pela formação de complexos ativadores de
que ocorrem in vif,o não foram previstas in vitro e há diversos
fator X ("tenase") e IT ("protrombinase''). Na quarta e últi-
jêedbacks positivos c negativos de pró e anticoagulantes. ão
ma fase, de estabilização, o fator Xlll atua sobre os políme-
há apenas fatores pró-coagulan tes ativando outros pró-coa-
gulantcs, mas também pró-coagulanres que ativam anticoa- ros de fibrina, formando a fib rina estável. esse momento,
gulantcs e antifibri noliticos 1. há quantidade suficiente de trombina para que o inibidor de
O esquema que mais se aceita atualmente divide as rea- fibrinó lise ativado pela trombina (fAFI) entre em açãd
ções da coagulação em fases. A primeira fase, que inicia a (Figuras 9.1 e 9.2).

------------------------------------------------------------------------------------------------··•

••


Ff - Fator tecidual C a - Cálcio F ib - Fibrina estável AT - Antitrombina
PC - Proteína C PCa - Proreína C ativada PS - Proteína S PSa - Proteína S ativada
T F PI - lnibidor da via do fator tccid ual Algarism os e m romano - Significam o número de cada fator a - Ativado


··------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 9.1 . Inte rações entre pró e anticoagulantcs

104
•••
Capítulo 9 .: Bases e distúrbios da coagulação

-------------------------------------------------------------------------------------------------··•
fa rore4; t lc contou o

l l

plasmmogêmo

tromhma
I· XIII.!

tPa - 1\ttv.tdor tecidual do uPA - .\ti,·ador de do TAFI - lmbtdor da tihnnol"c au,·ado


pela tromhtna PAJ-1 - l nibtdor do ativador do plasmtnngt•noo I 0- E-0 ;\ln nómero de tibnna D -E-D -D -E-0 - I thnn.t t:\la\ d
O - Produto de dC).,>r.ldaçiio da fibrina ou fibrinogênio E Produto de d egradação da fibrina ou ti hnnogênto D -0 - Dimero I)

Figura 9.2. • fibnnolíuco

Avaliação laboratorial da coagulação • tempo de tro mbina (íf) C.JUC avalia apenas a con\'ersão
de fibrinogênio em fibrina, a\·aliando a função do fibri-
Como citado anteriormente, a divi ão da cascata da coa- nogênio;
!,rulaç,1o em vias intrinseca, extrínseca c comum foi uma
• dosagem plasmática do tibrinogênio (medida guantita-
maneira simplificada para a sociar os testes laboraroriais às
tiva do fibrinohrênio).
alterações nos fato res da coagulação. Considera-se ex trín-
Assim, a análise da combinação dos resultados destes tes-
seca aquela <.jUC tem participação de substâncias extravascu-
tes pemúte as eguintes interpretações:
lares, ou fator tecidual no desencadeamento da coabrulação.
• TP alargado com lTPa c TT inalterado-;: deficiência
' \ im, a ,·ia extrínseca é composta pelo fator tecidual c pelo
do fator V LJ.
fato r V Il. t\ intrinseca é aquela cujos fatores são intra,·as-
cularcs, c é composta pelos fatore X IJ , XI, calicrcína, pré- • TTPa alargado com TP c TT inalterados: deficiência
calicreína, cininogênio de alto peso molecular, fato res V 111 e de algum fator da ,.ja intrinscca.
IX. \ \1a comum é composta pelos fato res X, V, li • TP c TIPa alargados: deficiência de algum fator
e fibrinogênio. da \'Ía comum o u deficiências combinadas de
( )s exames básicos para a a\·aliação da coagulação são: fatores das três ,·ia::..
• tempo ele protrombina (fP), que se relaciona com os Todas as deficiências de farores de\'em ser confirmada
fawres da via extrínseca (F VII) c da via comum; por dosagens específicas.
• tempo de tromboplastina parcial ativado (fTPa), que 1\ avaliação da ftmção plaq uetária é mais complexa, já
se relaciona com os fa rores da via intrínseca que exige exames disponíveis apenas em laboratórios espe-
c comum; cializados. O tempo de sangria, teste rcali:tado int-i!'O, possui

105
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica
••
diversas variáveis e a única técnica que tem alguma correla- ro ano de vida4 • Se não diagnosticados e tratados adequada-
ção com doenças plaquetárias é o tempo de sangria de Ivy m ente, são pacientes facilmente identificáveis, pois, na maio-
modificado. Nessa técnica, incisões padronizadas são feitas ria das vezes, já apresentam seqüelas dos repetidos episódios
na pele do antebraço, mantendo-se estável a pressão arterial de sangramento intra-articular e, com certeza, possuem his-
por meio de compressão pelo manguito do esfignomanôme- tória pregressa bem característica, o que torna praticamente
tro a 40nunHg. A curva de agregação plaqueciria é um teste impossível que um hemofilico passe despercebido em uma
mais preciso e útil, porém é realizado em poucos laborató- avaliação clínica pré-operatória. J á os pacientes com hemofi-
rios e tem custo mais elevado. lia moderada ou leve podem ser assintomáticos e apresentar
o primeiro episódio de sangramento aumentado quando
submetidos a algum estresse hemostático . Em geral, não é
Distúrbios congênitos
dificil reconhecer esses pacientes, pois têm história familiar
As hemofilias A e B, juntamente com a doença de von positiva para sangran1ento aumentado e alterações laborato-
Willebrand, abrangem de 95% a 97% de todas as coagulo- riais facilmente detectáveis (tempo de tromboplastina parcial
parias congênitas. As deficiências de outros fatores pode m ativado alargado).
se apresentar de forma homozigota em um em cada O tratamento da hemofilia iniciou-se por volta de 1965
milhão de pessoas. Cabe salientar que nem todas as defi- quando o crioprecipitado fo i utilizado nos hemofilicos A.
ciências de fatores levam à tendência hemorrágica: pacien- D esde então, várias foram as mudanças: em 1970, apareci-
tes com deficiência congênita do fator XJI possuem mento do concentrado de complexo protrombínico; em
tempo de tromboplastina parcial ativado alargado, mas 1980, produção dos primeiros concentrados de fatores liofi-
como este fator esci relacionado com a ativação de fato res lizados, ainda sem inativação viral e, nesta m esma década,
inflamatórios e secreção dos ativadores do plasminogênio, estabelecimento da indicação do uso da desmopressina nos
sua deficiência está associada a risco aumentado de trom- pacientes com hemofilia A moderada e leve. Em 1990, sur-
bose (diminuição da fibrinólise). gem os fatores recombinantes 1.
Todos os hemofilicos devem ser avaliados no pré-opera-
tório por um especialista para que seja programada a melhor
De(idênda dos fatores VIII (hemofflia A) e /X (hemoff/ia B) fonna de reposição do fator em falta. A quantidade e o
tempo de reposição do fator a ser usado d ependem da gra-
As hemofilias A e B são doenças recessivas ligadas ao
vidade e do tipo da hemo filia, do tipo de procedimento
crom ossomo sexual (X), com prevalências de 1/ 5.000
cirúrgico e da presença ou não de in.ibidores d e fator VIII ou
homens nascidos vivos (hemofilia A) e de 1/30.000 para
IX. Os in.ibidores são imunoglobulinas G, da subclasse 4,
hemofilia B. As hemofilias A e B são clinicamente
que aparecem em até 35% dos hemofilicos A e em até 5%
indiferenciáveis3•
dos hemofilicos B. Seu aparecimento está relacionado à
As hemoftlias são classificadas de acordo com a gravida-
época da primeira exposição ao fator- quanto mais preco-
de da deficiência dos fatores em questão. Hemofilia leve,
ce, maior a probabilidade dos inibidores se d esenvolverem -
com dosagem de fator VIII ou IX de 6% a 30% (40% dos
e ao tipo de mutação presente nos genes d os fatores VIII e
casos); moderada, de 1% a 5% (10% dos casos); e hemofilia
IX - grandes deleções e mutações pontuais nonsense. A pre-
grave, com dosagem de fator menor que 1% (50% dos
sença de in.ibidores dificulta a abordagem dos hemofilicos.
casos). As hemofilias A e B na forma grave são as que pos-
Até recentemente, era praticamente impossível ser bem-
suem maior importância, já que os pacientes com essas con-
sucedido em uma grande operação em hemofilicos com i.ni-
dições apresentam, em média, 30 a 35 episódios de sangra-
bidores de alta resposta, mas, com o aparecimento do fator
menta por ano. As manifestações hemorrágicas podem se
VII ativado recombinante, isso tomou-se viável.
iniciar logo no pós-parto imediato, com sangramento
aumentado pelo cordão umbilical. As crianças hemofilicas
desenvolvem hematomas após injeções intramusculares e Doença de von Willebrand
podem apresentar sangramento gengiva! aumentado duran-
te o nascimento dos primeiros dentes, mas têm o quadro D escrita em 1926 por um pediatra finlandês, Erik von
hemorrágico mais exuberante quando começam a andar. O Willebrand, esta é a doença hemorrágica congênita mais pre-
quadro articular vai se tornar importante próximo ao tercei- valente, encontrada em 1% a 2% da população geral. Porém,

106
Capítulo 9 .: Bases e distúrbios da coagulação •
••
em estudos cuja base de referência foram os sintomas Willebrand (avaliação quantitativa), a curva de agregação pla-
hemorrágicos, a prevalência da doença foi de 30 a 100 casos quetária, tempo de sangria de Ivy modificado e a avaliação
por milhão, semelhante à prevalência da hemofilia A. Esta quantitativa dos grandes mulómeros do fator de von
grande diferença de prevalência se deve ao fato de que a Willebrand. Apesar da alta prevalência e do quadro clínico
doença de von Willebrand é, muitas vezes, o ligossintomáti- oligossintomático, a avaliação laboratorial específica não está
ca e pode passar despercebida durante toda a vida. indicada para todos os pacientes.
O fator de von Willebrand é sintetizado pelo endotélio e O tratamento da doença de von Willebrand deve ser rea-
por megac.:'lriócitos e é fundamental para a adesão plaquetá- lizado de forma profilática de acordo com o tipo de procedi-
ria no endotélio lesado. Além disso, é responsável também mento cinírgico e o tipo da doença de von Willebrand.
por estabilizar e transportar o fator VIII na circulação. As Pacientes com tipo 1, na grande maioria das vezes, são abor-
principais manifestações clínicas decorrentes de sua deficiên- dados apenas com o uso da desmopressina, já que esta
cia estão relacionadas com o defeito na fase primária da coa- aumenta a liberação endotelial do fator de von Willebrand e
gulação (epista."<e, gengivorragia e hipermenorréia), e defi- do fator VIII. Já pacientes com tipo 3 não respondem ao uso
ciência leve de fator VIII (sangramento aumentado pós- da desmopressina e são tratados com concentrado de fator
estresse hemostático: operações e traumas). Em geral, o san- VIII que possua fator de von Willebrand na sua composição
gramento nos pacientes com a doença de von Willebrand só e, mais recentemente, com concentrados de fator de von
é importante durante períodos de estresse hemostático. Willebrand. Pacientes com tipo 2B não devem fazer uso da
Há três grandes tipos da doença de von Willebrand 5: desmopressina, pois pode ocorrer agravamento da plaqueto-
• tipo 1, gue corresponde a 60% a 80% dos casos e é penia existente. Nos demais subtipos (2A, 2M e 2N) tem-se,
caracterizada por deficiência quantitativa, leve a mode- como primeira escolha, o uso do concentrado de fator VIII
rada, do fator de von Willebrand; de bai.xa pureza ou do concentrado de fator de von
• tipo 2, que representa 10% a 30% dos casos e é carac- Willebrand, mas a desmopressina pode ser usada. Os antifi-
terizada por apresentar defeitos qualitativos no fator de brinolíticos também podem ser usados como coadjuvantes
von Willebrand. É subdividida em quatro grupos: 2A, em todos os tipos da doença de von Willebrand6 •
onde há ausência dos grandes mulómeros; 2B, gue
apresenta alta afinidade do fator de von Willebrand às
plaguetas e ausência dos grandes mulómeros; 2M, com Trombocitopatias
defeito gualitativo do fator de von Willebrand sem
Embora bem menos prevalemes, as trombocitopatias
associação com deficiência de mulómeros; 2N, com
podem ser um problema durante procedimentos cirúrgicos.
defeito no "sítio" de ligação do fator de von
São várias as trombocitopatias e, geralmente, são de dificil
Willebrand com o fator VIII;
diagnóstico, já que a avaliação laboratorial, muitas vezes, não
• tipo 3, que representa 1% a 5% dos casos e é caracte-
se encontra disponíveL
rizado por deficiência quantitativa grave do fator de
von WiUebrand, que se encontra em nível menor gue
1% e com dosagem de fator VIII entre 1% e 10%. Por TROMBASTENIA DE GLANZMANN
esse motivo, a doença de von Willebrand tipo 3 apre- Doença autossómica recessiva, descrita em 1918, é cau-
senta manifestações hemorrágicas semelhantes às das sada por defeito na glicoproteína de membrana G P Ilb/Illa,
hemo filias.
que é responsável pela agregação plaquetária7 • Trata-se de
doença hemorrágica de intensidade variável, com sangra-
DIAGNÓSTICO LABORATORIAl menta cutâneo-mucosa como principal manifestação, e que
Testes usuais da coagulação como o TP e TI não auxi- se torna evidente logo na infância. O diagnóstico é feito por
liam no diagnóstico da doença de von Willebrand, já que não meio do tempo de sangria de Ivy modificado alargado, retra-
estão alterados nessa condição. O TTPa pode estar alargado ção do coágulo diminuída, plaquetas com número e morfo-
em pequena proporção de pacientes, mas, geralmente, está logia habituais, agregação plaquetária fisiológica com ristoce-
inalterado. São necessários testes específicos como a dosa- tina e ausente com colágeno, adrenalina e ADP, e por meio
gem do co fator de ristocecina, que avalia a função do fator de da quantificação da glicoproteína de superficie por citometria
von Willebrand, a dosagem imunológica do fator de von de fluxo. O tratamento deve ser feito na vigência de sangra-

107

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mento ativo ou de qualquer procedimento que leve a risco de neo seja raro. A esplenomcgalia secundária à hipertensão
sangramento. O tratamento indicado é a reposição de pla- porta é considerada a causa principal da plaquetopenia. A
q uetas (concentrado de plaquetas). O uso da desmopressina trombopoietina, citoquinina responsável pela maturação dos
pode ser bem-sucedido quando o procedimento a ser reali- megacariócitos e formação de p laquetas, encontra-se dimi-
zado for de baixo risco para sangramento e os antifibrinolíti- nuida, pois é sintetizada no fígado. A destruição plaquetária
cos forem usados como coadjuvantes. Após o uso repetido decorrente de fenômenos imuno lógicos e o consumo secun-
do concentrado de plaquetas, é comum o aparecimento de dário à coagulação intravascular disseminada crônica (C IO)
aloanticorpos contra plaquetas, o que pode inviabilizar futu- também são descritos. Por fim, pacientes q ue fazem uso do
ras transfusões. Alguns autores têm utilizado, com sucesso, o álcool têm a trombocitopoicse inibida. D efeito de interação
fator VII ativado recombinante nessas situações. das p laquetas com o endotélio, fatores da coagulação e
m esmo elas plaquetas, demonstrados pela curva de agrega-
SINDROME DE BERNARD-SOUUER ção plaq uetária com ADP, colágeno, epincfrina, trombina e
D oença autossômica recessiva, descrita em 1948, que ristocetina são descritos nos cirróticos, sugerindo disfunção
evolui com defeito na glicoproteína d e membrana plaquetária. A d eficiência na produção plaquctária de rro m -
G P Ib-IX-V, responsável pela adesão plaquetária-. Suas boxane A2, o aumento sistêmico das prostaciclinas, além da
manifestações clínicas são semelhantes às da trombastenia presença de aumento ele produtos de degradação da fibrina,
de G lanzmann. O diagnóstico é feito por meio d o tempo de podem ser os responsáveis pela disfunção plaquctária.
sangria de Ivy modificado alargado, retração do coágulo nor-
mal, contagem de plaquetas inalterada ou diminuida, volume DESEQUIÚBRIO NA SINTESE DE FATORES PRÓ EANTICOAGULANTES
plaquetário aumentado e agregação plaquetária fisiológica Com exceção do fator de von \XIillebrand, todos os
com colágeno, adrenal ina e ADP e ausente com ristocetina. fato res da coagulação têm síntese hepática. Estes fatores
Por meio da citomctria de fluxo, pode-se quantificar a glico- são pró e anticoagulantes, pró e antifibrino líticos. O tem po
proteína de superficie. As bases do tratamento são idênticas de protrombina c o tempo parcial de trombo plastina ativa-
às da trombastenia de G lanzmann. do não refletem toda a ampl itude das alterações dos fatores
pró-coagulantes, já que estes se encontram alterados ape-
nas quando há diminuição importante desses fatores.
Distúrbios adquiridos Observa-se que, muitas vezes, os pró-coagul anres estão em
hepática níveis suficientes para a hemostasia e os an ticoagulantes
estão diminuídos. P aciente com deficiência de um único
O fígado exerce função central na hcm ostasia. fato r da coagulação em níveis próximos a 30% pode ser
Praticamente, todos os fatores da coagulação e seus in.ibido- submetido a situações de estresse hem ostácico sem apre-
res são produzidos pelos hepatóciros e muitos deles são de sentar sangram ento aumentado.
produção exclusiva do figado. Além disso, o clareamcnto a insuficiência hepática mais de um pró-coagulante está
dos fato res ativados e dos produtos de degradação do fibri- diminuído, existe disfunção do fibrinogênio c, algumas
nogênio e fibrina são feitos pelo figado. Dessa forma, a insu- ve--Les, a deficiência associada de vitamina K leva à disfunção
ficiência hepática leva a grande número de alterações no que dos fatores pró-coagulantes K dependentes.
diz respeito à hemostasia. O que ocorre na ins uficiência
hepática não é simplesmente uma tendência ao sangramen-
to, mas sim um desequilibrio, muitas vezes imprevisível, do DISFIBRINOGENEMIA

sistema hemostáticd. Esta é a alteração q ual itativa mais comum na insuficiên-


cia hepática, estando presente em até 70% elos pacientes
com doença hepática crônica. É caracterizada pela polimeri-
ALTERAÇÕES PLA.QUETÁRIAS zação anormal dos monômeros de fibrina, decorrente da
A plaquetopenia é um achado comum na doença hepáti- presença d e quantidades excessivas d e ácido siálico nas
ca avançad a. É encontrada em 30% a 64% dos cirróticos, moléculas de fibrinogênio . Laboratorialmentc, observa-se
mas raramente a contagem de plaquetas é menor q ue 30.000 d osagem ele fibrinogênio e m nível normal, com o tempo de
a 40.000/ mm', o que faz com que o sangramento espontâ- rrombina (fT) alterado.

108
•••
Capitulo 9 .: Bases e distúrbios da coagulação

ABRINÓLISE se (D-dímero c produtos de degradação da fibrina - PDF)


O aumento da é um achado comum na insu- não são capazes de quantificá-la e podem ser positivos devi-
ficiência hepática. ua principal causa é o aumento dos do à presença de coágulos formados nos capilares lesados. A
rúveis do ativador do plasminogênio tecidual (tPA), de sín- diferenciação entre fisiológica e patológica não
tese devido à ausência de depuração hepática. pode ser feita por meio desses exames. Talvez os métodos
Com menor importância, baixos rúveis de a2-antiplasmina, laboratoriais capazes de avaliar a coagulação de maneira glo-
T AFI (mibidor da fibrinólise ativado pela trombina) e P Al1 bal, como o tromboelastograma, sejam a única maneira de
(inibidor do ativador do plasminogênio 1) contribuem para realmente conhecer o equilibrio hemostático dos pacientes
fibrinólise primariamente aumentada. com insuficiência hepática. A reposição e a monitorização
pré, per e pós-operatórias devem ser feitas de acordo com os
COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA parâmetros do tromboelastógrafo. Caso o tromboelastogra-
O fato de a coagulação imravascular disseminada com- ma não seja possível, os exames básicos da coagulação
pensada c a insuficiência hepática evoluírem com alterações podem servir de parâmetro, mas o uso destes testes para
hemostáticas comuns levanta a hipótese da coagulação monitoramento acarretam transfusões em quantidades des-
intravascular disseminada estar presente nos pacientes cirró- necessárias de plasma fresco congelado e plaquetas. Os anti-
ticos. Ainda como objeto de discussão, novos exames labo- fibrinoliticos, a heparina e a desmopressina podem ser
ratoriais como fragmento 1 + 2 da protro mbina, o 0 -díme- empregados quando se opta pela utilização do tromboelas-
ro, a fibrina solúvel, entre outros, permitiram o aparecimen- tógrafo como referência para a monitorização9 .
to do termo "fibrinólise e coagulação intravascular acelera-
da". Presente em até 30% dos casos de in uficiência hepáti-
ca, podem d imimúr com o uso da heparina. Pacientes com Insuficiência renal
insuficiência hepática, com fibrinólise e coagulação in travas
angramento aumentado em pacientes com insuficiência
cular acelerada, quando submetidos a situações de risco,
renal é um fato já bem reconhecido. Alterações na hemosta-
como scpse, choque, procedimento cirúrgico, trauma e
sia como disfunção endotelial, alteração da função plaquetá-
recirculação da ascite, podem facilmente desenvolver a coa-
ria e interações anormais entre o endotélio e as plaquetas são
gulação intravascular disseminada. O diagnóstico da coagu-
as prováveis alterações que ex1Jlicam o sangramento aumen-
lação inrra,·ascular disseminada é difkil, já que as alterações
tado nesses paciemes. Apesar da diminuição dos episódios
laboratoriais são comuns tanto à insuficiência hepática e
de sangramento, com o uso mais amplo da diálise, e da cor-
quanto à coagulação intravascular acelerada.
reção da anemia, com o uso da eritropoietina, esses episó-
Po rém, redução desproporcional do fator V e queda do
dios ainda são considerados complicação clínica imporran-
fator V lll previamente inalterado sugerem o aparecimento
te111. Em geral, os exames básicos da coagulação se enco n-
da coagulação intravascular disseminada descompcnsada.
tram inalterados, não podendo predizer o risco de sangra-
menta duran te procedimentos cirúrgicos. A patogênese do
AVALIAÇÃO LABORATORIAL sangramento em pacientes com insuficiência renal é com-
De,·ido à complexidade das alterações hemostáticas pre- plexa; várias alterações na hemostasia foram descritas, mas
sentes na insuficiência hepática, é improvável que os testes suas correlações com o sangramento clinico são fracas e
usuais para a avaliação da coagulação sejam capazes de exibir inconsistentes. Os pacientes com insuficiência renal apre-
o equilibrio hemostático. Testes usuais para a avaliação da sentam-se com sangramento cutâneo mucosa que condiz
hemostasia como tempo de protrombina, tempo parcial de com alterações na fase primária da hemostasia. A desmo-
trombo plastina ativado, fibrinogênio, produto de degrada- pressina e o esn·ógcno conjugado têm sido usados no pré-
ção de fibrina, D -dimero, entre o utros, por serem realizados operatório de pacientes com insuficiência renal.
em plasma citratado pobre em plaquetas e à temperamra de As doenças renais também estão associadas a complica-
37°C, não são capazes de avaliar as interações das hemácias ções trombóticas. Observa-se diminuição da fibrinólise
e plaquetas com os fato res de coagulação, o equilíbrio entre devido à diminuição dos ativadores do plasrninogênio teci-
os fatores pró e anticoagulantes, as disfunções do fibrinogê- dual e aumento da a2-antiplasmina, e diminuição das pro-
nio e das plaquetas e a interferência da temperamra corporal teínas C e , além de aumento na prevalência de anticoagu-
na hemostasia. Os testes para avaliar a presença de lante lúpico em pacientes com insuficiência renal. Trombose

109
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
da fistula arteriovenosa é descrita como uma das principais Quadro 9.2. Sangramcnto espontáneo
complicações dos pacientes em hemodiálise. Existem alguns
estudos que utili zaram antiagregante p laquetário ou até Perguntas sobre:
mesmo anticoagulante oral em paciente com trombose de Aparecimento de hematomas em locais onde seria pouco prová,·el a
repetição da fistula. Por se tratarem de relatos de caso ou associação com traumatismo
estudos caso-controle co m pequeno número de pacientes Epista.xe e gengivorragia freqüentes e sem causa aparente
incluidos, não se pode tirar conclusões a esse respeito. A
Sangramento na urina e fezes
trombose de veia renal também é descrita em pacientes com
Sanb'l1lmento intra-articular ou intramuscular
sindrome nefrótica.
Passado de anemia ferropriva

Avaliação pré-operatória da coagulação
Os procedimentos cirúrg1cos são, sem dúvida, um gran-
de teste para a hemostasia, pois a reconstituição de um vaso Quadro 9.3. Uso de medicamentos
lesado é fundamental para o sucesso de qualquer procedi-
Perguntas sobre:
---·
----------------------------------------------------------------------··
mento cirúrg1co. O s médico devem estar prontos para reco-
Tipos de medicamentos usados pelos pacientes quando estão com
nhecer anormalidades hemostáticas com significado clinico
"gnpes", cefaléias, cólicas menstruais, dores em geral
antes de levar seus pacientes para o centro cirúrgico. Mesmo
Freqüência com que estes medicamentos são tomados
pequenos procedimentos em pacientes com distúrbios da
Correlação dos episódios de com o uso desses medica-
coagulação pod em se tornar extremamente complicados 11 • mentos
mais comuns que interferem na coagulação: antiagre-
ganres p la9uetários, antÜn!lamatórios não-esteróides, anticoagu-
H ist ória clínica lantcs e alguns antibióticos

A maio ria das anormalidades da coagulação com impor- ··----------------------------------------------------------------------
tância clínica pode ser detectada apenas com uma anamnese
bem feita. l:..tistó ria médica de talhada, voltada para as anor- Quadro 9.4. História familiar
malidades da coagulação, é obrigatória antes de qualquer -----------------------------------------------------------------------··•
procedimento cirúrgico. E sta deve ser colhida com antece- Pergunras sobre:
dência, pois, se necessário, avaliação laborato rial deve ser
História de sangramento aumcnrado em algum parente próximo,
realizada antes da o peração. Os principais pontos a serem após procedimento cirúrgiw ou espontaneamente
investigados estão listados nos Quadros 9.1 , 9.2, 9.3 e 9.4. •
··-----------------------------------------------------------------------

Quadro 9.1. Resposta hemostárica a o perações pré,·ias e traumas


-----------------------------------------------------------------------··• Pacientes que passaram recentemente po r p rocedi-
Pergunus sobre: mento cirúrgico sem sangram e nto aumen tad o já fo ram
subme tidos à prova he mostática mais eficaz que qualquer
Sangramento aumentado durante e após procedimentos como extra·
ções dentárias, operações otorrinolaringológicas, biópsias e teste laborato rial.
pequenos ferimentos O tipo de sangramento também fornece informações
Formação de hematomas desproporcionais às operações ou traumas importa ntes so bre a fase da he m os tas ia afetada .
Sangramentos c utâneo-mucosos sugerem alterações na fase
Necessidade de transfusão de hemocomponentes após procedimento
cirúrgico em que normalmente estes não são necessários
primária da coagulação (alterações endo teliais, plaq uetope-
nias e disfunções plaquetárias), enquanto sangramentos
Sangramento aumenudo no pós-pano. Sangramento menstrual
intramusculares ou articulares sugerem defeitos na fase
aumenudo sem causa ginecológica
secundária da coagulação (deficiência de fatores d a coagula-
ção). Esta diferenciação direciona a abordagem laboratorial.
O s problemas relativos às informações colhidas são
secundários à subjetividade, ao viés de memória, à ausência

110
Capítulo 9 .: Bases e distúrbtos da coagulação

••
de situações prévias de risco de sangramento e ao desconhe- interações com drogas e alimentos, contro le laboratorial de
cimento da história familiar (p. ex. pacientes adotados). dificil padro nização, problemas de não-adesão ao tratamen-
to c dificuJdade de comunkação entre paciente e médico.

Exame fisico
Quadro 9.5. Avaliação p ré operatória lnbormorial da
Algumas alterações no exame 6sico, relacionatlas a ------------------------------------------------··•
doenças si têmicas o u locais que interferem na hemos ta ia, Situação clínico-cirúrgica Recomendação
podem ser úteis na avaliação pré-operatória: presença de l listúna hemosrát1ca :-.;enhum ex<Amc de da
hemato mas, petéquias ou angramentos ativos no mo men- c exame tlsico nonnais e procedi- coaJ.,>UIAç:lo é
mcntn ClfÚJWCO pequeno
to do exame, presença de eqüelas articulares (hemarrro e),
pregressa hemostáuca Pbquctometna e Tll'a dc\'Cm
anormalidades vasculares como hemangiomas gigantes e
c exame 11sico normais e procedi- ser rcall/ado' com o ohJCII\ o de
alterações do exame 6sico relacionadas à insuficiência mento Clrúrgtco de J.,>mndc porte afa\t2r da coaJ.,'lllaçào
hepática e as doenças mieloproliferativas. adqu1ndo
lli"úna pregrcs;a hemostáuc.l de Plaquctomcrna, lTPa, TP.
poosh d distúrbio da coagubçàn Testes raraa\'aliar a função pla-
Estudos laboratoriais c operações de rio;co muito quc:rana dc"cm \cr re:lluados se
Auml·nt;tdo par.1 sangramcnto ou hou\cr suspeita de dlsti.mçào pia ·
Os argum entos contra a realização de exames da coagu- prol:cdimcntos cirurgicos em yuc quctaria
mesmo pequenos sangramcnws
lação na aval iação pré-operatória de rotina baseiam-se no
p<XIl•m ser gt"3\'CS
fato de que estes não se mostraram vantajosos. Diversos
I hstória pregressa hcmost:íuca O pac1cntc de\ C ser avaliado por
estudos evidenciaram que, em pacientes com história pre- fortemente de coaJ.,'l.llo especialista q ue fará a a\'aliaçào
gressa e exame fisico no rmai , os exames laboratoriais, p.HI<I c qualquer upo de operação bborawnal da coaJ.,'lll.lÇ<io de
mesmo guando alterados, não levaram a qualquer mudan- acordo com a chn1ca
ça no risco de sangramemo dos pacientes. Conclui-se gue •
··------------------------------------------------
exames da coagulação usados como testes de triagem são
desnecessários c não devem ser realizados quando não há
suspeita clímca de distúrbio da coagulação. Em geral, os
testes de triagem das alteraçõc da coagulação devem Mecanismo de ação
basear-se na história clínica c na magnitude da intervenção
antagonistas da vitamina "produzem seu creito anti-
( )s
cirúrgica proposta (Quadro 9.5).
por interferirem no ciclo da 'itamina K. A en.lÍ-
ma vitamina K epóxido-redULase, um a das re ponsá\'eis pela
Paciente em tratamento anticoagulante " redução" da vitamina KO em vitamina K ,, é bloqueada
pelos antagonistas da vitamina K.. Dessa maneira, não há a
Pacientes em uso de cumarínicos formação de vitamina KJI 2, a principal respo nsável pela
Os cumarínicos ou antagonistas da vitamina K são os gama-carboxilação do f:\ terminal nas proteínas vitan1ina K-
principais amicoagulames orais por mais de 50 anos. ua efi- depcntlentes. em a t-,>ama-carboxilação, estas não exercem
cácia foi estabelecida por meio tle e rudos bem tlesenhatlos seus efeiros na coagulação, ou seja, na presença de antago-
para a prevenção primária e secundária do rromboembolis- nistas da ,;tamina K, há síntese de proteínas não-funcionan-
mo veno o, para a prevenção de rromboembolismo em tcs. O efeito dos antagonistas da vitamina K pode ser ncu-
pacientes com prótese de \'áh'Ulas cardíacas ou 6brilação rralindo por pequenas doses de \'itamina K " a qual, em
arria!, para prevenção primária em pacientes com alto risco excesso, acumula-se no 6gado c pode fazer com que os
para infano agudo do miocárdio, e para prevenção de aci- pacientes se to mem resistentes aos da vitamina
dente vascular encefálico, de infano reco rrente, ou de morte K, por até uma semana. Os fatores da coagulação vitamina
em pacientes com infano miocárdico 12 . K-dependente ão os fatores pró-coagulantes 11 , VJJ , IX e
O uso dos antagonistas da vitamina K é um desafio na X e os anticoagulantes nan1mis, proteína C e S. Devido ao
prática cllnica pelas seguintes razões: presença de janela tera- fato de que o fato r 11 possui meia vida de 96 ho ras e a pro-
pêutica estreita, dose-resposta variável entre os indivíduos, teína C de sete horas, nas primeiras 96 horas há d iminuição

111
• Fundamentos em Clínica Cirú rgica

••
d e um anticoagulante natural sem a diminuição do principal Quadro 9.6. Preparo pré-operatório para pacientes em uso de
pró-coagulante, estabelecendo-se estado de hipercoagulabi- antagonistas da vitamina K
lidade. Por esse motivo, a heparina deve ser associada por, ----------------------------------------------··
--------·
no mínimo, cinco dias no início da anticoagulação com anta- Dia menos 5 Suspender AVK
HBPM dose terapêutica
gonistas da vitamina K, sendo retirada após dois dias conse- Heparina SC (ITPa
cutivos com essas d rogas em níveis terapêuticos 12• em faixa terapêutica)
--'---
A monitorização dos antagonistas da vitamina K é feita Dia menos 4 a dia menos 1 Manter heparina. Monitorizar
por meio do RNI (razão da normatização internacio nal), p laquetas e TIPa

índice derivado do tempo de protrombina como tentativa Dia m enos 1 HBPM ou heparina nio-fraciona-
da em doses terapêuticas (última
de padronização interlaboratorial.
dose 24hs antes do procedimen-
to)

Dia da operação iVIedidas mecânicas*. Dose profi-


Suspensão e neutralização do warfarin
lática de heparina seis a 12 horas
após o término do procedimento
A suspensão pré-operatória dos antagonistas da vitami-
na K deve ocorrer quatro a cinco dias antes do procedimen- Dia mais 1 O bservar sangramentos. Se pos-
sível, aumentar a heparina e ini-
to, tempo necessário para que o fator II volte a ser sintetiza- ciar AVK
do em sua forma funcionante. A neutralização dos antago-
D ia mais 2 Heparina em dose terapêutica e
nistas da vitamina K pode ser realizada com a vitamina K ., AVK
o p lasma fresco congelado ou com o concentrado de
Dia mais 5 Verificar RNI. Se dois dias co n-
complexo protro mbínico. secutivos na faixa terapêutica,
suspender hcparina
.--------------------
Procedimento cirúrgico eletivo ··----------------------------------------------
AVK - .uuagonistas da vitamina K
HBP\1 - hoparina de baixo peso molecular
Esquema com preparo pré-operatório para pacientes em se - subcmànet')
TTPa - tempo de tromboplastina parc1al í\0\'ado
uso de antagonistas da vitamina K está detalhado no RNI - razão da nonnatizaçâo internacional
* mecânicas: compressão pneumática intermitente, dcambulação precoce
Quadro 9.6.

Procedimento cirúrgico de emergência Mecanismo de ação


Nos procedimentos cirúrgicos de urgência, o efeitO do
As heparinas são heterogêneas no que diz respeito ao
anticoagulante oral d eve ser neutralizado imediatamente
tamanho das moléculas, atividade anticoagulante e proprie-
com o uso do plasma fresco congelad o (1Ornl a 20m1 de
dades farmacocinéticas. Seu peso molec ular varia de 3.000 a
plasma por Kg de peso do paciente) ou com o uso dos com-
plexos protrombínicos. 30.000 daltons, com média de 15.000, contando com, apro-
ximadamente, 45 cadeias de monossaca.rídeos. Apenas um
terço da dose administrada se liga à antitrombina e é respo n-
Paciente em uso de heparina sável pela maior parte do efeito anticoagulante. Os dois ter-
ços restantes têm po uca atividade anticoaguJante em doses
As heparinas são uma mistura heterogênea de glicosami-
terapêuticas, mas, em altas concentrações, podem exercer
noglic.wos que tiveram suas propriedades antitrombóticas
descobertas há mais de 90 anos. Elas exercem seu efeito sua ação anticoagulante por meio do cofator li da heparina.
anticoagulante de maneira indireta, atuando sobre seu cofa- O complexo heparina an titrombina (H A1) inativa a
tor, a antitrombina. As heparinas se ligam à antitrombi.na, trombina e os fatores Xa, IXa, Xla e Xlla. A trombina e o
levando a mudança na conformação da molécula, o que fator Xa são os mais sensíveis à ação do complexo hepari.na-
converte a antitrombina de um inibidor lento da trombina antitrombina, sen do a trombina dez vezes mais suscepúvel à
para um inibidor extremamente rápido11• inativação. Após a mudança na conformação molecular da

112
•••
Capítulo 9 .: Bases e distúrbios da coagulação

antitrombina causada pela heparina, o fator Xa é inativado Restauração pós-operatória da anticoagulação


sem que haja necessidade de ligação com a molécula da
O reinício da anticoagulação, no pós-operatório, deve
hepari na. Por outro lado, a inibição da trombina depende de
ser realizado de maneira cuidadosa, pelo risco de sangra-
uma tripla ligação (trombina, heparina e antitrombina). Esta
menta. E m primeiro lugar, deve-se ter certeza de indicação
é a diferença básica entre o mecanismo de ação das hepari-
da anticoagulação, pois só assim o risco é justificável. Outros
nas não-fracionadas e as de baixo peso molecular. Essas últi-
fatores importan tes são o risco de trombose em relação ao
mas inibem o faro r Xa em proporções até quatro vezes
paciente e ao tipo de procedimento cirú rgico. Em pacientes
maiore , que inibem a trombina, exatamente por serem
com alto risco de trombose submetidos a operações cujo
moléculas menores, nas quais não é possível que ocorra a tri-
risco de sangramento é pequeno, a anticoagulação deve ser
pla ligação (moléculas com menos de 18 sacarídeos perdem
reiniciada o mais rápido o possível. Em geral, no dia do ato
a capacidade de se ligarem simultaneamente à trombina c à
cirúrgico, doses profiláticas de hcparina são usadas c, no pri-
antitrombina). A inibição limitada da trombina faz com que
meiro dia de pós-operatório, doses plenas de hepatina
um dos testes usados para monitorizat a ação da heparina
devem ser utilizadas c o oral reiniciado.
perca sua sensibilidade quando doses terapêuticas de hcpa-
rina de baixo peso molecular são usadas (o tempo de trom-
boplastina parcial ativado não se alarga durante o uso das Profilaxia para tromboembol ismo venoso no
hepatinas de baixo peso molecular) 13 • paciente cirúrgico
A maioria dos pacientes hospitalizados possuí fatores de
Suspensão e neutralização da heparina risco para o tromboembolismo venoso e, em geral, estes
fato res são cumulativos. Sem profiJaxia, a incidência de
o caso de operações eletivas, as heparinas de baixo
tromboembolismo venoso con firmada objetivamente é de
peso molecular devem ser suspensas 12 horas ames, quando
10% a 40% em pacientes clínicos c cirúrgicos, e de até 60%
em doses profiláticas, e 24 horas antes, quando em doses
em pacientes submetidos a grande operações ortopédicas.
terapêuticas. J\s hcparinas não-fracionadas, quando em
Um quarto a um terço dos trombas venosos en\'olvem veias
doses terapêuticas e em infusão contínua, podem ser sus-
prox.imais dos membro inferio res, sendo a maioria dos
pensas até eis horas ames do procedimento. Q uando a via
casos sintomáticos e com possibilidade de evoluir para
de administração fo r subcutânea, devem-se respeitar os
tromboembolismo pulmonar. Aproxin1adamente 10% dos
mesmos intervalos das heparinas de baixo peso molecular.
óbitos hospitalares são atribuídos ao tromboembolismo
As heparinas podem ser antagonizadas pelo sulfato de
puJmonar. A pro fila.xia para o trombocmbolismo venoso se
protamina, que fo rma um sal estável após sua ligação com as
torna justificável pelos seguintes fatores":
heparinas. !\ dose utilizada é de lmg de sulfato de protami-
na para cada 100 I de hepatina. O cálculo da dose deve
levar em coma a meia vida das diferentes heparinas. A hepa- Alta prevalência de tromboembolismo venoso
rina não-fracionada tem meia vida de aproximadamente 60
minutos; logo, a cada hora que passa do momento da sua • a maioria dos paciente hospitalizados possuí algum
administração, a dose de protamina deve ser dimi nuída pela fator de risco para tromboembolismo venoso;
metade. Q uando a heparina de baixo peso molecular for uti- • o trombocmbolismo venoso profundo é comum em
lizada, a dose é ele 1mg para cada 100U l de an tifator Xa nas muitos grupos de pacientes internados;
primeiras oito horas após a administração; a partir de então, • o tromboembolismo venoso profundo e o trom-
a dose de protamina deve ser diminuída. Como a ligação da boembolismo pulmonar adquiridos du rante a interna-
protamina com a hepatina depende do tamanho da molécu- ção são usualmente silenciosos;
la, a inativação das hepatinas de bai..xo peso molecular não • há dificuldade de predizer quais dentre os pacientes de
ocorre por completo; apenas 60% da sua atividade anti-fator risco terão tromboembolismo veno o;
Xa é antagonizada. Em algumas raras situações, o plasma • a realização de exames de imagem como scrrenÍIIJ!, não
fresco congelado pode ser utilizado. apresenta boa relação custo-beneficio.

113

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Conseqüências adversas do tromboembolismo Eficácia e eficiência da tromboprofilaxia


venoso não-prevenido
• a tromboproillaxia é altamente eficaz em preverur o
• trombose venosa profunda e tromboembolismo tromboembolismo venoso e o tromboembohsmo
pulmonar sintomáticos; pulmonar fatal;
• tromboembolismo pulmonar fatal; • a prevenção da tro mbose venosa profunda também
• custos da propedêutica em pacientes sintomáticos previne tromboembolismo pulmonar;
(confirmar o djagnóstico); • a relação custo-benefício da tromboprofilaxia já foi
• risco futuro de tromboembolismo venoso recor- repetidamente demonstrada.
rente; o Quadro 9.7, estão associados os diferentes niveis
• síndrome pós-trombótica (seqüelas) . de risco de tromboem boljsmo venoso e as respectivas
estratégias recomendadas para a sua proftlaxia.

Quadro 9.7 . Risco de tromboembolismo venoso em pacientes cirúrgicos sem profilaxia e estratégias profiláticas recomendadas

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------··•
TVP % TEP %
Nível de risco Distai Proximal Clinica Fatal Estratégia para profilaxia

Baixo Risco 2 0,4 0,2 <0,01 Sem profilaxia especifica.


Operações menores em pacientes Dcambulação precoce
com menos de 40 anos sem fatores
de risco adicional

Risco Moderado 10 -20 2-4 1-2 0,1 -0,4 lleparina não-fracionada S.OOOUI
Operações menores em pacientes se de 12 em 12hs ou
com fato res de risco adicional. Heparina de baixo peso molecular
Operações em pacientes cmrc 40 c S 3.400Ul se dia, associada a
60 anos sem fatores de risco adi- meia de compressão gradual ou
cional compressão pneumática inter-
mitente

Alto Risro 20-40 4 -8 2-4 0,4 - 1,0 Heparina não fracionada S.OOOUI
Operações em pacientes acima de 60 se de 8 em 8hs ou
ou entre 40 e 60 anos com fato- Heparina de baixo peso molecular
res de risco adicional > 3.400Ul se dia, associada a
meia de compressão pneumáti-
ca intermitente

Altíssimo Risco 40-80 10-20 4 - 10 0,2-5,0 A VK oral (RNl entre 2,0 c 3,0)
Operações em paciemcs com múlti- Hcparina de baixo peso molecular
plos fatores de risco > 3.400UI Se dia, associada a
t\rrroplastia do joelho ou articulação meia de compressão pneumáti-
coxo-femoral e operação para cor- ca inrennitenrc
reção de fratura de fêmur
C randes traumatismos c lesão raqui-
mcdular

··------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
menores: pmccdtmcnros ctrúrgicos nào -abdomtnats com menos de 45 minutos de duraçàc>.
Operações: quaisquer pnx::cduncntos abdominais (exceto opcraç()cs de parede abdommal) ou procedimentos com maas de 45 trunutos de duração.
1-:-atorcs de ri sco: trombocmbolasmo \ cnoso prévio, nc<)plasta em au,·tdadc, trombofilia d(Kumcntada lal)(lr:ltunalmcntc.
.r\ profilaxia medicamentosa deve ser 1niciada, prcfcrcncaalmentc, 12 horas antes do proccdtmcmo.
·rvp - trombose venosa profunda; TEP - lrombocmbohsmo pulmonar; se- subcutâneo; AVK - ant3f,'OnJStaS da \'ltamina K; RN I - raLàO da normatização internacio nal

114
Capítulo 9 .: Bases e distúrbios da coagulação

••

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115
10
MICROBIOTA
INDÍGENA E DEFESA
ANTI INFECCIOSA
.. -----------------------------------------------------------

Lucienne França Reis Paiva, Guilherme Birchal Collares ,
H yllo Baeta Marcello Júnior

Introdução mecanismos ele proteção antiinfecciosa, mas também


porque constitui reservatório de microrganismos poten-
O ser humano é isento de germes somente enquanto cialmente patogênicos. Além disso, conhecendo a micro-
habita, em condições fisiológicas, o útero materno, tor- biota incligena, é possível interpretar melho r os achados
nando-se colonizado por microrganismos a partir elo de culturas, valorizando o u não o isolamento ele determi-
momento do nascimento. Em contato com o meio exte- nados microrganismos em determinados sítios5 •
rior, as superfícies corporais são colonizadas principal-
mente por bactérias, e, em menor escala, por fungos e
protozoários 1• Esta coleção de microrganismos que habi- Microbiota indígena
ta o corpo é comumente denominada "microflora nor-
Mecanismos regulatórios do hospedeiro (fatores autó-
mal". Outros termos muito usados são "flora normal",
genos) e fatores externos (alogênicos) são responsáveis pela
"microbiota indigena" e "microbiota autóctone". Destes
presença de determinados microrganismos no corpo e pela
todos, os termos mais corretos são "microbiota inclige-
eliminação de outros. Diferenças bioquimicas e fisiológicas
na" e "rnicrobiota autóctone", pois definem uma coleção
em diferentes regiões do corpo (temperatura, pH, potencial
de microrganismos que são nativos do corpo 2•3• "Flora" e de oxirredução, osmolaridade, nutrientes, receptores na
" microflora" são conotações botânicas infelizes, deriva- superfície de células epiteliais, entre outros) proporcionam
das dos tempos em que as bactérias e outros microrganis- ambientes propícios para determinados microrganismos e
mos eram considerados semelhantes às células vegetais2• desfavoráveis para outros. A capacidade de adesão à super-
A microbiota indígena habita a superfície da pele, a cavi- ficies do corpo, que é célula-específica c relacionada à
dade oral, o trato respiratório superior, o trato gastroin- expressão de adesinas, é um dos principais requisitos
testinal e os tratos urinário e genital, variando qualitativa para a colonização2.6 •7 •
e quantitativamente nos diversos sítios2 • Cada parte do corpo contendo suas características
O número de microrganismos presentes na microbiota estruturais e microbianas pode, por definição, ser conside-
incligena chega a superar o número de células de seu pró- rada um ecossistema. Como cada ecossistema abriga rnicro-
prio hospedeiro. Enquanto um adulto humano é constirui- biota característica, a microbiota incligena humana pode ser
clo ele, aproximadamente, 1013 células eucarióticas, as suas dividida em microbiota da pele (Quadro 10.1), do tratores-
superfícies podem ser colonizadas por um total de 1014 piratório superior (Quadro 10.2), da cavidade oral (Quadro
célLJas microbianas procarióticas e eucarióticas•. 10.3), microbiota gastrointestinal (Quadro 10.4) c do trato
O conhecimento da microbiota é importante não só genital (Quadro 10.5).
porque ela exerce ações benéficas para o hospedeiro, A microbiota pode ser classificada em transitória ou
decorrentes de seu metabolismo, e colabora com os residente. A microbiota residente é praticamente cons-

117
•• • Fundamentos em Clinica Cirúrgica

tante em determinada topografia e faixa etária. Após seu micro bio ta residente permanecer inalterada, mas pode
estabelecimento, e em condições no rmais, não é alterada o riginar doenças na sua alteração;'.
e, guando isso ocorre, é prontamente re tabelecida por i A interação da rnicrobiota com os tecidos é altamente
só. Está firmemente, aderida a recepto res reciduais po r específica e é determinada po r fatores locais do hospedei-
meio de ligações covalemes, hidrogênio-iônicas, entre ro, co mo especificidade dos receptores, suprimento san-
outras, só podendo ser removida pela morte m icrobiana güineo, nu trientes, temperatura, umidade, pl-1, potencial
o u alreraçõe no recepto r. Os nossos tecidos represen- de oxirredução, presença de enzimas e anticorpos lg A.
tam seu hábitat natural e, quando o equilibrio é mantido, O s fatores ambientais, como o tipo de dieta, hábitos de
não provoca doenças, atuando como barreira antiinfec- higiene, poluição, aneamento básico, utilização de anti-
ciosa. A microbiota transitó ria pode colonizar tecidos microbianos o u anti-sépticos c hospitalização, também
tempo rariamente po r algu mas horas, dias ou semanas, inAuenciam na co nstituição da rnicrobiota no rmal·.
não sendo restabclecida po r si só. A sua interação com
recepto res tecidua.is é reversível, podendo ser remc)\'ida.
Geralmente, origi na-se d o meio ambiente o u de outros
Quadro I 0.2 .: Bacté rias comume nte detectadas no trato resp irn-
tecido do hospedeiro e não representa problema se a
túno supcno r"'
---------------------------------------------------··
Porção anterior das narina• tpidmwidis
.1: 1411/tlll

Quadro I 0. 1.: \ltcror).,':lniSmos co mumente detectados na pele Coryntllúcltrilllll sp


humana• \taphylorrxru! tpidmmdi!
• \. tlllrtu.r

( &rynrborltnllllt spp.
Cocos Gram·posnivus .llaphyloaxms
.1: 111tria.larrs ,\lor.Lwlla ralarrb,dis
l. rdfJitii 1/nmtophilllt mjlllrnz.u
.t mh11ü \.t1ssma
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M. nisbillom&amsis
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M. kristinat
.I. 1110rl111wrum
.\l Jtfklll.uiiiJ
\. 1úlirari111
' "· 1'011111 J. Nf>tril
.li. r.uio11s
,\. gordo11Í/
Bastonetes Gram ( oryntbadmNtn; tikti11111 .s: 11111/iJIIJ
(. llrtal,tuum J: mrtrliiJ
(. mtnlllusi mmn .1: mt111s
ProptolllbartmNm amu .1: sobriiiNs
P. a11d11m 1 ms/11
P t.ranuloJIIIIt .I: pntiiiiiOnint
Brrribadtrillm tptdmntdu .1: J!YV!PftS (< trl'lo da pt>pNI4(dtJ hHinunJ)
I ltumnphiiNJ p.munjhttii'{Jt
Ba•toneres . 14111tloiJadtrjtJÓHJOIIii
,\[Jroplasllla sa/imn111
Leveduras Mnlasuifa f mfur .11. ora/a

. ··---------------------------------------------------
.. -------------------------
/)rmiJII,., (n/Jim/oru111
• • \luc.hficadn Uc: Tannnck.-

'\ln<h focado do 1 •nnock

118
Capítulo I O .: Microbiota indígena e defesa anti infecciosa

••
Quadro I0.3 .: Bactérias comumente detectadas na cavidade Quadro I0.4 .: Gêneros bacrerianos comumente encontrados
oral de seres humanos* nas fezes h umanas"

Acti11omym iJ,.atlli Adtiamill()(1)(f11J


A . âscos11s Bactrróides
A . IIIOS!Jifldii Bifuhbarterium
Eubamri11m alortol]fi(llm Chltridi""'
E. sobNmNifl CojJTMJ«Ns
LarlobacJJius ctJSti hnttroiJtXttr-
Bijitkbacttrium dmti11m [;,tmxtK(IIS
Cory·ntbadfliNm malrurbatii Esrhmchiti
Prop1011Íbac/eriNfN .rp
RotbitJ dmtfXariosa Kltbsit/Ja
IArlobacillliJ
Basto netes Gram-neganvos Prrvoltla mtlaningogmira , U tgamOIItlJ
P. intmntdia
P. !otsehtii Mdht111obm•ibtuttr
P. denticola Mttbanospbatra
Porpi!Jroii/OIIoS gingivalis PtptostreptococcNS
P. assacharo!Jtica Prott1u
P. mdodontalis RU/1/J/JQCOf(IIJ
1-uso/Jactniutn mtcltafum l "tilfontltt
F.
F mssii
/·: pm(/oncticum •Modificado dt: T annock

/ ·: alods
F mld
I.Lptotrichia buccalis
Quadro I0.5 .: Microrganismos comumente detectados no lava-
Stlmomonas sputigma

..
do vaginal de humanas*
J Jlutggú
CapiiO':JIOphaga orhracta ---------------------------------------------------
--------------.
C. sputat,enn Cocos Gr:lm-posicivos anac rbbtos Baderoidts
C Candida
( ampylobarter reclus
C.. mn•us E11bacterium
I 'tillont!la parou/a Gardnml/a
I : atJpica 1.-tJc/obaaiiNr

.··---------------------------------------------------
r: dispor "\ f;·coplasma
Proptonibnrlt ri11m
de Tannock Stapi?Jioror<'tiS
Strtplomcms
{ lrraplasmrJ

Importância da microbiota indígena ··---------------------------------------------------


· de Tannock-

A microbiota indigena, quando em equiJibrio e na


ausência de fa tores que comprometam a imunidade do Na defesa, a microbiota age impedindo o estabeleci-
hospedeiro, apresenta vários e feitos benéficos, atuando mento de microrganismos exógenos possivelmente pato-
na própria defesa antiinfecciosa e contribuindo para a gênicos, por meio de diversos mecanismos, como compe-
nutrição do hospedeiro2 . riçào por nutrientes, produção de bacteriocinas ou modifi-
Certos membros da microbiota intestinal são capazes cações ambientais, que desfavorecem a colonizaçào de
de sintetiza r vitami nas K, B 1z, folato, piridoxina, biotina patógenos. Bactérias do gênero Bifidobacten·um presentes
e riboflavina, contribuindo para a nutrição do hospedei- no cólon de crianças em aleitamento materno produzem
ro. Apesar dis o, com exceção da vitamina K, as quanti- ambiente adverso para infecção por patógenos entéricos9 .
dades produzidas são m uito pequenas em relação à quan- Bacteriocinas produzidas por StreptococCIIS elo grupo viri -
tidade presente numa dieta balanceada8•9 • dans, presentes na microbiota da orofaringe, impedem a

119
• Fundamentos e m Clínica C irúrgica

••
colonização por Streptococctts pneumoniae, Streptococcus pyogcncs ça de anaerób ios e enterobactérias intestinais9•11 .
e bastonetes Gram-negativos, potencialmente patogêni- Streptococcus do grupo viridans, presentes normalmente na
cos8. A microbiota vaginal apresenta efeito similar de pro- cavidade oral, podem atingi r a circulação sangilinea devi-
teção contra infecções, devido à produção de ácido tático do a traumas diversos (p. ex., extração dentária) e coloni-
pelos Lactobaci//us spp, por meio do metabolismo do glico- zar válvulas cardiacas previamente lesadas, levando à
gênio presente no epitélio vagi nal. A produção de ácido endocardite bacteriana9•
lático ajuda a manter o pH vaginal ácido (aproximadamen- Além disso, microrganismos da microbiota podem
te 4,5), o gue dificulta a presença de enterobactérias pato- causar infecções diversas em pacientes com comprome-
gênicas. Além disso, a produção de peróxido de hidrogê- timento de seus mecanismos de defesa. Assim, a maior
nio pelos Lactobacillus spp tem ação antimicrobiana direta e, parte das infecções hospitalares é causada por espécies da
em associação com a mieloperoxidase, libera íon cloro, microbiota humana normaP.
outro potente germicida2•5• O papel protetor da microbio- O desenvolvimento de doença infecciosa depende,
ta pode ser evidenciado, ainda, pela superinfecção por particularmente, do modo de interação entre parasita e
microrganismos patogênicos resistentes, gue pode ocorrer hospedeiro, o que, por sua vez, depende de fatores rela-
após o uso de antibioticoterapia de largo espectro. Candida cionados aos microrganismos, às defesas do hospedeiro
albicans da microbiota indigena pode multiplicar-se inten- e ao ambiente o nde ocorre a infecção. Classicamente, os
samente, causando micoses superficiais nas regiões oral e microrganismos são classificados em patogênicos e não-
genital, após o uso de antimicrobianos. Colite pseudo- patogênicos, de acordo co m sua capacidade de produzir
membranosa é resultado da proliferação de Clostridi11m dif- doença. Esta di visão se torna muito difícil porgue a ocor-
jicilc devido à pressão seletiva decorrente do uso intensivo rência da doença não depende apenas da capacidade do
de antibioticoterapia9 • microrganismo de produzir lesão, mas também da capa-
Além desses mecanismos, a rnicrobiota indigena auxilia cidade do hospedeiro em evitar a infecção. Micror-
a defesa contra infecções por meio da estimulação antigê- ganismos classificados co mo não-patogênicos podem
nica, induzindo produção de imunoglobulinas, como IgA e induzir doenças graves em pacientes imunoco mprometi-
lgG. Animais isentos de germes têm sistema mononuclear- dos. Sendo assim, todo microrganismo que colo niza um
fagocitário pouco desenvolvido e niveis séricos de imuno- ser vivo deve ser considerado como possivelmente
globulinas ba.L"Xos. Assim, muitas bactérias consideradas patogênico;.
não-patogênicas podem ser letais para animais criados em
O grau de patogenicidade de um microrganismo,
condições completamente assépticas8-10.
também chamado de virulência, depende da sua capaci-
dade de se estabelecer e proliferar nos tecidos do hospe-
Fatores envolvidos nas infecções: deiro, resistir aos mecanismos de defesa do hospedeiro e
produzir lesão. Fatores de patogenicidade são caracterís-
características dos agentes infecciosos
ticas do microrganismo gue contribuem, em última ins-
Em contrapartida aos efeitos benéficos, a rnicrobiota tância, para desenvolvim ento de doença. Sendo assim, a
indígena pode atuar como reservatório de microrganis- presença de flagelos e a mo tilidade bacteriana possibili-
mos potencialmente patogênicos para o hospedeiro. tam, muitas vezes, ao microrganismo atingir o local de
Muitos microrganismos presentes normalmente na infecção;.1 2 . Adesinas presentes no glicocálice bacteriano
microbio ta do hospedeiro podem causar infecções opor- e em estruturas de superfície, como fímbrias, unem-se a
tunistas nos seus sítios indigenas, como mencionado no receptores específicos da célula do hospedeiro, possibili-
desequilibrio pela ação de antimic robianos, ou guando tando a fixação aos tecidos humanos 1.1 2 • A presença de
ati ngem locais diferentes de seu sítio natural de coloniza- cápsula, formada a partir do glicocálice, atua impedindo
ção11. Assim, a maioria das infecções do trato urinário é a fagocitose das bactérias por células do sistema mono-
causada por enterobactérias da microbiota do trato nuclear-fagocitário5"12.
digestivo, gue atingem o trato urinário por via ascenden- A virulência de algumas bactérias está, também, asso-
te9"11 . A perfuração do cólon libera material fecal na cavi- ciada à produção de algumas enzimas como leucocidinas,
dade abdominal, o que pode levar à peritonite e forma- que podem destruir neutró ftlos; hemolisinas, gue causam
ção de abscessos intra-abdominais relacionados à presen- lise de hemácias; coagulases, gue produzem coágulos de

120
•••
Capítulo I O .: Microbiota indígena e defesa anti infecciosa

fibrina a partir do fibrinogênio, o que pode proteger as bac- patogênicos, o desenvolvimento de doenças é relativa-
térias contra a fagocitose e isolá-las do contato com outros mente raro. Isto acontece devido a complexo mecanismo
mecanismos de defesa do hospedeiro; hialuronidases e de defesa antiinfecciosa, que envolve tanto a de fesa
colagenases, que possuem ação digestiva sobre componen- externa quanto mecanismos internos inespecíficos e
tes estruturais dos tecidos do hospedeiro; entre outras5•12 • específicos. A defesa externa compreende as barreiras
Outro fator de patogenicidade importante é a produ- anatômicas naturais (barreira cutâneo -m ucosa) qu e
ção de toxinas, que podem ser divididas em dois grupos: atuam impedindo o estabelecimento de infecções' .. 2 •
exotoxinas e endotoxinas 12 • As exotoxinas são produzi- D este modo, a pele íntegra garante barreira efetiva
das no interior de algumas bactérias, geralmente G ram- contra a invasão microbiana. A camada externa de quera-
positivas, e liberadas no meio circundante. a mawna tina é impermeável à água, dificultando a infecção . D eve
das vezes, são codificadas por plasmideos, que podem ser lembrado que a pele úmida, como pode ocorrer em
ser transferidos horizontalmente em uma população bac- regiões de dobras e devido ao uso de curativos oclusivos,
teriana. Essas toxi nas podem ser agrupadas em três tipos é mais propensa a infecções, principalmente fúngicas. O
principais, dependendo do seu modo de ação. As citoto- p H ácido (entre 5 e 6) e a presença de secreções sebáceas
xinas lesam células do hospedeiro ou afetam suas fun- metabolizadas por componentes da microbiota até áci-
ções, as neurotoxinas interferem na transmissão adequa- dos graxos e de lisozima (enzima co m ação bactericida
da dos impulsos nervosos e as enterotox inas afetam as contra Gram-positivos) dificultam a colonização por
células que revestem o trato intestinal 12 • Como exemplos grande variedade de microrganismos e selecionam aque-
de citotoxina, podem ser citadas a toxina diftérica produ- les no rmalmente presentes na pele. Além disso, os
zida pelo Corynebacterium diphtheriae e ·as toxinas eritrogê- microrgani smos da microbiota permanente da pele inter-
nicas do Streptococcus pyogenes. Toxina botulín ica do ferem na colonização de patógenos por meio da compe-
Clostridit1m botuli1111111 e toxina tetânica do é./o.rtridium IPtani tição por nutrientes e produção de bacteriocinas. O utro
são exemplos de neurotoxioas. Po r fim, entre os exem- mecanismo antiinfeccioso da pele é sua descamação
plos de enterotox.inas, podem ser citadas a enterotoxina constante, o que auxilia na eliminação de microrganis-
colérica do Vibrio cholerae e a enterotoxina estafilocócica mos, limitando seu tempo de colonização. Po r fim, o
do Staphylococcus aureus. suo r contém lgA , que atua na defesa específica contra
J á as endotoxinas são constituídas pela porção lipídi- microrganismos5' 11 ' 12•
ca (lipídeo A) dos Epopolissacarídeos da membrana As membran as mucosas também atuam como barrei-
externa de bactérias G ram-negativas' 2• G eralmente, exer- ra epitelial contra a invasão de agentes infecciosos. Os
cem seu efeito após a morte destas bactérias, devido à Ese mecanismos secretários auxiliam na remoção de micror-
de suas paredes celulares, o que leva à liberação da endo- ganismos, sendo que muitas das secreções mucosas con-
toxina. Assi m, mui tas vezes, ao se iniciar o tratamento têm IgA, lisozima e/ou lactoferrina, que atuam inibindo
antimicrobiano para infecções por bactérias G ram-nega- a proliferação microbiana. Além disso, vários o utros
tivas, pode ocorrer piora clinica transitória, já que maior fatores mecânicos específicos das d iversas regiões anatô-
quantidade de endotoxina é liberada' 2 • A endotoxina age micas são essenciais para manutenção de defesa antiin-
estimulando a prod ução de interleucina-1 pelos macrófa- fecciosa eficiente 5' 12•
gos, o que vai induzir resposta inflamatória de intensida- O fluxo de lágrimas é fundamental para manutenção
de variável. Os sintomas vão desde febre, calafrios, da integridade dos mecanismos de defesa e da saúde dos
fraqueza e dores generalizadas até coagulação intravascu- o lhos. A lágrima, além de remover mecanicamente
lar disseminada e choque séptico, podendo levar
microrganismos invasores, possui ação inibitória contra
ao óbito 5·' 2•
patógenos devido à presença de lisozima, lactoferrina,
betalizina e IgA secretória1·' 2 •
Mecanismos de defesa antiinfecciosa As vias aéreas apresentam um eficiente sistema de
proteção contra a disseminação microbiana, sendo que,
Apesar de o ser humano apresentar microbio ta indí- apesar da grande quantidade de microrganismos inalados
gena variada e estar sem pre entrando em contato com contin uamente durante a respiração, a árvore respiratória
grande variedade de micro rganismos possivelmente se mantém estéril abaixo da carina. A presença de pêlos

121
•• • Fundamentos e m Clínica Cirúrgica

e a forma irregular dos cornetos nasais representam a pri- 1 o trato genital feminino, a estrutura epitelial, o pH
meira barreira antiinfecciosa das vias aéreas. AJém clisso, vaginal e a flora residente são farores imponantes na
a secreção nasal contendo IgA, lisozima e células fagocí- defesa contra in fecções. Durante o período reprodutor, o
ticas e a presença de epitélio mucociEar auxiliam a defe- epitélio vaginal se espessa devido à ação do estrógeno e
sa neste nível do trato respiratório. Apenas partículas há maio r quantidade de glicogênio, o que favorece a pro-
menores que 20f..l.m atingem as vias aéreas baixas. A dimi- liferação de Lactobacil/us spp. A redução do pH, devido ao
nuição progres iva no calibre das vias aéreas e as mudan- metabolismo do glicogênio a ácido lácico, em associação
ças na di reção do fluxo aéreo devido ao trajeto das vias com o espessamento epitelial, aumenta a resistência da
aéreas baixas fazem com que partículas maiores que 2f..l.m vagina contra infecções exógenas, que são mais freqüen-
sejam depositadas ao longo da superfície das vias aéreas tes nesta etapa da vida5•11 •
baixas. Estas partículas se aderem ao muco produzido Além dos mecanismos de defesa externa, que atuam
pelas células caliciformes e são removidas pelas células impedindo o estabelecimento e invasão de microrganis-
ciliadas que, com movimentos sincronizados de seus mos possivelmente patogênicos, existem mecanismos
cílios, propelem o muco, numa velocidade de 1 a 3 em/h, internos de defesa para combater os microrganismos que
até a orofaringe. Este sistema é bastante e ficiente, sendo venceram a barreira externa. Os mecanismos internos de
que praticamente todo material é removido em menos de defesa podem ser divididos em mecanismos inespecífi-
24 horas. AEados a este sistema de ftltração, os reflexos cos, que agem indiscriminadamente contra qualquer
de tosse c espirro são outros mecanismos usados para patógeno, e mecanismos específicos, que envolvem imu-
nidade contra patógenos em particular'2.".
remoção de partículas do trato respiratórios·11 •12•
Os mecanismos de defesa inespecíficos compreen-
o trato digestivo, a barreira antiinfecciosa se inicia na
dem resposta inflamatória sistêmica e no local da infec-
boca, pela limpeza mecânica p ropiciada pela descarga de,
ção, onde ocorre liberação de substâncias p ró-inflamató-
aproximadamente, um litro de saliva por clia. Movimentos
rias, como histamina, cininas, prostaglandinas e leuco-
mastigatórios c da língua e lábios auxiliam na remoção de
trienos, que estimulam a vasodilatação local e o aumento
microrganismos. Além disso, a saliva contém lgA e lisozi-
da permeabilidade vascular. Logo após, ocorre migração
mas que conferem efeito antirnicrobiano. A segunda bar-
de macrófagos e ação de hisciócitos locais, que vão reali-
reira antiinfecciosa do trato digestivo é o pl-1 ácido do
zar a fagoci tose de microrganismos e material nccrórico,
estômago (< 4), que é letal para a maioria dos microrganis-
seguindo-se reparo rccidual. A arivação do sistema com-
mos. J á no intestino, o movimento peristáltico das alças
plemento auxilia a fagocitose, por intermédio da opsoni-
intestinais dificulta aderência e invasão microbiana. Além
zação ele microrganismos, além de promover a lise di reta
disso, as células cpitejjais do intestino são recobertas por de células estranhas. Como re5Llltado da reação inflama-
muco que contém moléculas que se fi."{am a adesinas tória locaJ, gera lmente ocorrem dor, rubor, calor e
microbianas, ação que é, ainda, favorecida pela presença edema. Como forma de isolar a região atingida pela
de IgA secretá ria. A descamação do epitéjjo intestinal infecção, pode haver a formação ele coágulos ao redor da
remove os micro rganismos aderidos. Vômitos c dia rréia área lesada, resultando na formação de abscesso.
também podem ser considerados mecanismos de defesa, A resposta istêmica ocorre por meio da liberação de
pois au.xiliam a eliminar o agente infecciosos. substâncias pró-inflamatórias, como inrerleucinas e fator
Em relação ao sistema urinário, o fluxo de urina é o de necrose tumora1, gue vão estimular a liberação de p ro-
principal fator mecânico para impedir a colonização micro- teínas de fase aguda além de exercer ação di reta, como no
biana. o homem, o maior comprimento da uretra dificul- caso da interleucina-1 que age no hipotálamo, levando ao
ta ainda mais a disseminação de rnicrorgarusmo por via aparecimento de febre. as infecções virais, ocorre libe-
ascendente no trato urinário. Além disso, a secreção pros- ração de interferons, que inibem a replicação
tática contém lisozima, lactoferrina e IgA, que apresentam O s mecanismos de resposta específica contra infec-
ação antirnicrobiana. a mulher, a uretra mais curta, a pro- ções são conhecidos como resposta imunológica. As célu-
ximidade do meato uretra! em relação à vagina e ao ânus, e las responsáveis pela resposta imunológica são os linfóci-
a ausência de secreção prostática explicam a ocorrência tos B e T e os plasmócitos (derivados de linfócitos B). l\
mais freqüente de infecções do trato urinário5•11 •12• resposta imun ológica humoral é caracterizada pela produ-

122
Capítulo lO .: Microbiota indígena e defesa antiinfecciosa

••
ção de anticorpos pelos linfócitos B ativados (plasmóci- te de muco e modificar a microbio ta o ral. A necessidade
tos), que se ligam a antígenos núcrobianos especificas, de aspiração repetida do tubo favorece o desenvolvimen-
auxiliando sua inativação e destruição pelos macrófagos e to de pneumo nia. Outros fatores que favorecem a ocor-
sistema complemento. A resposta imunológica celular rência de pneumo nia bacteriana são a idade avançada, o
ocorre por meio do reconhecimento de antígenos especí- alcoolismo, o tabagismo e a existência de algumas doen-
ficos po r receptores de superfície de ünfócitos T 12 n. ças de base. O idoso apresenta maio r facilid ade de colo-
nização do trato respi ratório superior por bactérias
Gram-negativas, devido a mudanças no epitélio. Além
Fatores que comprometem a defesa disso, ocorre perda do tônus do esfíncter inferior do esô-
local e sistêmica fago, o que predispõe esse paciente a re fluxo gastroeso-
fágico e a aspiração. Outros fatores que podem contri-
Diversos fatores podem comprometer a defesa do
buir para o aumento da ocorrência de pneumonia no
organismo, pro piciando a ocorrência de infecções que
idoso são redução do nível de consciência, comprometi-
não acontecem no indivíduo saudável. No paciente hos-
mento do reflexo da tosse, acúmulo de secreções e com-
pitalizado, a imobilização, a realização de procedimentos
pro metimento da resposta imunológica. O álcool favore-
invasivos que ro mpem barreiras externas contra infec-
ce o aparecimento de pneumonia por diminuir o nível de
ções e o uso de antimicrobianos de amplo espectro de
consciência, o reflexo da tosse c a resposta imunológica
ação que atuam modificando a microbiota indígena, sele-
no trato respiratório. J á o fumo compro mete os mecanis-
cionando microrga nismos resistentes, levam a um con-
texto especialmente favo rável à infecção. Vale lembrar mos de defesa pulmonar, diminuindo a função mucoci-
que a maio ria das infecções hospitalares é causada por liar e a função dos macró fagos alveolares. Infecções
microrganismos da própria microbiota do virais das vias aéreas levam à diminuição da função ciliar,
Lesões de pele causadas por traumas, incisões cirúrgi- ao aumento da aderência bacteriana c à hipcrsecreção de
cas, punções, cateteres e clrenos abrem importante porta fluidos, o que facilita o aparecimento de infecções bacte-
de entrada para a invasão de microrganismos possivel- rianas. Doenças como a fibrose cística causam espessa-
mente patogênicos. A presença de espaços mortos, mento do muco, dificul tando sua eliminação. l sto propi-
hematomas ou seromas aumenta ainda mais o risco de cia a colonização por microrganismos não-fermentado-
infecção incisional, por retardar a cicatrização e propiciar res, como a Pseudofllonas aemginosa, que produz toxina que
meio adequado para multipücação microbiana. Cateteres paralisa a atividade ciliar, prejudicando ainda mais a defe-
de longa duração se tornam colonizados po r microrga- sa. D oenças que afetam a dinâmica dos movimentos res-
nismos da pele c podem levar a bacteriemias e sepse. O pirató rios, como doença pulmonar obstrutiva crônica,
uso de curati vos oclusivos sobre lesões de pele pode obesidade, desnutrição, doenças neuromuscuJares (téta-
levar a maior proliferação de microrganismos na pele no, po üo miebtc, miastenia), doenças neuro lógicas (aci-
subjacente, o que, aUado à umidade ou soluçiio de conti- dente vascular encefálico) e proced imentos cirúrgicos no
nuidade, pode favorecer a invasão. O uso abusivo de tórax e abdome superio r também contribuem para
antimicrobianos leva à seleção de microrganismos mais aumento de infecções respiratórias\" 3•
resistentes, que vão compo r a microbiota indígena de o trato digestivo, cateteres nasoentéricos atuam
muitos pacientes hospitalizados. A não-adesão às práti- como corpos estranhos, podendo servir como via de
cas de prevenção de infecções, como lavagem correta das migração bacteriana. A translocação bacteriana pela muco-
mãos c respeito aos di versos tipos de isolamento, leva à sa intestinal pode dar origem à pcritonire ou à dissemina-
disseminação des tes microrganismos resistentes entre ção para di versos órgãos, como pulmões e baço.
profissionais da área de saúde e pacientes, contribuindo Alterações da microbiota do intestino pelo uso de antim.i-
para o aumento do número de infecções por ge rmes crobianos provocam redução de bactérias anaeróbicas e
resistentes no ambiente proliferação de enterobactérias, favorecendo a transloca-
Pacientes inn1bados o u traqueostomizados perdem a ção. Além disso, alterações na permeabilidade da mucosa,
barreira natural de defesa da naso faringe, o rofaringe e que podem ocorrer na desnutrição, jejum prolongado, uso
traquéia. O tubo atua co mo corpo estranho, além de de radiação ionizante e no choque hemorrágico, também
traumatizar o cpitéUo, diminuir a capacidade de transpor- favorecem a ocorrência de translocação bacteriana1•11 ' .

123
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
O principal fator de risco para infecções urinárias em grupo importante sob nsco de infecções cliversas por
pacientes hospitalizados é a presença de cateter uretral, microrganismos de baixo potencial de patogenicidade5·11•
que elimina diversos mecanismos de d efesa inespecífi-
cos. O cateter provoca dilatação da uretra, impede a
secreção de glândulas periuretrais que contêm substân- Conclusão
cias antimicrobianas, dificulta o esvaziamento completo O ser humano apresenta microbiota indigena vari ada
da bexiga, possibilita mig ração bacteriana pelo seu que, quando em conclições de equilib rio, desempenha fun-
lómen, atua como co rpo estranho e favorece a prolifera- ções benéficas, auxiliand o na d efesa contra infecções.
ção rnicrobiana na interface de sua superfície externa Apesar clisso, a microbiota pode atuar como reservatório
com a mucosa u retral. Mes mo cateteres de alívio, intro- d e microrganismos potencialmente patogênicos, levando à
du zidos em condições assépticas, podem levar bac térias o corrência de infecções, principalmente em situações em
da uretra para a bexiga, produzi ndo infecções5·113 • que os mecanismos de defesa antiinfecciosa se encontram
Várias conclições que comprometem mecanismos prejudicados. Mudanças constitucionais da rnicrobiota,
internos de defesa antiinfecciosa contribuem intensa- como ocorre nos casos d e hospitalização e uso abusivo de
mente para a ocorrência d e infecções. Pacientes desnutri- antimicrobianos, levam, muitas vezes, à seleção de micro r-
dos têm baLxa produção d e lisozima c lgA secretá ria, ganismos mais patogênicos e resistentes, favorecend o,
bem como deficiência de complemento, o que leva à ainda mais, o desenvolvimento de infecções.
incidência maior de infecções como tuberculose, diar-
réias bacterianas e infecções de vias aéreas superiores.
Recém-nascidos e idosos também estão mais propensos Agradecimentos
às infecções devido à resposta imunológica m enos eficaz.
Como o baço atua na remoção de partículas estranhas ossos agrad ecimentos à Prof' D r• Maria t\ uxiliadora
presentes na co rrente circulató ria, pacientes esplenecto- Roque d e Carvalho pela revisão d este capítulo.
mizados têm maio r susceptibilidade a infecções di versas.
Pacientes diabéticos po dem apresentar lesões tegu men- Referências
tares em decorrência de neuro patia e vasculo patia. t\Jém
disso, a presença de concentrações elevadas d e glicose 1 • T agg J, D ierksen K. Bacterial replacement therapy: adapting
favo rece o d esen volvimento d e infecções urinárias. germ warfare to infection prevention . Trends Biotechnol.
2003;21:217-23.
Pacientes renais crônicos também apresentam maior p re-
2 • Tannock G\XI. Normal Microflora: an in troduction to microbes
disposição a infecções bacterianas. Além da doença d e
inhabiting the human body. London: Chapman and H all,
base, ainda há o risco ad icio nal devid o à realização d e 1995:1 15.
procedimentos de diálise que atuam como porta de 3 • Da vis BD, Dulbecco R, Eisen H ', Ginsberg HS, \Xfood Jr \X' B,
entrada para microrganismos. Outras condições que ed s. Microbiolo!,>ia. São Paulo: Edart, 1973:320.
interferem direta o u indiretamente na respos ta imuno ló- 4 • Berg RD. The indigenous gastro intestinal microflora. Trends
Microbiol. 1996;4:85-9 1.
gica incluem presença de neoplas ias, colagenoses,
5 • Fernand es t\T , Ribeiro Filho . Infecção Hospitalar: d esequilí-
alcoolismo, d epressão, uso de drogas imunodepressoras, brio ecológico na interação do homem com sua microbiota.
citotóxicas e radioterapia5.1'. In: Fernandes AT, Fernandes MOV, Ribeiro-Filho N eds.
Com o aparecimento da t\IDS, caracterizada por imu- Infecção hospitalar c suas interfaces na área da saúde. São
nodepressão grave d evid o à redução progressiva d o núme- Paulo: t\the neu, 2000:163-208.
6 • Jawetz E, i\lclnick J L, Adclberg Et\, Brooks GF, Butcl JS,
ro de linfócitos T CD 4 circulantes, vários microrganismos
O rnston L ' . Microbio logia Médica. Rio de Janeiro:
considerados anteriormente não-patogênicos se estabele- Guanabara Koogan, 1998:130-3.
ceram como importantes agentes etiológicos de infecção. 7 • Maekowiak P. T he normal microbial flora. r Engl J Med.
Microrganismos da microbiota indígena e ambientais, ino- 1982;307:83-93.
8 • Mourão PI-10, Magalhães PP, Mendes E l . l\ licrobiota indígena
fensivos para os imunocompetentes, podem provocar
de seres humanos. Rev Med Minas Gerais. No p relo.
d oenças graves em pacientes com imunod epressão impor- 9 • Ryan KJ. N ormal Microbial Flora. ln: Ryan KJ ed. Shcrris
tante. Pacientes transplantados em uso de meclicações Medicai Microbiology: an introduction to infcctious discases.
imunodepressoras e leucêmicos também constituem Connecticut: Appleton & Lange, 1994:133-40.

124
Capítulo I O .: Microbiota indígena e defesa antiinfecciosa

••
lO • ovcrr MC, Huffnaglc GB. Does the micmb1ota regulare 1mmunc 12 • T orrora GJ, Funke BR, Case C L. l\licmb1oloj.,>ia. Po rto Alegre:
rcsponscs outsidc the gut' Trends Microbiol. 2004; 12:562-8. Artmed Editora, 2000:827.
11 • Tannock G\XI. Med icai importancc of 1hc normal microOora. 13 • Pedroso ERP, Freiras A. Fatores que mod ificam a resposta aos
Lo ndon: Kluwer i\cademic Publishcrs, 1999:5 15. In: Pcdroso F.RP, Rocha MOC eds. Clínica
Médica: amibioticorc rapia. Rio de J aneiro: Mcdsi, 2001:629-55.

125
11
PREPARO
PRÉ-OPERATÓRIO

..

---------------------------------------------------------------------
1arco Antônio Gonçalves Rodrigues,
Henrique Gomes de Barros

O resultado do tratamento cirúrgico depende, entre dora e tranqüilizadora. obretudo, é preciso ouvir o pacien-
outros, do adequado preparo pré-operatório, que deve te, em particular pela necessidade de conhecer uas dúvidas
ter irúcio tão logo se indique a intervenção cirúrgica. E m e angústias. Recomenda-se explicar, de forma concisa e
situações de emergência, o preparo fica muito limitado didática, os principais aspectos da afecção, principalmente
pelo tempo exJguo entre a indicação cirúrgica e o aqueles que mo civaram a indicação cirúrgica, e do procedi-
momento operató rio, mas nem por isso deve ser menos- mento proposto, incluindo as possíveis seqüelas, limitações
prezado. Nos procedimentos cirúrgicos eletivos c mesmo e os principais cuidados pós-operatórios. Esta conduta
nos de urgência, é possível reservar um tempo para o ade- diminui a ansiedade e a depressão pré-operatória, amplia a
quado preparo do paciente, de forma a reduzir significa- colaboração do paciente no perioperatório e favorece a
tivamente o risco anestésico-cirúrgico. [uitos cuidados aderência ao seguimento pós-operatório. Mesmo em servi-
estão relacionados a particularidades técnicas da opera- ços de pronto-atendimento, no escasso período que ante-
ção ou a demandas específicas do paciente, que pode cede operação de emergência, deve ser reservado momen-
apresentar comorbidades ou necessidades especiais. to de atenção, esclarecimento e conforto psicológico aos
Outros constituem demandas universais, ou seja, neces- familiares do paciente, sendo fundamental que esses
sários em todos ou na maioria dos pacientes cirúrgicos. tenham conhecimento da real gravidade do quadro clinico
E sses últimos cuidados incluem o preparo psicológico, do paciente, da proposta terapêutica e de suas possíveis
(que deve interessar tanto os pacientes quanto os seus implicações. Há estudos que apontam tanto beneficios
familiares), o preparo imediato e a educação do paciente como ausência de efeitos sobre o nivel de ansiedade a par-
para o período pós-operatório que são apresentados ti r de diferentes tipos de preparo psicológico' •. Vale ressal-
adiante, neste capírulo. Nguns preparos especiais em tar que esse preparo psicológico não é alcançado em uma
cirurgia digestiva são também aqui abordados. O utros única consulta c não constitui tarefa individual, mas de toda
preparos especiais são discutidos detalhadamente em a equipe que assiste o doente'.
outros capítulos desta obra.

Ansiedade e depressão pré-operatória: Medo


Preparo psicológico
O momento de comunicar ao paciente c cus familiares
O preparo psicológico é fundamental ao equilíbrio fisi- a necessidade do tratamento cirúrgico é uma hora sempre
co e emocional do paciente cirúrgico e só é possível com delicada, po r vezes dificil e até estressante. É preciso que o
uma boa relação médico-paciente'. Este é alcançado por cirurgião esteja preparado para isso. Qualidades como a
meio de discussão franca e otimista entre o cirurgião, seu ensibilidade e a percepção são requisitos essenciais a esta
paciente e familiares, ou seja, com uma conversa esclarece- prática. A experiência pode apurar a abordagem, mas pode

127
•• • Fundamentos em Clinica Cirúrgica

também solidificar o mau hábito, ou seja, a atitude fria, dis- te frontalmente a desinformação, as dúvidas e as incertezas
tante, desatenta. Muitos cirurgiões não entendem c, conse- e redimensio na o paciente em face da situação e dos pro-
qüentemente, não aceitam o fato de seu paciente ter medo blemas7·". Como resultado ele segue mais seguro, amparado
e de ficar inseguro em face da indicação cirúrgica. Deveria e fortalecido.
preocupar-se, ao contrário, com o paciente que recebe, de
maneira eufórica, noócia tão pouco agradável. Mesmo o
Do diagnóstico e da operação
paciente com afecção cirúrgica que sofreu período dema-
siadamente longo com tratamento conservador sem suces- Algumas doenças apresentam estigma já consolidado.
so pode receber a indicação cirú rgica com alívio e esperan- O câncer, em especial, pode gerar estresse e ansiedade aos
ça, mas nunca com entusiasmo. E mesmo o paciente mais pacientes c seus familiares, que freqüentemente não
sofrido, acostumado às agruras do destino e habituado a sabem o significado exato do diagnóstico e a extensão do
renunciar ao prazer e à alegria, não recebe ml noócia de problema. ão é incomum, por exemplo, imaginarem
forma displicente e tranqüila. D esta forma, é essencial que que câncer é sempre doença avançada, disseminada, sem
o ci rurgião entenda que, nessa situação, o medo é senti- possibilidade de cura. Resta ao médico desmistificar estes
mento natural, não significando desrespeito à sua posição fatos, com base em informações seguras e necessariamen-
ou desconfiança à sua competência. ão cabem aqui te objetivas, pois a maioria dos pacientes não tem forma-
meli ndres, ressentimentos por parte do profissional. Ao ção técnica e condição psicológica de entender profunda-
contrário, espera-se dele maturidade (qualidade insub titui- mente sua afecção e, geral mente, nem deseja fazê-lo3·' ·9• O
vcl ao bom cirurgião) para aceimr, conviver e auxiliar o me mo e dá em relação às informações sobre o procedi-
paciente a trabalhar seu medo, e, por conseguinte, a ansie- mento cirúrgico''. A indicação do procedimento não pode
dade c a depressão a ele associadas6 • Alguns pacientes apre- ser comunicada como imposição. O paciente c familiares,
sentam maior susceptibilidade à ansiedade pré-operatória. por mais leigos que possam ser no assunto, têm o direito
Constituem faro res importantes: história de câncer; doen- de questionar c compreender as razões da indicação tera-
ças psiquiátricas prévias; depressão; dor; história de tabagis- pêutica, o que aumenta a aceitação da mesma. Muitas
mo; sexo feminino; maio r ri co anestésico-cirúrgico (A A); vezes, o doente quer saber quais serão as restrições
operação de maior porte 1. O paciente cirúrgico apresenta impostas, tempo rária ou definitivamente, pela operação.
medo por várias razões e de muitas coisas3• Entre os tipos Outras vezes, quer somente conhecer sobre o tamanho
de medo estão o medo do desconhecido, da anestesia, da ou o local da incisão e sobre a via de acesso. A curiosida-
dor, elas seqüelas funcio nais e estéticas (destruição da ima- de a respeito apenas do aspecto estético final da operação
gem fisica) c da morte. pode ser parte de processo de fuga ou desejo inconscien-
te de não saber a real gravidade do quadro, o que deve ser
Do desconhecido respeitado, mas abordado adequadamente pelo cirurgião.
O detalhamento tático e técnico passo-a-passo do aro
O ho mem carrega dentro de si o medo do desconheci- cirúrgico, via de regra, não interessa ao doente, além de
do que gera angústia e provoca, em algun s casos, pânico7 • q uase sempre gerar mais ansiedade•.
A falta da experiência prévia faz com que as pessoas criem D eve-se informar ao paciente, em linguagem accs í-
fantasias, a maioria delas ruins, e sofram intensa e solitaria- vel, a necessidade da realização de exames complementa-
mente com elas. É preciso que, no pré-operatório, o res pré-operatórios, da confecção de ostomias, da utiliza-
paciente tenha espaço para verbalizar esse medo e expor ção de drenas e cateteres no pós-operatório e da possibi-
essas fantasias, cabendo, po r princípio, ao cirurgião ouvi-lo. lidade de realizar o pós-operatório imediato em centro de
Esse deve se mostrar atencioso e disponível, incentivando tratamento intensivo. O paciente bem orientado aceitará
o doente a falar e oferecendo todas as info rmações e orien- melhor cada um destes procedimentos e tornar-se-á mais
tações necessárias. Utilizar rcrminologia estritamente técni- colaborativo. a eventualidade de se realiza r procedi-
ca o u pouco acessível, por mais óbvia que possa parecer ao mento não-planejado ou de se tomar conduta não-pre-
cirurgião, pode contribuir para aumentar as dú,•idas e vista antes da operação, esses devem ser justificados aos
angústias do paciente c de seus familiares. O conhecimen- familiares no pós-operató ri o imediato e ao paciente,
to dos fatos, por mais dificeis que possam parecer, comba- assim que o mesmo estiver consciente. É preferível que

128
Capítulo I I .: Preparo pré-operatório

••
ele receba essas informações diretamente de seu cirur- te. Cabe ao cirurgião orientá-lo em relação à existência de
gião, profissional com quem estabeleceu vínculo de medicamentos potentes no controle da dor e ao fato de
mútuo respeito e confiança. que estes estarão previamente prescritos e disponíveis para
Sempre que possível, o paciente deve ser informado uso contínuo ou em caso de necessidade, e da existência
sobre a estrutura e o funcionamento do centro cirúrgico, de equipe médica de plantão que estará acessível para rea-
sobre o local onde ficará no pós-operatório imediato (sala valiações necessárias. Estas informações tranqüilizam o
de recuperação pós-anestésica, centro de tratamento doente, principalmente quando percebe que seu médico
intensivo etc.) e como ele deverá ficar (intubado, sob ven- está atento a esta tão incômoda intercorrência.
tilação assistida etc.). Essa prática tem sido mais utilizada
nos últimos decênios e parece ser vantajosa nos pacientes
Das seqüelas cirúrgicas
que se submeterão a operações de grande porte.
O medo do procedimento cirúrgico está intimamen-
te relacionado ao medo das complicações pós-operató-
Da anestesia
rias, em particular das seqüelas cirúrgicas, e conseqüen-
Apesar dos avanços técnicos e farmacológicos recentes, temente do sofrimento, da limitação, do isolamento e da
quase todas as pessoas têm medo da anestesia, em grande dependência a elas relacionadas. A possibilidade de
parte porque os poucos acidentes anestésicos que aconte- comprometimento da qualidade de vida após operação
cem têm sido pauta de matérias alarmistas e divulgadas pela de grande porte gera legítima preocupação e deve ser
imprensa com estardalhaço. Este medo poderia ser compa- esclarecida. Nos casos em que essas seqüelas forem pre-
rado ao medo de viagens aéreas, certamente um dos meios visíveis, não só é essencial que o paciente tenha informa-
de transporte mais seguro que existe; da mesma forma, o ção desse fato, como é imprescindível que ele esteja pre-
paciente deveria se sentir especialmente seguro dentro do parado e de acordo com a realização do ato cirúrgico 1•
centro cirúrgico, com todos os equipamentos e medica- Nos dias atuais, a autorização do procedimento por
mentos necessários à reanimação cardiorrespiratória e nas meio da assinatura de T ermo de Consentimento
mãos de anestesiologista competente e responsável. Ainda Esclarecido pelo paciente ou por seus familiares se faz
mais, tendo sido submetido previamente a adequada avalia- necessária em algumas intervenções consideradas muti-
ção clínica e preparo pré-operatório. Resta ao médico tran- lantes ou de grande risco de morte e pode minimizar
qüilizar o paciente, informando-o dos avanços da aneste- alguma repercussão médico-legal futu ra. Entretanto,
siologia e da competência e seriedade da equipe de aneste- exige, por parte do cirurgião, maestria para que este
siologistas do serviço7 • Porém, não se deve jamais minimi- momento não seja de confronto de interesses e não
zar os riscos relacionados ao procedimento anestésico. interfira diretamente no relacionamento médico-pacien-
Alguns doentes temem sentir dor durante a anestesia. te. O registro por escrito em prontuário médico do
Eles devem ser esclarecidos de que essa ocorrência é rara esclarecimento e da autorização verbais prévias do pro-
nos dias atuais e que pode ser prevenida com o emprego cedimento por parte do paciente ou de fam iliares tam-
de anestésicos nas doses recomendadas e com a vigilân- bém constitui outra importante precaução a ser tomada.
cia do paciente pelo anestesiologista, que permanece É essencial que o paciente seja adequadamente informa-
atento aos sinais que indicam o grau de profundidade da do em relação às atuais opções para minimizar as seqüe-
anestesia e a necessidade de administrar mais ou menos las e limitações impostas pelo procedimento e favo recer
anestésicos. O cirurgião deve, também, realçar sua segu- sua adaptação a esta nova realidade.
rança no trabalho e na competência da equipe de aneste-
siologistas com quem irá trabalhar, transmitindo confian-
Da morte
ça ao paciente e seus familiares.
O traço comum a quase todos é a aversão à morte, a
inquietação diante do medo do desconhecido. O pacien-
Da dor
te que aceita bem a indicação cirúrgica, que acompanha e
Não é incomum o paciente ter medo de sentir dor no assimila o valor e os objetivos da avaliação médica e do
pós-operatório, mesmo porque essa é ocorrência freqüen- preparo pré-operatório, mesmo que apresente n sco

129
• Fundamentos em Clinica C ir úrgica

••
ctrurgico maior que o habitual, entende que a decisão relação médico-paciente deve dar ênfase a vários aspec-
cirúrgica está sendo tomada em seu interesse, conside- tos, sum ariados no Q uadro 11 .1.
rando que a não-reaüzação do procedimento envolveria
ainda maiores riscos de sofrimen to e óbito. Ainda assim,
percebendo em seu paciente este medo tão difícil quanto Quadro 11 . 1 .: Etapas do preparo psicológico do paciente cirúrgico
delicado, resta ao cirurgião mostrar-se especialmente
dedicado e atencioso.
----------------------------------------------··•
Explicar ao paciente, de IIWICira dam e conc:ila, a DalUlella e
tância dos exames complementua c dos pcep1101 lft-opti'Jt6áas
Informar ao paciente, de maneira didática e objetiva, os principais
Relação cirurgião-paciente aspectos de sua afecção que motivaram a indicação cirúrgica

Via de regra, a abordagem e o p reparo psicológico do Descrever sumariamcmc o proc:cdimeDco


do, seus riscos c posstvcis
paciente deverão ser feitos pelo próprio cirurgião, por meio acesslvel ao icnte
de relação médico-paciente "efetiva e afetiva". Raramente, Alertar o paciente e seus familiares em relação às conseqüências da não-
será necessário recorrer ao auxilio de profissionais especia- realização do procedimento cirúrgico

lizados: psicólogos ou psiquiatras. Contudo, pacientes com Entender como espetados o medo e a a111icdadc dd
paciente e de seus familiares ·
distúrbios emocionais e mentais graves podem necessitar
Explicar o que irá acontecer no pós-operatório, por exemplo, na sala de
de acompanhamento de especialistas da área, e, em alguns recuperação pós-ancstésica c no centro de tratamento intensivo, levando
casos, até mesmo de terapia medicamentosa no pré e/ ou eventualmente o paciente a esses ambientes antes da operação
no pós-operatório. Atualmente, outras fo rmas alternativas Realizar diacusdo franca c otimista com o pacicftot em ldaçlo a aspcc
de cuidados pré-operatórios têm demonstrado valor em ros perioperatórioa, como a dor pós-opcmtória c o uao de aoa1gésicos
o uao de ckenos e cat.ctcres, a posSibilidade da confc:cçio de ostomias
reduzir a ansiedade pré-operatória2• amputações etc.
A relação cirurgião-pacien te deve ser construída, Evidenciar o conhecimento c as atitudes tomadas em relação a deman-
sempre que possível, na intimidade do consul tório das específicas do paciente, relacionadas à existência prévia de limita-
médico, am biente p ropício para o méd ico ouvir o ções c comorbidadcs
doente e demonstra r todo interesse em auxiliá-lo, dis- Ser dedicado, atencioao e solkito co m o paciente e seus familiares e
sobretudo,
ponibilizando seu conhecimento e experiência em
ESCUTAR O PACIE TEI
favo r dele 11' . A tranqüilidade e a privacidade são condi-

ções essenciais para adequada consulta pré-operatória e ··----------------------------------------------
favorecerá ao cirurgião tomar decisões pautadas na
ética e no bom senso.
No ambiente hospitalar, o relacionamento médico- Educação do paciente para o
enfermagem-paciente-família adequado é requisito tão
pós-operatório
funda mental quanto a condição tecno lógica do hospital e
a experiência da equipe cirúrgica. Relacionamento respei- O paciente deve ser orientado quanto aos aspectos
toso, si ncero e marcado pela confiança previne di ficulda- essen ciais do pós-operatório imediato e mcdiato, obje-
des e intercorrências pós-operatórias. tivando contar com sua colaboração nestas fases e,
O s médicos envolvidos no tratamento dos pacientes desta forma, reduzir a incidência de complicações
com afecções cirúrgicas devem estar bem informados em pós-operatórias 10"11.
relação à atual abordagem p ropedêutico-terapêutica des- Esse trabalho de ed ucação e condicionamento deve
sas afecções c procurar, sobretudo, atender as demandas ser feito d urante o preparo pré-operató rio, devido ao
de seus pacientes, tanto no âmbito clínico quanto no psi- maio r interesse do paciente, uma vez que ele encon tra-
cossocia110. Felizmente, cada vez mais, os cirurgiões estão se ale rta e sem dor. A noite que antecede o p rocedi-
se conscientizando que os aspectos afetivos e existenciais mento, caso o paciente encontre-se internado, consti-
são imprescindíveis à plena e rápida recuperação do tui momento quase sempre muito o portuno. D eve-se
paciente cirúrgico. Esses cirurgiões sabem que o ato instruir o paciente em relação às vantagens de uma
cirúrgico é apenas um passo de uma longa caminhada6 • O série de medidas e cuidados a serem realizados pelo
preparo psicológico pré-operatório fundamentado na próprio paciente, mas várias vezes assistido por enfer-

130
•••
Capft ulo li .: Preparo pré-operat ório

meiros, fisioterapeutas e familiares (Quadro 1 1.2). São tares pré-operatórios realizado e a\·aliar a necessidade
instruções simples que têm grande poder de acelerar a de solicitar novos exames. e necessário, o prontuário
recupe ração do paciente e prevenir complicações ambulatorial do paciente deve e r requisitado. Caso o
como tro mbose venosa profunda, atrofia m uscular, paciente tenha esquecido os exames pré-o perató rios em
atelec ta ia, pneumonia, íleo fun cio nal prolongado, seu do micílio, solicitar famil iares que os traga m o mais
retenção urinária etc. rápido possível. Ve rificar se o procedimento cirúrgico
o u algum exame co mplementar encontra-se agendado,
Quadro I 1.2 .: e cuidados pós-operatórios ao prescrevendo o preparo adequado e orientando o
paciente cirúrgico no pré-operatóno paciente a esse respeito.
--------------------------------------------··
llapàlo. poiÍçiO leilo pcacDta -----------------·
110 I lU
Visita e medicação pré-anestésica
Mudança de decúbtto no leno

MovlaóeaJbtçlu aciva c pllliva de membros inferiores A ,-isita p ré-anestésica, habitualmente real izada na
Deambulação precoce véspera da operação, é muito impo rtante para garantir
Pisiocftçia c teedtt• açln rcspixatótia adequada avaliação anestesiológica e para prever even-
Reali1ação de insptrações profundas periódicas
tuais dificuldades técnicas com o procedimento anesté-
sico, como alergia a drogas, dificuldades com a intuba-
Tosse volundáa com contençio da ferida abdominal (espalmando as
mioleobre aavaMiro apoiado no abdome) ção etc. Este deve ser o início de uma relação de con-
Respeito à prescrição de jejum e da dieta liberada fiança, que não ocorre de forma natu ral, considerando-
• se gue, na maioria das vezes, o anestesiologista não foi
··-------------------------------------------- escolhido diretamente pelo paciente. esse momento,
o anestesiologis ta deve o gra u de pré-
É impo rtante desfazer o conceito que se difundiu operatória do paciente, procurando tranqüilizá-lo em
entre as pessoas que o paciente cirúrgico deve perma- relação à anestesia, e definir a necessidade de empregar
necer em repouso absoluto. A deambuJação precoce, a medicação pré-anestésica.
movimentação ativa c a movimentação passiva de
Quando se emprega anestesia geral, o uso de medi-
membros, em ordem decrescente de e fi ciência, auxi- camentos pré-anesté icos favorece indução suave e
liam na prevenção de complicações tromboembólicas. rápida, além de ali\'iar a dor pré c pós-operatória quan-
O medo de se alimentar e, em decorrência da alimenta- do presentes, minimizando ainda algu ns dos efeitos
ção, passar mal, senti r náuseas e dor secundária a vômi-
colate rais dos agentes anestésicos, como salivação,
tos também deve ser combatido. egundo aforis mo
b rad icardia e vômitos. Habitualmente, uti lizam-se
engraçado, mas correto, o paciente deve ser orientado ansio líticos-hipnóticos na véspera e na manhã da ope-
para, no pós-operató ri o, "comer, tossir c se mexer". ração (p. ex., midazolam ISmg - um comprimido à
noite e o utro pela man hã). A scdação pré-ancstésica
Preparo pré-operatório imediato aumenta o limiar da sensibilidade dolo rosa, podendo
ser inclusive utili zada em procedimentos cirúrgico
A maioria das condutas relacionadas com o preparo ambulatoriais, especialmente e m crianças, pessoas
pré-operatório imediato é conduzida com o paciente já ansiosa c em pacientes que estão entindo dor.
internado, ou seja, após a admissão hospitalar. Essa Maiores detalhes são apresentado no Capítulo 12 -
admissão do paciente deve er feita pelo responsável 11sila t medicação pré-amstésica.
direto (cirurgião) ou por seu substituto devidamente
instruido em relação à programação anestésico-cirúrgi-
ca e o rientado sobre os cuidado pré-operatórios neces-
Prescrição médica e cuidado s pré-operatórios
sários. O paciente deve ser submetido a novo exame clí- ão inúmero os cuidados a serem tOmados com o
nico para certificação de sua atual condição de saúde, paciente cirúrgico; alguns deles, por serem necessários em
com o registro desta avaliação em nota de admissão todos ou pelo menos em grande parte dos doentes, serão
hospitalar. É necessário examinar os testes complcmen- aqui abordados.

131
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
jejum za e à degermação da área a ser o perada. E m operações lim-
pas, a degermação pré-operatória parece reduzir em até
O jejum é fundamental antes dos procedimentos anes- 50% as infecções incisionais. Contudo, a eficiência da
tésicos. E m crianças, pelo metabolism o acelerado e intole-
degermação pré-operatória tem sido questionada, sobretu-
rância ao jejum prolongado, o jejum recomendado tem
do em relação ao cusro-beneficio 12•
sido de quatro horas para líquidos e seis horas para alimen-
tos sólidos. Nos pacientes adultos, a orientação dos aneste-
siologistas para abstenção de alimentos líquidos (inclusive Tricotomia pré-operatória
de água) tem variado de seis horas a oito ho ras, e de alimen-
A remoção dos pêlos no pré-operatório po r meio de
tos sólidos, de oito horas a doze horas. Na prática, em adul-
tricotomia ou, preferencialmente, de tonsura com tesoura
tos, tem sido prescrita oito horas de jejum. No entanto, esta
deve ser realizada apenas quando a incisão estiver prevista
rotina tem sido questionada e as orientações atuais são de
para região rica em pêlos que podem interferir na adequa-
jejum para líquidos claros de duas horas, dieta líquida com-
da visibilização do campo operatório, o u dificultar a apro-
pleta quatro horas e dieta sólida seis horas. A ingestão de
ximação das bordas da ferida e a aplicação de curativo. A
alimentos de fácil digestão é a mais recomendada. E m
realização da trico tomia poderá também evitar, no
pacientes com quadro obstrutivo deve-se associar, ao
mo m ento da incisão da pele, a secção dos pêlos e sua per-
jejum, a remoção de resíduos alimentares a montante da
manência na intimidade dos tecidos, funcionando como
obstrução; estes aspectos serão discutidos adiante. O
corpos estranhos. E m contrapartida, a tricoto mia promo-
paciente deve evitar também o uso de bebidas alcoólicas
ve lesão da camada córnea e escarificação da pele, propi-
antes de intervenções anestésico-cirúrgicas. Em pacientes
ciando a proliferação da microbiata indígena e a coloniza-
que serão submetidos a procedimentos de emergência, pela
ção bacteriana local e aum entando a incidência de infecção
impossibilidade de se conseguir o jejum pré-operatório e
incisional, especialmente em procedimentos limpos. E ste
pelo grande risco de aspiração do conteúdo gástrico, tem -
risco é mais freqüente quando a tricotomia é realizada com
se optado, quando possível, pela intubação o rotraqueal
lâmina e quando é maior o tempo decorrido entre sua rea-
com o paciente acordado, ou pela intubação em seqüência
lização e o ato operatório. A rem oção dos pêlos deve ser
rápida, associada a compressão da cartilagem cricóide
feita, no máximo, uma a d uas horas antes da o peração,
o esôfago cervical. O preparo de pacientes para pro-
aplicada à menor área possível e, quando a tonsura não for
cedimentos cirúrgicos am bulatoriais nível II deve incluir
viável, deve-se preferir a tricotomia elétrica. Os princípios
de jejum de seis horas a oito horas, devido ao pro-
gerais da tricotomia pré-operatória estão sumariados no
cedimento anestesiológico previsto. Apesar de rara, a ocor-
Quadro 11 .3.
rência de manifestações clínicas co mo convulsão, vômi tos
e aspiração de conteúdo gástrico, em co nseqüência de dose Quadro I 1.3 .: Princípios gerais da tricotomia pré-operatória
excessiva ou hipersensibilidade ao anestésico, justifica a
recomendação de jejum de três ho ras a quatro horas antes
de intervenções cirúrgicas eletivas sob anestesia local.
Limitar a área de tricotomia

Degermação pré-operatória Preferir a tonsura à aicotomia


Preferir a rricotomia elétrica à tricotomia com lâmina
O banho pré-operatório com solução anti-séptica
tem sido recomendado com o objetivo de pre- tricotomia, no máximo, duas hons antes da intervençio

verur .as mfecções do sítio cirúrgico. As operações limpas


as principais indicações para a degermação, •
prtnctpalmente aquelas com grande risco de infecção esta- ··----------------------------------------------
filocócica. O emprego da povidona-iodo (degermante) ou
da clorexidina (sabonete líquido), uma a duas horas antes Lavagem intestinal
do ato cirúrgico, favorece a remoção da camada lipídica da
A lavagem intestinal tem sido indicada para favo re-
superflcie epidérmica e a redução local da microbiota cutâ-
nea. Durante o banho, o paciente deve dar ênfase à Limpe- cer a eliminação das fezes já fo rmadas e Localizadas no

132
Capitulo I I .: Preparo pré-operató rio

••
cólon esquerdo com três objetivos principais: evitar a dratação, necessitando, freqüe ntemente, de hidratação
expulsão involuntária de fezes durante o ato cirúrgico, venosa pré-operatória. A presença de hipotensão postu-
que traz desconforto para a equi pe cirúrgica e risco ao ra!, taquicardia, prostração, mucosas secas e oligúria são
paciente, pela possível contaminação do campo cirúrgi- alguns dos achados clínicos mais freqüentes. A reposição
co; prevenir que o paciente tenha vontade de evacuar hidrica pode ser feita com cristalóides (solução salina
no pós-operatório imediato, o que pode ser inoportuno 0,9% o u ringer-lactato) ou com colóides (albumina,
e desconfortável; evitar a constipação pós-operatória e expansores e plasma). A hidratação venosa vigorosa tam-
a fo rmação de fezes muito endurecidas e de di fícil exo- bém é recomendável para pacientes ictéricos. D essa
neração. Contudo, a lavagem intesti nal ou enema não forma, estimula-se o clareamento uri nário de pane da
deve ser prescrita em todos os casos. As indicações bilirrubina sérica e a diminuição da incidência de necrose
principais têm sido as seguintes: pacientes constipados, tubular e insuficiência renal secundárias a impregnação
pacientes com inco ntinência fecal, operações abdomi- do rim pelo pigmento de bilirrubina. Cuidado na hidrata-
nais sob anestesia geral com risco significativo de íleo ção deverá ser tomado em pacientes com insuficiência
pós-operatório pro lo ngado, e operações colônicas e cardiaca, nefropatas crônicos e desnutridos graves pela
ano rretais. Nestes, casos, os pacientes devem receber meno r tolerância ao excesso de volume.
lavagem intestinal com SOOml a 1.000ml de solução gli-
cerinada morna 12% , na noi te anterior, no minimo o ito
Roupas, próteses e cosméticos
ho ras a 12 horas antes do procedi mento. Outras alter-
nativas empregadas têm sido o enema co m solução Antes da operação devem ser removidas as próteses
hipertô nica de fosfato de sódio (150mJ) ou a aplicação do paciente, em especial as lentes de contato e as peças
retal de supositório de bisacodil (1Omg) . dentá rias móveis como dentad uras, pivôs, pontes, espe-
cialmente as de menor tamanho. O paciente não deve
Pro(tlaxia de tromboembolismo fazer uso de adornos (brincos, pulseiras, relógios, alian-
ças, anéis) e deve reti rar alfmetes, grampos de cabelo,
Em pacientes com fato res de risco para doenças trom- perucas, cílios postiços etc. Com o emprego do eletro-
boembólicas, para os quais está indicada a heparinoprofila- caurério podem ocorrer queimadu ras, se o paciente esti-
xia, esta prevenção deve iniciar no pré-operatório - utilizar ver po rtando ou em contato com algum material metáli-
liguemine S.OOOU se, 8/8 horas O ll de 12/ 12 horas no dia co. O paciente deve ser encaminhado ao centro cirúrgico
anterior ao da operação, ou heparina de baixo peso, 12 usando, preferencialmente, roupas do hospi tal, gue são
horas antes do procedimento cirúrgico. A pro filaxia deverá de algodão e fácei s de serem removidas. Alguns mate-
ser mantida nos pacientes gue venham a permanecer imo- riais, como o nylo n, podem interferir no funcionamento
bilizados no pós-operatório, naqueles submetidos à coloca- de aparelhos e em alguma medida peroperatória de emer-
ção de próteses ósseas, nas operações pélvicas extensas gência. Também é preciso evitar o uso de cosméticos. O
(especialmente oncológicas), em obesos classe 111 e nos uso de maquiagem e de perfume deve ser evitado porque
pacientes com história pregressa de evento tromboembóli- pode di ficultar a monitorização perioperatória. Esmaltes
co. As demais condutas preventivas envolvem medidas que precisam ser removidos, para não prejudicar o funciona-
aumentam o retorno venoso, que previnem a acidose e que mento do oximerro de pulso.
favorecem a hidratação adeguada.

Cateterismo venoso
Hidratação
O paciente pode ser encaminhado ao centro ci rúrgico
Os pacientes podem encontrar-se desidratados no já tendo sido submetido a introdução de cateter venoso
pré-operató rio, em especial na vigência de complicações curto periférico . Esta co nduta pode agilizar o inicio do
01emo rragia, obstrução intestinal, peritonite etc.) ou procedimento anestésico-cirúrgico, no entanto, depen-
quando são submetidos, no pré-operatório, a preparo dendo do calibre do cateter, de seu fu ncionamento c do
mecânico do cólon. Pacientes com extremos de idade local puncionado, pode ser necessário trocá-lo antes
também apresentam maior risco de evoluirem com desi- mesmo de se iniciar a anestesia. Caso indicado, o catete-

133

••
Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

rismo venoso central (veias subclávia e jugular interna) dades e demandas e providenciar soluções para atendê-las.
deve ser feito no dia anterior do procedimento , seguido Cabe à equipe cirúrgica reservar hemoderivados, vaga no
de controle radiológico. A radiografia de tórax permite centro de tratamento intensivo, óneses e próteses e exame
verificar a posição do cateter e diagnosticar eventual peroperatório por corte de congelação ou radiológico, caso
pneumotórax que pode interferir com a dinâmica ventila- necessários. Equipamentos de uso comum e materiais ou
tória no peroperatório. As principais indicações do cate- medicamentos não-padronizados pela instituição também
terismo veno o central estão expressas no Quadro 11 .4. precisam ser reservados com antecedência.
Quadro I 1.4 .: Pnncipais inclicaçoo c vantagens do cateterismo
venoso centrai
Hemoderivados

Caso haja risco de sangramento vultuoso perioperató-


Via de acesso rápido para administração de Uquidos e hemoderivados rio (relacionado com a operação ou com o paciente) e/ ou
nos casos em que o tipo de sangue do paciente for raro, é
M•irl'- *'h • moiM...., mDI c.açto ..--111 CCDIIIl
Dtficuldadc na punção de vetas periféricas (pactentes
---·
a
prudente solicitar a reserva de hemoderivados (concentra-
quimtmerapia, mtcrnaçõcs etc.)
do de hemácias, plasma fresco congelado e/ ou plaquetas).
Previlio ele icium pól-openDio;;(;k·
O cirurgião deve especificar além do tipo de hemoderiva-
Wdoldill do, também o volume necessário. O banco de sangue deve
ser notificado desta demanda com antecedência para que a
tipagem sangüínea e as provas cruzadas sejam feitas e os
Esvaziamento vesical hemoderivados estejam confirmados e liberados para uso
no paciente antes do inicio do procedimento cirúrgico.
O paciente deve, via de regra, ser orientado para ma outra alternativa é a auto-hemorransfusão, que deve
urinar antes de ser encaminhado à sala de operação. ser solicitada quando o hospital disponibiliza este serviço e
Essa atitude evita o embaraço e a dificuldade de o o paciente preenche os quesitos necessários.
paciente precisar urinar no centro cirúrgico antes da
operação e p revine a d istensão exagerada da bexiga e a
retenção urinária pós-operatória, que demandarão, fre-
Vaga em centro de tratamento intensivo
qüentemente, cateterismo vesical terapêutico. Alguns empre que houver risco de o paciente evoluir com
pacientes, contudo, se beneficiarão de cateter vesical instabilidade no pós-operatório imediato, seja pela presen-
de demora a ser introduzido no pré-operatório imedia- ça de comorbidades, seja pelo pone ou natureza da inter-
to, com o paciente na sala cirú rgica, sob rigorosas venção cirú rgica, é imprescindível que a equipe cirúrgica
medidas de anti-sepsia e com o paciente já anestesiado reserve e confirme, no pré-operatório, uma vaga no centro
para evitar o desconforto físico e psíquico do proced i- de tratamento intensivo. Geralmente, esta necessidade se
mento. Constituem indicações ao cateterismo vesical: deve a procedimentos cirúrgicos que, com freqüência,
pacientes que serão submetidos a procedimentos pro- requerem monitorização pós-operatória rigorosa: opera-
longados (maio r que quatro horas); pacientes que ção cardiaca; neurocirurgia com abertura do crânio; trans-
necessitarão de rigo rosa monitorização do débito uri- plantes; operação bariátrica; operações prolongadas em
nário; pacientes que serão submetidos a operação pél- idosos, entre outros.
vica, para que a distensão vesical não interfira na expo-
sição cirúrgica; pacientes que apresentam grande risco
de evoluírem com retenção urinária pós-o peratória. Órteses e próteses

Órteses e próteses são dispositivos, freqüentemente,


Reservas pré-operatórias implantados por meio de proceclimentos cirúrgicos.
Como geralmente se trata de material, aparelho ou peça
É de responsabilidade do cirurgião, no pré-operatório, de alto custo ou com várias especificações, torna-se
em face das necessidades especificas do paciente e das imposslvel que os hospitais as tenham todas em estoque
demandas da operação programada, prever essas necessi- para seu uso imediato. Por isso, cabe ao cirurgião que

134
Capitulo I I .: Preparo pré-operatório

••
prevê a necessidade do uso destes dispositivos durante a c1turgico. Nesse caso, ao serem programadas operações
operação solicitá-los ao setor administrativo, muitas que prevêem o emprego desses equipamentos, é importan-
vezes até mesmo antes de internar o paciente. te reservá-los antecipadamente, sob pena de suspender-se a
As próteses são destinadas à sub stituição anatô mica operação pela indisponibilidade do mesmo . A criação de
o u funcional, to tal ou parcial, definitiva ou temporária, escala para uso desses equipamentos pelas diversas equipes
de tecidos, membros ou órgãos perdidos. Trata-se, envolvidas pode ser também boa solução.
portanto, de dispositivos utilizados p ara substituir
estruturas, ó rgãos o u parte de órgãos ressecados, ou
Exame histológico peroperatório por corte de congelação
membros do corpo malfo rmados o u amputados. As
órteses são aparelhos ou dispositivos destinados a Trata-se de procedimento diagnóstico anatomopato-
melhorar a função ou desempenho de um órgão e a lógico rápido, realizado durante o ato cirúrgico, no qual é
auxiliar um segmento ou função corpo ral defici ente, empregado micró tomo de congelação'3• Em procedi-
temporária ou de finitivamente. Alguns exemplos de mentos o ncológicos, além de eventualmente definir a
ó rteses e próteses estão s umariados n o Quadro 11.5. natureza da doença, permite a avaliação das bordas de
secção cirúrgica (margem de segurança) e o exame de lin-
Quadro I 1.5 .: Exemplos de órteses e p róteses fonodos suspeitos, orientando o cirurgião, po r exemplo,
Ó RTESES • em relação à extensão da ressecção cirúrgica13. O cirur-
Marca-passos gião deve encaminhar, com antecedência, solicitação de
Drcnos de sucção convencional exame histopato lógico por corte de congelação sempre
que fo r previsto seu emprego. Es te é um procedimento
Cateteres veno50S centrais implantáveis ou semi-implantáveis
preliminar com indicações precisas uma vez que apresen-
Aparelhos de surdez
ta restrições devido às limitações p róprias do método. As
Muletas indicações mais comuns de exame por corte de congela-
r

PRÓTESES ção são as operações oncológicas, em especial digestivas,


Vílwlas cardíacas tireoidianas e de mama.
PróteSes de quadril
Telas de polipropileno Exame de imagem peroperatório
LenteS intra-oculares
In úmeras intervenções cirúrgicas, tais como implan-
Pernas mecânicas
te de marca-passo, operações ortopédicas com implante
de prótese, explo ração de vias biliares, ablação tumoral
Materiais e medicamentos não-padronizados por radio freqüência, entre outras, necessitam de contro-
le rad iológico peroperatório ou são guiadas por exames
T oda instituição hospitalar deve ter setor ou comissão de imagen s. Como são equipamentos de uso comum e
responsável pela padronização e controle de qualidade de que demandam operador especializado, sua solicitação
medicamentos e materiais médico-hospitalares. A lista deverá ser feita, sempre que possível, com antecedência,
desses medicamentos e ma teriais deve ser disponibiliza- para que o procedimento anestésico-cirúrgico não se
da para consulta pelo corpo clínico, nas diversas unida- prolo ngue desnecessariamente.
des hospitalares. Cabe ao cirurgião, p revendo a necessi-
dade de utili zar algum material ou medicamento não-
padronizado naquela instituição, solicitar e justificar sua Preparos especiais
aquisição a este setor, antes de agendar a operação.
Circunstâncias especiais podem exigir preparos espe-
cíficos. o pré-operatório de operações orificiais, por
Equipamentos de uso comum exemplo, clisteres, laxati vos ou supositórios são impo r-
tantes, para evitar que a eliminação de fezes durante o ato
ão é incomum a instituição e o centro cirúrgjco terem cirúrgico interfira no desempenho do cirurgião. Pa-
equipamentos que são utilizados por mais de um serviço cientes imunosuprimidos ou portadores de próteses

135
• Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

••
devem ser submetidos a ancibiocicoprofiJaxia. AJguns pelo aporte nutricional insuficiente. Por essa razão, no
preparos especiais são necessários em pacientes co m pré-operatório, enquanto se estuda e se prepara o pacien-
afecções digestivas c serão abordados a seguk te para a operação, aqueles que não apresentarem indica-
ção para terapia enteral ou parenteral, devem ser subme-
tidos a complementação nutricional pela via oral.
Preparo de pacientes com megaesôfago
A endoscopia digestiva alta nesses pacientes pode ser
Pacientes com megaesôfago, em particular aqueles em realizada com intenção propedêutica (inclusive para
estádio avançado, são candidatos a tratamento cirúrgico. A detecção de carcinoma esofágico associado) ou terapêu-
adequada avaliação e o correto preparo pré-operatório são tica (p. ex., para dilatação esofágica ou desimpactação ali-
condições essenciais ao bom resultado do tratamento cirúr- mentar). Considerando a estase esofágica comum nesses
gico14. o nosso meio, estima-se que apenas 10% desses casos, torna-se imperativo que o paciente seja submetido
pacientes apresentam acalásia idiopática do esôfago. Como a preparo especial antes do exame, recebendo dieta líqui-
na maioria dos pacientes a doença é de origem chagásica, a da restrita por três a quatro dias e em
avaliação pré-operatória deve incluir estudo epidemiológi- jejum nas 12 horas que precedem a endoscopia. O prepa-
co e sorologia para doença de Chagas, avaliação cardiológi- ro pode ainda exigi r aspiração e lavagem do esôfago,
ca e detrocardiográfica e enema opaco para estudo do através de tubo de Foucher calibroso e utilizando irriga-
cólon. os casos de acometimento de mais de uma vísce- ção com solução salina 0,9% .
ra peJa doença de Chagas, podem ser necessários outros Com o intuito de reduzir o risco de o paciente aspirar
cuidados pré ou perioperatórios, como remoção de fecalo- conteúdo gástrico para o pulmão durante a indução anes-
ma, monitorização eletrocardiográfica peroperatória etc. tésica (síndro me de Mendelson), é essencial, também no
pré-operatório, que o paciente seja submetido a cateteris-
mo, aspiração e lavagem esofágica com solução salina até
Hidratação
ela retornar limpida. Esta conduta reduz também o risco
Pacientes com disfagia importante, por vezes acutizada de contaminação peroperatória nos casos em que está
em decorrência de impactação alimentar, podem apresen- prevista a abertura da luz esofágica. Uma vez agendada a
tar distúrbios hidroeletroliticos. Por essa razão, esses operação, o paciente também deverá ser orientado para
pacientes devem ser, via de regra, vigorosamente hidrata- receber apenas dieta liquidificada para facilitar a limpeza
dos e ter seus eventuais distúrbios eletroliticos corrigidos. pré-operatória do esôfago.

Avaliação e terapia nutricional Outros cuidados


Em decorrência da disfagia e da regurgitação, pacientes Em particular, pacientes com dolicomegaesôfago,
com megaesôfago apresentam diferentes graus de desnutri- po r apresentarem menos disfagia em decorrência da
ção. A repercussão nutricional é tão mais intensa quanto desnervação esofágica, acabam alimentando-se mais e
mais grave for a estase esofágica e a demora para procurar apresentando maior estase esofágica. Este fato aumenta,
o tratamento médico. os casos de desnutrição acentuada, nesses pacientes, o risco de aspiração pulmonar e, conse-
a terapia nutricional pré-operatória se impõe como forma qüentemente, de complicações respiratórias, justificando
de reduzir a morbimortalidade do procedimento cirúrgico. a realização sistemática de avaliação pulmonar com
Essa terapia pode ser feita por meio de nutrição enteral radiografia de tórax no pré-operatório.
(cateter posicionado por endoscopia digestiva) ou parente- No pré-operatório imediato e no peroperatório de
ral (p. ex., nutrição periférica por sete dias a dez dias). operações que prevêem a abertura da luz esofágica em
decorrência da grande colonização bacteriana (operação
Dieta e lavagem esofágica contaminada) c do maior risco de infecção do sítio cirúr-
gico, está indicada antibioticoprofuaxia. I
Em decorrência da disfagia, em especial para sólidos, os pacientes com megaesôfago avançado para os
o paciente naturalmente procura ingerir alimentos mais quais a operação proposta for uma esofagectomia subto-
liquidas, o que acaba sendo também um dos responsáveis tal, o preparo pré-operatório do cólon pode ser co nduta

136
•••
Capítulo I I .: Preparo pré-operatório

de segurança, pois, em alguns casos, a esofagogastroplas- incluir exame clínico cuidadoso; avaliação nutricional;
tia pode não ser factíveP 4 • dosagem de eletrólitos, uréia e creatinina; gasometria
arterial e medida da atividade de pro trombina e RNI,
entre outros.
Preparo de pacientes com estenose pilórica
N um conceito sindrômico, estenose piló rica é con- ••

dição mó rbida que cursa co m náuseas, vômitos, pleni- Vômitos prolongados e repetidos
tude pós-prandial e emagrecimento em decorrência de Risco de aspiração
dificuldade mecânica no trân sito gastroduo den al.
Desidratação e hipovolemia
Várias afecções podem evoluir com esta co mplicação,
Distúrbios eletrolíticos
incluindo a úlcera péptica, o carcinoma gástrico, a antri-
hiponatremia
te cáustica, a estenose hipertró fica congênita e as com-
hipod o remia
pressões extrínsecas. Sendo a maioria dessas afecções hipopotassemia
pre ferencialmente de tratamento cirúrgico, está justifi-
Alcalose metabólica
cada a importância de se discutir a avaliação e o prepa-
Desnutrição
ro pré-operatóri o do paciente com estenose piló rica.
A o bs trução piloroduodenal de o rigem péptica é Déficit de vitamina K e hipoprotrombinemia

observada em cerca de 4% dos pacientes co m úlceras,


podendo ser justapilórica ou mesobulbar; parcial o u
total. O tratamento cirúrgico deve ser reali zado apenas Os cuidados pré-operatonos específicos visam,
sobretudo , à descompressão gástrica para co rreção da
nos casos de obstrução completa e/ou secundária à
atonia e da dilatação do estômago e de eventuais dis-
fibrose, mormente nos pacientes co m resistência à
túrbios hidroeletrolíticos e ácido -básicos, em particular
erradicação da infecção po r H pylori 15 •
da alcalose metabólica 16 (Quadro 11 .7). Para esse fim , o
paciente deve receber solução salina 0,9% e, após ter
Repercussões clínicas principais apresentado boa diurese, clo reto de potássio. Além da
terapia nutricional, justifica-se, nesses pacientes, a
A obstrução pilórica leva à estase e à ato nia gástrica,
reposição de vitamina K (uma ampola intramuscular a
que são responsáveis pela ocorrência de vômitos prolon-
cada 12 ho ras, durante três dias) . No p reparo desses
gados e repetidos. Além disso, predispõem à aspiração,
pacientes, deve-se considerar também a necessidade de
principalmente durante a indução an estésica. A alcalose
correção de anemia.
metabólica hipoclorêmica e hipopotassêmica decorre da
perda de íons hidrogênio e cloro (ácido clorídrico) nos
Quadro 11.7 .: Avaliação e conduta pré-operatória no paciente com
vômitos ou pelo cateter nasogástrico 16 • D e forma diferen- estenose piló rica
te, a hiponatremia e a hipopotassemia são secundárias ----------------------------------------------··•
principalmente à perda renal destes íons, na tentativa de Avaliação e terapia nutricional
compensar a alcalose metabólica. A pequena absorção de
Reposição do glicogênio hepático (operações de urgência)
vitamina K, que geralmente ocorre no íleo, acarreta déficit
dessa vitamina, podendo levar à hipoprotrombinemia e, Hidratação vigorosa (solução salina)

conseqüentemente, a distúrbios de coagulação. E ntre as Reposição de eletróliros: aCI e KCI


principais repercussões clínicas da estenosc piló rica- Lista- Reposição de vitamina K
das no Quadro 11 .6 - destaca-se a desnutrição que, em •
alguns casos, chega a ser muito grave. ··----------------------------------------------
Preparo pré-operatório imediato
Avaliação e conduta pré-operatória
No pré-operató rio imediato, deve-se solicitar avalia-
Com o objetivo de diagnosticar as complicações d a
ção labo ratorial recente. Com o objetivo de diminuir o
es tenose piló rica, a avaliação pré-op erató ria deve

137

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

risco de infecção do sítio cirúrgico, estão indicadas lava- número de cerca de 101 2 para menos de 105 bactérias por
gem gástrica e antibio ticopro filaxia cirúrgica (Quadro grama de fezes (limiar para ocorrência de infecção inci-
11.8). Deve-se esvaziar o estômago através de cateter sional em hos pedeiro imunocompetente).
nasogásttico calibroso, na véspera da operação e, mesmo
tendo sido feita lavagem gástrica, deve ser tomado todo o
cuidado na indução anestésica para evitar aspiração. Métodos
PREPARO MECÂNICO
Quadro 11.8 .: Cuidados pré-operató rios imediatos a serem tOma-
O preparo mecânico pode ser reali zado com dieta
dos nos casos de estenose pilórica
sem resíduos, laxati vos, catárticos, enemas (lavagens
intestinais) ou ingestão de manitol, polietilenoglicol ou
picossulfato de sódio. Atualme nte, não há con senso
Avauaçào laboratorial recente (elelrólitos, creacinina e RNI)
em relação ao valor do p reparo mecantco 19·20 e ao
0
A

Aoâbiodcopofilu (ceálolpo ·nu melho r método de preparo mecânico, havendo neces-


Cuidados na indução anestésica (evitar aspiração) sidade de estudos clínicos pros pecti vos para comparar
os diversos métodos atualmente dispo níveis 18'20-1.
=·-------------------------------------------- A administração oral d e l .SOOml a 2.000ml de mani-
tol a 1O% deve ser iniciada cerca de 18 ho ras antes do
pro cedimento. Após a ingestão da solução (200m! a
Preparo de cólon cada 20 minutos), o paciente apresen tará inte nsa diar-
réia osmó tica, promovendo adequada li mpeza do
Apesar de a microbiota do intestino grosso ser fi sio- cólo n em mais de 80% dos casos . Para au mentar atole-
logicamente impo rtante no funcionamento digestivo,
rância ao manitol, pode ser administrada uma ampola
duran te a operação, a presença de fezes c de bactérias de metoclopramida uma ho ra antes de inicia r-se a
colônicas (109 a 101 5 bactérias por grama de fezes) acar-
ingestão. E m deco rrência da des idratação e do risco de
retaria risco de contaminação do campo operatório, com
distúrbios eletroliticos (es pecialmente hipopotasse-
aumento do risco de infecção do sítio cirúrgico. D essa
mia), deve-se realizar hidratação o ral vigorosa, em
fo rma, o preparo intestinal tem sido sugerido principal-
alguns casos, complementada com reposição hid roele-
mente com o objetivo de reduzir esse risco''. Além disso,
tro lítica venosa''. A maior desvantagem do uso do
a eliminação das fezes formadas poderia redu zi r a pres-
manitol é a produção de gases inflamáveis, levando a
são intraluminal, diminuindo também o risco e/ ou a
risco de acidentes explosivos peroperatórios, durante o
gravidade de fístulas anastomóticas; entretanto, esta va n-
emprego do eletro cautério. Alguns serviços recomen-
tagem não tem sido observada em estudos prospecti-
dam a realização de enemas após o efeito do manito l.
Um outro beneficio, esse indiscutível, do preparo
O emprego do polietilenoglicol (PEG) tem ga nha-
do cólo n é propiciar campo cirúrgico mais adequado e
do adeptos a cada dia, por oferecer algumas va ntagens
agradável para o trabalho do cirurgião.
em relação ao manitol: eficiência na limpeza do cólon
em mais d e 90% dos casos; menor risco de desidrata-
Indicações ção e distúrbios el etrolíticos; não-produção de gases
inflamáveis 22 • O maior inconve niente do uso do polie-
O preparo do cólo n está indicado nas operações tilenoglicol é o volume a ser ingerido (q uatro litros);
colorretais, sempre que a mucosa for aberta; portanto,
po r isso, em algu ns casos, a ingestão é dividida em dois
tanto nas ressecções quanto nas transposições do cólo n.
dias. A dieta no(s) dia(s) do preparo deve ser líquida
restrita, ou seja, sem resíduos22 . A metoclopramida
Etapas também pode se prescri ta uma ho ra antes do inicio da
ingestão da solução para evitar a o corrência de náuseas,
As etapas do preparo de cólon incluem: evitar a for- vômitos e d istensão abdominal.
mação de novas fezes; eliminar as fezes já formadas e agir T ambém o picossulfato de sódio tem sido cada vez
diretamente contra os microorganismos, diminuindo seu mais empregado tanto no preparo para co lo noscopias,

138
Capítulo I I .: Preparo pré-operatório

••
quanto para o perações colorretais20•23• Juntamente co m PREPARO MECÂNICO PEROPERATÓRIO

o citrato de magnésio, o picoss ulfato de sódio pro mo- Quando o preparo m ecânico pré-operatório do
ve aumento da co ntratilidade intestinal, tanto por ação cólon for contra-indicado pela presença de obstrução
osmó tica, quanto po r liberação de colecistocinina. A completa do intestino, o cirurgião pode providenciar a
g rande vantagem em relação às soluções anteriores é a limpeza peroperató ria do cólon . Com esta manobra, é
tolerabilidade, considerando-se que é neces sária a possível realizar a anasto m ose colônica no mesm o
inges tão de apenas Süml da solução em duas tomadas tempo operatório, evitando-se a realização de colosto-
(uma logo pela manhã e o utra no inicio da tarde). mia24. Esse preparo é feito po r infusão de cerca de qua-
Como pode acarretar desidratação, deve-se preocupar tro litros de solução salina morna, em flu xo retrógrado,
em pro mover hid ratação vigorosa (cerca de dois litros), a partir de tubo de Foley grosso inserido no ceco (ori-
com reposição eletrolitica 23 • fício apendicular). O cirurgião deve cuidar para que o
efluente do ceco seja coletado com segurança em reci-
piente conectado à extremidade d istai do cólon por
DfTAIHfS 00 PREPARO MECÂNICO
tu bo de grosso calibre, evitando-se, assim, a contami-
Antes do fec hamento de colostomias em alça o u
nação do campo operatório 24 .
em cano de es pingarda, deve-se também proceder ao
preparo do cólo n . Contudo, nesses casos, deve-se usar
a metade da dose de manitol ou de p olietilenoglicol. PREPARO QUIMICO

P ara o preparo do intestino distai à colostomia, devem O preparo químico do cólo n, com uso de antimicrobia-
ser feitos enemas com solução glicerinada pela verten- nos, visa diminuir a microbiota colô nica e reduzir a infecção
te ou boca distai da colosto mia e por via reta!. incisional. Várias associações de antimicrobianos podem ser
Se o paciente encontra-se com fecaloma, este deve ser empregadas, mas algumas regras devem ser observadas: uti-
removido antes do procedimento cirúrgico . As técnicas de lização de drogas com especificidade para microrganismos
remoção de fecaloma são citadas no Quadro 11.9. colônicos (bactérias G ram -negativas e anaeróbias, além de
microorganismos aeróbios G ram-positivos) e administra-
ção de drogas em co ncentração que o btenha niveis teci-
Quadro I I .9 .: Principais técnicas de q uebra e remoção de fecaloma duais adequados25 • Vários esquemas têm sido utilizados, seja
pela via parengtral (endovenosa) exclusiva seja em associa-
ção com drogas orais25• O uso endovenoso exclusivo tem
Óleo mineral (via oal ou Yia mal)
sido o preferido, sendo o esquema de gentamicina e metro-
Lavagem intestinal com solução glicerinada morna 12%
nidazol muito usado em nosso meio. Uma alternativa a esse
Lavagem intestinal com soluçlo cspeciaJ pa1:t diMolciçlo do fealoma esquema é o uso de droga única, a cefoxitina, cefalosporina
(soluçio aaliaa 0,90/e, biarbonato de sódio, 6gua ubio
de coco nJado de segunda geração ativa contra anaeróbios; contudo, além
Fragmentação e remoção manual: força-se o fccaloma contra o plano de seu custo ser ainda alto, essa droga deve ser empregada
sacra! (técnicas de digitoclasia e morceladura) com cautela por ser induto ra de resistência. As drogas mais
Eevuilmento inatrume&U81 por endoecopia (pode ser necesdrio em comuns empregadas pela via oral são a neomicina, que não
é absorvida, e a eritromicina, que é pouco absorvida no
ào usar laJ<antes drásticos e ó leo de rícino pelo risco de perfura- trato digestivo. Po r essa razão, essas drogas chegam em
ção do cólon
• grande concentração à luz colô nica, agindo diretamente
··-------------------------------------------- contra os microorganismos (descontaminação seletiva do
cólo n). São empregadas três doses de um grama de neomi-
CONTRA-INDICAÇ0ES AO PREPARO MECÂNICO
cina e um grama de eritro micina no dia anterior à operação,
Constituem contra-indicações absolutas ao preparo de associadas ao emprego endovenoso de cefalosporina de pri-
cólon os casos de abdome agudo, ou seja, quando houver meira geração (1g a 2g de cefazolina ou cefalo tina) imedia-
perfuração intestinal o u obstrução intestinal completa. A tamente antes da indução anestésica. As drogas de uso
obstrução parcial do intestino, a presença de com orbidades endovenoso podem ser mantidas no pós-operatório. No
(cardiopatia, nefropatia, hepatopatia) e a idade avançada entanto, não devem ser prescritas po r mais de 24 horas (ver
são consideradas contra-indicações relativas17 • Capítulo 18 - A ntibioticoprofilaxia em Cimrgia).

139

••
Fundamentos em Cllnica Cirúrgica

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140
12
VISITA E
MEDICAÇAO -
, ,
PRE-ANESTESICA

••
Carlos Henrique Viana de Castro, Marcos Guilherme Cunha C ruvinel,
Yerkes Pereira e Silva

Introdução Os sistemas cardiovascular e pulmonar, po r serem os


gue mais levam a complicações pós-operatórias, são inves-
D esde sua descoberta, a anestesia cirúrgica ca minha tigados mais detalhadamente. esse aspecto, é fundamen-
lado a lado com a p rática ci rúrgica de maneira quase tal que se avalie a capacidade funcional do pacienteP . Para
indissociável. O ra a anestcsiologia se adapta às nO\'as tal, o paciente é guestionado em relação à sua capacidade
técnicas cirúrgicas, o ra estas avançam graças ao desen- de, por exemplo, subir escadas, caminhar ou executar tare-
volvimento anestesio lógico. Desde seu início, também, fas do dia-a-dia. A incapacidade de o paciente exercer ativi-
as complicações anestésico-cirúrgicas são conh ecidas e dades cotidianas, como locomover-se dentro de casa, tro-
temidas. A busca pela diminuição da incidência desses car-se, escovar os dentes, pentear o cabelo ou romar ban ho,
eventos adversos passa por medidas como a descober- denota capacidade funcional muito baixa, mostrando clara-
ta de drogas com maior índice terapêutico c a melho ria mente a necessidade de investigação detalhada. Por outro
das técnicas de mo ni torização. E ntre essas técnicas lado, a informação de gue o paciente é capaz, por exemplo,
estão a identificação c o contro le de co ndi ções clínicas de subir dois lances de escadas demonstra boa capacidade
pré-operatórias associadas à maio r mo rbimo rta lidade. funcional e torna a investigação adicio nal desnecessária.
A guantificação do risco anestésico é importante. l:::xemplos: boa capacidade funcional (prática de futebol,
Entretanto, maior ênfase tem sido dada à modificação do natação, tênis); capacidade funcional moderada (caminha-
risco anestésico no pré-operatório. Por meio da consulta das); capacidade fu ncional inadeguada (caminhada de
pré-anestésica, pretende-se estabelecer medidas que leva- menos de dois guarreirões).
t\ presença de doenças mais prevalentes como hiper-
rão à redução do risco. Este é, po rtantO, o objetivo prin-
tensão arterial sistêmica, insuficiência cardíaca, insuficiência
cipal da avaliação pré-anestésica'·2 •
coronariana e vascular cerebral, arritmias, doença pulmonar
obstruti va crônica c asma, deve ser averiguada.
Consulta pré-anestésica E m relação aos demais sistemas, as condições que mais
comumente afetam os pacientes cirúrgicos são o diabetes
Anamnese 11/e/lilus, as doenças da tireóide e a insuficiência renal ou
hepática. Q uando presentes, elas levam a mudanças expres-
A histó ria clínica da molés tia atual, bem co mo de sivas na abordagem anestésica e, portanto, também devem
outras mo rbidades que a ela se associam, são ele extre- ser inves tigadas diretamente.
ma importâ ncia. D e uma ma neira geral, investigam-se a A presença de alergias, o tabagismo e o uso de drogas ilí-
duração, o estado atual e os tratamentos associados. citas devem ser avaliados com minúcia. O passado cirúrgi-
Avaliam-se parâmetros amropométricos como peso, co recente ou tardio pode fo rnecer dados relevantes. Caso
altura, índice de massa corpórea, idade e sexo. tenham ocorrido complicações anestésicas prévias, elas

141

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

devem ser bem detalhadas. A soro logia positi va para doen- po uco invasivos são aqueles que levam a discretas altera-
ças infecciosas transmissíveis, como hepatites e imunodefi- ções fisiológicas. Para esses procedimentos não são neces-
ciência humana, deve ser registrada. as mulheres em idade sários exames complementares em pacientes saudáveis. E m
fértil a possibilidade de gravidez deve ser sempre averigua- operações que envolvem grandes alterações fisiológicas,
da, perguntando-se a data da úl tima menstruação e sobre a como aquelas que demandam reposição volêmica intensa
oco rrência ele alguma irregularidade do ciclo menstrual. ou administração de hemoderivados, mesmo em pacientes
saudáveis, há necessidade de ve1ificação do hematóc1iro e
tipo sangüineo. Em mulheres nas quais a possibilidade de
Exame físico
gravidez não possa ser exclwda pela história clinica, o teste
Info rmações adicionais à história cün ica são obtidas de gravidez é necessário. Ho mens acima de 40 anos e
durante o exame físico. Ass im como na história clinica, mulheres acima de 50 anos devem submeter-se a eletrocar-
atenção maior é dada aos sistemas cardiovascular e pul- diograma. Cabe ressaltar que as alterações e!etrocardiográ-
monar. D e especial importância, os dados vitais, como ficas são freqüentes, entretanto não há benefício compro-
pressão arterial e freqüência card íaca e respiratória, são vado desse exame na avaliação pré-operatória ele pacientes
fundam entais. Esses dados, o btidos no pré-operatório, saudáveis fora dos critérios previamente mencio nados. D a
fo rmarão a base ele comparação para o perioperatório . mesma maneira, a radiografia de tórax, imprescindível em
As auscultas cardiaca e respi rató ria fornece rão subsídio pacientes com doença cardíaca, pulmonar e em fuman tes,
adicional às informações contidas durante a anamnese. não tem valor garantido em pacientes jovens sem comorbi-
O exame físico das vias aéreas demanda especial aten- dades'' . Os exam es complementares pré-operató rios que
ção. A incapacidade de promover ventilação c oxigenação elevem ser solicitados ele rotina estão assinalados no
adequadas é fo nte ele graves complicações. A maio r arma Capítulo 4 -Avaliação clínica pré-operatória. Em relação à espi-
disponível m1 profilaxia dessas complicações é a identifica- rometria, suas indicações são as seguintes: pacien tes candi-
ção de pacientes com risco de acesso à via aérea difícil. ão datos a o peração torácica ou abdominal alta q ue estejam
existe um parâmetro único ou combinação deles que defi- com tosse ou dispnéia ou que apresent.:'lrrl intolerância a
na com exatidão se a intubação será fácil o u não, utilizan- exercícios inespecíficos; pacientes com doença pulmonar
do-se determinada técnica. Diferentes formas de intubação obstruti,·a; pacientes que serão submetidos a operação ele
têm parâmetros de dificuldade variáveis. A bordaremos os res ecção pulmonar ou com dispnéia ele causa desconheci-
parâmetros utilizados para predizer dificu ldade de da. O valor da espirometria no preparo de pacientes a
i.ntubação com o método mais comumente utilizado, a serem submetidos a operações abdo minais não tem sido
laringoscopia convencional. A combinação desses parâme- demonstrado pela maioria elos estudos. Além disso, quan-
tros indicará a probabilidade de dificuldadcR· 9• do não houver ressecção pulm onar, não existe valor de nor-
malidade definido ela espirometria, abaixo elo q ual o proce-
di mento cirúrgico não possa ser realizaclo'2." .
Exames com pl ementares

Os exames complementares devem ser solicitados com Definição do risco operatório


a intenção de otimizar o cuidado perioperatório. Os resul-
tados desses exam es não são substitutos ela interação A classificação elo paciente candidato a o peração em
paciente-a.neste iologista, da anamnese o u do exame fisico. uma categoria ele risco é desejável, embo ra se saiba que
Os exames que serão solicitados dependerão da condição o utras condições, além elo estado clínico pré-operatório,
clínica do paciente e da operação a ser realizacla 10• interferem no risco real de morte per e pós-operatória.
Pacientes que apresentam alguma morbidacle já conhe- Vários são os índices utilizados no prognóstico de risco
cida ou suspeitada pela história clínica ou exame fisico operató rio. A primeira tentativa ele classificação ele risco
necessitam de exames que ajudem no diagnóstico, na clas- baseada na condição clínica pré-operatória é a classificação
sificação e no tratamento da condição em questão, indepen- elo estado físico pad ronizada pela Sociedade Americana ele
dentemente da operação proposta. Nos pacientes saudá- Anestesiologia (A A) (Quad ro 12.1) 14 • Até hoje é a mais
veis, o q ue no rteará a solicitação de exam es complementa- utilizada por ser simples e razoavelmente acurada. Outros
res é o tratamento cirúrgico proposto. Procedimentos índices clássicos de risco e freqüentemente utilizados são o

142
Capítulo 12 .: Visita e medicação pré-anestésica

••
de Goldman et al. 1; e o de Detsky et al. 16 (Quadro 12.2). A Quadro 12. 1 .: Classificação de estado fís ico padronizada pela
A 111erican H eart Association (AHJ\) classifica os pacientes em ociedade Americana de Anestesia (A A)

de risco baixo, intermediário e alto para eventos cardíacos, •


ASA I - Pac1eme sem doenças, além da que mouvou a operação
segundo a história clinica (Quad ro 12.3) 1 • O Ametican Co/lege
t\S1\ 11 - Paciente com morbidade, associada à doença cirúrgica,
oJPI?Jsicians estabelece como va riáveis de risco: idade maior controlada c que não Je,·a o paciente a limitação
que 70 anos, angina, diabetes, ondas Q patológicas no
ASA UI - Pacicnre com doença Slstémica !Q'3VC:, além da doença
ECG , ectopia ventricular, história de infarto do miocárdio,
cirúrgica, que leva a limitação
anormalidades isquêmicas do segmento ST em repouso,
A A IV- Paciente com doença sistêmica grave, descompcnsada,
hipertensão grave com hipertro fia ventricular e insuficiên- que representa ameaça à vida
cia cardíaca2 •
:\S:\ \' - Paciente moribundo com expectativa de mia menor que
O procedimento cirúrgico está intimamente relaciona- 24 horas
elo ao risco. Podemos estrarificar os vários tipos de opera- •
ções não-cardíacas, de acordo com a probabilidade de
complicações cardiacas no perioperatório (Quadro 12.4) 1•

Quadro 12.2 .: lndices de avaliação pré-operatória de Goldman et ai." e Detsky et a.l."


••
Variáveis lndice de Goldman et ai. lndice de Detsky et ai. modificado

Variável Pontos Probabil idade Variável Pontos Probabilidade
(0-53) pós-teste (%) (0-1 20) pós-teste (%)
Idade > 7ll anos 5 > 70 anos 5
Infarto do Até 6 meses lO Até 6 meses lO
miocárdio ,\lais de 6 meses 5
Angina ccs 111 10
CCSIV 20
Angina instável com 6 meses 10
Insuficiência B3 ou estase jugular ou 11 Edema pulmonar na última semana lO
cardiaca (IQ sinais de IC l listória de edema pulmonar 5
ECG Ritmo nào-sinusal ou 7 Ritmo não-sinusal o u 5
freqüentes freqüentes
supravcnaicularcs supra,·emriculares
> 5 ext:ra-slstoles 7 >5 \Cn- 5
vcnaiculan:s/ min
Valnllopatia uspeita de estenose 3 uspc1ta de estenose 20
aórtica aórtica importante
Condição geral p02 > 60; pC02> 50; 3 p02 > 60; 50; 5
K>3; U> SO; C>2,6; K > 3; L' > 50; C:> 2,6;
restrição ao leito pobre condição médica
Operação Emergência, torácica 4 Emergência lO
ou abdominal 3

Escores Classe I 0 .5 18 Classe I o 15 5


Classe U 6- 12 3-30 Classe n 20-30 27
Classe 111 13·25 14-38 Classe 111 > 30 60
Classe IV > 25 Jll-100
•• •
CCS- Cl2.s1fiaaç:lo Func1onal d• Soc1edade Canadense p02 - Press5o de OXlf:ênio
K - Pot:íss•o pC02- Pre.s;o de !IÓ' carbônico
u- l ' riia If - lnsuficu:ncta cardJ.ac:l
C-Creaunma

143
•• • Fundamentos em Clínica C irúrgica

Quadro 12.3 .: Classi ficação de risco cirúrgico da Anmica11 Heart operatória (Figuras 12.1 e 12.2)' 2 . Além dessas, T orrington
Assodatio11 de acordo com a história clínica e Henderson 17 elaboraram escala de risco para complica-
•• ções pulmonares e morte (Quadro 12.5).
Alto Risco Risco Intermediário Risco Baixo •
Síndrome coro naria- Angina estável Idade avançada
Quadro 12.5 .: Escala de Torrington e Henderson '-
na aguda
Insuficiência cardía- Infarto do miocárdio F.CG alterado
---------------------------------------------------··•
Variáveis Pontuação
ca descompensada prévio
Arrirmias significa- I nsuticiência cardíaca AVE prévio Espirometria CVF* < 50''/o do previsto
ti\'35 compensada VEFl"'*/ CVF: 65-75%
Doença ,-alvular D iabetes insulino Hipertensão arterial VEFl/ CVF: 50-64% 2
grave dependente descontrolada VE Fl/C'VF: < 50% 3
Insuficiência renal
crônica Idade > 65 anos

• Peso acima de 150%


··---------------------------------------------------
·\\L = ac1dcnu: "a"'cultr 1-.CG =
do ideal
abdomi- 2
Quadro 12.4 .: Classificação do risco cirúrgico de acordo com nal alta ou torácica
a operação Outras operações
---------------------------------------------------··• Tabagismo
C lassificação Procedimento Incidência de Sintomas pulmonares
de risco complicações (%) ( dispnéia, catarro)

i\!to Operações de cmcq,l'ência >5 História de doença


pulmonar
Operações ,·:ISculares arterirus
Classificação do Pontos Taxa de Mortalidade
periféricas
risco complicações (%)
Operações de aorta e grandes pu lm o nares (%)
V:ISOS
Baixo U-3 6 2
O perações prolongadas com 23 6
Moderado 4-6
grande perda de tluido c sangue
Alto >7 35
Intermediário de carótidas 1-5 •
*CVF = Capacidade vital forçada; ..\'EFl = \'olume exptmtório forçado nu 1" segundo
Operações de cabeça e pescoço

Operações neurológicas

Operações intraperironeais Informação e esclarecimentos ao paciente


Operações imraronícicas
Q ualguer procedimento cirúrgico gera ansiedade
Operações ortopédicas para o paciente. Po r meno r que ele seja, sem pre envolve
Operações urológJcas algum grau de intrangi.i ilidade. O medo da anestesia é
( )perações ginecológicas um aspecto significati vo nesse processo. Especialmente
nos proced imentos de menor po rte, é freqüente que a
Bai xo Procedimentos endoscópicos < I
anestesia seja o fator de maior preocupação dos pacien-
Procedimentos superficiais tes e famjJiares. A consu lta pré-anestésica é a oportun i-
Operações de mama dade para que o paciente expo nha ao anestesiologista
Operações oftalmológicas
suas dú vidas e apreensões. Por sua vez, os esclarecimen-

.• .--------------------------------------------------- tos fornecidos pelo anestesio logista são extremamente


e ficazes em amenizar essa apreensão e red uzir o gra u de
ansiedade pré-operató ria. Explica-se gual o tipo ele anes-
Sendo assi m, a A111erican f-lem1 Association e o American tesia e como ela é reali zada, expõe-se o grau de seguran-
Co/le/!,e if Pf?_ysicians associaram as condições clínicas com o ça do procedimento e como a recupe ração anestésica se
tipo de operação para sugerir algoritmos de avaliação pré- dá, ass im como o plano de analgesia pós-operató ria.

144
Capítulo 12 .: Visita e medicação pré-anestésica

••

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------··
Variáveis cardiológicas maiores
Sindromes coronarianas agudas Sim
lCC descompensada Adiar a o peração para compensação d fnica
Arritmias significativas
Doença valvular grave

Variáveis cardiológicas intermediárias


t\ ngina estável
+
IO peração de peq ueno I Realizar a operação

Infarto do miocárdio prévio


Insuficiência cardíaca compensada
Diabetes insulino-dependcntc + Operação de porre intermed iário ou alto
insufi ciência renal crônica

T este não-invasivo para isquemia cardíaca (cintilogralia


com tálio c dipiridamol ou ecogralia de estresse com
dobutamina ou teste de esforço)
Operação

Operação

Variáveis cardjológicas menores


Idade avançada
ECG anormal
Ritmo nào-sinusal Proceder operação independentemente
História de acidente vascular encefálico do tipo
Hipertensão arterial descontrolada

Operação

ICC- lnsuficiênci:l carcUaca


ECG - EletrocardulJ.V3ma


··------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 12.1 .: Algoritmo de avaliação pré-o perató ria adaptado da A mericnn f-lem1 A ssociation

145
•• • Fundamentos em Clinica Cirúrgica

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------··•

I Pacientes classe Lde Detsky I


l

IO ou I variável de risco I I 2 ou mais variá,·eis I Pacientes classe I I ou 11 I


de

Risco< 3% de Risco 3% a 15% de


complicações ca.rdíacas complicaçôcs cardfacas

L__ _ <
_)_p_e.,..
ra_ç_ii_
o__ _JI-1 Operação não-vascular 1-

6 l Operação vascular
Alto risco
> 15% de complicações cardíacas

Teste para [

I ____________

Variáveis de risco
Histôna de infarto do miocárdio
Idade > 70 Anormalidadc"i de ST em repouso
l l l"itúna de anRII"'a Hlpcn cn'\à(> com hipcnrotia ,·entricular grave
/)l(tbtlrJ mtlli/111 l lisulria de aardíaca
Onda< Q pa!OI<)J.,"c"' no l oCG I hstúna de ccmp1a ,·cntricular


··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 12.2 . : Algoritmo de avaliação pré-ope ratória adaptado do A111erica!l College rif PI!Jsicia!l

São comuns preocupações como falha anestésica c do r • evitar a prática de esporte que requeira esforço físi-
peroperató ria, medo de não dormir e vivenciar opero- co demasiado antes da operação;
peratório, medo de dormir c não acordar o u ter um • entrar em contato com a equipe médica, no caso de
despertar demo rado, medo de a anestesia locorregionaJ alterações clinicas após a avaliação pré-anestésica.
ser muito do lorosa e de sentir dor acentuada no pós-
operatório, entre outras .
Jejum
Algu mas orientações devem ser dadas por escrito:
• estar em jejum; Nem sempre se recomendou o jejum pré-operató-
• evitar uso de medicações não prescritas pela equipe rio . Seu surgimento se relaciona düetamente à descri-
médica, mesmo fitoterápicas ou homeopáticas; ção da as piração pulmonar do conteúdo gás trico e suas
• evita r uso de bebidas alcoólicas e tabagismo antes conseqüências. O aparecimento da recomendação de
da realização de ato anestésico-cirúrgico; jejum pré-operatório não é fácil de ser determinado,
• não fazer uso de adornos como brincos, pulseiras, porém sua populari zação se deu após 1946, quando
anéis, lentes de contato, maquiagem, batom,
Men delson relatou a relação entre a alimentação e a
esmalte etc.;
146
Capítulo 12 .: Visita e medicação pré-anestésica

••
aspiração pulmonar durante o parto 18 • A partir desse Quadro 12.7 .. Orientações g uanto ao tempo d e 1e1um
relato, surgiu a idéia da instituição do jejum para ade- p ré-opera tório
quado esvaziamento gástrico, visando, assim, à redu- ----------------------------------------------··•
ção do risco de pneumo nite de aspiração 19 '20 • Roberts e Líquidos claros (sem resíduos, como água, chá, café, gelatina e sucos
Shirlef 1 publicaram, em 1974, editorial definindo que coados): 2 horas
um volume gástrico residual de 25m! e com pH menor Bebida rica em carboidratos: 2 horas
que 2,5 seria suficiente para o desenvolvimento da sín-
Alimentos sólidos: 6 horas
drome descrita por Mendelson.
Leite humano: 4 horas
Mesmo após jejum adequado, considera-se que alguns
pacientes apresentam risco para presença de volume gás- Leite de fórmulas infantis: 6 horas
trico residual maior que 25m!, sendo, por isso, chamados Outros tipos de leite: 6 horas
de pacientes com "estômago cheio" (Quad ro 12.6/2. Por
mecanismos peculiares a cada um destes grupos, o esva-
ziamento gástrico é retardado, causando elevado volume Tabagismo
gástrico residual, ainda que após jejum adequado. os
últimos anos, tem-se avaliado a rotina de jejum pré-ope- O tabagismo é faro r de risco para complicações pul-
ratório, principalmente no tocante ao seu impacto na res- monares pós-operatórias. Está associado ao aume nto das
posta orgânica pós-operatória e o real risco de aspiração. secreções traqueobrônquicas, diminuição da atividade
Com essa visão, novas diretrizes têm sido estabelecidas e mucocüiar e da fagocitose, assim como da atividade dos
encon tram-se discutidas com mais detalhes no Capítulo 7 macrófagos. Recomenda-se que o tabagismo seja inter-
- Nutricão e Cimrgia. rompido pelo menos o ito semanas antes do procedimen-
As recomendações atuais para o jejum estão resumi- to cirú rgico para que haja d iminuição da incidência de
das no Quadro 12.7. complicações. Paradoxalmente, quando ele é interrompi-
do por tempo menor que esse, a incidência de complica-
ções é maior que quando ele não é interrompidom''.

Quadro 12.6 .: Pacicmes que apresentam risco para estôm ago cheio. Medicação pré-anestésica
Volume gástrico residual maior que 25m!
----------------------------------------------·· Objetivos
Prematuridade e dispnéia
Obesidade
Reduzir a ansiedade é, usualmente, o o bjetivo prin-
cipal da medicação pré-anestésica. Em algu mas situa-
gastroesofágico preexistente
ções, ela é fundamental, uma vez que o estresse psico-
O bstrução intestinal lógico pode levar a aumento da pressão arterial e isque-
Outras doenças gastrointestinais (p. ex. estenose de piloro) mia miocárdica, além de sofrimento desnecessário .
l lipertensào intracraniana Entretanto, cabe ressaltar que nem todos os pacientes
necessitam de medicação p ré-anestés ica, mesmo que a
Ascitc
quase totalidad e deles esteja ansiosa. Para muitos
T umores ,·olumosos
pacientes, ela não é necessária, pois a consulta p ré-
Neuroparia autonômica anestésica com o anes tesio logista reduz a ansiedade
Ansiedade extrema ou dor intensa muito mais que a própria medicação. Para outros, a
Operação prévia de esôfago
medicação pré-anestésica não pode ser administrada
por causa dos seus efeitos colaterais, como a depressão
enilidade
respirató ria. Pacientes com doença pulmonar grave,
tlltilítltS hipovolemia, apnéia do sono, hipertensão intracrania-
Gra,·idez na e com depressão do sistema nervoso central são
• exemplos de pacien tes que não devem usar medicações
··----------------------------------------------
147
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
sedativas no pré-operató rio. Pacientes que serão admi- Opióides
tidos no hospital no dia da operação e, portanto, terão
que estar aptos a sair de sua residência e se encaminhar Os opióidcs podem até promover algum grau de
ao hospital o nde enfrentarão tado o processo buro crá- sedação, entretanto eles são efetivos em produzir analge-
tico de admissão, também não são cand idatos a receber sia. Logo, ele têm milidade naqueles pacientes que estão
medicação pré-anes tésica. N os procedimentos curtos, sentindo dor no pré-operatório. E m geral, são utilizados
os efeitos da medicação pré-anestésica podem se esten- po r via intramuscular (IM) o u endovenosa (EV), sendo
der para o período pós-operató rio e prolo ngar o tempo as drogas mais utilizadas a morfina e a meperidina. As
de recuperação. Nas operações ambulatoriais, tal situa- doses usuais são 0,05mg/kg a O, I mg/kg para a morfina e
ção também é problemática. E m alguns casos, é neces- O,Smg/kg a 1 mg/kg para a meperidina21<.
sário que o paciente se lembre de instru ções específicas
a serem seguidas no pós-operatório, to rnando a am né-
Parasimpaticolíticos
sia indesejável.
Outros objeti vos da medicação pré-anestésica são As principais drogas parasimpaticolíticas são atrop i-
alivio de dor, amnésia, profi laxia contra pneumonia de na, escopolamjna e glico pirrolato. A atropina e a esco-
aspiração, prevenção de reações alé rgicas e diminuição po lamina são antagonistas não-seletivos do recepto r
das secreções de ,·ia aérea. A ad ministração de uma muscarínico. São rap idamente absorvidas pelo trato
mesma droga ou combinação de drogas para tados os
gas tro intestinal e penetram p ro ntamente no sistema
casos de maneira rotineira não é razoável. Vários fatores,
nervoso central . Em especial a escopolamina, por cau-
como estado emocional do paciente, sua condição clíni-
sar sono lência, amnésia, taquica rdia, d iminuição da
ca, tipo de procedjmento propos to, tipo de admissão
sali vação e de secreções, além de te r p ro priedades
institucional e plano anestés.ico, influenciam na escolha
antiemé ticas, torno u-se opção comum de pré-medica-
da medjcação pré-anestésica. Deste modo, a melho r
ção anesrésica. A associação com benzodiazepínicos
opção está vinculada à avaliação pré-operatória".
ou opióides pode po tencial izar sua ação c e,·irar alguns
e fei tos indesejáveis. E ntretan to, podem oco rrer inquie-
Benzod iazepínicos tação, alucinação, delirio, ba rramento de visão, cefa-
léia, ataxia e a chamada síndro me anticoli nérgica cen-
São drogas extremamente usadas no pré-operatório.
tral. Atualmente, exatamente devido a esses e feitos
Os benzodiazepínjcos interagem com receptores do
adversos potenciais, a escopolamina é menos utili zada
córtex cerebral, facilitando a Egação ao rece p LO r
e seu uso principal é como an tisia1ogogo2''.
GABA, o que aumenta a permeabilidade aos íons
cloro. A ab sorção o ral é boa, com pico plasmá tico de
30 minutos para o rnidazolam, uma hora para o diaze- Agentes para evitar ou reduzir o risco de
pam e duas ho ras para o lo razepam. A eliminação des- aspiração pulmonar do conteúdo gástrico
sas drogas é feita pelo fígado. O diazepam, além de
meia vida de eliminação lo nga (30 horas), tem metabó- M etoclopramida
litos fa rmacologicamente ativos. O lorazepam, em con-
tras te, tem meia vida de eüminação meno r (12 ho ras) e A metoclopram ida (10mg EV) é utilizada da
não tem merabó li tos ativos. O midazo lam tem a meno r indução anestésica em pacientes com risco au mentado de
meia vida desse grupo de d rogas (duas horas). T odos aspiração pulmonar do conteúdo gástrico seja po r não
possuem efeitos cardiovasculares mínimos e deprimem estarem em jejum adequado (Quadro 12.7), seja po r
de maneira pouco significativa a ventilação, quando serem de risco para esvaziamento gástrico lento (Quad ro
administrados por via o ral. uas p ri ncipajs proprieda- 12.6). ua ação advém da estimulação da motilidade gás-
des são: amnésia, ansió lise, hipnose, relaxamento mus- trica e do au mento do tônus do esfíncter inferior do esô-
cular leve e atividade anticonvulsivante. As doses fago. A metoclopramida tem ação antagonista da dopa-
usuais são: midazolam 7 ,Smg a 15mg, lo razepam 2mg a mina. Recentemente, entretanto, a eficácia da metoclo-
4mg e diazepam Smg a 1 Omgl'. p ramida como antiemético, usada no perioperatório, rem

148
Capítulo 12 .: Visita e medicação pré-anestésica

••
sido questionada. O s principais efeitos adversos são rea- imediato, com a finalidade de promover melhor controle
ções extrapiramidais e sedaçãd ". hemodinâmico perioperatório e com a vantagem de pro-
piciar sedação, ansiólise e analgesia. Também pode ser
administrada no pré-operató rio de procedimentos que
Agentes que reduzem a acidez gástrica
requerem hipotensão controlada12 •
Os antago nistas do receptor I-1 2 diminuem a secre-
ção ácida gástrica. Apesar de não afetarem o conteúdo
Betabloqueadores
já presente no estômago, eles inibem produção gás trica
adicional. Seus benefícios decorrem tanto da dim inui- O s betabloqueadores têm efeitos significativos sobre
ção da produção do suco gástrico como do aumento a fisiologia cardíaca. Eles diminuem a freqüência cardía-
do pH, mas não são imediatos. O s inibidores da bomba ca e a contratilidade miocárdica, melho rando, assim, a
de prótons têm papel controverso. Alguns estudos relação entre o consumo e o fornecimento de oxigênio
mostram que os antagonistas H 2 aumentam o pH gás- miocárdico33• São ações impo rtantes para aqueles pacien-
trico c redu zem o volume gástrico mais rapidamente". tes com risco de isquemia miocárdica. Os pacientes que
fazem uso crônico dessas drogas não devem interromper
Antiácidos seu uso. A retirada súbita elos betabloqueadores leva a
efeito rebote, colocando o paciente em risco de eventos
O s antiácidos, apesar de reduzirem a acidez gástrica isquêmicos perioperatórios. Seu uso profilático, iniciado
imediatamente, podem aumentar o volume do conteúdo ele duas horas a uma/ duas semanas antes ela operação,
gástrico. Por essa razão, o citrato de sódio é o preferido 1' . demonstrou-se capaz de prevenir episódios de isguemia
perioperatória e redu zir a morbimortalidade cirúrgica" ·15 .
Recentemente, o benefício do betabloqueador tem sido
Estratégia para redução do risco de aspiração
tão significativo, que alguns autores advogam que deter-
A combinação do metoclopramida (10mg) e ranitidi- minados pacientes poderiam prescindir da propedêutica
na (SOmg) é a mais usada para os pacientes em risco. O cardiológica invasiva, sendo operados com mo rtalidade
citrato de sódio, quando disponível, é útil naquelas situa- infer ior à mortalidade associada ao exame invasivo e à
ções de emergência quando o paciente ingeri u alimentos revascularização do miocárdio prévia11' .
pouco tempo antes da indução anestésica.

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150
, 13
PEROPERATORIO: /,
ROTINAS, CUIDADOS
E REGISTROS
..

------------------------------------------------------------------
Yerkes Pereira e Silva, D é bo ra G rim berg G eber,
Carlos Henrique Viana de Castro, Marco Antônio Gonçalves Rodrigues

Introdução simultaneamente, tempo insuficiente en tre casos para


permitir a limpeza adequada das salas e o preparo de
O período conhecido como peroperatório sf!icto sensu materiais e equipamentos, ou falta de pessoal para dar
é aquele que vai do início do aro ci rúrgico até o término assistência aos pacientes, seja da área médica, de enferma-
do mesmo. D e modo mais abrangente, inclui, além do gem ou técnica.
procedimento anestésico-cirC1rgico, os cuidados e rotinas O centro cirúrgico eleve estar situado em local de fácil
que começam com o transporte do paciente para o cen- acesso, mas com pequeno trânsito de pessoas. Estima-se
tro cirúrgico e terminam com sua alta da sala de recupe- que seja necessária uma sala de operação para cada 50
ração pós-anestésica. leitos de um hospital ge ral . Cada sala deve ter área míni-
ma de 25m 2 ; salas maiores são desejáveis para transplan-
tes, operações ortopédicas e laparoscópicas. A ventila-
Centro cirúrgico: rotinas técnicas e ção das salas cirúrgicas deve atender a quatro objetivos
administrativas fundamentais: prover o ambiente de ae ração adequada;
remover acúmulo de gases anestésicos; contro lar a tem-
O centro cirúrgico é um ambiente complexo e vital
peratura e umidade elo ambiente; prevenir a contamina-
para o funcionamento e sucesso dos hospitais. Sua utili-
ção do campo cirúrgico. O centro cirúrgico deve tam-
zação de forma racional, com redução do período ocioso bém possuir gerador de eletricidade para a eventualidade
e com máxima ocupação vem se tornando o objetivo da falta de energia, evitando situações de risco para
principal para muitos administradores hospitalares. os pacientes.
Esforços não são poupados para assegurar que a pas- É necessário trabalho conjunto e sintonizado entre o
sagem do paciente pelo centro cirúrgico e por todas as diretor médico do centro cirúrgico, seu coordenador
suas dependências, como na admissão, na sala cirúrgica e administrativo e seu supervisor de enfermagem, a fim de
na sala de recuperação pós-anestésica, seja tranqüila e sem definir programas e processos técnico-administrativos, e
intercorrências. O sucesso destes esforços depende de de zelar e fazer cumprir as rotinas essenciais ao funciona-
estratégias apropriadas que devem se iniciar no agenda- mento do centro cirúrgico, de forma a atender às neces-
mento dos procedimentos cirúrgicos eletivos. sidades de todos os setores. Eles devem ter acesso e ana-
É necessário conhecimento em relação aos procedi- lisar, periodicamente e de forma detalhada, os dados esta-
mentOs a serem agendados para que a marcação seja feita ósticos referentes à utilização do centro cirúrgico, para
ele forma a permitir que as operações corram num fluxo que possam instituir plano minucioso que vise à máxima
conónuo e sem atrasos conseqüentes a imprevistos, tais utilização de suas salas, com constante aperfeiçoamento
como material inadequado ou insuficiente no centro do setor, controle dos custos e garantia permanente
cirúrgico para a realização ele dois procedimentos iguais da qualidade' .

151
• Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

••
Organizações não-médicas que lidam com problemas perioperatório é freqüentemente fragmentado e sob ares-
complexos e urgentes, tais como aviação e forças arma- ponsabilidade de cirurgiões, clinicas e anestesiologistas. É
das, reconhecem a ampla variedade de aspectos envolvi- indispensável que todos estes profissionais mantenham
dos na busca e obtenção do sucesso e a necessidade de se boa comunicação entre si para que a conduta estabelecida
estabelecerem rotinas e treinamentos, com simuladores, no caso seja uni forme e o foco não se disperse. as pala-
para preparo de toda a equipe. São de fundamental vras de Goldman, "a avaliação e o manejo do paciente
importância fatores como coordenação da equipe de tra- com risco potencial de complicações cardíacas em opera-
balho, capacidade dos lideres para tomarem decisões ções não-cardíacas requer esforço colaborativo do cirur-
acertadas e coerentes, cultura da discipli na, bom ambien- gião, do anestesiologista e do clinico". Cada um tem
te de trabalho e qualidade das dependências físicas2• conhecimento e visão diferentes do problema, e decisões
Portanto, a habilidade técnica do cirurgião é apenas ideais são possíveis somente se todos trabalharem em
um dos aspectos que levam à condução perioperatória conjunto, de manei ra colaborativa e respeitosa 4•
satisfatória c à evol ução pós-operatória favorável. Em alguns países, tem-se atualmente investido na for-
Dentro do centro cirúrgico, trabal ha uma equipe multi- mação do especialista em ledicina perioperatória, res-
disciplinar composta de anestesiologistas, cirurgiões, ponsável por acompanhar o paciente em todas essas eta-
enfermeiros, técnicos de enfermagem e de radiologia, pas. Essa iniciativa tem como objetivo reduzir o risco de
funcionários da farmácia e profissionais responsáveis conflitos entre protocolos interdisciplinares, definindo
pela manutenção dos eq uipamentos. Para o bom fu ncio- melhor a responsabilidade pelo paciente neste período
namento do centro cirúrgico é necessário que estas equi- tão crítico;. Esta é, sem dúvida, uma visão interessante e
pes trabalhem de forma afinada e com espírito de grupo, uma forma ele se abordar o problema, porém é impossí-
garantindo ambiente de trabalho agradável e eficiente vel desvincular e substituir as funções dos anestesiologis-
(transdisci pli naridade). tas e cirurgiões nesse período. O cirurgião é quem pri-
As pessoas são passíveis de falhas; erros acontecem meiro tem contato com o paciente e quem faz a indica-
mesmo nos mais bem organizados ambientes. A avalia- ção cirúrgica, além de ser o profissional tecnicamente
ção das intercorrências ocorridas durante anestesias reve- capacitado a realizar o ato operatório, tratar suas compli-
lou que 80% dos erros poderiam ter sido evitados c que cações e acompanhar o paciente d urante a internação e
o fator humano foi responsável por 75% deles3• A desa- após a alta hospitalar. O anestesiologista é quem possui a
tenção e o descuido na checagem do material e a falta de visão mais crítica e ampla sobre condições mórbidas e
afecções associadas que podem influenciar o aro anesté-
vigilância durante o ato anestésico foram os fatores mais
sico. Ele é capaz de tomar medidas necessárias para pre-
freqüentemente associados a erros humanos.
parar o paciente a fi m de minimizar essas influências,
Ao se trabalhar em local tão estressante e complexo
além de ser o responsável por condutas vitais no perope-
como o centro cirúrgico, é essencial que a equipe não
ratório como monitorização, balanço hidroeletrolítico,
tenha sua atenção desviada para assuntos de interesse
cuidados respiratórios e hemodinâmicos. É também o
secundário e, portanto, é fundamental que o ambiente
anestesiologista o mais indicado para cuidar da dor aguda
não seja hostiL
no pós-operatório imediato, asset,rurando evolução mais
O p reparo pré-operatório do paciente e o acompanha-
estável e menos sofrimento para o paciente. Portanto,
mento perioperatório também são de vital importância
fica claro que cirurgiões e anestesiologistas devem traba-
nesse contexto. Sob a perspectiva do paciente, o período
lhar juntos na coordenação e estabelecimento de estraté-
perioperatório compreende todas as etapas, que se ini-
gias e condutas para cada paciente.
ciam com o surgimento dos sintomas e procura por assis-
tência médica, prolongam-se com o encaminhamento
para a avaliação do cirurgião, a decisão de operar, o pre- Cuidados peroperatórios relacionados
paro pré-operatório com realização dos exames e inter-
ao paciente
consultas, o pré-anestésico, o procedimento anestésico-
cirúrgico propriamente dito, e fin alizam o período pós- São inúmeras as rotinas peroperatórias que envolvem
operatório com seu desconforto característico e a alta proced imentos técnico-administrativos, escalas de pes-
hospitalar. Portanto, o acompanhamento médico soal, cuidados com materiais e equipamentos etc. o

152
Capítulo 13 .: Peroperatório: rotinas, cuidados e registros

••
entanto, não se deve perder de vista que todos eles o bje- muito úteis, co mo é o caso da aplicação de pressão no
tivam o adequado atendimento e a satisfação do pacien- po nto de acupuntura extra 1 (Yintang), que foi capa z de
te. Alguns desses cuidados envolvem diretamente o reduzir valores de índice bispectraJ (Bis) de pacientes,
paciente, como o seu transporte para o centro cirúrgico, quando comparado com pressão em um po nto controle6•
o apoio psicológico, as orientações, entre outros.

Outros cuidados
Transporte do paciente para o centro cirúrgico
Antes do transporte do paciente ao centro cirúrgico,
Antes de transportar o paciente para o centro cirúrgi- é recom endável que o consentimento informado esteja,
co, é preciso certificar-se da sua identidade correta e veri- devidamente assinado . ele, o paciente declara estar a
ficar se o jejum foi obedecido de fo rma adequada. O par do procedimento a ser realizado e de suas possíveis
paciente deve ser o rientado para retirar maquiagem, pró- complicações e conseqüências para sua vida futura.
teses (dentadura, perna mecânica etc.), roupas íntimas Outra recomendação é que o local a ser o perado esteja
(calcinha, sutiã ou cueca), relógios, anéis, colares, pulsei- devidamente assinalado. Em vá rios países do mundo, o
ras e brincos e deve ser estimulado a vestir roupa apro- paciente só é admitido no centro cirúrgico após certifica-
priada e a urinar antes de ir para o centro cirú rgico. O ção de que o local a ser o perado foi marcado com um
paciente deve ser aco mpanhado preferencialmente por "X" com caneta própria para se escrever sobre a pele.
algum funcio nário do hos pital (geralmente vincul ado à Quando não fo r possível faze r a m arcação, como nas
enfermage m), mesmo se ele for capaz de deambular. o o perações o rificiai s, uma pulseira com a identificação do
caso de pacientes críticos, muitas vezes faz-se necessário procedimento deve ser atada ao braço do paciente. E ste
o acompanhamento médico com monitorização, venti- simples procedimento evita que sejam executadas opera-
lação assistida e medicação de emergência. Junto com o ções erradas, ou em lado oposto ao que deveriam ser o ri-
paciente devem ser sempre encaminhados o prontuário ginariamente feitas, ocorrência feli zmente rara, porém de
médico, todos seus exames (laboratoriais c de imagem), conseqüências devastado ras.
o consentimento informado e a papeleta com a prescri-
ção médica, as anotações de enfermagem, a folha de
dados vi tais etc. Cuidados peroperatórios relacionados
O momento do transporte para o centro cirú rgico, à anestesia e à operação
quando o paciente deixa seus familiares, constitui momen-
to crítico e é muito importante que o funcionário respon- Confirmação das reservas pré-operatórias
sável por conduzi-lo esteja preparado para fazê-lo de
modo tranqüilo e eficiente, evitando comentários desagra- Cabe ao cirurgião, que já deve ter feito as reservas
dáveis. Crianças c idosos sentem-se especialmente vu.lne- pré-operatórias, checar se tudo está de acordo para a rea-
ráveis nesse mo mento; permitir que seu respo nsável possa Lização do ato cirúrgico an tes de iniciá-lo. É necessário
acompanhá-los até o centro cirúrgico é recomendável. confirmar a reserva da vaga no centro de tratamento
intensivo, de hemoderivados, dos ma teriais (em especial,
das ó rteses e próteses) c equipamentos necessários, do
Apoio psicológico ao paciente exame peroperatório por corte de congelação etc.
O peroperatório é um período em que o paciente
encontra-se particularmente sensível e ansioso. Boa rela- Anestesia e monitorização
ção médi co-paciente, fundamentada especialmente na
escuta empática e atenta do paciente, constitui etapa Ao entrar na sala cirúrgica e antes do início da anes te-
indispensável ao sucesso do procedimento anestésico- sia, o paciente deve ser adequadamente examinado e
ci rúrgico. Algumas vezes, é preciso fazer medicação pré- monito rizado. A m onito rização é a palavra-chave em
anestésica ansiolítica e sedativa, co mo benzodiazepíni- todos os procedimentos anestésicos desde os primórdios
cos, para manter os niveis de estresse sob controle. da especialidade. Com o passar do tempo, juntamente
T écnicas alternativas podem ser também usadas c são com a evolução e a sofisticação elos procedimentos anes-

153
•• • Fundamentos em C línica Cirúrgica

tésico-cirúrgicos, observou-se também o surgimento de ao centro cirúrgico com o cateter e a raruografia de tórax
monjtores cada vez mrus so fi sticados. Porém, indepen- de controle, considerando que um pneumo tó rax não-
dentemente de quão sofi sticado ou abrangente um moru- ruagnosricado pode aumentar significati vamente o risco
tor possa ser, ele jamais substituirá habilidades clírucas anestésico-cirúrgico.
como inspeção, palpação e ausculta.
A morutorização pode ser classificada como não-
invasiva, minimamente invasiva ou invasiva. Esta última, Quadro 13. 1 .: Mo ni10res utilizados no peropc rató rio
pelo risco de complicações decorrentes de sua aplicação, ----------------------------------------------··
Monitorização cardiovascular •
deve ser criteriosamente inmcada, avaliando sempre os • medida de prcs.uo aneriaJ ducta por meio de posicionado
benefícios e seus possíveis e feitos adversos. Durante a inaa-arterial
anestesia geral de ro tina, no mínimo, cinco mo nito res • monitorização de pressão venosa cenaal
com alarmes devem ser empregados: fração de oxigênio • monitorizaçào hemodinãmica com cateter de arténa pulmonar e
inspirado, pressão nas vias aéreas, oximetria, pressão monitorizaçào do débito cardlaco pela técnica de tennodiluiçào
arterial não-invasiva e eletrocarmograma com alarme • outros métodos para medida de débito cardlaco que utilizam ultra-
para freqüência cardíaca'. sonografia ou hioimpedanciomctria
D e acordo com a complexidade do ato cirúrgico e • ecocardiowafia transesofágica
com o estado clínico do paciente, outros monito res Monitorização respiratória
podem ser necessários (Quadro 13.1). • capnOj.,>Tafia
Para a mo nitorização da temperatu ra, os ensores • análise de g.uc:s expirados
podem ser colocados na artéria pulmonar, po rção distai • oximetria transculinea
do esôfago, membrana timpâruca ou nasofaringe. Outros • análise de gasometria arterial
locais, onde a medida ela temperatura é bem razoável • curvas de espirometria
embo ra um pouco menos acurada, incluem a cavidade Monitorização da função renal
o ral, as axilas, o reto e a bexiga. D evem ser evitadas as
memdas na superfície da pele, por não refletirem de • cateter vesical de demora

forma fidedigna a temperatura central". • análise de ionograma


• análise de osmolaridade sérica e urinária

Monitorização neurológica
Punções e cateterismos
• monitorizaçào de eletroencefalograma continuo
E ntre as vá rias condutas a serem tomadas no pré- • avaliação do potencial evocado
operatório imediato antes da anestesia, destacam-se as • monitorizaçào da profundidade anestésica com BIS (índice bispectral)
punções e os cateterismos. Após identificação do pacien- • doppler transcraniano
te, avaliação das ocorrências da noite anterior e verifica- • venosa de bulbo
ção da admirustração pré-operató ria de medicamentos, o • pressão intracraniana
anestesiologista deve iniciar a hidratação endovenosa. • detromiografia
Caso o paciente já chegue ao centro cirú rgico com cate- Monitorização neuromuscular
ter venoso curto instalado, é imprescindível verificar o
• cstimulador de nervo periférico
calibre e a patência do mesmo. Pode ser necessária nova
Monitorização de temperatura
punção, antes ou depois da indução anestésica. Em

pacientes críticos, a punção arterial pode ser desejável ··----------------------------------------------
para memr a pressão intra-arteriaJ.
A punção venosa central está indicada principalmen- As indicações de cateterismo vesical de demo ra
te quando houver grande mficuldade para realizar a pun- incluem a necessidade de monito rizar rigorosamente a
ção periférica ou em pacientes graves com mruor risco diurese no per e pós-operatório e/ ou de manter a bexiga
anestésico-cirúrgico, pela po sibilidade de se monito rizar vazia (operações sobre a pelve). Operações prolongadas
a pressão venosa central e de se infundir líquido rapida- (> 4h) constituem inrucação relativa; a opção, nesses
mente. O ideal é que, nestes casos, o paciente já chegue casos, seria o cateterismo vesical de alívio ao término elo

154
Capítulo 13 .: Peroperatório: rotinas, cuidados e registros •
••
ato cirúrgico. O cateterismo de demo ra deve ser feito Outros cuidados
no centro cirúrgico, de modo a reduzir o ri sco de con-
taminação durante a instrumentalização uri nária, e O utros cuidados incluem a preparação da mesa de
depois da anestesia, com o objetivo ele diminuir o eles- instrumentos de aco rd o com o tipo de o peração e a
conforto do paciente. ro tina de cada setor. Uma mesa de instrumentos acessó -
Em pacientes que não respeitaram o período ele jejum ria (mesa de Mayo) também pode ser utilizada, facilitan-
ou naqueles casos em que se prevê a existência de estase do o acesso ao instrumental, em especial na ausência do
gástrica (estenose pilórica, obstrução intestinal, peritonite instrumentado r o u em operações mais complexas.
etc.) é preciso esvaziar o estômago no pré-operatório por O posicionamento da equi pe cirúrgica varia na
meio da introdução de cateter nasogástrico calibroso. Se o dependência do tipo de procedimento proposto, da
conteúdo gástrico estiver m uito espesso, pode ser necessá- doença, do órgão, segmento ou estrutura doente, e da
ria a lavagem gástrica, procedimento que deve ser realizado especialidade cirúrgica, mas geral mente o cirurgião se
cuidadosamente c de preferência antes ele o paciente ser posiciona à direita do paciente. O primeiro auxiliar
encaminhado ao centro cirúrgico. Nestes casos, é mais posiciona-se em frente ao cirurgião, sendo responsável
seguro o ancstesiologista considerar que o paciente está por auxiliá-lo nas manobras de hemostasia e síntese e
com o estômago cheio e optar pela indução anestésica em no a fastamen to das estruturas, propiciando boa exposi-
seqüência rápida, que reduz o período durante o gual a tra- ção, sem traumatizar os tecidos. E m operações mais
quéia fica desprotegida. Elevação da cabeceira, clispon.ibili- complexas, pode haver um segundo auxiliar, que deve
zação prévia de cateter para aspiração e pressão cricóide,
se posicionar ao lado do cirurgião o u ao lado do primei-
no momento da indução anestésica, constituem meclidas
ro auxiliar. O instr umentador é o elemento do combi-
gue aumentam a segurança nessa fase crítica.
nado cirúrgico de maio r mobilidade, realizando o con-
tato entre a equipe cirúrgica e o enfermeiro circulante.
Posição do paciente na mesa cirúrgica Ele deve ficar atento aos tempos cirúrgicos, antecipan-
do-se ao pedido do cirurgião e de seus auxiüares. É tam-
Após a mon.itorização, o paciente deve ser posicionado
bém sua função manter limpo e o rganizado o campo
na mesa cirúrgica, de forma a permiti r bom acesso e ade-
cirúrgico, controlando o fl uxo (entrada e saída) de ins-
guada exposição do campo operatório, de modo a facilitar
trumentos, gazes e compressas etc.
a atuação do cirurgião, porém sempre assegurando seu
O comportamento na sala cirúrgica deve ser adegua-
posicionamento seguro e fisiológico. Paciente mal posicio-
do, evitando -se conversas desnecessárias, desatenção e
nado pode apresentar lesões de nervos perifé ricos ou ainda
deseguilíbrio emocional. A circulação desnecessária
deterioração das funções respiratória e/ou hemodinâmica.
pelos corredores e pelas salas cirúrgicas favorece a vei-
culação ele microorganismos patogênicos de um ponto
Preparo do campo cirúrgico a o utro, devendo ser evitada. As pessoas que trabalham
no centro cirúrgico devem evita r entrar nessa unidade
Após a colocação do paciente na mesa cirúrgica em
se estiverem com qualquer doença in fecciosa, localiza-
posição adequada à realização do procedimento propos-
da ou sistêmica. Durante o procedimento cirúrgico, que
to e depois da real ização da anestesia, inicia-se o preparo
do campo cirúrgico. A anti-sepsia da pele deve ser prefe- pode ser prolo ngado e cansativo, devem ser mantidos a
rencialmente feita com P VP-I tintura (so lução ak óoüca trangüi lidade e o silêncio. Ruídos desnecessári os, des-
de poüvinilpirroüdona-iodo), utilizando gazes estéreis p reparo dos assistentes, dos auxiliares ou do enfermei-
mo ntadas. Caso o paciente não tenha sido submetido a ro circulante podem pre judicar o andamento da opera-
degermação pré-operatória com PVP-I degermante, ele ção. Os médicos e estudan tes q ue assistem o ato cirúr-
deve ser aplicado no campo cirúrgico antes da solução gico devem cuidar para não contaminarem o campo
ti ntura, sendo necessária a remoção de seu excesso com cirúrgico, a mesa do instrumen tal o u os componentes
compressa estéril antes da apücação da solução alcóoüca. da equipe cirúrgica. Não devem tam bém obstruir o
Campos cirúrgicos de algodão ou de plás tico aderente trânsito do enfermeiro, nem tampouco dific ultarem o
devem então ser colocados, delimitando a área cirúrgica. trabalho do anestesiologista.

155
••• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Cuidados peroperatórios relacionados um dos documentos a serem sistematicamente preenchi-


dos imediatamente após o procedimento cirúrgico. Este
à equipe cirúrgica
é também o momento de preencher a solicitação do
Presença e preparo da equipe exame anatomopatológico, procedimento indispensável
sempre que fo rem retirados tecidos, estruturas o u ó rgãos
O procedimento anestésico-cirú rgico deve ser iniciado do paciente. este caso, o ciru rgião deve ai nda dispensar
apenas no momento em que toda a equipe cirúrgica csti- cuidado especial no preparo (formalização, acondicio na-
,·cr presente e disponh·el no centro cirúrgico. Anestesiar o mento e identificação) e encaminhamento da peça cirúr-
paciente antes de o cirurgião responsá,·el estar dentro da gica. t\s perdas de espécimes cirúrgicos são imperdoáveis
sala cirúrgica constitui procedimento de risco, além de e constituem causa de processos e ações ético-legais.
gerar insegurança desnecessária no paciente. Entre os inúmeros cuidados nesta fase, faz-se neces-
Para entrar no centro cirúrgico, a equipe deve, nos sário alertar para o fato de que, ao término da operação,
vestiários, substituir suas roupas por uniforme ap ropria- os familiares esperam ansiosos para falar com o cirurgião
do e de uso exclusivo no ambiente operatório. É neces- e ter as info rmações tão aguardadas. A falta de atenção c
sário ainda complementar esse preparo com a utili zação afeto, neste momento, pode gerar conflito, gerando dú vi-
de gorros, má ca ras e propés. O uso da máscara das nos familiares em relação a eventuais acidentes pero-
é imprescindível na sala cirúrgica, em especial após a perató rios e dificultando as relações pessoais tão impor-
montagem ela mesa de instru mentos e o preparo do tantes no tratamento c na recuperação do paciente.
campo cirúrgico. A lesão de nervos periféricos constitui 16% das quei-
Para participar do combinado cirúrgico, o cirurgião e xas contra anestesiologistas segundo a A111en"can Socie(y of
seus auxiliares devem realizar a escovação das mãos e A nesthl'siology, ocupando o segundo lugar ele queixas, logo
antebraços. escovação deve ser feita com escova de após os casos de óbitd .
cerdas macias ou com esponja de po liuretano, duran te no A mais freqüente causa de queixas por lesão nervosa
mínimo cinco minutos, utilizando anti-sépticos de boa periférica refere-se ao nervo ulnar. Antigamente, acredi-
qualidade (povidona-iodo degermante ou clorexidina). tava-se que sua lesão fosse de,-ido à com pressão pcropc-
t\pós a escovação, as mãos devem ser mantidas acima do ratória facilitada pela sua localização vulnerável na altura
nível dos cotovelos. Para enxuga r as mãos e antebraços, do cotovelo, quando ele contorna o epicôndilo mediai do
deve ser empregada compressa es teri lizada. J\ seguir, o úrnero. Porém, após exausti vos estudos e extensa an álise
profissio nal deve vestir avental cirúrgico esterilizado c retrospectiva, concluiu-se que, mesmo quando há aco-
calçar luvas estéreis, cuidando para evitar a contamina- modação apropriada do cotovelo, a lesão do nen'o ulnar
ção. A superfície externa das luvas não deve ser tocada pode ocorrer, sem nenhuma cau a aparente, e que esta
pelas mãos do cirurgião. complicação, portanto, não é sempre evitáveP". São
vá rios os ne rvos que podem ser lesados durante o ato
anestésico, entre eles: axilar, musculocutâneo, radial,
Responsabilidade legal med iano, femo ral , safena, ciático, ti bial e femo ral
a sala de operação, o cirurgião continua sendo o cutâneo lateral.
principal responsável pelo paciente c co-autor de todos O s pacientes que desenvolvem neuropatias motoras
os procedimentos nele realizados. T oda a atenção deve devem procurar neurologista e realizar cletrorniografia
ser mantida desde que o paciente entra no centro cirúrgi- para determ inar a exata localização da lesão e estudar sua
co, e ele não deve ficar sozinho em nenh um mo mento. possível reversibilidade. As neuropatias sensmiais são fre-
Todos os atos c procedimentos devem ser conscientes c qüentemente transitórias c geralmente, basta explicar ao
não-mecânicos, atentando para as necessidades e limita- paciente que elas deverão desaparecer em alguns dias.
ções de cada doente. Qualquer de atenção poderá ser Le ões o ftalmológicas são mais comuns em pacientes
motivo de acidentes e, somente mantendo a harmo nia e que são operados em decúbito ventral c podem, por
o respeito entre os membros da equ ipe, será possível pre- vezes, acarretar perda de visão. Cuidados devem ser
venir estas ocorrências e complicações. tornados para evitar pressão sobre o globo ocular c pre-
A descrição cirúrgica detalhada con timi importante venir que o olho fique aberto. As abrasões de córnea são
instrumento de defesa profissional, constimindo-sc em as lesões oftalmológicas mais encontradas, mas, feli z-

156
Capítulo 13 .: Peroperatório: rotinas, cuidados e registros •
••
mente, essas lesões curam-se rapidamente, bastando para mino da operação e da anestesia; materiais consumidos
isso que o olho seja devidamente obliterado e que seja incluindo órteses e próteses; equipamentos etc. Também
usada pomada oftálmica com antibiótico para evitar evo- é necessário impresso para registro pela enfermagem das
lução para úlcera de córnea. ocorrências peroperatórias. Além da ficha empregada na
Além de sempre acolchoar apropriadamente a super- sala de recuperação pós-anestésica, o anestesiologista
fície corporal e evitar pontos de pressão que podem cau- deve fazer o registro da anestesia em formulário próprio
sar úlceras de estase em operações prolongadas ou neu- onde deve constar desde a avaliação das condições pré-
ropatias periféricas, é de igual importância evitar aquelas vias do paciente (avaliação pré-anestésica) até a avaliação
posições que dificultam o retorno venoso ou a expansi- contínua dos dados vitais (pressão arterial, freqüência
bilidade torácica e que podem trazer sérias conseqüências cardíaca, saturação de oxigênio), a cada cinco minutos,
hemodinâmicas e respiratórias. A posição sentada, muito em forma de gráfico. Outros dados de monitorização
usada em operações de fossa posterior, é de especial inte- (capnografia etc.) podem ser coletados e registrados se
resse. Esta posição pode causar embolia aérea, embolia necessário. Nessa mesma ficha, o anestesiologista deve
paradoxal para a circulação arterial, hipotensão, instabili-
notificar o tipo de procedimento anes tesiológico e cirúr-
dade vascular com conseqüente isquemia, devido à mani-
gico e as eventuais intercorrências peroperatórias. Ao
pulação do tronco encefálico, estimulação de nervos cra-
término do procedimento, cabe ao cirurgião preencher:
nianos, obstrução de vias aéreas e macroglossia.
a evolução médica, fazendo referência ao procedimento
anes tésico-cirúrgico realizado e às suas eventuais com-
Registros peroperatórios plicações; a prescrição médica, definindo claramente
todos os cuidados e medicamentos necessários no pós-
Em relação aos formulários que devem ser preenchi- operatório imediato; o formulário de solicitação de anti-
dos no centro cirúrgico, seu número e formato variam microbianos a ser encaminhado à Comissão de Controle
entre os serviços. De maneira geral, é interessante que se de Infecções Hospitalares; a descrição cirúrgica, deta-
tenham disponíveis, em local de fácil acesso aos médicos, lhando todos os achados e tempos cirúrgicos; e o formu-
os impressos relacionados no Quadro 13.2. lários para solicitação de exames complementares Oabo-
ratoriais, anatomopatológicos etc.).

Quadro 13.2 .: Impressos úteis no registro das ocorrências pero-


peratórias e na solicitação de exames Recuperação pós-anestésica

LiSta de diecagem a ser preendii a no momento do transporte do


• A recuperação pós-anestésica constitui uma das eta-
ra o centro cirúrgico pas mais importantes do tratamento cirúrgico, em decor-
Folha de sala cirúrgica rência do risco e da gravidade das complicações próprias
lmP.resso notificação dos procedimentos de desse momento. Sem dúvida, a criação de salas de recu-
Impressos para registro da evolução anestésica e pós-ancstésica peração pós-anestésicas e a existência de protocolos e
lm resso P._l!ra descrição do procedimento cirúr ·co rotinas de admissão e de alta vieram modificar o panora-
Impresso para solicitação de liberação de antibióticos da Comissão de ma até então observado. Apesar de não existir definição
Controle de Infecções llospitalares
padrão na literatura, pode-se dizer que a sala de recupe-
Impresso para solicitação ae exames Qaboratório, imagem) ração pós-anestésica é um setor de cuidados intensivos,
Impresso para solicitação de exames anaromopatológicos e citológicos
cujo principal objetivo é garantir a recuperação segura
.··----------------------------------------------
Impresso para solicitação de sangue e hemoderivados
----------- dos pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos
sob anestesia geral e/ou locorregional.

Na folha de sala, devem constar: identificação com- Sala de recuperação pós-anestésica


pleta do paciente; diagnóstico, tipo e código dos proce-
As primeiras salas de recuperação surgiram a partir de
dimentos cirúrgicos realizados; horários de inicio e tér-
1920, porém elas tiveram grande expansão após a segun-

157
..------------------------------------------------------------------
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

da guerra, juntamente com o melhor entendimento da domicílio e os riscos de ele permanecer internado
fisiopatologia das complicações pós-operatórias. forem maiores que os benefícios.
Os inclicadores de qualidade da sala de recuperação Um novo conceito deve ser ressaltado, considerando
pós-anestésica incluem não somente resultados clinicos, a introdução de novos anestésicos e novas técnicas que
mas também o "valor" do tratamento, que é definido permitem um despertar mais rápido c seguro. É o concei-
como a melhoria no resultado clinico po r valo r monetá- to de Jast-lrack, ou seja, o salto da sala de operação dileta-
rio gasto em uma admissão. O custo real do tratamento mente para a unidade cirúrgica de internação (fase 2), não
na sala de recuperação pós-anestésica incorpo ra espaço, passando pela sala de recuperação pós-an estésica. Pode-
pessoal e equipamento, sendo que as normas de triagem, se no tar na literatura incidência que varia de 13,9% a
admissão e alta afetam o número de admissões e os 42,1% de fast-track em pacientes submetidos à anestesia
recursos que cada admissão consome". a maioria dos geral12 • e com essa prática observa-se diminuição da ati-
locais, o maior custo da sala de recuperação pós-ancsté- vidade na sala de recuperação pós-anestésica, ela poderia
sica é com a equipe de pessoal. Vale lembrar que os fato- resultar em economia de custos potenciais.
res que afetam o impacto e o custo são variáveis entre as O número ideal de leitos para cada sala de recupera-
instituições. Além disso, tentativas de estabelecer ção pós-anestésica varia com o tipo de atendimento pres-
padrões de referência de efetividade de custos do trata- tado. Normalmente, esse número é de 1,5 leito para cada
mento são carregadas de imprecisão. sala cirúrgica, variando até 2:1 se o centro cirúrgico é
A recuperação é um processo contínuo, sendo que os mais vol tado para proceclimentos ambulatoriais. A sala
pacientes não podem ser considerados totalmente recu- de recuperação pós-anestésica deve estar localizada
perados até terem retornado ao seu estado fi siológico numa posição estratégica com alguns seto res do hospital,
pré-operatório. O processo completo pode durar muitos funcionando como uma continuidade entre o centro
dias, mas pode ser dividido convenientemente em três cirúrgico e o centro de tratamento intensivo. Além disso,
fases clistintas: deve estar perto e contar com as facilidades e a rapidez
• recuperação precoce (fase 1) - vai de de a inter- de serviços de apoio, como laboratório, centro de ima-
rupção da anestesia até os pacientes terem recupe- gens (rad io logia, tomografia etc.) e agência transfusional.
rado seus refl exos protetores e sua função motora. A sala de recuperação pós-anestésica deve ter área isola-
o rmalmentc acontece na sala de recuperação pós- da para os pacientes contaminados, possuir ventilação e
anestésica, pois requer monitorização e supervisão iluminação (pela necessidade de procedimentos de
intensivas, com equipe treinada; urgência) adequadas, além de estrutura e equipamentos
• urúdade de internação cirúrgica (fase 2)- algu ns sis- básicos, entre eles: pontos com fonte de oxigênio, ar
temas de pontuação, como o de AJdrete, podem ser comprimido c vácuo em cada leito; mo nitores que devem
usados na tomada de decisão sobre quando os atender à complexidade dos pacientes que serão recebi-
pacientes poderiam ser transferidos para a unidade dos, variando desde a monitorização básica com oxime-
de internação cirúrgica. Inicialmente descrito em tria de pulso, eletrocardiograma, pressão não-invasiva e
1970, o sistema de AJdrete pontua notas de O, 1 e 2 temperatura até moni tores mais complexos e invasivos
para atividade, respiração, circulação, consciência e
para meclida da pre são intra-anerial, pressão venosa
cor, com pontuação mlLxima de 10. Uma pontuação
central, pressão intracraniana e débiro cardíaco; capnó-
igual a nove indicaria recuperação suficiente para o
grafo e analisador de gases; ventiladores; unidade de
paciente ser transferido da sala de recuperação pós-
emergência equipada com desfibrilador, material próprio
anestésica para o quarto. Com o advento da oxime-
tria de pulso, o parâmetro clinico cor foi substi tuí- para abordagem de via aérea e intubação difíceis, marca-
do por outro- necessidade de oxigenioterapia para passo transcutâneo e endovenoso, drogas de reanimação;
se manter saturação maior que 92% ; bombas de infusão.
• recuperação domiciliar (fase 3) -os pacientes deve- Em relação aos recursos humanos para a sala de recu-
rão alcançar a recuperação completa em casa. O peração pós-anestésica, deve haver um anestesiologista
mo mento da alta hospitalar deve ser definido com (coordenador da equipe) e um enfermeiro que decidirão
base na análise de uma série de parâmetros; habi- juntos as condutas a serem tomadas, sempre apoiados
tualmente coincide com a fase na qual rodo os cui- em protocolos previamente definidos pela equipe. A
dados possam ser realizados com o paciente em seu relação de técnicos de enfermagem para cada leito varia

158
Capítulo 13 .: Peroperató rio: rotinas, cuidados e registros

••
de acordo com a complexidade do atendimento presta- os itens que devem constar no relatório de admissão na
do, podendo ser desde um para cada do is ou três leitos sala de recuperação pós-anestésica.
até um técnico para cada leito, se o paciente estiver criti-
camente comprometido. Vale runda lembrar que a res-
ponsabilidade legal pelo paciente na sala de recuperação
------------------------------------------------··•
pós-anestésica recai não apenas sobre o anestesiologista
responsável pela sala, mas também sobre o anestesiolo-
gista que realizou a anestesia.
Ainda do ponto de vista legal e de acordo com a
resolução do Conselho Federa l de Medicina n°.
Res trição aos
1363/93, o Ministério da Saúde prevê a existência de
Protoco los
sala de recuperação pós-anestésica para todo centro
cirúrgico. Além disso, a Sociedade Brasileira de
Anestesiologia e o Conselho Federal de Medicina defi-
nem no artigo 2° que " todo paciente após procedimen-
to cirúrgico deverá ser removido para sala de recupera-
ção pós-anestésica", que "enquanto não estiver disponí-
FC - Freqüência cardíaca
vel a sala de recuperação pós-anestésica, o paciente PA - Pressão arterial
deverá permanecer na sala cirúrgica até sua liberação SpOz - Satu ração de oxigênio
pelo anestesista" e ainda que "os critérios de alta do
paciente no período de recuperação pós-anestésica são

··------------------------------------------------
de respo nsabilidade intransferível do anestesiologista" 11 • Figura 13. 1 .: Rotinas iniciais na admissão do paciente na sala
de recuperação pós-anestésica

Rotina da sala de recuperação pós-anestésica


A seguir, passaremos às roti nas da sala de recupera-
ção pós-anestésica, tanto de admissão quanto de alta,
Quadro 13.3 .: Itens que devem ser avaliados à admissão do
discutindo ainda as complicações mais freqüentes desta
paciente na sala d e recuperação pós-anestésiea
fase. Essas roti nas visam favorecer um primeiro atendi-
mento com maior autonomia e agilidade por parte da
------------------------------------------------··
História pré-operatória - alergias e reaçôes medicamentosas, proce-
enfermagem, assim como garantir a prática da multidis- dimentos cirúrgicos pregressos, doença cllnica subjacente, medica-
ciplinar.idade. Todo paciente admitido na sala de recupe- mentos crônicos, problemas agudos, pré-medicações
ração pós-anestésica deve ser avaliado inicialmente, em Dados peroperatórios - procedimento cit·étrgico, tipo de anestesia, esta-
relação às condições ventilatórias, à via aérea e ao seu do de relaxamento muscular e sua reversão, hora e quantidade de
estado de consciência. Em seguida, devem ser aferidos opióides administrada, tipo e quanridade de lkJuidos intravenosos, perda
sangilinea estimada, débito urinário, interco rrências cirúrgicas ou anesté-
freqüência e ritmo cardiacos, pressão arterial sistêmica,
sicas, achados laboratoriais peroperatórios, medicamentos realizados
freqüência respiratória e oximetria de p ulso. Essa avalia-
Avaliaçio e relatório do estado atual - desobslrução da via aérea,
ção deve ser feita a cada cinco minutos, durante os pri-
adequação veotilatória, nível de consciência, freqüência e ritmo cardía-
meiros 15 minutos, e a cada 15 minutos a partir de co, pressão sistêmica, estado da volemia, função dos monitores invasi-
então. A avaliação da temperatura deve ser feita à ad mis- vos, tamanho e localização de cateteres intravenosos, equipamento
são e antes da alta do paciente. O anestesio logista do anestésico (cateter peridural, bomba de PCA, ou seja, analgesia contro-
lada pelo paciente etc.), impressão global
paciente deve cuidar dele até a equipe da sala de recupe-
ração pós-anestésica obter os sinais vitais e conectar os Instruções pós-operatórias - estado venrilatório previsto, faixas
accitá\·cis dos sinais vitais, eliminação urinária c perda sanE-,rüinea acei-
monitores apropriados (Figura 13.1). táveis, instruções cirúrgicas (cuidados com a fe rida, com cateteres, dre-
Relato sucinto, mas completo, que inclua informação nos e ostomias), problemas cardiovasculares esperados o u prováveis,
suficiente para permitir avaliação rápida e tratamento das prescrições de intervenções terapêuticas, testes diagnósticos a serem
obtidos, localização e contato (bip, celular etc.) do médico respo nsável
eventuais complicações pós-operatórias deve estar regis-

trado legivelmente. o Quadro 13.3, estão enumerados ··-------------------------------------------------
159
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

O aj uste dos alarmes deve ser feito para mais e menos ----------------------------------------------··•
20% dos valores normais. Medicamentos em seringas
levadas pelos anestesiologistas só devem ser ac<.:itas se ALERGlA

l
constarem etiqueta com nome do paciente e da medica-
ção, assim como diluição da mesma. Em caso de pacien-
te com cateter epidural, deve ser solicitada etiqueta iden- Solicitar à secretária que faça etiqueta I
tificatória. Deve ser ainda anotada hora e escala de Iadesiva ressaltando a alergJa em questão I
Aldrete na admissão assim como referência a alguma res-
trição aos protocolos aplicados pela enfermagem da sala
de recuperação pós-anestésica (coronariopata, idoso etc.).
l
Alergia
o caso de emergência na sala de recuperação pós- Dipirona
Penicilina
anestésica, a enfermagem deve estar apta a entrar em con-
tato com o anestesiologista da sala de recuperação pós- •
anestésica, referindo-se à situação como código 1, a fim de ··----------------------------------------------
Figura 13.3 . : Protocolo de alergia
evitar desorientação e pânico por parte da equipe e com o
objetivo de sistematizar todo o atendimento a partir daí
(Figura 13.2). D eve ainda colocar a unidade de emergência H ipertensão arterial
ao lado do leito do paciente e romper seu lacre. As mano-
A hipertensão no pós-operatório pode ser um fator
bras de reanimação deverão ser procedidas conforme o
complicador e, se muito grave, pode levar a sangramen-
PALS (suporte de vida avançado em pediatria) ou ACLS
to, deiscências vasculares, dilatação ventricular com
(suporte de vida avançado em cardiologia).
isquemia e arritmia. O diagnóstico diferencial inicial deve
Na eventualidade de o paciente apresentar história pré-
ser com a possibilidade de erro na medida. Caso o
via de alergia a medicamentos, látex ou fitas adesivas (espa-
paciente se apresente com hipertensão no pós-operató-
radrapo), etiqueta identificatória adesiva deverá ser coloca-
rio, devem ser feitas avaliação e tratamento da dor e de
ela a fim de se evitar evento adverso previsível (Figura 13.3).
eventual retenção urinária. A pressão deve ser, então,
novamente a ferida após dez minutos em aparelho
----------------------------------------------··• manual, e o resultado deve ser comunicado ao anestesio-
!Código I " Ei\lERGb:NClr\"1 logista, que deverá tomar as medidas devidas, avaliando

!
Paciente não-rcsponsivo (após estímulo)
outros diagnósticos diferenciais (Figura 13.4).

Paciente dispnéico/cianóLico
Crise convulsiva
----------------------------------------------··•
I
! A RTERIAL IPA > 170/ 1101

Comunicar anestesiologista - "Código I na SRPA"


Solicita•· Unidade de Emergência
I !
1- Vc ri ficar dor - Protocolo de dor
• 2- Verificar retenção urinária - P rotocolo de retenção urinária
··----------------------------------------------
Figura 13.2 .: Protocolo- Código ·1 - Emergência
3- Verificar pressão arterial (PA) após lO minutos
'

I Pi\ > 170/110 I


Complicações pós-anestésicas
São in úmeras as complicações possíveis no período
!
IComunicar ao anestesiologista I
pós-anestésico. Entre as mais freqüentes na fase inicial
destacam-se a hipertensão e a hipotensão arterial, a dis- •
função pulmonar, a dor pós-operatória com suas conse- ··----------------------------------------------
qüências emocionais e orgânicas, náuseas e vômitos. Figura 13.4 .: Protocolo de hipertensão arterial

160
Capítulo 13 .: Peroperatório: rotinas, cuidados e registros

••
Pacientes previamente hipertensos apresentam respos- são causas de complicações respiratonas que cursam
tas exageradas ao tratamento da hipotcnsão no pós-opera- com hipoxemia e devem ter seu diagnóstico diferencial
tório. Causas de estimulas exagerados do sistema nervoso feito a fim de se instituir a terapêutica co rreta.
autônomo devem ser pesquisadas (fcocromocitoma, intera- Caso o paciente apresente-se com saturação de oxigê-
ção de drogas, aumento da pressão intra-craniana, acidente nio menor que 92% , a via aérea deve ser avaliada em rela-
vascular encefálico c cncefalopatia hipóx.ico-isquêmica). ção à obstrução e a oxigcnioterapia deve ser iniciada po r
h·eis pressóricos 20% acima dos níveis iniciais ou evi- cateter nasal a 31/min. Concomitantemente, se a pressão
dências clínicas de complicações (sa ngramento, alterações arterial estiver adequada, a cabeceira elo leito deverá ser
oculares, angina, alteração do segmento S1) devem moti- elevada. Se esses primeiros passos não forem suficientes,
var tratamento hipotensor, que vai depender de cada situa- deve ser solicitada máscara de Venturi, instituida oxige-
ção (clonidina, betabloqueadores, nitroprussiato etc.). nioterapia a 101/mi n e comunicadas ao anestesiologista
estas providências (Figura 13.5). Ele deverá avaliar outras
po sibilidade cliagnósticas e definir se há necessidade ele
Disfunção pulmonar
abordar da via aérea de modo mais invasivo, incluindo,
A disfw1ção pulmonar pode ser causa de hipoxemia nesse caso, a intubação traqucal.
no pós-operató ri o c pode estar relacionada com:
• ventilação inadequada - cursa com acidemia respi-
ratória, hipercapnia com red ução do pH ab3Lxo de ----------------------------------------------··
7,25 e aumento progressivo da pC0 2;
• impulso respiratório inadequado - pode ocorrer por
uso de opióides ou anestésicos inalató rios não total-
mente eliminados, bloqueio neuromuscular residual,
hemorragia ou edema intracraniano, lesão dos corpos
carotídeos pós-endarrerectomia, doença pulmonar
obstrutiva crônica com acidose respiratória crônica e
alteração da sensibilidade do sistema nervoso central
ao pH, rornando dominante o impulso hipóxico, ou
OK Solicitar máscara de Vcntun c
po r sensibilidade aumentada aos depressores respira-
administrar 0 2 a I 01/mtn
tó rios (apnéia do sono, ex-prematuro, obesidade Comuntcar ao anestcs•ologista
mórbida, obstrução crônica das vias aéreas);
• resistência aumentada das vias aéreas- po r obstrução
P\ Pr(ssàu ancnal
da faringe (queda de língua), laringe Oaringoespasmo) !>pOz - de
ou grandes aéreas miastenia ou por
bloqueio neuromuscular residual. Os sinais simulam •
os de complacência diminuída (ventilação laboriosa, ··----------------------------------------------
Figura 13.5 .: Protocolo de hipoxe mia
recru tamento ele musculatura acessória);
• complacência diminuída - pode se dar devido à
pre ença de gás no estômago e intestino, curativos Hipotensão arterial
to rácicos e abdo minais apertados, obesidade, tumo r
intra-abdominal, hemorragia, ascite, gravidez o u t\ hipotensão no pós-operatório constitui complica-
obstrução intestinal; ção comum c pode cursar com hipopcrfusão ele ó rgãos
• problemas neuromuscu1ares e esqueléticos - devi- vitais, sendo gue a terapêutica deve estar voltada para
do à síndrome do neurônio motor superio r, cifose impedir essa hipoperfusão e suas consegüências. Várias
ou escoliosc, blogueio de plexo (braguial), ratluia- são as causas de hipotensão pós-operatória, entre elas:
nestcsia em paciente com doença pulmonar crôni- • medição espúria- guando identificada, evita trata-
ca, reversão marginal do bloqueio neuromuscular. mento desnecessá rio e hipertensão iatrogênica;
Espaço mo rto aumentado, aumento na produção de • hipovolcmia ou hipovolemia relati va - decorre: do
C0 2, alterações na relação vencilação-perfusão, envene- uso de medicamentos que imitam bloqueio dos
namento por monóxido de carbono e aspi ração traqucaJ receptores al fa, como o dropcridol, do uso de medi-

161
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

camentos que li beram histamina, como a morfina, rio, estratégia p ara s ua terapia, como o uso contínuo de
ou do uso de dilatadores venosos, como os nitratos; opióides até a alta hospitalar. A principal via de acesso
da anestesia subdural ou peridural; da pressão inua- para o tratamen to da dor pós-operatória é a endoveno-
torácica positiva alterando o retorno venoso; do sa. A via o ral pode ser utilizada nos pacientes em regi-
tamponamento pericárdico; da embolia aérea impe- me ambulatorial. D eve ser encorajado o uso da escala
dindo o enchimento ventricular; visual analógica, anotando-se aquele valor, desde a
• disfunção ventricular - co nstituem causas da dis- admissão do paciente na sala de recuperação ou na uni-
função ventricular a baixa contratilidade ventricular
dade de internação e após qualquer queixa de dor. Se
prévia, a administração excessiva de líquidos com
previamente foi feito bloqueio do neuroeixo, com o
dilatação ventricular, a resolução do bloqueio do
uso de cateter ou não, o anestesio logista deve ser
sistema nervoso autônomo simpático e mobilização
volêmica, a depressão miocárdica por anestésicos comunicado pela possibilidade do emprego de opióide
inalatôrios e venosos, a hipocalemia e a acidose res- como adjuvante do bloqueio . esse caso, ele d eve
piratória ou metabó lica; decidir a melhor conduta. Caso contrário, o paciente
• isquemia miocárdica e arritmia cardíaca - deve-se à deve ser abordado fa rmacologicamente, de acordo com
dor, taquicardia, hipotensão, ansiedade, acidose, às a pontuação obtida com a escala visual analógica e com
drogas etc. Hipoxemia grave, anemia e envenenamen- a definição da intensidade da dor (leve, moderada ou
to por monóxido de carbono podem causar isquemia, acentuada). O protocolo de dor pós-operató ria está
mesmo sem insuficiência coronariana prévia; apresentado na Figura 13.7.
• resistência vascular sistêmica diminuída- constimem
causas dessa resistência ventricular a anestesia regio-
nal, o uso de bloqueadores alfaadrenérgicos e outros ----------------------------------------------··•
HIPOTENSÀO A RTERI AL
medicamentos (hidralazina, nitroprussiato), o
emprego de hemoderivados, o reaquecimento, a aci-
demia (vasodiJataclor direto) e a sepse.
!
1- Admitir o paciente - perguntar ao anestesiologista
Caso o paciente apresente hipotensão na sala de recu- do paciente a Pr\
peração pós-anestésica, deve ser iniciada oxigenioterapia 2- Ajustar alarme de PAS em± 20%
3- Programar medidas de PA de 5/ Sm ou de 15/ 15m
por cateter nasal a 31/min, a cabeceira do leito deve ser
colocada a 0°, e devem ser infundidos livremente 200m] de +
ringer-lactato, tomando-se nova medida da pressão após I Pr\S<20% I
cinco minutos. Caso essas medidas não surtam efeito, a
enfermagem deve preparar seringa com efedrina diluída e
!
1- Colocar 0 2- 21/min
notificar o fato ao anestesiologista, que eleve avaliar a 2- Abaixar a cabeceira do leito a oo
3- Infundir 200m! de RL livre
necessidade de exames laboratoriais, estabelecer outras 4- No,·a medida de PA em Sm
causas para a hipotensão que não a hipovolemia e instituir
a terapia mais indicada (efedrina, fenilefrina, aminas em I
infusão contínua, antiarrítmicos etc.) (Figu ra 13.6).
I PAS normal I I PAS<20% I
Dor pós-operatória

Uma das principais intercorrências na sala de rec u-


I Infundir
200m! de RL
I 1- Diliuir efedrina IOmfVml em
I amp com 4ml de ABD
2- Comunicar ao anestesiologista
peração pós-anestésica é a dor pós-operató ria. Ela deve
ser tratada prontamente e de maneira e ficaz; para isso
ABD- água biCiestilada
deve ser ava liada e considerada o quinto sinal vi tal. O PA - pressão ar<crial
PAS - prcss:io ancrial sistóbca
alívio da dor cirúrgica traz inúmeros benefícios que já
RI. - rinKcr-lactato
estão bem docu mentados (confo rto do paciente, dimi- m- minuto

nuição da res posta auto nô mica, meno r morbimo rtali-



dade) . O ideal é que se trate a dor com o mínimo de ··----------------------------------------------
Figura I 3.6 .: Protocolo de hipotensào arterial
efeitos colaterais e que se estabeleça, no pré-operató-

162
•••
Capítulo 13 .: Peroperatório: rotinas, cuidados e registros

-----------------------------------------------------------------------------------------------------··•

Faces/ EVA
o 2 4 6 8 tO
O- lO Escala de intensidade da do r
I I I I I I
o 2 4 6 9 lO
sem dor dor dor muito p10r
dor leve moderada gJ'3\C gra\c possl\'cl

1- 0 2 por cateter nasal 31/min 1- 0 2 por cateter nasal 31/min


2- Diluir morfina (!Omg em 9m L de ABD) 2- D iluir morfina (IOmg em 9mL de ABD)
3- Fazer 3ml, EV-SOmcg/kg 3- Comunicar ao anesresio logista
4- AvaJjar complicação

.,. Uso pré\'iO ou nàn de .\ I E/ dipirona t\BD - A1,'Ua bidcsulada


E\' \ - Escala visual analógica AI'\F. - :\ntiinflamatóno nlo-esteró1dc


··-----------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 13.7 .: Protocolo de dor

Náuseas e vômitos nervosas e de tecido mole, dor muscular esquelética),


hjpertermia (incluindo hipertermia mwgna), hipo termia
Apesar de ser rotina desejável e realizada em vanos
e tremores, agitação e co mplicações renais c metabólicas
serviços, o uso da terapia combinada (ondansetrona e
podem ser intercorrências e complicações diagnosticadas
droperidol; ondansetrona e dexametasona; droperidol e
na sala de recuperação pós-anestésica.
dexametasona) na proftlaxia de náuseas e vômitos com
base na probabi]jdade de o paciente apresentar essas
complicações (sexo feminino, vômitos em operações Critérios de alta da SRPA
anteriores, não-tabagista e uso peroperatório de opióide)
não necessariamente protegerá o paciente destes sinto- E m relação à alta do paciente da sala de recuperação,
mas, principalmente nas primeiras 24 horas de pós-ope- vários critérios já foram sugeridos. Escalas de pontuação,
ratório. Assim, caso aconteçam, deverão ser tomadas como a de Aldrete modificada, têm sido amplamente
algumas condutas, que estão enumeradas na Figura 13.8. usadas e difundidas. De acordo como a Sociedade
Americana de Anestesiologia, em seu consenso de 2002
sobre cuidados pós-anestésicos, algumas recomendações
Outras complicações
devem ser segwdas 14 • Pacientes devem estar alertas e
Outras comp]jcações como prurido, traumas inciden- orientados, e aqueles cujo status mental inicial era altera-
tais (lesões oculares, orais, da faringe e da laringe, lesões elo devem retornar ao seu estado basal. Os dados vitais

163
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica
••
devem estar estáveis e dentro de limites aceitáveis. A alta Referências
deve oco rrer após o paciente ter preenchido critérios
minimos de segurança, sendo sempre necessário o regis- I• Kindscher J . Opcrating room management. In: l\liller RD.
tro por escrito das condições de alta do paciente 12• O s Miller's Anesthesia. 6•edição. Churchill Livingsto ne. 2005.
2• Seymo ur E, Gallagher i\G , Roman SA. Virtual rcality training
pacientes em regime ambulatorial devem ter alta somen- improves opcrating room perfo rmance. Ann Su rg.
te acompanhados de um adulto respo nsável. Eles devem 2002;236:4 58-64.
ainda receber instruções po r escrito em relação aos medi- 3• Aggarwal R, Undrc S, i\loorthy K, Vincem C, A. Thc
camentos a serem utilizados e às atividades l.iberadas, simulated o perating theatre: comprchensive training for sur-
gicalteam s. Qual a f I lealth Care. 2004;13:27-32.
devendo constar ainda o número de um telefone que eles
4• G oldman L. Cardiac risk in noncardiac surge!")': an updatc.
possam acessar caso aco nteça alguma complicação. t\ nesthes Analg. I 995;80:8 10-20.
5• Dahl JB, Kehlet 11. Perio perative mcdicine- a new sub-specia-
------------------------------------------------··• liry, o r a multi-disciplinal)' strategy to improve perioperative
management and ourco me? Acta Anaesthes Scand.
VÓMITO 2002;46: 121-2.
6• Fassoulaki A, Paraskeva A, Patris KS. Pressurc appl.ied o n thc
I Confenr uso de dexametasona e ondanserrona I extra 1 acupuncture poim red uces bispectral index values and
stress in volunreers. Anesthes Analg. 2003;96:885-9.
I 7• i\lurphy G , Vender J . .\1oni toring the anesrheti7.ed paricm. In:
Barash PG, Cullen BF, toelting RK. Clinicai Anesthcsia. 4•
edição. Lippincott \Xfilliams & \Xfilkins. 200 I.
I Sim
I I 1.'\ào j 8• Scssler D. Tcmperature m onitoring. I n: Miller RD. Miller's
Anesthesia. 6•edição. Churchill Livingstonc. 2005.
9• Faust RJ , Cucchiara RF, Bechtlc PS. Paúent positioning. In:
Ondansetrona - 4mg
II ampola
Drnmin B6 A BD - 8 m l
EV lento
t\1iller RD. i\lillcr's Anes thesia. 6•ed ição. Churchill
Li vingsronc. 2005.
lO• \'\ 'arner .\1A, \'\'arner ME, i\lartin JY. Ulnar ne uropath y:
lncidence, outcome and risk fac tors in sedated o r anestheti-
1 J\ler ra 1
II •
7cd patients. t\nesthesiology. 1994;81: I332-40.
Roger SM. Recuperação Pós-operatória. In: Barash PG , Cullen
13F, Stoelting RK. Anestesia Clínica. Barueri: Editora Manole,
I Observar I 2004:1377-402.
12 • Marshall S, Chung F. Dischargc critcria and com plications after

I Não melhora
13 •
ambulato!")' surge!)'· Ancsthcs Analg. 1999;88:508- 17.
Conselho Federal d e Medicina - Resolução CFM no 1363/ 93.
+ 14 • Task Force on Postanesthetic Carc - A rcpo rt by the American
I Comumcar ao anestestologisra I ocict:y o f t\ nesthesiologist task force o n posranesthetic care.
Pratice guidelines for postanesthetic care. Anesthesio logy.
ABD - Água bKlcsul>d> 2002;96:742-52.
EV - Endovcnoso
I - lmnmU5cubr


··------------------------------------------------
Figura 13.8 .: Protocolo de náuseas e vômitos

164
14
RESPOSTA
ORGÂNICA
AO TRAUMA
•• •
Maria Isabel Toulson Davisson Correia

Introdução sua duração. Logo, a redução da morbidade e mortalida-


A resposta orgânica ao trauma ou estresse foi inicial- de associada à resposta orgânica ao trauma poderá ser
mente descrita em 1942, por Sir D avid Cuthbertson, que também minimizada. Na verdade, a mortalidade decor-
introduziu os termos ebb e fiou; para descrever as fases de rente de enfermidades críticas prolongadas é alta: cerca
hipo e hipermetabolismo decorrentes da agressão cirúr- de três em cada dez pacientes adultos hospitalizados em
gica ou traumática. A resposta orgânica é desencadeada unidades de tratamento intensivo por mais de três sema-
por múltiplos esúmulos, incluindo alterações da pressão nas não sobrevivem 1•
arterial, do volume arterial e venoso, da osmolalidade, do
pH e da quantidade de oxigênio arterial, além da presen-
ça de dor, ansiedade e substâncias tóxicas derivadas de Quadro 14. 1 .: Resposta orgânica ao trauma- fatores desencadeantes
lesões ou infecções teciduais (Quadro 14.1 ). Esses esú- ----------------------------------------------··
mulos chegam ao hipotálamo e agem sobre o sistema ---------------------------·
Redução da pressão e do volume anerial
nervoso central e a medula adrenal. A resposta orgânica Alterações no volume
ao estresse é uma resposta fisiológica a um insulto, que Mudanças na osmolalidade
pode se tornar patológica dependendo da intensidade e Modificações do pH
duração da agressão. O objetivo final da resposta orgâni-
Conteúdo anerial de oxigênio
ca é restaurar a homeostas ia. Metas intermediárias são:
Dor
limitar grandes volumes de perda sangüínea, aumentar o
Ansiedade
fluxo de sangue (incrementando também a entrega de
nutrientes) e eliminar substâncias oriundas do desbrida- Mediadores tóxicos
- infecção
mento de tecidos necróticos, facilitando e iniciando a - injúria tecidual

cicatrização de feridas. ··----------------------------------------------
Com o desenvolvimento da Medicina, o que era con-
siderado anteriormente "simples" resposta orgânica ao Embora a Cirurgia moderna tenha se tornado menos
estresse (representada pelas fases ebb e j!mv) tornou-se agressiva com as "técnicas minimamente invasivas", o
uma teia complicada e intricada de respostas que envol- trauma tem aumentado muito como consequência da
vem vários compartimentos do corpo humano. Ainda violência urbana e das guerras. Assim sendo, é extrema-
que não possamos evitar completamente a ocorrência da mente importante conhecer os complexos mecanismos
resposta orgânica ao trauma, ao reconhecermos sua mag- da resposta ao trauma, para agi r cedo e, eventualmente,
nitude e conhecermos suas particularidades poderemos, prevenir alguns de seus efeitos deletérios. A magnitude
certamente, ajudar a minimizar os riscos de perpetuar a da resposta e os cuidados iniciais com o paciente são
165
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
fatores determinantes de sua evolução final. A gravidade nal e as respostas imunológica e inflamatória estão tam-
dos fenômenos hipermetabólicos pode levar à síndrome bém alteradas.
de resposta inflamatória sistêmica (SIRS), que é, na ve r-
dade, uma resposta orgânica exacerbada.
Perspectivas históricas
Trauma ou estresse Sir David Cuthbertson, patologista quuruco de
G lasgow, foi o primeiro médico a estudar a resposta orgâ-
T rauma ou estresse são os termos utilizados nas áreas nica ao trauma, no irúcio do século XX, acompanhando
de fi siologia e neuroendocrinologia para referirem-se a pacientes com fraturas de ossos longos 1• o entanto, muito
forças ou fatores que causam desequilíb rio ao o rganismo antes dos estudos de Cuthberrson, John Hunter, com um
e, po r conseguinte, afetam a homeostasia2• O estresse trabalho chamado Trealise on tbe blood, inflammalion and
pode ser conseqüência de ferimento físico, de alterações bot wollnds, foi o primeiro a questionar o paradoxo da res-
mecânicas, de mudanças químicas o u de fatores emocio- posta orgânica ao trauma ao afi rmar: "Impressões são
nais. A resposta corporal a esses fatores dependerá da capazes de produzir ou aumenta r ações naturais e são, por-
magnitude deles, da duração dos eventos e do estado tanto, chamada de estimulas. E sses estimulas também são
nutricio nal dos pacientes (Q uadro 14.2). capazes de produzir várias ações maléficas ou não-fisioló-
gicas, ao que chamamos comumente de ação doente". Ele
deve ter intuitivamente percebido que a natureza havia
Quadro 14.2 .: Fatores de risco relacionados ao trauma ou es1resse de encadeado essas respostas, trazendo van tagens em ter-
----------------------------------------------··• mos de recuperação, po rém ele tam bém notou que, se
Magnitude (gravidade) essas resposta fossem exagerada , a vida da pessoa pode-
ria estar em risco.
Duração (quanw mais prolongado, mais gra,·e)
O conceito de que doença era as ociada com o aumen-
Estado nutricional do paciente (pacienrn desnutridos tem resposlll pior)
to da excreção de nitrogênio, levando ao balanço nitroge-
Doenças assoc1adas (aumemo de morbidade e mo rtalidade)
nado negativo, foi definido no final do século XIX.
- thaiNits 111tllilu1
- doenças cardíacas D urante a primeira guerra mundial, estudos feitos por
- doenças pulmonares DuBois• demostrara.m que o aumento de um grau Celsius
- doenças imunológicas de temperatura estava associado ao incremento de 13% na
- outras
• taxa metabólica.
··---------------------------------------------- As descobertas de Cuthbertson foram conseqüência
dos questionamentos de cirurgiões ortopédicos que que-
riam saber por que pacientes com fraturas da porção distai
istemas sensoriais complexos acionam respostas do
da tfbia se recuperavam mais lentamente. cus estudos,
sistema nervoso periférico que, po r sua vez, alertam o
objetivando dar respostas a essas pergu ntas, não consegui-
sistema nervoso central (SNC) sobre o ocorrido. No caso
ram alcançar o esperado, mas, paralelamente, deram-lhe a
do NC, os neurô nios do núcleo paraventricular do
possibilidade de descobrir algo muito mais interessante c
hi potálamo produzem o hormô nio liberado r de cortico- fundamental. Ao medir a excreção de cálcio, fósforo, sul fa-
tropina (CRH) e ativam o eixo hipotálamo-pituitário- to e nitrogênio na urina, descobriu gue a quantidade de fós-
adrenal (H PA). Além d isso, outras áreas do cérebro foro e sulfato em relação ao cálcio era maior do que o espe-
enviam sinais para o sistema nervoso autôno mo periféri- rado se todos esses elementos se originassem apenas do
co. Esses dois últimos sistemas apresentam resposta inte- ossos'. Ele demonstrou que isso era um fenômeno "cata-
grada, denominada coleti vamente " resposta ao estresse", bólico" relacionado à quebra de proteínas, o que refletia
que controla primariamente funções o rgânicas, tais co mo aumento na taxa metabólica 1. A associação entre are pos-
tônus cardiovascular, respiração e metabolismo interme- ta orgânica sistêmica e fatores hormonais foi então identi-
diário2. O utras funções como o ato de alimentar-se e o ficada, porém, nesse momento, não foi cientificamente
estímulo sexual são suprimidas, enquanto a cognição e a comprovada por dificuldades metodológicas. As pe quisas
emoção encontram-se ativadas. A atividade ga trointesti- realizadas por Cannon>, ao estudar o sistema nervoso autô-

166
Capítulo 14 .: Resposta o rgânica ao trauma •
••
nomo, sugeriram aumento da produção de catecolaminas A fase ebb começa imediatamente após o trauma e,
decorrente da resposta à doença, como sendo uma das geralmente, dura de 12 a 24 ho ras. E ntretanto, essa fase
explicações para a resposta fisiológica, observada por pode durar mais, dependendo da gravidade do trauma e
Cuthbertson. Mais tarde, Selye propôs que os corticosterói- do tratamento usado. A fase ebb é caracteri zada por hipo-
des eram os principais mediadores da resposta catabótica6• perfusão tecidual e redução da atividade metabólica geral.
Mas qual é o sinal que inicia e propaga a imediata pro- 1 esta fase, há produção exagerada de catecolaminas,
dução dos hormônios do eixo adrenocortical? Hume' e sendo a noradrenalina o mediador principal. A noradre-
Egdah18 mostraram, em cães submetidos a trauma (ferida nalina é li berada pelos nervos periféricos, ligando-se a
cirúrgica ou queimadura superficial nos membros), que receptores beta-1 no coração, a receptores periféricos
aqueles que tinham os nervos ciáticos intactos apresenta- alfa e beta-2 e, em menor qua ntidade, a recep tores do
ram aumento dos hormônios adrenais, ao contrário do leito vascular esplâncnico. Os efeitos mais importantes
que acontecia com animais com nervos seccionados, nos são os cardiovasculares, uma vez que a no radrenalina é
quais a resposta era abolida. Assim, pôde-se verificar potente estimulado r card iovascular , que gera aumento da
experimentalmente que sinais nervosos aferentes a partir co ntra ti !idade e da freqüência cardíaca, assi m como causa
da região lesada eram fatores essenciais para desencadear vasoconstrição. Esses fenô menos são tentativas fisiológi-
a resposta ao estresse pelo eixo hipo tálamo-adrenal. cas para restaurar a pressão sangüínea, aumentar o
Alli son et al. 9 mostraram que a res posta o rgânica desempenho cardiaco e maximizar o retorno venoso.
estava ta mbém associada à supressão de liberação de A hiperglicemia pode ser vista durante a fase ebb. E m
insulina seguida por período de res istência periférica à pacientes com trauma, o nivel de hiperglicemia é propor-
mesma, e que se associa a altos níveis de glucagon"' e cio nal à gravidade do estresse. A hiperglicemia é promo-
hormônio do crescimento " .
vida pela gliconeogênese hepática secundária à liberação
Recentemente, a resposta orgâ nica tem sido associada
de catecolaminas e por estim ulação direta.
não apenas a al terações neuroendócrinas, mas também a
Alguns autores investigaram a fase ebb em animais e
mediadores in flamatórios e disfunções imunológicas 12.n.
humanos" e perceberam aspectos importantes, como o
fato de que, depois de fraturas de osso longos com con-
Resposta orgânica ao estresse comitante perda acentuada de sangue, há alterações da
vasoconstrição, o que não é visto qua ndo há hemorragia
Fases ebb e flow isolada, como em casos de hemo rragia digestiva por úJce-
ra duodenal. E m ou tro estudo, ChiJds et al. 11 mostraram
Cuthberston', a princípio, dividiu a resposta orgânica diminuição da vasoconstrição em resposta à hipotermia.
nas fases ebb c jloJ/J (Figura 14.1 ). O inicio da fase jloJV que em·olve as fases catabólica e
anabólica é caracterizado por débito cardíaco aumentado
-------------------------------------------··• com restauração da oferta de oxigênio e substratos meta-
l'a<c de cbh bólicos. A duração dessa fase depende da gravidade do
trauma, da p resença de infecção e do desenvolvimento
de complicações. E m geral, atinge o pico máximo entre
o terceiro e o quin to dia, regride entre o sétimo e o déci-
mo dia, e evolui para um estado anabólico nas próximas
semanas. D urante essa fase h.ipermetabólica, a liberação
de insulina é alta; por outro lado, a concomitante eleva-
ção de catecolarn.inas, glucagon e cortisol compensam a
maioria dos seus efeitos metabólicos. A mobilização de
aminoácidos, de ácidos graxos essenciais e de depós itos
de gordura resulta em desequilibrio hormonal. Algu ns
• dos substratos liberados são usados na produção de ener-
··------------------------------------------- gia- ta nto diretamente na fo rma de glicosc ou pelo fíga-
Figura 14. 1 .: Fases de tbb t jlou' l'trsuJ demanda metabólica do na fo rma de triglicerídes. Outros substratos contri-

167
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
buem para a síntese de proteínas no figado, o nde media- glicose, em vez de serem usadÓs como combustível para
dores hormonais aumentam a produção de proteínas de completar a necessidade de energia. Essa última é forneci-
fase aguda. Sínte e protéica idêntica ocorre no sistema da pela reserva de gordura (cerca de 80% a 90%t'. A razão
imunológico, objetivando a recuperação de tecido lesa- pela qual pacientes estressados necessitam de taxas tão altas
do. Ainda que a fase hipermetabólica envolva ambos os de glicose endógena pode ser explicada pela demanda
processos catabólicos e anabóücos, o resultado final é a aumentada de glicose pelos tecidos lesados. Wilmore et al.'-
perda significativa de proteínas, caracterizada por balan- demonstraram que pacientes com queimaduras t,Tfaves em
ço nitrogenado negativo e também diminuição dos depó- membros inferio res e ferimentos leves em outros mem-
sitos de gordura. bros apresentaram utilização de glicose aumentada, pelo
Isso leva à modificação geral da composição corpórea, membro queimado, em até quatro vezes. imultaneamente,
caracterizada por perda de prote!nas, carboidratos e gordu- a perna queimada produziu maiores quantidades de lactato,
ra, acompanhada por grande aumento do compartimento sugerindo metabolismo anaeróbico. O lactato é então
hídrico extracelular (e em um nível menor, intracelular). devohido ao figado para gliconeogênese, no chamado
ciclo fútil de Cori, que é metabolicamente muito dispendio-
so. Um mole de glicose gera dois ATPs pela via glicolítica,
Metabolismo de glicose e de proteína
porém por güconeogênese custa três ATPs. rsto é, prova-
Durante o jejum simples, a infusão de glicose inibe a gli- velmente, outra causa para o aumento da taxa ele metabo-
coneogênese hepática, mas, depois de um trauma, apesar lismo (Figura 14.2).
da alta concentração de gücose circulante, a gliconeogêne- A insulina tem efeito anabólico e de depósito pela via
se prevalece. Os aminoácidos liberados via catabolismo da síntese de gra ndes moléculas, a partir de moléculas
muscular protéico são usados pelo figado para produção de pequenas e inibindo o catabolismo. i\ insulina também

--------------------------------------------------------------------------------------------··•
Fígado Tecidos perifé ricos

Glicose Glicose

G Ciclo de Cori
L
I Lactato
c Aminoácidos ____ __
o Alanina
N
E
Gordura
o
G ,\ eCO-A

l
Ê
Oxaloacetato
N
E C itrato
s
E
Rim 1 Fumarato Grupo Amino
Intestino
Figado
-----1 Gluramtna

f
AcCO A - occulcobna

··--------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 14.2 .: Glicólise acróbica e ciclo de Cori

168
•••
Capitulo 14 .: Resposta orgânica ao trauma

promove a oxidação e a sintcse de glicogênio, ao mesmo ção de potássio pode subir para 10 0mmol/24h a
tempo em gue inibe a glicogenó lise e gliconeogênese. 200mmolj24h. O líquido intracelular e os fluidos admi-
Por outro lado, os hormô nios cat:abólicos, tais como as nistrados exogenameme acumulam-se preferencial mente
catecolaminas, o cortisol e o glucagon estimulam a glico- no terceiro espaço extraccl ular, d evido à aumentada per-
genólise c a gliconeogênese. meabiljdade vascular e ao relativo aumento da pressão
oncótica intersticiaJ. Po r essa razão, a maioria d os pacien-
Resposta de fluidos e eletrólitos tes enco ntra-se extremamente edemaciados após os pri-
meiros dias de ressuscitação volêmica.
A hipovolem ia prevalece na fase ebb e é, na maior
parte das vezes, reversível com a adm inistração apro-
priada d e fluidos. Contudo, na ausência de ressuscira - Resposta endócrina
ção adequada, nas primeiras 24 ho ras, a mortalidade é Eixo hipota/âmico-pituitária-adrenal (HPA)
elevada 18 • A resposta do paciente à hipovolemia objeti-
va a perfusão adequada do cérebro e d o co ração, em O hipotálamo secreta o hormôn io liberador de cor-
detri mento da pele, d o tecido go rduroso, d os músculos ticotropina em resposta ao estím ulo elo estresse. F..sse
c de es truturas intra-abdom inais. A o ligú ria, obse rvada ho rm ô nio esti mula a produção, pela pitu itária, do hor-
logo após a injúria, é conseqüência da liberação d o hor- mônio adrenocorticotrópico (ACTH), também chama-
mônio antidiu rético (AD H) e de aldos tero na. A secre- d o de corricotropina que, como o seu nome indica,
ção de ADH pelos núcleos supra-óticos no hipotálamo estimula a córtex ad ren al. i\ lais especificamente, ele
anterior é estimulada pela redução de volume c pelo estimula a secreção de g licocorricó ides, tal como corri-
incremento da os molalidadc. Esta última é essencial- sol, e tem pequeno controle sob re a secreção de aldos-
mente conseqüência do co nte údo d e sódio no líquido terona, o outro importante hormônio es teróide da
extracelular. Francis Moorc denominou es te perío do glândula supra-renal. O hormôn io li berado r d e conico-
de fase ou "retenção de sódio" e ou "diurese d e sódio" tropina é, por sua vez, in ibido pelos g licoco rti cóidcs,
para descrever a antidiurese tanto de sal como d e água,
fazendo parte de clássico mecanismo de Jeedback nega-
que ocorre na fase de JlouP . Receptores de vo lume que
tivo. Parece que a secreção de aldosterona está sob o
estão localizados nos átrios e na artéria pulmonar, bem
controle de sistema ativad o r renina-angiotensina 21' .
como osmorreceptores localizados perto dos neurô-
O aumento do cortisol modifica, ele fo rma rápida, o
nios produtores de AD H no hipotálamo, atuam essen-
metaboli smo d e carboidratros, gord ura e proteínas, de
cialmente es timulando esse hormô nio . O ADH esti-
tal maneira que a ene rgia se torna instantânea e seleti-
mula os túbu los coletores p rox imais do rim, mas tam-
vamente disponível para órgãos vitais, tal como o cére-
bém os túb ulos dis tais, promovendo a reabso rção de
água. A aldosterona age principalmente nos rúbulos bro, e a fase de anabolismo é retardada. t\ retenção
renais distais, causando a reabso rçã o de sódio c de intravascular de líquidos e a res posta ino tró pica ativada
bicarbonato, assim como o aumento d e excreção de por vasopressorcs é d ecorrente do estimulo das cateco-
potássio e íons de hidrogênio. A aldostcrona também lam inas e da angiotcnsina n, o qu e o ferece g rand es
modifica os e feitos celulares das catccolaminas, afetan- vantagens hemo dinâmicas no mecanismo de "lute ou
do as trocas de sódi o c potássio pelas membranas celu - fuja". Esse aumemo do corti sol pode ser interpretado
lares. A liberação de grandes quantidades de potássio como tentativa de o organismo ate nua r sua própria
intracelu lar para o líquido cxtracelular é conseqüência cascata inflamatória e, logo, proteger-se contra respos-
do catabo li mo d e proteínas e pode causar aumento do tas exageradas21 (Figura 14. 3).
potássio sérico, especialmente se a função renal estive r O ACT H sérico parece estar baixo em estad os críti-
alterada. Retenção de sódio e de bicarbonato pode pro- cos crônicos, enquanto as concentrações de co rtisol per-
duzir alcalose metabólica com defici ência na oferta d e manecem elevadas, sugerind o que a liberação de cortisol
oxigê nio aos tecidos. O sódio urinário, pós-trauma, possa ser desencadeada por vias alternativas, provavel-
pode cair para 1 Ommol/24h a 25mmol/24h e a excre- m ente com a participação da endotelina21 •

169
..----------------------------------------------------------------
• Fundamentos em C línica Cirúrgica

-------------------------------------------··• hormônio de crescimento (GH) tornam-se elevados, e o


GH (com picos elevados alternados virtualmente com
Fatores de estresse
niveis mínimos) encontra-se alterado (o pico de concen-
tração do GH assim como a freqüência jnrerpulsos estão
elevados). E m situações fisiológicas, o GH é liberado
Inibe CRI I pelas células somatotrópicas da pituitária em fo rma de
pulsos, sob o contro le interativo do hormônio liberador
do GH, o qual é estimu.latório, e pela somatostatina, que
exerce efeito inibitório21. Aparentemente, após estresse,
parece que a eliminação do fator irubitório da somatosta-
tina e a disponibilidade aumentada do fator estimulador
CRH - H onnônio liberador de corticotropina do hormônio liberador do hormônio de crescimento
ACfH - Hom16nio corticotrófico
• (hipotalâmico e periférico) podem hipoteticamente estar
Figura 14.3 .: Resposta endócrina ao estresse envolvidas. Também tem sido sugerido que haja indução
de resistência periférica ao G H, c que essas mudanças
sejam promovidas pelo efeito das citocinas, tais como
Eixo tirotrópico TNF, IL-1 e IL-621. O GH exerce ação direta lipolítica,
antagonista da insulina e estimuladora imunológica,
Após trauma Clrllrgico, em aproximadamente duas
mudanças essas que priorizam substratos essenciais como
horas, os niveis séricos de T 3 encontram-se diminuidos,
glicose, ácidos graxos essenciais e aminoácidos, funda-
enquanto os de T4 e de TSH aumentam. Aparentemente,
mentais à manutenção da sobrevivência, em vez de indu-
os bai'<os níveis de T3 são causados por menor conversão
periférica de T4. Logo depois, os niveis de TSH e T4 geral- zirem o anabolismo.
mente retornam aos seus valores normais, enquanto os de Em doenças crônicas, as mudanças no eixo somatotró-
T3 continuam baixos. É importante mencionar que a mag- pico são diferentes. A secreção do G H é caótica e reduzida
nitude de queda de T3 reflete a gravidade da enfermidade. quando comparada com a da fase aguda. Ainda que a fra-
Alguns mediadores inflamatórios, em especial, o fator de ção não-pulsáti.l esteja elevada e o número de pulsos seja
necrose tumoral (IN F), a interleucina 1 (IL-1) e a interleu- alto, as concentrações médias noturnas encontram-se rara-
cina 6 (IL-6) têm sido investigados como potenciais media- mente aumentadas e substancialmente inferiores às da fase
dores dos baixos niveis de T3. As alterações agudas do eixo aguda do estresse. Uma das possibilidades que explica essa
da tireóide podem refletir uma tentativa de reduzir o gasto situação é que a pituitária está envolvida na "síndrome de
energético, tal como acontece na inaniçãd 1. falência de múltiplos órgãos" e, por conseguinte, encontra-
Um comportamento de certa forma diferente é visto se incapaz de produzir hormônio do crescimentd1. Outra
em pacientes internados em centros de tratamento intensi- explicação plausível tem sido a de que a falta de secreção
vo, por longos períodos. Tem-se observado a ocorrência pulsáti.l de GH é devida a aumento do tônus de somatosta-
de valores séricos baixos a normais de TSH e baixos de T4 tina ou estimulação reduzida pelos fatores endógenos de
e de T3. Esse achado parece ser conseqüência da estimula- liberação, como o hormônio liberador do GH.
ção tireotrópica diminuida do hipotálamo, o que por sua
vez leva a esúmulo reduzido da glândula. Aumento prolon-
Eixo laáotrópico
gado da dopamina endógena e do cortisol prolongado tam-
bém podem estar envolvidos nesse fenômeno. Quando se A prolactina é um dos primeiros hormônios a ter sua
oferece dopamina exógena e glicocorticóides, o hipotireoi- concentração aumentada após o estresse físico e psicoló-
dismo é induzido ou agravado. gicd1. Esse aumento é provavelmente mediado pela oci-
tocina, por vias dopaminérgicas ou pelo pepúdeo vasoati-
Eixo somatotrópico vo intestinal (VIP). As citocinas podem ser o fator desen-
cadeante. Alterações na secreção de prolactina, em res-
Durante as primeiras horas de um insulto, seja ele pro- posta ao estresse, podem contribuir co m a função imuno-
cedimento cirúrgico, trauma ou Lnfecção, os niveis de lógica alterada durante o curso de doença crítica.

170
Capitulo 14 .: Resposta orgânica ao trauma

••
Em ratos, a inibição da liberação de prolactina resultou também um dos fatores que participam desse fenômeno.
em função alterada de linfócitos, em diminuição da ativa- Os polimorfonucleares são as primeiras células a chegar
ção dos macrófagos e em morte após exposição a bactérias ao local de injúria e liberam potentes moléculas oxidati-
sabidamente não-letaism•. Permanece inconclusivo se a vas, incluindo o peróxido de hidrogênio, o ácido hipoclo-
hiperprolactinemia contribui com a ativação da cascata roso e outros radicais livres, assim como enzimas proreo-
imunológica, após o inicio da enfennidade crítica. líticas e substâncias vasoativas, tais como leucotrienos,
a situação de doença crítica crônica, os nh·eis de eicosanóides e o fator ativador de plaquetas (PAF).
prolactina sérica não mais se encontram elevados, como Existem evidências de que o fator ativador de plaquetas
na fase aguda. é parcialmente responsável pelo aumento da permeabili-
dade capilar na sepse e no choqueM. Os radicais livres de
Eixo hormônio luteinizante-testosterona oxigênio são moléculas pró-inflamatórias que causam
peroxidação lipídica, inativação de enzimas e consumo
A testosterona é o hormônio e teróide anabólico de antioxidantes. Os polimorfonucleares liberam enzi-
mais importante. Logo, alterações no eixo ho rmônio mas pro teolíticas as quais ativam o sistema cinina/ cali-
luteinizante-testosterona no homem podem ser relevan- creína que, por sua vez, estimula a liberação de angioten-
tes na fase catabólica da doença crítica, na qual os níveis sina li, bradicinina e plasminogênio ativado. A bradicini-
de testostcrona encontram-se baixos. A causa exata desse
na causa vasodilatação e pode mediar o aumento da per-
achado não está definida, mas as citocinas também pare-
meabilidade vascular.
cem estar envolvidas nesse fenômeno 2'..z'.
Os macrófagos são ativados pelas citocinas e envol-
Hipotetizando sobre os níveis baixos de testosterona,
vem os o rganismos invasores. Eles também desbridam
talvez esse seja um mecanismo importante para impedir
tecidos necróticos e produzem outras citocinas. O fator
a secreção de outros hormônios anabólicos, no estresse
de necrose tumora1 (sintetizado pelos macrófagos) e o
agudo, almejando conservar energia e substratos meta-
lL-1 f3 (sintetizado pelos macrófagos e células endoteliais)
bólicos fundamentais a funções vitais importantes 21•
são os mediadores pró-inflamató rios proximais. Estas
Em estados crônicos, os níveis circulantes de testoste-
rona tornam-se extremamente baixos, e quase não são citocinas iniciam a elaboração e liberação de outras ciro-
detectados 21 .Z3. A dopamina endógena, os estrógenos e os cinas, como a IL-6. Elas também estimulam a resposta
opiáceos podem ser a causa desses níveis baixos. hepática da fase aguda. A IL-6 é secretada pelos monóci-
tos, macrófagos, neutrófilos, células Te B, células endo-
teliais, células musculares lisas, fibroblastos e mastócitos.
Resposta inflamatória Esta citocina é provavelmente o indutor mais potente da
resposta da fase agudar., ai nda que seu papel exato na res-
A resposta inflamatória é parte do fenômeno orgânico
posta inflamatória permaneça questionável. Por outro
que se segue à injúria, na tentativa de restaurar a homeosta-
Lado, a IL-6 é considerada o fator de prognóstico mais
sia. a maioria das situações, a cicatrização é um sucesso.
Contudo, algumas vezes, este não é o caso e alterações confiável e preciso, particularmente na sepse, uma vez
importantes ocorrem, gerando resposta prolongada que que refl ete a gravidade da injúria 19 • A IL-8 pertence a um
poderá colocar em risco a sobrevivência do paciente. grupo de mediadores conhecido como quimocinas, devi-
a resposta inflamatória sistêmica (SIRS), a inflama- do à sua habilidade em recrutar células inflamatórias para
ção é desencadeada em locais distantes do sítio de injúria o sítio de injúria. É sintetizada por monócitos, macrófa-
inicial. Em alguns casos, a lRS evolui para disfunção gos, neutrófilos e células endoteliais. Também é usada
orgânica multisistêmica (.MODS), a qual está associada a com um índice de magnitude da resposta inflamatória
altas taxas de mortalidade. sistêmica e parece conseguir identificar aqueles pacientes
A resposta fisiológica ao trauma é um evento celular que irão desenvolver disfunção orgânica multisistêmica.
e molecular complexo, no qual as células inflamatórias, Muehlstead et aJ.Zll observaram altos níveis de IL-6 e
tais como polimorfonucleares, macró fagos e linfócitos IL-8 em Lavados alveolares, duas horas após a injúria, suge-
são recrutados para o local da agressão e secretam media- rindo que os alvéolos possam ser as primeiras estruturas a
dores inflamatórios. O endotélio do sítio de injúria é sofrer com a resposta orgânica ao estresse. Esses níveis

171
•• • Fundamentos em Clfnica Cir úrgica

altos podem ser usados, no futuro, como fatores prognós- Outros produtos da ativação de complemento pare-
ticos da SIRS. cem induzir a produção de TNF-a '•. Em resumo, a SIRS,
A lL-4 e a lL-1 O são citocinas antiinflamatórias, sinteti- gue geralmente ocorre após evento de estresse g rave e,
zadas por linfócitos e monócitos, que exercem efeitos simi- em alguns casos, é fatal, tem sido parcialmente caracteri-
lares. Ambas inibem a síntese de TNF-a, IL-1, IJ.r6 e lL-8. zada por ambas as linhas de in vestigação clinica e experi-
O óx.ido nitrico é produzido por vários tipos de célu- mental. No entanto, os mecanismos ativadores e os sis-
las, incluindo células endoteliais, neurô nios, macrófagos, temas de sinalização envo lvidos na indução da SIRS
células musculares lisas e fibroblastos. O óxido nitrico ainda não são bem compreendidos e definidos.
pode mediar a vasodilatação e regula o tônus vascular.
Provavelmente, é um mediador essencial na fisiopatolo-
Conclusões
gia do estresse e do choque.
Proteínas reactantes da fase aguda são produzidas pelo A resposta o rgânica ao estresse tem como função
fígado em resposta à injúria, na tentativa de manter a principal oferecer ajustes orgânicos após qualquer tipo
homeostasia. A sua produção é induzida pelas citocinas. de inj úria, tal como cxpo ição ao frio, perda de volume,
Estas proteínas funcionam como opsoninas (proteína C hipoglicemia e inflamação. Assim sendo, a resposta ao
reativa), inibidores de protease (proteinase-alfa1), agentes estresse é um fenômeno fi siológico que tenta proteger o
hemostáticos (fibrinogênio) e transportadoras (transferri- o rganismo contra q uaisquer agressões. o entanto,
na). A albumina é uma proteína de fase aguda negativa e quando ela é muito intensa e dura longos períodos, é
sua sinrese está diminuida na fase de in flamação. associada a maior morbidade e mortalidade. Para tentar
evitar tal situação, é de extrema importância conhecer
suas diferentes facetas e o ptar po r atitudes que possam
Resposta imunológica diminu ir a magnitude ela resposta. Intervenções farmaco-
lógicas e nutricionais podem ser adotadas com o intuito
Como parte integrante da resposta orgânica à injúria
de atenuar a respo ta orgânica ao estresse e, consequen-
ou à infecção, os mediadores inflamatórios (f F-a,
temente, diminuir a morbidade e mo rtal idade a ela asso-
IL--1 anel lL-6) liberam substratos, a parti r do. tecidos do
ciadas. Contudo, essas intervenções, especialmente trata-
hospedeiro, para garantir a atividade dos linfócitos T c B,
mentos novos, devem ser avaliados cautelosamente e
criando conseqüentemente ambiente hostil para patóge- orientados por protocolos, uma vez que, a modulação o u
nos in vasoresl'l. Rsses mediadores inflamatórios aumen- a abolição da resposta o rgânica, não é isenta de riscos.
tam a temperatura corporal e produzem substratos oxi- lnvestigacões futuras, e pecialmente na área de biologia
dantes gue iniciam a regulação do processo quando o molecular e genética, irão, sem dú vida, ajudar a entender
combate aos invasores não teve sucesso. Contudo, esse alguns dos aspectos ainda desconhecidos.
mecanismo é altamente dispendioso ao hospedeiro, na
dependência da sua magnitude e duração, o que poderá
induzir a SIR . Essa, po r sua vez, pode causar falência Referências
orgânica multissistêmica em alguns enfermos. A maioria
I • Van Dcn 13crghc G, Baxter RC, \X'eekers :-.1, \X'outers P, Bowers
dos pacientes sobrevive ao evento Sl RS sem evoluir com CY, Veldhius JD. A paradOJucal gender dissociation within
falência sistêmica, pois é capaz de desenvolver, após rela- thc growth hom1one insulin-like growth factor I axis during
tivo período de estabilidade, uma resposta anti in flamató- prorractcd critica] illness. J Clin Endocrinol ;-_,tetab.
ria compensadora (CARS) , na qual a im unidade está 2000;85: 183-92.
2 • Wilmorc 0\XI. From Cuthberston to fast -trnck surgcry: 70 years
suprimida c existe resistência diminuida à infecção'•. A
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vo parece ser impo rtante indutor de ambas respostas 3 • Cuthbcrswn O. Effect of injury on mctabolism. Biochem J.
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nológico desempenham papel relevante na fase precoce
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172
•••
Capítulo 14 .: Resposta orgânica ao trauma

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173
15
ASSISTÊNCIA
MÉDICA
PÓS-OPERATÓRIA
..

--------------------------------------------------------------------------
Antônjo Gonçalves Rodrigu es,
I sabel T o uJson D avisson orreta

Introdução O pós-operató rio imeruato é di,·idido em horas


(p. ex., 8' hora de pós-operatório imediatO de rcvasculari-
Se os resultados dos procedimentos cirúrgico depen- zação miocárdica; 12' hora de pós-operató rio imediato de
dem da indicação cirúrgica e do preparo pré-operatório , transplanrc hepático). ;:-\esta fa c, inicialmente o paciente
sem dúvida são também influenciados pela assistência deve permanecer em observação na sala de recuperação
médica que se dispensa ao paciente no pós-operatório. pós-anestésica, sendo encaminhado, caso se recupere
D essa forma, tanto cirurgiõe quanto internista devem adequadamente nas primeiras ho ras, à enfermaria de cui-
estar bem familiari zados com os principais cuidados a dados intermediários ou, caso contrário, à unidade de tra-
serem pre tados aos pacientes nessa fase, sob pena de tamento intensivo. O s principai cuidados neste período
esses cvoluircm com complicações cvitá,·cis c de conse- c os critérios de alta da sala de recuperação pós-a ncstési-
qüência imprevisíveis. ca estão relatados no Capítulo 13 - Peroperalório: rotinas,
midados e
O pós-operatório mediato é dividido em dia (p. ex.,
Fases do pós-operatório
l " dia pós-operatório de hernioplastia inci io nal; 3' dia
O período pós-operatório tem sido di vidido em três pós-operatório de prostatectomia). Vale ressaltar que o
fases: pós-operató rio imed iato, períod o que vai do pós-operatório imediato (o dia da operação), portanto,
mo mento operató ri o até 24 horas da intervenção cirúrgi- não é considerado o I" dia pós-operatório. O paciente,
ca; pós-o peratório mediara, período que se inicia a partir nesta fase, encontra-se habi tualmente internado em
de 24 horas da operação e vai até a alla hospitalar do enfermaria de cuidados intermediários. No entanto, no
paciente; pós-operató rio tardio, período compreendido caso de procedimentos de médio porte, o paciente, evo-
entre a alta hospitalar c a alta ambulato rial. (Figura 15. 1) luindo bem no pós-operató rio imediato, pode receber
aJra para seu domicílio, onde dc,·erá estar atento para
-----------------------------------------------------------------··• eventuais sinais de complicaçôcs, como feb re, sinais Ao-
gís ricos na ferida operatória etc.
o pós-operató rio tardi o, o paciente já se encontra
em seu domicílio, devendo retornar ao ambulatório ou ao
consultório de seu médico para consultas pós-operatórias

I I IMEDIATO I MEDlATO TARDIO


periódicas. Este tempo de acompanhamento pós-opera-
tó rio varia na dependência da da afecção cirúr-
gica, da operação realizada c da e,•o luçào do paciente
com o tratamento. Pode durar semanas, meses ou
··-----------------------------------------------------------------
Figura I 5. 1 .. Fases do pós-operatório: imediato, mcdmto mesmo anos, como ocorre no pós-operató rio de proce-
e t:mlio. dimentos o ncológicos.

175
• Fundamentos em C línica Cirúrgica

··----------------------------------------------------------
Objetivos da assistência nóstico precoce e seu t ratamento adeq uado serão capa-
zes de diminuir o sofrimento do paciente e a letalidade
médica pós-operatória
dessas complicações.
No pós-operatório mediato ele procedimentos de
maio r porte, o paciente, mesmo enco ntrando-se estável,
demanda uma série de cuidados para garantir o retorno Evolução médica
de sua homeostase. esses casos, internação hospitalar,
Considerações gerais
acompanhamento méclico freqüente, assistência contí-
nua da enfermagem e atend imento por parte de o utros T odos os pacientes internados devem ser examinados
profissionais da área de saúde (fisioterapeutas, n utricio- po r seu médico pelo menos duas vezes ao di a. Pacientes
nistas etc.) oferecem maior segu rança c conforto ao no pós-operatório imediato o u que estejam evolui ndo
paciente. Os objetivos principais da assis tência médica com instabilidade clínica ou co m complicações precisam
no pós-operatório estão listados no Quadro 15.1. ser avaliados várias vezes ao d ia. Uma dessas avaliações
Quadro 15. 1 .: Objetivos da assistência médica pós-operatória eleve ser feita pela manhã (prefe rencial mente até às dez
•• ho ras), a partir da qual serão definidos os exames com-

Reposição hidrocletrolítica plementares a serem solicitados, bem como os cuidados
Terapia nutricional e medicamentos a serem prescritos. A avaliação clinica
Tratamento da dor c dos demais sintomas pós-operatória, constituída por anamnese cuidadosa e
Cuidados com a ferida ci rúrgica
por exame físico minucioso, é a base da evolução médi-
Apoio psicológico
ca e possibilita a suspeita e o diagnóstico das intercorrên-
de complicações
D iagnóstico _precoce e tratamento de complicações cias c das complicações próprias dessa fase.

··----------------------------------------------
Registro da evolução em prontuár io médico
Durante o período em que permanece em jejum pós- Todas as vezes gue o paciente for avaliado por seu mécli-
o peratório, o paciente deve receber aporte endovenoso de co ou pelo substituto dele (plantonista), o resultado dessa
água, eletrólitos e glicosc. Caso ele se encontre desnutrido avaliação deve ser registrado no prontuário médico o mais
e/ou o perío do de jejum previsto seja muito longo, em rapidamente possível. É importante que o registro seja claro,
geral, mais de sete dias, deve-se avaliar e providenciar tera- organizado, conciso (mas sem subnotificar dados relevan-
pia nutricional enteral ou parenteral, a ser definida caso a tes) e legível, de modo que sua leitura seja possível e não se
caso. Esses dois assuntos podem ser apreciados, respecti- torne um desafio para quem tenha gue fazê-la.
vamente, nos Capítulos 16 - Hidratarào venosa pós-operatória)
e Capítulo 7 - JVutrirào e Cimrg,ia. O tratamento dos sinto-
mas, em especial da dor, constitui objetivo essencial da Finalidades
assistência médica pós-operatória e será discutido adiante, O registro da evolução pós-operatória em prontuário
neste mesmo capítulo. médico tem várias e importantes finalidades. (Quad ro
Considerand o que o paciente fica muiro inseguro no 15.2) E m primeiro lugar, permite a comunicação entre
pós-operatório, o apoio psicológico de seu m édico c de diferentes profissionais que assistem o paciente (p. ex.,
toda a equipe constitui importante condição para o com- entre o médico assistente e seu residente), em parti cular
pleto restabelecimento de sua saúde. D essa forma, o no que concerne à impressão quanto à evolução do
paciente movimenta-se e deambula com maio r freqüên- paciente e quanto às condutas tomadas. A partir do regis-
cia, alimenta-se com menor receio e encontra-se mais tro ad equado dessa evolução, é possível a consulta pos-
motivado e seguro. terior por parte da própria equipe médica que assiste o
Com o objetivo de reduzir a morbimortalidadc do doente, com objetivo de levantar fatos ocorridos e favo-
procedimento cirúrgico, um dos principais objetivos da recer o raciocínio clinico. AJém disso, freqüentemente, o
assistência méclica é a prevenção de complicações pós- prontuário médico é consultado por outros médicos que
operató rias. a impossibilidade d e preveni-las, seu diag- são chamados a prestar atendimento ao paciente (p. ex.,

176
Capítulo I5 .: Assistência médica pós-operatória

••
plantonistas atendendo intercorrências) e que precisam h.isterectomia vaginal no tratamento de leiomiomatose ute-
conhecer o caso clinico para tomar medidas importantes, rina; 8". DPO de duodenopancreatectomia cefálica no trata-
por vezes urgentes. mento de carcinoma pancreático). Essa rotina facilita a iden-
Quadro 15.2 .! rinaJidades do regisLro ela evolução pós-upcratúria tificação do caso e o raciocínio clínico no momento de un1
no prontuário médico atendimento de urgência. A seguir devem ser notificadas as
----------------------------------------------··• queixas atuais do paciente, as ocorrências entre as evoluções
Comunicação entre diferentes profissionais que assistem u paciente (relatadas pelo paciente, observadas nas anotações de enfer-
Consulta posterior por parte da própria equipe méd ica
magem etc.) e as variações dos dados vitais observadas
Consulta por parte de outros médicos e profissionais de saúde
Viabilização de estudos clínicos retrospectivos
(pulso, freqüência respiratória, pressão arterial e temperatu-
Cobrança dos serviços hospitalares e profissionais ra). Especialmente em pacientes que se encontram em
Aspcc10s ético-legais: defesa profissional hidratação parenteral exclusiva, é essencial registrar a diure-
• se e calcular o balanço hidrico das últimas 12 horas e/ ou 24
··---------------------------------------------- horas. O exame fisico deve ser descrito sistematicamente.
A partir da notificação completa dos principais aspectos Pode ser direcionado para o sítio cirúrgico, mas deve incluir
relacionados à evolução pós-operatória do paciente e do sempre o estado de consciência, as condições de hidratação
preenchimento correto do pronn1ário médico, viabiJiza-se e os dados vitais (aferidos pelo médico) . O resultado dos
a realização de relevantes estudos clínicos retrospectivos. exames complementares deve ser sumariado e a evolução
Por meio desses estudos, é possível avaliar os resultados deve-se encerrar com a impressão do médico em relação a
obtidos com os procedimentos cirúrgicos padronizados, ela (p. ex., paciente evoluindo bem; paciente evoluindo com
rever os protocolos e as rotinas propedêutico-terapêuticas íleo pós-operatório prolongado; paciente evoluindo com
e viabili7.ar a publicação de científi- suspeita de atelectasia pulmonar). A conduta também deve
cos em revistas médicas. ser explicitada e deve necessariamente refletir essa impres-
Por fim, mas de forma não menos importante, o cirur- são. Dessa forma, se há, por exemplo suspeita de atelectasia,
gião e os demais profissionais que assistem o paciente no a conduta a ser tomada e registrada poderia ser a solicitação
pós-operatório devem lembrar-se do valor ético-legal desse
de radiografia de tórax e fisioterapia respiratória.
registro. O prontuário médico é um documento que com-
prova a assistência oferecida ao paciente e constimi impor-
tante prova na defesa do bom profissional. o Direito, a Solicitação de exames complementares
prova documenta.! é a "rainha das provas". ão devemos
depender apenas de depoimentos e testemunhos, pois a Pacientes no pós-operató rio são freqüentemente sub-
prova testemunhal, no dizer de celebrado jurista a "prosti- metidos a exames complementares, seja para estender a
tuta elas provas", é falha e frágil. avaliação clínica, para permitir melhor controle do estado
h.idroeletrolítico, para diagnosticar eventuais complicações
pós-operatórias ou para conhecer a resposta a determinada
Modelo de evolução médica terapêutica emp;-:gada. Conmdo, a solicitação indiscrimi-
nada de exames deve ser desencorajada por constiniÍr gasto
T oda evolução médica deve iniciar-se com a data e o
desnecessário de recursos e desconforto para o paciente.
horário em que foi realizada e terminar com a assinatura,
Pacientes com perda de sangue significativa no pero-
CRM e/ ou carimbo do profissional que avaliou o doente.
perató rio ou com risco de sangramento oculto pós-ope-
Considerando que o prontuário médico é formado por
ratório devem ser submetidos a eritrograma. A suspeita
uma série ele folhas avulsas, é essencial que todas as folhas de infecção de ponta de cateter venoso ou a drenagem de
tenham a identificação completa do paciente, em particular secreção em sítio cirúrgico justifica a solicitação sistemá-
o nome, registro hospitalar, leito e clínica/ serviço onde se tica de cultura da secreção, com eventual antibiograma. A
encontra internado. ultra-sonografia para diagnosticar coleções intraperito-
Geralmente, a evolução pós-operatória é encabeçada nea.is e orientar sua drenagem constitui exame de valor
pelo diagnóstico do paciente, pelo dia ele pós-operatório indiscutível. Aqueles que se mostram instáveis no pós-
(DPO) e pelo procedimento cirúrgico (p. ex., 3". DPO de operatório devem ser submetidos a exames bioquímicas

177
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
específicos, gasometria arterial, eletrocardiograma e paciente. A prescrição gue estará sendo cumprida é a mais
radiografia de tórax . recente, por isso é essencial que todas elas tenham o horá-
rio em que foram feitas. Além disso, o registro da data e do
horário é a garantia de gue a prescrição foi feita no momen-
Prescrição médica to adequado. Vale, entretanto, lembrar que, ao fazer novas
prescrições, em especial aquelas que devem ser cumpridas
Considerações gerais em regime de urgência, o chefe de enfermagem da unidade
deve ser notificado específica e pessoalmente.
Como o médico não permanece durante todo o tempo
com o paciente, torna-se imperativo que ele determine e
Quadro I5.3 .: Seqüência sugerida para realizar prescrição
delegue quais os cuidados devem ser tomados e guais
médica pós-operatória
medicamentos devem ser ministrados. Essa transferência
de responsabilidade é feita por meio da prescrição médica, Identificação do paciente:
um dos principais documentos do prontuário médico. Por Data e horário da prescrição
essa razão, e considerando os riscos impostos aos pacien- Cuidados gerais
Dieta e/ ou nutrição cnreral
tes por prescrição incompleta, incorreta ou ilegível, este
Dados vitais
constitui assunto especialmente importante. Os cuidados Diurcsc
no momento da prescrição devem incluir atenção redobra- Balanço hídrico
da e emprego de letra legível. Além disso, é preciso gue a Posição do paciente no leito
prescrição tenha uma següência lógica, o gue exige conhe- .\ lobilizaçào do paciente
Medidas de profilaxia de atelectasia pulmonar
cimento, preparo e capricho por parte do médico.
Medidas de profilaxia de tromboembolismo
Cuidados com vias c cateteres de infusão endovcnosa
Cuidados com drenos c demais cateteres
Modelo de prescrição Cuidados com ostomias
Cuidados com a ferida cirúrgica
A prescrição médica deve ser feita de forma lógica e
Oxigc:niotc:rapia
ordenada. É necessário, inicialmente, listar todos os cuida- Medicamentos
dos pós-operatórios a serem prestados ao paciente para, Sintomáticos
posteti ormente, prescrever os medicamentos e a hidrata- Analgésicos
ção venosa. No Quadro 15.3, sugere-se següência para Anti térmicos
Anúcméticos
orientar a prescrição médica pós-operatória. lleparina
Anti-secrerores
Antibióticos
Identificação do paciente ,\ ledicamentos específicos
.\ lcdicamcntos de uso anterior
O nome completo do paciente, seu leito, registro hos- llidratação venosa pós-operatória
pitalar, unidade hospitalar (setviço ou clínica, incluindo seu Nutrição parenteral
centro de custo) devem ser sistematicamente registrados na llcmoterapia
prescrição médica. o nosso meio, não são infregüentes os Comunicação de anormalidades
Assinarura, nome legivel e CRM
homônimos e não é rara a ocorrência de prescrição troca-

da, em especial nesses casos. Daí a necessidade de atentar- ··----------------------------------------------
se para a identificação completa e correta do paciente em
todas as prescrições. Cuidados pós-operatórios
In felizme nte, com alguma freqüência, ob serva-se
Data e horário da prescrição desvalorização dos cuidados gerais pós-operatórios com
Apesar de a prescrição principal ser sistematicamente o paciente. É necessári o, contudo, lembrar gue a falta
feita pela manhã, é possível refazê-la ou modificá-la duran- desses cuidados pode ser responsável por complicações
te todo o dia, de acordo com a evolução posterior do graves e mesmo pelo óbito do paciente. Um cuidado

178
Capítulo 15 .: Assistência médica pós-operatória

••
importante é registrar, no prontuário e na prescrição, as Pacientes nutridos que irão permanecer por tempo
alergias a alimentos e a medicamentos que o paciente prolongado (acima de sete dias) em jej um pós-operatório
porventura apresente. deveriam receber terapia nutricional - enteral ou p arente-
ral. Os desnutridos não devem, em hipótese alguma, ficar
sem aporte nutricionaf. Na prescrição, o ítem dieta ente-
Dieta ral, por cateter nasoentérico ou por estomia (gastrosto-
A dieta deve ser a primeira das o rdens médkas para mia ou je junostomia) deve vir abaixo e a seguir ao ítem
facilitar o trabalho do profissional do setor de nutrição dieta oral, considerando que deverá ser preparada e dis-
e dietética que diariamente avalia as prescrições médi- tribuída pela mesma unidade - o Setor de utrição e
cas, compondo o mapa de dietas daquela unidade. D ietética. É necessário defini r, na prescrição médica, o
Habitualmente, no pós-operatório imediato, o paciente volume a ser administrado em 24 horas (ml), a concen-
encontra-se em jejum. O período de jejum e, em conse- tração da dieta (calorias/ ml) e a velocidade de infusão.
qüência, o momento ideal de realimentar o paciente,
varia na dependência do tipo de anestesia e da natureza
do procedimento cirúrgico realizado, do estado de cons-
Dados vitais
ciência c da evolução pós-operatória do paciente. No pós-operatório imediato, com o paciente ainda
Pacientes submetidos a anestesia geral devem per- na sala de recuperação pós-anestésica, os dados vitais
manecer em jejum durante seis a oito horas, no pós- (pressão arterial, pulso, freqüência respiratória e tempe-
operatório, po rque nesse período, ainda sob o efeito de
ratura) devem ser avaliados a cada 15-30 m in utos. Após
várias drogas anestésicas, apresentam maior risco de
sua estabili zação, esses dados podem ser aferidos a cada
náuseas e vômitos. A liberação da dieta é feita de acor-
quatro horas. A temperatura, no pós-operatório, deve
do com o procedimento ci rúrgico realizado. Até recen-
ser medida periodicamente. Contudo, a necessidade de
temente, o tempo de jejum pós-operatório de pacientes
aferi-la no final da tarde (entre as 16 horas e as 19 horas)
submetidos a operações por via laparotô mica, era gran-
justifica-se pela freqüência com que os picos febris
de, pois acreditava-se que a dieta pudesse ser um dos
acontecem nesse período, especialmente em pacientes
fatores de risco para deiscência de anastomoses. o
com infecções do sítio cirúrgico (abscesso intraperito-
entanto, hoje se sabe que o estimulo desencadeado pela
neal). Vale ressaltar que pacientes debilitados e idosos
presença de alimentos no trato gastrointestinal aumenta
podem não apresentar febre ou apresentarem-se subfe-
o fluxo da circulação esplâncnica, o que é importante
b ris, mesmo na vigência de quadros sépticos graves.
para pacientes submetidos a anastomoses . Assim sendo,
a contra-indicação rela tiva à oferta de dieta por via oral Outros dados vitais podem ser necessários e prescri-
é a presença da dismotilidade gastrointestinal, o chama- tos em casos selecionados. A pressão venosa cen tral
do ílco adinâmico, que, em geral, tem a du ração máxima deve ser medida periodicamente nos pacientes com
de 48 a 72 horas. Ai nda assim, vários estudos têm mos- alguma disfunção cardiopulmo nar e/ou quando houver
trado que pacientes submetidos a colectomias toleram necessidade de infusão endovenosa de grande quantida-
muito bem a dieta oral no primeiro dia pós-operatório de de liq uidos. A medida da pressão intra-arterial está
(ver Capítulo 7 - N 11triçào e Cimrgia. indicada em pacientes gravemente enfermos ou subme-
A dieta tem sido, com freqüência, liberada no pós- tidos a operações de maior porte. o entanto, deve-se
operatório de forma progressiva, no que se refere à sua ressaltar que o risco de necrose de extremidades não é
consistência (dieta líquida restrita, dieta líquida comple- desprezível se não forem rigo rosamente respeitados os
ta, dieta pastosa, dieta branda, dieta livre). Entretanto, cuidados técnicos recomendados. Empregado em
es tudos prospectivos rea lizados no nosso meio pacientes selecionados, o cateterismo da artéria pulmo-
demonstraram que esta cond uta (dieta progressiva), nar (cateter de Swan-Ganz) oferece informações sobre a
além de não trazer p roteção adicion al ao paciente, tem função cardíaca, a perfusão pulmonar e a oximetria,
sido responsável, nos primeiros dias de realimentação, favorecendo a melho r compreensão e tratamento das
po r oferecer apo rte nutricio nal aquém do ideal'. complicações cardiopulmo narcs.

179
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Diurese Quadro I 5.4 .: Balanço hídrico: água fornecida e água perdida

Para pacientes não-cateteri zados, a diurese deve ser --------------------------------------------··


Água fornecida Água perdida •
medi da às micções. O paciente deve urinar em recipien-
te próprio (marreco ou comadre), no tificando o fato à Soro (hidratação venosa) Diurese
enfermagem que deve medir o volume urinário , despre- Uquido oral Perdas insensíveis
zando, em seguida, a urina e lavando o recipiente utiliza- (perspi ração)

do. Não constitui boa prática o armazenamento de urina Agua endógena PerâiS adicionais
(vômitos, fistulas, febre etc.)
sob o leito do paciente ou no banheiro para ser medida
• -------
ao término de um período maior (seis a 12 ho ras). Caso
o paciente não urine nas primeiras seis a oito horas ap ós
··-------------------------------
a operação, o cirurgião deve ser notificado para to mar as Posição do paciente no leito
devidas providências. Pacientes cateterizados devem ter
periodicamente seu volume urinário medido. Essa o pós-operatório de procedimentos realizados sob
periodicidade varia de caso para caso; para pacientes raquianestesia, há uma preocupação com a possibilidade
com oligúria (diurese menor que 500ml/24h) deve-se de o paciente apresentar perda liquó rica e conseqüente
prescrever diurese ho rária. cefaléia pós-raqui. Esforços excessivos no pós-operatório
imediato poderiam provocar o aumento de escape do
liquor. D ai a orientação para que, durante as primeiras
Balanço hídrico horas, o paciente permaneça em decúbito dorsal hori7.0n-
tal sem travesseiro, com o objetivo de reduzir esse risco.
Em especial durante o período em que o paciente Pacientes submetidos a anestesia geral têm sido orienta-
permanece em hidratação venosa exclusiva, é essencial, dos a tam bém em decúbito dorsal, para favore-
além da medida rigorosa da diurese, o cálculo diário do cer o equilíbrio hemodinârnico. Durante o período de dimi-
balanço hídrico. Esse dado será empregado na definição nuição do estado de consciência, devem ser mantidos com
do volume de soro ideal (liquido endovenoso a ser pres- a cabeça virada lateralmente, para reduzir o .risco de aspira-
crito = necessidade diária de água ± balanço hídrico). ção pulmonar.
O balanço hídrico, como o nome já diz, é a diferen- E m particular, após operações ortopédicas, a posição
ça do que o organismo ganha - hidratação endovenosa do paciente no leito constitui importante cuidado, no
e água endógena (geralmente cerca de 500mlj24h) versus sentido de evitar complicações e seqüelas que exigiriam
o que ele perde - diurese, perdas insensíveis c perdas até reoperações. A elevação de mem bros e diferentes
adicionais. A diurese ideal no pós-operatório é de cerca angulações nas articulações operadas são exemplos de
de O,Sml/kg/hora a 1ml/ kg/hora. As perdas insensí- orientações importantes.
veis, também conhecidas como perspiração, cons ti- Pacientes submetidos a abdominoplastia devem per-
tuem-se de perdas hídricas pela respiração e tran spira- manecer no pós-operatório na posição de Fowler
ção. H abitualmente, as perdas insensíveis variam de (paciente semi-assentado, com cabeceira a 45" e pernas
800mlj24h a 1.000mlj24h. Constituem perdas adicio- elevadas) com o objetivo de reduzir a tensão na ferida
nais as perdas hídricas secundárias a vômitos, diarréia, operatória e o risco de deiscência da sutura, edema e
fístulas, febre, temperatura ambiente elevada, taquip- hematoma. Por sua vez, as grávidas, em especial no últi-
néia, sudorese excessiva etc. Em muitos desses casos, as mo trimestre de gestação, ao serem submetidas a opera-
perdas hídricas são acompanhadas de perdas eletroliticas ções não-obstétricas, devem ser posicionadas, durante e
que devem ser estimadas e também consideradas na após a intervenção, em decúbi to lateral esquerdo para
prescrição da hidratação venosa do dia seguinte. Caso o diminuir a compressão da veia cava, que levaria à dimi-
resultado do balanço hídrico fique entre + 300ml e nuição do retorno venoso. O decúbito supino poderia
- 300ml, pode-se considerá-lo zerado. (Quadro 15.4) favorecer também a compressão da aorta e a diminuição
do fluxo feto-placentário .

180
•••
Capitulo 15 .: Assistência médica pós-operatória

Mobilização do paciente devem ser prescritos pelo médico, em especial o tempo


de nebulização (não deve ser lo ngo, em médja dez a 15
1\ mobilização d o paciente deve ser prescri ta c
minu tos), sua peri od icidade (p. ex., a cada guatro ou seis
incen tivada com o o bjeti vo de prevenir complicações
ho ras) e o fl uxo de Ü 2 o u de ar comp rimido a ser usad o
como escaras, tro mbose venosa p ro fu nda, íleo pós-
(habitualmente 31/m in).
o perató rio p ro lo ngado e atelectas ia. Po de-se prescrever
m udança frct(ÜCntc de decúbito (a cada 30-60 minutos),
d renagem postura] (com objetivo de facilitar a drena- Medidos de profilaxia de tromboembolismo
gem de secreções de vias aé reas), mobilização ati va e
passiva de membros inferio res, além d o incenti vo à Inúmeros cuidados podem red uzi r o risco de compli-
dea mb ulação precoce. cações tro mboembó licas. Com o o bjeti vo de prevenir o
Ao se le\'antar, o paciente deve cuidar para fazê-lo de aumento da vi cosidadc do sangue c a hipercoagulabili-
fo rma lenta e gradual: primeiro assentar-se no leito, após dade, deve-se ma nter o paciente bem hidratado e evitar
alguns m inutos descer as pern as e, apenas depo is de a acidose. N o pós-operató rio , algu ns cuidados visam
adaptado, sair do leito. a primeiras deambulações, o dimin uir a estase venosa e devem ser rigorosam ente ins-
paciente deve estar acompanhado por pro fissio nal da tintídos em pacientes com fato res de risco para essas
fisiotera pia ou da enfermagem ou mesmo por um paren- complicações. A movimentação ati\·a de m embros infe-
te. A assistência d urante a deambuJação tem como o b je- rio res, o uso de m eias elásticas, o emprego de compres-
tivo principal evitar qu edas, res po nsáveis po r fraturas, são pneumática intermitente c a deambulação precoce
feridas e sang ram en ros, ass im como pela saída inad ver- (o u seja, o mais cedo possível) constituem , em conjunto
tida c acidental de drcnos c catete res, com conseqüên- o u i o laclamcnte, algu ns dos mais impo rtantes cuidados
cias imprevisiveis. "
pos-o . a serem presentes
perato" nos . '.

Medidos de profilaxia de otelectosio pulmonar Cuidados com vias e cateteres de infusão endovenosa
Com o objetivo de evitar co mplicaçõe respiratórias, O uso de dispositivos (artigo de pu nção com aletas
em especial a arclecta ia, uma série de cuidado pós-ope-
laterais, cateteres venosos curtos ou centrais) justifica-se
ratórios deve ser prescri ta, em especial: hid ratação ade-
com o objetivo de administrar m edicamentos, soro,
g uada, mobili:-açào p recoce, incen ti,·o a in pirações pro-
nutrição parentcral e hemoderi vados. O s cateteres ve no-
fundas periódi cas, fisioterapia respirató ria e micro nebu-
sos centrais podem ser de curta o u lo nga permanência.
lização. i\ fis io terapia respirató ria deve ser solicitada ou
E ntre os de lo nga pe rmanência, existem os totalmente e
reintroduzida no pós-o perató rio, tão logo seja possível.
os parcialmente implantáveis. O s cuidados va ria m con-
O m éd ico deve inclui-la na prescrição, o u, o t1ue é mais
forme o tipo de dispositivo o u de ca teter empregado.
freq üente, solicitá-la po r meio do preenchi me nto de
impresso pró prio enviado ao Serviço de Fisio terapia. As (Quad ro 15.5) Vá rios cuidados visam a prevenção, o
principais técnicas fi sioterápicas para prevenção e/ o u d iagnóstico c o tratamento da nebite c da infecção no
trata mento das complicações pulmo nares pós-operató- sítio de inserção de cateter2....
rias incluem o incenti vo à tosse e à insp iraçiio profunda, O cateter venoso central emp rehrado para nu trição
além do uso de re!.piração co m pressão positiva inte rmi- parenteral, a não ser g ue d ispo nha de mais vias de ad mi-
tente, pressão positi va contínua em vias aéreas c incen- nistração, não deve ser uti lizado para infusão de medica-
tivador respirató ri o (espirô metro de incentivo). 0' c r mentos, hemoderi vad os o u so rotcrapia. T ampo uco de,·e
Capítulo 17 - h sioterapia em Cimrgia) ser empregado para co lheita de amostra de sangue para
Para fl uid ificar a secreções aderidas nas paredes exame laborato rial o u para mo nitori zação da pressão
brônquicas, pode-se emp regar a rnicro nebuli zação, com ve nosa central. os casos de cateter de múltiplos
solução fisiológica, acrescida o u não de medicamentos lúm ens, deve-se designar o lúmen distai excl usivamen te
(fluidi fica ntes, mucolí úcos e/ o u broncodilatado res) . para n utrição parente ral. O objetivo dessas p ráticas é
Além da dose dos medicamentos a serem empregados, d iminuir os riscos de complicações, em particular de
o utros parâmetros para realização da m icroncbulização infecção, prolo nga ndo a vida útil d o cateter" .

181
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••

Quadro I 5. 5 . : Cuidados com vias, dispositivos c cateteres de infusão endovcnosa


---
................................................................................................................................................................................................................
Dispositivos de infusão venosa periférica
..•
• Em adultos, não puncionar veias periféricas em membros inferiores
• Utilizar, se possível, mão ou an tebraço não-do minante
• Evitar acessos venosos prúximos de articulaçôes
• Mudar periodicamente o sitio de inserção do dispositivo. F.ste rodízio visa reduzir o risco de flebite e prcser•ar a rede venosa do paCiente
• Trocar a fixação do dispositivo apenas se ela esnver úmida, com sujidade ou desprendida
• T rocar o equipo de soro a cada 72 horas

------ nnanéncia de cateteres ,-enosos curtos por penudos muito lo ngos


• Marcar a data da punção para que o sítio possa ser trocado no momento adequado
• Evitar infusão de soluções com alta concentração de glicose (superior a 20%) ou com mais de 40mEq/l. de pmássto em veia periférica
• F.,·itar o uso de drogas esclerosantes em vetas periféricas
• \ 'criticar se a infusão C!ltá processando livremente. Se houver dúvida em relação a possível infiltração (extr.l\ asamento da solução tecidos),
remover o dispositivo
• Examinar diariamente os loc:us de punção para flclme precocemente
• Nos de flebitc, remover o dtsp<>sttivo, dcv.u o e usar calo r local

Cateter venoso central


• Anotar a data e a hora da inserção do cateter para "!Ut o sitio p<'ssa ser trocado no momento adequado
• Manter o cateter sob infusão conúnua (preferencialmente) ou hcparinizado
• Manter curativo seco c oclusivo no ponto de inserção do cateter
• Examinar diariamente o ponto de inserção do carcrer
• Para facilitar o exame diário do ponto de inserção do cateter, preferir curativo aderente transparente
• Trocar o equipo de soro a cada 72 horas. Para nutnção parcnteral, o equipo deverá ser trocado sempre que novo es"'uema for ligado
• Trocar o curativo, com técnica asséptica, ele apresentar estiver úmtdo ou mesmo a cada 72 hous
• Não utilizar pomadas antimicrobianas ou de povidona iodo no sítio de inserção do cateter
• Conrrolar o tempo de pennanéncia do catcter
• 1\lonirorar possíveis complicações, observando a ocorrêncra de febre ou de outros achados sugestivos de infecção

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Cuidados com drenos e cateteres drenagem de secreções fisiológicas (p. ex., urina, secre-
ção gástrica, biJe etc.) ou co m o objeti vo de in fundir
empre que o cirurgião utiliza dreno ou cateter, ele
líquidos, soluções e medicamentos.
deve ser responsável por orientar os cuidados a serem
O s drenos podem ser empregados com finalidade tera-
tomados com esses dispo itivos, objetivando reduzir os pêutica ou pro fiJática, ou seja, para tratar ou prevenir acú-
riscos de complicações. mulo indesejável de Líquido. A ação dos drenas se faz por
Os d renas são mate riais implantados com o objeti vo escoamento (gravitacional), por capiJaridade ou por sucção
de drenar ar ou fluidos (geralmente secreções patológi- (sistemas com pressão nebrativa). Os drenas devem ser exte-
cas) de cavidades ou espaços virtuais. Constituem bons rio rizados po r contra-abertura. Podem ser maleáveis ou rígi-
exemplos o dreno de tó rax em selo d'água com o objeti- dos, laminares ou tubuJares. Os drenos de sucção conven-
vo de tratar hemopneumotórax, o dreno tubular empre- cional são geralmente empregados em grandes áreas de des-
gado na terapêutica de abscessos intra-abdo minais e o colamenro, para evitar formação de sero-hematomas•.
dreno laminar tipo Penrose no tratamento de abscesso O careteri mo vesical de demora está associado a
de partes moles. Diferentemente, os cateteres são tubos maior risco de infecção do trato urinário quanto maior
colocados em espaços reais ou anatômicos (p. ex., no fo r a permanência do disposirivo1' . Constitui consenso
interi or de órgãos, duetos ou vasos) para possibilitar a entre os urologistas que o cateterismo vesical de alívio é

182
Capítulo I 5 .: Assistência médica pós-operatória

••
preferível ao de demora com o objetivo de reduzir as desconfortáveis e promovem uma série de complicações
taxas dessa infecção. Com o objetivo de evitar o catete- (atelectasia, esofagite por refluxo, necrose de asa de nariz,
rismo em homens com incontinência urinária, pode-se sinusite, otite média etc.). Por isso, não podem ser utilizados
optar pelo coletor urinário. Nes te caso, o exame diário e para nutrição, ficando restritos à descompressão gástrica
os cuidados com o pênis são essenciais para reduzir os por períodos curtos (inferiores a 72 horas). O cateterismo
índices cle complicações (maceração da pele, úlceras, pós-operaLório de rotina constitui atualmente
infecções etc.). prática em desuso, por ser desnecessário e levar a riscos e
Os cateteres empregados para nutrição enteral são dis-
desconforto para o paciente7 • Nos casos em que o cateter
positivos de silicone ou poliuretano, de pequeno calibre e
nasogástrico está indicado no pós-operatório (distensão ou
grande flexibilidade. Possuem guia metálico para possibilitar
clilatação gástrica, gastroparesia, íleo pós-operatório prolon-
sua introdução e alguns deles dispõem de cilindro que con-
tém mercúrio em sua extremidade distai, para favorecer sua gado, obstrução intestinal), vários cuidados devem ser pres-
migração transpilórica, idealmente até o ângulo duodenoje- critos com o interesse de minimizar suas complicações•. Os
junal2. Os cateteres de cloreto de polivinil (PVC), conheci- principais cuidados com drenas e cateteres estão sumaria-
dos como cateteres nasogástricos de Levine, são rígidos, dos, respectivamente, nos Quadros 15.6 e Quadro 15.7.

Quadro I5.6 .: Cuidados com drenos


-----------------------------------------------------------------------------------------------------------··•
• Fixar o dreno à pele com ponto de surura e rever periodicamente essa fixação
• Manter curativo com gaze, compressa ou bolsa coletora no local de exteriorização do dreno, na dependência do volume previsto de drenagem
• Manter dreno de tórax conectado a sistema em selo d'água e ordenhar dreno e extensão, quando necessário
• Registrar aspecto e volume da secreção exteriorizada pelo dreno
• Remover drenos terapêuticos quando a drenagem cessar, ou quando o volume drenado em 24 horas for menor que 40ml
• Retirar d reno profilático quando o risco de ocorrer alguma drenagem não for mais significante
• Deixar o dreno por período mais prolongado, se sua fmalidade for estabelecer um trajeto fisruloso adjacente a uma anastomose de risco
• Definir se o dreno deve ser removido de uma só vez, ou lentamente (três a cinco cenúmetros po r dia). Neste último caso, para possibilitar que o
trajetO se feche de dentro para fora

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------

Quadro IS. 7 .: Cuidados com cateteres nasogástrico, nasoentérico e vcsicaJ de demora (Continua...)

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------··
Cateter nasogástrico •
• Rever periodicamente sua fixação com o objetivo de evitar sua saida inadvertida
• Evitar compressão da asa do nariz, que pode levar a isquemia, úlcera e necrose
• Aspirá-lo ou irrigá-lo com solução salina 0,9% (30-SOmL) periodicamente (3/3h) para rever sua patência
• Verificar a posição do cateter, injetando ar e auscultando borborigmo no quadrante superior esquerdo, após episódios de vômitos,
regurgitação ou tosse intensa
• Manter a cabeceira do leito elevada (acima de 30') para diminuir o refluxo gastroesofágico
• Prescrever inibidor H 2 ou bloqueador de bomba protônica para diminuir o risco de esofagite por refluxo
• Manter drenagem em sistema aberto, considerando que o sistema fechado pode dificultar a drenagem da secreção gástrica
• Anotar o aspecto e o volume de secreção gástrica drenado
• Manter higiene oral do paciente com colutórios
• ------------------------------
··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------

183
• Fu ndamentos em Clínica Cirúrgica

••

Quadro I 5.7 .: Cuidados com cateteres nasogásrrico, nasoenrérico e vesical de demora. (Continuação)
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Cateter nasoentérico
··•
• Solicitar controle radiolúJ.:ico após sua introdução para verificar seu posicionamento, em pacientes com estado de alerta alterado. ou se
houver dúvida de posicionamento, antes do início da nutrição enteral
• Rever periodicamente sua fixação, para e,·tmr sua salda inadvertida ou, em alguns casos, sua migrnç:io além do ponto deseJado
• Avaliar, por mcio de aspiraçao com a existência de esrase, antes de infundtr a dieta cnteral, em
• L1fi.mdir dieta cntcrallcntamcntc, preferenc ialmente por bomba de infusão
• Lavá-lo com SOml a ((K}m( de solução salma 0,9•;., o u áj,rua filtrada após a infusão da dieta enteral c de mcdicamcntm
• Mantê-lo fechado após administração da dieta

Cateter vesical de demora


• Evitar ao máximo o catctcrismo vcsical, pnnctpalmcnrc o de demora
• Realizar o catetcrismo sob rigorosos cuidados assépticos, imprescindíveis também nos raros casos de irrigação vc,ical (indicação urolúgica)
• Manter sistema de fechado com \álvula anu-rcnuxo, que cursa com menor risco de bactcriúria e que pcm111c colher a amosrra da urina
sem violação do sistema
• La,·ar rigorosamente as mãos antes e após manusear o SIStema de drenagem vesical
• l"ào \'tolar o sistema vesical de demora. Se necessário (obstntçiio ou ,·azamento), trocar todo o sistema
• Remover secreções ressecadas (com solução salina 0,9% c ga1e) que se formam entre o cateter c o meato urctt·al
• Esvaziar a bolsa coletora de urina quando o 'olumc unn:irio alcançar dois terços dela ou no máximo a cada oito horas
ào deixar a bolsa coletora do sistema vcstcal de demora encostar no chão c mantê-la abaixo do nível da bexiga, para c' ttar rcnu,o de unna
• Colher urina para cultura logo após a introdução do cateter c 48 horas api>s sua retirada (vigilância

··----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Cuidados com estomias e jejunostomias (realizadas geralmente para nuoição), as
ileostomias e colostomias provi á rias (para descomprimir,
Estomia deriva do grego stomun, que significa criação de
proteger ou desfLmcionalizar segmentos clistais) c as ileosto-
abertura ou boca. Os cuidados com as estomias vão variar
mias c colo tomia definitivas (re pecti,·amentc indicadas
na dependência do órgão ou segmento ele órgão exterioriza-
do, de sua natureza (permanente ou temporária), de seu após proctocolectomia total e amputação do reto). Outros
objetivo c ela forma de sua exteriorização (terminal, em alça importantes exemplo de estomias são as traqueosromias,
ou por meio de rubo ou cânula). laparosromias, cistostomias e demais derivações uriná rias.
As ptincipais estomias digestivas são as esofagostomias Os cuidados a serem prescritos com as principais cstomias
(Indicadas para desvio do rrânsito salivar), as gastrostomias estão sumariados nos Quadros 15.8, 15.9 c 15. 1O.

Quadro I 5.8 .: Cuidados com as jejunostomias e gasrroswmias


----------------------------------------------------------------------------------------------------------------··
• Deixá-las abenas em no pós-operatório imediato c fech:í-lru. no momenw de iniciar a dieta emeral
• ,\lantcr cabeceira elevada (30° a 45") durante a infusão da dieta entcral, que deve ser administrada preferencialmente de forma continua
• Infundir a diera eorcral preferencialmente na bomba de infusão, principalmente nos casos de retardo do csv:uiamento gástrico, renuxo,
estase, diamia e distúrbios absortivos
• Rever periodicamente sua fixação, para evitar saída inadvertida ou p rogressão, acompanhando o trânsito digesóvo
• Limpar a pele ao redor da eswmia com solução salina 0,9%
• Manter curativo com gaze seca ao redor do ponto de exteriorização do tubo
• Proteger a pele adjacente, nos casos de extravasamento de secreção digestiva (protetores cutâneos com hidrocolúide, pasta de alumínio crc.)
• Não removê-las antes da terceira semana de pós-operatório, para permitir que aderências se fonnem entre as vísceras e o peritónio parictal,
evitando assim o desabamento da estomia

··----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
184
•••
Capítulo I 5 .: Assistência médica pós-operatória

Quadro 15.9 .: Cuidados com as ileostomms e colostomias e com os pacientes esromt/.ados


----------------------------------------------------------------------------------------------------------------··
• Observar<> aspecto do estoma (cor '·crmelho-,;vo brilhante c de aspecto úmido)
• Observar a cicatri7 ao redor do csroma
• \lcdir o cstoma com ubjeuvo de definir o tamanho do orifício da bolsa
• \loniton1ar o funcionamento do cstoma de c de etlucntc)
• Registrar o aspecto c o ,·olumc estimado do etlucntc
• Esvaziar c higientzar a bolsa (nos casos de dispositivos drenáveis) ou trocar a bolsa, sempre que necessário (o período para troca do dispositivo
dependerá do tipo de estoma, de eflucntc c do material de barreira da bo lsa)
• RealizJr penodtcamcnte hmpeza e h1g1cne do eswma e da pele ao redor dele. com a finalidade de evitar irritação da pele e dcrmall!c
• Preferir o uso de bobas com anel de J..:araya ou com protetores de pele tipo Stomahesive•
• Preferir u uso de bolsas com fundo abeno e por dispositivo
• E,;tar bolsas plásucas descartá,·cis com
• Orientar o paciente em rclaç:io à alimentação ideal, com objeuvo de regularizar o volume c consistência do cflut."11te, diminuir o odor das fezes,
diminuir a formaç;io de gases c evitar a diarréia
• Oferecer apoio ao paciente, mccnrivar o aurocutdado de,dc o início c cncarmnhá-lo a um grup<> de esromt/ados

Quadro 15.1 O .: Cutdados com as traqucostomias


----------------------------------------------------------------------------------------------------------------··
• Realizar radiogratia de tórax, em PJ\ c perfil, para verificar a posição da cànula ----------------------------------------------·
• Colocar gaze sobre a cânula para entar a aspiração de corpos estranhm. (inscw' etc.)
• Umichfic;u o ar com a colocaçao de úmida sobre a cànula ou prefcrenctalmeme por meto de aparelho., unlizados com essa finalidade
• :\spirar secreçôcs, sempre que necessário, com os devidos cuidados assépticos. Evim r o cateter além da cânula
• Trocar a cànub mterna, sempre que
• T rocar o curativo do rrac1ucostoma com técnica asséptica periodicamente c >Cmpre <JUC necessáno
• Rever pcnodicamcnte a fixaçào da cânula. O deslocamento precoce da cânula com sua subseqüente saída pode ser imercorrencia
• Deixar JUnto à cabecetra do doente: duas cânulas estércts (sendo uma menor do que a que o pacteme está usando), matenal de curativo,
equipamento para aspiração c foco de luz

·· ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Cuidados com a ferida cirúrgica de c a temperatura no leito da ferida, tem sido sugerido o
uso de curativos oclusivos im permeáveis, que favo recem
O s cuidados com a ferida ci rúrgica constituem um
a cicatri zação e evitam a contaminação bacte riana. A
dos aspectos principais da assistência médica pós-opera-
cobertura da ferida cirúrgica com fita microporosa tam-
tória. E m geral , a ferida deve ser examinada pelo menos
uma vez ao dia e, quando indicada realização de curati- bém tem sido reali%ada com o objetivo de imobili zar a
vos, a troca de pelo menos um deles deve ser feita diaria- ferida e melho rar o res ultado estético.
mente pelo cirurgião. Quando necessária, a limpeza da ferida cirúrgica deve
i\ cobertura da ferida operatória com curati vo oclusi- ser realizada com solução salina 0,9% sob média pressão
vo deve ser mantida por 48 horas. a maioria das feridas (seringa de 20ml c agulha 25X8), evitando-se tocar o leito
tratadas com fechamento primário, não há vantagens na da ferida com gnc ou com qualquer outro matcrialM·'' .
manutenção do curativo após sua epitelização, que ocor- D eve-se também evitar o uso de anti-sépticos, que inter-
re, no máximo, em 24 a 48 horas. Para manter a umida- ferem negativa mente no processo de cicatrização, por

185
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
inibir a produção de fibroblastos, essenciais na formação cialmente quando existe tensão, esse tempo deve ser esten-
do tecido de granuJação. Além disso, essas soluções dido para até 15 dias. Caso o médico opte por prescrever a
podem provocar irritação da pele, reações alérgicas e retirada de pontos da ferida cirúrgica, deve esclarecer se a
selecionar bactérias G ram-ncgativas9 ·11l. retirada deve ser al ternada ou completa. Caso ex.ista mais
Caso ocorra exsudação, torna-se necessário manter o de uma ferida, deve também especificar a ferida que deve
curativo com o objetivo de absorver o excesso de secre- ter seus pontos removidos. Vale, entretanto, salientar que a
ção e evitar va:tamcntos, maceração e odores desagradá- retirada de pontos é um momentO de estresse para o
veis". Ele deve ser trocado periodicamente e com técni- paciente e que talvez fosse mais adequado e prudente que
ca asséptica. Cabe ao cirurgião, juntamente com enfer- o próprio cirurgião assumisse essa função.
meiros especializados nesta área, definir para cada caso o
tipo ideal de curativo, a periodicidade de sua troca, o
Oxigenioterapia
eventual uso de anti-sépticos tópicos, desb ridantcs quí-
micos, açúcar cristal etc." É responsabilidade do cirurgião A oxigenioterapia é a admin istração de oxtgeruo
proceder a eventuais desbridamentos cirúrgicos de teci- medicinal com finalidade terapêutica c está indicada nos
dos necrót:icos da ferida cirúrgica. casos de hipoxemia de qualquer origem (pressão arterial
Com a evolução do conhecimento em relação à fisio- de oxigênio abaixo de 60mml lg e/o u saturação de
logia da cicatrização, ob ervou-se o surgi mento de vários hemoglobina abaixo de 90%), objetiva ndo melhora r a
tipos de curativos (dispositivos de cobertura de fe ridas), oferta de oxigênio aos tecidos. A adequada oxigenação
com diferentes características e, conseqüentemente, com dos tecidos favo rece a cicatrização c reduz o risco de
vantagens e desvantagens. As características de um cura- infecção do sítio cirúrgico.
tivo ideal estão sumariadas no Quadro 15.11 . A escolha A ocorrência de hipoxemia pós-operatória constitui
do tipo de curativo deve considerar as condições da feri- evento esperado, especialmente no pós-operatório ime-
da e do paciente, mas também sua aplicabilidade c seu diato e após operações tOrácicas c abdominais altas.
custo9 • As diferentes opções de curativo (dispositivo de estes casos, há alterações da função pulmo nar, com
cobertura) para feridas cirúrgicas estão assinaladas no redução da capacidade residual funcional, capacidade
Quadro 15.12. vital forçada e pressão parcial de ox.igênio. Essas altera-
Pacientes com infecção incisional superficial e sinais flo- ções são conseqüentes à insuflação pulmonar inadequa-
gísticos na ferida operatória ("celulite'') devem ser submeti- da decorrente da respiração superficial sem suspiros
dos a aplicação periódica de calor local. O médico deve durante o ato ane tésico e nas primei ras horas de pós-
prescrever a duração do tratamento (em média 30 a 40 operatório. A disfunção diafragmática temporária, a
minutos) e sua periodicidade (três a quatro vezes por dia). diminuição da complacência pulmonar total, os longos
Os pontos da sutura devem ser removidos a partir do períodos em decúbito dorsal horizontal, a dor no sítio
5". dia pós-operatório, com o objetivo de alcançar melhor cirúrgico c os efeitos residuais dos anestésicos também
efeito funcional e estético. Contudo, em alguns casos, espe- contribuem para essa redução.

Quadro 15.1 I .: Carnctcr!s[icas de um curativo ideal para ferida cirúrgica


------------------------------------------------------------------------------------------------··•
• Possibilitar a ocludo da ferida, mantendo a umidade adequada e a temperatura do leico da ferida em [Orno de 37"C
• cr imperme:lvel, diminuindo a contaminação da ferida c o risco de infecção incisional
• Absorver o exce5so de cxsudato, evitando a maceração da pele
• er transparente, possibilitando o exame periódico da ferida sem necessidade de sua remoção
• Ser auto-aderente, facilitando sua fixação
• Limitar a movimentação dos tecidos adjacentes à ferida e proteger conua [raumas mecânicos
• Não deilUU' residuos no leito da ferida
• PossibiJi[ar sua retirada sem causar traumatismo no tecido neoformado

··------------------------------------------------------------------------------------------------
186
Capítulo 15 .: Assistência médica pós-operatória

••

Quadro I 5. 12 .: Diferentes tipo de curativo para feridas cirúrgicas e suas características principais

-----------------------------------------------------------------------------------------------------··•
FERIDAS COM CICATRIZAÇÃO POR PRIMEIRA INTENÇÃO
Tipo de curativo Características principais
Curativo oclusivo rulo-impetmcável (com gaze e fita microporosa) Não pode ser molhado durante o banho e não penniu: a visibilizaçio da
ferida
Curnrivo de ftlmc de poliuretano transparente Estéril, pode favorecer maceração da pele por não absorver
exsudatos
de membrana de poliuretano associada a viscose absorvente Impermeável, boa capacidade de absorção, não permite a
\'Ísibiliz ão da ferida
Curauvo de hidrocolóide fino Estéril, impermeável, presen ·a a umidade da ferida cirúrgica
e pecrina e/ ou gelarina)
FERIDAS COM CICATRIZAÇÃO POR SEGUNDA INTENÇÃO
Tipo de curativo Características principais
Curativo de alginato laca ou cordão) Estenl, oclusivo, nào-im nnc:ávcl, auxilia o desbridamento aumlltico
llidrocolóide Estéril, impermc:ívcl, preserva a umidade da ferida cirúrgica, a dor
na ferida
H idrocolóide (fibra) Absorve o excesso de exsudato, auxilia no desbridamento
auroliuco
Curnrivo abson core não-aderente Oclusivo, não-impenneá,•el, abson •e exsudaro e mantém meio úmtdo
bpuma de pohurctano Esténl, não-aderente, impcnncávcl, apresenta boa capacidade absortiva

FERIDAS COM PROPOSTA DE FECHAMENTO PRIMÁRIO RETARDADO


Tipo de curativo Características principais
.\lginato de cilcto Esténl, oclusivo, auxilia o desbridamento autolltico,
necessita de curativo secundârio
C:u·,•ão placa Estéril, retém as bactérias, elimina odo res desagradáveis, pode necessitar
de curativo secundário
de poburctano não-aderente, impertncá\'el, apresenta DOi capactaãile alisoni,·a

·· -----------------------------------------------------------------------------------------------------

O oxigênio deve ser administrado umidificado. A ina- M edicament os


lação por longo s períodos e/ou com alto flu xo
(>41/min) de oxigênio com baixa umidade lesa o epitélio O médico, ao prescre,·er um medicamento no pós-ope-
da mucosa respiratória, dificultando a eliminação do ratório, deve estar atento aos efeitos da droga (incluindo as
m uco e provocando reação inflamatória. endo o oxigê- reações adversas) e ao risco de interação medicamentosa,
nio inflamável, o utros cuidados importantes incluem não em particular com os anestésicos. É essencial ainda conhe-
permitir fumar no local, evitar o uso de aparelhos elétri- cer a absorção, a biodisponibilidade, o metabolismo e a eli-
cos que podem produzir fai cas etc. O oxigênio pode ser minação da droga a ser empregada. Cada prescrição deve
administrado por intermédio principalmente de cânula incluir nome do medicamento, dosagem, via de administra-
nasal (óculos para oxigênio), cateter nasal, máscara facial, ção, quantidade prescrita, velocidade de administração etc.
máscara de Venturini ou tubo endotraqueal. O fluxo de D e forma ideal, a administração das drogas deveria ser feita
oxigênio a ser mantido deve ser, em média, de do is a qua- pela via oral, mas freqüentemente, no pós-operatório, o
tro li tros por 1ninuro. Se houver necessidade de ventila- emprego da via parenteral é necessário. A administração
ção mecânica, deve-se especificar o tipo de respirador e parenteral pode ser feita pelas vias intradérmica (ID),
os parâmetros de co ntrole (pressão, volu me, Fi0 2 etc.). subcutân ea ( q, intramuscular (IM) ou endovenosa (EV).

187

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Embora mais raramente e reservadas aos médicos, podem do peristaltismo gastrointestinal e depressão respiratona.
ser utilizadas também as vias intra-arterial, intra-óssea, intra- Devem ser utilizados com precaução e/ou em doses redu-
tecal, intraperitoneal, intrapleural e intracardíaca. zidas em pacientes com doenças respiratórias, desnutrição,
anemia ou hipotireoidismo .
Com o objetivo de diminuir a dose de opióides no con-
Sintomáticos
trole da dor pós-operatória, tem sido proposta sua associa-
Em decorrência do próprio procedimento anestésico- ção com outros analgésicos, an tiinflamatórios e antidepres-
cirúrgico ou de eventuais complicações pós-operató rias, sivos. O s antiinflamatórios não-esteróides em combinação
podem surgir sintomas (dor, febre, náuseas, vômitos e com os opióides diminuem a dor pós-operatória e, em
soluços) que necessitam de tratamento medicamentoso algu ns casos, permitem reduzir em até um terço a dose
eficiente. Considerando a grande freqüência com que necessária de opióides' 2•
esses sintomas ocorrem, os medicamentos empregados O s narcóticos podem ser também ad ministrados no
no seu controle devem ser previamente prescritos para espaço epidural, produzindo analgesia segmentar, efi-
uso, caso sejam necessários. ciente e prolongada, sem ocasionar depressão respirató-
ria. A analgesia alcançada com a infusão epidural contí-
nua de morfina tem sido superior à observada com sua
Analgésicos
administração parenteral. A retenção urinária constitui,
O controle eficaz da dor pós-operatória deve ser uma entretanto, complicação comum dessa fo rma de trata-
das maiores preocupações nesta fase, não só pelo sofri - mento . Anestésicos locais de ação prolongada, co mo a
mento e ansiedade que acarreta, como também pelas bupivacaína, também podem ser injetados no espaço epi-
complicações que pode favorecer (atelectasia, pneumo- dural (p. ex., através de cateter) ou na proximidade de
nia, ílco pós-operató rio pro lo ngado, trombose venosa nervos (p. ex., blm.1ueio intercostal), com bom contro le
etc.), em particular por limitar a movimentação, a alimen- da dor pós-operatória.
tação, a respiração e á tosse do paciente. A evolução tecnológica possibilitou, ainda no trata-
A do r é geralmente mais intensa após operações to rá- mento da do r aguda pós-operatória, a utilização da anal-
cicas, do andar superior do abdome, perianais, perineais gesia co ntro lada pelo paciente, na qual ele, ao sentir do r,
e o rtopédicas. Além do sítio cirúrgico, a intensidade da se auto-aplica a medicação analgésica, po r via venosa,
do r varia na dependência do tipo de procedimento c de peridural ou subcutânea, utilizando mecanismos varia-
seu acesso, de sua duração, bem como da maior manipu- dos" . o momento, o custo e a sofisticação dos equipa-
lação e tração peroperatória sobre os tecidos (pela ação mentos, além de c1ucstões culturais, constituem en traves
de válvulas e afastadores). A ansiedade também co nstitui ao emprego dessa técnica no nosso meio.
fato r importante tanto na maior ocorrência quanto na
menor tolerância à dor; dai a importância da boa relação
médico-paciente no sentido de tranqililizar o paciente Antitérmicos
co m uma discussão fra nca, mas a mais otimista possível.
Os narcóticos (morfina e meperidina) são os medica- Considera-se como tem peratura co rpo ral média nor-
mentos mais empregados no controle da dor pós-operató- mal o valor de 37"C, aceitando-se va riação de O,SOC em
ria e geralmente são administrados por via parenteral. condições basais. A febre é caracterizada po r elevação
Como a via intramuscular pode ocasionar variação nos da temperatura corpórea acima de 37,5"C A tualmente,
níveis plasmáticos, a administração endovenosa em doses tem-se observado tendência a tra tar febre acima de 38"C,
fracio nadas a curtos intervalos tem sido preferida. considerando que o uso freqüente de anti térmicos pode-
Inicialmente, o medicamento deve ser fornecido de forma ria clj fi cultar a o bservação das características da febre
fixa, mas, à medida que a dor fica menos intensa, é possível (intensidade, cronologia etc.). Além disso, o aumento da
optar por sua administração apenas quando necessário, tem peratura co rpo ral parece favo recer a defesa o rgânica,
desde que o paciente solicite a nova dose tão logo cesse o nos casos de infecção. E m contrapartida, a febre eleva-
efeito da dose anterior. O s efeitos colaterais mais observa- ela pode causar desid ratação, aumento do catabolismo
dos com esse tratamento são sonolência, vômitos, redução tecidual, sobrecarga cardíaca, delirúltJJ e convulsões.

188
•••
Capítulo I 5 .: Assistência médica pós-operatória

Antieméticos 2.000UI/hora, em infusão conúnual A heparinoterapia


somente deixará de ser empregada nos casos de contra-
O risco de náuseas e vômitos diminui com o avanço da
inrucação absoluta (ver Capítulo 20 - Profilaxia e tratamento
idade, no sexo masculino e entre pacientes fumantes. A his-
da doença tromboembólica).
tória prévia de náuseas e vômitos pós-operatórios, as ope-
rações de longa duração e aquelas acompanhadas de dor
pós-operatória intensa se associam com maiores riscos de Anti-secretores
sua ocorrência"·'5• Náuseas e vômitos já foram intercorrên-
cias comuns no pós-operatório imeruato de procerumentos Em decorrência do estresse físico e psicológico perio-
realizados sob anestesia geral. Atualmente, elas têm sido peratório, alguns pacientes podem desenvolver lesões agu-
menos observadas, em particular pela evolução das drogas das da mucosa gastroduodenal, sujeitas a hemorragia por
empregadas pelos anestesiologistas. O uso peroperatório vezes vultosa. Na tentativa de reduzir tais ocorrências,
de opióides está relacionado com maior probabilidade de merucamentos anti-secretores (inibidores dos receptores
náuseas e vômitos pós-operatórios, enquanto a anestesia Hz ou bloqueadores da bomba protônica) têm sido empre-
venosa com propofol se associa com menor probabilidade gados profilaticamente em pacientes submetidos a opera-
de ocorrência dessa complicação' 3·' 5• As náuseas e vômitos ções de grande porte e naqueles que evoluem com compli-
pós-operatórios estão entre os fatores que retardam a alta cações pós-operatórias graves.
de pacientes ambulatoriais e que devem ser evitados no
período perianestésico 16' 17 • Os soluços, um problema Antibióticos
menos freqüente, podem apresentar inúmeras causas, entre
elas a irritação ruafragmática dos nervos frênico ou vago e Um dos merucamentos mais empregados no pós-ope-
a rustensão ou dilatação gástrica. Vômitos tarruos, relacio- ratório são os antibióticos. Com interesse profilático ou
nados com outros problemas clinicas, metabólicos ou terapêutico, essas drogas visam, em última análise, reduzir
digestivos, e soluços têm sido usualmente tratados com a mortalidade, o sofrimento e o custo relacionados com as
merucamentos pró-cinéticos rugestivos (metoclopramida e infecções pós-operatórias. O domínio dessa matéria é
bromoprida). Contudo, o diagnóstico e a terapêutica da imprescindível ao méruco que presta assistência ao pacien-
causa das náuseas, dos vômitos e dos soluços devem ser te cirúrgico e está apresentado, nesta obra, no Capítulo 18
priorizados. Soluços resistentes ao uso de metoclopramida - Antibioticoprofilaxia em Cirurgia e no Capítulo 19 - Prindpios
podem ser tratados com clorpromazina. da antibioticoterapia.

Heparina Outros medicamentos

Pacientes com baixo risco para complicações trom- Considerando que o paciente pode apresentar alguma
boembólicas não necessitam de heparinoprofilaxia. De comorbidade prévia ou desenvolver alguma complicação
acordo com a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia perioperatória, pode ser necessária a prescrição de meruca-
Vascular, movimentação de membros inferiores e deam- mentos específicos ou de uso anterior. O cirurgião, prefe-
bulação precoce seriam suficientes. Contudo, pacientes rencialmente antes da operação, deve procurar saber a rela-
com moderado risco devem receber também profilaxia ção de medicamentos de que o paciente faz uso e sua poso-
medicamentosa, com heparina, S.OOOUI, subcutânea, de logia e estar atento, no pós-operatório, ao momento ideal
12/12 horas. Pacientes com alto risco devem receber a para voltar com a medicação.
mesma dose de heparina, de 8/8 horas ou heparina de
baixo peso molecular (p. ex., 40mg de enoxaparina?
Hidratação venosa pós-operatória
Ao confirmar o diagnóstico de trombose venosa pro-
funda ou de tromboembolismo pulmonar, deve-se iniciar o A hidratação venosa correta do paciente no pós-opera-
tratamento com heparina convencional, que continua tório, em particular na fase em que ele se encontra em
sendo a droga de escolha na fase aguda (S.OOOUI a jejum, visa atingir e manter a composição corporal fisioló-
10.000UI, como dose de ataque, seguida por 1.000U a gica, prevenir a desidratação, os desequilíbrios eletroliticos

189
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
e a cetose, corrigir os desequilíbrios potencialmente fatais exemplo comunicar ao plantão da Cirurgia caso a diure-
(p. ex., hipovolemia e hipercalemia), manter adequada cliu- se ho rária seja inferio r a 40ml/ h.
rese e reduzir o risco de complicações carcliocirculatórias e
renais. A terapia hidroeletrolitica deve estar integrada à
nutrição parenteral, quando indicada. (ver CapítuJo 16 - Referências
Hidratação venosa pós-operatória.) 1• Sanches fVID, Castro LP, ales T RA, Carvalho EB, Torres lfOG,
Almeida SR, Savassi-Rocha PR. Comparntive srudy about pro-

Nutrição parenteral periférica ou central gressive versus free oral dier in postoperative period of digesti-
ve surgeries. Gastroenterology. 1996;110: 37-8.
o pós-operatório, a nutrição parenteral eleve estar 2• Waitzberg DL Nutrição oral, enreral e parenreral na prática clinica.
reservada a pacientes que apresentam contra-indicação São Paulo . t\ thcneu; 2001.
ao emprego da via digestiva. A definição do tipo de 3 • Tapson V P. Thromboembol ism venous. J Rcspir Ois.
nutrição parente ral - periférica ou central, o volume a 200 1;22:12-22.
ser infundido e a velocidade de infusão (ml/ h em bo mba 4• Pohl FF, Petroianu i\. Tubos, sondas e drenos. Rio de Janeiro:
de infusão parenteral) deve ser feita pelo médico respon- Guanabara Koogan; 2000. 547 p.
sável orientado por equipe especializada em terapia 5 • Andris DA, Krzywda EA. Central venous acccss. Nurs Clin North
nutricional. A monitorização do paciente com vistas ao Am. 1997;32:719-39.
diagnóstico de complicações relacionadas com a nutri- 6• MA Comissão de Controle de Infecção llospitalar do
ção parenteral deve ser preocu pação constante. (ver Hospital das Clínicas da de infecção hospitalar.
Capítulo 7- Nutrição e Cirurgia). Epidemiologia, prevenção c controle. Rio de Janeiro :
2001:111 6 p.
7• Savassi-Rocha PR, Conceição Si\, FcrreimJT, D iniz MT , Campos
Hemoterapia
IC, Fernandes V A, et ai. Evaluation o f thc routine use o f thc
A prescrição de hemoderivados deve ser crite riosa, nasogastric tube in digesrive operation by a prospective control-
com o objetivo de evitar sobrecarga circulató ria, rea- led study. Surg Gynccol Obster. 1992;174:317 -20.
ções transfusionais e transmi ssão de doenças. Outro 8• Martins EA P. Avaliação de três técnicas de limpeza do sítio cirúr-
problema da hemo transfu são é o fenómeno da imuno- gico infectado utilizando soro fisiológico para remoção de
modulação qu e pode resultar no aumento do risco de microrganismos. São Paulo, 2000. Dissertação de Mestrado.
infecção pós-operatória, bem como do risco de recor- Universidade de São Paulo.
rência de lesões tumorais em pacientes 9• Borges E L, Saar S RC, Lima VLt\1 , Gomes FSL, .\ lagalhàes .\IBB.
Quando houve r indicação de hemoterapia, o médi- Feridas: como tratar. Belo llorizome: Coopmed; 2001:130 p.
co deve de finir o volume do hemoderivado e sua velo- I O• Ribeiro RC. Interferência do uso de polivinilpirrolidona-iodo no
cidade de infusão. Na vigência de reação pirogênica processo cicauicial; estudo experimental em camundongos.
(febre precedida de calafrios), deve-se interromper r o lha Jvlédica. 1995; 111:61-5.
imediatamente a transfusão, administrar anti térmico e 11 • T obin G R. Closurc o f contaminated wounds. 13iological and tech-
acompanhar a recuperação do paciente. Em politran s- nical considerations. Surg Clin Am. 1984:64:639-43.
fundidos , a prevenção dessa complicação pode ser 12 • Rang H P, Date MIVI, Ritter Ii\ I. Farmacologia. 3 ed. Rio de Janeiro:
feita com a utilização de concentrado de hemácias Guanabara Koogan; 1997. 69 1 p.
pobre em leucócitos . 13 • Etchcs RC. Patienr-controllcd analgesia. Surg Clin North t\m.
1999;79:297-312.
14 • Sind air D R, Chung F, Mczci G. Can posropcrativc nausea anel
Comunicação de anormalidades e intercorrências vomiting be predicred. Anesthesiology. 1999;9 1: I 09-18.
15 • J unger A, 1-lartmann B, Benson I, Schindler E, Dietrich G, Josr A,
Ao término da prescrição, é sempre interessante
et ai. The use o f an anesthesia information managcmcnr system
acrescentar a quem a enfermagem deve recorrer nos
for precliction o f anticmetic rescue treatment at the postanes-
casos de intercorrências e complicações, com seus res-
thesia carc unit. Anesth Analg, 2001;92: 1203-9.
pectivos contatos (telefone e BIP). os casos em que se
prevê alguma anormalidade, esta pode ser destacada, por

190
Capítulo 15 .: Assistência médica pós-operatória

••
16 . Chung F, r. tezei G. Facrors contributing to prolongcd stay aftcr 18 • Vam\'akas EC. Transfusion-associated cancer rccurrence anel pos-
ambulatory surge!')'· Anesth Analg. 1999;89: 1352-9. toperat.ive infection: meta-analysis of randomizcd, controlled
17 • Macario 1\ , Wcingcr M, Truong P, Lce l\1. \X'hich clinicai anesthc- Lrials. Transfusion. 1996;36: 175-86.
sia outcornes are both common anel impo rtant to avoid? ·rn e
perspectivc of a panel of expert ancsthcsiologists. Ancsth
Analg. 1999;88: I085-91.

191
- 16
HIDRATAÇAO
VENOSA
PÓS-OPERATÓRIA

••
Marco Antonio Cabezas Andrade, Paula Martins,
Maria Isabel To ulson Davidson Correia, Marco Antônio Gonçalves Rodrigues

Introdução o rgânica ao trauma aumen ta o risco de sobreca rga cardi o -


ci rculató ria. D essa forma, te m sido sugerida a aclmirustra-
!\ hidratação venosa correta é esse ncial pa ra mante r o ção de cerca de d o is terços das necessidades diárias de água
e(juilíbrio o rgânico de líquidos e eletró litos de qual'lucr c sódio para esses pacie ntes. prefe rível man tê-los mrus
paciente que não tenha a ingestão o ral preservada e ade- "secos" nas p rimeiras horas de pós-op erató rio, a té à cljmi-
quada, como após grandes procedimentos cirúrgicos c em nuição da in tensidade da resposta orgânica ao trauma 1•
po litraumatizad os. O conhecimento da d inâ mica dos flui - A in fusão ro tineira de !,rrand c volume de o lução sali-
dos c eletrólitos no o rganismo, de sua conce ntração den- na n o pe r e no pós-operatório imediato co m in tenção d e
tro dos compartimentos orgânicos e d as alterações deco r- evitar insta bilidad e circula tória e ma nter d iurese volumo -
rentes da resp osta o rgânica ao tra uma é fundamental à cor- sa de,•e ser incl usive p o r n ão existire m
reta pre c rição d a hjdratação ,·enosa. O jejum, po r \'ezes evidências de qu e vol ume uriná rio horário ele 1OOm L/ h
prolo ngado que esses pacientes terão de suportar, impõe seja melho r do que volume urin ário d e SOmL/ h. O con-
também a necessidade de adequado aporte caló rico. ceito de que o excesso de sal c água erá excre tado auto-
A hidratação venosa pós-operatória - sem ser m ate- ma ticamente p elos rins é falso e essa p rá tica po d e se r alta-
matica mente exata, po is as variações individuajs são me n te da nosa, particularmen te em pacientes idosos e
amplas - d eve ser a mais fi sio lógica possível, res peita ndo- naqueles co m redução d e reservas ca rdíacas e renais.
se as especificidades d e cada paciente. cccssidades diá- O sinal mais precoce d e sobrecarga hídrica é o
rias d e água, calorias e eletró li tos, avaliação clínica perió - aumento de peso corpo ra l. Po r isso , é reco me ndável
dica, balanço hidrico, peso do paciente e, eventualme n te, pesar o pacie nte n o pré e, se possível, diariam ente, no
exames laborato ri ajs de finirão o aporte de água, glicosc, pós-o perató ri o. Va le lem b rar q ue o catab olismo d a res-
sódio, po tássio e cloro . O exame clinjco cuidado o, a posta o rgâruca ao trauma p rovoca perda de p eso de até
dosagem d a g licemja e o io nograma, a cada dois o u três 300g po r rua, po d e ndo chegar a 800g quand o existe
dias, ta mbém aj udar ão a p revenir o apa recime nto d e di s- infecção grave associada 1.
túrbios mctabó Jjcos graves. O a umento da resistência pe ri fé rica à insulina, asso-
E rros g rosseiros na p rescrição d os esque mas d e hidra- ciado à liberação de glicose pelo fígado, cletermjna estad o
tação venosa pod em levar à sobrecarga hídri ca, desidrata- d e hipe rglice mja nas primeiras ho ras pós- trauma•.
ção, distú rbios de ele tró litos, que, principalmente em Co nside rando qu e, n o pós-op e rató rio imediato, a hiper-
pacientes de bilitados pelo trauma, d esnutridos e com glicemia tende a se r maio r, a admin istração de 1OOg d e
doen ças cardíacas, hepáticas o u renais, pode m causar g licose é suficiente. Com isso, será preven ido tanto o apa-
co mplicações co mo insuficiên cia cardíaca, edema pulmo - recimen to de diu rese osmó tica (hipe rglicemia), quan to o
nar, arritmia cardíaca, insu ficiência renal etc. A re te nção catabo lism o exagerado de gorduras (ccrose) . o primeiro
d e água c sódio, observada na fase irucial da resp os ta e segundo dias pós-operató rios, a intensidade da resposta

193

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

o rgânica ao trauma dimim ú, permitindo a infusão, respec- Água


tivam ente, de 150gldia e 200gldia de glicose.
A necessidade diária de água p ara o adulto varia d e
Pela ação da ald ostero na, o rim , ao reter sód io, troca-
o pelo potássio . T odavia, essa troca, n a vigência de diu- 30mL/ kg a SSmL/ kg:
rese d imin uída pela ação d o ho rmô nio antidiurético, n ão • 30mL/kg, para pacientes idosos, desnutridos, supe-
é suficie n te pa ra contrab ala nçar a tendê ncia à hipercalc- robesos, com doença card íaca, hepática o u renal. E m
pacien tes obesos (índice d e massa corporal acima de
mia secundária: ao trauma e ao catabolism o (liberação do
deve-se calcular a n ecessidad e hid rica co m
potássio intracelular); ao au me nto da resistência à insuli-
base no peso ideal (co nside rar idade, sexo e altura);
na; ao transpo rte de p o tássio p ara d en tro da célula; e à
• 35mL/ kg a 40mL/ kg, p ara a maioria dos adul tos.
acidose (geralmente di sc re ta) decorre nte d a resposta G e ralmente, p a ra as m ulheres administ ra-se
o rgânica ao trauma. D ai a conven iê ncia de evi ta r a admi- 35mL/ kg/d ia; para ho mens, 40 mL/ kg/dia.
n istração de potássio nas primeiras horas após o procedi - • 45mL/ kg a SSmL/ kg, para atl e tas e indi víduos com
men to cirúrgico o u o trau ma. grande massa m uscular, p o is q ua n to m aio r a massa
Enquanto o paciente pe rma nece r em jejum e em magra, maio r qu an tidad e de água é necessária'.
h id ra tação venosa exclusiva, são necessários a medida
rigo rosa da diurese e o cálculo d iá rio do balanço h íd rico,
que serão co nside rados na defi nição d o volu me de so ro Calorias
ideal (o nde liquido cndovenoso a ser prescri to= necessi- os primeiros d ias de reposição h íd rica p ós-operató-
dade di ária d e água ± balanço híd rico). ria, a melho r fo rma d e administrar calo rias é por meio de
D esse mo do, na prescrição da h id ratação venosa p ós- soluções glicosadas. Habi U1almen te, o o rganismo necessi-
o p eratória, são observadas quatro e tapas: ta de 30 a 35 kcal/ kg/dia. T odavia, em decorrên cia dares-
a) cálculo das necessidades d iárias de água, calorias e posta o rgâ nica ao estresse, e m que se o bserva tendê ncia à
eletrólitos especificas para o paciente; hiperglicemia, h á di mim úção dessas necessidades caló ri-
b) cálculo do balanço hidrico refere nte ao p erío do cas. Po rém, é preciso evitar q ue o cataboli mo seja exces-
an terior ; sivo, levando à cetoacidose, além de que estruturas nobres
c) rede finição da n ecessidade de água, glicose c elc tró- como cérebro e hemácias d epen dem essencialmente de
litos, com base no balanço hídrico e em ganhos e
glicosc pa ra seu metabo lismo . Para tanto, devem ser admi-
perdas adicionais de eletróli tos;
nistradas 340kcaljdia a 680kcal/dia, o u seja, 100g a 200g
d) p rescri ção da hidra tação venosa em esqu ema de
de g licose, considerando que um grama de g licose venosa
soros.
(glico e mo no hidratada) tem 3,4kcal. o pós-o p eratono,
obedecendo à curva de intensidade da resposta o rgânica,
Necessidades diárias de água, deve-se ad ministra r menos glicose no pós-o pe rató rio ime-
diato (100g), aum entando gradati vamente no primeiro di a
calorias e eletrólitos
(l SOg) c no segund o dia pós-operatório (200g) .
As necessidades d iá ri as do o rganismo, essenciais p ara
a d efi n ição do esquema de hid ratação venosa que será
Sódio
p rescrito, devem basear-se no peso co rporal aQlal e no
sexo do paciente, mas tam bém na distrib uição dos eletró - É o ele trólito m ais impo rtante no movimento da água
litos nos d iferentes comparti mentos. entre os compartime ntos o rgânicos. A co rreta reposição
a h id ratação ven osa pós-operatória, desde q ue po r de sódio evita a h ipo o u hi perto nicidadc d o comparti-
po ucos d ias c, prin cipalmente, em p acientes nu tridos, é men to extracelula r. Geralmente, a necessidade diária de
possível o ferecer ape nas água, sódi o, cloro, p o tássio e sódio n o adulto varia d e 1 m Eq/ kg a 1 ,SmE q /kg.
caloria fo rnecid as como glicose. Acima de o ito di as, Prefere-se usa r l mEq/ kg/clia em p acie n tes idosos, d es-
outros eleme ntos, como proteínas, li píd ios, mag nésio, nu trid os o u com pro blemas cardíacos o u renais. I a
fosfato, vitamin as se fazem necessários (ver Capítulo 7 - m aioria d os ad ul tos, d eve-se considerar a necessidad e de
NubifàO e Cirurgia). l ,Sm Eq/ kg/dia.

194
Capítulo 16 .: Hidratação venosa pós-operatória

••
Potássio nota-se que o balanço hidrico parcial deve ser fechado de
12/12h. Ao final das 24 horas, a enfermagem informa o
Como discutido anteriormente, não é necessária a balanço hidrico relacionado a todos os volumes de liqui-
administração desse eletrólito nas primeiras horas do das administrados ou perdidos pelo paciente. Salienta-se,
pós-operatório. Sendo o íon predominantemente intra- todavia, que esse balanço não é real, po is não inclui a
celular, ele é lançado para o extracelular em decorrência água endógena, as perdas insensíveis e algumas perdas
do trauma Qesão da célula) e do catabolismo tecidual hídricas não-quantificadas pela enfermagem.
(principalmente protéico). Além disso, o potássio utiliza
a relação insulina:glicose para o seu transporte para den-
tro da célula, e esse transporte encontra-se prejudicado Ganhos habituais de água
pela diminuição da ação periférica da insulina, aumentan-
do ainda mais a concentração do potássio no extracelu- Hidratação venosa e oral
lar. A oligúria causada pelo hormônio antidiurético e a
Na prática, para o cálculo do balanço hidrico, vale
acidose metabólica que se instala durante a fase catabóli-
ressaltar que deve ser considerado o volume real admi-
ca da resposta o rgânica ao trauma também contribuem
nistrado de líquido e não o vol ume prescri to, uma vez
para o aumento do potássio sérico.
que, em decorrência de inúmeros fato res esses volumes
Portanto, nas primeiras 24 horas e enquanto a diure-
podem apresentar entre si variações significativas.
se permanecer abaixo de 25mL/ hora (600mL em 24h),
Geralmente, na prática, o volu me infundido é menor que
não é necessário administrar-se potássio nos esquemas
aquele que foi prescrito, tendo em vista as in tercorrências
de hidratação venosa. Após esse período, deve-se adicio-
comuns da hidratação venosa (demora em trocar o soro,
nar o potássio nos esquemas de soro 1• A sua necessidade
perda da veia com atraso para nova punção, diminuição
diária é de 1 mEq/ kg.
do go tejamento decorrente de dobra do cotovelo ou de
vácuo no frasco de soro etc.).
Cloro
Esse eletrólito tem pouca importância clínica na Água endógena
reposição hid rica, pois acompanha o sódio e o potássio
na maioria das soluções disponíveis no mercado. A água endógena provém de dois processos metabó-
Apenas nos casos de graves distúrbios de cloro (rara- licos: a mobilização da água do catabolismo celular e a
mente isolados) é que se deve levar em consideração água da oxidação do combustível nutrien te. A proteína
esse eletrólito. A necessidade diária varia de 1,SmEq/ kg muscular contém entre 70% a 80% de água. O catabolis-
a 2mEq/kg. mo protéico pode atingir até 750g/dia, após operação de
grande porte, o que produz, em média, 500mL de água
endógena isenta de sal. A oxidação de 1 kg de gordura
Balanço hídrico e eletrolítico pode produzir mais de um litro de água' .
Para fins práticos, a água endógena va ria de
O balanço hídrico é a diferença entre o que o orga-
400mL/d ia a 600mL/ dia e deve ser incluída como gan ho
nismo ganha - hidra tação endovcnosa (e oral) e água
de água no cálcu.lo do balanço hídrico. Nos casos de
endógena -e o que ele perde- diurese, perdas insensí-
pacientes desnutridos, idosos, hi potireoideos e pacientes
veis e perdas adicionais.
em ambientes com baixas temperaturas, deve-se conside-
O preenchimento correto da folha de balanço hídri-
rar água endógena de 400mL. Para aqueles pacientes
co, pela enfermagem, auxilia a avaliação dos líqLlidos
hipertireoideos, febris ou submetidos a altas temperatu-
gan hos e perdidos pelo paciente, permite o cálculo do
ras ambientais, sugere-se considerar água endógena de
balanço hídrico re ferente ao dia ou ao período anterior
600mL. A média, na maioria dos casos, é de 500mL.
(p.ex., 6h ou 12h). O impresso padronizado no Hospital
Infe bzmente, a maioria dos hospitais brasileiros não tem
das Clínicas da UFMG para registro elo balanço hídrico
adequado controle da temperatu ra ambiental.
pode ser visto na Figura 16.1. o modelo apresentado,

195
..

--------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

---------------------------------------------------------------------------··•
Hospital das Clínicas da UFMG
Controle de L.fqUdos

la.NcA

I
lbJoos eiS1RADOS tJiilJDol BMWXl8
I PMEN1BW. SIJOA OUIAOS
II QW4
11'0 IN). '::: 11'0 QW«, 'tQ1M
+À +
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
10TAl DE 12 HORAS

19
20
21
22
23
24
1
2 '

3
4
5
6
10TAl DE 12 HORAS
10TAl DE 24 HORAS


··---------------------------------------------------------------------------
Figura 16.1 .: Impresso para registro do balanço hídrico, empregado no Hospital da Clinicas da UFMG

196
Capítulo 16 .: Hidratação venosa pós-operatória

••
Perdas fisiológicas de água (e eletrólitos) teres utilizados em pacientes cirúrgicos e politraumatiza-
dos também podem acarretar perdas extraordinárias ou
Constituem perdas fisiológicas de água pelo organis- adicionais, que devem ser anotadas cuidadosamente pela
mo: diurese, perdas insensíveis e perdas adicionais (geral- enfermagem, para orientar a correta reposição de água e
mente, são minimas; p.ex., perda de água pelas fezes). As eletrólitos. Em mui tos desses casos, as perdas hidricas
perdas hídricas adicionais significativas (p. ex., diarréia) são acompanhadas de perdas eletroUticas que devem ser
podem ser acompanhadas também de perdas eletro Uticas estimadas e também consideradas na pre crição da hidra-
gue devem ser consideradas no momento de prescrever tação venosa do dia seguin te.
a hidratação venosa para o paciente.
Quadro 16. 1 .: Reposição hídrica adicional sugerida nos casos de:
aumento da temperatura corporal, da fre'lüência respiratória e da
Diurese temperatura*
••
A medição da diurese deve ser realizada logo após as Febre Temperatura Freq üência Reposição •
micções, em pacientes sem uso de cateter urinário de ambiente respirató ria hídrica adicional
demora. Por outro lado, aqueles doentes submetidos a < 38,4"C < 30"C < 35irpm Nenhuma
cateterismo urinário de demo ra devem ter seu volume 38,4 a 39,4"C 30 a 35"C > 35irpm 500mlj24h
urinário medido e registrado periodicamente (p.ex., a
> 35''C 1.000ml/24h
cada quatro horas). A diurese ideal vana de
O,SmL/ kg/hora a 1mL/ kg/ho ra. • .\lcxhficadu de Cnndon c: \
Esus são adtm:l!, ""m por <xemplo para pacteme com febre de JH,6•c,
de 36arpm c: submeado 2 tenlpc-r:uur.l ambac.nte de 3ZOC. dunntc
24h, dcvc·sc fll7cr de I.SOOml nas pr{mm" 24h. :tl&n das ncccs.tdades
Perdas insensíveis do paciente.

As perdas insensíveis, também conhecidas como pers- O aparelho digestivo é, de longe, a fon te mais comum
piração, constituem-se de perdas hídricas decorrentes da dessas perdas. São causadas pela doença básica (diarréia,
respiração e da transpiração. Habitualmente, as perdas vômi tos etc.) ou pelo tratamento cirúrgico (fístulas, osto-
insensíveis variam de 800mL/ 24h a 1.200mL/ 24h. Sua mias etc.). O conhecimento das pecuJjaridades e da compo-
mensuração é difícil. AJguns autores baseiam-se na superfí- sição básica das secreções perdidas é imprescindível para
cie corpo ral para determinar essas perdas. a maioria dos calcular as perdas eletroUticas adicionais, para prescrever a
casos, considera-se a média de l.OOOmL/ 24 horas. A água hidratação venosa adequada e para prevenir a ocorrência de
perdida é geralmente isenta de eletrólitos e sua reposição distúrbios eletroliticos. o Quadro 16.2 está apresentada a
requer apenas água (soro glicosado 5%) . Porém, quando composição de algumas secreções do aparelho digestivo
esta perda é excessiva, como numa crise tireotóxica, a em relação às concentrações de elctrólitos por litro.
perda de sódio deve ser também levada em con ideração. Quadro 16.2 .: Concentração de clctrólnos (mEq/L) nas diferentes
Algumas vezes, as perdas insensíveis são muito supe- secreções gastrointesrinais*
riores às habituais, como ocorre nos casos de aumento da •••
temperatura axilar, da freqüência respiratória e da tempe- Secreções Na ' K' CI HC0 3-
(1 litro) mEq mEq mEq mEq
ratura ambiente. Essas perdas hidricas extrao rdinárias
são significativas, por isso sugere-se considerá-las no cál- Suco gástrico (acidez elevada) 20 10 120 o
culo do balanço hídrico (Quadro 16.1). Basicamente, Suco gástrico (acidez baixa) 60-80 10- 15 90- 100 5-
essa perda é isenta de cletrólitos, porém, na vigência de
Suco pancreático 140 5 75 80
sudorese excessiva, ocorre perda concomitante de sódio.
Bilc 148 5 100 35
Delgado 110 5 105 30
Outras perdas hidroeletrolíticas
llco distai e ceco 80 8 45 30

Constituem outras perdas adicionais as perdas hidri- Fezes diarréicas 120 25 90 45


cas secundárias a vômitos, diarréia, ftstulas, ileostomias,
laparosto mias, sudo rese excessiva etc. Os drenos e cate- ··----------------------------------------------
• Mndtficado de \X'ay L\X', Dohcrt\ G:ll. Ctrurgta: dt;ognósuco c tratamcnw. Guanabara
Koog;.n, li" <d. 2004.

197

••
Fu ndamentos em Clínica Cirúrgica

Outra perda extraordinária, freq üente tanto em poli- conduta corretiva, na hid ratação venosa do dia seguinte
traumatizados, e após operações de grande porte é o deve-se dimin uir o aporte de água na proporção observa-
líquido "seqüestrado" no compartimento intersticial dos da (volume positivo do balanço) em relação ao que esta-
tecidos traumatizados (edema). A melhor fo rma de quan- va calculado com base nas necessidades diárias.
tificar essa perda é por meio da monitoração do peso O balanço hídrico negativo sugere perdas extraordiná-
corporal do paciente. o entanto, essa p raoca não é roti- rias, reposição inadequada, retorno do líquido "seqüestra-
na, frente à ausência de camas-balança, ou balanças por- do", aumento excessivo ela diuresc (p.ex., por hiperglice-
táteis, na maioria dos serviços. Acrescente-se a isso a d ifi- mia). Sugere-se examinar o paciente, conferir o seu peso
culdade em mobilizar o paciente no pós-operatório, prin- e repor o volume negativo do balanço (além das necessi-
cipalmente aquele com vários drenas e cateteres. Como dades híd ricas diárias) nos próximos esquemas de soros.
já salientado, espera-se que o paciente, no pós-operató- Caso o resultado do balanço hídrico fique entre
rio, perca aproximadamente 300g/dia de peso. Se, ao + 300mL e -300mL, pode-se considerá-lo zerado.
contrário, o paciente estiver ganhando peso, pode-se
supor que esteja ocorrendo "següestro" de liguido. Esse
Redefin ição das necessidades de
líquido tem a mesma composição do plasma e reguer
reposição balanceada de água c eletróli tos. lonograma e água e eletrólitos
hematócrito podem contribuir para a defin ição da ade-
Talvez esta seja a etapa mais importante da hidratação
quada reposição de eletrólitos e água, assim como o volu-
venosa pós-operatória. este momento, é preciso corri-
me urinário, gue acaba sendo, na prática, o indicador
gir os desvios de água e clctróli ros, advindos do balanço
mais usado do estado de hidratação.
hídrico em consegüência às perdas adicionais ele líc.1uido
os casos de ileo funcional, vascular ou mecânico,
e/ou elctrólitos, do ganho de água e eletrólitos oriundos
observa-se progressiva distensão das alças intestinais, com ela administração de medicamentos etc. Nos casos de
"scgücstro", na sua luz, de Líguido e eletróbtos. E sse perdas hidroeletroliticas futuras (p.ex., fístu las duode-
seqüestro hídrico, que pode corresponder a vários litros, nais, ileosromias etc.), guando o paciente pode perder até
causando distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos, é de cinco litros de secreção digestiva, é preciso considerar
difícil mensuração. Também nesse caso, o controle diário essas perdas de água, sódio, potássio, no momento
do peso corporal do paciente pode auxiliar a hidratação, de fazer a prescrição da hidratação venosa para o perío-
assim como as outras variáveis acima mencionada . do subseqüente.
Os liquidos següestrados no interstício ou na luz intes-
tinal, uma vez normalizada a função capilar, retornam ao
compartimento vascular geralmente entre o terceiro e o Água
guinto dias pós-operatórios. esse período, é necessário
i\ redefinição das necessidades reais de água deve-se
ficar atento à sobrecarga que eles podem causar, particu-
basear fundamentalmente no balanço hídrico, nas perdas
larmente importante em pacientes com reservas cardíaca e
extraordinárias e no ganho de líquidos empregados para
renal diminuidas 2 • Um bom parâmetro para detectar esse
diluir medicamentos (p. ex. solução sal.ina para diluir a
retorno hidrico é o súbito aumento da diu rese, levando a
penicili na cri stalina).
aparente balanço hídrico negativo.
Balanço híd rico de 24 horas de+ / -300mL é conside-
rado equilibrado. Já um balanço de +500mL, por exem-
Cálculo do balanço hídrico plo, após exame clinico do paciente compatível com
h.iper-hidrataçào e volume urinário superior ao esperado
O balanço hídrico positivo reflete provável excesso de (mais de 1mL/ kg/hora), denota retenção de líquidos
liguidos no organismo, seja por administração aumentada pelo paciente. A pesagem diária do paciente, se puder ser
de líguido, retenção lúclrica nos tecidos ou falta ele elimi- realizada, auxilia a confirmar esse fato, indicaodo a
nação pelos rins (oligúria). Deve-se examinar cuidadosa- necessidade ele diminuir a infusão de líquidos em 500m L,
mente o paciente (inclusive, aferir o seu peso) c, eventual- em relação às estimativas diárias do paciente. Em contra-
mente, solicitar exames complementares e analisar com partida, balanço negativo de SOOmL, com concomitante
cuidado as possíveis causas desse balanço positivo. Como exame físico sugestivo de desidratação, gue pode decor-

198
•••
Capítulo 16 .: Hidratação venosa pós-o peratória

rer de repos tçao inadequada, do aumento das perdas diato, em relação à necessidade ruária do paciente. Se
extraordinárias ou, por volta do terceiro ao quinto rua houver necessidade de maior precisão na reposição
pós-operatório, do retOrno de liquidas "sequestrados", peroperatória, podemos usar o modelo proposto por
orienta para a necessidade de infundir-se 500mL de água Gieseche e Egbert6 , que considera a magnitude do trau-
a mrus, em relação aos cálculos iniciais. a verdade, tanto ma cirúrgico e o peso do paciente em kg:
no balanço negativo como no positivo, o bom exame cli- Trauma rninimo: 6mL/kg/h
nico, com avaliação da pressão arterial, pulso, turgor da Trauma moderado : 8mL/kg/h
pele, umidade das m ucosas, volume urinário e, sempre Trauma intenso: 10mL/ kg/h
que possível, peso do paciente, antes da prescrição do
esquema de soros, orien ta a respeito da reposição ou não Eletrólitos
de mais ou menos liquido nas próximas 24 horas. Na
O s eletrólitos perd idos de forma ex traordiná ria
dúvida, deve-se repor a metade dessas perdas, observar o
devem ser repostos de acordo com o Quadro 16.2. a
balanço hidrico de 12 horas e, se necessário, adicionar a
redefinição das necessidades desses eletrólitos, deve-se
metade restante•.
levar em conside ração o ganho eletrolitico secundário
Por outro lado, nos pacientes com fístuJas digesti vas
à administração de alguns medicamentos (penicilina,
de alto débito (duodeno, íleo etc.) e ileostomia que, no
carbenicilina etc.) e de solução salina eventualmente
decorrer do dia, apresenta rão enormes perdas arucionrus
empregada para diluir medicamentos. Considerando
de liqLúdos e eletrólitos, é vantajoso repor antecipada-
que cada um milhão de unidades de p enicilina cris tali-
mente parte dessas perdas, por exemplo, com solução
n a G potássica tem 1,7mEq de potássio, se um pacien-
hidroeletrolitica balanceada em volume correspondente à
te de 70kg recebe 4.000.000 unidades desse medica-
metade das perdas estimadas futuras. o caso de pacien-
mento a cada quatro horas, isso acarreta o aporte diá-
te com ileostomia com débito de quatro li tros por rua,
rio de 40,8mEq desse eletrólito. Considerando-se ainda
podem ser administrados, além da necessidade hidrica
que a penicilina cristalina constitui bom exemplo de
ruária do paciente, mais dois litros.
antimicrobiano q ue deve ser diluído em solução salina
Para prescrever a hidratação venosa do paciente no
0,9% (20mL para cada 1.000.000 unidades), o apo rte
pós-operatório imedia to, ainda na sala cirúrgica, são
adicional de água, nesse caso, só para diluir a penicili-
necessárias informações sobre o volume e o tipo de
na, é de 600mL, lembrando que em 600mL dessa solu-
soluções administradas pelo anestesiologista no perope-
ção salina temos 92,4mEq de sódio e cloro. D esta
ratório. Para fins práticos, na ausência de distúrbios
forma, estas quantidades de água (600mL), de potássio
hemodinâmicos, sem perdas graves de volume (p.ex.,
(40,8mEq) e de sódio (92,4mEq) devem ser incluídas
sangramento), pode-se considerar que a água perdida
n o cálculo diário .
(p.ex., evaporada) em procedimentos cirúrgicos abdomi-
Outros antibióticos, como carbenicilina, fosfomicina
nais, torácicos, perineais ou naqueles que cursam com
e cefalosporinas, con têm sódio em sua composição, e
grande descolamento de tecidos (plásticas abdominais) é
também devem ser considerados.
de cerca de 7 a 15mL/ kg/hora. N o caso de operação
Tanto o aporte hidrico quando eletrolitico secundá-
abdominal, em paciente de SOK.g, com três horas de
r ios à administração endovenosa de volume significativo
cavidade aberta, espera-se que o an estesiologista admi-
de bicarbonato de sódio devem ser também levados em
nistre cerca de 1.500mL de liquidas (ap roximadamente
consideração para o rientar a redução de água e sódio das
l.OOOmL de Ringer ou solução salina 0,9% e 500ml de
necessidades ruárias previamente calcuJadas.
solução glicosada 5% ou 10%). Caso tenham sido admi-
nistrados apenas 1.000mL, considera-se que o paciente
esteja com déficit de 500mL, sendo necessária a sua repo- Prescrição da hidratação venosa em
sição no pós-operatório imediato. Caso tenham sido admi-
esquemas de soros
nistrados mais de 2.000mL de líquido, excluídas perdas
excessivas durante o ato cirúrgico, podemos supor que E sta é a quarta e úl tima etapa da hidratação venosa
haverá sobrecarga hidrica, sendo necessária a ruminuição pós-operatória. F eitos os cálculos adequados nas eta-
de 500mL na infusão de liquidas no pós-operatório ime- pas anterio res - necessidades diárias, balanço hídrico e

199

••
Fundament os em Clín ica Cirúrgica

redefinição da necessidade de água e eletrólitos -, d is- hipotensão arterial c diluição de medicamentos no pero-
põe-se de informações suficientes para prescrever o perató rio e pós-o pcralório.
esquema de hidratação ve nosa. Esta p rescrição deve
ser feita de forma legível para evita r erros, por vezes de Quadro 16.3 .: oluções glicosadru. c salinas empregadas na

graves conseqüências. prática clínica


A água a ser administrada deve ser oferecida na --------------------------------------------··
Apresentação comercial •
forma de solução glicosada isotô nica (SG l S%). o mer-
Soluções SGJ S% SOm L SOOml t OOOmL
cado brasilei ro, a solução glicosada 5% enco ntra-se, em glicosadas (25g) (SOg)
(t z,sw
geral, disponivel em frascos de SOOmL (para pacientes SGJ IO% SOOmL IOOOml
ad ultos), e deve ser infundida em velocidade geralmente (50g) (100g)
SGH SO"ln tomL 20mL
constante, durante 24 ho ras. A quantidade de eleuólitos
(Sg) (IOg)
definida nos cálculos deve ser racionalmente distribuida
nesses frascos de SG l S%. A solução salina 0,9% não se Soluções SF 0,9% SOOmL
salinas :-.la
presta à hidratação venosa pós-operatória, considerando CI
a grande quantidade de sódio e cloro (77mEg/ 500mL) Ringcr SOOmL I!XlOmL
presente nesta solução e gue poderia acarretar hiperna- 73,5mEq a· 14 7,0m"q t a '
78,0mEq Cl 156,0m"q Cl
u ernia. Também não é ad missível a adminisuação inter-
2,0ml\q K ' K'
calada de solução glicosada e de solução sali na 0,9%, 2,5mEq Ca " S,Om l\ q Ca"
pois, além de o aporte de eletrólitos continuar sendo R.inger- SOOm L IOOOmL
maio r do gue o necessário (p.ex., 144mEq de a ' c Cl - Lactato 116,5mEq l\a 2.'B,UmEq :-..a
, em um indivíduo de 60kg, que precisari a ele apenas SS,OmEq Cl I IO,OmH<t Cl
2,0m Eq K ' 4,0ml'.q K
90mEq), o paciente poderá apresentar períodos que ten- I,Sm Eq Ca' 3,0mEq Ca'
derão a hipe rnau emia, intercalados com períodos de 14,0mEq HC0 1 28,0mEq IIC0 1

hipo nauem ia dilucional. Além disso, o bserva-se maio r
custo com essa prática, uma vez que a solução salina
··--------------------------------------------
0,9% é mais cara do que as soluções hipertô nicas de clo-
reto ele sódio (ampo las). Quadro 16.4 .: Soluções de eletrólitos empregadas na prática clínica
--------------------------------------------··•
Ck1rcto dt Sódio NaCI 21.1% - 1OmL 1 ampola - 34mEq (l'a' , Cl)
Soluções para hidratação dispon íveis NaCI IO"fo- tOmL 1 ampola - 17mF.q (Na' , Cl)
no mercado Cloreto de Podssio K.CI 10% - I OmL I ampola - 13,4m l'.q (K' , Cl)

Para prescrever corretamente o esquema de soros, é Bicarbonato dt 5%- 250m L 1mL = 0,6nt&j (Na', HC0 1)
Sódio (I &asco)
necessário conhecer as apresentações de soluções sali- tOmL 1mL = 1mEq (Na', HC01)
nas, glicosadas e de eleu óliros disponíveis no mercado.
os Quadros 16.3 e 16.4 estão as soluções mais com u- Gluconato de
(1 ampola)
---
Gluconam de Cálcio I ampola - 4,5rn l de Ca "
mente usadas, de fácil memo rização e suficientes para a Cálcio 10%- IOrnL

hidratação venosa pós-operató ria. É importante ter em ··--------------------------------------------
mente a quantidade de gra mas o u de mEg q ue essas
soluções contêm.
Esquema de soros
As soluções de ringer e ringer-lactato são geralmente
usadas para a hidratação peroperatória, em pacientes A prescrição do esquema de o ros deve ser feita de
com o bstrução intesti nal, peritorute, grandes queimadu- m odo que possibi lite a fácil compreensão, po r parte da
ras e o utras co ndições de urgência nos mo mentos iniciais enfermagem, para que não se cometam erros em sua
para hielratar e elevar a pressão arterial. administração ao paciente. A segui r, apresenta-se esque-
A solução sali na 0,9% pode ser usada no pré-o perató- ma de fáci l compreensão e que favorece também a con-
rio, para correção de distúrbios rudroeleuoliticos agudos, ferência po r parte da enfermagem (Quadro 16.5).

200
Capítulo 16 .: Hidratação venosa pós-operatória

••
Quadro 16.S •• Forma adequada de prescrever esquema de Caso No 1
venosa
--------------------------------------------··• Paciente de 48 anos, sexo feminino, 60kg, submetida
a tratamento cirúrgico de cstenose pilórica, sem interco r-
11 111 IV rências anestésico-cirúrgicas. Calcular as necessidades
i SGJ 5% ml. diárias da paciente e prescrever a hidratação venosa para
o pós-operatório imediato.
SGII 50% mL

NaCI20% ml.
KCI I O"'o
----------------------------- ml.
PÓS-OPERATÓRIO IMEDIATO
• a) necessidades djá rias
··--------------------------------------------
Velocidade do gotejamento Agua 35mLa X 60kg = 2.100mL
Sódio t,SmEq X 60kg = 90mEq
O cálculo da velocidade de gotejamento do es<.juema Potássio lmEq X 6(lkg 60mEq
de hidratação prescrito deve le\·ar em consideração o Cloro 2mEq X 6()kg = 120mEq
volume hidrico total a infundir e o tempo previsto para Glicose 1OOg (400kcal)
infusão desse volume. A fórmu la para calcular o número
3
de gotas por mjnuto é a seguinte: mulher ad uha com massa muscular

Número de gotas= volume bídóco total b) b ala nço hídrico


3 x n° de horas O cálculo do balanço hídrico referente ao dia da ope-
A hid ratação venosa pós-o perató ria, calculada com ração, c que deve incluir o balanço hídrico do pcropera-
base nas necessidades diárias do paciente, deve ser tório, depende de inúmeras informaçôcs c dados, como
p rescrita pa ra correr em 24 ho ras. D essa fo rma, uti li za- quantidade de liquido recebido e diurcse do pré-operató-
se o cálculo : rio imediato (geralmente não-mcnsurados), tempo de
cavidade aberta, diurc e peroperatória, pesagem das
Número de gotas = volume hídrico total compressa etc. Por essa razão e a útulo de exercício, será
3 X 24 = 72 considerado que o anestcsiologista foi capaz de hid rata r
Considerando que a enfermagem, ao regular o goteja- corretamente o paciente no peroperatóri o. Assim sendo,
mento, abrindo ou fechando a pinça do equipo, geral- ao término do procedimento , é como se o balanço hidri-
mente conta o número de gotas a cada 15 segundos co estivesse zerado (equilibrado).
(recontando várias vezes se necessário), o ideal seria, ao
se arredondar o número de gotas, fazê-lo priorizando os c) redcfirução das necessidades de água e ele trólitos
múltiplos de c1uatro (p.ex., 20, 24, 28, 32, 36 e 40 Agua 35mL X 60kg= 2.100mL - 2.000mL
gotas/ mi nuto). Sódio 1,5mEq X 60kg= 90rnEq = >90mEq
Potássio: lmEq X 60kg= 60mEq• => o
Cloro 2mEq X 60kg= 120mEqb
Exercícios de hidratação pós-operatória Glicose: 1OOg (340kcal)
A seguir, são ap resentados dois casos clinicas em que " Em decorrência da respos ta o rgânica ao trauma c da tendência à
se podem aplicar a maioria dos ensinamentos deste capí- hipcrcalcemia, geralmente não se prcscre\'e potássio no pós-ope-
tulo. Para se prescrever a hidratação venosa, serão sem- ratório imediato. O início do aporre do potássio acontece geral-
pre seguidas as seguintes etapas, iniciando-se com a pres- mente no I . DPO, após certifi cação da adequada diurese.
crição para o pós- operatório imediato: b O aporte de cloro é feito juntamente com o de sódio e de potás-
a) necessidad es diári as sio nas soluções de aCI 20% e KCI 10% , não havendo necessi-
b) balanço hídri co dade, na prática, de considerar esses cálculos, exceto quando há
c) re de fini çãQ das necessidades de água e eletró litos distú rbios de cloro.
d) prescrição d a hidratação ve nosa

201

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

d) prescrição da hidratação venosa c) redefinição das necessidades de águ a e c letrólitos


li 111 IV Água 35mL x = 2.100mL - 627mV- 1.500mL
SG I 5% 500 + 500 + 500 + SOOmLa Sódio 1,5mEq x 60kg = 90mEq => 90mEq
NaCI20% 10 + 10 + O + 7mLh Potássio: lmEq x 60kg = 60mEqh => 60mEq
Número de gotas= 2.027 / 72 - 28 Glicose: 150g (510kcal)
Considerando que 2.000m I. de SGI 5% rêm IOOg de glicme, não a Balanço hfdrico positi\'O no período antenor justifica um menor
é necessária a administração de solução ghcosada hipert<inica. aporte de água no dia seguinte.
b Considerando que cada ampola (de IOmL) de aCI 20% rem h O infcio do aporte do potássio acontece geralmente no I" DPO,
34mEq de sód io, acrescentar 27m L dessa para após certificação da adequada diuresc (900mL).
oferecermos cerca de 90mEq. O aporte de cloro está em déficit, o
que não tem tmponàncm cltmca.
d) prescrição da rudra tação venosa
Os valores finais de água c clcLrólitos a serem infun-
didos são:
Para a prescrição da hidratação a partir desse dia, exis- Água = I.SOOmL; ' a+ = 90mEq; K + = 60mEq c
tem algumas informaçõe da enfermagem relacionadas ao 150g de glicose assim distribuídos:
período anterior que devem ser consideradas, como volu-
me infundido de liquidos, temperatura, freqüência respira- I 11 lii
tória, medicamentos administrados e balanço hídrico. SGI 5% 500+ 500 + SOOmLa
Estas informações devem ser confrontadas com o exame SGH 50'Yo 50+ 50 + SOmLb
clinico, principalmcmc com o estado de hidratação, muco- NaCI 20'Y!, 10 + 10 + 07mLc
sas, umidade dos lábios e língua, turgor da pele etc. a KCI 10% 15 + 15 + 15mLd
dúvida, é interessante conferir com o pe o. Número de gotas = 1.722 I 72- 24 gotas/ mio
No pós-operatório imediato, essa paciente apresen- a Constderando-se que I.SOOmL de (J I 5"" têm 5g de glico'e e o
tOu diurese de 900mL. Considerar, a órulo de exercício, interes'c c administrar 150g (no I" DPO), é necessána a adrmmstra-
que o volume prescrito no pós-operatório imediato foi o ção de mais glicose na forma de solução glicosada hipertônica.
realmente infundido. b Para administrar os 75g de glicose restantes, são necessários
Iniciam-se, novamente, as quatro etapas da hidrata- 150mL de solução glicosada hipertomca a (que tem de gli-
ção ' 'enosa: cose em cada IOOmL da solução).
=
c 90mEq di,·idido por 34mEq (IOmL de ' aCI 20";., 34m l:,q) =
Agua
.
a) necessidades djárias
35mL X 60kg 2.100mL
2,7amp = 27mL Dividindo esse \Oiume por três esquemas de
soros, pode-se colocar 9mL de , aCI 20"1u em cada soro ou pode-
Sódio l,SmEq X 60kg 90mEq se colocar IOmL em dois dos quatro frascos c 7mL em outro.
Potássio: lmEq X 60kg 60mEq d C..omo o paciente não está oligúrico, pode-se administrar o potás-
Cloro 2mEq X 60kg = 120mEq sio. di\'idido por =
( IOm L de KCIIO"'n 11,4mEq)
Glicose : 150g (51Okcal) =
= 4,5amp 45mL (p.ex., ISmL em cada fra,co). Obs: () máximo
que se deve colocar de potás io em veia pcrifénca (para se e\'ttar dor
e flehtte) são 4DmEq/litro = 15m L de KCII 0%
b) balanço hídrico
em um frasco de G I 5° '·
O balanço hídrico do período anterior foi:
Ganhos
Hidratação venosa: 2.027mL Diurese
Água endógena : 500mL Perdas
insensiveis: l.OOOmL o 1o DPO, a paciente apresentou cliurcse de
Total : 2.527mL 1.900mL 1.200mL c dois episódios de vômiLos de aproximada-
Balanço hidrico: +627mL mente 300mL cada um.
-------'

202
•••
Capitulo 16 .: Hidratação venosa pós-operatória

a) necessidades diárias
Água 35mL X 60kg 2.100mL No 2° DPO, a paciente evoluiu com crepitações no
Sódio 1,5mEq X 60kg 90mEq· terço inferior de ambos os hcmitóraces, tosse produtiva e
Potássio lmEq X 60kg 60mEq temperatura axilar de 38,5°C. Em decorrência dos vômitos
Cloro 2mEq X 60kg 120mEq do dia anterior, foi cuidadosamente posicionado cateter
Glicose 200g (680kcal) nasogástrico, que drenou 900mL nesse período. A pacien-
b) balanço hídrico te apresentou diure e de 1.200mL. a manhã do 3° DPO,
O balanço hídrico do período anterior foi: iniciou-se esquema antimicrobiano que incluía penicilina
Ganhos Perdas cristalina 4.000.000U de 4/ 4 horas. A bacterioscopia do
Hidratação venosa: 1.722mL Diurcsc: 1.200mL escarro evidenciou a presença de Streptococcus pneumoniae.
Vômitos: 600mL a) necessidades djárias
Subtotal 1.722mL 1.800mL Água 35mL X 60kg
Água endógena 500mL Perdas
insensíveis: l.OOOmU
Sódio 1,5mEq X 60kg = 90mEq
Potássio: 1mEq X 60kg = 60mEq
Total : 2.222mL 2.800mL Cloro 2mEq X 60kg = 120mEq
Balanço hídrico: -528mL Glicose : 200g (680kcal)
c) redefinição das necessidades de água e eletrólitos
b) balanço hídrico
Água : =
35mL x 60kg 2.100mL + 528mL• - 2.500mL O balanço hídrico do período anterior foi:
Sódio : =
1,5mEq x 60kg 90mEq + 36mEqh 126mJ-<:q = Ganhos Perdas
Potássio: 1mEq x 60kg = 60mr:q + 6mEqb = 66mEq Hidratação venosa: 2.737mL Diurese :-
Glicose : 200g (680kcal) CNG 900mL
a Balanço hídrico negativo no período anterior justifica um maior Febre
aporre de água no dia seguinte. Subtotal : 2.737mL 2.600mL
h Perdas elerrol.iticas pelo cateter nasogástrico de secreção g:isrri- Água endógena SOOmL Perdas
ca de baixa acidez (pela vagotomia realizada). insensíveis: l.OOOmL
d) prescrição da hidratação venosa Total : 3.237niL 3.600mL
O s valores finais de água e eletrólitos a serem infun- Balanço hídrico: -363mL
didos são: c) redefinição das necessidades de água e eletrólitos
Agua = 2.500mL; a+ = 126mEq; K+ =· 66mEcf e
200g de glicose assim distribuídos: Água :35mL X 60kg=21(XlmL+363.-n&-500mLb-200lmL
I TI lii IV V Sódio : 1,5mEq x 60kg =90mEq + 54rn&f- 77mEqb = 67mEq
SGI 5% 500 + 500 + 500 + 500 + SOOmLa Potássio: 1mEq x 60kg = 60mEq + 9mEcf - 41 rnEqd = 28mEq
SGH 50% 30 + 30 + 30 + 30 + 30mi.b Glicose : 200g (680kcal)
NaCI 20% 10 + 10 + 10 + 00 + 07mLc
KCI l0°A, 10 + 10 + 10 + 10 + 10mJ.d a Balanço hídrico negativo no período anterio r justifica um maior
Número de h'Otas = 2.737 I 72 = 38,2 - 40gotas/ min apon c de água no dia seguinte.
• Considerando-se <jue 2.500m L de SG l 5% têm 125g de glicose c b Cada dose (4.000.000U) de penicilina cristali na porássica precisa

o interesse é administrar 200g (no 2 DPO), é necessária a adminis- ser diluída em 80mL de solução salina (SF) 0,9% => 6 doses (pois
tração de mais glicose na forma de solução glicosada hiperrônica. está sendo de 4/ 4h) => 480m L F 0,9% , - SOOm L SF 0,9% que
b Para administrar os 75g de glicose restantes, são necessários tem 77mEq de sódio.
150mL de solução glicosada hipertônica 50% (que tem SOg de gli- c Perdas eletrolíticas pelo cateter nasogástrico de secreção gástrica
cose em cada 100ml da solução). de baixa acidez (pela vagotomia realizada).
c 126mEq dividido por 34mEq (lOm L de , aCI20% =34m E<() = d Cada 1.000.000U de penicilina cristalina tem I ,7mEq de potássio.
3,7amp = 37mL Vmte e quatro milhões por dia (4.000.000U de 4/ 4h) oferecem ao
d 66mEq dividido por 13,4 ( IOml de KCI 10'!/o = 13,4m EtJ) = paciente 40,8mEq - 41 mEq de potássio, que devem ser subtraídos
4,95amp - S,Oamp = SOm L das necessidades diárias no momento de definir a hidratação venosa.

203
• Fundamentos em C línica Cirúrgica

••
d) prescrição da hidratação venosa c) redefinição das necessidades de água e eletrólitos
Os valores fmais de água e eletrólitos a serem infun- =
Ap : JSml.. X 6(ig 2.100mL • S(XbL• + 1.600mL -1
didos são: Sódio : 1,5mEq X 60kg: 90mEq + 'JJmEc/' •Tlm&f : 4JmBci
Água = 2.000mL; Na 1 = 67mEq; K + = 28mEq e Potássio: lmEq X 60kg = 60mEq + SmEc/' -41mEcf = 2-tmF.q
200g de glicose assi m clistribuidos: Glicose: 200g (680kcaJ)
I 11 -1
=11= -- IV
SGI 5% 500 + 500 + 500 + SOOmL• a Cada dose (4.000.000U) de penicilina cristalina potássica precisa
SGH 50% 50 + 50 + 50 + SOmLb ser diluída em 80rnL de solução sali na (SF) a 0,9% => 6 doses
NaCJ 20% OS + 05 + OS + OSmLc (po1s está endo de 4/ 4h) => 480mL SF0,9% , - 500mL F0,9%
KCJ10% OS + OS + OS + OSmLd que tem 77mEq de sódio.
Número de gotas = 2.240 I 72 - 32 gotas/mio b Perdas elctrollticas decorrentes dos vômitos de secreção gástri-
ca ele baixa acidez (pela vagotomia realizada).
• Considerando-se que 2.000m L de SG I 5% têm IOOg de glicosc c o
c Cada 1.000.000U de penicilina cristalina tem 1,7m Eq ele potássio.
interesse é administrar 200g (a partir do ZODPO), é necessária a admi-
Vime e quatro milhões por dia (4.000.000U de 4/ 4h) o ferecem ao
nistração de mais glicose na forma de solução glicosada hipertônica.
paciente 40,8m.Eq - 41 m.Eg de potássio, que devem ser retirados
b Para adminislrar os IOOg de glicose restantes, são necessários
elas necessidades diárias no mo mento de definir a hidratação venosa.
200mL de SGH 50% (que tem 50g de glicose em cada IOOrn L da
solução). d) prescrição da hidratação venosa
c 67mEq dividido por 34m Ec.l (IOml de 1 aCI 20% = 34mEg) = Os valores flnais de água e eletrólitos a serem infun-
2,0amp =20m L didos são:
d 28mEq dividido por 13,4 ( IOm L de KCI1 0% = 13,4m Eg) = Água = 1.500mL; a+ = 43mE q; K+ = 24mEq e
2,1amp - 2,0arnp = 20m L 200g de glicose assim clistribuídos:
I 11 ___,.1,..,
11- - - - - -
SGI 5% 500 + 500 + SOOmLa
SGH 50% 50 + 50 + 50mLb
o 3° DPO, a paciente apresentou temperatura axilar NaCI 20% OS + OS + OOmLc
máxima de 37,8°C. Foi mantido o uso da penicilina cris- KCI10% 10 + OS + OSmLd
talina e retirado o cateter nasogástrico. A paciente apre- Número de gotas = 1.680 / 72 - 24 gotas/mio
sentou cliurese de 1.1 00mL e vômitos de SOOmL. A tem-
pera tura ambiente permaneceu na faixa de 33°C. a Considerando- e que I.SOOmL de SG I5% têm 75g de glicosc e o
interesse é administrar 200g (a partir do ZOD PO), é necessária a admi-
a) necessidades diárias nisLração de mais glicose na forma de solução glicosada hipertônica.
Agua 35mL X 60kg = 2.100mL b Para ad ministra r os 125g de g licose resta ntes, seriam necessá-
Sódio 1.SmEq X 60kg = 90mEq rios 250mL de solução glicosada hipertônica a 50% (que tem
Potássio: tmEq X 60kg = 60mEq 50g ele g licose em cada I OOmL ela sol ução). Contudo, esse apor-
Cloro 2mEq X 60kg = 120mEq te ele g licose em apenas três esquemas de soro poderia se r mal
Glicose : 200g(680kcal) tolerado e m veia peri fé rica. O ptou-se por administrar apenas
I SOg ele glicose nesse dia.
b) balanço hídrico c 43m r:q di'idido por 34mEq ( IOmL de r aCI20% =34mEq) = 1,2
O balanço hídrico do período anterior foi: amp = 12 mL - IOmL
Ganhos Perdas d dhridido por 13,4 ( IOrnL de KCllO% = 13,4mEq) =
Hidratação venosa: 2.240mL Diurese :t.tOOmL l ,Samp = 18m L - 20mL
SF0,9% : 500mL Vômitos
Temperatura: 500mL
Subtotal 2.740mL
Caso N° 2
:2.100mL
Agua end6gena 500mL Perdas Paciente do sexo masculino, 52 anos, 67kg, carpintei-
insensfveis : t.OOOmL ro, leucodérmico admitido em serviço de urgência com
Total :3.240mL 3.100mL duodenal perfurada e ferimento na perna direita
Balanço hfdrico: +140mL - zerado
204
Capftulo 16 .: Hidratação venosa pós-operatória

••
com objeto enferrujado (suspeita de contaminação por I 11 111 IV
tétano), 48 horas após o início dos sintomas. Após a corre- SGI 5% 500 + 500 + 500 + SOOmL•
ção dos distúrbios hidroeletroliticos e ácido-básicos, fo i NaCI 20% 3 + O + O+ Oml)
feita a prescrição de S.OOO.OOOU de penicilina cristalina G =
Número de gotas= 2.003 I 72 27,8- 28gotas/
potássica de 4/ 4h (30.000.000U), gentamicina (240mg,
24/24h), metronidazol (SOOmg, 8/ 8h) e o paciente foi
3 Considerando-se que 2.000rnL de SG 15% têm 1OOg de glicose,
encaminhado à operação. Nesse procedimento, que durou não é necessária a administração de solução glicosada hipertônica.
três horas e meia (três horas de cavidade aberta), foram fei- b Considerando-se que cada ampola (de lOmL) de NaC120% tem

tos desbridamento das bordas da úlcera, duodenorrafia, 34rnEq de sódio, deve-se acrescentar apenas 3mL dessa solução
omenroplastia, lavagem da cavidade e colocação de dreno para oferecermos cerca de 8m Eq. O aporte de cloro está em défi-
sub-hepático. Apesar de não ser mais conduta habitual, cit, o que não tem importância clínica.
optou-se, nesse caso, por manter cateter nasogástrico
(CNG) para descompressão. No peroperatório, foram
administrados l.OOOmL de Ringer e SOOmL de SGlS%.
Para a prescrição da hid ratação desse dia já temos
PÓS-OP ERATÓRIO IMEDIATO algumas in formações da enfermagem relacionadas ao
período anterior que devem ser consideradas, como
a) necessidades diárias volume infundido de liquidos, temperatura, freqüência
Agua 40mL• 67kg
X 2.680mL resp iratória, medicamentos administrados e balanço
Na+ l,SmEq 67kg
X 100,5mEq= hídrico. F.stas informações devem ser confro ntadas com
a- 2mEq X 67kg = 134mEq o exame clínico, principaJmente com o estado de hidra-
K+ lmEq X 67kg 67mEq= tação, mucosas, umidade dos lábios e üngua, turgor da
=
Calorias : 340kcal 1OOg de gl!cose pele etc. a dúvida, é interessa nte conferir com o peso.
a homem adulto com massa muscular regular O paciente recebeu nas últimas 24horas 2.600mL de
liquido endovenoso (2.000mL de soroterapia e 600mL da
b) balanço hídrico solução salina para diluição da penicilina cristalina), apresen-
Esse paciente, no peroperató rio, recebeu l.SOOmL de tou diurese de 1200mL e drenagem pelo C G de l.OOOmL.
liquidos balanceados. Como o tempo de cavidade aberta Iniciam-se, novamente as quatro etapas da hidratação
foi de três horas, supõe-se que não houve déficit, nem venosa:
hiper-hidratação. Como, então, não se dispõe de outras a) necessidades diárias
informações, considera-se o balanço hidrico igual a zero. As necessidades diá rias de água e eletrólitos já calcu-
ladas no período anterior ficam assi m:
c) redefinição das necessidades de água e eletrólitos
Agua 2.680mL
2.680mL - 600mL• 20 = - -2.000mL Na+ lOO,SmEq
a+ l00,5mEq- 92,4rn&f =
SmEq CI- 134mEq
a- t34mBq - 92,4mE<f = 41,6mEq K+ 67mEq
K+ 67mEq - Primeiras horas de pós-operatório = (li> Calorias : 51 Okcal = 150g de glicose
=
Calorias: 340kcal 1OOg de glicose
b) balanço hídrico
a A penicilina cristalina será diluída em 600mL de solução salina 0,9%
(20mL parn cada l.OOO.OOOU), que tem 92,4 mEq de sódio c cloro
O balanço hidrico do período anterior foi:
b Além de não ser necessário potássio nas primeiras horas, este Ganhos Perdas
paciente já está recebendo 51 mEq de potássio da penicilina Hidratação venosa: 2.600mL Diurese : 1.200mL
CNG : t.OOOmL
d) prescrição da hídratação venosa Sub total 2.600mL 2.200mL
O s valores finais de água e eletrólitos a serem infun- Água endógena SOOmL Perdas
didos são: insensíveis: l.OOOmL
Água = 2.000mL; Na+ = 8mE q; Ct = 41,6mEq e Total 3.100mL 3.200mL
100g de glicose assim distribuidos: Balanço hídrico: -100 mL - O

205

••
Fundamentos em Cllnica Cirúrgica

c) redefinição d as necessidades de água e eletrólitos

Água 2.680mL - 600mLa =2.080mL - 2.000ml O paciente recebeu, nas última 24horas, 2.600m L de
Na+ 100,5mEq - 92,4mE.cf + 60mEqb 68mEq = liguido endovenoso (2.000mL de soroterapia e 600mL da
cr 134mEq - 92,4mE.cf + lOOmEqb 141,6mEq = solução salina para diluição da penicilina cristalina), apresen-
K+ 67mEq Stmr.:qc + JOmEqb = 26mEq tou diurese de 1200mL e drenagem pelo CNG de 1.500mL.
=
Calorias: 51 Okcal JSOg de glicose Iniciam-se, no vamente, as guatro etapas da hidrata-
ção veno a:
a) necessidades diárias
a A penicilina cristalina será diluída em 600mL de solução saJina
As necessidades d iárias são as mes mas d os dias ante-
0,9% (20m L para cada l .OOO.OOOU), que tem 92,4 mEq de sódio
riores, exceto a de g lico e:
e cloro.
b Perda eletrolilica pelo cateter nasogástrico de secreção gástrica Água 2.680mL
de baixa ac1dez (pelo uso de o meprazol) Na+ lOO,SmEq
c Es te pacien te está recebendo SI mEq de potássio da penicilina, c1· 134mEq
pois cada I.OOO.OOOU deste amimicrobiano tem 1 ,7 mEq de K+ 67mEq
potássio. Calorias =
680kcal 200g de glicose

b) balanço hídrico
d) prescrição da hidratação venosa
O balanço hidrico do período anterio r foi:
Os valores finais de água e eletróli tos a serem infun-
didos são: Ganhos Perdas
Hidrataçio venosa: 2.600mL Diurese : t .200mL
I 11 lll IV CNG : l.SOOmL
SGI 5% 500 + 500 + 500 + SOOmLa Subtotal 2.600mL 2.700mL
SGH 30 + 20 + 30 + 20m Lh Água endógena SOOmL Perdas
.NaCI 2()0;., os + 05 + os + OSmU insensiveis: l.OOOmL
KCI to% 05 + 05 + 05 + OSmLd Total 3.100mL 3.700mL
Número de Wltas =2140 I 72 =29,7 - 32 gotas/min Balanço hídrico: -600 mL•

a O balanço negativo pode ser justi ficad o por perdas aJém do pre-
• Considerando lJUe 2000m L de SG I 5% têm I OOg de glicose e
visto (nesse caso, aumento da perda hídrica pelo C:-\G)
o interesse é ad mimstrar ISOg (no 1° DPO) é necessá ria a
administração de mais glicose na forma de so lução g licosada c) redefinição das necessidades de água e eletrólitos
hipertônica.
b Para administrar os SOg de glicose restantes são necessários IOOm L Agua 2.680mL + 600mLa - 600mLb =2.680mL
de solução glicosada hipertô nica 50% ('lue tem SOg de glicose em
Na+ lOO,SmEq - 92,4mEqb + 90m&f= 98mEq
cada IOOmL da solução).
CI- 134mEq - 92,4mEqb + 1SOmEcf = 191,6mEq
K+ 67mEq - SI,OmEqd + 15mEcf= 3tmEq
c 68m Eq dividido po r 34mEq ( IOmL de NaCI 20% = 34mEq) =
Calorias: 680kcal 200g de glicose
= 2amp = 20m 1.. Divid ido volume po r qual ro esquemas de
soros= SmL em cada soro ou l Om L em d o is d os quatro fras- a Balanço hldrico negativo 600mL referente ao período anterior
cos (para diminuir o trabalho da enfe rmagem e o cusw com a justifica, no dn1 seguinte, um apo rte maior de líquido.
hidratação). b t\ pemctlma cnstaJma dtlulda em 600mL de solução aJina
d Como a di urese está adequada, deve-se administrar o potássio. 0,9% (20m L para cada I.OOO.OOOL)), que tem 92,4mbq de sóclio
26mECJ dividido por 13,4mEq ( IOmL de KCI 10% = 13,4 mECJ) e clo ro.
= 1 ,94amp = 19,40mL - 20m L (p.ex., I OmL em dois dos CJUa- c Perd as eletrollticas pelo cateter nasogástrico de secreção gástrica
tro frascos, o u SmL em cada um dos quatro fra cos). de bruxa ac1de/ (pelo uso de o meprazo l).
d Este pacaente está recebendo SI mEq de pm:'íssao da penacilina,
pois cada I.OOO.OOOL' de te antimicrobiano tem I ,7mEq de potássio.

206
•••
Capítulo 16 .: Hidratação venosa pós-operatória

d) prescrição da hidratação venosa dose metabólica hiperclorêmica, o que interfere na con-


O s valores finais de água e eletrólitos a serem infun- tratilidade miocárdica e reduz a perfu são visceral 11• D esta
didos são: forma, é imprescindível que seja dispen sado o tempo
Água = 2.500mL; Na+ = 98mEq; Ct = 191,6mE q; necessário ao cálculo da hidratação venosa, tanto para se
K+ = 31 mE q e 200g de glicose assim distribuidos: desfrutar das vantagens de uma hidratação correta, como
I II III IV V para que sejam prevenidas as complicações iatrogênicas
SGIS% 500 + 500 + 500 + 500 + 500mV de hidratação incorretamente prescrita.
SGH 50% 30 + 30 + 30 + 30 + 30mLb
NaC120% 05 + 05 + 10 + 05 + OSmLc
Referências
KCI10% 05 + 05 + 05 + 05 + OSm Ld
Número de gotas= 2.741 I 72 = 37,5- 36 gotas/min 1 • Shires GT, Canizaro PC. l'luid eletrolyte and nutricional mana-
gemem of the surgical patiem. In: Schwartz SI. Principies of
• Considerando-se que 2500mL de SGI 5% têm 125g de glicose e o
surgery, 3a. ed ., McGraw- H.ill, New York, 1979.
interesse é administrar 200g (no 2° DPO), é necessária a administra-
2 • MillerTA, Duke Jr J H. Manuseio hidroeletrolítico . .In: Manual de
ção de mais glicose na forma de solução glicosada hipertônica. cuidados pré e pós-operatórios. American College of
b Para administrar os 75g de glicose restantes, são necessários Surgeons, 3". ed., lmeramericana, 1984.
150mL de solução glicosada hipertônica 50% (que tem SOg de glico- 3 • Kinner JM, Gump FE. Resposta metabólica à lesão. l n: Manual
se em cada l OOmL da solução). de cuidados pré e pós-operatórios. American Collegc of
Surgeons, 3a. ed., lnteramericana, 1984.
c 98mEq dividido por 34mEq (lOmL de aCI 20% = 34mEq)
4 • t\llisson SP. The importam of energy source and the significan-
= =
2,9amp 29mL-30mL.
ce o f insulin in coumcracting the catabolic responsc ro injury.
d 31mEq dividido por 13,4mEq (10mL de KCI1 0% = 13,4mEq) In: Wilkinson t\ W, Cuthberrson D. Metabolism and the res-
= 2,4amp = 24mL-25mL ponse ro injury. Kent, Pitman Medicai Pub. 1976.
5 • Condon RE, Nyhus LM. Manual de terapêutica cirúrgica. Medsi,
sa ed. 1983.
Conclusão 6 • Gieseche Jr AH, Egberr LD. Peroperative fluid therapy crysral-
loids. In: Miller RD . Anaesthesia, za ed., Churchill
A hidratação adequada é parte integrante para o Livingstone, vol. 2, 1986.
7 • Lowell J A, Schifferdecker C, Driscoll D F, Benotti PN, Bistrian
sucesso de qualquer tratamento, principalmente em
BR. Postoperative fluid overload: nota benign problem. Crit
pacientes cirúrgicos. Na medida em que o excesso de Care .M ed. 1990;18:728-33.
água pode interferir na evolução pós-operatória, o balan- 8 • Frost A, Wakefield CH, Sengupta F. Relationship bet:ween fluid
ço hidroeletrolítico não deverá ser relegado a segundo administration and outcome in colorectal surgery. Proc Nurr
plano. Vários estudos têm demonstrado que a hiper- Soe. 2001 ;60:11 3A.
9 • Tambyraja AL, Sengupta F, MacGregor AB, Barrola D CC,
hidratação perioperatória contribui para aumento de
Fearon KCH. Patterns and clinicai outcomes associated with
complicações pós-operatórias 7·9 • D essas destacam-se a routine inrravenous sodium and fluid aclministration after
insuficiência cardiaca, o edema pulmonar, mas também a colorectal rescetion. World J Surg. 2004;28, 1046-52.
dismotilidade intestinal (íleo adinâmico) e o maior risco 1O• Lobo D , Bostock KA, Neal KR, Perkins AC, Rowlands BJ,
de deiscência de anastomoses. As razões para esse Allison SP. Effect of salt anel water balance on rccovery of
gastrointestinal function after elective colonic resection: a
aumento de complicações permanecem por ser esclareci-
randomised comrolled trial. Lancet. 2002;359:1812-8.
das. No entan to, conhece-se que o excesso de l.íquidos 11 • Wilkes NJ, \XIoolf R, Mutch M, Mallett SV, Peachey T, Stcphens
incorre em edema tecidual, com concomitante diminui- R, et ai. The effects o f balances versus saline-based hetastarch
ção da oxigenação tecidual o que está associado às com- and crystalloid solutions on acid-base and electrolyte status
plicações cardiorrespiratórias e à incapacidade de cicatri- and gastric mucosa! perfusion in elderly surgicaJ paticnrs.
Anesth t\nalg. 2001;93:811 -6.
zação adequada9•10 Além disso, fo i demonstrado que
grandes quantidades de solução salina 0,9% causam aci-

207
17
FISIOTERAPIA
EM CIRURGIA


••
Tereza C ristina Silva Brant, Arianc Fadul de Carvalho,
Luciana Chaves Nvcs Brandão

Introdução vencilató rios trabalham contra as propriedades elásticas


dos pulmões e a res istência das vias aéreas 1•
t\ Fisioterapia Respiratória pode ser definida como O diafragma, principal músculo respiratório, é res-
especialidade da Fisioterapia que tem por função avaliar, ponsável por aproximadamente 70% a 80% do trabalho
prevenir c tratar doenças respiratórias agudas ou crônicas inspiratório durante a respiração tranqüila. É o único
em pacientes de todas as idades. Po rtamo, reduzi-la à entre os músculos esqueléticos que, anatomicamente,
execução de drenagem po rural e percussão seria limitar tem suas fibras musculares originando-se de estrutura
eu objetivos e ignorar outras técnica e recursos tera- tendinosa central para e inserirem perifericamente em
pêuticos disponivcis que podem ser utilizados benefica-
estruturas sólidas. Dependendo da natureza destas estru-
mente na promoção e manutenção da higiene brônquica
turas, o diafragma divide-se em duas porções principais:
e na melhoria da ventilação pulmonar1.l.
( I) c rural ou vertebral, que se insere na face ântero-lateral
O objeti vo deste capítulo é demonstrar a importância
das três primeiras ' 'értebras lo mbares e na aponeurose
c o papel do fisio terapeuta, como membro da equipe
arqueada; (2) costal, cujas fibras se in erem no processo
multidisciplinar, no tratamento dos pacientes cirúrgicos,
xifó idc do esterno e nas margens superiores das seis cos-
abordando a conduta pré c pós-operatória c fundamen -
telas inferiores. Portanto, imaginando-se o diafragma
tando as indicações c os efeitos fisiológicos da aplicação
co mo um cilindro eliptico coberto por uma cúpula, esta
de suas técnicas. Para facili tar o entendimento desta
última corresponderia primariamente ao tendão central
abordagem fisioterápica, será realizada pequena revisão
enquanto a sua porção cilíndrica correspo nderia à porção
da mecânica respiratória c da ftsiopatologia pulmonar.
diretamente em aposição ao gradil costal. Esta porção
constitui a chamada "zona de apos ição". os eres
Considerações sobre a humanos, quando em repouso e na po ição orrostática,
mecânica respiratória essa zona repre ema aproximadamente 30°/o da área to tal
do gradil costal, ocorrendo diminuição em seu compri-
O s músculos respiratórios são estriados esqueléticos, mento axial com a contração diafragmática durante a in -
do ponto de vista morfológico e funcional, tendo como piraçào. A zona de aposição é scnsh·el às ,·ariações de
principal função o deslocamento ritmico da caixa torácica, pressão (plcural e abdominal) e de ,·o lume (pulmonar), o
a fim de realizar a entrada e a saida de ar dos pulmões''. que é muito importante para que ocorra, ao final de uma
Entretanto, tais músculos apresentam algu mas caracterís- inspiração máxima, relaxamento do diafragma c retroces-
ticas particulares que os diferem dos demais músculos o elástico pulmonar' .
esqueléticos, por exemplo resistência aumentada à fadiga Resumindo, durante in piração fisiológica, o mecanis-
e maior capacidade oxidativa. Além disso, os músculos mo respirató rio inicia- c com a descida da cúpula diafrag-

209
• Fundamentos em C línica C irúrgica

••
mática e finaliza-se com a eversão do últimos arcos cos- com que o paciente adote fregüê ncia respiratona mais
tais. Durante a expansão da caixa torácica, ocorre decrés- elevada com menor volume corrente, dificultando a rea-
cimo da pressão pleural, aumento da pressão intra-abdo- lização dos suspiros. A ausência do mecanismo de suspi-
minal e do volume pulmonar. A expiração é passiva do ros promove rápido surgimento de atclectasias nas por-
ponto de vista muscular e ocorre devido ao retrocesso ções dependentes do pulmão 11 •
elástico pulmonar. Contudo, se alguma situação, patológi- Os suspiros são clefinidos como respirações invol un-
ca ou não, aumentar a demanda ventilatória, o mecanismo tárias, len tas e profundas, seguidas de pausa pós-inspira-
compensador será a ativação da musculatura acessória da tória. O princípio fisiológico dos suspiros é a manuten-
inspiração, bem como a dos músculos expiratórios, ção dos alvéolos abertos, o que pode ser explicado pelo
aumentando o gasto energético, uma vez que a expiração aumento da pressão transpulmonar (PL). Tal pressão
deixou de ser passiva para tornar-se ati va. Durante a ins- resulta na di ferença entre a pressão intrapulmo nar (Palv)
piração tranqüila, os motores primários da inspiração são e a pressão intrapleura1 (Ppl), de acordo com a equação:
o diafragma, os escalenos e os intercostais paraesternais PL = Palv - Ppl. Existe relação direta entre a pressão
que se contraem de forma coordenada. transpulmonar e o volume pulmonar, ou seja, na presen-
ça de di minuição da pressão transpulmonar, o volume
pulmo nar também estará diminuído, podendo levar a
Fisiopatologia respiratória em pacientes
colapso alveolar9 •
cirúrgicos e complicações pós-operatórias lo pós-operatório, a ausência de respirações profun-
As complicações pulmonares são as causas mais fre- das, a inadeguada fo rça da musculatura expi ratória em
qüentes de morbidade e mortalidade no período pós- razão do edema e do espasmo muscular e o fechamento
operató rio, contribuindo, também, para internações hos- prematuro das vias aéreas alteram o mecanismo de tosse
pitalares lo ngas, com conseqüente aumento nos custos e o clearance mucociliar 11 .
do tratamento para a instimição>-8 Atelectasia' "'· pneu- Em lactentes e crianças, os efeitos da o peração,
monia'·111, edema pulmonar 1., tromboembolismo pulmo- anes tesia e imobilidade são os mesmos gue nos adul-
nar11 e insuficiência respiratória aguda- são as complica- tos. Entretanto, devido às diferenças ana tô micas e
ções mais comuns. fisiológicas, o potencial para complicações pós-opera-
Entre os principais fatores de risco que determinam tó rias é maio r14· 15 •
morbidade pulmonar pós-operatória enco ntram-se tipo e
duração da anestesia5•8 .1 2•13, operações torácica e abdomi-
Fisioterapia respiratória
nal alta6•1Z, estado nutricional do paciente, obesidade, his-
tória de tabagismov· 12 , idade avançada 9 •13 e preexistência de
Fisioterapia respiratória no paciente cirúrgico
doença rcspiratória9 •12•
Após intervenção cirúrgica, paciente com fato res de Conduta pré-operatória
risco para complicações pulmonares pós-operatórias
pode apresentar alterações da capacidade e do volume A literatura comprova que tanto a incidência de com-
pulmonar, do padrão respiratório e dos mecanismos de plicações pulmonares no pós-operató rio como o tempo
defesa, que irão comprometer toda a função pulmonar". de internação hospitalar encontram-se reduzidos quan-
A anestesia, especialmente a geral, assim como o ato do os pacientes sofrem intervenção fisioterápica no
cirúrgico interferem diretamente na mecânica pulmonar. pré-operatório 11' 9•
As modificações pulmonares pós-operatórias são equiva- Os pacientes que irão se submeter a qualquer pro-
lentes a um padrão restritivo. Assim, observa-se redução cedimento cirúrgico, especialmen te aqueles co m doen-
do volume co rrente, do volume expiratório forçado de ça respiratória crônica, necessitam ser rigorosame nte
primeiro segundo, da capacidade vital, da capacidade avaliados no p eríodo pré-operatório. A fi sioterapia res-
residual funcional e da PO{ Esse efeito é secundário ao p iratória neste período tem como o b jetivo identi ficar e
relaxamento da parede torácica, res ultando em diminui- preparar os pacientes co m mai or risco de desenvolve-
ção do diâmetro transverso do gradil costal. Portanto, rem complicações pulmonares pós-operató rias, redu-
essa hipomobilidade do diafragma, associada à dor, faz zindo, dessa forma, a morbimortali dade;·7 •211 •

210
Capítulo 17 .: Fisioterapia em Cirurgia

••
Para alcançar tal objetivo, avaliação fi sioterápica acordo com cada caso, o paciente será submetido a ses-
minuciosa deve ser realizada. Primeiramente, deve- e sõe fisioterápicas programada em que a técnica ou
questionar o paciente no que diz respeito à sua história recurso terapêutico apropriado será selecionado', com a
clínica, à presença de fatores de risco, além da medicação realização de exercícios respiratórios, incentivo à tosse,
em uso. A queixa principal e os problemas que mais afe- mobilização precoce e uso de aparelh os, como o de
tam o paciente também devem ser id cnti ficados. pressão positiva expiratória nas vias aéreas ou o c pirô-
Po teriormente, inicia-se avaliação objetiva referente aos metro de incentivo, que reduzem significativamente as
aspecto relacionados no Quadro 17. 1. complicações pulmonares•.
D ura nte o período pré-operatório, dependendo do
Quadro 17. I .: Aspectos clínicos a serem avaliados pela fisiotera- nível de percepção, entendimento c ansiedade do
pia respiratória no pré-operatório
paciente, é importante orientá-lo quanto ao proceru-
----------------------------------------------·· mento cirúrgico c aos aspectos de seu pré e pós-opera-
lnspcçio tório imeruato, tais como controle hemodinâmico e res-
·p
. postura piratório, presença de cateteres, drenos, tubo cndotra-
· aspecto da pek queal, instalação e retirada da ventilação mecânica e esta-
- fácies da em unidade de tratamento intensivo.
D evem ser abordadas ainda a fisioparologia respiratória
- via de entrada de ar pós-operatória e a importância da intervenção fisioterápica
- morfologia do tórax
e da cooperação do paciente, uma vez que, no período pós-
Dinâmica
operatório, o paciente pode apresentar alterações de cons-
• respiratória
- ITeqüência cardiaca ciência ou mesmo dor, que muitas vezes interferem na
• pressio arterial compreensão e elaboração da atividades a ele solicitada 211•
• padrio respiratcirio Segundo Olsen et al.'6 a Fisioterapia Respiratória juntamen-
- ritmo
- amplitude
te com a orientação pré-operatória, treinamento e acompa-
- sinais de esfOI'Ço respiratório nhamento no pós-operatório são importantes na preven-
- tosse ção de complicações neste período para pacientes de alto
Palpaç:io risco submetido a procerumento cirúrgico abdominal.
- sensibilidade
• cxpansibilidade
• lonus muscular Conduta pós-operatória
Ausculta respiratória e pereussio
A risioterapia Respiratória no pós-operatono tem
Função pulmonar
- cspirometria como objetivo recuperar a capacidade residual funcio-
- pressão inspiratóna máxima (Plmáx.) = rradu.< a força dos nal, dar assistência na remoção de qualquer excesso de
músculos inspirató rios secreção pulmona r, auxiliar no posicionamento geral,
pressão expiratória máxima (PEmá:<.) = tradu/ a força dos
na mobilidade na cama e na deambulação precoce do
músculos expira1órios
- paciente. Tais objetivos podem ser alcançados po r
Saturimetria de pulso
meio de técnicas c recursos fisioterápicos que promo-
- teste de amplitude de movimento (.IDM) vam a reexpansào pulmo na r c o fl uxo aé reo adequado
• das vias aéreas" ·'•.
··---------------------------------------------- este período, é necessária a realização da avaliação
fisio terápica anteriormente de crita, pois certamente o
Além desses aspectos clínicos, deve-se estar atento quadro do paciente apresentará diferenças importantes
aos achados radiológicos e aos resultados dos exames em relação ao pré-operatório . e o paciente não tiver
laboratoriais. sido submetido a tratamento fisioterápico antes da
A partir dessa avaliação, os objetivos do tratamento operação, o pós-operatório será o mome nto de conhe-
fisioterápico, bem como as condutas que serão adotadas cê-lo e avaliá-lo com o objetivo de prescrever c excCLI-
du rante o procedimento, deverão ser estabelecidos. De tar seu tratamento.

211
..

--------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

TÉCNICAS E RECURSOS DE HIGIEN E BRÓNQUICA optar pela utilização dessa técnica deve estar apto,
Partindo do princípio de que a manutenção do fluxo durante todo o procedimento, a identificar esses sinais e
aéreo das vias aéreas é um dos o bjetivos primários do sintomas por meio da monitorização das respostas do
pós-operatório, técnicas como drenagem postural, mano- seu paciente à drenagem postura] e se necessário, a
bras desobstrutivas, tosse, aspiração de secreções e ciclo to mar as devidas providências 22 •
ativo das técnicas de respiração assumem importante Para a realização da drenagem postural é necessário
papel na prevenção da atelectasia e da infecção pulmonar. considerável investimento de tempo (de três a 15 minu-
tos) em cada posição selecionada, para que ocorra mobi-
DRENAGEM POSTURAL lização das secreções 22.24 • A freqüência em que o paciente
A drenagem postural consiste na técnica de posicio- deve ser mantido em cada posição não está bem d efini -
namentos específicos do paciente pelo fisioterapeuta, da, variando de acordo com o caso. O uso da técnica
sendo baseada na anatomia da árvore brônquica, de deve ser reavaliado, pelo menos, a cada 48 horas. Nos
modo que a ação da gravidade facilite a mobili zação de pacientes que se encontram em respiração espontânea, a
secreções de um ou mais segmentos pulmonares para as freqüência deve ser determinada a partir da avaliação da
vias aé reas centrais, melhorando a relação venti la- resposta do paciente à terapia22 •
ção/perfusão e recuperando a capacidade residual fun-
cional'.2'.22 . As secreções podem ser facilmente rem ovidas
PERCUSSÃO TOAACICA (TAPOTAGEM) E VIBRAÇÃO
das vias aéreas centrais po r meio da tosse ou aspiração
A percussão e a vibração são manobras de desobstru-
mecânica22• A drenagem postura] pode ser ocasionalmen-
ção brônquica associadas ou não à drenagem postura]
te acompanhada pela percussão torácica e/ o u vibração 22 •
com o objetivo de promover, respectivamente, o descola-
As posições assistidas pela gravidade podem ser usadas
menta das secreções localizadas perifericamente na árvo-
em neonatos, lactentes e crianças da mes ma forma que
re traqueobrônquica para as regiões centrais, onde serão
são utilizadas nos adultos, considerando as mesmas pre-
expelidas pela tosse ou aspiraçãd5• Segundo a literatura,
cauções e cuidados".22.23.
isso ocorre devido à produção e transmissão d e onda de
A decisão para o uso dessa técnica requer rigorosa
energia mecânica nas paredes brô nquicas, dependente da
avaliação dos benefícios reais, bem como dos riscos
potenciais 22• Vários es tudos têm mostrado que os benefí- força e rigidez do tórax, influenciando os batimentos cilia-
cios da drenagem postura] são limitados na maioria dos res. Tais manobras têm como objetivo minimizar a reten-
pacientes24. Essa técnica tem sua indicação justificada ção de secreção pulmonar e melhorar a oxigenaçãd6 •
para os pacientes que produzem pelo menos 25mL/ dia O tempo de execução da manobra depende da tole-
de secreção com dificuldade em mobilizá-la20·22•23 e na pre- rância do paciente e da ausculta pulmonar. Quando apli-
sença de atelectasias causadas por rolhas de secreção22 • A cada ao paciente sob ventilação mecânica, deve-se acom-
drenagem postura] também pode estar indicada ao panhar o sincronismo da fase expiratória do ciclo respira-
paciente de terapia intensiva, desde qu e algun s aspectos tório. Tanto em adultos quanto em lactentes e crianças, o
sejam avaliados pelo fisioterapeuta ao posicioná-ld 5• broncoespasmo pode ser exacerbado pelo uso da percus-
Alguns pacientes podem não tolerar as posições clássicas são torácica, que deve, portanto, ser evitada em alguns
e, em algumas condições, como na insuficiência carcliaca, casos. A literatura não demonstra evidências quanto à efi-
hipertensão grave, edema cerebral, aneurismas aórtico e cácia o u à superioridade desse método sobre outros22•26 •
cerebral, hemoptise grave, distensão abdominal, refluxo Contudo, existem relatos da ocorrência d e m udanças na
gastroesofágico, trauma d e cabeça e pescoço e pós-ope- ausculta pulmonar, em raruografias e exames de gases
rató rio imediato, podem estar contra-inrucadas22 . arteriais após a aplicação da percussão e da vibração26 .
Os riscos e complicações da drenagem postura] estão A vibração torácica consiste de movimentos oscilató-
associados ao surgimento d e eventuais sinais e sin tomas rios rápidos (tremores) aplicados manualmente ou mecani-
que incluem hipoxemia, broncoespasmo, hipotensão camente sobre a parede do tórax durante o tempo expira-
aguda, aumento da pressão intracraniana (> 20mmHg), tório. No entanto, não existem evidências conclusivas que
hemorragia pulmonar, dor ou lesão de tecidos e vômitos sustentem a eficácia da vibração, a superioridade entre os
com risco de aspiração20.22. Portanto, o profissional que métodos manual e mecânico ou a freqüência ideal22 •

212
Capítulo 17 .: Fisioterapia em Cirurgia

••
A assooaçao das técnicas de vibração, percussão e volun tário sob o co ntrole de centros superiores. Sendo
drenagem postura! parece ser mais efetiva na eliminação assim, ela pode ser adiada e até suprimida28•
das secreções do que a aplicação dessas técnicas indivi- o período pós-operatório, a presença da do r, o
dualmente. Embora a efetividade da percussão e da vibra- uso de anestésicos, narcóticos e a pró pria incisão cirúr-
ção em pro mover aumento do clareamento pulmo nar gica podem co mpro meter a eficácia da tosse '.29. O fisio-
esteja bem documentada em pacientes em ventilação terapeuta deve orientar os pacientes quanto à impor-
espontânea co m doença pulmo nar crônica, não se pode tância dela para mobilização de secreções e explicar-
afirmar sobre a efetividade dessas mesmas técnicas quan- lhes que a aplicação de pressão manual, até com um
do utilizadas em pacientes internados em unidades de travesseiro , sobre a incisão cirúrgica é uma técnica de
terapia intensiva. Nas operações cardiacas pediátricas, se supo rte para facilitar a tosse e diminuir possível dor.
o sangramento pós-operató rio for persistente o u excessi- No caso das crianças, elas mesm as o u os pais também
vo, as percussões e vibrações devem ser evitadas 11 • devem pressionar um travesseiro o u brinquedo macio
na região da ferida cirúrgica 11 •
TosSE
O bliffing, manobra voluntária de expiração fo rçada
contra a glo te aberta, é uma técnica alternativa que tem o
O sistema respirató rio é dotado de mecanismos de
mesmo ob jetivo da tosse28• O fisioterapeuta também pode
defesa altamente integrados e eficientes que garantem e
assistir a tosse por meio de compressão m anual externa
mantêm a não-colo nização do trato respirató rio inferio r.
na região epigástrica o u na caixa torácica, durante a expi-
Os mecanismos de depuração imunoespecíficos, fagocíri-
ração, dependendo da região do tó rax operada. Muitas
cos e mecânicos são responsáveis tanto pela destruição e
vezes, é necessário que o fisioterapeuta reco rra à estimu-
depuração do agente agressor quanto pela sua expulsãd' .
lação traqueal externa, em que a traquéia é comprimida
O tecido Linfóide, localizado em foliculos ao lo ngo da
parcialmente, de modo a causar estimulação mecânica da
árvore brô nquica, estimula os linfócitos BeTa se torna-
tosse. A estimulação da oro faringe, por meio de cateter de
rem células de memória e efetoras co ntra os anógenos
aspiração tragueal, é o utro recurso disponível 29 •
inalados. As principais fu nções desses Linfócitos pulmo-
Portanto, os pacientes que, no pós-operatório de
nares incluem a produção de anticorpos, a atividade cito-
tóxica e a elaboração de mediado res inflamatórios. As roracotomia ou laparotomia no andar superior do abdo-
me, apresentarem evidência de retenção de secreção pul-
paróculas ino rgânicas ou o rgânicas com diâmetro em
torno de 2J..Lm que se depositam nas vias aéreas periféri- mo nar com tosse espo ntânea improd utiva c ineficaz têm
cas sofrerão natu ralmente a ação da fagocitose alveolar. O a necessidade de utilização das técnicas assistidas da
surfactante é o respo nsável por mod ular a ação fagocítica, tosse. A tosse dirigida (buffing e tosse assistida) é indicada
estim ulando o u inibindo a atividade dos macrófagos como pro filaxia de complicações pulmo nares pós-opera-
alveolares. Os mecanismos físicos de Limpeza mecânica, tórias e como parte integrante de o utras técnicas de higie-
ne brô nquica, por exemplo a d renagem postural e a te ra-
como o sistema de ftltro das vias aéreas superiores, o
transporte mucociliar e os reflexos da tosse e do espirro, pia de pressão positiva expiratória nas vias aéreas 30 •
são considerados a principal defesa do aparelho respirató-
rio. O batimento dos cílios das células epiteliais tem a ASPIRAÇÃO OAS SECREÇÕES

fmalidade de promover o deslocamento ascendente das A aspiração é uma técnica invasiva que tem o objeti-
paróculas depositadas no trato respirató rio inferio r, bem vo de remover acúmulo de sali va, secreções pulmonares,
como do muco respirató rio em direção à traquéia e à sangue, vômitos e corpos estranhos da traquéia e área
laringe. A tosse, por sua vez, apesar de ser m ecanismo de nasotraqueal que não podem ser removidos po r tosse
depuração de reserva, constitui re flexo protetor essencial espontânea do paciente o u o utros procedim entos m enos
na eliminação de secreções e de corpos estranhos. D evido invasivos3' . Essa técnica também está indicada como
à sua função emergencial, somente atuará quando a quan- meio de estimular a tosse e para o bter amostra de escar-
tidade de secreções o u m ateriais depositados no interior ro para análise microbiológica o u cito lógica. O método
das vias aéreas for suficientemente grande para desenca- da aspiração consiste em introduzir um cateter flexível,
dear tal reflexd ' . Entretanto, a tosse pode deixar de ser estéril e de calibre apro priado na via nasotraqueal, orofa-
fenô meno reflexo (tosse espo ntânea) para tornar-se ato ríngea ou na via aérea artificial, de modo a gerar pressão

213
••• Fundamentos em Cllnica Cirúrgica

negativa gue irá succio nar as ecreções acumuladas nes- H CNICAS DE REEXPANSÃO PULMONAR

ses locais31 • A pressão subatmosférica utilizada deve ser Os pacientes em ventilação espontân ea que apresen-
apropriada para cada faixa etária. tam diminuição da ven tilação alveolar com conseqüente
A partir do momento em que a aspiração fo r eleita perda da capacidade residual funcional podem beneficiar-
como a principal técnica na remoção das secreções reti- se dos exercícios respiratórios, uma vez que eles têm o
das, por meio de avaliação criteriosa, deve-se estar aten- objetivo de aumentar o volume corrente, recuperar a
to às inúmeras complicações decorrentes desse procedi- capacidade residual funcional, restaurar o padrão respira-
mento, tais como trauma mecânico, hipoxemia, arri t- tório normal e facilitar a eliminação de secreções". Essa
rnias, bradicardia, hipertensão, hipotensão, parada car- técnica, que promove o recrutamento da ventilação de
diorrespiratória, vômitos, laringoespasmo, broncoespas- modo mais p róximo ao fisiológico devido à queda da
mo, infecção, atelectasia, aumento da pressão intracra- pressão pleural, pode estar associada à d renagem postura!,
ruana, pneumotôrax, desconforto e do ru. A indicação da às manobras desobstrutivas ou à tosse 1• Uma peculiarida-
aspiração deve ser reavaliada diariamente, uma vez que de dos exercícios respiratórios é que o fisioterapeuta tem
existem técnicas menos agressivas e menos danosas ao a possibilidade de solicitar sua realização nos intervalos
paciente, as quais podem ser utilizadas em sua higiene dos atendi mentos, a partir do momenro em que o pacien-
brônquica. D essa fo rma, o procedimento de aspiração te for capaz de realizá-los corretamente, acelerando seu
deve ser realizado somente quando absolutamente neces- processo de recuperação 1• Os exercícios respiratórios já
sário, sem tornar-se rotina terapêutica 1•11 • podem ser ensinados ao paciente desde o pré-operatório,
para que sejam bem executados posteriormente18 •
Durante a realização do exerc1c1os respiratonos,
Clao ATIVO DAS TiCNICAS DA RESPIRAÇÃO
freqüen temente é solicitado ao paciente expirar com
O ciclo ativo das técnicas da respiração também é
fre no labial (pursed-lips) com o objetivo de impo r um
uma das Lécnicas desobstruti vas com a finalidade de pro-
retardo à expiração. Esse recurso está bem indicado
mover o fllL'<O adequado das vias aéreas32 4• O controle da
para aqueles pacientes com obs trução crônica ao fluxo
respiração, os exercícios de expansão torácica e a técnica
aéreo, uma vez gue o freno labia] gera pressão positiva
de expiração forçada combinados fundamen tam o ciclo
nas vias aéreas, permitindo ao paciente expirar em pro-
ativo das técnicas da respiração 21·"' 6 • Essa técnica apre-
vocar o colapso das peque nas vias aéreas e evitando o
senta como efeito fisiológico a maximização da ventila-
aprisio namento de ar nos pu lmões'.
ção nos canais colaterais, bem como a mobilização de
secreções das vias aéreas periféricas 11 .2>'.11·"'.
Os pacientes idosos, jovens e até crianças podem ExEAC(CJO RESPIRATÓRIO OIAFRAGMÁ TICO

realizar a técnica desde que sejam cooperativo e O exercício respiratório diafragmárico objetiva
tenham bom entendimento sobre a execução dela. E les aumentar o volume corrente, diminuindo a freqüência
podem se posicionar em decúbito do rsal, lateral o u respiratória, o trabalho respiratório e a dispnéia; facilitar
assentados' 1.lol e realizar a técnica de forma independen- a eliminação de secreções e favo recer o relaxamento da
te ou com assistência" . O controle da respiração é o musculatura acessória' 19• O ideal é que esse ti po de exer-
único momento, durante a realização do ciclo ati vo das cício seja realizado primeiramente na posição serni-
técnicas da res piração, em que o paciente se encontra Fowler, no intuito de eliminar a ação da gravidade sobre
relaxado e com dispêndio mínimo de energia". Durante o diafragma. Posteriormente, pode progredir para dife-
essa fase, podem ser realizadas as técnicas de percussão, rentes posicionamentos, como os decúbitos do rsal e late-
' 'ibração e compressão torácica".z1·"'. Os exercícios de ral, as posições sentada e de pé, concomitantemente à
expansão torácica auxiliam a ventilação dos ca nais cola- reali zação de algumas atividades, (p. ex.: a deambulação e
terais por diminuírem a resistência ao fluxo aéreo no a subida e descida de escadasY,
sistema colateral e gerarem fo rças ex pansivas nos alvéo- Para realizar a técnica, o paciente, primeiramente,
los adjacentes 12• A técnica de ex piração forçada reque r o deve estar o mais relaxado possível para que, em seguida,
mínimo de esforço do paciente e tem a finalidade de o fi sio terapeuta coloque sua mão, ou mesmo a do pacien-
mobilizar as secreções situadas em vias aéreas periféri- te, abaixo do apêndice xifóide ou na região das cartila-
cas em direção às vias aéreas centrais 11 .J 1..l4. gens costais inferiores, como estímulo tátiP. Então, ao

214
•••
Capftulo 17 .: Fisioterapia em Cirurgia

final do tempo expiratório, é solicitado ao paciente que terapêutico para reexpa ndir alvéolos colapsados, em
realize inspiração, recrutando o trabalho cliafragmático'. razão do aumento da pressão transpulmonar mantido
pela pausa pós-inspiratória. Assim, a obtenção de
aumento da capacidade pulmo nar total gara nte maior
ExEJI.dao RESPfAATÓRJO DE EXPANSÃO COSTAL E I..ATEJI.AL
estabilidade a1veolar4"·41•
Os exercícios respiratórios de expansão costal e lateral
estão especialmente indicados para aqueles pacientes sub- Esse instrumento tem sido amplamente utilizado na
prevenção e no tratamento de complicações pulmonares
metidos à operação abdominal, uma ''ez que é preferível
que o fi sioterapeuta coloque suas mãos na parede lateral após operações abdominais e torácicas, com o objetivo
do tóra..-x a colocá-las no abdome'. Além disso, quando o de prevenir o u reverter o colapso alveolar9•42 •
movimento da parede costal se encontra restrito, seja pela Recomenda-se que o espirômetro de incentivo seja
dor da incisão cirúrgica, seja pela debilidade dos músculos uti lizado co m freqüência de dez inspirações máxi mas
intercostais, esses exercícios são mais bem tolerados do sustentadas, cuja pausa pós-inspiratória seja de três
que quaJquer outro''. Tais exercícios podem ser reaJizados segundos enquanto o paciente permanecer acordado' 2•
de forma unilateral ou bilateralmente c têm o objetivo de Estudos indicam que o alvéolo, uma vez insuflado, per-
aumentar a ventilação dos lobos inferiores e facilitar a res- manecerá insu Aado por ao menos uma hora41l·41 •
piração diafragmática'. Da mesma forma que no exercício O s objetivos fisiológicos da espirometria de incentivo
diafragmático, essa técnica também requer o estímulo tátil são au mentar a pressão transpulmo nar e os volumes ins-
da mão do fi sioterapeuta sobre a região a ser tratada, piratórios; melhorar o desempenho muscular inspirará-
devendo-se solicitar ao paciente que respire empurrando rio e restabelecer o padrão de expansão pulmonar, o que
as costelas inferiores contra a sua mão. pode beneficiar o mecanismo da tosse' 2 •
A espirometria de incentivo está contra-indicada
quando não se pode assegurar o uso apropriado do apa-
ExEJI.dOO RESPfRATÓRJO SEGMENTAR
relho, seja por ins trução o u supervisão inadequadas, seja
O exercício respiratório segmentar, mmbém denomina-
por falta de cooperação ou incompreensão do paciente
do locaJizado, está indicado quando se tem o objetivo de
o u por sua incapacidade de realizar inspiração profunda
ventilar regiões específicas do pulmão. As mãos do fisiote-
e efetiva, isto é, capacidade vital menor que 1Oml/kg e
rapeuta ou do paciente devem ser colocadas na região do
capacidade inspiratória menor que um terço da prevism' 2•
tóra..x correspondente ao segmento pulmonar a ser ventila-
A literatura demonstra que a e piromerria de incenti-
do. Também pode ser dado discreto estímulo pre sórico
vo é, no minimo, tão eficiente quanto outras técnjcas de
que favo recerá a inspiração profunda. Durante a reaJização
expansão pL1lmo nar na preve nção e no tratamento de
dessa técnica, deve-se ao paciente que inspire
complicações pulmo nares no pós-operatório'9.
"empurrando" a mão do terapeuta com o ar'.

RESPIRAÇÃO COM PRESSÃO POSITIVA INTEJI.MITENTE


R ECURSOS TERAPtUTICOS UTILIZADOS EM FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA
A respiração com pressão poswva intermitente é
EsPfROMETRIA DE INCENTIVO uma técnica Lltili zada para fornecer ve ntilação mecâni-
A espirometria de incentivo é um recurso terapêutico ca de curta duração ou episódica com o ob jetivo primá-
utilizado tanto em adultos quanto em crianças para indu- rio de auxiliar a ventilação e aumentar periodicamente
zir inspirações máximas sustentadas de fo rma a reprodu- os volllmes pulmo nares e a capacidade vital. Isso ocor-
zir o suspiro e incentiva r o paciente, por intermédio de re devido à transmissão da pressão positi va por meio
.ftedback visual, a realizar inspirações lentas e profundasq·40• da árvore brônqujca até o es paço alveolar, pro moven-
O primeiro espirômetro de incentivo foi desenvolvido do assim ruperinsuflação pulmo nar. É aplicada pressão
por BanJett et ai." , nos anos 70 do século passado, com supra-atmosférica entre zero e 35cm H 2 0 nas vias
o objetivo de assegurar que o paciente reprodu zisse ins- aéreas durante a fase inspirató ria, retornando à pressão
piração máxi ma sustentada com a glote aberta até a atmosférica dllrante a expiração. A res piração com
capacidade pulmonar total. pressão positiva intermitente foi originalmente descrita
A inspiração máx ima sustentada até a capacidade em 1947 e a sua utiljzação ga nhou popularidade a par-
pulmonar total é descrita co mo padrão respiratório tir de 1950 como método para tratar e prevenir atelec-

215

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tasias no pós-operatório e outras complicações pulmo- expansão pulmonar"·"5. A pre são posttJva contínua nas
nares. Atualmente, ela vem sendo questionada quando vias aéreas é uma forma de assistência vcntilató ria que pro-
comparada a outros modos de ventilação não-invasiva move a manutenção de um mesmo nível de pressão positi-
com máscara, devido ao importante aumento do traba- va nas vias aéreas (5 a 20cml 120) durante todo o ciclo res-
lho respiratório 211"41 • piratório, promovendo o aumento da pressão transpulmo-
A respiração com pressão positiva interm itente é A sua aplicação ocorre de forma não-invasiva por
comumente uti lizada em pacientes conscientes e cola- meio de máscaras adaptadas do tipo facial ou nasal em que
borativos por meio de respirador mecânico conectado a o paciente respira em sistema pressurizado contra um resis-
máscara facial, bocal ou adaptadores, em caso de tor limiar pressórico. Essa técnica requer fluxo gasoso con-
pacientes traqueosromjzados que apresentem sinais de tínuo durante a inspiração que seja suficiente para manter a
hipoventi lação o u atelectasia. O paciente em pós-opera- pressão posiri,•a na via aérea''.
tório, sonolento, incapaz de cooperar com os exercícios Esse recurso pode ser uti lizado tanto com o pacien-
de expansão torácica e beneficia-se com essa téc- te em respiração espontânea quanto em pacientes que
nica por aumentar o volume corrente e favorecer a estejam intubados, apresentando grau \'ariados de insu-
mobilização de secreções" . ficiência respiratória aguda. As vantagens o ferecidas
A literatura apresenta-se bastante controversa quanto às com a administração de pressão positiva contínua nas
suas indicações, seus efeitos fisiológicos e suas complica- vias aéreas por máscara nasal são que o recurso é simples
ções. Em 1963, Anderson et ai.''", em estudo controlado e bem tole rado'', não provoca dor nem exige esforço
não-randomizado, revelaram que a utilização de respiração suplementar do paciente para a sua realização41' .
com pressão positiva intermitente diariamente ele três a A lüeratura demonstra que o uso da pressão positiva
quatro vezes foi benéfica na prevenção ele complicações contín ua nas ,-ias aéreas no período pós-operatório de
pulmonares. Outros estudos confirmaram esse beneficio operações cardíacas, torácicas ou abdo minais melho ra a
quando foi utilizada a mesma técnica em pacientes subme- hematose, revertendo a hipoxemia, recuperando a capa-
tidos a operação abdominal alta 19• Entretanto, estudo pos- cidade residual funcional e red uzindo o trabalho respira-
teriores não encontraram os mesmos efeitos positivos tório'<>-9. Algu ns estudos também confirmam sua eficácia
quando um grupo ele pacientes submetidos a laparotomia no tratamento da atelectasia"·"6·"''.
recebeu o tratamento comparado a outro grupo que não r o entanto, seu efeitos permanecem somente
utilizou essa técnica. Alguns autores afirmam que a respira- durante a Pinilla et ai.'" demonstraram a
ção com pressão positiva intermitente pode ser utilizada manutenção do aumento do índice de oxigenação
em pacientes no pós-operatório quando eles são incapazes (POz!FiOz) com p ressão positiva contínua nas vias
de aumentar o volume corrente adequadamente durante o aé reas nasais até 24 horas após sua utilização dura nte 12
tratamento, bem como na prevenção e no tratamento elas horas. A utilização da técnica com máscara facial pós-
atelectasias pós-operatórias" . cxtubação ainda pode ser um recurso muito e ficaz para
Segundo o guideline da American Association for Respiratory diminuir o tempo de ventilação mecânica em pacien tes
Core sobre respiração com pressão positiva intermiteme, submetidos a operações cardiacas, to rácicas, abdominais
publicado originalmente em 1993 e revisado recentemente e transplante de pulmão" .
em 2003, essa técnica está indicada para melhorar a expan- O uso da pressão positiva contínua nas \'ias aéreas
são pulmonar, como nas atelectasias pulmonares clinica- em pacientes cooperativos gue apresentam colapso pul-
mente significantes, somente quando outras técnicas mo nar segmentar n o pós-operató rio parece ser mais efe-
menos invasivas e dispendiosas não tenham obtido resulta- tivo na promoção da expansão do tecido pu lmonar do
do importante. Também existe indicação para a aero solte- que a respiração com pressão positiva intermitente" .
rapia e para assistir a ventilaçào' 1 .
PRESSÃO POSITIVA D<PIRATÓRJA NAS VIAS AÉJlY.S

PRESSÃO POSITIVA CONTINUA NAS VIAS AÊAEAS A pressão positiva expiratória nas vias aéreas consiste
As técnica desobstrutivas que utilizam a imposição de na ap licação de pressão positiva po r meio de resistor
pressão positiva nas vias aéreas são utilizadas como alterna- linear, aplicado durante a expiração, gerando pressões
tiva eficaz na mobilização de secreções e na promoção da que variam ele 5cmH 20 a Esse recurso

216
Capítulo 17 .: Fisioterapia em Cirurgia

••
fisioterápico possui como efeito fi siológico o au mento doença pulmonar obstrutiva crô nica5556 , asma57 e no
da pressão alveolar, causando: 1) aumento da capacidade pós-operatório de intervenções abdominais e torácicas
residual funcional; 2) recru tamento alveolar; 3) au mento (ventilação).
da resistência vascular pulmonar e da permeabilidade O uso desse aparelho pode estar co ntra-indicado
alvéolo capilar; 4) diminuição do shunt 46 • em casos de hemo ptise, pneumotórax, enfisema e
Essa técnica está indicada para reduzir o aprisio na- doenças cardiovasculares descompensadas. Segundo
mento de ar na asma e na doença pulmonar obstruti va re latos da lite ratura, são pouco freqüentes as complica-
crônica, auxiliar na mobilização de secreções e prevenir ções relacionadas ao Jlutter, porém podem ocorrer
ou reverter atelectasias 18"46 • E mbora não tenham sido rela- pneumo tó rax e hiperventilação 20 •
tadas contra-indicações absolutas ao uso da terapia com
pressão positiva intermitente ou pressão positiva cxpira-
M OBILIZAÇÃO PRECOCE DO PACIENTE
tória nas vias aéreas, alguns itens devem ser cuidadosa-
A mobilização precoce do paciente no pós-o perató rio
mente avaliados antes do inicio da terapia, como a pres-
tem sido instituída como terapia efetiva na prevenção
são intracraniana maior que 20mmHg, instabi lidade
dos efeitos deletérios do repouso prolongado no leito e
hemodinâmica, operação esofágica46 , sinusite aguda,
da imobilização, bem como na prevenção de atelectasias
hemoptise ativa e pneumotórax não-tratado 12 • Existem
ou o utras com plicações pulmonares1•5859 •
ainda alguns riscos e complicações inerentes ao uso da
o pós-operató rio, a presença de dor, os medicamen-
pressão positiva expiratória nas vias aéreas como baro-
tos administrados ou até o risco de desconectar cabos de
trauma, claustrofobia, aumento do trabalho respiratório
monitorização, drenos e soros propiciam a permanência do
c hemorragias bronquiais46 •
paciente no leito po r longos períodos20• A mudança de
decúbito, nos estádios iniciais de recuperação, é a principal
f WTTER técnica para aLLxiliar a expansão pulmonar enquanto o
O Jlutter é um apa relho simples, portátil, em forma de paciente estiver no leito 11 .20. Pacientes nessa situação neces-
cachimbo, usado para assistir a eliminação de secreções sitarão de assistência e deverão ser encorajados a realizar a
brônquicas 5' ' , tendo sido desenvolvido na Suíça, no fmal mudança de decúbi to pelo menos a cada duas horas
da década de 80 do século passado23 . A fundamentação enquanto permanecerem acordados e, tão logo seja possí-
fisiológica da utilização do Jlutter baseia-se em três princí- vel, assumirem a posição sentada, o ortostatismo e a deam-
pios: a oscilação das vias aéreas, o au mento do fluxo bulação21'. O desenvolvimento da operação laparoscópica e
aéreo intermitente c a pressão positiva na via aérea35 • a melhoria dos anestésicos vêm permitindo a mobilização
O Jlutter utili za o princípio da pressão positiva expira- independente dos pacientes, sendo necessárias somente a
tória nas vias aéreas, pressurizando a via aérea por meio orientação e a mobilização precoce delas" .
de resisto r linear aplicado dura nte a expiração. O pacien- Millet et al."' demonstraram que a mudança da posição
te durante a utilização do Jlut/er reali za rá, portanto, inspi- supina para o decúbito lateral causa pequena redução do
ração subatmosférica e expiração supraatmosférica que volume pulmonar no pulmão dependente e importante
evitará o colapso prematuro das vias aéreas e promoverá aumento no pulmão supralateral. D essa forma, observa-se
recrutamento de unidades periféricas, auxiliando na incremento na capacidade resid ual funcional, o que pode
mobilização de secreção21'. Quando a pressão ati ngir valo- ser explicado pelo fato de a queda da pressão pleural no
res entre 1OcmHzO a 25cml-1z0 durante a utilização do pulmão supralateral gerar aumento na força de expansão
aparelho, causando assim a elevação da es fera no interior nas vias aéreas e alvéolos, que, por sua vez resulta em
do cone, permitirá a passagem do fluxo expiratório . A aumento do volume pulmonar e redução da perfusão san-
elevação e a queda da esfera ocorrem várias vezes duran- güinea local. Po rtan to, na presença de áreas com atelectasia
te cada ex piração, criando, dessa forma, uma pressão de reabsorção unilateral, o posicionamento supralateral
oscilatória endobro nquial que va ria de 0,8cmH 20 a deste pulmão proporcionará a ele maior expansão21'.
25cmH 0 e aumento intermitente do fluxo aéreo, produ- Assim, a mudança de decúbito oferece impo rtantes
2
zindo, com isso, o chamado "efeito Jluttd' B _ beneficios ao paciente tais como o aumento da capacidade
O Jlutter tem sido amplamente utili zado no tratamen- residual funcional e a melhora da oxigenação, além de dire-
to de pacientes com fibrose cística1\ bronquiectasia35 , cionar, pela ação da gravidade, o flu.x o sangüineo pulmonar

217
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
e a circulação tinfática preferencialmente para as áreas 6• G osselink R, chrever 1-.:, Cops P, \X'irvrouwen 11, Lern P,
dependentes do pulmão20• os lactentes e nas crianças Troosters, et ai. lncemh·e spiromctrv does nor cnhance reco-
very aftcr rhoracic surgery. C ri r Cnrc Mccl. 2000;28:679-81.
também deve ocorrer mudança regular do posicionamento
7 o Ramona L, Doylc MD. ,\ ssessing a nd modifymg thc risk o f pos-
quando enconrrados no leito, sendo confortavelmente topcrtivc pulmonarr Chcst. 1999; 11 5:775-
posicionados em decúbito lateral alternado ou sentados 815.
verticalmente. Mas, tão logo a conclição permita, no pri- 8• cude ri J, Olsen G '. Respiratorv therapr in the managemem of
meiro clia pós-operatório, as crianças devem permanecer poscopcrativc complications. Resp Care. 1989;34:28 1-9 1.
9 o D ouce FH. lncenti,·e spiromerry and mher a1ds to lung mflatio.
preferencialmente fora do leito e iniciar precocemente a
ln: Barncs T t\. Core textbook o f carc practicc. St
deambulação, mesmo com a presença de soros, drenas ou Louis: ;\ 1994:23 1-41.
cateteres. O s pais devem ser orientados a estimular seus lO o llall JC, T arala R, Harris L, T apper J, Chrisuanscn K lncenm·e
filhos a ai r do leito tão logo eja po ível 11 • spiromet:ry ,·ersus routinc chest phys1mhcrapy fnr prcvcnno n
A movimentação passiva, ati\'a-assistida ou ativa-resis- o f pulmonaf)' compi.Jcaoons after nlxlommal surp;ef) . l .ancet.
tida dos membros superiores e inferiores tem o objetivo de 199 1;337:953-6.
11 o C. Cirurgia em adulws. In: Pf)·or j ,\ , \\ ebbcr, B.\.
manter ou melhorar a amplitude de movimento articular, o
Fisioterapia para problemas rcspir.atúrim c ca rdíacos. Rio de
comprimento dos tecidos moles, a força e função muscu- Janmo: Guanabara 2002:2 10-33.
lar, evitando assim o surgimento de conrramras e encurta- 12 o Rczaiguia , J ayr C. Prevenuon dcs comphcarion., resp 1ratories
mentos musculare , bem como reduzir o risco de trom- apres chirurgic abdommalc. Ann Fr Ancs th Rcamm .
boembolismo'". Esses exercício podem ser realizados 1996; 15:623-46.
13 • Marini JJ. Postope rati ve alclccta>i!.: pathophysiology, clinicai
tanto em pacientes internados em enfermarias como nos
importance, and pnnc1plcs of managcmem. Resp Care.
internados em unidades de terapia intensiva""'. O s alonga- 1984;29:5 16-22.
mentos, e pecialmente em pacientes submetidos a roraco- 14 o Parker \ , Prasad .-\. Ped1ntna. In: PC) o r J \ , \\ ebbcr, BA
tomias e lapa rotomias, são essenciais para o restabeleci- Fisioterapia para problemas respiratório, c carclíacm. Rio de
mento da posmra inicial, uma vez que a posrura antálgica é j anc1ro: Guanabara 1-.:oogan, 2002:234 6.1.
adotada na maioria da vezes. 15 • C, Prasad A. \X'ho nceds chest ph\'lothcrapy? \lo, mg
fro m a necdote ro C\ idencc. A rch Dis Child . 1999;80:393-7.
Posturas como sentado e o rtostatis mo devem ser
16 • Olsen .\IF, llahn I, :--lordgren S, Lonruth 11, Lundholm 1-.:.
assumidas, o mais precocemente possível, assim como Randomized comrolled trml o f prophvlacuc chcst physiorhc-
a deambulação. rapy m major abdommal 'urgcn. Br J urg. 199-;84: I 535-8.
A alta do tratamento fisio terápico virá ao encontro da 17 • l lall J C, Ta rala Rt\ , Tapper J , I !ali J L. Prc' cntion o f resp1ratof)
aquisição dos objetivos propostos no pré e/ou pós-ope- complications a frer abdommal '> urge f): a random1zcd climcal
trial. BMJ. 1996;312: 148 52.
ratono. o momentO da alta hospitalar, em caso de
18 o Rickste n SR, Bcngtsson A, Sodcrbe rg C, Tho rdcn M, K vist 11.
nece sidade, o paciente receberá orientações quanto à Effccts o f periodic posiuYc amvny prcssurc by mask on pos-
continuidade do tratamento em nível domiciliar o u topcrativc pulmonary func1ion . Chcst. 1986;89:774-8 1.
ambuJaroriaJ sob supervisão do fisioterapeuta. 19 • Celli BR, Rodrigues KS, Smdcr GL. t\ comrullcd trial of imcr-
m ittcnt positivc prcssurc b rcathing, 1ncenuvc spirometf)', anel
decp brea1hing cxcrcices m prc,cnung p ulmon.lf)" complica-
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Capitulo 17 .: Fisioterapia em Cirurgia

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219
18
ANTIBIOTICOPROFILAXIA
EM CIRURGIA

..-------------------------------------------------------------------

Marco Antônio Gonçalves Rodrigues

Introdução do sítio cirúrgico, em pacientes que não apresentam evidên-


cias clinicas de infecção. Esse objetivo é alcançado pela
O uso de antirn.icrobianos na prevenção de infecções diminuição do inóculo bacteriano no momento em que as
cirúrgicas iniciou-se com o desenvolvimento dos primeiros barreiras anatômicas entre os tecidos colonizados e os não-
antirn.icrobianos na década de 40 do século passado. H á colonizados são rompidas pelas incisões e, principalmente,
relatos do emprego de sulfas tópicas, com sucesso, em pela redução da adesividade e multiplicação bacteriana nos
cotos de amputação durante a segunda grande guerra. Em tecidos operados. É necessário ressalt.:'lr que o uso pro filá ti-
1961, em estudo experimental, Burke 1 definiu algumas das co de antibióticos não tem indicação na prevenção de
bases da antibioticoprofilaxia cirúrgica. Três anos depois, outras infecções pós-operatórias, como infecções urinárias
Bernard e Cole2 demonstraram, em estudo prospectivo, o e respiratórias, que têm fatores de risco próprios e não são
indiscuóvel beneficio do emprego dos antibióticos na redu- influenciadas por essa prática.
ção do risco de infecções após operações digestivas.
ão serão discutidas neste capítulo as bases e indica-
Atualmente seu emprego está consagrado como uma
ções da antibioticoprofilaxia em Clínica Médica. O empre-
das condutas profiláticas, úteis na redução do risco de
go de antimicrobianos em pacientes portadores de órteses
infecção do sítio cirúrgico (Capítulo 49 - bifecfÕes do S'ítio
e próteses que irão submeter-se a procedimentos invasivos
Cirúrgico) . Está indicado especialmente quando o risco
está amplamente discutido no Capítulo 46 - Cirnrgia no
dessa infecção for importante, seja por sua freqüência, ou
paciente com órteses epróteses.
seja por sua gravidade" 6 • A avaliação do risco de ocorrer
infecção do sítio cirúrgico deve considerar principalmente
os seguintes fatores: potencial de contaminação, duração Desvantagens
do procedimento e condições clínicas do paciente' . Com
relação à gravidade da infecção, destacam-se as situações Alguns inconvenientes e desvantagens têm sido
em que, apesar de o risco da infecção ser baixo, sua ocor- observados com o emprego de antirn.icrobianos profiláti-
rência seria desastrosa, como em algumas operações cardía- cos em Cirurgia. Entre eles, ressaltam-se a falsa sensação
cas e neurológicas, com implante de prótese etc5. de segurança, as reações colaterais, a resistência a antimi-
crobianos e o custo8 11•

Objetivo
Falsa sensação de segurança
A palavra proplijlaxis, de origem grega, designa a ação
desenvolvida para evitar uma doença. A antibioticoprofila- Constitui a maior desvantagem, pois o cirurgião que
xia cirúrgica consiste na utilização de agen tes antimicrobia- tem excesso de confiança na antibioticoprofilaxia pode
nos com o objetivo de evitar o aparecimento de infecções relegar a um segundo plano os demais e imprescindi-

221

••
Fundamentos em Cllnica Cirúrgica

veJs cuidados profiláticos contra as infecções cirurgi- drogas caras, a antibioticopro filaxia cirúrgica co mpensa-
cas . "Antibió tico bom não substitui boa técnica" se em termos de relação custo-benefício4.12. 14 •
(Condo m e Whittmann').

Princípios básicos da
Reações tóxicas e alérgicas
antibioticoprofilaxia cirúrgica
Constiruem riscos potenciais sempre que se adminis-
Certos princípios básicos devem ser respeitados na
tra qualquer droga. Antecedentes de reações adversas
indicação e no emprego dos agentes antimicrobianos em
devem ser investigados no pré-operatório. N o entanto,
Cirurgia8 10• No Quadro 18.1 estão sumariados alguns deles.
os antimicrobianos comumente empregados e por curto
período de tempo, como recomendado, o ferecem baixo
risco para essas reações•.12. Momento da adm inistração
Para que o antimicrobiano apresente concentração
Resistência a antimicrobianos tecidual máxima no momento da incisão dos tecidos,
deve ser administrado pela via endovenosa, imediata-
O risco de desenvolvimento de microrganismos resis-
mente antes da indução anestésica 11 • Sua administração
tentes é mínimo com o uso das cefalosporinas de primeira
duas ho ras antes do procedimento, como já foi recomen-
geração, drogas normalmente empregadas. Além disso, os
dado, pode ser responsável por níveis inadequados da
curtos períodos de administração não cosrumam alterar a
droga, caso ocorra atraso no início da operação 11 • Não há
microbiota indígena ou induzir resistência. Conrudo, o uso
vantagem em iniciar-se a antibioticoprofilax.ia dias ou
inadequado e/ou desnecessariamente prolongado de anti-
horas an tes da operação, nem indicação de iniciá-la após
microbianos profiláticos tem sido fator importante ao sur-
o término do procedimento cirúrgico 1•16 •17•
gim ento de cepas de bactérias resistentes7·4•13•14 •
Existem duas exceções ao início da antibioticoprofi-
laxia minutos antes da indução anestésica. Nas cesaria-
Custo nas, em que a administração deve ser feita após clampea-
mento do co rdão umbilical, para evitar contato do anti-
O custo da antibioticoprofilax.ia é relativamente baixo microbiano com o concepto e conseqüente mascaramen-
se comparado às despesas hospitalares com as infecções to de eventual processo infeccioso do recém-nascido , e
do sítio cirúrgi.co. Respeitadas as indicações e evitando nas operações colorretais, em que o emprego de antimi-

Quadro 18. 1 .: Princípios básicos da antib ioticoprofila.xia cirúrgica


-----------------------------------------------------------------------------------------------------··•
Definir corretamente as indicações para o seu uso:
operações potencialmente conwninadas e conwninadas - pelo risco elevado de infecção do sitio cirúrgico
operações limpas - (juando a ocorrência de infecção for desastrosa, com risco de óbito ou de seqüelas graves
Empregar antimicrobianos ativos contra os patógenos mais prevalentes, considerando o sítio cirúrgico e a o peração proposta
Utilizar preferencialmente anrimicrobianos
--------,
Respeitar o momento ideal de administração. Quase sempre iniciar o antimicrobiano minutos antes da indução ancstésica
Em princlpio, usar o anrimicmbiano pela via endovenosa, para níveis teciduais
D entre os antimicrobianos eficazes, preferir os menos tóxicos e os de menor custo'
Evitar o emprego de antimicrobianos úteis em terapia de ves, de modo a prevenir a ocorrência de a essas
Empregar antimicrobianos em doses corretas e administrá-los por periodos curtos (na maioria dos casos, apenas no peroperatório)'
Não prolongar a antibioricopro6laxia por mais de 24 horas'
Considerar as individualidades de cada paciente e as particularidades de cada caso

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------
222
Capítulo 18 .: Antibioticoprofilaxia em Cirurgia

••
crobianos com o objetivo de obter a descontaminação proctológicas; e a apendicectomia (no tratamento de
seletiva do cólon deve iniciar-se cerca de 18 horas antes apendicite não-complicada)". Não há vantagens em con-
do procedimentd ·'"·' 9 • Esta última conduta, todavia, tem tinuar a antibioticoprofilaxia por mais de 24 horas3·". A
sido progressivamente abandonada pelos proctologistas, idéia ou impressão de que o uso mais prolongado de anti-
juntamente com o preparo mecânico do cólon antes de microbianos aumenta sua eficácia é falsa, fundamenta-se
colectomias. Já em pacientes que se submeterão a trans- em mitos, sendo motivada muito mais po r desconheci-
posição de segmento colônico (p.ex. para o mediastino, mento e insegurança do médico.
nas esofagocoloplastias), tanto o preparo mecânico
como o preparo químico no pré-operatório se impõem
como meclidas indispensáveis, visando a redução do Espectro de ação
risco de contaminação mecliastinal. A antibioticoprofilaxia deve ser dirigida contra os
microrganismos mais prevalentes em cada procedimen-
t04'8'17.21'24.25. ão há necessidade de cobertura antibiótica de
Níveis teciduais
todos os possíveis patógenos. Faz-se necessário, portanto,
O agente antimicrobiano deve atingir concentrações conhecer a microbiota do sítio cirúrgico (ver Quadro 18.2)
ativas contra os possíveis patógenos no sítio cirúrgico4·5·20. e a microbiota hospitalar. Os Stapf?yloccocus aureus e os esta-
Para isso, é importante que se conheçam as característi- filococos coagulase-negativos, seguidos pelos Gram-nega-
cas de absorção, distribuição e penetração tecidual das tivos, particularmente a Escherichia co/i, são os responsáveis
drogas mais usadas. A grande maioria das drogas atinge pela maioria das infecções do sítio cirúrgico.
concentração tecidual efetiva em até 30 minutos20.2'.
Deve ser respeitada também a capacidade inibitória mini-
ma da droga sobre o agente infeccioso, utilizando doses Escolha e posologia dos agentes
corretas e intervalos adequados entre elas•. Na maioria antimicrobianos
dos procedimentos cirúrgicos de curta duração, o antimi-
crobiano pode ser administrado uma única vez. Naqueles Cefalosporinas de primeira geração
mais demorados (três horas ou mais) ou quando há perda
As cefalosporinas de primeira geração de uso endove-
importante de sangue (mais de l.Oüürnl) podem ser
noso (EV) são as drogas habitualmente empregadas na
necessárias doses aclicionais, de acordo com a meia-vida
antibioticoprofilaxia cirúrgica5·6•20, tendo em vista as pro-
tecidual (e não a plasmática) da droga.
priedades vantajosas que apresentam e que estão suma-
riadas no Quadro 18.3.
Duração da profilaxia E ntre as cefalosporinas de primeira geração, as mais
usadas são a cefazolina e a cefalotina 5.20·2' . A cefazolina tem
Na maioria dos procedimentos, a administração dos sido a droga de escolha, pois atinge concentração tecidual
antimicrobianos proftláticos deve-se limitar ao perope- maior e mais rápida e apresenta meia-vida mais longa' 5.2'.
ratório4·6.1 4.22.23. Seus níveis teciduais devem ser mantidos Sua posologia é de l g a 2g EV antes da indução anestési-
durante todo o período peroperatório e, preferencial- ca e de 3/3horas até o fec hamento da pele. Pacientes com
mente, até três a quatro horas após o término da ope- mais de 60kg e/ou proceclimentos com maior sangra-
raçãd 0'2 1. Esse é o denominado período eficaz da ação menta constituem inclicações para uso de dose dobrada
profilática antimicrobiana. (2g). Pacientes com diminuição da perfusão tecidual por
Com o objetivo de proceder à síntese dos tecidos choque hipovolêmico ou pela utilização de garroteamen-
com túveis teciduais ótimos de antimicrobiano e para to hemostático também devem receber 2g. Se há indica-
estender esses niveis por algumas horas de pós-operató- ção para manter o antibiótico pro filático no pós-operató-
rio, mesmo que ainda não tenha chegado o momento de rio (no máximo por 24 horas), a cefazolina deve ser adrríí-
administrar dose adicional da droga, o cirurgião está nistrada a cada 8 horas.
autorizado a adiantá-la alguns minutos. A cefalotina apresenta posÕfogia semelhante, contudo,
As principais inclicações para emprego de antibiótico por apresentar meia vida mais curta, deve ser administrada
proftlático por 24 horas incluem operações com implan- no peroperatório a cada duas horas (doses adicionais). No
te de prótese; com abertura do crânio; cardíacas; colo- pós-operatório deve ser administrada a cada 4 horas.

223
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica
••
Quadro 18.2 .: Operações com indicação para uso de antibiótico profilático e os respectivos patógenos mais
comumente causadores de infecção do sitio cirúrgico

Operações Patógenos das infecções do sítio cirúrgico*

Transplantes de óq,>àos e tecidos, colocação de próteses ou implantes Stapi?J•IotOt'CIII a11rt11r, estafilococos coagulase-negativos
Stnpi?Jioroma """"r, estaftlococos coagulasc-nch"'uvos;
Cardíacas
COI)'IItbncttrillllr, bacilos Gram-negatims
JJaphylotrKtiiJ a11rt11r, estafilococos cnagulasc-negativos
:'\lamánas Stapl!ylororms """"s; estafilococos coah'ttlase-ncgat ivos
Stapi?JiotWrlls esrafilococos coagula5C-ncgativos; cstrep-
Oftalmológtcas
tococos

'itapb)-loromu '111"11s; cstaftlococos coagulasc-nq,'llcivos; baci-


los G ram m:gmi" >>
Torácicas (p.cx., pneumectomias) Streptocorr11s bacilos Gram ncgaU\·os

Str1pbylotorr11J 11111?11s; estafilococos coagula se nch'l!tivos; baci-


\'ascubrcs
los G ram ne"::nivos
biliares, colorrctais e :apendtccctomta Bacilos Gram-nehr.lti,·os; anaeróbtos; entcrococos

Bactlos Gram-negativos; esrreptococos; anaeróbios da o ro-


Gastroduodcnais
fannl-,11! (p. ex. pcptocsrreptococos)

Stapb)iorotaa estreptococos; da orofarin-


Cabeça c pescoço
!,11! (p. ex. pcptocstreptococos)

1\nacrób ios; bacilos G ram-negativo s; cnrcrococos; cstrep-


Obstétncas c ginecológicas
tococos do grupo B

Urolúgicas Ba('tlos Gram-negati,·os; Stapf?ylororfllr mm11r, enterococos



·· ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
· de fomes c
Obs.: Os Cllilatilococos cstlo :a.ssoc1ados a mfccção do síoo c&rúrt-.'lcu em todos os opos de
\ lnd1fic>dn de CDC ( 1999). GUidchnc for pre,enuon o( <urwc•l \li C mfccnon · .

Drogas opcionais
Quadro 18.3 .: Propriedades d as cefalosporinas de primeira
geração t1ue justificam seu largo emprego em profilaxia cirúrgica Outras drogas podem ser empregadas conside rando
••• fatores relacio nados ao paciente, ao procedi mento
Atividade sobre as principais bactérias causadoras de infecção do sitio
Staphylocwnu 1U11?11J, .1: rpitlmwidiJ e os segumtcs Gmm-nq.,'llti- cirúrgico o u aos prováveis micro rga nismos envolvidos
ms: hsdxrithia roli, Kúbsu/l,lfmamrolliat e Proltlls mimbilis na infecção do sítio cirúrgico. Essa conduta o bjetiva,
Boa penetração em tectdos moles, na urina, nos flutdos pleural, principalmente, ampliar o u direcio nar o espectro de
pencárdico, sino,·ial c pentoneal ação sob re bactérias resistentes a ce falos po rinas de pri-
i\uvtdade bactenctda meira ge ração. E m pacientes alérgicos a betalactâmicos
Boa w lcrabilidadc - rarns reações tóxicas c alérgicas têm sido empregados: clindamicina; metro nidazol e
Reduzido número de cfcims colaterais gentamicina; o u vancomicina 21 •
l nfreqücnte indução de resistência microbiana
1-'acibdade de admtniqraçàn (possibilidade de serem administradas
Vancomicina
pm ,·ia endovenosa sob a forma de bol11s)

Grande diferença entre dosagens terapêuticas e có,teas É indicada para pacientes alérgicos a cefalosporinas e
Custo relaovamente ..o quando há grande interesse na profilax ia contra S. aureus
• meticiuna-resistente 1 IRSA)".z' _ Seu espectro de ação
··-----------------------------------------------------
224
Capítulo 18 .: Antibioticoprofilaxia em Cirurgia

••
limi ta-se aos Gram-positivos. T em ma10r custo, é peratório. No pós-operatório, deve ser administrado l g
nefrotóxica e ototóxica. Se infundida rapidamente, de 6/óh, no máximo por 24h.
pode produzir ruborização difusa (síndrome do
homem vermelho). Seu uso deve ser limitado também
Cefuroxima
pela crescente ocorrência de bactérias Gram-positivas
resistentes a glicopeptídeos 7 • Posologia: dose única no Essa cefalosporina de segunda geração tem sid o
pré-operatório de 1g EV, administrada lentamente recentemente citada como opção (de segunda linha) em
durante uma hora. Se indicada no pós-op eratório, usar operações neurológicas e pulmonares6 ' 21 ' 28 • Vem sendo
1g EV de 12/ 12 horas ou SOOmg EV de 6/6 ho ras. utilizada particularmente quando há necessidade de gran-
de concentração no sistema nervoso central ou quando
se pretende atingir boa cobertura para enterococos.
Gentamicina
Posologia: 750mg a 1,5g EV à indução anestésica e 750mg
Tem amplo espectro de ação contra Gram-negativos. de 3/3h até o final do procedimento.
É freqüentemente usada em associação com anaerobici-
das, como o metronidazol, em operações gastr ointesti-
Indicações para
nais20. Tem a desvantagem de ser nefrotóxica, não sendo
recomendada por vários autoresR· 10 • Sua infusão rápida
antibioticoprofilaxia cirúrgica
pode p.rovocar bloqueio neuromuscular e interferir na
Indicações de acordo com o grau de
recuperação pós-anestésica; deve ser infundida em 30 a
contaminação do procedimento cirúrgico
40 minutos. Posologia: 1,7mg/kg EV de 8/8 horas.
Recomenda-se oferecer a dose total (Smg/kg, no máxi- Operações limpas
mo 240mg) a cada 24 ho ras.
Indicada apenas em pacientes com fatores de risco
significativos e em algumas situações especiais:
Metronidazol • operações de grande porte em pacientes idosos
(> 70anos), diabéticos, desnutridos graves, obesos
É estritamente anaerobicida, eficiente e de baixo
classe III, renais crônicos e em pacientes imunodefi-
custo. Muito usado em operações colorretais' 5•19 • Posologia:
cieotes, em uso crônico de im unossupressores, ou
lg EV no pré-operatório e SOOmg de 6/6h ou de 8/8
que foram submetidos previamente a radioterapia
horas no pós-operatório (24h).
(independentemente do potencial de contaminação
do procedimento);
C/indamicina • transplante de órgãos e tecidos (independentemen-
te do potencial de contami nação do procedimento);
É anaerobicida com ação contra algtms Gram-positivos
• pacientes com cardiopatias congênitas, valvuJopa-
e clamídia. Posologia: 600mg a 900mg EV na indução anes- tias ou próteses valvares;
tésica e 600mg de 6/6 horas no pós-operatório (24h). • operações sobre a aorta e grandes vasos2 ' ;
• craniotomias2';
Cefoxitina • procedimentos com inserção de prótese de qual-
quer natureza (ortopédicas, cardíacas valvulares,
A vantagem dessa cefalosporina de segunda geração oftalmológicas etc.), em p articular de próteses
está no maior espectro sobre anaeróbios da flora colôni- permanentes•.2• ;
ca, inclusive B.jragilis"l-'. Contudo, além de ser mais cara, • alguns procedimentos especiais, como mas tecto-
é potente indutora de betalactamase 11 •27 • Pode ser utili za- mias, hernioplastia incisional, esplenectomia em
da em operações colorretais, gineco-obstétricas e em esquistossomótico etc.8 ' 21 '2'J-31 ;
apendicectomias. Posologia: 1g a 2g EV antes da indução • outras intervenções em que a infecção do sítio
anestésica e, se necessário, 1g a cada três horas no pero- cirú rgico possa comprometer substancialmente a

225
.. --------------------------------------------------------------
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

sobrevida do paciente ou o resultado estético-fun- Cirurgia cardíaca


cional do procediment011 ,2 1•
Quando há circulação extracorpórea, colocação de
pró tese, revascularização miocárdica ou abertura do
Operações potencialmente contaminadas coração. Nos implantes de marcapasso e de desfibrila-
Na maioria delas, há indicação. (ver Indicações especificas dor, o uso é discutível.
• cefazolina, por 24 horas
por procedimento.)
• vancornicina (em pacientes com alergia a betalactâ-
micos e se há alta incidência de MRSA)
Operações contaminadas

Em todos os casos, já que o inóculo de bactérias é ele- Cirurgia torácica


vado, com exceção das operações proctológicas orificiais
Há indicação nos casos de lobectornia e pneumectornia.
em pacientes imunocompetentes. (Ver lndicafÕes espec[ficas
Ressecção em cunha e outros procedimentos mediastinais
porprocedimento.)
não-cardíacos constituem indicações relativas 31 ,;3""' .
• cefazolina
Operações infectadas • cefuroxima
• clindamicina (em pacientes com alergia a beta-lac-
Não há indicação de antibioticoprofilaxia, mas de tâmicos)
antibioticoterapia.

Cirurgia vascular
Indicações específicas por procedimentos
Operações em grandes vasos, colocação de enxerto
A seguir, são ap resentadas as indicações específicas ou prótese vascular, revascularização e amputação de
em cada uma das especialidades cirúrgicas e os antimi- membro por doença isquêmica, confecção de fístula arté-
crobianos recomendados para essas profi lax.ias. Deve- riovenosa, operações endovasculares com prótese ou
se levar em consideração as orientações gerais discuti- angioplastia com colocação de stent 28·31 •
das anteriormente. O primeiro esquema citado é o ele • cefazolina
escolha, seguindo-se os antimicrobianos opcionais. As
posologias empregadas são as apresentadas anterior-
Neurocirurgia
mente; as posologias não-habituais e as posologias de
drogas de uso específico serão citadas. Craniotomias, operações com duração superior a seis
horas, reintervenções, operações da coluna, colocação de
Cirurgia plástica prótese interna (p.ex., derivação ventrículo-peritoneal,
placas de fixação, cimento ósseo), operações com acesso
Os agentes antimicrobianos estão indicados nos via seios paranasais, nasofaringe ou orofaringe.
enxertos, quando há extenso descolamento de tecidos • sulfametoxazol 800mg + trimetoprim 160mg, EV
(incluindo as hernioplastias incisionais) ou quando a em dose única peroperatória ou com doses pós-
ocorrência de infecção possa comprometer gravemen- operatórias de 12/12h ou de 8/8h, por 24 horas
te o resultado estético ou funcional do procedimento. • vancomicina (em pacientes com alergia a betalactâ-
No caso de inserção de prótese, o antimicrobiano deve micos e se há alta incidência de MRSA)
ser mantido por 24 horas32 • • ceftriaxona com clindamicina (para operações
• cefazolina com acesso via seios paranasais, nasofaringe ou
• clindamicina (em pacientes com alergia a betalac- oro faringe)
tâmicos) • cefuroxima (com ou sem metronidazol)

226
•••
Capftulo 18 .: Antibioticoprofilaxia em Cirurgia

Cirurgia ortopédica adenoidectomia, timpanoplastia, estapedectoma, otoes-


clerose com colocação de prótese e mastoidectomia.
Operações com implante de próteses, artroplastia,
• cefazolina
inserção de pinos, placas, parafusos e outros aparel hos
• clindamicina (em pacientes co m alergia a betalac-
de fixação interna, osteossíntese, operações da coluna ou
tâmicos)
da mão (> 1h) 13, operações oncológicas de grande po rte,
amputação de membros, trauma.
• ccfazolina, por 24 horas (usar 2g quando houver Cirurgia de cabeça e pescoço
uso de torniquete)
• clindamicina (em pacientes com alergia a b etalac- Procedimentos com abertura da mucosa orofaríngea,
tâmicos) Laringea ou nasal; operações prolongadas, com grande área
de descolamento ou em região previamente irradiada 1'".
Quando há abertura de mucosa
Cirurgia urológica • gentarnicina com clindamicina, por 24 horas
• amoxicilina/ clavuJanato, 1,Sg EV dose inicial e l g
Pacientes com infecção urinária p révia devem rece-
de 8/8h, por 24 horas
ber antibioticoterapia o rientada por antibiograma. O
Quando não há abertura de 1111/COSa
uso de antimicrobiano, na maio ria das operações uroló-
gicas, não ap resenta benefício comprovado se a urina • cefazolina
estiver estéril. Indicações ainda discutíveis: prostatecro- • cl indamicina (em pacientes com alergia a betalac-
mia transuretral e suprapúbica, nefrecromia, litotomia, tâmicos)
nefrostomia com molde uretra!, amputação de pênis,
deri vação urinária com ou sem cateter, cisroscopia em Cirurgia esofágica
paciente com tumo r de próstata. Indicações absolutas:
transplante renal, biópsia transretal da próstata c co lo- Sempre que houver abertu ra da luz do esófago, pois
cação de pró tese peruana. essas operações são contaminadas. Quando a operação é
• cefazolina (no transplante renal, empregar 2g EV e extramucosa (p.ex. esofagocardiomiotomia), não é
manter por 24 horas) necessário o seu emprego.
• cipro floxacina 400mg EV (dose inicial) e 200mg de • cefazolina com clindamicina, po r 24 horas
12/ 12h durante 24h no pós-operatório (em pacien- • gentamicina co m clindamici na (em pacientes com
tes co m alergia a betalactâmicos) alergia a betalactâmicos)
• ciprofloxacina SOOmg VO 2h antes do procedimento • amoxicilina/ clavuJanato, 1,Sg EV dose inicial e l g
c até 24h (para biópsia transretal da próstata) de 8/Bh, por 24 horas

Oftalmologia Cirurgia gastroduodena/


A antibioticoproftlaxia é comumente indicada em res- D iminuição da motilidade e esvaziamento t,rás trico ,
secção de segmento anterio r e vitrectornia, e, principal- doença neoplásica, obstrução piló rica, hemorragia lumi-
mente, nos casos de trauma (p.ex., reparos de descola- nal, hipocloridria primária ou por uso crônico de inibido-
menta da retina) c nas operações com colocação de pró- res da secreção ácida 38•
tese (p.ex., lente intra-ocuJar). • cefazolina, dose única
• colirio de tobramicina (ver Uso de Antimicrobianos • gentarnicina com metronidazol, dose única
Tópicos.)

Cirurgia colorretal
Otorrinolaringologia
Operações coloprocto lógicas (exceto procedimentos
Operações nasais sem infecção, com ou sem tampo- cirúrgicos orificiais em pacientes imunoco mpetentes e
namento, colocação de tubo de ventilação co m ou sem operações sem abertura da luz colô nica, como promon-

227
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
tofixação do reto), transposição de segmento colônico Colecistectomia
(p.ex., esofagocoloplastiaf,JS. • cefazoüna
Operações eletivas: Vz'a biliarprincipal
• preparo mecânico e descontaminação seletiva do • cefazolina com metronidazol
cólon com sulfato de neomicina 1g e eritromicina- Em pacientes com alergia a betalactâmicos
base 1g, VO, às 13, 14 e 23 horas do dia anterior à • gentamicina com metronidazol
operação, associados a cefazolina, EV, no per e no • ciprofloxacina 500mg EV com metronidazol
pós-operatório (24hY 8' 19.2'.38 (Atualmente, o uso pré-
operatório de antimicrobianos é discutível antes de Cirurgia ginecológica
colectomias -ver Momento da administração.)
• gentamicina com metronidazol, por 24 a 48 horas Operações na vagina e histerectomia vaginal (indi-
• cefoxitina, no máximo, 24 horas cações absolutas) , histerectomia abdominal (indicação
Operações de urgência: relativa, ou seja, se alargada ou na dependência das
• gentamicina com metronidazol, no peroperatório e condições clínicas da paciente e dos níveis de infecção
do serviço), histerossalpingografia e mastectomia (indi-
por 24h
cações freqüentes), miomectomia e ooforectomia
• cefoxitina, no máximo, 24h
(indicações discutíveisr 1•32 .J9-" .
• cefazolina
Apendicectomia • clindamicina com gentamicina (em pacientes com
alergia a betalactâmicos)
Indicada antibioticoprofilaxia apenas na fase inicial
(apendicite aguda edematosa).
• cefazolina (iniciar antes da indução anestésica e Obstetrícia
manter por 24 horas.)
Cesariana sem risco e parto normal não-complicado
• gentamicina com metronidazol (idem)
(episiotomia): antibioticoprofilaxia não-recomendada.
• cefoxitina (idem)
Indicações de antibioticoprofilaxia: parto ou cesariana
Obs.: Nas apendicites complicadas, oferecer regi-
nos casos de gravidez ou paciente de alto risco como
me terapêutico com cobertura contra Gra m-negativos
n os procedimentos obstétricos de emergência (bolsa
e anaeróbios (p.ex. gentamicina com metronidazol). rota por mais de 6 horas, parto prolongado por mais de
Nos casos de apendicite complicada com necrose 12 horas, descolamento prematuro de placenta, placen-
e/ou perfuração, empregar antibioticoterapia de curta ta prévia etc.) e/ ou em pacientes com doença hiperten-
duração, até paciente ficar afebril por, no mínimo, siva da gravidez, portadoras de HIV, obesas classe III,
24h; em caso de abscesso ou peritonite, empregar anti- diabéticas, em uso de corticoterapia etc. Iniciar antimi-
bioticoterapia clássica por sete a 10 dias. A primeira crobianos após clampeamento do cordão umbilical 44 •
dose do antibiótico terapêutico deve ser administrada • cefazolina 2g, após clampeamento do cordão umbi-
preferencialmente antes da indução anestésica. lical (manter por 24 horas.)
• cefoxitina 2g (idem)
Cirurgia biliar • clindamicina com ou sem gentamicina (em pacien-
tes com laceração completa do reto e/ou com aler-
Operações com possibilidade de extravasamento gia a betalactâmicos) (idem)
biliar para cavidade peritoneal em pacientes de risco, ou Outras indicações de profliaxia: aborto terapêutico
seja, naqueles que apresentam com freqüência bile colo- no primeiro trimestre (doxiciclina ou penicilina G) e no
nizada: idade acima de 65 anos, colecistite aguda não- segundo trimestre (cefazolina) em pacientes de alto
complicada, icterícia obstrutiva, litíase da via biliar prin- risco. Usar clindamicina como opção em pacientes
cipal e/ou intra-hepática, operação de urgência, colangi- com alergia a betalactâmicos. Nos demais tipos de
te prévia e operação biliar anterior. aborto, avaliar antibioticoterapia.

228
Capitulo 18 .: Antibioticoprofilaxia em Cirurgia

••
Procedimentos cirúrgicos laparoscópicos 4 • Ludwig KA, Carlso n MA, Condon RE. Prophylaccic ancibiocics
in surgery. Annu Rev Med. 1993;44:385-93.
ão parece haver vantagem no uso rotineiro de anti- 5 • Van Kasteren ME, Gyssens l C, Kullbcrg BJ, Bruining l-LA,
bió ticos profiláticos em todos os proceclimentos cirúrgi- Stobberingh EE, G o ris RJ. O p cimizing antibiotics po licy in
the Netherlands. V. SWAB guiclelines for perioperacive anci-
cos realizados por acesso laparoscópico45"46• Principais
biocic prophylaxis. Foundation Ancibiocics Po licy Team. Ned
indicações: hernioplastia com tela; colecistectomia com
Tijdschr Geneeskd. 2000;144:2049-55.
colangiografia; operação de vias biliares; operação bariá- 6 • Waddell TK, Rotstein O D. i\ntimicrobial p rophylaxis in surge!)'·
trica; apendicectomia; colectomia; histerectomia; opera- Committee o n i\ntimicro bial Agents, Canadian lnfeccious
ções realizadas em pacientes de risco para infecção do Disease Sociery. CMAJ . 1994;151 :925-31.
sírio cirúrgico (cliabéticos, portadores de HIV etc.). 7• lichols RL Postoperative in fcctions in the age of drug-resistant
gram-positive bacteria. Am J Med. 1998;104:511 -6.
8 . Conclon RE, Wittmann D H. The use of antibiotics in general
Uso de antimicrobianos tópicos surgery. Curr Prob urg, 199 1,12:807-907.
9 • Ferraz EM , Bacelar TS, Aguiar J L, Ferraz AA, Pagnossin G,
O emprego de antibioticoprof!lático tópico em Batista J E. Wound infection rares in clean surgery: a po ren-
Cirurgia é bastante controverso, pouco se conhecendo tiaUy misleading risk classificatio n. lnfect Contro l l-losp
Epidemiol. 1992; 13:457-62.
sobre suas vantagens e desvantagens. Por essa razão, ele
10 . Pagc CP, Boh nen JM, Flercher JR, Md .1anus AT , Solomkin JS,
deveria ser empregado apenas sob rigoroso protocolo de Winmann DI-I. Antimicrobial prophylaxis fo r surgical wounds.
pesquisa. A vantagem teórica de seu uso é a possibilidade G uidelines for clinicai care. Areh Surg. 1993;128: 79-88.
de se conseguirem altas concentrações locais do antimi- li • Rodrigues MAG, de Almeida G . An tibioticoprofLiaxia cirúr-
crobiano. A escolha do antibiótico tópico a ser utili zado gica. In: Martins MA. Manual de infecção hosp italar: epide-
deve seguir princípios clássicos da antibioticoprofilaxia miologia, p revenção e controle. Rio de J aneiro: Medsi. 2001;
cirúrgica, devendo ser eficiente contra o(s) principal(is) p.435-48.
12 • Chen YS, Liu Yl-1, Kunin CM, Huang JK., T sai CC. Use of
patógeno(s) contaminan te(s) do sítio cirúrgico. N ém
prophylactic antibio tics in surgeC)' ar a medical cenrer in sou-
clisso, para aumentar sua absorção e o tempo de exposi- thern Taiwan.J Fo rmos Med Assoe. 2002;101:741 -8.
ção da droga na área operada, ele deve apresentar algumas 13 • Hoffman RD, Adams BD. The role o f antibiocics in the manage-
características essenciais à sua eficácia: elevado peso mole- ment o f elective anel post-rraumacic hand surgery. Hand Clin.
cular, baixo conteúdo lipíclico e presença de carga negati- 1998;14:657-66.
va47. 14 • Su I-IY, Ding D C, Chen D C, Lu MF, Liu JY, Chang FY.
Prospective randomized comparison o f single-dose versus 1-
a prática cLínica, o uso tópico de antimicrobiano em
day cefazoUn fo r prophylaxis in gynecologic surge!)'· Acta
operações o ftalmológicas (p.ex. colírio) em substituição à
O bsret Gynecol Scand. 2005;84:384-9.
administração endovenosa tem tido mais adeptos a cada 15 • Lewis RT. Antibio tic prophylaxis in surgery. Can J Surg.
clia. A administração tópica de tobramicina ou gentamici- 1981;24:561 -6.
na antes da operação (p.ex. 24h antes) e a administração 16 • Classen DC, Evans RS, Pesrotinik SL, Ho rn SD , Menlove RL,
subconjuntival de cefalotina 100mg ao final do procedi- Burke JP. T he timing of prophylactic admirtistracion of anti-
mento têm sido as preferidas. biotics anel the risk o f surgical wound infection. N Engl J
Med. 1992;326:281-6.
17 • Gorecki P, Schein M, Rucinski JC, Wise L. Antibiotic adminis-
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experimenta l incision s anel dermal lesions. Surgery. 18 • SoUa JA, Rothenberger D A. Preoperative bowel preparation. A
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2 • Bernard l-IR, Cole WR. The prophylaxis of surgical infeccions. 1990;33:154-9.
The effect o f prophylaxis of surgical infections. T he effect of 19 • Lewis RT. Oral versus sysremic antibiotic prophylaxis in elective
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229

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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230
, 19
PRINCIPIOS DA
ANTIBIOTICOTERAPIA


••
Renato Camargos Couto,
T ânia Moreira Grillo Pedrosa

Introdução Além dos riscos mencionados, é importante o bser-


var que:
Os pacientes cirúrgicos encontram-se, co m freqüen- • aos aspectos ligados à microbiota, se alia um sem
cia, gravemente enfermos, amplamente invadidos com o n úmero de efeitos colaterais e interações de drogas
aparato de suporte vital. Nes te tipo de população, o uso que podem ser evitados ou minimizados quando
racio nal de antimicrobianos torna-se arma essencial na não se usa ou quando se tem o conhecimento para
prevenção de diversas complicações. fazer a melhor opção dentro do contexto clínico de
Os antibióticos apresentam diversos riscos:
um paciente, exigindo do cirurgião amplos conheci-
• eliminam as bactérias sensíveis a eles, permitindo o mentos médicos;
aumento da população de bactérias resistentes;
• os custos diretos e indiretos (insumos de aplicação)
• induzem resistência, um a vez que a bactéria possui no
dos antimicrobianos os colocam entre os ítens de
seu genoma o conjunto de gens que permite criar
maior peso nos custos hospitalares.
mecanismos de resistência ao antibiótico em uso e
tam bém a outros. Esses gens encontram-se inativos Diante de situação clínica em que a infecção é uma
pela repressão genética, mantendo-a sensível ao anti- das possibilidades, várias decisões devem ser tomadas de
biótico. Algumas drogas (ceftazidima, cefoxitina etc.) maneira rápida e correta. A primeira dúvida é se a doen-
são capazes de produzir desrepressão desses gens, ça é infecciosa. As manifestações clinicas de várias doen-
fazendo com que se manifeste a resistência não só à ças incluem febre, leucocitose ou leucopenia, choque,
droga em uso, mas também a outros an tibióticos; taquipnéia e taquicardia, que são os sinais mais específi-
• eliminam a flora anaeróbica, especialmente do trato cos da síndrome in fecciosa. Portanto, a primeira questão
gastrointestinal. A maioria das bactérias que, mais é: esto u diante de uma infecção? Em face de síndromes
tarde, produzirão as infecções hospitalares (entero- clinicas graves caracterizadas por sinais de sepse (taquip-
bactcriaceae, pseudomonaceae, enterococos etc.) ori- néia, taquicardia, feb re, leucocitose) ou choque devem se
gina-se no intestino, vindo mais tarde a ocupar os iniciar antibióticos empíricos até que se tenha certeza
diversos sítios (pulmão, urina etc.). A quantidade des- de se tratar de doença não-infecciosa quando, então,
sas bactérias é limitada pela microbiota anaeróbica, serão suspensos.
bem menos invasiva. O s antibióticos que eliminam T omada a decisão de se iniciarem an tibióticos, deve-
os anaeróbios (vancomicina, cefalosporinas, cefoxiti- mos coletar material para cultura e defin ir quais são os
na, imipenem etc.) produzem grandes desequilíbrios, patógenos prováveis envolvidos na síndrome em ques-
levando ao supercrescimento de aeróbios G ram- tão. A partir dos patógenos, é possível de finir várias dro -
positivos e negativos, com repercussões futuras. gas que, isoladamente ou em associação, são eficazes .

231
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

··--------------------------------------------------------
Após a etapa anterior, várias possibilidades terapêu- Principais antimicrobianos
ticas existem. D evemos levar, então, em consideração,
o sítio infeccioso provável, bem como as condições do Betalactâm ic os
paciente e da ins tituição. As perguntas a serem respon- O grupo é constituído pelas penicilinas, cefalospori-
didas são: qual(is) a(s) droga(s) de melhor penetração nas, cefamicinas, carbapenêmicos, mo nobactâmicos.
no sírio e qual (is) a(s) interação(ões) dos efeitos da antirnicrubianus possuem uma proteína específica
droga (desejáveis e indesejáveis) co m as condições dos de ligação na membrana celular conhecida como protein
diversos sistemas fi siológicos do paciente (rins, fígado , bindingpmicillin (PB P) e, a partir dai, interferem na sínte-
comorbidades etc.). Após esta etapa, freqüentemente se da parede celular, levando à morte bacteriana.
ainda estaremos diante de várias boas possibilidades O s mecanismos de resistência bacteriana são a produ-
para a escolha final. ção de enzimas inativadoras (betalactamases) e a modifi-
O último passo deve levar em consideração a via de cação da estrutura das protein binding pcnicillin, impedindo
administração e a dose mais adequada ao sítio infeccioso a ligação do antibiótico.
e às condições do paciente, o custo e as interações com Os efeitos colaterais são, em geral, comuns a todo o
outras drogas em uso. Certamente, com este passo, o grupo, variando quanto à freqüência de oco rrência de
médico terá chegado à decisão final. acordo com a droga. São eles flebite, rash cutâneo, febre,
Iniciado o uso do(s) antibiótico(s), é necessário ava- eosinofilia, teste de Coombs positivo, anemia hemolítica,
liar sua continuidade à luz da evolução clínica e dos resul- neutropenia, disfunção plaquetária, nefrite intersticial
tados da(s) cultura(s) que possibilitarão maior clareza (exceto imipenem e aztreonam), disfunção renal (somen-
diagnóstica, permitindo ajuste na decisão inicial. te cefalosporinas), aumento de amino tranferases (exceto
O acompanhamento dos efeitos colaterais esperados penicilina cristalina), diarréia, náuseas, convul sões
das drogas permite a detecção precoce deles. A própria (somente penicilina cristalina, arnino, carboxi e ureído
evolução das diversas condições dos sistemas fisiológicos e penicilinas e imipenem).
das comorbidades também pode influenciar na decisão de
se manter(em) ou se mudar(em) a(s) droga(s) escolhida(s).
D evemos, finalmente, defiilÍr o tempo de tratamento Penicilinas
que deve ser o mínimo necessário para a cura já que qual-
Constitui grupo de drogas bem estabelecido e conhe-
quer dia a mais de uso agrega efeitos colate rais e custo.
cido. São rapidamente excretadas pelos rins e, po rtan to,
Cada sítio requer um tempo que deve ser seguido.
a dose deve ser ajustada na insuficiência renal. A hiper-
O s enganos mais comuns no dia-a-dia são: tratar
sensibilidade é o efeito colateral mais comum e manifes-
doenças não-infecciosas com antibióticos; acreditar que
ta-se com eosinoftlia, doença do soro, anaftlaxia e febre
drogas de última geração são melhores que drogas anti-
com os mais diferentes perfis.
gas; não suspender os antibióticos quando se configura
As penicilinas têm imunogenicidade comum, portamo
quadro não-infeccioso como causa da síndro me clinica;
a alergia a uma delas é comum a todas. Anemia hemolíti-
não aj ustar a dose às condições do paciente e ao sítio de
ca, teste de Coombs positivo, leucopenia, plaquetopenia e
infecção; não estreitar o espectro diante do resultado de
nefrite intersticial são raros. As convulsões só ocorrem
cultura; usar as drogas por tempo maior que o necessá-
com al tas doses, especialmente na insuficiência renal.
rio; não incluir o custo entre as características a serem
avaliadas para escolha das drogas; não moni torizar os
efeitos colaterais esperados; usar doses médias em PENICILINA G
pacientes graves que requerem doses máximas. Sensível às betalactamases. Usada na terapêutica de
Não há fórmulas prontas. Cada paciente, com suas Streptococms dos grupos A, B, C, G, S. pneumoniae, L
características específicas, tratado em instituição específi- monorytogmis, N IJieningitidis e anaeróbios, exceto os p ro-
ca, terá uma escolha ótima de antibióticos para o seu pro- dutores de betalactamases, como o grupo Bacteroides. A
blema. D evemos, po rtanto, conhecer cada antirnicrobia- ocorrência de resistência entre os pneumococos é um
no para realizar a escolha certa. problema de saúde pública crescente nos Estados

232
Capítulo 19 .: Princípios da antibioticoterapia

••
nidos e Europa. Em nosso meio, a importância de sua nos EUA 20% a 30% dos //. injluenzoe são produtores de
ocorrência necessita de melhor avaliação. betalactamases capazes de inativá-las. São inativas para
1\prescmações: Aquosa com 1,7mEq de potássio por Enterobacter sp, PseudoiJIOI/as sp e Klebsiella sp. As duas apre-
milhão de unidades para uso endovenoso e intramuscu- sentações ctispo níveis no nosso meio são ampicilina e
lar. Associada à procaína com nível sustentado de 12h amoxacilina. Têm o mesmo espectro, mas a ampicilina
para uso in tramuscular. Associada à benza tina com níveis deve ser usada preferencialmente por via venosa, pois
baixos sustentados po r duas a três sem anas, usada em tem absorção o ral errática.
aplicação intramuscuJar para a profiJaxia da feb re reumá- E las podem ser associadas a inibidores de betalacta-
tica c tratamento da sífilis. mases - o ácido clavuJânico associado à am oxacilina e o
suJbactam à ampicilina. Trata-se de uma associação que
as torna ati vas contra: S oureus cuj o mecanismo de resis-
PENICILINAS SEMI-SINTÉTICAS RESISTENT ES ÀS PENICILINASES tência seja a produção de betalactamase c não a mudan-
o nosso meio encontra-se ctisponível a oxacilina, ça da proteína ligado ra de bctalactârnicos; H . injluenzoe;
usada para tratar S ourem, produtor de penicilinase. É . gonOTThoeoe; todos os anaeróbios, incluindo B. frogilis; c
menos ati,·a que a penicilina cristalina para estreptoco- enterobacteriáceas produto ras de bctalactamasc de ori-
cos, não age em Lisleria e nos anaeróbios, possuindo ação gem plasmictial. Essa associação nada acrescenta quando
errática somente no Peptoestreptocoms sp. A resistência do se trata de Pseudomonos sp, Enterobocter sp, Serrotio sp, cuja
S oureus à oxacili na se estende a todos os betalactâm icos. resistência se dá também po r bctalactamases de origem
Essas penicilinas são usadas no antibiograma como mar- cromossômica não inibidas pelo ácido clavuJânico ou
cadores de resistência aos bctalactâmicos. sulbactam. I o entanto, ela é ótima o pção às ccfalospori-
A infecção esta filocóccica pode ser determinada por nas de terceira geração para a terapêutica empírica dos
várias cepas simultaneamente, sendo algu mas sensíveis c diversos quadros infecciosos graves que ocorrem nas
o utras resistentes. A detecção no antibiograma das su b- crianças de dois meses a cinco anos de idade cujos agen-
populações resistentes à oxacilina é mais fácil do que a tes de m aior prevalência são o S oureus, H . injluenzoe e
detecção das subpopulações resistentes aos o utros beta- pneumococo. A associação é também indicada nas peri-
lactâmicos. os casos de subpopulação resistente à oxa- tonites secundárias às catástrofes abdominais, nas afec-
cilina ela é certamente resistente a todos os representan- ções ginecológicas c nas pneumo nias comunitárias do
tes do grupo. O m ecanismo de resistência conhecido adulto quando se apresentam com g rande gravidade, em
como intrín eco se dá pela mudança do recepto r de liga- especial aqueles quadros que exigem hospitalização. O
ção dos betalactâmicos à membrana celular. seu uso nessas situações preserva as ccfalosporinas de
Há cepas ele 5: aureus conhecidas como tolerantes e terceira geração.
que apresentam dissociação entre a concentração inibitó- A via o ral da amoxacilina/ clavulanato pode apresen-
ria mínima c bactericida mínima, associando-se a má res- tar efeitos colaterais relacionados ao trato gastrointesti-
posta clínica aos betalactâmicos. Um outro subgrupo é nal, caracterizados por náuseas e vô mitos.
conhecido como BORSA (borderline oxocil!itJ resislonl
S rmreus) c o mecanismo provável é a produção excessiva
ele bctalactamasc. Estes dois subtipos se apresentam CARBOXI E UREIDO PENICILINAS

como resistentes no antibiograma que usa a técnica de São penicilinas de espectro alargado semelhante à
difusão em disco. ampicilina, apresentando co mo vantagem maio r cobertu-
Os efeitos colaterais mais comuns incluem ncfritc ra para Enteroboter sp, Serrotia sp, Providencia sp, Morgonello
inter ticial, aumento de aminotransfcrases, icterícia sp, Aero111onos sp, Acinetobacter sp e anae róbios, incluindo o
colcstática c ncutropenia. Bocleroides jrogilis. Pseudomonas habitualmente é
resistente. Apresentam efeito sinérgico com uso de arni-
noglicosídeo associado. Penetram mal no sistema
PENICILINAS DE ESPECTRO AMPLIADO nervoso central.
ão menos ati vas que a penicilina cristalina para o Os efeitos colaterais são sem elhantes aos das o utras
cstrcp tococo. T êm atividade contra o 11. injluenzae, penicilinas, acrescidos de fl cbitc, hi pocalemia e altera-
Neisseria sp, Entcrobactcriaccac. ão cobrem S oureus c ções do tempo de coagulação. A ticarcili na e piperacili-

233
•• •
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

na são carboxi penicilinas e contêm 4,7mEq a SmEq de te quando se trata de Entervbader sp, Pse11domonas aenJginosa,
sódio/ grama. As ureído penicilinas são azlocilina Sen-atia sp, Acinetobacter sp e PrvteHs indol-positivo. Nas
e mezlocilina. situações clinicas em que estas bactérias são patógenos
O espaço deste grupo de drogas na terapêutica foi potenciais, a associação com aminoglicosídeos, que é
ocupado pelas cefalosporinas de terceira geração por sinérgica, é recomendada por período de três a cinco dias.
terem maior eficácia, com menores efeitos colaterais. O Existem três mecanismos básicos de resistência:
seu papel ho je é muito limitado. • diminuição da afinidade pelas proteínas ligadoras de
A associação de ticarcilina ao ácido clavulânico pouco betalactâmicos (PBP) situadas na membrana celu-
ou nada muda na sua aplicabilidade clinica.Torna-a ativa lar, por mudança em sua estru tura. Este é o meca-
para S.aureus e anaeróbios produtores de betalactamase, nismo de resistência do S. aureus às penicilinas resis-
mas esta cobertura de forma alguma aumenta sua aplica- tentes a betalactamases e cefalosporinas (MRSA) e
bilidade. O que se desejava era uma melhor cobertura das de alguns gonococos e pneumococos resistentes às
bactérias Gram-negativas, especialmente Pseudomonas p enicilinas;
aeruginosa, Sen-atia sp e Enterobacter sp, porém grande parte • dimi nui ção de permeabilidade ao antibiótico dos
das betalactamases destas bactérias é de o rigem cromos- poros da membrana, dificultando o acesso às
sômica, não inibidas, em geral, pelo inibidor de betalacta- PBPs que se situam mais p rofundamente na
mase associado . membrana dos bastonetes Gram-negativos. Este
A piperacilina/ tazobactam também apresenta boa mecanismo ocorre acompanh ado da produção de
atuação contra betalactamases plasmidiais, mas não con- betalactamases;
tra as cromossômicas. Seu espectro de ação inclui • prod ução de betalactamases, que determina inativa-
S. a11re11s meticilino-sensível, Streptococc11s pyogenes, anaeró- ção hidrolítica dos antibióticos. A produção de
bios e a maioria das cepas de Enterococtts Jaecalis. Até o betalactamases pode ter codificação cromossômica
momento, parece ser uma droga interessante no trata- ou extracromossômica, por plasmidios ou trans-
mento de P. aeruginosa multirresistentes que apresentam possomos, o que confere transmissibilidade entre
cerca de 91 % a 95% de sensibilidade a essa associação. espécies. As cefalosporinas são relativamente está-
Não penetra no SNC. veis diante das betalactamases de S. aureus, N gonor-
rhoea, H. injlumza. A diminuição da ação das cefalos-
porinas mais novas (com exceção das de quarta
Cefa/osporinas e cefamicinas
geração) para o S. aureus se deve à menor afinidade
As cefamicinas, embora não pertençam a este grupo, destas drogas com as proteínas ligado ras de betalac-
são abordadas em conjunto por suas características far- tâmicos não modificadas da bactéria. As bctalacta-
macológicas, espectro e aplicabilidade clinica. A classifi- mases de bastonetes Gram-negativos de origem
cação em gerações agrupa drogas com espectro antibac- plasmidial co nferem resistência às cefalosporinas, e
teriano e farmacocinética semelhantes. À medida que se as de geração mais recente são mais estt'iveis diante
aumentam as gerações observa-se aumento de atividade delas. Existem aquelas de espectro alargado que
para bactérias bastonetes G ram-negativas e diminuição conferem alta resistência a todas as cefalosporinas e
da ação para cocos Gram-positivos, co m exceção das de ao aztreonam e são mais comumente encontradas
quarta geração, que mantêm atividade para os cocos em Klebsiella pneumoniae, Pse11domonas aemginosa,
Gram-positivos semelhante à das cefalosporinas de pri- Enterobacter sp, Serratia sp, Citrobacter Jreundii,
meira geração. Esta diminuição de ação para os cocos Morganella, Prvvidencia que têm em seu cromossomo
Gram-positivos se dá pela diminuição da afinidade das os gens para produção de betalactamases capazes
drogas pela proteína de ligação da membrana bacteriana. de inativar as cefamicinas e cefalosporinas, incluin-
Todas são inativas para os enterococos, que vêm se do as de terceira geração. Estes gcns podem se
constituindo no mais novo flagelo dos hospitais ameri- encontrar reprimidos e, portanto, incapazes de se
canos. A emergência de resistência, seja no ambiente expressarem na forma de produção enzimática. As
hospitalar, seja durante o curso de tratamento de bacté- cefalosporinas são capazes de produzir desrepres-
ria inicialmente sensível, é evento esperado especialmen- são gênica, induzindo a produção de enzimas indu-

234
Capitulo 19 .: Principies da antibioticoterapia

••
sive no curso da terapêutica de bactéria inicialmen- diante das betalactamases de H. injluenzae que as cefalos-
te sensível. A cefoxitina e a ceftazidima são os mais porinas de primeira geração e tem algu m papel na tera-
potentes indutores de betalactamases. Esta é uma pêutica das otites que não respondem às drogas de pri-
das bases para a restrição do seu uso em ambiente meira linha (sul fa, amoxacilina).
hospitalar. A hipersensibilidade é o efeito colateral É um grupo de drogas de uso limi tado quando se leva
mais comum e pode ocorrer de maneira cruzada em consideração o custo/ benefício . Há um sem núme-
com outros betalactâmjcos. Outros efeitos adver- ro de drogas que, isoladas o u associadas, têm o mesmo
sos são aqueles comuns a todos betalactâmicos. espectro, com custo e risco (indução de betalactamases)
menor para o paciente. Raramente se encontrará uma
razão que justifique seu uso.
CEFALOSPORINAS DE PRIMEIRA GERAÇÃO

Apresentam boa atividade para cocos Gram-positi-


vo , incluindo o S. a11re11s. Cobrem a i\/. catarrhalis, CEFALOSPORINAS D E TERCEIRA GERAÇÃO

H. dumyi, 1 . gonorrhoeae e os bastonetes G ram-negativos, São menos ativas que as cefalosporinas de primeira
como a E. co/i, KJebsiel/a sp e Proteus mirabilis, especialmen- e segunda ge ração para S. auretfs c mais ativas para os
te os de origem comunitária. São ativas contra anaeró- bastonetes Gram-negativos, incluindo P. aemginosa.
bios susceptíveis à penicilina (exceto Bacteroides sp). Para os outros germes, elas têm ati vidade igual às de
As apresentações parenterais, no nosso meio, são a segunda geração:
cefalotina e a cefazolina. A cefazolina produz menos flebi- • a cefo taxima tem ação modesta para P. aemginosa. É
te, pode ser usada por via intramuscular e tem meia-vida metabolizada a desaceti.l cefotaxima que, embora
maior que permite o uso a cada oito horas. A opção entre menos potente que a droga de origem, tem a meia-
as duas deve se basear principalmente no custo; caso ele vida mais longa, o que permite seu uso a cada oito
seja semelhante, outros aspectos nortearão a escolha. horas para infeccões moderadas. Cobre anaeróbios,
As formas orais disponiveis são a cefalcxina e o cefa- inclusive 40% a 50% dos B. jragilis;
droxil, sendo que a segunda tem meia-vida maior, permi- • a cefodizima tem espectro semelhante à cefotaxi-
tindo o uso a cada 12 ho ras. Ambas não atingem níveis ma. É descri ta ação imunomoduladora cujo papel
teciduais elevados. São apropriadas para a terapêutica das clínico é indefinido;
infecções urinárias ou infecções de o utros órgãos quan- • a ceftriaxona é a mais potente cefalo porina para
do já se encontrarem controladas ou forem de pequena . gonorrhoeae, . meningitidis, H. iJifluenza. Sua far-
gravidade. A opção entre as duas tem como base o custo macocinética com meia-vida de oito ho ras e 90% de
final e a comodidade posológica.
ligação protéica permite seu uso a cada 24 ho ras
mesmo para infecções graves com risco de vida,
CEFALOSPORINAS DE SEGUNDA GERAÇÃO
com exceção da meningite (12 em 12 ho ras);
Possuem o mesmo espectro das cefalosporinas de pri- • a ceftazidima é uma cefalosporina de terceira gera-
meira geração, com melhor cobertura para os bastonetes ção única. Tem capacidade de induzir betalactama-
Gram-negativos aeróbios e anaeróbios. Passam a ser incluí- ses e é pouco sensível às betalactamases cro mossô-
das na cobertura de Proteus v11/garis, Providencia sp, Morganella micas. Tem b aixa ati vidade para S. aurem e
sp, Aeromonas sp. Os anaeróbios são bem cobertos, mas, das Bacteroides fragilis. É a cefalosporina de escolha para
drogas disponivcis em nosso meio, somente a cefoxitina a terapêutica de P. aen'l,iflosa. Tem boa penetração
cobre B.Jragilis. Deve- c considerar a existência de cepas de no sistema nervoso central c é a droga de escolha
anaeróbios resistentes, endo preferível o uso de drogas para a terapêutica das meningites po r P. aemginosa.
mais ativas, como cloranfenicol, metronidazol ou clindami- Este grupo pode ser dividido em cefo taxima, cefodizi-
cina nas infecções de maior gravidade. ma, ceftria.xona e ceftazidima. As três primeiras têm espec-
T emos disponivcis a cefuroxima (via endovcnosa, tro semelhante e a opção enr.re elas deve se basear no custo
intramuscular) e a cefuroxima axetil (via oral). A cefoxi- final, exceto nas infecções do sistema nervoso central, para
tina (cndovenosa) deve ser lembrada pela elevada capaci- as quais a ceftriaxona deveria ser a droga de escolha. A
dade de induzir betalactamase. Este grupo é mais estável cobertura que conseguem dar para o S. aureus garante rela-

235
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
tiva segurança para a cobertura empírica de infecções em de Serratia sp e P. aeruginosa. Ele age sinergicamente com
que esta bactéria deva ser o agente etiológico. A ceftazidi- os aminoglicosídeos. O s m ecanismos de resistência são
ma é única, sendo a droga de escolha q uando se pensa em os mesm os das cefalosporinas. Não induz b etalactama-
P. aeruginosa e bastonetes Gram -negativos produto res de ses. Não tem reação de hipersensibilidade cruzada com
betalactamases cro mossômicas ou plasmidiais, com exce- os o utros betalactâmicos, o que o torna uma boa opção
ção das plasmidiais de espectro alargado que são raras e se nesta ocorrência.
associam m ais fn:qüentemente a Klebsiella .rp. Sua cobertu- A sua aplicabilidade clink a fica li mitada pelo custo,
ra ruim para S. aureus impede o seu uso como m onoterapia pois possui espectro semelhante ao dos aminoglicosí-
empírica em situações em que este agente pode ser a etio- deos, exceto pela cobertura de neisserias e hemóftlos.
logia da infecção: Apesar da maior toxicidade, os aminoglicosídeos são
• a associação dessas cefalosporinas com am inoglico- in finitamente mais baratos.
sídeos é sinérgica e diminui a ind ução de betalacta-
mases. D eve ser usada especialmente na suspeita de
P. aemginosa, Enterobacter sp e Serratia sp po r um Tienamicinas
período de três a cinco dias; O imipenem vem com um a associação fixa com cilas-
• as cefalospo rinas de terceira geração dispo níveis tatina q ue diminui sua excreção renal. Possui espectro de
po r via o ral são a cefixime e a cefpodoxime. A cefi- ação amplo, com grande po tência, com cobertura de
xime é ativa para Streptococcus pneumoniae, H itifluen- cocos G ram-positivos, exceto o S. aureus m eticilino resis-
zae, Neisseria e muitas enterobacteriáceas, mas não é tente e o Enterococcus Jaecium, todos os bastonetes G ram -
ativa para S. aureus e pode ser usada em dose única negativos, com exceção da Legionella .rp e X ma/tophi/ia e
diária. A cefpodoxime tem o m esmo espectro ante- todos os anaeró bios. Possui elevada resistência às beta-
rior, porém com meia-vida mais curta. lactamases tan to de origem cromossôm ica q uanto plas-
midial, mas é potente indutor de betalactamases.
CEFALOSPORINAS DE QUARTA GERAÇÃO
O meropenem apresenta o mesmo espectro do imipe-
Este novo grupo, constituído pela cefp irome e cefe- nem e tem como vantagens menor ocorrência de convul-
pime, apresenta características que o tornam peculiar: sões, melho r penetração no sistema nervoso central e
meno r capacidade de ind uzir betalactamases. Tem como
• a cefpirome tem atividade superio r às cefalospori-
efeitos colaterais reações alérgicas, neutropenia, tromboci-
nas de terceira geração quando se trata de estrepto-
topenia, parestesia, aumento de ttansaminases, da fosfatase
cocos, S. aureus, NeisseTia sp, r!. influenzae e entero-
alcalina e de desidrogenase lática. A apresentação intram us-
bacteriáceas, m as possui menor atividade para P.
cular não pode ser usada na faixa pediátrica nem nos
aeruginosa que a ceftazidima. Parece estável diante
pacientes com insuficiência renal e c/earance <SOml/min.
das betalactamases de espectro alargado . Penetra
O ertapenem sádico é o n ovo componente d a clas-
no sistema nervoso central, mas seu uso neste sítio
se dos carb apen êm icos . Não apresenta o m es m o
é pouco estudado;
espectro de ação (e de indicação terapêutica) dos
• a cefepime possui características semelhantes a cef-
dem ais agentes desta classe, pois é menos ativo para as
pirome, exceto pela aparente melho r ação sobre P.
pseudomonas e acinetobacter, não devendo ser usado
aerugmosa;
na terapêutica empírica das infecções hospitalares. Há
• estas drogas podem ser de utilidade na terapêutica
maio r comodidade terapêutica devido à sua maior
de germes só sensíveis a elas, especialmente os bas-
meia-vida q ue permite posologia de dose única diária.
tonetes Gram -negativos produtores de betalacta-
O seu uso se restringe a pacientes com bactérias cujo
mases alargadas.
único antimicrobiano eficaz seja a tienamicina e na tera-
pêutica empírica de pacientes já submetidos a inúmeros
Aztreonam cursos de antimicrobianos, po rtanto sujeitos a infecções
po r germ es com múltipla resistência. Um erro relativa-
Este mo no bactâmico atua exclusivamente em basto- mente comum é usar antibióticos de última geração
netes Gram-negativos aeróbicos, incluindo muitas cepas naqueles pacientes com gravidade extrema. É bom lem-

236
Capítulo 19 .: Princípios da antibiot icoterapia

••
brar q ue não há relação entre gravidade do quad ro infec- p or estreptococos, S. epidermidis e S. aureus meticilino sen-
cioso e resistência bacteriana aos antibió ticos, ou seja, sível e resistente. É a droga de escolha quando se trata de
um pneumococo multisensível determinará quadros tão S. aureus meticilino resistente, IJnterococcusJàeáum, E. Jaeca-
graves quanto uma Pseudomonas multirresistente na liJ quando resistentes à penicilina e Closttidium diffiale.
dependência de outros fatores: mecanismo de defesa do Os enterococos penicilina e vancomicioa resistentes
hospedeiro; retardo na intervenção terapêutica; suporte vêm se tornando grave problema nos Estados Unidos c
hemodinâmico inadequado; intensidade e qualidade da Europa. A resistência é mediada por plasnúdeos. Nas
reação o rgânica ao agente agressor (caráter inclividual). infecções por enterococos, a associação com gentamicina é
sinérg1ca e sabidamente benéfica.
as infecções por S. aureus de resposta terapêutica lenta,
Macrolídeos
a associação de geotamicina mostra-se de valor.
São drogas bacteriostáticas que agem ligando-se à subu- Nas infecções por Clostridium d!fficil/e, a vancomicina
nidade 50S do ribossomo, alterando a síntese protéica. deve ser usada por via o ral e é droga de segunda escolha
Possuem ampla interação meclicamentosa, como a eleva- para evitar a emergência de Enterococcus vancomicina resis-
ção do nível plasmático de teofilina, cligox.ina, warfarin, car- tente. A droga de primeira escolha é o metronidazol. A res-
bamazepina e ciclosporina, e prolongamento do intervalo trição de seu uso é essencial para evitar a emergência de
QT nos pacientes em uso dos an ti-histamínicos asternizol resistência. A grande arma é o controle da ocorrência de
e terfenacline. Os efeitos colaterais mais comuns se referem S. aureus meticilino resistente que constitui a principal incli-
ao trato gastrointestinal (cliarréia, náuseas e vômitos) e são cação da droga.
mais raros com azitromicina e claritromicina. A vancomicina é de eliminação renal, o que a torna
A forma venosa da eritromicina pode produzir flebi- economicamente in teressante na insuficiência renal.
te, que é minimizada pela diluição em, pelo m enos, P ode ocorrer a síndrome do homem vermelho (hipere-
250m! de solução salina. Raramente p ode ocorrer surdez mia, calor difuso) e até choque por liberação de histami-
transitória e torsard points. A hepatite coles tática é própria na com a infusão venosa rápida (a infusão deve ser em
do estolato. 45 minutos a uma hora) . A neurotoxicidade, especial-
A eritromicina é a droga de escolha para infecções mente auditiva dose-dependente, pode ocorrer e muitas
estreptocóccicas e estafilocóccicas em pacientes alérg1cos vezes é irreversível. A insuficiência renal é transi tória c
aos betalactâmicos. É a droga de escolha para Legionella sp e atualmente, com preparações mais puras, tornou-se
Micoplasma sp.
incomum. Raramente se vê leucopenia, trom bocitopenia
A claritromicina é quatro vezes mais potente que a e eosinofilia.
eritromicina para estreptococo e S. auretts meticilino sen-
sível. Nenhuma das duas é útil para o S. aureus meticilino
resistente. É m ais ativa contra Moraxella e H injluenzae. Teicoplanina
Apresenta boa atividade para o Myt·obacterium avium. No
restante, é similar à eritromicina. Encontra-se clisponivel Apresenta o mesmo espectro, indicações e limitações
nas formas oral e venosa. da vancomicina. T em como vantagem o uso de dose
A azitromicina é mais ativa que as d uas anterio res única diária, a possibilidade da via muscular e a meno r
para o H. injluenzae e Moraxella, mas é semelhante à clari- incidência de efeitos colaterais. A baixa penetração no
tromicina no que se refere às outras bactérias. Está tam- sistema nervoso central limita seu uso no tratamento de
bém disponível nas formas o ral e venosa. infecções nesta topog rafia.
A dose terapêutica para infecções profundas, para
que se atinja o m esmo índice de cura da vancomicina, é
Glicopeptídeos de 400mg/dia. Recente revisão de 200 estudos científi-
cos sugere doses de 1Omg/kg/dia a 12mg/kg/dia para
Vancomicina
maximizar os resultados.
Este antigo antimicro biano que age na síntese da A opção entre vancomicina e teicoplanina deve ter
parede celular mostra-se útil no tratamento de infecções como base, além dos aspectos farmacológicos, o custo e o

237
• Fundamentos em Clíníca Cirúrgíca

••
perfil de sensibilidade ao antibiograma, urna vez que não há tratamento; infecção em outros sítios após o controle do
100% de correlação entre as duas drogas. quadro cUnico.
Os aminoglicosídeos continuam a ser drogas de pri-
meira linha para os germes sensíveis a eles. São eficazes,
Am inoglicosídeos
baratos e com baixo potencial de produzir resistência no
São bactericidas que atuam no ribossomo, interferindo ambiente hospitalar, ao contrário das cefalosporinas.
na síntese protéica. Atuam contra S: aureus, Enterococcus sp, H
influenzae, E co/i, Klebsiella sp, Enterobacter sp, Seffatia sp,
Cloranfenicol
Pseudomonas aemginosa, Proteus sp. Não atuam contra anaeró-
bios. ão devem ser usados isoladamente na terapêutica Esta droga atua na síntese protéica por m eio d e liga-
dos cocos Gram-positivos, pois os betalactâmicos são bem ção ao ribossomo. É bactericida para S. pneumoniae,
mais eficazes. H emophifus sp, N meningitidis, todos os anaeróbios, alta-
O mecanismo d e resistência mais comum é de origem mente ativa para Safmoneffa sp, Rickettsia sp, também aman-
plasmidial por enzima inativadora, para as quais a arnica- do em P. ma/lei, P. pseudomaffei e micoplasma e outros ger-
cina se mos tra mais resistente. A alteração do sítio de mes intracelulares, como clamidia e barto nela. É bacte-
ligação ao ribossomo é rara e peculiar à E cofi, assim riostático para S. aureus. A r esistência é inco mum com a
como a dlminuição da permeabilidade é própria do S. exceção de Salmoneffa sp em áreas endêmicas.
aureus. O Enterococcus sp pode apresentar qualquer um dos O efeito colateral mais freqüente é a inibição transitó-
mecarusmos. ria e reversível da medula óssea e, mais raramente, pode
Os efeitos colaterais mais comuns são a ototoxicida- ocorrer neurite e hipersensibilidade. O grande estigma da
de coclear ou vestibular relacionada ao uso prolo ngado e droga enco ntra-se na aplasia de m edula. A incidência
à associação com diuréticos de alça. O bloqueio neuro-
desta complicação não se encontra bem definida, varian-
muscular pod e ocorrer co m a infusão venosa rápida. d o na li teratura de 1:30.000 a 1:60.000. Esta incidência é
D eve se fazer a infusão em , no mínimo, uma hora. A
semelhante aos óbitos determinados por anafilaxia a
nefrotoxicidade se relaciona com a manutenção de um
penicilina. Portanto, não há razões para preteri-la quan-
nivel de platô elevado.
do se tratar de terapêutica para germ es susceptíveis a ela.
A posologia habitual dos aminoglicosídeos é em
Sua grande aplicação reside nas infecções que envolvem
doses fracio nadas, mas o emprego de d ose única diária
anaeróbios, 1-lemophi/us sp. em especial com o aumento das
pode ser aplicável em algumas situações clínicas, po r ser
cepas produtoras de betalactamase, pneumococo, Rikettsia
menos nefrotóxico e propiciar meno r custo e maio r
sp e Sa/mone/fa sp. A terapêutica empírica das pneumonias
comodidade posológ ica. A base do seu uso é o efeito
que envol vem crianças de dois meses a cinco anos e indiví-
pós-antibiótico longo destas d rogas. Bactérias expostas à
duos acima d e 60 anos é um vasto campo d e sua aplicação.
droga continuam a morrer por várias horas, mesmo que
o nível sérico caia abaixo d o ideal. As células tubulares
renais são capazes de incorporar o aminoglicosídeo. A Clindamicina
droga é incorpo rada por um sistema ativado por "gati-
lho" que dispara d e aco rdo com o nível sérico e há um Apresenta o mesmo mecanismo de ação do cloranfe-
sistema d e secreção tubular quando o nivel encontra-se nicol, sendo um anaerobicida excepcional, além de cobrir
abaixo do ga tilho. É po r meio deste m ecanismo de incor - S: aureus e estreptococos.
poração que oco rre a lesão tubular. Com o uso da dose Seus efeitos colaterais mais freqüen tes são alergia,
única, o nivel sérico fica abaixo do "gatilho" por maior diarréia (20%) , hepatotoxicidade, raramente neutropenia,
tempo, determinando m enor incorporação tubular e com trombocitopenia e co lite pseudomembranosa. Sua gran-
isto menor nefrotoxicidade. A dose tora] de um dia é de aplicação é nas infecções anaeróbicas e seu custo é
dada de uma única vez, por via endovenosa ou muscular. comparável ao d o cloranfenico l e metronidazol. O uso
Esta posologia encontra-se bem estabelecida em pacien- deve ser limitado nas endo cardites por anaeróbios, por
tes não-neutropênicos nas seguintes situações: sinergis- ser bacteriostática para Bacteroides nessa situação. Não é
mo com betalactâmicos; pielo nefrite desde o inicio do indicada para terapêutica de infecções do sistema nervo-

238
Capítulo 19 .: Princípios da amibioticoterapia

••
o central por não penemtr na barreira hematoencc fálica. terapêutico. É bom lembrar que, com exceção da P. aem-
Também penetra pouco nos seios paranasais. ginosa, reservada para a cipro floxacina, todas garantem
cobertura idêntica, o que permite iniciar com uma lJUino-
lona venosa de menor custo c continuar a terapêutica
Metronidazol co m o utra, desde que seja econo micamente interessante
rua sobre anae róbios, Tricho111onos, Ciordio, (Exemplo: inicia-se com pefloxacina e continua-se com
E nlo/1/oebo. A emergência de resistência é rara. ão atua ciprofloxacina via o ral, que, no momento, é mais barata).
nos anaeró bios cocos Gram-positivos que se enco ntram Atitude simi lar é usada com os bctalactâmicos quando se
com freqüência envolvidos nas infecções da cavidade passa da oxacilina para a cefalcxina o ral na terapêutica
oral, pele, trato genital, perfurações esofágicas e pneumo- das infecções estaftlocóccicas.
nias aspirativas. estas situações clinicas, a o pção pelo A segurança na gra,-idez não é estabelecida. abc-<,e
clo ran fen icol o u clindamicina é mais adequada. Ch efei- que as quinolonas produzem le ôes nas cartilagens cpifi-
to colaterais são raros e incluem náuseas, vô mitos, alte- sárias de animais jO\·ens e que sua segu rança na fase de
ração do tipo dissuHiram. presenta efeito terawgênico crescimento não se enco ntra estabelecida. A experiência
potencial. Poss ui ó tima ab o rção oral e reta] e a troca da pediátrica, embo ra pequena, não detectou lesões definiti-
via venosa po r estas vias é bastante segura. vas. Somente na fibrose cística seu uso encontra-se libe-
rado para crianças. Vão se acumulando, cada vez mais,
evidências de que seu uso em pediatria é seguro. Os efei-
Quinolonas tos colaterais mais freqüentes são os cJo trato gas troin tcs-
tina1, os neurológicos, como convulsão e alucinação, e
ão droga bactericidas que atuam na síntese de
raramente leucopenia e eosinofilia. Po de ocorrer síncJro-
O A. A resistência é, em geral, de o rigem cromossômi-
ca com mudança J o síuo Je lih'tlção Ja Jroga e ocorn; me rara constituída por hemó lisc, coagulação intravascu-
maneira mais freqüente co m o .5: o11rt11s meticilino resis- lar disseminada c insuficiência renal de mecanismo des-
conhecido. descrita a ruptura espontânea de tendão.
tente c a P. oemginoso. Essas drogas apresentam boa ação
e se prestam para a terapêutica de infecções causadas por Es a drogas aumentam a meia vida da reofilina, le,·ando
S. oumiS meticilino sensh·el, L egione/lo sp, S. epider111idis, à toxicidade de ta.
Chlall(}dia, Micoplosmo pnti/11/0trioe, 1\". gonorrhoeot, Jlf. calar- ua aplicabilidade é bastante ampla. as infecções uri-
rhalis, I;, co/i, Klebsielo sp, hnlerobocter sp, sp, nárias, as quinolonas deveriam ficar reservadas para o tra-
Salmonella sp, Sbighe/lo sp, Prolms sp, Providmcio sp, Mo'l!,allella tamento das infecções causadas por bactérias só sensíveis a
sp, Citrobacler sp, Aerotllonar sp, Acinetobacler sp. Os anaeró- elas, usando, na grande maio ria dos casos, drogas de pri-
bios não são cobertos e a P. aemginosa só é coberta pela meira linha altamente eficazes, como os arninoglicosídeos c
ciprofloxacina. a sulfatrimeroprima.
As quinolonas de primeira geração poderi am er di vi- Elas devem ser preservadas, não as utilizando em
didas em cipro floxacina que cobre P. e as quadros nos quais drogas de primeira linha são eficazes
o utras que não cobrem este germe de maneira adequada. (sinusite, doença pulmonar o bstruti va crô nica infec tada,
Po rtanto, a o pção pela ciprofloxacina só se justifica se infecção urinária etc.).
seu preço for inferio r ao das o utras o u se ho uver suspei- las infecções ósteo-articulares, é possível ótimos
ta de P. como agente etiológico. A no rfloxaci- resultados com a fo rma o ral, tanto nas infccçôcs por bas-
na tem baixa absorção pela via oral, só atingindo níveis tonetes Gram-negati,·os (cipro -somg bid) quanto por .s:
adequados nas via urinárias, próstata e luz inte tinal. a11re11s. pre enta ó timos resultado na te rapêutica das
A forma venosa é disponível para a pcfloxacina, diarréia , cobrindo Salllloml/o sp, J'l;igella sp, h. co/i, C. Jfjll-
cipro floxacina e o floxacina e deve ser imediatamente ni, }: mlerocolitica. Pode ser usada em tratamento de pros-
abando nada quando a via o ral estiver dispo nível. Elas talite, cJe doenças sex ualmente transmissíveis c ele infec-
apresentam porcentagem de absorção po r via o ral muito ções peritoneais e de partes m o les.
boa, chegando a 100% co m a pefloxacina, o que torna As novas quinolonas - levofloxacina, esparfloxacina,
indiferente, para a obtenção de nível terapêutico, a via de gati floxacina e moxifloxacina apresentam ótima cobertu-
administração. Este fato minirniza sobremanei ra o custo ra para pneumococo, podendo constitui r opção para

239
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
aquelas regiões com elevada resistência à penicilina. As As estreptograminas são rapidamente distribuídas
três últimas drogas apresentam atividade também para para os tecidos, não penetram no sistema nervoso central
anaeróbios, principalmente os cocos Gram-positivos, e não atravessam a barreira placentária em concentrações
podendo ser de utilidade nas infecções poLimicrobianas significativas. São primariamente eliminadas pela bile.
que envolvam anaeróbios acima do diafragma. O efeito adverso mais comum tem sido inflamação
no sítio de administração. Outros efeitos observados
foram náuseas, vômitos, diarréia, artralgia, mialgia, fra-
Estreptograminas queza muscular e rash cutâneo.
A combinação antimicrobiana - quinupristina/dalfo- Tem sido relatada interação medicamentosa com
pristina- é o primeiro agente de uma nova classe de anti- ciclosporina (aumento em até três vezes na concentração
bióticos pertencente à farnilia macrolídeos-lincosamidas: sérica do imunossupressor).
as estreptograminas. Seu uso foi liberado em 1999 nos Esta nova classe de antimicrobianos deve ser reserva-
Estados Unidos para o tratamento de sepse por da para uso em infecções graves, com risco de vida, para
Enterococcus Jaecium vancomicina-resistente, assim como as quais não haja terapêutica alternativa.
para infecções de pele e de partes moles causadas por
5'tapf?ylococms atm:us meticilino-sensível (MSSA) ou por Oxazolid inonas
Streptococcus pyogenes.
Os dois antibióticos atuam sinergicamente, interferin- As oxazolidinonas são um grupo de antibióticos sin-
do na sín tese protéica e ligando-se à subunidade 50S téticos, disponibilizado para uso clínico no ano 2000, na
ribossomal. A dalfopristina inibe a fase inicial e a quinu- terapêutica de infecções por microorganismos Gram-
pristina, a fase final da formação da proteína bacteriana. positivos, especialmente patógenos multirresistentes,
A resistência está associada a ambos os componentes. como enterococo vancomicina-resistente e MRSA.
As estreptograminas são bactericidas ou bacteriostáti- Esses antibióticos são inibidores da síntese protéica,
cas e apresentam atividade contra ampla variedade de ligando-se à subunidade ribossomal 50S, mas o mecanis-
bactérias Gram-positivas; a concentração inibitória míni- mo de ação ainda não está plenamente estabelecido. Esta
ma (CIM) de 2mg/litro ou menos indica sensibilidade. ligação é competitivamente inibida pelo cloranfenicol e
São bacteriostáticas contra EnterococmsJaecium vancomici- pela lincomicina.
na- resistente (CIM90 1 mg/1 a 4mg/l) e praticamente ina- São bacteriostáticos para uma variedade de bactérias,
tivas contra E. faecalis (CIM90 de 4mg/l a 32mg/l). São especialmente as Gram-positivas, incluindo MRSA, esta-
bactericidas contra MSSA e Streptococcus pyogenes. Estudos ftlococo coagulase-negativa, Enterococcus spp vancomici-
preliminares sugerem atividade contra MRSA, S. aga/ac- na-resistente e pneumococo penicilina-resistente. T em
tiae, Corynebacterium jeikeium, S. epidermidis e S. pneumoniae. sido relatada sensibilidade paraM. tuberculosis.
São ativas in vitro, entre outros, contra espécies de A Linezolida é o antibiótico pertencente a esta classe
lv[ycoplasma (incluindo M pneumoniae), Chlanrydia trachoma- disponível no nosso meio. É completamente absorvida
tis, L monorytogenesis e Bacteroides sp. Em contrapartida, o pelo trato digestivo, possibilitando a transição da tera-
H. irifluenzae é apenas moderadamente sensível às estrep- pêutica endovenosa para a oral. A dose, tanto endoveno-
tograminas. sa quanto oral, recomendada para adultos, é de 600mg a
A dose usual recomendada para infecções graves é de cada 12 horas. Não é necessário ajuste de doses em ido-
7,5mg/kg de peso corporal, administrada via venosa em sos e em pacientes com insuficiência renal ou disfunção
soro glicosado 5%, durante periodo de 60 minutos a cada hepática leve a moderada. É necessário administrar dose
oito ou 12 horas. Alguns estudos sugerem doses de suplementar após hemodiálise. Essa droga tem baixa
4,5mg/kg a 6mg/kg a cada 12 horas para pneumonia penetração no sistema nervoso central e nos ossos (14%
pneumocócica e erisipela de membros inferiores. Não é a 23% da concentração plasmática em modelos animais)
necessário ajuste de dose nos idosos, obesos e pacientes e estudos de metabolismo indicam que 80% a 85% da
com disfunção renal ou em diálise peritoneal. Experiência droga é eliminada na urina e 7% a 12% nas fezes.
limitada em crianças também tem sugerido ser desnecessá- Os eventos adversos mais comuns são os relaciona-
rio o ajuste de doses nesta faixa etária. dos com o trato gastrointestinal. Há relato de descolora-

240
Capítulo 19 .: Princípios da antibioticoterapia

••
ção da língua e cefaléia, de fibrilação atrial e disfunção Fluconazol
hepática e de pancreatite.
A indicação do uso da linezolida deve ser nas infec- Este antifúngico tem ótima absorção oral atingindo
bom nível em todos os tecidos, incluindo o sistema ner-
ções por microorganismos Gram-positivos multirresis-
voso central. T em excreção renal, devendo a dose ser
tentes, para as quais não haja outra alternativa terapêutica.
ajustada na insuficiência renaL É bem estabelecido seu
uso no tratamento da meningite criptocóccica e na cân-
Antifúngicos dida cutâneo-mucosa. H á dados na literatura m ostrando
que pacien tes maiores de 12 anos, não-neutropênicos,
An(otericina B com candidiase sistêmica apresentam os mesmos índices
de cura quando comparados com pacientes que usaram
Este amifúngico poliênico atua alterando a permeabi-
lidade celular a partir da ligação a moléculas de ergosterol anfotericina B. Os efeitos colaterais mais comuns refe-
rem-se ao trato digestivo e à hipersensibilidade. Com o
da membrana celular. Apresenta baL'<a absorção por via
oral e baixas concentrações no sistema nervoso central. Seu essa droga age inibindo a síntese do engosterol, ela atua
como antagônico à anfotericina.
metabolismo e excreção são pouco entendidos. Sabe-se,
entretan to, que é necessário aj uste de dose na insuficiência
renal. Possui nefrotoxicidade dose dependente por produ-
Terapêutica das infecções
zir isquernia glomerular e venular por vasoconstrição.
Produz alterações tubulares, levando à perda de bicarbona- Para cada tipo de infecção, na dependência do seu
to acompanhada da perda de potássio, para manter o anion sítio, são apresentados, no Anexo 19.1 , os antimicrobia-
gap (acidose tubular renal). Há anemia por provável inibi- nos de escolha, o tempo de tratamento e a conduta diag-
ção da produção de eritropoetina. Produz náuseas, vômi- nóstica em cada caso.
tos, anorexia, flebite e, raramente, leucopenia e plaquetope-
nia. D urante a infusão podem ocorrer febre, calafrios e
queda da pressão arterial, que podem ser minimizados com Referências
premedicação com anti térmico e/ou 25mg a Sümg de
1 • Mandell , GL, Bennett JE , Do ln R, Principles and practicc of
hidrocortisona e/ou mepericlina. infectious diseases, 2800 p. Churchill Livingsrons l nc., 1999.
O uso da dose teste de 1mg infundida em 30 minu- 2 • \Xfoodley M, \Xfhelan A. Manual of medical therapeutics. The
tos ames de iniciar a terapêutica, já foi recomendado. Washington Manual, Little Brown, 603 p. 1995.
Po rém, tal rotina encontra-se em desuso, uma vez que 3 • G orbach SL, Barlett SG, Blacklow N R. I nfectious diseases,
Saunders Company, 1992.
a reação anafilática é idiossincrásica e não dose-depen -
4 • American Academy of Pediarrics, 1997. Red Book, Committee
dente. O fato é que pacientes com doença rapidamen- on Jnfectious Diseases. American Academ y o f Pediatrics, 652
te progressiva devem receber dose plena já nas primei- p. 1997.
ras 24 horas. :) • Reese RE. Handbook o f antibiotics. Li ttle Brown and Company,
A dose diária é de O,Smg a 1 mg/kg/dia e, se a opção 633 p. 2000.
6 • Sanford JP. Guide to antimicrobial therapy, 2001.
for por dias alternados, deve-se dobrar a dose diária, não
7 • Kunin, CM. Use o f antibiotics. A brief expostion o f the problem
ultrapassando 1,5mg/kg/cüa. A manutenção da dose diá- and some tentative solutions. Ann l ntern Med.1973;79:555-60.
ria, quando se usa em dias alternados, é um erro relativa-
mente comum.
A apresentação da droga em dispersão coloidal (comple-
xo de anfotericina B e sulfato de colesterol na relação 1:1) é
ligeiramente menos tóxica. A relação custo-benefício desta
apresentação está por ser estabelecida.

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241
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Anexo 19. 1 .: Antimicrobianos de escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/ conduta na d ependência do sítio da infecção (continua...)

-----------------------------------------------------------------------------------------------------··
Vascular Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta

Tromboflebite supurativa Oxacilina+gentamicina 7 a 10 dias H emocultura


Radiografia
Tomografia computadorizada
Dllf>k>Nran

Infecção pós-implante Cefalocina I cefazolina 2 semanas se não houver Avaliar remoção do gerado r
de marca-passo bacteriemia e eletrodo
Infecção pús-I!Jptus Cefalotina I cefazolina 4 semanas após remoção Dllf>kX-Jrlllt
da pr6rese Cultura do materi21
Remover prótese

Sitio ci rúrgico Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta


Superficial sem repercussão Cuidados locais 7 a 14 dias Drenagem
sistêmica ;\;ào indicados ancimicrobianos
Operação com abertura de vísceras Clindamicina ou metronidazol + 7a 14 dias D renagem
gcnramicina
ou
- r\moxacilina/ clavulanato
ou
- Ampicilinalsulbactam
Operação abertura de vísceras Cefalotina I cefazolina 7 a 14 dias Drenagem

Fasciite necrosante Penicilina + mcrronidazol + ami- 14 dias Desbridamcnto


noglicosídco

Gastrointestinal e hepatobiliar Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta


Coleciscire 1\naerobicida (metronida7ol ou !O a 14dias Ultra-sonografia
Colangite clindamicina) + gentamicina + Exceto: Tomografia computadorizada é o
Diverticulite ampicilina (quadros graves e tera- Abscesso hepático - 4 a 6 semanas padrão-ouro para diagnóstico
Aboccsso csplcnico (1) peucica longa) Peritonitcs - 14 dias dessas afecções.
Abscesso hepático (2) ou Se houver abordagem cirúrgica,
Absccsso pcnrrctal - Amoxacilinal clavulanato enviar material para cultura.
Pcritonitc secundária a perfura- ou
ção de alças e pcrironite primária - Ampicilinalsulbactam + genta-
micina
t\ bsccsso pancreático c pancrcati- Ciprofloxina + mcrronidazol
te necro-hcmorrágica OlJ
Imipenem lcilastat.ina

Diarréia aguda Jndicado antibiótico 'luando pre- 3a5 dias Se houver suspeita de C dijficik,
sentes: repercussão SIStcmica, leu- pesquisar toxina nas fezes.
cócito fecal, san1,rue nas fe?es. Obs.: Se há possibilidade de C
Ampicilina difficik:
ou Metronidazol por 7 a 14 dias
Sulfatrimetoprima
OlJ
Fluorquinolona (norfloxacina
adulto)
Úlcera duodenal com 11. f?ylori Bismuto coloidal + metro nida7ol 14 dias
+ amoxicilina (associar omcprazol)

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
(1) L'.:t prclu:nça de cndocardite, avaliar possibilidade de X allrtiiJ

(2) i\. a prco;cnça de lcsôcs cutâneas, avaliar possibilidade de.\: tmrtns c lembrar d:1 de amcbíasc

242
Capítulo 19 .: Princfpios da antibioticoterapia

••

Ane xo 19.1 .: Antimicrobianos d e escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/ condu ta na dependência do sítio da infecção (con tinuação ...)
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------··
G e nital e d oenças A ntim icrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta •
sexualmente t ransmissíveis

Azitrornicina VO dose única


ou
Ceftriaxona 2SOmg IM dose única
ou
Cipro8oxacina SOOmg VO 12/ 12 h 3 dias
ou
F.riaomicina S«lmg VO 6/6h 7 dias
Cervicite purulenta Antimicrobianos Tempo de t.ratamento Diagnóstico/cond uta

Nio-gonocócica Doxicidina IOI)mg VO 12/ 12 14 dias Cultura de material da endocén;cc


ou
Azitromicina l g VO dose única Tratar parceiro

Gonocócica Ciprofloxacina SOOmg VO dose única + esquema para


ou não-gonocócica
Ceftriaxona 125mg 1M
Doença infl am atória pélvica Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta

Ambulatorial- Temp. <38"C, leu- Cipmtloxacina Coletar cultura de material da


cilc:itos < I 1.!XXI, com peristalse, Ol' endocérvtce ou peritoncal
sem perironite Ceftriaxona em dose única + 14 dias (doxiciclina) Dosar proteina C reanva
doxictclina IOOmg 12/ 12h Acompanhar por 72 horas
llospitalizada Gentarrucma E\' + clindamicma Complementar 14 dias de trata- Fa?er teste para sífili s c 111 V
durante 48h - Após melhora, mento com a doxtctclma Drenagem cirúrg1ca de abscesso
iniciar doxiciclina (completando mbo ovariano, se não hou,•cr
4 dias) ou azitromicina lg VO melho ra em 48 a 72 horas
dose única.
Epididimo-orquite Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta

< 35 anos Ciprotloxacina lO a 14 dias L:ltra-sonografia para descanar


ou casos complicados
Ceftriaxnna .\bordagem cinir)Qca nos casos
de abscesso
35 anos Ciprofloxacina SOOmg VO lO a 14 dias
12/ 12h

Granulom a inguinal Antimicrobianos Tem po de tratamento Diagnóstico/conduta

Doxiciclina HIOmg VO 12/ 12h 10 a 14 dias fazer biópsia das le!1Clc5


Linfogran uloma venéreo Antimicrobianos Tempo de tratamento D iagnóstico/conduta

Doxicidina IOOmg VO 12/ 12h 2 1 dias


Sífilis Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Contato < 90 dias, Penicilina benzatina 2,4 milhôes 1 dose
Primária e secundiria < 1 ano IM uma vez por semana
Secundária > 1 ano Penicilina bcnzatina 2,4 milhões 3 semanas
ll\1 uma vez por semana

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------

243
•• •
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Anexo 19. 1 .: Antimicrobianos d e escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/conduta na dependência do sítio da infecção (continuação...)
••
Uretrite Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta •
Contato < 90 dias, Doxiciclina IOOmg VO 12/12h 14 dias Introduzir Swab até 2cm da uretra
Primária e secundária < 1 ano ou para obter cultura
1\zitromicina l g VO dose única

Ciprofloxacina SOOmg VO dose única seguida de doxiciclina Tratar parceiro


ou ou a7itromicina nas doses e pelo
Ceftriaxona 125mg IM tempo acima recomendados
Vaginite Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Cândida T épico com miconazol creme 2% 7 dias Coletar secreção vaginal para
exame microscópico direto
Tricomonas Metronidazol tópico 7 dias
lnespecífica - vaginosc MctronidazoiSOOmg 12/12h VO 7 dias
Mama Mastite Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Pós-parto Cefalotina 7 a lO dias
(com o u sem abscesso) ou
Oxacilina
ou
Cefazolina
Não-puerperal Cefalorina + metronidazol 7 a 10 dias
ou
Clindamicina
Obstétrico Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Endomiometrite pós-parto Clindamicina a) Endomiometrite não-complicada Se não hã melhora clínica e da
ou EV: até 24 a 36 horas afebril e o febre nas primeiras 48 horas,
Amp icilina/sulbacram OU exame clinico com boa evolução investigar: abscesso pélvico e
Amox.icilina/ clavulanaro + gen- (tratamento minimo de partes moles (tecido celular
tamicina 72 horas). subcutâneo e musculatura) e
VO: não há necessidade. tromboflebite séptica pélvica
b) Endomiometrite complicada Lembrar da possibilidade de
(tromboflebite séptica pélvica, EnltrrKOt&NS
abscesso ligamenrar, flegmão)
EV: até 24 a 36 horas afebril
e o exame clínico com boa
evolução (tratamento m ini-
mo:72 ho ras).
VO: amoxicilina/ clavulanato ou
cefalexina no total de
10 a 14 dias.
Olhos, ouvido, mastóide, Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
nariz e garganta
Infecções odontogênicas Amox.icilina/clavulanato 5 a 7 dias (manter 48h após Drenagem
supurarivas ou melhora dos sintomas) Radiografia dos dentes
Clindamicina Sorologia
ou Iniciar antimicrobiano no máximo
Ampicilina/ sulbactam até 48h do inicio da doença
Mastóide Antimicrobianos Tempo de t ratamento Diagnóstico/conduta
Aguda ambulatorial /\ moxacilina 10 dias Tomografia computadorizada
ou Cultura de material de drenagem
Sulfatrimetoprima do ouvido

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
244
Capítulo 19 .: Princípios da antibioticoterapia

••

Anexo 19.1 .: Antimicrobianos de escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/ conduta na dependência do sítio da infecção (continuação ...)
Mastóide Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta ..
Aguda hospitalar Ceftriaxona 10 dias M.astoidecromia se hA abscesso
ou em osso.
Amoúcilina/clavulanato
ou
Ampicilina/sulbactam
ou
Macrolfdio (aziuomicina ou da-
ritromicina E
Crônica Amoxicilina/ clavulanato 5 a 7 d ias
ou Obs: Antibiótico somente nas
Ampicilina/ sulbacram superinfecções agudas ou nas
ou infecções por Pseudomonas
Macrolídco

Olhos Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta

Conjuntivite CoUrio de fluorquinolona (cipro- 7 a 10 dias


Adulto floxacina ou ofloxacina)
Colfrio de gentamicina
Celulite periorbitária Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
> 5 anos e adulto Cefalotina / cefazolina 7 a 10dias
< 5anos Amoucilina/ clavulanato 10 a 14 dias
ou
Ampicilina/sulbcactam
Lesões Traumáticas Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta

Cc&lotina/ cefazolina EV 24hons


Ouvido Antimicrobianos Tempo de tratamento D iagnóstico/conduta

TlllWDeDIO tópico: neomicina + 10 dias


c:onicóide
Otire externa maligna (diabético) Ceftazidima + gentamicina lO dias
ou
CiproAoxacina
()tire média aguda t\mo:xacilina ou sulfaaimetoprima 5 a tO dias Cultura de secn:çio do ouvido
médio
Se roxemia-hemoculrura
Resistente (crônica) Cloran fenico l lO a 14 dias
ou
Macrolídeo (eritro micina, o u
novos macrolídeos)
Em pacientes enrubados Ceftriaxo na lO a 14 dias
ou
Amoxacilina/ clavulanato
ou
Ampicilina/ sulbactam

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------

245
••• Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

Anexo 19. 1 .: t\ncimicro bianos de escolha, tempo de rracamento e diagnóstico/ conduta na dependência do sítio da infecção (continuação ...)

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------··
Vias aéreas superiores Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta

Penic:ilina benzatina Penicilina beazatina - Idose
ou Britromicina - tO dias
Eritromicina
Difteria laringea Eritromicina o u 7 a 14 dias Sll'ob de membrana p/ cultura
claritromicina + soro

Angina de Vlnccnr Connfeoicol 7al4dias


ou
Amoxicilina/ clavulanaro
ou
Ampicilina/ sulbactam
Epiglo úte Amoxacilina/ clavulanato 7 a lO dias
ou
Ceftriaxona
ou
Ampicilina/sulbacmma
Sinusite Amoxicilina 14 dias Tomografia computadorizada
ou
SuUiatrimcroprirna
Sinusite em paciemc inrubado l\letronidazol + ceftriaxona 14 dias Avaliar a colem de material
ou Psmdomonos- 21dias para cuhura
Amoxicilina/ clavulanato
o
Ampicilina/ sulbacmm

Sintomáticos (maioria virótica)


Osteomuscular Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Músculos
Gangrena gasosa Clindamicina + penicilina lO dias Abordagem cirúrgica

Piomiosite Oxacilina 2a 6 semanas


Osso
O stcomiclitc Cefalotina / cefa zolina ( I) 4 - 6 semanas Radiografia
1. llematogênica ou (2) 4 - 6 semanas T omografia
2. Vertebral Fluorquino lona (ciprofloxacina) (3) Se amputar transfixando o Ressonância magnética
3. Com doença va.scular crônica ou osso infectado - 4 semanas Bió psia óssea
4. Sem doença vascular crônica Clindamicina Se retirar o osso infectado - 2 Hemocultura
sen1anas
Se for próximo ao osso infec-
tado, mas tecido livre de
infecção - I a 3 días
Artrite séptica
< 5 anos Ccftria:'tona 21 dias

> 5 anos Oucilina (com ou sem aminogli- BGN e .S: amriU 21 dias Cultura de sinóvia por anrocenrese
cosldeo) se emplrico H. itrfomr{« c Strrpl«rxnu: 14 dias L'ltra-sonogra6a eTC
Ajustar a droga ao tipo de germe
isolado

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------

246
Capítulo 19 .: Prindpios da antibioticoterapia

••
Anexo 19. 1 .: 1\ ncimicrobianos de escolha, tempo de tratamento e d iagnóstico/ conduta na dependência do síuo da infecção (co ntinuação ...)
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------··•
Osteomuscular Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta

Gonocócica Ccftriaxona 2 dias; e mais 7 dias fluorquinolona


vo
Manter por mais l semana após
drenagem
Osteomielite em drcpanodtico Oxacilina + cloranferúco l 21 dias llemocultura
ou Radiografia
Ceftriaxona
ou
Ciprotloxacma

Ostc:omielite relacionada :i Vancomicina + aminoglicosklco MJnimo 6 semanas Hemocultura


prótese (com ou sem rifampicina) Radiografia
oc
Rlfampicina + tluorquinolona
Pele e subcutâneo Antimicrobianos Tempo de tratamento D iagnóstico/conduta
Celulite leve Penicilina bcnzatina Penicilina bcnzantina - dose
ou única
1\lacmlldeos (t.'l'Ítromicina, clarittu- Outnls - 7 a lO dias
micina)

Celulite )..'1':1\ C Ccfalotina 7 a lOdias


< 5 anos Ampicilina/ sulbactam 7 a lO dias
ou
.\ moxacilina/ cla\'Ulanato
Pé diabéuco Cltndamicina + gemamicina ou 14 rlias
fluo rt1uinolona
Úlcera de C\tasc com celulite Ctindamicina + gentamicina ou 14 dias
tluurtjuinolona
l lccrn de cstasc sem cclubtc Curnti,·o diário
UccrJ 1\tjUémtca com cclulttc Clmdamma + gentamicma ou 14 dias
fluorquinolona
Úlcera de decúbito Clindamicina + gemamicina ou 14 dias
fluorquinolo na
l.csào por morded ura (animal c Cloranfenicol ou doxiciclina lO dias
humana)

Erisipela Penicilina procalna ou bcnntina 7 dias


ou
:\lacrolideos (erirromtcina, claritro
micina)
Respi ratório Ancimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
\'ias aéreas inferiores Doxiciclina 7 a !O dias
Infecção em D oença Ol'
Pulmonar Obstrutiva ( rônica Sulfatrimetoprima
(DI'( X:) c Bmn'JUIIC ou
Cloranferúcol
ou
Eritromicina
oc
Levofloxacina/ cspartloxacina/
gatifloucina/ moxifloxacina

··----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
247
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Anexo 19. 1 .: Anum1crob1anos de escolha, tempo de rratamento c diagnóstico/ conduta na dependência d o sítio da Infecção (ccmonuaçào...)
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------··
Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta •
Respiratório

Pneumonias comunitúiu
Pacientes no ambulatório

l..actente ali 5 anos Amoxacilina/ clavulanato 7 a 14 dias


ou
Ampicilina/sulbactam

> 5 anos Eritrornicina/ azitnlmicina/ela- 7a 14dias


ritrornicina

Adultos até 60 anos Eritromicina/ clantro miCina/ lO a 14 dtas


azitromicina
ou
gati floxacina/ mm.1floxac1na

> 60 anos ou com doença Lcvofloxacin/ csparflc,xacina/ ga lO a 14 dia5 Sorologia


asaociada riOoxacina/ moxitloxacina !Udiografia de tórax
ou
Macrolldeo {critromicina, clar-
itromicina, azimmticina)+
antOxacilina/ clavulanato ou
ampicilina/ sulbactam
Pneumomas comunirárias
Pacientes Internados

28 dtas a 5 anos :\moxacilina/ cla\'Ulanaro I (I a 14 d1as Alta com:


()t_;
Cloranfemcol
Ampicilina/ sulbactam OL
oc \mo,acllma fcla,·ulanaro
Ceftriaxona

5 a 60 anos Ccfalorina + macroUde<1 (eritnl· 10 a 14 dias


micina, claritromicina ou
azúromicina)
ou
Quinolona no adultu
Levofloxacina/ csparflclxacina/
gatif1oxacina/ moxitloxacina

> 60 anos l..e,·ofloxacm esparflo,acma 10 a 14 dras l lcmocuhura


hraofloxacma moxrflo,acrn.l Radrografia de rúra'
OL'
Cloranfemcol + gemam1c1na
ou
Eritromicina/ azitromiclna/
claritromicina + amoxac1lina
cla\'UlanaLO ou amprcthna/ sul
bactam ou ceftriaxona

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

248
•••
Capítulo 19 .: Princípios da antibioticoterapia

Anexo 19. 1 .: Antimicrobianos de escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/ conduta na dependência do sítio da infecção (co ntinuação...)
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------··
Respiratório Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta

Abscesso pulmonar por aspiração Cloranfenicol 4 a 6 semanas


ou
Clindarnicina
ou
Amoxacilina/clavulanato
()()

Ampicilina /sulbactam

Em pacientes esplcnecromizados Cefu iaxona lO a 14 dias


ou
Ampicilina/ sulbactam
ou
Amoxacilina/ clavulanaro
ou
Levofloxacina/ esparfloxacina/
gatifloxacina/ moxifloxacina
l'leutropênico febril Ceftazidima + amicacina + oxa- lO a 14dias
cilina

Sepse Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta


Recém-nascido <72h de vida Ampicilina + gcntamicina 10 a 14 dias
Recém-nascido
72h a 30 dias de vida O xacilina + gemamicina se vier 10 a 14dias
do domicílio
Recém-nascido
30 dias a 5 anos de vida Ceftriaxona 10 a 14 dias
Sistema nervoso Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Abscesso cerebral
Primário ou por conógüidade Foco: 6 a 8 semanas EV + 2 a 6 meses Tomografia computadorizada
1. Dentário: VO se não é feita operação Abordagem cirúrgica se há pro-
Penicilina G + metronidazol 4 semanas EV se há drenagem gressão de sinais neurológicos
2. Otite média, sinusite ou mas- cirúrgica concomitante
toidite:
Ceftriaxona + metronidazol
3. Abscesso pulmonar ou
empiema:
Penicilina G + mctronidazol +
sulfametoxazol/trimetoprima
4. Endocardite: o mesmo trata-
mento escolhido para a endo-
cardite
Pós-operatório ou Pós-trauma Ceftriaxona + Vancomicina 4 semanas
(fCE)
Sistema Nervoso Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
HIV (f. gondi) Pirimetamina + sulfadiazina + 6 semanas Ver protocolo (rrawnento da
ac. fólico toxoplasmose aóva)
Meningite (4) Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico/conduta
Recém-nascido Ampicilina + gentamicina se Jh?p/(}(rXI'IIS 8 - 14 a 21 dias
infecção comunitária. I jstfria monorytogmes - 14 a 21 dias
Se I. H. \'eja esquema da unidade Gram-negaóvos - 21 dias

··----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
(4) I U evidências de o da dexametasona
<-JLIC, de 6/ 6h 4 dias, inaciadu 15 rninutos antes p rimei ra dose de antibiótico) dim inui scqucla aud itiva da
meningite por hemúfilo!).

249
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Anexo 19. 1 .: Antimicrobianos d e escolha, tempo de tratamento e diagnóstico/ conduta na dependência do sítio da mfccção (continuação...)

Meningite (<4) Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnósticofconduta

1 a 3 meses Ampicilina + cefttiaxona N. - 7 dias


S. - 1O a 14 dias, até
nonnalização liquórica
H. illfotmt« - 7 dias

3 meses a 7 Ceftriaxona 11. 7 dias


N. - 7 dias
7 a 18anos Ceftriaxona Se pneumococo: repetir líquor
dentro 24 a 4R horas para doeu
mentar cura bactenológica
18 a 50 anos Penicilina ou ampic!IJOa
>50 anos Ceftriaxona + ampicilina 21 dias
Meningite Antimicrobianos Tempo de tratamento Diagnóstico(conduta

lmunodeprimidos Ceftazidima + vancomicina 21 dias


Pós-neurocirurgia c pós-t rauma- Oxacilina ou ,·anco micina + 2 1 a 28 dias
tismo craniano ceftazidima
HIV Mesmo esquema indicado para Descartar tuberculose, listcria c
> 50 anos cripmcocosc

Empiema subdural T ratar como abscesso cerebral Obs. C..olhcr liquor de com role
.\I amer por 5 a 7 dtas após
tornar-se afcbril. Se a evolução
não for satisfatória, avaliar nova
punção dentro de 24 a 48h
Trato urinário Antimicrobianos Tempo de tratamento D iagnóstico/conduta

Cistite Dose única (5) ou tratamento Urina ronna + urocultura


cuno (3 dias): Repetir urina rotina 48h após iní-
Sulfatrimrtoprirna cio tratamento c, I semana apús
Amoxicilina ou quinolona suspensão dos antibióticos repe-
Levofloxacina/ esparfloxacina/ tir urina rotina + uroculrura
gaúfloxacina/ moxifloxacina

Pielo nefri te Aminoglicosfdco (6) 14 dias


Prostaúte
Aguda Gprofloxacina 4 semanas Urina rotina c urocultura

Cn)nica Gprofloxacina ou 4 a 12 semanas Cultura quanmauva de liquido


Sulfattirneruprirna cspcrmáuco

(4) Ha C:\o1dCnaas de: que:, o uso da dcxamc:ta.sona (0,15mg/kf.ldosc: de 6/ 6h 4 dia.!, IniCiado 15 mmuto"i amc:s dose de anuh1ot1cn) dammu1 o;:ctJUclil auchuva da mcntn·
g>tt por hemc)filos.
(5) :-:os trat>mcntos de dose uma. u<ar o dobro da dose habuual
(6) \mono!lhco<ideo em dose únoca/ gt:m amicina - 1m!Vkg ou amicacona I 11 a I Sm!Vkg.
Obs.: (,c:ntamacma ou devem ser usadas em dose: úmca dJána deo;:dc o anfcau du u<tt-.unc:ntu

250
20
PROFILAXIA E
TRATAMENTO DA DOENÇA
TROMBOEMBÓLICA

••
Cláuclio Léo Gelape, Francesco Evangelis ta B otelho,
José Oyama Moura Leite

Introdução direto (o perações pélvicas, orto pédicas etc.), quanto po r


vasodilatação excessiva. A rupercoagulabilidade está rela-
A doença tro mbocmbólica venosa pode apresentar-se cio nada à diminuição do clearance de fatores da coagulação
clinicamente co mo tro mbose venosa profunda o u tro m-
ativados e à redução do efeiro protetor do endotélio.
boembolismo pulmonar. Apesar de a segunda ser, muitas
Vários fato res de risco contribuem em maio r o u meno r
vezes, consegüência da primeira, elas têm peculiaridades
grau para o surgim ento dessa doença (Quadro 20.1).
próprias gue serão abordadas neste capítulo. Estima-se
A trombose prévia é o principal fato r de risco adqui-
gue a doença tro mboem bólica ocorra em cerca de 11 7
rido para nova tro mbose venosa profunda. O paciente
em cada 100.000 pessoas'. A tro mbose venosa profunda
apresenta, habitualmente, o utros fatores de risco associa-
aco mete anualmente m ais de 800.000 pessoas nos
dos, como lesão endotelial, insuficiência valva r e doença
Estados U nidos, com gastos de 2 bilhões de dólares/ ano,
não con tab ili za ndo o tratamento das complicações, varicosa. A mutação do fator V de Leiden (ho mozigoto)
como a insuficiência venosa crô nica e a embolia pulmo- é o fator mais p revalente na po pulação e o de maio r risco
nar. o tromboembolism o pulmo nar tem incidência relativo par a doença tro mboembó lica. As gra ndes o pera-
maior gue 600.000 casos/ ano nos Estados rudos, ções e os traumas estão associados a risco variável.
levando a óbito 50.000 a 200.000 pessoas por and. Relacio nam -se diretamente a duração do ato o peratório,
D evido à magnitude desse pro blema e à relativa faci- imo bilização pcro perató ria c cstase venosa, a possível
Lidade de prevenção, com a conseqüente possibilidade de lesão endotelial, tipo de procedimento cirúrgico e aneste-
redução das complicações, o conhecimento da doença sia, redução da fib rinólise, bem como fatores de risco do
tro mboembólica venosa é de fundamental impo rtância. paciente, incluindo seu estado de hipercoagulabilidade. A
estase venosa secundária à compressão uterina é um dos
fatores relacio nados à maior ocorrência de tro mbose
Fatores de risco venosa profunda. Contudo, não tem sido o bservada dife-
A trombose venosa profunda tem como fatores de rença na freqüência entre os trimestres da ges tação. A
risco para seu desenvolvimento estase venosa, lesão trombose venosa profunda é ainda mais comum após o
endo telial e rupercoagulabilidade, que, no seu conj unto, parto, especialmente após a cesariana.
recebe a deno minação de tríade de Virchow2.'. A estase Tanto a terapia de reposição ho rmonal (estrógeno)
venosa decorre de imobilização na posição supina no com o o uso de contraceptivo oral constitue m situações
peroperató rio e da vasodilatação secundária ao anestési- de risco, relacio nadas com o aumento de fato res de
cos e com conseqüente redução do reto rno venoso. A coagulação, alterações na parede vascular e na viscosi-
lesão endo telial pode ocorrer tanto por trauma venoso dade sang üínea.

251
• Fundamentos em C línica Cirúrgica

••
Quadro 20. 1.: Fatores de risco para a trombose venosa profunda, trombose venosa profunda sem causa aparente. As neo-
com respectivos riscos relativos estimados* plasias promovem a liberação de substâncias pró-coagu-
Fatores de risco Risco
•• lantes pelas células tumorais, levando ainda à alteração da
relat ivo função plaquetária e à redução de fibrinólise.
estimado
I. Fatores intrínsecos
Deficiência tle a.núLWmbina 25 Profilaxia da doença tromboembólica
Deficiência de protefna C tO
Deficiência de protefna S
Métodos relativamente simples podem ser adotados
tO
Mutação do Fator V de Leiden com o objetivo de evitar a doença tromboembólica
Heterozigoto 5 (tr ombose venosa profunda e tromboembolismo pulmo-
Homozigoto 50 nar), diminuindo a incidência de suas possíveis complica-
Mutação do gen protrombina G20210A heterozigoto 2,5 ções, com menor tempo de internação hospitalar e bai-
Disfibrinogenemia 18 xos custos de tratamento. A profilaxia pode ser mecâni-
2. Fat o res adq uiridos ca e/ou medicamentosa.
Grandes traumas ou procedimentos cirúrgicos 5a200
História de tromboembolismo 50
Profilaxia mecânica
Câncer 5
Longa hospitalização por doença grave 5 O encorajamento à deambulação precoce e a movi-
Gravidez e puerpério 7 a 10 mentação ativa e passiva dos membros inferiores para
Obesidade ta3 reduzir estase venosa e favorecer o retorno venoso cons-
Anticorpos antifosfolipideos
tituem método barato e muito eficaz para profilaxia da
Níveis elevados de anticorpos anricardiolipina 2
doença tromboembólica no pós-operatório 2•
Inibidores não-espedficos (ex. lúpus) 10
Idade O uso de meias elásticas aplicadas nos membros infe-
> 50 anos 5 riores produz compressão ascendente, facilitando o
> 70 anos 10 retorno venoso e evitando, assim, a trombose•. A com-
Terapia estrogênica pressão pneumática intermitente é outro meio eficaz de
Contraceptivos orais 5 proftlaxia mecânica. Consiste em perneiras que se insu-
Reposição hormonal 2 flam periodicamente estimulando fibrinólise, favorecen-
Moduladores seletivos dos receptores de estrogênio do o retorno ven oso e, conseqüentemente, evitando
Tamoxifeno 5
estase sanguínea pós-operatória. São muito úteis em
Ralox.ifeno 3
p acientes que apresentam contra-indicação para utiliza-
3. Fatores he reditários, idiopáticos o u ambie ntais ção de anticoagulantes, como ocorre no pós-operatório
Obesidade 1a3 de neurocirurgias ou em politraumatizados4•5• Contudo,
Hiper-homocisteinemia 3 são recursos que não devem ser utilizados por pacientes
Elevados niveis de fator VIII 3 com insuficiência arterial periférica.
Elevados niveis de fator IX 2,3
Elevados niveis de fator XI 2,2
.,- ---------
··---------------------------
*Modificado de Bates e Ginsbcrgl
Profilax ia medicamentosa

A prevenção da doença tromboembólica com diversos


Outras condições de risco importantes incluem: dia- medicamentos é utilizada em larga escala, sendo a heparina
betes; infecções; doenças inflamatórias intestinais; infec- a droga mais utilizada atualmente. A heparina em baixas
ção pelo HIV; vasculites; isquemia arterial; tabagismo; doses (minidoses), pode ser administrada (S.OOOUI no sub-
desidratação; acidente vascular encefálico; infarto agudo cutâneo a cada oito ou 12 horas) de acordo com o risco de
do miocárdio; síndrome nefrótica e hemoglobinúria paro- trombose venosa profunda. Essa dosagem eleva pouco o
xística noturna. A trombose venosa profunda pode se risco de hemorragia e não acarreta alteração importante do
apresentar como síndrome paran eoplásica. D eve-se aten- coagulograma3•5• Seu uso deve ser iniciado no momento da
tar para a pesquisa de câncer oculto em pacientes com internação, nos casos de pacientes imobilizados, o u duas

252
•••
Capítulo 20 .: Profilaxia e tratamento da doença tromboembólica

horas antes do procedimento cirúrgico, em pacientes sem em consideração aspectos epidemiológicos e a existência
essa limitação. Alguns procedimentos cirúrgicos (neuroci- de fatores de risco. Este diagnóstico deve ser confirma-
rurgia) e anestésicos (bloqueio neuroaxial) têm sido consi- do com exames complementares. AJto índice de suspei-
derados contra-indicações relativas ao uso de heparina, ta diagnóstica autoriza o início do tratamento de trom-
pelo risco, ainda que pequeno, de hemorragia intracraniana bose venosa profunda devido à gravidade da doença,
e intramedular. A mesma preocupação deve se estender devendo-se então buscar a confirmação diagnóstica o
aos pacientes vítimas de politraumatismos ou de traumatis- mais rápido possível.
mo raquimedular.
A trombocitopenia induzida pela heparina devido à
Exame clínico
reação antígeno-anticorpo é ocorrência relativamente
freqüente. Geralmente acontece seis a 14 dias após o A apresentação clínica do paciente com trombose
início do uso da heparina. A contagem de plaquetas venosa profunda pode ser muito inespecífica e variada.
deve ser monitorada periodicamente. Recomenda-se a Na maior parte das vezes, há ausência de sinais parogno-
suspensão da heparina caso o número de plaquetas seja mônicos3·10. A metade dos pacientes com trombose
menor que 100.000 6•8• venosa profunda é praticamente assintomática. A outra
As heparinas de baixo peso molecular são fragmentos metade pode apresentar desde sintomas leves até qua-
originados da ação enzimática de preparados da heparina dros dramáticos, como a phlegmasia alba e cemlea dolens,
não-fracionada9 • Essas heparinas apresentam como vanta- que não oferecem dificuldades diagnósticas3·10 •
gens em relação à heparina não-fracionada: menor poten- As manifestações clínicas mais comuns são dor em
cial de sangramento, menor risco de trombocitopenia indu- coxa ou panturrilha, edema, calor, empastamento muscu-
zida, e principalmente, menor ligação às proteínas plasmá- lar (edema muscular), rubor, cianose ao pender-se o mem-
ticas, o que melhora seu per@ farmacocinético, permitindo bro, dor à dorsoflexão passiva do pé (sinal de Hommans),
o tratamento sem a monitoração constante com testes de entre outros. As apresentações mais graves são phlegmasia
coagulação. Geralmente, usa-se a fraxiparina 7.500UI alba e cemfea dofens que são conseqüência de extensa trom-
SC/ dia, enoxaparina de 20 a 40mg SC/ clia ou dalteparina bose venosa i.liaco-femoral. Caracterizam-se por dor de
de 2.500 a S.OOOUI SC/ dia2.5. O alto custo das heparinas de grande intensidade, edema e, respectivamente, intensa
baixo peso molecular consiste obstáculo à sua urilização. palidez e cianose. A isquemia secundária à estase venosa
Anticoagulantes orais são geralmente pouco urilizados pode ocorrer, tomando tais apresentações gravíssimas,
na pro@axia da trombose venosa profunda. Sua maior com risco iminente de perda de membro3·10•
indicação é na profilaxia por longos peóodos, como nos
casos de fibrilação atrial, cardiopatias, presença de próteses
valvares e pro@axia secundária de trombose venosa pro- Exames não-invasivos
funda. Apresentam ação pró-coagulante no inicio de seu AJguns exames, como o doppler de onda contínua e o
uso por climinuírem inicialmente os níveis dos anticoagu- D -dímero, podem ajudar na investigação de trombose
lantes naturais (proteína C e S) para, posteriormente, inibi- venosa profunda, porém ambos apresentam precisão
rem os fatores pró-coagulantes. São monitorados pela inferior ao duplex-scan no diagnóstico da trombose veno-
medida do RNI (relação normatizada internacional) que sa profunda3' 10' 11 •
deve ficar entre dois e quatro, dependendo de sua indica- O doppler faz parte dos instrumentos básicos diagnós-
ção (pro@axia secundária da trombose venosa profunda e ticos utilizados pelos angiologistas e cirurgiões vascula-
prótese valvar metálica, respectivamente). res. D etecta-se trombose pela ausência de fluxo (som). É
um método examinador-dependente e pode ser falho
quando não se tem experiência com sua
Trombose venosa profunda
O teste do D -dímero avalia o produto de degrada-
Diagnóstico ção da fibrina e sugere trombose intravascular. É um
exame realizado por meio da sua dosagem sérica de
O diagnóstico da trombose venosa profunda deve rápida execução. Possui alta sensibilidade (acima de
ser feito inicialmente pelo exame clínico, que deve levar 90%) e baixa especificidade (30% a 40% )'". Pode estar

253
Melhor, então, quando o resultado é negativo,
pois afasta a suspeita.
Melhor, então, quando o resultado é positivo,


••
pois praticamente confirma a HD. Fundamentos em Clínica Cirúrgica

postttvo em pacientes com qualquer doença trom- com os membros inferiores elevados para se evitar o
boembólica com hematoma e no pós-operatório de edema e utilizar analgésicos para conforto do paciente.
diversas operações, o gue dificulta o diagnóstico. U ma O tratamento específico con siste em anticoagulação
dosagem no rmal praticamente exclui a tro mbose' 0• com heparioa e/ou cumarínico, utilização de tromboüti-
Diversos estudos têm proposto considerar as manifes- cos e trombectomia cirúrgica. A anticoagulação é o trata-
tações clinicas, a dosagem do 0 -dímero e o duplex no mento mais comumente utilizado. Seus objetivos princi-
rápido diagnóstico da trombose venosa profundaw. pais são evitar a propagação do trombo para outras veias,
O exame complementar mais comumente utilizado reduzir o risco de embolia pulmonar e minimizar a sín-
para o diagnóstico de tro mbose venosa profunda é o drome pós-trombótica. Heparinas e cumarínicos pare-
duplex-scan venoso. Apresenta valo r preditivo positivo cem não ter ação fibrinolitica, porém, ao promoverem a
de 95% para tro mboses proximais. Nas tro mboses de estabilização do trombo, favorecem também a ação fibri-
paoturrilha, apresenta sensibilidade gue varia de 50% a nolitica plasmática intrínseca.
75%, com especificidade de 95%3·". É um exame não- O tratamento anticoagulante deve ser iniciado após a
invasivo, gue pode ser repetido diversas vezes e aplica- confirmação diagnóstica, mas, caso isso não possa ser feito
do sem nen hum efeito colateral. Apresenta a limitação de imediato, deve-se iniciar empiricamente o tratamento,
de também ser examinador-dependente. Este exame desde que não haja contra-indicação. As contra-indicações
tem ganhado espaço, visto que a flebografia, gue é o para anticoagulação encontram-se listadas no Quadro 20.2.
padrão-ouro, apresenta sérios riscos e efeitos colate- Toda trombose venosa profunda recente deve ser tra-
rais3·". Na presença de alta suspeita diagnóstica, com tada. Cerca de 20% dos trombas da panrurrilha ascen-
duplex-scan negativo, recomenda-se a realização de dem para a veia poplitea, apresentando risco de ocorrên-
novo exame após 24 ho ras ou após uma semana da pri- cia de tromboembolismo pulmo nar em 40% a 50% dos
meira avaliação 1·" . casos2·". O risco de tromboembolismo pulmonar em
A ressonância nuclear magnética e a tomografia pacientes com tro mbas restritos às veias da panrurrilha é
computadorizada vêm sendo utilizadas progressivamen- de aproximadamente 10%. Com o advento da heparina
te, para avaliação de pacientes com suspeita de trombo- de baixo peso molecular e a possibilidade de tratamento
se venosa profunda. Parecem ser de especial valor para ambulatorial da trombose venosa, tornou-se consenso a
o diagnóstico de trombose em locais de difícil avaliação anticoagulação desses pacientes 13 •
pelo duplex-scan, como ocorre em vasos intracavitários,
principalmente na veia cava pélvica3• Quadro 20.2 .: Contra-indicações absolutas e relativas para anti-
coagulação*

Exames invasivos ----------------------------------------------··


Contra-indicações absolutas

Hemorragias ativas
A venografia é considerada ainda hoje o padrão-ouro
Discrasia sangiilnea grave ou contagem de plaquetas inferior
para o diagnóstico de trombose venosa profunda. É um
ou igual a 20.000
exame realizado com contraste, apresenta resultado
Neurocirurgia ou hemorragia intracraniana há menos de dez dias
objetivo, com a demonstração do local anatômico do Cirurgia oftalmológica
trombo e da ana tomia do sistema venoso. Oferece risco
de nefro toxicidade e de reações alérgicas. Suas indica- Contra-indicações relativas
ções mais comuns são os casos de dúvida diagnóstica ou Discrasia sangülnea leve/ moderada ou trombocitopcnia
de impossibilidade de se realizar o duplex-scatr1·" . Metástase cerebral
Grande trauma recente
Grande procedimento cirúrgico abdominal M menos de dois dias
Tratamento Hemorragia gasuoinrestinal ou genitourinma h6 menos de 14 dias
Endocardite
O tratamento da trombose venosa profunda visa resta- Pressio arterial sistólica maior ou igual a 200nunHg
belecer o fluxo venoso e diminuir suas complicações pre- Pressio anerial diastólica maior ou igual a 120mmHg
coces e tardias. A abordagem inicial consiste em evitar ou •
remover os fatores de risco, manter o paciente em repouso
··----------------------------------------------
•Modificado de Bates < Ginsbergl

254
•••
Capítulo 20 .: Profilaxia e tratamento da doença t romboembólica

Geralmente, dá-se preferência por iniciar a anticoagu- que acarretou o abandono desse tipo de tratamento.
lação com heparina, visto que os cumarínicos tendem a Atualmente preconiza-se o uso de tromboliticos com
baixar primeiramente as proteínas C e S, que são anticoa- cateteres posicionados no interior do tromba, permitin-
gulantes narurais, para só depois de certo tempo diminui- do ação local mais efetiva e prevenindo complicações
rem os fatores pró-coagulantes II, VII, IX e X. sistêmicas 14•15 • O grupo de pacientes com trombose
No esquema terapêutico com a h eparina venosa, a venosa profunda que parece melhor se beneficiar do
dose inicia] é de S.OOOUI em bolus endovenoso, seguida tratamento trombolitico local é constituído de jovens
de infusão contínua de 18UI/ Kg/ h, aj ustando a dose com trombose venosa extensa n o segmento ileofemoral
com a finalidade de manter o PTia (tempo de trombo- (phlegmasias) e de instalação aguda (primeiras 48
plasúna parcial ativada) 1,5 a 2,5 vezes o valo r contro- horas) 14• 15• O risco de hemorragia na terapia fibrinolitica
le2·12 . A via subcutânea também pode ser utilizada com é 30% maior do que o verificado durante a hepariniza-
a seguinte abordagem: bolus de S.OOOUI intravenoso ção sistêmica. Por isso, está indicado apenas nas situa-
seguido de 15.000Ul a 20.000UI pela via subcutânea a ções mais graves, com o objetivo de tentar salvar o
cada 6h. O a juste com essa abordagem é mais difícil e membro doente. Ambas as terapias devem ser sempre
foi praticamente abandonado. seguidas de anticoagulação crônica para evitar a recidi-
A heparina de baixo peso molecular também pode ser va da doença tromboembólica" .
utilizada no tratamento da trombose venosa profunda.
Não necessita de controle laboratorial. A anticoagulação é
Tromboembolismo Pulmonar
atingida pela dose adequada de cada droga ajustada pelo
peso do paciente. D eve ser administrada duas vezes ao dia. A embolia pulmonar ou tromboembolismo pulmonar
Recomenda-se o emprego de nadroparioa (225UI/Kg), é a impactação de um êmbolo na circulação pulmonar•.
enoxaparioa (1 mg/Kg) ou dalteparina (1OOUI/Kg) 12·3• O êmbolo pode ser originado de trombas no sistema
A protamina é o antídoto da heparina (1mL de prata- venoso, átrio ou ventrículo direito. Os fatores de risco
mina para cada 1OOOUI de heparioa). Esta droga deve ser para tromboembolismo pulmonar são os mesmos para
administrada por via endovenosa de modo lento. trombose venosa profunda, visto que pacientes com
Apresenta efeito antagonista parcial às heparinas de baixo trombose venosa profunda proximais apresentam maior
peso molecular. risco de tromboembolismo pulmonar. Além desses fato-
Os cumarínicos são antagonistas da vitamina K e res, algumas causas cardíacas podem ser relacionadas,
devem ser iniciados juntamente com a heparinização. como arritmias, insuficiência cardíaca e infarto agudo do
Essa conduta aumen ta pouco o risco de sangramento e miocárdio e suas seqüelas 12•
favo rece a alta hospitalar mais precoce. Os cumarínicos
são contra-indicados durante a gravidez devido ao seu
Diagnóstico
efeito teratogênico, porém podem ser usados pelas puér-
peras, já que essas drogas não passam pelo leite materno. O diagnóstico clínico do tromboembolismo pulmo-
A anticoagulação com cumarínico deve ser monitorada nar pode ser bastante dificil, exigindo alto índice de sus-
com o RNI que deve ficar entre 2 e 3 para o adequado peição. Os sintomas são dependentes do tamanho dos
tratamento da trombose venosa profunda. O antídoto trombas alojados na circulação pulmonar e da condição
para os cumarínicos é a vitamina K. cardiopulmonar prévia dos pacientes. As manifestações
O uso dos tromboliticos e a trombectomia na trom- clinicas são, habitualmente, inespecíficas 12•16 •
bose venosa profunda representam tentativa de restaurar
a patência venosa rapidamente, preservando o bom fun-
Exame clínico
cionamento valvular e prevenindo o desenvolvimento
posterior de insuficiência venosa crônica. Inicialmente, As manifestações clínicas do tromboembolismo pul-
a trombóJise sistêmica com injeção de tromboliticos em monar são inespecíficas e as mais freqüentes são dispnéia
veias periféricas foi utilizada. No entanto, o sucesso e dor torácica à inspiração profunda (75% a 85%), tosse
verificado na restauração do fl uxo venoso foi modesto, seca (53%) e hemoptise (30%). Outros sinais associados
associado a altas taxas de complicações sistêmicas, o também não são específicos e os mais freqüentes são

255
•• • Fundamentos em Cllnica Cirúrgica

taquipnéia (92%), crepitações pulmonare (58%), taqui- nar. A cintilografia de perfusão é rea lizada por meio da
cardia (44%) e desdobramento da segunda bulha (53%). injeção de albumina marcada com iodo radioati\'O em
A gravidade das manifestações clínicas está relaciona- veia periférica, para alcança r o leito capilar pulmonar.
da, entre o utras causas, ao tamanho dos êmbolos. Assim, t\ cintilografia de ventilação é realizada por meio da
êmbolos de tamanho pequeno, alojados na periferia do in spi ração de gás marcado radioativamente que se
pulmão, determinarão quadros ele sintomatologia menor, difundirá pelo parênq uima pulmonar. Um defeito de
ao passo que a oclusão maciça poderá determinar q ua- pcrfusão reflete a diminuição do fluxo sangüíneo para
dros clínicos g raves com cor pullllonale agudo e aquela região pulmo nar. Este achado não é específico
Essa gra nde variação na apresentação clinica, bem como para tromboembolismo pulmonar. D este modo, os
a ausencia de sinais e sintomas específicos, faz com que achados da ciotilografia de pcrfusão são interpretados
grande número de episódios de embolia pulmonar não conjuntamente com a ci nti lografia de ve ntilação,
seja diagnosticado, principalmente no pós-operatório, tendo-se, então, a conclusão a respeito da possibilidade
quando manifestações clínicas pul monare são freqüen- deste diagnóstico. Cinti lografia de perfusão inalterada
temente atribuídas a pneumonias, atelectasias c insufi- praticamente afasta a possibilidade de tromboembolis-
ciência cardíaca. Faz-se en tão necessário alto g rau de sus- mo pulmonar, pois apre. enta valor preditivo negati,·o
peição diagnóstica, c.1uc determinará a necessidade da rea- de 91 'Yo. Por isso, ela deve ser realizada primeiramen-
lização de métodos diagnósticos objetivos'". te'''. A cintilografia de ventilação-perfusão pode ap re-
sentar basicamente três padrões cintilográficos c o
resultado é ex presso em termos de al ta probabilid ade,
Exames complementares
intermediária ou baixa proba bilidade de tromboembo-
Apesar de não serem métodos propedêuticos específi- lismo pulmonar2" . Os cri térios para a aná lise do teste
cos, radiografia de tórax, gasometria arterial e eletrocardio- não são completamente uniformizados, são complexos
grama são comumente realizados e podem er útei . . Entre e muitas \·ezes confusos, po sibilitando erros freqüen-
os exames complementares, destacam-se: teste D-climero, tes na interpretação do exame. Cerca de 75% dos exa-
tomografia computadorizada helicoidal do tó rax, cintilogra- mes são inconclusivos, isto é, são de baixa ou interme-
fia pulmonar ventilação-perfusão e angiografia pulmonar. diária probabilidade para tromboembolismo pulmo-
na r21'. A freqüência de tromboembolismo pulmonar
nos pacientes, quando se realiza a angiografia pulmo-
T ESTE DO 0 -DIMERO
nar, varia de 14% a 30%,.!1'. Recomenda-se então a aná-
O D-dimero a\·alia a trombose imravascular. um
lise da cin tilografia conjuntamente com a probabilida-
exame de dosagem sérica com alta sensibilidade (90%),
de clinica (fatores de risco) de tromboembolismo pul-
porém com baixa especificidade (30% a 40°/cof Pode estar
mo nar. Para os pacicntcs com probabilidade clín ica
positivo em diversas situações, como na trombose venosa
baixa e cintilografia de baixa probabilidade, a frctlüên -
profunda, trombocmbolismo pulmonar, no pós-operató-
cia de embolia pulmona r é menor que 4°/?.
rio, após traumas, entre outros. É de grande valia para a
paciente podem ser conduzidos sem a necessidade de
exclusão do diagnó tico de tromboembolismo pulmonar'".
complementação diagnóstica com angiografia. Todos
os demais pacientes com achados inconclusivos deve-
T OMOGRAFIA COMPUTADORIZADA HELICOIDAL riam ser submetidos a outro testes diagnósticos ··.
t\ angioromot,rrafia helicoidal do tó rax tem mostrado
bons resultados quando há trombas nos t,rrandcs vasos
ANGIOGRAFIA PULMONAR
pulmonares, port:m perde acurácia quando esses ocor-
A arteriografia pulmonar permanece como o padrão-
rem em ,·asos ele menor calibre•·"·''·.
ouro no diagnóstico do tromboembolismo pulmonar e é
definida como positi,·a quando se detecta defeito ele
CINTILOGRAFIA PULMONAR VENTILAÇÀO-PERFUSÃO enchimento na artéria pulmonar em mais de uma proje-
um exame que possibilita avaliar a circulação pul- ção. Achados sugestivos incluem assimetria do fluxo san-
monar e a árvore brônquica em conju nto, permitindo güíneo com segmento pulmonar de baixo fluxo, prolon-
defini r a probabilidade de trombocmbolismo pulmo- gada fase arterial com enchimento lento c interrupção

256
• ••
Capítulo 20 .: Profilaxia e tratamento da doença tromboembólica

abrupta do contraste na arté ri a pulmo nar 1. É procedi- Terapia com heparina e anticoagulante oral
mento invasivo, oneroso e com morbidade em torno
O tratamento com anticoagulantes deve ser iniciado
de 5% e mortalidade em torno de 1% . Deve ser empre-
com a uspeita clinica evitando-se o atraso até a confir-
gada em pacientes: com alta probabilidade clínica de
mação diagnóstica 16. D eve-se iniciar com bolus d e
tromboemboüsmo pulmonar, mas com tes tes não-
80 1/ Kg de heparina, seguido da infusão contínua de
invasivos prévios inconclusivos; com contra-indicação
18 1/ Kg/h, dose corrigida de acordo com o PTia a
para a anticoagulação; naqueles em que se pensa reali-
cada 6h. A anticoagulação com hepa rina segue a mesma
za r tratamento mais agressivo (filtros de veia cava ou
li nha do tratamento da trombose venosa profunda, cita-
terapia trombolitica) 21. A angiografia pode ainda ser o
do ante rio rmente 1z. 1•. O tratam ento tem como objetivo a
exame de primeira escolha em pacientes com suspeita
prevenção da progressão do tromba e a recorrência do
clínica de tromboembo lismo pulmonar c ins táveis
tromboemboüsmo pulmonar.
hemodinamicamente4 •11 ·16 .
As heparinas de baixo peso molecular também
podem ser utili zadas por apresentarem vantage ns econó-
Tratamento micas e segurança no tratamento do tromboembolismo
pulmo nar, fato demo nstrado recentcmente9•11 •
Importância do tratamento e risco

Para observarmos o impacto do tratamento na Terapia trombolítica


doença tromboembólica, é necessário conh ecer a his-
tória natural do tromboembolismo pulmonar nil.o-tra - O uso de tromboliticos no tro mboembolismo pul-
tado. mortalidade da doença tromboembólica não- monar permanece assunto controverso. Os estudos
tratada é substancia l. Barritt e Jordan 22, em estudo publicados demonstram eficácia comprovada na lise do
prospectivo, comparando o tratamento anticoagulante trombo pulmonar, porém a freqüência de recorrência do
com nenhuma forma de tratamento no tro mboembo- êmbolo pulmonar e a mo rtalidade permanecem inaltera-
lismo pulmonar, observaram redução substancial da dos256. Os resultados são melhores em pacientes jovens,
mo rtalidade no grupo tratado- de 38% para menos de em grandes êmbolos com repercussão hemodinâmica e
8% . Esse estudo foi interrompido por razões éticas, nas primeiras 48 horas do evento embólico 14.1'..Z'.21·. As
devido à g rande discrepância dos resultados entre os contra-indicações ao tratamento tro mbolitico encon-
g rupos. Outros estudos comparativos demonstraram tram-se lisradas no Q uadro 20.3.
redução similar na mo rtalidade do grupo tratado,
determinando as diversas formas de tratamento discu- Tromboembolectomia pulmonar
tidas a seguirn.z•.
O tratamento deve ser iniciado tão logo seja possí- Esta abordagem raramente está indicada. ua indica-
vel, devido ao potencial risco de evolução fataP t·. D eve- ções limitam-se ao tromboembolismo pulmonar maciço
se atentar para a manutenção da estabi lidade hemod i- sem resposta ao traramento fibrinolítico o u guando os
nâmica e evirar a progre são do trombo, bem como a tromboliricos não podem ser usados. A tromboembolecto-
recidiva do trombocmbolismo ptllmonar1t'. O paciente mia pode ser realizada cirurgicamente ou através
deve er internado e acompan hado, mesmo em casos de cateter'·1h.
em que não haja deterioração respiratória ou circulató-
ria, visto que pode haver piora clinica repentina por
Interrupção da veia cava inferior
falência cardíaca ou vcntilatóri a por novas emboüas.
Recomenda-se repouso, suplementação de oxigênio, O ftltro ele veia cava tem sido empregado no trom-
(mesmo q ue não haja insuficiência respi ratória), com o boembolismo pulmonar visando prevenir sua ocorrência
objetivo de reduzir a resistência vascular pulmonar. A ou recidiva. O ftltro consiste num sistema que impede a
monitorização do sinais vitais com a correção dos propagação de êmbolos para a circulação pulmo nar. As
padrões hematológico , bioquímicas e da função car- indicaçõc para o uso do ftlrro de veia cava estão expres-
díaca é fundamental '·16. sas no Quadro 20.4.

257

••
Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

os trombos situados no território fêmuro-poplíteo, Conclusão


sem epi ódio de tromboemboli mo pulmonar documen-
tado, essa indicação é discuóvel. O paciente deve ser A correta abordagem da doença tromboembólica prio-
mantido anticoagulado após o posicionamento do ftltro rizando a proftlaxia, atentando para o diagnóstico precoce
para se evitarem as complicações da trombose venosa e tratamento eficaz deve ser sempre preconizada pela equi-
profunda, a menos que tenha contra-indicação para anti- pe médica, com o objetivo de reduzir a morbimo rtalidade
coagulação•·"·. O filtro de Greenfield é o modelo mais uti- dessa doença (recorrência, seqüelas e óbito).
lizado atualmente, apresentando ta.xas de recorrência de
tromboemboüsmo pulmonar menores que 4%, com
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258
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Capitulo 20 .: Profilaxia e tratamento da doença tromboembólica

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259
21
O CIRURGIÃO
E AS INFECÇÕES
OCUPACIONAIS

••
Renato Camargos Couto,
T ânia Moreira Grillo Pedrosa

Introdução Outro conceito essencial é de que a Medicina conhe-


ce somente peq uena po rção dos patógenos que são vei-
Os indivíduos que trabalham em hospitais estão culados pelo sangue. Recentem ente ficou estabelecida a
potencialmente expostos a uma diversidade de doenças participação de prío ns na determinação de quadros
infecto-contagiosas, principalmente aqueles que têm con- demenciais. Po rtanto, fazer exames pré-operatórios à
tato direto com os pacientes o u com dispositivos e equi- procura desses patógenos não diminui os acidentes e só
pamentos contaminados com material orgânico. Esses detecta parte do risco.
indivíduos, aqui denominados trabalhadores da área da O risco do procedimento cir úrgico é pro po rcional à
saúde, além de expostos às doenças infecciosas dos intensidade de sangramento, d uração e risco de lesões de
pacientes, podem, por sua vez, ser fo nte de transmissão pele e aspersão de sangue em m ucosas determinado
de microorganismos para pacientes e o utros profissio- pelas mano bras cirúrgicas necessárias à realização
nais. Além disso, há que se co nsiderar a funcio nária grá- do mesmo.
vida, vis to que inúmeras doenças infecciosas podem
comprometer gravemente o desenvolvimento fetal. Técnicas de barreira para biossegurança
A técnica de usar barreiras físicas que impeçam o con-
O cirurgião frente ao paciente com tato do cirurgião com sang ue e fluidos corpóreos é medi-
doenças veiculadas pelo sangue da eficaz e oferece ótima relação custo-benefício. Essas
técnicas são recomendações mundialmente aceitas e
O compo rtamento do cirurgião frente ao paciente conhecidas como precauções-padrão. Algumas delas
com doenças veiculadas pelo sangue é dirigido mais fre- estão listadas no Quadro 21.1.
qüentemente pelos tabus do que pela técnica. Nessa
situação, é comum o medo predominar e o cirurgião se
Exposição ocupacional aos vírus
esquecer de que a maior parte desses pacientes é assinto-
mática e desconhece essa condição assim como o cirur-
veiculados pelo sangue
gião que vai tratá-lo . Os três microorganismos habitualmente associados à
T er o conhecimento da co nd ição infecciosa do exposição ocupacional ao sangue são os vírus da hepatite
paciente, antes do procedimen to cirúrgico, não diminui a B (HBV), da hepati te C (H CV) e da imunodefi ciência
ocorrência de acidentes durante o ato operatório. humana (HIV).

261

••
Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

Quadro 21 . 1. : Precauçôcs-padrào- medidas de biossegurança sangue no ambiente de trabalho, e com o estado de po r-


----------------------------------------------·· I
tador do antíge no " e" da hepatite B do paciente fonte
Lavagem das mãos: (Quadro 21.2):
Antes c após o contato com paciente
Imediatamente após tocar sangue, fluidos corpóreos, aecrcçõcs,
Quadro 21 .2 .: Risco de transm issão ocupacional pelo vfrus da
excreções c/ oo objetos contaminados
hepatite B
lmcdiawncnte após retirar u luvas

Luvas:
----------------------------------------------··
Antígeno Risco de desenvolver

Colocar as luvas para tocar, ou quando for tocar, sangue, fluidos (paciente fonte) sorologia positiva
corpóreos, objctol contaminados, mucosa c pele nio-intacta (TAS exposto)
Retirá-lu imcdiawncnte após o uso c lavar u mios HbsAg positivo 37"/o a 62%
Máscara e Óculos: HbcAg positivo
Uso recomendado para protcgn mucosas (olhos, nariz, boca) HbsAg positivo 23% a 37%
quando houver risco de: 1/'NJ ou respingos com sangue, fluidos
HbcAg negativo
corpóreos, secreções, excreções

Capote: ··----------------------------------------------
TAS - Traba.lhador da área de saúde
Deve ser usado quando houver risco de respingos ou spray de
sangue, fluidos corpóreos, sccrcçõcs c excreções
Tire imediatamente apús o uso c lave as mios
E mbo ra o acidente percutâneo seja a forma ma1s
eficiente de transmissão do vírus da hepatite B, este
Equipamentos:
tipo de ex posição corresponde à mino ria das fontes de
Manipule cquipamcntm usados e sujos de maneira a nio contaminar
infecção entre os trabalhado res da área de aúde. Es ta
o profissional e o paciente (mucosa, roupa)
Nio use objetos de um paciente em outro sem a devida limpeza c afirmativa baseia-se nas seguintes observações contidas
desinfecçio em d ive rsos es tudos epidemio lógicos: (1) a maioria dos
Cuidado com agulhas e instrumentos de: cone, especialmente na trabalhadores da área de saúde in fectados relata não se
limpeza e na hora do dc:scane recordar de acidente p e rcutâneo, mas cerca de um
Nunca recncapc agulhas e não retire a agulha da seringa descarúvel terço deles a firma ter manuseado secreções de pacien-
Na hora de: algum procedimento, coloque o recipiente duro, adequa-
te H BsAg positivo; (2) a demons tração de que o vírus
do para o descane de materiais pérfuro-conantes, o mais próximo
da hepatite B sobrevive no sangue ressecado, em
posslvel do leito
superfícies inanimadas, em tempe ratu ra ambiente, por
Ambiente: pelo menos uma semana. A transmissão potencial do
A limpeza do ambiente é padronizada pelo hospital que usa substân-
vírus da hepatite B, po r meio do contato com superfí-
cias ativas contra vírus para supcrflcies com risco de contaminação
cies inanimadas co ntaminadas, tem sido demonstrada
Roupa: em epidemias ocorridas entre pacientes e equipe de
Manipule quando u.qcia e suja de maneira a não contaminar assis tência em unidades de hemod iálise.
profissionais, pacientes c ambiente
O sangue é o principal veíc ulo de transmissão do
Alojamento do paciente: vírus da hepatite B. Embora o HBsAg também seja
Coloque em quarto privativo aqueles que, por qualquer motivo, de tectado em vá rios o utros fluidos corporais, incluindo
possam contaminar o ambiente
leite materno, bile, liquor, fezes, secreção nasofaríngea,

··---------------------------------------------- sali va, sêmen, suor e liquido sinovial, sua concentração
é cerca de 100 a 1.000 vezes maio r que a de partículas
infectantes do vírus. O u seja, esses fluidos, embora
Vírus da hepatite B
possam ser HBsAg positi vos, não são veículos e fi cien-
tes de transmissão porque contêm baixos títulos de
Risco da transmissão ocupacional pelo vírus da hepatite B
partículas infectantes.
O risco da infecção pelo vírus da hepatite B está pri- Estudos norte-americanos da década de 70 mostra-
ram que a prevalência de hepatite B entre os trabalha-
mariamente relacionado com o grau de contatO com

262
•••
Capít ulo 2 1 .: O cirurgião e as infecções ocupacionais

do res da área de saúde era cerca de dez vezes maior do ao vírus da hepatite B. Se o trabal hador da área de saúde
que na população em geral. Com a obrigatoriedade da exposto não for comprovadamente imune ao HBV,
vacinação pré-exposição e a adesão às precauções- deve ser feita sorologia para anticorpo de superfície da
pad rão, vem ocorrendo declinio significativo dessa hepatite B (anti-HBsAg) . Mesmo aqueles vacinados
prevalência nos últimos 20 anos.
anteriormente e cuja sorologia foi realizada num perío-
do maio r que 24 meses antes da exposição devem ser
Profilaxia pós-exposição ao vírus da hepatite B novamente testados. Sabe-se que cerca de 10% a 15%
O uso da imunoglobulina hiperi mune e/ou da vaci- dos indi víduos vacinados não alcançam títulos proteto-
na contra hepatite B em outras situações de risco, por res dos anticorpos. O s obesos, imunossuprimidos, os
exemplo na transmissão materno-fetal, tem-se mostrado maio res de 50 anos e os tabagistas são considerados os
bastante eficaz, com prevenção da transmissão do vírus menos responsivos à vacina e, po rtanto, são tidos como
para o recém-nascido em 85% a 95% , quando aplicadas grupo de risco . Recomenda-se a pro ftlaxia após-exposi-
no nascimento . A demonstração desta eficiência reforça ção ocupacio nal nos casos em que o anti- HBsAg for
a recomendação da vacinação dos trabalhadores da área
meno r que 10ml U/ mL.
de saúde expostos, além do uso da imunoglobulina
A determinação do tí tulo de an ti-HBsAg deve ser
(Quadro 21.3). A vacina tem-se mostrado segura, sem a
ocorrência de efeitos colate rais graves. A gravidez e o feita entre um a seis meses após o esquema vacina! pri-
aleitamento materno não devem ser considerados con- mário O LI quatro a seis meses após a administração de
tra-indicações ao uso da vacina na trabalhadora exposta imunoglobulina anti-1-IBV hiperimune.

Qua dro 2 1.3. : Profil axia pós-exposição ao vírus da hepatite 13

-------------------------------------------------------------------------------------------------··
Estado imunológico do indivíduo Tratamento (se paciente-fonte for HBsAg Comentários

exposto positivo ou desconhecido)
Não-vacinado: Uma dose de imunoglobulina hiperimune lmunoglobulina hiperimune*: 0,06ml/Kg,
anti-HBV (até 24h pós-acidente) e l ml da intramuscular.
vacina (até 24 a 48h p<'>s-acidente) e programar Vacina: lml, intramuscular (no deltóide) com
esquema vacina! completo. intervalos de zero, um e seis meses. Dosar
anti-HBsAg após (ver texto).
Aplicar a vacina e a imunoglobulina em mús-
culos distintos.
Dosar o andgeno do core da hepatite B: se
positivo suspender a vacinação.

Vacinado anteriormente:

Anti-Hl3sAg IOm iU/ mL Nenhum tratamento

Anti-HBsAg < 10m1U/ mL Uma dose da vacina (até 24 a 48h pós-aciden- imunoglobulina hiperimune*: 0,06mL/ Kg,
te) + uma dose da imunoglobulina intramuscular. Considerar o utra dose em um
hiperionune (até 24h pós-acidente) mês se for individuo de risco (ver texto).
Vacina: 1m L IM, no deltóide.

Anti-KBs Ag desconhecido Uma dose da vacina (até 24 a 48h pós-aciden- lmunoglobulina hiperimune*: 0,06mL/ Kg,
te) + uma dose da imunoglobulina intramuscular. Considerar outra dose em
hiperimune (até 24 a 48h pós-acidente) 1 mês se for individuo de risco (ver texto) .
Vacina: I ml IM, no deltóide.

··-------------------------------------------------------------------------------------------------
• hiperimune anti-liBV

263
• Fundamentos em Clínica Cirú rgica

••
Vírus da hepatite C do HIV após-exposição ocupacional. No acidente percu-
tâneo, o risco está diretamente associado ao volume de
Risco da transmissão ocupacional do vírus da hepatite C sangue do paciente fonte, nas seguintes situações: dispo-
sitiYo visivel mente contaminado com sangue do pacien-
O vírus da hepatite C não é significativamente trans-
te, procedimento no qual a agulha foi diretamente usada
mitido pela exposição ocupacional ao sangue. A incidên-
na veia ou artéria, ou acidente com perfuração profunda.
cia média de soroconversão após-exposição percu tânea
Maior volume de sangue é transferido ao trabalhador da
de paciente fonte HCV positivo é de 1,8% (Li mites: 0% a
área de saúde exposto quando o acidente é profundo e
7%). Raramente ocorre transmissão po r contato com
causado por agul has ocas (com lúmen). O risco também
mucosa, e nenhum caso de transmissão por contato com
aumenta se o paciente fonte está em estágio terminal da
pele lesada ou íntegra foi documentado.
doença, possivelmente re fletindo tanto o al to título de
Ao contrário elo vírus da hepatite 13, estudos epide-
H IV na fase tardia da doença, quanto a presença de
miológicos sugerem que a contaminação ambiental com
outros fatores indutores de cepas de HI V.
sangue não representa risco significativo na transmissão
M ais a lto risco (> 0,3%):
do vírus da hepatite C para os trabalhadores da área de • grande volume de sangue (agulhas ocas colocadas
saúde, com exceção das unidades de hemodiálise sem em qualquer acesso vascular: cateter venoso curto,
rigoroso controle de infecções.
artigo de punção venosa com aletas laterais, cateter
O sangue é o principal veículo de transmissão.
venoso central, etc.), e sangue contendo altos títulos
ele H IV (pacientes em sorocom ·ersão ou em fase
Profrlaxia pós-exposição ao vírus da hepatite C avançada da doença).
Risco aume nta d o:
Em 1994, o Advisory Committee on lmunization • se apenas uma elas duas condições acima esti\'cr
Practices (ACI P - Estados Unidos) revisou os dados dis- presente.
poníveis relacionados à prevenção da hepatite C, utili- Risco não-aumentad o:
zando imunoglobulina, e concluiu que esse uso não tinha • se nenhuma das duas condições esti ver presente.
sustentação. enhum trabalho clínico foi ainda conduzi- Risco após-exposição cutâneo-mucosa
do para se determinar o uso de drogas antivirais (interfe- Aume n tad o (>0, 1%) se houver:
ron com ou sem ribavirina) pós-exposição ao vírus da • gra nde área exposta, ou
hepatite C. Os antivirais não são recomendados para esta • grandes volumes de sangue, ou
finalidade pelo ó rgão norte-americano de contro le de • contato pro lo ngado com área de lesão cutâneo-
medicamentos (FD A). Até o momento, os resultados mucosa.
epidemiológicos sugerem que é necessário que a infecção
esteja estabelecida antes do uso do interferon, de forma
Profrlaxia pós-exposição ao vírus
que o tratamento seja efetivo.
da imunodefrciência humana
E mbora ainda não exista profilaxia eficaz, a soro logia
para anti- HCV deve ser obtida do trabalhado r da área de Dados referentes à infecção primária pelo vírus da imu-
saúde exposto, imediatamente após o acidente e seis a nodeficiência humana mostram que a infecção sistêmica
nove meses após. A importância da determinação da não ocorre imediatamente, ocorrendo peguena janela
infecção se eleve ao fato de que parte elos infectados durante a qual o uso do anti-retroviral pós-exposição pode
desenvolverá hepatite crônica, e, nesses casos, pode prevenir ou modificar a replicação O início dos anti-
haver indicação elo uso de interferon ou ribavirina. retrovirais, tão logo tenha ocorrido o acidente (preferen-
cialmente até duas horas após), previne ou inibe a infecção
sistêmica por Limitar a proliferação dos vírus nas células-
Vírus da imunodeficiência humana
alvo iniciais ou Linfonodos.
Determinação do risco pós-exposição percutânea Autalmente estão disponíveis três classes de drogas
anti-retrovirais para o tratamento da infecção pelo H fV.
Estudos epidemiológicos e laboratOriais sugerem que Esses agentes incluem os inibidores da transcriptase rever-
vários fato res podem influenciar o risco de transmissão sa (nucleosídeos e não-nucleosídeos) c os inibidores de

264
Capítulo 21 .: O cirurgião e as infecções ocupacionais

••
protease. As combinações de nucleosídeos consideradas Quadro 21.4 .: Efeitos colaterais primários associados aos anti-
para a profilaxia pós-exposição são: rc trovirais

• AZT (zidovudina) + 3TC Qarnivudina), considerado ----------------------------------------------··•


ainda hoje esquema de escolha; Classe/Agente Efeitos colaterais
anti-retroviral e toxicidade
• 3T C Qarnivudina) + d4T (estavudina);
Nucleosídeos
• d4T (estavudina) + ddi (didanosina).
Zidovudina Anemia, neutropenia, náuseas,
No mercado brasileiro, existe clisponível a combinação
cefaléia, mialgia e fraqueza
de AZT 300mg + 3TC 150mg, o que facilita o emprego da
profilaxia pós-exposição. Lamivudina Dor abdominal, náuseas, diar-
réia, exantema, pancreatite
Está recomendada a associação de uma terceira droga
nas exposições de alto risco. Os agentes usualmente utiliza- Didanosina Pancreatite, acidose tática, neu-
ropatia, dor abdominal, náuseas
dos são lDV (indinavir), FV (nelfinavir), EFV (efavi-
renz), ABC (abacavir) ou Kaletra. Abacavir Náuseas, diarréia, anorexia, dor
abdominal, insônia e hipersensi-
O e favirenz deve ser considerado a terceira d roga bilidadc
(exceto na gestante, como se mostra a seguir), especial-
Não-nucleosídeos
mente nas situações suspeitas de paciente fonte portado r
de vírus da imunodeficiência humana resistente aos inibi- Nevirapina Exantema (incluindo
Stevens-Johnson), febre,
dores de proteases. n áuseas, cefaléia, alteração
Uso de anti-retrovirais na gravidez: os dados atualmen- dePFH
te dispo níveis são lim itados quanto aos possíveis efeitos do Delavirdina Exantema (incluindo Stevens-
uso destas d rogas no desenvolvim ento do feto o u do Johnson), náuseas, diarréia,
recém-nascido. Estão descritas carcinogenicidadc e/ou cefaléia, alteração de PFH

mutagenicidade in vitro com a zidovudina e demais nucleo- Efavirenz Exantema (incluindo Stevens-
sídeos, teratogenicidade com efavirenz, e hi perbilirrubine- Johnson), insônia, sonolência,
náuseas, dificuldade de
rnia e cálculos renais com indinavir. Além disso, já fo ram concentração
relatados dois casos de doença neurológica progressiva na
lnibidores de protease
França com o uso de zidovudina + larnivudina, e acidose
Indinavir Náuseas, dor abdominal, nefro-
lática fatal c não-fatal co m estavudina e didanosina.
lióase, hiperbilirrubincmia
as doses habirualmente recomendadas, a proftlaxia
com zidovudina no rmalmente é bem tolerada pelos traba- Nelfinavir Diarréia, náuseas, dor abdominal,
fraqueza e exantema
Lhadores da área de saúde. O s efeitos colaterais mais preco-
ces, associados a doses mais altas, incluem primariamente Ritona vir Fraqueza, diarréia, náuseas, alte-
ração do paladar e aumento de
sintomas gastrointestin ais, fadiga e cefaléia. Os efeitos cola-
colesterol e rriglicérides
terais de o utras drogas anti-retrovirais em pessoas não-
Saquinavir Diarréia, dor abdominal, náu-
infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana ainda
seas e alteraçio das PFH
não são bem estabelecidos. Em adultos infectados pelo
vírus da imunodeficiência humana, a lamivudina pode cau- Amprenavir Náuseas, diarréia, exantema,
depressio
sar sintomas gastrointestinais e, em raros casos, pancreati-
te. A toxicidade do indinavir inclui sinto mas gastrointesti- Lopinavir/Ritonavir Diarréia, fildiga, cefal6a, náu-
nais e, usualmente, após uso prolongado, hiperbilirrubine- seas, alterações de colesterol e
triglidrides
rnia moderada (10%) e nefrolitíase (4%); esta última pode •
ser minirnizada com a ingestão de, pelo menos, 1 ,5 litro de ··----------------------------------------------
PFH - provas de função hepática
liquidas ao dia. Durante as primeiras quatro semanas de
uso do indinavir, a incidência relatada de nefroli tíase é de Avaliação e teste da fo nte da exposição
0,8% (Quadro 21.4). É contra-indicado o uso concomitan-
te de indinavir com algumas o utras drogas, incl uindo A pessoa, cujo sangue o u fluido corporal seja a fonte
alguns anti-histamínicos não-sedativos. da exposição ocupacional, deve ser avaliada para in fec-

265

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

ção pelo vírus da imunodeficiência humana. Es ta avalia-


ção inclui testes sorológicos anteriores para esta in fec- Quadro 21.5 .: T ransmjssão ocupacional e pro ftla;oüa dos vírus da
ção, sinto mas clinicas e h i tó ri a de possível exposição hepatite A, De E
ao vírus da imunodeficiência human a. e o paciente- -----------------------------------
Aspecto Hepatite A Hepatite D Hepatite E
•••
fo nte é sabidamente po rtado r de in fecção pelo HIV ,
deve-se o bter maio res info rmações sobre o estágio da Transmissio Rara Pnwa\'elmente Extrerru1111e11te
ocupacional inco mum rara
infecção (assintomática o u não), contagem do CD4+,
P rincipal rezes Sangue Fezes
resultados de carga vira] e o uso atual e prévio de dro-
modo de
gas anti-retrovirais. E sses dados devem ser analisados transmjssão
conjuntamente para se decidir sobre o m elho r esguema Padrão
Precauções Padrão Padrão
pro ftl ático a ser indicado.
As seguintes recomendações devem ser seguidas em Profilaxia lmunoglobulina Vacana para Não-disponh d
pós- (ver textO) hepatite B e
relação à prevenção da contaminação ocupacional pelo imunoglobulina
exposição
vírus da imunodeficiência humana: B hiperimune
• o uso das drogas deve ser po r guatro semanas; para os
Lrabalhadores
• deve-se realizar acom panha mento para detecção de da área d e
toxicidade; saúde sem
• a sorologia deve ser realizada no mo mento do aci- in fecção pelo
\'Írus B'
dente, após seis semanas, após 12 semanas e após seis •
meses; ··--------------------------------------------
• O vfrus D necessita do \'Írus B pa ra se rumar infectanrc.
• a prevenção de transtnissão secundária deve ser
mantida até seis semanas (uso de preservativo, evitar
lactação) .
Principais doenças infecto-contagiosas preveníveis
com a imunização ativa:
Outros vírus das hepatites
com transmissão ocupacional Rubéola
Os o utros vírus das hepatites são raramente transmi- O risco maio r de aquisição de rubéola está nas uni -
tidos ocupacio nalmente (Quad ro 21.5) .
dade ped iá tricas. Embo ra considerada doença com
Os vários aspectos relacio nados à exposição ocupa-
mani festação leve a moderada no adulto, são extrema-
cional, incluindo a abordagem inicial, o risco de transmis-
me nte p reocupan tes as graves egüelas fetais gue
são, os exames sorológicos a serem solicitados e a neces-
podem advir da aquisição transplacenrária em gesta nte
sidade de pro filaxia, estão apresentados nos Quad ros
21.6, 21.7, 21.8 c na Figura 21.1. com rubéola. Po r esse m otivo, também são considera-
dos de risco, com o agentes trans m issores da infecção,
os trabalhado res q ue desempenham suas atividades em
Recomendações de imunização ativa unidades obstétricas. O indivíduo só deve ser conside-
para trabalhadores da área da saúde rado im une à ru béola por meio de exames sorológicos
que confirmem esta imu nidade e, ainda, que estes tes-
Os indivíd uos gue trabalham em contato com
tes sorológicos tenham sido feitos após o p rimeiro ano
pacientes com doenças infecto-co ntagiosas apresentam
de vida (para afas tar a possibilidade de anticorpos
risco aumentado de adguirir e, secundariam ente de
trans mitir doenças passíveis de prevenção com o uso maternos). Apenas a história de rubéola é insuficiente
adeguado de vacinação. A imunização ativa dos traba- para se determinar o estado de imu nidade. T odas as pes-
lhado res da área de saúde deve ser uma p rática roti nei- soas usceóveis devem ser vaci nadas (com MMR o u vaci-
ra nas insti tuições de saúde, incluindo os estabeleci- na mooocom ponente para rubéola) antes de injciar ou
mentos de ensino . continuar o contato com gestantes.

266
• ••
Capitulo 21 .: O cirurgião e as infecções ocupacionais

Quadro 21 .8 • Exames sorológicos a serem solicitados após-


Quadro 2 1.6 .: Abordagem inicial d a exposição ocupacional exposição
------------------------------------------------·· ------------------------------------------------··•
Passo I: D escontaminação do sítio exposto Paciente-fonte Trabalhador da área de saúde exposto

Limpu ferida com jgua e sabio Anti-HIV, wilizllndo Anti-HIV, se paciente fonte ror
delco-
Itrigar membnnu com 6gua limpa o teste ripído nbccido ou HIV positivo: repetir em seis
seiiiUIU, an meses e seis me.es
brigar 01 olhos com 6gua limpa ou soluçio oftalmológica estml ---------
I IBsi\g An ti-l i Bsi\g quantitativo, se realizado há
Passo 2: Contacto com a comissão de controle de infecção mais de 24 meses do acidente, em traba-
hospitalar lhado r da área de saúde vacinado para
hepame B
Determinar o risco da exposiçio
Fazer triagem npida para pro&luia imediata pós-espoaiçio: HBsAg e considerar HBeAg se trabalhador
Quimioprofiluia anó-HIV da área de saúde não-imune à hepatite B e
pacicnrc-fome for dcscon hecido ou
lmuoopmfiluia para HBV
HBsAg positivo
Acoasdbar
Anti-HCV Se paciente-fonte ror desconhecido ou
Passo 3: Acompanhamento clinico HCV positivo:
Obter informações DO IIICIIDO dia do tcidente OU DO próximo dia Anó-HCV: repetir em quatro a seis
de ttabalho meses
Fazer anocaçõea e teste sorológico confJdenciais ASATeALAT
Aconsdhamemo
repetir em quatro a seis meses
Prcsw eduaçiv preventiva
Para diagnóstico precoce: testar
HCV-Rl11!A quatro a seis semanas
··------------------------------------------------ após-aposiçio
.--------------------
··------------------------------------------------

Quadro 21.7 .: Risco de transmissão ocupacional dos vírus das hepatites B e C, e do vírus HI V
•••
Vírus Risco de transmissão Material infectante

Acidente Contato com pele


pérfuro-cortante lesada ou mucosa Documentado Possível Incomum

HBV 23o/ea 62"/o Nio-quanti6c:ado Sangue c derivados Sêmen, secreção Urina, fezes
v.pa1. saliva, fluidos
com
IICV O% a7% ão-quanti ficado Sangue Sêmen, secreção Saliva, urina,
(média - I ,8%) va!,-inal, saliva, fluidos fezes
com sangue
HIV 0,20/e • 0,5 °/o Pele: Sangue e derivados; Saliva, urina,
(média - 0,3%) Nio-quantificado fluidos corpóreos vaginal, leite huma- fezes
Mucosa: 0,09-/e comnngue no, cuudatoe
Uquido de leiOIU
Uquido arnnióàco
Saliva: durante

.··------------------------------------------------------------------------------------------------------
tratamento dentário.

267
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

O material fome é sangue, fluido sangüíneo, o utro mate rial pote ncialmente infectante
ou instrumento contaminado com uma destas secreções?

.......
w
u
......
,..oUo Outro material
·;;; potencialmente infcctante
oQ.
Que tipo de exposição ocorreu?
Gl
'ti

·O
u
o
.....c necessária

...
Gl
Gl
o Grande:
Maior gravidade: agulha
Menor oca, lesão profunda,
Peque no: muitaS gotas, extensa
o sangue no
:;"' poucas gotas e
curta duração
aspcrsào de sangue,
e/ ou grande duração
agulha sólida, lesão dispositivo ou agulha
Q.
superficial usada em vaso do
(muitos minutos)
paciente-fo nte

Gl
'ti
I
I
Qual é o s tatus do I 11 V do paciente- fonte?
I
I
o
1)0 .......
I 111 V negativo
I I HIV positivo I I .1'111111s desconhecido
I IPaciente-fo nte desconhecido I
•O U I
u> Profilaxia não

........
.: >
I é necessária
I
I I
e-
... ::t Exposição de alto tina lo:
Gl o Exposição de baixo SIDA avançada, infecção
o dmlo: assimomático e primária pelo I II V, carga
r.i
o t:
c alto valor de CD4+ alta ou em ascensão,
ou baixo CD4+
:;"'
Q. I I
I HIVCS I I IIIJV cs 2 I IH rv cs desconhecido I
CE HIV CS Recomendação de profilaxia
Nioé recomendada
2 Considerar esquema básico: quatro semanas de zidovudina (200mg de 8/ 8h) + lamivudina
(ISOmg de 8/8h)
2 -----------------Recomendado esquema búico: ver acima
2 2
-----------------
Recomendado esquema amplo: é o esquema básico mais indinavir (800mg de 8/ 8h) ou
nelfinavir (750mg de 8/ 8 h)
3 1 ou2 Recomendado-----------------------------
esquema amplo: ver acima
---------------------------
desconhecido desconhecido ------------
e o contexto da exposição sugere posslvel risco para HIV, e o CE é 2 ou 3, considerar
esquema básico.
CF- Código de exposição. HIV CS- C<Xhgo de IlalNI do HIV. • ru dependê:nci• do código de e.xposição e do c6dogo de Ila/111

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 21 . 1 .: Determinação da necessidade de p roftlaxia pós-exposição ocupacio nal ao HI V

268
• ••
Capítulo 21 .: O cir urgião e as infecções ocupacionais

Sarampo com ocorrência de epidemias, é recomendada a imuni-


zação para todos os trabalhadores da área de saúde,
A ocorrência de sarampo em trabalhadores da área
anualmente, n o p eríodo do o utono. Considerando-se
de saúde contribui para a disseminação da doença
que os lactentes com menos de seis meses de idade não
durante epidemias. Recomenda-se que todo trabalhador
podem receber a vacina, é altamente recomendada a
da área de saúde, n ascido após 19 57, que vá ter contato
imunização ativa dos trabalhadores de unidades neona-
direto com os pacientes, tenha seu estado de imunidade
tais e pediátricas.
determinado. A prova de imunidade pode ser obtida
por meio de: (1) atestado médico confirmando a doen-
ça; (2) teste sorológico para anticorpo positivo ou (3) Varicela
vacinação documentada de duas doses de vacina de
vírus vivo atenuado p ara sarampo durante ou após o É aconselhável a determinação da imunidade à vari-
primeiro ano de vida. E mbora os indivíduos nascidos cela de todos os trabalhadores da área de saúde com
antes de 1957 sejam usualmente considerados imunes, his tória negativa ou incerta para a doença. Nas institui-
estudos sorológicos em trabalhado res da área de saúde ções norte-americanas, a avaliação sorológica é custo-
indicam que 5% a 9% deles não possuem im unidade ao efetiva. O governo norte-americano recomenda que
sarampo'0 • Em situações com risco aumentado de trans- todo trabalhador da área de saúde suscetível, que te nha
missão do vírus, como no caso da epidemia que ocor- contato com pacientes imunossuprimidos ou tenh a
reu na maior p arte dos estados b rasileiros em 1997, é alto risco de exposição, seja vacinado (vacina de vírus
recomendado que esses indivíd uos recebam uma dose vivo atenuado), com exceção da trabalhadora grávida
da vacina, especialmente aqueles que não tenham con- ou que esteja amamentando. À época da elaboração
firmação da imunidade ao sarampo. deste texto não havia liberação, p elo Ministério da
Saúde, de vacina contra varicela para uso irrestrito
no Brasil.
Parotidite epidêmica

Adultos nascidos antes de 1957 são considerados


Tuberculose
imunes à parotidite; aqueles nascidos em 1957 ou após
são considerados imunes se apresentarem documenta- D e aco rdo com recomendações atuais do Centers for
ção que comprove vacinação (dose única) após o pri- Disease Contrai and Prevention (CD C), a vacinação com
meiro ano de vida ou evidência sorológica. BCG deve ser considerada, individualmente, em locais
com alta prevalência de M. tubercuiosis multirresistente,
nas situações em que é possível a transmissão de baci-
Hepatite B
lo resistente e naquelas instituições nas quais foram
A vacinação está indicada para todos os trabalhado- adotadas medidas de controle adequadas, mas com
res da área de saúde. Ver item Exposifão ocupacional aos resultado insatisfatório .
vírus veiculados pelo sangue.

Hepatite A
lnfluenza
Não há recomendação de vacinação pré-exposição
Determinados grupos de pacientes, como aqueles o u de uso de imunoglobulina para os trabalhadores da
com doenças cardíacas ou pulmonares crônicas, apre- área de saúde em contato com pacientes com hepatite
sentam alto risco de complicações graves por infecção A'0 • E m lugar disso, são fortemente enfatizadas as
por influenza. Como os trabalhadores da área de saúde medidas higiênicas, com educação dos trabalhadores
podem tran smitir o vírus para o s pacientes, inclusive no manuseio de materiais potencialmente infectantes.

269
•• • Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

Em situações epidêmicas, é recomendada a administra- los de um mês entre a primeira e a segunda doses; e de
ção de imunoglobulina em caso de contatos íntimos com cinco meses entre a segunda e a terceira doses. É reco-
pacientes infectados (trabalhadores da área de saúde e mendado reforço de uma dose a cada dez anos, para
outros pacientes). A imunoglobulina deve ser administra- todos os indivíduos.
da, o mais precocemente possível, até duas semanas após
o contato, na dose de 0,02 mL/ Kg intramuscular. A eficá-
cia da imunoglobulina é superior a 85%, quando adminis- Doença pneumocócica
trada no período recomendado. O papel da vacina no con-
A vacina anti-pneumococo está indicada nas seguin-
trole de epidemias ainda não foi esclarecido.
Esquema vacinal recomendado (sem o objetivo de tes situações:
profilaxia pós-exposição): • pessoas com mais de 65 anos;
• HAVR1X: para pessoas acima de 18 anos, duas • pessoas entre dois e 65 anos, com risco aumenta-
doses (de 1440U.EL.) com intervalo de seis a 12 do de complicações por doença pneumocócica:
meses; para pessoas de um a 18 anos, duas doses (de doença cardiovascular crô nica, doença pulmonar
720U.EL.) com intervalo de seis a 12 meses; crônica, diabetes mel/itus, alcoolismo, hepatopatia crô-
• VAQT A: para pessoas acima de 17 anos, duas nica, ou fístula liquórica;
doses (de 25U) com intervalo de seis meses; para • pessoas entre dois e 65 anos, com asplenia anatô-
pessoas de dois a 17 anos, duas doses (de SOU) com mica o u funcio nal;
intervalo de seis meses. • pessoas entre dois e 65 anos, que vivem em situa-
ções sociais c ambientes que favorecem a ocorrência
Doença meningocócica de doença invasiva (n os Estados U nidos, são consi-
derados os nativos do Alasca e algumas populações
Não é recomendada a vaci nação de rotina. O s traba- indígenas);
lhadores da área de saúde que tenham tido contato íntimo
• imunossuprimidos co m do is o u mais anos
com secreções orofaríngeas de pacientes infectados (e que
de idade.
não tenham usado precauções adequadas) devem receber
quimioprofilaxia (rifampicina, sulfonamidas, ciprofloxaci-
na ou ceftriaxona). A ceftriaxona pode ser utilizada pela Imunização de trabalhadores da
mulher grávida. E m situações epidêmicas deve ser empre- área de saúde imunossuprimidos
gada a vacina com o polissacáride específico.
As vacinas com antígeno inativado o u morto não
representam risco para o trabalhado r da área de saúde
Coqueluche
imunossu pri mido e podem ser ad ministradas como
A vacina anti-pertussis é liberada apenas para crian- recomendado para os demais trabalhadores. Outras
ças de seis meses a seis an os. Os trabalhado res da área vacinas, como a anti-H aemoph ilus inf1uenzae tipo B,
de saúde em contato íntimo com secreções orofaríngeas estão recomendadas p ara indivíduos com a função
de pacientes infectados devem receber quimiopro fi lax.ia imune co mprometida por asplenia anatô mica o u fun-
com eri tromicina ou sulfametoxazol-trime toprima. cional. E m geral, são necessárias doses maiores ou
re forços mais freqüentes.
Tétano e difteria As recomendações para imunização dos traba-
lhado res da área de saúde em condição especiais estão
O esquema vacina! primário consiste na administra- sumariadas no Quadro 21.9.
ção de três doses do toxóide tétano-difteria com interva-

270
• ••
Capítulo 21 .: O cirurgião e a.s infecções ocupacionais

Quadro 21.9. : Recomendações da Advisory Cof!l!lliflu on l!!lllllizytion Praclim (ACI P) para imunização dos trabalhadores da área de saúde em
especiais

••
Vacina Gravidez Infecção pelo lmunossu- Asplenia Insuficiência Diabetes Alcoo lismo

HIV pressão grave renal me/Utus com ou sem
cirrose

BCG c c c UI UI UI UI
Hepaute A UI UI UI Gl UI R

Hepecille B R R R R R R R
lnflucm•a R R R R R R R

s.....,..,.
easwnbae c R c R R R R
rubiola

Meningo-
UI UI R UI UI
coco

Vacina
poliovfNI UI UI UI UI UI UI UI
inativada

Vacina
polim1rus l'l c c UI UI UI
vivo, oral

Pneumo-
coco UI R R R R R R

Ra1va UI CI CI CI CI UI L' I

Difteria R R R R R R R

Tifó1de
inauvada UI UI CI CI UI l 'l

lífóide,
Ty2ta UI c c UI UI UI UI

Vanccla c c c R R R R

Vacc:Uúa c c c UI UI UI UI
•• •
( - contr.l·lndlca<h; R= recomendada; L' I= usar 1nd1cado

271
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
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272
22
CIRURGIA NO PACIENTE
RECÉM-NASCIDO
E LACTENTE

••
Clécio Piçarra, E dson Samesima Tatsuo,
Bernardo de Almeida Campos, Marcelo Eller Miranda

Introdução A imaturidade do sistema n ervoso central também


pode causar episódios de apnéia e de bradicardia pós-
Algumas doenças específicas do recém-nascido (RN) e operató rias, relacionados à anestesia geral, mesmo após
do lactente requerem tratamento cirúrgico. Obviamente, procedimentos meno res. Por isso, toda criança com
para tratar os pacientes nessas faixas etárias, necessita-se menos de 50 semanas de idade ges tacional corrigida
de formação e treinamento adequado. Essas crianças deve ser encaminhada para a unidade de tratamento
possuem peculiaridades fisiológicas que o cirurgião intensivo, no p ós-o peratório imediato, para adequada
necessita conhecer, para evitar complicações anestésicas monitorização de suas funções vitais' .
e cirúrgicas que serão detalhadas a seguir.

Sistema respiratório
Fisiologia do recém-nascido e lactente
No RN prematuro pode não ocorrer maturação pul-
' Sistema nervoso central monar adequada, o que acarreta a doença da membrana
hialina. Os RN e lactentes submetidos a ventilação
O RN prematuro apresenta imaturidade do sistema mecânica prolongada podem desenvolver broncodispla-
nervoso central, tendo estrutura embrionária denominada sia pulmonar e ficar dependentes da oxigenoterapia. Se
matriz germinai, que é muito vascularizada, com vasos de o ato op eratório não puder ser protelado, essas crianças
paredes finas e com escassa membrana basal, estando também devem ser encaminhadas a unidades de trata-
assim, propenso a hemorragias intraventriculares, às vezes mento intensivo no p ós-operatório. Nos casos de ope-
graves, com seqüelas neurológicas. Essas hemorragias rações eletivas, deve-se aguardar a melhora da bronco-
podem ocorrer quando há mudança no fluxo sangüíneo displasia para programação cirúrgica. Crianças prematu-
cerebral, aumento da pressão intracraniana, distúrbios do ras que permanecerem em ventilação mecânica através
equilibrio osmótico e coagulopatias. Vale ressaltar que de intubação traqueal podem desenvolver esten ose
estímulos dolorosos, hipoxemia, hipercapnia, acidemia e subglótica.
flutuações na pressão arterial podem alterar a hemodinâ-
mica cerebral, resultando em hemorragias intraventricula-
Tegumento
res. Sendo assim, é necessário controlar a dor desses
pacientes, assim como evitar distúrbios metabólicos, alte- Recém-nascidos a termo e prematu ros também
rações da pressão arterial e da temperatura. Com o podem apresentar imaturidade da pele e anexos. Sendo o
aumento da idade gestacional, a matriz germinai involui, calor associado à maior área de superfície corpórea, pro-
estando ausente no RN a termo' . porcionalmente, essas crianças ficam propensas a

273
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
hipotermia. Po r isso, é essencial empregar no pe ropera- rio até a alta hospitalar. Devem-se colocar os riscos e as
tório medidas que diminuam essa perda de calor, como o possíveis comphcações, porém de modo a não assustar os
uso de colchões térmicos e de dispositivos isolantes e o pais e a criança. O contato do médico com a criança deve
aquecimento dos líquidos infundidos. ser de modo calmo e amigável, para ganhar sua simpatia.
Com os pais, o cirurgião deve ter atitude tranqüila, porém
firme e segura, que gere confiança. Deve-se usar lingua-
Sistema cardiovascular
gem acessível, de acordo com o nivel de entendimento dos
No RN pode ocorrer, de modo tra nsaono, hiper- pais. É importante que se resolvam todas as dúvidas,
tensão pu lmonar, com manutenção da circulação fetal, mesmo que seja necessário explicar várias vezes. O bom
principalmente devido à persistência do canal arterial. relacionamento médico-paciente no pré-operatório é fun-
Se houver aumento da volemia, em decorrência da infu- damental para diminuir a ansiedade dos pais, para que haja
são exagerada de cristalóides ou de hemoderivados, sucesso no tratamento cirúrgico e para que se evitem dis-
pode-se desencadear insuficiência cardíaca, através de sabores no caso de comphcação cirúrgica.
shunt direito-esquerdo . Po r isso, é necessário cuidado na
infusão de líquidos em RN e prematuros, também co m
História da doença
o objetivo de se evitar embolia gasosa.
A anamnese da doença cirúrgica em R1 e lactentes
começa na vida intra-utcrina. Problemas que ocorreram
Avaliação clínica e preparo pré-operatório durante a gestação c no parto podem ter relevância no
O preparo pré-operatório adequado faz pane do suces- tratamen to da afecção cirúrgica (Quadro 22.1) 1. Isso se
so terapêutico de qualquer afecção cirúrgica, especialmente torna mais importante no caso de doenças cirúrgicas de
em RN e lactentes. A mortalidade peroperatória, em urgência no período neonatal. Esses problemas podem
pacientes com menos de 15 anos de idade, é de apenas agravar-se caso ocorram em prematuros o u RN peque-
0,0025% (um óbito a cada 40.000 anestesias); entretanto, nos para a idade gestacional (PIG).
em recém-nascidos e lactentes, a incidência de comphca- Quadro 22. 1 .: História materna e problemas esperados no
ções anestésicas é de 0,43%, quase dez vezes maior do que período nconata1

em crianças maiores de um ano (0,05%f Qualquer situa- --------------------------------------------------------------------··


História materna Problemas esperados no RN •
ção que aumente o risco do procedimento anestésico-cirúr- lncompatibili<bde ABO-Rh Anemia hcmolltica, ictcrk:ia, l:mtidmu
gico deve ser identificada no pré-operatório e abordada de 1-'..dàmpsia PIG , interação dos relaxames musculares
forma adequada e em tempo hábil. E sa abordagem deve com a terapia com magnésio
ser realizada, em conjunto, pelo cirurgião pediátrico, anes- Hipcrtensio PIG
tesiologista pediátrico, pediatra assistente e outros especia- Uso de d rogas :\bono, PIG
hstas que se façam necessários, tendo como objetivo o tra- lnfccçAo
tamento da afecção cirúrgica ou de eventual doença conco- llcmorragia
mitante, para que a criança adquira condição clínica ideal Polidrâmnio
antes do ato operatório, ou o melhor estado clinico possí-
vel, no caso de ela apresentar doença crônica. Oligoidrãmnio Malfonnações urológicas, hipoplasia pulmonar
Dcsp
Alcoolismo llopoglícemia, malfo rmações, síndromc alcoóli-
Preparo psicológico • co fetal, PIG
··------------------------------------------------------------------
PlG - recém nascadn pequeno para a idade ges tacumal;
O preparo psicológico é fundamental tanto para a R.N - rccém· nascado.
criança a ser operada quanto para sua família. O ato ope-
Também é necessário coletar e conhecer detalhes
ratório gera grande ansiedade, assim como transto rno
sobre ó rgãos e sistemas envolvidos com a doença, com
social, como falta à escola e ao trabalho. O médico deve
ênfase na pesquisa de uso de medicamentos, internações
ter paciência e compreensão ao explicar como serão
e operações anteriores, relatos de complicações cirúrgi-
todas as etapas do procedimento cirúrgico. É necessário
cas e anestésica , alergias, coagulopatias e passado de
que se detalhem todas as etapas, do preparo pré-operató-

274
Capítulo 22 .: Cirurgia no paciente recém-nascido e lactente

••
infecções (Quadro 22.2) 3• Na história familiar, é impo r- (0,29%), não se justificando a realização de hemograma de
tante obter informações sobre mo rtes inexplicáveis rotina•. O utro faro é gue pacientes com anemia de leve a
durante atos anestésicos e cirúrgicos, hipertermia malig- moderada podem submeter-se com segurança a procedi-
na, distrofias neuromusculares, hemofilia, infecção por mentos cirúrgicos ambulatorirus. Hemograma de rotina
HIV e deficiência de pseudocolinesterase3• deve ser realizado apenas em procedimentos cirúrgicos que
possam ocasionar hemorragias, em pacientes com risco de
hemoglobinopatia, lactentes com história de premaruridade
Exames laboratoriais
e em crianças com menos de seis meses de vida35 •
Exames laboratorirus são realizados para identificar aJte- No caso de RN e lactentes q ue irão se submeter a ope-
rações que possam ser maléficas no per ou pós-operatório. rações de grande porte, principalmente de urgência, deve
Esses exames devem ser solicitados de acordo com o tipo haver mruor liberdade para realização de exames laborato-
de doença, a históriá da criança e o procedimento a ser rea- rirus, com revisão hematiméttica e bioquímica. Vale lem-
lizado. Exames de ro tina como hemograma, urinálise, coa- brar a importância da realização do coagulograma e plaque-
gulograma, eletrocardiograma e radiografia de tórax não tometria em procedimentos cirúrgicos em RN, pois esses
são altamente justificáveis. A detecção de anemia laborato- podem apresentar distúrbios de coagulação devido à defi-
rial, não diagnosticada clinicamente, é extremamente bruxa ciência de vitamina K, c plaquetopenia devido à septicemia.

Quadro 22.2 .: Revisão por sistemas para possíveis implicações anestésicas c cirúrgicas

----------------------------------------------------------------------------------------------------··
Sistema Dados a se questionar Posslveís implicações •
Asma, IVAS lrritaçio das vias áreas, broncocspasmo, atelcctasia.
lntub.ções prqpaiU Esrmose subglóóca
Apoáa/ bradicantia Apnaa/bndicardia pós-opetatórias
Pumance no domicOio Hipenensibilida das vias aáas
Cardiovascular Sopros cardiacos ---------------- Defeitos septais ou PCA. Evitar embolia gasosa
Cianose, Shunl direito -esquerdo
Hipertensão arterial, febre re umática Doença renal, coarctação de aorta, doença valvular
Cansaço ao mamar
Coovulaões ---
Tmuma cdnio-encefálic:o
Insu fi ciência cardíaca congestiva
Uso de neurolépticos, distúrbios metabólicos
H.ipem:nslo intracraniana
Disc6rbio de dtflhl1içio Aspiraçio, doença do rdluxo GE
Doença IICUIOIDUICUiar de pseudocolinesterase (hipcrsensibilidade 101 bloqueadores
__ romusculares), hipertermia maligna
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _neu
GastroimesLinal Vômiros, diarréia Distúrbios metabólicos, desidratação, estômago cheio
Má-absorção Anemia, hipovitaminoses, desnutrição
Doença do reAuxo GE Estômago cheio
Icterícia, insuficiência Alteração do metabolismo de drogas, coagulopatias, hipoglicemia
------=----
Diurese Eaado de hidmaçio, hipovolcmia
nu, nef'ropatias
Endócrino
--- Hipoglícemia Alteraçio da funçio renal, distúrbios me1llbólic:os
1-lipoglicemia
Uso de corticóides Insuficiência supra-renal
Anemia Necessidade de mnsfusões/sulfato ferroso
Sugrameotos genginis/episcue, Coagulopatias
___hematomas
_ aniculara, . •
Imunológico Alergias a drogas e alimentos, atopias Risco de maio r liberação de histamina, com possibilidade de larin-
• go/broncoespasmo, além de interação com d rogas
··----------------------------------------------------------------------------------------------------
GE - g.mroesofiglco;
IVAS- de'""' aéreos supenores;
ITU - do tr>to unnino;
PCA - persJStênct:a do canal ancnal.

275
•• • Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

Jejum Devido ao risco de apnéia e bradicardia no pós-ope-


ratório, todo prematuro com menos de 50 semanas de
O jejum no pré-operatório é necessário para reduzir o idade gestacional corrigida, que for submetido a procedi-
risco de aspiração pulmonar do conteúdo gástrico, na mento cirúrgico sob anestesia geral, deve ser encaminha-
indução anestésica ou no peroperatório. Entretanto, o
do, no pós-operatório, à unidade de tratamento intensi-
jejum não evita a aspiração da secreção gástrica.
vo para monitorização 1• O ideal seria protelar os procedi-
O tempo de jejum varia com a idade, o peso e o esta-
mentos eletivos. A conduta deve ser indi,·idualizada e, se
do nutricional da criança e com o tipo de doença. Existe
houver fatores de risco adicionais, a operação deve ser
preocupação com o jejum prolongado em RN e lactentes,
adiada por mais tempo.
pelo risco de hipoglicemia e desidratação. Por isso, deve-
Premaruros com anemia (hematócrito menor do que
se evitar longo tempo de jejum. LiqLúdos claros são rapi-
30%) são mais propensos à apnéia, independentemente
damente esvaziados pelo estómago (em cerca de apenas
da idade gestacional ou pós-conceptual. Procedimentos
15 minutos); assim, podem-se o ferecer liquidas claros
eletivos devem ser protelados, caso o hematócrito esteja
(água, chá, gelatina, água de coco) até duas a três horas
abaixo de 30%, e a criança deve receber suplementação
antes do início do procedimento cirúrgico. Leite matemo
nutricional e ferro para corrigir a anemía, prescindindo,
não é considerado liquido claro, pois apresenta conteúdo
na maioria das ,·ezes, de hemotrans fusões 6 •
variável de gorduras, o que pode retardar o esvaziamento
Outros fatores como hipotermia, hipoxemia, acidose,
gástrico. O jejum para leite materno deve ser de, no míni-
hipoglicemia e efeito anestésico residual podem contri-
mo, quatro ho ras. Para fórmulas lácteas, o jejum deve ser
buir para a ocorrência de apnéia no prematuro. Esses
de seis horas. Para alimentos sólidos, ainda recomenda-se
jejum de oito horas'. fatores devem ser controlados continuamente, no pero-
Obviamente, para indicar operações de urgência, peratório, e corrigidos pro ntamente.
deve-se considerar a gravidade da doença. o tratamen- Alguns estudos sugerem que a admínistração de cafeí-
to cirúrgico de urgência, deve-se ter maior cuidado com na no pré-operatório reduz a incidência de apnéia em
a proteção da via aérea da criança durante a indução da crianças de risco submetidas a anestesia gerar. Contudo,
aneste ia. O melhor método para se evitar a aspiração, o uso rotineiro da cafeína não é consenso.
em pacientes com estômago cheio, é usar a indução anes-
tésica com eqüência rápida. ão se deve ventilar o Displas ia broncopulmonar
paciente com máscara. Depoi de ser curarizado, neces-
sita-se que se comprima a cartilagem cricóide, até realizar A displasia broncopulmonar (DBP) é uma fo rma de
a intubação orotraqueal. doença pulmonar crônica associada à ventilação mecâni-
ca prolongada no período neonatal, com uso de altas
concentrações de oxigênio. O risco de desenvolver DBP
Situações especiais está relacion ado à idade gestacional e ao peso da criança
ao nascimento, sendo que 90% dos casos ocorrem em
Prematu ridade
prematuros com menos de 1600t.
t\ assistência à saúde dos RN avançou muito nos últi- Apesar do risco anestésico elevado, a criança com
mos anos, permítindo ao prematuros sobrevida cada DBP freqüentemente é submetida a operações, pois com
vez maior. Por outro lado, observou-se aumento na inci- freqüência é acometida por outras afecções, próprias do
dência de afecções graves, alguma próprias do p rematu- prematuro, e que nece sitam de tratamento cirúrgico. Se
ro, muitas delas de tratamento cirúrgico. possível, o p reparo da criança com OBP deve começar
A imaturidade dos sistemas nervoso central, respi- dias antes do procedimento, para melhorar a oxigenação
ratório e cardiovascular do prematuro submetido a e a função míocárdica.
procedimento anestésico-cirúrgico aumenta significati- Exames como hemograma, ionograma, gasometria
vame nte o risco de complicações como apnéia, hipoxe- arterial, radiografia de tórax, eletrocardiograma e ecocar-
mia, bradicardia e colapso cardiorrespiratório. A inci- diograma são fundamentais nessas crianças. T estes fun-
dência dessas complicações dim inui com o aumento da cionais geralmente exigem a cooperação da criança, o
idade gestacional corrigida. que não é possível nessa faixa etária.

276
• ••
Capítulo 22 .: Cirurgia no paciente recém-nascido e lactente

O uso de broncodilatadores, corticosteróides e oxigê- (Figura 22.1). Quando a criança apresenta manifestações
nio deve ser otimizado, e o acompanhamento fisioterápico sistêmicas, febre alta, coriza purulenta, tosse produtiva,
deve ser iniciado no pré-operatório e continuado no pós- crepitações, sibilos e alterações radiológicas, procedimen-
operatório. Existe a possibilidade de estenose subglótica tos eletivos devem ser protelados por seis semanas. O
devido a intubações prévias. Técnicas de bloqueio regional período de espera de seis semanas sem sintomas também
podem ser associadas. A criança com DBP tolera mal a é válido para a criança que está assintomática no momen-
hiper-hidratação devido à disfunção ventricular direita. A to da admissão, mas que apresentou, recentemente as
congestão hepática secundária à insuficiência cardíaca e a manifestações descritas. Nesse intervalo de tempo, a
hipoproteinemia podem prejudicar o metabolismo dos criança deve ser avaliada e tratada. Admite-se que criança
agentes anestésicos. A hipoxemia e a hipercarbia podem com NAS leve (coriza serosa, afebril, ausência de mani-
produzir alcalose metabólica compensatória com hipopo- festações sistêmicas) e que será submetida a procedimen-
tassemia e hipocloremia. O uso crônico de diuréticos pode to de pequeno porte possa ser anestesiada com seguran-
acentuar as alterações hidroeletrolíticas. D eve haver aten- ça, desde que não seja inrubada.
ção especial ao balanço lúdrico e à possibilidade de distúr- A suspensão de uma operação tem repercussões psi-
bios hidroeletrolíticos e ácido-básicos, monitorizando con- cológicas, econômicas e sociais, que devem ser conside-
tinuamente a diurese, gasometrias e dosagens iônicas,
radas. Em nosso sistema de saúde público, é comum
durante e após a operação. A incidência de apnéia, bradi-
que a criança e seus pais aguardem mui to tempo e per-
cardia e morte súbita é maior na criança com DBP.
corram grandes distâncias para realizar o procedimento
Portanto, a monitorização respiratória e cardíaca, em uni-
cirúrgico, implicando faltas ao trabalho e à escola, além
dade de tratamento intensivo, deve ser mantida por pelo
do impacto financeiro. No entanto, deve-se usar o bom
menos 24 a 48 horas após a extubação3•5•8 •
senso para tais decisões e, se o procedimento cirúrgico
for adiado, deve-se esclarecer os pais que a segurança da
Infecção das vias aéreas superiores criança é prioritária.

As infecções de vias aéreas superiores (IVAS) são


muito comuns em crianças. As IV AS provocam hiper- Asma
reatividade das vias aéreas que se mantém por até seis
A asma caracteriza-se por hipersensibilidade, inflama-
semanas após o episódio agudo. A hiper-reatividade é
ção, edema e obstrução das vias aéreas. A hipersensibilida-
multifatorial. A lesão direta das vias aéreas pela infecção
vira! estimula receptores e fibras aferentes colinérgicas, de é causada por alterações intrínsecas na musculatura lisa
promovendo reflexo vagal que leva ao broncoespasmo. brônquica e, por isso, a criança tem maior risco de desen-
Receptores inibitórios são lesados, potencializando o volver broncoespasmo, hipoventilação, hipercarbia,
reflexo vagai. Há também a liberação de mediadores hipoxemia e acidose. Assim como na NAS, as alterações
inflamatórios (histamina, bradicinina e leucotrienes) e de funcio nais da asma permanecem por seis semanas após o
neuropeptídeos (taquicinina), que, além de atuarem dire- evento agudo, deixando as vias aéreas reativas nesse
tamente na musculatura lisa do brônquio, também período. História recente de crises de broncoespasmo, de
potencializam o reflexo vagal atuando nos receptores episódios de NAS, de internações e inrubações prévias
colinérg]cos. Além disso, a infecção viral provoca aumento deve ser pesquisada, na anamnese, assim como de medi-
da quantidade de secreção nas vias aéreas. A anestesia de cações utilizadas (broncodilatadores, corticóides, amino-
uma criança com NAS recente aumenta o risco de compli- filina). No exame físico, pesquisa-se a presença de sinais,
cações respiratórias como broncoespasmo, laringoespas- sobretudo sibilos. Quando a criança asmática está sinto-
mo, atelectasias e hipoxemia. O risco é maior em crianças mática, todo procedimento eletivo deve ser protelado
com doenças respiratórias crônicas e asmáticas, e quando por seis semanas. Nesse período de tempo, a criança é
há necessidade de inrubação traqueal9• tratada com broncodilatadores e corticóides. A conduta
Não há consenso em relação à melhor abordagem des- é a mesma numa criança sabidamente asmática que tenha
sas crianças, e a conduta deve ser individualizada, conside- apresentado episódio de NAS recen te, mesmo que
rando a urgência do procedimento e a intensidade da NAS atualmente ela esteja assintomática.

277
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

-------------------------------------------------------------------------------------------------··•
O peração de urgência?

Sim Realizar o p rocedimento


' ão

Sinais sistêmicos? im Aguardar quatro a seis semanas

Não


Anestesia geral? l\!ão Realizar o procedimento

Sim

I ntubaçào traqueal? ào Realizar o procedimento

Sim

Outros fatOres de risco? - - -- ão Reahzar o procedimento

Sim Aguardar quatro a seis semanas



··-------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 22. 1 .: t\Jgoriuno para a abordagem pré-operatória da criança com infecção de vias aéreas superiores (IV AS)

A criança com asma grave pode apresentar doença Crianças expostas ao cigarro ão mais propensas a epi-
pulmonar obstrutiva crônica, hipertensão pulmo nar, sódios de laringo e broncoespasmo durante procedimento
bolhas pulmo nares e pneumonite crô nica. Exames como anestésico. O risco de complicações aumenta ainda mais se
a gasometria arterial, radiografia de tórax, eletrocardio- a criança fo r asmática ou apresentar IV AS. A exposição
grama, ecocardiograma e tes tes de fu nção respiratória passiva da criança ao cigarro deve ser rotineiramente
são aconselháveis nesse subgrupo de as máticos, pois inves tigada, e considerada como fato r de risco para com-
permitem avaliar o grau de comprometimento cardio r- plicações respiratórias peropcratóriasK·10 •
respiratório. É necessária a recuperação pós-operatória
em unidade de tratamento intensivo. Criança asmá tica
com PC02 abai xo de 45mmHg está potencialmente em A criança com febre
insuficiência respiratória. É comum a criança apresentar febre ao ser admitida
para procedimento cirúrgico. Operações eletivas devem
Exposição ao cigarro ser canceladas e a causa da febre eleve ser in vestigada. Em
situações ele urgência tenta-se reduzir a tem peratu ra da
A exposição da criança ao ciga rro provoca hipersecre- criança antes da indução ancstésica, a fim ele diminui r a
ção de muco nas vias aéreas, inibição da depuração des- demanda de oxigênio. A reposição volêrnica deve conside-
sas ecreções, perda de surfactante, hiper-reatividade das rar a perda adicional decorrente ela elevação da temperatu-
vias aéreas inferiores e superiores e disfunção da relação ra corpórea. O ácido acetilsalicílico não deve ser usado
ventilação/ perfusão. Além dos efeitos locais, ocorre como antitérrnico, pois altera a agregação plaquetária c
também disfunção das im unidades humoral e celular. predispõe a sangramentos. Caso tenha sido usado recente-

278
Capítulo 22 .: Cirurgia no paciente recém-nascido e lactente

••
mente, deve-se aguardar no mínimo sete dias para se ope- Para procedimentos eletivos aceitam-se hemoglobi na
rar a criança. Não há evidência de associação entre febre e maior ou igual a 10g/dL e hematócrito maior do que
hipertermia maligna, mas os agentes anestésicos podem 25%, sem que haja necessidade de hemotransfusão pré-
interferir na resposta aos antitérmicos3 • operatória. Valores menores (hemoglobina entre 8g/dL
e 9g/dL) são tolerados em procedimen tos de pequeno
porte, que não apresentem risco de hemorragias, nas
Cardiopatias
crianças com anemia crônica e naquelas abaixo de seis
D eve-se interrogar os pais da criança sobre diagnósti- meses de idade que apresentam anemia fisiológica. Antes
cos prévios de cardiopatia congênita ou adquirida e sobre de procedimentos eletivos, deve-se identificar a causa e
tratamentos prévios, medicações em uso e operações rea- tratar a anemia. Hemotransfusões devem ser evitadas e
lizadas. O sopro inocente deve ser diferenciado do sopro indicadas criteriosamente3•1•11 •12•
patológico, e mesmo que a criança seja assintomática, a
detecção de um sopro demanda avaliação cardiológica. Drepanocitose
Exames como radiografias de tórax, eletrocardiograma,
ecocardiograma e, eventualmente, estudos hemodinâmi- C rianças com drepanocitose podem requerer
cos são indicados para avaliar a anatomia da cardiopatia e procedimentos cirúrgicos devido a complicações da sua
sua repercussão funcional. Shunts devem ser identificados doença (necrose isquêmica da cabeça do fêmur, osteo-
no pré-operatório, pois durante a anestesia pode haver mielites, empiema pleural, colecistolitiase, infartos esplê-
inversão ou sobrecarga do seu fluxo, edema pulmonar, cor nicos), ou por outras doenças não-relacionadas à drepa-
agudo e embolia gasosa para o cérebro. N os pro- nocitose (apendicite aguda, p. ex.). Essas crianças apre-
cedimentos classificados como contaminados ou poten- sentam risco de desenvolver crises de falcização e obstru-
cialmente contaminados, sempre que houver cicatriz cirúr- ção da rnicrovasculatura no peroperatório. Essas crises
gica ou lesão anatômica no coração, indica-se a antibioti- vaso-oclusivas p odem provocar síndrome torácica
para endocardite bacteriana. A intubação aguda, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular
nasotraqueal também requer profilaxia, enquanto a orotra- encefálico. Hipoxernia, hipercarbia, hipovolemia, acidose
queal não. O uso de drogas, como aminofilina e epine fri- e hipoterrnia aumentam o risco dessas complicações. A
na, deve ser informado, pois essas drogas podem provocar drepanocitose pode estar associada a cardiomiopatia,
arritmias cardíacas, sobretudo se houver associação com nefropatia, neuropatia periférica e central, e dis função
agentes anestésicos como o halor.,'mo. O balanço hidrico respiratória crônica, condições que constituem fatores de
perioperatório dessas crianças deve ser rigoroso 1•11 • risco para os procedimentos anestésico e cirúrgico.
O preparo da criança drepanocítica deve ser realizado
com o auxilio do hematologis ta pediátrico. Criança com
Anemias
drepanocitose apresenta asplenia funcional e é mais sus-
Anemia provoca redução na capacidade de transporte ceptível a infecções por micro rga nismos encap sulados.
do oxigênio e leva ao aumento compensatório do débito Além da vacinação usual, ela deve ser vacinada contra
cardíaco. Procedimentos anestésico-cirúrgicos em criança pneumococo e hemófilos, além de receber quimioprofi-
anêmica promovem riscos aumentados de hipoxemia e laxia com penicilina. Após esplencctomia, a quimioprofi-
descompensação hemodinârnica. A realização do hemo- laxia é mantida a longo prazo, pois há risco de sepse pós-
grama pré-operatório não deve ser rotin eira e tem indica- es plenectomia mesmo no pós-operatório tardio. O
ções precisas. Beneficiam-se desse exame: acompanhamento fisioterápico respiratório é iniciado
• crianças que serão submetidas a procedimentos de ainda no pré-operatório, mas é também fundamental no
médio e grande po rte para os quais há risco poten- pós-operató rio . A eletroforese da hemoglobina e o
cial de hemorragia; hemograma devem ser solicitados nessas crianças. a
• crianças abaixo dos seis meses de idade, sobretudo criança heterozigota, com traço falcêmico, os riscos
prematuras e de baixo peso; anestésico e cirúrgico são habituais, não havendo neces-
• crianças com afecções crônicas como doenças pul- sidade de nenhum preparo especial. O risco de complica-
monares, insuficiência renal e hemoglobinopatias. ções está aumentado em crianças homozigotas com

279

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

genótipo HbSS, e naquelas com genótipo HbSC e 3 • Cote CJ, Todres ID, RyanJF, Goudsouzian . Preoperative eva-
talassernia. Quando o nível de hemoglobina é igual ou luation o f pediatric patients. In: Coté CJ, Todres ID, Ryan JF,
Goudsouzian NG ed s. t\ Practice of Anesthesia fo r lnfants
maior do que 1 Og/dL, e os níveis de HbS são menores
and Children. Philadelphia: WB Saunders, 2001:37-54.
do que 30%, não há necessidade de hemotransfusão ou 4 • Hackman T, Steward D. \Vhat is the value o f preoperative
exsangüineotransfusão no pré-operatório. Em procedi- hemoglobin determinations in pediatric outpatients?
mentos de médio e grande porte, para os quais há risco Anesthesiology. 1989;71 :1168-71.
de hemorragia ou de perda volêrnica para o terceiro espa- 5 • Maxwell LG, Deshpande JK, Wetzel RC. Preoperative evalua-
tion o f children. Pcdiatr Clin North Am. 1994;41 :93-11 O.
ço (íleo pós-operatório prolongado), hemotransfusão ou
6 • Welborn LG, Hannallah RS, Luban NL, Fink R, Ruttimann UE.
exsangüíneotransfusão são indicados no pré-operatório Anemia and postoperative apnea in former preterm infams.
para garantir niveis de hemoglobina de 10g/dL e os Anesthesiology. 1991 ;74:1 003-6.
niveis de HbS menores do que 30%, diminuindo o risco 7 • Welborn LG, de Soto H, Hannallah RS, Fink R, Ruttimann
de falcização das hemácias. VaJores próximos a esses UE, Boeckx R. The use o f caffeinc in the control o f post-
anesthetic apnea 1n former premature infants.
Limites podem ser aceitáveis em procedimentos de
Anesthesiology.1988;68:796-8.
pequeno porte e sem risco de hipovolernia. Além do pre- 8 • Stasic AF. Perioperative implications o f common respiratory
paro hematológico específico, atenção especial deve ser problems. Semin Pediatr Surg. 2004; 13:1 74-80.
dispensada a balanço hidrico, reposição volêmica, débito 9 • Empey DW, Laitinen LA, Jacobs L, Gold WM, Nadei J A.
urinário, perfusão, oxigenação, controle da temperatura e Mechanism of bronchial hyperreactivity in normal subjects
after upper respiratory tract infection. Am Rev Respir Dis.
moni torização (eletrocardiografia, oximetria). O aporte
1976;113:1 31-9.
hídrico deve ser 1,5 vezes maior que o valor basal de 10 • Lakshmipathy , Bokesch PM, Cowen D E, Lisman SR, Schmid
manutenção, que deve ser mantido até que a ingestão CH. Enviromental tobacco smoke: a risk facro r for pcdiatric
oral seja adequada. A dor pós-operatória deve ser tratada laryngospasm. Anesth Analg . 1996;82:724-7.
com rigor, com uso de opióides, se necessário3•5•11 -3 • 11 • Section on Anesthesiolo&ry, American Acad em y of Pediatrics:
EvaluaLion anJ prcparatiun uf pnliaLric patkrm unuergoing
anesthesia. Pediatrics. 1996;98:502-8.
12 • Rasmussen GE. The preoperative evaluation of the pediatric
Referências patient. Pediatr Ann. 1997;26:455-60.
13 • National lnstitutes of Health, National Heart, Lung and Blood
1 • H iJJeir S, Krishna G, Brnsoveanu E. Neonatal Anestesia. Sem Instirute, Division of Blood Diseases and Resources: The
Pediatr Surg. 2004;13:142-51 . management o f sickle cell disease. N JH publication n° 02-211 7,
2 • Tiret L, ivoche Y, Hatton F, D csmonts JM , Yourc'h G . 2002 (4'h edition).
Complications rclated to anaesthesia in infants and children.
A prospective survey of 40.240 anaesthetics. Br J Anaesth.
1988;61 :263-9.

280
CIRURGIA NO
PACIENTE
IDOSO
..--------------------------------------------------------------

Marcelo Rausch,
Marcelo Fonseca Coutinho Fernandes Gomes

Introdução de novos mercados de consumo e novas formas de lazer,


o idoso é um ator que não pode mais estar ausente.
O século XX assistiu a notável aumento de expectati- A cirurgia do idoso apresenta aspectos marcantes: a
va de vida da população mundial. Um resultado imediato menor reserva fisiológica, a coexistência de doenças, as
deste processo demográfico é o aumento relativo e abso- limitações funcionais decorrentes da idade ou da própria
lu to do número de idosos. Projeções estimam, no perío- doença, a aceitação do idoso na familia e na sociedade, e
do de 1950 a 2025, um crescimento da população idosa a consciência do idoso quanto a si próprio. Isso exige do
de cinco vezes em países desenvolvidos e de mais de 16 médico conhecimento técnico primoroso e senso huma-
vezes em países em desenvolvimento, podendo o núme- nístico irrepreensível. Pela atual e ilimitada evolução da
ro de idosos brasileiros atingir a cifra de 32 milhões den- Medicina e, em particular, do tratamento cirúrgico, torna-
tro de 20 anos. A expectativa de vida do brasileiro era, em se impraticável a opção por cirurgião exclusivamente
1900, de 33,7 anos, em meados do século passado, de geriátrico. Os idosos, por direito, serão operados pelos
43,2 an os e, na virada do milênio, de 68,5 anos 1• especialistas de cada área cirúrgica, desde que com sufi-
ciente experiência no atendimento às pessoas idosas2 •
Quadro 23.1 .: Proporção da população com mais de 65 anos de D as intervenções cirúrgicas eletivas, prevalecem no
idade' sexo masculino a hernioplastia inguinal e a prostatecto-
••• mia. No sexo feminino, cresce em freqüência a colecistec-
1985 2005
França 12,4%
tomia e as operações realizadas na esfera gin ecológica2•
14,5%
E n tre as afecções agudas, principalmente da cavidade
USA 12,0% 13,1%
abdominal, os idosos têm na obstrução intestinal a maior
4,3% 5,8%
incidência, necessitando de diagnóstico precoce.
•• Infelizmente, apenas 20% dos operados voltam a gozar
de saúde plena nesse caso. A incidência de úlcera péptica
perfurada é maior no homem. Na idosa, desponta a litía-
Associada a essas mudanças, percebe-se marcante se biliar e suas complicações2•
alteração nas causas de morte do ser humano, com repre- Em algumas especialidades, como urologia e oftalmo-
sentatividade cada vez maior de doenças crônico-degene- logia, praticamente a metade das operações ocorre em
rativas (como a aterosclerose), e cada vez menor das pacientes acima de 65 anos2 .
doenças infectocontagiosas (como a varíola)' . Foi recentemente sancionado pelo Senado Federal do
Hoje, no debate sobre poHtica pública, nas interpela- Brasil o Parecer n°1301 de 2003 (redação final do Projeto
ções dos poHticos em momentos eleitorais e na definição de Lei n°57 de 2003), intitulado "Estatuto do Idoso" e

281
• Fundamentos em Clínica Cirú rgica

••
destinado a regular os direitos assegurados às pessoas tabólicos, comuns no perioperatono, podem ser mal
com idade igual ou superior a 60 anos. O Estaruto esta- tolerados por estes pacientes•.
belece que "o idoso goza de todos os cürcitos fundamen- Os idosos possuem ai nda risco au mentado dl: arrit-
tais inerentes à pessoa humana, assegurando-lhe, por lei mias cardíacas e anormalidade de condução4 •
ou por outros meios, todas as facilidades, para preserva- D oença coronariana sintomática ou não pode estar pre-
ção de sua saúde física e mental, e seu aperfeiçoamento sente em mais de 50% dos idosos. Como conseqüência, o
moral, intelectual, espirirual e social, em conclições de leito vascular não suporta mudanças bruscas na volemia,
liberdade c dignidade" 1• como em casos de hemorragia aguda ou choque•.

Quadro 23.2 . : Efeitos do e nvclhectmento na função


Alterações fisiológicas do envelhecimento cardiovascular

Como regra, a função orgãnica declina com a idade, --------------------------------------------··•


<
mas ela geralmente conónua adequada para atender à
Pressão anenal média no rmal
demanda metabólica de pacientes submetidos a operações
eletivas. I estado de repouso, o declínio funcional tem Presaio arterial sistólica >
minimas conseqüências. Porém, quando há estresse adi- assa d e 'entriculo esquerdo >
cional, a resposta orgãnica não é tão eficaz quanto em indi- Resposta a catecolaminas <
víduos jovens. Idade, em si, raramente é contra-incücação Arritmias cardiacas >
para tratamento cirúrgico. Os fatores de risco mais impo r- Anormalidade de cooduçio >
tantes são as doenças crônicas (como hipertensão arterial, •
cardiopatia e atcrosclerose generalizada), as quais são mais ··--------------------------------------------
prevalentcs no idoso e representam alterações patológicas
em vez de eventos fisiológicos do envelhecimento•.
Envelhecimento do sistema respiratório

O envelhecimento acompanha-se de alterações na


Alterações cardiovasculares durante o
fisiologia pulmonar que comprometem a capacidade do
envelhecimento
pulmão de controlar infecções e outras agressões
Com o avançar da idade, há hiperplasia das camadas ambientais. O risco infeccioso é ainda maior se conside-
íntima c média da aorta e dos grandes vasos, associada a rarmos a menor atividade do sistema imunológico em
fragmentação da lâmina elástica. A menor distensibilida- pacientes idosos•.
dc c maior rigidez das artérias sistêmicas são següelas, A alterações mais freqüentemente encontradas são
contribuindo para aumento da pressão sistó lica c aumento da rigidez da parede torácica, aumento do volume
sobrecarga cardíaca•. residual pulmonar, diminuição da capacidade de retração,
As alterações cardíacas mais freqüentemente enconrra- aumento do volume de fechamento e diminuição da fun-
das são a hipertro fia miocárdica compensatória resultante ção ciliar. O idoso pode apresentar ainda cifose torácica
do aumento da pressão arterial sistólica, espessamento e acenruada, estreitamento das vias aéreas, dimin uição da
calcificação do endocárclio, do átrio e das \·álvuJas•. área de superficie alveolar e da mobilidade diafragmática4 •
Embora o débito cardíaco basa1 permaneça inalterado Em conjunto, os efeitos clínicos destas alterações são
durante o envelhecimento, o idoso responde mcno à redução gradativa da pressão arterial de oxigênio, aumen-
esti mulação das catecolaminas, ficando mais dependente to do espaço morro e diminuição do volume expiratório e
da dilatação ventricular (pré-carga) para aumentar o débi- da velocidade de fltLxo de ar, levando a aumento do risco
to cardíaco. Os jovcn aumentam o débito cardíaco por de atelectasia e pneumonia no período pós-operató rio•·\.
meio da taquicardia, enquanto o idoso consegue isso ele-
vando o volume de ejeção, principalmente por intermé- Função renal durante o envelhecimento
dio ele maior volume diastólico fmal4 •
Os idosos são dependentes de pré-carga, po r isso a Há perda gradativa de parênquima e declínio da
depleção de volume intravascular e os estados hipcrmc- função renal durante o envelhecimento. Esta perda

282
•••
Capitulo 23 .: Cirurgia no paciente idoso

parenquimatosa deve-se principal mente à diminuição Estas alterações dificultam o manejo do paciente
da massa corcical com preservação relativa da medula cirúrgico idoso. A administração vigo rosa de solução
renal. A esclerose glomerular determina perda da capa- salina 0,9%, por exemplo, pode determinar expansão
cidade de realizar a ultrafiltração do plasma, reduzindo do volume extracel ular com resultante insuficiência
a taxa de fi ltração glomerular (TFG) em aproximada- cardíaca congestiva•.
mente 1 mL/ min para cada ano após os 40 anos de A dose de drogas de eliminação principalmente renal
idade. Esta redução na TFG não se manifesta por deve ser revista. Estas drogas incluem penicilinas, aminogli-
aumento nos nívei s séri cos de creatinina po rque ocor- cosídeos, cefalosporinas, tetraciclinas, clonidina, metildopa,
re perda concomitante da massa muscular com o ava n- digoxina, clorpropamida, cimetidina, litio e procainamida'.
çar da idade. P ortanto, pode-se obter um determinante O idoso apresenta ainda risco aumentado de retenção
mais correto da redução da função renal no idoso ava- urinária em deco rrência da hiperplasia prostática ou alte-
liando-se o c/earance de creacinina•. rações neurológicas, o que predispõe esse paciente a
infecção do trato uri nário e insuficiência renal. A preva-
lência de inconti nência urinária também é aumentada.
Quadro 23.3 .: · lodificações pulmonares durante o envelhecimento'
---------------------------------------------··•
i:igidez da
----------
Cifose
parede toricica Quadro 23.5 .: Modificações renais durante o envelhecimento'
----------------------------------------------··•
Perda gndativa do peRnquima
Perda da força de contração das fibras elásticas Decünio da função renal
Diminuiçio da úea de superfkie alveolar •
Diminuição da mobilidade do diafragma
··----------------------------------------------

··---------------------------------------------
Quadro 23.6 .: Conseqüências das alterações renais'
Quadro 23.4 .: Conseqüências das alterações pulmonares•
---------------------------------------------··• Menor fJexibilidade do túbulo pera n:ablorver ou
Reduçio gndadva da prcasio arterial de oxigênio secretar carga de clcuóli1ot

Menor capacidade de acidificação renal

Diminuição da função ciliar Menor capacidade de concentração e diluição


S11tema pouco
im"rapona
miiõftíj;·";;:ol - - -,
Aumento do risco de pneumonia e atelectasia •
• ··----------------------------------------------
··---------------------------------------------
Envelhecimento do aparelho digestivo
A diminuição da TFG torna o paciente idoso mais
susceóvel a insuficiência renal aguda caso ocorra qual- D e maneira geral, o envel hecimento dos órgãos do
quer insulto nefrotóxico ou isquêmico no rim durante ou aparelho digestivo manifesta-se por redução na motilida-
após o procedimento cirúrgico'. de, na secreção e na capacidade de absorção. Felizmente,
Há ainda, com a idade, comprometimento tubular a reserva destes ó rgãos é tão grande que as reduções
renal, levando à menor flexibilidade do túbulo para reab- observadas nos parâmetros fisiológicos não costumam
sorver ou secretar eletróli tos, menor capacidade de acidi- resultar em deficiência real da função'.
ficar a urina, menor depuração de drogas e sistema reni- O presbiesôfago, termo dado à disfu nção motora
na-angiotensina pouco responsivo. Com isso, os idosos esofágica atribuída ao envelhecimento, caracteriza-se por
apresentam capacidade reduzida de responder a situa- resposta totalmente desorganizada à deglutição e por
ções de contração de volume•. defeito no relaxamento do esfíncter esofágico inferior.

283

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

As possíveis complicações decorrentes destas alterações (ACTH), vital na resposta orgânica ao estresse, permane-
incluem maior risco de aspiração e disfagia' . ce inalterada no idoso'.
O envelhecimento do estômago caracteriza-se por A tireóide mostra atrofia progressiva com o envelheci-
menor secreção d e ácido e pep sina e atrofia d a muco- mento, porém, na maioria dos casos, os níveis de
sa'. O intes tino delgad o apresenta progressiva e gen era- hormônio estimulador da tireóide (fSH) permanecem inal-
lizada redução na altura d as vilosidades mucosas. A terados e o paciente mantém-se clinicamente eutireóideo'.
redução da superfície absortiva pode levar a meno r É de grande importância identificar o paciente hipo-
aproveitamento de algumas substâncias co m o cálcio, tireóideo no pré-operatório, já que esta condição pode
ferro, gorduras e carboidratos. A absorção de proteínas afetar até 4% da população idosa. Na maioria das vezes,
está, aparentem ente, preservada. Não parece haver os sintomas d e hipotireoidismo são inespecíficos (fadiga,
também alterações no trânsito intestinal' . letargia, pele seca, constipação intestinal), podendo ser
As alterações colônicas no envelhecimento incluem erroneamente atribuídos ao "envelhecimento normal".
atro fia d a mucosa, anormalidades m orfológicas das O diagnóstico deve, então, ser feito po r meio d e busca
glândulas m ucosas, infiltração celular da lâmina pró - ativa laboratorial no pré-operatório'.
pria, hipertrofia m uscular da mucosa e aumento d o Estima-se que a prevalência d e hipertireoidismo na
tecido co njuntivo. As conseqüências são predisp osição população geral seja de 0,5% a 3%, com aproximadamen-
a co nstipação intes tinal, d oença diverticular e te 15% d estes pacientes tendo mais de 75 anos de idade.
formação d e fecalo m as' . Apenas 25% d os idosos com hipertireoidismo apresentam
os sinto mas típicos d a agitação e nervosismo comumente
O fígado sofre inúmeras alterações com o envelheci-
observados nos jovens. O idoso pode apresentar depres-
mento, po rém a reserva hepática é tão grande que elas só
são, perda de peso, fraqueza muscular e manifestações car-
resultam em perd a mínima d a função real. O flu xo san-
diovasculares (fibriJação atrial, bloqueios ou insuficiência
güíneo hepático pod e mostrar diminuição corresponden-
cardíaca). O diagnóstico pode ser feito pela dosagem séri-
te à medida que a massa hepatocitária relativa diminui.
ca de ho rmônios tireoidianos e TSH' .
Isto tem grande importância no metabolismo de certas
Os valo res absolu tos da secreção e da excreção
drogas, como o propranolol e o isoproterenol, que nor-
de co rtisol diminuem com a idade, mas continuam
malmen te são eliminados do plasma durante sua "primei-
praticam ente inalterados quando expressos por gram a
ra passagem" pelo fígad o. A idade não altera os r esulta-
de creatinina4 •
dos d os testes de função hepática rotineiros: bilirrubinas,
O nível plasmático e a depuração d e ald osterona
fosfatase alcalina e aminotransfer ases4 •
diminuem co m a idade. Além disso, ocorre queda d os
A cinética e a capacidade d e absorção d a vesícula níveis séricos de renina. O resultado é a menor capacida-
biliar não mudam consideravelm ente com o envelheci- d e d e resposta à restrição de sal e à d epleção do volume
men to. H á, porém, aumento d a pro dução hepática d e intravascular no paciente idoso' .
colesterol com redução concomitante d a síntese de áci-
dos biliares, levando a maior saturação da bile e predis-
posição à fo rmação d e cálculos'. Envelhecimento do sistema nervoso
D e maneira geral, a secreção pancreática exócrina é
O ser humano pode apresentar p erda progressiva
minimamente afetada pela idade' .
de funções neuro lógicas com o passar dos anos . Os
distúrbios mais freqüentes são alterações auditivas e
Endocrinologia do envelhecimento visuais, perda de memó ria e d em ência, incontinência
urinária e fecal. Os quadros demenciais e depressivos
Os níveis séricos de insulina aumentam com o enve- acentuam-se no curso de doenças agudas e graves,
lhecimento, principalmente devid o à maior resistência principalmente q uando associadas a distúrbios hidroe-
periférica a este hormônio'. letrolíticos o u a complicações infecciosas' .
U m ponto impo rtante em relação à função hipo fisá- Essas d eficiências dificultam a o btenção de informa-
ria é que a produção do hormônio adrenoco rtico trófico ções pelo m édico assistente e podem impedir que o

284
Capítulo 23 .: Cirurgia no paciente idoso

••
paciente idoso compreenda as orientações essenctats método acurado em predizer as reservas cardíacas e
guanto aos cuidados pré e pós-operatórios. pulmonares 9·" .

Avaliação do paciente idoso Avaliação do estado funcional

O objetivo da avaliação do idoso é definir a extensão A inatividade foi associada à mruor ocorrência de
do declínio funcional e identificar doenças coexistentes6• complicações pós-operatórias, como atelectasia, pneu-
A solicitação extensa de exames complementares para monia, trombose venosa profunda, embolia pulmo nar,
pesquisa de doença em todos os ó rgãos dos pacientes perda de massa muscular e delirÍNIII. A mortalidade em
não é prática necessária ou economicamente viável. É pacientes restritos ao leito é dez vezes maior que em ido-
importante ajustar o exame clinico para pesquisa minu- sos funcionalmente ativos 6 •
ciosa de fatores , sinais e si ntomas das comorbidades mais A capacidade de realiza r atividades do dia-a-dia
comuns ou mais importantes. Quando o exame inicial como banhar-se, ves tir-se, ali mentar-se, mover-se da
identifica doença ou fatores de risco para determinada cama para a cadeira, ir ao banheiro e ter continência
doença, propedêutica avançada deve ser iniciada6 • para fezes e urina deve ser pesquisada. Estima-se que
ão há dúvidas de que o aumento da idade influencia 7% dos pacientes aos 74 anos e 50% daqueles com
negativamente o resultado cirúrgico. Apesar de o declinio mais de 85 anos não conseguem desenvolve r uma des-
fisiológico estar presente, ele é raramente suficiente para tas atividades' 2•
causar má evolução em operações eletivas não-complicadas. m indicador útil e simples do risco de complica-
A idade cronológica é de importância relativamente peque- ções cardíacas e pulmonares, e de óbito após a opera-
na, já a existência de comorbidades piora substancialmente ção é a incapacidade de aumentar a freqüência cardíaca
o prognóstico em qualquer siruação. A idade de 75 anos, o 99bpm dois minutos de exercício de "bicicle-
paciente tem em média cinco doenças ta" em decúbito dorsal 6•
Quadro 23.7.: Efeito de doenças concomimntes na mon:alidadc
periopcratória
Avaliação do estado cognitivo
--------------------------------------------··
Estudo Idade No de Mortalidade (%) •
comorbidades D elirim11 pós-operatório é definido como um estado
confusio nal agudo, sendo associado a aumento significa-
Sc:ymour c: Faz > 65 anos 3 ou mais 10 tivo da morbimortalidade6 •
la2 3 Demência é uma alteração crônica do estado mental
o 3 de base e é fator de risco maior para a ocorrência de deli-
Denny e Denson > 90 anos I ou mais 45 riwJJ após procedimento cirúrgico u.
o 5 A etiologia do delilim11 é multifatorial, estando fre-
• qüentemente associado a demência, distúrbios hidroele-
··--------------------------------------------
Modtficado de: Age Agmg. 1989; 18:316-26; Gcnatr1cs. 1972;27:11S-8
rroliticos e metabólicos, doenças pulmonares, hepáticas,
cardíacas, renais e cerebrais, trauma, dor, e tresse,
ambiente estranho c isolamento cognitivo••.
De todas as comorbidades, as doenças cardiovascu-
Uma estratégia eficaz para avaliar o estado mental do
lares são as mais prevalentes, sendo a principal causa
idoso é pesquisar: (1) orientação quanto a pessoa, lugar e
de complicações pós-operatórias g raves e óbito. Em
tempo, (2) habilidade em listar cinco ítens (p. ex., cida-
idosos, as intercorrências pulmonares podem ser tão
des, frutas, vegetais), e (3) lembrar-se de três objetos lis-
comuns quanto as cardíacas. A estratificação de risco
tados previamente após período de tempo6 •
baseia-se em fatores relacionados ao pacie nte e ao tipo
J\s alterações do estado mental do idoso são geral-
de operação. Em idosos com doença cardíaca conheci-
mente as manifestações mais precoces de complicações
da, avaliação pré-operatória rigorosa é necessária. Para
pós-operatórias, demandando propcdêutica adequada.
a maioria dos pacientes, entretanto, pesquisa da tole- Mais de 40% dos infartos agudos do miocárdio após
rância a exercícios e de sintomas cardiorrespiratórios é operações em pacientes entre 74 anos e 85 anos de

285
• Fundamentos em Clinica Cirúrgica

••
idade são silenciosos, ou pelo me nos desprovidos das d eriva); c as condições clínicas do paciente no pré-ope-
manifestações clínicas clássicas" . rató ri o c no decorrer da
De maneira geral, o paciente geriátrico não tolera inter-
venção cirúrgica desnecessária. D esnecessária por inopor-
Avaliação do estado nutricional tuna ou por excessiva gravidade. O maio r receio do idoso
O impacto da desnu tri ção como fator de risco para não é, geralmente, a morre, mas sim a possibilidade de dor
pneumo nia pós-operatória, cicatri zação de ficiente c fisica, incapacidade profissional e completa dependência
outras complicações é plenamente sabido6 • econô mica. D everá ser operado com o maio r o bjeti vo de
Estima-se que desnutrição ocorra em 15% dos restituir a qualidade de sobrevida. Em relação à guantidade,
idosos d a com uni dad e e em até 65% daqueles o idoso sabe que já viveu2•
agudamente hospitalizados'''-. o paciente idoso sem comorbidadcs, a condu ta não
deve ser modificada baseando-se apenas no fator idade.
A causa de má-nutrição senil são: diminuição do
I se as co ndições para a realização da operação
paladar, anorexia psíquica, depressão, estado dolo roso
não são ideais, algu mas modificações no procedimento
crônico, má-absorção intestinal, drogas ano rcxígenas,
podem ser feitas, entre as
refeições mal preparadas, pró teses dentárias mal ajusta-
• desdobramento em dois tempos d ife rentes (p. ex.,
das, ausência ele dentes, e parcos recursos financeiros'".
esofagectomia c csofagoplastia no tratamento do
A med ida do es tado nutricional é difícil em idosos .
câncer de esôfago);
Os padrões antropo métricos não levam em considera-
• simplificação (p. ex ., colecistostomia, colostomia
ção as mudanças estruturais c de composição corpo ral
com anestesia local);
da idade avançada. t\lém dis o, cri térios pa ra interpre-
• ser menos rad ical (p. ex., gastrectomia parcial sem
tação de exames bioguímicos não fo ram bem estabele-
linfadcnecromia).
cido para esta idade''.
sempre necessário analisar judiciosamente a real
,\ albumina sérica é provavelmente o mais forre mar-
necessidade de m od ificação do procedimento em detri-
cador de complicações pós-operató rias. llipoalbuminemja
mento da gualidade 21 •
em ido os relaciona-se com internação hospitalar p ro-
t\s taxas de mortalidade atuais são significativamente
longada, maio r número de reintcrnaçõcs c aumento da
mais baixas que 20 ou 30 anos atrás, quando eram de 20%
mo rtalidade, independentemente de a baixa albumina ser ou mais nos procedimentos eletivos, em pacientes de 80
decorrente de mau estado nutricional o u doença crô nica
anos o u maJs. ll ojc, esta taxa encontram-se
não-identificada 11'·'''. entre 6% e 8%2' .
ll ipoalbuminemia pode ainda leva r a aumento dos A moru'llidade operatória em situaçõc de emergência é
níveis séri cos livres de algumas drogas, como quinidina, três a dez vezes maior em relação às eletivas, devido à
wa rfarina, rifampicina c pro pranolo l, aum entando os meno r re erva fisiológica. t\ morbidade perioperatória
riscos ele toxicidaele21' . (mfarro, embolia, eventos neurológicos, disfun ção renal)
também foi significativamente maior no g rupo de procedi-
mento emergencial (20,7°/c, para 7,5%). O idoso é um por-
O ato operatório no paciente idoso
tador de disfunções compensadas. O encaminhamento
t\ sct,rurança é conilição fundam ental para o sucesso em precoce para o controle eletivo de doença tratável, o alto
guak1ucr circunstância e o cirurgião deve ser provido de grau de suspeita em pacientes com dor abdo minal e a o pe-
bom scn o. O ato cirúrgico objetiva solucionar o proble- ração precoce são extremamente impo rtantes para assegu-
ma, mas não deve ser indevidamente prolont,rado. O " limi- rar bo m prognóstico cirúrgico c para a manutenção de boa
te" ele uma o peração aplica-se a cada paciente individ ual- q ualidade de vida para o paciente'·'".
mente, levando-se em consideração os vários aspectos que
interferem com os resul tados, destacando-se dentre eles: a
Cuidados pós-operatórios
experiência das equipes cirúrgica e anestesiológica; a exi-
gência de cada afecção, assim como o estágio evolu ti vo O paciente idoso, no período pós-o peratório, deve
da mesma; as caracterís ticas da indicação (urgência o u ser monitorado de forma intens iva c eficaz. A necessida-

286
Capítulo 23 .: Ciru rgia no paciente idoso

••
de de admissão em centro de terapia intensiva e de moni- ser de manifestação atípica, e o tratamento nem sempre
torização invasiva deve ser avaliada pelo médico assisten- é eficaz devido à menor reserva fisiológica do idoso. Para
te, baseando-se em variáveis como quantidade e qualida- limitar o índice de complicações, o cirurgião deve, se
de das comorbidades, porte do ato anestésico-cirúrgico e possível, limitar a .i ntervenção cirúrgica à tolerância
resposta do paciente ao estresse22 . cardiovascular do paciente22 •

Quadro 23.8.: Cuidados com o idoso no pós-operatório


Sistema respiratório
----------------------------------------------··
Movimentação precoce Em quase metade das mortes, no pós-operatono, a
Monitoração rigorosa
----
Avaliação da medicação habitual
Avaliação da indicação de antibioticoprofilaxia
pneumonia está presente. D iante de operações torácicas
e abdominais, principalmente em pacientes acamados, as
atelectasias são freqüentes. Se o doente for enfisematoso
por tabagismo, apresentar pneumoconiose ou asma, a
Fisioterapia respiratória
otimização do sistema respiratório deve iniciar-se antes
Melhora da função cardíaca
da operação. Após o ato cirúrgico, a hidratação adequa-
Cuidados nutricionais da, mas não-excessiva, ajuda na mobilização de secreções
Avaliação laboratorial rigorosa broncopulmonares. A fisioterapia respiratória e a mobili-
Pro filaxia para eventos trombocmbólicos zação precoce são de suma importância na prevenção de
complicações respiratórias22•

Sistema nervoso central Aparelho digestivo

O cirurgião precisa estar atento às repercussões neu- Não se deve esperar que, no idoso, as complicações
rológicas que o paciente idoso pode sofrer no pós-opera- abdominais pós-operató ri as sejam evidentes ou se
tório, já que ele tolera mal a hipoxemia, mudanças pres- acompanhem de sinai s e sintomas usualmente encon-
sóricas bruscas e distúrbios hidroeletroliticos 22 • trados em pacientes mais jovens. Diante de abdome
agudo, muitas vezes grave, como o decorrente de fístu-
la, a pessoa mais velha pode não ter, no início, qualquer
Sistema cardiovascular manifestação abdominal. Se o doente estiver apático e,
O repouso prolongado e a imobilização, muitas vezes principalmente, aprese ntar distúrbios hidroeletrolíti-
necessários após operação, têm importantes efeitos cos, o cirurgião deverá fazer investigação mais apura-
adversos sobre o sistema vascular, com maior tendência da de seu abdome. A manutenção de má evolução clí-
a fenômenos tromboembólicos. A melhor conduta para nica pós-operatória por vá rias ho ras, mesmo sem sinais
evitar-se a morbidade decorrente da vasculopatia é a abdominais nítidos, poderá indicar revisão da cavidade
fisioterapia com mobilização precoce. A contenção vas- abdominal. O ato cirúrgico e o estresse o rgânico por
cular periférica com meias elásticas e o uso de anticoagu- ele desencadeado podem levar a lesão aguda de muco-
lação profilática podem ter efeito benéfico. o pós-ope- sa gastroduodenal. D essa forma, é p rudente mante r o
ratório, o sistema vascular superficial deve ser examina- paciente idoso com medicação inib idora da acidez gás-
do diariamente, à procura de flebites, isquemias e trom- trica, apesar de que o estômago persisten temente com
boses. Diante dos primeiros sinais de complicação vascu- pH elevado possa ser colonizado por bactérias Gram-
lar, o tratamento deve ser iniciado e o fator predisponen- negativas hospitalares, as q uais predispõem a pneumo-
nia22.
te afastado22 . Um miocárdio com sofrimento vascular
crônico tem maior propensão ao infarto durante a sobre-
carga cirúrgica, sendo esta complicação responsável por Sistema geniturinário
número considerável de mortes no período pós-operató-
rio. As arritmias carcliacas também tornam-se exuberan- A avaliação do volume c do aspecto do fluxo urinário é
tes após o procedimento cirúrgico. Esses quadros podem obrigatória no pós-operatório . O débito de urina mínimo

287
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
deve ser de 1rnL/kg/h. O ideal é obter-se a urina miccio- Referências
nal, porém, em algumas situações, é dificil conseguir a mic-
ção voluntária do paciente. Essa situação é muito encontra- 1 • Ferreira-Santos R, Apresentação. lo: Petro iaou A, Pimenta LG
eds. Cirurgia Geriátrica. Belo Horizonte: Medsi, 1998;17-9.
da no idoso, por apresentar quadros de confusão mental ou
2 • Pimenta, LG. Princípios de Cirurgia Geriátrica. Rev Méd Minas
por ter distúrbios miccionais decorrentes de baixa contrati- G erais. 2001 ;1 1 :180-6.
Lidade vesical e perda do tono esfincteriano, provocando 3 • www.senado.gov.br, página da internet. Estatuto do Idoso.
retenção ou incontinência u.rinária. Afecções prostáticas ou 4 • Evers BM, Towosend CM, T hompson JC. Fisiologia d o
operações sobre esse órgão, comuns em homens idosos, Envelhecimento. l n: Zenilman ME, Roslyn JJ eds. Clínicas
agravam ainda mais os distúrbios miccionais22 • Cirúrgicas da América do Norte: Cirurgia no Paciente Idoso.
lnterlivros, 1994:25-44.
Além disso, deve-se lembrar que o paciente acama- 5 • Doherty GM, L.onergan ET. Special Medical Problems in Surgical
do, com dor e logo após trauma operatório, ou quando Patients. In: Way LW, Doherty GM eds. Current Surgical
su bmetido a bloqueio anestésico raquidiano, pode ter Diagnosis and Treatment. New York. L'lnl:,>e, 2003:38-71.
dificuldade miccional, mesmo sem qualquer distúrbio 6 • Rosenthal RA, Zenilman ME. Surgery in The Eldcry. In:
Townsend CM, Beauchamp RD, Evers BM, Mattox KL eds.
prévio. Portanto, antes de conduta mais agressiva, o cinlr-
Textbook o f Surgery. Philadelp h.ia. Saunders, 2001:226-47.
gião deve ter paciência e colaborar para o conforto de seu 7 • Escarce JJ , Shea JA, Chcn W, Qiang Z, Schwartz JS. Outcomes
paciente. Em grande número de casos, consegue-se diure- of open cholecystectomy in the elderly: a longitudinal analy-
se satisfatória elevando-se, quando possível, a cabeceira da sis o f 21,000 cases in the prelaparoscopic era. Surgery.
cama, ou .retirando-se o paciente de seu leito e isolando-o 1995;117:156-64.
8 • Yancik R, Ries LG, Y ates JW. Breast cancer in aging women. A
temporariamente, sob ação de analgesia eficaz.
po pulacion-based study o f contrasts in stage, surgery, and sur-
vival. Cancer. 1989;63:976-81.
9 • Gerson MC, H urst JM, H crtzberg VS, Banghmanr A, Rovangw
Aparelho locomotor I, Elisk V, et ai: Prediction of cardiac and pulmonary compli-
catio ns related to elective abdominal and noncardiac tho racic
A osteoporose e a hipotrofia muscular acompanham o surgery in geriatric patients. Am J Med. 1990;88:1 01-7.
idoso e acentuam-se com a idade e com o tempo de inter- 10 • G oldman L, Caldera DL. Multifactorial index of cardiac risk in
nação hospitalar, principalmente em mulheres. Assim, o no ncardiac s urgical procedures. N Eng l J Med.
paciente idoso deve ser cercado de cuidados, evi tando-se 1977;297:845-50.
manobras bruscas ou grosseiras, que possam provocar 11 • Eagle KA, Berger PB, Caikins H, Chaitman BR, Ewy GA,
Fleisehmann KE, et ai. Executive Summaty Report o f The
luxações ou fraturas. Esses even tos são mais comuns nos
American College of Cardio logy (American H earr
casos de di minuição do nível de consciência22• Association Task Force on Perioperacive Cardiovascular
Estados psicóticos, alterações no equilíbrio e lipoti- Evaluation for Non Cardiac Surgery). Guidelines for periope-
mias conseqüentes a distúrbios neurológicos, cardiovas- racive cardiovascular cvaluation fo r noncardiac surgery.
culares ou metabólicos acompanham-se de quedas em Circulacion. 1996;93:1278-317.
12 • Rorbackmadsen M. General surgcry in patients 80 years and
idosos. A baixa acuidade visual, arritrnias cardíacas, fra- older. Br J Surg. 1992;79:1216.
queza muscular e o efeito de medicamentos aumentam 13 • Marcantonio ER, Goldman L, Mangionc CM. A clinicai p redic-
ainda mais este risco22• cion rule for delirium aftcr clcctive noncardiac surge!)'·
Outro efeito adverso decorrente da imobilização j At\11\. 1994;271:1 34-9.
prolongada do paciente idoso, que tem natu ralmente a 14 • lnouye SK. Deliriwn in hospitalized elderly patients: recognition,
cvaluation, and management. Conn Med. 1993;57:309-15.
pele mais sensível, é a úlcera de decúbi to, que também 15 • Kannel WB, Danncnberg AL, Abbott RD. Unrecognized myo-
terá maior probabilidade de tornar-se infectada . A pro- cardial infarction and hypertension: The Framingham Study.
teção da pele e a mudança contínua de decúbito, se não Am Heart j. 1985;109:581-5.
for possível a mobilização precoce do paciente para 16 • Rosenberg I H. N utrition and aging. I n: Hazzard WR, et ai eds.
Principies of Geriatric Medicine and Gerontology. ew
fora do leito, podem evitar a formação dessas úlceras,
York, McGraw- Hill, 1994:264-89.
que são muito mais graves em pacientes diabéticos ou 17 • Vellas B, Guigoz Y, Garry PJ, NourhashenJmi F, Bennahvy D,
em pacientes com vasculopatias 22 • Lauque S, et ai. The Mini utrirional Assessment (MNA) and
its use in grading the nutritional state o f elderly patients.
utrition. 1999;1 5:116-22.

288
•••
Capítulo 23 .: Cirurgia no paciente idoso

18 • Pimenta LG. Princípios Gerais da Cirurgia Geriátrica. In: 21• unes TA. Limites da Cirurgia no Paciente Idoso. i n: Petroianu
Petroianu A ed. Cllnica Cirúrgica. Rio de Janeiro. Rcvintcr, A, Pimenta LG eds. Cirurgia Geriátrica. Belo Ho rizonte:
2001 ;98-1os. Medsi, 1998;309-14.
19 • Dctsky AS, Baker JP, O ' Rou.rke K, Johnsron , \Xfhitwcll J, 22 • Petroianu A. Pós-operatório do Paciente Idoso. In: Petroianu A,
Mendelson RA, ct ai. Prediccing nutrition-associated com pli- Pimenta LG eds. Cirurgia Geriátrica. Belo Horizonte: Mcdsi,
cacions for pacients undcrgoing gastrointescinal surge!')'. J 1998;333-52.
Parente r utr. 1987:11 :440-6.
20 • Vestai RE. Aging and pharmacology. Cancer. 1997;80:1302- 13.

289
24
CIRURGIA
NA PACIENTE
,
GRAVIDA
..--------------------------------------------------------------

Alexandre Lages Savassi Rocha,
Paulo Roberto Savassi Rocha, Luiz Fernando Veloso

Introdução O conhecimento das particularidades inerentes à rea-


lização de o perações na paciente grávida é condição pri-
A incidência de doenças que demandam tratamento morclial para que se realize tratamento eficiente da mãe
cirúrgico durante a gestação é de aproximadamente 2%' . sem comprometimento fetal.
Essas afecções representam risco aclicio nal para a mãe e
o feto, e sua abordagem requer cuidados especiais.
Alguns aspectos devem ser considerados na abordagem Alterações anatomofisiológicas da gravidez
da paciente grávida com suspeita de afecção cirúrgica:
A gravidez determina a ocorrência de inúmeras altera-
• as alterações anatomofisiológicas que ocorrem
ções em diversos ó rgãos e sistemas, as q uais devem ser
duran te a gravidez originam sinais e sinto mas que se
conhecidas para permitir correta interpretação dos dados
confundem com manifestações de várias doenças
clinicos e proporcionar segurança ao ato operatório.
cirúrgicas, podendo tornar o diagnóstico dessas
doenças mais complexd;
• a propedêutica nesses casos é freqüentem ente limi- Alterações cardiovasculares
tada pelos riscos po tenciais de alguns exames com-
plementares (racliológicos etc.) para o feto; O débito cardíaco aumenta de 30% a 50% durante a
• procedimentos anestésicos e cirúrgicos devem ser gravidez. Essa elevação ocorre principalmente d urante o
realizados de fo rma a minimizar a agressão ao feto, primeiro trimestre, alcançando o rúvel máximo em torno
mantendo adequadas a oxigenação materna e a per- das 24 semanas'. Posteriormente, o débito se mantém
fusão útero-placentária3; constante até o final do terceiro trimestre, quando começa
• o uso de drogas (analgésicos, antibióticos, anestési- a climinuir'.
cos etc.) deve ser criterioso; A freC)Üência cardiaca aumenta em cerca de dez a 15
• a monito rização fetal é impo rtante para detectar e batimentos por minuto e o volume sistólico se eleva
controlar as repercussões da doença e do tratamen- (25% a 30%). Ocorre redução da resistência vascular sis-
to cirúrgico' ; têmica, da pressão arterial sistólica (5 a 10mm Hg) e da
• o segundo trimestre de gestação é o período mais pressão cliastólica (10 a 20mmHg) , que alcançam os
seguro para a realização de operações5 ; rúveis mais baixos na metade da gestação'.
• a realização de operações de urgência não deve ser Nas fases mais avançadas da gestação, o fluxo sangüí-
postergada (a doença que motiva o tratamento neo pode variar significativamente de acordo com a posi-
cirúrgico geralmente constitui risco maior para o ção adotada pela paciente. A compressão do útero gravídi-
feto que a própria o peração)'; co sobre a veia cava inferior determina redução do retomo

291
• Fundamentos em C línica C irúrgica

••
venoso e da pré-carga, podendo ocasionar gueda de até mais comum à esquerda. o puerpeno, o risco de sua
30% do débito cardíaco guando a paciente está em ocorrência também está elevado significativamente 1•
posição supina' . O aumento do hemarócrito (20% a 30%) é inferior ao
O volume sangüineo aumenta de 30% a 50% durante aumento do volume sangüíneo, o que o rigina a anemia
a gestação. Essa expansão faz com que sinais de h1povo- fisiológica da gravidez2.•. A contagem de leucócitos é de
lemia (taguicardia, hipotensão) sejam detectados tardia- 10.000 a 14.000 cels/ mm 3 ao final da gestação, podendo
mente nessas pacientes, podendo surgir somente após atingir 30.000 cels/ mm' durante o trabalho de parto e no
perda sangüinea de 30% a 35%'.5. puerpério imediato' .
Sinais clínicos que simulam insuficiência cardíaca (ter- A contagem plaquetária apresenta queda moderada,
ceira bulha, sopro sistólico de ejeção, edema de membros mantendo-se dentro dos limites de normalidade'.
inferiores) são comuns na paciente grávida saudável, assim
como alterações radiológicas (aumento do índice cardioto-
rácico, aumento da trama vascular pulmonar etc/ . Alterações digestivas

A diminuição do tônus do esfíncter esofágico inferior


favo rece a ocorrência de refluxo gastroesofágico, sendo
Alterações respiratórias
comum a queixa de piro c2•
Durante a gestação ocorrem aumento progressivo do Náuseas e vômitos a fetam mais de 50% das grávidas,
volume minu to (30% a 40%) , diminuição do volume especialmente no primeiro trimestre. D or abdominal e
expirató rio residual e da capacidade residual funcional. O queixas dispépticas também são comuns'.
consumo de oxigênio aumenta significati vamente, sendo Ocorrem relaxamento da musculatura lisa (mediada
as pacientes grávidas propensas à gueda de saturação pela progesterona) e diminuição da mo tilidade gastroin-
da hemoglobina6 • testi nal, com aumento proporcio nal do tempo de trânsi-
Ainda no primeiro trimestre surge hiperventilação to intestinaL O deslocamento das alças pelo útero gravi-
fisiológica, que determina redução da pC02 materna dico contribui para essas alterações.
(alcalose respiratória). Essas alterações, que otimizam as O aumento da reabsorção de água nos cólons favorece
trocas gasosas entre a mãe e o feto, derivam da ação da o surgimento da constipação intestinal ou seu agravamento.
progestero na, que aumenta a sensibilidade do centro res- Alterações da motilidade da vesícula biUar durante a
pirató rio à elevação da pC021• A alcalose respiratória é gestação predispõem à e rase e formação de barro biliar.
compensada pela excreção renal de bicarbonato, com a A fosfatase alcalina se eleva até níveis duas vezes acima
conseqüente redução de sua concentração plasmática. dos fi siológicos, enquanto os valores das aminotransfera-
A diminuição da pC02 c o aumento do volume co r- ses e das biUrrubinas permanecem inalterados'-'.
rente contribuem para a dispnéia freqüentemente relata-
da pelas mulheres grávidas'.
Alterações urológicas

Alterações hematológicas O aumento do débito cardíaco incrementao fluxo san-


güíneo renal, o ritmo de filtração glomerular c o clearonce de
A síntese de fatores da coagulação está alterada creatinina. Os níveis de uréia diminuem (< 15mg/dL),
durante a gravidez, podendo predispor tanto à trombose assim como os de creatinina (< 0,9mg/dL)'.
quanto à trombólise. O relaxamento da musculatura lisa mediada pela pro-
O estado de hipercoagulabilidade característico desse gesterona favo rece a dilatação do sistema coletor (pelve
período, associado à compressão da veia cava inferior pelo renal, ureteres) e a estase uri nária, o que torna as pacien-
útero, favorece a ocorrência de trombose venosa profunda, tes mais susceptíveis a infecções urinárias altas. A pielo-
que é cerca de duas vezes mais comum durante a gravidez•. nefrite aguda constitui causa impo rtante de sepse mater-
A trombose acomete freqüentemente as veias iliacas, sendo na e trabalho de parto premaruro.

292
Capítulo 24 .: Cirurgia na paciente grávida

••
Cuidados gerais Quando for necessana a utilização de antibióticos,
deve-se priorizar as penicilinas e cefalosporinas, que são
Propedêutica seguras na gestaçãd. São proscritas as tetraciclinas e qui-
nolonas. Os aminoglicosídeos têm uso limitado pelo
A indicação de exames radiológicos deve ser criterio-
potencial ototóxico e nefrotóxico para a mãe e o feto,
sa durante a gravidez no intu ito de minimizar a exposição
embora esses efeitos colaterais sejam raros quando essas
fetal. Por outro lado, esses exames são fundamentais para
drogas são utilizadas por períodos curtos2 .
definir a conduta em várias situações, superando os ris-
Embora não se preconize a utilização de tocoliticos
cos de sua utilização.
Os efeitos nocivos da radiação são mais pronuncia- em caráter proftlático, esses medicamentos podem ser
dos no período de maior proliferação celular, isto é, até a necessários durante a abordagem dessas pacientes se
zsa semana. A dose total recomendada nessa fase é infe- houver ameaça de trabalho de parto prematuro 1•
rior a 10rad 1•
Durante as primeiras duas a três semanas, a lesão
Anestesia
radioativa pode determinar falha de implantação ou
morte do embrião. Posteriormente, as lesões acometem A anestesia na paciente grávida apresenta diversas
órgãos que se encontram em desenvolvimento à época peculiaridades e requer cuidados especiais. Os seguintes
da exposição fetal 1 • aspectos devem ser destacados:
Atualmente considera-se que o ri co de malforma- • risco aumentado de aspiração durante a indução
ções secundárias à radiação aumenta significativamente anestésica devido à diminuição da pressão do
a partir de 15rad 1• As doses usuais empregadas em exa- esfíncter esofágico inferior e ao retardo do esvazia-
mes radiológicos (radiografia, tomografia computado ri- mento gástrico1•6 ;
zada) são geralmente inferiores a 1 rad e não ocasio nam • tendência à hipoxemia durante os procedimentos
risco aumentado de morte fetal, malformações ou de ventilação e intubação orotraqueal6;
desenvolvimento neurológico alterado. Po r outro lado,
• diminuição da necessidade de anestésicos e maior
procedimentos terapêuticos, que utilizam doses mais
propensão à intoxicação por essas drogas 6;
elevadas de radiação, têm potencial significativo de cau-
• indução e despertar da anestesia mais rápidos6•
sar lesão fetal 1•
A ultra-sonografia diagnóstica é considerada segura A teratogenicidade dos agentes anestésicos (potencial
durante a gestação, desde que se utilizem equipamentos de danos cromossômicos e/ ou carcinogênicos para o feto)
apropriados 1• não foi comprovada em seres humanos 1• o que se re fere
a esse aspecto também não existem evidências da maior
segurança de uma droga anestésica em relação às demais'.
Cuidados pré-o peratórios A manutenção da oxigenação fetal durante as opera-
É fundamental que se informe à paciente e a seus fami- ções é fu ndamental e requer os seguintes cuidados:
lia.res os motivos da indicação cirúrgica e os riscos relaciona- • oxigenação materna adequada - utiliza-se oxigênio
dos à mesma, incluindo a possibilidade de abortamento. suplementar no intuito de manter a saturação da
As operações eletivas devem ser feitas preferencial- hemoglobina em 100%;
mente no segundo trimestre devido ao menor risco de • ventilação adequada à manutenção do pH e da
abortamento, ao baixo índice de trabalho de parto pre- pCOz fisiológicos (a hipercapnia materna pode
maturo e à menor possibilidade de efeitos teratogênicos determinar acidose fetal);
nesse período1•5 . • manutenção do fluxo sangilineo uterino - a ocor-
A profilaxia da trombose venosa profunda deve ser rência de hipotensão supina durante a anestesia
feita com heparina subcutânea. Dispositivos de compres- deve ser tratada imediatamente com reposição volê-
são pneumática dos membros inferiores devem ser utili- mica vigorosa, d rogas vasoativas (quando necessá-
zados, sempre que possível, no peroperatório e nas fases rias) e posicionamento da paciente em decúbito
iniciais do pós-operatório (enquan to a paciente estiver lateral esquerdo (para evitar compressão da aorta e
acamadal A deambulação precoce é recomendável. da veia cava inferior pelo útero) 3 •

293
..

-------------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Clinica Cirúrgica

Monitorização fetal de lesão uterina; inclinação da mesa CJturgica para a


esquerda de forma a minimizar a compressão da veia cava
Recom enda-se a monitorização d os batimentos car-
inferior pelo útero; manutenção do pneumoperitô nio
díacos fetais durame operações maternas sempre que com pressões bruxas de C02 (8 a 12mmH.g). utilização ele
possível. Variações fisiológicas da freqüência cardíaca sítios alternativos para introdução dos troca'rtes 1·K·9 •
fetal surgem a partir da 26' semana aproximadamente, e
constituem sinal fidedigno de oxigenação adequada a
partir dessa fase da ges tação. Em certas situações, como Apendicite aguda
durame laparoto mias, essa monito rização é dificultada•.
A apendicite aguda é a doença gas trointestinal de tra-
Quando são detectados sinais de sofrimento fetal,
deve-se otimi zar o fornecimento de oxigênio por meio tamentO ci rúrgico mrus comum na gravidez, ocorrendo
das medidas citadas anteriormente. Quando não se con- geralmente nos dois primeiros trimestres. Por outro lado,
segue reverter o quadro, opta-se pela realização de cesa- sua incidência é a mesma observada em mulheres não-
riana de emergência. Essa possibilidade de,·e ser sempre grávidas1.
discutida co m a paciente no pré-operató rio . Os sinais e sinto mas são emelhantes aos da paciente
não-grávida (anorexia, náuseas e vômitos, do r epigástrica
ou periumbilical com posterior localização na fossa ilíaca
Principais indicações cirúrgicas na gravidez d ireita, febre) . A partir do segundo trimestre, no entanto,
o apêndice é progressivamente deslocado superio r e late-
Abdome agudo ralmente, alcançando o quadrante superio r direito do
abdome no terceiro trimestrel.' . E ssa migração torna
As alterações anaromofisiológicas que ocorrem na
extremamente variável o ponto de sensibilidade dolorosa
gravidez podem, especialmente no primeiro trimestre,
máx ima em cada período da gravidez. No terceiro tri-
simular afecções abdominais que necessitam de trata-
mento cirúrgico. mestre, o ó rgão pode não ter contara com o peritônio
a vigência de abdome agudo, os sinais usuais estão parietal, o que dificulta o diagnóstico e pode retardar sig-
geralmente presentes na paciente grávida. o entanto, a nificativamente o tratamentO, aumentando os riscos para
compressão dos órgãos intra-peritoneais e a distensão da a mãe e o feto.
parede abdominal pelo útero gravíclico tendem a alterar A ocorrência de leucocitose moderada, como já visto, é
os pontas de sensibilidade dolorosa e a resposta à irrita- comum na gravidez, contribuindo pouco para o diagnósti-
ção perironeal5 • co diferencial. A presença de mrus de 80% de neutrófilos é
egundo estudos recentes, a abordagem cirúrgica no dado que favorece o diagnóstico de apendicite agudaz.1.
casos de abdome agudo não parece aumentar, de fo rma O exames de imagem são importante para a defini-
significativa, os riscos de terarogenicidade e abortamento 1• ção diagnóstica. A ultra-sonografia tem grande valo r no
A laparoscopia tem sido cada vez mais uti lizada primeiro trimestre, mas sua acurácia diminui com a migra-
durante a gestação, e é geralmente bem tolerada pela mãe ção do apêndice nas fases mais avançadas da gestação. A
e pelo fero 1..1.s. ua realização roma-se mrus dificil a partir tOmografia computadorizada apresenta sensibilidade e
do final do segundo trimestre devido ao volume uterino. especificidade acima de 90%, sendo muito útil em pacien-
ão existem evidências de que a abo rdagem laparos- tes obesas, para as gurus a sensibilidade da ultra-sonogra-
cópica acarrete maior risco de sofrimentO fetal , malfor- fia é menor\ 11 • A aplicabilidade da tomografia durante a
mações ou trabalho de parto prematuro 1•8 • Por outro gravidez é limi tada pela exposição à radiação.
lado, não existem dados, na li teratura, que demonstrem O diagnóstico diferencial deve ser feito principalmente
de forma inequívoca, a segurança do método durante a com a gravidez ectópica e a doença inflamatória pélvica no
gravidez 1.s- 10• primeiro trimestre, a pielonefrite aguda no segundo trimes-
Algumas recomendações referentes à realização da tre e a colecistite aguda no terceiro trimestre2•
laparoscopia na gravidez incluem: monitorização estrita A apendicectomia não deve ser postergada em
da pC0 2 materna no peroperatório para detecção preco- nenhuma fase da gravidez. Apenas durante o trabalho de
ce de hipercapnia e embolia gasosa; realização do pneu- parto a operação deve ser feita após o nascimento . los
moperitônio por técnica aberta para minimizar os riscos casos de trabalho de parto prolongado o u suspeita de

294
Capítulo 24 .: Cirurgia na paciente grávida

••
perfuração apendicula r opta-se pela cesanana, seguida perua, deve ser conside rada no diagnóstico diferencial da
pela apendicecromia colecisto ütíase e de suas complicações' .
A ocorrência de fo rmas compücaclas ela apendicite A colecistecto m ia deve ser realizada p recocemente
(gangrena, perfuração do apêndice co m peritonite) é o nos casos de reco rrência das cóücas biliares (co m um
principal fato r relacio nado à mo rtalidad e materna, que durante a gestação) , colecistite aguda, lj tíase da via biliar
pode atingir 4% nessas A m edida que o principal ou pancreatite aguda biliar' . A abo rdagem lapa-
útero aumenta de volume, tOrna-se m enos provável o roscópica é bem-sucedida na grande m aioria das vezes,
bloqueio do apênd ice pelo o rnem o maior, o q ue parece especialmente nos dois p rimeiros trimestres.
contribuir para a oco rrência de peri ronite d ifusa. A mor- A mortalidade fetal aumenta nos casos de atraso no
talidade fetal varia de zero a 1,5% em pacientes com tratamento, infecção associada e na vigência de pancrea-
apendicite não-complicada a 20% nos casos de perfu ra- tite aguda1.
ção apendicular' .
A abordagem cirúrgica pode ser feita por via lapa ros-
Obstrução intestinal
cópica, embora sua realização seja dificultada nas fases
mais avançadas da gravidez devido ao tamanho do útero. A o bstrução intestinal ocorre ma1s freqüentem ente
L os casos de o peração por via aberta, a inci ão deve ser nos dois primeiros trim estres, sendo, na maio ri a das
feira sobre o pomo de maior sensibilidade dolo rosa o u ser vezes, causada por aderências
mediana (casos de peri tonite di fu sa). ão existe diferença O q uad ro clinico é sem elhante ao da paciente não-
significativa nos índices de parto prematuro após apendi- grávida (do r abdominal tipo cólica, vôm itos, distensão
cecto mia abertas o u Laparoscópicas1. abdomin al, parada de elim inação de fezes e flatos). A
a apendici te não-complicada pode ser feita dose radiografia simples de abdome geralmente confirma a
única de antibióti co ou o m esmo pode ser uti lizado por suspeita diagnóstica2 ·'.
até 24h. os casos de apendicite co m perfuração do O tratamento inicial consiste em reposição hidroele-
ó rgão, a antibio ticoterapia deve ser mantida até o desapa- trolitica e cateterismo nasogástrico. t\ persistência do
recimento dos sinais infecciosos (feb re, leucocitose) 11 • quadro o bstrutivo e/ ou o surgi mento de inais sugesti-
Podem ser utilizadas cefalosporinas de segunda geração vos de isquemia ou perfu ração intestinal determ inam a
o u penicilinas de am plo espectro associadas a drogas necessidade de abo rdagem cirúrgica. O retardo no trata-
com ação anaerobicida (metronidazo l, clindamicina). mento e a ocorrência de complicações podem acarretar
Deve-se salientar q ue o metronidazol é contra-indicado mortalidade fetal elevada (até 40%f
no primeiro trimestre da gestação.

Pseudo-obstrução co/ônica (síndrome de Ogilvie)


Colecisto/itíase
A síndrom e de Ogilvie caracteriza-se po r distensão
A colecistolitíase é detectada em cerca de 3% das gasosa maciça do cólo n na ausência de o bstrução mecâ-
mulhcrc g rávidas, mas a grande maioria permanece nica. É majs comum no puerpério 1.
assinromática durante a ges tação'.s. As m anifestações cli- O quad ro clinico inclui náuseas, distensão abdo minal
nicas, quando presentes, são semelhantes às das pacien- c parada de eliminação de fezes e flatos. O diagnóstico é
tes não-g rávidas (episódios de do r em cólica, intensa, de defi nido pela radiografia simples de abdo m e. O aumento
início súbita, localizada no quadrante superi o r direito do diâm etro co lô nico aci ma de 10cm favorece a ocorrên-
e/ ou no cpigáslrio; dor contínua, sinal de Murphy, fe bre cia de isquemia e per furação, que ocorre geralmente na
e leucocitose nos casos de colecistite aguda). região cecal e determina aumento expressivo da mortali-
A ultra-sonografia é o exam e padrão-o uro para a con- dade (até 70%f
firmação do diagnóstico de colecistolitiase e avaliação da A descompressão colônica constitui a medida mais
existência de processo inflamató rio agudo associado2.'. impo rtante do tratamento, podendo ser feita po r meio de
i\ sínd ro me llli LLP, caracterizada po r pré-eclâmp- colonoscopia o u utili zando-se anticolinesterásicos (neos-
sia, hemó lise, aumentO de enzimas hepáticas e plaqueta- tigmina). A abordagem o perató ria (cecosto mia descom-

295
•• •
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

pressiva) é utilizada nos casos de insucesso do tratamen- !ação e co ntro le de doenças co ncomitantes (hipertensão
to conservador. arterial, pré-eclâmpsia etc). O quadro apresenta resolu-
ção após o partos.
Quan do se detectam sin ais de expansão do hematoma
Aneurisma de artéria esplênica
ou ruptura hepática, procede-se a cesariana. Realiza-se o
O s aneurismas da artéria esplênica são quatro vezes tamponamento do hematoma com compressas e posterior
mais comuns em mulheres, sendo a maioria delas multi- relaparotomia para retirada das mesmas.
para . Alterações da parede arterial secundárias à ação A ruptura hepática associa-se a índices elevados de
dos ho rmônios reprodutivos femininos podem predis- mortalidade materno-fetal (acima de 50%). O tratamen-
po r à sua ocorrência 1·s. to é sempre cirúrgico. A abordagem conservadora é, via
A ruptura desses aneurismas ocorre em menos de 2% de regra, ineficazs.
dos casos, geralmente quando a lesão tem mais de 2cm
de diâmetro 1• Cerca de 25% dos casos de ruptura ocor-
rem durante a gravidez. A mortalidade fetal e materna
Doença inflamatória intestinal
ultrapassa 70% nessa siruação 1.s. Cerca de O,1% das mulheres em idade fértil são a fera-
A reposição volêmica e a transfusão de hemoderivados das pela doença de Crohn ou pela retocoli te ulcerativa. A
são fundamentais para a estabilização do quadro hemodi- gravidez não costuma alterar, de fo rma igni ficativa, o
nâmico. O tratamento cirúrgico consiste na excisão do
curso dessas afecções, que geralmente podem ser contro-
aneurisma associada ou não à esplenectomia, exclusão do
ladas clinicamente d urante esse período 12•
aneurisma (clipagem ou ligadura proximal e distai) ou
A abo rdagem cirúrgica é indicada nos casos de falên-
embolização por meio de angiografia.
cia do tratamento clinico ou surgimento de complicações
como megacólo n tóxico, perfuração colô nica, obstrução
Ruptura hepática espontânea in testinal o u hemorragia digestiva baixa 12•
A realização de operações para tratamento das doenças
A ruptura hepática espontânea é co mplicação rara e inflamatórias intestinais aumenta a mortalidade matemo-
freqüentemente letal da gravidez. r oventa por cento dos
fetal. Nos casos em gue se realiza colectomia total, o índi-
casos são associados à pré-eclâmpsia e à síndrome
ce de abo rtamento atinge 60% dos casos, sendo relaciona-
HELLP. A hipertensão arterial constitui fator de risco
do à manipulação uterina no peroperatório 12•
para sua ocorrências. O quadro surge geralmente em
mulheres idosas, mulóparas, durante o terceiro trimestre
ou na gestação a termo. Gravidez ectópica
O hemato ma subcapsular é a lesão inicial precursora
da ruptura hepática. Manifesta-se com do r localizada no A gravidez ectópica é defi nida como gualguer gesta-
quadrante superior direito do abdome ou epigástrio, gue ção gue se desenvolva fora da cavidade endometrial. Ela
se irradia para o o mbro direito, além de hipersensibilida- representa a principal causa de óbito materno no primei-
de à palpação local. Sinais de choque e irritação perito- ro trimestre de gravidez. E m 98% dos casos, o saco ges-
neal surgem quando ocorre a ruptura que aco- tacional se localiza na tuba uterina' .
mete mais fregüentemente o lobo direitd . O s fatores de risco para seu aparecimento incluem:
O s exames laboratoriais mostram aumento discreto história de doença inflamatória pélvica ou infertilidade,
das arninotransferases, hiperbilirrubinemia, tro mbocito- operação tubária prévia, tabagis mo, uso de Dl , gravi-
penia, diminuição do hematócrito e alterações da coagu- dez ectópica prévia etc.
laçãos. A ul tra- o nografia abdominal pode revelar hema- O guadro clinico incl ui relato de atraso menstrual e
toma subcapsular (assim co mo a tomografia co mputado- hemo rragia uterina anormal, além de do r localizada no
rizada) e é útil para o diagnóstico diferencial com a cole- andar inferior do abdo me. O diagnóstico é confirmado
cistolitíase sinto mática. pela dosagem de beta- HCG (que apresen ta níveis eleva-
O tratamento do hematoma subcapsular assintomáti- dos), associada à ultra-sonografia endovaginal, gue pode
co consiste em repouso, co rreção de distúrbios da coagu- permitir a visualização do saco gestacional fo ra do útero' .

296
•••
Capítulo 24 .: Cirurgia na paciente grávida

os casos de gravidez ectópica não-rota é possível a 50% dos casos5. Nos casos de traumas graves, a morte
preservação da tuba uterina. O tratamento pode ser feito fetal atinge 15%5.
com metotrexate, desde que a paciente preencha critérios A prioridade no atendimento ao trauma da gestante
previamente estabelecidos (saco gestacional com menos deve ser a mãe, cuja sobrevivência é condição primordial
de 3 a 4cm de diâmetro, ausência de doença hepática ou para melhorar o prognóstico do feto.
renal, ausência de coagulopatias etc.). A salpingostomia
linear constitui opção para as pacientes nas quais não
pode ser realizado o tratamento com metotrexate. O pro-
Indicações de cesariana na gestante com abdome agudo
cedimento consiste na abertura longitudinal da tuba ute- Em algumas pacientes com abdome agudo, to rna-se
rina para retirada do saco gestacional, podendo ser reali- imperativa a realização de cesariana de urgência, cuja
zado por via laparoscópica. Não é necessário suturar a indicação deve considerar a doença abdominal em CLLrso,
tuba após a realização da salpingotomia4 • a viabilidade fetal e a fase da gravidez. A cesariana é indi-
Pacientes com gravidez ectópica rota apresentam qua-
cada nas seguintes situações:
dro de abdome agudo hemorrágico, freqüentemente com
• como medida para evitar a morte fetal nas grávidas
grave repercussão hemodinâmica. O tratamento inclui
com feto viável (casos de sepse materna grave,
reposição volêmica, transfusão de hemoderivados e a abor-
hemo rragias vultosas de difícil controle, neoplasias
dagem cirúrgica (salpingectomia ou plastia tubária).
complicadas por perfuração, obstrução etc.) 2;
• em gestações avançadas, principalmente quando o
Abdome agudo traumático volume uterino dificultar a abordagem cirúrgica2;
• nas lesões traumáticas do útero com feto viável para
Cerca de 6% a 7% das gestações são complicadas pelo
tratamento de eventuais ferimentos do concepto 2•
trauma, cuja abordagem se torna mais complexa devido
à necessidade de se proteger o concepto2.5• No trauma, a realização de cesariana de emergência
As medidas iniciais no atendimento à gestante com após a 26" semana de gestação, quando os batimentos
traumatismo são semelhantes às de outros pacientes: cardíacos fetais estão presentes, resulta em sobrevida do
manter vias aéreas pérvias, ventilação pulmonar adequa- feto em 75% dos casos 13 •
da e estabilidade hemodinâmica e proteger a coluna cer-
vical. A manutenção da oxigenação materna e da perfu- Neoplasias
são uterina dependerá dessas condutas iniciais 2•
A avaliação do trauma abdominal inclui, além do exame Neoplasias gastrointestinais
clinico, métodos de imagem (ultra-sonografia abdominal,
tomografia computadorizada) e lavado peritoneal diagnós- O câncer gástrico e o câncer colorretal são as neopla-
tico. Esse procedimento pode ser realizado sem compro- sias gastrointestinais mais freqüentes na gravidez. O
metimento do feto, realizando-se as punções em posição diagnóstico precoce é usualmente p rejudicado pela
cefálica ao útero para evitar lesões do órgão5• superposição de alterações próprias da gravidez como
Deve-se considerar a diminuição da resposta à irrita- náuseas, vômitos, pirose, disfagia discreta, constipação,
ção peritoneal característica das gestantes para que se diarréia, fezes escuras pelo uso de suplementação oral de
evite retardo no diagnóstico de condições cirúrgicas2.5. ferro, anemia etc2 •
os casos em que se indica a laparotomia (tra uma Mulheres grávidas com diagnóstico de câncer gástrico
abdominal penetrante etc.), o procedimento deve ser rea- devem ser submetidas ao tratamento cirúrgico habitual.
lizado imediatamente. Não se demonstrou que a opera- As pacientes tendem a apresentar lesões avançadas à
ção constitua fator de risco independente para mortalida- época do diagnóstico, e os índices de sobrevida são geral-
de fetal 5. Por outro lado, a ocorrência de hemorragia mente inferiores aos da população geral 1' .
intra-abdominal e/ou lesão intestinal é associada à piora Nos casos de tumores colorretais, quando o diagnós-
do prognóstico>. tico é feito na primeira metade de gestação, a ressecção
O descolamento da placenta pode ocorrer mesmo deve ser realizada. Quando a lesão é diagnosticada mais
após traumatismos leves, e resulta em perda fetal em até tardiamente, é aconselhável que se aguarde até que o feto

297
• Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

••
esteja viável para a reali zação do parto e, posterio rmente, A abordagem laparoscóp ica tem sido utilizada no tra-
do tratamento cirúrgico 15 • tamento de compl icações de massas anex.iais, com
A quimio terapia deve ser iniciada apenas no segundo bo ns resultadosR.
trimestre no intuito de não prejudicar o feto. O prognós-
tico materno dependerá do estacliamento tumoral, sendo
Hemorragia pós-parto
semelhante ao de pacientes não-grávidas5•
Essa complicação oco rre em cerca de 5% dos partos
Câncer de mama vagi nais e 6,4% das cesarianas. Cerca de 30% dos óbitos
maternos são devidos à ocorrência de g uad ros hemo rrá-
A incidência do câncer de mama durante a gravidez é gicos graves nesse período'.
de três casos para 10.000 gestações, representando 3% de A hem o rragia que surge nas primeiras 24h após o
todos os casos da doença' . parto é mais freg üente e costum a ser mais intensa que a
O diag nóstico é, mui tas vezes, tardio devido às hemo rragia tardia, que pode ocorrer do segundo dia à
mudanças do tecido mamário características do período sexta semana do puerpério.
gestacio nal. Freqüentemente, a doença já se encontra em A hemo rragia precoce pode ser secundária a ato nia
estádio avançado•. uterina, lacerações vaginais ou cervicais, separação anô-
A radioterapia é contra-indicada devido às altas doses mala da placenta, ruptura o u inversão uterina etc. A abor-
de radiação utilizadas, gue comprometeriam seriamente o dagem ci rúrgica é, muitas vezes, necessária nesses casos.
feto. A guimio terapia deve ser postergada até o segundo A hemorragia ta rdia é relacionada a infecção, retenção de
trimestre, evitando-se o uso de anti-metabólitos (metotre- fragmentos placentários ou coagulo patia' .
xate, fluo rouracil). O tratamento cirúrgico (mastectomia) A atonia uterina constitui o principal fator etiológico da
pode ser realizado com segurança du rante a gestação'. hemorragia pós-parto, represenmndo 70% a 90% dos casos'.
O término da gravidez não modifica a histó ria natural Após a exterio ri zação da placenta normalmente ocor-
da doença. O prognóstico do câncer de mama, nesses re contração do útero, que leva à com pressão das arterío-
casos, é semelhante ao de mulheres não-grávidas com o las espiraladas da parede uterina. os casos de atonia,
mesmo estádio tumoraP·•. esse processo não ocorre de fo rma adequada, determi-
nando o surgi mento de hemo rragia persistente. Fatores
Massas anexiais predispo nen tes incluem: dis tensão excessiva do útero
(gestações múltiplas, macrossomia fetal, po lidrâmnio),
A utilização rotineira da ultra-sonografia abdominal uso de oxitocina, trabalho de parto curto ou prolongado,
na pro pedêutica obstétrica tornou co mum a detecção de g rande multiparidade etc'.
massas anexiais, cuja freqüência é de uma para cada 600 O diagnóstico é baseado na palpação, que revela
gestações. Cistos de corpo lúteo e terato ma cístico benig- útero de consistência amolecida característica, e na exclu-
no são as lesões mais comuns. A incidência de lesões são de o utras causas de sangramento.
malignas va ria de 2% a 5%4•8 • O tratamento inicial consiste na massagem uterina
Recomenda-se a co nduta expectante para massas ane- bimanual e no uso de oxitocina para estimular a contração
xiais identificadas no primeiro trimestre. Lesões císticas do ó rgão. O utras o pções medicamentosas incluem a meti-
podem apresentar resolução espontânea no deco rrer lergonovina e prostaglandinas (PGF2alfa)'.
desse período gestacional. A presença de lesões maio res os casos de insucesso do tratamento conservador,
q ue Sem aumenta os riscos de torção e ruptura, gue ori- deve ser feita reexploração da cavidade uterina e procura
ginam guadro de abdome agudo8 • de eventuais lacerações do ó rgão. Reposição volêmica
As to rções anex.iais constituem a principal indicação de vigorosa, transfusão de hemoderivados e avaliação das
tratamento cirúrgico nesses casos. Sua ocorrência, no provas de coagulação são o utras medidas importantes.
entanto, é rara. O exame clínico revela geralmente dor A abordagem ci rúrgica co nsiste na desvascularização
abdo minal incaracterística, comportando vários diagnósti- uterin a, procedimento ele execução simples, com alta efi-
cos diferenciais. A ultra-sonografia co m dopplerpode ser útil cácia. Outra opção é a ligadura elas artérias iliacas in ter-
nessas situações para confirmar a suspeita clinica'·8• na , cujo índice de sucesso é inferior•.

298
Capítulo 24 .: Ciru rgia na paciente grávida

••
A embolização transarterial seletiva constitui outro 6• Fanzago E . Anesthesia fo r non obste tric surgery in pregnant
patients. Minerva Anestesio!. 2003; 69:416-27.
método de tratamento dessa complicação. Em pacientes
7• Kuezkowski KM. Nonobstetric surgery during pregnancy: what
com coagulação inalterada, sua eficácia atinge 90% dos are the risks o f anesthesia? Obstet G ynecol. 2003;59:52-6.
casos4• As desvantagens incluem a necessidade de mate- 8• Bisharah M, Tulandi T. Laparoscopic surgery in pregnancy. Clin
rial especial e de eguipe treinada, além do tempo neces- Obstet Gynecol. 2003;46:92-7 .
9• Fatum M, Rojansky . Laparoscopic surgery during pregnancy.
sário para o cateterismo e a embolização seleti va dos
Obstet Gynecol Surv. 2001;56:50-9.
vasos uterinos (30 a 90 minutos) 4 • lO • Reyno lds JD, Booth JV, de la Fuente S, Punnahitananda S,
McMahon RL, Hopkins J\lill, et al. A review of laparoscopy
for non-obstetric- related surgery during pregnancy. Curr
Referências urg. 2003;60:164-73.
11 • Ferreira JT, Savassi- Rocha AL, Campos BA. Apendicite aguda.
1 • Melnick DM, WahJ WL, D a!ton VK. Management of general In: Castro LP, Coelho LGV eds. Gastroemerologia. Rio de
surgica! problcms in the pregnant p atient. Am J Surg. Janeiro: MEDSl , 2004:1531 -54.
2004;187:170-80. 12 • Korclitz Bl. lnAammatory bowel disease during pregnancy.
2 • Savassi-Rocha PR. Cirurgia na gravidez. ln: Bedran J cd. O uso Gastroenrerol Clin North Am. 1998:27:213-24 .
de drogas na gravidez e na lactação. Rio de Janeiro: 13 • Morris JA, Rosenbower TJ,Jurko\•ich GJ, Hoyt D B, Harvíe!J D ,
Knudson t-ll\1, et al. l nfant survival after cesarean section for
Guanabara, 1988:311-34.
trauma. Ann Surg. 1996;223:481-8.
3 • Crowhurst JA. Anaesthesia for non-obstetric surgery during
14 • Furukawa H, lwanaga T, Hiratsuka M , lmaoka S, Ishikawa O,
pregnancy. Acta Anaesth Belg. 2002;53:295-7.
Kabum T, et al. Gasrric cancer in young adults: growth acce-
4• Srone K, Davis JD, Cendan JC, Ripley DL, Simms-Cendan J S, lerating effecr of pregnancy and delivel1'· J Surg Oncol.
Bennctt BB, et ai. Surge[)' in the pregnam patient. Curr Probl 1994;55:3-6.
Surg. 2001;38:223-90. 15 • \.'ÇaJsh C, Fa?jo V\.X'. Cancer o f the co lon, recrum and anus during
5 • Ma!angoni MA. Gastroinrestinal surgery and pregnancy. pregnancy: the surgeon's perspective. Gastroem erol Clin lo rth
Gastroemerol Clin 1 Am. 2003;32:181-200. Am. 1998;272:257 -67.

299
25
CIRURGIA NO
PACIENTE EM
USO DE DROGAS

••
Marcelo Rausch, Marcelo D ias Sanches,
Soraya Ro drigues de Almeida

Introdução pelos pacientes. Entretanto, muitas das drogas ditas natu-


rais ou alternativas são responsáveis por interações medi-
O paciente cirúrgico que está em uso de drogas cons- camentosas e por efeitos adversos no perioperatório.
titui, muitas vezes, desafio para o médico. O período Outros fármacos, como os corticosteróides, são capazes
perioperatório é propício para ocorrência de eventos de interferir na resposta ao trauma muito tempo após a
aJvcrsu:s decorrentes de drogas habirualmente utilizadas interrupção do uso. D este modo, faz-se necessária inves-
para o tratamento de afecções agudas e crônicas. E las tigação minuciosa no pré-operatório, tanto das drogas
podem interferir diretamente no ato cirúrgico (anticoagu- em uso quanto daquelas utilizadas nos meses que antece-
lantes), alterar a resposta orgânica ao trauma (anti-hiper- deram o procedimento cirúrgico.
tensivos) e a cicatrização (corticosteróides) e causar intera- A quantidade de drogas utilizadas aumenta com a
ções com drogas utilizadas no peroperatório (anestésicos) idade. As mais freqüentes são as cardiovasculares (48%),
ou no pós-operatório (analgésicos e antiinflamatórios). As as com efeito sobre o sistema nervoso central (45%) e as
reações adversas podem ocorrer por hipersensibilidade, gastrointestinais (34%f Complicações pós-operatórias
idiossincrasia, defeitos no metabolismo, excesso ou defi- são até 2,5 vezes mais freqüentes entre pacientes que
ciência da dose ou por interação com outras substâncias 1• estão em uso de drogas não-relacionadas com a opera-
É importan te que o cirurgião e o anestesiologista ção. Reações adversas ocorrem em até 10% dos pacien-
conheçam os mecanismos de ação, efeitos farmacológi- tes que fazem uso de seis a dez fármacos e em até 40%
cos e interações medicamentosas. É necessário, também, daqueles que utilizam de dez a 20 fármacos.
conhecer as doenças, saber se há necessidade de uso con- No pós-operatório, a resposta orgânica ao trauma é
únuo de medicação e os efeitos decorrentes da interrup- responsável pela ativação do sistema nervoso sim pático e
ção do uso de determinada droga (síndrome de abstinên- por alterações endócrinas. Ocorre aumento da secreção
cia, efeito rebate). de aldosterona, vasopressina, adrenocorticotrópicos, cor-
O manuseio do paciente cirúrgico em uso de drogas ticosteróides e hormônio do crescimento, diminuição
pode requerer interrupção do uso, ajuste de dose, mudan- dos hormônios tireoidianos, aumento da resistência peri-
ça da via de administração, além de substituição de drogas férica à insulina, alterações na homeostase, função renal,
por simiJares ou por drogas de outro grupo farmacológico. perfusão e oxigenação teciduais, concentração das proteí-
Estima-se que até 25% a 50% dos pacientes cirúrgicos nas plasmáticas e equilíbrio hidroeletrolitico e ácido-bási-
adultos estejam em uso regular de um ou mais medica- co. T odos esses eventos podem interferir na abso rção, no
mentos2.3. Alguns, como ervas e homeopáticos, nem são transporte, na concentração plasmática e na ação de
considerados drogas e o uso é freqüentemente omitido diversas drogas.

301
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Interação de drogas são admini strad as concom itan tem e nte, p ode haver com -
petição p elas proteínas plasm áticas, resultand o em m aior
A interação d e drogas é uma das m ats 1mpo rtam es quantidade d e droga liv re de uma d elas e, conseqüe nte-
causa de eventos adversos n o p acie nte cirú rg ico. m ente, aumento do efeiw. Os a ntiinflamató rios não-
E mbo ra in úme ras reaçõe e n tre drogas tenham sido d es- este ró ides (AI E), utilizad os com freqüên cia no perio-
c ritas, some nte um nú m ero relati vam en te p eque no têm perató rio se ligam fortem ente às proteínas p lasm áticas c
igni ficado clinico.
aume ntam o e feito de o ut ras d rogas.
As in te rações pod em ser farm acocinéticas, fa rmacc>-
d inâm icas o u mi stas'.
Metabolismo

Interações farmacocinéticas T êm sido descritas in úmeras alte rações no m e tabolis-


m o de drogas deco rrentes de inte rações medica m e nto-
As inte rações fa rmacocinéticas estão relacionad as
sas. Ba rbitúricos, ca rbamazepina, fenitoína e rifampicina
co m abso rção, d istribui ção, me tabolism o c e liminação de
são ind utorcs d e e nz imas hep áticas c respo nsáveis por
drogas. Existem relatos de d iversas interações farmacoci-
aumento do metabolismo e diminuição da mcia-\'ida do
néticas, a maioria decorrente da di m inuição da absorção
warfa rin c cliversas d rogas' . Cimc tidi na, alo purino l c dis-
pelo tra to gastroin tcsti nal.
sulfi ra m são inibidores do c irocromo P -450 e di minuem
o metabo lism o hep ático do war fa rin , teo fi lina, ben zod ia-
Absorção zepínicos c fen itoína '.

D ois tipos de interação podem ocorrer: diminui ção


o u aume nto ela ab sorção. As alte rações q ue deter m inam Eliminação
diminuição da absorção têm maior importância, enquan-
possam oco rre r interações medicam entosas
to as relacio nad a com au mento da absorção rarame n te
que interfe rem na e liminação renal de d rogas, poucas têm
têm im portância clínica'.
impo rtância clínica. Algumas vezes, o t::fe ito da interação
Atropina c codeína inibem a m otilidade gástrica,
é benéfico. A probenecida diminui a excreção renal d a
retardam a passagem p ara o intestin o delgado e dimi -
nuem a absorção d e ou tras d rogas. P o r o urro lad o, m eto- pen icilina, aum e ntando seu efeito. 1ntcração potencial-
clopramida e b ro moprida aumenta m a m otilidade gástri- m ente pe rigosa é associação de sais de li tio com tiazídicos.
ca, pod endo aume n ta r a taxa de abso rção intestinal d e O uso p ro lo ngado pode au me ntar a reabsorção de sód io
outros fá rmacos. no túbulo proximal, como m ecani sm o ele co mpensação,
Al te rações no p l-1 d o tubo dige stivo po dem levar à resultando e m acúmulo c
ionização de drogas com menor absorção. Antiácidos,
bloqueadores H 2 c inibido rcs d a bo mba de p ró to ns e le-
Interações farmacodinâmicas
vam o pH gástrico e dim in uem a absorção do cetoco na-
zol (antifúngico). T etraciclinas fo rmam complexo inso lú- As interações farmacod inâmi cas e tão re lac io nad as
vel não ab sorvido com cátio ns, como cálcio (presente e m co m efeito si né rgico, a n tagô ni co ou mes m o ind ire to
g rande q ua ntidad e no leite e de ri vados), alumínio, fe rro, d e droga s.
magnésio e o u tros (presentes e m d iversos ali m entos e O efei to sm ergico ou aditi vo é decorre nte elo uso
med icame n tos) c não devem se r ad minist radas jun to sim ultâ neo de d rogas com efeito far macológico seme-
com a alimentação'. lhante. Por exemplo, o uso concom itante d e ácido acctil -
salicílico p laquetário) e warfa rin (a nticoa-
gu lantc) aumen ta a possibilidade de hemo rragia.
Distribuição
Inte rações fa r maco lógicas a ntagô nicas oco r rem
o p lasma, as drogas são distri b uídas ligad as às p ro- q uando são ad m inistradas duas d rogas com efeiws tera-
teínas ou na fo rma livre. Entretanto, o efeito delas ocor- pêu ticos contrários. Em algu m as situações, as intc raçôcs
re somente na forma livre. Quando d iversas substâ nc ias antagônicas podem ser benéfi cas, como o uso da naloxo-

302
Capitulo 25 .: Cirurgia no paciente em uso de drogas

••
na para inibir o e feiro indesejado de opióides, fregüente- efeito depressor sobre o sistema nervoso central que é
mente utilizados no perioperatório. potencializado pela fenotiazina, anú-histanúnicos, benzo-
Interações farmacodinâmicas indiretas ocorrem quan- diazepínicos, entre o utros. O halotano sensibiliza o mio-
do o efeito de uma droga influencia indiretamente a ação cárdio para efeitos impaticomimético , especialmente da
de outra. Diurético podem causar hipopotassemia que catecolaminas (dopamina, epinefrina, norepinefrina), com
pode provocar intoxicação d.igitálica ou diminuir o efeiro ri co de ocorrência de arritmias ventriculares, especial-
de alguns antiarrítmico , como lidocaína e guinidina. mente em idosos, hipertensos e pacientes com hipóxia 1·4 •
Blogueadores neuromusculares (succinilcol ina,
Significado clínico da interação de drogas atracuno, galamina, pancuromo, tubocu rarina,
vecurónio) são utilizados na anestesia para produzir rela-
A as ociação de drogas pode causar interação com xamento da musculatura esguelética e, com isro, facilüa r
repercus ão clínica em um paciente e er inócua em outro a ,·entilação mecânica c propiciar condições adequadas
que faça uso dos mesmos medicamentos. O quadro clini- para a realização do aro ci rúrgico. A combinação de blo-
co do paciente pode ser mais importante que a associação gueadores neuromusculares e diversos medicamentos
de drogas. Indi viduo com hipertireoidismo, distúrbios pode resultar em aumento do bloqueio muscular. Essa
gastrointestinais, diabéticos ou etili tas podem ter respos- interação pode ocorrer com aminoglicosídeos, clindami-
ta diferente daquela de indivíduos hígidos. e as funções cina, polimixina, lincomicina, ciclofosfamida, citrato
renal ou hepática estão alteradas, as interações relaciona-
(hemoderivados), procainamida, quinidina, entre outros 1•
das com metaboli mo e excreção serão mais intensas.
A paralisia mu cular resultante pode perdurar por longo
Outros fatores relacionados com o paciente gue podem
tempo, sendo necessário, em alguns ca os, manter o
interferir são tipo de alimentação, e tado nutricio nal (nível
paciente em ventilação mecânica. D eve-se evitar, se po -
sérico de proteínas determina a guantidade de d roga livre)
sível, o uso desses medicamentos em pacientes que utili-
e p H urinário (influencia a excreção renal de drogas).
zarão blogueador neuromuscular. Caso não eja po sível,
Fatores ligados à interação medicamentosa de impor-
deve-se realizar controle rigoroso da respiração no pós-
tância clínica incluem dose, ordem, via e intervalo de
operatório imediata.
administração, além do tempo de uso dos medicamentos.
Sabe-se que algumas interações só são importantes com Outra importante interação é o blogueio simpático,
doses maiores, que alguma só ocorrem se a via de admi- causado por anti-hipertensivos (reserpina, clonidina, pra-
nistração fo r a mesma, ()Ue guanto meno r o intervalo sozina, hidraJazina), amidepressivos tricíclico , fenotiazi-
entre a administração de um e outro, maior o risco de na e betablogueadorcs, durante a anestesia, resultando
interações e que, muitas vezes, as interações só ocorrem em bradicardia e hipotensão arterial. l\'o entanto, a reco-
com o uso crónico. mendação é de manter o uso desse agentes. A interrup-
ção do uso de ami-hipertcnsivos pode causar efeito rebo-
ce e crise hipenensiva no peroperató rio, p roblema maior
Interação medicamentosa durante a anestesia do guc a hipotensão arterial ou a bradicardia (gue podem
Durante a anestesia, grande vari edade de medicamen- ser controladas com expansão de \'Olume, vasopressores
tos é administrada em curto intervalo de tempo. Neste ou arropina). A interrupção abrupta do uso de betablo-
período, é alto o risco de ocorrerem efeito adversos cau- gueadores está associada com arritmias ,·emriculares,
sados pela interação de medicamentos utilizado pelo angina, infarto agudo do miocárdio e morte súbita!-'.
paciente com drogas anestésicas. As principais interações D rogas cardiovasculares podem deprimi r o miocá r-
são aumento do efeito sedativo dos anestésico , poten- dio durante anestesia geral. Antiarrítmicos 0jdocaína,
cialização do bloqueio neuromuscular ou in tabilidade quinidina, procainamida) afetam a condução e a contrati-
cardiova cular. lidade cardíaca. Bloqueado res do canal de cálcio (verapa-
Anesté icos inalatório (enflurano, halotano, isoflura- m il) pocencializam o efcico inotrópico negativo do halo-
no, metoxiflurano, óxido nitroso), barbitúricos (tiopental) tano. O conhecimento do potencial de interação medica-
e analgésicos opióides (fentanil, alfentanil, sufentanil) são mentosa impõe maior cuidado, não requerendo, necessa-
utilizados na indução e/ou manutenção da anestesia e têm riamente, interrupção do uso dessas drogas 1•

303

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Drogas específicas fo rmação de urina, aumentando a filtração glo merular ou


diminuindo a reabsorção nos túbulos renais. São usados
Cardiovasculares para tratar ou impedir a formação de ascite e edema e
para trata r a hipertensão arterial. O s diuréticos apresen-
A conduta geral em relação às drogas cardiovascula-
tam poucos efeitos colaterais. O mais significativos estão
res é de manter o uso até a manhã do dia da operação e
relacionados co m o equilibrio hidroeletrolitico, já que eles
reirüciá-lo assim que a alimentação po r via oral for possí- alteram o volume extracelular e podem causar desidrata-
vel. D eve-se evitar introduzir novas drogas no período
ção, hipovolemia, hiponatremia e tanto hipocalemia (mais
pré-operató rio devido ao risco de ocorrência de efeiros
comum) quanto hipercalemia. Pode surgir alcalose meta-
inesperados e necessidade de ajuste individual de doses
bólica devido à contração do volume extracelular.
da maioria das d rogas no inicio.
Atenção especial deve ser dada àqueles pacientes que,
Meclicamenros de ação prolongada (digoxina, amio- além do diurético, fazem uso de digital, devido à possibi-
darona) podem ter o uso interrompido logo antes da lidade de intoxicação cligitáJica. E spironolactona e outros
operação e reiniciado junto co m a alimentação, sem que diuréticos retentores de potássio podem cau ar hiperpo-
haja problema. Drogas indispensáveis ou drogas cuja tassemia que pode ter conseqüências g raves, principal-
interrupção do uso está associada com efeitos indeseja- mente na presença de insuficiência renal.
do (efeito rebate, síndrome de abstinência) não devem i ão é necessário interromper o uso dos diuréticos no
ter o uso interrompido. e o jejum pós-operatório for perioperatório, mas é impo rtante monirorar os níveis séri-
prolongado, deve-se utilizar a mesma droga por outra via cos do sódio, potássio e cloro. A hipocalemia pode po ten-
de administração (via endovenosa, de preferência). Caso ciar o efeito dos bloqueado res neuro musculares não-des-
não exista formulação para administração endovenosa da polarizantcs (atracúrio, galamina, pancurô nio, tubocurari-
mesma droga, deve-se trocar po r droga da m esma classe. na vecurô nio) acentuar o efeito arritmogênico de di ver-
e isso não fo r possível, deve-se utilizar d roga de classe drogas c ileo funcio nal com diminuição da
diferente. Outra possibilidade é utilização da via trans- absorção de drogas administradas po r via o ral.
dérmica. Entretanto, existe o problema do início de ação
demorado e da absorção errática devido às alterações do
volume intravascular e perfusão tecidual, comuns no B LOQUEADORES BETA-ADRENÉRGICOS

peroperató rio e no pós-operatório imediato. A interrupção pré-operató ria do uso de betabloquea-


dores (p ro pranolo l, atenolol, carvedilol, meroprolol,
nadolol, timolo l etc.), indicados para tratamentO de
Anti-hipertensivos doenças cardiovasculares, está associada com ocorrência
perioperatória de taqui cardia, cefaléia, náuseas, isquemia
O uso da maioria dos anti-hipertensivos deve ser man-
e infarto agudo do miocárdio, hipertermia maligna e
tido até a manhã do dia da operação. o pós-operatório,
morte Fatores desencadeantes incluem progres-
se a via o ral não esti ver dispo nível, existe grande va rieda-
são da doença cardi ovascular, aumento da agregação pla-
de de drogas que podem er administradas por via paren-
quetária, desvio da curva de clissociação de oxigênio da
teral para o controle da hipertensão arterial. E ntretanto, o
hemoglo bina, aumento rebate da atividade da renina
controle perioperatório rígido da pressão arterial c tá
plasmática, mudança no metabolism o dos ho rmô njos
associado a instabilidade autonômica, depleção de volu-
tireoidianos e aumento da atividade do sistema nervoso
me e risco de queda acentuada dos níveis pressóricos.
simpático. Geralmente, o inicio dos sin to mas ocorre 72
Além disso, existe risco de reações adversas deco rrentes
horas após interrupção do uso, com reso lução rápida,
de interação de anti-hipcrtcnsivos com drogas utili zadas
logo após reintrodução dos betabloqueadores por via
durante a anestesia. Deste modo, elevaçõe moderadas da
oral o u endovenosa (pro pranolol, esm olol) 2•
pressão arterial são aceitas no periopcrató rio.
O s berabloqueado res são capazes de prevenir ocor-
rência perioperató ria de infarto ag udo do miocárdio em
D IURÉTICOS hipertcnsos sem tratamento e em pacientes de risco para
Os diuréticos (hidroclorotiazida, clortalidona, furose- o desenvolvimento de doença cardiovascuJar, mesmo
mida, espironolactona etc.) são drogas que promovem a quando administrados em dose única pré-operatóriaz.6 .

304
•••
Capítulo 25 .: Cirurgia no paciente em uso de drogas

BLOQUEADORES DOS CANAIS DE CÁLCIO AGONISTAS ALFA-ADRENÉRGICOS

Os bloqueadores dos canais de cálcio (diltiazem, vera- Os agonistas alfa-adrenérgicos (clonidina, metildopa,
pamil, nifedipina, amlodipina etc.) produzem vasodilata- guanfacina etc.) estimulam os receptores alfa-adrenérgi-
ção periférica e reduzem a resistência vascular sistêmica cos no sistema nervoso central, reduzindo a descarga
e a pressão arterial. E les possuem efeitos inotrópico e simpática periférica. Estão associados, em maior ou
cronotrópico negativos. Apesar de haver descrição de menor grau, com hipertensão rebate após interrupção
rupotensão arterial, taqwcardia e morte súbita no perio- abrupta do uso. Esse efeito é mais grave após a interrup-
peratório, não existem evidências de que o uso de blo- ção do uso da clo nidina, um agonista alfa-2.
queadores dos canrus de cálcio aumenta o risco anestési- Pacientes em uso crônico de clonidina devem ter esse
co-cirúrgico em pacientes sem doença cardiovascular" 10• medicame nto substituído por drogas cndovenosas,
Além disto, eles aumentam o índice cardíaco em pacien- como esmolo!, propranolol, hidralazina, diltiazem ou
tes com função ventricular preservada, se a pressão de nitratos 5• Outra alternativa é o uso ele clonidina na fo rma
encrumento fo r mantida. Deste modo, é recomendada a de adesivo de absorção transdérmica. A clonidina é mais
manutenção pré-operatória do uso dos bloqucadores dos bem absorvida po r via transdérmica quando aplicada no
canais de cálcio para pacientes com função cardiaca nor- tórax o u braços. O inicio de ação ocorre após dois a três
mal ou levemente diminuida e cautela para pacientes com dias e o efeito dura até sete dias após a aplicação ou até
disfunção ventricular, definida por fração de ejeção ven- 8h após a retirada do adesivo. Portanto, ela deve ser ini-
tricular abaixo de 40% z.·.". ciada pelo menos três dias antes da operação, acompa-
nhada de redução gradativa da dose da clonidina oral. A
clonidina transdérmica não deve ser utilizada em opera-
INIBI DORES DA ENZIMA CONVERSORA DA ANGIOTENSINA E
ções de grande porte, devido à absorção errática que
BLOQUEADORES DO RECEPTOR DA ANGIOTENSINA 2
pode ocorrer em conseqüência da vasoconstrição perifé-
Os inibido rcs da enzima conversora da angiotensina
rica e hipoperfusão tecidual desencadeadas por rupoter-
(ECA - captopril, enaL'lpriJ etc.) e bloqueadores do
mia e rupovolemia, comuns nesses casos.
receptor da angiotensina 2 Qosartan, valsartan etc.) estão
associados com ocorrência de hipotensão arterial na
indução da anestesiaz. 12 • OUTRAS DROGAS ANTI-HIPERTENSIVAS

Entretanto, os dados da literatura são conflitantes. Bloqueadores dos receptare alfa-1 pós-smapticos
Alguns estudos encontraram forte associação entre inibi- (prazosin, terazosin, doxazosin), blot1ueadores adrenérgi-
dores da ECA c bloqueadores do receptor da angiotensi- cos pós-ganglionares periféricos (reserpina, guanetidina)
na 2 com hipotensão arterial perioperatória, inclusive com e vasodilatadores arteriolares periféricos (hidralazina,
necessidade do uso de aminas vasoativas 111' . O utros suge- minoxidil) são drogas menos utilizadas para o tratamen-
rem que a intensificação do efeito hipotensor da anestesia to da hipertensão arterial, não sendo consideradas de pri-
esteja relacionado com balanço inadequado de fluidos e meira escolha, devido ao grande número de e fei tos cola-
sódio decorrente do jejum pré-operatório e que o uso dos terais. Todas podem potencializar os efeitos hipotenso-
inibidores da ECA deve ser evitado, porém não haveria res dos anestésicos gerais.
necessidade de interrupção se houvesse adequada manu- Associação de reserpina e guanetidina com sedativos
tenção do volume intravascular no peroperatório 1• • e anestésicos pode resultar em hipotensão arterial impor-
Apesar de os dados relacionados com inibidores da tan te. Interrupção do uso previamente à operação (dez
ECA e com bloqueadores dos recepto res da angiotensi- dias para a reserpina e dois dias para a guanetidina) deve
na 2 serem confli tantes, a recomendação atual é de inter- ser sempre considerada.
romper o uso desses medicamentos pelo menos 24h
antes da indução anestésica. Como alguns inibidores da
Antiarrítmicos
ECA tem ação prolongada P- 24h), é mais prudente
interromper o uso por pelo menos um intervalo de dose Drogas antiarrítmicas são freqüentemente divididas
antes da operação2 • Assim, o enalapril (administração de em classes de acordo com suas ações farmacológicas.
24/ 24h) deve ser utilizado até 48h antes da operação Algumas têm múltiplas ações enquanto outras, como
(não é utilizado na véspera nem no dia da operação). betabloqueadores (classe 2- esmolo!, propranolol, meto-

305

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

prolol) e bloqueadores dos canais de cálcio (classe 4 - darona para taquicardias ventriculares polimórficas 5•
verapamil, diltiazem), também têm efeitos anti-hiperten- Alterações da concentração sérica de potássio, cálcio e
sivos. O uso de antiarrítmicos geralmente está associado magnésio contribuem para irritabilidade ventricular e
com diversos efeitos colaterais e interações medicamen- devem ser evitadas.
tosas. Entretanto, sua interrupção pode levar a arritmias
graves e às vezes fatais. Como regra geral, o uso deve ser
BLOQUEADORES DOS CANAIS DE POTÁSSIO (CLASSE 3)
mantido até o dia da operação e reiniciado o mais cedo
O uso perioperatório da amiodarona permanece con-
possível no pós-operatório' .
troverso. E la é comumente utilizada para o tratamento
de diversas arritmias, algumas letais. Sua meia-vida é em
DIGITÁLICOS
torno de 58 dias e a de seu metabólito ativo (desetilamio-
Os gücosídeos digitálicos (digoxina, digitoxina) darona), de 36 dias.
aumentam o período refratário do nó atrioventricular, a Amiodarona é associada com eventos adversos perio-
velocidade e a força de contração do miocárdio, exercen-
peratórios como efeitos inotrópico e cronotrópico nega-
do efeito inotrópico positivo sobre o coração. E les
tivos, vasodilatação periférica, bradicardia sinusal resis-
devem ser mantidos no perioperatório. Como têm ação
tente a atropina e diminuição da resistência vascular peri-
prolongada (digoxina, meia-vida: 36h a 48h; digitoxina,
férica não-responsiva a agonistas alfa-adrenérgicos' 9 -2 1•
meia-vida: sete a nove dias), podem ser interrompidos no
Entretanto, dados recentes sugerem que o uso periopera-
pré-operatório imediato e reiniciados assim que a alimen-
tório da amiodarona é relativamente seguro 2•5•22•23 •
tação por via oral for possível. Se o período de jejum pós-
Considerando que a interrupção do uso da amiodaro-
operatório for prolongado, pode ser utilizada digoxina
na pode precipitar arritmias potencialmente letais e que
por via endovenosa5.
seria necessário interrupção por período prolongado de
Diversos medicamentos utilizados pelo paciente cirúr-
gico podem diminuir a absorção, alterar a distribuição ou tempo (acima de 45 dias) para haver diminuição do nível
diminuir a excreção da digoxina. Antiácidos, colestirami- sérico, a tendência atual é de não interromper o uso,
na, metoclopramida e sulfasalazina diminuem a absorção, especialmente se a indicação for para tratamento de arrit-
aumentando o risco de insuficiência cardíaca ou arritmias mias potencialmente letais23'24• Entretanto, deve-se ter
supraventriculares. Estas também podem ser desencadea- disponível equipe de cirurgia cardiovascular e marca-
das por distúrbios hidroeletrolíticos, comuns no periope- passo temporário para uso peroperatório, se necessário,
ratório. Amiodarona, nifedipina, quinidina, verapamiJ e ou implantá-lo no pré-operatório.
espironolactona aumentam a concentração sérica de digo- O uso crônico da amiodarona pode provocar fibrose
xina com risco de intoxicação digitálica, contrações ven- pulmonar que pode ser agravada com anestesia geraf' .
triculares prematuras ou bloqueio atrioventricular, sendo Sempre que possível, deve-se preferir anestesia regional
recomendada redução da dose de digoxina'·'8 • para os usuários desse medicamento26 •

BLOQUEADORES DOS CANAIS DE SÓDIO (CLASSE I) Nitratos


Os antiarrítmicos da classe 1A (quinidina, procaina-
mida, disopiramida) são menos utilizados atualmente. O manuseio perioperatório do paciente em uso de
Procainamida endovenosa pode ser utilizada quando a nitratos depende da dose de nitratos habitualmente usada
manutenção perioperatória for essencial. Drogas da clas- e da gravidade e estabilidade da angina. A substituição
se 1C (flecainida, propafenona) não possuem alternativa por adesivos transdérmicos no peroperatório não é reco-
de uso endovenoso e devem ser trocadas por outras de mendada devido à absorção errática. O recomendado é
acordo com o tipo de arritmia que está sendo tratada. utilizar nitroglicerina endovenosa peroperatória nos casos
Constituem opções de uso endovenoso: diltiazem, beta- graves ou quando se detectarem alterações eletrocardio-
bloqueadores ou digoxina para arritmias arriais (fibrila- gráficas sugestivas de isquemia. No pós-operatório, pode-
ção ou flutter), procainamida ou amiodarona para taqui- se utilizar nitroglicerina transdérmica ou endovenosa, até
cardias ventriculares monomórficas e lidocaína ou amio- que nitratos por via oral possam ser utilizados.

306
Capítulo 25 .: Cirurgia no paciente em uso de drogas

••
Anticoagulantes e antiagregantes plaquetários Quadro 25. 1 .: Manejo perioperatório dos anticoagulantes (dose
terapêutica)'·'-"'·" "
Anticoagulantes e antiagregantes plaquetários alteram ----------------------------------------------··
Droga Administração Meia-vida Interrupção* Reinício+

a hemostasia e são utilizados na prevenção e/ ou trata-
mento de tromboembolismo arterial e/ ou venoso. Os
anticoagulantes interferem na formação do coágulo de EV I a 2 horas 4 a 6 horas 12 horas
fibrina enquanto os antiagregantes plaquetários inibem a
agregação plaquetária. Pacientes em uso desses medica- se 4a5horas 24horu 24 horas

mentos possuem risco aumentado de hemorragia per e


pós-operatória. Por outro lado, a interrupção do uso por VO . via f)r:tl; EV · endo vcnosa; SC -
longo tempo está associada com maior incidência de '"' antes da o peração
... após a opcrnç:lo
fenômenos tromboem bólicos.
No manuseio perioperatório desses pacientes deve-se ANTICOAGULANTES ORAIS
leva.r em conta, além do tipo de droga utilizada, os tipos O s anticoagulantes orais, entre eles o warfarin, ini-
de procedimentos cirúrgico e anestésico que serão reali- bem os fatores da coagulação dependentes da vitamina K
zados, além de fatores de risco para tromboembo lismo (fatores ll , VIl , IX, X; proteínas C e S). E les possuem
específicos de cada paciente. Os procedimentos cirúrgi- meia-vida lo nga e, geralmente, a normalização da ativida-
cos podem ser classificados em três categorias, de acor- de de protrombina (ou do RN I) ocorre quatro a cinco
do com o risco de sangramento: de baixo, médio ou al to dias após a interrupção do uso. D este modo, o warfarin
risco. Anestesia geral envolve menor risco de complica- deve ser suspenso cinco dias antes, possibilitando redu-
ções hemorrágicas do que anestesia regional (raq uidural ção do RN l para valores abaixo de l ,S até o dia da ope-
ou peridural). O s principais fatores de risco para trom- ração, que só deve ser realizada após dosagem do RN I.
boembolismo venoso são idade avançada, imobilização Reversão do efeito do warfarin também pode ser feita
prolongada, história de acidente vascular encefálico ou administrando-se vitamina K por via oral ou parenteral,
de trombose venosa profunda, câncer, operação de gran- 24h a 48h antes do procedimento cirúrgico2.28. Se fo r
de porte, obesidade, trauma, varizes de membros inferio- necessária a reversão imediata, administra-se plasma fres-
res, disfunção cardíaca, presença de cateter venoso cen- co congelado, complexo concentrado de protrombina ou
tral, doença inflamatória intestina.!, síndrome nefrótica, faror VIla recombinante 28•
gravidez e uso de estrógenosr . Pacientes com alto risco para ocorrência de fenôme-
De modo geral, anticoagulantes o rais e antiagrega ntes nos tromboembólicos (pacientes co m tromboembo lis-
plaquetários podem ser reintroduzidos precocemente no mo pulmo nar recorrente, o u portadores de válvulas car-
pós-operatório, junto co m a reali mentação, se os pacien- díacas mecânicas) devem ser submetidos a terapêutica de
tes estiverem estáveis e sem sinais de sangramento ou ponte co m hepari na não-fracionada ou heparinas de
desidratação. baixo peso molecular no período entre a interrupção do
uso do warfarin e o dia da operaçãa2·'·28- 111•

Anticoagulantes
HEPARINA NÃO-FRACIONADA
A terapêutica anticoagulante pode ser feita com anti- A heparina inibe a trombina, o fator Xa e a conversão
coagulantes o rais, heparina não-fracionada e heparinas de fibrinogênio em fibrina. Tem sido a droga de eleição
de baixo peso molecular. Cada uma dessas drogas possui para anticoagulação pré-operatória devido à meia-vida
riscos e benefícios distintas em relação ao procedimento curta, entre 1 h e 2h. Quando utilizada como terapêutica de
cirúrgico e seu manejo exige conduta individualizada ponte, a heparin a não-fracionada é iniciada em dose tera-
(Quadro 25.1). Heparina não-fracionada e heparinas de pêutica no dia seguinte ao da interrupção do uso do warfa-
baixo peso mo lecular podem também ser utilizadas no rin, por via endovenosa. Como desvantagem, requer hos-
perioperatório, por via subcutânea, para profllaxia de pitalização e monitoração conúnua. Pode ser utilizada em
tromboembolismo venoso, quando houver fatores de bolus de S.OOOU de 4/ 4h ou, preferencialmente, em infu-
risco associados. são contínua na dose de 1.000 U por hora. A monitoração

307
..----------------------------------------------------------------
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

é feita com dosagens seriadas do tempo de tromboplas- warfarin, po r via subcutânea. Existem diversas drogas e
tina parcial ativado (PPTa) que deve ser mantido entre diferentes esquemas terap êuticos: enox1panna
1,5 e 2,5 vezes o valor do controle. Se o PPTa estiver (1mg/ kg/ dose, de 12/ 12 horas) o u dalteparina
dentro do nível terapêutico, geralmente a interrupção do (120U/ kg/dose, de 12/ 12 horas), até à véspera da ope-
uso 6h antes da operação é suficiente para normalização ração. O uso é interrompido 24h antes e reiniciado 12h a
do PPTa, a ser confirmada antes da operação. Se isso não 24h após o procedimento cirúrgico junto com warfarin
ocorrer ou se não for possível esperar esse tempo (ope- oral na dose habitual. As heparinas de baixo peso mole-
ração de emergência), pode-se neutralizar os efeitos da cular são mantidas até o warfarin atingi r nível anticoagu-
heparina não-fracionada com sulfato de protamina cnda - lante terapêutico (RN I entre 2,0 e 3,0), geralmente em
venosa (infundir lentamente).
torno do quinto dia pós-operatório.
Quando o paciente for de alto risco para tromboem-
As heparinas de baixo peso molecular estão associa-
bolismo, deve-se reiniciar heparina não-fracionada por
das com aumento da incidência de hematoma espinhal
via endovenosa no mínimo 12h após o procedimento
após anestesia raqui e peridural, principalmente se hou-
cirúrgico, se não houver sinal de sangramento, em infu-
ver colocação de cateter para analgesia pós-operatória.
são co ntínua ao invés de bolus2.28.
E sse evento, apesar de raro, pode ter conseqüências gra-
ves, co mo paraplegia, e deve ser tratado por lamin ecto-
HEPARINAS DE BAIXO PESO MOLECULAR mia descompressiva precoce seguida de evacuação do
As heparinas de baixo peso molecular (enoxiparina, hematoma 5•3 ' -34 • Existem di vergências sobre qual o
fraxiparina, dalteparina) constituem alternativa à hepari- momento ideal para interromper ou rei.niciar o uso das
na não-fracionada, tanto para a profilaxia quanto para o heparinas de baixo peso molecular em anestesia regional,
tratamento dos fenômenos tromboembólicos. T êm
havendo discordância entre Es tados Un idos e
como vantagens a facilidade da administração subcutâ-
Europa3'-"·35 • Existe consenso em interro mper o uso por
nea e a possibilidade de uso domiciliar. Por causa da
12h (se dose profllática) ou 24h (se dose terapêutica)
meia-vida maio r que a da heparina não-fracionada, devem
antes de anestesia regional. Controvérsia existe sobre o
ser suspensas pelo menos 12h (se uso profllático) a 24h
tempo necessário para o reinício após anestesia regionaL
(se uso terapêutico) antes da operação (Quadro 25.2). o
caso de operação de emergência, o efeito pode ser parcial- Se foi feita apenas punção, pode variar entre 4h e 12h
mente neutralizado com sulfato de protamina28 • para administração em dose única diária ou 24h para
administração duas vezes ao clia. Se foi man tido cateter
Quadro 25.2 .: Manejo pe.rioperarório dos an ricoagulanrcs (dose peridura1 para analgesia pós-operatória, este só deve ser
profi.lát:ica)'-'..,·12 "
removido 12h após administração de heparinas de baixo
-------------------------------------------··
H eparina Heparinas de baixo • peso molecular, e estas só devem ser novamente admi-
Anestesia _ __:_n:::
ã:=.o..:.-fr;..:a:::c.:..:io;.;;n:::ad:::;a:___ peso molecular nistradas 2h a 4h após remoção do cateter, que geralmen-
Interrupção* Reinício+ Interrupção* Reinício+ te acontece no dia seguinte ao da operação2•5•28•12.3'..l5_
Geral 2 horas 1 hora 2 horas 2 horas
Regional
Punção 4 horas 1 hora 12 horas 4 a 12 horas Antiagregantes plaquetários
Retirar cateter Retirar cateter
4 horas após 12 horas após Á CIDO ACETILSAUCIUCO
Cateter 4 horas dose heparina; 12 horas dose hcparina; O ácido acetilsalicílico (AAS) talvez seja a droga mais
re-heparinizar re-hcparinizar
I hora após 2 horns após utilizada. E le causa disfunção plaquetária permanente em
• retirar cateter retirar cateter decorrência do bloqueio irreversível da via do tromboxa-
" ames da operação no A2 e inibição direta da cicloxigenase plaquetária 1 e 2.
+ após a op<:raçilo
Como a renovação das plaquetas circulantes demora de
sete a dez dias, a recomendação é de interromper o uso
Quando utilizadas como terapeuuca de ponte, as
sete a dez dias antes da operaçãd·5.28. Além disso, o AAS
heparinas de baixo peso molecular são iniciadas em dose
pode causar síndrome de hipcrventilação e alcalose respi-
terapêutica no dia seguinte ao da interrupção do uso do
ratória por estímulo central, hipoglicemia e dimi nuição

308
Capítulo 25 .: Cirurgia no paciente em uso de drogas

••
do efeito corcicotrópico da supra-renal e dos niveis plas- Quadro 25.3 .: Manejo perioperarório dos amiagregantes p la-
quetáriost'.28·".
máticos de co rticosteróides.
••
Droga Inibição plaquetária Interrupção* •
A NTIINFLAMATÓRIOS N ÃO- ESTERÓIDES Aspirina permanente 7 a 10 dias

Os antünflamatórios não-esteró ides (AINE) inibem a lndometacina, diclo fenaco, reversível 24 a 48 horas
ibuprofeno, ceroprofeno
cicloxigenase plaquetária de forma reversível e devem
reverslvel 72horu
ser, na maioria das vezes, suspensos entre um e três dias
Piroxican reversível lO dias
antes da operação, de acordo com a meia-vida de cada Rokcoxib, celecoxib não 3 dia+
um. Como o efeito inibitório persiste enquanto o AINE Dipiridamol reversível 24 horas
permanecer na corrente sangüinea, a meia-vida é o fator Cio idogrel permanente 7 a 10 dias
determinante para definir o tempo de interrupção do uso Ticlopidina permanente 14 dias
antes da operação. Os AINE de meia-vida curta, como •
••
indometacina, diclo fenaco, ibuprofeno e cetoprofeno, * antes da operaçiio
+ intc rrupçilo necessária por alteraç:io na função renal
devem ser suspensos 24h antes do procecümento cirúrgi-
co. Os AI E de meia-vida lo nga, como naproxeno,
sulindac devem ser suspensos 72h antes. J á o pirox.icam Neurológicas e psiquiátricas
deve ser suspenso dez dias antes porque possui meia-
vida mais longa. Medicamentos para o tratamento de doenças neuro-
Os AIN E inibidores específicos da cicloxigenase-2 lógicas e psiquiátricas estão entre os mais utili zados pelos
(rofecoxib, celecoxib, valdecox.ib) têm efeito minimo na pacientes cirúrgicos. Os principais são antiparkinsonia-
agregação plaquetária e não interferem na coagulação. nos, anticonvulsivantes, antidepressivos, antipsicóticos
e ansiolíticos.
E ntretanto, devem ser suspensos dois a três dias antes
da operação por causa dos efeitos deletérios sobre a A principal preocupação relacionada ao uso dessas
drogas é que a interrupção da maioria delas pode desen-
função renal.
cadear sínd rome de abstinência. Ela ocorre em maior fre-
qüência nos pacientes em uso de dose alta e/ o u por
O UTROS INIBIDORES DA AGREGAÇÃO PLAQUETÁRIA tempo prolo ngado, pode manifestar-se imecüatamente
Clopidogrel e tid opicüna inibem a agregação plaque- ou alguns dias após a interrupção do uso, pode persistir
tária de forma irreversível por meio de bloqueio dos por várias semanas e é revertida após o reinicio da mecü-
receptores do difosfato de adenosina (ADP) na superfí- cação. As manifestações clínicas podem estar relaciona-
cie das plaquetas. D o mesmo modo que o AAS, eles das tanto com a interrupção do uso das drogas quanto
devem ser suspensos dez cüas (clopidogrel) ou 14 dias com a recrudescência da doença de base. As mais
(tidocüpina) antes da operação2.2B.34. O cüpiridamol pro- comuns são gas trointestinais (dor abdominal, anorexia,
duz inibição reversível da agregação plaquetária, tem náuseas, vômitos), neurológicas (nervosismo, agi tação ,
meia-vida curta e deve ser suspenso 24h antes da o pera- tremores, mal-estar), carcüovasculares (palpitação, taqui-
ção (Quadro 25.3) . carcüa) e psiquiátricas (ansiedade, pânico) 369 .
1 ovas drogas de uso endovenoso, como abcix.imab,
eptifibatide e tirofiban, inibem os receptores plaquetários
Antiparkinsonianos
da glicoproteína 1lb/ llla e são geralmente utilizadas em
associação com heparina nas síndro mes coronarianas agu- Drogas antiparkinsonianas devem ser utilizadas até a
das e nas intervenções coronarianas percutâneas. Devido à manhã da o peração e reiniciadas no pós-operatório assim
meia-via curta, esses medicamentos devem ser suspensos que possível. E mbora a carbidopa/levodopa possa inte-
24h a 72h antes da operação2.2ll.34. E ntretanto, é necessário ragir com anestésicos e causar arritrnias cardiacas, os
monitoração das plaquetas, pois podem causar tromboci- benefícios de manter o uso suplantam os riscos'·40•
topenia que pode persistir por diversas semanas28• Poucas horas após interrupção da carbidopa/ levodopa,
pode haver retorno dos sintomas parkinsonianos e, com

309
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
interrupção prolongada, pode ocorrer síndrome de absti- podem ser tanto cxcitatórias guanto depressoras, poden-
nência com aparecimento de sinais e sintomas similares à do também ocorrer síndrome semelhante à síndrome
síndrome neuro léptica maligna (hipertermia, hipertensão neuroléptica maligna. O s principais sinais e sintomas
arterial, rigidez muscular, aluci nações, coma)' 1' 3 • incluem hipertensão ou hipotensão arterial, hipertermia,
O principal problema em relação aos antiparkinsonia- hiperrefl exia, convulsões e hepatotoxicidade. Por isto, a
nos é gue existem muitO poucas o pções para uso endo- recomendação é de que o uso seja interro mpido duas
venoso (difenidramina, triexifenidila, benztropina). Essas semanas antes de operações eletivas. o caso de opera-
drogas têm ação anticolinérgica e diminuem a rigidez e a ções de urgência, o uso pode ser ma ntido desde que
hipocinesia. Como causam confusão pós-operatória, sejam utilizadas somente drogas seguras para os IM AO,
devem ser utilizadas na menor dose possível 1• como fenilefrina, morfina, fentanil e não sejam utilizados
simpaticomiméticos, anticolinérgicos e meperidina2-'.2•.
O s inibido rcs seletivos da rccaptação da scrotonina
Anticonvulsivantes
no sistema ne rvoso central (fluoxetina, sertrali na, paro-
Os antico nvulsivantes (fenitoína, carbamazepina, xeti na, citalopram, flu voxarni na) são os antidepressi,·o
ácido val próico, clonazepam, fenobarbital, primidona) mais utilizados atualmente, devido à alta eficácia e baixa
são amplamente utili zados. D evem ser mantidos no fregüência de efeitos colaterais. t\ interrupção do uso
perioperatório devido ao risco de convulsão com a inter- está associada com síndrome de abstinência, que pode
rupção do uso. Como são depressores do sistema nervo- manifestar-se um dia após a inte rru pção e é caracteri za-
so central, potencializam os e feitos depressores dos anes- da po r náuseas, vômito , fatiga, irri tabilidade, ansieda-
tésicos, sendo necessária diminuição da dose de anestési- de, agitação, letargia, mialgia e diminuição da memória.
cos durante a operação. Como não existem interações especí fi cas dessas drogas
com anestésicos, elas são consideradas seguras e é p ru-
dente manter o uso no perioperatório. O uso crônico
Antidepressivos pode causar hi ponatremia, guc deve ser corrigida antes
Os antidepressivos tricíclicos (a rnitriptilina, imiprami- de procedimentos eleti vos. Se o inibidor seletivo da
na, nortriptilina, desipramina) aumentam a concentração recaptação da serotoni na for suspenso, o reinício deve
sináptica de no repinefrina e/ ou serotonina. Possuem ser progressivo, pois, caso contrário, pode ocorrer sín-
efeitos colaterais anticolinérgicos e cardíacos, podem ter dro me da sero ton in a (també m desencadeada pelo
interação medicamentosa com anestésicos (halotano, uso conco mitante de tramado!), caracterizada por insô-
pancurônio) e, raramente, desencadear arritmias cardía- nia, mioclonia, hiperreflcxia, tremores, diarréia c
cas... Podem também ter efeito aditivo com anticolinér- incoordenação motora guc regridem com interrupção
gicos utilizados no perioperatório. Alguns autores reco- do medicamento 2' 5•
mendam interrupção do uso antes da operação, mas
como eles têm meia-vida longa, essa condu ta é difícil de Antipsicóticos
ser adotada2• Deste modo, a recomendação é de gue o
uso deve ser mantido até a operação e gue sejam to ma- Haloperidol, dropcridol, flufenazina, clorpromazina c
dos todos os cuidados para evitar e/ou tratar efeitos risperidona são medicamentos comumente utilizados
adversos. A norepinefrina é droga vasopressora de elei- para tratamento das psicoses. Os principais efeitos cola-
ção para tratamento da hipotensão arterial peri operató ria terais incluem sedação, depre são, d istonia e hipotensão
relacionada com antidepressivos tricíclicos. arterial ortostática. o perioperatório, essas drogas
Os inibidores da monoamina-oxidase (lMAO) foram podem exacerbar a depressão do sistema nervo o central
antidepressivos bastante utilizados até há algu ns anos. causada po r barbitúricos e narcóticos. Eles são responsá-
Arualmente, são utilizados em menor escala e apenas veis por di,·ersas alterações eletrocard iográ fi cas, mas só
para depressão resistente a outras drogas. Associação raramente causam irri tabilidade Yentricular. Raramente,
com simpaticomiméticos de ação indireta (epinefrina, podem também causar síndrome ncuroléptica maligna.
norepinefrina) ou meperidina produz interações medica- Como esses eventos são raros e como a interrupção do
mentosas graves e po tencialmente fatais. As reações uso dos antipsicóticos pode desencadear discinesia ou

310
Capítulo 25 .: Cirurgia no paciente em uso de drogas

••
agitação rebate, a recomendação é de gue o uso seja tir até um ano após 45• No caso de procedimentos associa-
mantido no perioperatório, sempre gue possível. dos a grande estresse (operações de grande porte, aneste-
O titio é usado para tratamento da mania, da depres- sia geral) está indicada suplementação com corticosterói-
são e da desordem bipolar. Possui diversos efeitos cola- des exógenos para evitar insuficiência adrenal. O esque-
terais, sendo o hipotireoidismo o mais comum. Pode ma mais utilizado é a administração de hidrocortisona
prolo ngar o efeito dos relaxantes musculares despolari- endovenosa na dose ele 100mg de oito em oito ho ras no
zantes e não-despolari zantes, porém só raramen te esse dia da operação, iniciando-se no pré-operatório imediato.
efeito tem importância clinica. Os distúrbios hidroeletro- A partir do primeiro dia pós-operatório, essa dose é
titicos, comuns no perioperatório, podem levar a intoxi- reduzida em 50% por dia até ser suspensa por volta do
cação por titio. A recomendação é manter o uso do titio guarto d ia. Se ho uver situações de manutenção do estres-
no perioperatório, tendo o cuidado de verificar o nível se, a hidrocortisona é mantida até haver resolução do
sérico para evitar intoxicação. quad ro. Para procedimentos menores, dose pré-operató-
ria de 50mg a 1OOmg de hidrocortisona com repetição 6h
a 8h após a operação é suficiente 5•
Ansiolíticos
O uso de dose pequena (5mg a 7 ,5mg em dias alter-
Benzodiazepínicos são fregüentemente utilizados nados ou menos que 5mg/dia) não está associado com
por pacientes cirúrgicos. Se o uso fo r esporádico o u em supressão do eixo hipotalârnico-pituitário-adrenal.
dose baixa, geralmente não causam problemas no perio- O uso de hidrocortisona em diabéticos exige cuidado
peratório. Entretanto, usuários crônicos de benzodiaze- especial, po is ela tem efeito hiperglicemiante que pode
pínicos em dose alta podem reguerer maior dose de ser exacerbado pelo uso concomitante de aminas simpa-
drogas para ind ução da anes tesia e maior dose de opiá- ticorniméticas.
ceos para controle da dor pós-operatória. Esses pacien-
tes também podem apresentar manifestações decorren- Tireoidianas
tes da interrupção elo uso como cefaléia, mal-estar,
ansiedade, insônia, anorexia, tremores, psicoses e con- Pacientes com hipotireoidismo controlado com hor-
vulsões. O tempo de apa recimento dessas manifes- mô nios tireoidianos devem fazer uso da medicação na
tações depende da meia-vida da droga uti lizada e pode dose usual até o dia da operação e reiniciá-la junto com a
variar entre um e dez d ias. Usuário s crônicos devem realimentação. Como a meia-vida da levotiroxina é em
manter o uso até a operação e reiniciar assim gue possí- torno de sete dias, o uso pode ser interrompido por
vel, geralmente junto com a realimentação. alguns dias sem problema. Pacientes gue necessitarem de
jejum prolongado, L-tiroxina endovenosa pode ser admi-
nistrada, se necessário.
Endócrinas
Hipotireoidismo leve não constitui problema para a
Corticosteróides operação, porém hipotireoidismo grave necessita de corre-
ção. o caso de operação de emergência, pode-se usar
A adrenal, em condição normal, produz entre 25mg e bolusem infusão lenta de 200 rnicrogramas a 500 rnicrogra-
30mg de cortisol po r dia. Sob estresse cirúrgico, aumen- mas de L-tiroxina endovenosa, seguido por 50 rnicrogra-
ta a produção para 200mg a 500mg por dia, dependendo mas a 100 rnicrogramas por dia de L-tiroxina, associada
da magnitude dos procedimentos cirúrgico e anestésico. com hidrocortisona para prevenir insuficiência adrenal.
A produção endógena de cortisol geralmente reto ma a No caso de pacientes com hipertireoidismo não-con-
níveis fi siológicos após o terceiro dia pós-operatório, se trolado que necessitam de operação de emergência,
não houver ne nhuma condição que perpetue o estresse, devem ser tomadas medidas para evitar crise tireotóxica
como infecção, fístula, hemorragia, chegue etc. no perioperató ri o . Betabloqueado res (proprano lo l,
O uso de corticosteróides em dose maior que esmolo!) reduzem a atividade adrenérgica e a conversão
lümg/dia a 20mg/dia de prednisona (ou equi valente) periférica de T4 em T3. Propiltiouracil e metimazol ini-
por cinco a sete dias está associado a risco de supressão bem a síntese de novos hormônios tireoidianos, além de
do el."Xo hipotalâmico-piruitário-adrenal que pode persis- inibirem a conversão de T4 em T3 (propiltiouracil) . Iodo

311
..----------------------------------------------------------------
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

ino rgaruco impede a liberação de T4 e T 3 da tireóide deve ser reiniciada dois a três dias após o procedimento
(deve ser administrado l h a 2h após p ropiltiouracil o u cirúrgico, se não houver sinal de dis função renal e a ali-
m etimazol). G licocorticóides diminuem a co nversão m entação por via o ral fo r possível.
periférica de T4 em T 3 e previnem insuficiência adrenal. Pacientes em uso de hipoglicemiantes o rais, mas co m
Pancurô nio, efedrina, norepinefrina, epinefrina ou co ntrole inadequado do diabetes se beneficiarão de infu-
atropina não devem ser administrados em pacientes com são endovenosa de solução contendo insulina regular,
hipertireoidismo. Óxido nitroso, isoflurano e o pióides glicose e po tássio durante operações de g rande porte.
são drogas seguras. Pacientes em uso de insulina de lo nga ação q ue serão
submetidos a procedimentos ci rúrgicos meno res (cirur-
Insulina e hipog/icemiantes orais gia ambulatorial) ou diagnósticos (endoscopia, colonos-
copia) sob anestesia e que irão se alimentar pouco tempo
O manuseio perioperatório dos diabéticos depende após podem receber metade a dois terços da dose da
de diversos fato res, como estado do co ntrole glicêmico, insulina na manhã do procedimento e fazer controle gli-
método de controle da doença (dieta, hipoglicemiante cêmico perioperatório com glicemia capilar e administra-
oral ou insulina), período de je jum pré e pós-operatório,
ção de insulina regular, se necessário. D eve-se admi nis-
tipo de anes tesia Oocal, regional o u ger al) e m agnitude elo
trar solução de glicose 5% por via endovenosa no perio-
procedimento cirúrgico (Q uadro 25.4) 46 •
peratório para evitar hipoglicemia.
Nos casos de op erações de grande porte associadas
Quadro 25.4 .: Jvlanejo peroperatório do paciente com dia-
betes"'. com je jum prolongado, a melhor conduta é não usar
••• insulina de longa ação no dia da operação. O controle gli-
Tipo de operação
Controle do diabetes cêmico peroperatório deve ser feito com glicemia a cada
Pequeno porte Grande porte
hora e administração de solução contendo insulina regu-
Bem controlado com dieta Insulina nio Insulina provavel-
necessária mente nio necessária lar, glicose e potássio po r via endovenosa exclusiva. Na
Bem controlado com Insulina não Insulina pode ser presença de hipercalemia ou insuficiência re nal não se
hipoglicemiame oral necessária necessária
deve ad icionar potássio à solução.
Mal controlado com Insulina pode ser Insulina regular EV
UJte oral
A administração de insulina em infusão endovenosa
necessária em infusio condnua
Controlado com insulina 1/2 ou 2/3 da dose Insulina regular E.V
conúnua tem vantagens sobre a insulina subcutânea por-
matinal de insulina em infusão contínua que a resposta à infusão de insulina é imediata, ao contrá-
de longa ação
• rio da absorção subcutânea q ue é errática e variável
··---------------------------------------------
EV - d urante a o peração. A dose de insulina ad ministrada em
infusão conúnua pode ser aj ustada a cada momento de
Na maioria das vezes, pacientes bem controlados acordo com a resposta ind ivid ual à agressão cirúrgica a
somente com dieta não necessitam de insulina no pero- fim de manter a glicemia entre 1OOmg% e 200mg% 41'.
perató rio. O controle g ücêmico é o btido com realização Podem ser administradas d uas soluções em bomba de
de glicemia capilar pré-operató ri a e a cada uma ou d uas infusão conúnua: uma com 500mL de glicose 5% e
horas durante a o peração com administração de insulina 1OmE q de clo reto de potássio na velocidade constante
regular, se necessário.
de 100mL/ h (5g de glicose/ h) e o utra com 100mL de
Pacientes bem controlados com hipoglicemiantes
solução salina 0,9% e 1 00 U de insulina regular na velo-
orais devem man ter o uso até a véspera e interromper o
cidade inicial de 1 mL/ h (1 U/ h). D este modo, a relação
uso no dia da operação. O controle glicêmico é feito com
inicial glicose(g):insulina(U) é 5:1 (5g de glicose para cada
glicem ias a cada uma a duas horas e administração de
unidade de insulina). A velocidade de infusão da solução
insulina regular, se necessário, até que possam se alimen-
com insulin a é aumentada o u reduzida em 0,5mL/ h
tar novam ente. Metforrnina e clo rpropamida são exce-
(O,SU/h) de cada vez, de acordo com a glicemia. Como a
ções e devem ser interrompidas pelo menos um a dois
insulina se liga ao plástico do tubo de in fusão, os primei-
dias an tes da operação5•46• Metfo rmina está associada com
desenvolvimento de acidose lática (co mplicação rara) e ros SOmL da solução devem ser desprezados para possi-
bilitar saturação dos sítios de ligação46 •

312
Capítulo 25 .: Cirurgia no paciente em uso de drogas

••
A vantagem de utilizar duas soluções separadas, uma rnicina 1• Esse efeito pode ser potencializado pelo uso
para glicose e outra para insulina, é de poder mudar a concomitante de lidocaína e na presença de insuficiên-
relação glicose:insulina sem necessidade de co nfeccionar cia renal.
nova solução. A desvantagem é a possibilidade de infun-
dir a solução com insulina mais rápido do que a com gü-
Naturais/Alternativas
cose, com risco de hipoglicernia grave. Po r isto, elas só
devem ser infundidas durante a operação, com vigilância É cada vez maio r o número de pacientes que fazem
rigorosa do anestesiologista e sempre em bombas de uso regular de uma ou mais drogas ditas naturais ou alter-
infusão (velocidade constante das duas soluções). nativas, as ervas medicinais. Como são tidas como natu-
Como alternativa, pode-se administrar solução única rais, elas são consideradas seguras e consumidas sem
de glicose:in sulina 5:1 - glicose 5% (SOOmL), insulina necessidade de prescrição médica. E ntretanto, pouco se
regular (SU) e clo reto de potássio (1OmEq), na velocida- sabe sobre os mecanismos de ação, efeitos terapêuticos e
de inicial de 100mL/ h (1 U de insulina/ hora). Essa solu- interações medicamentosas de muitas delas.
ção é mais segura, pois o risco de hipoglicemia é menor. A incidência de uso de ervas medicinais em pacientes
Entretanto, para mudança na relação glicose:insulina é cirúrgicos varia entre 5% e 22% . Entre 38% e 70% dos
necessário confecção de nova solução. pacientes não relatam o uso aos médicos. Os motivos
O controle glicêrnico pós-operatório pode ser feito incluem: pacientes não consideram ervas como drogas,
com administração subcu tânea de insulina regular a cada pois muitas vezes o consumo não é para tratar nenhuma
seis horas de acordo com a glicemia, até que o paciente doença; pacientes não se sentem confortáveis em relatar
reinicie a alimentação e possa retornar o uso de hipogli- o uso aos médicos porque acreditam que estes não
cemiantes o rais ou insulina de longa ação. entenderiam ou teriam reações negativas; médicos não
perguntam sobre o uso de ervas medicinais2.1.
Estrógenos As ervas mais utilizadas são equinácea, gingko biloba,
alho, gin seng, cipó de São J oão, efedra, kava e valeriana.
Mulheres em uso de estrógenos para contracepção o u O s principais fatores de risco perioperatório relaciona-
reposição hormonal pós-menopausa têm maio r risco de dos com o uso de ervas medicinais são cardiovasculares,
ocorrência de eventos tro mboembólicos. Esse risco alteração na coagulação sangüínea e sedação.
aumenta no perioperatório, especialmente em operações As ervas com efeitos cardiovasculares mais proemi-
ortopédicas dos membros inferiores e operações para nentes incluem efedra, ginseng e alho. E fedra tem po ten-
tratamento de neoplasias malignas. te efeito simpatico rnimético e pode causar hipertensão
Ainda não se sabe qual é o período de tempo ideal arterial e taquicardia. G inseng aumenta, enquanto alho
para se interromper o uso de estrógenos no pré-operató- diminui (temporariamente) a pressão arterial.
rio de operações eletivas. Alguns autores reco mendam Diversas ervas interferem com a coagulação sangüí-
interrupção por quatro semanas antes de operações de nea. Alho, dong quai, ginseng, ginger e danshen intera-
alto risco tromboembólico e reinício no pós-operatório gem com warfarin. Alho, ginseng, gingko biloba e ginger
quando o risco de tromboembolismo for menor (deam- inibem a agregação plaquetária e podem ser causa de san-
bulação livre). D eve-se lembrar a paciente de utilizar gramento per e pós-operatório2.s.34 •
outros métodos comracept.ivos nc::ssc:: pc::ríodo. Kava, valeriana e cipó de São J oão têm efeito sedati-
vo e podem potenciar e/ou prolongar sedação associada
Antimicrobianos com anestésicos. E quinácea tem efeito imunossupressor
e, teo ricamente, pode interferir com a cicatrização.
Os aminoglicosídeos (gentamicina, amicacina) são Ginseng tem efeito hipoglicemiante.
utilizados para antibioticoprofllaxia de diversos proce- Até o presente, os efeitos das ervas medicinais não são
dimentos cirúrgicos. E les podem prolo nga r o e feito completamente conhecidos e não se sabe qual a repercus-
dos bloqueadores neuromusculares (efeito aditivo). são sobre o período perioperatório. Portanto, a recomen-
Pode ocorrer reação semelhante, embora menos inten- dação é de interromper o uso de ervas medicinais por pelo
sa, com polimixina, tetraciclina, linco micina e clinda- menos duas semanas antes de operações eletivas2.S.

313

••
Fundamentos e m Clínica Cirúrgica

Conclusão 4 • Scho u J\1, Hippus H . G uidelines for patients receiving lithium


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315
26
CIRURGIA NO
PACIENTE
ALCOOLISTA
..

---------------------------------------------------------------------
Henrique O swaldo da Gama Torres

Introdução de do problema e das prováveis diversas interfaces do


alcoolismo com vários aspectos da cünica cirúrgica 1•
O consumo excessivo de álcool por pacientes que vão a questão dos acidentes, especificamente, dados do
ser submetidos a procedimentos cirúrgicos deve ser sempre I nstituto de Pesquisa Econômica Aplicada (l PEA) sobre
objeto de atenção dos médicos, seja em virtude da dificulda- os custos dos acidentes de trânsito no Brasil mostram,
de de seu diagnóstico, seja pelas suas importantes implica- em resultados preliminares, que 53% do total dos pacien-
ções nos desfechos cirúrgicos e no manejo pós-operatório. tes atendidos por acidentes de trânsito no Ambulatório
A literatura está repleta de dados epidemiológicos que de Emergência do H ospital das Clínicas de São Paulo, em
demo nstram a importância do consumo etílico em situa- período determinado, estavam com índices de alcoolemia
ções de urgência e relacionam o consumo excessivo de em seus exames de sangue superiores aos permitidos pelo
álcool com piora dos desfechos. Código de Trânsito Brasileiro, sendo a maioria pacientes
egundo o D ATASUS, no ano de 2001, ocorreram no do sexo masculino, com idades entre 15 e 29 anos. A
Brasil 84.467 internações para o tratamento de problemas mortalidade chega a 30 mil óbitos/ano, cerca de 28% das
relacionados ao uso do álcool. No mesmo período, mortes por todas as causas externas. Das análises em víti-
fo ram emitidas 121.901 AIHs (A uto rizações de mas fatais do IML/ SP, elevações significativas do nivel
I nternação Hospitalar) para internações relacionadas ao de alcoolemia encontrado chegam a 96,8%. Segundo
dados prelimi nares deste mesmo estudo, a despesa do
alcoolismo. A média de permanência hospitalar foi de
SUS com estes agravos consome recursos substanciais do
27,3 dias e o custo anua) para o SUS, somente com as
tesouro nacional e do segu ro obrigatório de danos pes-
internações, foi de mais de 60 milhões de reais. Estes
soais po r veículos automotores terrestres (DPV AT) com
números não incluem os gastos com tratamentos ambu-
internações e tratamentos 1 •
latoriais, internações e outras fo rmas de tratamento de
A relação entre o uso do álcool, outras drogas e os
doenças indiretamente provocadas pelo consumo do
eventos acidentais ou situações de violência é proporcio-
álcool, como aquelas que ati ngem os aparelhos digestivo nal ao aumento na gravidade das lesões e à diminuição
e cardiovascu)ar, câncer (principalmente hepático, de dos anos potenciais de vida da população, expondo as
esôfago e de mama), deficiências nutricionais, doenças do pessoas a compor tamen tos de risco. Acidentes e violên-
feto e recém-nascidos de mãe alcoolista, as doenças neu- cia representam a segunda causa de mortalidade geral no
rológicas e o agravamento de outras doenças psiquiátri- Brasil, sendo a primeira causa de óbitos entre pessoas de
cas provocadas pelo álcool, assim como os agravos dez a 49 anos de idade. Esse perfil se mantém nas séries
decorrentes de acidentes ou violência. Entretanto, são histó ricas do sistema de mortalidade do Ministério da
capazes de fornecer uma dimensão razoável da magnitu- Saúde, nos últimos oito anos 1•
317
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
D ados da América do o rte e da Europa ão també m Classificação
clogüemes. Um em cada cinco pacientes ad mitidos em
ho pi taJ geraJ apresenta con umo excessivo de álcooF.J. As conceituações elo uso excessivo de álcool definem
O ri sco de dar entrada em hospital aume nta com o con- situações heterogên ea s c freqüentem ente difíceis de
serem separadas umas das o utras. I ncluem os casos mais
sum o etíli co 1• Entre 1982 e 1988, o álcool foi um fator
g raves, tais com o aque les d e dependê nc ia c os casos
em 53% das 360.000 mortes e m estrad as nos Estados
m enos g raves de consumo pesaJu, J e risco, ou noc ivo .
U nid os. Em 1987, os acide ntes automobilísticos relacio-
As situações mais graYes e evidentes são no rmalme nte
nados com uso de álcool foram responsáveis po r 57%
mais fáceis de se detectar e suas implicações para a saúde
elos anos d e vida po te ncial perdidos e m traumas rodoviá-
OU SCUS eYCntu::\ÍS rÍSCOS em canrudatOS a procedimentOS
rios c, durante aquele ano, o trauma fo i respo nsável por
cirú rgicos são bem definidos. Estes encontram -se relacio-
socy.) d os m ais d e 1 ,5 milhões de anos d e vi da potencia l
nad os principalmente ao acometimento de sistem as oq.,râ-
p erdidos po r causas re lacio nadas ao álcool'.
nicos pelo consumo crônico do álcool ou ao ad vento da
I pacie ntes s ubmetidos a o pe ração do tra to diges-
sínclrome de abstinê ncia no período pós-o peratório.
tivo ou após trauma, a incidê ncia d e consumo excessivo As classificações contidas no (Oitw1oslic and
de álcool alcança o u excede a 50%'-'-''. Em pacie ntes com Slalislim/ A/anual oJ Jlfenlaf Disorders d a ' ociecladc
ca rcinoma do trato d igestivo proximal, a prevalê ncia de t\merica na de Psiqu iatria- t\Pt\) e no C ID- lO (Código
alcooljsmo crô ruco excede 50% . A mortalicladc registra- Intcrnacional elas D oenças) são razoáveis para o diag nós-
da em uma unidade de te ra pia intensiva alcançou 50% ti co da dependência c elos níveis m ais graves de con su-
em alcooustas crônicos co ntra 26% e m n ão-a lcoolistas 7 • m o , mas sua capacidade pa ra o diag nóstico elas formas
Quando comparados a não-alcoolistas, pacientes que m enos g raves, classificadas como con sumo pesado, d e
abusavam de álcool, admitidos em uma unidade de tera- risco o u nocivo, é m e no r. as situações c irúrg icas, cerca
pia intensiva após trauma, ap resentaram maior incidência de 50% dos beb ed o res não se encontram no d os
de p neumonia, complicações ca rd íacas c desordens dependentes, tornando, po rtanto, limi tado o alcance
hemo rrágicas, e a mediana da permanência na urudade daqueles sistemas de classificação J.7 " ' 2 •
1
foi maior em n ove dias, a des peito elas semelhanças dos a faixas de consumo sem dep endênc ia, mas com
scores de gravidade TR I (Trau!Jia IJ!)my Se!'e!i!J• Score) c potencial de provocar danos, caracterizadas com consu-
AP ACHE (Amle PI!J•siology cmd Cbronic I lm/tb /:;!•alualion) mo pesado, de risco ou nocivo, podem estar presentes
à admissão;. A permanência pós-operatória em urudade pacientes assin tomáticos c sem repercussões imediata-
de terapia intensiva e m pacientes s ubmetidos a operação mente evidentes no campo psicossociaJ. O desafio do clí-
d e tumores do tratO digestivo proximal fo i sigru ficati va- nico e m atenção primária diz resp eito, em grande parte,
mente prolo ngada em alcoolistas, devido à incidência aos p acientes de te último hrrupo. O s médicos desempe-
mais elevada d e sep sc c pne um o ni a. nh am papel fundamental no reconhecimento dos proble-
mas relacionados ao co nsumo d e álcool, no início da
P ac ientes que abusa m de álcool podem te r aumen-
terapêutica, no aconselhamento das o pções terap êuticas
to d e duas a ci n co vezes na m o rbidaclc pós-operató-
dis po nivcis, no acomp anhamento da resposta e na pre-
ria '.t•. As complicações mais comuns são in fecções,
venção das recaídas. C randc pa rte dos pacie ntes que
insuficiência ca rdíaca c respirató ria, e pi sódios d e san-
se rão s ubmetidos a procedim entos ci rúrgicos já te rão
gramenm e síndro m c Jc "·.
tido acesso a alg um tipo de rastreamento em ate nção pri-
Po r tudo isso, fi ca ev ide nte a necessidade d e se bus-
m ári a. Por o u tro lado, a responsabi lidade do cirurgião
car diagnosticar o co nsumo excessivo de álcool no
como participan te de uma equipe d e saúde não se res u-
período pré-op e ra tó ri o, qu ando possíve l, e m es mo em
m e ao ato o pe ratório c à prevenção de suas complica-
situações de urgência, quando a lguma s medidas p odem ções. O pe ríodo que vai desde a indicação cirúrg ica até à
se r tomadas, por exemplo em relação à condu ta an es- alta hospitala r con stitui excelente o p o rtunidade para que
tésica e à profilaxia c tratamento da síndrom e de absti- pro blemas de saúde venham à ton a c possam ser abo rda-
nência. L::xistem evidê nc ias n a lite ratura de que a ab sti - dos adequadamente pelos médicos e e q ujpes de saúde.
nência pré-ope ratóri a, quando possível, p o d e me lho rar De qualquer forma, estudos recentes tê m evide nc iado a
os dcs fechos pós-o pc rató ri os"·R·'' . importância ela detecção do consumo crôruco d e álcool e m

318
Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

••
indivíduos assi ntomáticos no período pré-operatório, pois, Uma definição, por exemplo estabelece consumo mode-
a partir de determinado limiar, mesmo na ausência de rado como até 28 doses por semana, sem sessões de con-
alterações orgânicas e psicossociais evidentes, podem ocor- sumo pesado (mais oito doses) 13 • O consumo de risco,
rer desfechos adversos no período pós-operatório 1·3.6·8•9 • reconhecido pela OMS como uma desordem djstinta,
Os esquemas de classificação diagnóstica podem ser definida a parti r da presença de risco para conseqüências
usados pelos clinicas para estratificar os pacientes com res- adversas do álcool, tem sido definido por alguns autores
peito à gravidade, prognóstico e regimes de tratamento. também a partir de um limiar de consumo mais elevado
Entretanto, devemos ficar atentos para as variações das (21 doses por semana ou pelo menos três sessões sema-
classificações quanto aos níveis de consumo e para a con- nais de mais de sete doses). Para todos os efeitos, como
fusão e sobreposição das terminologias. r o Quadro 26.1 as defini ções de consumo pesado c consumo de risco
encontram-se algumas das classificações mais conhecidas. podem basear-se em patamares ele consumo, estes auto-
Outras classificações podem ser encontradas, de cará- res as consideram conjuntamente, usando os patamares
ter complementar ou, às vezes, ligeiramente divergentes. mais elevados (21 doses por semanay• 5.

Quadro 26. 1 .: Classificação das desordens relacionadas ao consumo de álcool


-----------------------------------------------------------------------------------------------------------··•
Categoria Organismo Definição
Consumo moderado N LAAA <2 doses/ dia (homens);
< 1 dose/ dia (mulheres e homens >65 anos)
> 14 doses/semana ou > 4 doses/ocasião
Q10mcns);
Consumo pesado N IAAA
>7 doses/semana ou >3 doses/ocasião
(mulheres c homens >65 anos)
Consumo de risco OMS Em risco para conseqüências adversas do álcool
Consumo nocivo Ot-1 (CID lO FlO· I) Alcool está causando dano flsico ou psicológico

Ocorrência de um ou mais dos seguintes even-


tos em um ano: uso recorrente resultando em
falha no cumprimento de obri1,>ações importan-
tes; uso recorrente em situações de risco; pro-
Abuso APA
blemas legais recorrentes relacionados ao álcool
(dirigir sub influência do álcool p. ex.); uso con-
tinuo, a despeito de problemas interpcssoais ou

' sociais causados ou exacerbados pelo álcool


Ocorrência de três o u mais dos seguintes even-
tos em um ano: tolerância; aumentO da <JUanti-
dade para conseguir efeito; meno r efeito com a
mesma <JUantidadc; sintomas de abstinência;
elc,•ado dispêndio de tempo para obter bebida,
para seu uso ou para recuperar de seus efeitos;
Dependência APA (= C ID l O FI0-2) abandono ou diminuição de ati,·idadcs impor-
tantes por causa da bebida; beber mais ou por
mais tempo <JUe o dese jado; desejo persistente
ou es forços infrutíferos para rcdu%ir ou suspen-
tlcr o cunsutn o; consumo condnuo, apesar do
conhecimento de problema psicológico causa-
do ou exarcebado pelo álcool

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
N IJv\A ,\'oltonallnslitNft ow. 1/roiJo/ AbNse and / llroholism (EUt\)
APA: Alll't'nrm1 l'17thtalnr •• IJJixiahon (EC A)
I dose (dose de desúlado de :!: 30ml; • I la<a de cerveJa; • I copo de \'tnh<>) = 12 g de álcool

319
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

"'
••
Embora o risco cirúrgico em pacientes que conso- Efeitos metabólicos
mem álcool possa não apresentar correlação düeta com
Cada grama de álcool fornece 7,1 kcal, valor que exce-
estes esquemas de classificação, eles podem chamar a
de o conteúdo energético de carboidratos e proteínas. Em
atenção para patamares de consumo em que o risco
alguns alcoolistas, este valor pode ser responsável pela
pré-operatório esteja efetivamente aumentado. T em
metade ou mais da ingestão calórica, ocupando o lugar de
sido de forma concl usiva, que pacientes
nutrientes adequados e provocando desnutrição, inclwn-
assintomáticos com consumo diário de mai s de 60g de do deficiência de tiamina, folato e outras vitamjnas.
álcool (ci nco doses), por vários meses ou anos, encon- O utras causas de desnutrição podem estar relacionadas a
tram-se em risco de apresentarem major incidência de complicações gastrointestinais (hepática e pancreática) e à
complicações pós-operatórias não relacionadas a hepa- degradação de nutrientes, como no caso da vitamina A.
topatia. Tanto em estudos retrospectivos quanto pros- Apesar do elevado valor calórico do etano), o consu-
pectivos, as complicações majs encontradas foram mo prolongado de 2.000 calorias alcoólicas ao dia não
infecciosas, seguidas por desordens da coagulação e produz o ganho de peso esperado, provavelmente por-
insuficiência cardio rrespiratória com necessidade de que a produção energética derivada da oxidação lipídica
tratamento .em terapia intensiva. Cerca de metade das po r mi tocôndrias danificadas é deficiente e devido à
complicações consistiram de infecção do sítio cirúrgi- impossibilidade de conservação de energia química por
co, hematomas e deiscência de sutura, requerendo vias microssomais que oxidam o á1coolu 8•
intervenção te rapêuticaJ.M.9' 16 ' 17 • O consumo de 60g/dia A oxjdação do álcool via desidrogenase alcoólica pro-
(420g/semana, equivalente a 35 doses/semana) coloca duz acetaldeíclo, por sua vez convertido a acetato. Ambas
os pacientes, quando assi nto máticos, na fa ixa de con- as reações reduzem o NAD a ' ADH. O excesso desse
sumo pesado/ de risco. Tornam-se necessá rios, portan- último desencadeia uma série ele distúrbios metabólicos,
to, instrumentos para diagnosticar pacientes nesta fa ixa que incluem excesso de ácido lático c hiperuricemia. Além
de consumo c quantificar a ingestão etilica. disso, o excesso de ADH se opõe à gliconeogênese, favo-
recendo a rupoglicemia, eleva os níveis de glicerofosfato e
O diagnóstico pré-operatório do consumo de álcool
irube a oxjdação dos lipídios no ciclo de Krebs, o que, por
pode reduzir a morbimortalidade relacionada à síndro-
sua vez, favorece a esteatose e a ruperlipidemia1•18•
me de abstinência alcoólica por meio de medidas pro-
O acetaldeído possw propriedades tóxjcas. Irube o
filáticas e terapêuticas c, nos casos mais graves, reduzir
reparo de nucleoproteínas alqwladas, diminw a atividade
as complicações por meio do controle pré-o peratório
de enzimas importantes nos ciclos metabólicos e climinw o
das disfunções o rgâ nicas relacionadas ao eti lismo.
consumo de oxigêruo pelas mitocôndrias danificadas.
Promove ainda a morte celular por mdo da diminwção dos
níveis celulares de glutationa reduzida, da peroxjdação dos
Efeitos do álcool que podem afetar
lipídios e do aumento de efeito tóxico de radicais livres 1•1H.
o prognóstico cirúrgico O consumo crôruco do etanol produz indução do sis-
tema microssomal via aumento do citocromo P4502E 1,
O aumento da morbidadc pós-operatória no grupo de
que, além de responsável pela tolerância metabólica ao
pacientes que consome quantidades elevadas de álcool,
etanol e pelo aumento do metabolismo de vários medica-
indc.:pcmkmememe da presença de sintomas relaciona-
mentos, relaciona-se ao aumento importante da capaci-
do ao alcoolismo ou de evidências de dependência, tem
dade de conversão de muitas substâncias exógenas em
importantes conseqüências orgârucas, psicológicas e eco-
metabólicos altamente tóxicos, incluindo solventes
nômicas. f\ ordem de magnitude envolvida é semelhante industriais, agentes anestésicos (como o enflurano e o
àquela dos fatores de risco majs comuns implicados no metoxiflurano) e medicamentos de uso comum (isoruazi-
aumento da morbidade operatória. E n tretanto, o abuso da, fenilbutazona e
de álcool não é incluído nas avaliações de risco pré-ope- Já o consumo agudo inibe o metabolismo de drogas
ratório mais comumente utilizadas. Urge, portanto, que pelo fígado devido à competição pelo citocromo
se passe a fazê-lo. Os principais efeitos e complicações P4502E1. O consumo concomitante de álcool e drogas
serão discutidos. como tranqililizantes, barbi túricos e opióides pode elevar

320
Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

••
perigosamente seus niveis. Assim, o efeito global do uso alterados em pacientes submetidos a operações de maior
simultâneo de drogas diversas c álcool é difícil de se porte, alcoolistas ou não, em pacientes nas faixas de con-
determinar. Provavelmente, este efeito vai variar com as sumo elevado de álcool, eles já estão alterados no perío-
quantidades utilizadas, a afinidade relativa do álcool e da do pré-operatório. Comparativamente aos pacientes abs-
droga em questão com o processo de detoxificação pelo tinentes o u de bai.x o consumo, a resposta torna-se mais
sistema microssomal e a gravidade da lesão hepática sub- reduzida ainda no pós-operatório 19.20.
jacente. Tais variáveis certamente estarão envolvidas na H á demonstrações, tanto experimentais quanto em
avaliação do paciente que consome álcool e é submetido seres humanos, de que as respostas imun ológicas mediadas
a anestesia para realizar procedimentos cirúrgicos, princi- por células e reguladas por linfócitos T helper(fh) do tipo 1
palmente nas emergências 1•18 • estão comprometidas, provavel mente relacionadas a dese-
Importa também ass inalar que a ind ução do cito- quilíbrio entre os Thl e os Th2, com redução da relação
cromo P4502E 1 é fator contributivo para a ativação de Th1 / Th2. Assim como ocorre com os testes cutâneos de
substâncias carcinogênicas, aumentando, por exemplo hipersensibilidade tardia, esta relação altera-se normalmen-
a mu tagenicidade de produtos de ri vados do tabaco. O te no período pós-operatório em todos os pacientes sub-
abuso de álcool relaciona-se ao aumento na incidência metidos a procedimentos cirúrgicos de maior porte, mas
de câncer do trato digestivo, respiratório e, possivel- ela já se encontra alterada em pacientes etilistas crônicos
mente, de mama 1' 18 • antes da operação, acentuando-se no pós-operatório 19 •
Em relação aos linfócitos T citotóxicos (fc), a relação
Tc1/ Tc2 encontra-se red uzida em alcoolistas, permane-
lmunossupressão
cendo significativamente reduzida no período pós-ope-
A literatura já contém vá rias evidências de que a inci- ratório, ao contrário do que ocorre com os abs tinen-
dência de complicações infecciosas após operações é tes/consumido res moderados de álcool, em quem a rela-
maior em pacientes que abusam de álcool. T ambém é ção Tc1 / T c2 aumenta duran te a operação, permanecen-
mais elevada a incidência de complicações e o tempo de do elevada no pós-operatório 19 •
permanência em unidade de terapia intensiva em alcoo- As alterações dos linfócitos encontram paralelismo em
listas que sofreram politrauma. alterações das citocinas. A relação entre o interferon (IFN)
Como já assinalado, pacientes que consomem mais de tipo gama e a interleucina (IL10) em células de sangue total
60g de álcool por dia têm risco de complicações pós-ope- estimuladas por lipopolissacárides em pacientes nas faixas
ratórias três a quatro vezes maior do que aqueles que elevadas de consumo etílico encontra-se reduzida durante
consomem quantidades in feriores a este patamar. a operação, pem1anecendo assim até o quinto dia pós-ope-
Estudos aleatórios já demonstraram que a interrupção do ratório. Trata-se exatamente de citocinas relacionadas aos
consumo etílico por um mês nestes pacientes reduz a linfócitos T belpere linfócitos T citotóxicos 19 •
incidência de complicações pós-operatórias ' 5 •6•8•9·12 . Foi demonstrada a elevação da ILl plasmática em
As complicações infecciosas, atribuidas à imLmossu- alcoolistas no pré-operatório, com redução significati va
pressão dos alcoolistas, parecem constituir o principal após a operação, e aumento da IL1 0 du rante a mesma em
tipo de complicação pós-operatória neste grupo de alcoolistas, mantendo-se a elevação até o quinto d ia.
pacientes. Infecções urinárias, traqueobronquites e pneu- Concentrações significativamente reduzidas das citocinas
monia encontram-se entre as infecções mais freq üentes. pró-inflamatórias fator de necrose tumoral (F T) tipo
A incidência aumentada de pneumonia já foi documenta- alfa, IL1 tipo beta, IL6 e IL8 foram encontradas na fase
da em diversos estudos sobre alcoolistas em unidades de inicial do choque séptico em pacientes com história de
trauma, afetando o tempo de permanência em ventilação abuso de álcool:z,:'.
mecânica e na unidade de terapia intensiva. O tabagismo
e a sindrome de abstinência alcoólica tratada com seda-
Efeitos cardiovasculares do álcool
ção constituem importantes fatores contributivos.
Pacientes que consomem álcool sistematicamente, Embora o consumo leve a moderado de álcool
em doses elevadas, são imunossuprimidos. Embora os (menos de 20g ou duas doses/ dia) possa exercer efeito
testes cutâneos de hipersensibilidade tardia encontrem-se protetor para a morbimo rtalidade da doença coronaria-

321
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
na, o consumo crônico excessivo de álcool pode es tar alcoolistas que estejam alcoolizados, potencializando
associado a insuficiência cardíaca congestiva, hiperten- o e feito depressor d o miocárdio de determinadas
são, arritmia e morte súbita. É considerado a maior causa drogas anestésicas2 ' .
de miocardiopatia dilatada secundária no mundo ociden- D epressão miocárdica pode ser produzida em pacien-
ta14·2'. Alcoolistas apresentam até cinco vezes mais com- tes não-alcoolistas, mesmo com quantidades de álcool
plicações cardiacas no período pós-operatório q ue absti- consideradas como consumo social. Os efeitos hemodi-
nentes ou consumidores leves8 • nâmicos agudos do álcool parecem depender dos níveis
A miocardiopatia alcoólica ocorre em pacientes entre séricos, já que os mesmos podem ser revertidos após 15
30 e 55 anos de idade, que tenham sid o consumidores pesa- a 30 minutos ele hemodiálise. Consumo crônico prévio
dos por pelo menos dez anos. Embora a miocardiopatia parece modular a resposta à exposição aguda ao álcool.
alcoólica seja observada em alcoolistas em situação social Indivíduos alcoolistas, sem aparente disfunção miocárdi-
de intensa degradação, possível ou comprovadamente aco- ca, necessitam ele maiores doses que indivíduos abstinen-
metidos por cirrose alcoólica, muitos de seus portadores tes ou consumido res leves para que a disfunção miocár-
são de extrato socioeconômico elevado, bem nutridos e dica seja observada. Já os alcoolistas com disfunção mio-
sem complicações orgânicas do alcoolismo, como hepato- cárdica necessitam de quantidades menores para que o
patia e neuropatia periférica, ensejando a necessidade de efeito hemodinâm ico seja observad o>'.
elevado nível d e suspeita clinica para se definir a etiologia Em situações ele urgência, quando os pacientes atendi-
alcoólica da cardiopatia21 • dos forem alcoolistas desnu tridos, deve-se estar atento
Alterações mais discretas podem ser encontradas, tais para o risco do beribéri cardiaco. Clinicamente, trata-se ele
como dano miocárdico subclinico e arritmia, na ausência insuficiência cardiaca com débito elevado, com falência bi-
de insuficiência cardiaca franca. Como resultado do efeito ventricular e vasodilatação cutânea nas fases iniciais. É
tóxico direto do álcool sobre a ultra-estrutura e função da d ecorrente da deficiência de tiamina, que pode ser precipi-
mitocôndria, alterações do acoplamento eletromecânico tada pelo uso de soluções intravenosas com glicose. São de
com disfunção da contrariEdade podem ocorrer antes d a particular ajuda no diagnóstico a existência concomitante
dilatação. Cerca de um terço dos pacientes que abusam do de sinais de deficiências vitaminicas do complexo B (glos-
álcool apresentam evidência de miocardiopatia pré-clinica, site dolorosa, lesões cutâneas hiperceratóticas, anemia
com alterações da fração d e ejeçãd. Estas alterações subdí- macrocítica), alterações neurológicas (parestesias, hiporre-
nicas podem predispor a complicações cardiacas pós-ope- flexia, alterações cognitivas) e a presença ele acidose meta-
ratórias, tais como insuficiência cardiaca e arritrnia8• bólica21. I a dúvida, o uso de tiamina intravenosa antes de
A avaliação cardiovascular pré-operatória em pacientes procedimento cirúrgico de urgência e sua manutenção no
que se encontram nas faixas mais elevadas de consumo de pós-operatório, em pacientes com as características enu-
etano! é obrigatória, com atenção especial para a função meradas, pod e evitar o risco de desenvolvimento do qua-
miocárdica. E ntre os pacientes assintomáticos, esta disfun- dro. A tiamina poderá também evitar as complicações
ção pode ser reversível após um mês d e abstin ência. A mio- neurológicas da síndromc de Wcrn.icke-Korsakoff.
cardiopatia alcoólica sintomática pode melhorar em cerca Oitenta por cento dos pacientes com síndrome de
de metade dos pacientes após período de abstinência de Wernicke-Korsakoff têm neuropatia periférica. Portanto,
três a seis meses, quando também d everão fazer uso dos a presença de neuropatia já é indicador importante da
tratamentos padrão para a insuficiência cardíaca (inibidores necessidade de uso de tiamina.
da enzima de conversão da angiotensina, diuréticos, even- A profilaxia da sindrome de abstinência pós-operató-
tualmente digitálicos e betabloqueadores específicost ria poderá evitar também o desenvolvimento de quadros
Quando possível, operações eletivas d everão ser adiadas cardiovasculares mais graves, relacionados ao estado d e
até que haja condições clinicas adequadas. grande ativação adrenérgica, característico da síndrome.
Em situações de urgência, o anes tesista deve levar A hipocalemia presente no período pós-operatório,
em conta a possi bilidade d e alteração da função miocár- q uando há aumento do tônus adrenérgico, pode acen-
dica prévia nos pacientes suspeitos de alcoolismo crôni- tuar-se caso ocorra síndrome d e abstinênciaH.
co. D evem também atentar para os efeitos depressores A hipoxemia foi observada em 18% dos alcoolistas
do álcool sobre o miocárdio, mesmo em pacientes não- crônicos, submetidos a operações d e grande porte na

322
Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcool ista

••
segunda noite de pós-operatório. A associação de hipo- contribui para o diagnóstico da etiologia alcoólica da
calemia e hipoxemia pode reduzir o limiar arri tmogênico hepatopatia ou para a concomitância de consumo de
nos alcoolistas que já apresentam freqüência aumentada álcool com hepatopatia de outra etiologia"'.
de arritmias, independentemente de serem ou não sub- A defmição diagnóstica da etiologia alcoólica é impor-
metidos a procedimen tos cirúrgicos3 • tante, pois a abstinência alcoólica pode fazer regredir o qua-
dro clínico da esteatose e da hepatite, além de modificar
favoravelmente os desfechos pós-operatórios.
Hepatopatia
As formas leves de esteatose, aparentemente não afetam
O dano hepático relacionado ao uso croruco do per si os desfechos cirúrgicos. Entretanto, são indicativas de
álcool tem sido classificado classicamente como esteato- consumo elevado de álcool, que pode, pelas alterações imu-
se hepática, hepatite alcoólica e cirrose. Com freqüência, nológicas e cardiovasculares já enumeradas, afetá-los.
a diferenciação é problemática, pois os diversos estágios A hepatite alcoólica pode evoluir de forma pouco sin-
podem estar presentes simultaneamente no mesmo indi- tomática, clinicamente semelhante à esteatose, ou de forma
víduo. A expressão esteato-hepatite é usada para designar mais grave, quando apresenta, além das alterações labora-
aquelas situações em que convivem esteatose e in flama- toriais já descritas, alterações da coagulação, icterícia,
ção, sendo os sinais de inflamação que definem o critério hipoalbuminemia e até coma hepático, com elevada morta-
histológico de hepatite22• úmero não-desprezível de lidade. Embora boa parte da literatura já não descreva a
alcoolistas com dano hepático cursam com hepatite crô- esteatose c a hepatite separadamente, muitos clínicos utili-
nica, histologicamente indistinguível de hepatite crônica zam o termo hepatite para designar as formas mais graves.
de etiologia vira!, sendo que parte significativa dos Pacientes com hepatite alcoólica definida, sempre que
pacientes com formas graves de hepatopatia alcoólica possível, devem aguardar a melhora do quadro clínico e
são portadores de marcadores do vírus da hepatite B. manter abstinência por períodos prolongados, antes de
úmero também significativo de alcoolistas, em algumas serem submetidos a procedimentos cirúrgicos de maior
séries, são infectados com o vírus C, sendo que alcoolis- porte. E mbora nunca se tenha comprovado papel direto
tas com hepatopatia crônica apresentam prevalência da desnutrição na lesão hepática do álcool, há forte asso-
ainda mais elevada de hepatite pelo vírus C22• ciação entre hepatopatia alcoólica e desnutrição. As prová-
Etiologia alcoólica deve ser fortemente suspeitada em veis causas incluem os efeitos já aludidos do etano! no
pacien tes com hepatopatia que ingerem mais de 80g de metabolismo energético, a redução da ingestão oral, a
álcool por dia, sendo bastante provável com doses supe- redução da capacidade sintética hepática e, provavelmen-
riores a 60gldia, por muitos anos. Pacientes do sexo femi- te, o estado inflamatório sistêmico23 • A mortalidade em
nino são mais sensíveis e podem apresentar dano hepático seis meses de pacientes gravemente desnutridos com
com doses bem mais baixas, entre 20gldia e 40gldia. hepatite alcoólica pode ser substancial e significativamen-
A esteatose e a esteato-hepatite podem ser assintomá- te maior do que a de pacientes desnutridos leves, e os
ticas ou cursar com leve desconforto na região do hipo- pacientes que conseguem recuperar parcialmente seu esta-
côndrio direito, acompanhadas ou não por hepatomega- do nutricional podem ter melhores desfechos clínicos23 •
lia de tamanho variável. D o ponto de vista laboratorial, Como a desnutrição grave é isoladamente fator de piora
os níveis de aminotransferases encontram-se normais ou de desfechos cirúrgicos, a idéia de se promover repleção
discretamente elevados, em geral até quatro vezes"'. nutricional neste grupo de pacientes que necessitem de
Elevações superiores a dez vezes são incomuns e devem eventual operação é lógica. E ntretanto, a oferta de terapia
to rnar mais cuídadosa a definição da etiologia alcoólica nutricional, enteral ou parenteral, não parece ter efeito sig-
para o insulto hepático. Alterações das bil.irrubinas, ativi- nificativo nos desfechos cl.ínicos adversos. A recuperação
dade de protrombina e albumina sérica são incomuns. A nutricional parece fazer parte da recuperação global do
gama-glutamiJ-transpeptidase encontra-se normalmente paciente com hepatite alcoólica, envolvendo melhora do
aumentada. Os níveis de aspartato-aminotransferase anabolismo e do apetite e não sendo responsável, isolada-
(AST) costumam estar até duas vezes mais elevados que mente, pela melhoria dos desfechos clínicos. É provável
os de alanino-aminotransferase (ALT). Esta alteração da também que, além do estado nutricional, fatores relaciona-
relação ALT / AST, atribuída à deficiência de piridoxina, dos aos diversos outros sistemas orgânicos estejam envol-

323
•• •
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

vidos na piora do prognóstico cirúrgico dos pacientes com Quadro 26.2 .: Classificação de Child-Pugh
hepatopatia alcoólica. D essa forma, a nutrição artificial ----------------------------------------------··
Pontos* •
encontra-se inclicada na hepatite alcoólica em situações em
2 3
que a ingestão oral encontra-se abaixo das necessidades dos
pacientes. A restrição protéica é contra-inclicada, a não ser Albumina > 3,5g/dL 2,8 - 3,5g/dL < 2,8g/dL
q uando há encefalopatia hepática22 • Tempo de protrom-
Na cirrose alcoólica, os desfechos pós-operatórios bina prolongamento <4 4- 6 > 6
RNl < 1,7 1,7-2,3 > 2,3
dependem da função hepatocelular, bem como da inexis-
tência de hepatite alcoólica concomitante. As principais BilirrubinaS < 2mg/dL 2- 3mg/dL > 3mgldL
funções do fígado que afetam a capacidade orgânica de res-
As cite Ausente Leve- Acentuada
ponder à agressão da anestesia e do proceclimento cirúrgi-
moderada
co incluem metabolismo, detoxificação e excreção de com -
Encefalopatia Ausente Grau I -li Grau lll -IV
ponentes endógenos, drogas e toxinas, síntese de proteínas
plasmáticas, glicose e fatores de coagulação. As hepatopa- •••
tias crônicas podem afetar também outros sistemas orgâni- • classe A = 5 - 6 pontos, B = 7 - 9 e C = 10 - 15
§ para doenças colest.'i.ticas 1 pomo para bilirrubma < 4 mg/dL. 2 para bilirrubi·
cos fundamentais para o enfrentamento da agressão cirúr- na = 4 a lOmg/dL, 3 para bilirn•bina > lO mg/dL
gica, como o renal, o carcliovascuJar e o respiratório.
As alterações hemodinâmicas que acompanham a ope-
Atenção para as complicações não-hepáticas, a síndro-
ração parecem ser o fator fundamental que explica a sus-
me hepatopulmonar, a síndrome hepato-renal e o estado
ceptibilidade de pacientes com doença hepática avançada à
hiperdinâmico é particularmente requerida quando se con-
insuficiência hepática e à morte pós-operatórias. O fluxo
templa operar cirróticos. Entretanto, sua presença normal-
sangüíneo hepático total, especialmente na artéria hepática,
mente implica dano hepatocelular grave, com escore de
encontra-se reduzido durante a anestesia geral e a operação.
Child-Pugh elevado e alta mortalidade. Pacientes nestas
O impacto desta redução na oferta de oxigênio ao fígado é conclições devem ser considerados para transplante hepáti-
crítico e leva a redução dramática da já diminuída função co, antes de se submeterem a proceclimentos cirúrgicos de
hepatocelular restante. E ntre os anestésicos inalatórios, o grande porte, quando possível.
halotano demonstra a redução mais significativa do fluxo O transplante hepático em pacientes com hepatopatia
arterial hepático. Este se encontra bem preservado quando alcoólica tem gerado controvérsia, mas a maioria dos cen-
se usa o isofluorano, se a pressão arterial não se reduzir em tros aceita alcoolistas sob rigoroso critério de seleção. A
mais de 30%. Embora a cirrose atenue a responsividade a identificação do alcoolista em risco de recicliva no pós-
cliversos vasopressores, drogas alfa-adrenérgicas, como a transplante constitui grande desafio para as equipes trans-
fenilefrina, têm o potencial de reduzir o fluxo arterial hepá- plantadoras. Embora alguns afirmem que a abstinência
tico e deveriam, quando possível, ser evitadas2 4 • confirmada por seis meses antes do transplante seja capaz
As características mais comuns da doença hepática de predizer abstinência pós-transplante, o utros argumen-
avançada são a base para o sistema de classificação da gra- tam que a sobriedade somente pode ser prevista a partir de
vidade da hepatopatia de Child-Pugh (Quadro 26.2). A gra- uma combinação de fatores. Alcoolistas que se mantém
vidade de cada um d estes achados recebe uma graduação sóbrios no período pós-transplante obtêm sobrevida de até
de 1 a 3 e o escore pode ser somado até 15 pontos. A clas- 85% em cinco anos 22•
sificação original de Child-Turcotte se aplicava a pacientes
que iam se submeter à operação de hipertensão portal, mas
Alterações da coagulação
estudos subseqüentes mostraram sua aplicação em outros
proceclimentos intra-abdominais. Alterações da coagulação são mais freqüentes entre
Ínclices de mortalidade de 10%, 31 % e 78% já foram alcoolistas e as necessidades transfusionais são significa-
demonstrados para cirróticos submetidos a operação tivamente mais elevadas. Estas alterações resultam não
abdominal não relacionada à cirrose, e classificados como somente da hepatopatia, mas também de alterações indu-
A, B e C, respectivamente2...5 . zidas pelo álcool na função plaquetária e na fibrinólise.

324
Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

••
Pacientes alcoolistas apresentam contagem e volume drome. O resultado final relaciona-se ao aumento de ati-
plaguetário reduzidos. A trombopoiese encontra-se inibida vidade dos sistemas excitatórios e redução de atividade
no nivel da maturação dos megacariócitos. A agregação dos sistemas inibitórios. Os efeitos adrenérgicos decor-
plaquetária encontra-se reduzida em resposta a diversos rentes da liberação de noradrenalina são predominantes,
estímulos e o tempo de sangria pode estar aumentado. mas não explicam todo o cortejo de sintomas. A despei-
O consumo moderado de álcool reduz o nivel de to da manu tenção prolongada da abstinência, alterações
fibrinogênio. Esta alteração pode estar na gênese do efei- seletivas de alguns neurotransrnissores podem se manter,
to benéfico do álcool em doses baixas sobre a incidência como a redução da atividade da neurotransmissão do
das cardiopatias. O álcool aumenta a atividade fibrinoüti- GABA e da serotonina 18•
ca pelo aumento da liberação de ativadores e redução dos Estas alterações parecem estar na gênese de um fenô-
inibidores do plasminogênio. meno que ocorre em pacientes em uso prolongado e
Pacientes cirúrgicos que abusam de álcool apresen- contínuo de doses mais elevadas de álcool, que é uma
tam aumento do tempo de sangria antes, durante e após tendência a repetir crises de abstinência progressivamen-
a operação, a despeito da ativação da coagulação relacio- te mais graves após ocorrência de um primeiro episódio.
nada às operações. Esta alteração pode ser a responsável Es tes pacientes desenvolvem pensamentos obsessivos
pela incidência aumentada de sangramento em alcoolis- por álcool, associados ao desejo intenso e contínuo de
tas, mesmo não-hepatopatas, que se submetem a opera- seu uso. Por isso, é importante que o cirurgião esteja
ção3·6·8. O risco de complicações tromboembólicas pós- atento à história pregressa de síndrome de abstinência
operatórias parece não ser maior em pacientes que abu- quando se cogita realização do procedimento cirúrgico
sam de álcool do que em pacientes n ão-alcoolistas. eletivo, pois o risco de desenvolvimento de abstinência
Quando o consumo é interro mpido, a síntese de plaque- poderá ser maior em p acientes que já a tenham apresen-
tas e de tromboxane aumentam e a alteração do tempo tado anteriormente 18•26-7 •
de sangria tende a se normalizar a partir de uma semana, Já se estimou o risco de desenvolvimento de síndro-
mas as implicações deste fato são incertas para pacientes me de abstinência alcoólica em 8% dos pacientes admiti-
alcoolistas cirúrgicos3·6.8. dos em hospital geral28• Estudos já mostraram incidência
de 16% em pacientes no período pós-operatório, e 31%
em pacientes em unidades de trauma5•12•18 •
Síndrome de abstinência alcoólica
Se a síndrome de abstinência alcoólica já é grave por
D e maneira simplificada, a síndrome de abstinência si, com mortalidade de até 5% mesmo em casos tratados,
alcoólica é um estado de hiperexcitabilidade do sistema pacientes que desenvolvem essa síndr ome no período
nervoso central. Para fazer frente ao efeito depressor pós-operatório ou pós-trauma apresentam aumento do
sobre o sistema nervoso central do etano) em doses ele- tempo de internação em centro de tratamento inten sivo,
vadas, é desencadeado mecanismo adaptativo que envol- tempo de ventilação mecânica e incidência aumentada de
ve vários neurotransmissores, cujo efeito final é excitató- pneumonias. Os casos não diagnosticados p odem evo-
rio. Quando não há consumo de álcool, esta excitação luir de forma mais grave, necessitando também de doses
não encontra oposição e o resultado clinico é consubs- mais elevadas de sedativos, o que contribui para o maior
tanciado na síndrome de abstinência alcoólica 18 • tempo de ventilação mecânica.
O mecanismo mais aceito para explicar a adaptação A síndrome de abstinência alcoólica pode ser desen-
ao uso crônico do álcool é um aumento compensatório cadeada também em situações de estresse, como infec-
de resposta da via do AMP cíclico, cronicamente depri- ções, dor, traumas, além da operação. É provável que
mida pelo efeito do etanol. Ocorre então dependência essas situações desencadeiem desequiübrios adicionais
fisiológica do álcool e, na interrupção do seu uso, um nos neurotransmissores envolvidos na síndrome. A
pico de ati vidade na via do AMP cíclico. Vários neuro- melhor forma de prevenir o desenvolvimento dessa sín-
transmissores sofrem interferência desta via e têm papel drome no período pós-operatório é realizar o diagnósti-
provável na síndrome- glutamato, ácido gama-arninobu- co da dependência alcoólica no pré-operatório e promo-
tírico (GABA), dopamina, serotonina e endorfina - o ver a abstenção neste período. As estratégias p ara o diag-
que, em parte, explica a complexa fisioparologia da sín- nóstico do alcoolismo são discutidas a seguir. A história

325
••• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

e o exame físico estabelecem o diagnóstico da síndrome Diazepín.icos de ação mais prolongada co mo clordia-
de abstinência. Seus critérios diagnósticos encontram-se zep óxido e diazepam são habitual mente utilizados por
listados no Quadro 26.3. proporcionarem uma retirada mais suave. Em caso de
hepatopatia grave, os de ação curta como o oxazepan são
recomendáveis. As doses podem ser modificadas confor-
Quadro 26.3 .: Critérios diagnósticos para a síndrome de absti-
me as necessidades, sendo aumen tadas ou reduzidas con-
nência alcoólica
forme a resposta 25•26 •
---------------------------------------------------··•
A. Cessação (ou redução) do consumo de álcool que tenha sido pesado e
Quadro 26.4 .: Relação dos sintomas e cronologia na síndrom e de
prolongado
abstin ência alcoólica
B. Dois ou mais dos seguintes sinais e sintomas, que se desenvolvem em
perlodo de horas a ucos dias d is do critério A:
---------------------------------------------------··•
Momento do aparecimento
1. Hiperatividade auronômica (sudorese ou freqüência cardíaca > 100 Sintomas
após interr upção do álcool
bpm)
Sintomas menores de abtinência:
2. A LU11Cnto de tremores nas mãos insônia, tremores, ansiedade leve, 6 a 12 horas
3. Insônia desconforto gastrointestinal, dor
4. Náuseas ou vômitos de cabeça, diaforese, palpitações,
S. Alucinações ou ilusões rransitórias de caráter visual, tátil ou auditivo ano xi
Alucinações alcoólicas: alucinaçües 12 a 24 horas*
6. Agitação psicomorora
visuais, auditivas e táteis
7. Ansiedade
8. Convulsões tipo grande mal Convulsões da abstinência: convul- 24 a 48 horas**
C. Os sintomas no critério B causando comprometimento significativo sões tônico-clônicas generalizadas
na função ocupacional, social ou outra Deliliurn tmnens: alucinações (predo-
D. Os sintomas não devem ser decorrentes de outra condição médica e nlinantenlente visuais), desorienta- 48 a 72 horas***
não devem ser mais bem explicados por outra desordem mental ção, taquicardia, hipertensão, febre

.• .--------------------------------------------------- baixa, agitação e diaforese

··---------------------------------------------------
* rcsohridos
Sintomas normalmente e m 24 h .
.u Sintomas podem ser relatados mais cedo, a partir de dua s horas após imcrrup
ção do álcool. Outras causas devem ser aventadas se cnnvulsôcs são focais c se
Além da identificação dos sintomas de abstinência, o conv uJ sões ocorreram depois de 48h.
Fatores de ri sco de deliriunt lrefflens: doença ahruda intercorrente, história pré,·ia
exame físico e a propedêutica laboratorial devem levar em de dtliriu"' lrellltfiS c convulsões da síndromc de abstinência alcoólica, idosos, hepa -
conta complicações como arritmia, insuficiência cardíaca, ropatia, e sintomas mais graves ao início da síndrome de abstinência alcoó lica.

doença coronariana, sangramento gastrointestinal, infec-


Nos casos urgentes o u naqueles em que a operação
ções, hepatopatia, comprometimento do sistema nervoso
central e pancreatite. Distúrbios hidroeletroliticos como deve ser realizada sem guardar período adequado de abs-
hipocalernia, hipomagnesemia e hipofosfatemia são tenção, a profilaxia da síndrome de abstinência tem sido
comuns nessa síndrome e devem ser sempre diagnostica- recomendada 5•12"18•30·" . Questionário reali zado em 672
dos e tratados26•7 • A relação dos sintomas com a cronologia serviços de Cirurgia indicou que o tratamento proftlático
encontra-se descrita no Quadro 26.4. era realizado em 72% deles30 1•
A literarura recomenda a utilização de instrumentos O tratamento profiJático também tem como esteio os
para avaliação da gravidade, da monitorização clinica benzodiazepínicos. Clordiazepóx.ido, diazepam ou lora-
e da medicação 29 • zepam podem ser dados por via oral nas doses já comen-
Quando se faz a tentativa de se promover a abstenção tadas o u em doses parenterais equivalentes às orais.
e desintoxicação pré-operatória nos pacientes dependen- Para o tratamento da abstinência instalada, os benzo-
tes, a síndrome de abstinência alcoólica pode sobrevir. diazepín.icos são também as drogas de escolha. Serão
Neste caso, o tratamento pode ser realizado com benzodia- usados nas doses indicadas e titulados de acordo com as
zepínicos orais em caráter ambulatorial nos quadros mais necessidades. Além das especialidades farmacêuticas
leves26·7 • Os fármacos mais usados, com suas respectivas mencionadas, flunitrazepam por via intravenosa tem sido
doses, encontram-se expressos no Quadro 26.5. também recomendado30· 1•

326
•••
Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

A definição clara das doses de tratamento é clifícil, sa, podendo melhorar sintomas de abstinência leve a
principalmente nos casos em gue a síndrome de absti- moderada. Provavelmente não evita a evolução para de/i-
nência alcoólica se instala no período pós-operató rio ou rium tremens e não impede convulsões. O betabloqueador
em unidade de tratamento in tensivo. As doses podem ser propanolol pode ser usado em pacientes com doença coro-
aumentadas em até 100 vezes quando comparadas com nariana conhecida para reduzir a sobrecarga ao sistema car-
aquelas oferecidas a pacientes psiquiátricos que se inter- diovascular imposta pela síndrome de abstin ência alcoólica.
nam para desintoxicação. Dosagens de cliazepam de até Entretanto, seu uso rotineiro não é recomendado, pois
2.000mg/clia já foram utilizadas. A relutância em admi- pode mascarar a evolução para de/irium tremens, impedindo
nistrar estas doses excepcionalmente altas pode, com com isso a instituição da terapêutica adequada. O haloperi-
alguma freqüência, resultar em tratamento insuficiente dol é utilizado em caso de alucinações não-revertidas com
dessa síndrome 6 • o tratamento por diazepínicos26.n·10•31 •
As doses de benzodiazepínicos podem ser ministra- Anticonvulsivantes também podem ter papel adj u-
das em esquemas de horário definido ou por meio de vante. A carbamazebina, além do seu efeito específico,
regimes baseados na sintomatologia. Para este fim, utili- pode tratar com eficácia sintomas de abstinência leve a
zam-se escalas de pontuação da gravidade, a medicação é moderada. Estudos neste sentido também já fo ram reali-
ministrada quando o paciente atinge determinada pon- zados com o valproato26·27 •
tuação na escala. Regimes baseados na sintomatologia A clonidina pode ser usada por via intravenosa naque-
têm resultado no uso de dose total menor e em menor les casos mais graves, mas apresenta efeitos carcliovascula-
duração do tratamento. res importantes como braclicardia e hipotensão. Como é
Medicações adjuvantes podem ser usadas para situa- possível que a necessidade de seu uso se deva, em parte, a
ções específicas. A clonidina, alfa-adrenérgico de ação cen- situações em que a dose de diazepínico adequada não foi
tral, tem sido usada em caso de atividade autonômica inten- ministrada, seu uso deve ser cuidadosamente pesadd6·27.10.3 1•

Quadro 26.5 .: Bcnzodiazepínicos orais mais usados no tratamento da abstinência alcoólica


-----------------------------------------------------------------------------------------------------··•
Fármaco Dose Freqüência Efeitos Efeitos adversos

Clordiazepóxido 25-100 mg Cada 4 a 6 h Redução da gravidade da Sedação excessiva,


síndrome de abstinência confusão mental
alcoólica, prevenção de
convulsões e Delirium tremms
Diazcpam 5 -lO mg Cada 4 a 6 h Redução da gravidade da Sedação excessiva,
síndrome de abstinência confusão mental
alcoólica, prevenção de
convulsões e Delirium tremms
Oxazepam 15-30mg Cada4a6 h Redução da gravidade da Sedação excessiva,
síndrome de abstinência confusão mental
alcoólica, prevenção de
convulsões e Dtlirinm tre"'ens
Lorazeparn l - 4mg Cada 4 a 6 h Redução da gravidade da Sedação excessiva,
síndrome de abstinência confusão mental
alcoólica, prevenção de
convulsões e Delin.l/111 tremens

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------

327
• Fundamentos em Clfnica C irúrgica

••
Alterações da resposta orgânica Diagnóstico
O consumo agudo d e álcool ativa o eixo hipotálamo- No Brasil, aproximadamente 20% dos pacientes tra-
pituitário-adrenal com conseqüente aumento do hormô- tados na red e primária bebem em um nível considerado
nio adrenocorticotrópico (ACTH), tanto em estudos de alto risco. Estas pessoas têm seu primeiro contato
experimen tais quanto clínicos. a vigência d e consumo com os serviços ele saúde por intermédio de clínicos
abusivo prolongado, o eixo pode permanecer ativado e gerais e, nesta fase, há baixo índice ele detecção do con-
esta ativação continua pode provocar, inclusive, pseudo- sumo de risco. E mbora tais índices provavelmente não
síndrome de Cushing. O trauma cirúrgico ativa mais o difiram d os internacionais, têm repercussão negativa
eixo hipotálamo-pituitário-adrenal e a atividade simpáti- sobre as possibilidades de diagnóstico e tratamento. Em
ca em alcoolistas que em não-alcoolistas. geral, o foco da atenção encontra-se voltado pa ra as
A resposta ao estresse awnentada em pacientes que doenças clinicas decorrentes da dependência- que ocor-
abusam de álcool pode contribuir para a imunossupres- rem tardiamente - e não para a dependência subjacente1 •
são, comprometimento da hemostasia e aumento das Via de regra, o período médio entre o primeiro proble-
demandas sobre o coração, que, reunidos, podem contri- ma decorrente do uso de álcool e a primeira intervenção
buir para o aumento da morbidade pós-operatória. voltada para este aspecto é de cinco anos; a demora para
A abstinência alcoólica provoca resposta orgânica ao iniciar o tratamento e a sua inadequação pioram o prognós-
estresse, com aumento dos niveis de catecolaminas pro- tico. D entre in úmeros farores que favo recem a ineficácia da
po rcio nal à gravidad e dos sintomas. P acientes que abu- assistência dispo nível, d estaca-se a crença errônea de que
sam de álcool em síndrome d e abstinência apresentam os pacientes raramente se recuperam 1•
morbimortalidade pós-operatória aumentada, quando D a mesma forma, o diagnóstico pré-operatório do con-
sumo excessivo de álcool tem sid o realizado com menor
comparada aos pacientes q ue abusam de álcool, mas não
freqüência do que seria desejável. Estudos mostram índices
desenvolvem abstinência, o que, em parte, pode esta r
diagnósticos variando entre 1% e 24% entre pacientes
relacionado à respos ta orgânica8 •
cirúrgicos avaliados por meio ele rotina clínica 18• Trata-se,
portanto, de situação que deve ser melhorada. Para isso,
Distúrbios hidroeletrolíticos juntamente com a história clínica e o exame físico, que
d evem incluir história detalhada para definir a quantidade e
A par dos distúrbios ácido-básicos comentados, a
freqüência do conswno etílico e o exame dos órgâos alvo
deficiência d e tiamina pode causar acidose metabólica de d o etilismo crônico, enco ntram-se disponíveis métodos de
difícil controle, caso não haja reposição da vitamina. entrevista direcionados e exames laboratoriais.
Alcoolistas estão sujeitos a distúrbios hidroeletroliti- A utilização do questionário CAGE (Quadro 26.6),
cos diversos, incluindo hipocalernia, hiponatremia, hipo- associada a marcadores laboratoriais, pode awnentar a
magnesernia e hipofosfatemia. detecção d o consumo excessivo de álcool no períod o pré-
A correção rápida da hiponatremia pode provocar operatório para 72%, realizando-se uma consulta pré-ope-
rnielinose pontina, síndro m e caracterizada por quadripa- ratória, e para até 91 %, realizando-se três consultas antes
resia e lesões ocasionalmente encon tradas à ressonância do ato cirúrgico e confrontando o paciente com seus exa-
magnética. Embora não seja exclusiva d e alcoolistas, eles mes laborato riais3•
são especialmente vulne ráveis. Os principais métodos de entrevista dirigida, que aten-
A deficiência de potássio e fósfo ro pode ter relação dem a requisitos de simplicidade e eficácia para uso na prá-
com o desenvolvimento da rabdomiólise, síndrome tica rotineira são o CAGE (Quadro 26.6) e o AUDJT
decorrente da destruição maciça de musculatura esquelé- (Quadro 26.7). Os sistemas de classificação diagnóstica
tica, que tem os alcoolistas como um dos grupos d e com base no D SM IV e no ClD 10, além da já comen tada
maior risco. Uma de suas complicações mais temidas é a d eficiência na detecção de casos que não envolvam abuso
insuficiência renal mioglobinúrica. ou dependência, são de aplicação difícil na rotina clínica.

328
Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

••
Quadro 26.6 .: Questionário CAGE co 18 • A GGT é uma enzima rn.icrossomal e, como tal, pas-
••• sível de indução pelo álcool e outras drogas. Sua altera-
c CNI tiD,r Já sentiu que deveria diminuir (nt/ ção, portanto, não implica necessariamente hepatopatia
tlt»Ptt) a quantidade de bebida ou alcoólica, mas pode indicar consumo pesado. Seu perftl
de beber?
de sensibilidade, 34% a 85%, e especificidade, 11% a
A Amrqyed Já se senciu aborrecido (amrqyed)
por pessoas que criticaram a forma 85%, não é muito adequado para um teste diagnóstico 17•
como bebe? Mais de um terço dos pacientes que consomem 80g ou
G Gltii!J Já se sentiu mal ou culpado (gllii!J) mais de etanol por dia podem não apresentar alteração
devido à bebida? desta enzima e a mesma não se eleva no curso de sessões
E E{ye-opetmer Já bebeu pela manhã (eye-opmner de consumo pesado. A alteração das arn.inotransferases
drink) para diminuir o nervosismo (AST e ALT) já é indicativa de lesão do hepatócito e,
ou para rebater a ressaca? portanto, deveria estar associada a situações de consumo

•• mais intenso de etanol e hepatopatia alcoólica, o que
implica que história clínica e alterações orgânicas deve-
riam permitir diagnóstico mais fácil Seu uso no rastrea-
mento das desordens relacionadas ao consumo de álcool
O questionário CAGE é pontuado por meio da atribui- em pacientes assintomáticos seria, portanto, limitado.
ção de um ponto para cada pergunta respondida de forma Há, no entanto, que se considerar o diagnóstico diferen-
positiva. Como usa a palavra "já", é um instrumento que cial entre esteatohepatite alcoólica e não-alcoólica, qua-
não distingue problemas passados com consumo de álcool dros freqüentemente assintomáticos ou oligossintomáti-
de problemas presentes. Tem sensibilidade de 43% a 97% cos, em que a GGT encontra-se igualmente elevada.
e especificidade que varia de 70% a 97% para abuso e Conforme já comentado, a razão AST/ ALT superior a
dependência de álcool, quando o corte de dois pontos é dois é indicativa de etiologia alcoólica22•
estabelecido. Mais recentemente, a transferrina deficiente em carboi-
O questionário AUDIT foi desenvolvido pela drato, ainda não incorporada na rotina clínica no Brasil, tem
Organização Mundial de Saúde como parte de um esforço sido usada sozinha ou em combinação com outros marca-
colaborativo internacional para desenvolver técnicas de dores laboratoriais e questionários de rastreamento para
identificação e tratamento de pacientes com níveis de con- aumentar a capacidade diagnóstica. Esta anormalidade da
sumo caracterizados como de risco e consumo nocivo de síntese da transferrina, que a torna deficiente de seus trissa-
álcool, em ambiente de cuidado primário. A contagem de cárides terminais, aparece quando um indivíduo consome
pontos totalizando oito ou mais é indicativa de desordens SOg a 80g de etanol de forma regular, por pelo menos uma
relacionadas ao consumo de álcool. Alguns autores utili- semana, e se normaliza lentamente, durante a abstinência,
zam ponto de corte de 11, que permite alcançar maior com meia vida de 15 dias. Sensibilidade de 81% a 94% e
especificidade. A sensibilidade e a especificidade para estes especificidade de 91% a 100% para consumo atual de álcool
rúveis de consumo variaram, respectivamente, entre 33% a superior a 60g/dia têm sido relatadas em diversos estudos.
70% para a sensibilidade e entre 73% a 97% para a especi- Algumas diferenças de resultados podem relacionar-se à
ficidade, conforme o ponto de corte tenha sido de oito ou metodologia empregada. Falsos-positivos podem ser
11, e se o teste baseou-se no consumo atual ou no consu- encontrados devido a alterações genéticas e na presença de
mo ao longo da vida 1' . insuficiência hepática grave, o que torna o exame inadequa-
Os exames laboratoriais classicamente utilizados para do para o rastreamento de alcoolistas com hepatopatia 17•
o diagnóstico de desordens relacionadas ao consumo de Poderá, quando disponível, tornar-se exame de grande uti-
álcool são o volume corpuscular médio (VCM) e a gama- lidade no rastreamento pré-operatório. Tem sido conside-
glutamil-transferase (GGT). Entretanto, estes exames rada muito útil em situações de urgência, quando há impos-
não são tão efetivos quanto os questionários CAGE e sibilidade de se obter história clínica adequada'6•17•
AUDIT para o rastreamento dessas desordens. A sensi- O Quadro 26.8 oferece um roteiro para o diagnósti-
bilidade do VCM varia entre 34% e 89% , e a especifici- co pré-operatório das desordens relacionadas ao consu-
dade entre 26% e 91%, dependendo do contexto clin.i- mo de álcool.

329
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 26.7 .: Questionário AUDIT (!1/coho/ Ust Disorders ldendificoliotr

1- Com qual freqüência você consome bebidas que contêm álcool?


(O) Nunca (3) 2-3 vezes/semana
(1) Mensalmente o u menos (4) 4 o u mais vezes/semana
(2) 2-4 vezes/mês

2- Quantas doses (ou equivalente) você consome em um dia típico quando está bebendo?
(O) cnhum (3) 5 ou 6
(I) 1 o u 2 (4) 7 ou mais
(2) 3 o u 4

3- Com qual freqüência você consome seis ou mais doses (ou equivalente) por ocasião?
(O) Nunca (3) Semanalmente
(I) Menos que uma vez/ mês (4) Diariamente ou quase
(2) Mensalmente

4- Com qual freqüência durante o último ano você achou 9ue não era capaz de parar de beber após ter iniciado?
(O) unca (3) Semanalmente
(I) i'v[enos que uma vez/mês (4) Diariamente ou quase
(2) Mensalmente

5- Com qual freqüência durante o último ano você deixou de cumprir tarefas de sua responsabilidade por causa da bebida?
(O) Nunca (3) Semanalmente
(I) Menos que uma vez/ mês (4) Diariamente ou quase
(2) :'llcnsalmente

6 - Com qual freqüência durante o úlúmo ano você necessitou de uma primeira dose pela manhã para dar coma de começar o dia após uma bcbcdcira)
(O) Nunca (3) Semanalmente
(1) i\lenos que uma vez/mês (4) Diariamente ou <]uase
(2) Mensalmente

7 - Com qual freqüência durante o último ano você teve sentimentos de culpa ou remorso depois de beber?
(O) Nunca (3) Semanalmente
(I) Menos que uma vez/mês (4) D iariamente ou quase
(2) Mensalmente

8 - Com qual freqüência durante o úlcimo ano você não conseguiu lembrar-se o que aconteceu na no ite anterior por ter bebido?
(O) Nunca (3) Semanalmente
(I) Menos <JUe uma vez/ mês (4) Diariamente ou quase
(2) Mensalmente

9- Você o u alguma o urra pessoa já foram feridas devido ao seu consumo de álcool?
(O) Nunca (4) Sim, no último ano
(2) Sim, mas não no último ano

lO - Alguma vez um parente, um amigo, um médico ou al!,'llm ourro trabalhador da saúde se mostrou p reocupado com seu consumo de álcool ou
sugeriu que você o reduzisse?
(O) Nunca (4) Sim , no último ano
(2) Sim, mas não no úlúmo ano

··----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

330
Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

••
Quadro 26.8 .: Diagnósu co em con sulta de :wahaçào sibilidade para o diagnóstico de alcoolismo quando usados
pré-opcrntú na de desordens relacionadas ao consumo de álcool em associação à mesma. Como já assinalado, a transferrina
---------------------------------------------··• deficiente em carboidrato não diferencia bebedores pesa-
dos de dependentes, mas eu uso tem sido defencticlo com
2 - Determinar, da maneira mais precisa possível, a quant tdadc c a o objetivo de se detectar consumo de álcool em pacientes
frcquência do consumo de álcool, especificando nominalmente admi tidos em urúdades de trauma e buscar prevenir even-
o tipo de bebtda u;,ado tuais complicações relacionadas ao alcoolismo, principal-
1- Realizar questionário C.AGE ou .-\t:DIT para prcciur melho r mente à abstinência alcoólica'\'·.
a cxistencia tk dcsnrdcm rdacionada an ccmsumn de álcool
4 - ( )btcr exame<; laboratori:tis (GGT c em conjunto com
os pré operató rim de rotina e confrontá-los com m. Aspectos terapêuticos
paCientes em cnnsult.l de retorno, guando nlo foi possível de fi
mr prcctsamente a cJustência de desordem rclactonada ao consu· r\ Figura 26.1 contém tentativa de sumariar a aborda-
mo do :ilc<x>l nem a guanudadc c frequência do cnnsumo gem pré-operató ria de ctilistas pesados ou dependentes.
• Vários aspectos já fo ram d iscutidos ao longo do
··----------------------------------------------
t.< ó'l - texto. Em resumo, os principajs pontos a serem levados
\'( 1\1 cnrpu'Cular m611n
em conta são:
• definição diagnóstica p ré-opcratorta de consumo
Cmndc importância tem sido dada ao diagnóstico de pesado e ele dependência;
dependência alcoólica em situações de urgência, já que a • consumo crônico ou agudo em paciente dependente;
prevenção ou redução dos efeitos da síndromc de abstinên- • existência de sintomatologia ou disfunções orgâni-
cia podem modificar sobremaneira a morbimortalidade de cas decorrentes do consumo crônico do álcool;
pacientes atendidos em siruações de emergência clinica ou • ex.i tência de dependência, risco de ab rinência ou
cirúrgica, incluindo a Cirurgia do Trauma. Neste contexto, hi tória de sínd rome de abs tinência alcoófjca;
a história clínica c os questionários de rastreamento per- • procedjmen to cirúrgico eletivo ou de urgência.
dem importância para instnunentos de caráter laboratorial, os ca os de operação eletiva, em paciente depen-
pela dificuldade de realização da anamnese. dentes ou nos a sintomático que ingerem mais de
As do agens das concentrações sanE-,>üíneas de álcool, 60g/dia de etanol, a melhor conduta é sempre a tentativa
cmbom úteis, podem encontrar-se negativas em pacientes de se obter abstenção pré-operatória do uso do etanol,
posteriormente diagnosticados como dependentes, em que poderá er de 30 dias no caso do assintomáticos.
percentual que che!,Ja a 40%. Pacientes admitidos na sala de Concomitantemente, o controle clínico das eventuais dis-
emergência com níveis baixos de álcool no sangue podem funções orgâ nicas será realizado, conforme já discutido,
ser usuários crônicos ou consumidores agudos. Por omro jw1tamente com o tratamento de deficiências nutricionais
lado, pacientes com concentrações elevadas não podem ser e de eventual síndrome de abstinência alcóolica.
considerados dependentes e, portanto, não necessariamen- as operações de urgê ncia, os cuidados anestésicos
te encontrar-se-ão em risco de abstinência1• . Estudos reali- são de particular importância, sempre se levando em
zados em pacientes politraumatizados, admitidos em uni- conta as disfunções o rgâ nicas, os distú rbios hidrocletro-
dades de tratamento intensivo, mostram que ni\·eis eleva- liúcos e ácido-básicos, as deficiências vitamínicas (parti-
dos de trnnsferrina deficiente em carboidrato correlacio- cularmente de tiamina) c o risco nunca dcsprezí\'el do
nam-se com maior tempo de internação na terapia intensi- desenvolvimento de síndromc de abstinência alcóolica.
va, maior tempo de \'entilação mecânica c maior incidência ,\ questão do diagnóstico pré-operaró ri o do abuso de
de complicações, inclustve de abstinência alcoólica. l este álcool em pacientes submetidos a operações de urgência
grupo, a sensibilidade e a especificidade da tran ferrina deverá ser sempre cuidadosamente avaliada.
deficiente em carboidratO é superior aos marcadores con- Conforme já comentado, em pacientes etilistas crô-
vencionais, como a gama-glutamiltranspeptidasc e amino- nicos, a ind ução do sistema microssomal contribui para
transferascs"·. Entretanto, estes marcadores podem contri- tole rância metabólica ao álcool, podendo afetar tam-
buir para o djagnóstico de alcoolismo quando a transfcrri- bém o metabolismo de outras drogas, tais como o pen-
na deficiente em carboidrato é negativa, ou aumentar a sen- tobarbital, propano lol, meprobamato, antipirina, tol-

331

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

butamida, warfarina, diazepam e rifampicina. Além Em contraste com o consumo crônico de etano!, que
disso, uma característica clínica muito importante do induz o metabolismo hepático de drogas, o consumo
sistema P-4502E 1 é sua extraordinária capacidade de agudo pode inibi-lo, devido à competição direta pelo siste-
converter muitas substâncias em metabóUtos altamen- ma P-450281. Em vista dos efeitos opostos do consumo
te tóxicos. Estas drogas incluem anestésicos, tais como crônico e agudo sobre o metabolismo, é difícil predizer o
o enflurano, drogas de uso comum, como isoniazida, efeito global do uso concomitante de álcool e anestésicos
fenilbutazona e aceta minofen. A cinética plasmática do em pacientes etilistas. Este pode variar com as quantidades
flúor após a anestesia com sevoflurano tem sido tam- utilizadas, a afinidade relativa do álcool e das outras drogas
bém relacio nada à atividade do sistema P-450281. pelo processo de detoxificação hepática e a gravidade da
D essa forma, a função renal de alcooUstas deve ser ava- doença hepática subjacente, que pode sobrepujar a capaci-
Uada após anes tesia com sevo flurano 18• dade metabólica relacionada à indução enzimática 18 •

-----------------------------------------------------------------------------------------------------··•
Não
IOperação elcriva?lt-- - - - - - - - - - -- - - -- - - - ---•
!sim
r l l
I> 60g
Assintomáticos , I
de álcool/dia?
I Disfunções orgânicas? I Dependência? [Consumo ]
agudo
I cromco
I
Sim Consumo
!
l llepatite?
indefinido?

!
Realizar Cage,
Audit
Iresolução IPode reverter em I
três a seis 1neses
Tentativa de
desintOxicação
VCM e gama-GT e abstinência

sugestivo de
consumo
I
pesado Cuidados anestésicos • Definir diagnóstico de alcoo-
• Seqüência rápida lismo nos casos suspeitos
• Depressão cardio- • Avaliar disfunções orgânicas
vascular e coagulação
• Repor tiamina
Abstenção cólica I Procedimento cirúrgico • Avaliar e tratar distúrbios
por 1 mês
I hidroeletrolíticos e ácido-
básicos
• Proceder cuidados anestésicos
• Avaliar disfunções orgânicas
• Avaliar profilaxia da síndro-
me de abstinência alcoólica


··------------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 26.1 .: Principais passos para a abordagem pré-operatória de etilistas pesados ou dependentes

332
Capítulo 26 .: Cirurgia no paciente alcoolista

••
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333
27
CIRURGIA NO PACIENTE
COM TRANSTORNOS
PSIQU lÁTRICOS

••
Rodrigo N icolato,
José Carlos Cavalheiro da Silveira

Introdução foram decorrentes de tentati va de auto-extermínio . E m


Oxford (Reino Unido), guase 60% dos pacientes que
Transtornos psigmatncos são comuns em hospitais tentaram auto-extermínio não fo ram avaliados por psi-
gerais, em enfermarias clinicas ou cirúrgicas. D ependendo quiatras, como demonstraram Hickcy et ai.•
do guadro psiguiátrico do paciente, doenças clínicas e E m nosso meio, a identificação de quadros psiquiátri-
cirúrgicas também podem ser importantes como rbidades. cos é relativamente baixa, apesa r de diversos estudos
Os principais objetivos deste capítulo são compreender, indicarem a importância do tratamento psiquiátrico e psi-
identificar e sugerir o tratamento das principais síndromes cológico em pacientes internados em hospital geral,
c intercorrências psiguiátricas. fazendo com que haja menor permanência, melhor ade-
são c menor utilização de erviços médicos'·•. Botega e
Smaira' enumeram as principais causas elo não-reconhe-
Transtornos psiquiátricos prevalentes
cimento das síndromes psiquiátricas e elas estão expres-
Happel et al. 1 investigaram os guadros psiguiátricos sas no Quadro 27.1.
mais prevalentes no setor de emergência de hospitais
Quadro 27 .I .: Principais causas do dos transtor-
gerais (gue possuem serviços de psiquiatria) e diagnos- nos psiquiátricos em pacientes internados
ticaram: depressão (2 1,8%); uso de álcool e substâncias
de abuso (20,4%) ; transtorno de personalidade (16%) ;
----------------------------------------------··•
Os pacientes se referem mais a queixas somáticas, desprezando
esguizofrenia (1'1 ,6%) e transtorno bipolar (2, 1%). as psicológicas
C rcmniter et al. 2 publicaram estudo relatando que 457 () médico não as "pistas" dcrxadas pelos paciente\
pacientes foram encaminhados po r médicos não-psi- O médico aceita a negação sobre a doença dos
quiatras ao serviço de emergência de um hos pital geral Falta de treinamento adequado sobre saúde mental
francês e, após ava]jação psiquiátrica, os diagnósticos
Falta de tempo e de privacidade para mdhor avaliaçilo
mais comuns foram: transtornos afetivos (28%); trans-
são caracteri?ados como integrantes e IU'tificados pelos
tornos de aj ustamento (19%); síndromes psicóticas quadro> clínicos
(16%); transtornos de personalidade (11 %); abuso ou O médico reconhece o problema, mas Ido rcali7.a o
dependência de álcool (7%); abuso ou dependência de psiquiátrico
drogas (6%); ansiedade (6%); demência (4%) e o utros, O problema é reconhecido e diagnosticado, mas nilo se faz o registro
como delirimll (2%) . T entativas de suicídio são também no prontuário
Médrcos a investigação 20 encontrarem uma causa flsrca
comuns em hospitais gerais. Borges et ai.\ em estudo
realizado na Cidade do México, observaram que 2.2% O médico só faz o di"b'llósrico psiquiátrico, quando >c sente seguro no
• manejo do caso
dos atendimentos de emergência de um hospital ge ral ••
335

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Baseando-se em dados retrospectivos de prontuários, • d ificuldade no diagnóstico diferencial entre qua-


Tamai8, em pacientes internados em enfermaria de cardio- dro s hístero-conversivos e co n vulsivos, que
logia, encontrou as seguintes taxas de quadros psiquiátri- podem coexistir;
cos: transtorno depressivo (26,7%); distúrbio orgânico • transtornos somatoformes, nos quais, de maneira
(25,7%) c reação de aj ustamento (8,9%). Nessa mesma inconsciente e por motivações psicológicas, o pacien-
Linha de investigação, Smaira9 , em 1999, citado por Botega te apresenta manifestações físicas, sem alterações nos
e Samaira' , em estudo de caso-controle com 47 casos e 94 exames propedêuticos. Salienta-se que nada impede a
controles, encontrou a seguinte freqüência de síndromes associação de transtornos somato formes e doenças
psiquiátricas em pacientes internados em hospital geral: clinico-cirúrgicas;
• casos: transtorno orgânico (30%); dependência qui- • agravamento do quadro clinico-cirúrgico em decor-
mica (21%); transtorno de ansiedade (21 %) e trans- rência do atraso no tratamento em pacientes deprimi-
tOrno depressivo (13%); dos e ansiosos;
• controles: sem afecção (72%); transtornos de ansie- • procrastinação do atendimento clinico-cirúrgico, por
dade (10%); dependência química (7%) e transtorno não considerar a associação de afecções psiquiátricas
depressivo (7%). e clinico-cirúrgicas;
Spinelli et al.w analisaram, em estudo retrospectivo, • não-reconhecimento de que o quadro de delirittm
pacientes internados em hospital geral e observaram que as (confusão mental aguda) exige avaliação clinica e
principais síndromes psiquiátricas foram: síndromes psi- laborato rial imediata, com o objetivo de diagnosticar
quiátricas orgânicas (demência, delirium e outras) em 28,8% a causa deste quadro neuropsiquiátrico sempre
dos casos; transtorno de ansiedade em 21,6%; síndrome secundário a doença clinico-cirúrgica ou a intoxicação
depressiva em 18,3% e síndrome psicótica em 8,3% dos secundária ao uso de fármacos ou drogas;
casos. Os estudos citados se basearam na análise de in ter- • preconceito na avaliação de pacientes com doenças
consultas psiquiátricas. psiquiátricas, não se considerando que os psico fárma-
Dentro de um contexto médico-psiquiátrico em hospi- cos podem apresentar diversos efeitos colaterais e jus-
tal geral, diversas situações podem ocorrer, havendo neces- tificar vários quadros clínicos; muitas doenças clinicas
sidade de adequada interação entre psiquiatras e não-psi- e algum as drogas podem mimetizar manifestações
quiatras para sua correta condução. Algumas delas são: psiquiátricas, sobretudo em idosos e em pacientes sem
• abstinência alcoólica, levando a quadro de delirium-tre- história familiar e pessoal de doença psiquiátrica;
mens, em decorrência do desconhecimentO da depen- • complicações clinico-cirúrgicas, implicando a necessi-
dência de etílicos. E m pacientes alcoolistas, o não- dade de maior conhecimento de psicofarmacologia
aprofundamento na investigação clinica pode retar- em situações especiais: gestantes, idosos, crianças,
dar o diagnóstico de pneumonia aspirativa, hemato- transplantados e pacientes com insuficiência renal,
ma subdural e demais sangramentos por lesão hepáti- insuficiência hepática, insuficiência coronariana, dia-
ca, úlceras, pancreatite e síndrome de Wernick- betes mellitus, lesões prostáticas, glaucoma e obesidade;
Korsakoff (agravada por aplicação de glicose, não • complexidade e importância da avaliação pré-opera-
antecedida por uso de tiamina); tória e do preparo psicológico em pacientes a serem
• interrupção do tratamento clinico ou discordância transplantados e em obesos mórbidos.
com o tratamento cirúrgico, apesar das indicações
médicas, em decorrência de reação de ajustamento
Principais síndromes psiquiátricas
secundária a diagnóstico clinico-cirúrgico importante
e mecanismos psicológicos de negação; Depressão
• dificuldades e intercorrências nas relações com pro-
fissionais de saúde, pela presença de grave transtorno As principais síndromes psiquiátricas são a depressão,
de personalidade; o transtorno de ajustamento e a ansiedade.
• simulação, com objetivo de ganho legal, como atesta- A depressão é o transtorno psiquiátrico mais prevalen-
dos e transtorno facúcio (sindrome de Munchausen), te em hospitais gerais, em interconsu.ltas psiquiátricas, atin-
no qual o paciente simula quadros clinicas graves, gindo de 20% a 33% dos pacientes interoados 11•12, sendo
tentando ludibriar a equipe de saúde; provável que pacientes com afecções clinico-cirúrgicas

336
Capítulo 27 .: Cirurgia no paciente com transto rnos psiqu iátricos

••
apresentem mais freqüentemente quadros depressivos do Em virtude destas situações complexas, Cavanaugh 16
que pacientes sem doenças clínicas. Freqüentemente, os (citado por Botega et fez algumas proposições para
casos de depressão são subdiagnosticados e subtratados. minimizar o problema de manifestações físicas que se
A depressão pode tanto ser predisposta por doenças crô- confundem com as de origem depressivas. Fadiga e alte-
nicas, como pode agravar a situação clínica de muitos rações de sono e apetite, do peso e da psicomotricidade
pacientes. A relação entre depressão e coronariopatia ajudam a corroborar o diagnóstico, quando: a) são exces-
tem sido muito estudada: pacientes coronariopatas que sivos em relação ao esperad o, considerando-se a condi-
apresentam depressão no pós-infarto agudo do miocár- ção física do paciente e a etapa do tratamento; b) surgem
dio têm maior mortalidade em relação aos pacientes associados temporalmente às manifestações cognitivas e
infartados sem depressão; por outro lado, pacientes
afetivas de depressão, como humor depressivo e anedo-
deprimidos têm maior possibilidade de apresentar coro-
nia (interesse ou prazer d iminuídos). O sentimento de
nariopatia13·14. Disfunções serotonérgicas parecem ser o
desesperança é também importante sintoma depressivo
elo entre depressão e infarto agudo do miocárdio 15• A
observado em pacientes internados em hospital geral.
prevalência de depressão também é maior em outros
Segundo o D SM-IV, constituem critérios para
quadros clínicos, como esclerose múltipla, doença de
Cus hing, diabetes mel/itus, doença de P arkinson, insuficiên- depressão maior" :
cia renal e acidente vascular encefálico. A- Presença de cinco (ou mais) das seguintes manifes-
A relação entre depressão e doenças clinico-cirúrgicas tações clinicas, durante o mesmo período de duas sema-
pode contemplar as seguintes situações: nas, sendo pelo menos uma delas humor deprimido ou
• a depressão pode, pela existência de manifestações perda do interesse ou prazer.
flsicas (insônia, dor, alteração de apetite e do peso, Obs.: Não incluir manifestações nitidamente relacio-
desânimo), mimetizar doenças clinico-cirúrgicas. nadas a uma condição médica geral o u a al ucinações e
Com freqüência, as manifestações físicas da depressão delírios incongruentes com o humor.
são objetos de estudos que denotam a presença real de • humor deprimido na maior parte do dia ou quase
sintomas não-cognitivos, como os sintomas álgicos; todos os dias, indicado por relato subjetivo (p. ex., o
• manifestações próprias de doenças clinico-cirúrgi- paciente sente-se triste ou vazio) ou observação fei ta
cas podem mimetizar quadros depressivos; por outros (p. ex., chora muito).
• a depressão com predonúnio de manifestações físi- Obs.: em crianças e adolescentes, pode ser humor
cas pode não ser reconhecida; tais manifestações irritável.
são justificadas pela presença de doenças clinico- • interesse ou prazer acentuadamen te diminuídos por
cirúrgicas;
todas ou quase todas as atividades na maior parte
• pode haver simplesmente uma coincidência: pre-
do dia o u quase todos os dias (indicado por relato
sença de depressão e doença clinico-cirúrgica;
subjetivo ou observação feita por outros);
• a depressão pode ser secundária à doença clínico-
• perda ou ganho significativo de peso sem estar em
cirúrgica e ao uso de medicamentos ou drogas;
dieta (p. ex., mais de 5% do peso corporal em um
• a depressão pode agravar ou desencadear doenças
clínico-cirúrgicas; mês) ; diminuição ou aumento do apetite quase
• doenças clínico-cirúrgicas podem desencadear qua- todos os dias.
dros depressivos; • insônia ou hipersonia quase todos os dias;
• as manifestações clínicas depressivas podem não • agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias
ser suficientes para caracterizar uma depressão (observáveis por outros, não meramente sensações
maior, sendo muitas vezes provocadas pelas dificul- subjetivas de inquietação ou de estar mais lento);
dades e tensões resultantes do diagnóstico de uma • fadiga ou perda de energia quase todos os dias;
doença clinico-cirúrgica, como no transtorno de • sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou ina-
ajustamento com manifestações depressivas, geral- dequada (que pode ser delirante), quase todos os
mente quadro mais brando e fronteiriço entre dias (não meramente auto-recriminação ou culpa
depressão e normalidade. por estar doente);

337

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Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

• capacidade cuminuída de pensar ou concentrar-se, segundo episódio ou discimia (episódi o dep ressivo crô-
ou indecisão, quase todos os dias (por relato subje- nico, leve e que dura pelo menos dois anos), por um
tivo ou ob ervação feira po r o utros); prazo de dois anos e, elo tercei ro episôdio em diante (ou
• pensamentos de morte recorrentes (não apenas se o primeiro e segundo episódios fore m muito graves,
medo de mo rrer), ideação suicida recorrente sem po r exemplo, com tentativas de auto-exte rmínio), po r
um plano específico, tentativa de suicídio o u plano um prazo de cinco anos.
específico para cometer suicídio. Há tendência de se prolongar o tratamento da depres-
B- As manifesrações não satisfazem os cri térios para são em idosos, com o propó ito de evitar depressões asso-
um episódio misto. ciadas ao transtorno bipolar, em que pode haver viragem
C- As manifestações causam sofrimento clinicamente (mudança de quadro) para mania (composto pela tríade de
significativo ou prejuízo no funcionamento social ou humor exaltado ou irritado, pensamento acelerado e fala
ocupacio nal ou em outras áreas importantes da vida rápida, além ele aumento da atividade c impulsividade),
do indivíduo. hipomania (quadro mais leve do que a mania) ou agrava-
0 - As manifestações não se devem aos efeitos fi sio- mento do episódio mistO (sintomas de depressão e mani-
lógicos di retos de uma substância (p. ex., abuso de droga formes concomitantes), sobretudo com o uso apenas de
ou medicamento) o u de uma condição médica geral (por antidepressivos, principalmente os tricíclicos, sem o uso de
ex., hipotireoidismo); estabilizadores de humor, como carbonato de Lítio, carba-
E- As manifestações não são mais bem explicadas po r mazcpina, valproato de sódio e antipsicóticos atípicos,
luto, ou seja, após a perda de um ente querido, persistem como olanzapina, quetiapi nia c clozapina.
po r mais de dois meses ou são caracterizados por acen- As classes mais comuns de antidepressivos em uso
tuado prejuízo funcional, preocupação mórbida com nos hospitais gerais 'K são:
desvalia, ideação suicida, sintomas psicóticos ou retardo
A- Antidepressivos tricírlicos: são anticoliné rgicos c
psicomo tor.
bloqueiam a captação de no radrenalina (sobretudo) e
Doenças neurológicas (doença de Parkinson; doença
serotonina (em menor intensidade, com exceção da
de Alzheimer; esclerose múltipla; acidente vascular ence-
clomipramina) :
fálico), endocrinopatias (hipo e hipertiroidismo ; diabetes
111ellitus; síndrome de Cushing; doença de Addison), neo- • amitriptilina - iniciar com 25mg/dia e aumentar a
plasias, doenças infecciosas (A I D , encefalite, gripe, dose p rogressivame nte até a dose te rapêutica
mononucleo e, sífilis terciária) e diversos medicamentos (75mg/dia a 300mg/dia). É o que apresenta maior
(anti-hipertensivos, cimetidina, flunarizina, fenitoína, bloqueio colinérgico, com taquica rdia, sedação,
corticosteróides, levodopa, proprano lol) podem asso- ganho de peso, arritmia cardíaca, retenção urinária,
ciar-se à depressão ou mesmo causá-la. E o que fazer agravamento de glaucoma, constipação e boca seca;
nessas situações em que há dep ressão associada a doen- • nortriptilina- iniciar com 2Smg/dia e aumentar dose
ças clínicas ou ao uso de medicamentos capazes de levar até atingir a dose terapêutica (SOmg/dia a ISOmg/dia)
à depressão? D eve-se investigar história famil iar ou pes- É o antideprcssivo mais tolerado do grupo dos
oal de depressão, episódios prévios, analisando as com- tricíclicos, com menos efeitos colaterais e menor
plexas situações entre doe nças clinico-cirúrgicas e bloqueio colinérgico;
depressão Qá citadas neste capítulo). Se possível, ao se • clomipramina - iniciar com 25mg/cl ia c aumenrar a
conclui r pela presença de depressão (e não simplesmen- do e até ati ngir a dose dose terapêutica (75mg/dia
te manifestações depressivas deco rrentes das doenças clí- a 300mg/dia). Está indicada para transtorno obses-
nicas ou uso de medicamen tos), deve-se tratar com os sivo-compulsivo (por apresentar maior bloqueio da
antidepressivos mais apropriados para o caso, pois espe- captação de scrotonina entre os tricíclicos), possui
rar que ocorra a cura das po tenciais doenças ou a sus pen- efeitos colaterais semel hantes aos da amitriptilina;
são dos medicamentos pode ser inconveniente e a pro- • imipramina- iniciar co m 25mg/clia <.:atingir dose
crastinação do tratamento para a depressão pode ter gra- terapêutica de 7Smg/dia a 300mg/clia. Apresenta
ves conseqüências. Geralmente, o primeiro episódio efeitos colaterais intermediários entre no rtrip tili -
depressivo deve ser tratado por seis meses a um ano; o na e amitripti lina;

338
•••
Capítulo 27 .: Cirurgia no paciente com transtornos psiquiátricos

• maprotilina (é um tetracíclico, m as sempre é colo- refeições para diminuir essa o corrência. É bem
cado no gru po dos tricíclicos por afinidades bio- tolerado, como o citalopram e o escitalopram;
químicas) -iniciar com 25mg/dia e aumentar até • paroxetina- dose inicial de 20mg/dia e dose tera-
atingir a dose terapêutica (7 5mg/ dia a pêutica de 20mg/dia a 60mg/dia. Dos serotonér-
225mg/dia). Doses maiores associam-se à maio r gicos, é o que apresenta certa inibição de captação
possibilidade de crises convulsivas. da noradrenalina e também o que apresenta, com
Obs: o uso endovenoso de clomipramina e/ou maior freqüência, a síndrome de retirada e apro-
maprotilina só é recomendado em caso de impedimen- vação para o tra tamento da fo bia social.
to do uso oral e não se associa a menor latência de res- C- Outros antidepres.rivos:
posta antidepressiva. • venlafaxina - é um inibidor de captação de sero-
B- lnibidores seletivos de recaptafàO de serotonina: tonina e noradrenalina. Dose inicial de 75mg (se a
• fluoxetina- dose inicial de 20mg/dia e dose tera- apresentação for XR) e dose terapêutica de
pêutica de 20mg/dia a 60mg/dia. É o serotonérgi- 75mg/dia a 225mg/dia. Os efeitos secundários
co de maior meia vida. Assim como outros seroto- são sero tonérgicos e noradrenérgicos.
nérgicos, a fl uoxetina pode ser utilizada no trata- Geralmente é bem tolerada e com eficácia compa-
mento de síndromes ansiosas, geralmente associa- rada à dos tricíclicos;
das à pequena dosagem de benzodiazepínicos, no • duloxetina- é um inibidor de captação de seroto-
inicio do tratamento. Por força de seu principal nina e noradrenalina. D ose inicial de 60mg e dose
metabólito, a norfluoxetina, a meia-vida da fluoxe- terapêutica de 60 mg/ dia a 120mg/dia;
tina pode chegar a 35 dias. Efeitos colaterais • mirtazapina - também apresenta dupla ação
comuns aos demais serotonérgicos, como disfun- (agindo sobre a serotonina e a noradrenalina).
ção gástrica e nervosismo paradoxal, podem estar Este antidepressivo é bem tolerado, com boa ação
presentes nos primeiros dias de tratamento. Não sedativa, mas pode au mentar o peso em determi-
deve ser usado à noite (pode provocar insônia) e nadas pessoas, por efeitos histaminérgicos. D ose
não há qualquer necessidade de ser fracionado ao inicial de 1Smg/dia ou 30mg/ dia, e dose terapêu-
longo do dia, por causa da meia-vida longa; tica de 15mg/ dia a 45mg/dia;
• fluvoxamina - dose inicial de 150mg/ dia e dose • bupropiona - dupla ação - age sobre a dopamina
terapêutica de 150mg/ dia a 300mg/ dia. e a noradrenalina. Dose inicial de 75mg/dia ou
Apresenta meia-vida menor do que a da fluoxeti- 150mg/dia, e dose terapêutica até 450mg/dia.
na e efeitos colaterais semelhantes. Possui bom D eve ser usada com cautela em pacientes com
efeito no tratamento do transtorno obsessivo- epilepsia. Não provoca aumento de peso. Não
compulsivo; trata ansiedade.
• citalopram - dose inicial de 20mg e dose terapêu- Apesar de não haver consenso sobre o tempo de
tica de 20mg/dia a 60mg/dia. É muito bem tole- uso, a Associação A mericana de Psiquiatria 19 (citada
rado e com baixo índice de interações medica- por Souza 2") recomenda o uso de antidepressivos após
mentosas, além de baixa incidência de efeitos o primeiro episódio depressivo por um ano, após dois
adversos cardiovasculares; episódios por dois o u três anos e, se forem três ou mais
• escitalopram - dose inicial de 10mg/dia e dose episódios, por cinco anos ou mais. Deve-se também,
terapêutica de 10mg/ dia a 20mg/dia. Também é avaliar a freq üência e a intensidade dos episódios
bem tolerado e com baixos índices de interações depressivos atuais e anteriores, antes de se decidir
medicamentosas, com estudos que apontam para sobre o tempo de uso da medicação antidepressiva .
maior eficácia em relação ao citalopram (o escita- Paciente com um único episódio depressivo, mas com
lopram é um estiômero do citalopram); tentativa de auto-extermínio, deve ser bem monitora-
• sertralina - dose inicial de 50mg/ dia e dose te ra- do, assim como aquele que, nos últimos três anos, teve
pêutica de Sümg/dia a 200mg/ dia. Apresenta vários episódios de depressão. Por outro lado, pacien-
efeitos gástricos intensos nos primeiros dias de te que tem 55 anos de idade e teve o primeiro episódio
tra tamento, devendo ser administrado junto às aos 23 anos, o segundo aos 40 anos e o terceiro aos 52,

339
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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

sem tentativa de auto-extermínio, pode exemplificar mente seguros, em virtude do baixo risco de intera-
um caso mais leve. O antidepressivo leva de 14 a 21 dias ções medicamentosas;
para fazer efeito e a troca dele, nesse período, só se justi- • os tricidicos causam hipotcnsão ortostatJca e
fica se houver efeitos colaterais importantes. Os antide- taquicardia (que podem ser prejudiciais em coro-
pressivos também podem ser utilizados em transtornos nariopatas) e devem ser evitados em pacientes
ansiosos, associados ou não a benzodiazepínicos. As psi- com acidente vascular ence fálico e, ainda, em
coterapias interpessoal, cognitivo-comportamental e psi- pacientes com defeito de condução cardíaca;
codinâmica breve podem ser muito úteis, associadas ao • em pacientes que apresentam insuficiência renal,
uso de antidepressivo, para tratar depressão e ansiedade. os tricíclicos são pre judiciais, devendo-se optar
Psicoterapia de grupo pode ser útil no tratamento do pelos serotonérgicos e pelos estabilizadores de
transtorno de ajustamento. humor. Os preferidos são a carbamazepina e o
valproato de sódio;
0 - Recommdações para o 11so de antidepressivos em hospi- • em pacientes com lesão hepática, deve-se evitar o
tais gerais uso de tricíclicos e sertralina. Há evidências de que
Essas recomendações foram feitas pelo Or. Marco a paroxetina (iniciando-se por doses menores)
Antônio Brasil, durante Programa de Educação possa ser uma boa opção nesta situação. O lítio é
Continuada da Associação Brasileira de Psiquiatria21: mais bem tolerado em decorrência da mínima elimi-
• iniciar o uso de antidepressivos com doses mais bai- n ação hepática, ao contrário do valproato de sódio
xas que as habituais, como Smg/dia de paroxetina e da carbamazepina;
ou 12,5mg/dia de amitriptilina, em doses fraciona- • em pacientes com diabetes me//itus, os serotonérgicos
das, para melhorar a tolerância; representam boa opção, podendo provocar hipogli-
• o limiar para o uso de antidepressivo, em pacientes cemia (sobretudo a fluoxetina), pois os tricílicos
com afecções clinico-cirúrgicas, deverá ser um pouco aumentam o apetite por carboidratos e podem pio-
mais alto (a não ser em pacientes gravemente depri- rar o quadro.
midos e com manifestações persistentes), em virtude
de interações entre antidepressivos e fármacos clíni-
Transtornos de ajustamento
cos e alterações metabólicas, resultantes das doenças;
• os inibidores seletivos de recaptação de serotonina Os transtornos de ajustamento são quadros fronteiri-
são a primeira escolha, embora os tricíclicos sejam ços de reações normais a estressares psicossociais, como
vantajosos para casos muito graves (venlafaxina diagnósticos de doenças graves, internações, doenças em
também pode ser útil, além de mirtazapina, bupro- familiares, aposentadoria, desemprego, término de rela-
piona e duloxetina) e também possam ser lembra- cionamento amoroso. Se após o advento dos estressares,
dos como importante ferramenta e terapêutica para houver o preenchimento de critérios diagnósticos para
casos graves de depressão e outros quadros psiquiá- depressão ou ansiedade, estes diagnósticos devem ser
tricos agudos; valorizados. O tratamento dos transtornos de ajustamen-
• em casos de pacientes com hemorragia gástrica pré- to pode ser feito com a prescrição, se houver necessida-
via, deve-se evitar o uso de serotonérgicos ou ter de, de benzodiazepínicos ou até mesmo com prova tera-
muita cautela no uso dos mesmos; pêutica com antidepressivos. Psicoterapia individual ou
• a paroxetina pode causar sindrome de descontinua- terapia de grupo, em pacientes que tenham a mesma
ção ou retirada, devendo ser evitada em pacientes afecção, também podem ser interessantes. Os pacientes
que negligenciam o tratamento; podem apresentar manifestações depressivas e/ ou de
• a fluoxetina relaciona-se com lesões de pele e agita- ansiedade, co m pertubação da conduta além de outras
ção (incontrolável para pequena quantidade de inespecíficas, como irritabilidade e insônia.
pacientes) e sua meia-vida impede a síndrome de Os critérios diagnósticos para transtornos de ajusta-
retirada em muitos casos; mento, segundo o DSM-IV 17, são os seguintes:
• o citalopram (o escitalopram parece seguir os A- Desenvolvimento de sintomas emocionais ou
padrões do citalopram) e a sertralina são relativa- comportamentais em resposta a um estressar (ou a múl-

340
•••
Capítulo 27 .: Ci rurgia no paciente com t ranstornos psiquiátricos

tiplos estressares), ocorrendo dentro de três meses após que podem ser a causa da ansiedade. Algumas substâncias
o inicio do estressar (ou estressares). com efeitos farmacológicos também podem se associar à
B- Esses sintomas ou comportamentos são clinica- ansiedade, como cocaína, álcool (abstinência), simpatico-
mente significativos, como evidenciado por qualquer um miméticos, digital, corticóide e cafeína.
dos seguintes quesitos: Os quadros ansiosos mais comuns são transtorno de
• sofrimento acentuado, que excede o que seria espe- pânico, ansiedade generalizada, transtorno obsessivo-
rado da exposição ao estressar; compulsivo, fobia social e fobia específica. O transtorno
• prejuízo significativo ao comportamento social ou de ajustamento, já citado, também pode apresentar-se
profissional (acadêmico). com manifestações de ansiedade, em resposta a diversos
C- A perturbação relacionada ao estresse não satisfaz estressares psicossociais.
os critérios para outro transtorno específico do Eixo I, O tratamento, de maneira resumida, envolve, atual-
nem é meramente uma exacerbação de um trans torno mente, a prescrição de antidepressivos, sobretudo tricí-
preexistente do Eixo I ou do Eixo II. clicos, venlafaxina, mirtazapina e sero tonérgicos (os mais
D - Cessado o estressar (ou sua conseqüência), as utilizados, que podem apresentar piora inicial da ansieda-
manifestações não persistem po r mais de seis meses . de, sobretudo a fluoxetina, associados ou não a benzo-
Especificar: diazepínicos, no inicio do tratamen to) ou de benzodiaze-
• agudo: se a perturbação dura menos de seis meses; pínicos isoladamen te, para efeito mais rápido . Observa-
• crônico : se a perturbação dura seis meses ou mais. se boa tolerabilidade, embora possam ocorrer efeitos
colaterais como agitação paradoxal (em idosos, crianças e
em pacientes com lesão do sistema nervoso central), pre-
Ansiedade
juízo de memó ria, quedas em idosos, dependência e con-
O mesmo raciocínio para a relação entre depressão e fusão mental (benzodiazepínicos de meia-vida curta). Os
doenças clínico-cirúrgicas é válido para ansiedade e sua benzodiazepínicos podem ser prejudiciais a algun s tipos
relação com essas doenças. A ansiedade é um sentimento de psicoterapia, como a cognitivo-comportamental, mas
comum, que provoca desconforto, diante do desconheci- ainda são importantes e muito utilizados, como em
do. Para Sims22, ansiedade é uma emoção tão universal que pacientes com transtorno de ajustamento o u insônia. O
poderia ser considerada má-adap tação não senti-la; ela é benzodiazepínico mais tolerado, em um contexto médi-
parte necessária da resposta do organismo ao estresse. co-geral, seria o lorazepam (mais bem tolerado em casos
A ansiedade patológica envolve resposta a estressares de disfunções hepáticas, por não possuir metabólitos ati-
(o u a percepção dos mesmos) de maneira exagerada, vos, ter meia vida intermediária e, sobretudo, por ser
contínua, prejudicial e mais d uradoura que a ansiedade metabolizado por conjugação simples, que é preservada
fisiológica, além de cursar com manifestações mentais e em hepatopatias, a não ser em casos de encefalopatia
fisicas. As mentais são: tensão, nervosismo, irritabilidade, hepática, quando seu uso deve ser cauteloso, como para
sentimentos de temor e ameaça, antecipação ansiosa, os demais benzodiazepínicos), em duas ou três vezes por
dificuldade para relaxar, preocupação com coisas triviais, dia, na dosagem de lmg/dia a 6mg/dia (comprimidos de
pânico, sensação de estranheza, dificuldade de concen- 1 mg e 2mg) 23 •
tração, insônia e insegurança. As somáticas e autonômi- A insônia que dura poucos dias, quando as medidas
cas são: falta de ar, palpitação, tensão muscular, sudore- higiênicas falharem, pode ser abordada com benzodiaze-
se, ton tura, boca seca, palidez, parestesias, diarréia e tre- pínicos com propriedades hipnó ticas2', como o midazo-
mor. Logicamente, é fundamental o diagnóstico diferen- lam, na dose de 7,5mg/dia a 15mg/dia e hipnóticos não-
cial com diversas condições psiquiátricas e clínico-farma- benzodiazepínicos (são mais seletivos, ativando um dos
cológicas que podem originar, mimetizar ou agravar as sítios de ligação dos benzodiazepínicos) com menos efei-
manifestações de ansiedade. Hipoglicemia, vertigem, aci- tos mio-relaxantes e menos sedação no dia seguinte ao da
dente vascular encefálico, doenças pulmonares e cardíacas prescrição, como zaleplon e zolpidem (Smg/ dia a
(p. ex., infarto agudo do miocárdio), hipertensão arterial, 10mg/dia; comprimidos de l ümg), além do zopidone
hipertireoidismo, hipoglicemia, anemias, infecções, porfi- (3,75mg/dia a 7,5mg/d.ia; comprimidos de 7,5mg).
ria e epilepsia são algumas das diversas condições médicas Psicoterapia de apoio, psicodinâmica breve e terapia cog-

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Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

nitivo-comportamental podem ser mwto importantes vamente intacta; desorientação temporal, assim como, em
para o tratamento dos ansiosos. casos m ais graves, espacial e pessoal);
Embo ra o diag nóstico psiqwátrico seja clínico e C. Perturbações psicom otoras (hipo ou hiperativida-
baseado no que se o bserva do fenô m eno e ela psicopa- de e mudanças imp revisíveis de uma para outra; tempo
tologia ao co rte transversal, além da avaliação do curso de reação aumentado; aumento ou diminuição do fluxo
lo ngitudinal e elos cri térios diagnós ticos, em determina- da fala; intensificação da reação de susto);
elas situações, escalas para rastreio de manifetações de O . Perturbação do ciclo sono-vigília (insônia o u, em
ansiedade e depressão podem ser impo rtantes. E m casos graves, perda total do sono ou reversão do ciclo
nosso meio, existe a escala hospitalar de ansiedade e sono-vigília; sonolência diurna; piora noturna dos sinto-
depressão, gue é uma escala de auto preenchimento co m m as; sonhos pertu rbado res ou pesadelos, os quais
sete ítens para depressão e sete ítens para ansiedade. podem continuar como alucinação após o despertar);
Não figuram nesta escalas manifestações físicas de E . Perturbações emocio nais, por exemplo: depressão,
depressão e an siedade, para g ue n ão haja superposição ansiedade o u medo, irritabilidade, eufo ria, apatia ou per-
de depressão e/ou ansiedade com doenças clínicas. plexidade abism ada.
Esta escala fo i validada, em nosso m eio, po r Bo tega 11 •25 , O início é usualmente rápido, o curso flutuante ao
em enferm arias de hospitais gerais e em epilépticos correr do dia e a duração total da condição é menor que
ambulatoriais. A po ntuação em cada escala (seja depres- seis meses. O q uad ro clínico é tão característico g ue o
são o u an siedade), vai de O a 21 po ntos. Até 7 pontos é diagnóstico pode ser feito mesmo g uc a causa subjacen-
indicativo de ausência de ansiedade o u depressão e m ais te não esteja completamente esclarecida.
de 7 po ntos em cada subescala indica a presença de Inclui: sínd rome cerebral aguda; estado confusional
ansiedad e e/ou depressão (Quadro 27.2) . agudo (não-alcoólico); psicose infecciosa aguda; reação
orgânica aguda; síndro me p sico rgânica aguda.
A importân cia do delirium é indicar g ue o paciente deve
Delirium e outras condições correlatas
ser avaliado prontamente do po nto de vista clinico-labo-
O guadro de de/ifiu11J também é cham ado de confusão ratorial-roxicológico, pois este guadro é secundário a
mental aguda, embo ra esta deno minação seja controver- várias condições médicas, co mo in fecções de sistema ner-
sa. A sua prevalência é alta em hospitais gerais: 10% a voso central, hipotensão, hipoglicem.ia, hiperglicemia,
30% dos pacientes internados em hospitais gerais podem infarto agudo do miocárdio, infecção uri nária, pneumo-
apresentar delirium e, em idosos, esta taxa pode chegar a nia, distúrbios hid roeletrolíócos, absónência de áJcool
50% dos pacientes internados 26• D elirium é uma sindro me (delirimn-tremem), uso de substâncias anti colinérgicas
clínico-neuropsigwátrica, caracterizada por rebaixamen- (prednisolo na, cimeódina, digoxina, an tidepressivos trid -
to elo nível da consciência, flutuação do nível ela cons- clicos, antipsicóti cos de baixa potência), carbonato de
ciência e dos sin tomas em geral, compro metimento lítio, sepse, meningite, tumo res, fe bre, operação cardíaca,
generalizado do funcio namento cognitivo. O critério acidente vascular encefálico, epilepsia, operação de
diagnóstico do CID-1O é m ais elucidativo, co mo descri- fêmur, hemo rragias, gueimaduras extensas, reumatopa-
to abaixo, em relação aos critérios do D SM-IV. óas, intoxicação medicamen tosa, intoxicação devido a
O s critérios diagnósticos para de/irium segundo a álcool o u d rogas, óreoidopatias, insuficiência renal e
CID-1 0 são: hepática, hemato ma su bdural. Logo, guaisguer doenças
A. Comprometimento da consciência e atenção (em clínico-cirúrgicas e medicações, sobretudo em idosos, são
contimtum de o bnubilação ao coma; capacidade reduzida passíveis ele provocar o guadro de delirium e, se não debe-
para dirigir, focar, sustentar e mudar a atenção); lada a causa, o paciente pode falecer, devido à condição
B. Perturbação global da cognição (disto rções percepti- médica de base ou evolwr para demência potencialmente
vas, ilusões e alucinações mais freg üentemente visuais; reversível. ão se trata de um guadro para se encaminhar
comprometim ento do pensamento abstrato e compreen- para hospital psiguiátrico e sim para hospital geral. ada
são, co m o u sem delírios transitórios, mas tipicamente com im pede gue um paciente com transtornos psigwátricos,
algum grau de incoerência, comprometimento das memó- seja pelo uso de medicamentos ou por apresentar comor-
rias .imediata e recente, mas co m a memó ria remo ta relaó- bidades clínico-cirúrgicas, apresente g uadro de delirit1m.

342
Capítulo 27 .: Cirurgia no paciente com transtornos psiquiátricos

••

Quadro 27.2 .: Escala hospitalar de ansiedade e depressão

Por favor, leia todas as frases. Marque com X a resposta que melhor corresponder a como você tem se sentido na última
semana. Não é preciso ficar pensando muito em cada questão.Vale mais a sua resposta espontãnea.

Eu me sinto tenso ou contraído-Ans Estou lento (lerdo) para pensar e fazer as coisas-Dep
( ) 3- a maior parte do tempo ( ) 3- quase sempre
( ) 2- boa parte do tempo ( ) 2- muitas vezes
( ) 1- de vez em quando ( ) 1- de vez em quando
( ) 0- nunca ( ) 0- nunca

Eu ainda sinto gosto (satisfação) pelas mesmas coisas de que Tenho uma sensação ruim de medo (como um frio na espinha
costumava gostar-Dep ou um aperto no estômago ...)-Ans
( ) 0- sim do mesmo jeito que antes ( ) 0- nunca
( ) 1- não tanto quanto antes ( ) 1- de vez em quando
( ) 2- só um pouco ( ) 2- muitas vezes
( ) 3- já não sinto prazer em nada ( ) 3- quase sempre
Eu sinto uma espécie de medo, como se alguma coisa ruim Eu perdi o interesse em cuidar da aparência-Dep
fosse acontecer-Ans
( ) 3- sim de um jeito muito forte ( ) 3- completamente
( ) 2- sim mas não tão forte ( ) 2- não estou mais me cuidando como eu deveria
( ) 1- um pouco, mas não tão forte ( ) 1- talvez não tanto quanto antes
( ) 0- não sinto nada disso ( ) 0- me cuido do mesmo jeito que antes
Dou risada e me divirto quando vejo coisas engraçadas-Dep Eu me sinto inquieto, como se eu não pudesse ficar parado em
lugar nenhum-Ans
( ) 0- do mesmo jeito que antes ( ) 3- sim, bastante
( ) 1- atualmente um pouco menos ( ) 2- bastante
( ) 2-arualmente bem menos ( ) 1- um pouco
( ) 3- não consigo mais ( ) 0- não me sinto assim
Estou com a cabeça cheia de preocupações-Ans Fico esperando animado as coisas boas que estão por vir-Dep

( ) 3- a maior parte do tempo ( ) 0- do mesmo jeito que antes


( ) 2- boa parte do tempo ( ) 1- um pouco menos que antes
( ) 1- de vez em quando ( ) 2- bem menos que antes
( ) 0- raramente ( ) 3- quase nunca
Eu me sinto alegre-Dep De repente, tenho a sensação de entrar em pânico-Ans
( ) 3- nunca ( ) 3- a quase todo momento
( ) 2- poucas vezes ( ) 2- várias vezes
( ) 1- muitas vezes ( ) 1- tlc: vez c:m <JUautlo
( ) 0- a maior parte do tempo ( ) 0- não sinto isso

Consigo ficar sentado à vontade e me sentir relaxado-Ans Consigo sentir prazer ao assistir a um bom programa de TV,
de rádio, ou quando leio alguma coisa-Dep
( ) 0- sim, quase sempre ( ) 0- quase sempre
( ) 1- muitas vezes ( ) 1- várias vezes
( ) 2- poucas ve7.es ( ) 2- poucas vezes
( ) 3- nunca ( ) 3- quase nunca

··----------------------------------------------------------------------------------------------------------
343
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
As mesmas doenças o u medicações podem ocasionar 3 • Borges G, Salti jeral MT, Bimbela A, Mo ndragon L. Suicide
agressividade e manifestações psicó ticas secundárias à con- attempts in a sam ple o f patients from a general hospital. Arch
Med Res. 2000;31:366-72.
dição médica geral, como alucinações e delírios. Como 4 • Hickey L, Hawto n K, Fagg J, Witzel H . Deliberare self-harm
exemplo, em 1999, Nicolato et al. 26 relataram o caso clínico patiems who leave the accident and emergency department
de uma paciente idosa, com surgimento de delírios somáti- without a psychiatric assessmem. A neglected population at
cos de infestação e alucinações visuais e táteis (síndrome de risk ofsuicide. J Psychosom Res. 2001 ;50:87-93.
E kbom), secundários a hiperciroidismo. 5 • Lyons JS, Hammer JS, Strain JJ , Fulop G . The timing o f psychia-
tric consultation in the general hospital and length o f ho spi-
O tratamento de delirium (sobretudo o quadro com tal stay. G en Hosp Psych. 1986;8:159-62.
manifestações de agitação, pois o quadro de apatia não 6 • Hengeveld MV, Ancion FAJM, Rooijmans H GM. Psychiatric
necessita de psicofármacos), agitação e psicose envolve, se consulrations with depressed medicai inpatients : a randomi-
possível, a resolução dos quadros médicos de base, após zed co ntolled cost-efcctiveness study. In t Psych Med.
extensa avaliação clínico-laboratorial-toxicológica (hemo- 1988;18:33-43.
7 • Botega J, Smaira SI. Mo rbidade psiquiátrica no hospital geral.
grama completo, eletrólitos, exame de urina, radiografia de In: Botega, NJ. Prática psiquiátrica no hospital geral: inter-
tórax, enzimas hepáticas, creatinina e fundo de olho são consulta e emergência. 2006, 2.ed. Porto Alegre, Artmed.
exames de rotina, podendo ser necessário, em situações 8 • Tamai S. A imerconsulta psiquiátrica em cardiologia: estudo de
especiais, tomografia computadorizada do encéfalo, res- 101 casos. J Bras Psiq.1 995;44:631-6.
sonância magnética e até exame do líquor, além de VDRL, 9 • Smaira SI. T ransrornos psiquiátricos e solicitações de in tercon-
sulta psiquiátrica em hospital geral : um estudo de caso -con-
dosagem de ácido fólico, dosagem de B12 e exame toxico- tro le. 1999: Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina de
lógico), o uso de antipsicóticos não-anticolinérgicos, como Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, São Paulo.
o haloperidol, oral ou intramuscular de O,Smg!dia a 10 • Spinelli MA, To ledo ML, Cantinelli F. lnterconsulta psiquiátrica
3mg!dia (ou doses mais altas, se necessário). Anti- no hospital geral: comunicação inicial de uma experiência.
Rev Assoe Med Bras. 1996;42:175-84.
psicóticos atípicos, como olanzapina (oral e intramuscular
11 • Botega NJ- Transtornos do humo r em uma enfermaria de clini-
- 2,5mg!dia a Smg!dia), risperidona (0,25mg!dia a ca médica e validação de escala de medida (HAD ) de
1mg!dia) e quetiapina (oral - 12,5mg!cüa a 100mg!dia) ansiedade e depressão. Rev Bras Saúde Pública-SP.
estão sendo utilizados como opção em alguns serviços de 1995;29:355-63.
interconsulta, com êxito, por não apresentarem manifes- 12 • Botega NJ, Furlanetto L, Fráguas J r, R. D epressão In: Botega,
NJ. Prática psiquiátrica no hospi tal geral: interconsulta e
tações extrapiramidais em doses habituais, mas necessitam
emergência. 2006, 2.ed. Porto Alegre, Artmed.
de mais ensaios clínicos para se viabilizarem como ferra- 13 • Carney IUvl. Major depressive disorder predicts cardiac events in
mentas tão seguras como o haloperidoJ21·8 • Os benzodiaze- patien ts with coronary artery d isease. Psychos Med.
pínicos podem ser importante opção para o tratamento de 1988;50:637-43.
abstinência de álcool e dos próprios benzodiazepínicos. O 14 • Frasure-Smith N, Lesperenace F, Talajic M. Depressio n foUo-
wing myocardial infarction: impact o n 6-month survival.
tratamento medicamentoso destas condições orgânicas
JAMA. 1994;271: 1082.
deve ser revisto diariamente, quanto à manutenção ou não 15 • Corrêa H, L'lghrissi-Thode, F, Volpe FM, Oliveira JC. D epressão
dos psicofármacos, bem como dosagem e efeitos colate- após infarto do miocárdio. J Bras Psig. 1999;48:1 63-7.
rais dos m esmos. Correção de déficits sensoriais (exemplo: 16 • Cavanaugh S. Depression in the medically ill . Criticai issues in
visão e audição comprometidas) são importantes medidas. diagnostic assessment. Psychosomatics. 1995;36:48-59.
17 • Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.
4a edição. DSM-IV 1995. Po rto Alegre. Artes Médicas.
18 • achna JS, Lane RD, Gelenberg AJ. Psicofarmacologia. In: RundeU
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19 • American Psychiatric Association. Steering commitee on practi-
paciems in the hospital emergency dcpartmem: a comparison
ce guideli nes. Washington D C; 1996: AP /\ Pracrice
between emergency department nurses and psychiatric nur-
Guidelines.
ses consultants. Accid Emerg Nurs. 2002;1 0:65-71.
20 • Souza FG M. Tratamento da depressão. In: G uias de Medicina
2 • Cremniter D, Payan C, Meidinger A, Batista G, Fermanian J.
Ambulatorial e Hospitalar. UNIFESP / Escola Paulista de
Predicto rs o f short-term deterioration and compliance in
Medicina. 2002: São Paulo, Manole.
psychiatric emergences : a prospective srudy o f 457 patients
21 • Brasil MAA. Aula de d ep ressão e doença clínica. 2005- Programa
referends to the emergency room o f a general hospital. d e E ducação Con tinuad a- Associação Brasilei ra de
Psychiatry Res. 2001 ;1 04:49-59. Psiquiatria- acessada em 01 de no vembro de 2005

344
•••
Capítulo 27 .: Cirurgia no paciente com transtornos psiquiátricos

http:// www3.ecurso.com.br/ 26 • Nicolato R, Dias FF, Fuzikawa C, Coelho JLP, Corrêa ACO.
ecurso_pecabp/ExecutaCursos/ ekorporate_in.asp. Síndro me d e Ekbom em idosa. Casos C lin Psiq uiatr.
22 • Sims A. Ansiedade, pânico, irritabilidade, fobia e o bsessão. ln: 1999; 1:24-6.
Sims A. Sintomas da mente. Introdução à psicopatogia d es- 27 • Skrobik YK, Bergeron N, D umont M, Gortfried SB. Olanzapine
critiva. 2• ed. 2001: Porto Alegre, Artrned. vs haloperidol: treating d clirium in a criticai care serting.
23 • Taylo r CB. Tratamento dos transtornos ansiosos. ln: Schartzberg lntens Care Med. 2004;30:444-9.
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2002: Rio de Janeiro, G uanabara-Koogan. Amisulpridc versus guetiapine fo r rhe treatmen t o f delirium:
24 • Cabreras CC, Sponholz J r A. Ansiedade e insônia. Depressão ln: a randomized, open prospective study. Jnt Clin
Botega, NJ. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsul- Psychopharmacol. 2005;20:311 -4.
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25 • Botega NJ. Validação da escala hospitalar de ansiedade e
d epressão em pacienres epilépticos ambulatoriais. J Bras Psig.
1998;47:285-9.

345
28
CIRURGIA
NO PACIENTE
DESNUTRIDO
•• •
Maria Isabel Toulson Davisson Correia

Introdução em qualquer uma das etapas desse equilíbrio, o risco de o


indivíduo desenvolver desnutrição é eminente3 •
A desnutrição interfere em praticamente todos os sis- A doença, quase sempre, incorre em modificações do
temas orgânicos, afetando as funções mecânicas, metabó- metabolismo do paciente, não só pela própria enfermida-
licas, imunológicas e funcionais. Em conseqüência, a mor- de, como também pelo tratamento efetuado. Essa situa-
bimortalidade cirúrgica, o tempo de internação e os cus- ção pode determinar diminuição da ingestão de alimentos
tos hospitalares estão diretamente relacionados com o ou até jejum, acompanhado, em geral, de aumento das
estado nutricional do doente. Por isso, pacientes desnutri- necessidades nutricionais, assim como utilização alterada
dos devem ser avaliados no pré-operatório e, se necessá- dos alimentos, caracterizando desequilíbrio metabólico.
rio, submetidos a terapia nutricional, por sete a dez dias. Existe, conseqüentemente, na doença, enorme potencial
A freqüência de desnutrição em pacientes hospitaliza- de alteração da composição corpórea (diminuição de
dos foi descrita como sendo entre 10% e SO(W. No massa muscular e tecido adiposo) e das fu nções orgânicas
Brasil, o Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional do indivíduo3• A esse estado denomina-se desnutrição.
Hospitalar avaliou 4.000 doentes adultos, internados pelo Segundo Jellife\ a desnutrição é um estado mórbido
Sistema Único de Saúde em hospitais gerais, e identificou secundário à deficiência ou ao excesso, relativos ou abso-
prevalência de desnutrição de 48,1 %, sendo 12,6% deles lutos, de um ou mais nutrientes essenciais.
desnutridos graves 2• A terminologia e a definição dos diferentes estados da
A definição de desnutrição é ampla, motivo pelo qual desnutrição têm sido ponto de controvérsia ao longo de
vários autores ao longo dos anos têm utilizado nomencla- decênios, sendo que o termo desnutrição protéico-calóri-
turas diferentes. Por se tratar de quadro carencial de ca refere-se ao conceito antigo e questionáveiS, que surgiu
macro e micronutrientes, é preferível usar-se um termo após inúmeras dúvidas sobre o diagnóstico de kJvashior-
genérico, como desnutrição pluricarencial. kor ou desnutrição protéica das crianças.
A palavra k1vashiorkor, inicialmente usada no princípio
do século XX para definir o estado nutricional de crian-
Desnutrição
ças africanas desnutridas, significa, na língua de Gana, "a
Definição doença da criança substituída". Na verdade, essa palavra
foi usada pela Dra. Cicely Williams para definir a síndro-
O estado nutricional adequado é reflexo do equilíbrio me (mais tarde identificada como desnutrição protéica)
entre a ingestão balanceada de alimentos e o consumo de que ocorreu em crianças privadas do aleitamento mater-
energia necessário para manter as funções diárias do no, em conseqüência do nascimento de um novo bebê.
organismo. Sempre que existir algum fator que interfira Essas crianças foram, por conseguinte, alimentadas com

347
..----------------------------------------------------------------
• Fundamentos em Clín ica Cirúrgica

mingaus ricos em carboidratos e pobres em proteínas, e Na verdade, a desnutrição é uma síndrome carencial
apresentaram baixo peso, crescimento inadequado, de macro e mkronutrientes, podendo, no entanto, haver
edema de membros inferiores e ascite 5. O uso da palavra a predominância de determinado tipo de deficiência
kwashiorkor tem prevalecido ao longo de decênios, muito sobre os outros. Por conseguinte, o termo mais adequa-
mais pelo seu valor histórico do que por sua correta apli- do para defini-la deveria ser desnutrição pluricarencial.
cabilidade na deflllição do estado nutricional.
Logo após a li Guerra Mundial, a O rganização
Etiologia
Mundial da Saúde (OMS) enviou pesquisadores para os
países subdesenvolvidos para investigarem as causas e E ntre os principais fatores de risco associados ao
a freqüência do kwashiorkor. O Brasil enviou relatório desenvolvimento da desnutrição comunitária, pode-se
no qual enfatizou as diferenças entre o kwashiorkor e o citar a falta de recursos financeiros para adquirir os ali-
marasmo, este último também chamado de jejum p ar- mentos, tanto em quantidade como em qualidade. O utro
cial ou desnutrição hipocalórica. Os casos intermediá- fator é o desconhecimento sobre a importância da ali-
rios entre o k1vashiorkor e o marasmo foram também mentação balanceada e adequada (principalmente com a
descritos. Como conclusão dos relatórios, passou-se de cultura das comidas pré-preparadas e rápidas). Além
nome nati vo (tipo código) p ara nome causal: desnutri- disso, soma-se a ausência de utensílios para a preservação
ção protéica•. No mesmo período, em razão de se crer e preparação adequada dos alimentos. Os fatores emo-
que as taxas de kwarshiorkor eram exorbitantes no cionais, como depressão e isolamento social (principal-
mundo, as Nações Unidas desenvolve ram um grupo de mente de idosos), não podem ser também ignorados.
estudo e de aconselhamento em suplementação de pro- Os pacientes hospitalizados, além dos fatores comuni-
teínas para estimular a produção de dietas infantis ricas tários mencionados, podem sofrer influência de outras
nesse nutriente. variáveis de risco para o desenvolvimento de desnutrição,
Posteriormente, na década de 70 do século passado, inerentes à própria doença e à hospitalização por si só.
dúvidas começaram a surgir sobre a realidade do quadro Por muitos anos, acreditou-se que a principal causa da
de desnutrição protéica. Os estudos dietéticos epide- perda de peso em doentes internados fosse aumento do
miológicos mostraram que quase todas as dietas, em paí- gasto energético e do catabolismo associados ao estresse
ses diferentes, atingiram as necessidades protéicas deter- metabólico. Isso decorreu, essencialmente, do uso inade-
minadas pela OMS, ao contrário das necessidades ener- quado de métodos não precisos para quantificar o gasto
géticas que se encontraram abaixo das recomendadas. energético. As medidas do gasto energético total (GET)
McClaren, em estudo provocativo denominado "O foram, até recentemente, realizadas apenas em pacientes
grande fiasco da proteína", mostrou que o marasmo foi gravemente enfermos, internados em unidades de trata-
muito mais prevalente que o kwashiorkor e atacou vigo- mento intensivo , nos quais foi possível medir continua-
rosamente a política adotada pelas Nações Unidas6 • mente o consumo de oxigênio e a produção de dióxido
Gopalan, na Índia, mostrou que as crianças desenvolve- de carbono. Os resultados obtidos têm sido muito variá-
ram tanto marasmo como kwashiorkor, independente- veis, porém os valores medianos não têm sido tão dife-
mente de ingestão dietética quantitativa e qualitativa- rentes quando comparados a indivíduos sadios. Mesmo
mente semelhantes 5• Para contemporizar essa falta de em pacientes com câncer de pulmão e síndrome da imu-
consenso, o termo desnutrição protéico-calórica ou nodeficiência adquirida, tem-se demonstrado, por meio
energética surgiu como a terminologia que abrangeu o de medidas com isótopos marcados, que o GET não se
grande espectro da síndrome: de um lado, o marasmo, encontra aumentado, ao contrário do demonstrado em
refletindo deficiência de energia; do o utro lado, o k was- alguns estudos anteriores. Pelo co ntrário, o GET encon-
hiorkor, resultado de relativa deficiência de proteínas. tra-se muitas vezes dimin uído por causa do repouso no
Assim, a herança da terminologia, proveniente dos estu- leito e conseqüente diminuição da atividade física, sendo
dos infantis, foi adotada para populações adultas e con- esta última uma variável importante para composição
tinua sendo usada até o momento, sem considerar as dos níveis de GE T 7 •
deficiências de micronutrien tes, que também ocorrem O fator determinante da perda de peso não parece,
em conjunto com as de macronutrientes. então, ser o G E T, mas sim a presença de outras variá-

348
Capítulo 28 .: Cirurgia no paciente desnutrido

••
veis, co mo a resposta o rgânica ao trauma e a presença Quadro 28.1 .: Etiologia da desnutrição
de infecção e inflamação que interferem negativamente ----------------------------------------------··
Fatores socioeconômicos e culturais •
sobre a vontade de comer, a capacidade de absorver Falta de recunoe fiíWíêdíOõí
nutrientes e a manutenção da composição corpórea. laolamento social. priftc:ipalmcnle do ídolo e do
Essas alteraçõ es são secundárias à liberação de citoci-
es.,
nas, glicocorticóides, catecolaminas, in sulina e fatores
de crescimento relacio nados à insulina, os quais são Fatores emocionais

fundamentais para desencadear a resposta o rgânica. A


absorção de nutrientes pode o u não ser influenciada
Fatores relacionados à doença
por essa cascata de eventos, mas, em pacientes com
doenças do trato gastrointestinal, este é mais um fator ObltiUÇio
nas causas da desnutrição8 • Aumento da denwlda máab6lica
A diminuição da ingestão de alimentos é crucial no Perdia aumenc.das
Doençia cr6nicas preeütences
desenvolvimento da desnutrição relacionada à doença.
lmpoliçlo de restriç6es alimentares
E ntre as causas, é possível verificar o papel das substân-
Outros fatores
cias que atuam no sistema nervoso central. Como exem-
Desc:onhecimcnto e nio-valorizaçio doa aspectos nutricionais por
plos, destacam-se a liberação de citocinas po r tumores parte das equipes de saúde
malignos, a obstrução da o rofaringe e do trato gastroin- prolongada
testinal al to por lesões inflamatórias e tumorais, os fato- Ausmcia de denres
res emocionais, co mo depressão e doenças psiquiátricas,
e a dor. O utros exemplos são os problemas respiratórios
e a incapacidade de comer sozinho por demência e/ ou Fisiopatologia
restrição física.
A pio ra do estado nutricional em indivíduos previa-
A má-absorção intestinal de nutrientes, decorrente de
mente sadios resuJ ta em numerosas deficiências fu ncio-
doenças do trato gastrointestinal, como no caso de insu-
nais como apatia, letargia, alterações da capacidade inte-
ficiência pancreática, síndrome do intestino curto, doen-
lectual, depressão, ansiedade, irritabilidade, além de
ças inflamatórias intestinais, fistulas digestivas e entero-
perda de peso e diminuição das capacidades respiratória,
patias, é outro fator de risco para o desenvolvimento da
cardíaca e termorregulatória. E m crianças e adolescentes,
desnutrição relacionada com a doença.
o retardo do crescimento é outro sinaJS.
A presença de doenças crônicas, como insuficiência
Diversos fenômenos orgânicos ocorrem como con-
renal crô nica, hepatopatias, doença pulmonar obstrutiva seqüência da desnutrição e afetam praticamente todos os
e outras, são causas de distúrbios metabólicos que inter- sistemas. Um dos mais afetados é o trato gastro intestinal
ferem na utilização e mobilização de nutrientes corpo- que, além da sua função na digestão e na absorção de
rais, afetando o estado nutricional dos doentes ao lo ngo nutrientes, é considerado impo rtante órgão imunológico
dos an os. ao atuar como barreira à entrada de microrganismos.
Por último, o desco nhecimento médico sobre ques- Os compon entes da barreira intestinal são a própria
tões nutricionais é mais uma das causas, esta iatrogên.ica, mucosa intestinal, a mucina, a microb io ta simbió tica,
de desnutrição. A ausência de condu tas de avaliação do o s anticorpos secretá rios específicos (p.ex., a I gA
estado nutricio nal e de tratamento precoce não só dos secretá ria) , os m acró fago s e outras células im unológi-
pacientes com carências prévias, mas também daqueles cas da lâmina própria do intes tino e d os linfonodos
que, po r força da enfermidade, têm a ingestão e a absor- mesentéricos. T odos esses co mpo nentes dependem de
ção de nutrientes diminuídas, com concomitante aumen- nutrição adequada para a sua preservação. As células
to do gasto energético, induz à piora do estado nutricio- epiteliais do intestino são renovadas a cada dois a três
nal à medida que os pacientes permanecem internados dias, graças a substratos nutritivos recebidos pelo
por períodos maiores de tempo. No Q uadro 28.1 estão lúmen intes tinal e sangue. Assim sendo , a ausência de
resumidas as principais causas de desnutrição. nutrientes, a diminuição do fluxo circulatório e fenô-
349
•• • Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

menos hormonais podem interferir diretamente na te diminuição do número de bactérias fagocitadas por
capacidade de regeneração da mucosa intestinal. O célula. A expressão do MHC correlacionou-se direta-
melhor esúmulo tráfico para a proliferação de células mente com a gravidade do es tado nutricional.
é a presença de nutrientes no lúmen intestinal. O Recentemente, Twomey et al. 11 evidenciaram que a des-
jejum, por curto período de tempo, em indivíduos nutrição diminui a capacidade das enzimas mitocon-
voluntários sadios resulta em alterações das enzimas, driais dos linfócitos.
do fluxo sangüíneo, do tempo de trânsito intestinal, do A capacidade muscular de indivíduos desnutridos
tamanho das vilosidades intestinais, da absorção e da encontra-se significativamente diminuída. Voluntários
permeabilidade intestinal e do turnover de células. O sadios tiveram sua função muscular avaliada por meio da
intesti no grosso sofre, também, co m o jejum, à medi- medida da força da mão (dinamometria manual) e esta foi
da que parece perder sua capacidade de absorver água diretamente correlacionada com a massa muscular total
e eletró litos, apesar de ter sua capacidade secretária deles. D essa forma, a diminuição de massa muscular
estimulada. Roediger8 mostrou que mesmo o íleo tem encontrada em estados nutricionais depauperados está
sua atividade secretária aumentada durante períodos associada à diminuição da capacidade funcional. A asso-
de jejum, o que pode explicar os episódios de diarréia ciação entre desnutrição e diminuição da capacidade fun-
em pacientes com des nutrição grave, associados a cional é provável fator causal de maior incidência de
mortalidade aumentada. Winter et al. 9 mostraram dimi- pneumonias em pacientes desnutridos. Es tes doentes têm
nuição da função diges tiva em pacientes desnutridos
alteração da capacidade contrátil dos músculos respirató-
(síntese p ro téica, secreções gas tropancreáticas e absor-
rios com concomitante fadiga respiratória precoce. Esse
ção de go rduras e xilose) quando comparada com a de
estado dificulta a expectoração, o que favorece o cresci-
indivíd uos sadios.
mento bacteriano. Zeiderman e Jchahon 15 mostraram
A função imunológica de doentes desnutridos é alte-
que pacientes com câncer gastrointestinal e com perda de
rada, o que provavelmente incorre na incidência aumen-
peso apresentaram também diminuição da fo rça de con-
tada de complicações infecciosas vistas nesse grupo de
tratilidade do músculo adductor pollicis. As alterações fun-
pacientes. Contudo, é extremamente difícil conseguir
cionais musculares da desnutrição surgem antes das
definir como a im unidade desses indivíduos é afetada
mudanças dos parâmetros antropométricos e laboratoriais.
em conseqüência somente da desnutrição, sem sofrer a
Pacientes submetidos a tratamento cirúrgico têm
interferência de outros fatores de confusão, principal-
retardo de cicatrização com aumento de probabilidade
mente porque a presença de doenças crônicas e im uno-
lógicas po r si só alteram a imunidade. Alguns estudos de deiscência da ferida operatória e das anas tomoses. O
têm mostrado que a desnutrição é fator de risco para processo de cicatrização está intimamente relacionado
diminuição d a resposta imunológica 10•11 • Segundo com a capacidade de produção de colágeno, o que por
Chandra e Kumaryl 2, a imunidade celular encontra-se sua vez está diretamente relacionado com os estoques de
prejudicada em presença de desnutrição. Pacientes des- proteínas disponíveis. Haydock e H ill 16 mostraram que
nutridos com câncer de cabeça e pescoço tiveram a pacientes desnutridos tiveram diminuição da produção
expressão do HLA-DR de monócitos significa tivamen- de hidroxiprolina, proteína percursora do colágeno. A
te diminuída quando comparada com a de pacientes desnu trição também diminui o fluxo sangüíneo esplânc-
não-desnutridos 11 • Ek et al. 13 mostraram que indivíduos nico, o que por si só interfere na motilidadc do trato gas-
idosos desnutridos apresentaram boa correlação entre a trointesrinal, aumentando a ocorrência de íleo adinâmi-
resposta a testes de sensibilidade cutânea diminuída e co no pós-operatório.
parâmetros antropométricos também diminuídos. E sse A farmacocinética de algumas drogas, comu os arni-
mesmo grupo de pacientes apresentou risco aumentado noglicosídeos, encontra-se alterada, principalmente
para o desenvolvi mento de úlceras de decúbito e maior quando coexiste hipoalbuminemia. A albumina é carrea-
mo rtalidade. Welsh et a1. 14 mostraram que pacientes dora de diversos metabó litos.
cirúrgicos desnutridos apresentaram redução do com- Em resumo, as complicações advindas da desnutri-
plexo de histocompatibilidade maior tipo II (MHC) ção têm impacto negativo na morbidade e mortalidade
quando estimulados com interferon-"Y, com conseqi.ien- dos doentes desnutridos.

350
Capítulo 28 .: Cirurgia no paciente desnutrido

••
Diagnóstico Reilly et aLz.1 identificaram, à internação, pacientes com
risco de desnutrição e os analisaram em função de com-
Existem diversas maneiras de se realizar a avaliação plicações, tempo de internação e custos. Esses autores
do estado nutricional, sem que, no entanto, exista a téc- mostraram que os doentes com algum fator de risco para
nica considerada padrão-ouro, ou seja, aquela que apre- desnutrição apresentaram aumen to do número de com-
senta alta sensibilidade e especificidade. a realidade, a plicações, do tempo de internação e da mortalidade. O s
avaliação nutricional ideal ainda não foi definida, talvez custos associados a esses pacientes estiveram aumentados
devido à complexidade das va riações individuais em rela- em cerca de US$ 1.700,00. Meguid et al.21 evidenciaram
ção à composição corpórea e à resposta de cada um às que pacientes desnutridos tiveram permanência hospita-
doenças e situações de estresse. Dever-se-ia, po rém, pre- lar aumentada, com concomitante aumento dos custos de
ferir como técnica mais adequada aquela que fosse práti- cerca de US$ 5.000,00 por doente, o que acarretou gasto
ca e fácil de ser realizada pela maioria dos analisadores, anual estimado de 18 bilhões de dó lares americanos. Mais
que não fosse invasiva, nem demandasse aparelhos, que recentemente, Chima et al.14 mostraram, por meio de
pudesse ser realizada à beira do leito e tivesse sensibilida- estudo prospectivo, que pacientes com algum fator de
de e especificidade apropriadas. risco para desnutrição apresentaram em relação a contro-
O objetivo da avaliação nutricional é diagnosticar o les nutridos tempo médio de internação significativa men-
estado nutricional e identificar pacientes com risco te superior (seis dias t'ersus quatro dias). Além disso, os
aumentado de complicações devido ao seu estado caren- pacientes desnutridos representaram maior custo hospita-
cial e, conseqüentemente, criar opções para tratamento lar (USS 6.196,00 versus 4.563,00) e maior risco de interna-
com o intuito de diminuir a morbidade e mortalidade. E ste ção domiciliar após a alta hospitalar (31% f!ersus 12%).
assunto é discutido com mais detalhes no Capítulo 7 - o Brasil, o IBRA UTRl 2; evidenciou que pacientes
N 11trirào e Cimrgia. desnutridos apresentaram incidência de complicações
significativamente aumentada quando comparados com
Impacto da desnutrição na os nutridos (27% t'erslls 16,8%). O tempo de internação
hospitalar e a mortalidade foi maior no grupo de pacien-
morbimortalidade operatória tes desnutridos (16,7 d ias vers11s 1O,1 dias e 12,4% t•ersus
Pacientes hospitalizados desnutridos apresentam pro- 4,7% , respectivamente).
babilidade de complicações na sua evolução cünica entre
duas e 20 vezes maior, quando comparados com enfermos
Indicações de terapia nutricional
nutridos" . Pacientes com desnutrição grave tiveram índices
de complicações de 42% , enquan to aqueles com desnutri- Pacientes desnutridos graves beneficiam-se de terapia
ção moderada apresentaram 9% 'K. Weinsier et al.'9 mostra- nutricio nal pré-operatória quando vão submeter-se a
ram que pacientes desnutridos tiveram índice de mortalida- operações programadas, principalmente nos casos de
de três vezes superior ao daqueles que se encontravam grande porte. O estudo do T"eterans Administratiofl" mos-
nutridos. Seltzer et al.lJl regjstraram que doentes com perda tro u que pacientes desnutridos graves que receberam
de peso acima de 4,5kg tiveram aumento de 19 vezes na nutrição parentera1 pré-operatória tiveram significativa
mortalidade. Meguid et al. 21 identificaram, em pacientes redução de complicações, principalmente infecciosas. O
submetidos a tratamento cirúrgico de câncer colorretal, mesmo resultado não foi encontrado em pacientes nutri-
mortalidade de 12% em pacientes desnutridos e de 6% em dos ou desnu tridos moderados. Nesses últimos, de acor-
pacientes nutridos. do com a situação, também se faz necessário o retardo
A desnutrição influencia negativamente a evolução do procedimento cirúrgico. Em situações em que o
dos pacientes, com concomitante aumento do tempo de paciente tiver que se submeter a p ropedêutica comple-
internação e custos. Robinson et al. 22 mostraram que mentar que demande acréscimo de dias em jejum, a tera-
pacientes desnutridos à internação tiveram seu tempo de pia nutricional também deverá ser avaliada. E ste assunto
permanência hospit.'llar aumentado em média seis dias, é detalhadamente abo rdado no Capítulo 7 - Nutrição e
quando comparados ao grupo de pacientes nutridos, com Cimrgia. o Quadro 28.2, estão expressas as indicações
um aumento de gastos de US$ 9.000,00 por paciente. principais de terapia nutricional perioperató ria.

351
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 28.2 .: Indicações de terapia nutricional perioperatória


--
..............................................................................................................
Pré-operatório
.. normatizar a prática da terapia nutricional no país. N o
entanto, não basta que essas leis tenham sido criadas e
publicadas; é importante que sejam difundidas e postas
em prática. As informações sobre a prevalência de des-
nutrição e o impacto desta sobre a morbidade, a mortali-
P6s-operat6rio dade, o tempo de internação e os custos hospitalares
Pacieotea aubmeâdos a gruda openções, iodepeadentcmente também devem ser co nhecidas pelos profissionais de
do estado nutticioJlal saúde. Para isso, é fundamental que o ensino de Nutrição
Pacialtea deanutriclot que permanecerio em jejUm por maia de
e de Terapia Nutricional passem a ser rotineiros.
cincodiu
Pacientes nutridos que pennanecerio em jejum por mais de
setediu
··-------- __
..........................................................................................
Referências

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Sem dúvida, as portarias 272 e 337, assim como a 38 Reversible impairment in monocyte major histocompatibiliry
do Ministério da Saúde do Brasil (1998, 1999/7 foram co mplex class li expression in malnourished surgical patients.
atos importantes que o go verno brasileiro adotou para J Parent Enter Nutr. 1996;20:344-8.

352
Capftulo 28 .: Cirurgia no paciente desnutrido

••
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353
29
CIRURGIA NO
PACIENTE
OBESO MÓRBIDO
•• •
Marco Túlio Costa Diniz, Soraya Rodrigues de Almeida San ches,
Alexandre Lages Savassi Rocha

Introdução hospitalar e abordagem multidisciplinar (cirurgião, clínico


ou endocrinologista, anestesiologista, enfermeira, fisiotera-
Define-se como paciente obeso mórbido ou obeso peuta, psicólogo, nutricionista etc.) são elementos impor-
classe III aquele que apresenta índice de massa corpórea
tantes para a obtenção de bons resultados 2•
(IMC) igual ou maior que 40kg/m2. '
A incidência da obesidade mórbida tem aumentado de
forma alarmante em vários países do mundo (inclusive no Fatores de risco associados à obesidade
Brasil), atingindo proporções epidêmicas. Além de ocasio-
nar piora significativa da qualidade de vida, a doença favo- A obesidade mórbida relaciona-se diretamente ao sur-
rece o surgimento de inúmeras afecções e determina mor- gimento de diversas doenças, algumas das quais determi-
talidade precoce e elevada nesse grupo de pacientes. nam aumento do risco anestésico-cirúrgico. O diagnósti-
Indivíduos entre 25 e 34 anos apresentam mortalidade co e controle dessas condições constituem a etapa inicial
cerca de 12 vezes maior que a da população geraF. do preparo pré-operatório.
O número de operações realizadas em pacientes A solicitação indiscriminada de exames pré-operatórios
obesos mórbidos tem aumentado, compreendendo de maior complexidade para esses pacientes não encontra
atualmente cerca de 1% a 2% dos procedimentos cirúr- respaldo na literatura2• A propedêutica pré-operatória,
gicos3. Isso se deve, em grande parte, à difusão das ope- assim como nos pacientes com peso normal, deve ser dire-
rações utilizadas para tratamento da obesidade mórbida
cionada pelo exame clinico e pelas doenças preexistentes.
(operações bariá tricas).
A perda de 5% a 10% do peso corporal pode contri-
A obesidade mórbida aumenta significativamente a
buir significativamente para o controle das comorbidades
dificuldade técnica de vários procedimentos e torna
existentes, e deve ser recomendada a todos os pacientes5•
necessária infra-estrutura hospitalar especial. Os pacien-
tes apresentam freqüentemente condição clinica precária Embora se considere que obesos mórbidos apresentem
e várias comorbidades, tolerando mal as complicações 2• maior incidência de complicações pós-operatórias, esse
Esses fatores fazem com que eles constituam grupo à conceito tem sido questionado, não havendo evidências
parte no contexto da clinica cirúrgica. cientificas que o comprovem6•7 • Por outro lado, a ocorrên-
Deve-se salientar que a obesidade mórbida não repre- cia de complicações é muitas vezes desastrosa devido ao
senta contra-indicação à realização de operações que cons- equilíbrio extremamente frágil das funções orgânicas desses
tituam a melhor alternativa terapêutica' . Por outro lado, pacientes. As principais comorbidades dos obesos mórbi-
preparo pré-operatório cuidadoso, adequação do ambiente dos estão sumariadas no Quadro 29.1.

355
••• Fundamentos em Clínica Cir úrgica

Quadro 29. 1 .: Principais comorbidades em pacientes obesos A perda de pelo menos 10% do peso corporal pro-
mórbidos porciona melhora efetiva do quadro, constituindo um
-------------------------------------------··• dos pilares do tratamento. O paciente deve ser orientado
a dormir em decúbito lateral (nessa posição, é menor o
Distúrbios cardiovasculares risco de obstrução das vias aéreas) e a evitar o uso de
álcool e sedativos8 •
DiabtltJ mtlliluJ
A utilização do CPAP (continuous positive ainvqy pressure),
que consiste na aplicação de ar comprimido por meio de
máscara nasal firmemente aderida à face do paciente, pode
fnd rome metabótica
ser necessária durante o sono no intuito de prevenir o
colapso da via aéreas.
Alterações hepáticas
• A hipoventilação do obeso se caracteriza pela ocor-
··------------------------------------------- rência de hipoxemia (P02 < SSmmHg) e/ ou hipercapnia
(PC02 > 47mmHg) de caráter crônico, que ocorre(m)
devido a diversos fatores: aumento da demanda ventila-
Distúrbios respiratórios
tória e do consumo de oxigênio, ineficiência da muscula-
A obesidade é fator de risco independente para a tura respiratória, diminuição da complacência pulmonar
sínclro me de apnéia obstrutiva do sono, que ocorre em e do volume expiratório residual, aumento da produção
mais ele 40% dos obesos mórbidos (principalmente de C0 2, diminuição do reflexo genioglosso e da resposta
nos do sexo masculinot A síndrome tem caráter crô- central à hipercapnia e à hipoxemia5·R.
nico e progressivo, caracterizando-se pela ocorrência A síndrome de Pickwickian representa o estágio mais
de episódios de obstrução total ou parcial das vias avançado da hipoventilação8• A hipoxemia grave e pro-
aéreas durante o sono, de for ma cíclica e repetitiva . A longada determina o surgimento de hipertensão pulmo-
interrupção do fluxo aéreo resulta em hipoxemia e nar, que pode originar quadro de insuficiência cardiaca
hipercapnia. Ocorrem inúmeros " microdespertares"
(cor pu/mona/e). A ocorrência de arritmias atriais e ventri-
culares é freqüente nessas
durante o sono, durante os quais a patência das vias
aéreas é restabelecida, e\'itando as conseqüências da
hipoxemia prolongada 5·s. Distúrbios cardiovasculares
os indivíduos que apresentam essa síndrome, o
sono é fragmentado e não-reparado r, o que resulta em A obesidade mórbida constitui fator de risco inde-
sonolência excessiva no período diurno. Outros acha- pendente para doença cardiovascular em ambos os
sexos. Relata-se incidência de 25% a 60% de hipertensão
dos clínicos incluem ro nco al to, fadiga, déficits cogni-
arterial sistêmica e de 50% a 75% de coronariopatia nes-
tivos e alterações comportamentais 8 .
ses pacientes5 . O risco de morte súbita também é signifi-
A sindrome da apnéia obstrutiva do sono é reconhe-
cativamente maio r. Esses distúrbios são os principais res-
cida atualmente como causa secundária de hipertensão
ponsáveis pelos índices elevados de morbimortalidade
arterial sistêmica, freqüentemente refratária à terapia
observados em obesos mórbidos.
medicamentosa e que apresenta maior tendência a cau-
A resistência à insulina e a hiperinsulinemia, freqüente-
sar lesões de órgãos-alvo, como a hipertrofia ventricu-
mente associadas à obesidade mórbida, constituem tam-
lar esquerdas. Além disso, a síndrome favorece o surgi-
bém fatores de risco independentes para doenças cardio-
mento ou agravamento de condições co mo insuficiên- vasculares. A hiperinsulinemia relaciona-se diretamente à
cia cardiaca co ngestiva, isquemia miocárdica, arritmias hipertrofia ventricular esquerda e ao aumento da relação
cardiacas e distúrbios do metabolismo da glicoses. entre a massa ventricular esquerda e o volume diastólico
O diagnóstico é confirmado por meio de polissono- final 1•9 • Estudos prospectivos e epidemiológicos têm
grafia, exame que monitora o sono de forma continua, demonstrado sua associação com as doenças isquêmica
avaliando também oxigenação, movimentos respiratórios coronariana e vascular cerebral, atuando como fator de
e atividade cerebral (por meio de eletroencefalografia? . hipertro fia vascular·10 .

356
Capítulo 29 .: Cirurgia no paciente obeso mórbido

••
Dislipidemia central) 11 . Sua etiologia é complexa, relacionando-se a
alterações bioqtúnúcas ainda parcialmente compreendi-
A prevalência da dislipiderrúa em pacientes com obe-
das. Resistência à insulina, disfunção endotelial e ativação
sidade mórbida varia entre 15% e 25%. São mais comuns
crônica do sistema imunológico são elementos importan-
a elevação dos triglicérides e a diminuição do HDL-
tes na sua fisiopatologia 11 •
colesterol. O aumento do LDL-colesterol é observado
Clinicamente, a síndrome metahólica se caracteriza
principalmente nos pacientes com obesidade visceral'·'.
pela associação de diversos distúrbios - alterações do
Essas alterações contribuem para o agravamento do per-
fil aterogênico, especialmente quando associadas a outros metabolismo da glicose (intolerância à glicose, diabetes
fatores de risco (tabagismo, hipertensão arterial etc.) 1•5• me/litus), dislipiderrúas (hipercolesterolerrúa, níveis baixos
de HDL, hipertrigliceridemia), hipertensão arterial, insu-
ficiência cardíaca, apnéia obstrutiva do sono - os quais
D iabetes mellitus favorecem direta ou indiretamente o surgimento da ate-
A associação entre obesidade mórbida e diabetes me/li- rosclerose11. A ocorrência de estado pró-trombótico (ele-
tus tipo 2 está bem estabelecida, observando-se aumento vação do fibrinogênio, ativação de vias de coagulação
exponencial do risco à medida que se eleva o índice de etc.) associado parece contribuir para o aumento da inci-
massa corpórea5• dência de eventos cardiovasculares aterotrombôticos
O diabetes mellitus tipo 2 se caracteriza por resistência observado nesses pacientes 11 ·3 .
insulínica (agravada pelo acúmulo de tecido adiposo vis- A perda de peso é condição primordial para evitar ou
cera!), aumento da produção hepática de glicose e insufi- minimizar as conseqüências da síndrome metabólica11 . A
ciência pancreática na produção de insulina. diminuição de 5% a 10% do peso proporciona melhora
A hiperglicerrúa crônica é responsável pela glicotoxicida- do perfil metabólico, além de facilitar o controle dos
de, que deterrrúna o agravamento da resistência insulínica e níveis pressóricos5' 11•
ocasiona o distúrbio secretário das células betapancreáticas 5•
Complicações crônicas do diabetes mellitus incluem
neuropatia, nefropatia, retinopatia e alterações macrovas- A rtropatias
culares. Distúrbios de cicatrização e risco aumentado de
A deambulação dos pacientes pode ser extremamen-
infecção constituem problemas que podem afetar a evo-
te dificultada por dores articulares e artropatias degene-
lução pós-operatória.
rativas secundárias ao excesso de peso, que acometem
freqüentemente as articulações dos joelhos e tornozelos,
Trombose venosa profunda de membros inferiores além da coluna vertebral.
Essas alterações podem impedir a movimentação
A obesidade mórbida se associa freqüentemente à
adequada no pós-operatório, agravando problemas
estase venosa de membros inferiores e constitui fator de
como retenção de secreções na árvore respiratória e íleo
risco independente para trombose venosa profunda.
Após operações bariátricas, essa complicação atinge até funcional e favorecendo a ocorrência de trombose veno-
2,6% dos casos2 • O tromboembolismo pulmonar tam- sa profunda de membros inferiores 2•
bém é mais comum em pacientes obesos mórbidos, acar-
retando índices elevados de mortalidade2•5• Alterações hepáticas
É importante que se descarte a ocorrência de trombose
venosa profunda durante o pré-operatório, evitando-se a A esteatose hepática e a esteato-hepatite não-alcoóli-
realização de qualquer operação na vigência do quadro. ca estão diretamente relacionadas à obesidade, sendo
mais prevalentes e graves nos pacientes obesos mórbi-
dos14. Existem casos de evolução para cirrose hepática, e
Sindrome metabólica
mesmo pacientes em estádios menos avançados da doen-
A síndrome metabólica (ou plurimetabólica) é asso- ça podem apresentar alterações como hipoalbuminemia
ciada ao acúmulo de tecido adiposo víscera! (obesidade e distúrbios de coagulação5•14 •

357
• Fundamentos em Clínica Cirú rgica

••
Adequação do ambiente hospitalar medicamentos anti-hipertensivos e antiarrítrnicos, sus-
pensão de hipoglicemiantes orais e substituição por insu-
Materiais cirúrgicos lina no período pré-operatório, entre outros.

O equipamento anestésico deve incluir materiais de


ventilação mecânica e intubação compativeis com o Peroperatório
porte dos pacientes obesos.
O instrumental cirúrgico (pinças, tesouras, porta-agu- O posicionamento do paciente na mesa cirúrgica
lhas etc.) também deve ter comprimento maior que o habi- requer especial atenção, em particular com a proteção
tual, de forma a tornar viável a realização das operações. das áreas de pressão, pelo elevado risco de úlceras de
decúbito e lesões nervosas nos grandes obesos.
Lesões do plexo braquial e nervo ciático podem ocor-
Mobiliário rer com maior freqüência no obeso. Lesões de estira-
mento podem ser causadas por abdução extrema do
Os leitos hospitalares devem ser adequados aos
braço ou por compressão. Os nervos ciático, femoral,
pacientes obesos, com dimensões apropriadas e resistên-
cutâneo lateral e ulnar são susceptiveis às lesões de tra-
cia superior aos demais. A possibilidade de transporte do
ção. Essas lesões estão relacionadas com índice de massa
paciente no próprio leito para outras unidades (centro de
corpórea > 38kg/m2• Pacientes do sexo masculino são
terapia intensiva, setor de radiologia, centro cirúrgico
mais propensos ao desenvolvimento de neuropatia2 •
etc.) e o controle automático facilitam a mobilização des-
A posição supina é mal tolerada. Nessa posição ocor-
ses pacientes.
re aumento do débito carcliaco, do consumo de 0 2 e do
As mesas cirúrgicas devem ser adequadas para supor-
trabalho respiratório. A compressão da veia cava inferior
tar pacientes com mais de 200kg e permitir alterações de
pode levar à hipotensão no período peroperatório, que
posição (elevação e abaixamento, proclive etc.), facilitan-
pode ser evitada com a lateralização da mesa cirúrgica ou
do a execução dos procedimentos anestésicos (punções,
utilização de coxim sob o paciente.
bloqueios etc.) e cirúrgicos.
Pela possibilidade de indução anestésica e intubação
mais complicadas, recomenda-se a presença de dois
Pré-operatório anestesiologistas no momento da indução anestésica.
A monitorização deve incluir monitorização eletro-
A avaliação pré-operatória é de fundamental impor- cardiográfica continua, oximetria de pulso, capnografia,
tância nestes pacientes. Deve-se avaliar história clínica, capnometria e análise dos gases expirados. Deve-se
condições físicas, exames pré-operatórios, medicamentos determinar as medidas do volume corrente, freqüência
de uso rotineiro e antecedentes anestésicos e cirúrgicos. respiratória, volume minuto, pressão das vias aéreas,
A avaliação pré-anestésica também é aconselhável. Os complacência pulmonar, fração inspirada de 0 2 e grau
pacientes devem ser avaliados corretamente quanto à difi- do bloqueio neuromuscular (estimulador de nervos peri-
culdade de intubação orotraqueal: operações prévias, ava- féricos). O manguito para monitorização da pressão arte-
liação da abertura da boca, posição e estado dos dentes, rial deve ser adequado ao diâmetro do braço para aferi-
conformação da manclibula, distâncias esterno-mento e ção correta.
tireo-mento e mobilidade do pescoço. A equipe anestési- Medidas mais invasivas de monitorização como pres-
ca deve ter condições de utilizar algumas medidas de são venosa central (PVC) e pressão intraarterial (PIA)
exceção, como intubação com o paciente acordado, fibro- podem estar indicadas de acordo com a avaliação pré-
broncoscopia e mesmo cricotireotomia e traqueostomia. operatória e o porte da operação.
Devido ao elevado risco de trombose venosa profun- A pré-oxigenação durante três a cinco minutos é pri-
da e tromboembolismo pulmonar, preconiza-se o irúcio mordial antes da indução anestésica. Pode ser necessária
de heparinização profilática 12 horas antes do procedi- a utilização de manobra de Sellick para se evitar aspiração
mento cirúrgico. broncopulmonar.
Vários cuidados pré-operatórios são semelhantes aos A utilização de cateterismo vesical de demo ra para
destinados a pacientes não-obesos, como manutenção de monitorização do débito urinário está indicada nos

358
Capítulo 29 .: Cirurgia no paciente obeso mórbido

••
pacientes com comorbidades graves e nos excessivamen- E m casos selecionados, está indicado o uso de CPAP
te obesos, pela dificuldade de mobilização no pós-opera- ou BIPAP, além de fisioterapia respiratória.
tório imediato. A utilização de recipientes como "marre- Deve-se manter a cabeceira do paciente elevada para
cos" e "comadres" é extremamente difícil nos obesos e melhor oxigenação, além de analgesia adequada. O uso
muitas vezes constrangedora. de opióides no pós-operatório pode levar à depressão
A exposição cirúrgica pode ser difícil no paciente respiratória.
obeso mórbido. O serviço de Cirurgia deve ser equipado A imobilização prolongada deve ser evitada devido ao
com material cirúrgico adequado como afastadores, vál- alto risco de este paciente desenvolver tromboembolis-
vulas e instrumentos longos . mo pulmonar. Está recomendada a manutenção da hepa-
Algumas rotinas que regem a boa técnica cirúrgica rina proftlática por pelo menos dez dias.
devem ser mais cuidadosas no paciente obeso como
hemostasia rigorosa e prevenção de espaço vazio. A utiliza- Complicações cir úrgicas
ção de fios cirúrgicos mais calibrosos (n° 5) possibilitou a
redução da incidência de hérnia incisional em pacientes Pacientes com obesidade mórbida apresentam morta-
operados no Instituto Alfa de Gastroenterologia - lidade de 6,6% comparada com 2,6% em pacientes não-
Hospital das Clínicas da UFMG. obesos submetidos a operações gastrointestinais. Esses
Nos casos de procedimentos laparoscópicos, deve-se pacientes apresentam alta incidência de comorbidades,
lembrar que a complacência pulmonar pode ser reduzida incluindo diabetes mellitus, hipertensão arterial, hipertro fia
pelo pneumoperitônio. É necessário aumento do volume de ventrículo esquerdo, refluxo gastroesofágico e com-
minuto para adequação da respiração. plicações cardiopulmonares (síndrome da hipoventilação
A obesidade mórbida era considerada contra-indica- associada a obesidade, apnéia do sono, hipertensão pul-
monar e insuficiência ventricular direita) 2•16 •
ção relativa ao procedimento laparoscópico . A tualmente,
Em um estudo que avaliou 6.336 pacientes obesos
essa via de acesso também demonstra superioridade em
mórbidos submetidos a operações eletivas, observou-se
relação a vários aspectos, como redução da dor pós-ope-
que a obesidade aumentou o risco de infecção do sítio
ratória, redução do período de internação, menor inci-
cirúrgico. E ntretanto, o efeito da obesidade em o utros
dência de hérnia incisional etc.
tipos de complicações pós-operatórias não foi estatistica-
O uso de meias elásticas e/ ou de compressão intermi-
mente significativd.
tente dos membros inferiores nos períodos per e pós-
operatório imediato está indicado para diminuir o risco
de fenômenos tromboembólicos. Seroma
Ao final do procedimento, atenção redobrada deve
O seroma ocorre após procedimentos cirúrgicos com
ser tomada com a extubação. O paciente deve apresentar
grandes descolamentos de pele e subcutâneo. N o pacien-
nível adequado de consciência, evitando, assim, a possi-
te obeso mórbido é freqüente o aparecimento de seroma.
bilidade de obstrução das vias aéreas e broncoaspiração.
H abitualmente ocorre drenagem espontânea da coleção
pela ferida cirúrgica.
Pós- operatório O tratamento do seroma consiste na punção e/ou
drenagem dele. Nos casos de pequenos seromas, pode-se
A permanência destes pacientes em unidades de trata- optar pelo tratamento conservador.
mento intensivo no pós-operatório imediato é recomen-
dada. No entanto, a decisão sobre esse procedimento
Infecção de sítio cir úrgico
depende do exame clinico e avaliação anestésica nos perío-
dos per e pós-operatório imediato. A obesidade mórbida constitui fator de risco para
Pacientes obesos apresentam risco de desenvolver infecção do sítio cirúrgico, especialmente infecções
insuficiência respirató ria no pós-operatório . A utilização esternais e mediastinais22•26 • D evem ser utilizados antibió-
rotineira de 0 2 por cateter ou máscara nasal está indica- ticos proflláticos de acordo com o tipo de operação a ser
da nas primeiras horas. realizada. Nguyen et al. 15 observaram incidência de infec-

359
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

ção do sítio cirúrgico em 10,5% dos pacientes submeti- A combinação de todos esses fatores, associada aos
dos a I?Jpass gás trico convencional. Esse índice se reduz a procedimentos cirúrgicos abdominais com pacientes na
1,3% na via laparoscópica. Diversos autores a conside- posição supina por várias horas, contribui para o desen-
ram também como fator adicional de risco para o utras volvimento da tro mbose venosa profunda e tromboem-
operações, argumentando que nos obesos a área da feri- bolismo pulmonar.
da é maio r, o fluxo sangüíneo para o local da incisão é O diagnóstico da trombose venosa profunda ao
proporcionalmente menor, existe maior dificuldade téc- exame clinico é extremamente difícil O duplex scan é o
nica e o tempo cirúrgico é mais prolongado. melhor teste para o diagnóstico, mas sua interpretação
pode ser difícil nos pacientes obesos.
A embolia pulmonar ocorre ubitamente, podendo
Atelectasia
ser fatal. A massagem cardíaca externa geralmente é ine-
Em pacientes obesos mórbidos são comuns as com- ficaz nos pacientes obesos mórbidos. Pacientes com sín-
plicações respiratórias, especialmente após o perações drome de hipoventilação associada à obesidade e cor p111-
abdominais. A do r pós-operatória limita a expansibilida- monale apresentam pequena reserva pulmonar e risco alto
de pulmonar, levando à formação de atelectasias. de morte após embolia pulmonar leve ou moderada.
A atelectasia decorre do colabamento de um ou mais Medidas preventivas devem ser iniciadas no pré-ope-
segmentos dos lobos pulmonares. Ocorre geralmente ratório, como heparina, administrada por via ubcutânea
nas primeiras 24 horas de pós-operatório. Febre c taqui- (5.000Ul de 8 em 8 horas), ou heparina de baixo peso
cardia são os sinais mais freqüe ntes. A fisioterapia respi- molecular. As doses devem ser maiores que as adminis-
rató ria deve ser realizada, incluindo o uso de espirôme- tradas a pacientes não-obesos, apesar de não haver con-
tros de incentivo. Em pacientes com apnéia do sono, senso na literarura. Esse medicamento deve ser mantido
preconiza-se o uso de CPAP. durante a hospitalização. E mbora também não exista
As técnicas la paro cópicas proporcionam meno r inci- consenso em relação ao tempo de uso da heparina,
dência de atelectasia no pós-operatório devido a menor alguns esrudos preconizam a manutenção por pelo
intensidade da dor. A adequada analgesia pós-operató ria menos dez dias 1-.
diminui a incidência de complicações respirató rias2• O uso peroperatório de meias elásticas e/ ou de com-
pressão pneumática intermitente e a deambulação precoce
no pós-operatório também são medidas fundamentais.
Tromboembolismo pulmonar

Provavelmente, a causa mais comum de morte súbita Hérnia incisional


em pacientes obesos mórbidos submetidos a procedi-
mentos cirúrgicos é a embolia pulmonar. Esta pode A incidência de hérnia incisio naJ pode atingir 15% a
ocorrer no pós-operatório imediato o u tardio. A incidên- 20% dos pacientes obesos mórbidos submetidos a lapa-
cia de trombose venosa profunda e tromboembolismo rotomia17"18. Quando o paciente apresenta hérnia incisio-
pulmonar é de 2,6% e 0,95% , respectivamente2• na1 prévia, essa incidência pode duplicar.
Vários fatores contribuem para o aumento da inci- A etiologia da hérnia incisional é multifatorial. O
dência de trombose venosa profunda e tromboembolis- paciente obeso mórbido apresenta aumento da pressão
mo pulmonar nestes pacientes. A maioria dos obesos intra-abdominal. Vário pacientes apresentam algum
mórbidos são sedentários. Alguns apresentam degenera- grau de disfunção respirató ria, como apnéia do sono, sín-
ções articulares, o gue limita ainda mais a realização de drome de hipovencilação do obeso, o que acarreta
exercícios físicos. 1uüos ficam acamados grande parte aumento da pressão intra-abdominal.
do dia. Outros fatores que contribuem para a maior inci- A infecção do sítio cirúrgico também contribui para
dência de fenômenos tromboembólicos são: estase veno- formação da hérnia incisional.
sa e va rizes de membros inferiores, policitemia secundá- A dificuldade técnica para o fechamento da laparoro-
ria a hipoxemia crônica e níveis mais elevados de inibido- m ia e o uso de fios inadequados também estão implica-
res da fibrinólise (PAI 1). dos no aparecimento da hérnia incisional.

360
Capítulo 29 .: Cirurgia no paciente obeso mórbido

••
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361
30
CIRURGIA
NO PACIENTE
IMUNODEPRIMIDO
..------------------------------------------------------------------

Célia 1aria Ferreira Couto

Introdução tornado cada vez mais freqüentes, não é raro que o cirur-
gião seja solicitado a intervir nesses pacientes.
A influência negati va do tratamento cirúrgico e da Entre as situações que levam à imunodepressão, des-
anestesia geral sobre a função imunológica tem sido tacam-se a síndrome de imunodeficiência adqui rida e o
demonstrada 1.z. A intervenção cirúrgica causa, em indiví- uso terapêutico de agentes imunossupressores, eja para
duo imunocompetentes, imunodepre são transitória, tratamento de neoplasias ou doenças auto-imunes, seja
cuja extensão se correlaciona com a intensidade da agres- para imunossupressão pós-transplante. este capítulo,
são. O estresse cirúrgico provoca, geralmente, elevação discuti remos a ocorrência de doenças abdominais cirúrgi-
dos leucócitos, à custas de neutrofilia, mas a contagem cas em algumas dessas situações.
de linfócitos sofre declínio que parece ser mediado po r
aumento da apoptose'. A depressão da imunidade celular
é demonstrada por meio da redução da rearividade a tes- Cirurgia digestiva em condições específicas
tes cutâneos de hipersensibilidade ta rd ia, assim como de imunodepressão
pela deplcção transitória de linhagens de linfócitos T e
monócitos que expressam o antígeno HLA-DR1.z. A Infecção pelo HIV e AIDS
habilidade dos mo nócitos periféricos de expressar o
O número de casos de infecção pelo vírus da imuno-
I ILA -OR é crítica pltra o reconhecimento de antígenos
deficiência humana (HI V) e sindromc de imunodefi-
estranhos e para a resposta imunológica mediada pelos
ciência adguirida (A1O ) continua a aumenta r no
Linfócitos T -auxiliares, sendo de crucial importância no mundo. Os avanços no tratamento médico combinado
pós-operatório 1• imunossupressão pó -operatona vêm pos ibilitando au menro da sobrevida, atraso na
parece ser fator relevante para o desenvolvimento de progressão da AlO c, provavelmente, melhora da qua-
infecções e disseminação metastática nesse período2• lidade de vida dos pacientes. Con seqüentemente,
Pacientes imunodeprimidos podem apresentar doen- afccções de tratamento cirúrgico não- relacio nadas à
ças abdominais que requerem intervenção cirú rgica eleti- AlO ou complicações abdomi nais de infecções opor-
va ou de urgência, seja por condições relacionadas à pró- tunisticas ou neoplasias levam um número crescente de
pria imunossupressão, seja por doenças que ocorrem pacientes portadores de I UV ou com AID a necessitar
também em pacientes imunocompetentes. esses da intervenção cirúrgica.
pacientes, o estresse cirúrgico pode agrava r a imunode- A infecção pelo HIV leva a declinio gradual dos linfó-
pressão de base, contri buindo para a elevação das com- citos T -auxilia res (CD4+), predispondo a infecções por
plicações pós-operató rias, em especial as infecciosas. germes oportunistas ou neoplasias que caracterizam a
Como as condições associadas à imunodcpressão têm-se sínclrome clinica da Al O S. Os pacientes infectados pelo

363
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
HIV evoluem em que vão desde a infecção enterorragia, dor abdominal e febre. A ileíte terminal
assintornática com contagem adequada de linfócitos T por CMV pode mimetizar a apendicite aguda;. Úlceras e
CD4+ até aqueles co m imunodeficiência estabelecida e perfuração p odem oco rrer em sítios múltiplos no jeju-
que preenchem os critérios de diagnóstico de AIDS. n o, íleo o u cólon e levar a peritonite, com indicação
Cerca de 50% a 90% dos pacientes com AIDS apresen- cirúrgica de urgência9 • Peritonite pode ser causada tam-
tarão manifestações abdominais, especialmente diarréia e bém p or o utros germes o portunis tas como
dor abdominal. Desses, 12% necessitarão Je atemlimentu Mycobacterium avium complex, A{ycobacterium tuberculosis,
médico de urgência devido à dor abdominal, demandando Cryptococctts 11eojormans e Strongyloidel.
avaliação do cirurgião4 • Em 2% a 5% , a exploração cirúrgi-
ca será necessária5 •6 • Infecções oportunísticas e neoplasias Quadro 30.1 .: Classificação do CDC para infecção po r HTV e
AIDS em adolescen tes e adultos e defmiçào de caso s d e AIDS'
caracterizam as complicações abdominais da AIDS, fre-
qüentemente rnimetizando outras doenças comuns. Na
------------------------------------------------··
Critério Clínico •
maioria dos casos, haverá indicação apenas de tratamento Categoria A
clínico, mas pode ser necessária abordagem cirúrgica eleti- lnfecçào aguda pelo HIV, infecção assintomática pelo HIV,Iinfadenopatia
generalizada persistente
va ou de urgência. Por outro lado, pacientes com infecção
por HIV que não apresentam critério para diagnóstico de Categoria B
Angio matose bacilar, candidíase orofaringeana, candidíase vaginal persis-
AIDS (irnunodeficiência estabelecida) apresentarão um
tente, displasia ou carcinoma in situ cervical, febre o u diarréia de duração
espectro de doenças cirúrgicas e complicações semelhantes maio r que um mês, lcuco plasia pilosa o ral, herpes zoster envolvendo mais
às dos pacientes soronegativos. de um episódio ou dermátomo, púrpura trombocitopênica idiopática, liste-
riose, doença inflamatória pélvica, ncuro patia periférica
O Quadro 30.1 mostra os critérios de classi ficação da
infecção pelo HIV, estabelecidos pelo Centersfo r Diseases Categoria C
Candidíase bronquial, rraqueal, pulmonar ou csofágica, câncer cervical
Control and Prevention (CD C) dos Estados Unidos e invasivo, coccidioidomicose disseminada ou extrapulmonar, criptococose
amplamente utili zados, para a definição de AIDS' . extrapulmonar, criptosporidose intestinal crônica, citomegalovirose (outra
que não hepática, esplênica ou nodal), retinire por citomegalovirus, encefa·
lopatia relacionada ao HIV, herpes simples, histoplasmose disseminada ou
cxrrapulmonar, isosporlasc intestinal crônica. sarcoma de Kaposi, linroma
Afecções cirúrgicas relacionadas à AIDS de Burkitt, linfoma imunoblástico, linfoma cerebral primário, Mywbtuttri11m
atli«m, J.f. kansasii ou outras espécies de micobactéria disseminada ou extra-
E m pacientes com AIDS, dados de literatura referem pulmonar, M_y«Jbarteri11m lllbert«losis (qualquer sítio), pneumonia por
que as afecções cirúrgicas que demandam laparotomia Pntiiiii!XJStis rari11ii, pneumo nia recon:-eote, Jeucoencefalopatia multifocal
progressiva, sepse por Ja/111fJntlla recorrente, toxoplasmose cerebral, caque-
são causadas por doenças relacionadas à irnunodepressão
xia causada pelo HIV
em 37% a 94% dos casos; o restante se deve a afecções
Critério laboratorial
não-relacionadas à AIDss-" . Em alguns pacientes porta-
Categoria A
dores de HIV, o diagnóstico de AIDS é estabelecido no
Con de linfócitos CD4+ 500 células/ mL
ato operatórid ·9 •
Categoria B
Contagem de linfócitos CD4+ emre 200 e 499 células/ mL
Categoria C
INFECÇÃO GASTROINTESTINAL POR CITOMEGALOVIRUS (CMV)
Contagem de linfócitos CD4+ < 200 células/ mL
E OUTROS AGENTES OPORTUNISTAS
Definição de caso de AIDS
A infecção pelo CMV é comum no paciente com
AIDS e pode acometer o trato digestivo desde o esôfago Categoria clfnica o u laboratorial C ou porcentagem de CD4+ em rdaçiio
aos linfócitos totais < 14%
até o cólon, usualmente quando a contagem de CD4+
está abab.o de 200 células/ mL O tratamento é usual-
mente clinico. Febre e perda de peso são comuns. O aco-
metimento gás trico pode causar dor epigástrica, náuseas, LINFO MAS

vômitos e/ ou plenitude pós-prandial. Pode haver sangra- Os !infamas que ocorrem no pacien te com AIDS são
menta. Complicações como obstrução, perfuração e fis- !infa mas não-Hodgkin, quase que exclusivamente deri-
tulização podem demandar tratamento ctrurgico. vados das células B, corno o linfoma de Burkitt ou
Quando a infecção por CMV acomete intestino delgado Burkitt-like e os imunoblásticos de grandes células.
ou cólon, as manifestações mais comuns são diarréia, Apresentam alto grau de malignidade, são usualmente

364
Capítulo 30 .: Cirurgia no paciente imunodeprimido

••
extranodais e podem aco meter q ualquer parte do ap a- tos terapêuticos, como drenagem de abscessos, ressecção
relho digestivo. São manifestações comuns en terorra- de neoplasia e tratamento de ob strução. Esplenectomia
gia e obstrução intestinal, além de febre, sudorese e pode estar indicada para tratamento da púrpura trombo-
perda de peso. Métodos de imagem co mo tomografia citopênica, associada à imunodeficiência. Essa condição
compu tadorizada do abdo me e exame endoscópico pode ocorrer em pacientes HIV -positivos assintomáticos
com biópsia do segmento acometido são úteis no diag- ou com AIDS. Estes pacientes não respondem tão bem
nóstico. O tratamento usual é a quimioterapia, even- à curticuterapia yuantu os HIV-negativos com púrpura
tualmente associada à radioterapia. N os casos obstruti- trombocitopênica idiopática. Alguns pacientes melho-
vos, intervenção cirúrgica pode estar indicada, assim ram com o tratamento anti-retroviral co mbinado, mas
como quando há p erfuração, com p eritonite ou forma- outros necessitarão de esplenectomia para controlar a
ção de coleção intra-abdominal8 • trombocitopenia refratária' 3·'•. Os resultados da esplenec-
tomia são bons em pacientes HIV-positivos sem AIDS,
co m elevação significativa da contagem de plaquetas e de
SARCOMA DE I<APOSI
linfócitos CD4+ '5 . N esses doentes, a esplen ectomia não
Este tumor de origem m ulticêntrica pode atingir
parece acelerar a progressão da imunodeficiência. P or
qualquer órgão, sendo mais freqüente no intestino del-
outro lado, pacientes com AIDS e púrpura trombocito-
gado que no cólon. A maioria dos p acientes ap resenta
pênica apresentam morbidade e mortalidade considerá-
também lesões cutân eas características . N o trato
veis após esplenectomia, sendo o p rocedimento rara-
diges tivo, as lesões típicas são nod ulações de colo ra-
mente indicado nesses casos 16 •
ção vermelho-escura, sésseis e pro fundas. Podem cau-
sar h emorragia e obstrução do trato digesti vo, sendo
esta últi ma a apresentação cirúrgica mais relatada na D OENÇAS PERIANAIS

li teratura. Sua ocorrência, entretanto , é mais rara q ue a Os procedimentos anorretais estão entre as opera-
dos linfo mas 8•9• ções mais indicadas em pacientes homossexuais H IV-
positivos. As doenças anorretais aumentaram em fre-
q üência e gravidade após o advento da AIDS 17 •
C OLECISTITE ACALCULOSA E DOENÇA DE VIAS BILIARES
Condilo mas acuminados extensos, fístulas anais, doença
Pacientes HIV positivos com quadro clínico de colecis-
hemorroidária e ab scessos perirretais estão entre as
tite aguda podem apresentar a forma acalculosa da doença,
doenças com indicação cirúrgica. Atraso na cicatrização
rara em indivíduos imunocompetentes. Citomegalovírus,
tem sido descrito nos pacientes com maior grau de imu-
Cryptosporidium, Cryptococcus, lvfycobacterium avium complex nossupressão, com con tagem baixa de CD 4+, especial-
e Salmonella são agentes envolvidos. As manifestações
mente nos procedimentos realizados para tratamen to de
clínicas são semelhantes àq uelas da colecistite aguda
abscessos e fístulas perianais, úlceras anorretais e cân-
calculosa. O tratamento de finitivo é a colecistectomia 12 •
cer'8. A prática de sexo anal recepti vo aumenta o risco de
Em muitos pacientes pode haver colangiopatia associa-
carcinoma de células escamosas do ân us em 25 a 50
da, com elevação de enzimas hepáticas. O bstrução
vezes em relação à população heterossexual' 7 • O estado
biliar extra-hepática pode ser causada por compressão
de imunodepressão eleva ainda mais o risco de ocorrên-
externa do dueto biliar comum por linfonodos portais cia, especialmente em pacientes com AIDS em estágio
aumen tados ou por linfom a do dueto biliar co mum. avançado. Freqüentemente, há história prévia de infec-
ção por papilomavírus o u herpes simples 17 • As considera-
LiNFADEN OPATIA E ORGANOMEGALIA ABDOMINAL ções terapêuticas são as mesmas que as dos pacientes
O aumento de órgãos intra-abdominais ou linfono- HIV -negativos.
dos pode ser causado por infecções oportunísticas ou
neoplasias . Laparotomia exploradora diagnós tica, en tre- Avaliação de pacientes com AIDS e queixas
tanto, não é indicada na maioria dos casos, nos quais o abdominais agudas
diagnóstico pode ser obtido por meio de pun ção guiada
po r ultra-sonografia ou tomografia computadorizada. Quando o cirurgião é solicitado a avaliar um paciente
Laparotomia é, geralmente, reservada para procedimen- com AIDS e quadro clinico sugestivo de abdome agudo ,

365
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

o desafio diagnóstico passa pela gama variada de doenças E m pacientes com dor abdominal aguda, a laparosco-
que podem se apresentar. Algumas vezes, o paciente pia tem-se mostrado um procedimento seguro e eficaz,
apresentará doença de tratamento clinico, porém simu- sendo recomendada po r diversos autores 1921 • A laparosco-
lando doenças de tratamento cirúrgico mais comuns. pia pode ser uma " ponte" entre os procedimentos diag-
Este é o caso, por exemplo, do paciente com dor nósticos não-invasivos e a laparotornia, de maior morbida-
aguda na fossa ilíaca direita (FID), sugestiva de apendici- de, que deve ser, por esse mo tivo, evitada ou retardada em
te aguda. Savioz et al. 5 descrevem uma série de 17 pacien- pacientes com AIDS. Além da boa visualização de todo o
tes HIV-positivos com dor aguda na FID. Dos 11 abdome, a laparoscopia permite a coleta de biópsia para
pacientes sem AIDS, dez apresentaram apendicite aguda exame anatomopatológico e de liquidas pata citologia e
e um não apresentou alterações à laparoscopia. Por outro cultura. T erapia definitiva pode ser realizada, o u pode
lado, apenas dois dos seis pacientes com AIDS apresen- guiar a laparotornia. Box et al. 20 descrevem dez pacientes
taram apendicite aguda. Dos outros quatro, uma apre- com AIDS e dor abdominal, submetidos a laparoscopia.
sentou salpingite aguda e os três restantes, doenças rela- Como pode ser evidenciado no Quadro 30.2, em todos os
cionadas à AIDS: ileíte terminal por CMV, sarcoma de casos o procedimento foi útil para o diagnóstico e, em
Kaposi do apêndice e abscesso por Strep tococcus milleri na quatro deles, também para o tratamento .
FID. Infecção por rnicobactéria e li nfoma não-Hodgkin
são outras doenças relacio nadas à AIDS que podem cau-
Complicações pós-operatórias
sar dor na FID5 • O diagnós tico de apendicite aguda em
pacientes com HIV/ AlDS é ainda mais dificultado pelo Não existem dados prospectivos na literamra sobre a
fato ela leucocitose estar ausente na maioria, não descar- mortalidade e morbidade pós-operatória de pacientes
tando, mas podendo atrasa r o diagnóstico e a interven- HIV-positivos . O s dados existentes são descritivos,
ção cirúrgica5· 19 . Savioz et al. 5 sugerem que a utilização de retrospectivos e inconsistentes, com relatos documen-
tomografia computado rizada pode auxiliar no diagnósti- tando desde evolução pós-operatória altamente favo rável
co pré-operatório. até morbimortalidade proibitivamente elevada. A avalia-

Quadro 30.2 .: Ap resentação clínica e evolução de pacientes com AIOS c d o r abdominal submetidos a
••
Diagnóstico Diagnóstico Procedimento Conversão •
pré-operatório pós-operató rio Complicação
realizado pa ra aberta
In específico
FOI, dor abdominal [jnfoma peritoneal difuso Laparoscopia diagnóstica Não Ausente
FO I, dor abdominal Pcrironitc por CMV diagnóstica Não Ausente
Dor abdominal Melanoma metastático para ID Ressecçào do ID assistida Não Ausente
pela laparoscopia
Dor em QSD
Colecistite aguda Adenocarcinoma de vesícula Colecistectomia laparoscópica Não Ausente
Colecistite aguda Colecistite aguda por CJ\ IV e Colecistecmmia laparoscópica 1 ão Ausente
cri ptosporidose
Colecistite aguda Abscesso hepático miliar Laparoscopia diagnóstica Não Ausente
Dor em Q ID
Apendicite aguda Apendicite aguda com perfuração focal Apendicectomia laparoscópica Não Ausente
Apendicite aguda llcítc/ tiflire aguda Laparoscopia diagnósrica Não Ause me
Apendicite aguda Ulceração perfurada do ID Ressecçào abena do ID Sim Obstrução do lD
Apendicite aguda Cisto ovariano hemorrágico infectado Salpingo ·ooforecromia aberta Sim Pneumonia

··----------------------------------------------------------------------------------------------------
f\'-
FOI - febre de origem indc le rmmada; citomegalovírus; ID imcs tino delgado; Q S D - <{U:tdrant c :..upcrio r direi to; QID- c1uad rant c in ferior direito

366
Capítulo 30 .: Cirurgia no paciente imunodeprimido

••
ção desses estudos é complexa, dada a grande variedade pacientes soronegati vos. esta mesma linha, Tran et al ..u
das po pulações estudadas, procedimentos cirúrgicos c encontraram correlação estatística entre mortalidade
métodos de coleta de informações sobre as complicações pós-operatóri a e baixa contagem total de leucócitos e
cirúrgicas. Assim, após o perações do trato alimentar, há porcentagem de li nfócitos pré-operatória, baixa conta-
relatos de mo rbidade e mo rtalidade que variam de zero a gem absoluta de CD4+ pós-operatória c alta carga viral
88% e zero a 80% , respectivamentc 22• plasmática pós-operatória. Após análise multiva riada,
Em uma revisão de literatura, Rose ct al.z.1 enco ntra- encontraram a co ntagem pós-operatória de C D4+ como
ram 22 estudos que descreveram a taxa de complicações fator de risco independente para complicações tan to
pós-operatórias em pacientes infectados c não-infecta- infecciosas qua nto não-infecciosas . Outros estudos,
dos pelo HJ V. Em sete, o risco relativo de complicações entretanto, não encontraram os mesmos resuJaclos 2-"'·.
foi significativamente elevado nos pacientes H l V-positi-
vos (p<O,OS), enquanto nos outros 15 não houve dife-
Considerações nutricionais
rença estatística. D ezoito estudos descreveram complica-
ções pós-operató rias em pacientes em estágio precoce e Há mLÚtos anos se conhece o papel da desnu trição no
avançado da infecção pelo 1-JIV. Em seis, as complica- aumento das complicações c da mortalidade pós-opera-
ções cirúrgicas fo ram significati vamente mais freqüentes tória. Em 1936, o estudo clá sico de tud ley demonstrou
nos pacientes com doença avançada. os o utros 12, as aumento da mortalidade em pacientes com perda de
taxas de complicações não fo ram significativamente dife- peso acentuada no pré-operatório, submetidos a trata-
rentes o u comparações formais não puderam ser realiza- mento cirúrgico de úlcera péptica. Nesse estudo, a mor-
das devido a tam anhos de amostra mui to pequenos e/ou talidade foi de 33,3% para pacientes com perda de peso
ausência de informações suficientes. ac ima de 20%, contra 3,5% para ac1ueles q ue não haviam
Muito se tem publicado acerca dos fatores de risco para apresemaclo perda de pcsor .
complicações pós-operatórias nos pacientes com H IV. Desnutrição, perda de peso e dcpleção de tecido cor-
Mais uma vez os dados de literatura são controversos. poral magro são de ocorrência freqüente em pacientes
A morbimortalidade pós-operatória de pacientes com com in fecção pelo ILIV e AIDS c e tão associadas ao
AJO instalada, ubmetidos a operações abdominais de aumento de morbidade c mortalidade2M. O estado nutri-
urgência, tem sido relatada como elevada, com ta..xas con- cional é afetado por vários fatores, incluindo redução da
sideravelmente menores em procedirnen tos ele ti vos 11 • ingestão o ral devido a anorexia, estomatite, odinofagia,
E ntre as operações de urgência, relata-se ainda que a alteração do paladar, distúrbi os gas trointescinais como
mortalidade pós-operatória é significativamente maior náuseas e vômitos, diarréia, má-absorção, alteração do
quando a causa da o peração é uma infecção oportunísti- metabolismo inte rmediário e do aproveitamento dos
ca o u uma neoplasia, em oposição a doenças não relacio- nutrientes, e hipcrmctabol ismo com au mento do gasto
nadas à AIDS, como apendicite aguda 111•11 • Davis et al. 2 ' energético c e feitos colaterais da medicação utilizada.
encontraram maior risco de complicações de ferida o pe- Essas complicações podem ser causadas pela própria
ratória e retardo de cicatri zação em pacientes I IJ V -posi- infecção pelo 111\1, pelas doenças oporrunísticas e pelo
tivos com neoplasias malig nas intra-abdomi nais. tratamento empregado.
Embora também objeto de controvérsia, o estado A síndrom c de caquexia da A I O é de cri ta como
imunológico do paciente é um dos fatores de risco mais perda de peso involuntária superior a 10% do peso cor-
relatado para complicações pós-operatórias. avioz et poral usual, acompanhada po r diarréia crônica ou po r
al.z.s encontraram risco de complicações infecciosas acima fraqueza crô nica c febre documentada, na ausência de
de 50% para pacientes com taxas de CD4+ meno res que doenças intercorrentes que possam explicar os achados .
200/mm 3, submetidos a operações contaminadas. Entre Após o emprego da terapia anti-retroviral combinada,
as complicações infecciosas, relatam o risco aumentado muitos pacientes q ue anteriormente haviam emagrecido
para o desenvol vimento de in fecções oporrunísticas ou experimentaram ganho de peso. Para a maioria desses
agravamento de infecções pré-existentes. Por outro lado, indivíduos, entretanto, o ganho de peso não reflete
pacientes com contagem de CD4+ maior que 500/ mm 3 ganho de massa corporal magra, e sim ganho de gord ura
ap resentaram índice de complicações semelhantes às de corpo ral que pode ser redistribuida para a região do rso-

367
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

cervical e visceral. Esse acúmulo e redistribuição da gor- Recomendações para a prevenção da transmissão
dura corporal caracteriza a lipodistrofia, associada princi- ocupacional do HIV
palmente aos esquemas terapêuticos que empregam ini-
O sangue é a principal fonte de transmissão ocupa-
bidores de protease28 • A deficiência relativa do tecido cor-
cional do HIV. O maior risco de contaminação é por
poral magro que esses pacientes apresentam, mesmo sem
meio de inoculação percutânea. O risco de infecção após
perda de peso significativa, pode associar-se a pior evo-
acidente com punção percutânea contaminada por HIV
lução clinica28• é de aproxi madamente 0,3% (intervalo de confiança 0,2-
Pacientes com HIVI AIDS que necessitam de interven- 0,5%)30. Para o cirurgião, acidente na manipulação de
ção cirúrgica freqüentemente se apresentarão com deple- material cirúrgico cortante contaminado pode ser causa
ção do estado nutricional, aumentando o risco de compli- de infecção. A exposição de mucosas ou pele lesada a
cações pós-operatórias. Para pacientes a serem submetidos sangue contaminado pelo HIV também tem risco poten-
a operação eletiva, recomenda-se avaliação nutricional pré- cial de soroconversão, porém mais baixo que a punção
operatória, com indicação de intervenção nutricio nal percutânea30.3 1• O risco para exposição de mucosas é esti-
naqueles que apresentam desnutrição significativa. mado em 0,09% (intervalo de confiança 0,006% a
O principal método eletivo de intervenção nutricional 0,5%)30. A transmissão do HIV por acidente com mani-
é o aconselhamento nutricional com adequação da dieta pulação de fluidos corporais como sêmen, secreção vagi-
oral e o emprego de suplementos nutricionais29• Para os nal, liquor, liquidas peritoneal, pleural, pericárdico, sino-
pacientes que não conseguem alcançar ingestão adequa- via! e amniótico é menos docu mentada, mas as recomen-
da por via oral, está indicado o emprego de nutrição ente- dações para prevenção de transmissão ocupacional do
ra.l pré-operatória. A nutrição parenteral deve ser reserva- HIV se estendem a esses líquidos 32•
da a pacientes que não apresentam condições para a O Quadro 30.4 lista as precauções recomendadas para
redução do risco de contaminação cirúrgica por HJVl'-3.
absorção dos nutrientes por via digestiva.
Pacientes desnutridos que se submetem a operação Quadro 30.4 .: Recomendações para prevenção da transmissão ocu-
de urgência devem ter atenção nutricional especial no pacio nal do HlV durante o aro operatório
pós-operatório, devido ao elevado potencial de compli- Precauções-padrão •
cações. Em pacientes gravemente desnutridos, pode Rcallzar anti-scpsia cuidldosa
estar indicada nutrição parenteral até que a utilização do ;\'lanipular cuidadosamente materiais pérfuro-cortantes durante o ato
trato digestivo para alimentação seja possível e adequada. operatório
A maioria dos autores sugere que os pacientes com
H IVI AIDS ap resentam necessidades nutriCIOnais Usar proteção ocular, especialmente em procedimentos de maior risco
de aspersão de sangue ou fluidos corporais em spmy
aumentadas. O Q uadro 30.3 apresenta um dos esquemas
sugeridos para cálculo das necessidades, de acordo com a
categoria clínica em que se encontra o paciente29• A ava-
Não utilizar o dedo como guia da agulha durante sutura
liação deve ser individ ualizada e a progressão da oferta
deve ser gradual, de acordo com a tolerância. ---
Nio ra:ncapar agulhas utilizadM
ão remover, com as mãos, agulhas usadas de seringas descanáveis
Quadro 30.3 .: 1 ecessidades nutricionais específicas para os r mall:liais pérfuro-conmiiCS de IIIIIIICÍra lldcquada
diferentes estágios da infecção pelo HTV e AI DS"
Precauções-extras a se rem utilizadas em pacientes de alto risco
Categoria Recomendação Recomendação
•••
Usar duas luvas (sempre novas)
clínica calórica protéica
Usar proteção ocular (com alecas laterais)
A
B 35-40 KcalfKg de peso 1,5·2,0 g!Kg de peso
c •

40-50 Kcai/ Kg de peso 2,0-2,5 g/Kg de peso ··----------------------------------------------
As precauções universais são aquelas que devem ser
Obs: Em pacientes grnvememc dcsnuuidos e/ou com quadro agudo de inflamaçao tomadas durante procedimentos invasivos para todos os
sistêmica/ infccção recomenda-S< iniciar com 20-25 Kcai/ Kg e aumentar gradual·
mente de acordo com a tolerância c a evolução do quadro clinico geral. pacientes. Não implicam habitualmente custos extras. A

368
Capítulo 30 .: Cirurgia no paciente imunodeprimido

••
passagem de materiais pérfuro-conantes como agulhas e avaliação do tratamento anti-retroviral utilizado pelo
bisturis entre cirurgiões e instrumentadores deve ser evita- paciente ajudam a definir o esquema de profilaxia pós-
da, pois há risco de lesão inadvertida de algum profissional. exposição (PPE) a ser indicado ao profissional de saúde.
O uso do dedo em cavidades corporais como a pelve, por Se o estado soro lógico do paciente fo r desconhecido,
exemplo, para guiar a confecção da sutura é fonte potencial deve ser solicitado a ele o consentimento para a realiza-
de transmissão do HIV para o cirurgião'' . ção da sorologia para o HIV. Se a sorologia for negativa,
Quando procedimentos invasivos são realizados em usualmente não é necessário acompanhamento do pro-
pacientes portadores de HIV ou que apresentam compor- fissio nal de saúde, exceto quando o paciente é de grupo
tamento de risco, recomenda-se a adoção de precauções- de risco de infecção po r HIV, pois pode se encontrar em
extras. Considera-se comportamento de risco: promis- fase precoce da infecção, antes da viragem sorológica.
cuidade sexual e uso ilicito de drogas injetáveis. Nestes casos, a indicação de PPE deve ser avaliada em
O uso de duas luvas reduz a freqüência de perfuração base individual. D eve-se acompanhar o profissional de
da luva interna, e pode se mostrar vantajoso14 • Recomenda- saúde com exame sorológico logo após a exposição e
se a utilização de óculos protetores. O uso de proteção para depois de três e seis meses'".
os pés é desejável, uma vez que os sapatos são usualmente Quando indicada, a PPE deve ser iniciada o mais
porosos e podem se "contaminar" com sangue31 • breve possível, com duração de quatro semanas. a
A identificação dos pacientes de alto risco requer his- maioria dos casos, estará indicado o tratamento com dois
tória clínica e exame ftsico cuidadosos. Isso é importan- inibidores da transcriptase reversa, usualmente a zidovu-
te porque a utilização das precauções-extras traz algumas dina e a lamivudina. os casos de maior risco potencial
desvantagens, como a redução da sensibilidade com o de transmissão, recomenda-se a associação de um inibi-
uso de duas luvas e o desconforto e interferência na visão dor da protease, o indinavir ou o nelfi navir''.
em decorrência da proteção ocular' . O Q uad ro 30.5 resume as recomendações para a PPE
ocupacio nal ao HJV.

Recomendações para o tratamento da exposição Quadro 30.5 .: Esquemas de proftlaxia medicamentosa pós-
ocupacional ao HIV exposição ocupacio nal ao
----------------------------------------------··
Tipo de Situação em que Esquema •
A exposição ao sangue ou aos liquidas corporais lis-
esquema se aplica medicamentoso
tados no item anterior colocam o profissional de saúde
Básico Exposição ocupacional 28 dias de tralliJTlento combina-
sob risco de contrair infecção pelo HIV. Nesses casos, ao H IV para os quais do com zidovudina 600rngldia
pode estar recomendada a utilização de profilaxia medi- há risco reconhecido (300mg, 2 vezes ao dia, ou
camentosa combinada por quatro semanas. Por esse de transmissão 200mg, 3 vezes ao dia, ou
IOOmg a cada 4 horas) + Iamivu-
motivo, o manejo desses profissionais deve ser conside- dina 150mg, 2 vezes ao dia
rado com urgência. Expandido 1-:xposição ocupacional Esquema básico + indinavir
O risco de transmissão do HIV é maior quando maior ao 111 V .com risco 800mg, 3 vezes ao dia, ou nclfi-
volume de sangue for inoculado e quando a carga vira! do aumentado de trans- navir 750mg, 3 \'CZcs ao dia
rnissão (ex: maior volu-
paciente for elevada - por exemplo, em pacientes com me de sangue inocula-
AIDS em fase terminal. estes casos, a probabilidade de do ou maior carga \ira!)
infecção excede o risco médio de 0,3% 31' . •
A ferida ou o local da pele do profissional de saúde que
··----------------------------------------------
entrou em contato com sangue deve ser lavado com água e
sabão, e membranas mucosas devem ser limpas com asper- O profissional de saúde exposto ao HIV deve ser
são de água. ão há evidências de que o uso de anti-sépti- aconselhado a buscar avaliação médica em caso de apre-
cos reduza o risco de infecção por HJV31'. sentar qualquer doença aguda durante o período de
O paciente que foi a fonte do material contaminado seguimento. Manifestações como feb re, rash, mialgia,
deve ser avaliado quanto à presença de infecção por HIV. fadiga, mal-estar ou linfadenopatia podem ser indicação
Se o paciente for portador do HIV, há indicação de profi- de infecção aguda por HIV, embora possam ser também
laxia medicamentosa. A carga vira!, contagem de CD4+ e causadas por reação a droga ou outra doença aguda qual-

369

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

quer. Fazem parte também do aconselhamento ao profis- O dano da mucosa ileocecal é provavelmente a lesão
sional exposto ao HN recomendações visando a preven- inicial e parece ser multifatorial. O início dos sintomas
ção de possível transmissão secundária, caso ele tenha se após a administração dos quimioterápicos sugere que a
infectado. Durante o período de seguimento, especial- lesão da mucosa induzida por esses agentes desempenhe
mente nas primeiras seis a 12 semanas, quando a maioria papel importante na iniciação do processo patogênico. A
dos pacientes infectados apresenta soroconversão, acon- mucosa gastrointestinal apresenta células altamente pro-
selha-se a abstinência sexual ou uso de preservativo, evitar liferativas. A lesão citotóxica induzida pelos quimio terá-
gravidez e doação de sangue, órgãos, tecidos ou sêmen30 • picos impede a replicação adequada dessas células e a
Se em fase de aleitamento, deve-se considerar a desconti- reposição natural das células descamadas, ocasionando
nuidade, devido ao risco de transmissão do HN pelo leite perda da integridade da mucosa38• Outros fatores envol-
materno. O aleitamento deve também ser descontinuado vidos na lesão incluem infecção local por bactérias ou
se estiver indicado o uso da PPE30• fungos, necrose de inftltrados neoplásicos intramurais,
isquemia da mucosa devido a hipotensão induzida por
sepse, hemorragia intramural secundária a trombocitope-
Pacientes neutropênicos
nia grave e alteração da rnicrobiota intestinal normal
Neutropenia é a condição na qual o número de neu- induzida pelo uso de antimicro bianos38•39 • Uma vez ocor-
tróftlos no sangue periférico cai abaixo de 1.500 células rida a lesão primária da mucosa, uma série de eventos se
por mililitro. Evolui com prejuízo da resposta imunoló- sucede, sendo o mais comum deles a sepse. A infecção
gica, possibilitando o desenvolvimento de infecções. As secundária da mucosa danificada agrava a lesão, podendo
causas de neutropenia são numerosas, incluindo reação a provocar necrose tecidual, perfuração do cólon e perito-
drogas, doenças auto-imunes, desordens congênitas, nite. Hemocultura é geralmente positiva, sendo comum
infecções, aplasia de medula óssea, neoplasias malignas o isolamento de Clostndium septicum, Clostridium dijfiâle,
hematológicas e também síndrome da imunodeficiência Escherichia co/i, Pseudomonas spp., Klebsiella ou Enterobacter.
adquirida. A neutropenia iatrogênica ocorre com fre- Candida pode ser isolada e não é incomum o achado de
qüência crescente, como complicação de quimioterapia mais de um rnicrorganismo38 .
em altas doses, cada vez mais empregada para tratamen- As manifestações clínicas da enterocolite neutropêni-
to de neoplasias hematológicas e sólidas e no transplante ca são inespecíficas. Classicamente, quando decorrente de
de medula óssea. quimioterapia, as manifestações iniciam-se entre sete e
Entre as complicações gastrointestinais observadas dez dias após a administração dos medicamentos38•39 • É
no paciente neutropênico, a enterocolite neutropênica clinicamente caracterizada por neutropenia, febre, dor ou
pode demandar tratamento cirúrgico. Sua principal causa desconforto abdominal agudo, especialmente no qua-
é a neutropenia iatrogênica, razão pela qual tem sido des- drante inferior direito e, algumas vezes, náuseas, vômitos
crita com maior freqüência em adultos35 • e/ou diarréia aquosa ou sanguinolenta. O exame físico
pode revelar massa dolorosa no quadrante inferior direi-
Síndrome da enteroco/ite neutropênica to, que representa usualmente o ceco espessado, distendi-
do e cheio de líquido 38 • Distensão abdominal, sinais de
A enterocolite neutropênica, também chamada de irri tação peritoneal e ascite também podem ocorrer38·9 •
tiflite, síndrome ileocecal ou enterocolite necrotizante, é Entretanto, mesmo nos pacientes mais graves, os achados
um processo inflamatório que envolve segmentos do íleo físicos podem ser discretos 40 • Dor abdominal é descrita
terminal, do ceco e do cólon ascendente e pode evoluir em cerca de 75% dos pacientes, e 60% a 69% apresentam
com úlcera, necrose e perfuração36• Mais raramente, pode desconforto à palpação do quadrante inferior direito do
atingir também outros segmentos do intestino delgado e abdome36• Em alguns casos, a doença pode evoltúr para
do cólon37. Embora essa condição venha sendo progres- complicações de tratamento cirúrgico, como necrose
sivamente mais reconhecida e relatada em adultos, a etio- intestinal, perfuração de alça, estenose, fístula, sangra-
logia, a patogênese e o melhor recurso terapêutico ainda menta maciço ou abscesso39 • Choque séptico c pseudo-
são objeto de controvérsia38 • obstrução do cólon são outras complicações graves39 .

370
•••
Capitulo 30 .: Cirurgia no paciente imunodeprimido

O diagnó rico diferencial se faz com o utras manifes- da em um paciente 17 dias após o início dos sintomas,
tações digestivas q ue podem ocorrer nesses pacientes, devido à deterioração clínica progressiva, sendo enco n-
como m ucosi te induzida po r quimioterápicos, colite trada necrose intestinal. Po r fim, um paciente fo i levado
pseudo membranosa, colite isq uêmica, doença enxerto à laparotomia de urgência devido à hipótese diagnóstica
uersus hospedeiro agud a e infecções invasivas po r de apendicite aguda. E ncontrado espe sarnento e infla-
microorga nismos o po rtunistas 40"41 • mação do ceco com apêndice inalterado, optou-se po r
O estudo radiológico é o exame complementar mais não se realizar ressecção e o paciente foi submetido a tra-
adequado para avaliação diagnóstica. A radiografia simples tam ento clínico com sucesso.
do abdo me pode ser útil quando apresenta achados posi- O tratamento conservador inclui a ressuscitação valê-
tivos38. Obstrução do intestino delgado distal, espessamen- mica com reposição hid roeletro lítica vigorosa, an tim icro-
to da parede intestinal, massa no quadrante inferior direi- bianos de largo espectro, transfusão apropriada de
to o u ausência de gás no abdo me o u no quadrante inferio r hemoderivados, ad ministração do fator estimulado r de
(Ureito são achados sugestivos. " Impressões digi tais" loca- colô nias de granulócitos (G -CSF) e supo rte ino trópico
lizadas o u difusas, características de edema de mucosa, quando indicado 'H". Freqüentemente, será necessária a
podem aparecer. Pneumo peritô nio é característico de per- admissão do paciente em unidade de terapia intensiva.
furação intestinal. Ocasio nalmente, pode-se identi ficar D escompressão gástrica por meio de cateterismo naso-
pneumatose intestinal. gás trico e suspensão da alimentação o ral podem ser
A ultra-sonografia abdo minal pode demonstrar disten- bené ficas. utrição pa renteral pode ser necessária.
são de alças, espessamento de parede intestinal, alça intes- Pacientes com ileo prolongado podem se beneficiar do
tinal cheia de líquido, Líquido pericolô nico o u ascite19• Pode uso de prostigmina, outros agentes procinéticos ou
ser útil no acompanhamento evolutivo do paciente"!. cateter reta!. Acompanhamento clínico cuidadoso é reco-
Os achados da to mogra fia computado rizada do abdo- mendado, inclui ndo ava liação freqüente pelo mesmo
me são similares aos da ultra-sonografia, po rém a tomo- cirurgião e tomografia com putado rizada ou ultra-sono-
grafia pode ser mai acurada na do espessamen- grafia de abdome seriados, para monitorização do pro-
to de parede cecal"l. Além disso, pode demo nstrar a pre- gresso do tratamento ou detecção de sinais que indiquem
sença de pneumatose intestinal o u pneumoperitô nio 11>.1'. A a necessidade de intervenção cirúrgica.
tomografia tem sido considerada pela maioria dos autores Alguns pacientes evolui rão com complicações de tra-
como o melho r recurso diagnóstico tamento cirúrgico. As indicações m ais evidentes incluem:
A escolha do tratamento adequado é, muitas vezes, um 1) sangram ento intestinal persistente apesar da correção
dilema para o hematologista e o cirurgião, uma vez q ue o da coagulo patia; 2) perfuração intestinal livre na cavida-
paciente apresenta achados clínicos sugestivos de abdome de; 3) sinais de peritonite generalizada \MO'. Pac ien tes q ue
agudo. A experiência acumulada com a enterocolite neu- evoluem com sinais clínicos de deterioração, sugestivos
tropênica tem levado a maioria dos autores a indicar o tra- de scpse descontrolada, como necessidade de doses cres-
tamento conservador como a abo rdagem de escolha 168·•". centes de agentes inotrópicos e aumento do seqüestro de
A maio ria dos estudos publicados na literatura sobre liquides, também têm indicação cirúrgicalll_w_ A doença
enterocoli te neutropênica é composta po r relatos de de base influi em parte na decisão de levar o p aciente à
casos isolados. Os primeiros relatos de trata mento con- o peração. Assim, paciente em tratamento inicial de leuce-
servado r mostraram mortalidade de 50% a 100% , mia terá, provavel mente, ind icação cirúrgica mais agres-
enquanto os autores q ue o ptaram por intervenção cirúr- siva que paciente em estágio terminal e refratário aos
gica precoce relataram mortalidade meno r, em torno de esquemas de quimioterapia \8 .
25% E ntretanto, relatos mais recentes demo nstram O procedimento cirúrgico de escolha é usual mente a
boa evolução para a maio ria dos pacientes submetidos a hemicolectomia direita\8." ' . Procedimentos m enos exten-
tratamento clínico, sem necessidade de inte rve nção sos, como apend icectomia ou cecostomia, podem ser
cirúrgica \8.41'. Song et al.41 relataram 14 casos de enteroco- inadequados, uma vez que a extensão da necrose da
li te neutropênica sem mortalidade, sendo que 12 pacien- mucosa é freqüenremente maior q ue aquela visível por
tes fo ram submetidos a tra tamento conservado r. m eio da inspeção da serosa"'. D urante o procedimento, o
intervenção cirúrgica com ressecção intesti nal foi realiza- cirurgião deve decidir se realiza anastom ose p rimária tér-

371
••• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mino-terminal ou a exteriorização do intestino. Na maio- 12 • Flum DR, Steinberg SD, Sarkis AY, Pacholka JR, Wallack MK.
ria dos casos, estará indicada a realização de ileostomia The role of cholecystectomy in acquired immunoeleficiency
syndrome. J Am Coll Surg. 1997;184:233-9.
terminal com fístula mucosa, ficando a anastomose pri-
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co podem apresentar recorrência da doença em ciclos thrombocytopenia. The role o f splenectomy. Ann Surg.
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Esses pacientes, freqüentemente, evoluem com necessi-
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dade de tratamento cirúrgicd8 • Blood. 1993;82:29-32.
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372
Capítulo 30 .: Cirurgia no paciente imunodeprimido

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373
31
CIRURGIA
NO PACIENTE
ICTÉRICO

••
Marco Antonio Cabezas Andr ade,
P aula Martins

Introdução 1O% a 15% da des truição de entrocttos maduros na


medula óssea (eritopoiese ineficaz) ou dos grupos heme
O termo icterícia traduz o sinal físico secundário à das hemeproteínas hepáticas, como citocromo P450, C e
impregnação da pele, esclera e membranas mucosas pela b5, da mioglobulina, da catalase, da peroxidase e da pir-
bilirrubina sérica. A bilirrubina é um composto tetrapiró- rolase do triptofano2• as células linfo rreticulares do
lico amarelado com duas cadeias de ácidos pro piô nicos, baço, da med ula óssea e do fígado a molécula de hemo-
que apresenta fração lipossolúvel (não-conjugada) e uma globina é frag mentada pela ação da hemeoxigenase em
hidrossolúvel (conjugada). A icterícia é o bservada quan- globina, ferro e grupamento heme. Esse sofre oxidação,
do os valores da bilirrubina ultrapassam niveis séricos de transformando-se em bileverdina, que é reduzida em
0,5mg!dL a 1,0mgldL. Ao atingir valo res acima de bilirrubina, o u fração não-conjugada. A bilirrubina não-
2,5mgldL, a bilirrubina se deposita nos tecidos empres- co njugada é um composto insolúvel em água e lipossolú-
tando-lhes co lo ração amarela, mais evidente na esclera. vel, incapaz de ser excretado na bile, mas capaz de atra-
Sua alta concentração nos tecidos ocorre no espaço intra- vessar a barreira encefálica e a placenta. A bilirrubina libe-
celular, onde é capaz de determinar lesões irreversíveis de rada no plasma é transportada até o fígado, ligada à albu-
vários órgãos-alvo'.2. mina po r meio de ligação reversível entre duas moléculas
A icterícia pode ser observada em pacientes nos perío- de bilirrubina e uma de albumina, sendo praticamente
dos pré- e pós-operatórios, sendo responsável por eleva- nula a quantidade de bilirrubina livre no plasma. N o fíga-
das taxas de mo rbimo rtal.idade mediadas pela ação citotó- do, é captada de forma reversível e dissociada da albumi -
xica dos sais biliares, pelos altos índices de bilirrubina e na por meio das proteínas receptoras intracelulares Y, Z
pelo aumento das endotoxinas3•4• Diversos cuidados pré, e ligadina. No interior dos hepatócitos, é conjugada no
per e pós-operatórios com esse grupo de pacientes são retículo endoplasmático pela enzima bilirrubina-UDP-glu-
necessários, já que o próprio ato cirúrgico pode agravar o coronil transferase em mono e diglucoronideos de bilirru-
responsável peb icterícia, predispondo a complica- bina, o u fo rma hidrossolúvel da bilirrubina gue é capaz de
ções de gravidade variável. Essas deco rrem, principalmen-
ser excretada na bile e na urina. A bilirrubina conjugada
te, das alterações da defesa sistêmica e o rgânica, da micro-
que é excretada na bile não é absorvida nos intestinos
biota intestinal e da integridade das mucosas2"". onde é convertida por bactérias em urobilinogênio 2•
A bile hepática é isotô nica em relação ao plasma e é
Metabolismo da bilirrubina composta de água, eletrólitos, ácidos biliares (como o áci-
dos desoxicólico, eólico e quenodesoxicólico), sais bilia-
Cerca de 4mglkg de bilirrubina são produzidos por res, bilirrubina conjugada, lípides (pri ncipalmente o
dia no o rganismo, sendo 80% a 85% derivadas do cata- colesterol) e lecitina'•. O principal sítio de reabsorção da
batismo do grupo heme da hemoglo bina das hemácias e bile é o íleo terminal e ela se faz po r mecanismos de

375
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
transporte ativo . Dos seus componentes, os sais biliares Quadro 31 . 1 .: Classificação das ictéricias e principais afecções
retomam a circulação êntero-hepática e a bilirrubina é associadas
excretada na urina como urobilinogênio. ---------------------------------------------------------------··•
Alterações na quantidade de bilirrubina formada em Icterícia por aumento da fração não-conjugada da bilirrubina
sua captação pelo fígado ou em sua conjugação hepática Aumento na produçio Aumento da hemólise nas anemias
determinarão variações nos níveis séricos de bilirrubina hemoUticas congênitas e adquiridas
não-conjugada. Falhas na excreção da bilirrubina conju- Reabsorçio de coleções sangiifneas
(hematomas, hemotóru, fmtutas)
gada do hepatócito para as vias biliares ou dessas para o Eritropoiese ineficaz nas anemias fet-
duodeno determinarão aumento dos rúveis séricos da ropriva, perniciosa, sideroblãstica, sín-
bilirrubina conjugada. dromes talassêmicas, porfiria eritro-
e intoxicaçio pelo chwnbo

Falha na captação hepática Doença de Gilbert


Classificação das icterícias e principais Sepse
Drogas (contraste radiológico, ácido
afecções associadas flavaspídico)

No estudo da icterícia, é de grande importância conhe- Diminuiçio da conjugação Doença de Gilbert, de Lucey-Driscoll e
cer qual a fração da bilirrubina que se encontra elevada. A hepática síndrome de Cringler-Najjar tipos I e li
Doenças hepatocelulares
determinação da fração responsável pela hiperbilirrubine- lctericia neonatal
mia permite classificar as icterícias de acordo com o meca- Sepse
nismo envolvido, o que norteia a abordagem terapêutica Inibiçio por drogas (clomnfenicol)
do paciente. O Quadro 31.1 resume a classificação das Icterícia por aumento da fração conjugada da bilirrubina
icterícias e as principais afecções relacionadas.
Falha na excreção hepática Defeitos congênitos na excreçio de bile:
desordens familiares como slndrome de
Dubin-Johnson, de Rotor, colestase
Icterícia pré-operatória recorrente intm-hepática familiar benigna
Disfunção hepática primária: doenças
Avaliação e abordagem pré-operatória dos hepatocelulares como as hepatites agu-
das e crônicas, sepses, cirroses incluindo
pacientes ictéricos a biliar primária
Defeitos adquiridos da excreçio da
História clinica detalhada e exame físico cuidadoso bilirrubina: complicações cirúrgicas,
do paciente ictérico são fundamentais para a obtenção colestase intra-hepática incluindo a
de dados que demonstrem a natureza e a causa da icterí- induzida por drogas

cia5. É importante conhecer a forma de irúcio, a progres- O bstrução biliar extra-hepá- Desordens congênitas como doença de
são e os fatores associados à icterícia. Alterações como rica mecânica Caroli e atresia das vias biliares
Neoplásicas: tumores da cabeça do
colúria, acolia e prurido em ictéricos indicam aumento
pâncreas, dos duetos biliares, da ampo-
da fração conjugada e sugerem colestase, sendo a colú- la de Vater
ria o principal sinal de colestase6 • Pesquisar a presença de Inflamatórias: colangite primári a este-
dor e sintomas digestivos é obrigatório. No estudo da nosante
Iatrogenia pós colecistectomias ou pro-
dor, associada à icterícia, deve ser sempre determinado o cedimentos nas vias biliares
tipo, a duração, a intensidade, a localização, a periodici- Cálculos
dade, os fato res desencadeantes e associados. As mani- Parasitose: ascaridíase
festações clinicas digestivas mais comuns são náuseas, •
··-------------------------------------------------------------------
vômitos, intolerância alimentar, anorexia, diarréia e
perda de peso. Dor abdominal recorrente, náuseas e
vômitos sugerem cálculos biliares. Vesícula distendida e A presença de icterícia sem acolia e colúria associada
dolorosa pode indicar presença de colecistolitíase7 • Dor à astenia, fraqueza e anemia caracteriza os processos
epigás trica recorrente, irradiada para o dorso, emagreci- hematológicos que, se crônicos e recidivantes, represen-
mento e vesícula biliar palpável indolor são achados cli- tam as formas congênitas e familiares. A esplenomegalia
nicas freqüentes nos tumores de cabeça de pâncreas8 . pode ser encontrada nas anemias hemoliticas9·' 0•

376
•••
Capftulo 31 .: Cirurgia no pacient e ictérico

Traumas com hematomas o u fraturas e histó ria de moderada da fosfatase alcalina, gamaglutamil-transpeptida-
embolia pulmo nar podem explicar a icteócia9• Na anam- se e 5-nucleotidase. Nas obstruções biliares pode ocorrer
nese, a investigação dos hábitos sexuais, dos anteceden- discreta elevação das aminotransferases, porém as enzimas
tes de parasitose intestinal c da história familiar podem de colestase (ou canaliculares) elevam-se muito, principal-
nortear o diagnóstico etiológico da icterícia 11 • O uso de mente a fosfatase alcalina que atinge de duas a três vezes
drogas, álcool ou a exposição a tóxicos em pacientes icté- seu valor fisiológico 12 . Outros testes como o perfil eletrofo-
ricos devem ser pesquisados porque se correlacionam rético das protefnas, as provas da coagulação e o perftl enzi-
intimamente com as hepatites por drogas ou vfrus 12• mático complementam o diagnóstico das hepatopatias 1•
Transfusões de hemoderivados, manipulações urológi- Procedimentos diagnósticos mais so fisticados são
cas, procedimentos odontológicos, procedimentos cirúr- necessários para a determinação da causa das hiperbilirru-
gicos, acidentes pérfuro-cortantes com materiais biológi- binemias com predomfnio da fração conjugada, principal-
cos precedendo a icterícia podem sugerir contaminação mente nos casos de colestase quando é necessário locali-
com virus hepatotró ficos. Nas transfusões de hemoderi- zar o nivel da obstruçãd. Quando existe suspeita de obs-
vados, atenção deve ser dada à possibilidade de reação trução biliar, métodos não-invasivos, como ultra-sono-
transfusional. Operações na área hepatobiliar seguidas de grafia, to mografia abdominal, ressonância magnética, são
icterícia associam-se a hepatites, lesões iatrogênicas da indicados para avaliar o calibre da via biliar14• A ultra-
vias biliares, cálculos residuais ou evolução da doença sonografia, por ser um método de meno r custo, é o pri-
hepatobiliar de base. meiro a ser solicitado. O achado de dilatação biliar traduz
O exame físico fo rnece info rmações quanto ao está- a presença de obstrução mecânica da via biliar e sua
gio da doença. A associação de icterícia, desnutrição, ausência favorece o diagnóstico de colestase intra-hepáti-
ascite, aran has vasculares, ginecomastia, ci rcul ação ca. Na presença de dilatação biliar, é importante verificar
colateral, irregularidade e retração hepática, por exemplo, o nivel da obstrução, que pode ser definido pela colangio-
são achados comuns nas fases mais avançadas dos grafia. Esta pode ser por punção da via blliar dilatada
pacientes cirróticos 12• (transparieto-hepática) o u endoscópica. A colangiografia
De acordo com a suspeita cünica do tipo de icterícia, transparieto-hepática é método simples, barato e eficaz na
exames laboratoriais de rotina devem ser realizados, per- presença de dilatação. A colangiopancreatografia endos-
mitindo o esclarecimento da causa em 85% dos casos. O cópica retrógrada é um método mais caro, complexo, mas
exame fundamental é a dosagem da bilirrubina total e de muito bom, especialmente na ausência de dilatação biliar
suas frações, a çonjugada (direta) e a não-conjugada evidente e em associação com doenças pancreáticas, pois
(indireta), pois, a partir dele, é estabelecida a classificação possibilita a realização de biópsias da ampola de Vater e
das icterícias que no rteia a necessidade de propedêutica de esfincterotomia com retirada de A biópsia
Nos casos de aumento da bilirrubina hepática é restrita a alguns casos de colestase com fo rte
indireta, o hemograma assume papel importante, pois a suspeita de causa intra-hepática, para os quais a obstrução
maioria dessas icterícias está ligada a reações hemolíticas extra-hepática foi excluida por meio de colangiografia.
ou a eritropo iese ineficaz. Esse exame fornece o diagnós- Atualmente, a colangiorressonância, quando disponi-
tico nas anemias com esferocitose ou eliptocitose, perni- vel, é o método de escolha po r ser não-invasivo, dispen-
ciosa, aguda com formação de hematomas ou associada sar uso de contraste e apresentar acurácia elevada. Seus
a frarurass·9•10• Em contrapartida, o hemograma oferece inconvenientes incluem custo elevado e não ter caráter
pouca ajuda nos quadros de icterícia à custa de bilirrubi- terapêutico.
na indireta por defeitos na captação ou conjugação hepá-
ticas, nos quais a clínica direcionará o diagnóstico. Nas
Procedimentos cirúrgicos em pacientes ictéricos
icterícias com predominio da fração direta, os testes da
função hepática tornam-se obrigatórios 1 • Nas doenças A icterícia pode ou não ser secundária à afecção cirúr-
hepatocelulares agudas ou subagudas, os niveis de ami- gica. D essa forma, o paciente ictérico, além da doença de
no transferases elevam -se muito, o que não ocorre nas de base responsável pela icterícia, pode apresentar outra
evolução crônica. Nesses casos, o aumento das amino- afecção, essa de tratamento cirúrgico, relacionada com
transferases não é tão intenso e ocorre elevação de leve a sua raça, sexo e faixa etária, atividade fisica e laboral.

377
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
----------------------------------------------------------------------------------------------------------··•
I H istó ria e exam e físico
I
I
Dosagem das bilirrubinas I
I I
Aumento da fração
I I
l
Aumento da fração conjugad a
não-conjugada I I
1 I I
I Hemogram a
I I Aminotransferases
I E nzimas colestáticas I
I T estes de coagulação

I I I
I I I I I
I Inalterado
I I Alterado
I I Alteradas I Inalteradas I Alterado s
I I Inalterados
I
I I I I I
Defeito de cap tação
Anemia hemo lítica
Reabsorção de
I D isfunção 1
hepatocítica1
Colestase ou
de feito
li D isfun_ção
hepatocltlca*
·l i Defeito
to de excreçao
ou co njugação d a
coleções congênito de
bilirrubina
excreção

I
I
I Suspeita de co lestase
I
I
I I
I E xtrahepática (obstrução) I I l nrrahepática I
I I
I Ul tra-sonografi a I I Observação , rem oção de I
ou tomografia agentes lllCitantes
I N ão
f- ---4 Não f-
Colangiogra fia I I
H Obstrução percutânea o u -1 D ueto s dilatados I IT estes especiais, I
retrógrada biópsia hepática
l Sim
---1 Sim
f-
I
Tratamento:
cirúrgico,
endoscópico ou
percutâneo
* Apenas nos casos de restes de coaguJação alterados

··----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 31.1 .: Abo rdagem do paciente ictérico

E ntretanto, se tal afecção não se tratar de quadro de dio de drenagens externas e/ ou internas da via biliar co m
urgência, seu tratamento deverá ser postergado até o conseqüente redução da icterícia22- 5• A passagem de pró-
completo esclarecimento da icterícia, visto que a mo rtali- teses endoscópicas nos casos de estenose biliar ou a
dade cirúrgica de pacientes ictéricos chega a 14%, princi- extração endoscópica de cálculos da via biliar têm sido
palmente por insuficiência renal 16 • procedimentos cada vez mais freqüentes em decorrência
O s principais procedimentos cirúrgicos indicados em de seu sucesso terapêutico 18.21• A extração de cálculos pode
pacientes ictéricos visam tratar a causa da icterícia ou ser associada à papilotomia endoscóp ica que permite dre-
diminuir sua intensidade, por meio de tratamento defini- nagem biliar ampla e segura, com menor índice de com pli-
tivo ou paliativo da doença de base' 7-20 • Os procedimen- cações do que o das operações abertas' 5• E m contrapartida,
tos podem ser percutân eos, endoscópicos ou cirúrgicos 2' . os procedimentos cirúrgicos, na maioria dos casos, repre-
Os percutân eos permitem apenas a paliação por intermé- sentam a forma definitiva de tratamento da doença de base.

378
Capítulo 31 .: Cirurgia no paciente ictérico

••
Classificam-se em operações de ressecção ou de drenagem. Cuidados pré, per e pós-operatórios em
As de ressecção incluem colecistectomia, hepatectomia, pacientes ictéricos
duodenopancreatectomia e ressecção de tumores pan-
creáticos ou das vias biliares 17·19·21.u. As operações de dre- Pacientes com ictéricia desenvolvem grande número
nagem compreendem coledocotomia com exploração do de complicações pós-operatórias que podem culminar
colédoco, papiJotomia e anastomoses biliodigestivas. em óbito 2.3·16.28. Vários cuidados especiais são importan-
tes com o objetivo de diminuir a morbimortalidade
neste grupo 22• A bilirrubina não excretada na bile por
Complicações perioperatórias em decorrência qualquer causa leva a: diminuição do fluxo sangüíneo
da icterícia hepático; queda da pressão no sistema porta; deposição
As complicações perioperatórias dos pacientes ictéri- de pigmentos e imunocomplexos na membrana basaJ
cos são decorrentes de alterações bioquímicas e fisiológi- dos glomérulos renais; aumento da sen sibilidade hepáti-
cas\27. O paciente ictérico, com fígado coles tático, apresen- ca e renal às hemorragias; sangramentos; predisposição
ta alterações do metabolismo dos carboidratos com dimi- às infecções por su percrescimento bac teriano, com con-
nuição das reservas de glicogênio hepático, intolerância à seqüente alteração da microbio ta intestinal e apareci-
glicose e dificuldade da transformação do glicogênio hepá- mento de endo toxinas e bactérias no sistema porta2•3.
tico em glicose, conseqüentemente com tendência à hipo- Nos casos em se que observa o aumento da fração con-
glicemia2. A síntese de proteínas e de fatores de coagulação jugada, as substâncias excretadas na bile não chegam à
encontram-se diminuídas, favorecendo a desnutrição, o luz intestinal, sendo refluidas para o sangue e a linfa.
sangramento e a dificuldade de metabolismo das drogas Interrompe-se a circulação êntero-hep ática. Ocorre
anestésicas, com respectivo aumento da hepatotoxicidade lesão do citocromo P450 do hepatócito, aumento do
delas e dificuldade de extubação do paciente. D evido às ácido quenodesoxicólico, dos ácidos biliares, do coleste-
alterações no sistema cardiovascular, provavelmente rol, da lipoproteína X e das endotoxinas. Além disso,
secundárias ao peptídeo natriurético, observa-se circula- observa-se diminuição da IgA intraluminar, da integrida-
ção hiperdinâmica, com diminuição da volemia e da con- de da mucosa intestinal e da absorção de vitamina K 329.
tratilidade do miocárdio, vasodilatação sistêmica e dimi- Os cuidados pré e pós-operatórios devem ser toma-
nuição da resposta a epinefrina e angiotensina II2•16. dos visando à correção da hipoglicemia, da desnutrição
Conseqüentemente há tendência à hipo tensão, sobrecarga proteico-calórica, das hipovitaminoses, da desidratação,
cardíaca, taquicardia e má-perfusão tecidual. Algumas dos distúrbios eletrolíticos e ácido-básicos, do prurido e
vezes, essas alterações determinam insuficiência cardíaca de suas conseqüências, do aumento das endotoxinas e do
de grau variável com falência da bomba, choque cardiogê- supercrescimento bacteriano.
nico e suas conseqüências. A desidratação e a hipotensão Os pacientes devem ser instruídos a não se coçarem,
podem determinar má-perfusão hepática e renal com a manter suas unhas curtas e limpas, e a lavar o abdome
lesões desses órgãos. Nos rins, a baixa perfusão renal asso- e as escaras com PVP-I degermante. Nos casos de pruri-
ciada às lesões do parênquima renal pode determinar anú- do mais intenso, indicar o uso de:
ria e in suficiência renal aguda27 • Lesão renal, desidratação,
• anti-histamínicos VO de 6/6h ou 8/Sh,
desnutrição e infecções geralmente determinam distúrbios
hidroeletrolíticos, principalmente acidose metabólica e • diazepam VO de 1Omg,
distúrbios de sódio e potássio. Pacientes ictéricos geral- • colestiramina VO l g de 4/ 4h, que aumenta a excre-
mente, toleram mal a hipoxemia e, quando a icterícia é ção dos sais biliares pelo seu efeito catártico (usar
secundária à anemia hemolitica, podem apresentar crises somente na vigência de icterícia obstrutiva parcial).
hemoliticas com hipóxia tecidual e sofrimento dos tecidos. A melhora do estado nutricional pode se fazer por
Cuidados com a hidratação, a perfusão renal, a oxige- meio de:
nação, a glicemia, a monitorização peroperatória da fu n- • aumento da reserva de glicogênio seis a 12h antes
ção cardíaca e dos níveis de eletrólitos, além da escolha da operação, com a infusão de solução de glicose,
de drogas anestésicas não-hepatotóxicas, são cuidados insulina e potássio (GIK) descrita a seguir, avalian-
perioperatórios determinantes do sucesso da evolução do a necessidade de sua repetição por meio da dosa-
dos pacientes ictéricos. gem de glicemia e ionograma;
379
..

--------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

SGIS%: 350mI endotelial não funciona adeguadamente e as toxinas


SGH 50% tSOml ganham a corrente sangüínea, causando lesões sistêmicas
ln5ulina regular tOunidades em vários órgãos, principalmente no rim 211 . A melhor pro-
KCI tO% 40a60mEq/L
filaxia é a manutenção de bom flu.-xo Hidratação
• dieta hiperprotéica e hipolipídica (enteral ou paren- oral e parenteral capaz de manter débito urinário maior
teral) na ausência de insuficiência hepática; gue 1OOml/h é, em geral, obtida com:
• complemento de vitaminas ADEK, sendo a vitami- • reposição de um a dois litros de líguidos acima da
na K necessária na dose de lOmg/dia durante os necessidade diária do paciente no pré, per e pós-
três dias anteriores ao da operação, já gue sua reser- operatório;
va orgânica é muito peguena; • uso de 1OOml a 200m! de manitol a 10% no per e no
• administração de albumina humana nos casos de icte- pós-operatório imediato. Nos casos graves, a infusão
rícia prolongada ou alterações hepáticas secundárias; deve ser mantida até o segundo dia pós-operatório.
• administração de vitamina C na dose de l g a 2g, Cuidados especiais devem ser tomados com pacien-
duas vezes ao dia, na tentativa de prevenir distúr- tes idosos e cardiopatas;
bios da cicatrização. • uso de sais biliares por via o ral e de desoxicolato de
sódio;
Constituem medidas essenciais as correções dos dis-
• uso de taurocolato de sódio no pré-operatório três
túrbios hidroeletrolíticos e ácido- básicos. A desidratação
a seis dias antes da operação, na tentativa de dimi-
é corrigida, preferencialmente, com soluções pobres em
sódio devido à baixa capacidade renal de excretar tal íon nuir as endotoxinas;
e aos baixos túveis de albumina dos pacientes ictéricos111. • uso de dissacarídeo sintético, a lactulose, na dose de
A esteatorréia, gue pode estar presente devido à falta de 30ml via oral de 6/ 6h, como laxativo para diminuir
bile na luz intestinal, causa desidratação, com perda de a população bacteriana da luz intetinal.
potássio, sódio, bicarbonato etc. lonograma para contro- As endotoxinas podem afetar as prostaglandinas
lar os déficits de eletrólitos se faz necessário e, nos casos da mucosa gas troduodenal causando lesões agudas
mais graves, também gasometria arterial. (LAMGDr A inibição da secreção ácida do estômago
Nos pacientes com icterícia de padrão obstrutivo de com antagonistas dos receptores H 2 ou com inibidores da
longa duração, com niveis de bilirrubina direta acima de bomba de prótons, um a dois dias antes do procedimento
8mg/dL , duas complicações graves e muitas vezes fatais cirurgico, no peroperatório e no pós-operató rio, parecem
podem ocorrer: insuficiência renal aguda c colangite'..z. prevenir a hemorragia digestiva secundária a essas lesões.
Estudo clínico realizado no H C-UFMG revelou gue o A infecção da árvore biliar secundária ao processo obs-
clearance de creatinina desses pacientes encontra-se altera- trutivo - colangite - surge pela estase biliar prolongada ou
do no pós-operatório em 70% a 80% dos casos 16 • Oligú- após procedimentos invasivos nas vias biliares. Instalada a
ria é observada em 40% a 60% dos pacientes, sendo gue infecção, é necessário seu rápido diagnóstico e tratamento,
9% a 15% deles desenvolvem insuficiência renal aguda. pois ela detennina elevada mortalidade2• O número de
D estes, 50% evoluem para o óbito. Estudo semelhante bactérias presentes na via biliar aumentam, na vigência de
demonstro u mortalidade de 14% por insuficiência renal processo obstrutivo, causando colangite, gue pode levar ao
aguda em grupo de pacientes com icterícia obstrutiva2• aparecimento de rnicroabscessos hepáticos e de septice-
Tais achados demonstram gue os rins de pacientes ictéri- rnia11.211. Os sintomas clássicos da colangite correspondem à
cos são mais sensíveis a situações de estresse cirúrgico, tríade de Charcot definida como febre com calafrios, dor no
devido a lesões nos glomérulos e túbulos renais1. É pro- hipocôndrio direito e icterícia. As bactérias mais comumen-
vável gue tais alterações decorram da ausência de bile no te envolvidas são Escherichia co/i, Klebsiella sp, Enterobacter sp,
trato gastrointestinal, propiciando aumento de bactérias Stapqylococcos aureus e anaeróbios. O tratamento consiste
Gram-negativas na luz intestinal, gue são fonte de endoto- obrigatoriamente de antibioticoterapia e drenagem da via
xinas guc podem ser absorvidas para o sistena porta2•429 • biliar. Como antibioticoterapia, pode-se empregar cefalos-
E m situação fisiológica, estas são retidas pelo sistema retí- porinas de terceira ou guarta geração, clindarnicina ou
cuJo-endotelial e eliminadas na bile. Entretanto, na icterí- metronidazol e aminoglicosídcos (observar a função renal),
cia obstruti va, devido à colestase, o sistema retículo- numa associação de pelo menos dois dos grupos citados.

380
•••
Capftulo 3 1 .: Cirurgia no paciente ictérico

os guadros graves com previsão de tratamento prolonga- Quadros graves gue evoluem com chogue de gualguer
do recomenda-se associar a ampicilina à gentamicina e a natu reza com hipoxemia prolongada podem cursar com
um anaerobicida (metronidazol ou cJindamicina) . A drena- icterícia. A icterícia nesses casos, é conseqüente ao dano
gem biliar é imprescindivel, podendo ser percutânea, hepático secundário ao hipofluxo hepático com necrose na
endoscópica ou cirúrgica2(122. O uso de corticóides visando zona hepatocelular do lóbulo central. O grau de necrose
a proteção dos hepatócitos é controvertido. lobuJar depende da duração do baixo fl uxo, podendo evo-
Cuidados específicos devem ser tomados no perope- luir com insuficiência hepática, necrose maciça e óbito.
ratório para permi ti r menor índice de complicações. Os O tipo menos comum de icterícia pós-operatória
cuidados básicos são: ocorre do 1o ao 2° dia de pós-operatório e tem padrão
• fazer a monitorização peroperatória cardiovascular colestático, sendo chamado de colestase imra-hepática
de pressão venosa central e da pressão imraarterial; pós-operatória benigna. Regride até a segunda ou tercei-
• controlar a infusão de ligwdos (pela pressão venosa ra semana e não tem causa conhecida.
central e pelo fluxo urinário); Pacientes submetidos a procedimentos na vesícula ou
• corrigi r distúrbios hidroeletroliticos e ácido-bási- nas vias biliares e gue desenvolvem icterícia no pós-ope-
cos, por meio do monitoramento da ga ometria, ratório podem apresentar lesão iatrogênica da via biliar
glicemia e io nograma; principal. Icterícias no pós-operatório imediato ou tardio
• manter o fluxo renal no mínimo de 1OOml/h; também podem ocorrer devido a presença de cálculo resi-
• avallar o grau de acometimento da função card io- dual na via biliar ou a estenose cicatricial da via biliar junto
vascular, renal, metabólica e da coagulação;
a ligadura do cístico. E sse quad ro pode mani festar-se
• usar anestésico de baixa toxicidade hepática, capaz
como co langite, devendo ser tratado como tal.
de melhor preservar o fluxo sangüíneo hepático,
I cterícia branda e mínima, gue regride espontanea-
como o isofluorano e os opióides;
mente, pode ser observada após colecistecromia realiza-
• empregar hemoderivados (co ncentrado de hemá-
cias, plaguetas, plasma fresco e fatores específi cos da no tratamento de colecistite aguda.
da coagulação) apenas guando necessário. Vá rias são as causas de icterícia pós-operatória. o
Quadro 31.2 estão sumariadas as pri ncipais causas de
icterícia pós-operató ria.
Icterícia pós-operatória
Quadro 31.2 .: Principais causas de icterícia pós-o pe rató ria
Causas
----------------------------------------------··•
A icterícia pós-operatória constitui importante cond i- Dcscompensaçào da doença hepática ou hcmatolilgica de base
ção clinica por traduzir diversas doenças de implicações
Reabsorção de coleções
prognósticas di feren tes e por causar apreensão ao
Hepatite medicamentosa:
paciente c a seus familiares5• Pode surgir no pós-operató-
forma colestática
rio imediato ou demo rar meses para se manifestar. A
funna hcpadtica
icterícia precoce to rna obrigatória a exclusão do agrava-
llepatite viral
mento ou desco mpensação da doença hepática ou hema-
tológica de base, como a cirrose, anemias hemoliticas ou Pós-transfusional:
por sangue estocado
doença de G ilbert. As hepatites medicamen tosas por
por incompatibilidade sangülnca
sensibilidade a anestésicos, principalmente em pacientes
Perfusão hepática prejudicada
submetidos a exposição anestésica de repetição, e as
hepatites virais contraídas no pré-operatório podem se Colesrase intra ·hepática pós-operatória benigna
manifestar no pós-operatório. A hepatite medicamento- Obstrução da via biliar principal:
sa pode ocorrer na fo rma colestática ou na hepaótica. ligadura inadvertida
Caso tenham ocorrido transfusões de hemoderi va- estenose cicatricial parcial com ou sem colangite
dos, pode surgir icterícia devido à hemólise po r incompa- cálculo residual

tibilidade sangüínea o u po r Ese de hemácias velhas esto- Pós-culccistcetomia


cadas po r lo ngos períodos em ban cos de sangue. •
··----------------------------------------------
381
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Diagnóstico diferencial icterícia pode ocorrer em qualquer época do pós-opera-
tório, sendo, respectivamente, " flutuante", variável e
Vários exames permitem diagnosticar as causas da progressiva. T ambém se mani festam com acolia e ac ha-
icterícia pós-operatória. O aumento da fração não-conju- do ultra-sonográfico de di latação da via biliar a montan-
gada é visto nas anemias hemolíticas, em que se obser- te da o bstrução 14 • N esses casos, a ultra-sonografia per-
vam alterações no hemograma, como queda do hemató- mite não só determinar o ní vel da obstrução, mas tam-
criro e alterações morfológicas das hemk ias 10·22• Nas bém inferir sua causa.
doenças relativas a defeito de captação e conjugação, a
história pregressa do paciente, associada à elevação da
fração não-conjugada com a deficiência de enzimas espe- Tratamento
cíficas, ajuda no diagnóstico. O diag nóstico nas hemóU-
ses secundárias a transfusões sangüíneas não costuma ser O tratam ento da icterícia pós-operatória depende da
difícil, pois, além da história transfusional, observa-se sua causa, porém sempre se deve procurar corrigir e
aumento da fração não-conjugada e da aminotransfcrase diminuir os efeitos deletérios da icterícia sobre o organis-
do aspartato de origem eritrocitária, associado à redução mo. As medidas de suporte clinico visam:
dos valores hematimétricos. • manter hidratação vigorosa (além das necessidades
As hepatites virais pós-operató rias acompanham-se diárias de água), na tentativa de se preservar o rim;
de quadro de prostração, mialgia, febre com aumento das • nu trir o paciente e procurar refazer as reservas de
aminotransferases e das bilirrubinas e alteração do tempo glicogênio hepático;
de protombina, com marcadores virais específicos pre- • corrigir os distúrbios hidrocletrolíticos, ácido-bási-
cos e as hipovitaminoses;
sentes. J á nas hepatites medicamentosas, assim como nas
• diminuir as endotoxinas po r meio do uso de lactu-
hepatites virais, as manifestações clínicas estão presentes
lose e sais biliares;
e fenômenos de hipersensibilidade podem estar associa-
• prevenir e tratar as infecções com antibioticoterapia
dos, além de febre, artralgia, erupções cutâneas e prurido. e d renagem precoce da via biliar.
O hemogra ma apresenta leucocitose e eosinofilia impor-
tante. a hepatite medicamentosa exclusivamente hepá-
tica, ocorre considerável aumento das aminotransfcrases Referências
e alteração da atividade de protrombina. Já na hepatite
colestática, a alteração das aminotransferases é discreta c I • Burra P, Masier A. Dynamie rcsts ro srudy liver fu netio n. Eur
Rcv 1\'led Pharmaeol Sei. 2004;8: 19-21.
ocorre grande elevação da fosfatase alcali na.
2 • Kapirulnik J. Bi.lirubin: an endogen us produet of heme degra-
A colestase intra-hepática benigna evolui com dation with both eyrotoxie and eytoprorcetivc propertics.
aumento da bili rrubina di reta (fração conjugada) e com Moi Pharmacol. 2004;66:773-9.
leve alteração das aminotransferases e da fosfatase 3 • Pcnkov . Pathogenctie mcehanisms in biliary obsrruetion.
alcalina. A biópsia hepática mostra colestase sem necro- Khirurgiia (Sofiia). 2003;59:39-45.
se associada. 4 • Thompson JN, Cohen J, Moorc RH, Blcnkharn Jl, M.eConnell
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Pacientes com quadro de choque e conseqüente J Surg. 1988;155:314-21.
baixo fluxo apresentam elevação da bilirrubina, aumento 5 • l .abori KJ, Raedcr MG. Diaf,'llOStie approaeh to thc paticnr with
das aminotransferases (acima de SOOUI/dL) e, em alguns jaundiee following trauma. Seand J urg. 2004;93: 176-83.
casos, aumento Jo tempo de protrumbina. os casos 6 • t\,l:turantonio M, Venezia L, Carulli L, Lombardini S, De S:mtis
,\1, et al. Cholestatie ietcrus: is rhcrc stiU a role for the elinie?
mais graves, podem evoluir com todos os sinais clássicos
Ann ltal.\ied lnt. 2004;19:1 31-43.
de insuficiência hepática. 7 • De Keuleneer R, ;\laassarani F, Lallcmand 13. 1\l.irizzi syndrome
A icterícia pós-operatória de padrão colestático with a double fismla. Aera Chir 13clg. 2002;1 02:345-7.
secund ária à ligadura acidental da via biliar (iatrogênica) 8 • llouse l'vlG , Choli l\1J\. Palliative thcrapy for panercatic/ biliary
é p recoce, progressiva e leva à acolia. A ultra-sonogra- eaneer. Surg Oneol Clin N Am. 2004;85:49 1-503.
9 • D haliwal G, Cornetr P A, Ticrney LYI J r. Hemolytie anemia. Am
fia abdominal revela dilatação das vias biliares intra c
Fam Physician. 2004;69:2599-606.
extra-hepáticas com área de o bstrução abrupta do colé- 1O • Shah A Hemolytie anemia. Indian J Mcd Sei. 2004;58:400-4.
doco. a presença de cálculo res idual do colédoco ou 11 • Kurland J E, Brann OJ. Pyogcnie and amcbie liver absccss. Curr
de estenoses parciais no nível da ligadura do cístico, a Gasrrocnterol Rcp. 2004;6:273-9.

382
C apítulo 3 1 .: Ciru rgia no paciente ict érico

••
12 • Pelleticr G, Roulor D, Davion T , Masliah C, Caussc X, Oberti F, 22 • Aly EA,Johnson CD. Preoperative bilial')' elrainage before resec-
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383
32
CIRURGIA
NO PACIENTE ,
COM DOENÇA HEPATICA
•• •
Cláudia Alves Couto, Cláudio Léo Gelape,
Agnaldo oares Lima

Introdução A despeito do avanço das técnicas anestésicas e dos cui-


dados cirúrgicos (banco de sangue e unidades de terapia
Pacientes com doença hepática podem apresenta r sig- intensiva) nos últimos quatro decênios, pacientes com
nificativas complicações pós-operatórias 1• O complexo hepatopatia em fase avançada continuam a apresentar altas
funcionamento hepático , a resposta orgânica ao procedi- taxas de mo rbimo rtalidade pós-operatória' . Entretanto, a
mento cirúrgico, o efeito imprevisível de alguns medica- identificação e o controle dos fatores de risco associados à
mentos e o procedimento anestésico são alguns fatores doença hepática podem melhorar a sobrevida 1·'.
desafiado res na abordagem dos pacientes com doença
hepática que se submetem a tratamento cirúrgico. A
anestesia e o estresse cirúrgico são importantes fatores Principais doenças hepáticas
associados à descompensação da função do fígado, sendo A doença hepática alcoólica e as hepatites crorucas
responsáveis por alta morbimortalidade pós-operatória1 . virais B e C são as principais a fecções hepáticas crônicas
Pacientes cirróticos, que freqüentemente são candidatos que podem evoluir para cirrose e insuficiência hepática.
a operações eletivas ou de urgência, apresentam risco a atualidade, estas afecções constituem os diagnósticos
cirúrgico mais elevado que o da população geral para mais freqüentes em pacientes da lista de espera para
qualquer tipo de procedimento 1. transplante hepático. As hepato patias auto-imunes,
Várias afecções rec1uerem tratamento cirúrgico nestes colestáticas e metabólicas, a hepatopatia medicamentosa
pacientes, tais como colelitíase, hérnia umbilical, compli- e, mais recentemente, a esteato-hepatite não-alcoólica são
cações da úlcera péptica e neoplasias do trato gastro intes- o utras causas impo rtantes de doença hepática crô nica8 •
tinaP·•. De fato, essas afecções são mais comuns em cir- As hepatites agudas, que eventualmente podem se
ró ticos do que em indivíduos sadios3 • Hemo rragia gas- manifestar como hepatite fulminante, podem ser de o ri-
trointestina1 (decorrente de hipertensão po rta e ruptura gem vira1, medicamentosa ou auto-imune. As etio logias
de va ri zes esofágicas) além do carcinoma hepatocelular sofrem variações regionais e, em número expressivo de
constituem condições que freqüentemente exigem abor- casos, a origem não é identificada".
dagem cirúrgica.
Estima-se que 10% dos pacientes com doença hepáti-
ca serão submetidos a algum procedimento cirúrgico Resposta orgânica ao procedimento
durante os do is últimos anos de suas vidasM. Atualmente, cirúrgico no paciente com doença hepática
cresce o número de pacientes com afecções hepáticas no
mundo e, conseqüentemente, a necessidade de procedi- É bem documentado que o paciente com doença
mentos cirúrgicos nesse grupo de pacientes. a avaliação hepática apresenta resposta o rgânica aumentada no pós-
do risco operatório, deve-se definir o tipo de doença operatório, dependente da magnitude do trauma cirúrgi-
hepática, o grau do acometimento da função hepática e a co. A resposta de estresse catabólico hepático representa
complexidade do procedimento cirúrgico 1• parte da resposta orgânica pós-opera tória. O fígado é

385
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
responsável por, pelo menos, duas funções da resposta entre os anestésicos voláteis, deve-se dar pre ferência ao
orgânica ao trauma: sintese de proteinas de fase aguda e isoflurano e o sevoflurano.
aumento da síntese de uréia. Estudo demonstrou que
pacientes com doença hepática crônica causada pelo vírus
C mantinham a resposta orgânica após colecistectomia Avaliação do paciente com doença
laparoscópica ou laparotôrnica. Não houve diferença no hepática e cuidados pré-operató rios
clareamento de nitrogênio hepático, comparando-se A avaliação clínica pré-operatória de todos os pacien-
pacientes cirróticos àqueles com hepatite C . N os pacien- tes com suspeita de doença hepática aguda ou crônica é
tes cirróticos, houve aumento do glucagon e da norepine- de fundamental importância. Inicia-se a investigação clí-
frina no pós-operatório . A resposta da insulina e do corri- nica pela anamnese e pelo exame clínico detalhados 1·14•
sol plasmático nos pacientes cirróticos e naqueles com Deve-se questionar a respeito do consumo alcoólico e de
hepatite C foram semelhantes após colecistectornia lapa- atividades que estão ligadas a risco aumentado de doen-
rotôrnica ou laparoscópica9· 10 • Com base no perfil hormo- ças virais, como o uso de drogas ilícitas. História familiar
nal, pacientes com cirrose podem ser diferenciados de de hepatopatias pode ser significativa. D eve-se, ainda,
pacientes com função hepática fisiológica pela resposta investigar história de alterações no nível de consciência,
aumentada ao glucagon observada nos prirneiros9 • icterícia, hematêmese e melena, aumento do vol ume
abdominal, uso de medicamentos e diagnóstico prévio de
hepatite. Os sinais peri féricos de insuficiência hepática,
Anestesia no paciente com doença hepática
como icterícia, ginecomastia, rarefação dos pêlos, ara-
Pacientes com doença hepática são particularmente nhas vasculares, ascite, hepatoesplenomegalia, edema de
susceptíveis aos efeitos dos anestésicos, sedativos e rela- membros inferiores e encefalopatia, devem ser obrigato-
xantes musculares utilizados no ato operatório 1• A admi- riamente pesquisados. A palpação do abdome pode iden-
nistração de anestésicos, por via inalatória ou espinhal, tificar fígado aumentado e endurecido o u esplenomega-
leva à diminuição do fluxo sangüineo hepático, o que lia, levando ao diagnóstico de hepatopatias que deman-
pode contribuir para a disfunção do fígado. Além dos darão cuidados no pré e pós-operatório.
agentes anestésicos utilizados, hemorragia peroperatória, As provas de investigação laboratorial incluem hemo-
ventilação mecânica e aumento da resistência do flu.xo grama completo, glicemia, função renal, proteínas totais
esplâncnico podem levar à isquernia hepática manifesta- e frações, coagulograma, eletrólitos e enzimas hepáticas.
da por disfunção pós-operatória 11 • Outros exames a serem solicitados, em casos seleciona-
Hepatite induzida por agentes anestésicos é conheci- dos, incluem dosagem de fibrinogênio sérico, gasometria
da e ocorre raramente (1 em 35.000 exposições) 12• Idade arterial e radiografia de tórax. Em situações específicas,
acima de 60 anos, obesidade, múltiplas anestesias, niveis testes para hepatites virais, doenças auto-imunes, doença
de bilirrubina acima de lOmg/dL, tempo de protrombi- de Wilson, deficiência de alfa 1-antitripsina e hemocro-
na acima de 20 segundos são fatores associados a hepati- matose hereditária poderão ser necessários 1•
te por halotano. Isoflurano raramente causa hepatite e é Ultra-sonografia abdominal, tomografia computado-
o anestésico de escolha nos hepatopatas 12• rizada e ressonância nuclear magnética do abdome são
Múltiplos fatores podem afetar o metabolismo de testes não-invasivos e úteis para avaliação de duetos bilia-
diversas drogas utilizadas no peroperatório. Disfunção res dilatados e hipertensão porta. A realização de biópsia
hepatocelular, colestase, aumento do volume de distri- hepática pode ser necessária para esclarecimento diag-
buição na ascite, hipoalburninernia e redução do fluxo nóstico antes do procedimento cirúrgico eletivo 14 •
sangüineo hepático podem alterar o metabolismo das
várias drogas utilizadas no ato cirúrgico . É prudente, em Pacientes assintomát icos
hepatopatas, diminuir em 50% a dose dos analgésicos
narcóticos, tais como morfina e meperidina 13 • Os blo- Na prática diária, são comuns avaliações clínicas pré-
queadores neuromusculares apresentam atividade e toxi- operatórias voltadas para os sistemas cardiovascular,
cidade aumentadas, devido à diminuição da pseudocoli- respiratório e renal e que negligenciam, muitas vezes, a ava-
nesterase em hepatopatas 13 • Entre os relaxantes muscula- liação digestiva e nutricional, reduzindo a possibilidade de
res, o atracúrio e o cisatracúrio são os mais apropriados; detecção de hepatopatia oligo ou assin tomática, que possa

386
Capítulo 32 .: Cirurgia no paciente com doença hepática

••
agravar-se no pós-operatono. Avaliação laboratorial pré- Pacientes assintomattcos, com elevação das amino-
operatória para triagem de doenças hepáticas em pacientes transferases (até quatro vezes o valor da normalidade) ou
assintomáticos não tem sido recomendada rotineiramente elevação isolada da fosfatase alcalina ou da gamaglutamil-
devido ao baixo valor preditivo positivo dos testes e à baixa transpeptidase, e pacientes com esteatose hepática, hepati-
prevalência das doenças hepáticas em geral'. No entanto, te crônica leve e hepatopatia medicamentosa discreta
qualquer suspeita de doença hepática na avaliação pré-ope- apresentam risco operatório mínimo'. A Figura 32.1
ratória (anamnese e exame físico) deve ser investigada com resume a conduta pré-operatória nos pacientes com
exames laboratoriais específicos'. doença hepática.

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------··•
Assintom ático Avaliação clínica pré-operatória Risco operatório tnínimo

Avaliar doença e
Esquistossomose Boas condições cirúrgicas
reserva hepática

Hepatite
Adiar operação eletiva por 30 dias após normalização de amino transferases e bilirrubinas
vira! aguda

1-lepatite crônica 1-- - - -- - - - 1 Risco o perató rio não-proibitivo

Esteatose Exames bioquímicas


f-- - - -- - --i Risco cirúrgico não está aumentado
hepática hepáticos inalterados

Hepatite Jnterrom per o álcool um a três f-- - -- - - --i Aguardar normalização dos níveis
alcoólica meses ames da operação eletiva séricos de bilirrubinas

JJ
E
p Corrigir coagulopatias
Á
T
Child A
J Preparar o paciente e tratar as Controlar ascite
c complicações no pré-o peratório
A

Cirrose Child B Prevenir encefalopatia c infecções

Operar apenas em situações


Child C Risco cirúrgico proibitivo
excepcio nais c de emergência


··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 32.1 .: Conduta pré-ope ratória no paciente com doença hepática

387
..

-------------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Clínica C irúrgica

Pacientes com esquistossomose ricos. Os pacien tes cirróticos apresentam, com freqüên-
forma hepatoesplênica cia, retenção hidrossalina, piora da ascite, comprometi-
mento da função renal, encefalopatia e risco aumentado
O paciente com esquistossomose hepatoesplênica tem, de hemorragia ou de infecções graves no período pós-
em princípio, boas condições operatórias. No entanto, sua operatório. Estes pacientes se beneficiam muito do trata-
reserva hepática deve ser cuidadosamente avaliada, pela mento pré-operatório adequado da coagulopatia, ascite,
possibilidade de coexistirem outras hepatopatias, secundá- peritonite bacteriana espontânea e encefalopatia1' 14 .
rias à infecção crônica pelos vírus das hepatites B ou C, ou O risco cirúrgico correlaciona-se bem com a classifi-
ao alcoolismo. Tais fatores podem agravar o comprometi- cação de Child-Pugh 17•18 (Quadro 32.1), na qual os pacien-
mento funcional d o órgão, levando à descompensação tes são estratificados em diferentes categorias de risco,
hepática pós-operatória. com base na reserva sintética d os hepatócitos. O pacien-
te classificado como ChiJd A, com cirrose compensada,
apresenta melho res condições de se submeter a procedi-
Pacientes com hepatite viral aguda ou crônica
mento cirúrgico de maior complexidade. Foi relatada
Historicamente, as hepatites agudas virais ictéricas têm mortalidade de 10% e 30%, em pacientes classificados
constituído importante contra-indicação a operações de como Child A e Child B, respectivamente, submetidos a
grande porte. Há registro d e mortalidade de 9,5%, verifica- operação abd ominal eletiva 19 . Os pacientes Child B
da num grupo de 42 pacientes com hepatites agudas, icté- podem tolerar o p rocedimen to cirúrgico desde que ade-
ricos, operados na impossibilidade do diagnóstico diferen- quadamente preparados no pré-operatório. Entretanto,
cial com obstrução das vias biliares15. recomenda-se evitar ressecções hepáticas maiores nesse
Pacientes com hepatites virais agudas, especialmente os grupo. Nos pacientes Child C submetidos a shunts porto-
que apresentam aminotransferases elevadas acima d e quatro sistêmicos, procedimentos no trato biliar, ressecções
vezes e níveis de bilirrubina elevados, apresentam risco sig- hepáticas e operações pancreáticas, foram descritas taxas
rúficativo de morbimortalidade pós-operatória. A operação de mortal idade pós-operatória de até 75% . Sepse,
eletiva deve ser adiada por 30 dias, após normalização das hemorragia gastrointestinal, falência hepática e insufi-
enzimas hepáticas durante a fase de hepatite aguda e a ope- ciência de múltiplos órgãos são complicações freqüente-
ração de urgência realizada apenas se absolutamente neces- mente observadas e podem levar o paciente ao óbito 19.
sária1'1 4. Nos pacientes com hepatite crôrúca C, não houve
aumento na freqüência de complicações pós-operatórias 16. Quadro 32.1 .: Classificação de Child-Tourcotte modificada por
Pugh••.n
--------------------------------------------··•
Pacientes com doença hepática alcoólica Pontos 2 3

O risco d e complicações nos pacientes com doença


(mg/dL) 1a2 2a3 >3 J
>3,5 2,8 a 3,5 <2,8
hepática alcoólica está relacionado à gravidade da doença ausente fácil controle diflcil controle
hepática. Na esteatose hepática com exames bioquímicas E ncefalopatia não grau 1 e li grau Jll e JV
hepáticos inalterados, o risco cirúrgico não está aumenta- Tempo oe < 4seg 4 a 6seg >6seg
do. Entretanto, pacientes com hepatite alcoólica e cirrose Protrombina
( seg - controle )
têm alta morbimortalidade cirúrgica. Podem apresentar

••
aumento d as infecções do sítio cirúrgico, delirium e sangra-
Child A - 5 ou 6 pontos, Child B - 7 a 9 pontos, Child C- lO a 15 ponros
mentes. Recomenda-se aguardar a normalização dos níveis
séricos d e bilirrubinas e a interrupção do álcool um a três
meses antes da operação eletiva1·14 .
MELD (model for end-stage liver disease) é outro sistema
de avaliação de risco, utilizado desde 1999 por vários
Pacientes com cirrose hepát ica autores. Foi desenvolvido para avaliação de sobrevida de
pacientes candidatos ao shunt po rto-sistêmico transjugu-
Os níveis d e albumina sérica e a atividade de pro- lar intra-hepático (TIPS) e ao transplan te hepático. Esse
trombina são, certamente, importantes índices prognós-

388
Capítulo 32 .: Cirurgia no paciente com doença hepática

••
sistema baseia-se nos níveis de bilirrubina, creatlnlna, ção do fluxo sangüíneo da artéria hepática. Ocorrem, em
RNI e na causa da doença hepática. Atualmente, o siste- conseqüência disso, diminuição da disponibilidade de
ma MELD tem sido também utilizado na avaliação de oxigênio para o fígado e lesão dos hepatócitos nas
risco do paciente com doença hepática que se submete à regiões centrolobulares24 • Esta lesão é mais intensa e
operação não-hepática20• duradoura em pacientes com hipotensão arterial e naque-
No preparo dos pacientes cirróticos é essencial tratar les submetidos a operações cardíacas com circulação
a ascite (dieta hipossódica, repouso no leito, diuréticos e, extracorpórea. Geralmente, ocorre rápida elevação das
eventualmente, paracentese); administrar vitamina K aminotransferases e hiperbilirrubinemia de grau variável.
(lümg, EV ou IM, dependendo do diluente, por três dias Coagulopatias devem ser corrigidas. Todas as proteí-
consecutivos) em pacientes com tempo de protrombina nas e inibidores da coagulação são sintetizados no fígado,
prolongado, avaliar e prescrever terapia nutricional, com exceção do fator de Von Willebrand 13. Alguns servi-
quando necessário; hidratar adequadamente pacientes ços têm utilizado o tromboelastograma, por favorecer o
ictéricos para evitar complicações renais, entre outros. melhor controle da coagulopatia e a redução do número
de transfusões. Deve-se, ainda, evitar altas doses de anes-
tésicos e m edicamentos sabidamente hepatotóxicos 12.
Pacientes desnutridos

Pacientes cirróticos ChiJd C apresentam via de regra Procedimentos cirúrgicos


deficiências nutricionais, hiper-hidratação e hipermetabo-
em pacientes com doença hepática
lismd1 . Há deficiências nos ácidos graxos e os estoques
de glicogênio hepático estão diminuídos, acarretando Pacientes com doença hepática são freqüentemente
risco de hipoglicemia transoperatória22 • As deficiências submetidos a procedimentos cirúrgicos, relacio nados o u
vitamínicas, principalmente nos pacientes cirróticos de não à doença hepática. Com o melhor tratamento ofere-
etiologia etílica, são freqüentes e podem resultar em ence- cido aos pacientes cirróticos e a p erspectiva do trans-
falopatia e em deficiências na cicatriz ação23 • plante hepático, as intervenções cirúrgicas são freqüen-
temente possíveis e necessárias nesse grupo.
O s procedimentos cirúrgicos mais freqüentes nos cir-
Cuidados peroperatórios com róticos são colecistectomia, correção de hérnia umbilical,
o paciente com doença hepática tratam ento de complicações de doenças ulcerosas pépti-
cas e de neoplasias do trato gastrointestinaP.•. A preva-
O risco de complicações e a mortalidade peroperató- lência de litiase vesicular na cirrose hepática é cerca de
ria estão aumentados em pacientes com cirrose que se duas a três vezes maio r que na população em geral. Cerca
submetem a anestesias e a procedimentos cirúrgicos. de 30% dos pacientes com cirrose apresentam litíase
Classificação de Child-Pug h, presença de ascite, elevação vesicular. Nos pacientes Child A, a morbimortalidade
da creatinina, infecção pré-operatória, doença pulmonar cirúrgica pelo acesso convencional é semelhante àquela
obstrutiva crônica, hemorragia digestiva alta, classifica- pelo acesso laparoscópico 4 •
ção ASA (Sociedade Americana de Anestesiologia) e Mulheres com cirrose hepática são mais freqüente-
hipotensão arterial peroperatória são fatores indepen- mente submetidas a histerectomia do que a população
dentes associados à maio r incidência de complicações e geral, geralmente devido a sangramento . Nesse grupo foi
maior mo rtalidade no peroperatório 18. verificado aumento de o n ze vezes na m ortalidade
No peroperatório, o controle hemodinâmico do pós-operatórd5•
paciente é de fundamental importância, devendo-se evi- Outros procedimentos cirúrgicos são realizados para
tar hipovolemia, hipotensão arterial e hipoxemia. Tais tratamento de complicações da doença hepática, como
distúrbios constituem uma das causas mais freqüentes de hemorragia gastrointestinal (devida à hipertensão porta)
disfunção hepática pós-operatória. A diminuição do e carcinoma hepatocelular•.
fluxo sangüíneo da veia porta e a redução da pressão par- Operações cardiovasculares, operações de shunts porto-
cial de oxigênio no sangue porta são acompanhados de sistêmicos, esplenectomias, operações gastrointestinais e
vasoconstrição esplâncnica, com subseqüente diminui- ortopédicas que envolvem os ossos da pelve são procedi-

389
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
mentos associados à maior incidência de complicações de lesão hepatobiliar. Entre elas destacam-se hipotensão
perioperatórias em pacientes cirróticos 18 • Embora a inci- arterial, grandes destruições teciduais, infecções e o uso
dência de complicações após operações cardíacas com cir- de certos medicamentos ou anestésicos (Quadro 32.2).
culação extracorpórea seja elevada em pacientes cirróticos Nos pacientes com doença hepática, as mesmas condi-
Child A, eles podem tolerar o procedimento satisfatoria- ções podem agravar hepatopatia preexistente.
mente. No entanto, em pacientes cirróticos Child B e C, a
mortalidade tem tornado esse procedimento proibitivo Quadro 32.2.: Icterícia pós-operatória*
(50% e 100% respectivamente)26 • Talvez a operação sem ----------------------------------------------··•
circulação extracorpórea seja alternativa aceitável nesse Doença hepática preexistente
grupo de pacientes. Q uanto às ressecções hepáticas em Aumento da produção de bilirrubina
pacientes com afecções hepáticas, habitualmente no trata- Hemólise Medicamentos
mento de hepatocarcinoma, a mortalidade cirúrgica pode Hemoglo binopatias
Transfusões sangüJneas
ser muito elevada, se não forem observados alguns cuida-
Operações cardíacas (válvulas)
dos na avaliação e no preparo pré-operatórios 12.18. Operações de hipertensão
porta (derivações)
Reabsorção de hematomas
Cuidados pós-operatórios Disfunção hepatocelular
com o paciente com doença hepática
Padrão hepatite Hipotensào arterial
Anestésicos
As alterações hepáticas que acontecem comumente
Medicamentos
no pós-operatório de procedimentos cirúrgicos, em Vírus
geral, devem ser conhecidas. A ocorrência de leves alte- Padrão colestase Colestase intra-hcpática
rações das provas de função hepática no pós-operatório pós-operatória benigna
é fato relativamente freqüente; pequenas elevações dos Medicamentos
Scp se
níveis séricos de aminotransferases ou de bilirrubinas em
Obstrução do trato biliar
operações de grande porte, não-complicadas, são geral-
mente transitórias, regredindo espontaneamente após Coledocolitiasc
Ligadura inadvertida
alguns dias. Essas alterações estão associadas a leve infil- Estenose
trado sinusoidal de polimorfonucleares evidenciados ao Pancreatite pós-operatória
exame histológico de fragmen to de fígado obtido duran- Outras causas
te o ato cirúrgico enquanto a microscopia eletrônica evi- Hiperbilirrubinemia
dencia discretas alterações de significado du vidosd7 • Tais família! congênita
Colecistitc pós-operatória
fatos sugerem que o ato cirúrgico, por si, não constitua
E mbolia pulmonar
causa maior de disfunção ou dano hepático importante. Nutrição parenteral
São observadas, por vezes, alterações hepáticas de Doença inflamatória intestinal
maior gravidade no pós-operatório, inclusive com qua- •
dros de insuficiência hepatocelular importante, que
··----------------------------------------------
* i\,.,f odificado de Beckcr e Lamo nt 27

devem ser consideradas à luz de cuidadoso diagnóstico


diferencial. T ais distúrbios hepatobiliares são, em geral, Nesses pacientes, as alterações da função do fígado
abordados a partir da presença de icterícia (Quadro 32.2). resultam em mudanças na farmacocinética de an estésicos,
Es ta manifestação clínica tem sido observada, por dife- rclaxantes musculares, analgésicos e sedativos. O risco de
rentes autores, em 4% a 23% dos pacientes submetidos a hemorragia está aumentado, bem como a susceptibilidade
operações abdominais e torácicas. E nquanto a icterícia é a infecções, devido à hipertensão porta, ao funcionamen-
manifestação não-usual no pós-operatório em geral, foi to inadequado do sistema reúculo-endotelial hepático e a
relatada a prevalência de 47% em pacientes cirróticos27•28 • alterações no sistema imunológico 12 •
Algumas circunstâncias especiais, freqüentes na prática Vários outros medicamentos podem levar a doenças
diária, podem criar condições propícias ao aparecimento hepáticas no pós-operatório, apresentando-se como qua-

390
Capítulo 32 .: Cirurgia no paciente com doença hepática

••
dro de hepatite ou padrão colestáticd. E ntre as drogas 5 • Jackson FC, Christophersen E B, Peternel \Y/\Y/ . Preoperative
management of patients with liver d isease. Surg Clin North
capazes de causar hepatite destacam-se tetraciclinas,
Am. 1968;48:907-30.
metildopa, amiodarona, rifampicina, ketoconazol, isonia- 6 • Propst A, Propst T, Zangerl G, Ofner O, J udmaier G, Vogel W,
zida, sulfonamidas, quinidina e verapamil. Entre os medi- et al. Prognosis and li fe expectancy in chronic li ver discasc.
camentos associados a quadros de colestase estão feno- D ig Ois Sei. 1995;40 :1805-1 5.
7 • Wiklund RA. P reopcrativc prcparation o f patients with advanccd
tiazinas, eritromicina, clorpropramida, nitrofurantoínas,
l.ivcr disease. Crit Care Med. 2004;32:106-15.
metildopa e tiazidas. D eve-se lembrar que as hepatites 8 • Greenberger NJ. Histo ry taking and physical examination in the
por drogas geralmente se manifestam por calafrios, patient wirh tiver diseasc. In: Schi ff E R, SorrelJ MP, Maddrey
febre, erupção da pele, prurido e artralgias2• WC. Oiseases o f thc li ver. 8 cd. Philadelphia: J.B. Lippincott
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9 • Lausten SB, El-Scfi T, Marwan I, l brain TM, J ensen LS, Grofte
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no paciente com doença hepática 2000;24:365-71.
10 • H cinelorff H, Schutze S, J\llogcnsen T, Almelal T, Kehlet H ,
As principais complicações pós-operatórias no Vilstrup H . Prevcntio n of postopcrativc increase in urea
paciente com doença hepática ocorrem devido à piora da synthesis and amino acid clearance by neural anel hormonal
blockaele. Surgery. 1992;111 :543-50.
função hepática ou à presença de in fecção. Pacientes cir-
11 • Hanson KM, Johnson P C. Local control o f hepatic arterial anel
róticos apresentam maior incidência de infecções bacte- portal venous flow in the elog. Am J Physiol. 1966;211 :712-20.
rianas, em especial as infecções pulmonares, urinárias, do 12 • Frieelmen LS. The risk of surgery in patients with liver elisease.
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ficiência hepatocelular se manifesta pela presença de 13 • Gholson CF, Provenza JM, Bacon BR. 1-lepatologic considera-
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queda da albumina e da atividade de protrombina ocorre 14 • Faust T\'V', Reelely KR. Postoperativc jaunelice. Clin Livcr Dis.
freqüentemente no pós-operatório de intervenções de 2004;8:151-66.
grande porte. No paciente inicialmente estável no pós- 15 • HarviJJc DO, Summerskill \'(11-J. Surge!)' in acute hepatitis, causes
and effects. J AMA 1963;184:258-61 .
operatório, a infecção em sítio extra-hepático pode se
16 • O'SulJivan J\1], Evoy O , O'OonnelJ C. Gallstones and laparosco-
manifestar ainda com sinais de descompensação hepática. pic cholecystecromy in hepatitis c patients. Tr rvleel Jo

Estudo realizado em 733 pacientes cirróticos submeti- 2001;94:114-7.


dos a operações diversas demonstrou que a pneumonia 17 • Pugh R, Murray-Lyon I. Transection o f the oesopha&rus in blee-
d ing oesophageal varices. Br J Surg. 1973;60:646-52.
foi a complicação pós-operatória mais freqüente, ocor-
18 • Ziser A, Plevak OJ, Wiesncr RH, Rakelaj, Offord KP, Kenneth
rendo em 59 deles (8%). Outras complicações pós-opera- P, et ai. 1\tlorbidity anel mortaliry in cirrhotic patients under-
tórias freqüentes foram ventilação mecânica prolongada going anesthesia anel surgcry. Ancsthesiology. 1999;90:42-53.
(7,8%), outras infecções (7,5%), aparecimento ou agrava- 19. Garrison RN , Cryer H i'vl, 1-lowarel D A , Po lk J r HC.
mento de ascite (6,7%) e arritmia cardiaca (5%Y 8 • Classification of risk factors for abdo minal opcrations in
patients with hepatic cirrhosis. Am1 Surg. 1984;199:648-55.
20 • Farnsworth N, Fagan SP, Berger OH, i\wael SS. Chilci-Turcottc-
Pugh versus MELO score as a predictor of outcome after
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391

••
Fundamentos em Clinica Cirúrgica

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392
33
CIRURGIA
NO PACIENTE
DIABÉTICO

••
D avidson Pires de Lima, Leo nardo Ma urício Diniz,
Flávio Palhano d e J esus Vasconcelos

Introdução processos anabólicos e catabólicos estão em fina sintonia,


tendo a finalidade de fornecer substrato energético aos
As operações em pacientes com diabetes mel/itus são diversos órgãos e tecidos do corpo. Os órgãos mais ati-
eventos comuns e, já na década de 60, estimava-se gue vos metabolicamente são o cérebro e o fígado. Os tecidos
cerca de 50% dos diabéticos seriam submetidos a algum adiposo e muscular apresentam padrões metabólicos
tipo de procedimento cirúrgico durante suas vidas'. Três peculiares, diferentes quanto aos mecanismos e tipos de
quartos dos pacientes cirúrgicos diabéticos estarão com fo ntes energéticas utilizadas. A integração de todo o
mais de 50 anos de idade e estatísticas escassas demons- metabolismo é feita pelo sistema endócrino por meio das
tram índices de mortalidade muito variáveis, entre 3,6% e ações da insulina, glucagon, cortisol, catecolaminas e hor-
13,2%, sendo as principais causas doenças cardiovascula- mônio do crescimento.
res (51 %) e infecções (21%)' 2 • Além das indicações cirúr- O cérebro é órgão de intensa atividade metabólica,
gicas comuns à população geral, os pacientes diabéticos, consome 60% da glicose disponível no o rganismo, mas
devido às complicações de sua doença, são freqüentemen-
não possui reservas energéticas. D epende, portanto, do
te submetidos a vitrectomia, facectomia (tratamento da
fo rnecimento contínuo de glicose, seu principal com-
catarata), transplante de rim e pâncreas, implantação de
bustível, que atinge o meio intracelular das células ner-
pró tese peniana, desbridamento de úlceras cutâneas e
vosas sem a necessidade da insulina. Durante o jejum
reparos vascuJares. O controle metabólico tem como
prolongado, se ho uver escassez de gli cose, o cérebro
objetivo manter os índices de morbimortalidade periope-
pode substitui-la pelos corpos cetônicos (acetoacetato e
rató ria semelhantes aos dos pacientes sem diabetes 2.l. No
hidroxibutiraro), substâncias si'ntetizadas no fígado a
entanto, apesar de haver muitas diretrizes para estabiliza-
partir da acetil-coenzima A, p roduzida pela oxidação
ção metabólica perioperatória dos pacientes diabéticos, a
dos ácidos graxos•.
maioria delas, em vez de obedecer a critérios científicos,
O tecido muscular, ao contrário do cérebro, é capaz
baseia-se em dogmas e idiossincrasias2.3.
de armazenar a glicose na forma de glicogênio, garantin-
do a maior reserva de carboidrato do organismo, corres-
Resposta orgânica ao pondendo a 1.200Kcal de energia. Esse tecido não expor-
ta glicose a outras partes do corpo e a utiliza preferencial-
procedimento cirúrgico
mente durante a atividade fisica. Nos períodos de repou-
O metabolismo fisiológico so, 90% da energia utilizada nesse tecido provém dos áci-
dos graxos, proteín as e dos corpos cetônicos'.
O metabolismo nos seres humanos consiste em O tecido adiposo é uma grande reserva de energia e
mecanismo hormonal integrado e harmônico, no qual alberga cerca de 135.000Kcal na forma de triglicérides,

393

••
Fundamentos em Clín ica Cirúrgica

considerando um homem de 70Kg. Sob a ação de lipase nio do crescimento tem a peculiaridade de estimular a
hormônio-sensível, os triglicérides liberam glicerol e áci- síntese de proteínas, exercendo efeito anabó lico.
dos graxos que serão captados pelo fígado. O pri meiro Entretanto, esse hormônio impede a captação de glicose
participará da gliconeogênese e o segundo, durante o pelo músculo e facilita a produção e liberação dos ácidos
jejum, será precursor dos corpos cetônjcos. graxos e corpos cetônicos '. D eve-se ressaltar que,
O fígado possui capacidade de armazenar 400Kcal na mesmo no je jum, há secreção basal de insulina, de suma
fo rma de glicogênio. Durante o jejum, esse órgão libera importância para restringir a magnitude do catabolismo,
glicose por intermédio do mecanismo de glicogenólise ou o que equivale a uma espécie de contenção da l.ipólise,
quebra do glicogênio. A gliconeogênese, outro processo proteólise, glicogenó lise e gliconeogênese.
metabólico capaz de suprir as necessidades de energia, O s pacientes diabéticos, por serem carentes de insuli-
consiste na produção e liberação da glicose formada a na, não têm a capacidade de controlar a intensidade des-
partir de precursores provenientes do tecido muscular ses processos, sobretudo quando expostos ao estresse
Qactato e alanina), adiposo (glicerol) e dos aminoácidos cirúrgico. Como conseqüência, estão susceptíveis aos
adquiridos na dieta. os períodos pós-alimentares, ocor- eventos metabólicos que culminam com a cetoacidose
re síntese de ácidos graxos cuja liberação hepática se dá na diabética grave ou até com o óbitd .
forma de lipopro tcína de muito bai;<a densidade (VLDL) 5• Em suma, no período pós-alimentar, a insulina p reva-
Uma vez considerados os eventos metabólicos em lece sobre os hormônios contra-reguladores, ge rando
cada órgão, é necessário entender como ocorrerá a inte- preponderância dos mecanismos anabó licos. Ao contrá-
gração desses p rocessos, tanto no estado pós-alimentar rio, durante o jejum, há redução da concentração de insu-
quanto no jejum. lina, excesso relativo de ho rmônios catabólicos e
Nos períodos pós-alimentares, prevalecem os efeitos mudança harmônica do metabolismo, p revalecendo os
anabólicos cujo objeti vo é acumular energia, seja na efeitos catabólicos. O s problemas surgem nos casos de
forma de glicogênio, triglicéride o u proteína. A insulina catabolismo muito intenso (pós-o peratório) ou na defi-
é o principal hormô nio anabólico e seu principal estimu- ciência de insulina, como ocorre no diabetes.
lado r fisiológico é a glicose. Sua ação co nsiste em incen-
tivar a captação da glicose pelos tecidos m uscular e adi-
O metabolismo no jejum e na lesão cirúrgica
poso, além de inibir o fígado em suas funções de glico-
nos pacientes diabéticos e não-diabéticos
genólise e gliconeogênese. o metabolismo dos ami-
noácidos, há tendência para o estimulo à síntese e para a A insulina é o principal hormônio de efeito anabólico,
inibição ao catabolismo das proteínas. Quanto aos lipí- promove a captação da glicose pelos tecidos muscular e
dios, a insuli na tem efeito lipogênico uma vez que esti- adiposo e, no fígado, inibe tanto a gliconeogênese quanto
mula a síntese dos triglicérides (a partir dos ácidos gra- a glicogenólise. A adrenalina, o glucagon, o cortisol e o
xos produzidos no fígado) e evita a lipólise ao co ibir a hormô nio do crescimento são hormônios conhecidos
ação da lipase lipoprotéica 11• como contra-reguladores o u catabólicos, uma vez que
O glucagon, as catecolarninas, o cortisol e o hormô- atuam, de uma maneira geral, antagonizando as ações da
nio do crescimento têm, de uma maneira geral, efeito insulina. E ssas substâncias estimulam a lipólise, a cetogê-
oposto ao da insulina e, por isso, são denominados cata- nese e elevam a glicemia, tanto estimulando a gliconeogê-
bólicos ou contra-reguladores. Prevalecem sobre a insu- nese e glicogenólise no fígado, quanto inibindo a captação
lina nos estados de jejum, quando o fornecimento da periférica da glicose pelos tecidos adiposo e m uscular.
energia ao organismo deixa de provir da alimentação, O s traumas cirúrgico c anestésico geram resposta
tornando-se necessário mobilizar as reservas de glicose, neuroendócrina, com liberação dos ho rmônios co ntra-
ácidos graxos e aminoácidos. O corrisol exerce sua prin- reguladores, cuja magnitude dependerá do tipo de opera-
cipal função degradando as proteínas e aumentando o ção e de suas eventuais complicações - sepse, hipoten-
fluxo dos precursores da gliconeogênese para o fígado. O são, acidose. Pacientes não-diabéticos apresentam, para-
glucagon, por sua vez, age no fígado, estimulando a ceto- lelamente, aumento da secreção insulínica e, dessa forma,
gênese, a glieoneogênese e a glicogenólise. As catecola- garantem a ho meostase metabólica, ao passo gue os indi-
rninas estimulam a lipólise e a glicogenólise, e o hormô- víduos diabéticos, pela incapacidade anabólica (deftciên-

394
Capítulo 33 .: Cirurgia no paciente diabético

••
cia de insulina), estarão suJeitos a intenso catabolismo de hipoglicemia, cujos sinais e sintomas podem ser mas-
que se traduzirá em hiperglicemia, cetogênese e degrada- carados pelos anestésicos e betabloqueadores8·9 • O risco
ção das proteínas' . D esta forma, se não houver forneci- de lesão grave dos sistemas cardiovascular e nervoso,
mento de insulina exógena a esses pacientes, prevalece- conseqüentes à hipoglicemia assintomática, é talvez a
rão os mecanismos catabólicos cujas conseqüências explicação para a falta de estudos sobre quão intensivo
esperadas são diurese osmótica, desidratação, distúrbios deva ser o tratamento e o controle metabólico em
hidroeletroliticos, in stabilidade hemodinâmica e com- pacientes cirúrgicos.
prometimento da perfusão dos órgãos e tecidos. A per- Quanto à rigidez do controle glicêmico a ser persegui-
sistência e o agravamento desse estado metabólico fazem do, estudo recente, rando mizado e controlado" avaliou o
com que se estabeleça a cetoacidose diabética ou estado impacto de submeter pacientes cirúrgicos, internados em
hiperglicêmico hiperosmolar8• Como será discutido a unidade de tratamento intensivo, a controle rigoroso da
seguir, ainda existem as complicações conseqüentes à glicemia, a despeito de serem ou não diabéticos. Após 12
hiperglicemia que também contribuirão para aumentar meses de avaliação, foi demonstrada redução significativa
signi ficativamente a morbimortalidade perioperatória. de mo rbidacle e mortalidade nos pacientes cuja glicemia
foi mantida entre 80mg/dL e 11 Omg/dL. O contrário
ocorreu no grupo controle, no qual a glicemia foi manti-
Efeitos deletérios da hiperglicemia da conforme conduta denominada convencional, ou seja,
A hiperglicemia crônica tem reconhecido papel na entre 180mg/dL e 215mg/dL" .
patogênese das complicações do diabetes e, assi m,
pacientes diabéticos estão sob maior risco de insuficiên-
Diabetes e anestesia
cia renal, insuficiência coronariana, acidente cérebro-vas-
cular e infecções durante ou após o procedimenw cirúr- Os bluyueius espin hal, epid ural uu esplâncnico
gico, sendo que glicemias aci ma de 200mg/dL a podem moduJar a secreção de hormônios catabólicos e da
250mg/dL parecem estar fo rtemente associadas a essas insuJina. O aumento perioperatório dos níveis de glicose,
intercorrências9 . A hiperglicemia aguda também parece adrenalina e cortisol, observado em não-diabéticos sub-
estar associada à maior morbimortalidade. Estudos reali- metidos à anestesia geral é bloqueado durante a anestesia
zados em pacientes internados devido a infarto agudo do epidural. o entanto, não existem evidências de que essa
miocárdio compararam o risco de morte entre três gru- técnica, associada ou não à anestesia geral, promova
pos avaliados. Os pacientes que na internação receberam algum benefício aos diabéticos. A anestesia regional pode
o diagnóstico de diabetes tiveram risco de óbito quatro provocar hipotensão em pacientes com neuropatia auto-
vezes maior em relação aos sabidamente diabéticos que nômica. Além disso, a lesão vascular e o abscesso epidu-
já estavam em tratamento ambulatorial regular. Estes, ral são mais comuns nos pacientes diabéticos' 2• Bloqueios
por sua vez, tiveram risco de óbito duas vezes superior em nível torácico alto (I2 a T6) inibem a secreção de
ao dos pacientes não-diabéticos9 • insulina, enquanto bloqueios em níveis mais baixos (I9-
E m diabéticos bem controlados, a melhor evolução T12) parecem não interferir nos níveis desse ho rmônio,
pós-operatória parece se dever à intensificação do pro- promovendo melhor controle metabólico" .
cesso de cicatrização (p. ex., da ferida cirúrgica) e à Embora os agentes anestésicos atuem sobre vá rios
menor incidência de complicações infecciosas, co mo eixos hormo nais envolvidos no metabolismo da glicose,
infecção urinária, pneumonia o u sepse. O estudo não existem claras evidências sobre os possíveis benefí-
Diabetes Control and Complication Trial, o D CCT , mostrou cios ou prejuizos aos pacien tes diabéticos a eles expos-
benefícios em manter-se a glicemia dentro de valores tos'3.1 4. Sabe-se que o etornidato bloqueia a produção
considerados fisio lógicos, à custa do aumento do risco supra-renal do co rtisol, reduzindo a resposta hiperglicê-
de hipoglicemia'0 . E ntretanto, não se sabe qual deve ser mica ao trauma. Os benzodiazepinicos, quando em infu-
o nível de controle metabólico para que se atinjam esses são venosa conúnua, podem inibir a secreção hi po fisária
objeti vos no paciente cirúrgico. A o rientação de alguns do ACTH, reduzindo o cortisol secretado pelas sup ra-
autores é man ter o limite inferior da glicemia entre renais, o que não é observado quando emp regadas doses
l OOmg/dL a l SOmg/dL, com especial atenção ao risco habituais para sedação. Os opióides bloqueiam efetiva-

395
•• • Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

mente o sistema nervoso simpático e o eixo hipotálamo- A função renal também merece atenção nos pacientes
hipofisário, abolindo a secreção dos ho rmônios catabóli- com baixo d ébito cardíaco ou com perspectiva de sub-
cos e promovendo eventual benefício aos pacientes dia- meterem-se a exames que requeiram m eios de contraste.
béticos12. O isoflurano causa aumento do hormônio do Habitualmente, dosa-se a uréia e a creatinina. No entan-
crescimen to e da glicemia, enquanto o enflurano parece to, os exames mais p recisos são as dosagens de microal-
não interferir no metabolismo dos carboidratos. O halo- buminúria e a depuração da creatinina endógena em
tano está associado à hiperglicemia leve, embora não se urina d e 24 horas. Os pacientes com alterações nesses
saiba qual o real significado clinico dessa alteração. exames não podem ser expostos a contrastes radiológi-
cos e a drogas potencialmente nefrotóxicas.
O rastreamento das neuropatias autonômicas é reali-
Avaliação pré-operatória zado no exame clínico, explorando sinais e sintomas
do paciente diabético observados nesse tipo de complicação. A disautonomia
leva à alteração d a r esposta cardiovascular ao estresse
A avaliação clinica pré-operatória cuidadosa d os anestésico e cirúrgico, o que acarreta alto risco de arrit-
pacientes diabéticos tem como objetivo conhecer o esta- mia cardíaca8• A p resença de hipotensão ortostática
do metabólico atual, detectar as possíveis complicações implica rigorosa moni torização perioperatória da pressão
do diabetes e, dessa forma, promover per e pós-operató- arterial e da volemia, ao passo q ue a gastroparesia deter-
rios com os menores índices de morbidade e mortalida- mina risco de aspiração e dificuldade de reassumir dieta
de possíveis. oral no pós-operatório7 • Complicações como retenção
Inicia-se com a correta identificação do tipo d e diabe- vesical e infecção urinária o correm, pri ncipalmen te, nos
tes em questão, dos medicamentos utilizados e, nos pacientes com bexiga neurogênica.
pacientes insulina-requerentes, do esquema de insulina As radiografias de tórax deverão ser solicitadas em
prescrito. caso d e história de doença pulmo nar ou na presença d e
O controle metabólico deve ser feito por meio dos fatores de risco como tabagismo7 •
exam es de hemoglobina glicosilada (HbA 1c) ou proteína Merece atenção o fato de que todos esses exames são
glicosilada (frutosamina). O primeiro reflete o controle necessários, sobretudo em pacientes com muitos anos de
glicêmico nos dois a três meses prévios, enquanto o doença, que apresentam complicações crônicas e que
segundo é um índice do controle obtido duran te os 15 a serão submetidos a grandes operações sob anestesia geral
30 dias precedentes 15. Além disso, é importante obter prolongada. Em pacientes com diagnóstico recente de
informações sobre hipoglicemias e sobre eventos agudos, diabetes (habitualmente menos d e cinco anos), não insu-
como cetoacidose ou estado hiperglicêmico hiperosmolar. lina-requerentes e que se submeterão a pequenos p roce-
A ênfase no exame cardiovascular dos pacientes dia- dimentos cirú rgicos sob anestesia local, basta avaliar a
béticos reside no fato de essa complicação ser a p rincipal glicemia em jejum e os valores da hemoglobina glicosila-
responsável pela mortalidade cirúrgica, em cerca de 30% d a ou d a frutosa mina 14.
a 51% deles 2·8 • Operações em pacientes com história de
infarto agudo do miocárdio podem atingir índices d e 6%
d e óbito, se realizadas dentro de três meses, 2% em até Cuidados peroperatórios
seis meses e de 1,5% se após seis m eses do evento. com o paciente diabético
Portanto, caso seja possível, após evento coronariano
deve-se adiar qualquer procedimento eletivo 10 • A avalia- Para o paciente diabético, considerarem os como
ção clínica pré-operatória deve ser complementada com peroperatório o período que se inicia com os procedi-
eletrocardiograma d e repouso e, em caso de alterações mentos para sua estabilização metabólica e termina com
desse exame ou de história clinica muito sugestiva, deve- o fim do ato operatório. ·
se indicar testes mais sensíveis, tais como teste ergom é-
trico, ecocardiograma de estresse com dobu tamina, cinti- Pacientes com diabetes do tipo I
lografia do miocárdio ou ci neangiocoronariografia. A
pressão arterial d eve estar devidamente controlada, pre- O primeiro princípio a ser considerado é que os
ferencialmente abaixo de 140x90mm Hg8 • pacientes com diabetes do tipo 1 sempre necessitarão de

396
Capítulo 33 .: Cirurgia no paciente diabético

••
insulinemia basal para prevenção de cetoacidosc. O a hipoglicem.ias e hiperg]jcemias muitas vezes acentuadas
segundo princípio é fornecer provisão de carboidrato na e não-diagnosticadas. Este efeito " montanha-russa" pode
fo rma de gücose para evitar hipog]jcem.ia e fo rnecer ter como co nseqüências ]jpó]jse, cetogênese e dano neu-
substrato calórico preventi vo à cetogênese9 • ma tercei- rológico secundário à hipoglicemia grave" . A infusão con-
ra orientação é, sempre que possível, iniciar a operação tínua de insulina endovenosa tem sido considerada a
na parte da manhã. Mas é preciso esclarecer que ainda fo rma de controle mais racional, fisiológica e efetiva a ser
não existem estudos prospectivos, randomizados e con- adotada no peroperatório, podendo ser im plementada por
trolados que defmam a melhor maneira de propo rcio nar meio ele soluções de insulina e glicose tan to associadas na
um bom controle pré e peroperatório. mesma solução quan to em frascos distintos 8•13 .
Idealmente, os pacientes com diabetes do tipo 1 O esquema de infusão combinada glicose-insulina-
devem apresentar hemoglobina güco üsada menor que potássio, também conhecido como G IK, foi proposto por
7,0% . Nos casos de mau controle da glicemia, jus tifica-se Alberti et al. 2 e consiste na preparação de solução cuja rela-
intensificação do tratamento, ainda em atendimento ção glicose/ insulina preconizada é aproximadamente
ambulatorial, nos dias ou semanas precedentes ao ato 3,2g/UJ2..1 . D eve-se ressaltar que será sempre necessário
operatório . E mbo ra cause significati vo aumento do acrescentar potássio ao esquema para evitar a hipopotasse-
custo, muitas vezes haverá a necessidade de intern ação mia induzida pela ação da insulina. Existem duas possibi-
24 a 48 horas antes da operação para que se garanta lidades ele preparo da solução de G IK e, independente-
melhor controle metabólico. mente do esquema, a velocidade de in fusão inicial eleve ser
de 1OOm.L/ hora. Antes ela conexão do equipo ao paciente,
O manuseio das doses de insulina na véspera do pro-
recomenda-se lavá-lo com SOm.L da solução para evitar a
cedimento cirúrgico dependerá dos tipos e esquemas
suposta adsorção da in sulina ao plástico, no início de infu-
terapêuticos adotados previamente, como também do
são enclovenosa"·". O esquema a ser escolhido dependerá
momento estimado para inicio do plan o de insulinotera-
da magnin1de da insuli noterapia prévia e também pode ser
pia peroperatória.
adotado em pacientes com diabetes do tipo 2 (Quadros
os casos de opção por ap]jcação subcutânea da
33.1 e 33.2), conforme será discutido posteriormenteH.
insuli na, os pacientes em uso de in sulina de ação interme-
diária PH, lenta) ou prolongada (ultralenta, glargina) Quadro 33.1.: GIK: usuários de insulina (>SOU I/ d ia)'
devem jantar normalmente n a noite anterior à operação, ----------------------------------------------··•
junto com dois terços, ou um pouco mais, da dose habi- Glicemia em jejum de 120-lSOmg/dL
tual de insuli na9 . Soro glicosado a S% ..... 1000mL
A escolha pela infusão venosa de insulina regular Insulina rebrular................. t SUl
imp]jca suspender a dieta após o jantar na noite anteri or Cloreto de potássio........ 20mEq
ao ato cirúrgico e, quanto à dose noturna da insulina, pro- Glicemia > ·180mg/d L - aumcn1ar a dose de insulina em SU l
ceder da mesma maneira citada anteriormente. Na manhã Glicemia < 120mg/dL - reduzir a dose de insulina em SUl
seguinte, deve-se omitir qualquer aplicação subcutânea e, Velocidade inicia.! da infusão: IOOmL/ h
pelo menos três horas antes do inicio do procedimento
==:..;;o.=:=;;.com SOmL da solução antes de iniciar infusão
cirúrgico, iniciar a in fusão venosa da insulina' 6 .
os pacientes em uso ambulatorial de bomba de Gl K -solução de gJicosc, msuhna c
insulina, a o rientação preconizada consiste em desligar o
equipamento e, logo em seguida, iniciar o esquema de Os autores que adotam esse método afirmam que, para
in fusão venosa de insulina. N ão existem esmdos com- a maioria elos pacientes, não será necessária nenhuma
provando a segurança em manter, no peroperatório, m udança na combinação de insulina e glicose numa mesma
infusão por meio da bomba de insulina e, portanto, este solução. Além disso, alegam que a infusão da solução de
procedimento deve ser evitado 9·". G IK é considerada método seguro, uma vez que, se hou-
H á um certo consenso em não recomendar o contro- ver variação na velocidade de infusão ela solução, o fo rne-
le metabólico peroperatório por meio da ap]jcação de cimento tanto ela glicose quanto da insulina será alterado
insulina regular em bo/us, uma vez que este métado é con- conjuntamente, não expondo o paciente a grandes flutua-
siderado não-fisiológico e perigoso, pois expõe o paciente ções glicêmicas. Tal fato impede complicações secundárias

397
..

-----------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

a hiperglicemias ou hipoglicemias. Como será abordado 20mE q de clo reto ele potássio (KCl). Si multaneamente,
posteriormente, no método de infusão de glicose e insulina inicia-se a infusão da solução de 25Ul ele insulina regular
em soluções separadas, a interrupção o u aumento inadver- t:m 250m L de solução dt: darem de sódio aCI) 0,9%
tido da infusão de uma das soluções representa grande (0,1 1/mL), a uma velocidade de 15 a 20m L/ hora, o que
risco de hipoglicemia ou hiperglicemia '. corresponde a 1,5 a 2,0l) Ij h. O s ajustes deverão ser fei-
Portanto, a G I K pode ser boa opção a ser adotada em hos- tos de acordo com as gliccmias obtidas no pcroperatório,
pitais onde não há equipe devidamente treinada para o po r meio da med ida de glicerruas capilares, realizadas em
manuseio da infusão separada de insulina e glicosímetros devidamente calibrados. Com o o bjetivo
de garantir a con fiabi lidade deste equipamento, é muito
Quadro 33.2 .: G IK: usuários de d1cta, hipoglicemiante o ral ou
importante comparar sistematicamente os valores das
insulina (<SOU l/dia)'
gliccmias capilares às glicemias colhidas simultaneamen-
----------------------------------------------·· te a partir do sangue venoso e encaminhadas ao labora-
Glicemia de jejum de 120-180mg/dl.
Soro glicosado a 5% ........ 1OOOmL tório. [ o Quadro 33 .3, estão as diretrizes ge rai s
Insulina rC)..'lllar..................... IOlJI desse método.
Cloreto de .............. 20m l.y
Glicemia > 180mg/dL - aumentar a dmc de insulina em 5L' I
Pacientes com diabetes do tipo 2
Glicemia < 120mg/dL - redu?ir a dose de msulma em 5L:l
Velocidade inicial da infusão: IOOml./ h l nicialmcntc, com o intuito de atingir o contro le.;
Perfundir o eqlUpu com SOm L da soluç;io antes de iniciar mfu,ào
metabó lico c a,-aliar o ri co anestésico, inclica\·a-se inter-
• nar os pacientes diabéticos dois a três di as antes da ope-
··----------------------------------------------
de
l'-Oiuçlo msuhna c pol.bSio ração. Essa conduta mostrou-se dispendiosa e desneces-
sária para a maioria dos pacientes, uma vez que esses pro-
cedimentos podem ser realizados em caráter ambulato-
A desvantagem da solução de G I K co nsiste no fato
rial. A rualmcnte, reco menda-se internar os pacientes um
de que, se houver necessidade de alterar a dose de insuli-
rua antes do procedimento cirúrgico, período no qual
na, nova solução deverá ser preparada, co mprometendo
pode-se conseguir bom controle metaból ico com meno r
a flexibilidade desse '·''.
custo para o sistema de saúde'. Vale ressaltar que, em
O método de infusão de insulina e gljcosc em solu-
alguns casos, será necessária a ad m issão hospitalar mais
çõe distintas é uma opção dos centros que disponham
precoce, em até 48 horas, no pré-opcrató rio 9 .
de bombas de infusão, monüores de glicemia c equipe
Uma c.1uestão com um elo pré-operatório de pacientes
treinada, com interação harmôruca entre os pro fissio nais
envolvidos: médico assistente, anestesiologista, ciru rgião illabéticos do tipo 2 é determinar q uando devemos inter-
c enfermeiros". Esse método permi te rápida obtenção do romper o uso dos antidiabéticos o rais. Pacientes usuários
controle metabólico e pode ser mantido até que o pacien- de clorpropamida, uma sulfoniluréia de m eia-viela lo nga,
te assuma a alimentação via o ral. devem ser o rientados a u pendê-la 48 a 72 horas antes
O algoritmo para condução desse esquema baseia-se do ato cirúrgico podendo, nesse período, subsciruí-la po r
na cinética entre insulina e glicose, no fo rnecimento de uma sulfoniluréia de segunda geração' '. Esta classe é
aporte de po rás io e no aj uste do parâmetros de aco rdo representada po r hi pogliccmiantes de meia-viela curta
com situações específicas, entre as quais destacam-se (glibenclamida, gliburida, gliclazida, glipizida o u glimcpi-
o besidade, sepse, corticoterapia e operações card íacas, rida) c que, portanto , permitem sua suspensão na manhã
condições em que há previsão ele maior necessidade ele da operação. r\ metfo rm ina deve ser suspensa entre 24 a
insulinaK. G eralmente, os pacientes necessitam de 0,3- 48 ho ras antes do procedimento cirúrgico para evita r o
0,4C I de insulina para cada grama de glicosc. Assim, risco de acidose lática em casos de ins tabilidade hcmocli-
námica o u de insuficiência renal, conseqüentes ao proce-
como proposta para início ele trata mento, pode-se infun-
dimento, o u suas eventuais complicações'.?. As tiazolidi-
di r a glicose na for ma de soro glicosado a 5%,, a uma
ncclio nas (piogEta zona c rosigli tazona), ou tra classe de
velocidade de I OOmL/ hora, o que fo rnecerá o equi,-a]en-
sensibilizadores da ação insulíruca, podem ser interrom-
tc a Sg/h. A cada li tro desta solução, deve-se acrescentar
pidas na manhã da operação. A mesma conduta pode ser

398
Capítulo 33 .: Cirurgia no paciente diabético

••
adotada em pacientes usuários de inibidores da alfa-gli- que não invadem grandes cavidades do corpo, não utili-
cosidase (acarbose e miglitol)'. zam anestesia geral e têm duração prevista inferior a duas
horas1. A infusão venosa de insulina, seja na forma de
Quadro 33.3 .: Direrrizes para a in fu são d e in sulina e g licose em G I K, seja em soluções separadas, está indicada em
soluções separadas no pe riopera tó rio'
pacientes que apresentem glicemia de jejum superior a
------------------------------------------------··• 200mg/dL (Quad ros 33.1 , 33 .2 e 33.3). E sse grau de des-
SGIS% à velocidade de mfusào de
100mL/ h Sg/h controle, se mantido, aca rreta risco de induzir a diurese
Glicose + potássio osmótica, prejudicar a cicatrização e pred ispor a in fec-
-{
KCI - 20mEq por litro ções. A aplicação subcutânea de insuli na regular nesses
pacientes é considerada método impreciso c inefi caz 1·".
Insulina regular (SOl! I)+ NaCI 0,9% (SOOmL)- O,lUI/mL
Pacientes controlados com baixas doses de insulina
Perfundir o equipo com SOmJ da solução da insulina antes de
(< SOUljdia), dieta ou d rogas orais e que, na manhã da
iniciar infusão
operação, apresentem glicemia inferi o r à 180mg/dL,
Inicio da infusão de insulina provavelmente não necessitarão de nenhu m tratamento
0,02UI/Kg!h - (paciente de 70Kg- 1,4Uijh = 14mL/ h) especial no peroperató rio, podendo ser aco mpanhados
Revascularização rniocárdica.................. 0,06UI/Kg/h da mesma fo rma que os não-diabéticos. Nesses casos,
Corticoterapia ...........................................0,(l4U1/Kg!h
eventuais híperglicemias podem ser corrigidas co m insu-
Infecção gravc ..........................................0,04UI/Kg/h
li na regula r subcutân ea (Quadro 33.4).
Ajustes na infusão de insulina
Insulina
Glicemia (mg/dL) UI/hora mL/ hora Quadro 33.4 .: Diretrizes p ara o pe rações de pet1ueno porte em
pacientes co m diabetes t11ellitm do tipo 2 '
<80 0,0 0,0
8I-100 0,5 5,0
101-140 1,0 10
Marcar a operação p ara a manhã (primeiro horário da agenda)
141 -180 1,5 15
Suspender dieta após o jantar, na noite anterior
181 -220 2,0 20 Monitorizar a glicemia no pcrio peratório
221 -260 2,5 25
Usuários de insulina (<50Uijdia)
261 -300 3,0 30 Manter a dose noturna de N PH ou lenta
301 -340 4,0 40 Na m anhã da operação- Aplicar metade da dose diurna da N PH
>341 5,0 50
ou lenta
Usuários de hipoglicemiantcs orais
Glicemias < 80mg/dL - interromper insulina e aplicar 2SmL de
solução glicosada a 50% r'o rncccr a medicação até a noite anterio r
• Se necessário , aplicar insulina regular SC conforme indicado:
··------------------------------------------------
SG I - soro glicosado •sotômco
G licem ia (mgldL) Insulina regular (U I)
K CJ- cloreto de p01 ASs1o (d e 4/ 4 ou de 6/ 6 ho ras)
:-.:aCI - cloreto de '<'xl1o
< 120 o
120-160 4
O s pacientes diabéticos do tipo 2 controlados com 161 -200 6
doses altas de insulina e com indicação de operação de 2()1 -240 8
>240 10
grande porte ou que se submeterão a anestesia geral
devem receber o mesmo tipo de p reparo que os cüabéti- Infundir soro glicosado a 5%- 100mL/hora
Pós-operatório
cos do ti po 1, con fo rme cüscutido anteriormente e exem- Dieta oral suspensa - continuar com o esquema acima
plificado nos Q uadros 33.1 , 33.2 e 33.3 "5•
As recomendações são incertas e controversas quan-
.··------------------------------------------------
Dieta oral liberada - aplicar a dose noturna usual de insulina

do se trata das operações de pequeno porte, ou seja, as

399
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Monitorização peroperatória oral. A partir daí, programa-se iniciar o esquema de insu-
lina subcutânea, cuja dose pode ser estimada seguindo
do paciente diabético
certas orientações. Muitas vezes, o tratamento ambulato-
D eve-se iniciar a infusão endovenosa de insulina, no rial prévio não servirá como bom parâmetro, principal-
mínimo, duas horas antes da operação, para garantir titu- mente devido a duas circunstâncias. Primeiramente, um
lação da dose de insulina e estabilização metabó lica do mau controle metabólico pré-operatório impede que o
paciente. Uma vez iniciaJa a infusãu, a glicerrúa deve ser ambulatorial de insulina seja uma boa estimati-
monitorizada a cada hora ou a cada 30 minutos em va às demandas do paciente. Em segundo lugar, a inten-
pacientes submetidos à operação cardiaca. No pós-ope- sa resistência insulinica faz com que se prescrevam, na
rató rio, deve-se manter monitorização de uma em uma ocasião da alta hospitalar, doses mais altas de insulina em
hora e, após estabilização, pode-se aumentar o intervalo relação ao regime amb ulatorial antecedente9 •
dos exames. A pesquisa de cetonas na urina está indicada O tratamento com insulina subcutânea pode ser esti-
em pacientes diabéticos do tipo 1 com glicemias su perio- mado por meio do somatório das doses fornecidas nas
res a 250mg/dV. últimas 24 ho ras. Metade desse total é destinada às insu-
linas de ação intermediária ou prolongada e o restante
representa a quantidade de insulina rápida ou ultra-rápi-
Cuidados pós-operatórios
da. Se empregarmos insulina intermediária (NPH ou
com o paciente diabético lenta), dois terços da dose calculada devem ser aplicados
de manhã e um terço à noite. Se a opção for pela insuli-
Interrupção dos esquemas de infusão
na glargina, inicia-se com aplicação em dose única de
venosa de insulina 80% da insulina basal calculada, habitualmente à noite.
O pós-operatório representa um período no CJUal Se o paciente for usuário de bomba de insulina, reinicia-
podem surgir algumas dificuldades adicionais ao contro- se a infusão conforme programação empregada no pré-
le glicêmico . A primeira dificuldade provém da resposta operatório, ciente da possibilidade de eventuais aumen-
o rgânica provocada pelo estresse cirúrgico, o que leva a tos do fluxo nos primeiros dias do pós-operatório 9 •
intensa secreção dos hormônios contra-reguladores, É mui to importante ressaltar que a suspensão prema-
estabelecendo-se estado de resistência insulinica. tura da insulina endovenosa pode provocar hiperglicemia
Acrescente-se a imprevisibilidade do padrão alimentar acentuada nas 24 horas subseqüentes. Para evitar essa
dos pacientes e a falta de critérios que estabeleçam as complicação, a insulina endovenosa eleve ser interrompi-
necessidades de insulina de cada paciente. da alguns minu tos após início do esquema subcutâneo.
O esquema de infusão endovenosa da insulina, inicia- Se a insulina regular e a insulina de ação prolo ngada
do no pré-operatório, é mantido até que o paciente reas- (NPH, len ta ou glargina) forem aplicadas juntas, a infu-
suma a ingestão oral de alimentos sólidos, mo mento que são deverá ser interrompida 30 a 45 minutos após. Se, em
pode ser crítico e demorado em pacientes com gastropa- vez da insulina regular, forem prescritas as insulinas tis-
resia diabética, susceptíveis a náuseas e vôrrútos. A infu- pro ou aspart, a infusão venosa poderá ser interrompida
são separada de glicose e insulina (Quadro 33.3), mesmo 15 a 30 minutos após a aplicação subcutânea. Se optar-
durante o pós-operatório, parece ser mais eficaz que a mos por utilizar somente insulina de ação prolongada,
solução GIK (Quadros 33.·1 e 33.2) e mais segura que o será necessário manter a infusão de insulina endovcnosa
contro le por meio de aplicações subcutâneas de insulina até 90 a 120 minu tos após a aplicação subcutânea.
regular conforme a glicemia1. Durante essa fase, reco- (Quadro 33.5) .
menda-se monito ri zar a glicemia capilar a cada duas a O s pacientes que forem submetidos a tratamento
quatro horas para que se mantenha a glicemia entre intensivo deverão ser mantidos em infusão endovenosa
120mg/ciL e 180mg/dL. O potássio no plasma deve ser de insulina durante todo o pós-operatóri o, até que se
dosado a cada seis horas com intuito de mantê-lo nos tenha segurança sobre a disponibilidade da via subcutâ-
seus niveis fi sio lógicos. nea, uma vez que esta pode se tornar ineficaz e imprevi-
Como exposto ante riormente, a infusão será inter- sível, sobretudo nos casos em que houver instabilidade
rompida no momento em que o paciente tolerar dieta hemodinânica e má perfusão tecidual periférica.

400
Capítulo 33 .: Cirurgia no paciente diabético

••
Procedimentos cirúrgicos de urgência
Quadro 33.5 .: Momento da interrupção d a insulina venosa a par-
tir do início do tratamento subcutâneo' em pacientes diabéticos
------------------------------------------------··
lnsulinoterapia subcutânea Tempo de espera para
• Na maioria das urgências cirúrgicas, pode-se atrasar o
interromper a infusão venosa inicio do procedimento em quatro a seis horas, com o
Insulinas NPH, lenta ou glargina 30 a 45 minutos
ob jetivo de preparar adequadamente o paciente. A avalia-
+ insulina regular ção labo ratorial p ré-o peratória res tringe-se a excluir a
Insulinas NPH, lenta ou glargina 15 a 30 minutos
cetoacidose diabética por meio de medida da glicemia,
+ insulina ultra-rápida Qispro gasometria arte rial, eletrólitos, cálculo da lacuna de
ou aspart) ânions e pesquisa de corpos cetônicos no sangue ou na
Insulinas NPH, lenta ou glargina 90 a 120 minutos urina. Na presença da cetoacidose, deve-se iniciar o tra-
tamento com hidratação, insuJino terapia e correção dos
.------------------------------------------------- distúrbios hid roeletrolí ticos. Uma vez corrigida a acidose
··------------------------------------------------ e redu zida a glicemia a valores inferiores a 250mgldL,
procede-se da mesma maneira indjcada nos casos de ope-
Algumas orientações gerais para o pós-operatório de ração eletiva, com a escolha de método de infusão veno-
pacientes diabéticos que receberam infusão endovenosa sa de insulina, como mostrado no Quadro 33.66 . Um
de insulina são mostradas no Q uadro 33.6. Após a alta resumo destas cond utas está exposto no Quadro 33.7.
hospitalar, a primeira consulta co m o médico assistente
deve ocorrer dentro de duas semanas, o u mesmo antes.
Quadro 33.7 .: Condutas no paciente diabético com indicação da
1
operação de urgência
Quadro 33.6 .: Condutas no pós-o p eratório em pacie nte que
recebeu infusão endo vcnosa d e ins uli na'
------------------------------------------------··•
Realizar cxarne clinico à procura de sinais e sintomas de cetoacKiosc
------------------------------------------------··• Verificar glicemia em jejum, ionograrna, gasomerria, uréia c creatinina,
Realizar glicemias capilares a cada duas a quatro horas
co'l)()S cctônicos
Dosar o potássio sérico a cada sei' ho ras enq uanto se mantiver a
Em caso de cetoacidosc adiar a operação por algumas horas até o
infusão venosa de insulina
controle metabólico
Continuar a infusão venosa até o inicio d a dieta oral
glicemia e potássio a cada duas a c1uatro horas
Implementar insulinoterapia subcutânea
• Avaliar a necessidade de antibióticos
··------------------------------------------------ •
··------------------------------------------------
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401

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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402
34
CIRURGIA NO PACIENTE
COM DISFUNÇOES -
TIREOIDIANAS

••
Maria d e Fátima H aueisen Sander Diniz, Graziella Mattar Vieira de AJvarenga,
Thais P ereira Costa Magalhães

Introdução se-á apenas o termo hipertireoidismo. O Q uadro 34.1


relaciona as principais causas de hipertireoidismo.
As disfunções tircoidianas são relativamente comuns
na população em geral, especialmente em mulheres e
com o avançar da idade. Como as doenças tireoidianas Quado 34. 1.: Causas de hipertircoidismo*
são freqüentes, é muito provável que, entre os diversos ----------------------------------------------··•
pacientes encaminhados para o tratamento de afecções Hiperfunção da glândula Ausência de hiperfunção
tireóide (hipertireoidismo) da glândula t ireóide
cirúrgicas, possa haver pacientes com hipo ou hipertireoi-
dismo e, certamente, muitos sem diagnóstico prévio. A Doença de Graves Hormônio tireoidiano exógeno
despeito dessa possibilidade, não existem evidências que
Bócio mulünodular tóxico Tecido tireoidiano cctópico
sustentem a indicação de triagem rotineira de doenças
(stn mra ovmii, câncer tireoidiano
ti reoidianas em avaliações pré-operatórias, desde que a metas tático)
anamnese e o exame físico não revelem indicias de alte-
Adcnoma tóxico (bócio Tireoidite subaguda
rações da glândula'. uninodular tóxico)
Confirmado o diagnóstico de doença tireoidiana, cui-
Induzido po r iodo Tircoidite com tircoroxicose
dados especiais devem ser considerados antes, durante e Qod- Bascdow) transitória (indolor, silenciosa,
após a operação, ainda que a maioria dos pacientes com pós-parto)
a doença compensada não necessite de medidas diferen- TSII-oma
tes das adotadas para pacientes eutireóideos.
Resistência hipofisária ao
hormônio tircoidiano
Hipertireoidismo
Mola hidatifo rme

O estado clinico resultante do excesso de hormônios


circulantes é conhecido por tireotoxicose. Deve-se à .. Modificado de Davis c l...'lrscn,
excessiva produção, liberação ou ingestão dos hormônios
tireoidianos. O termo hipertireoidismo é reservado às
situações em que há hiperfunção glandular com excessi-
va produção hormonal. E ntretanto, freqüentemente, o clássico estudo original de Tunbridge et al. 1 realiza-
esses termos são empregados como sinônimos, como na do na Inglaterra entre 1972 e 1974, a prevalência do hiper-
excelente revisão de Nes te capítulo, emp regar- ti reoidismo entre mulheres foi de 0,5%. Em pesquisa mais

403

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

recente, realizada nos Estados nidos, a prevalência men ta de arritmias cardiacas, pode levar à tireotoxicose,
encontrada foi igualmente de 0,5% 4 • seja pelo efeito J od-Basedow (hipertircoidismo do tipo
I), seja por tireoiclite destmti va (illperrircoidismo tipo li).
Muito raramente, o hiperti rcoidismo é secundário a
Etiologia
rumore produwre de T H (TSH omas) ou de altas con-
As causas de hiperti reoidismo podem ser endógenas, centrações de gonadotrofinas coriônicas, como na mola
como em pacientes com doença de Graves, bócios uni hidati fo rme. T ambém muito raro é o hipcrtireoidismo
ou multinodulares tóxicos, ou exógenas, quando do uso associado ao teratoma ovariano com tecido tireoicliano
de levotirox.ina em doses elevadas. funcionante (stmma ovafit) ou ao câncer diferenciado da
A doença de G raves constitui a causa mais comum de tireóide, primário ou metastático. os casos de resistên-
hipertireoidismo, representando 60% a 80% dos casos. A cia aos hormônios tireoidianos que afete predominante-
prevalência varia entre as populações, sendo maior em mente a região hipo fisária, podem ocorrer manifestações
áreas ricas em iodo. Pode ocorrer em até 2% das mulhe- clinicas de hiperti reoidismo 2•1 11' .
res, sendo dez vezes menos comum em homens. É rara Os achados fisiopatológicos, a ap resentação clínica e
na infância, com pico de incidência entre os 20 e 50 anos. o tratamento são peculiares a cada condição2.'''.
Trata-se de doença com caráter auto-imune, relacionada
à presença de auto-anticorpos estimuJadores do receptor Exame clínico
do hormônio tireotrófico (T J-l)2.s·.
Cerca de 25% dos casos de hipertireoidismo devem- A gravidade dos sintomas do hipertireoidismo geral-
se aos bócios com nódulos hiperfuncionantes e com fun- mente se corrclaciona com o nivel dos hormônios circu-
ção autônoma em relação ao T H. ão os bócios unino- lantes, etiologia, a idade do paciente e suas comorbida-
dulares (adenomas tóxicos) ou multinodulares tóxicos. des, além da sensibilidade indi vidual à sobrecarga hor-
Geralmente são encontrados na população idosa, mas, monal"'. A apresentação clínica é variada. As manifesta-
nas áreas pobres em iodo, acontecem em pessoas ções características do hipcrtireoidismo, incluem nervo-
mais jovens. sismo, insônia, emagrecimento, tremor de extremidades,
O uso de levotiroxina em doses elevadas, seja na palpitações, fadiga, intolerância ao calor, taquicardia, pele
terapia supressiva da doença nodular tireoidiana, no quente e úmida, aume nto da glândula tireóide c as altera-
seguimento pós-operatório do câncer diferenciado de ções de personalidade. um outro extremo, observa-se o
tireóide ou no tratamento do hipotireoidismo, repre en- hipertireoidismo apatético, mais comum em pacientes
ta im portante causa de tireotox icosc iatrogênica. O idosos, que não exibem sintomas de hiperatividade adrc-
Esrudo Colorado demonstrou que 22% dos pacientes nérgica, mas astenia, prostração grave, fraqueza muscu-
em uso de tiroxina tinham níveis do TSH abaixo do lar, depressão, apresentando-se com ou sem bócio.
fisiológico•. Lamentavelmente, destaca-se como causa esses casos, as únicas manifestações podem ser fibri la-
iatrogênica de hipertireoidismo o uso indiscriminado de ção atrial OLI insuficiência cardíaca congestiva resistentes
hormônios tireoidianos com o objetivo de emagreci- aos tratamentos usuais c perda de peso2.' w.
mento, já que essas medicações podem ser manipuladas A etiologia do hipcrtireoidismo pode cr suspeitada a
e vendidas livremente. partir da história clinica c dos achados ao exame fisico.
As tireoidites de H ashi moto, pós-parto, silencio as c Todas as manifes tações clínicas cosn1mam ser mais exu-
subagudas, podem cursar com hipertireoidismo transitó- berantes na doença de Graves, sendo que o bócio di fuso
rio c, geralmente, sem maior gravidade. essas siruações, com oftalmopatia, dermatopatia tibial e acropatia são
a apoptose celular ocasiona liberação dos hormônios característicos desta doença. Muitas vezes, observa-se
pré-formados na tireóide para a circulação. frêmito e/ ou sopro no bócio hiperfuncionante. É
É impo rtante lembrar do hipertireoidismo induzido comum a associação com outras doenças de caráter auto-
pelo iodo (efeito Jod-Basedow), mais comum em pacien- imune como o diabetes mellitm tipo 1 e o vi tiligo. lo acle-
tes com doenças ti reoidianas nodularcs ou com G raves noma tóx ico há presença de nódulo tireoicliano único,
subclínico expostos a altas concentrações de produtos geralmente volumoso (maior que 3cm). O s bócios multi-
iodados. A amiodarona, largamente utilizada no trata- nodulares muitas vezes são Yolumosos e mergulhantes

404
•••
Capítulo 34 .: Cirurgia no paciente com disfunções t ireoidianas

no mediastino. Pode haver manifestações de compressão desnutrição, na síndrome nefrótica, em algumas doenças
da traquéia (dispnéia e roncos) ou da drenagem venosa de depósito etc>s.ll.tz.
cervical (manobra de Pemberton positiva). Nas ti reoidi- E m pacientes com rúveis hormonais elevados e TSH
tes, as mani festações clinicas geralmente são mais leves. não-suprimido ou elevado, deve-se suspeitar de rumor
O Quadro 34.2 relaciona as principais manifestações clí- secretor de TSH ou resistência aos hormônios tireoidianos.
nicas do hipertireoidismo. A rupercalcernia está presente em 10% dos pacientes
hipertireóideos, devido ao aumento da remodelação
óssea. Também podem ser observadas redução do coles-
Quadro 34.2 .: Manifestaçõ es clinicas d o hiperrireo idismo terol total, anemia rnicrocitica, neutropenia, trombocito-
••• penia, rupocalemia, elevação da ferritina, e hiperbilirrubi-
Sintomas Freqüência (%) nemia, essa última em casos mais graves 10•
35-99 A captação do iodo radioativo (RAIU) em 24 horas e
Sudorese 45-95
a cinrilografia da tireóide (tireograma) podem ser úteis na
di ferenciação entre tireoidites, doença de Graves e
lntolcdncia 10 calor 22-92
bócios nodulares tóxicos. A captação encontra-se eleva-
Palpitações 22-89
da em praticamente 100% dos casos de doença de
Fadiga e fraqueza 27-88 Graves, com hiperconcentração difusa do radiofármaco.
Perda de peso 50-85 Ao contrário, nos casos de tireoidite a captação é muito
Dispntia 41-81 baixa ou ausente. Nos bócios nodulares tóxicos, a cinti-
Hipcrfagia 10-65 lografia revela áreas focais de hipercaptação do iodo e
captação baixa ou ausente no restante da
Diarréia 04-36 I
Sinais A dosagem de anticorpos anti-receptor do TSH e
Taquicardia 50-100
antitircoperoxidase auxiliam pouco no diagnóstico dife-
Bócio 37- 100
rencial e não deve ser realizada de forma rotineira.
A ultra-sonografia da tireóide com Doppler pode aju-
Tremor 32-97
dar no diagnóstico diferencial do hipertireoidismo por
Retração palpcbral 34-80
amiodarona, mostrando-se inal terada ou com hiperfluxo
Hiperatividade 39-80
na tireotoxicose do tipo I e com padrão heterogêneo ou
Fibrilação atrial 03-38
com hipo fluxo, na do tipo l i. O Quadro 34.3 resume os
•••
achados laboratoriais e cintilográficos nos casos de
•Mocilficado de \X/cctman•, Davis c l....arscn Lazarus•, Lecnhardt tt al. 11
tireotoxicose.

Diagnóstico Tratamento
Caracteristicamente, há redução do TSH e aumento Há vá rias modalidades de tratamento que serão
do T4 e T3 livres, respectivamente riroxina (tetraiodoti- empregadas adequadamente de acordo com a etiologia
ronina) e triiodotironina. Cerca de 1% dos pacientes do hipertireodismo, idade, comorbidades do paciente,
apresentarão supressão do TSH sem que haja aumento presença o u não de bócio volumoso, intolerância aos
de T4 livre, com aumento apenas de T3, seja total ou medicamentos ou radioiodo etc6•7•111•1• .
livre. Essa condição é conhecida como T3 toxicose e é Os betablogueadores são úteis no manejo das formas
mais freqüente em pacientes idosos com doença nodular moderadas e graves do hipertireoidismo de qualquer
da tireóide. etiologia, aliviando sintomas como a taquicardia e tremo-
A avaliação da fração livre de tiroxina (T41) é sempre res de extremidades. Na maioria das vezes, constiruem o
preferível à da tiroxi na total, já que alterações nas proteí- único tratamento sintomático nas tireoidites, com exce-
nas ligadoras de tiroxina (TBG) podem interferir nos ção da tireoidite subaguda. Nas demais etiologias do
valores tomis, sem mudança nas frações livres. É o que rupertireo idismo, são utilizados até que as drogas anriti-
aco ntece na cirrose hepática, no uso de estrogênios, na reoidianas reduzam a síntese hormo nal, quando são des-
405

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 34.3 .: Dm!,'llÔStlco diferencial da ciremoxJcose•

------------------------------------------------------------------------------------------------··•
H livre T3 livre TSH Anticorpos Captação do
iodo radioativo

Doença de Graves t + i ou f
T3 wxicose i ou i i I OU i

t t i ou f
Sócio tóxico multinodular

Adenomn tóxico
----- ii ou

ou i
i ou
i i ou i
T1rcoiduc pós-pano t i ou f +
---------
Jod Baseduw i I OU i I OU i
Tireotoxicosc: factfcia i ou t i ou t J.
Tireo1dne i i + .J,
Mola hidanformc t t t
Carcinoma funcionante tia tireóidc i i i
Hipanrcmdi.qno hipofi5ário t t .L
}/rumo Olimt i i .L

··-----------------------------------------------------------------------------------------------
,.. Modificado de \X"cctman ' e I..anrus'
i : Aumentado
.J. : Dn111nuído
+ : Po; 1uvo
- :

i : Inalterado

continuados gradat.ivamemc. O uso de betabloqueadores, sob rigorosa monitorizaçào dos níveis séricos da droga
mesmo o seletivos, em pacientes asmáticos, com insufi- (O,SmE g/ L a 1 mEq/ L) e de seus efeitos colateraisl.'•-'.
ciência vascular periférica ou in suficiência cardíaca conges- Como em toda doença auto-imune, a doença de
tiva descompensada, pode ser danoso. O propranolol, G raves tem tendência a desenvolver rccidi,·as e remis-
entretanto, pode ser útil no controle de taquicardias supra- sões. ão há cura c o tratamento consiste em redu zir a
\'entriculares gue estejam agravando a insuficiência cardía- produção hormonal. ào três as opções terapêuticas:
ca. E m geral, todos os betablogueadores são eficazes, pre- drogas antiti reoidianas ou tionamidas, iodo radioati,•o, c
feri ndo-se os de longa duração para o manejo dos pacien- o tratamento ctrurgico . a escolha consideram-se algun s
te cirúrgicos. Dessa forma, evita- c o uso intravenoso no fato res, como a preferência c experiência do médico, a
per c pós-operatório, enguanto o paciente não puder usar idade c pre ferência do pacienrc, o taman ho do bócio, a
habilidade do cirurgião, a d isponi bilidade e o custo do
a via oral As doses devem ser individualizadas, sugerindo-
tratamento, entre outros. Os três tratamentos estão asso-
e: propranolol (20mg a 40mg a cada eis a oiro horas, até
ciados à melhora similar na gualidadc de \·ida e na satis-
320mg/dia); atenolol (25mg a 100mg/dia em dose única
fação dos pacientes. ' os ECA, 70% dos especialista
ou dividida a cada 12 horasY"7 •
optam pelo trata mento inicial com radioiodo. 1 os
Blogueadores do canal de cálcio como o diltiazem
demais países, as drogas anti ti rcoidianas constituem a
(60mg a 90mg a cada oito horas) e o verapamil (40mg a escolha para 80% dos médicos, principalmente em
80mg a cada oito horas) constituem uma opção terapêu- pacientes jovens com bócios pouco volumosos• .
tica para o tratamento das arritmia upraventriculares se 1\ s droga antitireoidianas comercialmente disponí-
houver contra-indicação ao uso dos betablogueadores. O vei no Bra il são o mctimazol (tiamazol) c o propiltiou-
carbonato de lítio (600mg a 1.200mg/dia) é uma alterna- racil (PTU). As d rogas anticireoid ianas não inibem a cap-
tiva para os casos graves, em pacientes intolerantes às tação de iodo pela glândula nem afetam a li beração de
drogas anti ti rcoidianas e ao radioiodo. eu uso deve ser ho rmô nios já sin tetizados. Agem na ini bição da o rbranifi -
restrito ao período de preparo pré-operatório e sempre cação e no acoplamento das iodoúrosinas. As cionamidas

406
Capítulo 34 .: Cirurgia no paciente com disfunções tireoidianas

••
poderiam também exercer efeito imunossupressivo por Aproximadamente 1% a 5% dos pacientes apresentam
reduzirem os níveis de anticorpos estimulantes do recep- algum tipo de efeito colateral às drogas antitireoidianas.
tor do TSH. Entre as drogas an titireoidianas, o metima- Os efeitos adversos mais comuns são febre, sintomas gas-
zol é o fármaco de escolha por p roporcionar maior ade- trointestinais, erupções e prurido cutâneo e artralgias.
são ao tratamento (tomada única diária, mas doses maio- AgranuJocitose, síndrome semelhante ao lúpus, vasculites
res geralmente são divididas em duas vezes ao dia), maio r e lesão hepática são reações graves desses medicamentos,
segurança, menor custo e, possivelmente, maior cficá- embora raras. A agranulocitose se desenvolve quase sem-
cia16-". O pro piltiouracil constitui a droga de escolha em pre dentro de 90 dias do início do tratamento, em 0,2% a
algumas situações especiais, como na gestação e na crise 0,5% dos casos. Porém, a monitorização freqüente do leu-
tireotóxica (pelo benefício teórico de inibir a conversão cograma não é necessária porque não prediz a ocorrência
periférica de T4 em T 3). da agranulocitose. D eve-se orientar o paciente a procurar
As doses iniciais variam de 10mg a 40mg por dia de atendimento médico imediato em caso de febre, faringite
metimazol e, para o propiltiouraciJ, de 200mg a 400mg. ou outro sinal de infecção. O metimazol pode causar
Doses mais elevadas, apesar de reduzirem mais rapida- hepatite colestática, mas a maioria recupera-se bem com a
mente os níveis hormonais, não aumentam as probabili- suspensão da droga. Já o propiltio uracil está mais associa-
dades de remissão da doença e, por outro lado, aumentam do ao dano hepatocclular, podendo levar à hepatite fulmi-
o risco de reações colaterais. a gravidez, a dose ideal é a nante. ão há indicação para monitorização rotineira da
necessária apenas para manter o T4 li vre no Limite supe- função hepática em pacientes em uso de drogas antitireoi-
rior da normalidade, numa tentativa de se reduzir o risco dianas. Como existe reação cruzada entre as drogas antiti-
de hipotireoidismo fetal. Ao final da gestação, quando a reoidianas, a presença de efeitos colaterais moderados a
graves contra-indica definitivamente o tratamento com
gravidade do hiperti reoidismo pode declinar, as doses
este grupo de fármacos''·'· 111•16·17 •
podem ser reduzidas o u até a droga pode ser suspensa.
O iodo radioativo (1131 ) é o tratamento de escolha para
Os valores de T4 li vre decrescem em quatro a 12
muitos clínicos, mas, no Brasil, é mais empregado como
semanas de tratamento. As concentrações de T3 reto r-
alternativa à falência do tratamento com drogas antitireoi-
nam para níveis fisiológicos mais lentamente que os
dianas; nas recidivas após suspensão destas drogas; como
niveis de T4 e os valores de TSH podem permanecer
primeira escolha em mulheres que não possam esperar
suprimidos por muitos meses, sem significar insucesso
muitos anos para engravidar; nos bócios nodulares tóxi-
do tratamento. O T4 livre é o melhor exame para reava-
cos15. Seguro (usado há mais de 50 anos, po r via oral, indo-
liação da dose terapêutica quando o paciente reto ma para
lor e sem necessitar de hospitalização) e com custo acessí-
controle. As consultas serão a cada quatro a seis semanas
vel, causa hipotireoidismo na grande maioria dos pacientes
nos primeiros seis meses. Com a redução dos níveis hor-
ao final de dez anos. Por ser formalmente contra-indicado
monais, as doses das drogas antitireoidianas podem ser
na gestação, deve-se solicitar rotineiramente an tes
reduzidas ao mínimo necessário para o bom controle clí-
do tratamento de mulheres em idade fértil. A amamenta-
nico (Smg a 10mg!dia de metimazol). A duração média ção e a gravidez são contra-indicadas por seis a 12 meses
do tratamento é de 12 a 18 meses. Maio r tempo de trata- após o radioiodo e as mulheres em idade fértil necessitam
mento não melhora as taxas de remissào16. Por outro de métodos contraceptivos seguros nesse período. A fun-
lado, tratamentos com menos de seis meses de duração ção tireoidiana retoma ao habitual em dois a seis meses c
elevam as taxas de recidiva da doença, que geralmente o hipo tireoidismo desenvolve-se a partir de quatro a 12
ocorrem nos seis meses iniciais após a suspensão da(s) meses após o tratamento. Mais de 20% dos pacientes
droga(s) antitireoidiana(s). O aumento do T 3 é um sinal necessitam de uma segunda dose de 1111 para obter o euti-
precoce de recidiva, sendo sua monitorização útil no reoidismo, o que deve ser reavaliado depois de seis a 12
acompanhamento posterio r. Nos bócios nodularcs tóxi- meses da primeira dosc6.-'· 15.
cos, as drogas antitireoidianas não curam o hipertireoi- O iodo radioativo pode piorar a oftalmopatia, princi-
dismo. Sua utilidade está em leva r o paciente ao eutireoi- palmente se o hipertireoidismo for grave ou o paciente
dismo para que possa se submeter ao tratamento defini- fuman te. Para prevenir a piora da o ftalmopatia, há indica-
tivo com radio iodo ou com procedimento cirúrgico. ção de corticosteróides com início após alguns dias do tra-

407
• Fundamentos em Clinica Cirúrgica

••
tam ento, reduzindo a dose até sua suspensão definitiva pode ser tratado com iodo radioativo em altas doses, mas
depois de dois a três meses 18 • E mbora a crise tireotóxica o tratamento cirúrgico é uma ótima opção para pacientes
seja rara após o uso do I"', deve-se atentar para a tireoid.i- com sintomas compressivos, múltiplos nódulos hipocap-
te actínica que ocorre em menos de 10% dos casos, cau- tantes ou bócio mergulhante. A decisão pela terapêutica
sando piora do hipertireoidismo. Por isso, o pré-tratamen- cirúrgica deve levar em conta o risco operatório dos
to com drogas antitireoidianas para se atingir o eutireoidis- pacientes, pois muitos estão em idade avançada, com múl-
mo, principalmente para idosos e aqueles com doença car- tiplas co morbidades. A principal complicação clínica da
diovascular, deve ser adotado como conduta cautelosa. tireoidectomia é o h.ipotireoidismo, que ocorre em até 50%
Entretanto, o uso de propiltiouracil resulta em graus dos pacientes, após seguimento prolo ngado. As lesões do
aumentados de falência terapêutica ao 1131 • As drogas anti- nervo laríngico recorrente e o hipoparatireoidism o definiti-
tireoid.ianas são suspensas cerca de sete dias antes do vo são complicações raras (2% a 3% dos casos) e estão
radioiodo e, para a maioria dos pacientes, não é necessário diretamente relacionadas com a experiência do cirurgiãd:.
reintroduzi-las. Os betabloqueadores são utilizados para o
Quadro 34.4 .: Indicações para tircoidectomia em pacientes com
controle dos sinto mas depois do radioiodo 15• 16• hlpertireoidismo*
A dose de 1111 necessária para o controle do h.iperti-
reoidismo varia com a etiologia e o tamanho do bócio.
----------------------------------------------··
Indicações absolutas Indicações relativas

Bócios volum osos e nodulares são mais resistentes à irra-
Reaçio grave a drogas antiti- Oftalmopatia grave
diação, exigindo doses mais elevadas. Entretanto, como reoidianas e impossibilidade
o radioiodo se concentra preferencialmente nos nódu los ou contra-indicaçio ao
hiperfuncionantes, muitos pacientes com bócios uni ou radioiodo
---
multinodulares tóxicos ficam eutireoidianos após este Atividade da doença mesmo Tircoiditc grave pela amiodarona,
tratamento. As taxas de cura do hipertireoidism o variam com tratamento máximo o u refratária ao tratamento clinico
depois do radioiodo
de 60% a 90%, dependendO da dose de J l1l UtilizadaiS,I6,
Primeiro tratamento do hipertireoidismo, a tireoi-
Doença de Gnves ou bócio Necessidade de controle mais
decto mia é atualmente empregada em 1% dos casos. nodular tóxico associados rápido do hipertim>idismo
Está reservada para circunstâncias específicas, como res- com nódulo suspeito ou (Gnves ou bócio nodular tóxico)
posta p recária aos antitireoidianos principal me nte maligno
durante a gestação; reações adversas a drogas antitireoi- Gestantes não-controladas Preferência do paciente 0napti-
dianas e impossibilidade de usar o radioiodo; bócio adequadamente com drogas dào para seguir o tratamento
antitireoidianas clínico e medo do radioiodo)
muito vol umoso, causando desconfo rto; presença de
o ftalmo patia grave; presença de nódulo potencialmente
Bócio volumoso (G!IIVes ou Desejo de engravidar em curto
m aligno; preferência do paciente (medo do radioiodo). bócio multinodular tóxico) pruo
Nos pacientes com doença de Graves, o enco ntro de um com sintomas compressivos**
nódulo hipocaptante implica elevado risco de malig nida-
de (até 20%r. É realizada a tireoidectomia total o u sub- Crianças
total para se evitar a recidiva da doença. Nos casos de

oftalmo patia grave e na presença de nóduJos suspeitos ··----------------------------------------------
• i\todificado de Boger e Pcrricr'' e L:tngley c Burch1
Jndicação rela tiva
'. · •
de malignidade, a tir eoidectomia total é considerada o segundo aucores que preferem o radioi(xlo.
procedimento de escolha 13' 19 • O Quadro 34.4 relaciona as
principais indicações para tireoidectomia em pacientes Um outro tratam ento definitivo proposto para os ade-
com hiperti reoidismo. no mas tóxicos é a injeção de etano! no nódulo, guiada por
O bócio uninodular tóxico tem o radioiodo como o ultra-sonografia. O etanol reduziria o volum e no nódulo e
tratamento mais comum nos EUA. A terapêutica cirúrgi- no rmalizaria a função tireoidiana na maio ria dos pacientes,
ca é a escolha em o utros países. Nesse caso, a lobectomia segundo os autores que têm utilizado este procedimento 20 •
ou mesmo a nodulectomia proporcionam a cura da A tireoidite subaguda granulo matosa é tratada com
maioria dos pacientes que, raramente, desenvolvem salicilatos ou outros antiinflamatórios não-esteróides, e
hipo tireoidismo posterior. O bócio multinodular tóxico co m betablogueadores até a melhora dos sintomas. Os

408
Capítulo 34 .: Cirurgia no paciente com disfun ções tireoidianas

••
casos mais graves podem se beneficiar de corticóides sis- A tualmente, graças aos cuidados perioperatórios, em
têmicos. o hipertireodismo induzido pela amiodarona, especial ao uso das tionamidas, apenas 1% dos pacientes
esta não precisa ser suspensa para tratar o paciente, falecem, isso porque os pacientes hipertireóideos com
embora seja o recomendado nos casos de arritmias que indicação de tratamento cirúrgico devem ser operados
não envolvam risco à vida. Utilizam-se as drogas antiti- apenas quando estiverem clinica e laboratorialmente
reoidianas na tireotoxicose do tipo I, necessitando-se compensados 1•13.1'. O tempo mínimo necessário para o
geralmente de doses altas, enquanto os corticóides são o preparo pré-operatório adequado é de três a quatro
tratamento de escolha no tipo II6•7• semanas. Na doença de Graves, como a tireoidectomia
tem sido indicada principalmente para os pacientes de
difícil controle e os com grandes bócios, a reserva tireoi-
Riscos perioperatórios
diana de hormônios pré-formados costuma ser grande e
O maior risco a que o paciente com hipertireoidismo as manifestações clinicas bastan te intensas. Então, maior
não-identificado ou inadequadamente tratado está sujeito tem po de uso de drogas antitireoidianas pode ser neces-
ao ser operado é a tempestade tireoidiana ou crise tireotó- sário até a melhora do paciente. O objetivo do tratamen-
xica. É uma entidade rara, mas ameaçadora à vida 1.7. to clínico com as tionamidas e os betabloqueado res é
O efeito do excesso de hormônios tireoidianos sobre o manter o T4 livre e o T 3 dentro dos li mites da normali-
sistema cardiovascular, por si sô, eleva o risco operatório. dade. Como o eixo hipotálamo-hipófise permanece alte-
Esses pacientes devem ser avaliados e devidamente con- rado por mais tempo, o TSH, às vezes, fica su primido
trolados para doença cardiopulmonar no pré-operatório. (abaixo do fi siológico) por meses, mesmo quando o
A monitorização cardiaca é fundamental, porque as arrit- paciente está melhor e apto à operação6.7. O uso de dro-
mias, especialmente as taquiarritrnias e a fibrilação atrial, gas antitireoidianas e betabloqueadores para o controle
são mais prevalentes no hiperúreoidismo. Ademais, a do hipertireoidismo foi discutido anteriormente.
isquemia miocárdica ou insuficiência cardiaca podem se O uso de soluções iodadas para reduzir o fluxo san-
desenvolver ou piorar1• güineo, a friabilidade e o sangramento da tireóide no pré-
Como os pacientes com hiper ou hipotireoidismo operatório da doença de Graves é uma prática muito
podem apresentar coagulopatias, deve-se suspender os di fundida. As soluções de iodeto de potássio (duas a
anticoagulantes orais e os salicilatos no pré-operatório. A cinco gotas a cada oito horas por dez a 15 dias) e lugol
hemostasia precisa ser rigorosa para evitar hematomas (três a cinco gotas a cada oito horas por dez a 15 dias) são
perioperatórios 1·'. usadas há mais de 60 anos no preparo das tireoidecto-
Uma importante complicação perioperatória da tireoi- mias, sendo tratamento mais antigo que as tionamidasll.
dectomia é a hipocakemia que atinge até 50% dos pacien- Entretanto, ainda há controvérsias sobre seus benefícios
tes. Pode acontecer até 72 horas depo is da operação, reais, pois há carência de estudos controlados que ava-
sendo secundária a hipoparaúreoidismo, transi tório na liem se a redução da vascularização da glândula provém
maioria das vezes 1" ·" . O hipoparatireoidismo permanente é do controle adequado do hipertireoidismo ou se real-
incomum (2% a 3%) quando a tireoidectomia é realizada mente da ação do iodo 14• H á estudos que mostram ausên-
por cirurgiões experientes. D eve-se dosar o cálcio rotinei- cia de efeito do iodo; outros, redução do fluxo sangüineo
ramente no perioperatório e buscar ativamente por dises- sem significância clinica perioperatória22 4• Há autores,
tesias, câimbras, fraqueza muscular e pela presença dos inclusive, que acreditam ser o propranolol o agente que
sinais de T rousseau e Chvostek. efetivamente reduz o fluxo sangüíneo para a
Prudente é a opinião de Langley e Burch que recomen-
Tratamento pré-operatório dam que, uma vez que o paciente esteja bem controlado
com outras medicações, a tireoidectomia não deve ser
Pacientes candidatos à tireoidectomia adiada por mais dez dias, caso o objetivo da administra-
ção do iodo seja apenas reduzir a vascularização da glân-
PACIENTE EUTIREÓIDEO
dula14. É sempre bom lembrar que o iodo é contra-i ndi-
A mortalidade da tireoidectomia em pacientes com cado no preparo para a tireoidectomia de pacientes com
hipertireo idismo no início do século XX era de até 20%. bócios noduJares tóxicos.
409
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Depois da realização da tireoidectomia, total ou contraste iodaclo, ob ri co ele piora ela função renal e ele
sub total, as drogas antitireoidianas são suspensas de fi- ocorrência de acidose lática.
nitivamente e os betabloqueadores reduzidos de forma Os glicocorticóides, além de reduzi rem a conversão
gradativa até à suspensão definitiva em uma a duas periférica de T 3 a T4, dim inuem o risco ele fal ência aclre-
semanas. A função tireoidia na deve ser revis ta peri odi- nal perioperató ria. Utinza-se a hidroco rtisona, na dose ele
camente, porque o hipo tireoidismo é uma conseq üên- 100mg a cada oito horas, por via intravenosa, o u a beta-
cia esperada depois das grandes ressecções ti reoidia- metasona na dose de O,Smg a cada seis ho ras, ou, ainda,
nas, e a reposição da levotiroxina, imprescindível após a dexametasona (lmg de 12 em 12 horas). A dose do cor-
a tireoidectomia total'•. ticóide pode ser redu zida no primeiro dia ele pós-opera-
tório e suspensa em 72 horas'·14.21' " .
Os contrastes iodados e as tionamidas devem ser sus-
PACIENTE EM TIREOTOXICOSE
pensos imediatamente após a rireoiclectomia. T odavia, o
ão é indicado realiza r tireoidectomia quando o efeito teciclual do excesso elos hormônios tireoidianos per-
paciente se encontrar em tireotoxicose. Entreta nto, há manece por alguns dias após a operação. Para minirnízar
situações de hipertireoidismo acentuado, com elevada esses e feiros, os betabloqueaclores são mantidos por cerca
mo rbidade e necessidade de controle rápido da hipe r- de uma semana no pós-operatório em doses progressiva-
função ti reoidiana. esses casos excepcionais, não há mente menores, até a sua suspensão definiti va 14 •
possibilidade de aguardar semanas até atingi r o cutireoi- O pacientes operados em tireoroxicosc merecem
dismo. D iversos autores preconizam esquemas terapêu- cuidados redobrados qua nto ao risco de arri tmias, agra-
ticos de preparo rápido, de fo rma a proporcio nar con- va mento da insuficiência cardíaca c hipoxemia. O s
dições mínimas de segurança para que o paciente possa pacien tes idosos e mui to emagrecidos, em especial,
ser submetido ao procedimento cirúrgico'·2K 11 • T odos podem apresentar fraqueza m uscu lar, o que implica risco
associam as drogas antiti reoidianas em doses altas, beta- ele intubação prolongada'·'•.
bloqueadores, soluções iodadas e glicorticóides. O pro-
piltiouracil (150mg a 200mg de seis em seis ho ras) ou o
metimazol (20mg a 40mg de 12 em 12 ho ras) e os beta- Pacientes candidatos a procedimentos
bloqueadores são u ados por ' ' ia o ral. cirúrgicos não-tireoidianos
O iodcto inibe a secreção de hormô nios pela glând u-
PACIENTE EUTIREÓIDEO
la e os contras tes iodados são potentes inibido res da con-
versão de T4 em T 3. A tionamida deve ser oferecida pelo Qualquer procedimento Clrurgico pode ser realizado
menos uma hora antes da administração do iodeto, para em pacientes com doença tireoidiana, desde que esteja
prevenir que o iodo atue como substrato para a formação eutireóicleo. Ao realizar a avaliação clínica pré-operató ria,
adicional de ho rmônio tireoidiano. Recomenda-se a solu- o cirurgião deve indagar pacientes com doença tireoicliana
ção de iodeto ele potássio (cinco goras a cada seis a 12 sobre manifestações ele tireotoxicose. O exame físico e os
horas por via oral) ou de lugol (quatro a oito gotas a cada exames ele função tireoidiana complementam a anamnese.
o ito horas). Entretanto, os contrastes radiográficos são m contato com o clinico ou endocrinologista do pacien-
preferidos aos iodetos, porque, além de bloquearem a te deve ser feito no pré-operatório sempre que necessári o,
liberação dos ho rmônios tireoidianos, reduzem rapida- para maiores esclarecimentos.
mente as concentrações de T 3 e podem ser administra- As drogas antitireoidianas devem ser mantidas no
dos tanto pela via o ral, quanto pela venosa 12• O ácido perioperatório e, caso a via oral esteja impedida, adminis-
iopanóico, citado em artigos de referência, não está mais tradas pela via retal' 3• Os betabloqueadores ele ação pro-
di ponível nos Estados Unidos ou no Brasil. Como al ter- longada, como o atenolol, são prcfcritlos no dia ela opera-
nativa pode-se utilizar ioxitalamato de meglumina, ami- ção e serão retomados, se possível , no dia seguinte ao pro-
dotrizoato de meglumina o u ioparnídol (1 ml a 2m I a cada cedimento cirúrgico. Se necessário, podem ser usados po r
12 horas), ou diauizoato de meglurnína (3ml a 6ml a cada via enclovenosa, sob mo nito ri zação cardiovascular'· 14·"'.
12 horas). Os contrastes iodados estão proscri tos em É necessária atenção especial para pacientes com bócios
caso de alergia ao iodo. É fundamental suspender o uso nodulares, principalmente os com função autônoma, pelo
do merformin do is dias antes de iniciar o uso de qualquer risco ele desenvolverem hipertireoiclismo iodo-induzido no

410
Capítulo 34 .: Cirurgia no paciente com disfunções t ireoidianas

••
pó -operatório, apó o contato com substâncias iodadas que pode esquecer de manter as drogas antitireoidianas no
são freqüentemente utilizadas para anti-sepsia e como aLLx.i- pós-operatório elas doenças não-tireoidianas. A suspen-
liarcs diagnósticos (contrastes radiográficos)n. são, associada ao estresse cirúrgico e ao contato com
substâncias iodadas, pode agravar o hiperti reoiclismo
1 14
preextstente e ate prectpttar cnse tlreotox tca · .
• " • • • o " •

PACIENTE EM TIREOTOXICOSE
A utilização ele glicocorticóides ta mbém é recomen-
T odas as operações eletivas devem ser adiadas até dada para o controle perioperatório dos pacientes em
que o paciente esteja clínica e labo ratorialmente eutireói- tireotoxicose que serão submetidos às operações não-
deo, não havendo justificativa para submetê-lo a riscos ti reoidianas1·14.
desnecessári os. Entretanto, algumas vezes, paciente las emergências cirúrgicas, quando não há tempo de
ainda mal controlado ou sem diagnóstico prévio do realizar nenhum preparo antes do procedimento cirúrgi-
hipertireoidismo pode exibir uma condição que exija tra- co, inicia-se prontamente o betabloqueador por via
tamento cirúrgico em curto prazo. Nesse caso, o uso venosa com a opção de se associar contraste radiográfi-
combinado de tio namida, contraste iodado, betablo- co1'. O risco perioperatório é mui to elevado nesses casos.
queador e glicocor ticóide reduz rapidamente os níveis
de T 3 em cerca de cinco dias, proporcionando contro le
que, embora não seja ótimo, propo rcio na maior segu- Crise tireotóxica
rança à realização da operação a parti r do sexto ao déci-
Exame clínico
mo dia de terapêutica2B·29•31.
o caso de procedimentos cirúrgicos de urgência em A crise tireotóxica é uma emergência médica que,
paciente com hipertireo idismo leve, o procedimento embora rara, apresenta mortalidade de até 40% por colap-
pode ser realizado sob betabloqucio iniciado no pré- so cardiovascular. Geralmente ocorre em pacientes com
operató rio. O propranulol é considerado droga de esco- bai.xa adesão ao tratamento e que interrompem as tionami-
lha, porque também inibe a conversão periférica de T4 das l<. Entretanto, hipertireóideos em tratamento regular
em T3. Po rém, como esse e feito só é pleno após alguns podem apresentar crise tireotóxica na vigência de fato res
dia , outros betabloqueadores podem ser utilizados, precipitantes como infecções, traumas, parto, doenças sis-
sendo igualmente efetivos. D evem ser administrados na têmicas agudas e graves (to farto agudo do miocárdico, aci-
dose suficiente para manter a freqüência cardíaca em dente vascular encefálico, tromboembolismo pulmonar) e
torno de 80 batimentos po r minuto (iniciar com propra- uso de contrastes iodados. Como normalmente só são
nolol, 40mg a 80mg a cada 8 horas, caso a via o ral possa encaminhados para tireoidectomia pacientes já tratados e
ser uti lizada ou O,Smg a 1 mg por via ve nosa lenta, ad mi- em eutireoidismo, a ocorrência de crise tireotóxica nessa
nistrado sob mo nito rização cardiovascular durante dez a situação é rara. Por outro lado, sempre há risco nas primei-
15 minutos e repetido a cada du as a três ho ras, se neces- ras 24 horas de pós-operatório, quando um paciente com
sário) e mantidos no pós-operató rio até que a doença hipcrtireoidismo não diagnosticado é submetido a qualquer
tireoidiana es teja contro lada 1·" . operação não-tireoidiana.
Para o preparo mais rápido para as o perações de O diagnóstico da crise tireotóxica é clinico, uma vez
urgência, as drogas antitireoidianas (tionamidas) e os que os niveis séricos hormonais elevados se superpõem
iodetos podem ser administrados, como já descrito ante- aos de pacientes com hipertireoidismo grave não-co m-
ri o rmente. Pode-se usar o propiltiouracil (150mg a
plicado. O quadro clinico deco rre do hipermetabolismo
200mg a cada seis horas) ou o metimazol em dose equ i-
e da resposta adrenérgica acentuada. Segundo a maioria
valente, por via oral ou reta!. r\ via reta] é uma opção
impo rtante até que se possa usar a via o raPl. Entre as tio- dos autores, os indicado res da crise tireotóxica são febre,
namidas, prefere-se o propiltiou racil ao metimazol, visto aumento acentuado da freqüência cardiaca (mais de
que a primeira pode red uzir rapidamente a concentração 140bpm) com ou sem fib rilação atrial, o utras taquiarrit-
ele T 3. Entretanto, quando contraste iodado é associado mias ou insuficiência cardíaca e al terações mentais (agita-
ao metimazol, o benefício elo propiltiouraciJ é anulado, já ção extrema, delirio, confusão mental, psicose, letargia
que, nagucla associação, o metimazoJ é mais potente em o u coma). O quad ro gastro intesti nal, representado por
inibi r a conversão periférica elos ho rmônios. ão se diarréia, náuseas c vômitos, dor abdominal, icterícia e

411
• Fundamentos em Clinica Cirúrgica

••
insuficiência hepática, pode confundir o diagnóstico com O s regtmes terapêuticos são os segwntes: betablo-
condições abdominais agudas6'7' 35-8 . O s níveis séricos de queador para o controle dos sinto mas, tionamidas para o
cortisol podem estar inapropriadamente adequados para bloqueio da síntese hormonal, contraste iodado para blo-
uma situação de estresse grave co mo é a crise tireotóxica, quear a secreção hormona1 e glicocorticóides para redu-
precipitando quad ro de insuficiência adrenal. Burch e zir a conversão de T4 em T3 e, possivelmente, prevenir
Wartofskr' propuseram escala clinica para que o diag- a falência adrenal. O carbonato de litio constitui altern a-
nóstico da crise tireotóxica fosse mais rápido . O impor- tiva para inibir a liberação dos hormônios tireoidianos,
tante é não retardar o tratamento, que deve ser iniciado quando houver contra-indicação ou intolerância às dro-
antes mesmo do resultado dos exames coletados. gas antitireoidianas e aos iodados. É necessário manter
seus nJveis séricos mo nito ri zados e menores que
1mE q/ L. A colestiramina adsorve os hormônios tireoi-
Tratamento
dianos no intestino delgado e redu z sua circulação ênte-
As opções terapêuticas para a crise tireotóxica são ro-hepática. É uma alternativa para reduzir um pouco os
essencialmente as mesmas para o hipertireoidismo não- níveis séricos dos hormônios. Quando o quadro clínico
complicado, exceto em relação à posologia, pois as doses se agrava, a despeito de todos os cuidados intensivos,
são ministradas em maior quantidade e freqüência. O hemodiálise ou plasmaferese podem ser utilizadas'' 9 • O
suporte intensivo é essencial, já que a mortalidade em Quad ro 34.5 resume o tratamento da crise tireotóxica.
conseqüência dessa complicação é muito alta.
Como as perdas (gastrointestinais c pela sudorese) são
elevadas, a hidratação venosa é fundamental para prevenir
Hipotireoidismo
a hipovolemia. E m pacientes idosos ou com disfunção car- O hipotireoidismo é definido como a síndrome clini-
díaca moderada a grave, a reposição hidroeletrolitica deve ca secundária à ação deficiente dos hormônios tireoidia-
ser monitorizada com o auxílio da pressão venosa central nos. a absoluta maioria das vezes, resulta da produção
e/ ou de cateter de Swan-Ganz. As glicemias devem ser insuficiente destes hormônios e, raramente, da resistên-
moni tori zadas e corrigidas sempre que necessário. cia tecidual à sua ação. Trata-se da afecção tireoidiana
Arritmias e insuficiência cardíaca devem ser tratadas por mais freqüente, que predo mina em mulheres, especial-
meio das medidas habituais, levando-se em conta que o mente a partir da meia-idade. O risco de desen volver
mais importante é o controle do próprio hipertireoidismo. hipotireoidismo é maior quando há história fa miliar de
O uso de betabloqueadores de ação ultra-rápida, como o doenças tireo idianas auto-imun es, história pessoal de
esmolo!, pode ser útil para arritmias graves. Agentes inotró- outras doenças auto-im unes (diabetes ti po 1, vitiligo,
picos e digoxina podem ser necessários em casos compLi- insuficiência ad renal primária, anemia perniciosa etc.),
cados, mas sua administração deve, preferencialmente, ser tratamento cirúrgico ou irradiação prévia da tireóide e
monitorizada de forma inva iva. O fenobarbital ou benzo- nas síndromes de Down e Turner"' 3 .
diazepínicos podem ser utilizados para o controle da agita-
ção e hipercinesia. O suporte respiratório com ventilação
mecânica pode ser Etiologia
As causas precipitantes da crise, incluindo rastrea-
O s distúrbios primários da tireóide (hi po ti reoidismo
mento rigoroso de infecções, devem ser identifica das e
primário) são responsáveis por cerca de 95% dos casos
tratadas. A hipertermia pode ser controlada com o para-
da doença. A doença pode ser congênita, seja por disge-
cetamol. Evita-se o ácido acetilsaLicilico por aumentar os
nesia da glândula, seja por defici ências enzimáticas (dis-
níveis de T3 e T4 li vres, interferindo com sua ligação às
hormonogênese) ou defeitos no receptor do TSH . A
proteínas ligado ras. Em alguns casos, compressas de
causa mais comum de hipotireoidismo adquirido é a
álcool ou água gelada podem ser úteis 10.3"-9 •
tireoidite crô nica auto-imune, também chamada de

412
•••
Capitulo 34 .: C irurgia no paciente com disfunções tireoidianas

Quadro 34.5 .: Tratamento da crise tireotóxica* tireoiclite de Hashimo to. É sete vezes m ais comum em
------------------------------------------------··
Suporte intensivo
• mulheres do que em homens e sua incidência aumenta
com a idade. H á uma clara predisposição genética. O
Suporte hemodinâmico
hjpotireoidismo primário também pode ser conseqüên-
Oxigmio/ Supone respiratório
Hidrataçlo/ Nuttiçio
cia d e lesão da glândula secundária ao tratamento cirúrgi-
Controle da temperatura corporal co o u à irradjação (externa o u po r I "') ; da deficiência de
Sedaçio iodo; do uso de drogas (lítio, amiodarona, interfero n alfa,
Identificaçlo e IDtamcnto das causa talido mida, drogas antitireoiclianas, io d etos); da hemo-
Controle dos sintomas cromatose e de outras d oenças inftltrativas4{).3•
Formas transitórias de hjpotireoidismo podem ocor-
40a80mgou A cada 4 a 6h/ via oral rer nas tireoidites subaguda, pós-parto e silenciosa.
0,5 a lmg/IV*' Em 10 a lSmin/IV a
Nessas condições, o hipotireoiclismo ocorre após tireo-
cada2a 3h
toxicose transitória, e a maio ria d os pacientes reto m a ao
Atmolol 50 a lOOmg A cada 12h/ via oral eutireoiclismo d epois d e algumas semanas.
Esmolo! O,OSa O hipoúreoiclismo central ou secund ário é conseqüência
O, I mg/kg/minuto*')
d e doenças hipotalâmicas ou hipofisárias. As causas mais
Controle da sfntese hormonal comuns são adenomas pituitários, passíveis de tratamento
Drogas cirúrgico ou radioterápico. Outras causas de hipotireo idismo
antitireoidianas incluem doenças infiltrativas do hipotálamo e hipó fise (sar-
Propiltioumcü*' 600 a lOOOmg/dose A cada 4 a 6h/ via oral
inicial de 200 a 300mg
coidose, hemocromatose, histiocitose), traumatismos crania-
nos que ocasionem a transecção da haste hipofisária, hipo fi-
60 a lOOmg/dose A cada 6 a 8h/ via oml site linfocítica auto-imune, insuficiência vascular como na
inicial de 20 a 30mg
síndro me de Sheehan<li).'. O Q uadro 34.6 sumaria as princi-
Inibição da conversão de T4 a T3 e/ou a liberação pela tireóide pais causas de hipoúreoidismo.
ContrasteS
iodados*'
loxitalamato de 2mL A cada 12h/ via oral ou
Exame clínico
meglumina (300mg venosa (4mL/dia)
de iodo/ mL de O hipotireoiclismo manifesto está associad o a vários
soluçio) sinais e sinto mas incluindo pele seca, pálida e fria, edema
Iopunidol (300 a 2mL A cada 12h/ via oral ou periorbitário e de extremidades, cansaço fácil, braclicarclia,
370mg de iodo/mL venosa (4mL/ dia) bradipsiquismo, intolerância ao frio, consti pação, ganho
de soluçio)
de peso leve, anemia, fraqueza muscular, hipermeno rréia,
Diatrizoato de 6mL A cada 12h/ via oral ou galactorréia. As manifestações neuro lógicas incluem a
meglumina (85mg venosa (12mL/ dia) d epressão, alterações cognitivas, principalmente déficit d e
de iodo/mL de
soluçio) m emó ria, neuropatia periférica com câimbras e cliseste-
Iodeto de potássio 5 gotas
sias, ataxia, convulsões e até coma40 '
A cada 6 a 12h/ via oral
ou Apresen tações atípicas também podem ocorrer e
Soluçio de lugol 4 a 8 gotas A cada 8h/ via oral incluem hipotermia, insu fi ciência cardíaca congestiva,
derrame pleural e pericárdico, íleo funcional adinâmico e
Hidrocortisona 1OOmg A cada 8h/via venosa
coagulopatia.
Carbonato de 300mg A cada 6 a 8h/via oral
Nos pacientes com tireoidite auto-imune, a glândula
Utio *"
• tireóide está clifusamente aumentada, com consistência
··------------------------------------------------
• ;\lodificado de Davis c Larscn•, Schiff c Welsh", Burch c \XIarco fsky" , Ross'', elástica a firme e contorno irregular. E ntretanto, princi-
G oldbcrg e lnzucchi", Ringc.P" +,Sob monitorizaçào cardiovascular rignro!\a. ""'Para palmente em indivíduos mais velhos, a tireóide pod e não
casos graves e arritmias. • 'Usar por cateter nasogâstrico ou via reta!, caso a via oral
esteja indisponfvcl. doses altas, a eficácia é semelhante ao propilliouracil, ser palpável. Os pacientes com tireoidite subaguda rela-
embora não rechaza a conversão periférica de T4 a T3. somente depois de tam dor na região cer vical. No hipotireoid ism o central
duas a três horas das drogas amitireoidianas. alternativa nos casos de aler-
gia ao iodo ou em associação aos iodados. ccessário rnonitoriza r ns nh eis sé ricos. podem estar presentes as alterações clínicas decorrentes

413
• Fundamentos em Clínica Cir úrgica

••
da causa básica (hemianopsias nos tumo res, p. ex.) o u das fisiológico por mais tempo que o T4 livre e, portanto, não
outras deficiências hormonais freqüentememe associa- auxilia no diagnóstico do hipotireoidismo11 •
das. O Quad ro 34.7 resume as al terações cl ínicas mais
freqüentes no hipocircoidismo.
Quadro 34.7 .: Manifes tações clínicas do hipo tircoidi smo*
------------------------------------------------··•
Quadro 34.6 .: Etio logia do h ipo tireo idis mo* Sintomas Freqüência em pacientes
com hipotireoidismo (%)
------------------------------------------------··•
Pr imário com bócio Pele seca 60- 100
Adquirido 52-90
c fraqueza
T irco1d1te de llashimoto
Drog:as que bloque1am a síntese o u secreção de T4 (lítio, Intolerância ao frio 35-95
sulfonam1da, 11ldcto)
Ganho de peso 50-75
Infiltração ureol{llana (amiloidose, hcm ocmmatosc, sarcoidosc)
Deficiência de iodo (bócio endêmico) Ro uqwdào 28-75
Congêmw Bradipsiqwsmo 45-68
Dcfcims de o rganificaçào
Defeito no transporte ou utilização de 1000 Constipação 32-65

H ipotireoidismo atrófico Redução da sudore-e 10-65

Adquirido Parestesia 18-60


llash1moto li ipoacusia 05-30
Pós-tr;ttamcnto ablativo com radioi<ldo, p rocedimento cirúrgico
Sinais
Congênito
Agenc-ia ou d1.,pl:tsia tireoidiana Pele c cabelos áspero s 70- 100
Dc fciw no receptor de TSH
Bradicinesia 70-90
l m ens1bihd.tdc id1opática ao TSI I
Pele fna 70-90
Hipotireoidismo transitório
I ma periorbiral 40-90
Tircoiclirc subaguda, indolor, tireo1d1re pós-parto
I hpo rrcflexia 24-T'
H ipotireoidismo central
Bradicardia 10-58
\ dqumdo •
Ongcm h1potisária (secundáno) ··------------------------------------------------
• \ lodlficado de l...aNcn c Schhcngcru, Robcns c I.adcnl\un·
O ngcm hip()talâmJca (terc1an o)
Dnpamma ou paa ente criuco
C ongênrtn t\ detecção de auto-antico rpos circulantes confirma o
.\ normalidade es trutural ou deficiêncra de TSH
djagnóstico de tireoidite auto-imune naqueles pacientes
Defeito no recepto r de TSI I
com apresentação clínica típica - bócio difuso com ou
Resistência ao hormô nio tireoidiano
sem hipotireoidismo. Po rém, exames laboratoriai rara-
Generalizada
mente são necessários para diagnostica r a causa do h.ipoti-
Predominantemente hipo fisária
• reoidismo, o que pode ser feito por meio da história clíni-
··------------------------------------------------
• \loc.htic.uln de e Da\'l'õ
ca. O s an tico rpos antiperoxidase estão presentes em 95%
dos indivíduos afetados, enquanto anticorpos antitireoglo-
bulina estão presentes em apenas 60% deles. Em presença
de anticorpos, elevações minimas do T li predizem maior
Diagnóstico ri co de hipotircoidismo clinico sub eqüente 11 ·..
Em algumas circunstâncias, o T li perde a sensibili-
1\ medida sérica do T li é o teste de primeira escolha
dade para o diagnóstico. O s pacientes com hjpo tireoidis-
para o diagnóstico do hipotireoidismo. O aumento ele T l i
mo central ap resentam-se com T H diminuído ou ina-
identifica aqueles pacientes com hipotireoidismo primário,
propriadamente inalterado em relação aos níveis do T 4
independentemente da causa ou gravidade. Quando o T li
livre. Portanto, se há suspeita de hipotireoidismo central,
está aumentado, deve-se repeti-lo jumo com a dosagem de
o T4 livre deve ser medido em conjunto com o TSH . É
T4 livre, que se encontra dimimúdo no hipotireoidismo. É
im po rtante inves tigar o restanrc da função hipofisária,
desnecessária a dosagem do T3, que permanece em níveis

414
Capítulo 34 .: Cirurgia no paciente com disfun ções tireoidianas

••
em busca de o utras de ficiências hormo nais, especialmen- prolo ngado, insuficiência card íaca, hipo natremia o u
te a insuficiência adrenal secundária. O s mérodos de ima- de/irium, podem apresentar como causa um hipo tireoiclis-
gem para visibilizar a sela túrcica (tomografia co mputa- mo previamente não-di agnosticado'".
do rizada o u ressonância nuclear magnética) estão ta m-
bém indicados, para investigação etiológica411'41 •
Quadro 34.8 .: Evo lução pós-operatória de pacientes hipotireóideos
Há algumas situações em que o aumento do TSH
pode não ser indicativo de doença tireoidiana, como na
----------------------------------------------··•
Autores Weinberg et ai... Ladenson et ai."
insuficiência adrenal, na falência renal, na exposição a
Número 59 em hipotireoidis- 40 em hipotireoidis-
temperaturas mui tO bai"as e na fase de recuperação de de pacientes mo t'ft'ii/J 59 em mo t'frms 80 em
doenças g raves. O uso de antico nvulsivames pode redu- eutireoidismo eutireoidismo

zi r o T SH c o T 4 livre, o que pode ser confundido com Parâmetros avaliados


hipotircoidism o central11 ·""·"2•43 •
Tempo cirúrgico

Tempo de recupera- =
Riscos perioperatórios ção anestésica
Tempo de =
O hipo tireoidismo desco mpensado pode afetar as hospitalização
fu nções: cardiovasculares (redução da freqüência, fo rça
de co ntração e débito cardiaco); respirató ri as (fraqueza
Arritmias =
da musculatura respirató ria com hipoventilação e m enor Uso ele vasopressores = não relatado

resposta à hipoxemia e hipercapnia); neuro musculares Complicações = =


(fraqueza muscular, hipo rreflexia, alteração das enzimas hemorrágicas

musculares); gastrointestinais (redução do metaboli smo Complicações


pulmonares
hepático, lentidão do esvaziamentO gástrico, constipa-
ção); endócrino-metabó licas (redução da síntese do cor- Distúrbios hidroele- = não relatado
trolíticos
tisol, red ução da depuração de água livre com hiponatre-
mia, elevação da creatinina sérica). O metabolismo de Óbitos
algumas drogas tam bém pode estar alterado, secundaria- Infarto agudo do = não relatado
mente à meno r expressão de enzimas hepáticas envolvi- miocárdio
das no me tabolismo das d rogas. Conseqüentemente, Insuficiência cardíaca não relatado > nas operações
observa-se aumento ela sensibilidade aos agentes anesté- congestiva cardíacas
sicos, sedati vos e anticonvulsivan tesw·41 •44,.' . Complicações não relatado > no
Apesar de essas disfunções serem po tencialm ente gastrointestinais hipotireoidismo
danosas no período perio perató rio, não há estudos ran- 1-lipotensão > nas operações
do mi zados, prospectivos, comparando o desfecho cirúr- não-cardiacas

gico dos pacientes euti reóidcos e hipo tireóicleos. Dois Complicações não relatado > no
neuropsíquicas hipotirco idismo
estudos retrospectivos avaliaram o gue ocorre nos
pacientes com hipotireoiclismo que são submetidos a
=
o peração e concluira m gue não há evidência gue justifi - > m ouor

que a necessidade de adiar procedimentos cirúrgicos em


pacientes com hipo tireoidism o leve ou moderado c há Tratamento perioperatório
evidência insuficiente para fazer reco mendações para
pacientes com hipotireoiclismo grave. Po r o utro lado, a O tratam ento de escolha do hipotireoiclismo é a levo-
intervenção cirúrgica pode precipitar o desenvolvimento ti roxina. A dose necessária para um contro le adeq uado
de coma mixedematoso em pacientes com hipo tireoiclis- está relacionada ao peso corporal (m édia de
mo grave 1·'6•47 • O Quad ro 34.8 resume esses estudos. 1,6mcg/kg/clia a 1,8mcg/kg/dia). A dose é geralmente
P acientes que, no perio peratório, necessitem supo rte maior em pacientes tireoidectomizados do gue nagucles
ventilató rio prolo ngado o u dificuldade de extubação, íleo com tireoiclite auto-im une. A dose necessária para pacien-

415

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tes com hipotireoidismo subclin.ico é geralmente menor: les com nível ele tiroxina muito baixo, são considerados
cerca de O,Smcg!kg!dia. E m pacientes jovens e saudáveis, como de alto risco. esse caso, só devem ser operados
inicia-se o tratamento com 75mcg!dia a lOOmcgldia. em situação de emergência. Para o hipotireoidismo
Entretanto, em idosos e debilitados, administra-se grave, alguns autores recomendam o uso isolado ou
12,5mcgldia a 25mcgldia, com aumento gradativo da combinado de T3, para uma normalização mais rápida
dose (12,5mcgldia a 25mcgldia a cada duas a quatro do metabolismo. Entretanto, o T3 não está atualmente
semanas). Nos pacientes com insuficiência coronariana disponível no Brasil. A alternativa terapêutica é utilizar a
conhecida, duas condutas são sugeridas. A primeira é levotiroxina em doses de 200mcg a 300mcg no primeiro
administrar a tiroxina da mesma forma que para pacientes dia e de 50mcg por dia, a partir do segundo dia. Contudo,
debilitados, mantendo-os sob rigorosa supervisão clinica e pacientes idosos ou com maior risco cardiovascular não
eletrocardiográfica, com ou sem a concomitância dos devem receber doses altas de reposição 1•48 •
betabloqueadores. Por outro lado, há autores que advo- Nos pacientes hipotireóideos em tratamento crônico e
gam o tratamento da doença coronariana por angioplastia bem controlados, a impossibilidade de usar a via oral por
ou por operação de revascularização miocárdica, antes de alguns dias e de receber o hormônio tireoidiano no perío-
iniciar o tratamento do hipotireoidismo9•41 •42 • do pós-operatório não deve ser motivo de preocupação,
Atenção especial deve ser dada às drogas e condições uma vez que a meia-vida da tiroxina é de sete dias. Porém,
clínicas que diminuam a absorção (como alimentos deriva- se esse tempo se estende para mais de cinco a sete dias, o
dos da soja; sais de ferro, alunúnio e cálcio) ou acelerem o paciente deve receber tiroxina endovenosa ou intramuscu-
metabolismo da tiroxina (anticonvulsivantes). Por isso, a lar, numa dose correspondente a 80% da dose oral usual 1•48•
tiroxina deve ser ingerida em jejum, com água, pelo menos
20 a 30 minutos antes da primeira alimentação matinal41 •42 •
Controle hidroeletrolítico
A monitorização laboratorial é apropriada em seis a oito
semanas depois do início do tratamento. ovos ajustes da o hipotireoidismo pode haver hipo natremia por
dose da tiroxina serão necessários de acordo com os níveis red ução na excreção de água livre. Entretanto, essa alte-
do T4 livre e do TSH. No hipotireoidismo primário, o ração só costuma ser grave no coma mixeclematoso. O
TSH deve ser monitorado com o objetivo de mantê-lo na tratamento da h.iponatremia com soluções salinas iso ou
metade inferior elo valor de referência. os pacJentes com hipertônicas geralmente só está indicado quando o sódio
hipotireoidismo central, os valores do T4 li vre devem ficar atinge valores inferio res a 120mEq/ L 'lll.w.•s.
acima da metade superior da normaliclade42•

Outros cuidados
Hormônio tireoidiano
Raramente, a doença de Addison pode estar presente
Os pacientes com h.ipotireoidismo leve a moderado em pacientes com hipotireoidismo primário. No hipoti-
podem se submeter a procedimento cirúrgico de urgên- reoidismo secundário, pode haver baixa reserva pituitária
cia ou emergência, sem atraso, a despeito da possibilida- de outros hormônios também. Se a defi ciência de corri-
de ela ocorrência de complicações peroperató rias meno- sol é considerada provável, então deve-se coletar amos-
res. É prudente adiar os procedimentos eletivos até que tra de sangue para exame e admi nistrar prontamente cor-
o paciente esteja eutireóideo. Se a operação não puder ser ticóide em dose de estresse.
adiada e o diagnóstico for feito no pré-operatório, deve- r o pós-operatório, deve-se atentar para as manifesta-
se então iniciar levotiroxina em dose alta de substituição ções neuropsiquiátricas, e para o risco de íleo funcional e
(1,6mcglkgldia). Pacientes idosos ou com doença car- de processos infecciosos que podem ocorrer sem a pre-
diovascular devem receber inicialmente dose diária de sença de febre 1•46•47 •
25mcg, que será aumentada a cada seis semanas 1•4 2 •
Os pacientes com hipotireoidismo grave, caracteriza-
Coma mixedematoso
do por coma !Tl.Lxedematoso ou por sintomas importan-
tes de hipotireoidismo crônico associado a derrame peri- O termo coma mixedematoso é usado para designar
cárdico, alteração mental, insuficiência cardíaca, ou aque- um hipotireoidismo clinicamente muito grave, com alte-

416
Capítulo 34 .: Cirurgia no paciente com disfunções t ireoidianas

••
rações do estado m ental. E ntretanto, não é necessária a ral. A radiografia tam bém é útil para detecção de pneumo-
presença do coma para o diagnóstico. Na verdade, trata- nias. Se houver suspeita de derrame pericárdico, este pode
se de um evento raro, com incidência maio r em mulhe- ser visibilizado no ecocardiograma. O exame de urina é
res idosas (80% dos casos), na maio ria das vezes com importante para afastar infecção urinária co mo desenca-
hipo tireoidismo de lo nga duração (ainda que sem diag- deador do processo«'.4 1'48'49•
nóstico prévio). Ocorre principalmente em situações de Diante da suspeita de coma mi xedematoso, o trata-
interrupção do tratamento, associadas a situações de mento deve ser prontamente instituído, antes mesmo do
estresse de qualquer natureza (infecção, trauma, infarto resultado dos exames laboratoriais. D em ora no trata-
miocárdico, acidente vascular encefálico, procedim entos m ento, idade avançada, múltiplas comorbidades e insufi-
cirúrgicos etc.) e/ou uso de drogas depressoras do siste- ciência respiratória constituem fatores de pior prognósti-
ma nervoso central. Em países do hemisfério norte, a co. Os pacientes devem ser tratados no centro de trata-
incidência está caracteristicamente aumentada nos meses mento intensivo e receber assistência ventilató ria preco-
de frio in tenso, quando as demandas metabólicas tor- ce, evitando-se a depressão respiratória e o óbito. É
nam-se maiores. O diagnós tico correto do coma mixede- necessário mo nito rizar a função cardiovascular, excluin-
matoso é fundamental. O tratamento precoce reduz o do a presença de infarto agudo do miocárdico.
risco, mas, a despeito dos cuidados intensivos, a mortali- Recomenda-se, para maio r segurança na reposição
dade é de 20% a 50%40•41 '48' 49 • hidroeletrolítica, o uso de cateter de Swan-Ganz. Os
O coma mixedematoso caracteriza-se pela disfunção agentes inotrópicos e vasopressores elevem ser evitados a
progressiva dos sistemas nervoso central, cardiovascu!ar princípio, pelo risco ele desencadear arritmias à medida
e r espiratório . Paciente cursa com alterações variáveis do que a tiroxina é administrada. A hipotermia deve ser
estado mental (sonolência, apatia, letargia, estupor, minirnizada com o auxilio ele cobertores. A hiponatremia
coma, psicose) e hipo rreflexia generalizada. A hipoten- deve ser abordada com cautela, pelo risco de causar
são arterial está constantemente associada à bradicardia. hipervolemia num pacien te idoso e com função cardio-
Ocorre menor resposta aos estímulos respiratórios, vascular comprometida. Quando o sódio está menor que
levando à hipoventilação. A temperatura corporal está 120mEq/ L e há alterações mentais significativas, admi-
reduzida (hipo termia) e não é incomum o encontro de nistram-se soluções salinas iso ou hipertônicas, lenta-
temperaturas axilares inferio res a 35°C, mesmo na vigên- mente, de forma a elevar o sódio para > 120mEq/ L. Se o
cia de infecções. As convulsões ocorrem em 20% dos paciente estiver assintomático e co m sódio superior a
pacientes, geralmente associadas à hiponatremia que 120mEq/ L, a conduta é expectante, uma vez que a admi-
pode ser grave (sódio inferior a 110mEq/ L)" . nistração da ti roxina costu ma corrigir o distúrbio.
É importante suspeitar de coma mixedematoso em H id rocortisona em doses de estresse (1 Oümg de oito em
pacientes atendidos em serviços de urgência com história oito horas por via venosa) são recomendadas para todos
de piora progressiva do estado mental o u coma, apresen- os pacientes com co ma mixedematoso, mesmo se não
tando edema e palidez faciais, pele seca e fria, bradicardia, houver evidência de insuficiência aclrenal. A hipoglicemia
hipotensão, hipo termia, cicatriz de tireoidectomia ou histó- deve ser corrigida e possíveis in fecções, rastreadas e
ria prévia de uso de tiroxina o u radioiodo. A presença de vigorosamente tratadas.
bócio é pouco comum no hipotireoidismo do idoso. Os Como a absorção o ral de qualquer medicamento fica
exames laboratoriais mostram TSH habitualmente muito m uito prejudicada, prefere-se administrar a tiroxina pela
elevado, exceto no hipotireodismo central, e T4livre muito via venosa, em infusão lenta ou em bolus. A dose inicial é
reduzido. A punção liquórica pode revelar o aumento da alta (100mcg a 500mcg/clia no primeiro dia) para saturar
pressão e da concentração de proteínas. O utras alterações os receptores periféricos, proporcionando melhora mais
laboratoriais do coma mixedematoso são anemia, leucope- rápida. Na impossibilidade de conseguir o hormô nio
nia, trombocitopenia, hipoglicemia, hipoxemia, hipercap- para uso parenteral, pode ser adm inistrado através de
nia, acidose metabólica, elevação da creatinina, creatinofos- cateter nasogástrico. A partir do primeiro dia de trata-
foquinase, aminotransferases e LDH. O eletrocardiograma mento, as doses recomendadas variam de 75mcg a
revela bradicardia e baixa voltagem dos registros. A radio- 1OOmcg/dia. A via oral deve voltar a ser utilizada somen-
grafia do tórax pode mostrar cardio megalia e derrame pleu- te q uando o paciente apresentar melhora. E mbora algu ns

417
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
auto res recomendem a reposição co nco mi tante de T 3, 15 • Andrade\' A, Gross JL, Maia A L. lodo radioativo no manejo do
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O maio r risco da administração de altas doses de ho r- 18 • Barta lcna L, Pinchera A, Marcocci C. Management of
mônios tireoidianos é precipitar arritmias, infarto miocárdi- G raves'ophthalmopathy: rcaliry anel perspccrivcs. Enclocrine
co ou mo rte súbita. Po rtanto, é necessário um bom julga- Rev. 2000;21:168-99.
mento clínico antes da instituição de altas doses de tiroxina 19 • Alsanca O, Clark O H. Trearmcnt of G ravcs'cliscase: the aclvan-
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grave ou múltiplas comorbidades. esses casos, é pruden- 20 • tanino E, Munas l\lL, Lovisclli A, Pi!,'ll ,\1, Petrini L, 1\Üccoli P,
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419
35
CIRURGIA NO PACIENTE
COM OUTRAS
ENDOCRINOPATIAS

••
Anelise lmpellizzieri Nogueira,
Flávio Palhano de Jesus Vasconcelos

Introdução sado, com o aparecimento de novas técnicas laboratoriais


para dosagem do cálcio, ho uve aumento no diagnóstico de
Neste capítulo discutiremos as condutas perioperató- h.iperparatireoidismo primário, sobretudo da forma assin-
rias no paciente que sofre de afecção endócrina. O diabe- tomática, em contraposição à redução na incidência das
tes mellitus e as doenças da tireóide serão abordados em formas clássicas acima descritas 1.
·outros capítulos deste livro.

Tratamento
Distúrbios das paratireóides
O tratamento cirúrgico está indicado nos pacientes
Hiperparatireoid ismo primário com comprometimento renal ou ósseo. Nos casos assin-
tomáticos, sem evidências de fatores de risco para a pro-
Exame clínico
gressão da doença, pode-se optar pelo acompanhamento
O h.iperparatireoidismo primano pode ser causado clínico por meio de dosagens semestrais do cálcio total no
por adenoma (80%), h.iperplasia (15%) ou carcinoma de sangue e medidas anuais da densitometria óssea e da crea-
paratireóide (< 1%) . A maioria é constituida por adeno- tinina sérica3'4 • As indicações do tratamento cirúrgico em
mas de ocorrência esporádica. Entretanto, em 10% dos pacientes assintomáticos estão expressas no Quadro 35.1.
casos, a hiperplasia das paratireóides poderá apresentar- Nos casos de hiperplasia das paratireóides, a operação
se na forma de hiperparatireoidismo primário familiar pode consistir na remoção das paratireóides, poupando
isolado ou estar associada a outros tumores endócrinos 30mg a 50mg de tecido glandular; remoção de todas as
(neoplasias endócrinas múltiplas dos tipos 1 e 2A)'. glândulas aumentadas de tamanho e biópsia das conside-
As lesões ósseas clássicas são osteíte fibrosa, osteopenia
e osteoporose, fatores de risco para dor e fratura. O quadro Quadro 35. 1 .; Critérios para o tratamento cirúrgico do hiper-
renal, caracterizado por nefrolitíase recidivante, diabetes p arati reoidismo p rimário assi ntomático'
insípido e nefrocalcinose, traduz-se, clinicamente, na forma --------------------------------------------··•
de cólica nefrética, poliúria, polidipsia e insuficiência renal.
São descritas as manifestações neuropsiquiátricas (fraqueza, Cálcio urinário > 400mg!dia

apatia, depressão e coma) e gastrointestinais (constipação,


anorexia, náuseas, vômitos e dor abdominal), calcificação
---
Demidllde- óssea < -2,5 desviol-peddo no escore T
Queda da depuração de crcaónina em 30% em relação ao normal
das conjuntivas, ceratopatia em banda e hipertensão arterial Idade inferior a 50 anos
sistêmica2 • A partir do início da década de 70 do século pas-
··------------------------

421
..

-----------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

radas normais, ou extração de todas as paratireóides com absorção intestinal do cálcio, hipocalcemia e perda do efei-
autotransplante de fragmentos para o antebraço não- to inibitório do calcitriol sobre a secreção do paratormônio,
dominante. Além disso, deve-se tentar encontrar uma o que leva ao hiperparatireoidismo secundário. O hiperpa-
quinta glândula, habitualmente ectópica2 • ratireoidismo terciário configura-se quando as paratireói-
des, após longo e intenso período de estímuJo, assumem
autonomamente a produção hormonal' .
Considerações pré-operatórias
O tratamento inicial é instituído por meio da restrição
a conferência realizada no ational l nstitute of do fósforo na dieta, uso de quelante do fósfo ro e de um
Heath (Nll-1), em 1990, postulou-se que "o maior desafio análogo da vitamina D (calcitriol). Os sais de alumínio, que-
em localizar o adenoma de paratireóide é encontrar 11m cimrgiào lantes do fósforo, foram substituídos pelos sais de cálcio,
experiente"5• No entanto, avanços nos métodos de imagem tais como o carbonato, uma vez que o acúmulo do alumí-
estimularam a tentativa de localização pré-operatória da nio no organismo está associado à osteomaJácia e aos trans-
doença. Os exames mais utilizados são a cintilografia to rnos neuropsiquiátricos (demência, crises convulsivas). A
com Tc99m-ses tamibi, ultra-sonografia, tomografia com- despeito dessas medidas, muitos pacientes evoluirão com
putadorizada e ressonância nuclear magnética. Estes tes- elevação acentuada do paratonnônio e a parati rcoidccto-
tes, isolados ou em conjunto, têm sensibilidade de 60% a mia é uma opção terapêutica quando os níveis deste hor-
80%, enquanto um bom cirurgião localiza a doença com mônio atingem a ordem de 800pg/mL a 1.000pg/mL c
sensibilidade de 95% 4 • estão associados tanto à osteíte fibrosa grave quanto à cal-
cificação de partes moles8 . Embora a influência do parator-
mônio sobre o prurido seja ainda questionável, esta condi-
Riscos perioperatórios
ção persiste como indicação à operação, uma vez que se
l o pós-opcratono imediato, deve-se estar atento ao observa melhora em alguns racientes9.
risco de hipocalcemia sintomática, que se manifesta na A técnica cirúrgica utilizada pode ser a paratireoidecto-
forma de parestesia, terania, crises convulsivas e laringoes- mia subtotal, deixando-se um fragmento de cerca ele 40mg
pasmo. esse contexto, a hipocalcemia pode ser conse- a 60mg. o entanto, uma recidiva significa necessidade de
qüente ao hipoparati.reoiclismo pó -operatório ou à síndro- nova cervicotomia, geralmente associada a maior morbida-
me da fome óssea, cuja explicação reside na avidez óssea de. Por isso, prefere-se a paratireoidcctomia total com
por cálcio e fósfo ro. Ao contrário do que ocorre nesta sin- autotransplante ele fragmento ele paratireóide no antebraço
drome, no hipoparatireoiclismo observa-se hiperfosfate- onde não se encontre a fístula arteriovenosa-.•.
mia, secundária à deficiência do paratormônio 2• os pacientes submetidos ao transplante renal, espe-
ra-se a regressão do hiperparatireoiclismo durante perío-
do de um a dez anos'.
Complicações da paratireoideaomia
As principais complicações são: lesão do nervo larin- Hipoparatireoidi smo
gico recorrente, paralisia das cordas vocais e sangramento.
O hipoparatireoidismo pode surgir após a retirada ou lesão Etiologia e exame clínico
das paratireóides inalteradas. as mãos de cirurgião expe-
riente, estas complicações ocorrem em 1% dos casos6 • A causa mais co mum de hipoparatireoidismo é a
remoção ou destruição das paratireóides durante uma
operação, geralmente para ressecção de tumores do pes-
Hiperparatireoidismo secundário (associado coço, tireoidectomias e parati reoidectomias. Menos
à doença renal) comum, o hipoparati reoidismo pode ser auto-imune,
congênito, secundário a defeito na síntese do paratormô-
A insuficiência renal crônica causa retenção de fosfato nio ou causado por distúrbios da secreção do paratormô-
e alteração no metabolismo da vitamina D , com sintese nio, desencadeados pela hipo magnesemia e alcalose res-
deficiente do seu metabólico mais potente, a 1,25(0H)2 piratória crônica. O pseudo-hipoparatireoidismo, resis-
vitamina D (calcitriol). As conseqüências são redução na tência ao paratormônio, é observado nos pacientes com

422
Capítulo 35 .: Cirurgia no paciente com outras e ndocrinopatias

••
elevação deste hormônio, associado a hipocalcemia e na). A insuficiência supra-renal secundária não está asso-
hiperfosfa temiaw. ciada à carência do mineralocorticóide e co nsiste em
A hipocalcemia provoca aumento de excitabilidade hipocortisolismo conseqüente à deficiência da secreção
neuromuscular e deposição do cálcio nos tecidos. O s hipo fi sária do hormônio adrenocortico trófico 12•
pacientes podem apresentar parestesias, tetania, crises A tu berculose ainda é a principal causa de insuficiên-
convulsivas, catarata e calcificação dos núcleos da base cia supra-renal primária nos países em desenvolv imento,
que, em estágios ava nçados, é causa de distúrbios do enquanto que, em países ricos, predo mina a doença
movimento. supra-renal auto-im une. Os o utros fato res etiológicos
Ao exame clínico, os pacientes podem apresentar estão descri tos no Quad ro 35.2.
con tração dos músculos faciais após a percussão do
nervo facial, cerca de 2cm anterior ao lobo da orelha. Quadro 35.2 .: Causas de insufic iência adre nal primária"
Este é o sinal de Chvos tek, pouco específico e presente •••
em 25% das pessoas sem doença. O sinal de T rousseau, Auro-imunes
mais específico que o anterior, consiste no espasmo do Adrenalite isolada
Sindrome poliglandular auto-imune do tipo 1
carpo, observado por meio da manutenção do manguito - adrenalite, hipoparatireoidismo, candidlase mucocutânea
do esfigmomanômetro inflado 20mmi-Ig aci ma do valor Siodrome poliglandular auto-imune do tipo 2
da pressão sistó lica, du rante três minutos. Os pacientes - adrenalite, tireoidite, Jiabtlu mtlliiNs do tipo 1

hipocalcêmicos podem apresentar alterações eletrocar- Infecciosas


tuberculose, Aids, fu ngos
diográficas como prolo ngamento do intervalo QT 11 •
Causas genéticas
adrenoleucodistrofia, hiperplasia adrenal congênita
Tratamento Hemorragia
anticoagulantes, choque séptico, meningococcemia, anticorpo
O objetivo do tratamento é aliviar os sintomas e man - anti-fos foüpide
te r o cálcio dentro dos limites da normalidade, entre Infiltração
8,5mgldL e 9,2mgldL. Para isso, a dose de reposição de metástases, linfoma, amiloidose, sarcoidose, hemocromatose
cálcio elementar a ser fornecida varia entre 1 ,5gldia a Adrenalectomia bilateral
3,0gldia. Os sais de cálcio (carbonato, lactato, citrato) são Drogas
utili zados como fonte de cálcio elementar, cuja disponibi- cetoconazol, eromidato
lidade é dependente do tipo de sal empregado. O carbo- •
nato de cálcio é o mais utilizado, tem o menor custo e
··----------------------------------------------
O uso crônico de corticóide suprime a produção
apresenta o maio r teor de cálcio elementar (40%).
hipofisária do hormônio adrenocorticotró fi co, sendo a
Portanto, 1,5g de cálcio elementar corresponde a três
principal causa de insuficiência supra-renal secundária.
comprimidos de 1.250mg de carbonato de cálcio.
Tumo res, operações ou radioterapia na região hipotála-
Habitualmente, acrescenta-se vitamina D em preparações
mo-hipofi sária podem causar insuficiência supra-renal
de ação curta (calcitriol) ou prolongada (colecalciferolt
secundária, geralmente associada à deficiência de o utros
ho rmônios hipo fisár ios 12 •
Distúrbios da glândula supra-renal
Insuficiência supra-renal Exame clínico

O sinal mais específico de doença de Addison é a


Etiologia
hiperpigmentação cutaneomucosa causada pela ação do
A insuficiência supra-renal priman a, doença de excesso do hormônio adrenocorticotró fico sobre os
Addison, consiste na destruição de mais de 90% do cór- melanócitos. Acomete áreas expostas ao sol, à fricção e
tex de ambas supra-renais, o que gera deficiência de gli- ao traumatismo, em geral cicatrizes recentes, cotovelos,
cocorticóide (cortisol) e mineraloco rticóide (aldostero- axilas, mamilos, dobras palmares e m ucosas' 2• Os sinais e

423
• Fundamentos em Clinica Cirúrgica

••
sintomas são inespecíficos tais como fraqueza generaliza- valor do hormônio adrenocorticotrófi co é invariavel-
da, mal-estar, anorexia, perda de peso, náuseas e vômitos, mente elevado, chegando habitualmente a valores supe-
hipotensão ortostática e amenorréia2 • Nos casos de adre- riores a 100pg!mL (valor fisiológico a 9-52pg!mL)'.
nalite auto-imune, há vitiligo em 10% a 20% dos casos3 • A suspeita de insuficiência adrenal em pacientes críti-
A insuficiência secundária pode estar presente em cos (sepse, trauma) deve ser avaliada de form a distinta.
pacientes com história de doença hipofisária1. N ão há Segunclo alguns autores, valores de cortisol in feriores a
hiperpigmentação ou deficiência de mineralocorticóide e lSf..Lg/dL confirmam o diagnóstico enquanto valores
o quadro clínico é composto por astenia, letargia, anore-
acima de 34f..Lg/dL excluem essa possibilidade. Quando
xia, náuseas e vômitos.
o cortisol estiver dentro destes limites, estará indicado o
A crise adrenal é caracterizada por vômitos, hipo ten-
teste com hormônio adrenocorticotrófico. Se a diferença
são grave, choque hipovolêmico, dor abdominal, febre e
entre o valor pós-estímulo e o basal for inferior a
hipoglicemias 1.
9f..Lg/dL, o diagnóstico será bastante provável, devendo-
se iniciar a reposição venosa de glicocorcicóide16.7 •
Diagnóstico
Os pacientes com hipocortisolismo apresentam anemia, Tratamento
neutropenia, linfocitose e eosinofilia. A hiponatremia e a
hipercalcmia, comuns na carência de cortisol e aldostero na, A reposição crônica de glicocorticóide é feita com
são compativeis com as formas ptimárias2. Como as altera- hidrocortisona, na dose diária de 15mg a 25mg, habitual-
ções clínicas e laboratoriais são inespecíficas, os testes dinâ- mente fracionada a fim de fo rnecer dois terços da dose pela
micos da função supra-renal são fundamentais à confirma- manhã e o terço restante cerca de seis a oito horas após, na
ção de suspeita clínica. O teste com hormô nio adrenocorti- tentativa de mimetizar a secreção fisiológica12. No nosso
cotrófico sintético consiste em medidas do cortisol zero, 30 meio, como a apresentação oral da hidrocortisona só está
e 60 minutos após estimulo, o que permite o diagnóstico disporúvel em farmácias de manipulação, comumente
das insuficiências primárias. Nas formas secundárias, a res- emprega-se a prednisona, cuja dose habitual é de Smg de
posta ao hormônio adrenocortico trófico pode ser adequa- manhã, associada ou não a 2,5mg à tarde1•. Podem-se tam-
da nos casos de início recente, o que não ocorre no pacien- bém utilizar os glicocorticóides de ação prolongada, desde
te acometido pela doença há alguns meses ou anos. Valores que respeitada a equivalência à dose de hidrocortisona
pós-estimulo inferiores a 18f..Lg/dL confirmam o diagnósti- (Quadro 35.3). A resposta ao tratamento é constatada por
co, enquanto valores acima diminuem muito a probabilida- meio do exame clínico 12.
de da doença125 . Alguns autores sugerem valo res de corre
O mineralocorticóide deve ser reposto na fo rma de flu-
de 1Sf..Lg/dL para doença de Addison e 18-22f..L g/dL para
drocortisona (0,05mg a 0,2mg) e está indicado aos pacien-
insuficiência secundária16 Esse teste pode estar inalterado
tes com insuficiência supra-renal primária. Esse tipo de
em casos de insuficiência primária leve e em formas secun-
reposição é monitorizado por meio de medidas periódicas
dárias de início recente. Nesses casos, indica-se o teste da
da pressão arterial (em decúbito e o rrostatismo), do sódio,
tolerância à insulina, considerado o padrão-ouro para o
diagnóstico, uma vez gue esse teste avalia todo o eixo hipo- de potássio e da atividade da renina plasmática 15.
tálamo-hipófise-supra-renal. Esse exame é contra-indicado A reposição do glicocorticóide durante o estresse
a pacientes com insuficiência coronariana, epilepsia e pan- requer algumas orientações es pecíficas. Existem varia-
hipopituitarismo15·16. Ele consiste em medir o cortisol nos ções em relação aos protocolos propostos (Quadros
tempos zero, 30, 60,90 e 120 minutos, após infusão veno- 35.4 e 35.5) 12-8 •
sa de O,1U / Kg de insulina regular. Os valores de cortisol Os pacientes com insuficiência adrenal devem sem-
acima de 18f-Lg/dL excluem o diagnóstico. pre portar cartão de identificação contendo informações
A dosagem do ho rmônio adrenoco rticotrófico no sobre a sua doença, seus medicamentos e as providências
plasma permite a diferenciação entre as causas primárias a serem tomadas em intercorrências que req ue1ram
e secundárias de insuficiência supra-renal. N aquelas, o aumento da dose do glicocorticóidc.

424
•••
Capítulo 35 .: Cirurgia no paciente com outras endocrinopatias

Quadro 35.3 .: E q uivalência de doses de corricóid es (em mg)


••
Preparação do Efeito Efeito Meia vida •
esteróide Glicocorticóide Mineralocorticóide biológica (horas) Fo rmulações
Hidrocortisona
6-8 VO,EV,IM
(equivalente ao cortisoQ
Prednisona 4 0,1-0,2 18 36 VO

Metilprednisolona
D examecasona
------305 <0, 1
18-36
36-54
EV
VO,EV
Audrocortisona o 20 18-36 vo

··------------------------------------------------------------------------------------------------
V() - oral; E.V -
,.1a IM - intramuscuJar

Hiperfunção da glândula supra-renal


Quadro 35.4 .: Reposição de glicocorricó ide durante estresse' Síndrome de Cushing
--------------------------------------------··
Doença febril ou estresse leve • CLASSIFICAÇÃO, ETIOLOGIA E
Dobrar ou triplicar a dose até à melhora A síndrome de Cushing consiste no excesso de glico-
Comunicar ao médico em caso de vômitos ou p iora do quadro
corticóide. Os fatores etiológicos são classicam ente divi-
Doença que exija hospitalização didos em dependentes de hormô nio adrenocortico trófi-
Gravidade moderada - hidrocortisona SOmg IV de 12/ 12 horas co (84% dos casos) o u independentes (16% dos casos)
Gravidade acentuada- hidrocortisona tOOmg IV 8/ 8 horas (Quadro 35.6).
Operações ou métodos propedêuticos
Pequenas operações, anestesia local- sem necessidade de dose de
Quadro 35.6 .: Causas d e síndrom e de Cush ing
estresse
Enemas, endoscopias, arteriografias - hidrocortisona IOOmg IV logo ----------------------------------------------··
Hormônio adrenocorticotrófico - dependente •
antes de iniciar o procedimento
Adenoma hipofisário
Grandes operações
Hidroconisona 100mg EV antes da indução anestésica
Neoplasia não-hipofisária
Primeiras 24 horas - hidrocortisona tOOmg EV de 8/ 8 horas Operações ou métodos propedêuticos
Reduzir dose pela metade a cada dia até niveis de manutenção
Iatrogênico
Gestantes Neoplasia adrenal (adeooma, c:an:inoma)
3" trimestre - aumento da dose do glicocorticóide (5-1 Omg de Hiperplasia nodular adrenal
hidrocortisona) Factlcia
Trabalho de parto - hidrocortisona SOmg EV de 6/ 6 horas até o
parto ··----------------------------------------------
• Retirada até dose de manutenç.•ào
. .__ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _....J
A cortico terapia cro ruca é a causa mais comum da
··-------------------------------------------- síndrome de Cushing. D eve ser sempre considerada nos
pacientes com sinais e sinto mas de hipercortisolismo.
Quadro 35.5 .: Reposição de glicocorticóide durante ato cinírgico
Entre as causas deste q uadro. destaca-se a doença de
Pequena operação •:
Cushing, respo nsável por cerca de 70% dos casos e que
Hidrocortisona 25mg EV no pré-operatório consis te na hipersecreção do hormô nio ad renocortico-
Operação de médio porte (colecistectomia. histerectomia etc.) tró fico po r um microadenoma hipofisário 19.20. Entre
Hidrocortisona 50-75m&(dia EV (ftacionar as doses) 15% a 20% dos pacientes aprese ntam este quadro têm
Operação de grande porte neoplasia supra-renal. E les não se encontram sob con-
(Revascularização do miocárdio, pancreatectomia etc.) trole hipo tálam o-hipofisário e secretam esteróides adr e-
Hidrocortisona I 00-lSOmg EV durante 24 horas (ex. 50mg de 8/ 8h ou nais de fo rma autô no m a. Em geral, esses tum ores são
infusão conánua) unilaterais e metade é de natureza maligna. Os adeno-
Manter por três dias e, após, iniciar retirada mas são geralmen te encapsulados e m edem entre lcm e

··---------------------------------------------
425
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

6cm. J á os carcm omas são habitualmente grandes Clinicamente é impossível distinguir a síndrome de
(>4cm) podendo, inclusive, ser palpáveis. Habitu - Cushing decorrente de um tumor adrenal daguela secun-
almente são encapsulados, altamente vascularizados, dária à doença de Cushing. Já no caso da síndromc de
com áreas de hemorragia e necrose. C ushing por hormônio adrenocorricotrófico ectópico,
D uas entidades adicionais causam hiperplasia nodu- especialmente po r carcinomas pulmonares, os aspectos
lar: displasia micronodular pigmentada (um distúrbio cushingóides podem estar ausentes, predominando os
familiar, autossômico dominante, que ocorre em crianças sinais de malignidade (anemia, anorexia, perda de peso
e adultos jovens) e hiperplasia adrenocortica1 macrono- etc.), associados à hipopotassemia (presente em guase
dular, de etiologia pouco compreendida, com caracterís- 100% dos casos), hipertensão, fragueza muscular intensa
ticas bioguimicas inicialmente de excesso de hormônio e hiperpigmentação:zj1•
adrenocorticotrófico hipofisário e com adenomas de
supra-renal. Em geral, nestes casos, esses indivíduos
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL E DE IMAGEM
apresentam hiperplasia nodular de ambas as glândulas
A avaliação diagnóstica dos caso suspeitos de
supra-renais, muitas vezes em consegüência da estimula-
Cushing reguer a realização de exames para confirmar o
ção prolongada com hormônio adrenocorticotrófico na
hipercortiso Lismo e ou tros para determinar sua etiologia,
ausência de adenoma hipofisário.
conforme demonstrado no Quadro 35.6.
Os rumores não-hipofisários podem secretar polipep-
Quando há suspeita de Cushing, vá rios testes são pre-
tideos gue causam hiperplasia supra-renal bilateral e são
conizados, dependendo do protocolo de cada serviço.
indistinguiveis do hormônio adrenocorticotrófico ou do
i o teste de supressão noturna com 1mg de dexametaso-
hormônio liberador da corricotrofina (CIU-1) do ponto
na, esta deve ser ingerida às 23 horas e o cortisol plasmá-
de vista biológico, gLúmico ou imunológico. A maioria
tico colhido na manhã seguinte. Indivíduos sem doença
destes tumores localiza-se nos pulmões (ca rcinoma
devem suprimir o corrisol plasmático para níveis
brônguico de pequenas células), sendo mais comuns em
< l,8f..Lg/dL. Este teste tem sido utilizado como triagem,
homens com idade entre 40 anos e 60 anos 19 •
sendo necessária a con firmação com a dosagem de corri-
sol livre em urina de 24 horas cujos, valo res, para serem
EXAME C LINICO considerados fisiológicos, não devem exceder 50f..Lg2 1• A
As prin cipais características da síndrome de Cushing ausência de ritmo diurno de cortisol é característica mar-
estão listadas no Quadro 35.7. A grande maioria delas é cante da síndrome de Cushing. Se a dosagem do cortiso1
inespedfica e pode ser freqüentemente encontrada em à meia noite for superior a 7f..Lg/dL, a possibilidade de
pacientes obesos o u com síndrome metabólica. Em hipercortisolismo deve ser considerada. A dosagem de
crianças, as características são as mesmas que as observa- cortisol salivar à meia noite vem ga nhando cada vez mais
das nos adultos, porém chama atenção a diminuição da força no diagnóstico de hipercortisolismo e seu valor
velocidade de crescimento. fisiológico é inferior a O, 1 f..Lg/dL zz.
A determinação da causa do hiperco rtisolismo é
Quadro 35.7 .: Aspectos clínicos da síndromc de Cushing
muito difícil e requer uma série de exames laboratoriais,
---------------------------------------------··• sendo que, muitas vezes, não se define a origem do
Obesidade central 95%
excesso de cortisol. A dosagem de hormônio adren ocor-
H ipertcnsão arterial R<;%
ticotrófico plasmático auxilia o diagnóstico, uma vez que
Face em lua cheia 75%
1-l irsutismo 75%
niveis menores que SpglmL, associados a resposta ate-
intolerância à glicose nuada ao hormônio liberador de corticotrofina
lliperlipidemia 75% (< l OpglmL), sugerem tumores adrenais, hiperplasia
Impotência ---------------------85% ad renal bilateral e síncl rome de C ushing factícia:zj1•
Pletora facial 70% Pacientes com rumores secretores de hormônio aclreno-
Estrias-VI'"
·o""lá.,.. corticotrófico apresentam níveis habitualmente superio-
Transtornos neuropsiquiátricos 85% res a 10pglmL'9.z1 • A grande dificuldade consiste na iden-
Osteopenia 80% tificação da origem do rumor produtor do hormônio
• adrenocorticotrófico, se hipofisária ou ectópica. estes
··---------------------------------------------
426
Capítulo 35 .: C irurgia no paciente com outras endocrinopatias

••
últimos, os níveis elo ho rmô nio aclrenocorticotrófico clução de tratamentos mais modernos, a prevalência de
são ge ralmente mui to elevados e não apresentam res- complicações cardiovasculares conti nua elevada21•
posta efetiva ao esúmulo do hormônio liberado r de cor- eoplasia supra-renal: uma vez estabelecido o diag-
ticotro fina. O cateterismo do seio petroso inferior é, até nóstico de adenoma ou carcinoma, procede-se à explora-
o momento, o exame que melhor de fine a origem da ção das supra-renais, com excisão do tumor. Os adeno-
hipersccreção do hormôn io adre nocorticotró fico . mas < 6cm podem ser ressecados po r técnicas laparoscó-
Consiste em definir se há um gradiente de concentração picas. A ra.xa de cura é de praticamente 100%. Já os car-
entre o hormônio adrenocorticotrófico medido no seio cinomas têm prognóstico reservado, co m taxa de sobre-
petroso inferior e no sangue periférico, demonstrando viela inferior a três anos. É indicada a remoção elo tumo r
assim se o ho rmônio adrenocorticotrófico é o u não primário, mesmo guanclo metástases estão presentes,
proveniente da hipófi se. para melhorar a resposta ao mitotano, um agente adreno-
Quando se trata ele síndrome de Cushing hormônio Htico. radioterapia do leito tumoral e das metástases
adrcnocorticotrófico-dependente, a ressonância magné- tem valo r limitado.
tica da hipófise deve ser realizada, com identificação do D oença ele Cushing: o tratamento para a doença de
adcnoma em 50% a 60% dos casos. Entretan to, é impo r- Cushing é a ressecção transesfenoidal do ade noma hipo-
tante a atenção ao fato de que cerca de I 0% da popula- fisário. Ocasionalmente, a adrenalectomia bilateral é indi-
ção na faixa entre 20 e 50 anos apresenta tumores inci- cada para pacientes que não respondem à operação ou
dentais na hipófise. O s tumo res ectópicos devem ser radio terapia. A síndrome de elson é uma complicação
pesqu isados por meio de tomografia computadori zada potencial nestes pacientes2.'.
ou ressonância nuclear magnética ele tórax c abdo mc 1''·21• Síndrome de Cushing cctópica: o carcino ma brô nqui-
co ele pequenas células e os carcinó icles brônquicos são a
Quadro 35.8 .: Diagnóstico labo ratorial da síndromc de
Quando há suspeita de hipercortisolismo
..• causa mais comum desta sínclromc, entretanto tumo res
intestinais produtores de ho rmônio adrenoco rticotrófi-
Com sol salivar às 23 horas co, carcinóides do cimo, tumores endócrin os elo pân-
Teste da supressão noturna com I mg de dexameusona creas, cistoadenomas pancreáticos, carcinoma medular
Corusolline em unna de 24 horas
Í\'els plasmáocos de comsol à meia noite
da tireóide e feocro mocitomas também são implicados
Para d eterminar a causa do hipercortisolismo
nesta síndrome. Nestes casos, o tratamento é a remoção
do tumor primário. Redução cirúrgica de tumo res irres-
Dosagem do hormônio adrenoconicotrófico basal e p6s-csúmulo
com hormônio liberador de conicmrofina e/ ou vasoprcssina secá\·eis, com ou sem ad renalecromia bilateral, pode
Cateterismo do seio pctroso levar à melhora paliati\·a. T ratamento medicamentoso
Teste de supressão com altas doses de dexametasona co m cetoconazol, meti rapona, aminoglutetimida c mito-
Para localização cano pode reduzi r a produção excessiva ele glicocorticói-
Exames de imagem ressonância magnética, tnmo1,>rafia computa- des em casos inoperáveis.
dorizada, octreoscan etc.

··--------------------------------------------- R ISCOS, COMPLICAÇÓES E PERIOPERATÓRIA
T RATAMENTO Em virtude da possibilidade de atro fia ela glândula
O passo mais importante para o tratamento correto supra-renal contra-lateral, o paciente recebe tratamento
da índrome de Cu hing, sem dúvida, é o diagnós tico pré e pós-operatório, como se a suprarenalectomia fosse
etiológico corrcro, pois a abordagem terapêutica varia de total, mesmo quando a lesão é unilateral, sendo os proce-
acordo com a causa da síndrome. O tratamento engloba dimentos de rotina semelhantes aos elo paciente aclcliso-
mais que apenas a correção do hipercortisolismo. Ele niano submetido à operação eletiva, com hid rocortisona
inclui também o tratamento de suas complicações (hiper- intravenosa I OOmg, a cada 6 a 8 horas. Porém, alguns
tensão, diabetes, osteopo rose etc.) e daquelas decorren- auto res não recomendam a reposição de corticóide no
tes da te rapia utilizada20 ' . pré-o perató ri o de pacientes com doença de Cushing,
Vá rios estudos têm demonstrado que, antes da intro- pois realizam dosagem de cortisol a cada seis horas,
du ção da terapia adequada, a taxa ele mortalidade para durante três dias, para avaliação mais rápida do resultado
síndromc de Cushi ng era de 50% . Mesmo após a intro- cirúrgico. O nível ideal do cortisol nestes casos é

427
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
<2j..t/ dL, com sintomas de insuficiência adrenal inicial, hipertensão, hipopotassemia, atividade da renina plasmá-
quando então é iniciada a reposição de glicocorticóide'. tica suprimida e aumento da excreção de aldosterona.
Reposição de corticóide deve ser realizada em todos A prevalência do hiperaldosteronismo primário entre
os pacientes por um período de seis a 18 meses após a a população de hipertcnsos é desconhecida, sendo classi-
operação, na dose de prednisona Smg pela manhã e camente estim ada entre 0,05% e 2% ; porém, em estudos
2,5mg à tarde (16 horas). Em alguns casos, a reposição recentes, estes índices elevam-se para quase 10% . Dessa
poderá ser necessária por anos, até que a supra-renal con- forma, parece ser uma das causas endócrinas mais
tra-lateral ao tumor reassuma o funcionamento adequa- comuns de hipertensão secundária.
do. Reposição inadequada res ulta em insuficiência adre- o aldostero nismo p rimário, a causa da produção
nal, enquanto doses elevadas podem determinar as carac- excessiva reside na glândula supra-renal; enquanto no
terísticas da síndrome de Cushing. A dose c o tempo de secundário é extra-supra-renal.
uso devem ser monitorados clinicamente e o tratamento AJdosteronismo primário: a doença foi primeiramen-
pode ser interrompido quando o nível de cortisol plas- te descrita por Conn e devia-se a um adenoma de supra-
renal produtor de aldosterona. A maioria é unilateral e,
mático for > 6j..tg/dL. Um teste de tolerância à insulina
geralmente, de pequeno tamanho. Raramente trata-se de
poderá ser realizado para avaliar a r eserva ad renal.
carcinoma supra-renal. É mais co mum em m ulheres,
íveis elevados de glicocorticóides estão relaciona-
com pico de incidência entre 30 e 50 anos. Em mui tos
dos à elevação dos fa tores de coagulação, especialmente
casos, os pacientes apresentam características clinicas e
o fator Vlll e fato r de Von WiUebrand, níveis elevados
bioquimicas de aldosteronismo primário, po rém não se
de PAI-1 e prejuízo na capacidade fibrinolitica. É descri-
detecta nódulo de supra-renal<'. Estes pacientes apresen-
ta incidência aumentada de tromboembo Lismo pós-ope-
tam hipe raldosteronismo idiopárico, ou hipe rplasia
ratório em pacientes com Cushing, especialmente naque-
nocluJar da supra- renal, cuja causa é desco nhecida, e
les com carcinoma supra-renal e hormônio adrenocorti- apresentam boa resposta ao uso ela espironolactona.
cotrófico cctópico25•
íveis de PTT se correlacionam bem com niveis de
SINAIS E SIN TOMAS
cortisol urinário e podem ser utilizados como parâmetro
para aval iação pré-operatória de pacientes com síndrome A maio ria elos sinais e sintomas relacionados ao hipe-
de Cushing, determinando a necessidade de profilaxia pré e raldosteronismo é inespecí6ca. A hipersecreção de aldos-
pós-operatória para fenômenos tromboembólicosu. terona aumenta a troca rubula r distai ele íons sódio intra-
rubulares por íons de potássio e hidrogênio secretaclos,
AJcalose hipocalêmica está presente em 95% dos
com clepleção progressiva do po tássio corporal e desen-
casos de Cushing ectópico e em apenas 10% daqueles
volvimento de hipopotassemia. Esta ocorre espontanea-
com doença de Cushing, devendo ser avaliada e corrigi-
mente em 80% a 90% dos pacientes e pode também ser
da no pré-operatório. Acredita-se que eja secundária a
provocada po r sobrecarga ele sódio naqueles com potás-
um estado de excesso de mineralocorticóide.
sio inalterado 28 . A maioria dos pacientes apresenta hiper-
As características da síndrome de Cushing desapare-
tensão diastólica, que pode ser grave, e cefaléia. A hiper-
cem em um período de dois a 12 meses. Hipertensão c
tensão deve-se ao aumento da reabsorção de sódio e
diabetes melhoram, mas raramente desaparecem por
expansão do volume extracelular". r\ depleção ele potás-
completo. A osteopenia melhora rapidamen te, porém
sio é responsável por fraqueza muscular e fadiga. A
fraturas o u deform idades são irreversíveis.
poliúria resul ta do com pro metimento ela concentração
urinária q ue está associada à po liclipsia. Edema periférico
Hiperaldosteronismo primário é raro.
O s sinais r adiológicos ele aumento elo ventrículo
ETIOLOGIA esquerdo são, em parte, secundários à hipertensão .
Representa grupo de desordens em que existe produ- Contudo, a hjpertrofia ventricular esquerda é despropor-
ção excessiva de aldosterona pela zona glomerular do cional ao nivel ele pressão arterial e ocorre red ução da
córtex adrenal, independentemente do estimulo fisiológi- mesma após a retirada do adenoma, mesmo sem a nor-
co do sistema reni na-angiotensina. É caracterizado por malização dos niveis pressóri cos. Os sinais eletrocardio-

428
Capítulo 35 .: Cirurgia no paciente com outras endocrinopatias

••
gráficos de depleção de potássio incluem o ndas U proe- ou elevação nos níveis de aldosterona ind uzidos pelo
minentes, arritmias cardiacas e extrassístoles. hormô nio adrenocorticotrófico. Nos casos de hiperpla-
sia, nenhuma lateralização é observada. Os pacientes não
devem estar em uso de espironolactona e inibidores da
DIAGNÓSTICO
enzima conversor a de angioten sina po r, no mínimo, seis
Os achados labo rato riais dependem da duração e
semanas.
intensidade da depleção de potássio. A hipopotassem ia
pode ser intensa (< 3mmol/L). Nas fo rmas leves, os
niveis podem ser inalteradas. A hipernatremia e a aJca- T RATAMENTO
lose m etabólica podem estar presen tes, assim como a A rem oção cirúrgica do adenoma secretor de aldoste-
hipomagnesemia. rona corrige a hipocalemia em, virtualmente, 100% dos
O diagnóstico é sugerido pela presença de hipopotas- pacientes enquanto a melhora nos níveis pressóricos
semia em pacientes hipertensos que não estejam rece- ocorre em 90%, e a cura da hipertensão em 60% a 70%
bendo diuréticos que aumen tam a excreção de po tássio. dos casos.
T ambém deve-se investigar pacien tes hipertensos jovens A remoção cirúrgica da glândula afetada é o tratamento
o u q uando a hipertensão arterial evolui de forma grave mais apropriado para pacientes com aldosteronoma solitá-
ou apresenta-se refratária ao tratamento medicamentoso. rio unilateraJ. Estes tumores são habitualmente pequenos
O diagnóstico bioquimico do hiperaJdosteronism o (l cm a 2cm) e, desta forma, a adrenaJectomia laparoscópi-
requer a demonstração de níveis elevados de aldosterona ca é a abordagem preferida28 • Se há suspeita de carcino ma
e supressão da atividade da renina plasmática. A avalia- produtor de aldosterona, extremamente raro, deve-se reali-
ção inicial consiste na dosagem da aldosterona plasmáti- zar adrenalectomia por via transabdominal.
ca e da atividade da renina, com o paciente em ortostatis-
mo. O hiperaldosteronismo primário é suspeitado se a
SUPORTE PERIOPERATÓRIO
razão entre aldosterona e renina fo r superior a 20-3027 •
Os níveis de aJdosterona precisam ser maiores gue É recomendado o uso pré-operatóri o de espironolac-
lSng/dL e a ingestão de sal irrestrita para a realização tona e potássio com o intuito de normalizar os níveis de
desta avaliação. potássio e corrigir a aJcalose, antes da anestesd' . A
A dosagem da aldosterona urin ária é a melhor melho ra dos níveis pressóricos com o uso da espirono-
forma de comprovar o hiperaldosteronismo. Após o lactona é um indicador de boa resposta terapêutica após
controle da pressão arterial e da hipopotassemia, o a adrenalectomia. O sucesso da operação também é
paciente é submetido dieta rica em sódio por três dias. in fl uenciado pela duração e gravidade da hipertensão e
o te rceiro dia, colhe-se a urina de 24 ho ras para dosar pela presença de alterações histológicas nos rins. Idade
a aldos tero na, o sódio e o po táss io. Exc reção de aldos- maior que 50 anos, sexo masculi no e presença de múlti-
terona maio r gue 12 j.Lg/ dL em 24 horas, com sód io p los nódulos nas adrenais são também caracterís ti cas
urinário su perior a 200mEq, são fortemente suges tivos relacio nadas a piores resultados após adrenaJectomia.
de hiperaldosteronismon 8 . Estes pacientes geralmente não necessitam de co rticói-
Uma vez demonstrada a hipossecreção de renina e a des no pós-operatório, mas podem vir a necessitar de repo-
incapacidade de suprimir a secreção de aldosterona, é sição de mineraJocorticóides. Pode ocorrer hipoaldostero-
necessário localizar os adeno mas p rodu tores de aldoste- nismo transitório, gue se resolve em cerca de três meses.
rona por tomografia computado ri zada do abdome, usan-
do tomógrafos de aJta resolução, pois algu ns tumores são
Feocromocitoma
menores que l ,Ocm. Se a tomografia com putadorizada
fo r negativa, o cateterismo tr ansfemo ral percutâneo da ET IOLOGIA
veia supra-renal bilateral com coleta de amostras pode Feocromocitomas são tumores produtores de cateco-
demonstrar um aumento de d uas a três vezes nas con- laminas que se originam das células cromafms, derivadas
centrações plasmáticas de aldosterona no lado acometi- da crista neural. Estão localizados na medula supra-renal
do. É importante a dosagem concomitante de cortisol em cerca de 90% dos casos. Os 10% restantes encon-
para garantir que a falsa localização não reflete diluição tram-se fora das supra-renais e recebem o nome de para-

429
••• Fundamentos em Clínica C irúr gica

gangliomas29·30. É uma doença rara, com incidência an ual exame ai nda não se encontra amplamente disponível,
de dois a oito casos por milhão de pessoas, mais comu- podem-se dosar as metanefrinas fracionadas em urina de
mente esporádica e com forma hereditária em 10% dos 24 horas, exame com grande sensibilidade (96% a 97%),
casos (Quadro 35.9y 7 • mas com baixa especi ficidade (45% a 82%f A dosagem
das catecolaminas, no sangue o u urina, apresenta menor
Quadro 35.9 .: Formas hereditárias do feocromociroma' sen sibiJidacle, uma vez que pode estar inal terada em
---------------------------------------------··
Freqüência de •
pacientes normotensos ou em períodos assintomáticos
Doença Fenótipo entre os paroxismos"- Comparativamente aos ou tros tes-
feocromocitoma
tes, a dosagem urinária elo ácido vaniJmandélico é a que
Von Hippel- llemangioblastoma no SNC c 10% a 20''1o
Lindau retina; tumores ou cistos apresenta menor sensibilidade (46% a 77%) e maior
renais ou pancreáticos especificidade (86% a 99%), segundo alguns autOres"'.
l EM 2A Sín- Carcinoma medular da r:ircói- 50% T estes dinâmicos com clonidi na e glucagon não são ro ti-
drome de Sipple de; hipcrpamtireoiclismo neiramente utilizados e estão indicados quando a suspei-
NE..\128 Carcinoma medular da tireói- 50"Ao ta clínica permanece a despeito de os testes basais serem
dc; hiperparatircoidismo e inalterados 1 1• Med icamentos que podem causar resulta-
ncuromas cutaneomucosos
dos falso-positivos são antidepressivos tricíclicos, an tip-
Feocromociwma 20%r.)
familiar sicóticos, levoclopa, etano!, descongestionantes, anfeta-
• mínicos, sotalo l, meti ldopa e suspensão da clonidina 29•
··---------------------------------------------
SNC - sis tema ncr\'O'\O ccmrnl
Após confi rmação bioquímica, inicia-se a tenta ti va de
localização do tumor por meio da tomogra fia computa-
EXAME CLINICO
do rizada ou ela ressonância magnética 16. Para tumores
Hipertensão arterial é a manifestação mais comum e, supra- renais, a tomografia computado rizada apresenta
na maioria dos casos, apresenta-se de fo rma sustentada. sensibilidade ele 98% com especificidade de 92% . A res-
Um menor número de pacientes permanecerá normo- sonância magnética possui maior sensibilidade que a
ten o entre os paroxismos, que podem ter duração de 15 to mografi a computadorizada e mos tra um hiper-sinal
a 20 minutos e são constituidos pela tríade clássica com- característico, mas não específi co, em A cintilografia
posta por cefaléia, sudorese e palpitações"''. Há possibili- com metaiodobenzilguanidina tem sens ibilidade de 77%
dade de feocro mocitoma quando um paciente hiperten- a 90% e c pecificidade entre 95% a 100%. É indicada
so apresentar hipotensào ortostática, diarréia, emagreci- para detecção ele metástases ou m últiplos tumores.l6.
mento, febre e dores no tó rax e no As maiores
complicações são conseqüências do acometimento car-
cliovascular (arri tmias, infarto, eden1a pu lmonar) e neuro- T RATAMENTO PRt-OPERATÓRIO

lógico (acidente vascular encefálico) 3' . Os sintomas de A redução da mortalidade perioperatória foi conse-
feocromocitoma podem ser desencadeados por algu mas qüência do uso dos alfabloqueadores e expansão do
drogas dentre as quais destacam-se antidepressivos tricí- vol ume intravascular no pré-o peratório, conforme cri té-
clicos, metoclopramida, naloxona e betabloqueadores ri os para o preparo do paciente (Q uad ro 35.10)"2• Além
quando não precedidos pelos ai fab loqueadores 12.' 1. disso, houve aperfeiçoamento dos métodos de localiza-
ção do rumor e da monitorização hemodinâmica, culmi-
nando com o advento da ci rurgia lapa roscópica, conside-
DIAGNÓSTICO
rada atualmente o tratamento de escolha'"-k.
A propedêutica inicia-se com os exames bioquímicas
cujo objetivo é evidenciar, laboratorialmente, a elevação
Quadro 35. 1O .: Critérios para preparo pré-operatório'
dos níveis de catecolaminas (ad rena lina c no radrenalina)
ou ele seus metabóliros (metanefri na e no rmetanefrina).
----------------------------------------------··•
Pressão anerial < 160x90mmllg
A dosagem das metanefrinas livres no plasma tem sido l lipotcnsão ortostática > 80x45mm llg
considerada exame de alta sensibilidade (97% a 99%), gran- ECG sem alteração do segmento ST
de especificidade (82% a 96%) c, portanto, o teste de pri- ECG < I extra-sístole ventricular a cada cinco minuros

meira escolha para o início ela propedêutica "'-". Como esse ··----------------------------------------------
430
Capítulo 35 .: Cirurgia no paciente com outras endocrinopatias

••
O controle da pressão arterial é feito por meio do blo- Doença hipotalâmica, hipofisária
queio dos receptores alfaadrenérgicos, utilizando-se a e hipopituitarismo
fenoxibenzam.ina (10mg, de 12/ 12 horas) ou a prazosina,
droga de referência, cuja dose máxima é 2mg a Smg, de Tumores da hipófise
8/8 horas ou 6/6 horas30• A doxazosina e a terazosina
são também eficazesJ0. 2• Os betabloqueadores somente Os adenomas hipofisários são a causa mais comum
deverão ser introduzidos se houver taquicardia após o de síndromes de hipersecreção e hipossecreção hormo-
bloqueio alfa. A adição desta droga antes de um alfablo- nal hipofisária em adultos. E les são responsáveis por
queador piora a hipertensão3 ' . Bloqueadores dos canais cerca de 10% de todas as neoplasias intracranianas. Na
de cálcio constituem outra opção com a vantagem de não necropsia, até um quarto de todas as glândulas hipofisá-
causarem hipotensão ortostática e de poderem ser utili- rias abrigam um microadenoma insuspeito (< 10mm de
zados em pacientes normotensos31' 32 • A metirosina é um diâmetro). De modo semelhante, os exames de imagem
bloqueador da síntese de catecolaminas que pode ser da hipófise detectam pequenas lesões hipoftsárias em,
associada aos alfabloqueadores na dose de 1g a 4g ao pelo menos, 10% dos indivíduos sem doença.
dia 39• J á foram descritos efeitos extrapiram.idais, diarréia,
ansiedade e cristalúria durante o seu empregol2 . O trata- Patogenia
mento deve ser instituído entre 10 a 14 dias antes da ope-
ração, embora não existam evidências que comprovem Os adenomas hipofisários são neoplasias benignas
nitido benefício. Para evitar ou atenuar a hipotensão após que se originam de um dos cinco tipos celulares da ade-
a retirada do tumor, recomenda-se expansão de volume noipófise. Podem originar-se das células lactotróficas,
intravascular e dieta rica em sódio 3 1• somatotróficas, corticotróficas, tireotróficas ou gonado-
tróficas, as quais hipersecretam, respectivamente prolac-
tina, hormônio do crescimento, hormônio adrenocorti-
TRATAMENTO PEROPERATÓRIO
cotrófico, tireotrofina e gonadotrofinas (Quadro 35.11 ).
Adequado preparo pré-operatório não garante a pre-
Os tumores plurihormonais (combinações de hormônio
venção de todas possíveis complicações e as eventuais
do crescimento, prolactina, hormônio tireotrófico e hor-
crises hipertensivas devem ser controladas pelo nitro-
mônio adrenocorticotrófico) podem apresentar caracte-
prussiato de sódio' 2·' 0 . Os betabloqueadores estão indica-
rísticas clínicas mistas das síndromes hipersecretoras
dos no tratamento da taquicardia e o esmolol, por ter
hormonais. Morfologicamente, esses rumores podem
curta ação, é considerado a droga ideal' 0 . A hipotensão
surgir de um único tipo celular polissecretor ou consistir
pode surgir à interrupção da drenagem venosa da supra-
de células com função mista em um mesmo tumor' 2.
renal e deve ser controlada com reposição de volume e
Os tumores hormonalmeote ativos são caracterizados
uso de vasopressores (noradrenalina/''.
por secreção hormonal autônoma com diminuição da res-
ponsividade às vias fisiológicas de inibição. A produção
T RATAMENTO PÓS-OPERATÓRIO hormonal nem sempre correlaciona-se com o tamanho do
Nas primeiras 48 horas após a operação há risco de rumor. Pequenos adenomas podem causar perturbações
hipoglicemia causada por hiperinsulinem.ia secundária à clínicas significativas, enquanto adenomas maiores que
perda da inibição noradrenérgica e à depleção do glicogê- produzem menos hormônio podem ser clinicamente silen-
nio32. A insuficiência supra-renal pode surgir após ressec- ciosos e permanecer não-diagnosticados, caso não haja
ção de feocromocitomas bilaterais''. A normalização da nenhum efeito compressivo em estruturas adjacentes.
pressão arterial ocorre em cerca de 38% dos casos. A Cerca de um terço dos adenomas é clinicamente não-fun-
persistência da hipertensão arterial pode ser explicada cionante e não produz nenhuma síndrome hipersecretora
pela permanência de tecido tumoral, ligação acidental da clínica diferente. A maioria origina-se das células gonado-
artéria renal ou coexistência de hipertensão essenciaJ29·30• tróficas e pode secretar subunidades hormonais glicopro-
As metanefrinas e as catecolam.inas urinárias deverão ser téicas alfa e beta ou, muito raramente, gonadotrof:inas cir-
dosadas a partir da segunda semana pós-operatória e culantes intactas. Os carcinomas hipofisários com metásta-
anualmente nos próximos cinco anos 29.32 • se extracraniana documentada são extremamente raros.
431

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 35.11 .: Classificação dos adenomas hipofisários

------------------------------------------------------------------------------------------------··
Origem celular do
Produto hormonal Síndrome clínica
adenoma

Lactotrofo Prolactina Hipogonadismo, gslac:torréia


Hormônio folículo estimulante, hormônio
Gonadotrofo Si.lt:IIciosu, hipogonadisn1o
lute.inizame, subunidaele
Somatrotofo Hormônio do crescimento Acromepia/ ·
Corticotrofo Hormônio aclrenocorticotrófico Doença ele Cushing
Célula P.lurionnonal _____________._________Q;;;.u..;.;,.
alq:.;.u_
e r____________________
Tireorrofo Hormônio tireotrófico Tireotoxicose
Célula nula Nenhum lnsufici&lcia ·
Prolactina 1-lipogonaelismo, galactorréia
Célula mista
Hormônio elo crescimento Acromegalia

··-----------------------------------------------------------------------------------------------
Os craniofaringiomas são derivados da bolsa de sonância magnética, pode ser muito semelhante à de um
Rathke, originam-se próximo ao pediculo hipofisário e adenoma hipofisário agressivo. O diagnóstico definitivo
estendem-se comumente para a cisterna supra-selar. somente será possível por meio do exame anatomopatoló-
Esses tumores são freqüentemente grandes e invasivos e, gico do tecido ressecado durante a operação.
à tomografia computadorizada, comumente podem ser
observadas calcificações. Mais da metade dos pacientes
apresenta esses tumores antes dos 20 anos, geralmente Exame clínico
com sinais de aumento da pressão intracraniana, incluin- As manifestações clinicas das lesões selares variam de
do cefaléia, vômitos, papiledema e hidrocefalia. Os sinto-
acordo com a localização anatômica da massa e a direção
mas associados incluem alterações no campo visual, alte-
de sua extensão. O teto dorsal da sela apresenta a menor
rações da personalidade, deterioração cognitiva, lesão do
resistência à expansão do tecido mole do interior dos
nervo craniano, problemas do sono e ganho de peso. A
limites da sela; em conseqüência, os adenomas hipofisá-
disfunção da adenoipófise e o diabetes insípido são
rios freqüentemente estendem-se em direção supra-selar.
comuns. Cerca de metade das crianças com essa doença
A invasão óssea também pode ocorrer mais tarde.
apresenta atraso no crescimento42•
As cefaléias são manifestações comuns de pequenos
O tratamento geralmente envolve a ressecção cirúrgica
tumores intra-selares, mesmo sem extensão supra-selar
transcraniana ou transesfenoidal, seguida pela radiação
demonstrável. A extensão supra-selar pode levar à perda
pós-operatória do tumor residual. Essa abordagem pode
resultar em sobrevida a longo prazo e cura definitiva, mas visual por meio de vários mecanismos, dos quais o mais
a maioria dos pacientes requer a reposição de um ou mais comum é a compressão do quiasma óptico. A compres-
hormônios hipofisários durante toda a vida. Se o pediculo são do pediculo hipofisário por massa intra-selar pode
hipofisário não estiver envolvido e puder ser preservado comprimir os vasos portais, rompendo o acesso hipofi-
na época da operação, a incidência de disfunção da hipófi- sário aos hormônios hipotalârnicos e à dopamina; isso
se anterior subseqüente será significativamente menor43. resulta em hiperprolactinernia e na perda concomitante
As metástases hipofisárias ocorrem em cerca de 3% dos de outros hormônios hipofisários. Esse fenômeno de
pacientes com câncer. Os depósitos metastáticos transpor- "secção do pediculo" também pode ser causado por
tados pelo sangue são encontrados quase exclusivamente traumatismo, lesão "em chicotada" com compressão do
na neuro-hipófise. Assim, o diabetes insípido pode ser uma pediculo pelo clinóide posterior ou por fraturas da base
característica da apresentação de metástases hipofisárias de do crânio. A invasão lateral de massa pode penetrar o
tumores de pulmão, trato gastrointestinal, mama e outros. seio cavernoso e comprimir seu conteúdo neural, levan-
Cerca de metade das metástases hipofisárias origina-se de do à paralisia dos nervos cranianos III, IV e VI, assim
câncer de mama. A imagem de uma lesão metas tática, à res- como a efeitos sobre os ramos oftálmico e maxilar do

432
Capítulo 35 .: Cirurgia no paciente com outras endocrinopatias

••
quinto nervo craniano. O s pacientes podem apresentar entanto, para massa selar sem características clínicas
cliplo pia, ptose, oftalmoplegia e diminuição da sensação ó bv.ias de excesso ho rmo naJ, os exames laboratoriais
facial, de acordo com a extensão da lesão neural. A exten- visam de terminar a natureza do tumor c avaliar a pos-
são para o seio es fenóide indica que a massa hipofisária sh·el presença de hi popituitarismo. Quando há suspei-
erocliu atra vés elo assoalho selar. A compressão direta do ta de adenoma hipofi sário co m base na ressonância
hipotálamo por massa hipofisária invasiva pode causar nuclear m agnética, a avaliação hormo nal inicial geral-
seqüelas metabó licas importantes, puberdade precoce o u mente inclui: (l ) prolactina basa l; (2) fator de cr esci-
hipogonadismo, diabetes insípido, distúrbios do sono, mento semelhante à insulina; (3) cortisol li vre na urina
distermia e transtornos do apeci te•2..... de 24h e/ ou teste de supressão com dexametasona
(lmg) o ral à noite; (4) níveis da subunidade a , ho rm ô-
nio folículo estimulante e ho rmô nio luteinizante; (5)
Diagnóstico
pro,·as de função tireoidiana. A avaliação hormonal
As imagens da ressonância nuclear magnética permi- adicional pode ser indicada a partir dos resultados des-
tem a vi ibilização precisa da glând uJ a hipó fise, do hipo- ses testes. A histó ri a menstn1al, o nível de testosterona,
tálamo, pedículo hipofisário, tecido hipo fisário c cister- o cortisol das oito horas da m anhã e após estímulo com
nas supra-selares adjacentes, seio cavernoso, seio esfe- ho rmô nio ad renocorticotró fico c os exam es de função
noidal c quiasma ó ptico. A densidade do adenoma ge ral- tireoidiana permitem identificar possíveis defi ciências
mente é menor que a do tecido adjacente nas imagens de hormô nio hipofisiários 42'4 4 •
pesadas em TI, e o sinal torna-se hiperintenso nas ima- Avaliação histológica: a coloração imunoistoguímica
gens pesadas em T2. O elevado conteúdo de fosfolipídio das amostras de tumo r hipofisário obtida durante opera-
da ncuro-hipófi se resulta nu m sina] brilhante. As massas ção transesfenoidal confirma os exames clínicos e laboratO-
selare ão comumente encontradas como achados inci- riais e fornece o diagnóstico histológico quando o exame
dentais na res o nância nuclear magnética, c a maioria hormo nais não são positivos c em casos de tumo res clini-
delas é de adenomas hipofi ário (incidentalomas)•'. Es c camente não-funcio nantes. Ocasionalmente, a determina-
achado é consi tente com a o bservação de que microade- ção uJtra-estrurural po r microscopia eletrô nica é necessária
nomas hipofisários clinicamente silenciosos podem ser para o diagnó rico.
identificados em até 25% das hipófises em séries de
nccro psia. r a ausência de hipersecreção hormo nal, essas
Tratamento
pequenas lesões podem ser mo nitoradas com segurança
pela res onância nuclear magnética, que é realizada G ERAL
anual mente, e depois menos freqüentemente, se não O tratamento bem-sucedido das massas selares exige
ho uver evidências de crescimento. A ressecção deve ser diagnóstico preciso, assim como a seleção das modalida-
considerada para macroaclcnomas descobertos inciden- des terapêuticas ideais. A maioria dos tumo res hipofisá-
talmente, pois cerca de um terço torna-se invasivo ou rios é benigna e de crescimento lento . As características
causa efeitos comprcssivos locais. Se a hipcrsecreção cünicas res ultam dos efeitos locais de mas a e de síndro-
hormo nal for evidente, tratamentos específicos são indi- mcs de hipo o u hipersecrcção ho rmo nal, causadas di reta-
cados41. Quando massas maiores (> 1em) são encontra- mente pelo adenoma ou com o conseq üência do tra ta-
das também devem ser distinguidas das lesões não- mento. Assim, esses pacientes necessitam de tratamento
adenomatosas. c acompanhamentO vitalícios"' " .
Avaliação o ftalmo lógica: todos os pacientes, especial- t\ melhora da tecnologia da ressonância nuclear mag-
mente aqueles com mac roadenomas (> l cm) devem rea- nética, os avanços na operação transesfenoidal e na
lizar campimetria para avaliação de comprometimento radio terapia estereotáxica (incluindo a radioterapia com
do quia ma ó ptico. bisturi gama) e os novos agentes terapêuticos melhora-
1nvescigação laboratorial: as caracte rísticas clínicas ram o trata mento do tumo r hipofisário. O s objetivos do
de apresentação dos adenom as hi pofisári os fu ncionais tratamento incluem a no rmalização do excesso de secre-
(p. ex., acromegalia, prolactinomas ou doença d e ção hipofisária e a dim inuição o u ablação das g randes
Cushing) devem g uia r os exam es laborato riais. o massas tumorais com alívio da compressão de estruturas

433
..

------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

adjacentes. A função residual da adenoipófise deve ser RADIOTERAPIA

preservada e, às vezes, pode ser restaurada por remoção i\ radioterapia pode ser usada como tratamento pri-
da massa tumoral. Idealmente, a recorrência do adenoma mário para massas hipofisiári as. e ntretanto, é mais
deve ser evitada. comumente empregada como complemento, aos trata-
mentos clinico e cirúrgico. A função da radioterapia no
tratamento do tumor hipo fisário depende de múltiplos
OPERAÇÃO TRANSESFENOIDAL
fatores, incluindo natureza do tumor, idade do paciente e
A ressecção transesfenoidal, mais do que a trans-
disponibi lidade de operação e radiação especializadas.
fro ntal, é a abo rdagem cirúrgica desejada para os tumo-
Devido à lentidão relativa do inicio da sua ação, a radio-
res hipofisários, exceto para a rara massa supra-selar
invasiva, adjacente à fos sa frontal ou média, aos nervos terapia geralmente é reservada para o pós-operatório.
ópticos, ou que penetra posteriormente atrás do clivo. Como adj uvante da operação, usa-se a radiação para tra-
A operação transes fenoidal também evita a invasão tar o tumor residual na tentati va de evitar o recrescimen-
craniana e a manipulação do tecido cerebral. Além da to. A irradiação oferece o único meio e ficaz de ablação
correção da hipersecreção hormonal, a o peração hipo- do tecido tumoral residual signi ficati vo, derivado de
fisária está indicada para lesões em massa que invadem tumores não-funcionantes. Os tecidos tumorais secreto-
as estruturas adjacentes. A descompressão e a ressec- res de prolactina, hormô nio do crescimento e hormônio
ção cirúrgica são necessárias para a massa hipo fisária adrenocorticotrófico também são receptivos ao trata-
em expansão, aco mpanhada por cefaléia persistente, mento clínico.
defeitos progressivos do campo visual, paralisias de
nervos cranianos, hidrocefalia interna e, ocasio nalmen- C LINICO
te, hemorragia hipofisária e apoplexia. O tratamento clínico dos tumores hipofisários é alta-
Os sinais pré-operatórios de compressão local,
mente específico e depende do tipo de tumor. Para os
incluindo os defeitos do campo visual ou o comprometi-
prolactinomas, os agonistas da doparnina são o tratamen-
mento da função hipo fisária podem ser revertidos pela
to de escolha. Para a acromegalia e os tumores secretores
operação, particularmente quando esses déficits não são
de hormônio tireotrófico, os análogos da somatostatina
de longa duração. Para tumores grandes e invasivos, é
e, ocasionalmente, os agonistas da dopamina são indica-
necessário determinar o equilíbrio ideal entre a ressecção
dos. Os tumores secretores de hormônio adrenocortico-
máxima do tumor e a preservação da função da adenoi-
trófico e os nâo-funcionantes, em geral, não são respon-
pófise, especialmente para preservar o crescimento e a
sivos à medicação e exigem operação e/ ou irradiação.
função reprodutora em pacientes mais jovens.
O uso pré-operatório de glicocorticóide está indicado
para aqueles pacientes com hipopituitarismo e com baixa Hipopituitarismo
resposta ao estímulo com hormônio adrenocortico trófi-
co, conforme discutido em tópicos anteriores' 5. Manifesta-se po r diminuição ou ausência de secreção
O tamanho do tumor e o grau de invasão determinam de um o u mais hormônios hipofisários. Os sinais e sinto-
em grande escala a incidência de complicações cirúrgicas. mas têm habitualmente aparecimento lento e insidioso,
A mortalidade operatória é cerca de 1%. O diabetes insí- dependendo da doença de base. Pode ser pri mário, quan-
pido transitório (cerca de dois dias de duração) e o hipo- do se trata de destruição da hipófise anterior, ou secun-
pituitarismo ocorrem em até 20% dos pacientes. O dia- dário, quando a lesão é hipotalâmica. A etiologia é varia-
betes insípido permanente, a lesão do nervo craniano, a da, mas sua identificação é de vital importância para
perfuração do septo nasal ou distúrbios visuais podem orientar o tratamento adequado. E ntre as causas podem
ser encontrados em até 10% dos pacientes. Fístula liquó- ser identi ficados defeitos no desenvolvimento e defeitos
rica ocorre em 4% dos pacientes'5·46• Uma forma transitó- estruturais, traumas (cirúrgicos, radiação, acidentes), neo-
ria de secreção inapropriada de hormônio antidiurético, plasias, inftltrações (hemocromatose, sarcoidose etc.)
com hiponatremia sintomática, ocorre em 10% dos lesões vasculares (apoplexia hipofisária), infecções, doen-
pacientes, cinco a 14 dias após a operação. ças imunológicas, iatrogenia e causas idiopáticas'5•

434
•••
Capítulo 35 .: Cirurgia no paciente com outras endocrinopatias

Sinais e sintomas Em homen s, recomenda-se o uso de e nantaro ou cipio -


nato de testosterona inttamuscular IOOmg a 200mg, a
As manifestações clínicas depe ndem de qu e hormô-
cada 14 a 21 dias. Atualmente, também é possível o uso
nios são perdidos e da extensão da deficiência hormonal.
d e testos terona gel. Para esp c rmatagênese, uti li za-se
O curso clássico d e desen volvimento do hipo piruitaris-
gonado trofina coriônica e menotro pinas.
mo é o desenvolvime nto inicial de deficiência de ho rmô-
nio do crescim ento c gonadotrofinas, seguido por defi-
ciência ele produção de hormônio tireotrófico e ho rmô- Tratamento perioperatório
nio adrenocorticottófico e, finalmente, ele prolactina. A
deficiência de hormô nio do crescimento ca usa distúrbio s O tratamento é realizado p o r meio da re posição d e
de crescimento em crianças e alteração da composição cada hormô nio que se e nco ntra abaixo do ideal. este
corpo ral e m adu ltos. A deficiência de gonadotro finas caso, a deficiência de h o rmô nio adrenocortico tró fico é
causa distúrbios menstruais e infertilidade em mulheres, tratada com glicocorticóides, como descrito anterior-
e diminuição da função sexual, infe rtilidad e e pe rda das me nte na seção insuficiê ncia ad renal; assim como a defi-
características sex uais em ho mens. A de ficiência de ho r- ciência de ho rmô nio ti reotró fico co m tiroxina, co nfo rme
mônio tircotrófico leva a atraso de crescimento em c rian- descrita no tópico hipoti reoidi smo .
ças e ca racterísticas de hipotireoidismo em ad ultos. A A reposição de glicocorticóides e de ho rmô nio tireoi-
deficiê ncia de h o rm ônio adre nocorti cotró fico leva à di ano e o controle d e possível diabetes insípido ão d e fun-
redução do cortisol, porém com prese rvação dos minera- damentaJ importância para uma o peração sem in te rcor-
loco rticóides. A deficiência de prolactina leva à incapaci- rências. É necessário cautela ao se prescrever ho rmô ni o
dade de amamentação. Quando as lesões en volvem os tireoidiano a paciente com baixa reserva de hormônio
tra tos hipofisários posterio res, p ode haver deficiência de adrcnocorticotrófico, po is o mesmo pode precipitar c rise
vasop ressina com poliúria e po lidipsia.
adre naJ. A reposição deve ser iniciada pelo s glicocorticói-
des, seguido pelo hormônio tireoidiano 1.z. D eve-se proce-
Diagnóstico de r no pré-operatório d estes pacientes com reposição de
hidrocortisona intravenosa 1OOmg, a cada seis ho ras. Nos
investigação da d efici ênci a ho rmo nal, inicialmen- do is dias seguintes, deve-se realizar d osagem de cortisol
te dc\'c- c definir se a doença é hipo fisária (insuficiê ncia
plasmático. Caso ele seja > IOj..t.g/dL em pacien te sem
secundária) ou conseqüente à lesão das glândula e timu-
intercorrências, recome nda-se a utili zação d e hidrocortiso-
ladas pelos hormônios da hipó fise, ou seja, gônadas,
na o ral 20mg pela manhã e l Omg à tarde (ou outro corti-
ti reóide c supra-renais (insuficiência primária) . D essa
côide co m equivalência de dose) .
forma, a propedê utica labo ratorial consiste em dosa r o s
horm ô ni os dos eixos hipófi se-tireóide (TS H , T4 li vre),
hipófisc-gonadal (hormônio luteini zantc, hormônio folí- Diabetes insípido
cul o esti mulante, cs tradio l e testosterona) e hipófisc-
adrc nai (hormô nio adre no co rtico trófico). O s d e mais Etiologia
ho rmô ni os hipofisários a sere m dosados são a pro lac tina,
o ho rmô nio d o crescimento (basal e após estímulo) c o A neuro-hipó fi se p ro du z dois hormônios: argtruna-
IGrl. T estostero na baixa é um indicador scnsh·cl de Yasopressina ou ho rmô nio an tidiurético e ocitocina. O
hipo pituitarismo tanto em ho me ns quanto em mulheres. hormô nio a ntidiurético a tua nos túbulos renais induzin-
A reposição de ho rmônios sexuais é fundamcm al do a retenção hídrica, o que au menta a concen tração da
para ho mens e mulhe res. a mulher o uso de estrógeno urina. Sua d eficiê ncia causa diabetes insípido, caracteriza-
previne a os teop o rosc e m antém as caracterí sticas do pela produção de grandes quantidades de urina dilui-
sexuais secundárias. Existem várias preparações de estró- da. P ode d ecorrer d e causas primárias, que corresponde
geno d ispo níveis, como o es tradiol o ral I mg/dia a a cerca de 1% a 2% dos casos, ou adqu iridas, q ue é o caso
2mg/d ia, associado à progesterona (medroxi proges te ro- da grande maio ria. As causas estão listadas abaixo:
na Smg/dia a 10mg/d ia, 10 dias do mês). Para ind ução • diabe tes insípido central: inabilidade em secretar e/ ou
de ovulação, preconiza-se o uso de citrato de clomifeno ''. sintetizar ho rmônio antidiurético;

435
••• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

• diabetes insípido nefrogênico: há resposta renal ina- o Quadro 35.12, destacam-se as diferenças entre
dequada à arginina-vasopressina; diabetes insípido e síndrome inapropriada de hormônio
• diabetes insípido transitório da gravidez: produzido antidiurético .
pelo metabolismo acelerado da arginina-vasopressina;
• polidipsia primária: há excessiva ingestão de líquidos, Quadro 35. 12 .: D iferenças entre diabetes insípido (Dl) c secreção
inapropriada de hormônio anticliurético (SI AO H)
sem excreção proporcional.
----------------------------------------------··
DI SIADH •
Etiologia J. sccreçào do ADH i liberação do ADH
Diagnóstico
Diurese > 30ml/kg/h
Urina
O início habitualmente é abrupto. O volume urinário Densidade < I .002
ultrapassa 50m1/Kg de peso corpo ral, com osmolalidade Sódio < 15mEq/ L > 20ml::q/ L
urinária < 200mmoi/Kg e densidade urinária < 1.005, Osmolalidade .J. i
com níveis de sódio plasmático > 143mEq/L. A poliúria Plasma Sódio i J.
resulta em polidipsia, enurese e/ ou nictúria. Os sinais clí- Osmolalidade i J.
nicos de desidratação são incomuns, a menos gue a Volcmia .!. inalterada ou i
ingestão hídrica seja reduzida48 52• •
··----------------------------------------------
Tratamento
Síndrome da produção inapropriada do
O tratamento depende da causa de base, como a
hormônio antidiurético
retirada de possíveis drogas que possam causar a secre-
Esra síndrome se caracteriza por hiponatremia euvolê- ção inapropriada de ho rmô nio antidiurético, e a ressec-
mica, com concentração urinária inapropriada. É impor- ção cirúrgica do tumor (pio r prognóstico). D evem-se
tante excluir outras causas de hiponatremia euvolêmica restringir líquidos, iniciar diu réticos de alça caso a
como hipotireoidismo e insuficiência adrenal. Geralmente osmolalidade plasmática seja muito baixa com necessi-
é um diagnóstico de exclusão. Produção ectópica de hor- dade de rápida correção. Nes tes casos, deve-se repor
mônio antidiurético é a causa mais comum de secreção ina- po tássio e magnésio via parenteral.
E m situações de eme rgência, com hi ponatremia
propriada de hormônio antidiurético e, quase sempre,
muito grave, deve-se administrar solução salina 3% , a
deve-se a carcinoma broncogênico de pequenas células.
velo cidade de O, 1 mL/ Kg/min 5• . Esta reposição deve
ser cautelosa, uma vez que pode p recipitar insu ficiên-
Critérios diagnósticos cia cardíaca e levar à mielinó lise ponti na. Algu mas dro-
gas podem ser utilizadas nos casos re fratários, como a
Na vigência de si nais e sintomas de intoxicação demeclociclina, 1g/dia a 2g/ dia, via oral. Esta droga
hídrica, deve-se medir o sódio sérico . Se ele estiver causa uma form a de diabetes insípido ne frogênico e
baixo, sem aumento na glicemia ou outros solutos, e o alterações na função renal. Carbonato de lítio pode ser
potássio também estiver baixo, deve-se excluir hipoti- utilizado, porém com doses muito altas e tóxicas.
reoidismo, insuficiência adrenal e utilizar crité rios para
definir secreção inapropriada de hormô nio antidiuréti-
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436
Capftulo 35 .: Cirurgia no paciente com outras endocrinopatias

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36
CIRURGIA NO
PACIENTE
HIPERTENSO

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Luiz Otávio Savassi Ro cha,
Guilherme Asmar Alencar

Introdução de que pudessem pre judicar a homeostase cardi ovascu-


lar peroperatória.
a primeira metade do século passado , um procedi- Por conseguinte, há 50 anos atrás, a posição elo clínico,
mento anestésico-cirúrgico de maio r vulto em paciente do ancstcsiologista c do cirurgião frente a um procedimen-
hi pertenso costumava des pertar grande temo r pelo fato
to anestésico-cirúrgico no paciente rupertenso era marcada
de se acompanhar de ex pressiva mo rbidade e de mo rta-
pela insegurança e por dupla preocupação: de um lado, a
lidade não-desprezível, máxime naqueles casos em que,
consciência do risco aumentado, em presença de ruperten-
ao lado da elevação das cifras tensionais, existia acome-
são não-controlada e, de outro lado, o receio de po síveis
timento dos chamados ó rgãos-alvo'.
complicações relacionadas co m os medicamentos utiliza-
Com o advento dos primeiros rupotensores - deriva-
elos para o controle das cifras tensionais.
dos da rruz da Rauwoljia serpmtina -, começaram a ser rela-
A partir, sobretudo, de uma série de estudos pionei-
tados efeitos adversos qua ndo seus usuários eram subme-
ros realizados po r P rys-Roberts et ai Y - os dois primei-
tidos a procedimentos ob anestesia geral . E m vista di so,
ros publicados em 1971-, passou-se a investigar, de
passou-se a recomendar a interrupção, ruas antes de qual-
fo rma sistemática, a ques tão do perio perató rio em
quer intervenção ci rúrgica, de drogas como a re erpina,
pelo receio de CJ LIC pudessem p rovocar bradicardia c hi pcrtensos tratados e não-tratado , ex plo rando-lhes o
hipotensão arterial pcroperatórias. a verdade, tais alte- perfi l hemodinâmico e com parando os resultados com
rações pareciam decorrer de outros fatOres, não ligados aguelcs observados em normotensos.
diretamente à droga (variações posicionrus, perda sangüí- A despeito de se detectarem falha metodológicas em
nea, manipulação cirúrgica etc.), embora pudessem tam- muitos dos trabalhos que versam sobre a matéria, a aná-
bém dever-se a do e excessivas dos anestésicos adminis- lise da li teratura acumulada nos três últimos decênios per-
trados por via inalatória, pois, como se demo nstrou expe- mite extrru r alguns preceitos, em bora suscite novos ques-
rimentalmente, a depleçâo, tanto central quanto periféri- tio namentos. Seja como for, parece que a flu tuação dos
ca, de noradrcnalina, induzida por simpaticol.íticos como parâmetros hemodinâmicos- c, provavelmente, a mor-
a reserpina, as ocia-se a signj ficativa red ução, dose- bidade ligada ao aro cirúrgico - é maio r nos hipcrtensos
dependente, na concentração aJ,·eolar mínima do não-tra tados, principalmente se coexistir acometimento
halotan0 1.1. urgiram, depois da reserpina, a mctilclopa c a significativo dos chamados ó rgãos-alvo (presença de
guanctidina, hipotensores mais potente em relação aos coro nariopatia, hipertrofia ventricular esquerda, depres-
quais passou a prevalecer a mesma reco mendação - ou são do estado contrátil do miocárdio, retinopatia, insufi-
seja, sua dcscontinuaçâo no pré-operató rio-, sob pena ciência renal, dano cerebral)1' 12 •

439
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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Aspectos fisiopatológicos propostas di versas estratégias para minimizar tais pertur-
bações, estratégias essas que têm em comum a tentativa
Hiperatividade simpática perioperatória
de bloquear a atividade ad renérgica exaltada.
Observa-se, em hipertensos não-controlados, respos- a medida em que se acompanha do aumento da
ta exagerada a estímulos que, habitualmente, provocam pressão arterial, do inotropismo e da freqüência cardíaca,
resposta rupertensora, em geral acompanhada de mani- o aumento do tônus simpático deter mina maior consu-
mo ele oxigênio pelo miocárd io, o que, sem dúvida, é pre-
festações de ruperatividade simpática, no perioperatório
judicial, mormente em presença de hipertrofia ventricu-
(hipertensão arterial aguda perioperatória). E ntre tais
lar esquerda e/ ou coronariopatia significativa. Convém,
estímulos, incluem-se a laringoscopia/ intubação traqueal
no entanto, lembrar que a ru peratividade simpática pode
e a incisão cirúrgica (Quadro 36.1). Por outro lado, não
ser acompanhada de efeitos benéficos insuspeitados 16 .
parece diferir muito da usual a resposta a esses estímulos
Assim, por paradoxal que à pri meira vista possa parecer,
por parte dos rupertensos bem-controlados.
a vasoconstrição coronariana adrenérgica, que ocorre
Quadro 36. 1 .: Estímulos gue podem provocar resposta hiperten- fisiologicamente durante o exercício físico - bem como
sora, no perioperacório'·'·"" durante as emoções e os reflexos barorreceptores - ,
----------------------------------------------··• garante a adequada perfusão da camada subendocárdica,
Laringoscopia/ intubaçào ttaqueal
pois, atuando principal mente nos vasos de pequeno cali-
l ncisão cirúrgica bre, promove distribuição uniforme e equilibrada do
Estemotomia fluxo sangüineo transmural na parede elo ventrículo
Anestesia superfic ial esquerelo 17 • É claro que, em alguns coronariopatas com
estenose aterosclerótica crítica excêntrica, a simples
Hipoxemia vasoconstrição adrenérgica pode aumentar o grau ele
obstrução no nível do segmento estenótico e ser deleté-
Hipercapnia
ria. E m se tratando de lesões relativamente fixas, no
Distensão vcsical
entanto, a constrição dos pequenos vasos nas camadas
Oampeamento da aorta
mais externas do ventrículo esquerdo, distalmente ao
Endarterecromia da carótida segmento estenótico, pode ser vantajosa, evitando o
Tnção mescntérica "roubo" transmural e propiciando perfusão adequada da
camada subendocárdica.
.__ ________ Tremor pós-operatório
Extubação Por conseguinte, o aumento do tô nus simpático impli-
Despertar da anestesia
ca, ao mesmo tempo, aumento do consumo de oxigênio

··---------------------------------------------- pelo miocárdio (efeito indesejável) e, por intermédio da
vasoconstrição coronariana adrenérgica, melhor irrigação
Ultimamente, têm recebido grande atenção as altera- da camada subendocárdica (efeito desejável). Ademais, é
ções circulatórias desencadeadas pela laringoscopia/ intu- notória a importância do simpático na manutenção da
bação traqueal, destacando-se a elevação, por vezes acen- homeostase circulatória frente à hipovolem.ia - secundária,
tuada, da pressão arterial média, acompanhada de taqui- por exemplo ao sangramento perioperatório -, a despeito
cardia e, não raramente, de arritmias carcüacas e evidên- dos problemas que possam advir da estimulação adrcnérgi-
cias de isquem.ia miocárdica. Parece existi r estreita corre- ca excessiva. Assim, como toda tentativa de adaptação, a
lação entre o aumento da concentração plasmática de hiperatividade simpática implica vantagens e desvantagens,
noradrenalina e a ab rupta elevação da pressão arterial - que devem ser cuidadosamente avaliadas a cada momento.
que dura, em geral, de cinco a 1O minutos -, indicando
hiperatividade simpática reflexa" . As perturbações
hemodinâm.icas desencadeadas pela laringoscopia/ intu- Auto-regulação do fluxo sangüíneo cerebral
bação traqueal são particularmente deletérias para os Sabe-se que, dentro de determinados limites (pressões
hipertensos, em especial para aqueles (cerca de 60%) arteriais médias entre 60mmHg e 150mm.Hg, no caso dos
com corona,riopatia associada. Assim sendo, têm sido normotensos), o fluxo sangüineo cerebral mantém-se

440
Capítulo 36 .: Cirurgia no paciente hipertenso

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constante em conseqüência da auto-regulação vasomotora, tentorial ou através do forame magno), com todas as suas
independentemente de estimulas neurogênicos 18 2Jl. Abaixo conseqüências. No entanto, é preciso lembrar que, se por
do limite inferior (pressão arterial média menor que um lado é urgente a necessidade de se reduzirem as cifras
60mmHg), o fluxo sangüíneo cerebral decresce por insufi- tensionais elevadas nesses casos, por outro lado não é
ciência da resposta vasodilatadora, embora possam não recomendável que, para atingir esse objetivo, sejam utili-
surgir de imediato manifestações ligadas à hipóxia cerebral, zadas drogas vasodilatadoras como a nifedipina e a hidra-
em razão da extração aumentada de oxigênio por parte do Jazina, por causa de seu efeito desfavorável sobre a pres-
tecido nervoso encefálico. Acima do limite superior (pres- são intracraniana e a pressão de perfusão. Devem ser pre-
são arterial média maior que 150mmHg), os vasos marca- feridos, para o controle da hipertensão arterial nessas cir-
damente contraídos podem tornar-se subitamente dilata- cunstâncias, os inibidores da enzima conversora da
dos, determinando hiperperfusão sob pressão elevada, angiotensina I, os bloqueadores dos receptores beta-
acompanhada de necrose fibrinóide da parede arteriolar, adrenérgicos e, talvez, os bloqueadores dos receptores
micro-hemorragias, rnicroinfartos e edema cerebral. a alfa-adrenérgicos, cujo uso não parece o ferecer riscos
realidade, o fator determinante dos limites da auto-regula- para o exercício pleno da auto-regulação cerebrai2Jl.2'.
ção é a pressão de perfusão cerebral (cujo valor é dado pela
diferença entre a pressão arterial média e a pressão intracra-
Pré-operatório
niana) e não propriamente a pressão arterial média; não
obstante, na ausência da hipertensão intracraniana, as varia- Avaliação clínica
ções da pressão de perfusão acompanham as variações da
pressão arterial. O aumento do risco anestésico-ci rúrgico em hiper-
tcnsos parece depender, basicamente, da presença de
os hipertensos crônicos, a auto-regulação do fl uxo
sangüíneo cerebral é preservada, mas os limites inferior e complicações em órgãos-alvo (coração, rim e sistema
nervoso central). o caso especifico da insuficiência
superior deslocam-se no sentido de valores mais altos de
coronariana, sua presença nem sempre é evidente no pré-
pressão arterial média (algo em torno de 11 O e
operatório, a menos que se realizem exames mais refina-
180mmHg, respectivamente). Isso equivale a dizer que o
dos (e, quase sempre, muito dispendiosos), capazes de
cérebro do hipertenso crônico tem maior dificuldade de
detectar alterações não evidenciadas pelo eletrocardio-
lidar com quedas abruptas da pressão arterial, tolerando
grama de repouso. Tais exames encontram-se listados no
melhor sua elevação. Destarte, hipertensos podem apre-
Quad ro 36.2.
sentar manifestações de isquemia cerebral quando sua
pressão arterial média cai a níveis que seriam bem tolera- Quadro 36.2. : Exames complementares empregados na avaliação
dos por normotensos; em contrapartida, normotensos da insuficiência coronariana22·''
com elevação súbita da pressão arterial (crianças com
glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica ou gestantes
Monitoração eletrocardiográfica ambulatorial (Holtcr)
com doença hipertensiva específica da gravidez) podem
desenvolver encefalopatia hipertensiva ao atingirem Cinrilografia miocárdica
níveis tensionais perfeitamente bem tolerados por hiper- Ecocardiograma durante infusão de dobutamina
tensos crônicos. Com o tratamento eficaz da hipertensão Coronariotomografia (por emissão de elétrons)
arterial, a curva de auto-regulação dos hipertensos pode Tomografia computadorizada por múltiplos detectores
voltar a exibir as mesmas características da curva de auto- Cineangiocoronariografia
regu lação dos no rmotensos. •
os pacientes com lesões expan sivas intracraníanas, a ··----------------------------------------------
auto-regulação do fluxo sangüíneo cerebral cosruma Durante a entrevista médica, é fundamental que se
estar seriamente prejudicada, de modo que picos hiper- faça meticuloso levantamento do uso de outras drogas
tensivos devem ser evitados a todo custo, visto que pro- além dos hipotenso res, como, por exemplo os digitáli-
movem elevação ai nda maior da pressão intracraniana e cos, que podem aumentar o risco perioperatório de arrit-
redução da pressão de perfusão, predispondo ao sofri- mias ventriculares ou de bloqueio atrioventricular, e a
mento cerebral e à herniação da massa encefálica (trans- amiodarona, antiarrítmico de meia-vida plasmática extre-

441
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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mamente longa, que po de provocar, no decurso da anes- Monitoração hemodinâmica invasiva
tesia geral, grave bradicardia resistente à atropina.
Reveste-se d e grande importância a ocorrência de Em hipertensos com reserva cardiovascul ar muito
infarto do miocá rdio (em especial se desacompanhado diminuicla, candidatos a intervenções cirúrgicas ele g ran-
de porte, uma questão que precisa ser d efinid a no pré-
de onda Q patológica) nos seis meses e, particularmente,
nos três meses que an tecedem o ato cirúrgico, pelo maior operatório diz respeito à necessidade ou não d e se indi-
risco de reinfarto no peroperatório e, em especial, no car a monitoração hemodinâmica invasiva com cateter-
pós-operatório imediato 25 • D eve ser enfatizado, porém, balão d e Swan-Ganz.
que tais pacientes não constituem grupo homogêneo, U til izado de for ma crescente há mais d e três decê-
estando o risco d e reinfarto mais diretamente ligado à sua nios, o cateter de Swan-Gan z possibilita a mensur;tção de
situação funcional, avaliada pelo teste de esfo rço e/ou importantes parâmetros hemodinâmicos, incluindo a
pela monitoração eletrocardiog ráfica ambulatorial pressão capilar pulmonar (que equivale à p ressão de
(Ho lter), do que, pro priamente, à idade do infarto do enchimento do vent rículo esquerdo, desde que não haja
m iocárdio prévio 26• O infarto pós-operatório costuma ser alteração significativa na complacência dessa câmara); a
indolor e acompanhar-se de expressiva mortalidade, pressão em artéria pulmo nar; as resistências vasculares
ocorrendo, sobretudo, nas primeiras 48 horas após a sistêmica e pulmonar; o débito cardíaco (métod o da ter-
o peração2'.28. Tal co nstatação contradiz observações modi luição). O uso d o referido cateter permite medir
anteriores, segu ndo as quais o pico de incidência do também, em amostras d e sa ngue retiradas da artéria pul-
infarto do miocárdio situar-se-ia um pouco mais adiante, m o nar, a pressão parcial de oxigênio venoso e a satura-
o u seja, no período compreendido entre o 3° e o 5° d ia ção de oxigênio venoso m isto. A partir dessas va ri áveis-
pós-operatório . A razão dessa discrepância parece residir ao lad o, evid entemen te, d a medida da taxa d e hemoglo-
na realização, mais di fu ndida atualmente, de traçados ele- bina, da saturação d a hemoglo bina no sangue arterial e
trocardiográficos seriados no pós-operatório imediato dos gases arteriais - pod e-se fazer completa avaliação d o
(prática recomendável em pacientes de alto risco, mesmo t ransporte e da uti lização do oxigênio, ele fundamental
se assintomáticos), ao lado d e determinações mais fre- importância no manuseio d e pacien tes em estado crítico.
qüentes dos níveis sangüíneos das en zimas (em especial Assim, em p resença de grave acometimento cardiovascu-
da CK-MB), possibilitando a detecção d e necrose mio- lar, o cateter em artéria pulmonar pode ajudar na tomada
cárd ica d esacompan hada de onda Q patológica 29 • de decisões importantes, como a escolha das drogas a
Impo rta assinalar que, na ausência d e sin tomatologia tipi- serem administradas e o ritmo ideal de infusão de Líqui-
ca, fala a favor de infarto pós-operatório a presença de dos no perioperatório.
hipotensão inexplicável, insuficiência ventricular esquer- No entanto, apesar d e todas as vantagens acima apon-
da, arritmias cardíacas e, em especial nos pacientes ido- tadas, são escassos os ensaios clínicos co n trolad os que
sos, alteração do estado mental (de/irium). demo nstram, d e fo rma inequívoca, que a cateterização da
Também os hipertensos com insufi ciência cardíaca artéria pulmonar associa-se à melhora do prognóstico, a
correm risco significativamente maio r no perioperató rio, não ser, talvez, em casos selecionados"'·11 ·"'. Ademais, as
devendo, na medida d o possível, ser cuidadosam ente complicações inerentes ao procedimento não podem ser
compensados no pré-operatório, durante período não negligenciadas, relacionand o-se seja com a pu nção de vaso
inferio r a uma semana. central (pneumotórax, hemotórax, embolia gasosa, lesão
Po de, eventualmente, ser necessária a investigação de do dueto to rácico), seja com a passagem do cateter (arrit-
causas de hipertensão secundária, quando da avaliação mias cardiacas), seja com sua permanência (tromboembo-
clínica pré-operatória de pacientes com hipertensão lismo p ulmo nar, ruptura da artéria pulmo nar, infecção,
arte rial grave, em especial se recém-diagnosticada. ruptura d o balonete etc.) "·12•
esses casos, impõe-se a pesquisa d e coarctação d a D estarte, para que o uso do cateter de Swan-Ganz
aorta, doença renal parenquimatosa, hipertensão reno- não se converta num mero (e perigoso) exercício lúdico,
vascular e hipertensão endócrina (sínclro mes ele hiper- é preciso que se tomem várias precauções. Algumas
mineralocorticismo e feocromocitoma). encontram-se listadas no Quad ro 36.3.

442
Capftulo 36 .: Cirurgia no paciente hipertenso

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Quadro 36. 3 .• Precauções no emprego do cateter de Swan- A julgar pelas publicações mais recentes sobre a maté-
' ria, parece que um período de abstinência de pelo menos
----------------------------------------------··• tjuatro a seis semanas (e, idealmente, de oito semanas ou
Identificar corrtt.unentr: os pacientes mais propensos a se beneficiarem mais) seria necessário para diminuir a incidência de com-
do seu uso (aqueles com coronariopatia grave, infano do miocárdio plicações pós-operatórias relacionadas ao ta bagismo"''.
recl'tltc e/ou cardíaca avançada, quando submetidos a
Alguns esn1dos sugerem que a simples redução no núme-
intel'\·enções de f,'1'30de pone)
ro de cigarros fumados não seria suficiente para se atin-
( )bscr\'ar cuidadosamente a;, técnicas de ucili7..açào
gir tal objetivo3;..l8.••. Por sua vez, outros estudos dão a
Colocar o cateter precocemente no curso de uma crise hemodinámica,
ou mesmo artes, como no caso específico do pré-operatório, c não entender que um período de absti nência de meno de
como última medida quatro semanas seria, paradoxalmente, mais deletério do
Ater se ao tempo necessário de monitoração, permancncta que a manutenção do tabagismo até a véspera do ato
prolongada cirúrgico, no que diz respeito à incidência de complica-
A v aliar os parâmetros passíveis de obtenção a curtos tntervalos de ções respiratóriasr·"''.
tempo c, a partir dos resultados obtidos, pronwncntc <>!I
vios observados

··---------------------------------------------- Indicação cirúrgica e estratégia pré-operat ória
Com base nos estudos realizados por Prys- Roberts et
Tabagismo e cirurgia ai! a partir de 1971, recomendava-se que os pacientes
hi pertensos tivessem adiada a operação até o controle
Um outro tópico que deve merecer atenção refere-se
dos níveis tensionais'. Atualmente, admite-se que, diante
às operações em hipertensos tabagistas, particularmente
dos avanços das técnicas ancstésicas c de monitoração
sujeitos às complicações perioperatória .
pcroperatória, pacientes hipcrtcnsos com pressão sistóli-
É sabido que a interrupção do hábito ele fumar por
ca menor que 180mml-1g e pressão diastólica menor que
período de 12 a 24 horas traz benefícios indiscutíveis ao
11 Omml-lg, na ausência de lesão de órgãos-alvo, podem
pacieme, pois se acompanha da eliminação do monóxido
ser operados sem aumento do risco de complicações car-
de carbono (importante veneno respiratório) e da nicoti-
diovasculares graves' 12.211.
na (alcalóide do tabaco, responsável pela tabaco-depen-
1 o que concerne ao paciente com pressão arterial
dência e pela liberação de catecolaminas enclógenas).
igual ou superior a 180x11 Omm llg, não existe consenso
Com efeito, a meia-viela de eliminação da carboxiemo-
sobre a melhor co nduta a er adotada. Assim, enquanto
globina varia de quatro horas em repouso até uma hora
alguns defendem o adiamento dos procedimentos cirúr-
durante exercício violento. Assim, após 12 horas de abs- gicos eletivos até o controle das cifras tensionais, outros
ti nência, observa-se a normalização da curva ele dissocia- acreditam que, na ausência de acometimento significati-
ção ela hemoglobina (desviada para a esquerda, sob efei- vo de órgãos-alvo, tal conduta não reduz o risco
to do monóxido de carbono), de modo a favorecer a libe- peroperatório9 12.2H.• z • .
ração de oxigênio para os tecidos. Por sua vez, a meia- D esde que não existam contra-indicações, os medica-
vida plasmática da nicotina inalada é da ordem de 30 a 60 mentos mais recomendados nos hipertensos não-contro-
minutos, o que garante sua eliminação após uma noite de lados, candidatos a operações de grande porte, são os
abstinência" . betabloqueadores, cujos benefícios no pcroperatório têm
sabido, também, tjue, no tocante ao aparelho respi- sido comprovados em pacientes de alto
ratório, a interrupção do tabagismo restabelece a função o caso específico dos hipertensos não-controlados,
ciliar, aumenta o clrarance das secreções traqueobrônqui- parece que o betabloqueadores, mesmo quando inicia-
cas, reduz a secreção de muco, diminui a obstrução das dos horas antes da operação, podem reduzir o risco de
vias aéreas e melhora a função imunológica. o entanto, isquemia miocárdica perioperatória e atenuar a flutuação
como tais benefícios não se fazem senti r da noite para o da pressão arterial (que, idealmente, não deveria variar
dia (como no ca o do monóxido de carbono e da nicoti- mai de 20% em relação ao seu valor basal)u. Além disso,
na), o tabagista deveria abandonar o hábito tempo diminuem o risco de fibrilação atrial pós-operatória.
antes do procedimento cirúrgico, para diminuir o risco Em relação aos hipertcnsos bem-controlados, a ten-
ele com plicações pulmonares perioperató rias. dência atual é manter a medicação hipotensora até à

443
• Fundamentos em Cllnica Cir úrgica

··------------------------------------------------------------
manhã da cirurgia, exceção feita, talvez, para os diuréti- O u o do citrato de fentanila (narcoanalgésico co m
cos (desde que não coexista insuficiência cardíaca con- efeitos mínimos sobre o sistema cardiovascular) pode ser
ges ti va), os inibido res da enzima co nversora da angio ten- bené fico na medida em que reduz a necessidade de dro-
sina (IECAs) e os antagonistas dos receptores AT -1 da gas (como os barbitúricos) tradicionalmente utilizadas
angiotensina li (ARAIIs). o caso dos diuréticos tiazfdi- para indução da anestesia, clirnin uindo o grau· de depres-
cos, seu e feito hipo tensor pode p rolo nga r-se por sema- são cardiovascular e o risco de hipotensão arteriaF·ll.
nas ou, eventualmente, meses após sua interrupção.
O manuseio dos IECAs e dos ARALis nos cand ida-
tos a tratamento cirúrgico é particularmente polêmico . Laringoscopia/intubação t raqueal
Alguns autores recomendam sua suspensão na manhã da Embora picos hipertensivos, acompanhados de evi-
operação (lECAs) ou, pelo menos, 24 horas antes dências de hiperatividade sim pática, possam ocorrer a
(ARAlls), pelo receio de que tais classes de anti-hiperten- qualquer momento durante a anestesia (especialmente
sivos possam promover episódios de hipotensão arterial em hipertensos não-contro lados), espera-se que essas
no peroperatório, com resposta inadequada à efedrina e manife rações coincidam, principalmente, com a larin-
à feniJe fedrina' II .<A.•q . Receia-se, também, que os lECAs goscopia/ intu bação traqueal, a incisão da pele, a extuba-
possam prejudicar a fu nção renal no pós-operatório' 9 • ção e o despe rtar da anestesia.
O utros au tores expressam opinião d ivergente, afir- Diversas estratégias têm sido preconizadas para ate-
mando que os IEC s poderiam beneficiar seus usuários, nuar a atividade adrenérgica exaltada que acompanha a
tanto no peroperatório, quanto no pós-opcratório-4s.su. 2• laringoscopia/ intubação traqueal. Essas estratégias estão
D efendem c1ue a suspensão desses medicamentos no listadas no Quadro 36.4.
pré-operatório poderia predispor a eventos isquêmicos
em presença de insuficiência cardiaca congestiva ou
Quadro 36.4. : Opções técnicas para reduzir a atividade adrené r-
infarto do miocárdio prévio. Ademais, sugerem que os
gica secundária à laringoscopia/ intubaçào traqucal em pacientes
l ECAs atenuariam a resposta simpática, protegendo o
hipertensos
coração contra a isquemia e as lesões de reperfusão e, até
mesmo, melhorando a filtração glomeru lar nos pacientes Anestt:sia tópica da omfaringe ------------------------- ·
submetidos a cirurgia cardíaca. Redução da duração da laringoscopia para menos de 15 segundos
Diante de tais controvérsias, fica a seguinte questão: Emprego da lidocalna endovenosa
não estaria o risco atribuido a essas drogas, na verdade, L'so, na indução da anestesia, do citrato de fentanila
associado às condições para as quai elas são pre critas? em procedimentos de curta duração, do alfemanil, morfi-
nomimético derivado do citrato de fentanila ''
lntubaçào traqueal rerrógrada
Controle perioperatório Uso, à guisa de pré-anestésica, do urapidil, dos beulblo-
queadores c da clonidina
Indução anestésica •
··----------------------------------------------
A ind ução da an estesia com drogas por via endoveno-
sa (tiopental, meto-hexital, diazepam, droperidol) acom-
A intubação traq ueal retrógrada deve ser reservada
panha-se de significativa red ução da pressão arterial, e fei-
para os casos de intu bação particularmente difícil
to particularmente indesejável em hipertensos com aco-
(pacientes com anc1uilose da articulação tem poromandi -
metimento de órgãos-al vo (como naqueles co m corona-
bular, artrite reu matóide grave, síndrome de Pierre-
riopatia obstrutiva associada, nos quais a perfusão mio-
Robin o u posição anterior exuema da lari nge) , no s quais
cárdica depende diretamente dos niveis tensio nais) 5•1'-1' .
se prevê a necessidade de laringoscopias repetidas, espe-
E m pacientes recebendo betabloqueado res, há evi-
cialmente danosas para os hipertensos com coronario-
dências de que a redução da pressão arterial associada à
patia associada. Utiliza-se cateter rad iopaco, introduzido
indução da anestesia é menos expressiva nos usuários do
na traquéia através da mem brana cricotireóidea, e dai
oxprenolol (betabloqueador com acentuada atividade
impulsio nado até à orofaringe e à boca (com auxilio da
simpaticornimética intrínseca) do que nos usuários do
laringoscopia di reta), o nde serve de guia para o rubo
labetalol ou do atenolol.

444
Capítulo 36 .: Cirurgia no pacie nte hipertenso

••
endotraqueal. A intubação traqueal retrógrada parece ção adrenérgica; assim, em presença de betabloqueio
pro mover menor elevação da pressão arterial e menos não-cardiosseleti vo, os recepto res betaz vasculares não
taquicardia quando comparada com múJtiplas laringos- podem ser estimulados, permitindo vasoconstrição alfa-
copias, o fe recendo vantagens sobre a intubação nasal adrenérgica intensa, sem oposição, acompa nhada de
"cega", o uso do laringoscópio de fibra óptica e a tra- hipertensão arterial e de aumento do risco de sangramen-
queostomia. Ademais, a técnica pode ser utilizada com to pós-operató rio . Uma forma de antago ni zar as pertur-
segurança mesmo em pacientes submetidos a f?yrpass car- bações hemodinârnicas relacionadas com a laringosco-
diopulmo nar, com risco de sangramento em conseqüên- pia/ intubação traqueal, restabelecendo a resposta simpá-
cia da heparinização, hiperfibrinólise, diluição dos fato- tica minutos depois (de forma a permitir melho r adapta-
res de coagulação e alteração da função plaquetá ria. ção à hipovolemia), sem o inconveniente (no caso de
O urapidil, hipotensor utilizado na Eu ropa há vários cirurgia cardiaca com circulação extracorpó rea) de hiper-
anos, é capaz de prevenir, quando administrado por via tensão arterial pós-operatória secundária à vasoconstri-
endovenosa, na dose de 0,6mglkg, 1O minutos antes da ção alfa-adrenérgica, seria a utilização de betabloqueador
indução anestésica, a elevação da pressão arterial relaciona- cardiosseletivo de ação ultra-rápida, como o esmolo!.
da à laringoscopia, sendo que uma dose adicional, ao final Administrada po r via endovenosa, em bolm, na dose
da operação, previne também o aumento das cifras tensio- média de 150mg, dois mi nutos antes da laringoscopia, a
nais, coincidente com o despertar da O urapi- droga tem-se mostrado eficaz no controle da taquicardia
dil possui ação central (diferente daquela da clo nidina, visto c, embora com eficácia va riável, também no controle da
não estarem envolvidos os receptores adrenérgicos alfa:iJ e hi pertensão arterial, ambas relacio nadas com o procedi-
ação vasodilatadora periférica decorrente, sobretudo, do mento. O esmolo! parece ser, com esse objetivo, superior
bloqueio dos receptores alfa 1 pós-sinápticos. Uma va nta- à lidocaína e ao citrato ele fentani la. Como a meia-viela
gem do urapidil sobre outros vasodilatadores, como o plasmática de eliminação dessa droga é de cerca ele nove
nitroprussiato de sódio, a nifedipina e a hidralazi na, pren- minutos - a do proprano lol é de cerca de três a cinco
de-se ao faro de seu uso poder ser e tendido aos pacientes horas, e a do nadolol de 14 a 48 horas -, seu efei to logo
com hipertensão intracraniana (e inadequação da auto- se dissipa, nada impedindo, po rém, que a droga seja
regulação vasomotora), pois não se acompanha de aumen- novamente administrada, no decurso da anestesia, com o
to do volume sangilineo cerebral, preservando a pressão de objeti,·o de antagonizar a hiperativiclacle adrenérgica
perfusão (o nitroprussiato de sódio, p. ex., se administrado secundária a estimulo o utros que não a lari'ngoscopia.
a pacientes neurocirúrgicos antes da aberrura da dura- A pré-medicação com clonidina (0,004mg/kg a
máter, pode provocar acréscimo adicional da pressão intra- l 0 1006mg/kg, po r via o ral, 90 a 120 minu tos antes da
craniana, com diminuição da pressão de perfusão e hernia- intervenção cirúrgica) parece ser relativamente segura e,
ção do conteúdo cerebral). mais que isso, vantajosa. Já à admissão no bloco cirúrgi-
A administração dos betabloqueadores, à gui sa de co, nota-se seu efeito sedati vo, que se reflete em ní veis
medicação pré-anestésica, pode minimizar as manifesta- mais baixos de pressão arterial c freqüência cardiaca.
ções de hiperati vidade simpática decorrentes da laringos- Observa-se substancial redução da resposta simpática
copia. E ntretanto, os betabloqueado res de meia-vida quando da laringosco pia/ intu bação traqueal e menor
plasmática mais longa contrapõem-se também às mani- oscilação dos níveis tcnsio nais no peroperatório, na
festações de hiperatividade simpática desencadeadas pela medida em que a d roga mostra-se capaz de nivelar a
superficiaJi zação do nível da anestesia e pela hipovole- seqüência de " picos" e "vales" da chamada "anestesia
mia. Adernai , no ca o da revascularização miocárdica, os alpina" (algu ns se referem à anestesia em hipertensos
betabloqueadores não-ca rdiosseletivos de ação mais com a exp ressão "anestesia alpina", pois a oscilação das
duradoura (como o propranolol e, sobretudo, o nadolol), cifras tensio nais costuma lembrar uma série alternada de
embora possam ser úteis na medida em que talvez dimi- " picos" e "vales''). A clo niclina reduz também a resposta
nuam o risco de infarto do miocárdio perioperató rio, adrenérgica no pós-operató rio imediato, incluindo o
podem trazer problemas no pós-operatório imediato. período em que o paciente é transferido para o centro de
Como se sabe, as horas que se seguem à circulação extra- tratamento intensivo o u a enfermaria, durante o qual ele
corpórea costumam acompanhar-se de intensa estimula- se mostra particularmente vulnerável, visto não estar

445

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mais tão atentamente monitorado quanto no peroperató- cárdio, são vasodilatadores. Ademais, se não corrigida
rio. Ademais, a clonidina diminui o tremor pós-operató- no pré-operatório, a hipocalemia secundária à diuretico-
rio e o tempo de duração da assistência ventilatória após terapia e agravada pela ventilação mecânica- hipocale-
o término da operação, já que dispensa, no peroperató- mia hipocápnica aguda- pode potencializar o efeito dos
rio, por seu efeito estabilizador hemodinâmico, o apro- relaxantes musculares, propiciar o aparecimento de
fundamento da anestesia com anestésicos voláteis e/ou arritmias cardíacas (máxime em pacientes digitalizados)
narcóticos em doses elevadas, como recurso para atenuar e acompanhar-se de elevada incidência de íleo pós-ope-
a resposta circulatória a estímulos vários. Assim, os bene- ratório. Por sua vez, os diuréticos que retêm potássio
fícios da pré-medicação com clonidina não se restringem (como a espironolactona, a amiJorida e o triantereno)
à proteção conferida durante a laringoscopia/intubação podem acentuar a hipercalemia induzida pela succinilco-
traqueal, mas se estendem ao período pós-operatório li na, mormente se coexjstir insufi ciência renal, trauma
imediato. No entanto, o uso da droga como pré-anesté- extenso, queimadura grave ou distúrbio neurológico
sico não é isento de riscos, impondo-se algumas precau- acompanhado de déficit motor.
ções no sentido de minimi zá-los. As doses dos anestési- A manutenção da anestesia geral pode ser obtida, no
cos e narcóticos devem ser reduzidas em 25% a 50%, a hipertenso, com as técnicas usuais, não se identificando
reposição volêmica deve ser iniciada antes da indução e, um agente anestésico específico (por via inalatória ou
ao f111al da anestesia, na fase de reaquecimento, a pressão endovenosa) que se ten ha mostrado particularmente
arterial deve ser cuidadosamente monitorada, tendo em vantajoso em relação aos demais. Mais importante que a
vista a possibilidade de hipotensão secundária à vasodiJa- escolha do agente anestésico é a identificação e corre-
tação periférica.
ção, no pré-operatório, de complicações como insufi-
ciência cardíaca, hipovolemia, arritmias, hipoxemia, dis-
Manutenção da anestesia geral túrbios eletroliticos e ácido-básicos, ao lado da cuidado-
sa monitoração peroperató ria dos dados vitais, com o
D e modo geral, surgem poucas complicações duran- auxilio de métodos não-invasivos (oximetria de pulso,
te intervenções cirúrgicas em hipertensos como resulta- capn ometria, eletrocardiograma) e, se for o caso, tam-
do da interação entre hipotensores e agen tes anestésicos. bém de métodos invasivos (cateter em artéria radial,
Importa, no entanto, lembrar que anestésicos inalatórios cateter de Swan-Ganz).
podem potencializar a b radicardia induzida pelos beta- Diversos estímulos pcropcratórios (esternotomia, tra-
bloqueadores, efeito reversível pela administração do ção mesentérica, endarterectomia da carótida, eletrocau-
glicopirrolato, um anticolinérgico sintético 7 ; além disso, terização etc.) podem provocar elevações transitórias da
nos pré-tratados com betabloqueado res, pode tornar-se pressão arterial. O aprofundamento do nível da anestesia
evidente o efeito inotrópico negativo da quetamina, em geral suprime essas elevações, mas apresenta incon-
anestésico não-barbitúrico que provoca um estado venientes, especialmente em pacientes com disfunção
conhecido como anestesia dissociativa e que costuma sistólica ventricular, pois os anestésicos, em sua maioria,
ser utilizado para breves procedimentos diagnós ticos e são depressores do miocárdi o. Além disso, o aprofunda-
terapêuticos que não requerem relaxamento muscular. mento do nível da anestesia retarda o despertar do
No que concerne aos antagonistas do cálcio, pode haver paciente e prolonga a depressão respiratória pós-opera-
a potencialização, por parte do halotano, do efeito tória. Por conseguinte, para manter melhor estabilidade
adverso do verapamiJ sobre a condução atrioventricular hemodinâmica peroperatória, preconizam-se estratégias
e, por parte da nifedipina, do efeito hipotensor do enf1 u- alternativas. As opções vão desde a já citada pré-medica-
rano e do isof1urano7·13• Em relação aos diuréticos, sua ção com clonidina, até a administração peroperatória de
manutenção até a data da intervenção cirúrgica pode tra- hipotensores de ação curta, como o nitroprussiato de
zer alguns problemas no perioperatório. A hipovolemia sódio, apesar da desvantagem, dependente do aumento
induzida por essas drogas pode provocar hipotensão da atividade de renina plasmática, da elevação da pressão
peroperatória, mo rmente nos pacientes medicados com arterial após sua reti rada abrupta (efeito rebote). Se asso-
halotano ou enflurano que, além de depressores do mio- ciados ao nitroprussiato de sódio, os betabloqueadores

446
Capít ulo 36 .: Cirurgia no paciente hipertenso

••
impedem tanto a elevação da atividade da renina plasmá- caso, a elevação dos níveis tensionais resulta, basicamen-
tica quanto a hipertensão rebote. te, da disfunção elos barorreceptores, podendo acompa-
nhar-se de evidente deterioração neurológica ou ele aci-
dente vascular encefálico p ós-operatório.
Anestesia regional Uma avaliação de 1.844 pacientes (58% deles com
hi tória de hipertensão prévia) revelou que 3,25% deles
O bloqueio lombar (Ts-Ls/ S 1) e mediororácico
(60 pacientes) desenvolveram hipertensão arterial no
(T4-T 1z), com anestésicos locais, costuma ser bem tole-
pós-operatório imediato (pressão sistólica acima ele
rado pelos hipertensos bem-controlados, com poucos
190mmHg e pressão diastólica acima de 1OOmmHg, em
efeitos adversos sobre seus parâmetros hemodinâmicos' .
pelo menos duas medidas consecutivas). A elevação dos
A pressão arterial experimenta redução, em geral, inferior
níveis tensionais ocorreu, em 85°/o dos casos, nos primei-
a 15°1(,, no caso do bloqueio lombar, e inferio r a 10% , no
ros 30 minutos após o término do ato cirúrgico e durou,
caso do bloqueio torácico. Ademais, a combinação de
em média, duas horas; em 13 pacientes durou três hora
anestesia superficial com bloqueio toracolombar tam-
ou mais, sendo que as compücações atribuíveis à niper-
bém costuma ser bem to lerada. No entanto, em hiper-
tensão restringiram-se a este grupo 1' . D eve, porém, ser
tensos não-tratados ou malcontrolados, o bloqueio epi-
ressaltado que a elevação pós-operatória da pressão arte-
dural pode acompanhar-se de acentuada hipotensão,
rial pode, eventualmente, ser bem mais tardia, ocorrendo
com queda da pressão sistólica superior a 50%, a po nto
somente 48 horas após o térm ino da operação; tal fato é
de tornar imperativo o uso de vasop ressores' . D eve ser
observado em especial após grandes operações abdo mi-
ressaltado que a presença de hipovolemia não detectada
nais, clevendci-se à mobilização de líquido a partir elo
no pré-operatório (e secundária, p. ex., à manutenção da
compartimento extravascular.
diureticoterapia até a data do procedimento cirú rgico)
E ntre as principais causas ele hipertensão arterial
pode agravar sobremaneira a hipotensão desencadeada
aguda pós-operatória, destacam-se: presença de dor; dis-
pelo bloqueio epidural.
tensão vesical (num estudo, o aumento médio da pressão
arterial foi ele 28/ 14mm l-lg) 1' ; despe rtar da anestesia;
Hipertensão arteri al induzida pelo torniquete hipoxemia; hipercapnia (PC0 2 > SOmmHg); reação ao
tubo endotraqueal; aspiração de secreções; excesso de
Como o própri o nome indica, a hipertensão arte rial infusão de líquidos; hipertensão rebote desencadeada
induzida pelo torniquete decorre do garroteamento pela prática ele hipotensão deliberada peroperatória;
dos membros dura nte operações ortopédicas e ainda hipotermia, acompanhada de vasoconstriçâo periférica e
não tem explicação plenamente convincente. Apesar tremores generalizados (ocasionando, além da hiperten-
de não se te r observado aumento dos níveis plasmáti- são arterial, aumento, em duas ou três vezes, do consu-
cos de no rad renalina, aven ta-se a hipótese de que a mo de oxigênio)' ;; estado confusional agudo (delirium),
estimulação mecânica do garroteamento sobre as fi bras acompanhado ele depressão do estado de consciência e
nociceptivas ele condução lenta (tipo C) possa aumen- agitação psicomotora (mais comum em idosos); e, final-
tar a atividade simpáti ca eferenre. A associação de mente, a chamada " síndrome de clescontinuação"
anestesia regional à geral, inalatória, atenua o efeito (Quadro 36.5) .
hipcrtensivo do ro rniquete. O tra tamento da hipertensão arterial aguda pós-ope-
ratória consiste, sempre que possível- e antes da prescri-
ção indiscriminada de hipotensores -, na remoção da(s)
Hipertensão aguda pós-operatória
causa(s) subjacente(s), o u seja, no aquecimento do
A hipertensão aguda que surge no pós-operatono paciente, no controle da dor, na correção da hipoxemia
imediato - tanto em hipertensos quanto em normoten- e/ ou hipercapnia, no alívio da distensão vesical. Não
sos, mas, sobretudo, naqueles - é mais comum após sendo possível o tratamento etiológico, ou no caso de a
determinados procedimentos cirúrgicos, como operação hipertensão prolongar-se por mais de três horas, impõe-
sobre a aorta, troca ela valva aó rtica, revascularização se o tratamento medicamentoso, na tentativa de se evi-
miocárdica e endarterectomia da carótida. o último tarem possíveis complicações ligadas à elevação da pres-

447
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

são arterial. Vários hipotensores, geralmente por v1a um súbito aumento dos níveis de catecolaminas circulan-
endovenosa, podem ser administrados, dependendo do tes e à ativação do sistema renina-angiotensina. No caso
contexto clinico: o labetalol (blogueador competitivo do propranolol, outros fato res poderiam contribuir,
dos receptores alfa e beta-adrenérgicos das arteríolas), a incluindo maior sensibilidade dos receptores às catecola-
hidralazina, a metildopa e o nitroprussiato de sódio. A minas endógenas e aumento do nú mero de receptores
hipertensão arterial aguda que surge no pós-operatório beta-adrenérgicos disponíveis.
de revascularização miocárdica responde a medidas A descontinuação da cloniclina acompanha-se de
como o bloqueio unilateral do gânglio estrelado, a anes- expressivo aumento da pressão arterial (ao lado de mani-
tesia epidural torácica, o bloqueio alfa-adrenérgico e a festações outras, como ansiedade, tremo res, náuseas,
infusão de nitroprussiato de sódio. A elevação dos níveis vômitos, insônia, cefaléia etc.); a descontinuação dos
tensionais após ritidectomia (liftini) aumenta o risco de betabloqueadores é seguida, sobretudo, de manifesta-
hematoma pós-operatório e pode ser evitada pela admi- ções de hiperatividade simpática, sendo menos expressi-
nistração da clorpromazina gue, além do efeito hipoten- va a elevação das cifras tensionais. Quando da associa-
sor, apresenta também propriedades sedativa e antiemé- ção da clonidina com betabloqueadores não-cardiossele-
tica. o caso da síndrome de descontinuação (que mere- tivos (como o propranolol), a descontinuação da cloni-
cerá comentário à parte), o melhor tratamento consiste dina e a manutenção do betabloqueador resulta em
na imediata reintrodução da droga que vinha sendo uti- manifestações cünicas mais exuberantes, visto que os
lizada no pré-operatório. alfa-receptores ficam sem oposição em virtude do blo-
queio dos betareceptorcs periféricos.
Quadro 36.5 .. Causas possfveis de hipertensão arterial aguda
No caso específico do pós-operatório, é possível
pós-operatória (embora infreqüente) a ocorrência da síndrome de des-
----------------------------------------------·· continuação, mesmo quando se administra a última dose
Dor pós-operatória malcontrolada do hipotensor na manhã da operação, uma vez que, 24 a
Distensão vcsical 72 ho ras depois (período em que habitualmente surgem
Despertar da anestesia as manifestações cünicas), pode não ter sido reinstituída
Hipoxernia a via oral. Em pacientes recebendo doses elevadas de clo-
Hipcrcapnia nidina no pré-operató rio (acima de 1,Omg/dia), mais
Reação ao tubo endorraqueal sujeitos a desenvolverem a síndrome, a necessidade de
Aspiraçio de secreçi)c:s reintrodução precoce da droga, por via oral, no pós-ope-
Excesso de infusão de liquidas ratório imediato, pode ser evitada, reduzindo-se cuidado-
Hipotc:nsio deliberada peroperatória samente, no pré-operató rio, a posologia da preparação
Resposta orgânica à hipotermia oral; pode-se também aplicar clonidina tópica, de com-
Dtliri""'• acompanhado de agitação psicomotora provada eficácia, mantendo-se a preparação oral por 48
Sfndrome de dcscontinuação ou privação horas, período necessário para que sejam atingidos níveis

··---------------------------------------------- terapêuticos pela via transdérmica. Nos usuários dos
betabloqueadores, a síndrome de desconti nuação pode
ser prevenida ou tratada, admi nistrando-os po r via endo-
A chamada síndrome de descontinuação ocorre numa venosa, a despeito das dificuldades de fazê-lo em pacien-
pequena porcentagem de hipertensos que param abrup- tes internados em enfermarias gerais. Importa assinalar,
tamente de tomar a medicação hipotensora. É dose-rela- porém, que parece haver alguma absorção dessas drogas
cionada e é mais comum em usuários de drogas antiadre- quando administradas por via oral, mesmo em presença
nérgicas de ação central predominante (como a clonidi- de íleo pós-operatório; ademais, parece que o proprano-
na) ou de betabloqueadores (como o propranolol), bem lol pode ser bem absorvido por via sublingual.
A despeito da possível ocorrência de hipertensão
como no caso de regimes combinados (cloniclina associa-
arterial aguda pós-operatória, o fato é que, por razões
da a betabloqueador). A síndrome ocorre, em geral, 24 a
não muito bem compreendidas, grande contingente de
72 horas após a interrupção do tratamento, devendo-se a
hipertensos crônicos experimenta redução espontânea

448
Capitulo 36 .: Cirurgia no paciente hipertenso

••
da pressão arterial -chegando, às vezes, a níveis de no r- anesthecic requirem ent (MA C). t\nesthcsio logy. 1968;29:11 53-8.
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motensão - nos dias subseqüentes a operações de gran-
relation ro hyp errensio n. l : Cardiovascular respo nses of trea-
de porte, não necessitando de tratamento até a al ta hos- rcel anel unrreareel patienrs. Br J Anaesth. 197 1;43: 122-37 .
pitalar, ou mesmo além dela, pois, eventualmente, o 5• Pr:•s-Roberrs C, G reene LT , .\1doche R, Foex P. 5rudies of
fenômeno pode persisti r por algumas semanas. anacsrhesia in relation ro hypertcnsio n. 11: H aemod ynamic
consequences o f inductio n anel endotrachcal intubation. Br J
i\naesrh. 197 1;43:531 -46.
Conclusões 6• Goldman L, Caldcra DL. Risks o f general a ncsrhesia and electi-
vc operatio n in the hypenensive patienl. Anesthesiology.
ão existe resposta categonca para todas as ques- 1979;50:285-92.
7• Prys- Ro berts C. A nesthetic managemcnt of the hypertensivc
tões relacionadas com o tema Cimrgia no paciente hipet1el1-
pacient. Acra Anaesth Belg. 1988;39:9-12.
so, pois o grande número de variáveis torna m uito difí- 8 o Ro izen MF. t\nesthetic implicacion o f concurrenr discases. In:
cil a realização ele ensaio controlados . Seja como fo r, liller RD, eel. Anesthesia. New York, Edinburg, London,
parece bem documentado que a flutuação perioperató- l\'lelbourne, T okyo: Churchill- Livingsrone, 1990:793-893.
9 o Fleisher LA. Preoperative e\·aluation o f the patiem with hyper-
ria dos parâmetros hemoclinâmicos é menos marcante
tcnsion. JA..c\ 1A. 2002;287:2043-6.
em hiperten sos adequadamente tratado s. Ademais, 1Oo Eagle KA, Berger PB, Calkins H, Chairrnan BR, E wy G ,\,
acredita-se que a maior estabilidade hemodinâmica Flcischm ann KE, er ai. ACC/ A H i\ guideline updarc on
perioperatória dimin ua a mo rbidade do ato anes tésico- perioperacive cardiovascular evaluation for noncardiac sur-
cirúrgico, particularmente em hipertensos com aco me- gery. A reporr o f thc American College of CardiolO!-,'Y /
American H ea rt i\ sso c iation Task Force o n Pracrice
timento de órgãos-alvo. Por conseguinte, é sempre
Guidelincs (Commirtce ro upclate rhe 1996 guidelines on
desejável um contro le ótimo da pressão ar terial no pré- perio peracivc cardiovascular evaluation for noncardiac sur-
operatório , devendo manter-se a medicação hipotenso- gery) 2002. Amcrican College of Cardio logy \XIeb site.
ra (exceção feita , talvez, para os diuréticos, os JECAs e Disponível no h rrp:/www.acc.org
os ARAIIs) até a data do procedim ento cirúrgico. Em li o l lalaszynski T.\1 , Juda R, Silvcrman DG. Optimizing posropera-
cive ourcomes with efficient preoperative assessmcnr and
hipertensos não-tratados, parece desnecessário adiar
managemenr. Crir Carc J\ led. 2004;32:576-586.
uma intervenção cirúrgica eletiva, desde que a pressão 12 • Howell 5J, 5ear j\X!, Foex P. l lyperrension, h yp ertensi\·e hcarr
arterial seja in fe ri o r a 180x 11 Om m Hg e que não haja elisease anel pcriopcrativc careliac risk. B r J t\naesth.
acometi mento expressivo de órgãos-alvo. o caso ele 2004;92:570-83.
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hi pertensão arte ria l aguda pós-operató ria, deve-se
1984;56:711 -24.
remover, sempre que possível, a(s) causa(s) desenca- 14 • Low JM, Harvey JT, Prys-Roberts C, D agnino J. Srud ics o f
deante(s), deixando para um segundo tempo, caso anacsthesia in rclation to h ypcrtension. V II : Aelrenergic rcs-
necessária, a administração de hipotensores. ponses to laryngoscopy. Br J 1\naesth. 1986;58:471-7.
Final mente, deve ser ressaltado que, tanto no perope- 15 • H e uscr O , G uggenbcrgcr l i, Frcrsch ner R. Ac ute blood prcssu-
re incrcasc during thc pcrioperative period. Am J Cardio l.
ratório quanto no pós-operatório imediato, em que pese
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todo o embasamento teórico a servir de diretriz, nada 16 • Ro izen J\IF. hould we ali have sympathecromy ar birth ? O r at
substitui a avaliação, momento a momento, do paciente, leasr prcoperati\·ely' ,\nesthcsiology. 1988;68:482-4.
visto que, não raramen te, suas reações são muito peculia- 17 • Feigl E O. Thc paraelox o f aclrenergic co ronarv vasoconsrricrion.
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450
37
CIRURGIA
NO PACIENTE COM
DOENÇA CARDÍACA

••
Christiano Gonçalves Araújo,
Antô nio Luiz Pi n ho Ribeiro

Introdução lar, diabetes mellitus, nefropatia, alcooli mo, tabagismo, pre-


sença de doença pulmonar obstrutiva crôruca, asma etc.)
os Estados nidos, estima-se que, a cada ano, em também devem ser pesqLúsados clinicamente, com a avalia-
torno de 27 milhões de pacientes sejam submetidos a ção do tempo de evolução e do acometimento de órgãos-
anestesia para operação não-cardíaca, dos quais aprox i- alvo' . Meclicamentos em uso pelo paciente, mesmo que
madamente o ito milhões possuem doença coronariana negligenciados por ele, devem ser conhecidos e avaliados
conhecida ou fato res de risco para a mesma'. E stima-se quanto ao rempo de uso e a dosagem, assim como relato de
que ocorram 50.000 infa rtos do rniocárclio e um milhão atopias ou possíveis alergias medicamentosas' .
de complicações cardiacas no perioperatório. Portanto é a anamnese, deve-se avaliar sempre a capacidade
essencial a realização da avaliação recente e objeti va do fu ncional do paciente. Considerando que há uma boa
estado clinico do paciente no pré-operatório, com o obje- correlação entre a capacidade física do indivíduo e o co n-
tivo de propo r medidas que diminuam esse risco a curto, sumo máximo de oxigênio o btido por meio do teste
médio e lo ngo prazo. ergométrico 4, o conhecimento da presença de sin tomas,
A avaliação clíruca pré-operatória visa, dentre outros, por exemplo aos es forços, poderia justificar necessidade
estimar o risco cardiovascular do paciente ao ser submeti- de realizar a avaliação fun cional do paciente por algum
do a proceclimento cirúrgico não-cardíaco. Ao invés de método complementar 15 . A capacidade funcion al pode
simplesmente liberar o paciente para a operação, a avaliação ser expressa em equi valentes metabólicos (MET - "meta-
pré-operatória do paoente carcliopata deve auxiliar na pre- bolic equit;a/enf); o consumo de oxigêruo de um homem
venção e no manejo das intercorrências e complicações que
de 40 anos e 70kg em repouso é de 3,5ml/kg/minuto, ou
possam acontecer no per ou pós-operatórid .l.
1MET. D este modo, a capacidade funcio nal pode ser
considerada excelente (> 1 OMET), boa (7-1OMET) ,
Exame clínico do paciente moderada (4-7MET), ruim (<4MET) o u ince rta.
Expressar a capacidade funcional em MET permite a
A anamnese é etapa fundamental no diagnóstico de comparação da condição carcliovascular obtida po r dife-
condições cardíacas e não-cardíacas que possam aumentar rentes protocolos de ergometria. Aclicionalmente, o fato
o risco anestésico-cirúrgico do paciente cardiopata. Assim, de o paciente ser capaz ele realizar, em sua vida co tidiana,
deve-se procurar identificar e caracterizar com cuidado a atividades físicas cujo consumo máximo de oxigênio é
presença de doença coronariana (relato de angina estável ou conhecido (Quadro 37.1) permite correlacionar a capaci-
instável, passado de infarto do miocárdio prévio), de insu- dade funcio nal ao teste ergométrico, auxiliando na defi ni-
ficiência cardíaca, de arritmias cardíacas sintomáticas, além ção do risco cirúrgico'·4 • D e modo geral, os riscos perope-
do uso de marcapasso ou desfibrilador. Fatores de risco ratório e pós operatório mecliato e tardio estão aumenta-
para doença carcliovascular e presença de conclições clirucas dos se o paciente é incapaz de realizar atividades que
associadas (p.ex. doença arterial periférica e cerebrovascu- demandem o equivalente a 4i\1ET na vida cotidiana'.

451
••• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 37. 1 .: Estimativa de consumo m áximo de oxigênio (em MET) para diferentes atividades habiwais
••
Atividades leves (MET) Atividades moderadas (MET) Atividad es vigorosas (MET) •
Escrever 1,7 Caminhar (5 km/h) 3,3 Dança de salão (r:ípida) 5,5

Cozinhar 2.0 Andar de bicicleta 0entamente) 3,5 Andar d e bicicleta (moderadamente) 5,7

T ocar flautll 2,0 Tocar bateria 3,8 Dança (aeróbica ou balé) 6,0
Tocar piano 2,3 Ginástica leve 4,0 T ênis (em dupla) 6,0
Jogar sinuca 2,4 Cuidar do jardim (sem carregar peso) 4,4 Karatê ou judô 6,5

Caminhar (3 km/ h) 2,5 adar lentamente 4,5 ubir ladeira sem ca rga 6,9
Tocar viQiino 2,6 Caminhar (6,5 mph) 4,5 Nadar rapidamente 7,0
Dança de salão 0enta) 2,9 Cortar madeira 4.9 ubir ladeira com carga de 5 kg 7,4
Jogar vôlei (não-competitivo) 2,9 ( I km em 6 min) 10,2
quash 12,1

••
Estimativa válida para atividade rc:ilizada co m imensidade habiru:1l e no plano, exceto nos casos cs pec1ficadus. \tEf 1ndJca C<J Uiva.lcmc mctahclhcu c cgwvalc ao co nsumo de
o'<igênio em repouso de 3,5 ml/kg/min. (Adaptado de Flctchcr GF. Excrci"c standards: a c;tatc mc:nl for hcal thcare profcsc;aonalc; frum thc \mc: rican Hean Associatio n.
Circulation. 200 I ;91 :58()..615.)

O exame fisico deve ser o mais completo possível,


..•
Quadro 37.2 .: Indicado res clínicos de co mplicações cardiovasculares
tendo atenção especial com a medida da pressão arterial ---------------------------------------------------
(avaliar sempre na posição sentada, supina e ortostática) e Predito res maiores
demais dados vitais; palpação dos pulsos arteriais; avaliação Doença coronanana rnstavel: tntarto do mrocafd1o agudo (ate sete
da pressão venosa jugular, hepatomegalia e edema; auscul- dias do evento) ou infarto do miocárdio recente (até 30 dias)
sem estratificação ou com isquemia residual significativa; angina
ta pulmonar e cardíaca minuciosa, valorizando a presença
instável ou estável grave (CCS lll e IV)
de ruídos adventícios, sopros e bulhas acessóriasl .
Insuficiência cardíaca congestiva descompcnsada
Arritmias graves, bloqueio átrio-ventricular de alto grau, arritmia
ventricular sintomática na presença de cardiopatia de base,
Indicadores clínicos de aumento arritmia supraventricular sem controle da resposta ventricular
do risco cardiovascular Pre dito res intermediários
Angina estável leve (CCS 1 e Il)
D eterminadas condições clínicas determinam o História de infarto miocárdio antigo ou presença de ondas Q
aumento do risco de complicações cardiovasculares patológicas
peroperatórias - infarto agudo do miocárdio, clisfunção Insuficiência cardlaca prévia ou compensada
Diabetu mtllitus principalmente insulino-dependente (considerar
ventricular, arritmias graves e óbito. Tais marcadores de
tempo de doença)
risco não são, entretanto, variáveis estáticas, dependendo Insuficiência renal (considerar grau e rempo de evolução)
do tempo de evolução e do grau de ati vidade da doença, Pre ditores m enores
da instabilidade clínica em que se encontra o paciente e Pacientes idosos
do grau de acometimento de pos íveis ó rgãos-alvo v..-. Alterações elettocardiográficas: sobrecarga vcnrricular esquerda,
E sses indicado res clínicos são classificados em três bloqueio de ramo esquerdo, alterações de segmentO ST e onda T
categorias e podem ser vistos no Quadro 37.2. Ritmo nào-sinusal
Capacidade funcional ruim (< 4ME1)
Ao considerar esses indicadores deve-se le\'ar em
Acidente vascular encefálico prévio
conta também a possível associação dos mesmos e, prin- Hipertensão arterial sistêmica sem controle
cipalmente, o risco de complicações cardiovasculares •
associado aos vários tipos de procedimentos não-cardía- ··---------------------------------------------------
cos. (Quad ro 37 .3)

452
• ••
Capítulo 37 .: Cirurgia no paciente com doença cardíaca

• Presença de pred.itores clínicos menores e capacida-


Quadro 37.3 .: Risco cardiovascular dos diferentes proceclimenros
de funcio nal estimada clinicamente su perior a
cirúrgicos
4MET, em paciente assin romático: não prosseguir
--------------------------------------------··
Alto risco cardiovascular (> 5%)
• com propedêutica, excetO se a capacidade funcio nal
• toS maiores em situaçlo de emetgêocia, estimada for ruim e o procedimento cirúrgico for
principalmente nos idoeos de alto risco;
Procedimentos vaac:ulares maiores, principalmente da aorta ou de
seus grandes I'8IIIOS
• ProcedimentO cirúrgico de baixo risco, em paciente
Proc:cdimcotoS cinírgicol de longa dunçio, II80Cildos a assintomático: em geral não é necessária propedêu-
considerável aanslocaçio de fluidos e/ ou saogramaltoa tica card.iovascular adicional.
Intermediário risco cardiovascular (entre 1% e 5%) Variáveis ergométricas associadas a risco significati-
Eodartaectomia de carócida vamente aumentado de eventos (< 4MET; alterações
Operaçio de cabeça e pescoço patológicas acentuadas do segmento ST ou angina, prin-
Operaçio intraperitooeal e intratoricica cipalmente se presentes em baixa carga de esfo rço; queda
Operaçio ortopbtica
ou resposta pressórica em platô) apresentam valor pred.i-
ç1o !jaca
tivo positivo de 5% a 25% para eventos maiores no pero-
Baixo risco cardiovascular (< 1%)
peratório. Caso esses fatores de risco estejam ausentes,
tos ClN!giCOS 6pic:ol
Procedimentos superficiais
observa-se valor preditivo negativo em torno de 95% 5•8•
Faccctomia (tratamento cinUgico de catarata) Propedêutica adicional (p.ex . cintilografia miocárdica,
Procedimentos cinUgicos das mamas ecocardiograma com ou sem estresse farmacológico,
cateterismo cardíaco etc.) deve ser realizada caso não seja
··-------------------------------------------- possível realizar medida objetiva da capacidade funcional
ou caso a avaliação ergométrica esteja alterada ou insufi-
ciente; principalmente em pacientes com vários marca-
dores de risco e/ o u a serem submetidos a procedimento
É importante o contato entre o cirurgião e o clinico cirúrgico As indicações específicas estão resu-
sempre que houver dúvida a respeito do procedimento a midas no Q uadro 37.4.
ser realizado c do melhor preparo pré-operatório.

Avaliação nas cardiopatias específicas


Avaliação propedêutica geral
Doença coronariana
r\ avaliação pré-operatória específica do paciente car-
diopata ou com suspeita de cardiopatia deve considerar o Em pacien tes que sabidamente apresentam doença
risco do procedimento cirúrgico proposto e os predito- coronariana (passado de infarto do miocárdio, história
res clinicos de risco já citados. Assim, sugere-se a seguin- pregressa de revascularização rniocárdica ou angioplastia,
te conduta clinica pré-operatória: cineangiocoro nariografia prévia com alterações) é funda-
• Presença de predi tores clinicos maiores: priorizar a mental avaliar se a doença está estável, se ela já fo i estra-
tificada clinicamente (em relação à isquemia resid ual, aos
estabilização clinica do paciente;
sintOmas e à função ventricular) e quando foi realizada a
• Presença de preditores clinicos intermediários e
última avaliação cardiológica. Se houve alguma m udança
procedimento cirúrgico de alto risco cardiovascular:
clinica na dependência do risco do procedimento cir úrgi-
realizar mensuração objetiva da capacidade funcio-
co e da capacidade funcional do paciente, deve-se decidi r
nal e continuar com propedêutica de acordo com sobre a necessidade de solicitar propedêutica adicional.
indicação clinica; Pacientes que tenham apenas fato res de risco sem
• Procedimento cirúrgico de risco intermediário e capa- doença coronariana podem ser submetidos a avaliação
cidade funcional, estimada pela anamnese, superior a usual confo rme já exposto . Contudo aqueles com mais
4MET, em paciente assintomático: não é necessário de três fato res ele risco e que não fazem atividades supe-
prosseguir com propedêutica; riores a 4MET em sua vida diária podem requerer avalia-

453
•• • Fundamentos em C línica Cirúrgica

Quad ro 37.4 .. Recomendações para o uso de métodos complementares na avaliação pré-operatória'


----------------------------------------------------------------------------------------------------------------··
Indicação Classe I (indicado) Classe lia (evidência Classe llb (evidência Classe 111 (não-indicado)
favorece indicação) questionável)

• Ecc; 12 • episódio recente de dor tori- • diabéticos assintomáricos • renscularização miocárdica • como teste de rotina em assin-
derivaçi'>e' cica ou equivalente 1squêmico pn!via tomáricos que serão submeti-
em pacientes de risco médio a • assintomáricos: dos a operação de baixo risco
alto que seri.o submetidos a homens > 45 anos ou
procedimento de risco médio mulheres > 55 anos, com
a alto dois ou ma.is fatores de risco
• admissão hospit:alar previa
por causa cardíaca

• avaliação pré-ope- • insuficiência cardíaca arual ou • msuficoêncoa cardíaca préVla ou • como teste de rouna na ausên-
rató na da função de controle pobre dospnéoa de """-"'m mdNcrmo- cia de onsuficiencia cardíaca
vcntncular nada

• tcne de esforço • avaliação diagnôsrica em • avaliação de capacodadc: de • avali:ação diagnóstic:a em • para o tl:l'tc de: esforço, uso
ou de estresse &r- pacientes com probabilidade esforço quando a avaliaç:lo pacientes com prob2bilidade para fins dia),'flósucos em
pn!-teste intermediária para subjetiva não é confiávd pré-teste baixa ou alta parn pacocnt<." cnm alteração
DAC DAC; de paciemes com infrn que unpe-
• avaliação prognósuca para ST < lmm, em uso de digital ça a análise do test<.:, como
DAC compro,·acla ou suspeira ou com critério para hipertro- slndromc de pré-excuaçãu,
• a,·aJiação de mudança de sltt/MJ fia ventricular esquerda ritmo de marcapasso, infra de
clinico • detecção de reestenosc em ST > I mm ou blcxtueio de
• demonstração de isquemia individuas assintomáticos de ramo esquerdo
miocárdica antes de revascula- alto risco nos meses iniciai' • ),>r.tvc que limite
após a angioplastia a cspcctativa de vid ,l ou a pos-
• a\'aliaçào da eficáaa da terapia \ ibilidadc de reva.sculanza çiio
rncxhca para0:\(. • rastreamento de rotina em
• a\'aliaçào prognó!;rica :após sln- ho mcn' ou mulheres sem
drome cororurwu do<.:nça coronanaru1
• im·esu),oaçào de ectopia ventri-
cular osolada tm·ens
• coronanogratia • pacocntcs com )),\C suspe•ra • múloplos marcadores de nsco • infano periopcratóno • opcraçào n.io- cardoaca de baoxo
OU dl:l!,'ll<lSUCada cUnoco ontcnnedia.no c opera- • angina classe 11 I ou I\' est..1boh nscu, I) \( <ahoda c ausênaa de
• C\'Kiêncms de alto nsco de des- ção \'ascular planctada (conSI- zada com c rcsuludo de alto "'co ao\
fecho adverso baseado nos derar testes nilo-tm·asl\·os pri- operação planejada de baL\O nàc)-m\·a,t\·c)\
nào-invas1vos meoro) nsco o u menor • assonwmauco após rensculari-
• não-rc.,ponsiva à tera- • região de osquem1a moderada taç.ío nuocJrdoca com
pia médica adequada ou grande ao teste nà<rin,·asi- tc capacodadc funcoona l
• angina instável, partic u1arn1t:n - vo m as sem caractcristicas de :-11'.'1).
oc para operação de risco inter- alto risco o u depressão da fra- o an!(ln:O lc\·c com boa fun-
mediário ou alo o ção de ejeção do vcntriculo ção \'Cntncular c ausência de
• resultados de oesocs não-iowasi- esquerdo rc,ultado de alto n\co aos testes
vos C(fUÍvocos e m pacientes • testes não-invasivos não diag- n,\o4

de alto risco clínico a serem nósticos em pacientes de risco • ol.io candod•to; para revasculan-
•ubm cudos a operação de clinico intermediário submeti- nçâo moocárdoca dc,xlo a doen-
alto nsco dos a operação de risco elevado ça médoca cuncomotantc, fração
• operação cardíaca Uf!,>entc na de ejeção < 20% ou recusa em
com·alescença do infarto. con<odcrar a rc\·asculanzaçào
• C.1nthdatn< a transplante de figa -
do, pulm ão <>u rim com mais
yuc 411 anos como pan e da a\"a-
haçào rotincirn, execro quando
tcstt.-"S não-in,·asivos rcvclan1
alto risco para desfecho adver;o

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
DAC -doença cnnmanana
de Ea)IIC ct ai.

454
Capítulo 37 .: Cirurgia no paciente com doença cardíaca

••
ção funcional antes de procedimento cirúrgico de inter- paciente estar betabloqueado (freqüência carcliaca entre
mediário a elevado risco. 55 e 60 bpm) no inicio do ato cirúrgico .
Caso haja necessidade de revascularização mjocárruca O uso de outras merucações tem meno r re:,paldo na
antes da operação não-cardíaca, as indicações são as mes- literatura, pois foram utilizados em estudos isolados e
mas já estabelecidas pela literatura9•10 e não mudam pelo com pequenas casuisticas. A nitroglicerina pode ser utili-
fato do paciente encontrar-se em pré-operatório. É impor- zada no peroperatório em pacientes com sinais ativos de
tante avaliar a estabilidade da doença coronariana e a pos- isqucmia c sem hipotensão'. As estatinas devem ser man-
sibilidade de adiar o procedimento cirúrgico não-cardíaco. tidas nos pacientes que apresentam indicação para seu
Pacientes que realizam revascularização mjocárruca no pré- uso c podem ser utilizadas com o intuito de proteção
operatório devem aguardar idealmente pelo menos 30 dias perioperatória em pacientes com doença coronariana (ou
após a mesma para serem submetidos ao outro procedi- com vários fatores de risco) e que serão submetidos a
mento. Pacientes que requeiram angioplastia no pré-opera- operação de grande porre''.
tório precisam aguardar pelo menos quatro semanas em O ácido acetiJsalicilico, quando utili zado em pacientes
caso de stents convencionais (tempo mínimo de uso da que já sofreram infarto ou acidente vascular encefálico,
não deve ser suspenso antes de pequenas operações.
associação ácido acetilsalicílico e clopidogrel e de risco ele-
Existem vários relatos de eventos causados pela suspen-
vado de trombose intra-stent "). Conn1do, não deve-se
são do ácido acetilsalicílico no pré-operatório. I os casos
aguardar mais do que oito semanas após o procedimento,
de revascularização miocárdica deve-se suspender o
pois esse é o período em que se inicia o risco da reesteno-
ácido acetilsalicilico apenas cinco dias antes do proceru-
se. Embora os dados sejam recentes, sugere-se aguardar
mento se o paciente esçá sem angina. Caso o paciente
pelo menos dois meses após uso de stents eluidos com dro-
esteja apresentando angina, a operação deve ser realizada
gas, devido à necessidade do uso de clopidogrel por tempo
com ele em uso da droga. Para operações em órgãos
mais prolongado'z.".
nobres em que a hemo rragia seria muito grave (cérebro,
Algumas medicações foram testadas no período
olho), deve-se suspender o ácido acetilsalicilico duas
perioperatório com ótimos resuJtados na prevenção de
semanas antes do procedimento.
eventos cardiovascularcs c são especialmente valiosas nos
pacientes com doença coronariana. D entre esses medica-
mentos, os bctabloqueadores constituem um dos mais Hipertensão arterial sistêmica
valiosos e devem ser utilizados nas seguintes situações:
Pacientes hipcrtenso devem estar controlados c ter seu
• pacientes com doença coronariana. E studos recen- esquema anti-rupertcnsivo mantido até o rua da operação.
tes evidenciam que mesmo em pacientes com a avaliação clinica pré-operatória, deve-se procurar iden-
isquemia le,·e a moderada (pela cintilografia mio- tificar sinais de acometimento de órgãos-alvo, doenças car-
cárdica ou pelo ecocardiograma de estresse), o uso ruovascuJares associadas c possíveis efeitos colaterais do
de betabloqueador se equivale ao emprego de uso de anti-hipertcnsivos (p.ex. hipocalemia)3.18.
medidas de revascularização, trazendo proteção
equivalente'·" ";
• pacientes que já utilizam betabloqueadores para Insuficiê ncia cardíaca
contro le de hiperten são arterial sistê mica ou História pregressa de sintomas compaúveis com insufi-
arri tmias; ciência cardiaca deve ser esclarecida, freqüentemente com
• pacientes com fatores de risco para doença corona- o uso do ecocat·diograma transtorácico para diagnosticar,
riana a serem submetidos a operações de interme- classificar c quantificar possível disfunção
diário ou al to risco cardiovascular. Pacientes estáveis c1ue já tenham o diagnóstico de insufi-
Embora os betabloqueadores mais utilizados nos ciência carcliaca c que tenham sua afecção idcnti fi cada,
estudos científicos tenham sido o ateno lol e o bisoprolol, quanto ao tipo c etiologia, prescindem da repetição da pro-
outros foram utilizados em estudos menores e não há pedêutica (p.ex., do ecocardiograma). Deve-se procurar,
preferência particular por nenh um deles. Podem ser ini- entretanto, fazer com que o paciente esteja euvolêmico
ciados sete a 14 dias antes do procedimento, devendo o (avaliar exame clínico e radiografia de tórax) e tenha sua

455
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

meclicação mantida no período pré-operatório. Pacientes de reconhecer e estratificar o risco de uma possível afecção
descompensados não devem ser submetidos a procecli- clinica subjacente, pois essa se associa mais freqüentemen-
mento cirúrgicos eletivos. te com complicações carcliovasculares peri-operatórias do
que a arritmia isoladamente. Arritmias graves (p.ex., blo-
queio átrio-ventricular avançado, arritmias ventriculares
Doença cardíaca valvular
sintomáticas e complexas) devem ser tratadas no pré-ope-
Na condução pré-operatória da doença cardiaca valvu- ratório. Nas arritmias crônicas (ex., fib rilação atrial), o mais
lar deve-se atentar para a realização de profilaxia antibióti- importante é manter a resposta ventricular controlada.
ca como já estabelecido na literatura3.zo. Dentre as valvulo- Pacientes com arritmia que necessitem de drogas anti-
patias que apresentam maior risco de complicações desta- arrítmicas (p.ex., amiodarona, betabloqueadores etc.) para
cam-se a estenose aórtica grave e sintomática e a estenose estabilização clinica devem manter o uso das mesmas e
mitral grave. controlar possíveis fatores precipitantes ou agravantes de
Pacientes com estenose mitral leve a moderada, para os fenômenos arrítmicos, como hipocalemia, hipoxemia e
quais não esteja indicada a correção cirúrgica, se benefi- aumento do intervalo QT. Pacientes selecionados devem
ciam do controle da freqüência cardiaca no pré-operató- fazer uso profilático de betabloqueadores, que reduzem a
rio, pois a taquicardia pode reduzir o período de enchi- incidência de arritmias no peroperatório 3.22.23. As inclicações
mento diastólico e levar a congestão pulmonar. Por outro para o marcapasso temporário são praticamente idênticas
lado, naqueles com insuficiência aórtica sem inclicação àquelas do implante do marcapasso permanente23 •
cirúrgica há benefício no aumento da freqüência cardiaca, Pacientes com clisrúrbios da condução intraventricular,
devendo-se evitar uso de medicações cronotrópicas nega- bloqueio bifascicular associado ou não a bloqueio átrio-
tivas. Nesta situação, o uso judicioso e inclividualizado de ventricular de 1°. grau não necessitam de implante de mar-
cliuréticos e de meclicamentos que climinuam a pós-carga capasso temporário na ausência de história de síncope ou
pode ser necessário, como nos casos de insuficiência bloqueio mais avançado, já que o risco de bloqueio perio-
mitral significativa não-cirúrgica. peratório é muito baixo3 • A inclicação do marcapasso tem-
Pacientes anticoagulados em decorrência do uso de porário incliscriminadamente em pacientes em uso de
prótese mecânica (ou biológica associada a fibrilação atrial) amiodarona não tem amparo na literatura méclica, sendo
e que vão se submeter a proceclimentos odontológicos ou que a amiodarona não está relacionada a complicações
cirúrgicos superficiais necessitam apenas de interrupção do perioperatórias maiores em cliferentes estudos, estando
anticoagulante oral três dias antes do procedimento, deven- inclusive inclicada na prevenção de fibrilação atrial em ope-
do retornar o uso logo após o mesmo. Naqueles pacientes ração cardiaca em pacientes com valvulopatia24•
submetidos a procedimentos cirúrgicos com maior risco de
sangramento ou em situações em que o risco de trom-
Portadores de desfibrilador e marcapasso cardíaco
boembolismo sem anticoagulação é elevado (p.ex. prótese
mecânica em posição mitral, prótese de Bjork-Shiley, trom- Diferentes interfe rências magnéticas e elétricas sobre
bose ou embolia recente da prótese, e três ou mais dos o funcionamento dos marcapassos e desfibriladores
seguintes critérios: presença de fibrilação atrial, embolia podem ocorrer durante a intervenção cirúrgica e podem
prévia em qualquer época, trombofilia, prótese mecânica e ser evitadas, pelo menos em parte. O uso do eletrocauté-
fração de ejeção inferior a 30%)3 é necessário suspender o rio durante a operação é a mais importante causa de inter-
anticoagulante oral cinco clias antes e substituir por hepari- ferência elétrica e potencial dano cardiaco. O uso do ele-
na. No período pré-operatório sugere-se manter heparina trocautério acarreta risco de inibição do marcapasso, de
de baixo peso molecular até 12 horas antes e heparina não- mudança de modos de estimulação, de aumento da fre-
fracionada até quatro a seis horas antes da operação3.20.2t . qüência cardiaca nagueles dispositivos dotados de biosen-
sor, de deflagração do desfibriJador e de dano muscular
Arritmias e distúrbios da condução na extremidade do cabo eletrodo, que pode levar a falhas
de captura ou de sensibilidade. O risco de complicações,
Na presença de arritmias ou disrúrbios da condução é entretanto, depende de inúmeros fatores, sendo maior se
fundamental a avaliação clinica cuidadosa, com o objetivo o eletrocautério é unipolar, se o marcapasso é unipolar, se

456
Capítulo 37 .: Cirurgia no paciente com doença cardíaca

••
há proximidade entre o eletrocautério e o sistema de esti- anestesia regional (raqui e periclural) seja superior à geral
mulação cardíaca e se a placa do cautério é colocada do em pacientes de alto risco cardiovascuJar'.27 •
lado contralateral ao uso do mesmo, de fo rma a favore-
cer que os dois campos elétricos se sobreponham.
Pacientes dependentes do marcapasso também são parti- Considerações sobre o peroperatório
cularmente susceptíveis a inibição do aparelho pela ativi-
o per e pós-operatório imediato, deve-se preocupar
dade elétrica do eletrocautério3•
especialmente com a ocorrência de infarto agudo do
Diversos cuidados devem ser tomados para se evitar as
miocárdio (principalmente infarto miocárdico sem
complicações e danos descritos acima. Uma avaliação com-
supraclesnivelamenro de segmento S1) e/ ou de arritmias.
pleta do sistema de estimuJação cardiaca deve ser feita por
lsquernia miocárdica nesse período é fator determinante
profissional especializado logo antes e após a operação. a
de mortalidade cirúrgica, em especial quando cursa de
visita inicial, devem ser determinados o grau de dependên-
fo rma silenciosa, ou seja sem dor. Alterações hemodinâ-
cia e os limiares de estimulação e sensibilidade. Recursos
micas inesperadas ajudam na suspeita dessa complicação.
especiais, como a resposta de freqüência cardiaca mediada
por sensores e a função de desfibrilação dos desfibriladores o entanto, deve-se procurá-la também ativamente em
implantáveis devem ser temporariamente desligados antes pacientes com indicadores clinicas maiores e intermediá-
do procedimento, sendo restabelecidos no pós-operatório. rios que vão se submeter a procedimentos cirúrgicos
Em pacientes dependentes do marcapasso, este deve ser com risco cardiovascular alto ou in termediário. A melhor
programado para manter-se sem sensibilidade durante o estratégia parece ser a realização de eletrocardiograma
procedimento cirúrgico, em modo de estimulação VOO, basal no pós-operatório imediato e diariamente nos dois
de forma a impedir longos períodos de assistolia que pode- primeiros dias de pós-operatório. Em casos duvidosos,
riam advir do uso prolongado do eletrocautério. Sempre o deve-se solicitar dosagem de troponina sérica, pois as
mais distante possível do gerador, o uso do cautério deve dosagens de CK-total e CK-MB apresentam altas taxas
ser restrito ao mínimo e por períodos curtos, já que a moni- ele resultados fa1so-positivos 3.z•.zs.2'! .
torização eletrocardiográfica também pode ficar prejudica- A ocorrência de arritmias no per e pós-operatório é
da. O sistema de estimuJação deve ser revisto no pós-ope- relativamente comum e usualmente deve-se a dor, infec-
ratório imediata' . ção, hipo tensão, hipoxemia e alterações metabólicas ou
hidroeletroliticas. An tes de se optar pela carclioversào
elétrica ou química, ou pelo uso prolo ngado de medica-
Terapêutica pré-operatória ções anti-arrítmicas, eleve-se avaliar a presença de reper-
O uso ele betabloqueadores e de outras drogas, e a cussão clinica, definir o tipo da arritmia mas, principal-
revascularização miocárclica pré-operatória já foram mente, corrigir os possíveis fatores precipitantes'-'0 -1. Em
comentados anteriormente. Embora não haja subsídio pacientes selecionados deve-se utilizar betabloqueado-
na literatura que comprove diminuição ela mortalidade, a res profi laticamente.
realização de preparo pré-operatório em CTT com ou
sem uso elo cateter de Swan-Ganz (cateter ele artéria pul-
monar) é outra medida que pode ser utilizada em casos
Conclusão
selecionados de alto risco cardiovascuJar.z<>•. A avaliação clinica pré-operarona deve procurar
identificar e estratificar as comorbidades presentes, com
Considerações sobre a anestesia atenção especial aos indicadores clínicos (maiores e
intermediários) e ao risco cirúrgico do procedimento
De modo geral, tanto a escolha ela anestesia quanto da proposto. A prevenção de complicações como uso ele
melhor monitorização perioperatória fica a cargo da equipe betabloqueadores deve ser feita nos casos indicados,
responsável pela anestesia. Todas as técnicas anestésicas enquanto a revascularização miocárdica eleve ser realiza-
têm influência na hemoclinârnica elo paciente, com reper- da apenas nos casos em que este procedimento se mos-
cussões diretas e indiretas no sistema cardiovascular, não tra necessário independentemente da indicação da ope-
existindo técnica anestésica ideal. Não há evidências de que ração não-cardiaca.

457

••
Fundament os em Clínica Cir úrgica

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Capítulo 37 .: Cirurgia no paciente com doença cardlaca

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459
38
CIRURGIA
NO PACIENTE
COM DOENÇA PULMONAR

••
Valéria Maria A ugusto, Frederico Ozanan de Fúccio,
Thiago Augusto N eves

Introdução reduzida em 50% a 60% e a capacidade residual funcio-


nal, em aproximadamente 30%. A redução máxima
As complicações pulmonares contribuem significati-
observada nessas variáveis ocorre no primeiro e segundo
vamente para a mo rbimortalidade pós-operatória. A ava-
dia pós-operatório, havendo retorno gradual aos valores
liação clínica pré-operatória tem sido classicamente dire-
cionada na busca de fatores de risco para complicações pré-operatórios a partir elo quinto dia. A disfunção do
cardiacas. E ntretanto, estas são raras em pacientes rugi- djafragma pelo trauma cirúrgico parece ser o principal
dos, sendo mais co muns num grupo selecio nado de fator responsável por essas alterações, mas a dor e a imo-
pacientes e quando submetidos a proced imentos de alto bilização, comuns no pós-operatório, são também cau-
risco. Estudo realizado em 2.291 pacientes submetidos a sas importantes. Observa-se ainda diminuição elo volu-
laparotomias eletivas demonstrou que as complicações me corrente e perda transitória elo suspiro, que são com-
pulmonares fo ram significativamente mais freqüentes pensadas por aumento na freqüência respiratória, man-
do que as complicações cardiacas e estiveram associadas
tendo assim a relação ventilação/ minuto. Nas operações
a tempo consideravelmente maior de internação 1• Além
de cabeça e pescoço, a inibição ela tosse e a disfunção elo
disso, pacientes tabagis tas freqüentemente consideram
sistema mucociliar são fatores preclispo nentes importan-
no rmal apresentar sintomas respirató rios, e, muitas
vezes, apresentam doença pulmonar obstrutiva crônica tes para o surgimento de compLicações. O efeito residual
não-diagnosticada até o momento da indicação de algum da anestesia e os narcóticos administrados no pós-opera-
procedimen to cirúrgico. E m operações não-cardíacas, tó rio podem provocar depressão do centro respiratório.
portanto, o foco primário de atenção para as complica- A repercussão das operações abdominais baixas na fun-
ções não-cirúrgicas deve ser o pulmão, e não o sistema ção respiratória é semelhante, po rém numa escala
cardiovascular, como é prática habituaJI.2. meno r. Habitualmente, não há modificação elas variáveis
As complicações pós-operato n as pulmo nares pulmo nares em operações de extremidades 1 " .
incluem atelectasia, infecção pulmo nar - que, por sua
Como os pacientes com doença pulmonar apresen-
vez, inclui bronquite e exacerbação da doença pulmonar
tam função ventilató ria já compro metida, as complica-
obstrutiva crônica - , tempo prolongado de ventilação
mecânica, insuficiência respiratória e broncoespasmo. ções pulmonares perioperató rias podem evoluir mal e
D eve-se saber diferenciá-las das respostas fisiológicas do apresentar mau p rognóstico. É necessário identificar os
pulmão ao ato cirúrgico. fatores preclitivos ele risco para essas complicações no
Nas operações torácicas e abdominais superiores, o perioperatório, para intervir preventivamente e minimi-
volume expiratório final di minui, a capacidade vital fica zar esse risco.

461
•• • Fundament os em Clínica Cir úrgica

Fatores de risco para 12,8% para os fumantes prévios e de 22,0% para os


fumantes ativos; o risco relativo ajustado foi de 4,2.
complicações pulmonares
Nesse estudo, os fumantes ativos que relataram red ução
Os fatores de risco para complicações pulmonares do número de cigarros diários antes do ato cirúrgico tive-
podem estar relacionados ao paciente ou ao procedimen- ram risco ainda maior para complicações pulmonares' 2•
to anestésico-cirúrgico.
Classi(tcação anestesiológica (ASA)
Relacionados ao paciente
Pacientes classificados como ASA maior ou igual a
Doença pulmonar obstrutiva crônica três apresentam risco relativo entre 1,5 e 3,2 para compli-
cações pulmonares pós-operatórias 2•
É o fator de risco isolado mais importante para o
desenvolvimento de complicações pulmonares no pós-
operatório. Em diferentes estudos, pacientes com doen- Obesidade
ça pulmonar obstrutiva crônica apresentaram risco rela- Vários estudos envolve ndo grande número de
tivo que variou de 2,7 a 6,0 2•7•8 • pacientes avaliaram se a obesidade constituía fator de
risco para complicações pulmonares pós-operatórias;
Asma seus resultados foram contraditórios. Uma compilação
de seis estudos, totalizando 4.526 pacientes, concluiu que
Apesar dos relatos anteriores de maior número de o risco de complicações pulmonares foi idêntico em obe-
complicações pós-operatórias, os asmáticos, quando sos e não-obesos. Apesar da controvérsia, interpretação
bem controlados (sem sibilos no exame físico, sem tosse ponderada da literatura sugere que a obesidade não-mór-
etc.) e com pico de fluxo maior que 80% do esperado, bida é fator de risco isolado para complicações pulmona-
possuem risco relativo igual ao de não-asmáticos. Em res. As discrepâncias são provavelmente fru to da não-
estudo publicado em 1996 pela Clin.ica Mayo, entre 706 distinção por alguns estudos dos casos de obesidade iso-
pacientes asmáticos operados, a incidência de broncoes- lada e daqueles com suas comorbidades 2•
pasmo perioperatório foi de 1,7% (12 casos). Houve dois Pacientes obesos mórbidos com apnéia obstrutiva do
casos de laringoespasmo dos quais, apenas um evoluiu sono parecem apresentar maior risco de h.ipercapnia e
para insuficiência respiratória, sem apresentar seqüelas. h.ipoxemia, além de maior risco de transferência para uni-
Não houve mortes. Nos 14 casos complicados, os fato- dade de tratamento intensivo.
res de risco identificados foram idade avançada e doença
ativa, com uso recente de broncodilatadores9 •
Idade
É também questão controversa. Estudos recentes suge-
Tabagismo
rem aumento do risco de complicações pulmonares em
Fumantes têm risco aumentado para complicações idosos. Estes estudos, porém, não foram ajustados para o
pulmonares pós-operatórias, mesmo na ausência de estado de saúde ou a presença de doença pulmonar prévia
doença pulmonar obstrutiva crônica"'. Fumantes de mais e, portanto, não conseguiram demonstrar se a idade cons-
de 20 anos-maço possuem r isco maior do que aqueles titui realmente fator de risco isolado para essas complica-
com menos de 20 anos-maço'' . Por si só, o tabagismo ções. Estudos ajustados têm demonstrado que a idade não
acarreta h.iperatividade brônquica e aumento da secreção é fator de risco isolado para complicações pulmonares' ·"·'•.
pulmonar, inflamações de vias aéreas e aumento do volu-
me de fechamento do espaço alveolopulmonar. Estudo Infecção virótica das vias aéreas
americano, publicado em 1998, avaliou 41 O pacientes
submetidos a procedimentos cirúrgicos não-cardíacos Embora não seja fator proibitivo, é razoável o adia-
eletivos e observou índice não-ajustado de complicações mento de procedimento cirúrgico eletivo durante episó-
pulmonares de 4,9% para os que nunca fumaram, de dio de infecção virótica das vias aéreas.

462
Capítulo 38 .: Cirurgia no paciente com doença pulmonar

••
Fatores metabólicos narcs pós-operatórias21 .2 1.2•. E sn1do envolvendo 520 pacien-
Em estudo envolvendo 81.719 pacientes, valor de albu- tes mostrou incidência de 8% ele pneumonia após procedi-
mina é rica menor que 3g/dL e de uréia maior que 1,5 vez mentos com duração meno r do que duas horas c de 40%
o limite mhimo foram preditivos de insuficiência respira- após procedimentos com duração maio r do que quatro
tória aguda no pós-operatório 11 . horas. Em uma série de 59 pacientes com doença pulmo-
nar obstrutiva crô nica grave, a incidência de complicações
pulmonares foi de 4% após proced imentos com duração
Relacionados ao procedimento
menor do gue uma hora, 23'Yo após procedimentOs com
anest ésico-cirúrgico
duração entre uma e duas horas, 48% após procedimentos
Sítio cirúrgico com duração de duas a guatro horas c 73% após procedi-
mentos com duração superior a quatro horas22.
O local da operação é o faror predirivo mais importan-
te do risco de complicações pulmonares no pós-operató-
rio. A incidência dessas complicações é inversamente pro- Tipo de anestesia
porcional à distância entre o diafragma e a incisão.
Portanto, o risco é maior nos procedimentos torácicos e Estudos mais antigos compararam procedimentos
abdominais superiores"·'"·''. A freqüência de complicaçôes cirúrgicos realizados sob anestesia ge ral c sob rag uianes-
pulmo nares pós-operatórias após procedimentos cirúrgi- tesia ou peridural c não evidenciaram diferença significa-
cos no andar superior do abdome varia de 17% a 76%; ti va na incidência das complicações pulmonares 16.m5 •
após procedimentos torácicos, de 19% a 59% e após ope- Vá rios ou tros, po rém, mostra ram aumento significativo
rações no andar inferio r do abdome, de 0% a 5% 1K. no número de mortes e na freqüência de complicações
Operações neurológicas e de cabeça e pescoço associam-se pulmonares c1uando foi usada a ane tesia geraf•.2,.,.8 •
especialmente à pneumonia por broncoaspiração. Agentes inalatórios uóli zados na anestesia geral reduzem
a motilidade mucociliar e propiciam a retenção de secre-
ção bronco-pulmonar. Q uanto maior o tempo anestési-
Abordagem laparoscópica versus laparotômica
co, maior é o risco de complicações respiratórias. r\
Em estudo comparativo de pacientes submetidos a maior revisão literária sistemática sobre o tema a\'aliou
colecistectomias laparotôrnicas e a colecistectornias lapa- 141 estudos, com um total de 9.559 pacientes. r\ concl u-
roscópicas observou-se gue, seis horas após os procedi- são foi de gue os procedimentos sob raquianestesia ou
mentos, ambos os grupos apresentaram parâmetros respi- anestesia peridural estiveram associados a risco meno r de
ratórios em média 40% a 50% piores do que no pré-opera- complicações pulmonares: redução de 39% no risco de
tório. O grupo submetido à laparotornia, entretanto, apre- pneumo nia, 59% no risco de depressão res piratória e
sentou parâmetros espirométricos signjficativamcnte mais
44% no risco de tromboembolismo p ulmonar
alterados e necessitou de maior tempo para a recuperação
(p < 0,001/ 9 . Pode-se, a partir desses estudos, conclui r
dos parâmetros fisiológicos. Essa variação foi notada prin-
que, nos pacientes com doença pulmonar, o bloqueio
cipalmente nos pacientes com doença pulmonar obstruriva
neuroaxial deve substituir a anestesia geral sempre que
crônica ou com insuficiência cardíaca conge tiva. O grupo
submetido a colecistecrornia laparoscópica apresentou possível. O s bloqueios de nervos periféricos :tssociam-se
menor fregüência de complicaçõe pulmonares pós-opcra- com risco ainda menor de complicações pulmonares.
tórias••)J . As laparotornias longitudinais estiveram associa-
das a maior índice de complicações respiratórias do que as Bloqueadores neuromusculares
laparotomia transversas'-.2'.
O pancurônio, um bloqueador neuro muscular de
longa duração de ação, leva a incidência maio r de bloqueio
Duração do procedimento
neuromuscular residual (26%), que resul ta em ocorrência
ProcedimentOs com duração superior a três ou quatro maior de complicações pulmonares (16,9%), em compara-
horas são associados a maior risco de complicações pulmo- ção ao uso ele vecurô nio ou atracúrio

463
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Fração inspirada de oxigênio rumam considerá-los normais. Ao avaliar o paciente no pré-


operatório, o clinico não é mais a9ude responsável por libe-
A administração de frações inspiradas excessivas de rá-lo ou não para a operação. O clinico, internisra ou pneu-
oxigênio pode levar à piora das trocas gasosas e à hiper- mologista devem identificar e preparar o paciente com
carbia nos pacientes com doença pulmonar obstruri va doença puJmonar, redefinindo problemas e orientando con-
crônica. Na abordagem dessa doença, o objetivo é man- dutas para o pré, per c pós-operatório, com a finalidade de
ter a saturação da hemoglobina acima de 90%, o que sig- minimizar riscos e complicaçõesn.
nifica P0 2 superior a 60mmHg. Como o paciente com
doença pulmonar obstrutiva crônica grave, que apresen- Quadro 38. 1 .: Fatores de risco para complicações pulmonares
ta hipercarbia em condições basais, pode ter o centro res- pós-opcra1órias
piratório menos sensível às frações elevadas de COz, seu
estimulo principal à ventilação e à hiperventilação pas a
----------------------------------------------··
Fatores relacionados ao paciente

a ser a hipoxcmia. Ao respirar frações elevadas de Oz, Doença pulmonar obs- Em pecienta com &cor de dlco
durante e após a anestesia, o centro respiratório desses ttutiva cronica (18bagismo e idade), o .Jilw!!Mjc[)
deve ICl' butcado atinmencle
pacientes perde seu principal estimulo à ventilação. A
hipoventilação pode ocorrer em pacientes recém-ex tuba- T abagismo Deve sempre levar à investigação de
doença pulmonar obstrutiva crô nica,
dos e com Oz por cateter ou máscara facial, no pós-ope-
embora seja fato r de risco mesmo na
rató rio imediato. Por outro lado, a presença de fração ausência dela
elevada de O z no ar alveolar leva à formação de microa- Asma A hilroàa de asma deve levar i raliza-
telecrasias, uma vez que ela se dá à custa de redução da çio de espirornettia para verificar o grau
fração de nitrogênio. O nitrogênio, po r não atraves ar a de conaole da doença e ddalniuar se
hi obsttuçio do tluxo Km>
membrana alvéolo-capilar, é o gás que contribui para
manter os alvéolos abertos, já que compreende cerca de Obesidade A literatura é controversa; comorbida-
des relacionadas à obesidade interfe-
70% do gás alveolar. A redução do nitrogênio do ar
rem na interpretação dos estudos
alveolar, em decorrência da ventilação com altas frações
Idade Acima de 70 anos, i diJlcil nio haver
de oxigênio pode, portanto, resultar em colapso de uni-
doenças associadas
dades alveolares, piorando a troca gasosa.
O Quadro 38.1 apresenta os principais fato res de Fatores relacionados ao procedimento
risco para complicações pulmonares pós-operató rias.
Sitio cirúrgico Quanto mais próximo do diafnJgma.
maior o risco de complicações
pulmonares
Avaliação clínica pré-operatória
E xtensão da lesão Incisões maiores c laparotomias
longitudinais têm risco aumentado
A história clfnica e o exame 6sico são os componentes
mais importantes da avaliação clínica pré-operatória, inclusi- Duraçio do aro cirúrgico Procedimentos com duraçio superior
ve em pacientes com doença pulmonar:"- 1•.20. O s fatores de a uh horas lim risco aumentado para
pnewnoparas
risco eirados anteriormente devem ser identificados. Dados
da história que sugiram doença pulmonar crônica - intole- ·1i po de anestesia Anestesia geral, em pneumopata, para
reali;-ação de operação abdominal alta
rância aos exercícios fisicos, dispnéia e tosse - devem ser
rem maior risco do que bloqueio
investigados e o exame flsico deve ser voltado para as evi- ncuroaxial
dências de doença pulmonar obstrut:iva- redução dos sons Medicaçio Paneurônio está associado a maior
respiratórios, roncos, sibilos e/ ou aumento do tempo expi- lndice de c:omplicaçõel pu1monarea
ratórid . É importante lembrar que a investigação cuidadosa pós-operatóáaa
de manifestações pulmonares no pré-operatório leva, mui- Uso de altas frações de A redução do nitrogênio alveolar leva
tas vezes, à suspeição e ao diagnóstico de doenças pulmona- 0 2 no ar inspirado a microatelectasias, pio ra ndo a troca
gaso sa
res ainda não detectadas. Esse fato é particularmente impor-

tante em pacientes tabagistas que, freqüentemente, apresen- ··----------------------------------------------
tam sintomas respiratórios, principalmente tosse, mas cos-

464
Capitulo 38 .: Cirurgia no paciente pneumopata

••
Os exames complementares são úteis na avaliação de que avaliaram a função pulmonar pré-operatória. As indi-
pacientes com alterações no exame clinico (anam nese ou cações do American College o/ Pf?ysicians para solicitação de
exame físico) . D evem, portanto, ser solicitados apenas análise dos gases arteriais no pré-operatório incluem: 1)
quando realmente necessários, seja no diagnóstico, seja pacientes que serão submetidos à ressecção pulmonar (ver
na avaliação de resposta terapêutica. As exceções a esta A va/iaçào dínica pré-operatória em pacientes a serem submetidos a
regra são os pacientes que se submeterão a ressecção pul- ressec(ào pulmonaf); 2) pacientes com dispnéia e/ou tabagis-
monar, situação em que os dados laboratoriais e da fun- tas que serão submetidos a procedimentos abdominais
ção pulmonar devem ser sempre conhecidos. altos ou a revascularização miocárdica"'·
Os exames complementares mais usados na avaliação
desses pacientes são espirometria, gasometria arterial,
radiografia de tórax e testes de tolerância ao exercício.
Radiografia de tórax
A literatura atual disponível não define de forma
Espirometria segura os pacientes que se beneficiariam com a realização
de radiografia de tórax no pré-operatório. Os critérios
A espirometria realizada de rotina no pré-operató rio empregados justificam sua realização em pacientes com
- em pacientes sem sinais de doença pulmonar o u em idade acima de 60 anos ou com achados clinicas sugesti-
pacientes que não serão submetidos a ressecção pulmo- vos de doença cardíaca ou p ulmona27 •
nar - não auxilia na avaliação do risco de co mp]jcações
pulmonares pós-operatórias, sendo considerada, p ortan-
to, desperdício de tempo e dinheiro . E ntretanto, pacien-
Testes de tolerância ao exercício
tes com doença pulmonar obstrutiva crônica identificada Os tes tes de tolerância ao exercício são de rotina ape-
na ava üação pré-operatória e tratada adequadamente nas no p ré-o peratóri o de candid atos a ressecção
apresentam índices de complicações inferio res aos casos pulmo nar (ver Avaliação cli11ica pré-operatória em pacientes a
não-identi ficados. Os pacientes co m doenças p ulmona- seren1 submetidos a ressec(ÕO pulmonar; .
res que cursam com distúrbios restritivos, por sua vez,
apresentam risco maior do que aqueles com distúrbios
obstrutivos. A espirometria na avaliação clínica pré-ope- Estratégias para prevenção de
rató ria deve ser realizada nos seguintes casos: 1) pacien- complicações pulmonares pós-operatórias
tes que serão submetidos a ressecção pulmonar (ver
Avalia(ÕO clínica pré-operatória em pacientes a serem submetidos a As estratégias para prevenir complicações pós-opera-
ressecyão pulmonar; ou que serão submetidos a operações tórias podem ser adotadas no pré, per e pós-operatór io.
cardíacas; 2) pacientes co m dispnéia ou intolerância ao
exercício, de etiologia duvidosa (cardiaca ou pulmonar)
No pré-operatório
mesmo após exame clinico; 3) pacientes com doença pul-
monar obstrutiva crônica ou asma, nos quais o exame cli- As estratégias pré-operatórias devem ser reservadas
nico não determina se há obstrução do fluxo aéreo, pois, para pacientes que possuem risco maior do que o habi-
nesses casos, medidas pré-operatórias podem ser adota- tual para complicações pulmo nares pós-operatórias, isto
das para minimizar a obstrução8•34.35• é, pacientes com doença pulmo nar obstrutiva crônica,
tabagistas ou asmáticos não-controlados que serão sub-
metidos a procedimentos torácicos ou abdo minais altos,
Gasometria arterial
sob anestesia geral ou com duração superio r a três horas.
Não há dados que comprovem que o achado de hiper-
carbia (pCOz>45mmHg) auxilia na identificação de
Interrupção do tabagismo
pacientes com risco aumentado de complicações pós-ope-
ratórias, que não foram identificados clinicamente. Por sua Como dito anteriormente, fumantes apresentam risco
vez, a hipoxemia (pOz<60mmHg) isoladamente constitui aumentado de desenvolver complicações pulmonares
fator preditivo de complicações pulmonares em estudos mesmo na ausência de doença p ulmonar crônica, po rtao-

465

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

to devem ser aconselhados a interromper o tabagismo Controle da asma


pelo menos dois meses antes de procedimento cirúrgico
A asma só é co nsiderada fator de risco para complica-
eletivo. Período de abstinência menor do que o ito sema-
ções pulmonares no pós-operatório se mal controlada.
nas aparentemente não leva a redução significativa do
Pacientes asmáticos devem, sempre que possível, obte r o
risco de complicações pulmonares, podendo ser até res- controle total da doença antes do ato operatório . A obs-
ponsável por aumento na incidência dessas complica- trução ao fluxo aéreo deve ser minimizada no pré-opera-
ções, de acordo com algumas séries. Em estudo prospec- tó rio po r meio do uso de co rticó ides inalató rios e/ ou de
tivo de pacientes submetidos a revascularização miocár- broncodilatadores, de acordo com a gravidade e ela sifi-
dica, um terço dos tabagistas ativos, 14,5% dos ex-taba- cação do caso. Estudo realizado em pacientes com asma
gistas com mais de dois meses de abstinência e 57,1% grave demonstrou que o índice de complicações pulmo-
dos ex-tabagistas com menos de dois meses de abstinên- nares nos pacientes que receberam corticotcrapia sistêmi-
cia desenvolveram co mplicações pulmonares. esse ca foi semelhante ao observado em indivíduos hígidos.
mesmo estudo, ex-tabagistas com mais de seis meses de O utros estudos comprovaram a eficácia e a segurança do
abstinência tiveram uma incidência de complicações pul- uso de corticoterapia sistêmica no pré-operatório . Parece,
monares de 11 ,1% , semelhante à dos pacientes que portanto, razoável que pacientes asmáticos co m sintomas
persistentes ou pico de fluxo abaixo de 80% do esperado,
nunca foram tabagistas- 11 ,9% 3" .
apesar de tratamento adequado, devam receber corticote-
rapia sistêmica no pré-operatório"" 2•
Tratamento da doença pulmonar obstrutiva crônica Pacientes com asma ou doença pulmo nar obstru tiva
crônica devem ser liberados para o proced imento cirúr-
Como a doença pulmonar obstrutiva crônica co nsti- gico eleti vo sem evidências de b roncoespasmo ati,·o.
tui o fator de risco isolado mais impo rtante, os pacientes
com esta doença devem ser tratados vigorosamente até
que atinjam os melhores patamares de função pulmo nar Uso de antibióticos
possíveis. E studo retrospectivo realizado em pacientes
O s antimicrobian os devem ser reservados a pacientes
com doença pulmonar obstrutiva crônica que foram sub-
com evidências de infecção bac teriana, não sendo úteis
metidos a anestesia geral comparou os índices de compli- se usados de rotina em pacientes com doença pulmo nar
cações pulmonares em pacientes tratados com preparo obstrutiva crônica ou asma, a não ser que estejam presen-
pré-operatório (diversas combinações de uso de bro nco- tes bro nq uiectasia ou imunodeficiência36 • e fo r eletivo, o
dilatadores, antibioticoterapia e co rtico terapia sistêmica) procedimento deYe ser adiado até o térmi no do trata-
e em pacientes que não o fizeram. J\ incidência de com- mento. O uso indiscrimi nado de antibióticos proftláticos
plicações pulmo nares foi de 23% no primeiro grupo c de no pré-operatóri o não redu z a incidência de complica-
35% no segundo grupo 38• Todos os pacientes co m doen- ções pu lmonares. E ssa afirmativa foi comprovada po r
ça pulmonar obstrutiva crônica, sintomáticos ou não, estudos cláss icos•J.«.
devem ser preparados, antes do ato cirúrgico, sempre
que o tempo permitir. Embo ra, co nforme mencionado, a
PC0 2 elevada não seja contra-indicação absoluta para o Educação do paciente no pré-operatório
tratamento cirúrgico em pacientes com doença pulmo nar Ventilação com pressão positiva, espiro metria de
obstrutiva crônica, ela é impo rtante indicador de que o incentivo c exercícios de respiração p ro fund a foram
cuidado pré-operató rio precisa ser o melho r possível. igual e altamente eficazes na redução das complicações
Pacientes de alto risco para complicações pulmo nares pulmo nares pós-operatórias2" .
que se submeteram a procedimentos cirúrgicos abdo mi- Quinze minutos diários, por quatro dias, de qualque r
nais, quando preparados com interrupção do tabagismo , uma das três técnicas redu ziram pela metade a incidên-
uso de bro ncodilatadores, antibio ticoterapia e fisiotera- cia dessas complicaçõcs 21 . A educação do paciente para
pia respiratória, apresentam incidência de 22% de co m- a realização dessas técnicas an tes do procedimento
plicações pulmo nares pós-operatórias, em co mparação a cirúrgico facilita sua execução no pós-operatório, to r-
60% do grupo controle39 . nando-as mais efeti vas. Estudo randomizado e contro la-

466
Capítulo 38 .: Cirurgia no paciente com doença pulmonar

••
do selecionou pacientes em um grupo que recebeu te alto de evoluir com essas complicações pulmonares.
info rmações sobre mobilização p recoce e treinamento Vias alternativas de acesso, mais distantes do diafragma,
em fisioterapia respiratória no pré-operatório e um devem ser preferidas. Os procedimentos laparoscópicos,
grupo controle. Complicações pulmonares pós-operató- quando viáveis, devem su bstituir os procedimentos
rias ocorreram em 6% dos indivíduos do primeiro grupo laparotô micos22.23.45•
e em 27% dos indivíduos do grupo controle (p<O,OOl).
D os pacientes de alto risco, 15% tiveram complicações
pulmonares no grupo treinado e mais da metade as tive- No pós-operatório
ram no grupo controle1' ·12•
O controle da dor pós-operatória e a fisioterapia res-
piratória - exercícios de respiração profunda, espirome-
No peroperatório tria de incentivo, respiração com pressão positiva inter-
mitente e respiração com pressão positiva constante -
A duração da anestesia e da operação, o tipo de anes-
realizadas no pós-operatório, podem reduzir a incidência
tesia e o acesso cirúrgico interferem no risco cirúrgico do
de complicações pulm o nares em pacientes selecionados.
paciente com doença pulmonar.

Manobras de expansão pulmonar


Escolha do tipo de bloqueio
O objetivo de todas as manobras fisioterápicas é, por
Uma vez que procedimentos c1rurgicos feitos sob
meio do esforço inspiratório, desfazer microatelectasias e
anestesia peridural ou raguianestesia apresentam incidên-
corrigir os volumes pulmonares reduzidos com o ato
cia bem menor de complicações pulmonares pós-opera-
tórias, deve-se dar preferência a esses bloqueios neuroa- anestésico-cirúrgico. O aprendizado dessas técnicas,
xiais sempre gue possível. r ão há, entretanto, consenso antes do procedimento aumenta, inegavelmente, a eficá-
de que a anestesia geral apresente maior risco quando se cia delas na prevenção dessas complicações12 • O exercício
trata de operação abdominal baixa. Nesses casos, a esco- de respiração profunda é um componente da fisio terapia
lha do tipo de anestesia deve ser individualizada26-8•45• respiratór ia e a espirometria de incentivo é um exercício
de respiração profunda auxiliado por aparelho. Ambas as
técnicas aparentam ser igualmente e fetivas. Elas são
Escolha do bloqueador neuromuscular capazes de reduzir, pela metade, o risco de complicações
pulmonares p ós-operató rias. Estudo realizado com
O pancurônio, blogueador neuromuscular de longa
pacientes submetidos a operações abdominais mostrou
duração de ação, é mais propenso a gerar blogueio residual,
gue leva a hipoventilação e aumento das complicações pul- guc os exercícios de respiração profunda têm o melhor
monares pós-operatórias. Em pacientes com doença pul- custo-benefício para pacientes com baixo risco para tais
monar deve-se, portanto, evitar o uso do pancurônio457• complicações pulmonares e que a espirometria de incen-
tivo tem a melhor relação custo-benefício em pacientes
com doença pulmonar. Meta-análise de 14 estudos con-
Cuidados com o tempo de duração e o tipo de firmou os achados anteriores21 ,z4 •3 1•
ato cirúrgico

Procedimentos com duração superior a três ou quatro Respiração com pressão positiva intermitente
horas são associados a maior incidência de complicações
pulmonares no pós-operatório. Em pacientes com pneu- A respiração com pressão positiva intermitente,
mopatia, principalmente nos casos graves, deve-se pro- muito utilizada nas décadas de 60 e 70 do século passa-
gramar, sempre gue possível, procedimento mais rápido do, está sendo abandonada, por não ser mais efetiva do
e menos ambicioso. Além disso, deve-se lembrar de que gue métodos mais simples; além de ser mais cara e de
os procedimentos torácicos, abdominais altos e de corre- execução mais complexa, pode ocasionar complicações
ção de aneurisma aórtico apresentam risco especialmen- inerentes à técnica, como distensão abdominaF1.

467
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Respiração com pressão positiva contínua O Quadro 38.2 resume as principais medidas proftlá-
ticas das complicações pulmonares pós-operató rias.
Apesar de ser mais onerosa e de poder levar a algumas
complicações (desconforto, distensão gástrica, hipoventila-
ção e barotrauma), a respiração com pressão positiva con-
Quadro 38.2 .: Estratégias para a redução da complicações
tínua é uma técnica mais eficiente do que a espirometria de pulmonares pós-o perató rias
esforço e do que os exercícios de respiração profunda em
prevenir complicações pulmonares no pós-operatório.
--------------------------------------------··
Estratégias Interrupção do tabagismo
Além disso, não requer esforço do paciente e sua execução pri-opc:ratórias T ratamento da doença pulmonar obstruriva
não é dolorosa. Uma revisão crítica sobre as manobras de crônica
expansão pulmonar recomendou o uso da respiração com Controle da asma
Educação para o cuidado rapimório pós-
pressão positiva contínua como intervenção secundária
operatório
nos casos de atelectasias refratárias ou como prevenção pri- Estratégias
---- Anestesia indl\'iduahnda. Bloqueio axial se
mária em pacientes pouco cooperativos ou incapazes de pero peratórias possh·el
executar os exercícios respiratórios39•48·• 9 • Escolha de bloqucado r neuro muscular: evitar
o pancurônio
Meno r duração possível para o ato cirúrgico
Controle da dor Preferência por procedimentos laparoscópicos

Manobras de expansio pulmonar


O controle adequado da dor no pós-operatório ajuda
pós-operatórias Respiraçio com pressio positiva continua
a prevenir a ocorrência de complicações pulmonares, pois Controle eficiente da dor
estimula o paciente a deambular mais precocemente e a •
executar os exercícios respiratórios de forma mais vigoro- ··--------------------------------------------
sa. Há algum tempo se discute se o melhor controle da
dor é ati ngido com opióides parenterais ou com anestési-
cos epidurais e qual dos dois métodos reduziria mais a Avaliação clínica pré-operatória em
incidência dessas complicações. Os resultados de vários pacientes a serem submetidos
estudos foram muito controversos. Estudo de meta-aná-
lise realizado em 1998 avaliou 65 estudos randomizados e
a ressecção pulmonar
controlados e concluiu que tanto a analgesia epidural com No Brasil, o câncer de pulmão é o mais letal dos
anestésicos locais quanto a analgesia epidural com opiói- tumores malignos no sexo masc ulino e o segundo mais
des reduziram a incidência de complicações pulmonares, letal no sexo feminino 59 • A ressecção pulmonar continua
incluindo infecções, sendo, neste quesito, mais eficazes sendo a única intervenção curativa em pacientes com
do gue a analgesia paremeral com opióides. A mesma câncer de pulmão locali zado, com exceção do subtipo de
meta-análise avaliou a analgesia por blogueio dos nervos pequenas células. Uma série detectou aproximadamente
intercostais e concluiu que esse procedimento auxiliou no 70% de sobrevida em cinco anos em pacientes com cân-
controle da dor, mas a incidência de complicações pulmo- cer de pulmão no estádio 1 (sem metástases linfonodais
nares não diminuiu significativamenteS0-5. o u a distância) submetidos a procedimento cirúrgico.
Dos pacientes estádio I não-operados, apenas do is tive-
ram sobrevida maior que cinco anos""'. Como a maio ria
Estimulantes respiratórios
dos pacientes com câncer de pulmão é tabagista e uma
O doxapram é um estimulante respiratório que age boa pane apresenta doença pulmonar obstrutiva crô nica,
tanto no sistema nervoso central guanro nos quimiorre- os candidatos às ressecções pulmonares já apresentam
ceptores caroódeos. Os estudos realizados com a droga função pulmonar comprometida antes mesmo do proce-
no período pós-operató rio envolveram número relativa- dimento, sendo ele, portanto, de alto risco.
mente pegueno de pacientes e não mostraram de manei- D esde a de crição da primeira pneumectomia bem-
ra consistente redução na incidência de complicações sucedida para tratamento do câncer de pulmão em 1933,
tenta-se identificar, por meio de exames complementares,
pulmonares56•8 •

468
Capítulo 38 .: Cirurgia no paciente com doença pulmonar

••
quais os pacientes que são de alto risco para esse procedi- que a prevista, seguida de recuperação funcional signifi-
mento e qual o limite em que o comprometimento da fun- cativa com o passar do tempd ' . Estudos mais recentes
ção pulmonar torna o risco cirúrgico proibitivo61 • Diversos não somente confirmaram como quantificaram esses
estudos foram feitos para tentar identificar esse li mite. mesmos achados: há maior risco no pós-operatório com
O volume expiratório forçado no primeiro segundo razão de probabilidade de 1,46 para cada decréscimo de
(VEF1 ) é a variável espiro métrica de maior valo r no pré- 0,2 litros no VEF1 pós-operatório previsto68 •
operatório e correlaciona-se bem com o grau de disfun-
ção pulmonar nos pacientes com doença pulmonar obs-
trutiva crônica, além de p roporcionar medida indireta da Medidas de troca gasosa
reserva pulmonar. Em uma série de estudos que avalia-
ram as variá\'eis espirométricas, VEF1 < 60% do espera- Apesar de os valores espirométricos, principalmente
do no pré-operatório foi o achado preditivo mais fiel o VEF1, se correlacionarem com a gravidade da doença
para as complicações pulmonares pós-operatórias nos pulmonar obstruti va crônica, eles não trazem medidas
casos ele ressecção pulmo nar"n . Outros estudos mostra- diretas do grau de disfunção da troca gasosa. Para este
ram que os pacientes com VEF1 > 2 litros toleram bem fim, precisamos de exames complementares mais especí-
a pneumectom.ia c aqueles com VEF1 entre 1 e 1,5 litro ficos, citados a seguir.
toleram bem a lobectomiaw.s. o entanto, apesar do alto
valor preditivo do VEFl, é muito difkil fixar um valor
Capacidade de difusão do monóxido de carbono
proibitivo para o procedimento, pois há outras variáveis
importantes, tais como volume de parênquima viável que É variável com grande potencial preditivo para com-
será retirado, gravidade das comorbidades pulmo nares, plicações pulmo nares e mortalidade no pós-operatório,
peso, sexo e idade dos pacientes66• principalmente quando associada ao VEF1 e à cintilogra-
O risco cirúrgico desses pacientes pode ser previsto fia pulmo nar de perfusão. Estudo publicado em 2003
de um modo melho r levando-se em conta a extensão da mostrou que, quando o VEF1 e a capacidade de difusão
ressecção e quanto o tecido a ser retirado vinha contri- do monóxido de carbono estão acima de 60% do espera-
buindo para a fu nção pulmo nar total. Essa estimativa se do, o paciente apresenta baixo risco para complicações e
baseia na hipótese de que cada segmento pulmonar fun- pode se submeter inclusive a pneumecromia, sem neces-
cio nante a ser ressecado contribui para uma porcentagem
sidade de o utros exames complementares. Quando
fixa da função pulmonar. Considera-se adequada a pre-
ambas as variáveis estão abaixo de 60% do esperado,
sença de dez segmentos no pulmão direito e nove no
deve ser realizada cintilografia pulmonar de perfusão
esquerdo, perfazendo um total de 19 segmentos. Esses
para estimar o risco de complicações pós-operatórias. A
valo res podem ser estimados po r meio da cintilografia
difusão do monóxido de carbono prevista para o pós-
pulmonar de perfusão e da espirometria feitas no pré-
operatório pode ser estimada da mesma forma que o
operatório, mesmo sendo algumas vezes difícil prever se
VEF1. Se o valor estimado para o pós-operatório fo r
a ressecção será realmente necessária até o momento do
maior ou igual a 40% do esperado, para as duas variáveis,
ato cirúrgico. A estimativa do VEFl pós-operatório se
o paciente pode se submeter à ressecção. Caso contrário,
faz da seguinte manei ra:
será necessário o teste de
=
VEFl põe-operatório VEFt pré-operatório
X número de aegmentos fundonan- Gasometria arterial
tes no pós-operatório/número de segmentoe
pulmonarea funclonantes no pré-operatório. A p02 em repouso não se relaciona bem com a mor-
bimortalidade no pós-operató rio da ressecção pulmonar,
A correlação entre a fu nção pulmo nar pós-operatória pois as vias aéreas do segmento pulmonar ressecado
podem estar total ou parcialmente obstruidas. A p02
prevista e a real tem sido mais precisa nos estudos sobre
pode até aumentar após a remoção da região acometida69•
pneumectomia. O pós-operatório da lobectomia, ao con-
A pC02 > 4SmmHg isolada também não é contra-
trário, apresenta perda inicial de função bem maior do
indicação para ressecção pulmonar. Contudo, pacientes

469
•• • Fundamentos e m Clínica Cirúrgica

hipercápnicos geralmente têm um bai.-xo VEF1 previsto 4• Ford GT, Whicelaw WA, Rosenal T\XI, Cruse PJ, Guenter CA.
Diaphragm fun ction after upper abdominal surgery. Am Rev
para o pós-operatório e ruim no teste de exercício, o que
Respir Dis. 1983;127:431 -6.
na maioria das vezes invibializa o procedimento63 • 5• Sugimachi K, Ueo H , Natsuda Y, Kai H, lnokuchi K, Zaitsu A.
Cough dynamics in esophageal cancer: prevention o f posco-
perative pulmonary complications. Br J Surg. 1982; 62:734-6.
Testes de exercício 6• Tisi GM. Preo perative evaluation o f p ulmonary function.
VaJidity, indications and benefits. Am Rcv Respir Dis.
Apresentam boa capacidade de discriminar pacientes 1979;1 19:293-31 O.
aptos ou não a suportarem uma ressecção pulmonar, 7• Kroenke K, Lawrence VA, Theroux JF, Tuley MR, Hilscnbcck
S. Postoperative complications after thoracic and major
pois avaliam indiretamente as funções ventilatória, car-
abdominal surgery in patients with and without obstructive
diovascular e a utilização do oxigênio pelos tecidos. A lung d isease. Chest. 1993;1 04:1445-51.
previsão de VEF1 ou capacidade de difusão de monóxi- 8• Lawrence VA, D handa R, Hilscnbeck SG, Page CP. Risk of pul-
do de carbono no pós-operatório abaixo de 40% do mo nary complications after elective abdominal surgery.
Chest. 1996;11 0:744-50.
esperado define o paciente como de grande risco para
9• \'(larner DO, Warner MA, Barnes RD, Offord KP, Schroedcr
complicações e óbito. Pacientes nesse grupo merecem DR, Gray DT, et ai. Perio perative respiratot)' complications
testes de exercício para melho r definição de tal risco 72 • in patients with asthma. Anesthesiology. 1996;85:460-7.
Existem testes avançados para esse fim, com monitora- 1O • Wightrnan J A. A prospective survey o f the incidence o f posrope-
rative pulmonary complications. Br J Surg. 1968;55:85-91.
mento eletrocardiográfico e do consumo de oxigênio por
11 • Warner MA, D ivertie MB, T inker JH. Preoperative cessation of
minuto, que permitem o cálculo do consumo máximo de smoking anel pulmonat)' complications in coronary artcry
oxigênio - V0 2max -, variável que divide os pacientes bypass patients. Anesthesiology. 1984;60:380-3.
em três grupos: 12 • Bluman LG, Mosca L, Newman N, Simon DG. Preoperative
smoking habits and postoperative pulmonary complications.
• V02max > 20ml/Kg/min: risco habitual;
Chest. 1998;11 3:883-9.
• V02max < 15ml/ Kg/min: risco aumentado para 13 • D jokovic JL, Heelley-Wbitc J. Prceliction o f outcomc o f surgery
complicações; anel anesthesia in patients o ver 80. J 1\J.VIA. 1979;242:2301-6.
• V02max < 10ml/ Kg/min: risco muito aumentado 14 • Moller AM, Maaloc R, Pedersen T. Posroperative intensive care
admittance: the role of to bacco smoking. Acta Anaestbesiol
para complicações.
Scancl. 2001 ;45:345-8.
Estudos recentes mostraram que o simples teste de 15 • t\rozullab AM, Daley J, Henderson WG , Khuri SF.
subir escadas, apesar de não-padronizado, é económico e Multifacrorial risk index for preelicting posroperative respira-
cory failure in men after major noncardiac surgery. The natio-
eficiente para prever complicações cardiopulmonares
nal veterans administration surgical qualicy improvement p ro-
pós-operatórias. Estima-segue o paciente capaz de subir gram. Ann Surg. 2000;232:242-53.
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Capítulo 38 .: Cirurgia no paciente com doença pulmonar

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472
39
CIRURGIA
NO PACIENTE
COM DOENÇA RENAL

••
José Augusto Meneses da Silva,
Nildo Medeiros D antas

Introdução ocorrem nos períodos peroperatono e pós-operatório.


Esta população apresenta mortalidade cirúrgica elevada e
Pacientes com doença renal apresentam várias altera- alta morbidade; portanto, são fundamentais monitoriza-
ções clínicas, que podem causar complicações no perope- ção e cuidados específicos nos períodos pré, per e
ratório e pós-operatório. Por essa razão, esses pacientes pós-operatório s.
devem ser cuidadosamente avaliados no período pré-ope- Pacientes com doença renal até o estágio dois apre-
ratório com o objetivo de se prevenirem tais complicações. sentam menor risco cirúrgico. P acientes que se encon-
Pacientes com doença renal devem ser classificados tram a partir do estágio três apresentam progressivamen-
em relação à sua de função renal. Uma maneira prática te maior risco cirúrgico, sendo necessários maior contro-
para essa classificação pode ser por meio da medida do le, monitorização e cuidados mais intensivos.
clearance de creatinina, que é estimado pela dosagem sérica O período peroperatório resulta em alterações fisiológi-
da creatinina. Atualmen te, existem várias fórmulas para se cas importantes, com múltiplos efeitos colaterais.
estimar a função renal, com res ultados bem próximos ao Distúrbios hidroeletrolíticos, exposição a toxinas, altera-
clearance de creatinina convencional. Assim sendo, tais fór- ções hormonais e hemodinârnicas podem causar perda da
mulas são usadas com maior freqüê ncia, devido à sua rapi- função renal agudamente. Os pacientes com doença renal
dez e simplicidade. em estágios mais avançados apresentam risco aumentado
A classificação da função renal apresenta cinco está- das referidas complicações, devido à inabilidade renal de se
gios: o primeiro estágio apresenta clearance de creatinina adaptar aos tais fatores causados pelo ato cirúrgico.
maior que 90ml por minuto, por 1,73m 2 de superfície O objeti vo deste capítulo será discutir a prevenção, o
corpórea, e albuminúria persistente; o estágio dois varia manejo e o tratamento desta população específica, prin-
de 60ml por minuto a 89mi por minuto, por 1,73m2; o cipalmente dos pacientes com doença renal em estágio
estágio três varia de 30ml por minuto a 59ml por minuto, cinco, já em tratamento de terapia renal substitutiva.
por 1,73m 2; o estágio quatro varia de 15m! por minuto a
29ml por minuto, por 1,73m 2; e o estágio cinco, também
conhecido como estágio terminal, com clearance abaixo de
Morbidade e mortalidade cirúrgica
15m! por minuto, por 1 ,73m2 de superfície corpórea. A mortalidade cirúrgica entre os pacientes com
A partir dessa classificação, podemos avaliar aquele doença renal em terapia renal substitutiva é de aproxi-
grupo de pacientes com maior probabilidade de desen- madamente 4% , podendo variar entre 0% a 4 7% em
volver complicações cirúrgicas devido tanto a razões casos de emergência. A taxa de morbidade é, em média,
renais como a não-renais: hipercalemia, infecções, arrit- 54%, variando de 12% a 64% '. A mortalidade e a mor-
mias e hemorragias. Comumente, essas complicações bidade entre os pacien tes submetidos a cirurgia cardía-

473
• Fundamentos em Clín ica Cirúrgica

••
ca é de 10% e 46%, respectivamente. As causa destas Diálise intensiva
elevadas morbidade e mortalidade devem-se a vários
Acredita-se que, em pacientes ubmetidos à terapia
fatores, como alta incidência de coronariopatia e dis-
renal substitutiva, intensificar as doses de diálise pode
função miocárdica, difícil controle hidroeletro ütico e
melhorar a evolução e prevenir complicações nos perío-
ácido-básico, dificuldade de excreta r e/ ou metabolizar
dos per e pós-operatóri o. Portanto, alguns autores preco-
anestésicos e analgésicos, aumento ele complicações
ni zam diálise diária po r alguns dias ames das operações
hemorrágicas, difícil controle pressórico, incluindo cardíacas e, em alguns casos, também durante o perope-
hipertensão e hipotensão arterial. ratório:tl. Entretan to, apesar desses benefícios, melhora
importante na mo rtalidade não tem sido observada co m
a diálise intensiva. Em geral, preconiza-se uma sessão de
Controle clínico
diálise no dia anterio r ao da operação.
Para se fazer um bom controle clinico no pré, per e
pós-operatório, são necessárias avaliação laboratorial
Controle hidroeletrolítico
completa, avaliação nutricional, controle hidroeletroliti-
co, controle da pressão arterial sistêmica, avaliação e con- U m bom controle hidroeletrolítico é fundamental
trole cardiovascuJar, administração adequada de antibió- para prevenir o u atenuar as possíveis compl icações no
ticos, controle metabólico ela glicose, bom acesso endo- per e no pós-operatório. Avaliação adequada do volume
venoso e considerações ancstésicas es pecíficas. extracelular, antes da operação, é necessária para se esti-
mar a quantidade de üguidos que deve ser administrada.
Se o paciente recebe grande quantidade de líquidos
Testes laboratoriais durante a operação, podem ocorrer hipervolemia e pos-
sível edema pulmonar, sendo necessárias medidas ade-
O s testes laboratoriais de rotina no pré-operatório
quadas para o seu tratamento imedia to, incluindo diálise
são: ionograma, glicemia em jejum, uréia, creatinina, cál-
de emergê ncia sem hepa rina para evitar hemorragia.
cio, fósforo, magnésio, albumina, hemograma completo D eve-se observar e tratar hipercalcemia e/ ou hipocale-
e coagulogra ma. O utros testes devem ser realizados, mia no período pós-diálise, ajustando a concentração do
dependendo das necessidades individuais de cada pacien- dialisado. Se muito liguido é removido, há o risco de
te; incluindo, por exemplo os pacientes anêmicos que hipotensão arterial, principalmente du rante a anestesia
necessitam de avaliação específica como dosagem de que induz a vasodilatação sistêmica, o que causa várias
ferro, fe rritina etc. e o paciente usa drogas cuja concen- complicações, incluindo trombose da fístula artéria -
tração sérica é impo rtante como a digoxina, essas devem venosa do paciente em hemodiálise.
ser dosadas. Portanto, uma discussão entre o cirurgião c o ancstesio-
logista em relação ao volume peroperató rio desejável
torna-se importante. O tipo e a quantidade do líquido a ser
Nutrição administrado devem ser constantemente revistos. Em
pacientes com doença renal até o estágio dois pode ser
A recuperação e a cicatrização do paciente dependem
admi nistrado o ringer-lactato, uma solução que contém
do seu estado nutricio nal. Assim sendo, a avaliação
potássio. Nos pacientes com doença renal em estágios mais
nutricional no período pré-operatório torna-se funda-
avançados, a partir do estágio três, a solução a ser admi nis-
mental. Tal avaliação pode ser feita por meio da an tro-
trada deve ser a sal.ina isotônica. Entretanto, pacientes com
pometria, avaliação glo bal subjetiva, taxa de catabo lismo
alterações ácido-básicas e hiclroeletrolíticas específicas
protéico e concentração sérica da albumina. Em caso de necessitam de diferentes tipos ele soluções.
desnutrição, várias condutas podem ser usadas para Em casos de operações de emergência, não há tempo
melhorar o estado nutricional, como eliminar drogas para avaliação e tratamento adequado do estado hiclroe-
que dim inuem o apetite, tratar gastroparesias, usar letrolitico e ácido-básico do paciente. N esses casos,
suplementos nutricionais e, nos pacientes em terapia hipercalemia é a anormalidade mais comum c importan-
renal substitutiva, adequar e intensificar a diálise. te que ocorre como complicação no período per e

474
Capítulo 39 .: Cirurgia no paciente com doença renal

••
pós-operatório. Assim sendo, a avaliação pré-operatória volernia. Nesses casos e, principalmen te, em operações
imecl.iata, deve incluir dosagem da concentração de de emergência, a terapia parenteral está incl.icada, sendo
potássio sérico e eletrocarcl.iograma (cujas alterações são os agentes mais usados o enalapril, o labetalol, a hiclrala-
observadas quando o potássio sérico excede 6,0mEq/L a zina (que deve ser usada com bloqueadores beta-adrenér-
6,5mE q/L). Essas alterações resultam do gradiente gicos para minimizar o efeito da ativação simpática refle-
transcelular elo potássio. Por essa razão, pacientes em xa), o diltiazem e/ ou a nitroglicerina. Se o paciente for
diálise freqüentemente não demonstram as alterações monitorado em unidade de terapia intensiva, nitroprus-
eletrocardiográficas, porque o potássio corporal total e siato endovenoso pode também ser utilizado.
intracelular está quase sempre mais elevado. Portanto, o Uma vez tolerada a ingestão oral, o regime anti-hiper-
julgamento clinico nesse grupo ele pacientes é mais tensivo habitual pode ser iniciado. Importante salientar
importante elo que os exames complementares. que estas medicações devem ser gradualmente introduzi-
Se não há alterações eletrocarcl.iográficas e o paciente das porque as necessidades mecl.icamentosas no período
encontra-se estável com potássio até 6,0mEq/L a pós-operatório podem ser cl.iferentes das habituais.
6,2mEq/ L, a operação pode ser iniciada com monitori- Hipotensão em pacientes com doença renal pode
zação rigorosa peroperatória pelo anes tesiologista. Se há res ultar de uma série de fatores, como: remoção excessi-
alterações eletrocarcl.iográficas sugestivas ele hipercalernia va de liquidas pela cl.iálise ou uso de diuréticos; cl.isfunção
e a diálise não pode ser realizada antes ela operação, o tra- do ventrículo esquerdo; disfunção do sistema nervoso
tamento clínico deve ser iniciado, incluindo cálcio enclo- simpático devido à neuropatia autonômica cl.iabética;
venoso nos casos ele hipercalemia grave. Glicose e insu- disautonomia adquirida, comum em p acientes com
lina, agonistas beta-aclrenérgicos, bicarbonato ele sócl.io e doença renal; uso de mecl.icações simpaticoliticas; tampo-
resinas trocadoras ele cátions podem ser usadas. namento pericárcl.ico; e vasodilatação devida ao uso de
A administração ele glicose e insulina é o método mais analgésicos narcóticos, ou de ou tras mecl.icações usadas
efetivo para mobilizar potássio extracelular para dentro para aliviar a dor ou a ansiedade.
ela célula, em pacientes com doença renal. Agonistas
beta-aclrenérgicos, tais como albuterol, são menos efeti-
vos. Bicarbonato ele sódio produz pouca redução elo Avaliação cardiovascular
potássio sérico e pode induzir a sobrecarga de volume. Coronariopatia e cl.isfunção rniocárdica são as comor-
Sua incl.icação principal seria nos casos de acidose meta- bidades mais freqüentes entre os pacientes com doença
bólica grave. Um estudo mostrou as mudanças no potás- renal, principalmente em estágios mais avançados. E m
sio sérico em pacientes com hipercalernia, com após uma alguns estudos, aproximadamente 50% dos pacientes em
hora de iniciado cada tipo de terapia em particular nos diálise que se submetem a algum tipo de operação apre-
pacientes com doença renal em estágio 5. Nenhuma sentam doença carcl.iovascular:;-6 .
mudança foi observada com o bicarbonato de sódio, A carcl.iopatia resulta em importantes morbidade e
com pouca ou nenhuma acidose metabólica. Ocorrem mortalidade nos pacientes com doença renal em estágios
redução de 0,3mEq/ L de potássio com a epinefrina, uma quatro e cin co, mesmo naqueles não submetidos a ope-
resposta similar ao uso do albuterol, o qual não tem ati- rações. Em um estudo prospectivo envolvendo 305
vidade alfa-adrenérgica. Ocorrem redução de pacientes em cl.iálise seguidos por quatro anos, 114 apre-
0,85mEq/ L de potássio com o uso de insulina e glicose, sentaram eventos carcl.iovasculares e 89 faleceram por
e redução de 1,3mEq/ L com a hemocl.iálise•. esta causa7 • A mortalidade é dez vezes maior do que na
população geral e 44 vezes mais alta entre os pacientes
Controle pressórico com doença renal diabética.
A avaliação dos pacientes com suspeita ou conhecida
A hipertensão arterial é muito comum entre os cardiopatia antes de operações não-cardíacas requer a
pacientes com doença renal, portanto terapia específica individualização de cada paciente com relação ao seu esta-
no período pré-operatório é importante. do clinico, presença de outros fatores de risco e, o tipo de
T erapia an ti-hipertensiva pode ser necessária se a operações a que irão se submeter. Em geral, força tarefa
pressão arterial persiste alta, mesmo após controle da do Colégio de Carcl.iologia e da American 1-l eart Association

475

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

têm publicado guias práticos para avaliação peroperató ria ton o. A ecocardiografia bidimensional é preferida por
de operações não-cardiacas. Elas enfatizam 9ue a estima- fornecer detalhes de ano malias vaJvuJares além das alte-
tiva do risco peroperatório deve integrar determinantes rações miocárdkas. Se houver ainda dúvida diagnóstica,
clinicas de risco, incluindo a capacidade funcional, o risco pode-se realizar o ecocardiograma transesofágico ou a
específico cirúrgico e os resultados dos testes de esfo rço, ventriculografia cintiJográfica.
quando são realizados8 9. Estes testes, além de identificarem pacientes gue irão
E m outro estudo utilizando o risco clinico estratificado requerer angiografia coronariana, ou que apresentam alto
para pacientes com doença renal em estágio cinco, estes risco cirúrgico, podem também indicar procedim entos que
pacientes foram, primeiramente, estratificados com base auxiliem na redução da morbidade cardíaca peroperatória.
na idade (menor ou maior que 50 anos), história de angi- T ais procedimentos incluem terapia medicamentosa
na, diabetes tipo 1, insuficiência cardíaca congestiva e pre- intensiva, revasculari zação proftlática e monito rização
sença de eletrocardiograma alterado (excluindo presença peroperatória rigorosa. os casos de operação de emer-
de hipertro fia do ventrlculo esquerdo). E ntre os pacientes, gência, quando não há tempo para se avaliar devidamente
aproximadamente 50% não apresentaram nenhuma das o paciente, é fundamental, pelo menos, identificar o risco
características citadas acima sendo classificados como operatório cardíaco do po nto de vista clinico, e avaliar os
grupo de baixo risco, sem nenhum outro teste cardíaco beneficios e maleflcios que a operação poderá causar em
realizado. O utro grupo de pacientes que apresentou um termos de eventos cardiovasculares significantes.
ou mais do fato res de risco citados acima foi submetido
ao teste de cintilografia rniocárdica com tálium (grupo de
Controle de hemorragia e coagulação
alto risco). A mo rtalidade cardíaca total foi de 17% c 1%
nos pacientes de alto risco e nos de baixo risco respectiva- Uma tendência aumentada a hemorragias pode ocorrer
mente. Pacientes do grupo de al to risco com teste do em pacientes com doença renal 11 • Isso freqüentemente
tálium positivo apresentaram mortalidade cardíaca mais manifesta-se por sangramentos na cicatriz cirúrgica ou
elevada do que aqueles sem alterações ao teste cintiJográ- mesmo por hemorragia à distân cia. Entremnro, nem todos
fico com tálium 10• os pacientes com doença renal apresentam djáreses hemor-
Assim sendo, critérios clínicos podem estratificar rágicas, sendo que algu ns podem até mesmo apresentar
pacientes de acordo com o seu risco. Pacientes com estados de hipercoaguJabilidade 12 • A hemorragia em
ba.Lxo risco geralmente não requerem avaliações mais pacientes urêmicos correlaciona-se mais com tempo de
detalhadas antes da operação. Pacientes com alto risco sangramento prolongado devido, principal mente, a disfun-
requerem testes mais específicos. ção plaquetária comum neste grupo de pacientes. As prin-
Existem, an1almente, vários testes não-invasivos cipais razões desta disfunção são a presença de toxinas urê-
para avaliar a presença de coronariopatia. Todos estes rnicas, anemia, hiperparatireoidjsmo secundário c o uso de
testes podem ser utilizados, dependendo da experiên- ácido acetil alicílico.
cia de cada serviço para interpretá-los adequadamente. A co rreção da disfunção plaquetária está reco menda-
É importante salientar g ue pode have r p roblemas na da em pacientes com hemo rragia ativa. Grande número
realização e interpretação de algu ns testes devido à de modalidades terapêuticas pode er usado, entre elas, o
própria doença renal. Isso inclui alterações no eletro- aumen to do hematócri to de 25% para 30% por meio de
cardiograma e na cintilografia com tálium, induzidas transfusões sangüincas, o uso de desmopressina na dose
pelas alterações metabólicas da própria doença e tam- de 0,30mcg/kg endovenosa o u intranasal, crioprecipim-
bém pela inabilidade do paciente de tolerar adeq uada- dos (dez unidades intravenosas a cada 12 horas a 24
mente o teste de esforço. Os testes atualmente em uso ho ras) e cliáJise 15 •
e com bo ns resul tados são a cintilografia miocárdica Algu ns estudos têm encontrado boa correlação entre
com tálium c o uso de d ipiridamol. Se houver co ntra- hemo rragia clfnica c tempo de sangramento, medido
indicação, a ecocardiografia de estresse com dobutami- tanto no braço quanto no dedo"·". Entretanto, outros
na to rna-se boa indicação. autores questionam o valor desse teste, uma vez que
O utros testes não-i nvasivos para avalia r a disfunção tempo de sangramcnto fisiológico não prediz com segu-
miocárdica podem ser realizados no período pré-opera- rança a hemorragia pós-operatória, assi m como teste de

476
•••
Capítulo 39 .: Cirurgia no paciente com doença renal

sangramento prolongado prediz hemorragia excessiva. nemia. Outras recomendações incluem soluções intrave-
Além do mais, a técruca para se fazer o teste apresenta nosas contendo dextrose, se o paciente está em jejum
variações entre os laboratórios, tornando este teste pré- prolongado, e ajuste adequado do uso de insulina.
operatório não-recomendável. As exceções seriam os Pacientes com doença renal não-diabéticos podem
casos de biópsia renal e de complicações hemorrágicas também apresentar intolerância à glicose. Como conse-
pós-operatórias, que não apresentam causa clara de diáte- qüência, podem apresentar hiperglicemias nos períodos
se hemorrágica, com pro trombina, tempo de tromboplas- per ou pós-operatórios, especialmente quando recebem
tina parcial e plaquetas inalterados'6 • soluções parenterais contendo glicose. Portanto, con-
Nos pacientes em hemodiálise é recomendável não trole rigoroso da glicemia torna-se o brigatório nos
usar heparina no dia da operação. Se a heparina for pacientes com doença renal, nos períodos pré, per e
usada, deve-se esperar, no mínimo, quatro horas para se pós-operatórios.
normalizarem os parâmetros da coagulação antes de se
iniciar a operação. Se a operação for de emergência, o
efeito da heparina pode ser revertido com o uso de pro- Acesso endovenoso
tamina. Nas grandes operações, diálise com heparina
Freqüentes punções endovenosas são comuns em
deve ser evitada por 24 a 48 horas, principalmente nos
pacientes hospitalizados, podendo destruir futuros aces-
casos de risco de sangramento pós-operatório de difícil
sos vasculares para hemodiálise em pacientes com doen-
controle ou naqueles em que a hemorragia possa ter con-
seqüências catastróficas. ça renal. Também devido à possível estenose de subclá-
via, cirurgiões e anestesiologistas devem evitar, sempre
que possível, o implante de cateteres centrais nesta veia.
Antibioticoterapia Se o paciente já apresenta fístula artéria-venosa, a colo-
cação de cateter central deve ser feita sempre no
Em geral, antibióticos pré, per e pós-operatonos
lado oposto.
devem ser administrados de acordo com os princípios
A mensuração da pressão arterial ou a punção em
clinicas e cirúrgicos gerais, incluindo ajuste apropriado
veias periféricas no braço onde já existe acesso artéria-
das doses em pacientes com insuficiência renal 17 •
Pacientes em terapia renal substitutiva que recebem venoso para hemodiálise deve ser sempre evitada. A
antibióticos antes de operações para acesso vascular ou monitorização do funcionamento do acesso vascular
acesso peritoneal apresentam menos complicações infec- para hemodiálise deve ser realizada periodicamente po r
ciosas do que aqueles que não recebem tais agentes 18·' 9• ausculta com estetoscópio e, em caso de obstrução,
devem-se tomar todas as medidas necessárias para o rápi-
do restabelecimento do fluxo nesse acesso.
Metabolismo da glicose

Uma das principais causas de doença renal é o diabetes Efeitos da anestesia na função renal
me/litus. Portanto, um bom controle glicêmico de pacien-
tes diabéticos que irão submeter-se a qualquer tipo de Cardiovasculares
operação é muito importante. Sabidamente, estes pacien-
tes, quando hospitalizados, apresentam controle glicêmi- A causa mais comum de morte nos pacientes com
co mais difícil, devido principalmente à mudança na ativi- insuficiência renal crônica é a doença cardiovascular,
dade física ou a comorbidades agudas, tais como infec- sendo a hipertensão arterial a enfermidade mais freqüen-
ções, vômitos e diarréia, falta de apetite etc. Assim sendo, te. A hipertrofia ventricular esquerda, em combinação
tanto hiperglicemia quanto hipoglicemia podem ser com anemia, é encontrada em até 75% dos pacientes que
observadas após a internação. Por essa razão, pacientes iniciam tratamento dialítico. A insuficiência cardiaca
com doença renal e diabéticos devem ser cuidadosamen- como resultado de isquemia miocárdica ou de hiperten-
te monitorados com medidas da glicemia pré-prandial e são arterial pode ser exacerbada pela uremia e shunts vas-
noturna, monitorização de eletrólitos séricos, observação culares para hemodiálise. Na atualidade, a pericardite
do bicarbonato de sódio e lacuna de ânions séricos e ceto- urêrnica é rara22.25•

477
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Pacientes hipertensos mostram exagerada oscilação resistência vascular e conseqüente comprometimento da


pressórica durante a indução anestésica e inrubação oro- função renal. A co ncentração sérica de catecolaminas cai
traqueal. E nquanto não há clara evidência de que essa durante a anestesia geral, em uma extensão que varia con-
resposta pressórica é a causa de mortalidade e m orbida- forme o agente anestésico e a dose. O estresse cirúrgico e
de no pós-operatório, é prudente buscar adequado con- a isquernia tecidual são poderosos estimuladores da libera-
trole da pressão arteri al, realizar diálise pré-operatória e ção de catecolaminas. Assim, agentes inalatórios como
adotar técnicas que minimizem a instabilidade cardiovas- halotano, entlurano e isotlurano, que não provocam
cular'. A merucação anti-hipertensiva deve ser mantida aumento de catecolarni nas, freqüentemente deprimem a
no pré-operatório. função renal de fo rma leve23•
Merucações pré-operatórias como benzodiazepinicos O sistema renina-angiotensina pode ser estimulado
podem ser usadas, pois são de excreção hepática, predo- por vários fatores, como pressão de perfusão renal redu-
minantemente. Entretanto, a duração e a atividade de zida e depleção de volume extracelular. Trauma cirúrgico
seus metabólicos são prolongadas na insuficiência renal.
e choque hemo rrágico causam intenso estimulo nesse
Pacientes em tratamento rualítico e em uso de anti-
sistema. a anestesia cpidural, ocorre supressão do siste-
hipertensivos podem apresentar hipotensão arterial pro-
ma renina-angiotensina, provavelmente devido à perda
funda, após indução anestésica, causada por depleção de
de tônus simpático renal. A hidratação pré-operatória
volume in travascular após ruálise e efeito aditivo de dro-
adequada parece atenuar a liberação operatória de renina.
gas anestésicas e drogas anti-hiperrensivas ou po r neuro-
A secreção de aldosterona é controlada fisiologicamente
patia autonômica. Hipotensão arterial prolongada no
pelo sistema rcnina-angiotensina. A anestesia pode alte-
peroperatório é forte indicativo de insuficiência renal
rar seu controle, mas alterações na liberação de aldoste-
aguda no pós-operatório2t'.
rona não causam sig nificativas alterações da função renal
no pré-operatório .
Neuroendócrinos Prostaglandinas são produzidas pelo rim e antagoni-
zam o efeito vasocon stritor renal do sistema renina-angio-
O sistema neuroendócrino é estimulado por altera-
tensina. As prostaglanrunas tornam-se importantes na
ções cardiovasculares durante procedimentos anestési-
manutenção do ritmo de ftltração glo merular e função
cos e cirúrgicos, por meio da atividade simpática renal e
rubul ar, quando a função renal está comprometida.
hormonal. Assim, efeito vasoco nstri tor renal é produzi-
Antiin flamatórios não-esteróides, utilizados como meru-
do por angiotensina li, endoteli nas e catecolarninas,
cação pré-anestésica e para tratamento de dor operatória,
enquanto vasorulatação renal é desencadeada por prosta-
podem afetar a função renal dependente da síntese de
glandinas, cininas e óxido nítrico. A combinação do efei-
to vasoconstritor renal, associado à hipotensão arterial e prostaglandinas. Como conseqüência, ocorre redução de
ao uso de drogas é fundamental na piora da função renal, ritmo de fi ltração glomerular e precipita-se a falência renal.
nos pacientes com doença renal. Os efeitos diretos dos agentes anestésicos estão rela-
Os anestésicos inalatórios, com exceção do halotano cionados à auto-regulação do flu xo renal, transporte de
e do óxido nitroso, são depressores cardiacos, e provo- sódio c ne frotoxicidade direta. A auto-regulação é manti-
cam diminuição na resistência vascular sistêrnica e pres- da com tiopeota1, fentanil e halo tano . O transporte de
são arterial média. Muitos agemes também água não sofre influência direta com uso de tiopentaJ e
causam aumento da resistência vascular renal. Essa com- halotano, embo ra esses agentes causem alterações dose-
binação hemodinâmica resulta em depressão do flu xo dependente no ho rmônio anti-diurético e reabsorção
sangüíneo renal e redução do ritmo de fi ltração glomeru- tubular de água.
lar no peroperatório20 • O transporte de sóruo é estimulado por doses peque-
Do r, ansiedade e estresse aumentam a atividade sim- nas de algu ns anestésicos como halotano, óxido nitroso c
pática renal, que produz vasoconstrição renal, com redu- tiopcnraJ , mas é inibido em doses elevadas. A inibição é
ção do ritmo de filtração glomerular e do fluxo sangüineo possivelmente um efeito direto, enquanto o estimulo
renal, com conseqüente liberação de renina. A pressão pode ser causado por in teração com catecolaminas,
arterial é freqüentemente mantida às custas do aumento da angiotcnsina II e aldosterona.

478
•••
Capítulo 39 .: Cirurgia no paciente com doença renal

A avaliação anestésica pré-operatória é essencial no 10 • Le A, Wilson R, Douek K, Pulliam L, T olzman D, 'orman D ,


et ai. Prospective risk stratification in renal transplant candi-
paciente com déficit renal. A função cardiorrespiratória
dates for ca.rdiac dcath. Am J Kidney Ois. 1994;24:65-71.
deve ser otimizada, assim como o balanço hidroeletroli-
11 • Remuzzi, G. Bleeding in renal failurc. Lancet. 1988;1 :1205-8.
tico. O limite de fluido diário deve ser avaliado. Paciente 12 • Pivalizza EG, Abram son DC, Ha rvcy A. Pe riopcrativc hyper-
com doença renal grave ou em programa de diálise crô- coagulability in uremic pa tients: a viscoelastic study. .J Clin
nica deve estar, no pré-operatório, clinicamente euvolê- Anesth. 1997;9:442-5.
mico, normotenso, normonatrêmico, normocalêmico, 13 • Steiner R\'\:t, Coggins C, Carvalho AC. Blecding time in uremia: a
useful teste to assess clinicai b1ccding. Am J Hcmarol.
não-acidótico, com anemia corrigida e sem disfunção 1979;7:107-17.
plaquetária . 13 • Liu YK, Go1dsrein DM , Arora K, Wood D, Ferris FZ, Marcum
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479
40
ABORDAGEM
DO PACIENTE
ONCOLÓGICO

••
João Gabriel Marques Fonseca,
Marco Antônio Gonçalves Rodrigues

Introdução benefício da implan tação de programas educativos de


prevenção e de detecção precoce do câncer, com base
O câncer constitui a segunda causa de óbito, atrás ape- nas características gerais da população e na incidência dos
nas das afecções cardiovascuJares. Parkin et al.' estimaram, principais tipos de câncer.
para o ano de 2000, que o número de caso nO\'O de cân- O diagnóstico precoce e a terapêutica multimodal têm
cer no mundo seria superior a 1O milhões, entre os quais, contribuído de maneira significativa para a mel horia da
53% ocorreriam nos paises em desenvolvimento. Como o sobrevida dos pacientes, em quase todos os tipos de cân-
Brasil não possui registro nacional de câncer, não é possível cer. O câncer sólido, na sua fase inicial, freqüentemente
conhecer o número de novos casos de câncer que são diag- tem sido curado, por meio de ressecção cirúrgica.
nosticados a cada ano. Por isso, as estimativas anuais têm Conrudo, em especial em estádios mais a\'ançados, o tra-
sido de grande valo r. As estimativas para o ano de 2005 tamento do câncer tem induido, freqüentemente, a aplica-
apontaram a ocorrência de cerca de 450.000 casos novos de ção de mais de um método terapêutico. A combinação de
câncer em nosso paí 2• O tipos mai incidentes, à exceção método visa obter indice maiores de cura, com meno r
dos tumores de pele não-melanomas, foram os de próstata toxicidade, menores perdas anatômicas c maior preserva-
e pulmão, no sexo masculino, e os de mama e colo do ção da estética e da função dos órgãos comprometidos.
útero, no feminino, acompanhando a mesma tendência O s processos de decisão, nos casos para os quais exista
observada no mundo. Ainda de acordo com essas estimati- mais de uma opção terapêutica, devem ser discutidos com
vas, o câncer de pele não-melanoma foi indicado como o base em conhecimentos estabelecidos, ou seja, o processo
mais incidente na população brasileira (11 3 mil casos de tomada de decisões deve envolver o compromisso
novos), seguido pelos rumores de mama feminina (49 mil), com a escolha da melhor conduta, caso a caso.
próstata (46 mil), pulmão (26 mil), cólon e reto (26 mil),
estômago (23 mil) e colo do útero (21 mil) 2 •
A análise da distribuição da incidência e mo rtalidade
Hospital especializado em Oncologia
por câncer é fundamental para a compreensão dos aspec- O câncer constitui afecção complexa, que envolve
tos epidemiológicos e para o conhecimento do fatores alto custo e, por isso, representa impo rtante desafio pro-
etiológicos e prognósticos envolvidos em cada tipo espe- pedêutico-terapêutico. Para seu adequado manejo, é
cífico de câncer, além de auxiliar na p revenção da doen- imprescindível a existência de profissionai especializa-
ça, bem como no planejamento e no gerenciamento dos dos e adequadamente treinados, além de apropriada
serviços de saúde. Quanto mais ava nçado o estádio da in fra-estrutura hospitalar. o foco de interesse deve estar
doença, maior é o custo do diagnóstico e do tratamento o paciente, para que ele possa receber o melhor, mais
e meno r a possibiEdade de cura. Por isso, é grande o arualizado e mais específico tratamento para o seu caso.

481
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Por isso, priorizar o encaminhamento de pacientes onco- o cirurgião mais iatrogêníco, contribuindo decisivamente
lógicos para hospitais especializados em câncer ou para para o sofrimento do paciente e de seus familiares.
hospitais de nível terciário de atenção à saúde (p. ex., hos- O cirurgião oncológico pode ser fo rmado de duas
pitais universitários) seria recomendável. Outras institui- maneiras principais. Ele pode iníciar sua formação com o
ções hospitalares de caráter generalista deveriam priorizar treinamento em Cirurgia Geral e, numa segunda etapa, ser
o atendimento de pacientes com afecções benígnas. exposto a programa específico de Oncologia cirú rgica.
este caso, ele fará a residência médica em Ciru rgia
Oncológica que, apesar de dar ênfase para afecções e ope-
Cirurgia Oncológica
rações intraperitoneais, inclui ainda treinamento em ope-
A Cirurgia foi a primeira modalidade de tratamento rações oncológicas do retroperitônio, do tóra..x, da cabeça
do câncer e permanece como aquela gue oferece maior e do pescoço. Essa formação abrangente favorece a reali-
esperança de cura e melhora efetiva dos sintomas, sinais zação de operações alargadas gue, guando necessárias,
e da gualidade de vida dos doentes. O papel do ciru rgião implicam atuar em diferentes regiões anatômicas e realizar
diante dos cânceres sólidos confunde-se com a própria procedimentos cirúrgicos específicos. Outra maneira de
história da Cirurgia. Estima-se gue mais de 90% dos formar o cirurgião oncológico é a partir do treinamento
pacientes com esse tipo de câncer se submeterão, em inícial na Cirurgia Geral, da especialização em uma das
algum momento, a tratamento cirúrgico, sendo gue, em áreas de atuação (Ginecologia, Cirurgia do Aparelho
60% dos casos, a Cirurgia será a principal ou a úníca Digestivo, Urologia etc.) e da superespecialização em
forma de tratamento oncológico. Oncologia (Cirurgia Oncológica Digestiva, Oncologia
Grandes operações por vezes pouco contribuem para Ginecológica etc.)
a vida do paciente. Outras vezes, as ressecções radicais D essa forma, na prática, cirurgiões gerais e, principal-
ou alargadas, algumas com graves mutilações cirúrgicas, mente, especialistas não apenas podem conduzir casos
constituem a forma mais adeguada e segura para vencer oncológicosJ, como talvez sejam aqueles que mais frecJüen-
o processo neoplásico. A utilização de regras preestabe- temente tratem pacientes com câncer. A participação do
lecidas e o respeito a rotinas e consensos são úteis e dão cirurgião no diagnóstico, estadiamento tumoral, tratamen-
amparo legal ao exercício profissional. Os avanços, em to e na pesquisa de novas modalidades propedêutico-tera-
particular nessa área, devem ser alcançados po r meio de pêuticas, assim como sua atuação nas fases mais dificeis da
projetos de pesguisa aprovados por comissões de ética, existência do paciente (recorrência e fase terminal) é que
desenvolvidos com respeito e cautela, e acompanhados vão caracterizá-lo como especialista em Ciru rgia
com o máximo de rigor científico. Oncológica. A integração do cirurgião oncológico com a
A Cirurgia Oncológica apresenta vários e diferentes eguipe multidisciplinar também é essencial ao bom resulta-
objetivos e deve sempre se fundamentar em princípios do da terapêutica a ser empregada.
que nortearão sua prática. Esses assuntos serão discuti-
dos adiante, neste mesmo capítuJo.
Diagnóstico e indicação cirúrgica

Cirurgião oncológico Diante da suspeita de câncer, seja pela presença de


quadro clínico compativel, seja pela existência de fatores
O cirurgião gue atende e opera pacientes com câncer de risco, torna-se imprescindível a realização de avalia-
deve compreender o processo biológico que está enfren- ções complementares gue permitam seu diagnós tico e
tando, para não perder de vista os objetivos, as vantagens sua confi rmação histológica. As avaliações pré-operató-
e, principalmente, as limitações de sua prática. É impres- rias do estado geral do paciente e da extensão da dissemi-
cindivel que ele conheça e vivencie os princípios da nação tumo ral (estacbamento pré-operatório) também
Cirurgia Oncológica, saiba indicar corretamente as ope- são essenciais na escolha da terapêutica ideal. Nos casos
rações e tenha condições técnícas para realizá-las. A inex- de indicação cirúrgica, o estadiamento pré-operatório
periência do cirurgião que atua nessa área limita sua capa- deve ser complementado com a avaliação macroscópica
cidade de resolução dos problemas do paciente; mas, peroperatória e com eventuais exames realizados duran-
sem dúvida, é a imaturidade que, guando presente, torna te a operação. E ntre eles, destacam-se o exame histoló-

482
Capítulo 40 .: Abordagem do paciente oncológico •
••
gico peroperatório por corte de congelação e a ultra- Ressecável é o tumor que apresenta condições de ser
sonografia peroperatória. Por meio dessas avaliações, removido, respeitando sempre a relação custo-benefício.
define-se a possibilidade de operar o paciente (operabi-
lidade), de ressecar seu tumor (ressecabilidade) e, prefe-
rencialmente, de fazê-lo com radicalidade oncológica Avaliação do paciente com câncer
(ressecabilidade com finalidade curativa) . Após a reali-
zação das ressecções e por meio do exame anatomopa- Avaliação clínica geral
tológico da peça cirúrgica, devem ser confirmados o
Pacientes com câncer apresentam freqüentemente com-
diagnóstico histológico e seu estadiamento. O prognós-
prometimento de suas condições clínicas, em decorrên-
tico do paciente e a necessidade de tratamento adjuvan-
cia não apenas da presença do tumo r, mas também de
te dependem, diretamente, do estadiamento tumoral
sua idade (os pacientes geralmente são idosos), da exis-
final e do tipo de ressecção realizada quanto à existên-
cia ou não de doença residual. (Figura 40.1) tência de doenças e outras condições mórbidas associa-
É importante distinguir os conceitos de ressecabilida- das (tabagismo, etilismo etc.), e da ocorrência de compli-
de e operabilidade. Operável é o doente que apresenta cações (hemorragia, obstrução, desnutrição etc.) que são
condições para ser submetido à terapêutica cirúrgica e causas de graves repercussões orgânicas. Além disso,
concorda com a realização do procedimento cirúrgico. esses pacientes são candidatos a receber tratamentos

-------------------------------------------------------------------------------------------------··•
Suspe ita de avaliação clínica e exames co mplementares
câncer

verificação das condições clínicas


diagnóstico tumoral e conftrmação histológica
estadiamento tumoral pré-operatório

Indicação cirúrgica

Procedimen to
Operabilidade (paciente)

estadiamento peroperarório
(avaliação macroscópica peroperatória etc.)

Ressecabilidade
(rumor)

Ressecabilida de com finali dade c urativa (rumor)


(preferencial)

diagnóstico hisrológico e esradiamenro finais

definição do prognóstico e de eventual tratamento


adjuvante


··-------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 40. 1 .: Algoritmo com o manejo do paciente oncológico que apresenta indicação de tratamento cirúrgico

483

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

agressivos, que também podem acarretar prejuizo à sua Avaliação global do paciente
saúde, seja pelas complicações perioperató rias o bserva- (performance status)
das em pacientes tratados cirurgicamente, seja pela toxi-
cidade e pelos efeitos colaterais das demais fo rmas de O performance status (PS) do paciente constitui ava-
terapia o ncológica. Po r essa razão, é imprescindivel que liação de caráter subjetivo, po rém, se feita e registrada de
o paciente seja adequadamente avaliado antes de ser rea- modo criterioso e a cada consulta, passa a ser impo rtan-
lizado o tratamento, sendo o resultado dessa avaliação te na avaliação global do paciente com câncer. U ma piora
importan te inclusive na tomada da decisão terapêutica. progressiva no PS pode predizer a progressão da doença.
D essa fo rma, esse simples parâm etro pode auxiliar na
solicitação de exames complem entaras e na definição da
conduta pro pedêutico-terapêutica' . E ntre as escalas de
Marcadores tumorais séricos PS já validadas, des tacam-se a de Karnofsky, doAmerican
Um dos p rin cipais focos da saúde pública tem sido a Joint Committee on Cancer (AJ CC) e a da Eastem Cooperative
busca de métodos q ue auxiliem na detecção precoce do Oncology Croup (ECOGY. A primeira é mais detalhada e
câncer, no mo nito ramento da eficácia de seu tratam ento exata; a segunda, mais simples e objetiva. (Quadro 40.2)
e no diagnóstico de eventuais recidivas e metás tases . Os
marcado res tumo rais são substâncias produzidas pelo
Estadiamento tumoral
tumo r o u pelo hospedeiro, que têm sido empregadas
para diferenciar neoplasias de tecido inalterado, po r m eio A estratégia terapêutica do câncer tem no estadiam ento
de sua mensuração no sangue o u em o utras secreções•. uma de suas peças fundamentais. Conhecer o estádio tumo-
Essas substâncias podem ser antigenos o ncofetais, anti- ral, o u seja, a fase da doença que se pretende tratar, é essen-
corpos, hormónios, enzimas, isoenzimas, proteínas de cial ao sucesso do tratamento. Por sua vez, para avaliar ade-
adesão, pro teínas secretóri as, carboidratos epítopes quadamente o estadiam ento tumoral, é mister conhecer os
(marcadores mucinicos) e prod utos de o ncogeness. principais tipos de disseminação do tumor que está sendo
Vários marcadores tum o rais têm surgido nos últimos avaliado (continua, contígüa, linfática, hematogênica, trans-
anos, contudo faltam estudos que os validem para uso perito neal etc.). Esse é um bom exemplo de importante
rotineiro na prática clinica, especialmente com o objetivo conhecim ento de patologia aplicado à atividade clinica.
de rastreamento e diagnóstico. A maioria deles vem
sendo emp regada com o o b jetivo de favorecer o diagnós-
tico precoce de recidivas loco-regionais ou de metástases Objetivos
a distância6•8 • AJguns m arcadores tumorais têm sido tam-
O conhecimento da extensão da disseminação tumo-
bém considerados fa tores prognósticos, co mo é o caso
ral permite definir, com m aio r segurança, a melho r tera-
do antigeno cárcino-embrio nário 9 • No Q uadro 40.1,
pêutica, evitando-se o tratam ento incompleto, q ue pode-
estão sum ariadas as características de um marcado r
ria levar ao comprometimento da radicalidade o ncológi-
tumoral ideal, meta ainda não alcançada.
ca, e o tratam ento excessivo, que poderia cursar com des-
necessária morbidade perioperatória. Infelizmente, os
métodos propedêuticos não têm alcançado a acurácia
Quadro 40. 1 .: Características de um marcador tumoral ideal
desejada, tanto no diagnóstico quanto no estadiamento
-------------------------------------------·· dos tumo res. Em conseqüência dos erros o bservados
Fácil menauração nessa avaliação propedêutica, observa-se grande prejuízo
Ausente em doenças benignas aos pacientes, com necessidade de se repetirem exames,
Detectávd em csddios iniciais do câncer
com conseqüente atraso e aumento do custo do trata-
mento, to m ada de decisão terapêutica equivocada, reali-
Relação direta entre seu nlvcl e a extensão do tumor
zação de ressecções sub o u superdi mensionadas, defini-
Rdaçio inversa com a eticlcia do ttatamento
ção prognóstica fal ha, entre o utros problemas. O reco-
13aixo custO nhecimento das causas de erros e das limitações de cada

··------------------------------------------- exame é essencial na escolha dos melho res métodos pro-

484
Capítulo 40 .: Abo rdagem do paciente oncológico

••
pedêuticos a serem utilizados no diagnóstico e estadia- tórax, abdome etc.); ressonância magneoca (angio rresso-
menta dos cliversos tipos de câncer. nância, colangiorressonância etc.); endoscopia (digestiva
alta, laparoscopia, broncoscopia etc.); endossonografia (do
esôfago, do estômago ou do reto); PET-scan; li.nfografia,
Exames propedêuticos pré e peroperatórios pesquisa de linfonodo sentinela, cintilografia etc. As im-
Além do exame clinico que pode ser muito útil no esta- pressões clinicas e imaginológicas, no entanto, não consti-
diamento tumoral (por exemplo, nódulo cervical, ascite, tuem guia absolutamente confiável. D ecisões quanto à in-
massa pélvica palpável, icterícia, prateleiras de Bloomer viabilidade de se realizar ressecções com finalidade curativa
etc.), vários exames podem ser empregados para aprofun- devem se basear em resultados histológicos ou citológicos.
dar o estadiamento tumoral pré-operatório. Entre eles, des- Por exemplo, a presença de líquido peritoneal não significa
tacam-se: radiografia de tórax; ultra-sonografia (cervical, obrigatoriamente ascite neoplásica e carcinomatose
abdominal etc.); tomografia computadori zada (crânio, peritoneal. É importante sua con firmação citológica.

Quadro 40.2 .: Escalas de Karnofsky e ECOG empregadas na definição do performancr stalm (na avaliação su bjetiva do pacie nte
com câncer)

-----------------------------------------------------------------------------------------------------··•
Karnofsky ECOG
100 Alividade llOIIDIII o
Gpz de eu:ruriOdas a aúvidades pri-doença
lliçio
Capaz de atividades flsicas habituais 90 Restrição a atividades mais vigorosas, porém permanece
Poucos sinais ou sintomas da doença ambulatorial, sendo capaz de trabalhos leves e de narure-
za sedentária

Capaz de exen:er atividade habicual com esíarço 80


AJgw. linlil e IIÍDtomU da doença
Cuida-se sozinho 70 Capaz de cuidar de si próprio totalmente, mas 2
Incapaz de exercer atividade habitual ou trabalho incapaz de trabalhar
ativo Ambulatorial e não-acamado em mais de 50% do
tempo
Ocasionalmente necessita de assistência

Nccatita de MIWncie ocuionll, 11111 é C1p1Z de 6()


cuidar da IDiior pane de -próprias IM'Crl'idtdes
Necessita de considerável assistência e cuidados 50 Capacidade limitada d e cuidar-se 3
médicos freqüentes Confinado a cama o u cadeira em mais de 50% das
ho ras d iurnas
Ambulatorial 50% do tempo ou menos
Cuidados constantes

40

i ncapacidade acentuada 30 Acamado 4


Indicada hospitalização, embora a morte não seja T oralmente incapaz
iminente ào consegue cuidar de si próprio
Pode necessitar de hospitalização
Mudo cioe&u 20
Nec:aeila de: boepi1111iz1çio e IDrii'IICDCO de: suponc
Moribundo 10
Processo fatal progredindo rapidamente


··----------------------------------------------------------------------------------------------------
ECOG - Eastern Coopcrncive Oncology Group

485
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
O material deve ser enviado ao serviço de patologia com Quadro 40.3 .: Bases do estadiamento TNM
fixação em álcool (em partes iguais). Na ausência de ascite, ----------------------------------------------··
Classificação TNM •
o lavado peritoneal peroperatório pode ser realizado nos
T -Tumor primário
cânceres do tubo digestivo. Basta insrilar cerca de SOmL de
solução salina em área próxima ao câncer e o aspirado é
Tx Tumor erimário não ser avaliado ]
TO Não há evidência de rumor primário
enviado para citologia (idealmente deve-se centrifugá-lo).
Tis Tumor in siru
Células mesoteliais devido a reação inflamatória intensa
T1 a T4 Tamanho crescente e/ou extensão local do rumor primário
podem ser confundidas com células tumorais. A presença
de sangue no lavado peritoneal dificulta também a sua ava- N - Linfonodos

liação. O diagnóstico de células malignas no lavado tem Nx Linfonodos regionais não podem ser avaliados _ _ ___.

valor prognóstico nos tumores malignos intraperitoneais3• NO Ausência de metástases em linfo nodos regionais
Durante o procedimento cirúrgico, o estadiamento
---
Nl a N3 Com rometimento crescente dos linfonodos re 'onais
deve ser complementado por meio da exploração cirúrgica Obs. metástases em linfonodos não-regionais devem ser conside-
radas metástases à distância
e de exames complementares, que irão ratificar ou retificar
M - Metástases à distância
a impressão pré-operatória. Os principais métodos empre-
gados no estadiamento tumoral peroperatório são a avalia- Mx Presença de metástases à distància não pode ser avaliada
iVIO Ausência de metástases à distância
ção macroscópica feita pelo cirurgião, o exame histológico
Ml Presen a de metástases à dista
::'n:;:;c::ia:..____________,
por corte de congelação e o exame ultra-sonográfico.
··-------------------------

Regras gerais do sistema TNM Aspectos genéticos e moleculares


do câncer
O sistema TNM (tumor, linfonodo e metástase) para
classificação dos tumores malignos foi desenvolvido em O conhecimento em relação ao câncer evoluiu muito
meados do século passado. A partir da década de 80 do entre a descrição da estrutura molecular dos ácidos nucléi-
século passado, a AJCC, o UICC e demais organismos cos, por Watson e Crick", e a publicação dos resultados do
internacionais procuraram uniformizar, atualizar e desen- projeto Genoma Humano, em 2000' 2. A partir do conheci-
volver novas classificações'0 . As regras gerais empregadas mento detalhado das alterações moleculares que consti-
no sistema TNM estão expressas no Quadro 40.3. tuem a base do desenvolvimento tumoral, concluiu-se que
A classificação TNM para descrever a extensão ana- o câncer é uma doença genérica. O crescimento e a disse-
tômica dos cânceres considera três componentes: T- minação tumoral são marcados por alterações nos genes de
extensão elo tumor primário; N- ausência ou presença e origem somática ou genérica, propriamente dita. Esses
extensão das metástases linfonodais (linfonodos regio- conhecimentos moleculares, em franca evolução, consti-
nais); M- Ausência ou presença de metástases a distância. tuem a base da carcinogênese e têm permitido compreen-
Essa classificação pode ser clínica, cirúrgica ou anatomo- der as alterações cromossômicas relacionadas a diversos
patológica, dependendo do momento em que ela é reali- tipos de câncer e entender os vários processos relacionados
zada. O estadiamento clínico (cTNM) baseia-se nos ao desenvolvimento e progressão da doença maligna.
achados clinicas, exames de imagem, endoscopias, Na prática, as seguintes conquistas têm sido conside-
biópsias e outros exames pré-operatórios. A classificação radas os principais avanços nesse conhecimento: a) des-
cirúrgica (sTNM) deve considerar também os aspectos coberta de marcadores tumorais moleculares, que tem
peroperatórios, ou seja, observados durante a exploração permitido avaliação prognósrica mais adequada e melhor
cirúrgica: avaliação macroscópica, ultra-sonografia, predição da resposta ao tratamento antineoplásico; b)
exame histológico por corte de congelação etc. A classi- desenvolvimento de agentes anrineoplásicos com alvo
ficação anatomopatológica (pTNM) deve basear-se ainda molecular definido, ou seja, específicos para alterações
nos exames macro e microscópico da peça cirúrgica, e das células neoplásicas (drogas anriangiogênicas e anti-
quase sempre coincide com a classificação final (ITNM). metástases, anriproliferarivas e pró-apoptóricas); c) diag-
Após a definição das categorias T, NeM, elas podem ser nóstico de síndromes genéticas que predispõem ao cân-
agrupadas por estádios (I a IV, com subdivisões). A pre- cer, ou seja, identificação de populações de alto risco
sença de metástases a distância define o estádio IV. (aconselhamento genético e prevenção secundária) 13•
486
Capítulo 40 .: Abo rdagem do paciente oncológico

••
Preparo pré-operatório do paciente
com câncer
Aceitação e autorização para realização de procedimentos muriladores
Pacientes oncológicos apresentam maior risco de apre-
Terapia nutricional (enteral ou arcnteral)
sentar complicações perioperatórias em decorrência de
Correção dos distúrbios hidroclecroliticos e ácido-básicos
serem freqüentemente idosos, desnutridos, imunodeficien-
Corr ão da anenúa
tes, etilistas, tabagistas e, algumas vezes, por terem sido

____
Correção dos distúrbios de coagulação
submetidos à terapêutica neoadjuvante com químio e/ou Otimização da função respiratória
radioterapia. Se, por um lado, a radioterapia pré-operatória ...;;..
Profilaxia de infecções cirúrgicas
aumenta a possibilidade de necrose de retalhos, fístulas
anastomóticas e lesões acúnicas diversas, os quimioterápi- • P reparos específicos (relacionados ao paciente ou à operação a ser realizada)
cos são potencialmente tóxicos para o coração, o pulmão,
a medula óssea e os rins. Pacientes em quimioterapia neo-
··----------------------------------------------
adjuvante apresentam-se freqüentemente com acentuado Princípios da C irurgia Oncológica
comprometimento do estado nutricional e imunológico.
E ntre as complicações pós-operatórias, as mais freqüentes O procedimento cirúrgico pode ter finalidade curativa
têm sido as infecciosas e as tromboembólicas. ou paliativa. A ressecção com finalidade curativa está indi-
A fadiga também constitui condição comum em pacien- cada sempre que não ficar defmida a presença de doença
tes oncológicos14. Fatores fisiológicos e fisiopatológicos avançada, ou seja, quando não estiver confirmada a exis-
inter-relacionados contribuem para o desenvolvimento tência de metástases a distância. Ela consiste na exérese do
desse sintoma e incluem depressão, anemia, infecção, radio- tumor com margens de segurança suficientes para se
terapia, quimioterapia, desnutrição, perda de massa muscu- obterem bordas cirúrgicas Uvres de neoplasia, na remoção
lar, imobilidade, alterações do sono e liberação de citoci- de linfonodos regionais suspeitos ou não (linfadenectomia
nas14.1 5. Com o objetivo de prevenir e tratar a fadiga, inter- radical) e na ressecção de estruturas, órgãos ou segmentos
venções não-farmacológicas (repouso, sono, exercício físi- de órgãos eventualmente envolvidos por contigüidade. É
co e redução do estresse) e farmacológicas deveriam ser sis- muito importante realizar a operação em monobloco e tra-
tematicamente implementadas tanto no pré-operatório balhar longe da neoplasia. Contudo, em alguns casos, é
quanto no pós-operatório de procedimentos oncológicos15. possível prescindir da liofadenectomia, considerando a
No preparo pré-operatório do paciente com câncer, baixa freqüência de metástases linfáticas observada, por
várias medidas devem ser sistematicamente tomadas; no exemplo, nos carcinomas folicuJares da tireóide, nos tumo-
Quadro 40.4 estão sumariadas algumas delas. A correção res estromais gastrointestinais e em alguns carcinomas
da anemia, por meio da transfusão de concentrado de digestivos intram ucosos.
hemácias, além do risco de transmissão de infecções virais, U m p rincípio essencial da Ci rurgia Oncológica é o
pode propiciar a ocorrência de complicações microcircula- plane jamento cir úrg ico. É inaceitável o cirurgião
tórias e imunossupressoras, sendo esta última associada ao con hecer seu paciente na mesa cirúrgica, em particular
maior risco de infecção pós-operatória e recidiva tumoral 16. se o paciente tem câncer. A p rim eira operação é a
Contudo, não podemos evitar a transfusão de sangue e melhor, senão a única, oportunidade de curar uma neo-
derivados nas operações oncológicas de grande porte, plasia18. D essa forma, é imprescindível o adequado
envolvendo perdas sangüíneas consideráveis e em pacien- conhecimento sobre o compor tamento e a extensão da
tes com concentrações de hemoglobina abaixo de 1Og/c!L, doença que se pretende tratar, p ara se planejar adequa-
especialmente naqueles muito idosos, com doença arterial damente a estratégia terapêutica, a tática e as técnicas
coronariana ou outras condições mórbidas importantes. cirúrgicas . Com isso, seria mais fácil evitar a permanên-
As operações oncológicas, especialmente as abdomi- cia tumoral e a fu tura recid iva clínica, que poderiam
nopélvicas, têm cursado com alto risco de complicações agravar substancialmente o prognóstico e que, em mui-
tromboembólicas, com mortalidade que atinge 29% em tos casos, até poderiam ser consideradas iatrogênicas.
pacientes não-tratados. A prevenção, o diagnóstico e o Certamente, sem pre que possível e seguro para o
tratamento permanecem como um dos grandes desafios paciente, o tratamento cirúrgico em um só tempo é mais
no manejo do paciente com câncer 11 • van tajoso e desejável. No entanto, em algun s casos, em

487

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

particular em pacientes idosos e/ou com maior risco mia total proftlática tem sido indicada em pacientes que
cirúrgico, pode ser interessante realizar o procedimento apresentam história familiar de carcinoma gástrico e
cirúrgico em dois ou mais tempos. Desse modo, aumen- mutação CDH do gene E-caderina, em co nseqüência do
ta-se a tolerância ao procedimento, reduzindo a morbi- grande risco de desenvolverem tumores do tipo difuso
mortalidade operatória. Nesses casos, é importante que o de Laurén do tipo familiar 19• Outros exemplos de ressec-
paciente e seus familiares sejam orientados sobre os ção preventiva incluem pacientes com: retocolite u.lcera-
motivos que justificaram essa conduta, para entenderem tiva de longa evolução e difícil controle clinico; lesões
o ocorrido e aceitarem mais facilmente a necessidade de pré-cancerosas da pele; leucoplasia da mucosa oral; dis-
outra(s) intervenção(ões). plasias de alto grau do colo uterino, da mucosa gástrica
Na tentativa de melhorar a qualidade de vida pós- etc.; testículo ectópico (indicada orquiopexia para facili-
operatória, além da preocupação em definir técnicas de tar o diagnóstico de eventual futuro câncer ou orquiecto-
reconstrução mais funcionais, os cirurgiões têm se mia para prevenir sua ocorrênciar 8 •
preocupado também em realizar ressecções tumorais
mais econômicas e por meio de procedimentos menos
agressivos, respeitando as particularidades de cada Diagnóstico e estadiamento
caso. Com o advento da Cirurgia Laparoscópica, o
Em alguns poucos casos, o diagnóstico e o estadia-
interesse dos cirurgiões em incorporar as vantagens do
método no tratamento do câncer também tem sido menta do tumor acabam não sendo factíveis a partir do
grande. Contudo, esse assunto é ainda controverso e o exame clinico e dos exames complementares e o pacien-
acesso videocirúrgico em operações oncológicas deve te precisa ser submetido a procedimento cirúrgico com
ser empregado sob rigoroso protocolo de pesquisa. interesse propedêutico. Nessa situação, devem ser toma-
Vale lembrar que a implantação de células tumo rais na dos alguns cuidados para garantir o sucesso do procedi-
parede abdominal (nos portais), apesar de não parecer mento e que incluem: a) escolha correta do local e da téc-
freqüente, deve ser mais bem avaliada. nica de coleta do material para exame histopatológico, de
Outros importantes princípios da Cirurgia Oncológica modo a propiciar material suficiente para o diagnóstico e
são discutidos em tópicos desse mesmo capítulo. minimizar o risco de disseminação tumoral; b) zelo com
a fixação e encaminhamento do espécime ao patologista.
A biópsia excisional é geralmente a preferida; contudo,
Objetivos da Cirurgia Oncológica em alguns tumores superficiais (mama, tireóide etc.) ou
Apesar de o objetivo central do tratamento cirúrgico quando é possível realizar o procedimento ecoguiado, a
do câncer ser o seu controle loco-regional, visando a cura punção aspirativa com agulha fina constitui um bom
do paciente, vários outros importantes objetivos preci- método tanto para permitir o diagnóstico histológico do
sam ser destacados e serão discutidos adiante. tumor quanto para confirmar a presença de metástase a
distância. A acurácia aumenta significativamente com a
experiência do cirurgião e do patologista com o método.
Prevenção

As ressecções estão indicadas no tratamento de algu- Cura


mas afecções pré-cancerosas, com o objetivo de prevenir
a ocorrência e disseminação dos tumores. Na polipose A cura do paciente depende principalmente do diag-
colônica familiar, doença de caráter autossômico domi- nóstico do câncer em fase precoce e da escolha adequa-
nante, deve-se indicar precocemente a colectomia to tal da e execução correta do procedimento cirúrgico. Com o
ou a proctocolectomia total, preferencialmente antes dos objetivo de alcançar a cura do câncer com a terapêutica
25 anos de idade. Os pólipos do tubo digestivo, princi- cirúrgica, é imprescindível o respeito a uma série de cui-
palmente os pólipos adenomatosos maiores de 2cm e os dados para se prevenir a disseminação peroperatória da
pólipos vilosos colônicos, por apresentarem importante neoplasia e evitar a recidiva tu moral. Os principais cuida-
potencial de malignização, também devem ser removidos dos peroperatórios que têm sido citados com esse obje-
e adequadamente examinados. Atualmente, a gastrecto- tivo estão expressos no Quadro 40.5.

488
•••
Capítulo 40 .: Abo rdagem do paciente oncológico

Quadro 40.5 .: Cuidados peroperatórios citados na prevenção da Redução do tumor


disseminação peroperatória e na recidiva tumoral
A redução do tumor, ta mbém con hecida como
Realizar incido cirú!B!fa ampla e em local adequado cito rredução, tem sido indicada principalmente em
Proteger tecidos vizinhos, parede abdominal e segmentos distais c p roximais cânceres que, apesar de serem por princípio sensíveis a
do rubo digestivo químio e/ou a radioterapia, em decorrência de suas
Isolar o tumor com compressas (nos tun'IOreS digestivos quan- grandes dimen sões acabam por responder mal a essas
do há invulo tumoral da serosa)
modalidades terapêuticas. A ressecção cirú rgica, nessa
Evitar a manipulação excessiva e a ruprura do rumor
situação, além de reduzir as manifestações próprias de
seu tamanho e decorrentes de compressões locais,
Retirar todos o s linfonodos regionais de drenagem da região o nde está o
rumo r favo rece a ação dos agentes guimio terápicos. Câncer
de ovário, carcino ma testicular e tumo res de iJhotas
Realizar, sempre que possíve.l, a operação em monobloco c trnbalhar longe do pancreáticas co nstituem algu ns dos tumores que têm
rumor sido operados com essa finalidad e.
Ligar os pc:dlculos venosos antn dos arttriais e no início oo procedimento para
eviw a disseminaçloha __ ..·- ·
Trocar as luvas e os instrumentos cirúrgicos, após a ressecção tumoral Reconstrução
Aplicar clipes rnetálicoe, sempre que necessário, para orienw o campo de
radio terapia As ressecções c1rurgicas fregüe ntemente im plicam
• mutilações, perda de tecidos, ablação de ó rgãos . É
imprescindível gue o cirurgião se preocupe em o ferecer
Paliação a melho r correção para esse de feito, considerando gue
esta etapa do tratamen to está estreitamente relacio nada
As operações com esta orientação visam sobretudo com a g ualidade de vida do paciente. Po r meio de pro-
melhorar a gualidade de vida, apesar de também preveni- cedimentos bem indjcados e executados, como im plan -
rem algumas complicações gue colocariam em risco a vida te de pró teses (olhos, pênis, tesúculos etc.), rotação de
do paciente. Dessa forma, particularmente guando a opera- retalhos (p. ex., mjocutâneos, para recompor grandes
ção paliativa inclui a ressecção do rumor, observa-se perdas teciduais), utilização de enxertos e transposição
aumento da sobrevida do paciente, com freqüência de de ó rgãos (p. ex., esofagocoloplastia), é possível favo re-
fo rma estatisticamente significativa. Por principio, os proce- cer a recuperação funcional e p sicossocial do paciente.
dimentos cirúrgicos paliativos devem apresentar baixa mor-
bimortalidade, para se justificarem do ponto de vista da rela-
ção risco-beneficio. Eles têm sido indicados na presença de Aspectos psicológicos do paciente
dor, obstrução, hemorragia e infecção. No Quadro 40.6, com câncer
estão sumariadas as principais indicações de tratamento
cirúrgico paliativo com as respectivas opções terapêuticas. Transdução e câncer
Um dos problemas cen trais da Psicooncologia é a
Quadro 40.6 .: Indicações de tratamemo cirúrgico paliativo com
suas respectivas opções terapêuticas chamada transdução, ou sej a, a capacidade de um pro-
blema físico ocasionar uma experiência psicológica e
Obstrução Drenagem interna e externa (ostomia), vice-versa. Seria a partir dessa importante interação gue
biliar, urinAria etc.) by-pass, ressecção tumoral etc.
um evento men tal poderia afetar o corpo, favo recendo
llem o rragia Rcssccçào do rumo r, ligadura vascular etc. a ocorrência de enfermidades. Inúmeros pesguisado-
Infecção Drenagem, desbtidamento e ressecção de res2fl.3 têm procurado estabelecer ligações entre variados
tumores ulcerados e infectados de superfl-
cie (cabeça e pescoço, membros,
eventos psicológicos e o desenvolvimento do câncer.
mama etc.) Ainda gue o assunto necessite ser mais bem avaliado,
Do r (secundária a obs- Rcssccção tumoral, drenagem, cordato · tem sido observada associação entre perdas (separa-
trução, fratura, infec- mias, infiltração de raízes nervo sas etc. ções, enlu tam en tos, d esemprego etc.), isolamen tos
ção, infiltração tu moral)
emocionais e traumas, e o aparecimento de câncer anos

··---------------------------------------------
489
..

-----------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mais tarde. Sentimentos profundos e crontcos d e ocasiona estresse, podendo também precipitar um a crise.
mágoa e culpa têm sido também considerados impor- o Quadro 40.7, estão sumariadas definições de algu ns
tantes na gênese dessa afecção. importantes termos empregados em Psicoonco1ogia 24•

Conhecimento da doença pelo paciente Quadro 40.7 .: Definições de alguns termos empregados em
Psicooncologia
Dar ou não conhecimento da natureza de sua doença Termo Definições •
aos pacientes oncológicos tem sido uma das questões mais
Eventos de vida Mudanças no ambiente social que gcr.un
discutidas no manejo desses pacientes. Os avanços prope- repercussões e requerem ajuswnenros
dêutico-terapêuticos em Oncologia têm favorecido a Estresse Estado interno de ativação ocasionado por
melhoria nos índices de sobrevida, com significativas taxas um evento de vida
de remissão e cura. Contudo, a partir desses resulra.dos e da Crise Estado temporário, mas amplo, de desequi-
llbrio ocasionado por um evento de vida
"cronificação" da doença, passou-se a exigir dos pacientes
En frentamcnto Adaptação em condições difi-
esforços redobrados no sentido de permanecerem sob ceis e de desequilíbrio
constante vigilância, para viabilizar o diagnóstico precoce de Adaptação Continua interação entre o paciente c o
eventual recidiva rumoral. Esse processo gera, em pacientes ambiente, portanto com implicações c
mal informados, questionamentos e dúvidas; nos conscien- estratégias mais abrangentes do que as do
cnfrentamento
tes, angústia e medo. Contudo, em qualquer das situações,
Suporte social Informação que leva o paciente a sentir-se
saber exatamente o que está acontecendo parece favorecer amparado, amado e estimado
a integração do paci.e nte com a equipe de saúde, melhorar •
seu entendimento dos fatos, aumentar sua aderência ao ··----------------------------------------------
acompanhamento clinico-oncológico e, conseqüentemen-
te, facilitar o suporte psicológico tanto ao paciente quanto
aos seus familiares. Por isso, atualmente não se pode igno- Relação médico-paciente oncológico
rar as dimensões humana e existencial do câncer, uma vez
que a abordagem de seus aspectos psicológicos e psicosso- Inicialmente é preciso definir, a partir de adequada
ciais constimi parte essencial do tratamentd 4 • relação médico-paciente, as necessidades individuais e
O conhecimento e o saber são importantes elemen- especificas de cada paciente. Aqui a estratégia é escutar o
tos ampüadores de limites e redefinidores de horizontes; paciente e seus familiares. Com o conhecimento do diag-
ao contrário, o desconhecimento e a ignorância são limi- nóstico do câncer observam-se comportamentos diver-
tado res de experiências e de crescimento. A desinforma- sos, dependendo de inúmeros fatores, a maioria deles
ção marginaliza o paciente do processo no qual ele é o relacionada a características p essoais, a vivências e ao
principal interessado . A dúvida gera ainda mais angústia período da vida do paciente, mas também ao apoio fami-
e sofrimen to. Vale, entretanto, lembrar que toda regra liar recebido e ao auxílio profi ssional disponivel. Com
admite exceções. freq üência são observados, em um mesmo paciente, clife-
Na tentativa de combater o estigma do câncer, inúme- rentes comportamentos, atualmente considerados fases
ras campanhas de esclarecimento à população têm sido vei- de um mesmo processo.
culadas, o que tem favorecido o melhor entendimento do Inicialmente, é comum que a súbita confrontação
que é o câncer, de suas diversas opções terapêuticas e das com a própria vulnerabilidade gerem, no paciente, medos
possibilidades de sucesso. Com isso, esta.beleceu-se um fundamentais, em particular da mutilação, da dependên-
novo padrão de relacionamento entre os profissionais de cia, da alienação e da morte. O comportamento do
saúde e os pacientes oncológicos, que passaram a exigir paciente pode ser regressivo, buscando a autoproteção,
muito mais informação, tempo e atenção c a demandar ou de enfrentamento, caso em gue o indi víd uo tenta
mudanças comporta.mentais adaptativas desses profissio- assumir o domínio sobre a situação24 • Em qualquer das
nais, para conviverem com a nova realidade. situações, o paciente demanda atenção, necessita de
O conhecimento pelo paciente da existência do cân- informações e a interação estrei ta com o seu médico é
cer, um dos eventos de vida atualmente mais estudados, fundamental para o sucesso do tratamento.

490
•••
Capítulo 40 .: Abordagem do paciente oncológico

Suporte psicológico do paciente com câncer micas com a finalidade de possibilitar o acesso ao trata-
mento, alertam para possíveis psicopatologias, bem
Uma boa qualidade de vida é primordial e as relações como integram pacientes e familiares ao ambiente ambu-
humanas afetivas constituem a base para alcançá-la. latorial e hospitalar.
T odavia, também é mister o controle de transtornos fre-
qüentes, como dor, náuseas, inapetência, depressão, falta
de libido, impotência, depressão e ansiedade, para se resti- Resultado do tratamento oncológico
tuir o equilibrio psico lógico do paciente, facilitando sua
interação com o meio. Vários pacientes receberão apoio O resultado do tratamento oncológico tem sido ava-
psicológico de seu próprio médico e dos demais profissio- liado e classificado em diferentes momentos e de formas
nais de saúde envolvidos diretamente em seu atendimento. distintas. E m pacientes submetidos a tratamento cirúrgi-
Contudo, outros precisarão ser atendidos por profissionais co, a primeira avaliação do tratamento realizado é o pró-
especializados, seja para tratamento de transtornos psicoló- prio resultado anaromopatológico. É importante que o
gicos específicos, seja para realização de psicoterapia. cirurgião biopsie lesões em que haja sus peita de metásta-
O supo rte psicológico ao paciente com câncer não se (hepática, peritoneal etc.) e envie ao patologista junta-
deve ser visto como preparação para a morte (apesar de mente com as peças cirúrgicas devidamente fixadas e com
ser este um objetivo importante), pois muitos doentes, as margens cirúrgicas identificadas de modo adequado.
mesmo estando curados, necessitam desse supo rte. Ele D esenho esquemático com os po mos críticos pode facili-
também é imprescindivel no mo mento da eventual tar o trabalho do patologista, diminuindo as probabili-
recorrência do tumor. D e aco rdo com Silveira e dades de erro' . Em casos duvidosos, essas lesões e as mar-
ChavesN, " o sofrimento co mpartilhado é o princípio da gens devem ser examinadas no peroperatório por meio
comemo ração coletiva das vitó rias alcançadas e o do exame histológico por corte de congelação. Reco-
sucesso de um empreendimento em favor da vida não menda-se também biopsiar o tecido do antigo leito tumo-
depende apenas de quanto se conseguiu, mas o que e ral. A comprovação histopatológica é fundamental para a
como se conseguiu." correta definição da doença residual. Processos inflama-
As principais condutas empregadas no supo rte psico- tórios ou fibróticos pós-radioterapia podem ser confundi-
lógico ao paciente com câncer estão expressas no dos macroscopicamente com tecido neoplásico.
Quadro 40.8. O prognóstico e o tratamento pós-operatório serão
diferentes dependendo do tipo de intervenção realizada.
É considerada operação curativa (RO) aquela na qual,
Quadro 40.8 .: ondutas empregadas no suporte psicológico ao macroscopicamente, não se observa câncer residual e em
paciente com câncer que os linútes microscópicos da ressecção estão livres de
--------------------------------------------··• acometim ento rumoral 3• Uma ressecção Rl é aquela na
Diminuir a pmx:upaçio com a doença qual ficou doença residual microscópica. Quando, após a
Restituir a autoesrima c a autoimagem ressecção cirú rgica, permanece doença residual visível
Estimular o cnfm11amcnco e a adapcaçio, valorizando o suporte psico-social (macroscópica) ela é categorizada como R2.
Controlar a ansiedade
Em um segundo momento, a solicitação de marcado-
Traw a depressio
res tumorais e de exames de imagem (tomografia etc.)
Recorrer, quando necessário, à psicofam1acologia
poderá ser útil tanto para diagnosticar recidivas em
Trabalhar mdi•-idualmcntr ou an llfUPO (esse último. importante para desen-
•-olver suporte múruo, com ênfase na expressio afetiva) pacientes submetidos a ressecção RO ou R 1 quan to para
• mensurar o resultado do tratamento adjuvantc em
··-------------------------------------------- pacientes com doença residual macroscópica (R2) ou
com tumores irressecáveis.
Na dependência da resposta alcançada, o resultado do
Assistentes ociais também constituem profissionais tratamento não-cirúrgico tem sido classificado em remis-
importantes no atendimento ao paciente oncológico, são co mpleta, remissão parcial, resposta minima e estabi-
pois realizam triagens, avaliam as co ndições ócioeconõ- lização da doença25• (Quadro 40.9)

491

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 40.9 .: Resultado do tratamento não-cirúrgico na depen- unca, entretanto, o paciente torna-se total mente fora

..•
dência da resposta alcançada de possibilidade terapêutica, pois vários tratamentos sin-
---------------------------------------------
Resultados alcançados Descrição tomáticos e de reposição, além de inúmeros cuidados,
Remisslo completa Não-evidência <k qualquer leslo tumoral podem e devem ser a ele ministrados.
por menos quatro seiNllliS
Remissão paróal Diminuição de pelo menos 50% das
lesões mensuráveis por pelo menos qua- Supor te clínico
tro semanas, sem o aparecimento de
novas lesões O suporte clinico a pacientes fora de possibilidade
Resposta mlnima Resposta objeti\-a, contudo sem alcançar terapêutica oncológica é o conjunto de cuidados necessá-
a rmgnitude da respos12 pan:ia1
Estabilização da doença sig.úficativa das lesões di.-.g-
rios para assegurar alivio e dignidade de vida a esses
nosticadas, contudo sem progressão da pacientes. É indispensável que:
• doença
• todos os esforços sejam feitos no sentido de pro-
··---------------------------------------------- porcionar controle da dor do paciente. O encami-
nhamento precoce do doente para serviços especia-
Acompanhamento do paciente com câncer
lizados em dor crônica e a participação de especia-
O retomo ambulatorial pós-operatório é imprescindivel listas em analgesia devem ser sempre considerados;
para o adequado acompanhamento da evolução do pacien- • sejam utilizados todos os recursos disponíveis para
te oncológico. É importante o médico conscientizar o proporcionar ao paciente dignidade e conforto. O
paciente da necessidade de seu retorno para esse acompa- mobiliário, as roupas, o posicionamento do pacien-
nhamento. Alguns deles não retornam por falta de orienta- te, seu conforto térmico, os cuidados especiais com
ção adequada. O controle clínico-cirúrgico deve compreen- seus deslocamen tos, o atendimento às suas necessi-
der avaliação da qualidade de vida, diagnóstico de eventuais dades fisiológicas, a ajuda para alimentação, os cui-
complicações e seqüelas pós-operatórias, assim como veri- dados com o sono e tudo mais que possa propor-
ficação da capacidade de adaptação digestiva, nutricional, cionar algum bem-estar deve ser providenciado;
comportamental, psicossocial e postura! do paciente. O • seja dado ao paciente o direitO de contar com a pre-
controle oncológico, por sua vez, consiste no diagnóstico e sença permanente de famjJiares e, sempre que pos-
tratamento de eventuais metástases à distância e de recidi- sível, permanecer e falecer em seu domicilio. E m
vas loco-regionais. Controle trimestral no primeiro ano, condições ideais, sob o ponto de vista ético, o
semestral até o quinto ano e, a partir daí, anual tem sido paciente só deve permanecer no hospital quando os
uma boa rotina, comum em serviços de Oncologia cirúrgi- recursos lá oferecidos forem significativamente
ca3. Exames complementares periódicos e/ou orientados melhores ou mais efetivos do que os disponíveis na
pelo exame clinico podem identificar recidivas tratáveis ou casa do paciente;
um segundo tumor primário (multicêntrico metacrônico). • nunca se abandone o paciente. O atendimento
A desses exames deve obedecer a rotinas pré-
médico não cessa, mesmo se os recursos terapêuti-
estabelecidas de modo a sistematizar condutas consensuais.
cos acabarem;
Contudo, essas rotinas devem considerar que a realização
• nos pacientes fora de possibilidade terapêutica onco-
excessiva e desnecessária de exames representa custos adi-
lógica e em estado terminal é recomendável que:
cionais e acarreta sempre estresse para o paciente.
• recebam terapêutica de reposição (hidratação,
transfusão de hemoderivados, nutrição), sintomáti-
Paciente fora de possibilidade ca e de apoio logístico (antibioticoterapia);
terapêutica oncológica • não recebam terapêutica de substituição de fun-
ções vitais como aminas vasoativas, reanimação car-
Em alguns casos, o cáncer já é diagnosticado em fases diopulmonar, ventilação mecânica e diálise. A substi-
muito avançadas; em outros, a terapêutica falha e a doen- tuição de uma função vital em paciente cuja situação
ça avança velozmente. Em ambos, ati nge-se a delicada clinica é grave e irreversível contribui apenas para
situação da ausência de opções terapêuticas oncológicas. prolongar-lhe o morrer.

492
• ••
Capftulo 40 .: Abordagem do paciente o nco lógico

No Quadro 40.1 O, estão sumariados esses principais O apoio emocional ao paciente por parte da equipe de
cuidados a serem garantidos aos pacientes fora de possi- saúde e em particular pelo seu médico também é essencial,
bilidade terapêutica oncológica26• pois algumas vezes o paciente pode minimizar ou até omi-
tir seus sintomas álgicos. ão é incomum que ele proceda
Quadro 40.1 O .: Cuidados a serem assegurados aos pacientes fora de dessa forma por não querer reconhecer que a doença está
possibilidade terapêutica oncológica progredindo ou por não desejar usar opióides, seja pelo
----------------------------------------------··• medo de ficar viciado, seja pela rcsisLência em usar "droga
Aliviar cficirotementt: a dor de paciente terminal".
Proporcionar dignidade e conforto No controle da dor crônica, uma boa conduta é seguir
Dar ao (liiCicntt: o direito de de familiares protocolos terapêuticos. O primeiro passo é escolher o tipo
unca abandonar o paciente
de analgésico a ser empregado: não-opióide, opióide ou a
Oferecer terapeutica de rcposiçio, sintom2tica e de loglsbeo
combinação de ambos. A associação de um antiinflamató-
• t ão oferecer terapêutica de subsúnúção de funções
rio não-esteróide (ação periférica) com um opióide (ação
··---------------------------------------------- central) é quase sempre uma opção interessante. O segun-
do passo é definir a necessidade de utili zar drogas adjuvan-
Controle da dor
tes que poderiam aumentar o efeito dos analgésicos e pro-
Dor persistente é raramente problema em pacientes duzir alivio de outros sintomas"'.
com câncer inicial e sem metástases. No entanto, com a Respeitando outra regra básica do tratamento da dor
progressão da doença, a dor surge de forma persistente 27'21l crônica, os analgésicos devem ser administrados regular-
e cerca de 90% dos pacien tes com câncer avançado apre- mente, e nunca quando necessários. D oses extras, no
sentam dor moderada a acentuada. Metade dos casos de entanto, podem ser essenciais ao bom controle da dor.
dor crônica por câncer ocorre pelo comprometimento Uma técnica utilizada nos casos de persistência dos sinto-
ósseo. O envolvimento de nervos, inftltração de partes mas álgicos é administrar dose extra de 50% da dose regu-
moles e do trato gastrointestinal corresponde à outra lar uma ou duas horas após seu emprego. Caso a necessi-
metade dos casos. Apenas uma pequena parte dos pacien- dade de doses extras persista por mais de dois dias, deve-
tes tem dor crônica como seqüela do tratamento cirúrgi- se aumentar a dose regular ou reduzir o intervalo de admi-
co, quimioterápico ou radioterápico (neurite, enterite, cis- nistração. O aumento da dose regular de um certo medi-
tite, paniculite etc.). camento deve levar em conta principalmente seus efeitos
O controle da dor deve ser visto por quem trata o colaterais. Altas doses de analgésico aumentam a possibili-
paciente oncológico de forma prioritária. Com os recursos dade de sedação ou torpor, de náuseas c de constipação.
hoje clisponíveis, nada justifica deixá-lo sofrer desnecessa- Por exemplo, o paciente pode ftcar mui to sonolento e
riamente. Pacientes idosos, do sexo feminino e aqueles tra- letárgico, ao se aumentar a dose do opióide, sendo neces-
tados por não-especialistas têm sido os que recebem sário aj ustá-la até se obter melhor equilíbrio entre o con-
menos medicação analgésica e, conseqüentemente, apre- trole da dor e o conforto do paciente e de sua famílü. O
sentam maior risco de não terem uma boa analgesia. uso de antieméticos proftláticos pode ser útil no inicio do
Estima-se que um terço dos pacientes em tratamento uso do opióide, contudo as náuseas tendem a desaparecer
oncológico apresente quadro doloroso e que um quarto com o uso crônico do analgésico. A constipação, sintoma
deles morra sem obter alivio adequado da dor. mais freqüente com o uso de opióidcs, deve ser prevenida
A avaliação sistemática do paciente com dor crônica e tratada por meio de orientações dietéticas, uso de laxati-
deve ser feita por meio de anamnese especifica, tentando- vos ou de lavagem intestinal.
se, em toda consulta, mensurar a dor numa escala analógi- A morfina é a base da analgesia em O ncologia29,
ca não-visual que varia de Oa 10. Essa seria uma maneira de podendo ser administrada pela via oral, 30mg a cada três
aj udar no ajuste da dose do analgésico ou na definição da ou quatro horas. Também existem cápsulas de mo rfina
necessidade de modificar o tipo ou a técnica de analgesia. de liberação lenta com analgesia por o ito a 12 horas. A
O limiar para dor é muito variável de paciente para pacien- morfina é o padrão de comparação com os outros narcó-
te e depende de vários aspectos culturais, psicossociais e ticos e é o protótipo dos analgésicos opió ides agonistas
psicológicos, por isso as doses devem ser individualizadas29 • fortes 29 • D esta forma, quando for necessário mudar o

493
•• •
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

opióide, é importante calcular a dose-limite equivalente à tempo. Contudo, é evidente que a formação humanís-
dose de morfina que controla a dor. A dose do novo tica do médico faz grande diferença em situações de
opióide pode não ser suficiente, e é importante estar limite ter apêutico 36• Quanto maior for o repertório de
atento para aumentá-la, principalmente em caso de dor conhecimentos e de reflexão crítica de um m édico,
acentuada. A meperidina não é recomendada para uso mais apto ele estará para encarar situações-limite e con-
crônico, por desenvolver metabólito tóxico (a nor-mepe- duzi-las com tranqüilidade e eficiência. Infelizmente,
ridina, que produz tremores, mioclonias e convulsões) e também nesse sentido, o ensino médico tanto de g ra-
ter meia-vida plasmática muito curta. duação quanto de pós-graduação é falho.
A maioria dos pacientes tem melhor controle com Dessa forma, as atuais escolas de Medicina têm dedi-
uso de drogas associadas. Exemplos clássicos de associa- cado muito pouco tempo, em seus currículos, à discussão
ção incluem codeína e propoxifeno associados à aspirina dos limites do ato terapêutico e da morte sobre o aspec-
ou ao acetaminofeno. A associação de antidepressivos, to de processo biológico. O médico é preparado para se
anticonvulsivantes e corticóides pode ser útil. No con- sentir um antídoto da morte e o falecimento de um
trole de dor óssea localizada, a radioterapia e a imobiliza- paciente costuma ser interpretado como fracasso pes-
ção de fraturas patológicas devem ser sempre considera- soal. Por outro lado, o médico tem enorme dificuldade
das. Técnicas não-farmacológicas e invasivas podem ser em encarar a própria morte. Estudos têm demonstrado
úteis no controle da dor e incluem analgesia regional, que médicos têm muito mais medo da morte do que gru-
bloqueios simpáticos e neurólises, ablação de vias nervo- pos-controle e é claro que isso prejudica enormemente
sas, ablação hipofisária etc.31 sua relação com o paciente em situação terminaF6 •
Grande parte da dificuldade encontrada pelos médi-
cos para lidar com pacientes fora de possibilidade tera-
Assistência psicológica
pêutica oncológica está relacionada com a forma como
O acompanhamento e o tratamento de pacientes fora nós, oriundos de cultura científico-racionalista, encara-
de possibilidade terapêutica oncológica sempre se cons- mos o tempo. Vivemos imersos na experiência do tempo
tituíram em grandes desafios para os médicos. Em tem- linear, que flui inexoravelmente do passado para o pre-
pos atuais, esse desafio se transformou em transtorno: sente e deste para o futuro. Nossa cultura - judaico-cris-
poucos médicos encaram essa questão. Na maior parte tã-ocidental - condicionou-nos a encarar o passado
das vezes, os médicos adotam posturas que os poupam como uma lição, o futuro como um ideal e o presente
do contato direto, intenso e, freqüentemente, doloroso como um problema. Somos uma cultura futurista, que
com o paciente e seus familiares. projeta as ações para o futuro. O sofrimento é aceito
Uma questão muito relevante de nossa cultura é que como preparação para a " felicidade que virá depois".
ela se recusa a aceitar a morte como culminância do pro- Os pacientes fora de possibilidade terapêutica oncoló-
cesso de viver; a morte é vista como terrível destruidora gica representam a inexistência do depois; o depois, nesse
da felicidade. Um provérbio oriental afirma que "a morte caso, significa a morte e a morte é o imprevisível, o desco-
é o oposto do nascimento e não da vida". Esse provér- nhecido, o incontrolável. As inúmeras teorias e do utrinas
bio soa estranho para nós, exatamente porque ele propõe que cultuam e racionalizam a morte são formas muito efi-
a morte como parte da vida - o estágio final de um ciclo cientes de atenuar essa sensação de imprevisibilidade e de
e a conseqüência natural do processo de viver. incontrolabilidade. O materialismo impõe um niilismo em
Os cursos médicos reafirmam essa posição da relação ao futuro, enquanto uma visão espiritualizada ofe-
sociedade e também negam a morte como conseqüên- rece outra dimensão para a vida, e para a vida depois da
cia natural da vida. O estudo do processo de m orte é, morte. A morte é compreendida como passagem, viagem.
em geral, reduzido a seus aspectos anatomopatológi- Com essa visão, alguns têm trabalhado com o conceito de
cos, fisiopatológicos e médico-legais. Raramente a passagem, de formulação espiritualista, critério necessário
morte é tratada num curso médico em seus aspectos e suficiente neste momento fmal 17•
sociais, existenciais e religiosos 325 . Propostas de disci- Outro aspecto relevante da participação do tempo da
plinas humanísticas em cursos m édicos têm sido vistas relação médico-paciente está bgado à dualidade tempo
como poéticas ou como perda institucionalizada de racional/tempo vivencial: o tempo racional é o tempo

494
Capítulo 40 .: Abordagem do paciente oncológico

••
meclido (cronométrico, do relógio), também chamado tibetanos à terapia, Kübler-Ross aliou ao seu trabalho
tempo conceitual; o tempo vivencial é o tempo psicoló- somático amplo suporte espiritual.
gico, o tempo de experiência, o tempo vivido. Na maior É essencial refletirmos sobre a postura do méclico,
parte das relações méclico-paciente, o méclico utiliza o clínico ou cirurgião, cliante de um paciente com neopla-
tempo racional, imparcial e frio. O paciente, ao contrário, sia considerada fora de possibilidade terapêutica oncÇ>ló-
vive a experiência do tempo psicológico. Quanto mais gica, ou seja, no processo do morrer. Acliante chamamos
grave for o estado clínico do paciente, mais nítida costu- a atenção para alguns aspectos da conduta e da postura
ma ser essa clistinção. Embora raramente o méclico se dê do médico gue podem contribuir para relação méclico-
conta, essa cliferença na forma de encarar o tempo cons- paciente-familiares mais efetiva e afetiva.
titui um dos obstáculos mais freqüentes para uma relação
méclico-paciente produtiva. O méilico usa o tempo cro-
Relação
nométrico/conceitual para demarcar dados evolutivos e
prognósticos. O paciente, por sua vez, vê esse tempo Uma expressão muito utilizada na linguagem popular
como ameaça de fmitude: um tempo amedrontador. É cliz que o méclico desenganou o paciente (donde se pre-
mwto fregüente que méilico e paciente conversem como sume que, até então, ele estava enganando o paciente).
se fossem surdos: o méclico assentado em bases racionais Atitude eticamente repugnante, desenganar significa, na
e o paciente em bases emocionais26 • prática, abandonar o paciente, entregá-lo ao mundo não-
Em conseqüência de todas essas ilistorções, o médico méilico. Uma das maiores dificuldades que os médicos
se sente, e efetivamente está, despreparado tanto cliante sentem cliante de pacientes sem possibilidade terapêutica
da demanda de ser apenas um ser humano, solidário com oncológica é a sensação de impotência absoluta. Essa
outro ser humano, quanto para conviver com questões sensação gera frustração e desgaste e é muito clifícil con-
ainda mais complexas que emergem nos casos de djficuJ- viver com ela. Muitos médicos se sentem profundamen-
dades socioeconômicas, como o abandono do paciente, te incomodados quando percebem que não podem ofe-
e nos casos de dor intensa, como a eutanásia e o suicíclio. recer mais nada de objetivo ao paciente. Nessa situação,
a maioria das vezes, a atenção méclica dirigida a o méclico esquece que, mesmo quando não houver mais
pacientes fora de possibilidade terapêutica oncológica propostas terapêuticas no sentido técnico da palavra, ele
concentra-se exclusivamente em sua doença e no comba- sempre poderá atender ao paciente, estar presente e com-
te aos sintomas, ficando a pessoa do paciente relegada a partilhar com ele essa fase de sua vida. É justamente para
um segundo plano. O sofrimento do paciente "terminal" essa climensão humana da relação méclico-paciente que
vai muito além das dores e dos incômodos físicos . Mudar os méilicos não tem sido preparados.
planos previamente estabelecidos, metas de vida, sonhos D e alguma maneira, a formação excessivamente tecno-
acalentados por anos não é tarefa fácil e requer do lógica da Meclicina atual amplia ainda mais essa inclisponi-
paciente grande disposição para adaptação e para aceita- bilidade do méclico. Nos tempos atuais, é muito clifícil para
ção desse doloroso processo. o méclico prover suporte emocional adequado a um
E lizabeth Kübler-Ross, uma psiqwatra suiça radicada paciente "terminal". Geralmente, quanto mais jovem é o
nos Estados Unidos, passou a vida trabalhando com a méclico, maior é essa clificuldade, em parte decorrente de
doença e a terminalidade. Longos anos de experiência sua própria juventude, em parte da falta de postura crítica.
nessa área permitiram que ela desenvolvesse uma formu- Um outro grande problema que se observa nos clias
lação com os principais estágios do morrer. Assim, defi- atuais é o isolamento físico e emocional a que são subme-
niu a existência de cinco etapas preparatórias para tidos esses pacientes. Toda a história de vida, as deman-
pacientes que se aproximam da morte: negação e isola- das emocionais e sociais são, com freqüência, deixadas de
mento; raiva; negociação ou barganha; depressão; aceita- lado. Muitos são sedados para que os familiares tenham
ção38. Foi ela que reintroduziu a ética e a clignidade ao sossego, sem que seja feita uma verdadeira avaliação se
processo do morrer, por meio de conduta que consiste aquele era realmente o desejo do paciente. Por outro
em ouvir o paciente em suas necessidades e atendê-lo em lado, a idéia de salvar a vida a qualguer custo costuma
seus clireitos. Sem filiação religiosa e, freqüentemente, justificar atitudes altamente questionáveis do ponto de
acompanhada por assistentes que introduziam conceitos vista ético. N ão raro se vê alguém ser submetido a extre-

495
..

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

mos terapêuticos que lhe prolonguem mais o morrer que não fez. O médico não deve mentir. O mitir informações
a vida. São atirudes que não levam em consideração a muitas vezes é necessário; mentir não.
qualidade da v1da, mas somente o tempo de sobrevida 26 •

Diálogo entre o médico e a família do paciente


Diálogo entre o médico e o paciente
Os familiares do paciente fora de possibilidade terapêu-
Uma das decisões mais difíceis e angustiantes para o tica oncológica precisam de cuidados, de atenção e de aten-
médico é revelar ou não ao paciente a inexistência de dimento tanto quanto o paciente. Parentes próximos
recursos terapêu ticos. A maioria dos médicos evita ao devem ser informados sobre a siruação clinicado paciente,
máximo as situações em que haja a possibilidade desse mas deve-se estar atento ao melho r momento e local para
tipo de diálogo. Vários expedientes são inconsciente- isso. E sses familiares costumam estar sob grande tensão
mente utilizados para evitar o risco de ter que entrar emocional e é necessário cuidado para abordá-los. Muitas
nesse assunto com o paciente: visitas rápidas, ênfase ao vezes, a tensão torna as pessoas agressivas, rudes e pouco
exame fisico ou a resultados de exames co mplementares, colaborativas. Quando o médico se mostra solicito e aten-
visitas coletivas (corridas de leitos), adiamentos justifica- cioso, o diálogo é muito mais produtivo. Esse cuidado deve
dos por novos exam es etc. se estender ao período que se segue à morte do paciente.
Além das dificuldades do médico, há ainda a dificulda-
de do paciente em encarar sua situação. Todos nós, na vida Necessidade da continuidade do atendimento
cotidiana usual e mesmo sem nenhuma ameaça especial à
nossa integridade, temos dificuldade em colocar claramen- O ponto central do atendimento do paciente fora de
te as emoções para outra pessoa. As perguntas feitas pelo possibilidade terapêutica oncológica é man ter o relacio-
paciente em estado grave podem pertencer a duas catego- namento com seu médico (que deve assum ir o gerencia-
rias distintas: perguntar algo porque quer conversar ou por- mento nessa fase) . A ausência do médico reti ra do
que quer saber outra questão. Cabe ao médico decifrar o paciente aq uilo que ele mais precisa: a esperança. Uma
verdadeiro anseio. Quando o paciente faz uma pergunta das principais funções do médico no trato com esses
dessas ao médico e este a considera como uma pergunta pacientes é a de maternagem: cuidar do paciente não ape-
objetiva, ele está fechando as portas para o diálogo. É nas como paciente, mas como ser humano que precisa da
muito freqüente gue o paciente pergunte ao médico: "Eu aj uda de outro ser humano.
vou morrer?" e o médico Lhe responder objetivamente: A continuidade do atendimento é fundamental para
"Claro que sim, todos vamos morrer!" estará interrompen- minorar sofrimentos e assegurar um final de vida digno.
do o diálogo. O paciente que faz perguntas como essa não O paciente deve portar relatórios detalhados de seu caso,
está guerendo saber o óbvio; certamente o que ele quer ser bem orientado pelo seu médico em relação às possí-
saber é como ele realmente está, se há a possibilidade de veis situações de urgência e quanto aos serviços ambula-
morte em curto prazo, se há possibilidade de sofrimento to riais e hospitalares que ele poderá procurar na sua
etc. É muito di6cil para o paciente encarar essas dúvidas, ausência. Essa segurança é um dos fato res mais relevan-
por isso não se deve esperar que suas perguntas sejam cla- tes na construção de relação de confian ça m útua e con-
ras e diretas; o paciente vai perguntar da forma gue ele con- tribuí decisivamente para melhorar a qualidade de vida
seguir. Cabe ao médico descobrir o conteúdo implicito da do paciente. Infelizmente, esse cuidado tem sido pouco
pergunta e tentar responder a ele. Isso exige experiência e freqüente em nosso meio e, em ge ral, o paciente peregri-
discernimento crítico. Quando o paciente consegue ter um na numa verdadei ra via sacra até co nseguir ser atendido,
diálogo efetivo e afetivo com o médico, ele sente-se mais muitas vezes de forma precária.
seguro, mesmo diante de um grande sofrimento fisico.
Também o médico se sentirá melhor.
Pesquisa em Oncologia
O médico deve evitar a utilização de termos técnicos,
a formulação de prognósticos rígidos, explicações exces- Ainda ho je, a colocação de pacientes em protocolos
sivas, expressões que levem à desesperança e, acima de de pesguísa em O ncologia te m-se defron tado com difi-
tudo, nunca deve responder a pergu ntas que o paciente culdades. A opção po r um trata mento novo e que ainda

496
Capítulo 40 .: Abordagem do paciente o ncológico

••
não foi plenamente estudado com freqüência não é Referências
bem-aceita pelos pacientes. É preciso que eles conhe-
çam todos os aspectos que fundamentam o estudo cien- I• Parkin DM, Whelan SL , f'crlay J , Raymond L, Young J. Canccr
incidence in fi ve conti ne nts. vol.7. lA RC Scientific
tifico em curso, para que se sintam prestigiados em par-
Publicatio ns; no. 143, Lyon, 1997.
ticipar, seja por auxiliar a evolução da Ciência, seja por
2• http:// www.inca.gov.br/ estimativa/ 2005/
poder se beneficiar de nova terapêutica, disponível para 3• http:/ / www.cb c.org.br/ autoavaliacao_cir_oncologica/cirur-
poucos. É também imprescindível que os pacientes não gia_onco logica.htm
só conheçam os eventuais riscos e os possíveis e feitos 4• C han D\'\1, SeU S. Tumo r marke rs. In: Burtis, Ashwood eds.
Tietz T extbook of Clinical Chemistry. 2 cd. Philadelphia PA:
colaterais da te rapêutica estudada, como também
\XfB Sauders Co. 1994:897-927.
tenham garantido o tratamento e controle dessas com- 5• Pizào PE, Araújo BCA B, Rinck Jr J A. Marcadores tumo rais séri-
plicações e intercorrências. cos: situação atual e perspectivas. In: Castro LP, Savassi-
Comitês de ética em pesquisa devem não apenas Rocha PR, Rodrigues MAG , :M urad A. T ó p icos em
aprovar, mas também acompanhar e rever os relatórios Gastroenrerologia 12. Rio de Janeiro: Medsi. 2002:57-80.
6• Pietra r , Sarli I, Costi R, Ouchemi C, Gratarola .M, Pcracchia A.
periódicos com os resultados desses estudos. Caso haja
Ro le o f follow-up in m anagcmcnt o f local recurrence o f colo-
toxicidade o u complicações além das esperadas, a pesqui- reccal cancer: a prospectivc randomizcd srudy. Dis Colon
sa deve ser interrompida e reavaliada. Protocolos uni fica- Rcctum . 1998;41:1127-33.
dos, que envolvam várias instituições ou grupos (estudos 7• Tobarucla E, Enriqucz JM, Dicz M, Camunas J, Muquerza J ,
multicêntricos), economizam recursos e tempo na busca Granell J. Evaluation of scrum carcinoembryo nic a ntigen
de novos avanços. monitoring in the fo llow-up o f colorcctal cancer patienrs with
m etastatic lym ph nodes and a normal preoperative serum
É muito importante que os cirurgiões estejam envol- levei. lnt J Biol Markers. 1997;12:18-21.
vidos na pesquisa o ncológica, discutindo os fundamen- 8• Marrelli D, Pinto E, Stefano A, Farnetani M , Garosi L, Roviello
tos, as indicações e oferecendo subsídios para o estadia- r . Clinicai utility of CEA, CA 19-9, and CA 72-4 in follow-up
menta tumoral e para a análise do resultado terapêutico of patients with resectable gastric cancer. Am J Surg.
2001;181:1 6-9.
alcançado. Muitas vezes, os dados relacionados à doença
9• Wiratkapun S, Kraemer 1\ l, Seok-Choen F, I lo YH, Eu K\Xf. High
residual e aos resultados das terapêuticas empregadas são p reoperative serum carcinoembryonic a ntigen predicts metas-
distorcidos, pois a informação cirúrgica registrada em tatic recurrence in potentially curati,·e colonic canccr: results o f
prontuário é falha ou susceptivel a erróneas interpretações. a five-year srudy. Ois Colon Rcctum. 200 l ;44:23 !-5.
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498
41
CIRURGIA
NO PACIENTE
HEMATOLÓGICO

••
Evandro Maranhão Fagundes, Ana B eatriz Firmato G lória,
Ricardo Vilas Freire de Carvalho

Introdução globina estiver menor que 7g/dL, exceto nos pacientes ido-
sos, nos cardiopatas, com insuficiência cardiaca grave o u
O paciente hematológico pode apresentar alterações infarto agudo do miocárdio ou nos casos em que se obser-
hereditárias ou adquiridas de hemácias, hemoglobina, va grande risco de sangramentos volumosos. Por isto, acei-
leucócitos, sistema imunológico, plaquetas, fatores de ta-se a indicação de tran sfusão para manter a hemoglobina
coagulação, pro teínas pró-coagulantes e viscosidade san- entre 7,0g/dL e 9,0g/dL'. É recomendado que a equipe
gilinea. A grande maioria desta alterações manife ta- e cirúrgica faça previsão do risco hemorrágico do procedi-
na fo rma de doença sistêmica. O presente capítulo, no mento e providencie reserva de concentrado de hemácias
entanto, abordará situações relevantes para a cünica cirúr- no banco de sangue. A mortalidade de pacientes com
gica no paciente com doença própria do sistema hemo- hemoglobina menor ou igual a S,Og/dL no pós-operatório
linfopoiético. erão dados destaques para algu mas situa- imediato é maior do que para aqueles com taxas maiores de
ções e peciais. Os distúrbios de coagulação, o uso de hemoglobina1• o entanto, é desaco nselhada a transfusão
anticoagulantes e as trombo filias serão discutidos em profiJática de concentrado de hemácias com base apenas na
outro capítulo. antecipação de sangramento operatório .
As anemias podem ocorrer devido à perda sangüínea
Doenças das hemácias e da hemoglobina volumosa e abrupta, devido à diminuição da produção ou
devido ao aumento da destruição (hemólise) 2• As causas e
As desordens associadas às hemácias ão as anemias e os mecanismos de anemia estão resumidos no Quadro
as po licitemias. 41.1. O s transtornos falcifo rmes e as anemias hemoüticas
auto -imunes serão discutidas com mais detalhes.

A nemias
Síndromes falciformes
A indicação cirúrgica em pacientes com anemia é situa-
ção freqüente na prática médica. T odo esfo rço deve ser As síndromes falciformes englobam doenças heredi-
feito para identificar a causa da anemia e, se possível, tratá- tárias caracterizadas pela presença da hemoglobina S. A
la antes da operação. e, no entanto, isto não for possível, hemoglobina S é produzida a partir de mutação genética
o paciente poderá receber transfusão de concentrado de da cadeia beta da globina que substi tui a adenina pela
hemácias. Em pacientes clinicamente graves, a estratégia de timina e determina a codificação de valina em vez de glu-
transfundir hemácias quando a hemoglobina estiver menor tamina na posição seis. Esta modificação estrutural inter-
que 1Og/dL não é superior, em relação à taxa de mortalida- fere nas propriedades físico-químicas da mo lécula de
de em 30 dias, à estratégia de transfundir quando a hemo- hemoglobina no estado desoxigenado, provocando altera-

499

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

ções de morfologia e de reologia das hemácias que são res- transfundidos. A taxa de mortalidade peroperatória é de
ponsáveis pelas manifestações clinicas. O termo anemia aproximadamente 10% se as medidas preventivas não são
falciforme é reservado para a homozigose SS. No entanto, adotadas. A mortalidade diminui para menor que 3%
a hemoglobina S pode estar associada a outras variantes quando transfusões são realizadas no pré-operatório para
hereclitárias da hemoglobina (Hb C, beta talassemia, entre reduzir a proporção de hemoglobina S 3 • Ensaios clínicos
outras). O s pacientes com síndromes falciformes apresen- prospectivos multicêntricos que estudaram as taxas de
tam anemia hemolítica crônica, crises vasooclusivas dolo- complicações peroperatórias entre pacientes selecionados
rosas, lesões de órgãos-alvo como sistema nervoso central, aleatoriamente para receber regime de transfusão perope-
pulmões, rins e fígado, úlceras cutâneas crônicas de mem- ratório conservador, correção da hemoglobina para
bros inferiores, priapismo e maior susceptibilidade a infec- lOg/dL, ou regime agressivo para redução da hemoglobi-
ções. Os indivíduos com hemoglobina AS não apresentam na S para menos do que 30% demonstraram que os regi-
as manifestações usuais das síndromes falciformes e são mes conservadores eram tão eficazes quanto os agressi-
considerados portadores do gene. vos na prevenção de complicações no peroperatório. Os
Quadro 41 . 1 .: Causas e mecanismos de anemia regimes conservadores apresentaram, ainda, a metade das
----------------------------------------------··
Mecanismo Causas de anemia Exemplo •
complicações transfusionais lA As principais complica-
ções observadas são a síndrome torácica aguda e as crises
Politraumatismo vasooclusivas que podem ocorrer em 10% e 5% dos
Deficiência de ferro Perda crônica de sangue casos, respectivamente.
Deficiência de B1 2 Gastrectomia
Deficiência de folato
A avaliação p ré-anestésica é essencial para p rogramar
Síndromes de má-absorção
Diminuição da Metabolismo alterado do An emia da doença crônica medidas proftláticas e minimizar os riscos de hipoxemia,
produção ferro hipoperfusão, estase, desidratação e acidose. Para tanto,
Perda da célula eritrôide Anemia aplásrica é importante internação hospitalar na véspera para garan-
precursora
Alterações clonais na Miclodisplasias
tir hidratação venosa adequada e monito ri zação oão-
célula precursora invasiva da tensão de oxigênio no peroperatório, provi-
Substituição da hemato- Lcucernias denciar monitorização da temperatura, assim como reali-
poiese fisiológica
zar medidas para evitar a hipo termia e o uso de agentes
Auto-anticorpos Anemia hemollrica auto-
imune
hipotensores, manter hidratação adequada no pós-opera-
Mecânica Anemia hemolltica tório e estimular a mobilização precoce. Não há contra-
Destruição microangiopática indicação para o uso de quaisquer tipos de anestésicos,
aumentada Alteraçôes da hemoglo- Drtpanocitose, talassemia assim como não existe para o emprego de anestesia geral.
bina
Alterações da membrana Esferocitose
O s pacientes que tivere m indi cação de torniquetes
Alterações de enzimas Deficiência de G6PD devem ser preparados, no pré-operatório, com exsangüi-
L--------=
intra-eritrocitárias neo-transfusão. Os torniq uetes criam reservatório estáti-
• co de sangue que predispõe à falcização e à liberação de
··--------------------------------------------- êmbolos de células faJcizadas . Os dados em relação às
Os pacientes com síndromes falciformes freqüente- complicações pós-uso de torniquete são limitados. No
mente precisam de procedimentos cirúrgicos para trata- entanto, o conhecimento da fisiopatologia torna lógico a
mento de complicações relacionadas à doença de base ou exsangüineo-transfusão nesta situação. Os pacientes fal-
de outras conclições não-relacionadas. As complicações no cêmicos são considerados de alto risco para trombose
per e pós-peratórios são comuns devido aos fenômenos venosa profunda e a proftlaxia para TVP deve ser orien-
vasooclusivos precipitados pela hipoxemia, hipoperfusão, tada pelo risco do procedimento cirúrgico em questão.
acidose, desidratação, estase sangüínea e hipotermia, que
podem ocorrer durante a anestesia e o ato operatório. Em
Anemias hemolíticas auto-imunes
uma série de casos, que compreendeu crianças submetidas
a grandes operações eletivas, 35% dos pacientes que não As anemias hemoliticas auto-imunes são provocadas
receberam transfusões no pré-operatório tiveram compli- pela destruição acentuada de hemácias por auto-anticor-
cações pulmonares contra nenhum caso nos pacientes pos. Elas são classificadas em anemias por anticorpos

500
Capitulo 41 .: Cirurgia no paciente hematológico

••
" quentes" e an emias por anticorpos " frios". Os antico r- hem odiluição gr adativa. E m situações de urgência,
pos " guentes" são geralmen te da classe IgG e reagem porém, a flebo tomia pode ser realizada em paralelo com
melho r à temperatura de 37°C. A hem ól.ise ocorre no sis- infusão de solução salina par a que o volume sangüíneo
tema reticuloendo telial do baço, e o tratamento envolve não seja reduzido drasticamente.
o uso de corticosteróides e esplenecto mia à semelhança
da púrpura tro mbocitopênica imunológica (seção doen-
Po/icitemia vera e outras síndromes mieloproliferativas
ças das plaquetas). Os anticorpos " frios" são geralmente
da classe lgM e reagem m elho r à temperarura de 0° a A policitemia vera é doença mielo p roliferativa que
5°C. A hem ólise ocorre, geralmente, no fígado. O s cor- se carac teriza por aumento absoluto não só de hemá-
ricosteróides e a esplenecto mia não são e ficazes e por cias, mas também de leucócitos e plaquetas. As o utras
isso não estão indicados. Para o cimrgião, as anemias doenças do grupo se caracterizam mais pelo aumento
hemoüticas auto- imunes têm importân cia particular do número de plaq uetas (tro mbocitemia essencial) o u
devido à dificuldade em realizar e interpretar os testes de dos leucócitos granulócitos Qeucemia mielóide crô nica)
compatibilidade com o doador para even rual tran sfusão. o u pela presença de fib rose na medula óssea (metapla-
Freqüentemente, o banco de sangue pode fornecer uma sia mielóide ag nogênica com mielo fibrose) . E las apre-
unidade de hemácias não totalmente compatível. Para os sentam em comum a proliferação exagerada de tecido
pacientes com anemia hemoütica auto-imune por anti- mielóide alterado e a possibilidade de evolução para
corpo "frio", subm etidos à anestesia geral, é importante mielofi b rose o u leucemia mielóide aguda. Na policite-
o cuidado de m antê-los aquecidos par a evitar exacerba- mia vera, a p rincipal causa de mo rte é tro mbose, embo-
ção da hemólise. Se transfusões de hemácias fo rem ra quad ros hemorrágicos g raves possam ocorrer devido
necessárias, elas deverão ser realizadas com hemácias à disfu nção plaquetária p ró pria da doença e ao uso de
lavadas e aquecidas à temperatura co rporaJS. anti agregan tes plaguetári os freq üentes nestes pacientes.
O risco de hemo rragia é paradoxalmente maior em pacien-
tes com trombocitose em torno de 1.500.000/ mm 3. Es ta
Policitemias disfunção plaquetária será d iscutida em maio res deta-
O termo policitemia é utilizado como sinô nimo de lhes na seção sobre doenças das plaquetas Antes da
operação é recom endado reduzir a massa eritrocitária e
eritrocitose, que significa aumento do número das hemá-
m anter o hematócrito em torno de 45% com flebo to-
cias. A policitemia pode ser relativa o u absoluta. A poli-
mias. É im portante também lemb rar que os pacien tes
citemia relativa é o bservada em situações de retração do
com risco elevado de tro mbose (idade superior a 60
volume plasmático como na desidratação ou no uso
anos, epi sódio prévio de fenôm enos trombóticos)
excessivo de agentes diuréticos. As policitemias absolu-
poderão receber doses baixas de ácido acetilsalicílico,
tas podem ser decorrentes de anormalidades pró prias do
que aumenta o risco hem orrágico6 •
sistema hematopoiético, como policitemia vera, o u ocor-
rerem no contexto de distúrbios sistêmicos, tais como
doença puJmonar obstru tiva crô nica, cardiopatias congê- Doenças dos leucócitos e do sistema
ni tas, tumores hepáticos, doenças cerebelares e renais. As
imunológico
principais conseqüências da policitemia são aumento da
viscosidade sangüín ea, diminuição na velocidade do A med ula óssea produz duas Linhagens distintas de
fluxo e diminuição da oferta de oxigênio. A o ferta de oxi- céluJas: a Linhagem mielóide e a lin fóide. A Linhagem mie-
gênio para os tecidos é ótima quando o hematócrito está lóide é ainda subdividida em Linhagens eri trocítica (discu-
em torno de 40% e diminui progressivamente à medida tida anterio rmente), megacariocítica o u plaquetária e gra-
que o hematócrito aumenta a partir daquele valor. O nulocítica. A linhagem granulocítica é dividida ainda em
paciente submetido a tratamento cirúrgico nesta situação neutróftlos, m o nócitos, eosinófilos e basófilos. A Linha-
tem risco aumentado de hipóxia em virtude da anestesia. gem linfó ide é dividida em Linfócitos B, linfócitos T e
O paciente com policitemia deve ser submetido a várias plasm ócitos. Os distúrbios dos leucócitos q ue são rele-
sessões de flebo to mia para diminuir o hematócrito para van tes no contexto cirúrgico são aqueles caracterizados
45%. A redução não deve ser abrup ta para permitir a pela diminuição do núm ero de células no rmais e conse-

501
..

--------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

qüente alteração das funções de fagocitose (neutrófilos e pelo processo habitual de higienização. O diagnóstico é
monócitos), imunidade celular (linfócito T) e humoral difícil e deve ser suspeitado sempre que o paciente quei-
(linfócito B). O paciente imunodeprimido será discutido xar-se de dor na região. O exame local deve incluir inspe-
no capítulo específico, po rém algumas situações espe- ção e palpação leve da região. O toque reta!, se possível,
ciais serão lembradas no presente capítulo. deve ser evitado para minimizar o risco de disseminação
da infecção. O tratamento inclui, além da drenagem e de
medidas locais, o uso de agentes antimicrobianos com
Neutropenia
atividade anacrobicida. A tifüte caracteriza-se pela infla-
A incidência de infecções graves aumenta significati- mação do ceco, porém todo o intestino grosso pode ser
vamente" quando o número absoluto de neutrófilos está acometido. O quadro pode ser grave e evoluir para mega-
abaixo de 1.000/mm3. Quando este número é de cólon tóxico. A inflamação do ceco pode simular abdo-
100/ mm3 , a incidência de infecções chega a 60%. Os me agudo cirúrgico.
pacientes que recebem quimioterapia para tratamento de O paciente neutropêruco sem febre que tiver indica-
neoplasias, principalmente as hematológicas (leucemias ção cirúrgica deverá ser abordado da mesma forma que o
agudas, ünfomas e mieloma múltiplo), apresentam risco paciente não-neutropêruco . A necessidade de antibióti-
elevado de neutropenia. A neutroperua grave ocorre tam- cos será guiada pelo motivo e pelas condições da opera-
bém em outras situaçõe como anemia aplástica, neutro- ção. No entanto, caso a antibioticoterapia seja necessária,
perua congênita, mielodisplasias, leucemia de grandes lin- é recomendado que se sigam as regras de cobertura anti-
fóciros granulares e transplante de células tronco hema- bacteriana citadas anteriormente.
topoiéticas (medula óssea). Alguns pacientes apresentam distúrbios de imunidade
As infecções nos pacientes neutropênicos apresen- humoral e celular. Este é o caso daqueles com leucemia
tam grande morbidade e elevadíssima taxa de mo rtali - linfóide crônica e miclo ma múltiplo. Também neste
dade. O s sinais clássicos de infecção nem sempre estão cenário a indicação da antibioticoterapia deve ser basea-
presentes, com exceção da febre cuja presença é utiliza- da no motivo e nas condições da operação. Entretanto,
da para desencadear uma série de medidas, quase sem- esses pacientes apresentam risco elevado de infecções
pre empíricas, visando ao tratamento o mais precoce- por bactérias encapsuladas (hemóft.lo, pneumococo) e
mente possível. O risco de morte de um paciente neu - infecções viróticas. Estas infecções devem ser lembradas
tropênico grave infectado é de 80% nas primeiras 24 em caso de febre no pós-operatório.
horas, caso não receba o tratamentO com antibióticos
de largo es pectro. Os agentes microbianos mai s
Disfunção do baço, asplenia e esplenectomia
comuns são as bactérias Gram-positivas e bactérias
Gram-negativas. Outros agentes, tais como fungos O baço é um órgão do sistema ünfático que tem fun-
leveduriformes (Candida), fungos filamentosos ções imunológicas importantes. A asplerua se re fere à
(Aspergill us), herpes simples, herpes zoster, citomega- perda de função do baço. Esta perda pode ser devida à
lovírus, também são freqüentes, mas geralmente ocor- remoção cirúrgica do ó rgão, a traumatismo seguido de
rem após alguns dias ou semanas de neutro penia febril ruptura ou atrofia conseqüente a múltiplos infartos,
tratada com antibacterianos. Os antibióticos usualmente como observado na anemia falciforme. Várias doenças
empregados no tratamento inicial de paciente neutropê- hematológicas são acompanhadas por disfunção esplêru -
ruco febril são as cefalosporinas de terceira e quarta gera- ca. Entre elas destacam-se as síndromes falciformes,
ção com ativ·idade contra pseudomonas (p. ex., ceftazidi- talassemia maior, trombocitemia essencial e doenças lin-
me, cefepime), os aminoglicosídeos e a vancomicina' . foproliferativas, tais como leucemia linfóide crô nica, lin-
O paciente neutropêruco com freqüência desenvolve fomas de Hodgkin e não-Hodgkin.
compücações que a clínica cirúrgica é chamada a opinar. Indivíduos esplenectomizados ou asplêrticos apresen-
Entre as complicações destaca-se o abscesso na região tam maior susceptibilidade a sepse provocada por bacté-
perianaJ e a tiilite ou enterocoüte do neutropênico. A rias encapsuladas tais como pneumococo, meningococo,
região perianaJ é foco comum de infecções devido à e H aemopbilus injluenzae. Tais infecções são, geralmente,
colonização bacteriana local e microtraumas provocados fulminantes c com taxa de mortalidade de 38% a 70% 8 .

502
Capítulo 41 .: Cirurgia no paciente hematológico

••
O risco de infecção é maior nos primeiros dois anos após amoxacilina para uso imediato quando ele apresen-
a esplenectom.ia, embora possa ocorrer até muitos anos tar sinais e sintomas de infecções respirató rias e
após a operação. É mais comum em crianças e adultos estiver distante de atendimento médico adequado;
jovens, em pacientes com neoplasias ou ouu·as doenças • proftlaxia contra malária para os pacientes asplêni-
de base (p. ex., hemoglo binopatias). D evido à elevada cos que vivem em áreas endêmicas porque eles
mo rbimortalidade relacionada com a sepse pós-esplenec- apresentam maior risco de parasitemia. Para aqueles
tomia, estratégias de prevenção têm sido desenvolvidas e que viaja m para áreas endêmicas é recomendado o
divulgadas. Embora existam pontos de di ve rgência, de uso diário ele 1OOmg de doxiciclina;
um modo geral recomendam-se as seguintes medidas • uso ele amoxacilina e clavu.lanato em siruações de fe ri-
para o paciente asplênicd·9 : elas e mordidas provocadas por animais e humanos.
• autoimplantação do baço e esplenectomia subtotal
quando possível, porque estas técnicas têm sido asso-
Doenças das plaquetas
ciadas a diminuição no risco de bacteriem.ia e malária;
• imunização com vacina antipneumococo, anti-hae- A plaquetopenia é definida como contagem ele plaque-
mophilus, antimeningococo e antiinfluenza. A vacina tas menor que 150.000/ mm 3. No entanto, para fins clini-
pneumovax® é obtida de polissacarídeo pneumocó- cas, a plaquetopenia é importante quando o número cai
cico de 23 sorotipos (os mais prevalentes) e tem para menos ele 20.000/ mm3. Abaixo desse valor, as hemor-
cobertura para aproximadamente 73% das cepas ragias espontâneas são mais freqüentes e perigosas.
envolvidas na sepse pós-esplenectom.ia. Idealmente, a É impo rtante saber a causa da plaquetopenia. Os
vacina deveria ser administrada duas semanas antes principais mecanismos são: diminuição da produção po r
da operação porque a resposta imunológica parece infiltração ela medula óssea secundária a neoplasia o u por
ser melhor com baço intacto. Um reforço é recomen- hipoplasia elo seto r megacariocítico; aumento ela destrui-
dado três a cinco anos depois. A vacinação não deve ção provocado por autoanticorpos e hiperesplenismo; e
ser feita para pacientes em uso de drogas imunossu- aumento do consumo desencadeado por aceleração do
pressoras, quimioterapia ou radioterapia. Para este processo de coagulação. E sta última siruação acontece na
grupo, deve-se aguardar pelo menos seis meses após coagulação inrravascular disseminada e na púrpura trom-
a interrupção do tratamentow. Também é recomen- bocitopênica trombótica. Além elo quadro clinico, do
dada dose única da vacina de conjugado protéico de hemograma e do coaguJograma, o mielograma é quase
Haemophilus injluenzae tipo b e da vacina antimeningo- sempre necessário para diferenciar o mecanismo de
coco. Embora o papel do meningococo na sepse pós- causa da plaquetopenia. A diferenciação é extremamente
esplenectomia não seja claramente estabelecido, a importante, uma vez que as plaqueto penias auto-imunes
gravidade dessa infecção justifica a vacinação. A vaci- respondem, em geral, rapidamente à introdução de corti-
na disponível imuniza contra as cepas A e C. A vaci- costeró ides ou imunoglobulina humana e não respo n-
na an tiinfluenza é recomendada anualmente para dem à transfusão ele concentrado ele plaquetas. Por outro
todos os pacientes asplênicos. A asplenia não é con- lado, as plaquetopenias graves provocadas por inftltração
tra-indicação para outras vacinas de rotina, mesmo ou hipoplasia da medula óssea devem ser tratadas provi-
aquelas que utilizam víms vivos atenuados; soriamente com transfusões. D e um modo geral, reco-
• antibioticopro fi laxia com penicilina confere prote- menda-se que pacientes com menos de 50.000 plaquetas
ção contra infecções pneumocócicas em crianças por mm3 recebam transfusão. A literarura recente sugere
com drepanocitose. O mesmo raciocínio é empre- que este limiar ele 50.000/ mm3 é muito alto para pacien-
gado para pacientes esplenectomizados, embora tes que irão realizar procedin1entos com baixo risco de
estudos nessa situação especí fica não tenham sido hemorragia, como biópsia hepática transjugular, punção
realizados. Algumas recomendações sugerem man- venosa central, punção lombar e broncoscopia. Por
ter antibió tico profiJático por três a cinco anos após outro lado, para aqueles pacientes que irão se sub meter a
a esplenectom.ia. Outros sugerem man ter antibioti- operações em locais ele grande risco ele hemorragia,
coprofilaxia inde finidamente. É fo rtemente reco- como operações cardíaca ou em reg10es nas quais
mendado deixar o paciente com receita válida de pequena hemorragia poderá causar seqüela, como ope-

503

••
Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

rações neurológicas e oftalmológicas, recomenda-se paciente com púrpura trombocitopênica imunológica é


qu e o limite minimo de plaquetas seja 100.000/ mm3 11 • freqüentemente usuário d e cortico teróide e deve rece-
Uma regra de senso comum é gue os procedimentos ber doses adicionais para compensar o eventual blogueio
cirúrgicos em pacientes plaguetopê nicos devam ser fei- do eixo hipotálamo-hipófise-supra-re nal. Os cuidados
tos o u acompanhad os apenas por ci rurgiões experien- co m o paciente es ple necromizad o foram descritos
tes, uma vez gue o risco de hem orrag ia também depen - an teriormen te.
de da técnica cirúrgica.

Disfunções plaquetárias
Púrpura trombocitopênica imunológica
A s disfunções plaquetárias hereditá rias c os d istúrbios
A púrpura tro mbocitopênica imunológica ocorre dos fatores da coagulação sangüínea são abordados no
guando as plaquetas sofrem destruição premarura no sis- capirulo sobre hemostasia. As dis funções plaquetárias
tema reticuloendotelial do baço por ação de autoanticor- adquiridas são causas comuns de hemorragia associada à
p os lgG. A forma aguda ocorre principalme nte em crian- operação, especialmente aquelas relacionadas ao uso de
ças, tem inicio abrupto com manifestações cutâneas drogas antiagregantes plaguetárias. A insuficiências renal
(petéguias c eguimoses) exuberantes, ap resenta re m is- c hepática cursam com di stúrbios complexos da hemosta-
sões espontâneas em cerca de 90% dos casos e freg licn-
sia nos quais os defeitos de função da plaquetas geral-
temente é precedida por guadro viró tico. A fo rma c rôn i-
mente estão presentes. A abordagem terapêutica destes
ca ocorre em adultos, tem inicio insidioso e é comumen-
pacien tes inicia-se no pré-operatório com a susp ensão de
te diagnosticada em paciente assimomático gue realiza
drogas inibidoras da fu nção plaquetária, bem como trata-
exames laboratOriais periódicos.
mento da urernia. A s transfusões de hemocomponentes
Para as crianças com púrpura trombocitopênica imu-
e pecíficos podem ser eficazes na prevenção e no trata-
nológica aguda o tratamento está indicado guando o
mento da hemorragia, assim como o u o da desmopressi-
número de plaguetas for menor gue 20.000/ mm3 e o
na, dos agentes antifibrinoliticos e da aprotinina.
paciente apresentar hemorragia. Está indicado também
A doença de Von \X 'iUeb ra nd adquirida é uma disfun-
guando a plaguetopenia g rave persisti r p o r mais de seis
ção plaguetária associada a dive r a doenças, sendo mais
meses após o diagn óstico. Para o adulto com púrpura
comum nas gam opatias mo noclo nais, doenças linfoproli -
trombocitopê nica imuno lógica crô nica o tra tamento far-
macológico está indicado guando o número de p laquetas ferativas e rnieloprolife rati vas. A etiopatogenia ainda não
for menor que 20.000/ mm 3 ou maior que 20.000/ mm3, foi inteiramente eluciclada, porém sabe-se que auto-anti-
mas com h emorragia ativa. A prednisona é o tratamento co rpos contra o fator de Von Willebrand c adsorção do
de escolha inicial. A taxa de resposta comple ta o u p arcial fator de Von W iUebrand po r células tumorais ou p laque-
é supe rio r a 60% . Pa ra os pacientes que não respondem tas ativadas participam do p rocesso. A gravidade do san -
à cortico tera pia, a esplenectornia é a segunda opção. gram ento va ria, consideravelmente, entre os pacie ntes.
Cerca de 80% dos pacientes apresentam recuperação Com relação às doenças m ieloproliferativas crônicas, que
total ou parcial após a esple nectomia. a cria nça, a esple- podem cursar com trombociternia (contagem p lag uetária
nec tomia é protelada até um ano após o diagnóstico d evi- maior o u igual a 600.000/ mm3), existe correlação inversa
do à maior possibilidade de remissão espontânea' 2 • entre contagem plaquctária c concentração plasmática
O s pacientes que se submeterão a esplenectomia ele- dos grandes multímeros do fator de Von Willebrand. O s
tiva d everão receber prednisona o ral para aumentar o pacientes com desordens mieloproliferativas e números
nível de plaquetas para 50.000/ mm3 ou mais. Em sirua- de plaguetas maio r ou igual a 1.500.000/ mm têm com-
ções de urgência nas quais não haverá tempo para se pro metime nto da h emostasia primária. Já a tro mbocite-
agua rdar a elevação d e plague tas, pode-se utilizar imuno- rnia reativa, apesar de também apresentar red ução dos
globulina humana na dose de 0,4g/ kg de peso/ dia por grandes mulúmeros do fator de Von Willebrancl, não cos-
cinco dias o u pulsoterapia por três dias com 1g de meril - tuma evoluir com sangramento. O tratam ento da doença
p rednisolo na por dia para elevar a contagem de plaque- de base pode reverter as manjfcstações clínicas. As
tas. Para a esplenectomia, é necessário lembrar gue o opções para prevenção e tratamento das hemorragias

504
Capítulo 41 .: Cirurgia no paciente hematológico

••
incluem desmopressina, concentrados de fa tor de Von na pratica clinica estão detalhados no Quadro 41.2.
Willebrand e imunoglobulinasn. Algumas considerações sobre transfusões de plaquetas e
plasma fresco congelado são necessárias" 5 •
A transfusão de concentrado de plaquetas está indica-
Transfusões de hemocomponentes
da para os pacientes com sangramento ativo e contagem
O s hemocomponentes estão disponíveis a partir de de plaquetas meno r que 50.000/mm3, em uso de antia-
doação voluntária de pessoa saudável que passa por tria- gregantes plaquetários ou com disfunção plaquetária
gem clinica e laborato rial. O sangue total doado é fracio- hereditária. O uso proftlático de concentrado de plaque-
nado em diversos componentes e armazenado po r tas está indicado para procedimentos cirúrgicos, em
tempo variável no banco de sangue. Quando um pacien- gera l, se a contagem de plaquetas fo r menor que
te necessita de transfusão, o médico assistente faz a soli- 50.000/ mm3 o u para procedimentos cirúrgicos cardia-
citação ao banco de sangue que se encarrega de classifi- cos, o ftalmológicos e neurológicos com menos de
car o sangue do paciente, fazer os testes de compatibili- 100.000/ mm3. Está indicado tam bém para recém-nasci-
dade e escolher o melhor produto . O s hemocomponen- dos com sepse e plaq ueto metria menor que
tes, suas composições e os critérios para suas utilizações 30.000/ mm 3, pacientes em quimioterapia e plaquetas

Quadro 41.2 .: Hemocomponenre: características c indicações


----------------------------------------------------------------------------------------------------··
Elemento Hemocomponente Indicações

Características

Concentrado de hemácias Volwne 300m!, hematóaito 60% a 80"/o de hemoglobina. Doses: paciente
padrão (CID!) < 30kg: lOmL/kg; > 30kg: uma unidade (300mL)
eleva l,OWdL de: hemoglobina
CIIM filtradas Ddeucocitação total Prevençio de reações febris aos antígenos leucocitá-
rios e de infecção por citomegalovfrus em imunossu-
primidos
CHM irradiadas lnativação de pela irradiação Prevenção de doença do enxerto lotrsMs hospedei-
ro no paciente imunossuprimido.
CfiM fenotiJndas Antfgenos eritmcitários oonhecidos Transfusão em pacientes com anticorpos irregula-
res contra anrigcnos erimx:irários.
CH.\IIavadas Adição de SQiução salina e separação das Reações alérgicas As prorelnas plasmáticas.
hemâci2s do plasma Deficiemes de lgA
CIIM neg:anvas para Pesquisa a presença de hemoglobina S Pacientes com hemoglobina S
hemoglobina S
Concentrado de plaque- Obtida de uma doação de sangue total Reposição de ploqucras. A dose recomendada é
tas (CP) padrão radiada de uma unidade para cada 5 a !Okg/de peso. os
o u não casos de pacientes com refrarariedade à transfu-
Plaquetas CP aférese irradiada ou Obtida de uma doaçào de plaquetas de um são de plaquetas, é recomendado o uso de plaque-
não (uma bolsa de afércse único doador por aférese. tas por afércsc de doador li LA compativel
equivale a oito bolsas de
CP padrão)

Plasma fresco congelado Contém: protrombina, proteína C, fatores Reposição dos tàtores de coagulação ciudos
VO, IX, X, XI, XII, plasminogênio, pré- ao lado
!-'atores de antitrombina I1I
coagulação
Crioprecipitado Fibrinogênio, fator de von fator Sangramento por deficiência de fibrinogéruo o u
VIU, fator Xlll e fibronectirut dtsfibrinogenemtas. deficiência dos fatores cita-
dos ao lado, profilaxia de sangramenros pré-pro-
invasivos nos pacientes com as defi-
ciências especificas. Doses - Quatro bolsas para
cada IOkg de peso como dose de auque. Uma
bolsa pan cada IOkg de peso como manutenção


··----------------------------------------------------------------------------------------------------
505
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

inferiores a 10.000/mm3 ou a 20.000/ mm3, quando esti- da, entre outros). O quadro clinico é grave e proporcio-
verem com febre. Por o utro lado, as transfusões de pla- nal à quantidade de sangue infundido. Os sinais e sinto-
quetas estão contra-indicadas como uso profilático na púr- mas, que podem ocorrer após infusão de 1Oml a 15m! de
pura trombocitopênica im uno lógica, púrpura trombocito- hemácias inco mpatíveis, são febre acompanhada de cala-
pên.ica trombótica, H ELLP síndrome, síndro me hemoliti- frios, dor torácica, lombar ou no local de infusão, dis-
co-urêmica e plaquetopenia induzida por heparina. pnéia, náuseas, hemoglobinúria, oligúria e anúria, insufi-
A transfusão de plasma fresco congelado está indica- ciência renal aguda, hipotensão arterial, choque cardio-
da: no tratamento de sa ngramento em pacientes com circu latório. Em pacientes anesresiados, os si nais podem
R1 1>1.8 e/ou PTTa> 1,5 vez o valor do controle; na ser sa ngramento no sítio cirúrgico, hipo tensão e hemo-
reposição de fatores de coagulação quando não houver globinúria. Em casos de suspeita de reação hemolítica
concentrado liofilizado específico; na profilaxia pré-pro- transfusional aguda, deve-se interro mper, imediatamen-
cedimentos cirúrgicos em pacientes com as alterações te, a infusão do hemocomponente, iniciar infusão de
mencionadas ou com deficiência es pecífica de fator de cristalóides e diuréticos de alça para manter débito urin á-
coagulação quando não houver produto liofilizado; no rio de 1OOml/hora. O banco de sa ngue deve ser notifica-
tratamento de tromboses ou no preparo pré-operató rio do imediatamente.
dos pacientes com defi ciência de antitrombi na III (quan-
do não houver composto lio filizado) . As doses emprega-
Reação febril não-hemolítica
das são 1Oml/kg/dose a 15ml/kg/dose de produto
ABO/ Rh D compatível. O plasma fresco congelado Po r definição, a reação feb ril é o aumento da tempe-
está, no entanto, contra-indicado para reposição de albu- ratura corporal do paciente, maior ou igual a um grau
mina, tratamento de queimados, reposição de volu me centígrado, em relação à temperatura pré-transfusional,
circulatório sem déficit de fatores de coagulação, com- sem nenhuma outra causa apa rente. Geralmente não
plementação de n utrição parenteral, manutenção de provoca risco de morte. A freqüência estim ada deste tipo
pressão oncótica, correção proftlática de alterações da de reação é variável, estando em torno de 0,5% a 5% . Os
coagulação sem previsão de procedimentos invasivos e mediadores são citocinas proi nflamatórias, contamina-
aceleração de processo cicatricial. ção bacteriana e aloimunização com antígenos plaquetá-
rios ou leucocitários. ua importância deve-se ao diag-
nóstico diferencial com a reação hemolitica aguda. A
Reações transfusionais
transfusão deve ser in terrompida e, devido à possibilida-
Reação transfusional é definida como todo e qualquer de de contaminação bacteriana, a bolsa deve ser despre-
evento adverso que ocorra durante ou após a transfusão zada. O paciente é tratado com antitérrnicos e meperid.i-
de um hemocomponente. A incidência geral é de 3% a na para a redução d os tremores. Medidas preventivas
10% . As reações transfusionais podem ser classificadas estão indicadas a partir do seg undo episódio.
quan to ao mecanismo em imunológicas e não-imunoló-
gicas e q uanto ao momen to de ocorrência em imediatas
Reações alérgicas
e tardias. Reações imediatas são aquelas que ocorrem
d urante o u em até 24 ho ras após a transfusão. Reações alérgicas são freq üentes com incidência um
pouco inferio r à da reação febril não-hemolítica.
Reação hemolítica aguda Normalmente não se acompanham de feb re e podem ter
m anifestações cutâneas (urticariformes), respiratórias
Esta reação geralmente ocorre por inco mpatibilidade (es tridor laríngeo, bro ncoespasmo, dispnéia, co ngestão e
ABO e é mediada por anticorpos lgM com ativação do prurido nasal) e cardiovasculares (cho que) . Estas reações
complemento. A quase totalidade das reações hemoliti- podem ter maior gravidade nos pacientes com deficiên-
cas agudas é secundária a falha humana (identificação cia ele IgA . O tratamen to inclui a interrupção da trans fu -
incorreta de amostra, coleta de amostra em outro pacien- são, o uso de anti-histamínicos e outras medidas depen-
te, infusão de hemocomponente sem conferência dos dendo ela g ravidade clínica. D eve-se buscar o reconheci-
dados de identificação do receptor c da bo lsa transfundi- mento do paciente com deficiência ele IgA. Algumas

506
•••
Capítulo 41 .: Cirurgia no paciente hematológico

meclidas preventivas podem ser adotadas naqueles com dade sangumeas possam ser realizadas com rapidez. O
história de reações alérgicas transfusionais prévias e hemograma com contagem de plaquetas e a análise da coa-
incluem a pré-medicação com anti-histaminicos ou glico- gulação também são importantes para determinar a inclica-
corticóides, o uso de concentrado de hemácias lavadas e ção e o tipo de hemocomponente a ser transfundido.
hemocomponentes sem lgA. O banco de sangue deve, se fornecer hemá-
cias do mesmo grupo e compatíveis com o receptor. E m
situações extremas, pode ser necessário utilizar hemácias
Lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão
do grupo O Rh(D) negativo sem provas de compatibilida-
E sta reação é mecliada por anticorpos leucocitários de com o receptor. o entanto, as hemácias O negativo
do doador e receptor com ativação do complemento . nem sempre estão disponíveis e a seguinte política transfu-
Manifesta-se por insuficiência respiratória aguda devido sional é orientada caso não se consiga transfusão isogrupo
ao edema puJmo nar não-cardiogênico, que surge dentro com o paciente: tran sfun dir hemácias O positivo para o
de uma a seis horas após a transfusão. É uma reação receptor Rh positivo; transfundir hemácias O negativo
grave com risco de 5% a 10% de óbito que ocorre na para o recepto r Rh negativo; e transfundi r hemácias O
proporção de um caso para 5.000 transfusões . positivo para o receptor O negativo. este último caso,
deve-se alertar o médico assistente. As transfusões de pla-
quetas devem ser feitas utilizando os mesmos critérios
Reações não-imunológicas agudas
descritos no ítem Tranifusào de beiJiocomponentes.
E stas reações incluem a sobrecarga circulatória que Esses pacientes utilizam grandes quantidades de san-
pode ocorrer em inclivíduos propensos, contaminação da gue e correm os riscos de co mplicações adicio nais rela-
unidade do hemocomponente por bactérias e hemólise cionadas às transfusões. São elas: hipocalcemia secundá-
por mecanismos físico-químicos. ria à quelação do cálcio pelo citrato que é o anticoagulan-
te utilizado na estocagem de sangue; hipotermia que
ocorre devido à transfusão de grandes volumes de hemo-
Reações tardias componen tes armazenados a 4°C; síndrome do descon-
Eventualmente, as reações hemolíticas por incompati- forto respiratório do ad ulto que é provavelmente de ori-
bilidade de antígenos eritrocitários não-ABO podem ocor- gem multifatorial; e coagulação intravascuJar clissemina-
rer após 24 horas do término da transfusão. Outras reações da que também é de natureza multifatorial.
tardias incluem a doença do eiLxerto versus hospedeiro, que
é mecliada por linfócitos do doador no paciente imunossu-
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507
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
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508
42
ASPECTOS ÉTICO-LEGAIS E
PSICOSSOCIAIS DOS TRANSPLANTES
DE ÓRGÃOS E TECIDOS

••
Walter Antônio Pereira, Márcio Alberto Cardoso,
Emma Elisa Carneiro de Castro, Márcia Aparecida de Abreu Fonseca

Introdução legislação específica sobre o tema. D evemos entender que


o legislador, considerando temas médicos, é sempre pro-
Os transplantes de órgãos e tecidos constituem um vocado pela evolução da ciência que, transpondo desafios
dos maiores sucessos da medicina moderna, graças à evo-
antes inimagináveis, oferece ao jurista situações carentes
lução da ciência, a partir de grande sonho da humanidade
de definição legal. Durante esse período, os médicos agi-
desde os primórdios da civilização, manifestado por meio
ram tomando como parâmetros os aspectos científicos,
de histó rias e lendas.
morais e éticos da profissão, culminando na elaboração de
A partir do século XVlli, desenvolveram-se, de
suporte legal e de legislação para a realização dos futuros
forma progressiva, as técnicas cirúrgicas e de preservação
transplantes de órgãos. Os objetivos básicos dessa legisla-
de órgãos, os medicamentos imunossupressores, antibió-
ção eram os de resguardar os direitos das pessoas envolvi-
ticos e métodos diagnósticos mais precisos 1•
Petcr Medawar, prêmio lobel de Medicina em 1960, de das, principalmente os do doador, tanto cadáver quanto
nacionalidade britânica, mas nascido em Petrópolis, RJ, em vivo, e de assegurar a gran1idade da cessão dos órgãos
28/ 2/ 1915, foi o maior responsável por desvendar os ou tecidos.
vários aspectos da resposta imunológica, o que tornou viá- Em 1O de agosto de 1968, foi sancionada a lei n°
vel a aplicação clinica dos transplantes em seres humanos2• 5.479, criando dispositivos " retirada c transplante de teci-
Atualmente, a medicina regenerativa, com a clonagem dos, órgãos e partes de cadáver para finalidade terapêuti-
terapêutica, nanobioengenharia, indução de tolerância ca e científica" e dando outras providências. Essa lei per-
imunológica e diferenciação celular a partir de células- maneceu durante quase 25 anos, auto-ap licável na maio-
tronco representam, desde já, nova fase evolutiva dos ria de seus dispositivos, por ausência completa de o utros
transplantes. dispositivos legais sobre o tema 1• Só a partir da década de
Em paralelo a essa evolução, houve a necessidade de 80 do século passado, com os transplantes cada vez mais
serem estabelecidos novos critérios de morte e uma legis- freqüentes e com resultados satisfatórios, graças à evolu-
lação que adequasse essa nova realidade terapêutica às ção da imunogenética e ao aparecimento de novas drogas
demandas da sociedade. imunossuprcssoras, os médicos c legisladores retomaram
as discussões sobre os aspectos éticos, buscando assegu-
rar suportes legais para os procedimentos•. Longas análi-
Legislação
ses e reflexões discorreram sobre doadores, receptores c,
Até 1968, quando foi realizado o primeiro transplante principalmente, quanto à definição do diagnóstico da rea-
de coração no Brasil, amparado no critério de morte ence- lidade da morte, tendo como pilares resguardar os direi-
fálica do doador, não existia em nosso pais nenhuma tos do doador e garantir a gratuidade do ato' .

509
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Considerando que múltiplos transplantes de órgãos exi- São pontos importantes dessa lei:
gem a vitalidade dos tecidos transplantados, o primeiro Art. 2•. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos,
grande desafio, ético e legal, apresentado na terapêutica dos órgãos 011 partes do corpo humano só poderá ser realii_pda
transplantes de doadores-cadáveres foi a definição do diag- por estabelecimento de saúde, ptíblico ou privado, e por equi-
nóstico de morte, uma vez que não mais se poderia ftrmar pes médico-cirúrgicas de remorão e transplante previamente
unicamente no critério de parada irreversível dos batimen- autorizados pelo órgão degestão nacional do Sistema Único
tos cardíacos. Um novo conceito finnou-se: o critério da de Saúde.
morte encefálica, hoje devidamente definida em resolução
do Conselho Federal de Medicina6 • Arl.3°. A retirada post mortem de tecidos, órgãos 011 partes
do corpo humano destinados a tnmsplante ou tratamento de/le-
rá serprecedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e
Código de Ética Médica registrada por dois médicos ncio-participantes das equipes de
O Código de Ética Médica, contendo a legislação dos ITJmorcio e transplante, mediante a utilizarão de critérios clínicos
Conselhos de Medicina, aprovado na resolução n. 0 1.246 e temológicos definidos por molurão do Conselho Federal
do Conselho Federal de Medicina de 8 de janeiro de de Medicina.
1988, em seu capítulo VI, trata da doação e do transplan -
Art. 4•A retirada de tecidos, órgãos epartes do corpo depes-
te de órgãos e tecidos (Quadro 42.1)
soas falecidas para transplantes 011 outra finalidade terapé11-
tica dependerá da autOJii.fi(ãO do cót!Juge 011 parente, maior
Quadro 42.1 . : Doação e transplante de órgãos e tecidos (capítulo de idade, obedecida a linha sucessória, TTJia ou colateral, até o
VI do código de ética médica) segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por
----------------------------------------------·· duas testemunhas presenle.r à verificarão da morte. (nova
É vedado ao médico:
Art. 72- Participar do processo de diagnóstico da morte ou da deci-
reda(ãO determinada pela Lei 10.211, de 23 de lliCllf'O
são de suspensão dos meios artificiais de prolongamento da vida de de 200 1).
possível doador, quando pertencente à equipe de transplante.
An. 73 - Dei.ur, em caso de tnnsplante, de explicar ao doador ou Att. s· A fT!IliO(ãOpost mo rtem de tecidos, órgãos Olf par-
ao seu responsável legal, e ao receptor ou ao seu responsável legal, tes do corpo de pessoa j tlfidicamente incapazpoderá serfeita
em termos compreensfveis, os ri&COS de exames, operações ou
desde quepermitida expressamentepor ambos os pais OH por
outrOS P!?Cedimentos.
1\rt. 74 - Retirar órgão de doador vivo, quando interdito ou incapaz, seus responsáveis legais.
mesmo com autorização de seu respo nsável legal.
• A rt. 6• É vedada a remoção post morrem de tecidos,
··---------------------------------------------- órgãos 011 partes do corpo de pessoas não-identificctdas.
Art. s• Após a retirada de tecidos, órgãos epartes, o cadá-
Fica claro nos dispositivos a proibição de comerciali-
ver será imediatamente necropsiado, se verificada a hipótese
zação de órgãos ou tecidos humanos e a necessidade de
consentimento esclarecido (verbal e escri to) do doador
do parágrafo único do art. e, em qualquer caso, condigna-
vivo, usando o profissional médico de linguagem ade- mente recomposto para ser entregue, em seguida, aos parr!ntes
quada ao leigo e de fácil entendimento, o mesmo sendo do morto ou seus responsáveis legais para sepultamento.
aplicado ao receptor. (nova redação detemlinada pela Lei 10.211, de 23 de março
de 2001).

Resoluções e leis A tt. 9• É permitida à pessoa j uridicamente capaz dispor


gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio c01po
A partir de fevereiro de 1997 passou a vigorar a lei n. 0
vivo, para fins terapêuticos 011 para transplantes em có1!)uge
9.434, considerando as alterações determinadas pela ou parentes cosangüíneos até o quatto grau, inc/usit;e, na
Medida Provisória n.0 1.959-27, de 24 de outubro de forma do § 4° deste artigo, 011 em qualquer outra pessoa,
2000, e a Lei n. 10.211 , de 23 de março de 2001, e que
0

mediante autorii.fiçào j udicial, dispensada esta em refarão à


dispunham sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes medula óssea. (nova rodarão determinada pela 1.-ei 10.211,
do corpo humano para fins de transplante e tratamento2• de 23 de marro de 2001).

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• ••
Capítulo 42 .: Aspectos ético-legais e psicossociais dos transplantes de ó rgãos e tecidos

§ 3• Só épermitida a doação riferida neste artigo quando se Art. 13. É obrigatório, para todos os estabelecimentos de
tratar de órgãos duplos, departes de órgãos, tecidos ou partes saúde, notificar, às centrais de notificação, captação e distri-
do corpo ctf!a retirada não impeça o org,anismo do doador de buição de órg,ãos da unidade federada onde ocomr, o diagnós-
continuar vivendo sem risco para a stta integridade e não tico de morte encefálica feito empacientes por eles atendidos.
represente grave comprometimento de s11as aptidões vitais e
saúde mental e não cause mutilação 011 deformação inaceitá-
lle/, e corresponda a 11111a necessidade terapê11tica comprovada- Sanções penais e administrativas
mente indispensável à pessoa receptora.
Dos Crimes
§ 4• O doador deverá autorizar, preferencialmente por escri-
to e diante de testemunhas, especificamente o tecido, órg,ão 011 Art. 14. Remover tecidos, órg,ãos ou partes do corpo de pes-
parte do corpo oijeto da retirada. soa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei:
§ 5° A doação poderá ser revogada pelo doador 011 pelos Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa de 100 a 360
responsáveis legais a qualquer momento antes de sua concre- dias-multa.
ti'(flção.
§ 1• Se o crime é cometido mediante paga 011 promessa de
§ 6° O indivíd11o j11ridicamente com compatibilida- recompensa ou por o11tro motivo torpe:
de imunológica compr01;ada, poderá fazer doação nos casos de
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa de 100 a 150
transplante de medula óssea, desde que hc!}a consentimento de
dias-multa.
ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judi-
cial e o alo não iferecer risco para a Stla saúde. § 2• Se o etime é praticado em pessoa viva, e resulta para
o ifendido:
§ 7" t:; vedado à gcstcmtc dispor de tecidos, órg,àos ott partes
de seu corpo vivo, exceto quando se tratar de doação de teci- I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de
dos para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato 30 dias;
não iferecer risco à Stla saúde ou à do feto.
li -perigo de vida;
§ s· o autotransplanle depende apenas do consentimento do
111- debilidade permanente de membro, sentido ou
próprio indivíduo, registrado em seu prontuário médico ou, se
ele for juridicammte incapai! de um de sem pais ou respon- IV- aceleração de parto:
sáJ;eis legais. Pena- reclusão, de três a dez anos, e multa de 100 a 200
Art. 10. O transplante ou enxerto só sefará com o consen- dias-multa.
timento expresso do receptot; assim inscrito em lista única de § 3• Se o crime é praticado em pessoa viva, e res11lta para o
espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os ifendido:
riscos do procedimmto.
I - inrapacidade permanente para o trabalho;
§ 1• Nos casos em que o receptor sda juridicamente incapaz
ou ct!)as condições de saúde impeçam ou comprometam a li - enfenmdade incurável,·
IJJtmifestação válida da sua vontade, o consmtimento de que l/f - perda ou inutilização de membro, sentido ou jtmção;
trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsá-
veis legais. ! V- defomJidadepermanente;

§ 2• A inscrição em lista única de espera não confere ao pre- V- aborto:


tenso receptor ou à sua família direito s11ijetivo a indeni'(fl- Pena - recl11são, de quatro a doze anos, e multa de 150 a
çào, se o transplante não se realizar em decorrência de altera- 300 dias-multa.
ção do estado de órg,ãos, tecidos e partes, que lhe seriam des-
§ 4• Se o crime épraticado em pessoa viva e resulta em morte:
tinados, provocada por acidente ou incidente em seu transpor-
te. (not'a redação determinada pela Lei 10.211, de 23 de Pena - reclusão, de oito a vinte anos, e multa de 200 a 360
março de 2001). dias-multa.
511

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do ben'!ftciar de créditos oriundos de instituifÕes governamentais
corpo humano: ou daquelas em que o Estado é acionista) pelo prazo de
cznco anos.
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa de 200 a 360
dias-multa. A rt. 22. As instituirões que deixarem de manter em arqui-
vo relatórios dos transplantes realizados, conforme o dispos-
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem _promove,
to no art. 3", § 1•, ou que não enviarem os relatórios men-
intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a
transafãO.
cionados no art. § 2•, ao órgão de gestão estadual do
Sistema Único de Saúde, estão stijeitas a multa de 100 a
Art. 16. Realizar transplante ou enxerto utilizando teczdos, 200 dias-multa.
órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem
sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei. § 1" Incorre na mesma pena o estabelecimento de saúde que dei-
xar defazer as notifica(Ões previstas no art. 13.
Pena - reclusão, de um a seÍJ anos, e multa de 150 a 300
dias-multa. § 2• .Em caso de reincidência, além de multa, o órgão de ges-
tão estadual do Sistema Único de Saúde poderá determinar a
Art. 17. Recolher, transportar, guardar ou distribuir partes desautorizafão temporária ou permanente da instituifãO.
do c01po humano de que se tem ciência terem sido obtidos em
desacordo com os dispositivos desta Lei. Art. 23. Stijeita-se às penas do art. 59 da Lei n• 4.11 7, de
27 de agosto de 1962, a empresa de comunicafãO social que
Pena - reclusão, de seis meses a dois anos, e multa de 100 a veiczt!ar anúncio em desacordo com o disposto no art. 11.
250 dias-multa.
A rt. 18. Realizar transplante 011 enxerto em desacordo com o
dispositivo no art. 1O de.rta Lei e .reu parágrafo único: Aspectos psicossociais
Pena - reclusão de seis meses a dois anos.
O candidato ao transplante
A rt. 19. D eixar de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspec-
to condigno para sepultamento, ou deixar de entregar ou Os pacientes que entram nos programas de transplan-
retardar sua entrega aos f amiliares ou interessados: te passam necessariamente por etapas sucessivas de avalia-
ções somáticas e, m uitas vezes, por avaliações psíquicas.
Pena - detenfãO de seis meses a dois anos. essas etapas, podemos per ceber a importância de
Art. 20. Publicar anúncio ou apelo público em desacordo ajuda psicológica que possibilite m elhor adaptação do
com o disposto no att. 11: sujeito face às exigências de oper ação tão complexa.
A tomada de co nsciência da necessidade de se fazer
Pena- multa de 100 a 200 dias-multa.
um transplante é sempre difícil, pois aparecem medos,
inquietações e angústias. E m alguns casos, o com pro me-
timento físico não é tão aparente, seja pela fase inicial da
Das Sanções Administrativas
doença ou pelo tipo específico de tran splante. A qualida-
A rt. 2 1. N os casos dos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16 e de de vida, ainda preservada, remete o indivíduo a q ues-
17, o estabelecimento de saúde e as equipes médico-cirúrgicas tionamentos sobre a pertinência da operação. Uma
envolvidaspoderão ser desautorizadas temporária ou permanen- balança imaginária se apresenta no discurso do paciente,
tementepelas autoridades competentes. pesando os possíveis riscos e benefícios do transplante.
Também podem surgir fa ntasias de que a evolução da
§ 1• Se a institttifãO é particular, a autoridade competente doença ficará estagnada, não avan çará e que a indicação
poderá multá-la em 200 a 360 dias-multa e, em caso de rein-
do transplante ser á rediscutida.
cidência, poderá ter suas ativzdades suspensas temporária ou
Q uando o paciente assume a doença e suas co nse-
d'!ftnitivamente, sem direito a qualquer indenizafão ou com- qüências, a angústia de m o rte torna-se mais real e o sujei-
pensa(ãO por investimentos realizados. to se sente am eaçado em sua existência. E le poderá apre-
§ 2• Se a instituifãO é particular, é proibida de estabelecer sentar tem o r e angústia em relação à sua in tegridade físi-
contratos ou cottvênios com entidades p úblicas, bem como se ca ou psíquica, incertezas quanto ao desenvolvimento da

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Capítulo 42 .: Aspectos ético-legais e psicossociais dos transplantes de órgãos e tecidos

doença, bem como da operação e do que virá depois, escolha de um ou outro pólo parece mobilizar o sujeito
apreensão e medo da perda de um órgão que deverá ser de maneira a não ter que enfrentar diretamente o pensa-
substituído e preocupações quanto ao seu futuro pessoal, mento do ato cirúrgico em si.
familiar e sociaF. A fase de espera do órgão é, para a maioria dos pacien-
Todas essas angústias, temores e incertezas atingem o tes, um período de tortura psicológica, na medida em que
núcleo da personalidade, este lugar imaginário onde o amor ela os faz viver, ao mesmo tempo, intensos sentimentos de
e a estima de si se constroem. Esse núcleo corre o risco de impotência e de total dependência, dei.xando o campo livre
se enfraquecer, de se fissurar e se desintegrar, o que abre para a liberação de angústias e fantasias arcaicas assustado-
caminho a sentimentos de impotência e ao desespero, que ras. As manifestações psicológicas desse período parecem
podem chegar à resignação, à recusa e até ao abandono da marcadas por sentimentos de falta de esperança, degrada-
luta contra a doença, levando o paciente a não aderir ao tra- ção, medo, bem como de ansiedade, irritabi]jdade, isola-
tamento ou mesmo a recusar o transplante. mento e clara diminuição da vida fantasmática.
O paciente interroga-se sempre sobre seu desejo de Parece ser difícil para o sujeito falar de seus sentimen-
transplante. A maioria ressalta essa situação paradoxal, tos em relação à morte, de seus medos e fantasias.
exprimindo o sentimento de não ter escolha, já que se A titudes de isolamento e idéias de culpabilidade e indig-
trata de um co ntexto de vida ou de mo rte. nação dirigidas à morte do doador aparecem normal-
Quando é anunciado ao paciente que ele poderá sub- mente após o anúncio do transplante e durante essa fase
meter-se a um transplante, seu estado de degradação de espera do órgão. "Esse sentimento de culpa, que se
somática é particularmente importante, ainda que mais manifesta por ruminações mórbidas, intensifica-se nos
expressivamente constatado em seus exames, e ele perce- finais de semana devido ao maior número de acidentes
be que os tratamentos convencionais feitos até aquele nas estradas, ' sua chance' de obter um órgão torna-se,
momento não garantirão mais sua existência ou, em então, mais provável"9 •
alguns casos, nivel de vida satisfatório. Nesse momento, A situação de espera de um órgão parece ser, para o
esse paciente pode experimentar uma série de dificulda- paciente, momento de instabilidade, estresse e ansiedade,
des psicológicas, que consistem em sintomas de angústia pois os acontecimentos são muito imprevisíveis, levando
e depressão. em conta a disponibi]jdade de um órgão e também as
Inicialmente, o paciente passa a ter esperança idealizada complicações do tratamento. Tudo é, fora a certeza da
da cura, encara o tratamento como uma chance que lhe foi necessidade do transplante, de alguma fo rma imprevisí-
dada, já que com o avan çar da doença compromete-se e vel: a duração dessa espera, o encontro do doado r com-
debilita-se fisica e emocionalmente dia após clia8• Surge, patível, as possibilidades de sobreviver a essa espera, o
nesse momento, o sentimento onipotente de que poderá resultado da operação a ser feita e a aceitação ou rejeição
renascer, que todos os seus problemas poderão ser resolvi- do órgão a ser transplantado. O paciente oscila entre
dos e que grande transformação está por acontecer. períodos de esperança e desesperança, entre espera de
Mas, em algu ns tipos de transplante, como, o cardia- vida e espera de mor te. Não sabe quando será solicitado
co ou o hepático, simultaneamente a esses sentimentos seu comparecimento ao hospital para se submeter à ope-
de euforia, o anúncio do transplante desperta no pacien- ração e pode vivenciar momentos de depressão, regres-
te verdadeiro choque emocional e também estado de são e perturbações da imagem corporal.
pânico: um veredicto de morte iminente e a esperança de Os familiares participam de todo o processo vivido
sobrevida condicionada. Confrontados entre esses dois pelo paciente e reagem aos aco ntecimentos a partir do
pólos, inevitavelmente aparecem reações ânsia-depressi- papel, função e história de cada um na dinâmica familiar.
vas intensas, devido à utilização de mecanismos de defe- É comum a emergência de antigos conflitos, rivalidades
sa, tais como resistência, negação, isolamento etc. A e segredos nesse momento de tensão e incertezas. As ati-
angústia gerada pode fazer com que o paciente opte tudes para com o membro doente e mesmo para com as
inconscientemente por uma das alternativas e se posicio- equipes assistentes estão mediadas po r essa estrutura.
ne como aquele que não resistirá à operação (a mo rte) o u Outro fator importante nessa etapa de espera é a rela-
aquele que se tornará mais saudável que antes, inclusive ção do paciente com a morte. "Nesse contexto, a morte
mais feliz (a idealização da cura). D e qualquer fo rma, a apresenta-se de uma forma paradoxal; onipresente de um

513
• Fundamentos em Clínica C irúrgica

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lado (risco de complicação letal, esperança de vida red uzi- como às eq uipes q ue realizam essas o perações. As moda-
da, mo rte de o utros pacientes), sendo, po r o utro lado, mar- lidades de in tervenções psicológicas e psiquiátricas ainda
cada pela banalização c a rotina dos cuidados que se desen- variam mui to de um serviço para o utro, mas existe atual-
volvem segundo um riono imutável"w. mente um consenso em relação às necessidades e aos
A questão da m orte do doado r remete o sujeito à sua benefícios dessas in tervenções.
própria morte, em jogo di fícil de ser elaborado. Mas, Uma intervenção do po rte de um transplante mo bili-
quase sempre somen te após o transplante, o paciente fala za toda estru tura familiar e, nesse contexto, o transplan-
do seu desconfo rto e culpabilidade diante da espera da te deve ser abo rdado na sua totalidade: recepto r, doado r,
mo rte de um doado r, de sua atenção ao barulho da si re- suas fa núlias e a sociedade à qual pertencem. É importan-
ne e das no ócias dos acidentes. esse mo mento de espe- te lembrar que, entre o utros fa tores, o paciente terá suas
ra, ele tende a se calar, se fechar, negan do a pró pria m o rte atitudes e crenças influenciadas pelo grupo social a que
e a mo rte do outro . pertence e pela religião que p ratica.
Nesse mo mento, a escuta psicoterápica da angústia e O sucesso desses procedimentos cirúrgicos pode ser
o encorajamento à verbalização das realidades do trans- comprometido se essa locali zação social do paciente não
plante são, para o paciente, a forma mais estruturante de fo r levada em co nta, e essa situação poderá ser determi-
se comprometer com o processo do transplante 11 • O nante no m o mento de decidir sobre doação de ó rgãos o u
paciente precisa, a todo mo mento, estar ciente de todas tomar a decisão de recebê-los.
as implicações decorrentes da terapêutica à qual irá sub- O utro fato r que devemos considerar é a auto ri zação
meter-se e poderá fala r de suas ansiedades em relação a
do paciente, se possível por escrito, para realização da
elas nessa escuta.
intervenção. O s pacientes e suas famílias devem ser
O transplante constitui mudança radical na vida do
info rmados da m aneira mais detalhada possível em rela-
indi víduo e de sua família, pois sabemos que a decisão de
ção ao transplante, aos apa relhos e medicamentos utiliza-
fazê-lo é mui to impo rtante par a eles, apesar dos receios,
dos, ao problema da rejeição, ao risco de vida e aos trata-
das ansiedades e das angústias que suscita.
mentos medicam entosos pós- transplante. T ambém
Inicialmente, a per pecriva de se submeter a uma série
nesse momento as dimensões emocionais desse p roces-
de exames, consultas c avaliações para constatar se seu esta-
so devem ser co rretamente avaliadas e cuidadas.
do orgânico permite tal tratamento e, em seguida, a espera
do doado r, que muitas vezes é longa, levam o paciente a
sofrer modificações psicológicas importantes e nos mos- O paciente t ransplantado
tram o grau de angústia que ele pode estar vivenciando.
Os aspectos emocionais relacio nados aos tran splan- Nesse segundo momento, a possibilidade de um futu-
tes são complexos, pois envolvem dimensões frente às ro torna-se realidade dando ao sujeito maior capacidade
quais as pessoas não estão adaptadas e para as quais não de elaboração. E le quer fa lar de sua experiência, está ali-
fo ram prepa radas. Esses aspectos podem va riar mui to de viado po r ter passado pela operação e se auto riza a falar
um tipo de tran splante a o utro, pois as situações não são do medo anterior 12 •
ho mogêneas; vão depender do tipo de ó rgão transplanta- O encontro p ré-operatório é mais difícil, o paciente
do e também do fato de o doado r estar vivo o u mo rto. normalmente é mais resistente, apresenta dificuldades
Podemos J.izer t] UC as fantasias suscitadas pela doa- em falar da morre, do m edo c das fantasias. Após o trans-
ção se relacio nam intimamente com a representação cor- plante, ele apresenta mais facilidade de se abrir, de relatar
po ral no sentido de doar não um o bjeto qualquer, mas suas experiências c de fa lar do que já passou.
parte de seu próprio corpo. Sabemos que nosso corpo é Alguns pacientes são mais reivindicativos e exigem
representado imagi nariamente por cada um de nós. Essa melhora imedi ata de suas condições de vida.
representação singular, no caso da doação ou recepção Normalmente, são os pacientes que não estavam bem
de ó rgãos sofre pressões, colocando-nos frente à mo rte. in tegrados socialm en te e que esperavam que a in terven-
E ntretanto, a evolução das técnicas utilizadas nos ção resolvesse de fo rma mágica e, imediatam ente, todos
transplantes não foi adequadamente acompanhada do os seus problem as, sejam eles sociais, afeti vos o u
supo rte emocio nal aos pacientes, a seus fa miliares, bem profissio nais 13 •

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Capítulo 42 .: Aspectos ético-legais e psicossociais dos transplantes de órgãos e tecidos

Os aspectos psicológicos mais importantes verifica- Pós-operatório tardio


dos no período pós-operatório variam consideravelmen-
O retom o ao ambiente familiar constitui período parti-
te entre a fase precoce (pós-operatório imediato) e a fase
cularmente delicado, no qual o paciente vai ter de adaptar-
tardia (após a saída do hospital).
se a novo modo de vida, inclusive com os incômodos de
um tratamento imunossupressor para o resto da vida.
Pós-operatório imediato
Os momentos de depressão e euforia se alternam: a
O período no centro de tratamento intensivo (Cfl), euforia vem do sentimento de ter tido acesso a uma nova
para muitos pacientes, pode vir a ser apagado da memória, vida, e a depressão vem do caráter alienante da dívida que
mesmo para aqueles que ficaram mais tempo conscientes. eles fizeram. O transplante é também uma perda para o
Somente num momento posterior é que algumas lembran- sujeito, o órgão retirado. Esse órgão pode ser motivo de
ças podem vir à tona, com possibilidade de serem analisa- muitas fantasias, " o que fizeram com ele?", e o paciente
das. Muitos pacientes se queixam ou se envergonham de passa por momento de luto no qual terá de elaborar essa
comportamentos no Cfl, lembrados ou não. Não é raro o perda para aceitar o novo órgão.
relato de que, inicialmente, não tinham certeza de estarem T oda a p roblemática da dívida é a expressão da culpa
vivos. Precisaram se certificar disso 14 • relacionada ao transplante. Os pacientes falam da doação
Logo após a saída do Cfl , a tomada de consciência da vida da qual fo ram beneficiados, mas em seus discur-
do sucesso da operação e o clima de segurança intra- sos percebemos que eles não se esquecem da morte do
hospitalar dão ao paciente a possibilidade de concretizar doador. O órgão transplan tado torna-se então doação de
seu antigo sonho de fazer novos projetos para a vida morte e culpa de vida: para se pagar a dívida feita, seria
futura, o que o leva, quase sempre, a passar um período necessário que o paciente renunciasse à sua própria vida
de bem-estar psicológico, acompanhado muitas vezes de para deixar o órgão transplantado encontrar, "no além",
certa euforia ou de estado hipomaníaco. Esse mo mento
seu proprietário o riginal.
é vivido pelos pacientes como um renascimento e um alí-
E ncontramos também, nesse pós-operatório, certa
''io enorme. O medo da rejeição parece ser, nesse come-
insatisfação nos pacientes que esperavam ficar "curados",
ço, a única preocupação do sujeito, o que desencadeia
que o transplante iria resolver tudo e que eles deixariam
regularmente ansiedade.
essa condição de doentes.
Passado esse momento, o aparecimento dos primei-
Algumas vezes, a recuperação é tão rápida, com retoma-
ros sinais de rejeição ou de complicações reativa sen-
da efetiva da capacidade 6sica e mental, além da disposição,
sações de ansiedade e depressão. Nesse contexto, podem
que os pacientes, atendendo talvez a um desejo inconscien-
surgir questionamentos acerca da própria identidade.
Alguns pacientes chegam a verbaliza r claramente: " Posso te de apagar a experiência vivida da doença e da operação,
dizer que sou eu mesmo?" deixam de tomar os medicamentos e/ou de comparecer
Mas, de uma fo rma geral, essa etapa no hospital gera aos controles e exames médicos; isso, geralmente, propicia
confiança no paciente; ele se sente protegido pelas equi- o processo de rejeição, com interrupção brusca das ativida-
pes médica e de enfermagem e se entrega a esse senti- des por nova hospitalização. Esta última é, particularmente,
mento de segurança. vivenciada com frustração, culpa e certo constrangimento
O fim da hospitalização, por outro lado, leva o para com as equipes assistentes.
paciente a alteração do humor, caracterizada por tristeza O futuro continua, para eles, em sua forma interroga-
e astenia, provavelmente ligadas ao medo de sair desse tiva, pois existe sempre a possibilidade de rejeição, de
ambiente seguro do qual ele se tornou dependente. infecções ou de outras complicações somáticas. Po r isso,
Distanciar-se das equipes que estão cuidando dele pode o sujeito fica em situação de alerta e, de forma hipocon-
provocar inseguranças e mesmo certo temor de que ele dríaca, presta atenção a todos os sinais de seu corpo.
próprio, ou sua família, não consiga dar continuidade a Diante de qualquer complicação, ele entra geralmente em
esses cuidados e que seu estado orgânico venha a se com- uma fase de desilusão e de depressão.
plicar. Em contrapartida, há grande necessidade de retor- Podemos perceber também que, alguns meses depois
nar ao ambiente doméstico, como afirmação de que a do transplante, esses pacientes que sonharam resolver
afecção foi vencida. todas as suas dificuldades e problemas com a operação

515

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passam po r períodos de depressão, que podem compro- implicações, tanto na fase da p
meter seu estado orgânico. depois de encontrá-lo.
As formas de adaptação a essa nova vida são diferen-
tes segundo os vários tipos de transplante, principalmen-
Distúrbios psiquiátricos e psil
te os relativos ao coração. Como vimos anteriormente, o
coração é órgão carregado de simbolismos e o paciente A avaliação do paciente que apre
que passou por transplante deste ó rgão pode passar por quiátricos no pré, per ou pós-opera.
fases de se questionar se os sentimentos vividos afetiva- de ó rgãos é muito complexa e requ•
mente pelo doador agora serão seus: "Vou deixar de gos- tanto na anamnese quanto no tratam(.
tar das pessoas de quem gostava?", "Meus sentimentos Os problemas psiquiátricos ap1
vão se misturar aos do doador?". pacientes podem existir previamente à<.
devido ao processo do transplante ou .
dos pelo mesmo.
A fam ília dos transplantados Os transtornos psiquiátricos que a
A família do paciente que integra um grupo de trans- maior freqüência são, no pré-transplante,
plantes também passa por períodos de grande ansieda- ansiedade, alterações do ritmo sono-vigíli;
de, angústia e inquietações, pois é igualmente atingida sonolência), quadros depressivos, recidiva
em sua segur ança e equilibrio . Vivenciar, lado a lado, psicóticos anteriores que estavam estabili<
aparecimento de transrorno psiquiátrico o rgà
todo esse doloroso percurso de um ente querido é extre-
devido ao agravamento do quadro metabólic
mamente difícil, principalmente sabendo de todos os
do ao tratamento.
transtornos, dificuldades e ameaças de morte que essa
No peroperatório, as crises de ansiedade
intervenção acarreta.
tam os problemas mais freqüentes.
No caso da criança candidata ao tran splante, os pais
No pós-operatório, além dos quadros já c
e demais familiares são mobilizados de forma ainda mais
delirium pode aumentar sua freqüência, e seu tr:
significativa. Desde a concepção, a criança ocupa um
eficaz pode condicionar o êxito ou não do tran
lugar imaginário para seus pais. Ao adoecer, especial-
Outra questão importante é o problema da F
mente quando ainda bebê, a criança é marcada por todas
de psicofármacos para urna pessoa que está debilit
as fantasias decorrentes dessa experiência e pelo olhar poderá estar fazendo uso de imunossupresson
dos pais a ela dirigido, olhar que resulta do que eles caso, deveremos estar atentos à possibilidade de
puderam elaborar do ocorrido' . de drogas que pode diminuir a eficácia de uma
É extremamente importante a participação da famOia aumentar a roxicidade da o utra. Por isso, antes da
nestes processos, cujo posicionamento frente à criança é tração de nova droga, deve-se avaliar a situação •
fundamental para que ela possa assimiJar e significar a paciente junto com a equipe que o está acompanl
vivência da doença. Sentimentos de culpa, impotência, tentativa de prever as interações possíveis entre
frustração e temores podem ser vividos pelos pais fren- medicamento e os que ele já está utilizando.
te ao adoecer do ftlho, propiciando atitudes ambíguas na A melhor seleção possível de pacientes não
educação do mesmo. Dessa forma, a criança doente risco de aparecimento de transtornos psiq:
tende a apresentar condutas regressivas e relacionamen- Ainda não há co nhecimento suficientemente S·
to simbiótico com os pais, especial mente com a mãe. mecanismo de aparecimento desses transtorno
A equipe de psicologia pode intervir junto às famílias mos, porém, a gravidade que representam, [
dando suporte emocional, ouvindo suas dificuldades, mente nos casos agudos.
queixas, discutindo todas essas questões relativas à
perda, à culpabilidade, mas também orientando nas fases
Transtornos mentais orgânicos
de crise e complicações somáticas do paciente. Essas
questões familiares tornam-se mais conflitivas quando Esses quadros são aqui relatados por terem 1
se trata de doação de doador vivo, que acarreta múltiplas ção orgânica demonstrável. Eles podem aparece1

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Capítulo 42 .: Aspectos ético-legais e psicossociais dos transplantes de órgãos e tecidos

no pós-operatório imediato dos pacientes que apresentam A confusão men tal era a entidade diagnóstica utiliza-
problemas metabólicos, principalmente naqueles que da para nomear esses sinais; atualmente, o termo delirium
foram submetidos a transplantes carcliacos e/ou hepáticos. passou a ser utilizado internacionalmente>.
O delirium é o mais representativo desses transtornos.
O que caracteriza este sintoma são as flutuações das fun-
ções cerebrais de uma hora para outra, de um dia para
Estados psicóticos agudos
outro, e mesmo de um minuto para outro. Essas flutua- Os estados psicóticos agudos podem ocorrer alguns
ções são mais visíveis em relação à consciência, orienta- eLas ou semanas após a operação. Os temas do delirio são
ção, atenção, emoção, ao ciclo sono-vigília, senso-per- variados, aparecendo de forma mais freqüente o da per-
cepção, afeto, comportamento motor, e p odem ser cau- seguição, embora p ossa apresentar-se a negação do ato
sados por etiologia sistêmica subjacente, tais como pro- cirúrgico ou da doença que o provocou. Sua freqüência
blemas de metabolismo, feb re transitória, hipoxemia, no transplante cardíaco é comparável à da operação torá-
isquemia, uso de meclicamentos ou sua privação. cica. Existe conflito entre as possíveis etiologias. Uma
Essas flu tuações podem também ser causadas por even-
tentativa é relacionar esses estados à circulação extracor-
tos externos, tais como aumento ou climinuição dos estímu-
pórea, e outra é ligada ao papel traumático do ambiente
los. As variações de intensidade, evoluindo de leve a grave,
pré, per e pós-transplante. Os distúrbios do sono, a perda
podem fazer com que ele venha a passar despercebido.
dos ritmos fisiológicos, a angústia face à morte existente
Ele pode apresentar ligeiras variações da atenção, evo-
no CTI são acentuados p ela tecnologia uti lizada e pela
luindo de quase-normalidade, até rúvel mais grave, no qual
mudança nos contatos interpessoais, causada pelas medi-
o paciente apresenta confusão mental, clistorções da per-
das de assepsia devido ao tratamento imunossupressor
cepção, apresentando ilusões passageiras ou quadros de
(máscaras, aventais, luvas etc.).
alucinações e delírios. Esses sin tomas cliferem dos quadros
Algumas medidas podem favorecer a prevenção des-
psiquiátricos, tais como esquizofrenia, depressão com sin-
ses distúrbios psicóticos: uma relação méclico-paciente
tomas psicóticos e mania, pois não são sistemáticos, e os
mais próxima, em que a personalidade do paciente é con-
pacientes podem revertê-los após explicação do que está
siderada, o estabelecimento de ambiente com objetos
acontecendo com eles naquele momento. As alucinações
familiares e a luta contra os distúrbios do sono.
auditivas predominam nos quadros psiquiátricos funcio-
nais, com a possibilidade de alteração de toda a senso-per-
cepção do paciente, que pode ver animais de tamanhos Complicações psiquiátricas de origem iatrogênica
variados e formas estranhas, sentir odores bizarros e ter
sensações táteis as mais cliversas. Alguns medicamentos utilizados para melhorar a
Devido à possibilidade de rejeição e complicações do situação clinica do paciente podem provocar o apareci-
ato cirúrgico, a equipe méclica, não raro, preocupa-se mento de complicações p siquiátricas, as quais podem
com a integridade funcional do órgão transplantado e melhorar com a retirada dos mesmos.
esquece-se da pessoa que recebeu o transplante; neste A nifedipina pode provocar episódios delirantes agudos
caso, delirium e outros problemas emocionais do paciente com colorido paranóide, sintomas que melhoram com a
são subestimados ou não são cliagnosticados, o que é retirada do produto 15 • Existem relatos de crise maníaca
muito grave, pois vários estudos têm mostrado a relação após o uso do diltiazem, que melhorou com a retirada do
entre quadro psiquiátrico agudo e fatalidade iminente. produto e que não se repetiu com sua reintrodução, e de
Isso é explicado, em parte, pela doença que o provocou, confusão mental e sintomas depressivos com o veraparnil.
sendo outro fator importante o próprio delirium, que em A nifedipina pode promover a atenuação dos efeitos
si mesmo pode ser fatal, mas que é, às vezes, reversível, periféricos e centrais da noradrenalina, o que explicaria o
se cliagnosticado e tratado corretamente. aparecimento de sintomas depressivos. Os digitálicos
Um fator a ser lembrado é a confusão feita entre deli- provocam distúrbios psíquicos, principalmente em caso
rium e delírio: o primeiro apresenta os sintomas expres- de sobredosagem, favorecendo a ocorrência de astenia,
sos acima, o segundo representa alteração do pensamen- insônia, delirium e, às vezes, crises convulsivas. Sintomas
to e faz parte de vários quadros psiquiátricos. depressivos foram relatados com o tratamento p rolonga-

517
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
do . A alfameti ldopa pode .levar a in sônia, sintomas Os transtornos de ansiedade são os mais representati-
depressivos e, mais raramente, a distúrbios psicóticos. vos, pois aparecem quando mudança importante ocorre na
Diuréticos, freqüentemente associados aos digitáli- vida da pessoa e ela deve adaptar-se à nova realidade.
cos, ocasionariam pertur bações iônicas, que estariam na AJguns transtornos de ansiedade, tais como o obses-
origem dos distúrbios psíquicos. sivo-compulsivo e o de pânico (não- tratado), seriam con-
Os tiazídicos provocariam astenia e sonolência decor- tra-indicações formais ao transplante, pois poderiam
rentes de hipopotassemia e hipo natremia e a amilo rida, inviabilizá-lo.
distúrbios ansiodepressivos e insônia. As situações pré e pós-operatórias podem predispor
ao aparecimento de fenômenos de ansiedade perfeita-
mente no rmais à situação, mas que merecem tratamento
Transtornos psiquiátricos anteriores quando têm sua intensidade aumentada.
Os quadros mais freqüentes são transtorno mistos
As pessoas que ap resentavam transtornos psiquiátri-
de ansiedade e depressão, reação aguda ao estresse, trans-
cos anteriores podem apresentar recaída no período ime-
tornos do ajustamento, transtorno de somatização e sín -
diato que se segue ao transplante, mais freqüentemente
drome de despersonalização/ desrealização 16 •
com o surgimento de transtornos do humor, particular-
Alguns dos seguintes sintomas devem estar presentes
mente os bipolares, e de transtornos esquizofrênicos.
para que possamos caracteriza r quad ro de ansiedade:
apreensão (dificuldade de concentração, queixas de nervo-
Alterações do humor e da ansiedade sismo, preocupações), tensão motora (cefaléias, tremores,
dificuldade para reltLxar, tensão muscular aumentada, tre-
Os transtornos do humor (afetivos) e de ansiedade mores), hiperatividade autonômica (sudorese, sensação de
podem ser precipitados pelos períodos pré e pós-opera- cabeça leve, paJ pitações, desconforto epigástrico, taqui p-
tório, embora possam ser anteriores a eles. E xiste tam- néia, taquicardia, tontura, boca seca).
bém a possibilidade de acen tuação dos sintomas devido Esses sintomas podem ser particularmente agravados
aos procedimentos cirúrgicos e terapêuticos (anestesia, pela situação de espera do transplante ou da operação
mudanças metabólicas, medicamentos e estresse). iminente, podendo levar o paciente a reação aguda ao
Os transtornos do humor caracterizam-se por aJtera- estresse.
ção no comportamento da pessoa - seu humor pode Podemos ter tam bém transtorno de ajustamento, no
estar dep rimido ou exaltado - e podem o u não estar qual o paciente pode apresentar angústia difusa que afeta
acom panhados de ansiedade e sintomas psicóticos. uas relações sociais e seu comportamento adap tativo.
As seguintes mani festações clinicas poderão aparecer Em adolescentes, pode surgir comportamento dramático
com intensidade, va riando de leve a grave: humo r OU agreSSIVO.
depressivo (tristeza, desespero, pessimismo, baixa auto- A síndro me ele despersonalização/ desrealização pode
estima), alterações do ritmo sono-vigí]ja, perda o u ocorrer nas experiências de proximidade com a morte,
aumento do apetite, sentimentos de indignidade ou de associadas a momentos de risco de viela. A pessoa quei-
culpabilidade, crises de choro, visão pessimista do futuro xa-se de que não é mais a mesma, que seu corpo e/ ou o
e idéias de suicídio 16 • Estima-se que a incidência de suicí- ambiente estão alterados em qualidade, ficando remotos,
dio, nos períodos pré e pós-operatório, é de I 00 a 400 e automatizados. E la acha que seus pensamentos,
vezes superio r à da população em geral, se incluirmos o emoções e sensações não lhe pertencem, que seu corpo
não-seguimento das prescrições e outros meios de suicí- está sem vida e distante.
dio passivo. As pessoas mais expostas são aquelas que
apresentam antecedentes de distúrbios do humo r ou de
Diagnóstico de morte encefálica
transtornos de personalidade. A depressão é acompanha-
da por vivência de desilusão causada por desejos que não Q uando foi pu b]jcada a resolução n. 1.346/ 91 do
0

são realizados ou por di fi cu Idades de relacionamento Conselho Federal de Medicina sobre o diagnóstico de
que a pessoa esperava resolver magicamente com o morte encefálica, ainda estava em vigência a lei de trans-
transplante. plantes sancionada em 1O de agos to de 1968. Tal resolu-

518
Capítulo 42 .: Aspectos ético-legais e psicossociais dos transplantes de órgãos e tecidos

••
ção definiu os critérios para este diagnóstico, dirimindo intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas
dúvidas na interpretação de critérios médicos à luz dos faixas etárias.
conhecimentos técnico-científicos universalmente acei-
Art. 2•. Os dados clínicos e co111plemenlares observados
tos na época.
quando da caracterização da morte encefálica deverão ser
Deve-se considerar que a mo rte encefálica difere
registrados no termo de declaração de mor/e encifálica anexo
médica c legalmente da morte cerebral: na primeira sima-
a esta Resolução.
ção, existe compro metimento irreversível da vida de rela-
ção c vegetativa; na segunda situação, o comprometi- Parágrafo único. As instituições hospitalares poderão fazer
mento interessa apenas à vida de relação sem o critério acréscimos ao presmle lermo, que dererão ser aprovados pelos
de irreversibilidade assegurado. No primeiro caso, não Conselhos Regionais de Medicina da sua j urisdição, smdo
existe vida, não existe pessoa e sim cadáver, o que juricli- r;edada a supressão de qualquer de seus itens.
camente não se observa na segunda siruação'·'-.
Art. 3°. A morte encifálica det erá ser conseqüência de pro-
1

Em 1O de setembro de 1997, passou a vigorar a reso-


cesso imvenír,el e de causa conhecida.
lução n. 0 1.480/ 97, que defi niu critérios de diag-
nóstico da morte encefálica, aplicáveis em crianças de Art. 4°. Os parâmetros clínicos a serem obsen'ados para co!IS-
sere dias a do is anos de idade. Iatação de morte encifálica são: coma aperceptil'o com ausência
de atividade motora supm-espinal e apnéia.

Resolução do Conselho Federal de Medicina Art. 5". Os intervalos 111ínimos entre as duas c111aliações clínicas
necessá1ias para a caracleriiftfãOda li/Orle encifálica serão defi-
O Conselbo Federal de Medicina, no 11so das atrib11ições cO!ife- nidos porfaixa etária, c01ifon11e abaixo especificado:
lidas pela f .ei 11. • 3.268, de 30 de setembro de 1951,
IJJCI1tada pelo Decreto n. • 44.045, de 19 dejulho de 1958 e, - de sete dias a dois meses incompleto.r - 48 boras;
- de dois meses a 11111 ano incompleto - 24 /;oras;
COi 'SIDI.:.RANDO que a l .ei 11. • 9.434, de 4 deJm- - de lllll ano a dois a11os incompletos - 12 boras;
reiro de 1997, q11e dispõe sobre a retirada de órgJios, tecidos - acima de dois anos - seis /;oras.
e partes do corpo humano para fins de transplante e lrala-
IJ/ento, deter111i11a e111 seu artigo 3• q11e compete ao Co11selbo Art. Os exames comple111entares a sere111 obsen'ados para
Federal de Medici11a difinir os critérios para diag11óstico de constatação de morte mcefálica det'erão delllomtrar defom;a
111orle encefálica; imquívoca:

CONSIDERANDO que a parada total e iffmrsít,el das - ausência de atir,idade elétrica cerebral 011
j 11nções encefálicas eqiiivale à I!IOrte, co!ifor!JJe critériosjá be111 - a11selzcia de atÍI;idade metabólica cerebral ou
estabelecidos pela comtmidade cient!fica mundial,· - ausência depeifusão sangüínea cerebral.

CONfl DI:.Rr 1JVDO o ônus psicológico e material causa- A rt. 7". Os exames complementares serclo utilizados por
do pelo prolo11ga111mto do uso de recursos extraordi11ários faixa etária, confonm abaixo especijicado:
para o s11porle deJunções l'egetatiJias e!JJ pacimtes c0111 para- - acima de dois anos - 11111 dos exames citados no Art. 6•,
da lotai e iml'ersÍI•el da atividade encefálica; alíneas (ta", ubn e C";
11

CO 'S/Df:::RA 'DO a necessidade dejudiciosa i11dicação - de um a dois anos incompletos: 11111 dos exames citados no
para intem1pção do e111prego desses rec11rsos; Art. 6 o, atmeas
I'
a , tJ e t tc". Q 11anao
tt 11 tt/11 J
optar-se por ete-
I

troencifalograma, serão necessários dois exames com inler-


CONffDI:RA 1DO a necessidade da adoção de critérios
t'alo de 12 horas entre 11111 e outro;
para coltslalar, de !Jiodo indisCIItive/, a ocorrência de 1110rle;
- de dois meses a 11111 mro incompleto - dois eletroencefalo-
CONSIDh.RA DO que ainda não há consenso sobre a gramas com intervalo de 24 /;oras entre ""' e outro;
aplicabilidade desses critérios em crianças menores de srle - de sete dias a dois 111eses incompletos - dois eletroencifalo-
dias e prell/al11ros, resolve: com interoalo de 48 horas entre 11111 e outro.
Art. 1•. A morte encefálica será caraciCTizada através da Art. 8°. O te171/0 de Declaração de mor/e encefálica, devida-
realizafãO de exa111es clínicos e compleme11lares durante li/ente preencbido e assinado, e os exa111es complementares

519

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

utilizados para diagnóstico da morte encefálica deverão ser • instalar cateter traqueal de oxigênio com fl uxo de
arquivados no próprio prontuário do paciente. seis litros por minuto;
• observar se aparecem movimentos respiratórios
Art. 9•. Constatada e documentada a morte encefálica, deve-
por dez minutos ou até quando o pC02 atingir
rá o Diretor Clínico da instituição hospitalar, ou quem for
SSmmHg.
por ele delegado, comunicar talfato aos responsáveis legais do
paciente, se houver, e à Central de notificação, captação e dis-
tribuição de órgãos a que estiver vinculada a unidade hospi- Exame complementar
talar onde o mesmo se encontrava internado.
O exame clinico deve estar acompanhado de exame
Art. 1O. Esta R esolução entrará em vigor na data de sua complementar que demonstre inequivocamente a ausência
publicação e revoga a Resolução CFM n." 1.346/ 91. de circulação sangüínea intracraniana ou atividade elétrica
cerebral, ou atividade metabólica cerebral. Observar o dis-
posto abaixo com relação ao tipo de exame e à faixa etária.
Observações E m pacientes com dois anos ou mais - um exame
complementar entre os abaixo mencionados:
Interessa, para o diagnóstico de morte encefálica,
exclusivamente a arreatividade supra-es pinal. • atividade circulatória cerebral: angiografia, cintilo-
Conseqüentemente, não afasta este diagnóstico a pre- grafia radioisotópica, doppler transcraniano, monito-
sença de sinais de reatividade infra-espinal (atividade rização da pressão intracraniana, tomografia com-
reflexa medular), tais como: reflexos osteotendinosos putadorizada com xenônio, tomografia por emissão
("reflexos profundos"), cutâneo-abdominais, cutâneo- de fótons (SPECT) e pósitrons (PET);
plantar em flexão ou extensão, cremastérico superficial • atividade elétrica: eletroencefalograma;
ou profundo, ereção peniana reflexa, arrepio, reflexos • atividade metabólica: PFT, extração cerebra l de
flexores de retirada dos membros inferiores o u supe- oxigênio.
riores, reflexo tô nico cervicaP,I7. Para pacientes abaixo de dois anos:
• de um ano a dois anos incompletos: dois eletroen-
cefalogramas com intervalo de 12 horas;
Prova calórica • de dois meses de idade a um ano incompleto: dois
Certificar-se de que não há obstrução do canal auditi- eletroencefalogramas com intervalo de 24 horas;
• de sete dias a dois meses de idade (incompletos): dois
vo por cerúmen ou qualquer outra condição que dificul-
eletroencefalogramas com intervalo de 48 horas.
te ou impeça a correta realização do exame:
• usar SOml de líquido (solução salina 0,9%, água etc.) Uma vez constatada a morte encefálica, cópia deste
próximo de zero grau Celsius em cada ouvido; termo de declaração deve obrigatoriamente ser enviada
• manter a cabeça elevada em 30 graus durante a prova; ao órgão controlador estadual (Lei 9.434/ 97, Art. 13).
• constatar a ausência de movimentos oculares.

Referências
Teste da apnéia
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tempo de vários minutos entre a desconexão do respirador 3• Cardoso MA, Matos AN. Aspectos legais e éticos. l n: Pereira
e o aparecimento dos movimentos respiratórios, caso a W/A ed. Manual de Transplantes de Ó rgãos e Tecidos. 3• ed.
região ponto-bulbar ainda esteja íntegra. A prova da Rio de Janeiro: Medsi G uanabara Koogan; 2004:9-57.
4• Constituição da República Fed erativa do Brasil - 1988. Secção li,
apnéia é realizada de acordo com o seguinte protocolo:
da Saúde.
• ventilar o paciente com 02 de 100% por dez minutos; 5• França GV. Tanatologia m édico -legal. l n: França GV. Medicina
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520
Capítulo 42 .: Aspectos ético-legais e psicossociais dos t ransplantes de órgãos e tecidos

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521
43
TRANSPLANTE DE
ÓRGÃOS ABDOMINAIS -
ASPECTOS CLÍNICOS
•• •
Luiz Fernando Veloso, Agnaldo Soares Lima,
Walkiria Wingester Vilas Boas

Transplantes de órgãos sólidos no rui a principal indicação da substituição do órgão em falên-


cia. São exemplos algumas doenças colestáticas crônicas
Brasil e no mundo
com prurido intratável ou com osteopenias graves6 , doen-
Os transplantes de órgãos sólidos têm sido realizados ças hepáticas sem insuficiência orgânica franca, com atra-
no Brasil desde 1967 1• Desde então, a freqüência anual so elo cresci mento da criança7 , entre outros.
com que esse procedimento tem sido realizado aumentou Atualmente, o rim e o fígado encabeçam a lista elos
progressivamente. Essa tendência de crescimento ocorreu órgãos mais transplantados no mundo. No Brasil, eles
especialmente na E uropa, nos E stados Unidos c no Brasil. representam 70% e 20% dos ó rgãos sólidos transplanta-
Na década de 80 do século passado, registrou-se sig- dos a cada ano, respectivamente 8.
nificativa melhoria nos resultados obtidos, conseqüência, Estima-se que, em 2004, tenham sido transplantados
principalmente, de avanços na terapia imunossupressora, no Brasil mais de 3.000 rins, 1.000 fígados, 200 corações,
na conservação de órgãos e na técnica cirúrgica. 150 pâncreas-rim e 60 pâncreas isolados8 . Esses números
Após a con ferência de consenso do National lnstitute colocam nosso país na vice-liderança mundial em número
qf H ea/th realizado em 1983, o número de transplantes de transplantes realizados, (bem) atrás dos Estados Unidos
hepáticos realizados no mundo cresceu exponencial- da América. A julgar pelo tamanho da população brasilei-
mente. A partir dessa data, o transplan te de fígado dei- ra, o Brasil é, entre os países lideres nessa atiyjdade, o que
xo u de ser considerado uma atividade experi men tal e, apresenta maio r potencial de crescimento.
rapidamente, passou a ser empregado em gra nde núme- Em decorrência do aumento crescente do número de
ro de pacientes. tran splantes de órgãos sólidos que vêm sendo realizados
E m conseqüência da progressiva melhoria dos res ul- no Brasil, o médico brasileiro passará a deparar, cada vez
tados obtidos, observou-se rápida expansão das situações mais fregüentemente, com pacientes cujos órgãos foram
clínicas em que um transplante de órgão está indicado ou serão substituídos. Desse modo, torna-se imperativo
(Quadro 43.W . gue, em curto espaço de tempo, os fu ndamentos da clíni-
Observou-se, nos últimos anos, redução progressiva ca cirúrgica de transplante de ó rgãos sejam integrados ao
elo risco envolvido no transplante de órgãos sólidos. A currículo mínimo de formação do médico e do cirurgião
qualidade ele yjda pode ser significativamente melhorada brasileiros. Este capítulo, longe de abranger toda a clíni-
pela substituição de órgãos em falência de função 1 ; . Por ca de controle de pacientes transplantados, yjsa fornecer
essas razões, transplantes passaram a apresentar relação os principais elementos gue nela interferem, bem como
risco-beneficio favorável, também, em co ntextos clínicos as informações necessárias para a identificação e o con-
cujo impacto da doença sobre a qualidade de yjda consti- tro le dos potenciais doadores de ó rgãos.

523
• Fundamentos em Clínica Cir úrgica

••
Quadro 43. 1 .: Principais indicações de transplante de órgãos realizados no país, 1.528 foram viabilizados a partir de
abdominais segtmdo o tipo de enxerto. Lista por ordem decrescente enxertos captados em pacientes em morte encefálica.
ele freqüência, segtmclo United Ne/uJ()rk for OIJ,afl Shanng Segundo a mesma fonte e para o mesmo período, dos
----------------------------------------------··
Órgão Principais indicações de Transplante • 4.162 transplantes de tecidos realizados, 3.588 foram
provenientes de doadores nessa condição clínica8 •
Nefropatia diabética
Nefroesclerose da hipertensão arterial E m relação aos ó rgãos sólidos, apenas o rim apresen-
Glomérulo esclerose focal (segmentar) ta equilibrio quanto aos doadores empregados (53% e
Rim
Nefropatia por lgA 47% dos doado res, respectivamente, em morte encefáli-
Hipertensão maligna ca e vivos). A proporção de pacientes submetidos a
Glomerolonefrite membranosa transplan te hepático a partir de doadores vivos no Brasil
Cirrose pelo vírus ela hepatite C tem aumentado rapidamente nos últimos anos, alcançan-
Cirrose alcoólica do 18% dos transplantes realizados no primeiro semestre
Cirrose criptogênica de 20048 • Para os demais ó rgãos transplantados, apenas
Cirrose pelo vírus ela hepatite B excepcionalmente têm sido realizados transplantes a par-
Cirrose biliar primária
tir de doadores vivos.
Colangite esclerosante primária
Fígado Hepatite auto-imune
Hepatocarci no ma Definição do doador
Hepatite fulminante
Atresia ele vias biliares Segundo a legislação brasileira, podem ser doadores
Ducropenia biliar (sínclrome ele r\lagile) pacientes em estado de morte encefálica, comprovada
Distúrbios metabólicos elo fígado (doença ele por rígido protocolo internacional de diagnóstico dessa
Wilson; hemocromatose; amiloiclose familiar).
condição, que não rep resentem risco de transmissão de
Di4btus 111ellit11s tipo I com insufiCiência renal crôoi-
algumas doenças ao receptor. Podem ser doadoras, tam-
Pâncreas-Rim .ca, em fase de diálise ou na iminência da necessida-
bém, pessoas vivas e saudáveis que, por livre vontade,
de de diálise
optarem por dispor de partes de seus órgãos a seus
Pâncreas Diabetu mellitus tipo llábil sem insuficiência renal
parentes de até quarto grau ou cônjuges, desde que esse
Sindrome do intestino curto (enterocolite necroti- gesto seja potencialmente compatível com a vida normal
zante; vólvulo; má-rotação intestinal; gastrosquise;
Intestino atresia intestinal; múltiplas ressecções; isquemia
após a doação.
mesentérica) Os critérios para definição e comprovação da morte
Mioparia víscera! encefálica em determinado indivíduo com lesão no siste-
• ma nervoso central foram estabelecidos, na legislação bra-
sileira, pela lei n° 9.434 de 4 de fevereiro de 1997 e regula-
O doador de órgãos mentados pelo Conselho Federal de Medicina pela resolu-
Doador de órgãos constitui a fonte da qual o tecido ção CFM 1.480/97. Esses critérios seguem regras interna-
cionais estritas para garantir a segurança do doador.
ou órgão a ser transplantado é retirado. Os doadores
O protocolo de diagnóstico de morte encefálica visa
podem ser pessoas vivas ou em morte encefálica (antes
determinar, indubitavelmente, a condição de lesão do sis-
ou após a parada cardíaca). A freqüência com que essas
tema nervoso central irreversível e incompatível com a
cliferentes fontes são empregadas varia com o tempo his-
vida. D esse modo, a inatividade irreversível de todas as
tórico, o órgão ou tecido transplantado e o pais conside-
estrutu ras superiores ao tronco encefálico deve ser
rado. Outras opções de fonte de órgãos e tecidos (ani-
demonstrada com especificidade de 100%.
mais, por exemplo) são consideradas experimentais. Os exames complementares a serem realizados para
De modo geral, no Brasil, a fonte de órgãos mais fre- constatação da morte encefálica deverão demonstrar, de
qüentemente empregada é o doador no estado de morte forma inequivoca, ausência de atividade e.létrica, de ativi-
encefálica. D e acordo com a Associação Brasileira de dade metabólica e de perfusão sangüinea no cérebro.
Transplante de Órgãos (ABTO), no primeiro semestre Os critérios empregados são uma seqüência de testes
do ano 2004, do total de 2.417 transplantes de ó rgãos aplicados por especialistas não vinculados a serviços de

524
Capítulo 43 .:Transplante de órgãos abdominais - aspectos clínicos

••
transplantes. São realizados, pelo menos, dois exames neu- do doador, no entanto, são diretamente dependentes da
rológicos para diagnóstico da morte encefálica. Esses exa- qualidade da medicina intensiva prestada a ele entre sua
mes devem ser realizados num momento em que não haja admissão hospitalar e o momento do pinçamento vascu-
mais efeito de drogas cujas ações possam interferir na ati- lar e da conservação dos órgãos para transplante9 •
vidade elétrica cerebral. O intervalo mínimo entre as duas O Sistema Nacional de Transplantes, por meio de
avaliações clínicas, necessárias para a caracterização da suas centrais de captação de órgãos, identifica, anualmen-
morte encefálica, é definido por faixa etária: de sete dias a te, aproximadamente 5.000 po tenciais doadores de
dois meses incompletos - 48 horas; de dois meses a um órgãos. Entretanto apenas 1.300 se tornam efetivos doa-
ano incompleto - 24 horas; de um ano a dois anos incom- dores. D o total de doações não-efetivadas, 45,7% ocor-
pletos- 12 horas; acima de dois anos- seis horas. rem por más condições clínicas do doador. Outros 37%
Além da comprovação da total e irreversível inatividade das não-efetivações das doações ocorrem por recusas da
do sistema nervoso central, a legislação determina que as família em relação à doação8•
mesmas doenças rastreadas em doadores de hemoderiva- Esses dados justificam a necessidade de intensos
dos sejam pesquisadas nesses pacientes antes que sejam esforços de esclarecimento da população. A segunda
considerados doadores de órgãos. São realizados os seguin- medida que poderá resultar na ampliação significati va do
tes testes sorológicos: HBsAg, anti-HBc, anti-HCV, anti- número de doadores é a educação médica. A identifica-
HIV, testes para doença de Chagas e síftlis. ção do po tencial doador, bem como o adequado cuidado
A utilidade de doadores com exames sorológicos dedicado a ele até o momento da concretização da doa-
positivos tem sido revista. Em muitos países, doadores ção, são elementos fundamentais para o crescimento da
com algumas dessas sorologias positivas têm sido empre- atividade de transplantes. O conhecimento sobre fisiolo-
gados com segurança, por meio da seleção de receptores gia da morte encefálica e da atenção médica ao potencial
que já apresentem a mesma doença que o doador e por doador é pré-requisito necessário a todo médico que
meio do uso de medidas de pro filaxia e/ ou tratamento da cuida de pacientes que potencialmente possam evoluir
doença potencialmente transmitida pelo doador. para morte encefálica.
Finalmente, a anuência da familia do paciente em
morte encefálica é fundamental para a efetivação da doa-
Fisiologia da morte encefál ica
ção. Embora a propriedade dos cadáveres seja do
Estado, e a doação compulsória seja empregada em Os eventos que, mais freqüentemente, levam à morte
alguns paises do mundo, a legislação brasileira prefere encefálica são o traumatismo cranioencefálico e os aci-
definir como doadores apenas p acientes cujas famílias dentes vasculares encefálicos. Mais ra ramente, tumores
concordem e assinem termo de doação p adronizado. cerebrais, asfixia e complicações de neurocirurgias tam-
Qualquer paciente que preencha os critérios menciona- bém levam à lesão irreversível do encéfalo.
dos pode ser considerado doador de órgãos, embora algu- O estado de morte encefálica caracteriza-se pela
mas outras variáveis clinicas necessitem ser avaliadas. ausência de função do cérebro e do tronco encefálico
É fundamental reconhecer que características do doa- com repercussões sistêmicas que, invariavelmente, se
dor são os principais determinantes do sucesso do trans- agravam até a ocorrência da parada cardíaca.
plante de qualquer ó rgão. A história clínica pregressa, A capacidade de manu tenção da homeostase, em
bem comu u c::vc::ntu que desencadeou a morte encefálica pacientes que apresentam mo rte encefálica, está muito
e as condições clinicas atuais do doador são determinan- limitada. A integração dos reflexos neurovegetativos e
tes da função do enxerto captado e transplantado. Cada dos circuitos neuroendócrinos está inviabilizada com
órgão apresen ta diferentes graus de vulnerabilidade a exceção dos mais primitivos refl exos integrados na
esses insultos, determinantes da função do enxerto. medula espinhal.
Algumas das características dos doadores que influen- D esse modo, a homeostase hemodinâmica, hidroele-
ciam a viabilidade dos enxertos captados não podem ser trolitica e ácido-básica, bem como os mecanismos ter-
modificadas (idade, obesidade, doenças sistêmicas, espe- morregulatórios, estão comprometidos .
cialmente se mal controladas e com lesões em seus res- Esses pacientes apresentam amplas flutuações da
pectivos órgãos-alvo). Outras importantes características pressão arterial, especialmente quando manipulados nas

525
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
mudanças de decúbito e nos procedimentos invasivos. qüentemente, o paciente não recebe nenhuma forma de
Qualquer estimulo externo pode desencadear respostas nutrimentos, ou pode utilizá-los apenas de modo limita-
hemodinâmicas variadas, embora a tendência, ao longo do. D essa forma, há uma tendência à desnutrição e
do tempo, seja a degeneração para a hipotensão. Essa depleção das reservas de energia dos órgãos, especial-
instabilidade hemodinâmica se deve tanto a variações na mente do fígado. O tempo de isquemia tolerado pelos
resistência vascular sistêmica e na capacitância venosa enxertos é amplamente dependente dessas reservas9 .
quanto às respectivas respostas do miocárdio, fazendo
variar inadequadamente o débito cardíaco . De modo glo-
Cuidados com o doador
bal, há uma tendência à má perfusão dos órgãos e teci-
dos, com acidose metabólica. Conhecendo os mecanismos fis iopatológicos associa-
A ausência de função da hipófise acompanha o qua- dos à morte encefálica, cabe ao médico que assiste os
dro clínico e dá origem ao diabetes insipidus. Ocorrem per- órgãos de até dez receptores, reunidos em um organismo
das volumosas de urina hipo tônica. Os pacientes, que até de frágil equiUbrio, adotar as seguintes medidas:
então eram ClÚdadosamente mantidos normo ou hipovo-
• manter a perfusão adequada dos órgãos por meio
lêmicos na tentativa de reduzir o edema cerebral, tor-
do cuidadoso equilibrio entre combate à desidrata-
nam-se rapidamente desid ratados. Diagnosticada a
ção (reposição volêmica, em prego de desmopres-
morte encefálica, a reposição de liquidas deve, então, ser
vigorosa e adequada. O uso de solução glicosalina quase sina) e uso da menor dose necessária de catecola-
sempre é necessário para evitar a hipernatremia' 0 • O s minas vasoativas;
níveis séricos de potássio devem ser monitorados a inter- • manter o equilibrio hidroeletrolitico, combatendo
valos regulares e a reposição do íon evita a parada cardía- especialmente a hipernatremia (uso de soluções gli-
ca precoce. cosalinas) e a hipocalemia;
É útil o controle da pressão venosa central para orien- • manter a tem peratura corporal (aquecendo as solu-
tar a reposição hidrica. A diminuição da resposta da pres- ções a in fundir e reduzindo as perdas de calor);
são arterial à adequada infusão de Uqwdos indica a neces- • manter aporte de energia para evitar a depleção
sidade do uso de aminas. Esse uso contribw para a das reservas de energia dos futuros enxer tos .
melhor preservação do enxerto devido à melhor perfu- Sempre que possível, dar preferência à nu trição
são do órgão" . No entanto, em doses elevadas, elas indu-
enteral, que mantém a reserva energética e o esti-
zem má perfusão esplâncnica, podendo comprometer
mulo tráfico às vísceras abdominais;
gravemente a viabilidade dos órgãos abdominais. Além
• manter a mínima agressão bárica e secundária a ele-
disso, as catecolaminas aceleram a depleção do glicogê-
vadas frações de oxigênio no ar inspirado, além de
nio hepático, reduzindo a tolerância do órgão à isquemia
fria e à conservação do enxerto. O uso prolongado des- combater intensivamente a atelectasia pulmo nar,
sas drogas leva a lesões do miocárdio que reduzem sua caso o paciente seja potencial doador de pulmões;
tolerância à conservação, afetando negativamente a fun - • diagnosticar e tratar prontamente infecções.
ção do enxerto cardíaco após o transplante. Adotando essas medidas, o n úmero de efetivos doa-
O centro regulador da temperatura é não-funcionao- dores poderá crescer significati vamente.
te e, juntamente com a reposição volumosa de liquidas
não aquecidos, leva à hipotermia e à subseqüente instala- Marcadores da função do enxerto relacionados
ção de acidose lática por vasoconstricção reflexa. A evo-
ao doador
lução desfavorável, em cascata, de hipotermia, hipoten-
são, acidose e hipopotassemia contribw para a parada D iversos estudos identificaram variáveis do doador
cardíaca, com conseqüente perda dos enxertos 12 • associadas à viabilidade e função do enxerto após o
Muitas vezes, pacientes evoluem para mo rte encefáli- tran splante. Análises multivariadas são raras nesse
ca após longos períodos de terapia intensiva, com insta- campo e p recisam ser realizadas. No entanto, algumas
bilidade hemodinâmica, infecções e uso de drogas tóxi- dessas variáveis aparecem repetidamente, em diversos
cas para diversos órgãos e tecidos. Por essas razões, fre- estudos, como determinantes da função do enxerto9 .

526
Capítulo 43 .: Transplante de órgãos abdominais -aspectos clínicos

••
A idade do doador, o uso de catecolaminas vasoativas transplante 15• É difícil medir objetivamente o impacto de
em doses elevadas po r tempo prolongado, o tempo de diferentes combinações dessas variáveis.
internação do doado r nas unidades de tratamento inten- Na falta de uma medida específica e quantitativa, a acei-
sivo e a hipotensão arterial são marcadores que têm sido tação de um enxerto para transplante é feita pela reunião de
associados à disfunção de diferentes tipos de enxerto. todas as informações clínicas e as laboratoriais disponíveis,
A esteatose microvesicular do figado e a presença de considerando-se, ainda, o efeito da escassez de órgãos
hipernatremia no doador são marcadores de disfunção do sobre a mortalidade na lista de espera (da ordem de 30% ao
enxerto hepático13• Outros fatores que podem estar asso- ano para listas de espera por enxerto hepático).
ciados à disfunção do enxerto hepático são a presença de
aminotransferases e gamaglutamiltranspeptidase elevadas,
além de o doador ser do sexo feminino (quanto o enxerto Conservação de órgãos
é transplantado em receptor do sexo masculino).
A técnica de conservação de órgãos é fundamentada
Embora cada um desses fatores provavelmente tenha
em dois princípios: (1) redução da atividade metabólica e
efeitos sobre a função do enxerto hepático, constitui
do consumo de energia pelas células; (2) manutenção do
tarefa árdua medir a soma dos efeitos dos fatores positi-
equilíbrio eletrolítico e osmótico entre os meios intra e
vos e negativos de cada doador. Atualmente, a experiên-
extracelulares durante a
cia acumulada das equipes tem sido empregada, de modo
A redução da atividade metabólica celular é ga rantida
subjeti vo, nessa decisão.
pela hipotermia que, reduzindo a atividade enzimática
Bricei'io et al. 14 publicaram relevante artigo que ensaia-
por mecanismos físico-químicos, reduz, conseqüente-
va reunir matematicamente esses fatores de modo a con-
mente, o consumo de energia e oxigênio pelos tecidos,
tribuir para a con strução de uma medida objetiva do
aumentando a tolerância deles à isquemia.
risco de disfunção do enxerto. A partir de dados do doa-
E m conseqüência da redução da atividade metabóli-
dor (idade, tempo de terapia intensiva, uso de catecola-
ca, todas as atividades de homeostase celulares funcio-
minas, natremia, bilirrubinemia, concentração das ami-
notransferases e tempo de isquemia fria) foi possível esti- nam precariamente durante o período de isquemia fria.
mar, objetivamente, a sobrevida e o risco de função retar- D esse modo, a manutenção do meio intracelular funcio-
dada do enxerto. na apenas precariamente, tendendo o interior das células
Além dos marcadores universais de disfunção de a acumular água (degeneração hidrópica) e sódio, a per-
enxertos, a história prévia de diabetes, a hiperglicemia, der potássio, havendo também depleção do glicogênio e
bem como a obesidade do doador, são os principais mar- acúmulo de radicais livres.
cadores de mau funcionamento do enxerto pan creático. Com o objetivo de reduzir tais alterações intracelula-
Do mesmo modo, a creatininemia elevada associa-se à res decorrentes da ausência de atividade de homeostase
disfunção do enxerto renal. Longo tempo de jejum, sem desencadeada pela hipotermia, várias soluções de conser-
o emprego de nutrição enteral, está associado a disfunção vação fora m desenvolvidas.
do enxerto intestinal. D e modo genérico, as soluções de con servação têm
Os doadores que escapam aos limites "ótimos" da o efeito de preencher o meio vascular e extracelular.
avaliação clínica ou laboratorial são chamados "doadores Elas apresentam concentrações iô nicas e p ressão
não-ideais" ou "doadores marginais". A utilização de osmó tica semelhantes ao intracel ular, evitando, desse
doadores não-ideais amplia o número de enxertos dispo- modo , a perda de potássio e a entrada de sódio e água
níveis, mas tende a aumentar a mortalidade, a morbida- para o intracelular. Além disso, as soluções de conser-
de, a perda de enxertos por não-funcionamento primário vação apresentam em sua composição sistemas tampão
e a necessidade de retransplante. que diminuem a intensidade dos efeitos da acidose e da
Diante da oferta de um doador, uma equipe de trans- presença dos radicais livres de oxigênio, conseqüência
plante deve estimar, com base em dados demográficos do metabolismo anaeróbio .
(idade, sexo, índice de massa corpórea), tempo de hospi- Cada órgão ou tecido, em função de sua reserva de
talização, exames laboratoriais e hemodinâmicos, qual é a energia, da intensidade metabólica e tolerância ao meta-
probabilidade de fu ncionamento do enxerto após o bolismo anaeróbio, tolera diferentes tempos de isquemia.

527
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

A solução de conservação mais conhecida é a solução cavidade, separadamente ou em blocos, dependendo das
da Univer idade de Wi consin. Ela é considerada padrão- preferências das equipes e da destinação dos órgãos.
ouro em estudos de comparação com outras soluções por O transporte e posicionamento do paciente na mesa de
apresentar excelentes características quanto à conservação operação constituem fases críticas do procedimento.
de órgãos, tendendo a ser superior às demais, especialmen- Instabilidade hemodinâmica, arritmias e paradas cardíacas
te para ó rgãos menos tolerantes à isquemia e para tempos não são raras, contribuindo para perda de enxertos.
de conservação mais prolongados 16 • O paciente deve ser posicionado em decúbito dorsal
1uitas outras soluções têm sido desenvolvidas, apre- ho rizontal e, após ser moni torizado, deve receber generosa
sentando variações em seus componentes, mas quase sem- dose de relaxantes musculares.
pre com os mesmos princípios fisico-quimicos. Vale desta- Feita a anti-sepsia e o posicionamento dos campos
car, pela freqüência com que são empregadas, as soluções cirúrgicos, realiza-se laparo tomia xifopúbica, associada ou
de Colins, Celsior e HTK1P . não a esternotomia mediana (para captação de órgãos
A solução de Celsio r tem sido cada vez mais freqüente- torácicos). Uma segunda incisão abdominal, transversal,
mente empregada e parece apresentar perfil de segurança na altura da cicatriz umbilical, pode facilitar o acesso ao
na conservação de ó rgãos abdominais semelhante ao da abdome, especialmente nos casos em que a toraco tornia
solução de \X'isco nsin, pelo menos para os tempo de não for realizada.
isquemia considerados habituais16 22• Alguns aspectos da inspeção dos órgãos abdominais
são relevantes. Quanto ao figado, a co nsistência, as carac-
terísticas das bordas e a cor (pesquisa de esteatose) devem
Técnica cirúrgica para reti rada de múltiplos ser registradas. O pâncreas ideal tem con istência macia,
ó rgãos abdominais mas firme, tem cor de carne de salmão, com mínima quan-
tidade de tecido amarelado entremeado. os rin s deve-se
A retirada simultânea de múltiplos órgãos abdominais verificar a existência de tumores sólidos ou císticos.
(figado, pâncreas, rins e intestino delgado) do mesmo doa- Para a captação dos rins, os ureteres são seccionados na
dor é viável. O maio r número possível de ó rgãos deve ser pelve anatô mica e, mantendo-os em bloco com os vasos e
captado de cada doador. A maioria das variações anatômi- o tecido conjuntivo que os envolve, eles são liberados até o
cas vasculares, reconhecidas no passado como contra-indi- pólo inferio r dos rins. Secciona-se a aorta e a veia cava infe-
cações à reti rada de órgãos que comparólhassem a mesma rior logo acima do ponto o nde foram canu.lados e disseca-
irrigação, são consideradas, atualmente, indicações a modi- se cranialmente, em plano posterior logo anteriormente aos
ficações da técnica padrão de captação, viabiJizando a reti- músculos da parede posterio r do abdome. O s rins são
rada de todos os órgãos. mobilizados a partir de suas bordas laterais, completando-
Cabe ressaltar, no entanto, que existe uma hierarquia ele se sua remoção da cavidade abdominal.
preferências de um ó rgão sobre o outro para o excepcio- A captação de en..xerro de intestino é excepcional. O
nais casos em que al!-,rum dos ó rgãos necessite ser prejudi- segmento preferido é o íleo terminal po r suas característi-
cado ou perdido para a captação segura de outro. Essa cas de absorção peculiares, embo ra apresente maio r carga
prioridade é fundamentada na demanda, gravidade e mo r- de linfócitos em sua parede. A extensão depende do tama-
talidade global (e não individual) dos pacientes em lista de nho do receptor. Um segmento de intesti no delgado acom-
espera de cada ó rgão. Assim, a eqi.iência de prioridade panhado de seus vasos mesentéricos superiores é retirado.
decrescente dos órgãos abdominais é a que se segue: figa- O s vasos iliacos comuns, internos e externos são retira-
do, pâncreas, rins e intesti no. dos para servirem de enxertos vasculares.
A técnica tem como objetivo realizar o inventário da Finalmente, o cadáver tem sua parede abdominal
cavidade abdominal, pesquisando tumores, infecções, trau- reco nsLitu.ída.
matismo , sinais macro cópicos de doenças o u alterações
dos ó rgãos a serem captados, bem como variações anatô-
Cirurgia de mesa o u Back-Table
micas dos vasos eles es órgãos. Em seguida, realiza-se a
perfusão in si/11 dos ó rgãos a serem captados, bem como Antes do implante, cada um dos enxe rto deverá ser
seu resfriamento. Finalmente, os ó rgãos são retirados da preparado por meio de dissecção fina realizada em con-

528
•••
Capitulo 43 .: Transplante de órgãos abdominais - aspectos clínicos

clições h.ipotérmicas. O enxerto, aconclicionado dentro de A primeira medida de tratamento da h.ipotensão deve
saco plástico estéril contendo solução de conservação, é ser administração de liquidas. A administração de mistura
colocado dentro de recipiente contendo gelo estéril. Os de cristalóides e colóides, bem como de sangue, geralmen-
vasos são cuidadosamente dissecados e os tecidos desne- te corrige a h.ipovolemia e aumenta o débito urinário.
cessários são removidos. Lesões arteriais ocorridas durante Para retirada de pulmão e pâncreas, colóides são pre-
a operação no doador ou variações anatômicas arteriais exi- feridos aos cristalóides. A reposição excessiva pode
gem reconstrução durante a preparação do enxerto. resultar em edema e perda dos órgão .
Se necessário, o inotrópicu de escolha é a dopamina.
Contudo, outras drogas como norepinefrina, epinefrina,
Anestesia em transplante de vasopressina e dobutarnina podem ser necessárias para
órgãos abdominais manter a estabilidade hemodinâmica durante os últimos
estágios da clissecção dos órgãos e retirada.
O papel do anestesiologista em transplante de órgãos Relaxanres musculares não-dcspolarizantes de longa
envolve o cuidado anesté ico com doadores e receptores ação devem ser usados para favorecer a exposição intra-
de órgãos e com pacientes que já receberam transplantes abdominal e intratorácica, assim como para suprimir a
e necessitam de uma outra operação. Para tal, é necessá- atividade neuromuscular mediada por reflexos somáticos
rio conhecimento em múltiplas discipljnas, tão diversas
espinhais. Pacientes em morte encefálica não têm per-
como preservação de ó rgãos, ética biomédica, imunolo- cepção de do r, portanto não necessitam analgesia.
gia de transplantes, fisiologia de morte cerebral e clinica Contudo, anestésicos voláteis ou narcóticos podem ser
geral de doenças em estágio terminal de órgãos com usados para manter estabilidade hemodinâmica decor-
potencial de substituição por transplante.
rente de variações na freqüência cardíaca e pressão arte-
rial que podem ocorrer com estímulo cirúrgico re ultan-
Anestesia do doador de órgãos do em reflexos espinhais intactos. Embora essa instabili-
dade hemodinâmica possa responder a drogas vasoati-
A correção dos clistúrbios da homeostase presentes vas, os anestesiologistas se sentem mais confortáveis em
no paciente em morte encefálica pode ter impacto na via- usar anestésicos inalatórios.
bilidade dos órgãos que serão retirados. As recomenda- Vasoclilatadores podem ser administrados durante a
ções para cuidados durante a operação de retirada de perfusão com a solução de preservação com o objetivo
órgãos estão resumidas no Quadro 43.2. de red uzir a resistência vascular sistêmica e permltl r
melho r distribuição dela.
Quadro 43.2 .: Recomendações de cuidados anestésicos duran- Braclicardia clinicamente significativa, em pacientes
te a operação de retirada de órgãos
em morte encefálica, não responde a atropina. Por essa
----------------------------------------------··• razão, cronotrópicos de ação direta (isoproterenol)
Manrer a pressio anenal sisrólica acima de lOOmmHg ou a podem ser necessários.
anc:nal média enrre 70mmHg e IIOmmHg
D epois que todos os órgãos doados são removidos,
t>tamcr a pressão parcial de oxigênio, no sangue arterial, acima de
IOOmm Hg, preferencialmente, com a fração de oxigênio do ar im.pira- suporte circulatório e ventilatório são descontinuados e a
do até 40% participação do anestesiologisra termina.
Manrer débito urinário entre I ml/kg/hora e 1,5 ml/kg/hol".t
a concentração de hemoglobina no sangue acima de Hl)Vdl.
Anestesia do receptor de órgãos
Manrer a pressão ,·enosa central entre SmmHg e IOmmHg
• Anestesia no transplante de rim
D OEN ÇA RENAL EM ESTÁGIO FINAL
Para cumprir os o bjeti vos defmidos no Quadro 43.2, Doença renal em estágio final pode resultar de numero-
o anestesiologista deve utilizar moni torização padrão, sas causas; todas elas levam à síndrome urêmica. Pacientes
cateter vesical de demora, e medidas de pressão invasivas urêmicos são incapazes de regular o volume e composição
arterial e venosa central (às vezes, é necessário monitori- dos líquidos corporais, resultando em sobrecarga de volu-
za r a pressão de capilar pulmonar). me, acidemia e deseqwlibrio de elerrólitos como potássio,

529
• Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

••
fósforo, magnésio e cálcio. Além disso, existe, usualmente, cos. Após a diálise, é importan te verificar a volemia final
disfunção secundária de outros órgãos. do paciente, o hematócrito final, eletrólitos, niveis de
Mesmo pacientes mantidos por diáli se podem apre- bicarbonato e se existe qualquer efeito residual de hepari-
sentar neuropatia periférica, derrames pleuraJ e pericárdi- na. A maioria dos pacientes urêmicos tem niveis de hemo-
co, osteodistrofia renal e gastroi ntestinal, bem como di s- globina entre 6gldL e 8gldL, contudo devido a mudanças
função imunológica. Doença cardiovascular é a causa compensató rias que promovem a liberação de oxigênio
predominante de morte em pacientes com doença renal tccid ual, transfusão não é obrigatóri a. Como a transfusão
crôruca ou depois do transplante renal. ln farto agudo do pode aumentar a sobrevida do enxerto, alguns serviços
miocárdio, parada cardíaca de etiologia desconhecida, tran sfundem por esse moti vo. D errames pleural e pericár-
arritmia cardíaca e cardiomiopatia representam mais de dico podem necessitar tra tamento an tes do transplante se
50% das mortes em pacientes mantidos por diálise. existi r redução funcio nal.
Tanto a cardiomiopatia dilatada como a hipertro fia con- Avaüação pré-o peratória da função cardíaca é de cen-
cêntrica podem ocorrer em resposta a aumentos no volu- tral impo rtância e ditada pela doença renal subjacente,
me intravascuJar e na pós-carga. O acúmulo de toxinas sua duração e comorbidades. O eletrocardiograma pode
urêmicas e ácidos metabólicos co ntribuem para disfun- ser suficiente para um paciente jovem com doença renal
ção do miocárdio. Hiperreninemia pode levar a aumento de diagnóstico recen te não relacionado a diabetes.
na resistência vascular sistêmica e da pressão arterial. Eco cardiograma de estresse c cateterismo cardíaco
Uremia causa mudanças no metabolismo lipídico, levan- podem estar indicados em paciente renal crônico com
do a aumento nas concentrações séricas nas triglicérides diabetes. Muitos pacientes diabéticos e idosos não são
e redução nas de lipoproteínas de alta densidade. capazes de se submeter a teste crgométrico e podem ter
Grande número de candidatos a transplante renal é isquernia cardíaca silenciosa.
diabético. Pacientes com doença renal crô nica e diabetes Em bora o sangue do recepto r deva ser colhido para
têm maio r risco cardiovascular que pacientes com uremia prova cru zada, transfusão é incomum, porque a perda de
apenas. Uremia crônica causa atraso do esvaziamento sangue é geralmente mínima.
gástrico, mesmo nos pacientes sob controle com d iálise.
O atraso no esvaziamento gástrico é mais freqüente se o
MANEJO PEROPERATÓRIO NO TRANSPLANTE DE RIM
paciente urêmico é diabético. Pacientes com doença
Embora anestesia regional seja utilizada por alguns
renal crônica geralmente têm anemia no rmocítica e nor-
anestesiologistas, o uso da anestesia geral é mais comum.
mocrômica secundária a eritropoese redu zida.
ão existem diferenças nos resul tados obtidos em pacien-
Associação entre insuficiência renal e tendência a sangra-
tes submetidos a anestesia geral balanceada (inalatório e
menta tem sido identificada; ocorre disfunção plaquetá-
opióides) ou anestesia geral endovenosa total (propofol e
ria secundária à uremia. E mbora esse de feito quali tati vo
opióides). Pacientes com doença coronariana sintomá tica
possa ser identi ficado no paciente urêmico, estudos têm
ou história de insuficiência cardíaca congestiva, além da
apontado que estado protrombó tico possa coexisti r com
morutorização básica, elevem ser monitorados para o
uremia. Um estudo tromboelastográfico encontro u coa-
desenvolvimento de isguemia cardíaca ou grave instabilida-
gulabiJidade aumentada e fibrinólise reduzida. Uremia
de hemodinâmica. Para tanto, cateter de artéria pulmonar
pode causar ainda distúrbios do sistema nervoso central
ou ecocardiograma tra nsesofágico, e pressão arterial invasi-
e neuropatia autonômica.
va devem ser empre!,rados. 1 os demais pacientes, um cate-
ter de pressão venosa central (man tida entre 10mm Hg c
C O NSIDERAÇ0ES PRÉ-ANESTÉSICAS NO TRANSPLANTE DE RIM l SmmHg) é suficiente para monito rizar volume intravas-
D evido ao tempo de isquemia tolerável de 48 horas cular para ótima perfusão renaL
para os rins, en..xertos de doador cadáver podem ser trans- Pacientes devem ser considerados com risco aumenta-
plantados semi-eletivamente. T empo suficiente é disponí- do para aspiração pulmonar durante a ind ução anestésica.
vel para prova de compatibilidade ABO, cruzamento de Succinilcolina não está contra-indicada no paciente renal
Li nfócitos do doador com soro do receptor e, em alguns crônico; o aumento do potássio sérico depois da dose de
centros, tipagem HLA. Além disso, diálise pode preceder incubação é o mesmo (aproximadamente 0,6mEq/ L)
o transplante para corrigir distúrbios eletrolíticos e volêmi- encontrado em pacientes higidos. Atracúrio e cisatracúrio

530
Capítulo 43 .: Transplante de órgãos abdominais -aspectos clínicos

••
têm sua duração de ação independente dos rins e do fíga- venosas resulta em baixa resistência vascular sistêmica e
do, sendo boas indicações para o paciente renal crônico. alto débito cardiaco. Shunts intrapulmonares são também
Vecurônio tem mostrado duração de ação prolongada na freqüentemente vistos, levando a hipoxemia que também
doença renal crônica. O metabolismo do sevoflurano tem pode ser aumentada por derrames pleurais e atelectasias.
sido implicado em toxicidade renal, embora nenhum estu- Função renal pode estar reduzida devido à síndrome hepa-
do controlado esteja disponivel para claramente indicar o torrenal ou azotemia pré-renal. Ascite pode estar presente
perigo ou a segurança dessa situação nesses pacientes2''. O como resultado de hipertensão venosa, síntese reduzida de
anestésico .inalatório isoflurano tem sido usado sem proble- albumina e retenção de sódio e água devido ao excesso
mas. Com relação ao controle da dor perioperatória, drogas relativo de aldosterona e hormônio antidiurético .
como morfina, meperidina, ou oxicodona devem ser usa- Coagulação sangüinea é alterada porque, com exceção do
das com cautela, pois elas, ou alguns de seus metabólitos fator VIII, do ativador do plasminogênio tecidual e do ini-
ativos, são dependentes da excreção renal. Em contraste, bidor do ativador do plasminogênio, a síntese de procoa-
fentanil, sulfentanil, alfentanil e remifentanil são alternati- gulantes e anticoagulantes do organismo é feita no fíga-
vas seguras. do23. O fígado é também o local de clareamento de ativa-
Hipotensão pode ocorrer depois da desclampagem dor de plasminogênio e fatores de coagulação ativados.
dos vasos iliacos e reperfusão do enxerto. Uma vez que a Hiperesplenismo pode reduzir a contagem de plaquetas.
função do enxerto renal é criticamente dependente de Eventualmente, o sistema nervoso central é afetado, resul-
adequada perfusão, todo esforço deve ser feito para evi-
tando em encefalopatia tóxica progressiva e edema cere-
tar episódios de marcada hipotensão. Neste momento, a
bral que anuncia a morte.
pressão sangüinea é mantida no !.imite superior da nor-
malidade por meio da red ução da profundidade da anes-
tesia, administração de bolus de cristalóides e, se necessá- CONSIDERAÇÓES PRÉ-ANESTÉSICAS NO TRANSPLANTE DE FIGADO

rio, infusão temporária de dopamina. Em adição à manu- Candidatos ao transpl ante de fígado apresentam
tenção de perfusão adequada no peroperatório, a produ- amplo espectro clínico, variando de fadiga crônica com
ção de urina é freqüentemente estimulada com o empre- suave icterícia ao coma com falência de múltiplos
go de manitol e diuréticos de alça. O manitol, além de ó rgãos. Certas doenças incomuns, tratadas por trans-
diurético, pode ter efeito de proteção das células de plante hep ático, têm implicações adicio nais para o
revestimento dos túbulos renais. E le é usualmente admi- anestesiologista. Po r exemplo, após transplante d evido
nistrado aos doadores antes da retirada e, nos receptores, à síndrome de Budd-C hiari, os pacientes podem neces-
justamente an tes da reperfusão do enxerto. sitar de anticoagulação. E m crianças com síndro me de
Ao final do procedimento, os pacientes são desperta- Crigler-Najjar, drogas que interferem na ligação da
dos, extubados e levados à sala de recuperação anestésica. bilirrubina à albumina devem ser evitadas 24 •
E m geral, os pacientes submetidos a transplante renal têm Muitas alterações fisiológicas associadas a doença
baixa incidência de admissão pós-operatória em centro de hepática terminal não são corrigíveis até o transplante.
tratamento intensivo. Portanto, a principal ênfase na avaliação p ré-anes tésica
é identifi car as áreas mais importantes de comprometi-
men to fisiológico e tratar aquelas que colocam em
Anestesia no transplante de fígado
risco uma ind ução segura.
O fígado tem numerosas funções sintéticas e metabó- Aquecimento dos líquidos endovenosos a serem infun-
licas. D oença hepática em estágio ftnal tem complicações didos, urnidificação e aquecimento dos circuitos anestési-
que se estendem a quase todos os sistemas do organismo. cos, colchão térmico, e enfaixamento da cabeça e extremi-
O processo de doença que destrói a arquitetura hepática dades são essenciais antes da indução anestésica.
resulta em hipertensão portal e no desenvolvimento de O tromboelastógrafo é também preparado na maioria
extensa rede de colaterais venosas na parede abdominal, dos centros como um meio rápido de elucidar a necessida-
mesentério, retroperitônio e trato gastrointestinal. Ao lado de de específicas reposições de produtos sangüíneos.
da significante morbidade associada com hemorragia de A equipe médica deve estar ciente do potencial para
varizes esofágicas, extensa rede de comunicações arterio- contaminação infecciosa e tomar as devidas precauções.

531
• Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

··----------------------------------------------------------
MANEJO PEROPERATÓRIO NO TRANSPlANTE DE FIGADO Quadro 43.4 .: Objetivos do anestesiologista durante o estágio
Transplante hepático envolve manipulação de gran- anepático
des estruturas vasculares e a possibilidade de transfusão
rápida é vital para um bom prognóstico. No mínimo, Preparar para rc:pc:rfusio com as seguintes condições:
dois acessos venosos periféricos calibrosos devem estar • adequado volume intravascular
disporúveis. Devido aos grandes desvios no volume • nfveis séricos de potássio e cálcio aceitáveis
intravascular e à possibilidade de hipo tensão na reperfu- • déficit de bases aceitável
são do enxerto, a mo nitorização invasiva com cateteres -----
Dar su e durante a repc:rfusào
de pressão arterial sistêrnica e pulmonar é necessária2.3. •
Pacientes em estágio terminal de doença hepática têm ··-----------------------------------------------
numerosas razões para apresentar esvaziamento gástrico Quadro 43.5 .: Objeti vos do anestesio logista durante o estágio
retardado, tais como ascite ou sangramento gastro intesti- neo-hcpático
nal alto ativo. P o rtanto, cuidados para evitar aspiração
pulmonar na indução anestésica são necessários. Se não
----------------------------------------------·:
há instabilidade hemodinârnica, propofol pode ser usado Otimizar liquidos e eletró litos
na indução. Embora o metabolismo da succinilco lina
Considerar possibilidade de extubaçào na sala cirúrgica
possa estar teoricamente prolongado devido à red ução Controlar a dor pós-o peratória
da produção de pseudocolinesterase em pacientes co m Preparar para transporte
insuficiência hepática, não há repercussão clínica com o
emprego de uma única dose à intubação. Similarmente, =·--------------------------------------------------------
apesar de existirem novos relaxantes musculares que não A repos1çao volêmica é ditada pelas necessidades
dependeriam do fígado e rim para m etabolism o e excre- individuais do paciente. Se cristalóide o u colóide, é
ção, a duração J o procedimento, aliada à possibilidade de uma decisão pessoal. A escolha da solução de reposi-
titulação clínica dos efeitos desejados permite o uso de ção deve ser o rie ntada p elo sódio e po tássio séricos do
drogas mais antigas e de menor custo. A ação vagolítica paciente. É muito freqüente a h iponatremia, e o cuida-
do pancurô nio pode, de fato, ser desejável em alguns do com gr andes mudanças agudas no sódio sérico é
pacientes em uso de betabloqueadores23 . particularmente impo rtante porque se associa com o
A manutenção da anestesia é, usualmente, feita com desenvolvimen to de mielinose po ntina central, compli-
combinação de agentes inalatórios e opióides. Embora o cação neurológica devastado ra.
isoflurano tenha lo nga história de uso, o desflurano tem A reposição de produtos sangüíneos é dirigida po r eri-
algumas vantagens potenciais. D esflurano parece reduzir trograma e avaliação da coagulação Qabo ratorial e tro m-
menos o fluxo sangüineo esplâncnico que o isoflurano . O boelastograma). Se o paciente tem fibrinólise aumentada e
desflurano sofre menos m etabolismo oxidarivo, tornando- ausência de contra-indicações, muitos centros administram
o mais desejável. Óxido nitroso não é usado. anrifibrinolíticos profiláticos. Aproti nina é um dos mais
O procedimento cirúrgico consiste em três estágios: usados, com doses variando de 2 milhões de K UI de ata-
pré-an epárico, anepático e neo-hepático23• (Quadros que, seguidos de SOO.OOOK UI/h a 1 milhão- K UI/ h de ata-
43.3, 43.4 e 43.5) que, seguidos de 150.000KUI/h.
A maior parte das medidas tomadas nesta fase visa
Quadro 43.3 .: Ob jetivos do anestesiologista durante a fase alcançar reperfu são estável e evitar ou minimizar a sín-
pré-anepática dro me de reperfusão. Essa sínd rome ocorre em até 30%
----------------------------------------------·: dos casos e é definida como redução de 30%) o u mais na
pressão arterial m édia durando no minimo um minuto
Obter valores laboratoriais e hemodinâmicos de base dentro dos primeiros cinco minutos de repcrfusão, o u
Avaliar e corrigir anormalidades laboratoriais e hc:modinàmicas uma pressão arterial média meno r que 60mm Hg no
Estabelecer bo m débito urinário m esmo período.
Repor perdas com líquidos e produtos sangülnc:os apropriados Além da síndrome de reperfusão com suas conse-
qüências e dificuldades de controle, o utra grande preocu-
=·---------------------------------------------- pação é a coagulopatia. Os fato res que contribuem para

532
Capít ulo 43 .: Transplante de ó rgãos abdominais - aspectos clínicos

••
a coagulopatia desta fase são: dramático aumento na ati- é boa opção de opióide. A escolha do relaxante muscular
vidade do ativador de plasminogênio (acelera fibrinólise), deve levar em consideração o grau de disfunção renal.
liberação de heparina ou heparinóides do novo enxerto, Além da monitorização padrão, pacientes recebendo
consumo de fatores I, V e VIII pelo excesso de plasmi- transplante de pâncreas necessitam de acesso venoso
na, atividade proteolitica aumentada, hipotermia, hipo- central. Em pacientes com significativa doença cardio-
calcemia e acidose. Fibrinólise grave geralmente indica vascular, a monito.rização arterial sistêmica e a pulmonar
pobre função do enxerto. devem ser consideradas.
Avaliação do eCLxerto é uma importante parte da fase Níveis de glicemia devem ser dosados no mínimo a
neo-hepática. Evidência de boa função metabólica inclui a cada hora, com o ob jetivo de mantê-los entre
habilidade de manter niveis de cálcio ionizado sem suple- 100mg/ dL e 200mg/dL. Tal objetivo é alcançado por
mentação, normalização do déficit de bases e aumento da meio de infusão contínua de insulina regular a uma taxa
temperatura em direção à normotermia. A aparência do de 1-5U/ h, com concomitante administração de glico-
enxerto deve ser boa e uniforme, e a produção de bile pode se (solução salina 0,45% com glicose 5%) quando as
ser vista antes do fechamento abdominal. glicemias forem menores de 150mg/ dL.
Critérios adequados para extubaçào precoce são: nor- Células betapancreáticas podem iniciar liberação de
motermia, ausência de encefalopatia ou outra doença insulina tão cedo quanto cinco minutos após a reperfu-
extra-hepática pré-operatória, diferença alveoloarterial são. Somatostatina pode ser administrada para reduzir
menor que 150mmHg, ausência de necessidade de secreção pancreática.
suporte hemodinâmico e boa função do enxerto23• A maioria dos pacientes pode ser extubada na sala de
operações. Na sala de recuperação, a monitorização da
glicemia, da hemoglobina, dos eletrólitos, do equilíbrio
Anestesia no transplante de pâncreas ácido-básico e em alguns serviços, da troponina (para
diagnosticar isquernia cardíaca silenciosa em diabéticos)
Transplante pancreático é usualmente indicado para
devem ser realizadas 25•
pacientes diabéticos com complicações muito graves e
rapidamente progressivas da doença que superam os
efeitos colaterais da imunossupressãd'. lmunossupressão em transplantes de
órgãos abdominais
(ONSIDERAÇÓES PRÉ- ANESTÉSICAS NO TRANSPLANTE D E PÂNCREAS

A abordagem pré-operatória consiste em avaliação Os avanços na terapia imunossupressora permitiram


dos sistemas orgânicos mais afetados pelo diabetes (arté- melhorar os resultados obtidos com transplantes de
rias coronárias, sistema renal, sistema nervoso autôno- órgãos sólidos. De modo global, as novas drogas, desen-
mo, neuropatia sistêmica, gastroparesia, e dificuldade de volvidas a partir da década de 80 do século passado, apre-
intubação); estudos metabólicos; teste de níveis de peptí- sentam potência imunossupressora e seletividade de ação
deo C no soro e na urina (peptídeo conectante é liberado maiores que as antigas drogas empregadas 27 •
da proinsulina antes da sua liberação na circulação); e Atualmente, tem-se observado ampliação do espectro
niveis de hemoglobina glicosilada (índice do controle gli- de moléculas imunossupressoras disponiveis para a prá-
cêmico nos últimos meses). tica clinica. A prednisona e os inibidores de calcineurina
(ciclosporina e tacrolimus) são as drogas mais emprega-
das. Um grupo menor de pacientes recebe rnicofenolato
MANEJO PEROPERATÓRIO NO TRANSPLANTE DE PÂNCREAS mofetiJ, quase sempre associado a inibido.res da calcineu-
Anestesia geral é induzida com agentes apropriados rina. A rapamicina e os anticorpos monoclonais antiJin-
para condições clinicas de base do paciente, seguida por focitários (basilixmab® e são empregados
intubação endotraqueal. A anestesia balanceada é a técni- em poucos casos.
ca usada para manter a anestesia geral. Em pacientes com A terapia imunossupressora para transplante de órgãos
insuficiência renal, isoflurano ou desflurano podem ser sólidos, embora varie segundo o órgão transplantado e as
utilizados. Os metabólitos da morfina e meperidina peculiaridades clinicas de cada receptor, pode ser didatica-
podem levar a toxicidade na insuficiência renal. Fentanil mente dividida em imunossupressão de indução, de manu-

533
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tenção, de controle de episódios de rejeição celular aguda administrada a cada 12 ho ras, num total de seis doses.
ou para tratamenro de rejeição crônica28• Hiperglicerrua, hipertensão arterial, edema e complica-
A imunussuprt:ssão de indução é reali zada para pro- ções infecciosas, mo rmeme in fecções fúngicas superfi-
filaxia da rejeição hiperag uda. Essa fo rma de agressão cjrus e in fecções virais, são freqüentes. Outra o pção de
intensa e inespecífica ao enxerto ocorre nos primeiros tratamento da rejeição celular ag uda é o emprego de
dias após o transplante e, freqüentemente, evoluj para tacrolimus em doses suficientes para manter concentra-
perda do ó rgão transplantado. O emprego de elevadas ções sangüíneas entre 15ng/mL e 20ng/m L. Essa opção
doses de metilprednisolona, antes e logo após a revas- de tratamento tem elevada eficácia, podendo ser empre-
cularização do enxerto, tem tornado essa fo rma de gada, inclusive, nos raros casos de re jeição resistente ao
rejeição mui ro rara 211• tratamento com corticóides. O tacrolimus tem sido
A imunossupre ão de manutenção segue a de indu- empregado no tratamento da maioria dos episódios de
ção e, quase invariavelmente, emprega-se associação de rejeição celular aguda, em pacientes submetidos a trans-
d rogas. Usualmente, um inibidor de calcineurina (fre- plante hepático.
qüentemente o tacrolimus) é associado à prednisona. O A rejeição crô nica constitw evento bem mais raro gue
o bjetivo principal dessa fase da imunossupressão é co n- a rejeição aguda na prática clínica do transplante de
trolar a relação do enxerto com o recepto r, reduzindo ó rgãos sólido . Independentemente do ó rgão transplan-
risco de rejeição celular aguda. E sse risco é maio r nos pri- tado acometido, essa forma de rejeição é de djfícil trata-
meiros três me es após o transplante. O risco máximo mento. A rapamicina tem sido empregada nesse contex-
coincide com a segunda e a terceira semana após o proce- to. o entanto, freqüentemente o curso da doença não
dimentO, é progressivamente meno r a partir da quarta pode er modificado. O retransplante constitui a opção
semana e tende a desaparecer após o sexto mêsll<. Po r essa de tratamento eficaz quando o enxerto apresenta disfun-
razão, os protocolos empregam doses maiores de imu- ção irreversível, a despeito do tratamento medicamento-
nossupressores logo após o transplante, reduzindo-as so. A rejeição crônica é a causa de 22% dos retransplan-
progressivamente. a mruoria dos casos, após o terceiro tes de fígado na experiência euro péial'l.
mês, o uso da prednisona é interrompido . Os in ibidores de calcineurina são absorvidos no
Em alguns pacientes, a manutenção da imunossu- in testino (dependente da presença da bile, sobretudo
pressão é realizada com esquemas tríplices, associan- no caso ela ciclosporina); são metabolizados pelo cito-
do-se o micofeno la ro mofeti1 ao corticóide c ao inibi- cromo P450 3A, principalmente no fígado, e são excre-
dor da cakineurina. Essa opção é particularmente útil tados essencialmente pela bile e pelos rins. o sangue,
em pacientes co m velocidade de depuração renal da essas moléculas liga m-se a proteínas específicas para
creatinina inferior a 50ml/minuro. Com o regime imu- serem transportad as 27 •
nossupressor tríplice, a dose de tacrolimus o u ciclospo- No meio in tracelular, após fo rmarem um complexo
rina (drogas nefro tóxicas) pode ser reduzida. Outra com a calmodulina e cálcio, inibem a defosforilação e
o pção empregada em pacientes com djsfunção renal é translocação da unidade ótoplasmática do fator nuclear
o uso de anticorpos mo noclonajs antilinfocitá rios de células T ativadas, inibindo a transcrição do gene de
e Adminjstrados no dia do linfocina , especialmente da interleucina l i. Isso resulta
transplante e no terceiro o u quarto dia pós-o peratório, na inibição da proliferação de células Te impede a ativa-
permitem retardar o início do uso dos inibido res da cal- ção de macrófagos e células B2' . Essas drogas têm e feitos
cineurina para o final da primeira semana. Essa última mais seleti vos sobre a via da inflamação relacio nada à
opção é mais empregada em pac iente que recebem rejeição celular que os corticóides.
enxertos renajs, enquanto a primeira é utilizada, mrus Os corticóidcs inibem a síntese ela maio ria elas inter-
freqüentemente, entre pac ientes que têm di sfunção leucinas e estimulam a mjgração elas células T circulantes
renal sem indjcação de transplante renal. do espaço intravascular para os tecidos linfóides, inibin-
Para o tratamento de episódios de rejeição celular do djyersas vias de ativação da inflamação.
aguda, duas opções são geralmente empregadas. A pulso- A bioclispo nibilidade da ciclosporina c do tacrolimus
terapia com m etilprednjsolo na é opção eficaz na mruoria é influenciada pelo uso de outras drogas, conforme ilus-
dos casos. Habitualmente, a dose de Smg/kg de peso é tra o Quadro 43.6. A farmacocinética de sas drogas,

534
•••
Capítu lo 4 3 .: Transplante de ó rgãos abdo m inais - aspec tos clínicos

mesmo na ausência da ação de outros meclicamentos, mente corrigidos, especialmente no período pós-operató-
apresenta ampla variação entre inclivíduos e, no mesmo rio imecliato, quando essas ocorrências são mais repetidas e
inclividuo, em momentos cliferentes. Cabe ressaltar que a sobretudo lesivas ao paciente10•
função do en xerto hepático e a isoforma do citocromo Quadro 43.7 .: Efeitos colaterais d o tacrolimus e ciclosporina
P450 3A interferem de modo significativo nas concen- •••
trações sangüíneas dos inibidores da calcineurina2". Sistema orgânico o u
Efeitos
órgão-a lvo

Quadro 43.6 .: Principais drogas que interferem na fannacocinéci- nsio arterial sisrêmica
ca c roxicidade do racrolimus c da ciclosporina Elevação de escórias; insuficiên-
Sistema renal cia renal; hipercalcmiaT; hipomag-
Au menta D im inu i Aumenta • nesem ia
C lasse de
concent ração concentração toxicidad e Cefaléia; tremoresT; parestesias;
D roga Sistema nervoso central
no sangue
Auconazol
no sangue renal

Pele
---------confusio mental'; convulsãoT
Hir sucismo; acne'
Antifúngicos Cetoconazol Hipertrofia gengiva!' ; diarréia; náu
ltraconazol Sistema digestivo
seas e vômitos
Genramicina Fígado Colestase
Ancimicrobianos Erirromicina Rifampicina Tobramicina
Sistema hematopoiélico Sindrome hemoUcico-urêmica
Clarirromicina t afcilina Vancomicina
Cotrimoxazol Mamas Fibroadcno matose

Diltiazem Sistema metllbólico Diabttts ,.,u;/111; hipcrlipidemia


Nicardipina Ossos
---- Dor óssea
Verapamil •
T = Efeito colateral mais freCJÜCntc entre pacientes tratados com tra colim us;
Todos os antiin-
A n tii nflam a- C = F. feito colateral ma is freqüeme en tre paciente" tr:uados com ciclo sporina.
flamató rios não-
tórios
esteró ides O micofenolato mo fetil habitualmente é bem tolerado .
Glicocorticóides Os principais efeitos colaterais são cliarréia (que usualmen-
Danazol
Octreotide te melhora espontaneamente na primeira semana de trata-
Metocloprami<b
Outros
Ticlopidina mento), leucopenia, plaquetopenia e anemia. Em alguns
Bromocripcina
Inibidores de pacientes os efeitos colaterais determinam a suspensão do
Cisaprida
protease
Alopurinol uso da medicação. Pacientes com infecções graves ativas

..-------------------------------------------------
Suco de uva não devem receber essa meclicaçãd7 •

Ciclospo rin a c tacro lírnus não devem se r administrados concomitantemente já q ue,
nesse contex to, a conccmrnção sangüínea e o risco de ttJXicidadc aumenta m signi·
ficativamcmc. Quand() uma dessas drogas necessitar ser substÍiuida pela outra. um Assistência médica pós-operatória
inten·alo de dois dias sem a administração de inibidores da calcincurina deve ser
respeitado antes do início da administração da d roga substitul:l. ao transplantado
A concentração no sangue do tacrolimus o u da ciclos- Principais cuidados e medicações
porina deve ser medida freqüentemente, de modo a per- H abitualmente, após a realização do transplante
mitir que niveis adequados sejam obtidos, individualizan- hepático, do pâncreas ou do intestino, os pacientes são
do-se as doses. conduzidos a centro de tratamento intensivo. Alguns
Mesmo empregando a estratégia de dosagem diária da serviços têm transferido até 40% dos pacientes submeti-
concentração no sangue, é elevada a freqüência de níveis dos a transp lante hepático diretamente às unidades de
inadequadosJO. Efeitos colaterais relacionados a concentra- cuidados intermediários ou enfermarias31 • Embora o
ções inadequadas dos inibidores de calcineurina são nume- custo relacio nado ao procedimento possa ser reduzido, a
rosos e freqüentes (Quadro 43.7). Os efeitos secundários a relação entre o risco e o benefício dessa abordagem pre-
concentrações elevadas, são responsáveis por significativa cisa ser mais bem avaliada. A rápida transferência do
morbidade pós-operatóriaJO. É necessária vigilância para paciente para unidades onde a prevalência de germes
que concentrações adequadas desses imunossupressores multirresistentes é menor pode ser benéfi ca para os
sejam obtidas e efeitos colaterais sejam evitados ou pronta- transplantados estáveis.
535
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Pacientes submetidos a transplante do rim são, geral- morbidade e mortalidade associadas, justificam o
mente, encaminhados diretamente a enfermarias de cui- emprego profilático dessas drogas nos primeiros
dados intermediários. Perdas renais volumosas de água seis meses após o transplante32 ;
são comuns nos primeiros dias após o transplante, exi- • fluconazol: pacientes com risco aumentado de
gindo cuidados especiais. infecções fúngicas profundas (ver Complicações infec-
Antibioticoprofuaxia é empregada, habitualmente,
ciosas) devem receber fluconazoP2• Cabe ressaltar
por 48 horas. Cabe ressaltar que os pacientes recebem
que o momento da interrupção do seu uso pode
doses elevadas de corticóide (até l.OOOmg de metilpred-
implicar alterações da farmacocinética dos inibido-
nisolona) durante a operação. Os antimicrobianos
empregados variam entre diferentes serviços. No res de calcineurina, reduzindo suas concentrações
Hospital das Clínicas da UFMG, emprega-se a associa- sangüíneas e favorecendo a ocorrência de rejeição
ção de ampicilina e cefotaxima por três dias. Pacientes celular do enxerto. É recomendável que a concen-
com risco aumentado de infecções fúngicas (definidos a tração sangüínea residual do tacrolimus ou da
seguir) recebem profilaxia com tluconazol. ciclosporina seja monitorada três a sete dias após a
No período pós-operatório imediato, os pacientes suspensão do fl uconazol para ajuste da dose;
transplantados são monitorados clínica e laboratorial- • omeprazol: deve ser em pregado enquanto a dose de
mente, pelo menos, quatro vezes a cada 24 horas. O prednisona utilizada for superior a 1Omg por dia;
objetivo dessa abordagem é detectar, em tempo hábil, • lamivudina e imunoglobulina humana anti-HBs:
complicações. D esvios da normalidade, potencialmente
pacientes com cirrose pelo vírus B da hepatite podem
graves ou fatais, são comuns nesse período. Além dos
ser tratados por transplante hepático desde que a
exames labo ratoriais, alguns serviços incluem dopplertlu-
replicação vira! possa ser inibida antes do transplante
xometria diária nos primeiros dias após o transplante,
para verificação dos estado das anastomoses vasculares. e os níveis adequados de anticorpos anti-HBs (ideal-
A abordagem diagnóstica e terapêutica dessas complica- mente acima de l OOU/L) sejam mantidos, indeftnida-
ções é discutida na seção seguinte. mente, no período pós-operatório. Após o transplan-
Algun s medicamentos são rotineiramente empregados te, todos os pacientes devem receber lamivudina,
após a alta hospitalar. Essas drogas estão listadas a seguir: 100mg ao dia, e imunoglobulina humana anti-HBs,
• carbonato de cálcio: O uso de inibidores de calci- regularmente, de modo a manter níveis séricos ade-
neurina e de corticóides induz perda renal, redução quados de anticorpos.
da absorção intestinal e perda óssea de cálcio. A
reposição de cálcio tem o objetivo de minorar esses Precauções
efeitos, embora poucos estudos sobre a eficácia
desse tratamento tenham sido realizados. Caberes- Aglomerações de pessoas devem ser evitadas pelos
saltar que pacientes cirróticos com doenças coles tá- pacientes transplantados, pelo menos nos primeiros seis
ticas freqüentemente se apresentam com osteope- meses. O risco de doenças respiratórias de transmissão
aérea deve ser evitado. D oenças virais transmitidas desse
nia ao transp lante. Em geral, após a interrupção do
modo são freqüentes entre os pacientes transplantados
uso do corticóide, ou quando a dose empregada já
podendo, no mínimo, complicar o diagnóstico diferen-
for menor que 1Omg por dia, a reposição de cálcio
cial com doenças que precisam ser tratadas prontamente
é interrompida;
n esses pacientes, por exemplo, citomegalovirose. A
• óxido de magnésio: os inibidores de calcineurina tuberculose é prevalente na população geral e tem sido
induzem perda renal de magnésio, especialmente detectada freqüentemente em pacientes transplantados.
nos primeiros meses após o transplante; O uso de máscaras comuns (que não ftltram o bacilo da
• sulfametoxazol-trimetropima: o risco de ocorrência tuberculose) tem sido recomendado nos primeiros seis
de infecção pelo Pneumocistis carinii, bem como a meses após o transplante de órgãos sólidos. A máscara deve

536
Capítulo 43 .: Transplante de órgãos abdominais - aspectos cHnicos

••
ser empregada sempre que aglomerações de pessoas ou o hematúria são sinais de co mplicação do enxerto pancreá-
contato com pessoas doentes não puderem ser evitados. tico. Esses sinais merecem pro nta investigação, na maio-
No ambiente familiar, não há necessidade de isolamen- ria das vezes exigindo outra hospitalização.
to ou emprego de utensílios exclusivos para o paciente. Além do exame clínico geral e dirigido, exames com-
Quanto aos alimentos, devem ser preparados com os plementares são realizados rotineiramente. Provas de fun-
cuidados habituais de higiene. Devem ser evitados alimen- ção hepática, glicemia em jejum, uréia, creatinina, ionogra-
tos ingeridos crus e frutos do mar, pelas dificuldades em ma completo, RNI, tempo parcial de tromboplastina ati-
obter higienização adequada. Esses últimos podem servir vado e hemogram a são realizados, a cada consulta.
como agentes de veiculação de protozoários e fungos, Antigenemia para cito megalovírus deve ser realiza-
especialmente nos primeiros seis meses de transplante. da semanalmente entre a terceira semana e o terceiro
Animais de estimação, especialmente as aves, são fon- mês, nos pacientes recepto res C!VfV positivos (anticor-
tes de protozoários e fungos, devendo ser evitado o co n- pos anti-C!VfV IgG positivos antes do transplante). A
tato com eles e com seus dejetos, nos primeiros meses antigenemia é capaz de detecta r a replicação do vírus,
após o transplante12• em média, uma semana antes da manifestação da doen-
ça. O exame positivo, na ausência da síndrome do
C!VfV, é suficien te para indicar o tratamento com gan-
Acompanhamento pós-operatório ciclovir po r 14 dias a 21 dias 12•
O objetivo do acompanhamento ambulatorial é detec-
t.'lr, precocemente, alterações na função do enxerto, com-
Complicações dos transplantes
plicações infecciosas e metabólicas. o primeiro semestre,
a freqüência com que complicações se apresentam é cleva- São numerosas as complicações que podem ocorrer
nas primeiras quatro semanas após o após os transplantes de órgãos sólidos. A freqüência de
transplante. A morbimortalidade relacionada a elas pode complicações e a mortalidade va riam com o ó rgão trans-
ser significativamente reduzida pela intervenção precoce. plantado , bem como o período pós-operatório (precoce
Os protocolos de acompanhamento pós-operatório o u tardio).
ambulatorial apresentam variações em diferentes setYi- Didatica mente, as complicações pós-operatórias
ços. No HC-UFMG, consultas regulares são realizadas podem ser classificadas em vasculares, imunológicas,
semanalmente nos primeiros dois meses, a cada três infecciosas, metabólicas e neoplásicas.
semanas do terceiro ao sexto mês, a cada seis semanas no
segundo semestre pós-operató rio e trimestralmente a
Complicações vasculares
partir do segundo ano.
A cada consul ta, o exame clínico deve atentar, espe- As comp licações vasculares determinam importan-
cialmente, para a aderência ao tratamento medicamento- te morbidade e mortalidade. Até 33% dos retransplan-
so, sinais de doenças infecciosas, de disfunção do enxer- tes de fígad o são realizados para tratar co mplicações
to e de efeitos colaterais da medicação empregada. técnicas, geralmente de natu reza vascular 29 •
Obesidade, hipertensão arterial, lesões da pele e As tromboses e estenoses das anastomoses dos
mucosas (vesículas, alterações da sensibilidade da pele, vasos que irrigam o u drenam os enxertos são compli -
placas mucosas sugestivas de candidiase oral), síndromes cações freqüentemente graves. Embora possam ocor-
gripais, mialgias, tremores finos das extremidades, altera- rer em qualquer época após o transplante, na maioria
ções do volume urinário e edema são os sinais mais fre- dos casos elas ocorrem nas p rimeiras semanas do
qüentes de efeitos colaterais relacionados à medicação pós-operatório .
imunossupressora e infecções. A ocorrência dessas complicações está, em geral,
Prurido, icterícia, sangramento, encefalopatia c do r associada a defeitos técnico-operató rios. O risco de
lombar são sinais de disfunção do enxerto hepático. trombose arterial é maio r entre as crianças pequenas
Alterações do volume urinário, edemas, hipertensão, (especialmente com peso inferio r a 1Okg) e nos pacien-
hematú ria macroscópica são sinais de disfunção do tes transplantados em equipes com pequena experiên-
enxerto renal. G licemias elevadas, dor na fossa ilíaca e cia em transplante3 ' .
537
••• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Trombofilias não- tratadas o u mes mo induzidas Complicações imunológicas


pelo transplante podem ser a causa de trom boses. o
As fo rmas de apresentação, a mo rbidade e o trata-
transplante hepático , particularmente, disfun ções da
mento das rejeições foram descritos anteriormente (ver
coagulação caracterizam todas as cirroses, sob retudo
!tmmossupressào em tran.rplantes de órgãos abdominais).
na síndro me de Budd-Chiari. Até a terça parte dos
pacientes cirróticos que serão submetidos a tra nsplan-
te hepático, com hipopro trombinemia e plaqueto pe- Complicações infecciosas
nia, apresenta sinais de hiperco agulabilidade ao trom-
boelastograma. A retomada da síntese de p roteínas pró O s pacientes submetidos a transplantes de órgãos
e anticoagulantes pelo enxerto hepático não ocorrem sólidos estão su jeitos a complicações infecciosas
simultaneamente. D esse modo, estados hi percoagulá- comuns às operações abdominais, como pneumonia,
veis podem ocorrer nas primeiras ho ras após a reper- infecção urinária e do sítio cirúrgico.
fusão do enxerto. D e outro modo, pacientes transplantados estão
In fecções e inflamações nas proximidades dos ex postos a infecções bacterianas, virais e fúngicas espe-
vasos anas to mosados (coleções, fístulas, rejeição) ta m- cíficas desse grupo de indivíd uos. I nfecções causadas
bém ind uzem a cascata da coagulação e pred ispõem à por germes da microbiota ele diferentes sítios, que
trom bose. Infecções por citomegalovírus podem indu- estão em estado de equilí brio com o hospedeiro são
zi r alte rações das paredes dos vasos arteria is com este- comuns após o transp lante.
As infecções da boca e do esô fago causadas por
nose e trom bose tardias.
Candida sp são habituais nas primeiras semanas após a
As trom boses devem ser pronta mente tratadas,
operação. Can d idíase da boca pode ser tratada com
quase sempre por reintervenção cirúrgica, de modo a
estatinas, enq uanto a esofágica exige tratamento com
reduz ir a intensidade dos danos ao enxe rto 11 • As este-
imidazólicos.
noses podem ser tratadas por reintervenção cirúrgica
Mais raramen te, infecções fú ngicas profundas (em
o u, mais freq üen temente em nosso meio, por procedi-
90% das vezes, causada por cândidas) podem ocorrer.
mentos percutâneos endovasculares.
Alguns fato res de risco para essa forma grave da doen-
os transplantes hep áticos, a trom bose porta
ça são reconhecidos: transfusão de hemoderivados em
comume nte se associa à perda do enxerto . A trombo-
grandes volumes (>3unidades), abertura da luz do tubo
se da artéria hepática pode causar perda do enxe rto,
digestivo, ins uficiência renal, reoperações, grave dis-
colestase, fís tulas biliares, coleções biliares intra-hepá-
fu nção o rgânica (Chile! C). Na p resença de dois ou
ticas por nec rose da via biliar e, necrose do parênqui-
mais desses fatores de risco, está indicada profilaxia
ma hepático. Q uanto mais p recoce a ocorrênc ia das
com fl uconazol. O tratamen to ela cand idíase sistêmica
tro m boses no período pós-opera tório mais graves e o u profu nda freqüen temente exige tra tamen to com
inte nsas costumam ser essas alterações 31 • Geralmente, an fotericina B ou fl uco nazol em doses elevad as 12 .
o retransplan te é necessário , embora o diagnóstico e A reativação dos ví rus do grupo herpes ocorre fre-
tratame nto precoces dessa compli cação possam evitar q üentemente. A infecção da pele e das mucosas causa-
a perda do enxerto. da p elo Herpes simples ocorre pri ncipalmente no primei-
Nos transplantes de pâncreas, tanto tromboses arte- ro mês após o transplante. Geralmente, aciclovir,
riais quan to ve nosas freqüente me nte cursa m com ad ministrado por via oral, é suficiente para controlar
perda do enxerto. No transplante do rim, as tromboses a doença32•
dos vasos anas tomosados são menos com uns. Setores O citomegalovírus, outro vírus do grupo herpes, no
do ri m mal perfundidos podem, no entanto, ocorrer estado late nte, é muito prevalente na população brasi-
por defeitos na técnica de captação e conservação do leira. Sua reativação após o transplante não é rara. A
ó rgão. Vasos polares, na maioria das vezes, são termi- ocorrência dessa infecção é, mais comum, entre a ter-
nais, com pobre rede de co municantes com os vasos ceira semana e o terceiro mês após o trans plante12 .
prin cipais, devendo ser reconstruídos. Fístulas uriná- E la us ua lmente se manifesta po r quad ro clín ico
rias ele difícil tra tamento pode m ocorrer q uando semelhante ao da gripe, com fe bre, sintomas respirató-
regiões próximas à pelve renal ficam isquêmicas. rios e mialgia.

538
•••
Capítulo 43 .: Transplante de órgãos abdominais - aspectos clínicos

Hepatite pode ocorrer, principalmente se o enxerto Hipercolesterolernia está associada, principalmente,


transplantado for o fígado. Ocorre aumento ele amino- ao uso de corticóides. Os inibidores de calcineurina tam-
transferases, fosfatase alcalina, gamaglutamiltranspep- bém estão envolvidos; tacrolimus parece induzir dislipi-
tidase e bilirrubinas, sendo clínica e bioguimicamente dernias menos freqüentemente que a ciclosporina. Além
indistinguível da rejeição celular aguda e da trombose da conhecida associação com doenças cardiovasculares, a
da artéria hepática. O diagnóstico diferencial é feito hipercolesterolemia pode estar associada a uma forma de
com o auxílio do doppler dos vasos hepáticos (sem rejeição crônica, cuja base fisioparológica é a obstrução
alterações), da antigenemia para CMV (positiva em de vasos arteriais de médio e grosso calibre (síndrome
90% das vezes) e, quando persistir a dúvida, por meio dos duetos biliares evanescentes, e outro quadro seme-
de biópsia do fígado. lhante acometendo enxertos renaist. Vigilância semes-
O tratamento deve ser feito com ganciclovir durante tral deve ser realizada. Na presença de dislipidernia, a
três semanas. Pacientes CMV negativos que tenham redução ou suspensão do uso do corticóide, o controle
recebido enxertos captados de doadores CMV positivos da dieta e do peso e pronto tratamento medicamentoso
devem receber profilaxia com a droga por 100 dias32• estão indicados. O benefício do uso de drogas hipolipe-
A infecção respiratória causada pelo Pneumorystis miantes foi demonstrado inequivocamente entre pacien-
carinii ocorre, mais freqüentemente, n os primeiros seis tes transplantados do coração e do rim. Entre os pacien-
meses após o transplante. Com a instituição de profila- tes transplantados do fígado ou pâncreas tem-se também
xia, essa complicação virtualmente desapareceu. A empregado essas drogas, enquanto evidência contunden-
droga empregada na maioria das vezes, nessa situação, te contrária não seja obtida. A rapamicina pode ter efeito
é a associação sulfametoxazol-trime tropima, durante hipoliperniante e mesmo regredir algumas lesões arteriais
34.
os primeiros seis meses após o transplante. Nos estabelecidas
pacientes alérgicos à sulfa, pode-se empregar a penta- Intolerância à glicose constitui parte das síndromes
midina administrada em aerosol12 . clínicas desencadeadas pelas doenças que serão tratadas
por transplantes de fígado, pâncreas ou rins. Embora
essa disfunção tenda a ser agravada no período pós-
Complicações metabólicas
operatório imediato (pelo emprego de drogas imunos-
Para a população total de transplantados, as doenças supressoras, de catecolaminas vasoativas, pela resposta
cardiovascuJares são a terceira causa ele morte após um ao trauma, por disfunção de enxertos hepáticos e pan-
ano do transplante. O risco dessas doenças é maior entre creáticos), na maioria dos casos, ela desaparece após o
os pacientes transplantados que na população geral33 • terceiro mês de transplante. Em até 15% dos pacientes
Pacientes submetidos a transplante hepático há um submetidos a transplante de fígado será necessário o
ano ou mais, cuja doença primária não incluía câncer uso de in sulina após o primeiro trimestre34 . Em alguns
ou hepatite vira!, têm grande probabilidade de sobrevi- dos pacientes submetidos a transplante pancreático,
verem longos períodos co m qualidade de vida seme- podem ser necessárias peguenas doses de insulina.
lhante à ela população geral. A principal causa de morte Emagrecimento, redução da dose dos imunossupresso-
nesse grupo de pacientes é a doença cardiovascular res, dieta controlada e prática de atividades físicas
associada a dis lipidemia, hipertensão arterial, diabetes devem ser medidas instituídas para o controle do diabe-
mellitus c obcsidade 34 . tes e da obesidade.
O uso de inibidores de calcineurina e de corticoste-
róides contribui para a ocorrência de hipertensão arte-
Neoplasias
rial sistêmica. Embora ajustes na dose elos imunossu-
pressores possam contribuir para o controle da pressão A doença linfoproliferativa relacionada ao trans-
arterial, a maioria dos pacientes vai necessitar de drogas plante constitui um linfoma associado à infecção pelo
anti-hipertensivas. Os bloqueadores dos canais de cál- vírus Epstein-Baar (EBV). Essa doença se manifesta
cio são as drogas mais eficazes. Os inibidores da enzima habitualmente por li nfadenom egalia generalizada e
de conversão da angiotensina são, quase invariavelmen- ocorre em 1% a 3% dos pacientes submetidos a trans-
te, ineficazes"'. plante hepático 32 • As crianças, os portadores do EBV

539

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

antes do transplante e os pacientes que receberam pela qualidade de vida dos pacientes, vana segundo o
OKT3 (anticorpo antilinfocitário pouco utilizado atual- órgão e o período considerados.
mente) apresentam riscos maiores de desenvolvimento Ocorreu melhora progressiva desses resultados,
da doença que os demais pacientes. Pacientes portado- especialmente após a década de 80 do século passado.
res do vírus parecem se beneficiar de proülaxia. O risco Diversos eventos concorreram para essa trajetória: evo-
de manifestação da doença causada pelo EBV aumenta lução da técnica operatória, maior dorninio sobre a cli-
até em dez vezes em pacientes que apresentam doenças nica cirúrgica, métodos diagnósticos mais eficazes e dis-
causadas pelo CMV32 • Por essa razão, muitos autores poníveis, avanços na farmacologia da imunossupressão
recomendam o emprego de ganciclovir na profilaxia de e da conservação de órgãos, entre outros.
am bas as reinfecções em pacientes portadores do EBV, Pacientes submetidos a transplante hepático na Europa,
especialmente em crianças. antes de 1985, tinham probabilidade de sobreviver um ano
A infecção pelo herpes vírus 8 está associada ao apa- de apenas 34% . D os pacientes transplantados entre 1990 e
recimento do sarcoma de Kaposi. 1994, 76% sobreviveram pelo menos um ano. A última
Outras neoplasias apresentam maior risco de ocorrên- coorte analisada, transplantada em 2001, apresentou sobre-
cia entre pacientes transplantados. Câncer de pele tem sua vida de 83% ao final de um ano. As principais causas de
prevalência substancialmente aumentada após o transplan- óbito nesses pacientes são disfunções de outros órgãos
te. O risco pode ser controlado por medidas simples de (30%), sepse (20%), recorrência da doença hepática (17%),
proteção contra radiação solar e vigilância da pele'"'. complicações técnicas (6%), óbitos peroperatórios (5%) e
não-função primária do enxerto (3%)29 •
O adenocarcinoma do cólon, entre os pacientes
A experiência norte-americana testemunhou a mesma
transplantados por colangite esclerosante primária, tem
evolução}5• Infelizmente, o Brasil, segundo maior país do
seu risco aumentado em quatro vezes após o transplan-
mundo em número de transplantes, tem registros precários
te quando comparado com o período pré-transplante.
sobre a evolução dos pacientes transplantados.
É necessária vigilância endoscópica periódica entre os
A sobrcvida de pacientes e enxertos transplantados
pacientes que não foram submetidos a colectomia. Até
na Europa, nos Estados Unidos e no Hospital das
15% e 21% dos pacientes apresentam displasias da
Clinicas da UFMG está resumida no Quadro 43.8 c nas
mucosa do cólon cinco e oito anos após o transplante,
Figu ras 43.1, 43.2 e 43.3.
respectivamente34 .
No H C-UFMG ocorreu, especialmente nos últimos
O risco de displasia e carcinoma espinocclular do
três anos, significativo aumento ela freqüência de transplan-
colo do útero aumenta após o transplante34 • Uma vigi-
tes hepáticos realizados. Paralelamente a esse crescimento,
lância sistematizada é necessária.
os resultados têm melhorado ano a ano, conforme pode ser
observado no Quadro 43.8 e nas figuras 43.2 e 43.3. A
Sobrevida e prognóstico coorte de transplantes realizados em 2003 e 2004 apresen-
tou sobrevida dos receptores e enxertos superior a 80%,
O resultado dos transplantes, medido pela sobrevida tornando-se comparável aos melhores resultados registra-
dos pacientes e dos enxertos, pela morbidade associada e dos na Europa29 ou nos Estados Unidos3s(Figura 43.3).

540
Capítulo 43 .:Transplante de órgãos abdominais- aspectos clínicos

••
-----------------------------------------------------------------------------------------------------··
Quadro 43.8 .: Taxas de sobrevida (%) de pacientes receptores e cn.xertos segundo o órgão transplantado, o período e a fonte da informação •
Fonte Órgão Período T ipo I ano 3 anos 5 anos IO anos
UNOS Rim 1996-2001 Paciente* 95,6 95,6 85,1
Bnxcrto* 91,3 90,8 70,4
UNOS Pâncreas-Rim 1996-2001 Paciente* 94,6 89,9 84,?
Enxerto* 91,8 83,8 75,1
Paciaue* 95,1 88,3 79,2
Emcno• 78,2 61,9 48,4
Intestino 1996-2001 Paciente* 75,2 54,7 47,7
Enxerto"' 7 1,8 47,7 40,9
UNOS Pfplo 1996-2001 Paciente 86,1 78,0 72,3
1996-2001 Enxerto 80,7 71,2 64,5
ELTS 1968-2001 Paciente 80,0 70,0 62,0
1995-2000 Paciente 83,0 72,0
1990- 1994 Paciente 76,0 65,0 58,0
1968-2001 Enxerto* 75,0 67,0 63,0 55,0
HC-UFMG 1994-2004 Paciente 71,6 95,6 65,4 65,4
Tx 1-100 Paciente** 55,9 52,7 51,2 51,2
Tx 101-200 Paciente** 79,2 74,2
Tx201-288 Paciente** 81,'7
1994-2004 Enxerto 67,9 64,1 60,4 60,4
•• •
UNOS: United etwork for Organs Sharing" ; ELTS": European Uv<r Transplanta!Íon Socicty; HC. UFMG: Hospitol das CUnicas da UFMG (dados nilo publicados);
..Contempla apenas primeiros transplantes (excluídos os re-rntnsplantcs);
,. Transplantes classificados em o rdem cronológica (do I 0 ao 100° , do IOI 0 ao 200° e do 201° ao 288").

••

100

80

60

40

20

o 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Yrs

.._ <85: n = 515 - 85-89: n = 4173


- - 90-94: n =11783 ..... 95-2000: n =24962

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 43.1 .: Sobrevida acumulada d e pacientes receptores submetidos a transplante hepático na Europa, segundo a é poca da realização
da operação. f-onte: Europeon Liver Transplantalion Societj'

541
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
••• ---------------------------------------------------··•
1,1 1,1

1,0 1,0

,9 ,9

,B "' ,B
ANOTX
'O
A- 1994-2000
'O "' ,7 ÉPOCA "' ,7 B- 2001
'S "' :i:::> ,6
B
C- 2002
E ,6 A - TxOa 100
::> D - 2003
<
<.>
l ll llu I 111 11 I 111 111111
A
li "' ,5 E - 2004
,5 B- Tx 101 a 200
:2 "'
> ,4
!!
'8.4
C- Tx 201 a 288 (/)

o ,3
(/) ,3
.2
,2
,1
,1
0,0
0,0 o 730 1460 2190 2920 3650
o 730 1460 2190 2920 3650 365 1095 1825 2555 3285 4015
365 1095 1825 2555 3285 4015
Tempo (Dias)
Tempo (Dias)
ÉPOCA: Os pacientes foram classific2dos segundo a ordem cronológica da realização ANO TX: Coortes de pacientes definidas segundo o ano da realização do transplan te.
do transplante hepático; Tx O a 100: do I " ao 100" transplante (93 pacientes); Tx IOI 94-2000:n=84 pacientes; 2001 :n = 42 pacientes; 2002:n=30 pacientes; 2003:n=52
a 200: do IOI" ao 200" transplante (96 pacientes); T x 201 a 288: do 201" ao 288" trans- pacientes; 2004:n =66 pacientes. LogRa nK= 9,73; Gra us de l..iberdade=4; Valor
plante (88 pacientes). LogRanK = 15,69; G raus de Liberdade = 2; Valor p = 0,0004. p =0,0453.

• •
··---------------------------------------------------
Figura 43.2 .: Sobrevida acumulada dos pacientes transplanta-
··---------------------------------------------------
Figura 43.3 .: Sobrevida acumulada dos pacientes transplanta-
dos no Instituto Alfa de Gastroenterologia do H C-UFMG, na dos no Instituto Alfa de Gastroenterologia do H C-UFMG, na
dependência da época do transplante hepático dependência do ano da realização do transplante hepático

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Capítulo 43 .: Transplante de órgãos abdominais - aspectos clínicos

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543
44
CIRURGIA
NO PACIENTE COM
DISTÚRBIOS DE DEGLUTIÇÃO
•• •
Patrícia Vieira Salles, J osé Maria Po rcaro Salles,
J uliana Boechat Alvares

Introdução depende dos seguintes pa res de nervos cramanos:


V, VJ I, JX, X e Xll.
A deglutição é um ato neuromuscular complexo que Antes de passarmos ao estudo das fases da deglutição,
envolve estruturas da cavidade oral, da faringe, da laringe devemos destacar a função laríngea. A laringe humana
e do esôfago, em uma seqüência altamente coordenada possui três funções básicas: proteção da árvore brô nqui-
de movimentos', cujo resultado é a propulsão do bolo ali- ca, respiração e fo nação. A perda da função protetora
m entar da cavidade o ral para o estô mago. Qualquer alte- (função mais importante), que pode ser tempo rária o u
ração nesse processo implica o aparecimento de disfagia, definiti va, implica o aparecimento de aspiração bronco-
que pode ser esofágica o u o rofaringea. Essa última é pulmonar e conseqüente pneumonia aspirativa.
motivo de nossa discussão. O processo fisiológico de deglutição pode ser di vidi-
As causas da disfagia, assim como suas conseqüên- do em três fases 2: o ral, faríngea e esofágica. A fase o ral
cias, são múltiplas e atravessam as fronteiras da habili- pode ser dividida nas fases o ral preparatória e oral pro-
dade de ampla variedade de especialidades clinicas. priamente dita, sendo ambas conscientes e voluntárias. A
Logo, os pacientes disfágicos serão sempre atendidos fase o ral p reparatória envolve o processamento dos ali-
po r equipe multidisciplinar. mentos pela mastigação c sua mistura com a saliva for-
O estudo das disfagias deve iniciar-se pelo conhecimen- mando o bolo alimentar, assim como o seu posicio na-
tO dos mecanismos fisiológicos da deglutição, passando mento no do rso da língua. J á a fase oral, pro priamente
pelas causas e pelos efeitos dos distúrbios, pelos mérodos dita, inicia-se após o bolo alimentar estar adequadamente
utilizados para o seu diagnóstico, assim como pelas medi- preparado e posicionado no dorso da üngua. A üng ua
das terapêuticas para melho rar ou resolver o problema. pressio na o bolo alimentar contra o centro do palato
duro, o palato m ole se eleva, os lábios selam-se e a base
da língua se deprime, iniciando a fase faringea, que é tam-
A deglutição adequada bém o início da fase reflexa da deglutição.
A fase faringea refere-se ao transporte do bolo ali-
A deglutição é uma função neuromuscular que mentar da cavidade oral para a fari nge e desta para o esô-
envolve estruturas anatôm icas da cavidade o ral, da fago. Após a entrada do bolo na o rofaringe, uma seqüên-
faringe, da laringe e do esôfago. Esse processo exige cia rápida e coordenada de movimentos acontece até sua
perfeita coordenação nervosa central c periférica. chegada ao esôfago, representando Ltma fase consciente e
Q uatro pares de nervos cranianos (V, V Il , LX e X) fo r- involuntária da deglutição. Nessa fase ocorre aumento na
necem informações aferentes, relacionadas ao gos to e à pressão in tra-oral, deco rrente dos seguintes eventos:
sensibilidade o rofaríngea. O controle mo to r dos dois fechamento dos lábios, tensão no músculo o rbicular dos
primeiros estágios da deglutição (fases o ral e faríngea) lábios, fechamento do esfíncter velofaríngeo, fec harnen-

545
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
to da prega vocal e da prega vestibular, elevação e anterio- oral ou na fase faríngea da deglutição, e disfagias eso fá-
rização da laringe - esses movimentos ocorrem em con- gicas ou baixas, quando o problema encontra-se na
junto com o movimento de piston da língua, criando ini- fase esofágica.
cialmente pressão negativa na faringe gue se organiza As disfagias podem acometer qualquer das três fases
como tubo e recebe o bolo alimentar. Em seguida, ocorre da deglutição de forma isolada ou conjunta. Alterações
a contração dos músculos faríngeos, a abertura do esfínc- na fase oral podem ser causadas pelo não-selamento
ter esofagiano superior, possibilitando nova cliferença de labial, decorrente de disfunção do nervo facial ou de
pressão e passagem direta do bolo alimentar da faringe alguma seqüela estrutural neste orifício; pela diminuição
para o esôfago. Esta é uma fase extremamente rápida, com dos movimentos manclibulares gue prejudicam a função
duração de, aproximadamente, 800 milisegundos. mastigatória, impedindo guc o alimento seja quebrado
A última fase da deglutição, a fase esofágica, que é
até uma consistência adequada para deglutição, e pela
inconsciente e involuntária, resulta dos movimentos
diminuição ou perda do controle da lingua. A incoorde-
peristálticos da parte proximal do esôfago à parte distal,
nação dos movimentos da lingua é a alteração da fase oral
permitindo a passagem do alimento pelo esôfago e sua
mais perigosa e a que leva aos maiores riscos de aspira-
entrada no estômago. Qualquer alteração levará à clisfa-
ção. Alterações n a sensibilidade tam bém causam dificul-
gia baixa ou esofágica, o que não representa o foco de
dades de deglutição nesta fase.
atenção deste capítulo.
Alterações na fase faríngea, assim como na fase oral,
podem ser causadas por seqüelas neurológicas ou estru-
Caracterização e classificação dos turais. A redução da função velofaríngea pode levar a
distúrbios de deglutição retorno do alimento para a cavidade nasal; a diminuição
do peristaltismo faríngeo leva à estase em valécula e seios
A dificuldade para deglutir, denominada disfagia, piriformes; a redução da elevação e anteriorização da
pode ser entendida como um distúrbio que dificulta ou laringe pode levar à aspiração durante a deglutição.
impossibilita a ingestão segura, efici ente e confortável Alterações na sensibilidade também levam a clificuldades
de alimento via oral. A disfagia é acompanhada fre- de deglutição nesta fase.
qüentemente por outros problemas, tais como rougui- A fase esofágica, por outro lado, pode estar com-
dão, dor, obstrução das vias aéreas e digestivas superio- prometida pela presença de hérnia de hiato ou pela per-
res. Como conseqüências mais graves da disfagia, cita-
manência de cateter nasogástrico que causam refl uxo
mos a aspiração laringo-tragueal, a pneumonia aspirati-
gastroesofágico e possível aspiração. Obstrução esofá-
va, a desnutrição e a desid ratação, o emagrecimento, a
gica parcial ou total, por tumores, impedindo ou difi-
perda de competência do sistema imunológico em fun-
cultando a progressão do bolo alimentar, assim como
ção da desidratação e da desnutrição, a baixa resistên-
doenças esofágicas com distúrbios motores (p. ex.,
cia a processos terapêuticos mais agressivos e, even-
doença de Chagas) levam a ondas peristálticas anárqui -
tualmente, a morte3 •
A clisfagia não é uma doença, e sim sintoma ou sinal cas, causando disfagia baixa e eventuais aspirações em
de uma doença de base. A clificuldade para engolir pode decorrência de refluxo ou regurgi tação.
ser congênita ou adgwrida, permanente ou transitória, As queixas mais comuns de pacientes com disfagias
resultante de causas cliversas, tais como: neurogênicas, orofaríngeas são: dificuldade da manipulação oral e
mecânicas, psicogênicas, iatrogênicas ou por degenera- propulsão do bolo alimentar da boca para o esô fago;
ção neuromuscular própria da idade. sensação de parada do alimento ou sensação de resí-
Os distúrbios da deglutição são alterações de qual- duos alimentares na garganta, que exigem clareamento
guer afecção neurológica (central ou periférica) - disfa- por meio do pigarreio e de deglutições múltiplas; tosse
gias neurogênicas o u de tumores da região de cabeça e antes, durante ou após a deglutição; sensação de engas-
pescoço ou do trato esofágico, assim como de trauma- gos ou afogamento; alteração da voz imediatamente
cismas na região cervical - disfagias mecânicas. Além após deglutir; falta de ar imediatamente após o u duran-
disso, podem ser classificadas como disfagias orofarín- te a alimentação; falsa rota ao deglutir, provocando
geas ou altas, quando o problema encontra-se na fase afogamento ou tosse•.

546
Capitulo 44 .: Cirurgia no paciente com distúrbios de deglutição

••
O impacto dos distúrbios de deglutição A aval iação clínica da deglutição, realizada por
no paciente cirúrgico fonoaudiólogo, inicia-se pela anamnese, com destaque
para a queixa principal e a perda ponderai, registrando-se
O paciente que será submetido a intervenção cirúrgi- também a história pregressa da doença. No exame físico
ca deverá ter condição clin.ica adequada de acordo com deve-se observar o estado geral, estado nutricional e a
padrões nutricionais, laboratoriais e imunológicos. Os hidratação, a elasticidade e o turgor cutâneos, a presença
pacientes, quando em condições clínicas ideais, terão ou ausência de vias alternativas ele alimentação, o uso de
recuperação pós-operatória rápida e com menores pro- ventilação mecânica e traqueostomia, o uso de medica-
babilidades de complicações . mentos, o grau de consciência - se preservado, abolido
Sabe-se que a disfagia resulta em desnutrição progres- ou diminuído -, ou, ainda, se existem sinais de demência.
siva. A associação desses dois fato res, quando não insti- D eve-se identi ficar, também, em qual fase da deglutição
tuídos os cuidados adequados, levará à rápida deteriora- ocorre a disfagia, se há aspiração e/ ou penetração larín-
ção clínica do paciente6 • gea e qual a doença de base que levou o paciente a desen-
A desnutrição surge como conseqüência de: (1) inca- volver o distúrbio. Por fim, quando o paciente estiver
pacidade de se alimentar; (2) má-absorção; (3) perdas sob a atenção de um cuidador, faz-se necessário conhe-
digestivas; ou (4) consumo energético excessivo' . cê-lo e tomar as suas impressões sobre o paciente.
O pacien te em pós-operatório sem complicações per- A avaliação física propriamente dita inicia-se com a
manece por certo período sem alimentar-se por via natu- avallação do sistema estomatognático quanto a postura,
ral, tem consumo energético maior que o habitual em aspecto, função e mobilidade. Especial atenção é dada à
conseqüência de sua doença de base, somada ao trauma l.íngua, ao palato mole, aos lábios e aos músculos bucina-
anestésico-cirúrgico. Além disso, sua função gastrointes- dor (Vll nervo craniano) e elevadores da mandíbula (raiz
tinal é alterada em maio r ou menor grau. Só por esses motor::t do V nervo cr::tni:mo). Na face devemos pesqui-
eventos deve-se considerar o pós-operatório imediato sar a capacidade do indivíduo de perceber e discriminar
como período crítico. Se a esses fatos se somarem outras variações de intensidade de pressão, temperatura e
complicações, tais como perdas digestivas ou infecções, outros estímulos mecânicos (raizes sensitivas do V nervo
o seu declinio clinico se fará de forma mais rápida. craniano), além do tônus facial. É importante observar os
Assim, o quadro de disfagia, por si só, é fator de risco dentes e seu estado de preservação, a presença e a adapta-
para o paciente devido à possibilidade do desenvolvi- ção de próteses, assim como as glândulas sallvares, relacio-
mento de broncoaspirações e infecção pulmonar. Esses nando-as à queixa e história de xerostomia ou sialorréia.
pacientes são, então, mais susceptíveis de sofrerem alte- D eve-se avallar também o sentido da gustação (VII e
ração significativa do seu já frágil equilíbrio clínico, com IX pares de nervos cranianos), e a sensibilidade da üngua
aumento da morbimortalidade. (V e IX nervos), assim como a função da l.íngua (Xll par),
dando especial atenção à presença de movimentos invo-
Como avaliar os distúrbios de deglutição luntários ou à rigidez. O exame do palato envolve o V, IX
e X pares cranianos, devendo ser observado por visão
A avaliação, o diagnóstico e o tratamento da disfagia direta se há ou não presença de parallsia.
orofaríngea são feitos por equipe multidisciplina r, coor- Em seguida, processa-se a avaliação das funções de
denada por fonoaudiólogo. Fazem parte dessa equipe respiração, mastigação e deglutição. A respiração é ava-
cirurgião de cabeça e pescoço, otorrinolaringologista, liada quanto ao tipo e modo respi ratório, verificando se
neurologista, nutrólogo, nutricionista e imaginologista. o pacien te encontra-se eupnéico, taquipnéico ou bradip-
O estudo da deglutição é feito pela avaliação clinica e, néico. A mastigação é avaliada oferecendo-se ao pacien-
quando necessário, por exames de imagem que possibili- te um alimento sólido. A partir daí, verificam-se os
tam a complementação diagnóstica. E ntre os exames uti- seguintes aspectos: qual o tipo de incisão (mordida) utili -
lizados encontram-se a fibro nasolaringoscopia da deglu- zada ou se o paciente pica o alimento e o coloca na boca;
tição e a videofluoroscopia da deglutição. Esses exames a qual lado o alimento é levado e o tipo mastiga tório uti-
não são indicados nos casos em que a avaliação clínica lizado para a formação do bolo allmentar, se bilateral
apresenta sinais claros de aspi ração laringo-traqueal. alternada, bilateral simultânea, unilateral direita ou unila-

547

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

tera! esquerda. Por fim, avalia-se a deglutição, quando em todo e qualquer protocolo de exame videofluoroscó-
possível, nas três consistências alimentares (sólida, üquida pico da deglutição9 •
e pastosa), para determinação da fase alterada e verificação
da presença de penetração e/ou aspiração pulmonar.
Os exames complementares devem ser realizados nos
Preparo pré-operatório e cuidados
casos de dúvida quanto à presença de aspiração ou quan- peroperatórios
do há necessidade de verificação de possível paralisia
O preparo pré-operatório envolverá sempre uma
laríngea ou ainda para determinar a fase da deglutição
equipe multidisciplinar. D eve-se co nsiderar a complexi-
que se encontra comprometida, além de buscar algum
dade deste ato neuromuscular que é a deglutição, as inú-
fator anatômico/estrutural que possa estar contribuindo
meras causas e as diversas conseqüências da disfagia oro-
ou ocasionando a disfagia.
faríngea. Nesse grupo devem se incluir, no mínimo, além
A fibronasolaringoscopia da deglutição tem por obje-
do fonoaudiólogo, o cirurgião de cabeça e pescoço, o
tivo a localização topográfica e o momento da deglutição
otorrinolaringologista, o nutrólogo, o nutricionista, o
em que as alterações são mais evidentes e mais significa-
imaginologista, além do especialista que trata das doen-
tivas. E la permite ainda a observação morfológica das
ças de base que a estão causando.
estruturas das vias aéreas e digestivas superiores 01 AOS),
Além da avaliação clínica e laboratorial, própria da
fossas nasais, rinofaringe, esfincter velofaríngeo, orofa-
doença que resultou na indicação ci rúrgica, esses pacien-
ringe, hipofaringe e laringe. E la serve ainda para testar a
tes deverão ser submetidos, quando já não o foram, aos
sensibilidade faríngea e laríngea e para verificar a eficácia
exames clínicos e complementares específicos para o
das manobras posturais que interferem na deglutição. É
diagnóstico e tratamento das eventuais complicações das
usada também para confirmação da presença de penetra-
disfagias orofaríngeas, em especial a aspiração bronco-
ção laringea e/ou aspiração traqueal suspeitadas pela ava- pulmonar e a desnutrição.
liação cünica8• Este exame permite a avaliação da degluti- Nesse momento, deve-se levar em conta a possibilida-
ção até o início da movimentação da epiglote, quando de de reversão ou não da causa da disfagia, a complexidade
sua posição ho rizontal e a contração faríngea impedem a da operação a ser realizada, correlacionando-a com o
visualização. Após o término da deglutição é que se volta tempo necessário para a correção da disfagia (e aquele dis-
a identificar as estruturas e a localização do contraste ali- ponível antes da realização do ato cirúrgico indicado), esta-
mentar e das secreções. Portanto, a fibronasolaringosco- do nutricional do paciente e presença de infecção pulmo-
pia da deglutição não nos permite uma avaliação do nar. Deve-se considerar ainda que os pacientes com disfa-
momento da deglutição. gia orofaríngea têm sempre equi.líbrio nutricional frágil, o
Para a visualização e avaliação completa das fases ora! que pode reduzir sua tolerância aos tratamentos propostos,
e faríngea da deglutição, a videofluoroscopia da degluti- em especial aqueles que incluam rádio e quimioterapia.
ção é o melhor dos exames9• E la permite a observação Sabe-se que as disfagias orofaríngeas de causa neuro-
dinâmica das estruturas associadas à deglutição durante gênica são progressivas, sem possibilidade de resolução
as fases o ral, faringea e esofágica. O principal objetivo em curto prazo. Esses pacientes necessitam de procedi-
deste exame é determinar se o paciente pode alimentar- mentos fo noaudiológicos que podem melhorar ou retar-
se, de modo seguro, por via oral, se apresenta condições dar o processo, mas que demandam tempo de treina-
de suprir suas necessidades nutricionais básicas, ou se é mento longo para atingir esse objetivo. Em casos selecio-
necessária a indicação de meios alternativos para alimen- nados, nos quais a aspiração manifesta ou silenciosa é
tação. É também importante para o estabelecimento da uma realidade e o risco de pneumonia po r aspiração é
presença de aspiração ou microaspiração, especialmente alto, pode-se necessitar de tratamento cirúrgico tal como
quando há alteração do reflexo de tosse, conhecida como a separação laringo-traqueal"' ou miotomia do músculo
aspiração silenciosa. Po r fim, serve para a verificação do cricofaríngeo". Nesses casos, necessita-se ainda estabele-
resultado das manobras facilitadoras posturais e de lim- cer se o procedimento deve anteceder o ato cirúrgico
peza de recessos faríngeos, assi m como para a escolha da principal ou ser realizado concomitantemente. Nessa
consistência de alimento mais adequada ao pacientew. fase ainda deve-se avaliar a necessidade de se criar uma
Uma avaliação do trânsito esofágico deve ser efetuada via alternativa de nutrição, co nsiderando-se o tempo que

548
•••
Capítulo 44 .: Cirurgia no paciente com distúr bios de deglutição

será necessário para o indivíduo voltar a alimentar-se pela Os pacientes devem iniciar rapidamente o processo
via fisiológica. A partir dessa decisão, opta-se pelo uso de de deambulação, manter ou iniciar a reabilitação fonoau-
cateter nasoentérico ou, ainda, gastrostomia ou jejunos- diológica e a fisioterapia respiratória. Aqueles que fica-
tomia. Nos casos em que o refluxo gastroesofágico não rem alguns dias impedidos de utilizar a via o ral devem
constitua problema, o pta-se por cateter nasoentérico ou receber nutrição por via alternativa, lembrando sempre
gastrostomia. Nunca é demais repetir que a realização de que a via enteral é a de escolha. Essa via é mais segura, de
traqueostomia, embora facilite a toalete da árvore brôn- menor custo, mais fisiológica e tem maio r eficácia por
quica, piora o quadro de disfagia 13 • Esse procedimento restaurar a função gastrointestinal mais rapidamente 15•
dificulta ou elimina alguns mecanismos fisiológicos da E m geral, usa-se cateter nasoentérico de silicone de
deglutição, tais como elevação e anteriorização da laringe pequeno diâmetro ou gastrostomia ou jejunostomia
e a criação de zona de alta pressão infra-glótica necessá- quando houver impedimento para a passagem do cateter.
ria para a tosse produtiva. A alimentação parenteral periférica complementar ou
Em caso de pacientes desnutridos, existem ainda algu- parenteral total devem ser consideradas nos casos em
mas controvérsias se devem ou não ser nutridos por um que a função do trato gastrointestinal estiver parcial ou
ceno período antes de se instituir a terapêutica adequada'•. totalmente comprometida, não sendo possível, portanto,
Parece haver consenso que, nos casos de desnutrição leve a nutrição enteral adequada.
e moderada, não se institui a nutrição pré-operatória. Em Os cuidados com a nutrição e prevenção de infecção
doentes com desnutrição grave, a terapia nutricional deve- pulmonar ou outras infecções visam à profilaxia das
rá ser instituida e associada, simultaneamente, à fisiotera- complicações pós-operatórias e ao preparo do paciente
pia respirató ria e euminação do tabaco e do álcool. Nesses para possíveis terapêuticas co-adjuvantes. Sabe-se que
casos restará ainda a escolha da via de nutrição que varia- essas últimas levam sempre à queda no estado nu tricio-
rá entre a nutrição enteral, (via de escolha sempre que pos- nal do paciente durante o seu curso. Assim, o o bjetivo da
sível), ou parenteral periférica associada à enteral ou, ainda, terapia nutricional, quando necessária, é prevenir ou
a parenteral total e a escolha do tipo de dieta a ser institui- reverter a perda tecidual, suprir as necessidades nutri-
da. Essa decisão caberá ao nutrólogo e ao nutricionista, cionais num período de catabolismo, permitir o uso de
após análise do volume a ser ingerido por via oral e avalia- todas as modalidades terapêuticas possíveis, melhorar a
ção dos riscos do uso dessa via num paciente debilitado e evolução cünica do paciente e, finalmente, prolongar a
com risco de aspiração traqueal. sobrevida com qualidade 14•
Esses pacientes, mesmo se não apresentarem quadro
infeccioso evidente, são operados em uso de antibióticos
profiláticos, que deverão ser iniciados pouco antes do iní-
Complicações nos pacientes com
cio do ato cirúrgico e mantidos por período de 24 horas. distúrbios de deglutição
Finalmente, os distúrbios metabólicos e as infecções pree-
Os pacientes disfágicos, dependendo da gravidade do
xistentes serão tratados no pré-operatório.
distúrbio, permanecem no limiar da normalidade, num
Os cuidados peroperatórios, por sua vez, são os mes-
equilíbrio precário que pode facilmente se romper diante
mos de qualquer outra operação.
de nova doença ou de processo terapêutico, o qual altera-
ria pouco o estado geral de paciente não-disfágico. As
Cuidados pós-operatórios complicações mais comuns nos pacientes com distúrbios
de deglutição são as infecções pulmonares que se seguem
Os cuidados pós-operatórios não variam muito à aspiração traqueal de alimentos e de sali va.
daqueles de pacientes não-disfágicos. Entretanto, cuida- As outras complicações possíveis são cicatrização
dos adicionais devem ser dispensados a eles devido ao seu precária decorrente do estado nutricional com conse-
equilíbrio nutricional e de função respiratória mais frágeis . qüente aumento nos índices de deiscência de suturas do
Há maior possibilidade de complicações graves num trato digestivo ou de pele e subcutâneo, de infecção de
momento em que se somam problemas existentes àque- ferida operatória pela imunossupressão, resposta inade-
les conseqüentes ao trauma anestésico-cirúrgico ou tera- quada a terapias co-adjuvantes do câncer e conseqüente
pias co-adjuvantes tais como radioterapia e quimioterapia. diminuição da sobrevida.

549
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Conclusão 6 • Andrade PVB, Lameu EB. Avaliação n utricio nal em pacientes
disfágico s. In: Co sta M , Castro LP T ó picos em deglutição e
As clisfagias orofaríngeas são alterações que merecem d isfagia. Rio d e Janeiro: Medsi; 2003.
7 • Manrique D. Avaliação otorrinola ringológica da deglutição. In:
especial atenção e envolvimento de equipe interdiscipli-
Furkim AM, Santini CS. Disfagias orofaríngea s. Carapicuíba:
nar. O paciente disfágico, principalmente o paciente dis- Pró-fono; 1999.
fág1co gue será submetido à intervenção cirúrgica, 8 • Costa M, Monteiro JS. Exame videofluoroscópio das fases oral e
encontra-se fragilizado, tanto clinica quanto emocional- faríngea da deglutição. In: Costa M , Castro LP. Tópicos em
mente. Dessa forma, devido ao alto grau de complexida- deglutição e disfagia. Rio de Janeiro: M edsi; 2003.
9 • Gonçalves MlR, Vidigal MLN. Avaliação videofluoroscópica
de do quadro, um indivíduo disfágico que será operado
das disfagias. In: Furkirn AM, Santini, CS. Disfagias orofarín-
deverá ser avaliado por todos os membros da equipe, e geas. Carapicuíba: Pró -fo no; 1999.
esta, em conjunto, tomará a decisão sobre a melhor con- I O• Zocratto O B. A cirurgia de separação laringotraqueal: análise dos
duta, proporcionando um bom prognóstico. resultados o btidos em 60 pacientes. (dissertação). Belo
Ho rizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2004
11 • K och,\'VM Distúrbio da deglutição- diagnóstico e terapia. Clin.
Referências Cir. Am. Norte. 1993;3:613-25.
12 • P orcaro-Salles JMP, Milagres KVM , Salles PV . Qual o manejo
1• D ouglas CR. Fisiologia da deglutição. ln: D ouglas, C.R. ideal da traqueostornia? In: Castro LP, Savassi, PR, Melo JRC,
Patofisiologia oral. São Paulo, Pancast, 1998. p. 273-85. Costa, IvllVlB.Tópicos em gastroenterologia 10 - deglutição c
2 • Perlman A, Shulze-Delrien K. Deglutitio n and its disorders. d isfagia. 1• Ed. Rio de J aneiro : MEDSI; 2000; p. 225-35.
Singular Publishing Ltda, 2nd, 1997. 13 • Souba W\V Nutricio nal support, In: De Yita Jr. VT, Hellman S,
3 • Peralta MC, Esnaola y Ro jas MM, Gagliardi LC, et ai. Factores Rosenberg SA - Cancer, principies and practice of oncolo.t,''Y·
predictivos de disfagia en pacientes con un evento cerebro- 5th Ed., Philadelphia- New York: Lippincott- Raven; 1997 p.
2841 -56.
vascular agudo. Rev Neural Arg. 2000; 25:57-62.
14 • Goodwin WJ, Byers PM. Controle nutricional do paciente com
4 • Betran O. O fundamental da avaliação clínica no paciente disfá-
câncer da cabeça e do pescoço. Clin.Cir. Ar11. N orte::.
gico. l n: Costa M., Castro LP. Tópicos em deglutição e disfa-
1993;3:643-56.
gia. Rio de Janeiro: Medsi; 2003.
15 • Costa M, Castro LP. Tópicos em Gastroenterologia. D eglutição
5 • Rosenfeld RS, Leite CT C, Abrahão V. Perfil nutricional nas dis-
fagias neurogênicas. In: Costa M , Castro LP. T ópicos e m e Disfagia. Rio de Janeiro: M edsi; 2003.
Deglutição e Disfagia. Rio d e Jan eiro: M edsi; 2003. 16 • Furkim AM, Santini CS. Disfagias orofarú1geas. Carapicuíba:
Pró-fono; 1999.

550
45
CIRURGIA NOS PACIENTES
NEUROLÓGICO
E REUMÁTICO
•• •
Rosa Weiss T elles, G ilda Aparecida Ferreira,
Rodrigo Santiago Gomez, Marco Antôruo Gonçalves Rodrigues

Introdução p rincipais problemas clínicos em pacientes candidatos


a operações neuro lógicas c as complicações gerais mais
Pacientes com doenças ou comorbidades neurológi- importantes relacio nadas a esse tipo de intervenção.
cas e reumáticas apresentam sabidamente maior risco
cirúrgico, em particular em decorrência das manifesta-
ções ou repercussões sistêmicas dessas afecções. Nessa Doenças neurológicas
situação, freqüentemente, internistas são convidados a
Doença de Parkinson
auxiliar na avaliação médica pré-operatória c na condu-
ção de eventuais complicações perioperatórias, com os A doença de Parkinson é uma das afecções neurológi-
objetivos de: identificar os fatores que aumentam o risco cas mais freqüentemente encontradas na avaliação clínica
da operação; quantificar esse risco, com a finalidade de pré-operatória. Consiste em processo degenerativo lento
avaliar a conveniência operatória (in dicação cirúrgica e e progressivo, caracterizado fisiopatologicamente por
momento operatório); identificar e controlar condições depleção de dopamina na substância negra mesencefáü-
médicas coexistentes, incluindo o uso de medicamentos; ca. A grande maioria dos casos é idiopática, mas ateros-
toma r medidas que previnam as compücações periopera- clerose, infecção e medicamentos podem também produ-
tórias, e, caso elas ocorram, diagnosticá-las precocemen- zir síndrome parkinsoniana 1 •
te e tratá-las de maneira adequada.

M ANIFESTAÇÓES CLINICAS

Paciente neurológico Existem quatro manifestações cardinais da doença


de Parkinson: a) tremo res; b) rigidez, produzida pela
A avaliação clinica, o preparo pré-operatono e a hipertonicidade simultânea entre músculos agonistas e
conduta perioperatória no paciente com doença neuro- antagonistas; c) hipocinesia, que leva à lentidão em ini-
lógica apresentam especificidades relevantes, que ciar os movimentos e em associar movimentos auronô-
devem ser cuidadosamente consideradas com o objeti- micos; d) comprometimento dos reflexos posturais.
vo de reduzir as complicações pós-operatórias e a mor- Outras manifestações observadas são hipo tensão pos-
talidade ci rúrgica. São discutidos, no presente capítulo, tura!, inabilidade em controlar a temperatura corporal,
os cuidados pré, per e pós-o peratórios em pacientes sudorcse anormal e sialorréia, secundárias à disfunção
com afecções neurológicas ou com afecções vascul ares autonômica. Em decorrência dessa disfunção, observa-se
do sistema nervoso central. Também são abordados os também alteração da resposta à hipovolemia.

551
••• Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

CONDIÇÕES ASSOCIADAS Quadro 45. 1 .: Cuidados perioperató rios no paciente com


Pacientes parlcinsonianos, especialmente em estágio doença de Parkinson*
avançado, podem apresentar demência concomitante. Cuidados pré-operatórios
Disfagia e complicações pulmonares são condições llcalizar provas de funçlo pulmonar e gasometria arterial _ _ __,
importantes e que freqüentemente se associam à doença Suspender os medicamentos antiparki nsonianos na noite anterior à
de Parlcinson. operação
Cuidados pós-operatórios

Disfagia
Eapirometria de incentivo J
D renagem posrural c percussão
A disfagia dos parlcinsonianos deve-se especialmente Retomar com medicamentos antiparkinsonianos assim que llquidos
à disfunção faríngea. Aspiração durante a sedação, decor- pudemn ser ingeridos (se esse momo ocorrer após uma semana ou
rente dessa disfunção faríngea, é importante problema IDiis, reiniciar com a metade da dose empregada no pré-operatório)
perioperatório a ser evitado nesses pacientes. Além das Avaliar necessidade de empregar medicamentos intramusculares ou
endovenosos
manobras anestesiológicas de "estômago cheio", sugere-
Monitorizar e aporte de fluidos
se o emprego de pró-cinéticos e de inibidores H 2 ou
Acompanhar débito urinário
omeprazol. Deve-se evitar o uso de metoclopramida,
OliSetvu eventiiil ocorrênaa de sf!idrome de privaçio dos medica-
pois pode piorar a síndrome parlcinsoniana. mentos suspensos (confusio mental, taquicardia, alucinaçio e oscila-
- da maio arterial)

Complicações pulmonares • Modificado de Merli e Bcll'


As complicações pulmonares no período periopera-
tório estão diretamente relacionadas ao comprometi- MEDICAMENTOS

mento restritivo pulmonar, secundário à rigidez e à hipo- Grandes preocupações nos pacientes parlcinsonianos
cinesia dos músculos respiratórios. Esse problema é exa- são tanto a disfunção motora decorrente da suspensão
cerbado com a suspensão da medicação antiparlcinsonia- dos medicamentos quanto os próprios efeitos adversos
na. Cifose, disfunção faríngea e sialorréia podem agravar potenciais desses medicamentos.
ainda mais o problema. A levodopa constitui o medicamento mais eficiente e
proporciona melhora importante das manifestações cli-
nicas da doença. Contudo, tem meia-vida curta (de uma
CUIDADOS PERIO PERATÓRIOS
a três horas), por isso é essencial traçar plano para rein-
A avaliação clinica pré-operatória pode incluir a rea- trodução rápida do medicamento no pós-operatório.
lização de provas de função pulmonar e gasometria O sistema cardiovascular é particularmente afetado
arterial, para avaliar o grau de comprometimento da pela terapia antiparkinsoniana. A dopamina, metabólito
função respiratória. da levodopa e levodopa/carbidopa, age nos três recepto-
Os cuidados pós-operatórios devem incluir es piro- res do sistema cardiovascularu . A dopamina age nos
metria de incentivo, drenagem postura] e percussão, receptores beta-adrenérgicos miocárdicos, em decorrên-
assim como reto rno com os medicamentos antiparlcin- cia da liberação de noradrenalina, e pode ser arritmogêni-
sonianos o mais brevemente possível. A necessidade de ca. Além disso, a dopamina afeta os receptores alfa-adre-
c::ncaminhar o paciente, no pós-operatório, para centro nérgicos, causando vasoconstricção e elevação da pres-
de tratamento intensivo dependerá do grau de doença são arterial. Vasodilatação dos vasos renais e mesentéri-
pulmonar, da necessidade de reposição de volume em cos decorrente do estímulo dos receptores dopaminérgi-
pacientes com hipotensão e da presença de condições cos pode resultar em hipotensão. D essa forma, no perío-
mórbidas associadas. do perioperatório, essas complicações causadas pelos
Dessa forma, os principais cuidados perioperatórios medicamentos - hipotensão, hipertensão e arritmia -
a serem tomados com os pacientes com doença de devem ser evitadas.
Parkinson envolvem cuidados fi sioterápicos pós-ope- A bromocriptina, pramipexol e a pergolida, outros
rató rios, hidratação adequada e correto emprego dos agonistas dos receptores dopaminérgicos, apresentam
medicamentos antiparlcinsonianos (Q uadro 45.1). meia-vida mais longa que a levodopa, podendo ser

552
•••
Capítulo 45 .: Cirurgia nos pacientes neurológico e reumático

empregados no controle pós-operatório 1.J. Apresentam sença de doença cerebrovascular está presente em cerca
como principal efeito colateral a hipotensão ortostática, de 10% dos casos 5•
além de confusão mental e alucinações.
Se o paciente não puder tomar medicamentos pela via
A VALIAÇÃO CLINICA E PREPARO PRÉ-OPERATÓ RIO
oral, deve-se administrá-los pela via enteral (cateter
O maior problema não é diagnosticar, tampo uco
nasoentérico) no pós-operatório. Entre os efeitos colate-
elas si ficar as co nvulsões (generalizada tônico-clônica,
rais mais freqüentes, destacam-se náuseas, vômitos, arrit-
co mplexa parcial, simples parcial e ausência), mas mani-
mias cardíacas e hipotensão postura], além de discinesias
pular as drogas anticonvulsivantes e prevenir os ataques
(movimentos anormais), agi tação e confusão mental,
recorrentes, no perioperató rio . A ocorrência de convul-
esses relacionados com dosagem excessiva'.
sões nesse período pode resu ltar de controle clínico ina-
A retirada abrupta dos agonistas dos receptores dopa-
dequado no pré-operatório. O conhecimento da farma-
minérgicos e especialmente da levodopa que apresenta
cocinética e da toxicidade das drogas empregadas tam-
meia-vida mais curta está associada à sindrome neurolép-
bém é importante para p ossibilitar a escolha do melho r
tica maligna, podendo ocorrer agravamento das altera-
medicamento para cada caso, prevenir essa recorrência
ções mo toras. Além disso, em decorrência dessa síndro-
das convulsões, além de possibilitar a redução das rea-
me, podem ser observadas instabilidade autonô mica,
ções adversas6 . O agravamento das convulsões com o
hipertermia e disfunção extrapiramidal.
emprego de drogas antiepilépticas tem sido descrito e
constitui difícil problema clínico7.8.
Tumor cerebral

Pacientes com tumores cerebrais apresentam fre- CONDUTA PERIOPERATÓRIA


qüentemente déficits neurológicos, com diminuição do N o pré-operató rio de procedimentos de urgência ou
nivel de consciência, distúrbios da deglutição, compro- eletivos, os pacientes devem ser classificados em bem-
metimento do mecanismo de tosse e mobilidade prejudi- controlados ou mal-controlados. Os fatores que co ntri-
cada. Por essa razão, esses pacientes são mais sujeitos a buem para o mau controle do paciente são principalmen-
apresentar complicações potencialmente graves como te a não-aderência ao tratamento, o uso ele álcool e a pre-
pneumonia de aspiração, complicações tromboembóli- sença de comorbidades. N a avaliação clínica pré-opera-
cas, delirillfll e distúrbios hidroeletrolíticos. tória elo paciente que tem convulsão é necessário coletar
E ntre os cuidados perioperatôrios salienta-se a neces- informações em relação à etio logia da convulsão, classifi-
sidade de: avaliar cuidadosamente os déficits motores e cação, freqüência, medicamentos em uso, aderência à
sensitivos, com o objetivo de possibilitar futuras compa- terapêutica e presença ele efeitos colaterais. Pacientes sob
rações; monitorizar e tratar distúrbios hidroeletrolíticos e terapêutica anticonvulsivante que estiverem bem-contro-
hiperglicemia, secundários a redução da ingestão alimen- lados devem ser mantidos com a dosagem usual dos
tar, vômitos e uso de corticosteróides. medicamentos até o dia da operação, retomando-os no
pós-operatório assim que possível. Caso o tempo de
Epilepsia jejum seja prolo ngado, avaliar o uso de medicamentos
pela via parenteral (p. ex. fenitoína) .
Estimativas norte-am ericanas revelam que, no mini- O desenvolvimento de novos anticonvulsivantes
mo, um milhão de pessoas naquele país apresentam epi- (vigabatrin, felbamate, ga bapentina, lamotrigine etc.)
lepsia (convulsões recorrentes) e que pelo menos dez tem permitido melho r adaptação do tratamento às
vezes esse número de pessoas consulta o médico ou vai questões individuais de cada paciente, com maior efi -
ao hospital em decorrência de episódio de co nvulsão•. ciência e melhor tolerância8•9 . Contudo, a fenitoína e o
Com essa prevalência, as convulsões constituem condi- fenobarbital continuam sendo as drogas mais larga-
ção freqüentemente relatada na avaliação clínica pré-ope- mente empregadas6 •8 • No pós-operatório, a fenitoína
ratória. Sua incidência é maior em homens do que em deve ser administrada em solução salina e numa veloci-
mulheres, acometendo principalmente indivíduos no pri- dade inferior a SOmg por minuto, para reduzir o risco
meiro ano de vida e aqueles com mais de 75 anos". A pre- de pro b lemas cardiovasculares, co mo hipotensão e
553
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
bloqueio atrioventricu1ar10 • E la não deve ser ad minis- Demência
trada pela via intramuscular devido à sua absorção errá-
Os pacientes que não foram previamente avaliados
tica. Pela via endovenosa deve ser administrada em
devem ter sua demência avaüada no pré-operatório, com
doses fracio nadas. O feno barbital pode ser dado pelas
o o bjetivo de mensurar o déficit cognitivo e definir a g ra-
vias endovenosa ou intramuscular (ou reta!, se disponí-
vidade da doença. Outros o bjetivos dessa avaliação são
vel), guando a via o ral estiver inviabilizada. D a mesma
diagnosticar as causas prováveis e verificar a possibilida-
fo rma da fenitoína, sua ad ministração parenteral deve
de o u não de tratamento. São várias as causas de demên-
ser feita por meio de doses fracionadas.
cia, mas a maio ria dos casos é do tipo Alzheim er.
É recomendável que pacientes com traumatismo
Geralmente, a demência se instala de fo rma lenta e
craniano, tumores e abscessos cerebrais recebam pro fi -
gradual. O estado confusional caracterizado po r altera-
la ticamente fenitoína no período perioperatório,
ção abrupta na cognição e na atenção está associado a
devendo a profilaxia ser mantida, no rninimo, até três
condições agudas freqüentemente rem ovíveis, como dor,
meses de pós-operató rio 11 1•
desidratação, distúrbios eletrolíticos e doenças cardiores-
Dosagem dos níveis séricos das drogas antico nvul-
piratórias, e é conhecido como delirium. Mesmo doentes
sivantes deve ser solicitada em pacientes que serão sub-
que já apresentem demência conhecida, caso m anifestem
metidos a craniotomia, quando tiver sido introduzido
piora ag ud a do estado mental devem ser avaüados, com
um novo medicamento anticonvulsivante e/ o u quando
o objetivo de diagnosticar a presença dessas condições
fo r observada mudança no padrão das convulsões.
mó rbidas associadas.
Hemogram a completo, creatinina, eletr ólitos e provas
a avaliação clínica pré-o perató ria, dependendo do
de fu nção hepática devem ser obtidos para avaliar os
déficit cognitivo, as informações serão prestadas por fami -
efeitos tóxicos dos m edicamentos, em pacientes com
Üares o u cuicladores. Também dificilmente o consentimen-
início recente dos medicamentos ou naqueles mal-
to informado será obtido diretamente do paciente 1•
compensados. Nas operações de emergê ncia, os exa-
O s medicamentos empregados nos casos de demên-
mes coletados no pré ou pero peratóri o irão orientar os
cia, por exemplo, as anticolinesterases, podem apresentar
ajustes de doses, no pós-operatório, caso necessário 1•
como e feitos colaterais diarréia, náuseas, vômitos, cefa-
léia, fadiga e tonteira. a dependência da droga usada
INTERAÇÓES MEDICAMENTOSAS (p.ex., tacri na), deve-se solicitar provas de função hepáti-
As dosagens elos medicamentos pré-anestésicos pre- ca e evitar o emprego de anestésicos de metabo lização
cisam ser reduzidas, considerando-se as propriedades hepática. Con tudo, deve-se ressaltar que, atualmen te,
sedativas dos anticonvulsivantes. Observa-se, ai nda, em essa droga está em franco desuso pela dificuldade poso-
decorrência do uso dessas drogas, maior velocidade na lógica de quatro tomadas e po r sua hepatotoxicidade
metaboüzação de relaxantes musculares não-despolari- (presente em até 40% dos casos). A rivastigmina e o
zan tes e de alg uns analgésicos e hipnóticos, o que exige, donepezil são os inibidores da acetik o ünesterase mais
geralmente, doses mais altas. empregados no momento, por apresentarem m elho res
Alguns medicamentos estão relacionados com m enor resultados com meno res e feitos colaterais.
limiar para convulsões e elevem ser evitados. Entre eles,
destacam-se peniciünas, im ipem:m, amitriptilina, fenoria-
Miastenia gravis
zidas c m eperidina.
Anestésicos de uso endovenoso, apesar de terem ll1iastenia gravis é uma doença auto-imune adqu irida,
ação epileptiforme, apresentam também ação anticon- caracteri zada por fragueza muscular e fadiga, gue resulta da
vulsivante, já tendo sido empregados com sucesso no ação de anticorpos contra os receptores da acerilcolina da
tratamento de convulsões. Entre os agentes de uso ina- musculatura esquelética 14-'' . A doença muscular é generali-
latório, o des flurano é o único gue parece não provo- zada em 85% dos casos e está confinada à musculatura
car atividade epileptiform e semelhante à convulsão; os extra-ocular em 15% dos pacientes 17 • As m ulheres são mais
demais podem apresentar tal efeito (halotano , óxido afetadas do que os ho mens, mas não há predileção racial ou
ni troso, isoflurano, entlura no). geográfica. Os antico rpos contra os recepto res da acetilco-

554
•••
Capítulo 45 .: Cirurgia nos pacientes neurológico e reumático

lina estão presentes em 80% a 90% dos pacientes com mias- sinais e sintomas miastênicos 28 . A corticoterapia deve ser
tmia gravis. Os anticorpos são do tipo lgG'. Outras doenças introduzida em baixas doses para evitar agravamento da
auto-imunes podem estar presentes e complicar a evolução fraqueza20 • Se agentes citotóxicos estiverem sendo
pós-operatória. A doença tireoidiana é a mais comum, empregados, sugere-se que sejam avaliados seus possí-
ocorrendo em cerca de 10% dos pacientes'8• Contudo, a veis efeitos adversos antes do procedimento cirúrgico.
ocorrência de disfunção tireoidiana induzida pela auto- Plasmaferese para remover os anticorpos contra os
imunidade é fenômeno muito raro na miastenia gravis' 9 • receptores da acetilcolina constitui outra opção terapêu-
Artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico, síndrome tica. Deve ser empregada quando houver risco de morte,
de Sjogren e anemia perniciosa também podem estar asso- no pré-operatório de timectomias e quando as outras
ciadas em pacientes miastênicos20.2'. Doenças tímicas são modalidades tiverem falhado no tratamento da afec-
comuns e atualmente são consideradas como elemento da ção"·2' . As principais complicações da plasmaferese são
doença. Os ti mo mas ocorrem em aproximadamente 10% distúrbios hidroeletrolíticos, trombose e remoção de
dos pacientes com essa afecção22• fatores da coagulação.
Leventhal et al.lO desenvolveram avaliação preditiva
da necessidade de ventilação mecânica no pós-operatório
ÜPÇÓES em pacientes miastênicos. Essa avaliação inclui duração
Os objetivos atuais da terapia da miastenia incluem a da miastenia gravis, história de doença pulmonar crônica,
restauração dos receptores da acetilcolina, a redução dos dosagem de piridostigmina e capacidade vital respirató-
auto-anticorpos e a eliminação da resposta imunológica ria, tendo demonstrado índice de acerto de cerca de 90%
alterada';. O tratamento medicamentoso prolongado é (Quadro 45.2).
freqüentemente necessário, contudo pode acarretar risco
de graves efeitos colaterais. O tratamento ideal da mias- Q uadro 45.2 .: Fatores preditivos do risco de necessidade de
tcnia deveria eliminar a resposta imunológica alterada, ventilação mecânica pós-operató ria em pacientes com miastenia
sem, contudo, inibir o sistema imunológico. gmvis *
A timecromia tem sido advogada em pacientes de Fatores pré-operatórios Pontos
ambos os sexos com doença generalizada, pois têm Duraçio da 1lliastmia 12
sido relatados aumento da sobrcvida em cinco e dez 10
8
anos e longo tempo de remissão da doença com essa
Capacidade vital < 2,9 litros 4
tcrapêutica'"·2 ' ·23•2' . Anticolinesterases, esteróides, imu-
Escore do paciente Predição
nossupressorcs, imunomoduladores e plasmaferese
< 10 _ _ _ _;;,.
P OSSI
= ·=b =
i lidade
:= de:
constituem outras modalidades de tratamento da mias- • 10-34 Necessidade de ventilação mecânica
tenia gravis '·' 6·"·21'·2'·25. É imprescindível o conhecimento
·Modificado de Lc venthal et ai.'
dessas opções terapêuticas para o controle da doença
no período perioperatório.
INTERAÇÓES MEDICAMENTOSAS
Os anestésicos locais do grupo éster (cocaína, procaí-
CONDUTA PERIOPERATÓRIA na, ametocaína) devem ser evitados, pois eles são hidro-
A piridostigmina é a anticolinesterase mais freqüente- lisados pela colinesterase. Os anestésicos locais do grupo
mente:: nu tratamento da miastenia gravis. Essa amjdo (lidocaina, prilocafna, nepivacina, bupivacaina)
medicação está disponível na forma oral e parenteral. Em podem ser empregados'.
operações eletivas essa droga deve ser suspensa na noite Os aminoglicosídeos (gentamicina, tobramicina, amica-
anterior à operação e deve ser reintroduzida o mais preco- cina, neomicina, kanamicina, estreptomicina) reduzem a
cemente possível. Se a via oral não puder ser utilizada, quantidade de acetiJcolina liberada na junção neuromuscu-
empregar as vias intramuscular ou endovenosa 26• lar'. Essas drogas, portanto, devem ser evitadas ou utiliza-
A terapia imunossupressora para miastenia grm;is inclui das com cautela nos pacientes com miastenia gravis.
prednisona, azatioprina ou 6-mercaptopurina'"·27 • O A administração de magnésio, morfina, quinidina,
tacrolimus (FK506), por suas propriedades imunossu- procainamida e bloqucadores beta-adrenérgicos pode
pressoras, também tem sido empregado para reduzir os agravar o defeito de transmissão neuromuscular e piorar

555

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

o quadro clínico. D a mesma forma, devem ser evitadas pacientes susceptíveis ao distúrbio , contudo, mais recen-
ou usadas com cuidado'.32• temente, esses índices têm demonstrado ser significativa-
mente Dessa forma, o diagnóstico da sus-
ceptibilidade para hipertermia maligna deve ser feito por
Hipertermia maligna
meio de: a) história familiar de reações incomuns ou
Hipertermia malih111a é um raro, mas fatal distúrbio far- óbito durante anestesia; b) história pregressa de reações
macogenético. Esse distúrbio, descrito pela primeira vez na incomuns à anestesia; c) exame físico, com diagnóstico
década de 40 do século passado, ocorre em um a cada de fraqueza muscular; d) solicitação da dosagem sérica da
15.000 pacientes submetidos a anestesia3H . Há evidências creatinoquinase, nos casos suspeitos a partir das histórias
de que essa complicaç.io ocorra mais freqüentemente em familiar e pregressa e do exam e físico. O teste de contra-
adultos do que em crianças36• Os pacientes com hiperter- tura muscular in vitro deveria ser realizado se permanecer
mia maligna apresentam estado hipermetabólico importan- a suspeita em relação a essa susceptibi1idadem 9 •
te, com rigidez muscular, elevação da temperatura, hiper-
carbia, hipoxemia, hipercalemia e acidose metabólica3'-36•1' .
CONDUTA PERIOPERATÓRIA
Espasmo do músculo masseter observado à indução anes-
tesJca constitui pródromo freqüente da doença11 • Dantrolene sádico é o medicamento de escolha
Taquicardia, taquipnéia, arritmia, cianose e alterações cutâ- tanto no tratamento da hipertermia maligna como em
neas podem também ocorrer. Se esses sinais e sintomas sua profilaxia em pacientes de risco. Trata-se de deriva-
não são prontamente reconhecidos, o paciente pode evo- do da hidantoína que atenua a liberação de cálcio do
luir para óbito em decorrência do agravamento da acidose retículo sarcoplasmático. Como terapêutica, deve ser
e da hipertermia. A incidência de episódio fulminante de administrado endovenosamente, na dose de lmg a 2mg
hipertermia maligna é de 1:62.000 a 1:84.000 anestesias11 • por kg a cada cinco a dez minutos, até uma dose to tal
Essa complicação decorre da exposição a agente anes- de 1 Omg por kt '·' 5• Pacie ntes susceptíveis podem ser
tésico volátil, a relaxantes musculares despolarizantes ou à pré-tratados com 4mg a 7mg por kg por dia, em doses
succinilcolina13.34. Óxido nitroso, anestésicos endovenosos, fracionadas, iniciando-se 24 ho ras antes do procedi-
relaxantes musculares ruio-despolarizantes, benzodiazepí- mento anestésico-cirúrgico46·41 •
nicos e opióides não desencadeiam a hipertermia maligna. Durante episódio de hiperterrnia maligna, deve-se
Pacientes com certas doenças, como a distrofia muscular imediatamente interromper o uso do anestésico desenca-
de Duchene, apresentam susceptibilidade à doença e não deante e, sempre que possível, cancelar o procedimento
devem receber os agentes anestésicos desencadeadores31 • cirúrgico31 • O tratamento da elevação da temperatu ra, a
Algumas sindromes com achados semelhantes àqueles correção da acidose metabólica e a oferta adequada de
observados na hipertermia maligna devem ser do conheci- oxigênio (hiperventilação com 1 00% de oxigênio) cons-
mento dos anestesiologistas, entre elas a doença do núcleo tituem cuidados primários concomitantes à administra-
central e a rabdomiólise excessiva]ij. ção do dantrolene, a serem tomados em centro de trata-
mento intensivo, onde o paciente deve permanecer por,
DIAGNÓSTICO PRÉ-OPERATÓRIO DO RISCO no minimo, 24 ho ras.
E mbora geneticamente heterogênea, mutações do
gene RyR1 associam-se com a maioria dos casos relata-
Doenças vasculares do sistema nervoso central
dos de hipertermia maligna38..l9• Trata-se de condição
transmitida por herança autossômica dominante, mas a Sopro carotídeo assintomático
identificação dos pacientes susceptíveis é difícil em
decorrência da baixa sensibilidade e especificidade dos Durante a avaliação clínica pré-operatória, freqüente-
testes diagnósticos. O teste da contratura muscular in mente se depara com o diagnóstico de sopro carotídeo
vitro com cafeína e halotano é um exame invasivo, incô- assíntomático. Estima-se que esse sopro ocorra em cerca
modo e que requer acesso a centro especializado31·'8·'"'·41 • A de 4% dos pacientes aci ma de 45 anos e em 16% dos que
dosagem da creatinoquinase sérica apresentaria índice de serão submetidos a operação vascular periférica' 8 • O
confiabilidade em torno de 70% na identificação dos sopro se torna audível quando a estenose é superio r a

556
Capítulo 45 .: Cirurgia nos pacientes neurológico e reumático

••
50% da luz arterial, e os sintomas só acontecem quando E lmo re et al. 54 observaram gue a estenose carotídea rela-
o cliâmetro luminal está reduzido em mais de 80%49 • cionou-se significativamente com o diabetes e com a
Como marcador da presença de doença arterial caro- coro narioparia exclusivamente nos pacientes com este-
tídea extracraniana, sopros são fatores de risco para aci- nose intracraniana, não sendo isso o bservado na doença
dentes vasculares, mas esse risco não é maior do que 2% carotídea extracraniana.
anualmente48.so. Pacientes com sopro carotídeo assinto- Chambers e orris51 demonstraram que a presença de
mático submetidos a operações vasculares não-carotí- doença cardíaca preexistente e o grau da estenose carotí-
deas eletivas não têm apresentado mruor risco de aciden- dea foram os mruores preclitores da ocorrência de eventos
tes vasculares do que pacientes sem sopro1. E m decor- isguêmicos cerebrrus e cardíacos em pacientes com sopro
rência dessa observação, a realização de propedêutica carotídeo assintomático. Na dependência do risco de
especifica para avaliar o grau de doença carotídea e a ocorrência de complicações, Sundt et ai. 55 classificaram os
associação de doenças cardiacas devem ser consideradas pacientes a serem submetidos a endarterectomia carotídea
apenas em pacientes de risco. O bserva-se mruor suscep- em quatro grupos (Quadro 45.4). Os grupos foram cate-
tibilidade a eventos isquêmicos cerebrrus em homens e gorizados na dependência da condição da doença neuroló-
em pacientes com doença cardíaca isquêmica concomi- gica concomitante e dos fatores clínicos de risco, gue
tante48·51. O grau de estenose carotídea tem sido conside- incluíram hipertensão (p ressão arterial su perio r a
rado um dos principrus indicadores da ocorrência e da 180/ 11 OmmHg), insuficiência cardíaca congestiva, angina,
gravidade das seqüelas neurológicass1. infarto do miocárdio há menos de seis meses, doença pul-
mona r obstrutiva crônica, obesidade e idade aci ma de 70
anos. O risco de déficit neurológico em pacientes dos gru-
Doença cerebrovascular e acidente vascular encefálico
pos 3 e 4 foi, respectivamente, de 7% e 10%.
Ocasionalmente, o clinico que avalia o paciente no
pré-operatório poderá ser consultado em relação ao risco Quadro 45.3 .: Fatores de risco para a ocorrência de acidente vas-
de acidente vascular encefálico em paciente a ser subme- cular encefálico (AVE)
tido a operação não-cardiovascuJar e que apresentou aci- ----------------------------------------------··•
dente vascular prévio ou recente, e/ou que tem experi- Jdade avançada
mentado episóclios de isquemia transitó ria. Tabagismo
Pacientes com acidente vascular recente apresen- Hipertensão arteri21
Fibrilação atrial (presente em um terço dos pacientes)
tam risco dez vezes maior de sofrerem novo acidente
AVE prévio reanre (há menos de duas semanas)
no perioperatório. Por essa razão, sugere-se aguardar
Algumas operações cardíacas, carotldcas e aonoilíacas (risco de 1% a 5%)
duas semanas após acidente vascular encefálico para Histôri2 de au êmico
submeter o paciente a endarterectomia, com o ob jeti vo •
de reduzir as taxas de complicações e a mortalidade 152.
Vale ressaltar que, nos casos de acidente vascular
he mo rrágico, advoga-se aguardar, no minimo, qua tro
Quadro 45.4 .: Classificação do risco de déficit neurológico em
semanas para realizar procedimen to cirúrgico cardíaco.
pacientes a serem submetidos a endarterecromia carotidea"
Por outro lado, história de ataq ue isquêmico transitó-
rio, à semelhança do que ocorre na angina instável, repre-
----------------------------------------------··
Descrição Risco * •
senta risco de ocorrência de acidente vascular e de co n-
Neurologicamente estável, S<:m cllnicos 1%
seqüente au mento da mortalidade52.53 . Outros fatores de ves, sem lesão an(Qográfica
risco para ocorrência de acidente vascular encefálico Grupo 2 Neurologicamente estável, sem problemas clfnicos 2%
estão sumariados no Quadro 45.3. graves, com lesão angiogriific.1 significativa
Neurologicamente estável, com problemas clinicos 7%
A doença cerebrovascular está freqüentemente asso-
com ou sem lesio ·fica s ·ficativa
ciada ao diabetes mellitus e à hipertensão arterial, sendo Grupo 4 'eurologicamentc com ou sem proble- 10%
inclusive por alguns considerada marcador de doença mas clínicos graves. com ou sem lesão angiográfica
cardíaca isquêmica 51.s3• Po r essa razão, avaliação cardíaca • significativa

completa é desejável no pré-operatório nesses pacientes. ··----------------------------------------------


• Risco de déficit neurológico

557
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

D oença cardiaca é a principal causa de óbito em pacien- Hemorragia subaracnóide


tes com história de ataque isquêmico transitório, naqueles
A hemo rragia intracraniana é importante causa de aci-
sobreviventes de acidentes vasculares encefálicos e nos
dente vascular encefálico e apresen ta como fatores etio-
pacientes submetidos a endarterectomia carotídea56-8• A
lógicos aterosclerose, tromboembolismo, hipertensão e
presença de doença cardiaca associada deve ser pesquisada
hemorragia subaracnóide. Essa, por sua vez, consiste em
na história, no exame fisico e nos exames complementares.
evento fisiopatologicamente complexo que resulta em
É recomendada também a realização de teste não-invasivo
várias alterações intracranianas e sistêmicas6 1• Os objeti-
para avaliar o grau de obstrução carotídea em pacientes sin-
vos da condução perioperatória do paciente com hemor-
tomáticos. Atualmente, o método de escolha é o duplex-scan
ragia subaracnóide incluem a prevenção do ressangra-
das caró tidas, que tem como principais indicações: pacien-
mento, da isquemia e das demais complicações secundá-
te neurologicamente instável a ser submetido a procedi-
rias, como hipertensão, pneumonia, trombose venosa
mento cirúrgico não-cardiovascular eletivo e paciente a ser
profunda, tromboembolismo pulmonar, sangramento
submetido a procedimento caroúdeo ou cardiaco - asso-
gas trointestinal e o utros problemas metabólicos62•
ciados ou separados'.
A hipertensão, que pode ser causa o u conseqüência
a avaliação cünica pré-operatória, é preciso co letar da hemo rragia intracraniana, é outro problema a ser con-
informações sobre o uso de medicamentos, como, anti- to rnado; contudo, ainda não é consenso qual medica-
plaquetários e/ou anticoagulantes. O ácido acetilsalicíli- mento deve ser empregado e quais os niveis pressóricos
co, nas doses de Sümg a 325mg, tem sido cada vez mais devem ser mantidos 1'63•
em pregado po r reduzir significativamen te a ocorrência Outros cuidados perio peratórios nesses pacientes
de acidente vascular encefálico e infarto miocárdico em incluem: a) pro ftlaxia contra tro mbose venosa profunda
pacientes com doença cerebrovascular, incluindo aq ue- (p.ex. compressão pneumática intermi tente), especial-
les com ataque isquêmico transitório"·w. E ssa proteção mente após operações prolo ngadas e em pacientes aca-
parece ser ainda mais importante quando se associa ao mados64; b) emprego de bloqueadores de bomba protôni-
ácido ace tilsalicílico outro antiagregante plaquetári o, ca o u inibidores H 2 para prevenir sangra mento gastroin-
co m o o di piridamol (400mg ao dia) 60 . Por sua vez, testinal; c) fisioterapia respiratória e demais cuidados
pacientes vítimas de acidente tromboembólico secun- para prevenir complicações respiratórias. Em pacientes
dário a doença valvular cardiaca, prótese valvular o u com hemorragia subaracnóide espontânea, o agravamen-
arritmia cardíaca freqüentemente estão em uso de war- to dos dé ficits neurológicos aco mpanha-se de maior
farin. É reco mendável a suspensão dessa droga três a ocorrência de disfunção cardiopulmonar65 • P acientes
quatro dias antes do procedimento cirúrgico e inicio da com grave instabilidade neurológica devem ser mantidos
infusão de heparina, esta mantida até algumas horas intubados e mantidos em ventilação mecânica'.
antes da o peração. O reinicio da heparina no pós-ope-
rató rio deve ser avaliado caso a caso; em pacientes com
prótese valvular mitral, o reinicio deve ser mais p reco-
Deterioração neurológica
ce. A reintrodu ção do anticoagulante oral deverá ser Hipertensão arterial ind uzida, hi pervolemia e
considerada quando a dieta o ral for restabelecida. hemodiluição (terapia do triplo H) têm sido emprega-
Além do controle pré-operató rio da hipertensão das em pacientes com dete rioração neurológica secun-
associada, é necessário controlar o diabetes mellitus, con- dária a vasoespasm o"·66 • Essa terapia pode ser viabiliza-
siderando q ue a hiperglicemia pode pio rar a doença da com o aumento da infusão hídrica, mas ressalta-se a
isq uêmica. Esses controles devem ser m antidos no per necessidade de evitar a conges tão pulmonar e de moni-
e pós-operató rio. torizar a melho ra da condição neurológica668 • Se a
A presença de déficits neurológicos, em decorrência, expansão volumétrica não for capaz de aumen tar a
por exemplo, de paralisia dos pares cranianos, pode difi- pressão arteri al ou melhorar a função neurológica,
culta r o paciente a deglutir, tossir e proteger as vias agentes vasop ressores, com o dobutamina e dopamina,
aéreas. esses pacientes, a história de aspiração constitui podem ser necessários, mas devem ser usados cuidado-
um indicativo para usar pró-cinéticos e bloqueado res ele samente69. Além da terapia do triplo H, em pacien tes
bomba protô nica. com hemorragia subaracnó ide assoc iada a vasoespas-

558
Capítulo 45 .: Cirurgia nos pacientes neurológico e reumático

••
mo, tem sido discutido o valor do emprego de antago-
nistas do cálcio, fibrinoliticos e agentes antioxidantes,
antes, durante e após o tratamento cirúrgico o u endo-
Quadro 45.6 .: Medidas para prevenir o agravamento ou reduzir a
_____________________________________________
hiperte nsão intracraniana
_;:.,_ ..
vascular para o controle do sangramento (p.ex. aborda- L.:;==.:=.t;-· entilação ---------------"·
Manter cabeceira elevada
gem do aneurisma)'0 •
Usar diuréticos de alça e/ou agentes ________________.
As principais causas de deterioração da função neuro- E mpregar con icosteróidcs
lógica estão sumariadas no Q uadro 45.5.

Quadro 45.5 .: Princ ipais fatores relacionados à deterio ração


neurológica progressiva* Hipertensão arterial
INTRACRANIANOS •
O controle da hipertensão arterial é fundamental em
Relacionados à hemorragia Metabólico pacientes cirúrgicos, com o objetivo de manter a adequa-
subaracnóide o u aneurisma l liponatrernia e hipernatrcrnia da perfusão cerebral. Para esse controle, são freqüente-
Vasoespasmo Akalosc metabólica mente empregadas drogas endovenosas, considerando
I lidrocelafia Acidose metabólica
Hemorragia subaracnóide recorrente
sua eficácia, rapidez de ação, facilidade de ajuste etc.
Pulmonar
Hematoma intracerebral
llipoxernia
HematOma subdural
Alcalosc respiratória
Edema cerebral
Acidose respirató ria
Delirium pós-operatório
AumentO do aneurisma
T romboembolismo pulmo nar
Tromboembolismo anerial
Pacientes neurocirúrgicos apresentam maio r risco de
Convulsões Cardiovascular
Relacionados ao apresen tar delirium pós-operató rio e essa condição está
li ipo tcnsàu
procedimento cir úrgico llipertensiio
associada com maior morbimortalidade cirú rgica. Os
Obstrução anerial Anirrn.ias fatores relacionados à ocorrência dessa complicação
O bstrução venosa Insuficiência hepática e renal estão expressos no Quadro 45.7.
l lcmatoma cpidural
Hematoma subdural Farmacológica Entre os medicamentos em p regados no perioperató-
llematoma intraccrebral Psicose por esteróides
rio e que estão relacionados com a ocorrência de delirium,
ndenla cerebral Overdose de sedativo ou anal!,-ésico
I :nccfalopatia hipertcnsiva Idiossincrasia dos antihipenensivos
Meningite asséptica Quadro 45.7 .: Fa rores relacionados à ocorrência de delirium
Meningite purulenta DESCONH ECIDOS
pós-operatório
Trombose aneutismática
Convulsões Fatores p red isponentes •
Relacionados à angiografia

··---------------------------------------------------
'Modificado de Pe<rk5'
Dano fu ncional cereb ral
D éficits c irivos conh ecidos
Uso abusivo de álcool
Anerrtia
Principais problemas no paciente neurocirúrgico
Fatores precipitantes
Hipertensão introcraniana

Vários pacientes submetidos a neurocirurgia, em


particular para remoção de tumores cereb rais, apresen-
tam hi pertensão intracraniana nos períodos pré e
Uso de n1edicamenros (analgésicos opióides, anestésicos etc.)
perioperatórios. Com o obje tivo de reduzir ou prevenir
intracraniana
o agravamento da hipertensão intracraniana, deve-se
Edema cerebral
adotar uma série de medidas, que se enco ntram suma- Hi......,.......... usio cerebral
riadas no Quadro 45.6. •
··---------------------------------------------------
559
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
destacam-se corticosteróides em altas doses, analgésicos pericardite e hipercoagulabilidade; dos efeitos colaterais
opióides, anestésicos (p.ex. cetamina), benzodiazepínicos dos medicamentos empregados, especialmente dos cor-
e bloqueadores-H 2 . ticó ides e antiinflamatórios não-esteró ides; e de proble-
mas articulares específicos, incluindo contraturas, insta-
bilidades articulares e compressões 74•75•
Hiponatremia
Embora freqüentemente confinada a articulações, a
A hipo natremia constitui freqüente e impo rtante pro- artrite reumatóide po de acometer pele, olhos, coração, pul-
blema nos pacientes neurocirúrgicos, em especial naque- mão e, raramente, causar vasculite. P acientes com essa
les que apresentam lesão do sistema nervoso central. afecção podem apresentar doença articular cervical, com
Pode acarretar confusão mental, convulsões e até coma. risco de graves complicações perioperatórias. A presença
Entre as causas de hiponatremia pós-operatória em de condições mórbidas associadas, com o doenças cardio-
pacientes neurológicos destacam-se a sínd rome da pro- vasculares e déficits cognitivos, pode comprometer tanto
dução inapropriada do hormônio antidiurético e a sín- os resultados do procedimento cirúrgico propriamente
drome neurológica perdedora de sódio. O d iagnóstico dito, como os do programa de reabilitação pós-operató ria76 •
diferencial entre essas duas condições é importante, pois
seu tratamento é di ferente. a síndro me da produção
Principais problemas no paciente reumático
inapropri ada do hormônio antidiuréti co, o bserva-se
hiponatremia com urina hipertônica, e o tratamento é a Anemia
res trição hidrica. Na síndrome neurológica perdedora de
sódi o, observam-se sinais de redução da volemia, e sua O paciente reumático pode apresentar anemia devido
terapêutica consti tui-se em hidratação e reposição de à d oença crônica, deficiência de ferro o u hemó lise.
sódio. O utras causas es tão listadas no Quadro 45.8. Freqüentemente, a anemia tem causa mista, por exem-
plo, associada à doença crônica e ferropenia secundária
Quadro 45.8 .: Causas de hiponatremia pós-operatória no paciente
ao uso de antiinflamatórios na artrite reumatóide77·- 8 •
neurológico
O s critérios utilizados para administrar transfusão de
----------------------------------------------··• hemácias levam em consideração o nivel da hemog lo bi-
Síndrome da p,roduçào ÍllaP.!!!.'Q!iada do honnônio amidiurético
na e as condições clínicas dos pacientes. Transfusões de
Síndrome neurológica perdedora de sódio
I hpotin.'<>idísmo hem ácias são raramente necessárias com hemoglobina
Insuficoência supra-renal acima de 10g/dL e freqüentes quando a hemoglo bina se
Medicamentos (p.ex. diuréticos) enco ntra abaixo de 6g/dL79• A presença de doença car-
Hiponarremia dilucional (cirrose, síndrome nefrót:ica, insuficiência cardíaca)
di ovascular o u pulmonar e o risco de sangramento
Pseudohiponatremia (hiperglicemia, etc.)
• du rante a operação devem ser consider ados ao se decidir
··---------------------------------------------- sobre a necessidade de transfusão80• O uso da eritropo ie-
tina e da doação autóloga de sangue são alternativas à
Paciente reumático trans fusão heteró loga de hemácias79 •

O conhecimento básico em relação às principais


doenças reumáticas inflamatórias (artrite reumatóide, Idade avançada
lúpus eri tem atoso sis têmico, esclerose sis têmica e
es po ndilite anquilosante) é essencial para a correta con- As doenças reumáticas em pacientes idosos con sti-
dução pré, per e pós-operatória dos pacientes7 2.7 ' . Os tuem condições mórbidas importantes a serem atendi-
pacientes com afecções reumáticas crônicas freqüente- das em serviços de cuidados primários. N a seleção da
mente requerem intervenções cirúrgicas (p.ex. o pera- melhor modalidade terapêutica (farmacológica ou não-
ções o rtopéd icas múltiplas no tratam ento das complica- farmacológica), deve-se considerar a necessidade de
ções da artrite reumató ide) w •. Esses pacientes apresen- manter e ampliar a qualidade de vida do paciente e o seu
tam maio r risco cirúrgico em decorrência das mani fes- nivel de independência76 •
tações sistêmicas dessas doenças, incluindo, e ntre E ntre as doenças r eumáticas mais freqüentes em
o utras, anemia, tro mbocitopenia, fibrose pulmonar, pacientes geriátricos destacam -se a polimialgia reu m á-

560
•••
Capftulo 45 .: Cirurgia nos pacientes neurológico e reumático

tica, a arterite de células giga ntes, a artropatia cristalina Embora a incidência seja muito variável, acredita-se
(gota ou pseudogota) e a doença articular degenerati- que até 86% dos pacientes com artrite reumatóide
va76. As manifestações iniciais dessas doenças em ido- ten ham algum grau de envolvimento da coluna ccrvi-
sos podem diferir dos achados típicos encontrados em calx-. Vários fatores parecem estar associados com a ins-
pacientes mais jovens. Com freqüência, o bservam-se tabilidade C1-C2: uso de esteróides, fator reumatóide
apenas manifestações inespecíficas, declínio das fun- positivo no soro, nódulos reumatóides e doença articu-
ções orgânicas e confusão mental. lar erosiva periférica"1·"".
Os pacientes com essa complicação podem apresen-
Pacientes idosos requerem proceclimentos cirúrgicos
tar dor irracliada para a região occipital, fraqueza muscu-
com maior freqüência do que os mais jovens e, geralmen-
lar, parestesias, dormências e sensação de choque quan-
te, apresentam maior morbimortalidade. O maior risco
do movimentam o pescoço' 2• Desta forma, é essencial
cirúrgico desses pacientes não se relaciona diretamente
investigar a presença de sintomas
com sua idade cronológica, mas com a presença de
A manipulação do pescoço para intubação durante
comorbidades e a climinuição da reserva o rgânica. Isso
anestesia geral leva a pressão sobre o eixo atlantoaxial82•
faz com que eles fiquem mais susceptíveis a de/iriwJJ pós-
Se a articulação C1-C2 estiver instável, pode ocorrer
operatório, sensibilidade aos meclicamentos e complica-
lesão grave da medula espinhal82 • Daí a importância de
ções pulmonares e cardíacas7 s. avaliar rotineiramente, no pré-operatório, a presença de
doença cervical nesses pacientes.
Diabetes mellitus Para se avaliar a estabilidade de C1 -C2, é necessário rea-
lizar, no pré-operatório, radiografias da coluna cervical e da
A presença de diabetes mellitus associado aumenta sig- articulação adantoaxial nas incidências anteroposterior,
nificativamente o risco de infecção pós-operatória e de lateral em extensão e flexão, lateral com flexão máxima e
complicações cardíacas. O controle glicêmico e a preven- transoraJ"2.BB (com a boca aberta). O cliagnóstico de subluxa-
ção da cetoacidose são imprescindíveis e devem ser ção atlantoaxial é feito quando a clistância entre o atlas e o
garantidos a partir de uma série de condutas, dependen- processo odontóide for maior que 3,0mm com a coluna
do de se tratarem de cliabéticos do tipo 1 ou do tipo 2 ' 5·81 • cervical em flexão máximaS?. r esses casos, é essencial rea-
lizar cuidadosa avaliação neurológica e o anestesiologista
deve ser informado. A ressonância nuclear magnética tam-
Doenças articulares cervicais bém pode fazer o cliagnóstico91'.
Pacientes com artrite reumatóide podem apresentar
acometimentos da articulação C 1-C282.&J e cricoaritenói- ARTRITE CRICOARITENOIDIANA
de84\ ambos responsáveis por dificuldades e complica- A artrite cricoaritenoicliana pode limitar a acessibilida-
ções relacionadas à i.ntubação orotraqueal e, conseqüen- de às vias aéreas. Essa articulação laríngea, quando infla-
temente, à ventilação do paciente. mada ou anquilosada, reduz a movimentação das co rdas
vocais e fixa as cordas em adução, tornando a intubação
sempre difícil e, em alguns casos, impossíveF 2•
INSTABILIDADE NA ARTICULAÇÃO C I-C2
Clinicamente, cerca de 25% dos pacientes com artrite
O mesmo processo que acomete as articulações
reumatóide apresentam doença cricoaritenoidiana, mas
periféricas de pacientes com artrite reumatóide pode estudos de necropsia mostram ínclices de até 85%84·85 .
acometer a coluna cervical, levando a lesão de ligamen- Esses pacientes podem experimentar estridor, dispnéia,
tos, erosões ósseas e alteração das articulações sino- rouquidão, clisfagia, odi.nofagia, sensação de inchaço na
viais. A estabilidade C1-C2 é mantida pelos ligamentos garganta, dor com a fala, e irradiação da dor para os ouvi-
transverso, alar e apical. O enfraquecimento e poste- dos85·"6. A laringoscopia indireta permite o cliagnóstico.
rior ruptura desses ligamentos associado à erosão do A i.ntubação traumática pode aumentar o edema cricoa-
processo odontóide de C2 pode levar à subluxação da ritenoicliano, ocasionando estridor e obstrução da via aérea
articulação atlantoaxial, causando compressão da no pós-operatório. Vários estudos destacam o maior risco
medula espinhal'2• de os pacientes com artrite reumatóide apresentarem insu-
561
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
ficiência respiratória pós-extubação84'86'9 1• Nesses casos, a séptica, rodo paciente no pós-operatório com uma arti-
reintubação geralmente é tecnicamente impossível, e a tra- culação inflamada deveria ser submetido a artrocentese
queostomia de urgência deve ser realizada. com exame do liquido sinovial72 •
O s pacientes sintomáticos devem ser submetidos à A gota é freqüentemen te o bser vada em pacientes
laringoscopia indireta pré-operatória. Se houver adução transplantados e em uso de ciclosporina. Essa droga
acentuada das cordas vocais, a realização de traqueosto- pode causar hiperuricemia pós-operatória em até 80%
mia eletiva é mais segura. Em casos leves, pode-se preve- dos transplantados cardiacos98•
nir o risco de obstrução das vias aéreas por meio da umi-
dificação do ar e do uso sistêmico de esteróides84 •
Complicações no paciente com lúpus eritematoso sistêmico

Infecção O lúpus eritematoso sistêmico constitui doença auto-


imune que afeta primariamente articulações, pele, rins, sis-
Os pacientes com artrite reumatóide são mais pro- tema nervoso central, serosas e células sangüíneas. São
pensos à artrite séptica estafiJocócica92 • Articulações escassos os dados em relação à evolução perioperatória dos
com sinais inflamatórios desproporcionais ao resto da pacientes com essa afecção. Operações de emergência,
atividade da doença devem ser puncionadas para se envolvimento renal, acometimento de múltiplos órgãos e
excluir artrite séptica. uso de doses mais elevadas de prednisona estariam associa-
Pacientes com doenças reumáticas que são usuários dos com maiores índices de complicações pós-operatórias.
crônicos de esteróides parecem ser mais susceptíveis a Entre elas, têm se destacado infecções do sítio cirúrgico,
infecção cirúrgica do que aqueles que não utilizam esses fraturas patológicas (osteoporose), trombose venosa pro-
medicamentos93• No pré-operatório, é importante afastar funda, tromboembolismo pulmonar, hipertensão, insufi-
focos infecciosos prévios (p.ex. urinários, dentários ciência renal e complicações laríngeas e respiratórias 7z,99•100.
etc.)72 • Antibioticoprofilaxia cirúrgica, com cobertura efe- O envolvimento de válvulas cardíacas ocorre fre-
tiva contra estaftlococos, está indicada tanto em pacien- qüentemente em pacientes com lúpus eritematoso sistê-
tes em uso de corticosteróides quanto naqueles que irão mico, podendo levar a sinais e sintomas de insuficiência
ser submetidos a implante de prótese ortopédica72•93 . valvular ou evoluir de forma assintomática, sendo detec-
tado apenas por meio de ecocardiograma transesofágico.
Devido ao risco de endocardite bacteriana, tem sido
Crise de gota
recomendada a profilaxia com antibióticos da mesma
A gota ocorre em aproximadamente 0,2% da popula- forma que a recomendada para pacientes com valvulopa-
ção, predominantemente em idosos do sexo masculino tia secundária à febre reumática 101•102 •
com altos níveis séricos de ácido úrico. Trata-se de parte Os anticorpos anticardiolipina e anticoagulante lúpi-
de espectro de condições clínicas que inclui obesidade, co estão p resentes em aproximadamente um terço dos
diabetes mel/itus, hiperlipidemia com hipertrigliceridemia e pacientes com lúpus eritematoso sistêmico 100,103. Esses
doença arterial coronariana95 • anticorpos estão associados ao prolongamento no tempo
Apesar de alguns autores co nsiderarem que um pro- de tromboplastina parcial ativada e ao aumento do risco
cedimento cirúrgico pode precipitar a crise de gota, de trombose 104 • Por essa razão, a profilaxia apropriada
pouco se conhece sobre essa associação e não se sabe para complicações tromboembólicas deve ser sempre
a real incidência dessa complicação n o pós-operatório implementada nesses casos72 •
em geral72 . Linton et aJ. 96 observaram que pacientes
com passado de gota apresentavam alto índice (86%)
Complicações no paciente com esc/erose sistêmica
de recorrência da crise de gota no pós-operatório.
Além disso, crises de go ta em pacientes internados A esclerose sistêmica é uma doença decorrente da
podem ser mais difíceis de controlar97 • Ainda assim, deposição inadequada e excessiva de colágeno nos teci-
acredita-se que o tratamento dessa complicação é mais dos. O grau de envolvi mento orgânico nesses pacientes
seguro do que sua profllaxia em todos os pacientes72 • precisa ser cuidadosamente avaliado no pré-o peratório.
No diagnóstico diferencial entre crise gotosa e artrite A doença pode prejudicar as funções cardíaca, pulmonar

562
•••
Capítulo 45 .: Cirurgia nos pacientes neurológico e reumático

e renal, e acometer o trato gastrointestinal e o sistema inflamação, fibrose e ossificação da entese Qocal de inser-
muscu1oesguelético' 0' . ção de um ligamento, cápsula ou músculo ao osso). As
Alguns aspectos anestésico-cirúrgicos precisam ser manifestações extra-articulares incluem uveítes, fibrose
valorizados na condução dos pacientes com esd erose sis- nos lobos superiores do pulmão, insuficiência aórtica e
têmica: a) os anestésicos locais apresentam efeito mais alteração no sistema de condução cardiaca. Cerca de 10%
prolongado'06 ; b) a incubação orotraqueal pode ser dificil dos pacientes com espondilite anquilosante apresentam
em decorrência da dificuldade para a abertura da boca72; compro metimento cardiaco.
c) devem ser empregados liquidas aquecidos para prevenir o pré-operatório, deve-se avaliar a coluna vertebral,
a ocorrência de vasoespasmos arteriais, do fenômeno de pois os pacientes com anquilose importante da coluna torá-
Raynaud, e de hipotermia'05·107 ; d) a pele do paciente com cica podem apresentar complicações respiratórias pós-ope-
esclerose sisrêmica pode dificultar a ausculta dos sons de ratórias e os pacientes com anquilose da coluna cervical
Korotkoff e a punção de acesso endovenoso1(16 • podem apresentar fraturas vertebrais após pequenos trau-
E stima-se que dois terços dos pacientes com esdero- mas82. Alguns pacientes com espondilite anquilosante não
se sistêmica apresentem alteração da função pulmo- podem ser inrubados112 • O emprego de máscara laringea
nar105'108, com padrão restritivo à espirometria, e um terço, pode ser boa solução para esses casos113. Embora alguns
hipertensão pulmonar'09·" 0• Em decorrência da dismoti.li- anestesistas tenham evitado a anestesia peridural e raquidia-
dade esofágica e da incompetência do esfíncter esofágico na nesses doentes devido à fibrose espinhal e ao risco de
inferior, observa-se aumento do risco de aspiração pul- sangramento pelo uso de drogas, outros têm utilizado esses
monar, devendo todos os cuidados ser to mados para evi- procedimentos com sucesso em pacientes selecionados72· " ' .
tar essa grave complicação'2.105. Uma das limitações do resultado de procedimentos
A esclerodermia pode ainda reduzir o fluxo arterial o rtopédicos em pacientes com essa afecção é a formação
coronariano e afetar o miocárdio (ftbrose miocárdica), óssea hetero tó pica, que deve ser prevenida com o empre-
provocar arrirmias (ventriculares c supraventriculares) e go de baixas doses de radiação ou com o uso de medica-
ocasionar doença peri cárdica e insuficiência cardiaca mentos, como a indometacina e o ibuprofeno72•
congestiva em até 10% dos pacientes72·' 09·11" . Na prope-
dêutica desses pacientes tem sido sugerida a realização de
Uso de medicamentos
restes de função pulmonar, tomogra fia computadorizada
de al ta resolução dos pulmões e ecodopplercardiogra- Em decorrência das alterações fisiológicas observadas
fi a105·" '. D eve-se também proceder à avaliação pré-opera- em pacientes reumáticos, em especial nos idosos, observa-
tória com vista a diagnosticar doença do sistema de con- se redução da reserva funcional, tornando-os mais suscep-
dução e isquemia miocárdica72 . A monitorização com úveis aos efeitos adversos da terapêutica farmacológica,
cateter de Swan-G anz pode ser útil em pacientes com incluindo salicilatos, antiinflamatórios não-esteróides, cor-
hipertensão pulmonar e doença cardiaca associada. ticosteróides, analgésicos narcóticos, alopuri.nol e colchici-
Embora o tratam ento medicamentoso (inibidores da na. É preciso estar alerta em relação ao risco de hepatoxici-
enzima conversora da angiotensina) tenha revolucionado dade e de sangramento gastro intestinal oculto" 5. Também
o tratamento da hipertensão e da crise renal na esclero- é necessário avaliar o risco-beneficio da manutenção dos
é necessário, em todos os pacientes, contro- medicamentos para controlar a artrite, considerando-se o
le cuidadoso da pressão arterial perioperatória e do volu- aumento do risco de sangramento perioperatório, de dis-
me líquido a ser administrado. túrbios cicatriciais e de infecção do sítio cirúrgico72•
A maioria dos pacientes reumáticos utiliza antiinflama-
Complicações no paciente com espondilite anquilosante tórios não-esteróides. Esses medicamentos prolongam o
tempo de sangramento, pela inibição da agregação plaque-
A espondilite anquilosante é uma doença inflamatória tária. Existem relatos de aumento do sangramento periope-
crô nica que acomete as articulações sacroiliacas, em ratório em revascularização miocárdica" 6, operação de qua-
graus variáveis a coluna vertebral e, em menor extensão, dril"', e procedimentos ginecológicos e abdominais118• Para
as articulações periféricas. Associa-se à presença do mar- a realização de procedimentos oftalmológicos e neuroci-
cador genético HLA-B27. Caracteristicamente, ocorre rúrgicos, é in1prescindivel que a função plaquetária esteja

563
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
adequada. Nesses casos, essas drogas devem ser suspensas Quadro 45.9 .: Toxicidade d as principais drogas empregadas
sete a dez dias antes da operação, podendo ser substituídas em pacientes com doenças reumáticas
por preclnisona em baixas doses, com o objetivo de manter Droga Toxicidade •
o controle da doença .i.nflamatória 119• Ant:imtllúicoa (p.ex.
Os pacientes com doenças reumáticas, especialmente difoefato de c:Joroquina)
aqueles com lúpus eritematoso sistêmico, podem apre- Azatioprina Gasrrointcscin al, hepática e hematológica

sentar comprometimento da função renal. Apesar dos


Penicilamina Hematológica, renal, pulmonar, miOJimia
antiinflamatórios não-es teróides não diminuírem a filtra-
grmis (raro)
ção glomerular renal de forma significativa em pacientes
Mctotrnato H
com função renal adequada, o ritmo de filtração glome- •
rular pode diminuir significativamente em pacientes com ··----------------------------------------------
insuficiência renal crô nica, e, portanto, devem ser evita- Condução clínica
dos nessa situação 120•121 •
Os pacientes em uso crônico de corticóides podem Os novos conceitos relacionados à abordagem cirúrgi-
apresentar insuficiência supra-renal após operações se não ca dos pacientes reumáticos devem incluir, além de adequa-
receberem "dose de estresse" de corticóide no período da avaliação clinica pré-operatória, cuidadosa assistência
perioperatório 122 • Assim como pacientes com a síndrome médica perioperatória, técnicas anestésicas modernas e
da imunodeficiência adquirida secundária à infecção pelo analgesia eficiente no pós-operatório7 2.74 • Essas condutas
HIV, pacientes em uso crônico de corticóides e, principal- visam tanto ao controle da doença reumática, quanto a
mente, imunossupressores têm risco maior de infecções redução das taxas de complicações pós-operatórias.
oportunísticas, especialmente pelo Pneumorystis carinii 12l·124 • Entre os cuidados pós-operatórios, destaca-se ainda a
A avaliação clinica pré-operatória deve incluir prope- profila-xia de contraturas e rigidez articular, geralmente rela-
dêutica para diagnosticar os eventuais efeitos tóxicos das cionadas com a imobilização prolongada119 • Além do estí-
drogas em uso: exame hematológico completo com con- mulo à mobilização e à deambulação, sob orientação fisio-
tagem de plaquetas, para drogas com toxicidade hemato- terápica, estão indicados cuidados para reduzir a pressão
lógica; exame de uri na, uréia e creati nina, para medica- em áreas como sacro, calcanhares e cotovelos. Articulações
mentos nefrotóxicos (Quadro 45.9). Os instáveis devem ser imobilizadas para evitar lesões72•
que avaliaram o risco de complicações pós-operató rias
cicatriciais e in fecciosas em pacientes em uso de metotre-
Referências
xato, medicamen to largamente empregado para artrite
reumatóide, são controversos. 1 • Merli GJ , Bell RD . Prcopcrativc management of the surgical
Atualmente, novas drogas, como o inlliximab e o patient with neurological diseasc. Med Cli n North Am.
rituxi mab, têm sido avaliadas na condução perioperatória 1987;71 :511 -27.
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1972;37:344-51.
que justi fiquem seu uso rotineiro 126 •
3 • Q uinn N , lllas A, Littermitte F. Bromocriptine in Parkinson's
O antiinflamatório não-hormonal é a droga de esco- disease. A study of cardiovascu lar effects. J Neurol
lha para o tratamento da artrite gotosa aguda, podendo Neurolog Su rg Psychol. 198 1;44:426-9.
ser utilizado por via oral, endovenosa ou retal. Os corti- 4 • Hauser WA, Kurland LT. The epidemiology of epilepsy in
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567
46
CIRURGIA NO PACIENTE
COM ÓRTESES
E PRÓTESES
.. ---------------------------------------------------------

Teresa Cristina de Abreu Ferrari,
Cláuclia Murta de Oliveira

Introdução midade, ou para melhorar a função de panes móveis do


corpo. Assim, talas, muletas, cadeiras o rtopédicas, cole-
Um dos grandes avanços da Meclicina nos últimos tes, aparelhos ortopéclicos para os membros e tutores são
decênios é a possibilidade de se substituirem órgãos ou exemplos de órteses. Prótese (sendo também correta a
estruturas anatômicas comprometidas, por meio de pro- grafia prostese) é definida como substitutO artificial de uma
cedimentos cirúrgicos, implantando-se materiais protéti-
parte perdida acidentalmente ou retirada de modo inten-
cos. Tais abordagens cirúrgicas vêm sendo aprimoradas
cional ou que, permanecendo no corpo, é de muito pouca
e, atualmente, podem ser citadas como relevantes, não
ou nenhuma utilidade, podendo produzir dano.
apenas pela grande freqüência com que são realizadas,
Para fins práticos, será utilizada, ao longo deste capí-
mas também pela importância clinica de tais procedimen-
tulo, a palavra prótese, como referência a clispositivos
tos como a implantação de próteses cardiacas valvares
implantados tais como próteses vasculares, ortopéclicas
biológicas e mecânicas, próteses articulares e penianas,
(em especial as articulares), neurológicas, penianas,
dispositivos vasculares e válvulas de derivação ventrícu-
mamárias etc. O termo órtese deve ficar reservado a dis-
lo-peritoneal, entre outras. os Estados Unidos, estima-
positivos de uso externo e, portanto, sem grande relevân-
se que sejam implantadas, anualmente, mais de 20.000
cia quando o paciente se submete a proceclimentos cirúr-
próteses peruanas' e mais de 500.000 próteses articulares,
gicos, a não ser pelo controle de comorbidades associa-
sendo mais freqüentes as de quadril e de joelhd ·'.
das e prevenção de trombose venosa profunda, que são
Apesar de a disfunção do material implantado ser a
abordados em outros capítulos desta obra.
complicação mais comum, a mais temida delas é a ocor-
rência de infecção, devido à sua elevada morbimortalida-
de, dificuldade de abordagem e alto custo do tratamento. Preparo pré-operatório de pacientes
Portanto, os proceclimentos cirúrgicos constituem-se em
fonte potencial de bacteriemia, com possibilidade de
com órtese e prótese
infecção secundária da prótese. Este aspecto será o tema Atenção especial deve ser dada ao paciente portador
central do capítulo.
de prótese que vai ser submetido a procedimento cirúr-
gico, seja este eletivo ou de urgência, devido ao risco de
bacteriemia durante a manipulação de tecidos no pero-
Definição dos termos órtese e prótese
peratório e conseqüente possibilidade de implante bac-
=
O termo órtese ou ortose (do grego orlhosis ação de teriano no dispositivo prostético. Deve-se enfatizar que
endireitar) refere-se a clispositivo ou aparelho ortopédico essas medidas não se restringem ao peroperatório. Os
usado para suportar, alinhar, prevenir ou corrigir defor- cuidados devem ser iniciados no pré e estendidos ao

569

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

pós-operatório. Os principais cuidados recomendados estético, que se reveste de maior significado nas mamo-
são descritos a seguir·•. plastias com implantes de prótese mamária.
Medidas pré-operatórias: realizar avaliação clínica cuida- Sem dúvida, as complicações infecciosas são as mais
dosa, incluindo pesquisa e tratamento de infecções oli- temidas, por sua elevada morbimortalidade, pela dificul-
gossintomáticas, tais como bacteriúria assintomática, dade de tratamento e pelo alto custo da terapêutica, o
infecção urinária, impetigo, furúnculos e dermatites qual pode ultrapassar em seis vezes o preço da operação
infectadas; encaminhar o paciente para tratamento odon- de implante prostérico inicial'.
tológico, quando necessário; manter controle glicêmico
rigoroso em pacientes com diabetes mel/itus; reduzir, ao
Mecanismos e fatores predisponentes
mínimo possível, o tempo de internação no pré-operató-
de infecção em prótese
rio, para se evitar colonização do paciente por microbio-
ta hospitalar resistente. Deve-se administrar antibiótico O principal fator para o desenvolvimento de infec-
pro ftlático de largo espectro em pacientes sabidamen te ção em p róteses é a contaminação inicial do dispos itivo
colonizados por germes resistentes ou com período de implantado, com fo rmação de biofilme. Este biofilme é
internação prolongado, especialmente se esses pacientes composto por colônias bacterianas (e algumas vezes
estiveram internados em unidade de terapia intensiva ou fúngicas) bem organizadas, que crescem sobre a super-
fizeram uso prolongado de antimicrobianos. fíc ie do material implantado, e por uma matriz acelular
Medidas peroperatórias: reduzir o número de pessoas na de exopolissacarídeos. Após a adesão bacteriana, ocor-
sala cirúrgica; fazer preparo adequado da pele; manter téc- rem crescimento e maturação das colônias de microrga-
nica asséptica durante todo o ato operatório e realizar pro- nismos. As bactérias que ficam aderidas à su perfície
ftlaxia antimicrobiana adequada para cada procedimento prostética são protegidas pelo restante do biofi lme e se
cirúrgico, que deverá ser iniciada no momento da indução comportam de maneira dife rente daquelas que estão
anestésica, por via endovenosa, na dose máxima recomen- mais expostas, podendo exibir alterações fenotípicas
dada para cada antimicrobiano, levando-se em considera- em relação à susceptibilidade aos antimicrobianos. A
ção o peso do paciente e sua função hepática e renal. o rganização em microcolônias, com matriz extracelular,
Medidas pós-operatórias: retirar cateter vesical e cateteres permite o intercâmbio de moléculas, nu trientes e mate-
venosos o mais precocemente possível; realizar profilaxia rial genético. A difusão do an timicrobiano para o inte-
para trombose venosa profunda, nos casos em que o rio r do biofilme é dificultada e, além disso, o baixo
paciente permanecer mais restrito ao leito; e estar aten to metabolismo bacteriano e a baixa tensão de oxigênio
para o diagnóstico precoce de infecções pós-operatórias, local permitem que a bactéria se torne resistente à ação
sem postergar início de antibioticoterapia, quando indi- dos agentes antimicrobianos' . Alguns microorganismos
cado. No pós-operatório tardio, prescrever antibiótico passam a não exibir alvos para os antimicrobianos ou
profilático conforme recomendação da literatura. desenvolvem bombas de efluxo que, ao expulsarem a
droga, conferem resistência ao medicamento. Essa
estrutura de organização em biofi lme tem sido descri ta
Complicações associadas ao uso de prótese para uma série de bactérias (tanto G ram-negativas
quanto Gram-positivas), fungos (Candida albicans e não-
As complicações mais comuns dos dispositivos pro- albicans e Asper;gillus sp) e também algas, estas com
téticos são as disfunções mecânicas, sejam elas em próte- importância industrial (sistemas hídricos).
ses carcliacas valvares, articulares ou peruanas, algumas A realização de o utro procedimento cirúrgico, conco-
vezes exigindo procedimento cirúrgico de urgência para mitante ao de implante da prótese, está associada à maior
sua correção, como é o caso das insuficiências graves de ocorrência de infecção; como exemplo, pode ser citada a
próteses valvares carcliacas. Pacientes com mau funcio- herniorrafia duran te implante de p rótese peniana' .
namento de derivação ventrículo-peritoneal também D entre os fatores predisponentes de infecção nessas
podem necessitar de troca do dispositivo ou derivação situações podem ser citados: maior manipulação cirúrgi-
ventricular externa provisória. Outra complicação ca, maior trauma tecid uaJ, tempo mais prolongado de
importante, apesar de rara, diz respeito ao mau resultado exposição do sítio cirúrgico, com risco aumentado de

570
Capítulo 46 .: Cirurgia no paciente com órteses e próteses

••
contaminação bacteriana dos tecidos, e fo rmação de apresentar mais efeitos colaterais e estar associada ao
coleções como seromas e hematomas que irão predispor risco d e seleção d e bactérias r esistentes, n ão se deve usar
à ocorrência d e infecção. a vancomicina para antibioticop roftlax.ia de rotina. Para a
Outro fator predisponente de infecção em pró teses é a sua administração, esta droga deve ser diluida em 100m!
imunodepressão, destacando-se as condições associadas a d e solução salina 0,9% e ser infundida lentamente d uran-
alte rações quantitativas ou qualitativas dos neutró fiJos. a te 30 a 60 minutos para reduzir-se o risco de reações rela-
artrite reumatóide e no diabetes mellitus, por exemplo a reco- cionadas à infusão. A mais com um dessas reações é
nhecida d isfunção da quimioraxia e da fagocitose parece caracte rizada por rash e prurid o cutâneos que acometem
estar implicada na ocorrência de bacterie mias mais dura- a face e a região cervical e, em alguns casos, tod o
do uras c freqüentes, com conseqüente aumento d o risco o corpo.
de infecções, tanto de manifestação precoce como d e Apesar d e as in fecções tardias estarem geralmente
ocorrência tardia, em próteses o rto pédicas' . relacionadas a bacteriemia com subseqüen te implante na
pró tese, faltam dad os na literatura que comp rovem o
ben efíci o da antibioticoprofilaxia para prevenção de
Antibioticoprofilaxia de infecção em prótese
infecções em pró teses articulares quando o paciente que
As medidas recom endadas para se prevenir infecção possui tais dispositivos se subm e te a procedi mentos q ue
em pró teses foram relacio nadas anteriorme nte n esse possam cu rsar com bacteriemia, incluindo-se tratamento
capítulo . Por se tra tar d e aspecto mais complexo, a anti- odontológicd. As infecções tard ias manifestam-se habi-
bioticoprofilaxia será discutida d e forma mais d etalhada. tualmente po r dor lo cal, sendo raras as m anifes tações sis-
tê micas. Os germes mais comumente isolados são os
estaftlococos, tanto S. aureus qua nto os co agulase-n egati -
Antibioticoproft/axia na vigência de próteses ortopédicas
vos. Consid e rando-se este dado epide mio lógico, muito
Pac ientes idosos, e m uso de imunodepressores, dia- se discute em relação à antibioticoprofilax.ia para proce-
béticos ou com artrite reuma tóide têm sido considera- dime ntos odontológicos, visto que os germes d a m icro-
dos como de maior risco p ara infecção em próteses biota oral gue causam bacteriemia durante manipul ação
a r ti cu la res ' .2.>--. são di fe rentes dos relatados nas infecções de próteses
As infecções precoces das próteses o rtopédicas, defi - o rtopédicas. Alguns autores ponderam aind a que, devido
nidas como aquelas gue ocorre m no primeiro mês após a à natureza relativamente avascular do osso, associada à
operação com implante do dispositivo, manifestam-se necessidade de bacteriemia mais prolongada e de maior
ha bitualmente po r d or persistente. Febre, ede ma e drena- monta para que haja implante na prótese, o custo e o
gem de secreção pela ferida o pe ratória ocorre m e m uma risco d e efei tos colaterais d a antibioticoproftlaxia para
minoria de pacientes 2• O uso de antimicrobiano no pequenos procedimentos ultrapassa m os beneficios do
momento da indução anestésica reduz a incidência d e seu uso3• Apesar de não haver consenso na literatura,
infecções do sítio cirúrgico". A duração d a antibiotico- p o is faltam estudos multicên tricos rando mizados e com
profilaxia d eve ser de 24 ho ras e, exceto se o paciente número adequado de pacientes, muitos autores recomen-
es ti ver colo nizado por germe resiste nte, estiver inte rnado dam antibioticoprofilaxia pa ra p rocedimen tos odon toló-
por tempo prolongado, ou a insti tuição apresen ta r índi- gicos; e ntre tanto, não há respaldo para ta! uso rotineiro,
ces elevados d e infecção pós-operatória por Stapf?ylococcus d evendo-se avaliar cada paciente de fo rma individualiza-
aurms resistente à oxacilina ou por estafilococos coagula- d a, levando-se em consid eração o risco e a intensidade da
se-negativos, a droga de escolha é uma cefalospo rina de bacterie mia, custo e toxicidade do uso do antimicrobiano
primei ra geração (p. ex. cefazoüna na dose d e um a dois e fatores indiv iduais do pacie nte2.5'. Cabe ainda comentar
gramas por via endovenosa, a cad a o ito horas). Para as que, embo ra as infecções tardias resultem, na maio ria das
situações especiais listadas anterio rmente, reco menda-se vezes, d e b acteriemia, devido à natureza indo le nte dos
o uso de vancomicina, na dose de um gram a à indução germes que causam infecção em próteses ortopédicas, a
anestésica, com d ose de repique após 12 horas (ou contaminação d a ferida no peroperatório pode ma nifes-
SOOmg à indução, com duas doses subseqüentes com tar-se como infecção na prótese meses após o procedi-
intervalo de oito ho ras). Por ser droga de maior custo, m ento cirúrgico.

571
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
na vigência de cateter de diálise, longada. Alguns autores sugerem que indivíduos portado-
derivação ventriculo-peritoneal e marco-passo cardíaco res de S. aureus em fossas nasais sejam submetidos a trata-
mentos de descoloruzação, com mupirocina nasal, tendo
as infecções associadas a cateter de diálise, dispositivo sido demonstrada redução nas taxas de bacteriemia 12•
de derivação ventrículo-peritoneal e marca-passo carcliaco, Não há, na literatura, qualquer orientação específica
os germes isolados quase sempre são os da pele, ou outros que diga respeito às próteses implantadas no sistema ner-
que não os da microbiota da orofaringe. Assim, não existe voso central 12•
recomendação de antibioticoterapia profilát:ica para proce-
dimentos odontológicos 5, devendo a antibioticoproftlaxia
para procedimentos cirúrgicos segllir as mesmas recomen- Antibioticoprofilaxia da endocardite infecciosa na vigência
dações feitas para pacientes sem trus dispositivos. de prótese va/var cardíaca e de enxertos vasculares
Existem, entretanto, vários relatos de casos de perito-
para endocardite infecciosa é rea-
rute em pacientes submetidos a diálise peritoneal após
lizada rotineiramente em diversos países desenvolvidos a
realização de colonoscopia, particularmente quando é
despeito do fato de não existirem estudos prospectivos
realizada polipectomia, o que tem sido atribuido à trans-
que confirmem o seu benefício. Classicamente, é admitido
locação bacteriana para a cavidade peritoneaJ?' 11 •
que a patogerua da endocardite infecciosa envolve a
Portanto, diversos autores recomendam o uso de ampi-
seguinte seqüência de eventos: formação de pequeno
cilina (dois gramas) de um aminoglicosídeo (p. ex., gen-
trombo em superfície endotelial alterada, infecção secun-
tamicina, 180-240mg), associados ou não ao metroruda-
dária por bactérias que circulam transitoriamente na cor-
zol (SOOmg), por via endovenosa, imediatamente antes
rente sangüínea e proliferação bacteriana com conseqüen-
do procedimento. Adicionalmen te, é recomendada a dre-
te formação de vegetação nas válvulas carcliacas. Como a
nagem do líquido dialítico antes da intervenção cirúrgica.
ocorrência de bacteriemia é evento crucial na gênese da
Infecções tardias (mais de três meses após o ato cirúr-
endocardite infecciosa, tem sido admitido que a prevenção
gico) em sítios de fístula arteriovenosa podem ter sua ori-
ou tratamento imediato de bacteriemia transitória possa
gem em patógenos de crescimento insidioso inoculados
interferir na seqüência de eventos e prevenir a infecção do
no momento da confecção da fístula (o principal exem-
endocárdio alterado.
plo são os estafllococos), introduzidos no local por pun-
Estudos experimentais em animais demo nstram que a
ção por agulha ou, ainda, resultar de disseminação hema-
endocardite infecciosa pode ser produzida se bactérias
togênica após quebra da barreira epitelial, tal como ocor-
que têm o potencial de causar endocardite (p. ex., os
re em operações em geral e pequenos traumas 12• Todo
estreprococos) são injetadas em animais que tive ram suas
paciente com insuficiência renal avançada, em programa
válvulas cardíacas traumatizadas, como decorrência do
de hemodiálise, pode ser considerado imunodeprimido,
uso de cateter vascuJar13 . E ntretanto, a infecção não se
devendo-se dar atenção especial ao seu preparo para pro-
desenvolve se anti microbiano com atividade contra
cedimentos cirúrgicos, tanto eletivos quanto de urgência.
estreptococo é administrado imediatamente antes ou até
Pacientes que tenham apresentado infecção nos últimos 30 minutos após a inoculação dos microrgarusmos 14• Po r
meses por germe resistente, que estejam sabidamente outro lado, a endocardite não é preveruda se a admirus-
colonizados por eles ou internados por tempo prolonga- tração do antimicrobiano é retardada por seis ho ras após
do devem receber antibioticoproülax.ia dirigida para tais a injeção das bactérias. A proteção também é abolida se
germes: vancomicina para estaftlococos meticilino-resis- se admirustra perucilinase após a injeção de amoxacilina e
tentes (MRSA) e cefalosporina de segunda, terceira ou estreptococos em animais susceóveis.
quarta geração ou, em casos selecionados, carbapenêmi- Esses dados sugerem que a profilaxia antimicrobia-
co, no caso de bastonetes Gram-negativos resistentes. na pode prevenir endocardite tanto por destruir as bac-
Cabe salientar que esta profilaxia deve se restringir ao térias antes de sua implan tação no endo télio alterado,
período mínimo de tempo possível, sendo muitas vezes quanto após sua adesão à área lesada do endocárdio.
adequado utilizar apenas uma dose, à indução anestésica. Estudos em seres humanos mostram resultados
Como a eliminação da droga estará reduzida devido à insu- con flitantes e falência da anti bioticoterapia proftlática é
ficiência renal, o anti rrucrobiano terá sua meia-vida pro- observada algumas vezes. A American H eart Association

572
Capítulo 46 .: Cirurgia no paciente com órteses e próteses

••
pad roni zo u recomendações de antibio ticop ro filax ia E nxerto vascular sintético implantado há menos de 12
para endocardite infecciosa, que são periodicamente meses é considerado de alto risco para infecção. E studos
revistas e têm sido amplamente empregadas 15 • T ais em animais sugerem que, após um ano, o enxerto está ade-
recomendações se fundam entam em resultados de quadamente recoberto por pseudoínti ma. Tais estudos
estudos in vilro, experiência clínica, dados de modelos sugerem também que uma única dose de antimicrobiano
experimentais e o bservação da co ncordância entre as pode reduzir o risco de infecção antes do desenvolvimen-
bactérias que mais freqüentemente se associam a bac- to da pseudoín tima16.P. Assim, durante os primeiros 12
teriemia a partir de dete rminado sítio e aquelas que meses de implan te do enxerto vascular, os pacientes são
mais comumente causam endocardite. considerados de risco alto/ moderado para desenvolvimen-
Procedimento s dentá ri os induzem bacteriemia po r to de endocardite infecciosa, estando indicada a antibioti-
es pécies que comu mente estão associadas a endocardi- copro filaJÚa, como descrito nos Q uadros 46.1 c 46.2.
te e estudos mostram que a freqüência de hemocultu- E ncontram-se discriminados nos Quad ros 46.3 c 46.4
ras positivas é meno r em pacientes que recebem anti- os regimes profiláticos recomendados para endocarclite
bioticoprofilaxia para procedimentos odontológicos 2•5 . bacterian a, considerando-se diversos procedimentos 1s.
Tal aspecto, associado ao dado de que cerca de 50%
das endocardites infecciosas são causadas po r germes Quadro 46. 1 .: Proced imentos dentá rios c pro filaxia para
endocarditc bactcriana
que faz em parte da micro biota o raiS, é que fundamen -
tam o uso de antibió tico pro fi lático em indivíduos co m ------------------------------------------------··•
pró tese valvar e o utras lesões cardiacas que se subme- Antibioticoprofilaxia Antibioticoprofilaxia
recomendada * não-recomendada
tem a procedimentos den tá ri os. E ntretanto, deve-se
levar em co nsideração que a escovação d iária dos den - Exmção dentária Anestesia local, desde que
não seja intraligamentar
tes também está associada co m bacteriem ia, apesar de
menos durado ura e provavelmente com meno r núme- Procedimentos pcriodo nrais, T ratamento endodôntico
incluindo raspagem ou aplaina- de canal
ro de ge rmes, não sendo esta bacreriemia passível de
mento radicular, so ndagem e
prevenção5 . O real valor da antibioticopro filaxia ainda manutenção periódica
não está inequivocamente compro vado; entretanto,
Implantes e reimplantes Retirada de sutura e
mesmo que ela fosse 100% eficaz, apenas uma minoria dentários confecção de moldes
de casos de endocardíte seria prevenida, devendo-se Instrumentação endodôntica Colocação o u remoção de
avaliar o impacto dessas m edidas em saúde pública2 • e operação além da extremi- aparelhos o rtodônticos ou
Pacientes candidatos a antibioticopro fil axia, em dade da raiz dentária prostodônticos
relação ao risco de desenvolver endocard ite infeccio sa, Injeção intraligamcntar de Tratamentos com flúor,
são aqueles classificados como de alto risco (pró teses anestésico local grafias dentárias e ajusre de
valva res cardiacas, episódio prévio de endoca rdite bac- aparelho ortodóntico

teriana, cardiopatia congê ni ta complexa cianosante e limpeza profilática em que se Colocação de lençol de borra-
amevê que haverá sangramento cha (para isolamento absoluto
shunts cirúrgicos sistêmíco-pulmo nares) e d e risco
dos dentes)
moderado (inclui a maio ria das outras má- formações
Colocação de fios de algodão Denústica restauradora com
cardíacas co ngênitas, as disfu nções valvares adquiridas, co m antibiótico dentro do ou sem afastamento gengiva!
miocardiopatia hipertró fi ca e prolapso de valva mitral sulco 'vai
com regu rgitação) 15• O s Quadros 46.1 e 46.2 lis tam as Colocação inicial de anéis orto- Exéresc de dente da decíd ua
situações em que a antibio ticoproftlaxia deve ser reali- dônticos, mas não de brackus primária
zada, considerando-se vários proced imentos cirúrgi-

cos, inclusive os odontológicos, em pacientes com val- ··------------------------------------------------
Modificado de: Dajani ct
vas cardíacas prostéticas e outras lesões cardíacas 15• • Pro filaxja rc:co mcndada para pacientes de: nscos aho c moderado.

573
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Quadro 46.2 .: Procedimentos cirúrgicos c proftlaxia para endocardite bactc riana
----------------------------------------------------------------------------------------------------------------··
Antibioticoprofilaxia Antibioticoprofilaxia
recomendada não-recomendada

Trato ttapinuório: tonsilectomia, adenoidectomia, procedimentoS cirúr- Trato respiratório: inrubação c:ndotraquc:al, broncoscopia com
gicos que: envolvam mucosa ttapiratória c: broncoscopia com broncos- broncoscópio flexível (com ou sem biópsia)", timpanosto-
cópiodgido mia/ colocação de rubo timpânico
Trato gastroinrcstinal: ecocardiograma transcsofagiano•, endos-
Trato gastrointcstinal*: csclcroterapia de varizes esofágicas, dilatação
copia com ou sem biópsia•
de estenose de esôfago, colangiografia endoscópica retrógrada com
obstrução biliar, operações de rrato biliar e operações que envolvam
mucosa intestinal

Trato gênito-urinário: operações de próstata, cistoscopia e dihtação Trato gênito-urinário: histerecromia vagir.al", pano vaginal"c: cesaria-
uretra! na. Se não houver infecção: cateterização uretral, curetagem e dihta-
ção uterina, aborto terapêutico, inserção ou remoção de dispositivos
inrra-uterinos e procedimentoS de esterilização

Outros: cateterização cardíaca (incluindo angioplastia com balão),


implante de marca-passos cardíacos/ dcsfibriladores/ slm/s corona-
rianos e circuncisão

.. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Modificado de Dajani ct :tl.1,
t Profilaxia recomendada pam paciemes de alto risco, sendo opcional para pacicnlCS de risco moderado

• Profilaxia opcional para pacientes de alto risco

Quadro 46.3 .: Regim es profiláticos para endocarditc bacteriana em procedimentos dentários, orais, esofágicos e do trato respiratório

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------··•
Situação Antimicrobiano Regime*

Profilaxia padtio Amoxicilina 2g via oral (VO) uma hon antes do procedimento
Incapazes de tomar --------------------Ampicilina -----------------------
2g por via endovenosa (EV) ou inrramuscular
medicação oral (l M), 10 minuto.;; rln prncf'riirnento

Alérgicos à penicilin2 Clindamicina ou 600mgVO


Cefalexínajcefadroxil ou 2gVO
Azitromicina/ clarirromicina SOOmg VO uma hora antes do procedimento

Alérgicos à penicilina c sem Clindamicina o u 600mg EV


possibilidade de uso da via Ccfazolina lg EV uma hora ames do procedimemo
oral

.. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

rvhx1ifitado de Dajani Cl

" Doses para adultos

574
Capítulo 46 .: Cirurgia no paciente com órteses e próteses

••
Quadro 46.4 .: Regimes profiláricos para endocarditc bacte riana jJ\1 eds. In fecção ho spitalar e outras co mplicações não-infec-
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575
47
CIRURGIA
NA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA
•••
Mauro I van Salgad o, Pedro América d e Souza,
L ys ter D abien H addad

Introdução do a continuidade das pesqwsas e p rocura por novos


medicamentos e terapias.
a história da humanidade, a deficiência sempre foi Esses aco ntecimentos possibilitaram mudança de
uma realidade tormentosa e in esquecível para o ser paradigma no cuidado com os de ficientes: do abandono
humano. No inicio, a deficiência o aterrorizava pela inca- total nos primeiros tempos à assistência integral nos dias
pacidade de ser compreendida e de não se vislumbrar de ho je. A pessoa com deficiência passou a ter direito
qualquer remédio para curá-la, sendo a fuga o caminho p rioritário à vida e à saúde com dignidade, como qual-
mais fácil. Por isso, abandonavam-se crianças com de fei- quer outro ser humano. Não se vive ainda o momento
to físico e feridos de guerra. ideal de atenção à deficiência, mas a sociedade evoluiu
O homem ultrapassou muitas barreiras e evoluiu ao consciente de ser a guardiã dos direitos dos deficientes,
longo de milênios. Seguiu-se dolorosa e longeva trajetória que muitas vezes são incapazes de se cuidarem sozi nhos
que o obrigou a fL"Xar-se em diversos lugares na terra. A de fo rma digna.
deficiência era como sua sombra: jamais o abandonou e, de Pessoas com deficiência, cada vez mais, passam a gozar
forma implacável, sinalizava para a sua vulnerabilidade. de direitos relativos à cidadania. Necessitam de mel hor
os últimos séculos, muitas pessoas com de ficiência atenção à saúde, à educação, ao esporte e ao lazer, bem
sobreviveram por milagre e deixaram um legado valioso como maior acesso ao transporte, ao emprego e à renda. E
para a humanidade. Uma pessoa com deficiência reú ne ainda a adequação dos mais diversos recursos demandados
possibilidades de viver adequadamente e p rodu zir para o atendimento a esses direitos. Por outro lado, a aten-
melho r do que uma pessoa comu m. Exemplos : ção correta dada aos deficientes tem levado a maior longe-
Beethoven, após a quase surdez, compôs sua famosa vidade e participação deles na vida em sociedade.
Segunda Sinfonia; Helen Keller, surda e cega, evoluiu na A O rganização M undial de Saúde reconheceu que a
educação graças à sua professora Ann Sullivan; Goya, Classificação I nternacional de D oenças não atendia às
quase surdo, pintou "Os fuzilam entos de 3 de maio de especificidades e necessidades das pessoas com deficiên-
1803", sua obra-prima sobre a crueldade humana; cia. I mplantou, a partir de 2004, a Class ificação
Stephen H awking, inglês com grave doença neuromuscu- Internacional de Í'u.ncionalidade, D efi.ciência e Saúde2 •
lar adquirida, tornou-se físico brilhante1 • Essa classificação refere-se às condições de saúde e aos
A grande evolução da Medicina no aspecto científico aspectos relativos às funções e estruturas do corpo, às ati-
e tecnológico mostra aumento da população com defi- vidades e à participação por pessoas com deficiência na
ciência e seqüelas graves. O prolongamento da vida pos- vida em sociedade.
sibilitou que um número crescente de pessoas que preci- esse contexto, os procedimentos cirúrgicos cum-
sam de múltiplos cuidados continuem vivas, incentivao- prem papel crucial, no sentido de propiciar melhores
577

••
Fundam entos e m C lfni ca C irúrgica

condições de vida, Lncrementando o bom funcio namen- junho de 1994. O documento reafirma o direito de todas
to orgânico. Este capitulo refere-se à possibilidade do as pessoas à educação , conforme a Declaração Uruversal
exerdcio de variadas atividades, bem como à participa- dos Direitos Humanos de 1984: renova, dessa maneira, o
ção na vida em sociedade de pessoas com deficiência físi- empenho da " urgência de ser o ensino ministrado no sis-
ca, mental, visual, auditiva e múltipla. tema com um de ed ucação a todas as crianças, jovens e
adu ltos com necessidades educativas especiais"' 5 .

Conceito Quadro 47. 1 . : Quem são as pessoas com deficiência (PD)?


••
A multiplicidade de termos usados para denominar as
PD - OMS Forma clí- C arát e r da Auto no mia

deficiências é uma grande dificuldade para a universaliza- nica doença da PD
ção de conceitos. É importante evitar termos depreciati- Congênita Permanente Independente
Flsica
vos, ambíguos ou controversos, trus como mongolóide,
Auditiva Adquirida: Progressiva Parcialmente
retardado, hipodotado, excepcional, especial, entre
trautna, dependente
o utros. Uma boa forma de conceituação é a adotada pela operação,
coordenadoria nacional para integ ração da pessoa com doença,
de ficiência (CORDE), do Mirustério da J ustiça em abandono
etc.
Brasília, gue propõe " pessoa com deficiência, PD " (people
JJJith disabiliry; personas com discapacidad), compreendendo a Visual Temporária Dependente

"deficiência como toda perda o u anormalidade de uma Mental


estrutura o u fu nção psicológica, fisiológica o u anatômica Múltiplas
gue gere incapacidade para o desempenho de atividade, •
dentro do padrão considerado normal para o ser huma- ··----------------------------------------------
Proposta de classificação gené rica, começando pelos menos incapacitados
no." Esse conceito foi aceito na Conferência I nter- o u pelas deficiências que não impeçam a participação na sociedade por
meio do trabalho.
governamental Íbero-americana sobre políticas para OMS -Organização .\lundial de Saúde
Pessoas Idosas e Incapacitadas em Cartagena de Índias
(Colô mbia, o utubro de 1992). Para a Organ ização
Internacio nal do T rabalho, segundo a sua Classificação A D eclar ação dá ênfase à cooperação do Banco
159, regulamentada no Brasil pelo Decreto-Lei 129, de 1undial, da Organi zação Mundial de Saúde,
22-5-91, pessoa com deficiência é toda pessoa cujas pos- Orgaruzação Internacio nal do Trabalho, O rganização
sibilidades de obter, conservar e progredir em um empre- das ações Unidas para a Educação, a C iência e a
go adequado fiquem substancialmente reduzidas devido Cultu ra (U ESCO) e do Fundo elas ações Unidas para
a uma incapacidade1. a Infância (UNICEF), para gue apoiem todo debate
Para a O rganização Mundial de Saúde as pessoas com sobre ed ucação especial e estimulem a comunidade aca-
deficiências correspondem a 10% da população ge ral em dêm ica a intensifica r a pesguisa, os sistemas de inter câm-
tempos de paz, assim distribuidas: PD física - 2%; PD bio e a criação de centros regionais de informação e
auditiva - 1,5%; PD m ental - 5%; PD visual - 1%; e PD documentação. Também orienta o plane jamento o ficial
múltiplas - 1% .(Quadro 47.1) o Mapa da D eficiência da educação, centrado na educação de todas as pessoas,
de 2002, segundo a Fundação Getúlio Vargas, o Brasil de todas as regiões do país e de gualquer co ndição eco-
apresenta o índice de 14,5%, o estado de Niinas Gerais, nô mica, em gualquer escola.
14,9% e o estado da Paraíba, 18,8% . Para que os dados A linha de ação proposta é o acolhimento de todas as
estatísticos possam ser bem representativos, deve-se evi- crianças, independentemente de suas condições físicas,
tar extrapolação da terminologia "especial" com tendên- intelectuais, sociais, emocio nais, lingüísticas ou o utras. Ou
cia à generalização. O correto é dizer pessoa com defi - seja: a escola precisa ter como proposta fundam ental uma
pedagogia centralizada na criança. Todas as crianças,
ciência que necessita de educação especial.
sempre que possível, devem aprender, juntas, indep en-
A educação especial tornou-se marco internacio nal a
dentem ente de suas dificu ldades e diferenças. Também
partir da "Declaração de Salamanca e Linha de Ação",
devem fregüentar a escola mais próxima de sua casa. Por
elaborada na cidade do mesmo nome, na Espanha, em

578
Capítulo 47 .: Ci rurgia na pessoa com deficiência

••
outro lado, toda escola deve oferecer oportunidades iguais co nceito, um sentido ético que co nsistia na virtude e na
e facilitar a integração social de pessoas com deficiência, capacidade de julgar desenvolvida pelo ho m em pruden-
proporcionando também educação continuada para defi- te, prevalecendo exigências de ordem prática sobre as
cientes adultos. As boas escolas especiais podem ser co nsi- especulativas. N aquela época, eram comuns mecanism os
deradas como um valioso recurso para a criação de escolas de exclusão e extermínio que avançaram pela Idade
integradoras. Podem, inclusive, auxiliar na fo rmação de Média até o E stado Moderno, co m o o exemplo da segre-
educadores. T oda pessoa com deficiência necessita de edu- gação dos lep rosos.
cação especial de qualidade. No Es tado absoluto os vagabundos seriam flagela-
Os diferentes tipos de deficiência e os aspectos gerais dos. A legislação incorporou a prática caritativa, co nce-
das pessoas co m deficiência estão sumariados nos dendo aos incapacitados para o trabalho o direito à licen-
Q uadros 47.2 e 47.3. ça par a pedir esm olas . Q uanto a essas esm olas,
Mo ntesquieu dizia que " não preench em de m odo algum
as o brigações do Estado, que deve a todos os cidadãos
Ética/Direitos legais subsistência, alimentação, ves tim enta conveniente e
gênero de vida que não seja co ntrário à saúde." A
As primeiras leis escritas em Esparta e Atenas mostra-
D eclaração dos Direitos dos H o m ens e dos Cidadãos de
vam a ação do Estado centrada na política de extermínio. 1793 expressa, no artigo XXI, que "os auxílios públicos
Se a cidade estivesse sitiada, "todos os inúteis deveriam ser são uma divida sagrada."
mortos." o livro III da República de Platão, medidas O ho mem -máquina do Estado Moderno incorporou
eugênicas visavam fortalecer a unidade do Estado. Apesar a idéia de disciplina e o rganização a serviço da produção
da agressividade para sobrevivência da pólis, os gregos cria- fa bril. Compreendeu também a impor tância do cérebro e
ram o conceito de isonomia, de igualdade dos cidadãos não do músculo para elevação da produção e do bem-
diferentes, o que antevia tratar desigualm ente os desiguais". estar social. Cresceu o número de deficiências pelos abu-
O s romanos previram a P ena do Talião na lei das XII sos da produção sem controle e a Lei Fabril de 8-6-1847
Tábuas, "olho por olho, dente por dente", do Código de reduziu par a onze hor as diárias a jo rnada de trabalho das
Ham urabi. A palavra jurisprudência agregava, no seu m ulheres e dos meno res.

Quadro 47.2 .: Tipos de defici ência


-----------------------------------------------------------------------------------------------------··
Física A udit iva Visual Mental •
Sensoriomotor e/ou osteone uromuscular Audiocomunicaçio Visio Cén:bro e Sistema N ervoso
Traumática Distúrbio de linguagem Visão subnormal De ficiência mental
Paralisia infantil D istúrbio da fala Cegueira uni- e biocular - limítrofe, leve, moderada e profunda
Paralisia cerebral - gagueira, dislexia Deficiência visual D oença mental
Mono-, bi-, tri-, para-, tetraplegia Distúrbio da audição - depressão, ansiedade, medo
D istrofias musculares
- fobias, esquizofrenia, autismo
D oença de Alzheimer
- paranóia, problemas de conduta
Esclerose sistêmica
- suiddio e outras
Malformações graves
D oenças neurológicas
Doença cerebrovascular
- Parkinso n, infecciosas, traumatismos,
Alzheimer
Alterações do desenvolvimento
Doenças neuromusculares

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------
A pre venção das deficiências requer: exame pré-nupcial, curso de noivos, com pré-natal (evitar o uso de d rogas e medicame ntos), parto em local adequado,
neonatologista no berçário, acompa nhamento médico c pcdiátrico, uso de vacinas. Se a criança apresentar alguma deficiência, a visar à família e o rientá-la em relação ao
que fazer c para onde encaminhá-la. Trantliiiliz:i-la e ajuda-la, mencionando as p rováveis potencialidades que po<jcm ser trabalhadas.

579
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quadro 47.3 .: Aspecms gerais das pessoas com deficiência (PD)


-------------------------------------------------------------------------------------------------··
PD • OMS Aspectos gerais Dificuldades Necessidades específicas •

Auditiva Audiocomunacação Escurnr, ler, escrever, comunicação Próteses, tratamento cirúrgico, LI BRAS - Ungua
Brasileira de Sinais
Concçio visual, tratamento cirWgico, bengala, BmiJie..
sinais sonoros
l\lenral Compreensão c Autono mia, agitação, convulsão Medicamentos, familiares, cuidadores
comportamento e a!,'tessividade

··-------------------------------------------------------------------------------------------------
O deficiente necessita da presença constante de cu1dador cxpcnente e educação espec1al o m:us cedo pos.1vd. o pós-opcrató no: fi<lotenp•a, educação fiSica,
terapi2 ocupacional, ludoterapin, rnusicoterapia, dentre o utralii.
OM - Organização Mundial de aúde

Após a Primeira Guerra Mundial, a Organização demais pessoas." Ela des\'incula a deficiência de um con-
1nternacional do Trabalho publicou, em 1925, a reco- texto exclusivamente clínico-terapêutico, associando-a
mendação n° 22, o primeiro reconhecimento internacio- também às condições sociais e educacionais. Conceitua
nal de amparo legal para os portadores de deficiência. reabilitação como "o processo que visa conseguir que
Depois da Segunda G uerra Mundial aflo raram, como pessoas com de ficiência estejam em condições de alca n-
questão do Estado e de toda a sociedade, os cuidados çar e manter situação funcional ótima do ponto de vi ta
com os deficientes. Na seqüência, foram editadas duas físico, sensorial, intelectual, p íquico ou social, de modo
recomendações importantes, a de n° 71, para que se a co ntar com meios para modificar sua pró pria vida e ser
criassem condições de trabalho para os deficientes, e a de mais independente." A O rgani zação das ações Unidas
n° 99, para que fossem reabilitados profissionalmente e reconheceu nas diversas atividades (educacio nais, labo-
pudessem ter emprego adequado. rais, esportivas e de lazer) e na efetiva participação na
O Brasil, desde a década de 50, é parceiro ativo da vida social elementos vitai para o efetivo processo de
O rga nização Internacional do Trabalho. Esteve presente reabilitação das pessoas.
na Organização das ações Unidas quando foi aprovada
a Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de
Necessidades básicas/pré-operatório
Deficiência, em 1975, e rem incentivado a ação dos
Conselhos de Assistência Social, que garantem a partici- Algumas informações importantes podem ser obtidas
pação dos comprometidos com a defesa dos direitos das no contato telefônico recebido para agendar a primeira
pessoas com deficiência. A Lei 7.853, de 24-12-89, regu- consulta. É melhor marcar uma consulta inicial apenas
lamentada pelo Decreto n° 3.298, de 20-12-99, dispõe com os pais/ cuidadores quando se percebe que a deficiên-
sobre a Política aciona] para a Integração da Pessoa cJa é grave e pode in terferir na comunicação.
com Deficiência, consolida normas de proteção, define Posteriormente, marca-se com o paciente, que vem acom-
denominações e dá outras providências. panhado de um cuidador.
A Assembléia Geral da Organização das ações o grupo de pacientes com doença mental, não é
Unidas aprovou na Resolução 48/ 96 uma conceituação raro o paciente chegar, ficar estático e mostrar resistência
do termo deficiência, considerada avanço social, educa- ao entrar na sala, po r se tratar de ambiente estranho,
cional e jurídico. Segundo essa Resolução, deficiência "é interpretado como sinal de perigo. Depois de muito
a perda ou limitação de oportunidades de participar da esforço, se o paciente conseguir ultrapassar a porta, usar
vida comunitária em condições de igualdade com as estímulos que possam sensibilizá-lo positivamente.

580
•••
Capftulo 47 .: Cirurgia na pessoa com deficiência

Quadro 47.4 .: O atendimento da pessoa co m deficiência - I


Dependendo da dificuldade, examinar o paciente o nde •••
estiver, de forma improvisada, mas correta. Só ao térmi- r--'
Dependlncla Profissional Pusol Barreiras
no do exame, ele poderá sentir-se mais à vontade. Estar
Fundlmlnclll
atento a minúcias do exame que são fundamentais.
Alimcnalçlo Competência Pieftaçio Ausência de
Evitar examinar o paciente apressadamente, exceto estacionamento

....
durante uma emergência. Ag]r co m muita calma e cuida- e rampas
do, pois apenas o toque de estranhos pode desencadear MediaiDIGIOI Conhecimento Apoio público
agitação e agressividade. e educacional

A primeira consulta é, com certeza, a mais importan- Atmdldede Paciência Tenpiuape- Portas estreitas
te. Os pais/ cuidadores chegam com muita expectativa e Yidadi6da dficu
• habilic.çio
demonstram claramente que desejam ser devidamente -r.bilillçlo
ouvidos, compreendidos e atendidos. A melhor forma euw.dolde Segurança Obst11culos
de examinar a pessoa com deficiência é com sua coope- cnfamipn flsicos diversos
ração, quando possível. Raramente o exame do pacien- &cola/ Visão global Apoio filmlllar Barreira acústi-
te agressivo é feito sem contenção física ou sedação. O Clfnica ca e visual
medo exagerado desses pacientes co mpromete a preci- Apoio filmlllar Tranqüilidade N;Jo cducaáva D iscriminação
são da avaliação. Na anam nese, é registrada a história (escola)
-luerc
do paciente e são avaliad os os exames complementares. espana
Se necessário, novos exames serão solicitados. Feito o Prócacs e Bom senso Dificuldade de
diagnóstico médico, é estabelecido o prognóstico e pro- órteses transporte
posto o tratamento. Tnnsportc e Responsabilidade Prepuaçio Adaptações
Na primeira consulta, um detalhe importante é a ava- locomoçlo panombelho técnicas caras
liação da cooperação do paciente com o exame clínico. Tnbelboc Adaptabilidade Legislaçio
Inicialmente, esta prova consiste em pedir a colaboração mxla
da família para ajudar o paciente durante o exame, sem l

contrariá-lo. Com esta ressalva, deve-se reunir calma, ··----------------------------------------------
tranqüilidade, equilibrio e paciência como fatores favorá-
veis ao sucesso do atendimento. Quando o paciente per-
Pessoas com deficiência física
mitir ser examinado sem relutância, pode-se inferir que o
atendimento acontecerá no ambulatório. Q uando o
Aspectos gerais
paciente não entrar no consultório, o atendimento possí-
vel poderá acontecer sob sedação ou anestesia geral. É impo rtante diferenciar deficiência fisica, incapaci-
É importante não esquecer, em mo mento algum, que se dade e deficiência permanente. D eficiência física é carac-
cuida de uma pessoa diferente, portadora de deficiência, terizada como "alteração completa o u parcial de um ou
com necessidade de atendimento fora dos padrões. Nesse mais segmentos do corpo humano, acarretand o o com-
momento, um dos aspectos mais importantes é a existên-
prometimento da função física, ... membros com defor-
cia imprescindivel de apoiador, atendente ou cuidador, que
midade congênita ou adquirida, exceto as deformidades
acompanhe permanentemente a pessoa deficiente. Essa
estéticas e as que não produzam dificuldades para o
pessoa precisa ter desembaraço intelectual, de forma que
desempenho de funções." Incapacidade é a redução efe-
possa cooperar, de um modo geral, com os cuidados neces-
sários ao deficiente e dar informações corretas para a equi- tiva e acentuada da capacidade de integração social, com
pe médica na co ntinuidade do atendirnentd·9 • necessidade de uso de equipamentos, adaptações, m eios
O atendimento da pessoa co m deficiência demanda o u recursos especiais para receber ou transmitir info rma-
uma série de cuidados e varia com o tipo de deficiência, ções necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempe-
grau de dependência e o local do atendimento, entre nho de função ou atividade. De ficiência permanente é a
o utros (Quadros 47.4 e 47.5) . que ocorreu o u se estabili zou d urante período de tempo

581

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

suficiente para não permitir recuperação ou sem proba- uma rampa ou degraus, use a "marcha-ré", para evitar
bilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos. que a pessoa perca o equilíbrio e caia para a frente.
Preste atenção! Não se apóie na cadeira de rodas. Ela
é como uma extensão do corpo da pessoa, principalmen-
Quadro 47.5 .: O atendimento da pessoa com deficiência- II te quando se pensa no condutor que tem autonomia de
----------------------------------------------··
O local de atendimento

movimento ou naqueles que usam tecnologia avançada
em suas cadeiras. Em muitos casos, quando ocorre inca-
Consultório Não exige muita diferenciação profissional pacitação mais grave, a cadeira de rodas é conduzida por
A rotina médica de atendimento se mantém outra pessoa, geralmente cuidador ou familiar.
Clínica, creche, Exige melhor preparação do profissional.
asilo Ele deve ter ou adaptar material para os
atendimentos Cuidados per e pós-operatórios
O profissional está familiarizado com o
ambiente e a dinâmica de atendimento A deficiência física manifesta-se por malformações,
Residência Exige também maior preparação pro fissional seqüelas de paralisia cerebral, acidente vascular encefálico,
e capacidade para se adaptar às diversas câncer, diabetes, traumatismo crânio-encefálico, lesões
situações medulares, amputações, luxações, entre outras. Na paralisia
Evitar, se possível, a hospitalização do
paciente com doença crônica incapacitante cerebral, há necessidades cirúrgicas relativas às correções e
de lo nga duração adequações ósseas, musculares, ligamentares, articulares e
Hospital Exige maior preparação profissional às contraturas. Na impossibilidade de "cura" de uma lesão
Evitar a hospitalização ao máximo medular, há necessidade de compensar funções compro-
l a impossibilidade, intervir com a maior
metidas. Nos ferimentos abertos, promover o fechamento
cautela e cuidado
da dura spinalis; na estabilização óssea, restaurar a capacida-

··---------------------------------------------- de de sobrecarga das vértebras. Intervir nos caso de hema-
tomielia, hematomas intramedulares ou epidurais e na eli-
minação de fragmentos ósseos. D e um modo geral, são
hospitalizações longas ou retornos contínuos prolongados
Dificuldades e necessidades específicas
de acompanhamento, com múltiplos curativos e uso de
É bom sempre relembrar e reler estas orientações. enxertos, próteses e medicamentos. É importante tranqüi-
Atenção, muito cuidado! Se quiser ajudar, pergunte antes lizar os pacientes que ficam exaustos com o tratamento 11).3 •
se a pessoa necessita de ajuda. Jamais insista. A ajuda não
pedida é considerada agressão. Se aceitar, pergunte, com
clareza, que tipo de ajuda a pessoa necessita. D e um Pacientes com deficiência auditiva
modo geral, o deficiente prefere desenvolver atividades
Aspectos gerais
difíceis sozinho, sem qualquer auxílio.
As pessoas usam cadeiras de rodas em diversas situa- Deficiência auditiva é a perda parcial ou total das possi-
ções. Além dela, usam bengala, muletas, próteses e órte- bilidades auditivas sonoras. Há vários graus de surdez: sur-
ses, cateteres, lentes, alimentos, medicamentas, animais, dez leve perda de 25 a 40 decibéis (dB); surdez moderada
bolsas de colostomia, e aparelhos (holters) de uso conti- de 41 a 55dB; surdez acentuada de 56 a 70c!B; surdez grave
nuo para avaliação funcional. Novas e avançadas tecno- de 71 a 90dB, surdez proftmda acima de 91dB e anacusia.
logias continuam a ser incorporadas para os deficientes.
Se dirigir a palavra à pessoa com deficiência e tudo
indicar que a conversa vai ser demorada, sente-se, com Dificuldades e necessidades específicas
sinais claros de disponibilidade, de modo a ficar no Coloque-se defronte ao surdo, tomando cuidado
mesmo nível do olhar do usuário de cadeira de rodas. para que ele enxergue sua boca. Fale claramente, em
Esta é uma forma delicada de procurar tratá-la com igual- velocidade adequada. Pessoas de b igode ou que
dade. Sempre demonstre sua disponibilidade a ajudar. Ao tenham o hábito de movimentar a cabeça para os lados
auxiliar uma pessoa que usa cadeira de rodas a descer não conseguirão comunicar-se adequadamente com o

582
Capítulo 47 .: Cirurgia na pessoa com deficiência

------------------------------------------------------------------------- .. •

surdo . O tOm de voz exaltado inco moda também ao 10°. As causas mais comuns da cegueira são glaucoma,
surdo . Jamais grite; fale com o tom de voz adequado, rubéola, catarata, degeneração macular senil, trauma
excetO quando lhe pedirem para levantar a voz. ocular, in fecções e deficiência de vitam ina A. A ceguei-
T enha o maior cuidado com s ua expressão corpo- ra é uma deficiência grave e incapacitante. Existem
ral, para que não fale co m o corpo o que o pensamen- mais de 1,5 milhões de cegos menores de 15 anos no
to não está dizendo. Aprenda como se ex pressar, Brasil, marginalizados socialmente. E mbo ra dois ter-
pedi ndo ajuda. Os surdos não podem entender as ços dos casos de sejam passíveis de preven-
m udan ças sutis do tom de sua voz indicando sar casmo ção, ainda há que se trabalhar muito para atender e
ou seriedade. Mas saberão " ler", com certeza, expres- educar os cegos e evita r a ocorrência de novos casos.
sões faciais, gestos ou movimen tos do corpo para
entender o que você quer comunicar.
Ao conversar com uma pessoa surda, mantenha Dificuldades e necessidades específicas
semp re o contato visual; pois se você dispersar o o lhar,
D eve-se oferecer ajuda ao cego que demonstre
ela pensará gue a conversa acabou. Se você não en ten-
necessita r dela. Uma pessoa parada, sozinha numa
der o gue um surdo fala, peça que ele repita sua fala. Se
esquina, p ronta para atravessar uma rua, de b engala na
mesmo assim não conseguir entender, peça que escre-
mão c óculos escuros, calada, sem sair do luga r, apresen-
va. Se ainda assim estiver difícil, peça a aj uda de uma
intérprete ele libras ou familiar. O importante é comu- ta fo rte indicati vo de cegueira. Ap rox ime-se dela com
nicar-se de algu ma fo rma. natu ralidade e o fereça ajuda. Pergunte-lhe se ela está
Se o surdo estiver acom panhado de intérprete, fale precisando de ajuda. Quer atravessar uma rua? lr ao
diretamente à pessoa surda, não ao intérprete. o diálo- banheiro? N unca a agarre pelo braço. Ofereça seu braço
go com o surdo, seja muito paciente e atencioso. N ão se para gue ela o segure, geralmente no cotovelo, e alerte-a
preocupe se o surdo perder a paciência facilmente; m ui- sobre a existência de obstáculos, tais como meios-tios,
tas vezes isso ocorre devido às inúmeras dificuldades degraus, grades e outros.
que sem pre enfrenta no dia-a-dia para integrar-se com Para caminhar em lugares estreitos, onde só cabe uma
pessoas fo ra de sua comunidade surda. D e um modo pessoa de cada vez, ponha-se na dianteira e ofereça o seu
geral, o surdo se sente melhor, mais seguro e relaxado braço para gue a pessoa cega possa segurá-lo no cotove-
junto aos seus iguais. Se po r um lado isso é bom, por lo . Ao conversar com um cego, necessitando retirar-se,
o utro limita sua vida e as possibilidades de novas rela- info rme-o disso, assim, ele não terá o desconforto de
ções ao desfocar sua visão de áreas gue desconhece. ficar falando sozinho. Ao falar em distâncias, re fira-se a
metros, por exemplo "uns cinco metros para a frente".
G uie o cego para sentar-se em uma cadeira, colo-
Cuidados per e pós-operatórios
cando suas mãos na cadeira. Info rme-o sobre a presen-
Man tenha o paciente semp re apoiado por alguém ça de encosto alto, ausê ncia de b raços ou outro detalhe
gue consiga comunicar-se adeguadamente com ele, relevante. Ao perceber uma pessoa com visão subnor-
tanto no momento dos primeiros exames quanto mal (e nxerga com muita d ificuldade), proceda da
d urante a hospita lização. O paciente deve estar com- mesma fo rma, o ferecendo ajuda ao nota r que ela está
pletamente info rmado sobre o p rocedimento médico a co m dificuldades .
gue vai ser submetido, senti ndo-se amparado por uma Não deixe de falar de coisas inadequadas quanto ao
pessoa do seu "mundo" de surdo. ves tuário, posrura e apresentação pessoal de um cego.
Faça-o com naturalidade para que ele não passe por
situações constrangedoras. Ao apresentar um cego a
Pacientes com deficiência visual alguém, faça-o na posição correta, de frente para a pes-
soa a quem você o está apresentando, para evitar que ele
Aspectos gerais
estenda a mão para o lado contrário. Não deLxe nada no
Considera-se cegueira a acuidade visual de um caminho por onde o cego costuma passar. Po rtas entrea-
paciente menor gue 0,05 o u cam po vis ual meno r gue bertas são um risco para sua integridade física".

583
•• •
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Cuidados per e pós-operatórios Quadro 47.6 .: N íveis ou graus de classificação da deficiência

Quando o paciente fica cego, seu problema ma1s


mental

Escala
..•
grave é reaprender a andar. No pós-operatório, o Deficiência Escala de
M'ental Stanford-Binet WISC
paciente, com os olhos vendados, perde a noção de
espaço e tempo e não consegue realizar as mesmas tare- Leve 63-52 69-55
fas que fazia com os olhos abertos. Um cuidador será o Moderada 51-36 54-40
maior apoio que ele poderá ter até se adaptar com a Ao:nl\iada 35-20 39-25
nova vida. Além disso, deve-se dar-lhe atenção especial Profunda 19 e menos 24 e menos
e orientações quanto aos cuidados que deverá ter para •• •
evitar acidentes e outras complicações, como algum
trauma na fe rida operatória. Geralmente, os pacientes
estão em ambiente físico descon hecido e devem ser Continue a incentivá-la a fazer tudo sozinha, mesmo
guiados e auxiliados até que sua deambulação seja segu- que inicialmente tenha dificuldades e precise de ajuda.
ra. É oportuno informar detalhes do ambiente para o Sua ajuda deve ser muito discreta para não deixá-la sen-
paciente, além dos cuidados pessoais em relação ao pro- tir-se tolhida da oportunidade de ação. Ajudando somen-
cedimento cirúrgico. te quando necessário, evita-se a dependência gerada pela
superproteção.
Deficiência mental e doença mental A deficiência mental não é uma doença. É uma con-
dição que limita de maneira variável o quociente de inte-
Aspectos gerais ligência. Pode ser conseqüência de alguma doença, trau-
ma ou infecção"-7 • Uma boa reabilitação, dependendo do
Deficiência mental
grau de deficiência, permite reintegrar o indivíduo para
A deficiência mental é caracterizada pela incidência que possa ter uma vida ativa normal. Trate a criança, o
simultânea de funcionamento intelectual significativa- adolescente e o adulto deficiente mental exatamente
mente inferior à média, antes dos dezoito anos, e limita- como são, respeitando seu tempo e nível mental. Fale
ções associadas a duas ou mais das seguintes áreas de devagar, com clareza, de forma que possa ser entendível
habilidades adaptativas: comunicação, cuidado pessoal,
e não perca a paciência se tiver de repetir a fala.
habilidades sociais e acadêmicas, utilização da comunida-
de, saúde segurança, lazer e trabalho. O deficiente men-
tal apresenta capacidade cognitiva significativamente Doença mental
baixa e dificuldade nas seguintes áreas: comunicação, cui-
dado pessoal, saúde, segurança e não-observância de É necessário não confundir doença mental com defi-
normas de convívio social. A deficiência mental pode ciência mental. A pessoa com doença mental tem inteli-
variar de leve a profunda (Quadro 47.6). Pessoas com gência normal e p arece não ter qualquer alteração de
baixo quociente de inteligência, mas com boa capacidade comportamento ao primeiro contato. Posteriormente,
de se adaptar socialmente e de zelar por sua saúde, segu- demonstrará oscilação de comportamento, de forte afeti-
rança, lazer e trabalho, jamais serão identificadas como vidade a agressividade incontida contra si e contra o
deficientes mentais.
outro. Não é aconselhável retirar os medicamentos em
De um modo geral, a pessoa com deficiência mental
uso. O médico psiquiatra ou neurologista deve ser o
encara o m undo e a vida com otimismo: é alegre, cari-
ponto de apoio para o atendimento adequado desses
nhosa, bem disposta e comunicativa. Expresse alegria ao
encontrá-la e mantenha a conversa até quando for possí- pacientes . Normalmente, é necessár io parecer escrito
vel. Seja atencioso e agradável. Incentive-a a fazer várias para o médico anestesista informando as medicações em
atividades, encorajando-a e estando por perto como um uso e a necessidade ou não de interrupção durante o pro-
amigo pronto para ajudar. Transmita segurança e seJa cedimento anestésico-cirúrgico para evitar complicações
autêntico, o mais natural possível. no pós-operatório.

584
Capitulo 47 .: Cirurgia na pessoa com deficiência

••
Dificuldades e necessidades específicas e de acompanhamento permanente do p aciente com exa-
mes clinicas freqüentemente revistos. A vigilância é a
A síndro me de Down é usada aqui como modelo das eterna segurança da prevenção de danos mruo res que
necessidades cirúrgicas de urna pessoa com deficiência podem ocorrer em paciente sem acompanhamento. O
mental. D oença congênita cardíaca com implicações cirúr- paciente acompanhado pode obter ajuda imediata no
gicas que acontece em cerca de 40% desses pacientes. momento da ocorrência da lesão. Dentre as deficiências
Perda auditiva atribuída a anormalidades da cadeia ossicu- múltiplas, aqui serão apresentadas a surdo-cegueira, a
lar e estenose do meato auditivo externo ocorre em 8% a síndrome de D own e o autismo simultâneos.
80% dos pacientes com síndrome de D own. O estrabismo
é encontrado em 33% deles e, quando não corrigido, pode
levar à cegueira; 3% deles apresentam catarata. Subluxações Dificuldades e necessidades específicas
da patela e luxação dos quadris são freqüentes e a instabili-
A surdo-cegueira pode ser congênita ou adquirida; sua
dade aclamo-axial aparece em 12% a 20%. A fusão incom-
barreira mais grave é a comunicação. Para comunicar-se
pleta dos arcos vertebrais da parte inferior da coluna verte-
com pessoas surda-cegas, existem alguns sistemas alfabéti-
bral acontece em 37%. A equipe de saúde tem de estar
cos: 1) no alfabeto dactilológico, as letras do alfabeto se
extremamente atenta aos detalhes clínicos na hora do
formam mediante diferentes posições dos dedos da mão;
exam e desses pacientes para não deixar passar desapercebi-
2) no alfabeto de escrita manual, o dedo indicador da pes-
do Lun aspecto que poderá ter grande repercussão no
soa surda-cega, como um lápis, escreve cada letra sobre a
desenvolvimento futuro do paciente 18 •
mão; 3) tabütas alfabéticas são tábuas que têm letras
comuns, escritas em maiúscula ou em braile. O interlocu-
Cuidados per e pós-operatórios to r vai assinalando cada letra para formar uma palavra com
o dedo do surdo-cego; 4) os meios técnicos com saída
Nesses casos, o desejável é que o apoiador, familiar Braile são máquinas utilizadas pela pessoa surda-cega que
ou cuidador, de preferência info rmado sobre o procedi- conhece o braile. A mais conhecida é a tela louch, com
mento cirúrgico que deverá ocorrer, possa traduzir os teclado comum e teclas de máquina braile. O dedo posi-
acontecimentos adequadamente para o paciente. Essa cionado sente a letra braile sempre que as teclas são toca-
etapa de preparação deve começar no pré-operatório e das, formando, assim, letra por letra, as palavras. Os siste-
será fmalizada quando o profissional der alta para o mas não-alfabéticos são a Língua de sinais - Libras, e a
paciente. D eve ser ressaltado que, em pacientes com Tadoma: percepção da vibração das palavras com a mão
deficiência mental, podem acontecer quadros de agitação sobre os ó rgãos que produzem a fala. Compreende-se,
e psicose após procedimento anestésico. Medicamentos assim, a exigência de um cuidado r diferenciado aco mpa-
de uso continuo devem ser restabelecidos o quanto nhando permanentemente o surdo-cego.
antes. O contato precoce com fam iüares e cuidadores é A sínd rome de Down é usada aqui devido à associa-
fundamental, como também a comunicação precisa entre ção da deficiência mental com o autismo o u transtono
os membros da cqLúpe de saúde. invasivo do desenvolvimento. O atendimento clínico
correto é a principal ajuda para que o paciente tenha con-
dições cirúrgicas adequadas. As o rientações e os acompa-
Pacientes com deficiência múltipla nhamentos devem ser bem precisos.
Aspectos gerais
Cuidados per e pós-operatórios
O enfrentamento de uma deficiência é difícil, mas não
é incomum a associação de incapacidades. D eficiência Os casos citados exigem vigilância pós-operatória exte-
múltipla é a associação de duas o u mais deficiências em nuante, pois o surdo-cego, por sua extrema dependência,
uma mesma pessoa. São inúmeras, contudo, nem sempre exige muita paciência nas prescrições dos cuidados de
são identificadas, já que seus sinais clínicos podem estar repouso e uso de curativos e drenos. Com certeza, só com
mascarados ou sobrepostos por ourros problemas que a criação de novas alternativas e boa capacidade de adapta-
sobressaem. O melhor é manter relação de proximidade ção, os cuidadores podem conseguir resultados satisfató-

585
•• • Fundamentos em Clínica Cirú rgica

rios com esses pacientes. É fundamental que estejam aten- Referências


tos para detalhes importantes: o paciente com síndrome de
Down, pela alegria permanente e inocência infantil caracte- I• Araújo F. O que você pode fazer pelo deficiente auditivo.
Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 1986: 82p.
rística, é mais fácil de ser tratado; e o autista, pela movimen-
2 • www3.who .int/ icf
tação penduJar do corpo, quando se sente em perigo ou 3 • Salgado MI. A boca no atendimento das pessoas portadoras de
impedido de agir espontaneamente de forma solitária, agri- deficiência. In: Petroianu A, Pimenta LG. Clínica e Cirurgia
de a si próprio e aos outros. Geriátrica. Rio de Janeiro: G uanabara Koogan 1999. p.196-205.
4 • D eclaração de Salamanca c Linha de Ação sobre Necessidades
Educativas Especiais. Trad. Cunha Ei\. Brasília: CORO E 1997.
Conclusão 5 • Brasil. Lei de Diretrizes c Bases da Educação Nacional. Lei
no.9.394/ 96, de 20 de dezembro de 1996. Brasilia, DOU 1996.
Compreende-se, assim, a importância da observância 6 • Assis OQ. O Estado e as pessoas portadoras de deficiência. Rcv
Univ Cruzeiro do Sul 1997:7-17.
de detalhes no atendimento de pessoas com deficiência.
7 • Salgado MI, Valadares ER. Para compreender a deficiência. Belo
Por isso, não é demais relembrar que, ao atender uma Horizonte. Faculdade de Med icina da UFMG. 2000: 464p.
pessoa com deficiência, não se deve fazer movimentos 8 • Salgado MI. A assistência odontológica. In: Camargos J r W.
bruscos. Pergunte sempre. A tenda prontamen te com Ministério da J ustiça. Transtornos invasivos do desenvolvi-
redobrada atenção e calma. N unca faça nada de fo rma men to. Brasília: Terceiro Milênio 2002:220-6.
9 • Carvalho 10, Salgado M.L. Mostre seu filho . Belo Horizonte.
agitada, impaciente ou rápida. Respeite, procurando des- Coordenadoria de pais SES MG. 1996:180p.
cobrir o ritmo e o tempo do deficiente. D oe-se, sempre 1O• Souza Pr\. Aspectos motivacionais na reabilitação da paralisia
com muito amor e paciência. Seja atencioso e de]jcado, cerebral. Jn: Lima C LA, Fonseca LF. Paralisia cerebral.
mesmo que não haja reconhecimento e aconteça agres- eurologia. Ortopedia. Reabilitação. Rio d e Janeiro:
são verbal ou física por parte da pessoa com deficiência. Guanabara Koogan, 2004. p.211 -9 .
11 • Souza PA. Esporteterapia como indutora da neuroplasticidad e
Esse fato ocorre, geralmente, com deficientes carentes, na paralisia cerebraL In: Lima CL!\ , Fonseca LF. Paralisia
sofridos e descompensados. cerebral. Neurologia. Ortopedia. Reabilitação. Rio de Janeiro:
Compreende-se, também, que relatos de experiências Guanabara K oogan, 2004. p.421-30.
de enfrentamento da deficiência foram os alicerces de 12 • Souza PA. O Esporte na paraplegia c tetraplegia. Rio de Janeiro:
construção da ampla legislação mundial de direitos dos Guanabara Koogan, 1994:93p.
13 • Stock, D. Die Rehabilitarion traumatisch Querschnittgelahmter.
deficientes. Essas leis mudaram a politica da deficiência e
l'vlclsungen, Bibliomed 1980.
os cidadãos deficientes são atualmente mais respeitados e 14 • Fundação 1-iilron Rocha: Ensaio sobre a problemática d a ceguei-
amparados. Apesar disso, sempre há carência de infor- ra. Prevenção. Recuperação. Reabilitação. Belo Horizonte,
mações adequadas sobre a vivência da doença transmiti- 1987.
da pelos próprios deficientes. Essas informações podem 15 • Basso A, Previgliano I, Duarte JM, Ferra ri N . Advanees in mana-
gement of neurosurgical trauma in different continents.
aj udar na fo rmação do médico, além de auxiliá-lo muito
\Xiorld J Surg. 2001;25:599-630.
na composição de equipe de atendimento de saúde mais 16 • Lezzoni LI , McCarthy EP, Davis RB, Siebens H. Mobility pro-
humana e atenciosa. É essencial que o médico reconheça blems and perceptions o f clisability by sclf respondents and
a importância de sua profunda responsabilidade com p roxy respondents. Med Care. 2000;38:1051 -7.
aqueles que vivem a deficiência no dia-a-dia e cumpra o 17 • Haddad LD. Estud o d a função respiratória em doença de
Parkinson: comparação de controles com pacientes sem e em
seu papel. Espera-se que a sociedade consiga ajudar a uso de Levodopa, correlacionando nível plasmático dessa medi-
criar e votar o "Estatuto da pessoa com deficiência", cação e gravidade da doença. (Dissertação de mestrado). Belo
atualmente em discussão, moderno e ágil, com visão de 1-Joriwnte: Instituto de Ciências Biológicas da Universidade
futuro e totalmente humanizado. f ederal de Minas Gerais; 1998.
18 • Schwartzman JS. Síndrome de D own. São Paulo, Mackenzie:
Memnon . 1999.

586
48
FEBRE E
HIPOTERMIA
NO PÓS-OPERATÓRIO

••
oraya Rodrigues de Almeida, Paulo Roberto avas i Rocha,
Marcelo Dias a nches

Int rodução beladona (cscopolamina, atropina), transfu sões de


hemoderi vados, reações alérgicas ou de hipcrsensibili -
O trauma cirúrgico provoca no o rganismo inúmeras dade a drogas, inclusive anestésicos c antimicrobianos,
altt:raçücs fi!>iológica!> I..JUC são como rc::.- crise tireo tóx ica, jejum prolongado, desidratação,
posta o rgâ nica ao trau ma. A febre está quase sempre tumores maligno:. não- ressecados etc. Por outro lado, o
presente e faz parte desta resposta fisiológica, especial-
indicador mais fre<.Jüente de infecção no pós-operató-
mente nos primeiros dias. E la constitui mecanismo
rio é a febre, o que provoca gra nde amiedade ao médi-
adaptativo importante para a obrevivência do organis-
co assistente.
mo, faYorecendo a resposta imunológica por meio do
Freischlag e Bu suttil' realizaram e wdo prospecti,·o
aumento da migração e da atividade bactericida dos
em 464 pacientes submetidos a operaçôes abdominais c
neutrófilos e macró fagos, estímulo da síntese de p roteí-
encontraram febre pós-ope ratória significati,•a e m
nas de fase aguda, inibição do crescimento bacteriano,
somente 15% dos casos. Destes, em apenas 27% a
aume nto ela sequestração de fer ro e indução ele sono-
lência e anorexia'·2• Ao contrário da febre, a hi potermia infecção foi comprovada por meio de cultura, demons-
não faz parte da respo ta orgânica ao trauma. Ela ocor- trando especificidade muito baixa da temperatura
re principalmente no per e no pós-operató rio imediato como indicador de infecção. 74 1'l'í• dos pacientes
devido, principalmente, à alteração da rermorregulação com infecção, a história c o exame físico forneceram
pela ação dos agentes anestésicos. informações que orientaram para a realii'ação de exame
a maioria dos pacientes, sobretudo naqueles sub- confirmatório. Fanning et ai. ' avaliaram 537 pacientes
metidos a grandes incisões, costuma ocorre r, no pero- submetidos a operações ginecológicas c constataram
peratório, diminuição da temperatura corporal, com febre pós-operatória em 39''l'í• dos casos. D es tes, em
queda de I°C a 1,5°C da temperatura corporal. as p ri - 92% não foi encontrada nenhuma infecção ou compli-
mei ras 24 a 72 horas de pós-operatório ocorre elevação cação pós-operatória .
que o cila entre 0,5°C e 1,5°C acima da fisiológica. Muitas vezes, para se investigar a febre pó -operatória,
Atribui -se essa elevação da temperatura à absorção de é neces ário apenas observação clínica com acompanha-
sangue, soro c li nfa da região manipulada c às altera- mento da curva térmica. e a febre per;isrc e o exame clini-
ções próprias do período de injúria. co não fornece dados suficientes para o dmgnóstico, a pro-
D iversas condições não-sépticas podem determinar pedêutica deve incluir exames laboraroriais c de imagem, de
febre pós-operatória. E las incluem uso de de rivados da acordo com a suspeita clinica.
587
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Febre pós-operatória Complicações febris no pós-operatório

Definição É grande o número ele afecções acompanhadas de febre


que podem ocorrer no pós-operatório (Quadro 48.1/.
A febre é de finida como distúrbio da termorregulação Algumas, como a infecção do sitio cirúrgico, são comuns
no qual o limiar térmico hipotalâmico se encontra eleva- em qualquer tipo de procedimento cirúrgico, enquanto
do. Para elevar a temperatura corporal no nível determi- o utras são particulares elo órgão ou da região operada.
nado pelo centro termorregulador, o organismo passa a
usar mecanismos naturais de conservação de calo r. Quadro 48.1 .: Causas de febre no pós-operatório*
Assim, o paciente febril apresenta aumento da ati vidade ----------------------------------------------··
Causas mais freqüentes Causas menos freqüentes •
muscular (calafrios), vasoconstrição periférica, sente frio Infecção do sítio cirúrgico llipencrrnia maligna
e procura se agasalhar' . rlebite por cateter endo,·enoso Crise tircotó><ica
A febre deve ser distinguida da hipertermia. esta, Atelecrasia Reação a
ocorre perda da capacidade de term orregulação do Pneumonia Ch0<1uc pirogênico
hipotálamo, com aumento da produção de calor (se m Embolia pulmonar Sinusite maxilar

correspondente aumento da perda) e elevação progres- Infecção urinaria Candidínse sistémica


Jlematoma Corpo estranho
siva da temperatura'.
Colccistite aguda
Pancreatitc aguda
Patogenia Colitc pscudomcmbranosa
Febre pós-esplenectorrúa
A febre pode ser produzida por vários estímu.los, Doenças hemotransfusionais
incluindo bactérias e suas endotoxinas, vírus, fungos, rea- •
··----------------------------------------------
' ,\ l odificado de Almeida ct ai.
ções imunológicas, hormônios (progesterona), medica-
mentos etc. Estas substâncias são denominadas pirogê-
nios exógenos e induzem a feb re por meio de diversos
mecanismos, como produção e liberação de citocinas A febre de origem central pode ocorrer no pós-ope-
pró-inflamatórias nos tecidos, circulação e sistema ner- ratório de operações neurológicas, por sangramento no
voso central, estimulação de fibras aferentes do nervo terceiro ventrículo ou por disseminação tumoral (menin-
vago e, provavelmente, de nervos periféricos, e ação dire- gite asséptica). o pós-operatório de intervenções cirúr-
ta no sistema nervoso centraF-' . gicas cardiovasculares, a febre pode ser causada por
O principal mecanismo desencadeador de febre, em osteomielite do esterno, sínel rome pós-pericardiotomia e
resposta aos pirogênios exógenos, é por intermédio ela complicações relacionadas com o emprego da circulação
produção, pelos leucócitos (monócitos/macró fagos e extra-corpórea, como bacteriemia, hemólise e pneumo-
neutrófilos), de citocinas pró-inflamatórias denominadas nia8. E mpiema após operações tOrácicas, cardíacas ou
pirogênios endógenos'·2•5 ' . Os principais pirogênios pulmonares constitui quadro grave que se acompanha de
endógenos são as interleucinas 1, 6 e 8, o fato r de necro- febre. N os procedimentos urológicos, a manipu.lação do
se tumoral, o interferon e a proteína inflamatória 1 do trato urinário é o mais impo rtante fator causador de
macrófago. A interlcucina 1 é a citocina pirogênica mais infecção urinária9 . Após operações gi necológicas e obsté-
potente no homem2• tricas, pode ocorrer a síndrome do choque tóxicow.
Os pirogênios endógenos são liberados na corrente O paciente politraumatizado apresenta, em geral,
sangüínea e atingem o sistema nervoso central. este múltiplas portas de en trada para infecção. ele, a reab-
nível, eles induzem a liberação de mediadores centrais, sorção de tecidos lesados e hematomas c o hipermetabo-
especial mente a prostaglandina E 2 , que regulam o ter- lismo resultante da resposta o rgâ nica ao trauma são tam-
mostatO do hipotálamo para cima, causando febre. D este bém causas de elevação da tem peratura corporal. o
modo, ocorre aumento da produção, acompanhado por paciente o ncológico, a fe bre pode ter origem na produ-
diminuição da perda, de calor até que um ponto estável ção de pirogênio pelo rumor, na necrose ou na infecção
mais elevado seja alcançadou.s. ela neoplasia"·' 2 . Se há febre no pós-operatório, deve-se

588
Capítulo 48 .: Febre e hipotermia no pós-o peratório

••
investigar se ela se o rigina do rumor primário não com- IN FECÇÃO D E CAVIDADES OU ÓRGÃOS

pletamente ressecado ou de metástases 13 • A infecção intra-abdominal pós-operatória ocorre em


pelo menos 2% de todos os pacientes submetidos à lapa-
roromia e em até 23% dos que foram inicialmente opera-
Complicações febris mais comuns dos em virtude de sepse intra-abdominal.
Hematoma A febre da peritonite secundária a físruJa pós-opera-
tória manifes ta-se entre o 4° e 8° dia pós-operatório e
A formação de coleções sangüineas no pós-operató- está acompanhada de taquicarclia persistente, íleo funcio-
rio está relacionada a hemostasia deficiente ou a coagulo- nal, vômitos, dor abdominal e leucocitose. Podem ocor-
paria. A hipertensão arterial não-controlada tem sido rer choque e sinais de falência multissistêmica.
também incriminada como fator predisponente. A febre A febre decorrente de abscesso localizado tem,
é devida à liberação de pirogênio endógeno dos leucóci- geralmen te, início mais ta rdio, entre o 6° e o 10° dia
tos seqüestrados 11 • Se ocorre infecção do hematoma, a pós-operatório. Habitualmente é de intensidade mode-
febre é elevada e se torna persistente até que a coleção rada, raramente ul trapassa a temperatura de 38°C e é de
seja drenada. predomi nância vespertina. Quando o abscesso é causa-
do por co rpo estranho, a febre pode ocorrer até sema-
nas após a operação.
Infecção do sítio cirúrgico

A infecção do sítio cirúrgico é definida como aquela Atelectasia


que ocorre nos tecidos manipulados durante a operação.
Ela pode ser cliagnosticada até 30 dias após o procedi- A atelectasia é a causa mais comum de febre nas primei-
mento ou, no caso de implante de prótese, até um ano ras 48 horas de pós-operatório. É mais freqüente nos taba-
após sua realização 11 • gistas e nos pacientes submetidos a anestesia geral e a inci-
É divid ida em três categorias anatô micas distintas, sões torácicas ou abdominais altas. D ependendo da popu-
de acordo com a região acometida: incisional superfi - lação estudada e dos critérios diagnósticos utilizados, pode
cial, incisional profunda e infecção de cavidades ocorrer em 6% a 76% dos pós-operados.
ou órgãos 15 • A fisiopatologia da febre na atelectasia está relaciona-
da à penetração sangüinea de bactérias pre,-iamente pre-
sentes na área pulmonar afetada ou introduzidas por
INFECÇÃO INCISIONAL (SUPERFICIAL E PROFUNDA)
aspiração. Taquipnéia e taquicardia acompanham a eleva-
O ínclice global de infecção incisional é de 4,7% . ção da temperatu ra como parte dos sinais e são tão mais
Varia desde 1,5% a 2, I% nas operações limpas, 3,3% a intensas quanto maior a área afetada. A presença de febre
7,7% nas potencialmente contaminadas, 6,4% a 15,2% não é, entretanto, obrigatória na atelectasia. Assim, o
nas contaminadas, até 7,1% a 40% nas infectadas 1' -' . sinal é de baixa sensibilidade e especificidade para o diag-
a infecção superficial restrita à pele, a febre e os nóstico da atelectasia 1" .
sinais de infecção sistêmica são pouco freq üentes, e sua
presença deve alertar para a possibilidade de outras
Pneumonia
infecções. os abscessos subcutâneos e nas infecções
incisio nais profundas, a febre é, comumente, acima de A infecção pulmonar constitui complicação febril
38°C, tem início por volta do 4° ao 6° dia de pós-ope- pós-operaton a grave. r\carreta mo rtalidade elevada,
ratório e persiste até que haja drenagem do abscesso sendo a principal causa de morte por infecção hospitalar
e/ ou desbridamenro de tecidos necróticos. Algumas c a complicação pulmonar aguda que mais leva ao óbito.
infecções por estreptococos e por anaeróbios, especial- A pneumonia pode ter inicio de uma atelectasia e a dife-
mente Clostridium sp., manifestam-se precocemente, e renciação clinica com tal entidade é, às vezes, clifícil. O
os sinais e sinto mas podem estar presentes de 12 a 24 diagnóstico comumente é feito por volta do 4° dia pós-
horas após a operação. operatório. Os principais sinais e sintomas incluem febre,

589
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
eliminação de escarro purulento em pacientes sem doença de ágar. Usando essa técnica, foi possível a diferenciação
pulmonar prévia e dor to rácica. entre colo nização e infecção do cateter. Em sua série, as
extremidades do cateter que revelaram número maio r ou
igual a 15 unidades formadoras de colônias tiveram risco
Embolia pulmonar
de bacteriemia de 36% . ão houve guaisquer episódios
A embolia pulmonar é uma complicação da tro mbo- de bacteriemia nos pacientes com menos de 15 unidades
se venosa profunda e não constitui entidade separada. Os formadoras de colônias.
fatores predisponentes incluem história de trombose A incidência da sepse do cateter varia de 2,8% a 18%
profunda, câncer, idade avançada, tabagismo, obesidade, dos pacientes cateterizados. Ela depende também do
repouso prolongado no leito, cardiopatias, uso de anti- tempo de cateterismo, do m aterial utilizado na confecção
concepcionais e anestesia geral. do cateter e do sítio de implantação do cateter' 5• A cate-
O guadro clinico da embolia é constituido de raguip- terização da veia jugular interna está associada a maior
néia, hemoptise, atri to pleural, ritmo de galope e cianose, risco de
guando tipico. o entanto, os sinais e sinto mas podem O s micro rganismos mais comuns na sepse do cateter
ser inespecíficos o u se manifestar apenas como febre de são o estafilococo coagulase-negativo (37%) , o enteroco-
o rigem indeterminada. co (13%) e o Stapf?JI/ococms aureus (12,6%). Bactérias
O aparecimento de feb re é freqüente sendo, às vezes, G ram-negativas (14%) e Cândida spp. (8%) também são
elevada no inicio da doença (>39°C). Ocorre gucda da agen tes impo rtantcs's.
temperatu ra no 5° dia c, por volta do 7° dia, a maioria dos Outros tipos de infecção relacionados com o cateter
pacientes já está afebril. O inicio da em bolia é fregüente- são as infecções no local de saida o u no túnel subcutâ-
mentc súbito e, muitas vezes, segue-se aos primeiros neo, gue podem levar à fo rmação de ab ces o , principal-
movimentos após repo uso prolo ngado. Sinais de trom- m ente no paciente imunocompro metido. Tam bém
bose venosa profunda podem ou não estar presentes. podem surgir tromboflebite séptica e, rarame nte, osteo-
mielite da clavícula e mediastinite.
Sepse do cateter
A sepsc do cateter afeta pacientes com cateteres Infecção urinária
venosos centrais introduzidos para u o por curto ou
A infecção do trato urinário tem sido apontada como a
longo prazo. A deftnição de sepse do catete r baseia-se em
causa mais fregüente de infecção nosocornial9• Mais da
critérios clinicos, bem como em análises bacteriológicas
metade das septicemias por G ram-negativos são originárias
guantitativas c scmiguantitativas. E la é definida como
do trato urinário. O catcterismo uretral e a instrumentação
uma fe bre, com ou sem leucocirose, gue cede depois da
do trato geniturinário são importantes fato res causais9 •
retirada do cateter venoso central. nssa definição é
A feb re faz parte do guadro clínico, gue inclui ainda
abrangen te e, como esperado, tem baixa especificidade.
espasmo vesical, disúria, hematúria e piúria nas infecções
O s critérios clínicos para o diagnóstico da scpse do
de vias baixas. D o r no flanco e calafrios associados ou
cateter c a retirada empírica dele estão associados a
não às demais manifestações referem-se a acometimento
índice de falsa-positividade de 85%. i\ definição bacte-
riológica gualitativa da scpse do cateter diz respeito à do trato urinário superior. Picos feb ris podem ocorrer
infecção guc tem microrganismos idênticos culti\·ados durante o período de cateterismo ou se iniciar em até 48
tantO na extremidade do ca teter venoso central guanto horas após a retirada de cateter vesicaJ . O diagnóstico
no sangue retirado peri fc ricamente na ausência de específico é realizado, habirualmente, por voiLa do 4° dia
outros focos bacteriológicos investigados de infecção pós-cateterismo e depende da cultura da urina.
por aguele m icrorganismo 11 .
Para aumentar mais a especificidade de se distinguir a Causas menos comuns
infecção ela colo nização do cateter, · laki et al. '9 desenvol-
veram a técnica de cultura serniguantitativa da extremida- Diversas situações podem ocorrer no período perio-
de do cateter g ue envolve a rolagem do cateter em placa peratório e cursar co m febre. Muitas delas, apesar de

590
•••
Capitulo 48 .: Febre e hipotermia no pós-operatório

infreqüentes, devem ser reconhecidas, p01s causam eosinofilia. A suspensão da droga deve causar desapare-
repercussões graves. cimento da febre em 72 horas.
No período peroperatório, a ocorrência de hiperterrnia A infusão venosa de pirogênios exógenos provoca rapi-
maligna relacionada a anestesia constitui síndrome rara. A damente calafrios intensos, palidez cutânea, ansiedade e
temperatura pode atingir valores tão altos quanto 44°C. A febre. Podem estar presentes broncoconstrição e cianose.
febre é o resultado de vários distúrbios bioquirnicos que A sinusite maxilar causa febre em pacientes em uso de
ocorrem no músculo esquelético. Entretanto, pode ser um cateter nasogástrico ou naqueles em que foi realizada
sinal r.udio, ocorrendo dentro de 30 minutos da indução intubação nasotraqueal 10• O quadro clínico típico é de
em apenas 70% dos pacientes. A droga mais comumente tosse, drenagem de secreção purulenta pelo nariz e de
relacionada ao aparecimento da hiperterrnia maligna é a dor à compressão do seio maxilar. Entretanto, a presen-
succinilcolina. A taxa de mortalidade excedia a 70% antes ça desses sinto mas não é obrigatória.
do uso terapêutico do dantrolene (um análogo da difenil- Pacientes em uso prolo ngado de antimicrobianos de
hidantoína). Atualmente, a taxa de mortalidade é de apro- largo espectro são candidatos à proliferação e dissemina-
ximadamente 1 ção de candidiase sistêrnica, e o quadro clínico é de febre
inexplicada, leucocitose e hipo tensão arterial.
No período pós-operatório imediato, a desidratação e
A colecistite aguda acalculosa é uma complicação
o hipermetabolismo secundários ao estresse cirúrgico
induzida pelo estresse após procedimento cirúrgico ou
podem causar febre. O utras alterações da temperatura
trauma. Os sinais típicos são febre e leucocitose, além de
nesse período podem ser devidas a reaj ustes do termos-
fenômenos similares à colecistite calculosa.
tato hipotalâmico, que permanece paralisado durante a
D evemos lembrar ainda outras causas de febre, como a
anestesia geral, ou a bacteriernias, que ocorrem após
colite pseudomembranosa induzida pelo uso de antimicro-
manipulação de focos infecciosos.
bianos, a pancreatite pós-operatória e a febre pós-esplenec-
A crise tireotóxica ocorre em pacientes com hiperti-
tornia. Finalmente, uma causa que não deve ser esquecida
reoidismo e é secundária a trauma ou estresse cirúrgico.
é a presença de corpo estranho pós-operató rio.
A temperatura elevada é sinal constante. Os demais sinais
de hiperfunção tireoidiana também estão presentes.
A hemoterapia tem grande potencial para a transmis- Propedêutica no paciente pós-operado febril
são de infecções diversas. As hepatites virais, a doença de
O acompanhamento do paciente pós-operado requer
Chagas, a sífilis, a citomegalovirose e a mononucleose
observação meticulosa e exame clínico seriado. A medi-
infecciosa são exemplos de doenças passíveis de trans-
da da temperatura tem extremo valor neste período, uma
missão pela hemoterapia e que se manifestam com febre
vez que a febre pode ser alerta para a presença de co m-
em pelo menos alguma fase da infecção. A febre po r
plicações, infecciosas ou não. A correlação entre o dia de
citomegalovírus é po uco diagnosticada. Acredita-se ser
início da febre no pós-operatório com o tipo de operação
ela a etiologia de algumas febres de o rigem indetermina-
e com os procedimentos realizados deve servir como
da no pós-operató rio' 0 • O intervalo de tempo entre a
base para o diagnóstico (Quadro 48.2).
transfusão e o primeiro surto febril é, em média, de 21 Alguns exa mes complementares podem servir de
dias. Pode haver leucopenia e linfocitose. orientação quanto à etiologia do processo febril. E ntre
A reação a drogas é uma condição febril por vezes eles, destacam-se o leucograma, a v elocidade de
superestimada po r falta de critério diagnóstico. hemossedimentação, culturas (sangue, urina, secre-
Potencialmente, qualquer droga pode causar febre. ções) e métodos de imagem (ultra-sonografia, tomo-
Trata-se de reação de hipersensibilidade ainda mal com- grafia computadorizada) .
preendida. As drogas mais comumente envolvidas são O leucograma varia com o sexo, a idade, a raça, além
antimicrobianos, antiarrítrnicos, anti-hipertensivos, anti- de ter relação com o horário da colheita do sangue e/ ou
convulsivantes e tranqüilizantes. O tempo prolongado de atividade física. Leucocitose discreta pode ser secundária
uso de um medicamento não o exclui como causa de a estímulos em ocionais ou físicos, uso de drogas, destrui-
febre. Chama a atenção a ausência de taquicardia no ção de tecidos, necrose, hemorragia o u hemólise, todos
paciente febril por drogas . Podem ocorrer rash cutâneo e comuns no paciente cirúrgico. Na vigência de infecção,

591
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

pode haver leucocitose, leucopenia ou níveis fisiológicos Em pacientes submetidos a cateterismo vesical ou a
de leucócitos, de acordo com a fase da resposta medular instrumentação do trato urinário, deve-se pesquisar
à infecção. Por isso, os leucogramas seriados são mais infecção urinária, por meio da realização de exame de
representativos do que o resultado de um exame isolado. urina de rotina, Gram de gota não-centrifugada e urocul-
A contagem diferencial dos leucócitos pode evidenciar tura. A observação de número igual ou maior de 105
neutrofilia, desvio para a esquerda e eosinopenia, freqüen- unidades formadoras de colônias/mL é indicativa de
tes nas infecções bacterianas, como também expressar o infecção apenas para bastonetes Gram-negativos. Para
grau de exigência medular e alterações morfológicas cocos, como Stapljylococcus sapropf?J·ticus, mesmo as conta-
secundárias, como granulações tóxicas e corpos de Dohle. gens entre 5.000 e 50.000 unidades formadoras de colô-
As proteínas da fase aguda (fibrinogênio, haptoglobi- nias/mL, na vigência de quadro clinico compaúvel, são
na, proteína C reativa etc.) encontram-se aumentadas nos indicativas de infecção.
distúrbios infecciosos. A proteína C reativa, apesar de A radiografia de tórax em P A e perfil pode evidenciar
não-específica, é bastante sensível e pode ser útil na dife- atelectasia e/ ou pneumonia, que se manifesta(m) por áreas
renciação entre processo inflamatório e infeccioso. A de consolidação pulmonar com características muitas
velocidade de hemossedimentação encontra-se elevada vezes bem definidas. Na primeira, podem existir imagens
na presença de processo infeccioso devido à liberação de de hipotransparência de forma irregular, disposta em lâmi-
fatores plasmáticos (fibrinogênio e globulinas) . nas, ou, inclusive, não haver qualquer tipo de alteração.
Em casos selecionados, devem-se realizar hemocultu- Na embolia pulmonar, a radiografia de tórax geral-
ras. São colhidas três amostras em um período de 24 mente só ajuda a excluir outras afecções, pois não é inco-
horas. Os intervalos entre as coletas são determinados mum ela se mostrar inalterada, mesmo na presença de
pela situação cünica, pois a maioria das bacteriemias é embolia maciça. A cintilografia para mapeamento pul-
intermitente. monar de ventilação/ perfusão com radioisótopos é o
Quando há suspeita de bacteriemia e/ ou sepse procedimento mais utilizado no diagnóstico de embolia
relacionada(s) ao cateter venoso, devem-se colher inicial- pulmonar. Infelizmente, esses dados podem ser inespecí-
mente duas amostras de sangue periférico em veia distan- ficos. Os resultados negativos do mapeamento são acei-
te do cateter para hemocultura. Deve-se examinar o local tos, porém os positivos precisam ser confirmados.
de inserção à procura de sinais flogísticos. Se houver secre- Outros exames indicativos de embolia incluem dosagem
ção, colher swab para Gram e cultura antes da anti-sep- do dímero D, ecocardiograma e ressonância magné tica.
sia. D eve-se enviar, ainda, ao laboratório a ponta distai A angiografia pulmonar fornece diagnóstico definiti-
do cateter retirado (5 a 7cm) para a realização de cultura vo. Falha de enchimento e nítida amputação à angiogra-
semiquantitativa pela técnica de Maki 19 • fia são diagnósticos de embolia pulmonar. A angiotomo-

Quadro 48.2 .: Evolução e p ropedêu tica do paciente cirúrgico febril*


-
...........................................................................................................................................................................................................................................
Peroperatório e
..

Pré-operatório pós-operatório Até 2° DPO Após 15° DPO
imediato
A doença-ba&e pode Reação a drogas anesté- Flebites por cateter, infec- Embolia pulmonar, febre por Hepatite, citomegalo-
ser febril desde o sicas, tireoroxic05e, bac- ção urinária, infecção do drogas, corpo estranho, infec- vírus, mo nonucleose,
pré-operatório teriemia, distúrbios sltio cirútgico (mcisional), ção do sítio cirúrgico d oença de Chagas,
hidrodetroliticos pneumonia, febre por (órgãos/cavida.les) m alária, sífilis, toxo-
plasmose, SIDA
Propedêutica Exames para diag- Exame clin ico, ionogra- Radiografia de tórax, lcu- Leucograma, culturas (urin"J., Exan1es sorológicos,
nóstico da doen ça- ma, função tereoidiana cogram a, urina rotina, cul- sangue, secreções), VHS, f,>:ISO- provas d e funç ão
base turas (urina, sangue, secre- metria arterial, radiografia de hepática, pesquisa de
ções), US, T C, cintilografia tórax, US, T C, cimilografia parasitas

··----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
DPO - dia de pós-operatório; US- ultra-sonografia; TC- tomografia co mpmadorizada; VHS - velocidade de hemosedimcntação; SIDA - síndrome da imu n()dcfi-
ciência adquirida.
• Modificado de Almeida ct a.l.'

592
•••
Capítulo 48 .: Febre e hipoter mia no pós-operatório

grafia computadorizada de tórax, por não ser invasiva, cadeadas. A fibrilação atrial é achado comum e o risco de
vem sendo utilizada para o diagnóstico de embolia pul- fibrilação ventricular está sempre presente.
monar em substituição à angiografia. Apresenta sensibi- A hipotermia grave é incompatível com a vida.
lidade de 53% a 100% e especificidade de 81% a 100% , Abaixo de 20°C, a totalidade dos pacientes apresenta
com risco de resultado falso negativo de 20% para as parada cardiaca em assistolia.
embolias periféricas21 -3 • As causas mais comuns de hipotermia incluem o pro-
Diante da suspeita de abscessos intracavitários, os cedimento cirúrgico, e o uso de anestésicos e analgésicos,
exames de imagem são utilizados na propeclêutica e até especialmente os opió idesu. Durante o procedimento
na terapêu tica. A esco lha entre radiografia convencional, cirúrgico, ocorre diminuição da temperatura co rporal.
ul tra-sonogra fia, tomografia compu taclorizacla, cintilo- Inicialmente, nas p rimeiras horas, ocorre rápida perda de
grafia e outras deve ser efetuada considerando a eftcácia calor, representando queda de 1oc a 1 ,5°C e podendo
ele diagnóstico, a disponibilidade e o custo. chegar até 3°C, na temperatura corporal. Isso pode ser
E m estudo comparando cintilografia, ultra-sonogra-
explicado pela ação das drogas anestésicas, que promo-
fia e tomografia computado rizada, para identificar c loca-
vem vasodiJaração periférica e inibem a ação central da
liza r abscessos intra-abdominais, observou-se sensibili-
termorreguJação, aliada à dim inuição do metabolismo
dade de 85% , 82% e 98%, res pectivamente, com especi-
basal dos pacientes d urante a anestesia gerai.
ficidade de 95% para as três técnicas 24 •
Pacientes submetidos a anaJgesia p or bloqueio ap re-
Sempre que existirem sinais c sintomas de localização,
sentam hipotermia mais acentuada, pois esse tipo de
a ultra-sonografia e a tomografia com putado rizada deve-
analgesia promove bloqueio do sistema nervoso simpáti-
rão ser feitas primeiro . D iante de abscessos ocultos o u
co peri férico e dos nervos mo tores que são responsáveis
feb re sem causa conhecida, deve-se optar pela cintilogra-
pela termorregulação por meio da vasoconstrição perifé-
fia, pois esta perm ite investigação de todo o corpo25•
rica e de tremores.
A hipotermia peroperatória está associada, ainda, ao
Hipotermia tipo e à duração do procedimento cirú rgico. Nas opera-
ções abdominais, quanto maior o tamanho da incisão,
Hipotermia é definida como situação na qual a tem-
maior é a área de peritôn io e das alças intestinais expos-
peratura corporal está abai xo de 35°C. Pode ser classifi-
tas e maior é a perda de calor. as operações cardiacas
cada, de acordo com a sua gra vidade, em leve (tempera-
com circulação extracorpó rea, hipotermia leve pode ser
tura corporal entre 35°C e 33°C), moderada (temperatu-
induzida para reduzir a incidência de dano neuro.lógicd 7 •
ra co rporal entre 32°C e 30°C) e grave (temperatura cor-
A temperatu ra ambiente da sala cirúrgica pode contri-
poral abaixo de 30°C).
buir para a perda de calor, especialmente se o paciente
ldosos, crianças e indivíd uos magros são mais suscep-
ficar exposto2" . A reposição volêmica com soluções à
tíveis ao desenvolvimento da hipotermia. A ex tensão e a
natureza dos distú rbios fisiológicos que ocorrem duran- temperatura ambiente também contribui para a instala-
te a hipotermia dependem do nivel da temperatura cor- ção da hipotermia. Medidas de prevenção incluem uso de
poral. O s pri meiros sinais decorrem de alterações no sis- dispositivos que evitam a perda de calor (ventilador com
tema nervoso central (ataxia, amnésia, voz arrastada, ar aquecido direcionado para o paciente, enfaixamento
comportamento estranho, alucinações). cum alguJãu urtupéJicu, coberrura com plá5tico5) e
N a hipotermia leve ocorrem alterações cardiovasc ula- infusão de soluções aquecidas entre 38°C c 39°C. É
res para manter a temperatu ra e a hemostasia. P.ste nível impo rtante lembrar que derivados do sangue devem ser
é ai nda considerado seguro para os pacientes. aquecidos em banho-mar ia c nunca no microondas nem
a hipotermia moderada (abaixo de 32°C), a recupe- em água fervente (ebulidor).
ração espontânea não é mais possível, pois o o rganismo Geralmente, após procedimento cirúrgico, são neces-
perde a capacidade de produzir calo r por meio das con- sárias de duas a cinco horas para que a temperatura corpo-
trações musculares (calafrios) e o ritmo metabólico di mi- ral retorne aos valo res fisiológicos. Esse tempo é necessá-
nui progressivamente. Q uando a temperatura corporal rio para que as drogas anestésicas sejam metabolizadas. O
atinge 28°C, arritmias cardíacas graves podem ser desen- uso de analgésicos opióides nesse período pode agravar a

593
••• Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

hipotermia. O paciente deve permanecer seco e coberto, 15 • Mangram AJ, Horan TC, Pearson Silver LC, Jarvis WR.
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594
49
INFECÇÕES
,
DO SITIO
CIRÚRGICO
•• •
Marco Antônio G o nçalves Rodrigues

Introdução Infecções do sítio cirúrgico

Entre as complicações pós-operatórias, destacam-se as Infecções do sítio cirúrgico são aquelas que acome-
infecções, não apenas pela sua freqüência, mas também tem tecidos, órgãos ou cavidades incisados ou manipula-
pelo risco de evoluírem com outras complicações, seqüelas dos durante o procedimento cirúrgico. Podem ocorrer
e óbito a curto e longo prazo. AJém disso, deve-se ressaltar até o 30° dia de pós-operatório ou até o primeiro ano em
o alto custo que representa seu tratamento e controle. caso de colocação de prótese. A simples presença dos
microrganismos nos tecidos do paciente não define a
existência de infecção cirúrgica. Esta deve ser defmida
Infecções cirúrgicas
como o produto da entrada, crescimento e efeitos fisio-
Podem ser consideradas infecções cirúrgicas aquelas patológicos desses microrganismos sobre os tecidos
que são de tratamento prioritariamente cirúrgico, como o orgânicos e sobre o hospedeiro. Seu diagnóstico baseia-
empiema pleural e o abscesso de partes moles que exigem se, portanto, em critérios clínicos e laboratoriais.
drenagem cirúrgica, a fasciíte necrosanre que impõe a rea-
lização de desbridameoto etc. Contudo, neste capítulo, o Epidemiologia
conceito empregado para infecções cirúrgicas é outro, e o
termo refere-se às infecções pós-operatórias decorrentes As infecções do sítio cirúrgico estão entre as princi-
da internação, de procedimentos invasivos ou da própria pais causas de óbito pós-operatório. Sua incidência varia
operação. Quando decorrem diretamente do procedi- entre os diversos serviços e depende da qualidade das
mento cirúrgico e acontecem no local manipulado cirur- medidas de prevenção e controle adotadas. Quando elas
gicamente, são denominadas infecções do sítio cirúrgico. ocorrem, demandam maior utilização de procedimentos
Uma outra entidade importante é a infecção cirúrgica diagnósticos e terapêuticos, maior tempo de internação
do paciente. Esta se localiza à distância do sítio cirúrgico, hospitalar e aumentam o índice de reoperações.
mas acontece indiretamente pela realização da operação Acompanham-se, portanto, de prejuizo à saúde do
(da internação, da execução de procedimentos invasivos, paciente, prejuízo social pelo absenteísmo ao trabalho e
das seqüelas cirúrgicas etc). Infecção urinária em paciente ao convívio familiar, além de prejuízo financeiro ao siste-
submetido a cateterismo vesical peroperatório e pneumo- ma de saúde. Medidas de prevenção e controle, associa-
nia em paciente submetido a ressecção de tumor orolabial das ao diagnóstico precoce e tratamento adequado,
são exemplos de infecções cirúrgicas do paciente. Essas impõem-se como meios eficazes para prevenir e minimi-
entidades são abordadas em outros capítulos deste livro. zar as conseqüências das infecções do sítio cirúrgico.

595
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Infecções hospitalares dependentes ela técnica cirúrgica, da equipe cirúrgica ou
do ambiente operatório.
As infecções 9ue ocorrem após os primeiros trinta
dias da realização, em ambiente hospitalar, de procedi-
mentos cirúrgicos devem ser consideradas hospitalares, RELACIONADOS COM O HOSPEDEIRO

mesmo quando o diagnóstico é feito no ambulató- A defesa do hospedeiro co ntra infecções pode ser
rio/ consultório após a alta hospitaJar. Em contrapartida, representada pela barreira cutân eo-mucosa, que é uma
quando pacientes com infecção pós-operatória são trans- barreira de integridade física, química e imunológica.
feridos de um hospital para outro, a título de vigilância Considerando que a djérese acarreta perda da integridade
epidemiológica, para o hospital que os recebeu, essa física, abre-se uma porra às infecções.
infecção deve ser considerada comunitária. Ressalta-se, E ntre os fatores de risco para infecção pós-operató ria,
relacio nados com o paciente, a idade avançada, a obesida-
entretanto, que no tratO com o paciente, pela presença de
de e o diabetes meflitus (especial mente descompensado) têm
infecção ocasionada por germes hospitalares e, muitas
sido considerados os mais importantes·. Esses e outros
vezes, multirresistentes, a conduta terapêutica, os cuida-
fatores que aumentam o risco de infecção do sítio cirúrgi-
dos e as precauções devem co nsiderar estes faros.
co, pri ncipalmente por co mprometer a defesa orgânica
sistêmica, encontram-se listados no Quadro 49.1.
Origem da contaminação Extremos de idade aumentam o risco de in fecção.

A origem da contaminação e, conseqüentemente, elas


infecções do sítio cirúrgico pode ser endógena ou exóge- Quadro 49.1 .: Fatores relacio nados com o hospede iro q ue
na. A principal fonte exógena é a eqwpe cirúrgica, mas ela aumentam o risco de in fecçã o do sítio cirúrJ..,riCO
pode também ser o ri unda do ambiente inanimado 1• ----------------------------------------------··•
E stima-se, no entanto, que 60% a 70% dessas infecções Jdade (senilidade e prematuridade)
tenham origem endógena, ou seja, originam-se da própria Desnutrição
microbiota do paciente2 ' . D eve-se ressaltar que a micro- Obesidade
biota indígena responsável pelas infecções cirúrgicas é a
Leucopenia e outros distúrbios imunológicos
microbiota indígena transitória, gue se modjfica. A maior
Uso de corticóides e imunossupressorcs
permanência hospitalar elo paciente no pré-operató rio
T abagismo
favorece a coloni zação da pele pela microbiota hospitalar,
ou seja, por microrganismos muitas vezes mais virulentos Transfusão pré-operatória

e multirresistentes' . A in fecção do sítio cirúrgico pode ser Existência de comorbidadcs (ASA > 2)

até duas vezes mais freqüente em pacientes que permane- Diabetu mr/litNs descompensado
cem por cinco a sete djas internados no pré-operatório, Esplenectomia em csquisw ssomóticos
em comparação àqueles que ficam um dja apenas1' . Doença o ncológica (questionável)
Colonização por micror&ranismos patogênicos

Fatores de risco Infecção coexistente



Dive rsos fatores de risco têm sido apo ntados no
desenvolvimento de infecção do sítio cirúrgico, como
idade avançada, desnutrição, obesidade, diabetes melfitus, Pacientes com idade acima de 65 anos parecem ap resen-
baixo nível socioeconômico, tempo cirúrgico aumenta- tar infecção elo sítio cirú rgico com maior freqüência'·" '2 •
do, hospitalização pré-operatória pro longada e grande As taxas de infecção do sítio cirúrgico aumentam co m o
carga infectante ele microrganismos. prolongamento da in ternação hospitalar pré-operatória,
D essa fo rma, o risco de desenvolvi mento dessa infec- o que pode acontecer também pela coexistência de con-
ção depende de fato res relacionados ao paciente, ao djções mó rbidas que requerem correção antes da opera-
agente infeccioso e ao procedimento cirúrgico . Entre ção e que em idosos são mais comuns. Os prematuros
esses últimos fatores, podem ser distinguidos aqueles também são mais sujeitos a essas infecções, prova\·el-

596
Capítulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

••
mente em decorrência da imaturidade dos mecarusmos O tabagismo influencia negativamente o processo ele
de defesa antibacteriana. cicatrização. Vários estudos o apontam como importao-
A desnutrição grave está associada à ocorrência de te fato r de risco para infecção do sítio cirúrgicd-·12.2". Um
deficiência de cicatrização, infecções cirúrgicas e morte. deles identificou o tabagismo como fato r de risco inde-
Em geral, aceita-se que a desnutrição aumenta o risco de pendente para infecção esternal e mediastinal em pacien-
infecção do sítio cirúrgico, embora associação epidemio- tes submetidos à ciru rgia cardíaca".
lógica consistente seja de difícil demonstração em todas A transfusão de hemoderivados contendo leucócitos
as especialidades cirúrgicas''·"·". A nutrição parenteral parece constitui r fa tor de risco para o desenvolvimento
total e a nutrição enteral têm surgido como opções para de in fecção do sítio cirúrgico. Entretanto, a análise críti-
recuperação nutricional pré-operatória"·'•, apesar de nem ca da metodologia e de variáveis intervenientes dos atu-
todos os estudos terem demo nstrado redução das infec- ais estudos não permite considerar a transfusão sangüi-
ções do sítio cirú rgico com essas condutasn . Atual- nea pré-operatória como fator de risco independente
mente, a terapia nutricional está indicada em diversas para infecção do sítio cirúrgicd''u.
circunstâncias, mas não deve ser considerada sistemati- A existência de como rbidades, em especial quando o
camente como meio preventivo de infecção do sítio risco anes tésico-cirúrgico do paciente é moderado a alto
cirúrgico. D eve-se empregar terapia nutricional pré (ASA maior ou igual a 3), também tem sido apontada
e/ ou pós-operatória em operações eletivas de maior como fato r ele risco para infecção do sítio ci rúrgico.
porte e em pacientes gravemente desnutridos, conside- D oenças agudas ou crônicas descompensaclas elevem
rando a grande morbidade das potenciais complicações moti va r, sempre que possível, o adiamento do procedi-
pós-operatórias, entre as quais a infecção do sítio cirúr- mento eletivo.
gico16"20. Essa terapia tem-se mostrado particularmente A contribuição elo diabetes mellitus é controversa como
impo rtante em cerras operações oncológicas de grande fator de risco isolado21'.2' . A doença descompensada
porte, após repetidas operações em politrau matizaclos, e (hiperglicemia persistente) indiscutivelmente aumenta o
em pacientes com grandes complicações cirúrgicas que risco de infecção do sítio íveis de glice-
impedem a alimentação o ral ou que levam a estado mia acima ele 200mg/dL nas primeiras 48 horas de pós-
hipermetabólico. operatóri o têm-se associado à maior taxa ele infecção do
Vários estudos apontam a obesidade, especialmente sítio cirúrgico. Pacientes com diabetes apresentam defei-
classe III, como fator de risco para infecção do sítio tos na guimiotaxia, aderência e fagocitose elos granulóci-
cirúrgico46·2122 . O risco decorre do menor fluxo sangüíneo tos, que se tornam menos aptos à defesa contra infecções
na ferida cirúrgica, da maior dificuldade técnica c do fúngicas c bacterianas. Em estudo nacional realizado no
tempo cirúrgico que, geralmente, é mais prolongado nes- perioperatório de operações ginecológicas, a maioria elas
ses pacientes1·'·9.t 1..n . Outras justificativas para este maio r pacientes diabéticas era tipo 2, e o procedimento cirúrgi-
risco tem sido a associação da obesidade com o diabetes co só foi realizado q uando a glicemia estava abaixo ele
mel/itus e com a má-h igiene•. Existem alguns estudos que 180mg/dL; mesmo monito rizando-se a glicemia com
associam o aumento ela freqüência de infecção do sítio hemoglicoteste e administrando-se insulina simples no
cirúrgico à medida que se observa o aumento da espessu- pré e pós-operatório imed iato, o risco ele infecção foi seis
ra do tecido celular subcutâneo2; . vezes maior na presença ele diabetes mellitul 1 •
Imunodeficiências primárias ou adqu iridas aumentam J\o contrário do que já foi descrito no passado, a pre-
o risco de infecção do sítio cirúrgico. Dentre essas, des- sença ele doença maligna como indicação cirúrgica pare-
taca-se a infecção pelo llLV (buman ÚltiiJtmodiftcienry vims). ce não apresen tar correlação independente com o
A corticoterapia tem efeito negativo sobre a cicatrização aumento do risco ele infecção do sítio cirúrgico21 ·11 •12 •
da ferida cirúrgica, além de suprimir as defesas imunoló- Através da corrente sangüínea, m icrorganismos
gicas. Assim, pacientes em uso de corticóides e imunos- podem alcançar a fe rida operatória a partir ele infecção
supressores no pré-operatório estariam predi spostos à distante do sítio cirúrgicon Sua presença é considerada
infecção do sítio cirúrgico; contudo, a li teratura é contra- um elos fato res ele risco mais importantes para o desen-
ditória a esse respeitou'r. volvimento de infecções incisionais 21' .

597
..

-----------------------------------------------------------------------
Fundament os em Clínica Cirúrgica

Os Slaphylococcos aureus colonizam as narinas de cerca RELACIONADOS COM A EMPREGADA

de 30% das pessoas sadias e a ocorrência de infecção do Entre os fatores de risco para infecções cirúrgicas
sítio cirúrgico por esse patógeno está associada com sua envolvidos com a terapêutica empregada destacam-se
identificação nas narinas dos pacientes no pré-operató- aqueles relacionados com o procedimento cirúrgico, a
rio36. Recente análise de multivariáveis demonstrou que a equipe cirúrgica, o ambiente cirúrgico e os cuidados
colonização pelo .5: aure11s foi o fator de risco indepen- pós-operatórios.
dente mais potente para o desenvolvimento de infecção
do sítio cirúrgico em operações cardiotorácicas37 • A RELACIONADOS COM O PROCEDIMENTO CIRÚRGICO
mupirocina aplicada às narinas pode erradicar o S. a11reus O fator de risco para infecção do sítio cirúrgico rela-
e seu uso, em pacientes colonizados, tem sido apontado cionado com o procedimento cirúrgico mais classica-
como forma de prevenção de infecção do sítio cirúrgico.
mente citado e estudado é o grau de contaminação da
A eficácia desta conduta não está ainda definitivamente
operação. Contudo, outros têm sido atualmente conside-
O uso da mupirocina intranasal em pro-
rados importantes como a natu reza da operação (urgên-
fissionais de saúde tem taxa de sucesso superior a 90%
cia ou eletiva), a duração do procedimento e vários
após cinco dias de tratamento, mas precisa ser mais bem
aspectos relacionados à técnica operatória.
estudado, uma vez que o desenvolvimento de resistência
D e acordo com o grau de contaminação das opera-
também é rápido.
ções, elas têm sido classificadas em: 1) limpas; 2) poten-
cialmente contaminadas; 3) contaminadas; e 4) infectadas
R ELACIONADOS COM OS MICRORGANISMOS o u sujas (Quadro 49.2). As taxas de infecção do sítio
Os principais fatores relacionados aos microrganis- cirúrgico dependem diretamente desse grau de contami-
mos são a carga infectante e a virulência. Carga infectao- nação26. Em operações limpas variam de 1% a 5% , nas
te refere-se ao número de bactérias necessário para que potencial.mente contaminadas, de 3% a 11 % ; nas conta-
ocorra infecção. Tem sido demonstrado que a contami- minadas de 10% a 17% e, nas infectadas, geralmente
nação da ferida cirúrgica com mais de 105 bactérias por encontram-se acima de 27% . A taxa de infecção em pro-
grama de tecido aumenta significativamente o risco de cedimentos limpos é um dos melhores indicadores do
infecção do sítio cirúrgico39 • Na presença de corpo estra- controle das infecções hospitalares. Contudo, para que
nho, hematoma ou tecido desvitalizado, esse número seja confiável, é necessário o acompanhamento pós-ope-
pode ser tão pequeno quanto 100 bactérias por grama de ratório ambulatorial do paciente.
tecido. O mesmo tem sido observado em pacientes A natureza da indicação cirúrgica (eletiva, urgência ou
imunossuprimidos 8•11 •40 • emergência) também parece interferir na incidência de
Po r sua vez, virulência é a capacidade do microrganis- in fecção do sítio cirúrgico 41 • Após operações de emer-
mo de invadir os tecidos do hospedeiro, multiplicar-se e gência e mesmo de urgência, a ocorrência dessa infecção
produzir-lhe danos. Por exemplo, cápsulas de polissaca- seria maior do que após p rocedimentos eletivos, devido
rídeos da superfície bacteriana inibem a fagocitose, um ao caráter normalmente mais grave da doença cirúrgica,
processo crítico da defesa primária dos tecidos contra ao pior estado clínico do paciente, à maior dificuldade
infecção do sítio cirúrgico. Certas cepas de clostrídios e técnica e ao pior preparo pré-operatório dos pacientes.
estreptococos produzem exotoxinas com o poder de A associação entre tempo cirúrgico prolongado e
romper as membranas celulares. Uma variedade de infecção do sítio cirúrgico tem sido descrita em diversos
microrganismos, incluindo estafilococos coagulase-nega- estudos, possivel.mente pelo aumento do potencial de
tivos, produ zem glicocálix e um componente associado contaminação do campo cirúrgico•2 4• l o decorrer do
chamado slime, que protegem fisicamente a bactéria da procedimento cirúrgico, observa-se proliferação micro-
fagocitose ou inibem a ligação o u penetração de agentes biana, possivelmente, a partir da descamação do tecido
antimicrobianos. epitelial ou da excessiva manipulação, e os microrganis-
Um outro fator relacionado aos microrganismos e mos podem atingir os tecidos mais profundos. Acredita-
que influencia negativamente a prevenção e o tratamen- se que, para cada hora transcorrida além do tempo cirúr-
to das infecções do sítio cirúrgico é a resistência aos gico habitual, o risco de infecção do sítio cirúrgico
antimicrobianos. dobre42. O aumento da duração cirúrgica pode estar tam-

598
Capítulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

••
bém associado às dificuldades técnicas em casos de manuseio delicado dos tecidos, co m redução do trauma
maior complexidade, ao estado do paciente (aderências, tecidual, deve ser preocupação constante da equipe cirúrgi-
obesidade, reoperação) , às operações o ncológicas e à ca. Corpo estranho, tecido desvitalizado ou hematoma fun-
inexperiência do cirurgião ; todos eles fatores de risco cionam como foco de proliferação de microrganismos
independentes para infecção. Uma boa experiência e livres das defesas teciduais, aumentando sobremaneira a
habilidade técnica do cirurgião são determinan tes de incidência de infecção do sírio cirúrgico. Para prevenir sua
diminuição do tempo operatório 41 • ocorrência, portanto, é essencial realizar boa hemostasia
(sem uso excessivo de eletrocautério), evitar espaços mor-
tos e usar adeguadamente drenos, próteses e materiais de
Quadro 49.2 •• Classificação das o pe rações quanto ao grau de
sutu ra. O s fios monofilamentares são melhores gue os
conta minação
trançados, pois não o ferecem reentrâncias para abrigo de
------------------------------------------------··• micro rganismos46.•'. Por sua vez, os fios não-absorvíveis
Aquelas onde nio se encontra infecçio
parecem apresentar maior capacidade de atrair bactérias
ou processo inflamatório no sitio cirúr-
gico e nio hi abertura dos tratos respi- para sua superficie; entre os fios absorvíveis, o polidioxano-
ratório, digestivo, genital e/ ou urinário. ne tem apresentado baixa adesividade bacteriana, tanto
Além disso, não hi falha da técnica para e. co/i, guanto para J aureu/ 1 • O s drenos não devem
asséptica, as feridas sio fechadas pri- ser colocados através da incisão, mas por contra-abertura e,
mariamente c, se neccssújo, drenadas
em sistema fechado preferencialmente, em sistema fechado, para diminuir o
risco de infecção""·""•9 (Quadro 49.3).
O perações potencialmente Procedimentos nos <luats o(s) trato(s)
contaminadas respiratório, digest.h·o, genital e/ ou uri-
nário é(sào) abeno(s) sob condições
controladas, sem contaminação grossei- Quadro 49.3 .: Fatores relacio nados com a técnica cirúrgica c
ra. O perações envolvendo traro biliar, q ue co m pro m etem a d efesa o rgânica local, favo recend o a in fecção
apêndice, vagina e o ro faringc, sem evi- do sítio c irúrg ico
dência de infecção ou fa lha da técnica
asséptica, estão incluldas ncsm categoria
------------------------------------------------··•
Operações conwninadas Operações com quebra da t«nica assép- ManuseiO" agressÍ\•o dos tecidos
tica ou grosseira a partir
do trato gastrointestinal, biliar e/ ou Hemos12sia insutic:iente (hematoma)
gálito-urinário, na presença de bile e/ ou Cauterização excessiva
urina colonizadas., e feridas com pn1Ccs-
so inftamatóào agudo nio-purulento Ligadura em massa
estio incluídas nesta categoria. lnduem Presença de corpo estranho c de tecidos desvitalizados
tambbn feridas traumAticas abertas.
Uso de fios cirúrgicos pouco incnea e multifilamentados
com menos de seis horas de: evoluçio
Uso indiscriminado de d rcnos em sistema aberto
Operações sujas ou Aquelas com infecção clínica preexis-
infectadas tente o u com perfuração de víscct·a oca. Exteriorizaçio de dreno na ferida cirúrgica principal
Rsta definição sugere que os micro rga- Manutenção de espaço-mono
nismos causadores da in fecção do sitio
cirúrgico estavam presentes no campo Contaminaçio wosseira do campo cirúrgico
operató rio am es mesmo do p rocedi- •
mento cirúrgico. Incluem as feridas ··------------------------------------------------
traumáticas abertas, tardias (mais de
É importante também a prevenção da hipo term ia
sets horas de evolução) ou com tecido
des\•italizado perioperatória (temperatura abaixo de 36°C), sob pena de
reduzir a oxigenação tecidual e depri mir a fu nção fagoci-

··------------------------------------------------
\dap••do de ai." e1
tária, favorecendo a infecção do sítio cirúrgico\('.

A realização de técnica cirúrgica correta, respeitando os RElMJONADOS COM A EQUIPE CIRÚRGICA

princípios de Halsted, é essencial e consrirui a medida mais O s fato res de risco para infecções do sírio cirú rgico
importante na prevenção da infecção do sírio cirúrgico . O dependem diretamente da higiene, paramentação c

599
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
degermação das mãos e antebraços da equipe cirúrgica. O .rexiclina. A anti-sepsia das mãos e dos antebraços do
cirurgião e sua eguipe devem manter higiene pessoal cuida- cirurgião, também denominada escovação das mãos do
dosa para não serem carreadores de patógenos ao ambien- cirurgião, constitui processo que visa à remoção de suji-
te hospitalar, especialmente às zonas críticas como o cen- dades e detritos, à redução substancial ou eliminação da
tro cirúrgico. As unhas devem ser mantidas curtas e limpas. microbiota transitória e à redução parcial da microbiota
Não se devem usar unhas artificiais. Os cabelos e as barbas residente. A maioria dos autores e dos protocolos tem
devem ser mantidos adequadamente higienizados. recomendado realizar essa anti-sepsia co m PVP-1 deger-
A circulação no centro cirúrgico deve ser feita com mante ou gluconato de clorexidina, com auxilio de esco-
roupa limpa própria, mantendo-se apenas a roupa íntima va macia ou esponja de poliuretano esterilizadas, interes-
por baixo. Gorro e máscara protegem o campo cirúrgico sando desde a ponta dos dedos até a região acima dos
e os instrumentais contra pêlos e detritos da pele, sendo cotovelos, duran te pelo menos cinco minutos 52-5 .
obrigatório seu uso por todos que circulam no bloco Tempos menores são comprovadamente insuficientes, a
cirúrgico. O gorro deve cobrir todo o cabelo (cabelos não ser que o cirurgião saia de um procedimento de
maiores podem demandar dois gorros) e a máscara menos de 60 minutos diretamente para outro; neste caso,
cobrir a boca e o nariz. Os gorros são materiais baratos e a anti-sepsia pode durar três minutos56· 8• Atenção especial
diminuem a contaminação bacteriana do campo cirúrgi- deve ser dada aos espaços subungueais e pregas in terd i-
co, proveniente do cabelo e do couro cabeludo. Apesar gitais. Em alguns casos, o uso de escova é imprescindivel
de alguns estudos questionarem o valor do uso da más- para garantir a limpeza dos leitos subungueais. Após
cara durante a operação no controle de infecções incisio- degermação, enxaguar, manter os braços em flexão com
as mãos para cima e secar com compressa esterilizada,
nais, o risco para a equipe cirúrgica de se expor ao sangue
respeitando o sentido dedos-cotovelo. A luva quimica
e a outros fluidos corporais do paciente torna seu uso
com PVP-I degermante ou tintura não é obrigatória,
obrigatório, constituindo medida de precaução padrão
sendo desencorajada em alguns serviços. i\ s pri ncipais
ou universal. O CDC recomenda, na sala cirúrgica, o uso
características dos principais anti-sépticos estão sumaria-
de máscaras que cubram a boca e o nariz, sempre que a
das no Q uadro 49.5.
operação estiver por começar, em andamento ou se hou-
ver material cirúrgico estéril exposto. Os aventais usados Quadro 49.4 .: Conceitos de anti-scpsia e anti-sépticos
pelos profissionais no campo cirúrgico devem ser espes-
sos, resistentes e ele preferência impermeáveis para pro- ----------------------------------------------··•
teger o campo do contato com fragmentos da pele da
Anti-sepsia Procedimento empregado para destrui-
equipe cirúrgica e esta dos fluidos e secreções do pacien- ção de germes da pele e de mucosas, por
te. As luvas cirúrgicas são barreiras eficazes contra a con- meio do uso de agentes anti-sépticos
taminação elo sítio cirúrgico. Devem ser trocadas sempre
Anti-sépticos Substâncias providas de ação letal o u
que ocorrer perfuração'·5•5' . Os propés (pro tetores de cal-
inibitória da reprodução microbiana,
çados) são recomendados, apesar ele não influenciarem p referencialmente hipoalcrgênicas e de
na incidência de infecção do sítio cirúrgico'·•·l(l. Podem ser baixa causticidadc, de ação rápida c
prolo ngada, destinadas a aplicações em
substituídos por calçados destinados a uso individual e
pele e em mucosas
exclusivo no centro cirúrgico. Neste am biente, adornos •
como anéis, relógios e pulseiras não devem ser usados e
··----------------------------------------------
objetos pessoais como bolsas, jo rnais, entre outros, não RELACIONADOS COM O AMBIENTE CIRÚRGICO
devem ser levados à sala cirúrgica. Alguns aspectos relacionados com o ambiente cirúrgi-
N a anti-sepsia das mãos e antebraço da equipe cirúr- co podem influenciar o risco de infecções elo sítio cirúrgi-
gica, o agente anti-séptico deve, idealmente, ter amplo co, como o espaço físico das salas cirúrgicas, que deve ser
espectro contra os microrganismos, ser de ação rápida e suficiente para circulação da equipe, de modo a evitar
ter efeito residual. Os conceitos de anti-sep sia e de agen- contaminações acidentais. Atualmente, com o emprego
tes anti-sépticos estão apresentados no Quadro 49.4. Os de vários equipamentos no peroperatório (videolaparos-
anti-sépticos mais usados na prática cirúrgica têm sido os cópio, microscópico cirúrgico, radioscopia etc.), as salas
iodóforos (polivinil-pirrolidona-iodo ou PVP-l) e a elo-

600
Capítulo 49 .: Infecções d o sítio cirúrgico

••
ctrurgicas idealmente devem ter mrus de 20m2• a sala das vias aéreas da equipe cirúrgica e do paciente. A ven-
cirúrgica, pisos e paredes devem ser de materiais Usos, tilação deve ser feita com ar filtrado e pressão positiva,
não-porosos, laváveis e resistentes ao fogo. em relação aos corredores e áreas adjacentes. É também
O ar do ambiente cirúrgico constitui importante veí- importante que o sistema de ar condicionado permita
culo de contaminação bacteriana. A concentração destes adequado controle da umidade (50% a 60%) e da tempe-
microrganismos no ar é, no princípio da operação, baixa, ratu ra (21 oca 24°C). É necessário manter um mini mo de
mas aumenta no seu transcorrer, principalmente pela dis- 15 trocas de ar por hora. A admissão do ar deve ser feita
persão de restos epidérmicos e de bactérias provenientes próximo ao teto e sua exaustão próximo ao piso.

Quadro 49.5 .: Características dos principais anti-sépticos amalmente na p rática hospitalar


••

Álcool etílico Álcool iodad o lod óforos C lo rexidina
a 70% 0,5% a 1% (PVP-1) 0,5% c/ á lcool; 2% a 4% aq uosa

Eficiência Boa Boa Ótima Excelente

Gram + +++ +++ ++ + ++ +


Gram - +++ +++ +++ ++
Vírus +++ +++ ++ +
Micobactérias +++ +++ + +
Fungo s +++ ++ ++ +

Velocidade de ação Rápida Intermediária lntennediária Intermediária

Efeito residual Ausente Ausente Meno r (4h) Maio r (5-6h)

Atividade reduzida em pre- Sim Sim Sim Nio


sença de material o rgânico

Reaçôcs de hipcr- Ausente Ao iodo !\o iodo Raras


sensibilidade (questionável)

Efeitos colaterais e Mínima; resse- lrritaçôes c Irritações e quei- Baixa toxidade; ceratite e
toxicidadc camenro da queimaduras
comuns
maduras menos
comuns** __
ototoxidade se aplicado nos
olhos/ ouvidos de RN ___.
Custo Baixo Baixo Médio Alto

Principais indicações Anti-sepsia das mãos Preparo do campo em Degermaçào ptt-ope- Degennaçio das mios da
antes e após manipu- procedimentos invasi- ratória e das mios da equipe cirúrgica
lar o paciente vos ou cirúrgicos de equipe cirúrgica
(degennante) Preparo do
Anti-sepsia da pele curta duração - p. ex.,
antes de punção
biópsias de pele
Anti-scpsia de muco-
venosa sas (tópico)

Preparo do campo
cirúrgico (tintura)

Observaçôcs ào deve ser uti- Deve ser acondi- Não deve ser Deixa mancha
lizado em mãos cio nado em fras- usado em recém- nas roupas
úmidas co âmbar e remo- nascidos
vido após proce-
d imento

"" Para cvuar n ressccamento da pele pelo seu uso repetido. disponibili1ar nos lavabos das enfermarias álcool eúlico com gliccnna
.... Especialmente na gcnitába, em peles maas finas e se permanecerem por pcriodos

601
•• • Fundamento s em Clínica Cirúrgica

Man utenção preventiva e perióclica do sistema de venti- tempo operatório, pela maior gravidade dos casos opera-
lação é imprescindivel. O emprego de ventilação com dos, mas seguramente, também, pela maior circulação de
Auxo lam inar e de irradiação ul travio leta não se justifi- pessoas no centro cirúrgico.
cam rotineiramente 1'41•5'1.r".
A limpeza do ambien te hospitala r constitui aspecto
REU.CIONADOS COM OS CUIDADOS PÓ5-0PERATÓR/OS
essencial no controle de q ualq uer infecção nosocomial.
Apesar de a maioria das in fecções do sítio cirúrgico
A desinfecção de superficie (piso, paredes, mesa cirú rgi-
ocorrer pela contaminação pcropcratória 1 , ela pode
ca, maca etc.) deve ser realizada na eventualidade de qual-
dever-se à contaminação pós-operatória quando não há
guer contaminação e periodicamente de acordo com
fechamento primário da ferida, o u quando ocorrem deis-
rotina da Comissão de Controle de Infecções
cência, manipulação excessiva ou deslizes técnicos no
Hospitalares. Os instrumentos cirúrgicos, campos, com-
manejo pós-operatório da ferida operaLória. A realização
pressas, entre outros, devem estar de,ridamente esterili-
c a manutenção de curati,·os c a retirada de pontos cons-
zados; na impossibilidade de se respeitar este princípio
tituem momentos críticos gue devem ser discutidos.
(como é o caso de instrumentos de operação laparoscó-
Os curati,·os mantêm umidade e temperatura ade-
pica), esses insu·umentos devem ser submetidos, no
quadas nas feridas ci rúrgicas, protegem co ntra traumas
mínimo, a desinfecção de alto nível. Conceitos e exem-
mecânicos e contaminações elo meio externo e absor-
plos de técnicas de limpeza, desinfecção e esterilização
vem as secreções, favorece ndo a epitelização e cicatriza-
estão listados no Quad ro 49.6.
ção. P o r meio de seu cfciLO comprcssivo, ajudam a pre-
venir a formação de hematomas e scromas. Além d isso,
Quadro 49 .6 .: ConceitOs de limpeza, desinfecção e esterilização
oferecem conforto fís ico c psicológico ao paciente. A
------------------------------------------------··• utili zação dos curativos é um meio de prevenção das
Procedrmento de remoçiio d e ' uJidnde " infecções do sítio cirúrgico; contudo, alguns princípios
dc:tritus para manter em cstadt• de as
devem ser respeitados.
e artigos, reduzindo a
çào m1crobiana. Dc,·c preceder a Os curativos de,·em ser feitos com técnica e material
c a esten lização. asséptico, logo a pó o término da operação, e mantidos por
Principais técnic as - limpe7.a mecânica com 24 a 48 horas, sem serem molhados. A troca deve ser feita
água, detergentes e/ o u produtos enzrmáucos.
antes de 24h apenas se acumularem secreções, também sob
Desmfecç:io Procedimento que promove a destrurção de condições assépticas, evitando-se a manipulação vigorosa
mrcroq,>anismos patogênicos na forma vegeta da ferida, e usando-se para limpeza a solução salina 0,9% c,
uva, presentes em superficies inertes, por meio em casos selecionados, PVP- l tópico. Após 48 ho ras, as
da aplicação de agentes químicos ou fisicos.
Pod e ser de baixo, médio ou alto nh•d. feridas suturadas devem ser mantidas preferencial mente
P rincipais técnk as - glutaraldeído, álcool. descobertas. a presença de foco infeccioso nas proximi-
iodóforos c compostos clorados fenólrcm. dades da ferida (colostomias, infecção), mantém-se curati-
Esterili:r.açin Procedimento que p romo\'e a destruição de
vo oclusivo impermeável que, além de favorecer a cicatri-
todas as formas (bactériab, fu n- zação, evita a contaminação bacteriana.
gos, \'lrus c esporos) presenres em O momento ideal para a retirada dos pomos deve res-
inertes, por meio da aplicação de pwccssos
peitar o processo de cicatrização e outros aspectOs da feri-
!laicos e/ o u químicos.
Principais técnicas- óxido de etileno, estu - da operatória. ua retirada precoce pode levar à deiscência
fas elétricas (calor seco), autoclave (calo r da ferida e seu adiamento faz com gue o fio funcione como
úmido) e radiação. corpo estranho levando a reações inflamatórias. Normal-
mente, retiram -se os pontos em tOrno do IÜ0 dia pós-ope-
ratório. as feridas em áreas sem tensão, onde a irrigação
Deve haver controle do trânsito de pessoas na sala sangüínea é intensa (como na face) c q uando se deseja
cirúrgica, que deve ser limitado ao pessoal de apoio devi- melhor resultado estético, os pontos podem ser retirados
da mente treinado. Os proceclimemos cirúrgicos realiza- no 5° dia pós-operatório e substituídos por fitas m icropo-
dos em hospitais universitários ap resentam maiores taxas rosas até gue a fetida alcance maior resistência tênsiJ. Ao se
de infecção do sítio cirúrgico, provavelmente pelo maior retirarem os pontos de surura, deve-se fazer a anti-sepsia da

602
•••
Capítulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

ferida e utilizar instrumental esterilizado. Corta-se o fio caso é freqüentemente denominada "celulite". Ela é
rente à pele e tracio na-se a maior extremidade, de modo relativa mente comum, mas deve ser diferenciada dares-
que a mínima q uantidade de fio externo passe po r dentro pos ta inflamatória ao trauma c1ue normalmente ocorre
da ferida, evitando a contaminação do trajeto. Nas suturas na ferida operatória c de eventuais reações de corpo
transversais à linha de incisão, a tração deve ser direciona- estranho aos fios cirúrgicos ou próteses. Outras vezes,
da para a borda contra-lateral e, nas suturas longitudinais determina área de maior inflamação, circunscri ta e
(intradtnnicas), a traçãu é feita seguindo a linha de incisão, rumefeita, denominada abscesso (tecido subcutâneo
contendo a ferida com uma gaze estéril para impedir seu infectado e necrosado que geralmente se liquefaz levan-
estiramento. Tais técnicas evitam a deiscência da ferida do a flutuação).
operatória. Se d urante a retirada dos pontos ocorrer lesão
da pele o u deiscência da ferida, devem -se fazer curativos ou
Infecção incisional profunda
mesmo considerar a ressutura.
Envolve obrigatoriamente o plano músculo-aponeu-
Classificação rótico da ferida o peratória. Apresenta caráter mais g rave
por compro meter tecidos funcionalmente mais nobres,
As infecções do sítio ctrurgico são classificadas de como fáscias, aponeuroses, tendões, vasos c
acordo com sua localização anatômica em infecções inci- nervos, e por colocar em risco as cavidades (p.ex., a
sio nais, que acometem os tecidos parietais incisados, e abdominal) protegidas por estes planos parietais. Pode
infecção de ó rgãos o u cavidades. As infecções incisio nais evoluir com abscedação e, principalmente, com necrose
podem ser superfi ciais e/ou profundas e representam (fasciite o u miosites necrosantcs). Pode estar ou não
70% a 80% das infecções do sítio cirúrgico 1 (Fig ura 49.1 ) . aco mpanhada de infecção incisional superficiaL

----------------------------------------------··• Infecção de órgãos ou cavidades

São aquelas que acometem qualquer região anatômica


que foi aberta ou manipulada durame a operação, a exce-
ção dos tecidos parietais. Com freqüência, decorrem de
deiscência de suturas ou anastomoscs gastrointestinais
o u são complicações de condição mórbida pré-existente
o u do tratamento cirúrgico do abdome agudo (colecisti-
te aguda, apendicite aguda, úlcera perfu rada e perfura-

•-m{
ções intestinais, traumáticas o u não).
São g raves, pois podem evoluir mais freqüentemente
com septicemia. Constimem exemplos a cndocardite
após troca de válvula cardiaca, os abscessos intra-abdo-
minais após laparotomias, o empiema pleural após rora-
cotomias, a meningite após cran iotomias c a infecção uri-
nária após prostatectomia convencional .


··----------------------------------------------
Figura 49.1 .: Classificação topográfica das infecções do sítio
Infecção do sítio cirúrgico com extensão regional
cirúrgico de aco rdo com sua localização e os tecidos envolvidos As infecções do sítio cirúrgico podem estender-se a
tecidos, órgãos ou cavidades regionalmente próximos ao
local operado po r meio da disseminação elos micro rga-
Infecção incisional superficial
nismos por contigüidade, via lin fática ou au-avés de espa-
Acomete apenas a pele e/ o u subcutâneo do local da ços natu rais como bainhas m usculares c tendinosas.
incisão. Pode determinar hiperemia, calo r e do r; nesse E mpiem a pleural decorrente de abscesso subfrênico

603
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
num paciente submetido a colecistectomia e gangrena de patógenos desde que se faça rigoroso preparo do campo
Fournier no pós-operatório de procedimento ano-reta! operatório. Contudo, pêlos na linha ele incisão podem
são bons exemplos. funcio nar como corpos estranhos na ferida operatória,
dificultando a aproximação de suas bordas e a rea lização
de curativos. Quando a remoção dos pêlos é fei ta por
Profilaxia raspagem (tricotomia com lâmina), aumenta-se significa-
T odos os esforços devem ser em preendidos na tenta- tivamente o índice de infecção do sítio cirúrgico, se com-
tiva de prevenir a ocorrência das infecções do sítio cirúr- parada com sua remoção po r to nsura, com tricotomiza-
gico. Com este objeti vo podem-se tomar medidas tanto dor elétrico (clipper) ou com a não- remoção'2·"' . O risco
para redu zir a contaminação bacteriana, quanto para aumentado da raspagem é atribuído a pequenas lesões da
melhorar a defesa orgânica elo hospedeiro. pele (escoriações), causadas pela lâmina, que funcionam
como focos de proliferação bacteriana. O mo mento da
reti rada dos pêlos também é outro aspecto importan te.
Melhora da defesa orgânica Observam-se ta xas de infecção do sítio cirú rgico de 3, I%
com raspage m imediatamente antes da operação, de
Por meio de adequada avaliação e preparo pré-opera-
7,1% 24 horas antes e maiores de 20% quando a raspa-
tório, em particular nos pacientes com maior risco anes-
gem é feita mais que 24 horas ames do ato cirúrgico<''. As
tésico-ci rúrgico, é possível red uzir o risco de complica-
reco mendações são para se evitar a remoção de pêlos
ções perioperatórias, inclusive o risco de infecções cirúr-
sempre que possível; realizá-la no máximo duas horas
gicas. Constituem condutas particularmente im portantes:
antes da inter\'enção, pre ferencialmente na sala ou ame-
terapia nutricional em pacientes c9m desnu trição acen-
sala cirúrgica e antes da an ti-sepsia da pele; restringi-la à
tuada; interrupção do tabagismo; redução da obesidade
área da incisão; pre ferir a tonsura à tricotomia; preferir a
sob rigoroso controle clínico-endocrinológico e nutricio-
tricoto mia elétrica à tricotomia com lâmina'·'"·62·"'. Se o
nal; controle da hiperglicemja em pacientes diabéticos
paciente não costuma apresentar reação alérgica cutânea
descompen ados; diagnóstico (p.ex., urocultu ra) c trata-
à depilação quimjca (cremes depilató ri os), essa técnica
mento de infecções prévias (p.ex. , infecção urinária); e
pode ser utilizada com vantagens em relação à raspagem
tratamento de demais comorbidades.
do pêlo'''. Contudo, deve-se evita r seu uso próximo dos
olhos e da geni tália, porque pode provocar irritação.
Redução da contaminação baderiana
DEGERMAÇÃO PRÉ-OPERAT ÓRIA
A redução da con tamjnação bactcriana do sítio cirúr-
gico deve ser alcançada a partir de in úmeras merudas, a O banho pré-operatório co m anti-sépticos degerman-
serem tomadas em vários momentOs e por di versos pro- tcs (P VP-1 ou clorexiruna), conhecido como degermação
fissionais. lo Quadro 49.7, estão sumariadas vá rias meru- pré-operató ria, deve enfatiza r a futura área cirúrgica e ser
das que visam evitar as infecções cirúrgicas, especialmen- realizado, preferencialmente, uma a duas horas an tes de
te por meio da redução ela contaminação bacteriana. o paciente ser encamjnhado ao centro cirúrgico. O obje-
Todas as medidas preventivas apresentadas no Quadro ti \'O dessa degermação é eli minar a suj idade, a oleosidade
49.7 são igualmente importantes; algumas já foram ruscuti- e os patógcnos presentes na pele. Algu ns estudos mos-
das, neste capítulo, quando foram apresentados os princi- Lram llue sua realização dimin ui a coloni zação ela pele;
ou tros que ele pode também reduzir a incidência de
pais fatores de risco para infecção do sítio cirúrgico.
infecção incisio nal, especialmente em operações Limpasu'.
Adiante, saJjentaremos aspectos importantes do uso crite-
Contudo, diferentemente do banho com água e sabão,
rioso da tricoromja pré-operatória, da degermação pré-
que é consensual, seu em prego rotineiro é controverso,
operatória e elo preparo do campo cirúrgico.
exigi ndo mais estudos e refl exões '·2'' . o coe tem reco-
mendado, na prevenção da infecção do sítio cirúrgico,
Uso CRITERIOSO DA T RICOTOMIA PRÉ- OPERATÓRIA seu emprego na noite anterior e na manhã da operação.
Os pêlos possuem microbiota própria responsiva à No entanro, alguns serviços têm empregado a degerma-
anti-scpsia e não são considerados fo ntes impo rtantes de ção pré-operatória apenas em situações de maior risco,

604
•••
Capitulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

como implantes de prótese, o p erações cardíacas, opera- J\ d ege rmação e a n ti-sep ia da p ele visam re mO\·er
ções cranianas etc. d e trito s e impurezas da sup e rfície d a p ele c d est ruir o u
in ibi r as micro bio tas indig enas transitó rias e reside ntes
Quadro 49.7 .: 1\'ledidas que ,·isam pre,•e nir a ocorrência de na região d o campo o p erató rio . E ntre os d ive rsos an ti -
in fccçiio do sítio cirúrgico sépticos existe nte , os mais u ti lizados são o P VP-1, o glu-
------------------------------------------------··• cona to d e clorexid ina e as so luções O
Garantir adequada limpeza e desinfecção do ambiente hospitalar álcool tem as d esvantagens d e não ter atividade residual
Reduzir o tempo de Internação pré-operatório c d e ser inflam áYcl. O s io dó foros c o gluconato d e clore-
Projetar instalaç<>es adequadas, garantir manutenção de •istema xid ina ap resen tam ação resicl uaJM.I•·. A clorcxicüna tem
de ventilação etc. co mo van tagens maior tem po de ação re idual, redução
:--:ão armazenar materiais, equipamentos c soluçi'>cs nas salas mais eficiente d a microbiota d a pele e o fa to de não se r
Clrurgica;, ina ti vad a p elo sa ngue o u p roteínas plasm á ticasu. -.
Realizar csrcnhnçào do instrumental cirúrgico, campm, com- t\pesar cüsso, não existem es tudos com parando adeq ua-
pressas etc. d am e n te o s e feitos desses anti -sépticos na p revenção d a
Reduzir o trãnsi10 na sala cirúrgica in fecção elo sítio cirúrgico. Rt:come nda-sc apli car o PVP -
1 degerma ntc, rem over o excesso ele esp um a co m co m -
Adotar postura apropriada na sala cirúrgica
p ressa este rilizada seca o u úmida (solução sali na) e,
\ lanter higiene pessoal adequada (eqUipe cirúrgica
então, aplicar o PVP-1 tintura, utilizando pinça e gazes
Realizar paramenração adequada com o uso sistemáuco, na sala
es terilizadas. O s m o vimentos de \·e m ser unifo rmes, pa r-
cirúrgica, de roupas próprias, c máscaras
Lindo das á reas m eno s contaminadas pa ra as mais co nta-
No campo c1rúrgico, além de gorros e máscaras, a eq uipe minadas e d t:scartando a gazt: antes de re tornar ao ponto
Cirúrgica de\c uuli73r capotes c lu\·as estéreis e óculos de pro-
inicial. A aplicação d e an ti-sép ticos deve se r ampl a (30c m
teção (equipamentos de prmeçào mdl\·1dual)
ao redo r d a futu ra incisão), possibilita ndo am pliação d a
Proceder dc!(ermaçào correta das mãos e antebraços (equipe incisão c p erm itindo a inse rção d e d re nas. 1\ so lução
cirúrgica)
d eve seca r esp o nta neam e nte. Ao té rmino d o pro ced i-
Avaliar o da dcgermaçào pré-operató ria (banho com me n to cirúrg ico, o excesso da so lução an ti-sép tica d e ve
anu-sépuco degermante)
se r removid o com co mp ressa e mbebida em solução sali-
Usar critcriosameme a reurada dm pêlos (tncoto mia pré- na. O co n tato prolo ngado com a pele do p acie nte, p rin-
operatória) cipalmente d as so luções alcoólicas e m o rme nte nas áreas
Realizar adeq uado preparo do campo cirúrgico pc rineais e geni tais, d eve ser evitado sob pen a d e causar
Empregar corretamente a anub10ticoprofilax1a cmirgica (ver irritação c tjueim adura. Nos raros pacientes alérgicos ao
Capítulo 18) PVP-I, po d e-se e mpregar a clo rexid ina. Não se deve apli-
Realizar técnica cirúrgica co rrera car álcoois (t: tílico o u iodado) após P VP - 1 ou clorexid ina,
Reduzir a duração da operação, sem comprometer a eficiência já que os primeiros anulam o efeito residual d os úl timos
da mesma (não co nfund ir PVP-1 tintura com álcool iodado) .
La\'ar adequadamente as mãm ames c examinar o pacien-
A anti- epsia d e m ucosas requ er a utili zação d e anti-
te cirúrgico (pré c pós-operatório) sépticos a ti vos em presença d e muco, e m soluções aquo-
sas sem de te rgentes, não irritantes p ara as mucosas . Pa ra
c realizar corretamente curati vos c retirada de
po nros isso, utili zam-se du as ap licações de PVP -1 tópico . l este
• caso, agu ard ar pelo m enos do is mi n utos ap ó s a úlLima
··------------------------------------------------ aplicação para iniciar o ato cirúrgico .
O e mprego d e ca mpos cirúrgicos o b jetiva estabelecer
PREPARO DO CAMPO CIRÚRGICO barreira asséptica para red uzi r a passagem d e m icrorganis-
O prepa ro do cam po cirúrgico é realizado p o r m eio mos de áreas não-esté reis para estére is. O b eneficio d o uso
d a anti-sepsia da pele e d a delim itação da área ci rú rgica de campos adesivos p lásticos descartáveis, algu ns inclusive
co m a colocação d e ca mpos de tecido (reutilizáveis) o u impregn ado s co m so luções an ti-sépticas, tem sido ava lia-
de p lástico (desca rtáveis). do", contudo eu uso rotineiro não está, po r hora, incücad o.

605
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Principais patógenos que utilizaram ancimicrobianos anteriormente e nos
casos de maior gravidade clíni ca. Tem-se observado
Os agentes etio lógicos das infecções do sítio cirúrgi- aumento da incidê ncia cle infecções causadas por
co mais freqüentemente isolados são os Klebsiella sp., Enterobacler sp. c Acinetobac/er sp. em hospi tais
tmreus, seguidos pelos estafilococos coagulasc negativa, brasileiros, provavel memc devido ao uso abusivo de
spp. c Escherichia co/i. cefalosporinas, que leva à seleção dessas bactérias.

Bactérias Gram-positivas
Anaeróbios
C) aurms é, isoladamente, o microrganismo ão freqüentes nas o perações colo-retais (Bacterioidts
mais prevalente, seguid o pelo estafilo coco coagulase-nega-
JraJ!.ilis) e ginecológicas. O Clostridillm peifringms é capaz de
tiva (principalmente .S: fj>idemlidis) e pelo entcrococo; os
produzir infecções necrosantes de alta g ravidade, geral-
dois primeiro especialmente em operações limpas, e em
mente as ociadas a falhas no processo de esterilização do
sítio superficial' • . O .taurms é bactéria muito patogênica,
material cirúrgico.
com alw poder de invasão e grande produção de toxinas, o
que favorece o estabelecimento de infecção"" . O aumento
na freqüência de infecções por cstafilococos coagulase- Fungos
negativa parece estar relacionado ao aumento de operações
ão menos comuns. Candida albicans ocorre particular-
com implante de prótese c ao uso profilático de cefalospo-
rinas, uma vez que essas bactérias são geralmente resisten- mente em imunodeprimidos, desnutridos g raves, diabéti-
tes aos beta-lactâmicos .... O cnterococo tem assumido cos descompensados, pacientes usando antimicrobianos
papel importante na gênese das infccçôes do sitio cirúrgico, de amplo espectro e/ o u parentera l cen tral.
pro,·avclmcnte também pelo uso freqüente de celalospori-
nas em profila>.ia cirú rgica. T em sido valo rizada sua identi- Diagnóstico
ficação em abscessos de origem polimicrobiana após o pe-
rações colo-reta1s c ginecológicas. Diagnóstico clínico
Os cstreptococos são menos comuns, po rém impor·
A infecção do siOo cuurgico, outrora deno minada
tantc , pois determinam infecções incisionais freqüente
infecção da ferida cirúrgica, é responsável po r cerca de um
mente graves e com curto período de incubação (menor
quarto das infecções hospitalare e por 30% a 40% das
que três dias) . lnfecçôes incisionais diagnosticadas antes
infecçõc em pacientes cirúrgicos. O período de observa-
d o segundo dia pós-operatório, geral mente, são atribuí
das ao estrepwcoco hemolítico do grupo A. i\ principal ção para deftnição das infecções do sitio cirúrgico é de 30
fonte de contaminação é a próp ria microbio ta do pacien- dias, pois cerca de 97% delas são diagnosticadas até o 21°
te; conllldo, profissionais clc saúde colonizados por dia após a alta hospitalar. Em procedimentos cirúrgico
esrreptococos também foram identificados como possí- com curto peóodo de hospitalização pós-operatória, as
,·eis fontes de surtos. infecções se manifestarão no domicílio do paciente e serão
diagnosticadas no ambulatório de egressos ou no pronto-
atendimento se o paciente apresentar-se mais enfermo.
Bactérias Gram-negativas

Podem ocasumar até 40°/o das infecçôes do sí uo MANIFESTAÇ0ES

Cirúrgico, principalmente quando há abertura do trato A feb re constitui a manifestação sistêmica mais fre-
. Po rém, em cerca de 60°/o das o pera- qüente da infecção cirúrgica, podendo ocorrer em até
çôes do trato digesci\'o e respiratório, urinário c gineco- 151Yo dos pós-operatórios não-complicados c estar ausen-
lógico, a infecção é polimicrobiana. A h 'schericbia co/i é um te em mais .da m etade d os pacientes com infecção do
dos microrga msmos mais comuns (d epois dos estafiloco- sítio cirúrgico. A ausência da febre é observada especial-
cos c entcrococos). Psmdo!I/OIIas aemJ!.Ínosa é comum em mente em pacientes com infecção incisio nal superficial
pac1cntcs com lo nga permanência hospitalar, naqueles sem abscedação e nos imunossuprimidos. Quando pre-

606
Capítulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

••
sente, a febre, geralmente, precede as manifestações vimento da ferida). A drenagem purulenta e a necrose
locais da infecção do sítio cirúrgico. tecidual constituem sinais da infecção.
O utros sinais e sintomas da infecção do sítio cirúrgico Devem ser colhidas am ostras das secreções e/ou dos
incluem mal-estar, adinamia, prostração e anorexia; con- tecidos para Gram, cultura e antibiograma.
tudo, essas são ocorrências comuns nos primeiros dias de Ao examinarmos uma ferida pós-operatória, podemos
pós-operatório não-complicado. Em infecções do síúo considerá-la infectada, possivelmente infectada ou não-
cirúrgico mais graves, pode-se observar taquicardia, vaso- infectada (Q uadro 49.8). A título de vigilância epidemio-
dilatação periférica, hipotensão e choque, taquipnéia e lógica e em estudos científicos devem-se considerar todas
hipoxemia, icterícia, coaguJopatia, torpor e coma. as feridas possivelmente infectadas como infectadas.
Habitualmente, a febre e as demais manifestações sis-
têmicas surgem a partir do 5° dia pós-operatório; contu-
Quadro 49.8 .: Classificação das feridas pós-operatórias
do, infecções por estreptococos e por anaeróbios, espe-
cialmente Clostridium sp., manifestam-se precocemente, e ----------------------------------------------··•
Fe ridas cirúrgicas Características
os sinais e sintomas podem estar presentes antes de 12
ho ras do término da operação (Figura 49.2). Não-infectadas Feridas cirúrgicas sem sinais flogísticos,
sem cxsudaçào c sem necrose

----------------------- • • Possivelmente infecta,das Feridas cirúrgicas com sinais


e/ ou com exsudaçào não-purulenta, mas
sem necrose e sem purulência

Infectadas Ferida cirúr1,>ica com presença de secre-


ção punalenta e/ ou necrose

··----------------------------------------------
Diagnóstico laboratorial

O leucograma, a velocidade de hemossedimenração e


a proteína C reativa podem auxiliar no diagnóstico de
infecção do sítio cirúrgico, porém não são específicos e,
com freqüência, mostram-se alterados devido ao próprio
trauma cirúrgico.
As contagens médias de leucócitos são relativamente

··---------------------------------------------
Figura 49.2 .: l nfecção polimicrobiana, incluindo anaeróbios,
maiores em pacientes com febre de origem infecciosa do
gue nagueles sem infecção. Geralmente, encontram-se
com febre e enfisema subcmâneo precoces após cesariana.
acima de 12.000 leucócitos/ mm ', porém menos da
Extensas áreas de necrosc.
metade dos pacientes com infecção do sítio ci rúrgico
tem leucocitose. O exame pode demonstrar neutro filia
M ANIFESTAÇÕES LOCAIS com desvio para esguerda, eosinopenü e granulações
As principais manifestações locais das infecções do tóxicas nos neutrófilos.
sítio cirúrgico são sinais inflamatórios, exsudação (puru- Elevações da proteína C reativa e da velocidade de
lenta ou não) e necrose. A dor, guase sempre presente hemossedimentação são indicadores de processo infla-
nas infecções do sítio cirúrgico, pode, entretanto, decor- matório, possivelmente infeccioso. Contudo, não há
rer da própria incisão ou de alguma complicação, não estudos definindo seu valor no diagnóstico das infecções
necessariamente infecciosa. A "celulite" caracteriza-se do sítio cirú rgico.
pela presença de hiperernia, edema, calor e dor na ferida
operatória. O diagnóstico diferencial de infecção incisio- Diagnóstico etiológico
nal superficial deve ser feito com a resposta inflamatória
local ou reação alérgica ao fio cirúrgico (hiperemia ou Dados clínicos e microbiológicos são igualmente úteis
microabscessos apenas no local dos pontos, sem envol- para tentarmos fazer o diagnóstico etiológico da infecção

607
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

do sítio c1rurgico. São várias as justificativas para amostra, uma vez que deles dependerá, também, o isola-
empreender esforços nesse sentido e elas incluem a neces- mento do provável agente etiológico- 1•
sidade de utilizarmos antibiotico terapia eventualmentl: O diagnóstico microbiológico deve ser semp re pre-
empírica; definirmos os principais patógenos envolvidos cedido do diagnóstico clínico, pois, em feridas coloni-
nas infecções cir úrgicas em um certo serviço; conhecer- zadas por bactérias, o sim ples isolamento de microrga-
mos a microbiota hospitalar prevaleme; e procedermos a nismo não necessariamente significa infecção. Em con-
cuidados adicionais (precauções, isolamentos etc.) nos trapartida, culturas de feridas in fec tadas podem ser
casos de infecções por microrganismos multirressistentes. falso-negativas, devido a erros de técnica ou uso de
antimicrobia nos.
DADOS CLiNICOS
Antes do acesso aos resultados microbiológicos, Diagnóstico epidemiológico
algun s dados clínicos devem ser considerados no auxílio
do diagnós tico etiológico, tais como o tipo de interven- O diagnóstico dos casos de in fecção do sítio cirúrgi-
ção realizada; tecidos, órgãos ou cavidades manipulados co de um serviço ou hospital é essencial para o controle
na operação (Quad ro 49.9); características das mani festa- de qualidade do atendimento prestado. Ele é obtido e
ções locais (aspecto e odor das secreções, presença de gás analisado por meio do sistema de vigilância epidemioló-
e necrose nos tecidos, entre outros); tempo decorrido gica das in fecções hospitalares, preferencialmente pelo
entre a operação e o apareci mento das manifestações método de busca ati va (p. ex., método I ) e utiliza n-
locais ou sistêmicas etc. do critérios diagnósticos pré-estabelecidos e discutidos
adiante. O componente cirúrgico do método de vigilân-
cia IS define o índice de risco de infecção cirúrgica
Quadro 49.9 .: Rdação das principais bactérias envolvidas no surgi-
(IRJC), que avalia as seguintes variáveis: potencial de
mento de in fecções do sítio cirúrgico dependendo do tipo de operação
contaminação da operação, duração cirúrgica, e risco
----------------------------------------------··• anestésico-cirúrgico (ASA ou AP AC H E)'2 • São conside-
Tipos de oper ações Principais bactérias envolvidas
rados fato res de risco: operações contaminadas ou infec-
Est2filococos (principalmente da pele do tadas, p rocedimentos com duração superior à esperada e
próprio paciente)
predefinida em banco de dados atualizado (CIItpoinl), e
Biliares Gram-negativos (principalmente) pacientes classificados como ASA JII, IV ou V.
G ram-negativos (enterobactérias), Empregando-se esse índice, é possível comparar taxas de
Coloproctológicas
anaeróbios e entcrococos infecção do sítio cirúrgico in tra c inrerinstitucionalmenre.
Cons titui missão e medida reconhecidamente eficaz das
G ineco-obstétricas Anaeróbios
• Comissões de Controle de Infecções Hospitalares divul-
··---------------------------------------------- gar periodicamente as taxas de infecção do sítio cirúrgico
dos diferentes serviços e dos cirurgiões (di vulgação
ExAMES MICROBIOLÓGICOS sigilosa), informando a microbiota prevalente e sua resis-
Sempre que houver suspeita de infecção do sítio tência aos anti microbianos.
cirú rgico, deve-se procurar identi ficar o agente infeccio-
so e sua sensibilidade a an tibióticos, para que, caso venha
a ser necessári o, o tratam ento antimicrobiano seja di re- Diagnóstico ambulatorial
cionado e eficiente. D evem ser colhidas amostras de
lnúmeros casos de infecção do sítio cirúrgico são diag-
secreção ou tecido para exame direto e, após coloração
nosticados com o paciente já fora do hospital, particular-
pelo Gram, cultura em meio aeróbio e anaeróbio (exige mente se a operação foi limpa e o tempo de internação foi
coleta especial) e anti biograma. as infecções graves curto, como acontece em pacientes operados em leito-dia
com bacteriemia, devem ser colhidas hemoculturas por ou leito-móvel. Esses casos costumam não ser notificados
ocasião dos picos fe bris. aos erviços de Controle de Infecções Hospitalares, com
O êxito de um exame microbiológico depende m uito prejuízo para todos. Por essa razão têm sido montados, em
da maneira como são feitos a coleta e o transporte da todos os hospitais, ambulatót-ios de egressos gerenciados

608
•••
Capítulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

por funcionários desses serviços, onde todos os pacientes Tabela 49. 11 .: Infecção incis io nal profunda
cirúrgicos deveriam ser examinados no pós-operatório. -----------------------------------------------------··
Uma forma de garantir esse retomo tem sido restringi r o In fccção que ocorre nos primeiros 30 dtas de pós-operatório se não
número de salas de curativos e retiradas de pontos c inseri- há prótese no local, ou no primeiro ano de pós-operatório no caso
las nos ambulatórios de egressos. de colocação de prótese; parece estar relacionada à operação;
acomete os tecidos moles profundos (planos músculo-aponeuróri-
cos) da incisão; e preenche, no mfnimo, um dos seguintes critérios:
Critérios diagnósticos
I . Drenagem de secreção purulenta da região profunda da ferida oper-

E m 1988, o CD C padronizou os cntenos de defini- atória - fáscias e músculos -, mas sem acometimento de órgãos ou
do sírio cirúrgico;
ção de infecção de sítio cirúrgico e, em 1992 e 1999, tais
2. Dciscência espontânea ou abcrrura deliberada feita pelo ctrurWão,
critérios foram reformulados e publicados2''·"'. l os
com o paciente apresentando, no mlntmo, um dos SC).,'Uintes sinais e
Quadros 49.10, 49.1 1 c 49. 12, estão listados os critérios
sintomas: febre (>38'' C), dor localin da ou sensibilidade, a menos
diagnósticos do coe para os diferentes tipos de infecção que a culrura a partir de material coletado neste nível seja 11C!,'lltiva;
do sítio cirúrgico. 3. Abcesso ou ourra e' ·idência de infecção em ol,•endo a região profun-
O critério "djagnóstico de infecção feito por cirurgião da da ferida opcraté>ria, diagnosticados ao exame direto, durante
ou médico assistente" deve ser adotado com parcimônia, reoperação, por exame hiswpatológico ou po r mét<xlo de tma).,'Cm ;
uma vez que pode favorecer a falta de uniformização no 4. D ia!,'fiÓsuco de infecção incisional profunda, feitO por cirurgião ou
diagnóstico. Há relatos, na literatura, de discrepâncias médico assistente.
entre diagnósticos clínicos e epidemjo lógicos, dependen- Oba. Infecção que envoh•e região superficial c profunda da incisão é
do dos cri térios empre,gados; um exemplo dessa situação considerada infecção incisional profunda;
é a infecção nos locais de in serção de drenas"•. Infecção de órgãos ou que drena através da mcisão é
considerada infecção incisional profunda.
Tabela 49. 1O .: Infecção incisional superficial

··------------------------------------------------------
llnran ; Manwam et :ai..-
Cl
lnfecç-lo que ocorre nos pnmctrOS 30 dias de pôs-Qperatório; enmlve
apenas pele ou subcutâneo no local da incisão e preenche, no mlnimo,
um dos critérios:
Tabe la 49.12 .: In fecção d e ó rgãos ou cavidades
I. Drena).,'Cm de secreção purulenta da pane superficial da ferida ope
------------------------------------------------------··•
ratória - pele e subcutâneo- com ou sem confirmação laboratorial;
Infecção que ocorre nos pnmeiros 30 dtas de pôs-operatório se não
2. .\licrnf).,>anismo isolado em cultura obtida de maneira asséptica de há prótese no local, ou no primeiro ano de pús-operatório no caso
fluido ou tecido colhidos da pane superficial da ferida operatc">ria;
de colocação de prótese; parece estar relacionada à operação; aco-
3. No mínimo, um dos seguintes sinais ou sintomas de infecção:
mete qualquer parte da anatomia que foi aberta ou manipulada
febre (sem causa definida), dor ou sensibilidade, edema
durante a operação (além da incisão) e preenc he, no mfmmo, um
hipcre mia ou calo r ao redor da ferida, acompanhados da abertura
dos se1,>uintes critérios:
deliberada da mesma pelo cirurgião, com obtenção de cultura posi-
I . D renagem de secreção purulenta por dreno colocado no interior de
tiva mt não-realização de cultura. A obtenção de culrura ne1,>ativa
Úr).,.jio •>u cavidade;
invalida este critério.
2. Microrganismo isolado em culrura obtida asscpricameme de fluido
4. Dia).,mósLico de infecção incisional superficial, feiw por cirufRiiio ou
ou tecido de órgão ou ca,·idade;
mL'dtco asststente.
3 . .\bscesso ou outra e'idéncia de infecção em·oh-endo Óf).,.jioou ca\·i-
Oba. As SC).,>uintes condiçücs não são consideradas mfecçôcs do sitio dadc ao exame direto, durante reopcraçiio, por eJ.ame histopmológi-
cirúrgico: co ou por método de
Mfmma inflamação ou descarga nos orificios de passagem dos 4. Diagnóstico de infecção de órgãos ou cavidades feito po r cirurgião
ponto!. de sutura; ou médico assistente.
Infecção de cpisimomta c em circuncisão de recém-nascido (exis- Obs. Se a área ao redor da incisão do dreno apresentar infecção, esta
tem cnténos espcci ficos);
não é registnda como infecção do sitio ci!'ÚI'gicn, mas como infecção
Queimadura infectada.
de pele ou recidos moles, dependendo de sua profundidade.
• •
··-----------------------------------------------------
Adaptado de Mongram ai. c1
··------------------------------------------------------
' loran ct ai:\; et ai

609

••
Fundamentos em Clínica Cirú rgica

Complicações VIA DE ADMINISTRAÇÃO E D URAÇÃO DA TERAPtUTICA

Em pacientes internados, com infecções mais graves,


As infecções do sítio cirúrgico, além do sofrimento e dá-se preferência à via parenteral. Em pacientes ambula-
custo direto que provocam, podem acarretar, como con- toriais, com infecções menos graves, pode-se empregar
seqüência, complicações precoces ou tardias, agravando a via oral. A suspensão do antimicrobiano deve conside-
o prognóstico do paciente e piorando sua qualidade de rar vários aspectos, como o desaparecimento da febre, a
vida75 • As complicações precoces podem ser locais ou sis- melhora clínica do paciente e a normalização do leuco-
têmicas, como a evisceração e a sepse, respectivamente. grama. Quando indicada em infecções incisionais, a tera-
Entre as complicações tardias, destacam-se as hérnias pêutica antimicrobiana deve durar, geralmente, entre
incisionais, cicatrizes rupertróficas e retrações cicatriciais, sete e dez dias.
limitações de movimento, aderências intraperitoneais e
obstrução intestinal etc.
Local

Tratamento O tratamento local da infecção do sítio ctrurgico é


imprescindivel, independentemente do tipo e da profun-
O tratamento das infecções incisionais superficiais didade da infecção, mas varia enormemente, podendo
baseia-se fundamentalmente na abordagem local, sendo, ser feito por meio de medidas mecânicas, físicas e/ou
na maioria dos casos, desnecessário o tratamento sistê- quimicas (Quadro 49.13).
mico . Ao contrário, nos demais pacientes, costuma ser
também essencial o tratamento sistêmico, que inclui a Quadro 49. 13 . : Opções d e uatamento local nas infecções do
antibioticoterapia, e, em alguns casos, a terapia nutricio- sírio cirúrgico
nal e o tratamento de eventuais distúrbios secundários. ----------------------------------------------··
r-----------------------------------------------·
Aplicação de calor local
Abernu:a da ferida operatória
Antibioticoterapia sistêmica
Drenagem de coleção purulenta
A antibioticoterapia sistêmica pode ser essencial para Retirada de corpo esrranho
controlar a propagação do processo infeccioso e prevenir Desbridamenro de tecidos necróticos
suas complicações, principalmente em pacientes com infec- Utilização de drenos
ções incisionais profundas e/ou de órgãos ou cavidades. Limpeza e curativos diários

Emprego de antibióticos e anti-sépticos tópicos


INDICAÇÓES Emprego do açúcar cristal
Constituem indicações para antibioticoterapia sistê- Emprego de desbridanres qlúmicos
mica: pacientes imunossuprimidos, incluindo diabéticos •
e desnutridos graves; infecção com repercussão sistêmi- ··----------------------------------------------
ca (toxemia); infecção com necrose tecidual; infecções de APLICAÇÃO DE CALOR LOCAL

órgãos ou cavidades; infecções incisionais após procedi- A aplicação de calor local parece favorecer a resolu-
mentos cirúrgicos com inserção de prótese; infecções em ção dos processos infecciosos superficiais e acelerar a
ou funcionalmente incluindo flutuação dos abscessos de partes moles.
aquelas próximas a cartilagens, nas mãos etc.
ABERTURA DA FERIDA OPERATÓRIA

ESCOLHA DAS DROGAS E DOSES A abertura da ferida operatória, muitas vezes poster-
A antibioticoterapia, inicialmente, deve ser empírica, gada pelo cirurgião, pode ser essencial para o controle do
considerando os dados clínicos e o conhecimento dos processo infeccioso, em particular quando existe absces-
dados epidemiológicos do hospital como microbiota pre- so, corpo estranho (especialmente fios cirúrgicos no sub-
valente e resistência aos agentes antimicrobianos. A anti- cutâneo) e tecidos necróticos . A ampla abertura da ferida
bioticoterapia especifica deve ser orientada pela cultura e permite a drenagem de secreções acumuladas com remo-
pelo antibiograma. ção de bactérias, piócitos, tecidos desvitalizados e corpos

610
Capítulo 49 .: Infecções do sítio cirúrgico

••
estranhos. Nesses casos, a irrigação da ferida com ção nos tecidos e podem ocasionar toxicidade tecidual,
solução salina 0,9% é útil no controle da infecção. Os dermatite de contato e modificar a coloração dos tecidos,
abscessos profundos ou em cavidades podem ser drena- dificultando o acompanhamento. Além disso, podem
dos cirurgicamente ou por meio de punções guiadas por selecionar resistência rapidamente. Ao serem usados,
ultra-sonografia. O desbridamento dos tecidos necróti- deveria se evitar sua aplicação po r mais de três vezes e
cos é imprescindível para o controle das infecções necro- sua escolha deveria, preferencialmente, obedecer aos tes-
santes. Tais tecidos funcionam como abrigos de micror- tes de sensibilidade antimicrobiana.
ganismos. D eve ser avaliada também a ressecção de O açúcar cristal está indicado em feridas infectadas,
alguns tecidos ou ó rgãos que sejam sedes e fontes de particularmente supurativas. Por meio de seu efeito hipe-
infecção. Nas fasciítes necrosantes, a oxigenoterapia rosmolar, tem ação bactericida, reduz o edema e melho-
hiperbárica tem sido empregada com bons resultados7 • ra a irrigação tecidual. Também parece estimular os
macrófagos e promover a granulação da ferida. Após
limpeza da ferida, deve ser aplicada camada ftna de açú-
UTILIZAÇÃO DE DRENOS
car, mantida sob curativo. Esse cuidado deve ser repeti-
Em casos selecionados, para drenagem de abscessos do três a quatro vezes ao dia, até a granulação. É co ntra-
parietais mais profundos ou de cavidades, torna-se essen- indicado em feridas e lesões isquêmicas.
cial a colocação de drenas. Esses dispositivos também O emprego dos desbridantes quimicos pode ser vanta-
podem ser úteis para drenar abscessos subcutâneos, joso na presença de tecidos necróticos. A papaína está
quando se pretende evitar a abertura muito extensa da indicada para as feridas necróticas e na presença de fibri-
ferida cirúrgica (operações plásticas), e com o objetivo de na; contudo, encontra-se contra-indicada nas lesões isquê-
facilitar a saída da secreção e prevenir o fechamento pre- micas, nas quais provoca dor por irritação das terminações
coce da pele. nervosas. Por sua vez, a colagenase a 10% apresenta ação
desbridante e fibrinolitica, sem ação bactericida, e está
LiMPEZA E CURATIVOS PERIÓDICOS indicada para lesões isquêmicas e feridas necróticas.
Para o controle das in fecções incisionais, é imperati-
va a realização de limpeza da ferida cirúrgica e curativos Isolamento e medidas de precauções
periódicos. A freqüência desses cuidados varia de caso
para caso, podendo ser prescritos para a enfermagem Alguns pacientes cirúrgicos apresentam infecção do
executar. Vale, entretanto, lembrar que os desbridamen- sítio cirúrgico causadas por microrganismos multirresis-
tos e, no mínimo, um curativo diário devem ser feitos tentes. Considerando a presença de secreções no sítio
pelo médico do paciente. cirúrgico, necessidade de manipulação diária da ferida
cirúrgica e risco de disseminação de infecções, cuidados
de isolamento e precauções devem ser adotados.
f:MPRE.GO OE AGENTES TÓPICOS

A utilização de agentes tópicos pode ter valo r em


.. #llllifoiiiõ"]iiiM trpNtllltlrlljNIIIU la»> 'iJi 1 jJ4m ()
casos es pecíficos; entre eles destacam-se os anti-sépti-
dmtjio, (11111 1()()O/o M JtJjrilll#llrJ }Jtlfll f'IIIIJII tolltrrJúl'.
cos e antibióticos tópicos, os desbridantes quimicos e
o açúcar cristal.
eGo· er
As soluções anti-sépticas (PVP-I aquoso ou clorexidi-
na) podem ser utilizadas para limpeza das feridas infecta- Referências
das; contudo, seu uso deve ser criterioso, pois além de
poderem ser inativadas na presença de matéria orgânica 1 • Gardner JS. Guideline fo r p revenrion of surgical wound infec·
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solução salina 0,9%. Já os antibióticos tópicos (rifamici- Alves Filho MB, Grinbaum RS, Richtmann R. Infecções
na, aminoglicosídeos etc.) raramente deveriam ser hospitalares: prevenção e controle. São Paulo: Sarvier;
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Fundamentos em Clínica C irúrgica

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613
50
OUTRAS
COMPLICAÇÕES
DO SÍTIO CIRÚRGICO
•• •
Tarcizo Afonso Nunes, Giselle Silva Costa Martins,
Bruno Righi Ro drigues de Oliveira

Introdução Hematoma

As complicações no sítio cirúrgico são freqüentes e de O hematoma é uma das complicações mais comuns
gravidade variável, podendo significar transtorno impor- da ferida operatória e caracteriza-se p ela presença de san-
tan te no tratamento das afecções cirúrgicas. Surgem em gue e coágulos no espaço subdérmico. Pode decorrer de
decorrência da doença que motivou a operação, de hemostasia inadequada, sobretudo nas feridas extensas e
outras doenças sistêmicas que não foram diagnosticadas em pacientes em uso de ácido acetilsalicilico e anticoagu-
e corrigidas no pré-operatório e da falta de cuidados ade- lantes, assim como na presença de discrasia sangüinea,
quados no peroperatório. A maioria das complicações no icterícia obstrutiva, hipertensão arterial e tosse.
sítio cirúrgico é passível de prevenção e o resultado do Geralmente causa elevação da pele com alteração das
seu tratamento é, geralmente, satisfatório. bordas da incisão cirúrgica, ocasionando desconforto e
dor no local de maior tumefação, podendo ocorrer extra-
vasamento de sangue. O tipo de tratamento depende da
Complicações superficiais extensão do hematoma. Q uando discreto e estável, apli-
ca-se compressão e calor sobre o hematoma, medica-
Seroma
mentos sintomáticos e, raramente, são necessários proce-
O seroma decorre do acúmulo de líquido de aspecto dimentos de drenagem, uma vez que o sangue será absor-
seroso e de origem plasmática ou linfática. É mais fre- vido pelo organismo. O hematoma volumoso requer,
qüente em pacientes obesos e submetidos a descolamen- geralmente, tratamento cirúrgico, que consiste na abertu-
tos extensos do tecido subcu tâneo, principalmente quan- ra da incisão, hemostasia do vaso sangrante, quando pre-
do é necessária a tran secção de grande número de vasos sente, e nova sutura do tecido subcutâneo e pele. E mbora
linfáticos e não se consegue eliminar o espaço vazio. As o hematoma predisponha à infecção, não se justifica a
queixas principais são desconforto, dor e abaulamento pro ftlaxia com antimicrobianos 1•1.
mais acentuados na ferida cirúrgica. À palpação, identifi-
ca-se rumefação e flutuação sob a pele. O tratamento
Distúrbios cicatriciais
dessa afecção depende dos sintomas e da progressão do
volume do liquido. Quando esse volume é reduzido e Aspeaos gerais da cicatrização
estável, deve ser mantido sob observação. Quando mais
acentuado, aspira-se o líquido através de agulha, após A cicatrização é um processo dinâmico e complexo
anti-sepsia rigorosa, uma vez que é facilmente infectado. em que o organismo procura reparar o dano causado pelo
A punção deve ser realizada na linha de sutura e, na maio- trauma. Esse processo ainda não está totalmente esclare-
ria das vezes, dispensa anestesia. O índice ele recidiva é cido em todas as suas fases. Inicia-se com vasoconstrição
elevado e podem ser necessárias várias punções. e formação do coágulo (hemostasia), combate à infecção,

615
..

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

angíogênese, co ntração da ferida (para reduzir a área a ser das da ferida e a cicatrização se processa de forma sem e-
reparada) e epitelização. Os eventos gue ocorrem no lhante à da cicatrização por primeira intenção.
processo cicatricial têm o objetivo de isolar o meio inter- A cicatrização po r segunda intenção ocorre quando a
no do externo para proteger o organismo da infecção e ferida é mantida aberta. A ação dos m io fibroblastos pro-
sangramento . O tecido cicatriciaJ tem estrutura e elastici- m ove contração das bordas da ferida de pro fundidade
dade cliferentes das do tecido íntegro. A presença de teci- total, que é defin ida co mo o movimento centrípeto para
do fibroso e retrátil em excesso pode ser mais prejudicial facil itar o fecham ento do defeito cutâneo. A fase infla-
do que o próprio trauma, como ocorre na estenose cáus- matória e o tempo de reepitelização são prolongados e há
tica do esôfago, na cirrose hepática, nas contraturas da maio r produção de colágeno .
pele em regiões cervicais e nas articulações, ocasio nando
problemas clinicos, sociais e psicológicos graves. No sen- Quelóide e cicatriz hipertrófica
tido de evitar esses danos, é importante que o cirurgião
entenda o processo da cicatrização, para aperfeiçoar a ree- As cicatrizes hipertróficas e quelo idianas apresentam
pitelização e reparo das feridas, evitando assim cicatrizes excesso de tecido cicatricial, que simula tumores dérmi-
inestéticas, retráteis, deformantes e fibro proliferativas. cos e pode causar deformidades estéticas c funcionai s.
A pro fundidade do trauma da pele tem influência no Apresentam fibro blastos atípicos, excesso ele compo nen-
resultado da cicatrização. Quando envolve somente a tes da matri z extraceluJar e deposição maciça do coláge-
epiderme e parte da derme, como ocorre nos procecli- no devido à sua maior produção e meno r degradação.
mentos de peeling, dermoabrasão e nas queimaduras de Essas cicatrizes são espessas e elevadas, de superfície
segundo grau, a cicatrização se processa rapidamente, boceJada o u lisa, sua coloração varia de rosada a púrpu-
quase exclusiva mente por reepitelização, to rnando a ra, podendo permanecer avermelhada indefinidamente.
cicatriz imperceptível. A presença da derme íntegra no Afetam homens e mulheres em proporção semelhan te;
leito da ferida favorece a reepitelização a partir de células sua etiologia é desconhecida, mas pode ser infl uenciada
dos foUculos pilosos e das glândulas sebáceas; não ocorre pelos seguintes fato res:
a formação de tecido de granulação e não há contração. • hereditariedade - nos casos graves, é freqüente a
Trauma envolvendo a espessura total da derme, sub- histó ria familiar positiva e a presença do ge n auros-
cutâneo e tecidos mais profundos cicatriza com fo rma- sômico do minante, mas não está to talmente escla-
ção de tecido de g ranulação e a epitclização se processa a recido o padrão de transmissão genética6 ;
partir das margens da ferida. Nesse caso, a contração da • raça - mais co mum em negros e asiáticos que em
ferida é impo rtante para diminuir a área a ser reparada,
.
caucasianos ';
sendo benéfica em regiões em que a pele é frouxa. • hormonal - tendência ao crescimento durante a
Entretanto, pode causar retrações e deformidades nas gestação e puberdacle8 ;
áreas de articulações45 . • idade - é mais freqüente no segundo decênio de
Trauma subdérmico promove a destruição da arquite- vida e mais rara em crianças e idosos, embora possa
tura da gordura subcutânea, como nas lipoaspirações, e ocorrer em qualquer idade\
desencadeia as fases da cicatrização, exceto a reepitelização. • local - são mais freqüentes nas regiões superio res
O tipo de cicatrização também infl uencia o resultado do tro nco, ombros e pré-estcrnal , sendo raros em
da cicatrização. A cicatrização por primeira intenção pálpebras, palmas das mãos, córneas e mucosas8 ·9 .
ocorre quando as bordas da ferid a são aproximadas por
meio de sutura ou fita hipoalergênica porosa, po ucas M ANIFESTAÇÓES CLINICAS
horas após o trauma. A superfície da ferida é mínima e os O s sintomas mais freqüentes são p rurid o c do r, m as
eventos da cicatrização ocorrem simultaneamente em a m aior preocupação dos pacientes é com a estéti ca. A
toda sua extensão. diferenciação entre cicatriz hipertró fica e quelóide é
A cicatrização por primeira intenção tardia está incli- motivo de controvérsia, m esmo frente a vá rios estudos
cada quando a ferida está contaminada e é mantida aber- envolvendo técnicas hisrológicas, cul tura de tecidos e
ta para facilitar a limpeza local e a ação dos neutrófi los. m icroscopia eletrônica. Alguns autores consideram que
Uma vez debelada a infecção, aplica-se a sutura das bor- ambas res ultam do mesmo processo evoluti vo e que

616
Capítulo 50 .: Outras complicações do sítio cirúrgico

••
não há no rmas consistentes para sua diferenciação a tempo recomendado. Entretanto, se ela é emprega-
hisrologia c, às vezes, a classificação clírúca não coinci- da po r menor tempo, pode ocorrer recrudescimen-
de com a histológica"·'' . lgu mas características podem to da lesão,.. Este tipo de tratamen to pode er asso-
suge rir o diagnóstico: ciado a tratamento cirúrgico ou a placas de
• cicatri zes hipertró ficas podem ser observadas a par- • placas de silicone- são empregadas lâminas de sili-
tir da terceira semana após o estímulo inflama1ório, cone gcl, fixadas po r fitas microporosas adesivas
assemelhando-se a uma placa espessa, às vezes cri- o u sob malhas co mprcssivas, durante 24 horas, no
remato a c, nesta fase, indistinguível do guclóide. período de quatro a seis meses. O silico ne gel pro-
Acometem somente a ferida, rendem à remissão no move aumen to da temperatura da cicatri z, resultan-
período entre seis meses a um ano e, geral mente, do no aumento da ação da colagena e. Além disso,
não apresentam histó ria familiar. r a maio ria das pro move a hidratação do estrato córneo, tornando
vezes, resultam de ferida gue cicatrizaram por o tecido cicatricial menos denso, o que facilita a
segunda intenção (gueimaduras, perda de injeção de medicamentos intralesio nais" . r\ placa de
cia), com a fase inflamatória prolongada (isquemia, silicone pode er empregada de fo rma isolada ou
infecção), ou que resultaram de técnica cirúrgica associada a outro mérodos terapêuticos, sendo
inade(1uada quanto ao tipo de fio e sutu ra, tensão indicada profilaticamente nos pacientes com pre-
mecânica na ferida, linha de sutura contrarinndo disposição à fo rmação de cicatrizes hiperplásicas e
linhns de fo rça da pele etc."; qucló ides. É bem tolerada, indolor, sendo descrita
• quelóides aparecem ge ralmente um nno após o apenas dermatite como complicação, que é tratada
trau ma, invadem a pele íntegra não rcgridcm es po n- pela suspensão do uso da placa por dois a três dias e
taneamente, apresentam caracrerí rica recidiva nre e por meio da hjgiene local com água c sabão neutro''·" ;
histó ria familiar positi va. ão resultantes, na maio- • corticóides - são empregados co mo tratamento de
ria das vezes, de traumas mínimo , como vacinas, primeira linha para quclóides recente . r\ triancino-
picada de inseto e acne, entre o utros, podendo tam- lona acetonida é o corticóide de eleição para aplica-
bém ocorrer espontaneamente 12 • ção inrralesio nal, na dose de I Omg a 40mg, em
O diagnóstico diferencial das cicatrizes gucloidianas intervalos de três a quatro semanas'''. i\tua inibindo
faz-se com fibromawses, dcrmarofi bros arcoma protube-
a síntese de colágeno e por inibir
mns, lupus vulgar, micose de Jo rge Lobo c hanscnía e.
a TGFb, redu z o processo inflamató rio e aumenta
afecções apresentam crescimento de tecidos cutâ-
as proteinase , contribuindo para a degradação da
neos, mimetizando tumores' 2•
fibras co lágenas'· ' . A resposta ao tratamento é
variável, com 50% a 100% de bo ns res ultados e 9%
TRATAMENTO a 40% de recorrência, quando aplicado isoladamen-
t\ terapêulica dos quelóides apresenta ainda resulta- te. As cicatri zes recentes apresentam melhor res-
dos insatisfatórios, embora novas pe quisas te nha m posta que as antigas, mas o prurido e a do r regridem
apo ntado direções para tratamento mais eficaz. As prin- em rodas as cicatrizes tratadas" . Essa medicação
cipais modalidades terapêuticas são: pode ser associada a outras fo rmas de tratamento,
• compressão da cicatriz - con i te em co mprimir a como cirurgia, placas de silicone c malhas comprcs-
cicatri z com malha de tecido elás tico, sob pressão sivas. O uso tópico de creme de hidrocortisona
de 24 a 30mml lg, 24 ho ra po r dia, durante 12 mostrou-se e ficaz somente em 20% dos pacientes,
mese . Ac redita-se gue o mecanismo de ação seja razão pela qual rem sido po uco utilizado atualmen-
secundário à isquemia tecidual e hipóxia e, conse- te' . Os efeitos colaterais estão relacionados, princi-
qüentemente, à redução da pro liferação dos fibro - palmente, com o local da aplicação, geralmente
blastos c síntese do colágeno c à reorganização das quando a medicação é injetada fo ra do tecido cica-
fi bras paralelamente à epidcrmen. A lesão apresen- tricial, e não depende da dose. O s efeitos ad versos
ta melho ria em 60% do casos, com redução de mais comuns são telangiectas ias, hipopigmentação
75% do volume origi nal da cicatriz quando a com- c síndro me de Cushing, mas são reversíveis seis a
pressão é utilizada co mo método isolado c pelo 12 meses após o término do tratamento-;

617

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

• crioterapia- o nitrogênio líquido aplicado por 15 a • laser- o laser atua promovendo reação tecidual térmi-
20 segundos sobre a cicatriz, promove o congela- ca. O tratamento com laser de dióxido de carbono e
mento dos tecidos e a destruição das camadas celu- de argônio não apresentou vantagens quando compa-
lares em decorrência da anóxia. Deve ser emprega- rados com a excisão cirúrgica, mas o laser vascular-speci-
do em intervalos de três semanas até a melhoria na jic pulsed cfye-585mtJ (PDL) promove fototermólise das
textura e espessura da cicatriz. Essa terapêutica está células endoteliais dos vasos das cicatrizes e melhoria
indicada, isoladamente, para o tratamento de peque- da textura, espessura, eritema e prurido das cicatrizes
nas lesões. Nas lesões maiores, a crioterapia atua hipertróficas e quelóides. Ainda não existe consenso
como adjuvante, porque facilita a introdução dos sobre o mecanismo de ação do PDL e seus beneficios,
corticóides. O uso combinado com corticóide pro- sendo necessários novos estudos com acompanha-
duz resposta satisfatória em 84% dos casos. O prin- mento dos pacientes por períodos mais longos22·•.
cipal efeito adverso é a hipopigmentação da pele6 ;
• radioterapia - as doses de radiações preconizadas N OVOS TRATAMENTOS
são de 300 rads por aplicação durante quatro a • bloqueadores dos canais de cálcio - estes medica-
cinco dias, ou 500 rads por aplicação durante três mentos atuam reduzindo a incorporação da prolina à
dias. Quando associada à cirurgia, a radioterapia matriz extracelular e, assim, aumentam a sua degrada-
deve ser iniciada no primeiro ou segundo dia pós- ção. Podem ser usados na forma de creme tópico na
operatório, com 88% a 90% de bons resultados. concentração de 4% a 7% e por injeção intralesional.
Radioterapia deve ser evitada nas crianças, porque Podem ser associados ao tratamento cirúrgico, ini-
prejudica o crescimento ósseo 16; ciando o uso tópico ou intralesionallogo após a ope-
• tratamento cirúrgico - a ressecção da cicatriz tem ração. Entre os bloqueadores do canal de cálcio, o
como objetivos melhorar a estética, aliviar a tensão mais utilizado é o veraparnil, que tem se mostrado
local e reorientar as forças de contração da pele. promissor no tratamento das cicatrizes hipertróficas e
Nos quelóides pequenos, pode-se realizar ressecção quelóides, quando aplicado por período longo 11 ·25 ;
da cicatriz e avanço das bordas da ferida, zetaplas- • imiquimod. (imunomodulador) - essa substância
tia ou mudança de trajeto da cicatriz. Em grandes induz a produção local de IFNa, IFNg, TL-1 e
quelóides pode-se reduzir a recidiva mediante a res- TNFa. Deve ser aplicada sobre a linha de sutura e
secção intramarginal, que consiste em manter fina ao redor da mesma, sob a forma de creme a 5% , a
camada de tecido cicatricial nas margens da partir do dia da operação, até comp letar oito sema-
lesão 19 1• Dependendo da localização e do tamanho
'2(
nas. Berman e Villa26 empregaram creme com imi-
da cicatriz, procede-se a ressecções parciais seria- quimod após excisão cirúrgica em 13 quelóides de
das, confecção de retalhos, expansão de tecido ou 12 pacientes. Em 24 meses não ocorreram recidivas
enxertia de pele, mas é freqüente o aparecimento de em 11 lesões de dez pacientes, que compareceram
quelóide na área doadora do enxerto. No tratamen- ao retorno. E feitos colaterais, tais como hipercro-
to das cicatrizes hipertróficas e gueloidianas, é mia, hiperemia e eczema podem ocorrer, com
indispensável evitar a tensão na ferida, manter o tra- remissão espontânea na maioria dos casos 26;
jeto da ferida no sentido das linhas de força da pele, • interferons - são glicoproteínas com propriedades
empregar princípios da técnica pouco traumática e antivirais e antiproliferativas. Promovem o aumen-
escolher material de síntese adequado 11 • O trata- to da ação da colagenase, reduzem a síntese do colá-
mento cirúrgico, isoladamente, apresenta recidiva geno e da glicosaminoglicans e induzem a apopto-
em 45% a 100% dos casos, no período médio de se. O tratamento com esses medicamentos apresen-
12,9 meses de pós-operatórid 1 • Portanto, esta tera- to u bons resultados, inclusive em guelóides recor-
pêutica deve ser complementada com outros tipos rentes, mas o uso dessa terapia é limitado devido ao
de tratamento, tais como corticoterapia intralesio- custo elevado. Podem surgir efeitos adversos,
nal, radioterapia, malha compressiva ou placas de semelhantes aos de estado gripa!, tais como febre
silicone, e os pacientes devem ser acompanhados baixa por 48 a 72 horas e cefaléia, quando aplicados
por, no mínimo, dois anos 21 ; intralesional26 •

618
Capítulo 50 .: Outras complicações do sítio cirúrgico

••
Retrações ou contraturas Etiopatogenia

A retração é p rocesso fisiológico e bené fico na cica- a etiologia da evisceração estão envolvidos vá ri os
trização das feridas, uma vez que facilita o seu fec ha- fato res relacionados com a doença em questão, o
mento mais rápido pela redução de sua su perfície de paciente e suas afecções associadas, o material cirú rgi-
exposição e atuação dos fibroblastos, que apresentam co e a equipe médi ca. Os principais fa to res são: fios
características morfo lógicas e bioquimicas da muscula- cirúrgicos com baixa resistência e nós incorretos; fa lha
tura ljsa e dos fibroblastos. A contratura torna-se ina- na sutura da apo neurose devido à aplicação dos pontos
dequada quando o encurtamento do tecido cicatricial nas proximidades das bordas da fe rida apo ne urórica e
persiste após ocorrer a reepitelização e resulta em pe rmanência de aberturas nas extremidades da incisão;
perda da função, deformjdades e ]jmiração dos movi- falhas na anti-sepsia da pele e na limpeza da ferida
mentos, sobretudo quando a cicatriz encontra-se sobre cirúrgica; ocorrência de seroma e hematoma; contami-
as articul ações. T eoricamente, pode-se inibir a contra- nação da fe rida c infecção incisio nal; obesidade; idade
ção por meio da inibição da mjgração, adesão e mu lti- ava nçada; icterícia; diabetes 111ellitus não-controlado; ure-
p licação dos fibrob lastos•.>.2'. mia; des nutrição; escorbuto; toxemia; anemia; alcoolis-
mo; in fecção; neoplasia; doença do colágeno; uso de
corticó ides c quimioterápicos; vô mitos; tosse; soluços;
Cicatrizes alargadas
íleo funciona l; distensão abdominal; operações de
A cicatriz se to rna alargada em decorrência do afasta- urgência, sobretudo devido a pe ritonire; rclaparo to-
mento das bordas após a retirada dos pon tos da pele. mias; fístulas anasto mó cicas; anestesia sem o devido
Isso ocorre po rque o processo de cicatrização é lento e a relaxamento da parede abdomi nal du rante a laparo rra-
resistência à tensão na cicatriz com 14 dias de evolução é fia etc. 2'!.'111•
de apenas 5% da força do tecido original. Po r outro lado,
os pontos de pele devem er retirados mrus precocemen-
Manifestações clínicas
te, para evitar a formação de marcas defirutivas e com-
prometer a estética. o sentido de prevenir o alargamen- A evisceração surge com mar or freqü ência entre o
to da cicatriz, torna-se necessário aplicar fitas adesivas quarto c o sétimo dia pós-operatório, de maneira súbita
rrucroporosas, para manter a aproximação das bordas ou ou gradual, cujo quadro clíruco é va riável e depende prin-
efetuar pontos dérmicos sepultados, sobretudo em áreas cipalmente da etiologia. A marúfestação clíruca inicial
de maio r tensão da pele. A resistência efetiva da cicatriz mais freq üente é a drenagem de secreção sere -hemorrá-
surge em até dois anos após o trau ma e é fornecida pelas gica pela fe rida cirúrgica, sensação de ruprura dos pontos
fib ras colágenas•. cirúrgicos após esfo rço, dor e desconfo rto abdomi nal de
intensidade variável. Quando a evisceração é conseqüên-
cia de pcrirorute, sobretudo por fistulas digestivas, o qua-
Complicações parietais
dro clínico manifesta-se po r dor e disten ão abdominal,
Evisceração dispnéia, desidratação, taguicardia, hipotensão c choque
séptico. Nas in fecções incisionais, o processo de ruptu ra
A evisceração é a ruptura de todas as camadas da é gradual e inicia-se com a formação de abscesso, drena-
parede abdominal com exposição das vísceras, podendo gem de secreção purulenta e, posteriormente, a separa-
ocorrer após laparo torrua, independentemente do sexo e ção das camadas profundas. D ependendo da extensão da
idade, e está associada a mortalidade elevada. Predomina abertura e local da ferida, pode-se identificar ornemo,
nos pacientes acima de 60 anos e em ho mens na propo r- fígado, intestino delgado e cólon, aderidos às bordas do
ção de 3:1. ua incidência permaneceu em torno de 5% músculo. Às vezes, apenas as bordas da pele se afastam c
por cerca de 50 anos, mas foi reduzida para cerca de 1% permitem a identificação de tecido granulomatoso, que
a partir do desenvolvimento de fios cirúrgicos de melhor durante a exploração mais pormeno rizada, permi te diag-
qualidade c da realjzação da laparorrafia em bloco2l< . nosticar a presença de evisceração extensa.

619
•• • Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Tratamento • empregar técnica de laparotomia menos traumática,


usando bisturi frio ou eletrocaurério;
Após o diagnóstico de evisceração, o tratamento deve • empregar medidas para prevenir complicações do
ser iniciado mediante curativo com compressas estéreis e tempo cirúrgico princip al, como fístulas anastomó-
úrrúdas sobre a área exposta da cavidade abdominal e apli- ticas, infecções etc.;
ca-se atadura de crepom com compressão moderada. • preocupar-se com a ferida cirúrgica no sentido de
Enquanto são tomadas as providências para o procedimen- se evitar a presença de corpo estranho, sangramen-
to cirúrgico, o paciente deve receber reposição hidroeletro- to, tecido desvi talizado, espaço vazio, contamina-
litica vigorosa (para compensar as perdas pela laparosto- ção, sobretudo nas operações contaminadas e
mia) e submeter-se à avaliação clínica e laboratorial. infectadas;
A anestesia geral é preconizada, uma vez que possibili- • empregar a via de acesso mais adequada. Sabe-se
ta a exploração pormenorizada da cavidade e o relaxamen- que a incidência de evisceração é quase nula na via
to adequado da parede abdominal no momento da lapa- laparoscópica e menor na laparotomia transversa
rorrafia. O procedimento cirúrgico consiste em: retirar o em comparação com a longitudinal;
material de sutura da primeira laparorrafia; desfazer as ade- • evitar a exteriorização de ostomia e dreno na
rências das alças intestinais e do omento com as margens mesma incisão da laparotornia;
da ferida; explorar e limpar a cavidade abdominal com • empregar fios adequados. Sabe-se que a aponeuro-
solução salina morna; posicionar adequadamente as vísce- se suturada adquire 40% e 80% de sua força inicial
ras; suturar a parede abdominal com pontos, abrangendo em quatro semanas e em um ano, respectivamente.
cerca de 3cm da aponeurose de cada lado e com 1em de O fio de absorção ráp.ida (categut), portanto, não
distância entre eles; usar pontos de contenção de sutura deve ser empregado. Os fios inabsorvíveis monofi-
(p.ex., subtotais). N a evisceração decorrente de peritonite, lamentares (nylon, polipropileno) apresentam
pode ser necessário realizar estomia, laparostomia e/ou pouca reação local e permitem boa cicatrização,
contenção do conteúdo abdominal com bolsa de Bogotá. mesmo com tecido infectado, mas podem causar
dor local persistente e formação de sinus. O fio mais
Prognóstico indicado é o monofllamentar de absorção lenta
(polidiaxonone), por ser mais resistente que o nylon
O prognóstico do paciente depende principalmente e o polipropileno e manter 40% de sua fo rça após
da doença que motivou o tratamento cirúrgico inicial e quatro semanas;
da causa da evisccração. É favorável quando o diagnósti- • empregar técnica de laparorrafia adequada, que
co e o tratamento são precoces, especialmente nas deis- consiste em aplicar os pontos a 1cm do bordo da
cências incompletas sem exposição de vísceras, infecção aponeurose, man tendo-se a distância de 1cm entre
e outros agravantes, mas é desfavorável na presença de os pontos, contínuos ou separados. A sutura envol-
supurações extensas e peritonite. A mo rtalidade varia de vendo o peri tônio, provavelmente, não altera a inci-
0% a 57%, com média de 28%28 • dência de evisceração;
• empregar suturas de contenção (pomos totais ou
subtotais) nos pacien tes que apresentam fatores de
Prevenção
risco para deiscência da sutura apo neurótica, como
A evisceração é uma complicação grave e que exige o besidade, desnutrição, tosse crônica, incisões
operação subseqüente, tempo prolongado de internação extensas, ascite, várias laparotomias etc.
e, às vezes, causa a morte do paciente. Portanto, faz-se
necessário investir na prevenção em todo o período Hérnia incisional
perioperatório, por meio das seguintes medidas 28•3 1:
• realizar fisioterapia respiratória no p ré-operatório As hérnias incisio nais ou eventrações são suspeitadas
nos pacientes tabagistas e/ou com doenças pulmo- nos casos de abaulamento visível ou palpável no abdome
nares crônicas, uma vez que a tosse no pós-opera- devido à protusão de vísceras, geralmente quando o
tório está presente em 7 5% dos casos; paciente encontra-se em pé ou realiza esforços. Decorre da

620
Capítulo 50 .: Outras complicações do sítio cirúrgico

••
deiscência parcial da sutura da parede abdomi nal, quando ou rccidi vante. Atualmente, essa prótese está sendo lar-
uma o u mais camadas estão separadas, mas a pele ou o gamente usada, devido ao elevado índice de recidiva
peritônio permanece íntegro. Essa complicação ocorre em observado com outras técnicas e o advento da tela de
10% dos pacientes submetidos a laparotomia e em 23% monofilamento de polipropileno (márlcx), que reduziu
daqueles que cursam com infecção do ítio cirúrgico"-' 1• significativamente o índice de complicações. Entretanto,
para que os resultados sejam bo ns, algumas o rientações
técnicas são necessária : colocar a tela preferencialmente
Etiopatogenia
em posição pré-peritoneal e nunca em contato direro
a etiopatogenia da hérnia incisional estão envolvi- com as alças intestinais; cobrir todo o defeito da parede
dos fatores relacionados à técnica cirúrgica (tipo de inci- abdominal de modo que as extremidades da tela ultrapas-
são, fios e suturas inadequados, doenças sistêmicas etc.) sem cerca de 3cm além das bordas do anel herniário,
e ao paciente (desnutrição, tosse, constipação, obesidade, o nde haverá incorpo ração do tecido conectivo levando a
ascire, vômitos e íleo pós-operatório, soluços, retenção sua fixação permanente na parede abdomi nal; usar fios
urinária etc). A infecção incisional é um dos fatores mais inabsorvíveis (polipropilcno) em pontos separados ou
importantes, podendo ainda estar relacio nada com a téc- contínuos. O índice de recorrência da hérnia incisional
nica cirúrgica, com a doença que motivou a operação e varia de 0% e 10% em 12 meses de seguimento 11 •
com o estado geral do paciente. As principais complicações decorrentes do uso da tela
são as seguintes: seroma, hematoma e infecção incisional,
rejeição, aderências de alças intestinais causando obslru-
Manifestações clínicas
ção e fístula. Karakousis ct al.'z demonstraram que a tela,
A queixa mais freqüente é o abaulamento no abdome em contato com alças intestinais, cria aderências e leva à
associado ou não a dor, principalmente quando o pacien- fo rmação de fístulas em 25% dos casos. Quando a te la é
te encontra-se em ortostatismo ou realiza esforços. As aplicada em posição pré-peritoneal, o saco herniário
hérnias incisionais, sobretudo as volumosas, podem cau- (tecido autólogo) deve ser preserndo e manciclo entre a
sar as seguintes complicações: perda do domicílio das tela c o conteúdo intraperitoneal, para reduzir o risco de
alças intestinais; alterações no sistema respiratório devi- complicações. Na presença ele contaminações g rossei ra
do à flacidez dos músculos da parede abdominal e abai- ela cavidade abdominal, não se recomenda o uso de tela.
xamento do músculo diafragma; alterações na coluna Após hernioplastia incisio nal, a ta...xa de recorrência tem
lombossacra devido à mudança elo centro ele gra\·idade; sido sign.ificaci vameme inferior quando se emprega a tela
encarceramento, obstrução e isgucmia intestinal; ulcera- de polipropileno em comparação com a sutura primária e
ção, isquemia e infecção da pele etc. confecção de retalho fa ciais e não tem sido observada
diferença significati\·a na incidência de complicações 31 -".
A correção ela hérnia incisio nal por laparoscopia,
Tratamento
empregando-se tela sintécica, mostrou-se efetiva e tão
O tratamento da hérnia inci ional é cirúrgico c está segura guanto a hcrnioplascia convencional, mas sem
indicado na maioria do paciente . As operações são \'antagens significativas, exceto quanto à redução do
geralmente extensas e com recorrência em até 49% dos tempo ele hospitalização H .
Várias técnicas cirúrgicas têm sido em prega- As técnicas cirúrgicas que empregam retalhos ela
das, ta is como su tu ra direta com ou sem incisões relaxa- parede abdominal têm sido usadas no tratamento da hér-
doras das aponeuroscs; enxerto de fáscia; enxe rto de nia inci ional, em menor escala, em função da preferên-
pele; mioplastias; retalhos da pa rede abdomi nal (múscu- cia pelo uso ela tela sintética. A técnica de Ramirez con-
los reto, obliquo maior e gra nde dorsal, tensor da fáscia siste em incisar longitudinalmente a aponeurose elo mús-
lata); enxerto de pericárdio bovino e dura-mátcr c uso culo oblíguo externo ele ambos os lados, separando-a do
de próteses sintécicas (nylon, teflon, ivalon, tântalo, aço m úsculo. O fol heto posterior da aponcurosc dos múscu-
inoxidável, márlex). los retos é também eccionado e Libe rado longitudinal-
O emprego de tela sintética foi proposto como alter- mente. Assim, ocorre ganho de alguns centímetros de
nativa para o tratamento da hérnia incisional volumosa tecido aponeurótico, permitindo o fec hamento primário

621
• Fundamentos em Cllnica Cirúrgica

••
da parede abdominal. Esta técnica pode ser usada como inferior, ressecção alargada de neoplasias ginecológicas,
procedimento único o u associada à tela sintética ou peri- operações da coluna vertebral com acesso anterior, linfa-
cárdio bovino no fechamento da parede abdominal,nos denectomia nos tumores renais e de testículo, tratamen-
casos de defeitos complexos decorrentes de ressecção de to cirúrgico de aneurismas abdominais rotos e inflamató-
neoplasias e politraumatismos.\4-5• rios, neurectomia pré-sacral laparoscópica para tratamen-
A técnica de Lázaro da Silva consiste em corrigir o to de dor pélvica, transplante cardiaco e hepático38• O tra-
defeito na parede abdominal por meio de três planos, tamento cirúrgico das afecções da aorta abdominal é a
empregando-se doi s retalhos do saco herniário (peritô- causa mais comum de ascite quilosa pós-operatória, mas
nio), dois retalhos da aponeurose anterior e dois da apo- representa menos que 1% de todas as complicações
neurose posterior do músculo reto do abdome. dessa operação.
Embora, aruaJmente, o uso da tela sintética seja con-
siderado freqüentemente rotina no tratamento da hérnia
incisional, recomenda-se a técnica de Lázaro da Silva Manifestações clínicas
como a primeira opção, com base nas vantagens seguin-
Os achados clínicos mais comuns são distensão abdo-
tes: realizam-se três suturas em planos e posições dife-
rentes; recompõe-se a posição dos músculos ântero-late- minal e dispnéia devido ao acúmulo de liquido na cavida-
rais do abdome; faz-se a reconstrução das bainhas dos de abdominal, sinais da presença desse líquido ao exame
músculos retos e da linha alba, que são importantes para do abdome e ganho de peso desproporcio nal.
o restabelecimento das funções da parede abdominal; Habitualmente, esse quadro tem resolução rápida, mas
emprega-se o saco herniário, que é uma estrutura resis- evenrualmente surgem dor abdominal, náuseas e vômi-
tente e constituída de elementos do próprio paciente, tos, desnutrição e hipoproteinemia. Pode atuar como
portanto sem risco ele rejeição, sem custos adicio nais, meio de disseminação intraperitoneal de neop lasias
além de cursar com menor incidência de aderências, obs- malignas.
trução e fístula intestinal. Os índices de recidiva dessa
técnica são comparáveis aos relatados com o uso da tela,
Exames complementares
dependendo da experiência do cirurgião.
A tomografia computadorizada do abdome não apre-
senta sinais específicos. A densidade se assemelha à da
Complicações de cavidades
água com coeficiente de atenuação idêntico, sendo indis-
Quilomas tinguivel das secreções entéricas, da bile, urina ou ascite.
Pode mostrar aparecimento gradual de interface óleo-
Etiopatogenia água na coleção peritoneal quando o paciente permanece
em posição horizontal por período prolongado. Esse sinal
Ascite quilosa é o acúmulo de linfa na cavidade abdo-
é raro, mas, quando encontrado, sugere o diagnóstico de
minal. Trata-se de condição rara, causada, na maioria das
ascite quilosa. Existem várias técnicas de imagem que bus-
vezes, por doenças que interferem nos canais linfáticos
cam delinear o sistema linfático por meio da opacificação
abdominais ou retroperitoneais, tais como defeitos con-
gêni tos do sistema Linfático, infecções (filariose, rubercu- dos canais linfáticos com emulsões orais ricas em lipídeos,
lose peritoneal), cirrose hepática, neoplasias malignas, tais como linfangiografia bipedal, linfocintilografia, linfo-
trauma abdominal e lesão cirúrgica. cintilografia com tecnécio e linfangioscintilografia.
Ascite quilosa pós-operatória pode ocorrer em decor- O diagnóstico é confirmado pela exteriorização de
rência de trauma no dueto torácico, cisterna quilosa o u líquido de aspecto leitoso ou turvo, inodoro, alcalino e
seus tributários maiores, em associação com o aumento estéril, espontânea pela ferida operatória ou através de
na produção de linfa, obstrução da drenagem linfática do drenas abdominais ou paracentese. A dosagem de trigli-
abdome e formação de fístulas linfoperitoneais. É com- cérides nesse liquido é duas a oito vezes superior ao valor
plicação rara de operações retroperitoneais ou mecliasti- plasmático (0,4 a 4mg/dL), a gravidade específica é
nais, tais como derivações aortofemo ral, esplenorrenaJ, maior do que a do soro e a dosagem de proteínas é habi-
mesentérico-cava, ressecção e reconstrução de veia cava ruaJmente maior que 3mg/dL. Exame microscópico

622
•••
Capítulo 50 .: Outras complicações do sítio cirúrgico

corado pelo Sudan III mostra glóbulos gordurosos e leu- jo rnada de trabalho extenuante; procedimento conturba-
cócitos com predominância linfo cítica38•39• do pela falta de pad ronização d o ato cirúrgico em que os
membros da equipe não têm função definida; instrumen-
tos cirúrgicos sobre o paciente; uso d e compressa e gaze
Tratamento
na cavidade sem estarem reparados por pinça; falta de
O tratamento clinico é a primeira opção e deve ser cuidados na fase final da o peração, quando termin a o
instituido com os objetivos seguintes: reduzir o fluxo lin- tempo principal, e de explorar exaustivamente a cavidade
fático nos canais meseméricos, que co nfluem com os lin- antes do seu fechamento, independentemente do resulta-
fáticos retroperitoneais e torácicos; reduzir as perdas do da contagem d e compressas••.
n utricionais e aliviar os sintomas mecânicos. Esse trata-
mento consiste em paracenteses repetidas; uso de diuré-
Manifestações clínicas
ticos e somatostatina; dieta rica em proteínas, pobre em
gorduras, contendo triglicerídeos d e cadeia média e com As queixas devidas ao corpo estranho são variáveis e
restrição de sal; eventualmente, nutrição parenteral to tal. dependem do tipo e da sua localização. A compressa
O tratamento clínico deve ser mantido por quat ro a oito geralmente p rovoca reação tipo corpo estranho assépti-
semanas nos pacientes com ascite caracterizada como ca, com reação fibro blástica e encapsulação completa e,
leve a moderada, com 50% de bons resultados38 . conseqüentemente, inflam ação discreta. Nesses casos, a
O tratamento cirúrgico está indicado quando ho uver m anifes tação clinica ocorre ta rdiamente, como se fosse
falha no tratamento clinico, sobretudo para os pacientes tumor abdo minal, e os sinto mas são discretos. Mas os
em bom estado geral e nos quais os métodos d e imagens sinto mas podem surgir mais precocemente e mais graves
foram capazes de demo nstrar o local da fístula. Esse tra- devido à fo rmação d e aderências das alças intes tinais,
tamento tem os objetivos de explo rar a cavidade abdo mi- causando o bstrução, fistula, perfuração, peritonite e abs-
nal e laquear os vasos linfáticos lesionados. Em p acientes cesso quando ocorre contaminação bacteriana. Algumas
com estado geral comprometido, pode ser indicada a vezes, o corpo estranho pode ser eliminado pela incisão
derivação peritônio-venosa, apesar d e apresentar resulta- cirúrgica ou através do tubo digestivo. Com freqüência,
dos insatisfatórios e índices não-d esprezíveis d e compli- os co rpos estran hos são d escobertos nos pós-operatório
cações18'39. O melhor tratamento da ascite quil osa pós- tardio, quando o paciente é submetido a exames d e ima-
operatória é a sua p revenção. Durante o p rocedimento gens (radiografia, ultra-sonot,rrafia etc.) ou durante a lapa-
cirúrgico, os canais linfáticos devem ser identificad os e rotomia exploradora.
ligados corretamente. A maioria dos pacientes apresenta O diagnósti co deve iniciar-se pela anamnese, sendo
boa resp osta ao tratamento clínico e o prognóstico impo rtan te indagar -se sobre as info rmações seguintes:
depende, também, da doença d e base. o perações prévias e onde foram realizadas; equipe médi -
ca; horário da o peração e caráter urgente o u eletivo etc.
O exame físico pouco contribui para o diagnóstico, exce-
Corpo estranho
to quando ocorre a eliminação espontânea d o corpo
A presença de corpo estranho após operações intra- estranho e palpação d e rumor abdo minal, que surgiu
abdominais é complicação passível de o correr e sua inci- após o procedimento cirúrgico.
d ência rem sido estimada em 1 por 1.000 a 1.500 laparo-
tomias40. Esse fato pode significar risco para o paciente e
Exames complementares
responsabilização ético-legal d a equipe médica, sobretu-
d o d o cirurgião. O radiograma simples é capaz de di agnosticar o
Os principais o bjetos deixados em sítios cirúrgicos co rpo estranho radio paco, m as, em se tratando d e com-
são gazes, compressas, agulhas, pinças e drenas. Os prin- pressa cirúrgica, este diagnóstico é mais difícil, embora
cipais fatores que contribuem para essa complicação são: possa ser identificado o marcado r radiopaco (quando
o besidade; operações d e urgência, sobretudo para trata- presente), e imagem "em miolo de pão", associada à irre-
mento d o trauma; tempo cirúrgico prolongad o; inexpe- gularidade na distribuição d as alças intestinais na cavida-
riência do cirurgião; equipe médica inco mpleta e com de abdominal. A ultra-sonografia e a tomografia compu-

623
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
tadorizada podem identificar a presença de tumor cístico cutânea, distensão da cavidade abdominal ou restrição
com estruturas amorfas ou espongiformes, associadas a pulmo nar se o local for a cavidade torácica (insuficiência
bolhas gasosas no seu interior' 2 ' . respiratória grave), exteriorização do angue através de
drenos o u da incisão cirúrgica. À palpação do abdo me,
observa-se distensão e sinais decorrentes da presença de
Tratamento
líquido com sinais discretos de irritação peritoneal.
O tratamento do corpo estranho é quase sempre Quando o sangramento ocorre nos dias subseqüentes ao
cirúrgico e consiste na sua retirada, considerando-se a pós-operató ri o de operações abdo minais, é importante o
localização e os ó rgãos envolvidos. diagnóstico diferencial com peri tonite.
O comportamento da equi pe médica freme ao diag-
nóstico de corpo estranho pós-operatório deve ser dis-
creto. Deve-se evitar divulgar o fato em todo o hospital Exames complementares
e, principalmente, para a imprensa leiga. Usar esse faro a vigência de hemorragia g rave, os exames comple-
para tripudia r os médicos respo nsáveis po r esse infortú-
m entares têm menor impo rtâ ncia para o diagnóstico e as
nio é condenável, entretanto informá-los é importante
condu tas iniciais. Entretanto eles são im po rtantes para a
como ensinamento e para que seja discutida a maneira de
avaliação subseqüente do paciente e para o diagnóstico
relatar o ocorrido ao paciente.
di fe rencial co m outras afecções, sobretudo quando o
sang ramento é menos inte nso. D eve ser so]jcitada avalia-
Hemor ragia intracavitária ção labo ratorial completa com maio r ênfase ao hemogra-
ma. Rad iografia, ultra-sonografia c tomografia computa-
A hemo rragia no sítio cirúrgico é uma das complica- do ri zada do abdo me são capazes de mostrar a presença
ções mais graves no pós-operatório, dependendo da sua
de liquido na cavidade perito neal; entretanto, nas hemo r-
localização e intensidade. Exige atitudes rápidas no seu
ragias volumosas, a explo ração do sítio cirúrgico deve ser
diagnóstico e tratamento.
feita antes da realização desses exames. Punção abdomi-
nal e aspiração de sangue definem o diagnóstico.
Etiopatogenia
As principais condições que contribuem para o sangra- Tratamento
menta no sítio cirúrgico são: alterações na coagulação san-
As co nd utas iniciais visam manter as funções vi tais do
güínea em decorrência de doenças o u do uso de medica-
mentos anticoagulantes e/ ou antiplaquetários; processo paciente por meio das medidas seguintes: oxigenação;
inflamatório envolvendo vasos sangüíneos (pancreatite, reposição volêmica, inicialm ente com colóides e crista-
peri ronite, fistulas digestivas etc.); hemostasia deficiente; lóides e, posterio rmente, com a transfusão de derivados
soltura precoce dos fios cirúrgicos; elevação brusca na pres- do sangue (concentrado de hemácias, plasma congelado,
são sangüinea; reoperações; trauma do baço nas operações plaquetas etc.); suspensão das medicações anticoagulan-
gástricas e do cólo n esquerdo; operações nos grandes vasos tes, mo nitoração das funções vitais e do volume urinário.
abdominais e torácicos (aneurisma, tro mbose); transplante Em sang ramenro ele po uca intensidade ou com indícios
de ó rgãos, sobretudo de fígado, em decorrência de deficiên- de ter cessado, o paciente deve ser mantido em observa-
cia na coagulação sangüínea, hipertensão po rta, área de dis- ção rigorosa. Q uando o sangramento é de g rande mo nta,
secção extensa e várias anastomoses vasculares etc. a explo ração imediata do síti o cirúrgico se faz necessária,
para realização dos procedimentos seguintes: ligadura de
vaso sangüíneo quando identi ficado; sutura de áreas
Manifestações clínicas
cruentas no sangramento difuso; sutura do o mcnto sobre
D ependem da intensidade do sang ramemo e do áreas cruentas de ó rgãos sólidos como fígado c baço; uso
período pós-operatório. a presença de hemo rragia de redes hemostáticas, co mpressão com a utilização de
imensa, o paciente apresenta-se co m taquicardia, pulso compressas, que serão reti radas quando hou ve r a esta bi-
fi no, taquipnéia, dispnéia, hipotensão arterial, palidez ]jzação do pacien te.

624
•••
Capítulo 50 .: Outras complicações do sítio cirúrgico

Conclusão 13 • Sawada Y. Alterations in pressure undcr clasric bandages: expe-


rimental and clinicai evaluarion . J De rmat. 1993;20:767-72.
E m muitas ocasiões, embora a operação seja correLa- 14 o Bcrman B, Bieley 11. Kcloids. J Am Acacl Dcrmat. 1995;33:117-
menre indicada e o procedimento cirúrgico principal seja 23.
15 • Oheíra G\', !\:unes T A, ,\ t agna LA, Cintra M L, Zarpelon S,
executado de modo adequado, o paciente apresenta
Kinen GT , ct ai. ilicone versus nonsilicone gel dressing: a
complicações no sítio cirúrgico, decorrentes de falh as em controled rrial. Dermar Surg. 2001;27:72 1-6
outros momentos do tratamento. Para evitar que isso 16 • Kelly r\ P. "'led ical and surgical rherapics for kcloids. De rmarol
ocorra, é necessá rio investi r na prevenção e no trata men- Ther. 2004; 17:2 12-8.
to precoce dessas complicações. o p ré-operató ri o 17 • Me Coy BJ , D iegelmann RF, Cohen IK. In vi tro inhibirion o f ccll
devem er realizados anamnese, exame físico, exames growth collagcn syn tesis and prolyl hidroxylase activiry by
rriancino lone accronide. Prnc Soe E xp Bio l 1\ led.
complementa res para identificar e tratar as doença a sa-
1980; 163:2 16-22.
ciadas antes da operação. o peroperatório, o procedi- 18 • .\lurray JC. cars and keloids. De rmatol Chn. 1993; 11 :697--os.
mento cirú rgico deve ser seguro, principalmente quanto 19 • Cosman B, \X'olff Correlation o f keloid recurrence wírh com-
às anastomoses e viabilidade das alças intesti nais, sutu ra pleteness o f local excision: a ncgauvc rcport. Plast Recomtr
dos recessos e aberturas do mesentério e mcsocólo n. Surg. 1972;50: 163-6.
Outros cuidados peroperarórios: hemostasia c limpeza 20 • Rockwell W 13, Cohen IK, Ehrlich li P. and hipcrtrophic
sca rs: a comprc hen sivc revicw. Plast Recons rr Surg.
da cavidade abdominal; posicionamento adequado das
1989;84:827-37.
alças imcsti nais; revisão da ca\'idade abdominal à procu- 2 1 • Lawrcnce \'íT. In search o f the o prima! treatmenr of kcloids:
ra ele corpo estran ho; hcmosras ia, li mpeza da ferida cirúr- rcporr o f a series and a rc' iew o f thc litcrature. r\nn Plast
gica c fechamento adequado de todos os planos da pare- Surg. 199 1;27: 164-78.
de abdomi nal. No pós-operatório, o paciente deve ser exa- 22 • Ais ter TS. Im provement o f crythcmarow, and hipen rophic scan,
minado pelo menos duas vezes ao dia, para que as compli- by 585nm pulsed dye laser. ,\ nn Su rg. 1994;32: 186-90 .
23 • /\lster T S, Mc.\!ee kin TO. lmprovcmcnt of facial acne scars hy
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626
51
VIAS DE
ACESSO E
SUAS COMPLICAÇÕES
..

------------------------------------------------------------------
Alexandre de Andrade Souza, Rodrigo Gomes da Silva,
Paulo Roberto avassi Rocha

Introdução abaixo do ângulo da mandibula (Figura 51.1). Esta inci-


são pode ser estendida mais anteriormente, até a região
Via de acesso é o método pelo qual o cirurgião alcan- submentoniana, caso o esvaziamento cervical seja neces-
ça o processo patológico que necessita de reparação sário como complementação da parotidectomia.
cirúrgica. As vantagens e desvantagens das incisões em A incisão é feita na pele e no subcutâneo, e o retalho
operações de cabeça e pescoço, torácicas e abdominais é levantado anteriormente acima da fáscia pré-parotídea e
serão discutidas neste capítulo. póstero-inferiormente até exposição do músculo esterno-
cleidomastóideo. Deve-se ter atenção aos ramos do
nervo facial que se localizam superficialmente, no nível
Incisões e acessos em cabeça e pescoço
do mú culo masseter, emergindo da glândula parótida'.
A especialidade de cirurgia de cabeça e pc coço trata Logo, o levantamento do retalho é interrompido no limi-
as afecçõcs benignas e malignas desse segmento anatômi- te anterior da glândula parótida.
co, excluindo-se o sistema nervoso central.
O tratamento cirúrgico das doenças neoplásicas da
cabeça c do pescoço deve ter como objetivo a ressecção
completa do rumor com o intuito curativo. ma boa
exposição das estruwras a serem dissecadas, com o míni-
mo de mutilação possível tem por conseqüência uma
recuperação pós-operatória satisfatória, com menor mor-
bidade. Dessa forma, o acesso cirúrgico e a incisão a ser
realizada são de fundamental importância. A seguir, des-
creveremos as principais incisões e os acesso mais utili-
zado em cabeça e pe coço.

Glândulas parótida e submandibular

Clând111a parótida - a incisão começa anteriormente à


orelha, acima do tragus, em um sulco cutâneo pré-auricu-
lar. É e tendida inferiormente até o lóbulo da o relha e, Figura 5 1.1 .: Linha de incisão parn parotidccwmia com a forma
então, é angulada posterio rmente ao nivcl do lobo sendo, de um " " itálico. A linha Lracejada mosrrn o tumor de parótida a
em seguida, direcionada anteriormente na região cervical, ser ressecado

627
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Glândula submandibular- A incisão transversal é feita estético e funcional. Como os suJcos naturais da pele no
abaixo, paralelamente à borda inferior da mandíbula, vermelhão do lábio estão em direção radial ao longo da
seguindo as linhas de força do pescoço. Para se evitar circunferência da boca, as incisões nessa região devem
lesão do ramo marginal do nervo facial, a incisão deve ser, preferencialmente, nesse sentido.
se situar 1 a 2cm abaixo da borda inferior da mandíbu- Nos tumores com até 1/ 3 da extensão do lábio in fe-
la (Figura 51.2). Durante o levantamento do retalho rior, a incisão em "V", em toda a profundidade do lábio,
superior, no plano subplatismal, o ramo marginal do com fechamento primário, é a melhor opção. Para tumo-
nervo facial é dissecado no tecido situado profunda- res com acometimento de até 2/ 3 do lábio, a incisão em
mente ao platisma2 . "W" tem uma boa aplicação. Em tumores com mais de
2/3 de comprometimento do lábio, após a ressecção da
lesão com margem de segurança, procede-se a reconstru-
ção do defeito cirúrgico. Em mais de 75% desses casos,
a técnica mais utilizada é a de Karapandzic, que propor-
ciona bom resultado estético e funcional. O princípio
dessa técnica é a mobilização e utili zação da pele, das par-
tes moles e mucosa da parte inferior da região naso-
labial, que são desviadas medialmente, p reservando a
inervação e a irrigação do músculo orbicular dos lábios>.•.

Tumores da cavidade oral e orofaringe

Existem vários acessos cirúrgicos para ressecção de


tumores primários da cavidade oral. A escolha do acesso
Figura S 1.2 .: Linha de incisão para ressecção de tumores de depende do tamanho e localização do tumor primário,
glândula submandibular profundidade da infiltração e proximidade ou infiltração
da mandíbula ou maxila.
Em tumores que invadem a mandíbula, a operação de
É importante salientar que a menor operação para comando (composta) é utilizada de rotina na cirurgia de
tumores de glândulas salivares é a ressecção completa cabeça e pescoço e inclui a ressecção em monobloco do
do tumo r, incluindo tecido glandular adjacente. A tumor primário, juntamente com a mandíbula e o esva-
biópsia incisional ou enucleação é conduta inaceitável ziamento cervicaP.
por aumentar o risco de recidiva tumoral além do risco Vários acessos cirúrgicos são utilizados para a ressec-
de lesão do nervo facial. Portanto, todos os nódulos na ção de tumores da boca e orofaringe, entre eles:
região parotidea ou submandibular devem ser tratados
• transoral - lesões malignas, hiperceratose, ceratose
como tumores de glândula salivar até que se prove o
com displasia e carcinoma in situ da cavidade oral
contrário e o acesso para a ressecção dos mesmos são
podem ser tratadas por exérese perora!. É aconse-
os descritos acima. lhável nos casos de lesões focais e limitadas em
extensão na superfície e profundidade. Tumores
Lábios pequenos, do terço anterior da língua, também são
ressecados por essa via;
A ressecção de tumores dos lábios varia de acordo • mandibulotomia - excelente via para abordagem
com a extensão do tumor. A incisão deve abranger toda cirúrgica de tumores da boca e orofaringe. Essa téc-
a lesão, com margem de segurança, levando em conside- nica poupa a mandíbula de uma ressecção. A man-
ração, sempre que possível, a função e a estética do lábio. dibulotomia pode ser lateral (no corpo ou ângulo ela
mandíbula), na linha média ou paramediana6 -8 ;
Lesões superficiais, envolvendo o vermelhão e muscula-
• retalho facial inferior - geralmente utilizado em
tura subjacente do lábio, são bem ressecadas por meio de
conjunto com a mandibulotomia com uma excelen-
incisão eliptica sob anestesia local, com ótimo resultado te exposição para ressecção de tumores da boca e

628
Capítulo 51 .: Vias de acesso e suas complicações

••
oro faringe·.•. A incisão inicia-se na porção média do Esvaziamento cervical
lábio inferio r, que é seccionado, estende-se até o
mento, segue lateralmente no pescoço, na aln1 ra do A mruoria dos rumores da cabeça e do pescoço metas-
osso hióide. O retalho é levantado em toda a sua tatiza inicialmente para o pescoço e aproximadamente
espessura, preservando ou não a mandíbula; 40% dos pacientes com carcino mas escamosos da cavi-
• retalho em viseira- evita a separação do lábio infe- dade o ral e fa ringe apresentam-se com disseminação
rio r e menta na linha média. A cavidade o ral é regio nal da doença no momento do d iagnóstico. Dessa
exposta por meio de incisão cutânea transversa fo rma, a conduta para os linfonodos cervicais se torna
única, de um processo mastóidc ao outro, ao longo componente m ui to importante para a estratégia global de
de um sulco natura l da pele cervical. É adequado tratamen to desses pacientes.
para tu mores anteriores da boca. Tem como d es- t\ incisão do pescoço deve ser planejada para se obter
vantagem a anestesia da pele elo menta e lábio infe- ex posição adequada elas estruturas a se rem russecadas,
rior devido à secção dos nervos mentonianos; um bom suprimento sangüíneo para os retalhos (pa rticu-
• retalho facial superior- incisão de \X'eber Fcrguson larmente em pescoço previamente irradiado, por apre-
utilizada em maxilcctomias (vide rumores de nariz e sentarem irrigação rurninuída) e uma boa es tética, sempre
seios maxi lares). que possível' 1• Existem vá rias incisões d e cri tas na litera-
Tumores benignos e malignos da cavidade o ral e tura, send o q ue cada cirurgião tem a sua d e preferência.
orofari nge podem ser tratados por via transoral em 1\s incisões mais comumente utili zadas nos esvaziamen-
algu ns casos, p rincipalmente tumores pequenos e tos cervicais são comentadas a seguir.
benignos. o caso dos tumo res malignos, uma exposi- Incisão de Mac F ee - incisões horizontrus e paralelas
ção adequad a é fundamental para a rcssecção com ma r- superiores (abaixo da mandíbula) e in ferio res (acima da
clavícula). Proporciona excelen te resul tado es téti co e
gem de segurança e também pa ra a reconstrução, exi-
boa viabilidade do retal ho, mas com certa limitação da
gi ndo acessos ma is amplos 9·"'.
exposição. Pode ser empregada para dissecção ünfonodal
em tod os os níveis d o pcscoço' 4 •15 •
Lesões congênitas, cistos e linfangiomas da Incisão Sr!Jobinger e Conlv•- incisão ho rizontal superior
região cervical do proccs o mastóide ao menta passando ao nível do
osso hió id c c com extensão ver tical posteriormente até a
A incisão deve seguir as linhas d e força ela pele d o clavícula. Proporciona excelen te exposição no esvazia-
pescoço, sobre a lesão a ser ressecada 11 • É fundamental o mento cervical de todos os niveis e ótima viabi lidade do
conhecimento da anatomia da região cervical e da afec- retalho. Ctilizada nos casos de ressecção de tumores d e
ção a ser tratada para evitar lesão de estruturas nobres boca c orofaringe, associada ao esvaziamento cen·ical'
durante o acesso ci rú rgico. (Figura 5 1.3).
fnrisào m; "U" - o ferece ó tima exposição d o pescoço,
bilateralmente, e boa viabilidade do retalho. Empregada
Tumores do corpo carotídeo nos esvaziamentos ccrYicrus bilaterais, juntamente com
ressecção de rumores da laringe/ fari nge'6 •1- .
Tumores do corpo carotícleo são rumores altamen te
Incisão e111 " H"- incisões lo ngi tudinais c bilaterais, na
,·ascularizados, com risco grande de sangramcnto no
região lateral do pescoço, desde a mastóide até a clavícu-
peroperatório. D essa fo rma, a artéria caró tida deve se r
la, unidas po r outra incisão tran versa, no nível d o osso
dissecada superior c inferiorm ente ao rumor para c1ue, no
hi óide (1-:igu ra 51.4). Proporcio na ótima exposição e boa
caso de qualquer sangramento maior, a mesma possa ser viabilidade dos retalhos nas ressecções de tumores d a
clampada, até que o sangramento seja controlado. Assim, laringe/ faringe, associada aos esvaziamentos cervicais
dependendo do taman ho do tumor, a incisão é feita no bilaterais'1'·". Permite também o isolamento da traqueos-
sen tido lo ngi tudinal, seguindo a borda anteri o r do mús- tomia do campo cirúrgico.
culo cstcrcleidomastóideo (rumores mruores q ue exigem lilcisào supra-omobióidea- a incisão é feita d esde o pro-
uma área de exposição maior) ou trans,·ersa, em um cesso mastóide até a linha média, no submento, através
sulco da pele, na região do tum or (tumo res de um sulco cen-ical no nÍ\'el do o sso hióide, a pelo

629

••
Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

menos dois dedos abaixo do ângulo da mandibula. No lando os retalhos superior e inferiormente19 • O utra opção
nível da região submandibular, durante o descolamento seria a incisão em "T", com a parte transversa da incisão
do retalho superio r, o ramo marginal do nervo facial deve sobre a cartilagem tireóide e a parte lo ngi tudinal, media-
ser identificado e preservado no plano subplatismal 18 • na, iniciando na incisão transversa c estendendo até
a traquéia.
a maioria das vezes, as operações em laringe e
fa ringe são associadas à confecção de traqueostomia.
Sempre que possível, a traqueostomia deve ficar isola-
da da ferida cirúrgica para se evitar m aior contamina-
ção do campo cirúrgi co 19 •20•
O acesso cirúrgico para ressecção de tumores da
parede posterio r da faringe é feito po r meio de faringo-
tomia supra-hióidea o u com a secção mediana do osso
hióide. Esse acesso é feito com incisão transversa, na
linha méd ia, no nível do osso hióide, com rebatimento
dos retalhos superiores e inferiores. Geralmente é utiliza-
do para ressecção de tumores benignos o u pequenas
FiguraS 1.3 .: Incisão de chobinger e Conle) em paciente com
metástase cervical de carcinoma espinocclular de pele de couro
lesões malignas, já que a exposição é limitada. Para os
cabeludo casos de tumores malignos maio res, o acesso por meio
da mandibulo -glossotomia mediana (a Trotter) p ropor-
ciona exposição m ais adequada 21•
Para o tratamento do divertículo de Zenker, a exposi-
ção cirúrgica do esôfago cervical e fa ringe é melho r obti-
da por meio de acesso cervical esquerdo lo ngitudinal, na
borda anterio r do múscul o esternocleidomastóideo.

Traqueostomia

A traqueostomia é utilizada como procedimento iso-


lado para aqueles pacientes com obstrução respiratória
alta ou intubação orotraqueal prolongada, com intenção
de reduzir as lesões laríngeas e traqueais por intubação
prolo ngada e melho rar a ventilação do paciente. A tra-
queostomia também pode ser realizada como parte de
Figura S 1.4 .: Incisão em " H" para ressecções de ntmo res da outras operações, como ressecção de tumores de boca,
laringe/ fa ringe associada aos es,·aziamemos cervicais bilaterais fa ringe ou laringe.
Para a realização de traqueostomia, dois tipos de inci-
são podem ser utilizadas. A lo ngimdinal, na linha média,
Laringe e faringe que tem como vantagem um melho r acesso à traquéia e
menor sangramento, uma vez que o sentido lo ngi tudinal
A incisão para abordagem da laringe e/ou faringe será da incisão é o mesmo dos vasos do pescoço. E m contra-
feita conforme o tratamento proposto. Caso o esvazia- partida, a incisão transversa oferece melhor re ultado esté-
mento cervical esteja incluido na programação cirúrgica, tico por seguir as linhas narurais da pele do pescoço. E m
a incisão será feita incluindo a região cervical a ser esva- ambas, a incisão deve se siruar a aproximadamente dois a
ziada. Quando apenas a laringe for abordada, a incisão da três centímetros acima da fúr cula e ternal, proporcionan-
pele será transversa, sobre a cartilagem tireóide, desco- do exposição da traquéia no nível do 11 ao IV anel traqueal

630
Capitulo SI .: Vias de acesso e suas complicações

••
Qocal onde a traquéia será aberta). A hiperextensão cervi- mentares (radiografia simples da coluna cervical em inci-
cal contribui para melhor exposição da traquéia. dência lateral, pan-endoscopia das vias aéreas e digesti-
Um outro tipo de técnica para traqueostomia que tem vas, esofagografia com contraste iodado na suspeita de
sido utilizada é a percutânea, em gue uma peguena inci- lesão esofágica, entre outros), poderemos definir pelo
são da pele é realizada e, em seguida, a traguéia é puncio- tratamento cirúrgico ou a conduta observacionaJ2•.2>
nada com uma agulha sob visão direta (por meio de Quando apenas um lado do pescoço necessita ser
fibro broncoscopia). A través da agulha é passado um fio explorado, a incisão acompan hando a borda anterior do
guia e depois dilatadores com calibres progressivos pela músculo esternocleidomastóideo proporciona excelente
pele até a traguéia, até que a cânula possa ser introduzi- exposição. Pode ser estendida da clavícula até o processo
da. Com esta técnica, a incisão da pele se torna mínima, mastóide, ou até o mediastino, caso seja necessário.
porém existem algumas desvantagens como a necessida- Q uando os dois lados do pescoço precisam ser
de de dois médicos para a realização do p rocedimento explorados, a incisão bilateral ao nível da borda anterior
(enguam o um faz a traqueostomia o outro deve estar do músculo esternocleidomastóideo é uma opção. Con-
observando a luz traqueal com o fi broscópio, para se evi- tudo a incisão em colar, 3 a 4cm acima da clavícula,
tar lesão da parede posterior) e um custo mais elevado estendida para cima até no ângulo da mandíbula, bilate-
que a técnica tradicional. ralmente, é a melho r opção. O retalho de pele é elevado
supe riormente, o músculo esternocleidomastóideo é
descolado lateralmente, expondo a bainha carotídea e as
Trauma vísceras cervicais.
Os ferimentos penetrantes do pescoço apresentam
dificuldades tanto na sua avaliação como na conduta a Tireóide e paratireó ides
ser adotada para o tratamento. A explo ração sistemática
de todo ferimento que ultrapasse o platisma foi substitui- Para uma boa exposição, o paciente deve ser colocado
da pela conduta seletiva conservadora. r aqueles pacien- em decúbito dorsal, com leve hiperextensão cervical, de
tes com sintomas bem definidos e específicos, como forma a anteriorizar as estruturas medianas do pescoço.
sangramento volumoso, obstrução de via aérea superio r, Uma incisão cervical em colar, 2 a 3cm acima da fú r-
a exploração cervical imediata é a regra. Nos pacientes cula esternal (incisão de Kocher), da borda anterior de
que se encontram assintomáticos, a opção entre a explo- um músculo esternocleidomastóideo ao outro, com pos-
ração cervical imediata ou a conduta expectante e obser- terior elevação do retalho, é o acesso rotineiramente rea-
vacional ainda não está bem definida, embora hoje têm- lizado para operação da glândula tireóide e paratireóide
se optado pela segunda opção22• (Figura 51.5). Sócios mergulhantes também podem ser
Em 1979, Roon e Christiansen23 propuseram a divisão ressecados por essa via na maioria das vezes, sem a
do pescoço em três zonas. Assim, traçaram duas linhas necessidade de esternotomiau..r.
horizontais e paralelas na face an terior do pescoço, uma
no nível da cartilagem cricóide e outra no ângulo da man-
dibula. Foram definidas, assim, três zonas: zona I, da cla-
vícula até a cartilagem cricóide; zona Jl , da cricóide ao
ângulo da mandíbula; e Ill, do ângulo da mandibula até a
base do crânio. Com isso, pode-se definir em qual zona
haverá maiores possibilidades de determinado tipo de
lesão. Assim, traumas perfurantes na zona 1 têm signifi-
cativa incidência de hemopneumotórax, associado a
lesões dos vasos subclávios; a zona ll caracteriza-se pela
multiplicidade de lesões e a zona IH está associada a
maior número de lesões cranianas e raquimedulares2.1 .
Dependendo do local do trauma, da história clinica e Figura 51.5 .: Incisão cervical em colar (Kochcr) para tircoidccto-
da sintomatologia do paciente, além dos exames comple- mias e pararireoidectomias

631
..

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Fundamentos em C línica C irúrgica

Quando o e vaziamento cervical for necessano, a A incisão começa na linha média do lábio superior (que é
incisão pode ser estenctida até a borda do músculo trapé- seccionado), estende-se até a columela, curva-se em
zio bilateralmente, na parte inferior do pescoço. h ssa torno do vestíbulo nasolabial e segue até o canto mediai
incisão proporcio na exposição adequada para dissecção do o lho 12"11 (Figura 51.6).
linfonodal regional na parte latera l do pescoço e medias-
tino superio r, além ela tireoidectomia total, e ainda é es te-
ticamente muito boa.

Tumores do couro cabeludo e da pele da face

A exten ão da ressecção elas lesõe de couro cabelu-


do depende principalmente da profundidade de infiltra-
ção elo rumor. T umores profundamente infiltraúvos exi-
gem, muitas vezes, a ressecção de toda a es pessura do
couro cabeludo. Aquelas lesões aderidas ou que infiltram
o crânio exigem ressecção da tábua externa do crânio ou
até da dura mater. Figura 51.6 .: Incisão de (rinmomia lateral,
Pequenas lesões da pele da face são cxcisadas na com secção mediana do lábio supcno1·). ( também a
direção das ünhas da pele, que estão em ângulo reto extensão subciliar para cxcntcração da úrhirn ou maxilcctomia total
com os músculos faciais. ] nci são elíptica adapta-se
melho r a essas lesões pequenas. Tumo res maio res e
Para exposição adicional do seio ctmóidc, a extensão
pro fundamente invasivos exigem melhor programação
da incisão anterior até a borda mediai da sobrancel ha -
da ressecção e reconstrução28 .
Incisão de Linch - é a mais utilizada " .
t\ extensão subciliar ao lo ngo da margem tarsal da
Tumores do nariz e seios da face pálpebra inferior até o canto lateral proporciona uma
ex posição da parte lateral c póstcro-lateral da maxila c
O paciente é colocado em posição supina, com ele- c tá indicada para as maxilectomias totais.
vação da metade superior do co rpo em trinta grau s. Os Quando se associa a maxilectomia com excnteração
o lh os devem estar bem protegidos com proteto r cór- da órbita, a incisão de \X'ebcr-Fcrguson com extensão
neo de cerâmica ou por meio de sutura das pálpebras subcilia r e supraciliar ci rcunfercncialmcnte nos dá uma
com fio n)'lon fino. boa ex posição da ó rbi ta ' 5 •
Para tumores pequenos, locaüzaclos na parte in feri o r
da cavidade nasal e que não são acessíveis através do vcs-
ábulo nasal, o melhor acesso é via rinotomia lateral. Ressecções crânio-faciais
incisão causa deformidade estética e funcional mínima,
J\ rcssecção dos tumores envolvendo a fossa craniana
além de o ferecer excelente exposição da parte inferior da
anterior exige acesso craniano e facial para se obter boa
cavidade nasal e Um ouuo acesso é o tipo
,.;,{e, cuja incisão gengiva-labial evita a necessidade de exposição das estruturas dessa região e, conseqüente-
cicatriz na pele, mas oferece exposição limitada da parte mente, diminuir a morbidade e uma ressecção completa
ante rior ela fossa nasal" . e em monobloco do tumor. Para a craniotomia, rotinei -
Tumores maligno da infra-esuutura da maxila podem ramente, uóliza-se a incisão coronal (na linha do cabelo)
ser adequadamente ressecados por maxilectomia parcial. bifrontal e incisão de Wcber-ferguson para a face ".
casos de lesões pequenas, locaüzadas anteriormente, Pode-se utilizar incisão supra-orbitária unilateral para
essa ressecção pode ser realizada por via uansora] 1! . craniotomia frontal Jjmitada em caso de tumores de
Lesões maiores elo palato, da gengiva c do antro ó rbita envolvendo o teto orbitário .
maxilar ou além dos limites do antro requerem exposição Em tumores da fossa média, a exposição deve ser
maior. A incisão ele Weber- Fergusson é a melhor opção. extensa para proteção de estru tu ras vitais além de ressecção

632
Capitulo 51 .: Vias de acesso e suas complicações

••
em monobloco adequada. O plano de ressecção inclui inci- músculo obliquo interno iniciam-se póstero-lateralmente
são facial média, estendendo-se da região occipto-parietal, na fáscia tóraco-lombar, na crista iliaca e na metade lateral
até a região frontal, descendo pela extremidade media] da do ligamento inguinal. Superiormente, fixa-se nas margens
sobrancelha. Nesse ponto, a incisão contorna a fissura pal- inferiores das três ou quatro últimas costelas. Sua borda
pebral e continua como incisão de Weber-Ferguson. inferior forma um arco no funiculo espermáúco, e pode se
Inferiormente, o lábio inferior é dividido e a incisão é fundir com a aponeurose do músculo transverso do abdo-
estendida até o pescoço, do mesmo lado da lesão. O reta- me, formando o tendão conjunto. O músculo transverso
lho é levantado em toda a sua extensão e espessura1H . origina-se das bordas internas das seis últimas costelas, da
O s tumores originados no canal auditivo, seja a parte fáscia toraco-lombar, da borda interna da crista iliaca e do
cartilaginosa ou óssea, requerem ressecção do osso tem- terço lateral do ligamento inguinal. Um pequeno músculo
poral, seja ela parcial ou total, dependendo da extensão triangular, presente em 90% dos casos, denominado mús-
do tumor. A incisão para acesso dessa região pode ser culo piramidal, origina-se do púbis e insere-se na linha alba.
póstero-auricular, sendo que, muitas vezes, o pavilhão As aponeuroses desses três principais músculos fun-
auricular ou parte dele também é incluído na ressecção36• dem-se na borda lateral do músculo reto do abdome, for-
mando a linha semilunar e prolongam-se medialmente, de
modo diverso, para formar as bainhas anterio r e posterior
Acesso cirúrgico a vértebras cervicais
do reto. Próximo ao esterno, somente o músculo transver-
O acesso cirúrgico à coluna vertebral na região cervi- so situa-se entre o reto e a fáscia transversalis. Logo acima
cal está indicado para ressecção de tumores nos corpos da cicatriz umbilical, a bainha anterior do reto é formada
vertebrais ou para as laminectomias de descompressão pela fusão da aponeurose do oblíquo externo e uma divisão
ou exposição da medula espinhal. Esse acesso pode ser anterior da aponeurose do obliquo interno . De modo simi-
anterior ou posterio r. lar, a bainha posterior é constituída por uma divisão poste-
Para as primeiras vértebras (1-3), o acesso mais uti- rior do oblíquo interno e do músculo transverso do abdo-
lizado é por mandibulotomia mediana. As vé rtebras me. Alguns cenúrnetros abaixo da cicatriz umbilical, as
cervicais médias são mais bem expostas por meio de fusões das aponeuroses dos três músculos passam a ser
incisão cervical transversa na região cervical média, apenas anterior. Esse ponto de transição constitui a linha
com rebatimento lateral do músculo esternocleido mas- arqueada. D esse modo, abaixo da linha arqueada, apenas a
tóideo e da bainha carotídea. Uma incisão cervical em fáscia transversalis está posteriormente ao músculo reto.
colar baixo, associada a outra vertical, na linha média, Na linha mediana, a fusão dessas fáscias forma, entre os
sobre o esterno - incisão em "T" - é a abordagem uti- dois músculos reto do abdome, a linha alba.
lizada para acesso às vértebras cérvico-torácicas. A inervação da parede abdominal advém do quinto
ao décimo segundo nervos torácicos, que se situam entre
o oblíquo interno e o transverso, o nervo ilio ipogástrico
Anatomia da parede abdominal e e o nervo ilioinguinal.
incisões abdominais A irrigação do músculo reto abdominal é feita pelas
artérias epigástricas superior e inferior que formam uma
Anatomia cirúrgica da parede abdominal anastomose longitudinal. A superior é continuação da arté-
ria torácica interna e a inferior é ramo da artéria iliaca exter-
A região lateral do abdome é composta pelos múscu- na. Pequenos ramos dessas artérias perfuram a bainha ante-
los oblíquo externo, oblíquo interno e transverso. As rior do reto e suprem o tecido subcutâneo dessa região. Os
aponeuroses desses músculos formam as bainhas ante- músculos e o tecido subcutâneo ântero-laterais do abdome
rior e posterior do músculo reto abdominal, que se sima são supridos pelas artérias intercostais.
na região anterior do abdome.
O músculo oblíquo externo origina-se na borda externa
Incisões abdominais
da quinta à décima segunda costela e fixa-se inferiormente
no tubérculo púbico e crista iliaca ântero-supcrior. O As incisões abdo m inais podem ser realizadas em
espessamento da sua aponcurose entre esses dois pontos d ife rentes sentidos: longi tudinal, transversal/oblíquo
anatômicos constitui o ligamento inguinal. As fibras do ou combinado.

633
• Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

••
Incisões longitudinais lateral42.46• Na paramediana medial, a incisão na bainha do
reto é realizada próxima à linha alba. Na paramediana late-
As incisões lo ngitudinais podem ser medianas o u
ral, procede-se à incisão próxim a à linha semilunar. Mesm o
paramedianas. Apesar de serem contra as linhas de força assim, em ambas, o músculo reto é rebatido lateralmente.
da pele, são bastante utilizadas. E ssas incisões têm a
Os resultados da paramediana lateral são superiores aos da
grande vantagem de atingir simultaneamente o andar
paramediana medial42 • A maior vantagem da paramediana
superio r c inferio r do abdome.
sobre a m ediana seria o fato de a incisão localizar-se mais
A incisão mediana pode ser utilizada para doenças no
pró xima ao sítio cirúrgico. Outra vantagem seria que, com
andar superior e inferior do abdome. A linha alba é pra-
a presença do músculo reto entre as rafias das bainhas ante-
ticamente avascular e, po r esse motivo, o sangramento é
rior e posterior, a taxa de hérnia incisional seria menor.
reduzido durante sua realização, resultando em rapidez
Estudos clínicos com incisões paramedianas têm mostrado
no procedimento. Pode ser supra-umbilical, infra-u mbi-
ta..xas de hérnia incisional consistentemente menores de
lical ou médio-umbilical. A incisão da pele próxima à
1%41 •42.44• Por outro lado, a ta.xa de hérnia incisional com
cicatriz umbilical pode ser curvilínea, para um dos lados,
incisões medianas situa-se entre 5% e 19% 41"44• Na hiperten-
o u centrada na cicatriz umbilical. Após a incisão da pele,
são porta, a incisão paramediana pararretal interna esquer-
subcutâneo e aponeurose, a abertura do peritó nio deve
da supra-umbilical tem a vantagem de evitar o ligamento
ser realizada em um ponto próximo ao umb igo.
falei forme que contém a veia umbilical recanalizada devido
Inferiormente, isso evita a abertura inadvertida da bexiga
ao aumento da pressão no sistema porta. Uma desvanta-
e, superiormente, a secção do ligamento falciforme. Se
gem da paramediana em relação à m ediana seria o fato de
necessário para a exposição, o ligamento falei fo rme pode
o fechamento da parede abdominal levar mais tempo. No
ser ligado e seccionado. Para melho r exposição no andar
entanto, estudo prospectivo randornizado mostrou que o
superior, a ressecção do apêndice xifóide pode ser realiza-
tempo m édio foi maior em apenas seis minutos na parame-
da. I nferiormente, a bexiga deve ser identificada e a inci-
diana•2. Na incisão paramediana, a exten são da incisão
são deve ser lateralmente à mesma. A colocação de cate-
superiormente é limitada pelos arcos costais. Apesar dessas
ter vesical de demora em incisões do andar inferior esva-
evidências, a incisão mediana tem sido preferida em relação
zia a bexiga e ajuda a reduzir sua lesão inad vertida'"' 2.
à paramediana em muitos serviços de Cirurgia Geral. É
Em reoperações, a presença de aderências entre alças e
mais rápida de se fazer e de fechar, o sangramento é meno r
a parede abdominal é freqüentemente observada. Nesses
casos, pode-se prolongar a incisão antiga até um ponto vir- e o acesso é, geralmente, adequado.
gem, para que seja possível a abertura do peritô nio em local
de meno r probabilidade de aderência de alça intestinal. Incisões transversas
A incisão mediana supra-umbilical pode ser utilizada
para procedimentos no estômago, fígado e baço. As Os estudos com incisões tranversas são mais escassos
médio-umbilicais são adequadas para ressecções intesti- do que os estudos com incisões longitudinais47 • N enhuma
nais. As infra-umbilicais são utilizadas para colectomias, vantagem foi observada ao ser comparada com a incisão
apendicectomia com peritonite e operações sobre ó rgãos mediana em relação à taxa de hérnia incisional. Com o essas
da pelve. No trauma, a incisão mediana xifo-púbica per- incisões seccionam a musculatura transversalmente, o
mite rápido acesso à cavidade abdominal, com ampla potencial para sangramento é maior. O tempo para sua rea-
exposição dos ó rgãos. lização também é maior, quando comparado com a da inci-
As incisões paramedianas são realizadas a 2-3 em da são mediana. Outra desvantagem seria o fato de não permi-
linha mediana e podem ser feitas à direita ou à esquerda, de tir o acesso aos andares superior e inferior simultaneamen-
acordo com o ó rgão a ser operado. Após a abertura da pele te. No entanto, quando a doença a ser tratada se restringe a
e do subcutâneo, faz-se a incisão na bainha anterior do um dos andares abdominais, sua exposição é excelente e
reto. Após a exposição do músculo, este deve ser rebatido tem sido muito utilizada. Exemplos como duodenopan-
no sentido medial para Lateral. D essa forma, evita-se a sec- createctornia ou ressecção em lobo direito do figado
ção dos nervos que chegam ao músculo reto lateralmente. podem ser citados. Não se observou diferença sigrúficativa
Denomina-se assim esta incisão como paramediana parar- entre a incisão transversa bilateral e a mediana. A dor pós-
reta] interna. Existem ainda duas variações: a m ediai e a operató ria em incisões oblíquas é menor que na mediana42 •

634
Capítulo 5 I .: Vias de acesso e suas complicações

••
A incisão subcostal direita é chamada de incisão de acima da sínfise púbica. A aponeurose dos músculos reto
Kocher, em referência ao cirurgião que a descreveu: do abdome é seccionada bilateralmente no sentido trans-
Theodore Kocher. É realizada a, aproximadamente, 2cm a versal. Os músculos são rebatidos superio r e inferior-
3cm do rebordo costal direito. Próximo à linha mediana, mente. O peritônio é aberto no sentido longitudinal até a
pode-se colocá-la entre 2cm e Sem do apêndice xifóide, cicatriz umbilical, superiormente, e até a sínfise púbica,
dependendo do julgamento do cirurgião. Pode também inferiormente. A maior vantagem dessa incisão é o seu
ser prolongada para a esquerda, fornecendo amplo aces- resultado cosmético. Por outro lado, sua exposição é
so ao andar superior do abdome e ao retroperitônio. A limitada à pelve.
secção do reto abdominal é realizada no mesmo sentido
da incisão da pele. A artéria epigástrica superior d eve ser
Incisões combinadas
ligada. Os músculos oblíquos podem ser seccionados ou
divulsionados de acordo com a direção de suas fibras. A Várias combinações de incisão podem ser realizadas a
seguir, o peritônio é seccionado entre pinças para se evitar fim de se obter melhor exposição. Por exemplo, os g ran-
a secção inadvertida do cólon ou da vesícula biliar. A inci- des tumores pélvicos, como o sarcoma, pod em ser resse-
são subcostal pode ser realizada exclusivamente à esquerda, cados por meio de uma incisão mediana, associada à inci-
quando se vai proceder à operação sobre a cauda do pân- são transversa tipo Pfannenstiel. Tumores retroperito-
creas ou no baço. A direita, fornece ótima exposição da neais extensos podem requerer incisão mediana ampla
vesícula biliar e da via biliar extra-hepática. combinada com incisão transversa em forma de "T". Já
Em pacientes pediátricos, a incisão transversa com lesões que envolvem o abdome e o tórax podem ser
divisão dos músculos é, muitas vezes, preferida em rela- abordadas com incisão tóracoabdominal. Nesta última
ção às incisões longitudinais. Nesses casos, a incisão é incisão, o paciente pode ser colocado em decúbito late-
semelhante à subcostal, mas é realizada em sentido trans- ral, com coxins colocados abaixo do seu dorso. Em geral,
versal em vez de oblíquo. no o itavo espaço intercostal pode-se ter acesso conjunta-
A incisão para realização de apendicectomia na apen- mente com uma incisão mediana ou paramediana.
dicite aguda é freqüentemente a incisão transversa
(Rockey-Davis) ou oblíqua na fossa iliaca direita. Esta
Complicações das vias de acesso abdominais
última é denominada incisão de McBurney. É colocada
na junção dos terços médio e lateral de uma linha imagi- As incisões abdominais podem complicar com dor,
nária entre a espinha iliaca ântero-superior e a cicatriz infecção, seroma, hematoma, hérnia incisional, deiscên-
umbilical. No entanto, após o relaxamento dado pela cia parcial da ferida operatória e evisceração.
anestesia e a melhor palpação do plastrão apendicular, a A dor pós-operatória da incisão oblíqua/ transversa é
incisão d eve ser realizada sobre o mesmo. O tamanho da meno r que a secundária à mediana ou paramediana42•
incisão varia de acordo com o biótipo do paciente e do A infecção incisional é o maior fator de risco para o
estádio de evolução da apendicite aguda. surgimento da eventração (hérnia incisional) . Não exis te
Após a incisão da pele, o tecido subcutâneo é secio- diferença entre as taxas de infecção e o tipo de incisão
nado até se observar a aponeurose do músculo oblíquo realizada42 • As taxas de infecção incisional podem ser
externo. Esta é secionada na direção de suas fibras, minimizadas com a utili zação de antibióticos profiláticos.
úanúu act:ssu ao músculo obliquo interno, também com Em cirurgia colorretal, por exemplo, a não-utilização de
divulsão de suas fibras até o tranverso. O peritônio é sec- antibioticoproftlaxia resulta em taxa d e infecção de até
cionado entre pinças e tem-se o acesso à cavidade perito- 70%. Os antibióticos devem ser iniciados na indução
neal. Se necessário prolongamento mediai da incisão, o anestésica e mantidos por até 24 horas. Na maioria das
músculo reto abdominal pode ser retraído medialmente vezes, apenas a dose inicial é suficiente.
ou seccionado transversalmente. Seroma é a coleção de líquido serossangüinolento
A incisão de Pfannenstiel é freqüentemente utilizada ou seroso que se forma na ferida operatória. Grandes
pelos obstetras e ginecologistas para realização de cesa- descolam entos de tecidos são a principal causa dos
riana ou operações sobre os órgãos pélvicos. É uma inci- seromas. E les podem ser evitados com a colocação de
são transversa, de aproximadamente 12 a 15cm, logo drenos de sucção no subcutâneo, que devem se r extc-

635
• Fundamentos em Clinica Cirúrgica

••
riorizados por contra-abertura. Uma vez fo rmado, o na linha de sutu ra da pele. Após a evacuação do lígui-
scro ma pode ser puncionado sob condições assépticas do, faz-se curativo compres ivo que, muitas vezes,
ou através de pequena abertu ra de um ou dois pontos exige o enfaixamento do abdome.
O hematoma de fe rida operatória caracte n za-se
pela coleção de sangue abaixo da linha de sutura. A
colo ração da pele é arroxeada e forma-se tumoração
end urecida no local. Geralmente, o tratamento conser-
vado r com calo r local é suficiente e, em po ucas sema-
nas, ocorre a resolução completa da complicação. A
pele recupera sua cor no rmal c o hematoma é lenta-
mente absorvido.
deiscência parcial da ferida operatória caracteriza-
se pela ruptura de um plano de sutura superficial.
Em geral, as suturas da pele e do subcutâneo se rom-
pem devido à infecção, restando íntegra a aponeurose.
lecrose da borda da pele pode ocorrer. 1 essa situação,
instituir cuidados locais na ferida, com utili zação de anti-
bióticos em casos selecionados, e deixa r a cicatrização se
realizar por segunda intenção é a melho r conduta.
Pacientes diabéticos, imunossup rimidos e com celulite
extensa devem receber antibioticoterapia sistêmica.
A evisceração ou dciscência total da ferida operató-
ria abdominal é uma das complicações mais g raves das
vias de acesso abdominais. Associa-se com mortalida-
de de até 30% . Sua incidência varia entre 0,5% a 5%.
Pode ser incompleta, também denominada eventraçào,
quando o peritônio evita a saída das alças intestinais da
cavidade abdominal, ou completa, na qual as vísceras
Figura S 1.7 .: Incisão mediana combinada com incisiin trans- são exteriorizadas. A evisccração que ocorre de ntro de
versa para de sarcoma rctroperitonial 4 a 5 d ias tem sido associada a erro técn ico no
\ Pcropcraté>rio; B - Pós-operatório imediato fechamento do abdome e aquelas tardias, em ge ral,
ocorrem pela presença de fatores predisponentes.

Figura S I .8 .: Incisào toracoabdominal para rc,-.ccçào de sarcoma em "luadrantc <uperto r es"lucrdo do abdome c tórax
,\ - ,\ specto romog-ráfico; B - ,\ spccto pcropcratúrio

636
Capítulo 51 .: Vias de acesso e suas complicações

••
la maioria das vezes, a associação de problema técnicos Incisões torácicas
com faro res de riscos ocorre. Pacientes do sexo masculi-
no, idosos, obesos, desnutridos, diabéticos, urêmicos, ope- Incisão póstero-lateral
rações de urgência ou prolongadas, relaparotomia , tosse A incisão torácica mai com um é a póstero-lateral""·'".
incontrolável, infecção in cisional, abscesso intra-abdomi-
Com o paciente em decúbito lateral co ntra-lateral ao lado
nal estão associados a maio r risco de evisceração. Os fios
a ser operado, a incisão inicia-se entre o ponto médio da
de sutura para fechamento da parede abdominal gue têm
borda vertebral da escápula c o processo espinhoso da
menor risco de cvisceração são o polipropilene, inabson ·í-
\'értebra torácica, onde se secciona peguena porção do
vel, e o po lidioxanone, absorvível. o entanto, o polidio-
músculo trapézio"'. A seguir, em fo rma curvilínea, a inci-
xanone, gue mantém sua força tênsiJ por seis meses, asso-
são passa inferio rmente ao ângulo in ferior da escápula c
cia-se com menor t<L'<a de dor e fo rmação de sinus na feri-
cursa anteriormente, seccionando-se os músculos latíssi-
da ão existe relação entre o tipo de incisão
mo do rsal c serráril anterior. O espaço pleural pode ser
e a taxa de evisceração.
alcançado entre dois arcos costais ou po r meio da ressec-
ção de um arco costal. Em geral, o tó rax é aberto no
CJUinto espaço intercostal. ma das complicações do pri -
meiro acesso é a fratura iatrogênica da costela.

Toracotomia intercostal anterior


t\ toracoromia anterior ou ântero-postcrio r consiste em
incisão cun'ilínea abaixo da borda infe rior do músculo pei-
toral maior, na dobra infra-mamária. lnicia-sc a 2 ou 3cm
mediai ao esterno e cursa supctiormente em cüreção à a.xila.
O tórax é aberto no quarto ou guinto espaço intercostaY'.

Figur a 5 I .9 .: Evisceraçiio com exteriorização do o rnemo


maior em paciente desnutrido

A hérnia incisional é importante complicação tardia do


fechamento da parede abdominal. A taxa de incidência da
hérnia incisional, em estudos com pelo menos um ano de
acompanhamento mécüo para incisões medianas, va ria
entre 5% e 19%' 12• Essa taxa pode estar subestimada visto
gue, em um estudo, 35% das hérnias incisionais ocorreram
cinco anos ou mais após a operação abdominal. Figura 51 . 1O .: parcial de rcrida operatória, com cxpo
siçào de tela de polipropileno
Aproximadamente um terço dos paciente apresenta dor,
encarceramento e/ ou estrangulamento. Reparos com pró-
teses de polipropileno têm sido o tratamento de escolha, já Esternotomia
gue a taxa de recorrência após técnicas sem tela podem ser
tão altas guanto 40%. Estudos comparando incisão para- A maio r vantagem da secção do estcrno é a possibili-
mecüana lateral t't!rsus mecüana mostraram menor taxa ele dade de acesso ao tórax bilarcralmcntc, além de ser o
hérnia incisional no primeiro tipo de incisão'1• A paramc- acesso mais dircw ao mediastino anterior. Com esse tipo
cliana media] não tem clara vantagem sobre a de incisão, a taxa de complicações pulmo nares pós-ope-
ratória é menor''.

637
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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639
52
COMPLICAÇÕES
DA LAPAROSCOPIA


••
Aloísio Cardoso Júnior,
Paulo Roberto Savassi Roch a

Introdução A difusão da laparoscopia, entretanto, revelo u com-


plicações cirúrgicas específicas dessa via de acesso.
A laparoscopia ou celioscopia é a via de acesso à cavi- Aspectos técnicos, como a visão ampliada e bidimensio-
dade celômica, realizada pela introdução de instrumentos nal proporcionada pelos monitores de vídeo, a imagem
ópticos através da parede ântero-lateral do abdome. angulada, a introdução de instrumentos às cegas na cavi-
Kelling 1, em 1901, utilizando um cistoscópio, cond uzi u o dade celômica, a impossibilidade de palpação das estrutu-
primeiro exame da cavidade celômica, em um cão. Uma ras anatômicas e as alterações fisiológicas induzidas pelo
década mais tarde, Jacobeus 2 realizou a primeira !aparos- pneumoperitônio, foram identificados como fatores que
copia no ser humano . Naquela época, procedia-se apenas contribuíram para a ocorrência das complicações especí-
ao exame das vísceras intraperitoneais e, eventualmente, ficas. Essas complicações estão relacionadas à introdução
algumas biópsias. da agulha de Veress e dos trocartes, ao pneumoperitônio,
O desenvolvimento de micro-câmeras, capazes de à dissecção cirúrgica e à parede abdominal, conforme
captar as imagens obtidas pelos instrumentos ópticos e mostrado no Quadro 52.1.
transmiti-las a mo nitores de vídeo, proporcionou aos Felizmente, complicações maiores são raras e ocorrem
cirurgiões maio r versatiJidade na dissecção das estruturas em menos de 1% dos pacientes operados 1•
anatômicas, dando origem à era da laparoscopia (videola-
paroscopia) terapêutica. Em 1987, Phillipe Mouret reali-
zou, na F rança, a primeira colecistectomia laparoscópica.
Quadro 52.1 .: Complicações da cirurgia laparo scópica
Desde então, houve rápida difusão da cirurgia laparoscó-
pica que, atualmente, encontra indicação em vários Agulha* e Pne umoperitônio Dissecção Parede •
outros procedimentos terapêuticos, tais como: cirurgia Trocartes abdominal

anti-refluxo; cirurgia gástrica; cardiomiotomia; colecto- Lesão vascular Embolia gasosa Perfuração Infecção
(COz) viseera! incisional
mias; adrenalcctomia; hernioplastia inguinal e ventral e, Lesão visccral llipercap nia llcmorragia H érnia
mais recentemente, cirurgia oncológica e bariátrica. in cisional

As vantagens proporcionadas pelo menor trauma Em bolia gasosa Acidose Estenoses H érnia d e
(COz) respiratória Ri ch ter
cirúrgico , como a redução da dor pós-operatória, do
H emorragia Enfisema subcu tâneo Metástases
tempo de internação e do afastamento do trabalho, alia- nos ponais Pncumotó rax
das ao melhor aspecto estético das pequenas incisões uti-
Pneumomediastino
lizadas nesse método, foram responsáveis pela sua aceita-
ção em todo o mundo.
=·----------------------------------------------
• Agulha de Vcrcss

641
• Fundamentos em Cllnica Cirúrgica

••
O Quadro 52.2 mostra o panorama das complicações atóxico, solubilizar-se rapidam ente no sangue (diminuin-
maiores da colecistectomia laparoscópica, sua mortalida- do a possibilidade de embolia gasosa), não ser inflamável
de e a incidência de conversão. (possibilitando o uso de eletrocautério), ser eliminado na
expiração e apresentar baixo
Quadro S2.2 .: Compücações maiores da colecistectomia lapa- O estabelecimento do pneumoperitônio, por meio da
roscópica insuflação de gás carbônico (C0:2), traz consigo riscos
Autor/ Ano n Complicações Mortalidade Conversão • inerentes à utilização do instrumental cirúrgico (agulha
ref. (%) (%) (%) de Veress, trocarte de Hasson), ao aumento da pressão
ÚlldiÍeà
1991 1.2!6 1,6 o intraabdominal, à absorção sistêmica de co2 e à sua inje-
eu r.•
ção intravascular inadvertida.
Larson
et ai.'
1992 1.963 2,0 0,1 4,5 A técnica para obtenção do pneumoperitônio pode
ser aberta (introdução do primeiro trocarte sob visão
Daiel 1993 77.604 1,2
cul.'
2,0 6.04 direta) ou fechada (introdução da agulha de Veress ou do
Savassi·
primeiro trocarte às cegas).
Rocha 1997 33.563 3,1 o 3,4 A maior parte das lesões graves relacionadas à inser-
et ai." ção da agulha de Veress ou de trocartes, para realização
•••
do pneumoperitônio, ocorre na aorta abdominal, veia
rcf. - referenda bobliogr.ifica: n - casulscica
cava inferio r, vasos iliacos e mesentéricos, intestinos e
bexiga urinária.
As lesões iatrogênicas dos duetos biliares são compli-
cações graves das colecistectomias convencionais e lapa-
roscópicas. Savassi Rocha et aP realizaram estudo mul ti- Pneumoperitôn io aberto
cêntrico para avaliar as lesões biliares iatrogênicas, por O pneumoperitônio aberto é realizado, usualmente, por
meio de questionário enviado a 220 instituições brasilei- meio de incisão de cerca de 1Omm a 11 mm, infra ou supra-
ras (respondido por 170 instituições). Concluiram que a
umbilical. Os tecidos são cuidadosamente dissecados,
incidência dessas lesões (0,1 8%) foi simiJar àquela repor- plano a plano, até que seja incisado o peritônio parietal sub-
tada nas colecistectomias abertas.
jacente_ Dessa forma, o primeiro trocarte é introduzido na
As complicações inerentes à operação laparoscópica
cavidade peritoneal sob visão direta, com o intuito de pre-
podem ser mi nimizadas pelo adequado treinamento do venir lesões viscerais ou vasculares inadvertidas.
cirurgião. Assi m, ultrapassada a curva de aprendizado, a Apesar da maior segurança proporcionada pela intro-
incidência das referidas complicações se reduz, significa- dução do primeiro trocarte sob visão di reta, essa técnica
tivamente, como será discutido adiante, neste capítulo. não é isenta de lesões viscerais 10 • Alças intestinais podem
Passados 18 anos da primeira colecistectomia laparos- estar aderidas ao peritônio parietal da região periumbili-
cópica, essa via de acesso ocupa importan te lugar no tra-
cal e serem lesadas durante sua secção. Entretanto, a téc-
tamento cirú rgico de várias doenças dos órgãos intraperi-
nica aberta facilita a identificação imediata da lesão e eli-
toneais e retroperitoneais (rins, glândulas supra-renais).
mina, quase completamente, a possibilidade de lesões
vasculares maiores.
Complicações relacionadas
ao pneumoperitônio Pneumoperitônio fechado

A cavidade celômica é um espaço virtual que necessi- A realização do pneumoperitônio, por técnica fecha-
ta ser ampliado para que se possa visualizar e dissecar, da, implica a introdução da agulha de Veress e/ou do pri-
com segurança, as diferentes estruturas anatômicas. meiro trocarte às cegas. Existem três opções:
Assim, pode-se lançar mão da elevação, por tração, da • punção com agulha d e Veres s e insuflação de
parede anterior do abdome ou da insuflação de gases na co2 segu id as d a introdução d o primeiro tro-
cavidade celômica. Preferencialmente, o C0 2 tem sido carte' às cegas. A agulha de Veress e o trocarte são
utilizado para realização do pneumoperitônio por ser usualmen te introd uzidos em incisão supra ou

642
Capítulo 52 .: Complicações da laparoscopia

••
infraumbilical. Este é o método mais utilizado pelos lha de Veress, que deve ser recuada. Nesses casos, deve-
cirurgiões porque cria um espaço real entre a pare- se realizar outra punção.
de abdominal anterior e as vísceras intraperitoneais, O enfisema subcutâneo ou pré-peritoneal, provenien-
fornecendo maior margem de segurança para a te da insuflação de C0 2, não causa repercussão clínica,
penetração do primeiro trocarte na cavidade celô- na maioria dos casos, sendo reabsorvido em torno de 24
mica. Eventualmente, pode-se optar pela punção a 48 horas. Raramente, o enfisema é grande o suficiente
com agulha de Veress na região subcostal esquerda; para causar hipercapnia e acidose respiratória1" . Caso
• introdução do primeiro trocarte às cegas, sem ocorra, o tratamento a ser instituído consiste na diminui-
utilização prévia da agulha de Veress. Nesse ção da pressão de insuflação abdominal, associada à
método, o primeiro trocarte também é introduzido às hiperventilação do paciente.
cegas, mas sem a realização prévia de pneumoperitô- D ife rentemente, a embolia pulmonar por C0 2 é um
nio. Talvez, por este motivo, não encontre m uitos quadro muito grave e está quase sempre relacionada à
adeptos entre os cirurgiões, que se sentem mais segu- insuflação de co2 intravascular ou no interior de
ros utilizando a técnica antes descrita. J acobson ana- órgãos parenquimatosos 19 •
lisou série de 1.223 pacientes submetidos a essa técni- D urante a instalação do pneumoperitônio, a ocorrên-
ca, sem lesões vasculares ou viscerais"· 12; cia de hipotensão arterial, distensão venosa jugular,
• introdução de trocarte óptico. Esses trocartes taquicardia, cianose e sopro cardíaco ("roda de moinho")
podem ser acoplados à óptica e à câmera, possibili- induzem ao diagnóstico de embolia gasosa pulmonar.
tando a transposição dos planos músculo-aponeuró- Neste caso, as seguintes medidas precisam ser tomadas,
ticos da parede abdominal sob visão, tentando dimi- imediatamente:
nuir a ocorrência de lesões vasculares e viscerais. • interrupção da insuflação de C02 ;
A melhor técnica para reali 7ação do pneumoperitônio • desinsuflação da cavidade celômica;
ainda não foi claramente estabelecida, podendo ocorrer • posicionamento do paciente em decúbito lateral
complicações vasculares e viscerais em todas as técnicas esquerdo e Trendelenburg;
empregadas 13•7• Na realidade, o cirurgião deve dominar, • hiperventilação;
pelo menos, uma técnica fechada e outra aberta, para que • introdução de cateter venoso central e aspiração
possa individualizar a sua escolha. do co2.
A técnica aberta é recomendável na presença de cica- O êxito des tas medidas será tanto maior quanto mais
trizes próximas ao umbigo e, como alternativa, em casos precocemente elas fo rem instituídas.
onde haja dificuldades com a técnica fechada.
Vale ressaltar que a capacidade de identificar, imedia-
tamente, lesões acidentais é uma habilidade importante
Pneumotórax e pneumomediastino
para o cirurgião laparoscópico. Lesões não-identificadas O pneumotórax e o pneumomediastino podem ocor-
no peroperatório serão tratadas tardiamente, resultando rer em virtude da solução de continuidade aberta no peri-
em significativa morbimortalidade. tônio parietal, para a qual o co2pode ser propelido, em
conseqüência da pressão intra-abdominal elevada. O gás
Insuflação de C02 carbônico pode progredir até alcançar a região subpleu-
ral, causando ruptura da pleura parietal.
A insuflação de C0 2 fora da cavidade celômica, devi- Outro mecanismo pode ser observado durante as
da ao posicionamento incorreto da agulha de Veress, operações laparoscópicas da transição esofagogástrica.
pode ocorrer na parede abdominal (enfisema subcutâneo Nesses casos, pode-se lesar as pleuras parietais mediasti-
ou pré-peritoneal), no interior de vasos sangüíneos nais, durante a dissecção da região hiatal, causando pneu-
(embolia gasosa), em vísceras ocas ou maciças, no motórax e/ ou pneumomediastino.
mesentério e mesocólon e no retroperitônio (retropneu- O pneumotórax pequeno pode ser tratado conserva-
moperitônio). Geralmente, a aspiração de sangue ou doramente, observando-se rigorosamente o paciente. Os
secreção entérica e/ ou a pressão de insuflação demasia- casos moderados ou graves devem ser submetidos a tora-
damente elevada denunciam a posição incorreta da agu- cocentese para aspiração do co2ou a toracostomia com

643

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

drenagem fechada em selo d'água. Pneumotórax hiper- pela clipagem dos vasos sangrantes. Terminada a opera-
tensivo é raro e demanda a desinsuflação da cavidade ção, observa-se a hemostasia dos portais.
celômica concomitantemente à inserção de cateter veno- As lesões vasculares maiores, causadas pelos trocar-
so curto caübroso no segundo espaço intercostal ante- tes, são muito graves, na maior parte dos casos. Aorta
rior, linha medioclavicular, enquanto se providencia a abdominal, veia cava inferior e vasos ilíacos são os
drenagem torácica. vasos mais freqüentemente lesados. A incidência de
lesão vascular maior causada por trocarte é de 0,01% a
0,06% das laparoscopias' 9 •2 '.
Complicações relacionadas à inserção No Q uadro 52.3 estão relatados os fatores mais fre-
dos trocartes qüentemente envolvidos nas lesões vasculares maiores.

Quadro 52.3 .: Fatores associados às lesões vasculares maiores


A inserção de trocartes, na cavidade celômica, via
parede ântero-lateral do abdome, pode causar lesões vas- ----------------------------------------------··•
culares menores e maiores, lesões de vísceras ocas e Inabilidade técnica

maciças do aparelho digestivo e da bexiga urinária. Inobservância dos pontos de reparo anatô mico

Enquanto as lesões causadas pela agulha de Veress Posicionamento inadequado do paciente


podem ser tratadas conservadoramente, em boa parte Não-elevação d a aponeurose durante a punção
dos casos, as lesões por trocartes são mais extensas e Direção incorreta na introdução do troearte
quase sempre necessitam reparo cirúrgico. As lesões do •
intestino delgado são as mais freqüentes, podendo o seg-
mento lesado ser exteriorizado, reparado e recolocado na A ocorrência abrupta de choque hipovolêmico, coin-
cavidade celômica, o que permite o término do procedi- cidindo com a inserção do trocarte, deverá desencadear a
mento laparoscópico. A correção da lesão por laparosco- seguinte cond uta pelo cirurgião:
pia também é possível. • reduzir a pressão de insuflação (diminuindo-se a
Lesões vasculares menores podem ocorrer durante a possibilidade de embolia gasosa);
passagem do trocarte pelos tecidos da parede abdominal • realizar rápida laparoscopia, rastreando-se a cavida-
(artérias epigástricas inferiores e superiores) ou na cavidade de abdominopélv:ica em busca de hemoperitônio
celômica (omento maior, mesentério, mesocólon). ou hematoma retroperitoneal;
A transiluminação da parede abdominal, utilizando-se • verificar, durante a laparoscopia, se há sangue com-
a óptica, permite a visualização da vasculatura da parede patível com a gravidade do choque, que deverá
abdominal e a escolha das regiões de punção. Cuidado impor laparotomia exploradora imediata, para
adicional deve ser dado aos casos de pacientes com abordagem da lesão. Em pacientes instáveis, com-
hipertensão porta, devido à circulação colateral presente primir o ponto de sangramento até que haja condi-
na parede abdominal. Caso ocorra sangramento de maior ções adequadas de instrumental cirúrgico, anestési-
monta, a hemostasia será ·conseguida pela aplicação de cas, acessos venosos e hemoderivados para que a
ponto em "U" ou "X", interessando o plano músculo- abordagem da lesão seja iniciada;
aponeurótico. Eventualmente, será necessário o aumen- • formular como hipóteses mais prováveis embolia
to da incisão na pele para o controle direto do vaso san- gasosa, arriunia cardíaca e pneumotórax hipertensivo,
grante, por meio de sua eletrocoagulação ou ligadura. nos casos em que não for detectado sangue na cavi-
Outra opção é introduzir cateter de Foley através da inci- dade abdominopélvica ou hematoma retroperitoneal.
são até a cavidade, seguida da insuflação do balonete e As lesões de vísceras ocas intra-abdominais (estôma-
tração contra a parede. Esta conduta permite interrom- go, duodeno, intestinos e bexiga urinária) e maciças (fíga-
per o sangramento por meio da compressão exercida do e baço) durante a inserção de trocartes também neces-
pelo balão insuflado sobre o vaso sangrante, facilitando a sitam de reparo cirúrgico, na maior parte das vezes.
identificação do mesmo e a hemostasia definitiva. Quando houver segurança, o reparo das lesões viscerais
Nas lesões vasculares menores, intraperitoneais, a poderá ocorrer por via laparoscópica. Deve-se levar em
conta a experiência do cirurgião com técnicas operatórias
hemostasia poderá ser realizada pela eletrocoagulação ou

644
•••
Capítulo 52 .: Complicações da laparoscopia

laparoscópicas avançadas. O cateterismo nasogástrico e a Quadro 52.4 .: Fatores posstvelmcmc associados à reco rrência
de tumores no portai laparm c<'> picos
orientação para que o paciente urine, logo ames da indução
anestésica, reduzem o risco de lesão gástrica e de bexiga,
durante o estabelecimento do pneumoperitônio.
Efeito estimulador do C02 no rumor
lnoculaçW mccànica
Complicações relacionadas à Trauma ao tecido pelo trocartc
parede abdominal Turbulencia do gás na ca\'idadc pm1oncal
• VaLamento ao redor do' trncartes
As principais complicações sediadas na parede abdo-
minal incluem a infecção do sítio cirúrgico, a hérnia inci-
··--------------------------------------------
\lcxh ficado de Bontcr ct ai

sional, a hérnia de Richter e as metástases tumorais.


As infecções incisio nais, nas operações laparoscó picas, Curva de aprendizado na cir urgia
ão pouco freqüentes e de pequena gravidade. O portal
laparoscópica
mais acometido costuma ser aquele pelo qual se retirou a
peça cirúrgica. Cuidado para se evitar a contaminação da A capacidade técnica do cirurgião laparoscó pico obe-
ferida durante a retirada do espécime (como o uso de endo- dece a curva de m elho ria do seu desempenho, que se
bags para vesículas perfuradas) podem contribuir para dimi- reflete diretamente na incidência de complicações opera-
nuir sua incidência. tórias. O índice de complicações diminui após 30 a 50
As hérnias incisionais podem ocorrer nas cicatrizes procedime ntos laparoscópicos, sendo quatro vezes
cirúrgicas de portais de acesso laparoscópico, principal- menor após o centésimo paciente opcrad<l ".
mente no umbi lical. Incidem em 0,3% a 0,5% dos pacien- Zmora et al .21' ve ri ficaram, em csLUdo de revisão,
tes submetidos às operações por laparoscopia22 • Há dife- que a incidência de m etástases do câncer colorretal, em
rente convicções entre os cirurgiões sobre a necessidade po rtais laparoscópicos, é de I% em séri es com m ais de
de síntese da aponeurose em incisões de até I Omm de 50 paciente o perados, sugerindo que esta ocorrência
extensão. Entretanto, grande pane não a realiza. esteja intimamente relacionad a à curva de ap rendizado
Cc ntrovérsias à parte, o fechamento da aponeurose em dessas o perações.
feridas de l Omm ou maiores, cumpre também o papel de
prevenir a ocorrência de hérnias de Richter nos portais uti-
lizados na o peração laparoscópica:!J. Profilaxia das compl icações
F..m relação à cirurgia oncológica laparoscó pica, uma da laparoscopia
preocupação é a recorrência da doença na ferida operató-
ria. Apesar de sua fi sio patologia ainda não ter sido comple- A pro filaxia das complicações laparoscópicas, co mo
tamente esclarecida, o contato direto de céluJas tumorais em rodas as o perações, inicia-se pela indicação cirúrgica
com a ferida dos portais de acesso, a dispersão de células criteriosa e pelo adequado preparo pré-operatório dos
neoplásicas pelo pneu.moperitônio e a retirada e reintrodu- pacientes. A avaliação do istcmas respirató rio e cardio-
ção freqüente do instrumental arravés dos po rtais são \'ascular deve ser rigorosa, devido às alterações desenca-
apomados como fatores envolvidos na gênese dessas deadas pelo pneumo peri tônio. Pacientes com baixa
meLástases (implantes tumorais). reserva cardiopu.Jmonar poderão apresentar complica-
A incidência desta complicação diminuiu, nos últimos çôcs pero peratórias.
anos, a patamares comparáveis aos da operação convencio- O s cuidados descritos abaixo são fundamentais para
nal, ocorrendo em cerca de I% a 2% dos pacientesw'. lsto se minimizar o risco das complicações específicas da
se dc,·e, provavelmente, à melho r seleção dos doentes c ao cirurgia videolaparoscópica:
aprimoramento da técnica laparoscópica. • testar o equipamento c veri ficar a disponibilidade
o Quadro 52.4 estão expressos os possh·eis fatores do material necessário ;
4ue influenciam as recorrências de rumores nos portais • realizar profilaxia da trombose venosa profunda e,
laparoscópicos. conseqüentemente, do tromboembolismo pulmo-

645
..

-----------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

nar; apesar de haver controvérsia sobre o papel da • atentar para o posicionamento inco rreto da agulha
cirurgia laparoscópica na gênese desses eventos, a de Veress em obesos; pressões de insuflação altas
elevação da pressão intraabdominal e a posição de denunciam essa situação;
proclive favorecem o desenvolvimento de trombo- • transiluminar a parede abdominal com a óptica,
se venosa profunda29• Pacientes com varizes de orientando os locais de incisão;
memhros inferiores, idade maior que 60 anos, imo- • limitar a extensão do trocarte a ser introduzida na
cavidade celômica, apoiando o dedo indicador em
bilidade por mais de 72 horas, história pregressa de
sua extremidade distai;
trombose venosa profunda ou tromboembolismo ,
• introduzir o trocarte umbilical em direção ao pro-
obesidade, doença pulmonar obstrutiva crônica,
montório sacra!;
acidente vascular cerebral prévio, doença maligna e
• realizar inventário da cavidade celômica logo após a
gravidez apresentam maior risco de trombose introdução da óptica no abdome; inspecionar a
venosa pro funda; região subjacente ao primeiro trocarte com cuida-
• solicitar ao paciente que urine logo antes da indução do, em busca de lesões inadvertidas;
anestésica; isto reduz a possibilidade de lesão da • manter a pressão intraabdominal em torno de
bexiga urinária, durante o estabelecimento do pneu- 12mmHg; além de ser suficiente para fornecer
moperitônio; realizar cateterismo vesical nos proce- amplo campo operatório, compromete pouco o
dimentos cirúrgicos mais prolongados; retorno venoso;
• realizar cateterismo nasogástrico ou orogástrico, • evitar o uso de eletrocautério próximo à via biliar
antes da realização da primeira punção abdomi- principal;
nal, reduzindo-se a possibilidade de lesões gástri - • lavar e aspirar a região dissecada, caso tenha ocorri-
cas; algumas vezes, a distensão gástrica ocorre do contaminação;
devido ao procedimento de ventilação e intuba- • recuperar o maior número possível de cálculos, nos
ção orotraqueal; casos de perfuração peroperatória da vesícula biliar;
• inspecionar e palpar o abdome antes da primeira • revisar as regiões operadas, retirar gazinhas monta-
punção, detectando-se cicatrizes cirúrgicas, circula- das e remover coágulos e clipes soltos na cavidade;
ção colateral e visceromegalias; deve-se evitar a atentar para a hemostasia;
• retirar primeiro os trocartes de manipulação e obser-
incisão sobre as cicatrizes abdominais; na presença
var, utilizando-se a óptica, se ocorre sangramento da
de cicatriz próxima à região umbilical, realizar o
ferida operatória com escoamento para a cavidade
pneumoperitônio aberto para minimizar a ocorrên-
peritoneal, após a retirada de cada trocarte;
cia de lesões de vísceras ocas;
• esvaziar lentamente o pneumoperitônio;
• escolher a técnica adequada de pneumoperi tônio;
• realizar a síntese da aponeurose.
caso haja falha nas tentativas iniciais de realização
Assim, o adequado treinamento do cirurgião e os cui-
de pneumoperitônio fechado, mudar a tática (téc-
dados com a técnica e a tática cirúrgica devem minimizar
nica de Hasson); a ocorrência de complicações da laparoscopia a níveis
• tracionar anteriormente a aponeurose justaumbili- plenamente aceitáveis.
cal durante a inserção da agulha de Veress, a insta-
lação do pneumoperitônio e a introdução do pri-
meiro trocarte; Referências
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646
Capítulo 52 .: Complicações da laparoscopia

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647
53
CHOQUE
E CIRURGIA


••
J oão Baptista de R ezende Neto

Introdução ou < 36°C, freqüência cardiaca > 90 batimentOs/ minuto,


freqüência respirató ria > 20 incursões/minutO ou
D efine-se choque como o estado de baixa perfusão PC02 < 32mmHg, leucometria > 12.000/ mm3 ou
tecidual, resultando na o ferta inadequada de substra tOs < 4.000/ mm3 ou, ainda, a p resença de 10% de formas
essenciais, oxigênio c glicose às células' '. Caso não seja imaturas de leucócitos". Se ho uver falência multiorgãnica,
prontamente tratado, pode causar falência de múlti plos o pulmão é o primeiro ó rgão a sofrer, seguido pelo fíga-
órgão ou tornar-se irre\'ersh·el, provocando a morte.
do, sistema gastrointestinal e rins9 • Uma das razões para
Apesar dos avanços do conhecimento fisiopatológico, a
essa ocorrência é o faro de a rede vascular pulmonar ser
morbidade e mortalidade do choque ainda são cle,·adas.
um dos mais importantes reservató rios de neutrófilos do
o mundo, morrem de choque hemorrágico, devido ao
o rganismo'''. Estão contidos, nessa rede, 50% a 60% do
trauma, aproximada mente dois milhões de pessoas por
total de neutrófilos intravasculares'".
ano. o caso de choque séptico, somente 55% a 65% elos
Estudos clínicos e experimentais chegaram às seguin-
pacientes conseguem sobreviver'·•.
tes teorias para explicar os mecanismos envolvidos nas
lesões orgânicas causadas pelo choque:
Fisiopatologia do choque • teoria gastrointesti nal;
• teoria dos macrófagos e polimo rfonucleares;
O estado ele choque desencadeia intenso estresse no • teoria da microcirculação;
organismo, provocando alterações endócrino-metabóli-
• teoria das interações entre as células endoteliais e os
cas como a síndrome da resposta inflamatória sistêmica
leucócitos;
(SI RS), processo adaptativo complexo não necessaria-
• teoria dos dois insultos.
mente
O problema c.la SIRS, nos estac.lus c.lc.:: chuyue, nãu se Evidentemente essas teorias se sobrepõem sendo,
refere à mera pre ença ou ausência dela, mas sim às suas inclusive, seqüenciais em alguns casos.
conseqüências . A I RS, quando apropriada, é capaz de oti- A teoria gastrointesrinal baseia-se no fato de que pro-
mizar o meio interno do hospedeiro, permitindo-lhe elimi- dutos bacterianos ou as próprias bactérias do tubo diges-
nar bactéria , remO\·er tecidos desvitalizados e iniciar pro- tivo podem translocar-se durante períodos de baixa per-
cesso de reparação tecidual. o entanto, os vários tipos de fusão tecidual, contribuindo para a SIRS e falência mul-
choque são capaze de pro\'ocar SIRS mal adaptada, a qual tiorgânica". Apesar de não ter sido confirmada a presen-
pode culminar na falência multiorgânica' . ça de bactérias no sistema porta de doentes politraumari-
A SI R caracteriza-se, clinicamente, pela presença de zados graves, a teoria gastrointestinal tem sido utilizada
dois ou mais dos seguintes achados: temperatura > 38°C para explicar falência mulriorgânica em pacientes com
649

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

bacteriemia, nos quais não se detecta foco infeccioso. na na prática clínica devido à grande sobreposição de res-
I sso ocorre em até 30% dos casos 11 · " . postas, variabilidade temporal de ação e locais de produ-
A teo ria dos macrófagos e dos polimorfonucleares ção21.23. No entanto, no trauma, os níveis de IL-6 são con-
baseia-se no fato de essas células serem fontes impo rtantes siderados confiáveis para estabelecer prognóstico dos
de mediadores inflamatórios desencadeadores de SIRS exa- pacientes com falência multio rgânica24•
cerbada e falência multio rgânica. A cada minuto, aproxima- Clinicamente existem padrões específicos para deter-
damente dez milhões de novos granulócitos são liberados minar a fal ência de alguns ó rgãos o u sistemas•·•-us_
da medula óssea para a corrente sangüínea com potencial Falência do sistema respiratório é caracterizada pela
para provocar danos tcciduais por auto-agressão••.•s. necessidade de ventilação assistida para se obter troca
A teoria da microcirculação baseia-se no fato de que gasosa adequada6•9.26 _ Falência renal é caracterizada pela
o choque hipovolêmico prolongado pode causar SlRS e incapacidade dos rins de regular a volemia c eletrólitos e
falência multio rgânica devido ao fenômeno de reperfu- eliminar escórias 6•9 • Hipotensão e débito card1aco inade-
são. Observa-se esse fenô meno na reperfusão de áreas quados, implicando necessidade de supo rte mecânico ou
isquêmicas do tubo digestivo, das extremidades e na des- farmaco lógico, caracter izam a falência do sistema cardio-
compressão da síndrome de compartimento abdominal6 . Embo ra a insuficiência hepática na falência
A teoria da interação entre os leucócitos c o cndotélio multio rgânica ainda não tenha sido definida com preci-
vascular refere-se à capacidade dessas células de lesar são, o aumento das enzimas hepáticas, a elevação da bilir-
órgãos à distância do local da agressão inicial. As intera- rubina sérica e o coma hepático fazem parte do quadro
ções entre as mo léculas de adesão do endotélio vascular e clinico6 '9 • Sepse sem o rigem definida e de dificil co ntrole
os receptores dos po limo rfo nucleares constituem o pri- sugere falência imunológica6•9 • Falência do sistema mús-
meiro passo para a transmigração endo tclial destes em culo-esquelético é caracterizada pela perda da fo rça mus-
direção aos órgãos-alvo da SlRS6 • cular, comprometendo a ventilação e a deambulação e
E mbo ra a falência multio rgânica em pacientes críticos facilitando o aparecimento de úlceras de decúbito6•9 • A
possa ocorrer após uma única agressão (trauma, processo depressão do sensóri o ou o coma estão presentes na
infeccioso, intervenção cirúrgica) observa-se, com maior falência do sistema nervoso central9 • A falência d o siste-
freqüência, a ocorrência de agressões adicionais•·••. ma gastrointestinal é caracterizada pela incapacidade da
A teoria dos dois insultos baseia-se no fato de que a manutenção do estado nutricio nal pela via enteral, sendo
agressão inicial é capaz de condicionar a cascata inflamató- necessária a nutrição parenteral 11 • Hemo rragia digestiva,
ria, to rnando o organismo hipersensível, d o ponto de vista perfuração visceral e translocação bacteriana também
imunológico, a uma sebrunda agressão6 • A presença desta, podem ocorrer na falência do sistema gastrointestinaP 1•
durante o condicio namento inflamató rio máximo, propicia Finalmente, a presença de coagulação intravascular disse-
o desenvolvimento da SIRS exacerbada, capaz de provocar minada ou alterações específicas das plaquetas (conta-
a falência multio rgânicar'_ A segunda lesão pode variar gem meno r do que 50 x 1Ü9 / L), associadas o u não à leu-
desde uma nova o peração, po r exemplo fixação de fraturas, cocitose o u à leuco penia (contagem maior o u igual a 30
até à síndromc de compartimento abdominal' ... x 106/ L o u m eno r do que 2.5 x 1Or'/ L), caracterizam a
T odo os mecanismos descritos anterio rmente têm falência hematológica6 ·9 •
como mediado res fundamentais as citocinas. Estas são
pequenos polipcptídcos produzidos por várias células,
inclusive epiteliais e endoteliais, em resposta a diferentes
Tipos de choque
estímulos, como lesão tecidual, choque e infecção3.6·1' 20 •
Choque hipovolêmico
As citocinas são indispensáveis na inflamação e na coor-
denação do processo de cicatrização19 • Na fase aguda da Choque hipovolêmico não se origina necessariamente
SIRS são liberadas as citocinas IL-1 c o fator de necrose de sangramento5• Perdas de fluidos pelo sistema gastroin-
rumoral-a (FNT-a ) os quais induzem a liberação de testinal, pele (queimaduras) e para o " terceiro espaço"
outras citocinas como lL-8 e IL-61 1.22. (peritonites) também podem causar choque hipovolêmico,
A utilização da dosagem das citocinas em pacientes além de o utras situações que levam à desidratação5• No
com SlRS e o bloqueio de suas ações ai nda não são ro ti- trauma c no pcóodo pós-operató rio imediato, qualquer

650
Capítulo 53 .: Choque e Cirurgia

••
paciente com taquicardia e pele fria está em choque hemor- de hipovolemia grave. E m crianças, para que ocorram os
rágico, até que se prove o contrário. primeiros sinais de choque, é necessária a perda de 25% d o
Com o intuito de simplificar a avaliação de pacientes volume sangüíneo e, para que haja hipotensão, a perda san-
com sangramento, o choque hemorrágico é dividido em güínea d eve atingir 45% do volume sangüíneo total27 •
quatro classes que servem para orientar a sua gravidadell. O tratamento do choque hemorrágico baseia-se em
Classe I: representa perda de até 15% do volume san- dois princípios básicos: controle do sangramento e restau-
güíneo (750mL para adultos de 70kg). Nessa classe, a ração da oferta de oxigênio aos tecidos. Para o controle do
taquicardia é rrúnima e não há alteração na pressão arterial sangramento externo preco niza-se, inicialmente, a com-
sistólica. O débito urinário é adequado, assim como o pressão. Sangramentos intra-cavitários poderão necessitar
estado neurológico . Pode ser necessária a administração de tratamento cirúrgico, principalmente no choque hemor-
de cristalóides, mas, em aproximadamente 24 horas, há rágico classe IV.
restauração do volume intravascular a partir do líquido Para restaurar perfusão e oxigenação dos tecidos, d eve-
intersticial e intracelular. se fornecer oxigênio suplementar objetivando saturação
Classe li: representa perda de 15% a 30% do volume de arterial de oxigênio acima de 95%. Em seguida, d ois aces-
sangue (750mL a 1500mL para adultos de 70kg) . Há taqui- sos venosos calibrosos (pelo menos 16G), co m cateteres
cardia, taquipnéia e diminuição da pressão d e pulso, isto é, curtos, preferencialmente nos m embros superiores, d evem
a diferença entre a pressão arterial sistólica e a pressão arte- ser obtidos. Outras opções para punção venosa são: veias
rial diastólica. O débito urinário é reduzido para 20mL/h a femorais, jugulares, subclávias (o que pode causar pneumo-
30mL/ h e o paciente geralmente apresenta ansiedade. O tórax em 2% d os casos), punção intra-óssea (crianças
choque classe li requer a administração de cristaló ides, meno res do que seis anos) e a dissecção da veia safena
além d a avaliação pelo cirurgião . magna no nivel do maléolo m edial 27 • A escolha irá depen-
Classe III: representa perda d e aproximadamente der, entre outros fatores, da experiência do médico.
2000mL de sangue em adultos de 70kg (30% a 40% d o As soluções utilizadas para reposição no choque hipo-
volume sangüíneo total). Essa classe de choque é a primei- volêmico d evem ser infundidas inicialmen te em bo lus. A
ra na qual há verdadeiramente diminuição d a pressão arte- solução de Ringer lactato aquecida a 39°C é a preconizada
rial sistólica. H á taquicardia importante além de taquipnéia, atualmente27 • Em adultos, infunde-se inicialmente um a
confusão m ental e oligúria (5mL/h a 15mLjh) . Pacientes d ois litros e, em crianças, 20mL/ kg21. A utilização do
dessa classe de choque podem necessitar hemotransfusão e Ringer lactato parece melhorar a acidose metabólica d o
tratamento cirúrgico para controle da hemorragia. choque mais do que a solução de cloreto de sódio a 0,9%,
Classe IV: representa choque grave por perda aguda pois o isômero L-lactato é metabolizado no fígado e no
de mais d e 2000mL de sangue em ad ultos de 70kg, o u rim, gerando bicarbonato que age como tampão 28·30 •
seja, mais de 40% d o volume sangüíneo total. Não se con- A meta hemodinâmica a ser alcançada com a reposição
segue medir a pressão arterial. Os sinais d e choque (hipo- volêmica ainda é motivo de d ebate2.31 • D o ponto de vista
perfusão tecidual) são marcantes. O paciente apresenta-se prático, d eve-se basear nos seguintes d ados: normalização
confuso e letárgico; a intervenção cirúrgica se impõe, na do déficit d e base à gasometria arterial (entre - 3,3mEq/L
maioria das vezes . e +2,3mEq/L), medidas seriadas d a hemoglobina, débito
Alguns pacientes apresentam particularidad es que urinário P-0,5mL/kg/h em adultos e 1mL/ kg/h em crian-
devem ser observadas no tratamento do choque hemorrá- ças), saturação arterial d e oxigênio P-95%), normalização
gico. A tletas possuem maior reserva fisiológica. Portanto, da pressão arterial sistólica, normalização d a freqüência car-
as manifestações comuns de hipovolemia podem não estar díaca e manutenção d a pressão venosa central entre
presentes. Pacientes idosos comportam-se de maneira 8mmHg e l SmmHgW. Caso seja utilizado cateter em arté-
oposta a dos atletas. Além disso, é mais freqüente, nesse ria pulmonar (Swan-Ganz) o u métodos menos invasivos
grupo, o uso de medicamentos como betabloqueadores, e para avaliar o d ébito cardíaco, objetiva-se índice d e o ferta
também de marca-passo, que são capazes d e mascarar a d e oxigênio maior do que 500mL/ min/ m 2•
taquicardia como indicador de hipovolemia27 • As crianças No choque hemorrágico, a reposição volêmica com
são capazes de responder ao choque hem o rrágico com des- cristalóides aumenta a o ferta de o xigênio aos tecidos por
carga simpática muito intensa retardando, portanto, sinais aumentar o débito cardíaco. No entanto, a hem odiluição

651
• Fundamentos em C línica Cirúrgica

••
pode prejudicar o transporte de oxigênio. Experimental- ativando o sistema de coagulação extrínseco sem causar
mente, hemodiluição aguda é tolerada até ta.'{a de hemoglo- hipercoagulação sistêmica2.
bina de 7glc!L e hematócrito de 21 % (regra 7:21). Abaixo
disso, os efeitos benéficos do aumento do débito cardiaco
Choque cardiogênico
tornam-se menos relevantes 5• Em pacientes cardiopatas,
taxa de hemoglobina 1OglciL deve ser objetivada. A Choque cardiogênico ocorre quando a redução da per-
transfusão de concentrado de hemácias (39°C) de tipo espe- fusão tecidual se deve à dificuldade do coração em bom-
cífico é preferível, exceto em pacientes instáveis com bear sangue aos tecidos. É a complicação mais grave do
hemorragia classe IV. Nesses casos, a infusão de concentra- infarto agudo do miocárdio, ocorrendo em 6% a 8% dos
do "O" negativo está indicada27 . Em adulto de 70kg, uma casos. A necrose de mais de 40% da massa muscular do
unidade de concentrado de hemácias aumenta o hematócri- ventrículo provoca choque cardiogênico5·'5• Nessa situação,
to em, aproximadamente, 3% e a hemoglobina em 1glciL7. a taxa de mortalidade em 30 dias é de até 50% 5.3 5•
Transfusões maciças de sangue, colóides ou cristalóides Em operações não-cardiacas, a incidência geral de com-
podem causar coagulopatia dilucional associada a hipoter- plicações cardiovasculares é de 13% 36·37 • O infarto agudo do
núa e acidose metabólica2ll. Em geral, pacientes que rece- miocárdio é responsável por, aproximadamente, 4% dessas
bem mais de dez unidades de concentrado de hemáceas complicações e ocorre até o primeiro dia de pós-operatório
desenvolvem trombocitopenia, diminuição da concentra- em 47% dos casos 36• O risco de complicação cardiovascu-
ção de fibrinogênio e tempo de protrombina prolongado2ll. lar é maior nos pacientes com infarto agudo do miocárdio
A correção dos distúrbios de coagulação deve ser feita, na prévio, insuficiência cardiaca congestiva, angina e diabetes
maioria das vezes, somente após exames laboratoriais28• mellitus, principalmente os mais idosos e com doença mal
Plaquetas devem ser infundidas nos casos de sangramento controlada37 . A associação desses fatores aumenta a inci-
difuso (microvascular) com plaquetopenia 50 x 109/ U ' . A dência de complicações, atingindo índices de 15% a 20%
posologia é de uma unidade para cada 1Okg de peso corpo- quando três ou mais estiverem presentes37 .
ral. Plasma fresco congelado está indicado, no peroperató- D o ponto de vista fisiopatológico ocorre, no choque
rio, quando o tempo de protrombina ou de tromboplasti- cardiogênico, redução da fração de ejeção dos ventrículos e
na parcial estiverem elevados > 1,5 vez o fisiológico31 . do débito cardiaco . Mecanismos compensatórios, por meio
Administram-se 1OmL/ kg a 15mL/ kg e o objetivo é alcan- de hiperestimulação simpática, provocam aumento da
çar um rrúnimo de 30% da concentração normal dos fato- resistência vascular periférica (pós-carga), taquicardia e
res de coagulação. retenção de água e sódio pelos rins. Isso aumenta o consu-
A auto-hemotransfusão (sangue autólogo) é outra mo de oxigênio do núocárdio, o que agrava a isquenúa e
opção de reposição no choque hemorrágico. O sangue eleva as pressões das câmaras cardiacas, culminando na
obtido do campo operatório pode ser submetido à lavagem falência uni ou biventricular, hipotensão arterial e edema
e centrifugação ou ser reinfundido após ftltração somen- pulmonar cardiogênico 5.15•38 • Comparado às outras causas
te27.28. Auto-hemotransfusão de sangue da cavidade abdo- de choque, o cardiogênico se diferencia pela baixa perfusão
núnal na vigência de lesão de víscera oca é motivo de con- tecidual associada à volenúa adequada5•35 •
trovérsia, pois pode induzir coagulação intravascular mais Além do infarto agudo do miocárdio, existem outras
precocemente. Entretanto, o índice de infecção sistêmica causas de choque cardiogênico, entre as quais,
parece não aumenta?'. arritnúas cardiacas, núocardites, disfunções valvulares car-
A infusão de substitutos do sangue (hemoglobina poli- díacas, lesões dos músculos papilares ou septais e
merizada) na fase pré-hospitalar, está atualmente em estu- contusão miocárdica527.:J5.
do (fase III). As principais vantagens sobre as hemotrans- Não existem exames laboratoriais específicos para o
fusões são validade prolongada em temperatura ambiente, diagnóstico do choque cardiogênico . Exames gerais utiliza-
fácil obtenção, mínimo risco de transnússão de doenças e dos na avaliação de pacientes com isquenúa cardiaca, por
menor resposta inflamatória sistêmica2 • A utilização do exemplo enzimas (creatinakinase, troponina, mioglobina e
fator VIl recombinante ativado (rFVIla) trouxe benefício desidrogenase lática), hemograma, lactato, ionograma, per-
importante para o controle dos distúrbios de coagulação. O ftl da coagulação e gasometria arterial, podem auxiliar no
rFVIIa se liga ao fato r tecidual exposto na lesão endotelial, diagnóstico. A radiografia simples do tórax é útil para eles-

652
Capítulo 53 .: Choque e Cirurgia

••
cartar outras causas de choque (hemotórax ou pneumotó- monar maciça, pois os trombas localizados nessa região
rax) e avaliar sinais de insuficiência cardiaca congestiva'. O apresentam lise espontânea5'42• A trombose venosa profun-
eletrocardiograma, caso seja normal, não descarta o choque da acomete aproximadamente 12% dos pacientes submeti-
cardiogênico. O ecocardiograma é útil na determinação de dos a operações não-cardíacas e não-ortopédicas. Nesses
áreas de acinesia ou hipocinesia da parede ventricular, além dois tipos de operações, a incidência é maioJ?6.37 • A maioria
de demonstrar alterações nas válvulas cardíacas5• dos casos de embolia pulmonar (50%) ocorre entre o pri-
Os parâmetros hemodinârnicos apresentados pelos meiro e o terceiro dia de pós-operatório 36• No entanto,
pacientes com choque cardiogênico são pressão arterial sis- demonstrou-se em estudo clinico que 25% dos casos ocor-
tólica m enor do q ue 90mmHg por pelo m enos 30 minutos rem entre o 15° e o 30° dia de pós-operatório43 •
e índice cardíaco menor do que 1,8L/ min/ m Z, na presença A embolia pulmonar maciça é observada quando mais
de pressão de oclusão do capilar pulmonar elevada (maio r de 50% do segmento vascular pulmonar é acometido, cau-
do que 18mmHg) 5.35.38. sando choque obstrutivo, principalmente em pacientes
O tratamento do choque cardiogênico é dirigido para a com reserva cardíaca diminuída5 • A incidência geral de cho-
correção do fator causal39' 40• No entanto, algumas medidas que após embolia pulmonar é de aproximadamente 5%45 •
gerais são necessárias: A fisiopatologia do choque na embolia pulmonar
• suporte ventilatório e oxigênio suplementar; envolve a liberação de substâncias vasoativas como a sero-
• suporte in o trópico; tonina, proveniente das plaquetas, que resulta no aumento
• acesso venoso central (cateter de Swan-Ganz); da resistência vascular pulmonar e do espaço morto 44 •
• tratamento das possíveis arritrnias cardíacasJS-"''. Ocorre também broncoespasmo reflexo e aumento da
A angiografia coronariana de urgência está indicada nos pós-carga do ventrículo direito, capaz de provocar sua dila-
casos de choque cardiogênico devido a infarto agudo do tação, isquemia e disfunção43•
miocárdio, pois permite identificar áreas de obstrução e Clinicamente, observam-se sinais de disfunção do ven-
possibilita condutas intervencionistas percutâneas ou cirúr- trículo direito, como distensão das veias jugulares, hiperfo-
gicas para recuperar o fluxo coronariano"'1• Essas condutas nia da segunda bulha e sopro sistólico na borda esternal
estão associadas à melhora da sobrevivência de pacientes inferior esquerda. Dispnéia, desconforto torácico ou sínco-
com choque cardiogênico41 • A utilização de terapia fibrino- pe, sem causas aparentes, em pacientes de risco para trom-
litica nos casos de choque cardiogênico é controvertida, bose venosa profunda, são sintomas comuns na embolia
sendo mais eficaz quando aplicada precocemente40• pulmonar. o eletrocardiograma, nota-se inversão da o nda
O balão intra-aórtico diminui a pós-carga do ventrículo T nas derivações anteriores, principalmente de V 1 a V 4. O
esquerdo e aumenta a perfusão coronariana d urante a diás- ecocardiograma mostra alterações no ventrículo direito em,
tole, sendo eficaz como medida estabilizadora inicial dos aproxi madamente, 40% dos pacientes. Gasometria arterial
pacientes com choque cardiogênico, principalmente quan- inalterada não deve ser utili zada para contra-indicar outros
do é utilizado precocemente. Dispositivos de assistência estudos caso haja suspeita de embolia pulmonar43. Os
ventricular funcionam como ventrículos substitutos, mas, níveis de dímero-D apresentam baixa especificidade para
ao contrário do balão intra-aórtico, necessitam de toracoto- embolia pulmonar, devendo ser utilizados, portanto, em
mia para instalação'"'. pacientes sem o utras doenças ou situações associadas,
como infarto agudo do miocárdio, pneumonia, insuficiên-
Choque obstrutivo cia cardíaca, câncer ou período pós-operatório 43•
O dupplex scan venoso tem alta acurácia em pacientes
Esse tipo de choque ocorre devido ao impedimento da com suspeita de trombose venosa profunda, mas o exame
circulação sistêrnica por obstrução intrínseca ou extrínse- inalterado não descarta a possibilidade de embolia pulmo-
ca. As principais causas são embolia pulmonar, pneumo- nar. A cintilografia pulmonar é o exame m ais útil para des-
tórax hipertensivo, dissecção aguda da aorta e tampona- cartar embolia pulmonar significativa. Resultado negativo
mento cardíaco5• para embolia pulmo nar praticamente a exclui. A incidência
A embolia pulmonar é causada po r êmbolos provenien- de falso positivo é de, aproximadamente, 15%' .
tes de trombose venosa profunda das veias da coxa e da Resultados intermediários são de difícil interpretação e
pelve. Raramente veias da panturrilha causam embolia pul- devem ser complementados pela tomografia computado-

653
• Fundamentos em Clinica Cirúrgica

••
rizada helicoidal. Caso esse exame também demonstre ventrículo esguerdo, obstrução do fluxo coronariano por
resultados duvidosos, a angiografia pulmonar é útil para o extensão da clissecção até os óstios das coronárias, prolap-
diagnóstico definitivo•1. so da váJvuJa aórtica, tamponamento cardíaco ou chogue
O tratamento do chogue obstrutivo causado pela hemorrágico se houver ruptura para o O cho-
embolia pulmonar baseia-se no suporte da função cardía- gue associado à dor torácica retroestemal ou posterior,
ca com as mesmas substâncias inotrópicas positi vas des- entre as escápulas, algumas vezes sem pulso nas extremida-
critas no tratamento do chogue cardiogênico, associadas des, faz parte da apresentação clinica. Entre os exames
ao uso de trombolíticos, com ou sem anticoagulação. Nos complementares utilizados para o diagnóstico das clissec-
pacientes com contra-indicação para trombolíticos ou no ções aórticas estão: ecocardiografia transesofágica, tomo-
caso de insucesso com o uso desses meclicamentos, a grafia e angiotomografia, ressonância magnética, aortogra-
embolectomia pulmonar percutânea por cateter, ou aber- fia e a uJtra-sonografia
ta, pode ser a solução. a obstrução crônica de grandes O tratamento das clissecções agudas da aorta é cirúrgi-
veias puJmonares e no cor pu/mona/e pode ser necessária a co para lesões do tipo A, pois, se tratadas clinicamente,
cndarterectomia para remoção dos trombas organizados•3• apresentam mortalidade de 90% em três O trata-
A mortalidade com esse procedimento em centros espe- mento cirúrgico também pode ser realizado por via endo-
cializados va ria de 5% a 10% 41 • vascuJar. Lesões do tipo B são tratadas preferencialmente
O pneumotórax hipertensivo causa chogue obstrutivo sem A reserpina, trimetafan, betablogueadores
por provocar deslocamento mecliastinal, dificuldade do e o nitroprussiato de sóclio são utilizados no tratamento cli-
retorno venoso e da expansibilidade Pode nico, assim como os blogueadores dos canais de
ocorrer após traumatismos, no período pós-operatório de Tamponamento cardíaco causa chogue obstrutivo por
operações torácicas ou abdominais, após punções de veias dificultar o bombeamento de sangue. O cliagnóstico clinico
centrais e de forma espontânea, principalmente po r ruptu- baseia-se na rríade de Beck presente em apenas 30% dos
ra de bolhas enfisematosas ou complicação de doença pul- casos (aumento da pressão venosa central, hipotensão arte-
monar obsrrutiva A causa mais comum, no entan - rial, abafamento de bulhas), no mecanismo de trauma e na
to, é o barotrauma causado pela ventilação história clínica. Pulso paradoxal (redução > l OmmHg na
As principais manifestações clinicas do pneumotóra.x pressão arterial sistólica durante a inspiração) e o sinal de
hipertensivo são clispnéia, dor torácica, taguicardia, clisten- Kussmaull (aumento da pressão venosa central na inspira-
são das veias juguJares e cianose (sinal tardio). Diferencia- ção) também auxiliam no cliagnósticd .,. A uJtra-sonografia
se do tamponamento cardíaco por apresentar distensão das do saco pericárclico permite cliagnóstico rápido de líguido
veias jugulares associada a murmúrio climinuído à ausculta livre dentro dele 27 • O tratamento inicial do tamponamento
do lado acometido, além de hipertimpanismo à percussão. cardíaco visa descompressão do saco pericárclico por peri-
e houver chogue hemorrágico associado, as jugulares carcliocentese (punção subxifóidea), janela pericárclica ou
podem estar colapsadas. Por se tratar de uma emergência, toracotomia ântero-lateral esguerda' .
o diagnóstico do pneumotórax hipertensivo é clínico, não Causas menos comuns de chogue obstrutivo em cirur-
havendo necessidade de exames complementares. gia são: tumores mediastinais, coarctação da aorta, hiperten-
O tratamento inicial é feito com punção da parede torá- são puJmonar aguda, anemia falciforme, policitemia vera,
cica no nível do segundo espaço intercostal, na linha hemi- síndrome de hiperviscosidade e pericarclite constritiva.
clavicular, descomprimindo o pneumotóra.x. Em seguida,
procede-se com a drenagem torácica em selo d'água no Choque distributivo
guinto espaço intercostal ligeiramente anterior à linha
ax.ilar méclia. Chogue distributivo é a via ftnal comum da maioria
A dissecção aguda da aorta, outra causa de chogue obs- dos estados de chogue. Exemplo disso são as situações
trutivo, ocorre na porção ascendente em 62% dos casos irreversíveis dos chogues card.iogênico e hemorrágico. A
(dissecção do tipo A da classificação de Stanford) c na aorta musculatura vascular periférica no chogue distributivo
descendente em 38% (dissecção do tipo apresenta vasoconstrição ineficaz5.r.ls.•7• E m todas as for-
O chogue provocado pela clissecção aguda da aorta é mas de chogue clistributivo, os niveis plasmáticos de cate-
devido aos seguintes fatores: aumento da pós-carga do colaminas estão aumentados e o sistema renina angioten-

654
Capítulo 53 .: Choque e Cirurgia

••
sina ativado. Mas, mesmo assim, observam-se hipotensão mas geniturinário e respiratório, abscessos pós-operatórios
e vasodilatação' • Sepse é a principal causa, sendo respon-
7
intracavitários e os cateteres intravasculares 5•
sável por mais de 200.000 casos por ano nos Estados As manifestações clínicas principais são baixa perfu-
Unidos'7. Outras causas são: choque neurogênico, choque são tecidual e hipotensão associadas a temperatura cor-
anafilático e o choque por insuficiência aguda das glându- poral maior do que 38°C ou menor do que 36°C, fre-
las supra-renais5' 47 • qüência cardíaca maior do que 90 batimentos por minu-
Três mecanismos básicos estão envolvidos nos dis- to e respiratória maior do que 20 incursões por minuto,
túrbios vasculares observados no choque distributivo: PC0 2 menor do que 32mmHg, leucócitos globais em
• ativação dos canais de potássio da musculatura lisa número maior do que 12.000 células/m3 ou menor do
vascular, sensíveis ao ATP; que 4.000 células/ m 3 ou mais de 10% de células imatu-
• aumento da síntese do óxido rútrico; ras5. Outras opções importantes no diagnóstico do cho-
• deficiência de vasopressina. que séptico são: exame físico, exames de imagem e dados
hemodinârnicos obtidos com cateter de Swan-Ganz.
A abertura dos canais de potássio sensíveis ao ATP Esses dados demonstram baixa resistência vascular peri-
provoca a saída do potássio da célula muscular, hiperpo- férica, diminuição do débito cardíaco e pressão de artéria
larização da membrana plasmática e impedimento da pulmonar aumentada. No exame físico, d evem -se procu-
entrada de cálcio, inibindo a contração muscular' 7. Esses rar cuidadosamente possíveis fontes de infecção, incluin-
canais encontram-se abertos em situações de baixa per- do sítios de punções venosas. Exames de imagem como
fusão tecidual e acidose lática'7. radiografia simples, ultra-sonografia e a tomografia com-
Nos choques distributivo e hemorrágico não-com- putadorizada são úteis no diagnóstico.
pensad o, a produção de óxido rútrico aumenta devido à Uma vez encontrado o foco de infecção, deve-se obter
maior expressão da enzima óxido rútrico sintetase, pro- material para culn1ra e antibiograma, de preferência antes
vocada provavelmente pela liberação de citocinas (IL- de iniciar o tratamento com antibióticos. Hemoculturas
1b, IL-6 e FNT-aY7·18 '47. O óxido rútrico provoca vasodi- devem ser obtidas de pelo menos dois sitios48 • Esses dados
latação por ativar a fosfatase das cadeias leves d e miosi- são fundamentais para o diagnóstico diferencial.
na e abrir os canais de potássio sensíveis ao ATP 47 • O tratamento do choque séptico deve ser iniciado rapi-
Normalmente, a vasopressina desempenha papel damente após o diagnóstico. Como nos choques cardiogê-
pouco importante na regulação da pressão arterial. Mas, nico e hemorrágico, o inicio precoce do tratamento
quando há hipotensão, a vasopressina é liberada em altas melhora o prognóstico48 • Antibióticos devem ser iniciados
concentrações pela neuro- hipófise47. No entanto, à dentro da primeira hora após o diagnóstico de sepse.
medida que o choque se agrava, a concentração de vaso- Antibioticoterapia empírica deve incluir uma ou mais dro-
pressina no plasma diminui 47 • Os principais efeitos posi- gas que apresentem eficácia contra o provável patógeno e
tivos da vasopressina no choque são: potencialização penetração no local da infecção'8 • Após iso lamento do
dos efeitos vasoconstritores da noradrenalina, inativação patógeno deve-se restringir o espectro antirnicrobiano
dos canais d e potássio sensíveis ao ATP e redução da para evitar superinfecção48. Caso o diagnóstico de choque
síntese da óxido rútrico sintetase, reduúndo a produção séptico não se confirme, devem-se suspender os antimi-
de óxido rútrico 47. crobianos48. O controle da infecção poderá exigir também
drenagem de abscessos, desbridamento d e tecidos necro-
Choque séptico sados, remoção de dispositivos infectados, amputações de
membros e retirada parcial ou total de órgãos'8.
Choque séptico é caracterizado por sepse associada a A reposição volêmica no choque séptico pode ser
hipo tensão não-responsiva à reposição volêrnica 5• realizada com cristalóide ou colóide (não há vantagens
Apresenta mortalidade elevada (50%) e a maioria das mor- dos colóides sobre D eve-se observar que,
tes ocorre dentro da primeira semana. A maioria dos casos nas primeiras 24 horas, será necessária a infusão d e gran-
o rigina-se de bactérias Gram-negativas, mas vírus, bactérias des volumes de líquidos devido ao seqüestro no terce.iro
Gram-positivas e fungos também podem provocá-lo . Os espaço. A avaliação da reposição por m eio da medida da
principais focos de infecção no choque séptico são: siste- pressão venosa central, pressão capilar pulmonar, índice

655
• Fundamentos em Clfnica Cirúrgica

••
cardiaco e correção dos distúrbios ácido-básicos é funda- A ventilação mecânica em pacientes com lesão pul-
menta1'8. Os objetivos da ressuscitação inicial nas primei- monar aguda, induzida pela sep e, deve er realizada com
ras seis horas estão salientados no Quadro 53.1. volume tidal baL"<O (6m1/ kg) c pressão de platcau inspira-
tória final < 30cmHzO, com pressão positiva cxpiratória
Quadro 53. 1 . : Objetivos da ressuscitaçào inicial final minima para prevenir colapso alveolar. D uran te a
ventilação mecânica, o paciente deve ser mantido com
cabeceira elevada a 45° 48 •
Pressão arterial média maior ou igual a 65mm Hg Contro le rigoroso da glicemia, a cada quatro ho ras,
Dtio aa:Wdo llllior ou p a 0,5ml./kg/b mantendo-a em niveis < 150mg/dL e nutrição cntera.l
Saturação venosa mista de oxigênio maior ou igual a 70% precoce são medidas importantes no tratamento dos

··-------------------------------------------- pacientes sépticos.
Profilaxia da trombose venosa profunda com doses
baixas de heparina não-fracionada ou heparina de baixo
Não se deve infundir bicarbonato para tratar acidose peso molecular é fundamental. Caso haja contra-indicação
metabólica induzida pelo choque, mesmo quando o pH para o uso da heparina, dispositivos de compressão inter-
estiver em 7,13'8 •
mitente dos membros inferiores o u meias elástica gradua-
Vasopressores são utilizados quando a reposição valê-
das podem ser utilizados. Pro ftlaxia de úlcera de estresse
mica isolada é incapaz de normalizar a perfusão tecidual.
com bloqueadores l-l2 ou in.ibidorcs de bomba protô nica
Noradrenalina ou dobutamina são drogas de primeira esco-
está indicada nos pacientes com choque séptico' 8 .
lha para corrigir a hipotensão arterial no choque séptico'8•
D opamina tem maior utilidade nos pacientes com função
sistólica reduzida, mas causa mais taquicardia e arritmias'8. Choque neurogênico
Vasopressina pode ser utilizada nos casos de choque refra-
Traumatism o raquimedular, anestesia por bloqueio
tário. Por ser droga vasoconstritora direta, sem efeitos mo-
trópicos ou cronotrópicos, pode provocar redução do espinhal e anestesia geral são causas de choque neurogêni-
débito cardíaco e da circulação co1. A associação entre traumatismo raquimedular e cho-
O uso de corticóides (hidrocortisona 200mg/dia a que hemorrágico não é rara. Po rtanto, de,·e-se considerar
300mg/dia por sete dias) no choque séptico enco ntra-se inicialmente que a causa do choque, no trauma,
justificado quando, apesa r da reposição volêmica ade- seja hemorrágica'9 .
quada, houver necessidade do uso de vasopressores ou Lesões medulares nos niveis cervical o u torácico alto
quando houver insuficiência relativa das supra-renais. (acima de T 6) provocam dcnervação simpática com perda
Essa situação é definida como aumento de 9J..lg/dL do do tônus alfa-adrenérgico, causando dilatação arteria.l e
cortisol plasmático após infusão de hormônio ad reno- venosa das visceras c va os da peri feria 1. Ocorre também
corticotrófico (ACTI-1) 48 • A proteína C recombinantc ati- redução da resistência vascular, hipotensão arterial e repre-
vada é recomendada em pacientes sem risco de hemorra- samento de sangue na periferia, provocando diminuição do
gia e com alto risco de mone (APACHE 11 maior do que retorno venoso12-.
25 pontos) e falência multiorgânica induzida pela scpsc'8 • A presença de hipotensão sem taquicardia concomitan-
Hemo transfusão no choque séptico está indicada te é sinal altamente sugestivo de choque neurogênico.
quando a concentração de hemoglo bina for < 7,0g/d L. O tratamento do choque neurogê nico visa, inicial-
O objetivo é mantê-la entre 7,0g/dL e 9,0g/dL. A infu- mente, a reposição volêmica. Caso não ocorra reposta
são de plasma fresco congelado deve ser realizada se hemodinâmica adequada com essa conduta, utilizam-se
houver distúrbio de coagulação confirmado laboratorial- vasopressores alfa-adrenérgicos para aumenta r a pressão
mente'8. A infusão de plaquetas deve ser feita quando a de perfusão tecidual. A maioria dos pacientes com cho-
contagem delas for < 5.000/ mm3 , mesmo sem sangra- que neurogênico responde às medidas anteriores e apre-
menta evidente. Para intervenções cirúrgicas, os níveis senta-se estável hemodinamicamente 24 a 48 horas após
plaquetários devem ser :2:: 50.000/ mm 1·' 8 . o inicio do tratamento 5 .

656
Capítulo 53 .: Choque e Cirurgia

••
Choque anafilático ci tomegalovírus e fungos) e a hemorragia espontânea
das glândulas supra-renais nos casos de meningococe-
Reação de hlpersensibilidade antígeno induzida e lgE
mia (síndrome de Waterho use-Friderich sen) ou septice-
mediada é responsável pelo choque anaftlático. Nesse
mia por Gram-negativos o u pneumococo52 • Uso de
tipo de choque, ocorre degranulação de mastócitos e
esteróides, ressecção cirúrgica de tumores funcionantes
basófilos provocada por diferentes estímulos. Os princi-
(produtores de cortisol) ou ressecção transesfenoidal de
pais mediadores da cascata inflamatória anatilática são
tumores da hipófise, além de neoplasia metastática
histamina, serotonina e enzimas proteoüticas50• Do ponto
envolvendo as supra-renais (estômago, pulmão, mama,
de vista cirúrgico, os principais estímulos capazes de pro-
melanoma e linfoma), são as principais causas de insu-
vocar choque anafilático são drogas (penicilina) e contras-
ficiência secundária dessas glândulas.
tes endovenosos utilizados em exames radiológicos.
Na fisiologia das supra-renais, estimulo do hormô-
Picadas de insetos e serpentes, alguns alimentos e alergia
ao látex também podem provocar choque anaft.lático;. nio adr enocorticotrófico provoca liberação de co rtisol e
O diagnóstico baseia-se nas manifestações clínicas, mineralocorticóides 5• Sob situações de estresse, a pro-
sendo que os órgãos mais freqüentemente envolvidos dução desses hormônios aumenta. A incapacidade das
são pele e mucosas (u rticária e angioedema), vias respira- glândulas supra-renais de produzir mais cortisol aguda-
tórias (edema, hipersecreção, bronco-constrição) e siste- mente caracteriza situação ele emergência. Os sintomas
ma cardiovascular (vasodilatação, depressão do m iocár- observados são febre, náuseas e vômitos, dor abdomi-
dio, transudação de üquidos para o espaço intersticial e nal, hipotensão, hiponatremia e hipocalem ia 5•52 • Esses
redução da resistência vascular periféricaY.50• O diag nós- sintomas estão associados, algumas vezes, ao uso de
tico diferencial inclui outras causas de choque distributi- esteróides exógenos. Pacientes infectados que não res-
vo, choque cardiogênico, infarto agudo do miocárdio, pondem à reposição volêrnica e ao uso de vasopresso-
asma e insuficiência respiratória aguda por outras causas5. res poderão estar em choque por insuficiência aguda
O tratamento do choque anafilático visa inicialmente das supra-renais 5•
garantir via aérea, fornecer oxigênio suplementar (satura- O teste rápido de estimulação com ho rmônio adreno-
ção de 02 ;::: 95%) e dois acessos venosos calibrosos' . A corticotrófico é o m elhor método diagnóstico52• São infun-
cricotireoidostomia pode ser necessária em alguns casos didos por via endovenosa 250mg de hormônio adrenocor-
de obstrução das vias aéreas. Broncoespasmo grave pode ticotrófico sintético e a dosagem de cortisol plasmático é
ser tratado com 0,01 mglkg de adrenalina por via intra- avaliada a seguir (zero, 30 e 60 minutos). A resposta normal
muscular ou subcutânea. Se houver colapso circulatório mostra concentração de cortisol > 20mgl100mL.
com hipotensão grave, a adrenalina deverá ser infundida O tratamento inicial do choque causado por insufi-
por via endovenosa em bolus (0, 1mglkg a 0,2mg/kg) ou ciência das supra-renais requer acesso venoso com cate-
por via endotraqueal. Nessa situação, utilizam-se doses ter de grosso calibre, infusão rápida de dois a três Litros
duas a duas e meia vezes maior, seguida de 1OmL de solu- de cloreto de sódio 0,9% e 75mg de hid rocortisona
ção de cloreto de sódio a 0,9%5• endovenosa a cada seis horas. A dexam etasona (4mg por
via endovenosa) pode ser associada à hidrocortisona.
Esta tem mais efeito rnineralocorticóide do que a dexa-
Choque por insuficiência aguda das supra-renais
metasona (potente glicocorticóide), mas interfere na
Atualmente, nos Es tados Unidos, a ins uficiência medida do cortisol plasmáticd. O teste rápido de estimu-
aguda das supra-renais ocorre em um entre cada 4.500 lação com hormônio adrenocorticotró fico pode ser repe-
e 6.250 pacientes internados. Portanto, trata-se de tido após as medidas descritas anteriormente. O resulta-
doença rara51• É mais comum nos homens entre o ter- do, juntamente com o estado clinico do paciente, ditarão
cei ro e o quinto decênios de vida 50• as doses de manutenção elos esteróides. A reposição
As causas da insuficiência aguda das supra-renais volêmica com cloreto de sódio 0,9% deve persistir po r
podem ser primárias ou secundárias. Causas primárias aproximadamente 48 horas e, em seguida, repõem-se
são auto-imunes (65%), infecciosas (tuberculose, HlV , rnineralocorticóides (fludrocortisona 0,1mgldia via o ral).

657
••• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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Capítulo 53 .: Choque e Cirurgia

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659
54
COMPLICAÇÕES
CARDIOVASCULARES


••
Vandack Alencar Nobre Júnio r,
Lucas Locü

Introdução das no pós-operatório de procedimentos cirúrgicos, em


geral, incluem a síndro me coronariana aguda, insuficiên-
Um melhor reconhecimento dos problemas cardíacos cia cardíaca, edema agudo de pulmão, crise hi pertensiva,
no pós-operatório de operações vasculares ocorreu no arritmias cardíacas, acidente vascular cerebral e embolia
início da década de 80 do século passado. Desde aguela pulmonar. As complicações relacio nadas aos procedi-
época, observa-se também crescimento progressivo da
mentos cirúrgicos realizados no próprio sistema carclio-
atenção a es as complicaçõe nos pacientes submetidos a vascular são mais numerosas e específicas (derrame peri-
procedimentos cirúrgicos não-carcliovasculares. Ainda
cárdico, clisfunção valvular, endocardite, isguemia arte-
gue as técnicas cirúrgicas c anestésicas tenham, indiscuti-
rial) e exigiriam capítulo à parte para a sua discussão.
velmente, sido apri moradas nos últimos anos, incorpo-
rando procedimentos menos invasivos e tempos cirúrgi-
cos progressivamente menores, a melho ra do prognósti- Síndrome coronariana aguda
co dos pacientes relaciona-se, em grande parte, à maior
atenção dispensada ao sistema cardiovascular no período As complicações cardiovasculares pós-operatórias
peroperatório. E m função dessas mudanças, de acordo encontram-se intimamente ligadas à condição pré-opera-
com Lowenstein', a incidência de infarto agudo do mio- tória dos indivíduos. Estudo realizado em 1.600 pacien-
cárdio no pós-operató rio, em pacientes com infarto tes avaliou a fregi.iência de complicações cardiovasculares
agudo prévio reduziu ele 7,7% para 1 ,9%. Entre os fato- no pós-operató ri o de operações não-cardíacas (Quadro
res envolvidos nessa redução, cita-se a utilização do cate- 54.1). Os pacientes foram divididos em três grupos:
ter de Swan-Ganz, o uso de medicamentos mais apro- grupo 1- pacientes sem doença arterial coronariana grave,
priados para proteção cardíaca (betablogueado res c nitra- ou seja, com estenose menor do gue 70% ; grupo 2-
tos), além ela permanência sob mo nitorização hemodinâ- pacientes com doença arterial coronariana grave (esteno-
mica por tempo mais prolongado. Di,·ersos sistemas de se > 70%), porém submetidos a revasculari zação miocár-
avaliação e inúmeras classificações permitem acurada dica, grupo 3- pacientes com doença arterial coronariana
estimativa dos riscos cardiovasculares associados a cada grave, não submetidos a revascularização miocárdica.
paciente. Desse modo, no pré-operatório , pode-se definir Entre outras observações relevantes, demonstrou-se o
a propedêutica e os cuidados necessários para condução valo r protetor da revascularização miocárdica, a qual
mais segura dos pacientes1 . esteve associada à significativa redução do risco de even-
As principais complicações cardiovasculares observa- tos isquêmicos e de morte no pós-operatório'.

661
• Fundamentos e m Clínica Cirúrgica

••
Quadro 54.1 .: Morbidade cardiovascular e mortalidade cirúrgica (IAM) com supradesnivelamento persistente de ST
pós-operatórias em pacientes submetidos a operações não-cardíacas (IAM -CS), anteriormente chamado IAM transmural ou
de acordo com a p resença de doença arterial coronariana e realiza- IAM com Q. Mais raramente, pode ocorrer a angina de
ção prévia de revascularização m iocárdica
repouso ou angina de Prinzmetal, condição associada a
------------------------------------------------··• vasoespasmo e que se manifesta com supradesnivelamen-
Variável Grupo I Grupo 2 G rupo 3 Valor de P
to de ST no eletrocardiograma, habitualmente reversível e
(N =399) (N =743) (N =458)
sem elevação de enzimas cardíacas. A SCA-SS divide-se
02 (0,5) 07 (0,9) tt (2.4) 0.03
em IAM sem supradesnivelamento de ST (IAM-SS) e angi-
o os (0,7) 05(1,1)
na instável (quando não há elevação enzimática) 3 •
18 (4,5) 38 (S.t) 40(8,7)

-------------------------------------------------··•
Arrirmias 13 (3,3) 25 (3,4) 14 (3, 1) NS

··------------------------------------------------
LAM - infarto a!,'\ldo do miocárdio, AVE - acidente vascular encefálico
VI

ICC- insuficiência cardíaca congestiva


Gmpo I - pacientes sem doença coronariana grave
Grupo 2- pacientes com doença coronariana grave submetidos a rcvasculariza·
ção coronariana
Grupo 3- pacientes com doença coronariana grave não-submetidos a rcvascu·
larização mícocárdi ca

Aspectos gerais
*rnnnT"nJ::±tttt+i t BU
A identificação de isquemia miocárdica, no pós-ope-
ratório, é freqüentemente difícil. Os sinais e sintomas
A) SCA com supradesnivclamcmo do segmento ST na parede infcnor c lateral
relativos à isquemia, tais como dor e dispnéia, podem (011, 011 c avF, VS e VG), mostrando alterações "em espelho'" das derivações DI,
avL, VI e V2
ser causados por uma série de outras condições relacio-
nadas, inclusive, pelo próprio trau ma cirúrgico.
Geralmente, a síndrome coronariana aguda manifesta-
se com dor torácica esquerda ou retroesternal, constriti-
va, que irradia-se predominantemente para o ombro e
membro superior ipsilaterais. Pode haver dor epigástri-
ca e irradiação para a mandibula ou para o braço direito .
Alguns pacientes, sobretudo os diabéticos, freqüente-
mente apresentam dor com características incomuns e
podem até desenvolver isquemia cardíaca sem dor asso-
ciada. A dor torácica acompanha-se freqüentemente de
sudorese, dispnéia, tonteira, náuseas e vômitos. O qua-
dro pode acompanhar-se de repercussões mais graves,
relacionadas à isquemia miocárdica, tais como edema
agudo de pulmão, arritmia e morte súbita. A duração da
dor varia entre minutos a horas, dependendo da intensi-
dade do processo isquêmico.
A síndrome coronariana aguda (SCA) é atualmente B) SCA sem supradesnivelamcnto do segmento Sf acometendo a parede anterior 0' 1
a V6), onde se percebe onda T invertida, apiculada, c predominantemente simétrica
classificada em SCA com supradesnivelamento do seg-
mento ST (SCA-CS) e sem supradesnivelamento do seg- •
·· -------------------------------------------------
Figura 54.1 . :
mento ST (SCA-SS) (Figura 54.1). A SCA-CS corres- elerrocan:li"!,>ráfieas na
Alteraçi\<:s comnariana •!.'tida (SCA)
sindromc

pende habitualmente ao infarto agudo do miocárdio

662
•••
Capítulo 54 .: Complicações cardiovasculares

A justificativa para essa classificação da síndrome coro- Quadro 54.3 .: C lassificação TIM I* para slndrome coro naria na
nariana aguda envolve, sobretudo, o direcionamento sem supradcsnivclamcnto do segmento ST (angina instável c infar-
terapêutico precoce, notadamente a indicação da terapia to agudo do miocárdio sem supradesnivelamento de Sl)

de reperfusão (trombólise ou angioplastia percutânea) •


65anos
nos pacientes com SCA-CS, condição na qual o tempo
• três ou mais fa tores de risco para doença arterial coronariana
perdido apresenta relação direta com a quantidade de
>50%
miocárdio nec rosado e, conseqüentemente, com a
• desvio do segmento ST
morbidade e mortalidade. • uso de icido ICCtillalic:lli
"'.-.,....
Alguns sistemas de classificação de risco das sindro-
mes coronarianas agudas, são distintos para as SCA-CS
e SCA-SS. Essas classificações auxiliam na escolha da
melhor conduta propedêutica, notadamente em relação -TlMI: Thrombolyns 10 mroc2rd1al mfarct1nn
à cineangiocoronariografia (i.e., conduta invasiva preco- Obs: o risco é determinado pelo número de fawres presentes: O a 2 - nsco
baixo; 3 a 4 intcm1cdiário; 5 a 7 - ri"co alto
ce ou não-invasiva precoce) e nas decisões terapêuticas
relativas a cada caso. Além disso, permitem estimativas
Tratamento
mais acertadas do prognóstico . D e modo geral,
idade ava nçada, sinais de insuficiência cardíaca O tratamento da sindrome coronariana aguda envolve a
congestiva, taquicardia, hipotensão e acometimento da redução do consumo de oxigênio pelo miocárdio, em geral,
parede anterior prenunciam pior p rognóstico no com o uso de betabloqueadores, além da terapia com antia-
I AM-CS. Pela sua praticidade, a classificação de gregantes plaquetários (ácido acerilsaücílico, clopidogrel,
Killip é uma das mais utilizadas para os pacientes com
bloqueadores da glicoproteína IIB e TI1A), anticoagulantes
IAM-CS (Quadro 54.2)'·s.
(heparina), inibidores da enzima de conversão da angioten-
sina (IECA) e Cada condição, de acordo com a
presença de fatores de risco e na dependência da fisiopato-
Quadro 54.2 .: Cla.ssificação de Killip síndrome coronariana log1a da lesão coronariana, envolverá o uso de parte ou de
aguda com supradesnivclamcmo persistente do segmento T
todo esse aparato terapêutico. 1 os últimos anos, observa-
•••
Categoria Achados clínicos se tendência a se administrarem estatinas precocemente (no
máximo, no quinto dia após o início do quadro) nos
Killip I Sem sinais de insuficiência cardfaca congestiva
pacientes com síndrome coronariana aguda, sendo essas
Killip li Insu ficiencm cardíaca congesti,·a leve a moderada
(B3, crep1rações até, no máximo, a metade inferior drogas posteriormente mantidas como pro filaxia secundá-
do tó rax, aumento da pressão venosa jugular) ria. Nos pacientes que já estavam utilizando essas drogas,
Killip 111 elas devem ser mantidas durante toda a internação.
Killip IV Choque cardiogênico Uma questão controversa diz respeito à utilização de
• anticoagulantes no pós-operatório imediato e, principal-
··---------------------------------------------- mente, ao uso de trombolíticos nesse período. ão há con-
tra-indicação absoluta à administração de anticoagulantes
(heparina em doses plenas) nesse período, exceto na pre-
Duas classificações das mais utilizadas na SCA-SS sença de sangramento ativo. Em todas as demais situações,
(Quadros 54.3 e 54.4) auxiliam sobremaneira nas deci- deve-se considerar a relação de risco e beneficio da terapia.
sões propedêuticas. São as classificações terapêuticas e a Há que se lembrar que, na maio ria dos casos de síndrome
cineangiocoronariografia. coronariana aguda, o uso de heparina ocorrerá por tempo
A Figura 54.2 demo nstra os passos envolvidos limitado (48 a 72 horas). Ainda que alguns trabalhos sugi-
na condução de paciente com síndrome coro nariana ram vantagem da heparina de baixo peso molecular na tera-
aguda, desco nsiderando as peculiaridades do pia da SCA-SS, sua meia vida mais longa e a relativa impre-
período pós-operató rio, as quais serão discutidas ao visibilidade da dose de sulfato de protamina para inibição
longo do texto. do seu efeito, tomam o uso da heparina não-fracionada tão
ou mais atraente no período pós-operatório imediato 10 •

663

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Tabela 54.4 .: Estratificação d e risco para sínd ro m e coro n ariana sem s upradesnivelam ento de ST, segundo orientações da American College
oJ Cardiology /
America11 Heart Associafio11
-----------------------------------------------------------------------------------------------------··
Baixo risco (ausentes os acha- •
Alto risco (pelo menos um Risco intermediário (ausentes
Características
dos seguintes) os achados de alto risco e pre- dos de alto e baixo riscos, e
sente pelo menos um dos presente pelo menos um dos
seguintes) seguintes)

Simomas acelerados ao longo das Infarto agudo do miocárdio prévio,


História cUnica
últimas 48 h doença ccrebrovascular ou vascular
periférica, ou revascularização
cirúrgica, ou uso de aspirina.

Duração > 20 min Angina de repouso prolongada I nieio recente ou progressim nas
Características da dor
(>20min), mas <JUC cessa com últimas duas semanas, CCS classe
tratamento inicial, com chance 111 ou IV*, não-prolongad'l
moderada a elevada de ser sin- (<20min) de repouso, mas modera·
d rome coronariana aguda da ou elevada chance de ser síndro-
m c coronariana aguda.
Angina de repouso (<20min) ou
aliviada com repouso ou com
nitroglicerina sublingual

Edema de pulmão Idade > 70 anos


Achados cUnicos
Sopro cardíaco novo ou modifi-
cado, B3, piora das crepitações
pulmonares, bradicardia, taqui-
cardia, hipotensão

Idade> 75 anos

Angina em repouso com mudanças Inversão de onda T > 0,2mV Normal ou sem alterações duran-
Eletrocardiograma
transitórias e dinàmicas de ST te o período de dor
>0,05mV
Ondas Q patológicas

Bloqueio completo de ramo, nm·o


ou presumivelmente novo

Taquicardia ventricular sustentada

Elevadas (p. ex., troponina Elevadas levemente (ex. troponina Normais


Enzimas cardfacas
>O,lng/mL) entreO,OI c:O,lng/mL)

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------
CCS - Cmtudiufl Curdiar Soritty

No que diz respeito ao IA.i\ 1-CS, cüversos estudos têm artéria coronariana envolvida. Em concüções gerais, a tera-
demonstrado o benefício da trombólise na sobrevida dos pêutica percutânea, com o u sem o implante de slent, tem-se
in divíduos com essa condição, ainda que pacientes no mostrado preferencial no lAM-ST, notadam ente quando
peóodo pós-operatório imediato tenham sido excluídos realizada até duas horas após a chegada do paciente ao ser-
desses estudos. Ocorre que, excetuando-se condições viço de saúde. o pós-operatório imecüato, o benefício
extremas (como tro mboembolismo pulmo nar maciço com dessa terapia poderia ser considerado ainda maior em rela-
grave repercussão hemodinâmica), o uso de tromboliticos ção aos riscos relacio nados à trombólise. os pacientes
encontra-se contra-indicado por, no mínimo, três semanas cirúrgicos hospitalizados, a angioplastia percutânea seria
após operações de grande po rte (Q uadro 54.5?. o caso po tencialmente benéfica se realizada até 12 horas após o
ele neurocirurgia, essa proibição estende-se po r, pelo iAM, à semelhança do preconizado para a trombólise.
menos, três meses. Uma possibilidade, nesses casos, seria a Aceita-se intervalo maior, de 24 ho ras, nos pacientes com
de se realizar angioplastia percutânea para desobstruir a insuficiência cardiaca grave, instabilidade hemocünâmica

664
Capítulo 54 .: Complicações cardiovasculares

••
ou elétrica ou com sintomas de isquernia persistente. Insuficiência cardíaca
Por fim, nos pacientes que evoluem com choque cardio-
gênico, o intervalo poderia ser de até 18 horas do irúcio da Aspectos gerais
instabilidade hemodinârnica, desde que a estabilidade
D isfunção cardíaca constitui a comp cação cardiovas-
tenha se iniciado nas primeiras 36 horas após o infarto
cular pós-operatória mais freqüente em pacientes subme-
agudo do miocárdio .
tidos à cirurgia geral, ocorrendo em 1°/o a 6°/o dos casos 11 •
Apresentam maior probabilidade de desenvolver insufi-
------------------------------------------------··• ciência cardíaca congestiva pacientes com insuficiência
IDor torácica sugestiva de sindrome coronariana aguda I renal ou diabetes mellitus, pacientes submetidos a operação
vascular e aqueles com cardiopatia prévia, tais como
J doença arterial coronariana, valvulopatia e insuficiência
Em dez minutos:
Ácidoacetilsalicílico (160-325mg) cardíaca. A presença de terceira bulha (B3) e de pressão
Morfina se dor persistente (2-4mg/dose, E V) venosa jugular elevada deve ser pesquisada na avaliação
Oxigênio suplementar (Sat 0 2 92%) clínica pré-operatória. Não há evidências de que a causa
!Nitratos: Smg, sublingual (endovenoso se dor persistente,
congestão pulmonar, hipertensão arterial de diflcil controle)
da ins uficiência cardíaca congestiva influencie o prognós-
Acesso venoso tico desses pacientes, mas eles devem ser controlados
Sangue para exames (enzimas cardlacas, hemograma, glicemia, an tes da operação, já que a presença de insu ficiência car-
lons, função renal, outros)
díaca congestiva no pré-operatório associa-se à duplica-
;\lonitorização conónua eletrocardiográfica
Históna clínica e exame fisico ção da freqüência de complicações cardíacas perioperató-
rias. Na maior parte das vezes, a avaliação pré-operatória
I restri nge-se ao exame clinico, aliado ou não a exam es,
Eletrocardiograma de 12 derivaçôcs; derivações direitas se como radiografia de tó rax e eletrocardiograma.
IA.i\1 -C inferior; repetir em cinco a dez minutos se não houver
Confo rme mencionado, há dúvidas acerca da utilidade
alterações imaais ou se hou,·er do diagnóstico
do cateter de Swan-Ganz no período peroperatório. Para
I os favoráveis ao uso do cateter, haveria beneficio, inclusi-
ve, na monitorização pré-operatória, objetivando-se "oti-
Elevação de T > O,SmV Sem elevação de ST;
ou bloqueio completo de podem haver alterações mizar" os dados hemodinârnicos. E ntretanto, para outros
ramo esquerdo nO\'O ou isqucmicas de onda T autores, mesmo em pacientes com disfunção ventricular
presumivelmente no,·o e/ ou do segmento ST esquerda, ou naqueles submetidos a operação vascular, o
uso do cateter não influenciou significativamente o prog-
Betabloqueador (avaliar nóstico. E m estudo recente, 1.994 pacientes com idade
contra-indicações) superior ou igual a 60 anos e com risco cirúrgico elevado
lnibidorcs da enzima de
(ASA III ou IV) fo ram submetidos a operação eletiva de
conversão da angiorensina
grande porte ou de urgência. Os pacientes foram rando-
mizados em dois grupos, com e sem monitorização com
cateter de Swan-Ganz12 • Não se observou diferença na
Trombólisc (< 12 horas) ou
PTCA (precedida e seguida
lleparina em doses plenas mortalidade pós-operatória imediata e tardia, assim como
Avaliar clopidogrel c inibido- na freqüência de insuficiência cardiaca no pós-operatório
de clop1dogrel c de blo-
res da glicoproteína 11 B e
queadorcs de glicopr01elna
I li A
entre os dois grupos. A única diferença encontrada foi a
IIB e I li A)
1\ valiar cateterismo precoce maior freqüência de tromboembolismo pulmonar no
Avaliar heparina em
plenas grupo que usou o cateter (0,9% versus 0,0%). A despeito
• desses resul tados, a utilização do Swan-Ganz estaria justi-
··------------------------------------------------
Figura 54.2. : Algo ritmo para condução inicial d e pacientes co m
ficada em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva
descompensada, quando submetidos a operação de
síndrome coronariana aguda
urgência e naqueles com doença cardiovascular de base
PTCi\ - lransluminal corrmary
IA.\1-C - infarto agudo de miocárdio com supradesnivelamemo que evoluem com disfunção hemodinâmica grave e de
de T difícil controle pós-operatório.

665
• Fundamentos em Cllnica Cirúrgica

••
A administração de fluidos no peroperató rio reguer Tratamento
atenção especial nos pacientes com maior risco de insu-
ficiência cardiaca congestiva. Entretanto, mesmo os O tratamento da insuficiência cardiaca congestiva no
pacientes com história prévia desta condição devem período pós-operatório assemelha-se àquele realizado
receber quantidade suficiente de líquidos para reduzir os em outras circunstâncias. Envolve, primariamente, a uti-
riscos de baixo débito cardíaco e de má perfusão dos lização dos inibidores da enzima de conversão da angio-
órgãos nobres, como cérebro e rins. E m geral, adminis- tensina (IECA). O representante dessa classe mais dispo-
tram-se 2mL/ kg/h durante o procedimento cirúrgico, nível nos hospitais públicos é o captopril (6,25mg a 25mg,
visando repor as perdas insensíveis, e 3ml para cada ml VO, duas a quatro vezes ao dia, com aumento da dose con-
de sangue perdido no ato operatório . O volume a ser forme a toleráncia; máximo de 150mgldia). Nos casos de
administrado no primeiro dia de pós-operatório é de intolerância ao excesso de bradicinina (angioedema e tosse)
aproximadamente 30mL/ kg a 35mL/ kg. A observação desencadeado por essas medicações, podem-se empregar
atenta dos dados vitais, como pressão arterial, freqüên- os antagonistas do receptor Al da angiotensina II, com
cia cardíaca, volume urinário e ausculta pulmonar, auxi- benefício bastante semelhante. Entre essas drogas, cita-se,
lia na definição da volernia adeguada. Por fim, ainda que por exemplo o valsartan (40mg, duas vezes ao dia, com
não existam estudos conclusivos acerca deste tema, o aumento da dose conforme a tolerância; máximo de
acompanhamento da pressão venosa central, medida em 320mgldia). No inicio do tratamento, mostram-se tão ou
acesso venoso central (veia subclávia ou jugular interna), mais imponantes os diuréticos de alça, administrados
representa medida de grande utilidade na condução idealmente por via venosa (p.ex., furosemida, 20mg a
desses casos 11 • 40mg, duas a quatro vezes ao dia). Em pacientes com dis-
função ventricular sistólica mais grave e, principalmente,
na vigência de taquiarritmias supraventriculares (p.ex.,
Quadro 54.5 .: Contra-indicações para o uso de tromboliticos fibrilação atrial FA com resposta ventricular elevada), a
--------------------------------------------··
Absolutas • associação de digitálicos, inicialmente injetáveis Qanatosí-
Hemorragia interna ativa deo C, 0,2mg a 0,4mg, EV, a cada 12 ho ras) e, em segui-
Suspeita de dissccçio aórtica da, via o ral (digoxina, 0,25mgldia, ajustando-se o nivel
Diagnóedco atual de neopbsia intraer:miana sérico posteriormente), auxilia no alivio dos sintomas.
Acidente wsc:ular encefático hcmomigjco prmo (qualquer Nesses casos, sobretudo se a fração de ejeção de ventrí-
momento); outros acidentes vasculares encefálicos ou eventos
culo esquerdo estiver abaixo de 35% , a utilização de
vuc:ulares cerebrais no periodo prévio de um ano
antagonista da aldosterona (p.ex., espiro no lactona,
Relativas
25mgldia) parece melhorar a sobrevida em longo p razo.
Pressio arterial superior a 180/ 1t OmmHg na admissio Po r também contrib uírem para o aumento da sobrevida,
Hipenensio arterial sistólica grave crônica
os betabloqueadores (carvedilol, metoprolol ou bisopro-
Acidente vascular c:nccaJico ou qualquer doença intracraniana prévia
Trauma recente (duas a quatro semanas) ou operaçio de grande lol) devem ser associados apenas posteriormente.
porte (aà semanas) Contudo, em pacientes com insuficiência cardiaca co n-
Massagan cardlaca externa por mais de 1Ominutos gestiva predo minantemente diastólica e nos coronariopa-
Punções vuculares ni<H:ompressiveis tas (desde que não haja disfunção sistólica grave), os
Hemorragia interna recente (duas a quatro semanaa)
betabloqueadores estão indicados desde a fase inicial.
Para estreptoquinase ou anistreplase: exposiçio prma (entre
cinco diaa e um ano) ou reaçio alérgica conhecida (usar r-TPA)
Nessas duas últimas condições, o propranolol poderia
Diátese hemorrágica conhecida ou uso atual de anricoagulante ser utilizado 11• 14 •
{RNI >2-3) Os pacientes que cursam com choque cardiogênico ou
Gravidez edema agudo de pulmão deverão ser tratados em centro de
Úlcera terapia intensiva, recebendo inotrópicos cardíacos (p.ex.,
dobutamina, 2,5mg/kg/min a 20mg/kg/min), vasodilata-
r-TP A - ativador do plasminogênio tccidual rccombinado dores (p.ex., nitroprussiato de sódio e/ ou nitroglicerina)
ou, às vezes, vasoconstritores (p.ex., dopamina,
Smg/kglrnin a 20mglkglmin, ou noradrenalina,
4mg/min a 80mglmin). Essas medicações poderão ser

666
Capítulo 54 .: Complicações cardiovasculares

••
combinadas conforme a necessidade. Faz-se necessária a O tromboembolismo pulmonar raramente se manifesta
monitorização eletrocardiográfica conónua, assim como com edema agudo de pulmão. Dependendo da fase do
das pressões intra-arterial e venosa central. A utilização do edema em que o diagnóstico é realizado, o paciente pode
cateter de artéria pulmonar (Swan-Gan z) auxilia no trata- apresentar B3, crepitações grossei ras em todo ou em parte
mento dos pacientes mais graves e de dificil controle clini- dos campos pulmonares, clispnéia mai ou menos intensa,
co. Por fim, em alguns casos de choque carcliogên.ico asso- às vezes, com eliminação de secreção rósea espumosa, ópi-
ciado a infarto agudo do miocárclio, a utilização do balão ca de congestão pulmonar grave. Em alguns casos pode
intra-aórrico de contra-pulsação, aliado à revascularização ocorrer parada cardiorrespiratória.
precoce, reduz a mortalidade, principalmente de pacientes
com menos de 75 anos de idade. Todas as condutas deve- Quadl"o 54.6 .: Diagnóstico diferencial de dispnéia no pós·
rão ser tomadas considerando-se que o paciente se encon- operatório
tra em pós-operatório, ou seja, sem perder de vista as pecu- ----------------------------------------------··
CaiiW Canllacas
liaridades desse
Insu6ciência cardlaca
Infarto agudo do miocárdio
Angina instável
Edema agudo de pulmão Crise hipcrtcnsivs

Causas pulmonares
Aspectos gerais Pneumonite de asp1ração
Pneumonia
O edema agudo de pulmão consti tui importante com- Tromboembolismo pulmonar
plicação pós-operatória, com incidência gue varia con- Embolia gordurosa
Crise asmática
fo rme a condição clfnica p révia do paciente e o tipo de
Doença pulmonar crônica
operação. Sua incidência tem va riado de 0,2% a 7,6%, Sí1tc.lrun1t: du Uc.:::,t..:unfonu rt:spiríltC:Jriu agudu
com mortalidade de, aproximadamente Além do MisceJânca
edema agudo do pulmão, diversas condições podem Anemia
levar à dispnéia (Quadro 54.6). A definição da etiologia
Ansiedade
da disfunção respiratória é essencial para a abordagem Edema de pulmio neurogênico
adequada do paciente. A possibilidade de isquemia car- Insuficimcia pós-transfusio
Hipertensio porta com ascitc:
díaca deve ser sempre considerada.
Sepse
O edema agudo de pulmão de origem carcliogênica Desnutriçio
ocorre mais comumente em pacientes com disfunção car-
diaca prévia. Sobrecarga hídrica é, provavelmente, o meca- •
nismo desencadeador mais fregüente. AJguns casos de ··----------------------------------------------
edema agudo de pulmão podem estar relacionados à isguc-
mia miocárdica, com ou sem dor torácica associada. r essas a radiogra fia de tórax propedêutica observam-se
circunstâncias, observa-se edema de início súbito, denomi- sinais de congestão pulmonar, às vezes com o aspecto de
nado flash edema, o qual se deve, principalmente, à disfun- " pulmão bran co", além de aumento mais ou menos inten-
ção cliastólica. A maioria dos pacientes encontra-se com so do ínclice carcliotorácico. O eletrocardiograma pode
níveis pressóricos arteriais elevados durante episódio de mostrar sinais de sobrecarga ventricular esguerda, altera-
edema agudo de pulmão. Porém, o mais comum é a hiper- ções isguêmicas e arritrnias. Observam-se comumente
tensão traduzir a descarga simpática intensa desencadeada inversão de onda T, gue pode se apresentar com amplitutc
pela clisfunção respiratória, sendo, portanto, secundária ao negativa muito aumentada c aumento do intervalo QT ".
edema e não a causa deste. Entretanto, descontrole de Via de regra a gasometria arterial revela hipoxemia, poden-
hipertensão arterial previamente existente pode ocorrer no do haver retenção de co2nas fases ta rdias. o ecocardio-
pós-operatório, sendo relacionado, po r exemplo a dor grama auxilia na caracterização da disfunção cardiaca,
intensa ou a rebote causado pela interrupção abrupta de revelando alterações como disfunção sistólica (global ou
simpaticolfticos (p.ex., betablogueadores, alfa2 agon.istas). segmentar), disfunção diastólica e valvulopatias.

667
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
Tratamento ção da res istência vascular sistêmica e, consegüente-
mente, diminuição da pós-carga para o ventrículo
O tratamento inicial do edema agudo de pulmão esquerdo. Essa droga é utilizada em doses iniciais de
envolve a colocação do paciente em posição sentada,
2,5mg/ kg/ min, com doses máximas de 20mg/ kg/min,
idealmente com as pernas pendentes e a administração
de acordo com a necessidade e a resposta clínica.
de oxigênio suplementar, sob o maior fluxo possível,
Após a resolução do guadro, o controle do balanço
objetivando-se alcançar saturação de Oz acima de 90%.
hídrico do paciente deve ser feito de fonna bastante rigo-
Às vezes, é necessária ventilação não-invasiva com
rosa, procurando-se estabelecer as causas do edema agudo
pressão positiva e, se essa modalidade não for suficien-
de pulmão. A realização do ecocardiograma poderá auxiliar
te, intubação orotragueal. Entre os medicamentos
na caracterização da função cardíaca, assim como na deter-
administrados, utiliza-se habitualmente diurético de
alça (p.cx., furosemida, 40mg, EV, bolus, com aumento minação de eventuais déficits de contratilidade segmenta-
da dose conforme a respos ta), nitratos por via sublin- res, sugestivos de
gual (sobretudo se houver suspeita de isgucmia miocár-
dica) ou opióidcs (p.ex., morfina, 2 a 4mg, EV, poden-
Crise hipertensiva
do ser repetida após cinco a dez minutos) . As duas últi-
mas medicações causam dilatação predo minante do Aspectos gerais
território ve noso, aumentando a capacitância venosa e
redu zindo o retorno venoso e o consumo de oxigênio Considera-se crise hipertensiva a elevação rápida e
pelo miocárdio. A morfina adicionalmente alivia a dor inapropriada, intensa e sintomática (pa ra alguns auto-
e reduz a ansiedade, causando, por conseguinte, dimi- res poderia ser assintomática) da pressão arterial, com
nuição da pressão arterial. A furosemida produz vaso- risco de deterioração de órgãos-alvo da hipertensão,
dil atação venosa inicial, seguida de ação diurética gue com o u sem risco de vida imediato. Habitualmente, os
ocorre, aproximadamente, 30 minutos após a sua admi- níveis da pressão arterial diastólica encontram-se acima
nistração. de 120mmHg. Deve-se salientar, entretanto, que o
Os pacientes gue não respo ndem à terapia inicial maior dete rm inante da crise é a velocidade de aumento
devem ser submetidos a tratamento com vasodilatado- da pressão arterial e não o seu valor. Pacientes previa-
res injetáveis, idealmente sob monitorização da pressão mente normotensos e gue apresentem elevação acele-
intra-arterial. Essas drogas reduzem a pré e a pós-
rada da pressão arterial, como as ges tantes com doen-
carga, permitindo a titulação das doses conforme a res-
ça hipertensiva especí fica da g ravidez e os pacientes
posta apresentada pelos pacientes. Entre os mais utili-
com glomerul o nefrite rapidamente progressiva, podem
zados, cita-se o nitroprussiato de sódio (dose inicial de
desenvolver crise rupertensiva com pressão diastólica
O,Smg/ kg/ min) e a nitroglicerina (dose inicial de
entre l OOmmHg a 110mmHg18 •
Smg/ min). O nitro prussiato é mais indicado quando se
A crise hipertensiva pode ser de urgência hiperten-
objetiva, principal mente, reduzir a pós-carga, ou seja, a
siva e de emergência hipertensiva. o primeiro caso,
resistência à e jeção ventric ular esguerda. A nitrogliceri-
na, por sua vez, age predominantemente no leito veno- não há lesão corrente dos órgãos-alvo (coração, pul-
so e coro naria no, mostrando-se ideal para pacientes mões, rins e cérebro), não há risco de morte iminente,
coronariopatas, sendo comumente associada ao nitro- e os níveis pressó ricos devem ser reduzidos no interva-
prussiato. Esses vasodilatadores são progressivamente lo de algumas horas. Por sua vez, as emergências hiper-
substi tuídos por drogas administradas por via o ral, à tensivas são definidas pela presença de lesão corrente
medida que ocorre melhora clínica. de órgãos-alvo, com risco de morte iminente, exigindo
Em pacientes com disfunção sistólica predominan- redução imediata da pressão arteri al, o que deve ser
te de ventrículo esguerdo, podem ser utilizados agentes o btido em minutos. Alguns exemplos de emergência
inotrópicos positivos, como a dobutamina e os inibido- hipertensiva são edema agud o de pulmão, isquemia
res da fos fodiesterase (p.ex., milrinone). A dobutami- miocárdica, acidente vascular encefálico, encefalopatia
na, mais freqüentem ente utilizada, apresenta ação ino- hipertensiva, insuficiência renal aguda, anemia hemoli-
trópica e cronotrópica positiva, causando ainda red u- úca microangio pática e eclâmpsia.

668
Capítulo 54 .: Complicações cardiovasculares

••
A elevação da pressão arterial pode ocorrer secun- redução máxima tolerável d a pressão arterial,
dariamente à dor, à ansiedade, ao desconforto, ao po rém mantendo valores compatíveis com perfusão
estresse físico o u emocio nal. Esses casos são denomi- tecidual adequada (o bservando-se, por exemplo, o
nados pseudocrises hipertensivas e são comuns no estado neurológico e o déb ito urinário);
pós-operatório, não ocorrendo lesão de órgãos-alvo. • pacientes com acidente vascular encefálico isquêmico
Observa-se melhora do quadro com a administração devem ser tratados apenas se a pressão arterial for
de medicamentos que tratam os fatores desencadean- maio r que 220/120mmHg, exceto quando há edema
tes, a exemplo de analgésicos e ansiolíticos. No pós- agudo do pulmão, dissecção de aorta ou isquemia mio-
operatório imediato ao término do efeito dos anes tési- cárdica associada;
cos, notadamente dos opió ides observa-se, com fre-
• pacientes com acidente vascular encefálico hemorrá-
qüência, desconforto, com descarga adrenérgica, taqui-
gico intra-parenquimatoso devem ser mantidos com
cardia e elevação dos níveis pressóricos. I a maioria
pressão arterial sistólica menor que 160mmHg e pres-
dos pacientes com pseudocrise hipertensiva, o uso de
são arterial diastólica menor que 11 OmmHg (média -
anti-hiper tensivos mostra-se dispensável. Vale lembrar
110mmHg a 130mmHg);
que, independentemente de sua causa, a elevação pres-
• pacientes com acidente vascular e ncefáli co
sórica intensa pode contribuir para a descompensação
hemorrágico sub-aracnóideo devem ser mantidos
clínica nos pacientes com doença cardiovascular pré-
via. Além disso, pacientes previamente hipertensos com pressão arteria l sistólica menor que 180mmHg
devem, assim que possível, voltar a receber a terapia e pressão arterial diastólica menor que 110mmHg
an ti-hipertensiva habituaJI 9 • (média - 130mmH g a 140mmHg).
D entre as medicações utilizadas na urgência hipertensi-
va, destacam-se o captopril (6,25mg/dose a 25mg/dose,
Tratamento repetido após 20min a 30min; droga de escolha), a clonidi-
O tratamento da urgência hiperten siva é feito com na (0,1mg/dose a cada hora, máximo de 0,7mg) e o pro-
drogas orais enquanto as emergências exigem a utilização prano lol (20mg/dose a 40mg/dose, principalmente nos
de medicamentos injetáveis e, idealmente, de doses titu- pacientes com rebote causado pela interrupção ab rupta
láveis, em bomba de infusão contínua. D eve-se reduzir a de betabloqueadores). D eve-se evitar o uso de nifedipina
pressão arterial por etapas, geralmente entre 20% a 25% de liberação rápida (sublingual ou por via oral), devido à
na primeira hora ou objetivando-se pressão arterial dias- imprevisibilidade de ação dessa droga. O ptando-se por
tólica em torno de 100mmHg a 110mmHg. Valem algu- usá-la, recomenda-se diJ ui r o conteúdo da cápsula numa
mas observações: seringa com 10mL de água bidestilada (1mg/mL) e admi-
• pacientes idosos, aqueles com hipertensão arterial nistrar entre 3mg e 4mg por vez.
crônica e os com vasculopatias degenerativas (coroná- As emergências hipertensivas devem ser tratadas em
ria, cérebro-vascular), toleram mal hipotensão. estes ambiente de terapia intensiva, com moni torização contínua
pacientes deve-se proceder à redução da pressão arterial da pressão intra-arterial As medicações mais utilizadas nes-
de forma ainda mais cuidadosa; ses casos são o nitroprussiato de sódio (dose inicial de
• pacientes podem apresentar hipovolemia secundária, O,Smg/kg/min), nitroglicerina (dose inicial de Smg/min), a
por exemplo à natriurese pressórica. Hipotensão postu- furosemida venosa (40mg/dose, podendo ser repetida
ral constitui forte indício de sua presença. esses casos, conforme a necessidade), betabloqueadores venosos titulá-
pode haver redução exagerada da pressão arterial com o veis (p.ex., esmolo!) e hidralazina venosa (principalmente
uso de vasodilatadores; em gestantes). A indicação de cada medicamento ocorre de
• pacientes com edema de papila podem apresentar acordo com a condição clínica. Pacientes coronariopatas
amaurose se hou ver redução abrupta da pressão devem ser preferencialmente tratados com betabloqueado-
arterial; res, nitroglicerina ou nitroprussiato, muitas vezes em asso-
• pacientes com insu ficiência ventricular esquerda, ciação. Pacientes com edema agudo de pulmão, sem coro-
dissecção aguda de aorta ou isquemia miocárdica nariopatia, por sua vez, deverão receber nitroprussiato e
devem ser tratados de forma mais vigorosa, com furosemida. a maioria dos pacientes com manifestações

669
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
neurológicas, a primeira opção, em nosso meio, tem recaí- A idade representa o principal fator relacionado ao
do sobre o nitroprussiato de sódio 19• desenvolvimento de fibrilaçào arriai no pós-operatório de
cirurgia geral. Em pacientes submetidos a operação car-
diaca, além da idade elevada, o sexo masculino, a história
Arritmias cardíacas de fibrilaçào atrial, a presença de hipertensão arterial e a
insuficiência cardiaca congestiva são considerados fatores
As bradiarritmias potencialmente graves ocorrem no
de risco independentes dessa arritmia. Dessa forma, con-
peroperatório de aproximadamente 6,4% dos pacientes
siderando-se exclusivamente pacientes idosos, a fibrilação
com classificação ASA (American A.rsociation of
arriai ocorre no pós-operatório de até 20% das operações
Anesthe.riologists) 3 e 4. Entretanto, na maior parte dos
torácicas e de 30% das cardiacas.
casos, observa-se boa resposta ao tratamento farmacoló-
A prevenção de fibrilação atrial no pós-operatório
gico ou ao uso tempo rário de marcapasso cardiaco
pode ser feita com administração de betabloqueadores,
transesofágico, transcutâneo o u, menos comumente,
sotalol ou amiodarona. A menos que haja hipomagnese-
tran svenoso. As arritrnias ventriculares são mais raras,
mia, a administração rotineira de magnésio não se mostra
notadamente se considerarmos a taquicardia ventricular
benéfica nos pacientes submetidos a operação cardiaca. A
sustentada (duração maior do que 30seg). Cerca de 15%
decisão sobre o uso dos anti-arrítmicos baseia-se no tipo
dos pacientes submetidos a operação torácica não-cardia-
de procedimento cirúrgico (mais indicados nas operações
ca apresentam algum episódio de taquicardia ventricular
cardiacas) e nas características do paciente (sobretudo em
(três ou mais batimentos ectópicos ventriculares sucessi-
sua idade). O tratamento envolve a utilização de drogas
vos), quando monitorizados continuamente por 96 horas
para controle do ritmo e/ ou da freqüência cardiaca,
no pós-operatório. E studos clinicas têm evidenciado
havendo tendência para se prio rizar o último (Figura
taqLÚcarclia ventricular sustentada em 0,5% a 1% dos
54.3). Isso porque alguns estudos recentes não mostraram
pacientes no pós-operatório de operações eardiacas.
benefício da manutenção do ritmo sinusal, notadamente
Lidocaina e amiodarona não previnem tais episódios20•
se isso se faz às custas de doses elevadas e potencialmen-
As taquiarritrnias supraventriculares são mais comuns
te tóxicas de anti-arrítrnicos. os pacientes que persistem
no pós-operatório. Ocorrem, por exemplo em 2% a 6%
com fibrilação atrial após 24 a 48 horas, é necessário o uso
dos pacientes, respectivamente, no per e no pós-operató-
de anticoagulação, inicialmente com heparina e, após a
rio de operações torácicas não-cardiacas. O pico de inci-
alta, com warfarin. Um inibidor direto da trombina, o
dência das arritmias supraventriculares encontra-se no
ximelagatran, tem-se mostrado promissor no controle da
segundo e terceiro dias pós-operatórios. Os tipos mais
anticoagulação em longo prazo, dispensando ajuste de
comuns são a taquicardia paroxistica supraventricular e a
dose e controle regular com coagulograma21•
fibriJação atrial. Cerca de 85% dos casos respondem às
estratégias de controle de ritmo e/ ou de freqüência car-
diaca empregadas durante a hospitalização, e 98% dos Outras complicações cardiovasculares
pacientes apresentam ritmo sinusal dois meses após a alta
do pós-operatório
hospitalar. A despeito do bom prognóstico dessas arrit-
mias, os pacientes que mantêm fibrilação atrial persistem Outras complicações que envolvem o sistema cardio-
com risco aumentado de acidente vascular encefálico. vascular podem ocorrer no pós-operatório. Entre elas,
Além disso, a ocorrência de fibrilação arriai no pós-opera- citam-se a trombose venosa profunda, o tromboembolis-
tório aumenta o tempo e o custo da internação hospitalar. mo pulmo nar e o acidente vascular encefálico.

670
•••
Capitulo 54 .: Complicações cardiovasculares

-------------------------------------------------------------------------------------------------·:
ITaquicardia paroxíscica supra ventricular I
ou FA (< 24h de duração)
I
I I
Controle de freqüência (< IOObpm) com
I nstabilidadc hemodinâmica, angina Conversão espontânea
diltiazen, verapamil ou bembloqueador
ou sfndrome de pré-excitação da fibrilação
endovenoso*
I
I I I
l Cardioversão elétrica J l Fibrilaçào atrial com
24-48h de= duração
I lFibrilação com > 48h
de duração

I I
I Considerar heparina
em doses plenas
l Anticoagulaçào com heparina;
iniciar warfarin se não houver r---
Contra-indicações
à anticoagulação
contra-indicações
_l
I
Com evidências de
l
Sem evidências de
I
Considerar cardioversào elé·
I
Considerar
doença estrutural doença estrutural trica após quatro semanas de cardioversào clé·
cardíaca h cardíaca warfarin trica guiada por
ccocardiograma
I I
lbudlidc cndovenoso;
transesofágico

dose única de flecainidc


Amiodarona
ou propafenona via
oral; amiodarona

• \ TPSV responde :i adenosm1 em aproXJmadameme 4()0/o dos


• • Defimda pc.la pre54:nça de UM dos hipenrofia ventncul:ar doença \·alva r mural. ICC ou ckxnç41 anenal coron.anana


··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 54.3 .: Condução de taquicardia supravcmricular no pós-operatório
F A - fibri laçào arriai
TPSV - taquicardia paroxfstica supraventricular

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• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

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672
55
COMPLICAÇÕES
RESPIRATÓRIAS

•• •
J osé de Freitas Teixeira Junior,
Cláudia Myriam Amaral Bo telho

Introdução oxigenadas, o gás carbônico produzido seja eliminado e o


pH interno se mantenha estável, sob demandas metabóli-
As complicações pulmonares pós-operatonas devem cas variadas. P ara isso, é necessário que a ventilação e a
ser entenclidas como qualquer anormalidade pulmonar que perfusão sejam suficientes, proporcionais e bem distribuí-
ocorra no período pós-operatório e que produza disfunção das em ambos os puJmões. No período perioperató rio
ou doença identificável, clinicamente relevante, contribuin- existem alterações fi siopatológicas que podem evoluir
do desfavoravelmente na evolução do curso clínico em para complicações, tanto nos pacientes previamente
questão 1• A compreensão desse conceito é fundamental saclios quanto nos de risco. O conhecimento dos fa tores
para que se delimite o espectro dessas complicações e se que aumentam a probabilidade de complicações e das
entenda - em razão dos cliferentes critérios empregados na alterações envolvendo volumes puJmonares, trocas gaso-
conceituação - a enorme variação registrada na literatura sas, padrão ventiJatóri o, mecanismos de defesa do sistema
quanto à incidência de complicações (5% a 80%). respirató rio (além do conhecimento das alterações rela-
Na prática méclica contemporânea verifica-se grande cio nadas à anestesia e ao procedimento cirúrgico) permi-
número de proceclimentos cirúrgicos complexos realizados te a instituição de medidas profiJáticas que reduzam a inci-
em popuJações de alto risco, em circunstâncias algumas dência dessas complicações no pós-operatório.l- 5.
vezes desfavoráveis. Ainda que tenham ocorrido grandes As operações torácicas e abdominais podem determinar
avanços nos cuidados pré, per e pós-operatórios desses restrição pulmonar. Observa-se red ução de todos os volu-
pacientes, sabe-se q ue as complicações pulmonares pós- mes e fluxos pulmonares, que se inicia na indução anestési-
operatórias são a principal causa de morbidade e mortalida- ca e pode persistir por até duas semanas. A capacidade resi-
de entre aqueles submetidos a procedimentos cirúrgicos. dual funcional (CRF, volume pulmonar de repouso após
Além clisso, determinam aumento da permanência hospita- expiração fisiológica) sofre diminuição de 15% a 20% só na
lar, dos recursos materiais e humanos e, conseqüentemen- indução anestésica. As causas para essa alteração são redu-
te, dos custos. Estima-se que as co mplicações pulmonares ção do tô nus muscuJar, rearranjo da mecânica do sistema
estejam relacionadas a 24% de todas as mortes ocorridas pulmão- caixa torácica- abdome e prováveis reflexos ini-
até o sexto clia pós-o peratório 2• bitórios neurais sobre o cliafragma a partir da marupuJação
de vísceras. A redução de volume se acompanha de aumen-
to na resistência das vias aéreas e climinuição na complacên-
Alterações pulmonares relacionadas à cia pulmonar, conclições que se acentuam durante opera-
anestesia e ao procedimento cirúrgico ções com anestesia insuficiente o u nas doenças com obs-
trução do fluxo aéreo (doença pulmonar obstrutiva crôni-
A principal função dos pulmões é manter troca gasosa ca, bronquiectasias, asma). A capacidade de oclusão (ou
adequada, de modo que as estruturas celulares sejam bem volume de oclusão, closing capaci!J, CC) refere-se ao volume

673

••
Fundament os em Clínica Cirúrgica

do pulmão quando as pequenas vias aéreas começam a se durante a anestesia e no pós-operatório, favorecendo a for-
fechar durante a expiração; habitualmente, é pouco mação de atelectasias e hipóxia (Figuras 55.1, 55.2 e 55.3).
maior que o volume residual (VR) e bem menor que a As vias aéreas superiores e inferiores de maior calibre
CRF. Toda condição que reduza a CRF em relação à CC têm na tosse o mecanismo de remoção de partículas e de
e/ ou aumente a CC em relação à CRF pode converter defesa; já as pequenas vias aéreas dependem do transporte
áreas de ventilação fisiológica em áreas de baixa ventila- mucociliar; os alvéolos contam com os macrófagos, a dre-
ção em relação à perfusão (V/ Q < 1) ou áreas de atelec- nagem linfática e o clearance mucociliar. Esses mecanismos
tasia (V = 0) . A movimentação do diafragma no decúbi-
de defesa do aparelho respiratório estão comprometidos
to dorsal e sob anestesia também se encontra alterada,
no período perioperatório3-5.
favorecendo desequilibrios na relação ventilação/ perfu-
são, ao ventilar pior áreas mais perfundidas (V / Q < 1)
ou, ao contrário, ao aumentar o espaço morto Fatores de risco relacionados
(Q =O, V/ Q::: oo). A relação V/ Q também pode ser afe-
tada pela redução da resposta à hipóxia (incluindo a res- aos pacientes e às operações
posta vasoconstritora pulmonar) e à hipercapnia. Diferentemente das complicações cardíacas relacio-
A ventilação-minuto é mantida nas primeiras 24 horas
nadas às operações - ainda que mais freqüentes - consta-
de pós-operatório à custa do aumento da freqüência respi-
ta-se flagrante escassez de estudos metodologicamente
ratória, pois o volume corrente (Vq também se encontra
reduzido. Resíduos metabólicos de anestésicos e analgési- adequados para avaliar a p erjor!Jlance de variáveis pré e
cos opióides podem determinar hipoventilação com insufi- peroperatórias na predição de complicações pulmonares
ciência respiratória. Os suspiros- cerca de 10 inspirações pós-operatórias"-8 • Revisão sistemática da literatura em
profundas/hora que visam a abertura das pequenas vias língua inglesa (.MEDLINE, 1966 a 2001) encontrou ape-
aéreas de regiões pendentes do pulmão - estão abolidos nas sete estudos considerados adequados3 •

o
--------------------------------------------------------------------------------------------··•

Posição cirúrgica/
deslocamentos
Paralisia
Indução anestésica (0,5 L)
Posição supina (0,8 a 1 L)


··--------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 55. 1 .: Reduções perioperatórias dos volumes pulmonares de acordo com a localização da operação e fatores associados
Pab = pressão abdominal

674
•••
Capítulo 55 .: Complicações respiratórias

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------··•
\'/q 11

E!:Ç]
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0 ,5

O Sadoo Obcsodadc O POCaa OPOC"


Gra\'idc.z TabawJmo
Decúbito Edema puJmonar
Dor
Anestesia

··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 55.2 .: Comportamento da CRF (Capacidade Residual runcional), da CC (Capacidade de Oclusão, Capariry) c suas interrela-
çõcs no individuo consciente c anestesiado, no sadio e em situações patológicas (na obesidade, na DPOC com prcdominància de bronquite
(BR) e de enfisema (EN) e na associação de fatores, p. ex., obesidade e DPOC EN )V - ventilação; Q - pcrfu sào.

-----------------------------------------------------------------------------------------------------------··•
Oper:tçõcs abdominais altas

Udefesas

- - -- - - -- -- -- -i desequilibrio V/ Q


··-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Figura 55.3 .: Mecanismos fisiopatológicos das alterações p ulmonares pcrioperatórias (adaptado de Fo ltz e Bcnumo f '

675
.. --------------------------------------------------------------
• Fundamentos em Cllnica Cirúrgica

Algumas variáveis são intuitivas enquanto o utras não prudente ad mitir o obeso mórbido como candidato a
são tão evidentes, co mo mostra o Quadro 55.1. complicações pulmonares pós-operató rias.
Tabagismo é fator de risco há muito co nhecido e
indcpcndc da presença concomitante de doença pulmo-
Quadro 55.1 .: Fatores de risco relacionados ao paciente c aos nar obstrutiva crô nica. O hábito de fuma r enco ntra-se
procedimentos
associado ao aumento da secreção brônquica e depressão
Relacionados ao pacient e
do clearance mucociliar. Pacientes submetidos a revascula-
Doença pulmonar crônica, sibilos, tosse
rização miocárdica apresentaram redução do risco de
Tabagismo arual ou inferior a o ito semanas complicações (quatro vezes) com a interrupção do taba-
Estado geral de saúde gism o pelo menos dois meses antes da o peração.
Obesidade, lMC > 27,5 Kg!m2 Doença pulmo nar crô nica sintomática constitui-se
Idade superior a 70 anos
em fator de risco para complicações pulmo nares pós-
Relacionados ao procedimento
operatórias em procedimentos de alto risco. Sibilos, ron-
Local da incisio cirúrgica
Duração da operação
cos, expiração prolongada têm sido associados a aumen-
Ti de anesteSia to de até 5,8 vezes no risco dessas complicações.
Tipo de bloqueio neuromuscular Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica apre-
Cateter nasogástrico sentam risco aumentado de co mplicações pulmonares
pós-operató rias, possivelmente associado à gra,·idade da
··----------------------------------------------
doença. Não existe nivel proibitivo na função pulmonar
no caso de necessidade de tratamento cirúrgico .
A idade avançada não foi capaz, por si só, de predizer Aumento na P C0 2 não excl ui pacientes de o perações de
o risco pós-operató rio em pacientes co m doença pulmo- alto risco, po rém é necessária cuidadosa observação da
nar obstrutiva crô nica grave. esse caso, a doença pul- troca gasosa no peroperató ri o.
monar pode ter sido um fator muito poderoso tendo Estado geral c nutricional são fatores relevantes, parti-
" mascarado" o efeito da idade, que pode constituir risco cularmente em pneumopatas. Condições nutricionais com-
relevante naqueles pacientes sem doença pulmo nar prometidas podem resultar em depressão da resposta ven-
importante. esse grupo, o idoso é particularmente vul- tilató ria, fraqueza da musculatura respiratória, cicatrização
nerá,·el à perda do recolhimento elástico e ao aumento na inadequada, dificuldade no desmame do ventilador. abe-
capacidade residual funcio nal co m oclusão precoce das sc que a suplementação nutricional pode reverter, ao
vias aéreas, bem como a distúrbio ventilação-perfusão e m enos em parte, essas alterações. Ainda que não existam
hipoxemia, sobretudo em posição supina. A idade é fato r evidências irrcfu táveis, é consenso a impo rtância da avalia-
de risco não-suficiente, isoladamente, para a contra-indi- ção e da terapia nutricio nal nesse grupo de pacientes.
cação absoluta a procedimentos cirúrgicos. A classifi cação ASA (A 111erican Society of
Obesidade está associada a diversas alterações da Anestbesiologisls) correlaciona-sc com estado geral do
fisiologia respirató ria. A capacidade pulmo nar total, a paciente, sendo de utilidade na avaliação dos fatores de
capacidade residual funcional e a capacidade vital encon- risco para complicações pulmonares pós-operatória .
tram-se reduzidas. Observa-se aumento do trabalho res- O uso de tubos endotraqueais c a baixa umidade asso-
piratório decorrente da perda de tecido elástico, aumen- ciada aos gases anestésicos deprimem a atividade muco-
to da resistência da parede torácica c das vias aéreas supe- ciliar, além de modifi car as propriedades reológicas do
riores, além da necessidade aumentada de eliminar dióxi- muco, tornando-o mais seco. E ssas condições relacio-
do de carbo no. ll ipoxcmia, alargamento do gradi ente nam-se à duração do ato o peratório, podendo persistir
alvéolo-capilar e desequilíbrio de ventilação/ perfusão por até seis dias. A ausência ou redução da tosse e da ins-
são alterações freqüentemente observadas. Obesidade piração profunda resulta na retenção de muco nas vias
leve a moderada não aumenta significativamente o risco aéreas, co ntribuindo para o aparecimento de atelectasia
cirúrgico, entretanto deve-se considerar a concomitància lobar ou segmentar.
eventual de hipertensão arterial sistêmica c demais doen- Quanto mais próxima ao diafragma fo r a incisão cirúr-
ças associadas. Ainda que a literatura seja co ntroversa, é gica, maio r a red ução da função pulmo nar no pós-opera-

676
•••
Capítulo 55 .: Complicações respiratórias

tório. A expiração é um processo passivo, mas o aumen- a intubação seletiva de um brô nquio durante a o peração
to da resistência das vias aéreas (doença pulmonar obstm - são causas conhecidas de redução da P Oz.
tiva crônica, p. ex.) faz com que seja utilizada a muscula- T ubo endotraqueal com secreções, vapor d'água,
tura da parede abdo m inal superior. Operação realizada dobras ou compressões, apa rato ventilatório, anestesia
em parede abdo minal superio r determina disfunção dia- o u analgesia insuficien tes, além das reduções volumétri-
fragmática- inibição reflexa- que não pode ser atribuida cas o bservadas, são fatores que determinam o aumento
exclusivamente à dor. As operações associadas ao au men- da resistência no sistema respiratório, favo recendo qual-
to do risco de complicações pulmonares em o rdem q uer tendência ao colapso elas unidades respiratórias.
decrescente de freq üência são: o peração torácica com res- Alterações cardiovasculares (edema pulmonar, redu-
secção pulmo nar, operação torácica sem ressecção pul- ção do débito cardíaco com aumento absolu to o u relati-
mo nar (coronárias, p. ex.), o peração no abdome superio r, vo do consumo de oxigênio) favorecem a redução da
procedimento cirúrgico no abdo me inferior, operações CRF e a hipoxemia.
fo ra do tórax e abdome. As alterações m ecânicas próprias do período perio pe-
Tempo anestésico superior a três horas é considera- ratório, associadas o u não a fa to res de risco, vão determi-
do fator de risco para complicações pulmonares pós- nar as relações entre a C RF e a CC, esta belecendo, em
operatórias. ão está claro se o risco aumentado se rela- última análise, se uma unidade respiratória será normo-
cionari a à anestesia po r si só o u estaria vinculado a pro- ventilada, hipoventilada 01 / Q baixa) o u não-ventilada
cedimentos cirú rgicos complicados e prolongados. O (atelectasias/efeito shmtl) c, conseq üentemente, a exis-
tipo de anes tesia (geral o u espinhal) não parece in terferir tência e a intensidade da hipóxia.
na incidência dessas complicações. A utilização de blo- A PC02 (pressão arterial de gás carbô nico) habitual-
queador neu.romuscular de longa d uração com efeito mente, eleva-se discretamente naqueles pacientes que já
resid ual aumentado (pa ncurônio) está relacionada ao seu eram retentores de co2 antes do procedimento cirúrgi-
au mento em até três vezes, quando se compara ao uso de co. os demais casos, a hipercapnia é observada quando
bloqueado res de curta d uração. Esse medicamento deve há hipoventilação, aumento do espaço morto ("desperdí-
ser evitado nos pacientes de risco pulmo nar aum entado. cio" de ventilação, p. ex., por abuso da PEEP), redução
O uso de cateter nasogástrico no pós-operatório foi da perfusão (ligaduras, estreitamentos vascuJ ares, trom-
considerado fator independente para predizer complica- boembolismo pulmonar, diminuição da pressão arterial
ções pulmonares '. Interrrogou-se se o cateter não seria pulmonar no choque, p. ex.) o u por aumento da produ-
apenas " mar cador" de o peração com incisão em parede ção de co2 desproporcional à ventilação (catabolismo
abdo minal superio r. Entretanto essa relação permaneceu exagerado, fe bre, calafrios) 15 .
significativa em análises m ultivariadas, mesmo após o
aj ustamento para o local da incisão cirúrgica1' K.
Atelectasia

Complicações pulmonares A atelectasia é definida como o colapso (ou colabam en-


to) de alvéolos e conseqüente perda de volume pulmonar,
pós-operatórias
refletindo a insuficiência dos mecanismos fisiológicos em
Hipoxemia e insuficiência respiratória aguda manter a estabilidade das unidades ventilató rias. Es tá
associada à o bstrução brônquica e/ ou à perda do recolhi-
lo período perioperatório, o consumo de oxigênio está mento elástico local, secundárias à retenção de secreções,
aumentado, secundariamente à resposta o rgánica ao trau- ausência ou red ução de suspiros, redução da relação
ma. Observa-se diminuição em tomo de 20% na P0 2 entre CRb' e CC, produção insuficiente de surfactante
(pressão arterial de oxigênio), acompanhada de aumento pulmo nar e conseqüente dificuldade de reexpansão puJ-
do gradiente alvéolo-arterial de oxigênio em operações monar. É das complicações pulmonares mais freqüentes
abdominais altas, que pode perdurar por uma semana. no período pós-o perató rio, incidindo em 20% a 80% dos
A falência mecânica dos sistemas de suprimento de pacientes, dependendo dos critérios utilizados para sua
oxigênio (desconexões, dobras, alterações inadvertidas definição. Estima-se que ocorra em 30% das operações
ele fluxo, mau funcio namento de alarmes e monitores) e to rácicas c em 20% das abdominais.

677

••
Fundamentos em Clinica Cirúrgica

As microatelectasias não são detectáveis à racliografia de ções de cabeça e pescoço, 21% nas operações carcüacas e
tórax, são subclínicas nos pacientes previamente rugidos e de 15% a 19% nas operações abdominais altas e a céu
habirualmente se resolvem em até 48 horas após a operação. aberto; operações abdominais baixas e laparoscopias têm
As macroatelectasias resultam na perda de volume de incidências meno res. O s pacientes em ventilação mecâni-
um segmento, um lobo ou, mais raramente, de todo um ca têm as maio res taxas de infecção e que aumentam pro-
pulmão. São acompanhadas de achados clínicos tais como porcio nalmente ao tempo de intubação. Fora do cuidado
taquipnéia, redução local dos sons respiratórios, presença intensivo, a incidência de pneumonia no pós-operató rio
de crepitações e achados racliográficos de opacificação chega a 5%, mas pode ter evolução rápida para insuficiên-
associados a sinais de redução de volume pulmonar. cia respirató ria, necessitando de intubação e ventilação
As atelectasias acompanham-se de aumento do traba- mecânica. A pneumonia foi responsável po r 38% dos óbi-
lho respiratório e alterações das trocas gasosas, tanto tos pós-operatórios de causa infecciosa. A mortalidade
mais importantes quanto mais extensas elas forem e tem variado de 50% a 70% nos pacientes infectados por
maior for o acometimento pulmo nar pré-operatório. germes Gram-negativos (principalmente Pseudomonas).
Além disso, é fator preclisponente significativo para com- Pacientes tabagistas, com ou sem doença pulmo nar obs-
plicação infecciosa. trutiva crônica, imunossuprimidos, desnutridos, desidra-
As estratégias terapêuticas para as atelectasias persisten- tados, com redução do reflexo da tosse e em uso de cate-
tes envolvem manobras para a reexpansão das áreas colap- ter nasogástrico têm risco aumentado de complicações
sadas e remoção de obstruções brônquicas. Meclidas gerais infecciosas. Tempo anestésico-cirúrgico superior a quatro
de incentivo à tosse, à mobilização de secreções e ao con- horas aumenta o risco de pneumonia.
trole da dor são recomendadas. T écnicas de inspiração pro- Durante o período de internação, há colo nização da
funda freqüentes, voluntárias, por meio de espirometria de orofaringe por germes hospitalares (principalmente baci-
incentivo ou fisioterapia respiratória podem ser orientadas los G ram-negativos e estaftlococos), carreada pelo pró-
e iniciadas ainda no pré-operatório. Pode haver necessida- prio pessoal médico e paramédico e favo recida pelo blo-
de de oxigenoterapia suplementar para controle da hipoxe- queio da secreção ácida do estômago, uso de cateteres
mia. A hidratação adequada e o uso criterioso de broncocli- nasogástricos e nasoentéricos, contaminação clireta das
latadores e mucolíticos podem contribuir no tratamento; vias aéreas po r meio de aparelhos, alteração da microbio-
deve-se evitar o abuso de sedativos e narcóticos. Ainda ta local pelos antibióticos utilizados, edema pulmonar e
podem ser usadas respiração com pressão positiva intermi- redução das defesas locais (redução de IgA, do clearance
tente e manobras que aumentem a CRF, como a pressão mucociliar e da atividade dos macrófagos alveolares).
positiva continua ou a pressão expiratória positiva nas vias Os germes mais freqüentemente encontrados são:
aéreas por máscara ou ainda pressão positiva no fmal da P.reHdomona.r aerugino.ra, Staph)'lococcu.r aureu.r, Kleb.riella pneu-
expiração pelo tubo endotraqueal. A fibrobroncoscopia moniae, Enterobacter sp; Haemophilu.r itifluenzae, outros baci-
pode ser necessária para desobstrução brônquica com a los G ram-negativos, Streptococcu.r sp e fungos. Estes últi-
retirada de rolhas de muco; a intubação endotraqueal mos têm incidência menor, dependendo da flo ra residen-
acompanhada de ventilação mecânica fica reservada para te de cada hospital específico.
os casos em que as medidas menos invasivas não forem O diagnóstico, às vezes, é bastante clifíciJ , principal-
suficientesM. Os pacientes com doença pulmonar obstruti- mente em pacientes sob ventilação mecânica, sendo fre-
va crônica podem se beneficiar do uso de ventilação não- qüentemente co nfundido com edema pulmonar, atelec-
invasiva com pressão positiva, na tentativa de se evitar a tasia, tromboembolismo pulmonar e sindrome do des-
ventilação mecânica:z.' 9 • conforto respiratório agudo. A febre e a leucocitose são
inespecíficas, assi m como a purulência do escarro, que
Pneumonia pode ser p rocedente de colonização traqueal/ orofarín-
gea/sinusal. Exige-se, então, que haja sinais e sintomas
A pneumonia é uma conclição freqüente e de alto risco clínicos associados a sinais racliológicos e laboratoriais
no período pós-operató rio . Sua incidência varia muito na que reflitam acometimento pulmonar recente. É extre-
dependência do procedimento cirúrgico realizado: 34% mamente desejável gue se proceda ao cultivo de organis-
nas operações torácicas, 25% nas craniotomias e opera- mo patogênico a partir do escarro, de secreções traqueo-

678
Capitulo 55 .: Complicações respiratórias •
••
brônquicas purulentas, do lavado broncoalveolar e/ ou coleta (escarro, aspirado traqueal, aspi rado transtorácico)
de hemoculturas. A cultura a partir do material de bióp- e a fato res do hospedeiro e do procedimento anestésico.
sias transbrônquicas ou a céu aberto fica reservada para As manifestações clinicas surgem de imediato após a
casos especiais envolvendo fungos, citomegalovírus ou aspiração e sua intensidade depende da quantidade e da
protozoários. O paciente deve ser acompanhado por qualidade do material aspi rado. O exame clínico pode
meio de avaliações clinicas seriadas, contagem total e mostrar dificuldade respiratória de graus variados, sibi-
diferencial de leucócitos, provas de atividade inflam ató- lância difusa e dessaturação da hemoglobina, confirmada
ria, gasometrias, radiografias de tórax e outros exames pela gasometria, que inicialmente revela alcalose respira-
que se façam necessários em cada caso. tória e hipoxemia. A radiografia de tórax pode não
O tratamento inicial pode exigi r antibioticoterapia demonstrar alterações de imediato ou pode revelar
combi nada de amplo espectro visando atingir a micro- padrão intersticial nos segmentos afetados, que evoluirá
biota hospitalar local, até que estejam disponíveis os para consolidação, caso a pneumonia se instale.
resultados de cultura, além dos cuidados para remoção O tratamento é suportivo e envolve a tentativa de
de secreções, prevenção de atelectasias e manutenção retirada precoce do máximo de material aspirado das vias
das defesas do hospedeiro2.8•9 • aéreas, através de cateteres o u de broncoscopia. Os anti-
bióticos ficam reservados para os pacientes que vierem a
desenvolver pneumonia. Os corticosteróides não ofere-
Aspiração gástrica cem benefícios comprovados nos casos de pneumoni-
te/ pneumonia de aspiração. Com freqüência, há necessi-
A aspiração subclinica de pequenas quantidades de
dade de ventilação mecânica com pressão positiva e
conteúdo gástrico estéril ocorre em 45% das pessoas medidas semelhantes às da síndrome do desconforto res-
hígidas, em 70% daquelas com depressão do estado de piratório agudo.
consciência c em 1% dos pacientes submetidos a aneste- A melhor estratégia nos casos de pneumonite/ pneumo-
sia geral9 •10• o paciente cirúrgico, é mais freqüente nia de aspiração é a preventiva, ou seja, redução da ingestão
durante a indução anestésica, embora possa ocorrer em oral no peóodo pré-operatório, compressão da cartilagem
qualquer tempo no qual o paciente se encontre com o cricóide durante a indução anestésica, uso de medicações
estado de consciência deprimido. que aumentem o pH gástrico, retirada precoce de tubos e
O termo pneumo nia de aspiração se refere ao proces- cateteres, evitando-se sedação e analgesia excessivas.
so infeccioso secundário à aspiração de material coloni-
zado por bactérias. Já a pneumonite de aspiração se refe-
re ao dano pul monar quimicamente induzido pela aspira- Pneumotórax
ção de conteúdo gástrico, secreções de o rofaringe ou
A presença de ar na cavidade pleural, isto é, entre o
líquidos exógenos. A sínd ro me inflamatória do parênqui- pulmão e a parede torácica, recebe o nome de pneumo-
ma pulmonar, que se segue à aspiração de mais de 25mL tórax. A incidência de pneumotórax iatrogênico é alta e
de conteúdo gástrico, com pH menor que 2,5 e que pro- tende a aumentar com a disseminação do uso de proce-
gride para dano pulmonar agudo ou para síndrome do dimentos invasivos, como a aspiração transtorácica por
desconforto respiratório agudo recebe o nome de síndro- agulha, punção de veia subclávia, roracocentese, biópsia
me de Mendelson. Cerca de 50% dos pacientes com essa pleural e bloqueio de plexo braquial, principalmente em
síndrome sofrerão contaminação do conteúdo aspirado e pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica.
desenvolverão pneumonia grave, de difícil tratamento. No caso de operações torácicas envolvendo o pul-
Como conseqüência, haverá distúrbios acentuados da mão, o pneumotórax raramente é observado após a reti-
troca gasosa, com evolução habitualmente rápida para rada dos drenos, a menos que não tenha havido comuni-
insuficiência respiratória e com mortalidade que tem cação da coleção de gás com o dreno torácico ou que
variado de 35% a 60%. O organismo infectante está rela- persista escape aéreo em áreas de parênquima pulmonar
cionado ao local onde ocorre a infecção (hospital geral desnudo ou fístulas broncopleurais (por deiscência de
ou centro de tratamento intensivo), ao tempo de coleta sutura ou necrose do coto brônquico). Essas físrulas
do material para análise (precoce ou tardio), à técnica de complicam cerca de 2% das ressecções pulmonares e se

679
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
associam a operações mais extensas, presença de carcino- rax e que persistam por mais de 24 a 48 horas devem
ma residual no coto brô nguico, irradiação pré-operatória ser inves tigados à procura de in fecção, fístula esôfago-
e diabetes mellitus, com mortalidade de 30% a 70%. ple ural o u quilo tórax.
Cursam com dispnéia súbita e escarros hemoptóicos, Quase rodos os pacientes submetidos a transplante
ocorrem nos dez primeiros dias de pós-operató rio e são hepático desenvolvem derrame pleural no pós-operató-
raras após 90 dias. Nas operações torácicas não-pulmo- rio e boa parte deles necessitam de toracocentese tera-
nares, pode ocorrer pneumotórax por lesão da pleura vis- pêutica. É freqüente também o surgimento de grande
ceral durante o ato operatório (operações cardíacas e da derrame pleural esquerdo após esplenectomia. O derra-
coluna cervical). Fístulas esôfago-pleurais podem ocorrer me pleural bilioso se associa às manipulações do trato
após esofagectomias, dilatações esofág1cas e esclerose de biliar obstruido e cursa freqüentemente com empiema
varizes esofág1cas, manifes tando-se como pneumotórax. concomitante. Abscessos intra-abdomina.is, máxime os
As operações abdominais também não estão isentas subfrênicos, podem evoluir com derrame pleural, geral-
dessas complicações. Nesse caso, quando ocorrem, habi- mente entre a primeira e a tercei ra semana de pós-opera-
tualmente indicam lesão do diafragma. O tratamento é tório. E m 80% dos casos de abscesso subfrênico, há
feito por meio de aspirações ou drenagem torácica, exsudato pleural concomitante, sem empiema; o trata-
dependendo da extensão e da causa do pneumotórax 11 • mento é dirigido para o abscesso8•11 •

Derrame pleural Edema pulmonar

Dos pacientes submetidos a operações abdominais E dema pulmonar é resultante do au mento da quanti-
altas, 49% a 69% desenvolvem derrame pleural nas primei- dade total de água nos pulmões. Ocorre quando o líqui-
ras 72 horas de pós-operatório, provavelmente relacionado do intersticial é produzido em guantidade maior gue a
ao movimento transdiafragmático de liquidas e à irritação drenagem dos linfáticos pulmonares e pode dever-se a
deste músculo pelo ato operatório. Habitualmente, são dois fatores fundamentais, que não são necessariamente
pequenos derrames, situam-se do mesmo lado da opera- excludentes: aumento da pressão hidrostática intravascu-
ção, são mais freqüentes em pacientes com atelectasia con- lar (cardiogênico), ou aumento da permeabilidade capilar
comitante e se resolvem espontaneamente. pulmonar (não-cardiogênico). Pacientes submetidos a
D errames pleurais que surgem após 72 horas de pós- tratamento cirúrgico podem apresentar diversas razões
operatório estão mais freqüentemente associados a para evoluir com edema pulmonar no pós-operatório.
outras complicações, como insuficiência cardiaca, hiper- Uma das causas mais fregüentes refere-se à grande quan-
volemia, hipoprotcinemia, ascite, deslocamento de cate- tidade de líquidos administrados durante a operação, e
ter intravenoso (transudatos), pneumonia, tromboembo- que retornam ao espaço intravascular entre o terceiro e o
lismo pulmonar, atelectasia, síndrome pós-pericardioto- quarto dia pós-operatório. Pacientes (ainda gue saudá-
mia e contusão diafragmática (exsudatos). D erram es veis) que apresentem balanço hidrico positivo superior a
pleurais persistentes, com espessura acima de l ümm à têm risco aumentado de desenvolver
radiografia de em decúbito lateral, devem ser ava- edema pulmonar a partir de 36 horas da operação 12•
liados por toracocentese propedêutica. Diversos outros fatores podem contribuir para fo rmação
Os derrames parapneumônicos são comuns no de edema: redução de pressão oncótica, resposta infla-
período pós-operatório e freqüentemente se resolvem matória, substâncias tóxicas, endotoxinas bacterianas,
com o tratamento antibiótico da infecção de base. microêmbolos, êmbolos gord urosos, agregados plague-
Alguns derrames parapneumônicos complicados, como tários etc. O diagnóstico baseia-se na ausculta respirató-
o empiema (com presença de bactérias ou pus no espa- ria co m crepitações, habitualmente bilaterais. A radiogra-
ço pleural) têm indicação de lavagem repetida da cavida- fia de tórax no edema pulmonar cardiogênico mostra
de e/ou drenagem do tórax. opacidades peri-hilares (asa de anjo), ingurgitamento de
A escleroterapia de varizes esofágicas pode evoluir vasos centrais e hilares, linhas B de Kerley e aumento da
com derrame pleural inflamatório em até 50% dos área cardíaca. Cateter de Swan-Ganz pode ser necessário
casos. D errames que ocupem mais de 25% do hemitó- para estimar as pressões de enchimento do ventrículo

680
Capitulo SS .: Complicações respiratórias

••
esque rdo e ajud ar no diagnóstico difere nc ial com síndro- m ató rios te rmina po r esb o ça r uma teia fisio p ato lógica d e
me do de confo rto respiratório agudo. O tratamen to ini- 1-,rr and e co mplexidade.
cial req ue r aval iação criteriosa dos fato re contribuintes e
contro le cuidadoso d o equilib rio eletro lítico e da pré-
carga, com ênfase em balanços hidricos negati vos que Quadro 55.2 .: Definição de SDRA e LPA pela Conferência orte-
não resultem e m hipoperfusão sistêmica. O xigên io deve amcncana c Européia'

ser administrad o em todos os paciente com hipóx ia, de ----------------------------------------------··


Inicio Critério de Critério Critério de

acordo co m o contexto clínico, disp o ni b iliza nd o -se oxigenação radiológico exclusão
desd e ca te te r nasal até ventilação não-invasiva e invasiva.
Prallo apilar
Os volumes intravascular e extracelula r e m excesso P""--
p od e m ser re movidos po r me io de diuréticos poLentes IIWorque
(fu rosemida) o u do e mprego eventual d e h em od iálise em IBnunHgou
simis clinic:oa
p acientes com insuficiência re nal. Albumina não d eve ser de inauticibl-
uti li zada ha bitualme nte nesses casos. ciacanM.ca
O ede ma pulmo nar po r pressão nega tiva é condi ção esqumla
incomum, porém impo rtante, no pós-ope rató ri o. Após L PA Agudo PO:v'fl02 Idem Idem
<300
extubação, essa situação po d e ser resulta m e d e espas mo •
da lari nge ou o utra causa de o bstrução de vi::t aé rea supe- ··----------------------------------------------
SDRA: Síndrome do desconfono resptr:ttónu tllo(Udu
rior. Sua etio logia é multifa toria l, admitindo-se, poré m, 1.1'1\: l .csão (injúria) pulmonar O)\UUO

como fato r p reponde ra nte a pressão intrato rácica ma rca-


da m ente negari,·a, relacio n ada à inspiração fo rç::tda con-
tra a glo te fechada (manobra de .:\fuelle r o u \'als::tlva Quadro 55.3 .: Condições clfnicas as•ociadas :i SD RA'
reversa) . Isso resulta em tran sudação de liquidos dos
vaso pa ra o inter ócio após a re olução da ob t rução de Causas pulmonares
---·
Pnrumoni.a
via aérea. O trata mento é suporri \'0 11 •
Aspiraç2o
Contusão pulmonar
Embolia gordurosa
Síndrome do desconforto respiratório agudo l.c:sio de rqxrfusào
Quase afogamento
A síndro m e d o d esconfo rto respirató ri o agudo é uma
Causas extra pulmo nares
condição de risco para insuficiênc ia resp iratória agud a cpse
d eco rrente de lesão - d e na tureza inflam atóri a - d a ba r- Choque circubtóno
reira alvéo lo-enclo te lia l pulmonar, res ultando em ed ema Po litrauma
1\lúltiplas rransfusôcs
a lveolar rico em proteínas. Os c ri térios de d e finição m ais
Pancreatirc aguda
utili zados atualme n te são aqueles pro postos e m confe- Circulação extra-corpórea
rência no rte-ame ricana e e uro péia (Quadro SS.2t Overdose de droj,>as
Esti ma-se incidência de 13 a 18 casos po r l 00.000 habi- Coagulação intravascular
Queimaduras
tantes, com mortalidade e ntre 40% e 60°/(, 14 1\ Diversas T raumatismo crànio-cnccf:íhco
condições clinicas estão associadas (Quadr o 55.3). •
Pa rti ndo d o e ntend imento da síndro m e do descon- ··----------------------------------------------
fo rtO respirató rio agud o com o p rocesso inflam ató rio,
,·á rios estudos clínicos e experim en tais apontam os neu-
tró filo com o a células m ais impo rtantes em sua patogê- A compree nsão d as d iversas fases evolutivas dessa
nese. Ou tras células também en voh-idas são os m acró fa- sínd ro me propicia aos médico s uma abo rdagem clínica
gos alveola res - Liberando citocinas - e as pla quetas. s m ai s racional d e ac o rdo com cada fase. A fase inicial -
células epiteliais e endo teliais não co n stitue m a pe nas exsuda tiYa - caracte riza-se po r grande influxo d e ede ma
alvos da lesão, mas partic ipam ativamente do processo rico e m p ro teínas p a ra o espaço alveolar, resultado da
infla maLó rio. i\ presen ça de d iver os mediadores infla- gue bra d e integridade d a ba rre ira alvéolo-c apilar. A pe r-

681
..

--------------------------------------------------------------------
Fundamentos em Clfnica Cir úrgica

sistência do edema leva à fo rmação da membrana hialina, densas, freqüentemente acompanhadas de broncograma
gue é a expressão da precipitação de edema rico em fibri- aéreo. Ventralmente a essas áreas, pode haver áreas de
na na superfície dos alvéolos. Além do edema, observa- opacidade em vidro fosco e, nas porções mais ventrais, o
se infiltrado inflamatório com predomínio de neutró fiJos pulmão pode ser preservado. A tOmografia de tó rax é tam-
e, em menor proporção, de macrófagos alveolares. A bém capaz de identificar comp)jcações da ventilação
lesão de pneumócitos tipo II resulta em produção dimi- mecânica, como e pneumomediastino.
nuída de surfactante e formação de atelectasias. Algu ns O tratamento dessa doença é suporrivo, tendo na ven-
pacientes evoluem com organização do processo e for- tilação mecânica a sua sustentação principal. É fundamen-
mação de fibrose, a chamada fase fibroproliferati va, que tal a observação dos seguintes prindpios, detalhados no
ocorre a partir do sétimo dia. A maioria dos pacientes item de ventilação mecânica: manter a oxigenação adequa-
sobreviventes da síndrome do desconfo rto respiratório da; reduzir o trabalho respiratório e evitar a lesão induzida
agudo apresenta resolução completa da lesão pulmo- pela ventilação mecânica. Corricosteróides podem ser uti-
nar"·15. E m torno de 5% dos casos, a fase fibroprolifera- Lizados naqueles pacientes que cursam sem melho ra após
tiva evolui para fibrose pulmonar. sete a dez dias de evolução da síndrome do desconforto
Alterações nas trocas gasosas, decorrentes do edema respiratório agudo, conquanto não apresentem sinais clíni-
e colapso alveolar - mais intensos na fase precoce - cos ou microbiológicos de infecção. As doses recomenda-
determinam grave hipoxemia, uma vez que alvéolos não- das são aquelas empregadas no estudo de Meduri 1""16.
ventilados continuam a ser perfundidos, com áreas de
bai.xa relação ventiJação(V)/ perfusão(Q) e shunt. A redu-
ção da complacência constitui a pri ncipal alteração da
Suporte ventilatório
mecânica pulmo nar nessa afecção, ocorrendo em razão Indicações e tipos de ventilação
das grandes pressões exigidas para abertu ra inspiratória
das unidades ve ntiJató rias fechadas, permeadas por A indicação de inrubação traqueal e conexão do
edema intersticial c alveolar. A \·asoconstrição hipóxica paciente à ventilação mecânica deve basear-se em crité-
traduz a reação dos vasos pulmonares adjacentes aos rios clínicos, auxiliada po r alguns parâmetros gasométri-
alvéolos não-ventilados, determinando hipertensão pul- cos, ou seja, POz inferio r a 60mmHg, mesmo após o fer-
monar, complicação comum nestes casos. ta de oxigênio po r máscara (SaOz < 90%); PC02 superi-
Na síndro me do desco nforto respiratório agudo, em or a 55mmHg (exceto em retentores crônicos), sobretu-
geral, predomina o guadro clinico da doença de base, do quando determina acidose respiratória, com pH infe-
acrescido dos sinais e sintomas de insuficiência respirató- rior a 7,25. Os critérios gasométricos devem ser entendi-
ria grave: dispnéia, taquipnéia, uso de musculatura aces- dos apenas como exames complementares de apoio à
sória da respiração, taquicardia, sinais de vasoconstrição decisão médica. Assim, pacientes com valores aceitáveis
periférica, agitação e rebaixamento da consciência. a de gases arteriais, porém clinicamente desconfo rtáveis e
ausculta pulmonar, crepitações bilaterais são freqüente- num contexto sem perspectiva de melhora a curro prazo,
mente observadas. devem ser incubados imediatamente. Por outro lado,
Opacidade alveolares bilaterais são as alterações mais pacientes com indicação gasométrica para intubação,
características da radiografia de tórax. Essas opacidades mas com perspectivas de melho ra imediata da condição
rendem a ser mais homogêneas nos quadros secundários a que está causando a insuficiência respirató ria, podem ter
doenças sisrêmicas (síndrome do desconforto respiratório o procedimento protelado, desde que sejam mantidos em
agudo de origem extrapulmonar), diferentemente daquelas rigorosa vigilância clinica e da saturação de hemoglobina
relacionadas a doenças pulmonares- aspiração de conteú- pelo oxigênio. Algumas circunstâncias são consideradas
do gástrico, por exemplo - nas quais se observa distribui- como indicações de incubação traqueal, a despeito dos
ção mais heterogênea das lesões. A tomografia computa- achados de gasometria arterial: rebaixamento de nível de
dorizada do tórax permite avaliar os pulmões sem super- consciência; falência cardiocirculatória grave co ncomi-
posição de imagens, percebendo-se comprometimento tante; paciente com grande espaço respirató rio, traduzi-
com nltido predomínio nas regiões dorsais, dependentes do po r taquipnéia persistente e uso da musculatura aces-
de gravidade, onde se observam opacidades homogêneas, sória da respiração.

682
•••
Capítulo 55 .: Complicações respiratórias

A ventilação mecaruca habitualmente se faz com o paciente se mantenha confortável, a freqüência respirató-
pressão positiva, sendo o ar bombeado para o sistema ria total pode alcançar cerca de 30 respirações por minuto.
respiratório, vencendo a sua impedância. Assim, ocorre A freqüência respiratória total determina a duração dos
elevação das pressões alveolar e pleural para valores ciclos respiratórios e, uma vez que a duração do tempo ins-
acima da pressão atmosférica (pressão positiva). A expi- piratório (estabelecida por ajustes de fluxo e volume cor-
ração ocorre de modo passivo, como na respiração rente) é fixa, o aumento da freqüência respiratória resulta
espontânea fisiológica. em redução do tempo expiratório, o que dificulta o esvazia-
A ventilação controlada consiste em ciclos em que a mento do volume pulmonar, potencialmente prejudicial
inspiração é iniciada, mantida e fmalizada pelo ventila- aos pacientes com doença pulmonar obstrutiva.
dor. Na ventilação assistida, a inspiração é iniciada, ou O volume corrente administrado dependerá do cená-
seja, "disparada" pelo paciente, sendo necessário esforço rio clinico encontrado. Em pacientes sem obstrução das
muscular respiratório capaz de despressurizar a via aérea vias aéreas ou doença parenquirnatosa relevante - pós-
e um mecanismo do ventilador pronto a reconhecer esse operatório, doenças neurológicas ou neuro musculares -,
esforço. No modo espontâneo, o paciente respira nor- o volume corrente pode ser ajustado pela PC02 , pela
malmente acoplado ao aparelho, tendo o controle de demanda metabólica e pelo conforto observado. A admi-
toda a fase inspiratória, enquanto o ventilador mantém nistração de 1OmL/ kg é, em geral, satisfatória. Naqueles
pressão de via aérea positiva na inspiração e expiração. pacientes com obstrução brônquica, administram-se
Com base nos ciclos permitidos, teríamos: modo contro- menores volumes, em torno de 6mL/ kg a 8mL/ kg. O
lado, em que somente ciclos controlados são possíveis; comprometimento extenso do parênquima pulmonar -
modo assistido-controlado, em que tanto ciclos assisti- como ocorre na síndrome do desconforto respiratório
dos como controlados são disponibilizados ao paciente; agudo - exige que sejam utilizados volumes pulmonares
ventilação mandatária intermitente sincronizada em que menores, entre 6mL/kg a 8mL/kg, na tentativa de redu-
ocorrem ciclos controlados, assistidos e espontâneos; zir lesão pulmonar induzida por ventilação mecânica,
pressão positiva contínua nas vias aéreas em que somen- uma vez que áreas não-comprometidas acabam sendo
te ocorrem ciclos espontâneos 17 • expostas à hiperdistensão pulmonar. Esses volumes ini-
cialmente administrados podem ser reduzidos progressi-
vamente, possibilitando a manutenção de pressão de pla-
Ajustes da ventilação
teau abaixo de 35cmHzO.
Na maioria dos casos, a modalidade inicial de ventila- O fluxo inspiratório administrado baseia-se em
ção mecânica é assistido-controlada ciciada a volume. alguns critérios subjetivos e na compreensão de ser um
Imediatamente após a intubação traqueal e até que se dis- método de tentativa e erro. Quanto maior o fluxo, menor
ponha de dados clínicos e gasométricos que irão nortear o tempo inspiratório (maior o tempo expiratório) e maior
cada caso, sugerem-se os seguintes ajustes iniciais: fração a pressão gerada nas vias aéreas. Pacientes com demanda
inspirada de oxigênio (FiOz) de 100% , freqüência respi- metabólica aumentada podem exigir fluxos maiores
ratória entre 12 a 16 incursões respiratórias por minuto, (60L/min a 80L/ min). D eve-se suspeitar de tal situação
volume corrente entre 8mL/kg a 1OmL/kg, fluxo inspi- naqueles pacientes que " brigam" com o ventilador.
ratório entre 50 L/mina 60 L/min, PEEP de 5cmH 20, Nesses casos, pode haver melhora da interação paciente-
sensibilidade de 1cmHzO. ventilador com o aumento do fluxo inspiratório.
A FiOz deve ser reduzida progressivamente enquan- A sensibilidade é o parâmetro que permite ao paciente
to o paciente mantiver sua SaOz em torno de 95% . Altas "disparar" o ventilador, gerando os ciclos assistidos. A
taxas de FiOz podem ser lesivas aos pulmões, devendo maioria dos aparelhos é ajustada na forma de pressão, esta-
ser evitadas quando desnecessárias ou quando outras belecendo-se uma pressão negativa que o paciente neces-
alternativas- aumento de PEEP, por exemplo- forem sita atingir no circuito, por meio de esforço inspiratório,
disponíveis para melhorar a oxigenação. deflagrando o ciclo. Alguns aparelhos são estimulados
A freqüência respiratória aplicada no ventilador deve pelo fluxo. O valor da sensibilidade deve ser habitualmen-
ser a mínima, ajustando-se a valores em torno de 12 respi- te ajustado para niveis baixos(- lcmHzO a - 1,5cmHzO,
rações por minuto. Ciclos extras são permitidos. Desde que naqueles de pressão, ou 1 L/ mina 3 L/ min, naqueles de

683

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

fluxo). Dois extremos devem ser evitados: de um lado, em pressão de suporte com pressão positiva contínua nas
valores muito baixos possibilitam o disparo automático do vias aéreas. Devem ser monitorados, sendo considerados
aparelho sem o esforço do paciente; de outro lado, não é critérios para a suspensão do desmame: freqüência respira-
boa prática aumentar a sensibilidade naqueles pacientes tória maior que 35 incursões respiratórias por minuto, índi-
que estejam "competindo" com o ventilador, imaginando ce de Tobin maior que 100, SaOz menor que 90%, fre-
que, por meio dessa manobra, sejam evitados os disparos, qüência cardíaca superior a 140 batimentos por minuto (ou
pois, nessa situação, o paciente continuará competindo aumento de 20% do basal), pressão arterial sistólica maior
com o aparelho, sem conseguir dispará-lo. que 180mmHg ou menor que 90mmHg (ou alteração
O emprego da pressão positiva expiratória fina] superior a 20% do basal), agitação, sudorese, alteração do
(PEEP) tem como objetivo básico manter a capacidade estado de consciência. Após duas horas (alguns autores
residual funcional. Valores em torno de 5cmHzO são uti- preconizam 30 minutos), não apresentando nenhum des-
lizados naqueles pacientes sem doença parenquimatosa ses achados, o paciente pode ser extubado. As taxas de
de grande comprometimento. os casos de pacientes reintubação giram em torno de 15% a 19%. Caso o desma-
com quadros pulmonares extensos (pneumonia grave, me seja suspenso, o paciente deve retornar aos parâmetros
edema agudo de pulmões, síndrome do desconforto res- ventilatórios anteriores à tentativa de desmame, sendo rea-
piratório agudo), elevações progressivas de PEEP (de valiado diariamente quanto à nova possibilidade de inter-
2cm em 2cmH 20) podem ser necessárias para melho rar rupção da ventilação mecâníca. Ainda não se sabe qual a
a oxigenação e reduzir a Fi02. Níveis altos de PEE P melhor modalidade de desmame. Parece que, com tubo T
podem contribuir para redução do débito cardíaco, par-
ou pressão de suporte a ventilação deve ser interrompida
ticularmente em pacientes com hipovolemia. A PEEP
abtuptamente. Com qualquer das duas modalidades, cerca
tem papel impo rtante na estratégia ventilatória dos
de 75% dos pacientes são desmamados com sucesso, sem
pacientes com síndrome do desconforto respiratório
necessidade de reduções graduais no suporte ventilatório.
agudo. A esse respeito, diversos protocolos têm sido uti-
A ventilação mandatária intermitente sincronizada, apesar
lizados, mas há muitos aspectos ainda controversos' 8•19 •
de apresentar a mesma taxa de sucesso, associa-se a tempo
mais prolongado de desmame. Tubo T e pressão positiva
Desmame e suspensão da ventilação contínua nas vias aéreas apresentam vantagens e desvanta-
gens, podendo ser utilizados indistintamente de acordo
O desmame é a transição abrupta ou gradual da ventila-
com os recursos e peculiaridades de cada serviço.
ção mecânica para a espontânea. Algumas condições gerais
Diversos fatores podem contribuir para a falência do
devem ser observadas: resolução ou melhora da causa da
desmame. Alguns deles interferem na capacidade de venti-
insuficiência respiratória, supressão da curarização, redu-
lar ou oxigenar: depressão do centro respiratório, distúrbios
ção da sedação que permita nível de consciência adequado,
musculares, alterações de parede torácica, polineuropatias
estabilidade hemodinârnica, ausência de distúrbios eletrolí-
das doenças graves. Algumas condições podem influir no
ticos e metabólicos, ausência de sepse, ausência de perspec-
aumento da demanda ventilatória: dor, ansiedade, febre,
tiva de intervenção cirúrgica com anestesia geral próxima.
sepse, excesso de oferta nutricional, redução da complacên-
A P02 deve ser superior a 60mmHg, Fi0 2 menor ou igual
cia pulmonar ou torácica, auto-PEEP, broncoespasmo,
a 40% e PEEP menor ou igual a 5cmH20. A capacidade
secreção nas vias aéreas, obstrução de
de ventilação, aferida com o paciente em tubo T , deve
apresentar os seguintes parâmetros: volume corrente supe-
rior a 5mL/ kg, freqüência respiratória menor que 30 respi- Referências
rações por min, pressão inspiratória máxima inferior a
25cmHzO, índice de Tobin (FR/VC em litros) maior que l • O 'Donohue \XIJ. Po s toperativc pulmonary complications.
100, esse último medido após um minuto de respiração Postgraduate Med. 1992;91:167-75.
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684
Capítulo SS .: Complicações respiratórias

••
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685
56
COMPLICAÇÕES
UROLÓGICAS

..-------------------------------------------------------------------

Carlos Eduardo Corradi Fonseca,
Renato Beluco Corradi Fonseca

Introdução agudo do miocárdio, no choque séptico, no infarto intesti-


nal, na pancreatite aguda, no traumatismo extenso, sendo o
As complicações urológicas no pós-operatório são diagnóstico diferencial entre as duas situações dificiF.
relativamente freqüentes, principalmente após operações
abdominais e pélvicas. As mais comuns são a oligúria, a
retenção e a infecção urinária e a insuficiência renal D iagnóstico diferencial
aguda, que pode ser pré-renal, renal e pós-renal.
O diagnóstico diferencial com outros quadros, como
a fase inicial da insuficiência renal aguda, deve ser consi-
Oligúria derado. Outras possibilidades são a obstrução parcial ao
fluxo urinário em qualquer parte do sistema excretor e a
A oligúria é definida como a diurese inferior a 400mL, falsa oligúria, com perdas não-diagnosticadas em fístulas
em 24 horas. urinárias, perdas por cateteres, micções não-observadas
ou não-medidas. Nos casos de perdas por fístulas ou dre-
nas, o diagnóstico diferencial entre drenagem linfática ou
Causas
urina é feito pelo exame do liquido de drenagem e a dosa-
A principal causa de oligúria, no pós-operatório, é a gem dos diversos elementos urinários.
desidratação ou não-hidratação adequada do paciente,
principalmente em jejum ou com incapacidade de ingerir
Conduta
líquidos devido a náuseas e vômitos ou perda da cons-
ciência. Também pode aparecer oligúria por aumento de A conduta vai depender da causa da oligúria. A reposi-
perdas, como em sangramentos, diarréias, sudorese abun- ção de volume será de acordo com a perda, se for de liqui-
dante devido a febre, queimaduras, fístulas gastrointesti- das ou sangue. A desidratação pode ser tratada com hidra-
nais e uso de cateteres nasogástricos ou nasoentéricos. tação oral ou venosa, sendo esta preferencialmente realiza-
Perdas de 7% a 10% do volume sangüíneo são acompa- da com solução salina 0,9% , que vai expandir o volume do
nhadas de sinais vitais inalterados ou redução leve da pres- líquido extracelular. A reposição de l.OOOmL de solução
são venosa central. Manifestações como a oligúria e outras salina aumenta o volume sangüíneo em 6% ou 300mL. As
decorrem de reduções de volume do líquido extracelular e soluções que contêm colóides, como o plasma, expandem
dependem da amplitude, da velocidade e da natureza da principalmente o espaço intravascular por causa da albumi-
perda e da resposta dos vasos à contração de volume 1• na, que é restrita a este compartimento, mas raramente são
Existem situações de diminuição de líquido intravascular empregadas, a não ser em queimaduras ou colapso circula-
sem perdas externas no pós-operatório, como no infarto tório, devido ao seu alto custo e pequena meia vida.

687
•• •
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Quando a perda é sangumea, o sangue deverá ser Normalmente, ele se queixa de dor supra-púbica
reposto, pois é o mais potente expansor do intravascu- intensa, com distensão abdominal por gases, agitação,
lar. Deve ser usado concentrado de hemácias, sendo que sudorese e, ao exame, observa-se massa palpável doloro-
300mL de uma unidade eleva a hemoglobina em lg a sa, no hipogástrio ("bexigoma"), que desaparece após o
1 ,Sg. Na maioria das vezes, usa-se, nas hemorragias, a esvaziamento da bexiga com cateter vesical.
reposição de volume com sangue e solução salina. Nos
pacientes com sepse e com desvios do liquido do intra- Diagnóstico diferencial
vascular para o intersúcio, como nas peritonites, íleo
funcional e infarto intestinal, usa-se a solução salina O diagnóstico diferencial é feito com anúria, princi-
0,9% para restaurar o liquido intravascular e intersticial, palmente em pacientes obesos em que a palpação da
devendo-se ter cuidado para evitar a sobrecarga cardíaca massa supra-púbica é difícil. Para tal, deve-se proceder o
na correção do distúrbio. cateterismo vesical. Pacientes com massas tumorais pél-
A reposição de liquidas no pós-operatório de pacien- vicas císticas ou sólidas, hematomas e seromas, têm a
tes com oligúria deve ser preferencialmente realizada definição diagnóstica por meio da ultra-sonografia
com monitorização da pressão venosa central, o que vai (Figura 56.1) ou da tomografia da pelve.
dar maior segurança ao tratamento.

Retenção urinária

C ausas e fatores de risco

A retenção urinária no pós-operatório é muito freqüen-


te, podendo ocorrer em uma incidência de 4% a 25% das
operações sobre qualquer aparelho, mas principaJmente
nas operações pélvicas de origem urológica, ginecológica e
proctológica. Se forem consideradas apenas as operações Figura 56. 1 .: Ultra-sonografia evidenciando retenção urinária
pélvicas, a incidência aumenta até para 57% dos casos e os secundária a hiperplasia prostática
fatores que provocam a retenção incluem o traumatismo
da instrumentação, a distensão vesicaJ exagerada, a dimi- Complicações
nuição da sensibilidade vesicaJ e da contratilidade, a dimi- As principais complicações da retenção urinária no
nuição do reflexo da micção e o aumento da resistência do pós-operatório são a dor intensa relatada pelo pacien-
esvaziamento por doenças pré-existentes à operação. te, com elevação às vezes importante da pressão arte-
Entre as causas pré-existentes, nos homens, a hiper- rial e risco de sangramento . O aumento da pressão
plasia benigna de próstata é a mais importante, podendo intra-abdo minal pode levar à deiscência de anastomo-
levar à retenção em qualquer operação. Por isso, deve-se ses e suturas. Outra complicação da retenção urinária é
fazer avaliação urológica cuidadosa para se evitar a reten- o extravasamento de urina para a cavidade abdominal,
ção urinária pós-operatória em paciente com hiperplasia levando a abdome agudo. A infecção urinária pode
de próstata com manifestações clinicas importantes no aparecer devido à estase urinária ou em conseqüência
pré-operatório. do cateterismo vesical.

Diagnóstico Prevenção

O diagnóstico é realizado quando o paciente relata Os fatores responsáveis pela retenção urinária são a
incapacidade de urinar no pós-operatório, principaJmente interferência nos mecanismos fisiológicos que regulam o
imediato. A retenção também pode ocorrer dias após esvaziamento adequado e a hiperdistensão da bexiga.
Para prevenir a retenção pós-operatória, não se deve dei-
a operação.
688
•••
Capítulo 56 .: Complicações urológicas

xar a capacidade vesical exceder SOOmL, pela incapacida- Infecção urinária pós-operatória
de da bexiga de contrair-se e esvaziar-se. O cateterismo
proftlático deve ser realizado sempre que a duração da A infecção urinária pós-operatória ocorre com freqüên-
operação ultrapassar duas a três horas ou quando se cia, principalmente após operações pélvicas ou após cate-
infundir muito liquido no peroperatório. O paciente terismo vesical. Pode aparecer infecção sintomática, com
deve urinar imediatamente antes de ir para a sala de ope- ou sem febre, o u somente bacteriúria assintomática. O
ração e imediatamente após o procedimento, quando o local da infecção varia e pode acometer desde o rim, Qevan-
cateterismo não for indicado. do ao aparecimento de pielo nefrite) até a bexiga e a uretra.
O uso do cateter vesical de demora por 18 a 24 horas Os microrganismos mais freqüentes são as bactérias,
no pós-operatório diminui a incidência de retenção uri- mas os fungos e as leveduras podem provocar infecção
nária em 52% dos casos em que este não fo i utilizado, e do trato urinário' .
em 27 % nos casos com cateterismo.
As doenças preexistentes, que podem levar à reten-
Quadro clínico
ção, d evem ser avaliadas antes da intervenção. Assim a
hernioplastia inguinal no paciente com prostatismo deve O quadro clinico de infecção urinária pós-operatória é
ser postergada para o período pós-resolução do proble- semelhante ao de qualquer outra infecção urinária. O
ma da próstata. paciente pode apresentar bacteriúria sem sintomas ou qua-
dro de cistite ou de pielonefrite. Se o paciente estiver em
uso d e cateter vesical de demora, a infecção pode passar
Terapêutica
desapercebida. Nesse caso, não se deve tratá-la, aguardan-
O tratamento da retenção é realizado por meio do do-se a retirada do cateter e realizando-se exame de urocul-
cateterismo vesical. tura para se identificar o organismo causador da infecção.
D eve-se usar cateter vesical de alivio (nelaton) se o D eve ser feito diag nósti co diferencial entre cistite c
paciente não tiver causa preexistente à operação para a pielonefrite, que é mais g rave e merece medid as mais
retenção, ou cateter de demora (Foley) se existir alguma agressivas, devido ao risco de bacteriemia e septicemia.
causa anterior ao procedimento ou se for importante a pielonefrite, o paciente relata dor lombar, acom-
a monitorização do volume urinário posteriormente ao panhada de febre, calafrios, podendo o u não apresentar
cateterismo. manifestações urinárias. Na cistite, normalmente, o
Deve ser usado cateter número 12,14 ou 16, depen- paciente não apresenta febre, mas pode ter dor lombo-
d end o do sexo e da idade do paciente, tendo-se o cuida- sacral, acompanhada de algúria, polaciúria, urgência, dor
do d e se lubrificar a uretra com gel (lidocaina a 2%), supra-púbica, urina turva e hematúria.
para se evitar o traumatismo uretra] com suas conse- Nos casos de abscesso peri-renal, além da febre, coe-
qüências, como sangramemo e estenose. ão se usa xistem queda do estado geral, dor à palpação no flanco e
an tibiótico profilático no cateterismo, a não ser em região lombar.
casos de risco, como em pacientes diabéticos descom-
pensados ou imunodeprimidos, por exemplo. No caso
Diagnóstico
de não se conseguir o cateterismo via uretra, como nos
doentes com estenose uretra] intensa, faz-se a punção O G ram de gota, onde podem ser encontradas bacté-
supra-púbica e deixa-se cistostornia, até se resolver o rias, a urina rotina com piúria e hematúria e a cultura com
problema. A punção se faz, mais ou menos, 1em a 2cm identificação de germes patogênicos são testes de escolha
acima do púbis com trocarte de cistostomia, passando- para diagnós tico de infecção urinária.
se o cateter através deste. Alguns medicamentos podem A piúria é defmida como achado de dez ou mais leucó-
ser utilizados, como o prazosin, o tansulosin e outros citos por campo e não é diagnós tica de infecção urinária. A
alfablo queadores, que relaxam o colo vesical c a uretra, causa mais comum de piúria é a infecção urinária, mas pode
facilitando a micção, mas sua eficiência é discutivel na haver outras causas, como operações e instrumentações do
retenção urinária). trato urinário, cálculos, tumores e corpos estranhos. A
urina a ser colhida deve ser a do jato médio. Se o paciente

689

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

estiver com cateter, deve-se fazer a análise nos casos em Aos pacientes com pielonefrite e/ou com hemocultura
que o paciente apresentar sintomatologia de infecção. positiva, deve ser dado antibiótico endovenoso de largo
Nos casos de obstrução de ureter, o exame da urina espectro, principalmente cefalosporinas de terceira gera-
da micção pode estar inalterado, pois pode corresponder ção (p. ex., ceftriaxona 1g EV, de 12 em 12 horas), o u
à urina do rim sem problemas. A bactéria mais comum é aminoglicosídeos, por sete dias. Os aminoglicosídeos
a E. co/i, seguida do Protms, Klebsiella e Enterococos faecalis. podem ser administrados em dose única diária (gentami-
Após o diagnóstico de infecção urinária, devem-se cina (3mg/kg peso) ou amicacina (1Oa 15mg/kg peso)
fazer exames de imagem, como a ultra-sonografia, a uro-
grafia, a tomografia e a ressonância para esclarecimento
de fatores predisponentes (Figura 56.2).
Prognóstico
As infecções urinárias pós-operatórias normalmente
evoluem bem, a não ser em casos com bactérias multir-
resistentes, em pacientes debilitados, diabéticos descom-
pensados, com câncer, em mau estado geral ou em
pacientes com fatores agravantes no trato urinário (p. ex.,
obstrução do trato urinário).
Em caso de recidiva (10% a 30% dos casos), novo
tratamento deverá ser mantido por 14 dias. Alguns
pacientes podem desenvolver septicemia pós-infecção
com mortalidade de 13%, podendo ir a até 28%, quando
além da sepse, apresentarem choque séptico.
Figura 56.2 .: Ultta-sonografia evidenciando hidroncfrose

Insuficiência renal aguda


Fatores de risco
Introdução e conceito
O paciente que apresentar qualquer obstrução no
trato urinário poderá desenvolver quadro de infecção. A A insuficiência renal aguda pós-operatória é a incapa-
instrumentação cirúrgica ou o cateterismo vesical favore- cidade de eliminar-se a urina, quantitativa e qualitativa-
cem o aparecimento de bacteriúria em 1% a 2% dos adul- mente, para a adequada excreção das escórias e a manu-
tos, sendo que, nas grávidas, nos imunodeprimidos e nos tenção do meio interno pós-tratamento cirúrgico, por
homens com problemas da próstata, a incidência aumen- dano agudo do rim, orgânico ou funcional 5•
ta muito. No cateterismo de demora, a incidência aumen- Pode manifestar-se por oligúria (menos de 400mL
ta para 90% após três a quatro dias do uso do cateter. de urina em 24 horas) ou anúria (ausência total de diu-
rese na bexiga), associada ao aumento progressivo da
uréia e da creatinina no sangue e ocorrência de distúr-
Tratamento
bios hidroeletroliticos.
O tratamento deve ser insti tuído após a coleta de
urina para exames, sendo que, nos casos sintomáticos e
Etiopatogenia - anúria pré-renal, renal e pós-renal
na pielonefrite, o antibiótico de escolha deve ser minis-
trado logo após. A classificação da anúria serve de base para o trata-
Nos pacientes assintomáticos aguarda-se o resultado mento de sua causa. A anúria pré-renal do pós-operató-
da urocultura e não se tratam as mulheres sem problemas rio tem, como causa principal, a hipo tensão durante a
urológicos prévios. Na presença do cateter de demora, operação, seguida de necrose tubular aguda, principal-
aguarda-se a sua retirada para instituír-se a terapêutica mente em idosos.
adequada, a não ser nos casos de doentes sintomáticos. As artérias e arteríolas renais são inervadas apenas
Os antibióticos mais usados são as quinolonas e o sulfa- pelo sistema simpático, vasoconstritor, e não possuem
metoxazol-trimetropim nas infecções não-co mplicadas. inervação parasimpática. O estímulo ou a inibição do sis-

690
•••
Capitulo 56 .: Complicações urológicas

tema simpático provoca, respectivamente, vasoconstri- motivos, a uJtra-sononografia abdominal e pélvica, a uro-
ção ou vasodilatação. grafia excretora e a tomografia são indicadas para mos-
O rim não é órgão prioritário na reclistribuição da cir- trar a causa e o local da o bstrução (Figuras 56.3 e 56.4).
culação sangüínea em caso de h.ipotensão e haverá espas- Na suspeita de causas renais, o teste do cliurético com
mo por vasoconstrição grave da artéria renal, podendo man.itol o u principalmente furosem ida, após reposição
levar à insuficiência renal aguda, principalmente após adequada da volemia, é indicado. A dosagem da furose-
hipotensão, devida à hipovolemia por hemorragia. mida é de 200mg endovenosa e o efeito cliurético é rápi-
Outras causas menos freqüentes são as obstruções das do, e pode ser repetido de seis em seis horas ou até em
artérias renais (por êmbolos que se originam no coração intervalos menores.
ou po r ateromas na aorta e por ligadura inadvertida des- A resposta à furosemida é muito sugestiva de insufi-
sas artérias em operações abdominais) e trombas nas ciência de causa funcional, mas o diurético pode provo-
veias renais, principalmente rumorais. car boa cliurese mesmo nos casos de insuficiência renal
A anúria de origem renal ocorre devido a problemas aguda, transformando-a de oligúrica em não-oligúrica,
de lesão de parênquima renal após glomerulopatias sem influenciar a uremia.
secundárias a operações seguidas de quadro infeccioso
(septicemia, p. ex.), pós-intoxicação hídrica seguida de
hemólise (pós-ressecção endoscópica da próstata, p. ex.),
após uso de vasopressores na h.ipotensão grave e após
uso de d rogas nefrotóxicas.
A necrose tubuJar aguda, que é a lesão anatômica do
parênquima renal, é a causa mais freqüente de anúria pós-
operatória, devido a dois fatores: isquemia e nefrotoxicida-
de. Ocorre no choque hemorrágico, na septicemia, na
transfusão de sangue inco mpaóvel, no parto, nas queima-
duras graves e por uso de meclicamentos nefrotóxicos.
Na anúria pós-renal, o primeiro procedimento é
Figura 56.3 .: Urografia excretora evidenciando hidronefrose bilate-
identificar a origem da o bstrução do trato urinário,
ral decorrente de ligadura bilarernl de ureteres
sendo a causa principal a ligadura inadvertida dos urete-
res em operações pélvicas e ginecológicas. O utras cau-
sas são a litiase renal ou ureteral bilateral, compressão
tumora1, fibrose retroperi tonea1 e câncer de prós tata
com infiltração ureteral. Quando ocorre obstrução uni-
lateral, m uitas vezes, o diagnóstico não é realizado pelos
poucos sinto mas que ocorrem, a não ser a dor lombar e
a infecção urinária secundária.

Figura 56.4 .: Tomografia computadorizada evidenciando


Quadro clínico e diagnóstico hidronefrose bilateral

O quadro clinico consiste na oligúria ou anúria pós-


operatória. D eve-se avaliar se não há retenção urinária, Tratamento e prognóstico
principalmente em obesos, introduzindo-se cateter vesi-
cal de demora (Foley 14 ou 16), que serve também para O tratamento ela insuficiência renal aguda consiste em
monirorização da cliurese nesses casos. identificar e corrigir as causas que são reversíveis. Na
Nos casos de hipo tensão ou h.ipovolemia, deve-se h.ipovolemia, eleve-se fazer a reposição de volume moni-
fazer a medida da pressão venosa central, além da dosa- rorizando a pressão venosa central e outros parâmetros.
gem da uréia, da creatinina e de eletrólitos no sangue. Na Essa reposição vai depender do tipo de perda, se sangüi-
suspeita de o bstrução das vias urinárias por diversos nea o u de líquidos. Nos casos de aumento de potássio,

691
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

••
soluções polarizantes poderão ser usadas e, na acido e os procedimentos em que há maior possibilidade de
grave, o bicarbonato. Se essas medidas não forem uft- ocorrer a insuficiência renal aguda, como em operações
cientes, nas duas situações, deve ser feita hemodiálise ou para tratamento de icterícia obstrutiva, clampagem de
diálise peritoneal. aorta, operações com circulação extra-corpórea, certos
Nas obstruções das vias urinárias, deve-se corrigir as procedimentos cirúrgicos renajs e transplantes, além de
causas com uso de cateteres (p. ex. obstrução ureteral- se evitar a hipotensão, pode-se usar o manitol pro fil a rica-
catcter duplo J) ou operações corretoras urgentes (como mente, e proceder a hidratação vigo rosa'.
nefrostomias o u operações para corrigir ligadu ras o u cál-
culos ureterais), gue vão restaurar a função renal na
maio ria dos casos. Referências
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Profilaxia 1991;20:606-1O.
3• \X'alsh PC, Recik AB, Stamey TA. Urina!)' retention postoperativc.
A insuficiência renal aguda no pós-operarono deve In: CampbcU"s Urology. 8' ed. t. Louis; Elsevicr Science.
ser evitada a todo custo, por se tratar de situação muito 2002:960- 1.
4• Kunin CP. I. Infecção do trato urinário c pielonefrite. In: Cecil -
grave. o peroperatório, deve-se evitar a hipo tensão
Trarado de l\ ledici na In terna. 21" ed. Rin de Ja neiro:
arterial, principalmente em idosos e pacientes com fun- Guanabara- Koogan. 2001.
ção renal deteriorada. 5• Andrade DF. Insuficiência renal aguda. In: Paolucci r\.
efrologia. Rio de Janeiro: Guanabara-Koo).,.-an. 1977:156-79.

692
- 57
COMPLICAÇOES
DIGESTIVAS

•• •
Rodrigo Gome da ilva, Geraldo Henrique G o uvêa de Miranda,
Maria Isabel Toulson D avisson Correia

Introdução ria; entre elas salienta-se o controle da dor, a oferta pre-


coce de nutrientes c a mobilização.
As complicações digesti vas de pacientes submetidos a D as complicações digestivas, as físrulas são, sem dúvi-
tratamento cirúrgico são freqüentemente associadas ao da, as gue aca rretam maio r morbidade e mo rtalidade
procedimento em si e à anestesia a que se submetem. r o cirúrgica. Ocasionam ai nda au mento do tempo de inter-
entanto, diversos fatores predisponentes podem contri- nação hospitalar e impacto psicológico para o doente,
buir para o surgimento de maior número de complica- seus fa miliares e para a própria equipe de saúde. O diag-
çõc diges ti,·as no pó -operatório. nó rico precoce e o manejo adequado de pacientes com
A presença de náuseas e ,-ómito é uma das principais físruJas digesti vas são fato res que interferem diretamente
queixas referidas pelo pacientes no pós-operatório imedia- no prognóstico do doente.
to. A etiologia das náuseas e dos vômitos pós-operató rios é
multifatorial, envolvendo desde fatores de risco diretamen-
te relacionados com o doente (como hábito de fumar) até Náuseas e vômitos pós-operatórios
aqueles associados ao uso de diversas drogas anc tésicas,
Conceito e incidência
como os opióides. A abordagem dessas complicações pode
ser feira de duas maneiras: profilática e terapêutica, como As náuseas e os vômitos pós-operatórios são as princi-
será discutido posteriormente. pais quei-"'as referidas pelos pacientes no pós-operatório
A distensão gástrica aguda é complicação não muito imediato. Esta sessão refere-se, portanto, às náuseas e aos
freqüente, secundária a alterações metabólicas c hidrocle- vômitos que ocorrem nas primeiras 24 horas após a opera-
trolíticas, ou relacionada a outro fatores de ri co, dos ção. Aproximadamente 10% do pacientes apresentam náu-
guais salientamos a anorexia nervosa, a bulimia, o volvo seas e vômitos na sala de recuperação anestésica e 30%, nas
gistrico, a hérnia diafragmática e a ceroacidosc diabética. primeiras 24 horas. Além disso, 1% dos pacientes operados
Apó a instituição do tratamento clinico, em geral, o gua- é readmitido no hospiml por náuseas c vômitos de dificil
dro regride em até 48 horas. controle'. Os pacientes classificados como de alta risco para
dismotilidade gastrointestinal ou íleo pós-operató- essa complicação apre entam-na em até 800/o dos
rio é fenômeno fi sio lógico decorrente de diversas etiolo-
gias que, quando perpetuada, aca rreta náuseas, vômitos e
Abordagem preventiva e terapêutica
distensão abdominal. A magnitude da dismotilidade é, via
de regra, proporcional à agressão e afeta os segmentos Existem dois modos de se abo rdar essa complicação:
gastrointestinais de maneira diferente. Várias atitudes o preventivo e o terapêutico. O modo preventivo é aque-
podem ajudar a minimizar a dismotilidade pós-opcrató- le em gue pacientes com maior risco de ap resentar náu-

693

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

seas c vômitos pós-operatórios são identificados e trata- m ida red uza a taxa de náuseas e vômitos após procedi-
dos de maneira profilática. A segunda abordagem é o tra- mentos cirúrgicos. Em uma meta-análise, a metoclopra-
tamento daqueles que apresentam a complicação. mida não foi superior ao placebo na profilaxia dessa
A profilaxia das náuseas e vômiros pós-operatórios complicação. Na dose usualmente utili zada na prática cli-
deve ser instiruida apenas em pacientes classificados nica, 1Omg, não apresentou efeito antiemético, nem anti-
como de alto ri co para essa complicação. esses pacien- náuseas, em pacientes no pós-operatório7 • Mesmo em
tes, medidas preventivas podem reduzir a taxa de ocor- associação com outros antieméticos, como a dexameta-
rência em 30% a 40% 2 • Estudo recente mostrou que, sona, a metoclopramida não se mostrou eficaz8 • Além
para pacientes de baixo risco (taxa estimada de 1 0%), a disso, diversos estudos comparativos mostraram supe-
profilaxia reduziria sua ocorrência em apenas 3% . I sso rioridade dos antagonistas dos receptores S-HT3 em
corresponderia a tratar 40 pacientes para evitar essa com- relação à metoclopramida'·9 • Po r outro lado, Hirayama et
plicação em apenas um paciente. Conseqüentemente, a aJ.9 avaliaram diversos estudos com a metoclopramida
profilaxia em pacientes de baixo risco não tem sido reco- em doses que variavam entre 1Omg e 80mg (média: 40
mendada. esses pacientes, deve-se tratar a complicação, mg) e concluíram que, em pacientes com náuseas e vômi-
em vez de proceder-se à proftlaxia 1• tos induzidos por morfina, a metoclopramida foi eficaz.
Em algu ns procedimentos cirúrgicos, como o pera- No entanto, nesse estudo, a metoclopramida foi inferior
ções otorrinolaringológicas o u de cabeça c pescoço e em à dexametasona e ao droperidol. Um ún ico estudo mos-
neurocirurgias, os vômiros devem ser especialmente evi- trou que a metoclopramida, na dose de 20mg, foi similar
tados e, nesses casos, os anestesiologistas têm utilizad o à o ndansetrona' 0• Em reunião de consenso nos Estados
combinações de medidas preventivas. Unidos, publicada em 2003, embora a maioria dos espe-
Um dos escores simplificados mais utilizados para cialistas concordasse que a metoclopramida não tem efei-
identificar pacientes de alto risco foi publicado por Apfel to antiemético, não houve unanimidade entre eles 11 •
et a1•. Quatro fatores de risco são considerados: sexo Os antagonistas da serotonina (receptores 5-hidroxi-
feminino, história de náuseas e vômiros em operação triptamina tipo 3), a dexametasona (corticóide) e o dro-
prévia ou cinetose, stalm de não-fumante e uso de opió- peridol (neuroléptico) são as drogas mais estudadas na
des no pós-operató rio. e zero ou um fator está presen- prevenção de náuseas e vômitos pós-operatórios. A
te, o paciente é classificado como sendo de baixo risco•. administração de dexametasona na dose de 8mg ou 1Omg
Os pacientes com dois ou mais fatores são ela sificados é eficaz em sua prevenção. A dexametasona admi nistra-
como de alto risco. Se zero, um, dois, três ou quatro fato- da imediatamente antes da indução anestésica se mostrou
res de risco estão presentes, a taxa de náuseas e vômitos mais eficaz do q ue quando administrada no final da anes-
pós-operatórios é, respectivamente, de 10%, 21%, 39% , tesia'2.u. Além disso, pode ser utilizada concomitante-
61% e 79%s. Certos tipos de procedimentos cirúrgicos, mente a o utras drogas. Um recente estudo mostrou asso-
como operações urológicas e gi necológicas, têm sido ciação benéfica entre a dexamctaso na e o ondansentrona,
considerados impo rtan tes condições de risco•. mas não entre a dexametasona e a metoclopramida 11 •
Vários antieméticos, incluindo anti -histamínicos Os antagonistas dos receptores S-HT3 disponíveis
(hidroxizine, prometazina), butirofenonas (droperidol), são a o ndansetrona, a gra nisetrona, a tropisetrona e a
corticóides (dexametasona) e procinéticos (metoclopra- dolasetrona9 • A eficácia desse grupo de medicamentos,
mida), têm sido utilizados com o objetivo de reduzir a que deve ser administrado no final da anestesia, na pre-
ocorrência dessa complicação. ovas drogas, como o venção de náuseas e vômitos pós-operatórios, parece ser
ondansetro n, antagonista dos receptores S- HT3, têm-se similar'. E ntretanto, recente estudo com pacientes que
mostrado mais eficazes na prevenção e no tratamento, apresentaram náuseas o u vômitos após operações ambu-
com menos efeiros indesejheis' 9 • lato riais, mostrou superioridade da dolasetrona sobre a
A mctoclopramida tem efeito antiemético por apre- ondansetrona 14 • O efeito antiemético dos antagonistas 5-
sentar afinidade com receptores D 2 dopaminérgicos. HT3 é reconhecidamente superio r ao efeito antináuseas'.
Entretanto, apesar de ser utilizada há vários decênios no A o ndasetrona é o antagonista 5-HT3 mais estudado.
tratamento de náuseas e vômitos, inclusive em pós-ope- As doses disponíveis são 4mg ou 8mg. Ela pode ser uti-
ratórios, não há evidência científica de que a meroclopra- lizada tan to na prevenção, quanto no tratamento dessa

694
Capítulo 57 .: Complicações digestiva.s

••
co mplicação. ma re,·tsao sistematizada concluiu que laxia na medida em que não se deve repetir a droga ante-
náuseas e vômitos pós-operató rios podem ser preveni- rio rmente utilizada na pro filaxia2<'.2'. (Quadro 57. 1)
dos com a administração de 8mg de o ndansetro na
endoveoosa's. O efeito ao tiemético foi mais pronunciado Quadro 57.1 .: Drogas na prevenção e no tratamento de
náuseas c vômitos pós-operacó rios
que o efeito anti náuseas. Po r o utro lado, quando se co m-
pararam as doses de 1mg, 4mg e Smg, o bservou-se que --------------------------------------------··•
apenas 1mg de ondasentrona é suficiente para tratar essa
Buoferonas - droperidol
complicação 16 • Provavelmente, uma pequena quantidade
de o ndansetro na é necessária para bloquear o receptores

.··--------------------------------------------
Proanéocos - metocloprarruda
5-HTJ em pacientes co m vômitos e doses maiores são
5-Hn- ondanlcntrooa
necessárias para o bloqueio profilático desses recepto-
res'. O efeito colateral mais co mum dos antagonistas
SHTJ é a cefaléia. No entanto, astenia, sonolência, d iar-
réia e constipação também são complicações relatadas.
Dilatação gástrica aguda
Revisões sistematizadas mostram melho ra na eficá- Etiologia
cia da preve nção de náuseas e vômitos quando se utili-
zam tratamentos combinados. O efeito siné rgico da A causa da dilatação aguda do estômago no período
associação de o ndansetrona e droperido l o u o ndanse- pós-operatório é multifatorial. D ismotilidade gástrica,
trona c dexametasona foi avaliado em diferentes estu- alterações metabólicas c hidroeletrolíticas estão implica-
dos'"·'". Recente meta-análise concluiu que os antagonis- das na gênese dessa complicação'Q. Ano rexia nervosa,
tas do receptores 5-HTJ combinados co m droperid o l bulimia, volvo gástrico, hérnia diafragmárica, cetoacidose
são tão e ficazes quanto sua associação com a dexameta- diabética e múltiplos traumatismos são reconhecidos
sona2'. Outro estudo envolvendo 5.199 pacientes ava- como causas de dilatação do estômago.
liou 64 diferentes estratégias possíveis na prevenção de
náuseas e vômitos pós-operató rios. Os auto res obser-
Manifestações clínicas
varam q ue tanto a o ndan errona co mo o dro perido l e a
dexametasona reduzi ram sua ocorrência em 26% . Eles As principais manifestaçõe clinicas são di tensão e
conclufram que, como cada intervenção preventiva tem do r abdominais, dispnéia c vômitos persis tentes.
aprox imadamente a mesma eficácia e age independen- Taquicardia, oligúria, choque e até mesmo arritrnias car-
temente, o mais seguro o u o mais barato deve ser utili- diacas podem oco rre?'. O diagnóstico é baseado no qua-
zado como p rimeiro esquema. O aumento do número dro clínico e, freq üentemente, confirmado pela radiogra-
de intervenções resulto u em diminuição da taxa dessa fia simples do abdo me. As principais conseqüências da
complicação. em antieméticos, 52% dos pacientes dilatação gás trica aguda são aspiração pulmonar, hemor-
apresentaram náu eas e vômitos. Essa taxa caiu para ragia diges tiva alta após descompressão rápida, perfura-
37%, 28% e 22%, quando se introd uziu uma, duas e três ção e até necrose gá trica22 •
intervenções preventiva , respectiva mente. No entanto,
a co nclusão é que as múltiplas intervenções devem ser
Abordagem preventiva e terapêutica
reservadas a paciente com alto risco 1•
Em conclusão, deve-se ponderar que a etiologia das O uso ro tineiro do cateter nasogástrico para sua pre-
náuseas e vômitos pós-operató rios é multifatorial. Os ,·enção em o perações eletivas não é recom endado, na
fato res de risco relacionados ao paciente, à aneste ia c à atualidade. o entanto, a utilização do cateterism o naso-
o peração devem ser identificados. Os pacientes co nside- gástrico após o perações abdo minais parece prevenir a
rados de baixo risco não necessitam pro fil axia. Aqueles ocorrência dessa rara co mplicação2 ' .
co nsiderados de risco moderado devem receber pro fi la- O tratamento consiste na colocação de cateter naso-
xia com uma única droga, inicialmente. Esquemas utili- gástrico - o que, em geral, resulta na dçscompressão gás-
zando mais de uma d roga devem ser reservados àqueles trica e na melho ra rápida dos sintomas -, associada à
pacientes de risco elevado. O tratamento difere da p ro fi - manutenção do jejum e à hidratação venosa22 •

695
.. --------------------------------------------------------------
• Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Dismotilidade pós-operatória prolongada Quadro 57.2 .: Mecanismos d cscncadeadores da dismotilidadc


pós-operatória.

Conceito ----------------------------------------------··
Mecanismos Fatores
Vias inibitórias simpáticas
A dis motilidade pós-operatória, também chamada
Sistema nervoso enrérico Óxido nítrico
ileo pós-operatório, é a resposta fisiológica e inevitável
Hormônios e neuropepddeos Pepddeo vasoativo inteStinal; fator de
do tubo digestivo após um trauma - cirúrgico ou não -, ativação de corticotropina
estimulada por diversos faro res. Em sua vigê ncia, Inflamação lnftltração de macrófagos e ncutrófilos
podem-se observar vômitos e distensão abdominal, além com produção de citoquina• e medi-
adores inflamatórios
do relatO de parada na eliminação de gases e fezes.
Anestesia .ex., fluorano)
Contudo, com freqüência, observa-se ausência de sinto- Bloqueio epidural
mas e/ou sinais. Q uando a dismo tilidade dura mais do Narcóticos Opióides
que o inicialmente esperado, na dependência especial- Desnuttição Diminuição do Auxo csplâncmco
mente da magni tude do trauma, observa-se duradoura
parada ou red ução da progressão do bolo alimentar
=·----------------------------------------------
conhecida como íleo pós-operatório prolongado. Alguns
autores23.2• consideram íleo pós-operatório prolongado Abordagem preventiva e terapêutica
aquele que tem duração superior a 48 ho ras.
O in testino delgado recupera sua atividade motora em
algumas horas após o traum a cirúrgico, o estômago em 24
Etiologia a 48 horas, enquanto que o cólon demora cerca de 48 a 72
A etiologia do íleo pós-operatório é multifatorial. horas. Na prática clinica tradicional, aguarda-se a resolu-
ção da dismo tilidade, traduzida clinicamente em elimina-
Alterações do sistema nervoso au tônomo, neurotrans-
ção de gases o u evacuação para se iniciar a dieta.
rnissores, fatores in flamatórios locais e resposta o rgânica
Acredi tava-se que se o paciente elimina flatos ou apresen-
metabólica e in flamatória, assim como a presença de
ta evacuação (peristaltismo eficaz), a dismo tilidade estaria
diferentes hormô nios, anestesia e anaJgesia pós-operató-
superada e o paciente estaria apto a se alimentar.
ria, têm sido descritos como farores causais.
E ntretanto, esse paradigma tem sido questionado recente-
A hi perati vação do sistema nervoso auronômo sim-
mente e, em mwtos centros médicos, a dieta é reintrodu-
pático durante operação abdominal contri bw para a
zida precocemente no pós-operatório, sem que o paciente
ocorrência do íleo. O bloqueio desse reflexo simpático,
refira ou apresente peristaltismo eficazZ"' ''. a verdade, in.i-
que ocorre com anestesia peridural utilizando anestésicos
ciar a dieta antes de o paciente ap resentar peristal tismo efi-
locrus, como a bupivacaína, red uz significativamente sua
caz parece acelerar a resolução do processo. Estudo recen-
duração 21 • A anestesia periduraJ com opióide, apesar de
teJ(' demonstrou que a ingestão oral precoce foi bem tole-
aliviar a dor pós-operatória, não contribw para reduzir o rada por 86% dos doentes, independentemente da presen-
tempo de dismotilidade intesti nal pós-operatória. A ça de sons intestinrus ou da eliminação de f:latos . E m
anes tesia peridural torácica alta bloqueia a hiperativação outro 12, a alimentaçào precoce, seis horas após o ato ope-
sim pática. ratório, conttibuiu para o retorno da fun çào intestinal mais
A duração do íleo pós-operatório correlaciona-se rapidamente. Stewart et al. 31 mostraram, em estudo pros-
também com a resposta in f:l amatória local do intestino pectivo randomizado, que 80% dos pacientes que recebe-
manipulado, nos casos de operações abdominais. ÓJtido ram dieta precoce toleraram-na melhor, eliminaram flatos
nitrico e outros mediadores inflamatórios são liberados e evacuaram mais cedo .
localmente e contribuem para a dismotilidade observada O utra justificati va para se aguardar três ou quatro dias
no pós-operatório26 • Teoricamente, a utilização, nesse para o reinicio da dieta oral no pós-operatório tem sido o
período, de antiinflam atórios não-esteróides e a redução receio de ruptura de suturas e anastomose, que seria
do uso de narcóticos, que diminuem a motilidade colôni- induzida por distensão ou vômitos secundários à dismo-
ca, também podem reduzir a resposta inflam atória local. tilidade intestinal. Ao contrário do que se acreditava, há

696
•••
Capitulo 57 .: Complicações digestivas

evidências de que a dieta na luz intestinal possa melhorar Fístulas digestivas


a força anastomótica, particularmente em pacientes des-
nutridos'2. A nutrição precoce melho ra a cicatrização e o Conceito
fluxo esplâncnico, estimula a moúlidade intestinal, dimi-
Físrula é a comunicação anormal entre duas superfí-
nuindo a estase e tem impactO na diminuição de mo rbi-
cies epiteliais. a fístula intestinal, o epitélio do intestino
mo rtalidade.
comunica-se com outro revestimento epitelial. E ste pode
A liberação progressiva de nutrientes, iniciada co m
ser a pele, na fístula externa ou enterocutânea, ou o epi-
líguidos e progredindo até alimentos sólidos, tem sido
télio de outra víscera oca, como a bexiga, na físrula ente-
outro aspecto controverso e di scutido por muitos cirur-
rovesical, um exemplo de fistula interna. Outros locais de
giões gue, na sua maio ria, ainda acreditam gue esta
fístulas internas são o próprio trato gastrointestinal, a
següência deva ser respei tada. Contudo, em estudo
cavidade peritoneal, o retroperitônio e os espaços pleural
prospecti,·o rando mizado, realjzado no Hospital das
o u mediastinal 16 •
Clínicas da UFi\fG, Sanches et a1. 11 acompanharam 165
doentes submetidos a tra tamento cirúrgico eleti vo para
afecções digestivas altas. A um grupo foi permitido Etiopatogênese
ingerir dieta livre tão logo es a foi liberada, após a elimi-
nação de fla tos ou a evacuação. Outro grupo recebeu Fístulas gastrointestinais são freqüentemente secun-
alimentos de acordo com a progressão habitual (dieta dárias à intervenção cirúrgica abdominal. Sua principal
líquida até dieta regular). Os au to res não enco ntraram causa é a deiscência de sutura ou anastomose digestiva.
nenhuma diferença na incidência de complicações ou Eventualmente, podem ser causadas por lesões traumáti-
na intolerância à dieta entre os do is grupos. Além djsso, cas iatrogênicas desapercebidas no peroperatório ou,
os pacientes que inge riram a d ieta livre receberam mais menos freqüentemente, podem decorrer de erosões da
calorias no primeiro dia da liberação da dieta. O s auto- parede intestinal provocadas por drenas. Abscessos
res recomendaram a liberação de dieta livre como pri- abdominais o u pélvicos, ao "procurarem" local para sua
meira opção tão logo esta seja liberada. drenagem espontânea, também podem causar rup tura da
os estudos mais recentes, com a liberação precoce da Linha de sutura anastomótica.
dieta no pós-operatório imediato ou no primeiro dia pós- Po r o utro lado, fístulas enterocutâneas espontâneas
operatório, a maioria dos autores tem utilizado a dieta líqui- podem ser secundárias a processos patológicos como
da como primeira opção, para avaliar a tolerância do doença de Crohn, enterite actínica, diverticu!ite aguda e
paciente e rapidamente progredir para a dieta sólida. câncer avançado do aparelho digestivo. Além disso, cau-
Durante muitos an os, o cateter nasogás trico foi utili- sas incomuns como tuberculose intestinal, histoplasmo-
zado no pós-operatório precoce na tentativa de reduzir a se colô nica e actinomicose podem ser também observa-
duração e os sinto mas do íleo pós-operatório . Era retira- das. Físrulas espontâneas são raras e, na maioria das
do apenas guando o paciente relatava eli minação de fia- vezes, secundárias à doença de Crohn.
tos ou evacuação. o entanto, seu uso de rotina no pós-
operatório de intervenções no aparelho digesti vo tem
sido guestionaclo por inúmeros autores. Estudo realizado
Fístula anastomótica
no Hospital elas Clínicas da UFMG34 mostrou que o uso
Incidência
profilático e rotineiro de cateteres nasogástricos não só é
de necessário, como parece se associar a maior número A fístula anastomótica é uma das complicações pós-
complicações, principalmente pulmonares, e a maior o peratórias mais temidas pelo ciru rgião, com alta mo rbi-
tempo de internação. Estudo de meta-análise 15 mostrou mo rtaljdade. Sua incidência é de aproximadamente 3% a
que, para cada paciente que utilizou cateter nasogástrico 10%1'. Os pacientes com fístuJa gastrointestinal têm per-
no pós-operatório, pelo menos outros 20 não demanda- manência hospitalar aumentada, variando de semanas a
ram a sua inserção. Pode-se concluir que o uso rotineiro meses. Conseqüentemente, são observados altos custos
de cateter nasogás trico na profilaxia elo íleo pós-operató- hospitalares, com internação em centro de tratamento
rio não tem base cienófica. intensivo, nutrição parenteral e/ ou enteral, antibioticote-

697

••
Fundamentos em Clínica Cirúrgica

rapia, re-operações, entre outros. Apesar da melho ra dos ca da fistula enterocutânea. Algumas vezes, a drenagem
resultados com a introdução do suporte clínico intensi- de conteúdo entérico não é precedida pela drenagem de
vo, nutrição parenteral e modernos antibióticos, a taxa de pus. Nesse estágio, o abdome torna-se cada vez menos
mortalidade atual dessa complicação cirúrgica é ainda sig- tenso, indicando que o processo está sendo bloqueado.
nificativa e, geralmente, situa-se entre 20% e 30%38•39 • Clinicamente, à medida que o processo é exteriorizado, o
paciente apresenta melhora do quad ro clínico geral.
Muitas vezes, abscessos intra-abdominais são forma-
Diagnóstico e quadro clínico
dos nesse processo. A principal causa de morte em
A fistula anastomótica, geralmente, ocorre entre o pacientes com fístula é a sepse não-controlada.
terceiro e o quinto dia pós-operatório, mas o diagnóstico Conseqüentemente, deve-se realizar método de imagem
é freqüentemente realizado entre o sexto e o nono dia abdo minal o u pélvico para descartar a presença de abs-
pós-operatório. Em um estudo41 , as fistulas de anastomo- cesso residual. A tomografia computado rizada é o méto-
ses colo rretais baixas, situadas na pelve, foram diagnosti- do de escolha. Em geral, ela deve ser solicitada após o
cadas entre o terceiro e o 24° dia pós-operatório, com oitavo dia pós-operatório, quando possível abscesso em
média de dez dias. E m outro estudo, observou-se média formação pode ser diagnosticado.
de cinco dias entre o primeiro sinal clínico da fístula e sua
complicação abdominal séptica42•
O paciente que desenvolve físrula digestiva evolu.i Fatores de risco e medidas preventivas
bem, em geral até o terceiro dia pós-operatório. O sinal E ntre os fatores de risco associados à físrula anasto-
clínico mais precoce é a taquicardia, seguida por dor
mó tica podemos citar: doença de Crohn, desnutrição,
abdominal. A do r pode ser localizada ou difusa. O exame
peritonite purulenta, insuficiência renal crônica, doença
físico pode revelar nitida irritação peritoneal; em alguns
pulmonar obstrutiva crônica, uso de corticosteróides,
casos, o abdome pode apresentar-se apenas tenso, sem
transfusão p eriop eratória, cirrose, imunodeficiência,
franca irritação do peritônio. Febre e sinais de compro-
doença vascular mesentérica, operação prévia e/ ou de
metimento sistêmico quase sempre estão presentes.
urgência tensão na linha de sutura, hipertensão à jusante,
Exames laboratoriais revelam leucocitose e a proteína-C-
fios inadequados e má qualidade técnica da anastomo-
reativa está aumentada. Pacientes submetidos a anasto-
se•3·45. E m operações colorretais, a leucocitose pré-opera-
moses siruadas na pelve podem, inicialmente, não apre-
tória, as condições sépticas peroperatórias e a transfusão
sentar sinais abdominais. Pacientes que não bloqueiam o
de sangue pós-operatória têm sido correlacionadas com
processo e, rapidamente, desenvolvem sepse abdominal,
maior risco de físrula anastomótica.... E m u.m outro estu-
por liberação de líquido entérico para dentro da cavidade
peritoneal, apresent,'lm hipotensão arterial, taq uipnéia, do47, anastomoses próximas da borda anal (< 7cm) apre-
confusão mental e choque séptico. Nesses casos, a irrita- sentaram maior risco de deiscência. O utro estudo mos-
ção peritoneal é franca e a relaparotomia imediata está trou que anastomoses siruadas Sem abaixo da bo rda anal
indicada para o tratamento da peritonite. N o entanto, na apresentavam risco 6,S vezes maior do que aquelas acima
maioria das vezes, o processo é mais lento, com a tentati- de Sem. O sexo masculino também foi fato r de risco para
va do organismo, geralmente o omento maior, de blo- surgimento de fístula após anastomose colorretal muito
quear o processo. D esse modo, muitas vezes o cirurgião baixa. A hipualbuminemia, em pacientes
diagnostica a fisrula a partir do sexto dia pós-operatório, com albumina inferior a 3,0g/dL, é importante fator de
embora o processo tenha se iniciado mais cedo. O pacien- risco para ruptura da linha anastomótica45•
te, que muitas vezes já havia eliminado flatos ou evacua- Tecnicamente, a anastomose digestiva deve ter três
do, apresenta distensão abdominal, náuseas, vômitos, características principais: boa irrigação, ausência de ten-
hiporcxia, parada de eliminação de gases e fezes, febre, são e adequada aproximação das bordas. N ão existe
além de dor no abdome, nesse caso, geralmente, localiza- dife rença nas taxas de fístulas, se a anasto mose é feita
da. Infecção incisional superficial após o quarto dia é em um plano ou em dois planos, ou se manualmente o u
achado comum. Após drenagem de secreção purulenta, po r grampeador mecânico, desde que os três princípios
por um a dois dias, surge a secreção entérica característi- citados sejam seguidos.

698
•••
Capítulo 57 .: Complicações digestivas

A literatura apresenta resultados contraditórios em crônica; na doença duodenal ou da am po la de V ater; em


relação aos corticosteróides como fator de risco para a pacientes com idade avançada; naqueles com icterícia
fístula anastomótica•6·" . Estudos experim entais mostram de longa du ração; no choque peroperató rio; e no casos
que os esteróides afetam negativamente a cicatrização. de inexperiência do cirurgião. A utili zação de octeotride
No entanto, estudos clinicas não observaram maior taxa não reduz a taxa de fístulas pancreáticas após duodeno-
de fístula em pacientes que receberam corticosteróides pancreatecto mias ' 2 .
comparados com os que nào receberam esta mecticação.
Recentemente, estudo da Mayo Clinic43• mostrou que
das fistulas
pacientes com doença de Crohn em uso de altas ou
moderadas doses de corticosteróides, imunossupressores Fístulas enterocutâneas podem ser classificadas quan-
o u infliximab não apresentaram maio r taxa de fístulas to ao débito, à localização anatômica e à complexidade.
anastomóticas e complicações sépticas. Se o débito diário é maio r que SOOmL, as fístulas são con-
Pacientes com trauma abdominal podem necessitar sideradas de alto débito. Estas apresentam repercussão
de anas to mose ou enterorrafia para correção de lesões clínica maio r que as fistulas de baixo débito (drenagem
intestinais. Os principais fato res de risco para deiscência <500mL/ 24h). Alguns autores classificam as fístulas de
e fistula anastomótica são a transfusão maciça de sangue alto débito como aquelas com drenagem maior que
no peroperatório e a necessidade de reposição volêmica 200mL por dia, po r pelo menos 48 ho ras. Quanto à loca-
vigorosa, o que traduz a associação dessa complicação lização, são divididas em fístulas do trato gastrointestinal
com a gravidade do trauma. A presença de secreção pan- alto quando ocorrem até o jejuno, e baixas quando envol-
creática secundária a lesão pancreática associa-se a ruptu- vem o íleo e o cólon. Fístulas complexas são aquelas que
ra de suturas duodenais49 . envolvem múltiplas alças intestinais o u estão associadas a
A realização de estomia protetora da anasto mose tem abscesso intra-abdo minal.
como objetivo impedir a passagem de conteúdo fecal
pela linha amtstomótica43• Entretanto, ela não diminui a
Abordagem terapêutica
incidência de fistula, mas evita sua repercussão clinica,
muitas vezes com risco de morte. Desse modo, anasto- As fistu las apresentam, em geral, fechamento espon-
moses colo rretais muito baixas são preferencialmente tâneo, no tempo médio de seis a oito semanas. o entan-
protegidas com estomia pro tetora, que pode ser colosto- to, alguns fatores contribuem para a persistência do tra-
mia ou, principalmente, ileostomia em alça49 • jeto fistuloso, como a pre ença de corpo estranho, obs-
Apesar do uso comum na prática clínica de drenos trução em segmento distai à fístula, presença de infecção,
colocados próximos à anasto mose, não há evidência câncer e radioterapia prévia. Q uando ocorre epitelização
científica de seu beneficio que justifique sua utilização do trajeto fistuloso (fistula labiada), essa continuidade
sistemática. O principal objetivo seria ctirigir e drenar o mucocutânea impede o seu fec hamento espontâneo.
conteúdo digestivo de possível fistula e evitar, desse Fístulas persistentes requerem intervenção cirú rgica para
modo, a peritonite difusa, minimizando a necessidade de seu fechamento. Isso demanda nova lapa rotomia, que
relaparotomia. No entanto, a capacidade dos drenos em deve ser adiada até resolução do processo inflamatório e
evitar a peritonite secundária à fistula foi de apenas 5% in feccioso e melhora do estado clínico geral.
(um em 20 pacientes com flstu la)'. Recente meta-análise Os pilares do mane jo do paciente com flstuJa encero-
mostrou que a única anastomose que teria indicação de cutânea são a correção hidroeletrolítica, a instituição de
drenagem sentinela é a esofago-jejunal. Apesar dessa anribioticoterapia, a terapia nutricional, os cuidados com
recomendação, o grau de evidência foi de apenas D. Para a pele, a avaliação da indicação de relaparotomia de
as outras anastomoses a conclusão é que o uso de d renos urgência ou a necessidade de drenagem percutânea para
não influencia a taxa de mo rbimo rtalidade, sendo, por- controle da sepse. Essas medidas requerem o trabalho de
tanto, não recomendados rotineiramente5 1• equipe (cirurgião, clínico, equipe de terapia nutricio nal,
As fístulas pancreáticas são mais comuns nas seguin- radiologista intervencionista, enfermeiros e fi sio terapeu-
tes siruações: após a duodeno pancreatectomia, quando tas), para diminuir os riscos e a morbidade associados a
o pâncreas não está endurecido como na pancreatite essa complicação.

699
..

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Fundamentos em Clínica Cirúrgica

Após o diagnóstico de fistula, a instituição de reposição controlar o débito do conteúdo entérico de fistulas sem
volêmica e a correção dos distúrbios hidroeletrolíticos, obstrução distai. Isso facilita o controle clínico do
associadas ao inicio de antibióticos por via intravenosa, são paciente, visto gue as perdas de líguidos e eletrólitos
procedimentos essenciais na recuperação do paciente. serão reduzidas. Com a utilização da octeotrida, a morbi-
Duran te esse processo, o cirurgião deve tomar a decisão de dade secundária à fístula pode ser diminuída, com menor
proceder ou não à relaparotomia. Pacientes gue apresen- tempo de hospitalização e melhor cuidado da pele frente
tam franca irritação peritoneal secundária a peritonite e ao menor volume do etluente. Apesar de reduzir o
chogue séptico demandam realização da laparotomia ime- tempo de fechamento da fístula, a octeotrida não parece
diata, pois o prognóstico do doente está diretamente rela- aumentar a taxa de fístulas gue fecham espo ntaneamen-
cionado à precocidade do tratamento. Nesses casos, a exte- te, nem a taxa de mortalidade. P ortanto, seu papel no tra-
riorização do local da fístula, com a consegüente confecção tamento das fístulas permanece controverso, e alguns
de estomia, sempre gue possível, é o procedimento mais autores somente a indicam para fístulas de alto débito54 •
aconselhável. Fístulas gue aparecem a partir da segunda A pele ao redor do local o nde se exterioriza a drenagem
semana, provavelmente, podem ser conduzidas sem neces- de conteúdo entérico deve ser rapidamente protegida.
sidade de laparotomia de urgência. Excetuam-se, nesse Existem pastas especiais gue protegem a pele da agressão
caso, os pacientes com abscesso intra-abdominal sem pos- do suco entérico e evitam a dermatite gue traz grande des-
sibilidade de drenagem por via percutânea, sangramento conforto ao paciente. Isso permite a colocação de bolsa de
intra-abdominal e isguemia mesentérica.
colostomia para coleta do conteúdo entérico. Muitas
Inicialmente, a hidratação endovenosa é ins tituída de
vezes, em fístulas de alto débito, um dispositivo de aspira-
acordo com o peso do paciente e levando-se em conta as
ção continua do etl uen te deve ser instituído.
perdas insensíveis e o débito da fístula. Sódio, potássio e
As fístulas fecham espontaneamente em aproximada-
magnésio devem ser repostos de acordo com as medidas
mente 70% dos casos. Portanto, o tratamento cirúrgico
dos valores séricos. E m geral, na fase inicial do tratamen-
definiti vo será necessário em vários casos. A densa rea-
to, o jejum é instituído, mas a liberação de liguidos, de
ção peritoneal logo após a operação primária gue resul-
acordo com o tipo (alto versus baixo débito) e a localiza-
tou na fístula, faz com gue a espera de melhor momento
ção anatômica (esôfago versus cólon) é permitida. Muitas
para re-operação seja uma escolha sábia. D esse modo,
vezes, cateter nasoentérico ou jejunostomia são utiliza-
dependendo das condições, a re-operação pode ser reali-
dos para a alimentação enteral, principalmente em fístula
zada três meses ou mais, após o diagnóstico da fístula.
de baixo débito ou guando posicionados distalmente ao
ori fício fistuloso. A nutrição parenteral, gue durante I sso permite gue os déficits fisiológicos sejam restaura-
muito tempo foi o tratamento nutricional de escolha, é dos, gue o paciente ten ha o estado nutricional melhora-
ainda utilizada em pacientes com fístulas de alto débito do e, além do mais, é sobremaneira importante gue a dis-
ou nagueles sem acesso ao trato gastrointestina!. Estudos secção cirúrgica torne-se mais fácJ. E m recente estudo, a
recentes têm destacado a importân cia de se manter o mediana para nova laparotomia com o objetivo de corri-
estimulo trófico da mucosa intestinal com dieta enteral. gi r a fístula foi de oito meses (variou de um mês a 180
Mesmo em pacientes com fístulas pancreáticas, a utiliza- meses) após a ocorrência da fistulização 55.
ção da nutrição enteral é benéfica. t\ administração de O melhor procedimento cirúrgico para tratamento
nutrientes na segunda alça je junal não esti mula em exces- tardio de trajeto fistuloso é a ressecção do segmento
so a fu nção exócrina do pâncreas e produz resultados intestinal jun tamente com o trajeto fi stuloso. Uma nova
eguivalentes à admi nistração parentera! de n utrientes51 • anastomose término-terminal deve ser realizada fora de
Drogas gue au mentam o pH do estômago, como os processo inflamatório. Algumas vezes, por dificuldade de
antagonistas do receptor H 2 e os inibidores da bomba de mobilização do intestino, a ressutura do local da fistula é
prótons, diminuem a secreção gástrica, mas não auxiliam a única alternativa do cirurgião. o entanto, estudo
no fechamento da fístula. Drogas gue inibem a motilida- recente demonstrou gue a ressecção apresenta resultados
de intestina!, como a loperamida, podem ser administra- melhores do gue a ressutura. Além disso, este mesmo
das a fim de reduzir o débito da físru la. A octreotida, um estudo confi rmou gue a taxa de refistulizacão é maior
análogo da somatostatina, tem-se mostrado eficaz em guando a operação é realizada mais precocemente 56 .

700
Capítulo 57 .: Complicações digestivas

••
A cola de fibrina, injetada no trajeto fistuloso por tic antiemetic fo r postoperative nausca and vomiting. Anesr
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Além disso, técnicas endoscópicas, como clipes e endo- 15 • Waldcr B, Tramer MR. E videncc-based medicine anel the syste-
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