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tales jaloretto

é formado por alberto caeiro, ariane mnouchkine,


bob marley, black alien, bruce lee, cartola, cha-
plin, chico buarque, chico science, dalí, da vinci,
glauber rocha, machado de assis, manoel de bar-
ros, mario de andrade, meisner, mestre bimba,
lars von trier, paulo freire, pina bausch, plauto,
tarantino, raul seixas, robert johnson, saramago,
stanislavsky, van gogh, vinicius de moraes. per-
nambuco, moçambique, madri, amsterdã, buenos
aires, cuba, brasis. saraus, capoeira, cerveja de
trigo, picanha, amigos, família, brincadeiras mi-
rabolantes, misto quente, jamón, suco de laranja,
frutos do mar, lasanha. amores e desamores, ale-
grias e tristezas... e pela criança que cultiva em si.
é ator, arte-educador e jornalista cultural e publi-
cou o artigo expressões culturais: formas de enfren-
tamento do racismo na revista acadêmica uscs, em
2010. reportagens, ensaios e críticas em revistas
no brasil, espanha, portugal e romênia. tem poe-
sias em sete antologias poéticas e distribuída na
flip, em 2017. prêmio literacidade pelas poesias
poema protesto para brincar de ser fernando pessoa e
soma ou some ou morra; e no festival icozeiro com
a poesia quando chuvava em mim. participa como
poeta, artista e curador do proyecto internacional
de poesía gráfica que circulou por 11 países, com-
posto por 15 poetas de distintas nacionalidades.
APRENDI A VOAR QUANDO FUI
EMPURRADO DO PRECIPÍCIO

tales jaloretto

editora Urutau
primeira edição
2020
editora Urutau

rúa juan bautista de andrade, 67 – 5A


36005 pontevedra

rua maestro demétrio kipman, 210,


jardim américa, bragança paulista - sp,
brasil
12902-130

[+55] 11 94859 2426 [brasil]


[+34] 644 951 354 [galiza]

www.editoraurutau.com.br
contato@editoraurutau.com.br

[editores]
tiago fabris rendelli & wladimir vaz
[revisão]
debora ribeiro rendelli
[capa & diagramação]
victor prado

© jaloretto, 2020.

dados internacionais de catalogação na publicação (CIP) de acordo com ISBD

jaloretto, tales
J26a aprendi a voar quando fui empurrado do precipício / tales jaloretto.—
bragança paulista, sp : editora urutau, 2020. 70 p. ; 14cm x 19,5cm

ISBN 978-65-87076-47-8

1. Literatura brasileira. 2. Poesia. I. Título.

CDD 869.1
2020-1779 CDU 821.134.3(81)-1

elaborado por odilio hilario moreira junior - CRB-8/9949


sumário

[9] sinopse

sinapse

[11] poema protesto para brincar de ser fernando pessoa

cerebelo

[15] estrofes soltas

lobo temporal

[17] entre mim e tu, me-te(-se)(-)lhes o a

lobo frontal

[19] tanto quanto tempos esses de explicar o óbvio;


tanto mais, ter palavras simples um aquariano!
[20] metamorfose
[21] o que fez para preencher seus vazios
[22] sob a porta torta do ano que se viu
ou por entre qualquer batente
[23] olhos sobre trela
[24] quiça quererá
[25] ilógico quadro imortal
[28] rolo compressor comprimido
[30] quando a jornada inábil (de herói) se preocupa
como o humano monótono(ia)!
[31] anta-logia cibernética: sobre como eu não sei
fazer poesia

lobo occipal

[35] sobre versos de pedra


[37] hoje a lua míngua. hoje!
[38] ser brasileiro
[40] sobre urubus e hienas
[41] qu’em mim
[43] mlp: museu da língua presa
[44] quem se importa?
[48] neverland ou as (in)existentes faixas de gaza
[49] fui assaltado com um três oitão: R$ 3,80

hipocampo

[53] quando chuvava em mim

lobo parietal

[57] pão & azia


[58] tela branca em olhos mar
[59] some ou soma ou morra
[60] 22h22
[62] desempregado coração autônomo
[66] yo quería escribir los versos más tristes esta noche

6
7
*
* *

8
sinopse

da janela do seu quarto a observar o mundo, homem-predicado


encontrou em versos seu processo a homem-sujeito. olhos, pele e
ouvidos captavam o mundo, cooptava ao universo. antes de pulular
para o papel, palavras (ou ele próprio) circundaram sua mente:

• sinapse: local de contato entre neurônios, onde ocorre a


transmissão de impulsos nervosos de uma célula para outra.
• cerebelo: as informações recebidas pelo corpo via sensorial e
motora do cérebro são integradas aqui, tem como função principal
controlar o movimento.
• lobo temporal: é usado no processamento auditivo e da linguagem,
nas funções da memória e no gerenciamento dos sentimentos.
• lobo frontal: é o centro de controle do cérebro, intervém no
planejamento, raciocínio, resolução de problemas, julgamento e
controle dos impulsos, além de regular os sentimentos.
• lobo occipital: intervém na percepção e processamento visual,
processa e interpreta tudo o que vemos, analisa aspectos como o
formato, a cor e o movimento para interpretar e tirar conclusões
das imagens visuais.
• hipocampo: função importante na formação da memória, tanto
de classificação quanto na memória a longo prazo.
• lobo parietal: esta parte do cérebro ajuda a processar a dor e a
sensação tátil, intervém também na cognição.

9
SINAPSE
poema protesto para brincar de ser fernando pessoa

i. entre criador e criaturas

entre, criatura
cria dura!
c(q)ue ardor te criar
se ri, criatura
só eu te curo: da ira do criador
do treme na cintura
não grato, crasso?
no, atura!
então cria a tua...
entre criador e criaturas

ii. sobre cores e raças

cinzas tardes, branco


vermelhos sóis, preto
pretos rios, vermelho
azuis sismos, amarelo
cinzas fardas, verde
brancos capuzes, arco-íris
todas cores, seus ardores

11
iii. ode a vinícius

uísque, lua, ócio


gelo...
vinícius, vícios: virá?
nuvem, névoa: nem vem
amores, bolores, cores!
luzes, algozes. gozes

iv. amor infame

calor ènxame
se for, me chame
se nua, me ame
amor que ressoa, sua
que soa, assua, assoa
ressoa palavra:
juntada, rimada, molhada, mimada
me mima, te mimo, te amo

v. era...

pudera ter perto meus amigos, e


pondera, a solidão neste abrigo
prendera, o passado comigo, e
aprendera, por meio do perigo
perdera, a paz com esse ruído
pendera, entre vida e o suicídio
pandeiro, e expulso o mal embutido

12
13
CEREBELO

14
estrofes soltas

acho que te machucaria menos


se soltasse tuas mãos
que pularmos de mãos dadas
mas tenho medo de perdê-la pro vento
tempos idos e presente não se alteram
algumas palavras caem em desuso
mas os canalhas e néscios com a mesma goela
falaram que quando alguém desiste de um sonho
um anjo fica desempregado
gosto de anjos
e não me apetece o desemprego alheio

15
LOBO TEMPORAL

16
entre mim e tu, me-te(-se)(-)lhes o a

eu, futuro ou pretérito


de presente imperfeito
tu prosas de terceiros
eu só verso na primeira
só singulam, pluralizam
tu me cansas, adjetivos
tratamentos
possessivos...
impero?
não, eu ativo!
---
eu, carne
você, vegetal
eu animo, você
vegeta
eu, animal felpudo
tu, flor acúlea
nós, fauna-flora
vós mirais pela jaula
(o) voo que te carrego
caule
nós nos amamos
eles se fodem!

17
LOBO FRONTAL

18
tanto quanto tempos esses de explicar o óbvio;
tanto mais, ter palavras simples um aquariano!

tempo....óbvio
templo......vil
.... porra...........*.....*.....*......’’’...
foda-se
...
oblitero-me!

19
metamorfose

ei! sai do casulo, você é borboleta e não larva


se ficar muito tempo aí neste conforto
o casulo irá ruir e você, envelhecer
e nunca saberá o que é voar

20
o que fez para preencher seus vazios

ela cozinhava... na mesma pia, no mesmo fogo


enquanto a água lhe escorria pelos dedos
como a vida tinha lhe escorrido
todo dia ela faz tudo sempre igual....
nem sacodir, nem sorrir, nem lhe beijar com boca de hortelã...
ela cozinhava...era o que lhe restava, agora, sozinha fazer
e esperar, esperar no portão...esperar um dia que a alma volte...
ou que ela vire alma também

21
sob a porta torta do ano que se viu
ou por entre qualquer batente

só se é quando se atravessa
antes dela
são somente sementes
teorias e academias!

22
olhos sobre trela

se me olhas moeda, sou nada


eu não sou metal!
se me olhas vidrada, sou tudo
poesia n’alma. prosa carnal!
se me olhas horizonte, enigma
eu não sou vitral!
se me olhas colada, casulo
vulnerável coragem
abraço passional!

23
quiça quererá

cada um abriga no seu universo ninguém


muitos ninguéns para muitos universos
reino do reino do reino do reino do reino do reino do reino do
reino do reino do...
eu quero me casar com você, sempre quis
mas não sei viver a dois, nunca soube
quiçá quererá, quiçá queira, quiçá quererá, quiçá queiras,
quiçá quererá
quiçá quero!

24
ilógico quadro imortal

fui o mais reles dos seres


promíscuo vil amável
amei tudo em todos
pra sentir amor em mim
pra nunca me sentir tão desprezível
porque nada disto me conforta
nem casa nem gente nem ator
tempos errados sempre em descompasso
calado ferido imutável
ainda acreditando em amar
réu dos próprios medos
pura busca de emoção
desprezível vida sem sentido algum
e quando sentido tinha já não me importava
não aproveitei o caminho não aproveitei os aplausos
por medo de chorar
por medo do ridículo
eu olho o passado e vejo meu futuro
eu penso no futuro e não vejo nada
entro mensalmente num buraco negro
que insiste em me tragar
ou sou eu que me próprio trago
fui e lutei veemente para não ser

25
mas serei nada migalha pó cósmico
miserável insólito
não casei não pari sem bem algum
neguei tudo neguei todos
e me nego ter negado tanto
mas era imperdoável
mas era insuportável dizer sim
aceitar sim assim
nem que sonha travado travesso
pergunta por que por que por que por que
permites tu que exista alguém assim?
qual a função de um micróbio com cérebro lagosta?
que parte paradoxo lhe faz tanta graça?
a garça o cisne o óvulo
que raios me partam
ao centro mentecapto
ferrolho maldito viril
que carpa capta capataz
marujo singelo hemorrágico
letrado robusto escorbuto
na prenda num prêmio carnudo
ilógico carranca corcunda
sê fácil sê goste nem viu
palhaço sem graça sem grana imoral
maloqueiro! ouvi hoje
sou rota maloca
sou nobre falido
azul sem sentido
ferrugem gasosa nutrido

26
te cale te cale não fale
pra que te serve tudinho?
eu quero o escuro
se fecham as portas
tortas bagaças fundilhos
que vai que vem que virá
que lata que vinga
dor epitáfio longínquo
assopre-me bem rápido
sem nem ver
sem nem fazer sentido
fudido!?

27
rolo compressor comprimido

sou escuro, dos becos


do limbo da oração
imigrante em mim mesmo
escondido em quarto
olhos sobre trela
me pintaram em tela
só gozo e tesão
sou quieto feito um burro
enquanto vociferam
umas migas de pão
eu falo se quero, eu falo se calam
só falam absurdos, e eu, falo
do abismo, no abuso
no teu ventre de mãe
sou não e nunca tive nada
zênite, horizonte, nem chão
implorava amor. amor é negócio
e eu só via paixão
quero oposto, o baque virado
se rolo comprime, sou asfalto-carbono
de duro brilhoso
te ofusco e partilho, agrido teu chão
ó oprimidos, fracos, fodidos

28
maus d’espírito, recusados e excluídos
doentes do coração:
uni-vos!

29
quando a jornada inábil (de herói) se preocupa
como o humano monótono(ia)!

faz-me imortal
eu quereria
além-sopro, que
em rosto jazia
da parte leste, que
sol me comia
faz-me imortal
eu quereria
sacar os ranços
amor implacável
poder ser deus, que
mente escondia
faz-me imortal
eu quereria
mas na inábil
jornada de herói
só me mato a noite
e acordo com o dia
faz me imortal
eu quereria

30
anta-logia cibernética: sobre como eu não sei fazer poesia

entre o altar e o balcão


sim aceito, ou com gelo, pliss!
água benta ou aguardente
do que são feitos os homens?
além de sangue, água e suor
somos feitos de esperança; esperamos...
somo feitos de amor; meu amor...
com resquícios neandertais:
é carne em volta da fogueira
é mãos que andam de ciranda
são as fés fiéis em oração
vadiando em roda a capoeira
os justos da távola redonda
há braços ante apresentação
mão, laço e galhos no baobá
ampola a gelar, centro, mesa de bar
tenso tempo tento: é sorte, não azar
tempos idos, já foram. aceita, rechaça!
sandices irracionais contemporâneas
nenhum quer tudo. em um, dá nada
nem se nega aliança, nem dispensa a cachaça
vem bailar, vem. vem comigo
vem de rosto, vem. vem de imbigo

31
vem, enfim, em mim, finito
vem perder-se em labirinto
velhas loucas, tempos roucos
ouroboros: etéreo ou morro
mito circo. rito círculo:
que torna, estorna. retorna e revira
me vira, mentira, saliva
respira. respira. respira

32
33
LOBO OCCIPTAL

34
sobre versos de pedra

as aranhas se instalam
em entradas de gruta
nas entranhas de puta
sob sol, sua cuca
caem dentes das bocas
nas vaginas do parque da luz!
na têmpora, as franjas
tem pedras, tem penas, tem plantas
tempera esperanças
nas vaginas do parque da luz!
poesia de pedras
lasca vida modernas
pára(lisa) pernas
pára(brisa) olhos
paralisa olhos
para abrir as pernas
nas vaginas do parque da luz
tem da grossa, tem da fina
nem menino, nem menina
cai da copa, na cozinha
suas folhas a chorar
ou as pernas que te cubra
o teu chão a palmilhar

35
abre a bolsa e tem formigas
fecha bolsa e tu
formigas a carregar

36
hoje a lua míngua. hoje!

nos metrôs, transeuntes se batem...


para entrar
pelas ruas os carros buzinam...
pro farol vermelho
a juventude ferozmente caça...
pokémon
os mendigos fazem greve...
de fome
lá no alto a lua muda...
míngua
nos bares ouve gritos...
de gol
hoje é quarta, dia de futebol!
temerosamente de futebol!

37
ser brasileiro

é...
foda, é fardo, é fado
somos de fino trato
de grossos modos
de ricos pratos
com pobres rindo
que mentecaptos!
nós somos tantos
e somos tontos
os poucos porcos
são uns escrotos
dores esparsas
força espartana
respiros sôfregos
de traquitana
faixas de gaza
desmascaradas
por gazes velhas
das barricadas
pra ser brasileiro
tem que ser...
povo
tem que ser ...

38
polvo
tem que ser...
foda!

39
sobre urubus e hienas

mariana chora
marias, françois, joãos também
tem barro na minha casa
tem sangue no meu portão
tem grade na minha escola
do cume, urubus saltitam:
— nunca vi tanta comida
tem hienas a regozijar:
— oras, claro, já era de se esperar!
tem planta que colhe bem
tem raiz que fica a sugar
minha pena virou refém
segue sem tinta a rabiscar
mas eu, eu mesmo
tenho um menino dentro de mim
que insiste em versar e dançar

40
qu’em mim

tenho um que
queime-me!
menos um pra conta história
tem gente dando de ombros
urubus dando rasante
hiena gargalhando
vendo rolos a chamuscar
o que tem sua nação
senão seus causos
pra se lembrar
vai perdendo vai
já nem sei quem és ou sou
para alguém saber por mim
de pequeno, se perdido
e era muito
foi arte que me rumava
pra lembrar-me de onde vim
tão me enfiando na lama
pra eu ficar sujo
e nem tem água pra eu limpa
vai mudando vai, darwin falô
e vai treinando apneia
que debaixo d’agua

41
na terra e no ar
tem mais carbono
que em ti

42
mlp: museu da língua presa

que fatalidade, museu da língua portuguesa em chamas!


tem palavras caindo do teto, palavras voando pro céu
letras escorrendo pelo ralo, nos jardins e no portão
na pó-esia, nas cores cinzas do verso, da fumaça da estrofe
a memória se esvai, e a borboleta perdeu sua asa
e se vai, papel fogo foi, tem violência nas palavras quentes
e agora onde se guarda a língua presa
que vai desconfiar dos sítios cerrados, e vai querer só voar
alguém salve as palavras, pra não sumirem na luz
se entrarem na estação, e darem adeus...
da porta do trem

43
quem se importa?

já viste mar de cima de falésia?


tem pálpebras piscando para ti:
venha! venha, venham
são sereias a te chamar
terra que sol sorri
e garrafa a assobiar
s’eu ara, seara, ceará?
ser tão seu, ser tão
flor que anseia
verões de areia
dunas duras
duram menos
que maré cheia
terra que sol sorri
e garrafa a assobiar
s’eu ara, seara, ceará?
ser tão seu, sertão
velhas escondem rugas
sob sóis a carregar:
sais, sísifo, precipício
falácia nas falésias
e seu homem
homens do mar

44
terra que sol sorri
e garrafa a assobiar
s’eu ara, seara, ceará?
ser tão seu, sertão
entre estrelas de negro abismo
sonoras têmporas e temperos
dai-me coxas sob mim
cole colo suculento
nucas nuas a salutar
que meu céu vá sucumbir
quando cútis a flamejar
adoro gotas que prisma céu
adoro partes de cristal chão
terra que sol sorri
e garrafa a assobiar
s’eu ara, seara, ceará?
ser tão seu, sertão
prestes a tombar moinhos
levando roupas, lavando trouxas
andou tanto que se perdeu
sujeito errante, por terras frouxas
que somem pés, que vento leu
são tantos moinhos a girar sol
areias mornas a tirar colo
no artifício de evocar horas
enquanto palhas vejo correr
na palhoça do tempo passar
um lugarejo a esmorecer
sobraram olhos, olhos cisternos

45
memórias póstumas de d. quixote
desamassando coração de papel
terra que sol sorri
e garrafa a assobiar
s’eu ara, seara, ceará?
ser tão seu, sertão
quem se importa?
eu, eu me importo!

46
47
neverland ou as (in)existentes faixas de gaza

um oco abissal ferida,


habita em mim e nem manga madura, me deu
em nós só esta escassa figura
os nós uma noiva que costura
atados, esgoelam amarela e pastosa rua
invocam o repleto que fora: persiste em nos alegrar
foram-m-m-z-z-m #
# e vi o sol nati(morto), dai(me) sal e
pernilongo (o)urtiga bela
um único e maldito adubo com húmus, pra alquimia
pernilongo da maturidade
zune a largas noites assim, bloqueio a fé que depositava
sobre meu tímpano neverland!
desperto: seu peter pan cresceu!
quem zune sou eu abre-te mar vermelho
# amarelos, cinzas-chumbos, arcos-íris
do coco oco, no soco queremos passar
o poço, agora poco #
sorveu o que não é seu o oco
prometeu, e só sobrou o oco é futuro, é pretérito
acorrentados afago o que transborda
perdi-me num presente indicativo
no tempo onusto e fordo
limpando o filho que carrego em mim

48
fui assaltado com um três oitão: R$ 3,80

levaram-me a ida, na bilheteria


questionei a arma, enferrujada
cala boca e entrega, falou um sujeito
cabeça baixa, c’a mão no bolso
atrás da fila: ela tá velha, mas funciona!
gosto de ir, pra pode voltar
estou sem volta. preferi ficar
contei o troco, parei no posto
comprei litro, de gasolina
isso eu podia
misturei o gás com etanol
me dá azia, isso aí puro
bebi metade, acendi o trago
outra parte
lancei no lixo perto estação
ateei fogo, mirei a chama
chamou o homem, minha atenção
fugi feliz. já tô melhor. sinto-me bem
mas sem devir; nem ir, nem vir
eu também quero renovar homens
com borboletas, meu bom poeta
mas covardes têm inseticidas
deixem voar as borboletas

49
são coloridas, me trazem sorte
mas que com bomba inseticida
insisto ainda com borboletas
mesmo que sejam de mutação

50
51
HIPOCAMPO

52
quando chuvava em mim

vagueou pelos olhos silêncios... de ventos... te habita, infinita


uns olhos cisternos árída... ferida que afeta co’afeto
cuspiu cá na testa e cá rente. a brotar quer feto. te finca
numa testa franzida a desbrota só sirvo de escada
cabelou com carícias que chuva vingou, pra amores infinitos
umas mechas ariscas em terra vizinha: pra mim, só finito
sorveu minha língua cultura. estatura. roendo a carne
que língua, sua língua! igual a que tinha depois calcifico
caboágua! falta’gua! projeta. defende. e chuva e a chuva que sobra
represa da pressa que vinga: não lava os aflitos
se preza, sê presa creia de cega só molha distante
te preso. te prezo represa que vinha. represa de direito olfativo
te peço: ó água! não vai, represa, reprisa! que me diz:
molhe.... até... manhãzinha só sol... sol só.... nos morremos aos nós
dê mais... que uma... bacia que chuva extinguia sem amor, sobra sós
se caia e bate na porta desaguando sem sóis
pernoita desculpa: sê simples e enfim... que por fim...
em terra jazida ignora. inocente quer pôr fim
diz dito e de longe mira por aí têm-se dito...
que chuva de água na mira que vinga q’oque resta da chuva...
palmilha infinita des-culpa? são gota’scorrendo’no
e lença freática perdoa...pernoite... olhar do menino
em artéria e cospe suave: quando chuvava
aquática que agora fica! em mim
agora, sequiosa, na porta,
mortalha aflita tilinta...

53
54
55
LOBO PARIETAL

56
pão & azia

de versos que alimentam e/ou palavras calam dia


e por fim, cão cansou de migalhas, abanou te(r) um dono,
abandonou ser amigo companheiro fiel
esperar, esperar
amar sons dos seus passos, a sorrir, me chutar
mas mão que lhe apalpa é a mesma que belisca,
que do grito patrão, do cliente abomina só lhe sobram azias
deu seu último abano, mordeu peito em canino
e rasgou coração, pra bater só por vida
pôs o rabo entrepernas, eriçou pelos longos
cerrou olhos cisternos, enxugou os orvalhos
...
e foi ser rua
mostrar dentes

por comida
fim?

57
tela branca em olhos mar

noturno ser vagando avesso


doando as almas lacuna amor
coturno céu pisando falso
suando só as pencas dor
nos olhos teus eternos meus
pairando os tempos de dissabor
as pedras vida finca ferida
anos viris vermelha cor
há braços largos corações brutos
moleia pernas mãos forte tronco
desnude pés macios entregues
percorro corpo quadril ao fio
entrada laica em estado vapor
sonhos travessos de travesseiros
desprego a vista sobeja olor
persigo séculos tua tenra carne
porque que eu duro a vida dura
......
se quando a tato
sua alma voou!

58
some ou soma ou morra

deixe o menino
de olhos cisternos
a esconder rugas
de tanto chorar
deixe o menino
a costurar fios
dos pulsos cortados
de um mundo viril
que sem piedade
fez-lhe soluçar
deixe o menino
a desamassar papel
que virou o seu peito
só pra poder respirar
deixe o menino
que já perdeu a voz
de tanto gritar
de gritar para tudo
que o que faz tá errado
pois viu o futuro
a se esmoronar
deixe, deixe, deixe!

59
22h22

corações difusos
dissonantes
em fusos consonantes
corações
constantes corações
confusos
“se nada nos salva da morte
ao menos que o amor nos salve da vida”

60
61
desempregado coração autônomo

de sonâmbulo homework
raiou sem dó
desperta em pranto
entupiu canos
soprou venoso
suspira em sol
café sem pó
soluçou aorta
drenando tempo
batendo ponto
driblando vento
lavrando em pé
soçobra em extra
cobrindo outros
dispensou férias
seguro tirou-me
aposentadoria
mísero reembolso
transfunda soro
bombeia oco
preciso desaguar amar
desamar o mar

62
desarmar escudos!
insuportável estacando poro
incabível indelével
inodoro
irrigou peitos secos
insólitas almas insustentáveis
recolhedor de espantos
gerúndios princípios
impessoais artigos
findando pretéritos
presentear futuros
rio insustentável
pesado aquífero fogo
amores líquidos
sólidos ódios
fazer borbulhas
livro...bulas...magia
me salva cura
somebody
preciso desaguar amar
desamar o mar
desarmar escudos!
acirrado impuro
indissolúveis óleos
vazios perdidos
olhos
pedidos
mendigos
barqueiro de águas profundas

63
duas moedas: uma pra ida
outra pro fundo
pesca icebergs
desabar a rua
costura cola
corações partidos
amores mortos
guarda vida bombeia
afoga piratas
apita perigos
farol em torno girando infinito
guiando barcos por rios extintos
ao lado morro alto verde
abaixo pedras diversos calibres
alegres coitados fogos de artifício
sentado bravio coronário calado
areia remota dorme deserta
sombra coco gritando alto
vendo cola vendo
para corações feridos
casa palha almas plásticas
casa vidro sois invisível
sombra calçada: velho casal
farsa máscara puta praça
congela romance enrustido
catador de latas
acendedor de brasas
recolhedor de cacos
vidros

64
corre correm
corre escondido

seja autônomo, só você sabe o tempo que teu coração respira, se


empregado, a dona, por qualquer reles minoria, é nele o assédio,
chicote extraindo aposentadoria. só prove e mostre, de longe, por
quem pulsa terceirizado, no máximo
existe um rio barrado, gerando energias insustentáveis, que precisa
escoar ao mar envolver em ilha, borrifar milhões de pinguinhos:
areias, troncos, cocos; folhas, pedras cumes, das espumas fofas
ondas, completar lacunas, pra me despoluir, senão revolta lua
por quem o mar reverencia
de preâmbulo

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yo quería escribir los versos más tristes esta noche

pero mis versos son más pobres


mi boca a veces calla
y quiero solo el silencio, para oír las hojas en el jardín
o mirar el anochecer
yo quería escribir los versos más tristes esta noche
pero ya es poca mi tristeza
cambié solo por un rato
en pinceladas de alegría
por el agua en mi espalda, y los blancos al caer
o tal vez se escondió
en un lugar que no la siento
o cuando miré a sus ojos
mi cuerpo la rechazó
yo quería escribir los versos más tristes esta noche
pero no veo la madrugada
sólo veo unas estrellas
pues las nubes ya las cubren
y los astros estan fijos
y quien tirita soy yo
yo quería escribir los versos más tristes esta noche
pero no tengo tanto amor
no es porque sea frívolo
ni dejé a las cicatrices

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afectar a mi pulsación
o es porque ya la encontré
aunque yo no la tenga
o porque yo soy de músculo
que en mi pecho rozó tanto
que de tanto palpitar, él se fortaleció
yo quería escribir los versos más tristes esta noche
pues quería ser neruda, pero sé que no lo soy, no!

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primeira edição
agosto de 2020

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