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1 - Aqueles que viram os sonhos e sabiam os nomes,

que ouviram as ervas conversando entre si,


que aprenderam a vontade de seus antigos,
e ouviram as canções dos maremotos,
aqueles cujas almas foram purificadas,
aqueles atrelados à dor do desafio,
que acenderam suas velas místicas à margem,
que se tornaram sombras puras das noites mais escuras,
que não espremeram suas uvas em um copo pecaminoso,
e não buscaram as alegrias do lazer terreno,
nem nas danças da sacerdotisa,
nem no prazer efêmero,
mas aqueles que desceram aos charcos do Inferno
a fim de encontrar sua sombra no fim derradeiro –
eles não esperam que corações cheios de amor floresçam.

2 - Por que não conheço o extâse das águas do rio Lete?


Por que meu espírito chora noite adentro?
Não se conhece o sabor do rancor ardente.
Não se implora as filhas astutas de Satanás.
O círculo é quebrado e os cantos dissipados,
enquanto todos são banhados por raios brilhantes
regozijando-se com o vinho dos dias passados
somos atraídos por luzes além da concha do céu azul.
O farfalhar da grama, o brilho difuso dos pântanos,
um vento preguiçoso faz um trabalho vão
e realiza a sombra de Perséfone
para Plêiades, que olha através do ventar.
No entanto, meu espírito tem uma triste desconfiança,
chorando enquanto contemplo a antiguidade.

3 - Sepultado, ele está destinado a ser,


ainda assim, o toque quente do sol está claro à sua vista.
Do sepulcro que surge à meia-noite ele vê a terra.
Trigo espalhado em raios,
mulas se aproxima, foices colhem,
um tambor bate na ouvido, jangadas flutuam,
os animais dormem, os pássaros sazonais fazem ninhos,
e das dobras do seu sudário
ele vê a festa dos dias e das noites que se prolongam pelos anos.
Sem alegria, sem lágrimas e dor,
ele zela pelos destinos ociosos dos humanos sem nenhum pensamento negro,
sem perguntar por quê. Além da existência, da vontade,
ou qualquer desejo em conhecer a paz desconhecida para você e mim;
pois para a realidade - estamos banidos para sempre.

4 - O nosso sonho significa que a realidade nunca irá desmoronar


quando os murmúrios matinais se fundirem em um único coro,
e despertares do amanhecer se dissolverem diante de nós.
A foice imunda então queimará até virar cinzas,
as cinzas ondulantes esvairão em pó de diamante,
os arrependimentos se afogarão no oceano do silêncio,
nossos espíritos liberados por devoção.
O raiar do falso sol finalmente desaparecerá.
Não ficamos atordoados com o esplendor do deserto do meio-dia
nem às joias que nossas as quais vontades se dobram, não;
estamos mortos em favor da moeda e do ouro.
E em robes de raios de sedas lunares estamos vestidos,
pelos sóis que brilham à meia-noite somos abençoados,
e na hora mais escura… despertos somos.

5 - Nós, exilados, andarilhos e poetas –


que ansiavam ser, mas não conseguiram se tornar.
Onde os pássaros têm ninhos, os animais seus covis,
nosso lugar é o cajado e o casebre do pedinte.
O dever falhou, as promessas foram quebradas,
o caminho não percorrido e nossa destruição está próxima.
Sonhos de tais caminhos, se afogando em um suspiro de canções não cantadas
e poemas nunca falados.
Em fragmentos de vontade é tão difícil encontrar o seu verdadeiro eu,
tão difícil confinar o orgulho tolo,
é tão difícil entrar na marquise de outra pessoa,
e a mendigar por pão –
torna árduo para a alma da vanguarda tornar vivo
aquilo que nunca esteve verdadeiramente morto.

6 - Eles não estão vivos, mas também não estão mortos.


Eles são surdos às palavras e seu toque não tem sentido.
Eles têm cheiros contundentes e sua dor é infinita.
Seu destino, inalterado por qualquer evento, está selado na escuridão,
mas como doador, Febo concede aos cegos
com espanto esmagador diante dos deuses,
e a caverna escondida se transforma em covil
pelo vórtice sagrado, a noite primordial que o trouxe em seu ventre.
A prole, enviada a ela pelo pai avarento,
está levando seus presentes ao irmão fatídico,
aquele que foi sepultado pela fúria do sol,
que se tornou o brinquedo em uma peça sem destino,
que está vivo, mas destinado a ser.

7 - Aqueles, que para a realidade, são eternamente lançados,


não podem desfrutar da vastidão dos campos
e à medida que o tempo passa, cada momento produz
as sombras dançantes de outros mundos.
A alma vê o raiar distante e vago
na superfície deste remanescer antigo
O homem tentou ler o alfabeto sagrado,
mas perdeu o padrão em sua própria praga.
E então ele caminha na poeira da terra terrena
um apóstata, um deus esquecido de si mesmo.
Nas coisas familiares ele procura códigos proibidos.
Sua carne, imortal, está envolta em chamas,
e para ele, até a Morte simplesmente acena com a cabeça,
aquele que viu os sonhos e sabia os nomes.

8 - Nós mantemos separadas as dores transcendentes da vida.


Suportamos o frio da perda e o calor do retorno.
Mas a bandeira da ira da nossa tristeza
vibra nos ventos dos que partiram.
Que as chamas cortantes envenenem nossos espíritos!
Espíritos cantantes sufocados por cadáveres
como Laocoonte, emaranhado em cobras nodosas,
esforçando-se para se libertar, mas mantendo-se em silêncio.
Mas nenhuma felicidade mudará esta dor,
a dignidade desta restrição,
a tensão, esse êxtase de prisão sem esperança.
Para o bálsamo do esquecimento do rio Lete
chovemos um graal de magoas no mundo,
nós, exilados, andarilhos e poetas!

9 - Pelos sóis que brilham à meia-noite somos abençoados.


Raios afiados descem através de torres de argamassa.
A corrida do universo é marcada pelo fogo.
As nebulosas, as estrelas, as profundezas vazias
desde Cão Maior, a Vega e a Beta,
até a Ursa Maior e as tristes Plêiades
Eles cruzam os céus como divindades sábias
Criando planetas como excrementos divinos
Ó poeira dos mundos,
Ó puro e sagrado enxame,
Eu medi, verifiquei, adaptei, dimensionei e formei,
dei nomes, desenhei mapas e especifiquei a ordem,
mas o horror estrelado não nos deixará ir.
Isso nos faz clamar pela imunda e primordial aflição,
Quando conheceremos a feliz melancolia das águas do Lete?

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