Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
230603MG
Hugo Malone
Doutorando e Mestre em Direito Processual pela PUC Minas. Especialista em Direito
Público. Professor de Direito Processual na Faculdade Anhanguera. Pesquisador do grupo
de pesquisa Processualismo Constitucional Democrático e Reformas Processuais – PROC.
Assessor Judiciário no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Orcid: 0000‑0003‑3142‑6357.
E-mail: hugomalone@yahoo.com.br.
Dierle Nunes
Advogado. Doutor em Direito Processual. Professor adjunto na PUC Minas e na UFMG.
Sócio do escritório Camara, Rodrigues, Oliveira & Nunes Advocacia (CRON Advocacia).
Diretor acadêmico do Instituto de Direito e Inteligência Artificial – Ideia. Presidente da
Comissão de Inteligência Artificial no Direito da OAB/MG. Orcid: 0000‑0003‑4724‑5956.
E-mail: dierle@cron.adv.br.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023 103
HUGO MALONE, DIERLE NUNES
Abstract: This article analyzes whether the implementation of nudges on Online Dispute Resolution
platforms has the ability to violate the private autonomy of the parties, proposing, in the end, the
observance of principles and guidelines for the development of initiatives in this field. The research
concluded that the application of nudges in online dispute resolution platforms does not violate private
autonomy as long as their use occurs to improve the deliberation of the parties and the understanding
of the consequences of their choice, generating a democratic information architecture. To this end, it is
suggested the adoption of a bill of rights for nudges, as well as the protection of the parties based on
guidelines for the use of Online Dispute Resolution platforms, such as the empowerment guideline and
the transparency guideline.
Keywords: Online dispute resolution. Choice architecture. Nudges. Autonomy. Transparency.
Sumário: Introdução – 1 A utilização de nudges digitais em plataformas de on-line dispute resolution –
2 A utilização de nudges digitais em plataformas de ODR e a autonomia privada do usuário – 3 Uma
proposta inicial: uma declaração de direitos para os nudges – 4 A proteção do usuário a partir de
diretrizes para o uso de ODR – Considerações finais – Referências
Introdução
O presente artigo analisa teoricamente se a implementação de nudges em
plataformas de on-line dispute resolution possui aptidão para violar a autonomia
privada das partes, propondo, ao final, a observância de princípios e diretrizes para
o desenvolvimento de iniciativas nesse sentido. Embora sejam poucos os estudos
sobre os impactos dos nudges em procedimentos de resolução de conflitos, há
farta literatura demonstrando que ambientes ricos em informações oferecidos pela
internet representam sérios desafios para os consumidores.1 Desde a década de
1970, já se argumenta que a atenção dos consumidores é um recurso escasso na
aquisição de informação e na tomada de decisão,2 de modo que uma riqueza de in‑
formação cria uma pobreza de atenção.3 Por isso, a atenção se tornou uma moeda
valiosa4 e compreender o que a influencia durante a tomada de decisão é uma das
tarefas mais críticas para um pesquisador.5
Para realizar a análise proposta, o Capítulo 1 aborda a possibilidade de se uti‑
lizarem nudges em plataforma de resolução on-line de conflitos. No Capítulo 2, pro‑
blematiza‑se se a utilização de nudges pode violar a autonomia privada das partes,
a partir da análise dos argumentos expostos pelos artífices da teoria dos nudges,
Cass Sunstein e Richard Thaler.
1
DAVENPORT, Thomas H.; BECK, John C. The attention economy: understanding the new currency of business.
Boston: Harvard Business School Press, 2001.
2
SIMON, Herbert A. Rationality as process and as product of thought. Am. Econ. Rev., v. 68, p. 1‑16, 1978.
3
SIMON, Herbert A. Designing organizations for an information‑rich world. In: GREENBERGER, M. (Ed.). Computers,
communication, and the public interest. Baltimore: Johns Hopkins Press, 1971.
4
DAVENPORT, Thomas H.; BECK, John C. The attention economy: understanding the new currency of business.
Boston: Harvard Business School Press, 2001. p. 3.
5
PAYNE, J. W.; VENKATRAMAN, V. Opening the black box: conclusions to a handbook of processing methods
for decision research. In: SCHULTE‑MECKLENBECK, M.; KÜHBERGER, A.; RANYARD, R. (Ed.) A Handbook
of Process Tracing Methods for Decision Research: A Critical Review and User’s Guide. New York: Taylor &
Francis, 2011. p. 223‑249.
104 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023
EXPLORANDO A RACIONALIDADE LIMITADA DO HOMO SAPIENS: A IMPLEMENTAÇÃO DE NUDGES EM PLATAFORMAS DIGITAIS...
6
THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e
felicidade. Tradução de Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019. p. 14.
7
A teoria pressupõe que o padrão idealizado de homos economicus adotado pela economia tradicional –
aquele que teria todas as condições reunidas para fazer escolhas ótimas – não existe. Ou seja, trata‑se de
vertente econômica crítica ao modelo axiomático de indivíduo racional, presente na abordagem econômica
neoclássica. Cf. RAMIRO, Thomas; FERNANDEZ, Ramon Garcia. O nudge na prática: algumas aplicações do
paternalismo libertário às políticas públicas. Revista Textos de Economia, v. 20, n. 1, 2017.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023 105
HUGO MALONE, DIERLE NUNES
8
Para uma análise de como estes efeitos afetam o processo de tomada de decisão, cf. KAHNEMAN, Daniel.
Rápido e devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
9
BENARTZI, Shlomo; LEHRER, Jonah. The smarter screen: surprising ways to influence and improve online
behavior. New York: Portfolio/Penguin, 2015.
10
WEINMANN, Markus; SCHNEIDER, Christoph; VOM BROCKE, Jan. Digital Nudging. Business & Information
Systems Engineering, v. 58, n. 6, p. 433‑436.
11
WANSINK, Brian; KENT, Robert J.; HOCH, Steve. An anchoring and adjustment model of purchase quantity
decisions. Journal of Marketing Research, v. 35, p. 71‑81, 1º fev. 1998.
12
MIRSCH, Tobias; LEHRER, Christiane; JUNG, Reinhard. Digital nudging: altering user behavior in digital
environments. Proceedings der 13. Internationalen Tagung Wirtschaftsinformatik (WI 2017), St. Gallen. p. 644.
13
MIRSCH, Tobias; LEHRER, Christiane; JUNG, Reinhard. Digital nudging: altering user behavior in digital
environments. Proceedings der 13. Internationalen Tagung Wirtschaftsinformatik (WI 2017), St. Gallen. p. 637.
14
SCHNEIDER, Christoph; WEINMANN, Markus; VOM BROCKE, Jan. Digital Nudging – Guiding Choices by Using
Interface Design. Communications of the ACM, v. 61, n. 7, p. 67‑73, 2018. p. 70.
106 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023
EXPLORANDO A RACIONALIDADE LIMITADA DO HOMO SAPIENS: A IMPLEMENTAÇÃO DE NUDGES EM PLATAFORMAS DIGITAIS...
Além disso, ambientes digitais permitem um ajuste dinâmico das opções apre‑
sentadas com base em determinados atributos ou características do usuário indi‑
vidual. Como a eficácia dos nudges geralmente depende das características pes‑
soais do tomador de decisão, a análise de big data pode ser usada para analisar
padrões comportamentais observados em tempo real para inferir as personalidades
dos usuários, seus estilos cognitivos e seus estados emocionais, gerando um tipo
mais eficiente de nudge.15
Em uma ampla revisão de literatura realizada em 2017, Mirsch, Lehrer e Jung
identificaram vinte efeitos psicológicos que podem ser explorados a partir de nudges:16
15
SCHNEIDER, Christoph; WEINMANN, Markus; VOM BROCKE, Jan. Digital Nudging – Guiding Choices by Using
Interface Design. Communications of the ACM, v. 61, n. 7, p. 67‑73, 2018. p. 72.
16
MIRSCH, Tobias; LEHRER, Christiane; JUNG, Reinhard. Digital nudging: altering user behavior in digital environments.
Proceedings der 13. Internationalen Tagung Wirtschaftsinformatik (WI 2017), St. Gallen. p. 639.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023 107
HUGO MALONE, DIERLE NUNES
17
MIRSCH, Tobias; LEHRER, Christiane; JUNG, Reinhard. Digital nudging: altering user behavior in digital
environments. Proceedings der 13. Internationalen Tagung Wirtschaftsinformatik (WI 2017), St. Gallen. p. 640.
18
MIRSCH, Tobias; LEHRER, Christiane; JUNG, Reinhard. Digital nudging: altering user behavior in digital
environments. Proceedings der 13. Internationalen Tagung Wirtschaftsinformatik (WI 2017), St. Gallen. p. 640.
19
MIRSCH, Tobias; LEHRER, Christiane; JUNG, Reinhard. Digital nudging: altering user behavior in digital
environments. Proceedings der 13. Internationalen Tagung Wirtschaftsinformatik (WI 2017), St. Gallen. p. 640.
20
MIRSCH, Tobias; LEHRER, Christiane; JUNG, Reinhard. Digital nudging: altering user behavior in digital
environments. Proceedings der 13. Internationalen Tagung Wirtschaftsinformatik (WI 2017), St. Gallen. p. 640.
21
MIRSCH, Tobias; LEHRER, Christiane; JUNG, Reinhard. Digital nudging: altering user behavior in digital
environments. Proceedings der 13. Internationalen Tagung Wirtschaftsinformatik (WI 2017), St. Gallen. p. 640.
108 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023
EXPLORANDO A RACIONALIDADE LIMITADA DO HOMO SAPIENS: A IMPLEMENTAÇÃO DE NUDGES EM PLATAFORMAS DIGITAIS...
22
Um exemplo prático das possibilidades de utilização da arquitetura de escolha digital é a tendência para
escolher a opção do meio, demonstrada num experimento em que pessoas foram obrigadas a escolher um
lanche na tela de um computador. Realizado o teste sob pressão de tempo, descobriu‑se que os participantes
eram mais propensos a escolher a opção apresentada no meio da tela, mesmo que não fosse sua preferência
declarada. Cf. REUTSKAJA, Elena; NAGEL, Rosemarie; CAMERER, Colin F.; RANGEL, Antonio. Search dynamics
in consumer choice under time pressure: an eye‑tracking study. American Economic Review, v. 101, n. 2,
p. 900‑926.
23
SELA, Ayelet. e‑Nudging Justice: The Role of Digital Choice Architecture in Online Courts. Journal of Dispute
Resolution, 2019. p. 145.
24
SELA, Ayelet. e‑Nudging Justice: The Role of Digital Choice Architecture in Online Courts. Journal of Dispute
Resolution, 2019. p. 147.
25
SELA, Ayelet. e‑Nudging Justice: The Role of Digital Choice Architecture in Online Courts. Journal of Dispute
Resolution, 2019. p. 153.
26
MIRSCH, Tobias; LEHRER, Christiane; JUNG, Reinhard. Digital nudging: altering user behavior in digital
environments. Proceedings der 13. Internationalen Tagung Wirtschaftsinformatik (WI 2017), St. Gallen. p. 643.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023 109
HUGO MALONE, DIERLE NUNES
digital, referindo‑se ao polêmico método que decide o vencedor das eleições nos
EUA. Um experimento do Facebook descreveu como a plataforma de mídia social
pode usar ativamente a análise de big data para manipular indivíduos durante as
campanhas eleitorais.27
Ademais, como já exposto, as técnicas de orientação de decisão baseadas em
big data possibilitam um nudge ainda mais poderoso, chamado de hypernudge.28
Isso porque a análise algorítmica de padrões de dados molda dinamicamente o con‑
texto de um indivíduo de maneira altamente personalizada, direcionando escolhas
que afetam o comportamento e a percepção do usuário individual, e aprimorando a
compreensão dos usuários sobre o mundo ao seu redor.
Essas técnicas podem atuar como uma forma suave de controle baseada em
design. No entanto, ao contrário dos nudges estáticos popularizados por Thaler e
Sunstein, nudges implementados com o uso de big data analytics (hypernudges)
são extremamente poderosos devido à sua contínua atualização, dinamicidade e
poder de penetração,29 demonstrando que a conexão entre nudges e resolução de
conflitos em ambientes digitais de escolha precisa ser problematizada para que não
violem a autonomia das partes envolvidas.
Há que se ter em mente que, apesar da intenção virtuosa por trás da teoria dos
nudges, a existência de ferramentas de persuasão de fácil implementação em am‑
bientes digitais levanta sérias questões éticas, pois podem ser utilizadas como dark
patterns, ou seja, “escolhas de design de interface que beneficiam um serviço on-line
ao coagir, direcionar ou enganar os usuários a tomar decisões que, se totalmente
informados e capazes de selecionar alternativas, eles podem não tomar”. Os dark
patterns atuariam, portanto, como uma espécie de padrão de design deliberadamen‑
te projetado para induzir os usuários a ações indesejadas,30 evidenciando, portanto,
a necessidade de se problematizar eventuais violações à autonomia dos usuários.
27
YEUNG, Karen. Hypernudge: big data as a mode of regulation by design. Information, Communication &
Society, 2016.
28
YEUNG, Karen. Hypernudge: big data as a mode of regulation by design. Information, Communication &
Society, 2016.
29
YEUNG, Karen. Hypernudge: big data as a mode of regulation by design. Information, Communication &
Society, 2016.
30
BRIGNULL, Harry. Dark patterns: deception vs. honesty in UI Design. A List Apart, 1º nov. 2011; WALDMAN,
Ari Ezra. Cognitive biases, dark patterns, and the ‘privacy paradox’. 18 de setembro de 2019. Current Issues
in Psychology, v. 31, 2020.
110 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023
EXPLORANDO A RACIONALIDADE LIMITADA DO HOMO SAPIENS: A IMPLEMENTAÇÃO DE NUDGES EM PLATAFORMAS DIGITAIS...
31
Para uma análise profunda sobre o fenômeno, cf. MALONE, Hugo; NUNES, Dierle. Manual da justiça digital:
compreendendo a online dispute resolution e os tribunais online. 1. ed. São Paulo: JusPodivm, 2022.
32
SUNSTEIN, Cass R.; REISCH, Lucia A. Trusting nudges: toward a bill of rights for nudging. London/New York:
Routledge, 2019. p. 119.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023 111
HUGO MALONE, DIERLE NUNES
33
SUNSTEIN, Cass R.; REISCH, Lucia A. Trusting nudges: toward a bill of rights for nudging. London/New York:
Routledge, 2019. p. 121.
34
SUNSTEIN, Cass R.; REISCH, Lucia A. Trusting nudges: toward a bill of rights for nudging. London/New York:
Routledge, 2019. p. 122.
35
SUNSTEIN, Cass R.; REISCH, Lucia A. Trusting nudges: toward a bill of rights for nudging. London/New York:
Routledge, 2019. p. 123.
36
SUNSTEIN, Cass R.; REISCH, Lucia A. Trusting nudges: toward a bill of rights for nudging. London/New York:
Routledge, 2019. p. 124.
37
THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e
felicidade. Tradução de Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019. p. 245‑248.
112 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023
EXPLORANDO A RACIONALIDADE LIMITADA DO HOMO SAPIENS: A IMPLEMENTAÇÃO DE NUDGES EM PLATAFORMAS DIGITAIS...
38
THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e
felicidade. Tradução de Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019. p. 245.
39
SUNSTEIN, Cass R.; REISCH, Lucia A. Trusting nudges: toward a bill of rights for nudging. London/New York:
Routledge, 2019.
40
PEDRON, Flávio Quinaud; OMMATI, José Emílio Medauar. Seria possível a observância da integridade sem
processo? Uma resposta aos críticos. Revista de Processo, v. 326, p. 71‑101, abr. 2022. DTR\2022\8491.
p. 3.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023 113
HUGO MALONE, DIERLE NUNES
sendo invocado como uma regra ou como um princípio.41 Isso não quer dizer que os
princípios não possuem força normativa. Os princípios são normativos porque acon‑
tecem, interpretativamente, no interior da atividade jurídica interpretativa.42
No entanto, é necessário que se mostre como a aplicação de um princípio
mantém uma coerência com o contexto global dos princípios que constituem uma
comunidade política.43 Assim, defende‑se a aplicação dos princípios a seguir a partir
da compreensão de que são reconhecidos por uma comunidade (historicidade), e
que devem ser interpretados conjuntamente com as peculiaridades do caso concre‑
to (facticidade), de modo a alcançar a resposta correta cabível.
Em primeiro lugar, a implementação de nudges deve promover fins legítimos.
Por mais que seja uma cláusula aberta, este princípio é capaz de evitar nudges que,
por exemplo, favoreçam maiorias em detrimento de minorias, homens em detrimen‑
to de mulheres, ou limitem a liberdade dos usuários. Conforme advertem Sunstein
e Reisch, “a questão se torna mais interessante, claro, quando há uma disputa
sobre o que conta como um fim legítimo”,44 o que só poderá ser definido em cada
sociedade e momento histórico.
Em segundo lugar, os nudges devem respeitar os direitos fundamentais, o que
evita a utilização de técnicas que limitem o exercício pleno de tais direitos. Adotando‑
se este princípio, é impossível, por exemplo, usar nudges em cédulas de votação
para influenciar decisões eleitorais. No campo do direito processual, este princípio
assume especial relevância no Brasil, em razão da adoção expressa de uma visão
constitucionalizada do processo, na qual direitos como o contraditório, a ampla de‑
fesa e o juiz natural possuem status de direitos fundamentais.
Em terceiro lugar, os nudges devem ser consistentes com os valores e interes‑
ses das pessoas. A questão mais tormentosa parece ser como definir estes inte‑
resses. Em quarto lugar, nudges não devem manipular as pessoas, tendo em vista
que há uma ampla defesa da sociedade pela garantia do livre arbítrio.45 No entanto,
a discussão sobre o que é uma manipulação ao livre arbítrio das pessoas é com‑
plexa, pois pode se defender que o livre arbítrio só estaria sendo violado quando a
prática de determinada conduta fosse proibida. Pode ser defendido, por exemplo,
que não há manipulação nos casos em que nudges apenas aumentam a qualidade
41
NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; PEDRON, Flávio. Teoria geral do processo. 2. ed. Salvador: JusPodivm,
2021. p. 381‑382.
42
PEDRON, Flávio Quinaud; OMMATI, José Emílio Medauar. Seria possível a observância da integridade sem
processo? Uma resposta aos críticos. Revista de Processo, v. 326, p. 71‑101, abr. 2022. DTR\2022\8491.
p. 3.
43
ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e à filosofia
do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 303.
44
SUNSTEIN, Cass R.; REISCH, Lucia A. Trusting nudges: toward a bill of rights for nudging. London/New York:
Routledge, 2019. p. 131.
45
SUNSTEIN, Cass R.; REISCH, Lucia A. Trusting nudges: toward a bill of rights for nudging. London/New York:
Routledge, 2019. p. 133.
114 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023
EXPLORANDO A RACIONALIDADE LIMITADA DO HOMO SAPIENS: A IMPLEMENTAÇÃO DE NUDGES EM PLATAFORMAS DIGITAIS...
46
SUNSTEIN, Cass R.; REISCH, Lucia A. Trusting nudges: toward a bill of rights for nudging. London/New York:
Routledge, 2019. p. 134.
47
SUNSTEIN, Cass R.; REISCH, Lucia A. Trusting nudges: toward a bill of rights for nudging. London/New York:
Routledge, 2019. p. 135.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023 115
HUGO MALONE, DIERLE NUNES
mediação. Esta liberdade é suficiente para afirmar que o usuário possui autonomia
na decisão que vier a ser tomada?
Ao que parece, a resposta é negativa. Para que se garanta a efetiva autonomia
deste mesmo usuário, a arquitetura de escolha da plataforma não pode ser utiliza‑
da para influenciá‑lo a tomar decisões não desejadas. Pelo contrário, a plataforma
deve ser capaz de aumentar a capacidade de deliberação da parte. Será necessário
informar, por exemplo, que os valores de indenização pagos por este fornecedor em
sua plataforma são menores do que os valores que seriam pagos em uma mediação
estruturada pelo Judiciário.
Em casos como estes, deve ser indagado se a liberdade de escolha proporcio‑
nada gerou a autonomia da parte, o que releva a necessidade de se observar certas
diretrizes éticas para o uso de plataformas de on-line dispute resolution, conforme
será proposto no tópico a seguir.
48
MALONE, Hugo; NUNES, Dierle. Manual da justiça digital: compreendendo a online dispute resolution e os
tribunais online. 1. ed. São Paulo: JusPodivm, 2022.
49
SELA, Ayelet. e‑Nudging Justice: The Role of Digital Choice Architecture in Online Courts. Journal of Dispute
Resolution, 2019. No mesmo sentido, cf. NUNES, Dierle; PAOLINELLI, Camilla Mattos. Novos Designs
Tecnológicos no Sistema de Resolução de Conflitos: ODR, e‑acesso à justiça e seus paradoxos no Brasil.
Revista de Processo. Vol. 314. Abr. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.
116 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023
EXPLORANDO A RACIONALIDADE LIMITADA DO HOMO SAPIENS: A IMPLEMENTAÇÃO DE NUDGES EM PLATAFORMAS DIGITAIS...
50
Art. 19 da Diretiva nº 2013/11/EU.
51
Com base na avaliação referida, as autoridades competentes devem elaborar uma lista de todas as entidades
de RAL que lhes tenham sido notificadas e que satisfaçam as condições previstas no nº 1. Se uma entidade
de resolução de litígios inserida na lista como uma entidade de RAL nos termos da presente diretiva deixar
de cumprir os requisitos referidos no nº 1, a autoridade competente em causa deve contatar essa entidade
de resolução de litígios, indicando quais os requisitos que deixaram de ser cumpridos pela entidade de
resolução de litígios e solicitando‑lhe que assegure imediatamente o seu cumprimento. Se, decorrido um
prazo de três meses, a entidade de resolução de litígios continuar a não cumprir os requisitos referidos no nº
1, a autoridade competente retira‑a da lista a que se refere o primeiro parágrafo do presente número. Essa
lista deve ser atualizada sem demora injustificada, e devem ser comunicadas à Comissão as informações
pertinentes.
52
Para uma visão democrática do processo legislativo, cf. DEL NEGRI, André. Processo constitucional e decisão
interna corporis. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
53
NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; PEDRON, Flávio. Teoria geral do processo. 2. ed. Salvador: JusPodivm,
2021.
54
WIENER, Alan. Regulations and standards for online dispute resolution: a primer for policymakers and
stakeholders. Disponível em: http://odr.info/ethics‑and‑odr/#_ftn1. Acesso em: 17 jan. 2021.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023 117
HUGO MALONE, DIERLE NUNES
55
WIENER, Alan. Regulations and standards for online dispute resolution: a primer for policymakers and
stakeholders. Disponível em: http://odr.info/ethics‑and‑odr/#_ftn1. Acesso em: 17 jan. 2021.
56
RULE, Colin. Online Dispute Resolution for Business: B2B, E‑commerce, Consumer, Employment, Insurance,
and Other Commercial Conflicts. San Francisco: Jossey‑Bass, 2002.
57
ANDERSON, Dorcas Quek. Ethical concerns in court‑connected online dispute resolution. International Journal
of Online Dispute Resolution, v. 5, n. 1‑2, p. 20‑38, 2019.
58
WING, Leah. Ethical principles for online dispute resolution. International Journal on Online Dispute Resolution,
2016. p. 24‑26.
59
NAÇÕES UNIDAS. UNCITRAL. Commission on International Trade Law. Technical Notes on Online Dispute
Resolution. New York, 2017.
60
União Europeia, Diretiva 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21.5.2013.
118 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023
EXPLORANDO A RACIONALIDADE LIMITADA DO HOMO SAPIENS: A IMPLEMENTAÇÃO DE NUDGES EM PLATAFORMAS DIGITAIS...
61
WIENER, Alan. Regulations and standards for online dispute resolution: a primer for policymakers and
stakeholders. Disponível em: http://odr.info/ethics‑and‑odr/#_ftn1. Acesso em: 17 jan. 2021.
62
ANDERSON, Dorcas Quek. Ethical concerns in court‑connected online dispute resolution. International Journal
of Online Dispute Resolution, v. 5, n. 1‑2, p. 20‑38, 2019. p. 9.
63
RULE, Colin. Online Dispute Resolution for Business: B2B, E‑commerce, Consumer, Employment, Insurance,
and Other Commercial Conflicts. San Francisco: Jossey‑Bass, 2002. p. 280.
64
RULE, Colin. Online Dispute Resolution for Business: B2B, E‑commerce, Consumer, Employment, Insurance,
and Other Commercial Conflicts. San Francisco: Jossey‑Bass, 2002. p. 280.
65
Art. 10 da Diretiva 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21.5.2013.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023 119
HUGO MALONE, DIERLE NUNES
66
RABINOVICH‑EINY, Orna; KATSH, Ethan. The New New Courts. Amer. UL Rev., p. 165‑215, 2017. p. 184.
Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3508460. Acesso em: 20 jan. 2020.
67
ANDERSON, Dorcas Quek. Ethical concerns in court‑connected online dispute resolution. International Journal
of Online Dispute Resolution, v. 5, n. 1‑2, p. 20‑38, 2019.
68
RULE, Colin. Online Dispute Resolution for Business: B2B, E‑commerce, Consumer, Employment, Insurance,
and Other Commercial Conflicts. San Francisco: Jossey‑Bass, 2002. p. 273‑274.
120 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023
EXPLORANDO A RACIONALIDADE LIMITADA DO HOMO SAPIENS: A IMPLEMENTAÇÃO DE NUDGES EM PLATAFORMAS DIGITAIS...
69
JOINT TECHNOLOGY COMMITTEE. ODR for Courts. Version 2.0. Updated and Adopted 29 nov. 2017.
70
NAÇÕES UNIDAS. UNCITRAL. Commission on International Trade Law. Technical Notes on Online Dispute
Resolution. New York, 2017. p. 2. Tradução livre do original: “It is desirable to disclose any relationship
between the ODR administrator and a particular vendor, so that users of the service are informed of potential
conflicts of interest”.
71
JOINT TECHNOLOGY COMMITTEE. ODR for Courts. Version 2.0. Updated and Adopted 29 nov. 2017.
72
Alguns sistemas judiciais de ODR fornecem consultas públicas sobre as decisões tomadas anteriormente.
Cf. http://www.housing.gov.bc.ca/rtb/search.html. Sobre o dever de os modelos de inteligência artificial
garantirem a explicabilidade de suas decisões, cf. NUNES, Dierle; MORATO, Otávio. A explicabilidade da
inteligência artificial e o devido processo tecnológico. Conjur, 7 jul. 2021. Disponível em: https://www.conjur.
com.br/2021‑jul‑07/opiniao‑explicabilidade‑ia‑devido‑processo‑tecnologico. Acesso em: 13 jul. 2021.
73
União Europeia, Diretiva 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21.5.2013, sobre a resolução
alternativa de litígios de consumo, que altera o Regulamento (CE) n.º 2006/2004 e a Diretiva 2009/22/CE.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023 121
HUGO MALONE, DIERLE NUNES
74
Art. 7º, item 2, Diretiva 2013/11/UE.
75
ANDERSON, Dorcas Quek. Ethical concerns in court‑connected online dispute resolution. International Journal
of Online Dispute Resolution, v. 5, n. 1‑2, p. 20‑38, 2019. p. 11.
76
RULE, Colin. Online Dispute Resolution for Business: B2B, E‑commerce, Consumer, Employment, Insurance,
and Other Commercial Conflicts. San Francisco: Jossey‑Bass, 2002. p. 281.
77
Também está em tramitação no Congresso americano o Deceptive Experiences To Online Users Reduction –
DETOUR Act (Lei de Redução de Experiências Enganosas para Usuários On-line), que visa proibir “[...]
grandes operadoras online de manipular seus produtos para induzir os consumidores a fornecer informações
pessoais ou dar consentimento. O projeto de lei também proíbe essas operadoras de estudar os padrões
comportamentais de subconjuntos de usuários sem primeiro obter consentimento informado e proíbe o design
de produtos online que levem ao uso compulsivo por crianças” (Disponível em: https://www.congress.gov/
bill/117th‑congress/senate‑bill/3330).
78
THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e
felicidade. Tradução de Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019. p. 245‑246.
122 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023
EXPLORANDO A RACIONALIDADE LIMITADA DO HOMO SAPIENS: A IMPLEMENTAÇÃO DE NUDGES EM PLATAFORMAS DIGITAIS...
de seus cidadãos”.79 O governo deve tratar a população com respeito, o que não
acontece quando a manipula, razão pela qual devem ser vedadas mentiras e a uti‑
lização de pessoas como um meio, não como um fim. Estes argumentos baseados
no princípio da publicidade de Rawls são um bom filtro para se definir quando se
pode utilizar um nudge.
Todas as considerações acima colocam em pauta a necessidade de se dimen‑
sionar novos direitos fundamentais que protejam a liberdade cognitiva e os direitos
à privacidade mental, integridade mental e continuidade psicológica,80 como já re‑
conhecido pela Constituição chilena.81
Considerações finais
Verificou‑se na presente pesquisa a relação existente entre a tendência con‑
temporânea de resolução de conflitos em ambientes digitais e a possibilidade de
utilização de nudges, a partir da teoria proposta no campo da economia comporta‑
mental por Richard Thaler e Cass Sunstein. A pesquisa realizada demonstrou que
a implementação de nudges digitais é mais fácil e rápida. Além disso, a internet
oferece funcionalidades específicas, como o rastreamento de usuários, de suas pre‑
ferências, localização, horários de acesso, personalidades, seus estilos cognitivos
e seus estados emocionais, o que permite a personalização dos nudges apresenta‑
dos, tornando‑os potencialmente mais eficazes.
Ao contrário dos nudges estáticos popularizados por Thaler e Sunstein, nudges
implementados com o uso de big data analytics (hypernudges) são extremamente
poderosos devido a sua contínua atualização, dinamicidade e poder de penetração,
demonstrando que a conexão entre nudges e resolução de conflitos em ambientes
digitais de escolha precisa ser problematizada para que não haja violações à auto‑
nomia das partes envolvidas.
Não obstante os riscos envolvidos, os estudos realizados evidenciam que é
possível utilizar nudges para que o design das plataformas possibilite uma melhor
deliberação das partes e aumente a compreensão das consequências de sua esco‑
lha (arquitetura da informação democrática). Isso porque o paternalismo libertário
79
THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e
felicidade. Tradução de Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019. p. 252.
80
YUSTE, Rafael et al. Four ethical priorities for neurotechnologies and AI. Nature, v. 551, p. 159‑163, 2017.
DOI: https://doi.org/10.1038/551159a; IENCA, Marcelo. Common human rights challenges raised by
different applications of neurotechnologies in the biomedical field. Council of Europe, 2021.
81
“Artículo 19. ‑ La Constitución asegura a todas las personas: 1º‑ El derecho a la vida y a la integridad física
y psíquica de la persona. [...] Se prohíbe la aplicación de todo apremio ilegítimo. El desarrollo científico y
tecnológico estará al servicio de las personas y se llevará a cabo con respeto a la vida y a la integridad física
y psíquica. La ley regulará los requisitos, condiciones y restricciones para su utilización en las personas,
debiendo resguardar especialmente laactividad cerebral, así como la información proveniente de ella”
(Disponível em: https://www.bcn.cl/leychile/navegar?idNorma=1166983).
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023 123
HUGO MALONE, DIERLE NUNES
defende que a escolha de uma pessoa deve ser feita da maneira mais informada
possível, transformando o erro em uma escolha consciente, e não em uma escolha
por falta de informações adequadas.
Lado outro, nudges não devem ser utilizados em procedimentos de resolução
de conflitos para influenciar uma parte em detrimento da outra. A uma, porque vio‑
lam a transparência. A duas, porque se utilizados por tribunais podem representar
quebra da imparcialidade. Preocupa a possibilidade de que as pessoas escolham
uma opção diferente de sua preferência em razão da localização da informação ou
visualização de opções na tela. Embora ainda não existam dados empíricos sobre
a influência que diferentes elementos de user experience (UX) e user interface (UI)
exercem sobre a tomada de decisão no âmbito da ODR, a arquitetura de escolha
baseada em evidências é necessária para garantir a neutralidade dos tribunais, evi‑
tar preconceitos e promover a autodeterminação dos litigantes.
Para impedir o uso mal‑intencionado dos nudges, propõe‑se momentaneamente
a adoção de uma espécie de declaração de direitos que garanta seu uso legítimo,
o que se faz a partir dos estudos de Cass Sunstein e Lucia Reisch, para os quais a
noção de legitimidade significa que os governos e as políticas precisam receber um
tipo de consentimento daqueles que estão sujeitos a eles. Logo, a legitimidade dos
nudges poderia ser garantida a partir da observância de seis princípios de legitimi‑
dade que representam a forma como nudges devem ser aplicados em observância
aos direitos e interesses daqueles que serão por eles atingidos.
Em resumo, os seis princípios propostos são: I) nudges devem promover fins
legítimos; II) nudges devem respeitar os direitos individuais; III) nudges devem ser
consistentes com os valores e interesses das pessoas; IV) nudges não devem tirar
coisas das pessoas e entregá‑las a outras sem o seu consentimento explícito; V)
nudges não devem manipular as pessoas; e VI) nudges devem ser transparentes
em vez de ocultos.
Além destes princípios, a proteção da autonomia das partes pode ser alcança‑
da a partir da adoção de diretrizes éticas que visem à garantia do devido processo
em plataformas de ODR, destacando‑se no presente estudo as diretrizes do empo‑
deramento e da transparência, as quais exigem uma participação livre e informada
de todas as partes. Reconhece‑se, no entanto, que outras diretrizes podem ter apli‑
cabilidade de modo reflexo, o que pode ser pesquisado no futuro.
Para garantir o empoderamento e a autodeterminação das partes em platafor‑
mas privadas, deve ser garantido o pleno direito de voz, isto é, as partes devem ter
direito efetivo de escolher participar e, quando escolherem, devem poder se mani‑
festar livremente, com a confiança de que suas pretensões serão levadas a sério.
Ademais, devem ser envidados todos os esforços possíveis para tornar trans‑
parentes os verdadeiros propósitos e riscos existentes, incluindo: a forma dos
124 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023
EXPLORANDO A RACIONALIDADE LIMITADA DO HOMO SAPIENS: A IMPLEMENTAÇÃO DE NUDGES EM PLATAFORMAS DIGITAIS...
Referências
ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e
à filosofia do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
ANDERSON, Dorcas Quek. Ethical concerns in court‑connected online dispute resolution. International
Journal of Online Dispute Resolution, v. 5, n. 1‑2, p. 20‑38, 2019.
BENARTZI, Shlomo; LEHRER, Jonah. The smarter screen: surprising ways to influence and improve
online behavior. New York: Portfolio/Penguin, 2015.
BRIGNULL, Harry. Dark patterns: deception vs. honesty in UI Design. A List Apart, 1º nov. 2011.
DAVENPORT, Thomas H.; BECK, John C. The attention economy: understanding the new currency
of business. Boston: Harvard Business School Press, 2001.
DEL NEGRI, André. Processo constitucional e decisão interna corporis. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
IENCA, Marcelo. Common human rights challenges raised by different applications of
neurotechnologies in the biomedical field. Council of Europe, 2021.
JOINT TECHNOLOGY COMMITTEE. ODR for Courts. Version 2.0. Updated and Adopted 29 nov. 2017.
KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes
Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
MALONE, Hugo; NUNES, Dierle. Manual da justiça digital: compreendendo a online dispute resolution
e os tribunais online. 1. ed. São Paulo: JusPodivm, 2022.
MIRSCH, Tobias; LEHRER, Christiane; JUNG, Reinhard. Digital nudging: altering user behavior in
digital environments. Proceedings der 13. Internationalen Tagung Wirtschaftsinformatik (WI 2017),
St. Gallen.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023 125
HUGO MALONE, DIERLE NUNES
NAÇÕES UNIDAS. UNCITRAL. Commission on International Trade Law. Technical Notes on Online
Dispute Resolution. New York, 2017.
NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; PEDRON, Flávio. Teoria geral do processo. 2. ed. Salvador:
JusPodivm, 2021.
NUNES, Dierle; MORATO, Otávio. A explicabilidade da inteligência artificial e o devido processo
tecnológico. Conjur, 7 jul. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021‑jul‑07/opiniao‑
explicabilidade‑ia‑devido‑processo‑tecnologico. Acesso em: 13 jul. 2021.
NUNES, Dierle; PAOLINELLI, Camilla Mattos. Novos designs tecnológicos no sistema de resolução
de conflitos: ODR, e‑acesso à justiça e seus paradoxos no Brasil. Revista de Processo, São Paulo,
v. 314, abr. 2021.
PAYNE, J. W.; VENKATRAMAN, V. Opening the black box: conclusions to a handbook of processing
methods for decision research. In: SCHULTE‑MECKLENBECK, M.; KÜHBERGER, A.; RANYARD, R.
(Ed.) A Handbook of Process Tracing Methods for Decision Research: A Critical Review and User’s
Guide. New York: Taylor & Francis, 2011.
PEDRON, Flávio Quinaud; OMMATI, José Emílio Medauar. Seria possível a observância da integridade
sem processo? Uma resposta aos críticos. Revista de Processo, v. 326, p. 71‑101, abr. 2022.
DTR\2022\8491.
RABINOVICH‑EINY, Orna; KATSH, Ethan. The New New Courts. Amer. UL Rev., p. 165‑215, 2017.
Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3508460. Acesso em: 20 jan. 2020.
RAMIRO, Thomas; FERNANDEZ, Ramon Garcia. O nudge na prática: algumas aplicações do
paternalismo libertário às políticas públicas. Revista Textos de Economia, v. 20, n. 1, 2017.
REUTSKAJA, Elena; NAGEL, Rosemarie; CAMERER, Colin F.; RANGEL, Antonio. Search dynamics in
consumer choice under time pressure: an eye‑tracking study. American Economic Review, v. 101,
n. 2, p. 900‑926.
RULE, Colin. Online Dispute Resolution for Business: B2B, E‑commerce, Consumer, Employment,
Insurance, and Other Commercial Conflicts. San Francisco: Jossey‑Bass, 2002.
SCHNEIDER, Christoph; WEINMANN, Markus; VOM BROCKE, Jan. Digital Nudging – Guiding Choices
by Using Interface Design. Communications of the ACM, v. 61, n. 7, p. 67‑73, 2018.
SELA, Ayelet. e‑Nudging Justice: The Role of Digital Choice Architecture in Online Courts. Journal
of Dispute Resolution, 2019.
SIMON, Herbert A. Designing organizations for an information‑rich world. In: GREENBERGER, M.
(Ed.). Computers, communication, and the public interest. Baltimore: Johns Hopkins Press, 1971.
SIMON, Herbert A. Rationality as process and as product of thought. Am. Econ. Rev., v. 68, p.
1‑16, 1978.
SUNSTEIN, Cass R.; REISCH, Lucia A. Trusting nudges: toward a bill of rights for nudging. London/
New York: Routledge, 2019.
THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde,
dinheiro e felicidade. Tradução de Ângelo Lessa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.
WALDMAN, Ari Ezra. Cognitive biases, dark patterns, and the ‘privacy paradox’. 18 de setembro de
2019. Current Issues in Psychology, v. 31, 2020.
WANSINK, Brian; KENT, Robert J.; HOCH, Steve. An anchoring and adjustment model of purchase
quantity decisions. Journal of Marketing Research, v. 35, p. 71‑81, 1º fev. 1998.
WEINMANN, Markus; SCHNEIDER, Christoph; VOM BROCKE, Jan. Digital Nudging. Business &
Information Systems Engineering, v. 58, n. 6, p. 433‑436.
126 R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023
EXPLORANDO A RACIONALIDADE LIMITADA DO HOMO SAPIENS: A IMPLEMENTAÇÃO DE NUDGES EM PLATAFORMAS DIGITAIS...
WIENER, Alan. Regulations and standards for online dispute resolution: a primer for policymakers
and stakeholders. Disponível em: http://odr.info/ethics‑and‑odr/#_ftn1. Acesso em: 17 jan. 2021.
WING, Leah. Ethical principles for online dispute resolution. International Journal on Online Dispute
Resolution, 2016.
YEUNG, Karen. Hypernudge: big data as a mode of regulation by design. Information, Communication
& Society, 2016.
YUSTE, Rafael et al. Four ethical priorities for neurotechnologies and AI. Nature, v. 551, p. 159‑163,
2017. DOI: https://doi.org/10.1038/551159a.
R. bras. Dir. Proc. – RBDPro | Belo Horizonte, ano 31, n. 123, p. 103‑127, jul./set. 2023 127