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Mauro Sérgio Santos

camaleão
metapoesia

Edibrás
Gráfica e Editora

Fone: (34) 3236-1761


graficaedibras@terra.com.br

Uberlândia - MG - Brasil
2013
© 2013 - Mauro Sérgio Santos

Título: camaleão: metapoesia


Revisão Ortográfica: Sueli Gomes de Lima
Valéria Landa Alfaiate Carrijo
Diagramação e Arte-Final: Marcelo Soares da Silva
Criação e Arte da Capa: Marcelo Soares da Silva

CORPO EDITORIAL:
Graziela Giusti Pachane (Doutora em Educação pela UNICAMP)
Juraci Lourenço Teixeira (Mestre em Química pela UFU)
Kenia Maria de Almeida Pereira (Doutora em Literatura pela UNESP)
Mara Rúbia Alves Marques (Doutora em Educação pela UNIMEP)
Roberto Valdés Pruentes (Doutor em Educação pela UNIMEP)
Orlando Fernández Aquino (Doutor em Ciências Pedagógicas pela ISPVC - Cuba)
Luiz Bezerra Neto (Doutor em Educação pela UNICAMP)
Irley Machado (Doutora pela Université Paris III - Sorbonne Nouvelle)
Vitor Ribeiro Filho (Doutor em Geografia pela UFRJ)
Lidiane Aparecida Alves (Mestre em Geografia pela UFU)
Fernanda Arantes Moreira (Mestre em Educação pela UFU)
Bruno Arantes Moreira (Mestre em Engenharia Química pela UFU)

FICHA CATALOGRÁFICA
ELABORADA PELA EDITORA EDIBRÁS

S 237c SANTOS, Mauro Sérgio


camaleão: metapoesia / Mauro Sérgio Santos. Uberlândia:
Edibrás, 2013.
96 p.

ISBN: 978-85-99439-30-2

1. Poesia – Literatura brasileira. I. SANTOS, Mauro


Sérgio II. Título.

CDU B869.1

É proibida a reprodução total ou parcial.


Impresso no Brasil / Printed in Brasil
prefácil
Marco Aurélio Querubim

Poesia é matéria sobre a qual tenho pouco a


declarar, pois a palavra, a música, todas as artes têm o
poder de falar por si mesmas nas suas diferentes formas
de tocar os sentidos e penetrar os caminhos do
pensamento. Por isso, declaro que poesia é coisa da gente
sentir nos olhos, na língua e nos ouvidos, na pele, nos
pelos e nas papilas. Poesia é uma lente de enxergar o
mundo que não carece explicação. À medida da fruição,
como quem aprecia aromas e sabores nos pomares do
olfato e do paladar, revelam-se os encantamentos, sem
maiores complicações. Uma simples questão de saber o
sabor, desfrutar...
Longe da pretensão de introduzir o leitor a um
livro de poesias, já que a matéria aqui é de ordem
nutritiva, quero instigá-lo a degustar as palavras que o
aguardam nas próximas páginas numa feira de sentidos
e combinações. Que possa o leitor alimentar-se, admirar-
se com elas como aquele que espia por um caleidoscópio
em movimento, e nunca encontra repetida imagem na
multiplicidade das formas e das cores.
Assim ocorreu comigo desde o encontro com
Camaleão, poema que anos atrás me laçou e me lançou
à curiosidade sobre a aventura artística do poeta, filósofo
e educador Mauro Sérgio Santos. Parecia que “tinha o
tamanho do que via”:
3
Um homem que caminha lado a
lado com a morte
sabe perfeitamente que o homem
é o parente mais próximo do
camaleão
descendente direto das cigarras e
dos bem-te-vis
Por isso,
um animal que
muda
canta
chega
e parte...

Camaleão, poema que intitula e abre a obra,


tocou-me na sutileza da palavra em doses escolhidas de
levezas e densidades existenciais. Senti-me na margem
de dentro do rio que escorre pra fora da gente...
Sintetizar a pureza das coisas na (des)precisão
da palavra, do som e do gesto é o céu e o inferno dos
poetas. Falar da coisa, na medida suficiente para um
deleite, nem mais, nem menos... Expressar uma angústia,
um riso, um susto, um soluço... Tudo isso, exercício e
artesanato, jogo e sonho, fardo e fado, um desafio
incessante às capacidades. Muitas vezes, um poço seco,
outras muitas, a gota de orvalho que descansa na pétala
de uma flor do deserto.
Dessa forma, ao modo do Homem de Barros,
sujeito do pantanal que se faz universal ao versejar sobre
o seu lugar, O Homem do Cerrado, sabedor de que “a
pressa de chegar prejudica a paisagem”, tem inclinação para
4
ver as coisas reinventadas, como quem “acumula
fantásticas e respeitosas ignorâncias”.

Contemplava o horizonte na
direção do contrário
Criava batalhas imaginárias
e entregava-se a elas
como um Quixote alucinado
Deixava-se ser!
Era guiado pela criança que o
acompanhava

O Homem do Cerrado, “grávido de tudo que


acaricia seus olhos”, tem um menino sabido por dentro.
É, ao mesmo tempo, um autor que revela-nos a gravidez
do seu olhar para as coisas como um retratista à procura
da flor dos ipês, do canto dos sabiás, da ternura das
joaninhas...
A paisagem aumenta em mim
a capacidade de estar.

Segundo esse Homem,

Quando algo
aparece
do nada
é milagre

fazer alguma
coisa impossível
acontecer
é milagre
5
Então,
contar o que não existe
é milagre!

Portanto,
a mentira é um milagre.
A poesia é uma mentira
digo
um milagre.

E é, pois, isso que põe no homem


diferença
dos outros
animais:
O homem é o único animal capaz de
milagres.

No território de tantos milagres, cabe reservar


ao leitor o direito de exercer suas próprias descobertas
dos gostos e desgostos que a palavra traz, saber os sabores
no fluxo de um rio de sentidos e sensações.
Assim, caro leitor, certo de que

todo ponto final é lugar de passagem


e que a única estadia definitiva é a
estrada

considere o próximo ponto,


vire a página e
6
pé na tábua,
pois,
se o “Tempo
é o que acontece enquanto os espaços se movimentam”,
“poesia
é matéria de salvação”,

e ponto.

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8
Camaleão
Um homem que caminha com a morte a seu lado é mais
sereno.

Seu guarda-chuva está sempre disposto na fechadura


da janela.
Seu casaco, pendurado no cabide.

Não que um homem ao lado da morte


tenha medo de chuva,
mas é que, como o guarda-chuva,
ele está sempre disposto.

Ele tem um acordo selado com a solidão, embora lhe agrade


a mesa cheia em plena segunda-feira.

Conhece o inferno,
recorda-se do céu,
mas prefere o chão.

Conhece também todos os olhos claros que iluminam


as esquinas.
Não guarda sorrisos
nem quando faz tristeza.

Sabe que todo ponto final é lugar de passagem


e que a única estadia definitiva é a estrada.
Parte sempre que algo se revela,
quando tem certeza e quando duvida.
9
O “Livro Sagrado dos Homens ao Lado da Morte” lhe
revelou:

o caminho é lugar de salvação


e a mala pronta,
o único fardo a ser carregado.

O homem com uma morte bem do seu lado


tem passadas firmes, comedidas, elegantes.
Escreve poemas alegres,
ouve Bizet de madrugada,
e lê Rimbaud nas horas vagas.
É marxista de direita
e odeia verdades absolutas.

Um homem que caminha lado a lado com a morte


sabe perfeitamente que o homem
é o parente mais próximo do camaleão
descendente direto das cigarras e dos bem-te-vis
Por isso,
um animal que
muda
canta
chega
e parte...

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Sempre-me

O caminho de quem parte


permanece
nos olhos
que ficam
que fitam
que se espantam
que se findam.

11
Tudo o que encontro
se
perde
me
esconde
me
prende
me.

12
Todo encontro
me
desfaz
me
desarma
me
deserda
me
desmente
me
desvela
me
desmonta-me

13
E vive-se sempre
muito!
depressa...

14
e sempre é tarde!
demais...

15
Autorretrato
Contrario-me na direção inversa ao oposto
Sempre que sigo, sem olhar pra trás

Vejo crescer estrelas completas de além


Em nuvens despretensiosas que correm atrás de mim
Em céus corrompidos que ficam
Três léguas após meus olhos:

Céus brancos e nuvens azuis

16
A criança que me acompanha
aponta a direção em que devo caminhar:

oposto o.

17
Ao “Homem de Barros”

Professorando-me a carrapato

de
longa
data

vivo
a
esmo

18
O homem do cerrado

Tinha um olhar de quem sempre falava com árvores


Conversava os papagaios e canários
Estradeava!
Cantava de cigarras
Nomeava passados e sonhos
Fazia aparecer cordeiros em lobos
Contava com uma percepção de borboletas!

19
Desnudava-se em público
Fazia-se grávido de tudo que acariciava seus olhos
Tinha o tamanho do que via
Tornava maior aquilo que tocava
E biografava-se pequeno
Amava o próprio amor sem palavras e nomes

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Contemplava o horizonte na direção do contrário
Criava batalhas imaginárias
e entregava-se a elas
como um Quixote alucinado
Deixava-se ser!
Era guiado pela criança que o acompanhava

21
Perseguia a grandeza do ínfimo
Apequenava a vida:
encantava-a!

22
Paisagem

Estou pelo que


sei
e também pelo que

não
sei

que a pressa de chegar


prejudica a paisagem.

A paisagem aumenta em mim


a capacidade de estar.

23
Nunca me encontro;

salvo
quando
disperso...

24
Há sempre
um horizonte
distante
que me acompanha...

25
O outro é o que me acusa de estar.

26
Tenho me exercitado bastante
na arte de chegar sem ser visto
e de partir sem me despedir.

Despedida cansa a alma e molha os olhos.

27
Sempre que parto
levo comigo
um quarto
de mim.

Os outros ficam.

28
Quem parte
fica
com uma
parte
da saudade.

29
Quem parte
fica
com culpa
de saudade.

30
A par/te do TODO
também é o TODO
de suas partes.

31
A cada dia
de vida
morro!
sempre...
um pouco
mais!

32
No meio
No meio da vida
No meio da vida a morte
No meio da vida há morte
No meio da vida
a morte está
No meio da vida a morte está viva
No meio da vida a morte se faz

viva

33
No meio da vida a morte vívida
No meio da vida a morte está
No meio da vida há morte
No meio da vida a morte
No meio da vida
No meio
Na morte
Na vida

34
A morte leva a vida!

Tudo que morre,


carrega a vida
que levou.

35
A Guimarães Rosa

Nonada
pensar
já é pensamento
de imenso.

36
Entre

Estou!
por lembranças:
as tristes
e as musicais.

Sou!
pelas correntes
de um passado
que aprisiona
e pelo desejo de amanhecer
que me manteria em pé
se não me tornasse tão claro.

37
Entre o ainda não
e o nunca mais

entre os que se foram


e os que não chegarão

entre o canto outrora ouvido ao longe


e as músicas que jamais serão compostas
entre o verso
e o reverso
(em verso)
IN-VERSO.

entre o inferno
e o que vem depois

entre a odisséia e a divina comédia


entre a guerra de tróia
e as revoluções: vermelhas
e verdes
e azuis
e rosas

entre uma dose de uísque


e um cigarro de palha

entre as partes baixas de napoleão


e o bigode dos nazistas
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entre a musicalidade de todas as infâncias
e a maturidade muda das cifras, contas e comprimidos
entre as certezas dos que criaram deus
e as incertezas dele mesmo

entre os joelhos esfolados


e o ventre rasgado

entre o dia em que todos se foram


e hoje

39
no meio dos dias
no meio das pernas
no meio das pedras
no meio do trigo
no meio,

40
do sétimo ao décimo terceiro andar
do primeiro ao quarto mistério gozoso
de uma segunda a outra
da travessia mosaica do mar vermelho
à descoberta desbravada e descampada do interior do
homem
do ensurdecedor silêncio primordial à primeira palavra
de deus __ que já era palavra.

41
Entre um passo e
um passo e
um verso e
um trago e
um acorde e
um parto e
um olhar e
um amor

42
depois da escuridão
depois da chuva
depois do coito
depois do choro
depois do tempo
depois da vida

43
O olho de Hipácia

Se fecho os olhos
olho o mundo
e vejo
todas as coisas que nunca conheci
e reparo
tudo o que não tenho diante de mim.
E amedronto-me com a naturalidade extraordinária do
cotidiano
inexpugnável!
Se fecho os olhos
canto
a grande música da vida
e ouço
as canções que nunca foram compostas,
e as sinfonias que jamais serão desempenhadas.
E sinto um medo da ordem daqueles que fogem à ordem
extraordinariamente eventual e contingente dos fatos.
De olhos fechados
apavoro-me dolorosamente
com o calor de todos os abraços
com o brilho de todas as estrelas
com a dor de todos os partos
com o medo de todos os fracos
e o perfume de todas as rosas
o amor de todos os homens
e o cansaço de todos os amores.
44
Viver é sempre
fechar os olhos.

45
Quando fecho os olhos
posso
ver o mundo
embora não sem medo.
Fechar os olhos
é
vi
ver
o
m
u
n
d
o...

46
Entre o que há em mim
e o que penso
ser


uma estrada indeterminada
e de curvas intermináveis

Entre o que há em mim


e o que imagino
ser


um rio de águas impenetráveis
e terrivelmente geladas

Entre o que há em mim


e o que sinto
ser

um
pare ...ser...

47
O que sou e não sei.
O que penso e não sei.
O que penso que sei.
O que penso que sou.
O que penso que penso.

O que penso que penso que sou.


O que penso que penso que sei.
O que penso...

O que sei que sei que penso.


O que sei que sei que sou.
O que sei que sei que sei.

48
Intervalo

Dia sem sorriso é noite


Festa sem música é um velório extraordinário
e fé sem pecado,
o começo do céu.
Assim como, sem o diabo,
o inferno é o lugar onde tudo é permitido.

49
Sábio é o homem que acumula fantásticas e
respeitosas ignorâncias,
Solidão é a ausência de antigas presenças
E saudade: a presença de uma ausência.

50
A música é o silêncio em movimento
como o ar é o caminho do vento,
como a eternidade é a carência de tempo.

51
O além-do-infinito também é infinito.
O caminho é o intervalo entre dois infinitos.
E a metáfora é a inversão do caminho.

52
Um grito de amor disperso
no vazio da mortalidade
é o durante da eternidade.

53
Tempo é o que acontece enquanto os espaços se
movimentam.

54
Eternidade é quando o tempo já acabou.

55
Amigo é quem nunca se importou.

56
A criação do mundo
By Judas

No princípio era a palavra... em silêncio, pois gozava


dos privilégios e cerceamentos de sua eterna solidão
inexpugnável.
E como se não bastasse o verbo, fez-se a luz.
Houve uma tarde e uma manhã. Foi o primeiro dia!
E como se não bastasse a luz, esta se fez escuridão. E
como se não bastassem o Verbo, a luz e a escuridão, veio
também o mundo: um paraíso privativo para que o verbo
tirasse férias na absoluta e prazerosa companhia dele
mesmo.
Mas como se não fosse suficiente, vieram depois os
animais que povoaram esse mundo de meu Deus! Até
que, na embriaguez de um happy hour, em plena sexta-
feira, (já haviam criado o calendário, os estrangeirismos
e a tradicional bebedeira do fim se semana!) fez-se um
animal com o abominável poder de dar nome aos outros
animais e seres e coisas e ao próprio verbo!
Houve uma manhã, uma tarde e um fim de tarde!
Foi o princípio da palavra... dada também à mulher, para
a infelicidade de alguns!
Mas, como se tudo isso não bastasse, a palavra, a mulher
e o homem, juntos, deram vida ao pudor e à fecundidade
da nudez!
57
E da nudez fez-se a prole; e da prole o incesto; e do
incesto fez-se a intriga entre os irmãos e a serpente.
E veio o choro derramado sobre o sangue precipitado
pela própria espada.
E do choro, fez-se o luto. E o luto fez-se Deus!
Desde então, tudo é assim: dia sim, conversas nas
ruas e praças da cidade, dia não, beber cicuta, acusado
injustamente por seus iguais.
Dia sim, ensinar na academia, dia não, a expulsão dos
poetas da república-dos-sábios-do-mundo-das-sombras.
Dia sim, a caverna. Dia não, a luz.
Dia sim, perambular com os discípulos no jardim. Dia
não, ensinar a ser bárbaro um grande imperador.
Dia sim, asceta, cínico. Dia não, amigo do prazer.
Dia sim, trindade, graça: cidade de Deus. Dia não,
tabernas, mulheres: cidade dos Homens.
Dia sim, santa sabedoria incontestável. Dia não, boi
mudo, dominicano, consumado.

58
Dia sim, entregar-se às disputas teológicas em Notre
Dame (a castidade consentida). Dia não, apoderar-se
dos lábios e do corpo da mais sábia entre as belas (a
castração inevitável).
Dia sim, a oferenda do cordeiro nos altares. Dia não, o
sacrifício das bruxas nas fogueiras.

Dia sim, a fortuna. Dia não, a virtude. Dia sim, penso.


Dia não, existo.
Dia sim, um feixe de sensações. Dia não, um caniço
pensante.
Dia sim, o homem é um selvagem inofensivo e inocente.
Dia não, seu próprio predador.
Dia sim, liberte, egalité, fraternité. Dia não, guilhotinas,
armadilhas e canhões.
Dia sim, religião, ópio, entorpecente das massas. Dia
não, édipo, rei, fálico, sublimado.
Dia sim, o homem está condenado a ser livre e o inferno
são os outros. Dia não, deus está morto e tudo é permitido.
Dia sim, as certezas daqueles que criaram Deus. Dia
não, as incertezas dele mesmo.

59
O infinito
é exatamente
o contrário!
do acaso
sempre!
necessário.

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A insustentável leveza do Ser

O que tenho diante dos olhos


esteve
desde sempre
dentro de mim.

A irreparável paisagem que contemplo no horizonte que


se afasta
levo-a sempre comigo
como um porta-retrato velho e empoeirado pregado na
parede.

Sou tudo o que vejo.


Foi sempre assim!
Tem sempre que ser assim!

A música,
que escuto ao longe,
terrivelmente suave,
como a sinfonia de um Beethoven febril
me toca
pois que desempenhada
como a única melodia possível:

Sou tudo que ouço.


Foi sempre assim!
Tem sempre que ser assim!
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A pedra da vida
rolada ladeira acima
com a fadiga de um Sísifo resignado...

O mundo que somos


todos
levado sobre os ombros
esfolados
com a força de um Atlas desabrigado
e a vontade trêmula de nos lançarmos à beira do
precipício...

A escuridão pura, absoluta e interminável


de tudo o que é eterno grita:

“Sou minha própria venda!

Foi sempre assim!


Sempre há de ser assim!

Eu sou minha própria paisagem,


minha própria condenação!

62
O dia da derrota chegou,
Quando tragicamente
Do meio da multidão solitária
Emana um grito balbuciado
Em tom desfalecido:
“apaguem as velas!”

63
MetaPoesia

64
Os desejos de palavras me infinitam...

65
A poesia
e Deus
me calam.

E é nesse silêncio
que me desencontro.

É nesse desencontro
que me arranjo.

É nesse arranjo
que me desfaço.

66
Poesia é errar pelas palavras,
Apreço pelas curvas de rios e baixezas da vida...

67
O que me escondo
dizendo
é o recôndito.

68
Quando da poesia
toda a vida
cai sobre mim.

69
Quando seus olhos me versam
a palavra
reverencia
silencia.

é amor
isto é
poesia.

70
Quando algo
aparece
do nada
é milagre

fazer alguma
coisa impossível
acontecer
é milagre

Então,
contar o que não existe
é milagre!

Portanto,
a mentira é um milagre.
A poesia é uma mentira
digo
um milagre.

71
E é, pois, isso que põe no homem diferença
dos outros
animais:
O homem é o único animal capaz de milagres.

72
Poesia feita no meio da rua

De rima crua e nua


entre todos os poemas
é este o mais bonito
escrito pelo prazer de ter visto
um poema no meio da rua.

73
Vez por outra a poesia me escapa
pois que acostumada a fugir sempre
não mais se habituou ao estabelecimento de moradas
itinerante e inconstante
não se reconhece mais em minha casa
aliás, não a toma como sua
embora tenha posse plena
de sua escritura.

74
Falo

Se falo
me digo.

Se calo
falo
mais
do que imagino.

75
Poesia
universo
inverso
osrevni
verso in
em verso.

76
Segredos
O chaveiro é um homem
que
guarda
abre
e distribui segredos.
O chaveiro é um homem de palavras!
O chaveiro é um homem de segredos!

77
O parto é o princípio da morte
O estilete é o principio do corte
A aposta é o princípio da sorte

O fim da introdução é o fecho


do começo
O fim do infinito é o começo do outro
O fim do arco-íris é um pote de ouro
Para alguns a miséria, pra outros, tesouro

O toque é o início do sexo


O quinto é o início do sexto
A família, o início do incesto.

A rede é o inicio do peixe.


A rede é o início da cesta.
A quinta é o inicio da sexta.
O sono, o início da sesta.

78
A estrada passa pela sola do sapato
Como a paisagem se repleta de olhos
Como a água se corta de peixes
Como o relógio se corta de tempo
Como se cortam as folhas de vento
Como a vida se enfia de tempo
Como a ideia se invade de pensamento
Como a carne se entranha de lâmina
Como de lenha se queima a chama

79
Morte da poesia
Que a poesia sempre morra
como o sol
e o botão de rosa.

Que o amor emudeça


a exemplo do solene-silêncio-das-sementes.

Nada me planta mais palavra


que a amo-rosa mudez
das sementes,
do pôr do sol
e dos botões de flor.

80
Silêncio

A semente do silêncio,
adormecida.
A beleza do mundo escondida.
Eis o segredo da vida!

81
Heresia
Chegará o dia
em que se gritará
bem forte
do alto de todos os púlpitos,
palcos, palanques e precipícios:

“poesia é matéria de salvação”

82
Quando me carrego de passado,
é saudade.
Se me porto de futuro
sonho.

Em todos os casos:
faz poesia.

83
Hoje teria sido o dia do particípio passado
se não fosse por ontem...
amanhã...
...estaria
nascendo
a era do gerúndio.

agora eu fui
um pretérito perfeito

84
Pequeno Vocabulário
Inverso

85
Na inutilidade do mundo
repousará eternamente
a essência da vida.

86
Carta
Ilustre tentativa
de enganar a distância;
golpe da palavra.

87
Fotografia
Palavra revelada
Poema disposto
no eterno
instante
da estante.

Palavra
pregada
na parede.

88
Poema

saudade guardada na palavra


fotografia eternizada no verbo.

89
Saudade:
abraço grande
sorriso molhado
serenata de véspera.
É despedida debruçada na janela.

90
Amizade
uma caixinha de música
colocada todas as manhãs sobre mesa.

91
Céu
Cantoria que nasce todo dia no fundo dos olhos;
poema que diz bom dia nas esquinas de domingo;
cantiga de roda em festa de gente grande.
É o dia que nasce da serenata dos sorrisos;
é saudade das estrelas que têm nomes de amigos.

Quando o dia nasce,


nascem olhos, sorrisos, serenatas e saudades...

92
Santos, crianças e doidos:
são aqueles que se ocupam das coisas
que preocuparam Deus
antes da criação do mundo
no tempo em que Ele era palavra.

93
94
Notas:

“Camaleão”
Poema vencedor do Concurso Internacional de Poesias
promovido pela Associação de Escritores de Bragança
Paulista – SP(2009).
Publicado em: - Antologia de Contos e Poesias.1 ed.
Bragança Paulista : ABR editora, 2009.
- Versos Soprados pelos Ventos de Outono. Big Time
Editora: São Paulo, 2012.

“Sempre-me”
Poema vencedor do Concurso Nacional de Poesias Carlos
Drummond de Andrade (SESC - DF) – 2009.
Publicado em: Antologia Carlos Drummond de
Andrade de Poesias: SESC - DF, 2009.

“O homem do cerrado”
Poema premiado no Concurso Calendário – 2012
promovido pela Secretaria de Cultura de Uberlândia – MG.
Publicado em: Concurso Calendário 2012, Secretaria
De Cultura: Uberlândia, 2012

“O olho de Hipácia”
Poema premiado no Concurso “Crônica e Literatura” –
Assis Editora, Uberlândia – MG – 2012
Publicado em: Emoção Repentina. Assis Editora:
Uberlândia, 2012.
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