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Silva Lusitana 12(1): 77 - 93, 2004

© EFN, Lisboa. Portugal 77

Calibração do Sistema Canadiano de Perigo de Incêndio para


Aplicação em Portugal
Domingos X. Viegas*, Raul M. Reis**, Miguel G. Cruz*** e
Maria T. Viegas****
*Professor Catedrático, ***Bolseiro de Doutoramento, ****Engenheira Silvicultora
Universidade de Coimbra. Departamento de Engenharia Mecânica, Pinhal de
Marrocos, 3031-601 COIMBRA
**Assessor Principal
Instituto de Meteorologia, Rua C – Aeroporto de Lisboa, 1700 LISBOA

Sumário. Descreve-se o Sistema Canadiano de indexação do perigo de incêndio, indicando o


significado de cada um dos seus sub-índices. Com base em resultados de medições diárias do
teor de humidade de combustíveis florestais finos, estabelecem-se equações para estimativa do
teor de humidade de combustíveis da folhada e do estrato arbustivo. Mostra-se existir uma
relação directa entre a velocidade de propagação do fogo em vegetação arbustiva e o índice de
propagação inicial ISI. Apresenta-se em seguida a metodologia empregada para calibrar as
classes de perigo, em cada um dos dezoito distritos de Portugal Continental, com base nos
valores estatísticos de FWI e do número e área ardida diariamente por distrito. É apresentado o
valor médio do índice de secura DC como sendo um bom caracterizador da gravidade relativa
de um dado ano.
Palavras-chave: perigo de incêndio; meteorologia aplicada aos incêndios florestais;
combustíveis florestais; Sistema Canadiano

Calibration of Canadian Fire Danger Rating System for Application to Portugal


Abstract. The Canadian Fire Weather System is briefly described and the meaning of each one
of its components is given. Data from direct field measurements of fine fuel moisture content in
Central Portugal were used to establish predictors of moisture content of litter and of shrub
vegetation. The ability of ISI to predict rate of spread in shrub vegetation is shown. The
methodology to calibrate the fire danger classes based on the statistical data of daily FWI,
number of fires and burned area for each district of Continental Portugal is presented. It is
shown that the average value of the Drought Code (DC) is a good indicator of the relative
danger of a fire season.
Key words: fire danger; fire meteorology; forest fuels; Canadian Fire Weather System

Calibration du Système Canadien d'Indexation du Danger Appliqué au Portugal


Résumé. Le Système Canadien d'indexation du danger d'incendie est décrit en indiquant le
sens de chacun de ses sous-indices. À partir des résultats de mesures quotidiennes de la teneur
d'humidité de combustibles forestiers fins, des équations sont établies pour l'estimation de la

1º Autor E-mail: xavier.viegas@dem.uc.pt


78 Viegas, D. X., et al.

teneur d'humidité de combustibles de la litière et de la strate arbustive. On montre qu'il existe


une relation directe entre la vitesse de propagation du feu dans une végétation arbustive et
l'indice de propagation initiale ISI. Ensuite, on présente la méthodologie employée pour calibrer
les classes de danger pour chacun des dix-huit districts du Portugal Continental, basée sur les
valeurs statistiques de FWI et sur la quantité et la surface brûlée quotidiennement par district.
La valeur moyenne de l'indice de sécheresse DC est présentée comme étant une bonne
indicatrice de la gravité relative d'une année donnée.
Mots clés: danger d'incendie; météorologie appliquée aux incendies forestiers; combustibles
forestiers; Système Canadien

Introdução Portugal Continental e para estimativa


do teor de humidade de alguns dos
As condições meteorológicas afectam componentes das formações florestais.
os incêndios florestais em todas as suas
fases, desde a sua eclosão, passando pela O Sistema Canadiano
propagação até à sua supressão. O perigo
de incêndio, considerado como sendo a Porquê o Sistema Canadiano
possibilidade de ocorrer um incêndio
Num estudo realizado no âmbito de
condicionada pelos factores ambientais
um programa apoiado pela Comissão
variáveis, refere-se em geral às condições
Europeia, comparou-se o desempenho de
meteorológicas e pode ser estimado de
um conjunto de seis diferentes métodos
modo objectivo recorrendo a métodos de
de indexação do perigo de incêndio, face
indexação existentes.
aos dados de ocorrência de incêndios em
Como é sabido existem múltiplos
quatro países do Sul da Europa. Este
métodos para estimar o perigo de
estudo foi publicado inicialmente como
incêndio, com base em parâmetros
um relatório interno do projecto
meteorológicos, que são utilizados em
MINERVE (VIEGAS et al., 1996) e foi mais
todo o mundo. Está fora do âmbito deste
tarde publicado em VIEGAS et al. (1999).
trabalho uma descrição ou análise dos
Os métodos testados estão indicados no
métodos existentes, podendo consultar-
Quadro 1. As regiões geográficas nas
se para o efeito VIEGAS et al. (1994) e REIS
quais se aplicou o estudo encontram-se
(1998a). De entre os métodos conhecidos
indicadas no Quadro 2, juntamente com
considera-se neste estudo o Sistema
o período de extensão da base de dados
Canadiano de indexação do perigo, pelas
estatísticos.
razões que se indicam mais adiante.
A aplicação de um dado método a Quadro 1 – Métodos de indexação
uma determinada região carece de uma considerados no estudo comparativo
calibração prévia, para se terem em conta
as propriedades específicas do clima, do Índice País
regime de incêndios e da estrutura de 1 IREPI Itália
prevenção e combate dessa região. No 2 SOL França
caso presente procedeu-se à calibração 3 Nesterov Portugal
de alguns dos indicadores derivados do 4 ICONA Espanha
Sistema Canadiano para indexação do 5 FWI Canadá
perigo de incêndio nos vários distritos de
Calibração do Sistema Canadiano 79

Quadro 2 - Áreas e períodos considerados no estudo comparativo de métodos de indexação

Média diária
País Região Época Período
Ninc A (Ha)
Portugal Região Centro Jun./Set. 1988-1992 23 261
França Alpes-H.-Provence Jan./Abril 1981-1990 0,18 1,77
França Bouches du Rhone Jan./Abril 1986-1990 1,47 50,9
França Var Jul./Set. 1986-1990 2,07 106
França Pirenéus Orientais Jul./Set. 1986-1990 0,63 15,4
Itália Veneto Jan./Abril 1989-1990 1,43 14,5
Itália Savona Jan./Abril 1987-1989 0,79 6,45
Itália Savona Jun./Set. 1987-1989 0,77 5,51

Aplicando um conjunto de testes com resultados muito semelhantes e com


estatísticos concluiu-se que o sistema a mesma conclusão geral de bom desem-
Canadiano, caracterizado pelo seu índice penho global do sistema Canadiano. São
de perigo de incêndio Fire Weather Index exemplos de tais estudos SAMPAIO et al.
(FWI) era de um modo consistente aquele (1998) e DIMITRAKOPOULOS and
que tinha um melhor desempenho, quer BEMMERZU (1998).
na discriminação de número de incên- O Sistema Canadiano é muito fácil de
dios por dia, quer da área ardida por dia utilizar, porque apenas requer dados que
numa dada área geográfica. Houve se encontram disponíveis na larga
casos, como o Sul de França e o Norte de maioria das estações meteorológicas.
Itália, em que se verificou que o FWI Sucede ainda que o sistema Canadiano
tinha melhor desempenho do que outros de indexação é composto por um
índices desenvolvidos especificamente conjunto de indicadores ou sub-índices,
para a região em causa. Embora o FWI que se descrevem na secção seguinte, os
tenha sido desenvolvido para estimar o quais contêm informação complementar
perigo de incêndio no caso de fogos de grande interesse para a gestão dos
típicos de Verão, constatou-se que tinha incêndios florestais.
um bom desempenho também para Pelas razões apontadas, em resultado
incêndios do período invernal, como do estudo mencionado atrás, foi feita em
sucede nas regiões alpinas de Itália. É 1995 uma recomendação, através da
interessante mencionar que nesse estudo Comissão Europeia, para que os países
o índice de Nesterov, modificado pelo da Comunidade adoptassem como
Instituto de Meteorologia (REIS, 1988), e metodo comum de indexação do perigo
utilizado em Portugal entre 1988 e 1998, de incêndio, o sistema Canadiano. A
se mostrou como segundo classificado na adopção de um método comum permi-
escala de desempenho, no confronto com tiria, além de outras vantagens, o
os restantes índices. emprego de uma linguagem comum,
A metodologia empregada naquele com indicadores de fácil reconheci-
estudo foi mais tarde aplicada a outras mento e interpretação pelos diversos
áreas geográficas e à análise comparativa intervenientes, no âmbito de uma
do sistema Canadiano com diversos colaboração ou intercâmbio internacio-
outros métodos utilizados nessas regiões, nais. Esta recomendação foi adoptada
80 Viegas, D. X., et al.

pela Météo-France, que abandonou o mento do sistema. Apesar do seu


conjunto de índices que anteriormente interesse, está fora do âmbito deste
utilizava para estimar o perigo diário de trabalho a sua reprodução aqui. Limitar-
incêndio, a partir dos valores obtidos nos-emos a mencionar que a base em que
para cada um deles. Tal análise requeria assenta o CFFWIS é a estimativa do teor
a intervenção de especialistas e dava de humidade de diferentes componentes
origem a interpretações por vezes pouco dos complexos combustíveis típicos das
objectivas. florestas daquele País, feita a partir de
Em Portugal a recomendação feita foi um conjunto de equações físicas, que
acolhida pelo Instituto de Meteorologia foram aferidas com dados obtidos
em 1997, que na sequência do relatório experimentalmente. Neste facto, de se
de REIS e RIJKS (1997), baseado nas basear parcialmente em leis físicas,
respostas a um questionário dirigido a radica porventura a generalidade, quase
todos os Países da Europa e nas universal diríamos, do sistema e, por
recomendações nele elaboradas, passou a outro lado, a necessidade da sua
determinar o índice de perigo diário FWI calibração para cada uma das realidades
simultaneamente com o índice de a que se pretenda aplicar.
Nesterov, para efeitos de análise. Em A estrutura do sistema Canadiano
1998, após a elaboração da climatologia encontra-se representada esquemática-
do sistema de índices Canadiano, para o mente na Figura 1. Como se pode ver
território do Continente (REIS, 1998b), existem três níveis nesta estrutura, que
passou o IM a difundir para as entidades passaremos a analisar sucintamente:
operacionais a probabilidade de ocorrên- - Observações meteorológicas
cia de fogos por distritos, com bons - Índices de teor de humidade
resultados (baseada no FWI), além do
- Índices de comportamento do fogo.
índice de perigo determinado por ambos
os sistemas. O índice de perigo baseado O último destes índices, o Fire Weather
no FWI, devido à sua deficiente aferição Index, é simultaneamente um indicador
mereceu reservas de algumas entidades. de comportamento e de perigo de
A fim de melhorar a fiabilidade das incêndio, sendo o que é mais utilizado
indicações dadas pelo FWI procedeu-se a como variável de saída do sistema.
um estudo detalhado de calibração do Apesar do seu interesse e elevado
sistema, de cuja metodologia e resultados significado o FWI representa apenas uma
se dá conta neste trabalho. faceta do complexo papel da
meteorologia nos incêndios. A fim de se
Descrição do Sistema Canadiano obter uma percepção mais completa deve
analisar-se o conjunto dos sub-índices,
O Canadian Forest Fire Weather Index como se procurará fazer neste trabalho.
System (CFFWIS) é o resultado de anos de Para uma informação mais detalhada
investigação aplicada realizada naquele sobre o significado dos diversos
País, a partir de 1968, que culminou com componentes do Sistema Canadiano,
a apresentação do sistema num docu- assim como para obtenção das fórmulas
mento coligido por VAN WAGNER (1987). matemáticas que relacionam as variáveis
Nas referências indicadas pode envolvidas ver VAN WAGNER (1987).
encontrar-se a história do desenvolvi-
Calibração do Sistema Canadiano 81

Velocidade do
vento

Temperatura Temperatura Temperatura


Humidade relativa Humidade relativa Precipitação
Observações Velocidade do vento Precipitação
meteorológicas Precipitação

FFMC
DMC
Sub-índices de teor Índice de humidade DC
Índice de humidade
de humidade dos combustíveis Índice de seca
da camada orgânica
finos

BUI
ISI
Índice de
Índice de
combustível
propagação inicial
disponível
Índices de
comportamento do
fogo
FWI
Índice de
intensidade do
fogo

Figura 1- Estrutura do sistema de indexação de perigo de incêndio Canadiano (FWI)

Parâmetros meteorológicos efectuada com cuidado. Se não houver


outra referência explícita entender-se-á
Os parâmetros meteorológicos que o que o valor do índice é o valor diário,
Sistema Canadiano requer como dados calculado com os valores das 12 TUC.
de entrada são, como se pode ver Tratando-se de um índice cumulativo,
naquela figura, os seguintes: existe a necessidade de conhecer os
- A temperatura do ar; valores dos parâmetros meteorológicos
- A humidade relativa do ar; para um conjunto sucessivo de dias. A
- A velocidade do vento, medida a fim de assegurar uma boa estabilidade
10m de altura; das estimativas, o cálculo deve ser inicia-
do num período em que os valores dos
- A precipitação ocorrida nas últimas
teores de humidade sejam máximos, ou
24 horas.
seja logo depois de um período de eleva-
Atendendo a que o valor diário mais
da precipitação. Em Portugal é suficiente
significativo do índice de perigo é preci-
começar o cálculo a partir do início da
samente o máximo diário e que este
Primavera, utilizando os valores de
ocorre cerca do meio do dia, normalmen-
partida recomendados no formulário.
te os parâmetros meteorológicos utiliza-
dos no sistema, são os observados às 12 Sub-índices de teor de humidade
TUC ou previstos para as 12 TUC (13.00
horas locais, durante o Verão). É no O sistema Canadiano tem três sub-
entanto possível calcular os valores dos índices que estão relacionados com o teor
diferentes sub-índices do sistema a uma de humidade de estratos de combustíveis
hora qualquer do dia e estudar inclusiva- finos mortos (FFMC), dos combustíveis
mente a sua variação diurna, embora a que constituem a camada orgânica
interpretação desta variação deva ser existente no solo (DMC) e do solo (DC).
82 Viegas, D. X., et al.

As designações destes índices têm propagação inicial, incorpora o índice de


alguma correspondência com a estrutura teor de humidade dos combustíveis finos
dos combustíveis típica das florestas e o valor da velocidade do vento para
canadianas e de outras regiões em que produzir uma medida da velocidade de
existe uma camada orgânica bastante propagação do fogo em terreno plano, se
desenvolvida subjacente à folhada, facto não houver combate, como deverá ocor-
que não ocorre usualmente nas florestas rer na fase inicial de um fogo nascente.
portuguesas. Ainda assim manteremos Build Up Index (BUI) – Integra os dois
as designações originais destes índices e sub-índices restantes, DMC e DC para
as respectivas abreviaturas, reconhecen- obter uma estimativa da proporção da
do embora que a sua interpretação no vegetação disponível – partículas médias
âmbito da nossa realidade deva ser e grossas - que irá participar efectiva-
revista. mente na propagação. Esta fracção é,
Fine Fuel Moisture Code (FFMC) – como se sabe, dependente do teor de
Índice de teor de humidade de humidade dos vários componentes do
combustíveis finos. leito combustível.
Duff Moisture Code (DMC) - Índice de
teor de humidade da camada orgânica. Índice de perigo
Drought Code (DC) – Índice de Secura,
representativo do déficit de água no solo. O resultado final do sistema é uma
conjugação dos dois índices anteriores,
Cada um destes índices é calculado a
designado por índice de perigo (FWI) e
partir de dados meteorológicos, empre-
constitui o dado de saída que mais
gando um formulário que produz um
directamente se relaciona com a
número que é tanto mais elevado quanto
possibilidade de ocorrência de incêndios
menor for o teor de humidade de cada
e com a respectiva perigosidade.
um dos estratos mencionados. O valor
do índice assim produzido tem por isso Fire Weather Index (FWI) – Índice de
um sentido meramente convencional. A perigo meteorológico.
relação entre o valor do índice e o teor de Ao ligar um indicador da velocidade
humidade de um dado estrato combus- de propagação (ISI) com um indicador
tível, ao depender de diversos outros do combustível disponível (BUI), o FWI é
factores que não estão contidos nas na verdade um índice de intensidade de
fórmulas, deverá ser obtida em cada caso propagação do fogo e, por esse motivo,
por meio de calibração. poderia ser considerado como mais um
índice de comportamento. Pelo facto de
Índices de comportamento do fogo integrar aqueles dois componentes cons-
titui ao mesmo tempo uma boa medida
Num nível intermédio encontram-se da facilidade de ignição – relacionada
dois índices relacionados com aspectos com o teor de humidade dos combustí-
do comportamento ou propagação do veis finos – da extensão possível dos
fogo. São o índice de propagação inicial incêndios – dependente da velocidade de
(ISI) e o índice de combustível disponível propagação – e com a dificuldade de
(BUI), que têm os significados que se extinção – proporcional à intensidade de
indicam em seguida: propagação, ou ao comprimento das
Initial Spread Index (ISI) – Índice de chamas, que lhe é equivalente.
Calibração do Sistema Canadiano 83

Estimativa do teor de humidade Metodologia de ensaio

Amostragem de vegetação De cada espécie são constituídas cinco


amostras de massa inicial (Mi) igual a
Espécies e local de amostragem dez gramas, que são colocadas durante
24 horas numa estufa termo-regulada a
O Centro de Estudos sobre Incêndios 85ºC. Após este período as amostras são
Florestais (CEIF), tem, desde o ano de retiradas e novamente pesadas, de forma
1987, um programa de medição diário do a obter o peso seco de cada amostra (Ms).
teor de humidade e da inflamabilidade O teor de humidade mf de cada amostra
de um conjunto de combustíveis finos é então calculado através de:
representativos da floresta na Região Mi − M f
Centro de Portugal. O local de colheita é mf = (1)
Mf
o aeródromo da Lousã e as amostras são
recolhidas, durante o período de Verão, Como se vê o teor de humidade é
diariamente entre as 12 e as 13 horas referido à massa seca Mf, como é usual. O
locais e analisadas no Laboratório de teor de humidade diário é tomado como
Estudos sobre Incêndios Florestais (LEIF), sendo a média dos valores das cinco
situado no próprio aeródromo. amostras desse combustível.
As espécies recolhidas têm variado ao
longo do tempo, mas na sua maioria têm- Dados meteorológicos
se mantido, dada a sua importância e
representatividade. No presente estudo No presente estudo os dados meteo-
iremos considerar apenas três casos, que rológicos empregados foram os do
são os seguintes: Instituto Geofísico da Universidade de
- Caruma de Pinus pinaster Coimbra, situado no Penedo da Saudade,
- Folhas mortas de Eucalyptus globulus em Coimbra. A partir de 1995 o Instituto
- Folhas e extremidades de ramos de de Meteorologia transferiu a sua estação
Calluna vulgaris. de referência, para a área de Coimbra,
daquele local para o Aeródromo de
As duas primeiras amostras são
Cernache, a cerca de 6km de distância.
representativas dos combustíveis finos
Passou também a dispor de uma estação
da folhada, ao passo que a terceira
meteorológica no Aeródromo da Lousã.
representa os combustíveis arbustivos.
Um estudo comparativo dos indicadores
Estes caracterizam-se por, poderem ter
fornecidos por cada uma destas novas
partes vivas e outras mortas, consoante o
estações permitiu concluir que a
período do ano e o estado vegetativo da
capacidade da estimativa da humidade
planta. Para simplificar a terminologia
da vegetação era melhorada quando se
designaremos os dois primeiros
utilizavam os dados do Aeródromo da
combustíveis como sendo mortos e ao
Lousã, o que é compreensível, dada a sua
último designaremos por vivo, embora
proximidade em relação ao local de
esta designação não seja muito
colheita das amostras. Como se sabe, os
apropriada, como vimos.
84 Viegas, D. X., et al.

episódios de precipitação ou de que seria de esperar, pelo facto de nos


nebulosidade, que condicionam o teor de encontrarmos numa situação climática
humidade da vegetação durante o Verão, intermédia, relativamente àqueles dois
podem ter um carácter localizado, pelo países.
que não é de estranhar o resultado
mencionado acima.
60

mf %
Atendendo a que a série de dados do 50
F1

I. Geofísico é mais extensa e, como tal, 40


F2
F3

mais homogénea, foi a utilizada neste 30

estudo. Por outro lado importa avaliar a


capacidade de estimar o teor de
20

humidade da vegetação, empregando 10

índices calculados com base em dados de 0

estações meteorológicas porventura não


60 70 80 90 100
FFMC

muito próximas do local de interesse.


Figura 2 – Funções de estimativa do teor de
humidade de combustíveis finos mortos, a
Combustíveis da manta morta
partir do FFMC
Existência de diversas curvas de
Resultados obtidos com Pinus pinaster e
calibração
Eucalyptus globulus
O índice que se relaciona mais
Nos nossos estudos não se encontrou
directamente com o teor de humidade
diferença, em termos práticos, na
dos combustíveis mortos finos é, como se
distribuição dos valores obtidos com
viu, o FFMC. É pois esse índice que
Pinus pinaster ou com Eucalyptus globulus,
iremos tomar como estimador do teor de
pelo que iremos tratar dos dois indistin-
humidade dos combustíveis desta classe.
tamente. Na Figura 3 podem ver-se os
LAWSON et al. (1996) referem a existência
resultados obtidos. A curva de regressão
de diferentes funções de calibração, para
dos dados que permitiu obter o melhor
relacionar o FFMC com o teor de
ajuste (r2=0,766; n=42) tem por equação:
humidade da manta morta.
Na Figura 2 mostram-se graficamente mf = 9x10 9. FFMC –4,54 (5)
três dessas funções, sendo as duas Os combustíveis arbustivos são os
primeiras, F1 e F2, utilizadas no Canadá responsáveis pela propagação do fogo na
e a terceira, F3, empregada na Nova maior parte das situações, quer sob a
Zelândia. Estas funções, que foram forma de comunidades arbustivas quer
obtidas empiricamente têm as seguintes como estratos arbustivos em situações de
equações (cf LAWSON, 1996): povoamentos arbóreos. As extremidades
F1 = 101 − FFMC (2) finas dos arbustos, que participam na
propagação, podem ser constituídas por
( 101 − FFMC )
F 2 = 205 ,2 (3) partes vivas ou por partes já mortas da
( 82 ,9 + FFMC )
planta, dependendo do estado vegetativo
( 101 − FFMC )
F 3 = 32 ,87 (4) do arbusto. Uma vez que este estado será
( 13 ,28 + FFMC )
dependente do nível de água no solo ou
É interessante verificar que os dados do grau de secura da estação, foi testada
presentes se situam entre as F2 e F3, o a hipótese de o índice de secura DC ser
Calibração do Sistema Canadiano 85

um bom estimador do teor de humidade da Calluna vulgaris, representada na


do estrato arbustivo, pelo menos durante Figura 4, aqueles valores são
a estação quente do ano. respectivamente iguais a 616,5 e 0,332
(r2=0,484; n=79). Os valores
60
correspondentes para as restantes
50 espécies têm a mesma ordem de
grandeza e podem ser encontrados nos
40
trabalhos referidos anteriormente.
30
mf %

200
20 180
160
10 140
120

mf %
0
100
60 70 80 90 100 80
FFMC 60
40
20
Figura 3 - Relação entre o teor de humidade 0
de combustíveis mortos finos (Eucaliptus 0 200 400 600 800
DC
1000

globulus) medido diariamente na Lousã e o


valor de FFMC registado em Coimbra
Combustíveis arbustivos Figura 4 - Relação entre o teor de humidade
de combustíveis arbustivos finos (Calluna
Empregando os dados de um conjun- vulgaris) medido na Lousã e o valor de DC
to de anos e de diversas espécies arbus- registado em Coimbra (valores médios de dez
dias)
tivas constatou-se que efectivamente o
índice DC se relacionava de uma forma
Se bem que nos modelos de compor-
unívoca com o teor de humidade das
tamento conhecidos o peso atribuído ao
espécies arbustivas estudadas, obtendo-
teor de humidade dos combustíveis
-se distribuições médias como a que se
vivos seja muito reduzido, face ao dos
reproduz na Figura 4, para a Calluna
combustíveis mortos, é compreensível
vulgaris. Nesta figura cada ponto
que as condições de propagação dos
representa a média dos valores de um
conjunto de dez dias, quer para o teor de incêndios dependerão certamente deste
parâmetro. É pois de esperar que, no
humidade, quer para o DC. Este estudo
futuro, com o desenvolvimento dos
foi alargado a outras espécies amostradas
conhecimentos sobre os mecanismos de
na Catalunha, com resultados muito
propagação do fogo em combustíveis
similares (VIEGAS et al., 1998 e VIEGAS et
vivos, o conhecimento da variação deste
al., 2001). Nestes trabalhos podem encon-
parâmetro seja uma dado importante
trar-se mais detalhes sobre a metodo-
para melhorar a capacidade de previsão
logia utilizada e sobre os resultados
do comportamento do fogo.
alcançados para o conjunto de espécies
estudadas. Indicadores de comportamento
A curva de regressão obtida para as
diversas espécies tem por equação geral: Metodologia de amostragem
mf = a. DC –b (6)
em que a e b são constantes que A equipa do CEIF tem vindo a realizar
dependem da espécie estudada. No caso diversos ensaios de campo, nos quais são
86 Viegas, D. X., et al.

queimadas parcelas de vegetação cada um dos principais tipos de coberto


previamente preparadas, com a vegetal existentes no nosso País, para
finalidade de determinar as caracte- efeitos de aplicação prática.
rísticas de propagação do fogo em dife-
rentes condições ambientais, semelhantes 8

R (m/min)
às que ocorrem em alguns incêndios
florestais. Alguns destes ensaios foram 6

realizados em vegetação arbustiva,


dispondo-se de dados sobre as condições 4

meteorológicas existentes durante os


mesmos. 2

Os ensaios cujos resultados se


apresentam neste trabalho foram realiza- 0
0 2 4 6 8 10 12
dos no Alto de Trevim, na Serra da ISI
Lousã, em vegetação arbustiva homo-
génea, com cerca de 0,6 a 0,8m de altura, Figura 5 - Relação entre o índice de
propagação inicial (ISI) e a velocidade de
composta essencialmente por Ericaceae.
propagação medida ou estimada em
Nestes ensaios a velocidade de propa- vegetação arbustiva
gação era medida com razoável precisão,
recorrendo a um conjunto de fios A curva que se mostra naquela figura
colocados transversalmente ao longo dos representa um ajustamento dos dados
talhões, distanciados entre si de 5 metros. com uma função exponencial de
equação:
Resultados
R = 0 ,0736.e 0 ,409 ISI (7)
Na Figura 5 estão representados os Nesta equação, que corresponde ao
resultados de um conjunto de treze melhor ajustamento obtido entre diver-
ensaios de campo realizados no Trevim, sas funções testadas, o valor de R vem
sendo comparada a velocidade de expresso em [m/min] e o coeficiente de
propagação medida durante os ensaios correlação obtido foi r2=0,794.
com o valor de ISI determinado a partir
dos dados meteorológicos de estações Indicador de ocorrência diário
situadas na vizinhança próxima dos
ensaios. Como se pode observar, existe Base de dados
uma boa correlação entre a velocidade de
propagação e o ISI, para estes ensaios. O Conforme se disse acima iremos
conjunto de resultados apresentados é comsiderar como indicador de
muito limitado em termos de campo de ocorrência por excelência o Índice de
aplicação, embora sirva para ilustrar o Perigo Meteorológico FWI, que sintetiza
potencial que se dispõe, de empregar o os sub-índices já referidos.
ISI, mediante uma calibração adequada, A fim de aferir o FWI como indicador
como um estimador expedito da veloci- diário de ocorrência de incêndios flores-
dade de propagação. Deveriam ser tais nas diversas regiões de Portugal
reunidos dados que permitissem produ- efectuámos um estudo estatístico da
zir curvas semelhantes à da Figura 5 para relação entre este índice e os dados de
Calibração do Sistema Canadiano 87

ocorrência diária de incêndios. A base de diversa natureza e que a homogenei-


territorial empregada foi a dos Distritos, dade espacial e temporal da base de
dado o seu interesse operacional, dentro dados poderá ser questionada. Ainda
da actual estrutura organizativa dos assim cremos que o elevado número de
serviços de gestão dos incêndios dados tratados permite assegurar uma
florestais em Portugal. Atendendo à consistência suficiente ao estudo reali-
elevada incidência dos incêndios durante zado, tendo em vista o fim a que se
o período de Verão, o presente estudo destina e atendendo ainda que são estes
concentrou-se no período compreendido os melhores dados de que podemos
entre os meses de Junho a Setembro. Os dispor.
dados estatísticos utilizados correspon- Quanto aos dados meteorológicos,
deram ao período de 1988 a 1996. seleccionou-se uma estação principal da
Constatou-se que durante este período rede do IM (dispondo de valores às 12
ocorreu uma variação inter-anual muito TUC, durante uma série longa de anos)
ampla nos parâmetros que traduzem a representativa para cada um dos dezoito
incidência dos incêndios florestais. A distritos do Continente. Infelizmente
título de exemplo pode referir-se que a para o período total de análise não se
área ardida no País variou entre 28 kHa, dispunha, para cinco daqueles distritos,
em 1988, e 195 kHa, em 1995, sem que se de uma estação localizada no próprio
notasse qualquer tendência de variação distrito. Esta situação, levou-nos a tomar
com o tempo, pelo que se considera que algumas das estações principais como
a amostra utilizada é representativa das sendo representativas de mais do que
condições vigentes nos anos próximos do um distrito, como se pode ver no Quadro
período de estudo. 3. Também, para alguns distritos, a
Os dados estatísticos de ocorrência de representatividade da estação escolhida
incêndios foram o número de incêndios (única hipótese) poderá ser menor, em
(Ninc) e a área ardida por dia (A [Ha]) no determinadas situações meteorológicas,
distrito. É sabido que qualquer um destes como é o caso de Faro.
parâmetros é susceptível de conter erros

Quadro 3 – Listagem dos Distritos do Continente e das respectivas estações meteorológicas de


referência

Distrito Estação Distrito Estação


V. Castelo V. Castelo Coimbra Coimbra/Cernache
Braga Porto/ PR Leiria Coimbra/Cernache
Porto Porto/ PR Santarém Lisboa/GC
Aveiro Porto/ PR Lisboa Lisboa/GC
V. Real V. Real Setúbal Lisboa/GC
Bragança Bragança Portalegre Portalegre
Viseu Viseu/ CC Évora Évora/ CC
Guarda P. Douradas Beja Beja
C. Branco C. Branco Faro Faro/ Aerop.
88 Viegas, D. X., et al.

Metodologia de aferição Os valores do FWI que definem as


classes acima mencionadas foram
A análise dos valores de Ninc, A e de estabelecidos do seguinte modo:
FWI calculados para cada um dos Verificando-se que, de uma forma
distritos permite constatar imediata- geral, o FWI se correlacionava muito bem
mente que a gama de variação de com Ninc e menos bem com A, para a
qualquer um destes parametros difere de maior parte dos distritos, especialmente
um distrito para outro. Decorre daqui nas regiões do Norte e Centro, foram
que o conceito de escala de risco tem de calculadas para cada distrito e para o
ter uma interpretação ou carácter período de 15 de Maio a 15 de Outubro
relativo. Por outras palavras, um dado (1988-1996) as frequências de ocorrência
valor de FWI pode significar um nível de diária por classes, tanto do número de
perigo extremo em Viseu, mas não em incêndios como da área ardida. Em
Beja, por exemplo. Por outro lado um dia função daquelas frequências acumuladas
com 20 incêndios poderá ser considerado (VIEGAS, 1999) e das probabilidades
como "normal" na Guarda, ao passo que cumulativas da ocorrência do FWI (REIS,
seria um dia excepcional em Évora. 1998) foram determinados os limites para
Uma vez que nos propomos aferir o as classes de risco.
FWI para cada distrito, de acordo com as Um dos princípios adoptados foi o de
cinco classes de risco adoptadas em que os dias de perigo extremo não
Portugal, teremos de admitir que cada deveriam exceder 5% do total. Outro foi
uma dessas classes tem uma interpre- o de que os dias de risco baixo deveriam
tação relativa, que varia de um distrito corresponder a um número de ocorrên-
para outro. As cinco classes consideradas cias diário da ordem de um ou a uma
são as indicadas no Quadro 4. área ardida da ordem de um hectare ou
inferior.
Quadro 4 – Classes de risco A título de exemplo mostram-se os
caso dos Distritos do Porto, Coimbra e
1 Risco Baixo Évora, os quais tipificam algumas das
2 Risco Moderado diversas situações encontradas no
conjunto do País. Na figura 6 apresenta-
3 Risco Alto
se, para cada um destes distritos, a
4 Risco Muito Alto distribuição estatística de número de
5 Risco Extremo incêndios, área ardida por dia e valor de
FWI, em função da respectiva
Poderia ainda definir-se uma classe probabilidade cumulativa. Entrando com
adicional, que designaríamos por classe o valor da probabilidade definida para
de Risco Nulo, ao constatarmos a cada classe no eixo das abcissas, pode
existência de um número significativo de ler-se na curva respectiva o valor de FWI,
dias, em cada distrito, em que o número do número de incêndios e da área ardida
de ocorrências e a respectiva área ardida que em média não serão excedidos na
eram nulos ou muito baixos, mas por referida classe.
razões de ordem prática esta classe está
incluída na classe de risco baixo.
Calibração do Sistema Canadiano 89

250 1400 valores da probabilidade acumulada


200
P orto 1200
considerada em cada distrito e os
1000
respectivos valores limites de FWI, Ninc e

Area (H a)
Inc, FW I

150 800
Inc A. Tendo em conta a especificidade de
600
a 100 FW I
A rea 400
cada distrito o critério não foi uniforme
50
200
em cada um deles. Para cada distrito, em
0 0 função da probabilidade de ocorrências e
0 0,2 0,4
P roba bilida de
0,6 0,8 1
de área ardida, foram determinados
limites para aqueles dois parâmetros.
70 10000
Tomando a média das probabilidades
60
8000 que limitavam as classes de cada um
daqueles dois parâmetros (Ninc e A),
50
C o imbra Inc
6000
Are a (Ha )

foram estabelecidos os correspondentes


Inc.,FW I

40 FW I
A rea

b limites para probabilidade de ocorrência


30
4000

20

10
2000 de FWI. Como se disse este procedimento
0 0
sofreu diversos ajustes, consoante os
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1
distritos.
P roba bilida de
Por exemplo, para se estabelecer a
90 50
classe de risco Baixo consideraram-se os
80

70
É vora
40 dias em que o número de incêndios
60 havia sido menor ou igual a três no
Inc 30
Porto, dois em Coimbra e um em Évora,
Are a (Ha )
Inc, FW I

50
FW I

correspondendo a uma área ardida em


40
c
A rea
20
30

20 10
média, por dia da ordem de 0,1 a 1,5Ha.
10 Como se pode ver as probabilidades
0
0 0,2 0,4 0,6 0,8 1
0
acumuladas variam entre 40% para o
P roba bilida de
Porto e 70% para Évora. Para o risco
Moderado considerou-se um número de
Figura 6 - Probabilidade de o valor de FWI incêndios correspondente a cerca de 80%
ser alcançado num dado dia, entre Junho e dos casos, tomados por ordem crescente
Setembro, no Distrito de Évora de número de incêndios. No caso de
Évora essa percentagem foi elevada para
A partir daquela figura foi construído 90%, dado o anterior valor de
o Quadro 5, nas quais se apresentam os percentagem para a classe mais baixa.

Quadro 5 – Valores limite das classes de perigo para os Distritos de Porto, Coimbra e Évora

Classe de Porto Coimbra Évora


Risco Prob. FWI Inc Area Prob. FWI Inc Area Prob. FWI Inc Area
1 Baixo 40 8 3 0,1 60 17 2 1,5 70 36 1 0,5
2 Moderado 80 19 46 27 80 23 7 5,5 90 47 3 6
3 Alto 90 24 72 88 90 29 10 16 95 65 4 17
4 Muito Alto 95 39 99 166 95 46 13 55 97 75 5 30
90 Viegas, D. X., et al.

Para a classe de risco Alto tomou-se a carácter aproximado da aferição realiza-


percentagem de 90% para Porto e da e ao fim a que se destina, foram
Coimbra e 95% para Évora. O limite efectuados arredondamentos nos valores
superior da classe de Muito Alto, que de FWI definidores dos limites de classes.
coincide com o limite inferior da classe O resultado final encontra-se no Quadro
de risco Extremo, corresponde a 95% e a 6.
97% dos casos, respectivamente. É Este quadro tem sido utilizado pelo
interessante notar que os valores do Instituto de Meteorologia, desde 1999,
número de incêndios que limita esta tendo sofrido algumas alterações em
classe é sensivelmente igual ao dobro do 2001, com resultados satisfatórios, na
valor limite para a classe de risco difusão do perigo de incêndio diário.
Moderado. Um exercício análogo Pode-se comparar os valores obtidos pela
realizado sobre as distribuições de Ninc e aplicação do método de aferição descrito,
de A, permitiram determinar os valores que se mostraram no Quadro 5, para os
que completam aquela tabela. distritos de Porto, Coimbra e Évora, com
os valores corrigidos pela aplicação
Resultados prática, que se mostram no Quadro 6.
Tem-se verificado uma boa relação geral,
Aplicando o método descrito a cada em média, entre a classe de perigo
um dos dezoito distritos de Portugal calculada e a ocorrência de incêndios no
construiu-se o seguinte quadro de aferi- distrito nesse dia.
ção do índice FWI. Atendendo ao

Quadro 6 – Valores limite de FWI para as classes de risco em cada Distrito

Classes de Risco
Distritos
Baixo Moderado Alto Muito Alto Extremo
Viana do Castelo <10 15 30 45 >45
Braga <10 15 30 50 >50
Porto <8 15 25 40 >40
Vila Real <13 20 30 50 >50
Bragança <23 30 45 55 >55
Aveiro <10 17 23 40 >40
Viseu <15 25 45 70 >70
Guarda <8 15 25 50 >50
Coimbra <15 22 30 45 >45
Leiria <15 25 30 50 >50
C. Branco <20 35 45 60 >60
Lisboa <25 35 50 70 >70
Santarém <25 33 50 60 >60
Setúbal <30 40 55 70 >70
Portalegre <35 50 65 75 >75
Évora <40 50 65 75 >75
Beja <40 50 65 75 >75
Faro <30 40 60 75 >75
Calibração do Sistema Canadiano 91

Constata-se que o quadro de aferição mostram na Figura 7.


obtida pode ser melhorada, tendo em
conta a variação média das condições de 200

Area (KHa)
perigo de um mês para outro, dentro do
período de quatro meses considerado. 150

Efectivamente, tal como existe uma


variação espacial do perigo de incêndio – 100

- que foi considerada neste trabalho – em


cada distrito existe uma variação tem- 50

poral, que não foi tida em conta.


Esperamos melhorar esta aferição utili- 0

zando os dados mensais de cada distrito.


200 300 400 500 600 700 800

DC (Junho-Set.)

Apesar do bom desempenho geral do


FWI, verifica-se que os dias críticos, em Figura 7 – Área queimada anualmente em
que ocorrem os maiores incêndios, nem Portugal Continental em função do valor
sempre são bem caracterizados por este médio do índice de secura DC, em Coimbra,
parâmetro. Constata-se que tais dias entre Junho e Setembro. (Dados DGF 1987-
correspondem antes a valores extremos 2000)
de FWI, ou de BUI, ou de ambos, o que é
compreensível. Esperamos num trabalho Como se pode observar nesta figura
futuro abordar esta questão. existe uma correlação muito estreita
entre o valor médio de DC para o ano,
Indicador de ocorrência anual referente a Coimbra, e a área ardida em
todo o País nesse ano. Este facto
A variabilidade inter-anual na evidencia a importância dos factores
ocorrência dos incêndios numa dada meteorológicos na incidência dos
região e mesmo em todo o País é natural- incêndios. A relevância de outros
mente reflexo de condições naturais, factores, nomeadamente da eficácia das
associadas à meteorologia, que variam medidas de prevenção e de combate,
de um ano para outro. Torna-se pois pode ser avaliada pelo afastamento
interessante encontrar indicadores que positivo ou negativo dos valores
traduzam de alguma forma esta variabi- correspondentes a um dado ano, em
lidade. Testes efectuados com o Índice de relação à curva "normal" do País. A
Secura DC mostraram que o valor de DC equação da curva representada na figura,
constituía um bom indicador sobre a que corresponde, uma vez mais ao
gravidade relativa da situação num dado melhor ajuste conseguido (r2=0,688;
ano, em confronto com anos anteriores. n=12), entre diversas funções analíticas
Assim sendo, tomou-se o valor médio de testadas, tem por equação:
DC de Coimbra durante o período de 1 A = 7 ,07 e −0 ,0045 DC (8)
de Junho a 30 de Setembro de cada ano
Nesta equação o valor da área vem
como sendo característico das condições
expresso em kHa (1000 Ha).
de secura desse ano e comparou-se com
o valor da área ardida em todo o País,
tendo-se obtido os resultados que se
Conclusão
92 Viegas, D. X., et al.

programa de investigação. A disponibili-


Tendo em vista a aplicação dade da estação de Coimbra, por parte
operacional do Sistema Canadiano de do Instituto Geofísico da Universidade
indexação do perigo meteorológico em de Coimbra é aqui reconhecida.
Portugal, à semelhança do que vem Os autores da ADAI agradecem o
ocorrendo noutros países europeus, foi apoio prestado a esta investigação pela
efectuada uma calibração de alguns Fundação para a Ciência e Tecnologia, no
indicadores deste sistema ao nosso País. âmbito do projecto Condor, e pela
Foram apresentadas relações empíricas Comissão Europeia, no âmbito dos
que permitem estimar o teor de projectos MINERVE (contractos EV5V-
humidade de combustíveis finos da CT91-0019 e EV5V-CT94-0570) e
manta morta e do estrato arbustivo, com INFLAME (contracto ENV4-CT98-0700).
base em dois daqueles indicadores. Agradecem ainda aos membros da
Mostrou-se que o índice de propagação equipa do CEIF que colaboraram ao
inicial pode ser empregado para estimar longo dos anos na recolha de dados
a velocidade de propagação das chamas sobre o teor de humidade dos
em leitos de combustível arbustivo, combustíveis finos e na realização dos
salvaguardando algumas limitações, ensaios laboratoriais, em particular ao Sr.
relacionadas com efeitos de vento ou de Nuno Luís e ao Sr. António Cardoso.
topografia.
Com base em dados estatísticos de Bibliografia
cerca de dez anos aplicou-se uma meto-
dologia de calibração original à definição ALMEIDA, M., REIS, R.M., 2000. Previsão da
das classes de perigo de incêndio, para tendência do índice meteorológico de perigo de
cada um dos distritos de Portugal incêndio (Sistema Canadiano) - Utilização de
um modelo atmosférico de mesoscala.
Continental, para o período de Verão.
Instituto de Meteorologia, Lisboa.
Mostrou-se que o índice de secura
DIMITRAKOPOULOS, A.P., BEMMERZU, A.M.,
pode constituir um bom indicador da 1998. Evaluation of the Canadian forest
gravidade relativa de uma época de fire danger rating system (CFFDRS) and
incêndios, em termos de área ardida. the Keetch-Byram index (KBDI) in the
Em trabalhos futuros os autores Mediterranean climate of Greece. In Proc.
tencionam aprofundar o tema dos dias of III International Conf. on Forest Fire
críticos e também refinar a calibração das Research/14th Conf. on Fire and Forest
classes, tendo em conta a variação Meteorology. Luso, 16/20 November 1998,
Vol I : 995-1009.
mensal dos parâmetros de ocorrência.
LAWSON, B.D., ARMITAGE, O.B., HOSKINS,
W.D., 1996. Diurnal Variation in the Fine
Agradecimentos Fuel Moisture Code: Tables and Computer
Source Code. FRDA report. Canada
Os autores desejam manifestar o seu REIS, R.M., RIJKS, D., 1997. Scales for the
reconhecimento à Direcção Geral das assessement of forest fire danger. Report
Florestas e ao Serviço Nacional de of Working Group on Agricultural
Bombeiros e à Inspecção Nacional de Meteorology (Regional Association VI -
Bombeiros pela colaboração prestada, na WMO).
cedência de dados estatísticos e na
realização da parte experimental deste
Calibração do Sistema Canadiano 93

REIS, R.M., 1998a. Scales for the assessment of VIEGAS, D.X., VIEGAS, M.T., NEVES, A.G., OLIM,
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