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Pedagogia Criticosocial
Pedagogia Criticosocial
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Os militares brasileiros tomaram o poder em 1964 e governaram durante 21 anos, até 1985, num regime autoritário com
restrições políticas, censura aos meios de comunicação, prisões e torturas de adversários políticos. O golpe militar de 1964
não foi a primeira manifestação de ditadura no Brasil. Após a separação de Portugal, com o fim do período colonial (1500-
1822), o Brasil se torna uma monarquia constitucional (1822-1889), mantendo a base de sua economia na agricultura com
mão-de-obra escrava. Após 67 anos de monarquia, foi proclamada a República em 1889, quando o país passou a ser
governado por um presidente. Em 1937, por meio de golpe de Estado, Getúlio Vargas assume o poder iniciando a ditadura
do Estado Novo, com fechamento do Congresso Nacional, extinção dos partidos políticos, nomeação de interventores para
os Estados, censura aos meios de comunicação, perseguição aos comunistas, etc. O Estado Novo vigorou até 1945. Após
esse ano, manteve-se a normalidade democrática, até o golpe militar de 1964.
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Por sua vez, a pedagogia crítico-social dos conteúdos surgiu como uma versão da pedagogia
histórico-crítica voltada para a didática. A denominação ficou conhecida com a publicação do livro
Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos (Libâneo, 1985) 2. O livro
apareceu no contexto de um movimento muito forte em defesa da escola pública, no estado de São Paulo,
liderado por educadores ligados à Associação Nacional de Educação–ANDE. Esse movimento, do qual
também fazia parte Saviani, tinha um posicionamento muito afirmativo em relação à escola, como instância
auxiliar de democratização da sociedade. Em torno dessa Associação, foram se desenvolvendo estudos e
pesquisas sobre os fatores históricos e sociais determinantes da escola pública brasileira, a influência de
fatores extra e intra-escolares na marginalização escolar de crianças pobres, as propostas de escolarização na
perspectiva de um ensino voltado para os interesses populares. Esse movimento pretendia juntar a análise
crítica mais global da problemática da escola brasileira com propostas concretas de intervenção pedagógica,
tendo como referencial teórico o marxismo. Em 1985 eu escrevi: “a ênfase desse movimento recai sobre o
papel da escola enquanto determinada historicamente, mas, também, enquanto campo de luta para a
eliminação das contradições sociais” (Libâneo, 1985). Ou seja, os militantes da ANDE não queriam apenas
fazer a crítica, mas a intervenção no cotidiano real das escolas do ponto de vista curricular, metodológico,
visando uma educação crítica. Desse modo, a pedagogia crítico-social pretendeu, ao lado de outras correntes,
dar respostas mais específicas a questões pedagógicas e didáticas da escola pública.
Caracterização
No Brasil a pedagogia crítico-social é uma das correntes da pedagogia crítica que propõe uma
educação vinculada à realidade econômica e sócio-cultural dos educandos, ligando ensino e ação
transformadora da realidade, ação e reflexão, prática e teoria. Sustenta a idéia de que o conhecimento está
comprometido com a emancipação das pessoas, com a liberdade intelectual e política. Por isso, associa as
tarefas do ensino a uma análise crítica sócio-histórico-cultural do contexto em que as pessoas vivem.
A pedagogia crítico-social defende, com muita determinação, que o papel da escola é o de formação
cultural, de difusão do conhecimento científico. Formula princípios e orientações para a conversão do saber
cientifico em saber escolar. Entende que a ação pedagógica está carregada de intencionalidade e que o ensino
da ciência pressupõe interesses que são sociais, políticos, daí a ideia de aprender uma cultura crítica.
Na prática, significa uma abordagem crítica dos conteúdos, crítica no sentido de tratar os conteúdos
escolares dentro de uma análise concreta das relações econômicas, sociais, culturais que envolvem a prática
escolar. A pedagogia crítico-social quer contribuir efetivamente para a formação sujeitos pensantes e críticos.
Por isso, compreende que o ensino cria modos e condições para o desenvolvimento da capacidade do sujeito
para colocar-se ante a realidade a fim de pensá-la e nela atuar, visando à transformação. Ensinar a pensar
criticamente é fazer a ação docente incidir sobre a capacidade do aluno de apropriar-se de forma crítica dos
objetos de conhecimento, a partir de um enfoque totalizante da realidade e de sua problematização. A
culminação desse ensino deve ser a aquisição, pelos alunos, de conceitos que orientam e fortalecem
criticamente suas ações no mundo em que vivem.
A PCSC assume hoje a visão histórico-cultural, na tradição da Escola de Vygotsky, cujos traços
podem ser assim resumidos: o sujeito tem papel sujeito em sua aprendizagem; o ensino é mediado pela ação
do professor e também pelos outros sujeitos envolvidos no processo; desenvolver o pensamento é aprender a
pensar por conceitos; aprender a pensar por conceitos requer um ensino que influencie, por meio dos
conteúdos, no desenvolvimento das capacidades intelectuais do aluno; no ensino há dois processos de
mediação indissociáveis, ambos influenciando o desenvolvimento do pensamento do aluno: a mediação
cognitiva dos conteúdos e a mediação didática desta mediação cognitiva, providenciada pelo professor.
Mas, pedagogia crítico-social dos conteúdos está aberta também a outras orientações teóricas
contemporâneas, desde que enriqueçam idéias assentadas na matriz vygotskiana. Defende, por exemplo, a
idéia de escola como um espaço de síntese entre a cultura experiencial (que ocorre na família, nos grupos de
vizinhança, na rua, na cidade, nos meios de comunicação etc.) e a cultura formal (os conteúdos do ensino
escolar). Assim, considera extremamente relevantes implicações pedagógicas e didáticas vindas do
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Em 1990 defendi a tese de doutorado intitulada Fundamentos teóricos e práticos do trabalho docente - Introdução à
pedagogia e à didática. Nela pretendi formular bases teóricas mais consistentes da pedagogia crítico-social, investigando a
obra de Marx naquilo que poderia ser aplicado à educação e a obra de autores como G. Snyders, B. Suchodolski, M.
Manacorda e S. Kowarzik. Em 1990 foi publicada a 1 a. edição do livro Didática, decorrente das investigações realizadas
para aquela tese de doutorado. O livro hoje é utilizado em muitas escolas de formação de professores.
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interculturalismo (como o acolhimento da diversidade cultural dos alunos), da educação ambiental, da luta
pela paz, dos movimentos sociais. São bem vindas essas contribuições se levarem ao que é essencial na
formação dos alunos: que os conteúdos culturais e científicos incidam no desenvolvimento das capacidades
cognitivas, das competências para pensar, das habilidades de pensamento, da aquisição de conceitos unida ao
desenvolvimento de uma subjetividade capaz de fazer frente aos problemas e desafios do nosso tempo, da
realidade tecnológica, planetária, ambiental, global.
2. Fundamentos epistemológicos
2.1. Uma visão pedagógica baseada na dialética marxista que concebe o processo educativo como processo
co-determinado pelo processo social global da produção da vida humana e como mediação no processo de
relação ativa sujeito-mundo. Nesse sentido, adota o princípio do trabalho – atividade humana transformadora
- como elemento definidor da existência humana, base da sociabilidade humana.
2.2. O desenvolvimento histórico tem como fundamento a vida social – atividade humana prática de produção
das condições de existência (Marx, Ideologia alemã). A práxis social, assim, é o fundamento do processo
educativo: as práticas educativas se constituem socialmente. Ou seja, o desenvolvimento histórico, a história
da sociedade, a história do conhecimento, a história das relações econômicas, têm como fundamento, a
sociabilidade humana. Por isso se diz que a educação está enraizada na prática social, na dinâmica das
relações sociais. Daí, caráter de intencionalidade da ação pedagógica, i.e., didática como prática de
comunicação intencional e mediação da relação ativa do sujeito com os objetos de conhecimento.
2.3. O conhecimento tem caráter histórico-social. Sujeito e objetos do conhecimento são históricos (sujeito
produto de relações sócio-históricas concretas); objeto historicamente constituído em objeto social humano.
Portanto, o processo de conhecimento não é espontâneo, mas mediado por significados e símbolos
socialmente constituídos. Daí dizer-se que a relação sujeito-objeto é socialmente mediada. A reflexão
dialética é instrumento cognitivo de apreensão da historicidade dos conteúdos.
2;4. O desenvolvimento humano ocorre em sua atividade sobre o meio natural e social, atividade está que
assume a forma de práxis social. Em face de determinadas relações sociais que impedem a atividade livre e
consciente do ser humano devido à alienação, a pedagogia posiciona-se frente à práxis social de modo
radicalmente crítico. As práticas educativas visam enriquecer, teórica e praticamente, a atividade humana.
2.5. Em coerência com as teses anteriores, entende-se que a pedagogia estuda a educação nos seus vínculos
materiais e sociais, isto é, na sua historicidade, na sua transformação. Ela não pode fundamentar-se a si
própria a não ser enquanto referida às exigências de humanização da práxis humana em suas determinações
econômico-sociais. Por essa razão, o objeto de estudo da Pedagogia é um objeto sempre em construção, i.e., a
pedagogia vai intervindo na prática educativa e, com isso, formando seu conteúdo.
O caráter “pedagógico” refere-se às formas de prática social, mormente as práticas educativas, que
promovem e ampliam o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos sujeitos. Tais formas de prática social
referem-se a fatores sociais, culturais, históricos, institucionais que afetam o ensino e a aprendizagem. Nesse
sentido, o contexto sócio-cultural é fonte para o desenvolvimento, transformando-se em mediação cultural
para as aprendizagens.
2.6. O ensino consiste dos modos e condições de apropriação das capacidades formadas historicamente e
objetivadas na cultura material e espiritual. O papel central do ensino é a promoção do desenvolvimento
mental pela interiorização de signos, isto é, formação de conceitos abstratos para além da experiência sensível
imediata.
O ensino atua como mediação, como intervenção pedagógica, na relação ativa do sujeito com os
objetos de conhecimentos, visando à formação e desenvolvimento de ações mentais unidas a uma realidade
concreta. O caráter do “pedagógico” se define na dialética entre a direção dada pelo professor à atividade de
aprendizagem do aluno e sua autoatividade de aprender.
3. Pedagogia crítico-social: uma didática para a formação de sujeitos pensantes e críticos: aportes da
teoria histórico-cultural
3.1. Frente às necessidades educativas presentes, a escola consolida-se como lugar de mediação cultural,
visando à assimilação e reconstrução da cultura. A pedagogia, ao viabilizar a prática educativa escolar,
constitui-se como prática cultural, como forma de trabalho cultural, intencional, de produção e internalização
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O ensino deve atuar na zona de desenvolvimento proximal, com base em interações especificas entre
crianças e adultos e entre crianças e crianças.
3.3. A didática tem um núcleo próprio de estudos: a relação ensino-aprendizagem. Nesta relação estão
implicados os objetivos, os conteúdos, os métodos, as formas de organização do ensino. A didática está
fortemente ligada a questões que envolvem o desenvolvimento de funções cognitivas visando à aprendizagem
autônoma.
...um dos aspectos mais relevantes para entender a formação da cultura experiencial de cada indivíduo é
a análise de seus processos de construção de significados. São estes significados (...) os responsáveis das
formas de atuar, sentir e pensar, enfim, da formação da individualidade peculiar de cada sujeito, com
diferente grau de autonomia, competência e eficácia para situar-se e intervir no contexto vital (Pérez
Gomez, 2000)
mediante um ensino que impulsione o desenvolvimento mental. Nas palavras de Davydov, “a escola deve
ensinar os alunos a pensar teoricamente”.
Castells escreve que a tarefa das escolas e dos processos educativos é desenvolver em quem está
aprendendo a capacidade de aprender. Há, ao menos, três razões para isso: aprender a utilizar o volume
crescente de dados acessíveis na sociedade e também na rede Internet; capacidade de mudar e adaptar-se, em
caráter permanente, a um mundo diferente; educar em valores e construir personalidades flexíveis e
eticamente ancoradas.
Também Edgar Morin expressa em seus escritos a exigência de se desenvolver uma inteligência
geral que saiba discernir o contexto, o global, o multidimensional, a interação complexa dos elementos.
Segundo ele, “a compreensão dos dados particulares também necessita da ativação da inteligência geral, que
opera e organiza a mobilização dos conhecimentos de conjunto em cada caso particular” (2000).
Em síntese, o papel da escola e dos professores, do ponto de vista da didática, está no
desenvolvimento das capacidades mentais dos alunos por meio da apropriação dos conteúdos científicos e das
ações mentais vinculadas a esses conteúdos, considerando a estrutura psicológica da atividade de
aprendizagem e o papel do contexto sociocultural e institucional nas aprendizagens.
Nas palavras de Davydov, o conteúdo da aprendizagem não é o conteúdo em si, mas a formação de
um tipo de pensamento que une o conteúdo e as ações mentais correlatas a este conteúdo. A este tipo de
pensamento o autor denomina de pensamento teórico-científico. Em outras palavras, por meio da atividade de
aprendizagem, os alunos aprendem a pensar teoricamente sobre um objeto de estudo e, com isso, formam um
conceito teórico apropriado deste objeto para utilizá-lo em situações concretas da vida pessoal e profissional.
Assim, a base do ensino deve ser seu conteúdo, pois é dele que derivam os métodos para a organização do
ensino.
O pensamento teórico se forma pelo domínio dos procedimentos lógicos do pensamento que, por seu
caráter generalizador, permite sua aplicação em vários âmbitos da aprendizagem. Trata-se de um processo
pelo qual se revela a essência e desenvolvimento dos objetos de conhecimento e, com isso, a aquisição de
métodos e estratégias cognitivas gerais de cada ciência, em função de analisar e resolver problemas e
situações concretas da vida prática. Escreve Davydov:
Os conhecimentos de um indivíduo e suas ações mentais (abstração, generalização, etc.) formam uma
unidade. Segundo Rubinstein, ‘os conhecimentos (...) não surgem dissociados da atividade cognitiva do
sujeito e não existem sem referência a ele’. Portanto, é legítimo considerar o conhecimento, por uma
parte, como o resultado das ações mentais que implicitamente abarcam o conhecimento e, de outra,
como um processo pelo qual se pode obter esse resultado no qual se expressa o funcionamento das ações
mentais. Conseqüentemente, é totalmente aceitável usar o termo “conhecimento” para designar tanto o
resultado do pensamento (ou reflexo da realidade) quanto o processo pelo qual se obtém esse resultado
(ou seja, as ações mentais) (1988)
REFERÊNCIAS
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DAVYDOV, V.V. Problems of developmental teaching – The experience of theoretical and experimental
psychological research. (Capítulos 1, 2, 5 e 6). Soviet Education, New York, Aug. 1998.
LEONTIEV, Alexis N. Actividad, conciencia, personalidad. La Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1983.
LIBÂNEO, José C. A aprendizagem escolar e a formação de professores na perspectiva da psicologia
histórico-cultural e da teoria da atividade. Revista Pensamiento educativo, Santiago de Chile, Vol. 35, dic.
2004.
LIBÂNEO, José C. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender: a teoria histórico-cultural da
atividade e a contribuição de Vasili Davydov. Revista Brasileira de Educação (ANPEd). N. 27, Set a dez.
2004.
LIBÂNEO, José C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo:
Loyola, 2008 (24ª. Ed.). 1ª. edição: 1985
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez/Unesco, 2000.
PEREZ GOMEZ, A. La cultura escolar en la sociedad neoliberal. Madrid: Morata, 1999.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas:Autores Associados, 2008 (39ª. Ed.). 1a. edição: 1983.
SAVIANI, Dermeval. Pedagogía histórico-crítica. Campinas: Autores Associados, 2008 (10ª. edição)
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.