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Boca de Chafariz, de Rui Mourão, foi publicado em 1991, onde o autor conta uma
história fantasticamente mineira: imagina Ouro Preto sendo destruída por um
avassalador temporal e onde figuras que se relacionam com sua história voltam para
salvá-la. Misturam-se surrealisticamente Aleijadinho e Rodrigo Mello Franco,
Tiradentes e Aloísio Magalhães, os inconfidentes, Guignard, Tarquínio de Oliveira,
Edson Mota, Jair Inácio e muitas outras personagens vivas e mortas numa miscelânia da
história.
O romance é considerado por muitos críticos o melhor de Rui Mourão, que assume e
revela a sua ligação afetiva com Ouro Preto: “Escrevi o romance Boca de Chafariz, uma
estória de renascimento. Renascimento da cidade-monumento contra todos os fatores
que tramam a sua degradação, destruição e morte. Renascimento do escritor que,
deixando para trás um passado de criatividade que nunca o desonrou, desejava se
comprometer, noutro plano, com um presente de mais conseqüente renovação, de
ambição de maior perenidade. Ouro Preto proporcionou-me talvez a aventura limite da
minha carreira intelectual. Por isso eu a enxergo sempre com olhar de encantamento.”
(Suplemento Literário do Minas Gerais, Belo Horizonte, abr. 2004).
Baseando-se em um fato real, como já visto, fartamente noticiado pela mídia, o autor se
aproveita para construir a sua versão da história ouropretana, a partir de uma perspectiva
múltipla que faz aflorar tanto a necessidade de preservação da cidade-monumento,
quanto a sintonia com a vida do cidadão comum que a habita. O livro utiliza-se das
notícias de jornais para alicerçar sua narrativa, em que a catástrofe pluvial que se
constituiu em ameaça de morte para Ouro Preto estende sua ameaça a vários outros
aspectos, relativos à ordem cultural e social da cidade. Os estragos causados pelas
chuvas e noticiados pelos jornais da época, ao participarem do relato romanesco como
base de sua construção, tornam-se bastante próximos aos monumentos e marcas
históricas que fizeram de Ouro Preto Patrimônio Cultural da Humanidade, na medida
em que destacam a possibilidade de sua ruína. No caso, um patrimônio em risco e que
necessita de defensores, necessidade que os narradores em primeira e terceira pessoa
que se pronunciam em Boca de chafariz tentam suprir. Esses narradores, ao superarem
as fronteiras que separam fictício, imaginário e realidade, permitem que se caracterize o
referencial a que se remetem, sem se deixarem determinar por ele.
A essas vozes junta-se a de um narrador em terceira pessoa que ora se refere aos
governantes da década de 1970 – o Ministro da Educação e Cultura; o presidente da
Embratur; os dirigentes do Patrimônio Histórico Nacional e do Departamento Nacional
de Estradas e Rodagens; ora à população atual da cidade - Bené da Flauta, artesão, poeta
e músico; Jair Afonso Inácio, restaurador; um estudante da Escola de Minas e de
Metalurgia, Napoleão Gustavo de Souto, o Cupica; ora a figuras que atuaram em
diversos níveis na cidade, como Claude-Henri Gorceix, francês que em finais do século
XIX foi convidado a instalar a Escola de Minas e de Metalurgia; Tarquínio J. B. de
Oliveira, historiador paulista que se dedica à história de Ouro Preto.
Por meio dessa estratégia textual, Boca de chafariz conduz o leitor a reconsiderar, na
estreita encruzilhada em que se encontram história e ficção, a inserção do mito na
realidade vivenciada por habitantes de espaços que se destinam a preservar a memória
do país. Ressalte-se que, no livro, as vozes do passado, já preservadas pela versão
oficial dos livros de História e pelos documentos referentes à sociedade colonial
ouropretana, enunciam-se em primeira pessoa, indiciando outras possibilidades de
leitura para os acontecimentos de que foram protagonistas. As vozes desses narradores
perfazem o contorno da cidade com seus símbolos, personagens, histórias e mitos.
Dessa forma, consegue-se um efeito discursivo bastante eficaz, na medida em que se
deixam perceber as várias perspectivas que intervêm na construção do passado e do
presente.
Na tentativa de exprimir toda a tensão do corpo-cidade, cindido nas partes que refletem
a sua conformação e história, Boca de chafariz acolhe tanto o tom profético, invocativo e,
pode-se afirmar, barroco, que delineia predominantemente o romance, quanto o
informativo, rápido e constatativo discurso mediático. Palavra performática, do aedo, do
profeta, dialogar constante entre as diversas vozes de diferentes épocas, pelas águas do
chafariz jorram as várias configurações que revestem os mitos, os monumentos e o povo
ouropretano, postos em contato por um movimento que refaz/reconta continuamente a
sua história.
Aleijadinho, artista maior do estilo barroco que a Colônia instalou nos trópicos, aparece
no romance a partir de sua primeira obra, o chafariz que dá origem ao título do livro e
que será objeto da pesquisa feita pelo historiador e também personagem Tarquínio J. B.
de Oliveira. Pela análise arqueológica da peça, o historiador entrevê a possibilidade de
haver envolvimento entre a Inconfidência Mineira e o movimento maçônico, o que
traria nova interpretação ao episódio e seria a mais importante descoberta da área.
Apesar de não ter sido comprovada, tal potencialidade permanece enquanto índice da
nova interpretação da história de que o romance pretende participar, na releitura que faz
dos eventos acontecidos na cidade. Por meio dela, distâncias espaciais, temporais e
ideológicas serão minimizadas, apesar de ameaçadas de extinção e talvez mesmo por
causa dessa ameaça.
Nesse sentido, a personagem Aleijadinho pode ser tomada também como representativa
da tensão do corpo-cidade ameaçado de desfiguração e desaparecimento, tensão que o
romance focaliza e que faz levantar as várias vozes que nele se pronunciam em sua
defesa. Aleijadinho, quando já acometido pela doença (lepra) que o maltratava,
reconhece a enorme dificuldade de sobreviver como mestiço numa sociedade
escravocrata e colonial. O aspecto pode ser inferido pelas figuras de feição grosseira e
atormentada das imagens por ele esculpidas para igrejas, capelas e adros de cidades
mineiras. Mas será delineado explicitamente em trechos narrativos que longamente
discorrem sobre os sofrimentos do artista, como os que aparecem na citação que se
segue, retirada de um dos três capítulos que o romance lhe destina:
Eu pude sofrer no meu canto, como talvez ninguém sofreu no mundo, o drama de não
ter sido apenas um homem – de ter sido acima de tudo uma contradição autodestrutiva.
(...) É possível a um mulato sair do seu canto sem problemas, num ambiente dominado
pela escravidão? Preciso reconhecer em definitivo esse fato e não continuar insistindo
na tentativa até ridícula de querer convencer a mim mesmo de que houve um tempo em
que não tive consciência da minha origem de senzala. O êxito profissional e a proteção
dispensada por meu pai acabaram sendo escudos contra tudo, mas não posso me
esquecer daquilo que, na época, se passava em meu coração. A cor da pele pesando-me
como chumbo. (...) E da mesma maneira que evitava na rua contatos com pessoas que
não conhecia e que me tratavam de cima para baixo, no fundo não desejava – essa é
que era a verdade – uma identificação de fato com minha mãe. A descoberta pelos
outros daquela filiação de certa forma me humilhava. A lembrança disso, que não me
abandonava, é que passou a atormentar-me com tanto remorso. (...) Renunciei à antiga
entusiasmada disposição para a conquista dos espaços à minha frente, compreendi
afinal que a realidade tinha múltiplos compartimentos e a nossa limitação para
percorrê-los já vinha estabelecida a partir do berço. (...) Via com desgosto que, na
minha juventude, fora do círculo de meu pai, só tive bom acolhimento no meio artístico
por parte de mulatos, como os músicos. Na irmandade dos pardos é que de fato existia
ambiente para mim.(p. 195-196-197-198)
Pelas esculturas e pelo trecho citado, percebe-se a contraditória posição que o elemento
nativo ocupava na colônia. De um lado, propenso a demonstrar fidelidade ao modelo
europeu, que lhe poderia assegurar espaço na sociedade e nos cânones da arte universal.
De outro lado, o reconhecimento de que só os elementos característicos da terra lhe
confeririam identidade, o privilégio de fundar uma expressão própria. Tal peculiaridade
da tradição brasileira, presente também nas colônias de fala espanhola, remete ao fato
de que, em ambas, o desejo de compartilhar valores ocidentais surge mesclado à busca
de legitimação das particularidades locais. Essa situação tensional pode ser percebida na
narrativa através da figura de Aleijadinho e dos signos de nacionalidade, agrupados na
arquitetura, monumentos e artefatos de Ouro Preto. Se a qualidade dessa expressão
permitiu à cidade ser aceita como Patrimônio Cultural da Humandidade, o descaso das
autoridades quanto a suas características de solo permite que o reconhecido patrimônio
seja ameaçado de extinção pelas chuvas. Esse aspecto delineia, no livro, outro tipo de
ameaça que, por subrreptícia e menos visível, se torna bem mais difícil de ser anulada.
Percebe-se tal nuance na constituição da personagem Bené da Flauta.
O enfoque que Boca de chafariz confere à personagem coloca-a também como elemento
participante da conservação/modificação da história da cidade, como se nota no trecho
que se segue:
O Sermão da Sexagésima foi um dos mais famosos, entre tantos. Foi proferido na Capela real de Lisboa
em março de 1655. Através dele, o pregador esmerou-se na retórica, contando com sua memória
prodigiosa e rara habilidade no domínio da palavra.
O sermão é um todo de 10 pequenos capítulos e é considerado seu mais importante sermão: uma crítica
monumental ao estilo barroco, sobretudo ao Cultismo. Como foi pregado na Capela Real, em Portugal,
podemos concluir que o auditório era particular, composto por católicos da nobreza portuguesa da época.
O autor procura se aproximar do auditório dirigindo-lhe perguntas que ele mesmo, o autor, responde. O
autor procurou no sermão a adesão do auditório à sua tese principal de que se não havia conversões em
massa ao catolicismo na sua época era por culpa dos pregadores de então.
O tema do Sermão da Sexagésima é a “Parábola do semeador”, tirada do Evangelho segundo São Lucas:
Semen est verbum Dei (A semente é a palavra de Deus). Neste sermão, o Padre Vieira usa de uma
metáfora: pregar é como semear. Vieira resume e comenta a parábola: um semeador semeou as
sementes que caíram pelo caminho, pelas pedras ou entre os espinhos. Apenas parte delas caiu em terra
boa. Nele Vieira usa de uma metáfora: pregar é como semear. Traçando paralelos entre a parábola bíblica
sobre o semeador que semeou nas pedras, nos espinhos (onde o trigo frutificou e morreu), na estrada
(onde não frutificou) e na terra (que deu frutos), Vieira critica o estilo de outros pregadores
contemporâneos seus (e que muito bem caberia em políticos atuais), que pregavam mal, sobre vários
assuntos ao mesmo tempo (o que resultava em pregar em nenhum), ineficazmente e agradavam aos
homens ao invés de pregar servindo a Deus. Vieira examina a culpa do pregador, considerando sua
pessoa, sua ciência, a matéria e o estilo de seus sermões e sua voz.
No Sermão, seu autor interessava saber o motivo de a pregação católica estar surtindo pouco efeito entre
os cristãos. Sendo a palavra de Deus tão eficaz e tão poderosa, pergunta ele, como vemos tão pouco
fruto da palavra de Deus? Depois de muito argumentar, Vieira conclui que a culpa é dos próprios padres.
Eles pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus, afirma. Dito de outra maneira, o
jesuíta reclama daqueles que torcem o texto da Bíblia para defender interesses mundanos. No sermão
proferido, o Padre também procura criticar a outra facção do Barroco, logo a utilizar o púlpito como tribuna
política.
Padre Antônio Vieira, um mestre da persuasão, ensinava que “o sermão há de ser duma só cor, há de ter
um só objeto, um só assunto, uma só matéria”. É a regra daunidade do discurso persuasivo.
Pe. Antonio Vieira empregava diversos elementos de retórica no sermão analisado e podemos afirmar
que sua palavra produziu muito fruto, visto que sua obra se mantêm como pensamento válido depois de
300 anos de sua morte.
O assunto básico do sermão, à primeira vista, é a discussão de como é utilizada a palavra de Cristo pelos
pregadores. Um olhar mais profundo mostra que o autor vai além do objetivo da catequese, adotando
atitude crítica da codificação da palavra. Percebe-se, também, que o Sermão é usado como instrumento
de ataque contra a outra facção do Barroco, representada pelos chamados cultistas ou gongóricos.
Em O Sermão da Sexagésima, Vieira expôs o método que adotava nos seus sermões:
1. Definir a matéria.
2. Reparti-la.
3. Confirmá-la com a Escritura.
4. Confirmá-la com a razão.
5. Amplificá-la, dando exemplos e respondendo às objeções, aos "argumentos contrários".
6. Tirar uma conclusão e persuadir, exortar.
Nota: O contexto histórico da época do Padre, uma época onde várias atitudes tomadas pelo catolicismo
eram apoiadas inclusive pelo próprio poder temporal - já que não é simples separar a Igreja e o Estado
português neste momento da história -, como converter almas ao cristianismo.
Nessa época, o mundo assistia a Santa Inquisição atuando a pleno vapor, que inclusive fez visitações ao
Brasil colonial nas regiões Nordeste e Norte, além de em outras terras pertencentes ao Império Colonial
Português como Angola, Madeira e Açores, e que Goa possuía o seu próprio tribunal do Santo Ofício;
também assistia-se a imposição do cristianismo para muitos índios no Brasil; além dos negros africanos
que para cá foram trazidos e também foram-lhes imposto o catolicismo.
O Sermão da Sexagésima versa sobre a arte de pregar em suas dez partes. Nele
Vieira usa de uma metáfora: pregar é como semear. Traçando paralelos entre a
parábola bíblica sobre o semeador que semeou nas pedras, nos espinhos (onde o
trigo frutificou e morreu), na estrada (onde não frutificou) e na terra (que deu
frutos), Vieira critica o estilo de outros pregadores contemporâneos seus (e que
muito bem caberia em políticos atuais), que pregavam mal, sobre vários assuntos
ao mesmo tempo (o que resultava em pregar em nenhum), ineficazmente e
agradavam aos homens ao invés de pregar servindo a Deus.
Canto I
Na primeira estrofe, o poeta introduz a terra a ser cantada e o herói - Filho do Trovão -, propondo
narrar seus feitos (proposição). Na estrofe seguinte, pede a Deus que o auxilie na realização do
intento (invocação), e da terceira à oitava estrofes, dedica o poema a D. José I, pedindo atenção
para o Brasil, principalmente a seus habitantes primitivos, dignos e capazes de serem integrados à
civilização cristã. Se isso for feito, prevê Portugal renascendo no Brasil.
Da nona estrofe em diante, tem-se a narração. A caminho do Brasil, o navio de Diogo Álvares
Correia naufraga. Ele e mais sete companheiros conseguem se salvar. Na praia, são acolhidos
pelos nativos que ficam temerosos e desconfiados. Os náufragos, por sua vez, também temem
aquelas criaturas antropófagas, vermelhas que, sem pudor, andam nuas. Assim que um dos
marinheiros morre, retalham-no e comem-lhe, cruas mesmo, todas as partes.
Sem saber o futuro, os sete são presos em uma gruta, perto do mar, e, para que engordem, são
bem alimentados. Notando que os índios nada sabem de armas, Diogo, durante os passeios na
praia, retira, do barco destroçado, toda pólvora e munições, guardando-as na gruta. Desde então,
como vagaroso enfermo, passa a se utilizar de uma espingarda como cajado.
Para entreter os amigos, Fernando, um dos náufragos, ao som da cítara, canta a lenda de uma
estátua profética que, no ponto mais alto da ilha açoriana, aponta para o Brasil, indicando a
futuros missionários o caminho a seguir.Um dia, excetuando-se Diogo, que ainda estava enfermo e
fraco, os outros seis são encaminhados para os fossos em brasa. Todavia , quando iam matar os
náufragos, a tribo do Tupinambá Gupeva é ferozmente atacada por Sergipe. Após sangrenta luta,
muitos morrem ou fogem; outros se rendem ao vencedor que liberta os pobres homens que
desaparecem, no meio da mata, sem deixar rastro.
Canto II
Enquanto a luta se desenvolve, Diogo, magro e enfermo para a gula dos canibais, veste a
armadura e, munido de fuzil e pólvora, sai para ajudar os seis companheiros que serão comidos.
Na fuga, muitos índios buscam esconderijo na gruta, inclusive Gupeva que, ao se deparar com o
lusitano, saindo daquele jeito, cai prostrado, tremendo; os que o seguiam fazem o mesmo; todos
acham que o demônio habita o fantasma-armadura.
Álvares Correia, que já
conhecia um pouco a língua dos índios, espera amansá-los com horror e arte. Levantando a
viseira, convida Gupeva a tocar a armadura e o capacete. Observa, amigavelmente, que tudo
aquilo o protege, afastando o inimigo, desde que não se coma carne humana. Ainda aterrorizado,
o chefe indígena segue-o para dentro da gruta, onde Diogo acende a candeia, levando-o a crer
que o náufrago tem poder nas mãos.
Sob a luz, vê, sem interesse, tudo que o branco retirara da nau. Aqui, o poeta, louva a ausência
de cobiça dessa gente. Entre os objetos guardados pelos náufragos, Gupeva encanta-se com a
beleza da virgem em uma gravura.Tão bela assim não seria a esposa de Tupã? Ou a mãe de Tupã?
Nesse momento, encantado pela intuição do bárbaro, Diogo o catequiza, ganhando-lhe, assim a
dedicação.
Saindo da gruta, o índio, agora manso e diferente, fala a seu povo Tupinambá, ao redor da gruta.
Conta-lhes sobre o feito do emboaba, Diogo, e que Tupã o mandara para protegê-los. Para
banquetear o amigo, saem para caçar. Durante o trajeto, Álvares Correia usa a espingarda,
aterrorizando a todos que exclamam e gritam: Tupã Caramuru! Desde esse dia, o herói passa a
ser o respeitado Caramuru - Filho do Trovão. Querendo terror e não culto, Diogo afirma-lhes que,
como eles, é filho de Tupã e a este, também, se humilha. Mas que como filho do trovão, (dispara
outro tiro) queimará aquele que negar obediência ao grande Gupeva.
Nas estrofes seguintes, o poeta descreve os costumes da selva. Caramuru instala-se na aldeia,
onde imensas cabanas abrigam muitas famílias, que vivem em harmonia. Muitos índios querem
vê-lo, tocá-lo. Outros, em sinal de hospitalidade, despem-no e colocam-no sobre a rede,
deixando-o tranqüilo. Paraguaçu é uma índia, de pele branca e traços finos e suaves. Apesar de
não amar Gupeva, está na tribo por ter-lhe sido prometida. Como sabe a língua portuguesa, Diogo
quer vê-la. Após o encontro os dois estão apaixonados.
Canto III
À noite, Gupeva e Diogo conversam sob a tradução feita por Paraguaçu. O lusitano fica pasmo ao
saber que, para o chefe da tribo, existe um princípio eterno; há alguém, Tupã, ser possante que
rege o mundo; aquele que vence o nada, criando o universo. O espírito de Deus, de alguma
maneira, comunica-se com essa gente. Gupeva eloqüente fala acerca da concepção dos selvagens
sobre o tempo, o Céu, o Inferno. Abordam a lenda da pregação de S. Tomé em terras americanas.
Concluindo a conversa, o cacique diz que estão para ser atacados pelos inimigos; Caramuru
aconselha-o a ter calma. De repente, chegam os ferozes índios Caetés que, ao primeiro estrondo
do mosquete, batem em retirada, correndo, caindo; achando, enfim, que o céu todo lhes cai em
cima. Canto IV
O temido invasor noturno é o Caeté, Jararaca, que ama Paraguaçu perdidamente. Ao saber que
ela esta destinada a Gupeva, declara guerra. Após o ataque estrondoso do Filho do Trovão,
Jararaca convoca outras nações indígenas com as quais tinha aliança: Ovecates, Petiguares,
Carijós, Agirapirangas, Itatis. Conta-lhes que Gupeva prostrou-se aos pés de um emboaba pelo
pouco fogo que acendera, oferecendo-lhe até a própria noiva. O cacique alerta-os que se todos
agirem assim, correm o risco de serem desterrados e escravizados em sua própria terra, enchendo
de emboabas a Bahia. Apela para a coragem dos nativos, dizendo que apesar do raio do Caramuru
ser verdadeiro, ele nada teme, porque não vem de Deus. Não há forças fabricadas que a eles
destruam. A guerra tem início e Paraguaçu também luta heroicamente e, num momento de perigo,
é salva pelo amado lusitano.
Canto V
Depois da batalha, os amantes discorrem sobre o mal que habita o ser humano e qual a razão de
Deus para permiti-lo. Em seguida, em Itaparica, o herói faz com que todos os índios se submetam
a ele, destruindo as canoas com as quais Jararaca pretendia liquidá-lo.
Canto VI
As filhas dos chefes indígenas são oferecidas ao destemido Diogo, para que este os honre com o
seu parentesco. Como ama Paraguaçu, aceita o parentesco, mas declina as filhas. Na mata, o
herói encontra uma gruta com tamanho e forma de igreja e percebe ali a possibilidade dos nativos
aceitarem a Fé Cristã, e se dispõe a doutriná-los. Mais tarde, salva a tripulação de um navio
espanhol naufragado e, saudoso da Europa, parte com Paraguaçu em um barco francês.
Quando a nau ganha o mar, várias índias, interessadas em Álvares Correia, lançam-se nas águas
para acompanhá-lo. Moema, a mais bela de todas, consegue chegar perto do navio Agarrada ao
leme, brada todo seu amor não correspondido ao esquivo e cruel Caramuru. Implora para que ele
dispare sobre ela seu raio. Ao dizer isso, desmaia e é sorvida pela água. As
outras, que a acompanhavam, retornam tristes àpraia. Nas demais estrofes do canto, a história do
descobrimento do Brasil é contada ao comandante do barco francês.
Canto VII
Na França, o casal é recebido na corte e Paraguaçu é batizada com o nome da rainha Catarina de
Médicis, mulher de Henrique II, que lhe serve de madrinha. Diogo lhes descreve tudo o que sabe a
respeito da flora e fauna brasileira.
Canto VIII
Canto XIX
Canto X
Análise da obra
Estilo
Santa Rita Durão penetra na vida do índio com intento analítico diferente do devaneio
lírico dos contemporâneos. A fantasia a que se abandona é com efeito precedida pela
descrição dos costumes, das técnicas, dos ritos, tão exata quanto possível no seu tempo.
Personagens
Sem saber o futuro, os sete são presos em uma gruta, perto do mar, e, para que
engordem, são bem alimentados. Notando que os índios nada sabem de armas, Diogo,
durante os passeios na praia, retira, do barco destroçado, toda pólvora e munições,
guardando-as na gruta. Desde então, como vagaroso enfermo, passa a se utilizar de uma
espingarda como cajado.
Para entreter os amigos, Fernando, um dos náufragos, ao som da cítara, canta a lenda de
uma estátua profética que, no ponto mais alto da ilha açoriana, aponta para o Brasil,
indicando a futuros missionários o caminho a seguir.Um dia, excetuando-se Diogo, que
ainda estava enfermo e fraco, os outros seis são encaminhados para os fossos em brasa.
Todavia, quando iam matar os náufragos, a tribo do Tupinambá Gupeva é ferozmente
atacada por Sergipe. Após sangrenta luta, muitos morrem ou fogem; outros se rendem
ao vencedor que liberta os pobres homens que desaparecem, no meio da mata, sem
deixar rastro.
Canto II - Enquanto a luta se desenvolve, Diogo, magro e enfermo para a gula dos
canibais, veste a armadura e, munido de fuzil e pólvora, sai para ajudar os seis
companheiros que serão comidos. Na fuga, muitos índios buscam esconderijo na gruta,
inclusive Gupeva que, ao se deparar com o lusitano, saindo daquele jeito, cai prostrado,
tremendo; os que o seguiam fazem o mesmo; todos acham que o demônio habita o
fantasma-armadura.
Álvares Correia, que já conhecia um pouco a língua dos índios, espera amansá-los com
horror e arte. Levantando a viseira, convida Gupeva a tocar a armadura e o capacete.
Observa, amigavelmente, que tudo aquilo o protege, afastando o inimigo, desde que não
se coma carne humana. Ainda aterrorizado, o chefe indígena segue-o para dentro da
gruta, onde Diogo acende a candeia, levando-o a crer que o náufrago tem poder nas
mãos.
Sob a luz, vê, sem interesse, tudo que o branco retirara da nau. Aqui, o poeta, louva a
ausência de cobiça dessa gente. Entre os objetos guardados pelos náufragos, Gupeva
encanta-se com a beleza da virgem em uma gravura.Tão bela assim não seria a esposa
de Tupã? Ou a mãe de Tupã? Nesse momento, encantado pela intuição do bárbaro,
Diogo o catequiza, ganhando-lhe, assim a dedicação.
Saindo da gruta, o índio, agora manso e diferente, fala a seu povo Tupinambá, ao redor
da gruta. Conta-lhes sobre o feito do emboaba, Diogo, e que Tupã o mandara para
protegê-los. Para banquetear o amigo, saem para caçar. Durante o trajeto, Álvares
Correia usa a espingarda, aterrorizando a todos que exclamam e gritam: Tupã
Caramuru! Desde esse dia, o herói passa a ser o respeitado Caramuru - Filho do Trovão.
Querendo terror e não culto, Diogo afirma-lhes que, como eles, é filho de Tupã e a este,
também, se humilha. Mas que como filho do trovão, (dispara outro tiro) queimará
aquele que negar obediência ao grande Gupeva.
Canto III - À noite, Gupeva e Diogo conversam sob a tradução feita por Paraguaçu. O
lusitano fica pasmo ao saber que, para o chefe da tribo, existe um princípio eterno; há
alguém, Tupã, ser possante que rege o mundo; aquele que vence o nada, criando o
universo. O espírito de Deus, de alguma maneira, comunica-se com essa gente. Gupeva
eloqüente fala acerca da concepção dos selvagens sobre o tempo, o Céu, o Inferno.
Abordam a lenda da pregação de S. Tomé em terras americanas. Concluindo a conversa,
o cacique diz que estão para ser atacados pelos inimigos; Caramuru aconselha-o a ter
calma. De repente, chegam os ferozes índios Caetés que, ao primeiro estrondo do
mosquete, batem em retirada, correndo, caindo; achando, enfim, que o céu todo lhes cai
em cima.
Canto V - Depois da batalha, os amantes discorrem sobre o mal que habita o ser
humano e qual a razão de Deus para permiti-lo. Em seguida, em Itaparica, o herói faz
com que todos os índios se submetam a ele, destruindo as canoas com as quais Jararaca
pretendia liquidá-lo.
Canto VI - As filhas dos chefes indígenas são oferecidas ao destemido Diogo, para que
este os honre com o seu parentesco. Como ama Paraguaçu, aceita o parentesco, mas
declina as filhas. Na mata, o herói encontra uma gruta com tamanho e forma de igreja e
percebe ali a possibilidade dos nativos aceitarem a Fé Cristã, e se dispõe a doutriná-los.
Mais tarde, salva a tripulação de um navio espanhol naufragado e, saudoso da Europa,
parte com Paraguaçu em um barco francês.
Quando a nau ganha o mar, várias índias, interessadas em Álvares Correia, lançam-se
nas águas para acompanhá-lo. Moema, a mais bela de todas, consegue chegar perto do
navio Agarrada ao leme, brada todo seu amor não correspondido ao esquivo e cruel
Caramuru. Implora para que ele dispare sobre ela seu raio. Ao dizer isso, desmaia e é
sorvida pela água. As outras, que a acompanhavam, retornam tristes à praia. Nas demais
estrofes do canto, a história do descobrimento do Brasil é contada ao comandante do
barco francês.
Canto VII - Na França, o casal é recebido na corte e Paraguaçu é batizada com o nome
da rainha Catarina de Médicis, mulher de Henrique II, que lhe serve de madrinha. Diogo
lhes descreve tudo o que sabe a respeito da flora e fauna brasileira.
O livro Cronistas do Descobrimento é uma antologia organizada por Antônio Carlos Olivieri e Marco
Antonio Villa, com introdução ponderada e didática, apresentando um panorama dos textos produzidos
pelos cronistas do século XVI.
Os autores selecionaram passagens de mais de doze obras apresentando um panorama abrangente dos
primeiros contatos dos europeus com o território brasileiro e com os povos indígenas, dando-nos
oportunidade de conhecer fatos sobre o nascimento do Brasil através da palavra de quem viveu os
acontecimentos. Os textos dos cronistas se parecem com uma grande obra de aventura, que nos
surpreende a cada passo.
A obra reúne trechos começando pela Carta de Achamento de Pero Vaz de Caminha, e encontramos
entre outros, trechos de obras de Hans Staden, cartas de jesuítas como José de Anchieta e Manuel da
Nóbrega, além de Pero de Magalhães Gândavo. Narrativas menos citadas, como a do Piloto Anônimo e
dos franceses Thevet e Léry são incluídas. São textos interessantes que apresentam as impressões de
europeus sobre o país e seus habitantes.
A obra descreve os hábitos e as riquezas naturais do Brasil de quinhentos anos atrás; uma natureza rica
em pau-brasil, árvores frutíferas, diversidade de animais que não eram conhecidos pelo homem europeu
e que despertou o interesse de conhecer cada vez mais o que era realmente o Brasil. Com isso,
começou-se um processo de exploração, retirando da nossa terra o que ela possuía de melhor, através
do intenso trabalho dos índios, que entregavam nossas riquezas em troca de utensílios sem valor. A
admiração dos portugueses pelos índios transformou-se em ambição e avareza, levando-os a acabar com
a cultura indígena, provocando assim a aculturação: o índio abandona seus hábitos e costumes para
absorver a cultura européia imposta a eles.
Gabriel Soares de Sousa, um dos cronistas cujo texto está inserido nesta obra, tece considerações
críticas a respeito da liberdade excessiva dos índios, evidenciando uma sociedade livre, portanto não
regida por leis de controle social, fato que dificultava o domínio mais prático e intensivo sobre o habitante
local. O texto de Gabriel também nos revela o paradoxo sustentado no fato de que a catequese ou
conversão do índio ao cristianismo não está relacionado a um estado de consciência de fé, por parte do
Gentio.
Pode-se observar nos textos dos cronistas do descobrimento, que versam, em boa parte, sobre a questão
do desrespeito às tradições culturais e intelectuais de um povo - basta lembrar a visão do índio como
destituído de saber, de tradição e de cultura a reforçar a discriminação dos valores do povo conquistado,
nas inúmeras cartas e nos relatos da época do descobrimento.