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W

WORKAHOLISMO ROMANCE NO ESCRITÓRIO A ARTE DA RECONSTRUÇÃO


Por que gabar-se de vício em Os limites que o RH pode impor Como a Americanas, pós-crise,
trabalho é um erro grave. P. 36 – e os que ele não pode. P. 44 busca reter seus talentos. P. 56

O V ENE NO DA

INVEJA
N O TRAB ALHO
Profissionais invejosos são menos dispostos
a partilhar informações, mais propensos à sabotagem
R$ 35,00

e não querem saber de colaborar. Conheça os melhores


antídotos contra essa cultura perversa. P. 24
CARTA AO LEITOR

Inveja x Colaboração
ra uma noite de maio de 2015. Eu estava atra- seu sucesso não deveria ser motivo para uma ferida

E
vessando a Avenida Paulista para chegar à no nosso ego, e sim para a mais sincera admiração.
Livraria Cultura, onde começaria a sessão de Foi o que me lembrou Rode Ziembick, executiva de
dedicatórias do meu primeiro livro, Inveja RH e pesquisadora de como funciona o mecanismo
– Como ela mudou a história do mundo da inveja nas empresas.
(LeYa Brasil). Ainda na faixa de pedestres, Como ela me disse na entrevista para a reporta-
meu celular tocou. Era a produção do Pro- gem de capa desta edição, uma pessoa que apoia o
grama do Jô, me convidando para falar do livro próximo e se sente grata pelo que recebe, além de
numa entrevista com o gordo mais querido do país. ir no sentido contrário ao da inveja, tem mais pa-
Uau! Meu sonho de adolescência era um dia rea- ciência, generosidade, criatividade e empatia. Jus-
lizar algo relevante a ponto de sentar no sofá do Jô tamente skills essenciais para qualquer liderança.
Soares. Senti como a consagração de um trabalho E para qualquer colaborador também. Se o am-
iniciado um ano antes, quando tive meu primeiro biente corporativo, moldado pela competitividade,
contato profissional com o tema para desenvolver é um espaço ideal para a disseminação da inveja,
a obra – coincidentemente convidado pelo hoje di- colaborar de coração aberto com o projeto de um
retor responsável pela Você RH e mais dois títulos colega é uma atitude avessa à do invejoso. Assim
da Abril (Você S/A e Superinteressante), e cujo como inspirar-se no trabalho bem-sucedido de ou-
nome está no expediente desta edição: Alexandre tro e, enfim, agradecer sinceramente aos que nos
Versignassi. Obrigado para sempre, Versi! abrem caminhos.
Estudando sobre a inveja nas organizações, des- Eu agradeço todo dia pela oportunidade de editar
cobri que o melhor antídoto para esse sentimento esta revista cercado da colaboração de gente tão
destrutivo é a colaboração. talentosa, no texto e na arte. E agradeço a você,
Prestar atenção às circunstâncias do dia a dia leitor, por nos dar o privilégio da sua leitura.
que merecem nosso apoio é experimentar a empa-
tia, a camaradagem, a crença em que outros seres ALEXANDRE CARVALHO
humanos têm uma natureza boa – e que, portanto, EDITOR-CHEFE

fev / mar 2024 VOCÊ RH 3


SUMÁRIO ILUSTRAÇÃO DA CAPA: vini capiotti

ED. 90 - FEVEREIRO / MARÇO 2024

O mundo corporativo encoraja a


dedicação excessiva ao trabalho.
Mas isso pode ser um tiro no
pé da própria empresa. P.36

SEÇÕES MATÉRIAS

3 | CARTA AO LEITOR
inveja x colaboração.
20 | OLHAR DO
PRESIDENTE
24 | OS PUXADORES DO TAPETE ALHEIO
profissionais invejosos são menos dispostos a partilhar
roberto prisco paraíso,
informações, mais propensos à sabotagem e se abstêm
BOLETIM ceo da ocyan.
de ajudar os outros. veja como lutar contra esse mal.
8 | NOTAS 60 | MELHORES PRÁTICAS
pessoas trans têm apoio Zucchetti: foco no 36 | WORKAHOLICS
para transição de gênero comportamento justo, É melhor pegar mais leve. Saiba por que pessoas
na mondelēz. seja entre funcionários, viciadas em trabalho se tornam menos produtivas.
seja com fornecedores.
12 | MACRO 44 | ONDE SE GANHA O PÃO…
os primeiros sinais do 62 | NA ESTANTE os limites que o rH deve estabelecer para
fracasso em uma gestão. Sororidade: mulheres relacionamentos entre funcionários – e os que ele não deve.
precisam de união
16 | PROFISSÕES para que mais delas
o que faz um advogado cheguem à liderança.
50 | CARREIRA EM Y
entenda o funcionamento desse modelo,
de compliance.
e conheça também a carreira em W.
66 | NA REAL
18 | DESAFIO DO RH transparência salarial
Latam contrata permite fazer um 56 | ENTREVISTA
mais mulheres para plano de progressão de Leonardo ferreira, vp de Gente e Gestão da americanas,
pilotar seus aviões. carreira mais objetivo. mostra como tem superado a crise da empresa.

COLAGEM: CAMILA LEITE


4 VOCÊ RH fev / mar 2024
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BOLETIM NOTAS POR LUISA COSTA

TRANSIÇÃO DE GÊNERO
EM PAUTA
N
a Mondelez, os funcionários receber o benef ício, passa por um uma equipe com endocrinologista,
trans recebem apoio para re- médico, faz os exames necessários e mastologista, cardiologista, clínico
tificação do nome e gênero no encaminha a receita para a Mondelez. geral, nutricionista, psicólogo e enfer-
RG e CPF. Mas não só: a empre- O RH, então, libera o subsídio no apli- meiro capacitados para atender às
sa implementou um auxílio cativo da Vidalink, negócio de bem- necessidades específicas de pessoas
para o subsídio integral da hormonio- -estar corporativo que atende a em- trans. Esse acompanhamento começa
terapia aos que querem fazer a tran- presa, para que o funcionário possa no início da transição de gênero e segue
sição de gênero. começar seu tratamento. por tempo indeterminado, até que o
Quando um colaborador deseja A companhia alimentícia oferece contrato de trabalho se encerre.

FOTOS: GETTY IMAGES


8 VOCÊ RH fev / mar 2024
ESCALA PARA MEDIR A INCLUSÃO DE PCDS
O INSTITUTO OLGA KOS , que promove “a avaliação em si é rápida”, afir-
a inclusão de pessoas com deficiên- ma andré Winter, executivo da KpmG.
cia intelectual, acaba de habilitar “mas pode haver trabalhos de adapta-
mais uma consultoria, a KpmG, para ção significativos.” a aplicação da es-
aplicar sua escala cidadã: uma mé- cala pode resultar em uma certifica-
trica para avaliar quão inclusiva é ção para a empresa inclusiva, o que é
uma organização. importante para o employer branding
a escala permite analisar o am- da companhia.
biente de trabalho a partir de cinco “trata-se de uma ferramenta im-
aspectos: o espaço em si, com pos- portante para identificar fraquezas
síveis barreiras físicas para a inclu- em relação à inclusão, e é essencial
são; o comportamento dos colegas adotar um planejamento estratégi-
de trabalho; a comunicação interpes- co, em seguida, para trabalhar os
soal; a metodologia dos programas pontos de melhoria”, explica Winter.
de capacitação e treinamento e as “a inclusão deve ser vista como um
políticas institucionais. processo contínuo.”

Preconceito, problemas
com a língua e com a
revalidação dos diplomas
são os maiores obstáculos.

fev / mar 2024 VOCÊ RH 9


BOLETIM NOTAS

ANO NOVO,
EMPREGO NOVO
50% DOS PROFISSIONAIS querem
procurar uma nova colocação em
2024, segundo a consultoria de re-
crutamento robert Half. 64% gos-
tariam de trocar de empresa, en-
quanto 36% desejam uma mudança
de carreira. estes são resultados da
26ª edição do Índice de confiança
robert Half, levantamento trimes-
tral que reflete a percepção de 1.161
profissionais.
a pesquisa também identificou
os principais motivos para a busca
por mudança. Quem quer trocar de
empresa está motivado a encontrar
melhores oportunidades de cresci-
mento, salários mais altos, bene-
fícios mais atrativos e modelo de
trabalho remoto ou híbrido.
por outro lado, quem deseja tro-
car de área de atuação, segmento
ou profissão aponta como principais
motivos a realização pessoal, a qua-
lidade de vida, a vontade de apren-
der algo novo e mais flexibilidade.
entre os profissionais desempre-
gados, existe algum otimismo: 36%
deles estão confiantes em conquis-
tar uma recolocação no próximo se-
mestre – um acréscimo de 3 pontos
percentuais na comparação com o
resultado da edição anterior do ín-
dice, lançada em setembro.

10 VOCÊ RH fev / mar 2024


PAIS DE PET DEVEM TER O QUE MAIS AFETA
LICENÇA-MATERNIDADE O ENGAJAMENTO
ESSA É, PELO MENOS, A OPINIÃO dos gestores da UMA PESQUISA DA FLASH (empresa de benefícios),
royal canin, marca de alimentos para cães e ga- realizada em parceria com o talenses Group e a
tos. os colaboradores que adotam um bichinho fundação Getúlio vargas, levantou os três fatores
têm direito a uma microlicença – oito horas, que que mais influenciam o engajamento dos colabora-
podem ser distribuídas ao longo de um ano – para dores brasileiros: confiança na liderança, significa-
facilitar os cuidados iniciais com a saúde do pet, do do trabalho e boas práticas de gestão.
como idas ao veterinário e aplicação de vacinas. a confiança é o aspecto mais importante. ele en-
a empresa também tem outras iniciativas inu- volve a transparência que a empresa tem com seus
sitadas em relação aos animaizinhos, como a li- colaboradores, além de sua capacidade de estabe-
cença por luto, que oferece um dia de folga pela lecer e comunicar seu propósito. 49% dos entrevis-
perda do bicho de estimação, e a promoção de um tados confiam nos gestores de sua empresa, mas
escritório pet friendly, onde os colaboradores po- os executivos são mais otimistas. 68% deles estão
dem levar seus amigos de quatro patas para pas- confiantes, contra 42% dos colaboradores.
sar o dia. (esse benefício começou há 11 anos na o segundo aspecto mais importante, significado
empresa, que foi pioneira ao adotá-lo no Brasil.) do trabalho, envolve a identificação das pessoas
Segundo Juliana Gonçalves, diretora de rH da com seus empregos, o impacto de suas atividades
royal canin Brasil, tudo isso serve para promo- na empresa (ou fora dela) e o nível de autonomia
ver uma cultura organizacional que incentive o que elas têm no escritório.
equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. o Já o terceiro aspecto, boas práticas de gestão, con-
objetivo passa ainda por oferecer bem-estar aos siste em cultura de feedback, processos bem esta-
colaboradores e conscientizá-los sobre a impor- belecidos, organização e alinhamento de objetivos.
tância da guarda responsável. “notamos que as o levantamento considerou a opinião de 1.732
relações de trabalho ficaram ainda mais próximas pessoas, das cinco regiões do Brasil, que ocupam di-
e colaborativas.” ferentes posições hierárquicas em suas empresas.

fev / mar 2024 VOCÊ RH 11


BOLETIM MACRO - Gartner*

SINAIS DO
FRACASSO
DE UMA
GESTÃO
12 VOCÊ RH fev / mar 2024 ILUSTRAÇÃO: MIDJOURNEY
O IMPACTO
DA MÁ GESTÃO
PARA A EMPRESA
Há uma probabilidade
91% menor de os
1 colaboradores terem
alta performance.

Os profissionais têm
2 três vezes mais chances
de deixar a empresa.

48% DOS GESTORES A possibilidade de


3 os clientes ficarem
REPRESENTAM UM RISCO
PARA A EMPRESA. ISSO
PORQUE SÃO INSEGUROS,
NÃO GERAM EMPATIA,
satisfeitos é quatro
INTERAGEM MAL E VÃO vezes menor.
NA CONTRAMÃO DO
QUE DESEJAM SEUS
COLABORADORES.
IDENTIFICAR O PROBLEMA
Também é quatro
vezes menor a chance
CEDO É A CHANCE DE
CONSERTÁ-LO ANTES QUE
VIRE UM TRANSTORNO.
4 de a empresa inovar
DESIGN JULIANA KRAUSS em seu negócio.
*EMPRESA DE BENCHMARKING GLOBAL DE CAPITAL HUMANO. CONTATO: VITORIO.BRETAS@GARTNER.COM fev / mar 2024 VOCÊ RH 13
BOLETIM MACRO - Gartner*

OS 4 ALERTAS DE RISCO DE FRACASSO


Confira os indícios de que o gestor terá sua liderança desacreditada e maus resultados no ano.

1
FALTA DE SEGURANÇA Há três sinais precoces de que um gestor não

SOBRE A PRÓPRIA GESTÃO se sente à vontade na posição de líder.

POSTURA DEFENSIVA… NÃO DELEGAR… PEDIR APROVAÇÃO…


MESMO AO AINDA QUE O LÍDER NÃO PARA GENTE MAIS SÊNIOR
RECEBER FEEDBACK TENHA A HABILIDADE A RESPEITO DE DECISÕES
CONSTRUTIVO. NECESSÁRIA QUE ELE DEVERIA
PARA A TAREFA. TOMAR SOZINHO.

3
DESALINHAMENTO ENTRE O como identificar se as ações do
TRABALHO DO CHEFE E OS gestor estão distantes das ambições
de seus colaboradores.
OBJETIVOS DOS PROFISSIONAIS

1 2 3
OS FUNCIONÁRIOS CONCLUEM A EQUIPE PRECISA PASSAR UM OS OBJETIVOS SÃO
QUE AS TAREFAS QUE LHES TEMPO SIGNIFICATIVO DEDI- MUDADOS A TODA
SÃO DADAS PELO GESTOR CANDO-SE A ATIVIDADES QUE HORA SEM QUE HAJA
NÃO ESTÃO À ALTURA DE NÃO FICAM REGISTRADAS NA UMA COMUNICAÇÃO
SUAS HABILIDADES OU SEU EMPRESA – O QUE DIFICULTA O APROPRIADA A RESPEITO.
NÍVEL HIERÁRQUICO. RECONHECIMENTO DE CADA UM.

14 VOCÊ RH fev / mar 2024


2
NÃO CONSEGUE veja três situações em que gestor

CONQUISTAR EMPATIA e time não dão match.

OS PROFISSIONAIS OS COLABORADORES OS FUNCIONÁRIOS ACHAM


NÃO SE AJUSTAM AO ACREDITAM QUE QUE A RESPONSABILIDADE
ESTILO DE TRABALHO PODERIAM FAZER POR ATINGIR OU NÃO OS
DO SEU GESTOR. FACILMENTE O TRABALHO OBJETIVOS DA EMPRESA É
DO SEU CHEFE. SÓ DO GESTOR.

4
os gestores têm 2,7 vezes mais chances de falhar quando seus
liderados não veem valor em suas conversas. e o pior: apenas
INTERAÇÃO POBRE um em cada dois funcionários sente que ganhou reflexões
valiosas após essas interações. Veja como melhorar.

MÉRITOS JUNTAR O POVO CONQUISTAR ALIADOS


AO ATINGIR UM OBJETIVO, O NESTA ÉPOCA EM QUE HÁ MAIS TER INICIATIVAS QUE
GESTOR DEVE FALAR MAIS TRABALHO REMOTO, UNIR AS PROMOVAM O ENGAJAMENTO
DOS COMPORTAMENTOS PESSOAS PRESENCIALMENTE DOS COLABORADORES.
POSITIVOS DE SUA EQUIPE PARA REUNIÕES IMPORTANTES ISSO GERA MAIOR
PARA CHEGAR LÁ DO QUE DO OU TREINAMENTOS AJUDA COMPROMETIMENTO COM OS
RESULTADO EM SI. A AGREGAR VALOR ÀS OBJETIVOS DA EMPRESA (E
INTERAÇÕES DO LÍDER. CONEXÃO COM O LÍDER).

* EMPRESA DE BENCHMARKING GLOBAL DE CAPITAL HUMANO. CONTATO: VITORIO.BRETAS@GARTNER.COM fev / mar 2024 VOCÊ RH 15
PROFISSÕES

O QUE FAZ UM...

ADVOGADO DE
COMPLIANCE
ESSE ESPECIALISTA JURÍDICO
EXECUTA UM TRABALHO PREVENTIVO,
PARA QUE A EMPRESA NÃO INFRINJA
A LEI EM NENHUM DE SEUS
PROCESSOS. CONHEÇA MELHOR
A ÁREA, QUE ESTÁ EM EXPANSÃO.

TEXTO ALEXANDRE CARVALHO

Gabriel Passos,
advogado e
ex-presidente
da Associação
Nacional de
Compliance.

FOTO: REPRODUÇÃO

16 VOCÊ RH fev / mar 2024


S
ua empresa dá cada passo dentro que ela não pode fazer”, brinca Gabriel
do que estabelecem as legisla-
ções para a sua atividade? a per-
gunta é cabível, mesmo para a
passos, que tem seu próprio negócio de
prestação de serviços em compliance
em porto alegre: a G8 academy, que
A REAL DO
TRABALHO
mais íntegra das companhias, também dá treinamentos para quem
porque são tantas regras e diretrizes quer ingressar no ramo.
que, dependendo do ramo da empresa esse advogado foi presidente da
(e do porte), é complicado manter-se anaco (associação nacional de com-
atualizado sobre todas as normas. e
bem comum que o negócio dê início a
pliance) e se especializou em proteção
e privacidade de dados – uma questão
ATIVIDADES-CHAVE
algum procedimento sem compreender em alta nas empresas após a sanção Desenhar um conjunto de práticas
a extensão dos limites legais por onde da LGpD, em 2018. e disciplinas para o cumprimento
pode transitar. mas passos não parou por aí. está das normas legais e regulamenta-
É por isso que existem os profissio- sempre buscando novas especializa- res de cada processo – para evitar
infrações da lei. Também defender
nais de compliance (“conformidade”, ções e atualizações, de modo a ampliar
a companhia juridicamente no
em português), uma área em expan- sua clientela. “nossa área de atuação é
caso de desconformidades.
são conforme o mercado vai ficando muito vasta. vai de analisar um grande
mais regulado. pois o compliance atua contrato e atuar em governança corpo-
principalmente para prevenir e detec- rativa, até fiscalizar uma distribuição de
tar infrações. Dessa forma, é possível
preservar o negócio contra processos
brindes. Se forem de um valor alto, por
exemplo, pode caracterizar suborno.”
QUEM CONTRATA
e multas. e o que não falta é chance atualização constante, aliás, é con- Qualquer empresa. Mas a de-
manda mais comum é de gran-
de isso acontecer: erros na abertura de dição sine qua non para se manter re-
des companhias, que lidam
uma empresa, no cálculo de impostos, levante. porque as legislações mudam,
com processos complexos.
no uso indevido de dados alheios. novas tecnologias surgem… De fato: uma
para evitar todos esses enroscos, a das preocupações que o advogado de
companhia pode contar com uma equi- compliance tem de amenizar atualmente
pe multidisciplinar de compliance. por
exemplo, com um especialista em tecno-
são os abusos da inteligência artificial.
a ia generativa constrói soluções a
O QUE FAZER PARA
logia que entenda de processos digitais partir de textos e imagens que já exis- ATUAR NA ÁREA
antifraude, para garantir a confiabilidade tem. ou seja: que podem ter proprie-
Formar-se em Direito e se especia-
das informações; um mais ligado à ges- dade intelectual. o compliance agora
lizar tanto na área de compliance
tão de pessoas, outro à contabilidade… precisa orientar a área de tecnologia quanto nas atividades dos ramos
Juntos, eles podem produzir um ma- sobre o risco de processos caso use aos quais pretende servir.
peamento das atividades da empresa, conteúdos que não são seus.
procurar quais são os principais riscos outro diferencial importante é estar
e criar manuais de boas práticas. mas, sempre disponível. Um pisão na bola da
seja como for, é altamente recomendável empresa pode exigir resposta imediata. MÉDIA SALARIAL
que essa equipe tenha um advogado, de “É por isso que o trabalho preventivo
Num escritório de advocacia, vai
modo a garantir segurança jurídica. é tão importante: é mais fácil e bara- de R$ 4 mil (advogado iniciante)
to”, diz Gabriel passos. “Se chega uma a R$ 15 mil (sênior). Trabalhando
“Chatos” indispensáveis denúncia contra a empresa, às vezes dentro das empresas, os valores
“não somos as pessoas mais queri- eu tenho só 48 horas para apresentar tendem a ser maiores e incluir bô-
das do mundo, sabe, porque vivemos uma defesa. isso implica trabalhar de nus quando o advogado evita um
dizendo para a empresa tudo aquilo madrugada… e cobrar mais, claro.” gasto grande por alguma infração.

Fonte: Gabriel Passos, ex-presidente da Anaco

fev / mar 2024 VOCÊ RH 17


BOLETIM DESAFIO DO RH

MAIS MULHERES NO
COMANDO DE AVIÕES
SÓ 2% DOS PILOTOS
DE AVIÃO NO BRASIL
SÃO MULHERES. MAS A
LATAM ESTÁ INVESTINDO
EM ESTRATÉGIAS PARA
MUDAR ESSE QUADRO.
RUBIA MALAGRINO,
COORDENADORA DE
DESENVOLVIMENTO
DA AÉREA, MOSTRA OS
PASSOS DA EMPRESA
NESSA ROTA.

TEXTO LUISA COSTA

FOTO: DIVULGAÇÃO
H
á 3.283 pilotas de avião diagnóstico do quadro de funcionários denadora. “nós preferimos começar
formadas no país, mas só para saber como eles estavam em ter- pela alta liderança para ganharmos
992 exercem a profissão de mos de representatividade: quantas força ao levar essa pauta, gradati-
fato, segundo um estudo mulheres trabalham em cada área? vamente, ao restante da pirâmide.”
da Universidade federal de esse diagnóstico, que também as metas principais, neste momen-
São carlos. elas represen- avaliou a presença de pessoas ne- to, estão relacionadas à igualdade de
tam 2,3% da mão de obra gras e indivíduos com deficiência gênero. o segundo compromisso é
brasileira nesse setor. a Latam não (pcDs), ajudou os profissionais de com a inclusão de pcDs no quadro
revela seu número total de pilotos, rH a desenhar suas campanhas de de colaboradores; o terceiro, com a
por considerar uma informação si- conscientização. eles adaptaram inserção de pessoas negras em áreas
gilosa. mas sua porcentagem é um peças de comunicação interna e estratégicas. “você precisa olhar para
pouco maior: 4%. e a diferença é organizaram eventos para discutir a diversidade como um todo. mas, se
fruto de um projeto em andamento: diversidade e inclusão – primeiro, não foca em alguns grupos, não sai
metade dessas pilotas foi contratada com a alta gestão. do lugar”, afirma malagrino.
em 2023. era fundamental conversar com
“o principal desafio de trabalhar os líderes, prepará-los e estabele- Seleção mais abrangente
com diversidade é que a gente es- cer o compromisso de aumentar a em seguida, o rH passou a investir
barra em problemas sociais”, afirma representatividade, segundo a coor- em ações diretas para a inclusão.
rubia malagrino, coordenadora de Junto às lideranças, a área reavaliou
desenvolvimento regional da em- alguns aspectos dos processos sele-
presa. “temos consciência de que o tivos. Decidiram, por exemplo, que
machismo da sociedade se reflete na não precisam exigir inglês avançado
companhia – e de que o transporte é para quem entra como tripulante de
historicamente uma área masculi- cabine fazendo rotas nacionais. o
na. mas precisamos de pluralidade, processo também pode ser online,
porque atendemos pessoas de dife- para atrair pessoas além do eixo
rentes perfis.” rio-São paulo.
a Latam Brasil investe em ações e a companhia organizou um
para a diversidade há três anos. processo seletivo só para mulhe-
essa inclusão é um processo lento, res – uma decisão fundamental
mas contínuo, segundo a coorde-
nadora. “a gente já entendeu que é TAMBÉM QUEREMOS para o aumento de pilotas, segundo
malagrino. nesse sentido, também
uma longa jornada. nós só vamos
avançar se conscientizarmos os INSPIRAR MENINAS há um programa de mentoria para
auxiliar na formação das mulhe-
nossos colaboradores.”
e foi assim que a empresa come- A SEREM PILOTAS, res da empresa, e o rH eventual-
mente convida pilotas (de dentro

FAZENDO EVENTOS
çou esse processo: de dentro para e de fora da Latam) para dividir
fora. e do alto para baixo. suas experiências.
“também queremos inspirar meni-
Conscientizando quem manda COM ESCOLAS – UM nas a serem pilotas, fazendo eventos
malagrino explica que o primeiro com escolas – um investimento de
passo foi trabalhar com a liderança INVESTIMENTO DE longo prazo. É preciso paciência para
da companhia. eles chamaram uma trabalhar com inclusão. não temos
consultoria, que ajudou a fazer um LONGO PRAZO. pressa. mas não fazemos pausas.”

fev / mar 2024 VOCÊ RH 19


BOLETIM OLHAR DO PRESIDENTE

DE VOLTA À
CADEIRA DE CEO
Em 2023, Roberto Prisco Paraíso assumiu o cargo máximo da Ocyan (ex-Odebrecht
Óleo e Gás) pela segunda vez, após nove anos no conselho de administração – um
período que o tornou mais comunicativo e aberto às opiniões dos colaboradores.
Saiba o que mudou de lá para cá na visão do presidente.
LUISA COSTA

A
conversa por chamada de vídeo funcionários, por exemplo.
começou com um pedido de Não é a primeira vez que Paraíso ocupa
desculpas do entrevistado. Mas o cargo de presidente dessa companhia
não era para tanto: o motivo foi especializada em afretamento e operação
que Roberto Prisco Paraíso, um de sondas para águas ultraprofundas,
executivo de 77 anos, estava de exportação e instalação de equipamentos
camiseta (assim como eu). Depois de ir à submarinos, entre outras atividades
academia, havia acabado de chegar offshore. A primeira foi entre 2010 e
em casa. 2014 – no período entre as duas gestões,
O cuidado do presidente da Ocyan tornou-se conselheiro de administração na
(ex-Odebrecht Óleo e Gás) com a empresa. Ele afirma que aprendeu muito
saúde física permite que ele brinque, enquanto não era executivo, e que hoje é
fazendo afirmações como: “Sou um cara uma pessoa mais aberta, comunicativa e
que não aceita empurrar nada com a com maior senso de urgência.
barriga. Afinal, nem tenho barriga”. A Atualmente, Paraíso gosta de se ver
preocupação com o bem-estar se estende como um líder que inspira as pessoas e
aos colaboradores da companhia que ele torna tudo mais leve: “Acho que não estaria
preside desde janeiro de 2023. Foi dele exagerando se eu dissesse que a gente
a ideia de implementar um programa tem um ambiente de trabalho muito bom”.
para incentivar exercícios físicos entre os Entenda por quê.

F O T O S : DY E G O T E S S I N A R I E B R U N O D E L I M A
20 VOCÊ RH fev / mar 2024
Paraíso afirma que
voltou à presidência
da Ocyan com
o objetivo de
se comunicar
melhor com os
colaboradores
e colegas de
trabalho. Para isso,
instituiu programas
como o Ligação
Direta e o Café da
Manhã com o Líder.

fev / mar 2024 VOCÊ RH 21


BOLETIM OLHAR DO PRESIDENTE

Como você definiria a gordura e massa magra. e nós Quais medidas vocês tomam para
cultura da Ocyan? criamos um sistema de pontuação promover a diversidade e inclusão?
temos três pilares: disciplina, que se revertia em cestas básicas nós temos um grupo de cultura
respeito e confiança. a gente espera para doação. foi um sucesso, e negra, por exemplo, no qual se
que o integrante [colaborador da distribuímos mais de mil cestas. fala sobre identidade, valores,
empresa] seja disciplinado e promova também temos um programa uma porção de coisas. e outros
o respeito. como consequência, para desenvolvimento da agricultura grupos de afinidade também
ele é credor de confiança. nosso familiar em Sana, uma comunidade [para PCDs, pessoas LGBTQIA+ e
sistema é muito baseado em pessoas; próxima a macaé [Rio de Janeiro, sobre equidade de gênero]. o rH
afinal, somos uma prestadora de onde fica uma unidade da Ocyan]. participa, identifica pessoas com
serviços. então, duas coisas são ali, temos 60 voluntários que potencial de liderança e considera
fundamentais: a importância do apoiam 27 famílias. outra iniciativa isso no planejamento de carreira.
integrante e o espírito de servir. na mesma linha é a casa da mas a gente promove a inclusão
nós temos, como consequência Juventude, no bairro de Santo não aceitando, de nenhuma
disso, uma vocação para a inclusão. cristo, resultado de uma parceria forma, algo que não seja igualdade
por exemplo: duas das sete pessoas com a prefeitura do rio de Janeiro. de oportunidades. Quando fazemos
do comitê executivo da companhia Lá, cerca de 400 jovens recebem um processo de seleção, nosso radar
são mulheres, e mais de 40% treinamento para atuar como é o mais amplo possível. porque a
dos nossos líderes são pretos ou cabeleireiros, barbeiros, manicures… mim não interessa
pardos. o que a gente gosta de isso tudo gera um ambiente muito saber se a pessoa tem uma
fazer é dar oportunidades. Seja interessante na companhia. deficiência. me interessa
qual for sua origem. para nós, saber se ela tem talento e
isso não interessa. nosso sistema está comprometida com o seu
existe para privilegiar talento. desenvolvimento. É a partir
disso que a companhia avança.
Você comentou que iniciativas
voltadas para os colaboradores Em 2014, você deixou a presidência
são comuns na Ocyan. Quais
são essas iniciativas?
NOSSO SISTEMA É da Ocyan. Em 2023, retomou a
posição. Por que resolveu voltar?
Há várias. nós oferecemos, por
exemplo, um programa de apoio
MUITO BASEADO muita gente me pergunta por que
eu não fiquei em casa cuidando
à creche e o ocyan Baby, em que EM PESSOAS; dos meus netos ou ouvindo música,

AFINAL, SOMOS
nossas mamães são assistidas coisa que eu adoro. mas eu não
por médicos e terapeutas durante consigo ficar parado. e achei que
e após a gestação, nos primeiros
meses do bebê. recentemente, nós UMA PRESTADORA tinha muita coisa que eu devia
ter feito e não fiz. então, eu voltei
estendemos esse programa aos
nossos integrantes LGBtQia+.
DE SERVIÇOS. NÓS nove anos depois para fazer.

Há cerca de seis meses, lançamos


o programa “ondas de Saúde”.
TEMOS, COMO Que coisas são essas?
eu queria me comunicar melhor,
os interessados passaram por
uma avaliação ergométrica e
CONSEQUÊNCIA por exemplo. isso é fundamental
na nossa cultura, mas nem sempre
receberam sugestões, de médicos
e nutricionistas, para melhorar
DISSO, UMA VOCAÇÃO a comunicação acontece com a
eficiência que se espera. escutei
índices como percentual de PARA A INCLUSÃO. isso na primeira avaliação de clima

22 VOCÊ RH fev / mar 2024


EU ACHEI QUE TINHA
MUITA COISA QUE
EU DEVIA TER FEITO
[ENQUANTO CEO DA
OCYAN] E NÃO FIZ.
ENTÃO, EU VOLTEI
NOVE ANOS DEPOIS
PARA FAZER.

que fizemos, depois que voltei. carreira. nos últimos 15 minutos, opiniões diferentes da minha. como
então, criamos vários programas cada integrante tem cinco fiquei em conselhos nesses nove
para tratar desse assunto. minutos para fazer críticas em anos, vi muita gente fazer coisas
Um exemplo é o café da manhã relação a mim ou à companhia, que eu não tinha feito. e o ruim
com o Líder. cada gestor se reúne dizer o que nós não estamos de ser conselheiro é que você tem
periodicamente com um grupo de fazendo certo, o que a gente responsabilidade em relação às
pessoas para tomar um café juntos, tem de modificar... É muito bom, decisões, mas eventualmente precisa
trocar informações – e os liderados porque a quantidade de ideias concordar com coisas que não faria.
perguntam o que quiserem ao líder. que recebo dessa conversa é aprendi muito nesse período,
também fizemos um programa impressionante. tomo nota e, então. aprendi a conviver com
muito bem-sucedido chamado na reunião de diretoria que se opiniões completamente diferentes.
Ligação Direta. faço uma segue, passo esses feedbacks. acho que fiquei mais plural. e passei
reunião com três integrantes de a ter um senso de urgência que eu
cada vez. a gente toma um café Como era o Roberto na primeira vez não tinha. Quando nós concordamos
da manhã e conversa por, mais ou como presidente e como é hoje? em fazer uma coisa, aí passa um
menos, uma hora. então, eles fiquei mais humilde. Há nove mês e eu não ouço falar mais desse
falam deles próprios ou fazem anos, eu achava que sabia tudo. assunto… eu fico agoniado. acho
perguntas sobre minha vida e tinha pouca paciência para escutar que essa é a grande diferença.

fev / mar 2024 VOCÊ RH 23


AMBIENTE CORPORATIVO

O VENENO DA

inveja
NO TRABALHO
PROFISSIONAIS INVEJOSOS SÃO MENOS
DISPOSTOS A PARTILHAR INFORMAÇÕES, MAIS
PROPENSOS À SABOTAGEM E SE ABSTÊM DE
AJUDAR OS OUTROS – PRINCIPALMENTE SE
ACHAM QUE FICARÃO EM SEGUNDO PLANO
NA HORA DO RECONHECIMENTO. CONHEÇA OS
ANTÍDOTOS PARA ESSA CULTURA PERVERSA.
TEXTO ALEXANDRE CARVALHO
DESIGN JULIANA KRAUSS
ILUSTRAÇÃO VINI CAPIOTTI

24 VOCÊ RH fev / mar 2024


fev / mar 2024 VOCÊ RH 25
AMBIENTE CORPORATIVO

Rode Ziembick.
Quando estava no auge da car- pesquisadora:
reira, a âncora de telejornal “Entendo
Alycia Lane virou protagonis- que o RH e as
lideranças tenham
ta de um escândalo nos EUA: limitações quanto
Larry Mendte, seu parceiro à compreensão
de bancada em um noticiário da complexidade
da inveja e das
da Filadélfia, foi pego usando possibilidades
e abusando das senhas dos e- de intervenção”.
-mails dela. Entre 2006 e 2008,
ele arrumou bastante tempo
para ler mensagens da colega
– só nesse último ano foram
537 e-mails lidos, segundo
o FBI, que invadiu a casa do
aprendiz de hacker e confiscou
seu computador.
Como se não bastasse a que-
bra de privacidade, Mendte
explorou o conteúdo proibido
para se transformar em fonte
de tabloides, tornando públi-
cos os e-mails mais pessoais e
comprometedores da jornalista
– incluindo uma foto de biquí-
ni que ela tinha mandado para
um homem casado.
Mais do que uma fofoca ir-
responsável, a sabotagem era
uma vingança íntima contra
o sucesso da apresentadora.
Quinze anos mais nova que ele,
Alycia Lane vinha se transfor-
mando na nova estrela do jor-
nalismo do canal – e tinha o
maior salário da dupla. “O meu
papel estava sendo reduzido”,

26 VOCÊ RH fev / mar 2024


admitiu Mendte – que foi de-
mitido, condenado a passar
seis meses em prisão domici-
Os níveis
liar e a prestar 250 horas de
serviços comunitários. de inveja
Trata-se de um caso extre-
Há desde casos quase assintomáticos até
mo, claro. Mas o fato é que as
aqueles graves e explícitos, capazes de provocar
relações de trabalho são infec-
terremotos na empresa. Confira.
tadas por danos propositais en-
tre indivíduos com frequência
– principalmente entre colegas
que dividem a mesma linha ho-

1.
rizontal no organograma.
Não estamos falando das
grandes conspirações engen-
dradas por mentes criminosas.
São pequenos boicotes, um
SUBLIMADA
É a comum, que todo mundo sente de vez em quando. O
comentário desabonador na indivíduo reprime o sentimento negativo, então não há
hora do café, o corpo mole no efeitos colaterais. Na empresa, ele admite seus limites e
projeto liderado pelo colega em aproveita o talento dos outros para se aprimorar.
ascensão… Efeitos da inveja

2.
mais sub-reptícia, cultivada
em banho-maria.
Por que tanta mágoa? Porque
o escritório é o ambiente ideal
para a reprodução e o contá-
gio da inveja: aumentos indi- NEURÓTICA
Sabe o colega que vive reclamando da empresa e se
torturando diante dos triunfos alheios? Se não mudar
A inveja é um de ambiente (ou buscar ajuda), pode acabar envenenado
sentimento ruim e desenvolver um transtorno psiquiátrico. Quem está
pela quebra da nesse nível não costuma demonstrar explicitamente sua
inveja, mas pode explodir em situações de pressão.
autoimagem

3.
positiva quando
nos comparamos
desfavoravelmen- PERVERSA
te com outros. Mantenha distância de quem está nesse grau. Esse
profissional é capaz de destruir o trabalho ou a carreira
viduais de salário, promoções, dos outros mesmo sabendo que será responsabilizado.
bônus por atingimento de me- Ostensivamente invejoso, vive para bloquear a
tas, privilégios exclusivos, in- criatividade e o talento dos colegas. “Em outras
timidades com a alta direção, palavras, são os psicopatas corporativos, aqueles que
a mesa mais próxima da jane- puxam tapetes sem sentir culpa pela queda alheia, só
la… A vida de crachá é uma satisfação”, afirma Patrícia Tomei.
competição nem sempre justa,

FOTO: REPRODUÇÃO fev / mar 2024 VOCÊ RH 27


AMBIENTE CORPORATIVO

movida por mérito, mas tam- É na região do córtex cingulado Nem sempre a inveja
bém por afinidade. E cria seu anterior, uma parte da massa é evidente. São
pequenos boicotes,
próprio portfólio de invejosos. cinzenta que fica logo atrás da um comentário
“O a mbiente cor porativo testa. Não por coincidência, é desabonador na
é persecutório por natureza também a área cerebral respon- hora do café, o
corpo mole no
porque entendemos, de forma sável por identificar a dor física. projeto liderado
inconsciente, que há uma limi- Ou seja, sentir inveja pode ser pelo colega em
tação de recursos. Isto é, se o tão doloroso quanto pisar numa ascensão.
meu colega é mais eficiente e pecinha de Lego.
talentoso do que eu, ele rece- Mas você sabe: não é só de
berá recursos que me faltarão, uma tortura mental que so-
e assim minha sobrevivência, a brevive o invejoso. Há uma
manutenção da minha fonte de emoção prazerosa que esse
vida, estará em risco”, afirma indivíduo sente diante de um
Rode Ziembick, diretora de RH tropeço da pessoa invejada –
da rede hoteleira Soho House uma sensação muito particu-
no Brasil e que há 30 anos pes- lar que os alemães chamam de
quisa a inveja nas organizações. Schadenfreude, termo sem
Ziembick lembra que a in- correspondente em qualquer
veja nasce junto com a gente. outra língua. Essa pequena
Todos somos invejosos em al- felicidade mesquinha, segun-
guma medida. O que nos dife- do o mesmo estudo, surge no
rencia, uns dos outros, é como estriado ventral, parte do sis-
lidamos com ela. Para isso, va- tema límbico que é justamente
mos entender como esse sen- onde processamos a sensação
timento evoluiu com a huma- de prazer.
nidade e qual seu padrão mais Não que essa alegria fugaz
abrangente de funcionamento. sir va para muita coisa. Na
maioria das vezes, o invejoso
Vantagem evolutiva não ganha nada com o fracasso
Então vamos aos fatos: a inveja do seu objeto de mau-olhado.
é basicamente um sentimento E sua amargura logo retorna,
ruim provocado pela quebra porque ele continua ciente de
da imagem positiva que cada sua pequenez em comparação
um tende a fazer de si mesmo com o invejado.
– seja no espelho da academia, É o inverso de uma situação
seja na sessão de feedback do ganha-ganha. A única função
chefe. Esse golpe no ego acon- da inveja, então, parece ser
tece quando você detecta que que a gente se sinta pior do que
está em uma situação aparen- estava antes de senti-la. Hum,
temente menos favorável que a mais ou menos. Se ela é tão
de outra pessoa. inútil e não traz nada de bom,
Um estudo feito pelo Instituto por que seria inata ao ser hu-
Nacional de Ciência Radiológica mano? O estresse, por exem-
de Tóquio identificou por resso- plo, serve para que tenhamos
nância magnética onde a inveja reações diante de uma ameaça
é processada no nosso cérebro. (física ou psicológica). A tris-

28 VOCÊ RH fev / mar 2024 ILUSTRAÇÃO: MIDJOURNEY


teza acompanhada de choro,
Os tipos para que outros prestem aten-
ção à nossa necessidade de
de inveja apoio. E a inveja?
Segundo os psicólogos evolu-
cionistas David M. Buss e Sarah
Seja qual for o nível do invejoso, ele
E. Hill, quando nossos antepas-
é capaz de adotar diferentes formas
sados se comparavam desfavo-
desse sentimento. Veja quais.
ravelmente a seus semelhantes,
isso os ajudava a criar uma ava-
liação sobre o próprio desempe-
COMPETITIVA nho na busca de recursos para a
Essa pode ser boa. É quando
sobrevivência. Se um Homo sa-
deflagra um processo de tomada de
piens primitivo voltava da caça
consciência e se transforma num
com um antílope, e outro com
agente propulsor de iniciativas
dois pequenos pássaros, esse
construtivas.
segundo podia ficar ressentido
por causa do maior sucesso do
DEPRESSIVA
Já essa não tem nada de legal. Aqui
a inveja paralisa o indivíduo em A competição com
decorrência da percepção de uma outros pode ter
inferioridade evidente.
sido importante
MALIGNA para a preserva-
É a da Schadenfreude: se exprime por
um sentimento de felicidade diante da
ção dos genes de
miséria da pessoa invejada. antepassados
invejosos.
MATERIAL
É a crença de que a maior felicidade
outro caçador. Mas, com a cabe-
do outro advém de bens materiais
ça mais fria, devia raciocinar o
que a pessoa deseja ter. Esse tipo de
óbvio: eu também posso ir além
invejoso é mais atraído pelo ter que
dessa caça chinfrim.
pelo poder.
Esse tipo de pensamento,
associado à emoção dolorosa,
SOCIAL OU DE STATUS pode ter sido importante para
Vem da percepção de que o outro é
a preservação de seus genes
mais feliz por seu prestígio social. Já
ao longo dos milênios. E, cer-
aqui o foco da inveja é o poder.
tamente, para a longevidade
da inveja.
EXISTENCIAL Não é preciso ser um Darwin
Nasce do desejo ter características
para ver a relação entre o ra-
natas ou adquiridas do outro:
ciocínio desse sapiens invejoso
extroversão, beleza, carisma…
e um dia qualquer na empresa,
quando alguém torce o nariz
diante da promoção de um co-

fev / mar 2024 VOCÊ RH 29


AMBIENTE CORPORATIVO

lega. Se a inveja que essa pes- só uma ameaça aos invejados:


soa sente é do tipo competitiva esse “braço curto” tem refle-
[veja no quadro da pág. 29 xo direto no atendimento aos
as diversas maneiras com hóspedes – o que é ainda mais
que ela se manifesta], o pro- crítico no ramo hoteleiro.
fissional pode correr atrás do “Os hóspedes geralmente
prejuízo, fazer cursos, inspirar- esperam que os funcionários
-se na criatividade alheia… e façam algo além de seus de-
se tornar um ativo mais rele- veres do cargo, como prepa-
vante para a companhia – o rar uma xícara de café quan-
que, inclusive, tende a torná-lo do o restaurante já fechou”,
menos invejoso. escreveu o pr i ncipa l autor
“Sentimos muito menos in- do estudo, John O’Neill, pro-
veja quando estamos felizes”, fessor do curso de gestão da
afirma Patrícia Amélia Tomei, hospitalidade da Penn State.
professora da Escola de Negó- “Mas os profissionais mais in-
cios da PUC (RJ) e autora do vejosos são menos dispostos a
livro Inveja nas Organiza- fazer esse trabalho adicional.”
ções. “É quando você vê com
mais clareza as limitações das Como a inveja prejudica . . . .. . . .
pessoas, os pontos fortes e as organizações
fracos de cada um… Porque A capacidade de compreender
a inveja parte muito de uma e interpretar emoções, espe-
idealização do invejado. Ao ter cialmente emoções negativas, é
mais nítida a humanidade e uma habilidade crítica na caixa
vulnerabilidade do outro, sua de ferramentas de um líder. Ig-
autoimagem melhora e você norar a inveja é perigoso para
diminui aquele ímpeto de des- os gestores.
truição alheia. Isso, num am- Os estudos na área demons-
biente corporativo, gera uma tram que, quando as pessoas
equipe mais colaborativa.” têm inveja, ficam menos dis-
A inveja no escritório, por postas a partilhar informações
outro lado, tende a provocar e tornam-se mais propensas a
danos sérios à organização. praticar sabotagem e compor-
tamentos socialmente prejudi-
Braço curto no trabalho alheio
É o que revelou um estudo da
Penn State University (EUA),
“O ambiente
com 233 funcionários de hotel corporativo é
que lidam com público. persecutório. Se
A pesquisa mostrou que um meu colega é mais
em cada quatro casos de falta eficiente que eu, ele
de cooperação nessa área se dá receberá recursos
por inveja – provocada princi-
que me faltarão.”
palmente (41%) pela diferen-
Rode Ziembick, executiva
ça com que os chefes tratam de RH e pesquisadora da
cada funcionário. E isso não é inveja nas empresas.

30 VOCÊ RH fev / mar 2024 ILUSTRAÇÃO: MIDJOURNEY


Sem se dar conta,
as próprias
empresas muitas
vezes promovem
esse sentimento
Vícios de
destrutivo.
Principalmente
quando os
gestão que
processos ou
estruturas
encorajam a
levam à inveja
desigualdade e a
competição. Estilos ruins de liderança têm grande potencial de formar
colaboradores invejosos. Veja como.

PERSONALISMO
São líderes que tratam cada liderado de um
jeito, expondo preferências e negligenciando
parte da equipe.

O QUE PROVOCA: A distribuição aleatória de


méritos gera um sentimento de injustiça, e até
de vergonha de si mesmo.

PATERNALISMO
O gestor adota a postura de um pai que sabe tudo
e dá preferência aos que abraçam a “família”.

O QUE PROVOCA: A noção de que o chefe não


tem defeitos, porque está “acima dos mortais”.
E a sensação de exclusão quando o indivíduo
discorda do “pai”.

CONCENTR AÇÃO DE PODER


Quando as estruturas formais favorecem o
acúmulo de poder nas mãos do gestor.

O QUE PROVOCA: Sentimento de inferioridade


e tristeza por não ter a menor esperança de
alcançar o que o invejado possui.

fev / mar 2024 VOCÊ RH 31


AMBIENTE CORPORATIVO

Quando A autora Patrícia


Tomei: “Se as
pessoas não

a empresa são ouvidas,


consequentemente
não conseguem

tem culpa o que outros


conseguem.
Eis aí um perigoso
Estruturas hierárquicas fechadas e verticalizadas gatilho para
a inveja”.
catalisam climas de inveja. Veja a seguir cinco
características desses ninhos de toxicidade.

1.
Grande diferença entre o discurso
e a prática, caracterizada por
questões de injustiça
e protecionismo.

2.
As expectativas de seleção,
avaliação e promoção não são
claras e estão pautadas em
personalismo sem critérios
transparentes.

A comunicação interna é formal,

3.
utilizada apenas como instrumento
para dar ordens, fiscalizar e
promover a operação do dia
a dia, gerando espaço para
fofocas e boatos.

4.
Não há o reconhecimento
da liderança com relação
aos trabalhos executados.

5.
Remuneração variável sem
definições claras dos critérios,
padrões e indicadores de
avaliação.

32 VOCÊ RH oUt / nov 2023


32 VOCÊ RH fev / mar 2024
ciais. Muitas vezes abstêm-se caso perdido. Nessa sabotagem
de ajudar os outros, são menos corporativa, oMichele
indivíduo
Salles, drena
da Ambev:
abertos com a equipe e se afas- toda sua energia produtiva
“Reconhecemos
tam do seu trabalho, levando a criando perturbações ou mini-
que havia uma
longa caminhada
um declínio na produtividade. mizando a cooperação em pro-
pela frente quanto
Como afirma Craig Laser, jetos nos quais nãoracial”.
à temática é ele quem
professor clínico da Arizo- brilha. Não ajuda em nada.
na State University, “quando
Ela floresce em ambientes tóxicos
existe inveja nas organizações,
Sem se dar conta, as próprias
nosso ego compensa a falta de
empresas muitas vezes pro-
confiança e podemos apresen-
movem esse sentimento des-
tar comportamentos mais nar-
trutivo. Principalmente quan-
cisistas, o que leva a problemas
do os processos ou estruturas
significativos na capacidade de
encorajam a desigualdade e
trabalhar em equipe”.
a competição.
Em locais de trabalho onde
É mais comum que a inve-
a inveja prevalece, os funcio-
ja impere quando há falta de
nários começam a questionar
transparência nos critérios de
a justiça e a integridade da
avaliação e promoção; quando
organização. É fundamental,
esse mesmo fator dá espaço
então, que o tipo mais grave
para boatos e fofocas; quando
de invejoso [confira no qua-
é muito evidente que um líder
dro da pág. 27 as diferenças
tem seus protegidos na equipe.
entre eles] logo seja identi-
Aliás, uma característica em-
ficado antes que coloque a
blemática da inveja é que ela
companhia de cabeça para
acontece mais entre indivíduos
baixo. Ele pode influenciar os
com alguma proximidade hie-
membros da equipe contra o
rárquica. O sucesso do colega de
chefe ou uns contra os outros,
bancada pode doer. O do CEO,
puxar o tapete dos colegas,
por exemplo, não. Nesse caso,
falsificar relatórios…
são realidades tão diferentes
E, vale mencionar: a compa-
que o mecanismo da inveja não
nhia está jogando com um a
opera. Se você for um jogador
menos quando o invejoso é um
de futebol no banco de reservas,
talvez inveje o titular do time,
“Ao ter mais nítida a mas nunca vai sentir a mesma
vulnerabilidade do coisa pelo Messi. Por ele o senti-
mento é outro: admiração.
outro, você diminui
Mas a inveja em relação a um
aquele ímpeto de líder direto também acontece.
destruição. Isso, num Isso se dá mais em estruturas
ambiente corporativo, que concentram muito as de-
gera uma equipe mais cisões estratégicas nas mãos
colaborativa.” desses líderes, em vez de esti-
Patrícia Amélia Tomei, autora do livro
mular processos mais colabo-
Inveja nas Organizações. rativos. Nesse caso, os lidera-

FOTO: REPRODUÇÃO
fev / mar 2024 VOCÊ RH 33
AMBIENTE CORPORATIVO

dos cultivam um sentimento mente, quais são as situações Em locais de


trabalho onde a
de inferioridade, sentem-se in- que geram insegurança entre
inveja prevalece,
justiçados, ignorados em suas os funcionários. os funcionários
opiniões. E direcionam a culpa Outro aspecto importante en- começam a
disso tudo ao gestor – ainda volve o reconhecimento (e a ce- questionar a justiça
e a integridade
que talvez nem seja culpa dele, lebração) dos pontos fortes dos da organização. É
mas da cultura organizacional. profissionais. Afinal, todos têm fundamental que
“Uma das coisas que a gen- algo em que são bons – ou não o tipo mais grave
de invejoso logo
te mais discute nas empresas seja identificado
hoje é o discurso de autono- “Com inveja, nosso antes que coloque
mia, de participação. As pesso- ego compensa a falta a companhia de
cabeça para baixo.
as querem participar, querem de confiança e ficamos
ser ouvidas”, afirma Patrícia mais narcisistas, o
Tomei. “Se elas não são ouvi-
das, consequentemente não
que leva a problemas
conseguem o que outros con- na capacidade de
seguem. Eis aí um perigoso trabalhar em equipe.”
gatilho para a inveja.” Craig Laser, professor clínico
da Arizona State University
Cortando o mal pela raiz
Vamos ser francos: combater a estariam na empresa. Sentir-se
inveja na empresa não é fácil. reconhecido é, para o invejoso
Principalmente porque nin- em potencial, igualar-se àquele
guém admite cultivar esse sen- colega que poderia ser invejado.
timento. “Entendo que o RH e Outra estratégia importan-
as lideranças tenham algumas te inclui fazer com que o que
limitações quanto à compreen- parece escasso seja abundante
são da complexidade da inveja e – como premiações ou oportu-
das possibilidades de interven- nidades de evolução na carrei-
ção”, diz Ziembick. “Mas, com o ra. Se só há uma vaga para ge-
desenvolvimento de uma cultu- rente de marketing, que tal dar
ra que favoreça a visão do todo, outros caminhos de ascensão
e não parcial, haverá mais tra- para os profissionais da área,
balho em equipe e recompen- como melhor remuneração e
sas individuais, que reduzirão projetos instigantes? Isto redu-
os sentimentos negativos.” zirá a competição por recursos
O caminho mais indicado e, consequentemente, a com-
para as organizações, portan- petição tóxica entre os colegas.
to, é criar um ambiente cola- Por fim, a companhia deve
borativo e procedimentos que encorajar ideias e inovações
desestimulem a evolução do colaborativas. A ssi m todo
sentimento invejoso. mundo se sente importante.
O primeiro passo é identifi- Reflita também se você mes-
car fatores que deixam colabo- mo não tem cultivado pensa-
radores com inveja dos outros. mentos invejosos. Lembre-se: a
Além disso, perguntar, em ro- inveja é algo difícil de admitir,
das de conversa ou individual- inclusive para si mesmo, por-

34 VOCÊ RH fev / mar 2024 ILUSTRAÇÃO: MIDJOURNEY


que costumamos pensar em
nós mesmos como pessoas es-
sencialmente boas, imunes a
sentimentos mesquinhos.
A primeira reflexão a fazer é
lembrar que a inveja parte mui-
to mais de uma idealização do
invejado do que da realidade.
Assim como as fotos de Insta-
gram só revelam a parte idílica
da existência das pessoas, seu
colega pode ter ganhado lou-
ros por determinado projeto,
mas talvez tenha uma enor-
me dificuldade em fazer apre-
sentações para a diretoria ou
conciliar a criação dos filhos
com a vida profissional. Em
suma: entender que o outro
também passa por perrengues
converte algo ruim (a inve-
ja) em algo positivo (admira-
ção por uma pessoa capaz de
superar obstáculos).
Outra atitude é inspirar-se
pela inveja competitiva. Um
profissional da empresa apre-
sentou uma estratégia inova-
dora de e-commerce? Inscre-
va-se em cursos a respeito do
assunto, faça networking com
quem já teve boas experiências
nessa atividade, busque ca-
ses de sucesso fora do país. E
construa sua própria inovação.
É a partir daí que você pode
passar de invejoso a invejado.
Mas ser invejado é péssimo,
claro, por todas as razões que
vimos aqui. Caso você esteja
nessa situação, o melhor é fa-
zer o que a especialista Rode
Ziembick recomenda: “Ab-
solutamente nada. Continue
brilhando, sendo grato e com-
partilhando suas virtudes com
a empresa. E com o mundo”.

*Alexandre Carvalho é autor do livro Inveja – Como ela mudou a história do mundo (LeYa Brasil). fev / mar 2024 VOCÊ RH 35
SAÚDE MENTAL

WORK A
HOLISMO
Manual de
sobrevivência
TEXTO LUISA COSTA DESIGN E COLAGENS CAMILA LEITE

36 VOCÊ RH fev / mar 2024


PESSOAS VICIADAS EM TRABALHO SÃO MENOS
PRODUTIVAS E TÊM DIFICULDADE PARA ATUAR
EM GRUPO. TAMBÉM PERDEM A CAPACIDADE DE
REFLEXÃO E ENTRAM NUM MODO AUTOMÁTICO,
RESPONDENDO ÀS DEMANDAS DO ESCRITÓRIO SEM
ATENTAR PARA OS DANOS À SAÚDE – E À QUALIDADE
DA PERFORMANCE. ENTENDA POR QUÊ. E… RELAXE.

DeZ 2023
fev // mar
Jan 2024
2024 VOCÊ RH 37
VOCÊRH
SAÚDE MENTAL

O
ator britânico Idris Elba disse no podcast os workaholics têm dificuldade para delegar tarefas,
Changes With Annie Macmanus, em outubro, comunicar-se e cooperar com outras pessoas. Ten-
que faz terapia há mais de um ano. E que sua dem a ser, portanto, piores no trabalho em grupo.
jornada em busca de saúde mental começou Glamourizar o workaholismo, então, não faz sen-
quando percebeu que preferia trabalhar no tido. A melhor ideia é controlar o tempo dedicado
seu estúdio caseiro (ele também é DJ), de- ao trabalho de forma saudável – não “apenas” pela
pois de ficar horas e horas em um set, a passar um sanidade mental, mas também em nome do desem-
tempo no sofá com sua família. “Nada que é muito penho. Para saber como, vamos primeiro entender
extremo é bom. Tudo precisa de equilíbrio. Mas sou o problema.
muito recompensado por ser um workaholic.”
De fato. O mundo corporativo banaliza a dedicação Prazer, workaholismo
excessiva ao trabalho. Ela não é apenas aceitável, Segundo o dicionário Oxford, a palavra workaholic
mas também encorajada. Por isso, alguns pesqui- apareceu pela primeira vez em 1947, em uma piada
sadores afirmam que o vício no trabalho não é algo publicada no jornal canadense Toronto Daily Star.
individual, mas sistêmico. E sobram malefícios aos Ela dizia o seguinte: “Se você está amaldiçoado
profissionais, que têm dificuldade em aceitar o dolce por um desejo invencível de trabalhar, ligue para
far niente, como diriam os italianos. O ócio. Workaholics Anônimos, e um trabalhador recupera-
Acontece que o workaholismo tampouco é positivo do te ajudará a voltar ao feliz ócio”.
para as empresas. Uma pessoa que trabalha compul- O neologismo juntava work com aholic, sufixo in-
sivamente, sem conseguir afastar o escritório dos glês ligado à ideia de vício, análogo ao nosso “latra”
pensamentos, acaba sendo menos produtiva porque de “alcoólatra” e “chocólatra”. Mais tarde, em 1971,
vive cansada. Alguns estudos também mostram que o termo apareceria de novo em Confissões de um

38 VOCÊ RH fev / mar 2024


PARA IDENTIFICAR
Workaholic: fatos sobre o vício em trabalho, livro do
psicólogo americano Wayne E. Oates, que ajudou a popu-
larizar a palavra.

O VÍCIO Os workaholics têm três características principais.


Eles passam muito tempo trabalhando; ficam preocupa-
A Escala de Dependência de Trabalho de dos com o trabalho mesmo quando não estão se dedican-
Bergen ajuda a diagnosticar o workaholismo. do a atividades laborais, e labutam mais do que precisam
O paciente avalia os itens listados abaixo, para cumprir as exigências do cargo.
atribuindo a frequência com que eles se Mas não só. Muitos pesquisadores concordam que as
aplicam à sua vida: nunca, raramente, às
pessoas viciadas em trabalhar apresentam esse compor-
vezes, frequentemente ou sempre. Se responde
“frequentemente” ou “sempre” a pelo menos
tamento devido a um impulso que parte delas mesmas, e
quatro itens, ele pode ser um workaholic. não por conta de fatores externos – poderia ser um chefe
que as sobrecarrega ou uma necessidade financeira de
batalhar mais que as 44 horas semanais.
VOCÊ PENSOU EM COMO Sigmar Malvezzi, professor do Departamento de Psi-
ARRANJAR MAIS TEMPO cologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia
PARA O TRABALHO.
da USP, afirma que um ponto fundamental para o sur-
gimento do workaholismo é o abandono da reflexão. Os
workaholics entram em um “modo automático” e passam
a responder excessivamente às demandas do escritório,
PASSOU MUITO MAIS TEMPO sem se atentar ao horário do expediente, por exemplo,
TRABALHANDO DO QUE HAVIA
ou aos dias disponíveis para realizar suas atividades.
PLANEJADO INICIALMENTE.
“O problema está naquilo que chamo de perda do con-
tato com a realidade imediata”, afirma Malvezzi. “A pes-
soa viciada em trabalhar não olha mais o que está sendo
TRABALHOU COM A INTENÇÃO pedido, não avalia, não pondera. Ela apenas responde
DE DIMINUIR SENTIMENTOS aos estímulos [do escritório]. E, a partir de certo ponto,
DE CULPA, ANSIEDADE, passa a criar demandas por conta própria. Perde o dis-
DESAMPARO E DEPRESSÃO. cernimento entre o pessoal e o profissional.”

Mas é vício mesmo?


Há uma discussão entre psicólogos sobre o workaholis-
ESCUTOU OUTRAS PESSOAS
DIZEREM PARA REDUZIR
mo ser ou não ser um vício, de fato, comparável a outros
SEU RITMO DE TRABALHO – como a compulsão por jogos de azar, álcool, drogas.
E NÃO AS OUVIU. Mark Griffiths, professor da Nottingham Trent Univer-
sity, na Inglaterra, que estuda esses e outros comporta-
mentos, não tem dúvida: é vício, sim.
Em um artigo publicado no site da Sociedade de
FICOU ESTRESSADO SE FOI Psicologia Britânica, o pesquisador argumenta que o
PROIBIDO DE TRABALHAR. workaholismo tem as características principais dos ví-
cios. Para começo de conversa, o trabalho domina o pen-
samento do workaholic. Ele também altera o humor des-
sas pessoas, podendo fornecer alguma euforia ou servir
como escapismo. Ou seja, indivíduos podem desenvolver
TRABALHOU TANTO
QUE INFLUENCIOU
a obsessão como uma forma de preencher lacunas em
NEGATIVAMENTE SUA SAÚDE. sua vida pessoal ou se distrair de questões incômodas.
Isso foi verificado em um estudo de 2016, que pes-

*Tradução para o português brasileiro sugerida em “Bergen


Work Addiction Scale: Adaptação e Teste de um Modelo
Carreira-Trabalho-Família”, De Andrade et al. (2022). fev / mar 2024 VOCÊ RH 39
SAÚDE MENTAL

quisadores noruegueses publicaram na revista PLOS


One. Investigando a relação entre o comportamento
workaholic e sintomas de doenças psiquiátricas entre
16,4 mil pessoas, eles chegaram à seguinte conclu-
são: o workaholismo se desenvolve, em alguns casos,
como uma tentativa de reduzir sintomas de ansieda-
de e depressão. Mas você também pode apresentar
sinais desses transtornos justamente por esvaziar
sua rotina, por preencher sua vida com um emprego
que, às vezes, nem é realmente significativo. E aí aca-
ba trabalhando mais para conter uma ansiedade/de-
pressão causada justamente pelo trabalho. Uma coisa
alimenta a outra.
Seguindo Griffiths, os workaholics desenvolvem cer-
ta tolerância às atividades que realizam e precisam
aumentar gradativamente a quantidade de tempo que
passam trabalhando para que a atividade adquira seu
caráter escapista. É exatamente o que acontece com
alcoólatras – que precisam de doses cada vez maiores
ao longo da vida para obter o mesmo efeito.
Ainda segundo o pesquisador inglês, o workaholic
apresenta sintomas de abstinência, como tremor ou ir-
ritabilidade, quando não pode trabalhar. A dedicação
excessiva causa conflitos – sejam internos, sejam nas
relações com outras pessoas. O workaholic até pode
controlar o comportamento por determinado período,
mas tem recaídas. Outra montanha-russa similar à do
alcoolismo e do vício em drogas.

Maior risco de um ataque cardíaco


Esses aspectos apontados por Mark Griffiths distin-
guem um workaholic de um profissional simplesmen-
te produtivo e engajado, que gosta do emprego e, por
isso, dedica-se bastante. Este último não sofre conse-
quências negativas provocadas pelo trabalho contínuo.
O workaholic, sim – tende a dormir pouco, prejudicar
seus relacionamentos e reservar tempo insuficiente
para o lazer.
O resultado é óbvio: a pessoa se torna menos pro-
dutiva, pois suas habilidades cognitivas pioram. “Uma
pessoa viciada em trabalhar tem níveis elevados de es-
tresse, o que contribui para o adoecimento psíquico e
para o surgimento de ansiedade, depressão e, claro, o
famoso burnout”, afirma Thais Cavalcanti, psicóloga
na rede credenciada da Alice (companhia de planos
de saúde).

40 VOCÊ RH fev / mar 2024


Workaholics, inclusive, são profissionais mais propen-

ALGUNS INDIVÍDUOS sos à hospitalização e a sofrer ataques cardíacos. Alguns


estudos sugerem que isso se dá principalmente entre
os que não consideram seu trabalho significativo – e

PODEM DESENVOLVER A
mesmo assim mergulham nele.
“Amar o que se faz poderia mitigar os riscos associa-
dos à obsessão”, argumentam Lieke ten Brummelhuis,
professora da Simon Fraser University (Canadá), e

OBSESSÃO POR TRABALHO Nancy Rothbard, professora da Universidade da Pen-


silvânia (EUA), na Harvard Business Review. Elas
afirmam que workaholics engajados pontuam melhor

COMO UMA FORMA


do que os não engajados em habilidades de comunica-
ção e gerenciamento de tempo, por exemplo, além de
relatarem receber mais apoio de gestores, colegas de
trabalho e familiares.

DE PREENCHER LACUNAS “Acreditamos que esse arsenal de recursos”, elas afir-


mam, “pode ajudar os workaholics engajados a evitar
que as queixas iniciais de saúde [como privação de

EM SUA VIDA PESSOAL.


sono e ansiedade] se transformem em riscos mais gra-
ves [como ataques cardíacos]”. Mas, é claro: o melhor
mesmo é não ter de lidar com essa obsessão.

fev / mar 2024 VOCÊ RH 41


SAÚDE MENTAL

Combate ao vício nas empresas entregas do que às horas trabalhadas” e “um ambien-
Em abril de 2021, o LinkedIn deu uma semana de te saudável e produtivo deve ser baseado em uma
folga remunerada para mais de 15 mil funcionários cultura corporativa que incentive os funcionários a
ao redor do mundo e garantiu que ninguém recebesse não viver somente para o trabalho”.
e-mails ou mensagens de trabalho nesse meio-tempo. Essa é justamente a mentalidade que ajuda a combater
Era uma medida extrema para evitar o burnout e o workaholismo – e a desmistificar a ideia de que a dedi-
promover o bem-estar na companhia – que rendeu cação sem limites ao trabalho é uma virtude. Segundo os
outras políticas, de longo prazo, com o mesmo objeti- especialistas ouvidos pela VOCÊ RH, é importante que
vo. Alguns exemplos são os programas Half Fridays e os responsáveis pela gestão de pessoas nas companhias
No Meeting Days, que implementaram o meio período saibam identificar os sintomas do vício – e promovam
às sextas-feiras, em meses específicos, e um dia por discussões sobre saúde mental e bem-estar no trabalho.
mês sem reuniões, respectivamente. Os gestores podem contribuir incentivando os co-
Alexandre Ullmann, diretor de recursos humanos laboradores a se manifestar quando se sentirem so-
do LinkedIn Brasil, defendeu na época que “ficar até brecarregados e a descansar de verdade aos finais de
tarde e estar disponível o tempo todo não significa, semana e feriados, não permitindo trocas de e-mails
necessariamente, que o trabalho esteja sendo feito e mensagens sobre trabalho durante as folgas, por
corretamente”. Para ele, “a produtividade está mais exemplo. Construir cronogramas realistas também
ligada ao aproveitamento de tempo e à qualidade das é importante.

42 VOCÊ RH fev
DeZ /2023
mar/ 2024
Jan 2024
Proteja-se – e procure ajuda
Também há possíveis soluções individuais, que par-
tam do próprio viciado em trabalho. Arthur Brooks,
cientista social e professor de Harvard, listou algu-
mas em sua coluna da revista Atlantic. As sugestões
incluem manter um registro cuidadoso de rotina, du-
rante alguns dias, para entender quanto tempo você
passa trabalhando e o que faz quando não está tra-
balhando; reservar um tempo do dia para atividades
não relacionadas; e programar o lazer. “O tempo não
estruturado é um convite para voltar ao trabalho ou a
atividades passivas que não são boas para o bem-estar,
como navegar nas redes sociais ou assistir televisão”,
ele argumenta.
O ideal, naturalmente, é que workaholics busquem
ajuda profissional. É o que fez Carol Motta, paulista de
28 anos que trabalha como social media e ghostwriter
– e que hoje é uma pessoa como o “trabalhador recu-
perado”, da antiga anedota canadense.
Motta desenvolveu o vício em trabalho quando ainda
estava na graduação, motivada por um sentimento de
insegurança alimentado pela relação tóxica que tinha
com um orientador de pesquisa. O workaholismo levou
ao adoecimento físico e psicológico da profissional, que
desenvolveu um quadro de depressão e ansiedade, e
a afastou do emprego. Ela teve, então, de recorrer a
psicólogos e psiquiatras.
“Hoje, minha relação com o trabalho é bem mais
saudável”, ela afirma, “embora às vezes apareça uma
dificuldade ou outra, percebo que estou indo no modo
automático [trabalhando demais] e preciso fazer uma
pausa. Mas acredito que o mais importante é essa ob-
servação constante de si mesmo; o autoconhecimento
– além, claro, das medidas práticas que às vezes são
necessárias. Eu, por exemplo, tive de me afastar do
trabalho e da relação que estava me adoecendo”.
O professor Malvezzi afirma justamente que psicólo-
gos podem ajudar workaholics a “perceber a realidade
ao seu redor e a retomar sua capacidade de reflexão;
voltar a discernir vida pessoal e profissional”.
Mas soluções individuais, claro, não resolvem so-
zinhas um problema relacionado à mentalidade do
mundo corporativo e à estrutura dos ambientes de
trabalho. É uma causa de todos, para o bem das empre-
sas e de seus colaboradores – que, como todo mundo,
merecem um descanso.

I LU S T R AÇ ÃO : L Í G I A AG R E S T E fev / mar 2024 VOCÊ RH 43


POLÍTICAS & PRÁTICAS

PAIXÃO
ONDE SE GANHA O

PÃO TEXTO marceLLa centofanti


DESIGN camiLa Leite

MONTAGEM: miDJoUrney + cLaUDia pacHi


44 VOCÊ RH fev
aGo // mar
Set 2023
2024
i
magine o cenário a seguir. João e Maria moram na
mesma região, têm idade parecida e se conhecem
no local de trabalho. Poderia ter sido num barzi-
nho, num app de relacionamento, mas foi, não à
RELACIONAMENTOS ENTRE COLEGAS DE toa, no lugar onde passam oito horas por dia. Sur-
TRABALHO SÃO PARTE DA NATUREZA ge uma afinidade entre eles, que se concretiza em
HUMANA. E PROIBI-LOS É SIMPLESMENTE algo mais após o expediente. Ambos são pares, vida
ILEGAL. MAS O RH DEVE ESTABELECER que segue.
LIMITES DE COMPORTAMENTO E SABER O tempo passa e Maria recebe uma promoção. Torna-
LIDAR COM OS CASOS MAIS ESPINHOSOS -se chefe do namorado. Agora pode indicar promoções
e aumentos de salário. É ela quem bate o martelo so-
– COMO PROMOÇÃO DE UM DOS DOIS NA
bre quem folga na escala de Carnaval. Mesmo que João
MESMA EQUIPE E A SEPARAÇÃO DO CASAL.
seja um bom funcionário, terá de provar, mais do que
qualquer um, que merece cada benefício. Ainda assim,
os colegas podem enxergar favorecimento – e a torta de
climão se instalará no setor. Um escritório dividido en-
tre preteridos e preferidos é a receita para destruir o
ambiente em qualquer organização.
A regra da empresa de João e Maria é clara: se o casal
não informar o conflito de interesse no formulário anual
solicitado pelo empregador, pode ser desligado por in-
fringir uma regra. Por outro lado, se contarem a verda-
de, a organização terá de lidar com o romance, mas sua
abordagem talvez seja prejudicial para a carreira de João
ou Maria – e até para o próprio negócio. E agora?
Nossos João e Maria não são personagens de um conto
de fadas. Esse é um caso real que ocorreu numa rede
brasileira do varejo – as companhias, de modo geral,
preferem o anonimato ao tocar no assunto, espinhoso
demais, ou nem falar dele. O namoro descrito ilustra
um dos inúmeros desafios associados ao envolvimento
amoroso de funcionários. Separação, demissão de um
dos cônjuges e até ciúme quando um dos dois é promovi-
do – especialmente se for ela… Esses são apenas alguns
exemplos que acontecem em qualquer corporação. E
que vão continuar acontecendo.

Namoros acontecem. Ponto


Segundo uma pesquisa recente da americana SHRM,
quase um em cada quatro (24%) trabalhadores dos
EUA já teve algum relacionamento no trabalho, e 17%
oficializaram a união. Um estudo do Instituto Francês
de Opinião Pública (Ifop) mostrou dados semelhantes.
Entre os entrevistados, 35% já tiveram relações sexuais
com colegas e 14% conheceram o atual companheiro ou
companheira na firma.
Todos os entrevistados para esta reportagem concordam

fev
aGo//mar 2024 VOCÊ RH 45
Set 2023
POLÍTICAS & PRÁTICAS

MAIS COMUM
que é impossível evitar romances. “A gente passa a maior
parte do tempo na empresa. É natural que pessoas que
trabalham juntas tenham interesses em comum e eventu-

DO QUE SE IMAGINA almente se envolvam. Assim como os colaboradores se tor-


nam amigos no ambiente corporativo, eles se apaixonam”,
afirma Candice Fernandes, diretora da Stato, divisão de
Uma pesquisa realizada pela
outplacement e transição de carreira da Gi Group.
SHRM (Sociedade para Gestão de
Grácia Fragalá, membro do conselho deliberativo da
Recursos Humanos) nos EUA mapeou
Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV), faz
relacionamentos entre colegas de
coro. Ela conta que, quando começou a trabalhar, havia
trabalho por lá. Veja os resultados.
uma crença de que o funcionário deveria desligar a chavi-
nha “pessoa física” e se transformar em “pessoa jurídica”.

24%
Essa, aliás, é a premissa da série Ruptura (Apple TV+),
um thriller psicológico no qual uma equipe de funcioná-
rios tem as memórias cirurgicamente divididas entre vida
tiveram alguma
relação com um
profissional e pessoal – com consequências nefastas.
colega. Se até na ficção dá ruim, o que dirá na realidade... “O
ser humano é indivisível. A gente não controla sentimen-
tos, mas pode lidar com isso dentro do trabalho para que
o relacionamento não prejudique nem o casal, nem o re-

17%
sultado da empresa”, diz Fragalá.
Um dos riscos inerentes a ter casais no mesmo time é
quando há separação. Principalmente se a desunião não
oficializaram
for amigável. O melhor que o RH e as lideranças podem
o relacionamento.
fazer, nesse caso, é trocar a área de trabalho de um dos
dois – se possível – para que a interação seja mínima.

75%
Isso pode evitar a perda de um talento importante para
a empresa. E, como lembra Fragalá, separar-se não é de
forma alguma infringir alguma regra da companhia.
sentem-se confortáveis
com o fato de que colegas Mas, antes de tudo, vale a pena uma conversa franca
estão envolvidos num com os dois e identificar o quanto isso será um trans-
relacionamento com torno (há muitos ex-cônjuges que convivem amistosa-
uma pessoa da empresa. mente) para eles e para a equipe. Talvez o problema seja
mais simples do que parece.

18%
É proibido proibir
Para evitar embaraços, parece mais fácil baixar uma re-
gra proibindo que os funcionários criem vínculos amoro-
disseram já ter
namorado com algum
sos. Caso aconteça, um dos dois sai da empresa e pronto.
de seus superiores. Só que as organizações não podem fazer isso.
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 garante que
são invioláveis os direitos à intimidade e à vida privada dos

10%
indivíduos. “A Constituição é nossa regra maior. Nenhuma
norma inferior, como um código de conduta, pode feri-la”,
afirma a advogada trabalhista Isabelli Gravatá, professora
disseram já ter
namorado com algum
de Direito do Trabalho da Universidade Presbiteriana Ma-
de seus subordinados. ckenzie. “O que a empresa pode é vetar demonstrações de

46 VOCÊ RH fev
aGo // mar
Set 2023
2024 F O T O : D I V U L G AÇ ÃO
CÓDIGOS
Em 2015, a 6ª Turma do Tribunal O combinado não sai caro: como
Regional do Trabalho da 4ª Região, o RH deve agir
no Rio Grande do Sul, reverteu uma O primeiro passo é colocar o as-

DE CONDUTA demissão por justa causa de um fun-


cionário dispensado por namorar
sunto na mesa. “Esse tema tem
que deixar de ser um tabu corpo-

APLICAM REGRAS uma colega. O entendimento confir-


mou a sentença da juíza titular da
rativo. É preciso falar para os co-
laboradores que relacionamentos

E EVITAM
Vara do Trabalho de Rosário do Sul: podem acontecer, quais são os ris-
“Se há discrição e profissionalismo, cos envolvidos e como proceder”,
ou seja, se a relação profissional não aponta a filósofa e consultora de

SITUAÇÕES é prejudicada pelo relacionamento


amoroso, qualquer ingerência do
RH Gabriela Bavay.
O segundo passo é estabelecer

EMBARAÇOSAS. empregador exorbita os limites do


poder diretivo patronal”. Há outras
jurisprudências no mesmo sentido.
combinados. Os códigos de ética
e conduta ajudam a estabelecer
regras claras e prevenir situações
afeto dentro dos seus limites.” Isabelli Gravatá, de qualquer for- embaraçosas. “Eu não posso in-
Mesmo sendo inconstitucional, ma, ressalta um ponto importante: terferir no íntimo das pessoas,
porém, o veto a relacionamentos o veto corporativo também serve mas eu posso dizer que o ambien-
existe na prática. “A maior parte como uma tentativa de evitar casos te corporativo tem uma expecta-
das empresas descumpre a lei, proi- de assédio. “É quando a pessoa fica tiva de comportamento assim e
bindo relacionamentos. É um con- constrangida e acaba se relacionan- assado”, diz Candice Fernandes.
trassenso, porque mesmo a legisla- do porque o flerte veio do seu chefe.” Quanto mais claras forem as re-
ção trabalhista prevê que membros Seja como for, relações afetivas gras corporativas, menos margem
de uma família podem trabalhar no entre colaboradores são um tema haverá para dúvidas e distorções.
mesmo lugar e que, se desejarem inevitável, já que vão acontecer com “Conflitos são inerentes aos seres
tirar férias juntos e não for preju- ou sem proibição. E a pergunta que humanos. Mas é possível adminis-
dicial ao serviço, podem requerer fica é: como o RH deve lidar com trá-los bem na medida em que há
esse benefício”, explica a advogada. esse cenário? uma governança sólida e estabe-

EU NÃO POSSO
INTERFERIR NO ÍNTIMO
DAS PESSOAS, MAS
POSSO DIZER QUE O
AMBIENTE CORPORATIVO
TEM UMA EXPECTATIVA
DE COMPORTAMENTO.
CANDICE FERNANDES
da Stato

fev
aGo//mar 2024 VOCÊ RH 47
Set 2023
POLÍTICAS & PRÁTICAS

lecida, com políticas bem comuni- requer, de acordo com a cultura da relacionem e inclusive formem fa-
cadas e bem administradas”, diz empresa, uma solução respeitando mílias. Temos vários exemplos de
Grácia Fragalá. a regra, mas desde que não crie pessoas que começaram a namo-
Se, por um lado, normas ajudam mais confusão”. rar, se casaram e tiveram os filhos
a evitar conflitos, por outro é pre- nas nossas maternidades”, afirma
ciso tomar cuidado para não sim- Quando as relações são Lissandra Cunha, gerente de de-
plificar o que não é complexo por bem-vindas senvolvimento institucional.
natureza. “Antes de existir gover- Um contraponto às empresas que O Grupo Santa Joana é uma
nança escrita, havia o bom senso evitam o assunto é o Grupo Santa empresa familiar, atualmente ad-
para mediar conflitos de interesse Joana. Seus 4 mil colaboradores ministrada pela segunda geração
e preservar as decisões das empre- são livres para se relacionar com dos Amaro. Lissandra Cunha, en-
sas. Quando as regras foram escri- quem quiserem. tão, acredita que vetar a presença
tas, o trato pessoal foi distancia- A instituição de 75 anos é for- de casais seria algo contraditório.
do”, reflete Danilo Dias, diretor da mada pelos hospitais Pro Matre “Temos pais, filhos e irmãos no
Associação Brasileira de Recursos Paulista, Hospital e Maternidade nosso quadro de funcionários”, diz.
Humanos (ABRH). Santa Joana e Hospital e Mater- “A única recomendação do RH é de
Para ele, nenhuma diretriz em- nidade Santa Maria. “A nossa po- que não exista relação de liderança
pacota todos os conflitos possíveis, lítica é muito transparente nesse e subordinação entre casais”, diz.
tampouco substitui uma boa con- sentido. Não há nenhum tipo de O código de conduta das mater-
versa presencial: “Cada situação impedimento para que casais se nidades do grupo estabelece regras

A GENTE NÃO CONTROLA


SENTIMENTOS, MAS PODE
LIDAR COM ISSO PARA
QUE O RELACIONAMENTO
NÃO PREJUDIQUE NEM O
CASAL, NEM O RESULTADO
DA EMPRESA.
GRÁCIA FRAGALÁ
da ABQV

48 VOCÊ RH fev
aGo // mar
Set 2023
2024
O QUE FAZER
gerais para todos. “Nunca sentimos
a necessidade de criar uma política
clara e específica sobre romances. Já
houve separações entre colaborado-
Como os RHs podem atuar para prevenir
res, mas nada que interferisse no dia
conflitos e, ao mesmo tempo, preservar
a dia da empresa”, diz a gestora.
a privacidade dos colaboradores.
Para ela, essa liberdade contribui
para o clima corporativo e até facilita
ASSUNTO NA PAUTA a vida das pessoas. Afinal, é notório
que profissionais de saúde têm uma
Os relacionamentos não vão deixar de existir porque a empresa
jornada de trabalho com plantões e
não fala sobre isso. Rodas de conversa, palestras e outros canais
horários pouco ortodoxos. Relacio-
de comunicação interna podem preservar a instituição e, ao mesmo
tempo, educar os trabalhadores sobre como agir. “Se esse é um nar-se com alguém da mesma empre-
tema que preocupa, por que não usar as datas comemorativas, sa, em casos assim, pode facilitar a
como o Dia dos Namorados, para discutir o assunto do ponto de compreensão conjugal com a rotina
vista da ética e do compliance?”, sugere Grácia Fragalá, da ABQV. fora do padrão.
No caso de João e Maria, os perso-
nagens do início desta reportagem, o
EQUILÍBRIO, NA MEDIDA DO POSSÍVEL
casal declarou o conflito de interesse
Ok, as pessoas podem se relacionar. Mas existem limites que aos empregadores. O RH, então, suge-
precisam ser estabelecidos. Da mesma maneira que a empresa não riu que João mudasse de turno, mas a
pode intervir na vida das pessoas, a pessoa não pode trazer sua vida solução se mostrou inviável, porque o
para dentro do trabalho. “O RH pode estabelecer programas para colaborador conciliava trabalho e es-
ajudar as equipes a manter o equilíbrio entre os diferentes papéis tudo. O casal conversou e decidiu que
sociais. Isso serve não só para casais, mas para qualquer um do ele abriria mão do emprego, uma vez
quadro de colaboradores”, afirma Fragalá. que Maria trilhava uma carreira de li-
derança, e o relacionamento era sério.
REGRAS CLARAS “Quando o RH está preparado para
“Ninguém, por livre e espontânea vontade, vai avisar a empresa lidar com o assunto e os colaborado-
que está em um relacionamento. A pessoa só vai fazer isso se res são instruídos sobre como agir,
houver clareza a respeito de regras e do impacto dessa medida na fica mais fácil para todo mundo”,
sua carreira”, aponta Danilo Dias, da ABRH. Se a organização quer aponta Gabriela Bavay. Ela própria
transparência dos colaboradores, precisa ser transparente também. conheceu o marido no trabalho. Foi
no Club Med, onde atuava como GO
– sigla para gentil organizador –, e ele
SEDUÇÃO X ASSÉDIO
se hospedava.
Qual é o limite entre a sedução e o assédio? A comunicação “O relacionamento era liberado em
interna deve explicar a diferença, principalmente se há todas as instâncias, em todas as hie-
relação de hierarquia. Usar a autoridade para pressionar um rarquias. As regras eram muito claras.
subordinado é assédio sexual e deve ser reportado ao RH. Só não podia se relacionar com menor
de 18 anos e deixar transparecer o re-
FLEXIBILIDADE lacionamento no hotel”, conta ela, já
A empresa pode facilitar a vida de funcionários que se separaram e há 15 anos com o companheiro. “Para
estão se detestando, mas não trouxeram uma perturbação para o adultos criamos regras de adultos,
ambiente de trabalho. “Nesse caso, o RH pode realocar essas pessoas não de crianças.” Com a dose certa de
para áreas em que elas não precisem trabalhar mais juntas. Esses bom senso, dá para respirar livremen-
colaboradores não infringiram nenhuma regra”, diz Gabriela Bavay. te quando o amor está no ar.

fev / mar 2024 VOCÊ RH 49


CARREIRA

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ormada em Ad-
ministração com
ênfase em ne-
gócios interna-
cionais, Gabriela
Rosa tem uma
trajetória profissional toda ligada
ao setor securitário. Começou
na Unibanco AIG e, em 2015, foi
convidada por um antigo chefe
para ser analista sênior na Allianz
Seguros. Lá, foi crescendo até se
tornar gerente técnica. Mas com
uma diferença para a maioria dos
gestores: ela não tinha equipe para
administrar. Virou gerente porque
era o jeito que a empresa tinha
de promovê-la.
O objetivo, naquele momento,
não era que liderasse pessoas. Era
continuar com seu bom trabalho,
então ganhando mais e sendo valo-
rizada. “Agora sou responsável por
resultados, geração de relatórios e
checagem sobre se estamos dentro
das metas”, diz a executiva.
Rosa conta que se destacou co-
mo colaboradora individual graças
ao que aprendeu com seus gestores
na empresa, e mesmo assim não
teve de ser líder para se sentir
reconhecida. Não precisou seguir
os passos deles – só os ensina-
mentos. “Meu último gestor fazia
questão de que participássemos de
iniciativas globais e mostrássemos
a cara na empresa. Cada um com
sua expertise.”
Talvez hoje Gabriela Rosa não
precisasse ser uma “gerente sem
equipe” na companhia por causa
de sua promoção. Isso graças a
uma tendência que vem crescendo
entre as organizações: o plano de
carreira em Y.
Essa bifurcação no desenho da

FOTO E ÍCONES: GETTY IMAGES

fev / mar 2024 VOCÊ RH 51


CARREIRA

letra é o que inspira uma nova pos- sempre inovando, desempenhan- Gabriela Rosa,
da Allianz
sibilidade de trajetória nas empresas do com excelência e fornecendo Seguros: para
mais inovadoras em gestão de pessoas. soluções para as principais ser promovida,
ela chegou a
Pela tradição, ao iniciar a car- demandas também podem
ser gestora sem
reira, a maioria dos profissionais conquistar melhores remune- equipe para
só enxerga um caminho para ter rações, benefícios e condições administrar.

salário mais atraente e sucesso no de trabalho. Serem promovidos,


negócio: ocupar cargos de liderança enfim. Mesmo sem desenvolver
no futuro. Ok, essa opção faz mais competências de gestão.
sentido para muita gente. Mas o que Essa possibilidade também é
O RH precisa
acontece com quem é um top gun no uma boa resposta para a onda
desenvolver
que faz, mas não tem habilidades da quiet ambition, em ascensão
uma estrutu-
para liderar equipes? principalmente entre os colabo-
ra de cargos
A carreira em Y é a resposta para radores mais jovens: o desinte-
e salários em
quando surge esse dilema. Cola- resse em virar chefe.
que o espe-
boradores extraordinários vão se Profissionais que não veem
cialista pos-
destacando, e aí chega a hora em sentido em assumir responsabi-
sa ter ganhos
que, por justiça, precisam ser pro- lidades (e pressões) maiores por
equiparados
movidos. Nas empresas que já têm um pouco mais de dinheiro, sem
aos de um
esse planejamento para a ascensão sentir alguma realização pessoal.
gestor.
de seus profissionais, eles podem São pessoas que priorizam a saú-
escolher: ou assumem posições de de mental, o tempo livre e a con-
liderança, ou crescem mantendo- vivência com a família e amigos,
-se em suas funções especializadas. rejeitando o possível estresse das
Virar chefe continua sendo uma atividades inerentes a um cargo
das portas (ou um dos “bracinhos” de liderança. Em empresas com
do Y), mas os funcionários que estão bons planos de carreira em Y,
sempre se aprimorando na área, elas podem escolher.

Sandra Souza, da
Lee Hecht Harrison:
poucas empresas
no Brasil têm um
programa dedicado
à carreira em Y que
realmente faça jus
ao conceito.

FOTOS: DIVULGAÇÃO
O modelo ainda é raro no Brasil
Segundo Sandra Souza, consultora para orientação e
transição de carreira na Lee Hecht Harrison – multina-
cional especializada em soluções de recursos humanos
–, grandes farmacêuticas, empresas de engenharia,
tecnologia e saúde são exemplos de negócios em que
a demanda constante por talentos inovadores tende a
abrir mais caminhos para a carreira em Y.
Segundo Souza, porém, poucas empresas no Brasil
têm um programa dedicado à carreira em Y que real-
mente faça jus ao conceito. Para isso, o RH precisa, por
exemplo, desenvolver uma estrutura de cargos e salários
em que o especialista possa ter crescimento de ganhos
equiparado aos de um gestor. E também analisar se essa
possibilidade faz sentido, de fato, para a organização.
“Afinal, sempre que pensarmos em plano de carreira,
precisamos ter como perspectiva o negócio”, diz.
Uma empresa que já oferece essa possibilidade é a
Natura. Segundo Mariana Talarico, diretora de Pessoas
e Cultura da companhia, o plano de carreira em Y na
organização tem permitido que especialistas ganhem
salários que se equiparam até aos de diretores. Por
outro lado, a empresa também pode testar na chefia
um excelente especialista que esteja de olho no topo.
Foi o caso de Tiago Cordeiro, que hoje é gerente global
de P&D de Maquiagem para os Olhos na Avon, marca
que faz parte do grupo.
Apaixonado por química, ele teve uma trajetória
profissional marcada pelo apreço ao trabalho técnico.
“Gostava de criar um produto novo, uma nova textura
para outro já existente ou propor algo do zero”, lembra
o executivo.
Porém, na hora da bifurcação do Y, quando a empresa
quis promovê-lo, ele optou pela gestão de pessoas. Quis
experimentar um novo caminho, mas a escolha foi feita
A carreira em Y sabendo que, na Avon, poderia manter-se especialista

também é uma com ganhos de um gerente.


Mariana Talarico considera que a trajetória deste

resposta para a executivo é um excelente exemplo das vantagens do


programa. “Experimentar diferentes papéis faz parte
onda em ascensão de uma carreira em Y, inclusive para reafirmar muitas
vezes a escolha que fazemos”, ela afirma. “O importan-
da quiet ambition: te, além do escopo atual, é aproveitar as habilidades
utilizadas ao longo da vida profissional.”
o desinteresse em
Para cada caminho, um conjunto de habilidades
virar chefe. É importante também que o RH analise de perto o

fev / mar 2024 VOCÊ RH 53


CARREIRA

perfil de cada colaborador. Só assim


saberá que lado dessa encruzilhada
ele deve seguir na carreira para ter
melhor desempenho e um grau de
O especialista que
contribuição maior para o negócio.
Para progredir por meio de um
quer avançar na
cargo de gestão, é fundamental que
o indivíduo tenha uma série de soft
carreira mantendo
skills, principalmente saber lidar
com outras pessoas trabalhando
seu cargo não
juntas. Mas vale lembrar: nem
sempre relacionar-se bem com
pode se acomodar.
o time torna alguém um líder de
sucesso. Ele ainda precisa saber
Precisa sempre
interagir com a alta gestão, organi-
zar a equipe visando aos resultados
buscar atualização.
esperados de sua área, delegar fun-
ções, motivar a todos e assumir um
tanto de funções burocráticas que
não faziam parte de sua vida como
colaborador individual. Tiago Cordeiro,
da Avon, optou
Já o especialista que quer avançar pela gestão, mas
na carreira mantendo seu cargo também era feliz
como especialista:
não pode se acomodar. Precisa
“Gostava de criar
sempre buscar atualização para se um produto novo
manter competitivo e na vanguarda ou propor algo
do zero”.
de sua função. Seu conhecimento
técnico deve ser tanto que chame
a atenção das lideranças para a
necessidade de lhe dar melhores
condições – isso, aliás, é um de-
safio de quem prefere não virar
chefe: mostrar que, mesmo sem
mudar de trabalho, merece um
reconhecimento diferente.

Mais produtividade e satisfação


Ao oferecer promoções em Y,
as organizações tendem a con-
seguir benefícios no médio e
longo prazo. E o principal ganho é
de produtividade.
Quando um profissional desem-
penha uma função com a qual se
identifica e tem facilidade na exe-
cução de tarefas, a tendência é que
sua jornada de trabalho renda mais.

FOTOS: DIVULGAÇÃO

54 VOCÊ RH fev / mar 2024


Mariana Talarico,
da Natura:
“Experimentar
diferentes papéis
faz parte de uma
carreira em Y,
inclusive para
reafirmar muitas
vezes a escolha
que fazemos”.

Ele leva menos tempo para terminar as tarefas e plinaridade do profissional, permite que ele
as conclui com uma qualidade que talvez nunca continue exercendo suas funções técnicas ao
tivesse na cadeira de líder. mesmo tempo em que administra uma equipe
Outro benefício diz respeito ao ambiente corpo- na empresa. Algo que vem a calhar num mer-
rativo. Respeitando os interesses individuais de cado como o brasileiro, em que falta mão de
cada um, a empresa demonstra sua valorização obra especializada ao mesmo tempo em que
desenvolver habilidades gerenciais demanda
tempo e dinheiro.
Ao ser reconhecido em um cargo compatível
Para a empresa, pode ser uma vantagem e
com as suas características, o funcionário
tanto. É a possibilidade de contar com um ges-
fica mais feliz. A carreira em Y, portanto,
tor que conhece profundamente os aspectos
ajuda a reter talentos. técnicos do trabalho de sua equipe – sendo ele
mesmo um craque na execução dessas tarefas.
pelos profissionais, que se sentem mais motivados. A organização ganha dois profissionais ao
Ao ser reconhecido ocupando um cargo compatí- preço de um. Mas é essencial que essa dupli-
vel com as suas características, seja como gestor, cidade de funções não signifique sobrecarga.
seja como especialista técnico, o funcionário, Não importa a letra com a qual a carreira
claro, fica mais feliz. A carreira em Y é, portanto, do profissional se identifique, é importante
também uma ferramenta de retenção de talentos. que o mercado esteja se adaptando às novas
relações de trabalho. Afinal, ser ou não chefe
A carreira em W deveria ser o que menos importa.
E se o profissional tem interesse e vocação para Os resultados conquistados mais a percep-
a liderança, mas a empresa necessite de suas ção (e a alegria) de estar no lugar certo é o
habilidades técnicas? É para esses casos que já que faz a diferença. E mudar de emprego deixa
existem planos de carreira em W. de ser um imperativo – seja por um salário
Essa possibilidade, que demanda multidisci- melhor, seja por uma vida mais feliz.

fev / mar 2024 VOCÊ RH 55


ENTREVISTA

A ARTE DA
RECONSTRUÇÃO
VICE-PRESIDENTE DE GENTE E GESTÃO DA AMERICANAS, LEONARDO FERREIRA ENCAROU O DESAFIO DE ASSUMIR
O RH APÓS O ESCÂNDALO DAS FRAUDES CONTÁBEIS DO ANO PASSADO. SUA TAREFA É COLOCAR O COLABORADOR
NO CENTRO DA NOVA FILOSOFIA DA EMPRESA, INVESTINDO EM TRANSPARÊNCIA ABSOLUTA E NA SAÚDE MENTAL
DA EQUIPE – ALÉM DE EVITAR A FUGA DE TALENTOS. TEXTO aLexanDre carvaLHo FOTOS ceLSo Doni

A
comunicação interna da Brasil – tem passado desde o início empresa entraria com um pedido
Americanas tem o que a de 2023. de recuperação judicial, situação
empresa chama de jornal Foi em 11 de janeiro do ano em que se encontra até hoje.
eletrônico, divulgado entre passado que a companhia teve A nova liderança da varejista tem
os funcionários toda sexta- o maior baque de sua história. A como meta arrumar a casa e sair
-feira. A peculiaridade Americanas divulgou ao mercado da crise em 2026. E acredita que
dessa newsletter é trazer só um rombo que chegaria ao valor a reconstrução, tanto financeira
notícias boas. E tem um porquê de R$ 25,3 bilhões em dívidas quanto de reputação, passa
para essa escolha “poliana” de que não apareciam nos balanços. principalmente por seus recursos
pautas. O recurso é um contraponto Imediatamente, o então CEO, humanos. É o que mostra, nesta
à avalanche de acontecimentos Sérgio Rial, e o diretor de relações entrevista, Leonardo Ferreira,
terríveis pelos quais a varejista com investidores, André Covre, vice-presidente de Gente
– uma das mais tradicionais do renunciaram. Oito dias depois, a e Gestão da Americanas.

FOTOS: CELSO DONI


56 VOCÊ RH fev / mar 2024
QUANDO A COMPANHIA
PASSA POR UMA CRISE
DESSAS, AS PESSOAS
SE SENTEM PARTE
DO PROBLEMA. POR
OUTRO LADO, TAMBÉM
SE VEEM COMO
PARTE DA SOLUÇÃO.
fev / mar 2024 VOCÊ RH 57
ENTREVISTA

A meta da Americanas é sair da porque cheguei à companhia Diante de um ambiente de


recuperação judicial em 2026. após essas notícias. assim que incerteza, com os principais
Como você vê esse prazo? vim, criamos um escritório de nomes da companhia envolvidos
esse objetivo de 2026 é mais voltado transformação. eu e o Leonardo num escândalo de fraude, os
para o plano de rJ do que para a coelho procuramos olhar para a profissionais se sentem muito
nossa reconstrução interna. Hoje, frente, trazendo as pessoas para vulneráveis, correto?
a percepção de crise na companhia fazerem parte dessa mudança. É isso mesmo. e é o motivo de a gente
não existe aqui dentro. isso porque, tenho a convicção de que uma trazer as pessoas para o centro das
dentro desse modelo que está sendo empresa numa situação especial discussões. precisamos fazer uma
implementado na gestão do novo ceo, como a nossa só consegue sair disso gestão muito transparente, com
Leonardo coelho, as pessoas estão por meio das equipes. para fazer relatos semanais, uma comunicação
no centro. São nosso foco principal. esse plano de reconstrução, mesmo interna robusta, com muita
que interno, você precisa ter um humanização do processo. assim
Como foi o baque para os quadro de como estão essas pessoas. cada funcionário vira um porta-voz
colaboradores, naquele Houve uma pesquisa de clima que dessa transformação organizacional.
primeiro momento, em que nos apontou até como estava a até porque, na americanas, as
saíram as notícias de fraude? saúde mental dos funcionários. pessoas têm uma relação afetiva
não tenho muito essa sensibilidade foi nosso ponto de partida. muito forte com a companhia. Se

58 VOCÊ RH fev / mar 2024


esse trabalho é pautado em que as equipes estejam conscientes
metodologias que proporcionam de cada vitória que conseguimos
a esse colaborador recuperar sua com o esforço de todos.
saúde mental e, principalmente,
sua autoestima. como eu disse, há Como vocês estão lidando

TODA ESSA CULTURA um sentimento muito enraizado de


pertencimento aqui. então, quando
com a retenção de talentos
num momento como esse?

DE PERTENCIMENTO a companhia passa por uma crise


dessas, as pessoas se sentem parte
De diversas maneiras. Uma delas é
criar oportunidades internamente.

NOS AJUDOU A RECUPE- do problema. por outro lado, também


se veem como parte da solução,
o varejo costuma ser o primeiro
emprego de muita gente, aí a

RAR MAIS FACILMENTE o que facilita a virada de jogo. pessoa se desenvolve na empresa e,
muitas vezes, vai embora após essa

A AUTOESTIMA DOS O que essa situação implicou de


mudança na cultura organizacional?
formação. nós estamos fazendo
um mapeamento de oportunidades

FUNCIONÁRIOS. não quero minimizar as experiências


que tive anteriormente, mas tem
para que o profissional cresça aqui
depois desse desenvolvimento.
você fizer um mapa do nosso quadro sido um grande desafio. tudo na alguém que se formou em
funcional, vai ver que a grande americanas é grande. a gente está engenharia, por exemplo, pode se
maioria dos nossos colaboradores falando de mais de 1.600 lojas em tornar um engenheiro do trabalho
tem mais de dez anos de casa. todos os estados brasileiros, 17 numa operação do centro de
isso mostra o quanto a centros de distribuição... para você distribuição. outro profissional pode
americanas já proporcionou ter uma ideia, nós temos 17.800 integrar um grupo de expansão das
aos seus colaboradores: desde o funcionários só na operação das lojas. melhoramos também o plano de
primeiro emprego, passando pelo lojas. então tudo o que você faz cargos e salários, inclusive trouxemos
desenvolvimento profissional, as na companhia reverbera muito. o que nossos concorrentes estão
oportunidades e até o job rotation, o primeiro movimento foi praticando para que pudéssemos
que é uma característica aqui. toda humanizar a figura do nosso ceo. o estar adequados a esse momento.
essa cultura de pertencimento nos Leonardo coelho não é uma entidade. e criamos uma trilha de carreira,
ajudou a recuperar mais facilmente a É um profissional capacitado, de carne porque, nesse momento em que a
autoestima dos funcionários. e osso, que comete acertos e erros. retenção de talentos é um desafio,
e que não pode ser a personalização o profissional precisa perceber
Você mencionou que a pesquisa de da virada. nosso mantra aqui é qual a sua jornada possível aqui.
clima naquele primeiro momento que a reconstrução tem de passar trouxemos carreiras em y [mais
de reconstrução passou por por todos. então criamos vários sobre o assunto na página 50],
identificar como estava a saúde canais de integração com o ceo. em W, e estamos trabalhando
mental dos funcionários. Como o Leonardo grava muitos vídeos, um modelo de remuneração
está sendo esse cuidado? inclusive dando notícias de primeira variável. enfim, dentro desse
Hoje nós temos um núcleo ligado mão ao grupo antes que sejam cenário de incertezas, oferecemos
ao rH, diretamente a mim, com publicadas. também temos um oportunidades diferenciadas,
uma gerente psicóloga, outros jornal eletrônico que, toda sexta- trabalhando em questões filosóficas
psicólogos e assistentes sociais com -feira, dispara apenas pautas com e de cuidado mental. tudo para
a função de trabalhar a resiliência boas notícias. estamos sendo que nossos profissionais se sintam
dos funcionários e os distúrbios transparentes com as notícias ruins, motivados e, sobretudo, blindados
mentais relacionados ao estresse. mas criamos esse recurso para – até que tudo se resolva.

fev / mar 2024 VOCÊ RH 59


MELHORES PRÁTICAS

UMA EQUIPE
NA ZUCCHETTI,
O ALINHAMENTO
DO COLABORADOR
À CULTURA

INTEIRA NO
ORGANIZACIONAL É
PRIORIDADE. VALORES
COMO JUSTIÇA E
CUMPRIMENTO
DE ACORDOS SÃO

MESMO TOM
MONITORADOS DESDE
O RECRUTAMENTO ATÉ
A ALTA GESTÃO.

TEXTO ALEXANDRE CARVALHO

Ana Paula
Zancanaro Socha,
diretora de RH:
“Entendemos
que é mais
importante o
alinhamento
cultural e de
valores das
pessoas do que
as competências
técnicas, pois
essas podem ser
desenvolvidas”.

FOTO: DIVULGAÇÃO

VCRH90 Melhores Práticas.indd 60


E ZUCCHETTI
mpresas que investem diz a executiva) com os valores
em inteligência de rH da companhia.
para adotar uma gestão tudo para que haja uma sime-
de pessoas alinhada com tria que, diga-se, também vale para
seus princípios alcançam as lideranças. SEGMENTO DE ATUAÇÃO
patamares mais eleva-
dos. o empenho para
manter essa af inação
vale o esforço e dá retorno, como
Alinhamento vai da base ao topo
os gestores, na Zucchetti, precisam
colocar a justiça em primeiro lugar
TECNOLOGIA
afirma a especialista Lilian carina, para cada decisão. ao demitir um
ANO DE FUNDAÇÃO:
cofundadora da vertical de people funcionário, por exemplo, devem ter
as a Service (paaS) da triven, que
atua com gestão de recursos huma-
nos. “Seus colaboradores são mais
uma explicação bem contextualiza-
da, que é compartilhada com o rH
antes de bater o martelo.
1978
engajados, mais bem direcionados e a mentalidade de “não levar
e trabalham com maior satisfação.” vantagem em tudo” viraliza entre FUNCIONÁRIOS NO MUNDO

8.000
É assim na Zucchetti, multinacio- seus líderes. Segundo a diretora
nal italiana que atua com o desen- de rH, há menos competitividade
volvimento de softwares de gestão e tóxica e mais colaboração por conta
conta com mais de 400 funcionários dessa filosofia. “ontem mesmo eu
no Brasil. estava fazendo o feedback de um ANO DE CHEGADA AO BRASIL

2011
a cultura ali é o avesso da cha- diretor e ele me disse que nunca
mada “Lei de Gerson”: a companhia tinha vivido uma situação assim
faz questão de que não apenas os em outra empresa. confessou que
funcionários, mas também os for- estava acostumado a um ambiente
necedores, cresçam junto com o ne- em que cada um quer se sobrepor
SEDE NO BRASIL
gócio. “aqui não tem aquela história ao outro, e aqui o clima é sempre
de ‘vamos pagar o mínimo possível’,
por exemplo. Queremos pagar o que
é justo, para que os bons profissio-
de parceria.”
para que essa orquestra não
desaf ine, a Zucchet ti promove
MOGI MIRIM (SP)
nais e fornecedores desejem estar campanhas para disseminação da
conosco para sempre”, afirma ana cultura, workshops e capacitação FUNCIONÁRIOS NO PAÍS

445
paula Zancanaro Socha, diretora de de lideranças. além disso, há uma
rH da Zucchetti. análise documental periódica, com
“também entendemos que é mais questionários, para avaliar se as
importante o alinhamento cultural pessoas estão vendo os princípios
e de valores das pessoas do que aplicados no dia a dia.
as competências técnicas, pois es-
sas podem ser desenvolvidas”, diz
Socha. “porém, se há conflitos de
“Quando você tem uma cultura
clara e forte, é difícil haver inco-
erências de valores”, afirma ana
1° LUGAR
entre as empresas italianas de
valores, o casamento dificilmente paula Socha. “ma s precisamos software segundo o ranking da
vai funcionar.” Já no primeiro dia sempre reforçá-los e acompanhá- international Data corporation
de empresa, cada colaborador re- -los para saber se tudo continua (iDc), principal entidade do
mundo no que diz respeito aos
cebe um manual (“nossa bíblia”, fazendo sentido.”
mercados de tecnologia da
informação e telecomunicações.

fev / mar 2024 VOCÊ RH 61

VCRH90 Melhores Práticas.indd 61 1/23/24 15:49


NA ESTANTE

UNIDAS
PELA
LIDERANÇA Em seu livro Mulheres que Lideram Jogam Juntas, Daniela
Bertoldo reflete sobre as dificuldades que elas têm para chegar
ao topo da empresa. E aponta o que considera o melhor caminho:
a solidariedade entre as executivas. Veja como.

62 VOCÊ RH fev / mar 2023


A maioria de nós ainda reluta em se dei- pher Karpowitz, da Universidade Brigham Young,
xar influenciar pela opinião das mulhe- nos EUA, constatou que homens falam, em média,
res. E resistimos à ideia de mulheres durante 75% do tempo em reuniões de trabalho em
exercendo autoridade sobre nós.” A afir- que há eles e elas. Sobra pouco para a profissional
mação é da pesquisadora britânica May Ann Sieghart, opinar, compartilhar ideias inovadoras e demonstrar
que cobriu temas do cotidiano e do feminismo como atitudes de líder.
editora sênior e colunista do The Times ao longo de Segundo Daniela Bertoldo, mentora no progra-
20 anos. Ela não está errada. ma Nós por Elas, do Instituto IVG, os desafios das
O Índice de Liderança de Reykjavik, um estudo mulheres para obter uma posição de liderança têm
internacional anual que examina como as pessoas muito a ver com a falta de união delas no ambiente
percebem as lideranças femininas, apontou o seguinte de trabalho. “Basta olhar o comitê executivo de uma
na edição de 2022: só 47% dos profissionais disseram empresa. Quando há uma mulher no grupo de muitos
se sentir confortáveis em ter uma mulher como CEO homens, ela se sente especial e, em vez de apoiar o
da empresa. E trata-se de uma piora. Em 2021, essa movimento e vender outras mulheres, faz alianças
proporção era de 54%. com os homens para preservar sua posição.”
Os estudos também mostram que a trajetória fe- Seu livro, Mulheres que Lideram Jogam Juntas,
minina para a liderança é mais árdua, já que elas defende a construção de uma cultura de colaboração
têm menos oportunidades de se expressar em e apoio entre as profissionais de alto escalão para que
suas organizações. mais delas tenham voz de comando na companhia.
Uma pesquisa feita pelo cientista social Christo- Confira no trecho a seguir.

Capítulo 4
O PODER DA SORORIDADE – UM NOVO PARADIGMA PARA AS EMPRESAS
romover a igualdade entre mulheres, rompendo com
de gênero nas empre- a ideia de competitividade. Há ESTIMULE AS
sas, por mais desafia-
dor que seja, é crucial
quem cresça profissionalmente
passando por cima das colegas e COLABORADORAS
para que todas nós
possamos ter a oportunidade de
alimentando um clima de rivalida-
de, mas isso só contribui para um
COM OPORTUNIDA-
desenvolver nosso potencial pleno.
Precisamos não só de mais mulhe-
ambiente tóxico que gera proble-
mas de saúde mental e emocional,
DES DE DESENVOL-
TRECHO DO LIVRO

res na liderança como também de


mais mulheres que assumam a lide-
e pode limitar a carreira. Temos
de investir no sentido contrário,
VIMENTO LIGADAS
rança conscientes de suas escolhas
e de seu papel transformador.
unindo esforços, criando oportu-
nidades e celebrando conquistas de
AOS DESAFIOS
A sororidade é o caminho. A nossas semelhantes. QUE PODERÃO
palavra, que vem do latim, sig- Segundo um estudo da Forbes, re-
nifica algo como “solidariedade alizado com empresas americanas, ENFRENTAR NA
entre irmãs” e busca promover a
empatia, a união e o acolhimento
a sororidade é como um pilar que
acomoda a diversidade e a plurali- LIDERANÇA.
fev / mar 2024 VOCÊ RH 63
NA ESTANTE

dade nas equipes, e ressignifica o - Estimule a autoestima das rente regional de vendas em uma
trabalho de cada integrante do time. colaboradoras com atividades grande empresa de benefícios. Ela
Ou seja, ao reconhecermos as e oportunidades de desenvolvi- percebeu que, embora fosse uma
nossas próprias forças e apren- mento ligadas aos desafios que das mais experientes da equipe,
dermos a usá-las a nosso favor, poderão en frentar em cargos suas opiniões não eram levadas
contribuímos para construir uma de liderança. tão a sério quanto as de seus co-
cultura de irmandade que faz to- - Valorize os pontos fortes e legas homens – seus comentários
das as mulheres crescerem juntas. fracos da sua equipe – ao respei- nas reuniões nem sempre eram
De maneira colaborativa, fica mais tarmos umas às outras, os homens considerados nos debates com
fácil superar obstáculos e a discri- também passarão a fazê-lo. os colegas. Ela também observou
minação que ainda enfrentamos - Compartilhe suas vulnerabi- que as outras mulheres da equipe
no mundo empresarial – e fora lidades e crie chances para uma pareciam não estar enfrentando o
dele também. maior conexão com seu time. mesmo problema.
Parece um sonho distante? Nem - Promova processos de coaching Ana não queria simplesmente
tanto. A força feminina é poderosa e mentorias para dar oportunida- aceitar a situação, e decidiu agir:
e capaz de impulsionar novos pa- des de liderança a outras mulheres começou a documentar ocasiões
radigmas nas lideranças das em- e às novas gerações de meninas. específicas em que sentiu que suas
presas. E é plenamente possível - Comemore os sucessos: reco- ideias foram ignoradas ou subvalo-
criar culturas inclusivas, capazes nhecer e celebrar as realizações rizadas. Então abordou o proble-
de melhorar as corporações. Isso já das colegas promove um ambiente ma diretamente com sua gerente
vem sendo feito por meio de novos de trabalho positivo e aumenta a executiva, apresentando-o com os
modelos de gestão, com proces- confiança e a motivação. exemplos específicos que havia co-
sos e políticas direcionados para (...) letado. Ana fez questão de manter a
a diversidade. conversa positiva e construtiva, ex-
A diversidade é o assunto hoje Uma conversa construtiva pressando seu desejo de contribuir
nos departamentos de RH – que, e positiva mais efetivamente para a equipe e
aliás, são quase sempre liderados Considere o caso de Ana, uma ge- para a empresa.
por mulheres – e precisa estar pre- Ela não acusou seus colegas de
sente não só em ações pontuais ou serem sexistas, mas destacou a im-
voluntárias. É necessário um tra-
balho institucional, previsto nas
UMA PESQUISA portância de garantir que todas as
vozes fossem ouvidas e respeitadas.
metas e ações da organização, com DO FMI APONTOU A gerente de Ana ficou surpresa
profissionais, planejamento e verba ao ouvir sobre suas experiências
alcançados, a partir de um alinha- UMA ELEVAÇÃO e agradeceu por ela ter trazido o
mento direto com a alta liderança.
E não podemos excluir os ho- DE 8% A 13% DE problema à tona. Em resposta, a
gerente implementou treinamentos
mens desse cenário, pois precisa-
mos de aceitação e respeito mútuo
RENDIMENTO de conscientização e mudanças na
estrutura das reuniões para garan-
para celebrar a diversidade de to-
dos os tipos.
DOS ATIVOS EM tir que todos tivessem a oportuni-
dade de contribuir. Ao dar voz aos
O que você pode fazer para incen-
tivar a sororidade na sua empresa:
ORGANIZAÇÕES seus problemas de maneira asser-
tiva e construtiva, Ana conseguiu
- Pratique a empatia, a escuta e o
companheirismo, reduzindo assim o
COM DIVERSIDADE criar uma mudança positiva não só
para ela, como também para todas
clima competitivo entre mulheres. DE GÊNERO. as mulheres da equipe.

64 VOCÊ RH fev / mar 2024


Contratar mulheres o poder da sororidade e me marcou
As mulheres muitas vezes enfren- profundamente foi a minha relação
tam preconceitos inconscientes que com Laura, uma jovem profissional
podem limitar suas oportunidades que orientei durante dois anos.
de emprego. É importante fazer Quando a conheci, ela estava no
uma revisão de processos de RH início de carreira, cheia de energia
relacionados à atração e à reten- e ambição, mas se sentia perdida
ção – haja vista que muitos ainda e insegura sobre como “navegar”
seguem a lógica machista que tende no mundo corporativo. Ela estava
a priorizar os homens – e adaptá-los lidando com desafios que eu mes-
ao contexto atual, garantindo um ma tinha enfrentado no início da
número equilibrado de profissionais minha carreira – o equilíbrio entre
qualificados, de ambos os gêneros, trabalho e vida pessoal, a pressão
em todos os níveis hierárquicos. para provar seu valor e o desafio de
Programas de desenvolvimento e fazer sua voz ser ouvida.
acompanhamento de carreira, com Durante as sessões de mentoria,
processos internos de avaliação e trabalhamos juntas para que ela
desempenho, têm de considerar as pudesse superar esses desafios.
mulheres tanto quanto os homens. Compartilhei com ela as lições que
E, para cargos iguais, os salários aprendi ao longo da minha carreira
têm de ser iguais também – por e a ajudei a desenvolver estratégias
que não? A presença feminina em para enfrentar esses obstáculos.
posições de liderança faz com que Falei, por exemplo, sobre como se
as mulheres se sintam representa- posicionar em uma reunião de di-
das e vejam que é possível atingir retoria para vender seu projeto e
posições de alto comando. Diversos dei dicas de como conduzir uma
estudos já mostraram a importân- reunião com a equipe, gerando
cia do equilíbrio de gênero nas em- confiança e motivação. Também a
presas. Um deles, feito pelo Fundo ajudei a elaborar um plano de me-
Monetário Internacional (FMI), tas para os próximos três anos, bus-
com 2 milhões de empresas em 34 cando cursos e livros para embasar
países europeus, revelou que uma a proposta, e dei dicas de como ter
maior diversidade de gênero em uma fala assertiva nesse cenário.
cargos de liderança está associa- Foi uma experiência incrivelmen-
da a uma maior rentabilidade. A te gratificante ver Laura crescer e
pesquisa apontou uma elevação de se desenvolver profissionalmente.
8% a 13% de rendimento dos ativos Hoje, ela é uma líder confiante e
dessas organizações. eficaz em sua organização. Laura
não apenas superou os desafios
Apoiarmos umas às outras, cres- que enfrentava como também
MULHERES QUE LIDERAM
cendo juntas está ajudando a mentorar outras JOGAM JUNTAS
Autora: Daniela Bertoldo
Ao longo da minha carreira, tive a mulheres em sua empresa. Ao
Editora: Gente Autoridade
sorte de ser mentora e mentorada apoiarmos umas às outras, podemos Páginas: 192
ao lado de mulheres incríveis. Uma superar os desafios que enfrenta- Preço: R$ 59,90

experiência que tem tudo a ver com mos e crescer juntas.

fev / mar 2024 VOCÊ RH 65


NA REAL POR ISIS BORGE

Os fatos da
transparência salarial
A
maioria dos brasileiros apoia uma maior clareza sobre a técnicas e comportamentais necessárias para cada cargo – consi-
remuneração como forma de combater a desigualdade derando a avaliação 360°.
salarial entre os gêneros. foi o que identificou uma pes- nos estados Unidos, o recrutador não pode perguntar quanto
quisa elaborada pelo talenses Group em parceria com a um candidato ganha, mas a checagem dos dados do currículo é
fGv-eaesp e com o apoio da plataforma de vagas talent. rigorosa. no mercado brasileiro, as contratações são feitas mais por
o estudo revela, porém, que a realidade está distante desse desejo. relacionamentos e habilidades de comunicação e empatia, e menos
Segundo a pesquisa, 75% dos respondentes não acreditam que as com base nas competências. além disso, aqui, as referências nem
empresas sejam transparentes sobre o tema ou apoiem leis que as sempre chegam a ser conferidas.
obriguem a divulgar o salário de uma posição anunciada ao merca-
do. mais da metade dos respondentes até admite que essa abertura Nivelamento por baixo?
da informação pode gerar empecilhos para suas próprias carreiras. considerando o mercado e o profissional brasileiro, vejo um desafio:
Dito isso, é importante saber que já temos uma diretriz formal o quanto uma pessoa pode ser julgada ou maltratada pelos cole-
quanto à equidade de remuneração entre gêneros e grupos diversos. gas por chegar à empresa com uma faixa salarial superior à dos
está em vigor a Lei 14.611/23, que “dispõe sobre a igualdade sala- demais? Será que temos maturidade para lidar com informações
rial e de critérios remuneratórios, entre mulheres e homens para explícitas e irrestritas?
a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma a maioria das pessoas não se sente confortável em falar aber-
função”. o texto diz que “na hipótese de discriminação por motivo tamente sobre remuneração, as empresas não costumam ter um
de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças diálogo claro com os colaboradores sobre salário e as trilhas de
salariais devidas ao empregado discriminado não afasta seu direito carreira precisarão ser mais bem desenhadas.
de ação de indenização por danos morais”. Diante dessas novas leis, o risco é que aconteça um nivelamento
por baixo dos salários, para que haja a equidade. Se a empresa julga
Vantagens de divulgar o salário para os interessados que não tem dinheiro para pagar às mulheres o que os homens
resolvi abordar esse tema, obviamente, pela relevância do assunto, ganham, eles é que passam a ganhar como elas – e não o contrário.
mas também porque está em tramitação na câmara dos Deputados e vale lembrar: a política de remuneração impacta diretamente
o projeto de Lei 1149/22, que obriga as empresas a mencionar, na o employee value proposition (evp), que mede a percepção do
oferta da vaga, a faixa salarial oferecida. colaborador sobre a relação dele com a empresa. algo a se pensar
como headhunter, vejo algumas vantagens nessas leis. Uma antes de igualar pelo piso – e não pelo que é justo para todos.
delas é que os profissionais passarão a se candidatar a uma vaga .
sabendo com exatidão o salário e os benefícios ofertados. Depen-
dendo das pretensões dessas pessoas, isso elimina (ou agiliza) a
fase da negociação salarial. com o alinhamento de expectativas, o
candidato pode dar um foco maior nos desafios da vaga.
Quando os profissionais têm maior clareza sobre as faixas sala- ISIS BORGE
riais praticadas em cada degrau da empresa, conseguem fazer um É executive director
plano de progressão de carreira mais objetivo. mas, para isso, as Talenses e managing
companhias precisam ter uma avaliação de desempenho estrutu- partner Talenses Group

rada, com o mapeamento claro dos entregáveis e das habilidades

66 VOCÊ RH fev / mar 2024 F O T O : D I V U L G AÇ ÃO

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