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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA LICENCIATURA PLENA

ELISABETH OLIVEIRA LIMA DE SOUZA

A CONTRIBUIÇÃO DA LITERATURA EM SALA DE AULA NUMA PERSPECTIVA


INTERDISCIPLINAR

NATAL-RN

2016.1
ELISABETH OLIVEIRA LIMA DE SOUZA

A CONTRIBUIÇÃO DA LITERATURA EM SALA DE AULA NUMA PERSPECTIVA


INTERDISCIPLINAR

Monografia apresentada ao Curso de Pedagogia do


Centro de Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte como requisito parcial para obtenção
do Grau de Licenciatura em Pedagogia, orientada pela
Prof.ª Dr.ª Alessandra Cardozo de Freitas.

NATAL-RN

2016.1
A CONTRIBUIÇÃO DA LITERATURA NA SALA DE AULA NUMA PERSECTIVA
INTERDISCIPLINAR

POR

ELISABETH OLIVEIRA LIMA DE SOUZA

BANCA EXAMINADORA

Orientadora Prof.ª Dr.ª Alessandra Cardozo de Freitas


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
DEDICATÓRIA

Ao Deus único e sábio, seja dada glória para sempre, por meio de Jesus Cristo!
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar minha gratidão é ao meu Deus que realizou o desejo do meu
coração em tempo oportuno.
Aos meus pais, seu Lima de dona Elza, que souberam transmitir valores
inestimáveis.
Ao meu esposo, Marivaldo, por compartilhar todos os momentos de incerteza até
chegar a essa grande conquista.
Às minhas filhas, Mariana e Marília, minhas motivações diárias.
À minha orientadora, Alessandra Cardozo, que teve paciência, carinho, amizade e
que acreditou que eu conseguiria.
Aos inúmeros amigos, de infância, da juventude, de perto e de longe que me
ajudaram na realização das diversas atividades do curso, vocês foram dez.
Aos meus irmãos em Cristo de quem muito precisei de orações e fizeram muito mais com
suas palavras.
Ao trio mui querido ao qual fui presenteada neste curso: Milena, Pâmella e Williane.
Levarei para sempre as recordações pelos dias de apresentação dos seminários,
elaboração de relatórios, os lanches, nossas conversas regadas a muitas risadas, e os
conselhos que pela minha experiência de vida pude transmitir a vocês. Quero somente
agradecer!
SUMÁRIO

 Resumo ........................................................................................................ 07

 1.Introdução ................................................................................................. 08

1.1 Abordagem do tema ..................................................................... 08


1.2 Ponto de partida ........................................................................... 09
1.3 Delineando o percurso .................................................................. 12

 2. De que forma a literatura é abordada na escola? ................................ 13

 3. A literatura infantil e seu aspecto interdisciplinar ............................... 21

3.1 Desvendando a interdisciplinaridade ............................................ 21


3.2 Por dentro da literatura ................................................................. 25
3.2.1 O conto de fada e o seu aspecto interdisciplinar ....................... 29
3.2.2 Fábulas: efabular redes de significação .................................... 32

 4. Alternativas didáticas interdisciplinares no trabalho pedagógico com a


literatura ....................................................................................................... 36

4.1 Aprendendo a conhecer ............................................................... 36


4.2 Um caminho .................................................................................. 41
4.3 Exemplo de aula interdisciplinar ................................................... 45

 5.Considerações .......................................................................................... 47

 6.Referências ............................................................................................... 49
RESUMO

Com a perspectiva de intensificar o diálogo entre as áreas de ensino no intuito de aproximá-


las é que esta monografia vem abordar sobre o trabalho com a literatura em sala de aula
sob um ponto de vista interdisciplinar. A escolha desse tema é decorrente de observação
durante o período de estágio em uma escola municipal realizado durante o curso de
Pedagogia que, evidenciou a fragmentação que ocorre no sistema educacional, o que torna
um fato preocupante. O caminho percorrido para a construção deste trabalho foi realizado
por meio de um estudo bibliográfico no qual se procurou estabelecer o diálogo com autores
que abordam essa temática. Em cada etapa de construção os autores Soares (2011),
Zilberman (2003), Resende (2013), Lück (2013), Morin (2014), Magnani (2001) foram
proporcionando forma a este trabalho juntamente com outros autores que serão
mencionados no decorrer do percurso. Foram destacados inicialmente a forma como a
literatura figura na rotina escolar. Em seguida tratamos o que seria a abordagem
interdisciplinar e os aspectos valorativos da literatura. Finalizamos com orientações didáticas
e metodológicas para a realização do trabalho interdisciplinar com a literatura para a
alfabetização. Pela pesquisa ampliou-se a compreensão de como é essencial o diálogo
entre o processo interdisciplinar e a literatura.

Palavras – chave: aprendizagem, literatura, interdisciplinaridade.


1 INTRODUÇÃO

1.1 Abordagem do tema

Entendemos que a alfabetização numa perspectiva interdisciplinar constitui


um processo que torna mais significativo o ensino e a aprendizagem do aluno.
Compreendemos, ainda, que essa perspectiva pode ter como eixo articulador e
motivador a leitura de literatura.
Uma vez que entendemos que o processo de alfabetização se dá num
contexto de complexidade de saberes e que seu aprendizado deve estabelecer uma
relação de sentido, acreditamos que todas as práticas desenvolvidas devem dialogar
entre si abrangendo os conteúdos estudados em sala de aula, visto que a
apresentação de forma fragmentada traz prejuízo ao educando por causar
distanciamento entre as áreas de ensino.
A literatura infantil torna possível esse diálogo, pois sua natureza envolvente
permite que o aprendiz desenvolva sua criatividade e estabeleça conexão com o seu
mundo de pertencimento não ficando restringida, apenas, como um momento de
uma simples leitura. Torna-se então, a literatura, como grande facilitador do
processo de alfabetização, porque as crianças gostam de ouvir as narrativas que
para elas representam um momento de descontração em que seu imaginário é
despertado.
Concordamos com Teles citando Coelho (1986) ao revelar que
Literatura é arte, é um ato criativo que, por meio da palavra, cria um
universo autônomo, realista ou fantástico, onde os seres, coisas, fatos,
tempo e espaço, mesmo que se assemelhem ao que podemos reconhecer
no mundo concreto que nos cerca, ali transformado em linguagem,
assumem uma dimensão diferente: pertencem ao universo da ficção.

A linguagem literária tem um encantamento próprio de envolver o leitor, pois


cada leitura desperta um sentido único em quem está lendo por meio de suas
associações e de experiências de leituras anteriores. Cabe ao professor, aproveitar
esse momento e transformá-lo de forma que desperte no aluno um potencial criativo
e rico de aprendizagem.

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Partindo dessa perspectiva de que é possível estabelecer uma relação entre a
literatura infantil e os conteúdos ministrados em sala é que este trabalho objetiva
responder algumas indagações: de que forma a literatura é apresentada em sala de
aula? É possível uma aproximação entre a literatura e os conteúdos estudados em
sala de aula? De que forma é possível desenvolver atividades didáticas e
pedagógicas em sala de aula tomando a literatura numa perspectiva interdisciplinar?
Consideramos ser de extrema relevância a ligação entre todos os saberes e
desta forma estruturamos o presente estudo. Este estudo ainda pretende
proporcionar aos docentes uma contribuição para o bom desempenho de sua
prática.

1.2 Ponto de partida

O despontar dessa investigação decorreu das vivências em sala de aula


durante o período relativo a dez dias do Estágio obrigatório do curso de Pedagogia
na turma do primeiro ano do Ensino Fundamental I. Esse estágio foi realizado numa
escola da rede municipal de ensino localizada na zona norte de Natal. A turma era
composta por 25 alunos, 14 meninas e 11 meninos, com idades de 6 a 7 anos.
As inquietações se deram após observar a prática da professora diante
daquela turma, pois a maneira de exercer sua prática remetia a um ensino
tradicional. A abordagem tradicional parte do pressuposto que o saber está centrado
no professor sendo ele o detentor do conhecimento, e o papel do aluno é o de
absorver as informações (MIZUKAMI,1986).
Observei que ao chegarem à sala os alunos de imediato pegavam seus
cadernos para copiar a rotina do dia e esta tarefa durava a primeira parte da aula,
porém alguns não conseguiam terminá-la. Muitos deles questionavam o porquê de
realizarem aquelas cópias, porque não entendiam seu significado, porém não
obtinham resposta da professora e continuavam a copiar sem que compreendessem
o que estavam escrevendo. A rotina escrita no quadro descrevia as atividades que
seriam executadas naquele dia, mas constatei que esta não ocorria de fato.

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Este procedimento remetia a concepção bancária de ensino nomeada por
Paulo Freire, pois não despertava no aluno o interesse em produzir conhecimento.
Nessa concepção
O educador é o que educa, os educandos, os que são educados; o
educador é o que sabe, os educandos, os que não sabem; o educador é o
que pensa, os educandos, os pensados; o educador é o que diz a palavra,
os educandos, os que a escutam docilmente; o educador é o que disciplina,
os educandos, os disciplinados; o educador é o que opta e prescreve sua
opção, os educandos, os que seguem a prescrição; o educador é o que
atua, os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do
educador; o educador escolhe o conteúdo programático, os educandos,
jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele; o educador identifica a
autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe
antagonicamente à liberdade dos educandos, estes devem adaptar-se às
determinações daquele; o educador, finalmente, é o sujeito do processo, os
educandos, meros objetos (FREIRE, 1987, p. 59).

O quadro acima descrito não é mais satisfatório para as novas exigências


educacionais visto que os alunos é que são os sujeitos da educação e seus pontos
de vista devem ser considerados.
Na escola, em que foi realizada a observação, uma das metas do Projeto
Político Pedagógico está centrada na formação de leitores competentes, visto o
baixo desempenho apontado pela instituição no Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb). E para promover a elevação desse índice uma das
medidas adotadas foi implantar um projeto de leitura. Neste projeto cada sala
recebia nome de autores literários e cada professor apresentava aos alunos as
obras destes autores a fim de que contribuísse na formação dos pequenos leitores.
Porém, o momento que era destinado à leitura se resumia somente a leitura
do texto sem quaisquer questionamentos que pudessem aproximar o que era lido da
realidade do aluno. As obras trabalhadas na sala eram de Ana Maria Machado.
Passado o período de observação e analisadas as dificuldades foi possível
elaborar um plano de intervenção de maneira a contemplar as dificuldades
encontradas: aproximar a literatura ao contexto de vida do aluno articulando aos
outros conteúdos disciplinares.
Nos dias destinados a regência foi utilizada práticas que promoveram uma
aproximação entre a literatura e os conteúdos estudados, chegando-se a identificar
determinadas ocorrências na sala de aula. No geral, as crianças obtiveram uma
maior compreensão, pois conseguiram estabelecer relação de sentido e um dos

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fatores foi que não houve uma ruptura na sequência ministrada, ou seja, a leitura
permeou por todas as disciplinas daquele dia.
Por conseguinte, essa experiência possibilitou um confronto entre duas
práticas em sala de aula: a que caracterizo como, tradicional, regida pela professora
titular da sala e uma mais próxima da concepção interdisciplinar, experimentada
durante os dez dias de regência.
Foi constatada, no que pese os poucos dias vivenciando a regência, que
alguns resultados foram visíveis quanto ao processo de articulação da literatura às
demais disciplinas; como Matemática e Língua Portuguesa.
Diante dessa experiência surgiu a pergunta: Por que utilizar a Literatura como
fonte de possibilidades desse aprendizado? Porque sua linguagem lúdica e
inspiradora atrai porque a infância é o momento onde as brincadeiras fluem e nesse
ato de brincar o aprender está associado. Como afirma Amarilha (2009, p.56):

Brincar é coisa muito séria, e além de tudo a atividade lúdica que a literatura
oferece desenvolve na criança uma atitude positiva para com a
aprendizagem, com a sala de aula, com a escola, pois o lúdico é
estimulante, apaixonante, envolvente, mobilizador.

Ainda segundo a autora a criança no ato da leitura de literatura consegue


estabelecer relação com o texto organizando seu presente e projetando seu futuro
transformando em várias possibilidades vivenciadas na interação com o texto e isso
é resultado de um trabalho coletivo baseado no diálogo.
Segundo Fazenda (2008, p.87), “o processo pedagógico precisa se
fundamentar no diálogo, tanto entre as pessoas quanto entre as disciplinas”, e nesse
sentido o trabalho interdisciplinar aparece como eixo consolidador dos saberes em
sala de aula, pois na medida em que os alunos compreendem que o fragmento faz
parte do todo surge a curiosidade e necessidade de unir as partes a fim de que
possam chegar a totalidade do conhecimento.
Ivani Fazenda (2002) conceitua a interdisciplinaridade como “uma nova
atitude diante da questão do conhecimento, de abertura à compreensão de aspectos
ocultos do ato de aprender e dos aparentemente expressos, colocando-os em
questão”. Não obstante, oportuniza ao aluno ser o protagonista no processo ensino-

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aprendizagem fazendo com que ele faça as ligações necessárias para a
transformação de sua realidade.
A formação integral do aluno é de fundamental importância e o trabalho
interdisciplinar contribui de maneira significativa, pois o alfabetizar não está restrito
apenas a decodificação, pois conforme Soares (2003), a alfabetização só tem
sentido quando desenvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de escrita e
por meio dessas práticas, sendo assim compreendida no contexto de interação de
vida do aprendiz.

1.3 Delineando o percurso

Esta pesquisa preocupa-se em estudar a contribuição da literatura na sala de


aula para além do aspecto da leitura e assim evidenciar sua importância no
processo de alfabetização numa perspectiva interdisciplinar analisando-a como um
contributo da aprendizagem.
O caminho percorrido para a construção deste trabalho foi realizado por meio
de um estudo bibliográfico no qual se procurou estabelecer o diálogo com autores
que abordam essa temática. Em cada etapa de construção os autores Soares
(2011), Zilberman (2003), Resende (2013), Lück (2013), Morin (2014), Magnani
(2001) foram proporcionando forma a este trabalho juntamente com outros autores
que serão mencionados no decorrer do percurso.
Estruturamos este trabalho monográfico do seguinte modo:
 No primeiro capítulo há introdução ao tema abordando como surgiu o
interesse por essa pesquisa;
 No segundo capítulo fazemos uma apresentação sobre a forma como
a literatura é abordada na escola e quais suas implicações;
 No terceiro capítulo investigamos quais características
interdisciplinares são encontradas na literatura;
 No quarto capítulo trazemos alternativas didáticas no que concerne ao
trabalho interdisciplinar com a literatura e por fim apresentamos
nossas considerações sobre o estudo como forma de colaborar com a
prática literária em sala de aula e despertar novas inquietações.

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2 DE QUE FORMA A LITERATURA É ABORDADA NA ESCOLA?

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB


9.394/96, um dos objetivos do Ensino Fundamental é “o desenvolvimento da
capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da
escrita e do cálculo”. Em concordância os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs
(1997) orientam ao educador que esse aprendizado deve representar algum
significado para o educando, e no que compete ao ensino de literatura orienta que “é
importante que o trabalho com o texto literário esteja incorporado às práticas
cotidianas da sala de aula” (PCN, 1997, p. 29).
Para refletir sobre o trabalho literário na sala de aula iremos pontuar algumas
questões abordadas por Magda Soares (2011), em que apresenta alguns equívocos
quanto ao modo como a literatura é abordada na e pela escola, que, na concepção
da autora, em muitas ocasiões a literatura é utilizada erroneamente de maneira a
afastar os leitores por se apresentar distante das práticas sociais de leitura. A autora
destaca os seguintes equívocos:

 Há predominância de gêneros narrativos e poemas;


 Recorrência dos mesmos autores e obras;
 Descaracterização da obra literária;
 A literatura se apresenta na escola de forma fragmentada;

Partindo desses pontos citados acima conferimos que na maioria das vezes o
suporte escolhido para exposição do texto literário é o livro didático por este ser uma
ferramenta adotada pela escola, e segundo Pinheiro (2006) apud Dalvi “o livro
didático costuma guiar as práticas de leitura realizadas na sala de aula”, porém o
livro didático é um produto da indústria cultural cujos conteúdos estão condensados
ocorrendo um direcionamento quanto a sua finalidade, nele o público alvo é tratado
de forma homogênea sendo induzidos a pensar e agir de um mesmo modo.
Entretanto, segundo Zilberman (2003), é preciso agir criticamente diante das obras
nele apresentadas.

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A sala de aula é um espaço adequado para ampliação dos saberes, é
também o primeiro contato que grande parte dos alunos estabelece com o texto
literário e o trabalho com a literatura torna-se primordial, portanto, a diversidade de
gêneros, autores e obras deve ser explorada adequadamente uma vez que cada
obra provoca no leitor um ganho específico que o professor não é capaz de
mensurar.
É importante confrontar os alunos com a diversidade do literário (cujo
conhecimento afina os julgamentos de gosto): diversidade dos gêneros: ao
lado de gêneros tradicionais (romance, teatro, poesia, ensaio), os novos
gêneros (autoficção, história em quadrinhos, álbum); diversidade histórica:
obras canônicas, fundadas em valores nos quais uma sociedade se
reconhece, obras contemporâneas, literatura viva que lança um olhar sobre
o mundo de hoje; diversidade geográfica: literatura nacional, literatura
estrangeira, principalmente as grandes obras traduzidas do passado e do
presente que se abrem para outras culturas e constituem lugares de
compartilhamento simbólico na era da globalização (ROUXEL apud
REZENDE, 2013, p. 23-24).

A limitação desses elementos favorece, por um lado, a escola quanto ao ato


de moldar seu trabalho educativo tornando-o mais fácil, pois na medida em que há
uma seleção de gêneros, autores e obras passa a existir uma mecanização da
prática que interfere diretamente na execução das atividades que, na maioria das
vezes, são apresentadas de forma fechada já posta no texto; por outro lado,
compromete o aluno em seu descobrimento pelo gosto da leitura, porque também
transmite uma visão distorcida de que a literatura está restringida aquele grupo
específico (SOARES, 2011).
O direcionamento que é dado à literatura na escola preocupa-se em atingir
objetivos encerrados em si onde é imposta ao aluno uma atitude passiva. Diante
dessa conduta é importante não restringir o uso da literatura em sala de aula uma
vez que se compreende que o papel da escola é contribuir na formação do leitor
então, se faz necessário fazê-lo com seriedade já que isso implica em ganhar ou
perder novos leitores.
Em continuidade a crítica de Soares (2011), no que confere ao aspecto sobre
a descaracterização da obra literária, a autora recomenda que sejam observados
critérios de forma a não alterar as características do texto, conferindo às informações
que apontam a autoria da obra, das imagens, isto é, de todo o corpo do texto
literário, pois, é recorrente a ocultação desses dados e em decorrência disso o autor
do livro didático é quem recebe os créditos pela autoria de todo conteúdo reforçando
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aquilo que é percebido: há uma (des)“apropriação” do texto literário pelo uso
indevido onde a literatura é utilizada como “uma disciplina, um conteúdo, um veículo
de transmissão de valores” (PARREIRAS, 2012, p. 188), isto é o que Soares (2011)
nos chama atenção: que essa modificação que ocorre ao se transportar o conteúdo
do livro de literatura para o livro didático ocasiona uma deformação do sentido do
texto.
O texto literário possui identidade/forma e ao ser incluído no livro didático
deve vir acompanhado dos elementos que caracterizam como uma obra tendo a
apresentação de título, autor tanto da obra quanto das ilustrações e tantas outras
informações pertinentes a ele. Esse trabalho deve ser executado em sala assim
como pensa Parreiras (2012, p. 196) “já que o livro é um objeto cultural que tem sido
apropriado pela escola para o trabalho de conteúdos, de criações, podemos fazer
com que a aproximação entre aluno e livro seja agradável e instigante”. Isso quer
dizer que embora muitas informações não estejam aparentes cabe ao mediador do
ensino procurar alternativas que preencham as lacunas deixadas pelo livro. Muito
embora o livro didático transmita uma sensação de completude na verdade
“compõe-se de fragmentos de livros, que, reunidos, tomam a forma de um livro
integral” (ZILBERMAN, 2003, p. 258), pois é um produto que tem suas limitações.
Para ratificar esse pensamento trazemos aqui o comentário que Zabala (1998, p.
182) fez a respeito do livro didático:
O livro didático é útil como compêndio do saber, como lugar onde se
encontram resumidos ou ampliados os conhecimentos que são trabalhados
ou podem ser trabalhados em classe, como meio para aprofundar,
fundamentalmente como material de consulta. Por outro lado, a construção
do conhecimento necessário para a aprendizagem dos conceitos e dos
princípios requer outras atividades e, portanto, outros materiais.

Por mais que o livro didático descaracterize, condicione ou se aproprie da


obra literária, é papel da escola fazer conhecido o lugar que a literatura ocupa na
vida do sujeito de maneira tal que o leitor fique ciente que ela, a literatura, não atua
como coadjuvante no processo de ensino e aprendizagem.
O último ponto que destacamos dos questionamentos feitos por Soares
(2011) é sobre a fragmentação que se faz da literatura e este ponto também será
retomado no próximo capítulo por compreender o tema dessa pesquisa.

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Podemos perceber no decorrer desta análise que a literatura na sala de aula
tem sido penalizada a ponto de perder sua característica de obra que evoca o saber
e com isto o afastamento dos leitores se torna inevitável. Ela é apresentada no
suporte do livro didático justificando as alterações porque passa, já que ocorre uma
adequação ao conteúdo que se quer abordar neste suporte, que, implica de modo
direto na fragmentação da obra literária.
A fragmentação está presente no modelo educacional, em consequência da
especialização das áreas de ensino onde cada profissional cria uma blindagem em
torno do seu saber agindo como se fosse único e suficiente. Em se tratando do
ensino literário por parte da escola podemos localizar no contexto do livro didático o
reforço a fragmentação, pois constatamos que é suprimido do texto literário diversas
informações que modificam seu sentido. Conforme o trecho a seguir
Quando se lança mão de um fragmento de texto de literatura infantil, muito
frequentemente não se cuida de que o fragmento apresente, também ele,
textualidade, isto é, que apresente as características que fazem com que
uma sequência de frases constitua, realmente, um texto (SOARES, 2011,
p.31).

Nesta fala a autora faz alusão de que ao ser exposto no livro didático apenas
parte do texto literário alguns elementos de compreensão se perdem deixando a
narrativa incompleta ocasionando implicações de interpretação por parte do leitor,
pois, não existe um critério de continuidade na explanação das obras, os fragmentos
que nela aparecem são extraídos tanto do início, quanto do meio e fim da história a
depender da finalidade proposta no livro. Isso se dá porque há uma intencionalidade
por parte das editoras em direcionar o olhar do leitor para as atividades que serão
contempladas. Portanto, esperar que os alunos compreendam a integralidade do
texto a partir do fragmento é ilusório.
Quanto a isto Soares (2011, p. 36) ainda afirma
[...] a literatura infantil faz-se frequentemente de forma inadequada e, mais
que isso, prejudicial mesmo, pois abala o conceito que a criança tem,
intuitivamente, da estrutura narrativa, dá-lhe uma ideia errônea do que é um
texto e pode induzi-la a produzir ela mesma pseudotextos, já que estes é
que lhe são apresentados como modelo.

Logo essa inadequação causada pela fragmentação do texto projeta um leitor


que vê o texto apenas como um objeto a serviço do livro didático, que tem uma

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finalidade única de preencher campos para respostas lógicas localizadas no livro,
haja vista ser essa a função do texto percebida no livro didático.
Ainda refletindo sobre o modo como a literatura é apresentada em sala de
aula outros aspectos aparecem: a leitura literária que se faz em sala influencia na
escolha da leitura feita fora da escola. Isto ocorre por inúmeros motivos a começar
pelo acesso a literatura que os alunos têm onde a porta de entrada é a escola e, por
conseguinte, o livro didático é o fio condutor desse processo e como já pontuamos
há um controle sobre o leitor em que são dadas coordenadas sobre o que se espera
dele, são leituras sempre direcionadas criando assim uma dependência (DALVI,
2013).
Outro aspecto seria o distanciamento causado pela falta de sentido no
trabalho com a literatura. Pois, na medida em que a literatura é utilizada como uma
matéria para resolução de exercícios programados do trabalho com a língua onde só
se exige uma decifração óbvia torna-se uma atividade cansativa e transmite ao
aluno/leitor a sensação de que ele nunca irá utilizar aquele tipo de linguagem, não
existe o diálogo entre a leitura e seu estilo de vida. Isso vem refletir em todo
processo educativo em que ano após ano os alunos ficam condicionados à
reprodução e quando se deparam com algum questionamento não conseguem
opinar por não agir criticamente sobre o texto.
A exposição oral também é algo muito recorrente em sala de aula, neste tipo
de atividade o que é exigido do aluno é que ele reproduza as palavras com objetivo
único de verbalizar com eloquência sem considerar o sentido da palavra; a atividade
perde, então, o sentido sendo reforçado o entendimento que literatura é algo de
nível elevado, restrito a um grupo seleto de indivíduos, algo para gente genial. Neste
sentido, deve-se “tornar o texto literário “acessável” e acessível: é necessário que a
literatura não apenas esteja disponível em todos os lugares da escola, mas que seja
tornada compreensível, discutível, próxima” (DALVI, 2013, p. 81).
O trabalho com a literatura passa pelas experiências de leitura do professor.
O professor é concomitantemente, alguém que participa ativamente desse
processo; alguém que estuda, lê e expõe sua leitura e seu gosto, tendo para
com o texto a mesma sensibilidade e atitude crítica que espera de seus
alunos. Para seu trabalho prático, os critérios de seleção de textos devem
ser, entre outros, aqueles decorrentes da sua “frequentação de leitura”
(MAGNANI, 2001, p. 139).

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Se em sua trajetória como leitor o professor aprendeu a agir criticamente
sobre o texto certamente a mediação a partir de suas vivências conduzirá o aluno na
busca pelo significado da leitura literária, isto é, o comprometimento desse professor
é de suma importância para o processo de formação de leitores competentes.
Na escola um espaço privilegiado para exposição de textos literários é a
biblioteca, lugar que convida o leitor a mergulhar no mundo das letras onde ele pode
projetar seus anseios, intenções sobre o texto, envolver-se ativamente e sem
restrições por se tratar de um ambiente favorável à leitura.
A biblioteca exige uma postura de quem a frequenta, pois as obras ali
expostas tomam um significado sagrado, o tratamento dado ao livro é de grandeza
excelente. O acesso é livre, porém, nela devem ser observados os cuidados
necessários para o manuseio dos livros, respeitar o ambiente com silêncio – para
que a leitura seja fluida – as obras obedecem a uma classificação como critério de
organização, o que caracterizamos com ponto positivo.
A Lei Federal nº 12.244/2010 tornou obrigatório a instituição de bibliotecas
nas escolas e estas devem contar com no mínimo um título em seu acervo por cada
aluno matriculado, incluindo a presença do profissional bibliotecário.
Porém, essa realidade ainda não ocorre na grande maioria das escolas
tomamos como exemplo a escola de onde originou essa pesquisa. A biblioteca da
escola conta com um acervo expressivo de obras variadas, ambiente convidativo à
leitura com tapetes, puffs, almofadas, livros organizados por gênero, tudo bem
identificado. Essa preocupação em criar um ambiente agradável não foi em
decorrência da lei, mas sim de uma observação feita pela equipe pedagógica que
durante o intervalo notou que muitos alunos ficavam sem opção de recreação;
enquanto alguns corriam ou inventavam alguma brincadeira, outros ficavam isolados
sem entretenimento porque não havia outro atrativo.
Partindo então da necessidade do aluno a equipe pedagógica procurou saber
o que os agradaria fazer e ficou constatado que eles gostariam de utilizar a
biblioteca durante os intervalos, e isto foi o ponto de partida para a criação de um
projeto: “Recreio Literário”. No período da criação deste projeto a escola contava
com uma funcionária que atuava na biblioteca, e não encontrou dificuldades para
implementação. Na biblioteca os alunos recebiam boa acolhida, a funcionária

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realizava contação de histórias, como também os deixava manusear os livros de sua
escolha; enfim, era um momento prazeroso.
Tudo transcorria muito bem até o dia em que a funcionária se aposentou, e
desde então não foi enviado um substituto para o cargo e em virtude desse
acontecimento o projeto teve que ser paralisado deixando os pequenos leitores
frustrados, pois durante o intervalo eles pedem para acessar a biblioteca, perguntam
se podem fazer empréstimos de livros; é visível a procura do livro pelo prazer de ler.
Para não paralisar o acesso à biblioteca a escola optou por limitar as visitas, que
ocorrem por turma durante o período da aula sob a orientação do professor das
respectivas salas.
Esse fato é corriqueiro nas escolas, pois os funcionários destinados a ficar
nas bibliotecas são em sua maioria pessoas em final de carreira do serviço público
ou que precisam ser readaptados – como o exemplo citado - nisto concordamos com
Macedo (2005) quando afirma que não há interesse por parte dos órgãos públicos o
provimento de concursos para preencher as vagas de bibliotecário.
Nota-se que entre sancionar uma lei e cumpri-la existe uma grande lacuna,
pois é
[...] necessário por parte dos empregadores e dos administradores de
organismos governamentais de cúpula, um mínimo de conhecimento sobre
as dificuldades e obstruções ao desenvolvimento do ensino, bem como a
devida atenção aos relatórios e projetos dos Conselhos Regionais de
Biblioteconomia que lhes são dirigidos, cobrando apoio ao trabalho
profissional do bibliotecário (MACEDO, 2005, p.237).

Desta forma, cria-se um impasse para um problema, aparentemente, simples


de ser resolvido e o déficit literário só aumenta.
Diante de tais apontamentos se torna preocupante a forma de utilização da
literatura infantil na escola, pois a criança para se tornar um leitor competente
necessita de elementos que possibilitem a construção do conceito do texto,
conhecer a literatura em sua totalidade. Para que isso aconteça se faz
imprescindível “que sejam respeitadas as características essenciais da obra literária,
que não sejam alterados aqueles aspectos que constituem a literariedade do texto”
(SOARES, 2011, p.37), ou seja, a literatura deve ser apresentada de forma que não
seja omitida a constituição da obra, pois o trabalho com o texto literário possui
caráter formador com objetivos específicos conforme o trecho a seguir.

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O “estudo” que se desenvolve sobre o texto literário, na escola, é uma
atividade intrínseca ao processo de escolarização, como já foi dito, mas
uma escolarização adequada da literatura será aquela que se fundamente
em respostas também adequadas às perguntas: por que e para que
“estudar” um texto literário? O que é que se deve “estudar” num texto
literário? Os objetivos da leitura e estudo de um texto literário são
específicos a este tipo de texto, devem privilegiar aqueles conhecimentos,
habilidades e atitudes necessários à formação deu um bom leitor de
literatura (SOARES, 2011, p.43).

Entendemos assim que o aluno deve sentir-se motivado à leitura para que os
objetivos sejam alcançados; ele enquanto leitor deve ter liberdade de interação com
o texto concordando ou discordando do autor, obter respostas aos seus
questionamentos, analisar o texto sob seu ponto de vista num exercício de contínua
reflexão. Mas, infelizmente o que acontece em sala de aula com o trabalho literário é
a apresentação compartimentada, que podemos ver a partir do suporte onde a obra
literária se faz: o livro didático, uma ferramenta elaborada para instrumentalizar o
professor porém, utilizada como elemento principal de aprendizagem cujo conteúdo
se sobrepõe a todas as outras ferramentas.
Em consequência desta compartimentação do texto outros equívocos (que já
foram apontados) vão se agregando e reforçando a concepção de que a literatura
não faz parte do universo do leitor e, portanto, vai causando grande afastamento
deixando de conquistar novos leitores. Contudo, esse quadro poderá ser mudado
quando houver um resgate que restitua o valor que a literatura ocupa para os fins da
aprendizagem e para a vida, é necessário que haja uma reforma do pensamento
afirmado por Morin.

20
3 A LITERATURA INFANTIL E SEU ASPECTO INTERDISCIPLINAR

3.1 Desvendando a interdisciplinaridade

Neste capítulo iremos averiguar alguns aspectos sobre a literatura que não
são abordados na escola, tomando como ponto de partida o seu aspecto
interdisciplinar. Para tanto se faz necessário que primeiro compreendamos o que
trata a abordagem interdisciplinar.
A interdisciplinaridade não é uma ideia recente, parte da compreensão de um
conhecimento global que se perdeu com o tempo e que vem causando desajuste no
processo de aprendizagem pelo distanciamento que há da realidade cotidiana dos
alunos com relação ao conhecimento e ao modo como é ensinado na escola.
Esse distanciamento é semelhante ao que, por muito tempo, se convencionou
o modo de produção de trabalho em que a divisão do processo era garantia de
eficiência, pois havia a compreensão de que quanto mais particularizado fosse o
ofício maior produção haveria. Esse tipo de produção trouxe, por um lado, além do
controle, lucros expressivos aos seus idealizadores, porém, por outro lado,
causaram prejuízos aos que executavam a ação, o sistema funcionava
mecanicamente e por meio de ações repetitivas que não exigiam qualquer
conhecimento além para a sua execução, ou seja, não era estimulada a produção do
conhecimento global pela ocorrência da especialização do serviço.
E foi essa especialização que acarretou uma diluição dos saberes, a
educação, sofreu perdas consideráveis, posto que os conhecimentos se
compartimentaram. Entretanto, as novas exigências de um mundo globalizado
necessitam de um ser pensante em sua totalidade que saiba articular pensamento e
ação e desta forma transformar sua realidade. Nesse sentido Lück (2013, p.41) nos
assegura que

A educação, enquanto se propõe a formar o cidadão para viver uma vida


em sentido mais pleno de modo que possa conhecer e transformar sua
situação social e existencial marcada pela complexidade e globalidade,
mostra necessidade de adotar o paradigma da interdisciplinaridade.

21
Eis aí um grande desafio da educação que vê na interdisciplinaridade uma
possibilidade de aproximação entre ação e pensamento. Mas o que é
interdisciplinaridade?

“Interdisciplinaridade é o processo que envolve a integração e o


engajamento de educadores, num trabalho conjunto, de interação das
disciplinas do currículo escolar entre si e com a realidade, de modo a
superar a fragmentação do ensino, objetivando a formação integral dos
alunos, a fim de que possam exercer criticamente a cidadania, mediante
uma visão global de mundo, e serem capazes de enfrentar os problemas
complexos, amplos e globais da realidade atual” (LÜCK, 2013, p.47).

Este conceito foi elaborado a partir do levantamento de proposições que um


grupo de professores do Paraná concluiu ao pesquisar sobre o tema. Para eles a
interdisciplinaridade: fazia elo entre as disciplinas, tornava possível a associação do
ensino à realidade, estava acima da fragmentação, estabelecia uma linguagem em
comum entre os professores e formava o aluno de maneira global. A
interdisciplinaridade promove uma mudança de paradigma sobre o conhecimento,
pois ela consegue congregar os saberes e através dessa integração muitos
questionamentos da realidade humana encontram respostas.
Para compreender a interdisciplinaridade é necessário refletir sobre o
pensamento filosófico que sempre se preocupou em obter respostas acerca do
mundo, sobre o sentido das coisas e qual a relação que estabelecia com a
existência humana.
As primeiras explicações foram de ordem mítica, as respostas que os homens
procuravam sobre o acontecimento das coisas eram atribuídas a divindades, e por
meio delas tudo se explicava. Mas, não foi suficiente para explicar tudo pois, a
explicação advinha do sobrenatural e chegou momento que a filosofia começa a
olhar para o interior das coisas e por meio da razão encontrar o significado, dando
início ao modo metafísico de pensar.
Mas com o passar do tempo, a consciência filosófica não acreditava somente
na explicação racional e outros pensadores, os cientistas, passaram a argumentar e
creditar o sentido das coisas pela ciência e isto perdurou por um tempo até que
outra perspectiva foi constituída superando as concepções anteriores. A concepção
dialética sintetiza e integra os aspectos positivos das correntes de pensamento

22
anteriores mas, desta feita mais próxima da realidade, pois coloca em evidência que
o sujeito e o objeto se instituem mutuamente e além disso, cada modo de pensar
tem sua importância. Nisto traçamos um paralelo com o pensamento interdisciplinar
que não dissocia crença, razão e ciência, o que existe é tentativa de resgatar o
pensamento lógico da totalidade e encontrar respostas a partir de observações feitas
de um objeto em diferentes ângulos. É o que nos afirma Ferreira

A interdisciplinaridade perpassa todos os elementos do conhecimento,


pressupondo a integração entre eles. Porém, é errado concluir que ela é só
isso. A interdisciplinaridade está marcada por um movimento ininterrupto,
criando o recriando outros pontos para discussão [...] Apesar de não possuir
definição estanque, a interdisciplinaridade precisa ser compreendida para
não haver desvio na sua prática. A ideia é norteada por eixos básicos como:
a intenção, a humildade, a totalidade, o respeito pelo outro, etc.
(FERREIRA, 1999, p.34)

Nisto converge o trabalho coletivo posto que os profissionais precisam sair de


suas zonas de conforto e deslocar-se para um ponto em comum a fim de que
possam realizar um trabalho interdisciplinar em que o diálogo é o elemento chave.
Lück (2013. p. 59) vem corroborar com este pensamento quando afirma que

Não há receitas para a construção interdisciplinar na escola. Ela se constitui


em um processo de intercomunicação de professores que não é dado
previamente e, sim, construído por meio de encontros e desencontros,
hesitações e dificuldades, avanços e recuos, tendo em vista que,
necessariamente, se questiona a própria pessoa do professor e seu modo
de compreender a realidade no processo.

Conforme afirmamos anteriormente, o diálogo é um elemento de muita


importância para a prática interdisciplinar, pois através dele os pensamentos vão
sendo revelados a partir do momento em que as “caixinhas” de ideias vão se abrindo
e possibilitando a oportunidade de tecer tudo em conjunto, permitindo a integração
de conhecimentos revelando que o significado surge quando as peças se juntam.
Portanto, “é preciso substituir um pensamento que isola e separa por um
pensamento que distingue e une” (MORIN, 2014, p.89).
A abordagem interdisciplinar preocupa-se na formação integral do indivíduo,
que Morin chama de “Uma cabeça bem feita”, em que o indivíduo possui
competência para lidar com os problemas, organizando-os de maneira tal que o

23
armazenamento faça sentido através de suas conexões e não resulte somente num
acúmulo de informações.
No entanto, para que se chegue nessa condição é necessário um grande
envolvimento dos profissionais da educação no trabalho interdisciplinar, pois, este
ainda é um campo desconhecido chegando muitas vezes a ser confundido com
“trabalho cooperativo e em equipe, visão comum do trabalho, pelos participantes de
uma equipe, integração de funções, cultura geral, justaposição de conteúdos e
adoção de um único método de trabalho por várias disciplinas” (LÜCK, 2013, p.39-
40). Esta confusão se dá porque sempre se está pensando a educação como peças
separadas que podem se unir mas, sem a realização de uma reflexão sobre onde se
pretende chegar.
A interdisciplinaridade se coloca no âmbito do saber em movimento contrário
à fragmentação. A prática de ensino há muito realizada pela escola condicionou o
aluno a fazer reproduções fazendo com que ele tivesse uma visão incompleta, pois
nessa concepção se compreendia que para melhor conhecer era necessário dividir.
Já na prática interdisciplinar o aluno é livre para problematizar sobre sua realidade
onde estabelece um vínculo de aprendizagem com o professor, que é fundamental
no avanço da “realização da ligação dos conhecimentos” (MORIN, 2014, p. 32).
No modelo de aula disciplinar de língua Portuguesa, por exemplo, o professor
prioriza a transmissão de pequenas partículas de uso gramatical a partir de um texto
sem fazer interlocução com o todo da produção escrita. Os conteúdos são apenas
repassados pelo professor e aglomerados pelo aluno que exerce uma atitude
passiva e o principal, que são as várias formas de comunicação da língua enquanto
interação fica a parte. Exclui-se a reflexão do uso da língua sobre o que o aluno irá
pôr em prática e para quê após apreender as regras gramaticais.
No modelo de aula interdisciplinar a língua é vista como uma prática social
que circula por todos os meios, portanto, consegue estabelecer relação entre as
disciplinas. O conteúdo de Língua Portuguesa pode ser somado à outra disciplina a
partir de um tema gerador que atenda o interesse do aluno. Isso não quer dizer que
os professores precisam atuar juntos, mas procurar seguir uma sequência lógica de
sua prática traçando um diálogo entre as disciplinas que por sua vez irá derivar
motivação por parte dos alunos.

24
Em suma, a interdisciplinaridade situa-se no conceito da orientação das ações
pedagógicas no sentido de aproximar os conhecimentos através do diálogo, que
embora, aparentemente, opostos partem de um mesmo princípio e deve convergir
ao sujeito da aprendizagem, o aluno, de maneira a situá-lo no mundo.
A partir do entendimento de como se orienta a prática na perspectiva
interdisciplinar e por considerá-la um fator de transformação para o ensino na
atualidade, pois reaproxima os saberes, consideramos que esta abordagem
promova um salto qualitativo frente aos problemas encontrados na ministração da
literatura na sala de aula.

3.2 Por dentro da literatura

A literatura contribui para a aprendizagem significativa no processo de


alfabetização. David Ausubel definiu a teoria da aprendizagem significativa como o
conhecimento prévio que o aluno possui que serve de base para estruturar novos
conhecimentos, ou seja, há uma organização das informações que o indivíduo
recebe e integra ao seu desenvolvimento cognitivo. Esta aprendizagem pode ser por
recepção – quando o aluno recebe uma informação pronta e dela consegue fazer
associações atribuindo significado – ou por descoberta – quando o aluno constrói
novos conhecimentos a partir das estruturas que possui.
A aprendizagem significativa por recepção e por descoberta contrapõe ao
que Ausubel chamou de uma aprendizagem mecânica, que é muito veiculada pela
escola, neste tipo de aprendizagem o aluno é condicionado a memorizar, repetir as
ações, sem haver qualquer ancoragem que permita a compreensão e uma eventual
progressão.
Sendo a literatura constituída por vivências há o pressuposto de utilizar
conhecimentos anteriores e nisto reflete a aprendizagem significativa, porque se não
houvesse uma base o trabalho com texto literário seria apenas um ato mecânico.
São aspectos como estes que acreditamos possuir a literatura e que serão aqui
ressaltados.
A apreensão da literatura passa pela formação do leitor, pois só através da
prática da leitura é que vão ser construídas as conexões para uma leitura que exija

25
do leitor o desejo de conhecer mais profundamente a linguagem literária. E este
processo deve ter início já nos primeiros anos de vida, quando a criança ouve
histórias que são contadas por repetidas vezes, pois estas causam admiração,
prazer, satisfação.
Quando a criança se apropria do processo de leitura e escrita passa a realizar
a leitura por si mesma e, se ela já estabeleceu a relação de sentido que a leitura
causa – age de forma interpretativa sobre o texto – continuará a desenvolver
mecanismos que lhe permitirão envolver-se com o texto literário, já que a leitura
invoca uma participação ativa do leitor. Nisto vemos que “a atividade de leitura
propicia, a expansão do leque de experiências do sujeito, que passa a interagir com
novas ideias e sentimentos, novas formas de conceber o mundo e as relações
humanas” (AGUIAR, 2013, p.154). Ainda segundo a autora são os textos literários
que favorecem a ampliação de sentido que o leitor adquire no ato da leitura.
A literatura por sua vez é a arte da palavra. É uma arte em que o
conhecimento é dilatado estando a serviço do leitor num processo de construção do
saber para a vida e, é através do jogo com as palavras que o leitor traça uma linha
favorável a comunicação. Porém, é necessário conhecê-la um pouco mais.
Em sua estrutura, a literatura, é compreendida por divisões que são
nomeadas de gênero, estes por sua vez apresentam subdivisões. Tomaremos como
base a categorização adotada por Coelho que concebe como gênero: a poesia,
ficção e o teatro. Para a autora

Gênero (ou forma geradora) é a expressão estética de determinada


experiência humana de caráter universal: a vivência lírica (o eu mergulhado
em suas próprias emoções, cuja expressão essencial é a poesia; a vivência
épica (o eu em relação com o outro, com o mundo social), cuja expressão
natural é a prosa, a ficção; e a vivência dramática (o eu entregue ao
espetáculo da vida, no qual ele próprio é personagem), cuja expressão
básica é o diálogo, a representação, isto é, o teatro (COELHO, 2000,
p.163).

A autora expressa um entendimento de gênero vinculado à experiência


humana, geradora de vivências diferenciadas com a palavra. São vivências que
exploram mais as emoções, como a poesia; ou que abordam a dimensão épica do
viver, como a prosa; e por fim, vivências que tematizam o dramático, como o teatro.

26
São mencionadas vivências com a palavra que considero como categorias
centrais a poesia, a prosa. A autora simplifica os conceitos congregando-os em
blocos mobilizando o sentido para a ação do eu em relação a si mesmo e ao outro,
ou seja, o significado do que é gênero parte da comunicação que o texto propõe;
com isto evita-se o enrijecimento de definição das partes subsequentes que ficam
reunidas conforme suas formas.
Em relação à poesia podemos elencar o soneto, ode, hino como parte de sua
composição pelos aspectos de exaltação que possuem. No campo da ficção está o
conto, romance, novela e também a literatura infantil, entre outras narrativas. A
representação através da farsa, tragédia e comédia caracterizam o teatro. Essa
classificação de gêneros retoma as considerações de Aristóteles em Arte Retórica e
Arte Poética (1882).
Esclarecidas essas definições podemos prosseguir com o entendimento que a
literatura perpassa por caminhos diversos operando através da emoção,
imaginação, atuação, oralidade, cognição, espaço, tempo, etc., não é uma
construção de pensamentos fechados, ela é fruto de uma produção de sentido de
tanto de quem a idealiza quanto daquele que lê. E se ela é fruto das vivências de
um autor/criador que se faz representar por meios de palavras também deverá ter
como produto um leitor/criador que terá como missão desbravar as letras ali
representadas, isso é possível devido a autonomia que é permitida na obra literária.
Pois, na medida em que a literatura é feita por vivências, tanto autor quanto leitor se
permitirão representar através das letras. “Por isso, pode-se dizer que o texto
literário é plurissignificativo, permitindo leituras diversas justamente por seus
aspectos em aberto” (BORDINI e AGUIAR, 1993, p.15).
A literatura desperta muitos saberes que são construídos a partir do
entrecruzamento de possibilidades de mundo que não estão aparentes no texto o
leitor é que vai preenchendo as lacunas, seguindo pistas deixadas ou não pelo autor
da obra. E podemos conferir esse pensamento com a fala de Rezende ao citar
Rouxel quando fala que
O leitor investe no texto a partir de sua experiência de mundo e da literatura
e se afigura o universo ficcional com imagens mentais que lhe são próprias.
Ao mesmo tempo, a incompletude do texto suscita no leitor uma forte
atividade inferencial: inferências lógicas, resultantes do sistema linguístico,
inferências pragmáticas que convocam saberes enciclopédicos (2013, p.
25).
27
Nisto percebemos que a literatura é um grande investimento a se fazer em
todo percurso escolar, pois sua leitura exige uma grande atividade mental exigindo
do leitor grandes articulações que para fazê-las é necessário que ele tenha consigo
algumas vivências. Sendo a literatura uma arte de palavras em movimento ela de
fato possui características de cunho interdisciplinar?
A literatura possui aspecto interdisciplinar porque comporta uma
multiplicidade de sentidos, isto é, permite uma abertura para várias leituras. O
próprio modo de categorização não está fechado em si, antes, dispõe de vários
significados. A literatura põe em evidência o “eu”, não no sentido egocêntrico da
palavra, mas enquanto sujeito reflexivo, e este “eu” pode ser quem quiser se
apresentar como tal, isto é, autor e leitor não ficam no campo de doador e receptor,
pelo contrário juntos travam um embate de luta pelo significado. A literatura é
transformadora.
Monteiro percebe que a atividade com a literatura vai além do ensino
disciplinar, pois para ele
As palavras literárias estão habitadas por um grau de complexidade que um
ensino disciplinar não tem condições de perceber tampouco evidenciar. A
literatura é uma criação da mente humana e a linguagem também é uma
criação da mente humana. A mente humana é complexa e a linguagem
literária, sendo uma de suas invenções, também o é. Um ensino disciplinar
não compreende que tudo é criação da mente do homem, visto que acredita
que o objeto é alheio ao sujeito, que o objetivo é alheio ao subjetivo (2007,
p. 127).

Portanto, abordar o ensino literário de forma disciplinar é penalizar todo um


processo de construção simbólica que tem como pano de fundo o mundo real. É
também querer responsabilizar uma área para dar respostas que necessitam
dialogar com outros conhecimentos tamanha complexidade que a literatura exige. “A
criação literária será sempre tão complexa, fascinante, misteriosa e essencial,
quanto a própria condição humana” (COELHO, 2000. p. 28). E por ser tão complexa
é que deve ser apresentada a partir do período da infância para seguir numa
sequência gradativa de inserção.
A infância é caracterizada por ser uma fase que a linha entre o real e o
imaginário é bastante tênue, através das brincadeiras a criança representa seu
mundo, a ficção, portanto, faz parte desse momento de aprendizagem. No universo

28
literário constata-se a identificação desses pequenos com os contos e as fábulas.
Que características interdisciplinares há nesses dois gêneros?

3.2.1 O conto de fada e o seu aspecto interdisciplinar

Quem nunca ouviu uma criança pedir para contar uma história e ouvi-la dizer:
era uma vez... Estas palavras já estão imbricadas no inconsciente das crianças que
as pronunciam de maneira automática quando se debruçam a contar uma história.
Os olhos acendem quais faróis e a atenção remete a uma hipnose. Este é o
momento que inicia o transporte para o imaginário.
O conto tem origem milenar, no período em que a religião era parte muito
importante da vida das pessoas e os ensinamentos eram transmitidos através da
oralidade. Os autores mais conhecidos por reunir essas narrativas são Charles
Perrault, irmãos Grimm e Hans Christian Andersen. As versões que cada um
escreveu trazem consigo influências da época em que foram escritos. A princípio as
histórias não eram voltadas às crianças. Seu conteúdo sofreu alterações para
atender ao público infantil, e com isso são disponibilizadas inúmeras adaptações.
De linguagem metafórica os contos possibilitam várias interpretações, fazem
a criança lidar com a vida real através da ficção como também a lidar com os
conflitos, pois o seu conteúdo apresenta relação direta com os dilemas enfrentados
ao longo do processo de amadurecimento do indivíduo que são os medos, perdas,
alegrias, conquistas e outros.
É uma história curta, com poucos personagens, ocorrem em tempo
determinado curto. Ao final cada história traz um final feliz. No conto estão em
confronto: o bem e o mal, fortes e fracos; situações que são vivenciadas pelas
crianças, por isso sua identificação com as narrativas.
Os contos transmitem o encantamento, a possibilidade de se transportar para
o mundo mágico que é o que a criança precisa para fortalecer a sua relação com o
enfrentamento dos conflitos que surgem no dia a dia. São também decisivos para a
formação da criança em relação a si mesma e ao mundo que a cerca.
Analisando os contos de fadas Amarilha entende que
Os contos de fada, com seu rico referencial simbólico, ressaltam o papel
que a literatura deve ter para a criança. O de tornar acessível ao leitor

29
experiências imaginárias que sejam catalisadoras dos problemas do
desenvolvimento humano e assim proporcionar autoconfiança sobre o seu
próprio crescimento (2009, p.74).

A autora ainda afirma que o texto ficcional atua como suporte para que o
indivíduo consiga superar suas dificuldades.
Quando a leitura é interessante é comum que as crianças peçam para repeti-
la ao ponto de elas mesmas executarem a narração, isso se dá porque houve ali um
processo de identificação. É o que podemos concluir com esta afirmação de
Parreiras
Quando a criança pede para repetirmos a leitura de um conto de fadas
infinitas vezes, há algo ali a ser elaborado por ela. Não faz mal ler de novo,
contar mais uma vez. Ao ouvir a história ou lê-la novamente, a criança tenta
entender seus conflitos. Isso é feito de uma maneira absolutamente
inconsciente (2012, p. 150).

Como pode se ver o argumento acima traduz que no conto a criança encontra
a porta de escape para saber agir no mundo, ela faz uso das narrativas para
resolver situações reais sem, portanto, trazer nenhum desconforto, pois sabe que a
situação se passa no mundo imaginário e que ela ao final da história voltará a sua
realidade.
Podemos verificar aspectos interdisciplinares no conto “Cinderela” que
também podem vir com o título de “Gata Borralheira”. Por ser uma obra de domínio
público possui muitas adaptações. A adaptação que escolhemos é da coleção:
Clássicos inesquecíveis.

30
Era uma vez uma linda menina chamada Cinderela que morava com a
madrasta e suas duas irmãs de criação. Apesar de ter poucos direitos e
muitos deveres, Cinderela vivia feliz e fazia todos os serviços com alegria.

A chegada de um convite para uma festa no palácio deixou a casa agitada:


roupas novas, enfeites e muitos preparativos, porque o príncipe ia escolher
uma das convidadas para ser sua noiva.
E chegou o grande dia! A madrasta e suas filhas saíram para a festa,
enquanto Cinderela cuidava dos serviços domésticos. De repente, uma fada
apareceu no meio da sala e disse: - Cinderela, você também vai a essa
festa!
Com sua varinha mágica, transformou Cinderela: vestido de baile,
penteado, sapatinhos de cristal, uma carruagem, tudo lindo, lindo! Mas
avisou que aquele encantamento acabaria à meia-noite.
Ao chegar ao castelo, foi vista pelo príncipe que, encantado por aquela linda
moça, não deu atenção a mais ninguém. Dançaram felizes e apaixonados
por longas horas.

31
Ao ouvir a primeira badalada da meia-noite, Cinderela lembrou-se do aviso
da fada e correu em direção à carruagem. Na pressa, perdeu um dos
sapatinhos no meio da escadaria. O príncipe não pôde alcançá-la, mas
recolheu o sapatinho de cristal e anunciou que se casaria com a pessoa que
conseguisse calçar aquele sapato.
Representantes do príncipe experimentaram o sapato em todas as moças
do reino, mas o sapato não serviu em nenhuma delas. Quando chegou a
vez de Cinderela, a surpresa foi geral. Ninguém podia imaginar que ela era
a verdadeira dona do sapatinho de cristal.
Desfeito o mistério, Cinderela foi levada para o castelo. Após muitos
preparativos, aconteceu o tão esperado casamento e os noivos viveram
felizes por muitos e muitos anos.

Tecendo fios que identifiquem aspectos interdisciplinares neste conto podem


surgir temas que abordem sobre a constituição das famílias, que como consta na
história de Cinderela constata-se que em seu núcleo familiar havia uma madrasta e
duas meia-irmãs, também podemos abordar sobre os direitos e deveres das
crianças, pois Cinderela era explorada a realizar atividades exaustivas, e também é
possível explorar o estilo de vida da família real que na história está expresso na
figura do príncipe. Tudo numa linguagem acessível à faixa etária do aluno. O
professor tem a oportunidade de fazer muitas leituras a partir deste conto, leituras
que dizem respeito à realidade de vida do aluno.

3.2.2 Fábulas: efabular redes de significação

De igual modo há o encantamento das crianças pelas fábulas, narrativas


cujos personagens protagonistas são os animais que vivenciam situações no plano
das vivências humanas. Autores como Esopo e La Fontaine estão entre os mais
lidos. As fábulas também trazem experiências para as crianças, e algumas fábulas
são bastante conhecidas.
A cigarra e a formiga, uma fábula clássica escrita por La Fontaine, conta que
nos dias quentes do verão a cigarra ficava a aproveitar o calor do dia enquanto a
formiga trabalhava armazenando alimento para quando o inverno chegasse. A

32
formiga aconselhou que a cigarra fizesse o mesmo, porém, ela não lhe deu ouvidos.
Quando o inverno chegou a cigarra não tinha o que comer enquanto a formiga tinha
fartura de alimento por haver estocado.
A lebre e a tartaruga, é de autoria atribuída a Esopo, conta que a lebre vivia
caçoando da lerdeza da tartaruga, até que um dia a tartaruga, cansada das
gozações, resolve desafiar a lebre para uma corrida. A lebre não hesitou em aceitar,
achou que ganharia fácil da lenta tartaruga. A corrida iniciou a lebre saiu bem à
frente porém, sua presunção fez com que ela parasse para dar um cochilo. E foi
então que a lenta tartaruga passou e ganhou a corrida.
A raposa e as uvas narra que uma raposa faminta ao passar por um pomar
viu um cacho de uvas e então, fez de tudo para alcançá-las, mas não conseguiu e
se convenceu de que era inútil ficar tentando, por isso, acabou desistindo de comê-
las. E para justificar seu insucesso saiu pelo caminho dizendo consigo mesma que
as uvas estavam estragadas.
Nas fábulas os animais ali representados têm uma característica de
comportamento específica como, por exemplo: a lebre representa agilidade, a
raposa representa a esperteza, a tartaruga representa a lentidão, estas são
características dos seres humanos; o seu objetivo é transmitir uma lição de moral ao
fim da narrativa como podemos perceber nos exemplos citados.
A moral trazida pela história da cigarra é que: quem quiser passar bem pelo
inverno, enquanto for jovem, deve aproveitar melhor o tempo, ou seja, existe tempo
para tudo. Na história da lebre a moral apresentada é que devagar se vai ao longe,
por maior que seja o desafio o importante é não desistir. Já na história entre a
raposa e as uvas a reflexão que se faz é que devemos aceitar nossas limitações.

Ler ficção é, portanto, duplamente gratificante. Quando entramos em


contato com o conhecido, temos a satisfação de encontrar a nós mesmos
no próprio texto, num processo rápido de identificação que facilita a
acomodação. Na experiência com o desconhecido, acontece a descoberta
de modos alternativos de ser e de viver (AGUIAR, 2013, p. 160).

São através de leituras como essas que ocorrem as transformações


necessárias visto que essas leituras carregam aspectos do cotidiano, pois, estas
versam sobre a vida.

33
O gênero da ficção relatado acima não atua com único elemento capaz de
despertar o conhecimento dos alunos em processo de alfabetização, pelo contrário,
quanto mais mantiverem contato com todas as circulações dos gêneros literários,
mais rico será o aprendizado. O detalhe é que para se compreender a literatura é
necessário gostar do que se está lendo, daí justificasse a introdução através dos
contos, fábulas que são de linguagem mais próxima da realidade das crianças.
Nesse contexto a formação por meio da literatura apoiada na
interdisciplinaridade se confirma, torna-se satisfatória já que a literatura consegue
transpor as barreiras entre as disciplinas. Em histórias como estas exemplificadas,
há pontos em comum que as áreas de ensino devem considerar e, é isto que
caracteriza um trabalho interdisciplinar.
Em entrevista a revista Nova Escola Teresa Colomer menciona que a
“literatura é um conteúdo que precisa ser ensinado nas escolas porque possibilita
refletir sobre o mundo, criar realidades, ampliar o repertório de linguagem e formar
comunidades que se identificam com um determinado conjunto de obras, entre
outras habilidades”. Portanto, são muitas as funções da literatura e resumi-la a um
conteúdo linguístico com a proposição de exercícios sem significado é um ato de
desonestidade para com o leitor.
Como vemos a literatura aplicada à infância contribui na formação intelectual
dos leitores, porque o leitor percebe que faz parte de um contexto quando se vê
representado nas histórias, mudam apenas os nomes dos personagens, mas as
situações de vidas são as mesmas e isto independe da idade de quem está lendo, a
literatura é capaz de captar todos os anseios.
O que se tem a fazer com o uso literário em sala de aula é empenhar esforços
para conquistar os leitores e assim mostrar que na literatura estão reunidos vários
elementos que nos dão prazer assim como música e artes, todos esses elementos
dão sentido a nossa vida. Assim sendo, a literatura, possui elementos suficientes
que possibilitam a realização de um trabalho interdisciplinar.
Tomando as narrativas citadas anteriormente como exemplo a criança pode
realizar várias inferências diante do texto estando em qualquer aula, basta tão
somente que haja uma contextualização da atividade proposta que permita a criação

34
por parte do aluno e isso não acontece quando numa atividade o aluno é
direcionado a dar uma resposta única.
Na fábula “A raposa e as uvas” o aluno pode ser questionado sobre qual
atitude tomaria no lugar da raposa, procurar outra história parecida, citar exemplo da
sua vida real, enfim as possibilidades de se trabalhar com o texto literário são
inúmeras. De igual modo, na fábula “A lebre e a tartaruga”, vários conteúdos podem
ser abordados tais como artes, ciências, educação física. Em artes pode-se incluir a
música que também é componente lúdico para a faixa etária de alfabetização ou
fazer os alunos reproduzirem a história por meio de desenhos. As características
dos animais (aquáticos, terrestres, etc.) também podem ser abordadas no conteúdo
de ciências. O conhecimento do esquema corporal, as brincadeiras e modalidades
de esportes são alguns conteúdos para a Educação Física.
Já em “ A cigarra e a formiga”, o conteúdo pode até abranger a disciplina de
geografia abordando sobre as estações do ano. Enfim, tudo irá depender do
engajamento dos educadores de fazer com que uma simples história culmine em
uma aula significativa.

35
4 ALTERNATIVAS DIDÁTICAS INTERDISCIPLINARES NO TRABALHO
PEDAGÓGICO COM A LITERATURA

4.1 Aprendendo a conhecer

Pontuamos durante todo este trabalho sobre o uso da literatura na sala de


aula, destacamos sua função, importância e atribuições como também verificamos
que conjugá-la ao contexto interdisciplinar logra êxito junto ao processo de ensino e
aprendizagem. Neste capítulo buscaremos por alternativas que direcionem para o
seu uso competente em sala de aula de forma a preencher as lacunas encontradas
no transcurso de nossa pesquisa.
No contexto que temos analisado a literatura está sofrendo grande ameaça,
pois no modo como tem sido veiculada pela escola é percebido que sua finalidade
está sendo equiparada a um produto utilitário uma vez que deveria estar situada
como um manifesto da vida pela palavra. Esse modo de proceder está
completamente equivocado, pois não se concebe ensinar literatura em caráter
puramente pedagógico.
O professor, por ser o mediador do ensino, carrega consigo grande
responsabilidade em modificar esse quadro, pois é ele quem lida diretamente com
os alunos. Deve então, através de sua prática, buscar meios que possibilitem o
reconhecimento do uso da literatura como ferramenta indispensável à vida e ao
ensino. As palavras de Bordini e Aguiar (1993) respaldam essa afirmação, pois para
elas “se o professor está comprometido com uma proposta transformadora de
educação, ele encontra no material literário o recurso mais favorável à consecução
de seus objetivos” (1993, p. 18).
No entanto, um professor comprometido, precisa elaborar sua prática
cuidadosamente, deve antes de tudo conhecer os alunos e possuir um repertório de
histórias e poesia a contar, saber que tipo de literatura estão aptos a receber, qual
obra será mais bem indicada e para quais faixas etárias, visto que em cada período
da vida o indivíduo constitui suas preferências, sendo deste modo, necessário
conhecer o processo de desenvolvimento do leitor.

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Bordini e Aguiar (1993) fazem distinção de cinco fases de leitura definidos por
Richard Bamberger, cujas fases destacaremos a seguir:

 A primeira fase é a idade dos livros de gravuras e dos versos infantis


(de 2 a 5 ou 6 anos) – fase das primeiras aprendizagens, a criança é
egocêntrica, não consegue se colocar no lugar do outro. O auxílio de
gravuras simples que a façam distinguir objetos é recomendável para
essa faixa etária.

 A segunda fase é a idade dos contos de fadas (5 a 8 ou 9 anos) – fase


em que a criança elabora suas vivências através da fantasia, o faz-de-
conta é fundamental para resolução de conflitos.

 A terceira fase é a idade da história ambiental e da leitura factual (9 a


12 anos) – fase que ainda possui atração pelo mundo da fantasia, mas
que já começa uma aproximação pelas histórias mais realistas.

 A quarta fase é a idade da história de aventuras ou fase de leitura


apsicológica, orientada para as sensações (12 a 14 anos) – período de
grandes descobertas por ser a fase da pré-adolescência cuja
personalidade se solidifica. O leitor dessa faixa é mais atraído por
leituras sensacionalistas, sentimentais e de personagens perversos.

 Na quinta fase são os anos da maturidade (14 a 17 anos) – o leitor tem


um gosto mais apurado voltado para leitura de conteúdo intelectual,
livros de viagens, romances, histórias de amor, biografias leituras que o
aproximam da vida adulta.

O entendimento dessas fases auxilia o professor ao tipo de suporte que deve


dar ao aluno no processo de leitura, pois, na medida em que compreende que tipo
de literatura é mais apropriada ao aluno, melhores serão os resultados obtidos para

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que este avance as etapas seguintes. A combinação de objetivos e compreensão do
nível de maturação do leitor resulta em consolidação da aprendizagem.
Além de observar a fase que o leitor se encontra para escolha das obras o
professor também deve considerar qual o nível de leitura do aluno, visto que o
domínio da leitura depende de outros mecanismos além da idade, vai considerar
também na visão de Coelho (2000), o amadurecimento biopsíquico-afetivo-
intelectual, ou seja, compreende o desenvolvimento do sujeito em sua totalidade. E
isto implica em alguns princípios norteadores para a escolha de livros a serem
trabalhados em sala em conformidade com cada categoria de leitor.
Estas categorias se definem a medida que o leitor avança no processo de
alfabetização. Coelho classifica cinco níveis de leitura baseados em um padrão
normal de desenvolvimento.

 Pré-leitor – abrange a primeira e segunda infância período em que se


dá início a organização da linguagem. A criança manipula o que está
ao seu redor caracterizando suas primeiras conquistas, depois passa à
fase egocêntrica até adquirir confiança passar a explorar mais o mundo
exterior. Neste nível as letras não trazem muito significado são as
imagens que predominam e estas devem indicar à criança algo
significativo para ela. Para este leitor os livros mais indicados são os
que estimulam os sentidos, portanto, a criança deve manusear os
livros feitos de materiais como plástico, pano, emborrachado, em
formas diversas, por ser uma fase de descoberta e nesses livros deve
conter textos curtos e que explorem bastante as imagens. O livro atua
como brinquedo e a criança precisa desse objeto para estabelecer
comunicação entre o mundo e a fantasia.

 Leitor iniciante – fase de aquisição do processo de escrita onde a


criança já faz diferenciação entre números e letras reconhecendo a
representação da escrita, tem grande capacidade de memorização.
Nesta fase a criança necessita de muito estímulo por ser um processo
de muitas descobertas do universo letrado. Para este leitor ainda deve

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haver a predominância das gravuras, histórias curtas, com elementos
que estimulem seus sentimentos, dando possibilidade de ampliação de
sua aprendizagem.
 Leitor em processo – nesta fase já há o domínio do processo de leitura
e escrita e a criança sente-se atraída pelos desafios. Portanto, os
textos para este leitor serão aqueles em que haja solução de algum
desafio. As narrativas ainda devem ser de simples compreensão com
características de humor, que permitam reflexão, em situações reais ou
imaginárias.
 Leitor fluente – nesta fase o leitor já consegue fazer o uso competente
da leitura com algumas ressalvas, seu poder de concentração é maior
o que lhe permite uma maior interação com o texto. É capaz de fazer
suas próprias inferências sobre o texto, pois já possui um equilíbrio
emocional. Diferente das fases anteriores, a presença do adulto para
lhe dar o suporte já não é necessária. Os textos que lhe atraem são
aqueles com heróis, com linguagem mais elaborada, e nessa fase há
uma expansão de interesse por gêneros como conto, crônicas,
novelas, mitos e lendas carregados de muita aventura.

 Leitor crítico – fase de pleno domínio da leitura onde o pensamento


reflexivo e crítico são acentuados. Nesse período deve-se iniciar o
leitor a um conhecimento básico de teoria literária a fim de que possa
permitir uma maior criticidade por parte desse leitor, pois a leitura será
realizada por prazer mais também por muitos questionamentos.
Portanto, para este leitor os textos que o atrairão serão os de interesse
a problemas sociais, ou seja, que reflitam a sua realidade.

Estas categorias não estão engessadas, são apenas fios condutores de


aplicação da literatura fundamentada no desenvolvimento do leitor. Tomadas essas
medidas de adequar a literatura à faixa etária dos alunos e assim fazer a seleção
adequada de material para a realização da leitura vai viabilizar um trabalho efetivo
com o uso da literatura em sala de aula. Seguindo essas orientações o professor
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não irá incorrer no erro de utilizar o texto literário em fragmentos ou somente para
fins didáticos através do ensino de conteúdos, seguindo um padrão tradicional e
inexpressivo.
Como explica Rouxel apud Rezende

O professor do Ensino Fundamental I busca primeiro, mediante questões


abertas, compilar a leitura dos alunos, identificar zonas de incompreensão
ou de dificuldades, para submetê-las ao debate interpretativo. Ele também
pode guiar a atenção para o texto e fazer com que os alunos levantem
hipóteses e cheguem a interpretações aceitáveis ou satisfatórias (2013,
p.29).

Nesta proposição também se insere o confronto com textos mais densos, pois
a medida que o aluno avança o professor propõe novos desafios por meio do jogo
que é proposto no texto literário, o professor convida o leitor a participar de uma
exploração maior do texto fazendo com que este ganhe maturidade. Percebemos o
quanto é importante a participação do professor para atingir a finalidade do ensino.
Em suma o relacionamento entre professor e aluno deve ser transparente e
coerente com a intenção educativa, pois segundo Zabala (1998), para que o aluno
compreenda o que faz dependerá em grande parte da ajuda do professor.
Zabala faz menção de algumas funções que o professor deve propor em sua
prática a fim de promover a aprendizagem.

a) Planejamento – elaboração de meios e estratégias que contemplem a


dinâmica da aula atendendo as necessidades dos alunos;
b) Levar em conta as contribuições dos alunos tanto no início das
atividades como durante o transcurso das mesmas;
c) Ajudar os alunos a encontrar sentido no trabalho que irão realizar;
d) Estabelecer metas que sejam alcançáveis;
e) Oferecer ajuda através de intervenção e suporte pedagógico;
f) Promover atividade mental de forma que o aluno consiga consolidar os
conhecimentos;
g) Estabelecer um ambiente e determinadas relações que facilitem a
autoestima e o autoconceito;
h) Promover canais de comunicação;

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i) Potencializar a autonomia e possibilitar que os alunos aprendam a
aprender;
j) Avaliá-los segundo suas condições reais e incentivar a auto avaliação
de suas competências.

Todas essas funções vão convergir para o desenvolvimento da autonomia do


aluno para que construa seu próprio conceito e relacionando a aplicação destas
funções ao trabalho com a literatura podemos afirmar que irão contribuir para a
formação de um leitor competente que é capaz de avaliar o texto, recriar os
discursos, realizar a leitura sob vários aspectos e identificar-se através dela.
Todos esses aspetos orientadores para o desenvolvimento da prática
pedagógica podem associar-se a outras possibilidades que o professor poderá criar
a partir de seu envolvimento com o aluno, como por exemplo, a oportunidade de
oferecer os textos em uma diversidade de suportes além do livro didático.
Na inserção da literatura o professor deverá considerar o momento da fruição
criando um espaço apropriado para o momento da leitura, já que a literatura eleva a
imaginação, diverte e ensina. Medidas como adequação da voz, caracterização do
ambiente, disponibilidade de fantasias dos personagens serão ideais para a
efetivação de uma boa aula.
Observados cada um desses pontos e somadas às categorias do leitor e suas
respectivas fases é possível a realização de um fazer pedagógico permeado pela
interdisciplinaridade, pois se o fazer pedagógico visa a formação integral através do
trabalho coletivo e este é respaldado no diálogo, caracteriza-se então a formação no
contexto interdisciplinar.

4.2 Um caminho

O envolvimento com esta pesquisa nos levou a conhecer mais de perto as


obras de Ana Maria Machado, autora cujas obras eram adotadas pela turma ponto
de partida desta investigação. Percebemos a riqueza de suas obras e o quanto a
prática interdisciplinar pode ser aliada ao texto literário desta autora.

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Ana Maria Machado é escritora renomada, membro da Academia Brasileira
de Letras com mais de cem livros publicados. Detentora de prêmios
importantíssimos do universo literário no qual destacamos o Hans Christian
Andersen, prêmio máximo da literatura infantil mundial. Dentre as obras voltadas ao
público infanto-juvenil estão: Uma vontade louca; Bia Bisa, Bia Bel; Bento que Bento
é o frade; Menina bonita do laço de fita; O mistério da ilha; Abrindo caminho, entre
outros títulos lançados durante esses mais de quarenta anos de atuação como
escritora.
Selecionamos o texto em prosa e verso do livro “Abrindo caminho” que
acreditamos ser relevante neste momento, orientamos que sua leitura esteja voltada
com a finalidade de pensar o encontro entre a literatura e a interdisciplinaridade.
Leiamos.
Abrindo caminho

No meio do caminho de Dante tinha uma selva escura


No meio do caminho de Carlos tinha uma pedra
No meio do caminho de Tom tinha um rio.

Era pau.
Era pedra.
Era o fim do caminho?

Cada um no seu canto


Com seu canto
Nos chamou.
E nenhum de nós,
Nunca mais, ficou sozinho.

No meio do caminho de Dante teve uma estrada.


No meio do caminho de Carlos teve um túnel.
No meio do caminho de Tom teve uma ponte.

No meio do caminho de Cris tinha um oceano.


No meio do caminho de Marco tinha inimigo e deserto.
E tinha muita lonjura pelo caminho de Alberto.

Era pau.
Era pedra.
Era o fim do caminho?

Pedra que faz fortaleza faz também mercado, bazar.


– Se eu conversar contigo, disso estou muito certo, consigo me aproximar...
Com muito encontro e negócio, inimigo vira amigo, quem está longe fica
perto.
A caravana de Marco se encarregou de provar.

Pau, toco, tábua, madeira?...

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– Faz navio de navegar!
Mastro firme, branca vela, tronco agora é caravela para distância encurtar.
Com coragem, sobre as ondas, Cris atravessou o mar.

Não há distancia para os pássaros nem para quem cisma de ousar.


Alberto pôs na cabeça que ia conseguir voar
Voou, dirigiu seu voo, era isso o avião!
E desde então a lonjura não atrapalhou mais, não.

No meio do caminho de Marco teve um mapa bem melhor.


No meio do caminho de Cris teve um mundo bem maior.
E com o voo de Alberto, esse mundo ficou menor.

No meio do meu caminho


tem coisa de que não gosto.
Cerca, muro, grade tem.
No meio do seu, aposto,
tem muita pedra também.
Pedra? Ou ovo?
Fim do caminho?
Ou caminho novo?

Porta, ponte, túnel, estrada,


mapa, voo, navegação.
Quem disse que o fim da picada
não se abre para a imensidão?

Beco que vira avenida,


Muro que cai para o irmão.
Esperança renascida
Escancarando a prisão.

É promessa de vida
no meu coração.

É um texto agradável de ler, que traz aspectos de intertextualidade, pois seu


discurso remete ao poema de Carlos Drummond de Andrade e à música “Águas de
março” do compositor Tom Jobim, inclusive, o livro é dedicado à sua memória. É um
texto que abre caminhos para muitas leituras e associações.
De forma lúdica o texto representa dificuldades enfrentadas por personagens
reais que marcaram a história, a começar por Dante Alighieri, poeta famoso por sua
obra “A divina comédia” em que relatava seus conflitos; repete inúmeras vezes o
verso de Carlos Drummond de Andrade, apontando os obstáculos que encontramos:
no meio do caminho. Depois faz alusão ao compositor Tom Jobim com versos de
sua composição e em seguida cita o grande navegador Cristóvão Colombo,
descobridor da América. Conta também sobre Marco Pólo, que desejava conhecer o

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mundo. O último personagem mencionado é Alberto Santos Dumont, considerado o
pai da aviação, que superou os desafios de conseguir voar.
Este livro é um convite que se faz ao leitor a explorar novos caminhos, mostra
que a dificuldade nada mais é do que uma mola propulsora para transformar a
realidade. Faz com que o leitor lance mão da curiosidade, faça os enfrentamentos
necessários na sua busca por respostas. E é este fazer pedagógico que deve ser
oferecido ao aluno, um fazer que sinalize para novos caminhos. Mas, quem ou o quê
será o caminho? O que estará lá no meio? Existirá um fim?
A liberdade de interpretação que a literatura permite é tão ampla que
podemos projetar sobre o texto “Abrindo Caminho” uma proposta de prática
pedagógica. Podemos considerar que o caminho é a literatura que circula por toda
nossa história de vida, mas que aos poucos vai se distanciando e deixando de dar
prazer como que se perdesse o encanto, porque não tem mais nada a dizer. O
caminho sem cor e vazio não dá mais vontade de trilhar.
Cada desbravador mencionado na história é uma disciplina que encerrada em
si mesma não explica muita coisa, precisa de outros elementos para encontrar sua
completude, funcionar melhor.
O meio do caminho é o lugar onde o diálogo é estabelecido para então
encontrar um novo sentido. O movimento é o que ativa esse encontro, ou seja, a
partir da ação é que se inicia um percurso que aos poucos vai tomando forma para
atender aos anseios do “objeto” que está posto no meio do caminho. Esta ação
necessita de uma análise para fundar as bases a fim de que o caminho possa ser
trilhado, no caso, serão as estratégias que o professor deverá lançar mão.
O objeto posto no meio do caminho é o aluno que na medida em que ocorre a
intervenção do professor vai se transformando de selva, pedra, rio, em estrada,
túnel, ponte. Conhecer o aluno em seu processo evolutivo de aprendizagem
sabendo que o aprendizado não ocorre da mesma forma para todos gera um
pensamento de estratégias de ensino particulares, visto que os desbravadores irão
considerar o tempo necessário de aprendizagem de cada um.
Observando a evolução dos objetos os desbravadores seguirão em investidas
maiores, experimentarão novos modelos, serão mais ousados quanto aos métodos.
Isso porque as experiências geram mudanças que trarão cores para esse caminho.

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O fim do caminho será um novo começo para aprimorar novos objetos que
estarão postos ali. E é assim que a obra literária atua, ela tem o poder de
transformar a realidade, porque induz a pensar e a questionar e com isso causar
mudanças.
Com isso, apreendemos que não há fórmula nem mágica, mas sim vontade,
persistência, curiosidade e ousadia para um fazer transformador que seja capaz de
manusear a arte da palavra, que é a literatura, dado que no momento que traz
sentido à pratica social, consente ao educando dizer que é: “promessa de vida no
meu coração” (JOBIM apud MACHADO, 2010, p.39).

4.3 Exemplo de aula interdisciplinar

Hugo Monteiro publicou em sua tese de doutorado uma alternativa de aula


transdisciplinar envolvendo a literatura, este trabalho foi voltado para uma turma do
quinto ano do Ensino fundamental. Ele inseriu o conto “Tchau” de Lygia Bojunga e
através dele percebeu o que os alunos já sabiam como também percebeu a
ampliação dos conhecimentos após a realização da pesquisa. Sabendo que de um
mesmo texto literário podemos realizar múltiplas leituras, exemplificaremos a partir
deste mesmo conto uma aula interdisciplinar voltada para uma turma de
alfabetização.
O conto “Tchau” mostra o conflito familiar causado pela separação dos pais e
a dor da ruptura que a filha não consegue suportar pelo fato de perder a convivência
com a mãe. A filha empreende esforços para evitar que isso aconteça, mas é inútil.
Monteiro utilizou a leitura por Andaimes que consiste em fazer uma pré-leitura
para o levantamento de hipóteses, a leitura do texto propriamente dito e ao final uma
pós-leitura para verificar se as hipóteses levantadas se confirmam ou não.
O mesmo caminho pode ser percorrido com a turma de alfabetização. A
princípio o professor deve provocar aos alunos interagirem antes de iniciar a história,
e este início, pode ser feito apresentando a capa do livro para que os conhecimentos
prévios dos alunos sejam acionados através do levantamento das hipóteses. Isto
caracteriza a pré-leitura.

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Dando continuidade a atividade segue-se à leitura que deve ser realizada em
ambiente agradável. Os alunos poderão estar na própria sala, mas sentados em
roda a fim de participarem ativamente, ou então, o professor poderá utilizar a
biblioteca que acomoda melhor os leitores/ouvintes. Durante a execução da leitura o
tom de voz deve ser observado pelo professor/narrador ora diferenciando os
personagens, ora expressando os sentimentos.
Após a leitura é o momento para checar as hipóteses, dar o parecer sobre o
conto e saber o que poderia ser alterado ou mantido. Este poderá ser um momento
de muitas surpresas para o professor, pois serão evidenciados alguns
conhecimentos que o aluno ainda não sabe e, portanto, um momento oportuno para
estruturar a continuidade do aprendizado.
Os alunos de uma turma de alfabetização estão com idade entre seis e sete
anos e, como citado anteriormente encontram-se na categoria de leitor-iniciante e na
fase de leitura em que os contos estão entre as leituras que mais o agradam. Então
depois de proceder a leitura o professor deverá relacionar para que todos vejam
tudo que identificaram do texto tais como palavras desconhecidas, os nomes dos
personagens, lugar onde acontece a narrativa.
Na sequência o professor poderá propor atividades que poderão ser por meio
de jogos, visualização de vídeos, leitura de outros textos e culminar com a produção
escrita de uma nova versão da história. Estas atividades não precisam ocorrer à
parte do currículo escolar, antes, poderão contemplar o conteúdo das disciplinas
com o detalhe de articularem entre si.

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5 CONSIDERAÇÕES

A preocupação em reaproximar a literatura e o leitor foi o grande ponto de


partida para a realização deste trabalho e procuramos através da discussão
responder algumas questões que acreditamos fossem importantes.
Através da abordagem dos autores percebemos o quão distante está o ensino
literário do contexto de vida do aluno e, por isso, inúmeras lacunas têm se alojado
dificultando a aprendizagem.
Estas falhas podem ser corrigidas com a introdução do contexto
interdisciplinar nas aulas uma vez que esse contexto é contrário à prática
fragmentada; grande causadora desse afastamento.
Verificamos também que o despreparo e desconhecimento desta prática por
parte de alguns docentes esteja interferindo na religação dos saberes, visto ser
necessário o seu total envolvimento junto ao aluno.
O trabalho interdisciplinar consiste em construir um único caminho, ou seja,
aproximar as ciências sem modificá-las, a fim de dar legitimidade a aprendizagem e
não em fazer o apontamento de falhas por parte dessas áreas. É no diálogo que se
fundamenta a fim de garantir a formação integral do sujeito.
Neste percurso não há uma fórmula única uma vez que o sujeito da educação
é heterogêneo, e cada um vive uma realidade diferente, reage diferente, pois tudo
depende de suas vivências. Depende também de iniciativas da comunidade escolar,
ou seja, um grande empenho é necessário.
Conforme analisamos a literatura permite sonhar estando acordado, permite
lutar sem estar em batalha, permite ousar. Tudo isso porque ela reflete a vida, e ao
folear suas páginas os leitores são convidados a interagir com o texto e esta
interação vai além da última página, porque o leitor tem o poder de continuar a
história ou até mesmo construir uma nova.
Consideramos assim ressaltar que o prazer da leitura de literatura é possível
quando este possui significado para o leitor, pois este ao identificar-se consolida
novos saberes dando assim continuidade ao processo evolutivo de aquisição da
aprendizagem.

47
Contudo, acreditamos ser este o início do caminho, pois muitos passos ainda
deverão ser dados para a consolidação desta prática uma vez que nela estão
envolvidos muitos critérios para a sua efetivação, pois como vimos é necessário sair
da zona de conforto estabelecida pela disciplinaridade.
Realizar este trabalho foi de extrema valia pela novidade que o tema propõe;
trouxe respostas e novos questionamentos na tentativa de encontrar uma saída para
o desafio de propor uma educação de qualidade. E se almejamos essa qualidade
deve haver tanto o aumento da reflexão de práticas de ensino quanto da aplicação
das mesmas.

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