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II
No segundo dia, fui arrancado do meu sono pelos sussurros sombrios que se
desprendiam do monte de lixo no meu quarto. Simultaneamente, percebia os
murmúrios distantes dos carros deslizando furtivamente pela rua, alguns
pássaros impertinentes e estridentes, e a irritante ladração incessante de um cão
perdido na penumbra. "Que ironia cruel! Estou ouvindo tudo novamente,
então não era um pesadelo. Estou, de fato, afundado em uma condição
desesperadora", refleti, enquanto os sons do lixo cresciam em intensidade,
provocando uma inquietude que se avolumava como uma tempestade iminente.
À medida que o som crescia, delineava-se a presença inconfundível da
escuridão mórbida: baratas. Seres vis que encontram satisfação nas entranhas
do lixo, acolhendo a depravação com uma indiferença insensível,
transformando-se em criaturas repugnantes, no máximo úteis como banquete
para ratos. "Não poderia ser pior", ecoou minha genuína resignação. Afinal,
aquelas aberrações arrastavam o silêncio para um abismo de ruídos agonizantes.
O ambiente que anteriormente se banhava em uma calmaria perturbadora
agora tornava-se um palco de desconforto, onde o zumbido das baratas se
mesclava a um coro lastimável de ruídos perturbadores. O meu santuário
tornava-se uma arena para a decadência sonora, como se a própria escuridão
conspirasse para reger essa sinistra sinfonia do caos, uma trama intrincada que
se desenrolava nas sombras da minha própria prisão.
A despeito da cacofonia infernal que emanava dessas criaturas repulsivas,
resignava-me à aceitação de um benefício trágico: a restauração de minha
audição prometia, por inevitável consequência, provocar uma mutação
significativa em meu dia. Este, escorrendo rapidamente pelos dedos do tempo,
transmutava-se à medida que as baratas devoravam os detritos, e eu, de maneira
voraz, fixava minha atenção nesse espetáculo grotesco. De alguma forma, esses
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