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1, 21-36 O
RESUMO
Ainda que uma ciência do comportamento se fundamente em uma concepção relacional, não internalista, dos
fenômenos “psicológicos”, algo que pode ser designado como “experiência de interioridade” (i.e., uma alta
probabilidade de os indivíduos descreverem seus sentimentos e pensamentos como ocorrências internas) constitui
um fato inegável, pelo menos na cultura ocidental moderna, e que merece ser abordado por essa ciência. No
presente artigo, algumas variáveis sociais responsáveis por aquelas descrições são discutidas à luz de contribuições
literárias de sistemas explicativos diversos. São especialmente enfatizadas variáveis sociais relacionadas ao refinamento
do autocontrole nas sociedades modernas e suas implicações no plano das relações interpessoais.
Palavras-chave: Mundo interno, autocontrole, sentimentos, pensamento
ABSTRACT
The science of behavior is grounded on a relational, non-internalist view of psychological phenomena. However,
there is recognition of and the attempt to explain what has been treated as “inside experience” (i.e., the high
probability to describe one’s feelings and thinking as inside experiences). This paper focuses on some social
contingencies responsible for such self-descriptions in the light of diverse literary contributions. Emphasis is given
to social variables related to the refinement of self-control in modern societies and to their impact on the interpersonal
relationships.
Key words: Inside world, self-control, feelings, thinking
Este artigo tem por objetivo discutir al- a constituir um mundo interno,
gumas possíveis explicações para a idéia de que freqüentemente tratado como sua “vida psico-
emoções, sentimentos ou cognições são fenô- lógica”. Ao discutir essa noção de mundo in-
menos internos. Analistas do comportamento terno, o artigo focalizará não apenas uma lite-
aprendem a falar desses fenômenos como rela- ratura analítico-comportamental, mas, tam-
ções comportamentais, mas nem por isso deixam bém, uma literatura externa à psicologia, em
de ser persuadidos pela noção de interioridade, especial externa à análise do comportamento.
como outros indivíduos em sua cultura. Na vida Em diversas áreas das humanidades (por
cotidiana nas sociedades modernas, os indiví- exemplo, a filosofia, a sociologia, a história), as
duos aprendem a dispender uma boa parcela reflexões sobre as sociedades modernas condu-
de tempo observando o que se passa com o pró- zem a uma consideração da experiência de
prio corpo e tomando isso como referência para interioridade e a importância que veio a assu-
muitos julgamentos sobre si mesmos e sobre a mir. O sociólogo e historiador Richard Sennett
realidade à sua volta. Aquilo que observam vem (Sennett, 1998), por exemplo, menciona que
Trabalho parcialmente financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq (Processos 305743/2004-0 e 470802/
2004-9). Correspondência para e-mail: tourinho@amazon.com.br
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as sociedades ocidentais estão mudando a partir o esforço para conciliar uma visão relacional do
de algo semelhante a um estado voltado para o fenômeno psicológico com o reconhecimento de
outro para um tipo voltado para a interioridade que algo relevante acontece quando um indiví-
- com a ressalva de que, em meio à preocupação duo responde parcialmente sob controle de estí-
consigo mesmo, ninguém pode dizer o que há mulos gerados por seu próprio corpo. Algumas
dentro. Como resultado, originou-se uma con- elaborações bastante consistentes a esse respeito
fusão entre a vida pública e a vida íntima: as são apontadas naqueles trabalhos, embora limi-
pessoas tratam em termos de sentimentos pesso- tadas a um aspecto do problema: as circunstânci-
ais os assuntos públicos, que somente poderiam as sob as quais condições corporais assumem fun-
ser adequadamente tratados por meio de códi- ções de estímulos. O que se discute a seguir é
gos de significação impessoal (p.18). ligeiramente diferente. Trata-se do problema de
definir alguns fenômenos psicológicos como ocor-
Sem aderir às referências teóricas (psica- rências internas ao homem. Quando indivíduos
nalíticas) com as quais Sennett (1998) vem a leigos (e alguns psicólogos) afirmam que seu pen-
examinar a questão da experiência interiorizada, samento e suas emoções são ocorrências internas,
é notável sua argumentação de que, em tais cir- não estão operando com a noção de repostas en-
cunstâncias, certas realizações humanas ficam cobertas ou estímulos privados, constitutivos de
comprometidas. Isto é, quanto mais as realiza- relações das quais participam de modo crítico es-
ções cognitivas, sociais e afetivas, por exemplo, tímulos e respostas que são públicos. Estão con-
no lugar de serem tratadas como relações dos siderando que o que experimentam como ocor-
homens com o mundo (especialmente com rência interna é o que define o fenômeno em si.
outros homens), são vistas como ocorrências Embora possa parecer óbvia a idéia de que no
internas aos indivíduos, ou qualificadas pelo sistema analítico-comportamental não encontra
que representam desse ponto de vista, meno- acolhida tal noção de interioridade, convém re-
res as chances de os homens virem a satisfazer ver algumas razões para isso.
suas expectativas em ambos os domínios. Por
uma ótica comportamental, na medida em que UM MUNDO (PSICOLÓGICO) INTERNO É
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mais do que as ciências biológicas podem esta- indivíduo, internos a ele. É apenas quando se
belecer. Como resultado, problemas relativos a aborda, por exemplo, o pensar como uma ocor-
essa interioridade serão objeto de uma inter- rência do/no indivíduo, que se é levado a discu-
venção por profissionais das ciências biológi- tir se tem uma natureza material ou imaterial,
cas, não por psicólogos. Que esse tipo de se se confunde com processos neurofisiológicos,
reducionismo circula na cultura deve ser evi- ou se pertence a uma outra dimensão da exis-
dente para todos. Com uma freqüência cada tência humana. Em qualquer caso, há o
vez maior divulgam-se “informações” acerca da distanciamento com respeito a uma perspectiva
“natureza” fisio-química de “transtornos”, emo- relacional de análise (cf. Tourinho, 1999a).
ções etc… Divulgam-se, correspondentemente, As origens do dualismo mente-corpo são
as substâncias capazes de garantir a solução de encontradas na filosofia platônica (cf. Massimi,
problemas nesse domínio. 1986). Platão desqualificava o corpo como a
Uma ciência do comportamento inicia origem do conhecimento seguro. Mas também
com a suposição de que o organismo que se não admitia que os processos de interlocução,
comporta tem uma estrutura anátomo-fisioló- os embates verbais entre indivíduos, conduzi-
gica que é condição para a relação am à verdade. Vivendo em um período de de-
comportamental; uma estrutura, portanto, cuja cadência da democracia grega, quando os de-
especificação contribui para uma compreen- bates públicos serviam a interesses de poucos,
são mais abrangente do fenômeno em prejuízo de homens honestos, Platão foi
comportamental. Para uma ciência do compor- levado a crer que apenas atributos ou faculda-
tamento, porém, aquela estrutura não define a des especiais de indivíduos particulares possi-
relação comportamental propriamente dita. bilitavam a eles transcender o mundo das apa-
Uma segunda versão de internalismo re- rências e das ilusões em direção à verdade. Lo-
futa o reducionismo organicista e preserva a calizados no próprio indivíduo os recursos
idéia de que há um fenômeno interno ao orga- cognoscitivos, e desqualificado seu corpo para
nismo, mas que não se confunde com suas ocor- tal, restava supor a existência de uma dimen-
rências anátomo-fisiológicas. Nesse caso, a ocor- são imaterial do homem como aquela por meio
rência interna não está dotada da materialidade da qual a verdade poderia ser alcançada. Muito
dos fenômenos fisiológicos, e é exatamente sua freqüentemente questiona-se a necessidade pla-
natureza diferenciada, “mental” ou “psíquica”, tônica de recorrer à categoria da “alma” para
que a torna objeto de uma ciência psicológica. explicar o conhecimento humano, assim como
O mentalismo, desse ponto de vista, consiste sua versão moderna no dualismo cartesiano.
em uma tentativa de preservar um internalismo Todavia, dado o fato de que nenhuma condi-
na análise dos fenômenos psicológicos, sem res- ção anátomo-fisiológica explica nossos enunci-
valar para o reducionismo organicista. ados sobre o mundo, a idéia de que enuncia-
A análise do comportamento tem formu- dos verdadeiros são alcançados por meio de
lado críticas sistemáticas ao mentalismo na psi- ocorrências do próprio indivíduo exigirá a su-
cologia, mas é importante observar que a postu- posição da existência de um outro mundo. O
ra mentalista é antecedida pela suposição de que mentalismo vem a ser a alternativa possível ao
fenômenos psicológicos são fenômenos do ou no reducionismo, quando prevalecem visões indi-
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interioridade não é consistente aos olhos de uma possam cumprir algo mais do que a formalidade
ciência psicológica, ainda é necessário explicar de um cumprimento. O pai recomenda:
o que a torna persuasiva ao leigo.
vai ali falar do boato do dia, da anedota da sema-
A EXPERIÊNCIA DE INTERIORIDADE NA CULTURA na, de um contrabando, de uma calúnia, de um
OCIDENTAL MODERNA cometa, de qualquer coisa ... Com este regime,
durante oito, dez, dezoito meses – suponhamos
Indivíduos expostos a certas práticas cul- dois anos, - reduzes o intelecto, por mais pródi-
turais das sociedades ocidentais modernas go que seja, à sobriedade, à disciplina, ao equilí-
aprendem a observar a si mesmos e a compor- brio comum. Não trato do vocabulário, porque
tar-se socialmente de modos muito próprios ele está subentendido no uso das idéias; há de ser
dessa cultura. Uma apreciação breve de algu- naturalmente simples, tíbio, apoucado, sem no-
mas dessas práticas e do padrão comportamental tas vermelhas, sem cores de clarim... (Assis, 1882/
resultante pode contribuir para a compreensão 1998, p. 331-332).
da noção de interioridade. Pode-se introduzir
essa questão com a referência a uma obra da A discrição, porém, deve ser menos uma
literatura brasileira do século XIX, a “Teoria virtude sincera e mais uma técnica, que, sem
do Medalhão”, de Machado de Assis (Assis, constranger os outros, promove o nome do
1882/1998). Nesse conto, Machado de Assis medalhão. Mesmo investido de uma função
ironiza a sociedade brasileira do final do século pública cujo exercício imponha a formulação
XIX e a versão brasileira que começava a se ela- de posições, idéias, ou teses, o medalhão não
borar dos hábitos civilizados do mundo mo- deve mostrar mais do que já está bem estabele-
derno. No conto, um pai ensina a seu filho, cido, sem avançar sobre idéias que possam con-
que alcançou a maioridade, um ofício que pode trariar interesses ou preferências alheias: “filo-
garantir-lhe a sobrevivência na vida adulta: o sofia da história, por exemplo, é uma locução
ofício de medalhão. Em uma sociedade na qual que deves empregar com freqüência, mas proí-
“a vida é uma enorme loteria” (Assis, p. 328), bo-te que chegues a outras conclusões que não
“os prêmios são poucos” (p. 328) e “os malo- sejam as já achadas por outros. Foge a tudo que
grados [são] inúmeros” (p.329), um medalhão possa cheirar a reflexão, originalidade, etc., etc.”
deve, antes de tudo, ter cuidado com as idéias: (Assis, 1882/1998, p. 337).
Em uma outra obra, o romance “Hele-
Uma vez entrado na carreira [de medalhão], deves na” (Assis, 1876/1996), Machado de Assis já
por todo o cuidado nas idéias que houveres de nu- havia colocado na voz de um Dr. Camargo (um
trir para uso alheio e próprio. O melhor será não as médico bem preparado para a defesa de seus
ter absolutamente; coisa que entenderás bem, ima- intereses pessoais) a proposição de que “a sensi-
ginando, por exemplo, um ator defraudado do uso bilidade não pode usurpar o que pertence à ra-
de um braço (Assis, 1882/1998, p. 330). zão” (Assis, p.17), um modo elegante de lem-
brar que os atos devem ser pautados por proje-
Trata-se, assim, de adestrar o intelecto para tos de vida bem avaliados e definidos e não por
a evitação das idéias, em particular daquelas que impulsos momentâneos e irrefletidos. Esse pa-
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se perguntarmos ... o que realmente deu origem a caixa torácica. Nestes casos, podemos distinguir
esse conceito de indivíduo como encapsulado “den- claramente o continente do conteúdo, o que se
tro” de si mesmo, separado de tudo o que existe localiza dentro de paredes e o que fica fora, e em
fora dele, e o que a cápsula e o encapsulado real- que consistem as paredes divisórias. Mas se as
mente significam em termos humanos, podemos mesmas figuras de retórica forem aplicadas a es-
ver agora a direção em que deve ser procurada a truturas de personalidade, elas se tornam impró-
resposta. O controle mais firme, mais geral e uni- prias. A relação entre controle de instintos e im-
forme das emoções, característico dessa mudança pulsos instintivos, para mencionar apenas um
civilizadora, juntamente com o aumento de exemplo, não é uma relação espacial. O primeiro
compulsões internas que, mais implacavelmente não tem a forma de um vaso que contenha o
do que antes, impedem que todos os impulsos segundo. ... Rigorosamente falando, todo com-
espontâneos se manifestem direta e motoramente plexo de tensões, tais como sentimentos e pensa-
em ação, sem a intervenção de mecanismos de mentos, ou comportamento espontâneo e con-
controle – são o que é experimentado como a cáp- trolado, consiste de atividades humanas. Se em
sula, a parede invisível que separa o “mundo inter- vez dos habituais conceitos-substância, como “sen-
no” do indivíduo do “mundo externo” ou, em timentos” e “razão”, usarmos conceitos de ativi-
diferentes versões, o sujeito de cognição de seu dade, fica mais fácil compreender que, embora a
objeto, o “ego” do outro, o “indivíduo” da “socie- imagem de “externo” e “interno”, de casca de um
dade”. O que está encapsulado são os impulsos receptáculo contendo algo dentro, seja aplicável
instintivos e emocionais, aos quais é negado acesso a aspectos físicos do ser humano, ela não pode ser
direto ao aparelho motor. Eles surgem na aplicada à estrutura da personalidade, ao ser hu-
autopercepção como o que é ocultado de todos os mano vivo como um todo. Neste nível, nada há
demais, e, não raro, como o verdadeiro ser, o nú- que lembre um continente – nada que possa jus-
cleo da individualidade. A expressão “o homem tificar metáforas como a que fala do “interno” de
interior” é uma metáfora conveniente, mas que um ser humano. A intuição da existência de
induz em erro (Elias, 1939/1990, pp.246-247). uma parede, de alguma coisa “dentro” do ho-
mem separando-o do mundo “externo”, por mais
De modo algum a compreensão que genuína que possa ser como intuição, não
Elias elabora para a noção de interioridade o corresponde a nenhuma coisa no homem que
levará a concordar com aquela visão acerca dos tenha o caráter de uma real parede (p. 247).
sentimentos e emoções. Ao contrário, consis-
tente com sua interpretação dos fenômenos Mas também aqui, pode-se usufruir das
humanos como materializados em redes de contribuições de Elias sem aderir ao seu vocabu-
interdependência com outros homens, Elias lário psicológico, ou à perspectiva teórica que está
argumentará sistematicamente acerca da incon- na origem desse vocabulário. É menos relevante
sistência da interpretação de sentimentos como discutir se o que é controlado são impulsos es-
fenômenos internos. Afirma Elias (1939/1990): pontâneos ou instintivos, e se são estes que no
autocontrole deixam de alcançar o aparelho mo-
há boa razão para dizer que o cérebro humano se tor. O que importa observar é que sob contin-
localiza dentro do crânio e o coração dentro da gências sociais que promovem o autocontrole o
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(cf. Hanna & Todorov, 2002; Rachlin, 1974, para o grupo. Em contrapartida, respostas
1991; Skinner, 1974/1993). Nesses casos, uma autocontroladas produziriam conseqüências
das respostas possíveis pode ser chamada de atrasadas positivas para o indivíduo e para o
resposta “impulsiva”, a outra, resposta grupo. Skinner (1953/1965) refere-se ao
autocontrolada. A resposta impulsiva seria aque- “autogerenciamento” como sinônimo de mani-
la que produziria uma conseqüência pulação de variáveis. Quando se trata de um
(reforçadores positivos) temporalmente mais tipo de manipulação caracterizada como reso-
próxima, porém de menor magnitude. A res- lução de problemas, a referência é ao
posta autocontrolada produziria uma conse- “autogerenciamento intelectual”; quando a
qüência temporalmente mais atrasada, porém manipulação é uma forma de autocontrole, a
de maior magnitude. Um outra possibilidade é referência é ao “autogerenciamento ético”. Esse
que a resposta impulsiva produza não apenas tipo de adjetivação sugere um reconhecimento
reforçadores positivos (imediatos), mas também da centralidade do conflito entre conseqüênci-
reforçadores negativos (atrasados), enquanto a as para o próprio indivíduo e conseqüências
resposta autocontrolada produziria reforçadores para o grupo na análise do autocontrole.
positivos atrasados (e talvez reforçadores nega- Na medida em que se formula o
tivos imediatos). autocontrole a partir de um conflito de conse-
Em muitos casos, a resposta qüências, assinalando-se que se trata de conse-
autocontrolada só é possível com a mediação so- qüências para o próprio indivíduo e para o gru-
cial. Um indivíduo que não contactou uma con- po, e tratando-se como impulsivas aquelas res-
seqüência temporalmente muito distante não está postas que produzem reforçadores positivos ime-
propriamente sob controle daquela conseqüên- diatos apenas para o próprio indivíduo, há uma
cia, mas sob controle de contingências sociais a aproximação da abordagem que relaciona emo-
ela associadas. Por exemplo, uma criança man- ções e autocontrole. Isto é, embora seja possível
tém-se estudando anos seguidos não exatamen- formular o autocontrole em termos de operações
te porque está sob controle dos reforçadores a ou contingências de reforçamento, trata-se de
que terá acesso por um desempenho profissional relações nas quais sanções sociais para respostas
eficiente, mas porque a sociedade provê contin- impulsivas estão presentes. Desse ponto de vis-
gências que a mantêm estudando todos esses anos ta, o autocontrole em humanos tem componen-
(por exemplo, notas, diplomas, prêmios etc. – tes não encontrados em possíveis instâncias de
cf. Skinner, 1968/2003). autocontrole com outras espécies (embora tal-
Numa outra direção, Skinner (1968/ vez para todas as espécies respostas impulsivas
2003) remete-se ao “autogerenciamento ético”, representem fenômenos mais próximos).
salientando que o conflito entre conseqüências As sanções éticas envolvidas na promo-
pode ser tal que envolva conseqüências para o ção de autocontrole constituem aquele tipo de
próprio indivíduo e conseqüências para o gru- condição social referida por Elias como respon-
po (cf. Nico, 2001). Nessas circunstâncias, res- sáveis pela observação do próprio corpo, pela
postas impulsivas seriam aquelas que produzem reflexão permanente sobre cursos de ação e pela
reforçadores positivos imediatos para o próprio correspondente percepção dos eventos emocio-
indivíduo, mas reforçadores negativos atrasados nais e cognitivos como ocorrências internas. As
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caso do autocontrole e comportamentos agressi- ções interpessoais cotidianas. Ao lado disso, po-
vo e passivo, no caso da assertividade) partilham rém, modificou substancialmente aquelas rela-
aquelas características, à exceção do favorecimento ções na direção de um afastamento entre os in-
do grupo ... Ao se comportar assertivamente o divíduos, ou de uma maior formalidade no tra-
indivíduo emite uma resposta mais vantajosa para to com os outros. As conseqüências dessas mo-
o grupo do que uma resposta impulsiva (a res- dificações são inúmeras e a preocupação com a
posta agressiva) ou ineficaz para a produção de assertividade constitui um modo de se voltar
conseqüências em geral (a resposta passiva), ambas para elas. Promovendo o comportamento
concorrentes. Poder-se-ia supor que a resposta assertivo o que se está buscando é evitar o
passiva representa vantagem maior para o grupo autocontrole típico da passividade, que funcio-
do que a resposta assertiva, mas nesse caso torna- na contra o indivíduo, e a ausência de
se importante observar como se articula ao con- autocontrole própria da agressividade, que fun-
flito de conseqüências a questão temporal assina- ciona contra o ambiente social. No caso especí-
lada por Rachlin (1974, 1991). Isto é, respostas fico da assertividade positiva, em que pese as
passivas são mais vantajosas para o grupo apenas ponderações sobre variáveis contextuais, é mais
do ponto de vista imediato. A longo prazo, a provável que promova uma condição de satis-
passividade representa uma dependência onero- fação pessoal com impacto positivo sobre o am-
sa do indivíduo em relação ao grupo (considere- biente social (pp. 68-69).
se, a propósito, as conseqüências atrasadas, para
os pais e para a sociedade, do fortalecimento de No que diz respeito à tomada de deci-
um padrão passivo de comportamento de crian- são, há um poema ilustrativo do que se preten-
ças na infância). Considerando-se as conseqüên- de salientar, de autoria de Robert Frost, o es-
cias atrasadas, portanto, será mais vantajoso para critor dos versos “simples” (Pound, 1994, p.
o grupo, pelo menos em uma cultura 52), que “[fala] com naturalidade e [descreve]
“ocidentalizada”, contar com indivíduos que se as coisas tal como as vê” (Pound, p. 49). Skinner
comportem assertivamente (pp. 65-66). teve contato e foi encorajado por Frost quando
ainda pensava em trilhar uma carreira literária.
Com essas considerações, não se está su- Bem mais tarde, Julie Vargas (Vargas, 1989)
gerindo que o comportamento assertivo não inspirou-se no poema para falar dos caminhos
cumpre uma função importante nas relações percorridos pela análise do comportamento. O
entre os homens, mas apenas que um olhar crí- texto remete-se a uma encruzilhada em um
tico sobre essa questão é necessário. Como sali- bosque e à escolha do autor pelo “caminho
entam Neno e Tourinho (2003), menos percorrido”:
não se pode dizer que a emergência e difusão do Eu deveria proferir isso com um suspiro
autocontrole para muitas esferas da nossa vida Em algum lugar, tempos e tempos atrás,
teve um valor negativo nas sociedades moder- Dois caminhos divergiram no bosque, e eu
nas. Ao contrário disso, possibilitou conquistas Eu optei pelo menos percorrido,
sociais importantes, como uma maior seguran- E isso fez toda a diferença.
ça (e os sentimentos correspondentes) nas rela- (Frost, 1916/s/d, p.271).
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comporta, das conseqüências a serem produzi- postas cujas conseqüências vêm a longo pra-
das por um e outro comportamento. Assim, di- zo, por exemplo a decisão sobre uma carreira
ferentemente do autocontrole, o comportamen- universitária ou profissional, o que coloca a
to de tomar decisão não consiste na aplicação de tomada de decisão no mesmo terreno do
um conjunto de técnicas de modo a tornar mais autocontrole com respeito a muitos aspec-
provável uma resposta antecipadamente tos. Na discussão de Elias (1994) sobre as
identificada. O que define a tomada de decisão é exigências decisórias em sociedades comple-
a emissão de certos comportamentos que aumen- xas, encontra-se essa articulação:
tam a probabilidade de optar por, decidir qual
curso de ação será tomado. Dessa forma, um in- A oportunidade que os indivíduos têm hoje de
divíduo torna-se mais capaz de tomar uma deci- buscar sozinhos a realização dos anseios pessoais,
são quando se comporta de modo a produzir predominantemente com base em suas próprias
conhecimento acerca das conseqüências envolvi- decisões, envolve um tipo especial de risco. Exi-
das em um e outro comportamento (p. 16). ge não apenas considerável volume de persistên-
cia e visão, mas requer também, constantemente,
Pode-se indagar se há grande diferença que o indivíduo deixe de lado as chances mo-
entre autocontrole e tomada de decisão no mentâneas de felicidade que se apresentam, em
que concerne à antecipação das conseqüênci- favor de metas a longo prazo que prometam uma
as dos possíveis cursos de ação. É possível que satisfação mais duradoura, ou que ele as sobrepo-
no autocontrole o indivíduo tenha informa- nha aos impulsos a curto prazo ... A maior liber-
ções sobre as conseqüências de sua ação, po- dade de escolha e os riscos maiores andam de
rém quanto mais distantes temporalmente mãos dadas ... O esforço da longa jornada pode
essas conseqüências, menores as chances de ser tão grande que a pessoa perca a capacidade de
que correspondam (formal ou funcionalmen- desfrutar a realização ou de vê-la como uma rea-
te) àquilo que era conhecido. Também é pos- lização satisfatória. A capacidade pessoal de sen-
sível que em algumas circunstâncias descri- tir alegria e realização pode ter sido sufocada na
tas por Skinner como situações decisórias o infância, através de relações familiares. Há mui-
indivíduo manipule variáveis para produzir tas dessas possibilidades. A abundância de opor-
informações adicionais sobre as conseqüên- tunidades e metas individuais diferentes nessas
cias de seu comportamento, mas não se trata sociedades é equiparável às abundantes possibi-
de situações nas quais os indivíduos desco- lidades de fracasso (p.109).
nheçam inteiramente as conseqüências dos
possíveis cursos de ação. Por exemplo, quan- Olhar para autocontrole e tomada de
do um indivíduo busca informações no jor- decisão como dois fenômenos muito aproxima-
nal sobre os programas culturais disponíveis, dos significa, portanto, dentre outras conseqü-
está aumentando a probabilidade de decidir- ências, que os processos de tomada de decisão,
se por um ou outro, mas algum conhecimen- as variáveis sócio-culturais aí envolvidas, mere-
to prévio sobre as conseqüências de cada um cem também ser levadas em conta em uma apre-
já existia. Por último, freqüentemente as si- ciação da noção de interioridade no mundo
tuações que requerem decisões envolvem res- moderno.
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