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APRESENTAÇÃO

NÍGER, NA ÁFRICA
Grupo de mulheres e crianças cava o leito seco
de um rio em busca de água: países pobres sofrem
mais com o desvio de dinheiro de obras públicas

UM
DESAFIO
GLOBAL
A corrupção é um dos três principais
problemas em quase metade dos 148
países analisados em um estudo do
Fórum Econômico Mundial. O prejuízo
anual chega a 2,6 trilhões de dólares.
Essa “doença” atinge todos os países,
mas seus efeitos são mais perversos
na população de baixa renda
ERNESTO YOSHIDA

Aubrey Wade/Panos
10 | EXAME CEO | ABRIL 2014 ABRIL 2014 | EXAME CEO | 11
N
APRESENTAÇÃO

ãosãopoucos
os que comparam a corrupção a um tumor difícil de ser tratado. “A cor-
rupção é o câncer do mundo moderno”, disse o líder tibetano Dalai La-
ma em janeiro deste ano, ao visitar a Índia. Assim como o câncer, a cor-
rupção pode se alastrar de forma incontrolável. Pode até matar um Es-
tado. O filósofo francês Montesquieu, criador da teoria de separação do
Estado em três poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário — como

Gustavo Oliveira/Corbis/LatinStock
forma de evitar os desmandos do governo, citou a corrupção como uma
das causas do colapso do Império Romano no século 5. “A grandeza do
Estado fez a grandeza das fortunas particulares”, escreveu Montesquieu
na obra Considerações sobre as Causas da Grandeza dos Romanos e de
Sua Decadência, de 1734. “Os que não foram inicialmente corrompidos
por sua riqueza foram-no em seguida por sua pobreza. Com bens acima
de uma condição privada, era difícil ser bom cidadão.”
O custo de negligenciar essa doença é alto. O Fórum Econômico Mundial
estima que a corrupção seja responsável por perdas de 2,6 trilhões de dóla- PROTESTO PACÍFICO NO RIO DE JANEIRO
Manifestantes aglomeram-se perto da Câmara Municipal durante a onda de protestos de junho de 2013.
res por ano, ou 5% do PIB global. Somente em suborno calcula-se que seja
Medidas mais rigorosas contra a corrupção estavam entre as reivindicações do grupo
pago 1 trilhão de dólares a cada ano. Embora comumente associada a países
pobres, a corrupção, como o câncer, é uma doença que não escolhe vítimas.
Em 71 dos 148 países pesquisados em um estudo do Fórum Econômico Mun-
dial, a corrupção aparece como um dos três principais problemas que pre- mostram que a taxa de mortalidade infantil em A boa notícia é que, como vários tipos de câncer para protestar contra a farra no uso de dinheiro
judicam o ambiente de negócios. Em média, segundo o estudo, a corrupção países com alto nível de corrupção é quase 30% que são curáveis e podem ser prevenidos com público é um sinal dos novos tempos. A ação de
representa um custo adicional de 10% para fazer negócios — nos países em maior do que em nações que mantêm a corrupção bons hábitos e vigilância constante, a corrupção oportunistas e vândalos que se misturaram aos
desenvolvimento, esse custo extra pode atingir 25%. sob controle. A proporção de crianças que aban- também tem jeito. Alguns de nossos vizinhos rea­ manifestantes pacíficos não invalida os avanços.
Além de afastar investidores e minar a competitividade de um país, a cor- donam a escola nos países mais corruptos é cinco lizaram avanços notáveis nos últimos anos. No Como declarou o americano Martin Luther King
rupção retarda o desenvolvimento ao desviar para contas particulares o vezes maior do que nos países com baixo grau de mais recente ranking de corrupção da organização em sua luta pelos direitos civis dos negros nos
dinheiro que poderia ser aplicado em áreas essenciais, como infraestrutura, corrupção. No fim, quem mais sofre com a situa- Transparência Internacional, o Uruguai aparece anos 60, as maiores tragédias são causadas pela
educação e saúde. O Banco Mundial estima que de 20% a 40% dos recursos ção é a população pobre. O Banco Mundial estima em 19o lugar e o Chile em 22o lugar entre 177 paí- apatia humana. “O que me assusta não são as ações
destinados pelos países ricos aos países em desenvolvimento a título de doa­ que a redução da corrupção a níveis civilizados ses. O Brasil está em 72o lugar. Mas o Brasil dá e os gritos das pessoas más, mas a indiferença e o
ções ou empréstimos são apropriados por funcionários corruptos. As con- poderia elevar a renda per capita de um país até mostras de que quer deixar a incômoda posição. silêncio das pessoas boas”, disse King. Ao que pa-
sequências aparecem de forma implacável na sociedade. Alguns estudos quatro vezes no longo prazo. A indignação da população que tomou as ruas rece, pessoas boas começaram a gritar.

12 | EXAME CEO | ABRIL 2014 ABRIL 2014 | EXAME CEO | 13


DE
NEGÓCIOS

CONSCIÊNCIA
LIMPA
O movimento pela ética vem ganhando força entre as
grandes corporações no mundo inteiro. Mas o que significa,
afinal, ser ético? Quais os riscos para quem não leva essa
questão a sério? E quais as vantagens de ser uma empresa
comprometida com a ética? MELINA COSTA

Andreas Rentz/Getty Images


QUIOSQUE DA L’ORÉAL EM BERLIM
A fabricante francesa de cosméticos enfrenta dilemas éticos
em sua investida em busca de novos mercados

14 | EXAME CEO | ABRIL 2014 ABRIL 2014 | EXAME CEO | 15


N
NEGÓCIOS

TRAGÉDIA EM
BANGLADESH
Escavadeira remove destroços de
prédio que desabou na capital
do país em 2013. O local
abrigava várias confecções

A MANHÃ
24 de abril do ano passado, um prédio com sérias falhas de
de

infraestrutura nos arredores de Daca, capital de Bangladesh,


desabou e deixou mais de 1 000 mortos. As vítimas atuavam
como trabalhadores terceirizados de algumas das maiores em-
presas de vestuário do mundo. O episódio expôs um lado per-
verso da indústria global da moda, questionada frequentemen-
te pelo uso de mão de obra barata em países pobres. Em meio
à comoção causada pela tragédia, a sueca H&M, segunda no
ranking global de varejo de vestuário, decidiu se posicionar
publicamente. Mesmo sem ter envolvimento com o colapso em
Daca, a companhia foi a primeira a se comprometer com um
novo conjunto de regras para a segurança de trabalhadores em
Bangladesh — e foi seguida por mais de 100 marcas. “Nós temos

Munir Uz Zaman/AFP Photo


a responsabilidade, com outras companhias, de garantir a se-
gurança das fábricas”, declarou a H&M em um comunicado.
“Na economia globalizada de hoje, não cabe mais questionar
se empresas como a H&M devem estar presentes em países em
desenvolvimento. A questão é como vamos fazê-lo.”

A declaração é parte do esforço da H&M para se apresentar como uma Entre as grandes multinacionais, é difícil en- que constavam preocupações com a marca e Jennifer Evans, diretora de risco do banco aus-
empresa ética no setor de vestuário. Para evitar problemas de segurança contrar uma que não tenha código de conduta, com a economia. “Percebemos que a reputação traliano ANZ, citada no estudo da Deloitte: “Re-
e o uso de mão de obra infantil, a companhia realizou mais de 2 500 au- canais para denúncias anônimas, metas de re- passou a ser levada mais a sério”, diz Simon putações construídas durante anos podem ser,
ditorias nas fábricas de seus fornecedores no ano passado. Em sua ini- dução do impacto ambiental e de engajamento Webley, diretor de pesquisa do Institute of Bu- de uma hora para a outra, colocadas em xeque”.
ciativa mais ambiciosa, a H&M começou a implantar um novo método com comunidades. Os mais céticos dirão que siness Ethics, com sede em Londres. “Essa é, Nesse cenário, o modo de operação de muitos
de remuneração em sua cadeia de produção para pagamento de salários essas medidas têm menos a ver com o altruísmo provavelmente, uma reação contra a má repu- investidores começou a mudar. Hoje, há 34 tri-
mais justos. Os trabalhadores têm sido incentivados a negociar seus au- e mais com a necessidade de proteção da ima- tação. Pense no que aconteceu com o setor fi- lhões de dólares em ativos sendo administrados
mentos por meio de comitês de representantes. O presidente da H&M, gem dessas companhias. De fato, a reputação nanceiro.” A crise de imagem enfrentada pelos por signatários dos Princípios para Investimento
Karl-Johan Persson, reuniu-se com os primeiros-ministros de Bangladesh das empresas passou a ser considerada o fator bancos como resultado do colapso financeiro Responsável das Nações Unidas. Trata-se de um
e do Camboja para discutir a necessidade de reajustes anuais de salários de risco com maior impacto nas estratégias de global é apontada como um dos principais mo- montante quase três vezes superior ao de 2008,
nos dois países. Essa aparente inversão de papéis no mundo corporativo negócios, segundo um estudo realizado no ano tivos por trás do interesse crescente das empre- quando estourou a crise imobiliária americana.
— em que a empresa compradora tenta fortalecer o poder de barganha passado pela consultoria Deloitte com 300 exe- sas por políticas de responsabilidade corpora- Isso significa que, numa tentativa de mitigar ris-
da mão de obra de seus fornecedores — é um caso exemplar da dimensão cutivos de grandes empresas globais. Três anos tiva. Outro motivo é a exposição das compa- cos, cada vez mais administradores de fundos
que o conceito de ética corporativa ganhou nos últimos anos. antes, esse fator era o terceiro de uma lista em nhias aos perigos das redes sociais. Como diz têm analisado o comportamento das empresas

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NEGÓCIOS

além de seus números operacionais e financeiros.

Mike Blake/Reuters
O canadense Ethical Funds, que administra o
equivalente a 12,6 bilhões de reais, é um dos líde-
res em investimento socialmente responsável.
Apesar de manter uma fatia minoritária em gran-
des companhias, o fundo costuma interagir com
diretores e CEOs, de modo a apontar conflitos e
sugerir mudanças. Recentemente, o Ethical
Funds conseguiu alterar a política de remunera-
ção de um dos maiores bancos do mundo, o Royal
Bank of Canada. Agora o banco inclui variáveis
como satisfação dos clientes no cálculo dos salá-
rios e decidiu usar um novo método que leva em
conta a remuneração de funcionários médios
para definir a de executivos. As novas políticas
não acabam com os excessos no alto escalão, mas
representam avanços. “Nosso maior desafio é
lidar com a expectativa de que investimos em
empresas perfeitas. Obviamente, isso não existe”,
diz Bob Walker, vice-presidente do Ethical
Funds. “O que fazemos é identificar aquelas que
respondem às nossas expectativas em relação a
responsabilidade ambiental e governança e inte-
ragir com elas para melhorar essa performance.”

HÁ 34 TRILHÕES BARISTAS
FAZEM
DE DÓLARES NO CAFÉ EM
MUNDO GERIDOS LOJA DA
STARBUCKS
PELOS PRINCÍPIOS A rede americana
de cafeterias figura

DE INVESTIMENTOS
há oito anos entre as
empresas mais éticas
do mundo, de acordo

RESPONSÁVEIS
com o ranking do
Instituto Ethisphere,
de Nova York

A perfeição pode não ser alcançável, mas o cidade de liderança e de inovação das empre- identificar se isso é sistemático ou um caso não testa seus produtos em animais e passou a
comportamento ético tornou-se um mantra sas, seus modelos de governança e de respon- isolado e analisar como a empresa reagiu.” investir na pesquisa de métodos alternativos,
entre as companhias. Em geral, a ética corpo- sabilidade corporativa, sua cultura e a quali- A fabricante francesa de cosméticos L’Oréal como o uso de pele artificial. O problema é que
rativa é entendida como a promoção da res- dade dos programas de ética e compliance figurou cinco vezes na lista das empresas mais na China, um dos mercados de cosméticos que
ponsabilidade nos âmbitos social, ambiental e (área que disciplina os padrões internos de éticas do mundo do Ethisphere. Para qualquer mais crescem no mundo, o teste em animais é
financeiro e da sustentabilidade na relação conduta). Centenas de documentos são anali- aspecto da operação que se olhe, parece haver obrigatório. O próprio governo chinês realiza
com clientes, fornecedores, acionistas e comu- sados e uma investigação independente é feita uma política de estímulo à ética. Alguns exem- os testes — não a L’Oréal diretamente. De todo
nidades. Mas esse conceito amplo esclarece para checar o histórico dessas companhias na plos: até 2020, 100% da matéria-prima renová- modo, a companhia francesa decidiu deixar sua
pouco. Na prática, é a postura diante de desa- Justiça e na imprensa. “Lidamos com empresas vel da L’Oréal deverá ter origem em fontes sus- marca de apelo sustentável Body Shop fora do
fios nas mais diversas áreas que define a ima- multibilionárias que mantêm operações em tentáveis; e todos os anos há um dia da ética mercado chinês, mas entrou no país com mar-
gem de uma empresa. Há oito anos, o Instituto centenas de países. Inevitavelmente, todas têm para o presidente Jean Paul Agon responder a cas como L’Oréal Paris e Maybelline.
Ethisphere, de Nova York, divulga a lista de alguma questão sendo discutida em algum tri- perguntas de funcionários sobre o tema. Mas O que é ético nesse caso? É sustentar o prin-
companhias “mais éticas do mundo”. Entre os bunal de alguma localidade”, diz Stefan Lins- mesmo as empresas mais preparadas não estão cípio de não crueldade contra os animais que a
critérios analisados estão a reputação, a capa- sen, editor-chefe do Ethisphere. “Tentamos isentas de dilemas éticos. Desde 1989, a L’Oréal L’Oréal adota há mais de 20 anos? Ou o impor-

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NEGÓCIOS

tante é assegurar a participação no mercado e o desempenho financeiro de companhias ou


chinês, o que pode ter um impacto brutal no portfólios de investimento; 13 mostraram rela-
futuro da companhia? “Acredito que ninguém ções neutras; e três mostraram relações nega-
esteja sugerindo que deixemos nossa operação tivas. De forma mais pragmática, as empresas
na China e demitamos 4 000 funcionários. Nos- costumam citar dois benefícios de suas políticas
so departamento de pesquisa e inovação está de promoção da ética: a estabilidade nas rela-
trabalhando com as autoridades chinesas para ções com parceiros e a habilidade de atrair ta-
dividir nosso conhecimento a respeito de outros lentos. “Construímos relações de confiança com
métodos”, afirma Emmanuel Lulin, diretor de nossos fornecedores, o que é importante para
ética da L’Oréal. “Se as corporações atuassem garantir café de alta qualidade para nossos con-
apenas em países com as melhores práticas de sumidores”, diz Kelly Goodejohn, diretora de
negócios ou sem problemas com direitos huma- fornecimento da rede de cafeterias Starbucks,
nos e corrupção, provavelmente faríamos negó- que figurou em todas as oito edições do ranking
cios em poucos países do mundo.” anual do Ethisphere. “Para crescer, precisamos
de profissionais de alta qualidade, e nossos va-
Atuação responsável lores são a principal forma de atrair talentos.”
Não há consenso sobre de que modo as empre- É mais fácil entender esse raciocínio quando
sas devem reagir em situações como a enfren- aplicado à Starbucks, uma empresa que colo-
tada pela L’Oréal. Mas se há algo que as fabri- cou a ética no centro da estratégia de marketing
cantes de bens de consumo aprenderam é que
se esquivar das discussões sobre ética pode
trazer sérios danos às marcas. Essa é a maior
lição deixada pela Nike depois de sua experiên- SE AS EMPRESAS
EVITASSEM
cia nos anos 90. Inicialmente, a fabricante de
material esportivo tentou se desvincular do en-

OS PAÍSES COM
volvimento em casos de uso de trabalho infantil
por seus fornecedores. Sob pressão da opinião

PROBLEMAS DE
pública, voltou atrás, admitiu sua responsabili-
dade e tornou-se pioneira em políticas de res-
ponsabilidade corporativa. A Coca-Cola é outro
exemplo da nova postura adotada por muitas
empresas. No fim de 2013, ela anunciou uma ÉTICA, FARIAM
política de tolerância zero com a apropriação de
terras por seus fornecedores depois de denún-
cias da Oxfam, ONG que combate a pobreza no
POUCOS NEGÓCIOS
mundo. Em seu relatório sobre a cadeia do açú-
car, a Oxfam revelou casos de comunidades in- e, com isso, consegue cobrar 6,80 reais por um
dígenas e rurais expulsas de suas terras para dar café expresso com leite. Mas esses argumentos
lugar a usineiros que se tornaram fornecedores são menos óbvios no caso de companhias sem
de grandes empresas. A Coca-Cola comprome- contato direto com consumidores. A indiana
teu-se a avaliar seus fornecedores de forma in- Wipro, uma das maiores do mundo em serviços
dependente, revelar informações sobre sua ca- de tecnologia da informação, tem um dos mais
deia e aderir ao princípio de Consentimento elogiados programas de responsabilidade so-
Livre, Prévio e Informado (acordo internacional cioambiental. O esforço é proporcional aos
que prevê a participação de comunidades nas desafios da Índia, onde muitas de suas unida-
decisões sobre as terras que ocupam). des estão instaladas — mas o problema é que
A ideia de que o comportamento pouco ético isso não garante uma vantagem competitiva.
causa estragos parece consolidada entre as em- Afinal, não é fácil cobrar mais por um serviço
presas. O que ainda não está claro é o outro de TI altamente ético, por exemplo. Em casos
lado da moeda: quais as vantagens de ser uma LINHA DE PRODUÇÃO como esse, apesar de algum benefício na atra-
empresa reconhecidamente ética? Não há uma
resposta fácil. A consultoria Mercer analisou DE COCA-COLA
A fabricante de bebidas anunciou em 2013
ção de parceiros e talentos, a escolha pela ética
ultrapassa a lógica dos negócios. “No fim das
36 artigos acadêmicos sobre o assunto nos úl- uma política de tolerância zero com fornecedores contas, as pessoas precisam tomar decisões

Marcelo Correa
timos seis anos. Em suma, 20 deles mostraram de açúcar envolvidos em denúncias de apropriação sobre o que é o certo a fazer”, diz Anurag Behar,
evidências de uma relação positiva entre fatores de terras de comunidades indígenas e rurais diretor de sustentabilidade da Wipro. “É assim
de governança corporativa, social e ambiental que escolhemos ser do jeito que somos.”

20 | EXAME CEO | ABRIL 2014 ABRIL 2014 | EXAME CEO | 21


BRASIL

A
Obra em São Paulo

E
Sob a nova legislação, as
investigações sobre a máfia dos
fiscais da prefeitura seriam mais
ágeis; e as penas, mais duras

stima-se
que o Brasil perca to-
dos os anos até 2,3%
de seu PIB por causa
do elevado nível de
corrupção. É mais que
o dobro do que é con-
tabilizado pela União
Europeia, onde a perda gira em torno de 1% do

LEI QUE
PIB. Não à toa, o ranking de percepção da cor-
rupção elaborado pela organização não governa-
mental Transparência Internacional coloca o
Brasil na 72a colocação entre 177 países analisa-
dos. Há dois meses, no entanto, o Brasil deu um
passo importante para virar esse jogo ao ingres-

QUER MUDAR
sar no grupo de países que contam com legislação
específica para casos de corrupção transnacional,
aquela que ultrapassa as fronteiras de uma nação.

O PAÍS
A entrada em vigor da Lei no 12.846, de 2013, era
uma demanda antiga de tratados internacionais
dos quais o Brasil é signatário. Mas mais impor-
tante do que punir as empresas nacionais que
atuam em outros países é o fato de que a nova
lei ampliará significativamente o combate à cor-
rupção no Brasil — um avanço regulatório que,
na teoria, permitirá ao país reduzir o enorme
custo da corrupção e, de quebra, atrair mais in-
vestimentos estrangeiros.
Uma nova legislação coloca o Brasil A corrupção, como se sabe, está longe de ser
no mesmo nível de países desenvolvidos um fenômeno novo no mundo. Há mais de 700
no que diz respeito a regras para combater anos, o escritor italiano Dante Alighieri já colo-
a corrupção. Mas o país ainda precisa fazer cava os subornadores entre os seres mais des-
sua lição de casa para que essa promessa prezíveis do Inferno, uma das partes mais mar-
se torne realidade GUILHERME MANECHINI cantes de sua obra Divina Comédia. Entretanto,
foi só na década de 90, após a Guerra Fria, que a
luta contra a corrupção ganhou relevância. Nes-
sa época, grandes organismos multilaterais, co-
mo o Banco Mundial, a Organização das Nações
Unidas (ONU) e a Organização para a Coope-
ração e o Desenvolvimento Econômico (OCDE),

Germano Lüders
aderiram à causa do combate à corrupção. Um
bom exemplo dessa transição é o Banco Mun-
dial. Somente em 1996, mais de meio século após

22 | EXAME CEO | ABRIL 2014 ABRIL 2014 | EXAME CEO | 23


BRASIL

David Coleman
sua fundação, a instituição começou a tratar pu-
blicamente do tema. Foi quando o economista
James Wolfensohn, então presidente do Banco
Mundial, classificou a corrupção como um cân-
cer que impõe um grande fardo, sobretudo aos
países em desenvolvimento. Nos quatro anos
seguintes, a OCDE e a ONU firmaram conven-
ções para combater a corrupção transnacional.
Além da corrupção em outros países, a expec-
tativa em torno da Lei no 12.846 se deve aos im-
pactos que ela poderá trazer ao ambiente de ne-
gócios. “O Brasil ainda é considerado um país de
alto risco quando o assunto é corrupção. Por isso,
a aplicação da nova lei será fundamental para a
imagem do país no exterior”, diz Stephen Chip-
man, presidente da consultoria americana Grant
Thornton. Até então, o poder das autoridades
brasileiras para punir uma empresa era limitado
e exigia uma quantidade de provas e evidências
praticamente impossível de ser obtida sem a co-
laboração dos próprios envolvidos. Agora, uma
vez que se comprove que a empresa foi benefi-

Foi só no fim dos anos Sede da


90 que o Banco Mundial Justiça
americana
alertou, pela primeira Desde o fim dos
anos 70, os Estados

vez, para os prejuízos


Unidos contam
com uma legislação
para punir empresas

causados pela corrupção


envolvidas em
corrupção fora
de seu território

ciada pela corrupção, será mais fácil aplicar san- sa Estellita, professora de direito da Fundação Acordos e multas vendo uma empresa com capital estrangeiro é a
ções civis e administrativas, que podem significar Getulio Vargas e sócia do escritório Alonso O cerco da Justiça americana contra multinacio- máfia dos fiscais da prefeitura de São Paulo. A
multas de até 20% da receita bruta do ano ante- Leite Groch + Heloisa Estellita Advogados, de nais envolvidas em casos de corrupção apertou construtora Brookfield, cujo principal acionista
rior e levar até mesmo à dissolução da companhia. São Paulo. A advogada, porém, não tem dúvidas a partir de 2007 e foi percebido em diversos paí­ é um fundo de investimento canadense, admitiu
Outra novidade da lei é o conceito de respon- sobre qual recomendação dar a seus clientes. ses, inclusive no Brasil. Os valores de acordos e o pagamento de mais de 4 milhões de reais em
sabilidade objetiva. Isso significa que uma com- “Se não quiser ter problema com essa lei anti- multas já se aproximam dos 5 bilhões de dólares. propinas para fiscais da capital paulista. O Cana-
panhia pode ser considerada culpada por não corrupção, é muito mais barato se adequar.” O maior deles, de 800 milhões de dólares, foi fir- dá, que conta com legislação contra corrupção de
ter evitado um pagamento de propina, mesmo Os Estados Unidos têm sido o grande incen- mado pela alemã Siemens, em 2008. Fora o acor- suas empresas no exterior, enviou uma equipe
que tenha mecanismos de controle nos parâ- tivador da luta contra a corrupção. Em 1997, o do com as autoridades americanas, a S ­ iemens já de investigadores para se inteirar das investiga-
metros recomendados pelo governo. A respon- país resolveu intensificar o cumprimento de informou ter gastado mais de 1 bilhão de dólares ções. Entre as empresas brasileiras, o caso mais
sabilidade também recai sobre empresas coli- uma legislação criada na esteira do escândalo para mudar sua estrutura nos mais de 100 paí­ emblemático é a fabricante de aviões Embraer.
gadas, controladas e consorciadas, além de de Watergate, no fim dos anos 70, e passou a ses onde atua. No Brasil, a mudança resultou, Desde 2011, a empresa é investigada por violar
parceiros comerciais. Diante desse risco, espe- pressionar outros países a ter o mesmo compro- entre outras ações, em um acordo de leniência a lei anticorrupção americana em mais de um
cialistas alegam que a lei não incentiva as em- metimento com a causa. A lógica era simples. firmado com o Conselho Administrativo de De- país. A investigação corre em sigilo de Justiça e
presas a denunciar um funcionário corrupto. Sem a adesão de outras potências, as mais pre- fesa Econômica (Cade), por formação de cartel conta com a colaboração de autoridades brasi-
“Em outros países, como Estados Unidos e Rei- judicadas seriam as próprias multinacionais entre empresas do setor metroferroviário para leiras. Enquanto o processo não é concluído, a
no Unido, um bom programa de controle de americanas. Aprovadas as convenções interna- a venda de trens e sistemas para o governo do empresa seguirá obrigada a comunicar que está
riscos isentaria a empresa de culpa”, diz Heloi- cionais, o passo seguinte foi aplicar a legislação. estado de São Paulo. O caso mais recente envol- sob investigação nos Estados Unidos.

24 | EXAME CEO | ABRIL 2014 ABRIL 2014 | EXAME CEO | 25


BRASIL

“SÓ FALTA A
PRESIDENTE

Alan Marques/Folhapress
ASSINAR”
Jorge Hage, ministro- MINUTA DO DECRETO
chefe da Controladoria-
Geral da União
QUE REGULAMENTA A
NOVA LEI ESTÁ PRONTA

EXAME CEO O que a lei anticorrupção controle... Até mesmo a transparência das
representa para o Brasil? doações políticas será um critério.
JORGE HAGE Trata-se da primeira ini-
ciativa do governo brasileiro para criar um Falta transparência nas doações
instrumento capaz de alcançar a pessoa jurí- de campanha feitas por empresas?
dica como agente corruptor. Isso é algo que Em outros países, talvez não seja um proble-
o país só teve de forma muito limitada na lei ma. Mas, aqui, a influência do poder econô-
de licitações e na lei de improbidade admi- mico nas eleições seguramente é uma ques-
nistrativa. Na primeira, é difícil alcançar o tão séria. Enquanto não se faz uma reforma
patrimônio da empresa. Na lei de improbi- constitucional, é preciso ao menos garantir
dade, é preciso antes comprovar a respon- a transparência das doações antes das elei-
sabilidade do agente público, para só então ções. Hoje, isso só ocorre após as eleições.
chegar à empresa como terceira beneficiada.
Germano Lüders

Especialistas têm criticado o poder que a lei


O senhor acha que as empresas não dá a autoridades municipais e estaduais.
temiam as legislações antigas? O senhor acha que elas estão capacitadas?
Até então, as multas previstas para casos de Também temos essa preocupação, sobretu-
Embraer corrupção eram absolutamente ridículas. A do no que se refere às prefeituras. Metade
na mira empresa que pratica corrupção se compraz dos municípios brasileiros não tem mais de
Apesar de já ter entrado em vigor, a Lei no das empresas se justifica pelo investimento ne- A fabricante de em pagá-las. São penas contratuais que não 10 000 habitantes, o que dá uma dimensão
12.846 ainda precisa ser regulamentada pelos cessário para se adequar à nova legislação. Em aeronaves é a têm nenhum poder dissuasório. A nova lei do desafio da qualificação. Mas não podemos
principal empresa
governos federal, estaduais e municipais. A re- uma empresa de grande porte, por exemplo, um brasileira sob prevê multas de até 20% do faturamento interferir, apenas oferecer assistência a eles.
gulamentação é primordial para que a nova lei programa de compliance com canal de denún- investigação de bruto do ano anterior ou de até 60 milhões
autoridades
anticorrupção seja bem-sucedida. Inspirada em cia, treinamento de funcionários, elaboração de americanas por
de reais. Mais do que aplicar essas multas, o A regulamentação é uma maneira de
leis estrangeiras, como a americana FCPA e a código de ética e auditoria em contratos e for- causa de que interessa é o poder inibitório delas. orientar essas prefeituras. Quando ela
britânica UK Bribery Act, a lei brasileira conta necedores pode custar mais de meio milhão de corrupção de deverá ser publicada?
funcionários
com atenuantes de penas conforme o compro- reais. Além disso, a regulamentação também é públicos
As multas não são o grande avanço da lei? A minuta do decreto está pronta. Já foi bas-
metimento da empresa em evitar a corrupção. fundamental para que as empresas interessadas estrangeiros Acho que teremos avanços também na regu- tante discutida e agora está na Casa Civil.
Para isso, a companhia deve mostrar como fun- em firmar um acordo de leniência denunciem lamentação, principalmente nos atenuantes Isso significa que depende apenas da assina-
cionam seus mecanismos de controle e colaborar um caso de corrupção. “Seria uma forma de dar das penas. Posso adiantar alguns. Serão leva- tura da presidente Dilma Rousseff.
com a investigação — no jargão de advogados, maior transparência e previsibilidade para as dos em conta fatores como o grau da lesão
trata-se de ter um bom programa de compliance. empresas”, diz Ana Paula Martinez, advogada do crime de corrupção, o risco que ele repre- Por que a demora?
Para implementá-lo, porém, muitas empresas do escritório paulista Levy & Salomão. Ou seja, sentava, a situação econômica das empresas Não sei lhe responder, a não ser pela sobre-
estão aguardando a regulamentação para saber a promessa de mudar o ambiente de negócios envolvidas, a cooperação delas nas investi- carga de atividades da presidente, que tem
quais critérios serão considerados pelas auto- do país já poderia estar em um passo mais ace- gações, a existência de bons mecanismos de tido seguidos compromissos internacionais.
ridades na hora de julgar um caso. A ansiedade lerado para se tornar realidade.

26 | EXAME CEO | ABRIL 2014 ABRIL 2014 | EXAME CEO | 27


REPUTAÇÃO

Turbina

COMO
eólica da
Siemens
A multinacional alemã
criou uma tropa
de elite mundial de
compliance para
ajudar na investigação
de qualquer
caso suspeito

LIMPAR
A BARRA
Depois de ter seu nome envolvido em um escândalo de
corrupção, as empresas precisam encarar os fatos e agir para

N
recuperar a confiança do mercado e do público interno. A pior
estratégia é manter o silêncio e fingir que nada aconteceu
LUCAS ROSSI e RENAN FRANÇA

o dia 15 de julho de 2013, o tema


das conversas nos corredores entre os 8 000 funcioná-
rios da filial no Brasil da multinacional alemã Siemens
era um só: as notícias na imprensa a respeito de um
suposto envolvimento da empresa num cartel. Após
três anos de investigação interna, a Siemens tinha le-
vado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômi-
ca (Cade) documentos que denunciavam a existência
de um esquema — do qual fazia parte — em licitações
para a compra de equipamentos ferroviários e para a
construção e a manutenção de linhas de metrô e de
trem em São Paulo e no Distrito Federal. Ao entregar a
papelada, a empresa obteve a garantia de que, se o cartel
fosse comprovado e condenado, ela e seus executivos

Divulgação
teriam mais chance de se livrar das punições. Naquela
segunda-feira, porém, os funcionários não ouviram ne-

28 | EXAME CEO | ABRIL 2014 ABRIL 2014 | EXAME CEO | 29


REPUTAÇÃO

Unidos, 40% da clientela não entrou mais em

Divulgação
determinadas lojas após alguma decepção. Já na
Inglaterra, metade dos consumidores passou a
evitar empresas nas quais deixou de confiar.
Para companhias que se relacionam com outras
empresas ou mesmo outros governos, some-se a
isso o prejuízo bem palpável. A Siemens exem-
plifica bem esse tipo de perda: está impedida de
participar de licitações públicas para obras no
Brasil e de fechar contratos com governos pelo
país. Em 2013, também foi suspensa de licitações
na Europa por 18 meses por causa de irregulari-
dades descobertas e teve de pagar 13,5 milhões
de euros para instituições europeias dedicadas a
projetos de combate à corrupção. Isso sem falar
na perda de imagem com os investidores. Logo
que o primeiro caso veio a público, as ações da
Siemens caíram cerca de 20%. Nos últimos anos,
a empresa conseguiu se recuperar e tem crescido
acima de dois dígitos.
Menos visível mas igualmente complexo é con-
ter o estrago na reputação entre os próprios fun-
cionários. No auge da apuração, é comum os in-

Fábrica de
trens da De acordo com uma pesquisa,
Alstom sete em cada dez brasileiros
Investigada por
suspeita de
pagamento de deixaram de comprar produtos
ou serviços de empresas
propinas em
São Paulo, a
empresa francesa
preferiu adotar
o silêncio envolvidas em irregularidades

nhuma declaração oficial dos executivos sobre o ner Giovanini, diretor de compliance da Siemens casos — à frente, por exemplo, de ocorrências vestigadores entrarem na empresa para analisar
assunto. O silêncio seguiu por um mês — durante para a América do Sul. de má gestão e acidentes de trabalho, com 15% documentos, apreender computadores, fazer
a qual não faltaram especulações na imprensa O episódio demonstra como pode ser doloroso e 11%, respectivamente. “Um escândalo de cor- entrevistas. Nesse contexto, os executivos come-
e na hora do cafezinho. Como havia assinado conviver à sombra de um escândalo público. O rupção é o pior tipo de crise para uma empresa, çam a desviar para o processo de investigação os
um acordo de confidencialidade com o Cade, a pesadelo, no caso da Siemens, começou em 2007. pois afeta por muitos anos a reputação em ge- esforços que seriam do negócio. “Cria-se uma
Siemens era obrigada a manter sigilo total. Do Naquele ano, uma investigação global desvendou ral”, afirma Paulo Sabbag, especialista em resi- situação de insegurança muito grande dentro da
contrário, toda a investigação seria paralisada. A um esquema de pagamento de propinas por par- liência empresarial e professor da Fundação empresa, porque ninguém sabe o tamanho da
multinacional só foi autorizada a falar um mês te dos executivos da Siemens em pelo menos dez Getulio Vargas de São Paulo. “Pela complexida- multa, quais serão as consequências e se alguém
depois. E, ainda assim, com restrições. Ela con- países de 1999 a 2006 — e rendeu multas supe- de das investigações, o problema se arrasta e o será demitido”, diz José Francisco Compagno,
tinuou impedida de contar qual projeto estava riores a 2 bilhões de dólares. Na época, a compa- dano à imagem é muito difícil de apagar.” sócio da área de investigação de fraudes e supor-
sendo investigado e quem eram os envolvidos. nhia demitiu 250 executivos do alto escalão, Para empresas que vendem produtos ou ser- te a litígios da consultoria EY. Para reduzir esse
Só no dia 16 de agosto, Paulo ­Stark, presidente entre eles Adilson Primo, presidente da subsi- viços para o cidadão comum, o efeito desse ti- impacto e evitar o surgimento de problemas se-
da subsidiária brasileira, pôde, enfim, enviar um diária brasileira até 2011, e pagou 800 milhões de po de golpe costuma se traduzir em perda de melhantes no futuro, a Siemens montou uma
comunicado explicando o que havia aconteci- dólares num acordo com as autoridades ameri- fidelidade. De acordo com um levantamento da tropa de elite de compliance. O departamento
do. Desde então, o assunto virou tema de uma canas para que a averiguação fosse encerrada. consultoria americana Cone, sete em cada dez tem 500 pessoas ao redor do mundo — só no Bra-
newsletter semanal sobre as investigações. “Nes- Segundo o relatório anual do Instituto Ame- brasileiros afirmam ter deixado de consumir sil, são dez funcionários dedicados à área e 35
se período ficamos algemados, mas, assim que ricano de Gestão de Crise publicado em 2013, o produtos e serviços de empresas no ano passado empregados de outros setores que fazem parte
tivemos chance, adotamos a transparência para crime de colarinho-branco foi o principal moti- depois de descobrir algum tipo de comporta- da força-tarefa. “Eles trabalham em outras áreas
manter a confiança dos funcionários”, diz Wag- vo de crises em grandes empresas, com 16% dos mento condenável por parte delas. Nos Estados e são como soldados que estão sempre atentos a

30 | EXAME CEO | ABRIL 2014 ABRIL 2014 | EXAME CEO | 31


REPUTAÇÃO

qualquer questão suspeita. Também ajudam em sobre esses eventos”, diz Diogo Moretti, diretor
investigações e dão apoio a quem tem dúvidas jurídico e de compliance da SNC-Lavalin para a
sobre as regras”, diz Giovanini. Uma das armas América Latina. “Não podemos colocar a cabeça
mais fortes da empresa, que resultou em várias debaixo da terra e negar que existem fatos.”
investigações, é o canal de denúncia. No Brasil, Mas há empresas que decidem seguir o cami-
cerca de 70% das denúncias não são feitas ano- nho contrário. É o caso da francesa Alstom, que
nimamente — os funcionários contam tudo o que adotou o silêncio desde o início das investigações
sabem ao vivo. “Isso mostra como eles estão en- brasileiras, em 2008. Segundo documentos en-
gajados em melhorar os processos”, diz. viados ao Ministério da Justiça do Brasil pelo
Ações como a da Siemens ajudam a limpar a Ministério Público da Suíça, de 1998 a 2003,
barra da empresa com os funcionários, com os 23 milhões de reais teriam sido pagos pela Als-
fornecedores e com o mercado. Além disso, essa tom em propinas a integrantes do governo de
estrutura pode ajudar a diminuir a pena da em- São Paulo. Até o início de março, a Alstom negou
presa. Vale ver o caso da multinacional de enge- as acusações e manteve a postura de esperar o
nharia canadense SNC-Lavalin, que tem mais de processo correr na Justiça — procurada, a em-
30 000 funcionários nos 100 países onde atua, presa não quis comentar como tem lidado inter-

Michel Emond/Corbis/LatinStock
Protesto
inclusive no Brasil. Acusada de corrupção no contra a namente com as acusações. “Quando uma em-
projeto de construção de uma ponte em Bangla-
desh, a empresa está impedida por dez anos de
SNC-Lavalin presa é acusada, manter o silêncio é a pior esco-
lha possível. Não comentar as acusações preju-
A multinacional
participar de licitações em projetos financiados canadense de dica ainda mais a imagem de uma companhia”,
engenharia, que atua
pelo Banco Mundial. Desde o ano passado, sua em 100 países, é
afirma Clarke Caywood, especialista na área de
área de compliance está sendo estruturada. Co- acusada de relações públicas e professor da Universidade
meçou com a contratação de Andreas Pohlmann, pagar suborno Northwestern, nos Estados Unidos. Como esses
para ganhar uma
executivo responsável pelo projeto da área da concorrência de obra escândalos raramente se restringem a um país,
Siemens. Além das ações típicas, como revisão em Bangladesh a reputação é afetada globalmente, o que torna
do código de ética e imposição de regras mais tudo mais complexo. Não há saída fácil. Ou a
claras, agora tudo o que é feito em relação a com- empresa aceita que terá de conviver com a crise
pliance e processos é divulgado em um portal, por um bom tempo, tenta lidar com tudo da me-
aberto a qualquer um que queira ver. “A transpa- lhor maneira possível e passa a fazer negócios
rência é a melhor medida, porque traz segurança de uma forma diferente, ou ela adota uma atitu-
para quem interage conosco — até porque é do de reativa. O problema é que, se for verdade, a
conhecimento de todos que existem denúncias mancha na reputação será ainda pior.

32 | EXAME CEO | ABRIL 2014


ENTREVISTA

É possível harmonizar os interesses


das empresas e dos consumidores,
mas isso exige transparência
divulgação

34 | EXAME CEO | ABRIL 2014


A QUATRO
MÃOS
Um dos mais conhecidos — e polêmicos — especialistas
em ética do mundo, o filósofo australiano Peter Singer,
professor da Universidade de Princeton, diz que a construção
de um ambiente de negócios que seja pautado pela ética
depende tanto das empresas quanto dos consumidores.
“Cada um precisa fazer a sua parte”, afirma
MELINA COSTA

australiano Peter Singer, de 67 anos, pro-


fessor de bioética na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos,
é um dos filósofos mais controversos da atualidade. Seu livro Libertação
Animal, publicado no Brasil em 2004, tornou-se uma bíblia para os
ativistas dos direitos dos animais. Nele, Singer compara a exploração
de animais à de seres humanos e defende o vegetarianismo como a úni-
ca dieta ética. Mais recentemente, ele passou a estudar a globalização e a
defender modelos de governança que levem em conta todo o planeta — e não
apenas os interesses de cada país isoladamente. Do ponto de vista ético, segun-
do o filósofo, há apenas “um planeta”, “uma atmosfera”, “uma economia”. Na entre-
vista a seguir para EXAME CEO, Singer analisa os dilemas éticos do mundo corpora-
tivo e aponta os dois requisitos que considera fundamentais para assegurar a ética nos
negócios: consumidores bem informados e empresas transparentes.

EXAME CEO Nos últimos tempos, as discus- cientes e produtivas. Então, os negócios podem
sões em torno das relações entre ética e negó- ser éticos, sim. A pergunta é se eles estão sendo
cios vêm ganhando crescente relevância. Esses conduzidos de uma forma ética ou se a busca de
dois conceitos são realmente compatíveis? É benefícios individuais está acima de todo o resto.
possível fazer negócios de forma ética? Esse é o grande perigo para os negócios.
PETER SINGER Certamente, os negócios po-
dem ser éticos. Afinal, não há nada antiético em Em essência, um negócio deve gerar lucro. Em
um modelo de negócios que tenha por objetivo busca desse objetivo, as empresas nem sempre
produzir e distribuir mercadorias. E o capitalis- agem conforme os interesses dos consumido-
mo, pela nossa experiência, é a melhor forma de res. Como conciliar essas duas instâncias?
produzir e distribuir mercadorias. Houve várias É possível haver harmonia entre os valores dos
tentativas de substituí-lo, mas foram menos efi- consumidores e os das empresas, mas isso exige

ABRIL 2014 | EXAME CEO | 35


ENTREVISTA

consumidores bem informados e um alto nível Como saber se a ética corporativa não é ape-
de transparência. Muitas pessoas que estão tra- nas uma jogada de marketing, um discurso
balhando para assegurar a ética nos negócios vazio das grandes empresas?
se dedicam exatamente a isso. Por um lado, os Temos visto sinais reais de mudança em diversas
consumidores precisam se conscientizar de áreas. Eu mesmo estive envolvido em questões
questões como as condições dos trabalhadores como o tratamento de animais e vi mudanças
em uma empresa e o impacto ambiental cau- reais das corporações por pressão dos consu-
sado por ela. Por outro, as empresas devem ser midores. A rede McDonald’s é um exemplo. Ela
transparentes em relação a seu impacto global e convidou Temple Grandin para inspecionar os
ao modo como tratam os animais, por exemplo. abatedouros de onde obtém sua carne (Temple
Todas essas são questões éticas. Se as empresas Grandin é uma autista americana que obteve
forem razoavelmente transparentes, teremos o título de Ph.D. em zootenica e se tornou uma
práticas de negócios mais éticas. das principais ativis­tas do mundo em defesa do
bem-estar animal nas fazendas). Claro que pre-
O senhor acha que as empresas estão genuina- cisamos continuar e ex­pan­dir essas iniciativas,
mente preocupadas em ser éticas? mas há evidências de que as empresas têm feito
Acredito que sim. Um exemplo recente é a apro- a diferença. Também é preciso perceber que os
divulgação

priação de terras por empresas que produzem líderes nas corporações são pessoas como você e
açúcar para grandes companhias de alimentos, eu. Eles querem se sentir bem com seu trabalho,
como a Coca-Cola. A organização Oxfam (que e não apenas aumentar os lucros. Eles também
atua no combate à pobreza no mundo) tem divul- querem pensar: “Não destruí o meio ambiente”,
gado relatórios mostrando que pequenos agri- “Não expulsei pessoas de suas terras”, “Não tratei
cultores estão sendo expulsos de suas terras, e a animais de forma cruel”. A maioria das pessoas
Coca-Cola anunciou uma política de tolerância no mundo corporativo é decente, com valores de-
zero em relação a essas práticas. Mesmo não sen- centes. Se encontrarmos uma forma de permitir
do dona das empresas de açúcar — ela apenas que elas sobrevivam em um ambiente competiti-
compra matéria-prima dessas companhias —, a vo, isso será bom para a ética corporativa.
Coca-Cola decidiu tornar-se responsável. Esse é
um caso recente de uma companhia que adotou E por que esse movimento pela ética ganha
um novo modelo de ética devido à conduta de força exatamente agora?
seus fornecedores (leia mais sobre o caso envol- O contexto atual é de maior reconhecimento das
vendo a Coca-Cola na pág. 18). ramificações globais dos negócios e das corpora-

36 | EXAME CEO | ABRIL 2014


ções. Isso tem a ver com o desenvolvimento da in- Temos corporações com cadeias de fornecimento
ternet, que facilita a difusão de informações pelo e fábricas no mundo todo. Os impactos ambien-
mundo e cria uma comunidade global mais forte. tais são globais. Sabemos que gases emitidos em
Pessoas do mundo todo podem se juntar facil- qualquer lugar do globo impactam o clima do pla-
mente em campanhas em torno de certos temas. neta. Tudo isso tem feito as pessoas expandirem
Acredito que tem a ver, também, com o aumento suas preocupações para além de seu país. Essa
do percentual de população com boa educação. visão também se estende para arranjos inter-
É a combinação entre maior consciência global nacionais, como a Organização Mundial do Co-
e mais educação que tem feito os consumidores mércio. A realidade nos fez perceber que temos
se tornarem mais conscientes. de ser cidadãos globais. Não podemos construir
fortalezas ao redor de nosso país. Somos todos
Em seu livro One World: The Ethics of Glo- afetados pelo que acontece no mundo.
balization (“Um só mundo: a ética da globali-
zação”, numa tradução livre), o senhor argu- A ascensão de países emergentes pode mudar
menta que não há mais fronteiras nacionais as regras do que se considera ético?
para a ética. Como a globalização mudou a res- Certamente. Tem sido interessante ver a ascen-
ponsabilidade das empresas e dos executivos? são do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia,

Não podemos erguer


fortalezas ao redor de
nossos países. Somos
todos afetados pelo que
acontece no mundo
ENTREVISTA

eu não diria que a crise financeira foi resultado


exclusivamente do colapso da ética. Quando
essas transgressões vieram à tona, o problema
já estava lá. A bolha foi causada pela confian-
ça nesses investimentos, que, claramente, não
eram tão seguros como se apregoava.

O professor de filosofia política Michael San-


del, da Universidade Harvard, afirma que ca-
da vez mais aspectos de nossa vida têm sido
guiados pela lógica do mercado. Para ele, há

Os países emergentes
poucas coisas que o dinheiro não pode com-
prar. O senhor concorda?

trazem o potencial de
Não concordo com Michael Sandel e já debate-
mos a respeito disso algumas vezes. Na verdade,
algumas barreiras que estão sendo colocadas ao

mudança. Eles podem mercado são danosas. Um exemplo é a questão


de um mercado para órgãos humanos, particu-

ser a voz dos pobres larmente rins. A venda desses órgãos é banida
internacionalmente. Mas há um grande merca-
do ilegal, o mercado negro internacional, e não
parece ser possível suprimi-lo completamente.
Quando as pessoas estão morrendo, elas fazem
o possível para conseguir um rim e, se os doado-
Índia, China e África do Sul). Isso tem reduzido a res são pobres e você oferece dinheiro suficien-
hegemonia dos poderes tradicionais, basicamen- te, eles vendem o próprio rim. É um exemplo de
te os Estados Unidos, com alguma influência da situação em que é melhor ter um mercado regu-
União Europeia e do Japão. Agora temos esse lado do que tentar suprimi-lo.
grupo de crescente influência que traz o poten-
cial de mudança. Eles podem, particularmente, Esse argumento é usado normalmente em
ser a voz dos pobres. É uma pergunta interessan- relação às drogas, especialmente a maconha.
te: como esses países vão usar seu poder global? É outro caso em que as tentativas de suprimir
Eles vão usá-lo apenas para benefício próprio ou o comércio falharam. Temos um mercado ilegal
vão falar pelos pobres em geral? Temos inicia- e grandes lucros das organizações criminosas.
tivas em direções diferentes. Alguns países se Não há meios de assegurar a pureza dos produ-
preocupam com as mudanças climáticas, outros tos vendidos e temos mais casos de overdose de
defendem que o direito a se desenvolver vem heroína por causa disso. Devemos nos preparar
antes. Com relação às condições dos trabalha- para experimentar. Nos Estados Unidos, os es-
dores, alguns apontam que salários mais altos tados do Colorado e de Washington começaram
enfraqueceriam as exportações de países que a experimentar a venda legal de maconha, mas
dependem de mão de obra barata. Mas esses a situação de drogas como heroína também é
trabalhadores, obviamente, precisam ter salários trágica. Deveríamos experimentar não com um
que permitam uma vida decente. Essa é uma im- mercado livre, mas com um mercado regulado,
portante pergunta ética, mas precisamos esperar para que o assunto seja tratado às claras.
para ver o que vai acontecer.
Então o senhor é a favor de um mercado legal
Muitos argumentam que a crise financeira glo- para órgãos humanos e para drogas?
bal é uma crise da ética. O senhor concorda? Deixe-me colocar da seguinte forma: temos si-
Acho que houve transgressões éticas específi- tuações desastrosas com o mercado negro em
cas. As investigações das operações americanas ambos os casos. É sensato promover algumas
dos bancos Goldman Sachs e JP Morgan Chase experiências em algumas regiões ou em alguns
mostram que eles sabiam o suficiente sobre os países para ver o que acontece quando se permi-
produtos que estavam vendendo e que deve- te um mercado regulado. Isso pode levar a um
riam ter chamado a atenção para isso, que eles resultado muito melhor e, se esse não for o caso,
estavam vendendo produtos para atender aos poderemos dizer que tentamos e que não existe
seus interesses, e não aos de seus clientes. Mas uma alternativa ao mercado negro.

38 | EXAME CEO | ABRIL 2014


NEGÓCIOS GLOBAIS

BERGEN, CIDADE
NA NORUEGA
Estudos apontam uma correlação

Rumo à
Escandinávia
entre o alto grau de confiança das
pessoas e o baixo nível de corrupção

Os países nórdicos alcançaram um grau de integridade e confiança difícil de


ser replicado. Mas um bom começo é a tolerância zero contra a corrupção
JOÃO WERNER GRANDO, de Aarhus, Dinamarca

Raga Jose Fuste/Glowimages


66 | EXAME CEO | ABRIL 2014 ABRIL 2014 | EXAME CEO | 67
NEGÓCIOS GLOBAIS

penho dos escandinavos tem a ver com o fato de


CARRINHOS DE BEBÊ eles serem ricos e bem-educados parece óbvio.

NA DINAMARCA
Cena comum no país, o hábito de deixar crianças
Mas como explicar o fato de terem deixado para
trás vizinhos mais ricos e poderosos, como a
aguardando fora das lojas levou à prisão de uma Alemanha e o Reino Unido? Afinal, o que há de
mulher que tentou fazer o mesmo em Nova York especial nas águas gélidas do mar do Norte?
Historiadores e cientistas políticos apontam
para duas direções: história e cultura. A líder do
ranking da Transparência Internacional domina-
va há 500 anos tudo o que é hoje conhecido como

A
Escandinávia e foi o berço desse fenômeno. Os
reis da Dinamarca usaram o combate à corrupção
para manter sua legitimidade diante de um povo
que, graças à Reforma Protestante, aprendeu a ler
e a escrever cedo. A primeira grande mudança
ocorreu no fim dos anos 1600, quando as estru-
turas do reino se abalaram com a perda do terri-
tório da Suécia. O rei Frederico 3o aproveitou
para se livrar dos nobres que ameaçavam sua
soberania e instituiu regras para a contratação de
funcionários públicos, estabelecendo as bases
para um sistema de seleção por meritocracia.

A DINAMARCA
LIDEROU EM 2013
O RANKING DE
NAÇÕES MENOS
CORRUPTAS
mineira Fernanda
Gláucia Pinto chegou à Dinamarca há quase
ao quarto para descansar. Minutos depois, ouviu
alguém arrombar a porta. Ficou paralisada. Em
o mal, como muitos imaginam. Problemas como
violência e outras mazelas do Terceiro Mundo
A segunda transformação veio no início dos
anos 1800. A Dinamarca pagava o preço de ter
11 anos. Fez sua graduação e seu mestrado no poucos segundos relembrou as piores histórias existem, mas, assim como o sol, numa intensi- apoiado o derrotado Napoleão Bonaparte e, des-
país, arranjou um bom emprego e foi casada de violência que costumava ouvir da tia, escrivã dade muito, mas muito menor. Uma das maiores sa vez, teve de entregar as terras da Noruega.
com um dinamarquês (depois se separou). Diz de polícia em Cataguases, sua cidade natal no evidências disso é a percepção sobre corrupção Uma crise econômica tomou conta do reino, e os
que não pensa em ir embora tão cedo, mas ain- interior de Minas Gerais. Não demorou para o nesses lugares — uma medida que indica as casos de corrupção se multiplicaram. Para piorar,
da não se acostumou com algumas coisas. Em ladrão perceber que havia gente em casa e fugir chances de uma tentativa de suborno ou favore- ideias liberais e democráticas ameaçavam o po-
uma sexta-feira no fim de fevereiro, enquanto para nunca mais ser visto. Mas a essa altura Fer- cimento ilícito dar certo no país. Ao longo dos der e o pescoço do rei. A saída foi iniciar uma
almoçava em sua sala na Universidade de nanda já gritava ao telefone, pedindo socorro à últimos anos, os escandinavos se firmaram no campanha de tolerância zero na administração
Aarhus, onde é professora de estudos brasileiros, polícia. A viatura chegou em seguida, para acal- topo da lista das nações menos corruptas do real, com comitivas para auditar as repartições
ela apresentou suas queixas. “De-zes-se-te horas má-la. “Eles disseram que o ladrão só entrou mundo, conforme pesquisa publicada anualmen- no interior e um novo código penal com punições
de sol”, disse, desenhando o número no ar com porque pensou que a casa estava vazia.” O larápio te pela organização Transparência Internacio- mais duras contra a corrupção. “Desde então, o
o dedo indicador. “Foi o que tivemos no mês provavelmente não carregava uma arma. Dias nal. Em 2013, a Dinamarca encabeçou a lista número de casos de corrupção nunca mais se
passado inteiro.” Mas o clima não é o exemplo depois, o boletim da polícia no jornal local resu- pela terceira vez em cinco anos, seguida pelos elevou”, diz Mette Frisk Jensen, professora de
que Fernanda mais gosta de citar para falar sobre miu o caso da seguinte maneira: “Mulher, 33 vizinhos Finlândia, Suécia e Noruega — a Nova história na Universidade de Aarhus. “As premis-
a vida em Aarhus, cidade de 315 000 habitantes, anos, assusta ladrão que tentou invadir sua casa”. Zelândia chegou empatada em primeiro lugar e sas de integridade se tornaram fortes desde essa
a segunda maior do país. Há dois anos, ao voltar Como se vê, a Dinamarca e seus vizinhos na a Islândia, o menor dos escandinavos, ficou em época e em grande parte isso explica por que
para casa à noite após uma viagem, ela foi direto Escandinávia não são civilizações livres de todo 12o (o Brasil ficou em 72o lugar). Que o desem- permanecem sólidas até hoje.”

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NEGÓCIOS GLOBAIS

danças não incrementais, no estilo Big Bang”,


escreveu Rothstein em um artigo. “Praticamen-
te todas as maiores instituições políticas, sociais
e econômicas foram transformadas durante um
período curto de tempo.”
Se o sistema não é simples de ser replicado,
tampouco é infalível. A OCDE, clube dos países
ricos, avalia como os governos fiscalizam a cor-
rupção em suas empresas que investem no exte-
rior. Segundo a organização, os escandinavos, em
sua maioria, se comportam tão mal quanto os
outros europeus quando o assunto é corrupção
fora dos limites de seu território. “Não é isso que
esperamos de países que avançaram tanto no
controle da corrupção internamente”, diz
Patrick­Moulette, chefe da divisão anticorrupção
da OCDE. Em 2012, a organização exigiu que os
controles sobre a corrupção internacional fossem
revistos na Suécia — em dez anos, o país julgou
apenas uma empresa acusada de corrupção, ape-
sar de várias outras denúncias terem ocorrido no

“SE VOCÊ CONFIA NO


SEU PARCEIRO DE
NEGÓCIOS, PODERÁ
Rob Watkins/Alamy/Glowimages

FESTIVAL VIKING NA FINLÂNDIA REDUZIR OS GASTOS


COM ADVOGADOS”
Não se torna um país menos corrupto da noite para o dia: a honestidade é uma
característica que foi forjada entre os povos nórdicos ao longo dos séculos

Histórias semelhantes se repetiram nos vizi- quesa que tentou fazer o mesmo em Nova York rência Internacional, apenas 53 atingem metade período. A Finlândia, terceiro país menos cor-
nhos escandinavos, e tão importante quanto as e acabou presa nos anos 90.) Mas, para Svendsen, dos requisitos de integridade. Ou seja, para dois rupto do mundo, absolveu em janeiro uma esta-
leis e os castigos foi a forma como isso se traduziu o maior símbolo das vantagens dessa alta dose de terços do mundo, a regra que vale é ser corrup- tal da área de defesa em um processo sobre pa-
na cultura. Para o cientista social dinamarquês confiança são as vejbod, caixas com legumes e to. Coordenadora da organização na Europa, a gamento de suborno na Eslovênia. “As sociedades
Gert Tinggaard Svendsen, uma característica frutas que os agricultores colocam na beira da italiana Valentina Rigamonti avalia por que o escandinavas são o que a civilização humana
resume o fenômeno: confiança. Em suas pesqui- estrada para vender seus produtos — sem a pre- fenômeno dos escandinavos não se repete no produziu de melhor”, diz Alina Mungiu-Pippidi,
sas, Svendsen mostra uma forte relação entre a sença de um vendedor. O preço está escrito e restante do continente. “Pouco adiantam as leis diretora do Centro Europeu de Pesquisa sobre
baixa corrupção em um país e o nível de confian- cabe ao comprador escolher o produto, deixar o se elas não são executadas de forma apropriada”, Anticorrupção, em Berlim, na Alemanha. “Mas,
ça de seus cidadãos. A Dinamarca, mais uma vez, dinheiro e pegar o troco por si mesmo. Difícil de diz. O que parece ter feito a diferença para os quando investem na África subsaariana, são for-
é campeã no assunto, liderando o ranking de acreditar? Sim, especialmente no Brasil, que fi- nórdicos foi um ataque rápido e eficiente ao pro- çadas a se comportar sob as normas locais.”
confiança feito pelo instituto World Values Sur- cou em último lugar entre os 86 países do ranking blema, ou, como definiu o sueco Bo Rothstein, A maior desonra para os escandinavos, no en-
vey, seguida pelos vizinhos escandinavos. Em seu de confiança. “A confiança se transforma em uma chefe do Instituto de Qualidade em Governança tanto, ocorreu em seus domínios. A Islândia, uma
livro Confiança, lançado em 2011, Svendsen cita grande vantagem competitiva sobre outros paí- da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, uma ilha com 320 000 habitantes, quebrou após a cri-
exemplos de como isso se manifesta na prática. ses”, afirma Svendsen. “Se você pode confiar na ação no estilo Big Bang. Até 1800, segundo ele, se de 2008 por achar que podia especular feito
Um deles é o hábito dos dinamarqueses de deixar pessoa com quem faz negócios, não precisa gas- a administração pública da Suécia era caótica e gente grande no mercado financeiro internacio-
os carrinhos de bebê estacionados na calçada tar tanto com advogados.” corrupta. As coisas começaram a mudar quando, nal. Em uma população tão pequena, a caracte-
enquanto almoçam ou jantam. Com um detalhe: Apesar dos benefícios óbvios, um desempenho em um intervalo de 50 anos, o governo aprovou rística escandinava da confiança acabou corrom-
os bebês ficam no carrinho, “para respirar ar pu- como o dos escandinavos ainda é exceção. Dos dezenas de leis para combater a corrupção. “Foi pida, dando origem a redes de contatos de pes-
ro”. (Ficou célebre a história de uma dinamar- os 177 países analisados no ranking da Transpa- claramente um período caracterizado por mu- soas que indicavam umas às outras para cargos e

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NEGÓCIOS GLOBAIS

Enigma Images/Alamy/Glowimages
SEDE DO PARLAMENTO NA SUÉCIA
Até 1800, a administração pública era caótica, mas o país começou a mudar
depois de sofrer um choque de medidas anticorrupção

faziam vista grossa diante de uma escalada de adianta apenas copiar as leis dos países que con-
especulação financeira. Por alguns anos todos seguiram reduzir a corrupção”, diz o carioca
ganharam dinheiro, e a Transparência Interna- Filipe Campante, professor de políticas públicas
cional chegou a colocar o país como número 1 na na Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
lista dos menos corruptos em 2006. Quando a “O mais importante é aprender como eles con-
bolha imobiliária americana estourou e o crédito seguiram demonstrar que a corrupção não seria
no mundo secou, os bancos islandeses quebra- mais tolerada, e assim iniciar um ciclo de hones-
ram, e os esquemas de nepotismo e favorecimen- tidade.” O cientista político americano Francis
tos ilícitos vieram à tona. “A Islândia tinha todas Fukuyama deu o título de Chegando à Dinamar-
as instituições que fazem parte de um estado ca a um dos capítulos de seu livro mais recente,
moderno”, diz Robert Wade, professor na Lon- As Origens da Ordem Política. Famoso por ter
don School of Economics. “Mas seu governo e anunciado o “fim da história” com o triunfo do
sua elite dos negócios se afastaram do modelo capitalismo ocidental sobre o comunismo sovié-
escandinavo, aspirando ser a nova Dubai.” tico no início dos anos 90, Fukuyama escreve que
O que nos resta aprender com os escandinavos? a Dinamarca nos dias de hoje é uma espécie de
As teorias recentes indicam que o fato de uma lugar “mítico”: estável, democrático, próspero e
sociedade ser ou não corrupta depende basica- com níveis de corrupção extremamente baixos.
mente da impressão que uma pessoa tem sobre “Todo mundo gostaria de entender como trans-
a honestidade das outras. Se ano após ano o vizi- formar a Somália, o Haiti, a Nigéria, o Iraque ou
nho se beneficia de um esquema para não pagar o Afeganistão na Dinamarca”, escreve Fukuyama.
multas de trânsito, que incentivos a outra pessoa Um dos problemas, segundo o autor, é que o es-
terá para não agir da mesma maneira? Mas, se o forço foi tão grande e o processo tão demorado
vizinho é pego e punido pelo crime, as chances que os próprios dinamarqueses não sabem expli-
de outros tentarem um esquema parecido dimi- car como chegaram até aqui. O caminho rumo ao
nuem. Migrar da primeira para a segunda situa- padrão escandinavo de sociedade é certamente
ção parece ser a saída para o problema. “Pouco longo e árduo. Mas parece valer a pena.

72 | EXAME CEO | ABRIL 2014


D
ENTREVISTA

ericanotempos em tempos, o ame-


Michael Hershman, um dos mais reconhecidos
especialistas do mundo em governança e transparência,
é chamado às pressas para ajudar empresas e governos
a sair dos atoleiros de corrupção em que se enfiam. Seu
currículo inclui cargos espinhosos, como o de consultor
independente da diretoria da multinacional alemã Siemens,
que em 2008 pagou a maior multa já cobrada de uma empresa por
envolvimento no suborno de funcionários públicos para ter contratos com governos.
Foi 1,6 bilhão de dólares de uma vez. Voltando no tempo, observa-se que Hershman
— um dos fundadores da organização Transparência Internacional — acumula vasta
quilometragem em atividades ainda mais duras. Nos anos 60, foi agente especial da
inteligência do Exército dos Estados Unidos na Europa em ações antiterroristas. Na
década seguinte, atuou como investigador no comitê do Senado americano que
apurou o caso Watergate, escândalo político que levou à renúncia do presiden-
te Richard Nixon. Hoje, ele é presidente da consultoria Fairfax, especiali-
zada em investigação de casos de corrupção em governos e empresas, e
membro do Grupo Internacional de Especialistas em Corrupção (Igec,
na sigla em inglês), mantido pela Interpol, organização internacional
de polícia criminal que atua em 190 países. Familiarizado com os
O americano desdobramentos do caso do mensalão brasileiro, Hershman vê

Juan Manuel Herrera/OAS


Michael Hershman,
da consultoria com otimismo a mitigação de casos de corrupção no Brasil. “Não
Fairfax: excessiva apenas um crime de colarinho-branco foi julgado, mas também
pressão nos pessoas muito influentes. É uma mensagem forte de que o Brasil
funcionários para
que fechem virou a página”, afirma. Nesta entrevista a EXAME CEO, ele
negócios analisa os avanços no combate à corrupção no Brasil e no mundo.

‘‘O BRASIL
EXAME CEO Especialistas afirmam que há
uma ligação estreita entre o grau de corrup-
ção em um país e seu nível de crescimento.
Reduzir a corrupção leva uma economia a A corrupção drena
crescer ou é o crescimento econômico que
ajuda a mitigar os casos de corrupção? recursos de áreas
relevantes, como saúde
MICHAEL HERSHMAN A corrupção é um

VIROU A PÁGINA’’
claro desincentivo ao investimento, porque

e educação, e limita a
ela afugenta potenciais investidores. Por essa
razão, conseguir reduzir o nível de corrupção

geração de empregos
pode, sim, representar um grande estímulo
econômico para um país.

Em que medida a corrupção tem impacto so-


Para Michael Hershman, um dos maiores especialistas do mundo em bre a competitividade de um país?
governança e transparência, essa é a mensagem que o país passou com o O impacto está nos custos. A corrupção eleva
julgamento do mensalão e a edição da Lei Anticorrupção MARIANA SEGALA os custos de operação, o que é particularmen-

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ENTREVISTA

te verdade quando ela está enraizada nos sis-


temas de compras governamentais. Ela drena
recursos de áreas relevantes, como saúde e
educação, e limita as oportunidades de empre-
go. As empresas que se propõem a ser íntegras
evitam os países que têm uma cultura de cor-
rupção. Permitindo que ela sobreviva, um ­país
nega à sua população acesso a melhores pro-
dutos e serviços, porque as companhias que
os fornecem tendem a deixar esse país. A eco-
nomia sofre, os empregos sofrem. Por outro
lado, as empresas que adotam práticas corrup-
tas inevitavelmente repassam para seus preços
os custos com as propinas e com outros pro-
cessos escusos. E, com isso, os cidadãos dei-
xam de ter acesso a produtos e serviços pelo
justo valor de mercado.

No Brasil, a corrupção é considerada um


problema crônico. O país perdeu posições no
último ranking de percepção de corrupção
divulgado pela Transparência Internacional
— é o 72o colocado entre 177. O que é possível
fazer para reverter um quadro desses?
Devo admitir que o Brasil sofreu por muitos
anos com uma imagem associada à corrup-
ção. Mas estou bem impressionado com os
passos dados pelo país para combatê-la. Um

Lula Marques/Folhapress
bom exemplo é o caso do mensalão, em que
houve uma investigação agressiva e acusações
sérias por má conduta. Além dessa situação
de aplicação da legislação, e talvez ainda mais
importante do que ela, houve recentemente a
promulgação da Lei Anticorrupção [que prevê a
Sessão de
punição de empresas envolvidas em atos de cor- julgamento do
rupção contra a administração pública]. Essas mensalão no
são mensagens fortes não apenas para os cida- manda uma mensagem de que virou a página, plenário do
e o Desenvolvimento Econômico [OCDE, clube Supremo Tribunal
dãos brasileiros mas também para o restante de que não vai tolerar a disseminação irrestrita das nações ricas], estão editando leis cada vez Federal, em
do mundo de que o país está comprometido da corrupção. É uma mudança e tanto. mais duras no combate à corrupção. Nunca va- Brasília: sinal
positivo de que
em mudar para uma cultura mais transparente mos eliminá-la por completo, mas o futuro me o país está
e mais responsável de fazer negócios. No meu Que países estão fazendo um bom trabalho parece favorável à sua redução. mudando
julgamento, esses exemplos vão se refletir em ao lidar com esse problema?

O Brasil deverá
uma posição melhor do Brasil nos próximos Há vários países e regiões atacando a questão. No mundo corporativo, empresas desmas-
rankings de percepção da corrupção. A Malásia é um deles, Hong Kong é outro. Mas caradas em casos de fraude ou suborno cos-

aparecer numa posição


não quero fazer parecer que a corrupção é um tumam alegar que são forçadas a entrar no
O mensalão foi algo novo no que diz respeito problema localizado, que se manifesta apenas jogo se quiserem manter seus negócios. Em

melhor nos próximos


ao tratamento de crimes de colarinho-branco em certos lugares. Questões relacionadas à cor- sua opinião, elas são mesmo vítimas?
no Brasil. Que efeitos casos como esse podem rupção seguem existindo em todas as econo- Não. Isso é uma desculpa. Ouvi essa história
trazer para um país acostumado a conviver

rankings mundiais de
mias ocidentais. Temos nossos próprios proble- muitas e muitas vezes de várias companhias
com a corrupção no cotidiano? mas de corrupção nos Estados Unidos também, diferentes. A corrupção é um crime de duas
Os efeitos são gigantescos. Internamente, ca- estamos longe de ser um país livre disso. Mas o partes. Há um corruptor mas também um cor-
sos desse tipo ajudam a restaurar a confiança
dos cidadãos no governo. Isso ocorre não ape-
nas porque um crime de colarinho-branco foi
percepção da corrupção que fazemos de bom por aqui é reforçar nossas
leis vigorosamente. Se um caso de corrupção é
revelado, também é julgado em toda a sua ex-
rompido, que precisam se entender para que o
crime aconteça. Tome a multinacional alemã
Siemens como exemplo. A empresa se envolveu
julgado, mas porque foram julgadas pessoas tensão. Outros governos, particularmente os em um dos maiores escândalos de corrupção
muito influentes. E, para o exterior, o país dos países da Organização para a Cooperação da história, se não o maior. A grande dúvida

76 | EXAME CEO | ABRIL 2014 ABRIL 2014 | EXAME CEO | 77


ENTREVISTA

depois que o caso foi esclarecido era qual se- O senhor costuma defender os pactos de in-
ria o impacto, no balanço da Siemens, de final- tegridade como uma solução para ambien-
mente operar de maneira transparente. O fato tes em que a corrupção é recorrente. Como
é que não houve impacto. As mudanças não eles podem ajudar?
afetaram adversamente as receitas e os lucros. Os pactos de integridade foram propostos pela
A Siemens tem conduzido seus novos negócios Transparência Internacional há alguns anos.
de forma honesta em países com alto risco de Nada mais são do que contratos firmados entre
corrupção porque são demandados bons pro- os potenciais participantes de uma lici-
dutos e serviços por preços justos. O governo tação e os órgãos governamentais
desses países muitas vezes não consegue con- que a promovem. Por esses con-
tratar fornecedores sem ter de lidar com com- tratos, todos os signatários se
panhias que insistem em trabalhar de forma comprometem a cumprir a
honesta. É difícil? Sim. Contratos serão per- lei, obedecer às regras do
didos? Serão. Em geral, no entanto, empresas processo e seguir certos
íntegras costumam ser mais respeitadas pelos padrões de conduta.
clientes. Nas bolsas de valores, suas ações têm Não oferecerão pro-
um desempenho melhor. pina, mas denun-
ciarão às autorida-
O senhor costuma ser chamado para socor- des se receberem
rer empresas e governos afundados em cor- propostas desse
rupção. O caso da Siemens é só um exemplo. tipo durante o
Quais são os problemas mais comuns que o processo, assegu-
senhor encontra nesses lugares? rarão que têm pro-
É a ênfase excessiva no volume de vendas e no gramas de confor-
tamanho dos lucros e muito pouca ênfase na midade no estado da

Depois de se envolver em escândalo, a


multinacional Siemens passou a operar de
forma transparente — e isso não trouxe
nenhum impacto negativo para seu balanço
integridade dos negócios. É colocar muita arte e abrirão seus balanços e registros para
pressão sobre os funcionários para que fechem auditoria no que se referir ao projeto licitado. Os
negócios, sem considerar se eles estão fazendo signatários dos pactos também precisam se com-
isso de maneira transparente. O dinheiro é um prometer a aceitar que haja um monitor externo
mal enorme nesse aspecto. Quando chego a e independente acompanhando tanto o proces-
uma empresa para realizar uma reforma, a pri- so de licitação quanto o cumprimento das regras
meira coisa que preciso saber é se os diretores por quem, ao final, for o vencedor da concorrên-
estão propondo mudanças apenas porque pre- cia. E quem violar o que está previsto no contra-
cisam, porque estão sendo investigados ou se to sofrerá penalidades civis e será impedido de
é porque essa é a coisa certa a fazer no momen- participar de novas licitações promovidas pelo
to. Verifico se eles perceberam que o mundo mesmo órgão. Esse instrumento está sendo usa-
está mudando e que é importante trabalhar do em muitos países, como México, Índia, Ma-
pelo bem da comunidade. Trabalhar para re- lásia e Alemanha, com bons resultados. Os pac-
duzir a corrupção é trabalhar pela democracia tos não apenas levam os processos a acontecer
e pela redução da pobreza. As corporações têm sem favoritismo como também estimulam que
a responsabilidade social de adotar práticas os projetos sejam cumpridos no prazo e dentro
transparentes e, assim, de beneficiar as comu- do orçamento, o que é bem pouco usual, por
nidades nas quais operam. exemplo, nas grandes obras de infraestrutura.

78 | EXAME CEO | ABRIL 2014

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