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tele MITOS: REVOLUCAO SERA QUE A RUSSIA IMPERIAL cra um pais atrasado? Rasputin era um devasso? Nicolau II era um imperador fraco? O comu- nismo melhorou a vida dos pobres? Quem Poe Mn ar ee cam pessoas ricas ¢ poderosas por tris de Lenin? Quem foram os verdadeiros idealizadores da Revolugao Russa? Quais foram os reflexos do DORE org Finalmente essas questoes, sempre envoltas em discursos Once eres eet teresa Tae poderio ser respondidas de modo cientifico Poorer Onn ae foram disponibilizados documentos sobre EU ove) NetWare SOME ao grande puiblico. Nesta obra, 0 leitor tem SSSR MCU UE eae ant tarc Cord que promerem mudar todos os Pemeneeee ne ce be em Smt OLED Seen} the Aer Ore Ca Re see ee rn eo ere TENS OTe TEM meet Ge meCelLy diversos facos da Historia Russa, entregando Per cer TEM OH e eae) da revolugio bolchevique. Isso munida de centenas de referéncias bibliograficas nativas, inexploradas por boa parte dos académicos ¢ inéditas para o leitor brasileiro, POT Lar) Coe eee) REGIANE BERTINI @ Linotipo Digital LINOTIPO DIGITAL 2021 [a] 8) Vea ate = IBC ase (Le re i REGIANE BERTINI Copyright © Regiane Be Todes o* direitos reservados rreronts: Laerte Lucas Zanetil eAndré Ass Barreto ‘coors bon De PAO Oo: Laer Leas Zanett cars: Caroline Rego Divcnanyg40 F AROJETO GRANCD: Sess visto be TEVTOE ROA And Assi Barreto eusio reesteaTeresa Malatian [stacast No coLorto: Fotografia deVirginia Woolf por George Charles Beresford, 1902, Osiosinemaciarals ve Catalogo na PuleagSo (IP) nec qua CRB 8/7057 Bern Regine OO miu da Revol usa JHoyane Bart Linon gta 202 1884 Pav ISB EBS LLReougies- fsa Aste Wile con 906% 2840 odes para caiogo sister | Revues fsa Hits Este livro segueas rgras do Acordo Ortogeifico da Lingua Portuguesa, em vigor desde 01/01/2009, [Nenhuma parte desta publicasio pode ser reproduzida ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meios sem a permistio por escrito dos editores 2021 Todos os dtcitos desta edo reservados Linotipo Digital EaltoraeLivaria Lda, Rn Alvaro de Carvalho, 48, 4.21 CEP; 01050-070 — Centro~Sio Paulo SP swing com.br~55 (11) 3256-5823 pee RR OSS toe ee APRESENTAGAO DOS EDITORES ........s.ceeeeeseeeeeesenee 7 INTROOUGAD eg oe de onic B |. A GRANDE MENTIRA T.MITO DA RUSSIA FEUDAL... eect eeeeeeeeeeeeee 19 2.0 MITO DE QUE A FOME GERA REVOLUGOES. Il. A GRANDE TRAIGAO 3. MITO DE QUE 0 LUXO GERA REVOLUGGES «2.2... ceed 101 HCPOLLOW THEMONEY eocveveves avvrneer ot a cr i6 os os oa 17 5. MITO DA OPRESSAO TZARISTA........000ceeeeeesseeees 132 B.SOCIALISMO POLIIAL, .....+c0sccsrcersseeserenences 149 7.MITO D0 DOMINGO SANGRENTO........sesesseceeeeeeee 160 8, MITO DO ENCOURAGADO POTEMKIN. .......0seeesseeeeeee m 9, MITO DO REVOLUCIONARIO BONZINHO . TOL-SERAORES DA GUERRA was vecon sn sesvveneinernesnes 204 TED MLAGRE RUSSO crease secrmmcm o oa.ce seseataee cowed 216 12. ALEXANDER GUCHKOY, 0 HOMEM QUE DESTRUIU A RUSSIA ... . 229 ‘13. A VEROADEIRA ALEXANORA FEODOROVNA ......00...22000 244 V4. QUEH'FOI RASPUTING 5s ss ve cosvssesseevenar eevee 254 15. DESVENTURAS DE UM PACIFISTA . Oe oe 287 TT REVOLUGAO POPULAR OU GOLPE NILITAR? .........ececeee 299 TB.UN CERTO KERENSKY.......cscccsseseseessseeseeees J 19 DESTRUIQAO DO EXERCITO. 2... .eeeeeeeeeeteeeseee 326 Il. 0 GRANDE SAQUE AUD TREN SELADD..... 004 srepneniees sersne 337 21 MITO 00 RUSSO MALVADO......... se eeeeeeeeeeeeeee 32 22. AMIGO DAONCA ....000ccceeseeeeeee 23. GUERRA CIVIL OU INVASAO ESTRANGEIRA? ...........008 389 2G: TERRORMERNEL coven sxscosoros x me gpeeseseRb and 405 25. A MAIOR PILHAGEM DA HISTORIA... . 26. COMUNISTAS E BANQUEIROS..... 27. 0 MAIOR TROFEU MILITAR QUE 0 MUNDO JA CONHECEU! ..... 461 28. CONSIDERAGOES FINAIS DOS EDITORES, anaes one mms % aneean contecimento de notavel magnitude, a Revolugao Russa de 1917 motivou inimeros estudos e interpretagdes, porém, nenhum de- les ainda definitivo sobre o tema, Sempre se pode argumentar que todo estudo histérico é provisério, pois permanece 4 espera de novos documentos, novas questdes € novas interpretagdes, 0 que é particularmente valido para o tema de grande relevincia politica abordado nes- te livro, Desperta controvérsias e paixdes, dadas as grandes modificages que trouxe para a sociedade russa e para a ordem politica mundial, sem contar 0 componente altamente emocional que envolveu o desfecho tragico da dinastia Romanov com 0 assassinato do czar Nicolau Il ¢ sua familia pelos revolucionarios. Poucos temas da Historia do Ocidente foram tao estudados quanto este, ‘em suas diversas dimensdes politicas, sociais, econémicas e culturais. Desde os primeiros eventos ocorridos em Sio Petersburgo em 1905, vem sendo revisitado nao apenas pelos historiadores russos, mas também de outros paises, especial- mente do mundo anglo-saxio, Motivou reflexdes, relatos biogrificos ¢ autobio- graficos, interpretagoes e andlises diversas, algumas das quais se tornaram refe- réncias classics. Certas interpretagdes até mesmo tornaram-se mitos. Essa é a abordagem escolhida por Regiane Bertini para apresentar aos leitores uma revi sio historiografica fundamentada em novos aportes bibliograficos, que procura desconstruir afirmagSes consagradas ao longo de décadas, Seu ponto de partida esta na definigio do proprio conceito dessa Revo- lugZo, a qual remonta aos acontecimentos que marcaram a hist6ria com o chama- do Domingo Sangrento, Em visio de largo alcance, sua anilise se estende até o periodo da Guerra Civil instalada apés a tomada do poder pelos bolcheviques. Estabelece um didlogo com os primeiros relatos desses eventos grandiosos feitos 1 « 100 NiTOS sosRE A REVOLUCKO RUSSA Por jornalistas, observadores estrangeiros e participantes dos acontecimentos dramaticos notaveis pela violéncia dos confrontos ¢ pelo extenso niimero de mortes, em um territério convulsionado nio sé internamente, mas também em decorréncia da Participagao na Primeira Guerra Mundial, Contexto interno € externo estiveram assim imbricados a ponto de ser dificil distinguir quais interes- ses prevaleciam no jogo politico das primeiras décadas do século XX. ‘Cabe aqui uma mengao aos intimeros relatos existentes sobre esses acon- tecimentos, muitos deles elaborados por aqueles que, perplexos, testemunharam, © que haviam observado, sentido e mesmo experimentado enquanto participan- tes com diferentes graus de envolvimento das jornadas que puseram fim & Mo- narquia na Russia. De diferentes po to de obras que proporcionam ainda atualmente um amplo e variado panorama do processo revolucionario, dos quais foram porta-vozes. Sem divida, muitos deles ainda & espera de critica historica por terem sido escritos no calor da hora. Desde 0 inicio, a motivagao politica modelou as interpretagdes, que co- locaram em pauta o entendimento do sentido dessa Revolugio. Afinal, quem fez a Revolucao e com quais objetivos? Esta éa questo primordial 4 qual o livro 100 Mitos da Revolugdo Russa apresenta uma resposta. Teria sido ela iniciada e conduzi- dapor intelectuais politizados? Qual o papel nela desempenhado pelo povo russo, entendido aqui como camponeses ¢ operarios? Quais circunstancias externas mo- tivaram, possibilitaram e contribuiram para a grande reviravolta de 1917? Qual a participagao das poderosas forgas econémicas do Ocidente no processo? Osanos 1930, consolidada a lideranga de Stalin, as politicas implantadas nna Unio Soviética foram acompanhadas pelo combate & liberdade de pensamen- toe expresso de que resultou a imposigao de uma interpretacao oficial da Revo- lugao, referendada pelo partido bolchevique ¢ obrigatoriamente utilizada nas escolas da Russia e das demais republicas da URSS, onde os debates foram aboli- dos e 0 ensino sobre o tema padronizado, Essa questo constitui uma das preocu- pages centrais do livro de Regiane Bertini, que aborda o ensino do tema em aulas de Historia para além dessas fronteiras ¢ se estende a outros territérios, s politicas, deixaram um extenso conjun- inclusive ao Brasil. Uma onda revisionista das interpretagdes acompanhou o surgimento da Guerra Fria e a desestalinisagao, nos anos 1960, motivando releituras anticomu- nistas entre historiadores ingleses e norte-americanos preocupados em respon- der as questdes do porqué, como e por quem foi desencadeada a Revolugio Rus- sa, Ao mesmo tempo, timidamente, intérpretes soviéticos comegaram a fazer revisdes dos relatos e das anilises sobre os acontecimentos. Mas foi sobretudo a partir do lento ¢ continuo proceso de abertura politica na URSS que novas in- terpretagées surgiram e se beneficiaram do crescente acesso as fontes documen- tais guardadas nos arquivos soviéticos. Sua abertura possibilitou a elaboragao de APRESENTACKO DOS EDITORES iniimeros trabalhos possibilitados pela ruptura do sigilo ¢ da censura impostos pelo governo soviético sobre os documentos dessa época,A reescrita da Historia da Revolugio Russa tem sido f a constantemente até os dias atuais, sob novos mas. Novos registros memorialisticos, fichas policiais, correspondéncias de exilados deram ensejo a estudos que procuraram levar em conta as miltiplas vores da historia, as multiplas dimensdes da andlise ¢ da narrativa histérica, utili zando novo embasamento conceitual ¢ informagées inéditas, cruciais para a com- preensio do complexo processo revolucionario, Operirios, camponeses, solda- dos, nobres exilados ergueram suas yozes ¢ deram seus testemunhos que permitiram um outro olhar sobre as liderangas bolcheviques. A queda do Muro de Berlim e a dissolugao da URSS constituem outro marco desse processo revisionista, e motivaram a escrita do presente livro ora apresentado aos leitores. Nele, a autora procura responder is grandes questdes atinentes ao tema, dialogando com bibliografia e fontes inéditas no Brasil, escritas ¢ publicadas na Riissia, cujo acesso foi possivel por meio das tradugdes por ela realizadas, Sem duvida, suas andlises despertardo polémica justamente pela inten- cio de desconstruir mitos consagrados sobre essa Historia apaixonante. Para essa desconstrucao, foram escalados autores russos de peso, sendo os principais: Boris Nikolaevich Mironov é o predileto da autora. Seus focam poucoem opinides, andlises ¢ juizos de valor e mais em niimero nuimeros e graficos de na- tureza econémica. Nascido em 21 de setembro de 1942, éhistoriado, cliometris- ta, especialista em sociologia hist6rica, historia social, econdmica e demografica da Russia, historia antropométrica e metodologia de pesquisa. E considerado um dos pioneiros da criagao da sociologia histérica da Russia. Doutor em Ciéncias Histéricas e professor da Sao Petersburgo State University Autor de cerca de 400 obras, dos quais mais de cem artigos foram publicados nas principais revistas in- ternacionais em inglés, chinés, alemio, francés, espanhol, japonés e outras lin- guas. Duas de suas monografias — A Histéria Social da Russia no Periodo do Império Bem-estar da Populagao e a Revolugao na Russia Imperial — foram traduzidas para o inglés e o chinés. Vladimir Rostislavovich Medinsky tratas das questes culturais e sobre 05 preconceitos que o Ocidente tem em relagio a Ritssia, Nascido em 18 de julho de 1970, é escritor, estadista e politico. Assessor do Presidente da Federagio Russa desde 24 de janeiro de 2020. Fez ciéncias politicas no Instituto Estatal de Relagdes Internacionais de Moscou do Ministério das Relagdes Exteriores da Federa¢io Russa (MGIMO). E doutor em Ciéncias Politicas, Seymour Becker é historiador americano, especialista em historia politi- ca. Especializou-se especificamente no tema do Império Russo do final do século XIX ¢ inicio do século XX, na Asia Central, politica e ideologia imperial russae 100 NITOS SoBRE A REVOLUGAG RUSSA soviética, a nobreza russa, Bacharel em Histria no Williams College, Doutor em Historia (PhD) pela Universidade de Harvard. Stéphane Courtois, historiador francés especializado no tema do comu- nismo, além de ser 0 diretor do CNRS, ou Centre National de la Recherche Scientifique, da Universidade de Paris. Sean McMeekin, nascido em 1974, Idaho, é um historiador americano que estudou historia na Stanford University e na University of California, Ber- keley, bem como em Paris, Berlim e Moscou. Também obteve bolsa de pos-dou- torado em Yale e foi membro do Remarque Institute na New York University. Atualmente é professor de historia no Bard College, estado de Nova York. Tatiana Mikhailovna Timoshina ¢ outra autora que confere énfase 4 eco- nomia. Graduada pela Faculdade de Economia da Universidade Estadual de Mos- cou (MV Lomonosov Moscow State University) em Economia Politica e douto- rado na mesma universidade em Histéria da economia. Oleg Rudolfovich Ayrapetoy, trata do assunto da traigao interna contra 0 Imperador, de seus préprios generais e politicos. E um historiador e professor russo, Graduado no Departamento de Historia da Universidade Estadual de Mos- rio de Relagdes Interregionais e Culturais com Paises cou, Assessor do Es Estrangeiros daAdministra¢io Presidencial da Russia. Vice-Reitor de Ciéncias, da Universidade Estadual de Moscou. Boris Ivanovich Kolonitsky, 0 maior especialista russo sobre Rasputin. Doutor em Ciéncias Historicas. Professor da Faculdade de Historia da Universi- dade Europeia de Sio Petersburgo, principal pesquisador do Instituto de Historia de Sio Petersburgo da Academia Russa de Ciéncias. Vyacheslav Alekseevich Nikonov descreve detalhadamente os eventos de 1917, Historiador russo, também escritor, cientista politico, estadista e politico, neto deV. M. Molotov, deputado da Duma Estatal. Membro do Presidium do Con- selho Geral do partido “Russia Unida”. Doutor em Ciéncias Histéricas. Vladlen Georgyevich Sirotkin é especialista em todas as fraudes financei- ras, traig6es ¢ desvio de dinheiro de Lenin e seus correligionarios. Doutor em Ciéncias Histéricas. Por fim, entre muitos outros que a autora se serviu, Igor Viktorovich Zimin trata das questdes pessoais do Imperador. Doutor em Ciéncias Histéricas. Entre os temas polémicos abordados, estio as respostas apresentadas as questdes cruciais: O que teria sido a Revolugao de 1917? Uma crise de autorida- de imperial do czar? Uma manobra das poténcias ocidentais? Um movimento espontineo? Qual o papel desempenhado pelos lideres, em especial Lenin? Qual 0 impacto da Primeira Guerra Mundial na queda do czarismo? Quais fatores pos- sibilitaram a tomada do poder pelos bolcheviques? 10 APRESENTACAO DOS EDITORES Essas ¢ muitas outras questées esto a espera do olhar do leitor para este livro que apresenta novas e instigantes perspectivas analiticas certamente do in- teresse dos estudiosos do tema ¢ dos descendentes dos imigrados russos no Brasil sous descendentes, integrantes do grande flaxo migratorio que buscou abrigo em diversos paises, em decorréncia dos turbulentos eventos da Revolugao Russa Laerte Lucas Zanetti André Assi Barreto (ofl | | AANRODUCAO SGN weaPree ae Zo hi nada mais conveniente para um escritor que comegar seu trabalho com uma afirmagio incontestvel, na qual possa ba- sear toda sua obra. Melhor ainda quando essa premissa é fami- liar ao leitor. E 0 que poderia ser mais simples ¢ verossimil que 0 modo de garantir 0 “pio nosso de cada dia”? Por isso conside- rei conveniente comegar este livro com a seguinte afirmagio: para sobreviver & necessirio dinheiro. Embora esse fato seja quase sempre ignorado em nossos livros de historia, contesté-lo é algo impraticivel. Por mais que uma pessoa seja sonhadora, idealista e filantrépica, ela sem- pre precisaré de dinheiro para se alimentar, comprar roupas, abrigar-se do frio e da chuva, O principio é 0 mesmo para qualquer empreitada que possamos reali- zar, como comprar um carro, uma casa, uma roupa nova € essas coisas basicas que tornam a nossa vida confortavel. Embora as minhas obser vagdes sejam entedian- tes ao leitor, nao vejo outra forma de chegar ao meu objetivo, que é esclarecer a questo central do livro: quem patrocinou a revolugio russa? Responder a apenas uma pergunta pode parecer simples, porém me sen. tifrustrada ao encontrar poucas luzes nas literaturas que estavam ao meu alcance. Se precisamos trabalhar duro para conseguir dinheiro e encher nossa geladeira, imagine ento iniciar e manter uma revolucio, Eu nao estou falando apenas da Vida de luxo dos “pais da revolugao”, Ainda que ignoremos a limusine com chofer deTrotsky! owa vida abastada de Lenin e sua familia na Suiga, continuaremos com le onde veio o dinheiro da revolugao russa? mesmo dilem: "Leon Trdtski (nascido Liev Davidovich Bronstein [1879-1940]) foi um intelectual e revolucionirio ‘marxista ucraniano, participou da guerra civil e foi o organizador do Exército Vermelho. 100 KITOS SOBRE A REVOLUGAO RUSSA Sabemos que a maioria dos revolucionarios eram profissionais que para “libertar 0 povo” ganhavam até 600 vezes mais do que um operério, Suponhamos que esses bravos guerreiros da liberdade fossem voluntarios da causa, mesmo assim teriamos os honorarios da comida, das roupas, dos sapatos, Essa pessoa niio poderia ter outro emprego, pois seria impossivel romper com a antiga ordem apenas nos finais de semana e feriados. O armamento também é algo polémico, pois, a titulo de exemplo, se uma pistola custa 2000 reais, apenas uma bala de pistola custa 3 reais ‘uma bala de metralhadora 10 reais, como seria viavel manter uma guerra sem uma fonte de financiamento? Outro tema pouco discutido é a influéncia desses revolu- iondrios. Se para conseguir uma arma para a nossa seguranga pessoal é necessirio preencher vastos formularios e dar intimeras justificativas para essa aquisi¢ao, ima- gine para comprar milhares delas em um curto espaco de tempo. Para melhor elucidar o raciocinio, imaginemos uma situagao real. Supo- nhamos que vocé queira destituir um governante, O que vocé faria? Compraria um tanque de guerra MI Abrams US$ 4.35 milhdes e colocaria em sua garagem ou faria o que estivesse ao set alcance e tentaria derrubar os avides de caga de uma forca aéreacom coquetéis molotov? Agora sabemos por que as pessoas revoltadas com a miséria e a corrupgao se limitam apenas a desabafos e declaragdes do tipo “esse pais nao tem jeito”. Outro aspecto ignorado ¢ o controle da midia e outros meios eficientes de comunicagao. Se alguém quisesse derrubar um governo, teria de unir e sincroni- zar todos os atos de terrorismo, guerras, greves, passeatas e outros movimentos populares. Também precisaria criar, justificar, focalizar e padronizar um discurso. Se uma revolta nao possuir objetivos e estatutos claros, muitos outros movimen- tos podem se misturar a ele e logo suas propostas sero tao heterogéneas € con- fusas que, para a opiniio piblica, nao passarao de queixumes sem sentido ou apenas uma desculpa para vandalismo. Sem contar o risco de perder 0 controle dle suas atividades para outros aventureiros, de dissidentes internos, ou, o que pior, para faccées rivais, Para isso, é preciso manipular boa parte dos jornais, re- vistas, sindicatos, associagées de bairro e outros, O controle da informagao dé a falsa sensacio de unanimidade de opinigo, o que traza legitimidade indispensivel para qualquer discurso. Do contrario, todas as divergéncias ao governo nio pas- sardo de mera conversa de bar. Levando em conta todos esses aspectos econémicos de uma revolucio somos obrigados a considerar que para derrubar um governo é necessario dinhei- ro, influéncia e controle da midia. Quem possui essas trés caracteristicas esta muito longe de ser um operario ou um camponés. Os verdadeiros “Pais da Revo- lugao” estavam associados a nagoes init migas, banqueiros estrangeiros e miliona- rios gananciosos que buscavam ampliar suas fortunas com os despojos de um Inpério destruido. u IurRoouGgaD nalmente essay questoes, sempre cnvoltas cm discursos politico e espe- calagdes, pod (0 ser respondidas de modo cientifico ¢ racional, Com o fim da Unido Sovidtica, foram disponibil izados documentos até entao inacessiveis ao grande piblico, Neste livro o leitor tera acesso a mais dle 100 anos de segredos que prometem mudar todos os seus paradigmas a respeito da historia russa, Tudo isso de uma forma simples e divertida Outra novidade desse livro & que a grande maioria das fontes sio de auto- res russos, como 0 leitor notard por meio das notas de rodapé ¢ outras referén- cias, algo que contribui para eliminar antigos preconceitos ¢ esteredtipos ¢ que certamente, se nao for inédito, é bastante atipico mesmo paraa literatura critica académica do assunto, Isso permite que os russos participem do ato de contar a sua propria Historia, 6 TBILUEW EGUITBS Tr | (pagina em branco) Aig A, . PMO DA RUSSIA FEUDAL eueees a r ¥ : EXISTE FEUDALISMO FORA DA IDADE MEDIA? melhor forma de se desvendar um mito é, primeiramente, nao criar novos. Ao considerarmos que boa parte dos mitos surgiu de anacro- oso habito de substituir dados numéricos por apelos, nismose do emotivos, cria conveniente comegarmos este livro com um capitu- lo que prioriza dados econdmicos, que sio verificiveis. Para isso, vamos comegar a esclarecer um dos mais bizarros mitos da revolugio, MITO NUMERO 1 “o mito da Riissia feudal”. Esse mito pare- mesmo quando cursava 0 segundo grau, pois o mesmo livro cia-me obscuro at que alirmava que o feudalismo se caracterizava por um poder descentralizado, em que a figura do rei era apenas simbélica e possufa uma agricultura de sub- ia tinha um governo autocratico e que sisténcia, também sustentava que a Rui aagricultura era voltada para a exportagio. E ainda hoje podemos ver exemplos do mesmo e 0. Mas, afinal, 0 que é esse “feudalismo” que deveria estar na Idade média mas ¢ utilizado indevidamente até o século XX? Existe feudalismo fora da Idade Media? Na verdade, o termo “feudalismo”, apesar de ser usado por mais de dois séculos, nunca foi reduzido a um conceito que permitisse aos historiadores defi- ni-lo de maneira inequivoca. Diferentes escolas dao significados muito distantes uns dos outros, O proprio conceito de feudalismo nunca foi usado na Idade Mé- dla, Ele foi cunhado por publicitérios ¢ pensadores da Franga pré-revoluciondria do séeulo XVII, para caracterizar a “ordem feudal absolutista”, ou seja, sistema que julgavam ser de dominagao da nobreza e da Igreja, Mas, com 0 tempo, 0 con- ceito de feudalismo perdeu o impulso polémico e foi introduzido na conscién 19 ‘wiT0 1 100 MITOS SoaRE A REVOLUGAO RUSSA historica, A ciéncia histérica do século XIX tratou o feudalismo de diferentes for terra, como um modo especifico de organizacao militar, ou seja, inserida em um contexto socioecondmico. como um estado de fragmentagao politica, uma forma de propriedade da nas 0 esti ligado a um signifi- cado muito mais amplo, o feudalismo é interpretado como a formagao de classes antagSnicas, inseridos em um inevitavel fluxo histdrico-mundial, situado na fase seguinte ao sistema escravista e anterior ao capitalismo, Nela a propriedade feudal No caso da ciéncia historica marxista, este conc da terra assume o papel de monopélio da classe dominante (senhores feudais) e esta intimamente ligada a exploragio dos produtores diretos (0s servos). O pesquisador francés Yuber Metivier, citado por Tchudinov (2007), em storiado- particular, escreveu sobre interpretagio marxista: “os economistas e res soviéticos até o final do século XX usavam o termo ‘feudal’ apenas como um cliché, considerando que este regime poderia muito bem existir sem estar pro- priamente no tempo histdrico feudal”. Ou seja, para ser feudal nao é necessirio estar na Idade Média, na verdade para um marxista esse termo é bem elastico. A partir dessa generalizagio, muito subjetiva, 0 historiador soviético NI Kareev interpretou como feudal até mesmo a monarquia francesa do século XVIII. Na verdade, para ele, toda a evolugo do estado francés, por quase mil anos, foi embalada em um esquema bastante simples: substituir “o absolutismo antigo” do Império Romano para “feudalizagao” politica, que se prolongaria da Idade Média até os tempos modernos. Para um historiador soviético isso nao era anacronismo ou falta de pesquisa, era uma obrigagio patriética. Quem fugisse a ela jamais teria seu livro publicado, Em 1934, a Unido Soviética comecou 0 seu segundo encontro de reestruturacio radical do sistema de educag3o em histd- ria, Nesse encontro foram definidas, pela cApula do partido, as diretivas que de- m ser seguidas pelos futuros historiadores. Podemos ter uma amostra disso nas observagdes feitas na sinopse de um livro sobre a historia moderna, assinado por Stalin, Kirov e A.A. Jdanoy, em que eles escrevem: Seria bom se desprender dos velhos chavdes como ‘ordem feudal absolutista’(...) Seria melhor substitui- capitalista ou, melhor ainda, ordem feudal abso- vel -los com as palavras ‘ordem pri lutista’ (...) Recomendagao de um nivel tio elevado, é claro, era de natureza obrigatéria”™. Para valorizar a pesquisa e consulta praticamente inédita de fontes diretamente russas, optamos por ‘manter a notagio original em russo das obras consultadas pela autora, bem como a tradugdo para 0 portugués da referéncia em auxilio ao leitor ndo-familiarizado com o idioma original. Para obras ‘mencionadas mais uma vex, segue-se a norma da ABNT e emprega-se idem, ibidem e opus cltatum (nota dos editores, doravante “N. dos E.”) SYYAHHOB, Anexcanap Buxtopon; bpauntysckas pesomouux: cropiia H Minpui. Mockna: Haysa, 2007 [TCHUDINOY, Alexander Viktorovich, A Revolucdo Francesa: Histéria e 20 1. WITO DA RUSSIA FEUDAL 1.1.1.0 mito de que as relagoes trabalhistas na Russia eram atrasadas Um dos erros mais frequente no estudo da historia so 0s anacronismos, por isso & de bom senso familiarizar o leitor com a época em questio, pois nio seria justo comade um projetista da Google. Vamos comegar a nossa viagem historica com a questao do trabalho, que parar o ambiente de trabalho de um operario russo do século XIX nessa época nao era nada facil, Em muitos lugares, as fabricas eram locais preca- rinse desconfortaveis. Os saldrios recebidos pelos trabalhadores eram muito bai- xose o trabalho infantile ferninino era empregado até mesmo em fungdes pesadas cinsalubres, como a minera io e a siderurgia Nesse contexto a liberdade entre os trabalhadores também é algo bem controverso, Alguns autores afirmam que na Russia a servidao durou muito tem- po, isso nao € confirmado quando comparado com outras nagdes. Na Riissia, a servidiio durou mais ou menos dois séculos ¢ meio, o que nao foi muito compa- rado com a Inglaterra, que durou de 1086 a 1781, o equivalente a 695 anos. Na Inglaterra do ano de 1743, 53,7% dos camponeses eram servos, na Riissia de 1763, 53% dos camponeses eram servos, 0 que nos mostra um niimero pratica- mente idéntico, Nos dltimos anos antes de sua aboligao na Russia, uma minoria da populagao era de servos, apenas 1/3. ‘Também ha o equivoco de que as relagGes trabalhistas na Riissia eram atra- sadas. [sso nao é verdade se levarmos em consideragao 0 contexto global. O fim da servidio na Réssia foi decretado em 1861, 0 fim da escravidao nos EUA, por exemplo, s6 ocorreu em 1865, na Espana em 1886 e, no Brasil, vergonhosamen- te, apenas em 1888, Se a Riissia manteve a servidio por dois séculos € meio, 0 Brasil manteve a escravatura por 388 anos e, 0s EUA, por 244 anos. Como pode- mos criticar a servidao em um mundo que tolera a escravatura? Talve7 essa visio. deturpada da historia venha de um preconceito latente que ignore os negros como parte do povo ou até como seres humanos, mas felizmente nao compartilho desse pensamento ¢ dedico aos negros todos os cuidados e respeito que Ihes ca- bem, Também nao devemos ignorar que os servos possufam praticamente os mes- mos direitos civis que as outras pessoas e nao foram vitimas de discriminagao apos © fim da servidao, isso nao ocorreu nos EUA, onde até os anos 60 os negros ti- nham direitos e tratamento diferenciados dos brancos*. Também devemos lem- Mitos, Moscou: Nauka, 2007]. NY3AHOB,Baaaunup Jsurrpresn.Baaansnp Tysavos, Micbat 1 npeapaccyaKit uapeKoit Poceun, Heperpopsat,16.12.2011. Disponivel em: ‘Acesso em: 05/04/2015, [PUSANOV, Viadimir Dmitrievich, Mitos e preconceitos da Ruissia tzarista, 2011. Disponivel em: hitp://pereformat.rw/2011/12/mify-o-rossii/>. Acesso em: 05/04/2015] 100 MITOS SOBRE A REVOLUGAO RUSSA brar que em 1861, ano da libertagio dos servos, eles eram apenas 18% da popu- lagdo da Russia, ja no Sul dos EUA, até 1865 mais de 60% da populagao eram Embora o século XIX seja prodigo em inovagées tecnologicas, nao o foino campo moral, Nos EUA a saiide dos escravos das plantagdes foi muito pior do que ados brancos. Condigdes insalubres, nutrigao inadequada ¢ inflexivel e o trabalho duro tornaram os escravos altamente suscetiveis a doengas. Mas o pior medo dos escravos era serem levados aos leildes ¢ separados de suas familias. Avos, irmas, irmios, primos, de uma hora para a outra, todos poderiam encontrar-se dispersos A forga, para nunca mais se verem, Mesmo se eles ou seus entes queridos nunca fossem vendidos, os escravos conviviam com o medo constante de um dia isso acontecer. As mulheres negras suportavam constantemente a ameaga de explora- io sexual, Nao havia garantias nem leis para proteg@-las de serem sexualmente perseguidas, acossadas, violadas ou usadas, a longo prazo, como concubinas por metres e supervisores. Como os homens com autoridade se aproveitavam dessa situagio, o abuso foi generalizado, Mesmo que uma mulher parecesse concordar ade ela nao tinha outra escolha. Homens escravos, por com a situagio, na rea sua vez, eram muitas vezes impotentes para proteger as mulheres amadas. Na Inglaterra também podemos presenciar uma tardia preocupacdo na preservagio dos direitos bisicos da liberdade humana, Além de ganharem muito .eiro com o trafego de escravos da Africa, os britanicos ainda lucravam com escravos brancos. Vendiam seus préprios cidadios para os Estados Unidos, fato que ocorreu entre 1751 ¢ 1774. Prisioneiros ingleses também eram vendidos como escravos para fazen- deiros australianos. Eles eram negociados sob o martelo, a um prego de 40 li- bras, O niimero total de escravos brancos até 1884 foi de aproximadamente 30 mil pessoas’, Na Inglaterra, mesmo os cidadio honestos e cumpridores da lei poderiam ser privados de sua liberdade e usados como escravos, pois no ano de 1834 foi criadaa lei dos pobres, que instituia que os desempregados, os desabrigados e os 6rfios perderiam sua liberdade ¢ seriam prisioneiros em uma workhouse. Esses individuos, compulsoriamente encarcerados, nio eram presidisrios, porque no cometeram nenhum crime e nem prejudicaram ninguém, na verdade eram escra- vos do Estado. 5 MEAMHCKMIT, BnazusmpPoctnenasosiry; O pyccKounbantcrac, sexs m KecToNOcTH. Mockea, OnwaMeanal pynn, 2015. [MEDINSKY, Vladimir Rostislavovich, Sobre a embriague, preguica e crueldade russa, Moscou: Grupo Olma Media, 2015} 2 1. MiTO DA ROSSIA FEUDAL As workhouse eram bem piores que as senzalas brasileiras, pois nelas os negros ainda tinham uma boa chance de manter sua familia unida, tinham uma alimentagao razoavel e as vezes até podiam escolher suas roupas e andar pela ci dade, 0 que nao acontecia com os cativos brancos. As familias que nela deram entrada foram quebradas, homens e mulheres eram alojados em segdes separadas € nao era permitido se misturarem, os maridos eram separados das esposas e as mies dos filhos. Na admissio, a roupa dos cativos era retirada e armazenada, Eles eram lavados, tinham seus cabelos cortados e recebiam uniformes da workhouse. O tra- balho era das 4 da manha até as 10 horas da noite. Um minimo absoluto foi gasto em alimentacao ¢ a atitude mesquinha de seus tutores forgavam os internos a passar fome. Além disso, os castigos corporais eram frequentes. Na Inglaterra, geragSes cresceram & sombra do cativeiro, Milhares de pes- soas viviam em constante temor de que algum acidente ou doenga pudessem atin- gi-los, levando-os a miséria e aquele lugar onde os maridos seriam separados de suas esposas e mies de seus filhos. Pessoas que testemunharam o vizinho indo para 0 reformatorio nunca esqueceram o que viram. Esse regime de terror s6 foi abolido em 1929, mas, por falta de lugar onde abrigar os pobres, perdurou-se até 1950. Ou seja, 89 anos apés o fim da servidao na Russia. E dificil acreditar que verdades tio cruéis foram omitidas e hipdteses tao bizarras possam ter algum crédito. 1.1.20 mito de quea Rissia nao acompanhou a Revolugio Industrial Uma das mais exaustivas tarefas para um pensador idealista é encontrar uma teoria que explique a realidade, pior do que isso apenas a missio dos mate- rialistas que buscam encontrar alguma realidade que possa explicar suas teorias. Esta é a pesada cruz que, logo ao se formar, muitos dos jovens historiadores brasileiros sio obrigados a carregar. Dentre todas as dificuldades vivenciadas pelos tedricos marxistas, sem da- vida a mi ingrata é comprovar a eficiéncia de um sistema politico que se mos- trou um fracasso em todas as partes do mundo. Para isso, nada melhor do que recorrer a dialética’, Segundo eles, o fracasso da experiéncia socialista na Russia “A dialética apresenta varios sentidos dentro da histéria do pensamento ocidental, remontando 20s filésofos gregos antigos. Em contexto de pensamento marxista, a palavra deve ser compreendida a Partir da sua heranca hegeliana. Solugdes dialéticas envolvem o processo posterior (post hoc ergo Propter hoc) de revisto de premissas para adequar-se a uma nova sintese explicativa. No caso dos fracassos do comunismo, sem ter antevisto a possibilidade antes dos experimentos comunistas, os apologetas da doutrina marxista afirmam que as ocorréncias historicas falharam porque no seguiram 45 etapas historicas devidas, sendo que, supostamente, deveriam ter sido antecedidas por um estado 23 100 MITOS SOBRE A REVOLUGAD RUSSA se deve a sua “imaturidade” historica, pois essa pulou o capitalismo e pegou um atalho direto do feudalismo para 0 comunismo, isso explicaria, com sucesso, a ma vontade dos camponeses quanto a requisigdes abusivase a falta de compromisso dos operari Essa ardilosa evasiva ¢ provavelmente a origem do mito da Riissia feudal. & um subterfigio totalmente condizente com a l6gica interna da teoria marxista, porém nio corresponde & realidade. Mesmo assim, podemos encontrar nos li vros didaticos o MITO NUMERO 2,0 mito de que a Rissia nao acompa- nhou a Revolugao Industrial. De acordo com célculos do famoso estudioso anglo-americano Paul Ken nedy, citado por Nikonov (2011), 0 desempenho geral do desenvolvimento in. dustrial da Russia estava em quarto lugar no planeta, atrés apenas da Alema- nha, Gra-Bretanha e Estados Unidos, ¢ ultrapassou até mesmo a Franga. Com ys em receber seus salarios em um dinheiro inflacionado sem nenhum valor. certeza isso € uma prova irrefutavel de que a Rissia se espraiou na Revolugio Industrial. A seguir temos uma tabela com as porcentagens da participacio indi Vidualizada dos paises no mercado industrial mundial: TABELA 1 1880 1900 88 8,2 47 4h Italia 25 25 24 Fonte:a autora [HHKOHOB, Basecnan Ancxceesn4, Kpytienite Poceun. 1917 Mocxna: Actpent, 2011] Austro-hingaro é i No periodo entre 1890 ¢ 1913, a indiistria russa quadruplicou seu de- sempenho, Sua renda nao é apenas quase ao par com os rendimentos provenientes de capitalismo avangado, Nesse sentido, a suposta condigio feudal russa seria a explicagdo para 0 insucesso do comunismo. Contudo, sso ndo demoveu nenhum comunista de perpetrar a revolugao; 2 explicagio, portanto, ¢ apenas um rearranjo dialético de natureza ad hoe que visa salvar a doutrina de sua evidente refutago pratica, consequéncia da sua indpcia tedrica (N. dos E. ). 24 1}. Wi10 OA RUSSIA FOUDAL a quase 4/5 da demanda interna, icultura 8,%e da agricultura, mas os bens cobs por artigos ma rtos por cla e ulaturados, Veja a contribuigao de cada setor no PIB: ag’ 54%, indistria € construgio - 28,7%, transportes ¢ comunicagdes comércio 84% Por quase 15 anos (1914-1918), 0 crescimento médio anual do produto nacional bruto na Russia foi tor do Instituto de Historia no periodo anterior 4 Primeira Guerra Mundial maior do que na Europa Ocidental, salientou o ex-di Russa, 0 académico Andrei Sakharov (citado por Nikonov [201 1]). me ‘is apenas dos Estados Unidos. Na indiistria de algodiio ¢ agticar, atingiu de quarto a quinto lugar no mundo. Na indiistria de petrdleo, na virada do século XIX ao XX, era o lider mundial, estabelecendo na regiao de Baku um . culo XIX ao inicio do século XX, a Riissia era uma das s de tecidos como chita, u cresci- 10 ficou at grande centro petrolite No final do poténci 1. No inicio 0 algodio era comprado dos Estados Unidos, mas, téxteis do mundo, com grandes fabric: posteriormente, com 0 advento da guerra civil americana, 0 fornecimento de algodio para a Rissia foi drasticamente interrompido, 0 que forgou a Riissia a desenvolver Ja em 1725, um alto-forno foi langado em Nizhniy Tagil, da fabrica N. Demidova, cle foi o maior do mundo. E em 10 anos a Riissia, em termos de pro- 1a propria produgao de algodio nas provicias da Asia Central*. dugio de ferro-gusa, tomou a posigao deprimeiro lugar no mundo eo manteve até o inicio do século XIX. O ferro mais barato das fabricas estatais dos Urais era exportado para a Inglaterra, onde foi utilizado na Revolugio Industrial’, A rede ferrovidria na Réssia abrangia 1067 km, dos quais o Grande Sibe- rian Way (8000 milhas) foi a mais longa do mundo, Na Riissia czarista, no perfodo de 1880.a 1917, Ou seja, por 37 anos foram construidas 58.251 km de ferrovias, o que di um aumento médio anual de 1.575 km. Ao longo dos 38 anos de poder soviético, ou seja, até o final de 1956, foram construidos apenas 36.250 km, o que di um aumento anual de apenas 955 km. Devo acrescentar que a Russian Rail- ways, em comparagio com outras companhias, oferecia aos seus passageiros 0 transporte mais barato ¢ confortavel do mundo" 7 HUKOHOB, Bsuecaas Anexceesn4 ; Kpyurenue Poceun. 1917. Mocksa: Actpens, 2011 [NIKONOY, VyacheslavAleksecvich, O colapso da Russia, 1917. Moscou: Astrel, 2011} *MEJIMHCKHIi, Baazuaup Pocrnenasosi4; O pycckoii rpx3H Ht BeKonoli Texnn4eckoii orcranocTH, Moexsa: Oana Meauta Epys, 2015. [MEDINSKY, Vladimir Rostislavovich, Sobre a imundicie e 0 atraso téenico da Riissia antiga. Moscou: Grupo Olma Media, 2015} * BPIOXAHOB, Baap Attapeeni 3aronop rpaspa Mixiopatoniia. Moekea: Actpens, 2004. RYUKHANOV, Vladimir Andreevich, Conspiragio do conde Miloradovich. Moscou: Astrel, 2004). BPA3OIIb, Bopuc JTssoun; Llapcraonanne wntmeparopa Hiexowas I wppax u cbaxrax (1894 1917 rr.).Hoto-Hopx : Henomurresnoe G1opo OGulepoccuiicKoro MonapxmecKoro dponra, 1959. 25 i | | | 100 HITOS SOBRE A REVOLUGAO RUSSA Na virada do século foi o inicio de uma nova etapa na produgio industrial russa. Foram desenvolvidos os setores elétricos, quimicos, automobilisticos, ac- ronauticos e a construgao de submarinos, A primeira tentativa de criar um carro Fusso ocorreu na primeira metade do século XIX. O primeiro carro russo com motor de combustao interna e capacidade de 2 litros foi apresentado na exposigio Nizhny Novgorod, em 1896, mas nao causou muito interesse. No entanto, até o final do século, ja havia indimeras fabricas de automéveis, produzindo algumas centenas de unidades de automéveis por ano. Por exemplo, em 1910, em uma corrida com uma carga de 5 pessoas no complexo trajeto de Sao Petersburgo - Napoles (mais de dez mil km). O carro russo no revelou falhas. A produgao da aeronave comegou em 1910. Por ordem do Departamento Militar 1910-1917, foram fabricados 1300 avides"', Na Exposi¢ao Mundial em Chicago (1895), Paris (1900) os produtos das indiistrias Morozov foram premiados com o Grand Prix. Até mesmo o mais res- peitado jornal inglés, The London “Times”, prestou respeito A indistria russa ao es- crever: “De acordo com especialistas, algumas fabricas na Riissia sio as melhores do mundo, nao sé em termos de dispositivos e equipamentos, mas também em termos de organizagio e gestio”, Em relagZo aos mitos da indistria, também ha o argumento de que a Ris- sia s6 possuia pequenas industrias de produgio artesanal. Como vimos no exemplo, esse mito também surgiu para convencer de que a Riissia no era capitalista e justificar 0 malogro do marxismo, mas, como sempre, nao se trata de um fato. A maior parte dos produtos russos era produzida por maquinas. Por exemplo, nas empresas téxteis, as grandes fabricas represen- tavam 16,4%, mas nelas trabalhavam 68,8% de todos os trabalhadores dessa srea, € essas empresas forneciam 75,7% de produtos téxteis produzidos no pais. Nao havia espago para os artesios neste regime. As vésperas da Primeira Guerra Mundial, o nimero total de trabalhado- resnna Riissia atingiu mais de 15 milhdes. Destes, 56,6% trabalhavam em grandes induistrias (o ndimero de 500 trabalhadores), o resto estava distribuido em empre- {BRAZOL, Boris Lvovich, O reinado do Imperador Nicolau Il em nimeros e fatos (1894-1917), Nova York: Secretaria Executiva da Frente Monarquista de Toda a Russi, 1959), NIVAJIATIHHA, Enewa Jteouzonna; Pocci B nepuox uaperBosanus Haaneparopa Hurxonas Il Hexoropise dpaxrit. Camr-lerep6ypr. Mepedhopaiar,2013. Disponivel em:.. Acesso em: 04/01/2016, [SHALIAPINA, Elena Leonidovna, Rtissia Durante oreinado do Imperador Nicolau Il: algun fatos. ‘Silo Petersburgo, 2013, Disponivel em:.. Acesso em: 04/01/2016]. " BUIAJCIIAB, Auaroauenn Baxpenciit; Canna Masoutton Moexsa:Mononas rsapziia, 2000 [VLADISLAV, Anatolyevich Bakhrevsky; Savva Mamomov, Moscou: Jovem Guarda, 2000) 1. mito oA RGSSIA FEUDAL sas (de 100 trabalhadores) e apenas uma pequena parte dos trabalhadores perten- cia produgio em pequena escala"® Ao contrario do que muitos imaginam, esse cenario nao ¢ algo positive. O predominio de grandes corporagées nao é um sinal de progresso, mas da exis- téncia de cartéis, monopélios, protecionismo, sindicatos ¢ leis reguladoras que inibem os pequenos investidores. Infelizmente essa era a realidade. O Império Russo nao sé tinha uma auséncia de dispositivos legislativos e administrativos que impedissem a criagao e o funcionamento de associagdes de monopolio, como uma parte consideravel deles atuou com o consentimento e 0 apoio direto do governo. Esse foi o caso do“monopélio industrial-militar”, que, como veremos a seguir, foi a causa da ruina do Império. TABELA 2 ‘A PROPORCAO DA INDUSTRIA TRANSFORMADORA NA RUSSIA DO INICIO DO SECULO XX Formas industriais : % Grandes indistrias 10.8 20,9 Pequenas Industrias urbanas 82 Fonte: a autora [AH@HMOB, Axapeii Marseewus; Poccua 1913 ron. Cramierino-oKymenransnsiit crpasouin, Caer-Tlerep6ypr:: PAH, Hucrunyt Poccuticxoil weropit, 1995}, 1.1.3 O mito de que a industrializagao russa provinha de capital es- trangeiro A tendéncia em atrair capital é positiva, embora nossa protecionista diga © contrario, um pais que atrai muitos investimentos estrangeiros é considerado um mercado confiavel e estavel. As nagdes, de modo geral, fazem de tudo para atrair investidores, pois esse dinheiro, direcionado para o setor produtivo, au- menta a riqueza nacional, cria novas fabricas e empregos, melhora as condicdes econémicas, eleva o padrao de vida, possibilita padres salariais mais elevados. A implantag3o de melhores meios de transporte facilita a obtengio de moeda es- “ TPHTOPEBHY, Mexanux Anexcatiap. Tpucra set —noner nopstabutiit. dxcriept, Mocksa, N43 (632), 10 nos6pa 2008 [GRIGORIEVICH, Merranic Alexander. “Trezentos anos ¢ um voo normal”. Especialista, Mascou, n° 43 (632), 10 de novembro de 2008}. 27 100 WITOS SOBRE A REVOLUGAD RUSSA trangeira e amplia a poupanga ¢ a acumulagio de capital de todos os cidadios. Todos ficam mais ricos. Mesmo o dinheiro que nao é aplicado em setores produ- tivos, como 0 utilizado para financiar os déficits orgamentarios do governo, ¢ Positivo, pois quando os estrangeiros financiam parte do déficit sobram mais re- cursos para investimentos produtivos e sociais. Muitas vezes o investimento estrangeiro ¢ tratado como um simbolo de status. Paises ricos exportam dinheiro e paises pobres os adquirem por meio de juros abusivos. Neles podemos ver a livre circulagao de recursos como algo pre- datério, “um tem que se dar mal para o outro sair bem”, para uma historia gover- nada pela luta, ¢ impossivel ricos e pobres terem os mesmos interesses. Felizmen- te o mundo nao é assim, exportar capital nao ¢ monopélio das grandes poténcias, empresas brasileiras como Gerdau, Vale, Ultra e maior frigorifico do mundo, JBS, tém grandes investimentos no exterior. t Utilizar-se do capital estrangeiro nao ¢ um simbolo de atraso, mas é a melhor forma de se livrar dele. O investimento externo constituiu-se em um fator preponderante de auxilio para o desenvolvimento. As estradas de ferro da maioria dos paises da Europa e também as dos Estados Unidos foram construidas com a ajuda do capital britinico. A Europa e o Japao destruidos pelas guerras necessitaram desse tipo de investimento e nem por isso perderam sua autonomia. Esses fundos nao geram a desigualdade entre as nages, muito pelo con- trario. Segundo Mises, “uma maior igualdade econémica é a industrializagao. E esta s6 se torna possivel quando ha maior acumulacao ¢ investimento de capital”, Mesmo considerando o capital estrangeiro algo positivo, podemos cons- tatar que a Riissia imperial nao dependia desse dinheiro em suas receitas, pois essa equivalia apenas a 5,58% das receitas do orcamento'®, Agora quanto ao MITO NUMERO 3, 0 mito de que a industrializa- 40 russa provinha de capital estrangeiro, podemos constatar que na rea- lidade o capital estrangeiro desempenhou papel significativo no desenvolvimen- to da indistria russa, mas nao decisivo. O total dos investimentos estrangeiros na indiistria nao foi mais do que 9-14% de todo o capital industrial. Dos equipamen- tos ¢ bens de capitais necessérios na indiistria nacional 63% eram fabricados no pais e apenas pouco mais de um tergo eram importados do exterior. No inicio do século XX, a participacao de proprietarios de empresas estrangeiras em edificios comerciais representaram apenas 11,3%, Este nimero no é maior do que nos Principais paises da Europa Ocidental e sugere a inclusio do Império Russo no MISES, Ludwig von, Asses lies. Sao Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009, HOBEJIb , Anspen; POTUITEHH, Aaonp; CITATLIEP, Tepman; J(U3EJIb ,Pynomerp; Poccus 1 unponofi 6uautec: aena uw cyab6wt, Mockea: POCCITH, 1996, [NOBEL, Alfred; ROTSHTEIN, Adolf, SPITZER, Herman; DIESEL, Rudolph, Rissia e mundo dos nnegdcios mundias:transagiese destino. Moscou: ROSSPEN, 1996), 28

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