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12/01/2024, 20:20 A revolta no Equador marca o início do século 21 – Organização Comunista Internacionalista (Esquerda Marxista)

Ecuador Today

A revolta no Equador marca o início do século 21


 Jorge Martin  20/03/2023

Em outubro de 2019, os trabalhadores do Equador se levantaram contra o governo e os capitalistas e

somente não tomaram o poder por conta das hesitações de sua direção. Esse processo foi mais um episódio

de uma longa trajetória de lutas dos camponeses equatorianos e de suas organizações, especialmente
aquelas ligadas ao movimento indígena.

No começo do século, em janeiro de 2000, os trabalhadores equatorianos, por meio do Parlamento dos
Povos, derrubaram o governo e colocaram na ordem do dia a possibilidade de tomada do poder. O texto que
segue mostra em detalhes como se deu esse processo revolucionário, que por pouco não derrubou as

instituições da democracia burguesa, colocando na ordem do dia a possibilidade de tomada do poder. Na


última edição do jornal Tempo de Revolução, discutimos essa longa trajetória de luta e como se relaciona

com a crise de direção. Para acompanhar essa discussão e todo o processo de lutas em curso na América
Latina e em outros continentes, assine o Tempo de Revolução.

Após uma semana de mobilizações de massas, manifestações, greves e confrontos, na sexta-feira, 21 de


janeiro, dezenas de milhares de indígenas, camponeses, trabalhadores e estudantes do Equador ocuparam
um a um os prédios do Parlamento, da Suprema Corte e do Palácio Nacional, e estabeleceram um governo

alternativo. Diante desses acontecimentos, os meios de comunicação de massa do mundo, que


permaneceram em silêncio durante toda a semana, começaram a gritar que um golpe militar havia

derrubado o governo do presidente Jamil Mahuad. Portanto, é necessário esclarecer antes de tudo que o
que aconteceu no Equador na última semana é uma revolução.

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“Naqueles momentos cruciais em que a velha ordem se torna insuportável para as massas, elas rompem as
barreiras que as excluem da arena política, varrem para o lado seus representantes tradicionais e criam por sua
própria interferência as bases iniciais para um novo regime.” (Trotsky, História da Revolução Russa)

Para entender o magnífico movimento de massas no Equador dos últimos dias, devemos voltar ao início dos

anos 90, quando toda uma série de governos, tanto de direita quanto de “esquerda”, começaram a aplicar
fielmente os planos de ajuste estrutural ditados pelo FMI. Os resultados já estão à vista de todos: dois terços

da população abaixo da linha da pobreza, hiperinflação e desemprego em massa.

Em 1995, o Equador travou uma curta guerra contra o Peru com o objetivo principal de desviar a atenção

das massas de seus problemas sociais para uma onda de fervor nacionalista. Mas isso durou pouco tempo e
alguns meses depois houve protestos em massas dos trabalhadores contra as políticas econômicas do

governo. O descontentamento generalizado dos trabalhadores e camponeses expressou-se em 1996 com

uma votação expressiva em Abdalá Bucaram, que conquistou a presidência com base em promessas
demagógicas. Em poucos meses, ele rompeu todas as suas promessas e adotou os mesmos planos de
ajuste ditados pelo FMI, incluindo aumentos maciços de preços de todos os produtos básicos. Da noite para
o dia, a eletricidade aumentou 500%, o gás 340%, as tarifas telefônicas 700%, entre outros. Esta foi a

centelha que acendeu o mal-estar acumulado. Os sindicatos convocaram uma greve nacional nos dias 5 e 6
de fevereiro de 1997, que se tornou uma greve por tempo indeterminado. Bucaram tentou se manter no
poder por meio da repressão, decretando estado de emergência e levando as tropas às ruas, mas isso não
interrompeu os protestos. Ele então tentou retirar todo o pacote de medidas econômicas, mas também não
funcionou e, finalmente, Bucaram, “o louco”, teve que fugir do país.

A burguesia equatoriana, tomada pelo pânico dada a magnitude do movimento e sua incapacidade de detê-
lo pela repressão, rapidamente fez um acordo e nomeou Fabián Alarcón como presidente interino. Já

naquela época as organizações sindicais alertavam que o objetivo da greve não tinha sido apenas forçar a
renúncia do presidente, mas a rejeição de suas políticas econômicas.

O novo governo de Alarcón seguiu exatamente as mesmas políticas de Bucaram e Jamil Mahuad desde que
foi eleito em 1998. Um país pobre e altamente endividado como o Equador tem pouco espaço de manobra
no que diz respeito às políticas econômicas. Enquanto a lógica do capitalismo for aceita, só há uma saída
possível: descarregar o peso da crise sobre os ombros dos trabalhadores e camponeses. Eles resistiram a

todos os ataques ao seu padrão de vida lançados pelo governo e em várias ocasiões os derrotaram. Em
março do ano passado, uma greve geral de 48 horas obrigou o governo a retirar seu plano de ajuste e o
mesmo aconteceu em agosto do mesmo ano.

Dolarização da economia
O ano 2000 começou no Equador com 62% da população abaixo da linha da pobreza, 70% da força de
trabalho desempregada ou subempregada, uma queda da economia de 7,2% e uma taxa de inflação de

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70%. Diante dessa situação, o governo de Mahuad decidiu decretar a dolarização da economia a uma taxa
de 25.000 sucres (moeda equatoriana) por dólar.

A dolarização da economia, que já foi aplicada na Argentina, representa uma tentativa desesperada da
burguesia latino-americana de encontrar uma saída. O argumento é que isso aumentará a “confiança” dos
investidores estrangeiros. Longe de resolver os problemas econômicos do país, amarrar uma economia em
profunda recessão à economia dos EUA significará apenas mais planos de austeridade. Ao perder sua
autonomia na política monetária, as únicas medidas que um governo poderia usar para sair da recessão

seriam mais cortes nos gastos públicos, privatizações, cortes em salários e subsídios etc. Isso, longe de ser
uma receita para a recuperação da economia, contrairia ainda mais o mercado interno, mergulhando o país
em uma recessão ainda mais profunda. No curto prazo, a dolarização pode ter o efeito de controlar a
inflação, mas apenas paralisando a atividade econômica quase completamente. É claro que em meio a uma

recessão profunda é difícil aumentar os preços.

No caso concreto do Equador, a dolarização a 25.000 sucres por dólar também é um belo presente para

capitalistas e banqueiros que têm contas em dólares que compraram a 15.000 sucres.

Com base nessas experiências passadas, os movimentos operários e camponeses do Equador decidiram

partir para a revolta desta semana. A Confederação Nacional de Nacionalidades Indígenas (Conaie) e a
Coordenação de Movimentos Sociais (CMS) criaram o Parlamento Nacional Popular e anunciaram um
levante nacional por tempo indeterminado a partir de 15 de janeiro, e a tomada de Quito por milhares de
camponeses indígenas vindos de todo o país.

O caráter desse movimento revela uma mudança qualitativa. A luta não é mais apenas para mudar de

presidente ou para forçar novas eleições. Agora, o objetivo aberto da luta é uma “insurreição nacional”, o
estabelecimento de parlamentos populares em nível nacional, regional e local como os únicos órgãos de

poder e a abolição dos três poderes do Estado (executivo, judiciário e legislativo).

O jornal equatoriano El Comercio assim o descreveu:

“Os movimentos indígenas e sociais mudaram o que havia sido sua direção e plataforma política desde que
apareceram pela primeira vez como uma força de resistência no início dos anos 90. Essa mudança, na forma do
levante atual, os levou a romper completamente com as formas de poder estabelecidas. […] Eles estão procurando
criar um estado paralelo, com suas próprias regras e representantes. […] O objetivo final desse movimento não é
derrubar o presidente Mahuad ou levar suas demandas ao Congresso, isso eles já fizeram e não obtiveram
resultados. Por isso levantam a necessidade de estabelecer novas formas de organização. O caminho que
escolheram não é apenas a continuação de seus chamados parlamentos provinciais e o nacional, como também a
criação de novos no nível cantonal. Uma democracia, a que chamam de direta, sem pedir permissão a ninguém e
sem recorrer a intermediários. No passado, já os utilizaram, mas não deram qualquer resultado” (El Comercio,
16/1/00).

O desafio ao Estado burguês e a constituição de órgãos de poder operário e camponês representam um


avanço muito significativo na consciência das massas do Equador, consequência direta das lutas dos anos 

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anteriores.

A revolta começou em 15 de janeiro com a declaração do estado de emergência pelo governo e prisões em
massa de líderes sindicais e estudantis. É importante deixar claro que o movimento foi iniciado pelas

organizações indígenas, mas teve o apoio e a participação da classe trabalhadora. Os trabalhadores da


petrolífera nacional Petroecuador declararam uma greve geral por tempo indeterminado em apoio ao

movimento indígena e contra as políticas econômicas e sociais do governo. Segundo a Agência Pulsar: “o

secretário do Sindicato Petroecuador, Diego Cano, disse que não tem medo da presença nas ruas e
estradas de mais de 30 mil soldados e policiais e que sua intenção é protestar até que Jamil caia com todo o

seu governo”.

A Frente Única dos Trabalhadores e a Confederação dos Sindicatos Livres do Equador também aderiram à

insurreição. Nas palavras de Saltos Garza, porta-voz da Coordenação dos Movimentos Sociais, “esta não é
uma revolta indígena, é uma revolta dos povos do Equador, dos movimentos sociais e dos cidadãos

atingidos pela inflação” (El Telegrafo, 16/01/00).

Uma revolta nacional


A insurreição adquiriu um caráter verdadeiramente nacional e manifestações de massa ocorreram em todo o
país. A característica comum é a tomada de prédios do governo e a criação de parlamentos populares locais

e provinciais. Em Cuenca, por exemplo, uma manifestação impressionante de 50 mil pessoas entrou em

confronto com a polícia e o exército, e tomou o prédio do governo.

Em Guayaquil, capital econômica do país, milhares de trabalhadores, camponeses e estudantes se


manifestaram todos os dias, desde a segunda-feira, em apoio à insurreição. A manifestação obteve o apoio

de setores da pequena burguesia, principalmente pequenos lojistas, que aderiram ao movimento em todo o
país. Em Loja, no Sul, houve manifestações diárias e confrontos com a polícia. O exército ocupou o campus

da universidade e prendeu 150 estudantes.


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Apesar do impressionante desdobramento da polícia e do exército para impedir a entrada dos indígenas na

capital Quito, na quarta-feira havia mais de 20 mil deles nas ruas. O líder da Conaie, Antonio Vargas, disse
que “os indígenas e seus apoiadores urbanos não vão se ajoelhar diante dos ladrões e corruptos que detêm

o poder econômico e político. Ele apelou para a formação de uma frente única, pois só o povo pode salvar o
povo. Apelou à polícia e ao exército para que apontem suas armas contra os que estão saqueando o país e

não contra os indígenas ou o povo, que são seus irmãos” (PULSAR, 19/01/00).

Na província de Chimborazo cerca de 50 mil camponeses indígenas bloquearam todas as estradas da

província. O exército fala em uma maré vermelha por causa da cor dos ponchos tradicionais dos índios desta

região. Ao mesmo tempo, o parlamento popular provincial da região amazônica anunciou a tomada dos
poços de petróleo por trabalhadores e índios.

A insurreição foi adquirindo um caráter mais massivo com o passar dos dias e não foi detida pela repressão
nem pelas mentiras do governo, que chegou a imprimir comunicados falsos em nome da Conaie ameaçando

matar todos os não índios.

Na quinta-feira, o exército ocupou a refinaria de petróleo de Esmeraldas, um dos maiores complexos

industriais do Equador, mas não conseguiu que os trabalhadores voltassem ao trabalho.

Dezenas de milhares de indígenas, trabalhadores, estudantes e pequenos comerciantes participaram das

manifestações em Quito. Durante dias cercaram as instituições do poder do Estado com o objetivo de

dominá-las. O governo organizou a defesa desses prédios com o exército e os protegeu com arame farpado,
mas não há força capaz de deter todo um povo quando decidiu que basta e, finalmente, na sexta-feira, 21,

eles assumiram o parlamento. Assim descreve Pulsar: “Os movimentos indígenas e camponeses do
Equador, junto com os setores urbanos organizados e com total apoio das camadas médias e dos soldados

dos três ramos das Forças Armadas, estabeleceram um poder alternativo neste país. Isso aconteceu quando

a grande massa de indígenas e camponeses de Quito rompeu o cerco ao prédio do Parlamento e o tomou.
No início houve resistência dos soldados, mas de repente chegaram centenas de soldados em carros

blindados, vindos da Academia Militar e que apoiaram a ocupação”. Um grupo de 70 jovens coronéis
liderados por Lucio Gutierrez declarou que estava se juntando à insurreição.

O papel do exército
Ao analisar o fato de que um setor do exército se juntou à insurreição, devemos levar em conta uma série de

fatores. Por um lado fica claro que uma parte importante dos soldados, suboficiais e até alguns oficiais se
identificam com a luta dos trabalhadores e camponeses que afinal, como disse Antonio Vargas, são seus

“irmãos”. A confraternização de soldados e suboficiais com os operários e camponeses revolucionários é

uma característica de toda revolução, seja na Rússia em 1917 ou na Espanha em 1936.


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Por outro lado, também é possível que setores dos oficiais do exército sintam-se sinceramente desgostosos
com as políticas econômicas do governo de Quito, que favorecem apenas um punhado de banqueiros e, no

final das contas, equivalem à “venda do país ao imperialismo a preços de queima de estoques”. Esta ala de

“oficiais patrióticos” que quere livrar o país da corrupção e da intervenção estrangeira tem um exemplo a
seguir no movimento de Chávez na Venezuela, que tem exatamente essas mesmas características. É

significativo que seja a primeira vez em anos que vemos a entrada de setores do exército na arena política
ao lado das camadas mais oprimidas da sociedade.

No período após a Segunda Guerra Mundial, o impasse do capitalismo no mundo colonial forçou setores da

casta de oficiais a tomar o poder em vários países, na tentativa de retirá-los de seu atraso e libertá-los da

dependência ao imperialismo. Em alguns casos, tomando como forma o modelo stalinista da União
Soviética, nacionalizaram a economia expropriando o imperialismo e a débil burguesia nacional. O modelo

stalinista era útil para eles, pois uma economia planificada permitia o desenvolvimento econômico do país e,

ao mesmo tempo, a ausência de uma democracia operária permitia a esses oficiais conceder a si mesmos

todos os privilégios de uma casta dominante. Foi o que aconteceu em países como Síria, Birmânia, Etiópia e

Afeganistão, entre outros.

Agora o modelo da União Soviética não existe mais para ser seguido, mas o impasse total do capitalismo em

vários países ainda obriga setores da casta de oficiais a entrar na política com um programa muito confuso,
uma mistura de populismo, anti-imperialismo e de rejeição do modelo econômico “neoliberal”, ou seja, a

política de “ajuste estrutural”, privatizações, etc. O exemplo mais claro disso é Chávez na Venezuela.

Não está claro até onde irão sob a pressão das massas, mas é dever dos marxistas enfatizar que a

revolução deve ser realizada pela classe trabalhadora liderando todas as camadas oprimidas da sociedade.

Caso contrário, no máximo, veríamos o estabelecimento de um regime stalinista sob o controle firme dessa

casta de oficiais.

Provavelmente, o grupo de 70 oficiais que decidiu apoiar o levante na manhã de sexta-feira pertence a essa

categoria de “oficiais patrióticos” descontentes. Parece que os contatos entre so dirigentes camponeses e os

movimentos sociais e esta ala do exército já haviam começado em dezembro. Após a posse do Congresso
Nacional foi constituída a Junta Civil-Militar de Salvação Nacional. A composição desta junta e suas

primeiras declarações refletem claramente as deficiências do movimento. A Junta é formada pelo líder da

Conaie, Antonio Vargas, pelo ex-presidente da Suprema Corte, Carlos Solórzano, e pelo coronel Gutierrez.

Em sua primeira declaração, Lucio Gutierrez apela aos “ex-presidentes do Equador, políticos honestos,

Igreja, mídia, empresários e banqueiros honestos, trabalhadores, desempregados e mulheres para apoiar

uma mudança no país.” (Pulsar, 21/1 /00). No mesmo sentido, Carlos Solórzano afirma que: “Queremos

convidar empresários de boa vontade e banqueiros honestos a participar deste governo. A única coisa que


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queremos daqui para frente é que o país não seja saqueado. Chega de roubar. Queremos um Equador livre

de ladrões. Acho que esse é o slogan principal” (Pulsar, 21/01/00).

Direção confusa
Aqui podemos ver claramente como a principal fraqueza do movimento é justamente sua direção. Depois

que os trabalhadores e camponeses tomaram o poder, seus próprios líderes já estavam pensando em como

devolvê-lo aos banqueiros e capitalistas, embora apenas “honestos”, por enquanto. A confusão dos
dirigentes do movimento levou-os a recorrer a elementos do velho aparelho de Estado para criar um novo. O

poder já estava em suas mãos, mas eles não perceberam. Assim, o movimento que era muito radical em seu

caráter e formas de organização era muito fraco e confuso em seu programa político.

Na noite de sexta-feira, os “Communards“, como são chamados pela imprensa, com o apoio de setores

militares finalmente tomaram o Supremo Tribunal Federal e o Palácio Nacional, de onde Mahuad já havia

fugido.

Então, o comandante supremo das Forças Armadas, general Carlos Mendoza, vendo o poder escapar de

suas mãos, decidiu aderir à insurreição depois de já ter sido vitoriosa, e só para poder traí-la por dentro, e

substituiu o coronel Gutierrez no Junta de Salvação Nacional.

Isso encerrou o primeiro capítulo desse movimento revolucionário. As massas provaram mais uma vez que,

quando começam a se mover, não há poder na terra que possa detê-las. Desta vez, seu objetivo era claro: a
derrubada não apenas de um governo, mas de todo o aparato estatal e sua substituição por outro

baseado nos parlamentos populares. Em apenas cinco dias, as massas camponesas e operárias do

Equador, usando seus métodos tradicionais de luta, a greve geral, a insurreição, a mobilização de massas e

conquistando um setor do exército para o seu lado, conseguiram tomar o poder.

O problema é, como em tantas outras revoluções, a falta de uma direção genuinamente revolucionária capaz

de levar o movimento até o fim. Assim como na Rússia em fevereiro, na Alemanha em 1918 e na Espanha

em 1936, as massas tomaram o poder e seus líderes o devolveram à burguesia.

No sábado, o Equador acordou com a notícia de que o general Mendoza, supostamente membro da Junta

de Salvação, havia devolvido o poder ao vice-presidente de Mahuad, Gustavo Noboa. Sua primeira

declaração afirmava que “continuará principalmente com as políticas econômicas do deposto Mahuad” e que
“a dolarização, o plano de resgate do sistema bancário e a modernização iniciada pelo deposto Jamil

Mahuad continuarão sem oposição”.

Agora está claro que o general Mendoza agiu como um peão daqueles setores da burguesia que temiam

que a tentativa de Mahuad de se agarrar ao poder pudesse terminar com a derrubada completa de seu

regime. A decisão de entregar o poder ao vice-presidente foi tomada pelo general Mendoza após visita à


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embaixada dos Estados Unidos. Jamil Mahuad, que viu o poder da classe que ele representa

milagrosamente salvo, declarou publicamente seu apoio ao novo presidente Noboa.

No momento em que escrevo, as notícias ainda são confusas. O grupo de coronéis que se juntou à

insurreição sente-se traído e o coronel Gutierrez foi preso. Parece que na madrugada de sábado as massas
discutiram a possibilidade de retomar o Palácio do Governo. Romelio Gualán, líder indígena e camponês diz

que “o povo indígena não teme a morte, pois já está morrendo de fome no campo, então prefere morrer nas

estradas, nas ruas das cidades, buscando uma mudança para todo o povo equatoriano”.

No final, a direção do movimento, que baseara toda a sua estratégia no apoio a uma ala do exército,

sentindo-se traída pelos generais, abandonou o campo de batalha. A verdade é que o general Mendoza não

traiu o movimento, pois desde o início se pôs à sua frente apenas para decapitá-lo. No sábado de manhã a

situação ainda não estava perdida. Se os líderes tivessem se baseado na formação de comitês de soldados
e na extensão dos parlamentos populares a todos os níveis, e no expurgo de todos os elementos burgueses,

eles ainda poderiam ter mantido o poder. Como mostraram os acontecimentos da sexta-feira, dia 21, o poder

não estava nas mãos de seus representantes oficiais (parlamentares, juízes e presidente), mas nas ruas de

Quito e de todo o país estavam nas mãos dos parlamentos populares e do parlamento nacional do povo.

Quem detinha o poder?


Os líderes do movimento popular e camponês ficaram desorientados com as aparências do poder. Quando o
general Mendoza, à frente da Junta de Salvação decretou sua dissolução e nomeou o presidente Noboa,

não souberam responder e aceitaram. Eles não perceberam que o general Mendoza tinha pouco poder real

para apoiá-lo, já que a maior parte do exército estava do lado dos comunards. Se tivessem feito um apelo às

massas operárias e camponesas reunidas para retomar o Palácio Nacional, e aos soldados para que

apontassem suas armas contra os generais e se juntassem ao movimento, a situação teria sido totalmente

diferente.

Manifestações em Quito, no Equador, em 23 de junho – Mariana Sapienza


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As últimas notícias parecem indicar que os camponeses e indígenas deixaram a capital e dissolveram o

parlamento popular. Alguns parlamentos populares provinciais não foram dissolvidos e há relatos de que o

movimento de massas continua em algumas das províncias. Assim, no domingo, 23, El Comercio noticiou:

“Em Riobamba e Guaranda as manifestações indígenas continuaram com a palavra de ordem de continuar o
movimento. Também houve mobilizações em Ambato e Otavalo… Em Riobamba, cerca de 15.000 índios
marcharam até o mercado de Condamine e forçaram seu fechamento. Logo realizaram uma reunião na Casa do
Indígena, onde seus líderes ratificaram o caráter indefinido da revolta… Em Guaranda, às 10h30, uma marcha de
mais de 3.000 índios forçou o fechamento do mercado e das lojas. Os líderes declararam que estavam
desapontados com o curso do movimento e ratificaram a continuação do levante.” (El Comercio, 23/01/00)

Apesar disso, a tendência geral parece ser a dissolução dos parlamentos populares locais e o fim do

movimento.

Seja qual for o resultado imediato deste levante, é claro que as massas operárias e camponesas

aprenderam muito sobre o papel do Estado, o papel dos comandantes do exército, sobre sua própria força,
etc. A burguesia equatoriana é completamente incapaz de resolver qualquer um dos problemas econômicos

urgentes do país e, portanto, este não é o fim do processo, apenas mais um importante capítulo.

O Equador não é um caso isolado na América Latina. Colômbia, Venezuela, Argentina, Honduras, Nicarágua,

Costa Rica, Brasil, todo o continente tem testemunhado mobilizações de massas, greves gerais e

insurreições camponesas repetidas vezes nos últimos anos. Estão reunidas todas as condições para uma

revolução vitoriosa. Assim que isso acontecer em um país, ele se espalhará como fogo em todo o continente.

A necessidade mais urgente para os trabalhadores das cidades e do campo no Equador e no resto do

continente é forjar uma direção revolucionária firmemente baseada no princípio da independência de classe

e em um programa socialista genuíno, o único que pode oferecer um caminho a seguir para as massas do
continente.

23 de janeiro de 2000

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.


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