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Rivais Amigos: Hurricanes e Spitfires

Embora os méritos relativos das duas aeronaves durante a 2ª Guerra Mundial


continuem a ser debatidos, os companheiros dissimilares se complementaram em
combate e juntos salvaram um país.

Quem foi melhor, o Supermarine Spitfire ou o Hawker Hurricane? Esta


pergunta tem sido feita a pilotos, historiadores e entusiastas da aviação desde
1940. Ela não possui uma resposta definitiva, entretanto, cada uma das
aeronaves tem seus pontos positivos e negativos. Embora ambas as aeronaves
tenham tido papel decisivo na Batalha da Inglaterra, cada uma realizou tarefa
completamente diferente do outro. Cada aeronave foi projetada utilizando
diferentes conceitos e circunstâncias, bem como foram baseadas em
experiências distintas. O Spitfire possuía formas graciosas e
velocidade de seus antecessores, tendo origem numa série de
aeronaves de corrida projetadas nas décadas de 20 e 30 pela
Supermarine Ltd. e pelo engenheiro Reginald J. Mitchell (foto
ao lado). O inovador Mitchell, foi com toda certeza, um dos
mais brilhantes projetistas que a Inglaterra já teve, com seus
projetos sempre estando à frente do tempo. Em 1925, quando
começou a projetar hidroaviões de corridas, a forma
aerodinâmica era muito mais um exercício teórico do que uma
possibilidade da engenharia, mas Mitchell conseguiu transformar a teoria num
brilhante sucesso aeronáutico.
Os esforços de Mitchell na aerodinâmica produziram aeronaves que não
eram apenas graciosas, mas que também estavam entre as mais velozes do
mundo à época. Em 1927, seu S.5 venceu o Troféu Schneider alcançando uma
velocidade de 281,65 mph. Quatro anos mais tarde, seu elegante S.6B venceu
novamente a mesma corrida, desta vez alcançando a marca de 340.08 mph. No
mesmo ano, no dia 29 de setembro, a mesma aeronave equipada com um motor
especial, o Sprint, que gerava 2.550 hp, bateu o recorde mundial de velocidade
com 407,5 mph.

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S.5 S.6B

Nesta época, o Ministério do Ar britânico começou a planejar a


substituição dos caças padrão da RAF – Royal Air Force, que eram o Bristol
Bulldog e o Gloster Gladiator, ambos biplanos. Conhecendo a experiência e a
reputação adquirida nos projetos para o Troféu Schneider, Mitchell resolveu
enviar uma proposta para o Ministério do Ar, propondo um novo caça. Nessa
época a Supermarine fora adquirida pela gigante industrial Vickers, e a nova
empresa agora era conhecida como Supermarine Aviation Works (Vickers) Ltd.

Bristol Bulldog Gloster Gladiator

O primeiro protótipo, que viria a ser conhecido pelo nome de Spitfire,


era uma aeronave com aparência estranha para a época. Oficialmente
designado de F.7/30, era uma aeronave monoplano, com asa tipo de gaivota,
cockpit aberto e trem de pouso fixo coberto por sapatas. Ela parecia muito
com a aeronave alemã Junkers Ju-87 Stuka, um bombardeiro de mergulho, do
que com o caça que iria ser utilizado na Batalha da Inglaterra. Mas Mitchell não
estava satisfeito com seu F.7/30, por inúmeras razões. A primeira delas dizia
respeito a motorização, pois o Rolls-Royce Goshawk II só permitia que a
aeronave desenvolvesse a velocidade de 238 mph, e assim ele começou a
realizar alguns experimentos. Substituiu o motor por outro mais potente,
fechou o cockpit, instalou trens de pouso retráteis bem como asas muito mais
finas. Essa asa fina e de forma elíptica se tornaria uma marca registrada do
novo caça.

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F.7/30

Mitchell continuou a modificar seu o projeto entre os anos de 1933 e


1934. O motor que ele imaginava, foi fornecido pela Rolls-Royce – tratava-se
de um com 12 cilindros, refrigerado a água, que ainda era chamado de PV-12.
Mais tarde esse motor seria batizado de Merlin, um nome que tornar-se-ia uma
lenda entre os motores aeronáuticos. O novo caça, agora denominado F.10/35,
era uma aeronave de interceptação com asa baixa, trem de pouso retrátil,
flaps, cockpit fechado e com oxigênio para o
piloto. O motor Merlin prometia dar a aeronave
toda velocidade que Mitchell imaginava e que o
Ministério do Ar necessitava. Como armamento,
Mitchell colocou quatro metralhadoras .303 nas
asas. O Air Vice Marshal Hugh "Stuffy"
Dowding (foto ao lado) era o Diretor de
Suprimento e Pesquisa e encarregado do
desenvolvimento técnico dos equipamentos da
RAF desde 1930, tendo uma favorável
impressão do protótipo de Mitchell, com
exceção do armamento, que ele desejava que
fosse composto de oito metralhadoras. Testes
da época indicavam que o menor poder de fogo
capaz de derrubar um bombardeiro era o
produzido por seis metralhadores, ou
preferencialmente, oito, cada uma capaz de atirar 1.000 projéteis por minuto.
Com esse armamento, estimava-se que um piloto precisaria de apenas dois

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segundos de fogo para derrubar uma aeronave, tempo esse bastante razoável
em termos do visada de tiro.
Dowding tinha o futuro em sua mente. Ele sabia que a Luftwaffe estava
expandindo-se e que a ambição de Adolf Hitler levaria a Grã Bretanha e a
Alemanha a entrarem num conflito armado. Essa sua previsão estava
completamente correta, quando oito anos mais tarde, em 1940, ele estaria à
frente do Comando de Caças da RAF durante a Batalha da Inglaterra.
Por causa das asas elípticas de sua aeronave, Mitchell foi capaz de
facilmente instalar quatro metralhadoras em cada uma, sem radicais
modificações e sem piorar a aerodinâmica de seu caça. Com esse armamento,
com o motor Merlin e com outras modificações, Mitchell sabia que seu caça era
capaz de enfrentar qualquer aeronave produzida pela Luftwaffe. Ele só tinha
agora que convencer o Ministério do Ar.

Spitfire

O caça de Mitchell voou pela primeira vez no dia 5 de março de 1936. A


Vickers o havia denominado Spitfire, nome aceito pelo Ministério do Ar, mas
que Mitchell não gostava. A aeronave foi pilotada pelo piloto chefe da Vickers,
J. "Mutt" Summers, no aeródromo de Eastleigh, em Hampshire. Ela estava sem
o armamento e ainda equipada com uma hélice de madeira de passo fixo. Ao
regressar e pousar, Summers falou: Não quero que vocês toquem em nada!
Embora algumas mudanças tivessem que ser feitas, ele logo percebeu, apesar
de ter realizado apenas um vôo, que o Spitfire era um caça espetacular.
Após alguns argumentos bastante persuasivos do Air Vice Marshal
Dowding, o Ministério do Ar acabou concordando em encomendar protótipos da
aeronave. Com uma velocidade máxima de 342 mph, a aeronave foi classificada
como a mais veloz aeronave militar do mundo. Menos de três meses depois de
seu primeiro vôo, em 6 de junho de 1936, um contrato foi assinado com a
Supermarine para a construção de 300 Spitfires, e seiscentos mais foram
encomendados no ano seguinte. Quando a Grã Bretanha entrou em guerra
contra a Alemanha, no dia 3 de setembro de 1939, conflito previsto pelo Air

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Vice Marshal Dowding, mais de dois mil Spitfires haviam sido encomendados
pela RAF.
Infelizmente Mitchell não sobreviveu para ver o sucesso de sua criação,
pois em 1937, quando estava com apenas 42 anos, veio a falecer de câncer.
Enquanto o Spitfire tenha sido um produto da imaginação de uma só
mente, o Hawker Hurricane, por seu turno, não teve a mesma gênese, sendo o
resultado de um processo evolutivo que começou com os biplanos da 1ª Guerra
Mundial, com suas asas revestidas de lona. Revolucionário em seu tempo, o
Hurricane foi o primeiro caça monoplano da RAF, bem como o
primeiro a ultrapassar a barreira das 300 mph, embora fosse
uma aeronave de madeira e lona. Já foi referenciado como sendo
a metade do caminho entre os antigos biplanos e o Spitfire.
Sidney Camm (foto ao lado), projetista chefe da Hawker
Aircraft, foi quem esteve á frente de seu desenvolvimento. No
início dos anos 30, quando o Ministério do Ar começou a se
preocupar com a substituição dos biplanos, por modernos caças,
Camm já havia projetado o que ele denominou, um Fury monoplano, uma versão
melhorada do gracioso e manobrável biplano Fury. Este era na realidade um
descendente direto dos caças Sopwith Pup, do Triplane, do Camel, do Dolphin e
do Snipe, todos da 1ª Guerra Mundial. A Hawker Aircraft Ltda., havia
começado sua vida industrial como Sopwith Ltd.

Modelo do Fury Monoplano

Aparte do fato de que o Hurricane era também uma aeronave monoplana,


sua principal diferença em relação ao Fury estava na motorização e no
armamento. O Fury era equipado com um motor Rolls-Royce Kestrel, que lhe

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dava uma velocidade máxima de 184 mph, mas esse motor pouco potente para
ser instalado no Hurricane. Quando Camm ouviu falar do motor Rolls Royce
PV-12 Merlin, ele imediatamente modificou o projeto do Hurricane para
acomoda-lo.

Hurricane

O armamento original do Hurricane consistia de duas metralhadoras


Vickers Mark V .303 polegadas montadas na fuselagem e duas metralhadoras
Browning, também de .303 polegadas nas asas. Quando Dowding decidiu que os
novos caças deveriam ser equipados com oito metralhadoras, rapidamente
Camm alterou seu projeto. Do mesmo modo que Mitchell fez com o Spitfire,
Camm posicionou as oito metralhadoras Browning de seu novo caça nas asas,
mas diferentemente de Mitchell que as espaçou ao longo da asa, Camm grupou-
as, criando uma concentração de fogo mais poderosa e mais eficiente para o
piloto.
Quando a nova aeronave da Hawker realizou seu primeiro vôo, no dia 6
de novembro de 1935, ainda não tinha um nome, pois o Ministério do Ar não
aprovara o sugerido pelo fabricante – Hurricane. Embora tenha impressionado
em seu primeiro vôo, existiam pessoas que ainda tinham dúvidas quanto à
aeronave, achando-a não muito convencional, com oito metralhadoras nas asas e
um cockpit fechado. O primeiro pedido do Ministério do Ar de 600 aeronaves,
só ocorreu sete meses após os testes iniciais.
Cockpit fechado, trem de pouso retrátil e outros recursos, que tornar-
se-iam padrões nas aeronaves da 2ª Guerra Mundial, eram considerados não
ortodoxos, mesmo no final da década de 30. Oficiais de postos mais elevados,

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que tinham sido pilotos durante a 1ª Guerra Mundial estavam acostumados a
aeronaves de cockpit aberto, trem de pouso fixo e tirante nas asas. Os
biplanos de madeira e com as asas revestidas de lona eram muito parecidos uns
com os outros. Monoplanos monocoques eram novos e estranhos a eles, e a
velha escola ainda tinha muita influência na RAF daquela época.
Alguns pilotos da 1ª Guerra Mundial ainda insistiam em dizer que as
aeronaves monoplanas sempre seriam superadas pelos biplanos, porque estes
possuíam muito melhor manobrabilidade. Se esses oficiais estivessem
corretos, a RAF deveria ter combatido os Me-109 da Luftwaffe nos céus
ingleses, na primavera e verão de 1940, com o obsoleto Gloster Gladiator. Essa
linha de pensamento fazia o trabalho de Dowding de reequipamento da RAF,
extremamente árdua e difícil.
A primeira unidade da RAF a ser equipada com o Hawker Hurricane foi o
Esquadrão Nº 111, ao recebe-los no final de 1937. A produção do novo caça
aumentou no ano seguinte, após o Ministério do Ar entender que um novo
conflito não estava distante. Quando do início da guerra, pouco menos do que
500 Hurricanes haviam sido entregues, equipando dezoito esquadrões.

Escudo do Esquadrão Nº 111

Embora possa parecer, por conta das datas próximas, que o Hurricane e
o Spitfire desenvolveram-se em paralelo, na realidade tudo não passou de pura
coincidência. O projeto do Spitfire começo muitos anos antes do Hurricane,
mas como era uma aeronave muito mais complexa e inovativa, seu
desenvolvimento foi mais longo. No final de suas vidas mais de 14 mil
Hurricanes foram produzidos, contra mais de 22 mil Spitfires.
Durante a Batalha da Inglaterra, entre Julho e Setembro de 1940, 19
esquadrões de Spitfires (372 aeronaves, em seu pico máximo, no dia 30 de
agosto) e 33 esquadrões de Hurricanes (709 aeronaves, na mesma data),
combatiam a Luftwaffe a partir dos aeródromos espalhados pelo sul da
Inglaterra. Outros caças também foram empregados, como, por exemplo, o
Boulton Paul Defiant, que não era adversário para o Me-109, apesar de ser
equipado com uma torre com quatro metralhadoras atirando para trás, bem

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como o bimotor Bristol Blenheim. Um esquadrão de biplanos Gloster Gladiators
foi colocado para defender as docas da Royal Navy em Portsmouth, mas a
quase totalidade dos caças ou eram Spitfires ou Hurricanes.
A Luftwaffe tentou destruir a RAF, em especial o Comando de Caças da
RAF, durante a Batalha da Inglaterra, mas falhou, por culpa das criações não-
convencionais de Reginald J. Mitchell e de Sidney Camm, bem como pela
persistência e dedicação de Dowding, quando ainda Diretor de Suprimento e
Pesquisa. Mas a pergunta ainda persiste, quem foi melhor, o Spitfire ou o
Hurricane? Pilotos têm feito comparações entre as duas aeronaves nos últimos
50 anos, como por exemplo o Wing Commander Robert Stanford-Tuck que diz
que o Spitfire era como um cavalo de corrida, enquanto o Hurricane era como
um cavalo de trabalho pesado.

Boulton Paul Defiant Bristol Blenheim

Um ex-piloto de Spitfire disse, após anos de reflexão, que ambas as


aeronaves venceram a Batalha da Inglaterra, e que nenhuma delas sozinha teria
saído vencedora.
Para atacar as formações de bombardeiros, o Hurricane oferecia melhor
visibilidade e ótima estabilidade para o tiro. Por sua vez, o Spitfire possuía
melhor desempenho, era mais veloz, subia mais rápido e respondia melhor aos
comandos do piloto. Outro piloto falou que o Spitfire e o Hurricane se
completavam.
Um ex-piloto do Esquadrão Nº 65 de Spitfires observou que os
Hurricanes infligiam muito mais dano aos bombardeiros do que o Spitfire, mas
sem o Spitfire a combater os Messerschmitts, os danos causados pelos
Hurricanes aos bombardeiros não teriam sido suficientes para vencer a
batalha.
Em 1939, o Spitfire era significantemente mais veloz e possui melhor
razão de subida do que o Hurricane, embora em manobrabilidade fosse difícil
dizer quem era melhor. Por sua vez o Hurricane, em função do posicionamento

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de suas metralhadores, possuía melhor concentração de fogo do que o Spitfire.
O famoso Squadron Leader Douglas Bader, que tornar-se-ia um ás apesar de
ter perdido suas duas pernas em acidentes aeronáuticas anteriores à guerra,
adicionava as seguintes vantagens ao Hurricane: mais espaço do cockpit e
melhor visibilidade. Quanto ao Spitfire dizia que era uma aeronave muito difícil
de pousar por conta de seu estreito trem de pouso, ainda mais que naquela
época as pistas utilizadas pela RAF eram de grama.

Messerschmitt Me-109

Peter Townsend, que voou ambas as aeronaves, disse que o Spitfire era
mais veloz e subia melhor, enquanto que o Hurricane era mais manobrável na
sua velocidade de combate e indubitavelmente uma melhor plataforma de tiro.
Um companheiro de Townsend durante a Batalha da Inglaterra disse que o
Spitfire era uma aeronave tão equilibrada que voava sozinha, e que muitos
pilotos deviam sua vida a essa característica, pois muitas vezes eles perderam
a consciência durante o combate e a aeronave continuou voando por si só.
Outro contemporâneo já defendia o Hurricane ao dizer que ele fora construído
para suportar os danos das batalhas, possuía um motor potente e confiável e
era uma aeronave precisa e excelente para voar.
Alguns “inimigos” do Hurricane ou “defensores” do Spitfire, apontam o
processo construtivo do primeiro, feito de madeira e lona, como seu ponto
fraco, embora o escritor Len Deighton proclame que esse antigo processo
construtivo era na realidade uma de suas grandes vantagens. Ele lembra que a
explosão de um projétil do canhão do Me-109, que infligiria enorme dano numa
estrutura de metal, teria pouco efeito em qualquer outro tipo de estrutura, do
mesmo modo que as bombas dos bombardeiros alemães infligiam pouco dano nas
instalações de terra da RAF, que eram de madeira. Ele lembra também que

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naquela época, na RAF, existiam poucos homens que entendiam do complexo
processo construtivo do Spitfire, mas que por seu turno tinham passado suas
vidas trabalhando em aeronaves semelhantes ao Hurricane, e que em
conseqüência, os sérios danos infligidos aos Hurricanes eram rapidamente
reparados à nível de esquadrão, e que quando aconteciam nos Spitfires, ou as
aeronaves tinham que ser enviadas a um parque de manutenção ou então eram
abandonadas.
Deighton também percebeu que o Hurricane conseguia realizar curvas
com menor raio do que o Spitfire (800 pés contra 900 pés), fato esse que
permitia ao primeiro “entrar por dentro”, um atributo vital no combate aéreo.
A tarefa dos Spitfires era engajar combate com os caças, de modo a
afasta-los dos bombardeiros, quando então os Hurricanes chegavam, mas nem
sempre isso acontecia e os pilotos de Hurricanes combateram os
Messerschmitts com tanta freqüência quanto os dos Spitfires.
Os pilotos alemães tinham muito mais respeito ao Spitfire do que aos
Hurricanes, e diziam que ele era uma bela aeronave a ser abatida, mas na
realidade nenhum piloto alemão gostaria de admitir que tinha sido atingido por
uma caça fabricado com madeira e coberto de lona.
Alguns pilotos de Spitfire compartilhavam com essa mesma idéia. Um ex-
piloto do Esquadrão Nº 65, por seu turno admitia dividir os méritos entre as
duas aeronaves bem como que tinha enorme respeito a coragem e ao sucesso
alcançado pelos pilotos de Hurricanes em 1940. Ou seja, mesmo entre os
pilotos da RAF a controvérsia persistia, sem que os lados chegassem a uma
conclusão, e esse debate não ficava restrito ao Cassino dos Oficiais.
Pouco antes da Batalha da Inglaterra começar, um combate foi
programada entre um esquadrão de Spitfires e outro de Hurricanes. Aos
Hurricanes foi delegada a missão de atacar o aeródromo de Kenley, no condado
de Surrey, enquanto que aos Spitfires foi delegada a missão de intercepta-los.
Tudo parecia muito bem no papel, mas quem o planejou esqueceu de levar em
conta a grande rivalidade entre os pilotos de Spitfires e de Hurricanes.
Cada lado acreditava que sua aeronave era a melhor, e agora tinham a
oportunidade de demonstrar quem realmente o era, e para sempre. O exercício
começou conforme planejado, com os Spitfires patrulhando sobre o aeródromo
e os Hurricanes vindo atacar como se fossem bombardeiros. Mas quando os
Spitfires mergulharam para o ataque, o planejado simplesmente deixou de
funcionar. Os pilotos de Hurricanes, ao perceberem os Spitfires em suas
caudas, quebraram a formação e voltaram-se contra os atacantes, algo que
nunca seria feito por um bombardeiro real. O que se observou nos minutos

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seguintes foi os dois esquadrões envolvidos em diversos combates, com as
aeronaves espalhadas pelo céu.
A tensão do combate rapidamente fez diminuir o entusiasmo dos pilotos,
e logo os dois esquadrões pousaram, após realizarem violentos combates.
Entretanto, apesar do grande esforço, não se chegou a conclusão alguma, pois
nenhum lado tinha como proclamar vitória. Mas pelo menos o exercício
forneceu aos pilotos algo concreto para se discutir.
Os pilotos que estavam nos controles tanto do Spitfire como do
Hurricane, não eram as pessoas mais confortáveis do mundo. Ambas as
máquinas possuíam seus pontos fortes e fracos, e nenhum podia falar bem ou
mal do outro. De acordo com o Wing Commander Raymond Myles Beacham
Duke-Woolley, que voou no famoso Eagle Squadron, composto basicamente de
voluntários americanos, o piloto de caça é um ser solitário. O cockpit é muito
pequeno e apertado, que os ombros do piloto batem constantemente contra
seus lados, principalmente quando se está buscando as aeronaves inimigas, algo
que ocorre permanentemente; o capacete de vôo com fones do rádio cobrem
suas orelhas; seu nariz e sua boca estão cobertos pela máscara de oxigênio,
onde também se localiza o microfone. Ele não escuta os sons externos muito
bem, nem mesmo o do motor de seu caça; sua visão é muito restrita e seu corpo
fica confinado ao cockpit. Ou seja, além de solitário, ele está extremamente
desconfortável.
Essa disposição do piloto não foi melhorada pelo fato dele estar voando
e combatendo a mais de 300 mph, e ele sente-se ainda mais ansioso quando um
piloto em outra aeronave, provavelmente sentindo-se tão desconfortável
quanto ele, começa a atingi-lo com suas metralhadoras.
Os ferrenhos defensores do Hurricane rapidamente informam que esta
aeronave abateu mais aviões inimigos do que o Spitfire. O Ministério do Ar
confirma as informações dizendo que, das aeronaves inimigas abatidas por
caças monomotores e monoplaces, a cada dez, seis seriam creditadas aos
Hurricanes e quatro aos Spitfires. Informa também que a disponibilidade de
caças era de 63% relativo aos Hurricanes e de 37% aos Spitfires. Pode-se
então pensar que o Hurricane realizou o trabalho duro, enquanto o Spitfire
recebeu a glória.
Apesar de todos os fatos acima mencionados, a imagem que ficou na
memória de todos é do Spifire decolando e indo combater sozinho as aeronaves
da Luftwaffe. No jubileu da Batalha da Inglaterra, Richard Hough e Denis
Richards deram sua versão do mito Spitfire: “Durante a Batalha da Inglaterra,
apesar do Comando de Caças da RAF ter praticamente ficado sem aeronaves

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para combater a Luftwaffe, ela foi vencida por jovens pilotos, alegres e
incansáveis em seus Spitfires, comandados por um sufocante Dowding
A razão pela qual o Hurricane recebeu um status de segunda classe, foi
que em vez de estar combatendo contra outros caças, o estava contra os
bombardeiros. Willian Green escreveu: “ O Spitfire era muito mais do que um
muito bem sucedido caça. Ele foi o símbolo material da vitória final do povo
britânico em sua hora mais terrível, sendo com toda certeza o único caça da 2ª
Guerra Mundial a alcançar esta lendária posição”.
O fato do Hurricane ter abatido muito mais aeronaves, foi eclipsado pela
graciosa, romântica e lendária silhueta do Spitfire. A graciosidade
normalmente obscura o desempenho, tanto na guerra como no amor.
Ambas as aeronaves sofreram diversas modificações ao longo da guerra,
ao receberem motores mais potentes, cockpits mais espaçosos e serem
equipadas com canhões de 20 mm. Ambos também participaram do conflito até
agosto de 1945. Embora tenham participado de todos os teatros de operação,
de Malta a Singapura, eles alcançaram seu ápice operacional no verão de 1940,
quando juntaram forças para combater a Luftwaffe sobre os verdes campos do
sul da Inglaterra.
Apesar de suas diferenças, tanto na origem como no desempenho, os
dois caças tornaram-se parceiros. Juntos, eles mudaram o rumo da primeira
grande batalha aérea da história.

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