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A Lenda de Drizzt, Vol.

7 — Legado
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CRÉDITOS
Título Original: The Legend of Drizzt, Book 7: The Legacy
Tradução: Carine Ribeiro
Revisão: Rogerio Saladino
Diagramação: Guilherme Dei Svaldi
Ilustrações da Capa: Todd Lockwood
Ilustrações do Miolo: Dora Lauer e Walter Pax
Conversão para e-book: Vinicius Mendes
Editor-Chefe: Guilherme Dei Svaldi
Rua Coronel Genuíno, 209 • Porto Alegre, RS • CEP 90010-350 • Tel (51) 3391-
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autorização prévia, por escrito, da editora.
1ª edição: abril de 2019
Para Diane,
compartilhe comigo.
Prelúdio

O RENEGADO DININ ABRIU CAMINHO cuidadosamente através das


avenidas escuras de Menzoberranzan, a cidade dos drow. Sendo um renegado, sem
família para chamar de sua por quase vinte anos, o experiente guerreiro conhecia
bem os perigos da cidade e sabia como evitá-los.
Passou por um complexo abandonado ao longo da muralha oeste da caverna
de três quilômetros de comprimento, e não podia deixar de parar e olhar. Dois
montes gêmeos de estalagmites serviam de suporte para uma cerca danificada, e
dois conjuntos de portas quebradas, um no chão e outro além de uma sacada a seis
metros da parede, pendiam desajeitadamente de dobradiças retorcidas e queimadas.
Quantas vezes Dinin levitou até aquela varanda, entrando nos aposentos privados
dos nobres de sua casa, a Casa Do’Urden?
Casa Do’Urden. Era proibido até mesmo falar esse nome na cidade drow. No
passado, a família de Dinin fora a oitava entre as sessenta famílias drow em
Menzoberranzan; sua mãe havia se sentado no conselho governante; e ele, Dinin,
tinha sido um mestre em Arena-Magthere, a Escola de Guerreiros na famosa
Academia drow.
De pé diante do complexo, parecia a Dinin como se o lugar estivesse há
milhares de anos daquele tempo de glória. Sua família não existia mais, sua casa
estava em ruínas e Dinin tinha sido forçado a se juntar a Bregan D’aerthe, o infame
bando mercenário, simplesmente para sobreviver.
— No passado — o drow desgarrado murmurou baixinho. Ele sacudiu seus
ombros delgados e puxou seu manto, sua piwafwi, sobre ele, lembrando-se do quão
vulnerável um drow sem casa poderia ser. Uma olhada em direção ao centro da
caverna, em direção ao pilar que era Narbondel, mostrou-lhe que a hora estava
avançada. No começo de cada dia, o Arquimago de Menzoberranzan dirigia-se a
Narbondel e infundia no pilar um calor mágico que gradativamente subia e, então,
tornava a descer. Para os olhos sensíveis dos drow, que podiam enxergar no
espectro infravermelho, o calor do pilar agia como um gigantesco relógio
brilhante.
Agora Narbondel estava quase frio; outro dia se aproximava do fim.
Dinin tivera que passar por quase metade da cidade para chegar até uma
caverna secreta dentro do Fosso das Garras, um grande abismo que ultrapassava o
muro noroeste de Menzoberranzan. Lá, Jarlaxle, o líder de Bregan D’aerthe,
esperava em um de seus muitos esconderijos.
O guerreiro drow atravessou o centro da cidade, passando diretamente por
Narbondel e ao lado de mais de uma centena de estalagmites ocas, compreendendo
uma dúzia de complexos familiares separados, com suas fabulosas esculturas e
gárgulas brilhando com o fogo feérico multicolorido. Soldados drow, caminhando
a postos ao longo dos muros das casas ou ao longo das pontes que ligavam uma
profusão de estalactites à espreita, paravam e observavam com cuidado o estranho
solitário, com bestas de mão ou dardos envenenados preparados até que Dinin
estivesse longe deles.
Assim era em Menzoberranzan: sempre alertas, sempre desconfiados.
Dinin deu uma olhada cuidadosa ao redor quando chegou à beira do Fosso das
Garras, depois escorregou para o lado e usou seus poderes inatos de levitação para
descer lentamente para o fundo do abismo. A mais de trinta metros de
profundidade, olhou novamente para os virotes das bestas de mão a postos, mas
estes foram abaixados assim que os guardas mercenários reconheceram Dinin
como um dos seus.
— Jarlaxle está esperando por você — um dos guardas sinalizou no intrincado
código silencioso dos elfos negros.
Dinin não se incomodou em responder. Ele não devia explicações a soldados
plebeus. O renegado empurrou os guardas rudemente, abrindo caminho por um
túnel curto que logo se ramificou em um labirinto de corredores e salas. Várias
voltas depois, o elfo negro parou diante de uma porta cintilante, fina e quase
translúcida. Ele colocou a mão contra a superfície, deixando o calor do corpo fazer
uma impressão de que os olhos sensíveis ao calor do outro lado entenderiam como
uma batida.
— Finalmente — ele ouviu um momento depois, na voz de Jarlaxle. — Entre,
Dinin, meu Khal’abbil. Você me fez esperar por muito tempo.
Dinin fez uma pausa para avaliar as inflexões e as palavras do mercenário
imprevisível. Jarlaxle o chamara de Khal’abbil, “meu amigo de confiança”, seu
apelido para Dinin desde a invasão que destruiu a Casa Do’Urden (uma incursão
na qual Jarlaxle havia desempenhado um papel crucial), e não havia um óbvio
sarcasmo no tom do mercenário. Parecia não haver nada de errado. Mas por que,
então, Jarlaxle o retirara de sua missão importante de reconhecimento à Casa
Vandree, a décima sétima casa de Menzoberranzan? Dinin se perguntou. Levara
quase um ano para que Dinin ganhasse a confiança da guarda da casa Vandree,
uma posição que, sem dúvida, seria gravemente prejudicada por sua inexplicável
ausência no complexo da casa.
Havia apenas uma maneira de descobrir, o renegado decidiu. Ele prendeu a
respiração e forçou seu caminho pela barreira opaca. Parecia que estava passando
por uma parede de água espessa, embora não se molhasse, e depois de vários
passos longos através da borda extraplanar de dois planos de existência, forçou seu
caminho através da porta mágica que parecia ter um centímetro de espessura e
entrou no pequeno quarto de Jarlaxle.
A sala estava iluminada em um brilho vermelho confortável, permitindo que
Dinin mudasse seus olhos do infravermelho para o espectro de luz normal. Ele
piscou quando a transição terminou, depois piscou novamente, como sempre o
fazia quando olhava para Jarlaxle.
O líder mercenário estava sentado atrás de uma escrivaninha de pedra em
uma cadeira almofadada exótica, apoiada por um único eixo com um pivô que o
permitia se jogar para trás em um ângulo considerável. Confortavelmente
empoleirado, como sempre, Jarlaxle tinha a cadeira inclinada, com suas mãos
delgadas presas atrás da cabeça raspada (algo raro, para um drow).
Apenas por diversão, Jarlaxle ergueu um pé sobre a mesa, fazendo a bota
preta de cano alto bater na pedra com um baque surdo, depois levantou a outra,
golpeando a pedra com a mesma força, mas essa bota não fez nenhum ruído.
O mercenário usava seu tapa-olho vermelho rubi sobre o olho direito naquele
dia, observou Dinin.
Ao lado da escrivaninha, havia uma pequena criatura humanoide trêmula, com
menos da metade do metro e setenta de altura de Dinin, incluindo os pequenos
chifres brancos que se projetavam do topo de sua testa inclinada.
— Um dos kobolds da Casa Oblodra — Jarlaxle explicou casualmente. —
Parece que essa coisa lamentável encontrou seu caminho até aqui, mas não
consegue achar o caminho de volta.
O raciocínio parecia sensato para Dinin. A Casa Oblodra, a Terceira Casa de
Menzoberranzan, ocupava um complexo apertado no final do Fosso das Garras e,
segundo rumores, mantia milhares de kobolds para seus prazeres tortuosos, ou para
servir como escudo vivo para a casa na eventualidade de uma guerra.
— Você quer ir embora? — Jarlaxle perguntou à criatura em uma linguagem
simplista e gutural.
O kobold assentiu ansiosamente, estupidamente. Jarlaxle indicou a porta
opaca, e a criatura disparou para ela. Não tinha a força para atravessar a barreira,
porém, e quicou de volta, quase caindo aos pés de Dinin. Antes mesmo de se
incomodar em levantar-se, o kobold tolamente grunhiu para o mercenário.
A mão de Jarlaxle disparaou várias vezes, rápida demais para que Dinin
contasse quantas. O drow guerreiro ficou, por reflexo, tenso, mas sabia que não
devia se mexer, sabia que a mira de Jarlaxle era sempre perfeita.
Quando olhou para o kobold, viu cinco adagas em seu corpo sem vida, uma
perfeita formação de estrela no pequeno peito da criatura escamosa.
Jarlaxle apenas deu de ombros para o olhar confuso de Dinin.
— Eu não podia permitir que a criatura retornasse a Oblodra — raciocinou ele
— não depois de descobrir nosso complexo tão próximo ao deles.
Dinin compartilhou da risada de Jarlaxle. Ele começou a recuperar as adagas,
mas Jarlaxle o lembrou que não era necessário.
— Elas vão voltar por conta própria — explicou o mercenário, puxando a
borda da manga embainhada para revelar a bainha mágica envolvendo seu pulso.
— Sente-se — disse ao amigo, indicando um banquinho sem graça ao lado da
mesa. — Temos muito a discutir.
— Por que me convocou? — Dinin perguntou abruptamente quando assumiu
seu assento ao lado da mesa. — Eu havia me infiltrado completamente em
Vandree.
— Ah, meu Khal’abbil — Jarlaxle respondeu. — Sempre direto ao ponto.
Uma qualidade que admiro em você.
— Uln’hyrr — Dinin rebateu, dizendo a palavra em drow para “mentiroso”.
Novamente, os companheiros compartilharam uma risada, mas a de Jarlaxle
não durou muito tempo, e ele baixou os pés e se balançou para frente, apertando
suas mãos, ornamentadas pelas joias dignas do tesouro de um rei — “quantos
desses itens reluzentes seriam mágicos?” Dinin sempre se perguntava — na mesa
de pedra diante dele, com seu rosto repentinamente sério.
— O ataque a Vandree está prestes a começar? — Dinin perguntou,
acreditando ter desvendado o enigma.
— Esqueça Vandree — respondeu Jarlaxle. — Eles não são tão importantes
para nós agora.
Dinin deixou cair o queixo pontudo em uma palma delgada, apoiada na mesa.
“Não são importantes!?” pensou. Queria se levantar em um pulo e estrangular o
líder enigmático. Ele havia passado um ano inteiro...
Dinin deixou seus pensamentos sobre Vandree se arrastarem. Ele olhou
atentamente para o rosto sempre calmo de Jarlaxle, procurando por pistas, então ele
entendeu.
— Minha irmã — disse, e Jarlaxle estava assentindo antes que a palavra saísse
da boca de Dinin. — O que ela fez?
Jarlaxle endireitou-se, olhou para o lado da pequena sala e deu um assobio
agudo. Na deixa, uma laje de pedra se abriu, revelando uma alcova, e Vierna
Do’Urden, única irmã sobrevivente de Dinin, entrou na sala. Ela parecia mais
esplêndida e bonita do que Dinin se lembrava, desde a queda de sua casa.
Os olhos de Dinin se arregalaram quando ele notou as roupas de Vierna; eram
as suas vestes clericais! As vestes de uma alta sacerdotisa de Lolth, a túnica
estampada com o padrão aracnídeo e o desenho de armas da Casa Do’Urden! Dinin
não sabia que Vierna a guardara, não a via há mais de uma década.
— Você arrisca... — ele começou a avisar, mas a expressão frenética de
Vierna, seus olhos vermelhos brilhando como fogos gêmeos atrás das sombras de
suas altas maçãs do rosto cor de ébano, o detiveram antes que pudesse proferir as
palavras.
— Eu recuperei o favor de Lolth — anunciou Vierna.
Dinin olhou para Jarlaxle, que apenas deu de ombros e mudou
silenciosamente o tapa-olho para o olho esquerdo.
— A Rainha Aranha me mostrou o caminho — prosseguiu Vierna, sua voz
normalmente melódica quebrando com sua inegável empolgação.
Dinin achou que a mulher estava à beira da insanidade. Vierna sempre fora
calma e tolerante, mesmo depois da morte repentina da Casa Do’Urden. Nos
últimos anos, porém, suas ações se tornaram cada vez mais erráticas, e ela passava
muitas horas sozinha, em uma oração desesperada para sua divindade impiedosa.
— Você vai nos dizer que caminho é esse que Lolth mostrou para você? —
Jarlaxle, não parecendo nem um pouco impressionado, perguntou depois de muitos
momentos de silêncio.
— Drizzt. — Vierna cuspiu a palavra, o nome de seu irmão sacrílego, como
uma explosão de veneno através de seus lábios delicados.
Dinin sabiamente tirou a mão do queixo para cobrir a boca, para segurar sua
resposta. Vierna, apesar de toda a sua aparente imprudência, era, afinal de contas,
uma alta sacerdotisa e definitivamente não era uma boa ideia irritá-la.
— Drizzt? — Jarlaxle calmamente perguntou a ela. — Seu irmão?
— Ele não é meu irmão! — Vierna gritou, correndo para a mesa como se
quisesse bater em Jarlaxle. Dinin percebeu o movimento sutil do líder mercenário,
uma remexida que colocou seu braço com o qual lançava as adagas em prontidão.
— Traidor da Casa Do’Urden! — Vierna gritou. — Traidor de todos os drow!
— Sua carranca tornou-se um sorriso de repente, maligno e conivente. — Com o
sacrifício de Drizzt, tornarei a ter o favor de Lolth, eu tornarei a... — Vierna
interrompeu-se abruptamente, obviamente desejando manter o resto de seus planos
para si mesma.
— Você soa como Matriarca Malícia — Dinin se atreveu a dizer. — Ela
também começou uma caçada ao nosso irm-- ao traidor.
— Você se lembra de Matriarca Malícia? — Jarlaxle provocou, usando as
implicações do nome como um sedativo sobre o excesso de empolgação de Vierna.
Malícia, a mãe de Vierna e a matriarca da Casa Do’Urden, havia sido efetivamente
apagada da sociedade drow por não ter conseguido recapturar e matar o traidor
Drizzt.
Vierna se acalmou, depois deu início a uma gargalhada zombeteira que durou
muitos minutos.
— Entende por que te convoquei? — Jarlaxle comentou com Dinin, sem dar
atenção à sacerdotisa.
— Você deseja que eu a mate antes que ela possa se tornar um problema? —
Dinin respondeu de forma igualmente casual.
O riso de Vierna parou; seu olhar de olhos arregalados caiu sobre seu irmão
impertinente.
— Wishya! — ela gritou, e uma onda de energia mágica arremessou Dinin de
seu assento, o fazendo bater na parede de pedra.
— De joelhos! — Vierna ordenou, e Dinin, quando recuperou a compostura,
caiu de joelhos, o tempo todo olhando inexpressivamente para Jarlaxle.
O mercenário também não conseguiu esconder sua surpresa. Este último
comando era um feitiço simples, certamente não um que pudesse ter funcionado
tão facilmente em um guerreiro tão experiente quanto Dinin.
— Estou sob o favor de Lolth — Vierna, de pé, altiva e ereta, explicou a
ambos. — Se você se opõe a mim, então você não está sob esse favor, e com o
poder das bênçãos de Lolth para meus feitiços e maldições contra você, você não
terá nenhuma defesa.
— Da última vez que ouvimos falar de Drizzt, ele tinha ido para a superfície
— disse Jarlaxle a Vierna, para desviar sua raiva crescente. — De acordo com
todos os relatórios, ainda permanece lá.
Vierna assentiu, sorrindo estranhamente o tempo todo, com seus dentes
brancos perolados contrastando dramaticamente com a pele brilhante de ébano.
— Sim — ela concordou —, mas Lolth me mostrou o caminho até ele, o
caminho até a glória.
Mais uma vez, Jarlaxle e Dinin trocaram olhares confusos. Por todas as
estimativas, as alegações de Vierna — e a própria Vierna — pareciam insanas.
Mas Dinin, contra sua vontade e contra todas as medidas de sanidade, ainda
estava ajoelhado.
PARTE 1

O Medo Inspirador
QUASE TRÊS DÉCADAS SE PASSARAM desde que deixei minha pátria;
muito pouco tempo pelas contas de um elfo drow, mas um período que parecia uma
vida inteira para mim.
Tudo o que eu desejava, ou acreditava que desejava, quando saí da caverna
escura de Menzoberranzan, era um verdadeiro lar. Um lugar de amizade e paz,
onde pudesse pendurar minhas cimitarras sobre uma lareira quente e compartilhar
histórias com companheiros de confiança.
Encontrei tudo isso agora, ao lado de Bruenor nos salões sagrados de sua
juventude. Nós prosperamos. Estamos em paz. Eu uso minhas armas apenas em
minhas viagens de cinco dias entre o Salão de Mitral e Lua Argêntea.
Eu estava errado?
Não tenho dúvidas sobre, nem jamais lamento, minha decisão de deixar o
mundo vil de Menzoberranzan, mas estou começando a acreditar agora, no silêncio
e paz (sem fim), que meus sonhos naquele tempo crítico foram fundados no
inevitável desejo de minha inexperiência. Eu nunca conheci aquela existência
calma que tanto desejava.
Não posso negar que minha vida é melhor, mil vezes melhor do que qualquer
coisa que já conheci no Subterrâneo. E, no entanto, não me lembro da última vez
em que senti a ansiedade, o medo inspirador, da batalha iminente, o formigamento
que só se pode sentir quando está próximo um inimigo ou um desafio deve ser
enfrentado.
Ah, me lembro de um único caso específico — há apenas um ano, quando
Wulfgar, Guenhwyvar e eu trabalhamos nos túneis inferiores na limpeza do Salão
de Mitral —, mas esse sentimento, aquele formigamento de medo, há muito
desapareceu da memória.
Somos então criaturas de ação? Dizemos que desejamos esses clichês de
conforto socialmente aceitos quando, na verdade, é o desafio e a aventura que
realmente nos dão vida?
Devo admitir, pelo menos para mim mesmo, que não sei.
Porém, há um ponto que não posso contestar, uma verdade que
inevitavelmente me ajudará a resolver tais questões e que me coloca em uma
posição afortunada. Por enquanto, ao lado de Bruenor e dos seus, ao lado de
Wulfgar, Cattibrie e Guenhwyvar, minha querida Guenhwyvar, meu destino
pertence apenas a mim.
Estou mais seguro agora do que nunca em meus sessenta anos de vida. As
perspectivas para o futuro nunca pareceram tão boas, para a paz e a segurança
contínuas. E ainda assim, me sinto mortal. Pela primeira vez, olho para o que
passou e não para o que ainda está por vir. Não há outra maneira de explicá-lo.
Sinto que estou morrendo, que as histórias que tanto desejava compartilhar com
amigos em breve ficarão obsoletas, sem nada para substituí-las.
Mas então me lembro novamente: é por minha própria escolha.
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 1

O Alvorecer da Primavera
DRIZZT DO’URDEN CAMINHAVA LENTAMENTE AO longo de uma
trilha no espigão saliente ao sul das Montanhas da Espinha do Mundo, enquanto o
céu brilhava ao seu redor. Ao longe, ao sul, do outro lado da planície até a
Charneca Perene, ele notou o brilho das últimas luzes de alguma cidade distante
(Nesmé, provavelmente) diminuindo, sendo substituídas pela luz crescente do
amanhecer. Quando Drizzt virou outra curva na trilha da montanha, viu a pequena
cidade de Pedra do Veredito, bem abaixo. Os bárbaros, parentes de Wulfgar do
distante Vale do Vento Gélido, estavam apenas começando suas rotinas matinais,
tentando colocar as ruínas de volta à ordem.
Drizzt observou as figuras, minúsculas naquela distância, agitadas em seus
afazeres, e lembrou-se de uma época não muito tempo atrás quando Wulfgar e seu
povo orgulhoso percorriam a tundra congelada de uma terra distante a noroeste, do
outro lado do alcance da grande montanha, a mil e quinhentos quilômetros de
distância.
A primavera, a temporada do comércio, estava se aproximando rapidamente, e
o povo estóico de Pedra do Veredito, trabalhando como distribuidores para os
anões do Salão de Mitral, logo conheceriam mais riqueza e conforto do que jamais
teriam acreditado ser possível em sua rotina prévia. Eles atenderam ao chamado de
Wulfgar, lutaram bravamente ao lado dos anões nos antigos salões e logo
colheriam as recompensas de seu trabalho, deixando para trás seus modos nômades
desesperados, como haviam deixado para trás o vento sem fim e impiedoso de Vale
do Vento Gélido.
— Até onde chegamos... — observou Drizzt ao vazio gelado do ar matinal, e
riu do duplo sentido de suas palavras, considerando que acabara de voltar de Lua
Argêntea, uma cidade magnífica a leste, um lugar onde aquele drow ranger
enclausurado jamais havia ousado acreditar que encontraria aceitação. De fato,
quando acompanhara Bruenor e os outros em sua busca pelo Salão de Mitral,
apenas dois anos antes, Drizzt havia sido enxotado dos portões decorados de Lua
Argêntea.
— Você tinha percorrido 100 km em uma semana — veio uma resposta
inesperada.
Drizzt baixou instintivamente suas mãos delgadas para os punhos das
cimitarras, mas sua mente alcançou seus reflexos e relaxou imediatamente,
reconhecendo a voz melódica com um sotaque anão mais do que sutil. Um
momento depois, Cattibrie, a filha adotiva humana de Bruenor Martelo de Batalha,
saltou ao redor de um afloramento rochoso, com sua grossa juba castanho-
avermelhada dançando no vento da montanha e seus profundos olhos azuis
brilhando como joias molhadas na fresca luz da manhã.
Drizzt não conseguiu esconder o sorriso com a pequena corrida alegre dos
passos da jovem, uma vitalidade que as batalhas muitas vezes cruéis que enfrentou
nos últimos anos não diminuíram. Tampouco Drizzt podia negar a onda de calor
que se precipitava sobre ele sempre que via Cattibrie, a jovem que o conhecia
melhor que qualquer um. Cattibrie compreendera Drizzt e o aceitara por seu
coração, e não pela cor de sua pele, desde a primeira vez que se encontraram num
vale rochoso e varrido pelo vento, mais de uma década antes, quando ela tinha
apenas metade da sua idade atual.
O elfo negro esperou mais um momento, esperando ver Wulfgar, que em
breve seria o marido de Cattibrie, seguindo-a pelo penhasco.
— Você percorreu uma distância razoável sem uma escolta — observou
Drizzt, quando viu que o bárbaro não apareceu.
Cattibrie cruzou os braços sobre o peito e se apoiou sobre um dos pés,
batendo impaciente com o outro.
— E você está começando a soar mais como meu pai do que como meu amigo
— ela respondeu. — Não vejo escolta andando pelas trilhas ao lado de Drizzt
Do’Urden.
— Bem colocado — admitiu o ranger drow, com um tom de voz respeitoso e
nada sarcástico. A bronca da jovem lembrou a Drizzt que Cattibrie sabia cuidar de
si mesma. Ela levava consigo uma espada curta anã e trajava uma armadura fina
sob seu manto de peles, tão bem feita quanto a cota de malha que Bruenor dera a
Drizzt! Taulmaril, o Buscador de Corações, o arco mágico de Anariel, descansava
sobre o ombro de Cattibrie. Drizzt nunca vira uma arma mais poderosa, e mesmo
além das ferramentas poderosas que carregava, Cattibrie fora criada entre os
robustos anões, pelo próprio Bruenor, tão duramente quanto a pedra da montanha.
— É sempre que você observa o sol nascente? Cattibrie perguntou, notando a
posição de Drizzt voltada para o leste.
Drizzt encontrou uma pedra achatada para sentar e convidou Cattibrie a se
juntar a ele.
— Eu vejo o nascer do sol desde os meus primeiros dias na superfície —
explicou, jogando sua grossa capa verde floresta sobre os ombros. —, embora
naquela época ele ferisse meus olhos; um lembrete de onde eu vim, suponho. Mas
agora, para meu alívio, descobri que consigo tolerar a luz.
— Isso é bom — respondeu Cattibrie. Ela prendeu os maravilhosos olhos do
drow com seu olhar intenso, forçando-o a olhar para ela, para o mesmo sorriso
inocente que ele tinha visto muitos anos antes em uma encosta varrida pelo vento
no Vale do Vento Gélido.
O sorriso de sua primeira amiga humanoide.
— Tenho certeza de que você pertence à luz do sol, Drizzt Do’Urden —
prosseguiu Cattibrie —, tanto quanto qualquer pessoa de qualquer raça, pelo que
posso ver.
Drizzt olhou para o amanhecer e não respondeu. Cattibrie ficou em silêncio
também, e eles se sentaram juntos por um longo tempo, observando o mundo que
despertava.
— Eu saí para ver você — Cattibrie disse de repente. Drizzt a olhou com
curiosidade, sem entender.
— Agora, quero dizer — explicou a jovem. — Nós ouvimos que você
retornou a Pedra do Veredito, e que você voltaria para o Salão de Mitral em poucos
dias. Eu estive aqui todos os dias desde então.
A expressão de Drizzt não mudou.
— Você quer falar comigo em particular? — ele perguntou, para incitar
alguma resposta.
O aceno deliberado de Cattibrie ao voltar-se para o horizonte a leste revelou a
Drizzt que algo estava errado.
— Não vou te perdoar se não for ao casamento — disse Cattibrie em voz
baixa. Ela mordeu o lábio inferior ao terminar, Drizzt notou, e então fungou,
embora se esforçasse para fazê-lo parecer o início de um resfriado.
Drizzt passou um braço pelos ombros fortes da linda mulher.
— Você pode acreditar por um instante, que mesmo se todos os trolls da
Charneca Perene estivessem entre mim e o salão da cerimônias, eu não estaria lá?
Cattibrie virou-se para ele — caiu em seu olhar — e sorriu amplamente,
sabendo a resposta. Ela jogou os braços ao redor do Drizzt para um abraço
apertado, então saltou de pé, puxando-o para o lado dela.
Drizzt tentou ficar igualmente aliviado, ou pelo menos fazê-la acreditar que
tinha. Cattibrie sabia o tempo todo que ele não faltaria no casamento dela com
Wulfgar, dois de seus mais queridos amigos. Por que, então, as lágrimas, a fungada
que não provinha de nenhum resfriado? O perceptivo ranger se perguntou. Por que
Cattibrie sentiu a necessidade de sair e encontrá-lo a apenas algumas horas da
entrada do Salão de Mitral?
Ele não falou com ela sobre isso, mas a dúvida o incomodava mais do que só
um pouco. Toda vez que a umidade se acumulava nos profundos olhos azuis de
Cattibrie, isso incomodava Drizzt Do’Urden mais do que só um pouco.

As botas negras de Jarlaxle batiam ruidosamente na pedra enquanto ele


percorria o túnel solitário fora de Menzoberranzan. A maioria dos drow da grande
cidade, no Subterrâneo selvagem, teria tomado muito cuidado, mas o mercenário
sabia o que esperar nos túneis, conhecia todas as criaturas daquela região em
particular.
A informação era o forte de Jarlaxle. A rede de batedores de Bregan D’aerthe,
o bando que Jarlaxle fundara e tornara grandioso, era mais intrincada que a de
qualquer casa drow. Jarlaxle sabia de tudo o que acontecia, ou logo aconteceria,
dentro e ao redor da cidade, e armado com essas informações, sobreviveu por
séculos como um renegado sem casa. Por muito tempo Jarlaxle tinha sido parte da
intriga de Menzoberranzan sem que ninguém na cidade, com a possível exceção da
Primeira Matriarca Mãe Baenre, sequer soubesse as origens do engenhoso
mercenário.
Ele estava vestindo sua capa brilhante agora, as cores cascadeando para cima
e para baixo em sua forma graciosa, e seu chapéu de abas largas, imensamente
emplumado com as penas de uma diatryma, uma ave gigante do Subterrâneo
incapaz de voar, adornava sua cabeça raspada. Uma espada esguia dançando ao
lado de um quadril e um longo punhal do outro eram suas únicas armas visíveis,
mas aqueles que conheciam o astuto mercenário descobriam que ele possuía muitas
mais, escondidas pelo seu corpo, facilmente sacadas se surgisse a necessidade.
Impulsionado pela curiosidade, Jarlaxle acelerou o passo. Assim que percebeu
a extensão de seus passos, forçou-se a ir mais devagar, lembrando-se de que queria
estar elegantemente atrasado para aquela reunião nada ortodoxa que a louca da
Vierna havia convocado.
A louca da Vierna.
Jarlaxle remoeu o pensamento por um longo tempo, até parou sua caminhada
e recostou-se na parede do túnel para relembrar as muitas alegações feitas pela alta
sacerdotisa durante as últimas semanas. O que parecia inicialmente ser uma
esperança desesperada e fugaz de uma nobre falida, sem chance de sucesso, estava
rapidamente se tornando um plano sólido. Jarlaxle havia dado corda a Vierna mais
por diversão e curiosidade do que por quaisquer crenças reais de que matariam, ou
mesmo localizariam, Drizzt, desaparecido há tanto tempo.
Mas algo aparentemente estava guiando Vierna — Jarlaxle tinha que acreditar
que era Lolth, ou um dos poderosos lacaios da Rainha Aranha. Os poderes clericais
de Vierna haviam retornado por completo, ao que parecia, e ela entregara muita
informação valiosa, e até mesmo um espião perfeito, à sua causa. Eles estavam
bastante certos agora de onde Drizzt Do’Urden estava, e Jarlaxle estava começando
a acreditar que matar o traidor drow não seria uma coisa tão difícil.
As botas do mercenário anunciaram sua aproximação quando ele deu a volta
em uma curva final no túnel, entrando em uma ampla câmara de teto baixo. Vierna
estava lá, com Dinin, e pareceu a Jarlaxle bastante curioso (outra nota mental do
mercenário calculista) que Vierna parecia mais confortável ali fora do que seu
irmão. Dinin passara muitos anos naqueles túneis, liderando grupos de
patrulhamento, mas Vierna, como uma nobre sacerdotisa protegida, raramente
estivera fora da cidade.
Se ela realmente acreditasse que andava com as bênçãos de Lolth, porém, a
sacerdotisa não teria nada a temer.
— Você entregou o nosso presente para o humano? — Vierna perguntou
imediatamente, com urgência. Tudo na vida de Vierna, agora parecia a Jarlaxle, se
tornara urgente.
A pergunta súbita, não precedida por qualquer saudação ou mesmo uma
observação de que ele estava atrasado, pegou o mercenário desprevenido por um
momento; olhou para Dinin, que respondeu com apenas um dar de ombros
impotente. Enquanto fogos famintos ardiam nos olhos de Vierna, a resignação
derrotada pousava nos de Dinin.
— O humano recebeu o brinco — Jarlaxle respondeu.
Vierna estendeu um objeto plano em forma de disco, coberto por padrões que
combinavam com os do precioso brinco. — Está frio — explicou ela, esfregando a
mão na superfície metálica do disco — o que significa que nosso espião já se
afastou de Menzoberranzan.
— Para longe com um presente valioso — observou Jarlaxle, com traços de
sarcasmo afiando sua voz.
— Foi necessário, e irá promover a nossa causa — Vierna rebateu para ele.
— Se o humano se provar um informante tão valioso quanto você acredita —
Jarlaxle acrescentou no mesmo tom.
— Você duvida dele? — as palavras de Vierna ecoaram pelos túneis, causando
mais angústia a Dinin e soando claramente como uma ameaça ao mercenário. —
Foi Lolth quem me guiou até ele — continuou Vierna com um sorriso de escárnio
—, Lolth que me mostrou o caminho para recuperar a honra de minha família.
Você duvida...
— Eu não duvido nada relacionado à nossa divindade — Jarlaxle prontamente
interrompeu. — O brinco, seu farol, foi entregue como você instruiu, e o humano
está a caminho.
O mercenário se curvou respeitosamente, inclinando o chapéu de aba larga.
Vierna se acalmou e pareceu apaziguada. Seus olhos vermelhos brilharam
ansiosamente, e um sorriso cruel se alargou em seu rosto. — E os goblins? — ela
perguntou, com a voz rouca em expectativa.
— Eles logo terão contato com os anões gananciosos — respondeu Jarlaxle
—, para a ruína deles, sem dúvida. Meus batedores estão em posição ao redor dos
goblins. Se seu irmão fizer uma aparição na batalha inevitável, saberemos. O
mercenário escondeu seu sorriso conspiratório ao ver o óbvio prazer de Vierna. A
sacerdotisa acreditava que obteria apenas a confirmação do paradeiro de seu irmão
com a pobre tribo de goblins, mas Jarlaxle tinha muito mais em mente. Goblins e
anões compartilhavam um ódio mútuo tão intenso quanto aquele entre os drow e
seus primos elfos da superfície, e qualquer encontro entre os grupos certamente
culminariam em uma batalha. Que melhor oportunidade para Jarlaxle ter uma ideia
precisa das defesas anãs?
E as fraquezas dos anões?
Porque, embora os desejos de Vierna estivessem concentrados — tudo o que
ela queria era a morte de seu irmão traidor —, Jarlaxle olhava para um quadro mais
amplo, de como essa exploração dispendiosa perto da superfície, talvez até mesmo
na superfície, poderia se tornar mais lucrativa.
Vierna esfregou as mãos e virou-se bruscamente para encarar o irmão. Jarlaxle
quase riu alto da débil tentativa de Dinin de imitar a expressão radiante de sua
irmã.
Vierna estava obcecada demais para notar o óbvio deslize de seu irmão menos
entusiasmado.
— Os goblins entendem as opções que têm? — ela perguntou ao mercenário,
mas respondeu a si mesma antes que Jarlaxle tivesse tempo de fazê-lo. — Claro,
eles não têm opções!
Jarlaxle sentiu a súbita necessidade de estourar sua bolha ansiosa.
— E se os goblins matarem Drizzt? — perguntou, parecendo inocente.
O rosto de Vierna estremeceu estranhamente e ela gaguejou, sem sucesso, em
suas primeiras tentativas de resposta.
— Não! — decidiu por fim. — Sabemos que mais de mil anões habitam o
complexo, talvez duas ou três vezes esse número. A tribo goblinoide será
esmagada.
— Mas os anões e seus aliados sofrerão algumas baixas — argumentou
Jarlaxle.
— Não Drizzt — Dinin inesperadamente respondeu, e não houve
cumplicidade em seu tom sombrio, e nenhuma resposta de qualquer um de seus
companheiros. — Nenhum goblin vai matar Drizzt. Nenhuma arma goblin poderia
chegar perto dele.
O sorriso de aprovação de Vierna mostrou que ela não entendia o sincero
terror por trás das afirmações de Dinin. Daquele grupo, apenas Dinin havia
enfrentado Drizzt em batalha.
— Os túneis de volta à cidade estão vazios?— perguntou Vierna para Jarlaxle
e, em resposta ao seu aceno afirmativo, saiu rapidamente, sem mais tempo para
brincadeiras.
— Você quer que isso acabe — comentou o mercenário para Dinin assim que
ficaram sozinhos.
— Você não conheceu meu irmão — respondeu Dinin inexpressivamente, e
sua mão instintivamente se contraiu perto do punho de sua magnífica espada
forjada pelos drow, como se a mera menção de Drizzt o colocasse na defensiva. —
Não em combate, pelo menos.
— Tem medo, Khal’abbil? — a questão atingiu diretamente o senso de honra
de Dinin, soando mais como uma provocação.
Ainda assim, o guerreiro sequer tentou negar.
— Você também deveria temer sua irmã — Jarlaxle argumentou, pesando
cada palavra. Dinin fez uma expressão enojada. — A Rainha Aranha, ou um dos
lacaios de Lolth, tem conversado com aquela lá — acrescentou Jarlaxle, tanto para
si mesmo quanto para seu companheiro abalado. À primeira vista, a obsessão de
Vierna parecia algo desesperado e perigoso, mas Jarlaxle estivera por perto do caos
de Menzoberranzan por tempo suficiente para perceber que muitas outras figuras
poderosas, inclusive Matriarca Baenre, haviam tido fantasias aparentemente
ultrajantes muito semelhantes a esta.
Quase todas as figuras importantes em Menzoberranzan, incluindo membros
do conselho governante, tinham chegado ao poder através de atos que pareciam
desesperados, abrindo caminho através das redes farpadas do caos para encontrar
sua glória.
Poderia Vierna ser a próxima a atravessar tal terreno perigoso?
CAPÍTULO 2

Juntos
COM O RIO SURBRIN FLUINDO EM UM VALE LOGO abaixo dele,
Drizzt entrou no portão leste do Salão de Mitral no início da mesma tarde. Cattibrie
havia chegado algum momento antes dele para aguardar a “surpresa” de seu
retorno. Os guardas anões deram as boas-vindas ao drow ranger como se ele fosse
um dos seus próprios parentes barbudos. Drizzt não podia negar o calor que sentia
no coração com tais boas-vindas, embora não fossem inesperadas, afinal, o povo de
Bruenor o aceitara como amigo desde seus dias no Vale do Vento Gélido.
Drizzt não precisava de escolta nos corredores sinuosos do Salão de Mitral, e
não desejava nenhuma, preferindo ficar sozinho com as muitas emoções e
lembranças que sempre vinham até ele quando atravessava essa parte do complexo
superior. Ele passou pela nova ponte no Desfiladeiro de Garumn. Era uma estrutura
de pedra bonita e arqueada que se estendia por centenas de metros através do
profundo abismo. Neste lugar Drizzt tinha perdido Bruenor para sempre, ou assim
tinha acreditado, pois havia visto o anão cair até as profundezas escuras nas costas
de um dragão flamejante.
Ele não pôde evitar um sorriso quando a memória fluiu para a conclusão; seria
preciso mais do que um dragão para matar o poderoso Bruenor Martelo de Batalha!
Ao aproximar-se do final da longa expansão, Drizzt notou que as novas torres
de guarda, iniciadas na semana anterior, estavam quase concluídas, tendo os anões
diligentes trabalhado com absoluta devoção. Ainda assim, todos os trabalhadores
anões, mesmo ocupados, olhavam para o drow que passava e diziam uma palavra
de saudação.
Drizzt dirigiu-se aos principais corredores que saíam da imensa câmara ao sul
da ponte, com o som de ainda mais martelos guiando o caminho. Logo depois da
câmara, além de uma pequena antessala, ele entrou em um corredor amplo e alto,
praticamente outro cômodo em si, onde os melhores artesãos do Salão de Mitral
trabalhavam com afinco, entalhando na parede de pedra as feições de Bruenor
Martelo de Batalha, em seu lugar apropriado ao lado das esculturas dos reis
ancestrais, os sete predecessores de seu trono.
— Belo trabalho, não é, drow? — o elfo negro ouviu. Drizzt virou-se para ver
um anão baixo e atarracado com uma barba amarela curta que mal chegava ao topo
de seu peito largo.
— É bom vê-lo, Cobble — Drizzt cumprimentou o anão. Bruenor
recentemente o nomeara como o Santo Clérigo dos Salões, uma posição
valorizada, de fato.
— Apropriada? — Cobble perguntou enquanto apontava para a escultura de
seis metros de altura do atual rei do Salão de Mitral.
— Para Bruenor, deveria ter trinta metros de altura — respondeu Drizzt, e o
bondoso Cobble se sacudiu em gargalhadas. O rugido contínuo dos martelos ecoou
atrás de Drizzt por muitos passos enquanto ele descia de novo pelos corredores
sinuosos.
Ele logo chegou à área do salão do andar superior, a cidade acima da
maravilhosa Cidade Baixa. Cattibrie e Wulfgar se alojavam naquela região, assim
como Bruenor na maior parte do tempo, enquanto se preparava para a temporada
de comércio da primavera. A maioria dos outros dois mil e quinhentos anões do clã
estava muito abaixo, nas minas e na Cidade Baixa, mas aqueles por ali eram os
comandantes da guarda da casa e os soldados de elite. Mesmo Drizzt, tão bem
recebido na casa de Bruenor, não podia ir até o rei sem anúncio e escolta.
Um anão de ombros quadrados, firme como uma rocha, com uma expressão
azeda e uma longa barba castanha que usava enfiada em um cinto largo cravejado
de joias, levou Drizzt pelo corredor final até o salão de audiências no nível
superior, que pertencia a Bruenor. General Dagna, como era chamado, fora
atendente pessoal do rei Harbromme da Cidadela Adbar, a fortaleza anã mais
poderosa do norte, mas o anão rude havia chegado à frente das forças da Cidadela
Adbar para ajudar Bruenor a recuperar seu antigo lar. Com a guerra vencida, a
maioria dos anões de Adbar havia partido, mas Dagna e dois mil outros
permaneceram após a limpeza do Salão de Mitral, jurando fidelidade ao clã
Martelo de Batalha e dando a Bruenor uma força sólida para defender as riquezas
da fortaleza dos anões.
Dagna ficou com Bruenor para servir como seu conselheiro e comandante
militar. Ele não professava amor por Drizzt, mas certamente não seria tolo o
suficiente para insultar o drow permitindo que um assistente menor escoltasse
Drizzt para ver o rei anão.
— Eu disse que ele voltaria — Drizzt ouviu Bruenor resmungando do outro
lado da porta aberta enquanto se aproximavam do auditório. — O elfo não ia
perder algo como seu casamento!
— Vejo que estão me esperando — comentou Drizzt para Dagna.
— Soubemos que cê tava por perto pelo povo de Pedra do Veredito —
respondeu o general rude, sem olhar para Drizzt enquanto falava. — Percebemos
que ia chegar qualquer dia.
Drizzt sabia que o general — um anão entre os anões, como os outros diziam
— via pouco valor nele, ou em qualquer um, incluindo Wulfgar e Cattibrie, que
não fosse anão. O elfo negro sorriu, porém, pois estava acostumado a tal
preconceito e sabia que Dagna era um aliado importante de Bruenor.
— Saudações — Drizzt disse a seus três amigos quando entrou na sala.
Bruenor estava sentado em seu trono de pedra, com Wulfgar e Cattibrie ladeando-
o.
— Então você chegou — disse Cattibrie distraidamente, fingindo-se
desinteressada. Drizzt sorriu maliciosamente para o segredo deles; aparentemente,
Cattibrie não havia contado a ninguém que o encontrara do lado de fora do portão a
leste.
— Não havíamos planejado isso — acrescentou Wulfgar, um homem
gigantesco, com músculos enormes, longos cabelos loiros esvoaçantes e olhos do
mais profundo azul cristalino do céu da região norte. — Rezo para que haja um
assento extra na mesa.
Drizzt sorriu e se curvou em desculpas. Ele merecia a repreensão deles, sabia.
Ele estivera longe com muita frequência ultimamente. Por semanas, às vezes.
— Bah! — bufou Bruenor por detrás de sua barba ruiva. — Eu disse que ele
voltaria, e voltaria para ficar, dessa vez!
Drizzt sacudiu a cabeça, sabendo que logo iria sair de novo, em busca de...
Alguma coisa.
— Você está caçando o assassino, elfo? — ele ouviu Bruenor perguntar.
Nunca, Drizzt pensou imediatamente. O anão se referia a Artemis Entreri, o
inimigo mais odiado de Drizzt, um assassino sem coração tão habilidoso com a
lâmina quanto o ranger drow, e determinado — obcecado! — a derrotar Drizzt.
Entreri e Drizzt haviam lutado em Porto Calim, uma cidade distante ao sul, com
Drizzt felizmente vencendo antes que os acontecimentos os afastassem.
Emocionalmente, Drizzt levara a batalha inacabada à sua conclusão e libertara-se
de uma obsessão semelhante contra Entreri.
Drizzt vira a si mesmo no assassino, vira o que poderia ter se tornado se
tivesse ficado em Menzoberranzan. Não suportava tal imagem, ansiava apenas por
destruí-la. Cattibrie, a querida e complicada Cattibrie, mostrou a verdade a Drizzt,
sobre Entreri e sobre si mesmo. Se ele nunca mais visse Entreri, Drizzt seria uma
pessoa mais feliz.
— Não tenho nenhum desejo de encontrar aquele lá de novo — respondeu
Drizzt. Ele olhou para Cattibrie, que estava sentada impassível. Ela jogou uma
piscadela a Drizzt para mostrar que entendia e aprovava.
— Há muito o que se ver nesse mundo imenso, querido anão — continuou
Drizzt —, que não pode ser visto das sombras; muitos sons mais agradáveis do que
o retinir do aço e muitos cheiros preferíveis ao fedor da morte.
— Façam outro banquete! — Bruenor bufou, saltando de seu assento de
pedra. — O elfo tem os olhos fixos em outro casamento!
Drizzt deixou a observação passar sem resposta.
Outro anão correu para a sala e saiu, puxando Dagna para trás. Um momento
depois, o general perturbado retornou.
— O que foi? — Bruenor resmungou.
— Outro convidado — explicou Dagna e, enquanto ele falava, um halfling de
barriga redonda, entrou no cômodo.
— Regis! — exclamou Cattibrie, surpresa, e ela e Wulfgar correram para
cumprimentar o amigo. Inesperadamente, os cinco companheiros estavam juntos
novamente.
— Pança-furada! — Bruenor gritou seu apelido costumeiro para o halfling
sempre faminto. — O que nos Nove Infernos...
O mesmo, de fato, pensou Drizzt, curioso por não ter visto o viajante nas
trilhas do lado de fora do Salão de Mitral. Os amigos tinham deixado Regis para
trás em Porto Calim, a mais de mil e quinhentos quilômetros de distância, à frente
da guilda de ladrões que os companheiros deixaram sem líder ao resgatar o
halfling.
— Você acreditou que eu perderia esta ocasião? — Regis bufou, bancando o
insultado por Bruenor chegar a duvidar dele. — O casamento de dois dos meus
queridos amigos?
Cattibrie deu um abraço nele, do qual parecia gostar imensamente.
Bruenor olhou curioso para Drizzt e balançou a cabeça quando percebeu que o
drow não tinha respostas para essa surpresa
— Como você soube? — o anão perguntou ao halfling.
— Você subestima sua fama, rei Bruenor — Regis respondeu, graciosamente
mergulhando em um arco que fez sua barriga cair sobre o cinto fino.
A reverência o fez tinir também, observou Drizzt. Quando Regis mergulhou,
uma centena de joias e uma dúzia de bolsos gordos tilintaram. Regis sempre
gostara de coisas boas, mas Drizzt nunca vira o halfling tão coberto de enfeites. Ele
usava uma jaqueta com pedras preciosas e mais joias do que Drizzt já vira em um
só lugar, incluindo o mágico e hipnótico pingente de rubi.
— Você vai ficar por muito tempo? — Cattibrie perguntou.
— Não tenho pressa — respondeu Regis. — Posso ter um quarto —
perguntou a Bruenor — para colocar minhas coisas e descansar do esforço de uma
longa estrada?
— Vamos cuidar disso — garantiu Cattibrie, enquanto Drizzt e Bruenor
trocavam olhares mais uma vez. Ambos estavam pensando a mesma coisa: que era
incomum que um mestre de uma guilda de ladrões oportunistas e traidores deixasse
seu lugar de poder por qualquer período de tempo.
— E para seus assistentes? — Bruenor perguntou, uma pergunta pesada.
— Oh — gaguejou o halfling. — Eu... vim sozinho. Os sulistas não aceitam
bem o frio de uma primavera do norte, sabe...
— Bem, vá, então — ordenou Bruenor. — Dessa vez é minha vez de fazer um
banquete para o prazer da sua barriga.
Drizzt sentou-se ao lado do rei anão enquanto os outros três saíam da sala.
— Poucas pessoas em Porto Calim já ouviram meu nome, elfo — comentou
Bruenor quando ele e Drizzt estavam sozinhos. — E quem ao sul de Sela Longa
saberia do casamento?
A expressão maliciosa de Bruenor mostrou que o anão experiente concordava
exatamente com o sentimento de Drizzt.
— Com certeza o pequeno traz um pouco do seu tesouro junto com ele, não?
— perguntou o rei anão.
— Ele está fugindo — Drizzt respondeu.
— Se meteu em problemas de novo — Bruenor bufou —, ou eu sou um
gnomo com barba!

— Cinco refeições por dia — resmungou Bruenor para Drizzt quando o drow
e o halfling já estavam no Salão de Mitral há uma semana. — E porções maiores
do que alguém desse tamanho aguentaria!
Drizzt, sempre impressionado com o apetite de Regis, não tinha resposta para
o rei anão. Juntos, observavam Regis do outro lado do corredor, enfiando garfada
após garfada em sua boca gananciosa.
— Ainda bem que estamos abrindo novos túneis — resmungou Bruenor. —
Eu vou precisar de um suprimento grande de mitral para manter aquele lá
alimentado.
Como se a referência de Bruenor às novas explorações tivesse sido uma deixa,
o general Dagna entrou no refeitório. Aparentemente não interessado em comer, o
rude anão de barba castanha afastou um criado e foi direto para o outro lado do
corredor, na direção de Drizzt e Bruenor.
— Foi uma viagem curta — comentou Bruenor a Drizzt quando notaram o
anão. Dagna havia saído naquela manhã, conduzindo o mais recente grupo de
batedores às novas explorações nas minas mais profundas, a oeste da Cidade
Baixa.
— Problema ou tesouro? — Drizzt perguntou retoricamente, e Bruenor
apenas deu de ombros, sempre esperando — e secretamente desejando — ambos.
— Meu rei — Dagna cumprimentou, chegando na frente de Bruenor e
intencionalmente não olhando para o elfo negro. Ele mergulhou em uma reverência
curta. A expressão de seu conjunto atarracado não dava pistas sobre qual das
suposições de Drizzt poderia ser exata.
— Mitral? — Bruenor perguntou esperançosamente.
Dagna pareceu surpreso com a pergunta direta.
— Sim. — ele respondeu por fim. — O túnel além da porta selada encontrou
todo um complexo novo, rico em minério, pelo que podemos dizer. A lenda do seu
nariz farejador de riquezas vai continuar a crescer, meu rei — ele mergulhou em
outra reverência, ainda mais profunda que a primeira.
— Sabia — Bruenor sussurrou para Drizzt. — Fui por aquele caminho uma
vez, antes mesmo de minha barba aparecer. Matei um ettin--
— Mas temos problemas — interrompeu Dagna, com o rosto ainda
inexpressivo.
Bruenor esperou e esperou mais um pouco, pelo anão cansativo decidir
começar a explicação.
— Problemas? — ele finalmente perguntou, percebendo que Dagna fizera
uma pausa para um efeito dramático, e que o teimoso general provavelmente
ficaria quieto pelo resto do dia se Bruenor não oferecesse essa deixa.
— Goblins — disse Dagna ameaçadoramente.
Bruenor bufou.
— Achei que você tinha dito que nós tínhamos problemas?
— Uma tribo de bom tamanho — continuou Dagna. — Podem ser centenas.
— Bruenor olhou para Drizzt e reconheceu no brilho dos olhos lavanda do drow
que a notícia não perturbara o amigo mais do que o perturbara.
— Centenas de goblins, elfo — disse Bruenor maliciosamente. — O que você
acha disso?
Drizzt não respondeu, apenas continuou a sorrir e deixou que o brilho em seus
olhos falasse por si. Os tempos haviam tornado-se entediantes desde a retomada do
Salão de Mitral; o único metal que retinia nos túneis dos anões eram a picareta e a
pá do mineiro e o trenó do artesão, e as trilhas entre o Salão de Mitral e Lua
Argêntea raramente eram perigosas ou aventureiras o suficiente para o habilidoso
Drizzt. Esta notícia era particularmente interessante para o drow. Drizzt era um
ranger, dedicado a defender as raças bondosas, e desprezava os goblins fedorentos
de braços magricelas acima de todas as outras raças maléficas do mundo.
Bruenor foi para a mesa de Regis, embora todas as outras mesas do grande
salão estivessem vazias.
— A ceia acabou — o rei anão de barba ruiva bufou, varrendo os pratos à
frente do halfling para o chão.
— Vá buscar Wulfgar — grunhiu Bruenor ante a expressão de dúvida no rosto
do halfling. — Você tem até eu terminar de contar até cinquenta para voltar com
ele. Mais do que isso, e eu diminuo suas refeições pela metade!
Regis atravessou a porta em um instante.
Com o aceno de Bruenor, Dagna tirou um pedaço de carvão do bolso e
desenhou um mapa da nova região na mesa, mostrando a Bruenor onde haviam
encontrado o sinal dos goblins e onde outras incursões indicavam onde deveria ser
o covil principal. De particular interesse para os dois anões eram os túneis
trabalhados na região, com seus pisos uniformes e paredes quadradas.
— Bom para surpreender goblins estúpidos — Bruenor explicou a Drizzt com
uma piscadela.
— Você sabia que os goblins estavam lá — acusou Drizzt, percebendo que
Bruenor estava mais animado e menos surpreso com a notícia de inimigos em
potencial do que de potenciais riquezas.
— Achei que poderia haver goblins — admitiu Bruenor. — Vi eles lá embaixo
uma vez, mas com a chegada do dragão, meu pai e seus soldados nunca tiveram
tempo de limpar essas pragas. Ainda assim, foi muito, muito tempo atrás, elfo — o
anão acariciava sua longa barba ruiva para reforçar o argumento — e eu não tinha
certeza de que eles ainda estariam lá.
— Estamos sob ameaça? — veio uma voz de barítono ressonante por detrás
deles. O bárbaro de mais de dois metros de altura foi até a mesa e inclinou-se para
observar o diagrama de Dagna.
— São só goblins — respondeu Bruenor.
— Um chamado à guerra! — Wulfgar rugiu, batendo Presa de Égide, o
poderoso martelo de guerra que Bruenor havia forjado para ele, em sua palma
aberta.
— Um chamado à diversão — corrigiu Bruenor, e então trocou um aceno de
cabeça e riu com Drizzt.
— Por meus próprios olhos, vocês dois parecem muito ansiosos para matar —
disse Cattibrie, de pé atrás de Regis.
— Pode apostar — retrucou Bruenor.
— Vocês encontraram alguns goblins em seu próprio buraco, sem incomodar
ninguém, e estão planejando o massacre deles — Cattibrie continuou diante do
sarcasmo de seu pai.
— Mulher! — Wulfgar gritou.
O sorriso divertido de Drizzt se evaporou em um piscar de olhos, substituído
por uma expressão de assombro ao contemplar o semblante desdenhoso do
bárbaro.
— Fique contente por isso — Cattibrie respondeu levemente, sem hesitação e
sem se distrair do debate mais importante com Bruenor. — Como você sabe que os
goblins querem uma briga? — ela perguntou ao rei. — Ou você ao menos se
importa?
— Há mitral nesses túneis — respondeu Bruenor, como se isso acabasse com
o debate.
— Isso não torna o mitral pertencente aos goblins? — Cattibrie perguntou
inocentemente. — Por direito?
— Não por muito tempo — interveio Dagna, mas Bruenor não fez
comentários espirituosos, surpreso pela surpreendente linha de perguntas
praticamente incriminadoras de sua filha.
— A luta é mais importante para você, para todos vocês — Cattibrie
continuou, correndo seus olhos azuis sobre todos os quatro do grupo — do que
qualquer tesouro a ser encontrado. Vocês têm fome pela emoção. Vocês iriam atrás
dos goblins mesmo se os túneis não fossem mais do que pedras cruas e sem valor!
— Eu não — disse Regis, mas ninguém prestou muita atenção.
— Eles são goblins — Drizzt disse a ela. — Não foi uma incursão goblin que
levou a vida de seus pais?
— Sim — Cattibrie concordou. — E se alguma vez eu encontrar essa tribo,
então fique sabendo que eles tombarão em pilhas por causa de seu ato cruel. Mas
eles são parecidos com esta tribo, a milhares de quilômetros de distância?
— Goblins são goblins! — Bruenor rosnou.
— Ah? — Cattibrie respondeu, cruzando os braços diante dela. — E drow são
drow?
— Que conversa é essa? — indagou Wulfgar, enquanto olhava com raiva para
a futura noiva.
— Se você encontrasse um elfo negro perambulando por seus túneis — disse
Cattibrie para Bruenor, ignorando Wulfgar, mesmo quando ele se levantou para
ficar ao lado dela — você redigiria seus planos para retalhar a criatura?
Bruenor lançou um olhar desconfortável para Drizzt, mas Drizzt estava
sorrindo de novo, entendendo aonde o raciocínio de Cattibrie os havia conduzido
— e onde havia aprisionado o teimoso rei.
— Se você o matasse, e se aquele drow fosse Drizzt Do’Urden, então quem
você teria ao seu lado com a paciência para se sentar e ouvir suas orgulhosas
ostentações? — a jovem terminou.
— Pelo menos eu te daria uma morte limpa — Bruenor, liberto de sua bolha
tempestuosa, murmurou para Drizzt.
O drow gargalhou estrondosamente.
— Diplomacia — ele disse finalmente. — Pelas palavras bem ditas de nossa
jovem amiga sábia, devemos dar aos goblins pelo menos uma chance de explicar
suas intenções — ele fez uma pausa e olhou melancolicamente para Cattibrie, com
os olhos lavanda cintilantes, pois sabia o que esperar dos goblins — Antes de
atacá-los.
— De forma limpa — acrescentou Bruenor.
— Ela não sabe nada desse assunto aqui! — Wulfgar reclamou, trazendo a
tensão de volta à reunião em um instante.
Drizzt o silenciou com um olhar gelado, a encarada mais ameaçadora que já
houve entre o elfo negro e o bárbaro. Cattibrie olhou de um para o outro com uma
expressão de dor, depois bateu no ombro de Regis e, juntos, saíram do recinto.
— Nós vamos conversar com um bando de goblins? — Dagna perguntou em
descrença.
— Ah, cale a boca — respondeu Bruenor, batendo as mãos na mesa e
estudando o mapa mais uma vez. Demorou alguns instantes para perceber que
Wulfgar e Drizzt ainda não haviam terminado a troca silenciosa de olhares.
Bruenor reconheceu a confusão subjacente ao olhar de Drizzt, mas, ao olhar para o
bárbaro, não encontrou nenhuma subcorrente sutil, nenhum indício de que esse
incidente em particular seria facilmente esquecido.

Drizzt recostou-se contra a parede de pedra no corredor do lado de fora do


quarto de Cattibrie. Ele foi conversar com a jovem, para descobrir por que ela
estava tão preocupada, tão inflexível, na reunião sobre a tribo dos goblins. Cattibrie
sempre trouxera uma perspectiva única para os julgamentos enfrentados pelos
cinco companheiros, mas dessa vez parecia a Drizzt que alguma outra coisa a
estava levando, que algo além de goblins havia trazido o fogo a seu discurso.
Recostado na parede do lado de fora da porta, o elfo negro começou a
entender.
— Você não vai! — Wulfgar estava dizendo em voz alta. — Haverá uma luta,
apesar de suas tentativas de evitá-la. Eles são goblins. Eles não vão negociar com
os anões!
— Se houver uma briga, então você vai me querer por lá — retrucou
Cattibrie.
— Você não vai.
Drizzt sacudiu a cabeça ante a decisão no tom do Wulfgar, pensando que
nunca antes ouvira Wulfgar falar assim. Mas mudou de ideia, lembrando-se de
quando conhecera o jovem bárbaro, teimoso, orgulhoso e falando quase tão
estupidamente quanto agora.
Drizzt aguardava o bárbaro quando Wulfgar retornou ao seu próprio quarto, o
drow encostado na parede casualmente, com os pulsos apoiados nos punhos
angulados de suas cimitarras mágicas e seu manto verde floresta jogado para trás
de seus ombros.
— Bruenor mandou me chamar? — perguntou Wulfgar, confuso sobre por
que Drizzt estaria em seu quarto.
Drizzt fechou a porta.
— Eu não estou aqui por Bruenor — explicou inexpressivamente.
Wulfgar deu de ombros, sem entender.
— Bem-vindo de volta, então — disse, e havia algo tenso em sua saudação.
— Você fica fora dos salões demais. Bruenor deseja sua companhia...
— Estou aqui por Cattibrie — interrompeu Drizzt.
Os olhos azuis do bárbaro se estreitaram imediatamente e ele endireitou os
ombros largos, sua forte mandíbula firme.
— Eu sei que ela se encontrou com você — disse — lá fora, nas trilhas, antes
de você entrar.
Um olhar perplexo passou pelo rosto de Drizzt ao reconhecer a hostilidade no
tom de Wulfgar. Por que Wulfgar se importaria se Cattibrie tivesse se encontrado
com ele? O que nos Nove Infernos estava acontecendo com seu amigo grandalhão?
— Regis me contou — explicou Wulfgar, aparentemente entendendo mal a
confusão do Drizzt. Um olhar superior apareceu no olho do bárbaro, como se
acreditasse que sua informação secreta lhe dera algum tipo de vantagem.
Drizzt sacudiu a cabeça e jogou sua juba branca e espessa para trás do rosto
dele com seus dedos esguios.
— Eu não estou aqui por causa de qualquer reunião nas trilhas — disse — ou
por causa de qualquer coisa que Cattibrie tenha me dito. — Com os pulsos ainda
descansando confortavelmente contra os punhos de armas, Drizzt atravessou a
ampla sala, parando em frente à grande cama do bárbaro.
— O que quer que Cattibrie me diga, no entanto — ele acrescentou — não é
da sua conta.
Wulfgar não piscou, mas Drizzt percebeu que era preciso todo o controle do
bárbaro para evitar que saltasse por cima da cama na direção dele. Drizzt, que
achava que conhecia bem Wulfgar, mal podia acreditar na cena.
— Como se atreve? — Wulfgar rosnou entre os dentes cerrados. — Ela é
minha...
— Me atrever? — Drizzt rebateu. — Você fala de Cattibrie como se ela fosse
sua posse. Eu ouvi você dizer pra ela, mandá-la, ficar para trás quando formos até
aos goblins.
— Você está passando dos limites — advertiu Wulfgar.
— Você bufa como um orc bêbado — retrucou Drizzt, e achou a analogia
estranhamente apropriada.
Wulfgar respirou fundo, para se equilibrar, fazendo seu grande peito arfar. Um
único passo levou-o da beirada da cama até a parede, perto dos ganchos que
seguravam seu magnífico martelo de guerra.
— Você já foi meu professor — disse Wulfgar calmamente.
— Sempre fui seu amigo — respondeu Drizzt.
Wulfgar lançou um olhar zangado para ele.
— Você fala comigo como um pai fala com o filho. Cuidado, Drizzt
Do’Urden. Você não é mais meu professor.
Drizzt quase caiu para trás, especialmente quando Wulfgar, ainda olhando-o
perigosamente, puxou Presa de Égide, o poderoso martelo de guerra, da parede.
— Você é o professor agora? — o elfo negro perguntou.
Wulfgar assentiu devagar, depois piscou surpreso quando as cimitarras
apareceram de repente nas mãos do Drizzt. Fulgor, a lâmina mágica que o mago
Malchor Harpel dera a Drizzt, brilhava com uma suave chama azul.
— Lembra de quando nos conhecemos? — o elfo negro perguntou. Ele se
moveu ao redor do pé da cama, sabiamente, já que o longo alcance de Wulfgar lhe
daria uma vantagem distinta com a cama entre eles. — Você se lembra das muitas
lições que nós compartilhamos no Sepulcro de Kelvin, olhando para a tundra e as
fogueiras de acampamento do seu povo?
Wulfgar se virou devagar, mantendo o perigoso drow no seu campo de visão.
Os nós dos dedos do bárbaro ficaram brancos por falta de sangue enquanto ele
apertava firmemente sua arma.
— Lembra dos verbeeg? — perguntou Drizzt, o pensamento trazendo um
sorriso ao seu rosto. — Você e eu lutando juntos, vencendo juntos, contra um covil
inteiro de gigantes?
— E o dragão, Morte Gélida? — Drizzt continuou, segurando sua outra
cimitarra, a que ele tirara do covil do dragão derrotado, diante dele.
— Eu me lembro — respondeu Wulfgar baixinho, calmamente, e Drizzt
começou a deslizar as cimitarras de volta para as suas bainhas, acreditando que
havia acalmado o jovem.
— Você fala de dias distantes! — o bárbaro rugiu de repente, avançando com
rapidez e agilidade além do que se poderia esperar de um homem tão grande. Ele
lançou um soco no rosto de Drizzt, acertando o drow surpreso no ombro enquanto
Drizzt recuava.
O ranger rolou com o golpe, levantando-se no canto mais distante da sala, as
cimitarras de volta em suas mãos.
— Hora de outra lição — prometeu, seus olhos lavanda brilhando com um
fogo interior que o bárbaro tinha visto muitas vezes antes.
Destemido, Wulfgar avançou, colocando Presa de Égide em uma série de
fintas antes de abaixá-lo em um golpe que teria esmagado o crânio do drow.
— Já faz tanto tempo desde a última vez que vimos uma batalha? —
perguntou Drizzt, acreditando que todo esse incidente era um jogo estranho, talvez
um ritual de masculinidade para o jovem bárbaro. Ele trouxe suas cimitarras em
uma cruz de bloqueio acima dele, facilmente pegando o martelo descendente. Suas
pernas quase se dobraram sob a força do golpe.
Wulfgar recuou para um segundo ataque.
— Sempre pensando em atacar — retrucou Drizzt, batendo os lados achatados
das cimitarras, um-dois, contra os lados do rosto de Wulfgar.
O bárbaro recuou um passo e limpou uma fina linha de sangue de sua
bochecha com as costas de uma das mãos. Ainda assim, não piscou.
— Me desculpe — Drizzt disse quando viu o sangue. — Eu não queria
cortar...
Wulfgar se aproximou dele imediatamente, se sacudindo loucamente e
chamando por Tempus, seu deus da batalha.
Drizzt desviou do primeiro ataque — que tirou um pedaço de tamanho
razoável da parede de pedra ao lado dele — e deu um passo à frente em direção ao
martelo de guerra, prendendo o braço em volta dele para segurá-lo no lugar.
Wulfgar soltou a arma com uma mão, agarrou Drizzt pela frente da túnica e
facilmente levantou-o do chão. Os músculos do braço nu do bárbaro saltaram
quando ele pressionou o braço à frente, esmagando o drow contra a parede.
Drizzt não podia acreditar na força do homem imenso! Ele se sentiu como se
fosse empurrado direto através da pedra até a próxima câmara — pelo menos, ele
esperava que houvesse uma próxima câmara! Ele chutou com uma perna. Wulfgar
recuou, acreditando que o chute estivesse direcionado para seu rosto, mas Drizzt
passou a perna por cima do braço estendido do bárbaro, na parte interna do
cotovelo. Usando a perna como alavanca, Drizzt bateu com a mão na parte de fora
do pulso de Wulfgar, dobrando o braço e libertando-o da parede. Ele bateu com o
cabo de cimitarra enquanto caía, acertando solidamente o nariz de Wulfgar e
soltando seu aperto no martelo do bárbaro.
O rosnado de Wulfgar soou desumano. Ele pegou o martelo para um golpe,
mas Drizzt já havia chegado ao chão. O drow rolou de costas, colocou os pés
contra a parede e chutou para ganhar impulso, deslizando entre as pernas abertas de
Wulfgar. O pé de Drizzt se esticou uma vez, atingindo a virilha do bárbaro, e então,
quando ele estava atrás de Wulfgar, chutou novamente com os dois pés, atingindo o
bárbaro atrás dos joelhos.
As pernas de Wulfgar se dobraram e um de seus joelhos bateu na parede.
Drizzt usou o impulso para rolar novamente. Ele voltou a se levantar e saltou,
agarrando o desequilibrado Wulfgar pela parte de trás de seu cabelo e puxando
com força, derrubando o homem como uma árvore cortada.
Wulfgar grunhiu e rolou, tentando levantar-se, mas as cimitarras de Drizzt se
aproximaram pelos punhos, que atingiram pesadamente à mandíbula do grande
homem.
Wulfgar riu e se levantou devagar. Drizzt recuou.
— Você não é o professor — repetiu Wulfgar, mas a linha de sangue
misturada à saliva rolando da borda da boca dilacerada enfraqueceu
consideravelmente a afirmação.
— O que é isso? — Drizzt exigiu saber. — Fale agora!
Presa de Égide veio em sua direção como resposta.
Drizzt mergulhou no chão, evitando por pouco o golpe mortal. Ele estremeceu
quando ouviu o martelo bater na parede, sem dúvida abrindo um buraco na pedra.
Ele estava de pé de novo, surpreendentemente, a tempo do bárbaro em
investida sequer chegar perto dele. Drizzt se abaixou sob o alcance do homem
imenso, girou e chutou Wulfgar no traseiro. Wulfgar rugiu e se virou, apenas para
ser atingido novamente no rosto com o lado da lâmina de Drizzt. Desta vez a linha
de sangue não era tão fina.
Tão teimoso quanto qualquer anão, Wulfgar lançou outro soco giratório.
— Sua raiva é sua derrota — observou Drizzt, evitando facilmente o golpe.
Não podia acreditar que Wulfgar, tão bem treinado na arte — e era uma arte! — da
batalha, tivesse perdido a compostura.
Wulfgar resmungou e girou de novo, mas recuou imediatamente, pois, dessa
vez, Drizzt colocou Fulgor, ou mais particularmente, colocou a lâmina afiada de
Fulgor, alinhada para aparar o golpe. Wulfgar retraiu o giro tarde demais e apertou
a mão ensanguentada.
— Sei que seu martelo voltará ao seu alcance — disse Drizzt, e Wulfgar
pareceu quase surpreso, como se tivesse esquecido o encantamento mágico de sua
própria arma. — Você gostaria de continuar a ter dedos para pegá-lo?
Na deixa, Presa de Égide retornou para a mão do bárbaro.
Drizzt, aturdido pelo discurso ridículo e cansado de todo esse episódio,
colocou as cimitarras de volta em suas bainhas. Ele estava a menos de um metro e
meio do bárbaro, bem ao alcance de Wulfgar, com as mãos estendidas, indefeso.
Em algum momento da luta, talvez quando percebeu que aquilo não era um
jogo, o brilho desapareceu de seus olhos lavanda.
Wulfgar permaneceu imóvel por um longo momento e fechou os olhos. Para
Drizzt, parecia que ele estava lutando alguma batalha interna.
Ele sorriu, depois abriu os olhos e deixou a cabeça de seu poderoso martelo de
guerra bater no chão.
— Meu amigo — disse ele a Drizzt. — Meu professor. Que bom que voltou.
— A mão de Wulfgar se esticou em direção ao ombro de Drizzt.
Seu punho fechou de repente e disparou para o rosto do elfo negro.
Drizzt girou, enganchou o braço de Wulfgar com o seu e puxou na direção do
próprio impulso do bárbaro, lançando Wulfgar apressadamente. Wulfgar levantou a
outra mão a tempo de pegar o drow e levou Drizzt junto para a queda. Eles se
levantaram juntos, apoiados lado a lado contra a parede, e compartilharam uma
risada sincera.
Pela primeira vez desde antes da reunião no salão de jantar, pareceu a Drizzt
que ele tinha seu velho companheiro de luta ao seu lado novamente.
Drizzt saiu logo depois, sem mencionar Cattibrie novamente — não até que
pudesse entender o que, exatamente, acabara de acontecer no quarto. Drizzt pelo
menos entendeu a confusão do bárbaro sobre a jovem. Wulfgar tinha vindo de uma
tribo dominada por homens, onde as mulheres só falavam quando lhes era
ordenado que falassem, e faziam o que seus mestres, os homens, mandassem.
Parecia que, agora que ele e Cattibrie estavam para se casar, Wulfgar estava
achando difícil se livrar das lições de sua juventude.
O pensamento perturbou Drizzt mais do que um pouco. Agora entendia a
tristeza que havia detectado em Cattibrie, nas trilhas além do complexo dos anões.
Ele entendia também a loucura crescente de Wulfgar. Se o bárbaro teimoso
tentasse apagar o fogo interno de Cattibrie, tiraria dela tudo o que o levara até ela
em primeiro lugar, tudo o que amava — que Drizzt, também, amava — na jovem
mulher.
Drizzt descartou essa noção sumariamente; ele olhara em seus olhos azuis
sábios há mais de uma década, vira Cattibrie dobrar seu pai teimoso inúmeras
vezes.
Nem Wulfgar, nem Drizzt, nem os próprios deuses conseguiram apagar o fogo
nos olhos de Cattibrie.
CAPÍTULO 3

Diplomacia
O OITAVO REI DO SALÃO DE MITRAL, LIDERANDO seus quatro
amigos e duzentos soldados anões, estava mais apropriadamente preparado para a
batalha do que para a diplomacia. Bruenor usava o elmo surrado de um só chifre —
o outro chifre havia sido quebrado há muito tempo — e um fino traje de armadura
de mitral, com linhas verticais do metal prateado percorrendo o comprimento de
seu robusto tronco e cintilando à luz das tochas. Seu escudo tinha o padrão da
caneca espumante do Clã Martelo de Batalha em ouro maciço, e seu machado
costumeiro, mostrando as ranhuras de milhares de abates em batalha (sendo um
bom número deles goblins!) estava em prontidão em um laço no seu cinto, de fácil
acesso.
Wulfgar, em uma armadura de pele natural, com a cabeça de um lobo na
frente de seu tórax largo, caminhava atrás do anão, com Presa de Égide, seu
martelo de guerra, apoiado no outro braço, a sua frente. Cattibrie, com Taulmaril
sobre o ombro, caminhava ao lado dele, mas os dois falavam pouco, e a tensão
entre eles era óbvia.
Drizzt flanqueava o rei anão à sua direita, com Regis correndo para se manter
ao seu lado, e Guenhwyvar, a pantera elegante e orgulhosa, com os músculos
ondulando a cada passo, vinha à direita dos dois, mergulhando nas sombras sempre
que o corredor baixo e desigual ficava mais amplo. Muitos dos anões marchando
atrás dos cinco amigos carregavam tochas, e a luz bruxuleante criava sombras
semelhantes a monstros, mantendo os companheiros em guarda — não que
pudessem ser pegos de surpresa marchando ao lado de Drizzt e Guenhwyvar. A
pantera que acompanhava o elfo negro estava à vontade liderando o caminho.
E nada perderia o tempo de tentar surpreender tal grupo. Eles estavam
vestidos para a batalha, com grandes e resistentes elmos e armaduras e boas armas.
Cada um dos anões carregava um martelo ou machado para ataques à distância e
outra arma perigosa, caso algum inimigo chegasse perto.
Quatro anões em linha perto do meio do contingente apoiavam uma grande
viga de madeira sobre os ombros atarracados. Outros perto deles carregavam
enormes placas de pedra com os centros cortados. Cordas pesadas, longas estacas
entalhadas, correntes e chapas de metal maleável eram evidentes entre essa seção
da brigada como ferramentas para um “brinquedo de goblins”, como Bruenor
explicara às expressões curiosas de seus companheiros não-anões. Ao olhar para as
peças pesadas, Drizzt podia muito bem imaginar o quanto os goblins iriam se
divertir com aquela engenhoca em particular.
Em um cruzamento onde uma passagem larga corria para a direita, eles
encontraram uma pilha de ossos gigantes, com dois grandes crânios sobre eles,
cada um grande o suficiente para caber o halfling, caso ele rastejasse para dentro
deles.
— Ettin — explicou Bruenor, pois fora ele, ainda um rapaz imberbe, quem
derrubara o monstro.
Na bifurcação seguinte, se encontraram com o general Dagna e a força de
comando, outros trezentos anões endurecidos pela batalha.
— A conversa está marcada — explicou Dagna. — Os goblins estão a 300
metros lá pra baixo, em uma câmara ampla.
— Você estará flanqueando? — Bruenor perguntou a ele.
— Sim, mas os goblins também — explicou o comandante. — Quatrocentos
deles. Eu mandei Cobble e seus trezentos em um trajeto largo, ao redor da parte
traseira da câmara para impedir qualquer fuga.
Bruenor assentiu. O pior que eles poderiam esperar era uma batalha mais ou
menos equilibrada, e Bruenor colocaria facilmente qualquer um de seus anões
contra cinco daquela escória goblin.
— Eu vou direto com cem — o rei anão explicou. — Mais cem vão para a
direita, com o brinquedo, e a esquerda é pra você. Não me decepcione se eu
precisar de você! — A risada de Dagna refletiu a suprema confiança, mas então
sua expressão se tornou abruptamente grave.
— Deveria mesmo ser você a falar? — ele perguntou a Bruenor. — Eu não
sou de confiar em goblins.
— Oh, eles têm um truque para mim, ou eu sou um gnomo com barba —
Bruenor respondeu. — Mas esta tropa goblin não vê anões em anos, a menos que
eu esteja enganado, e eles com certeza nos acharão menos capazes do que
deveriam.
Eles trocaram um aperto de mão pesado, e Dagna saiu em disparada, e podia-
se ouvir as botas duras de seus trezentos soldados ecoando pelos corredores como
o estrondo de uma tempestade crescente.
— A discrição nunca foi um ponto forte dos anões — observou Drizzt
secamente.
Regis deixou que seu olhar permanecesse por muitos instantes nas formações
da hoste que partia, depois virou-se para o outro lado, olhando o outro grupo,
carregando a viga de madeira, discos de pedra e outros itens.
— Se você não tem a estômago para isso... — Bruenor começou,
interpretando o interesse do halfling como medo.
— Eu estou aqui, não estou? — Regis rebateu bruscamente, grosseiramente,
na verdade, e o tom incomum em sua voz fez seus amigos o encararem com
curiosidade. Mas então, num movimento bem típico de Regis, o halfling ajeitou o
cinto sob a proeminente pança, endireitou os ombros e desviou o olhar.
Os outros conseguiram rir às custas de Regis, mas Drizzt continuou a olhá-lo
com curiosidade. Regis estava de fato “aqui”, mas por que ele viera, o drow não
sabia. Dizer que Regis não gostava de batalhas era um eufemismo tão grande
quanto dizer que o halfling não gostava de perder refeições.
Poucos minutos depois, os cem soldados que permaneceram atrás de seu rei
entraram na câmara designada, passando por um grande arco em uma seção
elevada de pedra, a vários metros do amplo chão da enorme área principal, onde
ficava a hoste dos goblins. Drizzt notou, com mais do que apenas curiosidade, que
essa seção em particular não continha montes de estalagmites, que pareciam ser
comuns em todo o resto da câmara. Muitas estalactites espreitavam do teto não
muito alto acima da cabeça de Drizzt; por que as gotas que escorriam de lá não
deixavam os montes de pedra que normalmente estariam ali?
Drizzt e Guenhwyvar se moveram para um lado, fora do alcance das tochas,
das quais o drow, com sua excepcional visão, não precisava. Deslizando para as
sombras de um grupo de estalactites baixas, os dois pareceram desaparecer.
O mesmo aconteceu com Regis, não muito atrás de Drizzt.
— Abandonaram o terreno elevado antes mesmo de começarmos — sussurrou
Bruenor para Wulfgar e Cattibrie. — Até goblins seriam mais espertos do que isso!
Esse pensamento fez o anão parar, e ele olhou em volta para as bordas da
seção elevada, observando que essa laje de pedra havia sido trabalhada —
trabalhada com ferramentas — para caber nessa parte da caverna. Seus olhos
escuros se estreitaram com suspeita quando Bruenor olhou para a área onde Drizzt
havia desaparecido.
— Estou pensando que é uma coisa boa estarmos no alto para a conversa —
disse Bruenor, um pouco alto demais.
Drizzt entendeu.
— A seção inteira está repleta de armadilhas — Regis, logo atrás do drow,
comentou.
Drizzt quase deu um pulo, espantado com o fato de o halfling ter ficado tão
perto dele e se perguntando que item mágico Regis levava para fazer seus
movimentos tão silenciosos. Seguindo o olhar do halfling, Drizzt observou a borda
mais próxima da plataforma e um pilar meio à mostra por debaixo de uma pedra,
uma esbelta estalagmite que havia sido recentemente decapitada.
— Um bom golpe iria derrubá-la — raciocinou Regis.
— Fique aqui — instruiu Drizzt, concordando com a estimativa do halfling
astuto. Talvez os goblins tivessem passado algum tempo preparando esse campo de
batalha. Drizzt voltou à vista dos anões, deu a Bruenor um sinal para indicar que
iria dar uma olhada, depois se afastou, com Guenhwyvar movendo-se
paralelamente a ele, não muito longe.
Todos os anões tinham entrado na câmara até então, com Bruenor
cautelosamente mantendo-os para trás, alinhados de ponta a ponta contra a borda
de trás da plataforma semicircular.
Bruenor, com Wulfgar e Cattibrie o flanqueando, deu alguns passos para
observar a hoste de goblins. Havia bem mais de cem — talvez duzentas — das
coisas fedorentas na área mais escura da câmara, a julgar pelos muitos pares de
olhos vermelhos brilhantes olhando para o anão.
— Nós viemos conversar — Bruenor gritou na língua gutural dos goblins —,
como combinado.
— Fale — veio a resposta de um goblin, na língua comum. — O que os
anõezes vão oferecer a Gar-yak e seus milharezes?
— Milhares? — comentou Wulfgar.
— Os goblins não podem contar além de seus próprios dedos — lembrou
Cattibrie.
— Se preparem — Bruenor sussurrou para os dois. — Esse grupo está
procurando uma briga. Posso sentir o cheiro.
Wulfgar deu a Cattibrie um olhar positivamente superior, mas sua arrogância
juvenil foi perdida, pois a jovem não lhe deu atenção.

Drizzt saltava de sombra em sombra, ao redor das rochas e, finalmente, sobre


a borda da plataforma elevada. Como ele e Regis esperavam, esta seção, sustentada
ao longo de sua extremidade dianteira por vários pilares de estalagmite encurtados,
não era uma peça sólida, mas uma laje trabalhada e apoiada no lugar. E, como
esperado, os goblins planejavam derrubar a frente da plataforma e tombar os anões.
Grandes cunhas de ferro haviam sido fincadas parcialmente pela linha de pilares de
sustentação da frente, à espera de um martelo para empurrá-las.
Não era um goblin que estava posicionado sob a pedra para ativar a
armadilha, mas outro gigante de duas cabeças, um ettin. Mesmo deitado, era quase
tão alto quanto Drizzt; que imaginou que chegaria a pelo menos três metros de
altura se alguma vez se levantasse. Seus braços, grossos como o peito do drow,
estavam nus, e ele segurava um grande tacape com pontas em ambas as mãos, e
suas duas cabeças enormes se encaravam, aparentemente mantendo uma conversa.
Drizzt não sabia se os goblins pretendiam negociar, derrubando a laje de pedra
apenas se os anões se movessem para atacar, mas com a aparição do gigante, não
estava disposto a correr nenhum risco. Usando a cobertura do pilar mais distante,
rolou sob a borda e desapareceu na escuridão atrás e para o lado do gigante que
aguardava.
Quando os olhos amarelo-esverdeados de um felino encararam Drizzt do
outro lado do gigante, ele sabia que Guenhwyvar também havia se movido
silenciosamente para a posição.

Uma tocha subiu entre as fileiras dos goblins e três das criaturas de um metro
e vinte de altura e pele amarela avançaram.
— Bem — Bruenor resmungou, já cansado desta reunião. — Qual desses cães
é Gar-yak?
— Gar-yak lá atrás com os outrozes — o mais alto do grupo respondeu,
olhando por cima do ombro inclinado para a hoste principal.
— Um sinal de que haverá problemas — murmurou Cattibrie, discretamente
tirando seu grande arco do ombro. — Quando o líder está em segurança, os goblins
desejam lutar.
— Vá dizer a Gar-yak que não precisamos matá-los — disse Bruenor com
firmeza. — Meu nome é Bruenor Martelo de Batalha--
— Martelo de Batalha? — o goblin cuspiu, aparentemente reconhecendo o
nome. — Você ser rei anão?
Os lábios de Bruenor sequer se mexeram enquanto ele murmurava para seus
companheiros:
— Preparem-se — a mão de Cattibrie pousou na aljava ao seu lado.
Bruenor assentiu.
— Rei! — o goblin gritou, olhando de volta para a hoste monstruosa e
apontando na direção de Bruenor. Os anões em prontidão entenderam a deixa para
atacar mais rápido do que os goblins estúpidos, e as próximas vozes ouvidas na
câmara eram os gritos de guerra dos anões.

Drizzt ouviu o chamado à ação mais rápido do que o ettin idiota. A criatura
balançou o tacape para trás, depois gritou de dor e surpresa quando a pantera de
cem quilos apertou um dos pulsos e uma cimitarra cruelmente afiada mergulhou
em sua axila do outro lado.
As enormes cabeças do monstro se voltaram para fora em um movimento
sincrônico e estranho, uma se virou para observar Drizzt, a outra, na direção de
Guenhwyvar.
Antes que o ettin soubesse o que estava acontecendo, a segunda cimitarra de
Drizzt atravessou seus olhos esbugalhados. O gigante tentou se contorcer para
chegar ao elfo que o feria, mas o ágil Drizzt deslizou por baixo do braço e foi com
tudo na direção das cabeças vulneráveis do monstro.
Do outro lado, Guenhwyvar enterrou os dentes na carne e colocou as garras na
pedra, segurando o braço do monstro.

— Drizzt pegou ele! — Bruenor argumentou quando o chão estremeceu


abaixo de seus pés. Com o fracasso da armadilha simples, os goblins de fato
haviam rendido o terreno favorável. As criaturas estúpidas assobiaram, gritaram e
avançaram de qualquer maneira, arremessando lanças grosseiras, a maioria das
quais nunca alcançou seus alvos.
A resposta dos anões foi mais eficaz. Cattibrie liderou, preparando o Buscador
de Corações em um instante e soltando uma flecha mágica de cabo prateado que
parecia trilhar relâmpagos em seu voo mortal. Ela explodiu um buraco fumegante
através de um goblin, fez o mesmo em um segundo mais distante, e se dirigiu para
o peito de um terceiro. Todos os três caíram no chão.
Uma centena de anões rugiu e avançou, levantando machados e martelos de
guerra contra a multidão de goblins que atacavam.
Cattibrie disparou de novo e mais uma vez e, com apenas três disparos, sua
contagem de mortes chegou a oito. Agora era sua vez de dar a Wulfgar um olhar
superior, e o bárbaro, humilhado, prontamente desviou o olhar.
O chão tremeu descontroladamente; Bruenor ouviu os rugidos do gigante
ferido debaixo dele.
— Para baixo! — o rei anão comandou sobre o som repentino da batalha.
Os ferozes anões precisavam de pouco encorajamento, porque os goblins que
encabeçavam o ataque estavam perto da plataforma naquele momento. Surgiram
verdadeiros mísseis anões vivos, esmagando as fileiras dos goblins, sacudindo seus
punhos, botas e armas antes que sequer parassem de quicar.


Um pilar de sustentação se partiu ao meio quando o ettin atacou
inadvertidamente, tentando acertar seu tacape em Drizzt. A plataforma, então, foi
abaixo, prendendo a fera estúpida.
Drizzt, agachado seguramente abaixo do nível da cintura do gigante, não
podia acreditar no quão mal os goblins — e o ettin — tinham elaborado seu plano.
— Como você sequer pretende sair daqui? — ele perguntou, embora, é claro,
o ettin não pudesse entendê-lo.
Drizzt sacudiu a cabeça, quase com pena, depois atacou o rosto e a garganta
do monstro com suas cimitarras. Um momento depois, Guenhwyvar saltou para a
outra cabeça, com as garras rasgando fendas profundas.
Em meros segundos, o ranger e sua companheira felina saíam debaixo da
plataforma, seu assunto ali encerrado. Sabendo que seus talentos singulares
poderiam ser melhor usados de outras maneiras, Drizzt evitou a confusão selvagem
da batalha e se foi para o lado, ao longo da parede da caverna.
Uma dezena de corredores conduzia a esta câmara principal, pelo que ele
podia ver, e goblins entravam vindo de quase todos eles. Mais preocupantes eram
os inesperados aliados das forças dos goblins, pois, para surpresa de Drizzt, ele
notou vários outros gigantescos ettins parados e quietos atrás de estalagmites,
esperando o momento em que pudessem se juntar à briga.
Cattibrie, ainda na plataforma e disparando contra a horda de goblins, foi a
primeira a localizar Drizzt, a meio caminho de um monte de estalagmites no lado
esquerdo da caverna e sinalizando para ela e Wulfgar.
Um goblin saiu da massa de combate e atacou a moça, mas Wulfgar entrou na
frente e bateu nele com seu grande martelo, lançando-o a mais de três metros de
distância por sobre a beirada da plataforma. O bárbaro girou o mais rápido que
pôde, tentando preparar uma defesa, uma vez que outro goblin tinha vindo por sua
lateral, se aproximando com uma ponta de lança liderando o caminho.
Ele quase acertou seu ataque, mas sua cabeça explodiu sob o impacto de uma
flecha prateada.
— Drizzt precisa de nós — explicou Cattibrie, e levou o bárbaro para a
esquerda ao longo da plataforma inclinável, com Wulfgar correndo ao longo da
borda e batendo em quaisquer goblins que tentassem o atrapalhar.
Quando estavam livres do combate principal, Drizzt sinalizou para que
Cattibrie mantivesse sua posição e que Wulfgar se aproximasse cautelosamente.
— Ele encontrou alguns gigantes — Regis, escondido abaixo do par, explicou
a eles — por trás desses montes.
Drizzt saltou ao redor da estalagmite, depois voltou mergulhando, em
cambalhotas defensivas ao fugir de um ettin que o perseguia de perto, com seus
tacapes gêmeos prontos para esmagar o drow.
O gigante sacudiu-se quando a flecha de Cattibrie bateu em seu peito,
queimando o imundo couro de animal que vestia.
Uma segunda flecha o desequilibrou, depois o martelo de Wulfgar, voando ao
som dos gritos retumbantes do bárbaro de “Tempus!” explodiu a criatura para
longe.
Guenhwyvar, ainda do lado do monte, pulou em cima do segundo ettin
enquanto ele vinha correndo, com suas garras em suas patas musculosas
arranhando violentamente, cegando ambas as cabeças do monstro até que Drizzt
chegou perto o suficiente para usar suas cimitarras.
O próximo gigante veio do outro lado do monte, mas Cattibrie estava pronta
para ele, e flecha após flecha o acertou, o fez girar e, finalmente, cair morto no
chão.
Wulfgar avançou, pegando seu martelo mágico de volta em suas mãos. Drizzt
havia terminado com o gigante quando o bárbaro o alcançou, e o elfo negro se
juntou a seu amigo quando encontraram o próximo dos monstros em ataque lado a
lado.
— Como nos velhos tempos — observou Drizzt. Ele não esperou por uma
resposta, mas mergulhou em um rolamento na frente de Wulfgar.
Ambos estremeceram, cegados por um instante, quando a próxima flecha de
Cattibrie passou entre eles, chocando-se contra a barriga do gigante mais próximo.
— Ela fez isso por um motivo, você sabe — observou Drizzt, e ele não
esperou uma resposta, mas mergulhou em um rolamento na frente de Wulfgar.
Compreendendo as táticas de distração de Drizzt, o bárbaro ergueu o Presa de
Égide diretamente sobre a forma em rolamento, e o ettin, inclinando-se para um
golpe em Drizzt, encontrou o martelo de guerra justamente ao lado de uma de suas
cabeças. A outra cabeça permaneceu viva, mas aturdida e desorientada pela fração
de segundo que levou para assumir o controle de todo o corpo.
Uma fração de segundo era tempo demais quando se tratava de Drizzt
Do’Urden. O ágil drow elevou-se em um salto, evitando facilmente um ataque
pesado, e lançou suas cimitarras em um golpe cruzado que desenhou duas linhas
paralelas ao longo da garganta do gigante.
O ettin largou os dois tacapes e agarrou-se ao ferimento mortal.
Uma flecha lançou-o ao chão.
Mais dois ettins permaneceram atrás do monte, mas eles, todas as quatro
cabeças, tinham visto o bastante dos companheiros em combate. Fugiram pegando
um túnel lateral, ficando frente a frente com as tropas de Dagna, que avançavam.
Um ettin ferido tropeçou de volta para a câmara principal, com uma dezena de
martelos sendo arremessados em suas costas inclinadas a cada passo pesado que
dava. Antes que Drizzt, Wulfgar, ou até mesmo Cattibrie com seu arco, pudessem
fazer qualquer movimento em direção à fera, uma multidão de anões saiu correndo
do túnel, saltou sobre ele, levou-o ao chão e o golpeou naquele frenesi abandonado
da batalha.
Drizzt olhou para Wulfgar e deu de ombros.
— Não tema, meu amigo — respondeu o bárbaro, sorrindo. — Há muito mais
inimigos para acertar! — com outro grito para o seu deus da batalha, Wulfgar se
virou e investiu na luta principal, tentando encontrar o elmo de um único chifre de
Bruenor em meio a um mar de goblins e anões entrelaçados.
Drizzt não seguiu, no entanto, porque ele preferia um único combate à
selvageria da batalha desenfreada. Chamando Guenhwyvar para o seu lado, o drow
seguiu o caminho ao longo da parede, eventualmente saindo da câmara principal.
Depois de apenas alguns passos e um grunhido de advertência de sua fiel
aliada felina, ele percebeu que Regis não estava muito atrás.

As estimativas de Bruenor sobre a habilidade de combate dos anões


continuavam infalíveis, visto que a batalha logo se transformou em uma
debandada. Ao trocar golpes com os anões bem equipados, os goblins perceberam
que suas espadas toscas e tacapes insignificantes não eram páreo para as armas
bem forjadas de seus inimigos. O povo de Bruenor também era mais bem treinado,
mantendo formações cerradas e mantendo o foco, o que era difícil em meio ao caos
e aos gritos dos moribundos.
Goblins fugiam às dúzias, a maioria encontrando a linha de Dagna e suas
investidas ansiosamente esperando para matá-los.
Com toda a confusão, Cattibrie teve que lançar suas flechas com cuidado,
especialmente porque não podia ter certeza de que um torso de um goblin
magricela pararia o voo de suas flechas. Principalmente, a jovem concentrou-se
naqueles goblins quebrando as fileiras, fugindo para o campo aberto entre a luta
principal e a linha de Dagna.
Apesar de toda a conversa sobre diplomacia e todas as acusações que levara a
Bruenor e aos outros, a jovem não pôde negar o formigamento, a descarga de
adrenalina que a percorria toda vez que ela levantava Taulmaril, o Buscador de
Corações.
Os olhos de Wulfgar também luziam com um brilho que indicava a margem
da sobrevivência. Criado em um povo guerreiro, conhecera o desejo da batalha
ainda jovem, uma fúria que só fora atenuada quando Bruenor e Drizzt lhe
ensinaram o valor de seus supostos inimigos e as muitas tristezas que as guerras de
sua tribo haviam causado.
Não havia culpa nessa luta, entretanto, não contra goblins malignos, e a
investida de Wulfgar dos ettins mortos para a batalha principal foi acompanhada
por uma canção calorosa para Tempus. Wulfgar não encontrou nenhum alvo
exposto o suficiente para ele arriscar um arremesso com seu martelo, mas não ficou
consternado, particularmente quando um grupo de vários goblins abandonou a luta
e fugiu em sua direção.
Os três que lideravam a fuga mal perceberam que o bárbaro estava lá quando
o primeiro golpe lateral de Wulfgar com Presa de Égide os varreu, matando dois.
Os goblins atrás tropeçaram em surpresa, mas seguiram em frente de qualquer
maneira, fluindo ao redor do bárbaro como um rio em volta de uma pedra.
Uma cabeça de goblin explodiu sob o próximo golpe pesado de Presa de
Égide; Wulfgar agarrou o martelo com uma das mãos para desviar uma espada,
depois seguiu com um gancho de esquerda que quebrou a mandíbula de seu
agressor e fez a criatura sair voando.
O bárbaro sentiu uma picada no seu flanco, e se encolheu antes que a espada
pudesse se cravar mais profundamente. Sua mão livre bateu de volta, apertando a
cabeça de seu atacante e erguendo a criatura que se contorcia do chão. Ela ainda
segurava a espada, e Wulfgar percebeu que estava vulnerável. Ele encontrou sua
única defesa possível em pura selvageria, sacudindo o goblin de um lado para o
outro tão violentamente que a criatura não conseguiria se orientar para realizar um
ataque.
Wulfgar virou-se para afastar seus muitos atacantes, usando seu ímpeto para
ajudar seu golpe do martelo, que segurava com apenas uma das mãos. Um goblin
que avançava tentou retroceder e ergueu o braço em uma defesa digna de pena,
mas o martelo de guerra explodiu através do membro magro e esmagou-o,
acertando a cabeça da criatura com tanta força que, quando o goblin caiu no chão,
ele caiu de costas. Mas seu rosto também estava voltado contra a pedra.
O goblin teimoso e estúpido fez um corte nos enormes bíceps de Wulfgar. O
bárbaro baixou a criatura com força, apertou e torceu e ouviu o satisfatório estalo
do pescoço. Vendo uma investida se aproximando por sua visão periférica, ele
atirou a coisa morta em seus companheiros, espalhando-os.
— Tempus! — o bárbaro rugiu. Pegou seu martelo de guerra com as duas
mãos e correu para a maior parte do grupo ao redor, golpeando Presa de Égide para
frente e para trás repetidamente. Qualquer goblin que não pudesse fugir daquela
investida furiosa, que não pudesse sair do alcance mortal, teve um pedaço de seu
corpo totalmente destruído.
Wulfgar girou e voltou para o grupo que sabia estar atrás dele. Os goblins de
fato começaram um avanço, mas quando o guerreiro se virou com seu rosto
contorcido em um frenesi de olhos arregalados, os goblins se viraram e fugiram.
Wulfgar lançou o martelo, esmagando um, depois girou de novo e correu de volta
para o outro grupo.
Estes também fugiram, aparentemente não se importando que o humano
selvagem estivesse desarmado.
Wulfgar pegou um deles pelo cotovelo, girou-o para encará-lo e colocou a
outra mão sobre o rosto da criatura, inclinando-a de costas até o chão. Presa de
Égide reapareceu em sua mão, e a fúria do bárbaro duplicou.

Bruenor teve que plantar uma bota solidamente no chão para soltar seu
machado do peito de sua última vítima. Quando a lâmina se soltou, uma explosão
de sangue a seguiu, banhando o anão. Bruenor não se importou, certo de que os
goblins eram coisas más, que os resultados de seus ataques selvagens melhorariam
o mundo.
Sorrindo alegremente, o rei anão correu de um lado para o outro, finalmente
encontrando outro alvo. O goblin atacou primeiro, e seu porrete se despedaçou
quando acertou o belo escudo de Bruenor. O goblin estúpido olhou para a arma
quebrada, incrédulo, depois olhou para o anão a tempo de ver o machado
mergulhar entre seus olhos.
Um brilho passou direito pelo anão, assustando seu prazer momentâneo. Ele
percebeu que era obra de Cattibrie, e viu a vítima a três metros de distância, presa
ao chão de pedra pela flecha tremulante de haste de prata.
— Bom arco... — o anão murmurou, e ao olhar de volta para sua filha, notou
um goblin subindo na plataforma.
— Não, você não vai! — o anão gritou, correndo para a laje e mergulhando
em um rolamento sobre ela. Ele veio ao lado da criatura, pronto para trocar golpes,
quando outro brilho forçou-o a pular de volta.
O goblin continuava de pé, olhando para o peito como se esperasse encontrar
uma flecha ali. Em vez disso, encontrou um buraco, direto entre os dois pulmões.
A criaturinha pôs um dedo no buraco, em uma tentativa ridícula de conter o fluxo
de sangue, e caiu morta.
Bruenor colocou as mãos nos quadris e olhou fixamente para a filha.
— Ei, menina — ele repreendeu. — Você está roubando toda a minha
diversão!
Os dedos de Cattibrie começaram a puxar a corda do arco, mas ela relaxou
imediatamente.
Bruenor considerou a ação curiosa da mulher, então entendeu quando um
porrete de goblin se chocou fortemente com a parte de trás de sua cabeça.
— Eu deixei esse pra você — Cattibrie disse com um dar de ombros, um
movimento bobo quando pesado contra o olhar furioso dos olhos escuros de
Bruenor.
Bruenor não estava ouvindo. Ele jogou o escudo para cima, bloqueando o
próximo ataque previsível, e girou, com seu machado liderando o caminho. O
goblin segurou sua barriga e pulou de volta para a ponta dos pés.
— Não foi longe o suficiente — o anão disse, educadamente usando sua
própria língua, e suas palavras foram provadas quando as entranhas do goblin se
espalharam.
A criatura horrorizada as observou em descrença.
— Você não deveria estar me batendo quando não estou olhando — foi todo o
pedido de desculpas que recebeu de Bruenor Martelo de Batalha, e seu segundo
golpe, inclinado no pescoço do goblin, arrancou a cabeça da criatura de seus
ombros.
Com a plataforma livre de inimigos, Bruenor e Cattibrie se voltaram para a
batalha geral. Cattibrie trouxe seu arco, mas depois não viu sentido em lançar mais
flechas. A maioria dos goblins estava em fuga, mas com as tropas de Dagna
alinhadas na câmara, não tinham para onde ir.
Bruenor saltou para baixo e colocou suas forças em uma perseguição
organizada, e como uma bocarra abocanhando, as hostes dos anões se fecharam
sobre a horda de goblins.
CAPÍTULO 4

Brinquedo de Anão
DRIZZT SE ESGUEIROU ATÉ UMA PASSAGEM tranquila, com o clamor
da batalha selvagem desaparecendo por detrás dele. O drow não estava
preocupado, porque sabia que sua sombra, sua Guenhwyvar, estava caminhando
junto dele silenciosamente, não muito longe. O que mais preocupava Drizzt era
Regis, que ainda o seguia teimosamente de perto. Felizmente, o halfling se
movimentava tão silenciosamente quanto o drow, se mantendo igualmente bem nas
sombras e não parecia ser um risco para Drizzt.
A necessidade de silêncio era a única coisa que impedia Drizzt de questionar
o halfling ali mesmo, porque, se esbarrassem em um grupo de goblins, Drizzt não
saberia como Regis, que não era muito habilidoso em batalha, ficaria longe do
perigo à frente.
A pantera parou e olhou para Drizzt. A gata, mais negra do que a escuridão,
esgueirou-se em uma abertura e caminhou para o lado até chegar em uma câmara.
Além da abertura, o ranger ouviu o rosnado inconfundível das vozes de goblins.
Olhou para trás para Regis, para os pontos vermelhos que mostravam visão
infravermelha e sensível a calor do amigo. Halflings também podiam ver no
escuro, mas não tão bem quanto os drow ou os goblins. Drizzt levantou uma mão,
acenou para Regis esperar no corredor, então se esgueirou até a entrada.
Os goblins, pelo menos seis ou sete, estavam amontoados perto do centro da
pequena câmara, se emaranhando ao redor dos vários pilares naturais, que
lembravam presas. À direita, ao longo da parede, Drizzt percebeu um ligeiro
movimento e sabia que era Guenhwyvar, esperando pacientemente para que ele
agisse primeiro. Que companheira maravilhosa de lutas era aquela pantera, Drizzt
lembrou a si mesmo. Sempre Guenhwyvar deixava Drizzt determinar o curso da
batalha, e então via a melhor forma de se encaixar.
O drow ranger foi para detrás da estalagmite mais próxima, se arrastou até
outra e rolou para trás de uma terceira, ainda mais perto de sua presa. Ele contou
nove goblins, aparentemente discutindo o que fazer. Eles não tinham guardas a
postos, não tinham ideia de que o perigo estava próximo.
Um se afastou para apoiar as costas contra uma estalagmite, separado dos
outros por apenas um metro e meio. Uma cimitarra penetrou através de sua barriga
em seus pulmões antes que pudesse emitir um som.
Faltavam oito.
Drizzt soltou o cadáver no chão e tomou o seu lugar, apoiando as costas na
pedra. Um momento depois, um dos goblins chamou-o, achando que fosse o goblin
morto. Drizzt grunhiu em resposta. Uma mão alcançou para dar um tapinha no
ombro dele, e o drow não conseguiu esconder o sorriso.
O goblin bateu nele uma vez, depois novamente, mais devagar, então a
criatura começou a sentir em torno do manto espesso do drow, aparentemente
notando a estatura mais alta de Drizzt. Com uma expressão curiosa em seu rosto
feio, o goblin espiou ao redor do monte.
Então havia sete, e Drizzt saltou para o meio deles com as cimitarras
brilhando em um redemoinho que levou os dois goblins mais próximos ao chão em
um piscar de olhos.
Os cinco restantes gritaram e correram, alguns colidindo com estalagmites,
outros se chocando e caindo uns sobre os outros. Um goblin foi direto até Drizzt,
com sua boca emitindo um fluxo firme de palavras indecifráveis e suas mãos bem
abertas, como em um gesto de amizade Aparentemente a criatura maligna só então
reconheceu que este elfo negro não era um companheiro em potencial, porque
começou a recuar freneticamente. As cimitarras de Drizzt atravessaram em um
corte descendente, arrancando um X de sangue quente no peito da criatura.
Guenhwyvar correu ao lado do drow e atacou um goblin que fugia para o
outro lado da caverna. Com um único golpe de garra enorme da pantera, a
contagem caiu para três.
Finalmente, dois goblins recuperaram seus sentidos o suficiente para ir até o
drow de forma coordenada, com as armas sacadas. Um lançou seu porrete em um
balanço giratório, mas Drizzt afastou a arma para longe antes que chegasse perto.
Sua cimitarra, a mesma que usara para afastar o golpe, disparou para a
esquerda, depois para a direita, para esquerda e para a direita e repetiu esse padrão
uma terceira vez, deixando a criatura atordoada com seis feridas mortais. Ela
estava perplexa enquanto caía para trás no chão. Durante todo o tempo, a segunda
cimitarra de Drizzt desviava com facilidade os muitos ataques desesperados do
outro goblin.
Quando o drow se virou para encarar a criatura, ela soube que estava
condenada. O goblin lançou sua espada curta na direção Drizzt, com pouco efeito,
e disparou para trás do pilar de pedra mais próximo.
A última criatura confusa cruzou atrás dele, surpreendendo o drow, e
assegurando a fuga do outro. Drizzt xingou a aparente sorte do goblin. Ele não
queria que ninguém fugisse, mas aqueles dois estavam, sábia ou afortunadamente,
fugindo em direções opostas.
Uma fração de segundo depois, porém, o drow ouviu um estalo ressonante por
detrás do pilar, e o goblin que tinha lançado sua espada curta caiu de trás do monte,
com seu crânio quebrado.
Regis, segurando sua pequena maça, espiou ao redor do pilar e deu de
ombros. Drizzt estava perplexo e simplesmente devolveu o olhar, então girou
prestes a perseguir o goblin remanescente, que estava abrindo caminho
rapidamente ao redor das presas da caverna em direção a um corredor na
extremidade oposta da câmara.
O drow, mais rápido e mais ágil, se aproximava de forma constante. Ele notou
Guenhwyvar, a boca da pantera brilhando com o sangue de sua última matança,
andando ao longo de um curso paralelo e se aproximando do goblin a cada passo
longo. Drizzt estava confiante de que a criatura não tinha chance de escapar.
Na entrada do corredor, o goblin parou de repente. Drizzt deslizou para o
lado, assim como Guenhwyvar, ambos mergulhando para a cobertura de pilares,
enquanto uma série de explosões de sons e faíscas cobriu o corpo do goblin. Ele
gritou e se sacudiu descontroladamente, de um lado para o outro; pedaços de suas
roupas e sua carne explodiam.
As explosões contínuas mantiveram o goblin de pé muito depois de já estar
morto. Finalmente, elas terminaram e a criatura caiu no chão, deixando finas linhas
de fumaça saindo de várias dezenas de feridas. Drizzt e Guenhwyvar mantiveram-
se firmes, perfeitamente silenciosos, sem saber que monstro novo havia chegado.
A câmara se iluminou de repente com uma luz mágica. Drizzt, lutando
arduamente para manter seus olhos em foco, apertou as cimitarras com força.
— Todos mortos? — ele ouviu uma voz de anão familiar dizer. Ele abriu seus
olhos bem a tempo de ver o clérigo Cobble entrar na sala, com uma mão em uma
bolsa de cinto grande, a outra segurando um escudo diante dele.
Vários soldados vieram logo depois, um deles resmungando,
— Muito bom o feitiço, clérigo.
Cobble inspecionou o corpo destruído, depois assentiu em acordo. Drizzt saiu
de trás do monte.
A mão do clérigo surpreso veio como um chicote, lançando uma quantidade
de pequenos objetos — pedrinhas? — no drow. Guenhwyvar rosnou, Drizzt
mergulhou, e as pedrinhas atingiram a rocha onde estivera de pé, iniciando outra
série de pequenas explosões.
— Drizzt! — Cobble gritou, percebendo seu erro. — Drizzt! — Ele correu
para o drow, que estava olhando para as muitas marcas chamuscadas no chão.
— Você está bem, caro Drizzt? — gritou Cobble.
— Muito bom o feitiço, clérigo — Drizzt respondeu em sua melhor imitação
da voz anã, com seu sorriso aberto e repleto de admiração.
Cobble bateu com força nas suas costas, quase derrubando-o.
— Eu também gosto — disse, mostrando a Drizzt que tinha uma bolsa cheia
das pedrinhas bombardeiras. — Você quer levar algumas?
— Eu quero — respondeu Regis, vindo em torno de uma estalagmite, mais
perto da entrada do túnel que Drizzt.
Drizzt piscou seus olhos de lavanda com espanto ao ver a habilidade do
halfling.

Outra força goblinoide, com mais de uma centena de guerreiros, tinha sido
posicionada em corredores à direita da câmara principal, para flanquear os anões
depois que o combate começasse. Com o fracasso da armadilha e a investida de
Bruenor que se seguiu (liderada pelas terríveis flechas prateadas), o fracasso
miserável dos ettin e a chegada subsequente das tropas anãs de Dagna, até mesmo
os goblins estúpidos foram sábios o bastante para virar para o outro lado e correr
— Anõezes — gritou um dos goblins da frente, e os outros logo ecoaram em
gritos que mudaram de terror para fome quando as criaturas chegaram a acreditar
que tinham esbarrado em um grupo pequeno do povo barbado, talvez um grupo de
batedores.
Qualquer que fosse o caso, esses anões aparentemente não tinham nenhuma
intenção de parar para lutar, e a perseguição começou. Algumas curvas e contornos
puseram os anões em fuga e os goblins perto de um túnel largo, trabalhado
suavemente e iluminado por tochas, um que fora cavado pelos anões do Salão de
Mitral várias centenas de anos antes. Pela primeira vez desde aquele dia longínquo,
os anões estavam lá novamente, esperando.
Mãos anãs poderosas abriram grandes discos sobre uma viga de madeira, um
após o outro, até que o conjunto se assemelhou a uma roda sólida e cilíndrica, alta
como um anão e quase tão larga quanto o corredor trabalhado, pesando bem mais
que uma tonelada. Completando o quadro principal da estrutura estavam alguns
pinos bem colocados, um envoltório de alguma chapa metálica (com cumes afiados
e cruéis martelados nela) e duas alças entalhadas que corriam do lado da roda para
trás da engenhoca, onde os anões poderiam manejá-las e empurrar a coisa.
Um pano com as imagens em tamanho real dos anões em investida pintadas
sobre ele estava pendurado na frente como um toque final que manteria os goblins
em formação até que fosse tarde demais para recuar.
— Aqui vêm eles — um dos batedores relatou, retornando ao grupo de
batalha principal. — Eles vão virar a curva em alguns minutos.
— As iscas estão prontas? — perguntou o anão encarregado da brigada do
brinquedo.
O outro anão acenou e os carregadores pegaram as estacas, colocando as mãos
firmemente atrás dos entalhes apropriados. Quatro soldados saíram na frente da
engenhoca, prontos para a sua corrida selvagem, enquanto o resto do contingente
de cem anões se pôs em linhas atrás dos carregadores.
— Os buracos tão trinta metros lá pra baixo — o chefe anão lembrou aos
soldados que iam à frente. — Vê se num erram o lugar! Assim que nós botar isso
pra rolar, num vai sê fácil de parar!
Gritos fingidos de medo vieram dos anões em fuga no outro extremo do longo
corredor, seguido pelos gritos dos goblins em perseguição. O chefe dos anões
sacudiu o rosto barbudo; era tão fácil atrair goblins. Bastava deixá-los acreditar que
tinham vantagem, e eles viriam.
Os soldados que iam à frente começaram um trote lento, os carregadores atrás
deles seguiram o ritmo fácil, e o exército se arrastou atrás do trovejar da roda lenta.
Outra série de gritos soou, e em meio aos sons ouviu-se o grito inconfundível de
“Agora!”
Os soldados à frente rugiram e começaram a correr. O brinquedo imenso veio
logo atrás, com as pernas anãs mantendo a roda demoníaca em um grande
rolamento. Acima do trovejar, os anões começaram sua canção rosnada:

Túnel é muito apertado,


O túnel vai abaixando,
Melhor correr, goblin,
Porque tamo chegando!

Sua investida soou como uma avalanche, um instrumental retumbante para os


gritos dos goblins. As iscas acenaram para os anões que se aproximavam, em
seguida, pararam ao lado dos nichos e viraram-se para lançar insultos aos seus
perseguidores goblins.
O chefe anão sorriu sombriamente ao saber que ele, que o brinquedo, passaria
pelas pequenas alcovas, os únicos lugares seguros em frente à engenhoca, uma
fração de segundo antes da hoste de goblins chegar lá. Exatamente como os anões
haviam planejado.
Sem ter como voltar atrás, pensando que eles haviam encontrado uma simples
expedição anã, as longas filas de goblins soltaram seus gritos de batalha e
continuaram a investida.
Os soldados anões à frente juntaram-se às iscas; juntos, mergulharam de lado
para as alcovas, e o brinquedo roncou, com seu dossel de disfarce fazendo os
goblins da frente diminuírem seu ritmo, confusos.
Uivos de terror substituíram os gritos de guerra e ecoaram pela formação dos
goblins. O goblin mais próximo cortou corajosamente a imagem anã saltitante,
derrubando o dossel pintado e revelando o desastre um instante antes de a criatura
ser esmagada.
Os temíveis anões chamavam seu brinquedo de guerra de “o espremedor”, e a
poça de fluido goblin que saiu do lado de trás da roda de esmagamento mostrou
que era um título apropriado.
— Cantem, meus anões! — comandou o chefe, e eles levaram seu canto para
grandes crescendos, com suas vozes estrondosas ecoando sobre os uivos dos
goblins.

Cada solavanco é a cabeça de um goblin que se vai,


Poças do sangue goblinoide que se esvai.
Corram, bons anões, empurrem o brinquedo,
Espremam seus corpos, os deixem com medo!

A brutal engenhoca saltou e bateu; os carregadores tropeçavam nas pilhas de


goblins. Mas se algum anão caísse, uma dúzia mais estavam prontos para pegar seu
lugar, pernas poderosas bombeando febrilmente.
O exército atrás da engenhoca começou a se esticar, anões parando para
acabar com os goblins que ainda se contorciam. A hoste principal ficou perto da
engenhoca, porém, porque quando chegou mais ao longo do túnel, começou a
passar por túneis laterais. Brigadas predeterminadas de soldados anões virava
nestes, logo atrás do brinquedo que passava, abatendo quaisquer goblins ainda na
área.
— Curva fechada! — o chefe anão gritou, e as faíscas voaram do lado das
rodas de pedra exteriores cobertas de aço enquanto elas faziam um barulho agudo.
Os anões estavam contando com esta região para parar a monstruosidade.
Isso não aconteceu, e ao redor da curva apareceu o fim do corredor, uma dúzia
de goblins arranhando a pedra inflexível, tentando encontrar alguma possibilidade
de fuga.
— Continuem. — gritou o chefe, e os anões apressados obedeceram, caindo
um sobre o outro enquanto continuavam a saltar.
Com uma tremenda explosão que sacudiu o leito de rocha, o espremedor
colidiu com a parede. Não foi difícil para os anões descobrirem o que aconteceu
com as criaturas infelizes capturadas na batida.
— Oh, bom trabalho! — o chefe anão disse aos seus subordinados olhando ao
redor da curva para a longa fila de goblins esmagados.
Os soldados anões ainda estavam lutando, mas agora superavam
absurdamente a quantidade de seus inimigos, porque mais da metade da força
goblin tinha sido esmagada.
— Bom trabalho! — o chefe reiterou cordialmente, e pelas estimativas de um
anão que odiava goblins, certamente era.

De volta à câmara principal, Bruenor e Dagna trocaram abraços vitoriosos e


viscosos, “compartilhando o sangue de seus inimigos”, como os anões brutais
assim chamavam. Alguns anões foram mortos e muitos outros estavam feridos,
mas nenhum dos líderes se atrevera a esperar que a derrota fosse tão completa.
— O que você acha disso, minha menina? — Bruenor perguntou a Cattibrie
quando ela veio se juntar a ele, seu longo arco confortavelmente posicionado sobre
um ombro.
— Fizemos o que tínhamos que fazer — respondeu a mulher. — E os goblins
foram, como esperado, um bando traiçoeiro. Mas eu não vou voltar atrás em
minhas palavras. Nós fizemos certo em tentar conversar primeiro.
Dagna cuspiu no chão, mas Bruenor, o mais sábio dos dois, acenou sua
concordância com a filha.
— Tempus! — ouviram Wulfgar gritar em vitória, e o bárbaro, avistando o
grupo, começou a se aproximar deles, com seu poderoso martelo de guerra erguido
acima de sua cabeça.
— Ainda acho que vocês estão tendo prazer demais com tudo isso —
comentou Cattibrie para Bruenor. Aparentemente não querendo falar com Wulfgar,
se afastou, voltando a ajudar os feridos.
— Bah! — Bruenor bufou atrás dela. — E você com certeza pôs seu arco pra
tocar uma doce canção!
Cattibrie tirou os cachos castanho avermelhados do rosto e não olhou para
trás. Não queria que Bruenor a visse sorrir.
A brigada do espremedor entrou na câmara principal meia hora mais tarde,
reportando o flanco direito livre de goblins. Alguns minutos depois deles, Drizzt,
Regis e Guenhwyvar vieram, com o drow dizendo a Bruenor que as forças de
Cobble estavam acabando com os corredores à esquerda e na retaguarda.
— Você conseguiu pegar alguns? — perguntou o anão. — Depois dos ettins,
quero dizer?
Drizzt assentiu com a cabeça.
— Sim — respondeu ele. — assim como Guenhwyvar... e Regis. — tanto
Drizzt quanto o anão lançaram olhares curiosos sobre o halfling, que estava parado
casualmente, com sua maça ensanguentada na mão. Percebendo os olhares, Regis
colocou a arma nas costas como se estivesse envergonhado.
— Eu nem esperava que viesse, Pança-furada — disse Bruenor para ele. —
Achei que você ficaria acordado, se enchendo de mais comida, enquanto o resto de
nós lutava.
Regis deu de ombros.
— Eu imaginei que o lugar mais seguro em todo o mundo fosse ao lado de
Drizzt — explicou ele.
Bruenor não estava disposto a discutir com essa lógica.
— Podemos começar a cavar em algumas semanas — explicou a seu amigo
ranger.
— Assim que alguns mineiros expedicionários chegarem e declararem o lugar
como seguro.
A essa altura, Drizzt mal o ouvia. Ele estava mais interessado no fato de que
Cattibrie e Wulfgar, andando entre as fileiras de feridos, estavam obviamente se
evitando.
— É o rapaz — Bruenor disse a ele, notando seu interesse.
— Ele não achava que uma mulher deveria estar na batalha — Drizzt
respondeu.
— Bah! — bufou o anão de barba ruiva. — Ela é uma guerreira tão boa
quanto qualquer outro. Além disso, cinco dúzias de mulheres anãs vieram junto e
duas delas chegaram a morrer.
O rosto de Drizzt se contorceu de surpresa ao escutar o rei anão. O ranger
balançou seu cabelo branco e começou a andar para se juntar a Cattibrie, mas
parou e olhou para trás depois de apenas alguns passos, balançando a cabeça mais
uma vez.
— Cinco dúzias delas — Bruenor reiterou ante a expressão de dúvida do elfo.
— Mulheres anãs, estou dizendo.
— Meu amigo — Drizzt respondeu, afastando-se mais uma vez —, eu nunca
conseguiria dizer a diferença.
As forças de Cobble juntaram-se aos outros anões duas horas depois,
reportando as áreas posteriores livres de inimigos. A debandada estava completa, e,
pelo que Bruenor e seus comandantes poderiam discernir, nenhum inimigo fora
deixado vivo.
Nenhuma das forças anãs havia notado as formas esguias e escuras — elfos
negros, espiões de Jarlaxle — flutuando entre as estalactites perto de áreas críticas
de batalha, observando os movimentos dos anões e técnicas de batalha com mais
do que um interesse casual.
A ameaça dos goblins havia acabado, mas esse era o menor dos problemas de
Bruenor Martelo de Batalha.
CAPÍTULO 5

Vós de Pouca Fé
DINIM OBSERVOU CADA MOVIMENTO DE SUA IRMÃ, assistindo-a
passar pelos rituais precisos para honrar à Rainha Aranha. O drow estava em uma
pequena capela que Jarlaxle conseguira para Vierna em uma das casas menores de
Menzoberranzan.
Dinin permaneceu fiel à divindade sombria Lolth e concordou de bom grado
em acompanhar Vierna em suas preces naquele dia, mas, na verdade, o drow
achava a coisa toda uma fachada sem sentido, achava que sua irmã era uma sátira
ridícula de seu antigo eu.
— Você não deveria ter tantas dúvidas — comentou Vierna, continuando o
ritual e não se importando em olhar por cima do ombro para encarar Dinin.
No entanto, ao som do suspiro enojado de Dinin, Vierna girou, com um olhar
furioso e um brilho vermelho em seus olhos estreitados.
— Qual é o propósito? — Dinin exigiu saber, enfrentando sua ira bravamente.
Mesmo que ela não estivesse no favor de Lolth, como Dinin teimava em acreditar,
Vierna era maior e mais forte do que ele e estava armada com magia clerical. Ele
cerrou os dentes, firme em sua determinação, e não recuou, com medo de que a
crescente obsessão de Vierna tornasse a levar aqueles ao seu redor ao caminho da
destruição.
Em resposta, Vierna tirou um curioso chicote das dobras de suas vestes
clericais. Enquanto a sua empunhadura era de adamante negro, as cincos correias
do instrumento estavam se contorcendo: eram cobras vivas. Os olhos de Dinin se
arregalaram; ele entendeu o significado da arma.
— Lolth não permite que ninguém além de suas altas sacerdotisas os usem —
lembrou Vierna, carinhosamente acariciando as cabeças.
— Mas nós perdemos o favor... — Dinin começou a reclamar, mas era um
argumento fraco diante da demonstração de Vierna.
Vierna olhou para ele e riu maldosamente, quase ronronando, enquanto se
inclinava para beijar uma das cabeças.
— Então por que ir atrás de Drizzt? — perguntou Dinin. — Você recuperou o
favor de Lolth. Por que arriscar tudo perseguindo nosso irmão traidor?
— Foi assim que recuperei o favor! — Vierna gritou. Ela avançou um passo e
Dinin recuou sabiamente. Ele se lembrava de seus dias na Casa Do’Urden, quando
Briza, sua irmã mais velha e mais cruel, muitas vezes torturava-o com um daqueles
temidos chicotes de cabeça de cobra.
Vierna se acalmou imediatamente, porém, e olhou de volta para seu altar
negro (vivo e esculpido) coberto de aranhas.
— Nossa família caiu por causa da fraqueza de Matriarca Malícia — explicou
ela. — Malícia falhou na tarefa mais importante que Lolth já deu a ela.
— Matar Drizzt — raciocinou Dinin.
— Sim — disse Vierna simplesmente, olhando por cima do ombro para
observar seu irmão. — Matar Drizzt, o miserável e traidor Drizzt. Eu prometi seu
coração a Lolth, prometi corrigir o erro da família, para que nós, você e eu,
pudéssemos recuperar o favor de nossa deusa.
— Para quê? — Dinin teve que perguntar, olhando ao redor da capela comum
com óbvio desprezo. — Nossa casa não existe mais. O nome Do’Urden não pode
ser falado em nenhum lugar da cidade. Qual será o ganho se novamente
encontrarmos o favor de Lolth? Você será uma alta sacerdotisa, e por isso fico
feliz, mas você não terá uma casa sobre a qual presidir.
— Mas eu vou! — retrucou Vierna com os olhos brilhando. — Eu sou uma
nobre sobrevivente de uma casa destruída assim como você, meu irmão. Nós temos
todos os Direitos de Acusação.
Os olhos de Dinin se arregalaram. Vierna estava tecnicamente correta; os
Direitos de Acusação eram um privilégio reservado para os filhos nobres
sobreviventes da destruição de suas casas, onde os filhos nomeavam seus
agressores e assim traziam o peso da justiça drow sobre o culpado. Na contínua
intriga dos bastidores da caótica Menzoberranzan, porém, a justiça era dispensada
seletivamente.
— Acusação? — Dinin gaguejou, mal conseguindo tirar a palavra da boca
subitamente seca. — Por acaso se esqueceu qual casa destruiu a nossa?
— É o que torna tudo mais doce — ronronou sua teimosa irmã.
— Baenre! — gritou Dinin. — Casa Baenre, primeira casa de
Menzoberranzan! Você não pode acusar os Baenre. Nenhuma casa, sozinha ou em
aliança, se moverá contra eles, e Matriarca Baenre controla a Academia. Onde sua
força de justiça será ganha?
— E quanto a Bregan D’aerthe? — Dinin continou. — O próprio bando de
mercenários que nos acolheu ajudou a derrotar a nossa casa. — Dinin parou
abruptamente, considerando suas próprias palavras, sempre impressionado com o
paradoxo, a cruel ironia da sociedade drow.
— Você é um macho e não consegue entender a beleza de Lolth — respondeu
Vierna. — Nossa deusa se alimenta desse caos, considera tal situação mais doce
simplesmente por causa das muitas e furiosas ironias.
— A cidade não vai guerrear contra a Casa Baenre — disse Dinin
inexpressivamente.
— Nunca chegará a isso! — Vierna retrucou, e de novo veio aquele brilho
selvagem em suas órbitas vermelhas brilhantes. — Matriarca Baenre está velha,
meu irmão. Seu tempo já passou. Quando Drizzt estiver morto, como exige a
Rainha Aranha, terei concedida uma audiência na Casa Baenre, onde eu... nós
faremos nossa acusação.
— Então seremos servidos como comida aos escravos goblins dos Baenre —
respondeu Dinin secamente.
— As próprias filhas de Matriarca Baenre vão forçá-la a sair para que a casa
recupere o favor da Rainha Aranha — continuou Vierna empolgada, ignorando o
irmão que duvidava dela — Para esse fim, vão me colocar no controle.
Dinin mal podia encontrar as palavras para rebater as alegações absurdas de
Vierna.
— Pense nisso, meu irmão — prosseguiu Vierna. — Imagine-se ao meu lado
enquanto eu presidir a Primeira Casa de Menzoberranzan!
— Lolth prometeu isso a você?
— Através de Triel — respondeu Vierna —, filha mais velha de Matriarca
Baenre, ela própria sendo a Matriarca Mestra da Academia.
Dinin estava começando a entender. Se Triel, muito mais poderosa que
Vierna, pretendia substituir sua mãe reconhecidamente antiga, ela certamente
reivindicaria o trono da Casa Baenre para si mesma, ou pelo menos permitiria que
uma de suas muitas irmãs dignas ocupasse o assento. As dúvidas de Dinin eram
óbvias quando ele se sentou em um banco, cruzando os braços à sua frente e
balançando a cabeça lentamente, para frente e para trás.
— Não tenho espaço para descrentes em minha comitiva — avisou Vierna.
— Sua comitiva? — Dinin respondeu.
— Bregan D’aerthe é apenas uma ferramenta, fornecida a mim para que eu
possa agradar a deusa — explicou Vierna sem hesitar.
— Você é insana — disse Dinin antes que pudesse encontrar a sabedoria para
manter o pensamento para si. Para seu alívio, porém, Vierna não avançou contra
ele.
— Você deve se arrepender das palavras sacrílegas quando o nosso traidor
Drizzt for dado a Lolth — prometeu a sacerdotisa.
— Você nunca vai chegar perto de nosso irmão — Dinin respondeu
bruscamente, suas memórias de seu encontro desastroso anterior com Drizzt ainda
dolorosamente claras. — E não vou acompanhá-la à superfície — não contra esse
demônio. Ele é poderoso, Vierna, mais poderoso do que você imagina.
— Silêncio! — a palavra carregava um peso mágico, e Dinin encontrou seus
próximos protestos planejados presos em sua garganta.
— Mais poderoso? — Vierna zombou um momento depois. — O que você
sabe sobre poder, macho impotente? — um sorriso irônico cruzou seu rosto, uma
expressão que fez Dinin se contorcer em seu assento. — Venha comigo, Dinin, o
duvidoso — disse Vierna. Ela começou a seguir por uma porta lateral na pequena
capela, mas Dinin não fez nenhum movimento para seguir.
— Venha! — Vierna comandou, e Dinin sentiu as pernas movendo-se sob ele,
viu-se abandonando o único monte de estalagmites da casa menor, depois deixando
Menzoberranzan completamente, seguindo fielmente cada passo de sua irmã
insana.
Assim que os dois Do’Urden saíram de vista, Jarlaxle abaixou a cortina em
frente ao seu espelho mágico, dissipando a imagem da pequena capela. Pensou que
deveria falar com Dinin em breve, para alertar o obstinado guerreiro sobre as
consequências que poderia enfrentar. Jarlaxle gostava sinceramente de Dinin e
sabia que o drow caminhava para o desastre.
— Você a tem atraído bem — o mercenário comentou com a sacerdotisa ao
lado dele, dando-lhe uma piscadela conspiratória com o olho esquerdo — o que
estava descoberto naquele dia.
A drow, mais baixa que Jarlaxle, mas repleta de uma força inegável, rosnou
para o mercenário, com seu desprezo óbvio.
— Minha querida Triel — arrulhou Jarlaxle.
— Segure sua língua — advertiu Triel Baenre —, ou eu vou arrancá-la e dar a
você, para que possa segurá-la em sua mão.
Jarlaxle deu de ombros e sabiamente mudou a conversa de volta para o
assunto em questão.
— Vierna acredita em suas palavras — observou ele.
— Vierna está desesperada — respondeu Triel Baenre.
— Ela teria ido atrás de Drizzt com a simples promessa de que você a levaria
para a sua família — argumentou o mercenário —, mas atraí-la com delírios de
substituir a Matriarca Baenre...
— Quanto maior o prêmio, maior a motivação de Vierna — respondeu Triel
calmamente. — É importante para minha mãe que Drizzt Do’Urden seja dado a
Lolth. Deixe a Do’Urden idiota pensar que vai conseguir.
— Concordo — Jarlaxle disse com um aceno de cabeça. — A Casa Baenre
preparou a escolta?
— Trinta irão se misturar aos guerreiros de Bregan D’aerthe — respondeu
Triel. — Eles são apenas homens — acrescentou com escárnio — e dispensáveis.
A primeira filha da Casa Baenre inclinou a cabeça com curiosidade enquanto
continuava a olhar para o astuto mercenário.
— Você vai acompanhar pessoalmente Vierna com seus soldados escolhidos?
— Triel perguntou. — Para coordenar os dois grupos?
Jarlaxle bateu as mãos delgadas:
— Eu sou parte disso — respondeu com firmeza.
— Para meu desagrado — rosnou a filha Baenre. Ela pronunciou uma única
palavra e, com um lampejo, desapareceu.
— Sua mãe me ama, querida Triel — disse Jarlaxle ao vazio, como se a
Matriarca Mestra da Academia ainda estivesse ao lado dele. — Eu não perderia
isso — o mercenário continuou, pensando em voz alta.
Pela estimativa de Jarlaxle, a busca por Drizzt só podia ser uma coisa boa. Ele
poderia perder alguns soldados, mas eles são substituíveis. Se Drizzt fosse de fato
levado a sacrifício, Lolth ficaria satisfeita, a Matriarca Baenre ficaria satisfeita, e
Jarlaxle encontraria uma maneira de ser recompensado por seus esforços. Afinal,
em um nível mais simples, Drizzt Do’Urden, como um renegado traidor, carregava
uma alta recompensa em sua cabeça. Jarlaxle riu maliciosamente, divertindo-se
com a beleza de tudo isso. Se Drizzt conseguisse escapar de alguma forma, então
Vierna cairia, e o mercenário continuaria, intocado.
Havia outra possibilidade de que Jarlaxle, afastado da situação imediata e
entendido dos costumes dos drow, reconhecia; e se, por alguma chance remota,
isso acontecesse, ele novamente estaria em condições de lucrar muito,
simplesmente por sua relação favorável com Vierna. Triel prometera a Vierna um
prêmio inacreditável porque Lolth a instruíra, e à sua mãe, a fazê-lo. O que
aconteceria se a Vierna cumprisse sua parte do acordo? O mercenário se perguntou.
Que ironias a conivente Lolth reservava para a Casa Baenre?
Com certeza, Vierna Do’Urden parecia insana por acreditar nas promessas
vazias de Triel, mas Jarlaxle sabia bem que muitas das drow mais poderosas de
Menzoberranzan, inclusive Matriarca Baenre, pareceram, em algum momento de
suas vidas, igualmente loucas.

Vierna atravessou a porta opaca para os aposentos particulares de Jarlaxle


mais tarde naquele dia, sua expressão enlouquecida revelando a ansiedade pelos
eventos que se aproximavam.
Jarlaxle ouviu uma comoção no corredor externo, mas Vierna apenas
continuou a sorrir conscientemente. O mercenário se balançou para trás em sua
cadeira confortável, batendo os dedos à sua frente e tentando discernir que surpresa
a sacerdotisa Do’Urden havia preparado para ele desta vez.
— Vamos precisar de um soldado extra para complementar o nosso grupo —
ordenou Vierna.
— Pode ser arranjado — respondeu Jarlaxle, começando a entender. — Mas
por quê? Dinin não vai nos acompanhar?
Os olhos de Vierna brilharam.
— Ele vai — disse a sacerdotisa —, mas o papel de meu irmão nessa caçada
mudou.
Jarlaxle não avançou, apenas continuou sentado tamborilando com seus
dedos.
— Dinin não acreditava no destino de Lolth — explicou Vierna, sentando-se à
beira da mesa de Jarlaxle. — Ele não queria me acompanhar nesta importante
missão. A Rainha Aranha exigiu isso de nós! — ela pulou de volta para o chão,
feroz de repente, e voltou para a porta opaca.
Jarlaxle não fez nenhum movimento, exceto flexionar os dedos da mão que
lançava a adaga, enquanto o discurso de Vierna continuava. A sacerdotisa varreu a
pequena sala, rezando para Lolth, amaldiçoando aqueles que não cairiam de
joelhos diante da deusa e amaldiçoando seus irmãos, Drizzt e Dinin.
Então Vierna se acalmou de novo de repente e sorriu maliciosamente.
— Lolth exige fidelidade — disse ela acusatoriamente.
— É claro — respondeu o mercenário inabalável.
— A justiça é uma das obrigações de uma sacerdotisa.
— É claro.
Os olhos de Vierna brilharam. Jarlaxle ficou tenso, temendo que a mulher
instável o atacasse por alguma razão desconhecida. Em vez disso, ela voltou para a
porta e chamou em voz alta seu irmão.
Jarlaxle viu a silhueta discreta e velada do outro lado do portal, viu o material
opaco se curvar e se esticar quando Dinin começou a entrar vindo do outro lado.
Uma enorme perna de aranha entrou na sala, depois outra, depois uma
terceira. O torso mutante passou, o corpo despido e dilatado de Dinin transmutado
abaixo da cintura no torso inferior de uma gigantesca aranha negra. Seu rosto,
antes bonito, agora parecia uma coisa morta, inchada e inexpressiva, os olhos sem
brilho.
O mercenário lutou arduamente para manter a respiração estável. Ele tirou o
grande chapéu e passou a mão sobre a cabeça careca e suada.
A criatura desfigurada terminou de entrar na sala e parou obedientemente
atrás de Vierna, a sacerdotisa sorrindo para o óbvio desconforto do mercenário.
— A missão é crucial — explicou Vierna. — Lolth não vai tolerar nenhum
questionamento.
Se Jarlaxle tinha alguma dúvida sobre o envolvimento da Rainha Aranha com
a missão de Vierna, ela se desfez naquele momento.
Vierna havia exigido a maior punição da sociedade drow contra o
problemático Dinin, algo que só uma alta sacerdotisa no mais alto favor de Lolth
poderia realizar. Ela substituíra o gracioso corpo drow de Dinin por aquela forma
aracnídea grotesca e mutante, substituíra a feroz independência de Dinin por um
comportamento malévolo que poderia dobrar aos seus caprichos.
Ela o transformara em um drider.
PARTE 2

Percepções
NÃO HÁ PALAVRA NA LÍNGUA DROW PARA O AMOR. A palavra mais
próxima da qual consigo me lembrar é ssinssrigg, mas é um termo que tem mais
haver com luxúria física e ganância egoísta. O conceito de amor existe nos
corações de alguns drow, é claro, mas o amor verdadeiro, um desejo altruísta que
muitas vezes exige sacrifício pessoal, não tem lugar em um mundo de rivalidades
tão amargas e perigosas. Os únicos sacrifícios na cultura drow são os presentes a
Lolth, e eles certamente não são altruístas, já que o doador reza por algo maior em
troca.
Ainda assim, o conceito de amor não era novo para mim quando deixei o
Subterrâneo. Eu amava Zaknafein. Amei tanto Belwar quanto Estalo. De fato, foi a
capacidade, a necessidade, do amor que acabou me afastando de Menzoberranzan.
Existe em todo o vasto mundo um conceito mais fugaz, mais elusivo? Muitas
pessoas de todas as raças parecem simplesmente não entender o amor,
sobrecarregar sua bela simplicidade com noções preconcebidas e expectativas
irrealistas. Quão irônico é que eu, saindo da escuridão daquela Menzoberranzan
sem amor, possa compreender melhor o conceito do que muitos daqueles que
viveram com ele, ou pelo menos com a possibilidade muito real dele, por toda suas
vidas.
Há algumas coisas que um drow renegado não deixaria de dar o devido valor.
Minhas poucas viagens a Lua Argêntea nestas últimas semanas estimularam
brincadeiras espirituosas por parte de meus amigos. “Com certeza o elfo tem os
olhos fixos em outro casamento!” Bruenor costuma cantarolar em relação ao meu
relacionamento com Alustriel, a Senhora de Lua Argêntea. Eu aceito as
provocações à luz do calor sincero e das esperanças por trás delas, e não frustrei
essas esperanças explicando aos meus queridos amigos que suas suposições são
equivocadas.
Eu aprecio Alustriel e a bondade que me mostrou. Eu aprecio que ela, uma
governante em um mundo muitas vezes implacável, tenha tido a chance de permitir
que um elfo negro andasse livremente pelas avenidas maravilhosas de sua cidade.
A aceitação de Alustriel de mim como amigo permitiu-me extrair meus desejos de
meus verdadeiros sonhos, não de limitações esperadas.
Mas eu a amo?
Não mais do que ela me ama.
Admito, porém, que amo a noção de que poderia amar Alustriel, e ela poderia
me amar, e que, se a atração estivesse presente, a cor da minha pele e a reputação
de minha herança não deteriam a nobre Senhora de Lua Argêntea.
Eu sei agora, porém, que o amor se tornou a parte mais proeminente da minha
existência, que meu vínculo de amizade com Bruenor, Wulfgar e Regis é de
extrema importância para qualquer felicidade que este drow venha a conhecer.
Meu vínculo com Cattibrie é ainda mais profundo.
O amor honesto é um conceito altruísta, isso eu já disse, e meu próprio
altruísmo foi submetido a um teste severo nesta primavera.
Temo agora pelo futuro, por Cattibrie e Wulfgar e pelas barreiras que devem
superar juntos. Wulfgar a ama, não duvido, mas carrega seu amor com uma
possessividade que beira o desrespeito.
Ele deve entender o espírito que é Cattibrie, deve ver claramente o
combustível que acende as chamas em seus maravilhosos olhos azuis. É esse
mesmo espírito que Wulfgar ama e, ainda assim, sem dúvida sufocará sob as ideias
do lugar de uma mulher como posse do marido.
Meu amigo bárbaro chegou longe desde seus dias de juventude vagando pela
tundra. E mais longe ainda ele deve chegar para segurar o coração da filha de alma
ardente de Bruenor, para manter o amor de Cattibrie.
Existe em todo o vasto mundo um conceito mais fugaz, mais elusivo?
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 6

Sundabar
— EU NÃO VOU ACEITAR O GRUPO DE NESMÉ! — Bruenor rosnou
para o emissário bárbaro de Pedra do Veredito.
— Mas, rei anão... — o homem grande e ruivo gaguejou impotente.
— Não! — o tom severo de Bruenor o silenciou.
— Os arqueiros de Nesmé desempenharam um papel importante na
recuperação do Salão de Mitral — Drizzt, que estava ao lado de Bruenor no
auditório, prontamente lembrou ao rei anão.
Bruenor se mexeu abruptamente em seu assento de pedra.
— Você esqueceu o tratamento que os cães de Nesmé deram a você quando
passamos pela terra deles? — ele perguntou ao drow.
Drizzt sacudiu a cabeça, com a ideia realmente trazendo um sorriso ao rosto
dele.
— Nunca — ele respondeu, mas sua expressão e tom calmos revelaram que,
ainda que não tivesse esquecido, ele aparentemente havia perdoado.
Olhando para o seu amigo de pele de ébano, tão em paz e contente, a fúria do
anão foi imediatamente amenizada.
— Você acha que eu deveria deixá-los ir ao casamento, então?
— Agora você é um rei — respondeu Drizzt, e estendeu as mãos como se essa
simples declaração explicasse tudo. A expressão de Bruenor mostrou claramente
que não tinha entendio e então o elfo negro igualmente teimoso prontamente
elaborou. — Suas responsabilidades para com o seu povo dependem da diplomacia
— explicou Drizzt. — Nesmé será uma parceira comercial promissora e uma
aliada valiosa. Além disso, podemos perdoar os soldados de uma cidade ameaçada
por sua reação à visão de um elfo negro.
— Bah, você é muito coração mole, elfo — resmungou Bruenor — e está me
levando com você!
Ele olhou para o enorme bárbaro, obviamente parecido com Wulfgar, e
assentiu:
— Mande minhas boas-vindas a Nesmé, então, mas eu vou precisar de uma
contagem dos que virão!
O bárbaro lançou um olhar apreciativo a Drizzt, depois fez uma reverência e
partiu, embora sua partida não tenha ajudado a parar os resmungos de Bruenor.
— Umas cem coisas pra fazer, elfo — o anão reclamou.
— Você tenta fazer do casamento da sua filha o mais grandioso que o mundo
já viu — destacou Drizzt.
— Eu tento — Bruenor concordou. — Ela merece, minha Cattibrie. Eu tentei
dar a ela o que pude todos esses anos, mas... — Bruenor estendeu as mãos,
convidando a uma inspeção visual de seu corpo robusto, um lembrete de que ele e
Cattibrie não eram da mesma raça.
Drizzt pôs a mão no ombro forte do amigo.
— Nenhum humano poderia ter dado mais — assegurou a Bruenor. O anão
fungou; Drizzt fez bem em esconder sua risada.
— Mas cem malditas coisas! — Bruenor rosnou, seu ataque de
sentimentalismo sendo previsivelmente de curta duração. — A filha do rei tem que
ter um casamento adequado, eu digo, mas não estou conseguindo muita ajuda em
fazer essa maldita coisa direito!
Drizzt conhecia a fonte da frustração exagerada de Bruenor. O anão esperava
que Regis, um ex-mestre de guilda e inegavelmente habilidoso na etiqueta,
ajudasse no planejamento da enorme celebração.
Logo depois que Regis chegou nos salões, Bruenor assegurou a Drizzt que
seus problemas haviam acabado, que “Pança-furada vai ver o que tem pra ser
visto”.
Na verdade, Regis assumira muitas tarefas, mas não se saíra tão bem quanto
Bruenor esperava ou exigia. Drizzt não tinha certeza se isso vinha da inesperada
inépcia de Regis ou da atitude coruja de Bruenor.
Um anão entrou correndo e entregou a Bruenor vinte pergaminhos diferentes
de possíveis configurações para o grande refeitório. Outro anão entrou logo atrás
do primeiro, carregando vários cardápios em potencial para a festa.
Bruenor apenas suspirou e olhou impotente para Drizzt.
— Você vai passar por isso — o drow assegurou. — E Cattibrie vai achar essa
a celebração mais grandiosa já feita.
Drizzt pretendia continuar, mas sua última declaração o fez parar. Uma
expressão preocupada cruzou sua testa, o que Bruenor não ignorou.
— Você está preocupado com a garota — concluiu o anão observador.
— Mais com Wulfgar — admitiu Drizzt.
Bruenor riu.
— Precisei colocar três pedreiros trabalhando para consertar as paredes do
rapaz — disse o anão. — Algo causou uma raiva bem poderosa nele.
Drizzt apenas assentiu. Não revelara a ninguém que ele havia sido o alvo de
Wulfgar naquela ocasião em particular, e que Wulfgar provavelmente o teria
matado cegamente se o bárbaro tivesse vencido a briga.
— O garoto só está nervoso — disse Bruenor.
Novamente o drow assentiu, embora não tivesse certeza de que conseguiria
concordar. Wulfgar estava de fato nervoso, mas seu comportamento ia além dessa
desculpa. Ainda assim, Drizzt não tinha melhores explicações, e, desde o incidente
no quarto, Wulfgar se tornara novamente amigável com Drizzt, parecendo mais
com seu antigo eu.
— Ele vai se acalmar depois que o dia passar — continuou Bruenor, e pareceu
a Drizzt que o anão estava mais tentando convencer a si mesmo mais do que a
qualquer outra pessoa. Isto também, Drizzt entendeu, era porque Cattibrie, a
humana órfã, era filha de Bruenor em coração e alma. Ela era o único ponto fraco
no coração duro de Bruenor, a brecha vulnerável na armadura do rei.
O comportamento errático e dominador de Wulfgar não tinha escapado ao
sábio anão, ao que parecia. Mas, embora a atitude de Wulfgar incomodasse
Bruenor, Drizzt não acreditava que o anão faria algo a respeito — a menos que
Cattibrie lhe pedisse ajuda. E Drizzt sabia que Cattibrie, tão orgulhosa e teimosa
quanto seu pai, não pediria — não a Bruenor e nem a Drizzt.
— Onde você esteve se escondendo, seu pequeno malandro? — Drizzt ouviu
Bruenor rugir, e o enorme volume da voz do anão arrancou Drizzt de suas
contemplações. Ele olhou por cima do ombro e viu Regis entrando no corredor, o
halfling parecendo completamente confuso.
— Estava fazendo minha primeira refeição do dia! — Regis gritou de volta,
com uma expressão amarga no rosto de querubim e uma mão sobre a barriga
queixosa.
— Não há tempo para comer! — Bruenor retrucou. — Nós temos umas--
— Cem coisas para fazer — Regis terminou, imitando o sotaque pesado do
anão e levantando sua mão rechonchuda em um apelo desesperado para Bruenor
recuar.
Bruenor pisou forte e correu para a pilha de cardápios em potencial.
— Já que você pensa tanto em comida...
Bruenor começou a falar enquanto recolhia os pergaminhos e os levava,
cobrindo Regis com eles:
— Haverá elfos e humanos aos montes no banquete — explicou, enquanto
Regis tentava colocar a pilha em ordem. — Dê a eles algo que suas entranhas
sensíveis aguentem!
Regis lançou um olhar de súplica para Drizzt, mas quando o drow apenas deu
de ombros em resposta, o halfling pegou os pergaminhos e afastou-se.
— Eu achei que aquele lá fosse melhor nessa coisa de planejar casamento —
comentou Bruenor, em voz alta o suficiente para o halfling ouvir.
— E não tão bom em lutar contra goblins — respondeu Drizzt, lembrando-se
dos notáveis esforços do halfling na batalha. Bruenor acariciou a espessa barba
ruiva e olhou para a porta vazia pela qual Regis acabara de passar.
— Passou muito tempo na estrada ao lado de gente como nós — o anão
decidiu por fim.
— Tempo demais — Drizzt acrescentou em voz baixa, muito baixo para que
Bruenor ouvisse, pois era óbvio para o drow que Bruenor, ao contrário de Drizzt,
consideravam boas as revelações surpreendentes sobre o amigo halfling.
Pouco tempo depois, quando Drizzt, em uma missão para Bruenor, se
aproximou da entrada da capela de Cobble, descobriu que Bruenor não era o único
perturbado pelos preparativos para o casamento que se aproximava.
— Nem por todo o mitral no reino de Bruenor! — ele ouviu Cattibrie gritar
enfaticamente.
— Seja razoável — Cobble choramingou de volta para ela. — Seu pai não
está pedindo muito.
Drizzt entrou na capela e viu Cattibrie de pé em cima de um pedestal, com as
mãos resolutas nos quadris esguios, e Cobble mais abaixo diante dela, segurando
um avental cravejado de pedras preciosas.
Cattibrie olhou para Drizzt e deu uma breve sacudida de cabeça.
— Eles estão querendo que eu use um avental de ferreiro! — ela berrou. —
Um maldito avental de ferreiro no dia do meu casamento!
Drizzt percebeu com prudência que aquela não era a hora de sorrir.
Ele caminhou solenemente até Cobble e pegou o avental.
— Tradição dos Martelo de Batalha — o clérigo bufou.
— Qualquer anã ficaria orgulhosa de usar essas vestes — concordou Drizzt.
— Devo, porém, lembrá-lo de que Cattibrie não é uma anã?
— Um símbolo de subserviência, é o que isso é — a mulher de cabelos
arruivados despejou. — Espera-se que as anãs trabalhem na forja durante todo o
dia. Eu nunca levantei um martelo de ferreiro, e...
Drizzt acalmou-a com a mão estendida e um olhar melancólico.
— Ela é filha de Bruenor — destacou Cobble. — Tem o dever de agradar seu
pai.
— De fato — Drizzt, o consumado diplomata, concordou mais uma vez —,
mas lembre-se de que ela não está se casando com um anão. Cattibrie nunca
trabalhou na forja...
— É simbólico — protestou Cobble.
— ... e Wulfgar levantou o martelo apenas durante seus anos de servidão a
Bruenor, quando não tinha escolha — concluiu Drizzt, sem perder o ritmo.
Cobble olhou para Cattibrie, depois de volta para o avental, e suspirou.
— Encontraremos um meio termo — ele concedeu.
Drizzt lançou uma piscadela para Cattibrie e ficou surpreso ao perceber que
seus esforços aparentemente não haviam amenizado o humor da jovem.
— Eu vim em nome de Bruenor — disse o drow ranger para Cobble.
— Ele mencionou algo sobre aprovar a água benta para a cerimônia.
— Provar — Cobble corrigiu, então ficou assustadiço, olhando para um lado e
para o outro. — Sim, sim, a cerveja — disse ele, confuso. — Bruenor está
querendo resolver a questão da cerveja hoje.
Ele olhou para Drizzt.
— Estamos achando que a mais escura será demais para o grupo de barriga
fraca de Lua Argêntea.
O anão correu pela capela grande, pegando baldes das várias fontes que
cobriam as paredes. Cattibrie respondeu a Drizzt com um dar de ombros incrédulo
enquanto ele silenciosamente pronunciava as palavras,
— Água benta?
Clérigos da maioria das religiões preparavam sua água abençoada com óleos
exóticos; não deveria ser uma surpresa para Drizzt, depois de muitos anos ao lado
do barulhento Bruenor, que os clérigos anões usassem lúpulo.
— Bruenor disse que você deveria trazer uma quantia generosa — disse
Drizzt a Cobble, instruções que dificilmente seriam necessárias, já que o clérigo
empolgado já enchera um pequeno carrinho com frascos.
— Já acabamos por hoje — anunciou Cobble para Cattibrie.
O anão caminhou rapidamente até a porta, com sua preciosa carga.
— Mas não pense que você teve a última palavra! — Cattibrie rosnou de
novo, mas Cobble, andando a toda velocidade, estava longe demais para notar.
Drizzt e Cattibrie sentaram-se lado a lado no pequeno pedestal em silêncio por
algum tempo.
— O avental é tão ruim? — o drow finalmente reuniu a coragem de perguntar.
Cattibrie sacudiu a cabeça.
— Não é a roupa, mas o significado da coisa que não estou gostando — ela
explicou. — Meu casamento é em duas semanas. Estou pensando que já vi minha
última aventura, minha última batalha, exceto por aquelas que estou condenada a
enfrentar contra o meu próprio marido.
A admissão contundente atingiu Drizzt profundamente e aliviou muito do
peso de manter seus medos em segredo.
— Goblins de toda a Faerun ficarão contentes em ouvir isso — disse, tentando
trazer alguma leveza ao humor sombrio da jovem. Cattibrie conseguiu dar um leve
sorriso, mas uma profunda tristeza permaneceu em seus olhos azuis.
— Você lutou tão bem quanto qualquer um de nós — acrescentou Drizzt.
— Você não acha que eu lutaria? — Cattibrie gritou para ele, de repente na
defensiva, seu tom tão afiado quanto as bordas das cimitarras mágicas de Drizzt.
— Você está sempre tão cheia de raiva? — Drizzt replicou, e suas palavras
acusatórias acalmaram Cattibrie imediatamente.
— Só com medo, suponho — ela respondeu calmamente.
Drizzt assentiu, compreendendo e apreciando o crescente dilema de sua
amiga.
— Eu preciso voltar para Bruenor — explicou, levantando-se do pedestal. Ele
teria parado de falar naquele momento, mas não podia ignorar o olhar de súplica
que Cattibrie lhe lançou.
Ela se virou imediatamente, olhando diretamente para a frente sob o capuz de
suas grossas mechas arruivadas, e tal desalento atingiu Drizzt com mais força.
— Não é meu direito te dizer como deve se sentir — Drizzt disse
uniformemente. Ainda assim, a jovem não olhou para ele. — Meu fardo como seu
amigo é igual ao que você carregou na cidade de Porto Calim, lá no sul, quando eu
me perdi. Eu digo a você agora: o caminho diante de você se desdobra em muitas
direções, mas a escolha desse caminho é sua. Para o bem de todos nós e
principalmente o seu, oro para que você considere seu curso com cuidado.
Ele se abaixou, empurrou o cabelo de Cattibrie para trás e beijou-a
suavemente na bochecha.
Ele não olhou para trás quando saiu da capela.

Metade do carrinho de Cobble já estava vazio quando o drow entrou no salão


de audiências de Bruenor. O rei anão, Cobble, Dagna, Wulfgar, Regis e vários
outros anões discutiam em voz alta sobre qual balde da “água benta” tinha o gosto
mais suave — discussões que inevitavelmente produziam mais testes de provar, o
que por sua vez criava mais discussão.
— Esta! — Bruenor berrou depois de esvaziar um balde e voltar com a barba
vermelha coberta de espuma.
— Essa é boa para goblins! — Wulfgar rugiu, sua voz misturada a uma
gargalhada. Sua risada terminou abruptamente, no entanto, quando Bruenor jogou
o balde sobre a cabeça e deu-lhe uma pancada retumbante.
— Eu posso estar errado — Wulfgar, de repente, sentado no chão, admitiu,
sua voz ecoando sob o balde de metal.
— Diga-me o que você pensa, drow — Bruenor berrou quando notou Drizzt.
Ele estendeu dois baldes.
Drizzt levantou a mão, recusando o convite.
— As fontes da montanha são mais do meu agrado do que a cerveja
encorpada — explicou.
Bruenor jogou os baldes para ele, mas o drow se afastou com facilidade, e o
líquido escuro e dourado escorreu lentamente pelo chão de pedra. O grande volume
dos protestos dos outros anões resultantes da perda de uma boa cerveja espantou
Drizzt, mas não tanto quanto o fato de essa provavelmente ser a primeira vez que
ele vira Bruenor repreendido sem encontrar coragem para revidar.
— Meu rei — veio um chamado da porta, terminando a discussão.
Um anão bastante rechonchudo, totalmente trajado com equipamento de
batalha, entrou no salão de audiências, a seriedade de sua expressão arrancando a
alegria na câmara de degustação.
— Sete dos nossos não retornaram das seções mais recentes — explicou o
anão.
— Estão levando o tempo necessário, só isso — respondeu Bruenor.
— Eles perderam o jantar — disse o guarda.
— Problema — Cobble e Dagna disseram juntos, de repente solenes.
— Bah! — bufou Bruenor quando acenou com a mão grossa instável na frente
dele. — Não tem mais goblins nesses túneis. Os grupos lá embaixo estão apenas
caçando mitral. Eles encontraram um veio de mitral, eu digo. Isso seguraria
qualquer anão, mesmo com o jantar.
Cobble e Dagna, mesmo Regis, observou Drizzt, balançaram a cabeça em
concordância. Dado o perigo potencial que sabia haver sempre que viajava pelos
túneis do Subterrâneo (e os túneis mais profundos dos Salões de Mitral não
poderiam ser considerados nada menos que isso), o drow cauteloso não estava tão
facilmente convencido.
— O que você está pensando? — Bruenor perguntou a Drizzt, vendo sua clara
preocupação.
Drizzt considerou sua resposta por um longo tempo.
— Estou pensando que você provavelmente está certo.
— Provavelmente? — bufou Bruenor. — Ah, bem, eu nunca consegui te
convencer, mesmo. Vá, então. É o que você quer. Pegue sua gata e vá encontrar
meus anões atrasados.
O sorriso irônico de Drizzt não deixou dúvidas de que as instruções de
Bruenor haviam sido sua intenção o tempo todo.
— Eu sou Wulfgar, filho de Beornegar! Eu também vou! — Wulfgar
proclamou, mas soava um pouco ridículo com a cabeça ainda embaixo do balde.
Bruenor deu outra pancada para silenciar o bárbaro.
— E elfo — o rei chamou, voltando Drizzt de volta para ele. Bruenor ofereceu
um sorriso perverso para todos aqueles que o cercavam, depois largou-o totalmente
sobre Regis. — Leva o Pança-furada com você — explicou o rei anão. — Ele não
está fazendo nada aqui mesmo.
Os grandes olhos redondos de Regis ficaram ainda maiores e mais redondos.
Ele passou os dedos macios e gorduchos pelo cabelo castanho encaracolado, depois
puxou desconfortavelmente o brinco pendente que usava.
— Eu? — perguntou humildemente. — Voltar lá para baixo?
— Você foi para lá uma vez — disse Bruenor, argumentando mais com os
outros anões do que com Regis. — Até pegou alguns goblins, se bem me lembro.
— Eu tenho muito para...
— Vai-te embora, Pança-furada — rosnou Bruenor, inclinando-se para a
frente em seu assento e quase se desequilibrando no processo. — Pela primeira vez
desde que você voltou correndo para nós, e nós sabemos que você está fugindo,
faça o que peço sem reclamações e sem desculpas!
A seriedade do tom sombrio de Bruenor surpreendeu a todos na sala,
aparentemente até Regis, pois o halfling não ofereceu nenhum outro argumento,
apenas se levantou e caminhou obedientemente para ficar ao lado de Drizzt.
— Podemos passar no meu quarto primeiro? — Regis perguntou calmamente
ao drow. — Eu gostaria de pegar minha maça minha e mochila, pelo menos.
Drizzt colocou um braço sobre os ombros caídos do companheiro de um
metro de altura e virou-o.
— Não tenha medo — disse em voz baixa, e para acentuar o que disse, deixou
cair a estatueta de ônix de Guenhwyvar nas mãos ansiosas do halfling.
Regis sabia que estava em boa companhia.
CAPÍTULO 7

Silêncio na Escuridão
MESMO COM LÂMPADAS ACESAS REVESTINDO todas as paredes e
com o caminho claro e bem marcado, Drizzt e Regis levaram mais de três horas
para atravessar os quilômetros do grande complexo do Salão de Mitral até as novas
áreas do túnel. Passaram pela maravilhosa Cidade Baixa, com seus muitos níveis
de habitações anãs que se assemelhavam a gigantescos degraus nos dois lados da
enorme caverna. As residências davam para uma área de trabalho central no chão
da caverna que fervilhava com as atividades da raça laboriosa. Esse era o centro de
todo o complexo; ali, a maioria do povo de Bruenor vivia e trabalhava. Grandes
fornalhas rugiam o dia todo, todos os dias. Martelos anões ecoavam em uma
canção contínua, e embora as minas tivessem sido abertas há apenas alguns meses,
milhares de produtos acabados — desde armas finamente trabalhadas até belos
cálices — já enchiam vários carrinhos de mão, que esperavam ao longo das
paredes pelo começo da época de comercialização.
Drizzt e Regis entraram pelo extremo leste no nível superior, cruzaram a
caverna ao longo de uma ponte alta e desceram as muitas escadas para chegar no
nível mais abaixo da cidade, seguindo para o oeste, para as minas mais profundas
do Salão de Mitral. Lamparinas baixas queimavam nas paredes, embora agora
fossem mais espaçadas, e de vez em quando os companheiros passavam por uma
equipe de trabalho anã, tirando o precioso minério prateado, o mitral, da parede do
túnel.
Então chegaram aos túneis externos, onde não havia lâmpadas nem anões.
Drizzt tirou a mochila, pensando em acender uma tocha, mas notou os olhos do
halfling brilhando com o vermelho revelador da infravisão.
— Eu prefiro a luz de uma tocha — Regis comentou quando o drow começou
a devolver a tocha para a mochila.
— Devemos economizar — respondeu Drizzt. — Não sabemos quanto tempo
teremos que passar nesses novos túneis.
Regis deu de ombros; Drizzt se divertiu com o fato de que o halfling já estava
segurando sua maça pequena, mas inegavelmente eficaz, embora ainda não
tivessem ido além das regiões seguras do complexo.
Eles fizeram uma pequena pausa, depois seguiram novamente, colocando
outros dois ou três quilômetros atrás deles. Previsivelmente, Regis logo começou a
reclamar de seus pés doloridos e se aquietou apenas quando ouviram o som de
conversas anãs algum lugar à frente.
Algumas voltas e reviravoltas no túnel levaram-nos a uma escada estreita que
se esvaziava na última sala de guarda daquela seção. Quatro anões estavam lá,
jogando dados (e resmungando a cada jogada) e dando pouca atenção à grande
porta de pedra com barras de ferro que fechava as novas áreas.
— Olá — disse Drizzt, interrompendo o jogo.
— Temos alguns dos nossos ali — um anão de barba castanha e atarracada
respondeu assim que notou Drizzt. — Rei Bruenor mandou vocês dois atrás deles?
— Sorte a nossa — comentou Regis.
Drizzt assentiu com a cabeça.
— Devemos lembrar aos anões desaparecidos que o mitral será obtido no
devido tempo — disse ele, tentando manter o encontro despreocupado, não
querendo alarmar os guardas com a sua crença de que poderia haver problemas na
nova seção.
Dois dos anões pegaram suas armas enquanto os outros dois se aproximavam
para remover a pesada barra de ferro que trancava a porta.
— Bem, quando estiver pronto para sair, bata na porta três vezes, depois duas
— explicou o anão de barba castanha. — Não vamos abrir a menos que o sinal
esteja certo!
— Três, depois duas — concordou Drizzt.
A barra saiu e a porta se abriu para dentro com um grande som de sucção.
Nada além da escuridão de um túnel vazio era aparente além dela.
— Calma, meu amiguinho — disse Drizzt, vendo o brilho súbito nos olhos do
halfling. Eles haviam estado ali apenas algumas semanas antes, para a luta contra
os goblins, mas, embora tivessem erradicado tal ameaça, o túnel silencioso não
parecia menos imponente.
— Rápido — disse-lhes o anão de barba castanha, obviamente não contente
em manter a porta aberta.
Drizzt acendeu uma tocha e liderou o caminho para a penumbra, com Regis
nos seus calcanhares. Os anões fecharam a porta imediatamente quando os
companheiros foram liberados, e Drizzt e Regis ouviram o barulho da barra de
ferro sendo colocada de volta no lugar.
Drizzt entregou a Regis a tocha e sacou suas cimitarras, fazendo Fulgor
brilhar num suave tom de azul.
— Devemos terminar o mais depressa que pudermos — raciocinou o drow. —
Traga Guenhwyvar e deixe-a nos guiar.
Regis largou a maça e a tocha e se atrapalhou para encontrar a estatueta de
ônix. Ele a colocou no chão diante de si e pegou seus outros itens, depois olhou
para Drizzt, que andara alguns degraus mais abaixo no túnel.
— Você pode chamar a pantera — disse Drizzt, um tanto surpreso, quando
olhou para trás e viu o halfling esperando por ele, uma visão curiosa dada a estreita
relação de Regis com o grande felino. Guenhwyvar era uma entidade mágica, uma
habitante do Plano Astral, que vinha ante a convocação do dono da estatueta.
Bruenor sempre fora um pouco tímido ao redor da gata (anões não costumavam
gostar de magia além da mágica de belas armas), mas Regis e Guenhwyvar eram
amigos íntimos. Guenhwyvar tinha até salvado a vida do halfling uma vez, levando
Regis em um passeio astral e tirando-o de uma torre em colapso no processo.
Agora, porém, Regis estava acima da estatueta, com a tocha e a maça na mão,
aparentemente inseguro de como proceder.
Drizzt deu alguns passos para se juntar ao seu diminuto amigo.
— Qual é o problema? — perguntou ele.
— Eu... Acho que você deveria chamar Guenhwyvar — o halfling respondeu.
— É sua pantera, afinal, e é a sua voz que Guenhwyvar conhece melhor.
— Guenhwyvar viria ao seu chamado — assegurou Drizzt a Regis, dando um
tapinha no ombro do halfling. Não querendo se atrasar discutindo, o drow
suavemente chamou o nome da pantera. Alguns segundos depois, uma névoa
acinzentada, parecendo mais escura sob a luz fraca, juntou-se à estatueta e
gradualmente se transformou na forma da pantera. A névoa sutilmente tornou-se
algo mais substancial, depois desapareceu, deixando em seu lugar a forma felina e
musculosa de Guenhwyvar. As orelhas da pantera se achataram imediatamente —
Regis deu um passo prudente para trás —, e então Drizzt agarrou Guenhwyvar pelo
queixo e deu uma sacudida brincalhona.
— Alguns anões estão desaparecidos — Drizzt explicou à gata, e Regis sabia
que Guenhwyvar entendia cada palavra. — Encontre o cheiro deles, minha amiga.
Conduza-me a eles.
Guenhwyvar passou um longo tempo estudando a área, voltou-se para olhar
um pouco para Regis e depois emitiu um rosnado baixo.
— Continue — Drizzt disse à gata, e os músculos macios se flexionaram,
impulsionando Guenhwyvar com facilidade e em perfeito silêncio para a escuridão
além da luz das tochas.
Drizzt e Regis seguiram em passo calmo, o drow confiante de que a pantera
não iria longe demais para a acompanharem e Regis olhando de um lado para o
outro a cada centímetro que passava. Atravessaram a interseção com os
gigantescos ossos do ettin, o primeiro abate de Bruenor, pouco tempo depois, e
Guenhwyvar se juntou a eles mais uma vez quando entraram na caverna baixa
onde a força principal dos goblins havia sido derrotada.
Pouca evidência restava daquela recente batalha, exceto as muitas manchas de
sangue e uma pilha cada vez menor de corpos de goblins no centro do local.
Criaturas parecidas com vermes de três metros de comprimento se apinhavam
sobre eles, com seus longos tentáculos sentindo o caminho enquanto se
banqueteavam nos cadáveres inchados.
— Fique perto — alertou Drizzt, e Regis não precisou ser avisado duas vezes.
— São vermes da carniça — explicou o ranger —, os abutres do Subterrâneo. Com
a comida tão prontamente disponível, eles provavelmente nos deixarão em paz,
mas são inimigos perigosos. Um toque de seus tentáculos pode roubar a força de
seus membros.
— Você acha que os anões chegaram perto demais deles? — perguntou Regis,
semicerrando os olhos na penumbra para ver se conseguia distinguir corpos não-
goblinoides em meio à pilha.
Drizzt sacudiu a cabeça.
— Os anões conhecem bem os vermes — explicou. — Eles acolhem os
animais para se livrarem do fedor dos cadáveres dos goblins. Eu dificilmente
esperaria que sete anões veteranos fossem derrubados por vermes da carniça.
Drizzt começou a descer da plataforma em ângulo, mas o halfling agarrou sua
capa para detê-lo.
— Tem um ettin morto aqui — explicou Regis. — Muita carne.
Drizzt inclinou a cabeça curiosamente, enquanto considerava o halfling de
pensamento rápido, o drow começando a achar que talvez Bruenor tivesse sido
sábio em mandar o pequenino junto. Eles contornaram a borda da pedra elevada e
desceram para o lado. Com certeza, vários vermes da carniça estariam sobre o
enorme corpo do ettin; o curso original de Drizzt o teria levado para perigosamente
perto das criaturas.
Eles entraram nos túneis vazios novamente em poucos segundos, Guenhwyvar
deslizando silenciosamente na escuridão para conduzi-los.
A tocha logo se apagou; Regis balançou a cabeça quando Drizzt procurou
outra, lembrando ao elfo que deviam economizar suas fontes de luz.
Eles continuaram, em silêncio, no escuro, com apenas o brilho suave de
Fulgor para marcar sua passagem. Para o drow, parecia como nos velhos tempos,
atravessando o Subterrâneo com sua companheira felina, seus sentidos aumentados
com o conhecimento de que o perigo poderia estar à espreita em qualquer curva.

— O disco está quente? — Jarlaxle perguntou, vendo a expressão prazerosa


de Vierna enquanto esfregava os dedos delicados na superfície metálica. Ela
sentou-se sobre o drider, sua montaria para a jornada, o rosto de Dinin inchado e
inexpressivo.
— Meu irmão não está longe — respondeu a sacerdotisa, com os olhos
fechados em concentração.
O mercenário encostou-se na parede, espiando pelo longo túnel cheio de
cadáveres goblins achatados. Sobre ele formas escuras, seu silencioso bando de
assassinos, deslizaram silenciosamente.
— Podemos saber que Drizzt está lá? — o mercenário ousou perguntar,
embora não estivesse ansioso em dissipar a antecipação volátil de Vierna,
especialmente com a sacerdotisa sentada em cima de uma lembrança tão pungente
de sua ira.
— Ele está aqui — respondeu Vierna com calma.
— E você tem certeza que nosso amigo não vai matá-lo antes que o
encontremos? — o mercenário perguntou.
— Podemos confiar nesse aliado — replicou Vierna com calma, seu tom um
alívio para o líder mercenário. — Lolth me assegurou.
“Assim termina qualquer debate”, pensou Jarlaxle, embora se sentisse pouco
seguro em confiar em qualquer humano, particularmente naquele a quem Vierna o
havia conduzido. Ele olhou de volta para o túnel, de volta para as formas mutáveis,
enquanto o bando de mercenários seguia o seu caminho cautelosamente.
No que Jarlaxle realmente confiava era em seus soldados, uma força tão boa
quanto qualquer outra no mundo dos elfos negros. Se Drizzt Do’Urden estivesse de
fato vagando por esses túneis, os habilidosos assassinos de Bregan D’aerthe o
pegariam.
— Devo despachar a força dos Baenre? — perguntou o mercenário a Vierna.
Vierna considerou as palavras por um momento, depois sacudiu a cabeça, sua
indecisão revelando a Jarlaxle que ela não estava tão certa do paradeiro do irmão
quanto alegava.
— Mantenha-os perto por mais algum tempo — instruiu. — Quando tivermos
encontrado meu irmão, servirão para cobrir nossa partida.
Jarlaxle ficou muito feliz em obedecer. Mesmo que Drizzt estivesse ali
embaixo, como acreditava Vierna, não sabiam quantos de seus amigos poderiam
estar o acompanhando. Com cinquenta soldados drow, o mercenário não estava
muito preocupado.
Ele se perguntou, no entanto, como Triel Baenre poderia receber a notícia de
que seus soldados, mesmo que fossem apenas homens, tinham sido usados apenas
como bucha.


— Esses túneis são infinitos — Regis gemeu depois de mais duas horas de
retornos e voltas sem graça nos corredores naturais trabalhados pelos goblins.
Drizzt permitiu uma pausa para o jantar — até acendeu uma tocha — e os dois
amigos sentaram-se em uma pequena câmara natural em uma rocha plana,
rodeados por estalactites cruéis e montes monstruosos de pedra empilhada.
Drizzt entendia o quão acidentalmente acertadas as palavras do halfling
poderiam ser. Eles estavam muito abaixo do solo, a vários quilômetros, e as
cavernas continuavam sem rumo, conectando câmaras grandes e pequenas e se
encontrando com dezenas de passagens laterais. Regis estivera nas minas dos anões
antes, mas nunca entrara no reino mais abaixo, o temido Subterrâneo, onde viviam
os elfos drow, onde Drizzt Do’Urden nascera.
O ar sufocante e a inevitável percepção de milhares de toneladas de rocha
sobre sua cabeça forçosamente levaram o elfo negro a pensar em sua vida passada,
nos dias em que vivera em Menzoberranzan ou a caminhar com Guenhwyvar nos
aparentemente intermináveis túneis do mundo subterrâneo de Toril.
— Vamos nos perder, assim como os anões — resmungou Regis mastigando
um biscoito. Ele deu pequenas mordidas e mastigou-as mil vezes para saborear
cada migalha preciosa.
O sorriso de Drizzt não pareceu confortá-lo, mas o ranger estava confiante de
que ele e, mais particularmente, Guenhwyvar, sabiam exatamente onde estavam,
fazendo um circuito sistemático com a câmara da batalha dos goblins como seu
centro. Apontou para trás de Regis, seu movimento levando o halfling a meio giro
em seu assento rochoso.
— Se nós voltássemos por aquele túnel e ramificássemos na primeira
passagem à direita, nós iríamos, em questão de minutos, para a grande câmara onde
Bruenor derrotou os goblins, — Drizzt explicou. — Nós não estávamos tão longe
deste local quando encontramos com Cobble.
— Parece mais longe, só isso — resmungou Regis baixinho.
Drizzt não insistiu, feliz por ter Regis junto, mesmo que o halfling estivesse
particularmente mal-humorado. Drizzt não tinha visto muito de Regis nas semanas
desde que voltara ao Salão de Mitral; na verdade, ninguém tinha, exceto talvez a
equipe de cozinheiros dos anões nos refeitórios comunitários.
— Por que você voltou? — Drizzt perguntou de repente, sua pergunta fazendo
Regis engasgar com um pedaço de biscoito. O halfling olhou para ele incrédulo.
— Estamos contentes por ter você de volta — Drizzt continuou, esclarecendo
as intenções de sua pergunta bastante contundente. — E certamente todos nós
esperamos que você fique aqui por muito tempo. Mas por que, meu amigo?
— O casamento... — Regis gaguejou.
— Um bom motivo, mas dificilmente o único — Drizzt respondeu com um
sorriso compreensivo. — Quando nos vimos pela última vez, você era um mestre
de guilda e todo o Porto Calim era seu.
Regis desviou o olhar, passou os dedos pelo cabelo castanho encaracolado,
brincou com vários anéis e passou a mão para tocar o brinco.
— Essa é a vida que o Regis que conheço sempre desejou — observou Drizzt.
— Então talvez você realmente não tenha entendido o Regis — respondeu o
halfling.
— Talvez — admitiu Drizzt —, mas há mais que isso. Eu o conheço bem o
suficiente para entender que você faria um grande esforço para evitar uma briga.
No entanto, quando a batalha dos goblins chegou, você permaneceu ao meu lado.
— E que lugar é mais seguro do que ao lado de Drizzt Do’Urden?
— No complexo superior, nos refeitórios — respondeu o drow sem hesitação.
O sorriso de Drizzt era de amizade; o brilho nos olhos lavanda não mostrava
animosidade pelo halfling, quaisquer que fossem as falsidades que Regis estivesse
jogando. — Seja qual for a razão pela qual você veio, tenha certeza de que estamos
todos felizes por você estar aqui — disse Drizzt honestamente. — Bruenor mais
que qualquer outro, talvez. Mas se você encontrou algum problema, algum perigo,
seria aconselhável declará-lo abertamente, para que pudéssemos batalhar juntos.
Nós somos seus amigos e ficaremos ao seu lado, sem julgamentos, contra
quaisquer possibilidades. Pela minha experiência, tais chances são sempre
melhores quando conheço o inimigo.
— Eu perdi a guilda — admitiu Regis — apenas duas semanas depois que
você deixou Porto Calim.
A notícia não surpreendeu o drow.
— Artemis Entreri — disse Regis sombriamente, erguendo seu rosto
querúbico para olhar diretamente para Drizzt, estudando cada movimento do drow.
— Entreri assumiu a guilda? — perguntou Drizzt.
Regis assentiu.
— Ele não teve tanta dificuldade com isso. Sua rede de influência chegou aos
meus companheiros de maior confiança.
— Você deveria ter esperado isso do assassino — Drizzt respondeu, e deu
uma risadinha, o que fez os olhos de Regis arregalarem-se com aparente surpresa.
— Você acha isso engraçado?
— A guilda está melhor nas mãos de Entreri — respondeu Drizzt à surpresa
continuada do halfling. — Ele é adequado para a vida de intrigas do miserável
Porto Calim.
— Achei que você... — Regis começou. — Quero dizer, você não quer ir lá
e...
— Matar Entreri? — Drizzt perguntou com uma risada suave. — Minha
batalha com o assassino acabou — acrescentou quando o aceno ansioso de Regis
confirmou seu palpite.
— Entreri pode não pensar assim — disse Regis sombriamente.
Drizzt deu de ombros — e notou que sua atitude casual parecia incomodar o
halfling mais do que um pouco.
— Enquanto Entreri ficar no sul, ele não é problema meu. — Drizzt sabia que
Regis não esperava que Entreri permanecesse no sul. Talvez fosse por isso que
Regis não ficara nos níveis superiores durante a luta dos goblins, pensou o elfo.
Talvez Regis receasse que Entreri pudesse se infiltrar no Salão de Mitral. Se o
assassino encontrasse Drizzt e Regis, provavelmente iria atrás de Drizzt primeiro.
— Você o feriu, você sabe — continuou Regis. — Na sua luta, quero dizer.
Ele não é do tipo que perdoa algo assim.
O olhar de Drizzt tornou-se repentinamente grave; Regis recuou, colocando
mais distância entre ele e o fogo nos olhos lavanda do drow.
— Você acredita que ele te seguiu até aqui? — Drizzt perguntou sem rodeios.
Regis balançou a cabeça enfaticamente.
— Arrumei as coisas para parecer que eu tinha sido morto — explicou. —
Além disso, Entreri sabe onde fica o Salão de Mitral. Ele poderia encontrar você
sem ter que me seguir até aqui. Mas ele não vai — continuou Regis. — De tudo o
que ouvi, perdeu o uso de um braço e perdeu um olho também. Dificilmente seria
páreo a você em batalha.
— Foi a perda de seu coração que roubou sua capacidade de lutar — observou
Drizzt, mais para si mesmo do que para Regis. Apesar de sua atitude casual, Drizzt
não podia facilmente ignorar sua longa rivalidade com o assassino mortal. Entreri
era seu oposto de muitas maneiras, sem paixão e amoral, mas na capacidade de luta
provou ser igual a Drizzt — quase. A filosofia de Entreri sustentava que um
verdadeiro guerreiro seria uma coisa sem coração, um assassino puro e eficiente.
As crenças de Drizzt iam exatamente na direção oposta. Para os drow, que havia
crescido entre tantos guerreiros mantendo ideais semelhantes aos do assassino, a
paixão da justiça aumentava a habilidade de um guerreiro. O pai de Drizzt,
Zaknafein, era inigualável em Menzoberranzan porque suas espadas soavam por
justiça, porque ele lutava com a crença sincera de que suas batalhas eram
moralmente justificadas.
— Não duvide de que ele vá odiar você — comentou Regis, roubando as
contemplações particulares de Drizzt.
Drizzt notou um brilho nos olhos do halfling e tomou como uma indicação do
ardente ódio de Regis por Entreri. Será que Regis queria esperar que ele voltasse
para Porto Calim e terminasse sua luta com Entreri? O drow se perguntou. Será
que Regis esperava que Drizzt devolvesse a guilda dos ladrões, depondo seu líder
assassino?
— Ele me odeia porque meu estilo de vida mostra que o dele é uma mentira
vazia — observou Drizzt, com certa frieza. O drow não voltaria a Porto Calim, não
voltaria a lutar com Artemis Entreri por nenhum motivo. Fazer isso o colocaria no
nível moral do assassino, algo que o drow, que virara as costas ao seu próprio povo
amoral, temia mais do que qualquer coisa em todo o mundo.
Regis desviou o olhar, aparentemente captando os verdadeiros sentimentos de
Drizzt. A decepção era óbvia em sua expressão; o drow teve que acreditar que
Regis realmente esperava recuperar sua preciosa guilda com a lâmina das
cimitarras de Drizzt. E o elfo negro não tinha muita esperança nas alegações do
halfling de que Entreri não viria para o norte. Se o assassino, ou pelo menos os
agentes do assassino, não estivessem por perto, por que Regis havia ficado ao lado
de Drizzt quando desceram para lutar contra os goblins?
— Venha — disse o drow, antes que sua crescente raiva pudesse dominá-lo.
— Temos muitos quilômetros para cobrir antes de pararmos pra passar a noite. Em
breve, devemos mandar Guenhwyvar de volta ao Plano Astral, e nossas chances de
encontrar os anões são melhores com a pantera ao nosso lado.
Regis enfiou a comida restante em sua pequena mochila, apagou a tocha e
seguiu um passo atrás do drow. Drizzt olhou para ele muitas vezes, um tanto
espantado, um pouco desapontado, pelo brilho zangado nos pontos vermelhos que
eram os olhos do halfling.
CAPÍTULO 8

Faíscas voando
GOTAS DE SUOR BRILHANTE ROLARAM ao longo dos braços
esculpidos do bárbaro; as sombras da lareira bruxuleante desenhavam linhas ao
longo de seus bíceps e antebraços espessos, acentuando os enormes músculos
definidos.
Com incrível facilidade, como se estivesse empunhando uma ferramenta feita
para pregos finos, Wulfgar batia o malho de nove quilos repetidamente contra uma
haste de metal. Pedaços de ferro derretido voavam a cada batida e salpicavam as
paredes e o chão e o grosso avental de couro que usava, pois o bárbaro
descuidadamente aquecera demais o metal. O sangue subiu nos grandes ombros de
Wulfgar, mas ele não piscou e não se cansou. Ele era impulsionado pela certeza de
que tinha que lidar com as emoções demoníacas que haviam agarrado seu coração.
Ele encontraria consolo na exaustão.
Wulfgar não havia trabalhado na forja há anos, desde que Bruenor o libertara
da servidão no Vale do Vento Gélido, um lugar, uma vida, que parecia estar há
anos-luz de distância.
Wulfgar precisava do ferro agora, precisava do pulsar instintivo e irrefletido,
precisava da coerção física para anular a confusão desordenada de emoções que
não o deixariam descansar. O bater ritmado forçou seus pensamentos em um
padrão de linhas retas; o bárbaro se permitia avaliar apenas um único pensamento
completo entre cada estrondo que o interrompia.
Ele queria resolver tantas coisas naquele dia, principalmente para se lembrar
daquelas qualidades que inicialmente o atraíram a sua futura esposa. A cada
intervalo, porém, a mesma imagem brilhava para ele: Presa de Égide girando
perigosamente perto da cabeça de Drizzt.
Ele havia tentado matar seu melhor amigo.
De repente, renovado seu vigor, lançou o malho no metal e novamente enviou
linhas de faíscas voando através da pequena câmara privada.
O que nos Nove Infernos estava acontecendo com ele? Mais uma vez, as
faíscas voaram descontroladamente.
Quantas vezes Drizzt Do’Urden o salvara? Quão vazia seria sua vida sem seu
amigo de pele de ébano?
Ele grunhiu quando o martelo bateu.
Mas o drow havia beijado Cattibrie — sua Cattibrie — do lado de fora do
Salão de Mitral no dia de seu retorno!
A respiração de Wulfgar veio em suspiros ofegantes, mas seu braço
trabalhava ferozmente, jogando sua fúria através do martelo de ferreiro. Seus olhos
estavam tão fechados quanto a mão que cerrava o martelo; seus músculos se
inchavam com a tensão.
— Essa aí é pra usar dobrando a curva? — ele ouviu a voz de um anão
perguntar.
Os olhos de Wulfgar se abriram e ele se virou para ver um dos parentes de
Bruenor passando pela porta parcialmente aberta, enquanto seu riso ecoava ao
caminhar pelo corredor de pedra. Quando o bárbaro olhou para o seu trabalho,
entendeu a risada do anão, porque a lança de metal que estivera modelando estava
agora muito curvada no centro por causa das batidas excessivas no metal aquecido.
Wulfgar jogou o cano arruinado para o lado e deixou o martelo cair no chão
de pedra.
— Por que você fez isso comigo? — ele perguntou em voz alta, embora
Drizzt estivesse longe demais para ouvi-lo. Sua mente mantinha uma imagem de
Drizzt e sua amada Cattibrie abraçados em um beijo profundo, uma imagem da
qual o perturbado Wulfgar não conseguia se livrar, embora não tivesse visto os dois
no ato.
O bárbaro passou a mão pela testa suada, deixando uma linha de fuligem na
testa, e se sentou à beira de uma mesa de pedra. Ele não esperava que as coisas se
tornassem tão complicadas, não tinha antecipado o comportamento ultrajante de
Cattibrie. Pensou na primeira vez em que vira seu amor, quando ela mal era mais
do que uma garota, pulando pelos túneis do complexo dos anões no Vale do Vento
Gélido — saltitando sem parar, como se todos os perigos sempre presentes daquela
região difícil e todas as lembranças da recente guerra contra o povo de Wulfgar
houvessem simplesmente se afastado de seus delicados ombros, como se
houvessem se afastado dela como suas brilhantes madeixas castanho avermelhadas
se afastavam de seu rosto quando as sacudia.
Não demorou muito para que o jovem Wulfgar entendesse que Cattibrie
capturara seu coração com aquela dança despreocupada. Ele nunca conhecera uma
mulher como ela; em sua tribo, as mulheres eram praticamente escravas,
encolhidas diante das exigências muitas vezes irracionais dos homens. As mulheres
dos bárbaros não ousavam questionar seus homens, certamente não os
envergonhavam, como Cattibrie fizera a Wulfgar quando ele havia insistido para
que ela não acompanhasse a força enviada para negociar com a tribo goblin.
Wulfgar era sábio o bastante agora para admitir suas próprias falhas e se
sentia um tolo pelo modo como falara com Cattibrie. Ainda assim, restava no
bárbaro a necessidade de uma mulher — uma esposa — a quem pudesse proteger,
uma esposa que lhe permitisse seu lugar de direito como um homem.
As coisas se tornaram muito complicadas, e então, só para piorar as coisas,
Cattibrie — sua Cattibrie — tinha compartilhado um beijo com Drizzt Do’Urden!
Wulfgar saltou de seu assento e correu para pegar o martelo, sabendo que
passaria muitas horas na forja, muitas horas a mais passando a raiva de seus
músculos trincados para o metal. Pois o metal se dobrava a ele como Cattibrie
jamais o faria, obedecia ao inegável apelo de seu pesado martelo.
Wulfgar desceu o martelo com toda a força e uma barra de metal recém-
aquecida estremeceu com o impacto. Teng! Faíscas se jogavam nas maçãs do rosto
salientes de Wulfgar, uma chegando bem perto de seu olho.
Com o sangue subindo e os músculos tensos, Wulfgar não sentiu dor.

— Pegue a tocha — sussurrou o drow.


— A luz vai alertar os inimigos — argumentou Regis num tom igualmente
abafado.
Eles ouviram um grunhido baixo ecoando pelo corredor.
— A tocha — instruiu Drizzt, entregando a Regis uma pequena pederneira. —
Espere aqui com a luz. Guenhwyvar e eu vamos circular.
— Agora eu sou a isca? — perguntou o halfling.
Drizzt, com os sentidos afinados para detectar sinais de perigo, não ouviu a
pergunta. Com uma cimitarra sacada, e Fulgor e seu brilho revelador aguardando
em sua bainha, ele deslizou em silêncio e desapareceu na penumbra.
Regis, ainda resmungando, acendeu a tocha. Drizzt estava fora de vista.
Um rosnado fez o halfling se girar, com a maça em prontidão, mas era apenas
Guenhwyvar, sempre alerta, voltando a dobrar uma passagem lateral. A pantera
passou pelo halfling, seguindo o rumo de Drizzt, e Regis rapidamente se arrastou
para trás, embora não pudesse esperar acompanhar o ritmo da fera.
Ele estava sozinho novamente após alguns segundos, sua tocha projetando
sombras alongadas e agourentas ao longo das paredes irregulares. De costas para a
pedra, Regis avançou, tão quieto quanto a morte.
A boca negra de uma passagem lateral surgiu a poucos metros de distância. O
halfling continuou andando, segurando a tocha atrás dele, sua maça na frente. Ele
sentiu uma presença em torno daquele canto, algo subindo até a borda da outra
direção.
Regis cuidadosamente colocou a tocha na pedra e aproximou sua maça do
peito, deslizando suavemente os pés para equilibrar perfeitamente seu peso.
Ele virou a esquina em uma corrida ofuscante, cortando com a maça. Algo
azul brilhou para interceptar; lá veio o tilintar de metal contra metal. Regis
instantaneamente trouxe a arma de volta e mandou chicotear de lado, mais baixo.
Mais uma vez veio o tilintar distintivo de um bloqueio.
A maça foi lançada para fora, e então para dentro, habilmente ao longo do
mesmo curso. O habilidoso adversário do halfling não foi enganado, porém, e a
lâmina de bloqueio ainda estava no lugar.
— Regis!
A maça girou acima da cabeça do halfling, pronta para se lançar à frente, mas
Regis a balançou no altura do braço, de repente, reconhecendo a voz.
— Eu disse para você ficar lá com a luz — Drizzt repreendeu-o, saindo das
sombras — Você tem sorte de eu não ter matado você.
— Ou de eu não ter matado você — Regis respondeu sem hesitar, e seu tom
calmo e frio fez o rosto de Drizzt se contorcer em surpresa. — Achou alguma
coisa? — o halfling perguntou.
Drizzt sacudiu a cabeça:
— Estamos perto — respondeu calmamente. — Guenhwyvar e eu temos
certeza disso.
Regis se aproximou e pegou a tocha, depois enfiou a maça no cinto, deixando-
a de fácil acesso.
O grunhido súbito de Guenhwyvar ecoou para eles de mais longe no longo
corredor, lançando os dois em uma corrida.
— Não me deixem pra trás! — Regis exigiu, e agarrou o manto de Drizzt e
não o soltou, com os pés peludos saltando, pulando e derrapando enquanto tentava
acompanhar o ritmo.
Drizzt diminuiu a velocidade quando os olhos vítreos amarelo-esverdeados de
Guenhwyvar refletiram de volta além da fronteira da luz da tocha, em um canto
onde a passagem se virava bruscamente.
— Acho que encontramos os anões. — murmurou Regis, sombrio. Ele
entregou a tocha a Drizzt e soltou o manto, seguindo o drow até a curva do túnel.
Drizzt olhou ao redor — Regis o viu estremecer — e depois levou a tocha
para o alto, lançando luz sobre a cena terrível.
Eles realmente haviam encontrado os anões desaparecidos — fatiados e
abatidos; alguns caídos, alguns encostados nas paredes em intervalos irregulares ao
longo de uma pequena extensão do corredor de pedra trabalhada.


— Se você não quer usar o avental, então você não vai usá-lo. Bruenor disse
em frustração. Cattibrie assentiu, finalmente ouvindo a concessão que queria desde
o começo.
— Mas, meu rei... — protestou Cobble, o único outro na câmara privada com
Bruenor e Cattibrie. Tanto ele quanto Bruenor ostentavam graves dores de cabeça
causadas pela água benta.
— Bah! — o rei anão bufou para silenciar o clérigo bem-intencionado. —
Você não conhece minha garota tão bem quanto eu. Se ela está dizendo que não vai
usá-lo, então nem todos os gigantes da Espinha do Mundo poderiam fazer ela
mudar de ideia.
— “Bah” você! — veio um chamado inesperado de fora da sala, seguido por
uma tremenda batida. — Eu sei que você está aí, Bruenor Martelo de Batalha, que
se considera rei do Salão de Mitral! Agora, abra essa porta e encontre seu superior!
— Conhecemos essa voz? — perguntou Cobble, trocando olhares confusos
com Bruenor.
— Abre logo! — veio outro grito, seguido por um som agudo de raspagem. A
madeira lascou quando uma luva de pregos, basicamente grandes espetos
colocados em uma manopla de metal especialmente construída, se prendeu pela
porta grossa.
— Ai, arenito — veio um som mais baixo.
Bruenor e Cobble olharam um para o outro, incrédulos.
— Não — disseram em uníssono, abanando suas cabeças.
— O que foi? — Cattibrie perguntou, ficando impaciente.
— Não pode ser — respondeu Cobble, e pareceu à jovem que ele esperava
com todo seu coração que suas palavras fossem verdadeiras.
Um grunhido sinalizou que a criatura além da porta havia finalmente extraído
seu espigão.
— O que foi? — Cattibrie exigiu saber de seu pai, com as mãos plantadas
diretamente em seus quadris.
A porta se abriu e lá estava o anão de aparência mais curiosa que Cattibrie já
vira. Ele usava uma manopla de aço com pontas afiadas que deixava seus dedos
descobertos em cada mão, tinha espigões similares saindo de seus cotovelos,
joelhos e dedos de suas botas pesadas, e usava uma armadura (ajustada à sua forma
curta e atarracada) com cravos metálicos paralelos horizontais a um centímetro de
distância do outro ornando seu corpo do pescoço ao meio da coxa e seus braços do
ombro ao antebraço. Seu elmo cinzento era aberto, com grossas correias de couro
desaparecendo sob sua monstruosa barba negra, e ostentava uma ponta brilhante
sobre ele, quase a metade mais alta que o anão de um metro e vinte de altura.
— Isso — Bruenor respondeu, seu tom refletindo seu desdém óbvio — é um
furioso de batalha.
— Não só um furioso de batalha — o curioso anão de barba negra
acrescentou. — O furioso de batalha! O mais selvagem furioso de batalha! — ele
caminhou em direção a Cattibrie e sorriu amplamente com a mão estendida em sua
direção. Sua armadura, a cada movimento, emitia ruídos de raspagem que faziam
os cabelos da nuca da jovem se arrepiarem.
— Thibbledorf Pwent ao seu serviço, minha boa senhora! — o anão se
apresentou grandiosamente. — Primeiro guerreiro do Salão de Mitral. Você deve
ser essa Cattibrie de quem eu tanto ouvi falar lá em Adbar. A filha humana de
Bruenor, me disseram, embora eu ainda esteja um pouco abalado por ver qualquer
mulher Martelo de Batalha sem uma barba para fazer cócegas nos dedos dos pés!
O cheiro da criatura quase derrubou Cattibrie. Teria ele tirado aquela
armadura em qualquer momento neste século, ela se perguntou.
— Vou tentar deixar uma crescer — ela prometeu.
— Faça isso! Faça isso! — Thibbledorf cacarejou, e então pulou para ficar
diante de Bruenor, o barulho de sua armadura rasgando a medula dos ossos de
Cattibrie.
— Meu rei! — Thibbledorf gritou. E caiu numa mesura — e quase cortou
pela metade o nariz comprido e pontudo de Bruenor com a ponta do elmo ao se
abaixar.
— O que nos Nove Infernos você está fazendo aqui? — Bruenor exigiu saber.
— E, principalmente, vivo — acrescentou Cobble, depois respondeu ao olhar
incrédulo de Bruenor com um dar de ombros impotente.
— Eu achei que você tinha morrido quando Prefulgor Soturno, o dragão,
tomou os corredores inferiores — continuou Bruenor.
— Seu sopro era a morte! — gritou Thibbledorf. “Olha quem está falando”
Cattibrie pensou, mas ficou em silêncio. Pwent rugiu, dramaticamente agitando os
braços e girando no chão, olhando para nada, como se estivesse recordando uma
cena de seu passado distante. — Sopro maligno. Uma profunda escuridão que caiu
sobre mim e roubou a força de meus ossos.
— Mas eu saí e fui embora! — Thibbledorf gritou de repente, girando na
direção de Cattibrie, um dedo atarracado apontando em sua direção. — Por uma
porta secreta nos túneis inferiores. Mesmo o dragão não conseguiu parar Pwent!
— Mantivemos os corredores seguros por mais dois dias antes que os lacaios
de Prefulgor Soturno nos empurrasse para o Vale do Guardião — disse Bruenor. —
Eu não ouvi nada sobre seu retorno para lutar ao meu lado de meu pai e seu pai, o
então rei do Salão de Mitral.
— Foi uma semana que se passou até eu recuperar a minha força pra voltar ao
redor da montanha pela passagem da porta oeste — explicou Pwent. — Até lá os
corredores estavam perdidos.
— Algum tempo depois — prosseguiu Pwent, abrindo a barba incrivelmente
espessa com uma de suas luvas de pregos — ouvi que um bando de jovens,
inclusive você, tinha ido para o oeste. Alguns disseram que você estava indo
trabalhar nas minas de Mirabar, mas quando cheguei lá, não ouvi uma palavra.
— Duzentos anos! — Bruenor grunhiu no rosto de Pwent, roubando seu
sorriso aparentemente perpétuo. — Você levou duzentos anos para nos encontrar,
mas nem uma vez ouvimos uma palavra de que você estava vivo.
— Eu voltei para o leste — explicou Pwent com tranquilidade. — Vivendo,
vivendo bem, fazendo trabalho mercenário, principalmente, em Sundabar e para o
rei Harbromme da Cidadela Adbar. Foi lá, três semanas atrás, eu estava no sul há
algum tempo, sabe, que ouvi pela primeira vez do seu retorno, que um Martelo de
Batalha tinha retomado o Salão!
— Então aqui estou eu, meu rei — disse ele, se deixando cair sobre um
joelho. — Me aponte para seus inimigos. — O furioso de batalha deu uma
piscadela a Cattibrie e apontou um dedo sujo e atarracado em direção à ponta do
espigão do capacete.
— Mais selvagem? — Bruenor perguntou, um pouco ironicamente.
— Sempre fui — respondeu Thibbledorf.
— Vou chamar uma escolta — disse Bruenor — para que você possa tomar
um banho e fazer uma refeição.
— Eu aceito a refeição — respondeu Pwent. — Fique com seu banho e sua
escolta. Eu conheço os caminhos por esses salões tão bem quanto você, Bruenor
Martelo de Batalha. Melhor, eu digo, já que você era apenas um anãozinho de
penugem no queixo quando fomos expulsos. — Ele estendeu a mão para beliscar o
queixo de Bruenor e a teve prontamente afastada com um tapa. Com sua risada
estridente como um grito de falcão e sua armadura rangendo como garras na
ardósia, o furioso de batalha arrastou-se para longe.
— Tipo agradável — observou Cattibrie.
— Pwent vivo — pensou Cobble, e Cattibrie não poderia dizer se isso era
uma boa notícia ou não.
— Você nunca mencionou aquele lá — disse Cattibrie a Bruenor.
— Confie em mim, menina — respondeu Bruenor. — Aquele lá não vale
muito a pena se mencionar.


Exausto, o bárbaro caiu sobre sua cama e tentou dormir um pouco. Ele sentiu
o sonho retornar antes mesmo de fechar os olhos. Então, se levantou, não querendo
ver de novo as imagens de sua Cattibrie entrelaçada com a figura de Drizzt
Do’Urden.
Elas vieram de qualquer maneira.
Ele viu mil milhares de faíscas, um milhão de fogos refletidos, descendo em
espiral, convidando-o.
Wulfgar rosnou desafiadoramente e tentou se levantar. Levou-lhe vários
momentos para perceber que a tentativa fora fútil, que ainda estava em sua cama e
que estava descendo, seguindo o inegável rastro de brilhos cintilantes até as
imagens.
CAPÍTULO 9

Cortes Limpos Demais


— GOBLINS? — Regis perguntou.
Drizzt se inclinou sobre um dos cadáveres anões, balançando a cabeça antes
mesmo de se aproximar o suficiente para inspecionar as feridas. Os goblins
provavelmente não teriam deixado os anões nessa condição, o drow ranger sabia,
certamente não com todas as suas valiosas armaduras e equipamentos intactos.
Além disso, os goblins nunca recuperavam os corpos de seus próprios mortos, mas
os únicos mortos nesse corredor eram anões. Não importava quão grande fosse a
força dos goblins, e quão maior fosse a vantagem da surpresa, Drizzt não achava
provável que eles pudessem ter matado esse grupo robusto sem uma única perda.
Os ferimentos do anão mais próximo pareciam confirmar os instintos do drow.
Finos e precisos, os cortes não foram feitos pelas armas toscas e rudimentares dos
goblins. Uma lâmina bem feita, afiada e provavelmente encantada, cortara a
garganta daquele anão em particular. A linha mal era visível, mesmo depois de
Drizzt ter limpado o sangue, mas definitivamente fatal.
— O que matou os anões? — Regis perguntou, ficando impaciente. Mudava o
apoio de um pé para outro, passando a tocha de uma mão para a outra.
A mente de Drizzt se recusava a aceitar a conclusão óbvia. Quantas vezes em
seus anos em Menzoberranzan, lutando ao lado de seus parentes drow, Drizzt
Do’Urden testemunhara ferimentos semelhantes a estes? Nenhuma outra raça em
todos os Reinos, talvez exceto os elfos da superfície, usava armas tão afiadas.
— O que os matou? — Regis perguntou novamente, com um notável tremor
em sua voz.
Drizzt sacudiu as madeixas brancas.
— Eu não sei — respondeu honestamente. Ele foi para o próximo corpo, este
jogado, meio encostado na parede. Apesar da abundância de sangue, a única ferida
que o drow encontrou foi um único corte diagonal limpo ao longo do lado direito
da garganta do infeliz anão, fino como papel, mas muito profundo.
— Podem ser duergars — disse Drizzt a Regis, referindo-se à raça maligna
dos anões cinzentos. Fazia sentido, uma vez que os duergars serviram como lacaios
do dragão Prefulgor Soturno e habitaram aqueles mesmos salões há até pouco
tempo, quando as forças de Bruenor os expulsaram. Ainda assim, Drizzt sabia que
seu raciocínio se baseava mais na esperança do que na verdade. Os gananciosos
duergars teriam saqueado as vítimas, particularmente o equipamento de mineração,
e os duergars, assim como os anões das montanhas, preferiam armas mais pesadas,
como machados. Nenhuma arma assim havia atingido esse anão.
— Você não acredita nisso — disse Regis atrás dele. Drizzt não se virou para
observar o halfling; permanecendo agachado, se arrastou até o próximo infeliz
anão.
A voz de Regis desapareceu atrás dele, mas Drizzt ouviu a última declaração
do halfling tão claramente quanto qualquer outra coisa que ouvira em sua vida.
— Você acha que foi Entreri.
Drizzt não pensava isso, não achava que qualquer guerreiro solitário, por mais
habilidoso que fosse, pudesse ter feito um trabalho tão completo e preciso. Olhou
de relance para Regis, parado impassível sob a lanterna, os olhos procurando em
Drizzt alguma reação. Drizzt achou o raciocínio do halfling curioso, e a única
explicação que conseguiu imaginar foi que Regis estava terrivelmente apavorado
com a ideia de Entreri tê-lo seguido de Porto Calim.
Drizzt sacudiu a cabeça e voltou a investigar. No corpo do terceiro anão,
encontrou uma pista que reduziu a lista de possíveis assassinos a uma raça.
Um minúsculo dardo se projetava do lado do corpo, sob o manto. Drizzt teve
que respirar fundo antes de reunir coragem para retirá-lo, porque o reconhecia, e
explicava a facilidade com que esses anões endurecidos haviam sido facilmente
abatidos. O virote, feito para uma besta de mão, sem dúvida tinha sido coberto com
veneno do sono, e era uma das armas preferidas dos elfos negros.
Drizzt se levantou, suas cimitarras saltaram para as mãos delgadas.
— Temos que sair daqui — sussurrou duramente.
— O que foi? — Regis perguntou.
Drizzt, com os sentidos aguçados em sintonia com a escuridão, ao longo do
corredor, não respondeu.
De algum lugar por detrás do halfling, Guenhwyvar emitiu um grunhido
baixo.
Drizzt desceu um pé para trás e deslizou lentamente, entendendo que qualquer
movimento abrupto provocaria um ataque. Elfos negros no Salão de Mitral! De
todos os horrores que Drizzt conseguia pensar — e, em Faerun, eles eram
incontáveis — nenhum chegava perto do desastre dos drow.
— Para que lado? — Regis sussurrou. A luz azul de Fulgor pareceu se
acender.
— Vai! — exclamou Drizzt, entendendo a advertência da cimitarra. Ele virou-
se e viu Regis por um momento, depois o halfling desapareceu sob uma bola de
escuridão conjurada, a magia apagando a luz da lanterna em um piscar de olhos.
Drizzt rolou para o lado do corredor e virou-se atrás do corpo apoiado de um
anão morto. Fechou os olhos, forçando-os a entrar no espectro infravermelho, e
sentiu o corpo do anão tremer um pouco, de vez em quando. Drizzt sabia que o
corpo tinha sido atingido por virotes.
Uma faixa preta emergiu do globo das trevas atrás dele; o corredor iluminou-
se um pouco quando Regis aparentemente saiu pela parte de trás da área escura,
sua tocha lançando alguma luz ao redor da borda do globo inflexível.
O halfling não gritou, no entanto. Isso surpreendeu a Drizzt e o fez temer que
Regis tivesse sido pego.
Guenhwyvar passou por ele e disparou para a esquerda, depois para a direita.
Um virote coberto de veneno saltou do chão de pedra, a centímetros das patas em
movimento rápido da pantera. Outro acertou Guenhwyvar com um baque, mas a
gata mal desacelerou.
Drizzt viu os contornos aquecidos de duas formas esbeltas a muitos metros de
distância, cada uma com um único braço estendido, como se estivessem novamente
mirando suas armas malignas. Drizzt invocou suas próprias habilidades mágicas
inatas e jogou um globo de escuridão no corredor à frente de Guenhwyvar,
oferecendo alguma cobertura. Ele também estava de pé e correndo, seguindo a
gata, esperando que Regis tivesse escapado.
Entrou em sua própria área de escuridão sem diminuir a velocidade, com
passos firmes, lembrando-se da disposição do corredor perfeitamente e habilmente
pulando mais um corpo anão. Ao emergir, Drizzt notou a boca negra de uma
passagem lateral à sua esquerda. Guenhwyvar passara direto por ela e agora estava
se inclinando sobre as duas formas drow, mas Drizzt, treinado nas táticas dos elfos
negros, sabia em seu coração que a passagem lateral não podia estar vazia.
Ele ouviu um ruído cortante, como de muitas pernas rígidas, e então caiu para
trás, aturdido e com medo, enquanto uma monstruosidade de oito pernas, metade
drow e metade aracnídeo, subia ao redor da curva, suas pernas se firmando com
igual força e facilidade no chão e na parede. Machados gêmeos agitavam
ameaçadoramente em suas mãos, que outrora haviam sido as delicadas mãos de um
drow.
Em todo o vasto mundo, não havia nada mais repulsivo para qualquer elfo
negro, inclusive Drizzt Do’Urden, do que um drider.
O rugido de Guenhwyvar, acompanhado pelos sons de vários bestas, trouxe
Drizzt de volta aos seus sentidos a tempo de desviar o primeiro ataque do drider. O
monstro entrou direto com as patas dianteiras levantadas e chutando — para
manter Drizzt fora de equilíbrio — e lançou seus machados em um golpe duplo
rápido na cabeça de Drizzt.
Drizzt recuou para fora do alcance das pernas a tempo de evitar os machados
cortantes, mas em vez de continuar sua retirada, enganchou um braço em uma
perna de aranha e girou em volta dela, correndo de volta para dentro. Fulgor
cintilou, desviando uma segunda perna e dando a Drizzt uma abertura suficiente
para descer até os joelhos, bem debaixo da fera.
O drider recuou e sibilou, com os dois machados cortando na direção da parte
de trás de Drizzt.
A outra cimitarra de Drizzt já estava no lugar, porém, parada horizontalmente
atrás de seu pescoço vulnerável. Ela desviou um machado inofensivamente para
longe e pegou o outro onde sua lâmina encontrava seu cabo. Drizzt colocou os pés
sob ele e virou de lado quando se levantou, ambas as lâminas subindo. Com o seu
bloqueio com a cimitarra, continuou o movimento, girando o machado preso na
mão do drider e soltando-o. Com Fulgor, empurrou para cima, encontrando uma
fresta no exoesqueleto blindado da criatura e afundando a lâmina profundamente
na carne aracnídea. Fluidos quentes jorravam sobre o braço de Drizzt; o drider
gritou em agonia e se contorceu violentamente.
Pernas bateram em Drizzt de todos os lados. Ele quase perdeu o controle
sobre Fulgor e teve que puxar a lâmina para mantê-la em sua mão. Através das
barras de pernas de aranha de sua prisão, Drizzt notou mais formas escuras
emergindo do corredor lateral, os elfos drow, ele sabia, cada um com um braço
estendido em sua direção.
O ranger girou freneticamente quando o primeiro disparou. Sua capa grossa
flutuou por trás dele e pegou o virote inofensivamente em suas dobras pesadas.
Quando terminou sua desesperada manobra, Drizzt descobriu que estava
parcialmente para fora da parte de baixo do drider, e a criatura girou para alinhá-lo
com o machado restante. Ainda pior, o segundo drow o tinha mirado com precisão
em sua besta.
O machado desceu de forma curiosa — pela lateral inofensiva, observou
Drizzt — forçando o ranger a se apará-lo. Ele esperava ouvir o clique do disparo de
uma besta, mas ouviu um gemido abafado quando trezentos quilos de pantera
negra soterraram seu atacante elfo negro.
Drizzt deu um tapa no machado com uma das lâminas, depois a outra,
ganhando tempo suficiente para sair por completo. Ele subiu instintivamente,
girando para longe do drider, bem a tempo de levantar suas armas para bloquear
um golpe de espada do inimigo drow mais próximo.
— Largue suas armas e será mais fácil para você! — o drow, segurando duas
belas espadas, gritou em uma linguagem que Drizzt não ouvia há mais de uma
década, uma linguagem que trazia imagens de sua linda, deturpada e terrível
Menzoberranzan, à sua mente. Quantas vezes Zaknafein, seu pai, esteve diante
dele, similarmente armado, aguardando sua inevitável competição de luta?
Um grunhido que nem sequer conhecia escapou dos lábios de Drizzt; ele
entrou em uma série de combinações ofensivas que deixaram seu oponente
deslumbrado e desequilibrado em uma fração de segundo. Uma cimitarra veio
baixa para o lado, a segunda veio para o alto, para a frente, e a primeira cortou
novamente, inclinada para baixo no nível do ombro.
Os olhos do drow inimigo se arregalaram como se de repente tivesse
percebido sua destino.
Guenhwyvar saltou sobre ambos, acertou o drider e caiu em uma bola preta de
garras e pernas de aranha.
Mais elfos negros estavam chegando, Drizzt sabia, de mais longe e da
passagem lateral. A fúria de Drizzt não cedeu. Fulgor e sua outra lâmina
trabalhavam ferozmente, impedindo o outro drow de começar um contra-ataque.
Ele encontrou uma abertura no pescoço do drow, mas não teve estômago para
matá-lo. Não era um goblin que enfrentava, mas um drow, um de sua própria raça,
um como Zaknafein, talvez. Drizzt lembrou-se de uma promessa que fizera quando
deixara a cidade dos elfos negros. Ignorando a abertura no pescoço do drow, bateu
a lâmina para baixo, golpeando uma das espadas de seu oponente. Fulgor seguiu o
ataque imediatamente, batendo na mesma espada, então a primeira cimitarra de
Drizzt virou para o outro lado, acertando a arma do seu oponente e mandando-a
para longe. O drow maligno recuou, depois abaixou, esperando contra-atacar com a
espada que restava para empurrar Drizzt para trás, para então talvez recuperar a
arma perdida.
Um retorno ofuscante de Fulgor mandou a espada restante voando para longe,
e Drizzt, sem nunca duvidar da eficácia de seu ataque, estava avançando antes que
Fulgor sequer o tocasse.
Ele podia ter acertado o drow em qualquer lugar que escolhesse, incluindo
uma dúzia de áreas críticas, mas Drizzt Do’Urden recordou novamente o voto que
fizera quando deixara Menzoberranzan, uma promessa a si mesmo e uma
justificativa de sua partida, de que nunca mais tornaria a tirar a vida de alguém de
seu povo.
Sua cimitarra apontou para baixo, inclinando-se acima do joelho do oponente.
O drow maligno uivou e caiu para trás, rolando para a pedra e agarrando sua
articulação rasgada.
Guenhwyvar estava sob o drider de pé, os músculos do flanco da pantera
expostos por baixo de um pedaço solto da pele preta da gata.
— Vá, Guenhwyvar! — gritou Drizzt enquanto corria ao longo da parede,
saltando descontroladamente, cortando a confusão de pernas de drider daquele
lado. Ouviu a monstruosidade gritar novamente quando uma cimitarra acertou com
força uma perna, quase arrancando-a, e então caiu livre, pelo lado de trás.
Guenhwyvar levou outro golpe de machado, mas não respondeu, não seguiu
Drizzt ou contra-atacou.
— Guenhwyvar! — gritou Drizzt, e a cabeça da pantera se virou devagar para
olhá-lo. Drizzt compreendeu a lentidão da pantera quando Guenhwyvar recuou
várias vezes com os golpes contínuos de besta.
O instinto de Drizzt disse-lhe para mandar a pantera embora antes que
sofresse mais algum grande dano — mas ele não tinha a estatueta!
— Guenhwyvar! — ele gritou de novo, vendo muitas formas se aproximando
rapidamente, vindas de além do drider. Verdadeiramente dilacerado, Drizzt decidiu
voltar correndo e lutar ao lado da pantera até o amargo fim.
A criatura de oito patas silvou vitoriosa enquanto seu machado se alinhava
para um golpe no pescoço da pantera indefesa e trêmula. Abaixo veio a lâmina,
mas ela atingiu apenas névoa insubstancial, e o berro do drider se transformou em
um grito de frustração.
— Vamos! — Drizzt ouviu Regis dizer atrás dele. O ranger então entendeu e
ficou aliviado.
Mas então o drider virou-se completamente e, pela primeira vez, com a luz da
tocha voltada para essa área do túnel, Drizzt deu uma boa olhada no rosto
irritantemente familiar da criatura.
Porém, não teve tempo de parar para observá-lo com cuidado. Ele fez um
movimento em arco, muito exagerado, para fazer sua capa voar (e bloquear ainda
outro virote que estava mergulhando em suas costas) e correu para longe.
O corredor escureceu imediatamente, depois iluminou-se um pouco e
escureceu novamente, quando Regis entrou e atravessou os dois globos de
escuridão. Drizzt mergulhou para o lado assim que entrou na cobertura de seu
próprio globo, e ouviu um virote bater na pedra não muito longe. A toda
velocidade, pegou Regis um pouco além do segundo globo, e os dois passaram
pelos corpos dos anões, cortaram a curva do corredor e continuaram correndo, com
Drizzt na frente.
CAPÍTULO 10

Nas Facetas de uma Joia Maravilhosa


Regis e Drizzt pararam em uma pequena câmara lateral, com teto
relativamente livre das estalactites comuns naquela região de cavernas, e sua
entrada baixa e defensável.
— Devo apagar a tocha? — perguntou o halfling. Ele ficou atrás de Drizzt
enquanto o drow se agachava na frente da entrada, ouvindo sons de movimento no
túnel principal.
Drizzt pensou por um longo momento, depois sacudiu a cabeça, sabendo que
realmente não importava, que ele e Regis não tinham chance de escapar daqueles
túneis sem mais confrontos. Logo depois de terem escapado da batalha, Drizzt
descobriu outros inimigos paralelos ao lado dos corredores. Conhecia as técnicas
de caça dos elfos negros o suficiente para entender que a armadilha não seria
definida com nenhuma abertura óbvia.
— Eu luto melhor à luz do que os meus iguais, imagino — argumentou
Drizzt.
— Pelo menos não era Entreri — disse Regis, e Drizzt achou a referência ao
assassino uma coisa bem estranha. “Quem dera fosse Artemis Entreri!”, o drow
pensou. Pelo menos, ele e Regis não seriam cercados por uma horda de guerreiros
drow!
— Você se saiu bem ao dispensar Guenhwyvar — observou Drizzt.
— A pantera teria morrido? — Regis perguntou.
Drizzt honestamente não sabia a resposta, mas não acreditava que
Guenhwyvar estivesse em perigo mortal. Ele tinha visto a pantera ser arrastada
para dentro da pedra por uma criatura do plano elemental da terra e mergulhada em
um lago mágico de ácido puro. Em ambas as vezes a pantera havia retornado e,
eventualmente, todas os ferimentos de Guenhwyvar haviam se curado.
— Se o drow e o drider tivessem como continuar — acrescentou —, é
provável que Guenhwyvar tivesse precisado de mais tempo para curar seus
ferimentos no Plano Astral. Eu não acredito que a pantera possa ser morta longe de
sua casa, no entanto, não enquanto a estatueta existir. — Drizzt olhou de volta para
Regis, com sincera gratidão em seu belo rosto. — Você fez bem em mandar
Guenhwyvar embora, pois certamente a pantera estava sofrendo nas mãos de
nossos inimigos.
— Estou feliz por Guenhwyvar não morrer — Regis comentou enquanto
Drizzt olhava para a entrada. — Não seria bom perder um item mágico tão valioso.
Nada que Regis dissera desde o seu retorno de Porto Calim, nada do que
Regis dissera a Drizzt parecia tão fora de lugar. Não, ia mais longe do que isso,
decidiu Drizzt, chocado com a observação insensível de seu companheiro halfling.
Guenhwyvar e Regis eram mais que companheiros, eram amigos há muitos anos.
Regis nunca se referiria a Guenhwyvar como um item mágico.
De repente, tudo começou a fazer sentido para o elfo negro: as referências do
halfling a Artemis Entreri agora, com os anões mortos, e de novo quando
conversaram sobre o que havia acontecido em Porto Calim depois da partida de
Drizzt. Agora Drizzt entendia o modo ansioso como Regis media suas reações a
comentários sobre o assassino.
E Drizzt entendeu a crueldade de sua luta com Wulfgar — o bárbaro não
mencionara que era Regis quem lhe contara sobre o encontro de Drizzt com
Cattibrie do lado de fora do Salão de Mitral?
— O que mais você disse a Wulfgar? — Drizzt perguntou, sem se virar, sem
vacilar nem um pouco. — Do que mais você o convenceu com aquele pingente de
rubi pendurado no seu pescoço?
A pequena maça caiu ruidosamente no chão ao lado do drow, chegando a ficar
vários metros à sua frente, na diagonal. Então veio outro item, uma máscara que o
próprio Drizzt usara em sua jornada nas terras do sul, uma máscara que permitira a
Drizzt alterar sua aparência para a de um elfo da superfície.

Wulfgar olhou com curiosidade para o anão ultrajante, sem saber ao certo o
que fazer com aquele maltrapilho não ortodoxo. Bruenor havia apresentado Pwent
ao bárbaro um minuto antes, e Wulfgar teve a nítida impressão de que Bruenor não
gostava muito do anão fedorento de barba negra. O rei anão, para sentar-se entre
Cobble e Cattibrie, correu então pelo salão de audiências, deixando Wulfgar,
desajeitado, de pé junto à porta.
Thibbledorf Pwent, no entanto, parecia perfeitamente à vontade.
— Você é um guerreiro, não? — perguntou Wulfgar educadamente, esperando
encontrar algum ponto em comum.
A gargalhada de Pwent zombou dele.
— Guerreiro? — berrou o anão mal-humorado. — Você quer dizer, alguém
que luta com honra? — Wulfgar deu de ombros, não tendo ideia de onde Pwent
estava querendo chegar.
— Você é um guerreiro, garotão? — Pwent perguntou.
Wulfgar estufou o peito grande.
— Eu sou Wulfgar, filho de Beornegar — ele começou solenemente.
— Eu imaginei — Pwent gritou do outro lado da sala para os outros. — E se
você estivesse lutando contra alguém, e ele tropeçasse em seu caminho e largasse
sua arma, você se ia se afastar e deixar ele pegar, sabendo que você ganharia a luta
de qualquer maneira — Pwent raciocinou.
Wulfgar deu de ombros, a resposta óbvia.
— Você sabe que Pwent certamente vai insultar o garoto — disse Cobble,
apoiando-se no braço da cadeira de Bruenor, sussurrando para o rei anão.
— Ouro contra prata no garoto, então — ofereceu Bruenor calmamente. —
Pwent é bom e selvagem, mas não tem forças para lidar com aquele lá.
— Não é bem uma aposta que eu aceite — respondeu Cobble —, mas se
Wulfgar levantar a mão contra ele, será cutucado, não há dúvidas.
— Bom — Cattibrie colocou inesperadamente. Tanto Bruenor quanto Cobble
lançaram olhares incrédulos para a jovem. — Wulfgar está precisando levar uns
cutucões — explicou com uma insensibilidade incomum.
— Bem, aí é que tá — Pwent rugiu no rosto de Wulfgar, conduzindo o
bárbaro pela sala enquanto falava. — Se eu tivesse lutando com qualquer um, se eu
tivesse lutando com você, e você largasse sua arma, eu deixaria você se curvar e
pegá-la.
Wulfgar assentiu em concordância, mas deu um salto para trás quando Pwent
estalou os dedos sujos bem debaixo do nariz do Wulfgar.
— E então eu colocaria meu espeto através do topo de sua cabeça grossa! — o
furioso terminou. — Eu não sou nenhum guerreiro estúpido, seu idiota! Sou um
furioso de batalha, O furioso de batalha! E nunca se esqueça de que Pwent joga
para ganhar! — estalou os dedos novamente na direção de Wulfgar, depois passou
pelo bárbaro atordoado, pisando para ficar diante de Bruenor.
— Você tem alguns amigos esquisistos, mas não estou surpreso — Pwent
rugiu para Bruenor. Ele olhou para Cattibrie com seu sorriso de dentes quebrados.
— Mas sua garota seria bonitinha se pudesse dar um jeito de crescer um pouco de
cabelo no queixo.
— Tome isso como um elogio — Cobble calmamente ofereceu a Cattibrie,
que apenas deu de ombros e sorriu com diversão.
— Martelos de Batalha sempre têm um ponto fraco em seus corações por
aqueles que não são anões — prosseguiu Pwent, dirigindo seus comentários para
Wulfgar enquanto o homem alto vinha até o lado dele. — E deixamos que eles
sejam nossos reis de qualquer maneira. Nunca consegui entender essa parte.
As juntas de Bruenor se embranqueceram sob o esforço enquanto segurava
com força os braços da cadeira, tentando se controlar. Cattibrie deixou cair a mão
sobre a dele, e quando olhou para seus olhos tolerantes, a tempestade passou
rapidamente.
— Falando nisso — prosseguiu Pwent —, há um rumor desagradável de que
você tem um elfo drow ao seu lado. Isso é verdade?
A primeira reação de Bruenor foi de raiva — sempre o anão estava na
defensiva a respeito de seu amigo drow frequentemente visto como maligno.
Cattibrie falou primeiro, porém, suas palavras dirigiam-se mais a seu pai do
que a Pwent, um lembrete para Bruenor de que a pele de Drizzt havia engrossado e
que ele podia cuidar de si mesmo.
— Você logo encontrará o drow — disse ela ao guerreiro frenético. — Com
certeza ele é o tipo de guerreiro que se encaixa em sua descrição, se é que já houve
algum. — Pwent soltou um riso irônico, que desapareceu quando Cattibrie
continuou. — Se você fosse até ele para começar uma briga, mas soltasse seu elmo
pontudo, ele pegaria para você e colocaria de volta em sua cabeça — ela explicou.
— Claro, então ele pegaria de volta e enfiaria na parte de trás de suas calças, e lhe
acertaria com as botas, só pra te dar uma pontadinha.
Os lábios do guerreiro frenético pareceram se amarrar em um nó. Pela
primeira vez em muitos dias, Wulfgar pareceu aprovar completamente o raciocínio
de Cattibrie e o aceno de suas cabeças, de Bruenor e de Cobble, foi certamente de
gratidão quando Pwent não fez nenhum movimento para responder.
— Por quanto tempo Drizzt vai ficar fora? — perguntou o bárbaro, mudando
de assunto antes que Pwent pudesse encontrar sua voz irritante.
— Os túneis são longos — respondeu Bruenor.
— Ele vai voltar para a cerimônia? — perguntou Wulfgar, e pareceu a
Cattibrie que havia alguma ambivalência em seu tom de voz, uma incerteza de qual
resposta ele preferiria.
— Vai com certeza — a jovem colocou inexpressivamente. — Por que com
certeza não haverá casamento até Drizzt voltar dos túneis. — ela olhou para
Bruenor, arrancando prontamente suas reclamações antes mesmo que as
pronunciasse. — E eu não me importo se todos os reis e rainhas do Norte ficarem
esperando por um mês!
Wulfgar parecia prestes a explodir, mas era sábio o suficiente para afastar sua
ira crescente da volátil Cattibrie.
— Eu deveria ter ido com ele! — rosnou para Bruenor. — Por que você
mandou o Regis junto? Que bem poderia fazer o halfling se inimigos fossem
encontrados?
A ferocidade do tom do rapaz pegou Bruenor fora de sua guarda.
— Ele está certo — Cattibrie rebateu no ouvido de seu pai, não que quisesse
concordar com Wulfgar, mas ela, como Wulfgar, viu a oportunidade de desabafar
sua raiva abertamente.
Bruenor se afundou em sua cadeira, seus olhos escuros correndo de um para o
outro.
— São só uns anões perdidos — disse ele.
— Mesmo que isso seja verdade, o que Regis fará, além de atrasar o drow? —
Cattibrie raciocinou.
— Ele disse que encontraria uma maneira de se encaixar! — Bruenor
protestou.
— Quem disse? — Cattibrie exigiu saber.
— Pança-furada! — gritou seu pai confuso.
— Ele sequer queria ir! — Wulfgar retrucou.
— Mas foi! — Bruenor rugiu, saltando de seu assento, empurrando Wulfgar e
fazendo-o se inclinar dois passos para trás com um antebraço robusto, batendo no
peito do rapaz. — Foi Pança-furada quem me disse para mandá-lo junto com o
drow, eu digo a você!
— Regis não estava aqui sozinho quando recebeu a notícia dos anões
desaparecidos — argumentou Cattibrie. — Você não disse nada sobre Regis dizer a
você para mandá-lo.
— Ele me disse antes disso — respondeu Bruenor. — Ele disse... — o anão
parou, percebendo a falta de lógica da situação. De alguma forma, em algum lugar
no fundo de sua mente, se lembrava de Regis explicando que ele e Drizzt deveriam
ir atrás dos anões desaparecidos, mas como isso poderia ser, já que Bruenor havia
tomado a decisão assim que todos descobriram que os anões estavam
desaparecidos?
— Você andou provando a água benta de novo, meu rei? — Cobble perguntou
respeitosamente, mas com firmeza.
Bruenor estendeu a mão, fazendo sinal para que todos ficassem quietos
enquanto revirava suas lembranças. Ele se lembrava das palavras de Regis
distintamente e sabia que não estava imaginando-as, mas nenhuma imagem
acompanhava a lembrança, nenhuma cena em que pudesse situar o halfling e assim
endireitar a aparente discrepância de tempo.
Então veio uma imagem a Bruenor, um turbilhão de facetas brilhantes,
descendo em espiral e arrastando-o para as profundezas de um maravilhoso rubi.
— Pança-furada me disse que os anões estariam desaparecidos — disse
Bruenor devagar e claramente, com os olhos fechados enquanto forçava a memória
de seu subconsciente. — Ele me disse que eu deveria enviar ele e Drizzt para
encontrá-los, que os dois sozinhos poderiam levar os anões de volta ao Salão de
Mitral em segurança.
— Regis não teria como saber — argumentou Cobble, obviamente duvidando
das palavras de Bruenor.
— E mesmo se tivesse, o pequeno não teria desejado ir junto para encontrá-
los — acrescentou Wulfgar, igualmente duvidoso. — Seria um sonho--?
— Não é um sonho! — Bruenor rosnou. — Ele me contou... com aquele rubi
dele. O rosto de Bruenor estremeceu quando tentou se lembrar, tentou invocar sua
resistência anã à magia para lutar além do bloqueio mental teimoso.
— Regis não iria... — Wulfgar começou a dizer de novo, mas desta vez foi
Cattibrie, conhecendo a verdade das afirmações de seu pai, que o interrompeu.
— A menos que não fosse realmente Regis — ela disse, e suas próprias
palavras fizeram sua boca cair aberta ante suas terríveis implicações. Os três
tinham passado por muita coisa ao lado de Drizzt, e todos sabiam bem que o drow
tinha inimigos malignos e poderosos, um em particular que teria as artimanhas para
criar uma fraude tão elaborada.
Wulfgar parecia igualmente ferido, perdido, mas Bruenor reagiu rapidamente.
Ele pulou do trono e passou entre Wulfgar e Pwent, quase derrubando os dois de
seus pés. Cattibrie foi logo atrás, Wulfgar se virou para segui-los.
— De que doideira aqueles três estão falando? — Pwent exigiu que Cobble
dissesse enquanto o clérigo, também, passava correndo por ele.
— Uma briga — respondeu Cobble, sabendo bem como desviar qualquer
exigência de Pwent para uma explicação longa.
Thibbledorf Pwent caiu sobre um joelho e rolou seu ombro corpulento,
socando o punho triunfalmente na frente dele.
— Sim! — gritou de alegria. — Com certeza é bom servir a um Martelo de
Batalha!

— Você está com eles, ou isso é tudo uma coincidência terrível? — perguntou
Drizzt secamente, ainda se recusando a dar a Artemis Entreri a satisfação de ver
seu tormento.
— Eu não acredito em coincidências — veio a resposta previsível.
Finalmente, Drizzt se virou, para ver seu rival temido, o assassino humano Artemis
Entreri, de pé e com sua bela espada em prontidão em uma mão, e a adaga
adornada na outra. A tocha, ainda acesa, jazia a seus pés. A transformação mágica
de halfling para humano tinha sido completa, incluindo as roupas, e esse fato de
certa forma confundia Drizzt. Quando Drizzt usara a máscara, não havia feito mais
do que alterar a cor de sua pele e cabelo, e sua surpresa agora era óbvia em seu
rosto.
— Você deveria aprender melhor o valor dos itens mágicos antes descartá-los
tão casualmente — o assassino disse, entendendo o olhar.
Havia uma nota de verdade nas palavras de Entreri, aparentemente, mas
Drizzt nunca se arrependeu de ter deixado a máscara mágica em Porto Calim. Sob
sua camuflagem protetora, o elfo negro andava livremente, sem perseguição, entre
as outras raças. Mas sob aquela máscara, Drizzt Do’Urden era uma mentira.
— Você poderia ter me matado na luta dos goblins, ou uma centena de outras
vezes desde o seu retorno ao Salão de Mitral — argumentou Drizzt. — Por que os
jogos elaborados?
— Porque será ainda mais doce a minha vitória.
— Você quer que eu saque minhas armas, para continuar a luta que
começamos nos esgotos de Porto Calim.
— Nossa luta começou muito antes de lá, Drizzt Do’Urden — o assassino
repreendeu. Ele casualmente apontou a lâmina para Drizzt, que nem se encolheu
nem alcançou as cimitarras quando a espada o cortou de leve na bochecha.
— Você e eu — prosseguiu Entreri enquanto começava a circular ao lado de
Drizzt — nos tornamos inimigos mortais no dia em que ficamos sabendo um sobre
o outro, cada um insultando o código de luta do outro. Eu zombo de seus princípios
e você insulta minha disciplina.
— Disciplina e vazio não são a mesma coisa — respondeu Drizzt. — Você é
uma casca que sabe usar armas. Não há substância nisso.
— Bom — Entreri ronronou, batendo no quadril de Drizzt com sua espada. —
Sinto sua raiva, drow, embora você tente desesperadamente escondê-la. Tire suas
armas e solte-a. Ensina-me com suas habilidades o que suas palavras não podem.
— Você ainda não entende — Drizzt respondeu calmamente, com a cabeça
inclinada para o lado e um riso presunçoso e sincero se alargando em seu rosto. —
Eu não gostaria de te ensinar nada. Artemis Entreri não vale o meu tempo.
Os olhos de Entreri se arregalaram com uma raiva repentina e ele saltou para a
frente, com a espada alta como se fosse atacar Drizzt.
Drizzt não se mexeu.
— Saque suas armas e deixe-nos completar nosso destino — grunhiu Entreri,
recuando e nivelando a espada ao nível dos olhos do drow.
— Caia na sua própria espada e encontre o único destino que você merece —
Drizzt respondeu.
— Eu tenho sua gata! — Entreri rebateu. — Você deve lutar comigo, ou
Guenhwyvar será minha.
— Você esquece que nós dois seremos capturados em breve, ou mortos —
argumentou Drizzt. — Não subestime as habilidades de caça do meu povo.
— Então lute pelo halfling — resmungou Entreri. A expressão de Drizzt
mostrou que o assassino havia atingido um nervo. — Você se esqueceu de Regis?
— Entreri provocou. — Eu não o matei, mas ele morrerá onde está, e só eu
conheço o lugar. Eu só te direi se você ganhar. Lute, Drizzt Do’Urden, por nenhum
motivo melhor do que salvar a vida daquele halfling miserável!
A espada de Entreri fez um impulso preguiçoso para o rosto de Drizzt
novamente, mas desta vez foi voando para o lado quando uma cimitarra surgiu e
bateu nela.
Entreri a mandou de volta, e seguiu de perto com um golpe da adaga que
quase encontrou um buraco nas defesas de Drizzt.
— Pensei que você tivesse perdido o uso de um braço e de um olho — disse o
drow.
— Eu menti — Entreri respondeu, recuando e segurando suas armas
afastadas. — Devo ser punido?
Drizzt deixou suas cimitarras responderem, avançando rapidamente e
cortando repetidamente, esquerda e direita, esquerda e direita, depois à direita uma
terceira vez enquanto sua lâmina esquerda girava acima de sua cabeça e seguia em
frente em uma estocada ofuscante.
Espada e adaga contra-atacando, o assassino afastou cada ataque.
A luta tornou-se uma dança, movimentos sincrônicos demais, em harmonia
perfeita demais para conseguir alguma vantagem. Drizzt, sabendo que o tempo
estava se esgotando para ele, e mais particularmente para Regis, manobrou perto da
tocha de fogo baixo, depois pisoteando, rolando e sufocando as chamas, roubando
a luz.
O elfo negro acreditava que sua visão noturna racial lhe renderia vantagem,
mas quando olhou para Entreri, viu os olhos do assassino brilhando no vermelho
revelador da infravisão.
— Você achou que foi a máscara tinha me dado essa habilidade? — Entreri
argumentou. — Não é verdade, você vê. Foi um presente do meu associado elfo
negro, um mercenário, não tão diferente de mim.
Suas palavras terminaram no início de seu ataque, sua espada se elevando e
forçando Drizzt a se retorcer e se abaixar para o lado. Drizzt sorriu de satisfação
quando Fulgor subiu, a cimitarra soando quando derrubou a adaga de Entreri. Um
giro sutil colocou Drizzt de volta na ofensiva, Fulgor se aproximando da mão do
punhal de Entreri e cortando o peito exposto do assassino.
Entreri já tinha começado a rolar, para trás, e a lâmina nunca chegou perto.
Na luz fraca do brilho de Fulgor, com suas cores de pele perdidas em um
cinza em comum, eles pareciam iguais, como irmãos vindo do mesmo molde.
Entreri aprovava essa percepção, mas Drizzt certamente não. Para o drow
renegado, Artemis Entreri parecia um espelho negro de sua alma, uma imagem do
que ele poderia ter se tornado se permanecesse em Menzoberranzan ao lado de
seus parentes amorais.
A fúria de Drizzt levou-o então a outra série de estocadas ofuscantes e cortes
engenhosos e radicais, suas lâminas curvas tecendo linhas apertadas umas sobre as
outras, atingindo Entreri de um ângulo diferente a cada ataque.
Espada e punhal eram usadas igualmente bem, bloqueando e devolvendo
contra-ataques astutos, depois bloqueando os contra-ataques que o assassino
parecia antecipar com facilidade.
Drizzt poderia lutar com ele para sempre, nunca se cansaria com Entreri
parado na frente dele. Mas então sentiu uma picada na panturrilha e uma sensação
ardente, entorpecente, emanando por toda a perna.
Em segundos, sentiu seus reflexos diminuindo. Ele queria gritar a verdade,
roubar o momento da vitória de Entreri, pois certamente o assassino, que tanto
desejava derrotar Drizzt em combate justo, não apreciaria uma vitória trazida pelo
virote envenenado de aliados ocultos.
A ponta de Fulgor caiu no chão e Drizzt percebeu que estava perigosamente
vulnerável.
Entreri caiu primeiro, igualmente envenenado. Drizzt sentiu as formas escuras
entrando pela porta baixa e se perguntou se teria tempo de bater no crânio do
assassino caído antes que também caísse no chão.
O drow ouviu uma de suas próprias lâminas, depois a outra, tilintar no chão,
mas não estava ciente de que as havia soltado. Então estava caído, os olhos
fechados, a consciência ofuscante tentando entender a extensão desse desastre, as
muitas implicações para seus amigos e para si.
Seus pensamentos não foram aliviados com as últimas palavras que ouviu:
uma voz na língua drow, uma voz de algum lugar em seu passado.
— Durma bem, meu irmão perdido.
PARTE 3

Legado
QUE CAMINHOS PERIGOSOS TRACEI na minha vida; que caminhos
tortuosos estes pés andaram, em minha pátria, nos túneis do Subterrâneo, pela
superfície das Terras ao Norte e até mesmo no curso de seguir meus amigos.
Meneio minha cabeça, maravilhado — seriam todos os cantos do vasto mundo
possuidores de pessoas tão autocentradas que não podem deixar os outros cruzarem
os caminhos de suas vidas? Pessoas tão cheias de ódio que devem perseguir e se
vingar dos erros escolhidos, mesmo que tais erros não sejam mais do que uma
defesa honesta contra seus próprios males invasivos?
Eu deixei Artemis Entreri em Porto Calim, deixei-o lá em corpo e com o meu
gosto pela vingança saciado corretamente. Nossos caminhos se cruzaram e se
separaram, para o melhor de nós dois. Entreri não tinha nenhuma razão prática para
me perseguir, não tinha nada a ganhar em me encontrar, além da possível redenção
de seu orgulho ferido.
Como ele é tolo.
Ele encontrou a excelência da forma física, aperfeiçoou suas habilidades de
combate mais completamente do que qualquer outro que eu tenha conhecido. Mas
sua necessidade de me perseguir revela sua fraqueza. Ao descobrirmos os mistérios
do corpo, também devemos desvendar as harmonias da alma. Mas Artemis Entreri,
apesar de toda a sua destreza física, nunca saberá quais músicas seu espírito
poderia cantar. Sempre ouvirá invejosamente as harmonias dos outros, absorto em
derrubar qualquer coisa que ameace sua superioridade tão desejada.
Como meu povo, é ele, assim como muitos outros que conheci, de raças
variadas: senhores da guerra bárbaros, cujas posições de poder dependem de sua
capacidade de fazer guerra contra inimigos que não são inimigos; reis anões que
acumulam riquezas além da imaginação, ainda que ao compartilhar apenas uma
ninharia de seus tesouros poderiam melhorar as vidas de todos aqueles ao seu redor
e, por sua vez, permitir-lhes derrubar suas sempre presentes defesas militares e
jogar fora sua paranoia consumidora; elfos altivos que desviam seus olhos para os
sofrimentos de qualquer um que não é um elfo, sentindo que as “raças menores” de
alguma forma trouxeram suas dores para si mesmos.
Eu fugi de tais seres, passei por essas pessoas e ouvi incontáveis histórias de
viajantes de todas as terras conhecidas sobre elas. E agora sei que devo combatê-
los, não com lâmina nem com exércitos, mas permanecendo fiel ao que sei em meu
coração que é o curso correto da harmonia.
Pela graça dos deuses, não estou sozinho. Desde que Bruenor recuperou seu
trono, os povos vizinhos levam esperança em suas promessas de que os tesouros
anões do Salão de Mitral serão o melhor para toda a região. A devoção de Cattibrie
aos seus princípios não é menor que a minha, e Wulfgar mostrou ao seu povo
guerreiro o caminho melhor da amizade, o caminho da harmonia.
Eles são minha armadura, minha esperança no que está por vir para mim e
para todo o mundo. E enquanto os caçadores perdidos como Entreri
inevitavelmente encontrarem seus caminhos ligados mais uma vez com os meus,
lembro-me de Zaknafein, meu parente de sangue e alma. Lembro-me de Montólio,
e creio que há outros que sabem a verdade, e sei que se eu for destruído, meus
ideais não morrerão comigo. Por causa dos amigos que conheci, por causa das
pessoas honradas que encontrei, sei que não sou um herói solitário de causas
únicas. Eu sei quem quando eu morrer, aquilo que é importante continuará vivo.
Este é meu legado; pela graça dos deuses, não estou sozinho.
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 11

Negócios de Família
ROUPAS VOAVAM DESCONTROLADAMENTE, peças variadas batiam
contra a parede do outro lado da sala, armas giravam no ar e espiralavam para
baixo, algumas quicando nas costas de Bruenor. O anão, com metade do seu corpo
enterrado em seu armário particular, não sentia nada disso, nem sequer grunhiu
quando, ao se levantar por um momento, a lateral da lâmina de um machado de
arremesso atingiu e desalojou seu capacete de um chifre.
— Está aqui! — o anão grunhiu teimosamente, e uma cota de malha quase
completa bateu por cima do seu ombro, quase colidindo com os outros no quarto.
— Por Moradin, essa maldita coisa tem que estar aqui!
— O que nos Nove-- —Thibbledorf Pwent começou, mas o grito de êxtase de
Bruenor o interrompeu.
— Eu sabia! — o anão de barba vermelha berrou, girando e afastando-se do
baú desmantelado. Em sua mão, segurava um pequeno medalhão em forma de
coração em uma corrente de ouro.
Cattibrie reconheceu instantaneamente como o presente mágico que Lady
Alustriel de Lua Argêntea havia dado a Bruenor para encontrar seus amigos que
tinham ido para as terras ao Sul. Dentro do medalhão havia um pequeno retrato de
Drizzt, e o item estava sintonizado ao drow, que daria ao seu possuidor
informações gerais sobre o paradeiro do Drizzt Do’Urden.
— Isso vai nos levar ao elfo — disse Bruenor, segurando o medalhão bem
alto diante dele.
— Então me entregue, meu rei — disse Pwent —, e deixe-me achar seu...
amigo estranho.
— Eu posso muito bem usar o medalhão — grunhiu Bruenor em resposta,
ajeitando o elmo de um chifre por cima da cabeça e pegando o machado e o escudo
dourado.
— Você é o rei do Salão de Mitral! — Pwent protestou. — Você não pode
correr para o perigo de túneis desconhecidos.
Cattibrie rasgou uma resposta antes que Bruenor tivesse a chance:
— Cala a boca, furioso — insistiu a jovem. — Meu papai largaria os
corredores aos goblins antes que deixasse Drizzt em apuros.
Cobble agarrou o ombro de Pwent (e, no processo, fez um corte feio em um
dedo na armadura cheia de pontas) para confirmar a observação da mulher e alertar
silenciosamente ao selvagem furioso de batalha para não insistir nesse ponto.
Bruenor não teria ouvido a nenhum argumento de qualquer maneira. O rei
anão de barba ruiva, com os olhos escuros em chamas, passou novamente por
Pwent e Wulfgar e conduziu o grupo para fora da sala.

A imagem entrou em foco devagar, de forma quase surrealista, e quando


Drizzt Do’Urden despertou completamente, reconheceu claramente sua irmã
Vierna, curvando-se para olhá-lo.
— Olhos roxos — disse a sacerdotisa na língua drow.
A sensação de que havia repassado essa mesma cena uma centena de vezes
em sua juventude quase inundou o elfo negro preso.
Vierna! O único membro de sua família com quem que Drizzt já se importara,
além do falecido Zaknafein, estava diante dele agora.
Ela havia sido a mãe de desmame de Drizzt, encarregada de ensinar a ele,
como um príncipe da Casa Do’Urden, as tradições sombrias da sociedade drow.
Mas, lembrando-se daquelas memórias longínquas, de tempos em que tinha poucas
lembranças, se é que havia alguma, Drizzt sabia que havia algo diferente em
Vierna, uma ternura oculta enterrada sob as vestes malignas de uma sacerdotisa da
Rainha Aranha.
— Quanto tempo faz, meu irmão perdido? — perguntou Vierna, ainda usando
o idioma dos elfos negros. — Quase três décadas? E até onde você chegou? E
ainda tão perto de onde você começou, e de onde você pertence.
Drizzt endureceu o olhar, mas não teve nenhum efeito prático — não com as
mãos amarradas por detrás dele e uma dezena de soldados drow ao redor da
pequena câmara. Entreri também estava lá, conversando com um elfo negro de
aparência curiosa que usava um chapéu escandalosamente emplumado e um colete
curto e aberto que mostrava os músculos ondulados de seu estômago esguio. O
assassino tinha a máscara mágica presa ao cinto, e Drizzt temia o mal que Entreri
poderia causar se lhe deixassem voltar ao Salão de Mitral.
— O que você vai pensar quando entrar novamente em Menzoberranzan? —
perguntou Vierna a Drizzt e, embora a pergunta fosse novamente retórica, chamou
sua atenção totalmente para ela.
— Vou pensar o que um prisioneiro pensa — Drizzt respondeu. — E quando
eu for levado diante de Matr - diante da cruel Malícia...
— Matriarca Malícia! — Vierna sibilou.
— Malícia — repetiu Drizzt desafiadoramente, e Vierna lhe deu uma bofetada
no rosto. Vários elfos negros se viraram para encarar o incidente, depois deram
risadas abafadas e voltaram para suas conversas.
Vierna também irrompeu em gargalhadas, longas e selvagens. Ela jogou a
cabeça para trás, suas madeixas brancas flutuando para longe de seu rosto.
Drizzt a olhou em silêncio, sem a menor ideia do que havia instigado a reação
explosiva.
— Matriarca Malícia está morta, seu tolo! — Vierna disse de repente,
inclinando a cabeça para a frente a um centímetro do rosto de Drizzt.
Drizzt não sabia como reagir. Ele acabara de saber que sua mãe estava morta e
não tinha ideia de como a informação deveria afetá-lo. Sentiu uma tristeza,
distante, mas a descartou, entendendo que esta vinha da sensação de nunca
conhecer uma mãe, não da perda de Malícia Do’Urden. Ao se recostar, digerindo a
notícia, Drizzt chegou a sentir uma calma, uma aceitação que não trouxe nem um
pingo de pesar. Malícia fora sua genitora natural, nunca sua mãe e, de acordo com
a estimativa de Drizzt Do’Urden, a morte dela não era uma coisa ruim.
— Você nem sabia, não é? — Vierna riu dele. — Há quanto tempo você se
foi, meu irmão perdido!
Drizzt lançou um olhar curioso, suspeitando que alguma revelação ainda
maior, ainda mais grandiosa, ainda estava para ser pronunciada.
— Por suas próprias ações, a Casa Do’Urden foi destruída e você nem sabia!
— Vierna gargalhou histericamente.
— Destruída? — perguntou Drizzt, surpreso, mas de novo, não muito
preocupado. Na verdade, o drow renegado não sentia mais por sua própria casa do
que por qualquer outro em Menzoberranzan. Na verdade, Drizzt não sentiu
absolutamente nada.
— Matriarca Malícia foi encarregada de encontrá-lo — explicou Vierna. —
Quando não conseguiu, quando você escapou para além de seu alcance, também o
fez o favor de Lolth.
— Uma pena — interveio Drizzt, com a voz cheia de sarcasmo. Vierna o
atingiu novamente, com mais força, mas ele se manteve firme em sua disciplina
estoica e não piscou.
Vierna se afastou dele, apertou as mãos delicadas, mas enganosamente fortes,
na sua frente e descobriu que era difícil respirar.
— Destruída — ela disse de novo, de repente, obviamente magoada. —
Derrubada pela vontade da Rainha Aranha. Eles estão mortos por sua causa —
gritou, voltando para Drizzt e apontando acusatoriamente. — Suas irmãs, Briza e
Maya, e sua mãe. Toda a casa, Drizzt Do’Urden, morta por sua causa!
Drizzt não expressou nada, um reflexo preciso de sua ausência de
sentimentos, ante a novidade que Vierna acabara de lançar sobre ele.
— E o nosso irmão? — perguntou, mais para discernir informações sobre
essa força invasora do que por qualquer preocupação sincera sobre o merecido fim
de Dinin.
— Ora, Drizzt — disse Vierna, com uma confusão obviamente fingida —,
você o encontrou pessoalmente. Quase arrancou uma das pernas dele.
A confusão de Drizzt era genuína, e durou até Vierna terminar o pensamento.
— Uma de suas oito pernas.
Mais uma vez, Drizzt conseguiu manter suas feições sem expressão, mas a
informação terrível de que Dinin se tornara um drider o pegara de surpresa.
— Mais uma vez a culpa é sua! — rosnou Vierna, e o observou por um longo
momento, seu sorriso gradualmente desaparecendo quando ele não reagiu.
— Zaknafein morreu por você! — Vierna gritou de repente, embora Drizzt
soubesse que ela dissera isso apenas para evocar uma reação, dessa vez não
conseguiu manter a calma.
— Não! — ele gritou de raiva, cambaleando para frente até o chão, apenas
para ser facilmente empurrado de volta ao seu lugar.
Vierna sorriu maldosamente, sabendo que encontrara o ponto fraco de Drizzt.
— Se não fosse pelos pecados do Drizzt Do’Urden, Zaknafein ainda estaria
vivo — provocou. — A Casa Do’Urden teria conhecido suas maiores glórias e
Matriarca Malícia se sentaria no conselho governante.
— Pecados? — Drizzt respondeu, encontrando sua coragem em meio às
lembranças dolorosas de seu pai perdido. — Glórias? — perguntou. — Você
confunde os dois.
A mão de Vierna se ergueu como se fosse atacar de novo, mas, quando o
estoico Drizzt não se mexeu, ela a abaixou.
— Em nome de sua divindade miserável, você se deleita com a maldade do
mundo drow — continuou o indomável Drizzt. — Zaknafein morreu... não: foi
assassinado, em busca de falsos ideais. Você não pode me convencer a aceitar a
culpa. Foi Vierna quem segurou a adaga de sacrifício?
A sacerdotisa parecia à beira de uma explosão, com seus olhos brilhando
intensamente e seu rosto se mostrou quente ante a visão de calor de Drizzt.
— Ele também era seu pai — disse Drizzt, e ela estremeceu apesar de seus
esforços para manter sua raiva. Era verdade. Zaknafein teve dois filhos, e apenas
dois filhos, com Malícia.
— Mas você não se importa com isso — raciocinou Drizzt imediatamente. —
Afinal, Zaknafein era apenas um macho, e machos não contam no mundo dos
drows.
— Mas ele era seu pai — Drizzt precisou acrescentar. — E deu mais a você
do que você jamais aceitará.
— Silêncio! — Vierna rosnou, rangendo os dentes. Ela deu outro tapa em
Drizzt, e mais outro, várias vezes e em rápida sucessão. Ele podia sentir o calor de
seu próprio sangue escorrendo pelo rosto.
Drizzt permaneceu quieto naquele momento, capturado por reflexões
particulares sobre Vierna e o monstro no qual se transformara. Ela agora estava
mais parecida com Briza, a irmã mais velha e mais cruel de Drizzt, presa no frenesi
que a Rainha Aranha sempre parecia pronta para promover. Onde estava a Vierna
que tinha secretamente mostrado misericórdia para o jovem Drizzt? Onde estava a
Vierna que acompanhava os caminhos sombrios, como fizera Zaknafein, mas
nunca parecia aceitar plenamente o que Lolth tinha a oferecer?
Onde estava a filha de Zaknafein?
Morta e enterrada, decidiu Drizzt, enquanto considerava aquele rosto coberto
pelo calor, enterrado sob as mentiras e as promessas vazias de glória distorcida que
pervertiam tudo no mundo sombrio dos drows.
— Eu vou te resgatar — disse Vierna, acalmando-se de novo, o calor
gradativamente abandonando seu rosto delicado e bonito.
— Pessoas mais malignas que você já tentaram — Drizzt respondeu,
entendendo mal sua intenção. A risada seguinte de Vierna revelou que reconhecia o
erro de suas conclusões.
— Eu vou te dar a Lolth — explicou a sacerdotisa. — E vou aceitar, em troca,
mais poder do que a ambiciosa Matriarca Malícia esperava. Alegre-se, meu irmão
perdido, e saiba que você restaurará à Casa Do’Urden mais poder do que antes.
— Poder que diminuirá — Drizzt respondeu calmamente, e seu tom irritou
mais Vierna do que suas palavras perspicazes. — Poder que elevará a casa a outro
precipício, para que outra casa, encontrando o favor de Lolth, derrube os Do’Urden
mais uma vez.
O sorriso de Vierna se alargou.
— Você não pode negar — Drizzt rosnou, e foi ele quem agora vacilou na
guerra de palavras, aquele que achava sua lógica, por mais sólida que fosse,
inadequada. — Não há constância, nem permanência em Menzoberranzan, além do
capricho mais recente da Rainha Aranha.
— Bom, meu irmão perdido — ronronou Vierna.
— Lolth é uma coisa maldita! — berrou Drizzt.
Vierna assentiu.
— Seu sacrilégio não pode me prejudicar mais — explicou a sacerdotisa, em
um tom mortalmente calmo — porque você não é mais meu. Não é mais do que
um renegado sem lar que Lolth julgou adequado para o sacrifício.
— Então continue cuspindo suas maldições na Rainha Aranha — prosseguiu
Vierna. — Mostre a Lolth quão apropriado o sacrifício será! Quão irônico é, pois
se você se arrependesse de seus modos, se voltasse à verdade de sua herança, então
me derrotaria.
Drizzt mordeu o lábio, percebendo que faria bem em manter o silêncio, até
melhor entender a profundidade desse encontro inesperado.
— Você não entende? — Vierna continuou. — A misericordiosa Lolth
receberia de volta sua espada habilidosa, e meu sacrifício não existiria mais. Assim
eu viveria como uma pária, como você, uma renegada sem lar.
— Você não tem medo de me dizer isso? — Drizzt perguntou-lhe
timidamente. Vierna entendia seu irmão renegado melhor do que ele acreditava.
— Você não vai se arrepender, tolo e honrado Drizzt Do’Urden — respondeu.
— Você não proferia tal mentira, não proclamaria sua fidelidade à Rainha Aranha,
nem mesmo para salvar sua própria vida. Quão inúteis são esses ideais que você
considera tão preciosos!
Vierna deu-lhe uma bofetada mais uma vez, sem nenhuma razão especial que
Drizzt pudesse discernir, e foi para longe, sua forma quente desfocada pelo fluxo
protetor de suas vestes clericais. Quão apropriada era aquela imagem para Drizzt,
que o verdadeiro contorno de sua irmã estivesse escondido sob as vestes da
perversa Rainha Aranha.
O curioso drow que estivera conversando com Entreri aproximou-se de
Drizzt, as botas altas batendo ruidosamente na pedra. Ele deu a Drizzt um olhar
quase simpático, depois deu de ombros.
— Uma pena — observou ele, enquanto puxava a cintilante Fulgor sob as
dobras de sua capa brilhante. — Uma pena — disse novamente, e então se afastou,
desta vez suas botas não fazendo um único som.

Os espantados guardas ficaram atentos quando seu rei entrou inesperadamente


em sua câmara, acompanhado por sua filha, Wulfgar, Cobble e um anão
estranhamente blindado que eles não conheciam.
— Vocês sabem do drow? — Bruenor perguntou aos guardas, o rei anão indo
direto para a barra pesada na porta de pedra enquanto falava.
O silêncio deles contou a Bruenor tudo o que ele precisava saber.
— Vá até o General Dagna — ordenou a um dos guardas. — Diga para reunir
um grupo de guerra e descer até os novos túneis!
O guarda anão levantou os calcanhares e disparou. Os quatro companheiros de
Bruenor aproximaram-se dele quando a barra ressoou na pedra, Wulfgar e Cobble
com tochas resplandecentes.
— Três, depois duas, é o sinal do drow — explicou o guarda restante a
Bruenor.
— Três, depois duas — Bruenor respondeu, e desapareceu na escuridão,
forçando os outros, particularmente Thibbledorf, que ainda não achava uma coisa
boa o rei do Salão de Mitral estar lá embaixo, a praticamente correr para manter o
ritmo.
Cobble e até mesmo o destemido Pwent olharam para trás e fizeram uma
careta quando a porta de pedra se fechou, enquanto os outros três, impulsionados
para frente com o peso de seus medos voltados para o amigo desaparecido, nem
ouviram o som.
CAPÍTULO 12

A Verdade a ser Conhecida


— SANGUE — murmurou Cattibrie, segurando uma tocha e se abaixando
sobre a linha de gotículas no corredor, perto da entrada de uma pequena câmara.
— Poderia ser da luta contra os goblins — disse Bruenor, esperançoso, mas
Cattibrie sacudiu a cabeça.
— Ainda está úmido — ela respondeu. — O sangue da luta contra os goblins
já estaria seco há muito tempo.
— Então, dos vermes da carniça que vimos — argumentou Bruenor —
destroçando os corpos dos goblins.
Cattibrie ainda não estava convencida. Inclinando-se para baixo, com a tocha
bem na frente dela, atravessou a pequena porta da câmara lateral. Wulfgar veio por
trás e passou por ela assim que a passagem se alargou novamente, levantando-se
defensivamente diante da jovem.
A ação do bárbaro não caiu bem para Cattibrie. Talvez, do ponto de vista de
Wulfgar, estivesse apenas seguindo um rumo prudente, colocando seu corpo pronto
para a batalha diante de uma pessoa com uma tocha e cujos olhos estavam no chão.
Mas Cattibrie duvidava dessa possibilidade, achava que Wulfgar tinha chegado
com tanta urgência porque ela estava na liderança, por causa de sua necessidade de
protegê-la e ficar entre ela e qualquer possível perigo. Orgulhosa e capaz, Cattibrie
se sentiu mais insultada do que lisonjeada.
E preocupada, pois se Wulfgar estivesse com tanto medo por sua segurança,
poderia cometer um erro tático. Os companheiros tinham sobrevivido a muitos
perigos juntos porque cada um havia encontrado um nicho no grupo, porque cada
um desempenhava um papel complementar às habilidades dos outros. Cattibrie
entendeu claramente que uma ruptura desse padrão poderia ser fatal.
Ela se pôs novamente à frente de Wulfgar, afastando o braço dele quando ele
o estendeu para bloquear seu progresso. Ele olhou para ela, e ela prontamente
devolveu o olhar inflexível.
— O que há aí? — veio o chamado de Bruenor, desviando do confronto
iminente. Cattibrie olhou para trás para ver a forma escura de seu pai agachado na
porta baixa, e Cobble e Pwent, que seguravam a segunda tocha, no corredor atrás
dele.
— Vazio — respondeu Wulfgar com firmeza, e se virou para ir embora.
Cattibrie continuou agachada e olhando em volta, tanto para provar que o bárbaro
estava errado quanto em uma busca honesta por pistas.
— Não está vazio — corrigiu ela um momento depois, e seu tom de voz
superior fez Wulfgar voltar e atraiu Bruenor para a câmara.
Eles flanquearam Cattibrie, que se abaixava sobre um minúsculo objeto no
chão: um virote de besta, mas pequeno demais para qualquer das bestas que os
guerreiros de Bruenor carregavam, ou qualquer arma similar que os companheiros
já tivessem visto. Bruenor o pegou nos dedos grossos, aproximou-os dos olhos e
estudou-o com cuidado.
— Temos pixies nesses túneis? — perguntou, referindo-se aos sprites
diminutivos, mas cruéis, mais comuns aos cenários das florestas.
— Algum tipo de ... — Wulfgar começou.
— Drow — Cattibrie interrompeu. Wulfgar e Bruenor se voltaram para ela, os
olhos claros de Wulfgar brilhando de raiva por terem sido interrompidos, mas
apenas pelo momento que o levou a entender a gravidade do que Cattibrie havia
anunciado.
— O elfo tinha um arco que se encaixaria nisso? — Bruenor recusou.
— Não Drizzt — corrigiu Cattibrie severamente —, outro drow.
Wulfgar e Bruenor contorceram os rostos com dúvida óbvia, mas Cattibrie
tinha certeza do palpite. Muitas vezes, no passado, no Vale do Vento Gélido, nas
encostas vazias do Sepulcro de Kelvin, Drizzt falara sobre sua terra natal, contara-
lhe sobre as conquistas notáveis e os artefatos exóticos da nação dos elfos negros.
Entre tais artefatos estava a arma preferida dos elfos negros, a besta de mão, com
virotes geralmente envenenados.
Wulfgar e Bruenor se entreolharam, cada um esperançoso de que o outro
encontrasse alguma lógica para derrotar as afirmações sinistras de Cattibrie.
Bruenor apenas encolheu os ombros, jogou o virote longe e partiu para a passagem
do lado de fora. Wulfgar olhou de novo para a jovem, com o rosto corado de
preocupação.
Nenhum dos dois falava — nem precisava —, porque ambos conheciam bem
os contos cheios de horror dos elfos negros saqueadores. As implicações pareciam
graves, de fato, se a suposição de Cattibrie estivesse correta, se os elfos drow
tivessem chegado ao Salão de Mitral.
Havia algo mais na expressão de Wulfgar que incomodava Cattibrie, no
entanto, uma proteção possessiva que a jovem estava começando a acreditar que
lhes causaria problemas. Ela empurrou o enorme homem, mergulhando baixo e
saindo da câmara, deixando Wulfgar no escuro com seu tumulto interno.

A caravana seguiu seu caminho lento, mas constante, através dos túneis,
enquanto as passagens se tornavam cada vez mais naturais. Drizzt ainda usava sua
armadura, mas fora despojado de suas armas e tinha as mãos firmemente
amarradas às costas por algum cordão mágico que não afrouxava nem um pouco,
não importando o quanto conseguisse torcer seus pulsos.
Dinin, com suas oito pernas estalando na pedra, liderava a tropa, com Vierna e
Jarlaxle um pouco atrás. Vários membros do grupo de vinte drow tinham entrado
em formação atrás deles, incluindo os dois vigiando Drizzt. Eles se cruzaram uma
vez com o maior grupo de soldados da Casa Baenre, Jarlaxle emitindo ordens
silenciosas e a segunda força drow deslizando para as sombras.
Só então Drizzt começou a entender a importância do ataque ao Salão de
Mitral. Por sua conta, em algum lugar entre quarenta e sessenta elfos negros
tinham vindo de Menzoberranzan, um formidável grupo de incursão.
E tudo tinha sido para ele.
E quanto a Entreri? Drizzt se perguntou. Como o assassino se encaixava
nisso? Ele parecia se dar tão bem com os elfos negros! De corpo e temperamento
semelhantes, o assassino avançava com facilidade com as fileiras drow,
discretamente.
Bem até demais, pensou Drizzt.
Entreri passou algum tempo com o mercenário de cabeça raspada e com
Vierna, mas depois recuou cada vez mais, indo inevitavelmente até seu inimigo
mais odiado.
— Olá — disse hesitantemente quando finalmente chegou ao lado de Drizzt.
Um olhar do humano fez os dois guardas dos elfos negros mais próximos andarem
respeitosamente para longe.
Drizzt olhou o assassino de perto por um momento, procurando por pistas,
depois se virou.
— O quê? — Entreri insistiu, agarrando o ombro do drow obstinado e
virando-o de volta. Drizzt parou abruptamente, arrancando olhares preocupados
dos drow que o flanqueavam, particularmente Vierna. Começou a se mover
novamente imediatamente, não apreciando a atenção e, gradualmente, os outros
elfos negros se acomodaram em seu ritmo ao redor dele.
— Não compreendo — Drizzt disse com dificuldade a Entreri. — Você tinha
a máscara, tinha Regis e sabia onde eu poderia ser encontrado. Por que então se
aliou a Vierna e seu grupo?
— Você presume que a escolha foi minha — respondeu Entreri. — Eu não
procurei sua irmã. Ela me encontrou.
— Então você é um prisioneiro — argumentou Drizzt.
— Dificilmente — respondeu Entreri sem hesitar, rindo enquanto falava. —
Você acertou na primeira vez. Eu sou um aliado.
— Quando meus parentes estão envolvidos, as duas coisas dão no mesmo.
Entreri riu mais uma vez, aparentemente reconhecendo a provocação. Drizzt
estremeceu com a sinceridade da risada do assassino, porque percebeu a força nos
laços de seus inimigos, laços que ele esperava, em um momento fugaz de
esperança, que pudesse enfraquecer e explorar.
— Eu lido com Jarlaxle, na verdade — o assassino explicou —, não com sua
irmã volátil. Jarlaxle, o mercenário pragmático, o oportunista. Esse eu entendo. Ele
e eu somos muito parecidos!
— Quando você não for mais necessário... — Drizzt começou a dizer,
ameaçadoramente.
— Mas eu sou e continuarei a ser! — Entreri interrompeu. — Jarlaxle, o
oportunista — reiterou em voz alta, atraindo um aceno de aprovação do
mercenário, que aparentemente entendia bem a língua comum da superfície. —
Que ganho Jarlaxle teria em me matar? Sou um laço valioso à superfície, não sou?
O chefe de uma guilda de ladrões na exótica Porto Calim, um aliado que pode ser
útil no futuro. Lidei com o tipo de Jarlaxle a minha vida toda, mestres de guilda de
uma dúzia de cidades ao longo da Costa da Espada.
— Sabe-se que os drows matam pelo simples prazer de matar — protestou
Drizzt, não querendo abandonar tão facilmente esse fio solto.
— Concordo — respondeu Entreri —, mas não matam quando ganham não
matando. Pragmáticos. Você não vai abalar essa aliança, condenado Drizzt. É de
benefício mútuo, para sua inevitável impotência.
Drizzt parou um bom tempo para digerir a informação, para encontrar alguma
maneira de recuperar aquela vertente potencialmente descontrolada, aquela ponta
solta que acreditava sempre existir quando indivíduos traiçoeiros se uniam por
qualquer causa.
— Não é um benefício mútuo — disse em voz baixa, observando o olhar
curioso de Entreri em seu caminho.
— Explique — Entreri disse depois de um longo momento de silêncio.
— Eu sei porque você veio atrás de mim — Drizzt raciocinou. — Não foi
para que me matassem, mas para você mesmo me matar. E não apenas para me
matar, mas para me derrotar em combate justo. Essa possibilidade parece menos
provável agora, nestes túneis ao lado da impiedosa Vierna e seus desejos de um
simples sacrifício.
— Tão formidável, mesmo quando tudo está perdido — comentou Entreri,
seus tons superiores puxando o fio indescritível para longe do alcance do Drizzt
mais uma vez. — Derrotar você em combate... Eu irei, esse é o acordo. Em uma
câmara não tão distante daqui, seus parentes e eu nos separaremos, mas não até que
você e eu tenhamos resolvido nossa rivalidade.
— Vierna não deixaria você me matar — retrucou Drizzt.
— Mas ela me permitiria derrotá-lo — respondeu Entreri. — Ela deseja isso
mesmo, deseja que sua humilhação seja completa. Depois de eu ter resolvido
nossos negócios, ela te dará a Lolth... Com as minhas bênçãos.
— Vamos agora, meu amigo — ronronou Entreri, sem ver nenhuma resposta
vindo de Drizzt, vendo o rosto do elfo negro encrespado em um beiço
incaracterístico.
— Não sou seu amigo — disparou Drizzt.
— Meu semelhante, então — Entreri brincou, seu prazer absoluto quando
Drizzt virou um olhar furioso para ele.
— Nunca.
— Nós lutamos — explicou Entreri. — Nós dois lutamos muito bem e
lutamos para vencer, embora nossos propósitos para batalha possam variar. Eu lhe
disse antes que você não pode escapar de mim, não pode escapar de quem você é.
Drizzt não tinha resposta para isso, não em um corredor cercado de inimigos e
com as mãos amarradas atrás das costas. Entreri já havia feito tais afirmações
antes, e Drizzt as havia reconciliado, chegado a um acordo com as decisões de sua
vida e com o caminho que escolhera como seu.
Mas ver o evidente prazer no rosto do assassino maligno perturbava o honrado
drow, apesar de tudo. Seja o que for que pudesse fazer nessa situação
aparentemente sem esperança, Drizzt Do’Urden determinou que não daria
nenhuma satisfação a Entreri.
Chegaram a uma área de muitas passagens laterais sinuosas, túneis
escalonados, buracos de vermes, que pareciam serpentear e girar em todas as
direções ao mesmo tempo. Entreri dissera que a câmara, a separação de caminhos,
estava próxima, e Drizzt sabia que estava ficando sem tempo.
Ele mergulhou de cabeça no chão, colocou os pés bem apertados e deslizou os
braços sobre eles, depois os trouxe de volta para a frente, enquanto rolava para uma
posição de pé. Quando se virou, Entreri, sempre alerta, já tinha a espada e a adaga
na mão, mas Drizzt o atacou de qualquer maneira. Sem armas, o drow não tinha
nenhuma chance prática, mas imaginou que Entreri não o derrubaria, imaginando
que o assassino não destruiria tão impulsivamente o desafio que desejava tão
desesperadamente, no exato momento em que Entreri havia trabalhado tão
duramente para conseguir.
Previsivelmente, Entreri hesitou, e Drizzt estava além de suas defesas
desanimadas em um momento, saltando para o ar e dando um chute de dois pés no
rosto e no peito de Entreri, que o fez voar para longe.
Drizzt voltou a se levantar e correu em direção à entrada do túnel lateral mais
próximo, bloqueado por um único guarda drow. Novamente, Drizzt chegou
destemido, esperando que Vierna tivesse prometido tormentos incríveis para
qualquer um que roubasse seu sacrifício — uma esperança que parecia confirmada
quando Drizzt olhou de volta para Vierna, para ver sua mão segurando Jarlaxle, os
dedos do mercenário empunhando uma adaga.
O guerreiro drow de guarda, tão ágil quanto um gato, acertou Drizzt, que o
atacava. Mas Drizzt, mais rápido ainda, lançou as mãos para o alto, e os laços que
prendiam seus pulsos engancharam a mão armada do inimigo e lançaram sua
espada inofensivamente para o alto. Drizzt bateu nele, corpo a corpo, levantando o
joelho ao se aproximar, atingindo o abdome do seu oponente. O guerreiro se
dobrou e Drizzt, sem tempo a perder, passou por ele, jogando-o para fazer tropeçar
o próximo soldado, e Entreri, que se aproximava rápido.
Ao redor de uma curva, descendo uma pequena extensão, depois mergulhando
em outra passagem lateral, Drizzt mal conseguiu se manter à frente da perseguição.
Seus inimigos estavam tão próximos que, quando ele virou na próxima passagem,
ouviu um virote passar ao longo da lateral da parede.
Pior ainda, o drow ranger notou outras formas entrando e saindo das aberturas
para os lados do túnel. Não havia mais de sete elfos negros no corredor com ele,
mas ele sabia que mais do que o dobro desse número havia acompanhado Vierna,
para não mencionar a força maior que havia sido deixada para trás há não muito
tempo. Os soldados desaparecidos estavam por todo lado, Drizzt sabia,
flanqueando e explorando, fazendo relatórios ao longo de rotas prescritas em
códigos silenciosos.
Ele girou ao redor de outra curva, depois mais outra, se voltando em direção
oposta à primeira. Escalou uma parede curta, então amaldiçoou sua sorte quando o
corredor de ramificação em cima dela desceu de volta para o nível anterior.
Em torno de outra curva, viu um lampejo de calor brilhando e soube que era
um espelho de sinal, uma placa de metal magicamente aquecida de um lado, que os
elfos negros usavam para sinalizar. O lado aquecido brilhava como um espelho na
luz do sol para seres usando a infravisão. Drizzt abaixou em uma passagem lateral,
percebendo que as teias estavam apertando ao seu redor, sabendo que sua tentativa
não teria sucesso.
Então o drider se levantou na sua frente.
A repulsa de Drizzt era absoluta, e recuou apesar dos perigos que sabia que
estavam por trás dele. Ver seu irmão em tal estado! O torso inchado de Dinin
movia-se em harmonia com as oito patas, o rosto era uma máscara de morte
inexpressiva.
Drizzt acalmou suas emoções agitadas, sua necessidade de gritar, e procurou
uma maneira prática de superar esse obstáculo. Dinin havia virado seus machados
gêmeos para os lados cegos, acenando-os descontroladamente, e suas oito pernas
chutavam e resistiam, não dando a Drizzt uma abertura óbvia.
O ranger não teve escolha; se virou, com a intenção de fugir para o outro lado.
Vierna, Jarlaxle e Entreri viraram a esquina para encontrá-lo.
Eles conversavam em voz baixa na língua comum. Entreri dizia algo sobre
acertar suas contas naquele momento, mas aparentemente mudou de ideia.
Em vez disso, Vierna avançou com seu chicote de cinco cabeças de cobra que
se agitavam ameaçadoramente diante dela.
— Se você me derrotar, pode ter de volta a sua liberdade — ela brincou na
língua drow, enquanto jogava Fulgor no chão aos pés do Drizzt. Ele foi na direção
da arma e Vierna atacou, mas Drizzt já a esperava e caiu para trás de sua cimitarra,
deixando Fulgor fora de alcance.
O drider se adiantou, um machado cortando o ombro do Drizzt, derrubando-o
para trás em direção a Vierna. O ranger não tinha outra escolha, e mergulhou para
sua cimitarra, seus dedos mal a alcançando.
Presas de cobra se enterraram em seu pulso. Outra mordida o pegou no
antebraço e mais três se afundaram em seu rosto ou na outra mão, que estava
torcida sobre a mão que segurava em uma defesa fraca. A picada das mordidas era
cruel, mas foi o veneno mais insidioso que derrotou Drizzt. Ele tinha Fulgor em
suas mãos, ou ao menos pensava, mas não podia ter certeza, já que seus dedos
dormentes não podiam mais sentir o metal da arma.
O chicote cruel de Vierna atacou novamente, cinco cabeças mordendo
ansiosamente a carne de Drizzt, espalhando as ondas de dormência em toda a sua
forma machucada. A sacerdotisa impiedosa, de uma deusa ainda mais impiedosa,
acertou o prisioneiro indefeso uma dúzia de vezes, seu rosto contorcido em alegria
absoluta e perversa.
Drizzt manteve a consciência obstinada, olhou-a com desprezo absoluto, mas
isso só estimulou Vierna, e ela o teria espancado até a morte não fosse Jarlaxle, e
mais incisivamente, Entreri, que foram acalmá-la.
Para Drizzt, com o corpo atormentado pela agonia e sem nenhuma esperança
de sobrevivência a longo prazo, parecia menos que um alívio.

— Aaahhh! — Bruenor lamentou. — Meus parentes!


A reação de Thibbledorf Pwent à horripilante cena dos sete anões abatidos foi
ainda mais dramática. O furioso de batalha se afundou ao lado do túnel e começou
a bater a testa contra a parede de pedra. Sem dúvida teria continuado até cair se
Cobble não lhe recordasse em voz baixa que suas batidas podiam ser ouvidas a um
quilômetro de distância.
— Mortos de forma limpa e rápida — Cattibrie comentou, tentando se manter
racional e fazer algum sentido desta nova pista.
— Entreri — Bruenor rosnou.
— Se ele estava mesmo disfarçado com o rosto e corpo de Regis, esses anões
estavam desaparecidos antes de ele entrar por esses túneis. — Cattibrie ponderou.
— Parece que o assassino pode ter trazido alguns ajudantes. — A imagem do
pequeno virote de besta repassou em sua mente e ela esperava que suas suspeitas
estivessem erradas.
— Ajudantes mortos quando eu puser minhas mãos em torno de suas
gargantas assassinas! — Bruenor prometeu. Ele caiu de joelhos e curvou-se sobre
um anão morto que fora um amigo próximo.
Cattibrie não suportou a visão. Desviou o olhar do pai para Wulfgar, em pé
em silêncio e segurando a tocha.
A carranca de Wulfgar, virada para ela, pegou-a de surpresa.
Ela o estudou por alguns instantes.
— Bem, diga o que está pensando — ela exigiu, ficando desconfortável sob
seu olhar implacável.
— Você não deveria ter vindo — o bárbaro respondeu calmamente.
— Drizzt não é meu amigo, então? — ela perguntou, e ficou surpresa com a
forma como o rosto de Wulfgar se enrugou com uma raiva quase explosiva ao
mencionar o elfo negro.
— Oh, ele é seu amigo, eu não duvido — respondeu Wulfgar, com seu tom
respingando veneno. — Mas você vai ser minha esposa. Você não deveria estar
neste lugar perigoso.
Os olhos de Cattibrie se arregalaram de incredulidade, em total ultraje,
mostrando os reflexos da luz das tochas como se algum fogo interno ardesse dentro
deles.
— Isso não é uma escolha sua! — ela gritou alto — tão alto que Cobble e
Bruenor trocaram olhares preocupados e o rei anão se levantou do lado de seu
amigo morto e foi em direção à sua filha.
— Você vai ser minha esposa! — Wulfgar a lembrou, seu volume igualmente
perturbador.
Cattibrie não recuou, nem piscou, seu olhar determinado forçando Wulfgar a
recuar um passo. A jovem decidida quase sorriu apesar de sua raiva, com o noção
de que o bárbaro estava finalmente começando a entender.
— Você não deveria estar aqui — disse Wulfgar novamente, renovando sua
força em sua declaração.
— Vá para Pedra do Veredito, então — Cattibrie respondeu, cutucando um
dedo no peito volumoso de Wulfgar. — Pois se está achando que eu não deveria
estar aqui para ajudar a encontrar Drizzt, então você não pode se dizer amigo dele!
— Não tanto quanto você! — Wulfgar rosnou de volta, seus olhos brilhando
com raiva, seu rosto torcido e um punho cerrado firmemente ao seu lado.
— O que você está dizendo? — Cattibrie perguntou, sinceramente confusa
com tudo, com as palavras irracionais e o comportamento errático de Wulfgar.
Bruenor ouvira o suficiente. Ele se colocou entre os dois, empurrando
Cattibrie gentilmente para trás e virando-se para encarar o bárbaro que tinha sido
como um filho para ele.
— O que você está dizendo, garoto? — perguntou o anão, tentando manter a
calma, embora tudo que quisesse fazer fosse dar um soco na boca tagarela de
Wulfgar.
Wulfgar não olhou para Bruenor, apenas estendeu a mão sobre o robusto mas
baixo anão para apontar acusadoramente para Cattibrie.
— Quantos beijos você e o drow deram? — ele berrou.
Cattibrie quase caiu.
— O quê? — ela gritou. — Você perdeu o bom senso. Eu nunca...
— Mentira! —Wulfgar rugiu.
— Malditas sejam suas palavras! — uivou Bruenor logo antes de sacar seu
grande machado. Ele golpeou, forçando Wulfgar a pular para trás e bater com força
na parede do corredor, depois cortou, forçando o bárbaro a se afastar. Wulfgar
tentou bloquear com a tocha, mas Bruenor a arrancou de sua mão. Wulfgar tentou
chegar a Presa de Égide, que havia escorregado debaixo de sua mochila quando
encontraram os anões mortos, mas Bruenor fora até ele com uma ligeira falta de
firmeza, nunca realmente atingindo, mas forçando-o a se esquivar e mergulhar, a
sair tropeçando pela pedra.
— Deixe-me matá-lo por você, meu rei! — Pwent gritou, apressando-se e
interpretando mal as intenções de Bruenor.
— Volte! — Bruenor rugiu para o furioso de batalha, e todos os outros
ficaram impressionados, Pwent principalmente, com a força da voz de Bruenor.
— Eu tenho deixado passar suas atitudes estúpidas por semanas — disse
Bruenor para Wulfgar —, mas não tenho mais tempo para você. Fale qualquer
coisa que esteve na sua cabeça aqui e agora, ou cale sua boca estúpida e mantenha-
a fechada até encontrarmos Drizzt e nos tirarmos desses túneis fedorentos!
— Tentei manter a calma — retrucou Wulfgar, e isso parecia mais um apelo,
já que o bárbaro ainda estava de joelhos, evitando os perigosamente próximos
ataques de Bruenor. — Mas não posso ignorar o insulto à minha honra! — Como
se percebendo sua aparência de subserviente, o orgulhoso bárbaro saltou de pé. —
Drizzt encontrou-se com Cattibrie antes que o drow retornasse ao Salão de Mitral.
— Quem te disse isso? — Cattibrie exigiu saber.
— Regis! — Wulfgar gritou de volta. — E ele me disse que sua reunião foi
preenchida com mais do que palavras!
— É mentira! — Cattibrie gritou.
Wulfgar começou a responder da mesma maneira, mas viu o largo sorriso de
Bruenor e ouviu o riso zombeteiro do anão. A cabeça do machado do anão caiu no
chão, Bruenor colocou ambas as mãos nos quadris e balançou a cabeça em óbvia
descrença.
— Idiota... — o anão murmurou. — Por que você não usa qualquer parte do
seu corpo que não seja músculo e pensa no que você acabou de dizer? Estamos
aqui justamente porque supomos que Regis não é Regis!
Wulfgar franziu o rosto em confusão, percebendo apenas então que não havia
reconsiderado as acusações voláteis do halfling à luz das recentes revelações.
— Se você está se sentindo tão estúpido quanto parece, então está se sentindo
do jeito que deve se sentir — comentou Bruenor secamente.
As súbitas revelações atingiram Wulfgar com a mesma certeza que o machado
de Bruenor jamais conseguiria. Quantas vezes Regis havia falado com ele sozinho
nos últimos dias? E o que, considerou cuidadosamente, tinha sido o conteúdo
dessas muitas reuniões? Pela primeira vez, talvez, o bárbaro percebeu o que tinha
feito em sua câmara contra o drow, realmente percebeu que teria matado Drizzt se
o ranger não tivesse vencido a batalha.
— O halfling... Artemis Entreri tentou me usar em seus planos maléficos —
ponderou Wulfgar. Ele se lembrou de uma miríade de reflexos cintilantes, as
facetas de uma pedra preciosa, convidando-o a mergulhar em suas profundezas. —
Ele usou seu pingente em mim — não posso ter certeza, mas acho que me lembro...
Eu acredito que usou...
— Tenha certeza — disse Bruenor. — Te conheço há muito tempo, rapaz, e
nunca te vi agindo de forma tão estúpida. E eu mesmo também. Mandar o halfling
junto com Drizzt para essa região desconhecida!
— Entreri tentou fazer com que eu matasse Drizzt — continuou Wulfgar,
tentando entender tudo.
— Tentou fazer o Drizzt te matar, quer dizer — corrigiu Bruenor. Cattibrie
riu, incapaz de conter seu prazer e sua gratidão por Bruenor ter colocado o bárbaro
arrogante em seu lugar.
Wulfgar fez uma careta para ela por cima do ombro de Bruenor.
— Você se encontrou com o drow — afirmou.
— Isso é problema meu — respondeu a jovem, não cedendo nem um
centímetro ao ciúme prolongado de Wulfgar.
A tensão voltou a aumentar. Cattibrie percebeu que, embora as revelações
sobre Regis tivessem tirado parte do veneno de Wulfgar, o homem protetor ainda
não a queria ali, não queria que sua futura esposa estivesse em uma situação
perigosa. Orgulhosa e teimosa, Cattibrie continuou se sentindo mais insultada do
que lisonjeada.
Ela não teve a chance de descarregar sua raiva, entretanto, não naquele
momento, pois Cobble voltou para o grupo, implorando para que todos ficassem
em silêncio. Só então Bruenor e os outros perceberam que Pwent não estava mais
presente.
— Barulho — o clérigo explicou em voz baixa — em algum lugar nos túneis
mais profundos. Vamos orar para Moradin que o que quer que esteja lá embaixo
não tenha ouvido o clamor de nossa própria estupidez!
Cattibrie olhou para os anões caídos, olhou para ver Wulfgar fazendo o
mesmo, e sabia que o bárbaro, como ela, estava lembrando a si mesmo que Drizzt
estava em sério perigo. Quão insignificantes suas discussões lhe pareciam então, e
quão envergonhada ela estava.
Bruenor sentiu seu desespero, e se aproximou dela e colocou o braço sobre
seus ombros.
— Tinha que ser dito — ofereceu confortavelmente. — Tinha que ser botado
para fora e resolvido antes que a luta começasse.
Cattibrie acenou com a cabeça e esperava que os combates, se houvesse
algum, começassem em breve.
Ela também esperava, com todo o coração, que a próxima batalha não fosse
travada como vingança pela morte de Drizzt Do’Urden.
CAPÍTULO 13

Votos Quebrados
UMA ÚNICA TOCHA ESTAVA ACESA; Drizzt percebeu que isso fazia
parte do acordo. Entreri provavelmente ainda não estava confortável o bastante
com sua infravisão recém-adquirida para enfrentar Drizzt sem nenhuma fonte de
luz.
Quando seus olhos se voltaram para o espectro normal de luz, Drizzt estudou
a câmara de tamanho médio. Enquanto suas paredes e teto eram naturalmente
formados, curvados e com ângulos salientes e pequenas estalactites penduradas,
havia duas portas de madeira — construídas recentemente, acreditava Drizzt,
provavelmente arranjadas por Vierna como parte do acordo com Entreri. Um
soldado drow flanqueava as portas de cada lado e um terceiro ficava entre eles,
bem na frente de cada porta.
Doze elfos negros estavam na sala agora, incluindo Vierna e Jarlaxle, mas o
drider não estava em lugar algum. Entreri estava conversando com Vierna; Drizzt a
viu dar ao assassino o cinto que continha as duas cimitarras de Drizzt.
Havia também uma alcova curiosa na sala, a um único passo adentro da
parede dos fundos da área principal e com uma saliência na altura da cintura, o
topo coberto por um cobertor e um soldado encostado, com a espada e a adaga
desembainhadas.
Uma rampa? Drizzt se perguntou.
Entreri dissera que aquele era o lugar onde ele e os elfos negros se separariam,
mas Drizzt duvidava que o assassino terminasse com a intenção de voltar pelo
caminho por onde tinham chegado, num lugar perto do Salão de Mitral. Com
apenas uma outra porta aparente na câmara, talvez houvesse de fato uma rampa sob
aquele cobertor, um caminho para os corredores abertos e retorcidos do
Subterrâneo mais profundo.
Vierna disse algo que Drizzt não ouviu e Entreri aproximou-se dele,
carregando as armas. Um soldado drow se moveu atrás de Drizzt e soltou suas
amarras, e ele lentamente levou as mãos à frente, com os ombros doloridos graças
à sua longa permanência na posição desconfortável e da dor residual da surra
violenta de Vierna.
Entreri largou o cinturão com as cimitarras aos pés de Drizzt e deu um passo
cauteloso para trás. Drizzt olhou para as armas com curiosidade, inseguro do que
deveria fazer.
— Pegue-as — Entreri instruiu.
— Por quê?
A pergunta pareceu dar um tapa no rosto do assassino. Uma grande carranca
brilhou por apenas um instante, depois foi substituída pela expressão tipicamente
sem emoção de Entreri.
— Para que possamos saber a verdade — ele respondeu.
— Eu sei a verdade — Drizzt respondeu calmamente. — Você deseja
distorcê-la, para que possa manter escondida, mesmo de si mesmo, a loucura de
sua existência miserável.
— Pegue-as — o assassino rosnou — ou eu vou te matar aí mesmo.
Drizzt sabia que a ameaça era vazia. Entreri não o mataria até que o assassino
tentasse se redimir em uma batalha honesta. Mesmo se Entreri atacasse para matá-
lo, Drizzt imaginou que Vierna iria intervir. Drizzt era importante demais para
Vierna; sacrifícios à Rainha Aranha não eram prontamente aceitos, a menos que
fossem dados por sacerdotisas drow.
Drizzt finalmente se dobrou e recuperou suas armas, sentindo-se mais seguro
enquanto as segurava. Ele sabia que as probabilidades naquela sala eram
impossíveis, estivesse ele com as cimitarras ou não, mas tinha experiência
suficiente para perceber que as oportunidades eram fugazes e muitas vezes vinham
quando menos se esperava.
Entreri sacou a espada esbelta e o punhal adornado com joias, depois se
agachou, com os lábios finos se arregalando em um sorriso ansioso.
Drizzt permaneceu relaxado, com os ombros caídos e as cimitarras ainda em
suas bainhas.
A espada do assassino cortou, perfurando Drizzt na ponta do nariz, forçando
sua cabeça para o lado. Ele esticou a mão casualmente com o polegar e indicador,
beliscando o fluxo de sangue.
— Covarde — provocou Entreri, fingindo uma investida direta e ainda
circulando.
Drizzt se virou para mantê-lo diretamente na frente, sem se incomodar com o
ridículo insulto.
— Anda, Drizzt Do’Urden — interveio Jarlaxle, atraindo olhares tanto de
Drizzt quanto de Entreri. — Você sabe que está condenado, mas não terá nenhum
prazer em matar esse humano, esse homem que fez tanto mal para você e seus
amigos?
— O que você tem a perder? — Entreri perguntou. — Eu não posso te matar,
apenas derrotá-lo — esse é o meu acordo com sua irmã. Mas você pode me matar.
Certamente, Vierna não iria intervir e iria até mesmo se divertir com a perda de
uma reles vida humana.
Drizzt permaneceu impassível. Ele não tinha nada a perder, eles diziam. O que
aparentemente não entendiam era que Drizzt Do’Urden não lutava quando não
tinha nada a perder, apenas quando tinha algo a ganhar, apenas quando a situação
exigia que lutasse.
— Saque suas armas, eu imploro — acrescentou Jarlaxle. — Sua reputação é
considerável e eu gostaria muito de vê-lo em batalha, para ver se você é realmente
melhor do que Zaknafein.
Drizzt, tentando se acalmar, tentando manter-se firme em seus princípios, não
conseguiu esconder sua careta ante a menção de seu pai morto, o melhor mestre de
armas a sacar uma espada em Menzoberranzan. Apesar de si mesmo, sacou suas
cimitarras, com Fulgor brilhando em um azul raivoso, refletindo sinceramente a
raiva que Drizzt Do’Urden não conseguira suprimir totalmente.
Entreri veio subitamente, ferozmente, e Drizzt reagiu com seus instintos
guerreiros, cimitarras se chocando contra espada e adaga, bloqueando todos os
ataques. Tomando a ofensiva antes mesmo que percebesse o que estava fazendo,
agindo apenas por instinto, Drizzt começou a girar círculos completos, suas
lâminas fluindo ao seu redor como a borda de um parafuso, cada virada trazendo-as
ao adversário de diferentes alturas e diferentes ângulos.
Entreri, confuso com a rotina não convencional, errou muitos bloqueios, mas
seus pés rápidos o mantiveram fora de alcance.
— Sempre uma surpresa — admitiu o assassino severamente, e estremeceu,
com inveja dos suspiros de aprovação e dos comentários dos elfos negros ao longo
da sala.
Drizzt parou seu giro, terminando perfeitamente ao lado do assassino, lâminas
baixas e em prontidão.
— Bonito, mas sem sucesso — gritou Entreri e correu para a frente, a espada
voando baixo, o punhal cortando alto. Drizzt torceu diagonalmente, uma lâmina
derrubando a espada de lado, a outra formando uma barreira que a adaga não
poderia atravessar, uma vez que cortava inofensivamente alto demais.
A mão da adaga de Entreri continuou um circuito completo — Drizzt notou
que ele girou a lâmina nos dedos — enquanto sua espada disparava e empurrava,
de um jeito ou de outro, para manter Drizzt ocupado.
Previsivelmente, a mão da adaga do assassino surgiu, mergulhando para o
lado, logo antes de Drizzt afastá-la.
Soando como um martelo em metal, Fulgor entrou no caminho do projétil e o
rebateu, derrubando-o pela sala.
— Muito bem. — Jarlaxle parabenizou, e Entreri também recuou e acenou
com a aprovação sincera. Com apenas uma espada agora, o assassino avançou com
mais cautela, soltando um ataque medido.
Sua surpresa foi absoluta quando Drizzt não bloqueou, quando Drizzt não
perdeu não um desvio, mas dois, e a arma empurrada passou pela defesa da
cimitarra. A espada rapidamente recuou, nunca alcançando sua marca vulnerável.
Entreri avançou novamente, fingindo outro impulso direto, mas tirando a arma de
volta e ao redor.
Ele havia espancado Drizzt, poderia ter rasgado o ombro do drow, ou o
pescoço, com aquela simples finta! O sorriso de Drizzt o deteve, no entanto. Ele
virou a espada para a borda plana e bateu no ombro do drow, sem causar nenhum
dano real.
Drizzt o deixara passar as duas vezes, agora zombava da luta preciosa do
assassino com uma pretensa inabilidade!
Entreri queria gritar seus protestos, deixar todos os outros elfos negros
entrarem no jogo particular de Drizzt. O assassino decidiu que aquela batalha era
muito pessoal, porém, algo que deveria ser resolvido entre ele e Drizzt, e não
através de qualquer intervenção de Vierna ou Jarlaxle.
— Eu peguei você — provocou, usando a língua anã rochosa na esperança de
que aqueles drow em torno dele, exceto, é claro, Drizzt, não o entendessem.
— Você deveria ter terminado, então — Drizzt respondeu calmamente, na
língua comum da superfície, embora falasse o idioma anão perfeitamente. Ele não
daria a Entreri a satisfação de remover a conversa a um nível pessoal, manteria a
briga pública e o ridicularizaria abertamente com suas ações.
— Você deveria ter lutado melhor — replicou Entreri, voltando à língua
comum. — Pelo bem do seu amigo halfling, se não por si mesmo. Se você me
matar, então Regis estará livre, mas se eu sair daqui... — Ele deixou a ameaça
pairar no ar, mas ficou menos ameaçador quando Drizzt riu abertamente.
— Regis está morto — argumentou o drow ranger. — Ou estará,
independentemente do resultado da nossa batalha.
— Não... — Entreri começou.
— Sim — interrompeu Drizzt. — Eu te conheço bem demais para ser vítima
de suas mentiras intermináveis. Você ficou muito cego pela sua raiva. Você não
previu todas as possibilidades.
Entreri avançou de novo, com facilidade, sem fazer nenhum ataque descarado
que tornasse evidente essa farsa aos elfos negros reunidos.
— Ele está morto — Drizzt perguntou tanto quanto afirmou.
— O que você acha? — Entreri retrucou, seu tom rosnado fazendo a resposta
parecer óbvia.
Drizzt percebeu a mudança de tática, entendeu que Entreri agora estava
tentando enfurecê-lo, fazê-lo lutar com raiva.
Drizzt permaneceu impassível, deixou escapar algumas rotinas de ataque
preguiçosas que Entreri não teve dificuldade em derrotar — e que o assassino
poderia ter reagido a um efeito devastador se assim o desejasse.
Vierna e Jarlaxle começaram a falar em sussurros, e Drizzt, achando que eles
poderiam se cansar da farsa, foi com mais força, embora ainda com ataques
medidos e ineficazes. Entreri deu um aceno leve, mas definido, para mostrar que
estava começando a entender. O jogo, com suas comunicações sutis e silenciosas,
estava ficando pessoal, e Drizzt, tanto quanto Entreri, não queria que Vierna
interviesse.
— Você vai saborear a sua vitória — prometeu Entreri estranhamente, uma
frase com uma deixa.
— Não será um ganho — respondeu Drizzt, uma resposta que o assassino
estava obviamente começando a esperar. Entreri queria vencer essa luta, queria
ganhar ainda mais porque Drizzt não parecia se importar. Drizzt sabia que Entreri
não era estúpido, e embora ele e Drizzt tivessem habilidades de luta semelhantes,
suas motivações certamente os separavam. Entreri lutaria de todo o coração contra
Drizzt só para provar alguma coisa, mas Drizzt sentia honestamente que não tinha
nada a provar, não ao assassino.
As falhas de Drizzt nessa luta não eram um blefe, não eram algo que Entreri
pudesse fazê-lo parar. Drizzt perderia, tendo mais satisfação em não dar a Entreri o
prazer da vitória honesta.
E, como suas ações agora revelaram, o assassino não estava completamente
surpreso com a reviravolta dos acontecimentos.
— Sua última chance — provocou Entreri. — Aqui, você e eu nos
despedimos. Eu saio pela porta distante e os drow voltam lá para baixo, para o
mundo escuro deles.
Os olhos violetas de Drizzt foram para o lado, para a alcova, por um
momento, seu movimento revelando a Entreri que não deixara passar a ênfase na
palavra “para baixo”, não perdera a óbvia referência à calha coberta de tecido.
Entreri rolou para o lado de repente, tendo se aproximado o suficiente para
recuperar sua adaga perdida. Foi uma manobra ousada e, novamente, um
movimento revelador para seu oponente, pois, com a luta de Drizzt tão obviamente
em falta, Entreri não precisava correr o risco de pegar sua arma perdida.
— Posso rebatizar sua gata? — Entreri perguntou, deslocando a cintura para
revelar uma grande bolsa de cinto, a estatueta preta óbvia através das bordas
abertas de sua parte superior saliente.
O assassino veio rápida e intensamente com uma rotina de quatro golpes,
qualquer um dos quais poderia ter escapado, se ele assim desejasse, para atingir
Drizzt.
— Vamos — Entreri disse em voz alta. — Você sabe lutar melhor que isso!
Eu testemunhei suas habilidades vezes demais, nesses mesmos túneis, para
acreditar que você pode ser tão facilmente derrotado!
A princípio, Drizzt ficou surpreso por Entreri ter deixado tão obviamente que
sua comunicação privada se tornasse tão pública, mas Vierna e os outros
provavelmente imaginaram a essa altura que Drizzt não estava lutando com todo o
seu coração. Ainda assim, parecia um comentário curioso — até que Drizzt
entendeu o significado oculto das palavras do assassino, a isca do assassino. Entreri
referiu-se a seus combates nesses túneis, mas essas batalhas não tinham sido um
contra o outro. Naquela ocasião incomum, Drizzt Do’Urden e Artemis Entreri
lutaram juntos, lado a lado e de costas um para o outro, pelo simples desejo de
sobreviver contra um inimigo comum.
Seria assim de novo, aqui e agora? Estaria Entreri tão desesperado por uma
luta honesta contra Drizzt que estava se oferecendo para ajudá-lo a derrotar Vierna
e os seus? Se isso acontecesse e vencessem, então qualquer batalha subsequente
entre Drizzt e Entreri certamente daria a Drizzt algo a ganhar, algo pelo qual lutar
honestamente. Se juntos ele e Entreri pudessem vencer, ou fugir, a batalha que se
seguiria entre eles faria a liberdade de Drizzt cair diante de seus olhos, com apenas
Artemis Entreri em seu caminho.
— Tempus! — o grito roubou as contemplações de ambos oponentes,
forçando-os a reagir à óbvia distração que se aproximava.
Eles se moviam em perfeita harmonia, Drizzt chicoteando sua cimitarra e o
assassino derrubando suas defesas, recuando e virando o quadril para estender a
bolsa do cinto. Fulgor cortou a bolsa, derrubando a estatueta da pantera encantada
no chão.
A porta, a mesma porta pela qual haviam entrado na câmara explodiu sob o
peso de Presa de Égide, arremessando o drow em pé diante dela para o chão.
O primeiro instinto de Drizzt disse-lhe para ir até a porta, tentar encontrar-se
com seus amigos, mas viu essa possibilidade bloqueada pelos muitos elfos negros
em movimento. A outra porta também não oferecia nenhuma esperança, pois ela se
abriu imediatamente com o início da comoção, com o drider Dinin levando a tropa
drow para dentro da sala.
A câmara brilhou com luz mágica; gemidos irromperam de todos os cantos.
Uma flecha prateada atravessou a porta destruída, pegando o mesmo elfo negro
azarado no meio do caminho ao se levantar. Ela o empurrou para trás contra a
parede mais distante, onde ele ficou no lugar, com flecha o prendendo na pedra
através do peito.
— Guenhwyvar!
Drizzt não podia esperar para ver se o seu chamado para a pantera tinha sido
ouvido, não podia esperar por nada. Ele correu para a alcova, o único drow
mantendo guarda perto dela levantando suas armas em uma defesa surpreendida.
Vierna gritou; Drizzt sentiu um punhal cortando seu manto largo e soube que
ele estava pendurado a um centímetro de sua coxa. Correu para frente, abaixando
um ombro no último momento, como se quisesse mergulhar de lado.
O guarda drow mergulhou junto com ele, mas Drizzt voltou direto para o
adversário, com suas cimitarras cruzando-se alto, no nível do pescoço.
O drow guardião não conseguiria pegar sua espada e se agachar rápido o
bastante para desviar do ataque rápido como um raio, não podia reverter seu
ímpeto e voltar para o lado fora de perigo.
As armas afiadas de Drizzt atravessaram sua garganta.
Drizzt estremeceu, dobrou as lâminas ensanguentadas e mergulhou de cabeça
no tecido, na esperança de que houvesse de fato uma abertura embaixo e esperando
que fosse uma rampa, não uma queda reta.
CAPÍTULO 14

Derrotados
THIBBLEDORF PWENT CORREU AO LONGO DE uma passagem lateral,
seguindo em paralelo e seis metros à direita do túnel onde se separara de seus
companheiros para uma manobra prudente de flanquear. Ouviu a batida da porta
destruída pelo martelo de guerra, o chiar das flechas de Cattibrie e gritos de vários
lugares, até mesmo um grunhido ou dois, e amaldiçoou sua sorte por ter perdido
parte da diversão.
Com a tocha à frente, o furioso de batalha se virou ansiosamente em um canto
esquerdo, esperando se encontrar com os outros antes que a luta terminasse. Parou
abruptamente, considerando uma figura curiosa, aparentemente tão surpreso em
vê-lo quanto ele estava.
— Ei, você — perguntou o furioso — você é o drow de estimação de
Bruenor?
Pwent observou a mão do elfo esbelto se aproximar e ouviu o clique de uma
besta de mão sendo disparada, fazendo o virote acertar a armadura resistente de
Pwent e deslizar através de uma das muitas rachaduras para tirar uma gota de
sangue do ombro do anão.
— É... acho que não! — o feliz Pwent gritou, atacando freneticamente a cada
palavra e jogando sua tocha de lado. Ele baixou a cabeça, colocando a ponta do
elmo na direção do drow, que parecia espantado com a pura crueldade do ataque do
anão, se atrapalhou para sacar a espada em prontidão.
Pwent, mal conseguindo enxergar, mas esperando a defesa, sacudiu a cabeça
de um lado para o outro enquanto se aproximava do alvo, afastando a espada. Ele
se endireitou novamente sem diminuir a velocidade e se lançou contra o oponente,
atacando o elfo negro atordoado com abandono.
Eles se chocaram contra a parede, o drow ainda tentando manter seu
equilíbrio, e segurando Pwent no ar, sem saber o que fazer com esse incomum
estilo de batalha.
O elfo negro balançou a mão da espada, enquanto Pwent simplesmente
começou a chacoalhar, com a armadura cheia de pontas cortando linhas no peito do
drow. O elfo se contorceu enlouquecidamente, suas próprias ações desesperadas só
ajudando o ataque convulsivo do furioso de batalha. Pwent soltou um braço e
socou descontroladamente, as pontas da luva abrindo buracos na pele lisa de ébano.
O anão se ajoelhou e deu uma cotovelada, mordeu o drow no nariz e deu-lhe um
soco na lateral.
— Aaaaaahhh!!! — O grito rosnado irrompeu da barriga de Pwent,
reverberando instavelmente em seus lábios enquanto se agitava furiosamente. Ele
sentiu o calor do sangue fluindo de seu inimigo, a sensação apenas dirigindo-o,
conduzindo o mais selvagem furioso de batalha a outros níveis de ferocidade.
— Aaaaaahhh!!!
O drow caiu em um monte, Pwent em cima dele, ainda convulsionando
descontroladamente. Em alguns momentos, seu inimigo não se contorceu mais,
mas Pwent não abandonou sua vantagem.
— Coisa élfica sorrateira! — rugiu, repetidamente batendo sua testa no rosto
do elfo negro.
Bem literalmente, o furioso de batalha, com sua armadura de pontas e
espigões afiados, despedaçou o drow infeliz de tanto se debater.
Pwent finalmente o soltou, pulou e ficou de pé, puxando o corpo flácido para
uma posição sentada e deixando-o caído contra a parede. O guerreiro frenético
sentiu a dor nas costas e percebeu que a espada do drow o atingira pelo menos uma
vez. Mais preocupante, porém, era a dormência que fluía pelo braço de Pwent, o
veneno se espalhando do ferimento da besta. Com sua raiva aumentando mais uma
vez, Pwent mergulhou o capacete pontudo, raspou uma bota pela pedra várias
vezes em busca de tração e correu para a frente, espetando o inimigo já morto no
peito.
Quando ele pulou para trás dessa vez, o drow morto caiu no chão, o sangue
quente se espalhando sob o torso do corpo.
— Espero que não seja o drow de estimação de Bruenor — observou o
combatente, percebendo de repente que todo o incidente poderia ter sido um
simples engano. — Ah, bom, agora não posso fazer mais nada!

Cobble, magicamente inspecionando armadilhas à frente, instintivamente fez


uma careta quando outra flecha passou por seu ombro, seu brilho prateado
diminuindo na câmara iluminada do outro lado. O clérigo anão se obrigou a voltar
ao trabalho, querendo que acabasse rapidamente, para que pudesse liberar a
investida de Bruenor e dos outros.
Um virote de besta mergulhou em sua perna, mas o clérigo não estava muito
preocupado com sua picada ou seu veneno, pois ele havia colocado encantamentos
sobre si mesmo para retardar os efeitos da toxina. Que os elfos negros o atinjam
com uma dúzia desses virotes; demoraria horas antes de Cobble cair no sono.
Com sua varredura do corredor completa, sem nenhuma armadilha imediata
discernida, Cobble gritou de volta para os outros, que já estavam impacientes e
indo em direção a ele. Quando o clérigo olhou para trás, porém, na luz fraca que
emanava da câmara do inimigo, ele notou algo curioso no chão: aparas metálicas.
— Ferro? — sussurrou ele. Instintivamente, a mão dele entrou em sua bolsa
protuberante, cheia de bombas de cascalho encantadas, e ficou agachado na
defensiva, segurando a mão livre atrás dele para avisar os outros logo atrás.
Quando se concentrou no barulho geral da batalha repentina, ouviu uma voz
drow feminina, entoando, lançando feitiços.
Os olhos do anão se arregalaram de horror. Ele se virou, gritando para seus
amigos fugirem. Ele também tentou correr, suas botas deslizando pela pedra lisa
tão rápido que suas pequenas pernas começaram a se mover.
Ele ouviu o crescendo da drow que lançava os feitiços.
As aparas metálicas imediatamente se transformaram em uma parede de ferro,
sem suporte e nem ângulo, e caíram sobre o pobre Cobble.
Houve uma grande onda de vento, a grande explosão de toneladas de ferro
batendo contra o chão de pedra, e jorros de sangue e carne espremidos pela pressão
chicotearam nos rostos dos três companheiros atordoados. Uma centena de
pequenas explosões, centenas de pequenas rajadas cintilantes ecoaram abafadas
sob a parede de ferro colapsada.
— Cobble — Cattibrie respirou impotente.
A luz mágica na câmara distante foi embora. Uma bola de escuridão apareceu
do lado de fora da porta da câmara, bloqueando o final da passagem. Uma segunda
bola de escuridão surgiu, logo à frente do primeiro, e uma terceira depois disso,
cobrindo a borda de trás da parede de ferro caído.
— Investida! — Thibbledorf Pwent gritou para eles, voltando para o corredor
e passando por seus amigos hesitantes.
Uma bola de escuridão apareceu bem na frente do guerreiro frenético,
interrompendo-o. Uma besta de mão disparou atrás da outra, invisíveis por detrás
da escuridão, lançando pequenos dardos para além dela.
— Recuar! — gritou Bruenor. Cattibrie soltou outra flecha; Pwent, atingido
uma dezena de vezes, começou a cair na pedra. Wulfgar agarrou-o pela ponta do
capacete e partiu atrás do anão de barba ruiva.
— Drizzt — Cattibrie gemeu baixinho. Ela caiu de joelhos, disparando outra
flecha e outra em seguida, esperando que seu amigo não saísse correndo da sala
para o caminho do perigo.
Um virote, repleto de veneno, bateu contra seu arco e quicou inofensivamente.
Ela não podia ficar. Disparou mais uma vez, depois se virou e correu atrás de
seu pai e dos outros, longe do amigo que tinha vindo resgatar.

Drizzt caiu uns três metros, bateu contra o lado inclinado da rampa e
escorregou ao longo de um caminho sinuoso e rapidamente descendente. Ele
segurou firmemente suas cimitarras; seu maior medo era que uma deles se
afastasse dele e acabasse cortando-o ao meio enquanto caía.
Ele fez um giro completo, conseguiu dar cambalhotas para colocar os pés à
sua frente, mas, inadvertidamente, voltou a girar na próxima queda vertical, o final
quase derrubando-o e o deixando inconsciente.
Assim que acreditou estar recuperando o controle, prestes a se virar mais uma
vez, a rampa se abriu diagonalmente em uma passagem inferior. Drizzt disparou,
embora mantivesse a presença de espírito para jogar suas cimitarras em seus
respectivos lados, longe de seu corpo cambaleante.
Ele atingiu o chão com força, rolou e bateu a parte inferior das costas em uma
pedra saliente.
Drizzt Do’Urden ficou parado, muito quieto.
Ele não considerou a dor — mudando rapidamente para dormência — nas
pernas; não inspecionou os muitos arranhões e hematomas que a queda lhe dera.
Nem sequer pensou em Entreri, e naquele momento agonizante, uma ideia anulou
até mesmo os temores do leal elfo negro pela segurança de seus amigos.
Ele havia quebrado seu voto.
Quando o jovem Drizzt deixara Menzoberranzan, depois de matar Masoj
Hun’ett, um elfo negro como ele, jurou que nunca mais mataria um drow. Aquele
juramento tinha resistido, mesmo quando a família dele veio persegui-lo nos ermos
do Subterrâneo, mesmo quando lutara contra a irmã mais velha. A morte de
Zaknafein estava fresca em sua mente e seu desejo de matar a perversa Briza era
maior do que qualquer desejo que já sentira. Enlouquecido pela dor e por dez anos
sobrevivendo nas cavernas impiedosas, Drizzt ainda conseguira manter seu voto.
Mas não dessa vez. Não havia dúvida de que havia matado o guarda no topo
da rampa; suas cimitarras haviam cortado linhas finas, um perfeito X através da
garganta do elfo negro.
Fora uma reação, lembrou-se Drizzt, uma medida necessária se quisesse se
livrar do grupo de Vierna. Não havia iniciado a violência, não havia pedido por
isso de forma alguma. Não podia ser culpado por tomar qualquer ação necessária
para escapar da corte injusta de Vierna, para ajudar seus amigos, avançando contra
poderosos adversários.
Drizzt não podia ser culpado racionalmente, mas enquanto estava deitado ali,
as sensações voltando gradualmente às suas pernas machucadas, a consciência de
Drizzt não podia escapar à simples verdade.
Ele havia quebrado seu voto.

Bruenor conduziu-os cegamente pelo labirinto de corredores tortuosos,


Wulfgar logo atrás, carregando Pwent, que roncava (e ganhando uma boa
quantidades de cortes pela armadura afiada do furioso de batalha). Cattibrie se
esgueirou para o lado dele, parando sempre que os perseguidores pareciam se
aproximar para lançar uma flecha ou duas.
Logo os corredores estavam silenciosos, exceto o clamor do próprio grupo.
Silenciosos demais, pela estimativa dos companheiros assustados. Eles sabiam o
quão furtivamente Drizzt poderia se mover, sabiam que a discrição era o forte dos
elfos negros.
Mas para onde correr? Eles mal conseguiam descobrir onde estavam naquela
região pouco conhecida, teriam que parar e ter tempo para se orientar antes que
pudessem adivinhar como voltar a um território familiar.
Finalmente, Bruenor encontrou uma pequena passagem lateral que se
ramificava de três maneiras, cada braço se ramificando de novo pouco à frente da
primeira ramificação. Não seguindo nenhum curso predeterminado, o anão de
barba vermelha os conduziu para a esquerda e depois para a direita, e logo eles
entraram em uma pequena câmara, trabalhada pelos goblins e com uma grande laje
de pedra dentro da entrada baixa. Assim que todos entraram, Wulfgar encostou a
laje no portal e recostou-se nela.
— Drow! — Cattibrie sussurrou em descrença. — Como eles chegaram ao
Salão de Mitral?
— Por quê; não como — corrigiu Bruenor em voz baixa. — Por que os
parentes do elfo estão em meus túneis?
— E o quê? — Bruenor continuou severamente. Ele olhou para sua filha, sua
amada Cattibrie, e para Wulfgar, o orgulhoso rapaz que ele ajudou a moldar em um
homem tão bom, com uma expressão sinceramente grave nas bochechas eriçadas
do anão. — No que nos metemos dessa vez?
Cattibrie não tinha uma resposta. Juntos, os companheiros tinham lutado
contra muitos monstros, tinham superado obstáculos incríveis, mas aqueles eram
elfos negros, drow infames, mortais, malignos e aparentemente com Drizzt nas
suas garras, se é que ele ainda estava vivo. Os poderosos amigos tinham ido rápido
e com força para resgatar Drizzt, haviam pego os elfos negros de surpresa. Tinham
sido simplesmente derrotados, forçados a recuar sem ter mais do que um rápido
vislumbre do seu amigo perdido.
Cattibrie olhou para Wulfgar em busca de apoio, e viu-o olhando com a
mesma expressão impotente que Bruenor lançara sobre ela.
A jovem olhou para o outro lado, sem tempo nem inclinação para repreender
o bárbaro protetor. Sabia que Wulfgar continuava preocupado mais com ela do que
consigo mesmo — não podia culpá-lo por isso —, mas Cattibrie, a guerreira,
também sabia que, se Wulfgar estivesse cuidando dela, seus olhos não estariam
focados nos perigos à frente.
Nessa situação, ela era uma problema para o bárbaro, não por falta de
habilidades de luta ou talentos de sobrevivência, mas por causa da fraqueza do
próprio Wulfgar, sua incapacidade de ver Cattibrie como uma aliada igual.
E com os elfos negros por ali, como eles precisavam de aliados!

Usando seus poderes inatos de levitação, o soldado drow perseguidor se


retirou da rampa, seu olhar imediatamente bloqueando a forma caída sob o grosso
manto do outro lado do corredor.
Ele puxou um porrete pesado e correu para o outro lado, gritando de alegria
pelas recompensas que certamente receberia ao recapturar Drizzt. O porrete
desceu, soando inesperadamente agudo quando bateu na pedra sólida sob o manto
de Drizzt.
Tão silencioso quanto a morte, Drizzt desceu do seu poleiro acima da saída da
rampa, logo atrás do adversário.
Os olhos do drow maligno se arregalaram quando ele percebeu o engano,
lembrou-se então da pedra que ficava em frente à rampa.
O primeiro instinto de Drizzt era atacar com o cabo de sua cimitarra; seu
coração pediu que honrasse seu voto e não tirasse mais vidas drow. Um golpe bem
colocado poderia derrubar esse inimigo e deixá-lo indefeso. Drizzt podia amarrá-lo
e tirar suas armas.
Se Drizzt estivesse sozinho nesses túneis, se fosse simplesmente uma questão
de seu desejo de escapar de Vierna e Entreri, teria seguido o grito de seu coração
misericordioso. Porém, não podia ignorar seus amigos acima, sem dúvida lutando
contra os inimigos que havia deixado para trás. Não poderia permitir que este
soldado, recuperado, fizesse mal a Bruenor ou Wulfgar ou Cattibrie.
Fulgor veio primeiro, cortando a coluna vertebral e o coração do drow
condenado, saindo pela frente de seu peito, o brilho azul da lâmina mostrando um
tom avermelhado. Quando retirou a cimitarra, Drizzt Do’Urden tinha mais sangue
nas mãos.
Pensou novamente em seus amigos em perigo e trincou os dentes,
determinado, se não confiante, de que o sangue seria lavado.
PARTE 4

Gato e Rato
QUE TURBULÊNCIA INTERNA SENTI quando pela primeira vez quebrei
meu mais solene voto, guiado por meus princípios: que nunca mais tiraria a vida de
um daqueles de meu povo. A dor, a sensação de fracasso, a sensação de perda, foi
aguda quando percebi o que o trabalho vil de minhas cimitarras fez.
Mas a culpa desapareceu rapidamente — não porque me desculpasse por
qualquer falha, mas porque percebi que meu verdadeiro fracasso estava em fazer o
voto, não em quebrá-lo. Quando saí de minha terra natal, proferi tais palavras por
inocência, pela ingenuidade da juventude, e realmente fui sincero quando as disse,
de verdade. Vim a saber, entretanto, que tal voto era irreal, porque se eu seguisse
um curso na vida como defensor daqueles ideais que tanto apreciava, não poderia
me desculpar das ações ditadas por esse curso se os inimigos fossem elfos drow.
Muito simplesmente, a adesão ao meu voto dependia de situações
completamente fora do meu controle. Se, depois de deixar Menzoberranzan, nunca
mais tivesse encontrado um elfo negro em batalha, nunca teria quebrado meu voto.
Mas isso, no final, não teria me tornado mais honrado. Circunstâncias afortunadas
não equivalem a princípios elevados.
No entanto, quando a situação surgiu, quando os elfos negros ameaçaram
meus amigos mais queridos, precipitaram um estado de guerra contra as pessoas
que não tinham feito nada de errado, como poderia, em boa consciência, manter
minhas cimitarras embainhadas? Qual era o valor do meu voto quando pesado
contra as vidas de Bruenor, Wulfgar e Cattibrie, ou quando pesado contra a vida de
qualquer inocente? Se, nas minhas viagens, me deparasse com um ataque drow
contra os elfos da superfície, ou contra uma pequena vila, sei além de qualquer
dúvida que eu teria entrado nos combates, lutando contra os agressores com todas
as minhas forças.
Nesse caso, sem dúvida, teria sentido as dores agudas do fracasso e logo as
descartaria, como faço agora.
Não me arrependo, portanto, de quebrar meu voto — embora me doa, como
sempre, ter que matar. Nem me arrependo de fazer o voto, pois a declaração de
minha loucura juvenil não causou nenhuma dor subsequente. Se tivesse tentado
aderir às palavras incondicionais daquela declaração, no entanto, se tivesse
segurado minhas espadas em busca de uma sensação de orgulho falso, e se essa
inação tivesse resultado em danos subsequentes a uma pessoa inocente, então a dor
em Drizzt Do’Urden teria sido mais aguda, e nunca passaria.
Há mais um ponto que passei a entender sobre minha declaração, mais uma
verdade que, acredito, me leva mais longe na estrada que escolhi na vida. Eu disse
que nunca mais mataria um elfo drow. Fiz a afirmação com pouco conhecimento
das muitas outras raças do vasto mundo da superfície e do Subterrâneo, com pouco
entendimento de que muitas dessas miríades de povos existiam. Eu nunca mataria
um drow, então eu disse, mas e quanto aos svirfneblin, os gnomos das
profundezas? Ou os halflings, elfos ou anões? E quanto aos humanos?
Eu tive a oportunidade de matar homens, quando os parentes bárbaros de
Wulfgar invadiram Dez-Burgos, para defender os inocentes na intenção de
combater, talvez de matar, os humanos agressores. No entanto, tal ato, por mais
desagradável que tenha sido, não afetou de maneira alguma o meu mais solene
voto, apesar do fato de que a reputação dos humanos supera em muito a dos elfos
negros.
Dizer, então, que eu nunca mais mataria um drow, puramente porque somos
da mesma herança física, parece-me agora errado, simplesmente racista. Colocar a
medida do valor de um ser vivo acima da de outro simplesmente porque esse ser
leva a mesma cor de pele que eu é um menosprezo a meus princípios. Os falsos
valores incorporados naquele voto feito há tanto tempo não têm lugar em meu
mundo, no vasto mundo de inúmeras diferenças físicas e culturais. São essas
mesmas diferenças que tornam minhas jornadas empolgantes, essas mesmas
diferenças que colocam novas cores e formas no conceito universal de beleza.
Agora faço um novo voto, ponderado na experiência e proclamado de olhos
abertos; não levantarei minhas cimitarras senão em defesa: em defesa de meus
princípios, de minha vida ou de outros que não podem defender a si mesmos. Não
lutarei para promover as causas dos falsos profetas, para promover os tesouros dos
reis ou para vingar o meu próprio orgulho ferido.
E para os muitos mercenários ricos em ouro, religiosos e seculares, que
considerariam tal voto irreal, impraticável, até ridículo, cruzo os braços sobre o
peito e declaro com convicção: de longe sou o mais rico!
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 15

O Jogo é o Objetivo
— SILÊNCIO! — Os dedos delicados de Vierna sinalizaram o comando
repetidamente na intrincada língua de sinais drow.
Duas bestas de mão estalaram quando as cordas dos seus arcos foram travadas
em posição de prontidão. Os drow que as manejavam se agacharam, olhando para a
porta quebrada.
De trás deles, do outro lado da pequena câmara, ouviu-se um ligeiro assobio
quando uma flecha magicamente se dissolveu, liberando sua vítima élfica negra,
que caiu no chão na base da parede. Dinin, o drider, afastou-se do drow caído, suas
pernas revestidas de pele dura batendo contra a pedra.
— Silêncio!
Jarlaxle se arrastou até a beira da porta e direcionou a orelha para a escuridão
impenetrável dos globos conjurados. Ele ouviu um leve arrastar e sinalizou com
uma adaga aos que empunhavam as bestas para ficarem prontos.
Jarlaxle ficou de pé quando a figura, seu batedor, rastejou para fora da
escuridão e entrou na câmara.
— Eles foram embora — explicou o batedor quando Vierna correu para se
juntar ao líder mercenário. — Um pequeno grupo, e menor ainda com um deles
esmagado sob sua excelente parede.
Tanto Jarlaxle quanto o guarda fizeram uma reverência baixa em respeito a
Vierna, que sorria cruelmente apesar do súbito desastre.
— E quanto a Iftuu? — Jarlaxle perguntou, referindo-se ao guarda que tinham
deixado vigiando o corredor onde a confusão havia começado.
— Morto — respondeu o batedor. — Rasgado e destroçado.
Vierna virou-se bruscamente na direção de Entreri.
— O que você sabe sobre nossos inimigos? — ela exigiu saber.
O assassino olhou-a perigosamente, lembrando-se das advertências de Drizzt
contra alianças com seus parentes.
— Wulfgar, o humano grande, arremessou o martelo que quebrou a porta —
respondeu com toda a confiança. Entreri olhou para as duas formas que resfriavam
rapidamente espalhadas pelo chão de pedra. — Você pode botar as mortes daqueles
dois na conta de Cattibrie, outra humana.
Vierna voltou-se para o batedor de Jarlaxle e traduziu o que Entreri lhe
contara na língua drow.
— Era um desses dois que estava abaixo da parede? — a sacerdotisa
perguntou ao batedor.
— Apenas um único anão — respondeu o drow.
Entreri reconheceu a palavra drow para o povo barbudo.
— Bruenor? — perguntou retoricamente, imaginando se eles
inadvertidamente assassinaram o rei do Salão de Mitral.
— Bruenor? — Vierna ecoou, sem entender.
— Chefe do Clã Martelo de Batalha — explicou Entreri. — Pergunte a ele —
ordenou a Vierna, indicando o batedor, e agarrou o queixo bem barbeado com a
mão, como se estivesse acariciando uma barba. — Cabelo vermelho?
Vierna traduziu, depois tornou a olhar para ele, sacudindo a cabeça.
— Não havia luz ali. O batedor não poderia dizer.
Entreri silenciosamente se xingou por ser tão tolo. Ele simplesmente não
conseguia se acostumar com essa visão do calor, onde as formas se misturavam
indistintamente e as cores eram baseadas na quantidade de calor, não refletindo as
matizes.
— Eles se foram e não são mais nossa preocupação — disse Vierna a Entreri.
— Você os deixaria escapar depois de matar três em sua comitiva? — Entreri
começou a protestar, vendo onde essa linha de raciocínio os levaria, e não tão certo
de que gostava daquele caminho.
— Quatro estão mortos — corrigiu Vierna, seu olhar conduzindo o do
assassino à vítima de Drizzt deitada ao lado da rampa agora revelada.
— Ak’hafta foi atrás de seu irmão — Jarlaxle rapidamente acrescentou.
— Então cinco estão mortos — respondeu Vierna sombriamente —, mas meu
irmão está abaixo de nós e deve passar por nós para se juntar a seus amigos.
Ela começou a conversar com os outros drow em sua língua nativa, e embora
não tivesse chegado perto de dominar a língua, Entreri percebeu que Vierna estava
organizando a partida pela rampa em busca de Drizzt.
— E quanto ao meu acordo? — ele interrompeu.
A resposta da Vierna foi direta ao ponto.
— Você teve sua luta. Nós permitimos sua liberdade, como combinado.
Entreri agiu satisfeito com a resposta; ele era mundano o suficiente para
entender que mostrar sua indignação significaria juntar-se às outras formas que
esfriavam rapidamente no chão. Mas o assassino não estava disposto a aceitar suas
perdas tão prontamente. Olhou em volta freneticamente, procurando alguma
distração, alguma maneira de alterar o acordo aparentemente feito.
Entreri planejara perfeitamente as coisas até esse ponto, exceto que, na
confusão, não conseguira entrar na rampa atrás de Drizzt. Sozinho lá embaixo, ele
e seu arquirrival teriam tido tempo para resolver as coisas de uma vez por todas,
mas agora a perspectiva de conseguir encontrar Drizzt sozinho para uma luta
parecia remota e se afastava a cada segundo.
O assassino astuto havia se infiltrado em situações mais precárias do que esta
- exceto, prudentemente lembrou a si mesmo, que dessa vez lidava com elfos
negros, os mestres da intriga.

— Shhh. — Bruenor sibilou para Wulfgar e Cattibrie, embora fosse


Thibbledorf Pwent, dormindo profundamente e roncando como só um anão pode
roncar, que estava fazendo todo o barulho. — Acho que ouvi alguma coisa!
Wulfgar inclinou a ponta do capacete do furioso de batalha contra a parede,
bateu com uma das mãos sob o queixo de Pwent, fechando a boca do anão
malcheiroso, e então apertou os dedos ao redor do nariz largo dele. As bochechas
do furioso se inflaram estranhamente algumas vezes, e um estranho tipo de barulho
estridente saiu de algum lugar. Wulfgar e Cattibrie trocaram olhares; Wulfgar
inclinou-se para o lado, imaginando se o anão ultrajante acabara de roncar por suas
orelhas!
Bruenor se encolheu com a explosão inesperada, mas estava muito decidido
para se virar e repreender seus companheiros. Do outro lado do corredor, ouviu-se
outro ligeiro ruído barulhento, quase imperceptível, e depois outro ainda mais
próximo. Bruenor sabia que logo seriam encontrados; como poderiam escapar
quando Wulfgar e Cattibrie precisavam da luz de tochas para navegar pelos túneis
tortuosos?
Outro som veio, do lado de fora da pequena câmara.
— Bem, saia logo, seu orelhudo beijador de orc! — o rei anão frustrado e
assustado rugiu, pulando pela pequena abertura em volta da laje que Wulfgar havia
usado para bloquear parcialmente a passagem. O anão levantou seu grande
machado bem acima de sua cabeça.
Ele viu a forma negra, como esperado, e tentou atacar, mas a forma estava ao
lado dele muito rapidamente, saltando para a pequena câmara mal fazendo um
sussurro como ruído.
— O quê? — o anão assustado, com o machado ainda alto, empacou, girando
e quase caindo no chão.
— Guenhwyvar! — ele ouviu Cattibrie chamar além da laje.
Bruenor voltou para a câmara no momento em que a poderosa pantera abria a
boca e deixava cair a valiosa estatueta - junto com a mão de pele de ébano do
desafortunado elfo negro que a agarrara quando Guenhwyvar havia fugido.
Cattibrie deu uma olhada azeda e chutou a mão sem corpo para longe da
estatueta.
— Boa menina! — admitiu Bruenor, e o anão robusto ficou aliviado por ter
encontrado uma nova e poderosa aliada.
Guenhwyvar rugiu em resposta, o poderoso grunhido reverberando pelas
paredes do túnel em todas as direções. Pwent abriu os olhos cansados ao ouvir o
som. As orbes escuras se arregalaram de fato quando o furioso avistou a pantera de
trezentos quilos a apenas um metro de distância.
Com a adrenalina subindo a novas alturas, o furioso de batalha cuspiu uma
dúzia de palavras ao mesmo tempo, enquanto se mexia e chutava para recuperar o
equilíbrio (inadvertidamente se dando uma joelhada na própria canela e tirando um
pouco de sangue). Quase conseguiu, até que Guenhwyvar aparentemente perceber
sua intenção e, distraidamente, bater uma pata, com garras retraídas, em seu rosto.
O elmo de Pwent tocou uma nota clara quando ele se afastou da parede, e
então achou que outro cochilo pudesse lhe fazer bem. Mas era um furioso de
batalha, lembrou a si mesmo, e por sua estimativa, uma batalha muito selvagem
estava prestes a ser travada. Tirou um grande frasco debaixo do manto e tomou um
gole forte, então sacudiu a cabeça para limpar as teias de aranha, fazendo seus
lábios grossos baterem ruidosamente. Parecendo revigorado de alguma forma, o
furioso de batalha firmou os pés para uma investida.
Wulfgar agarrou-o pela ponta do capacete e o levantou do chão, fazendo as
pernas grossas de Pwent agitarem-se impotentes.
— O que você está fazendo? — o furioso grunhiu em protesto, mas até
mesmo Thibbledorf Pwent teve sua arrogância drenada, junto com o sangue em seu
rosto, quando Guenhwyvar olhou para ele e rosnou, com as orelhas achatadas e os
dentes perolados à mostra.
— A pantera é uma amiga — explicou Wulfgar.
— O que... quem é... o maldito gato? — Pwent gaguejou.
— Uma boa gata — corrigiu Bruenor, terminando o debate. O rei anão voltou
a vigiar o salão, feliz por ter Guenhwyvar ao lado deles, sabendo que precisariam
de tudo o que Guenhwyvar pudesse dar, e talvez um pouco mais.

Entreri notou um drow ferido encostado na parede, sendo cuidado por outros
dois, e os curativos que aplicavam rapidamente ficaram quentes com o sangue
derramado. Ele reconheceu o elfo negro ferido como alguém que havia alcançado a
estatueta logo depois que Drizzt tinha chamado a gata, e a lembrança de
Guenhwyvar deu ao assassino uma nova manobra para tentar.
— Os amigos do Drizzt vão perseguir você, até mesmo pela rampa — Entreri
observou severamente, interrompendo Vierna mais uma vez.
A sacerdotisa se virou para ele, obviamente preocupada com o raciocínio,
assim como o mercenário ao lado dela.
— Não os subestime — continuou Entreri. — Eu os conheço, e eles são leais
além de qualquer coisa no mundo dos elfos negros — exceto, é claro, pela lealdade
de uma sacerdotisa à Rainha Aranha — acrescentou, em deferência a Vierna,
porque não queria que arrancassem sua pele e levassem como um troféu.
— Você planeja ir atrás do seu irmão, mas mesmo que você o pegue de vez e
siga com toda a velocidade para Menzoberranzan, os amigos leais dele irão atrás de
você.
— Eles eram apenas alguns — retrucou Vierna.
— Mas voltarão com muitos mais, especialmente se o anão sob a parede era
mesmo Bruenor Martelo de Batalha — rebateu Entreri.
Vierna olhou para Jarlaxle para confirmar as afirmações do assassino, e o elfo
negro apenas deu de ombros e balançou a cabeça em ignorância impotente.
— Eles virão melhor equipados e mais bem armados — prosseguiu Entreri,
seu novo esquema formulado, sua intriga ganhando ímpeto. — Com magos, talvez.
Com muitos clérigos, certamente. E com aquele arco mortal — olhou para o corpo
perto da parede — e o martelo de guerra do bárbaro.
— Os túneis são muitos — raciocinou Vierna, aparentemente ignorando o
argumento. — Eles não conseguiriam seguir nosso curso. — ela se virou, como se
seu próprio argumento a tivesse satisfeito, para voltar a formular seus planos
iniciais.
— Eles têm a pantera! — Entreri rosnou para ela. — A pantera que é a melhor
amiga do seu irmão. Guenhwyvar te perseguiria até o próprio Abismo se você
carregasse o corpo de Drizzt.
Novamente aflita, Vierna olhou para Jarlaxle.
— O que você acha? — ela exigiu saber.
Jarlaxle passou a mão pelo queixo pontudo.
— A pantera era bem conhecida entre os grupos de batedores quando seu
irmão morava na cidade — ele admitiu. — Nosso grupo de ataque não é grande —
e aparentemente temos cinco a menos agora.
Vierna virou-se bruscamente na direção de Entreri.
— Você, que parece conhecer essas pessoas tão bem — ela perguntou com
mais do que um pouco de sarcasmo —, o que sugere que façamos?
— Vá atrás do bando em fuga — Entreri respondeu, apontando para o
corredor enegrecido além da porta destruída. — Pegue-os e mate-os antes que
possam voltar para o complexo anão e reunir apoio. Eu vou encontrar seu irmão
por você.
Vierna o olhou com desconfiança, um olhar que Entreri certamente não
gostou.
— Mas eu sou premiado com outra luta contra Drizzt — insistiu, atraindo o
plano com alguma medida de credibilidade.
— Quando nos reunirmos — acrescentou Vierna friamente.
— É claro — o assassino se precipitou em uma reverência profunda e saltou
para a rampa.
— E você não vai sozinho — decidiu Vierna. Ela deu uma olhada para
Jarlaxle, que fez sinal para dois de seus soldados acompanharem o assassino.
— Eu trabalho sozinho — insistiu Entreri.
— Você morre sozinho — corrigiu Vierna. — Contra meu irmão nos túneis,
quero dizer — acrescentou em tom mais suave e brincalhão, mas Entreri sabia que
a promessa de Vierna não tinha nada a ver com o irmão.
Ele viu pouco sentido em continuar a discutir com ela, então apenas deu de
ombros e fez sinal para um dos elfos negros liderar o caminho.
Na verdade, ter um drow com os poderes de levitação sob ele fez a viagem
pela rampa perigosa muito mais confortável para o assassino.
O elfo negro que liderava o caminho saiu primeiro para o corredor inferior,
Entreri aterrissou com agilidade atrás dele e o segundo drow entrou lentamente
atrás do assassino. O primeiro drow balançou a cabeça em aparente confusão e
chutou levemente o corpo de bruços, mas Entreri, mais sábio aos muitos truques de
Drizzt, empurrou o elfo negro para o lado e bateu com a espada no aparente
cadáver. Cautelosamente, o assassino virou o drow morto, confirmando que não era
Drizzt em um disfarce inteligente. Satisfeito, deslizou sua espada para longe.
— Nosso inimigo é esperto — explicou e um de seus companheiros,
compreendendo a linguagem da superfície, assentiu, depois traduziu para o outro.
— Esse é Ak’hafta — explicou o elfo negro a Entreri. — Morto, como previu
Vierna — ele levou seu companheiro drow até o assassino.
Entreri não ficou nada surpreso ao encontrar o soldado morto logo abaixo da
rampa. Ele, acima de qualquer outra pessoa no grupo de Vierna, entendia quão
mortal seu oponente poderia ser, e quão eficiente. Entreri não duvidava que os dois
que o acompanhavam, lutadores habilidosos mas inexperientes com relação aos
modos de seu inimigo, teriam poucas chances de pegar Drizzt. Pela estimativa de
Entreri, se esses elfos negros despreparados tivessem atravessado a rampa
sozinhos, Drizzt poderia muito bem tê-los derrotado.
Entreri sorriu com tal pensamento, depois sorriu ainda mais ao perceber que
os dois não entendiam seu aliado, muito menos seu inimigo.
Sua espada apontou para o lado enquanto o drow rastreador passava por ele,
espetando precisamente os dois pulmões do elfo azarado. O outro drow, mais
rápido do que Entreri esperava, virou-se de um lado para o outro, com a besta de
mão em prontidão.
Um punhal adornado de joias veio primeiro, acertando a mão da arma do
drow com força suficiente para desviar o virote inofensivamente. Destemido, o elfo
negro rosnou e produziu um par de espadas bem afiadas.
A facilidade com a qual esses elfos negros lutavam tão bem com duas armas
de igual comprimento nunca deixava de impressionar Entreri. Ele tirou o cinto de
couro fino de seus calções e girou duas vezes em sua mão esquerda livre, acenando
com a espada na frente para manter seu oponente à distância.
— Você está do lado de Drizzt Do’Urden! — o drow acusou.
— Eu não estou do seu lado — corrigiu Entreri.
O drow atacou-o com força, as espadas cruzando-se, recuando, depois
cruzando de perto novamente, forçando Entreri a bater nelas com sua própria
espada, e logo recuou. O ataque foi habilidoso e enganosamente rápido, mas
Entreri reconheceu imediatamente a diferença primária entre este drow e Drizzt, o
nível sutil de habilidade que elevava Drizzt — e Entreri, deve-se acrescentar —
acima desses outros guerreiros. O ataque duplo cruzado havia sido lançado tão bem
quanto qualquer outro que Entreri já tinha visto, mas durante os poucos segundos
que tinha tomado para executar a manobra, as defesas do elfo negro não estavam
alinhadas. Como tantos outros lutadores habilidosos, esse drow era um guerreiro
unidirecional, perfeito no ataque, perfeito na defesa, mas não perfeito em ambos ao
mesmo tempo.
Foi uma coisa menor; a rapidez do drow compensava tão bem que a maioria
dos guerreiros jamais notaria a aparente fraqueza. Mas Entreri não era como a
maioria dos guerreiros.
Novamente o drow forçou o ataque. Uma espada disparou diretamente para o
rosto de Entreri, apenas para ser defletida no último momento. A segunda espada
chegou baixa, logo após, mas Entreri inverteu o impulso de sua arma e rebateu a
ponta, empurrando-a para o chão.
Furiosamente, o drow se aproximou, com suas espadas voando, mergulhando
por qualquer abertura aparente, apenas para serem interceptadas pela espada de
Entreri ou fisgadas e puxadas pelo cinto de couro.
E o tempo todo o assassino recuava voluntariamente, esperando pela morte
certa de seu adversário.
As espadas se cruzaram, se afastaram e cruzaram de novo enquanto atacavam
o torso de Entreri, com o elfo negro repetindo seu ataque inicial.
A defesa havia mudado, o assassino se movendo com velocidade repentina e
aterrorizante.
O cinto de Entreri enrolou-se em torno da ponta da espada na mão direita do
drow, que foi cruzada sob a outra, e depois o assassino recuou para a esquerda,
apertando as espadas e forçando as duas para o lado.
O elfo negro condenado começou a recuar imediatamente, e ambas as espadas
facilmente se soltaram do cinturão desajeitado, mas o drow, com seu equilíbrio
defensivo perdido na rotina ofensiva, precisou de uma fração de segundo para
recuperar sua postura.
A espada ágil de Entreri usou menos do que essa fração de segundo.
Mergulhou avidamente no flanco esquerdo exposto do drow, com a ponta sendo
torcida enquanto serpenteava até a carne macia sob a caixa torácica.
O guerreiro ferido caiu para trás, com a barriga gravemente ferida, e Entreri
não prosseguiu, em vez disso caiu em sua postura de batalha equilibrada.
— Você está morto — disse com naturalidade enquanto o drow lutava para
ficar de pé e manter suas espadas niveladas.
O drow não podia contestar a alegação, e não podia esperar, através da agonia
cegante e ardente, impedir o ataque iminente do assassino. Ele largou as armas no
chão e anunciou:
— Eu me rendo.
— Bem falado — Entreri parabenizou-o. Depois, o assassino enfiou a espada
no coração do tolo elfo negro.
Ele limpou a lâmina na piwafwi de sua vítima, recuperou sua preciosa adaga,
depois virou-se para ver o túnel vazio, varrendo para os dois lados além do alcance
de sua infravisão um tanto limitada.
— Agora, caro Drizzt — disse em voz alta —, as coisas estão como eu havia
planejado.
Entreri sorriu, parabenizando-se por manipular tão perfeitamente uma
situação tão perigosa.
— Eu não me esqueci dos esgotos de Porto Calim, Drizzt Do’Urden! —
gritou, sua raiva fervendo de repente. — Nem perdoei!
Entreri acalmou-se imediatamente, lembrando-se de que sua raiva havia sido
sua fraqueza naquela ocasião em que lutara contra Drizzt nas terras a Sul.
— Tome coragem, meu respeitável amigo — disse ele em voz baixa —, por
que agora podemos começar o nosso jogo, como deveria ser.


Drizzt voltou para a área da rampa logo depois que Entreri partiu. Ele soube
imediatamente o que havia acontecido quando viu os dois novos cadáveres e
percebeu que nada disso ocorrera por acaso. Drizzt havia enganado Entreri na
câmara acima, recusara-se a jogar como o assassino desejara. Mas Entreri
aparentemente havia antecipado a relutância de Drizzt e preparado — ou
improvisado — um plano alternativo.
Agora ele tinha Drizzt, apenas Drizzt, nos túneis inferiores, um contra um.
Agora, também, se chegasse ao ponto do combate, Drizzt lutaria com todo o seu
coração, sabendo que vencer significaria pelo menos ter alguma chance de
liberdade.
Drizzt assentiu com a cabeça, silenciosamente parabenizando seu inimigo
oportunista.
Mas as prioridades de Drizzt não eram semelhantes às de Entreri. A principal
preocupação do elfo negro era encontrar o caminho para se juntar aos amigos e
ajudá-los. Para Drizzt, Entreri não era mais do que outro pedaço da ameaça maior.
Se encontrasse Entreri a caminho, Drizzt Do’Urden pretendia acabar com o
jogo.
CAPÍTULO 16

Traçando Limites
— EU NÃO ESTOU SATISFEITA — comentou Vierna ao lado de Jarlaxle
no túnel perto da parede de ferro conjurada em cima do corpo esmagado do pobre
Cobble.
— E você achou que seria tão fácil? — respondeu o mercenário. — Entramos
nos túneis de um complexo anão fortificado com um contingente de apenas
cinquenta soldados. Cinquenta contra milhares.
— Você vai recapturar seu irmão — acrescentou Jarlaxle, não querendo que
Vierna ficasse excessivamente ansiosa. — Minhas tropas são bem treinadas. Já
despachei quase três dúzias, todo o complemento dos Baenre, para o único
corredor que sai do Salão de Mitral. Nenhum dos aliados de Drizzt entrará por esse
caminho, e seus amigos presos não escaparão.
— Quando os anões souberem que estamos por perto, enviarão um exército
— argumentou Vierna com seriedade.
— Se souberem — Jarlaxle corrigiu. — Os túneis do Salão de Mitral são
longos. Nossos adversários levarão algum tempo para reunir uma força
significativa — dias talvez. Estaremos a meio caminho de Menzoberranzan, com
Drizzt, antes que os anões estejam organizados.
Vierna parou por um bom tempo, considerando seu próximo curso de ação.
Havia apenas dois caminhos a partir do nível inferior: a rampa na sala próxima e
túneis sinuosos a alguma distância a norte. Ela olhou pela sala e se aproximou para
observar a rampa, imaginando se tinha feito algo errado ao mandar apenas três
atrás de Drizzt. Considerou ordenar que toda a sua toda a sua força — uma dúzia
de drow e o drider — saísse em perseguição.
— O humano vai pegá-lo — Jarlaxle disse, como se tivesse lido sua mente. —
Artemis Entreri conhece nosso inimigo melhor que nós; ele lutou contra Drizzt
através das vastas extensões do mundo da superfície. Além disso, ele ainda usa o
brinco, para que você possa acompanhar o progresso dele. Aqui em cima temos os
amigos de Drizzt, com apenas um punhado dos meus batedores, para lidar.
— E se Drizzt escapar de Entreri? — Vierna perguntou a ele.
— Há apenas duas maneiras de subir — Jarlaxle lembrou novamente. Vierna
assentiu, tomou sua decisão e caminhou até a rampa. Ela pegou uma pequena
varinha de uma dobra em suas vestes ornamentais e fechou os olhos, iniciando um
entoar suave. Lenta e deliberadamente, Vierna traçou linhas precisas através da
abertura, com a ponta da varinha cuspindo filamentos pegajosos. Perfeitamente, a
sacerdotisa delineou uma teia de fios finos, cobrindo a abertura. Vierna recuou para
examinar seu trabalho. De uma bolsa, ela produziu um pacote de pó fino e,
começando um segundo entoar, espalhou-o pela teia. Imediatamente os fios se
espessaram e assumiram um brilho negro e prateado. Então o brilho desapareceu e
o calor da energia do encantamento esfriou para a temperatura ambiente, deixando
os fios praticamente invisíveis.
— Agora há apenas um caminho — anunciou Vierna para Jarlaxle. —
Nenhuma arma pode cortar os fios.
— Para o norte, então — Jarlaxle concordou. — Eu enviei um punhado de
batedores à frente para proteger os túneis inferiores.
— Drizzt e seus amigos não podem se encontrar — instruiu Vierna.
— Se Drizzt vir seus amigos novamente, eles já estarão mortos — o
mercenário arrogante respondeu com toda a confiança.

— Deve haver outro caminho para a sala — ofereceu Wulfgar. — Se


pudéssemos atacá-los de ambos os lados...
— Drizzt saiu do lugar — interrompeu Bruenor, tocando o medalhão mágico
e olhando para o chão, sentindo que seu amigo estava em algum lugar abaixo deles.
— Quando matarmos todos os nossos inimigos, seu amigo nos encontrará —
ponderou Pwent.
Wulfgar, ainda segurando o furioso de batalha longe do chão pelo espigão do
capacete, deu-lhe uma pequena sacudida.
— Não tenho vontade de lutar contra os drow — respondeu Bruenor, e lançou
a Cattibrie e Wulfgar olhares preocupados de soslaio — não assim. Temos que nos
manter longe deles, se pudermos, e atacá-los somente quando for necessário.
— Poderíamos voltar e pegar Dagna — ofereceu Wulfgar — e limpar os
túneis dos vestígios de quaisquer elfos negros.
Bruenor olhou para o labirinto de corredores que o levariam de volta ao
complexo dos anões, considerando o caminho. Ele e seus amigos podiam perder
talvez uma hora em seu caminho indireto para o Salão de Mitral, e várias horas a
mais para reunir uma força considerável. Aquelas eram várias horas que Drizzt
provavelmente não teria sobrando.
— Nós vamos até Drizzt — Cattibrie decidiu com firmeza. — Temos seu
medalhão para nos apontar para o caminho certo, e Guenhwyvar nos levará até ele.
— Bruenor sabia que Pwent concordaria prontamente com qualquer coisa que
abrisse a possibilidade de uma briga, e o pelo de Guenhwyvar estava arrepiado, a
pantera ansiosa, seus músculos lisos, tensos. O anão olhou para Wulfgar e quase
cuspiu no rapaz pela expressão preocupada e condescendente espalmada em seu
rosto enquanto estudava Cattibrie.
Sem aviso, Guenhwyvar parou de repente, emitindo um grunhido baixo e
silencioso. Cattibrie imediatamente apagou a tocha de fogo baixo e se agachou,
usando os pontos vermelhos dos olhos dos anões para se manter em posição.
O grupo se aproximou mais, Bruenor sussurrando para os outros
permanecerem na câmara lateral enquanto saía para ver o que a gata havia sentido.
— Drow — explicou quando retornou um momento depois, Guenhwyvar ao
seu lado — apenas um punhado, movendo-se rápido e para o norte.
— Um punhado de drow mortos — corrigiu Pwent. Os outros podiam ouvir o
furioso de batalha ansiosamente esfregando as mãos, as articulações dos ombros de
sua armadura raspando ruidosamente demais.
— Sem lutas! — Bruenor sussurrou tão alto quanto ousou e agarrou os braços
de Pwent para parar o movimento. — Estou começando a achar que este grupo
pode ter uma ideia de onde encontrar Drizzt, que estão procurando por ele, mas não
temos chance de acompanhá-los sem luz.
— E se acendermos a tocha, vamos acabar lutando em breve — Cattibrie
raciocinou.
— Então acenda a maldita tocha! — Pwent disse esperançoso.
— Cala a boca — respondeu Bruenor. — Nós vamos sair devagar e com
calma — e você manterá a tocha, ou melhor: duas tochas, em prontidão para
acender aos primeiros sinais de uma briga — disse para Wulfgar. Então fez sinal
para Guenhwyvar guiá-los, pedindo à gata para manter o ritmo lento.
Pwent empurrou seu grande frasco na mão de Cattibrie assim que saíram do
túnel.
— Dê um gole nisso — instruiu —, e passe adiante.
Cattibrie cegamente moveu as mãos sobre o objeto, finalmente discernindo
ser um frasco. Ela cuidadosamente cheirou o líquido fedorento e começou a
devolvê-lo.
— Você vai pensar melhor quando um elfo drow mandar um dardo
envenenado em seu traseiro — explicou o furioso, dando um tapinha na nádega de
Cattibrie. — Com essa coisa fluindo por seu sangue, nenhum veneno tem chance!
Lembrando-se de que Drizzt estava encrencado, a jovem tomou um grande
gole no frasco, depois tossiu e cambaleou para o lado. Por um momento, viu oito
olhos anões e quatro olhos de gato olhando para ela, mas a visão dupla logo foi
embora e passou o frasco para Bruenor.
Bruenor lidou com isso facilmente, oferecendo um suspiro e um profundo,
embora silencioso, arroto quando terminou.
— Aquece os dedos dos pés — explicou a Wulfgar quando o passou.
Depois que Wulfgar se recuperou, o grupo partiu, as patas acolchoadas de
Guenhwyvar marcando silenciosamente o caminho e a armadura de Pwent gritando
ruidosamente a cada passo ansioso.

Quarenta anões prontos para a batalha seguiram as botas do General Dagna


através das minas inferiores do Salão de Mitral até a sala de guarda final.
— Nós vamos seguir direto para o salão dos goblins — explicou o general às
suas tropas — e ramificar a partir daí. — Ele passou a instruir os guardas da porta,
estabelecendo uma série de sinais e deixando instruções para quaisquer tropas
subsequentes que entrassem, explicitamente ordenando que nenhum anão em
grupos de menos de uma dúzia fosse autorizado a entrar nas novas seções.
Então o severo Dagna pôs seus soldados em linha, se colocou bravamente e
orgulhosamente à frente deles, e atravessou a porta aberta. Dagna realmente não
acreditava que Bruenor estivesse em perigo, imaginou que talvez um bolsão de
resistência goblin ou algum outro pequeno inconveniente precisasse ser resolvido.
Mas o general era um comandante conservador, preferindo um massacre a um
combate equilibrado, e não arriscaria a segurança de Bruenor.
Os passos pesados de botas duras, armaduras rangendo e até mesmo um grito
de guerra resmungado de vez em quando anunciavam a aproximação da força, e
cada terceiro anão segurava uma tocha. Dagna não tinha motivos para acreditar que
aquela força formidável precisaria ser furtiva, e esperava que Bruenor e quaisquer
outros aliados que estivessem vagando por ali pudessem encontrar a tropa
barulhenta.
Dagna não sabia sobre os elfos negros.
O ritmo acelerado dos anões logo os aproximou da primeira seção de
interseção, à vista dos ossos empilhados do antigo abate feito por Bruenor tantos
anos atrás. Dagna chamou os “observadores laterais” e começou a avançar,
querendo continuar em frente, direto para a câmara principal da batalha contra os
goblins. Antes mesmo de chegar à passagem lateral, Dagna desacelerou suas tropas
e pediu um pouco de silêncio.
O general deu uma olhada nervosa quando começou a atravessar o
cruzamento mais amplo. Seus instintos de guerreiro, afinados ao longo de três
séculos de luta, diziam-lhe que algo não estava certo; as grossas camadas de cabelo
na parte de trás de seu pescoço formigavam estranhamente.
Então as luzes se apagaram.
A princípio, o general anão supôs que algo havia extinguido as tochas, mas
percebeu rapidamente, pelo clamor que surgia atrás de si e pelo fato de que sua
infravisão, quando conseguia refocalizar seus olhos, era totalmente inútil, que
alguma coisa mais sinistra havia ocorrido.
— Trevas! — gritou um anão.
— Magos! — uivou outro.
Dagna ouviu seus companheiros se debaterem, ouviu algo assoviar em seu
ouvido, seguido pelo grunhido de um de seus comandantes inferiores
imediatamente atrás dele. Instintivamente, o general começou a retroceder, e
apenas alguns passos mais curtos depois, ele emergiu do globo de escuridão
conjurada para encontrar suas tropas correndo ao redor. Um segundo globo das
trevas havia dividido a força dos anões quase exatamente na metade, e aqueles que
estavam na frente do feitiço chamavam os que estavam presos dentro dele e os que
estavam atrás, tentando reunir alguma organização.
— Em cunha! — Dagna gritou acima do tumulto, exigindo a mais básica das
formações de batalhas dos anões. — É um feitiço de escuridão, nada mais!
Ao lado do general, um anão segurava o peito, então retirou um pequeno tipo
de dardo que Dagna não reconheceu e caiu no chão, roncando antes mesmo de
bater na pedra.
Algo atingiu a canela de Dagna, mas ele ignorou e continuou seus comandos,
tentando orientar o grupo em uma unidade de combate coesa e unificada. Ele
enviou cinco anões correndo para o flanco direito, ao redor do globo de escuridão e
no início da passagem de interseção.
— Me encontrem esse maldito mago! — ordenou Dagna a eles. — E
descubram contra o que nos Nove Infernos estamos lutando!
A frustração de Dagna só alimentou sua ira, e logo a força anã restante estava
em uma formação de cunha apertada, pronta para perfurar o globo de escuridão
inicial.
Os cinco anões flanqueadores entraram na passagem lateral. Uma vez
convencidos de que nenhum inimigo espreitava daquele lado, rapidamente se
aproximaram do globo de escuridão, dirigindo-se à estreita abertura entre a esfera e
a entrada mais distante ao longo do corredor principal.
Duas formas escuras emergiram das sombras, ficando de joelho diante dos
anões e preparando pequenas bestas.
O anão à frente, atingido duas vezes, tropeçou, mas ainda conseguiu liderar a
investida. Ele e seus quatro companheiros lançaram-se sobre seu inimigo em plena
corrida, sem aviso prévio até que fosse tarde demais para que outros inimigos,
outros elfos negros, estivessem levitando e caindo sobre eles.
— O que... — Um anão balbuciou quando um drow pousou ao lado dele,
esmagando o lado de seu crânio com uma maça poderosamente encantada.
— Ei, você não é Drizzt! — outro anão conseguiu observar uma fração de
segundo antes que uma espada drow lhe cortasse a garganta.
O líder do grupo quis gritar para recuarem, mas, quando abriu a boca, o chão
subiu e engoliu-o. Era uma boa cama para um anão adormecido, mas, desse sono, o
soldado vulnerável jamais acordaria.
No espaço de cinco segundos, apenas dois anões permaneceram.
— Drow! Drow! — eles gritaram.
Um caiu pesadamente, três flechas nas costas. Se esforçou para voltar a ficar
de joelhos, mas dois elfos negros caíram sobre ele, cortando com suas espadas.
O anão restante, correndo de volta para se juntar a Dagna, encontrou-se
enfrentando apenas um adversário. O drow avançou com sua espada delgada; o
anão aceitou o golpe e devolveu-o com um violento golpe de machado para o lado,
arrancando o braço do drow e rasgando sua bela cota de malha.
Passando o drow caído e pela escuridão, o anão aterrorizado correu, saindo do
outro lado do globo encantado, direto para as fileiras da frente da cunha de Dagna.
— Drow! — o anão assustado gritou mais uma vez.
Um terceiro globo de escuridão surgiu, conectando os outros dois. Uma
saraivada de virotes de bestas de mão surgiu, e atrás dela vieram os elfos negros,
habilidosos em lutar sem o uso de seus olhos.
Dagna percebeu que clérigos seriam necessários para combater aquela magia
dos elfos negros, mas quando tentou ordenar uma retirada, a ordem saiu como um
bocejo profundo.
Algo o atingiu com força no lado da cabeça e ele sentiu-se cair.
Em meio ao caos e à escuridão impenetrável, a cunha não podia ser mantida, e
os anões surpreendidos tinham pouca chance contra um número quase igual de
elfos negros preparados. Os anões sabiamente romperam as fileiras, muitos
mantendo a presença de espírito para se abaixarem e agarrar um parente caído, e
correram de volta pelo caminho que tinham vindo.
A debandada estava acontecendo, mas os anões não eram novatos na batalha,
e não havia um único covarde dentre eles. Assim que saíram das áreas escurecidas
do túnel, vários encarregaram-se de reorganizar o grupo. A perseguição era intensa,
mas, por estar sobrecarregada por quase dez anões cochilando, Dagna entre eles, a
força mais lenta não podia esperar correr mais do que os drow mais rápidos.
Houve um chamado para os bloqueadores e não faltaram voluntários. Quando
foi resolvido um momento depois, os anões correram, deixando seis bravos
soldados de pé, brandindo escudos para proteger o corredor e cobrir o recuo.
— Corram ou aqueles que caíram terão morrido em vão! — gritou um dos
novos comandantes.
— Corram pelo bem do nosso rei desaparecido! — gritou outro. Aqueles nas
fileiras de trás da tropa em fuga olharam muitas vezes por cima dos ombros
atarracados para ver os companheiros de bloqueio — até que um globo de
escuridão envolveu a linha defensiva.
— Corram! — veio um grito comum, daqueles em fuga e dos bravos
bloqueadores.
Os anões fugitivos ouviram o retinir da batalha enquanto os elfos negros
batiam em seus camaradas teimosos que bloqueavam o caminho. Ouviram o
barulho do aço contra o aço, ouviram os grunhidos de impactos sólidos e golpes
lançados.
Eles ouviram o grito de um drow ferido e sorriram soturnamente. Eles não
olharam para trás, mas inclinaram a cabeça para a frente e correram, cada um
jurando silenciosamente brindar os companheiros perdidos. Os bloqueadores não
quebrariam as fileiras e se juntariam a eles em sua fuga; eles manteriam a linha,
segurariam o inimigo até que seus corpos sem vida caíssem na pedra. Tudo feito
por lealdade a seus parentes em fuga, um ato de supremo sacrifício valente, anão
por anão.
Em frente corriam os anões, e se algum tropeçava na pedra, outros quatro
paravam para ajudá-lo a subir novamente. Se o fardo de um parente adormecido se
tornava pesado demais, outro assumia de bom grado a carga.
Um anão mais jovem correu à frente da hoste principal e começou a bater com
o martelo contra as paredes de pedra no sinal indicado para os guardas da porta.
Quando chegou ao fim do túnel, a grande barreira já estava aberta e se alargou
quando a debandada se tornou aparente.
A força dos anões se amontoou na sala de guarda, alguns permanecendo logo
do lado de dentro da porta para receber qualquer possível retardatário. Eles
mantiveram a porta aberta até o último minuto, até que um globo de escuridão
bloqueou a extremidade do túnel e uma besta de mão cruzou-a e derrubou outro
soldado.
O túnel estava fechado e lacrado, e a contagem mostrava que vinte e sete dos
quarenta e um originais tinham escapado, com mais de um terço deles dormindo
profundamente.
— Pegue o maldito exército inteiro!— um dos anões sugeriu.
— E os clérigos — acrescentou outro, levantando a cabeça fraca de Dagna
para dar força a sua sugestão. — Precisamos de clérigos para deter os venenos e
manter as malditas luzes acesas!
Os engenhosos anões logo determinaram uma hierarquia e uma ordem de
negócios. Metade da força ficou com os adormecidos e os guardas; a outra metade
correu para os cantos do Salão de Mitral, gritando o chamado às armas.
CAPÍTULO 17

Fardo Amigável
ELE SE SENTIU MUITO VULNERÁVEL com suas cimitarras
embainhadas, e muitas vezes parou para dizer a si mesmo que estava sendo
incrivelmente imprudente. Porém, o custo potencial — a vida de seus amigos —
manteve Drizzt no caminho e ele cautelosamente, silenciosamente, colocou mão
sobre mão, avançando lentamente pela rampa sinuosa e traiçoeira. Anos atrás,
quando também era uma criatura do Subterrâneo, Drizzt tinha sido capaz de levitar
e poderia ter conseguido subir a rampa muito mais facilmente. Mas tal habilidade,
aparentemente de alguma forma ligada às estranhas emanações mágicas das
regiões mais profundas, deixara Drizzt logo após pisar na superfície de Toril.
Drizzt não tinha percebido o quão longe havia caído e silenciosamente
agradeceu à sua deusa, Mielikki, por haver sobrevivido à queda! Colocou uns trinta
metros atrás de si, alguns dos quais foram fáceis ao longo de trechos inclinados,
outras partes quase verticais. Tão ágil quanto qualquer ladino, o drow subiu
obstinadamente.
O que acontecera com Guenhwyvar? Drizzt pensava preocupado. Teria a
pantera vindo ao seu chamado apressado? Teria um dos drow, o oportunista
Jarlaxle, talvez, simplesmente pegado a estatueta caída para reivindicar a pantera
como sua?
Escalando mão sobre mão, Drizzt se aproximou da abertura da rampa. O
cobertor não havia sido substituído e a câmara acima estava estranhamente quieta.
Drizzt sabia que o silêncio significava pouco quando seus parentes elfos negros
estavam envolvidos. Ele havia liderado grupos de batedores que haviam percorrido
oitenta quilômetros de túneis irregulares sem um ruído sequer. Naturalmente
amedrontado, Drizzt imaginou uma dúzia de elfos negros cercando a pequena
rampa, com as armas desembainhadas, esperando o retorno tolo do prisioneiro.
Mas Drizzt tinha que subir. Para o bem de seus amigos em perigo, Drizzt teve
que bloquear o medo de que Vierna e os outros ainda estivessem na sala.
O drow sentiu o perigo quando sua mão subiu, alcançando a borda. Ele não
viu nada, não teve nenhum aviso prático e plausível, exceto os gritos silenciosos de
seus instintos de guerreiro.
Drizzt tentou descartá-los, mas sua mão inevitavelmente se movia mais
devagar. Quantas vezes seu instinto — que poderia chamar de sorte — o salvara?
Dedos sensíveis deslizaram cautelosamente pela pedra; Drizzt resistiu ao
desejo ansioso de levantar a mão, agarrar a borda e se erguer, forçando a revelação
de qualquer perigo que o aguardasse. Ele parou, sentiu algo, quase imperceptível,
contra a ponta de seu dedo do meio.
Ele não conseguiu recolher a mão!
Assim que o momento inicial de medo passou, Drizzt percebeu a verdade da
armadilha da teia de aranha e manteve-se firme. Ele havia testemunhado os muitos
usos de teias mágicas em Menzoberranzan; a primeira casa da cidade era cercada
por uma cerca desses fios inquebráveis. E agora, embora apenas um único dedo
tivesse mal tocado os fios mágicos, Drizzt fora pego.
Ele permaneceu perfeitamente parado, perfeitamente quieto, concentrando
seus movimentos musculares de modo que seu peso chegasse mais completamente
contra a parede quase vertical. Gradualmente, manobrou a mão livre para o manto,
primeiro indo em direção a uma cimitarra, depois sabiamente mudando de ideia e,
em vez disso, procurando um dos pequenos virotes que tirara do elfo negro morto
no corredor abaixo.
Drizzt congelou ao som das vozes drow acima, na sala. Ele não conseguia
distinguir metade das palavras, mas percebeu que estavam falando sobre ele e
sobre seus amigos! Cattibrie, Wulfgar e quem quer que estivesse com eles
aparentemente haviam escapado.
E a pantera estava livre; Drizzt ouviu várias observações, avisos temerosos
sobre “o gato demônio”.
Mais decidido do que nunca, Drizzt afastou a mão livre para Fulgor, pensando
que deveria tentar atravessar a barreira mágica, levantar-se da rampa e correr para
ajudar seus amigos. O momento de desespero foi fugaz, porém, durando apenas o
tempo que levou Drizzt a perceber que se Vierna tivesse selado essa rampa com a
maior parte de sua força ainda acima dela, então deveria haver outro caminho, não
muito longe, que interligasse os níveis.
As vozes drow recuaram, e Drizzt levou outro momento para solidificar seu
precário poleiro. Ele então puxou o virote de sua capa, esfregando-o contra a pedra
e, em seguida, contra a sua roupa, em um esforço para tirar todo o insidioso veneno
para dormir de sua ponta. Cuidadosamente, ele estendeu a mão para o dedo preso,
mordeu o lábio para não gritar, e espetou o virote sob a pele e fez um rasgo.
Drizzt só podia esperar que tivesse removido todo o veneno, que ele não
caísse no sono e despencasse, provavelmente até a morte, pela rampa. Encontrando
um aperto sólido com a mão livre, preparando-se para a sacudida e a dor, Drizzt
puxou o braço com força, rasgando o topo da pele presa do dedo.
Quase desmaiou pela dor, quase perdeu o equilíbrio, mas de alguma forma se
segurou e levou o dedo à boca para sugar e cuspir o sangue possivelmente
envenenado.
Drizzt estava de volta ao corredor mais baixo cinco minutos depois, com as
cimitarras na mão, os olhos se movendo de um lado para outro em busca de seu
arqui-inimigo e tentando descobrir por qual caminho deveria ir. Ele sabia que o
Salão de Mitral ficava em algum lugar a leste, mas percebeu que seus captores o
levavam principalmente para o norte. Se houvesse de fato um segundo caminho,
provavelmente estava além da rampa, mais ao norte.
Ele recolocou Fulgor em sua bainha — não querendo que seu brilho revelador
o denunciasse —, mas manteve a outra cimitarra à sua frente enquanto seguia seu
caminho furtivo pelo corredor. Havia poucas passagens laterais, e Drizzt ficou feliz
por isso, percebendo que qualquer escolha de direção que pudesse fazer naquele
ponto, sem pontos de referência viáveis para guiá-lo, seria mera adivinhação.
Então ele chegou a um cruzamento e teve um vislumbre de uma figura fugaz e
sombria que corria ao longo de um túnel aparentemente paralelo ao seu flanco
direito.
Drizzt sabia instintivamente que era Entreri, e parecia óbvio que Entreri
saberia o caminho para fora daquele nível.
À direita, Drizzt era, em passos agachados e medidos, agora o perseguidor,
não mais o perseguido.
Ele parou quando chegou ao túnel paralelo, respirou fundo e olhou ao redor. A
figura sombria, movendo-se rapidamente, estava muito à frente, voltando
inesperadamente à direita mais uma vez.
Drizzt considerou tal mudança de curso com mais do que uma pequena
suspeita. Não deveria Entreri ter se mantido à esquerda, se mantido perto do curso
que achava que Drizzt estava tomando?
Drizzt suspeitou então que o assassino sabia que estava sendo seguido e
estava levando Drizzt a um lugar que Entreri considerava favorável. Drizzt não
podia se dar ao luxo de se deixar levar por suas suspeitas, no entanto, não enquanto
o destino de seus amigos estava na balança. Foi rapidamente para a direita, apenas
para descobrir que não ganhara nenhum terreno, que o curso de Entreri os levara a
um labirinto de corredores entrecruzados.
Com o assassino não mais à vista, Drizzt se concentrou no chão. Para seu
alívio, estava suficientemente perto para que o calor residual dos passos de Entreri
ainda fosse visível, ainda que bem pouco, por sua infravisão superior. Percebeu que
estava vulnerável, de cabeça baixa, com pouca ideia de quantos segundos à sua
frente o assassino poderia estar, ou quantos segundos atrás, Drizzt sabia, pois tinha
certeza de que Entreri o levara àquela região para que pudesse voltar e pegar Drizzt
pelas costas.
Seu ritmo mal se equiparava ao de Entreri, pois os túneis estreitos davam
lugar a câmaras naturais mais amplas. Os passos permaneciam obscuros e
esfriavam rápido, mas Drizzt conseguiu de alguma forma os seguir.
Um pequeno grito à frente deu-lhe uma pausa. Não era Entreri, Drizzt sabia,
mas acreditava que ainda não estava perto o suficiente para se unir aos seus
amigos.
Quem tinha sido, então?
Drizzt usou as orelhas em vez dos olhos e separou os minúsculos ecos para
seguir um gemido quase inaudível. Estava feliz pelo seu treinamento de guerreiro
drow, por anos estudando padrões de eco em túneis sinuosos.
O choramingo ficou mais alto; Drizzt sabia que a sua fonte estava ao virar da
curva, no que lhe pareceu, do seu ângulo, ser uma câmara lateral pequena e oval.
Com uma cimitarra sacada, outra mão no cabo de Fulgor, o drow deu a volta
na esquina.
Regis!
Amassado e com roupas rasgadas, o halfling rechonchudo estava esparramado
contra a parede oposta, as mãos firmemente amarradas, uma mordaça fina colocada
com força sobre sua boca e suas bochechas cobertas de sangue. O primeiro instinto
de Drizzt fez com que corresse para o amigo ferido, mas parou, temendo os vários
truques de Entreri.
Regis notou-o, e olhou desesperadamente para ele.
Drizzt já vira aquela expressão antes, reconhecia sua sinceridade além de
qualquer coisa que um Entreri disfarçado, com ou sem máscara, pudesse duplicar.
Ele estava ao lado do halfling em um instante, cortando as amarras, libertando a
mordaça apertada.
— Entreri... — O halfling começou a falar sem fôlego.
— Eu sei — Drizzt disse calmamente.
— Não — retrucou Regis, exigindo a atenção do drow. — Entreri... acabou
de...
— Ele passou por aqui não mais do que um minuto à minha frente —
terminou Drizzt, não querendo que Regis se esforçasse mais do que o necessário
para sua respiração ofegante.
Regis assentiu com a cabeça, seus olhos redondos se movendo como se
esperasse que o assassino voltasse a atacar e matasse os dois.
Drizzt estava mais preocupado com um exame das muitas feridas do halfling.
Individualmente, cada uma delas parecia superficial, mas juntas se somavam em
uma condição severa. Drizzt deixou que Regis demorasse alguns instantes para
fazer o sangue circular por suas mãos e pés desamarrados, depois tentou fazer o
halfling se levantar.
Regis sacudiu a cabeça imediatamente; uma grande onda de vertigem o
derrubou e ele teria batido no chão de pedra com força se Drizzt não estivesse ali
para pegá-lo.
— Deixe-me — disse Regis, mostrando uma medida inesperada de altruísmo.
Indomável, o drow sorriu confortavelmente e içou Regis para o lado dele.
— Juntos — ele explicou casualmente. — Eu não te deixaria mais do que
você me deixaria.
A trilha do assassino era, a essa altura, fria demais para ser seguida, de modo
que Drizzt teve que continuar cegamente, esperando encontrar alguma pista sobre a
localização da passagem para o nível mais alto. Ele sacou Fulgor então, em vez de
sua outra lâmina, e usou a luz para ajudá-lo a evitar qualquer pequeno entalhe no
chão, para que pudesse manter a caminhada de Regis mais confortável. Todas as
medidas de furtividade haviam sido perdidas de qualquer maneira, com o gemido
que se agarrava a seu lado, e os pés de Regis mais frequentemente raspando do que
pisando enquanto Drizzt o puxava.
— Eu achei que ele fosse... me... matar, — Regis comentou assim que
conseguiu manter o suficiente de sua respiração fraca para proferir uma frase
completa.
— Entreri mata apenas quando percebe alguma vantagem nisso — respondeu
Drizzt.
— Por que ele... me trouxe junto? — Regis se perguntou honestamente. — E
por que... ele deixou você me encontrar?
Drizzt olhou para seu amiguinho com curiosidade.
— Ele te levou até mim — Regis argumentou. — Ele... — O halfling caiu
pesadamente, mas o braço forte de Drizzt continuou a segurá-lo na posição
vertical.
Drizzt entendia exatamente porque Entreri o conduzira a Regis. O assassino
sabia que Drizzt não deixaria Regis para trás. Pela medida de Entreri, essa era
exatamente a diferença entre ele e o drow. Entreri percebeu que essa mesma
compaixão era a fraqueza do ranger. A verdade é que, salvando o amigo, a
furtividade tinha sido perdida, e agora Drizzt teria que jogar o jogo de gato e rato
pelas regras de Entreri, dando tanta atenção ao seu amigo-fardo quanto ao jogo.
Mesmo que a sorte mostrasse a Drizzt o caminho para o próximo nível, ele teria
dificuldade em chegar a seus amigos antes que Entreri o alcançasse.
Ainda mais importante do que a carga física, Drizzt percebeu, Entreri lhe
devolvera Regis para garantir uma luta honesta. Drizzt lutaria sua inevitável
batalha com todo o coração, sem intenção de fugir, com Regis deitado indefeso em
algum lugar próximo.
Regis entrou e saiu da consciência durante a meia hora seguinte, Drizzt não se
queixando e carregando-o, de vez em quando trocando de braços para equilibrar a
carga. A habilidade do ranger drow nos túneis era considerável, e ele se sentia
confiante de que estava avançando na compreensão do labirinto.
Eles entraram em uma passagem longa e reta, um pouco mais alta e mais larga
do que as muitas que tinham atravessado. Drizzt colocou Regis facilmente contra
uma parede e estudou os padrões na rocha. Notou uma inclinação quase
imperceptível no chão, erguendo-se para o sul, mas o fato de eles, viajando para o
norte, estarem indo um pouco para baixo, não perturbou o drow.
— Este é o corredor principal da região — decidiu por fim. Regis olhou para
ele intrigado.
— Uma dia já correu água por aqui — explicou Drizzt — provavelmente
cortando a montanha para sair em alguma cachoeira distante ao norte.
— Nós estamos indo para baixo? — Regis perguntou.
Drizzt assentiu com a cabeça.
— Mas se houver uma passagem de volta para os níveis mais baixos do Salão
de Mitral, ela provavelmente ficará ao longo dessa rota.
— Muito bem — veio uma resposta de algum lugar à distância. Uma forma
esbelta saiu de uma passagem lateral, apenas algumas dezenas de metros à frente
de Drizzt e Regis.
A mão de Drizzt foi instintivamente para dentro do seu manto, mas colocando
mais confiança em suas cimitarras, a retirou imediatamente quando o assassino se
aproximou.
— Eu dei a você a esperança que você tanto desejava? — Entreri provocou.
Ele disse algo em voz baixa — um comando para sua arma provavelmente, pois
sua espada esbelta começou a brilhar ferozmente em um tom verde-azulado,
revelando a forma graciosa do assassino em um esboço sombrio enquanto
caminhava em direção ao inimigo que o aguardava.
— Uma esperança da qual você irá arrepender — respondeu Drizzt
uniformemente. A brancura dos dentes de Entreri brilhava na luz turquesa
enquanto ele respondeu com um largo sorriso:
— Veremos.
CAPÍTULO 18

Perigo em Comum
— ESSE BARULHO TODO TRARÁ o Subterrâneo inteiro pra cima de nós.
Cattibrie sussurrou para Bruenor, referindo-se à ruidosa armadura do furioso
de batalha. Pwent, percebendo o mesmo, foi bem à frente dos outros, gradualmente
ultrapassando-os, pois Cattibrie e Wulfgar, humanos e não abençoados com olhos
que podiam ver no espectro infravermelho, tinham que quase rastejar, com uma
mão em Bruenor em todos os momentos. Somente Guenhwyvar, às vezes
liderando, mais frequentemente se movendo como uma emissária silenciosa entre
Bruenor e o furioso de batalha, mantinha qualquer semelhança de comunicação
entre os líderes da pequena tropa.
Outro guincho à frente trouxe uma careta para o rosto de Bruenor. Ele ouviu o
suspiro resignado de Cattibrie e concordou com ele. Ainda mais do que sua filha, o
experiente Bruenor entendia a futilidade de tudo isso. Pensou em fazer Pwent
remover a armadura barulhenta, mas descartou a noção imediatamente, percebendo
que, mesmo que todos os quatro caminhassem nus, o som de seus passos soavam
tão claramente quanto um tambor de marcha aos sensíveis ouvidos dos seus
inimigos elfos negros.
— Acenda a tocha — instruiu Wulfgar.
— Certamente não podemos — argumentou Cattibrie.
— Eles estão ao nosso redor — respondeu Bruenor. — Eu posso sentir os cães
e eles também nos verão tão bem sem a luz quanto com ela. Nós não temos chance
de passar sem outra luta — estou percebendo isso agora — então podemos lutar em
termos mais adequados para o nosso lado.
Cattibrie virou a cabeça, embora não conseguisse ver nada na escuridão total.
Ela sentiu a verdade das observações de Bruenor, porém, ao perceber que formas
escuras e silenciosas se moviam ao redor deles, fechando-se sobre o grupo. Um
momento depois, teve que piscar e apertar os olhos quando a tocha de Wulfgar
subiu em uma chama.
Sombras bruxuleantes substituíram a negritude absoluta; Cattibrie ficou
surpresa com o quão rústico o túnel era, muito mais natural e áspero do que os que
eles haviam deixado. Solo se misturava com a pedra ao longo do teto e paredes,
dando à jovem menos confiança na estabilidade do lugar. Ela ficou muito
consciente das centenas de toneladas de terra e rocha acima de sua cabeça, ciente
de que uma ligeira mudança na pedra poderia esmagá-la instantaneamente e a seus
companheiros.
— O que você está fazendo? — Bruenor perguntou, vendo sua óbvia
ansiedade. Ele se virou para Wulfgar e viu o bárbaro ficando aos poucos
similarmente nervoso. — Túneis não trabalhados — o anão comentou, vindo a
entender. — Vocês não estão acostumados com as profundezas selvagens. — O
anão colocou a mão no braço da filha amada e sentiu gotas de suor frio.
— Você vai se acostumar com isso — o anão gentilmente prometeu. —
Lembre-se que Drizzt está sozinho aqui e precisando da nossa ajuda. Mantenham-
se atentos a esse fato e vocês logo vão esquecer da pedra acima de sua cabeça.
Cattibrie assentiu resolutamente, respirou fundo e, determinada, limpou o suor
de sua testa. Bruenor avançou então, dizendo que estava indo para a frente da
tocha, para ver se conseguia localizar o furioso de batalha à frente.
— Drizzt precisa de nós — disse Wulfgar a Cattibrie assim que o anão se foi.
Cattibrie virou-se para ele, surpresa com seu tom. Pela primeira vez em muito
tempo, Wulfgar falara com ela sem qualquer indício de condescendência protetora
ou raiva crescente.
Wulfgar se aproximou, colocou o braço gentilmente contra as costas dela para
movê-la. Ela acompanhou seu passo lento, o tempo todo estudando seu rosto
bonito, tentando classificar através do óbvio tormento em suas fortes características
faciais.
— Quando isso acabar, temos muito a discutir — disse ele em voz baixa.
Cattibrie parou, olhando-o com desconfiança, e isso pareceu ferir ainda mais o
bárbaro.
— Tenho muitas desculpas a dar — Wulfgar tentou explicar — a Drizzt, a
Bruenor, mas principalmente a você. Deixar Regis — Artemis Entreri — me
enganar!
A animação crescente de Wulfgar desapareceu quando ele aproveitou o
momento para olhar atentamente para Cattibrie, para ver a severa determinação em
seus olhos azuis.
— O que aconteceu nas últimas semanas foi reforçado pelo assassino e seu
pingente mágico — concordou a jovem —, mas temo que os problemas estivessem
lá antes que Entreri chegasse. Primeiro, você tem que admitir isso para si mesmo.
Wulfgar desviou o olhar, considerou as palavras, depois assentiu em acordo:
— Nós vamos conversar — prometeu.
— Depois que terminarmos com os drow — disse Cattibrie. Novamente, o
bárbaro assentiu.
— E mantenha seu lugar em mente — Cattibrie disse a ele. — Você tem um
papel a desempenhar no grupo, e não é um papel de cuidar de minha própria
segurança. Mantenha seu lugar.
— E você mantém o seu — concordou Wulfgar, e seu sorriso subsequente
provocou uma onda de calor em Cattibrie, uma lembrança pungente daquelas
qualidades especiais de menino, inocentes e sem julgamento, que a atraíram tanto
em Wulfgar em primeiro lugar.
O bárbaro assentiu novamente e, ainda sorrindo, começou a se afastar, com
Cattibrie a seu lado — mas não mais atrás dele.

— Eu te dei tudo isso — estimou Entreri, movendo-se devagar em direção ao


rival, a espada brilhante e a adaga adornada de joias estendida como se estivesse
guiando um passeio por algum tesouro enorme. — Por causa dos meus esforços,
você tem esperança mais uma vez, você pode andar nestes túneis escuros com
alguma crença de que você verá novamente a luz do dia.
Drizzt, com a mandíbula firme, cimitarras na mão, não respondeu.
— Você não é grato?
— Por favor, mate-o — Drizzt ouviu Regis sussurrar, possivelmente o mais
lamentável apelo que o ranger já ouvira. Ele olhou para o lado para ver o halfling
tremendo de medo desenfreado, mordendo os lábios e torcendo as mãos ainda
inchadas uma sobre a outra. Drizzt imaginou os horrores que Regis deve ter
experimentado nas mãos de Entreri.
Ele olhou de volta para o assassino que se aproximava; Fulgor brilhou com
raiva.
— Agora você está pronto para lutar — disse Entreri, curvando os lábios em
seu habitual sorriso maligno. — E pronto para morrer?
Drizzt jogou o manto para trás sobre os ombros e avançou corajosamente à
frente, pois não queria nem um pouco lutar contra Entreri perto de Regis. Entreri
poderia simplesmente afundar aquela adaga mortal no halfling, sem uma razão
melhor do que atormentá-lo, para aumentar a fúria de Drizzt.
A mão do punhal do assassino pulsava como se quisesse arremessar, e Drizzt
instintivamente caiu agachado, suas lâminas se levantando defensivamente. Entreri
não soltou a lâmina, porém, e seu sorriso largo mostrou que ele nunca o pretendera.
Mais dois passos levaram Drizzt ao alcance da espada. Suas cimitarras
começaram sua dança fluida.
— Nervoso? — o assassino provocou, apontando sua espada contra a lâmina
de Fulgor. — Claro que está. Esse é o problema com seu coração terno, Drizzt
Do’Urden, a fraqueza de sua paixão.
Drizzt investiu com uma cruz astuta, depois deslizou em um ângulo baixo
para o cinto de Entreri, forçando o assassino a encolher sua barriga e pular para
trás, ao mesmo tempo que agitava a adaga para deter o avanço da cimitarra.
— Você tem muito a perder — continuou Entreri, indiferente ao ataque
próximo. — Você sabe que se morrer, o halfling morrerá. Muitas distrações, meu
amigo, muitas coisas tirando seu foco da batalha. — O assassino atacou enquanto
falava a última palavra, com a espada estocando ferozmente, batendo de cimitarra
em cimitarra, tentando abrir uma brecha nas defesas de Drizzt para poder perfurar
com a adaga.
Mas não havia brechas nas defesas de Drizzt. Cada manobra, por mais
habilidosa que fosse, levava Entreri de volta ao lugar onde havia começado e, aos
poucos, Drizzt mudou suas espadas da defesa para o ataque, afastando o assassino,
forçando outra pausa.
— Excelente! — Entreri parabenizou. — Agora você luta com seu coração.
Este é o momento que espero desde nossa batalha em Porto Calim.
Drizzt deu de ombros.
— Por favor, não me deixe desapontá-lo — disse, e avançou violentamente,
girando com as cimitarras anguladas como a borda de um parafuso, como havia
feito na câmara acima. Novamente, Entreri não tinha defesa prática contra o
movimento — exceto se manter fora do alcance curto das cimitarras.
Drizzt saiu do giro ligeiramente à esquerda do assassino, na direção da mão da
adaga de Entreri. O drow se adiantou e rolou, logo em seguida ao ataque de
Entreri, depois voltou a ficar de pé e inverteu o impulso imediatamente, correndo
ao redor do lado de trás de Entreri, forçando o assassino a girar nos calcanhares, a
espada chicoteando em um esforço frenético para manter os empurrões da
cimitarra sob controle.
Entreri não estava mais sorrindo. Ele conseguiu de alguma forma evitar ser
atingido, mas Drizzt pressionou o ataque, mantendo-o na defensiva.
Eles ouviram o clique suave de uma besta de mão vindo de algum lugar no
corredor. Em uníssono, os inimigos mortais saltaram para trás e caíram em
rolamentos, e o virote saltou inofensivamente entre eles.
Cinco formas escuras avançaram firmemente, espadas desembainhadas.
— Seus amigos — Drizzt observou inexpressivamente. — Parece que a nossa
luta vai esperar mais uma vez.
Os olhos de Entreri se estreitaram em ódio aberto enquanto observava os elfos
negros que se aproximavam.
Drizzt entendeu a fonte da frustração do assassino. Vierna daria a Entreri
outra batalha, especialmente com outros inimigos poderosos nos túneis, em busca
de Drizzt? E, mesmo que o fizesse, Entreri tinha de perceber que, como na luta
anterior, não persuadiria Drizzt a tal nível de batalha, não com as esperanças de
liberdade de Drizzt extintas.
Ainda assim, as próximas palavras do assassino pegaram o drow ranger de
surpresa.
— Você se lembra do nosso tempo contra os duergar?
Entreri veio novamente na direção de Drizzt enquanto os soldados elfos
negros continuavam seu avanço. Drizzt desviou com facilidade os ataques rápidos,
mas não bem direcionados.
— Ombro esquerdo — sussurrou Entreri. Sua espada surgiu por trás de suas
palavras, correndo para o ombro de Drizzt. Fulgor cruzou à direita para bloquear,
mas errou, e a espada do assassino cortou, abrindo buracos limpos no manto do
drow.
Regis gritou; Drizzt deixou cair uma cimitarra e cambaleou para o lado,
revelando abertamente sua agonia. A espada de Entreri veio em sua direção, a
ponta à frente, a menos de quinze centímetros de sua garganta, e Fulgor estava
longe demais para um bloqueio.
— Renda-se! — o assassino gritou. — Largue sua arma!
Fulgor caiu no chão, e Drizzt continuava com sua inclinação exagerada,
parecendo que poderia cair a qualquer momento. De trás, Regis gemeu alto e
tentou se afastar, mas seus membros cansados e machucados não o apoiariam, nem
sequer lhe dariam forças para rastejar.
Os elfos negros entraram timidamente na área iluminada por tochas,
conversando entre si e assentindo apreciativamente para o belo trabalho do
assassino.
— Vamos levá-lo de volta a Vierna — disse um deles na língua comum.
Entreri começou a acenar com a cabeça, depois virou-se subitamente,
conduzindo a espada através do peito daquele que tinha falado.
Drizzt, abaixado e nada ferido, pegou suas lâminas e deu uma volta, uma
cimitarra seguindo a outra em um golpe limpo na barriga do drow mais próximo. O
elfo negro ferido tentou se afastar, mas Drizzt foi mais rápido, invertendo o aperto
da lâmina que a seguia e empurrando-a para a frente com um golpe para cima, com
a ponta cortando as costelas do elfo negro e perfurando sua cavidade torácica.
Entreri estava lutando contra um terceiro drow a esta altura, as espadas
gêmeas do elfo negro trabalhando freneticamente para manter as lâminas do
assassino à distância. O assassino queria acabar a batalha rapidamente, e suas
rotinas eram puramente ofensivas, planejadas para conseguir uma morte rápida.
Mas esse drow, um soldado de longa data de Bregan D’aerthe, não era um novato
em batalha e semitorceu e girou círculos completos, caiu em um movimento para
trás e levou suas espadas mão sobre mão em uma parede ofuscante de defesa.
Entreri grunhiu consternado, mas manteve a pressão, esperando que seu
adversário cometesse qualquer erro minúsculo.
Drizzt encontrou-se lutando contra dois, e um deles sorriu maliciosamente ao
levantar uma pequena besta na mão livre. Porém, Drizzt provou ser o mais rápido,
inclinando a cimitarra bem na frente da arma, de modo que, quando o drow atirou,
o virote saltou da lâmina e voou inofensivamente para o alto.
O drow jogou a besta de mão em Drizzt, forçando o ranger a recuar por tempo
suficiente para que pudesse puxar um punhal para acompanhar a espada esbelta
que portava.
O outro drow aproveitou a aparente vantagem quando Drizzt se afastou, com
sua espada larga e espada curta atacando violentamente.
O metal tocou o metal uma dúzia de vezes, duas dúzias, enquanto Drizzt
impossivelmente derrotava cada ataque. Então o segundo drow se juntou ao corpo
a corpo e Drizzt, tão habilidoso quanto ele, viu-se pressionado. Fulgor cintilava ao
bloquear a espada curta, disparando mais para a frente e abaixo para derrubar a
ponta da espada larga, e depois voltou para o outro lado, mal desviando o punhal
que corria.
Assim foram vários momentos longos e frenéticos, com os dois soldados de
Bregan D’aerthe trabalhando em harmonia, cada um medindo seus ataques à luz do
ataque do outro, levantando defesas apropriadas sempre que seu companheiro
parecia vulnerável.
Drizzt não tinha certeza se poderia ganhar contra os dois, e sabia que, mesmo
se o fizesse, essa batalha levaria muito tempo para se virar em sua direção. Ele
olhou por cima do ombro, para ver Entreri começando a recuar de suas rotinas de
ataque, caindo em um ritmo mais mundano contra seu oponente habilidoso.
O assassino notou Drizzt e também a situação em que ele estava. Deu um leve
aceno de cabeça e Drizzt percebeu uma mudança sutil no modo como Entreri
segurava sua adaga adornada de joias.
Drizzt avançou repentinamente, empurrando de volta o drow que empunhava
a espada e o punhal, depois girou para o outro drow, as cimitarras se abaixando e
subindo, forçando a espada larga do drow para o alto.
O ranger drow soltou o movimento imediatamente, tirou sua cimitarra da
lâmina da espada larga e deu dois passos para trás.
O inimigo drow, sem entender, manteve a espada larga alta por outro instante
— um instante a mais — antes de iniciar seu avanço no contra-ataque.
As joias da adaga de Entreri faiscaram um brilho multicolorido quando a arma
cortou o ar, batendo nas costelas vulneráveis do drow, abaixo do braço levantado
da espada. Ele grunhiu e pulou para o lado, bateu contra a parede, mas manteve o
equilíbrio e ambas as suas espadas defensivamente na frente.
Seu camarada veio para frente imediatamente, entendendo o que Drizzt faria.
A espada longa disparou baixa, alta, e depois subiu em um giro para um corte alto.
Drizzt bloqueou, bloqueou outra vez, depois abaixou-se sob o terceiro ataque
previsível e desviou para o lado, com as duas lâminas atacando em disparos
abruptos e curtos que abriram as defesas do drow cansado e ferido. Uma cimitarra
espetou a carne drow ao lado da adaga; a outra se seguiu imediatamente,
afundando-se mais, terminando o trabalho.
Instintivamente, Drizzt jogou a lâmina retraída para fora horizontalmente e
para o alto, o metal cantando com uma nota perfeita, interrompendo o golpe aéreo
da segunda espada descendente do drow.
O elfo negro que lutava contra Entreri entrou na ofensiva assim que o
assassino abandonou sua adaga. As espadas gêmeas dispararam para lâmina
restante de Entreri, alto e baixo, para um lado e depois para o outro. Quando
preparou a postura do assassino ao seu gosto, acreditando já ter o fim em suas
mãos, o drow veio com um duplo golpe reto, ambas as espadas paralelas e
esfaqueando o assassino.
A espada de Entreri atingiu uma, depois a outra, impossivelmente rápido,
derrubando ambos os ataques. Acertou a espada à sua direita uma segunda vez com
um retorno de sua mão, quase arrancando a lâmina da mão do drow, então uma
terceira vez, sua espada elevando a do inimigo.
A segunda cimitarra de Drizzt se soltou do peito do drow morto, mas Drizzt
não levou a lâmina para seu atual oponente. Em vez disso, inclinou a ponta sob o
travessão da adaga presa e, quando viu Entreri preparado para recebê-la, puxou a
lâmina, enviando o punhal voando pelo caminho.
Entreri segurou-o com a mão livre e redirecionou ao impulso, enfiando-a nas
costelas expostas do oponente sob as espadas altas. O assassino saltou para trás; o
drow moribundo olhou incrédulo para ele.
Que visão deplorável, pensou Entreri, observando seu inimigo tentar levantar
espadas com braços que já não tinham mais força. Ele deu de ombros enquanto o
drow tombou no chão e morreu.
Um contra um, o drow restante logo percebeu que não era páreo para Drizzt
Do’Urden. Ele manteve os movimentos defensivos, inclinando-se para o lado de
Drizzt, depois viu uma oportunidade desesperada. Com a espada trabalhando
furiosamente para manter as cimitarras à distância, sacudiu o punhal na mão como
se fosse arremessá-lo.
Drizzt entrou imediatamente em manobras defensivas, uma cimitarra correndo
para bloquear qualquer caminho de arremesso enquanto a outra continuava com a
pressão.
Mas o guerreiro inimigo olhou para o lado, para o halfling, esparramado
indefeso no chão, não muito longe.
— Renda-se ou mato o halfling! — o maligno elfo negro gritou na língua
drow.
Os olhos lavanda de Drizzt flamejaram maliciosamente.
Uma cimitarra atingiu o pulso do drow, tirando o punhal de suas mãos; A
outra lâmina de Drizzt golpeou a espada uma vez, depois disparou para baixo,
cortando o joelho do inimigo. Fulgor surgiu em um clarão azul, afastando a espada
que descia, e logo em seguida veio a cimitarra livre e baixa, pegando o drow na
coxa.
O elfo negro condenado fez uma careta e vacilou, tentando se afastar,
tentando dizer alguma coisa, alguma palavra de rendição, que parasse seu atacante.
Mas sua ameaça contra Regis colocara Drizzt além do ponto de raciocínio.
O avanço de Drizzt foi lento e mortal. Com as cimitarras baixas ao seu lado,
ele ainda conseguiu levantar uma ou outra para defletir qualquer tentativa de
ataque muito antes de chegar perto de seu corpo.
Tudo o que o oponente de Drizzt podia ver eram os olhos ferozes do famoso
ranger, e nada que este drow já tinha visto, nem os chicotes com cabeças de
serpente de sacerdotisas impiedosas nem a fúria de uma Matriarca Mãe, prometera
a morte tão completamente.
Ele abaixou a cabeça, gritou em voz alta, e cedendo ao seu terror, lançou-se
para frente desesperadamente.
Cimitarras o atingiram alternadamente no peito. Fulgor cortou seu bíceps de
forma limpa, deixando o braço de sua espada impotente e a outra lâmina de Drizzt
subiu rapidamente sob o queixo, erguendo seu rosto, para que ele pudesse, no
momento de sua morte, olhar mais uma vez para aqueles olhos lavanda.
Drizzt, com o peito arfando com a adrenalina, os olhos ardendo das chamas
internas, empurrou o cadáver para longe e olhou para o lado, ansioso para terminar
seus negócios com Entreri.
Mas o assassino não estava em lugar algum.
CAPÍTULO 19

Caminhos Distintos
THIBBLEDORF PWENT ESTAVA DE PÉ NO FINAL do túnel estreito,
examinando a caverna ampla logo a diante, usando sua infravisão, registrando as
gradações de mudança de calor, para que pudesse entender melhor a área perigosa
à frente. Ele distinguiu os muitos dentes do teto, estalactites longas e estreitas, e
viu duas linhas distintamente mais frias, indicando saliências nas paredes altas —
uma diretamente à frente, a outra ao longo da parede à sua direita. Buracos escuros
se alinhavam nas paredes a altura do chão em vários lugares; Pwent sabia que
aquele que estava imediatamente à sua esquerda, os dois diretamente em frente, e o
outro diagonalmente à frente e à direita, sob a borda, provavelmente eram longos
túneis, e imaginou que vários outros seriam câmaras laterais menores ou alcovas.
Guenhwyvar estava ao lado do furioso de batalha, as orelhas da gata
achatadas, o grunhido baixo quase imperceptível. A pantera também pressentira o
perigo, percebeu Pwent. Ele fez um sinal para Guenhwyvar segui-lo (de repente,
não estava tão incomodado por ter uma companheira tão incomum) e deslizou de
volta pelo corredor até a luz da tocha que se aproximava para impedir os outros na
sala.
— Há pelo menos mais três ou quatro maneiras de entrar ou sair — disse o
furioso de batalha gravemente a seus companheiros — e muitos terrenos abertos
em todo o lugar. — O anão passou a dar uma descrição detalhada da câmara,
prestando atenção especial aos muitos pontos óbvios para se esconder.
Bruenor, compartilhando dos medos sombrios de Pwent, assentiu e olhou para
os outros. Ele também sentia que seus inimigos estavam próximos, estavam todos
ao seu redor e se aproximando. O rei anão olhou para trás, para o caminho pelo
qual tinham vindo, e era óbvio para os outros que estava tentando descobrir algum
outro trajeto ao redor daquela região.
— Nós podemos usar o fato de esperarmos um ataque surpresa contra eles —
ofereceu Cattibrie, sabendo da futilidade das esperanças de Bruenor. Os
companheiros tinham muito pouco tempo precioso para desperdiçar, e poucos dos
túneis laterais por onde passavam ofereciam uma promessa mínima de levá-los
para as regiões mais baixas, ou para túneis mais amplos onde poderiam encontrar
Drizzt.
Um brilho de gosto pela batalha entrou nos olhos escuros de Bruenor, mas ele
franziu a testa um momento depois, quando Guenhwyvar se jogou pesadamente
sobre os pés de Cattibrie.
— A gata está por aqui há tempo demais — raciocinou a jovem. — Ela vai
precisar descansar em breve.
As expressões de Wulfgar e dos anões mostraram que não receberam bem a
notícia.
— Mais um motivo para ir em frente — Cattibrie disse determinadamente. —
Guen ainda aguenta lutar mais um pouco, não tenha dúvidas!
Bruenor considerou as palavras, então assentiu seriamente com a cabeça e
bateu com o seu machado cheio de ranhuras na palma da mão aberta.
— Tenho que chegar perto deste inimigo — ele lembrou seus amigos.
Pwent sacou sua poção amarga.
— Toma outro gole — ofereceu a Cattibrie e Wulfgar. — Tem que garantir
que isso aí tá fresco na sua barriga.
Cattibrie fez uma careta, mas pegou o frasco e entregou-o a Wulfgar, que
também franziu o cenho e tomou um gole breve.
Bruenor e Pwent se agacharam no chão e Pwent rapidamente arranhou um
mapa tosco da câmara. Não tinham tempo para planos detalhados, mas Bruenor
ordenou áreas de responsabilidade, atribuindo a cada pessoa a tarefa mais adequada
ao seu estilo de batalha. O anão não poderia dar instruções específicas para
Guenhwyvar, é claro, e não se preocupou em incluir Pwent em grande parte da
discussão, sabendo que uma vez que a luta começasse, o furioso de batalha sairia
em seu modo selvagem e indisciplinado. Cattibrie e Wulfgar também perceberam o
papel que Pwent assumiria, e ninguém reclamou, entendendo que, contra
oponentes habilidosos e precisos, como os drow, um pequeno caos poderia ser
bom.
Eles mantiveram a tocha acesa, até acenderam uma segunda, e começaram a
seguir cautelosamente em frente, prontos para lutar em seus próprios termos.
Quando a luz da tocha invadiu a sala, uma forma negra e inquieta atravessou,
indo para a escuridão em plena corrida. Guenhwyvar partiu para a direita, cortou
para a esquerda em direção ao centro da câmara, depois disparou de novo para a
parede dos fundos.
De algum lugar à frente, ouviu-se o som de bestas de mão, seguidos pelo
ruído de virotes que batiam na pedra, sempre um passo atrás da pantera que se
esquivava e saltava.
Guenhwyvar desviou novamente no último momento, saltou e virou de lado,
as patas correndo ao longo da parede vertical por vários passos antes que tivesse
que voltar para o chão. O alvo da gata, a borda alta na parede da direita, estava à
vista, e Guenhwyvar saiu correndo, acelerando de forma imprudente.
Na base, a todo vapor, e aparentemente voando em direção a uma colisão de
cabeça, os músculos da pantera se moveram sutilmente. A mudança de direção de
Guenhwyvar foi quase perpendicular, a pantera correu, parecendo voar, subindo a
extensão de seis metros até a borda.
Os três elfos negros no topo da borda não poderiam esperar a incrível
manobra. Dois dispararam as bestas na direção Guenhwyvar e voltaram para um
túnel; o terceiro, tendo a infelicidade de estar diretamente no caminho da pantera
saltitante, só pôde erguer os braços quando a pantera caiu sobre ele.
Tochas voaram na câmara, iluminando a área de batalha, seguidas pela
investida liderada por Bruenor, flanqueada à sua direita por Wulfgar e à sua
esquerda por Thibbledorf Pwent. Cattibrie silenciosamente estava atrás deles,
escorregando para o lado ao longo do mesmo curso geral que Guenhwyvar havia
tomado, com o arco preparado e em mãos.
Mais uma vez, as bestas de mão dos elfos negros invisíveis dispararam, e
todos os companheiros em investida foram atingidos. Wulfgar sentiu o veneno
correndo em sua perna, mas sentiu o formigamento queimar enquanto a potente
poção de Pwent neutralizava seus efeitos sonolentos. Um feitiço de escuridão caiu
sobre uma das tochas, derrotando sua luz, mas Wulfgar estava pronto, acendendo
uma terceira e jogando-a para o lado.
Pwent notou um inimigo drow no túnel à esquerda, e lá foi ele,
previsivelmente, rugindo a cada passo.
Bruenor e Wulfgar diminuíram a velocidade, mas mantiveram o curso direto
através da sala, para as maiores entradas de túnel do outro lado do caminho. O
bárbaro avistou o luzir de olhos drow ao longo da borda restante, mais adiante e
acima dos túneis. Ele parou, girou e soltou o martelo de guerra com um grito para
seu deus. Presa de Égide voou baixo, se chocando contra a borda da passagem,
esmagando a pedra. Um elfo negro saltou para outro ponto na longa borda; o outro
caiu, com a perna destruída, e mal conseguiu agarrar uma pedra a meio caminho e
parar sua queda pela parede que desabava.
Wulfgar não seguiu o lance. Ele foi atingido novamente por um virote e, ao
invés disso, correu para o lado, para o túnel restante, ao longo da parede da direita,
onde se agachava um par de elfos negros.
Ansioso para entrar em combate corpo a corpo, Bruenor mudou seu curso
para seguir atrás do bárbaro. O anão olhou para trás antes mesmo de completar a
curva, no entanto, quando um monstro de oito patas, o drider, saiu do túnel
diretamente à frente, com outras formas escuras se mexendo por trás dele.
Com um grito de prazer, nunca considerando as probabilidades, agora que ele
e seus amigos estavam comprometidos com a batalha, o anão impulsivo desviou
novamente para seu curso inicial, determinado a encontrar os inimigos, quantos
fossem, de cabeça erguida.

Precisou de toda a disciplina que Cattibrie conseguiu reunir para dar seu
primeiro disparo sob controle. Ela realmente não tinha um bom ângulo para
aqueles que Pwent tinha perseguido ou para a borda onde Guenhwyvar havia ido, e
não achava que valesse a pena acertar o drow ferido pendurado indefesamente
abaixo da borda destruída — não ainda. Bruenor tinha pedido a ela que se
certificasse de que seu primeiro disparo, o único que conseguiria dar antes de ser
notada, contasse.
A jovem ansiosa assistiu à separação entre Bruenor e Wulfgar e encontrou sua
oportunidade. Um drow, agachado atrás de um entalhe diagonal de pouco mais de
um metro na parede do fundo, quase a meio caminho entre seus companheiros,
inclinou-se para a frente, com a besta na mão. O elfo negro disparou, depois recuou
em surpresa quando uma flecha de prata passou através dele, pela pedra e deixou
uma queimadura latente em seu rastro.
O segundo disparo de Cattibrie estava no ar um instante depois. Ela não podia
mais ver o drow, totalmente coberto pela pedra, mas não acreditava que sua
cobertura fosse tão grossa assim.
A flecha atingiu a laje saliente a meio metro de sua borda, a meio metro de
onde se juntava à parede. Houve um estalo agudo quando a rocha se partiu, seguida
por um grunhido quando a flecha explodiu profundamente no crânio do drow
agonizante.

O elfo negro deitado na borda alta subiu e chutou, manteve o broquel acima
dele e conseguiu, de alguma forma, sacar sua adaga com a outra mão. Apenas sua
bela armadura de malha continha de alguma forma as garras de Guenhwyvar,
mantendo seus ferimentos sérios, mas não mortais.
Ele afundou a adaga no flanco da pantera, mas a arma parecia pequena contra
tal inimigo, parecia apenas enfurecer ainda mais a gata. O braço do broquel foi
jogado para o lado, de costas sobre a cabeça, com força suficiente para deslocar seu
ombro. Ele tentou puxá-lo de volta para tornar a bloquear, mas descobriu que não
responderia ao chamado frenético de sua mente. Ele se esforçou para colocar a
outra mão no caminho da grande pata, uma defesa fútil.
As garras de Guenhwyvar prenderam-se na linha do couro cabeludo logo
acima da testa. O drow mergulhou a adaga de novo, rezando por uma morte rápida.
As garras da pantera cortaram seu rosto.
Bestas estalaram novamente do túnel na parte de trás da borda estreita. Não
ferida de verdade, a pantera saiu de sua vítima e seguiu em frente em perseguição.
Os dois elfos negros invocaram globos de escuridão entre eles e a gata,
viraram-se e fugiram.
Se tivessem olhado para trás, poderiam ter voltado à luta, pois a perseguição
de Guenhwyvar não era obstinada. Com os golpes de adaga e as feridas de virote, o
insidioso veneno do sono e a simples duração da visita da pantera ao plano, a
energia de Guenhwyvar não existia mais. A gata não queria ir, queria ficar e lutar
ao lado dos companheiros, para ficar e encontrar seu mestre desaparecido.
A magia da estatueta não apoiaria seus desejos, no entanto. Após alguns
passos para dentro da área escura, Guenhwyvar parou, mal mantendo um equilíbrio
hesitante. A carne da pantera dissolveu-se em fumaça cinzenta. O túnel planar se
abriu e a atraiu.

Ele foi atingido novamente quando saiu da câmara, mas o virote minúsculo
não fez mais do que trazer um sorriso para a face contorcida do mais selvagem dos
furiosos de batalha. Um globo de escuridão bloqueou sua corrida, mas ele rugiu e
se arremessou, sorrindo mesmo quando colidiu com força com a parede do outro
lado.
O espantado elfo negro, observando o progresso feroz de Pwent, deu meia-
volta, disparando pelo túnel, depois virou uma curva fechada. Pwent veio logo
atrás, com sua armadura gritando e baba correndo de seus lábios gordos em linhas
abaixo de sua espessa barba negra.
— Idiota! — ele gritou, abaixando a cabeça enquanto virava a curva bem atrás
do drow em fuga, esperando a emboscada.
A ponta do elmo de Pwent interceptou o corte da espada, empalando seu
inimigo através do antebraço. O furioso de batalha não diminuiu a velocidade, mas
se atirou no ar e se jogou no chão, acertando o seu oponente com seu corpo bem no
peito e conduzindo o drow ao chão, bem abaixo dele.
As luvas com pontas cavaram a virilha e o rosto do elfo negro; a armadura
cheia de espigões de Pwent enrugou a bela cota de malha quando ele entrou em
uma série de violentas convulsões. A cada um dos movimentos do furioso de
batalha, ondas de agonia ardente subiam pelo braço empalado do drow.

Bruenor notou a forma esbelta de um drow, usando um chapéu escandaloso de


abas largas e plumas, movendo-se pela entrada do túnel. Então veio o tremular de
objetos cortando a luz da tocha por trás do drider monstruoso, e Bruenor jogou o
escudo para o alto defensivamente. Uma adaga bateu contra o metal, depois outra e
uma terceira atrás dela. O quarto lance veio baixo, raspando a canela do anão; a
quinta mergulhou sobre o escudo inclinado quando Bruenor inevitavelmente se
inclinou para frente, cortando uma linha através do couro cabeludo do anão sob a
borda de seu capacete de um chifre.
Mas ferimentos leves não retardariam Bruenor, nem a visão do drider inchado,
com seus machados balançando, suas oito pernas batendo e arranhando. O anão
veio com força, levou um golpe no escudo e voltou com um estrondo contra o
segundo machado descendente do drider. Muito menor que seu oponente, Bruenor
trabalhava baixo, seu machado batendo no duro exoesqueleto das pernas blindadas
do drider. O tempo todo, o anão continuava sendo um borrão de movimento
frenético, seu escudo acima dele, um escudo melhor do que qualquer outro já
forjado, desviando golpe após golpe das armas de fio cruel encantadas pelos drow.
O machado de Bruenor mergulhou na cunha entre as duas pernas, acertando o
interior carnudo do drider. O sorriso do anão foi de curta duração, pois as respostas
do drider bateram com força no escudo, torcendo-o no braço de Bruenor; a criatura
colocou uma perna em seu caminho e chutou com força a barriga do anão, jogando
Bruenor para trás antes que seu machado pudesse fazer algum dano real.
Ele se levantou, sem fôlego e com o braço dolorido. Mais uma vez veio uma
série de arremessos de adaga vinda do corredor atrás do drider, forçando Bruenor a
desequilibrar-se. Ele mal conseguiu levantar seu escudo para deter aquelas quatro.
Ele olhou para a primeira adaga, sobressaindo-se da frente de sua armadura em
camadas, um fio de sangue escorrendo por detrás de sua ponta e soube que
escapara da morte por um fio de cabelo.
Ele sabia também que a distração lhe custaria caro, pois não estava mais
preparado para o combate corpo a corpo e o drider estava sobre ele.

O martelo voador de Wulfgar liderou o caminho até o corredor, seu lance mais
do que empatando com os dardos de besta que atingiam o bárbaro que rugia. Ele
mirou para o alto, para os dentes de estalactite pendurados acima da entrada, e seu
martelo poderoso fez seu trabalho perfeitamente, quebrando várias das pedras
penduradas.
Um elfo negro recuou — Wulfgar não sabia dizer se a pedra que caíra o havia
esmagado ou não — e o outro mergulhou para a frente, sacando espada e adaga e
subindo na câmara para enfrentar a investida do bárbaro desarmado.
Wulfgar derrapou até parar perto das lâminas, saltou para o lado e chutou para
fora, socando, fazendo qualquer coisa para manter o oponente perigoso e rápido
sob controle pelos poucos segundos que o bárbaro precisava.
O drow, não entendendo a magia de Presa de Égide, levou o tempo que
precisava, parecia não ter pressa em acertar o humano obviamente poderoso. Ele
veio com uma combinação medida, espada, adaga e adaga novamente, o último
empurrão dolorosamente cortando o quadril do bárbaro.
O drow sorriu maliciosamente.
Presa de Égide apareceu nas mãos de Wulfgar.
Com uma das mãos, segurando baixo na empunhadura do martelo de guerra,
Wulfgar lançou a arma em um movimento circular na frente dele. O drow tomou
uma medida cuidadosa da velocidade da arma — Wulfgar cuidadosamente avaliou
o exame do drow.
Ele disparou a adaga, atrás do martelo que fluía. A outra mão de Wulfgar
bateu contra o cabo logo abaixo da cabeça da arma e abruptamente inverteu a
direção, bloqueando o ataque do drow.
O drow foi rápido, levando a espada em um ângulo descendente para o ombro
de Wulfgar, mesmo quando sua mão da adaga foi totalmente afastada, deixando
sua guarda aberta.O enorme antebraço de Wulfgar se flexionou com a tensão
quando ele parou o impulso do martelo pesado, levantando-o de volta na frente
dele. Ele pegou Presa de Égide na metade do cabo com a mão livre e apontou
diagonalmente para cima, a cabeça sólida do martelo de guerra interceptando a
espada e afastando-a inofensivamente.
O fim do bloqueio deixou o drow com um braço afastado pra baixo, o outro
afastado para cima, e deixou Wulfgar de pé diante de seu oponente em perfeito
equilíbrio, ambas as mãos agarrando Presa de Égide. Antes que o elfo negro
pudesse recuperar suas largas lâminas, antes que pudesse mover os pés para se
afastar, Wulfgar o atingiu, com o martelo esmagando abaixo de seu ombro e
dirigindo-se para o quadril oposto. O drow recuou do golpe, então, como se o peso
total do golpe incrível não tivesse sido imediatamente registrado, entrou em um
salto para trás involuntário que o fez se chocar de costas contra a parede.
Com uma das pernas bambeando e um pulmão inutilizado, o drow trouxe sua
espada horizontalmente diante de seu rosto, em uma defesa ineficaz. Com as mãos
baixas no cabo, Wulfgar levou o martelo para trás e bateu-o com toda a sua força,
através da lâmina e no rosto do drow. Com um estalo doentio, o crânio do drow
explodiu, esmagado entre a pedra firme da parede e o metal inflexível do poderoso
martelo.

Um raio de prata ofuscante interrompeu os ataques do drider e salvou Bruenor


Martelo de Batalha. Porém, a flecha não atingiu o drider. Ela foi para o alto,
acertando o drow ferido (que tinha acabado de subir de volta para a borda
destruída) na parede de pedra. A distração, o momento de se recuperar das adagas,
era tudo o que Bruenor precisava. Ele voltou com tudo novamente, seu machado
acertando a perna mais próxima do drider, seu escudo erguendo-se para bloquear
os golpes de machado agora desequilibrados. O anão pressionou a fera, usando o
seu corpo para lhe oferecer alguma proteção contra os inimigos no corredor, e
atirou-a para trás antes que pudesse usar suas muitas pernas contra a investida.
Outra das flechas de Cattibrie passou voando por ele, brilhando ao ricochetear
ao longo da pedra do corredor.
Bruenor sorriu largamente, agradecido de que os deuses lhe entregassem uma
aliada e filha tão competente quanto Cattibrie.

As duas primeiras flechas enfureceram Vierna; a terceira, descendo o


corredor, quase a fez perder a cabeça. Jarlaxle correu de volta de sua posição perto
da entrada da câmara para se juntar a ela.
— Formidável — admitiu o mercenário. — Tenho soldados mortos na
câmara.
Vierna correu para a frente, concentrando-se no anão que lutava contra seu
irmão deformado.
— Onde está Drizzt Do’Urden? — ela exigiu saber, usando magia para
aumentar sua voz para que Bruenor a ouvisse através do drider.
— Você me atacou e quer conversar? — o anão uivou, terminando a frase com
um golpe de machado. Uma das pernas de Dinin se soltou e o anão disparou,
empurrando o drider desequilibrado para trás por mais alguns passos.
Vierna mal teve a chance de começar o feitiço pretendido antes de Jarlaxle
agarrá-la e puxá-la para baixo. Sua raiva instintiva em direção ao mercenário foi
perdida na explosão de outra flecha, desta vez fazendo um buraco na parede de
pedra onde a sacerdotisa estava.
Vierna lembrou-se da advertência de Entreri sobre esse grupo, tinha as provas
diante dela enquanto a batalha continuava a azedar. Tremeu de raiva, grunhiu
indecifravelmente enquanto considerava o que a derrota poderia lhe custar. Seus
pensamentos se voltaram para dentro, seguiram o caminho de sua fé para sua
divindade sombria e gritaram para Lolth.
— Vierna! — Jarlaxle chamou de algum lugar remoto.
Lolth não podia permitir que ela falhasse, teria que ajudá-la nesse obstáculo
inesperado, para que pudesse entregar o sacrifício.
— Vierna! — a sacerdotisa sentiu as mãos do mercenário sobre ela, sentiu as
mãos de um segundo drow ajudando Jarlaxle a colocá-la de volta em seus pés.
— Wishya! — veio seu grito não intencional, então ela só sentiu calma,
sabendo que Lolth tinha respondido a seu chamado.
Jarlaxle e o outro drow bateram contra as paredes do túnel pela força da
explosão mágica de Vierna. Cada um olhou para ela com receio.
As feições do mercenário relaxaram quando Vierna pediu que ele a seguisse
mais longe no corredor, fora do perigo.
— Lolth nos ajudará a terminar o que começamos aqui — explicou a
sacerdotisa.

Cattibrie colocou outra flecha no corredor por via das dúvidas, depois olhou
em volta, procurando um alvo mais aparente. Ela estudou a batalha entre Bruenor e
o monstruoso drider, mas sabia que quaisquer disparos que desse no monstro
inchado seriam muito arriscados, dado o combate furioso e tumultuado.
Wulfgar parecia que tinha sua situação sob controle. Um drow jazia morto a
seus pés enquanto espiava os escombros do corredor desmoronado em busca do
inimigo que não havia entrado. Pwent não estava em lugar algum.
Cattibrie olhou para a borda destruída acima de Bruenor e do drider para o
drow que não caíra, depois para a outra borda, onde Guenhwyvar havia
desaparecido. Em uma pequena alcova abaixo daquela área, a jovem viu uma
imagem curiosa: um aglomerado de névoas semelhante ao que anunciava a
aproximação da pantera. A nuvem mudou de cor, ficou laranja, quase como uma
bola de chamas rodopiante.
Cattibrie sentiu uma aura maligna, aglomerada e dominadora, e deixou seu
arco em posição. Seus pelos da nuca formigavam; algo estava a observando.
Cattibrie soltou o Buscador de Corações e girou, tirando sua espada curta de
sua bainha, mal a tempo de afastar a espada de um drow em levitação que
silenciosamente desceu do teto.
Wulfgar também notou a névoa, e sabia que isso exigia sua atenção, que
deveria estar pronto para atacá-la assim que sua natureza fosse revelada. Ele não
podia, porém, ignorar o grito repentino de Cattibrie, e quando olhou para ela,
encontrou-a sob ataque severo, quase sentada no chão, sua espada curta com
esforço mantendo seu atacante à distância.
Nas sombras a alguma distância atrás da jovem e de seu agressor, outra forma
escura começou a descer.

O sangue quente de seu inimigo dilacerado se misturava com a baba na barba


de Thibbledorf Pwent. O drow parou de se debater, mas Pwent, divertindo-se com
a matança, não o fez.
Um virote de besta atravessou sua orelha. Sua cabeça subiu enquanto rugia, a
ponta do capacete levantando o braço empalado do drow morto de forma bizarra.
Ali estava outro inimigo, avançando com firmeza.
O furioso de batalha levantou-se com um pulo, sacudindo a cabeça de um lado
para o outro, chicoteando o drow preso para a frente e para trás até que a pele de
ébano se partiu, liberando a ponta do elmo.
O elfo negro que estava se aproximando parou, tentando encontrar algum
sentido na cena horripilante. Ele estava se movendo de novo — voltando por onde
viera — quando o indomável Pwent assumiu a investida sob urros.
O drow ficou realmente assustado com o ritmo frenético do anão
rechonchudo, espantado por não conseguir se distanciar facilmente desse inimigo.
Ele não teria corrido muito longe de qualquer maneira, porém, preferindo atrair
esse inimigo perigoso para longe da batalha principal.
Passaram por uma série de corredores sinuosos, o elfo negro avançou dez
passos à frente. Seus passos graciosos mal pareciam se alterar quando saltou,
pousando e girando, com espada em prontidão e um sorriso largo.
Pwent sequer desacelerou. Ele apenas abaixou a cabeça para colocar o
capacete em linha. Com os olhos voltados para a pedra, o furioso de batalha
percebeu a armadilha, tarde demais, quando atravessou a borda de um poço que o
drow pulara sutilmente.
E pra baixo foi o furioso de batalha, batendo e saltando, as muitas pontas de
sua armadura de batalha lançando faíscas enquanto deslizava ao longo da pedra.
Ele quebrou uma costela contra o topo arredondado de um monte de estalagmites a
alguma distância, quicou e caiu de costas em uma câmara baixa.
Então ficou ali por algum tempo, admirando a astúcia de seu inimigo e
admirando a curiosa maneira como o teto, toneladas de rocha sólida, continuava a
girar.

Não sendo uma novata com a espada, Cattibrie brandia sua lâmina
maravilhosamente, usando todas as defesas que Drizzt Do’Urden lhe havia
mostrado para recuperar alguma medida de igualdade. Estava confiante de que a
vantagem inicial do drow tinha enfraquecido, confiante de que logo poderia
colocar seus pés sob ela e levantar para lutar em pé contra esse oponente.
Então, de repente, ela não tinha ninguém contra quem lutar.
Presa de Égide girou perto dela, seu rastro de vento sacudindo seu cabelo, e
acertou o elfo negro surpreso com força total, atirando-o para longe.
Cattibrie se virou, sua apreciação inicial perdida assim que reconheceu o
protecionismo de Wulfgar. A névoa perto do bárbaro estava se formando então,
assumindo a forma corpórea e substancial de um habitante de algum plano inferior
vil, um inimigo muito mais perigoso do que o elfo negro que Cattibrie estivera
combatendo.
Wulfgar tinha vindo ajudá-la ignorando seu próprio perigo, colocando a
segurança dela acima da própria.
Para Cattibrie, confiante de que poderia ter cuidado de sua própria situação,
tal ato parecia mais estúpido do que altruísta.
Cattibrie pegou seu arco, ela tinha que pegar seu arco. Antes mesmo que
tivesse posto as mãos nele, o monstro, uma yochlol, terminou de chegar no plano.
Amorfa, assemelhava-se a um pedaço de cera meio derretida, com oito apêndices
semelhantes a tentáculos e uma boca central aberta, alinhada por dentes longos e
afiados.
Cattibrie sentiu o perigo atrás dela antes que pudesse avisar Wulfgar. Ela
girou, arco na mão, e olhou para o inimigo, para a espada de um drow descendo
rapidamente em direção à sua cabeça.
Cattibrie atirou primeiro. A flecha lançou o drow a vários centímetros do chão
e atravessou o elfo negro para explodir em uma chuva de faíscas contra o teto. O
drow ainda estava de pé quando voltou para o chão, ainda segurando a espada, sua
expressão revelando que não tinha certeza do que acabara de acontecer.
Cattibrie agarrou seu arco como um porrete e pulou para encontrá-lo,
atacando-o ferozmente até que sua mente registrou o fato de que ele estava morto.
Ela olhou para trás uma vez, para ver Wulfgar agarrado por um dos tentáculos
da yochlol, depois outro. Toda a incrível força do bárbaro não poderia impedi-lo de
chegar à bocarra que o esperava.

Bruenor não pôde ver nada além do preto do torso do drider enquanto
continuava a atacar, continuando a empurrar Dinin para trás. Ele não conseguia
ouvir nada, exceto o som de lâminas voadoras, o bater de metal contra metal ou o
som da carapaça se quebrando quando seu machado acertava em cheio.
Sabia instintivamente que Cattibrie e Wulfgar, seus filhos, estavam em apuros.
O machado de Bruenor finalmente alcançou a criatura que recuava com força
total enquanto o drider batia contra a parede. Outra perna de aranha caiu; Bruenor
plantou os pés e puxou com todas as suas forças, lançando-se vários metros para
trás.
Dinin, estranhamente contorcido, com duas pernas perdidas, não continuou de
imediato, contente pelo alívio, mas o feroz Bruenor voltou, a selvageria do anão
subjugando o drider ferido. O escudo de Bruenor bloqueou o primeiro machado;
seu capacete bloqueou o golpe seguinte, um golpe que o teria tombado.
Chicoteou em linha reta o seu machado, acima do exoesqueleto duro para
cortar uma linha irregular através da barriga inchada do drider. Entranhas quentes
se espalharam. Fluidos escorriam pelas pernas do drider e pelos braços pulsantes
de Bruenor.
Bruenor entrou em frenesi, seu machado batendo repetidamente,
incessantemente, na curva entre as duas pernas da frente do drider. O exoesqueleto
deu lugar à carne; a carne se abriu para derramar mais sangue.
O machado de Bruenor golpeou com força mais uma vez, mas ele levou um
golpe no ombro do braço que usava para empunhar sua arma. O ângulo desajeitado
do drider roubou a maior parte da força do golpe, e o machado não atravessou a
bela malha de mitral de Bruenor, mas uma onda de agonia quente atacou o anão.
Sua mente gritava que Cattibrie e Wulfgar precisavam dele! Fazendo uma
careta contra a dor, Bruenor batia o machado para trás, com a parte plana batendo
contra o cotovelo do drider. A criatura uivou e Bruenor trouxe a arma de novo,
inclinando-se para o outro lado, pegando o drider na axila e cortando o braço da
criatura.
Cattibrie e Wulfgar precisavam dele!
O alcance mais longo do drider levou seu segundo machado ao redor do
escudo de bloqueio do anão, sua borda inferior puxando uma linha de sangue pelas
costas do braço de Bruenor. O rei do Salão de Mitral puxou o escudo para perto e
bloqueou o monstro contra a parede usando seu ombro. Ele se recuperou, dirigiu
seu machado com força para o lado exposto do monstro, depois o prendeu contra a
parede usando o ombro novamente.
Novamente o anão se afastou, atacou com seu machado, e as pernas grossas
de Bruenor se contraíram novamente, fazendo-o avançar para frente. Desta vez,
Bruenor ouviu o outro machado cair no chão e, quando se recuperou, se manteve
afastado, cortando descontroladamente com seu machado, levando o drider até a
pedra, cortando a carne e quebrando as costelas.
Bruenor se virou, viu Cattibrie mantendo controle sob sua situação e deu um
passo em direção a Wulfgar.
Wishya!
Ondas de energia atingiram o anão, levantando seus pés do chão e lançando-o
a três metros pelo ar, para bater contra a parede.
Ele se recuperou em uma corrida redirecionada, e gritou uma única nota de
fúria enquanto se aproximava da entrada do túnel distante e dos olhos de vários
drows observando-o de dentro.
— Wishya! — Veio mais uma vez o grito e Bruenor de repente estava se
movendo para trás.
— Quantos desse você tem? — rugiu o anão rude, dando de ombros para esta
nova pancada contra a parede.
Os olhos, todos os pares, se afastaram.
Um globo de escuridão caiu sobre o anão e, na verdade, ele estava feliz por
sua cobertura, pois aquele último golpe o machucara mais do que gostaria de
admitir.

Um quarto soldado juntou-se a Vierna, Jarlaxle e ao seu guarda-costas


enquanto iam mais para dentro dos túneis.
— Anão ao lado — o recém-chegado explicou. — Insano, selvagem e em
fúria. Eu o coloquei em um buraco, mas duvido que isso vá pará-lo!
Vierna começou a responder, mas Jarlaxle a interrompeu, apontando para uma
passagem lateral, para outro drow sinalizando para eles freneticamente no
silencioso código de gestos.
— Gato demoníaco! — o drow distante sinalizou. Uma segunda forma correu
por ele, seguido por uma terceira alguns segundos depois. Jarlaxle compreendeu os
movimentos de suas tropas, soube que esses três eram os sobreviventes de duas
batalhas separadas e compreendeu que tanto a rampa quanto a passagem lateral
abaixo dela haviam sido perdidas.
— Temos que ir — sinalizou para Vierna. Vamos encontrar uma região mais
vantajosa onde poderemos continuar esta luta.
— Lolth respondeu ao meu chamado! — Vierna rosnou para ele. — Uma aia
chegou!
— Mais um motivo para ir embora — Jarlaxle respondeu em voz alta. —
Mostre sua fé na Rainha Aranha e deixe-nos continuar com a caçada ao seu irmão.
Vierna considerou as palavras por um momento, então, para o alívio do
mercenário, acenou concordando. Jarlaxle conduziu-a a um ritmo excelente, se
perguntando se seria verdade que apenas sete daqueles de sua hábil força da
Bregan D’aerthe, incluindo ele e Vierna, permaneciam.

Os braços de Wulfgar golpearam descontroladamente os tentáculos


ondulantes; As mãos dele se estreitaram nos apêndices que o envolviam, tentando
se libertar do aperto de ferro. Mais tentáculos lhe golpeavam, tirando sua atenção.
Ele fora empurrado para fora, puxado de soslaio para dentro da grande boca, e
entendeu que esses “tapas” eram meras distrações. Dentes afiados cavaram suas
costas e costelas, rasgaram músculos e rasparam contra os ossos.
Ele socou e agarrou um punhado de pele pegajosa da yochlol, torcendo e
arrancando um pedaço. A criatura não reagiu, continuou a morder os ossos, os
dentes de navalha se cravando de um lado para o outro no tronco preso.
Presa de Égide voltou para a mão de Wulfgar, mas ele estava torcido
desajeitadamente demais para desferir quaisquer golpes contra seu inimigo. Girou
de qualquer maneira, acertando com força, mas a pele carnuda e emborrachada da
criatura maligna parecia absorver os golpes, afundando-se profundamente sob o
peso de Presa de Égide.
Wulfgar se virou novamente, contorcido apesar da dor lancinante. Ele viu
Cattibrie livre, o segundo drow morto a seus pés e o rosto preso em uma expressão
de horror evidente enquanto olhava para o branco das costelas expostas de
Wulfgar.
Ainda assim, a imagem de seu amor, livre de danos, trouxe uma careta de
satisfação ao rosto do bárbaro.
Um raio de prata brilhou logo abaixo, surpreendendo Wulfgar, explodindo na
yochlol, e o bárbaro pensou que sua salvação estava à mão, pensava que sua amada
Cattibrie, a mulher que ele ousara subestimar, derrubaria sua atacante.
Um tentáculo envolveu os tornozelos de Cattibrie e a derrubou. Sua cabeça
bateu na pedra com força, seu precioso arco caiu de seu alcance, e ela ofereceu
pouca resistência quando a yochlol começou a puxá-la para dentro.
— Não! —Wulfgar rugiu, e bateu de novo e de novo, inutilmente, na fera
emborrachada. Ele clamou por Bruenor; com o canto do olho, viu o anão sair de
um globo escuro, distante e aturdido.
A mandíbula da yochlol mastigava impiedosamente; um homem menor teria
tombado muita antes sob a força daquela mordida.
Wulfgar não podia permitir-se morrer, porém, não com Cattibrie e Bruenor em
perigo.
Ele começou uma canção dedicada a Tempus, seu deus da batalha. Cantou
com os pulmões cheios de sangue, com uma voz vinda de um coração que havia
bombeado vigorosamente por mais de vinte anos.
Cantou e esqueceu as ondas de dor incapacitante; cantou e a música voltou
aos seus ouvidos, ecoando pelas paredes da caverna como um coro dos lacaios de
um deus aprovador.
Ele cantou, e apertou sua pegada em Presa de Égide.
Wulfgar atacou, não a besta, mas o teto baixo da alcova. O martelo cortou a
terra, enganchado em pedra.
Pedras e terra caíam ao redor do bárbaro e seu atacante. De novo e de novo, o
tempo todo cantando, Wulfgar bateu no teto.
A yochlol, que não era uma besta estúpida, mordeu ferozmente, forçando sua
grande boca, mas Wulfgar havia passado além da admissão da dor. Presa de Égide
batia acima; um pedaço de pedra seguiu sua inevitável descida.
Assim que recuperou seus sentidos, Cattibrie viu o que o bárbaro estava
fazendo. A yochlol não estava mais interessada nela, não estava mais puxando-a
para dentro, e ela conseguiu abrir caminho de volta ao arco.
— Não, meu rapaz! — ela ouviu Bruenor gritar do outro lado do caminho.
Cattibrie colocou uma flecha e virou-se.
Presa de Égide bateu contra o teto.
A flecha de Cattibrie chiou na yochlol um instante antes do teto ceder.
Pedregulhos enormes caíram; qualquer espaço entre eles rapidamente se encheu
com pilhas de rocha e solo, lançando nuvens de poeira no ar. A câmara tremeu
violentamente; o colapso ressoou por todos os túneis.
Nem Cattibrie nem Bruenor ficaram de pé. Ambos se amontoaram no chão, os
braços defensivos sobre a cabeça enquanto a queda do teto da caverna terminava.
Nenhum dos dois podia ver em meio à escuridão e ao pó; nenhum dos dois pôde
ver que tanto o monstro quanto Wulfgar haviam desaparecido sob toneladas de
pedra.
PARTE 5

Fim de Jogo
QUANDO EU MORRER...
Eu perdi amigos, perdi meu pai, meu mentor, para o maior dos mistérios
chamado morte. Eu tenho sentido o luto desde o dia em que deixei minha terra
natal, desde o dia em que a cruel Malícia informou-me de que Zaknafein tinha sido
dado à Rainha Aranha. É uma emoção estranha, o luto; muda seu foco. Eu sofro
por Zaknafein, por Montólio, por Wulfgar? Ou sofro por mim mesmo, pela perda
que devo suportar para sempre?
É talvez a questão mais básica da existência mortal, e ainda assim é uma para
a qual pode não haver resposta...
A menos que a resposta seja de fé.
Ainda fico triste quando penso nas lutas de treino com meu pai, quando me
lembro dos passeios ao lado de Montólio pelas montanhas e quando essas
lembranças de Wulfgar, as mais intensas de todas, passam pela minha mente como
um resumo dos últimos anos da minha vida. Lembro-me de um dia no Sepulcro de
Kelvin, olhando para a tundra do Vale do Vento Gélido, quando o jovem Wulfgar e
eu vimos as fogueiras do acampamento de seu povo nômade. Esse foi o momento
em que Wulfgar e eu realmente nos tornamos amigos, o momento em que
chegamos a aprender que, para todas as outras incertezas em nossas vidas, teríamos
um ao outro.
Lembro-me do dragão branco, Morte Gélida, e do gigante Carranca, e como,
sem o heroico Wulfgar ao meu lado, eu teria perecido em qualquer uma dessas
lutas. Lembro-me também de compartilhar as vitórias com meu amigo, nosso laço
de confiança e amor se estreitando — próximo, mas nunca desconfortável.
Eu não estava lá quando ele caiu, não pude dar-lhe o apoio que ele certamente
teria me dado.
Eu não pude dizer “Adeus!”
Quando eu morrer, estarei sozinho? Se não fosse pelas armas dos monstros ou
pelas garras da doença, certamente viverei mais do que Cattibrie e Regis, até
Bruenor. Neste momento acredito firmemente que, não importa quem mais esteja
ao meu lado, se esses três não estiverem, eu morrerei sozinho.
Tais pensamentos não são tão sombrios. Eu disse adeus a Wulfgar mil vezes.
Eu disse toda vez em que o deixei saber como ele era querido por mim, toda vez
que minhas palavras ou ações afirmavam nosso amor. O adeus é dito pelos vivos,
em vida, todos os dias. Diz-se com amor e amizade, com a afirmação de que as
memórias são duradouras se a carne não é.
Wulfgar encontrou outro lugar, outra vida... Tenho que acreditar nisso, senão,
qual é o objetivo da existência?
Minha dor é por mim, pela perda que sei que sentirei até o fim dos meus dias,
não importa quantos séculos se passem. Mas dentro dessa perda há uma
serenidade, uma calma divina. Melhor ter conhecido Wulfgar e compartilhado
aqueles mesmos eventos que agora alimentam minha dor, do que nunca ter
caminhado ao seu lado, lutado ao seu lado, olhado o mundo através de seus olhos
azuis cristalinos.
Quando eu morrer... Que haja amigos que sofram por mim, que levem nossas
alegrias e dores compartilhadas, que carreguem minha memória.
Esta é a imortalidade do espírito, o legado sempre persistente, o combustível
da dor.
Mas também o combustível da fé.
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 20

Repentinamente
A POEIRA CONTINUOU A BAIXAR NA AMPLA CÂMARA, embotando
a luz bruxuleante; uma das tochas foi apagada por um pedaço de pedra que caiu, o
brilho apagado em um piscar de olhos.
Apagado como a luz nos olhos de Wulfgar.
Quando o barulho finalmente parou, quando os pedaços maiores do teto
desmoronaram, Cattibrie virou-se e conseguiu se sentar, de frente para a alcova
cheia de entulho. Ela limpou a sujeira de seus olhos, piscou através da escuridão
por vários longos momentos antes que a triste verdade da cena se registrasse
completamente.
O único tentáculo visível do monstro, ainda envolto no tornozelo da jovem,
tinha sido cortado de forma limpa, com a parte de trás, perto dos escombros,
contorcendo-se reflexivamente.
Além dele, só havia rocha empilhada. A enormidade da situação
sobrecarregou Cattibrie. Ela balançou para o lado, quase desmaiando, encontrando
sua força apenas quando uma explosão de raiva e negação brotou dentro dela. A
jovem soltou os pés do tentáculo e avançou de quatro. Tentou se levantar, mas sua
cabeça latejava, mantendo-a baixa. Mais uma vez veio a onda de náusea, o convite
para voltar à inconsciência.
Wulfgar!
Cattibrie arrastou-se para o lado, deu um tapa no tentáculo que se contorcia e
começou a cavar a pilha de pedras com as mãos nuas, ralando a pele e quebrando
uma unha dolorosamente. Quão similar esse colapso parecia àquele que levara
Drizzt ao primeiro cruzamento com os companheiros no Salão de Mitral... Mas
aquela tinha sido uma armadilha projetada por um anão, uma queda preparada e
que enviou Drizzt em segurança para um corredor inferior.
Esta não era uma armadilha manipulada, lembrou-se Cattibrie; não havia
calha para uma câmara inferior. Um rosnado suave, um gemido, escapou de seus
lábios e ela se agarrou, desesperada para tirar Wulfgar da pilha esmagadora,
rezando para que as rochas desmoronassem em um ângulo que permitisse ao
bárbaro sobreviver.
Então Bruenor estava ao lado dela, largando o machado e o escudo no chão e
indo para a pilha com abandono. O anão poderoso conseguiu afastar várias pedras
grandes, mas quando a borda externa do desmoronamento foi limpa, ele parou e
ficou olhando fixamente para a pilha.
Cattibrie continuou cavando, não notou a carranca de seu pai. Depois de mais
de dois séculos de mineração, Bruenor percebia a verdade. O colapso havia sido
completo. O rapaz se fora.
Cattibrie continuou a cavar e a fungar, quando sua mente começou a lhe
contar o que seu coração continuava a negar.
Bruenor colocou a mão no braço dela para impedi-la de continuar o trabalho
sem sentido, e quando Cattibrie olhou para ele, sua expressão partiu o coração do
anão. Seu rosto estava coberto de sujeira. Sangue estava grudado em uma das
bochechas e seu cabelo estava emaranhado na cabeça. Bruenor, em seguida, viu
apenas os olhos de Cattibrie, orbes brilhantes do mais profundo azul, reluzindo
com a umidade.
Bruenor balançou a cabeça lentamente.
Cattibrie sentou-se, com as mãos ensanguentadas no colo, os olhos sem piscar.
Quantas vezes ela e seus amigos chegaram tão perto desse ponto? Se perguntou.
Quantas vezes escaparam das garras gananciosas da Morte no último instante?
As probabilidades os alcançaram, alcançaram Wulfgar, aqui e agora, de
repente, sem aviso prévio.
Lá se fora o poderoso guerreiro, líder de sua tribo, o homem com quem
Cattibrie pretendia se casar. Ela, Bruenor, mesmo o mortífero Drizzt Do’Urden,
não podiam fazer nada para ajudá-lo, nada para mudar o que havia acontecido.
— Ele me salvou — a jovem sussurrou.
Bruenor pareceu não a ouvir. O anão limpava continuamente a poeira em seus
olhos, a poeira que se acumulava nas grandes lágrimas que se juntavam e depois
escorriam, riscando suas bochechas sujas. Wulfgar fora como um filho para
Bruenor. O anão durão levara o jovem Wulfgar, apenas um garoto naquela época,
para sua casa depois de uma batalha, ostensivamente como escravo, mas, na
verdade, para ensinar ao rapaz um caminho melhor. Bruenor havia moldado
Wulfgar em um homem que podia ser confiável, um homem de caráter honesto. O
dia mais feliz da vida do anão, ainda mais feliz do que o dia em que Bruenor havia
recuperado o Salão de Mitral, foi o dia em que Wulfgar e Cattibrie anunciaram que
se casariam.
Bruenor chutou uma pedra pesada, e a força de seu golpe a afastou.
Lá estava Presa de Égide.
Os joelhos do corajoso anão ficaram fracos ao ver a cabeça do maravilhoso
martelo de guerra, gravada com os símbolos de Dumathoin, o deus anão, o
guardião dos segredos sob a montanha. Bruenor forçou respirações profundas em
seus pulmões e tentou se firmar por um longo tempo antes que pudesse conseguir
forças para estender a mão e soltar o martelo dos escombros.
Fora a maior criação de Bruenor, o epítome de suas consideráveis habilidades
de ferreiro. Ele colocou todo o seu amor e habilidade em forjar o martelo; ele o
fizera para Wulfgar.
A atitude semiestoica de Cattibrie desmoronou como o teto ao ver a arma.
Soluços silenciosos fizeram seus ombros se sacudirem, e ela tremeu, parecendo
frágil na luz fraca e empoeirada.
Bruenor encontrou sua própria força ao assistir a exibição dela. Ele lembrou a
si mesmo de que era o oitavo rei do Salão de Mitral, que era o responsável por seus
súditos — e por sua filha. Ele enfiou o precioso martelo de guerra na alça de sua
mochila de viagem e enfiou um braço sob o ombro de Cattibrie, erguendo-a.
— Não podemos fazer nada pelo garoto — sussurrou Bruenor. Cattibrie se
afastou dele e voltou para a pilha, rosnando enquanto jogava várias pedras menores
de lado. Ela podia ver a futilidade de tudo, podia ver as toneladas de sujeira e
pedras, muitas delas grandes demais para serem movidas, enchendo a alcova. Mas
Cattibrie cavou de qualquer jeito, simplesmente incapaz de desistir do bárbaro.
Nenhum outra ação aparente oferecia qualquer esperança.
As mãos de Bruenor se fecharam gentilmente em torno de seus braços.
Com um grunhido, a jovem o afastou e retomou o trabalho.
— Não! — rugiu Bruenor, e a agarrou novamente, com força, levantando-a do
chão e puxando-a para trás da pilha. O anão colocou-a com força no chão, com os
ombros largos entre ela e a pilha, e qualquer que fosse o caminho que Cattibrie
tentasse fazer para contorná-lo, Bruenor se arrastava para bloqueá-la.
— Você não pode fazer nada! — gritou uma dúzia de vezes.
— Eu tenho que tentar! — ela finalmente implorou, quando ficou óbvio que
Bruenor não iria deixá-la voltar para a escavação.
Bruenor balançou a cabeça — apenas as lágrimas em seus olhos escuros, sua
óbvia angústia, impediram que Cattibrie lhe socasse o rosto. Ela se acalmou então,
parou de tentar passar pelo anão teimoso.
— Acabou — disse Bruenor. — O garoto... meu garoto, escolheu o seu
caminho. Ele se entregou por nós, por você e por mim. Não faça a desonra de
deixar que as dores estúpidas a mantenham aqui, em perigo.
O corpo de Cattibrie parecia cair ante a verdade inegável do raciocínio de
Bruenor. Ela não se moveu de volta para a pilha, para o túmulo de Wulfgar, quando
Bruenor recuperou seu escudo e machado. O anão voltou para ela e colocou um
braço em suas costas.
— Diga adeus — ofereceu, e esperou em silêncio por um momento antes de
levar Cattibrie para longe, primeiro para seu arco, depois para a câmara, na direção
da mesma entrada pela qual haviam chegado.
Cattibrie parou ao lado dele e olhou para ele e para o túnel com curiosidade,
como se questionasse o curso.
— Pwent e a gata terão que encontrar o caminho deles — Bruenor respondeu
a seu olhar vazio, entendendo mal sua confusão.
Cattibrie não estava preocupada com Guenhwyvar. Ela sabia que nada poderia
causar sérios danos à pantera, enquanto ela ainda possuísse a estatueta mágica, e
também não estava nem um pouco preocupada com o furioso desaparecido.
— E quanto a Drizzt? — ela perguntou simplesmente.
— Acho que o elfo está vivo — respondeu Bruenor com confiança. — Um
daqueles drow me perguntou sobre ele, perguntou onde ele estava. Ele está vivo, e
se afastou deles, e, pelo que eu acho, Drizzt tem uma chance melhor de se livrar
desses túneis do que nós dois. Pode ser que a gata esteja com ele agora mesmo.
— E pode ser que ele precise de nós — argumentou Cattibrie, libertando-se
do toque gentil de Bruenor. Ela passou o arco por cima do ombro e cruzou os
braços sobre o peito, com o rosto preso em uma expressão sombria e determinada.
— Nós estamos indo para casa, menina — ordenou Bruenor seriamente. —
Não sabemos onde Drizzt poderia estar. Estou apenas supondo, e esperando, que
ele esteja realmente vivo!
— Você está disposto a arriscar? — Cattibrie perguntou. — Você está disposto
a correr o risco de ele estar precisando de nós? Perdemos um amigo, talvez dois se
o assassino acabou com Regis. Não aceito desistir de Drizzt, nem por qualquer
risco. — ela estremeceu quando outra memória passou por sua mente, uma
lembrança de estar perdida em Tarterus, outro plano de existência, quando Drizzt
Do’Urden corajosamente enfrentou horrores indescritíveis para trazê-la para casa.
— Você se lembra de Tarterus? — disse a Bruenor, e o pensamento fez o
anão, que se sentia impotente, piscar e se afastar.
— Não vou desistir — disse Cattibrie novamente — nem por qualquer risco
— a jovem olhou para a entrada do túnel do outro lado, por onde os elfos negros
fugitivos aparentemente haviam escapado. — Nem por qualquer maldito elfo negro
e seus amigos surgidos do inferno!
Bruenor ficou quieto por um bom tempo, pensando em Wulfgar, digerindo as
palavras determinadas de sua filha. Drizzt poderia estar por perto, poderia estar
ferido, poderia ter sido pego novamente. Se Bruenor estivesse perdido lá embaixo,
e Drizzt ali em cima, o anão não tinha dúvida sobre qual curso Drizzt escolheria.
Ele olhou de novo para Cattibrie e para a pilha atrás dela. O anão acabara de
perder Wulfgar. Como poderia se arriscar a perder Cattibrie também?
Bruenor olhou mais de perto para Cattibrie e viu a determinação em seus
olhos.
— Essa é minha garota — o anão disse baixinho.
Eles pegaram a tocha restante e foram pela saída no lado oposto da câmara,
entraram mais fundo nos túneis em busca do amigo desaparecido.

Aquele que não tivesse sido criado na escuridão perpétua do Subterrâneo não
teria notado a mudança sutil na profundidade da escuridão, a brisa leve e fresca do
ar. Para Drizzt, as mudanças eram tão óbvias quanto um tapa no rosto, e ele
acelerou o passo, levantando Regis com força ao seu lado.
— O que foi? — perguntou o halfling assustado, olhando como se esperasse
que Artemis Entreri saltasse das sombras e o devorasse.
Eles seguiram por uma passagem lateral larga, mas baixa, inclinada para cima.
Drizzt hesitou, seu senso de direção gritando para ele que acabara de passar pelo
túnel correto. O drow ignorou esses apelos silenciosos e continuou, esperando que
a abertura para o mundo externo fosse acessível o bastante para que ele e Regis
pudessem respirar um pouco de ar fresco.
E era. Eles dobraram uma curva no túnel e sentiram o vento frio em seus
rostos, viram uma abertura mais clara à frente e viram além de suas imponentes
montanhas... e estrelas!
O profundo suspiro de alívio do halfling ecoou perfeitamente os sentimentos
de Drizzt enquanto segurava Regis. Quando saíram do túnel, ambos foram quase
engolidos pelo esplendor do cenário montanhoso que se estendia diante deles, pela
beleza do mundo da superfície sob as estrelas, tão afastado das noites sem estrelas
do Subterrâneo. O vento, passando por eles, parecia uma entidade vital e viva.
Ambos estavam em uma borda estreita, a dois terços do caminho até o fundo
de um penhasco íngreme de trezentos metros. Um caminho estreito serpenteava
para a direita, depois para baixo, à esquerda, mas apenas ligeiramente inclinado, o
que oferecia pouca esperança de que fosse longo o suficiente para levá-los para
cima ou para baixo do penhasco.
Drizzt analisou a parede alta. Ele sabia que poderia facilmente lidar com as
poucas dezenas de metros até o fundo, provavelmente poderia chegar ao topo sem
muita dificuldade, mas não achava que seria capaz de levar Regis com ele e não
gostava da perspectiva de estar em um local desconhecido, sem saber quanto
tempo levaria para voltar ao Salão de Mitral.
Seus amigos, não tão distantes, estavam em apuros.
— O Vale do Guardião está lá em cima — observou Regis esperançoso,
apontando para o noroeste —, provavelmente a não mais do que alguns
quilômetros.
Drizzt assentiu, mas respondeu:
— Temos que voltar.
Embora Regis não parecesse satisfeito com essa perspectiva, não argumentou,
entendendo que não conseguiria sair dessa borda em sua condição atual.
— Muito bem — veio a voz de Entreri ao redor da curva. A silhueta escura do
assassino apareceu à vista, as joias de sua adaga embainhada cintilando como seus
olhos que enxergavam o calor. — Eu sabia que você chegaria a este lugar —
explicou a Drizzt. — Sabia que você sentiria o ar limpo e viria na direção dele.
— Você parabeniza a mim ou a si mesmo? — o ranger perguntou.
— A ambos — Entreri respondeu com uma risada sincera. O branco de seus
dentes desapareceu, substituído por uma carranca fria, enquanto continuava a se
aproximar. — O túnel que você passou a cinquenta metros lá atrás o levará ao nível
mais alto, onde você provavelmente encontrará seus amigos... Seus amigos mortos,
sem dúvida.
Drizzt não mordeu a isca, não deixou que sua raiva o enviasse em uma
investida.
— Mas você não pode chegar lá, pode? — Entreri provocou. — Você sozinho
poderia ficar à minha frente, poderia evitar a luta que eu exijo. Mas ai de seu
companheiro ferido. Pense nisso, Drizzt Do’Urden. Deixe o halfling e você pode
correr livre!
Drizzt não justificou o pensamento absurdo com uma resposta.
— Eu o deixaria — comentou Entreri, lançando seu olhar gelado sobre Regis
enquanto falava. O halfling choramingou de forma curiosa e caiu sob o forte braço
de Drizzt.
Drizzt tentou não imaginar os horrores que Regis sofrera nas mãos
desprezíveis de Entreri.
— Você não vai deixá-lo — continuou Entreri. — Há muito tempo
estabelecemos essa diferença entre nós, a diferença que você chama de força, mas
que eu sei ser fraqueza.
Ele estava a apenas uma dúzia de passos de distância; sua espada esguia
sibilou livre de sua bainha, iluminando-o em seu brilho azul-esverdeado.
— Então, rumo aos nossos negócios — continuou — E assim, rumo a nosso
destino. Você gostou do campo de batalha que eu preparei? A única maneira de sair
desta borda é o túnel atrás de você, e assim eu, como você, não posso fugir, devo
jogar nosso jogo até o final. — ele olhou para o penhasco enquanto falava. — Uma
queda mortal para o perdedor — explicou, sorrindo. — Uma luta sem descanso.
Drizzt não podia negar as sensações que se apoderaram dele, o calor em seu
peito e atrás de seus olhos. Não podia negar que, em algum canto reprimido de seu
coração e alma, queria esse desafio, queria provar que Entreri estava errado, queria
provar que a existência do assassino era inútil. Ainda assim, a luta nunca teria
acontecido se Drizzt Do’Urden tivesse tido uma escolha razoável. Os desejos de
seu ego, ele entendia e aceitava plenamente, não eram uma razão válida para o
combate mortal. Agora, com Regis indefeso atrás dele e seus amigos em algum
lugar acima, enfrentando inimigos elfos negros, o desafio tinha que ser enfrentado.
Ele sentiu o metal duro de sua cimitarra se agitar em suas mãos, deixando
seus olhos voltarem para o espectro normal de luz, enquanto Fulgor queimava seu
azul furioso.
Entreri parou, espada de um lado, punhal do outro e fez sinal para Drizzt se
aproximar.
Pela terceira vez em menos de um dia, Fulgor bateu com força contra a lâmina
delgada do assassino; a terceira vez, e pelo que Drizzt e Entreri sabiam, pela última
vez.
Ambos começaram tranquilamente, cada um medindo seus passos na arena
nada ortodoxa. A saliência tinha talvez três metros de largura neste ponto, mas se
estreitava consideravelmente logo atrás de Drizzt e logo atrás de Entreri.
Um golpe feito na direção das costas da mão com a espada conduziu a rotina
de Entreri, seguido por uma estocada da adaga.
Dois bloqueios sólidos soaram, e Drizzt disparou uma cimitarra para a
abertura entre as lâminas de Entreri, uma abertura que foi fechada por uma espada
em retirada em um piscar de olhos, com o ataque de Drizzt sendo inofensivamente
apartado.
Eles circularam, Drizzt dentro e perto da parede, o assassino se movendo com
tranquilidade perto da queda. Entreri cortou baixo, inesperadamente liderando com
o punhal desta vez.
Drizzt saltou para se afastar do corte encurtado, e veio com uma combinação
de dois golpes na direção da cabeça do assassino, que se abaixou. A espada de
Entreri disparou para a esquerda e para a direita, horizontalmente acima de sua
cabeça para bloquear os golpes que se seguiram ele deslocou ligeiramente o ângulo
para avançar, para manter o drow afastado enquanto o assassino voltava ao mesmo
nível.
— Não será uma morte rápida — prometeu Entreri com um sorriso maligno.
Como se para refutar sua própria afirmação, saltou à frente furiosamente, com a
espada liderando o caminho.
As mãos de Drizzt dispararam em um borrão, suas cimitarras batendo
repetidamente na arma habilmente inclinada. O elfo negro se movia para o lado,
impedindo que suas costas se achatassem contra a parede.
Drizzt concordou plenamente com a estimativa do assassino — essa não seria
uma morte rápida, independentemente de quem vencesse. Eles lutariam por muitos
minutos, uma hora, talvez. E com que fim? Drizzt se perguntou. Que ganho
poderia esperar? Vierna e seus companheiros apareceriam e levariam o desafio a
uma conclusão prematura?
Quão vulneráveis Drizzt e Regis estariam então, sem ter para onde correr e
com uma queda de várias dezenas de metros a poucos centímetros de distância!
Novamente o assassino pressionou o ataque, e novamente Drizzt colocou suas
cimitarras através das defesas adequadas, perfeitamente equilibradas. Entreri não
chegou nem perto de atingi-lo.
Entreri girou então, imitando os movimentos de Drizzt em seus dois encontros
anteriores, usando suas duas lâminas como a ponta de um parafuso para forçar
Drizzt a voltar a uma posição mais estreita na borda.
Drizzt ficou surpreso pelo assassino ter aprendido a ousada e difícil manobra
de forma tão perfeita depois de apenas duas observações, mas era um movimento
que Drizzt criara, e sabia como combater.
Ele também entrou em uma rotação giratória, com cimitarras fluindo para
cima e para baixo. Lâminas se conectavam repetidamente a cada turno, algumas
vezes acendendo faíscas na noite escura, com o metal gritando, verde e azul se
misturando em um borrão indistinto. Drizzt passou direto por Entreri — o
assassino invertera o giro de repente, mas Drizzt viu a mudança e parou, ambas as
lâminas bloqueando o corte invertido de espada e adaga.
Drizzt recomeçou mais uma vez, contra-atacando Entreri, e desta vez, quando
Entreri voltou a girar a rotação para o outro lado, o drow antecipou-o tão
completamente que chegou a inverter a direção primeiro.
Para Regis, olhando impotente, sem ousar intervir, e para qualquer uma das
criaturas noturnas da região que poderiam estar observando, não havia palavras
para descrever a dança incrível, o entrelaçamento de cores quando Fulgor e a
lâmina brilhante do assassino passavam, o brilho violeta dos olhos de Drizzt, o
calor vermelho dos de Entreri. O raspar de lâminas tornou-se uma sinfonia, uma
miríade de notas tocando a dança, evocando uma estranha sensação de harmonia
entre esses amargos inimigos.
Eles pararam em uníssono, a poucos metros de distância, ambos entendendo
que não haveria fim para aquela dança giratória, não com alguma vantagem para
qualquer um dos jogadores. Eles pararam como suportes de livros com peso
idêntico.
Entreri riu em voz alta ao perceber, riu para que pudesse saborear o momento,
essa peça de muitos atos que talvez visse o amanhecer e talvez nunca fosse
resolvida.
Drizzt não encontrou humor, e seu entusiasmo particular no começo do
desafio sumira, deixando-o com o peso da responsabilidade — por Regis e por seus
amigos de volta aos túneis.
O assassino veio com tudo, baixo, com sua espada disparando, subindo a cada
ataque enquanto Entreri gradualmente endireitava sua postura, tomando uma
medida completa das defesas de Drizzt de uma variedade de ângulos espertos.
Entreri colocou-o num ritmo de aparar, depois quebrou a melodia com um
corte cruel de sua adaga. O assassino uivou de alegria, pensando por um momento
que sua lâmina havia passado pelas defesas e atingido o drow.
O punho de Fulgor tinha interceptado o golpe de forma limpa, a apenas um
centímetro da lateral de Drizzt. O assassino fez uma careta e teimosamente tentou
avançar quando entendeu o que havia acontecido.
A expressão de Drizzt ainda estava mais fria; a adaga não se moveu. Uma
torção do pulso do drow fez as duas lâminas se afastarem.
Entreri foi sábio o suficiente para empurrar e quebrar o aperto, para voltar e
esperar que a próxima oportunidade se apresentasse.
— Quase te peguei — provocou, escondendo bem o cenho franzido quando
Drizzt não respondeu, nem com palavras, nem com os movimentos do corpo, nem
com o conjunto inflexível de suas feições de pele de ébano.
Uma cimitarra sou ruidosamente através da brisa enquanto Entreri erguia sua
espada para bloqueá-la.
O som súbito atacou Drizzt, lembrando-o de que Vierna poderia não estar
longe. Ele imaginou seus amigos em apuros, capturados ou mortos, e sentiu uma
pontada especial de remorso por Wulfgar que não podia explicar. Travou os olhares
com Entreri, lembrou-se de que aquele homem fora o causador de tudo, que esse
inimigo o enganara nos túneis, o separara de seus amigos.
E agora Drizzt não podia protegê-los.
Uma cimitarra se moveu; outra veio cortando pelo outro lado. Drizzt repetiu a
rotina depois uma terceira vez, cada movimento, cada som de metal contra metal,
trazendo seus pensamentos mais de acordo com tal tarefa, elevando seus
preparativos emocionais, aumentando seus sentidos de guerreiro.
Cada ataque era perfeitamente direcionado, e cada bloqueio interceptava
perfeitamente as lâminas atacantes, mas nem Drizzt nem Entreri, trancados em
seus olhos fixos em combate mental, observavam suas mãos através dos
movimentos físicos. Nenhum deles piscou, nem quando a brisa do corte alto de
Drizzt moveu o cabelo no topo da cabeça do assassino, nem quando a espada de
Entreri se aproximou dos olhos de Drizzt.
Drizzt sentiu seu ímpeto aumentando, sentiu o dar e receber da batalha se
tornando mais rápido, ataque e defesa. Entreri, tão consumido quanto o ranger, o
acompanhava.
Os movimentos de seus corpos começaram a se juntar ao borrão de mãos e
armas. Entreri mergulhou um ombro, com a espada esticada para a frente; Drizzt
girou um círculo completo, aparando atrás das costas, enquanto saía de alcance.
Imagens de Bruenor e Cattibrie capturados por Vierna atormentavam o ranger;
imaginava Wulfgar, ferido ou morrendo, com uma espada drow em sua garganta.
Imaginou o bárbaro no topo de uma pira funerária, uma imagem que, por algum
motivo que Drizzt não conseguia entender, não seria facilmente descartada. Drizzt
aceitou as imagens, deu ao ataque mental toda a sua atenção, deixou que os
temores por seus amigos alimentassem sua paixão. Essa tinha sido a diferença
entre ele e o assassino, dizia a si mesmo, àquela parte de si mesmo que defendia
que mantivesse sua mente clara e seus movimentos precisos e bem considerados.
Era assim que Entreri jogava o jogo, sempre no controle, nunca sentindo nada
além do inimigo diante dele.
Um ligeiro grunhido escapou dos lábios de Drizzt; seus olhos lavanda ferviam
à luz das estrelas. Em sua mente, Cattibrie gritava de dor.
Ele avançou em Entreri em uma corrida selvagem.
O assassino riu, espada e punhal atacando furiosamente para manter as duas
cimitarras à distância.
— Ceda à raiva — ele repreendeu. — Abandone sua disciplina!
Entreri não entendia; esse era precisamente o objetivo. Fulgor atacou, para ser
previsivelmente bloqueada pela espada de Entreri. Não seria assim tão fácil para o
assassino dessa vez. Drizzt se retraiu e atacou de novo, e de novo, repetidamente,
batendo a lâmina contra a arma já pronta do assassino. Sua outra lâmina entrou
furiosamente do outro lado; a adaga de Entreri a afastou.
A enxurrada de Drizzt, a pura loucura, aparentemente, manteve o assassino
com o pé atrás. Uma dúzia de golpes, duas dúzias, soaram como um longo grito de
aço estridente.
A expressão de Entreri traiu o riso. Ele não esperava essa louca rotina
ofensiva, não esperava que Drizzt fosse tão ousado. Se pudesse soltar uma de suas
lâminas por apenas um instante, o drow ficaria vulnerável.
Mas Entreri não conseguia soltar nem a espada nem a adaga. O fogo
impulsionava Drizzt, mantinha seu ritmo incrivelmente rápido e sua concentração
perfeita. Para os Nove Infernos com sua própria vida, decidiu, pois seus amigos
precisavam que ele prevalecesse.
Repetidamente a rotina ofensiva continuou; Regis cobriu os ouvidos ante o
tinir horrendo e o grito das lâminas, mas o halfling não pôde, apesar de todo o seu
terror, desviar o olhar dos mestres da luta. Quantas vezes Regis esperava que um
ou ambos fosse arremessado sobre o penhasco! Quantas vezes acreditou que uma
espada ou cimitarra havia atingido o alvo! Mas de alguma forma eles continuavam
lutando, cada ataque errando, cada defesa em linha no último instante possível.
Fulgor atingiu a espada; o ataque seguinte de Drizzt do outro lado não foi
defendido, mas acertou apenas o ar quando Entreri mexeu o pé e recuou um passo.
O braço da adaga do assassino disparou para frente. Entreri lançou um grito
primitivo de vitória, crendo que Drizzt havia escorregado.
Fulgor veio de um ponto mais alto do que Entreri esperava, mais rápido do
que o assassino acreditava ser possível, cortando seu antebraço um instante antes
de colocar a adaga na barriga exposta de Drizzt. De volta voou a cimitarra,
afastando a espada para longe. Entreri saltou à frente para se aproximar,
percebendo sua vulnerabilidade.
Seu avanço súbito salvou sua vida, mas enquanto Drizzt não podia inclinar a
ponta da lâmina livre para um golpe mortal, ele podia — e assim o fez — socar
com o cabo, acertando com força o rosto de Entreri, enviando o homem
cambaleando para trás.
Para frente foi o elfo negro, as lâminas brilhando implacavelmente,
empurrando Entreri a centímetros do penhasco. O assassino tentou ir para a direita,
mas uma cimitarra derrubou a espada de bloqueio enquanto a manobra do outro
mantinha Drizzt diretamente à sua frente. O assassino partiu para a esquerda, mas
com o braço da adaga ferido e demorando a reagir, sabia que não poderia ir além
do alcance do drow a tempo. Entreri se manteve firme, aparando os golpes
furiosamente, tentando encontrar uma rotina contundente que expulsasse esse
inimigo possuído.
A respiração de Drizzt chegou em breves sopros enquanto encontrava um
padrão em seu ritmo frenético. Seus olhos brilhavam, implacáveis, enquanto se
lembrava de vez em quando que seus amigos estavam morrendo — e que ele não
poderia protegê-los!
Ele caiu profundamente demais na raiva, mal registrando o movimento
quando a adaga voou na direção dele. No último instante, se abaixou de lado, a
pele acima de sua bochecha sofreu um corte de sete centímetros de comprimento.
Mais importante, o ritmo avançado de Drizzt foi quebrado. Seus braços doíam pelo
esforço; seu ímpeto se desfez.
Em seguida veio o assassino rosnando, a espada cutucando, mesmo fazendo
um leve golpe, enquanto levava Drizzt para trás e ao redor. No momento em que o
ranger recuperou um pouco o equilíbrio, os dedos dos pés, não os de Entreri,
estavam de frente para a parede da montanha, os calcanhares sentindo o vazio
fluído dos ventos da montanha.
— Eu sou o melhor! — Entreri proclamou, e seu ataque subsequente quase
provou sua afirmação. Espada cortando e disparando, ele dirigiu o calcanhar de
Drizzt sobre a borda.
Drizzt caiu sobre um joelho para manter seu peso para frente. Ele sentiu o
vento agudamente, ouviu Regis gritar seu nome.
Entreri poderia ter pulado para trás e recuperado sua adaga, mas sentiu a
morte, pressentiu que nunca mais teria uma oportunidade melhor de terminar o
jogo. Sua espada bateu com fúria; Drizzt parecia se dobrar sob o peso, parecia
escorregar ainda mais na borda do penhasco.
Drizzt chegou ao seu eu interior, à magia inata de sua herança... e produziu a
escuridão.
Drizzt mergulhou para o lado em um rolamento, subiu vários metros ao longo
da borda, além do globo escuro que havia criado perto de Regis.
Incrivelmente, Entreri ainda estava na frente dele, pressionando-o
perversamente.
— Eu conheço seus truques, drow — declarou o habilidoso assassino.
Uma parte de Drizzt Do’Urden queria ceder, simplesmente recostar-se e
deixar que as montanhas o levassem, mas foi um momento fugaz de fraqueza, do
qual Drizzt recuou, um que alimentou seu espírito indomável e emprestou força à
seus braços cansados.
Mas também, o faminto Entreri estava abastecido.
Drizzt escorregou de repente e teve que agarrar a saliência, soltando sua
lâmina. Fulgor caiu sobre o penhasco, saltando ao longo das pedras.
A espada de Entreri bateu, bloqueada apenas pela cimitarra que restava. O
assassino uivou e pulou para trás, voltando imediatamente com um impulso.
Drizzt não conseguiria impedir, Entreri soube, com os olhos arregalados
quando o momento da vitória finalmente se apresentou. O ângulo do drow torcido
estava todo errado; Drizzt não poderia pegar sua lâmina restante e se alinhar a
tempo.
Ele não conseguiria parar.
Drizzt não tentou pará-lo. Ele havia calmamente recolhido uma perna sob si
para um rolamento, e foi para o lado e à frente quando a espada mergulhou,
errando por pouco. Drizzt girou seu corpo, um pé chutando a frente do tornozelo de
Entreri, o outro enganchando e batendo no assassino atrás do joelho.
Só então Entreri percebeu que o deslizamento do drow e a cimitarra perdida
haviam sido um ardil. Só então Artemis Entreri percebeu que sua própria fome pela
matança o derrotara.
Sendo lançado para a frente pelo impulso ansioso, disparou em direção à
borda. Todos os seus músculos do corpo estalaram; conduziu sua espada esguia
pelo pé de Drizzt e, de alguma forma, conseguiu agarrar a bota empalada do drow
com a mão livre.
O ímpeto era grande demais para Drizzt, ainda de lado na laje lisa, ser capaz
de segurar os dois. O drow foi puxado para a frente enquanto subia, logo acima de
Entreri, derrapando na pedra, a agonia em seu pé desaparecendo à medida que mais
dores, contusões e cortes se tornavam evidentes.
Drizzt segurou com força sua segunda cimitarra, enfiou o cabo em uma fenda
e encontrou um apoio com a outra mão.
Ele estremeceu até parar, e Entreri se esticou abaixo dele, sobre uma seção
invertida que oferecia ao assassino nenhuma chance de se segurar. Drizzt pensou
que todas as suas entranhas seriam arrancadas pelo pé empalado. Ele olhou para
baixo e viu uma das mãos de Entreri balançando loucamente; a outra se agarrava
desesperadamente ao punho da espada, uma tábua de salvação macabra e instável.
Drizzt gemeu e fez uma careta, quase desmaiando de dor, quando a lâmina
escorregou vários centímetros.
— Não! — ele ouviu Entreri negar, e o assassino ficou muito quieto,
aparentemente entendendo a precariedade de sua posição.
Drizzt olhou para ele, suspenso no ar, ainda a mais de duzentos metros do
chão.
— Este não é o jeito de se reivindicar a vitória! — Entreri chamou-o em uma
explosão desesperada. — Isso derrota o propósito do desafio e desonra você.
Drizzt lembrou-se de Cattibrie, percebeu mais uma vez a estranha sensação de
que Wulfgar estava perdido para ele.
— Você não ganhou! — Entreri gritou.
Drizzt deixou o fogo em seus olhos cor lavanda falar por ele. Ele apertou as
mãos, firmou sua mandíbula e girou o pé, sentindo cada centímetro deliciosamente
agonizante enquanto a longa espada deslizava.
Entreri mexeu-se e chutou, quase agarrou Drizzt com a mão livre, enquanto a
lâmina se soltava.
O assassino caiu na escuridão da noite, seu grito engolido pelo lamento do
vento da montanha.
CAPÍTULO 21

Ventos do Vale da Montanha


DRIZZT SE DOBROU LENTAMENTE E CONSEGUIU levar uma mão até
sua bota rasgada, onde de alguma forma estancou o sangue escorrendo. A ferida
estava limpa, pelo menos, e depois de algumas tentativas, Drizzt descobriu que
ainda conseguia usar o pé, que ainda conseguia suportar seu peso, embora
dolorosamente.
— Regis? — ele chamou à face do penhasco. A forma escura da cabeça do
halfling espiava por cima da borda.
—Drizzt? — Regis chamou de volta hesitante. — Eu... Eu achei...
— Eu estou bem — assegurou-lhe o drow. — Entreri se foi. — Drizzt não
conseguia distinguir os traços querúbicos de Regis àquela distância, mas podia
imaginar a alegria que a notícia trouxe a seu atormentado amigo. Entreri perseguira
Regis por muitos anos, o capturara duas vezes e nenhum das duas tinha sido uma
experiência agradável para o halfling. Regis temia Artemis Entreri mais do que
qualquer outra coisa no mundo, e agora, ao que parece, ele podia deixar tal medo
de lado.
— Estou vendo Fulgor! — o halfling gritou empolgado, a silhueta de seu
braço sobre a borda apontando em um local abaixo. — Está brilhando no fundo, à
sua direita.
Drizzt olhou para o lado, mas não conseguiu ver o fundo do penhasco, pois a
pedra se projetava diretamente abaixo dele. Ele avançou para o lado e, como Regis
havia afirmado, a cimitarra mágica estava lá, seu brilho azul contra a pedra escura
do fundo do vale. Drizzt considerou cautelosamente tal revelação por alguns
instantes. Por que a cimitarra, fora de seu alcance, se inflamaria assim? Sempre
considerou o fogo da lâmina um reflexo de si mesmo, uma reação magicamente
empática ao fogo dentro dele.
Estremeceu com a noção de que talvez Artemis Entreri tivesse recuperado a
lâmina. Drizzt imaginou o assassino sorrindo, segurando Fulgor como uma isca
irônica.
Drizzt descartou a noção sombria imediatamente. Ele tinha visto Entreri cair,
na frente de uma encosta invertida, sem nada para se agarrar, a parede se afastando
dele enquanto caía. O melhor que o assassino poderia ter era uma derrapagem
depois de uma queda livre de uns dez metros. Mesmo que não estivesse morto,
certamente não estaria em pé no chão do vale.
O que, então, Drizzt deveria fazer? O drow pensou em voltar imediatamente a
Regis e procurar, descobrir o destino de seus amigos. Poderia voltar para o vale
com bastante facilidade a partir do Vale do Guardião quando o problema tivesse
passado, e com alguma sorte, nenhum goblin ou troll da montanha teria pegado a
lâmina.
Quando considerou a possibilidade de lutar contra as tropas de Vierna mais
uma vez, Drizzt percebeu que se sentiria melhor com Fulgor na mão. Olhou para
baixo mais uma vez, e a cimitarra o chamou — ele sentiu o chamado em sua mente
e não podia ter certeza se havia imaginado ou se Fulgor possuía algumas
habilidades que ainda não entendia. Algo mais o chamava, Drizzt também
precisava admitir para si mesmo, se não para qualquer outra pessoa. Sua
curiosidade pelo destino de Entreri não seria facilmente saciada. Drizzt descansaria
melhor se encontrasse a forma quebrada do assassino na base da parede da
montanha.
— Estou indo buscar Fulgor — o drow gritou para Regis. — Eu não vou
demorar muito. Grite se houver qualquer problema.
Ele ouviu um leve gemido vindo de cima, mas Regis apenas gritou:
— Depressa! — e não discutiu a decisão.
Drizzt embainhou a outra cimitarra e percorreu com cuidado a região
invertida, agarrando-a com firmeza e tentando, da melhor maneira possível, manter
a pressão longe do pé ferido. Depois de mais ou menos quinze metros, chegou a
uma região inclinada, mas não íngreme, de pedra solta. Não havia onde se segurar
ali, mas Drizzt não precisava de nada. Ele ficou deitado contra a parede e deslizou
lentamente para baixo.
Então o elfo negro viu o perigo pelo canto do olho, de asas de morcego e do
tamanho de um homem, cortando ângulos agudos em seu voo ao longo dos ventos
do vale da montanha. Drizzt se preparou quando viu a criatura, e principalmente
quando notou o brilho azul-esverdeado de uma espada familiar.
Entreri!
O assassino gargalhou com alegria zombeteira quando passou por cima,
marcando um leve golpe no ombro do drow. O manto de Entreri se transformara,
brotara asas de morcego!
Agora Drizzt entendia a verdadeira razão pela qual o desonesto assassino
escolhera lutar na borda do penhasco.
O assassino fez uma segunda passada, mais perto, batendo no drow com o
lado de sua espada e chutando com a bota nas costas do Drizzt.
Drizzt rolou com os golpes, depois começou a escorregar perigosamente, o
cascalho solto passando por baixo dele. Ele sacou sua cimitarra e, de alguma
forma, aparou o próximo ataque.
— Você tem um manto como o meu? — Entreri provocou, fazendo uma curva
fechada a uma certa distância e parecendo pairar no ar. — Pobre drowzinho, sem
rede para pegá-lo — outra gargalhada soou, e o assassino atacou, ainda mantendo
uma distância respeitável, sabendo que possuía todas as vantagens e não podia
deixar seu entusiasmo o trair.
A espada, carregando o ímpeto do voo veloz do assassino, bateu com força
contra a cimitarra de Drizzt e, enquanto o ranger conseguiu manter a lâmina
delgada longe de seu corpo, o assassino claramente ganhara a vantagem.
Drizzt estava deslizando mais uma vez. Ele se virou para encarar a pedra,
agarrou-a, colocou um braço sob ele e enganchou os dedos, usando seu peso para
cavar profundamente o suficiente no cascalho solto para diminuir a velocidade da
descida. Drizzt parecia indefeso naquele momento terrível, preocupado em segurar
seu precário poleiro, enquanto bloqueava ataques do assassino.
Mais alguns ataques daqueles o mandariam para a morte.
— Você não sabe nem a metade de meus muitos truques! — o assassino gritou
em vitória, voltando para sua presa.
Drizzt se virou para encarar Entreri quando o assassino mergulhou, a mão
livre do drow se aproximando, segurando algo que Entreri não esperava.
— Assim como você não sabe os meus! — Drizzt retrucou. Ele avaliou as
rotações evasivas do assassino e disparou a besta de mão, a arma que havia tirado
do drow que tinha derrubado na base da rampa.
Entreri bateu com a mão na lateral do pescoço, arrancando o virote apenas um
instante depois de tê-lo picado.
— Não! — protestou, sentindo o veneno queimar. — Maldito! Maldito seja,
Drizzt Do’Urden!
Ele voou para a parede, sabendo que voar inconsciente seria pouco sábio, mas
o veneno insidioso, já percorrendo uma grande artéria, obscurecia sua visão.
Ele bateu na parede a seis metros à direita de Drizzt, a luz de sua espada
morrendo imediatamente ao cair de seu alcance.
Drizzt ouviu o gemido, ouviu outra maldição, interrompida por um profundo
bocejo.
As asas de morcego do manto ainda batiam, segurando o assassino no ar. Mas
ele não conseguia concentrar sua mente cansada para guiar seu caminho, e voou e
disparou contra os ventos da montanha, batendo na parede novamente, e depois
uma terceira vez.
Drizzt ouviu o estalo de ossos; o braço esquerdo de Entreri caiu flácido sob a
forma horizontal. Suas pernas também caíram, sua força roubada pelo veneno.
— Maldito seja — disse novamente, meio grogue, entrando e saindo da
consciência. O manto pegou uma corrente de ar, aparentemente, pois Entreri voou
pelo vale e foi engolido pela escuridão, silenciosamente, como a morte.
A descida de Drizzt a partir daquele ponto não foi difícil para o ágil drow. A
caminhada se tornou um alívio, alguns momentos em que podia permitir que suas
defesas escapassem e pudesse refletir sobre a enormidade do que acabara de
acontecer. A rivalidade dele com Entreri não durou tantos meses, especialmente
pelo cálculo de um elfo drow, mas fora mais brutal do que qualquer coisa que
Drizzt já tivesse conhecido. O assassino fora sua antítese, a imagem sombria do
espelho da alma de Drizzt, os maiores medos que Drizzt já tivera de seu próprio
futuro.
E agora acabou. Drizzt havia quebrado o espelho. Ele realmente teria provado
alguma coisa, se perguntou. Talvez não, mas, pelo menos, Drizzt livrara o mundo
de um homem perigoso e perverso.
Ele encontrou Fulgor facilmente, a cimitarra brilhando quando a pegou, então
sua luz interior desapareceu para mostrar as reflexões da luz das estrelas em sua
lâmina prateada. Drizzt aprovou a imagem e reverentemente deslizou a cimitarra
de volta para sua bainha. Ainda pensou em procurar a espada perdida de Entreri,
depois lembrou-se de que não tinha tempo de sobra, que Regis e, provavelmente,
seus outros amigos, precisavam dele.
Estava de volta ao lado do halfling em poucos minutos, levantando Regis ao
seu lado e voltando para a entrada do túnel.
— Entreri? — o halfling perguntou timidamente, como se não conseguisse
acreditar que o assassino houvesse finalmente desaparecido.
— Perdido nos ventos da montanha — Drizzt respondeu com confiança, mas
sem nenhum sinal de superioridade em sua voz uniforme. — Perdido nos ventos.

Drizzt não podia saber o quão precisa sua resposta enigmática havia sido.
Drogado e rapidamente desaparecendo da consciência, Artemis Entreri serpenteava
ao longo das correntes ascendentes do amplo vale. Sua mente não conseguia se
concentrar, não podia emitir comandos mentais para o manto animado e, sem a sua
orientação, as asas mágicas continuavam batendo.
Ele sentiu a corrente de ar aumentar com sua velocidade. Ele avançou, mal
ciente de que estava voando.
Entreri balançou a cabeça violentamente, tentando se livrar do aperto irritante
do veneno do sono. Ele sabia, em algum lugar no fundo de sua mente, que
precisava acordar de vez, tinha que recuperar o controle e diminuir a velocidade.
Mas o ar apressado era bom quando passava por suas bochechas; o som do
vento em seus ouvidos deu-lhe uma sensação de liberdade, de libertar-se dos laços
mortais.
Seus olhos se abriram e viram apenas um vazio negro, sem estrelas. Ele não
podia perceber que era o fim do vale, uma parede da montanha.
A carícia do ar o jogou nos sonhos. Ele bateu na parede de frente. Explosões
de dor irromperam em sua cabeça e corpo; o ar jorrou de seus pulmões em uma
grande explosão.
Entreri não estava ciente de que o impacto rasgara seu manto mágico,
quebrara seu encantamento alado, não estava ciente de que o vento em seus
ouvidos era agora o som da queda, ou que ele estava a sessenta metros do chão.
CAPÍTULO 22

Investida da Brigada Pesada


DOZE ANÕES DE ARMADURA LIDERAVAM A PROCISSÃO, seus
escudos entrelaçados formando uma parede de metal contra armas inimigas. Os
escudos eram articulados, permitindo que os anões nas extremidades ficassem de
lado sempre que o corredor se apertasse.
O General Dagna e sua força de elite montada vinham nas seguintes fileiras,
cavalgando, sem marchar, cada guerreiro armado com uma pesada besta preparada
com dardos especiais, folheados em um metal prateado esbranquiçado. Vários
portadores de tochas, cada um carregando duas delas para facilitar o acesso aos
cavaleiros, vagavam entre as vinte montarias porcinas com presas das tropas de
Dagna. O restante do exército dos anões veio logo atrás, ostentando expressões
sérias, diferentes daquelas que tinham quando desceram para combater os goblins.
Os anões não riam da presença dos elfos negros e, segundo todos os cálculos,
o rei deles estava em sérios apuros.
Eles chegaram à passagem lateral, clara novamente, já que os feitiços de
escuridão haviam expirado há muito tempo. Os ossos do ettin estavam de frente
para eles, do outro lado, de algum modo intocados por todo o tumulto do encontro
anterior.
— Clérigos — sussurrou Dagna, um chamado silencioso que foi repetido
pelas linhas anãs. Em algum lugar nas filas mais próximas das elites de Dagna,
meia dúzia de sacerdotes anões, usando suas vestes de avental de ferreiro e
segurando símbolos sagrados de mitral com um martelo de guerra com punhos
erguidos, avistou seus alvos, dois para o lado, dois na frente e dois acima.
— Bem — disse Dagna aos anões portadores de escudo na linha de frente —
dê a eles algo em que valha a pena atirar.
A parede de bloqueio dos escudos se quebrou, doze anões se estendendo ao
longo da larga interseção.
Nada aconteceu.
— Droga — Dagna resmungou depois de alguns momentos sem problemas,
percebendo que os elfos negros haviam se mudado para outro ponto de emboscada.
Em um minuto, a formação de batalha foi reunida e a força seguiu em um ritmo
maior, com apenas um pequeno grupo indo pela passagem lateral para garantir que
seus inimigos não surgissem em suas costas.
Sussurros de resmungos percorriam o comprimento das fileiras, deixando os
ansiosos anões frustrados pela demora.
Algum tempo depois, o rugido de um dos cães de guerra, mantido em
coleirado no meio do exército, veio como o único aviso.
Bestas disparavam da frente, a maioria dos virotes chocando-se
inofensivamente aos escudos interligados, mas alguns, vindos de ângulos mais
altos, subiam para atacar os anões na segunda e terceira fileiras. Um portador de
tocha caiu, suas tochas flamejantes causando pequenos estragos nas montarias dos
dois cavaleiros mais próximos. Mas os anões e suas montarias eram bem treinados
e a situação não se alongou mais que isso.
Os clérigos entoaram seus cânticos, recitando as próprias sílabas mágicas;
Dagna e seus cavaleiros colocaram as pontas de suas bestas contra as tochas
flamejantes; a fileira da frente contou em uníssono até dez, depois caiu direto de
costas, protegendo defensivamente acima deles.
Lá veio a cavalaria, javalis de guerra blindados grunhindo, virotes com ponta
de magnésio queimando em uma intensa luz branca. A investida da cavalaria levou
os anões para além da área de luz das tochas rapidamente, mas os feitiços clericais
surgiram no corredor à frente deles, luzes mágicas roubando a escuridão.
Dagna e todos os outros integrantes de seu bando ansioso gritaram de alegria,
vendo os elfos negros atônitos desta vez, aparentemente surpreendidos pela súbita
ferocidade e velocidade do ataque dos anões. Os drow estavam confiantes de que
poderiam correr mais do que os anões de pernas curtas, e realmente podiam, mas
não podiam correr mais do que as robustas montarias dos anões.
Dagna viu um elfo negro se virar e estender a mão, como se fosse jogar algo,
e instintivamente, o sábio general entendeu que a criatura estava usando sua
habilidade de escuridão, tentando conter as luzes mágicas que ardiam.
Quando o virote de magnésio iluminou o interior da barriga do drow, seu foco
mudou previsivelmente
— Arenito! — gritou o cavaleiro ao lado de Dagna, um xingamento anão, se
alguma vez houve algum. O general viu seu companheiro recuar, inclinando a arma
para cima. Ele recuou, obviamente atingido por algum virote, mas conseguiu
disparar sua própria besta antes de cair de sua sela, saltando ao longo da pedra.
O virote em chamas errou, mas de qualquer maneira condenou o drow
flutuando entre as vigas, servindo como um rastreador para os muitos soldados
anões logo atrás.
— Teto! — gritou um anão e duas dúzias de besteiros caíram de joelhos, os
olhos para cima. Eles perceberam um movimento entre as poucas estalactites e
dispararam, praticamente em uníssono.
Mais anões apressaram-se enquanto recarregavam, cães de guerra latindo
gritos ansiosos. O bando de Dagna atacou em perseguição, pouco se importando
com o fato de terem passado além da área iluminada. Os túneis eram relativamente
planos, e os drow em fuga não estavam muito à frente.
Um clérigo parou para ajudar os besteiros ajoelhados. Mostraram-lhe a
direção geral de sua presa e ele colocou um feitiço de luz lá em cima.
O drow morto, com o torso rasgado por cerca de vinte virotes pesados, pendia
imóvel no ar. Como se influenciado pela luz reveladora, seu feitiço de levitação se
dissipou e ele caiu os seis metros até o chão.
Os anões nem o estavam observando. A luz no teto revelara dois dos
companheiros ocultos do drow. Esses novos elfos negros corriam para combater o
feitiço com seus poderes inatos de escuridão, mas isso não adiantou muito, uma
vez que os habilidosos besteiros os haviam encontrado e não precisavam mais vê-
los.
Gemidos e um grito de agonia acompanharam uma exploração frenética de
sons de cliques enquanto a hoste de virotes saltava e ricocheteava das muitas
estalactites. Os dois drow caíram, um se contorcendo ao cair no chão, não
completamente morto.
Os ferozes anões caíram sobre ele, golpeando-o com as pontas de suas armas
pesadas.

O único túnel tornou-se vários enquanto os cavaleiros, em perseguição,


entravam em uma região de passagens laterais sinuosas. Dagna escolheu seu alvo
com facilidade, apesar do crescente labirinto e da escuridão. Na verdade, a
penumbra ajudou Dagna, pois o drow que estava perseguindo havia sido atingido
no ombro, o magnésio branco servindo de farol para o anão que marchava.
Ele ganhou proximidade a cada passo, viu o drow se virar para encará-lo, o
ombro do elfo negro brilhando em vermelho quando visto de frente. Dagna deixou
cair a sua besta e sacou uma maça pesada, inclinando o javali como se fosse passar
perto do flanco ferido do drow.
O drow, mordendo a isca, virou-se de lado, colocando sua própria arma em
linha.
No último momento, Dagna abaixou a cabeça e desviou o javali, e os olhos do
drow se arregalaram quando percebeu o novo rumo do anão selvagem. Ele tentou
pular de lado, mas foi atingido solenemente, as presas o pegaram logo acima do
joelho, o capacete de ferro de Dagna batendo em sua barriga. Ele foi arremessado
no ar por talvez quinze metros e teria ido mais longe se a parede do túnel não o
tivesse parado abruptamente.
Amassado em uma pilha quebrada na base da parede, o drow quase
inconsciente viu Dagna puxar sua montaria até ele e a maça do anão subir.
A explosão em sua cabeça se iluminou tão brilhantemente quanto o magnésio
em seu ombro. Então, só havia escuridão.

Os sabujos levaram um grande contingente do exército dos anões para a


esquerda da câmara principal, para uma região de cavernas mais naturais. Soldados
retumbavam diretamente, com clérigos entre suas fileiras, enquanto outros anões,
armados não com armas, mas com ferramentas, iam trabalhar atrás deles e entre as
passagens para os lados.
Eles chegaram ao cruzamento de quatro vias, os sabujos se debatendo em suas
coleiras tanto à esquerda quanto à direita. Os anões sorrateiros forçaram os cães
para a frente, porém, e previsivelmente, mais de uma dúzia de elfos negros
entraram no corredor central atrás deles, disparando suas bestas desagradáveis.
O exército virou-se, os clérigos invocaram seus feitiços para iluminar a área, e
os drow, em desvantagem de quatro para um, sabiamente se viraram e fugiram.
Não tinham motivo para temer que o caminho de volta estivesse bloqueado, não
com tantos túneis diante deles. Eles tinham uma boa ideia dos números dos anões e
estavam certos de que menos da metade de suas opções seriam bloqueadas.
No primeiro caminho que escolheram, porém, viram que erraram em suas
suposições ao correr contra uma porta de ferro recém-construída, trancada do outro
lado. Os elfos negros podiam ver as bordas do portal — os anões não tinham tido
tempo de encaixá-lo perfeitamente no túnel de formato estranho —, mas não havia
como escapar.
O próximo túnel parecia mais promissor, e, pela esperança dos drow em fuga,
precisava ser, porque a força dos anões, com os cães latindo descontroladamente,
estava em seus calcanhares. Virando uma esquina, os elfos negros encontraram
uma segunda porta, ouviram os martelos dos anões trabalhando atrás dela, dando
os últimos retoques.
Os desesperados elfos negros lançaram feitiços de escuridão do outro lado da
porta, retardando o trabalho. Eles encontraram as rachaduras mais largas ao longo
da obstrução e dispararam suas bestas cegamente para os trabalhadores,
aumentando a confusão. Um drow colocou a mão e localizou a barra de bloqueio.
Tarde demais. Os cães dobraram a esquina e a força dos anões caiu sobre eles.
A escuridão desceu sobre a área de batalha. Um clérigo anão, com seus
poderes quase esgotados, a dissipou, mas depois outro drow enegreceu a área mais
uma vez. Os bravos anões lutaram às cegas, combatendo a habilidade drow com
pura fúria.
Um anão sentiu a queimadura quente quando a espada de um inimigo
invisível escorregou entre suas costelas, cortando seu pulmão. O anão sabia que a
ferida seria mortal, sentiu o sangue enchendo seus pulmões e sufocando sua
respiração. Ele poderia ter recuado, poderia sair da área escura perto o suficiente de
um clérigo com feitiços curativos para tratar sua ferida. Naquele instante crítico,
porém, o anão sabia que seu oponente estava vulnerável, sabia que se recuasse, um
dos seus camaradas poderia sentir a espada cruel do elfo negro. Ele lançou-se à
frente, a espada do drow empalando-o ainda mais, e bateu com seu martelo de
guerra, acertando uma vez, depois novamente, seu inimigo.
Ele caiu sobre o drow morto e morreu com um sorriso sombrio de satisfação
em seu rosto barbudo.
Dois anões, investindo fortemente lado a lado, sentiram o alvo pretendido
mergulhar entre eles, mas se atrasaram demais para evitar uma colisão na porta de
ferro. Desorientados, mas sentindo o movimento ao lado, cada um deles lançou
balanços poderosos com seus martelos, cada um acertando um ao outro.
Lá embaixo eles se amontoaram e sentiram o farfalhar do ar quando o elfo
negro voltou sobre eles, dessa vez no final de uma lança anã, para serem batidos
com força contra a porta. O drow caiu ferido sobre os dois anões, e eles tiveram
inteligência e força suficiente para agarrar o presente. Chutaram, morderam,
socaram com a empunhadura de suas armas ou com suas manoplas. Em meros
segundos, destroçaram o infeliz elfo negro.
Mais de vinte anões morreram pelas armas drow naquele corredor estreito,
mas também quinze elfos negros, metade da força que havia bloqueado o caminho
para as novas seções.

Um punhado de drow se manteve à frente de seus perseguidores que


cavalgavam suínos por tempo suficiente para entrar nas câmaras dos fundos, na
mesma sala onde Drizzt e Entreri haviam lutado para a diversão de Vierna e seus
asseclas. A porta derrubada e vários companheiros mortos disseram aos soldados
que o grupo de Vierna fora atingido com força, mas, mesmo assim, acreditavam em
sua salvação quando o primeiro deles saltou para a rampa — saltou e ficou preso
nas teias que bloqueavam o caminho.
O drow preso agitou-se impotente, ambos os braços totalmente presos. Seus
companheiros, sem nenhum pensamento de ajudar seu amigo condenado, olharam
para a outra porta da câmara em busca de sua salvação.
Javalis de guerra grunhiram; uma dúzia de cavaleiros anões gritou de alegria
enquanto chutavam suas montarias atrás da porta.
O General Dagna entrou na câmara apenas cinco minutos depois para ver
cinco elfos negros, dois anões e três porcos mortos no chão.
Satisfeito que nenhum outro inimigo estava por perto, o general ordenou uma
inspeção da área insólita. O pesar feriu seus corações quando eles encontraram a
forma esmagada de Cobble sob a parede de ferro, mas foi misturado com alguma
medida de esperança, pois Bruenor e os outros obviamente atingiram o inimigo
com força naquele lugar, e aparentemente, com a exceção do pobre Cobble, haviam
sobrevivido.
— Onde está você, Bruenor? — o general perguntou pelos corredores vazios.
— Onde está você?

Pura determinação, pura negação da derrota, era a única força deles enquanto
Cattibrie e Bruenor, cansados e feridos, apoiando-se um no outro, abriam caminho
através dos túneis sinuosos, mais profundamente nos corredores naturais. Bruenor
segurou a tocha em sua mão livre. Cattibrie manteve o arco em prontidão. Nenhum
deles acreditava que teriam uma chance se encontrassem novamente os elfos
negros, mas em seus corações, nenhum deles acreditava que poderiam
possivelmente perder.
— Onde está essa maldita gata? — Bruenor perguntou. — E o furioso?
Cattibrie balançou a cabeça, sem respostas definitivas. Quem sabia onde
Pwent poderia ter ido? Ele tinha corrido para fora da câmara com sua típica raiva
cega e poderia ter corrido todo o caminho de volta para o Desfiladeiro de Garum
àquela altura. Guenhwyvar era uma história diferente, no entanto. Cattibrie deixou
cair a mão na bolsa, dedos sensíveis traçando o intrincado trabalho da estatueta.
Sentiu que a pantera já não estava mais por perto e confiou no sentimento, pois, se
Guenhwyvar não tivesse deixado o plano material, a pantera teria entrado em
contato com eles a essa altura.
Cattibrie parou e Bruenor, depois de alguns passos, virou-se curiosamente e
fez o mesmo. A jovem, ajoelhada, segurava a estatueta com as duas mãos,
estudando-a atentamente, com o arco no chão ao lado dela.
— Ela se foi? — Bruenor perguntou.
Cattibrie deu de ombros e colocou a estátua no chão, depois chamou
suavemente a Guenhwyvar. Por um longo momento, nada aconteceu, mas, assim
que Cattibrie estava prestes a recuperar o item, a familiar névoa cinzenta começou
a se reunir e tomar forma.
Guenhwyvar parecia abatida. Os músculos da pantera caíam, flácidos pela
exaustão, e a pele com pelo negro de um ombro pendia para fora, rasgada,
revelando nervos e tendões por baixo.
— Oh, volte! — Cattirie gritou, horrorizada com a visão. Ela pegou a
estatueta e se moveu para dispensar a pantera.
Guenhwyvar se movia mais rápido do que Cattibrie ou o anão teria acreditado
que seria possível, dado o estado desolador da gata. Uma pata golpeou Cattibrie,
jogando a estatueta no chão. A pantera achatou suas orelhas e soltou um grunhido
furioso.
— Deixe a gata ficar — disse Bruenor.
Cattibrie lançou ao anão um olhar incrédulo.
— Não está pior do que o resto de nós — explicou Bruenor. Ele se aproximou
e deixou cair uma mão gentil na cabeça da pantera, aliviando a tensão. As orelhas
de Guenhwyvar voltaram para cima e ela parou de rosnar. — E também não menos
determinada.
Bruenor olhou de novo para Cattibrie e depois para o corredor.
— Nós três, então — o anão disse. — Feridos e prontos para cair, mas não
antes de levar aqueles drow fedidos junto!

Drizzt podia sentir que estava se aproximando e puxou a segunda lâmina,


Fulgor, concentrando-se para evitar que a luz azul da cimitarra se acendesse. Para
sua alegria, a cimitarra respondeu perfeitamente. Drizzt mal tinha consciência do
halfling que ainda segurava ao seu lado. Seus sentidos aguçados foram treinados
em todas as direções para alguma pista de que o inimigo estaria por perto. Ele
entrou por uma porta baixa em uma câmara nada notável, apenas uma seção mais
larga do corredor, com duas outras saídas, uma para o lado e para o nível, a outra
para frente, subindo mais uma vez.
Drizzt de repente empurrou Regis para o chão e caiu contra a parede, armas e
olhos treinados para o lado. Não era nenhum drow que entrava pela entrada lateral,
mas um anão, possivelmente a criatura de aparência mais estranha que os
companheiros já tinham visto.
Pwent estava a apenas três passos do elfo negro, e seu rugido saudável
mostrou que se sentia confiante de que ganhara a vantagem da surpresa. Ele baixou
a cabeça, colocou o elmo pontudo na linha da barriga do Drizzt e ouviu o pequeno
que estava deitado de lado gritar de susto.
Drizzt esticou as mãos acima da cabeça, sentindo sulcos na parede com dedos
fortes e sensíveis. Ainda segurava as duas lâminas e não havia muito para agarrar,
mas o ágil drow não precisava de muita coisa. Enquanto o confiante furioso de
batalha entrava cegamente, Drizzt levantou as pernas para cima, para fora e sobre o
espigão.
Pwent bateu na parede de frente, seu espigão cavando um buraco de quase dez
centímetros de profundidade na pedra. As pernas de Drizzt desceram, uma de cada
lado da cabeça do furioso de batalha, e também abaixo vieram as cimitarras do
drow, punhos batendo com força contra a parte de trás do pescoço exposto de
Pwent.
A ponta do anão, dobrada de um lado para o outro, gritou e raspou quando ele
caiu na pedra, gemendo alto.
Drizzt saltou para longe, permitiu que a cimitarra ansiosa se incendiasse,
banhando a área com um brilho azul.
— Anão — comentou Regis surpreso.
Pwent gemeu e rolou; Drizzt viu um amuleto, esculpido com o padrão de
caneca de espuma do clã Martelo de Batalha, em uma corrente no pescoço.
Pwent balançou a cabeça e saltou de repente de pé.
— Você ganhou com aquele golpe! — rugiu e começou a ir na direção de
Drizzt.
— Nós não somos inimigos — o drow ranger tentou explicar. Regis gritou de
novo quando Pwent chegou perto, lançando uma combinação de dois socos com as
pontas das luvas.
Drizzt facilmente evitou os socos curtos e tomou nota das muitas bordas
afiadas na armadura de seu oponente.
Pwent atacou novamente, dando um passo para trás antes do golpe para dar
um certo alcance. Era um truque, Drizzt sabia, sem chance de acertar. O veterano
drow já entendia as táticas de batalha de Pwent, e sabia que o soco falso fora
projetado apenas para colocar esse anão assustador próximo dele, para que pudesse
se atirar contra Drizzt. Uma cimitarra surgiu para interceptar o soco. Drizzt
surpreendeu o anão girando sua segunda lâmina acima de sua cabeça e entrando
mais perto (exatamente o caminho oposto ao qual Pwent esperava que fizesse),
então lançando sua arma empunhada alto para fora em um curso amplo, arqueado e
suavemente descendente quando deu um passo para o lado, trazendo a lâmina para
atingir a parte de trás do joelho do anão.
Pwent momentaneamente esqueceu seu salto iminente e instintivamente
dobrou a perna vulnerável para longe do ataque. Drizzt pressionou, colocando
pressão suficiente no joelho do anão para mantê-lo em movimento. Pwent se jogou
no ar e aterrissou com força no chão, deitado de costas.
— Parem! — Regis gritou para o teimoso e caído anão, que estava novamente
tentando se levantar. — Pare! Não somos seus inimigos!
— Ele diz a verdade — acrescentou Drizzt.
Pwent, sobre um joelho, fez uma pausa e olhou com curiosidade de Regis para
Drizzt.
— Viemos aqui para pegar o halfling — disse a Drizzt, obviamente confuso.
— Para pegá-lo e esfolá-lo vivo, e agora você está me dizendo para confiar nele?
— Outro halfling — observou Drizzt, batendo as lâminas nas bainhas.
Um sorriso inadvertido apareceu no rosto do anão enquanto ele considerava a
vantagem que seu inimigo aparentemente acabara de lhe dar.
— Nós não somos seus inimigos — disse Drizzt inexpressivamente, os olhos
lavanda brilhando perigosamente —, mas não tenho tempo para jogar seus jogos
idiotas.
Pwent se inclinou para a frente, contraindo os músculos, ansioso para pular à
frente e estraçalhar o drow.
Novamente os olhos do drow brilharam e Pwent relaxou, entendendo que
aquele oponente acabara de ler seus pensamentos.
— Vá em frente se quiser — avisou Drizzt —, mas saiba que na próxima vez
que você cair, nunca mais levantará.
Thibbledorf Pwent, raramente abalado, considerou a promessa sinistra e a
postura despreocupada do adversário, e lembrou-se do que Cattibrie lhe contara
sobre esse drow; se é que esse era o lendário Drizzt Do’Urden.
— Acho que somos amigos — admitiu o anão estressado, e se levantou
lentamente.
CAPÍTULO 23

Uma Memória Materializada


COM PWENT RETROCEDENDO E LIDERANDO o caminho, Drizzt tinha
certeza de que logo descobriria o destino de seus amigos e enfrentaria sua irmã
maligna mais uma vez. O furioso de batalha não tinha muito o que dizer sobre
Bruenor e os outros, apenas que quando havia se separado deles, estavam sendo
duramente atacados.
A notícia fez Drizzt prosseguir mais depressa. Imagens de Cattibrie sendo
torturada por Vierna esvoaçavam nos limites de sua consciência. Imaginou o
teimoso Bruenor cuspindo no rosto de Vierna, e a sacerdotisa arrancando o rosto do
anão em resposta.
Poucas câmaras pontuavam esta região. Túneis longos e estreitos dominavam,
alguns naturais, outros trabalhados em lugares onde os goblins decidiram que apoio
era necessário. Os três entraram em um túnel de tijolos longos e retos, inclinando-
se ligeiramente para cima e com várias passagens laterais saindo dele. Drizzt não
viu as formas dos elfos negros à sua frente, mais adiante no corredor longo e
escuro, mas quando Fulgor brilhou de repente, não duvidou do aviso da espada.
O fato foi confirmado um momento depois, quando um virote de besta saiu da
escuridão e acertou Regis no braço. O halfling gemeu; Drizzt o puxou de volta e o
deixou em segurança atrás da esquina de uma passagem lateral pela qual haviam
acabado de passar. No momento em que o drow voltou para o corredor principal,
Pwent estava em plena investida, cantando loucamente, sendo acertado por um
dardo após o outro, mas passando por eles sem se preocupar.
Drizzt correu atrás dele, viu Pwent passando direto pelo buraco escuro de
outro corredor lateral e soube instintivamente que o anão provavelmente entrara
em uma armadilha.
Drizzt perdeu o rastro do furioso de batalha um momento depois, quando um
virote passou pelo anão para atingir o ranger. Ele olhou para baixo, o viu
pendurado dolorosamente em seu antebraço e sentiu o formigamento quente
enquanto o elixir de Pwent lutava contra o veneno. Drizzt cogitou cair onde estava,
convidando seus inimigos a pensar que o veneno o havia derrubado de novo, uma
captura fácil.
Mas não podia abandonar Pwent, e estava simplesmente irritado demais para
esperar por mais tempo. Chegara a hora de acabar com a ameaça.
Ele deslizou para o buraco escuro do túnel lateral, manteve Fulgor um pouco
mais atrás para que não o entregasse completamente. Um rugido de indignação
explodiu à frente, seguido por um fluxo constante de xingamentos anões, que
disseram a Drizzt que as possíveis vítimas de Pwent haviam escapado.
Drizzt ouviu um leve movimento para o lado, e sabia que o guerreiro havia
despertado a curiosidade de quem quer que estivesse ali. Respirou fundo, contou
mentalmente até três e saltou para o outro lado da curva, com Fulgor brilhando
violentamente. O drow mais próximo recuou, disparando uma segunda besta contra
Drizzt, que cortou sua pele através de uma dobra de ombro em sua bela armadura.
Ele só podia esperar que a poção de Pwent fosse forte o suficiente para aguentar
um segundo golpe e teve algum consolo no fato de que Pwent parecia ter sido
atingido repetidamente durante sua investida no corredor.
Drizzt empurrou o besteiro para trás com pressa, o drow maligno se
atrapalhando para sacar sua arma corpo a corpo. Ele teria derrotado o drow
rapidamente, exceto que um segundo drow se juntou a ele, armado com espada e
punhal. Drizzt havia entrado em uma pequena câmara, levemente circular, uma
segunda saída para a direita, que provavelmente se juntaria ao corredor principal
em algum lugar mais adiante. Porém, Drizzt mal registrou as características físicas
da sala, dificilmente notou as oscilações iniciais da batalha, bloqueando os ataques
medidos de seus oponentes. Seus olhos permaneceram além deles, no fundo da
sala, onde estavam Vierna e o mercenário Jarlaxle.
— Você me causou grandes dores, meu irmão perdido — rosnou Vierna para
ele —, mas a recompensa valerá a pena, agora que você voltou para mim.
Ouvindo cada palavra dela, o distraído Drizzt quase deixou uma espada passar
por suas defesas. Ele deu um tapa no último momento e veio em um floreio,
cimitarras girando em um padrão descendente e entrecruzado.
Os soldados elfos negros trabalhavam bem próximos e se defenderam do
ataque, rebatendo um após o outro e forçando Drizzt a recuar.
— Eu adoro ver você lutar — continuou Vierna, agora sorrindo
presunçosamente —, mas não posso correr o risco de você ser morto — não ainda.
— começou então uma série de cantos, e Drizzt sabia que seu feitiço iminente seria
direcionado a ele, provavelmente à sua mente. Ele rangeu os dentes e acelerou o
curso de sua batalha, conjurando imagens de uma Cattibrie torturada, erguendo
uma parede de pura raiva.
Vierna liberou seu feitiço com um grito glorioso, e ondas de energia rolaram
sobre Drizzt, atacou-o e disse-lhe, mente e corpo, para parar no lugar,
simplesmente ficar quieto e ser capturado.
Dentro do drow ranger havia uma parte dele, um alter ego primitivo e
selvagem que não tinha visto desde seus dias no Subterrâneo selvagem. Ele era o
caçador novamente, livre de emoções, livre de vulnerabilidade mental. Ele afastou
o feitiço; suas cimitarras batiam com força contra as lâminas de seus inimigos,
atacando duramente seus dois oponentes.
Os olhos de Vierna se arregalaram de surpresa. Jarlaxle, a seu lado, deu uma
risada inegável.
— Seus poderes dados por Lolth não me afetarão — afirmou Drizzt em
resposta. — Eu renego a Rainha Aranha!
— Você será dado à Rainha Aranha! — gritou Vierna de volta, e pareceu
ganhar a vantagem mais uma vez quando outro soldado drow entrou na câmara do
túnel à direita de Drizzt. — Mate-o! — a sacerdotisa ordenou. — Que o sacrifício
seja aqui e agora. Não tolerarei mais blasfêmias desse pária!
Drizzt lutava magnificentemente, mantendo ambos os inimigos mais recuados
do que avançados. Se o terceiro soldado se juntasse a eles, no entanto...
Isso nunca chegou a acontecer. Veio um rugido selvagem do túnel à direita e
Thibbledorf Pwent, com a cabeça inclinada em uma de suas investidas tipicamente
frenéticas, atravessou. Ele bateu no soldado drow surpreso ao lado, com a ponta
curvada de seu capacete cortando o quadril delgado do infeliz elfo, rasgando seu
abdômen.
As pernas poderosas de Pwent continuaram a atravessar até que ele finalmente
se enrolou nos pés do drow empalado, e ambos os combatentes caíram no chão
bem diante de uma Vierna aturdida.
O drow se debateu em desespero desamparado quando Pwent o socou
impiedosamente.
Drizzt sabia que tinha que chegar rapidamente até a dupla, entendendo o
perigo que Pwent enfrentava com Vierna e o mercenário podendo atingi-lo
diretamente. Ele trouxe Fulgor em uma cruz descendente, desviando ambas as
espadas de seus oponentes para o lado, e entrou logo atrás da lâmina, vindo com
sua segunda cimitarra em seu oponente mais próximo, aquele que o acertara com a
seta da besta e que não levava uma segunda arma.
O braço do outro drow se lançou para a frente, fazendo o punhal atingir a
cimitarra a um segundo de prevenir sua morte. Ainda assim, Drizzt tinha acertado
um doloroso golpe em um oponente, cortando a bochecha do drow.
Surgiu o chicote de cabeças de cobra de Vierna, enquanto o rosto da
sacerdotisa se congelava em uma imagem de pura raiva quando bateu nas costas do
furioso de batalha. Cabeças de serpentes vivas disparavam sobre a armadura do
combatente, encontrando lacunas através das quais podiam morder sua pele
espessa.
Pwent soltou a ponta do elmo, enfiou um espeto da manopla no rosto do elfo
moribundo e depois voltou sua atenção para seu mais novo atacante e sua arma
perversa.
Slap!
Uma cabeça de cobra pegou-o no ombro. Duas outras beliscaram seu pescoço.
Pwent jogou o braço para cima quando se virou, mas foi mordido duas vezes na
mão, o membro imediatamente adormecido. Ele sentiu seu potente elixir
revidando, mas ainda assim hesitou, quase desmaiando.
Slap!
Vierna o atingiu novamente, todas as cinco cabeças de cobra encontrando um
alvo na mão e no rosto do anão. Pwent olhou-a por mais um momento, formou
seus lábios como se fosse falar um palavrão, depois caiu na pedra e se debateu
como um peixe fora d’água, seu corpo inteiro quase entorpecido, seus nervos e
músculos incapazes de funcionar de qualquer maneira coordenada.
Vierna olhou na direção de Drizzt, com os olhos ardendo em ódio aberto.
— Agora todos os seus amigos miseráveis estão mortos, meu irmão perdido!
— ela rosnou, algo que sinceramente acreditava ser verdade. Ela avançou um
passo, com o chicote de cabeças de cobra erguido, mas parou ante a raiva pura e
desregrada que de repente contorceu as feições de seu irmão.
“Todos os seus amigos miseráveis estão mortos!”
As palavras queimaram no sangue do Drizzt, transformaram seu coração em
pedra.
“Todos os seus amigos miseráveis estão mortos!”
Cattibrie, Wulfgar e Bruenor, tudo o que Drizzt Do’Urden considerava
especial, perderam-se para ele, levados por uma herança da qual não conseguira
escapar.
Ele mal podia ver os movimentos de seu oponente, embora soubesse que suas
cimitarras estavam interceptando todos os ataques com perfeição, movendo-se em
um borrão preciso que não oferecia aberturas a seus inimigos.
“Todos os seus amigos miseráveis estão mortos!”
Ele era o caçador novamente, sobrevivendo aos desertos do Subterrâneo. Ele
estava além do caçador, o guerreiro encarnado, lutando apenas por perfeito
instinto.
Uma espada foi empurrada da direita. A cimitarra de Drizzt bateu nela de
cima para baixo, dirigindo a ponta para o chão. Mais depressa que o ágil drow
maligno poderia reagir, Drizzt girou a lâmina completamente sobre a espada e
ergueu-se, jogando o drow para trás um passo.
Do outro lado, brilhou a cimitarra, cortando os músculos do tríceps do
espadachim. O drow aflito gritou, mas de alguma forma segurou sua arma, embora
não lhe fosse útil quando a cimitarra voltou, gritando enquanto cortava a fina
armadura de malha, retirando uma linha de sangue no peito do drow.
Drizzt virou a lâmina em sua mão em um piscar de olhos, e a cimitarra voltou
para o outro lado, vinda do alto. Ele virou de novo e mandou de volta pela quarta
vez, e a única razão pela qual errou o golpe foi porque a cabeça que tinha sido o
alvo já tinha sido arrancada.
Todo o tempo, a cimitarra na outra mão de Drizzt havia defendido os ataques
do outro oponente.
Vierna engasgou, assim como o soldado restante que enfrentava Drizzt, e
Drizzt teria caído sobre ele com a mesma facilidade. Ele viu o braço de Jarlaxle se
mexendo, entretanto, além da abertura deixada pelo oponente caído.
A próxima dança de Drizzt foi por puro e furioso desespero. Sua primeira
cimitarra soou com um impacto metálico. Fulgor bateu uma segunda adaga de
lado.
Acabou em apenas um segundo, cinco adagas defletidas por um elfo negro
que nem as tinha visto conscientemente.
Jarlaxle recuou, depois começou a circular, rindo o tempo todo, maravilhado e
emocionado com a exibição impressionante e com a batalha contínua.
Os problemas de Drizzt não terminaram, porém, porque Vierna, implorando a
Lolth para estar com ela, saltou à frente para dar apoio ao soldado, e seu chicote
com cabeças de cobra apresentou mais problemas do que a única espada do
soldado drow morto.

Regis se encolheu na forma mais apertada que conseguiu quando viu as


formas escuras deslizando silenciosamente pela abertura da passagem lateral. O
halfling relaxou quando o grupo passou, foi corajoso o suficiente para se aproximar
da entrada e usar sua infravisão para tentar discernir se eram mais elfos negros
malignos.
Aqueles olhos vermelhos brilhantes o entregaram; um sexto soldado estava se
movendo atrás do primeiro grupo.
Regis recuou com um grito. Agarrou uma pedra em sua pequena mão
gorducha e segurou-a diante dele. Uma arma realmente lamentável para o gosto de
um elfo drow!
O elfo negro analisou cuidadosamente o halfling e o túnel no qual estava
Regis, entrando cautelosamente. Um sorriso se alargou quando ele percebeu o
aparente desamparo de Regis.
— Já está ferido? — ele perguntou na língua comum.
Levou um momento para Regis compreender através do sotaque pesado e
impassível. Ele levantou a pedra ameaçadoramente enquanto o drow se
aproximava, ajoelhando-se ao nível de Regis e segurando uma longa e cruel espada
em uma mão, uma adaga na outra.
O drow riu alto.
— Você vai me derrubar com sua pedrinha? — ele provocou, e moveu os
braços para fora, apresentando a Regis uma abertura fácil para o peito. — Me
acerte, então, pequeno halfling. Me divirta antes que meu punhal talhe uma linha
fina em sua garganta.
Regis, tremendo, moveu a pedra num movimento brusco, como se quisesse
aceitar a oferta do drow. Foi a outra mão do halfling que avançou, porém, a mão
que segurava a adaga que Artemis Entreri soltara.
As joias na lâmina mortal queimavam apreciativamente, como se a arma
tivesse uma vida e fome próprias, quando passou pela bela armadura de cota de
malha e entrou profundamente na pele macia do elfo negro pego de surpresa.
Regis piscou espantado com a facilidade com que a adaga havia penetrado.
Parecia que seu oponente usava um pergaminho fino em vez de uma cota de malha
de metal. A mão do halfling quase foi atirada do cabo da arma quando uma onda
de poder percorreu o punhal, em seu braço. O drow tentou revidar, e Regis não
teria defesa se atacasse com qualquer uma de suas armas.
Mas o drow não o fez. Por algum motivo, não conseguiu. Seus olhos
permaneceram arregalados em choque, seu corpo sacudia-se espasmodicamente, e
pareceu a Regis como se sua própria força vital estivesse sendo roubada. Com a
boca aberta, Regis olhou para a mais profunda expressão de horror que já vira.
Mais energia vital subiu pelo braço do halfling, que ouviu as armas do drow
caírem no chão. Regis só podia pensar em antigos contos que seu pai dissera a
respeito de assustadoras criaturas da noite. Se sentiu como imaginava que um
vampiro deveria sentir quando se alimentava do sangue de suas vítimas, sentindo
um calor perverso passar sobre ele.
Suas feridas estavam se fechando!
A vítima drow caiu sem vida na pedra. Regis ficou olhando fixamente para a
adaga mágica. Ele estremeceu muitas vezes, lembrando-se vividamente de cada
ocasião em que quase sentira a picada maligna daquela arma cruel.

Os dois drow se moveram silenciosamente, mas rapidamente, pelos túneis


sinuosos que os levariam a Vierna e Jarlaxle. Estavam confiantes de que haviam
escapado do anão ultrajante, não sabiam que Pwent havia se desviado e chegado
primeiro a Vierna.
Nem sabiam que outro anão entrara nos túneis, um anão de barba vermelha
cujos olhos ainda úmidos de lágrimas prometiam a morte a qualquer inimigo que
encontrasse.
Os elfos negros viraram uma curva para o túnel que os levaria para a sala
lateral, paralela ao túnel principal. Eles viram a forma curta e larga do anão se
balançando, apenas alguns passos à frente deles, e avançaram sem medo,
descontroladamente.
Os três oponentes entrelaçaram-se numa mistura confusa, o escudo de
Bruenor avançando com abandono, chicoteando seu machado sobre ele cegamente.
— Você matou meu garoto! — o anão gritou e, embora nenhum de seus
oponentes pudesse entender a língua comum, puderam discernir a raiva de Bruenor
com clareza suficiente. Um dos drow recuperou o equilíbrio e enfiou a espada
sobre o escudo brasonado, acertando um golpe no ombro do anão que deveria ter
roubado a força daquele braço.
Se Bruenor sabia que havia sido atingido, não demonstrou.
— Meu garoto! — ele rosnou, batendo de lado a espada do outro drow com
um golpe poderoso de seu machado pesado. O drow substituiu aquela espada por
sua segunda espada, pressionando novamente o anão. Mas Bruenor aceitou o
golpe, nem sequer recuou, seus pensamentos puramente voltados para a morte.
Seu machado cortou em um golpe baixo. O drow saltou a lâmina, mas
Bruenor parou o balanço e virou-o na direção contrária. Tentou pular uma segunda
vez assim que aterrissou, mas o movimento de Bruenor fora rápido demais; o anão
puxou o machado ao redor do tornozelo do drow e arqueou com toda a força,
arrancando os pés do elfo negro.
O outro drow se aproximou do anão, tentando proteger seu companheiro
caído. Sua espada cortou, cegando o anão em um dos olhos e deixando uma
cicatriz no rosto de Bruenor. Mais uma vez Bruenor ignorou a agonia lancinante,
avançou à frente a pouca distância.
— Meu garoto! — gritou de novo, e cortou com todas as suas forças, fazendo
a lâmina de seu machado quebrar a espinha do drow.
Bruenor ergueu o escudo bem a tempo de deter um golpe de espada do drow
de pé. Desequilibrado e arrastando-se para trás, o anão puxou várias vezes,
finalmente soltando a arma.

Cabeças de serpente pareciam se mover independentemente umas das outras,


atacando Drizzt de diferentes ângulos, disparando e se enrolando para disparar
novamente. Estimulado pela visão de Vierna lutando ao lado dele, o drow
pressionou Drizzt também, com a espada e o punhal atacando furiosamente, para
que pudesse garantir a morte para a sacerdotisa, para a glória da perversa Rainha
Aranha.
Drizzt manteve a compostura durante o ataque, usou suas cimitarras e seus
pés em harmonia para bloquear ou desviar, e manter seus oponentes,
particularmente Vierna, longe dele.
Ele sabia que estava em apuros, especialmente quando notou Jarlaxle, o
mercenário, circulando para trás, encontrando uma abertura entre Vierna e o
soldado. Drizzt esperava outra série de adagas voadoras, não sabendo
honestamente como escaparia delas dessa vez, com o chicote de Vierna exigindo
sua atenção.
Seus medos redobraram quando viu o mercenário apontar para ele, não com
um punhal, mas com uma varinha.
— Uma pena, Drizzt Do’Urden — disse o mercenário. — Eu daria muitas
vidas para possuir um guerreiro com suas habilidades. — e começou a entoar algo
na língua drow. Drizzt tentou ir para o lado, mas Vierna e o outro drow o
atrapalhavam, mantendo-o em linha.
Houve um clarão, um relâmpago, começando logo à frente de Vierna e do
soldado drow, que se abaixaram. Mas também veio, assim que o mercenário
proferiu as palavras corretas, uma forma negra voadora, vinda de trás de Drizzt,
que cortou o ombro do soldado drow ao passar por ele e atravessar a abertura entre
Vierna e seu aliado.
Guenhwyvar tomou a explosão com força total, absorveu a energia do raio
antes mesmo de começar. A pantera disparou através de sua força mágica, batendo
no mercenário surpreso e prendendo-o contra a pedra.
O súbito lampejo, a súbita aparição da pantera, não distraiu o veterano Drizzt.
Nem Vierna, tão cheia de ódio, tão obcecada com essa matança, desviou sua
atenção da batalha furiosa. O outro drow, porém, apertou os olhos com o brilho
repentino e virou a cabeça por um instante para olhar por cima do ombro.
Naquele instante, quando o drow se voltou para a batalha, encontrou a ponta
mortal de Fulgor já passando por sua armadura e alcançando seu coração.
O brilho durou não mais do que uma fração de segundo, e não havia trazido
muita luz para o corredor principal além da entrada da câmara lateral, mas naquela
fração de segundo, Cattibrie, agachada mais ao fundo do corredor para observar o
progresso de Guenwyvar, viu as formas esbeltas do bando de elfos negros que se
aproximava.
Ela colocou uma flecha no ar e usou sua luz prateada para discernir as
posições exatas dos elfos negros. Seu rosto travou em uma careta impiedosa e a
jovem maltratada levantou-se atrás do rastro prateado da flecha para começar a
perseguir seus inimigos, disparando outra flecha enquanto avançava.
A vingança por Wulfgar dominava todos os seus pensamentos. Ela não
conhecia o medo, nem sequer recuou quando ouviu a resposta esperada das bestas
de mão. Dois virotes a feriram.
Disparou outra flecha, esta pegando um elfo negro no ombro e jogando-o no
chão. Antes que sua luz se dissipasse, Cattibrie disparou uma terceira, esta
guinchando como uma banshee enquanto se afastava das paredes de pedra do túnel
trabalhado.
Ainda assim a jovem continuou andando. Ela sabia que os elfos negros
podiam vê-la a cada passo, enquanto só vislumbrava a silhueta dos elfos quando
disparava suas flechas.
O instinto lhe disse para disparar uma flecha no alto, e ela sorriu
sombriamente quando acertou um drow em levitação, pegando-o diretamente no
rosto enquanto ele se levantava, arrancando a cabeça dele. A força do golpe girou o
corpo e o fez ficar imóvel no ar.
Cattibrie não viu sua próxima flecha disparar, e só então percebeu que os elfos
negros haviam colocado um globo de escuridão sobre ela. Que idiotas! pensou, por
que eles agora não podiam vê-la assim como ela não podia vê-los.
Ainda assim saiu do globo, disparando novamente, matando outro de seus
inimigos.
Um virote de besta atingiu o lado de seu rosto, raspando dolorosamente contra
seu maxilar.
Cattibrie seguiu em frente, a mandíbula firme, os dentes cerrados com força.
Viu os olhos avermelhados dos dois drow restantes se aproximando rapidamente,
soube que eles tinham desembainhado espadas e investido. Ela colocou o arco para
cima, usando seus olhos como faróis.
Um globo de escuridão caiu sobre ela.
O terror brotou dentro da jovem, mas ela lutou teimosamente, sua expressão
não mudando. Sabia que tinha apenas momentos antes de uma espada drow
mergulhar em sua direção. Sua mente recordou as últimas posições em que tinha
visto seus inimigos, mostrou-lhe os ângulos para seu disparo.
Ela disparou outra flecha, ouviu o menor farfalhar à frente e à esquerda,
virou-se e disparou. Então atirou uma terceira e quarta vez, sem orientação além de
seu instinto, na esperança de que pelo menos pudesse ferir os elfos negros e
retardar seu progresso. Ela caiu no chão e disparou para o lado, depois estremeceu
quando a flecha disparou na escuridão, aparentemente sem acertar nada.
Com os instintos ainda a guiando, Cattibrie rolou de costas e disparou acima
dela, ouviu um baque surdo, depois um estalo agudo quando o projétil passou por
um drow flutuante e entrou no teto. Pedaços de entulho caíram de cima, e Cattibrie
se cobriu.
Ela permaneceu em uma posição defensiva por um longo tempo, esperando
que o teto caísse sobre ela, esperando que um elfo negro se apressasse e a cortasse.

Ele chegou com sua espada perto do anão com muito mais frequência do que
o machado volumoso do anão chegou perto de atingi-lo, mas o solitário drow
enfrentando Bruenor sabia que não poderia vencer, não conseguiria parar este
inimigo enfurecido. Ele invocou sua magia inata e enfileirou Bruenor com chamas
azuis, incandescentes e inofensivas — fogo das fadas, eram chamadas —
distintamente delineando a forma do anão e presenteando o drow com um alvo
mais fácil.
Bruenor nem sequer recuou.
O drow veio com um impulso direto e cruel que obrigou o anão a recuar,
então virou-se e se sacudiu, pensando em colocar alguns metros entre ele e seu
inimigo, depois girou e largou um globo de escuridão sobre o anão.
Bruenor não tentou acompanhar os passos largos do drow. Ele pegou o
machado, segurou-o com as duas mãos e puxou-o de volta sobre sua cabeça.
— Meu garoto! — o anão gritou com toda a sua raiva, e com todas as suas
forças, arremessou o machado. Foi um movimento ousado, um movimento
oferecido pelo desespero de um pai que perdeu seu filho. O machado de Bruenor
não voltaria para ele como Presa de Égide retornava para Wulfgar. Se o machado
não atingisse o alvo...
Ele atingiu o drow quando estava virando a curva de volta para o túnel lateral,
mergulhando em seu quadril e nas costas e arremessando-o pelo caminho para
colidir com o canto oposto. Ele tentou se recuperar, contorcendo-se no chão por
alguns instantes, procurando por sua espada perdida e ar para respirar.
Quando a mão dele se aproximou do cabo de sua arma caída, uma bota de
anão bateu no chão, esmagando seus dedos.
Bruenor considerou o ângulo do machado colado e o jorro de sangue
derramando-se sobre a lâmina da arma:
— Você está morto — disse friamente para o elfo negro, e arrancou a arma,
produzindo um estalo doentio.
O drow ouviu as palavras distantes, mas sua mente havia se desligado naquele
momento, seus pensamentos se afastando com tanta certeza quanto o sangue de sua
vida.

Vierna não cedeu quando seu companheiro caiu morto, não mostrou sinais de
que se importava com a súbita virada da batalha. O estômago de Drizzt revirou-se
ante a visão de sua irmã, suas feições trancadas no ódio que a Rainha Aranha tantas
vezes fomentava, uma fúria além da razão, além da consciência e do bom senso.
Porém, Drizzt não deixou que sua ambivalência afetasse sua habilidade, não
depois que Vierna proclamou seus amigos mortos. Ele acertou as cabeças das
cobras com frequência, mas não com força suficiente para danificar seriamente
qualquer uma.
Uma cravou as presas em seu braço. Drizzt sentiu o formigamento
entorpecente e sacudiu a outra lâmina para cortar a coisa.
O movimento deixou seu flanco oposto aberto, e uma segunda cabeça o
acertou no ombro. Uma terceira veio para o lado de seu rosto.
Seu golpe de costas de mão arrancou a cabeça da víbora mais próxima e
afastou a outra cobra atacante.
O chicote de Vierna tinha apenas três cabeças restantes, mas os golpes
abalaram Drizzt. Ele balançou para trás alguns passos, encontrou algum apoio na
parede sólida ao longo do lado da entrada. O ranger olhou para o ombro,
horrorizado ao ver a cabeça decepada da serpente ainda agarrada nele, suas presas
profundamente enterradas em sua carne.
Só então Drizzt notou os familiares lampejos prateados de Taulmaril, o arco
de Cattibrie. Guenhwyvar estava viva e por perto; Cattibrie estava no corredor,
lutando; e, de algum lugar no outro corredor, ao lado direito da pequena câmara,
Drizzt ouviu o inconfundível rugido da litania de fúria de Bruenor Martelo de
Batalha.
— Meu garoto!
— Você disse que eles estavam mortos — Drizzt disse para Vierna. Ele se
firmou contra a parede.
— Eles não importam! — Vierna gritou de volta, obviamente tão
impressionada quanto Drizzt pela revelação. — Você é tudo que importa, você e as
glórias que sua morte me trará! — ela lançou-se para a frente na direção de seu
irmão ferido, três cabeças de cobra liderando o caminho.
Drizzt encontrara sua força novamente, na presença de seus amigos, sabendo
que eles também estavam envolvidos nessa luta e precisariam que ele vencesse.
Em vez de atacar ou deslizar, Drizzt deixou as cabeças de cobra virem para
ele. Ele foi mordido novamente, duas vezes, mas Fulgor dividiu a cabeça de uma
víbora no meio, deixando seu pescoço rasgado se contorcendo inutilmente.
Drizzt chutou a parede, fazendo Vierna recuar surpresa. Ele atacava com as
lâminas com rapidez e força, mirando sempre nas cobras do chicote de Vierna,
embora, mais de uma vez, sentisse que poderia ter passado pelas defesas de sua
irmã e atingido um golpe em seu corpo.
Outra cabeça de cobra caiu no chão.
Vierna tornou a atacar com o chicote dizimado, mas uma cimitarra cortou
profundamente seu antebraço antes que pudesse atacar com a cabeça de serpente
restante. A arma voou para o chão. A serpente se contorcendo se tornou uma
correia sem vida assim que o chicote deixou a mão de Vierna.
Vierna sibilou — ela parecia um animal — para Drizzt, suas mãos vazias
agarrando o ar repetidamente.
Drizzt não avançou imediatamente, não precisou, pois a ponta mortal de
Fulgor estava a poucos centímetros do peito vulnerável de sua irmã.
A mão de Vierna se contraiu em direção ao cinto, onde aguardavam maças
gêmeas, esculpidas em intrincadas runas de teias de aranha. Drizzt podia adivinhar
o poder daquelas armas, e lembrava muito bem de seus dias em Mezoberranzan da
habilidade de Vierna em usá-las.
— Não — ele ordenou, indicando as armas.
— Nós dois fomos treinados por Zaknafein — lembrou-lhe Vierna, e a
menção de seu pai feriu Drizzt. — Você tem medo de descobrir quem melhor
aprendeu as muitas lições?
— Nós dois éramos filhos de Zaknafein — retrucou Drizzt, tirando a mão de
Vierna do cinto com a lâmina furiosa de Fulgor. — Não continue isso e desonre-o.
Há uma maneira melhor, minha irmã, uma luz que você ainda pode conhecer.
A gargalhada de Vierna zombou dele. Ele realmente acreditava que poderia
reformá-la, uma sacerdotisa de Lolth?
— Não! — Drizzt comandou com mais força quando a mão de Vierna se
aproximou novamente da maça mais próxima.
Ela alcançou a maça. Fulgor cintilou através de seu peito, através de seu
coração, sua ponta sangrenta saindo pelas costas.
Drizzt estava bem a sua frente, segurando os braços dela com força, apoiando-
a quando suas pernas falharam.
Eles se encararam, sem piscar, enquanto Vierna caía lentamente no chão. Sua
raiva, sua obsessão, fora substituída por um olhar de serenidade, uma expressão
rara no rosto de um drow.
— Sinto muito — foi tudo o que Drizzt conseguiu murmurar.
Vierna sacudiu a cabeça, recusando qualquer pedido de desculpas. Para
Drizzt, parecia que a parte enterrada da elfa, a parte que era filha de Zaknafein
Do’Urden, aprovava esse final.
Os olhos de Vierna então se fecharam para sempre.
CAPÍTULO 24

Revelações
— MUITO BEM. — as palavras vieram até Drizzt inesperadamente, fez com
que percebesse que, ainda que Vierna estivesse morta, a batalha ainda não havia
sido vencida. Ele pulou para o lado, cimitarras surgindo defensivamente diante
dele.
Ele abaixou as armas quando analisou Jarlaxle, o mercenário sentado
encostado na parede mais distante da câmara, uma perna saindo para o lado em um
ângulo estranho.
— A pantera — explicou o mercenário, falando a língua comum tão fluida
como se tivesse passado a vida na superfície. — Achei que seria morto. A pantera
me derrubou. — Jarlaxle deu de ombros. — Talvez meu relâmpago tenha ferido a
fera. — A menção do relâmpago lembrou Drizzt da varinha, e que esse drow ainda
era muito perigoso.
Ele desceu agachado, circulando defensivamente.
Jarlaxle estremeceu de dor e segurou a mão vazia na frente dele para acalmar
o ranger alerta.
— A varinha está guardada — ele assegurou a Drizzt. — Eu não teria desejo
de usá-la se tivesse você indefeso... Como você acredita que eu estou.
— Você queria me matar — Drizzt respondeu friamente.
Novamente o mercenário deu de ombros e um sorriso se alargou em seu rosto.
— Vierna teria me matado se vencesse e eu não a tivesse ajudado — ele
explicou calmamente. — E, por mais habilidoso que você seja, achei que ela
venceria.
Parecia bastante lógico, e Drizzt sabia muito bem que o pragmatismo era um
traço comum entre os elfos negros.
— Lolth ainda te recompensaria pela minha morte — argumentou Drizzt.
— Eu não sou escravo da Rainha Aranha — Jarlaxle respondeu. — Sou um
oportunista.
— Você fez uma ameaça?
O mercenário riu alto, então estremeceu novamente com a pulsação em sua
perna quebrada.
Bruenor correu para a câmara pela passagem lateral. Ele olhou para Drizzt,
depois se concentrou em Jarlaxle, sua raiva ainda não esgotada.
— Pare! — Drizzt comandou-o quando o anão partiu para o mercenário
aparentemente indefeso.
Bruenor parou e lançou um olhar frio para Drizzt, um olhar mais agourento
pelo rosto rasgado do anão, com o olho direito mal cortado e uma linha de sangue
correndo do alto da testa até a parte de baixo da bochecha esquerda.
— Não estamos precisando de prisioneiros — resmungou Bruenor.
Drizzt considerou o veneno na voz de Bruenor e considerou o fato de não ter
visto Wulfgar em nenhum lugar dessa luta.
— Onde estão os outros?
— Estou bem aqui — respondeu Cattibrie, entrando na câmara do túnel
principal, atrás de Drizzt.
Drizzt virou-se para vê-la, seu rosto sujo e expressão incrivelmente sombria
revelando muito.
— Wulf-- — ele começou a perguntar, mas Cattibrie balançou a cabeça
solenemente, como se não pudesse suportar ouvir o nome pronunciado em voz alta.
Ela caminhou perto de Drizzt e ele estremeceu, vendo o pequeno virote ainda preso
à lateral de sua mandíbula.
Drizzt gentilmente acariciou o rosto de Cattibrie, depois pegou o dardo
obsceno e o soltou. Ele levou a mão imediatamente ao ombro da jovem, prestando-
lhe apoio enquanto ondas de náusea e dor tomavam conta dela.
— Eu rezo para não ter ferido a pantera — Jarlaxle interrompeu — uma fera
magnífica, de fato!
Drizzt se virou, seus olhos lavanda faiscando.
— Ele está provocando você — comentou Bruenor, seus dedos movendo-se
avidamente sobre o cabo de seu machado ensanguentado — implorando por
misericórdia sem implorar de verdade.
Drizzt não tinha tanta certeza. Ele conhecia os horrores de Menzoberranzan,
sabia o quão longe um drow iria para sobreviver. Seu próprio pai, Zaknafein, o
drow que Drizzt mais amara, tinha sido um assassino, servira como o assassino de
Matriarca Malícia por um simples desejo de sobreviver. Será que esse mercenário
era de um pragmatismo semelhante?
Drizzt queria acreditar nisso. Com Vierna morta a seus pés, sua família, seus
laços com sua herança, não existiam mais, e queria acreditar que não estava
sozinho no mundo.
— Mate o cão ou o arrastamos de volta — resmungou Bruenor, com a
paciência esgotada.
— Qual seria a sua escolha, Drizzt Do’Urden? — Jarlaxle perguntou
calmamente.
Drizzt analisou Jarlaxle mais uma vez. Ele não era muito parecido com o
Zaknafein, decidiu, porque se lembrava da raiva do pai quando surgiram os
rumores de que Drizzt havia matado elfos da superfície. Havia de fato uma
diferença inegável entre Zaknafein e Jarlaxle. Zaknafein matou apenas aqueles que
acreditava merecer a morte, somente aqueles que serviam Lolth ou outros lacaios
do mal. Ele não teria ficado ao lado de Vierna nessa caçada.
A fúria súbita que se formou em Drizzt quase o levou a correr até o
mercenário. Porém, ele conteve o impulso, lembrando-se novamente do peso de
Menzoberranzan, o fardo do mal penetrante que curvava as costas daqueles poucos
elfos negros que não eram de natureza tão maligna. Zaknafein admitira a Drizzt
que quase se perdera nos caminhos de Lolth muitas vezes, e em sua própria jornada
pelo Subterrâneo Drizzt Do’Urden muitas vezes temia se tornar aquilo que teria,
aquilo que tinha, se tornado.
Como poderia julgar esse elfo negro? As cimitarras voltaram para as bainhas.
— Ele matou meu garoto! — Bruenor rugiu, aparentemente entendendo as
intenções de Drizzt.
Drizzt sacudiu a cabeça resolutamente.
— Misericórdia é uma coisa curiosa, Drizzt Do’Urden — Jarlaxle comentou.
— Força ou fraqueza?
— Força — Drizzt respondeu rapidamente.
— Pode salvar sua alma — respondeu Jarlaxle — ou condenar seu corpo. —
Ele apontou o chapéu de abas largas para Drizzt, depois se moveu de repente, seu
braço saindo de sua capa. Algo pequeno bateu o chão na frente de Jarlaxle,
explodindo, enchendo aquela área da câmara com fumaça opaca.
— Maldito! — Cattibrie rosnou, e disparou uma flecha que cortou a névoa e
bateu na pedra da parede mais distante. Bruenor entrou correndo, o machado
batendo descontroladamente, mas não havia nada para acertar. O mercenário se
fora.
Quando Bruenor saiu da fumaça, tanto Drizzt quanto Cattibrie estavam de pé
sobre a forma inclinada de Thibbledorf Pwent.
— Morto? — perguntou o rei anão.
Drizzt se inclinou para o furioso de batalha, lembrou-se de que Pwent fora
atingido violentamente pelo chicote de cabeças de cobras de Vierna.
— Não — ele respondeu. — Os chicotes não são projetados para matar,
apenas para paralisar.
Seus ouvidos aguçados captaram as palavras quando Bruenor murmurou
baixinho:
— Que pena.
Levaram alguns instantes para reviver o furioso de batalha. Pwent levantou-se
— e imediatamente caiu de novo. Ele conseguiu se levantar de novo, acabrunhado
até que Drizzt cometeu o erro de agradecer a valiosa ajuda.
No corredor principal, encontraram os cinco drows mortos, um ainda
pendurado perto do teto na área onde o globo das trevas havia estado. A explicação
de Cattibrie de onde esse pequeno grupo tinha vindo enviou um arrepio através de
Drizzt.
— Regis — ele sussurrou, e correu pelo corredor, para a passagem lateral
onde havia deixado o halfling.
Lá estava Regis, aterrorizado, meio enterrado sob um drow morto, segurando
firmemente a adaga adornada de joias na mão.
— Vamos, meu amigo — o aliviado Drizzt disse a ele. — É hora de irmos
para casa.

Os cinco companheiros exaustos se apoiaram um no outro enquanto


percorriam devagar e silenciosamente os túneis. Drizzt olhou em volta para o
grupo maltrapilho, para Bruenor com um olho fechado e Pwent ainda com
problemas para coordenar os músculos. O próprio pé de Drizzt latejava
dolorosamente. A percepção da ferida ficou mais clara à medida que a descarga de
adrenalina da batalha diminuía lentamente. Não eram os problemas físicos que
mais alarmavam o ranger drow, porém. O impacto da perda de Wulfgar parecia ter
sido totalmente absorvido por todos aqueles que haviam sido seus companheiros.
Cattibrie seria capaz de invocar sua raiva mais uma vez, de ignorar o
espancamento emocional que sofrera e lutar com todo o seu coração? Será que
Bruenor, tão perversamente ferido que Drizzt não tinha certeza de que voltaria ao
Salão de Mitral vivo, seria capaz de se guiar através de mais uma batalha?
Drizzt podia não ter certeza, e seu suspiro de alívio foi sincero quando o
General Dagna, à frente da cavalaria dos anões e de suas montarias roncadoras,
contornou a curva do túnel à frente.
Bruenor se permitiu desmoronar com a visão, e os anões fora rápidos em
acudir o rei machucado e Regis, amarrá-los a javalis de guerra e conduzi-los para
fora do complexo indomável. Pwent também aceitou as rédeas de um porco, mas
Drizzt e Cattibrie não tomaram um caminho direto de volta ao Salão de Mitral.
Acompanhado por três cavaleiros anões deslocados, inclusive o General Dagna, a
jovem levou Drizzt à fatídica caverna de Wulfgar.
Não poderia haver dúvida, Drizzt percebeu assim que olhou para a alcova
desmoronada. Sem dúvida, sem alívio. Seu amigo se fora para sempre.
Cattibrie relatou os detalhes da batalha, teve que parar por um longo tempo
antes de reunir a voz para contar o final corajoso de Wulfgar.
Ela então olhou para a pilha de escombros, silenciosamente disse:
— Adeus — e saiu da câmara com os três anões.
Drizzt ficou sozinho por muitos minutos, olhando impotente. Ele mal podia
acreditar que o poderoso Wulfgar estivesse lá embaixo. O momento parecia irreal
para ele, contra sua sensibilidade.
Mas era real.
E Drizzt estava impotente.
Ondas de culpa atingiram o drow, a percepção que havia causado a caçada de
sua irmã e, portanto, causara a morte de Wulfgar. Ele sumariamente descartou os
pensamentos, recusando-se a tê-los novamente.
Agora era a hora de despedir-se de seu companheiro, seu querido amigo.
Queria estar com Wulfgar, ao lado do jovem bárbaro e consolá--lo, guiá-lo,
compartilhar mais uma piscadela maliciosa e corajosamente enfrentar juntos
quaisquer mistérios que a morte lhes apresentasse.
— Adeus, meu amigo — sussurrou Drizzt, tentando futilmente impedir que
sua voz se quebrasse. — Esta jornada você vai fazer sozinho.

O retorno ao Salão de Mitral não foi um momento de comemoração para os


amigos cansados e exaustos. Eles não podiam reivindicar a vitória sobre o que
acontecera nos túneis inferiores. Cada um dos quatro, Drizzt, Bruenor, Cattibrie e
Regis, mantinha uma perspectiva diferente sobre a perda de Wulfgar, pois o
relacionamento do bárbaro tinha sido muito diferente para cada um deles — como
um filho de Bruenor, um noivo para Cattibrie, um camarada para Drizzt, um
protetor para Regis.
As feridas físicas de Bruenor eram as mais sérias. O rei anão perdera um olho
e carregaria uma cicatriz azul-avermelhada da testa até a linha do maxilar pelo
resto de seus dias. As dores físicas, no entanto, eram o menor dos problemas de
Bruenor.
Muitas vezes nos dias seguintes, o robusto anão de repente se lembrava de
algum arranjo a ser feito com o clérigo que presidiria o casamento, apenas para
lembrar que Cobble não estaria lá para ajudá-lo a resolver as coisas, lembrar que
não haveria casamento naquela primavera no Salão de Mitral.
Drizzt via o intenso pesar gravado no rosto do anão. Pela primeira vez nos
anos em que conhecia Bruenor, o ranger pensou que o anão parecia velho e
cansado. Drizzt mal podia suportar olhar para ele, mas seu coração se partiu ainda
mais quando passava por Cattibrie.
Ela era jovem e cheia de vida e se sentindo imortal. Agora a percepção de
Cattibrie do mundo havia sido destruída.
Os amigos mantiveram-se em silêncio à medida que as longas horas
intermináveis se arrastavam. Drizzt, Bruenor e Cattibrie se viam raramente, e
nenhum deles via Regis.
Nenhum deles sabia que o halfling havia saído do Salão de Mitral, na saída
oeste, para o Vale do Guardião.

Regis avançou para um esporão rochoso, quinze metros acima do chão


irregular do extremo sul de um vale comprido e estreito. Ele encontrou uma figura
flácida, pendurada pelos farrapos de um manto rasgado. O halfling estava na parte
acima da coisa, perto da pedra exposta enquanto os ventos o golpeavam. Para sua
surpresa, o homem abaixo dele se mexeu ligeiramente.
— Vivo? — o halfling sussurrou com aprovação. Entreri, com o corpo
obviamente quebrado e rasgado, estava pendurado por mais de um dia. — Ainda
está vivo? — sempre cauteloso, especialmente quando se tratava de Artemis
Entreri, Regis tirou a adaga com joias e colocou sua lâmina de afiada sob a costura
restante do manto para que um movimento de seu pulso fizesse o assassino
perigoso se soltar.
Entreri conseguiu inclinar a cabeça para o lado e gemer fracamente, embora
não conseguisse encontrar forças para formar palavras.
— Você tem algo meu — Regis disse.
O assassino se virou um pouco mais, esforçando-se para vê-lo, e Regis
estremeceu e recuou um pouco ante a visão grotesca do rosto destroçado do
homem. Sua bochecha esmigalhada, a pele arrancada do lado do rosto, o assassino
obviamente não podia ver além do olho que havia virado na direção de Regis.
E Regis tinha certeza de que o homem, com os ossos quebrados, a agonia
atacando-o de cada ferida berrante, nem sabia que não podia ver.
— O pingente de rubi — disse Regis, com mais força, observando a pedra
preciosa hipnótica que pendia na corrente usada por Entreri.
Entreri aparentemente compreendeu, pois sua mão avançou em direção ao
item, mas caiu frouxa, fraca demais para continuar.
Regis sacudiu a cabeça e pegou a bengala. Mantendo a adaga firme contra o
manto, ele alcançou abaixo e cutucou Entreri.
O assassino não respondeu.
Regis o cutucou de novo, com muito mais força, depois várias vezes antes de
se convencer de que o assassino estava de fato indefeso. Com o sorriso largo, Regis
enganchou a ponta da bengala sob a corrente em volta do pescoço do assassino e
inclinou-a gentilmente para o lado de fora, levantando o pingente.
— Qual é a sensação? — Regis perguntou enquanto pegava seu rubi. Ele
cutucou o bastão, acertando Entreri na parte de trás da cabeça.
— Qual é a sensação de estar indefeso, prisioneiro dos caprichos de outra
pessoa? Quantos outros você colocou na posição que você desfruta agora? —
Regis o cutucou de novo. — Uma centena?
Regis se moveu para atacar de novo, mas depois percebeu algo de valor
pendurado em uma corda do cinto do assassino. Recuperar este item seria muito
mais difícil do que pegar o pingente, mas Regis era um ladrão, afinal, e se
orgulhava (secretamente, é claro) de ser bom nisso. Ele enrolou a corda de seda na
pedra e desceu, colocando o pé nas costas de Entreri para se equilibrar.
A máscara era dele.
Por via das dúvidas, o halfling ladrão enfiou as mãos nos bolsos do assassino,
encontrando uma pequena bolsa e uma pedra preciosa bastante valiosa.
Entreri gemeu e tentou se virar. Assustado com o movimento, Regis estava de
volta ao esporão de pedra em um piscar de olhos, a adaga novamente firmemente
contra a costura esfarrapada da capa.
— Eu poderia mostrar misericórdia — observou o halfling, olhando para
cima, para os abutres que circulavam no alto, os carniceiros que mostraram o
caminho até Entreri. — Eu poderia trazer Bruenor e Drizzt para levar você. Talvez
você tenha informações que possam ser valiosas.
As lembranças de Regis sobre as torturas de Entreri voltaram quando ele
percebeu sua própria mão, com dois dedos a menos, que o assassino havia cortado
— com a própria adaga que Regis segurava agora. Que beleza irônica, pensou
Regis.
— Não — por fim decidiu. — Eu não me sinto particularmente
misericordioso hoje — ele olhou para cima novamente. — Deveria deixar você
pendurado aqui para os abutres devorarem — disse.
Entreri não reagiu de modo algum.
Regis sacudiu a cabeça. Ele poderia ser frio, mas não a esse nível, não ao
nível de Artemis Entreri.
— As asas encantadas salvaram você quando Drizzt deixou você cair — disse
— mas elas não existem mais! — Regis sacudiu o pulso, cortando a costura
restante da capa e deixou o peso do assassino fazer o resto.
O assassino ainda estava pendurado quando Regis se afastou do esporão, mas
o manto começou a rasgar.
Artemis Entreri ficara sem truques.
CAPÍTULO 25

Provocação de Anão
MATRIARCA BAENRE SENTOU-SE CONFORTAVELMENTE na cadeira
almofadada, com seus dedos murchos batendo impacientemente nos braços duros
de pedra do assento. Uma cadeira semelhante, a única outra mobília naquela sala
particular de reuniões, descansava em sua frente, e nela estava o mais
extraordinário mercenário.
Jarlaxle tinha acabado de voltar do Salão de Mitral com um relatório que
Matriarca Baenre aguardava.
— Drizzt Do’Urden continua livre — ela murmurou baixinho. Estranhamente,
parecia a Jarlaxle como se tal fato não desagradasse a Matriarca Mãe conivente. O
que Baenre estava aprontando desta vez, o mercenário se perguntou.
— Eu culpo Vierna — Jarlaxle disse calmamente. — Ela subestimou as
artimanhas de seu irmão mais novo — deu uma risada maliciosa. — E pagou com
a vida por seu erro.
— Eu culpo você — Matriarca Baenre rapidamente mencionou. — Como
você vai pagar?
Jarlaxle não sorriu, mas simplesmente retornou a ameaça com um olhar
sólido. Ele conhecia Baenre bem o suficiente para entender que, como um animal,
ela podia farejar o medo, e tal cheiro muitas vezes guiava suas próximas ações.
Matriarca Baenre devolveu o olhar severo, os dedos tamborilando.
— Os anões se organizaram contra nós mais depressa do que acreditávamos
que aconteceria — prosseguiu o mercenário depois de alguns momentos
incômodos de silêncio. — Suas defesas eram fortes, assim como sua determinação
e, aparentemente, sua lealdade a Drizzt Do’Urden. Meu plano — ele enfatizou a
referência pessoal — funcionou perfeitamente. Nós levamos Drizzt Do’Urden sem
muita dificuldade. Mas Vierna, contra meus desejos, permitiu ao espião humano o
seu combate antes que ela estivesse longe o suficiente do Salão de Mitral. Ela não
entendia a lealdade dos amigos de Drizzt Do’Urden.
— Você foi enviado para resgatar Drizzt Do’Urden — disse a Matriarca
Baenre baixo demais. — Drizzt não está aqui. Logo, você falhou.
Jarlaxle ficou em silêncio mais uma vez. Não havia sentido em argumentar a
lógica de Matriarca Baenre, pois ela não precisava de aprovação e não buscava
nenhuma, em qualquer de suas ações. Aquela era Menzoberranzan e, na cidade
drow, a Matriarca Baenre não tinha iguais.
Ainda assim, Jarlaxle não temia que a matriarca decrépita o matasse. Ela
continuou com o ataque verbal, a voz subindo em um grito no momento em que
terminou com a bronca, mas por trás de tudo, Jarlaxle teve a nítida impressão de
que ela estava se divertindo. O jogo continuava, afinal; Drizzt Do’Urden
permanecia livre e esperando para ser pego, e Jarlaxle sabia que a Matriarca
Baenre não veria a perda de umas duas dúzias de soldados — machos, na verdade
— e Vierna Do’Urden como um preço alto.
Matriarca Baenre então começou a discutir as muitas maneiras que poderia
torturar Jarlaxle até a morte — ela preferia o roubo de pele, um método drow de
esfolar da vítima, um centímetro de cada vez, usando vários ácidos e facas
dentadas especialmente projetadas para isso.
Jarlaxle fez tudo o que pode para segurar o riso com tal ideia.
Matriarca Baenre parou de repente, e o mercenário temeu que ela tivesse
percebido que ele não estava levando-a a sério. Isso, Jarlaxle sabia, poderia ser um
erro fatal. Baenre não se importava com Vierna nem com os machos mortos; ela
aparentemente estava satisfeita por Drizzt ainda estar à solta. Mas ferir seu orgulho
era certamente morrer de forma lenta e agonizante.
A pausa de Baenre continuou interminável; ela até desviou o olhar. Quando
voltou para Jarlaxle, ele soltou um suspiro sincero de alívio, pois ela estava à
vontade, sorrindo amplamente como se algo tivesse acabado de lhe ocorrer.
— Não estou satisfeita — disse, uma mentira óbvia — mas vou perdoar sua
falha desta vez. Você trouxe informações valiosas.
Jarlaxle sabia a quem ela estava se referindo.
— Deixe-me — disse ela, acenando com a mão com aparente desinteresse.
Jarlaxle preferiria ficar mais tempo, para ter uma ideia do que a lindamente
conivente Matriarca Mãe poderia estar tramando. Ele, porém, era esperto demais
para contradizer Baenre quando ela estava com um humor tão curioso. Jarlaxle
havia sobrevivido como um renegado por séculos porque sabia quando deveria
partir.
Ele levantou-se da cadeira e aliviou seu peso sobre uma perna quebrada, então
estremeceu e quase caiu no colo de Baenre. Balançando a cabeça, Jarlaxle pegou a
bengala.
— Triel não curou complentamente — disse o mercenário, desculpando-se. —
Ela tratou meu ferimento, como você instruiu, mas não senti que toda a sua energia
estava no feitiço.
— Você merece, tenho certeza — foi tudo que a fria Matriarca Baenre iria
oferecer, e acenou para Jarlaxle sair mais uma vez. Baenre provavelmente instruiu
sua filha a deixá-lo com dor, e provavelmente estava tendo grande prazer em vê-lo
mancar pela sala.
Assim que a porta se fechou atrás do mercenário em partida, Matriarca Baenre
deu uma risada sincera. Baenre tinha sancionado a tentativa de capturar Drizzt
Do’Urden, mas isso não significava que esperava que tivesse sucesso. Na verdade,
a decrépita Matriarca Mãe esperava que tudo saísse exatamente como saiu.
— Você não é um tolo, Jarlaxle. É por isso que deixo você viver — disse à
sala vazia. — Você deve perceber agora que a situação atual não é sobre Drizzt
Do’Urden. Ele é um inconveniente, um mosquito e quase não é digno dos meus
pensamentos.
— Mas ele é uma desculpa conveniente — continuou a Matriarca, mexendo
num dente largo de anão, preso a um anel e pendurado numa corrente no pescoço.
Baenre estendeu a mão e soltou o fecho do colar, depois segurou o item na palma
da mão e entoou baixinho, usando a antiga língua anã.

Para todos os anões em todos os reinos


Escudos pesados, e elmos brilhantes que verei
Martelos acertando, ouça-os ressoando
Saia, meu prêmio, meu atormentado rei!

Um redemoinho de fumaça azulada apareceu na ponta do dente anão. A névoa


ganhou tamanho e velocidade enquanto os segundos passavam. Logo, um pequeno
tornado se levantou da mão da matrona Baenre. Inclinou-se para longe pela ordem
mental, intensificando-se em velocidade e luz, crescendo à medida que se estendia
para fora. Depois de alguns momentos, se libertou do dente e rodopiou no meio da
sala, onde brilhava uma luz azul intensa.
Gradualmente, formou-se uma imagem no meio daquele redemoinho: um
velho anão de barba grisalha parado muito quieto no vórtice, as mãos levantadas
cerradas com força.
O vento, a luz azul, desapareceu, deixando o espectro do antigo anão. Não era
uma imagem sólida, apenas translúcida, mas os detalhes distintivos do fantasma —
a barba grisalha tingida de vermelho e os olhos cinza aço — mostravam-se
claramente.
— Gandalug Martelo de Batalha — disse a matriarca Baenre imediatamente,
utilizando o poder vinculativo do verdadeiro nome do anão para manter o espírito
inteiramente sob seu comando. Diante dela estava o primeiro rei do Salão de
Mitral, o patriarca do Clã Martelo de Batalha.
O anão antigo olhou para o sua velha inimiga, com os olhos retesados pelo
ódio.
— Já faz muito tempo — provocou Baenre.
— Eu passaria por uma eternidade de tormento enquanto tivesse a garantia de
que você não estaria lá, bruxa drow! — o fantasma respondeu com sua voz grave.
— Eu...
Uma onda de mão de Matriarca Baenre silenciou o espírito irado.
— Eu não o chamei para ouvir suas queixas — respondeu. — Eu pensei em
oferecer-lhe algumas informações que você pode achar interessantes.
O espírito virou de lado e inclinou a cabeça barbuda para olhar por cima do
ombro, prontamente evitando olhar para Baenre. Gandalug tentava parecer
indiferente, distante, mas, como a maioria dos anões, o velho rei não era tão bom
em esconder seus verdadeiros sentimentos.
— Ora, querido Gandalug — provocou Baenre. — Como a espera deve ser
chata para você! Séculos se passaram enquanto você esteve em sua prisão.
Certamente se importa em saber como seus descendentes estão. — Gandalug fez
uma pose pensativa sobre o outro ombro, tornando a olhar para Matriarca Baenre.
Como odiava aquela drow decrépita! Porém, mencionar seus descendentes o
alarmou, não podia negar. A herança era o mais importante para qualquer anão
respeitável, mesmo acima de pedras preciosas e joias, e Gandalug, como o
patriarca de seu clã, considerava cada anão que se aliava ao Clã Martelo de Batalha
como um de seus próprios filhos.
Ele não conseguia esconder sua preocupação.
— Você esperava que eu me esquecesse do Salão de Mitral? — Baenre
perguntou provocativamente. — Fazem apenas dois mil anos, velho rei.
— Dois mil anos — Gandalug cuspiu de volta enojado. — Por que você não
apenas morre, bruxa velha?
— Logo — Baenre respondeu e acenou ante a verdade de sua própria
declaração —, mas não antes de completar o que comecei dois mil anos atrás.
— Você se lembra daquele dia fatídico, velho rei? — ela continuou, e
Gandalug estremeceu, entendendo que ela pretendia fazê-lo novamente, abrir
velhas feridas e deixar o anão em total desespero.

Quando os corredores eram novos, quando os veios eram fartos,


Paredes reluzentes, com prata escorregadia,
Quando o rei era jovem, a aventura era fresca
e seus parentes cantavam como um só,
Quando Gandalug governava do trono de mitral,
o Clã Martelo de Batalha havia começado.
Compelido pela magia do entoar contínuo de Matriarca Baenre, Gandalug
Martelo de Batalha percebeu seus pensamentos correndo soltos pelos corredores do
passado distante, de volta à época da fundação do Salão de Mitral, de volta a
quando ele olhava para a frente com esperança para seus filhos, e seus filhos
depois deles.
De volta ao tempo logo antes de conhecer Yvonnel Baenre.

Gandalug ficou observando o entalhe enquanto os anões ocupados do Clã


Martelo de Batalha cavavam as paredes inclinadas da grande caverna, entalhando
os degraus que se tornariam a Cidade Baixa do Salão de Mitral. Essa foi a visão
de Bruenor, o terceiro filho de Gandalug, o maior herói do clã, que liderou a
procissão que trouxe os milhares de anões àquele lugar.
— Você fez bem em entregar a Bruenor — comentou o anão sujo ao lado do
rei idoso, referindo-se à decisão de Gandalug de conceder seu trono a Bruenor, e
não aos seus irmãos mais velhos. Ao contrário de muitas das raças, os anões não
atribuíam automaticamente sua herança ou títulos ao primogênito, adotando a
abordagem mais pragmática de escolher o que achavam mais adequado.
Gandalug assentiu e ficou contente. Ele estava velho, já tinha passado dos
quatro séculos e estava cansado. A busca de sua vida tinha sido estabelecer seu
próprio clã, o clã Martelo de Batalha, e passara a maior parte de dois séculos
buscando a localização apropriada para um reino. Pouco depois do clã Martelo
de Batalha ter dominado e estabelecido o Salão de Mitral, Gandalug começou a
ver a verdade e começou a perceber que seu tempo e seu dever estavam acabando.
Suas ambições foram satisfeitas e, portanto, contentadas; Gandalug descobriu que
não poderia reunir a energia para se adequar aos planos que seus filhos e os
anões mais jovens prepararam diante dele, planos para a grande Cidade Baixa,
para uma ponte que atravessasse o enorme abismo do complexo no extremo leste,
para uma cidade acima do solo, ao sul das montanhas, para servir como um elo de
troca com os reinos circunvizinhos.
Tudo soava maravilhoso para Gandalug, é claro, mas ele não tinha o desejo
de passar por isso.
O velho de barba grisalha, o cabelo e os bigodes ainda exibindo indícios de
seu antigo vermelho flamejante, virou um olhar apreciativo para seu querido
companheiro. Através desses dois séculos, Gandalug não poderia ter pedido um
melhor companheiro de viagem do que Crommower Pwent, e agora, com mais uma
jornada diante dele, o rei que havia descido do trono estava feliz com a
companhia.
Ao contrário do real Gandalug, Crommower estava sujo. Ele usava uma
barba, ainda preta, e mantinha a cabeça raspada, de modo que seu imenso elmo
pontudo ficasse bem apertado. “Não posso correr por aí com meu elmo frouxo,
né?” Crommower gostava de dizer. E, com toda a verdade, Crommower Pwent
adorava se esbarrar em coisas. Ele era um furioso de batalha, um anão com uma
visão singular do mundo. Se alguém ameaçasse seu rei ou insultasse seus deuses,
ele o mataria, simples assim. Ele abaixava a cabeça e espetava o inimigo,
golpeava o inimigo com as pontas das manoplas, com os cravos dos cotovelos,
com os espigões dos joelhos. Ele arrancaria com uma mordida a orelha do
inimigo, a língua do inimigo, e até a cabeça do inimigo, se pudesse. Ele arranhava
e rasgava e chutava e cuspia, mas acima de tudo, ele vencia.
Gandalug, cuja vida tinha sido dura no mundo indomável, valorizava
Crommower acima de todos os outros em seu clã, mesmo acima de seus preciosos
e leais filhos. Essa visão não era compartilhada entre o clã. Alguns dos anões,
robustos como eram, mal podiam tolerar o odor de Crommower, e o barulho da
armadura coberta de pontas afiadas do furioso era tão desagradável quanto o som
de unhas arranhando um pedaço de ardósia.
Dois séculos viajando ao lado de alguém, lutando ao lado de alguém, muitas
vezes em situações desesperadas, tendem a fazer com que tais fatos sejam
pequenos.
— Venha, meu amigo — disse o velho Gandalug. Ele já havia se despedido de
seus filhos, de Bruenor, o novo rei do Salão de Mitral e de todo o seu clã. Agora
era a hora de viajar novamente, com Crommower ao seu lado, como havia sido
por tantos anos. — Eu vou expandir os limites do Salão de Mitral — proclamou
Gandalug —, para buscar mais riquezas para meu clã — e assim os anões
comemoraram, mas mais de um olho tinha ficado choroso naquele dia, pois todos
os anões entendiam que Gandalug não voltaria para casa.
— Acha que vamos conseguir uma boa luta ou duas nessa jornada? —
Crommower perguntou ansiosamente enquanto caminhava ao lado de seu amado
rei, sua armadura gritando ruidosamente a cada passo do caminho.
O velho de barba grisalha apenas riu.
Os dois passaram muitos dias vasculhando os túneis diretamente abaixo e a
oeste do complexo do Salão de Mitral. Porém, encontraram pouco no caminho do
precioso mitral prateado, certamente sem traços de quaisquer veios que se
comparassem os enormes depósitos de volta ao complexo propriamente dito.
Destemidos, os dois viajantes então desceram em cavernas que pareciam
estranhas até mesmo para suas sensibilidades anãs, em corredores onde a pressão
de milhares de toneladas de rocha empurravam cristais na frente deles em
redemoinhos, em túneis de cores bonitas, onde o líquen estranho brilhava em cores
estranhas.
Até o Subterrâneo.
Muito tempo depois de os óleos de sua lâmpada terem se esgotado, muito
depois de suas tochas terem queimado, Crommower Pwent conseguiu sua luta.
Tudo começou quando a miríade de padrões de cores revelados pela
infravisão dos anões sensíveis ao calor se tornou cinza e depois desapareceu
completamente em uma nuvem de escuridão.
— Meu rei! — Crommower gritou descontroladamente. — Eu perdi a visão!
— Eu também! — Gandalug assegurou ao malcheiroso furioso de batalha e,
previsivelmente, ouviu o rugido e o arrastar de pés ansiosos enquanto Crommower
acelerou, procurando um inimigo para espetar.
Gandalug correu em meio ao barulho da corrida do furioso. Ele tinha visto
magia suficiente para entender que algum bruxo ou clérigo havia deixado cair um
globo de escuridão sobre eles, e que, o velho de barba grisalha sabia,
provavelmente era apenas o começo de um ataque mais direto.
Os grunhidos e colisões de Crommower permitiram que Gandalug saísse da
área escura com relativamente poucas contusões. Ele deu uma rápida olhada em
seu adversário antes que outro globo caísse sobre ele.
— Drow, Crommower! — Gandalug gritou com terror em sua voz, pois,
mesmo naquela época, a reputação dos implacáveis elfos negros causava arrepios
ao longo das espinhas dos habitantes mais resistentes da superfície.
— Eu vi — veio a resposta surpreendentemente tranquila de Crommower. —
Devemos matar cerca de cinquenta dessas coisas magricelas, deitá-las com as
mãos sobre as cabeças, e usá-las como cortinas de janelas, assim que
endurecerem.
A visão dos drow e o uso de magia disseram a Gandalug que ele e o furioso
de batalha estavam em dificuldades, mas riu de qualquer maneira, ganhando
confiança e força da maneira confiante de seu amigo.
Eles saíram saltando do segundo globo, e um terceiro passou por eles, este
acompanhado pelo sutil som de clique das bestas de mão disparando.
— Vocês vão parar de fazer isso? — Crommower reclamou com os
misteriosos inimigos. — Como eu vou... Ai! Por que vocês são tão esquivos?
...espetar vocês se não consigo ver vocês?
Quando saíram do outro lado do globo, em um túnel mais amplo, cheio de
estalagmites altas e estalactites suspensas, Gandalug viu Crommower puxando um
pequeno dardo do lado de seu pescoço.
Os dois pararam; nenhum globo escurecido caiu sobre eles e nenhum drow
estava à vista, embora ambos os guerreiros experientes entendessem os muitos
esconderijos que os montes de estalagmites poderiam oferecer aos seus inimigos.
— Estava envenenado? — Gandalug perguntou com grande preocupação,
conhecendo a reputação sinistra dos dardos drows.
Crommower olhou curiosamente para o pequeno virote, depois levou a ponta
aos lábios e chupou com força, franzindo as sobrancelhas grossas de modo
contemplativo e estalando os lábios enquanto estudava o gosto.
— Sim — anunciou e jogou o dardo por cima do ombro.
— Nossos inimigos não estão longe — disse Gandalug, olhando ao redor.
— Bah, provavelmente fugiram — riu Crommower. — Que péssimo, também.
Meu elmo tá ficando enferrujado. Poderia usar um pouco de sangue de elfo
magricela para engordurar. Ow! — o guerreiro frenético grunhiu de repente e
agarrou um novo dardo, este saindo de seu ombro. Seguindo sua linha em ângulo,
Gandalug entendeu a armadilha; os elfos drow não estavam se escondendo entre
as estalagmites, mas acima, levitando entre as estalactites!
— Separar! — o furioso de batalha gritou. Ele agarrou Gandalug e o afastou.
Normalmente, os anões teriam ficado juntos, lutando de costas um contra o outro,
mas Gandalug entendeu e concordou com o raciocínio de Crommower. Mais de um
anão amistoso fora atingido por uma garra de manopla ou um cravo de joelho
quando o selvagem Crommower entrava em seu frenesi de luta.
Vários dos elfos negros desceram rapidamente, armas foram sacadas, e
Crommower Pwent, com a típica intensidade de um furioso de batalha,
enlouqueceu. Ele pulou ao redor, acertando elfos e estalagmites, espetando um
drow na barriga com o espigão de seu elmo, depois amaldiçoando sua sorte
enquanto o drow agonizante ficava preso. Encurvado como estava, Crommower
levou vários golpes cortantes pelas costas, mas só rugiu de raiva, flexionou os
músculos consideráveis e endireitou-se, levando o desafortunado e empalado drow
para um passeio.
Com a insanidade de Crommower ocupando a maior parte da força inimiga,
Gandalug se saiu bem inicialmente. Ele enfrentou duas drow. O velho anão ficou
bastante impressionado com a beleza dessas criaturas malignas, as feições
angulosas, mas não afiadas, o cabelo mais brilhante do que a barba de uma dama
anã bem vestida e os olhos muito intensos. Essa observação não retardou o desejo
de Gandalug de arrancar a pele dos rostos drow, no entanto, e ele agitava seu
machado de batalha de um lado para o outro, golpeando de lado os escudos e
bloqueando as armas, forçando as drow a recuarem.
Mas então Gandalug fez uma careta de dor uma vez, outra vez e depois uma
terceira vez, enquanto alguns projéteis invisíveis queimavam suas costas. Energia
mágica deslizou através de sua bela armadura de placas e mordeu sua pele. Um
momento depois, o velho de barba grisalha ouviu Crommower rosnar de raiva e
cuspir:
— Maldito mago! — sabia então que seu amigo tinha sido igualmente
atacado.
Crommower avistou o lançador de magia sob os balanços das pernas do drow
agora morto empalado em seu capacete.
— Eu odeio magos — ele resmungou, e começou a abrir caminho em direção
ao drow distante.
O mago disse algo em uma linguagem que Crommower não conseguia
entender, mas deveria ter percebido quando os seis elfos negros contra os quais ele
estava lutando subitamente se separaram, abrindo uma linha direta entre
Crommower e o mago.
Porém, Crommower não estava em nenhum estado racional, consumido como
estava pela raiva da batalha, pela sede de sangue. Pensando em dar um soco
direto no mago, avançou adiante, o drow morto caindo sobre seu elmo. O furioso
de batalha não percebeu o entoar do mago, nem da haste de metal que o drow
apontou para ele.
Então Crommower estava voando, cegado por um lampejo repentino e
atirado para trás pela energia de um relâmpago. Ele bateu em uma estalagmite
com força e deslizou até o chão.
— Eu odeio magos — o anão murmurou uma segunda vez, e soltou o drow
morto de sua cabeça, saltou para cima e atacou novamente, furioso e fumegando.
Ele baixou a cabeça, colocou o capacete em linha e empurrou para frente
furiosamente, saltando sobre montes, sua armadura raspando, e gritando. Os
outros elfos negros com os quais estava lutando vieram ao seu lado, golpeando
com belas espadas, batendo com maças encantadas enquanto o furioso de batalha
arava com sua manopla, e o sangue corria livremente de vários ferimentos.
O grito contínuo de Crommower soou sem interrupção; se sentiu os
ferimentos, não demonstrou. A raiva, focada diretamente no mago drow, o
consumiu.
O mago percebeu então que seus guerreiros não seriam capazes de deter a
criatura insana. Ele invocou sua magia inata, esperando que tais coisas anãs
escandalosas não pudessem voar, e começou a levitar do chão.
Gandalug ouviu a comoção atrás de si e estremeceu toda vez que ouvia um
som que indicava que Crommower tinha sido atingido. Mas o velho de barba
cinzenta pouco poderia fazer para ajudar seu amigo. Essas drow eram
surpreendentemente boas lutadoras, atacando em perfeita harmonia e aparando
todos os seus ataques, conseguindo até alguns acertos, uma golpeando com uma
espada afiada, a outra usando uma maça ferozmente brilhante. Gandalug
sangrava em vários lugares, embora nenhum dos ferimentos fosse sério.
Quando os três se acomodaram em um ritmo de dança, a que empunhava a
maça recuou da luta e começou um encantamento.
— Ah não, não vai não! — Gandalug sussurrou, e dirigiu-se com força para a
que empunhava a espada, forçando-a num entrave. A drow esguia não era páreo
fisicamente para a força bruta do anão, e Gandalug a puxou para fazê-la chocar-
se com a companheira e interromper o feitiço.
Lá foi o velho de barba grisalha, o primeiro rei do Salão de Mithral, batendo
nas duas com seu escudo, atingindo-as com a imagem da caneca de cerveja do clã
que fundara.
De volta ao corredor, Crommower virou-se para o lado, virtualmente subiu
correndo uma estalagmite e saltou para o alto, o espigão de seu capacete
acertando o joelho do mago em ascensão, estilhaçando a rótula e cortando a parte
de trás da perna.
O mago gritou em agonia. Sua levitação era forte o suficiente para manter a
ambos no ar, e no borrão de dor, o drow terrivelmente ferido não conseguia pensar
em desfazer o feitiço. Eles ficaram estranhamente pendurados no ar, o mago
agarrando sua perna, suas mãos fracas de dor, e Crommower se debatendo de um
lado para o outro, destruindo a perna e socando com os espetos das manoplas. Ele
sorriu ao afundá-las profundamente nas coxas do drow.
Uma chuva de sangue quente desceu sobre o furioso de batalha, alimentando
seu frenesi.
Mas o outro drow estava sob Crommower, que não estava tão acima do chão.
Ele tentou colocar as pernas debaixo dele enquanto as espadas golpeavam seus
pés. Então empurrou e entendeu que essa seria sua batalha final, quando um drow
surgiu com uma longa lança e enfiou-a com força no rim do furioso de batalha.
A portadora da maça recuou novamente, fazendo uma curva, e Gandalug se
aproximou rapidamente da drow com a espada. O anão moveu-se como se
quisesse empurrar novamente com o escudo, apertando-a com força e a
empurrando como fizera antes. O astucioso anão velho parou e caiu baixo, seu
machado afiado se aproximando e varrendo os pés da drow por baixo dela.
Gandalug caiu sobre ela em um instante, aceitando um corte desagradável da
espada e dando em troca um golpe de partir a cabeça.
Ele olhou para cima a tempo de ver um martelo mágico aparecer no ar diante
dele e golpeá-lo no rosto. Gandalug mexeu a língua grossa curiosamente, depois
cuspiu um dente, olhando incrédulo para a jovem... E essa drow era de fato jovem.
— Você só pode estar brincando — comentou o velho de barba grisalha. Ele
mal notou que a drow já havia lançado um segundo feitiço, pegando o dente com
uma mão magicamente conjurada.
O martelo mágico continuou seu ataque, acertando um segundo golpe no lado
da cabeça de Gandalug enquanto se endireitava sobre o drow.
— Você está morta — ele prometeu à jovem, sorrindo maliciosamente. Sua
alegria fora roubada, no entanto, quando um grito retumbante dividiu o ar.
Gandalug tinha visto muitas batalhas ferozes; conhecia um grito de morte quando
ouvia um, e soube que este tinha vindo de um anão.
Ele passou um instante se recompondo, lembrando-se de que ele e o velho
Crommower sabiam que essa era sua última jornada. Quando voltou a se
concentrar, viu que a jovem recuara ao redor da curva e a ouviu entoando
baixinho. Gandalug sabia que outros elfos negros logo estariam às suas costas,
mas determinou então que encontrariam suas duas companheiras mortas. O anão
teimoso seguiu em frente, sem se importar com qualquer magia que a jovem drow
pudesse ter esperando por ele.
Ele a viu, vulnerável no meio da passagem, olhos fechados, mãos ao lado,
quando dobrou a esquina. Então o velho de barba grisalha investiu — para ser
interceptado por um súbito turbilhão, um vórtice que o rodeava, que o deteve e o
manteve no lugar.
— O que você está fazendo? — Gandalug rugiu. Ele lutou freneticamente
contra a magia astuciosa, mas não conseguiu se libertar de seu aperto teimoso,
não conseguiu sequer arrastar os pés na direção da drow.
Então Gandalug sentiu uma sensação horrível no peito. Ele não podia mais
sentir o golpe do ciclone, mas seus ventos continuavam, como se de algum modo
tivessem encontrado uma maneira de atravessar sua pele. Gandalug sentiu um
puxão em sua alma, sentiu como se suas entranhas estivessem sendo arrancadas.
— O que você...? — começou a perguntar novamente, mas suas palavras
desapareceram em um balbuciar desconexo quando perdeu o controle de seus
lábios, perdeu o controle de todo o seu corpo. Ele flutuou impotente em direção à
drow, em direção à mão estendida e a um item curioso — o que era, ele se
perguntou. O que ela estava segurando?
O seu dente.
Então havia apenas vazio branco. De uma grande distância, Gandalug ouviu
a tagarelice dos elfos negros e teve uma última visão enquanto olhava para trás.
Um corpo — o seu próprio corpo! — deitado no chão, cercado por vários elfos
negros.
Seu corpo...


O fantasma anão balançou fracamente quando saiu do sonho, o pesadelo, que
a cruel Yvonnel Baenre, aquela jovem cruel, mais uma vez o forçara. Baenre sabia
que aquelas lembranças eram a tortura mais horrível que poderia aplicar ao anão
teimoso, e ela a aplicava frequentemente.
Agora Gandalug olhava para ela com ódio total. Lá estavam eles, quase dois
mil anos depois, dois mil anos de uma prisão branca vazia e terríveis lembranças
das quais o pobre Gandalug não podia escapar.
— Quando você saiu do Salão de Mitral, você deu o trono para o seu filho —
afirmou Baenre. Ela conhecia a história, forçara-a a sair de seu atormentado
prisioneiro muitos séculos antes. — O novo rei do Salão de Mitral é chamado
Bruenor -— esse era o nome do seu filho, não é?
O espírito se manteve firme, manteve o olhar firme e determinado. A
Matriarca Baenre riu dele.
— Contidos em sua memória estão os caminhos e as defesas do Salão de
Mitral — disse —, não tão diferentes agora quanto o eram na sua época, se entendo
bem como são os anões. É irônico, não é, que você, grande Gandalug, o fundador
do Salão de Mitral, o patrono do Clã Martelo de Batalha, ajude na destruição do
salão e do seu clã?
O rei anão uivou de raiva e cresceu em tamanho, mãos gigantescas
estendendo a mão para a garganta magra e murcha de Baenre. A Matriarca Mãe riu
dele novamente. Ela estendeu o dente e o redemoinho veio ao seu comando,
agarrando Gandalug e o banindo de volta para sua prisão branca.
— E assim Drizzt Do’Urden escapou — ronronou a Matriarca Baenre e ficou
feliz. — Ele é uma desculpa afortunada e nada mais!
O sorriso maligno de Baenre se alargou quando ela se sentou
confortavelmente em sua cadeira, pensando em como Drizzt Do’Urden lhe
permitiria cimentar a aliança de que precisaria, pensando em como a coincidência e
o destino haviam lhe dado os meios e o método para a conquista que tinha desejado
por quase dois mil anos.
Epílogo

DRIZZT DO’URDEN SENTOU-SE EM SEUS APOSENTOS particulares,


considerando tudo que havia acontecido. Memórias de Wulfgar dominavam seus
pensamentos, mas não eram imagens sombrias, não eram imagens da alcova onde
Wulfgar havia sido enterrado. Drizzt lembrou-se das muitas aventuras, sempre
emocionantes, muitas vezes imprudentes, que havia compartilhado ao lado do
homem imponente. Confiando em sua fé, Drizzt colocou Wulfgar no mesmo canto
do coração onde guardara as memórias de Zaknafein, seu pai. Não podia negar sua
tristeza pela perda de Wulfgar, não queria negar, mas as muitas boas lembranças do
jovem bárbaro de costas retas poderiam conter essa tristeza, trazer um sorriso doce
e saudoso ao rosto calmo de Drizzt Do’Urden.
Ele sabia que Cattibrie também chegaria a uma aceitação semelhante. Ela era
jovem e forte e cheia de um desejo por aventura, por mais perigosa que fosse, tão
grande quanto o de Drizzt e de Wulfgar. Cattibrie aprenderia a sorrir com as
lágrimas.
O único receio de Drizzt era por Bruenor. O rei anão não era tão jovem, nem
tão preparado para olhar para o que ainda estava por vir nos anos restantes. Mas
Bruenor sofrera muitas tragédias em sua longa e dura vida e, de um modo geral,
era comum os anões estoicos aceitarem a morte como uma passagem natural.
Drizzt tinha que confiar que Bruenor seria forte o suficiente para continuar.
Não foi até que Drizzt se concentrou em Regis que considerou as muitas
outras coisas que ocorreram. Entreri, o homem maligno que havia feita coisas
terríveis para muitos, tinha partido. Quantos nos quatro cantos de Faerun se
regozijariam com tal notícia?
E a Casa Do’Urden, a ligação de Drizzt com o mundo sombrio de seus
parentes, não existia mais. Teria Drizzt finalmente escapado de Menzoberranzan?
Poderia ele, e Bruenor e Cattibrie e todos os outros do Salão de Mitral, descansar
mais facilmente agora que a ameaça drow havia sido eliminada?
Drizzt desejou ter certeza. Segundo todos os relatos da batalha em que
Wulfgar fora morto, uma yochlol, uma aia de Lolth, aparecera. Se o ataque para
capturá-lo fora inspirado simplesmente pelo desespero de Vierna, então o que
trouxera um ser tão poderoso para o meio deles?
O pensamento não se encaixava muito bem para Drizzt e, sentado ali em seu
aposento, teve de se perguntar se a ameaça dos drow realmente acabara, se ele
finalmente poderia ter paz com aquela cidade que deixara para trás.

— Os emissários de Pedra do Veredito estão aqui — disse Cattibrie a Bruenor,


entrando nas câmaras privadas do anão sem nem mesmo a cortesia de uma batida.
— Eu não ligo — o rei anão respondeu-lhe rispidamente.
Cattibrie aproximou-se dele, agarrou-o pelo ombro largo e obrigou-o a virar-
se e a olhar nos olhos. O que se passou entre eles foi em silêncio, um momento
compartilhado de tristeza e compreensão de que, se não continuassem com suas
vidas, não avançariam, então a morte de Wulfgar seria ainda mais inútil.
Que perda é a morte se a vida não é para ser vivida?
Bruenor agarrou a filha ao redor de sua cintura esbelta e puxou-a para perto,
esmagando-a no abraço mais apertado que o anão jamais dera. Cattibrie o apertou
de volta, as lágrimas rolando de seus profundos olhos azuis. Assim também, um
sorriso se alargou no rosto da jovem mulher cheia de vida, e embora os ombros de
Bruenor se sacudissem com soluços descarados, ela teve certeza de que ele logo
ficaria em paz.
Por tudo o que tinha passado, Bruenor ainda era o oitavo rei do Salão de
Mitral, e por todas as aventuras, alegrias e tristezas que Cattibrie conhecera, ela
acabara de passar seu vigésimo ano.
E ainda havia muito por fazer.
DRIZZT DO’URDEN VAI VOLTAR
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Table of Contents
Orelhas
Mapa
Prelúdio
Parte I — O Medo Inspirador
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Parte 2 — Percepções
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Parte 3 — Legado
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Parte 4 — Gato e rato
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Parte 5 — Fim de Jogo
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Epílogo
Contracapa

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