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7 Legado - (A Lenda de Drizzt) - R. A. Salvatore
7 Legado - (A Lenda de Drizzt) - R. A. Salvatore
7 — Legado
©2006 Wizards of the Coast, LLC. Todos os direitos reservados. Dungeons &
Dragons, D&D, Forgotten Realms, Wizards of the Coast, The Legend of Drizzt e
seus respectivos logos são marcas registradas de Wizards of the Coast, LLC.
CRÉDITOS
Título Original: The Legend of Drizzt, Book 7: The Legacy
Tradução: Carine Ribeiro
Revisão: Rogerio Saladino
Diagramação: Guilherme Dei Svaldi
Ilustrações da Capa: Todd Lockwood
Ilustrações do Miolo: Dora Lauer e Walter Pax
Conversão para e-book: Vinicius Mendes
Editor-Chefe: Guilherme Dei Svaldi
Rua Coronel Genuíno, 209 • Porto Alegre, RS • CEP 90010-350 • Tel (51) 3391-
0289 • editora@jamboeditora.com.br • www.jamboeditora.com.br
Todos os direitos desta edição reservados à Jambô Editora. É proibida a reprodução
total ou parcial, por quaisquer meios existentes ou que venham a ser criados, sem
autorização prévia, por escrito, da editora.
1ª edição: abril de 2019
Para Diane,
compartilhe comigo.
Prelúdio
O Medo Inspirador
QUASE TRÊS DÉCADAS SE PASSARAM desde que deixei minha pátria;
muito pouco tempo pelas contas de um elfo drow, mas um período que parecia uma
vida inteira para mim.
Tudo o que eu desejava, ou acreditava que desejava, quando saí da caverna
escura de Menzoberranzan, era um verdadeiro lar. Um lugar de amizade e paz,
onde pudesse pendurar minhas cimitarras sobre uma lareira quente e compartilhar
histórias com companheiros de confiança.
Encontrei tudo isso agora, ao lado de Bruenor nos salões sagrados de sua
juventude. Nós prosperamos. Estamos em paz. Eu uso minhas armas apenas em
minhas viagens de cinco dias entre o Salão de Mitral e Lua Argêntea.
Eu estava errado?
Não tenho dúvidas sobre, nem jamais lamento, minha decisão de deixar o
mundo vil de Menzoberranzan, mas estou começando a acreditar agora, no silêncio
e paz (sem fim), que meus sonhos naquele tempo crítico foram fundados no
inevitável desejo de minha inexperiência. Eu nunca conheci aquela existência
calma que tanto desejava.
Não posso negar que minha vida é melhor, mil vezes melhor do que qualquer
coisa que já conheci no Subterrâneo. E, no entanto, não me lembro da última vez
em que senti a ansiedade, o medo inspirador, da batalha iminente, o formigamento
que só se pode sentir quando está próximo um inimigo ou um desafio deve ser
enfrentado.
Ah, me lembro de um único caso específico — há apenas um ano, quando
Wulfgar, Guenhwyvar e eu trabalhamos nos túneis inferiores na limpeza do Salão
de Mitral —, mas esse sentimento, aquele formigamento de medo, há muito
desapareceu da memória.
Somos então criaturas de ação? Dizemos que desejamos esses clichês de
conforto socialmente aceitos quando, na verdade, é o desafio e a aventura que
realmente nos dão vida?
Devo admitir, pelo menos para mim mesmo, que não sei.
Porém, há um ponto que não posso contestar, uma verdade que
inevitavelmente me ajudará a resolver tais questões e que me coloca em uma
posição afortunada. Por enquanto, ao lado de Bruenor e dos seus, ao lado de
Wulfgar, Cattibrie e Guenhwyvar, minha querida Guenhwyvar, meu destino
pertence apenas a mim.
Estou mais seguro agora do que nunca em meus sessenta anos de vida. As
perspectivas para o futuro nunca pareceram tão boas, para a paz e a segurança
contínuas. E ainda assim, me sinto mortal. Pela primeira vez, olho para o que
passou e não para o que ainda está por vir. Não há outra maneira de explicá-lo.
Sinto que estou morrendo, que as histórias que tanto desejava compartilhar com
amigos em breve ficarão obsoletas, sem nada para substituí-las.
Mas então me lembro novamente: é por minha própria escolha.
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 1
O Alvorecer da Primavera
DRIZZT DO’URDEN CAMINHAVA LENTAMENTE AO longo de uma
trilha no espigão saliente ao sul das Montanhas da Espinha do Mundo, enquanto o
céu brilhava ao seu redor. Ao longe, ao sul, do outro lado da planície até a
Charneca Perene, ele notou o brilho das últimas luzes de alguma cidade distante
(Nesmé, provavelmente) diminuindo, sendo substituídas pela luz crescente do
amanhecer. Quando Drizzt virou outra curva na trilha da montanha, viu a pequena
cidade de Pedra do Veredito, bem abaixo. Os bárbaros, parentes de Wulfgar do
distante Vale do Vento Gélido, estavam apenas começando suas rotinas matinais,
tentando colocar as ruínas de volta à ordem.
Drizzt observou as figuras, minúsculas naquela distância, agitadas em seus
afazeres, e lembrou-se de uma época não muito tempo atrás quando Wulfgar e seu
povo orgulhoso percorriam a tundra congelada de uma terra distante a noroeste, do
outro lado do alcance da grande montanha, a mil e quinhentos quilômetros de
distância.
A primavera, a temporada do comércio, estava se aproximando rapidamente, e
o povo estóico de Pedra do Veredito, trabalhando como distribuidores para os
anões do Salão de Mitral, logo conheceriam mais riqueza e conforto do que jamais
teriam acreditado ser possível em sua rotina prévia. Eles atenderam ao chamado de
Wulfgar, lutaram bravamente ao lado dos anões nos antigos salões e logo
colheriam as recompensas de seu trabalho, deixando para trás seus modos nômades
desesperados, como haviam deixado para trás o vento sem fim e impiedoso de Vale
do Vento Gélido.
— Até onde chegamos... — observou Drizzt ao vazio gelado do ar matinal, e
riu do duplo sentido de suas palavras, considerando que acabara de voltar de Lua
Argêntea, uma cidade magnífica a leste, um lugar onde aquele drow ranger
enclausurado jamais havia ousado acreditar que encontraria aceitação. De fato,
quando acompanhara Bruenor e os outros em sua busca pelo Salão de Mitral,
apenas dois anos antes, Drizzt havia sido enxotado dos portões decorados de Lua
Argêntea.
— Você tinha percorrido 100 km em uma semana — veio uma resposta
inesperada.
Drizzt baixou instintivamente suas mãos delgadas para os punhos das
cimitarras, mas sua mente alcançou seus reflexos e relaxou imediatamente,
reconhecendo a voz melódica com um sotaque anão mais do que sutil. Um
momento depois, Cattibrie, a filha adotiva humana de Bruenor Martelo de Batalha,
saltou ao redor de um afloramento rochoso, com sua grossa juba castanho-
avermelhada dançando no vento da montanha e seus profundos olhos azuis
brilhando como joias molhadas na fresca luz da manhã.
Drizzt não conseguiu esconder o sorriso com a pequena corrida alegre dos
passos da jovem, uma vitalidade que as batalhas muitas vezes cruéis que enfrentou
nos últimos anos não diminuíram. Tampouco Drizzt podia negar a onda de calor
que se precipitava sobre ele sempre que via Cattibrie, a jovem que o conhecia
melhor que qualquer um. Cattibrie compreendera Drizzt e o aceitara por seu
coração, e não pela cor de sua pele, desde a primeira vez que se encontraram num
vale rochoso e varrido pelo vento, mais de uma década antes, quando ela tinha
apenas metade da sua idade atual.
O elfo negro esperou mais um momento, esperando ver Wulfgar, que em
breve seria o marido de Cattibrie, seguindo-a pelo penhasco.
— Você percorreu uma distância razoável sem uma escolta — observou
Drizzt, quando viu que o bárbaro não apareceu.
Cattibrie cruzou os braços sobre o peito e se apoiou sobre um dos pés,
batendo impaciente com o outro.
— E você está começando a soar mais como meu pai do que como meu amigo
— ela respondeu. — Não vejo escolta andando pelas trilhas ao lado de Drizzt
Do’Urden.
— Bem colocado — admitiu o ranger drow, com um tom de voz respeitoso e
nada sarcástico. A bronca da jovem lembrou a Drizzt que Cattibrie sabia cuidar de
si mesma. Ela levava consigo uma espada curta anã e trajava uma armadura fina
sob seu manto de peles, tão bem feita quanto a cota de malha que Bruenor dera a
Drizzt! Taulmaril, o Buscador de Corações, o arco mágico de Anariel, descansava
sobre o ombro de Cattibrie. Drizzt nunca vira uma arma mais poderosa, e mesmo
além das ferramentas poderosas que carregava, Cattibrie fora criada entre os
robustos anões, pelo próprio Bruenor, tão duramente quanto a pedra da montanha.
— É sempre que você observa o sol nascente? Cattibrie perguntou, notando a
posição de Drizzt voltada para o leste.
Drizzt encontrou uma pedra achatada para sentar e convidou Cattibrie a se
juntar a ele.
— Eu vejo o nascer do sol desde os meus primeiros dias na superfície —
explicou, jogando sua grossa capa verde floresta sobre os ombros. —, embora
naquela época ele ferisse meus olhos; um lembrete de onde eu vim, suponho. Mas
agora, para meu alívio, descobri que consigo tolerar a luz.
— Isso é bom — respondeu Cattibrie. Ela prendeu os maravilhosos olhos do
drow com seu olhar intenso, forçando-o a olhar para ela, para o mesmo sorriso
inocente que ele tinha visto muitos anos antes em uma encosta varrida pelo vento
no Vale do Vento Gélido.
O sorriso de sua primeira amiga humanoide.
— Tenho certeza de que você pertence à luz do sol, Drizzt Do’Urden —
prosseguiu Cattibrie —, tanto quanto qualquer pessoa de qualquer raça, pelo que
posso ver.
Drizzt olhou para o amanhecer e não respondeu. Cattibrie ficou em silêncio
também, e eles se sentaram juntos por um longo tempo, observando o mundo que
despertava.
— Eu saí para ver você — Cattibrie disse de repente. Drizzt a olhou com
curiosidade, sem entender.
— Agora, quero dizer — explicou a jovem. — Nós ouvimos que você
retornou a Pedra do Veredito, e que você voltaria para o Salão de Mitral em poucos
dias. Eu estive aqui todos os dias desde então.
A expressão de Drizzt não mudou.
— Você quer falar comigo em particular? — ele perguntou, para incitar
alguma resposta.
O aceno deliberado de Cattibrie ao voltar-se para o horizonte a leste revelou a
Drizzt que algo estava errado.
— Não vou te perdoar se não for ao casamento — disse Cattibrie em voz
baixa. Ela mordeu o lábio inferior ao terminar, Drizzt notou, e então fungou,
embora se esforçasse para fazê-lo parecer o início de um resfriado.
Drizzt passou um braço pelos ombros fortes da linda mulher.
— Você pode acreditar por um instante, que mesmo se todos os trolls da
Charneca Perene estivessem entre mim e o salão da cerimônias, eu não estaria lá?
Cattibrie virou-se para ele — caiu em seu olhar — e sorriu amplamente,
sabendo a resposta. Ela jogou os braços ao redor do Drizzt para um abraço
apertado, então saltou de pé, puxando-o para o lado dela.
Drizzt tentou ficar igualmente aliviado, ou pelo menos fazê-la acreditar que
tinha. Cattibrie sabia o tempo todo que ele não faltaria no casamento dela com
Wulfgar, dois de seus mais queridos amigos. Por que, então, as lágrimas, a fungada
que não provinha de nenhum resfriado? O perceptivo ranger se perguntou. Por que
Cattibrie sentiu a necessidade de sair e encontrá-lo a apenas algumas horas da
entrada do Salão de Mitral?
Ele não falou com ela sobre isso, mas a dúvida o incomodava mais do que só
um pouco. Toda vez que a umidade se acumulava nos profundos olhos azuis de
Cattibrie, isso incomodava Drizzt Do’Urden mais do que só um pouco.
Juntos
COM O RIO SURBRIN FLUINDO EM UM VALE LOGO abaixo dele,
Drizzt entrou no portão leste do Salão de Mitral no início da mesma tarde. Cattibrie
havia chegado algum momento antes dele para aguardar a “surpresa” de seu
retorno. Os guardas anões deram as boas-vindas ao drow ranger como se ele fosse
um dos seus próprios parentes barbudos. Drizzt não podia negar o calor que sentia
no coração com tais boas-vindas, embora não fossem inesperadas, afinal, o povo de
Bruenor o aceitara como amigo desde seus dias no Vale do Vento Gélido.
Drizzt não precisava de escolta nos corredores sinuosos do Salão de Mitral, e
não desejava nenhuma, preferindo ficar sozinho com as muitas emoções e
lembranças que sempre vinham até ele quando atravessava essa parte do complexo
superior. Ele passou pela nova ponte no Desfiladeiro de Garumn. Era uma estrutura
de pedra bonita e arqueada que se estendia por centenas de metros através do
profundo abismo. Neste lugar Drizzt tinha perdido Bruenor para sempre, ou assim
tinha acreditado, pois havia visto o anão cair até as profundezas escuras nas costas
de um dragão flamejante.
Ele não pôde evitar um sorriso quando a memória fluiu para a conclusão; seria
preciso mais do que um dragão para matar o poderoso Bruenor Martelo de Batalha!
Ao aproximar-se do final da longa expansão, Drizzt notou que as novas torres
de guarda, iniciadas na semana anterior, estavam quase concluídas, tendo os anões
diligentes trabalhado com absoluta devoção. Ainda assim, todos os trabalhadores
anões, mesmo ocupados, olhavam para o drow que passava e diziam uma palavra
de saudação.
Drizzt dirigiu-se aos principais corredores que saíam da imensa câmara ao sul
da ponte, com o som de ainda mais martelos guiando o caminho. Logo depois da
câmara, além de uma pequena antessala, ele entrou em um corredor amplo e alto,
praticamente outro cômodo em si, onde os melhores artesãos do Salão de Mitral
trabalhavam com afinco, entalhando na parede de pedra as feições de Bruenor
Martelo de Batalha, em seu lugar apropriado ao lado das esculturas dos reis
ancestrais, os sete predecessores de seu trono.
— Belo trabalho, não é, drow? — o elfo negro ouviu. Drizzt virou-se para ver
um anão baixo e atarracado com uma barba amarela curta que mal chegava ao topo
de seu peito largo.
— É bom vê-lo, Cobble — Drizzt cumprimentou o anão. Bruenor
recentemente o nomeara como o Santo Clérigo dos Salões, uma posição
valorizada, de fato.
— Apropriada? — Cobble perguntou enquanto apontava para a escultura de
seis metros de altura do atual rei do Salão de Mitral.
— Para Bruenor, deveria ter trinta metros de altura — respondeu Drizzt, e o
bondoso Cobble se sacudiu em gargalhadas. O rugido contínuo dos martelos ecoou
atrás de Drizzt por muitos passos enquanto ele descia de novo pelos corredores
sinuosos.
Ele logo chegou à área do salão do andar superior, a cidade acima da
maravilhosa Cidade Baixa. Cattibrie e Wulfgar se alojavam naquela região, assim
como Bruenor na maior parte do tempo, enquanto se preparava para a temporada
de comércio da primavera. A maioria dos outros dois mil e quinhentos anões do clã
estava muito abaixo, nas minas e na Cidade Baixa, mas aqueles por ali eram os
comandantes da guarda da casa e os soldados de elite. Mesmo Drizzt, tão bem
recebido na casa de Bruenor, não podia ir até o rei sem anúncio e escolta.
Um anão de ombros quadrados, firme como uma rocha, com uma expressão
azeda e uma longa barba castanha que usava enfiada em um cinto largo cravejado
de joias, levou Drizzt pelo corredor final até o salão de audiências no nível
superior, que pertencia a Bruenor. General Dagna, como era chamado, fora
atendente pessoal do rei Harbromme da Cidadela Adbar, a fortaleza anã mais
poderosa do norte, mas o anão rude havia chegado à frente das forças da Cidadela
Adbar para ajudar Bruenor a recuperar seu antigo lar. Com a guerra vencida, a
maioria dos anões de Adbar havia partido, mas Dagna e dois mil outros
permaneceram após a limpeza do Salão de Mitral, jurando fidelidade ao clã
Martelo de Batalha e dando a Bruenor uma força sólida para defender as riquezas
da fortaleza dos anões.
Dagna ficou com Bruenor para servir como seu conselheiro e comandante
militar. Ele não professava amor por Drizzt, mas certamente não seria tolo o
suficiente para insultar o drow permitindo que um assistente menor escoltasse
Drizzt para ver o rei anão.
— Eu disse que ele voltaria — Drizzt ouviu Bruenor resmungando do outro
lado da porta aberta enquanto se aproximavam do auditório. — O elfo não ia
perder algo como seu casamento!
— Vejo que estão me esperando — comentou Drizzt para Dagna.
— Soubemos que cê tava por perto pelo povo de Pedra do Veredito —
respondeu o general rude, sem olhar para Drizzt enquanto falava. — Percebemos
que ia chegar qualquer dia.
Drizzt sabia que o general — um anão entre os anões, como os outros diziam
— via pouco valor nele, ou em qualquer um, incluindo Wulfgar e Cattibrie, que
não fosse anão. O elfo negro sorriu, porém, pois estava acostumado a tal
preconceito e sabia que Dagna era um aliado importante de Bruenor.
— Saudações — Drizzt disse a seus três amigos quando entrou na sala.
Bruenor estava sentado em seu trono de pedra, com Wulfgar e Cattibrie ladeando-
o.
— Então você chegou — disse Cattibrie distraidamente, fingindo-se
desinteressada. Drizzt sorriu maliciosamente para o segredo deles; aparentemente,
Cattibrie não havia contado a ninguém que o encontrara do lado de fora do portão a
leste.
— Não havíamos planejado isso — acrescentou Wulfgar, um homem
gigantesco, com músculos enormes, longos cabelos loiros esvoaçantes e olhos do
mais profundo azul cristalino do céu da região norte. — Rezo para que haja um
assento extra na mesa.
Drizzt sorriu e se curvou em desculpas. Ele merecia a repreensão deles, sabia.
Ele estivera longe com muita frequência ultimamente. Por semanas, às vezes.
— Bah! — bufou Bruenor por detrás de sua barba ruiva. — Eu disse que ele
voltaria, e voltaria para ficar, dessa vez!
Drizzt sacudiu a cabeça, sabendo que logo iria sair de novo, em busca de...
Alguma coisa.
— Você está caçando o assassino, elfo? — ele ouviu Bruenor perguntar.
Nunca, Drizzt pensou imediatamente. O anão se referia a Artemis Entreri, o
inimigo mais odiado de Drizzt, um assassino sem coração tão habilidoso com a
lâmina quanto o ranger drow, e determinado — obcecado! — a derrotar Drizzt.
Entreri e Drizzt haviam lutado em Porto Calim, uma cidade distante ao sul, com
Drizzt felizmente vencendo antes que os acontecimentos os afastassem.
Emocionalmente, Drizzt levara a batalha inacabada à sua conclusão e libertara-se
de uma obsessão semelhante contra Entreri.
Drizzt vira a si mesmo no assassino, vira o que poderia ter se tornado se
tivesse ficado em Menzoberranzan. Não suportava tal imagem, ansiava apenas por
destruí-la. Cattibrie, a querida e complicada Cattibrie, mostrou a verdade a Drizzt,
sobre Entreri e sobre si mesmo. Se ele nunca mais visse Entreri, Drizzt seria uma
pessoa mais feliz.
— Não tenho nenhum desejo de encontrar aquele lá de novo — respondeu
Drizzt. Ele olhou para Cattibrie, que estava sentada impassível. Ela jogou uma
piscadela a Drizzt para mostrar que entendia e aprovava.
— Há muito o que se ver nesse mundo imenso, querido anão — continuou
Drizzt —, que não pode ser visto das sombras; muitos sons mais agradáveis do que
o retinir do aço e muitos cheiros preferíveis ao fedor da morte.
— Façam outro banquete! — Bruenor bufou, saltando de seu assento de
pedra. — O elfo tem os olhos fixos em outro casamento!
Drizzt deixou a observação passar sem resposta.
Outro anão correu para a sala e saiu, puxando Dagna para trás. Um momento
depois, o general perturbado retornou.
— O que foi? — Bruenor resmungou.
— Outro convidado — explicou Dagna e, enquanto ele falava, um halfling de
barriga redonda, entrou no cômodo.
— Regis! — exclamou Cattibrie, surpresa, e ela e Wulfgar correram para
cumprimentar o amigo. Inesperadamente, os cinco companheiros estavam juntos
novamente.
— Pança-furada! — Bruenor gritou seu apelido costumeiro para o halfling
sempre faminto. — O que nos Nove Infernos...
O mesmo, de fato, pensou Drizzt, curioso por não ter visto o viajante nas
trilhas do lado de fora do Salão de Mitral. Os amigos tinham deixado Regis para
trás em Porto Calim, a mais de mil e quinhentos quilômetros de distância, à frente
da guilda de ladrões que os companheiros deixaram sem líder ao resgatar o
halfling.
— Você acreditou que eu perderia esta ocasião? — Regis bufou, bancando o
insultado por Bruenor chegar a duvidar dele. — O casamento de dois dos meus
queridos amigos?
Cattibrie deu um abraço nele, do qual parecia gostar imensamente.
Bruenor olhou curioso para Drizzt e balançou a cabeça quando percebeu que o
drow não tinha respostas para essa surpresa
— Como você soube? — o anão perguntou ao halfling.
— Você subestima sua fama, rei Bruenor — Regis respondeu, graciosamente
mergulhando em um arco que fez sua barriga cair sobre o cinto fino.
A reverência o fez tinir também, observou Drizzt. Quando Regis mergulhou,
uma centena de joias e uma dúzia de bolsos gordos tilintaram. Regis sempre
gostara de coisas boas, mas Drizzt nunca vira o halfling tão coberto de enfeites. Ele
usava uma jaqueta com pedras preciosas e mais joias do que Drizzt já vira em um
só lugar, incluindo o mágico e hipnótico pingente de rubi.
— Você vai ficar por muito tempo? — Cattibrie perguntou.
— Não tenho pressa — respondeu Regis. — Posso ter um quarto —
perguntou a Bruenor — para colocar minhas coisas e descansar do esforço de uma
longa estrada?
— Vamos cuidar disso — garantiu Cattibrie, enquanto Drizzt e Bruenor
trocavam olhares mais uma vez. Ambos estavam pensando a mesma coisa: que era
incomum que um mestre de uma guilda de ladrões oportunistas e traidores deixasse
seu lugar de poder por qualquer período de tempo.
— E para seus assistentes? — Bruenor perguntou, uma pergunta pesada.
— Oh — gaguejou o halfling. — Eu... vim sozinho. Os sulistas não aceitam
bem o frio de uma primavera do norte, sabe...
— Bem, vá, então — ordenou Bruenor. — Dessa vez é minha vez de fazer um
banquete para o prazer da sua barriga.
Drizzt sentou-se ao lado do rei anão enquanto os outros três saíam da sala.
— Poucas pessoas em Porto Calim já ouviram meu nome, elfo — comentou
Bruenor quando ele e Drizzt estavam sozinhos. — E quem ao sul de Sela Longa
saberia do casamento?
A expressão maliciosa de Bruenor mostrou que o anão experiente concordava
exatamente com o sentimento de Drizzt.
— Com certeza o pequeno traz um pouco do seu tesouro junto com ele, não?
— perguntou o rei anão.
— Ele está fugindo — Drizzt respondeu.
— Se meteu em problemas de novo — Bruenor bufou —, ou eu sou um
gnomo com barba!
— Cinco refeições por dia — resmungou Bruenor para Drizzt quando o drow
e o halfling já estavam no Salão de Mitral há uma semana. — E porções maiores
do que alguém desse tamanho aguentaria!
Drizzt, sempre impressionado com o apetite de Regis, não tinha resposta para
o rei anão. Juntos, observavam Regis do outro lado do corredor, enfiando garfada
após garfada em sua boca gananciosa.
— Ainda bem que estamos abrindo novos túneis — resmungou Bruenor. —
Eu vou precisar de um suprimento grande de mitral para manter aquele lá
alimentado.
Como se a referência de Bruenor às novas explorações tivesse sido uma deixa,
o general Dagna entrou no refeitório. Aparentemente não interessado em comer, o
rude anão de barba castanha afastou um criado e foi direto para o outro lado do
corredor, na direção de Drizzt e Bruenor.
— Foi uma viagem curta — comentou Bruenor a Drizzt quando notaram o
anão. Dagna havia saído naquela manhã, conduzindo o mais recente grupo de
batedores às novas explorações nas minas mais profundas, a oeste da Cidade
Baixa.
— Problema ou tesouro? — Drizzt perguntou retoricamente, e Bruenor
apenas deu de ombros, sempre esperando — e secretamente desejando — ambos.
— Meu rei — Dagna cumprimentou, chegando na frente de Bruenor e
intencionalmente não olhando para o elfo negro. Ele mergulhou em uma reverência
curta. A expressão de seu conjunto atarracado não dava pistas sobre qual das
suposições de Drizzt poderia ser exata.
— Mitral? — Bruenor perguntou esperançosamente.
Dagna pareceu surpreso com a pergunta direta.
— Sim. — ele respondeu por fim. — O túnel além da porta selada encontrou
todo um complexo novo, rico em minério, pelo que podemos dizer. A lenda do seu
nariz farejador de riquezas vai continuar a crescer, meu rei — ele mergulhou em
outra reverência, ainda mais profunda que a primeira.
— Sabia — Bruenor sussurrou para Drizzt. — Fui por aquele caminho uma
vez, antes mesmo de minha barba aparecer. Matei um ettin--
— Mas temos problemas — interrompeu Dagna, com o rosto ainda
inexpressivo.
Bruenor esperou e esperou mais um pouco, pelo anão cansativo decidir
começar a explicação.
— Problemas? — ele finalmente perguntou, percebendo que Dagna fizera
uma pausa para um efeito dramático, e que o teimoso general provavelmente
ficaria quieto pelo resto do dia se Bruenor não oferecesse essa deixa.
— Goblins — disse Dagna ameaçadoramente.
Bruenor bufou.
— Achei que você tinha dito que nós tínhamos problemas?
— Uma tribo de bom tamanho — continuou Dagna. — Podem ser centenas.
— Bruenor olhou para Drizzt e reconheceu no brilho dos olhos lavanda do drow
que a notícia não perturbara o amigo mais do que o perturbara.
— Centenas de goblins, elfo — disse Bruenor maliciosamente. — O que você
acha disso?
Drizzt não respondeu, apenas continuou a sorrir e deixou que o brilho em seus
olhos falasse por si. Os tempos haviam tornado-se entediantes desde a retomada do
Salão de Mitral; o único metal que retinia nos túneis dos anões eram a picareta e a
pá do mineiro e o trenó do artesão, e as trilhas entre o Salão de Mitral e Lua
Argêntea raramente eram perigosas ou aventureiras o suficiente para o habilidoso
Drizzt. Esta notícia era particularmente interessante para o drow. Drizzt era um
ranger, dedicado a defender as raças bondosas, e desprezava os goblins fedorentos
de braços magricelas acima de todas as outras raças maléficas do mundo.
Bruenor foi para a mesa de Regis, embora todas as outras mesas do grande
salão estivessem vazias.
— A ceia acabou — o rei anão de barba ruiva bufou, varrendo os pratos à
frente do halfling para o chão.
— Vá buscar Wulfgar — grunhiu Bruenor ante a expressão de dúvida no rosto
do halfling. — Você tem até eu terminar de contar até cinquenta para voltar com
ele. Mais do que isso, e eu diminuo suas refeições pela metade!
Regis atravessou a porta em um instante.
Com o aceno de Bruenor, Dagna tirou um pedaço de carvão do bolso e
desenhou um mapa da nova região na mesa, mostrando a Bruenor onde haviam
encontrado o sinal dos goblins e onde outras incursões indicavam onde deveria ser
o covil principal. De particular interesse para os dois anões eram os túneis
trabalhados na região, com seus pisos uniformes e paredes quadradas.
— Bom para surpreender goblins estúpidos — Bruenor explicou a Drizzt com
uma piscadela.
— Você sabia que os goblins estavam lá — acusou Drizzt, percebendo que
Bruenor estava mais animado e menos surpreso com a notícia de inimigos em
potencial do que de potenciais riquezas.
— Achei que poderia haver goblins — admitiu Bruenor. — Vi eles lá embaixo
uma vez, mas com a chegada do dragão, meu pai e seus soldados nunca tiveram
tempo de limpar essas pragas. Ainda assim, foi muito, muito tempo atrás, elfo — o
anão acariciava sua longa barba ruiva para reforçar o argumento — e eu não tinha
certeza de que eles ainda estariam lá.
— Estamos sob ameaça? — veio uma voz de barítono ressonante por detrás
deles. O bárbaro de mais de dois metros de altura foi até a mesa e inclinou-se para
observar o diagrama de Dagna.
— São só goblins — respondeu Bruenor.
— Um chamado à guerra! — Wulfgar rugiu, batendo Presa de Égide, o
poderoso martelo de guerra que Bruenor havia forjado para ele, em sua palma
aberta.
— Um chamado à diversão — corrigiu Bruenor, e então trocou um aceno de
cabeça e riu com Drizzt.
— Por meus próprios olhos, vocês dois parecem muito ansiosos para matar —
disse Cattibrie, de pé atrás de Regis.
— Pode apostar — retrucou Bruenor.
— Vocês encontraram alguns goblins em seu próprio buraco, sem incomodar
ninguém, e estão planejando o massacre deles — Cattibrie continuou diante do
sarcasmo de seu pai.
— Mulher! — Wulfgar gritou.
O sorriso divertido de Drizzt se evaporou em um piscar de olhos, substituído
por uma expressão de assombro ao contemplar o semblante desdenhoso do
bárbaro.
— Fique contente por isso — Cattibrie respondeu levemente, sem hesitação e
sem se distrair do debate mais importante com Bruenor. — Como você sabe que os
goblins querem uma briga? — ela perguntou ao rei. — Ou você ao menos se
importa?
— Há mitral nesses túneis — respondeu Bruenor, como se isso acabasse com
o debate.
— Isso não torna o mitral pertencente aos goblins? — Cattibrie perguntou
inocentemente. — Por direito?
— Não por muito tempo — interveio Dagna, mas Bruenor não fez
comentários espirituosos, surpreso pela surpreendente linha de perguntas
praticamente incriminadoras de sua filha.
— A luta é mais importante para você, para todos vocês — Cattibrie
continuou, correndo seus olhos azuis sobre todos os quatro do grupo — do que
qualquer tesouro a ser encontrado. Vocês têm fome pela emoção. Vocês iriam atrás
dos goblins mesmo se os túneis não fossem mais do que pedras cruas e sem valor!
— Eu não — disse Regis, mas ninguém prestou muita atenção.
— Eles são goblins — Drizzt disse a ela. — Não foi uma incursão goblin que
levou a vida de seus pais?
— Sim — Cattibrie concordou. — E se alguma vez eu encontrar essa tribo,
então fique sabendo que eles tombarão em pilhas por causa de seu ato cruel. Mas
eles são parecidos com esta tribo, a milhares de quilômetros de distância?
— Goblins são goblins! — Bruenor rosnou.
— Ah? — Cattibrie respondeu, cruzando os braços diante dela. — E drow são
drow?
— Que conversa é essa? — indagou Wulfgar, enquanto olhava com raiva para
a futura noiva.
— Se você encontrasse um elfo negro perambulando por seus túneis — disse
Cattibrie para Bruenor, ignorando Wulfgar, mesmo quando ele se levantou para
ficar ao lado dela — você redigiria seus planos para retalhar a criatura?
Bruenor lançou um olhar desconfortável para Drizzt, mas Drizzt estava
sorrindo de novo, entendendo aonde o raciocínio de Cattibrie os havia conduzido
— e onde havia aprisionado o teimoso rei.
— Se você o matasse, e se aquele drow fosse Drizzt Do’Urden, então quem
você teria ao seu lado com a paciência para se sentar e ouvir suas orgulhosas
ostentações? — a jovem terminou.
— Pelo menos eu te daria uma morte limpa — Bruenor, liberto de sua bolha
tempestuosa, murmurou para Drizzt.
O drow gargalhou estrondosamente.
— Diplomacia — ele disse finalmente. — Pelas palavras bem ditas de nossa
jovem amiga sábia, devemos dar aos goblins pelo menos uma chance de explicar
suas intenções — ele fez uma pausa e olhou melancolicamente para Cattibrie, com
os olhos lavanda cintilantes, pois sabia o que esperar dos goblins — Antes de
atacá-los.
— De forma limpa — acrescentou Bruenor.
— Ela não sabe nada desse assunto aqui! — Wulfgar reclamou, trazendo a
tensão de volta à reunião em um instante.
Drizzt o silenciou com um olhar gelado, a encarada mais ameaçadora que já
houve entre o elfo negro e o bárbaro. Cattibrie olhou de um para o outro com uma
expressão de dor, depois bateu no ombro de Regis e, juntos, saíram do recinto.
— Nós vamos conversar com um bando de goblins? — Dagna perguntou em
descrença.
— Ah, cale a boca — respondeu Bruenor, batendo as mãos na mesa e
estudando o mapa mais uma vez. Demorou alguns instantes para perceber que
Wulfgar e Drizzt ainda não haviam terminado a troca silenciosa de olhares.
Bruenor reconheceu a confusão subjacente ao olhar de Drizzt, mas, ao olhar para o
bárbaro, não encontrou nenhuma subcorrente sutil, nenhum indício de que esse
incidente em particular seria facilmente esquecido.
Diplomacia
O OITAVO REI DO SALÃO DE MITRAL, LIDERANDO seus quatro
amigos e duzentos soldados anões, estava mais apropriadamente preparado para a
batalha do que para a diplomacia. Bruenor usava o elmo surrado de um só chifre —
o outro chifre havia sido quebrado há muito tempo — e um fino traje de armadura
de mitral, com linhas verticais do metal prateado percorrendo o comprimento de
seu robusto tronco e cintilando à luz das tochas. Seu escudo tinha o padrão da
caneca espumante do Clã Martelo de Batalha em ouro maciço, e seu machado
costumeiro, mostrando as ranhuras de milhares de abates em batalha (sendo um
bom número deles goblins!) estava em prontidão em um laço no seu cinto, de fácil
acesso.
Wulfgar, em uma armadura de pele natural, com a cabeça de um lobo na
frente de seu tórax largo, caminhava atrás do anão, com Presa de Égide, seu
martelo de guerra, apoiado no outro braço, a sua frente. Cattibrie, com Taulmaril
sobre o ombro, caminhava ao lado dele, mas os dois falavam pouco, e a tensão
entre eles era óbvia.
Drizzt flanqueava o rei anão à sua direita, com Regis correndo para se manter
ao seu lado, e Guenhwyvar, a pantera elegante e orgulhosa, com os músculos
ondulando a cada passo, vinha à direita dos dois, mergulhando nas sombras sempre
que o corredor baixo e desigual ficava mais amplo. Muitos dos anões marchando
atrás dos cinco amigos carregavam tochas, e a luz bruxuleante criava sombras
semelhantes a monstros, mantendo os companheiros em guarda — não que
pudessem ser pegos de surpresa marchando ao lado de Drizzt e Guenhwyvar. A
pantera que acompanhava o elfo negro estava à vontade liderando o caminho.
E nada perderia o tempo de tentar surpreender tal grupo. Eles estavam
vestidos para a batalha, com grandes e resistentes elmos e armaduras e boas armas.
Cada um dos anões carregava um martelo ou machado para ataques à distância e
outra arma perigosa, caso algum inimigo chegasse perto.
Quatro anões em linha perto do meio do contingente apoiavam uma grande
viga de madeira sobre os ombros atarracados. Outros perto deles carregavam
enormes placas de pedra com os centros cortados. Cordas pesadas, longas estacas
entalhadas, correntes e chapas de metal maleável eram evidentes entre essa seção
da brigada como ferramentas para um “brinquedo de goblins”, como Bruenor
explicara às expressões curiosas de seus companheiros não-anões. Ao olhar para as
peças pesadas, Drizzt podia muito bem imaginar o quanto os goblins iriam se
divertir com aquela engenhoca em particular.
Em um cruzamento onde uma passagem larga corria para a direita, eles
encontraram uma pilha de ossos gigantes, com dois grandes crânios sobre eles,
cada um grande o suficiente para caber o halfling, caso ele rastejasse para dentro
deles.
— Ettin — explicou Bruenor, pois fora ele, ainda um rapaz imberbe, quem
derrubara o monstro.
Na bifurcação seguinte, se encontraram com o general Dagna e a força de
comando, outros trezentos anões endurecidos pela batalha.
— A conversa está marcada — explicou Dagna. — Os goblins estão a 300
metros lá pra baixo, em uma câmara ampla.
— Você estará flanqueando? — Bruenor perguntou a ele.
— Sim, mas os goblins também — explicou o comandante. — Quatrocentos
deles. Eu mandei Cobble e seus trezentos em um trajeto largo, ao redor da parte
traseira da câmara para impedir qualquer fuga.
Bruenor assentiu. O pior que eles poderiam esperar era uma batalha mais ou
menos equilibrada, e Bruenor colocaria facilmente qualquer um de seus anões
contra cinco daquela escória goblin.
— Eu vou direto com cem — o rei anão explicou. — Mais cem vão para a
direita, com o brinquedo, e a esquerda é pra você. Não me decepcione se eu
precisar de você! — A risada de Dagna refletiu a suprema confiança, mas então
sua expressão se tornou abruptamente grave.
— Deveria mesmo ser você a falar? — ele perguntou a Bruenor. — Eu não
sou de confiar em goblins.
— Oh, eles têm um truque para mim, ou eu sou um gnomo com barba —
Bruenor respondeu. — Mas esta tropa goblin não vê anões em anos, a menos que
eu esteja enganado, e eles com certeza nos acharão menos capazes do que
deveriam.
Eles trocaram um aperto de mão pesado, e Dagna saiu em disparada, e podia-
se ouvir as botas duras de seus trezentos soldados ecoando pelos corredores como
o estrondo de uma tempestade crescente.
— A discrição nunca foi um ponto forte dos anões — observou Drizzt
secamente.
Regis deixou que seu olhar permanecesse por muitos instantes nas formações
da hoste que partia, depois virou-se para o outro lado, olhando o outro grupo,
carregando a viga de madeira, discos de pedra e outros itens.
— Se você não tem a estômago para isso... — Bruenor começou,
interpretando o interesse do halfling como medo.
— Eu estou aqui, não estou? — Regis rebateu bruscamente, grosseiramente,
na verdade, e o tom incomum em sua voz fez seus amigos o encararem com
curiosidade. Mas então, num movimento bem típico de Regis, o halfling ajeitou o
cinto sob a proeminente pança, endireitou os ombros e desviou o olhar.
Os outros conseguiram rir às custas de Regis, mas Drizzt continuou a olhá-lo
com curiosidade. Regis estava de fato “aqui”, mas por que ele viera, o drow não
sabia. Dizer que Regis não gostava de batalhas era um eufemismo tão grande
quanto dizer que o halfling não gostava de perder refeições.
Poucos minutos depois, os cem soldados que permaneceram atrás de seu rei
entraram na câmara designada, passando por um grande arco em uma seção
elevada de pedra, a vários metros do amplo chão da enorme área principal, onde
ficava a hoste dos goblins. Drizzt notou, com mais do que apenas curiosidade, que
essa seção em particular não continha montes de estalagmites, que pareciam ser
comuns em todo o resto da câmara. Muitas estalactites espreitavam do teto não
muito alto acima da cabeça de Drizzt; por que as gotas que escorriam de lá não
deixavam os montes de pedra que normalmente estariam ali?
Drizzt e Guenhwyvar se moveram para um lado, fora do alcance das tochas,
das quais o drow, com sua excepcional visão, não precisava. Deslizando para as
sombras de um grupo de estalactites baixas, os dois pareceram desaparecer.
O mesmo aconteceu com Regis, não muito atrás de Drizzt.
— Abandonaram o terreno elevado antes mesmo de começarmos — sussurrou
Bruenor para Wulfgar e Cattibrie. — Até goblins seriam mais espertos do que isso!
Esse pensamento fez o anão parar, e ele olhou em volta para as bordas da
seção elevada, observando que essa laje de pedra havia sido trabalhada —
trabalhada com ferramentas — para caber nessa parte da caverna. Seus olhos
escuros se estreitaram com suspeita quando Bruenor olhou para a área onde Drizzt
havia desaparecido.
— Estou pensando que é uma coisa boa estarmos no alto para a conversa —
disse Bruenor, um pouco alto demais.
Drizzt entendeu.
— A seção inteira está repleta de armadilhas — Regis, logo atrás do drow,
comentou.
Drizzt quase deu um pulo, espantado com o fato de o halfling ter ficado tão
perto dele e se perguntando que item mágico Regis levava para fazer seus
movimentos tão silenciosos. Seguindo o olhar do halfling, Drizzt observou a borda
mais próxima da plataforma e um pilar meio à mostra por debaixo de uma pedra,
uma esbelta estalagmite que havia sido recentemente decapitada.
— Um bom golpe iria derrubá-la — raciocinou Regis.
— Fique aqui — instruiu Drizzt, concordando com a estimativa do halfling
astuto. Talvez os goblins tivessem passado algum tempo preparando esse campo de
batalha. Drizzt voltou à vista dos anões, deu a Bruenor um sinal para indicar que
iria dar uma olhada, depois se afastou, com Guenhwyvar movendo-se
paralelamente a ele, não muito longe.
Todos os anões tinham entrado na câmara até então, com Bruenor
cautelosamente mantendo-os para trás, alinhados de ponta a ponta contra a borda
de trás da plataforma semicircular.
Bruenor, com Wulfgar e Cattibrie o flanqueando, deu alguns passos para
observar a hoste de goblins. Havia bem mais de cem — talvez duzentas — das
coisas fedorentas na área mais escura da câmara, a julgar pelos muitos pares de
olhos vermelhos brilhantes olhando para o anão.
— Nós viemos conversar — Bruenor gritou na língua gutural dos goblins —,
como combinado.
— Fale — veio a resposta de um goblin, na língua comum. — O que os
anõezes vão oferecer a Gar-yak e seus milharezes?
— Milhares? — comentou Wulfgar.
— Os goblins não podem contar além de seus próprios dedos — lembrou
Cattibrie.
— Se preparem — Bruenor sussurrou para os dois. — Esse grupo está
procurando uma briga. Posso sentir o cheiro.
Wulfgar deu a Cattibrie um olhar positivamente superior, mas sua arrogância
juvenil foi perdida, pois a jovem não lhe deu atenção.
Uma tocha subiu entre as fileiras dos goblins e três das criaturas de um metro
e vinte de altura e pele amarela avançaram.
— Bem — Bruenor resmungou, já cansado desta reunião. — Qual desses cães
é Gar-yak?
— Gar-yak lá atrás com os outrozes — o mais alto do grupo respondeu,
olhando por cima do ombro inclinado para a hoste principal.
— Um sinal de que haverá problemas — murmurou Cattibrie, discretamente
tirando seu grande arco do ombro. — Quando o líder está em segurança, os goblins
desejam lutar.
— Vá dizer a Gar-yak que não precisamos matá-los — disse Bruenor com
firmeza. — Meu nome é Bruenor Martelo de Batalha--
— Martelo de Batalha? — o goblin cuspiu, aparentemente reconhecendo o
nome. — Você ser rei anão?
Os lábios de Bruenor sequer se mexeram enquanto ele murmurava para seus
companheiros:
— Preparem-se — a mão de Cattibrie pousou na aljava ao seu lado.
Bruenor assentiu.
— Rei! — o goblin gritou, olhando de volta para a hoste monstruosa e
apontando na direção de Bruenor. Os anões em prontidão entenderam a deixa para
atacar mais rápido do que os goblins estúpidos, e as próximas vozes ouvidas na
câmara eram os gritos de guerra dos anões.
Drizzt ouviu o chamado à ação mais rápido do que o ettin idiota. A criatura
balançou o tacape para trás, depois gritou de dor e surpresa quando a pantera de
cem quilos apertou um dos pulsos e uma cimitarra cruelmente afiada mergulhou
em sua axila do outro lado.
As enormes cabeças do monstro se voltaram para fora em um movimento
sincrônico e estranho, uma se virou para observar Drizzt, a outra, na direção de
Guenhwyvar.
Antes que o ettin soubesse o que estava acontecendo, a segunda cimitarra de
Drizzt atravessou seus olhos esbugalhados. O gigante tentou se contorcer para
chegar ao elfo que o feria, mas o ágil Drizzt deslizou por baixo do braço e foi com
tudo na direção das cabeças vulneráveis do monstro.
Do outro lado, Guenhwyvar enterrou os dentes na carne e colocou as garras na
pedra, segurando o braço do monstro.
◆
Um pilar de sustentação se partiu ao meio quando o ettin atacou
inadvertidamente, tentando acertar seu tacape em Drizzt. A plataforma, então, foi
abaixo, prendendo a fera estúpida.
Drizzt, agachado seguramente abaixo do nível da cintura do gigante, não
podia acreditar no quão mal os goblins — e o ettin — tinham elaborado seu plano.
— Como você sequer pretende sair daqui? — ele perguntou, embora, é claro,
o ettin não pudesse entendê-lo.
Drizzt sacudiu a cabeça, quase com pena, depois atacou o rosto e a garganta
do monstro com suas cimitarras. Um momento depois, Guenhwyvar saltou para a
outra cabeça, com as garras rasgando fendas profundas.
Em meros segundos, o ranger e sua companheira felina saíam debaixo da
plataforma, seu assunto ali encerrado. Sabendo que seus talentos singulares
poderiam ser melhor usados de outras maneiras, Drizzt evitou a confusão selvagem
da batalha e se foi para o lado, ao longo da parede da caverna.
Uma dezena de corredores conduzia a esta câmara principal, pelo que ele
podia ver, e goblins entravam vindo de quase todos eles. Mais preocupantes eram
os inesperados aliados das forças dos goblins, pois, para surpresa de Drizzt, ele
notou vários outros gigantescos ettins parados e quietos atrás de estalagmites,
esperando o momento em que pudessem se juntar à briga.
Cattibrie, ainda na plataforma e disparando contra a horda de goblins, foi a
primeira a localizar Drizzt, a meio caminho de um monte de estalagmites no lado
esquerdo da caverna e sinalizando para ela e Wulfgar.
Um goblin saiu da massa de combate e atacou a moça, mas Wulfgar entrou na
frente e bateu nele com seu grande martelo, lançando-o a mais de três metros de
distância por sobre a beirada da plataforma. O bárbaro girou o mais rápido que
pôde, tentando preparar uma defesa, uma vez que outro goblin tinha vindo por sua
lateral, se aproximando com uma ponta de lança liderando o caminho.
Ele quase acertou seu ataque, mas sua cabeça explodiu sob o impacto de uma
flecha prateada.
— Drizzt precisa de nós — explicou Cattibrie, e levou o bárbaro para a
esquerda ao longo da plataforma inclinável, com Wulfgar correndo ao longo da
borda e batendo em quaisquer goblins que tentassem o atrapalhar.
Quando estavam livres do combate principal, Drizzt sinalizou para que
Cattibrie mantivesse sua posição e que Wulfgar se aproximasse cautelosamente.
— Ele encontrou alguns gigantes — Regis, escondido abaixo do par, explicou
a eles — por trás desses montes.
Drizzt saltou ao redor da estalagmite, depois voltou mergulhando, em
cambalhotas defensivas ao fugir de um ettin que o perseguia de perto, com seus
tacapes gêmeos prontos para esmagar o drow.
O gigante sacudiu-se quando a flecha de Cattibrie bateu em seu peito,
queimando o imundo couro de animal que vestia.
Uma segunda flecha o desequilibrou, depois o martelo de Wulfgar, voando ao
som dos gritos retumbantes do bárbaro de “Tempus!” explodiu a criatura para
longe.
Guenhwyvar, ainda do lado do monte, pulou em cima do segundo ettin
enquanto ele vinha correndo, com suas garras em suas patas musculosas
arranhando violentamente, cegando ambas as cabeças do monstro até que Drizzt
chegou perto o suficiente para usar suas cimitarras.
O próximo gigante veio do outro lado do monte, mas Cattibrie estava pronta
para ele, e flecha após flecha o acertou, o fez girar e, finalmente, cair morto no
chão.
Wulfgar avançou, pegando seu martelo mágico de volta em suas mãos. Drizzt
havia terminado com o gigante quando o bárbaro o alcançou, e o elfo negro se
juntou a seu amigo quando encontraram o próximo dos monstros em ataque lado a
lado.
— Como nos velhos tempos — observou Drizzt. Ele não esperou por uma
resposta, mas mergulhou em um rolamento na frente de Wulfgar.
Ambos estremeceram, cegados por um instante, quando a próxima flecha de
Cattibrie passou entre eles, chocando-se contra a barriga do gigante mais próximo.
— Ela fez isso por um motivo, você sabe — observou Drizzt, e ele não
esperou uma resposta, mas mergulhou em um rolamento na frente de Wulfgar.
Compreendendo as táticas de distração de Drizzt, o bárbaro ergueu o Presa de
Égide diretamente sobre a forma em rolamento, e o ettin, inclinando-se para um
golpe em Drizzt, encontrou o martelo de guerra justamente ao lado de uma de suas
cabeças. A outra cabeça permaneceu viva, mas aturdida e desorientada pela fração
de segundo que levou para assumir o controle de todo o corpo.
Uma fração de segundo era tempo demais quando se tratava de Drizzt
Do’Urden. O ágil drow elevou-se em um salto, evitando facilmente um ataque
pesado, e lançou suas cimitarras em um golpe cruzado que desenhou duas linhas
paralelas ao longo da garganta do gigante.
O ettin largou os dois tacapes e agarrou-se ao ferimento mortal.
Uma flecha lançou-o ao chão.
Mais dois ettins permaneceram atrás do monte, mas eles, todas as quatro
cabeças, tinham visto o bastante dos companheiros em combate. Fugiram pegando
um túnel lateral, ficando frente a frente com as tropas de Dagna, que avançavam.
Um ettin ferido tropeçou de volta para a câmara principal, com uma dezena de
martelos sendo arremessados em suas costas inclinadas a cada passo pesado que
dava. Antes que Drizzt, Wulfgar, ou até mesmo Cattibrie com seu arco, pudessem
fazer qualquer movimento em direção à fera, uma multidão de anões saiu correndo
do túnel, saltou sobre ele, levou-o ao chão e o golpeou naquele frenesi abandonado
da batalha.
Drizzt olhou para Wulfgar e deu de ombros.
— Não tema, meu amigo — respondeu o bárbaro, sorrindo. — Há muito mais
inimigos para acertar! — com outro grito para o seu deus da batalha, Wulfgar se
virou e investiu na luta principal, tentando encontrar o elmo de um único chifre de
Bruenor em meio a um mar de goblins e anões entrelaçados.
Drizzt não seguiu, no entanto, porque ele preferia um único combate à
selvageria da batalha desenfreada. Chamando Guenhwyvar para o seu lado, o drow
seguiu o caminho ao longo da parede, eventualmente saindo da câmara principal.
Depois de apenas alguns passos e um grunhido de advertência de sua fiel
aliada felina, ele percebeu que Regis não estava muito atrás.
Bruenor teve que plantar uma bota solidamente no chão para soltar seu
machado do peito de sua última vítima. Quando a lâmina se soltou, uma explosão
de sangue a seguiu, banhando o anão. Bruenor não se importou, certo de que os
goblins eram coisas más, que os resultados de seus ataques selvagens melhorariam
o mundo.
Sorrindo alegremente, o rei anão correu de um lado para o outro, finalmente
encontrando outro alvo. O goblin atacou primeiro, e seu porrete se despedaçou
quando acertou o belo escudo de Bruenor. O goblin estúpido olhou para a arma
quebrada, incrédulo, depois olhou para o anão a tempo de ver o machado
mergulhar entre seus olhos.
Um brilho passou direito pelo anão, assustando seu prazer momentâneo. Ele
percebeu que era obra de Cattibrie, e viu a vítima a três metros de distância, presa
ao chão de pedra pela flecha tremulante de haste de prata.
— Bom arco... — o anão murmurou, e ao olhar de volta para sua filha, notou
um goblin subindo na plataforma.
— Não, você não vai! — o anão gritou, correndo para a laje e mergulhando
em um rolamento sobre ela. Ele veio ao lado da criatura, pronto para trocar golpes,
quando outro brilho forçou-o a pular de volta.
O goblin continuava de pé, olhando para o peito como se esperasse encontrar
uma flecha ali. Em vez disso, encontrou um buraco, direto entre os dois pulmões.
A criaturinha pôs um dedo no buraco, em uma tentativa ridícula de conter o fluxo
de sangue, e caiu morta.
Bruenor colocou as mãos nos quadris e olhou fixamente para a filha.
— Ei, menina — ele repreendeu. — Você está roubando toda a minha
diversão!
Os dedos de Cattibrie começaram a puxar a corda do arco, mas ela relaxou
imediatamente.
Bruenor considerou a ação curiosa da mulher, então entendeu quando um
porrete de goblin se chocou fortemente com a parte de trás de sua cabeça.
— Eu deixei esse pra você — Cattibrie disse com um dar de ombros, um
movimento bobo quando pesado contra o olhar furioso dos olhos escuros de
Bruenor.
Bruenor não estava ouvindo. Ele jogou o escudo para cima, bloqueando o
próximo ataque previsível, e girou, com seu machado liderando o caminho. O
goblin segurou sua barriga e pulou de volta para a ponta dos pés.
— Não foi longe o suficiente — o anão disse, educadamente usando sua
própria língua, e suas palavras foram provadas quando as entranhas do goblin se
espalharam.
A criatura horrorizada as observou em descrença.
— Você não deveria estar me batendo quando não estou olhando — foi todo o
pedido de desculpas que recebeu de Bruenor Martelo de Batalha, e seu segundo
golpe, inclinado no pescoço do goblin, arrancou a cabeça da criatura de seus
ombros.
Com a plataforma livre de inimigos, Bruenor e Cattibrie se voltaram para a
batalha geral. Cattibrie trouxe seu arco, mas depois não viu sentido em lançar mais
flechas. A maioria dos goblins estava em fuga, mas com as tropas de Dagna
alinhadas na câmara, não tinham para onde ir.
Bruenor saltou para baixo e colocou suas forças em uma perseguição
organizada, e como uma bocarra abocanhando, as hostes dos anões se fecharam
sobre a horda de goblins.
CAPÍTULO 4
Brinquedo de Anão
DRIZZT SE ESGUEIROU ATÉ UMA PASSAGEM tranquila, com o clamor
da batalha selvagem desaparecendo por detrás dele. O drow não estava
preocupado, porque sabia que sua sombra, sua Guenhwyvar, estava caminhando
junto dele silenciosamente, não muito longe. O que mais preocupava Drizzt era
Regis, que ainda o seguia teimosamente de perto. Felizmente, o halfling se
movimentava tão silenciosamente quanto o drow, se mantendo igualmente bem nas
sombras e não parecia ser um risco para Drizzt.
A necessidade de silêncio era a única coisa que impedia Drizzt de questionar
o halfling ali mesmo, porque, se esbarrassem em um grupo de goblins, Drizzt não
saberia como Regis, que não era muito habilidoso em batalha, ficaria longe do
perigo à frente.
A pantera parou e olhou para Drizzt. A gata, mais negra do que a escuridão,
esgueirou-se em uma abertura e caminhou para o lado até chegar em uma câmara.
Além da abertura, o ranger ouviu o rosnado inconfundível das vozes de goblins.
Olhou para trás para Regis, para os pontos vermelhos que mostravam visão
infravermelha e sensível a calor do amigo. Halflings também podiam ver no
escuro, mas não tão bem quanto os drow ou os goblins. Drizzt levantou uma mão,
acenou para Regis esperar no corredor, então se esgueirou até a entrada.
Os goblins, pelo menos seis ou sete, estavam amontoados perto do centro da
pequena câmara, se emaranhando ao redor dos vários pilares naturais, que
lembravam presas. À direita, ao longo da parede, Drizzt percebeu um ligeiro
movimento e sabia que era Guenhwyvar, esperando pacientemente para que ele
agisse primeiro. Que companheira maravilhosa de lutas era aquela pantera, Drizzt
lembrou a si mesmo. Sempre Guenhwyvar deixava Drizzt determinar o curso da
batalha, e então via a melhor forma de se encaixar.
O drow ranger foi para detrás da estalagmite mais próxima, se arrastou até
outra e rolou para trás de uma terceira, ainda mais perto de sua presa. Ele contou
nove goblins, aparentemente discutindo o que fazer. Eles não tinham guardas a
postos, não tinham ideia de que o perigo estava próximo.
Um se afastou para apoiar as costas contra uma estalagmite, separado dos
outros por apenas um metro e meio. Uma cimitarra penetrou através de sua barriga
em seus pulmões antes que pudesse emitir um som.
Faltavam oito.
Drizzt soltou o cadáver no chão e tomou o seu lugar, apoiando as costas na
pedra. Um momento depois, um dos goblins chamou-o, achando que fosse o goblin
morto. Drizzt grunhiu em resposta. Uma mão alcançou para dar um tapinha no
ombro dele, e o drow não conseguiu esconder o sorriso.
O goblin bateu nele uma vez, depois novamente, mais devagar, então a
criatura começou a sentir em torno do manto espesso do drow, aparentemente
notando a estatura mais alta de Drizzt. Com uma expressão curiosa em seu rosto
feio, o goblin espiou ao redor do monte.
Então havia sete, e Drizzt saltou para o meio deles com as cimitarras
brilhando em um redemoinho que levou os dois goblins mais próximos ao chão em
um piscar de olhos.
Os cinco restantes gritaram e correram, alguns colidindo com estalagmites,
outros se chocando e caindo uns sobre os outros. Um goblin foi direto até Drizzt,
com sua boca emitindo um fluxo firme de palavras indecifráveis e suas mãos bem
abertas, como em um gesto de amizade Aparentemente a criatura maligna só então
reconheceu que este elfo negro não era um companheiro em potencial, porque
começou a recuar freneticamente. As cimitarras de Drizzt atravessaram em um
corte descendente, arrancando um X de sangue quente no peito da criatura.
Guenhwyvar correu ao lado do drow e atacou um goblin que fugia para o
outro lado da caverna. Com um único golpe de garra enorme da pantera, a
contagem caiu para três.
Finalmente, dois goblins recuperaram seus sentidos o suficiente para ir até o
drow de forma coordenada, com as armas sacadas. Um lançou seu porrete em um
balanço giratório, mas Drizzt afastou a arma para longe antes que chegasse perto.
Sua cimitarra, a mesma que usara para afastar o golpe, disparou para a
esquerda, depois para a direita, para esquerda e para a direita e repetiu esse padrão
uma terceira vez, deixando a criatura atordoada com seis feridas mortais. Ela
estava perplexa enquanto caía para trás no chão. Durante todo o tempo, a segunda
cimitarra de Drizzt desviava com facilidade os muitos ataques desesperados do
outro goblin.
Quando o drow se virou para encarar a criatura, ela soube que estava
condenada. O goblin lançou sua espada curta na direção Drizzt, com pouco efeito,
e disparou para trás do pilar de pedra mais próximo.
A última criatura confusa cruzou atrás dele, surpreendendo o drow, e
assegurando a fuga do outro. Drizzt xingou a aparente sorte do goblin. Ele não
queria que ninguém fugisse, mas aqueles dois estavam, sábia ou afortunadamente,
fugindo em direções opostas.
Uma fração de segundo depois, porém, o drow ouviu um estalo ressonante por
detrás do pilar, e o goblin que tinha lançado sua espada curta caiu de trás do monte,
com seu crânio quebrado.
Regis, segurando sua pequena maça, espiou ao redor do pilar e deu de
ombros. Drizzt estava perplexo e simplesmente devolveu o olhar, então girou
prestes a perseguir o goblin remanescente, que estava abrindo caminho
rapidamente ao redor das presas da caverna em direção a um corredor na
extremidade oposta da câmara.
O drow, mais rápido e mais ágil, se aproximava de forma constante. Ele notou
Guenhwyvar, a boca da pantera brilhando com o sangue de sua última matança,
andando ao longo de um curso paralelo e se aproximando do goblin a cada passo
longo. Drizzt estava confiante de que a criatura não tinha chance de escapar.
Na entrada do corredor, o goblin parou de repente. Drizzt deslizou para o
lado, assim como Guenhwyvar, ambos mergulhando para a cobertura de pilares,
enquanto uma série de explosões de sons e faíscas cobriu o corpo do goblin. Ele
gritou e se sacudiu descontroladamente, de um lado para o outro; pedaços de suas
roupas e sua carne explodiam.
As explosões contínuas mantiveram o goblin de pé muito depois de já estar
morto. Finalmente, elas terminaram e a criatura caiu no chão, deixando finas linhas
de fumaça saindo de várias dezenas de feridas. Drizzt e Guenhwyvar mantiveram-
se firmes, perfeitamente silenciosos, sem saber que monstro novo havia chegado.
A câmara se iluminou de repente com uma luz mágica. Drizzt, lutando
arduamente para manter seus olhos em foco, apertou as cimitarras com força.
— Todos mortos? — ele ouviu uma voz de anão familiar dizer. Ele abriu seus
olhos bem a tempo de ver o clérigo Cobble entrar na sala, com uma mão em uma
bolsa de cinto grande, a outra segurando um escudo diante dele.
Vários soldados vieram logo depois, um deles resmungando,
— Muito bom o feitiço, clérigo.
Cobble inspecionou o corpo destruído, depois assentiu em acordo. Drizzt saiu
de trás do monte.
A mão do clérigo surpreso veio como um chicote, lançando uma quantidade
de pequenos objetos — pedrinhas? — no drow. Guenhwyvar rosnou, Drizzt
mergulhou, e as pedrinhas atingiram a rocha onde estivera de pé, iniciando outra
série de pequenas explosões.
— Drizzt! — Cobble gritou, percebendo seu erro. — Drizzt! — Ele correu
para o drow, que estava olhando para as muitas marcas chamuscadas no chão.
— Você está bem, caro Drizzt? — gritou Cobble.
— Muito bom o feitiço, clérigo — Drizzt respondeu em sua melhor imitação
da voz anã, com seu sorriso aberto e repleto de admiração.
Cobble bateu com força nas suas costas, quase derrubando-o.
— Eu também gosto — disse, mostrando a Drizzt que tinha uma bolsa cheia
das pedrinhas bombardeiras. — Você quer levar algumas?
— Eu quero — respondeu Regis, vindo em torno de uma estalagmite, mais
perto da entrada do túnel que Drizzt.
Drizzt piscou seus olhos de lavanda com espanto ao ver a habilidade do
halfling.
Outra força goblinoide, com mais de uma centena de guerreiros, tinha sido
posicionada em corredores à direita da câmara principal, para flanquear os anões
depois que o combate começasse. Com o fracasso da armadilha e a investida de
Bruenor que se seguiu (liderada pelas terríveis flechas prateadas), o fracasso
miserável dos ettin e a chegada subsequente das tropas anãs de Dagna, até mesmo
os goblins estúpidos foram sábios o bastante para virar para o outro lado e correr
— Anõezes — gritou um dos goblins da frente, e os outros logo ecoaram em
gritos que mudaram de terror para fome quando as criaturas chegaram a acreditar
que tinham esbarrado em um grupo pequeno do povo barbado, talvez um grupo de
batedores.
Qualquer que fosse o caso, esses anões aparentemente não tinham nenhuma
intenção de parar para lutar, e a perseguição começou. Algumas curvas e contornos
puseram os anões em fuga e os goblins perto de um túnel largo, trabalhado
suavemente e iluminado por tochas, um que fora cavado pelos anões do Salão de
Mitral várias centenas de anos antes. Pela primeira vez desde aquele dia longínquo,
os anões estavam lá novamente, esperando.
Mãos anãs poderosas abriram grandes discos sobre uma viga de madeira, um
após o outro, até que o conjunto se assemelhou a uma roda sólida e cilíndrica, alta
como um anão e quase tão larga quanto o corredor trabalhado, pesando bem mais
que uma tonelada. Completando o quadro principal da estrutura estavam alguns
pinos bem colocados, um envoltório de alguma chapa metálica (com cumes afiados
e cruéis martelados nela) e duas alças entalhadas que corriam do lado da roda para
trás da engenhoca, onde os anões poderiam manejá-las e empurrar a coisa.
Um pano com as imagens em tamanho real dos anões em investida pintadas
sobre ele estava pendurado na frente como um toque final que manteria os goblins
em formação até que fosse tarde demais para recuar.
— Aqui vêm eles — um dos batedores relatou, retornando ao grupo de
batalha principal. — Eles vão virar a curva em alguns minutos.
— As iscas estão prontas? — perguntou o anão encarregado da brigada do
brinquedo.
O outro anão acenou e os carregadores pegaram as estacas, colocando as mãos
firmemente atrás dos entalhes apropriados. Quatro soldados saíram na frente da
engenhoca, prontos para a sua corrida selvagem, enquanto o resto do contingente
de cem anões se pôs em linhas atrás dos carregadores.
— Os buracos tão trinta metros lá pra baixo — o chefe anão lembrou aos
soldados que iam à frente. — Vê se num erram o lugar! Assim que nós botar isso
pra rolar, num vai sê fácil de parar!
Gritos fingidos de medo vieram dos anões em fuga no outro extremo do longo
corredor, seguido pelos gritos dos goblins em perseguição. O chefe dos anões
sacudiu o rosto barbudo; era tão fácil atrair goblins. Bastava deixá-los acreditar que
tinham vantagem, e eles viriam.
Os soldados que iam à frente começaram um trote lento, os carregadores atrás
deles seguiram o ritmo fácil, e o exército se arrastou atrás do trovejar da roda lenta.
Outra série de gritos soou, e em meio aos sons ouviu-se o grito inconfundível de
“Agora!”
Os soldados à frente rugiram e começaram a correr. O brinquedo imenso veio
logo atrás, com as pernas anãs mantendo a roda demoníaca em um grande
rolamento. Acima do trovejar, os anões começaram sua canção rosnada:
Vós de Pouca Fé
DINIM OBSERVOU CADA MOVIMENTO DE SUA IRMÃ, assistindo-a
passar pelos rituais precisos para honrar à Rainha Aranha. O drow estava em uma
pequena capela que Jarlaxle conseguira para Vierna em uma das casas menores de
Menzoberranzan.
Dinin permaneceu fiel à divindade sombria Lolth e concordou de bom grado
em acompanhar Vierna em suas preces naquele dia, mas, na verdade, o drow
achava a coisa toda uma fachada sem sentido, achava que sua irmã era uma sátira
ridícula de seu antigo eu.
— Você não deveria ter tantas dúvidas — comentou Vierna, continuando o
ritual e não se importando em olhar por cima do ombro para encarar Dinin.
No entanto, ao som do suspiro enojado de Dinin, Vierna girou, com um olhar
furioso e um brilho vermelho em seus olhos estreitados.
— Qual é o propósito? — Dinin exigiu saber, enfrentando sua ira bravamente.
Mesmo que ela não estivesse no favor de Lolth, como Dinin teimava em acreditar,
Vierna era maior e mais forte do que ele e estava armada com magia clerical. Ele
cerrou os dentes, firme em sua determinação, e não recuou, com medo de que a
crescente obsessão de Vierna tornasse a levar aqueles ao seu redor ao caminho da
destruição.
Em resposta, Vierna tirou um curioso chicote das dobras de suas vestes
clericais. Enquanto a sua empunhadura era de adamante negro, as cincos correias
do instrumento estavam se contorcendo: eram cobras vivas. Os olhos de Dinin se
arregalaram; ele entendeu o significado da arma.
— Lolth não permite que ninguém além de suas altas sacerdotisas os usem —
lembrou Vierna, carinhosamente acariciando as cabeças.
— Mas nós perdemos o favor... — Dinin começou a reclamar, mas era um
argumento fraco diante da demonstração de Vierna.
Vierna olhou para ele e riu maldosamente, quase ronronando, enquanto se
inclinava para beijar uma das cabeças.
— Então por que ir atrás de Drizzt? — perguntou Dinin. — Você recuperou o
favor de Lolth. Por que arriscar tudo perseguindo nosso irmão traidor?
— Foi assim que recuperei o favor! — Vierna gritou. Ela avançou um passo e
Dinin recuou sabiamente. Ele se lembrava de seus dias na Casa Do’Urden, quando
Briza, sua irmã mais velha e mais cruel, muitas vezes torturava-o com um daqueles
temidos chicotes de cabeça de cobra.
Vierna se acalmou imediatamente, porém, e olhou de volta para seu altar
negro (vivo e esculpido) coberto de aranhas.
— Nossa família caiu por causa da fraqueza de Matriarca Malícia — explicou
ela. — Malícia falhou na tarefa mais importante que Lolth já deu a ela.
— Matar Drizzt — raciocinou Dinin.
— Sim — disse Vierna simplesmente, olhando por cima do ombro para
observar seu irmão. — Matar Drizzt, o miserável e traidor Drizzt. Eu prometi seu
coração a Lolth, prometi corrigir o erro da família, para que nós, você e eu,
pudéssemos recuperar o favor de nossa deusa.
— Para quê? — Dinin teve que perguntar, olhando ao redor da capela comum
com óbvio desprezo. — Nossa casa não existe mais. O nome Do’Urden não pode
ser falado em nenhum lugar da cidade. Qual será o ganho se novamente
encontrarmos o favor de Lolth? Você será uma alta sacerdotisa, e por isso fico
feliz, mas você não terá uma casa sobre a qual presidir.
— Mas eu vou! — retrucou Vierna com os olhos brilhando. — Eu sou uma
nobre sobrevivente de uma casa destruída assim como você, meu irmão. Nós temos
todos os Direitos de Acusação.
Os olhos de Dinin se arregalaram. Vierna estava tecnicamente correta; os
Direitos de Acusação eram um privilégio reservado para os filhos nobres
sobreviventes da destruição de suas casas, onde os filhos nomeavam seus
agressores e assim traziam o peso da justiça drow sobre o culpado. Na contínua
intriga dos bastidores da caótica Menzoberranzan, porém, a justiça era dispensada
seletivamente.
— Acusação? — Dinin gaguejou, mal conseguindo tirar a palavra da boca
subitamente seca. — Por acaso se esqueceu qual casa destruiu a nossa?
— É o que torna tudo mais doce — ronronou sua teimosa irmã.
— Baenre! — gritou Dinin. — Casa Baenre, primeira casa de
Menzoberranzan! Você não pode acusar os Baenre. Nenhuma casa, sozinha ou em
aliança, se moverá contra eles, e Matriarca Baenre controla a Academia. Onde sua
força de justiça será ganha?
— E quanto a Bregan D’aerthe? — Dinin continou. — O próprio bando de
mercenários que nos acolheu ajudou a derrotar a nossa casa. — Dinin parou
abruptamente, considerando suas próprias palavras, sempre impressionado com o
paradoxo, a cruel ironia da sociedade drow.
— Você é um macho e não consegue entender a beleza de Lolth — respondeu
Vierna. — Nossa deusa se alimenta desse caos, considera tal situação mais doce
simplesmente por causa das muitas e furiosas ironias.
— A cidade não vai guerrear contra a Casa Baenre — disse Dinin
inexpressivamente.
— Nunca chegará a isso! — Vierna retrucou, e de novo veio aquele brilho
selvagem em suas órbitas vermelhas brilhantes. — Matriarca Baenre está velha,
meu irmão. Seu tempo já passou. Quando Drizzt estiver morto, como exige a
Rainha Aranha, terei concedida uma audiência na Casa Baenre, onde eu... nós
faremos nossa acusação.
— Então seremos servidos como comida aos escravos goblins dos Baenre —
respondeu Dinin secamente.
— As próprias filhas de Matriarca Baenre vão forçá-la a sair para que a casa
recupere o favor da Rainha Aranha — continuou Vierna empolgada, ignorando o
irmão que duvidava dela — Para esse fim, vão me colocar no controle.
Dinin mal podia encontrar as palavras para rebater as alegações absurdas de
Vierna.
— Pense nisso, meu irmão — prosseguiu Vierna. — Imagine-se ao meu lado
enquanto eu presidir a Primeira Casa de Menzoberranzan!
— Lolth prometeu isso a você?
— Através de Triel — respondeu Vierna —, filha mais velha de Matriarca
Baenre, ela própria sendo a Matriarca Mestra da Academia.
Dinin estava começando a entender. Se Triel, muito mais poderosa que
Vierna, pretendia substituir sua mãe reconhecidamente antiga, ela certamente
reivindicaria o trono da Casa Baenre para si mesma, ou pelo menos permitiria que
uma de suas muitas irmãs dignas ocupasse o assento. As dúvidas de Dinin eram
óbvias quando ele se sentou em um banco, cruzando os braços à sua frente e
balançando a cabeça lentamente, para frente e para trás.
— Não tenho espaço para descrentes em minha comitiva — avisou Vierna.
— Sua comitiva? — Dinin respondeu.
— Bregan D’aerthe é apenas uma ferramenta, fornecida a mim para que eu
possa agradar a deusa — explicou Vierna sem hesitar.
— Você é insana — disse Dinin antes que pudesse encontrar a sabedoria para
manter o pensamento para si. Para seu alívio, porém, Vierna não avançou contra
ele.
— Você deve se arrepender das palavras sacrílegas quando o nosso traidor
Drizzt for dado a Lolth — prometeu a sacerdotisa.
— Você nunca vai chegar perto de nosso irmão — Dinin respondeu
bruscamente, suas memórias de seu encontro desastroso anterior com Drizzt ainda
dolorosamente claras. — E não vou acompanhá-la à superfície — não contra esse
demônio. Ele é poderoso, Vierna, mais poderoso do que você imagina.
— Silêncio! — a palavra carregava um peso mágico, e Dinin encontrou seus
próximos protestos planejados presos em sua garganta.
— Mais poderoso? — Vierna zombou um momento depois. — O que você
sabe sobre poder, macho impotente? — um sorriso irônico cruzou seu rosto, uma
expressão que fez Dinin se contorcer em seu assento. — Venha comigo, Dinin, o
duvidoso — disse Vierna. Ela começou a seguir por uma porta lateral na pequena
capela, mas Dinin não fez nenhum movimento para seguir.
— Venha! — Vierna comandou, e Dinin sentiu as pernas movendo-se sob ele,
viu-se abandonando o único monte de estalagmites da casa menor, depois deixando
Menzoberranzan completamente, seguindo fielmente cada passo de sua irmã
insana.
Assim que os dois Do’Urden saíram de vista, Jarlaxle abaixou a cortina em
frente ao seu espelho mágico, dissipando a imagem da pequena capela. Pensou que
deveria falar com Dinin em breve, para alertar o obstinado guerreiro sobre as
consequências que poderia enfrentar. Jarlaxle gostava sinceramente de Dinin e
sabia que o drow caminhava para o desastre.
— Você a tem atraído bem — o mercenário comentou com a sacerdotisa ao
lado dele, dando-lhe uma piscadela conspiratória com o olho esquerdo — o que
estava descoberto naquele dia.
A drow, mais baixa que Jarlaxle, mas repleta de uma força inegável, rosnou
para o mercenário, com seu desprezo óbvio.
— Minha querida Triel — arrulhou Jarlaxle.
— Segure sua língua — advertiu Triel Baenre —, ou eu vou arrancá-la e dar a
você, para que possa segurá-la em sua mão.
Jarlaxle deu de ombros e sabiamente mudou a conversa de volta para o
assunto em questão.
— Vierna acredita em suas palavras — observou ele.
— Vierna está desesperada — respondeu Triel Baenre.
— Ela teria ido atrás de Drizzt com a simples promessa de que você a levaria
para a sua família — argumentou o mercenário —, mas atraí-la com delírios de
substituir a Matriarca Baenre...
— Quanto maior o prêmio, maior a motivação de Vierna — respondeu Triel
calmamente. — É importante para minha mãe que Drizzt Do’Urden seja dado a
Lolth. Deixe a Do’Urden idiota pensar que vai conseguir.
— Concordo — Jarlaxle disse com um aceno de cabeça. — A Casa Baenre
preparou a escolta?
— Trinta irão se misturar aos guerreiros de Bregan D’aerthe — respondeu
Triel. — Eles são apenas homens — acrescentou com escárnio — e dispensáveis.
A primeira filha da Casa Baenre inclinou a cabeça com curiosidade enquanto
continuava a olhar para o astuto mercenário.
— Você vai acompanhar pessoalmente Vierna com seus soldados escolhidos?
— Triel perguntou. — Para coordenar os dois grupos?
Jarlaxle bateu as mãos delgadas:
— Eu sou parte disso — respondeu com firmeza.
— Para meu desagrado — rosnou a filha Baenre. Ela pronunciou uma única
palavra e, com um lampejo, desapareceu.
— Sua mãe me ama, querida Triel — disse Jarlaxle ao vazio, como se a
Matriarca Mestra da Academia ainda estivesse ao lado dele. — Eu não perderia
isso — o mercenário continuou, pensando em voz alta.
Pela estimativa de Jarlaxle, a busca por Drizzt só podia ser uma coisa boa. Ele
poderia perder alguns soldados, mas eles são substituíveis. Se Drizzt fosse de fato
levado a sacrifício, Lolth ficaria satisfeita, a Matriarca Baenre ficaria satisfeita, e
Jarlaxle encontraria uma maneira de ser recompensado por seus esforços. Afinal,
em um nível mais simples, Drizzt Do’Urden, como um renegado traidor, carregava
uma alta recompensa em sua cabeça. Jarlaxle riu maliciosamente, divertindo-se
com a beleza de tudo isso. Se Drizzt conseguisse escapar de alguma forma, então
Vierna cairia, e o mercenário continuaria, intocado.
Havia outra possibilidade de que Jarlaxle, afastado da situação imediata e
entendido dos costumes dos drow, reconhecia; e se, por alguma chance remota,
isso acontecesse, ele novamente estaria em condições de lucrar muito,
simplesmente por sua relação favorável com Vierna. Triel prometera a Vierna um
prêmio inacreditável porque Lolth a instruíra, e à sua mãe, a fazê-lo. O que
aconteceria se a Vierna cumprisse sua parte do acordo? O mercenário se perguntou.
Que ironias a conivente Lolth reservava para a Casa Baenre?
Com certeza, Vierna Do’Urden parecia insana por acreditar nas promessas
vazias de Triel, mas Jarlaxle sabia bem que muitas das drow mais poderosas de
Menzoberranzan, inclusive Matriarca Baenre, pareceram, em algum momento de
suas vidas, igualmente loucas.
Percepções
NÃO HÁ PALAVRA NA LÍNGUA DROW PARA O AMOR. A palavra mais
próxima da qual consigo me lembrar é ssinssrigg, mas é um termo que tem mais
haver com luxúria física e ganância egoísta. O conceito de amor existe nos
corações de alguns drow, é claro, mas o amor verdadeiro, um desejo altruísta que
muitas vezes exige sacrifício pessoal, não tem lugar em um mundo de rivalidades
tão amargas e perigosas. Os únicos sacrifícios na cultura drow são os presentes a
Lolth, e eles certamente não são altruístas, já que o doador reza por algo maior em
troca.
Ainda assim, o conceito de amor não era novo para mim quando deixei o
Subterrâneo. Eu amava Zaknafein. Amei tanto Belwar quanto Estalo. De fato, foi a
capacidade, a necessidade, do amor que acabou me afastando de Menzoberranzan.
Existe em todo o vasto mundo um conceito mais fugaz, mais elusivo? Muitas
pessoas de todas as raças parecem simplesmente não entender o amor,
sobrecarregar sua bela simplicidade com noções preconcebidas e expectativas
irrealistas. Quão irônico é que eu, saindo da escuridão daquela Menzoberranzan
sem amor, possa compreender melhor o conceito do que muitos daqueles que
viveram com ele, ou pelo menos com a possibilidade muito real dele, por toda suas
vidas.
Há algumas coisas que um drow renegado não deixaria de dar o devido valor.
Minhas poucas viagens a Lua Argêntea nestas últimas semanas estimularam
brincadeiras espirituosas por parte de meus amigos. “Com certeza o elfo tem os
olhos fixos em outro casamento!” Bruenor costuma cantarolar em relação ao meu
relacionamento com Alustriel, a Senhora de Lua Argêntea. Eu aceito as
provocações à luz do calor sincero e das esperanças por trás delas, e não frustrei
essas esperanças explicando aos meus queridos amigos que suas suposições são
equivocadas.
Eu aprecio Alustriel e a bondade que me mostrou. Eu aprecio que ela, uma
governante em um mundo muitas vezes implacável, tenha tido a chance de permitir
que um elfo negro andasse livremente pelas avenidas maravilhosas de sua cidade.
A aceitação de Alustriel de mim como amigo permitiu-me extrair meus desejos de
meus verdadeiros sonhos, não de limitações esperadas.
Mas eu a amo?
Não mais do que ela me ama.
Admito, porém, que amo a noção de que poderia amar Alustriel, e ela poderia
me amar, e que, se a atração estivesse presente, a cor da minha pele e a reputação
de minha herança não deteriam a nobre Senhora de Lua Argêntea.
Eu sei agora, porém, que o amor se tornou a parte mais proeminente da minha
existência, que meu vínculo de amizade com Bruenor, Wulfgar e Regis é de
extrema importância para qualquer felicidade que este drow venha a conhecer.
Meu vínculo com Cattibrie é ainda mais profundo.
O amor honesto é um conceito altruísta, isso eu já disse, e meu próprio
altruísmo foi submetido a um teste severo nesta primavera.
Temo agora pelo futuro, por Cattibrie e Wulfgar e pelas barreiras que devem
superar juntos. Wulfgar a ama, não duvido, mas carrega seu amor com uma
possessividade que beira o desrespeito.
Ele deve entender o espírito que é Cattibrie, deve ver claramente o
combustível que acende as chamas em seus maravilhosos olhos azuis. É esse
mesmo espírito que Wulfgar ama e, ainda assim, sem dúvida sufocará sob as ideias
do lugar de uma mulher como posse do marido.
Meu amigo bárbaro chegou longe desde seus dias de juventude vagando pela
tundra. E mais longe ainda ele deve chegar para segurar o coração da filha de alma
ardente de Bruenor, para manter o amor de Cattibrie.
Existe em todo o vasto mundo um conceito mais fugaz, mais elusivo?
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 6
Sundabar
— EU NÃO VOU ACEITAR O GRUPO DE NESMÉ! — Bruenor rosnou
para o emissário bárbaro de Pedra do Veredito.
— Mas, rei anão... — o homem grande e ruivo gaguejou impotente.
— Não! — o tom severo de Bruenor o silenciou.
— Os arqueiros de Nesmé desempenharam um papel importante na
recuperação do Salão de Mitral — Drizzt, que estava ao lado de Bruenor no
auditório, prontamente lembrou ao rei anão.
Bruenor se mexeu abruptamente em seu assento de pedra.
— Você esqueceu o tratamento que os cães de Nesmé deram a você quando
passamos pela terra deles? — ele perguntou ao drow.
Drizzt sacudiu a cabeça, com a ideia realmente trazendo um sorriso ao rosto
dele.
— Nunca — ele respondeu, mas sua expressão e tom calmos revelaram que,
ainda que não tivesse esquecido, ele aparentemente havia perdoado.
Olhando para o seu amigo de pele de ébano, tão em paz e contente, a fúria do
anão foi imediatamente amenizada.
— Você acha que eu deveria deixá-los ir ao casamento, então?
— Agora você é um rei — respondeu Drizzt, e estendeu as mãos como se essa
simples declaração explicasse tudo. A expressão de Bruenor mostrou claramente
que não tinha entendio e então o elfo negro igualmente teimoso prontamente
elaborou. — Suas responsabilidades para com o seu povo dependem da diplomacia
— explicou Drizzt. — Nesmé será uma parceira comercial promissora e uma
aliada valiosa. Além disso, podemos perdoar os soldados de uma cidade ameaçada
por sua reação à visão de um elfo negro.
— Bah, você é muito coração mole, elfo — resmungou Bruenor — e está me
levando com você!
Ele olhou para o enorme bárbaro, obviamente parecido com Wulfgar, e
assentiu:
— Mande minhas boas-vindas a Nesmé, então, mas eu vou precisar de uma
contagem dos que virão!
O bárbaro lançou um olhar apreciativo a Drizzt, depois fez uma reverência e
partiu, embora sua partida não tenha ajudado a parar os resmungos de Bruenor.
— Umas cem coisas pra fazer, elfo — o anão reclamou.
— Você tenta fazer do casamento da sua filha o mais grandioso que o mundo
já viu — destacou Drizzt.
— Eu tento — Bruenor concordou. — Ela merece, minha Cattibrie. Eu tentei
dar a ela o que pude todos esses anos, mas... — Bruenor estendeu as mãos,
convidando a uma inspeção visual de seu corpo robusto, um lembrete de que ele e
Cattibrie não eram da mesma raça.
Drizzt pôs a mão no ombro forte do amigo.
— Nenhum humano poderia ter dado mais — assegurou a Bruenor. O anão
fungou; Drizzt fez bem em esconder sua risada.
— Mas cem malditas coisas! — Bruenor rosnou, seu ataque de
sentimentalismo sendo previsivelmente de curta duração. — A filha do rei tem que
ter um casamento adequado, eu digo, mas não estou conseguindo muita ajuda em
fazer essa maldita coisa direito!
Drizzt conhecia a fonte da frustração exagerada de Bruenor. O anão esperava
que Regis, um ex-mestre de guilda e inegavelmente habilidoso na etiqueta,
ajudasse no planejamento da enorme celebração.
Logo depois que Regis chegou nos salões, Bruenor assegurou a Drizzt que
seus problemas haviam acabado, que “Pança-furada vai ver o que tem pra ser
visto”.
Na verdade, Regis assumira muitas tarefas, mas não se saíra tão bem quanto
Bruenor esperava ou exigia. Drizzt não tinha certeza se isso vinha da inesperada
inépcia de Regis ou da atitude coruja de Bruenor.
Um anão entrou correndo e entregou a Bruenor vinte pergaminhos diferentes
de possíveis configurações para o grande refeitório. Outro anão entrou logo atrás
do primeiro, carregando vários cardápios em potencial para a festa.
Bruenor apenas suspirou e olhou impotente para Drizzt.
— Você vai passar por isso — o drow assegurou. — E Cattibrie vai achar essa
a celebração mais grandiosa já feita.
Drizzt pretendia continuar, mas sua última declaração o fez parar. Uma
expressão preocupada cruzou sua testa, o que Bruenor não ignorou.
— Você está preocupado com a garota — concluiu o anão observador.
— Mais com Wulfgar — admitiu Drizzt.
Bruenor riu.
— Precisei colocar três pedreiros trabalhando para consertar as paredes do
rapaz — disse o anão. — Algo causou uma raiva bem poderosa nele.
Drizzt apenas assentiu. Não revelara a ninguém que ele havia sido o alvo de
Wulfgar naquela ocasião em particular, e que Wulfgar provavelmente o teria
matado cegamente se o bárbaro tivesse vencido a briga.
— O garoto só está nervoso — disse Bruenor.
Novamente o drow assentiu, embora não tivesse certeza de que conseguiria
concordar. Wulfgar estava de fato nervoso, mas seu comportamento ia além dessa
desculpa. Ainda assim, Drizzt não tinha melhores explicações, e, desde o incidente
no quarto, Wulfgar se tornara novamente amigável com Drizzt, parecendo mais
com seu antigo eu.
— Ele vai se acalmar depois que o dia passar — continuou Bruenor, e pareceu
a Drizzt que o anão estava mais tentando convencer a si mesmo mais do que a
qualquer outra pessoa. Isto também, Drizzt entendeu, era porque Cattibrie, a
humana órfã, era filha de Bruenor em coração e alma. Ela era o único ponto fraco
no coração duro de Bruenor, a brecha vulnerável na armadura do rei.
O comportamento errático e dominador de Wulfgar não tinha escapado ao
sábio anão, ao que parecia. Mas, embora a atitude de Wulfgar incomodasse
Bruenor, Drizzt não acreditava que o anão faria algo a respeito — a menos que
Cattibrie lhe pedisse ajuda. E Drizzt sabia que Cattibrie, tão orgulhosa e teimosa
quanto seu pai, não pediria — não a Bruenor e nem a Drizzt.
— Onde você esteve se escondendo, seu pequeno malandro? — Drizzt ouviu
Bruenor rugir, e o enorme volume da voz do anão arrancou Drizzt de suas
contemplações. Ele olhou por cima do ombro e viu Regis entrando no corredor, o
halfling parecendo completamente confuso.
— Estava fazendo minha primeira refeição do dia! — Regis gritou de volta,
com uma expressão amarga no rosto de querubim e uma mão sobre a barriga
queixosa.
— Não há tempo para comer! — Bruenor retrucou. — Nós temos umas--
— Cem coisas para fazer — Regis terminou, imitando o sotaque pesado do
anão e levantando sua mão rechonchuda em um apelo desesperado para Bruenor
recuar.
Bruenor pisou forte e correu para a pilha de cardápios em potencial.
— Já que você pensa tanto em comida...
Bruenor começou a falar enquanto recolhia os pergaminhos e os levava,
cobrindo Regis com eles:
— Haverá elfos e humanos aos montes no banquete — explicou, enquanto
Regis tentava colocar a pilha em ordem. — Dê a eles algo que suas entranhas
sensíveis aguentem!
Regis lançou um olhar de súplica para Drizzt, mas quando o drow apenas deu
de ombros em resposta, o halfling pegou os pergaminhos e afastou-se.
— Eu achei que aquele lá fosse melhor nessa coisa de planejar casamento —
comentou Bruenor, em voz alta o suficiente para o halfling ouvir.
— E não tão bom em lutar contra goblins — respondeu Drizzt, lembrando-se
dos notáveis esforços do halfling na batalha. Bruenor acariciou a espessa barba
ruiva e olhou para a porta vazia pela qual Regis acabara de passar.
— Passou muito tempo na estrada ao lado de gente como nós — o anão
decidiu por fim.
— Tempo demais — Drizzt acrescentou em voz baixa, muito baixo para que
Bruenor ouvisse, pois era óbvio para o drow que Bruenor, ao contrário de Drizzt,
consideravam boas as revelações surpreendentes sobre o amigo halfling.
Pouco tempo depois, quando Drizzt, em uma missão para Bruenor, se
aproximou da entrada da capela de Cobble, descobriu que Bruenor não era o único
perturbado pelos preparativos para o casamento que se aproximava.
— Nem por todo o mitral no reino de Bruenor! — ele ouviu Cattibrie gritar
enfaticamente.
— Seja razoável — Cobble choramingou de volta para ela. — Seu pai não
está pedindo muito.
Drizzt entrou na capela e viu Cattibrie de pé em cima de um pedestal, com as
mãos resolutas nos quadris esguios, e Cobble mais abaixo diante dela, segurando
um avental cravejado de pedras preciosas.
Cattibrie olhou para Drizzt e deu uma breve sacudida de cabeça.
— Eles estão querendo que eu use um avental de ferreiro! — ela berrou. —
Um maldito avental de ferreiro no dia do meu casamento!
Drizzt percebeu com prudência que aquela não era a hora de sorrir.
Ele caminhou solenemente até Cobble e pegou o avental.
— Tradição dos Martelo de Batalha — o clérigo bufou.
— Qualquer anã ficaria orgulhosa de usar essas vestes — concordou Drizzt.
— Devo, porém, lembrá-lo de que Cattibrie não é uma anã?
— Um símbolo de subserviência, é o que isso é — a mulher de cabelos
arruivados despejou. — Espera-se que as anãs trabalhem na forja durante todo o
dia. Eu nunca levantei um martelo de ferreiro, e...
Drizzt acalmou-a com a mão estendida e um olhar melancólico.
— Ela é filha de Bruenor — destacou Cobble. — Tem o dever de agradar seu
pai.
— De fato — Drizzt, o consumado diplomata, concordou mais uma vez —,
mas lembre-se de que ela não está se casando com um anão. Cattibrie nunca
trabalhou na forja...
— É simbólico — protestou Cobble.
— ... e Wulfgar levantou o martelo apenas durante seus anos de servidão a
Bruenor, quando não tinha escolha — concluiu Drizzt, sem perder o ritmo.
Cobble olhou para Cattibrie, depois de volta para o avental, e suspirou.
— Encontraremos um meio termo — ele concedeu.
Drizzt lançou uma piscadela para Cattibrie e ficou surpreso ao perceber que
seus esforços aparentemente não haviam amenizado o humor da jovem.
— Eu vim em nome de Bruenor — disse o drow ranger para Cobble.
— Ele mencionou algo sobre aprovar a água benta para a cerimônia.
— Provar — Cobble corrigiu, então ficou assustadiço, olhando para um lado e
para o outro. — Sim, sim, a cerveja — disse ele, confuso. — Bruenor está
querendo resolver a questão da cerveja hoje.
Ele olhou para Drizzt.
— Estamos achando que a mais escura será demais para o grupo de barriga
fraca de Lua Argêntea.
O anão correu pela capela grande, pegando baldes das várias fontes que
cobriam as paredes. Cattibrie respondeu a Drizzt com um dar de ombros incrédulo
enquanto ele silenciosamente pronunciava as palavras,
— Água benta?
Clérigos da maioria das religiões preparavam sua água abençoada com óleos
exóticos; não deveria ser uma surpresa para Drizzt, depois de muitos anos ao lado
do barulhento Bruenor, que os clérigos anões usassem lúpulo.
— Bruenor disse que você deveria trazer uma quantia generosa — disse
Drizzt a Cobble, instruções que dificilmente seriam necessárias, já que o clérigo
empolgado já enchera um pequeno carrinho com frascos.
— Já acabamos por hoje — anunciou Cobble para Cattibrie.
O anão caminhou rapidamente até a porta, com sua preciosa carga.
— Mas não pense que você teve a última palavra! — Cattibrie rosnou de
novo, mas Cobble, andando a toda velocidade, estava longe demais para notar.
Drizzt e Cattibrie sentaram-se lado a lado no pequeno pedestal em silêncio por
algum tempo.
— O avental é tão ruim? — o drow finalmente reuniu a coragem de perguntar.
Cattibrie sacudiu a cabeça.
— Não é a roupa, mas o significado da coisa que não estou gostando — ela
explicou. — Meu casamento é em duas semanas. Estou pensando que já vi minha
última aventura, minha última batalha, exceto por aquelas que estou condenada a
enfrentar contra o meu próprio marido.
A admissão contundente atingiu Drizzt profundamente e aliviou muito do
peso de manter seus medos em segredo.
— Goblins de toda a Faerun ficarão contentes em ouvir isso — disse, tentando
trazer alguma leveza ao humor sombrio da jovem. Cattibrie conseguiu dar um leve
sorriso, mas uma profunda tristeza permaneceu em seus olhos azuis.
— Você lutou tão bem quanto qualquer um de nós — acrescentou Drizzt.
— Você não acha que eu lutaria? — Cattibrie gritou para ele, de repente na
defensiva, seu tom tão afiado quanto as bordas das cimitarras mágicas de Drizzt.
— Você está sempre tão cheia de raiva? — Drizzt replicou, e suas palavras
acusatórias acalmaram Cattibrie imediatamente.
— Só com medo, suponho — ela respondeu calmamente.
Drizzt assentiu, compreendendo e apreciando o crescente dilema de sua
amiga.
— Eu preciso voltar para Bruenor — explicou, levantando-se do pedestal. Ele
teria parado de falar naquele momento, mas não podia ignorar o olhar de súplica
que Cattibrie lhe lançou.
Ela se virou imediatamente, olhando diretamente para a frente sob o capuz de
suas grossas mechas arruivadas, e tal desalento atingiu Drizzt com mais força.
— Não é meu direito te dizer como deve se sentir — Drizzt disse
uniformemente. Ainda assim, a jovem não olhou para ele. — Meu fardo como seu
amigo é igual ao que você carregou na cidade de Porto Calim, lá no sul, quando eu
me perdi. Eu digo a você agora: o caminho diante de você se desdobra em muitas
direções, mas a escolha desse caminho é sua. Para o bem de todos nós e
principalmente o seu, oro para que você considere seu curso com cuidado.
Ele se abaixou, empurrou o cabelo de Cattibrie para trás e beijou-a
suavemente na bochecha.
Ele não olhou para trás quando saiu da capela.
Silêncio na Escuridão
MESMO COM LÂMPADAS ACESAS REVESTINDO todas as paredes e
com o caminho claro e bem marcado, Drizzt e Regis levaram mais de três horas
para atravessar os quilômetros do grande complexo do Salão de Mitral até as novas
áreas do túnel. Passaram pela maravilhosa Cidade Baixa, com seus muitos níveis
de habitações anãs que se assemelhavam a gigantescos degraus nos dois lados da
enorme caverna. As residências davam para uma área de trabalho central no chão
da caverna que fervilhava com as atividades da raça laboriosa. Esse era o centro de
todo o complexo; ali, a maioria do povo de Bruenor vivia e trabalhava. Grandes
fornalhas rugiam o dia todo, todos os dias. Martelos anões ecoavam em uma
canção contínua, e embora as minas tivessem sido abertas há apenas alguns meses,
milhares de produtos acabados — desde armas finamente trabalhadas até belos
cálices — já enchiam vários carrinhos de mão, que esperavam ao longo das
paredes pelo começo da época de comercialização.
Drizzt e Regis entraram pelo extremo leste no nível superior, cruzaram a
caverna ao longo de uma ponte alta e desceram as muitas escadas para chegar no
nível mais abaixo da cidade, seguindo para o oeste, para as minas mais profundas
do Salão de Mitral. Lamparinas baixas queimavam nas paredes, embora agora
fossem mais espaçadas, e de vez em quando os companheiros passavam por uma
equipe de trabalho anã, tirando o precioso minério prateado, o mitral, da parede do
túnel.
Então chegaram aos túneis externos, onde não havia lâmpadas nem anões.
Drizzt tirou a mochila, pensando em acender uma tocha, mas notou os olhos do
halfling brilhando com o vermelho revelador da infravisão.
— Eu prefiro a luz de uma tocha — Regis comentou quando o drow começou
a devolver a tocha para a mochila.
— Devemos economizar — respondeu Drizzt. — Não sabemos quanto tempo
teremos que passar nesses novos túneis.
Regis deu de ombros; Drizzt se divertiu com o fato de que o halfling já estava
segurando sua maça pequena, mas inegavelmente eficaz, embora ainda não
tivessem ido além das regiões seguras do complexo.
Eles fizeram uma pequena pausa, depois seguiram novamente, colocando
outros dois ou três quilômetros atrás deles. Previsivelmente, Regis logo começou a
reclamar de seus pés doloridos e se aquietou apenas quando ouviram o som de
conversas anãs algum lugar à frente.
Algumas voltas e reviravoltas no túnel levaram-nos a uma escada estreita que
se esvaziava na última sala de guarda daquela seção. Quatro anões estavam lá,
jogando dados (e resmungando a cada jogada) e dando pouca atenção à grande
porta de pedra com barras de ferro que fechava as novas áreas.
— Olá — disse Drizzt, interrompendo o jogo.
— Temos alguns dos nossos ali — um anão de barba castanha e atarracada
respondeu assim que notou Drizzt. — Rei Bruenor mandou vocês dois atrás deles?
— Sorte a nossa — comentou Regis.
Drizzt assentiu com a cabeça.
— Devemos lembrar aos anões desaparecidos que o mitral será obtido no
devido tempo — disse ele, tentando manter o encontro despreocupado, não
querendo alarmar os guardas com a sua crença de que poderia haver problemas na
nova seção.
Dois dos anões pegaram suas armas enquanto os outros dois se aproximavam
para remover a pesada barra de ferro que trancava a porta.
— Bem, quando estiver pronto para sair, bata na porta três vezes, depois duas
— explicou o anão de barba castanha. — Não vamos abrir a menos que o sinal
esteja certo!
— Três, depois duas — concordou Drizzt.
A barra saiu e a porta se abriu para dentro com um grande som de sucção.
Nada além da escuridão de um túnel vazio era aparente além dela.
— Calma, meu amiguinho — disse Drizzt, vendo o brilho súbito nos olhos do
halfling. Eles haviam estado ali apenas algumas semanas antes, para a luta contra
os goblins, mas, embora tivessem erradicado tal ameaça, o túnel silencioso não
parecia menos imponente.
— Rápido — disse-lhes o anão de barba castanha, obviamente não contente
em manter a porta aberta.
Drizzt acendeu uma tocha e liderou o caminho para a penumbra, com Regis
nos seus calcanhares. Os anões fecharam a porta imediatamente quando os
companheiros foram liberados, e Drizzt e Regis ouviram o barulho da barra de
ferro sendo colocada de volta no lugar.
Drizzt entregou a Regis a tocha e sacou suas cimitarras, fazendo Fulgor
brilhar num suave tom de azul.
— Devemos terminar o mais depressa que pudermos — raciocinou o drow. —
Traga Guenhwyvar e deixe-a nos guiar.
Regis largou a maça e a tocha e se atrapalhou para encontrar a estatueta de
ônix. Ele a colocou no chão diante de si e pegou seus outros itens, depois olhou
para Drizzt, que andara alguns degraus mais abaixo no túnel.
— Você pode chamar a pantera — disse Drizzt, um tanto surpreso, quando
olhou para trás e viu o halfling esperando por ele, uma visão curiosa dada a estreita
relação de Regis com o grande felino. Guenhwyvar era uma entidade mágica, uma
habitante do Plano Astral, que vinha ante a convocação do dono da estatueta.
Bruenor sempre fora um pouco tímido ao redor da gata (anões não costumavam
gostar de magia além da mágica de belas armas), mas Regis e Guenhwyvar eram
amigos íntimos. Guenhwyvar tinha até salvado a vida do halfling uma vez, levando
Regis em um passeio astral e tirando-o de uma torre em colapso no processo.
Agora, porém, Regis estava acima da estatueta, com a tocha e a maça na mão,
aparentemente inseguro de como proceder.
Drizzt deu alguns passos para se juntar ao seu diminuto amigo.
— Qual é o problema? — perguntou ele.
— Eu... Acho que você deveria chamar Guenhwyvar — o halfling respondeu.
— É sua pantera, afinal, e é a sua voz que Guenhwyvar conhece melhor.
— Guenhwyvar viria ao seu chamado — assegurou Drizzt a Regis, dando um
tapinha no ombro do halfling. Não querendo se atrasar discutindo, o drow
suavemente chamou o nome da pantera. Alguns segundos depois, uma névoa
acinzentada, parecendo mais escura sob a luz fraca, juntou-se à estatueta e
gradualmente se transformou na forma da pantera. A névoa sutilmente tornou-se
algo mais substancial, depois desapareceu, deixando em seu lugar a forma felina e
musculosa de Guenhwyvar. As orelhas da pantera se achataram imediatamente —
Regis deu um passo prudente para trás —, e então Drizzt agarrou Guenhwyvar pelo
queixo e deu uma sacudida brincalhona.
— Alguns anões estão desaparecidos — Drizzt explicou à gata, e Regis sabia
que Guenhwyvar entendia cada palavra. — Encontre o cheiro deles, minha amiga.
Conduza-me a eles.
Guenhwyvar passou um longo tempo estudando a área, voltou-se para olhar
um pouco para Regis e depois emitiu um rosnado baixo.
— Continue — Drizzt disse à gata, e os músculos macios se flexionaram,
impulsionando Guenhwyvar com facilidade e em perfeito silêncio para a escuridão
além da luz das tochas.
Drizzt e Regis seguiram em passo calmo, o drow confiante de que a pantera
não iria longe demais para a acompanharem e Regis olhando de um lado para o
outro a cada centímetro que passava. Atravessaram a interseção com os
gigantescos ossos do ettin, o primeiro abate de Bruenor, pouco tempo depois, e
Guenhwyvar se juntou a eles mais uma vez quando entraram na caverna baixa
onde a força principal dos goblins havia sido derrotada.
Pouca evidência restava daquela recente batalha, exceto as muitas manchas de
sangue e uma pilha cada vez menor de corpos de goblins no centro do local.
Criaturas parecidas com vermes de três metros de comprimento se apinhavam
sobre eles, com seus longos tentáculos sentindo o caminho enquanto se
banqueteavam nos cadáveres inchados.
— Fique perto — alertou Drizzt, e Regis não precisou ser avisado duas vezes.
— São vermes da carniça — explicou o ranger —, os abutres do Subterrâneo. Com
a comida tão prontamente disponível, eles provavelmente nos deixarão em paz,
mas são inimigos perigosos. Um toque de seus tentáculos pode roubar a força de
seus membros.
— Você acha que os anões chegaram perto demais deles? — perguntou Regis,
semicerrando os olhos na penumbra para ver se conseguia distinguir corpos não-
goblinoides em meio à pilha.
Drizzt sacudiu a cabeça.
— Os anões conhecem bem os vermes — explicou. — Eles acolhem os
animais para se livrarem do fedor dos cadáveres dos goblins. Eu dificilmente
esperaria que sete anões veteranos fossem derrubados por vermes da carniça.
Drizzt começou a descer da plataforma em ângulo, mas o halfling agarrou sua
capa para detê-lo.
— Tem um ettin morto aqui — explicou Regis. — Muita carne.
Drizzt inclinou a cabeça curiosamente, enquanto considerava o halfling de
pensamento rápido, o drow começando a achar que talvez Bruenor tivesse sido
sábio em mandar o pequenino junto. Eles contornaram a borda da pedra elevada e
desceram para o lado. Com certeza, vários vermes da carniça estariam sobre o
enorme corpo do ettin; o curso original de Drizzt o teria levado para perigosamente
perto das criaturas.
Eles entraram nos túneis vazios novamente em poucos segundos, Guenhwyvar
deslizando silenciosamente na escuridão para conduzi-los.
A tocha logo se apagou; Regis balançou a cabeça quando Drizzt procurou
outra, lembrando ao elfo que deviam economizar suas fontes de luz.
Eles continuaram, em silêncio, no escuro, com apenas o brilho suave de
Fulgor para marcar sua passagem. Para o drow, parecia como nos velhos tempos,
atravessando o Subterrâneo com sua companheira felina, seus sentidos aumentados
com o conhecimento de que o perigo poderia estar à espreita em qualquer curva.
◆
— Esses túneis são infinitos — Regis gemeu depois de mais duas horas de
retornos e voltas sem graça nos corredores naturais trabalhados pelos goblins.
Drizzt permitiu uma pausa para o jantar — até acendeu uma tocha — e os dois
amigos sentaram-se em uma pequena câmara natural em uma rocha plana,
rodeados por estalactites cruéis e montes monstruosos de pedra empilhada.
Drizzt entendia o quão acidentalmente acertadas as palavras do halfling
poderiam ser. Eles estavam muito abaixo do solo, a vários quilômetros, e as
cavernas continuavam sem rumo, conectando câmaras grandes e pequenas e se
encontrando com dezenas de passagens laterais. Regis estivera nas minas dos anões
antes, mas nunca entrara no reino mais abaixo, o temido Subterrâneo, onde viviam
os elfos drow, onde Drizzt Do’Urden nascera.
O ar sufocante e a inevitável percepção de milhares de toneladas de rocha
sobre sua cabeça forçosamente levaram o elfo negro a pensar em sua vida passada,
nos dias em que vivera em Menzoberranzan ou a caminhar com Guenhwyvar nos
aparentemente intermináveis túneis do mundo subterrâneo de Toril.
— Vamos nos perder, assim como os anões — resmungou Regis mastigando
um biscoito. Ele deu pequenas mordidas e mastigou-as mil vezes para saborear
cada migalha preciosa.
O sorriso de Drizzt não pareceu confortá-lo, mas o ranger estava confiante de
que ele e, mais particularmente, Guenhwyvar, sabiam exatamente onde estavam,
fazendo um circuito sistemático com a câmara da batalha dos goblins como seu
centro. Apontou para trás de Regis, seu movimento levando o halfling a meio giro
em seu assento rochoso.
— Se nós voltássemos por aquele túnel e ramificássemos na primeira
passagem à direita, nós iríamos, em questão de minutos, para a grande câmara onde
Bruenor derrotou os goblins, — Drizzt explicou. — Nós não estávamos tão longe
deste local quando encontramos com Cobble.
— Parece mais longe, só isso — resmungou Regis baixinho.
Drizzt não insistiu, feliz por ter Regis junto, mesmo que o halfling estivesse
particularmente mal-humorado. Drizzt não tinha visto muito de Regis nas semanas
desde que voltara ao Salão de Mitral; na verdade, ninguém tinha, exceto talvez a
equipe de cozinheiros dos anões nos refeitórios comunitários.
— Por que você voltou? — Drizzt perguntou de repente, sua pergunta fazendo
Regis engasgar com um pedaço de biscoito. O halfling olhou para ele incrédulo.
— Estamos contentes por ter você de volta — Drizzt continuou, esclarecendo
as intenções de sua pergunta bastante contundente. — E certamente todos nós
esperamos que você fique aqui por muito tempo. Mas por que, meu amigo?
— O casamento... — Regis gaguejou.
— Um bom motivo, mas dificilmente o único — Drizzt respondeu com um
sorriso compreensivo. — Quando nos vimos pela última vez, você era um mestre
de guilda e todo o Porto Calim era seu.
Regis desviou o olhar, passou os dedos pelo cabelo castanho encaracolado,
brincou com vários anéis e passou a mão para tocar o brinco.
— Essa é a vida que o Regis que conheço sempre desejou — observou Drizzt.
— Então talvez você realmente não tenha entendido o Regis — respondeu o
halfling.
— Talvez — admitiu Drizzt —, mas há mais que isso. Eu o conheço bem o
suficiente para entender que você faria um grande esforço para evitar uma briga.
No entanto, quando a batalha dos goblins chegou, você permaneceu ao meu lado.
— E que lugar é mais seguro do que ao lado de Drizzt Do’Urden?
— No complexo superior, nos refeitórios — respondeu o drow sem hesitação.
O sorriso de Drizzt era de amizade; o brilho nos olhos lavanda não mostrava
animosidade pelo halfling, quaisquer que fossem as falsidades que Regis estivesse
jogando. — Seja qual for a razão pela qual você veio, tenha certeza de que estamos
todos felizes por você estar aqui — disse Drizzt honestamente. — Bruenor mais
que qualquer outro, talvez. Mas se você encontrou algum problema, algum perigo,
seria aconselhável declará-lo abertamente, para que pudéssemos batalhar juntos.
Nós somos seus amigos e ficaremos ao seu lado, sem julgamentos, contra
quaisquer possibilidades. Pela minha experiência, tais chances são sempre
melhores quando conheço o inimigo.
— Eu perdi a guilda — admitiu Regis — apenas duas semanas depois que
você deixou Porto Calim.
A notícia não surpreendeu o drow.
— Artemis Entreri — disse Regis sombriamente, erguendo seu rosto
querúbico para olhar diretamente para Drizzt, estudando cada movimento do drow.
— Entreri assumiu a guilda? — perguntou Drizzt.
Regis assentiu.
— Ele não teve tanta dificuldade com isso. Sua rede de influência chegou aos
meus companheiros de maior confiança.
— Você deveria ter esperado isso do assassino — Drizzt respondeu, e deu
uma risadinha, o que fez os olhos de Regis arregalarem-se com aparente surpresa.
— Você acha isso engraçado?
— A guilda está melhor nas mãos de Entreri — respondeu Drizzt à surpresa
continuada do halfling. — Ele é adequado para a vida de intrigas do miserável
Porto Calim.
— Achei que você... — Regis começou. — Quero dizer, você não quer ir lá
e...
— Matar Entreri? — Drizzt perguntou com uma risada suave. — Minha
batalha com o assassino acabou — acrescentou quando o aceno ansioso de Regis
confirmou seu palpite.
— Entreri pode não pensar assim — disse Regis sombriamente.
Drizzt deu de ombros — e notou que sua atitude casual parecia incomodar o
halfling mais do que um pouco.
— Enquanto Entreri ficar no sul, ele não é problema meu. — Drizzt sabia que
Regis não esperava que Entreri permanecesse no sul. Talvez fosse por isso que
Regis não ficara nos níveis superiores durante a luta dos goblins, pensou o elfo.
Talvez Regis receasse que Entreri pudesse se infiltrar no Salão de Mitral. Se o
assassino encontrasse Drizzt e Regis, provavelmente iria atrás de Drizzt primeiro.
— Você o feriu, você sabe — continuou Regis. — Na sua luta, quero dizer.
Ele não é do tipo que perdoa algo assim.
O olhar de Drizzt tornou-se repentinamente grave; Regis recuou, colocando
mais distância entre ele e o fogo nos olhos lavanda do drow.
— Você acredita que ele te seguiu até aqui? — Drizzt perguntou sem rodeios.
Regis balançou a cabeça enfaticamente.
— Arrumei as coisas para parecer que eu tinha sido morto — explicou. —
Além disso, Entreri sabe onde fica o Salão de Mitral. Ele poderia encontrar você
sem ter que me seguir até aqui. Mas ele não vai — continuou Regis. — De tudo o
que ouvi, perdeu o uso de um braço e perdeu um olho também. Dificilmente seria
páreo a você em batalha.
— Foi a perda de seu coração que roubou sua capacidade de lutar — observou
Drizzt, mais para si mesmo do que para Regis. Apesar de sua atitude casual, Drizzt
não podia facilmente ignorar sua longa rivalidade com o assassino mortal. Entreri
era seu oposto de muitas maneiras, sem paixão e amoral, mas na capacidade de luta
provou ser igual a Drizzt — quase. A filosofia de Entreri sustentava que um
verdadeiro guerreiro seria uma coisa sem coração, um assassino puro e eficiente.
As crenças de Drizzt iam exatamente na direção oposta. Para os drow, que havia
crescido entre tantos guerreiros mantendo ideais semelhantes aos do assassino, a
paixão da justiça aumentava a habilidade de um guerreiro. O pai de Drizzt,
Zaknafein, era inigualável em Menzoberranzan porque suas espadas soavam por
justiça, porque ele lutava com a crença sincera de que suas batalhas eram
moralmente justificadas.
— Não duvide de que ele vá odiar você — comentou Regis, roubando as
contemplações particulares de Drizzt.
Drizzt notou um brilho nos olhos do halfling e tomou como uma indicação do
ardente ódio de Regis por Entreri. Será que Regis queria esperar que ele voltasse
para Porto Calim e terminasse sua luta com Entreri? O drow se perguntou. Será
que Regis esperava que Drizzt devolvesse a guilda dos ladrões, depondo seu líder
assassino?
— Ele me odeia porque meu estilo de vida mostra que o dele é uma mentira
vazia — observou Drizzt, com certa frieza. O drow não voltaria a Porto Calim, não
voltaria a lutar com Artemis Entreri por nenhum motivo. Fazer isso o colocaria no
nível moral do assassino, algo que o drow, que virara as costas ao seu próprio povo
amoral, temia mais do que qualquer coisa em todo o mundo.
Regis desviou o olhar, aparentemente captando os verdadeiros sentimentos de
Drizzt. A decepção era óbvia em sua expressão; o drow teve que acreditar que
Regis realmente esperava recuperar sua preciosa guilda com a lâmina das
cimitarras de Drizzt. E o elfo negro não tinha muita esperança nas alegações do
halfling de que Entreri não viria para o norte. Se o assassino, ou pelo menos os
agentes do assassino, não estivessem por perto, por que Regis havia ficado ao lado
de Drizzt quando desceram para lutar contra os goblins?
— Venha — disse o drow, antes que sua crescente raiva pudesse dominá-lo.
— Temos muitos quilômetros para cobrir antes de pararmos pra passar a noite. Em
breve, devemos mandar Guenhwyvar de volta ao Plano Astral, e nossas chances de
encontrar os anões são melhores com a pantera ao nosso lado.
Regis enfiou a comida restante em sua pequena mochila, apagou a tocha e
seguiu um passo atrás do drow. Drizzt olhou para ele muitas vezes, um tanto
espantado, um pouco desapontado, pelo brilho zangado nos pontos vermelhos que
eram os olhos do halfling.
CAPÍTULO 8
Faíscas voando
GOTAS DE SUOR BRILHANTE ROLARAM ao longo dos braços
esculpidos do bárbaro; as sombras da lareira bruxuleante desenhavam linhas ao
longo de seus bíceps e antebraços espessos, acentuando os enormes músculos
definidos.
Com incrível facilidade, como se estivesse empunhando uma ferramenta feita
para pregos finos, Wulfgar batia o malho de nove quilos repetidamente contra uma
haste de metal. Pedaços de ferro derretido voavam a cada batida e salpicavam as
paredes e o chão e o grosso avental de couro que usava, pois o bárbaro
descuidadamente aquecera demais o metal. O sangue subiu nos grandes ombros de
Wulfgar, mas ele não piscou e não se cansou. Ele era impulsionado pela certeza de
que tinha que lidar com as emoções demoníacas que haviam agarrado seu coração.
Ele encontraria consolo na exaustão.
Wulfgar não havia trabalhado na forja há anos, desde que Bruenor o libertara
da servidão no Vale do Vento Gélido, um lugar, uma vida, que parecia estar há
anos-luz de distância.
Wulfgar precisava do ferro agora, precisava do pulsar instintivo e irrefletido,
precisava da coerção física para anular a confusão desordenada de emoções que
não o deixariam descansar. O bater ritmado forçou seus pensamentos em um
padrão de linhas retas; o bárbaro se permitia avaliar apenas um único pensamento
completo entre cada estrondo que o interrompia.
Ele queria resolver tantas coisas naquele dia, principalmente para se lembrar
daquelas qualidades que inicialmente o atraíram a sua futura esposa. A cada
intervalo, porém, a mesma imagem brilhava para ele: Presa de Égide girando
perigosamente perto da cabeça de Drizzt.
Ele havia tentado matar seu melhor amigo.
De repente, renovado seu vigor, lançou o malho no metal e novamente enviou
linhas de faíscas voando através da pequena câmara privada.
O que nos Nove Infernos estava acontecendo com ele? Mais uma vez, as
faíscas voaram descontroladamente.
Quantas vezes Drizzt Do’Urden o salvara? Quão vazia seria sua vida sem seu
amigo de pele de ébano?
Ele grunhiu quando o martelo bateu.
Mas o drow havia beijado Cattibrie — sua Cattibrie — do lado de fora do
Salão de Mitral no dia de seu retorno!
A respiração de Wulfgar veio em suspiros ofegantes, mas seu braço
trabalhava ferozmente, jogando sua fúria através do martelo de ferreiro. Seus olhos
estavam tão fechados quanto a mão que cerrava o martelo; seus músculos se
inchavam com a tensão.
— Essa aí é pra usar dobrando a curva? — ele ouviu a voz de um anão
perguntar.
Os olhos de Wulfgar se abriram e ele se virou para ver um dos parentes de
Bruenor passando pela porta parcialmente aberta, enquanto seu riso ecoava ao
caminhar pelo corredor de pedra. Quando o bárbaro olhou para o seu trabalho,
entendeu a risada do anão, porque a lança de metal que estivera modelando estava
agora muito curvada no centro por causa das batidas excessivas no metal aquecido.
Wulfgar jogou o cano arruinado para o lado e deixou o martelo cair no chão
de pedra.
— Por que você fez isso comigo? — ele perguntou em voz alta, embora
Drizzt estivesse longe demais para ouvi-lo. Sua mente mantinha uma imagem de
Drizzt e sua amada Cattibrie abraçados em um beijo profundo, uma imagem da
qual o perturbado Wulfgar não conseguia se livrar, embora não tivesse visto os dois
no ato.
O bárbaro passou a mão pela testa suada, deixando uma linha de fuligem na
testa, e se sentou à beira de uma mesa de pedra. Ele não esperava que as coisas se
tornassem tão complicadas, não tinha antecipado o comportamento ultrajante de
Cattibrie. Pensou na primeira vez em que vira seu amor, quando ela mal era mais
do que uma garota, pulando pelos túneis do complexo dos anões no Vale do Vento
Gélido — saltitando sem parar, como se todos os perigos sempre presentes daquela
região difícil e todas as lembranças da recente guerra contra o povo de Wulfgar
houvessem simplesmente se afastado de seus delicados ombros, como se
houvessem se afastado dela como suas brilhantes madeixas castanho avermelhadas
se afastavam de seu rosto quando as sacudia.
Não demorou muito para que o jovem Wulfgar entendesse que Cattibrie
capturara seu coração com aquela dança despreocupada. Ele nunca conhecera uma
mulher como ela; em sua tribo, as mulheres eram praticamente escravas,
encolhidas diante das exigências muitas vezes irracionais dos homens. As mulheres
dos bárbaros não ousavam questionar seus homens, certamente não os
envergonhavam, como Cattibrie fizera a Wulfgar quando ele havia insistido para
que ela não acompanhasse a força enviada para negociar com a tribo goblin.
Wulfgar era sábio o bastante agora para admitir suas próprias falhas e se
sentia um tolo pelo modo como falara com Cattibrie. Ainda assim, restava no
bárbaro a necessidade de uma mulher — uma esposa — a quem pudesse proteger,
uma esposa que lhe permitisse seu lugar de direito como um homem.
As coisas se tornaram muito complicadas, e então, só para piorar as coisas,
Cattibrie — sua Cattibrie — tinha compartilhado um beijo com Drizzt Do’Urden!
Wulfgar saltou de seu assento e correu para pegar o martelo, sabendo que
passaria muitas horas na forja, muitas horas a mais passando a raiva de seus
músculos trincados para o metal. Pois o metal se dobrava a ele como Cattibrie
jamais o faria, obedecia ao inegável apelo de seu pesado martelo.
Wulfgar desceu o martelo com toda a força e uma barra de metal recém-
aquecida estremeceu com o impacto. Teng! Faíscas se jogavam nas maçãs do rosto
salientes de Wulfgar, uma chegando bem perto de seu olho.
Com o sangue subindo e os músculos tensos, Wulfgar não sentiu dor.
◆
— Se você não quer usar o avental, então você não vai usá-lo. Bruenor disse
em frustração. Cattibrie assentiu, finalmente ouvindo a concessão que queria desde
o começo.
— Mas, meu rei... — protestou Cobble, o único outro na câmara privada com
Bruenor e Cattibrie. Tanto ele quanto Bruenor ostentavam graves dores de cabeça
causadas pela água benta.
— Bah! — o rei anão bufou para silenciar o clérigo bem-intencionado. —
Você não conhece minha garota tão bem quanto eu. Se ela está dizendo que não vai
usá-lo, então nem todos os gigantes da Espinha do Mundo poderiam fazer ela
mudar de ideia.
— “Bah” você! — veio um chamado inesperado de fora da sala, seguido por
uma tremenda batida. — Eu sei que você está aí, Bruenor Martelo de Batalha, que
se considera rei do Salão de Mitral! Agora, abra essa porta e encontre seu superior!
— Conhecemos essa voz? — perguntou Cobble, trocando olhares confusos
com Bruenor.
— Abre logo! — veio outro grito, seguido por um som agudo de raspagem. A
madeira lascou quando uma luva de pregos, basicamente grandes espetos
colocados em uma manopla de metal especialmente construída, se prendeu pela
porta grossa.
— Ai, arenito — veio um som mais baixo.
Bruenor e Cobble olharam um para o outro, incrédulos.
— Não — disseram em uníssono, abanando suas cabeças.
— O que foi? — Cattibrie perguntou, ficando impaciente.
— Não pode ser — respondeu Cobble, e pareceu à jovem que ele esperava
com todo seu coração que suas palavras fossem verdadeiras.
Um grunhido sinalizou que a criatura além da porta havia finalmente extraído
seu espigão.
— O que foi? — Cattibrie exigiu saber de seu pai, com as mãos plantadas
diretamente em seus quadris.
A porta se abriu e lá estava o anão de aparência mais curiosa que Cattibrie já
vira. Ele usava uma manopla de aço com pontas afiadas que deixava seus dedos
descobertos em cada mão, tinha espigões similares saindo de seus cotovelos,
joelhos e dedos de suas botas pesadas, e usava uma armadura (ajustada à sua forma
curta e atarracada) com cravos metálicos paralelos horizontais a um centímetro de
distância do outro ornando seu corpo do pescoço ao meio da coxa e seus braços do
ombro ao antebraço. Seu elmo cinzento era aberto, com grossas correias de couro
desaparecendo sob sua monstruosa barba negra, e ostentava uma ponta brilhante
sobre ele, quase a metade mais alta que o anão de um metro e vinte de altura.
— Isso — Bruenor respondeu, seu tom refletindo seu desdém óbvio — é um
furioso de batalha.
— Não só um furioso de batalha — o curioso anão de barba negra
acrescentou. — O furioso de batalha! O mais selvagem furioso de batalha! — ele
caminhou em direção a Cattibrie e sorriu amplamente com a mão estendida em sua
direção. Sua armadura, a cada movimento, emitia ruídos de raspagem que faziam
os cabelos da nuca da jovem se arrepiarem.
— Thibbledorf Pwent ao seu serviço, minha boa senhora! — o anão se
apresentou grandiosamente. — Primeiro guerreiro do Salão de Mitral. Você deve
ser essa Cattibrie de quem eu tanto ouvi falar lá em Adbar. A filha humana de
Bruenor, me disseram, embora eu ainda esteja um pouco abalado por ver qualquer
mulher Martelo de Batalha sem uma barba para fazer cócegas nos dedos dos pés!
O cheiro da criatura quase derrubou Cattibrie. Teria ele tirado aquela
armadura em qualquer momento neste século, ela se perguntou.
— Vou tentar deixar uma crescer — ela prometeu.
— Faça isso! Faça isso! — Thibbledorf cacarejou, e então pulou para ficar
diante de Bruenor, o barulho de sua armadura rasgando a medula dos ossos de
Cattibrie.
— Meu rei! — Thibbledorf gritou. E caiu numa mesura — e quase cortou
pela metade o nariz comprido e pontudo de Bruenor com a ponta do elmo ao se
abaixar.
— O que nos Nove Infernos você está fazendo aqui? — Bruenor exigiu saber.
— E, principalmente, vivo — acrescentou Cobble, depois respondeu ao olhar
incrédulo de Bruenor com um dar de ombros impotente.
— Eu achei que você tinha morrido quando Prefulgor Soturno, o dragão,
tomou os corredores inferiores — continuou Bruenor.
— Seu sopro era a morte! — gritou Thibbledorf. “Olha quem está falando”
Cattibrie pensou, mas ficou em silêncio. Pwent rugiu, dramaticamente agitando os
braços e girando no chão, olhando para nada, como se estivesse recordando uma
cena de seu passado distante. — Sopro maligno. Uma profunda escuridão que caiu
sobre mim e roubou a força de meus ossos.
— Mas eu saí e fui embora! — Thibbledorf gritou de repente, girando na
direção de Cattibrie, um dedo atarracado apontando em sua direção. — Por uma
porta secreta nos túneis inferiores. Mesmo o dragão não conseguiu parar Pwent!
— Mantivemos os corredores seguros por mais dois dias antes que os lacaios
de Prefulgor Soturno nos empurrasse para o Vale do Guardião — disse Bruenor. —
Eu não ouvi nada sobre seu retorno para lutar ao meu lado de meu pai e seu pai, o
então rei do Salão de Mitral.
— Foi uma semana que se passou até eu recuperar a minha força pra voltar ao
redor da montanha pela passagem da porta oeste — explicou Pwent. — Até lá os
corredores estavam perdidos.
— Algum tempo depois — prosseguiu Pwent, abrindo a barba incrivelmente
espessa com uma de suas luvas de pregos — ouvi que um bando de jovens,
inclusive você, tinha ido para o oeste. Alguns disseram que você estava indo
trabalhar nas minas de Mirabar, mas quando cheguei lá, não ouvi uma palavra.
— Duzentos anos! — Bruenor grunhiu no rosto de Pwent, roubando seu
sorriso aparentemente perpétuo. — Você levou duzentos anos para nos encontrar,
mas nem uma vez ouvimos uma palavra de que você estava vivo.
— Eu voltei para o leste — explicou Pwent com tranquilidade. — Vivendo,
vivendo bem, fazendo trabalho mercenário, principalmente, em Sundabar e para o
rei Harbromme da Cidadela Adbar. Foi lá, três semanas atrás, eu estava no sul há
algum tempo, sabe, que ouvi pela primeira vez do seu retorno, que um Martelo de
Batalha tinha retomado o Salão!
— Então aqui estou eu, meu rei — disse ele, se deixando cair sobre um
joelho. — Me aponte para seus inimigos. — O furioso de batalha deu uma
piscadela a Cattibrie e apontou um dedo sujo e atarracado em direção à ponta do
espigão do capacete.
— Mais selvagem? — Bruenor perguntou, um pouco ironicamente.
— Sempre fui — respondeu Thibbledorf.
— Vou chamar uma escolta — disse Bruenor — para que você possa tomar
um banho e fazer uma refeição.
— Eu aceito a refeição — respondeu Pwent. — Fique com seu banho e sua
escolta. Eu conheço os caminhos por esses salões tão bem quanto você, Bruenor
Martelo de Batalha. Melhor, eu digo, já que você era apenas um anãozinho de
penugem no queixo quando fomos expulsos. — Ele estendeu a mão para beliscar o
queixo de Bruenor e a teve prontamente afastada com um tapa. Com sua risada
estridente como um grito de falcão e sua armadura rangendo como garras na
ardósia, o furioso de batalha arrastou-se para longe.
— Tipo agradável — observou Cattibrie.
— Pwent vivo — pensou Cobble, e Cattibrie não poderia dizer se isso era
uma boa notícia ou não.
— Você nunca mencionou aquele lá — disse Cattibrie a Bruenor.
— Confie em mim, menina — respondeu Bruenor. — Aquele lá não vale
muito a pena se mencionar.
◆
Exausto, o bárbaro caiu sobre sua cama e tentou dormir um pouco. Ele sentiu
o sonho retornar antes mesmo de fechar os olhos. Então, se levantou, não querendo
ver de novo as imagens de sua Cattibrie entrelaçada com a figura de Drizzt
Do’Urden.
Elas vieram de qualquer maneira.
Ele viu mil milhares de faíscas, um milhão de fogos refletidos, descendo em
espiral, convidando-o.
Wulfgar rosnou desafiadoramente e tentou se levantar. Levou-lhe vários
momentos para perceber que a tentativa fora fútil, que ainda estava em sua cama e
que estava descendo, seguindo o inegável rastro de brilhos cintilantes até as
imagens.
CAPÍTULO 9
Wulfgar olhou com curiosidade para o anão ultrajante, sem saber ao certo o
que fazer com aquele maltrapilho não ortodoxo. Bruenor havia apresentado Pwent
ao bárbaro um minuto antes, e Wulfgar teve a nítida impressão de que Bruenor não
gostava muito do anão fedorento de barba negra. O rei anão, para sentar-se entre
Cobble e Cattibrie, correu então pelo salão de audiências, deixando Wulfgar,
desajeitado, de pé junto à porta.
Thibbledorf Pwent, no entanto, parecia perfeitamente à vontade.
— Você é um guerreiro, não? — perguntou Wulfgar educadamente, esperando
encontrar algum ponto em comum.
A gargalhada de Pwent zombou dele.
— Guerreiro? — berrou o anão mal-humorado. — Você quer dizer, alguém
que luta com honra? — Wulfgar deu de ombros, não tendo ideia de onde Pwent
estava querendo chegar.
— Você é um guerreiro, garotão? — Pwent perguntou.
Wulfgar estufou o peito grande.
— Eu sou Wulfgar, filho de Beornegar — ele começou solenemente.
— Eu imaginei — Pwent gritou do outro lado da sala para os outros. — E se
você estivesse lutando contra alguém, e ele tropeçasse em seu caminho e largasse
sua arma, você se ia se afastar e deixar ele pegar, sabendo que você ganharia a luta
de qualquer maneira — Pwent raciocinou.
Wulfgar deu de ombros, a resposta óbvia.
— Você sabe que Pwent certamente vai insultar o garoto — disse Cobble,
apoiando-se no braço da cadeira de Bruenor, sussurrando para o rei anão.
— Ouro contra prata no garoto, então — ofereceu Bruenor calmamente. —
Pwent é bom e selvagem, mas não tem forças para lidar com aquele lá.
— Não é bem uma aposta que eu aceite — respondeu Cobble —, mas se
Wulfgar levantar a mão contra ele, será cutucado, não há dúvidas.
— Bom — Cattibrie colocou inesperadamente. Tanto Bruenor quanto Cobble
lançaram olhares incrédulos para a jovem. — Wulfgar está precisando levar uns
cutucões — explicou com uma insensibilidade incomum.
— Bem, aí é que tá — Pwent rugiu no rosto de Wulfgar, conduzindo o
bárbaro pela sala enquanto falava. — Se eu tivesse lutando com qualquer um, se eu
tivesse lutando com você, e você largasse sua arma, eu deixaria você se curvar e
pegá-la.
Wulfgar assentiu em concordância, mas deu um salto para trás quando Pwent
estalou os dedos sujos bem debaixo do nariz do Wulfgar.
— E então eu colocaria meu espeto através do topo de sua cabeça grossa! — o
furioso terminou. — Eu não sou nenhum guerreiro estúpido, seu idiota! Sou um
furioso de batalha, O furioso de batalha! E nunca se esqueça de que Pwent joga
para ganhar! — estalou os dedos novamente na direção de Wulfgar, depois passou
pelo bárbaro atordoado, pisando para ficar diante de Bruenor.
— Você tem alguns amigos esquisistos, mas não estou surpreso — Pwent
rugiu para Bruenor. Ele olhou para Cattibrie com seu sorriso de dentes quebrados.
— Mas sua garota seria bonitinha se pudesse dar um jeito de crescer um pouco de
cabelo no queixo.
— Tome isso como um elogio — Cobble calmamente ofereceu a Cattibrie,
que apenas deu de ombros e sorriu com diversão.
— Martelos de Batalha sempre têm um ponto fraco em seus corações por
aqueles que não são anões — prosseguiu Pwent, dirigindo seus comentários para
Wulfgar enquanto o homem alto vinha até o lado dele. — E deixamos que eles
sejam nossos reis de qualquer maneira. Nunca consegui entender essa parte.
As juntas de Bruenor se embranqueceram sob o esforço enquanto segurava
com força os braços da cadeira, tentando se controlar. Cattibrie deixou cair a mão
sobre a dele, e quando olhou para seus olhos tolerantes, a tempestade passou
rapidamente.
— Falando nisso — prosseguiu Pwent —, há um rumor desagradável de que
você tem um elfo drow ao seu lado. Isso é verdade?
A primeira reação de Bruenor foi de raiva — sempre o anão estava na
defensiva a respeito de seu amigo drow frequentemente visto como maligno.
Cattibrie falou primeiro, porém, suas palavras dirigiam-se mais a seu pai do
que a Pwent, um lembrete para Bruenor de que a pele de Drizzt havia engrossado e
que ele podia cuidar de si mesmo.
— Você logo encontrará o drow — disse ela ao guerreiro frenético. — Com
certeza ele é o tipo de guerreiro que se encaixa em sua descrição, se é que já houve
algum. — Pwent soltou um riso irônico, que desapareceu quando Cattibrie
continuou. — Se você fosse até ele para começar uma briga, mas soltasse seu elmo
pontudo, ele pegaria para você e colocaria de volta em sua cabeça — ela explicou.
— Claro, então ele pegaria de volta e enfiaria na parte de trás de suas calças, e lhe
acertaria com as botas, só pra te dar uma pontadinha.
Os lábios do guerreiro frenético pareceram se amarrar em um nó. Pela
primeira vez em muitos dias, Wulfgar pareceu aprovar completamente o raciocínio
de Cattibrie e o aceno de suas cabeças, de Bruenor e de Cobble, foi certamente de
gratidão quando Pwent não fez nenhum movimento para responder.
— Por quanto tempo Drizzt vai ficar fora? — perguntou o bárbaro, mudando
de assunto antes que Pwent pudesse encontrar sua voz irritante.
— Os túneis são longos — respondeu Bruenor.
— Ele vai voltar para a cerimônia? — perguntou Wulfgar, e pareceu a
Cattibrie que havia alguma ambivalência em seu tom de voz, uma incerteza de qual
resposta ele preferiria.
— Vai com certeza — a jovem colocou inexpressivamente. — Por que com
certeza não haverá casamento até Drizzt voltar dos túneis. — ela olhou para
Bruenor, arrancando prontamente suas reclamações antes mesmo que as
pronunciasse. — E eu não me importo se todos os reis e rainhas do Norte ficarem
esperando por um mês!
Wulfgar parecia prestes a explodir, mas era sábio o suficiente para afastar sua
ira crescente da volátil Cattibrie.
— Eu deveria ter ido com ele! — rosnou para Bruenor. — Por que você
mandou o Regis junto? Que bem poderia fazer o halfling se inimigos fossem
encontrados?
A ferocidade do tom do rapaz pegou Bruenor fora de sua guarda.
— Ele está certo — Cattibrie rebateu no ouvido de seu pai, não que quisesse
concordar com Wulfgar, mas ela, como Wulfgar, viu a oportunidade de desabafar
sua raiva abertamente.
Bruenor se afundou em sua cadeira, seus olhos escuros correndo de um para o
outro.
— São só uns anões perdidos — disse ele.
— Mesmo que isso seja verdade, o que Regis fará, além de atrasar o drow? —
Cattibrie raciocinou.
— Ele disse que encontraria uma maneira de se encaixar! — Bruenor
protestou.
— Quem disse? — Cattibrie exigiu saber.
— Pança-furada! — gritou seu pai confuso.
— Ele sequer queria ir! — Wulfgar retrucou.
— Mas foi! — Bruenor rugiu, saltando de seu assento, empurrando Wulfgar e
fazendo-o se inclinar dois passos para trás com um antebraço robusto, batendo no
peito do rapaz. — Foi Pança-furada quem me disse para mandá-lo junto com o
drow, eu digo a você!
— Regis não estava aqui sozinho quando recebeu a notícia dos anões
desaparecidos — argumentou Cattibrie. — Você não disse nada sobre Regis dizer a
você para mandá-lo.
— Ele me disse antes disso — respondeu Bruenor. — Ele disse... — o anão
parou, percebendo a falta de lógica da situação. De alguma forma, em algum lugar
no fundo de sua mente, se lembrava de Regis explicando que ele e Drizzt deveriam
ir atrás dos anões desaparecidos, mas como isso poderia ser, já que Bruenor havia
tomado a decisão assim que todos descobriram que os anões estavam
desaparecidos?
— Você andou provando a água benta de novo, meu rei? — Cobble perguntou
respeitosamente, mas com firmeza.
Bruenor estendeu a mão, fazendo sinal para que todos ficassem quietos
enquanto revirava suas lembranças. Ele se lembrava das palavras de Regis
distintamente e sabia que não estava imaginando-as, mas nenhuma imagem
acompanhava a lembrança, nenhuma cena em que pudesse situar o halfling e assim
endireitar a aparente discrepância de tempo.
Então veio uma imagem a Bruenor, um turbilhão de facetas brilhantes,
descendo em espiral e arrastando-o para as profundezas de um maravilhoso rubi.
— Pança-furada me disse que os anões estariam desaparecidos — disse
Bruenor devagar e claramente, com os olhos fechados enquanto forçava a memória
de seu subconsciente. — Ele me disse que eu deveria enviar ele e Drizzt para
encontrá-los, que os dois sozinhos poderiam levar os anões de volta ao Salão de
Mitral em segurança.
— Regis não teria como saber — argumentou Cobble, obviamente duvidando
das palavras de Bruenor.
— E mesmo se tivesse, o pequeno não teria desejado ir junto para encontrá-
los — acrescentou Wulfgar, igualmente duvidoso. — Seria um sonho--?
— Não é um sonho! — Bruenor rosnou. — Ele me contou... com aquele rubi
dele. O rosto de Bruenor estremeceu quando tentou se lembrar, tentou invocar sua
resistência anã à magia para lutar além do bloqueio mental teimoso.
— Regis não iria... — Wulfgar começou a dizer de novo, mas desta vez foi
Cattibrie, conhecendo a verdade das afirmações de seu pai, que o interrompeu.
— A menos que não fosse realmente Regis — ela disse, e suas próprias
palavras fizeram sua boca cair aberta ante suas terríveis implicações. Os três
tinham passado por muita coisa ao lado de Drizzt, e todos sabiam bem que o drow
tinha inimigos malignos e poderosos, um em particular que teria as artimanhas para
criar uma fraude tão elaborada.
Wulfgar parecia igualmente ferido, perdido, mas Bruenor reagiu rapidamente.
Ele pulou do trono e passou entre Wulfgar e Pwent, quase derrubando os dois de
seus pés. Cattibrie foi logo atrás, Wulfgar se virou para segui-los.
— De que doideira aqueles três estão falando? — Pwent exigiu que Cobble
dissesse enquanto o clérigo, também, passava correndo por ele.
— Uma briga — respondeu Cobble, sabendo bem como desviar qualquer
exigência de Pwent para uma explicação longa.
Thibbledorf Pwent caiu sobre um joelho e rolou seu ombro corpulento,
socando o punho triunfalmente na frente dele.
— Sim! — gritou de alegria. — Com certeza é bom servir a um Martelo de
Batalha!
— Você está com eles, ou isso é tudo uma coincidência terrível? — perguntou
Drizzt secamente, ainda se recusando a dar a Artemis Entreri a satisfação de ver
seu tormento.
— Eu não acredito em coincidências — veio a resposta previsível.
Finalmente, Drizzt se virou, para ver seu rival temido, o assassino humano Artemis
Entreri, de pé e com sua bela espada em prontidão em uma mão, e a adaga
adornada na outra. A tocha, ainda acesa, jazia a seus pés. A transformação mágica
de halfling para humano tinha sido completa, incluindo as roupas, e esse fato de
certa forma confundia Drizzt. Quando Drizzt usara a máscara, não havia feito mais
do que alterar a cor de sua pele e cabelo, e sua surpresa agora era óbvia em seu
rosto.
— Você deveria aprender melhor o valor dos itens mágicos antes descartá-los
tão casualmente — o assassino disse, entendendo o olhar.
Havia uma nota de verdade nas palavras de Entreri, aparentemente, mas
Drizzt nunca se arrependeu de ter deixado a máscara mágica em Porto Calim. Sob
sua camuflagem protetora, o elfo negro andava livremente, sem perseguição, entre
as outras raças. Mas sob aquela máscara, Drizzt Do’Urden era uma mentira.
— Você poderia ter me matado na luta dos goblins, ou uma centena de outras
vezes desde o seu retorno ao Salão de Mitral — argumentou Drizzt. — Por que os
jogos elaborados?
— Porque será ainda mais doce a minha vitória.
— Você quer que eu saque minhas armas, para continuar a luta que
começamos nos esgotos de Porto Calim.
— Nossa luta começou muito antes de lá, Drizzt Do’Urden — o assassino
repreendeu. Ele casualmente apontou a lâmina para Drizzt, que nem se encolheu
nem alcançou as cimitarras quando a espada o cortou de leve na bochecha.
— Você e eu — prosseguiu Entreri enquanto começava a circular ao lado de
Drizzt — nos tornamos inimigos mortais no dia em que ficamos sabendo um sobre
o outro, cada um insultando o código de luta do outro. Eu zombo de seus princípios
e você insulta minha disciplina.
— Disciplina e vazio não são a mesma coisa — respondeu Drizzt. — Você é
uma casca que sabe usar armas. Não há substância nisso.
— Bom — Entreri ronronou, batendo no quadril de Drizzt com sua espada. —
Sinto sua raiva, drow, embora você tente desesperadamente escondê-la. Tire suas
armas e solte-a. Ensina-me com suas habilidades o que suas palavras não podem.
— Você ainda não entende — Drizzt respondeu calmamente, com a cabeça
inclinada para o lado e um riso presunçoso e sincero se alargando em seu rosto. —
Eu não gostaria de te ensinar nada. Artemis Entreri não vale o meu tempo.
Os olhos de Entreri se arregalaram com uma raiva repentina e ele saltou para a
frente, com a espada alta como se fosse atacar Drizzt.
Drizzt não se mexeu.
— Saque suas armas e deixe-nos completar nosso destino — grunhiu Entreri,
recuando e nivelando a espada ao nível dos olhos do drow.
— Caia na sua própria espada e encontre o único destino que você merece —
Drizzt respondeu.
— Eu tenho sua gata! — Entreri rebateu. — Você deve lutar comigo, ou
Guenhwyvar será minha.
— Você esquece que nós dois seremos capturados em breve, ou mortos —
argumentou Drizzt. — Não subestime as habilidades de caça do meu povo.
— Então lute pelo halfling — resmungou Entreri. A expressão de Drizzt
mostrou que o assassino havia atingido um nervo. — Você se esqueceu de Regis?
— Entreri provocou. — Eu não o matei, mas ele morrerá onde está, e só eu
conheço o lugar. Eu só te direi se você ganhar. Lute, Drizzt Do’Urden, por nenhum
motivo melhor do que salvar a vida daquele halfling miserável!
A espada de Entreri fez um impulso preguiçoso para o rosto de Drizzt
novamente, mas desta vez foi voando para o lado quando uma cimitarra surgiu e
bateu nela.
Entreri a mandou de volta, e seguiu de perto com um golpe da adaga que
quase encontrou um buraco nas defesas de Drizzt.
— Pensei que você tivesse perdido o uso de um braço e de um olho — disse o
drow.
— Eu menti — Entreri respondeu, recuando e segurando suas armas
afastadas. — Devo ser punido?
Drizzt deixou suas cimitarras responderem, avançando rapidamente e
cortando repetidamente, esquerda e direita, esquerda e direita, depois à direita uma
terceira vez enquanto sua lâmina esquerda girava acima de sua cabeça e seguia em
frente em uma estocada ofuscante.
Espada e adaga contra-atacando, o assassino afastou cada ataque.
A luta tornou-se uma dança, movimentos sincrônicos demais, em harmonia
perfeita demais para conseguir alguma vantagem. Drizzt, sabendo que o tempo
estava se esgotando para ele, e mais particularmente para Regis, manobrou perto da
tocha de fogo baixo, depois pisoteando, rolando e sufocando as chamas, roubando
a luz.
O elfo negro acreditava que sua visão noturna racial lhe renderia vantagem,
mas quando olhou para Entreri, viu os olhos do assassino brilhando no vermelho
revelador da infravisão.
— Você achou que foi a máscara tinha me dado essa habilidade? — Entreri
argumentou. — Não é verdade, você vê. Foi um presente do meu associado elfo
negro, um mercenário, não tão diferente de mim.
Suas palavras terminaram no início de seu ataque, sua espada se elevando e
forçando Drizzt a se retorcer e se abaixar para o lado. Drizzt sorriu de satisfação
quando Fulgor subiu, a cimitarra soando quando derrubou a adaga de Entreri. Um
giro sutil colocou Drizzt de volta na ofensiva, Fulgor se aproximando da mão do
punhal de Entreri e cortando o peito exposto do assassino.
Entreri já tinha começado a rolar, para trás, e a lâmina nunca chegou perto.
Na luz fraca do brilho de Fulgor, com suas cores de pele perdidas em um
cinza em comum, eles pareciam iguais, como irmãos vindo do mesmo molde.
Entreri aprovava essa percepção, mas Drizzt certamente não. Para o drow
renegado, Artemis Entreri parecia um espelho negro de sua alma, uma imagem do
que ele poderia ter se tornado se permanecesse em Menzoberranzan ao lado de
seus parentes amorais.
A fúria de Drizzt levou-o então a outra série de estocadas ofuscantes e cortes
engenhosos e radicais, suas lâminas curvas tecendo linhas apertadas umas sobre as
outras, atingindo Entreri de um ângulo diferente a cada ataque.
Espada e punhal eram usadas igualmente bem, bloqueando e devolvendo
contra-ataques astutos, depois bloqueando os contra-ataques que o assassino
parecia antecipar com facilidade.
Drizzt poderia lutar com ele para sempre, nunca se cansaria com Entreri
parado na frente dele. Mas então sentiu uma picada na panturrilha e uma sensação
ardente, entorpecente, emanando por toda a perna.
Em segundos, sentiu seus reflexos diminuindo. Ele queria gritar a verdade,
roubar o momento da vitória de Entreri, pois certamente o assassino, que tanto
desejava derrotar Drizzt em combate justo, não apreciaria uma vitória trazida pelo
virote envenenado de aliados ocultos.
A ponta de Fulgor caiu no chão e Drizzt percebeu que estava perigosamente
vulnerável.
Entreri caiu primeiro, igualmente envenenado. Drizzt sentiu as formas escuras
entrando pela porta baixa e se perguntou se teria tempo de bater no crânio do
assassino caído antes que também caísse no chão.
O drow ouviu uma de suas próprias lâminas, depois a outra, tilintar no chão,
mas não estava ciente de que as havia soltado. Então estava caído, os olhos
fechados, a consciência ofuscante tentando entender a extensão desse desastre, as
muitas implicações para seus amigos e para si.
Seus pensamentos não foram aliviados com as últimas palavras que ouviu:
uma voz na língua drow, uma voz de algum lugar em seu passado.
— Durma bem, meu irmão perdido.
PARTE 3
Legado
QUE CAMINHOS PERIGOSOS TRACEI na minha vida; que caminhos
tortuosos estes pés andaram, em minha pátria, nos túneis do Subterrâneo, pela
superfície das Terras ao Norte e até mesmo no curso de seguir meus amigos.
Meneio minha cabeça, maravilhado — seriam todos os cantos do vasto mundo
possuidores de pessoas tão autocentradas que não podem deixar os outros cruzarem
os caminhos de suas vidas? Pessoas tão cheias de ódio que devem perseguir e se
vingar dos erros escolhidos, mesmo que tais erros não sejam mais do que uma
defesa honesta contra seus próprios males invasivos?
Eu deixei Artemis Entreri em Porto Calim, deixei-o lá em corpo e com o meu
gosto pela vingança saciado corretamente. Nossos caminhos se cruzaram e se
separaram, para o melhor de nós dois. Entreri não tinha nenhuma razão prática para
me perseguir, não tinha nada a ganhar em me encontrar, além da possível redenção
de seu orgulho ferido.
Como ele é tolo.
Ele encontrou a excelência da forma física, aperfeiçoou suas habilidades de
combate mais completamente do que qualquer outro que eu tenha conhecido. Mas
sua necessidade de me perseguir revela sua fraqueza. Ao descobrirmos os mistérios
do corpo, também devemos desvendar as harmonias da alma. Mas Artemis Entreri,
apesar de toda a sua destreza física, nunca saberá quais músicas seu espírito
poderia cantar. Sempre ouvirá invejosamente as harmonias dos outros, absorto em
derrubar qualquer coisa que ameace sua superioridade tão desejada.
Como meu povo, é ele, assim como muitos outros que conheci, de raças
variadas: senhores da guerra bárbaros, cujas posições de poder dependem de sua
capacidade de fazer guerra contra inimigos que não são inimigos; reis anões que
acumulam riquezas além da imaginação, ainda que ao compartilhar apenas uma
ninharia de seus tesouros poderiam melhorar as vidas de todos aqueles ao seu redor
e, por sua vez, permitir-lhes derrubar suas sempre presentes defesas militares e
jogar fora sua paranoia consumidora; elfos altivos que desviam seus olhos para os
sofrimentos de qualquer um que não é um elfo, sentindo que as “raças menores” de
alguma forma trouxeram suas dores para si mesmos.
Eu fugi de tais seres, passei por essas pessoas e ouvi incontáveis histórias de
viajantes de todas as terras conhecidas sobre elas. E agora sei que devo combatê-
los, não com lâmina nem com exércitos, mas permanecendo fiel ao que sei em meu
coração que é o curso correto da harmonia.
Pela graça dos deuses, não estou sozinho. Desde que Bruenor recuperou seu
trono, os povos vizinhos levam esperança em suas promessas de que os tesouros
anões do Salão de Mitral serão o melhor para toda a região. A devoção de Cattibrie
aos seus princípios não é menor que a minha, e Wulfgar mostrou ao seu povo
guerreiro o caminho melhor da amizade, o caminho da harmonia.
Eles são minha armadura, minha esperança no que está por vir para mim e
para todo o mundo. E enquanto os caçadores perdidos como Entreri
inevitavelmente encontrarem seus caminhos ligados mais uma vez com os meus,
lembro-me de Zaknafein, meu parente de sangue e alma. Lembro-me de Montólio,
e creio que há outros que sabem a verdade, e sei que se eu for destruído, meus
ideais não morrerão comigo. Por causa dos amigos que conheci, por causa das
pessoas honradas que encontrei, sei que não sou um herói solitário de causas
únicas. Eu sei quem quando eu morrer, aquilo que é importante continuará vivo.
Este é meu legado; pela graça dos deuses, não estou sozinho.
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 11
Negócios de Família
ROUPAS VOAVAM DESCONTROLADAMENTE, peças variadas batiam
contra a parede do outro lado da sala, armas giravam no ar e espiralavam para
baixo, algumas quicando nas costas de Bruenor. O anão, com metade do seu corpo
enterrado em seu armário particular, não sentia nada disso, nem sequer grunhiu
quando, ao se levantar por um momento, a lateral da lâmina de um machado de
arremesso atingiu e desalojou seu capacete de um chifre.
— Está aqui! — o anão grunhiu teimosamente, e uma cota de malha quase
completa bateu por cima do seu ombro, quase colidindo com os outros no quarto.
— Por Moradin, essa maldita coisa tem que estar aqui!
— O que nos Nove-- —Thibbledorf Pwent começou, mas o grito de êxtase de
Bruenor o interrompeu.
— Eu sabia! — o anão de barba vermelha berrou, girando e afastando-se do
baú desmantelado. Em sua mão, segurava um pequeno medalhão em forma de
coração em uma corrente de ouro.
Cattibrie reconheceu instantaneamente como o presente mágico que Lady
Alustriel de Lua Argêntea havia dado a Bruenor para encontrar seus amigos que
tinham ido para as terras ao Sul. Dentro do medalhão havia um pequeno retrato de
Drizzt, e o item estava sintonizado ao drow, que daria ao seu possuidor
informações gerais sobre o paradeiro do Drizzt Do’Urden.
— Isso vai nos levar ao elfo — disse Bruenor, segurando o medalhão bem
alto diante dele.
— Então me entregue, meu rei — disse Pwent —, e deixe-me achar seu...
amigo estranho.
— Eu posso muito bem usar o medalhão — grunhiu Bruenor em resposta,
ajeitando o elmo de um chifre por cima da cabeça e pegando o machado e o escudo
dourado.
— Você é o rei do Salão de Mitral! — Pwent protestou. — Você não pode
correr para o perigo de túneis desconhecidos.
Cattibrie rasgou uma resposta antes que Bruenor tivesse a chance:
— Cala a boca, furioso — insistiu a jovem. — Meu papai largaria os
corredores aos goblins antes que deixasse Drizzt em apuros.
Cobble agarrou o ombro de Pwent (e, no processo, fez um corte feio em um
dedo na armadura cheia de pontas) para confirmar a observação da mulher e alertar
silenciosamente ao selvagem furioso de batalha para não insistir nesse ponto.
Bruenor não teria ouvido a nenhum argumento de qualquer maneira. O rei
anão de barba ruiva, com os olhos escuros em chamas, passou novamente por
Pwent e Wulfgar e conduziu o grupo para fora da sala.
A caravana seguiu seu caminho lento, mas constante, através dos túneis,
enquanto as passagens se tornavam cada vez mais naturais. Drizzt ainda usava sua
armadura, mas fora despojado de suas armas e tinha as mãos firmemente
amarradas às costas por algum cordão mágico que não afrouxava nem um pouco,
não importando o quanto conseguisse torcer seus pulsos.
Dinin, com suas oito pernas estalando na pedra, liderava a tropa, com Vierna e
Jarlaxle um pouco atrás. Vários membros do grupo de vinte drow tinham entrado
em formação atrás deles, incluindo os dois vigiando Drizzt. Eles se cruzaram uma
vez com o maior grupo de soldados da Casa Baenre, Jarlaxle emitindo ordens
silenciosas e a segunda força drow deslizando para as sombras.
Só então Drizzt começou a entender a importância do ataque ao Salão de
Mitral. Por sua conta, em algum lugar entre quarenta e sessenta elfos negros
tinham vindo de Menzoberranzan, um formidável grupo de incursão.
E tudo tinha sido para ele.
E quanto a Entreri? Drizzt se perguntou. Como o assassino se encaixava
nisso? Ele parecia se dar tão bem com os elfos negros! De corpo e temperamento
semelhantes, o assassino avançava com facilidade com as fileiras drow,
discretamente.
Bem até demais, pensou Drizzt.
Entreri passou algum tempo com o mercenário de cabeça raspada e com
Vierna, mas depois recuou cada vez mais, indo inevitavelmente até seu inimigo
mais odiado.
— Olá — disse hesitantemente quando finalmente chegou ao lado de Drizzt.
Um olhar do humano fez os dois guardas dos elfos negros mais próximos andarem
respeitosamente para longe.
Drizzt olhou o assassino de perto por um momento, procurando por pistas,
depois se virou.
— O quê? — Entreri insistiu, agarrando o ombro do drow obstinado e
virando-o de volta. Drizzt parou abruptamente, arrancando olhares preocupados
dos drow que o flanqueavam, particularmente Vierna. Começou a se mover
novamente imediatamente, não apreciando a atenção e, gradualmente, os outros
elfos negros se acomodaram em seu ritmo ao redor dele.
— Não compreendo — Drizzt disse com dificuldade a Entreri. — Você tinha
a máscara, tinha Regis e sabia onde eu poderia ser encontrado. Por que então se
aliou a Vierna e seu grupo?
— Você presume que a escolha foi minha — respondeu Entreri. — Eu não
procurei sua irmã. Ela me encontrou.
— Então você é um prisioneiro — argumentou Drizzt.
— Dificilmente — respondeu Entreri sem hesitar, rindo enquanto falava. —
Você acertou na primeira vez. Eu sou um aliado.
— Quando meus parentes estão envolvidos, as duas coisas dão no mesmo.
Entreri riu mais uma vez, aparentemente reconhecendo a provocação. Drizzt
estremeceu com a sinceridade da risada do assassino, porque percebeu a força nos
laços de seus inimigos, laços que ele esperava, em um momento fugaz de
esperança, que pudesse enfraquecer e explorar.
— Eu lido com Jarlaxle, na verdade — o assassino explicou —, não com sua
irmã volátil. Jarlaxle, o mercenário pragmático, o oportunista. Esse eu entendo. Ele
e eu somos muito parecidos!
— Quando você não for mais necessário... — Drizzt começou a dizer,
ameaçadoramente.
— Mas eu sou e continuarei a ser! — Entreri interrompeu. — Jarlaxle, o
oportunista — reiterou em voz alta, atraindo um aceno de aprovação do
mercenário, que aparentemente entendia bem a língua comum da superfície. —
Que ganho Jarlaxle teria em me matar? Sou um laço valioso à superfície, não sou?
O chefe de uma guilda de ladrões na exótica Porto Calim, um aliado que pode ser
útil no futuro. Lidei com o tipo de Jarlaxle a minha vida toda, mestres de guilda de
uma dúzia de cidades ao longo da Costa da Espada.
— Sabe-se que os drows matam pelo simples prazer de matar — protestou
Drizzt, não querendo abandonar tão facilmente esse fio solto.
— Concordo — respondeu Entreri —, mas não matam quando ganham não
matando. Pragmáticos. Você não vai abalar essa aliança, condenado Drizzt. É de
benefício mútuo, para sua inevitável impotência.
Drizzt parou um bom tempo para digerir a informação, para encontrar alguma
maneira de recuperar aquela vertente potencialmente descontrolada, aquela ponta
solta que acreditava sempre existir quando indivíduos traiçoeiros se uniam por
qualquer causa.
— Não é um benefício mútuo — disse em voz baixa, observando o olhar
curioso de Entreri em seu caminho.
— Explique — Entreri disse depois de um longo momento de silêncio.
— Eu sei porque você veio atrás de mim — Drizzt raciocinou. — Não foi
para que me matassem, mas para você mesmo me matar. E não apenas para me
matar, mas para me derrotar em combate justo. Essa possibilidade parece menos
provável agora, nestes túneis ao lado da impiedosa Vierna e seus desejos de um
simples sacrifício.
— Tão formidável, mesmo quando tudo está perdido — comentou Entreri,
seus tons superiores puxando o fio indescritível para longe do alcance do Drizzt
mais uma vez. — Derrotar você em combate... Eu irei, esse é o acordo. Em uma
câmara não tão distante daqui, seus parentes e eu nos separaremos, mas não até que
você e eu tenhamos resolvido nossa rivalidade.
— Vierna não deixaria você me matar — retrucou Drizzt.
— Mas ela me permitiria derrotá-lo — respondeu Entreri. — Ela deseja isso
mesmo, deseja que sua humilhação seja completa. Depois de eu ter resolvido
nossos negócios, ela te dará a Lolth... Com as minhas bênçãos.
— Vamos agora, meu amigo — ronronou Entreri, sem ver nenhuma resposta
vindo de Drizzt, vendo o rosto do elfo negro encrespado em um beiço
incaracterístico.
— Não sou seu amigo — disparou Drizzt.
— Meu semelhante, então — Entreri brincou, seu prazer absoluto quando
Drizzt virou um olhar furioso para ele.
— Nunca.
— Nós lutamos — explicou Entreri. — Nós dois lutamos muito bem e
lutamos para vencer, embora nossos propósitos para batalha possam variar. Eu lhe
disse antes que você não pode escapar de mim, não pode escapar de quem você é.
Drizzt não tinha resposta para isso, não em um corredor cercado de inimigos e
com as mãos amarradas atrás das costas. Entreri já havia feito tais afirmações
antes, e Drizzt as havia reconciliado, chegado a um acordo com as decisões de sua
vida e com o caminho que escolhera como seu.
Mas ver o evidente prazer no rosto do assassino maligno perturbava o honrado
drow, apesar de tudo. Seja o que for que pudesse fazer nessa situação
aparentemente sem esperança, Drizzt Do’Urden determinou que não daria
nenhuma satisfação a Entreri.
Chegaram a uma área de muitas passagens laterais sinuosas, túneis
escalonados, buracos de vermes, que pareciam serpentear e girar em todas as
direções ao mesmo tempo. Entreri dissera que a câmara, a separação de caminhos,
estava próxima, e Drizzt sabia que estava ficando sem tempo.
Ele mergulhou de cabeça no chão, colocou os pés bem apertados e deslizou os
braços sobre eles, depois os trouxe de volta para a frente, enquanto rolava para uma
posição de pé. Quando se virou, Entreri, sempre alerta, já tinha a espada e a adaga
na mão, mas Drizzt o atacou de qualquer maneira. Sem armas, o drow não tinha
nenhuma chance prática, mas imaginou que Entreri não o derrubaria, imaginando
que o assassino não destruiria tão impulsivamente o desafio que desejava tão
desesperadamente, no exato momento em que Entreri havia trabalhado tão
duramente para conseguir.
Previsivelmente, Entreri hesitou, e Drizzt estava além de suas defesas
desanimadas em um momento, saltando para o ar e dando um chute de dois pés no
rosto e no peito de Entreri, que o fez voar para longe.
Drizzt voltou a se levantar e correu em direção à entrada do túnel lateral mais
próximo, bloqueado por um único guarda drow. Novamente, Drizzt chegou
destemido, esperando que Vierna tivesse prometido tormentos incríveis para
qualquer um que roubasse seu sacrifício — uma esperança que parecia confirmada
quando Drizzt olhou de volta para Vierna, para ver sua mão segurando Jarlaxle, os
dedos do mercenário empunhando uma adaga.
O guerreiro drow de guarda, tão ágil quanto um gato, acertou Drizzt, que o
atacava. Mas Drizzt, mais rápido ainda, lançou as mãos para o alto, e os laços que
prendiam seus pulsos engancharam a mão armada do inimigo e lançaram sua
espada inofensivamente para o alto. Drizzt bateu nele, corpo a corpo, levantando o
joelho ao se aproximar, atingindo o abdome do seu oponente. O guerreiro se
dobrou e Drizzt, sem tempo a perder, passou por ele, jogando-o para fazer tropeçar
o próximo soldado, e Entreri, que se aproximava rápido.
Ao redor de uma curva, descendo uma pequena extensão, depois mergulhando
em outra passagem lateral, Drizzt mal conseguiu se manter à frente da perseguição.
Seus inimigos estavam tão próximos que, quando ele virou na próxima passagem,
ouviu um virote passar ao longo da lateral da parede.
Pior ainda, o drow ranger notou outras formas entrando e saindo das aberturas
para os lados do túnel. Não havia mais de sete elfos negros no corredor com ele,
mas ele sabia que mais do que o dobro desse número havia acompanhado Vierna,
para não mencionar a força maior que havia sido deixada para trás há não muito
tempo. Os soldados desaparecidos estavam por todo lado, Drizzt sabia,
flanqueando e explorando, fazendo relatórios ao longo de rotas prescritas em
códigos silenciosos.
Ele girou ao redor de outra curva, depois mais outra, se voltando em direção
oposta à primeira. Escalou uma parede curta, então amaldiçoou sua sorte quando o
corredor de ramificação em cima dela desceu de volta para o nível anterior.
Em torno de outra curva, viu um lampejo de calor brilhando e soube que era
um espelho de sinal, uma placa de metal magicamente aquecida de um lado, que os
elfos negros usavam para sinalizar. O lado aquecido brilhava como um espelho na
luz do sol para seres usando a infravisão. Drizzt abaixou em uma passagem lateral,
percebendo que as teias estavam apertando ao seu redor, sabendo que sua tentativa
não teria sucesso.
Então o drider se levantou na sua frente.
A repulsa de Drizzt era absoluta, e recuou apesar dos perigos que sabia que
estavam por trás dele. Ver seu irmão em tal estado! O torso inchado de Dinin
movia-se em harmonia com as oito patas, o rosto era uma máscara de morte
inexpressiva.
Drizzt acalmou suas emoções agitadas, sua necessidade de gritar, e procurou
uma maneira prática de superar esse obstáculo. Dinin havia virado seus machados
gêmeos para os lados cegos, acenando-os descontroladamente, e suas oito pernas
chutavam e resistiam, não dando a Drizzt uma abertura óbvia.
O ranger não teve escolha; se virou, com a intenção de fugir para o outro lado.
Vierna, Jarlaxle e Entreri viraram a esquina para encontrá-lo.
Eles conversavam em voz baixa na língua comum. Entreri dizia algo sobre
acertar suas contas naquele momento, mas aparentemente mudou de ideia.
Em vez disso, Vierna avançou com seu chicote de cinco cabeças de cobra que
se agitavam ameaçadoramente diante dela.
— Se você me derrotar, pode ter de volta a sua liberdade — ela brincou na
língua drow, enquanto jogava Fulgor no chão aos pés do Drizzt. Ele foi na direção
da arma e Vierna atacou, mas Drizzt já a esperava e caiu para trás de sua cimitarra,
deixando Fulgor fora de alcance.
O drider se adiantou, um machado cortando o ombro do Drizzt, derrubando-o
para trás em direção a Vierna. O ranger não tinha outra escolha, e mergulhou para
sua cimitarra, seus dedos mal a alcançando.
Presas de cobra se enterraram em seu pulso. Outra mordida o pegou no
antebraço e mais três se afundaram em seu rosto ou na outra mão, que estava
torcida sobre a mão que segurava em uma defesa fraca. A picada das mordidas era
cruel, mas foi o veneno mais insidioso que derrotou Drizzt. Ele tinha Fulgor em
suas mãos, ou ao menos pensava, mas não podia ter certeza, já que seus dedos
dormentes não podiam mais sentir o metal da arma.
O chicote cruel de Vierna atacou novamente, cinco cabeças mordendo
ansiosamente a carne de Drizzt, espalhando as ondas de dormência em toda a sua
forma machucada. A sacerdotisa impiedosa, de uma deusa ainda mais impiedosa,
acertou o prisioneiro indefeso uma dúzia de vezes, seu rosto contorcido em alegria
absoluta e perversa.
Drizzt manteve a consciência obstinada, olhou-a com desprezo absoluto, mas
isso só estimulou Vierna, e ela o teria espancado até a morte não fosse Jarlaxle, e
mais incisivamente, Entreri, que foram acalmá-la.
Para Drizzt, com o corpo atormentado pela agonia e sem nenhuma esperança
de sobrevivência a longo prazo, parecia menos que um alívio.
Votos Quebrados
UMA ÚNICA TOCHA ESTAVA ACESA; Drizzt percebeu que isso fazia
parte do acordo. Entreri provavelmente ainda não estava confortável o bastante
com sua infravisão recém-adquirida para enfrentar Drizzt sem nenhuma fonte de
luz.
Quando seus olhos se voltaram para o espectro normal de luz, Drizzt estudou
a câmara de tamanho médio. Enquanto suas paredes e teto eram naturalmente
formados, curvados e com ângulos salientes e pequenas estalactites penduradas,
havia duas portas de madeira — construídas recentemente, acreditava Drizzt,
provavelmente arranjadas por Vierna como parte do acordo com Entreri. Um
soldado drow flanqueava as portas de cada lado e um terceiro ficava entre eles,
bem na frente de cada porta.
Doze elfos negros estavam na sala agora, incluindo Vierna e Jarlaxle, mas o
drider não estava em lugar algum. Entreri estava conversando com Vierna; Drizzt a
viu dar ao assassino o cinto que continha as duas cimitarras de Drizzt.
Havia também uma alcova curiosa na sala, a um único passo adentro da
parede dos fundos da área principal e com uma saliência na altura da cintura, o
topo coberto por um cobertor e um soldado encostado, com a espada e a adaga
desembainhadas.
Uma rampa? Drizzt se perguntou.
Entreri dissera que aquele era o lugar onde ele e os elfos negros se separariam,
mas Drizzt duvidava que o assassino terminasse com a intenção de voltar pelo
caminho por onde tinham chegado, num lugar perto do Salão de Mitral. Com
apenas uma outra porta aparente na câmara, talvez houvesse de fato uma rampa sob
aquele cobertor, um caminho para os corredores abertos e retorcidos do
Subterrâneo mais profundo.
Vierna disse algo que Drizzt não ouviu e Entreri aproximou-se dele,
carregando as armas. Um soldado drow se moveu atrás de Drizzt e soltou suas
amarras, e ele lentamente levou as mãos à frente, com os ombros doloridos graças
à sua longa permanência na posição desconfortável e da dor residual da surra
violenta de Vierna.
Entreri largou o cinturão com as cimitarras aos pés de Drizzt e deu um passo
cauteloso para trás. Drizzt olhou para as armas com curiosidade, inseguro do que
deveria fazer.
— Pegue-as — Entreri instruiu.
— Por quê?
A pergunta pareceu dar um tapa no rosto do assassino. Uma grande carranca
brilhou por apenas um instante, depois foi substituída pela expressão tipicamente
sem emoção de Entreri.
— Para que possamos saber a verdade — ele respondeu.
— Eu sei a verdade — Drizzt respondeu calmamente. — Você deseja
distorcê-la, para que possa manter escondida, mesmo de si mesmo, a loucura de
sua existência miserável.
— Pegue-as — o assassino rosnou — ou eu vou te matar aí mesmo.
Drizzt sabia que a ameaça era vazia. Entreri não o mataria até que o assassino
tentasse se redimir em uma batalha honesta. Mesmo se Entreri atacasse para matá-
lo, Drizzt imaginou que Vierna iria intervir. Drizzt era importante demais para
Vierna; sacrifícios à Rainha Aranha não eram prontamente aceitos, a menos que
fossem dados por sacerdotisas drow.
Drizzt finalmente se dobrou e recuperou suas armas, sentindo-se mais seguro
enquanto as segurava. Ele sabia que as probabilidades naquela sala eram
impossíveis, estivesse ele com as cimitarras ou não, mas tinha experiência
suficiente para perceber que as oportunidades eram fugazes e muitas vezes vinham
quando menos se esperava.
Entreri sacou a espada esbelta e o punhal adornado com joias, depois se
agachou, com os lábios finos se arregalando em um sorriso ansioso.
Drizzt permaneceu relaxado, com os ombros caídos e as cimitarras ainda em
suas bainhas.
A espada do assassino cortou, perfurando Drizzt na ponta do nariz, forçando
sua cabeça para o lado. Ele esticou a mão casualmente com o polegar e indicador,
beliscando o fluxo de sangue.
— Covarde — provocou Entreri, fingindo uma investida direta e ainda
circulando.
Drizzt se virou para mantê-lo diretamente na frente, sem se incomodar com o
ridículo insulto.
— Anda, Drizzt Do’Urden — interveio Jarlaxle, atraindo olhares tanto de
Drizzt quanto de Entreri. — Você sabe que está condenado, mas não terá nenhum
prazer em matar esse humano, esse homem que fez tanto mal para você e seus
amigos?
— O que você tem a perder? — Entreri perguntou. — Eu não posso te matar,
apenas derrotá-lo — esse é o meu acordo com sua irmã. Mas você pode me matar.
Certamente, Vierna não iria intervir e iria até mesmo se divertir com a perda de
uma reles vida humana.
Drizzt permaneceu impassível. Ele não tinha nada a perder, eles diziam. O que
aparentemente não entendiam era que Drizzt Do’Urden não lutava quando não
tinha nada a perder, apenas quando tinha algo a ganhar, apenas quando a situação
exigia que lutasse.
— Saque suas armas, eu imploro — acrescentou Jarlaxle. — Sua reputação é
considerável e eu gostaria muito de vê-lo em batalha, para ver se você é realmente
melhor do que Zaknafein.
Drizzt, tentando se acalmar, tentando manter-se firme em seus princípios, não
conseguiu esconder sua careta ante a menção de seu pai morto, o melhor mestre de
armas a sacar uma espada em Menzoberranzan. Apesar de si mesmo, sacou suas
cimitarras, com Fulgor brilhando em um azul raivoso, refletindo sinceramente a
raiva que Drizzt Do’Urden não conseguira suprimir totalmente.
Entreri veio subitamente, ferozmente, e Drizzt reagiu com seus instintos
guerreiros, cimitarras se chocando contra espada e adaga, bloqueando todos os
ataques. Tomando a ofensiva antes mesmo que percebesse o que estava fazendo,
agindo apenas por instinto, Drizzt começou a girar círculos completos, suas
lâminas fluindo ao seu redor como a borda de um parafuso, cada virada trazendo-as
ao adversário de diferentes alturas e diferentes ângulos.
Entreri, confuso com a rotina não convencional, errou muitos bloqueios, mas
seus pés rápidos o mantiveram fora de alcance.
— Sempre uma surpresa — admitiu o assassino severamente, e estremeceu,
com inveja dos suspiros de aprovação e dos comentários dos elfos negros ao longo
da sala.
Drizzt parou seu giro, terminando perfeitamente ao lado do assassino, lâminas
baixas e em prontidão.
— Bonito, mas sem sucesso — gritou Entreri e correu para a frente, a espada
voando baixo, o punhal cortando alto. Drizzt torceu diagonalmente, uma lâmina
derrubando a espada de lado, a outra formando uma barreira que a adaga não
poderia atravessar, uma vez que cortava inofensivamente alto demais.
A mão da adaga de Entreri continuou um circuito completo — Drizzt notou
que ele girou a lâmina nos dedos — enquanto sua espada disparava e empurrava,
de um jeito ou de outro, para manter Drizzt ocupado.
Previsivelmente, a mão da adaga do assassino surgiu, mergulhando para o
lado, logo antes de Drizzt afastá-la.
Soando como um martelo em metal, Fulgor entrou no caminho do projétil e o
rebateu, derrubando-o pela sala.
— Muito bem. — Jarlaxle parabenizou, e Entreri também recuou e acenou
com a aprovação sincera. Com apenas uma espada agora, o assassino avançou com
mais cautela, soltando um ataque medido.
Sua surpresa foi absoluta quando Drizzt não bloqueou, quando Drizzt não
perdeu não um desvio, mas dois, e a arma empurrada passou pela defesa da
cimitarra. A espada rapidamente recuou, nunca alcançando sua marca vulnerável.
Entreri avançou novamente, fingindo outro impulso direto, mas tirando a arma de
volta e ao redor.
Ele havia espancado Drizzt, poderia ter rasgado o ombro do drow, ou o
pescoço, com aquela simples finta! O sorriso de Drizzt o deteve, no entanto. Ele
virou a espada para a borda plana e bateu no ombro do drow, sem causar nenhum
dano real.
Drizzt o deixara passar as duas vezes, agora zombava da luta preciosa do
assassino com uma pretensa inabilidade!
Entreri queria gritar seus protestos, deixar todos os outros elfos negros
entrarem no jogo particular de Drizzt. O assassino decidiu que aquela batalha era
muito pessoal, porém, algo que deveria ser resolvido entre ele e Drizzt, e não
através de qualquer intervenção de Vierna ou Jarlaxle.
— Eu peguei você — provocou, usando a língua anã rochosa na esperança de
que aqueles drow em torno dele, exceto, é claro, Drizzt, não o entendessem.
— Você deveria ter terminado, então — Drizzt respondeu calmamente, na
língua comum da superfície, embora falasse o idioma anão perfeitamente. Ele não
daria a Entreri a satisfação de remover a conversa a um nível pessoal, manteria a
briga pública e o ridicularizaria abertamente com suas ações.
— Você deveria ter lutado melhor — replicou Entreri, voltando à língua
comum. — Pelo bem do seu amigo halfling, se não por si mesmo. Se você me
matar, então Regis estará livre, mas se eu sair daqui... — Ele deixou a ameaça
pairar no ar, mas ficou menos ameaçador quando Drizzt riu abertamente.
— Regis está morto — argumentou o drow ranger. — Ou estará,
independentemente do resultado da nossa batalha.
— Não... — Entreri começou.
— Sim — interrompeu Drizzt. — Eu te conheço bem demais para ser vítima
de suas mentiras intermináveis. Você ficou muito cego pela sua raiva. Você não
previu todas as possibilidades.
Entreri avançou de novo, com facilidade, sem fazer nenhum ataque descarado
que tornasse evidente essa farsa aos elfos negros reunidos.
— Ele está morto — Drizzt perguntou tanto quanto afirmou.
— O que você acha? — Entreri retrucou, seu tom rosnado fazendo a resposta
parecer óbvia.
Drizzt percebeu a mudança de tática, entendeu que Entreri agora estava
tentando enfurecê-lo, fazê-lo lutar com raiva.
Drizzt permaneceu impassível, deixou escapar algumas rotinas de ataque
preguiçosas que Entreri não teve dificuldade em derrotar — e que o assassino
poderia ter reagido a um efeito devastador se assim o desejasse.
Vierna e Jarlaxle começaram a falar em sussurros, e Drizzt, achando que eles
poderiam se cansar da farsa, foi com mais força, embora ainda com ataques
medidos e ineficazes. Entreri deu um aceno leve, mas definido, para mostrar que
estava começando a entender. O jogo, com suas comunicações sutis e silenciosas,
estava ficando pessoal, e Drizzt, tanto quanto Entreri, não queria que Vierna
interviesse.
— Você vai saborear a sua vitória — prometeu Entreri estranhamente, uma
frase com uma deixa.
— Não será um ganho — respondeu Drizzt, uma resposta que o assassino
estava obviamente começando a esperar. Entreri queria vencer essa luta, queria
ganhar ainda mais porque Drizzt não parecia se importar. Drizzt sabia que Entreri
não era estúpido, e embora ele e Drizzt tivessem habilidades de luta semelhantes,
suas motivações certamente os separavam. Entreri lutaria de todo o coração contra
Drizzt só para provar alguma coisa, mas Drizzt sentia honestamente que não tinha
nada a provar, não ao assassino.
As falhas de Drizzt nessa luta não eram um blefe, não eram algo que Entreri
pudesse fazê-lo parar. Drizzt perderia, tendo mais satisfação em não dar a Entreri o
prazer da vitória honesta.
E, como suas ações agora revelaram, o assassino não estava completamente
surpreso com a reviravolta dos acontecimentos.
— Sua última chance — provocou Entreri. — Aqui, você e eu nos
despedimos. Eu saio pela porta distante e os drow voltam lá para baixo, para o
mundo escuro deles.
Os olhos violetas de Drizzt foram para o lado, para a alcova, por um
momento, seu movimento revelando a Entreri que não deixara passar a ênfase na
palavra “para baixo”, não perdera a óbvia referência à calha coberta de tecido.
Entreri rolou para o lado de repente, tendo se aproximado o suficiente para
recuperar sua adaga perdida. Foi uma manobra ousada e, novamente, um
movimento revelador para seu oponente, pois, com a luta de Drizzt tão obviamente
em falta, Entreri não precisava correr o risco de pegar sua arma perdida.
— Posso rebatizar sua gata? — Entreri perguntou, deslocando a cintura para
revelar uma grande bolsa de cinto, a estatueta preta óbvia através das bordas
abertas de sua parte superior saliente.
O assassino veio rápida e intensamente com uma rotina de quatro golpes,
qualquer um dos quais poderia ter escapado, se ele assim desejasse, para atingir
Drizzt.
— Vamos — Entreri disse em voz alta. — Você sabe lutar melhor que isso!
Eu testemunhei suas habilidades vezes demais, nesses mesmos túneis, para
acreditar que você pode ser tão facilmente derrotado!
A princípio, Drizzt ficou surpreso por Entreri ter deixado tão obviamente que
sua comunicação privada se tornasse tão pública, mas Vierna e os outros
provavelmente imaginaram a essa altura que Drizzt não estava lutando com todo o
seu coração. Ainda assim, parecia um comentário curioso — até que Drizzt
entendeu o significado oculto das palavras do assassino, a isca do assassino. Entreri
referiu-se a seus combates nesses túneis, mas essas batalhas não tinham sido um
contra o outro. Naquela ocasião incomum, Drizzt Do’Urden e Artemis Entreri
lutaram juntos, lado a lado e de costas um para o outro, pelo simples desejo de
sobreviver contra um inimigo comum.
Seria assim de novo, aqui e agora? Estaria Entreri tão desesperado por uma
luta honesta contra Drizzt que estava se oferecendo para ajudá-lo a derrotar Vierna
e os seus? Se isso acontecesse e vencessem, então qualquer batalha subsequente
entre Drizzt e Entreri certamente daria a Drizzt algo a ganhar, algo pelo qual lutar
honestamente. Se juntos ele e Entreri pudessem vencer, ou fugir, a batalha que se
seguiria entre eles faria a liberdade de Drizzt cair diante de seus olhos, com apenas
Artemis Entreri em seu caminho.
— Tempus! — o grito roubou as contemplações de ambos oponentes,
forçando-os a reagir à óbvia distração que se aproximava.
Eles se moviam em perfeita harmonia, Drizzt chicoteando sua cimitarra e o
assassino derrubando suas defesas, recuando e virando o quadril para estender a
bolsa do cinto. Fulgor cortou a bolsa, derrubando a estatueta da pantera encantada
no chão.
A porta, a mesma porta pela qual haviam entrado na câmara explodiu sob o
peso de Presa de Égide, arremessando o drow em pé diante dela para o chão.
O primeiro instinto de Drizzt disse-lhe para ir até a porta, tentar encontrar-se
com seus amigos, mas viu essa possibilidade bloqueada pelos muitos elfos negros
em movimento. A outra porta também não oferecia nenhuma esperança, pois ela se
abriu imediatamente com o início da comoção, com o drider Dinin levando a tropa
drow para dentro da sala.
A câmara brilhou com luz mágica; gemidos irromperam de todos os cantos.
Uma flecha prateada atravessou a porta destruída, pegando o mesmo elfo negro
azarado no meio do caminho ao se levantar. Ela o empurrou para trás contra a
parede mais distante, onde ele ficou no lugar, com flecha o prendendo na pedra
através do peito.
— Guenhwyvar!
Drizzt não podia esperar para ver se o seu chamado para a pantera tinha sido
ouvido, não podia esperar por nada. Ele correu para a alcova, o único drow
mantendo guarda perto dela levantando suas armas em uma defesa surpreendida.
Vierna gritou; Drizzt sentiu um punhal cortando seu manto largo e soube que
ele estava pendurado a um centímetro de sua coxa. Correu para frente, abaixando
um ombro no último momento, como se quisesse mergulhar de lado.
O guarda drow mergulhou junto com ele, mas Drizzt voltou direto para o
adversário, com suas cimitarras cruzando-se alto, no nível do pescoço.
O drow guardião não conseguiria pegar sua espada e se agachar rápido o
bastante para desviar do ataque rápido como um raio, não podia reverter seu
ímpeto e voltar para o lado fora de perigo.
As armas afiadas de Drizzt atravessaram sua garganta.
Drizzt estremeceu, dobrou as lâminas ensanguentadas e mergulhou de cabeça
no tecido, na esperança de que houvesse de fato uma abertura embaixo e esperando
que fosse uma rampa, não uma queda reta.
CAPÍTULO 14
Derrotados
THIBBLEDORF PWENT CORREU AO LONGO DE uma passagem lateral,
seguindo em paralelo e seis metros à direita do túnel onde se separara de seus
companheiros para uma manobra prudente de flanquear. Ouviu a batida da porta
destruída pelo martelo de guerra, o chiar das flechas de Cattibrie e gritos de vários
lugares, até mesmo um grunhido ou dois, e amaldiçoou sua sorte por ter perdido
parte da diversão.
Com a tocha à frente, o furioso de batalha se virou ansiosamente em um canto
esquerdo, esperando se encontrar com os outros antes que a luta terminasse. Parou
abruptamente, considerando uma figura curiosa, aparentemente tão surpreso em
vê-lo quanto ele estava.
— Ei, você — perguntou o furioso — você é o drow de estimação de
Bruenor?
Pwent observou a mão do elfo esbelto se aproximar e ouviu o clique de uma
besta de mão sendo disparada, fazendo o virote acertar a armadura resistente de
Pwent e deslizar através de uma das muitas rachaduras para tirar uma gota de
sangue do ombro do anão.
— É... acho que não! — o feliz Pwent gritou, atacando freneticamente a cada
palavra e jogando sua tocha de lado. Ele baixou a cabeça, colocando a ponta do
elmo na direção do drow, que parecia espantado com a pura crueldade do ataque do
anão, se atrapalhou para sacar a espada em prontidão.
Pwent, mal conseguindo enxergar, mas esperando a defesa, sacudiu a cabeça
de um lado para o outro enquanto se aproximava do alvo, afastando a espada. Ele
se endireitou novamente sem diminuir a velocidade e se lançou contra o oponente,
atacando o elfo negro atordoado com abandono.
Eles se chocaram contra a parede, o drow ainda tentando manter seu
equilíbrio, e segurando Pwent no ar, sem saber o que fazer com esse incomum
estilo de batalha.
O elfo negro balançou a mão da espada, enquanto Pwent simplesmente
começou a chacoalhar, com a armadura cheia de pontas cortando linhas no peito do
drow. O elfo se contorceu enlouquecidamente, suas próprias ações desesperadas só
ajudando o ataque convulsivo do furioso de batalha. Pwent soltou um braço e
socou descontroladamente, as pontas da luva abrindo buracos na pele lisa de ébano.
O anão se ajoelhou e deu uma cotovelada, mordeu o drow no nariz e deu-lhe um
soco na lateral.
— Aaaaaahhh!!! — O grito rosnado irrompeu da barriga de Pwent,
reverberando instavelmente em seus lábios enquanto se agitava furiosamente. Ele
sentiu o calor do sangue fluindo de seu inimigo, a sensação apenas dirigindo-o,
conduzindo o mais selvagem furioso de batalha a outros níveis de ferocidade.
— Aaaaaahhh!!!
O drow caiu em um monte, Pwent em cima dele, ainda convulsionando
descontroladamente. Em alguns momentos, seu inimigo não se contorceu mais,
mas Pwent não abandonou sua vantagem.
— Coisa élfica sorrateira! — rugiu, repetidamente batendo sua testa no rosto
do elfo negro.
Bem literalmente, o furioso de batalha, com sua armadura de pontas e
espigões afiados, despedaçou o drow infeliz de tanto se debater.
Pwent finalmente o soltou, pulou e ficou de pé, puxando o corpo flácido para
uma posição sentada e deixando-o caído contra a parede. O guerreiro frenético
sentiu a dor nas costas e percebeu que a espada do drow o atingira pelo menos uma
vez. Mais preocupante, porém, era a dormência que fluía pelo braço de Pwent, o
veneno se espalhando do ferimento da besta. Com sua raiva aumentando mais uma
vez, Pwent mergulhou o capacete pontudo, raspou uma bota pela pedra várias
vezes em busca de tração e correu para a frente, espetando o inimigo já morto no
peito.
Quando ele pulou para trás dessa vez, o drow morto caiu no chão, o sangue
quente se espalhando sob o torso do corpo.
— Espero que não seja o drow de estimação de Bruenor — observou o
combatente, percebendo de repente que todo o incidente poderia ter sido um
simples engano. — Ah, bom, agora não posso fazer mais nada!
Drizzt caiu uns três metros, bateu contra o lado inclinado da rampa e
escorregou ao longo de um caminho sinuoso e rapidamente descendente. Ele
segurou firmemente suas cimitarras; seu maior medo era que uma deles se
afastasse dele e acabasse cortando-o ao meio enquanto caía.
Ele fez um giro completo, conseguiu dar cambalhotas para colocar os pés à
sua frente, mas, inadvertidamente, voltou a girar na próxima queda vertical, o final
quase derrubando-o e o deixando inconsciente.
Assim que acreditou estar recuperando o controle, prestes a se virar mais uma
vez, a rampa se abriu diagonalmente em uma passagem inferior. Drizzt disparou,
embora mantivesse a presença de espírito para jogar suas cimitarras em seus
respectivos lados, longe de seu corpo cambaleante.
Ele atingiu o chão com força, rolou e bateu a parte inferior das costas em uma
pedra saliente.
Drizzt Do’Urden ficou parado, muito quieto.
Ele não considerou a dor — mudando rapidamente para dormência — nas
pernas; não inspecionou os muitos arranhões e hematomas que a queda lhe dera.
Nem sequer pensou em Entreri, e naquele momento agonizante, uma ideia anulou
até mesmo os temores do leal elfo negro pela segurança de seus amigos.
Ele havia quebrado seu voto.
Quando o jovem Drizzt deixara Menzoberranzan, depois de matar Masoj
Hun’ett, um elfo negro como ele, jurou que nunca mais mataria um drow. Aquele
juramento tinha resistido, mesmo quando a família dele veio persegui-lo nos ermos
do Subterrâneo, mesmo quando lutara contra a irmã mais velha. A morte de
Zaknafein estava fresca em sua mente e seu desejo de matar a perversa Briza era
maior do que qualquer desejo que já sentira. Enlouquecido pela dor e por dez anos
sobrevivendo nas cavernas impiedosas, Drizzt ainda conseguira manter seu voto.
Mas não dessa vez. Não havia dúvida de que havia matado o guarda no topo
da rampa; suas cimitarras haviam cortado linhas finas, um perfeito X através da
garganta do elfo negro.
Fora uma reação, lembrou-se Drizzt, uma medida necessária se quisesse se
livrar do grupo de Vierna. Não havia iniciado a violência, não havia pedido por
isso de forma alguma. Não podia ser culpado por tomar qualquer ação necessária
para escapar da corte injusta de Vierna, para ajudar seus amigos, avançando contra
poderosos adversários.
Drizzt não podia ser culpado racionalmente, mas enquanto estava deitado ali,
as sensações voltando gradualmente às suas pernas machucadas, a consciência de
Drizzt não podia escapar à simples verdade.
Ele havia quebrado seu voto.
Gato e Rato
QUE TURBULÊNCIA INTERNA SENTI quando pela primeira vez quebrei
meu mais solene voto, guiado por meus princípios: que nunca mais tiraria a vida de
um daqueles de meu povo. A dor, a sensação de fracasso, a sensação de perda, foi
aguda quando percebi o que o trabalho vil de minhas cimitarras fez.
Mas a culpa desapareceu rapidamente — não porque me desculpasse por
qualquer falha, mas porque percebi que meu verdadeiro fracasso estava em fazer o
voto, não em quebrá-lo. Quando saí de minha terra natal, proferi tais palavras por
inocência, pela ingenuidade da juventude, e realmente fui sincero quando as disse,
de verdade. Vim a saber, entretanto, que tal voto era irreal, porque se eu seguisse
um curso na vida como defensor daqueles ideais que tanto apreciava, não poderia
me desculpar das ações ditadas por esse curso se os inimigos fossem elfos drow.
Muito simplesmente, a adesão ao meu voto dependia de situações
completamente fora do meu controle. Se, depois de deixar Menzoberranzan, nunca
mais tivesse encontrado um elfo negro em batalha, nunca teria quebrado meu voto.
Mas isso, no final, não teria me tornado mais honrado. Circunstâncias afortunadas
não equivalem a princípios elevados.
No entanto, quando a situação surgiu, quando os elfos negros ameaçaram
meus amigos mais queridos, precipitaram um estado de guerra contra as pessoas
que não tinham feito nada de errado, como poderia, em boa consciência, manter
minhas cimitarras embainhadas? Qual era o valor do meu voto quando pesado
contra as vidas de Bruenor, Wulfgar e Cattibrie, ou quando pesado contra a vida de
qualquer inocente? Se, nas minhas viagens, me deparasse com um ataque drow
contra os elfos da superfície, ou contra uma pequena vila, sei além de qualquer
dúvida que eu teria entrado nos combates, lutando contra os agressores com todas
as minhas forças.
Nesse caso, sem dúvida, teria sentido as dores agudas do fracasso e logo as
descartaria, como faço agora.
Não me arrependo, portanto, de quebrar meu voto — embora me doa, como
sempre, ter que matar. Nem me arrependo de fazer o voto, pois a declaração de
minha loucura juvenil não causou nenhuma dor subsequente. Se tivesse tentado
aderir às palavras incondicionais daquela declaração, no entanto, se tivesse
segurado minhas espadas em busca de uma sensação de orgulho falso, e se essa
inação tivesse resultado em danos subsequentes a uma pessoa inocente, então a dor
em Drizzt Do’Urden teria sido mais aguda, e nunca passaria.
Há mais um ponto que passei a entender sobre minha declaração, mais uma
verdade que, acredito, me leva mais longe na estrada que escolhi na vida. Eu disse
que nunca mais mataria um elfo drow. Fiz a afirmação com pouco conhecimento
das muitas outras raças do vasto mundo da superfície e do Subterrâneo, com pouco
entendimento de que muitas dessas miríades de povos existiam. Eu nunca mataria
um drow, então eu disse, mas e quanto aos svirfneblin, os gnomos das
profundezas? Ou os halflings, elfos ou anões? E quanto aos humanos?
Eu tive a oportunidade de matar homens, quando os parentes bárbaros de
Wulfgar invadiram Dez-Burgos, para defender os inocentes na intenção de
combater, talvez de matar, os humanos agressores. No entanto, tal ato, por mais
desagradável que tenha sido, não afetou de maneira alguma o meu mais solene
voto, apesar do fato de que a reputação dos humanos supera em muito a dos elfos
negros.
Dizer, então, que eu nunca mais mataria um drow, puramente porque somos
da mesma herança física, parece-me agora errado, simplesmente racista. Colocar a
medida do valor de um ser vivo acima da de outro simplesmente porque esse ser
leva a mesma cor de pele que eu é um menosprezo a meus princípios. Os falsos
valores incorporados naquele voto feito há tanto tempo não têm lugar em meu
mundo, no vasto mundo de inúmeras diferenças físicas e culturais. São essas
mesmas diferenças que tornam minhas jornadas empolgantes, essas mesmas
diferenças que colocam novas cores e formas no conceito universal de beleza.
Agora faço um novo voto, ponderado na experiência e proclamado de olhos
abertos; não levantarei minhas cimitarras senão em defesa: em defesa de meus
princípios, de minha vida ou de outros que não podem defender a si mesmos. Não
lutarei para promover as causas dos falsos profetas, para promover os tesouros dos
reis ou para vingar o meu próprio orgulho ferido.
E para os muitos mercenários ricos em ouro, religiosos e seculares, que
considerariam tal voto irreal, impraticável, até ridículo, cruzo os braços sobre o
peito e declaro com convicção: de longe sou o mais rico!
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 15
O Jogo é o Objetivo
— SILÊNCIO! — Os dedos delicados de Vierna sinalizaram o comando
repetidamente na intrincada língua de sinais drow.
Duas bestas de mão estalaram quando as cordas dos seus arcos foram travadas
em posição de prontidão. Os drow que as manejavam se agacharam, olhando para a
porta quebrada.
De trás deles, do outro lado da pequena câmara, ouviu-se um ligeiro assobio
quando uma flecha magicamente se dissolveu, liberando sua vítima élfica negra,
que caiu no chão na base da parede. Dinin, o drider, afastou-se do drow caído, suas
pernas revestidas de pele dura batendo contra a pedra.
— Silêncio!
Jarlaxle se arrastou até a beira da porta e direcionou a orelha para a escuridão
impenetrável dos globos conjurados. Ele ouviu um leve arrastar e sinalizou com
uma adaga aos que empunhavam as bestas para ficarem prontos.
Jarlaxle ficou de pé quando a figura, seu batedor, rastejou para fora da
escuridão e entrou na câmara.
— Eles foram embora — explicou o batedor quando Vierna correu para se
juntar ao líder mercenário. — Um pequeno grupo, e menor ainda com um deles
esmagado sob sua excelente parede.
Tanto Jarlaxle quanto o guarda fizeram uma reverência baixa em respeito a
Vierna, que sorria cruelmente apesar do súbito desastre.
— E quanto a Iftuu? — Jarlaxle perguntou, referindo-se ao guarda que tinham
deixado vigiando o corredor onde a confusão havia começado.
— Morto — respondeu o batedor. — Rasgado e destroçado.
Vierna virou-se bruscamente na direção de Entreri.
— O que você sabe sobre nossos inimigos? — ela exigiu saber.
O assassino olhou-a perigosamente, lembrando-se das advertências de Drizzt
contra alianças com seus parentes.
— Wulfgar, o humano grande, arremessou o martelo que quebrou a porta —
respondeu com toda a confiança. Entreri olhou para as duas formas que resfriavam
rapidamente espalhadas pelo chão de pedra. — Você pode botar as mortes daqueles
dois na conta de Cattibrie, outra humana.
Vierna voltou-se para o batedor de Jarlaxle e traduziu o que Entreri lhe
contara na língua drow.
— Era um desses dois que estava abaixo da parede? — a sacerdotisa
perguntou ao batedor.
— Apenas um único anão — respondeu o drow.
Entreri reconheceu a palavra drow para o povo barbudo.
— Bruenor? — perguntou retoricamente, imaginando se eles
inadvertidamente assassinaram o rei do Salão de Mitral.
— Bruenor? — Vierna ecoou, sem entender.
— Chefe do Clã Martelo de Batalha — explicou Entreri. — Pergunte a ele —
ordenou a Vierna, indicando o batedor, e agarrou o queixo bem barbeado com a
mão, como se estivesse acariciando uma barba. — Cabelo vermelho?
Vierna traduziu, depois tornou a olhar para ele, sacudindo a cabeça.
— Não havia luz ali. O batedor não poderia dizer.
Entreri silenciosamente se xingou por ser tão tolo. Ele simplesmente não
conseguia se acostumar com essa visão do calor, onde as formas se misturavam
indistintamente e as cores eram baseadas na quantidade de calor, não refletindo as
matizes.
— Eles se foram e não são mais nossa preocupação — disse Vierna a Entreri.
— Você os deixaria escapar depois de matar três em sua comitiva? — Entreri
começou a protestar, vendo onde essa linha de raciocínio os levaria, e não tão certo
de que gostava daquele caminho.
— Quatro estão mortos — corrigiu Vierna, seu olhar conduzindo o do
assassino à vítima de Drizzt deitada ao lado da rampa agora revelada.
— Ak’hafta foi atrás de seu irmão — Jarlaxle rapidamente acrescentou.
— Então cinco estão mortos — respondeu Vierna sombriamente —, mas meu
irmão está abaixo de nós e deve passar por nós para se juntar a seus amigos.
Ela começou a conversar com os outros drow em sua língua nativa, e embora
não tivesse chegado perto de dominar a língua, Entreri percebeu que Vierna estava
organizando a partida pela rampa em busca de Drizzt.
— E quanto ao meu acordo? — ele interrompeu.
A resposta da Vierna foi direta ao ponto.
— Você teve sua luta. Nós permitimos sua liberdade, como combinado.
Entreri agiu satisfeito com a resposta; ele era mundano o suficiente para
entender que mostrar sua indignação significaria juntar-se às outras formas que
esfriavam rapidamente no chão. Mas o assassino não estava disposto a aceitar suas
perdas tão prontamente. Olhou em volta freneticamente, procurando alguma
distração, alguma maneira de alterar o acordo aparentemente feito.
Entreri planejara perfeitamente as coisas até esse ponto, exceto que, na
confusão, não conseguira entrar na rampa atrás de Drizzt. Sozinho lá embaixo, ele
e seu arquirrival teriam tido tempo para resolver as coisas de uma vez por todas,
mas agora a perspectiva de conseguir encontrar Drizzt sozinho para uma luta
parecia remota e se afastava a cada segundo.
O assassino astuto havia se infiltrado em situações mais precárias do que esta
- exceto, prudentemente lembrou a si mesmo, que dessa vez lidava com elfos
negros, os mestres da intriga.
Entreri notou um drow ferido encostado na parede, sendo cuidado por outros
dois, e os curativos que aplicavam rapidamente ficaram quentes com o sangue
derramado. Ele reconheceu o elfo negro ferido como alguém que havia alcançado a
estatueta logo depois que Drizzt tinha chamado a gata, e a lembrança de
Guenhwyvar deu ao assassino uma nova manobra para tentar.
— Os amigos do Drizzt vão perseguir você, até mesmo pela rampa — Entreri
observou severamente, interrompendo Vierna mais uma vez.
A sacerdotisa se virou para ele, obviamente preocupada com o raciocínio,
assim como o mercenário ao lado dela.
— Não os subestime — continuou Entreri. — Eu os conheço, e eles são leais
além de qualquer coisa no mundo dos elfos negros — exceto, é claro, pela lealdade
de uma sacerdotisa à Rainha Aranha — acrescentou, em deferência a Vierna,
porque não queria que arrancassem sua pele e levassem como um troféu.
— Você planeja ir atrás do seu irmão, mas mesmo que você o pegue de vez e
siga com toda a velocidade para Menzoberranzan, os amigos leais dele irão atrás de
você.
— Eles eram apenas alguns — retrucou Vierna.
— Mas voltarão com muitos mais, especialmente se o anão sob a parede era
mesmo Bruenor Martelo de Batalha — rebateu Entreri.
Vierna olhou para Jarlaxle para confirmar as afirmações do assassino, e o elfo
negro apenas deu de ombros e balançou a cabeça em ignorância impotente.
— Eles virão melhor equipados e mais bem armados — prosseguiu Entreri,
seu novo esquema formulado, sua intriga ganhando ímpeto. — Com magos, talvez.
Com muitos clérigos, certamente. E com aquele arco mortal — olhou para o corpo
perto da parede — e o martelo de guerra do bárbaro.
— Os túneis são muitos — raciocinou Vierna, aparentemente ignorando o
argumento. — Eles não conseguiriam seguir nosso curso. — ela se virou, como se
seu próprio argumento a tivesse satisfeito, para voltar a formular seus planos
iniciais.
— Eles têm a pantera! — Entreri rosnou para ela. — A pantera que é a melhor
amiga do seu irmão. Guenhwyvar te perseguiria até o próprio Abismo se você
carregasse o corpo de Drizzt.
Novamente aflita, Vierna olhou para Jarlaxle.
— O que você acha? — ela exigiu saber.
Jarlaxle passou a mão pelo queixo pontudo.
— A pantera era bem conhecida entre os grupos de batedores quando seu
irmão morava na cidade — ele admitiu. — Nosso grupo de ataque não é grande —
e aparentemente temos cinco a menos agora.
Vierna virou-se bruscamente na direção de Entreri.
— Você, que parece conhecer essas pessoas tão bem — ela perguntou com
mais do que um pouco de sarcasmo —, o que sugere que façamos?
— Vá atrás do bando em fuga — Entreri respondeu, apontando para o
corredor enegrecido além da porta destruída. — Pegue-os e mate-os antes que
possam voltar para o complexo anão e reunir apoio. Eu vou encontrar seu irmão
por você.
Vierna o olhou com desconfiança, um olhar que Entreri certamente não
gostou.
— Mas eu sou premiado com outra luta contra Drizzt — insistiu, atraindo o
plano com alguma medida de credibilidade.
— Quando nos reunirmos — acrescentou Vierna friamente.
— É claro — o assassino se precipitou em uma reverência profunda e saltou
para a rampa.
— E você não vai sozinho — decidiu Vierna. Ela deu uma olhada para
Jarlaxle, que fez sinal para dois de seus soldados acompanharem o assassino.
— Eu trabalho sozinho — insistiu Entreri.
— Você morre sozinho — corrigiu Vierna. — Contra meu irmão nos túneis,
quero dizer — acrescentou em tom mais suave e brincalhão, mas Entreri sabia que
a promessa de Vierna não tinha nada a ver com o irmão.
Ele viu pouco sentido em continuar a discutir com ela, então apenas deu de
ombros e fez sinal para um dos elfos negros liderar o caminho.
Na verdade, ter um drow com os poderes de levitação sob ele fez a viagem
pela rampa perigosa muito mais confortável para o assassino.
O elfo negro que liderava o caminho saiu primeiro para o corredor inferior,
Entreri aterrissou com agilidade atrás dele e o segundo drow entrou lentamente
atrás do assassino. O primeiro drow balançou a cabeça em aparente confusão e
chutou levemente o corpo de bruços, mas Entreri, mais sábio aos muitos truques de
Drizzt, empurrou o elfo negro para o lado e bateu com a espada no aparente
cadáver. Cautelosamente, o assassino virou o drow morto, confirmando que não era
Drizzt em um disfarce inteligente. Satisfeito, deslizou sua espada para longe.
— Nosso inimigo é esperto — explicou e um de seus companheiros,
compreendendo a linguagem da superfície, assentiu, depois traduziu para o outro.
— Esse é Ak’hafta — explicou o elfo negro a Entreri. — Morto, como previu
Vierna — ele levou seu companheiro drow até o assassino.
Entreri não ficou nada surpreso ao encontrar o soldado morto logo abaixo da
rampa. Ele, acima de qualquer outra pessoa no grupo de Vierna, entendia quão
mortal seu oponente poderia ser, e quão eficiente. Entreri não duvidava que os dois
que o acompanhavam, lutadores habilidosos mas inexperientes com relação aos
modos de seu inimigo, teriam poucas chances de pegar Drizzt. Pela estimativa de
Entreri, se esses elfos negros despreparados tivessem atravessado a rampa
sozinhos, Drizzt poderia muito bem tê-los derrotado.
Entreri sorriu com tal pensamento, depois sorriu ainda mais ao perceber que
os dois não entendiam seu aliado, muito menos seu inimigo.
Sua espada apontou para o lado enquanto o drow rastreador passava por ele,
espetando precisamente os dois pulmões do elfo azarado. O outro drow, mais
rápido do que Entreri esperava, virou-se de um lado para o outro, com a besta de
mão em prontidão.
Um punhal adornado de joias veio primeiro, acertando a mão da arma do
drow com força suficiente para desviar o virote inofensivamente. Destemido, o elfo
negro rosnou e produziu um par de espadas bem afiadas.
A facilidade com a qual esses elfos negros lutavam tão bem com duas armas
de igual comprimento nunca deixava de impressionar Entreri. Ele tirou o cinto de
couro fino de seus calções e girou duas vezes em sua mão esquerda livre, acenando
com a espada na frente para manter seu oponente à distância.
— Você está do lado de Drizzt Do’Urden! — o drow acusou.
— Eu não estou do seu lado — corrigiu Entreri.
O drow atacou-o com força, as espadas cruzando-se, recuando, depois
cruzando de perto novamente, forçando Entreri a bater nelas com sua própria
espada, e logo recuou. O ataque foi habilidoso e enganosamente rápido, mas
Entreri reconheceu imediatamente a diferença primária entre este drow e Drizzt, o
nível sutil de habilidade que elevava Drizzt — e Entreri, deve-se acrescentar —
acima desses outros guerreiros. O ataque duplo cruzado havia sido lançado tão bem
quanto qualquer outro que Entreri já tinha visto, mas durante os poucos segundos
que tinha tomado para executar a manobra, as defesas do elfo negro não estavam
alinhadas. Como tantos outros lutadores habilidosos, esse drow era um guerreiro
unidirecional, perfeito no ataque, perfeito na defesa, mas não perfeito em ambos ao
mesmo tempo.
Foi uma coisa menor; a rapidez do drow compensava tão bem que a maioria
dos guerreiros jamais notaria a aparente fraqueza. Mas Entreri não era como a
maioria dos guerreiros.
Novamente o drow forçou o ataque. Uma espada disparou diretamente para o
rosto de Entreri, apenas para ser defletida no último momento. A segunda espada
chegou baixa, logo após, mas Entreri inverteu o impulso de sua arma e rebateu a
ponta, empurrando-a para o chão.
Furiosamente, o drow se aproximou, com suas espadas voando, mergulhando
por qualquer abertura aparente, apenas para serem interceptadas pela espada de
Entreri ou fisgadas e puxadas pelo cinto de couro.
E o tempo todo o assassino recuava voluntariamente, esperando pela morte
certa de seu adversário.
As espadas se cruzaram, se afastaram e cruzaram de novo enquanto atacavam
o torso de Entreri, com o elfo negro repetindo seu ataque inicial.
A defesa havia mudado, o assassino se movendo com velocidade repentina e
aterrorizante.
O cinto de Entreri enrolou-se em torno da ponta da espada na mão direita do
drow, que foi cruzada sob a outra, e depois o assassino recuou para a esquerda,
apertando as espadas e forçando as duas para o lado.
O elfo negro condenado começou a recuar imediatamente, e ambas as espadas
facilmente se soltaram do cinturão desajeitado, mas o drow, com seu equilíbrio
defensivo perdido na rotina ofensiva, precisou de uma fração de segundo para
recuperar sua postura.
A espada ágil de Entreri usou menos do que essa fração de segundo.
Mergulhou avidamente no flanco esquerdo exposto do drow, com a ponta sendo
torcida enquanto serpenteava até a carne macia sob a caixa torácica.
O guerreiro ferido caiu para trás, com a barriga gravemente ferida, e Entreri
não prosseguiu, em vez disso caiu em sua postura de batalha equilibrada.
— Você está morto — disse com naturalidade enquanto o drow lutava para
ficar de pé e manter suas espadas niveladas.
O drow não podia contestar a alegação, e não podia esperar, através da agonia
cegante e ardente, impedir o ataque iminente do assassino. Ele largou as armas no
chão e anunciou:
— Eu me rendo.
— Bem falado — Entreri parabenizou-o. Depois, o assassino enfiou a espada
no coração do tolo elfo negro.
Ele limpou a lâmina na piwafwi de sua vítima, recuperou sua preciosa adaga,
depois virou-se para ver o túnel vazio, varrendo para os dois lados além do alcance
de sua infravisão um tanto limitada.
— Agora, caro Drizzt — disse em voz alta —, as coisas estão como eu havia
planejado.
Entreri sorriu, parabenizando-se por manipular tão perfeitamente uma
situação tão perigosa.
— Eu não me esqueci dos esgotos de Porto Calim, Drizzt Do’Urden! —
gritou, sua raiva fervendo de repente. — Nem perdoei!
Entreri acalmou-se imediatamente, lembrando-se de que sua raiva havia sido
sua fraqueza naquela ocasião em que lutara contra Drizzt nas terras a Sul.
— Tome coragem, meu respeitável amigo — disse ele em voz baixa —, por
que agora podemos começar o nosso jogo, como deveria ser.
◆
Drizzt voltou para a área da rampa logo depois que Entreri partiu. Ele soube
imediatamente o que havia acontecido quando viu os dois novos cadáveres e
percebeu que nada disso ocorrera por acaso. Drizzt havia enganado Entreri na
câmara acima, recusara-se a jogar como o assassino desejara. Mas Entreri
aparentemente havia antecipado a relutância de Drizzt e preparado — ou
improvisado — um plano alternativo.
Agora ele tinha Drizzt, apenas Drizzt, nos túneis inferiores, um contra um.
Agora, também, se chegasse ao ponto do combate, Drizzt lutaria com todo o seu
coração, sabendo que vencer significaria pelo menos ter alguma chance de
liberdade.
Drizzt assentiu com a cabeça, silenciosamente parabenizando seu inimigo
oportunista.
Mas as prioridades de Drizzt não eram semelhantes às de Entreri. A principal
preocupação do elfo negro era encontrar o caminho para se juntar aos amigos e
ajudá-los. Para Drizzt, Entreri não era mais do que outro pedaço da ameaça maior.
Se encontrasse Entreri a caminho, Drizzt Do’Urden pretendia acabar com o
jogo.
CAPÍTULO 16
Traçando Limites
— EU NÃO ESTOU SATISFEITA — comentou Vierna ao lado de Jarlaxle
no túnel perto da parede de ferro conjurada em cima do corpo esmagado do pobre
Cobble.
— E você achou que seria tão fácil? — respondeu o mercenário. — Entramos
nos túneis de um complexo anão fortificado com um contingente de apenas
cinquenta soldados. Cinquenta contra milhares.
— Você vai recapturar seu irmão — acrescentou Jarlaxle, não querendo que
Vierna ficasse excessivamente ansiosa. — Minhas tropas são bem treinadas. Já
despachei quase três dúzias, todo o complemento dos Baenre, para o único
corredor que sai do Salão de Mitral. Nenhum dos aliados de Drizzt entrará por esse
caminho, e seus amigos presos não escaparão.
— Quando os anões souberem que estamos por perto, enviarão um exército
— argumentou Vierna com seriedade.
— Se souberem — Jarlaxle corrigiu. — Os túneis do Salão de Mitral são
longos. Nossos adversários levarão algum tempo para reunir uma força
significativa — dias talvez. Estaremos a meio caminho de Menzoberranzan, com
Drizzt, antes que os anões estejam organizados.
Vierna parou por um bom tempo, considerando seu próximo curso de ação.
Havia apenas dois caminhos a partir do nível inferior: a rampa na sala próxima e
túneis sinuosos a alguma distância a norte. Ela olhou pela sala e se aproximou para
observar a rampa, imaginando se tinha feito algo errado ao mandar apenas três
atrás de Drizzt. Considerou ordenar que toda a sua toda a sua força — uma dúzia
de drow e o drider — saísse em perseguição.
— O humano vai pegá-lo — Jarlaxle disse, como se tivesse lido sua mente. —
Artemis Entreri conhece nosso inimigo melhor que nós; ele lutou contra Drizzt
através das vastas extensões do mundo da superfície. Além disso, ele ainda usa o
brinco, para que você possa acompanhar o progresso dele. Aqui em cima temos os
amigos de Drizzt, com apenas um punhado dos meus batedores, para lidar.
— E se Drizzt escapar de Entreri? — Vierna perguntou a ele.
— Há apenas duas maneiras de subir — Jarlaxle lembrou novamente. Vierna
assentiu, tomou sua decisão e caminhou até a rampa. Ela pegou uma pequena
varinha de uma dobra em suas vestes ornamentais e fechou os olhos, iniciando um
entoar suave. Lenta e deliberadamente, Vierna traçou linhas precisas através da
abertura, com a ponta da varinha cuspindo filamentos pegajosos. Perfeitamente, a
sacerdotisa delineou uma teia de fios finos, cobrindo a abertura. Vierna recuou para
examinar seu trabalho. De uma bolsa, ela produziu um pacote de pó fino e,
começando um segundo entoar, espalhou-o pela teia. Imediatamente os fios se
espessaram e assumiram um brilho negro e prateado. Então o brilho desapareceu e
o calor da energia do encantamento esfriou para a temperatura ambiente, deixando
os fios praticamente invisíveis.
— Agora há apenas um caminho — anunciou Vierna para Jarlaxle. —
Nenhuma arma pode cortar os fios.
— Para o norte, então — Jarlaxle concordou. — Eu enviei um punhado de
batedores à frente para proteger os túneis inferiores.
— Drizzt e seus amigos não podem se encontrar — instruiu Vierna.
— Se Drizzt vir seus amigos novamente, eles já estarão mortos — o
mercenário arrogante respondeu com toda a confiança.
Fardo Amigável
ELE SE SENTIU MUITO VULNERÁVEL com suas cimitarras
embainhadas, e muitas vezes parou para dizer a si mesmo que estava sendo
incrivelmente imprudente. Porém, o custo potencial — a vida de seus amigos —
manteve Drizzt no caminho e ele cautelosamente, silenciosamente, colocou mão
sobre mão, avançando lentamente pela rampa sinuosa e traiçoeira. Anos atrás,
quando também era uma criatura do Subterrâneo, Drizzt tinha sido capaz de levitar
e poderia ter conseguido subir a rampa muito mais facilmente. Mas tal habilidade,
aparentemente de alguma forma ligada às estranhas emanações mágicas das
regiões mais profundas, deixara Drizzt logo após pisar na superfície de Toril.
Drizzt não tinha percebido o quão longe havia caído e silenciosamente
agradeceu à sua deusa, Mielikki, por haver sobrevivido à queda! Colocou uns trinta
metros atrás de si, alguns dos quais foram fáceis ao longo de trechos inclinados,
outras partes quase verticais. Tão ágil quanto qualquer ladino, o drow subiu
obstinadamente.
O que acontecera com Guenhwyvar? Drizzt pensava preocupado. Teria a
pantera vindo ao seu chamado apressado? Teria um dos drow, o oportunista
Jarlaxle, talvez, simplesmente pegado a estatueta caída para reivindicar a pantera
como sua?
Escalando mão sobre mão, Drizzt se aproximou da abertura da rampa. O
cobertor não havia sido substituído e a câmara acima estava estranhamente quieta.
Drizzt sabia que o silêncio significava pouco quando seus parentes elfos negros
estavam envolvidos. Ele havia liderado grupos de batedores que haviam percorrido
oitenta quilômetros de túneis irregulares sem um ruído sequer. Naturalmente
amedrontado, Drizzt imaginou uma dúzia de elfos negros cercando a pequena
rampa, com as armas desembainhadas, esperando o retorno tolo do prisioneiro.
Mas Drizzt tinha que subir. Para o bem de seus amigos em perigo, Drizzt teve
que bloquear o medo de que Vierna e os outros ainda estivessem na sala.
O drow sentiu o perigo quando sua mão subiu, alcançando a borda. Ele não
viu nada, não teve nenhum aviso prático e plausível, exceto os gritos silenciosos de
seus instintos de guerreiro.
Drizzt tentou descartá-los, mas sua mão inevitavelmente se movia mais
devagar. Quantas vezes seu instinto — que poderia chamar de sorte — o salvara?
Dedos sensíveis deslizaram cautelosamente pela pedra; Drizzt resistiu ao
desejo ansioso de levantar a mão, agarrar a borda e se erguer, forçando a revelação
de qualquer perigo que o aguardasse. Ele parou, sentiu algo, quase imperceptível,
contra a ponta de seu dedo do meio.
Ele não conseguiu recolher a mão!
Assim que o momento inicial de medo passou, Drizzt percebeu a verdade da
armadilha da teia de aranha e manteve-se firme. Ele havia testemunhado os muitos
usos de teias mágicas em Menzoberranzan; a primeira casa da cidade era cercada
por uma cerca desses fios inquebráveis. E agora, embora apenas um único dedo
tivesse mal tocado os fios mágicos, Drizzt fora pego.
Ele permaneceu perfeitamente parado, perfeitamente quieto, concentrando
seus movimentos musculares de modo que seu peso chegasse mais completamente
contra a parede quase vertical. Gradualmente, manobrou a mão livre para o manto,
primeiro indo em direção a uma cimitarra, depois sabiamente mudando de ideia e,
em vez disso, procurando um dos pequenos virotes que tirara do elfo negro morto
no corredor abaixo.
Drizzt congelou ao som das vozes drow acima, na sala. Ele não conseguia
distinguir metade das palavras, mas percebeu que estavam falando sobre ele e
sobre seus amigos! Cattibrie, Wulfgar e quem quer que estivesse com eles
aparentemente haviam escapado.
E a pantera estava livre; Drizzt ouviu várias observações, avisos temerosos
sobre “o gato demônio”.
Mais decidido do que nunca, Drizzt afastou a mão livre para Fulgor, pensando
que deveria tentar atravessar a barreira mágica, levantar-se da rampa e correr para
ajudar seus amigos. O momento de desespero foi fugaz, porém, durando apenas o
tempo que levou Drizzt a perceber que se Vierna tivesse selado essa rampa com a
maior parte de sua força ainda acima dela, então deveria haver outro caminho, não
muito longe, que interligasse os níveis.
As vozes drow recuaram, e Drizzt levou outro momento para solidificar seu
precário poleiro. Ele então puxou o virote de sua capa, esfregando-o contra a pedra
e, em seguida, contra a sua roupa, em um esforço para tirar todo o insidioso veneno
para dormir de sua ponta. Cuidadosamente, ele estendeu a mão para o dedo preso,
mordeu o lábio para não gritar, e espetou o virote sob a pele e fez um rasgo.
Drizzt só podia esperar que tivesse removido todo o veneno, que ele não
caísse no sono e despencasse, provavelmente até a morte, pela rampa. Encontrando
um aperto sólido com a mão livre, preparando-se para a sacudida e a dor, Drizzt
puxou o braço com força, rasgando o topo da pele presa do dedo.
Quase desmaiou pela dor, quase perdeu o equilíbrio, mas de alguma forma se
segurou e levou o dedo à boca para sugar e cuspir o sangue possivelmente
envenenado.
Drizzt estava de volta ao corredor mais baixo cinco minutos depois, com as
cimitarras na mão, os olhos se movendo de um lado para outro em busca de seu
arqui-inimigo e tentando descobrir por qual caminho deveria ir. Ele sabia que o
Salão de Mitral ficava em algum lugar a leste, mas percebeu que seus captores o
levavam principalmente para o norte. Se houvesse de fato um segundo caminho,
provavelmente estava além da rampa, mais ao norte.
Ele recolocou Fulgor em sua bainha — não querendo que seu brilho revelador
o denunciasse —, mas manteve a outra cimitarra à sua frente enquanto seguia seu
caminho furtivo pelo corredor. Havia poucas passagens laterais, e Drizzt ficou feliz
por isso, percebendo que qualquer escolha de direção que pudesse fazer naquele
ponto, sem pontos de referência viáveis para guiá-lo, seria mera adivinhação.
Então ele chegou a um cruzamento e teve um vislumbre de uma figura fugaz e
sombria que corria ao longo de um túnel aparentemente paralelo ao seu flanco
direito.
Drizzt sabia instintivamente que era Entreri, e parecia óbvio que Entreri
saberia o caminho para fora daquele nível.
À direita, Drizzt era, em passos agachados e medidos, agora o perseguidor,
não mais o perseguido.
Ele parou quando chegou ao túnel paralelo, respirou fundo e olhou ao redor. A
figura sombria, movendo-se rapidamente, estava muito à frente, voltando
inesperadamente à direita mais uma vez.
Drizzt considerou tal mudança de curso com mais do que uma pequena
suspeita. Não deveria Entreri ter se mantido à esquerda, se mantido perto do curso
que achava que Drizzt estava tomando?
Drizzt suspeitou então que o assassino sabia que estava sendo seguido e
estava levando Drizzt a um lugar que Entreri considerava favorável. Drizzt não
podia se dar ao luxo de se deixar levar por suas suspeitas, no entanto, não enquanto
o destino de seus amigos estava na balança. Foi rapidamente para a direita, apenas
para descobrir que não ganhara nenhum terreno, que o curso de Entreri os levara a
um labirinto de corredores entrecruzados.
Com o assassino não mais à vista, Drizzt se concentrou no chão. Para seu
alívio, estava suficientemente perto para que o calor residual dos passos de Entreri
ainda fosse visível, ainda que bem pouco, por sua infravisão superior. Percebeu que
estava vulnerável, de cabeça baixa, com pouca ideia de quantos segundos à sua
frente o assassino poderia estar, ou quantos segundos atrás, Drizzt sabia, pois tinha
certeza de que Entreri o levara àquela região para que pudesse voltar e pegar Drizzt
pelas costas.
Seu ritmo mal se equiparava ao de Entreri, pois os túneis estreitos davam
lugar a câmaras naturais mais amplas. Os passos permaneciam obscuros e
esfriavam rápido, mas Drizzt conseguiu de alguma forma os seguir.
Um pequeno grito à frente deu-lhe uma pausa. Não era Entreri, Drizzt sabia,
mas acreditava que ainda não estava perto o suficiente para se unir aos seus
amigos.
Quem tinha sido, então?
Drizzt usou as orelhas em vez dos olhos e separou os minúsculos ecos para
seguir um gemido quase inaudível. Estava feliz pelo seu treinamento de guerreiro
drow, por anos estudando padrões de eco em túneis sinuosos.
O choramingo ficou mais alto; Drizzt sabia que a sua fonte estava ao virar da
curva, no que lhe pareceu, do seu ângulo, ser uma câmara lateral pequena e oval.
Com uma cimitarra sacada, outra mão no cabo de Fulgor, o drow deu a volta
na esquina.
Regis!
Amassado e com roupas rasgadas, o halfling rechonchudo estava esparramado
contra a parede oposta, as mãos firmemente amarradas, uma mordaça fina colocada
com força sobre sua boca e suas bochechas cobertas de sangue. O primeiro instinto
de Drizzt fez com que corresse para o amigo ferido, mas parou, temendo os vários
truques de Entreri.
Regis notou-o, e olhou desesperadamente para ele.
Drizzt já vira aquela expressão antes, reconhecia sua sinceridade além de
qualquer coisa que um Entreri disfarçado, com ou sem máscara, pudesse duplicar.
Ele estava ao lado do halfling em um instante, cortando as amarras, libertando a
mordaça apertada.
— Entreri... — O halfling começou a falar sem fôlego.
— Eu sei — Drizzt disse calmamente.
— Não — retrucou Regis, exigindo a atenção do drow. — Entreri... acabou
de...
— Ele passou por aqui não mais do que um minuto à minha frente —
terminou Drizzt, não querendo que Regis se esforçasse mais do que o necessário
para sua respiração ofegante.
Regis assentiu com a cabeça, seus olhos redondos se movendo como se
esperasse que o assassino voltasse a atacar e matasse os dois.
Drizzt estava mais preocupado com um exame das muitas feridas do halfling.
Individualmente, cada uma delas parecia superficial, mas juntas se somavam em
uma condição severa. Drizzt deixou que Regis demorasse alguns instantes para
fazer o sangue circular por suas mãos e pés desamarrados, depois tentou fazer o
halfling se levantar.
Regis sacudiu a cabeça imediatamente; uma grande onda de vertigem o
derrubou e ele teria batido no chão de pedra com força se Drizzt não estivesse ali
para pegá-lo.
— Deixe-me — disse Regis, mostrando uma medida inesperada de altruísmo.
Indomável, o drow sorriu confortavelmente e içou Regis para o lado dele.
— Juntos — ele explicou casualmente. — Eu não te deixaria mais do que
você me deixaria.
A trilha do assassino era, a essa altura, fria demais para ser seguida, de modo
que Drizzt teve que continuar cegamente, esperando encontrar alguma pista sobre a
localização da passagem para o nível mais alto. Ele sacou Fulgor então, em vez de
sua outra lâmina, e usou a luz para ajudá-lo a evitar qualquer pequeno entalhe no
chão, para que pudesse manter a caminhada de Regis mais confortável. Todas as
medidas de furtividade haviam sido perdidas de qualquer maneira, com o gemido
que se agarrava a seu lado, e os pés de Regis mais frequentemente raspando do que
pisando enquanto Drizzt o puxava.
— Eu achei que ele fosse... me... matar, — Regis comentou assim que
conseguiu manter o suficiente de sua respiração fraca para proferir uma frase
completa.
— Entreri mata apenas quando percebe alguma vantagem nisso — respondeu
Drizzt.
— Por que ele... me trouxe junto? — Regis se perguntou honestamente. — E
por que... ele deixou você me encontrar?
Drizzt olhou para seu amiguinho com curiosidade.
— Ele te levou até mim — Regis argumentou. — Ele... — O halfling caiu
pesadamente, mas o braço forte de Drizzt continuou a segurá-lo na posição
vertical.
Drizzt entendia exatamente porque Entreri o conduzira a Regis. O assassino
sabia que Drizzt não deixaria Regis para trás. Pela medida de Entreri, essa era
exatamente a diferença entre ele e o drow. Entreri percebeu que essa mesma
compaixão era a fraqueza do ranger. A verdade é que, salvando o amigo, a
furtividade tinha sido perdida, e agora Drizzt teria que jogar o jogo de gato e rato
pelas regras de Entreri, dando tanta atenção ao seu amigo-fardo quanto ao jogo.
Mesmo que a sorte mostrasse a Drizzt o caminho para o próximo nível, ele teria
dificuldade em chegar a seus amigos antes que Entreri o alcançasse.
Ainda mais importante do que a carga física, Drizzt percebeu, Entreri lhe
devolvera Regis para garantir uma luta honesta. Drizzt lutaria sua inevitável
batalha com todo o coração, sem intenção de fugir, com Regis deitado indefeso em
algum lugar próximo.
Regis entrou e saiu da consciência durante a meia hora seguinte, Drizzt não se
queixando e carregando-o, de vez em quando trocando de braços para equilibrar a
carga. A habilidade do ranger drow nos túneis era considerável, e ele se sentia
confiante de que estava avançando na compreensão do labirinto.
Eles entraram em uma passagem longa e reta, um pouco mais alta e mais larga
do que as muitas que tinham atravessado. Drizzt colocou Regis facilmente contra
uma parede e estudou os padrões na rocha. Notou uma inclinação quase
imperceptível no chão, erguendo-se para o sul, mas o fato de eles, viajando para o
norte, estarem indo um pouco para baixo, não perturbou o drow.
— Este é o corredor principal da região — decidiu por fim. Regis olhou para
ele intrigado.
— Uma dia já correu água por aqui — explicou Drizzt — provavelmente
cortando a montanha para sair em alguma cachoeira distante ao norte.
— Nós estamos indo para baixo? — Regis perguntou.
Drizzt assentiu com a cabeça.
— Mas se houver uma passagem de volta para os níveis mais baixos do Salão
de Mitral, ela provavelmente ficará ao longo dessa rota.
— Muito bem — veio uma resposta de algum lugar à distância. Uma forma
esbelta saiu de uma passagem lateral, apenas algumas dezenas de metros à frente
de Drizzt e Regis.
A mão de Drizzt foi instintivamente para dentro do seu manto, mas colocando
mais confiança em suas cimitarras, a retirou imediatamente quando o assassino se
aproximou.
— Eu dei a você a esperança que você tanto desejava? — Entreri provocou.
Ele disse algo em voz baixa — um comando para sua arma provavelmente, pois
sua espada esbelta começou a brilhar ferozmente em um tom verde-azulado,
revelando a forma graciosa do assassino em um esboço sombrio enquanto
caminhava em direção ao inimigo que o aguardava.
— Uma esperança da qual você irá arrepender — respondeu Drizzt
uniformemente. A brancura dos dentes de Entreri brilhava na luz turquesa
enquanto ele respondeu com um largo sorriso:
— Veremos.
CAPÍTULO 18
Perigo em Comum
— ESSE BARULHO TODO TRARÁ o Subterrâneo inteiro pra cima de nós.
Cattibrie sussurrou para Bruenor, referindo-se à ruidosa armadura do furioso
de batalha. Pwent, percebendo o mesmo, foi bem à frente dos outros, gradualmente
ultrapassando-os, pois Cattibrie e Wulfgar, humanos e não abençoados com olhos
que podiam ver no espectro infravermelho, tinham que quase rastejar, com uma
mão em Bruenor em todos os momentos. Somente Guenhwyvar, às vezes
liderando, mais frequentemente se movendo como uma emissária silenciosa entre
Bruenor e o furioso de batalha, mantinha qualquer semelhança de comunicação
entre os líderes da pequena tropa.
Outro guincho à frente trouxe uma careta para o rosto de Bruenor. Ele ouviu o
suspiro resignado de Cattibrie e concordou com ele. Ainda mais do que sua filha, o
experiente Bruenor entendia a futilidade de tudo isso. Pensou em fazer Pwent
remover a armadura barulhenta, mas descartou a noção imediatamente, percebendo
que, mesmo que todos os quatro caminhassem nus, o som de seus passos soavam
tão claramente quanto um tambor de marcha aos sensíveis ouvidos dos seus
inimigos elfos negros.
— Acenda a tocha — instruiu Wulfgar.
— Certamente não podemos — argumentou Cattibrie.
— Eles estão ao nosso redor — respondeu Bruenor. — Eu posso sentir os cães
e eles também nos verão tão bem sem a luz quanto com ela. Nós não temos chance
de passar sem outra luta — estou percebendo isso agora — então podemos lutar em
termos mais adequados para o nosso lado.
Cattibrie virou a cabeça, embora não conseguisse ver nada na escuridão total.
Ela sentiu a verdade das observações de Bruenor, porém, ao perceber que formas
escuras e silenciosas se moviam ao redor deles, fechando-se sobre o grupo. Um
momento depois, teve que piscar e apertar os olhos quando a tocha de Wulfgar
subiu em uma chama.
Sombras bruxuleantes substituíram a negritude absoluta; Cattibrie ficou
surpresa com o quão rústico o túnel era, muito mais natural e áspero do que os que
eles haviam deixado. Solo se misturava com a pedra ao longo do teto e paredes,
dando à jovem menos confiança na estabilidade do lugar. Ela ficou muito
consciente das centenas de toneladas de terra e rocha acima de sua cabeça, ciente
de que uma ligeira mudança na pedra poderia esmagá-la instantaneamente e a seus
companheiros.
— O que você está fazendo? — Bruenor perguntou, vendo sua óbvia
ansiedade. Ele se virou para Wulfgar e viu o bárbaro ficando aos poucos
similarmente nervoso. — Túneis não trabalhados — o anão comentou, vindo a
entender. — Vocês não estão acostumados com as profundezas selvagens. — O
anão colocou a mão no braço da filha amada e sentiu gotas de suor frio.
— Você vai se acostumar com isso — o anão gentilmente prometeu. —
Lembre-se que Drizzt está sozinho aqui e precisando da nossa ajuda. Mantenham-
se atentos a esse fato e vocês logo vão esquecer da pedra acima de sua cabeça.
Cattibrie assentiu resolutamente, respirou fundo e, determinada, limpou o suor
de sua testa. Bruenor avançou então, dizendo que estava indo para a frente da
tocha, para ver se conseguia localizar o furioso de batalha à frente.
— Drizzt precisa de nós — disse Wulfgar a Cattibrie assim que o anão se foi.
Cattibrie virou-se para ele, surpresa com seu tom. Pela primeira vez em muito
tempo, Wulfgar falara com ela sem qualquer indício de condescendência protetora
ou raiva crescente.
Wulfgar se aproximou, colocou o braço gentilmente contra as costas dela para
movê-la. Ela acompanhou seu passo lento, o tempo todo estudando seu rosto
bonito, tentando classificar através do óbvio tormento em suas fortes características
faciais.
— Quando isso acabar, temos muito a discutir — disse ele em voz baixa.
Cattibrie parou, olhando-o com desconfiança, e isso pareceu ferir ainda mais o
bárbaro.
— Tenho muitas desculpas a dar — Wulfgar tentou explicar — a Drizzt, a
Bruenor, mas principalmente a você. Deixar Regis — Artemis Entreri — me
enganar!
A animação crescente de Wulfgar desapareceu quando ele aproveitou o
momento para olhar atentamente para Cattibrie, para ver a severa determinação em
seus olhos azuis.
— O que aconteceu nas últimas semanas foi reforçado pelo assassino e seu
pingente mágico — concordou a jovem —, mas temo que os problemas estivessem
lá antes que Entreri chegasse. Primeiro, você tem que admitir isso para si mesmo.
Wulfgar desviou o olhar, considerou as palavras, depois assentiu em acordo:
— Nós vamos conversar — prometeu.
— Depois que terminarmos com os drow — disse Cattibrie. Novamente, o
bárbaro assentiu.
— E mantenha seu lugar em mente — Cattibrie disse a ele. — Você tem um
papel a desempenhar no grupo, e não é um papel de cuidar de minha própria
segurança. Mantenha seu lugar.
— E você mantém o seu — concordou Wulfgar, e seu sorriso subsequente
provocou uma onda de calor em Cattibrie, uma lembrança pungente daquelas
qualidades especiais de menino, inocentes e sem julgamento, que a atraíram tanto
em Wulfgar em primeiro lugar.
O bárbaro assentiu novamente e, ainda sorrindo, começou a se afastar, com
Cattibrie a seu lado — mas não mais atrás dele.
Caminhos Distintos
THIBBLEDORF PWENT ESTAVA DE PÉ NO FINAL do túnel estreito,
examinando a caverna ampla logo a diante, usando sua infravisão, registrando as
gradações de mudança de calor, para que pudesse entender melhor a área perigosa
à frente. Ele distinguiu os muitos dentes do teto, estalactites longas e estreitas, e
viu duas linhas distintamente mais frias, indicando saliências nas paredes altas —
uma diretamente à frente, a outra ao longo da parede à sua direita. Buracos escuros
se alinhavam nas paredes a altura do chão em vários lugares; Pwent sabia que
aquele que estava imediatamente à sua esquerda, os dois diretamente em frente, e o
outro diagonalmente à frente e à direita, sob a borda, provavelmente eram longos
túneis, e imaginou que vários outros seriam câmaras laterais menores ou alcovas.
Guenhwyvar estava ao lado do furioso de batalha, as orelhas da gata
achatadas, o grunhido baixo quase imperceptível. A pantera também pressentira o
perigo, percebeu Pwent. Ele fez um sinal para Guenhwyvar segui-lo (de repente,
não estava tão incomodado por ter uma companheira tão incomum) e deslizou de
volta pelo corredor até a luz da tocha que se aproximava para impedir os outros na
sala.
— Há pelo menos mais três ou quatro maneiras de entrar ou sair — disse o
furioso de batalha gravemente a seus companheiros — e muitos terrenos abertos
em todo o lugar. — O anão passou a dar uma descrição detalhada da câmara,
prestando atenção especial aos muitos pontos óbvios para se esconder.
Bruenor, compartilhando dos medos sombrios de Pwent, assentiu e olhou para
os outros. Ele também sentia que seus inimigos estavam próximos, estavam todos
ao seu redor e se aproximando. O rei anão olhou para trás, para o caminho pelo
qual tinham vindo, e era óbvio para os outros que estava tentando descobrir algum
outro trajeto ao redor daquela região.
— Nós podemos usar o fato de esperarmos um ataque surpresa contra eles —
ofereceu Cattibrie, sabendo da futilidade das esperanças de Bruenor. Os
companheiros tinham muito pouco tempo precioso para desperdiçar, e poucos dos
túneis laterais por onde passavam ofereciam uma promessa mínima de levá-los
para as regiões mais baixas, ou para túneis mais amplos onde poderiam encontrar
Drizzt.
Um brilho de gosto pela batalha entrou nos olhos escuros de Bruenor, mas ele
franziu a testa um momento depois, quando Guenhwyvar se jogou pesadamente
sobre os pés de Cattibrie.
— A gata está por aqui há tempo demais — raciocinou a jovem. — Ela vai
precisar descansar em breve.
As expressões de Wulfgar e dos anões mostraram que não receberam bem a
notícia.
— Mais um motivo para ir em frente — Cattibrie disse determinadamente. —
Guen ainda aguenta lutar mais um pouco, não tenha dúvidas!
Bruenor considerou as palavras, então assentiu seriamente com a cabeça e
bateu com o seu machado cheio de ranhuras na palma da mão aberta.
— Tenho que chegar perto deste inimigo — ele lembrou seus amigos.
Pwent sacou sua poção amarga.
— Toma outro gole — ofereceu a Cattibrie e Wulfgar. — Tem que garantir
que isso aí tá fresco na sua barriga.
Cattibrie fez uma careta, mas pegou o frasco e entregou-o a Wulfgar, que
também franziu o cenho e tomou um gole breve.
Bruenor e Pwent se agacharam no chão e Pwent rapidamente arranhou um
mapa tosco da câmara. Não tinham tempo para planos detalhados, mas Bruenor
ordenou áreas de responsabilidade, atribuindo a cada pessoa a tarefa mais adequada
ao seu estilo de batalha. O anão não poderia dar instruções específicas para
Guenhwyvar, é claro, e não se preocupou em incluir Pwent em grande parte da
discussão, sabendo que uma vez que a luta começasse, o furioso de batalha sairia
em seu modo selvagem e indisciplinado. Cattibrie e Wulfgar também perceberam o
papel que Pwent assumiria, e ninguém reclamou, entendendo que, contra
oponentes habilidosos e precisos, como os drow, um pequeno caos poderia ser
bom.
Eles mantiveram a tocha acesa, até acenderam uma segunda, e começaram a
seguir cautelosamente em frente, prontos para lutar em seus próprios termos.
Quando a luz da tocha invadiu a sala, uma forma negra e inquieta atravessou,
indo para a escuridão em plena corrida. Guenhwyvar partiu para a direita, cortou
para a esquerda em direção ao centro da câmara, depois disparou de novo para a
parede dos fundos.
De algum lugar à frente, ouviu-se o som de bestas de mão, seguidos pelo
ruído de virotes que batiam na pedra, sempre um passo atrás da pantera que se
esquivava e saltava.
Guenhwyvar desviou novamente no último momento, saltou e virou de lado,
as patas correndo ao longo da parede vertical por vários passos antes que tivesse
que voltar para o chão. O alvo da gata, a borda alta na parede da direita, estava à
vista, e Guenhwyvar saiu correndo, acelerando de forma imprudente.
Na base, a todo vapor, e aparentemente voando em direção a uma colisão de
cabeça, os músculos da pantera se moveram sutilmente. A mudança de direção de
Guenhwyvar foi quase perpendicular, a pantera correu, parecendo voar, subindo a
extensão de seis metros até a borda.
Os três elfos negros no topo da borda não poderiam esperar a incrível
manobra. Dois dispararam as bestas na direção Guenhwyvar e voltaram para um
túnel; o terceiro, tendo a infelicidade de estar diretamente no caminho da pantera
saltitante, só pôde erguer os braços quando a pantera caiu sobre ele.
Tochas voaram na câmara, iluminando a área de batalha, seguidas pela
investida liderada por Bruenor, flanqueada à sua direita por Wulfgar e à sua
esquerda por Thibbledorf Pwent. Cattibrie silenciosamente estava atrás deles,
escorregando para o lado ao longo do mesmo curso geral que Guenhwyvar havia
tomado, com o arco preparado e em mãos.
Mais uma vez, as bestas de mão dos elfos negros invisíveis dispararam, e
todos os companheiros em investida foram atingidos. Wulfgar sentiu o veneno
correndo em sua perna, mas sentiu o formigamento queimar enquanto a potente
poção de Pwent neutralizava seus efeitos sonolentos. Um feitiço de escuridão caiu
sobre uma das tochas, derrotando sua luz, mas Wulfgar estava pronto, acendendo
uma terceira e jogando-a para o lado.
Pwent notou um inimigo drow no túnel à esquerda, e lá foi ele,
previsivelmente, rugindo a cada passo.
Bruenor e Wulfgar diminuíram a velocidade, mas mantiveram o curso direto
através da sala, para as maiores entradas de túnel do outro lado do caminho. O
bárbaro avistou o luzir de olhos drow ao longo da borda restante, mais adiante e
acima dos túneis. Ele parou, girou e soltou o martelo de guerra com um grito para
seu deus. Presa de Égide voou baixo, se chocando contra a borda da passagem,
esmagando a pedra. Um elfo negro saltou para outro ponto na longa borda; o outro
caiu, com a perna destruída, e mal conseguiu agarrar uma pedra a meio caminho e
parar sua queda pela parede que desabava.
Wulfgar não seguiu o lance. Ele foi atingido novamente por um virote e, ao
invés disso, correu para o lado, para o túnel restante, ao longo da parede da direita,
onde se agachava um par de elfos negros.
Ansioso para entrar em combate corpo a corpo, Bruenor mudou seu curso
para seguir atrás do bárbaro. O anão olhou para trás antes mesmo de completar a
curva, no entanto, quando um monstro de oito patas, o drider, saiu do túnel
diretamente à frente, com outras formas escuras se mexendo por trás dele.
Com um grito de prazer, nunca considerando as probabilidades, agora que ele
e seus amigos estavam comprometidos com a batalha, o anão impulsivo desviou
novamente para seu curso inicial, determinado a encontrar os inimigos, quantos
fossem, de cabeça erguida.
Precisou de toda a disciplina que Cattibrie conseguiu reunir para dar seu
primeiro disparo sob controle. Ela realmente não tinha um bom ângulo para
aqueles que Pwent tinha perseguido ou para a borda onde Guenhwyvar havia ido, e
não achava que valesse a pena acertar o drow ferido pendurado indefesamente
abaixo da borda destruída — não ainda. Bruenor tinha pedido a ela que se
certificasse de que seu primeiro disparo, o único que conseguiria dar antes de ser
notada, contasse.
A jovem ansiosa assistiu à separação entre Bruenor e Wulfgar e encontrou sua
oportunidade. Um drow, agachado atrás de um entalhe diagonal de pouco mais de
um metro na parede do fundo, quase a meio caminho entre seus companheiros,
inclinou-se para a frente, com a besta na mão. O elfo negro disparou, depois recuou
em surpresa quando uma flecha de prata passou através dele, pela pedra e deixou
uma queimadura latente em seu rastro.
O segundo disparo de Cattibrie estava no ar um instante depois. Ela não podia
mais ver o drow, totalmente coberto pela pedra, mas não acreditava que sua
cobertura fosse tão grossa assim.
A flecha atingiu a laje saliente a meio metro de sua borda, a meio metro de
onde se juntava à parede. Houve um estalo agudo quando a rocha se partiu, seguida
por um grunhido quando a flecha explodiu profundamente no crânio do drow
agonizante.
O elfo negro deitado na borda alta subiu e chutou, manteve o broquel acima
dele e conseguiu, de alguma forma, sacar sua adaga com a outra mão. Apenas sua
bela armadura de malha continha de alguma forma as garras de Guenhwyvar,
mantendo seus ferimentos sérios, mas não mortais.
Ele afundou a adaga no flanco da pantera, mas a arma parecia pequena contra
tal inimigo, parecia apenas enfurecer ainda mais a gata. O braço do broquel foi
jogado para o lado, de costas sobre a cabeça, com força suficiente para deslocar seu
ombro. Ele tentou puxá-lo de volta para tornar a bloquear, mas descobriu que não
responderia ao chamado frenético de sua mente. Ele se esforçou para colocar a
outra mão no caminho da grande pata, uma defesa fútil.
As garras de Guenhwyvar prenderam-se na linha do couro cabeludo logo
acima da testa. O drow mergulhou a adaga de novo, rezando por uma morte rápida.
As garras da pantera cortaram seu rosto.
Bestas estalaram novamente do túnel na parte de trás da borda estreita. Não
ferida de verdade, a pantera saiu de sua vítima e seguiu em frente em perseguição.
Os dois elfos negros invocaram globos de escuridão entre eles e a gata,
viraram-se e fugiram.
Se tivessem olhado para trás, poderiam ter voltado à luta, pois a perseguição
de Guenhwyvar não era obstinada. Com os golpes de adaga e as feridas de virote, o
insidioso veneno do sono e a simples duração da visita da pantera ao plano, a
energia de Guenhwyvar não existia mais. A gata não queria ir, queria ficar e lutar
ao lado dos companheiros, para ficar e encontrar seu mestre desaparecido.
A magia da estatueta não apoiaria seus desejos, no entanto. Após alguns
passos para dentro da área escura, Guenhwyvar parou, mal mantendo um equilíbrio
hesitante. A carne da pantera dissolveu-se em fumaça cinzenta. O túnel planar se
abriu e a atraiu.
Ele foi atingido novamente quando saiu da câmara, mas o virote minúsculo
não fez mais do que trazer um sorriso para a face contorcida do mais selvagem dos
furiosos de batalha. Um globo de escuridão bloqueou sua corrida, mas ele rugiu e
se arremessou, sorrindo mesmo quando colidiu com força com a parede do outro
lado.
O espantado elfo negro, observando o progresso feroz de Pwent, deu meia-
volta, disparando pelo túnel, depois virou uma curva fechada. Pwent veio logo
atrás, com sua armadura gritando e baba correndo de seus lábios gordos em linhas
abaixo de sua espessa barba negra.
— Idiota! — ele gritou, abaixando a cabeça enquanto virava a curva bem atrás
do drow em fuga, esperando a emboscada.
A ponta do elmo de Pwent interceptou o corte da espada, empalando seu
inimigo através do antebraço. O furioso de batalha não diminuiu a velocidade, mas
se atirou no ar e se jogou no chão, acertando o seu oponente com seu corpo bem no
peito e conduzindo o drow ao chão, bem abaixo dele.
As luvas com pontas cavaram a virilha e o rosto do elfo negro; a armadura
cheia de espigões de Pwent enrugou a bela cota de malha quando ele entrou em
uma série de violentas convulsões. A cada um dos movimentos do furioso de
batalha, ondas de agonia ardente subiam pelo braço empalado do drow.
O martelo voador de Wulfgar liderou o caminho até o corredor, seu lance mais
do que empatando com os dardos de besta que atingiam o bárbaro que rugia. Ele
mirou para o alto, para os dentes de estalactite pendurados acima da entrada, e seu
martelo poderoso fez seu trabalho perfeitamente, quebrando várias das pedras
penduradas.
Um elfo negro recuou — Wulfgar não sabia dizer se a pedra que caíra o havia
esmagado ou não — e o outro mergulhou para a frente, sacando espada e adaga e
subindo na câmara para enfrentar a investida do bárbaro desarmado.
Wulfgar derrapou até parar perto das lâminas, saltou para o lado e chutou para
fora, socando, fazendo qualquer coisa para manter o oponente perigoso e rápido
sob controle pelos poucos segundos que o bárbaro precisava.
O drow, não entendendo a magia de Presa de Égide, levou o tempo que
precisava, parecia não ter pressa em acertar o humano obviamente poderoso. Ele
veio com uma combinação medida, espada, adaga e adaga novamente, o último
empurrão dolorosamente cortando o quadril do bárbaro.
O drow sorriu maliciosamente.
Presa de Égide apareceu nas mãos de Wulfgar.
Com uma das mãos, segurando baixo na empunhadura do martelo de guerra,
Wulfgar lançou a arma em um movimento circular na frente dele. O drow tomou
uma medida cuidadosa da velocidade da arma — Wulfgar cuidadosamente avaliou
o exame do drow.
Ele disparou a adaga, atrás do martelo que fluía. A outra mão de Wulfgar
bateu contra o cabo logo abaixo da cabeça da arma e abruptamente inverteu a
direção, bloqueando o ataque do drow.
O drow foi rápido, levando a espada em um ângulo descendente para o ombro
de Wulfgar, mesmo quando sua mão da adaga foi totalmente afastada, deixando
sua guarda aberta.O enorme antebraço de Wulfgar se flexionou com a tensão
quando ele parou o impulso do martelo pesado, levantando-o de volta na frente
dele. Ele pegou Presa de Égide na metade do cabo com a mão livre e apontou
diagonalmente para cima, a cabeça sólida do martelo de guerra interceptando a
espada e afastando-a inofensivamente.
O fim do bloqueio deixou o drow com um braço afastado pra baixo, o outro
afastado para cima, e deixou Wulfgar de pé diante de seu oponente em perfeito
equilíbrio, ambas as mãos agarrando Presa de Égide. Antes que o elfo negro
pudesse recuperar suas largas lâminas, antes que pudesse mover os pés para se
afastar, Wulfgar o atingiu, com o martelo esmagando abaixo de seu ombro e
dirigindo-se para o quadril oposto. O drow recuou do golpe, então, como se o peso
total do golpe incrível não tivesse sido imediatamente registrado, entrou em um
salto para trás involuntário que o fez se chocar de costas contra a parede.
Com uma das pernas bambeando e um pulmão inutilizado, o drow trouxe sua
espada horizontalmente diante de seu rosto, em uma defesa ineficaz. Com as mãos
baixas no cabo, Wulfgar levou o martelo para trás e bateu-o com toda a sua força,
através da lâmina e no rosto do drow. Com um estalo doentio, o crânio do drow
explodiu, esmagado entre a pedra firme da parede e o metal inflexível do poderoso
martelo.
Cattibrie colocou outra flecha no corredor por via das dúvidas, depois olhou
em volta, procurando um alvo mais aparente. Ela estudou a batalha entre Bruenor e
o monstruoso drider, mas sabia que quaisquer disparos que desse no monstro
inchado seriam muito arriscados, dado o combate furioso e tumultuado.
Wulfgar parecia que tinha sua situação sob controle. Um drow jazia morto a
seus pés enquanto espiava os escombros do corredor desmoronado em busca do
inimigo que não havia entrado. Pwent não estava em lugar algum.
Cattibrie olhou para a borda destruída acima de Bruenor e do drider para o
drow que não caíra, depois para a outra borda, onde Guenhwyvar havia
desaparecido. Em uma pequena alcova abaixo daquela área, a jovem viu uma
imagem curiosa: um aglomerado de névoas semelhante ao que anunciava a
aproximação da pantera. A nuvem mudou de cor, ficou laranja, quase como uma
bola de chamas rodopiante.
Cattibrie sentiu uma aura maligna, aglomerada e dominadora, e deixou seu
arco em posição. Seus pelos da nuca formigavam; algo estava a observando.
Cattibrie soltou o Buscador de Corações e girou, tirando sua espada curta de
sua bainha, mal a tempo de afastar a espada de um drow em levitação que
silenciosamente desceu do teto.
Wulfgar também notou a névoa, e sabia que isso exigia sua atenção, que
deveria estar pronto para atacá-la assim que sua natureza fosse revelada. Ele não
podia, porém, ignorar o grito repentino de Cattibrie, e quando olhou para ela,
encontrou-a sob ataque severo, quase sentada no chão, sua espada curta com
esforço mantendo seu atacante à distância.
Nas sombras a alguma distância atrás da jovem e de seu agressor, outra forma
escura começou a descer.
Não sendo uma novata com a espada, Cattibrie brandia sua lâmina
maravilhosamente, usando todas as defesas que Drizzt Do’Urden lhe havia
mostrado para recuperar alguma medida de igualdade. Estava confiante de que a
vantagem inicial do drow tinha enfraquecido, confiante de que logo poderia
colocar seus pés sob ela e levantar para lutar em pé contra esse oponente.
Então, de repente, ela não tinha ninguém contra quem lutar.
Presa de Égide girou perto dela, seu rastro de vento sacudindo seu cabelo, e
acertou o elfo negro surpreso com força total, atirando-o para longe.
Cattibrie se virou, sua apreciação inicial perdida assim que reconheceu o
protecionismo de Wulfgar. A névoa perto do bárbaro estava se formando então,
assumindo a forma corpórea e substancial de um habitante de algum plano inferior
vil, um inimigo muito mais perigoso do que o elfo negro que Cattibrie estivera
combatendo.
Wulfgar tinha vindo ajudá-la ignorando seu próprio perigo, colocando a
segurança dela acima da própria.
Para Cattibrie, confiante de que poderia ter cuidado de sua própria situação,
tal ato parecia mais estúpido do que altruísta.
Cattibrie pegou seu arco, ela tinha que pegar seu arco. Antes mesmo que
tivesse posto as mãos nele, o monstro, uma yochlol, terminou de chegar no plano.
Amorfa, assemelhava-se a um pedaço de cera meio derretida, com oito apêndices
semelhantes a tentáculos e uma boca central aberta, alinhada por dentes longos e
afiados.
Cattibrie sentiu o perigo atrás dela antes que pudesse avisar Wulfgar. Ela
girou, arco na mão, e olhou para o inimigo, para a espada de um drow descendo
rapidamente em direção à sua cabeça.
Cattibrie atirou primeiro. A flecha lançou o drow a vários centímetros do chão
e atravessou o elfo negro para explodir em uma chuva de faíscas contra o teto. O
drow ainda estava de pé quando voltou para o chão, ainda segurando a espada, sua
expressão revelando que não tinha certeza do que acabara de acontecer.
Cattibrie agarrou seu arco como um porrete e pulou para encontrá-lo,
atacando-o ferozmente até que sua mente registrou o fato de que ele estava morto.
Ela olhou para trás uma vez, para ver Wulfgar agarrado por um dos tentáculos
da yochlol, depois outro. Toda a incrível força do bárbaro não poderia impedi-lo de
chegar à bocarra que o esperava.
◆
Bruenor não pôde ver nada além do preto do torso do drider enquanto
continuava a atacar, continuando a empurrar Dinin para trás. Ele não conseguia
ouvir nada, exceto o som de lâminas voadoras, o bater de metal contra metal ou o
som da carapaça se quebrando quando seu machado acertava em cheio.
Sabia instintivamente que Cattibrie e Wulfgar, seus filhos, estavam em apuros.
O machado de Bruenor finalmente alcançou a criatura que recuava com força
total enquanto o drider batia contra a parede. Outra perna de aranha caiu; Bruenor
plantou os pés e puxou com todas as suas forças, lançando-se vários metros para
trás.
Dinin, estranhamente contorcido, com duas pernas perdidas, não continuou de
imediato, contente pelo alívio, mas o feroz Bruenor voltou, a selvageria do anão
subjugando o drider ferido. O escudo de Bruenor bloqueou o primeiro machado;
seu capacete bloqueou o golpe seguinte, um golpe que o teria tombado.
Chicoteou em linha reta o seu machado, acima do exoesqueleto duro para
cortar uma linha irregular através da barriga inchada do drider. Entranhas quentes
se espalharam. Fluidos escorriam pelas pernas do drider e pelos braços pulsantes
de Bruenor.
Bruenor entrou em frenesi, seu machado batendo repetidamente,
incessantemente, na curva entre as duas pernas da frente do drider. O exoesqueleto
deu lugar à carne; a carne se abriu para derramar mais sangue.
O machado de Bruenor golpeou com força mais uma vez, mas ele levou um
golpe no ombro do braço que usava para empunhar sua arma. O ângulo desajeitado
do drider roubou a maior parte da força do golpe, e o machado não atravessou a
bela malha de mitral de Bruenor, mas uma onda de agonia quente atacou o anão.
Sua mente gritava que Cattibrie e Wulfgar precisavam dele! Fazendo uma
careta contra a dor, Bruenor batia o machado para trás, com a parte plana batendo
contra o cotovelo do drider. A criatura uivou e Bruenor trouxe a arma de novo,
inclinando-se para o outro lado, pegando o drider na axila e cortando o braço da
criatura.
Cattibrie e Wulfgar precisavam dele!
O alcance mais longo do drider levou seu segundo machado ao redor do
escudo de bloqueio do anão, sua borda inferior puxando uma linha de sangue pelas
costas do braço de Bruenor. O rei do Salão de Mitral puxou o escudo para perto e
bloqueou o monstro contra a parede usando seu ombro. Ele se recuperou, dirigiu
seu machado com força para o lado exposto do monstro, depois o prendeu contra a
parede usando o ombro novamente.
Novamente o anão se afastou, atacou com seu machado, e as pernas grossas
de Bruenor se contraíram novamente, fazendo-o avançar para frente. Desta vez,
Bruenor ouviu o outro machado cair no chão e, quando se recuperou, se manteve
afastado, cortando descontroladamente com seu machado, levando o drider até a
pedra, cortando a carne e quebrando as costelas.
Bruenor se virou, viu Cattibrie mantendo controle sob sua situação e deu um
passo em direção a Wulfgar.
Wishya!
Ondas de energia atingiram o anão, levantando seus pés do chão e lançando-o
a três metros pelo ar, para bater contra a parede.
Ele se recuperou em uma corrida redirecionada, e gritou uma única nota de
fúria enquanto se aproximava da entrada do túnel distante e dos olhos de vários
drows observando-o de dentro.
— Wishya! — Veio mais uma vez o grito e Bruenor de repente estava se
movendo para trás.
— Quantos desse você tem? — rugiu o anão rude, dando de ombros para esta
nova pancada contra a parede.
Os olhos, todos os pares, se afastaram.
Um globo de escuridão caiu sobre o anão e, na verdade, ele estava feliz por
sua cobertura, pois aquele último golpe o machucara mais do que gostaria de
admitir.
Fim de Jogo
QUANDO EU MORRER...
Eu perdi amigos, perdi meu pai, meu mentor, para o maior dos mistérios
chamado morte. Eu tenho sentido o luto desde o dia em que deixei minha terra
natal, desde o dia em que a cruel Malícia informou-me de que Zaknafein tinha sido
dado à Rainha Aranha. É uma emoção estranha, o luto; muda seu foco. Eu sofro
por Zaknafein, por Montólio, por Wulfgar? Ou sofro por mim mesmo, pela perda
que devo suportar para sempre?
É talvez a questão mais básica da existência mortal, e ainda assim é uma para
a qual pode não haver resposta...
A menos que a resposta seja de fé.
Ainda fico triste quando penso nas lutas de treino com meu pai, quando me
lembro dos passeios ao lado de Montólio pelas montanhas e quando essas
lembranças de Wulfgar, as mais intensas de todas, passam pela minha mente como
um resumo dos últimos anos da minha vida. Lembro-me de um dia no Sepulcro de
Kelvin, olhando para a tundra do Vale do Vento Gélido, quando o jovem Wulfgar e
eu vimos as fogueiras do acampamento de seu povo nômade. Esse foi o momento
em que Wulfgar e eu realmente nos tornamos amigos, o momento em que
chegamos a aprender que, para todas as outras incertezas em nossas vidas, teríamos
um ao outro.
Lembro-me do dragão branco, Morte Gélida, e do gigante Carranca, e como,
sem o heroico Wulfgar ao meu lado, eu teria perecido em qualquer uma dessas
lutas. Lembro-me também de compartilhar as vitórias com meu amigo, nosso laço
de confiança e amor se estreitando — próximo, mas nunca desconfortável.
Eu não estava lá quando ele caiu, não pude dar-lhe o apoio que ele certamente
teria me dado.
Eu não pude dizer “Adeus!”
Quando eu morrer, estarei sozinho? Se não fosse pelas armas dos monstros ou
pelas garras da doença, certamente viverei mais do que Cattibrie e Regis, até
Bruenor. Neste momento acredito firmemente que, não importa quem mais esteja
ao meu lado, se esses três não estiverem, eu morrerei sozinho.
Tais pensamentos não são tão sombrios. Eu disse adeus a Wulfgar mil vezes.
Eu disse toda vez em que o deixei saber como ele era querido por mim, toda vez
que minhas palavras ou ações afirmavam nosso amor. O adeus é dito pelos vivos,
em vida, todos os dias. Diz-se com amor e amizade, com a afirmação de que as
memórias são duradouras se a carne não é.
Wulfgar encontrou outro lugar, outra vida... Tenho que acreditar nisso, senão,
qual é o objetivo da existência?
Minha dor é por mim, pela perda que sei que sentirei até o fim dos meus dias,
não importa quantos séculos se passem. Mas dentro dessa perda há uma
serenidade, uma calma divina. Melhor ter conhecido Wulfgar e compartilhado
aqueles mesmos eventos que agora alimentam minha dor, do que nunca ter
caminhado ao seu lado, lutado ao seu lado, olhado o mundo através de seus olhos
azuis cristalinos.
Quando eu morrer... Que haja amigos que sofram por mim, que levem nossas
alegrias e dores compartilhadas, que carreguem minha memória.
Esta é a imortalidade do espírito, o legado sempre persistente, o combustível
da dor.
Mas também o combustível da fé.
— Drizzt Do’Urden
CAPÍTULO 20
Repentinamente
A POEIRA CONTINUOU A BAIXAR NA AMPLA CÂMARA, embotando
a luz bruxuleante; uma das tochas foi apagada por um pedaço de pedra que caiu, o
brilho apagado em um piscar de olhos.
Apagado como a luz nos olhos de Wulfgar.
Quando o barulho finalmente parou, quando os pedaços maiores do teto
desmoronaram, Cattibrie virou-se e conseguiu se sentar, de frente para a alcova
cheia de entulho. Ela limpou a sujeira de seus olhos, piscou através da escuridão
por vários longos momentos antes que a triste verdade da cena se registrasse
completamente.
O único tentáculo visível do monstro, ainda envolto no tornozelo da jovem,
tinha sido cortado de forma limpa, com a parte de trás, perto dos escombros,
contorcendo-se reflexivamente.
Além dele, só havia rocha empilhada. A enormidade da situação
sobrecarregou Cattibrie. Ela balançou para o lado, quase desmaiando, encontrando
sua força apenas quando uma explosão de raiva e negação brotou dentro dela. A
jovem soltou os pés do tentáculo e avançou de quatro. Tentou se levantar, mas sua
cabeça latejava, mantendo-a baixa. Mais uma vez veio a onda de náusea, o convite
para voltar à inconsciência.
Wulfgar!
Cattibrie arrastou-se para o lado, deu um tapa no tentáculo que se contorcia e
começou a cavar a pilha de pedras com as mãos nuas, ralando a pele e quebrando
uma unha dolorosamente. Quão similar esse colapso parecia àquele que levara
Drizzt ao primeiro cruzamento com os companheiros no Salão de Mitral... Mas
aquela tinha sido uma armadilha projetada por um anão, uma queda preparada e
que enviou Drizzt em segurança para um corredor inferior.
Esta não era uma armadilha manipulada, lembrou-se Cattibrie; não havia
calha para uma câmara inferior. Um rosnado suave, um gemido, escapou de seus
lábios e ela se agarrou, desesperada para tirar Wulfgar da pilha esmagadora,
rezando para que as rochas desmoronassem em um ângulo que permitisse ao
bárbaro sobreviver.
Então Bruenor estava ao lado dela, largando o machado e o escudo no chão e
indo para a pilha com abandono. O anão poderoso conseguiu afastar várias pedras
grandes, mas quando a borda externa do desmoronamento foi limpa, ele parou e
ficou olhando fixamente para a pilha.
Cattibrie continuou cavando, não notou a carranca de seu pai. Depois de mais
de dois séculos de mineração, Bruenor percebia a verdade. O colapso havia sido
completo. O rapaz se fora.
Cattibrie continuou a cavar e a fungar, quando sua mente começou a lhe
contar o que seu coração continuava a negar.
Bruenor colocou a mão no braço dela para impedi-la de continuar o trabalho
sem sentido, e quando Cattibrie olhou para ele, sua expressão partiu o coração do
anão. Seu rosto estava coberto de sujeira. Sangue estava grudado em uma das
bochechas e seu cabelo estava emaranhado na cabeça. Bruenor, em seguida, viu
apenas os olhos de Cattibrie, orbes brilhantes do mais profundo azul, reluzindo
com a umidade.
Bruenor balançou a cabeça lentamente.
Cattibrie sentou-se, com as mãos ensanguentadas no colo, os olhos sem piscar.
Quantas vezes ela e seus amigos chegaram tão perto desse ponto? Se perguntou.
Quantas vezes escaparam das garras gananciosas da Morte no último instante?
As probabilidades os alcançaram, alcançaram Wulfgar, aqui e agora, de
repente, sem aviso prévio.
Lá se fora o poderoso guerreiro, líder de sua tribo, o homem com quem
Cattibrie pretendia se casar. Ela, Bruenor, mesmo o mortífero Drizzt Do’Urden,
não podiam fazer nada para ajudá-lo, nada para mudar o que havia acontecido.
— Ele me salvou — a jovem sussurrou.
Bruenor pareceu não a ouvir. O anão limpava continuamente a poeira em seus
olhos, a poeira que se acumulava nas grandes lágrimas que se juntavam e depois
escorriam, riscando suas bochechas sujas. Wulfgar fora como um filho para
Bruenor. O anão durão levara o jovem Wulfgar, apenas um garoto naquela época,
para sua casa depois de uma batalha, ostensivamente como escravo, mas, na
verdade, para ensinar ao rapaz um caminho melhor. Bruenor havia moldado
Wulfgar em um homem que podia ser confiável, um homem de caráter honesto. O
dia mais feliz da vida do anão, ainda mais feliz do que o dia em que Bruenor havia
recuperado o Salão de Mitral, foi o dia em que Wulfgar e Cattibrie anunciaram que
se casariam.
Bruenor chutou uma pedra pesada, e a força de seu golpe a afastou.
Lá estava Presa de Égide.
Os joelhos do corajoso anão ficaram fracos ao ver a cabeça do maravilhoso
martelo de guerra, gravada com os símbolos de Dumathoin, o deus anão, o
guardião dos segredos sob a montanha. Bruenor forçou respirações profundas em
seus pulmões e tentou se firmar por um longo tempo antes que pudesse conseguir
forças para estender a mão e soltar o martelo dos escombros.
Fora a maior criação de Bruenor, o epítome de suas consideráveis habilidades
de ferreiro. Ele colocou todo o seu amor e habilidade em forjar o martelo; ele o
fizera para Wulfgar.
A atitude semiestoica de Cattibrie desmoronou como o teto ao ver a arma.
Soluços silenciosos fizeram seus ombros se sacudirem, e ela tremeu, parecendo
frágil na luz fraca e empoeirada.
Bruenor encontrou sua própria força ao assistir a exibição dela. Ele lembrou a
si mesmo de que era o oitavo rei do Salão de Mitral, que era o responsável por seus
súditos — e por sua filha. Ele enfiou o precioso martelo de guerra na alça de sua
mochila de viagem e enfiou um braço sob o ombro de Cattibrie, erguendo-a.
— Não podemos fazer nada pelo garoto — sussurrou Bruenor. Cattibrie se
afastou dele e voltou para a pilha, rosnando enquanto jogava várias pedras menores
de lado. Ela podia ver a futilidade de tudo, podia ver as toneladas de sujeira e
pedras, muitas delas grandes demais para serem movidas, enchendo a alcova. Mas
Cattibrie cavou de qualquer jeito, simplesmente incapaz de desistir do bárbaro.
Nenhum outra ação aparente oferecia qualquer esperança.
As mãos de Bruenor se fecharam gentilmente em torno de seus braços.
Com um grunhido, a jovem o afastou e retomou o trabalho.
— Não! — rugiu Bruenor, e a agarrou novamente, com força, levantando-a do
chão e puxando-a para trás da pilha. O anão colocou-a com força no chão, com os
ombros largos entre ela e a pilha, e qualquer que fosse o caminho que Cattibrie
tentasse fazer para contorná-lo, Bruenor se arrastava para bloqueá-la.
— Você não pode fazer nada! — gritou uma dúzia de vezes.
— Eu tenho que tentar! — ela finalmente implorou, quando ficou óbvio que
Bruenor não iria deixá-la voltar para a escavação.
Bruenor balançou a cabeça — apenas as lágrimas em seus olhos escuros, sua
óbvia angústia, impediram que Cattibrie lhe socasse o rosto. Ela se acalmou então,
parou de tentar passar pelo anão teimoso.
— Acabou — disse Bruenor. — O garoto... meu garoto, escolheu o seu
caminho. Ele se entregou por nós, por você e por mim. Não faça a desonra de
deixar que as dores estúpidas a mantenham aqui, em perigo.
O corpo de Cattibrie parecia cair ante a verdade inegável do raciocínio de
Bruenor. Ela não se moveu de volta para a pilha, para o túmulo de Wulfgar, quando
Bruenor recuperou seu escudo e machado. O anão voltou para ela e colocou um
braço em suas costas.
— Diga adeus — ofereceu, e esperou em silêncio por um momento antes de
levar Cattibrie para longe, primeiro para seu arco, depois para a câmara, na direção
da mesma entrada pela qual haviam chegado.
Cattibrie parou ao lado dele e olhou para ele e para o túnel com curiosidade,
como se questionasse o curso.
— Pwent e a gata terão que encontrar o caminho deles — Bruenor respondeu
a seu olhar vazio, entendendo mal sua confusão.
Cattibrie não estava preocupada com Guenhwyvar. Ela sabia que nada poderia
causar sérios danos à pantera, enquanto ela ainda possuísse a estatueta mágica, e
também não estava nem um pouco preocupada com o furioso desaparecido.
— E quanto a Drizzt? — ela perguntou simplesmente.
— Acho que o elfo está vivo — respondeu Bruenor com confiança. — Um
daqueles drow me perguntou sobre ele, perguntou onde ele estava. Ele está vivo, e
se afastou deles, e, pelo que eu acho, Drizzt tem uma chance melhor de se livrar
desses túneis do que nós dois. Pode ser que a gata esteja com ele agora mesmo.
— E pode ser que ele precise de nós — argumentou Cattibrie, libertando-se
do toque gentil de Bruenor. Ela passou o arco por cima do ombro e cruzou os
braços sobre o peito, com o rosto preso em uma expressão sombria e determinada.
— Nós estamos indo para casa, menina — ordenou Bruenor seriamente. —
Não sabemos onde Drizzt poderia estar. Estou apenas supondo, e esperando, que
ele esteja realmente vivo!
— Você está disposto a arriscar? — Cattibrie perguntou. — Você está disposto
a correr o risco de ele estar precisando de nós? Perdemos um amigo, talvez dois se
o assassino acabou com Regis. Não aceito desistir de Drizzt, nem por qualquer
risco. — ela estremeceu quando outra memória passou por sua mente, uma
lembrança de estar perdida em Tarterus, outro plano de existência, quando Drizzt
Do’Urden corajosamente enfrentou horrores indescritíveis para trazê-la para casa.
— Você se lembra de Tarterus? — disse a Bruenor, e o pensamento fez o
anão, que se sentia impotente, piscar e se afastar.
— Não vou desistir — disse Cattibrie novamente — nem por qualquer risco
— a jovem olhou para a entrada do túnel do outro lado, por onde os elfos negros
fugitivos aparentemente haviam escapado. — Nem por qualquer maldito elfo negro
e seus amigos surgidos do inferno!
Bruenor ficou quieto por um bom tempo, pensando em Wulfgar, digerindo as
palavras determinadas de sua filha. Drizzt poderia estar por perto, poderia estar
ferido, poderia ter sido pego novamente. Se Bruenor estivesse perdido lá embaixo,
e Drizzt ali em cima, o anão não tinha dúvida sobre qual curso Drizzt escolheria.
Ele olhou de novo para Cattibrie e para a pilha atrás dela. O anão acabara de
perder Wulfgar. Como poderia se arriscar a perder Cattibrie também?
Bruenor olhou mais de perto para Cattibrie e viu a determinação em seus
olhos.
— Essa é minha garota — o anão disse baixinho.
Eles pegaram a tocha restante e foram pela saída no lado oposto da câmara,
entraram mais fundo nos túneis em busca do amigo desaparecido.
Aquele que não tivesse sido criado na escuridão perpétua do Subterrâneo não
teria notado a mudança sutil na profundidade da escuridão, a brisa leve e fresca do
ar. Para Drizzt, as mudanças eram tão óbvias quanto um tapa no rosto, e ele
acelerou o passo, levantando Regis com força ao seu lado.
— O que foi? — perguntou o halfling assustado, olhando como se esperasse
que Artemis Entreri saltasse das sombras e o devorasse.
Eles seguiram por uma passagem lateral larga, mas baixa, inclinada para cima.
Drizzt hesitou, seu senso de direção gritando para ele que acabara de passar pelo
túnel correto. O drow ignorou esses apelos silenciosos e continuou, esperando que
a abertura para o mundo externo fosse acessível o bastante para que ele e Regis
pudessem respirar um pouco de ar fresco.
E era. Eles dobraram uma curva no túnel e sentiram o vento frio em seus
rostos, viram uma abertura mais clara à frente e viram além de suas imponentes
montanhas... e estrelas!
O profundo suspiro de alívio do halfling ecoou perfeitamente os sentimentos
de Drizzt enquanto segurava Regis. Quando saíram do túnel, ambos foram quase
engolidos pelo esplendor do cenário montanhoso que se estendia diante deles, pela
beleza do mundo da superfície sob as estrelas, tão afastado das noites sem estrelas
do Subterrâneo. O vento, passando por eles, parecia uma entidade vital e viva.
Ambos estavam em uma borda estreita, a dois terços do caminho até o fundo
de um penhasco íngreme de trezentos metros. Um caminho estreito serpenteava
para a direita, depois para baixo, à esquerda, mas apenas ligeiramente inclinado, o
que oferecia pouca esperança de que fosse longo o suficiente para levá-los para
cima ou para baixo do penhasco.
Drizzt analisou a parede alta. Ele sabia que poderia facilmente lidar com as
poucas dezenas de metros até o fundo, provavelmente poderia chegar ao topo sem
muita dificuldade, mas não achava que seria capaz de levar Regis com ele e não
gostava da perspectiva de estar em um local desconhecido, sem saber quanto
tempo levaria para voltar ao Salão de Mitral.
Seus amigos, não tão distantes, estavam em apuros.
— O Vale do Guardião está lá em cima — observou Regis esperançoso,
apontando para o noroeste —, provavelmente a não mais do que alguns
quilômetros.
Drizzt assentiu, mas respondeu:
— Temos que voltar.
Embora Regis não parecesse satisfeito com essa perspectiva, não argumentou,
entendendo que não conseguiria sair dessa borda em sua condição atual.
— Muito bem — veio a voz de Entreri ao redor da curva. A silhueta escura do
assassino apareceu à vista, as joias de sua adaga embainhada cintilando como seus
olhos que enxergavam o calor. — Eu sabia que você chegaria a este lugar —
explicou a Drizzt. — Sabia que você sentiria o ar limpo e viria na direção dele.
— Você parabeniza a mim ou a si mesmo? — o ranger perguntou.
— A ambos — Entreri respondeu com uma risada sincera. O branco de seus
dentes desapareceu, substituído por uma carranca fria, enquanto continuava a se
aproximar. — O túnel que você passou a cinquenta metros lá atrás o levará ao nível
mais alto, onde você provavelmente encontrará seus amigos... Seus amigos mortos,
sem dúvida.
Drizzt não mordeu a isca, não deixou que sua raiva o enviasse em uma
investida.
— Mas você não pode chegar lá, pode? — Entreri provocou. — Você sozinho
poderia ficar à minha frente, poderia evitar a luta que eu exijo. Mas ai de seu
companheiro ferido. Pense nisso, Drizzt Do’Urden. Deixe o halfling e você pode
correr livre!
Drizzt não justificou o pensamento absurdo com uma resposta.
— Eu o deixaria — comentou Entreri, lançando seu olhar gelado sobre Regis
enquanto falava. O halfling choramingou de forma curiosa e caiu sob o forte braço
de Drizzt.
Drizzt tentou não imaginar os horrores que Regis sofrera nas mãos
desprezíveis de Entreri.
— Você não vai deixá-lo — continuou Entreri. — Há muito tempo
estabelecemos essa diferença entre nós, a diferença que você chama de força, mas
que eu sei ser fraqueza.
Ele estava a apenas uma dúzia de passos de distância; sua espada esguia
sibilou livre de sua bainha, iluminando-o em seu brilho azul-esverdeado.
— Então, rumo aos nossos negócios — continuou — E assim, rumo a nosso
destino. Você gostou do campo de batalha que eu preparei? A única maneira de sair
desta borda é o túnel atrás de você, e assim eu, como você, não posso fugir, devo
jogar nosso jogo até o final. — ele olhou para o penhasco enquanto falava. — Uma
queda mortal para o perdedor — explicou, sorrindo. — Uma luta sem descanso.
Drizzt não podia negar as sensações que se apoderaram dele, o calor em seu
peito e atrás de seus olhos. Não podia negar que, em algum canto reprimido de seu
coração e alma, queria esse desafio, queria provar que Entreri estava errado, queria
provar que a existência do assassino era inútil. Ainda assim, a luta nunca teria
acontecido se Drizzt Do’Urden tivesse tido uma escolha razoável. Os desejos de
seu ego, ele entendia e aceitava plenamente, não eram uma razão válida para o
combate mortal. Agora, com Regis indefeso atrás dele e seus amigos em algum
lugar acima, enfrentando inimigos elfos negros, o desafio tinha que ser enfrentado.
Ele sentiu o metal duro de sua cimitarra se agitar em suas mãos, deixando
seus olhos voltarem para o espectro normal de luz, enquanto Fulgor queimava seu
azul furioso.
Entreri parou, espada de um lado, punhal do outro e fez sinal para Drizzt se
aproximar.
Pela terceira vez em menos de um dia, Fulgor bateu com força contra a lâmina
delgada do assassino; a terceira vez, e pelo que Drizzt e Entreri sabiam, pela última
vez.
Ambos começaram tranquilamente, cada um medindo seus passos na arena
nada ortodoxa. A saliência tinha talvez três metros de largura neste ponto, mas se
estreitava consideravelmente logo atrás de Drizzt e logo atrás de Entreri.
Um golpe feito na direção das costas da mão com a espada conduziu a rotina
de Entreri, seguido por uma estocada da adaga.
Dois bloqueios sólidos soaram, e Drizzt disparou uma cimitarra para a
abertura entre as lâminas de Entreri, uma abertura que foi fechada por uma espada
em retirada em um piscar de olhos, com o ataque de Drizzt sendo inofensivamente
apartado.
Eles circularam, Drizzt dentro e perto da parede, o assassino se movendo com
tranquilidade perto da queda. Entreri cortou baixo, inesperadamente liderando com
o punhal desta vez.
Drizzt saltou para se afastar do corte encurtado, e veio com uma combinação
de dois golpes na direção da cabeça do assassino, que se abaixou. A espada de
Entreri disparou para a esquerda e para a direita, horizontalmente acima de sua
cabeça para bloquear os golpes que se seguiram ele deslocou ligeiramente o ângulo
para avançar, para manter o drow afastado enquanto o assassino voltava ao mesmo
nível.
— Não será uma morte rápida — prometeu Entreri com um sorriso maligno.
Como se para refutar sua própria afirmação, saltou à frente furiosamente, com a
espada liderando o caminho.
As mãos de Drizzt dispararam em um borrão, suas cimitarras batendo
repetidamente na arma habilmente inclinada. O elfo negro se movia para o lado,
impedindo que suas costas se achatassem contra a parede.
Drizzt concordou plenamente com a estimativa do assassino — essa não seria
uma morte rápida, independentemente de quem vencesse. Eles lutariam por muitos
minutos, uma hora, talvez. E com que fim? Drizzt se perguntou. Que ganho
poderia esperar? Vierna e seus companheiros apareceriam e levariam o desafio a
uma conclusão prematura?
Quão vulneráveis Drizzt e Regis estariam então, sem ter para onde correr e
com uma queda de várias dezenas de metros a poucos centímetros de distância!
Novamente o assassino pressionou o ataque, e novamente Drizzt colocou suas
cimitarras através das defesas adequadas, perfeitamente equilibradas. Entreri não
chegou nem perto de atingi-lo.
Entreri girou então, imitando os movimentos de Drizzt em seus dois encontros
anteriores, usando suas duas lâminas como a ponta de um parafuso para forçar
Drizzt a voltar a uma posição mais estreita na borda.
Drizzt ficou surpreso pelo assassino ter aprendido a ousada e difícil manobra
de forma tão perfeita depois de apenas duas observações, mas era um movimento
que Drizzt criara, e sabia como combater.
Ele também entrou em uma rotação giratória, com cimitarras fluindo para
cima e para baixo. Lâminas se conectavam repetidamente a cada turno, algumas
vezes acendendo faíscas na noite escura, com o metal gritando, verde e azul se
misturando em um borrão indistinto. Drizzt passou direto por Entreri — o
assassino invertera o giro de repente, mas Drizzt viu a mudança e parou, ambas as
lâminas bloqueando o corte invertido de espada e adaga.
Drizzt recomeçou mais uma vez, contra-atacando Entreri, e desta vez, quando
Entreri voltou a girar a rotação para o outro lado, o drow antecipou-o tão
completamente que chegou a inverter a direção primeiro.
Para Regis, olhando impotente, sem ousar intervir, e para qualquer uma das
criaturas noturnas da região que poderiam estar observando, não havia palavras
para descrever a dança incrível, o entrelaçamento de cores quando Fulgor e a
lâmina brilhante do assassino passavam, o brilho violeta dos olhos de Drizzt, o
calor vermelho dos de Entreri. O raspar de lâminas tornou-se uma sinfonia, uma
miríade de notas tocando a dança, evocando uma estranha sensação de harmonia
entre esses amargos inimigos.
Eles pararam em uníssono, a poucos metros de distância, ambos entendendo
que não haveria fim para aquela dança giratória, não com alguma vantagem para
qualquer um dos jogadores. Eles pararam como suportes de livros com peso
idêntico.
Entreri riu em voz alta ao perceber, riu para que pudesse saborear o momento,
essa peça de muitos atos que talvez visse o amanhecer e talvez nunca fosse
resolvida.
Drizzt não encontrou humor, e seu entusiasmo particular no começo do
desafio sumira, deixando-o com o peso da responsabilidade — por Regis e por seus
amigos de volta aos túneis.
O assassino veio com tudo, baixo, com sua espada disparando, subindo a cada
ataque enquanto Entreri gradualmente endireitava sua postura, tomando uma
medida completa das defesas de Drizzt de uma variedade de ângulos espertos.
Entreri colocou-o num ritmo de aparar, depois quebrou a melodia com um
corte cruel de sua adaga. O assassino uivou de alegria, pensando por um momento
que sua lâmina havia passado pelas defesas e atingido o drow.
O punho de Fulgor tinha interceptado o golpe de forma limpa, a apenas um
centímetro da lateral de Drizzt. O assassino fez uma careta e teimosamente tentou
avançar quando entendeu o que havia acontecido.
A expressão de Drizzt ainda estava mais fria; a adaga não se moveu. Uma
torção do pulso do drow fez as duas lâminas se afastarem.
Entreri foi sábio o suficiente para empurrar e quebrar o aperto, para voltar e
esperar que a próxima oportunidade se apresentasse.
— Quase te peguei — provocou, escondendo bem o cenho franzido quando
Drizzt não respondeu, nem com palavras, nem com os movimentos do corpo, nem
com o conjunto inflexível de suas feições de pele de ébano.
Uma cimitarra sou ruidosamente através da brisa enquanto Entreri erguia sua
espada para bloqueá-la.
O som súbito atacou Drizzt, lembrando-o de que Vierna poderia não estar
longe. Ele imaginou seus amigos em apuros, capturados ou mortos, e sentiu uma
pontada especial de remorso por Wulfgar que não podia explicar. Travou os olhares
com Entreri, lembrou-se de que aquele homem fora o causador de tudo, que esse
inimigo o enganara nos túneis, o separara de seus amigos.
E agora Drizzt não podia protegê-los.
Uma cimitarra se moveu; outra veio cortando pelo outro lado. Drizzt repetiu a
rotina depois uma terceira vez, cada movimento, cada som de metal contra metal,
trazendo seus pensamentos mais de acordo com tal tarefa, elevando seus
preparativos emocionais, aumentando seus sentidos de guerreiro.
Cada ataque era perfeitamente direcionado, e cada bloqueio interceptava
perfeitamente as lâminas atacantes, mas nem Drizzt nem Entreri, trancados em
seus olhos fixos em combate mental, observavam suas mãos através dos
movimentos físicos. Nenhum deles piscou, nem quando a brisa do corte alto de
Drizzt moveu o cabelo no topo da cabeça do assassino, nem quando a espada de
Entreri se aproximou dos olhos de Drizzt.
Drizzt sentiu seu ímpeto aumentando, sentiu o dar e receber da batalha se
tornando mais rápido, ataque e defesa. Entreri, tão consumido quanto o ranger, o
acompanhava.
Os movimentos de seus corpos começaram a se juntar ao borrão de mãos e
armas. Entreri mergulhou um ombro, com a espada esticada para a frente; Drizzt
girou um círculo completo, aparando atrás das costas, enquanto saía de alcance.
Imagens de Bruenor e Cattibrie capturados por Vierna atormentavam o ranger;
imaginava Wulfgar, ferido ou morrendo, com uma espada drow em sua garganta.
Imaginou o bárbaro no topo de uma pira funerária, uma imagem que, por algum
motivo que Drizzt não conseguia entender, não seria facilmente descartada. Drizzt
aceitou as imagens, deu ao ataque mental toda a sua atenção, deixou que os
temores por seus amigos alimentassem sua paixão. Essa tinha sido a diferença
entre ele e o assassino, dizia a si mesmo, àquela parte de si mesmo que defendia
que mantivesse sua mente clara e seus movimentos precisos e bem considerados.
Era assim que Entreri jogava o jogo, sempre no controle, nunca sentindo nada
além do inimigo diante dele.
Um ligeiro grunhido escapou dos lábios de Drizzt; seus olhos lavanda ferviam
à luz das estrelas. Em sua mente, Cattibrie gritava de dor.
Ele avançou em Entreri em uma corrida selvagem.
O assassino riu, espada e punhal atacando furiosamente para manter as duas
cimitarras à distância.
— Ceda à raiva — ele repreendeu. — Abandone sua disciplina!
Entreri não entendia; esse era precisamente o objetivo. Fulgor atacou, para ser
previsivelmente bloqueada pela espada de Entreri. Não seria assim tão fácil para o
assassino dessa vez. Drizzt se retraiu e atacou de novo, e de novo, repetidamente,
batendo a lâmina contra a arma já pronta do assassino. Sua outra lâmina entrou
furiosamente do outro lado; a adaga de Entreri a afastou.
A enxurrada de Drizzt, a pura loucura, aparentemente, manteve o assassino
com o pé atrás. Uma dúzia de golpes, duas dúzias, soaram como um longo grito de
aço estridente.
A expressão de Entreri traiu o riso. Ele não esperava essa louca rotina
ofensiva, não esperava que Drizzt fosse tão ousado. Se pudesse soltar uma de suas
lâminas por apenas um instante, o drow ficaria vulnerável.
Mas Entreri não conseguia soltar nem a espada nem a adaga. O fogo
impulsionava Drizzt, mantinha seu ritmo incrivelmente rápido e sua concentração
perfeita. Para os Nove Infernos com sua própria vida, decidiu, pois seus amigos
precisavam que ele prevalecesse.
Repetidamente a rotina ofensiva continuou; Regis cobriu os ouvidos ante o
tinir horrendo e o grito das lâminas, mas o halfling não pôde, apesar de todo o seu
terror, desviar o olhar dos mestres da luta. Quantas vezes Regis esperava que um
ou ambos fosse arremessado sobre o penhasco! Quantas vezes acreditou que uma
espada ou cimitarra havia atingido o alvo! Mas de alguma forma eles continuavam
lutando, cada ataque errando, cada defesa em linha no último instante possível.
Fulgor atingiu a espada; o ataque seguinte de Drizzt do outro lado não foi
defendido, mas acertou apenas o ar quando Entreri mexeu o pé e recuou um passo.
O braço da adaga do assassino disparou para frente. Entreri lançou um grito
primitivo de vitória, crendo que Drizzt havia escorregado.
Fulgor veio de um ponto mais alto do que Entreri esperava, mais rápido do
que o assassino acreditava ser possível, cortando seu antebraço um instante antes
de colocar a adaga na barriga exposta de Drizzt. De volta voou a cimitarra,
afastando a espada para longe. Entreri saltou à frente para se aproximar,
percebendo sua vulnerabilidade.
Seu avanço súbito salvou sua vida, mas enquanto Drizzt não podia inclinar a
ponta da lâmina livre para um golpe mortal, ele podia — e assim o fez — socar
com o cabo, acertando com força o rosto de Entreri, enviando o homem
cambaleando para trás.
Para frente foi o elfo negro, as lâminas brilhando implacavelmente,
empurrando Entreri a centímetros do penhasco. O assassino tentou ir para a direita,
mas uma cimitarra derrubou a espada de bloqueio enquanto a manobra do outro
mantinha Drizzt diretamente à sua frente. O assassino partiu para a esquerda, mas
com o braço da adaga ferido e demorando a reagir, sabia que não poderia ir além
do alcance do drow a tempo. Entreri se manteve firme, aparando os golpes
furiosamente, tentando encontrar uma rotina contundente que expulsasse esse
inimigo possuído.
A respiração de Drizzt chegou em breves sopros enquanto encontrava um
padrão em seu ritmo frenético. Seus olhos brilhavam, implacáveis, enquanto se
lembrava de vez em quando que seus amigos estavam morrendo — e que ele não
poderia protegê-los!
Ele caiu profundamente demais na raiva, mal registrando o movimento
quando a adaga voou na direção dele. No último instante, se abaixou de lado, a
pele acima de sua bochecha sofreu um corte de sete centímetros de comprimento.
Mais importante, o ritmo avançado de Drizzt foi quebrado. Seus braços doíam pelo
esforço; seu ímpeto se desfez.
Em seguida veio o assassino rosnando, a espada cutucando, mesmo fazendo
um leve golpe, enquanto levava Drizzt para trás e ao redor. No momento em que o
ranger recuperou um pouco o equilíbrio, os dedos dos pés, não os de Entreri,
estavam de frente para a parede da montanha, os calcanhares sentindo o vazio
fluído dos ventos da montanha.
— Eu sou o melhor! — Entreri proclamou, e seu ataque subsequente quase
provou sua afirmação. Espada cortando e disparando, ele dirigiu o calcanhar de
Drizzt sobre a borda.
Drizzt caiu sobre um joelho para manter seu peso para frente. Ele sentiu o
vento agudamente, ouviu Regis gritar seu nome.
Entreri poderia ter pulado para trás e recuperado sua adaga, mas sentiu a
morte, pressentiu que nunca mais teria uma oportunidade melhor de terminar o
jogo. Sua espada bateu com fúria; Drizzt parecia se dobrar sob o peso, parecia
escorregar ainda mais na borda do penhasco.
Drizzt chegou ao seu eu interior, à magia inata de sua herança... e produziu a
escuridão.
Drizzt mergulhou para o lado em um rolamento, subiu vários metros ao longo
da borda, além do globo escuro que havia criado perto de Regis.
Incrivelmente, Entreri ainda estava na frente dele, pressionando-o
perversamente.
— Eu conheço seus truques, drow — declarou o habilidoso assassino.
Uma parte de Drizzt Do’Urden queria ceder, simplesmente recostar-se e
deixar que as montanhas o levassem, mas foi um momento fugaz de fraqueza, do
qual Drizzt recuou, um que alimentou seu espírito indomável e emprestou força à
seus braços cansados.
Mas também, o faminto Entreri estava abastecido.
Drizzt escorregou de repente e teve que agarrar a saliência, soltando sua
lâmina. Fulgor caiu sobre o penhasco, saltando ao longo das pedras.
A espada de Entreri bateu, bloqueada apenas pela cimitarra que restava. O
assassino uivou e pulou para trás, voltando imediatamente com um impulso.
Drizzt não conseguiria impedir, Entreri soube, com os olhos arregalados
quando o momento da vitória finalmente se apresentou. O ângulo do drow torcido
estava todo errado; Drizzt não poderia pegar sua lâmina restante e se alinhar a
tempo.
Ele não conseguiria parar.
Drizzt não tentou pará-lo. Ele havia calmamente recolhido uma perna sob si
para um rolamento, e foi para o lado e à frente quando a espada mergulhou,
errando por pouco. Drizzt girou seu corpo, um pé chutando a frente do tornozelo de
Entreri, o outro enganchando e batendo no assassino atrás do joelho.
Só então Entreri percebeu que o deslizamento do drow e a cimitarra perdida
haviam sido um ardil. Só então Artemis Entreri percebeu que sua própria fome pela
matança o derrotara.
Sendo lançado para a frente pelo impulso ansioso, disparou em direção à
borda. Todos os seus músculos do corpo estalaram; conduziu sua espada esguia
pelo pé de Drizzt e, de alguma forma, conseguiu agarrar a bota empalada do drow
com a mão livre.
O ímpeto era grande demais para Drizzt, ainda de lado na laje lisa, ser capaz
de segurar os dois. O drow foi puxado para a frente enquanto subia, logo acima de
Entreri, derrapando na pedra, a agonia em seu pé desaparecendo à medida que mais
dores, contusões e cortes se tornavam evidentes.
Drizzt segurou com força sua segunda cimitarra, enfiou o cabo em uma fenda
e encontrou um apoio com a outra mão.
Ele estremeceu até parar, e Entreri se esticou abaixo dele, sobre uma seção
invertida que oferecia ao assassino nenhuma chance de se segurar. Drizzt pensou
que todas as suas entranhas seriam arrancadas pelo pé empalado. Ele olhou para
baixo e viu uma das mãos de Entreri balançando loucamente; a outra se agarrava
desesperadamente ao punho da espada, uma tábua de salvação macabra e instável.
Drizzt gemeu e fez uma careta, quase desmaiando de dor, quando a lâmina
escorregou vários centímetros.
— Não! — ele ouviu Entreri negar, e o assassino ficou muito quieto,
aparentemente entendendo a precariedade de sua posição.
Drizzt olhou para ele, suspenso no ar, ainda a mais de duzentos metros do
chão.
— Este não é o jeito de se reivindicar a vitória! — Entreri chamou-o em uma
explosão desesperada. — Isso derrota o propósito do desafio e desonra você.
Drizzt lembrou-se de Cattibrie, percebeu mais uma vez a estranha sensação de
que Wulfgar estava perdido para ele.
— Você não ganhou! — Entreri gritou.
Drizzt deixou o fogo em seus olhos cor lavanda falar por ele. Ele apertou as
mãos, firmou sua mandíbula e girou o pé, sentindo cada centímetro deliciosamente
agonizante enquanto a longa espada deslizava.
Entreri mexeu-se e chutou, quase agarrou Drizzt com a mão livre, enquanto a
lâmina se soltava.
O assassino caiu na escuridão da noite, seu grito engolido pelo lamento do
vento da montanha.
CAPÍTULO 21
Drizzt não podia saber o quão precisa sua resposta enigmática havia sido.
Drogado e rapidamente desaparecendo da consciência, Artemis Entreri serpenteava
ao longo das correntes ascendentes do amplo vale. Sua mente não conseguia se
concentrar, não podia emitir comandos mentais para o manto animado e, sem a sua
orientação, as asas mágicas continuavam batendo.
Ele sentiu a corrente de ar aumentar com sua velocidade. Ele avançou, mal
ciente de que estava voando.
Entreri balançou a cabeça violentamente, tentando se livrar do aperto irritante
do veneno do sono. Ele sabia, em algum lugar no fundo de sua mente, que
precisava acordar de vez, tinha que recuperar o controle e diminuir a velocidade.
Mas o ar apressado era bom quando passava por suas bochechas; o som do
vento em seus ouvidos deu-lhe uma sensação de liberdade, de libertar-se dos laços
mortais.
Seus olhos se abriram e viram apenas um vazio negro, sem estrelas. Ele não
podia perceber que era o fim do vale, uma parede da montanha.
A carícia do ar o jogou nos sonhos. Ele bateu na parede de frente. Explosões
de dor irromperam em sua cabeça e corpo; o ar jorrou de seus pulmões em uma
grande explosão.
Entreri não estava ciente de que o impacto rasgara seu manto mágico,
quebrara seu encantamento alado, não estava ciente de que o vento em seus
ouvidos era agora o som da queda, ou que ele estava a sessenta metros do chão.
CAPÍTULO 22
Pura determinação, pura negação da derrota, era a única força deles enquanto
Cattibrie e Bruenor, cansados e feridos, apoiando-se um no outro, abriam caminho
através dos túneis sinuosos, mais profundamente nos corredores naturais. Bruenor
segurou a tocha em sua mão livre. Cattibrie manteve o arco em prontidão. Nenhum
deles acreditava que teriam uma chance se encontrassem novamente os elfos
negros, mas em seus corações, nenhum deles acreditava que poderiam
possivelmente perder.
— Onde está essa maldita gata? — Bruenor perguntou. — E o furioso?
Cattibrie balançou a cabeça, sem respostas definitivas. Quem sabia onde
Pwent poderia ter ido? Ele tinha corrido para fora da câmara com sua típica raiva
cega e poderia ter corrido todo o caminho de volta para o Desfiladeiro de Garum
àquela altura. Guenhwyvar era uma história diferente, no entanto. Cattibrie deixou
cair a mão na bolsa, dedos sensíveis traçando o intrincado trabalho da estatueta.
Sentiu que a pantera já não estava mais por perto e confiou no sentimento, pois, se
Guenhwyvar não tivesse deixado o plano material, a pantera teria entrado em
contato com eles a essa altura.
Cattibrie parou e Bruenor, depois de alguns passos, virou-se curiosamente e
fez o mesmo. A jovem, ajoelhada, segurava a estatueta com as duas mãos,
estudando-a atentamente, com o arco no chão ao lado dela.
— Ela se foi? — Bruenor perguntou.
Cattibrie deu de ombros e colocou a estátua no chão, depois chamou
suavemente a Guenhwyvar. Por um longo momento, nada aconteceu, mas, assim
que Cattibrie estava prestes a recuperar o item, a familiar névoa cinzenta começou
a se reunir e tomar forma.
Guenhwyvar parecia abatida. Os músculos da pantera caíam, flácidos pela
exaustão, e a pele com pelo negro de um ombro pendia para fora, rasgada,
revelando nervos e tendões por baixo.
— Oh, volte! — Cattirie gritou, horrorizada com a visão. Ela pegou a
estatueta e se moveu para dispensar a pantera.
Guenhwyvar se movia mais rápido do que Cattibrie ou o anão teria acreditado
que seria possível, dado o estado desolador da gata. Uma pata golpeou Cattibrie,
jogando a estatueta no chão. A pantera achatou suas orelhas e soltou um grunhido
furioso.
— Deixe a gata ficar — disse Bruenor.
Cattibrie lançou ao anão um olhar incrédulo.
— Não está pior do que o resto de nós — explicou Bruenor. Ele se aproximou
e deixou cair uma mão gentil na cabeça da pantera, aliviando a tensão. As orelhas
de Guenhwyvar voltaram para cima e ela parou de rosnar. — E também não menos
determinada.
Bruenor olhou de novo para Cattibrie e depois para o corredor.
— Nós três, então — o anão disse. — Feridos e prontos para cair, mas não
antes de levar aqueles drow fedidos junto!
Ele chegou com sua espada perto do anão com muito mais frequência do que
o machado volumoso do anão chegou perto de atingi-lo, mas o solitário drow
enfrentando Bruenor sabia que não poderia vencer, não conseguiria parar este
inimigo enfurecido. Ele invocou sua magia inata e enfileirou Bruenor com chamas
azuis, incandescentes e inofensivas — fogo das fadas, eram chamadas —
distintamente delineando a forma do anão e presenteando o drow com um alvo
mais fácil.
Bruenor nem sequer recuou.
O drow veio com um impulso direto e cruel que obrigou o anão a recuar,
então virou-se e se sacudiu, pensando em colocar alguns metros entre ele e seu
inimigo, depois girou e largou um globo de escuridão sobre o anão.
Bruenor não tentou acompanhar os passos largos do drow. Ele pegou o
machado, segurou-o com as duas mãos e puxou-o de volta sobre sua cabeça.
— Meu garoto! — o anão gritou com toda a sua raiva, e com todas as suas
forças, arremessou o machado. Foi um movimento ousado, um movimento
oferecido pelo desespero de um pai que perdeu seu filho. O machado de Bruenor
não voltaria para ele como Presa de Égide retornava para Wulfgar. Se o machado
não atingisse o alvo...
Ele atingiu o drow quando estava virando a curva de volta para o túnel lateral,
mergulhando em seu quadril e nas costas e arremessando-o pelo caminho para
colidir com o canto oposto. Ele tentou se recuperar, contorcendo-se no chão por
alguns instantes, procurando por sua espada perdida e ar para respirar.
Quando a mão dele se aproximou do cabo de sua arma caída, uma bota de
anão bateu no chão, esmagando seus dedos.
Bruenor considerou o ângulo do machado colado e o jorro de sangue
derramando-se sobre a lâmina da arma:
— Você está morto — disse friamente para o elfo negro, e arrancou a arma,
produzindo um estalo doentio.
O drow ouviu as palavras distantes, mas sua mente havia se desligado naquele
momento, seus pensamentos se afastando com tanta certeza quanto o sangue de sua
vida.
◆
Vierna não cedeu quando seu companheiro caiu morto, não mostrou sinais de
que se importava com a súbita virada da batalha. O estômago de Drizzt revirou-se
ante a visão de sua irmã, suas feições trancadas no ódio que a Rainha Aranha tantas
vezes fomentava, uma fúria além da razão, além da consciência e do bom senso.
Porém, Drizzt não deixou que sua ambivalência afetasse sua habilidade, não
depois que Vierna proclamou seus amigos mortos. Ele acertou as cabeças das
cobras com frequência, mas não com força suficiente para danificar seriamente
qualquer uma.
Uma cravou as presas em seu braço. Drizzt sentiu o formigamento
entorpecente e sacudiu a outra lâmina para cortar a coisa.
O movimento deixou seu flanco oposto aberto, e uma segunda cabeça o
acertou no ombro. Uma terceira veio para o lado de seu rosto.
Seu golpe de costas de mão arrancou a cabeça da víbora mais próxima e
afastou a outra cobra atacante.
O chicote de Vierna tinha apenas três cabeças restantes, mas os golpes
abalaram Drizzt. Ele balançou para trás alguns passos, encontrou algum apoio na
parede sólida ao longo do lado da entrada. O ranger olhou para o ombro,
horrorizado ao ver a cabeça decepada da serpente ainda agarrada nele, suas presas
profundamente enterradas em sua carne.
Só então Drizzt notou os familiares lampejos prateados de Taulmaril, o arco
de Cattibrie. Guenhwyvar estava viva e por perto; Cattibrie estava no corredor,
lutando; e, de algum lugar no outro corredor, ao lado direito da pequena câmara,
Drizzt ouviu o inconfundível rugido da litania de fúria de Bruenor Martelo de
Batalha.
— Meu garoto!
— Você disse que eles estavam mortos — Drizzt disse para Vierna. Ele se
firmou contra a parede.
— Eles não importam! — Vierna gritou de volta, obviamente tão
impressionada quanto Drizzt pela revelação. — Você é tudo que importa, você e as
glórias que sua morte me trará! — ela lançou-se para a frente na direção de seu
irmão ferido, três cabeças de cobra liderando o caminho.
Drizzt encontrara sua força novamente, na presença de seus amigos, sabendo
que eles também estavam envolvidos nessa luta e precisariam que ele vencesse.
Em vez de atacar ou deslizar, Drizzt deixou as cabeças de cobra virem para
ele. Ele foi mordido novamente, duas vezes, mas Fulgor dividiu a cabeça de uma
víbora no meio, deixando seu pescoço rasgado se contorcendo inutilmente.
Drizzt chutou a parede, fazendo Vierna recuar surpresa. Ele atacava com as
lâminas com rapidez e força, mirando sempre nas cobras do chicote de Vierna,
embora, mais de uma vez, sentisse que poderia ter passado pelas defesas de sua
irmã e atingido um golpe em seu corpo.
Outra cabeça de cobra caiu no chão.
Vierna tornou a atacar com o chicote dizimado, mas uma cimitarra cortou
profundamente seu antebraço antes que pudesse atacar com a cabeça de serpente
restante. A arma voou para o chão. A serpente se contorcendo se tornou uma
correia sem vida assim que o chicote deixou a mão de Vierna.
Vierna sibilou — ela parecia um animal — para Drizzt, suas mãos vazias
agarrando o ar repetidamente.
Drizzt não avançou imediatamente, não precisou, pois a ponta mortal de
Fulgor estava a poucos centímetros do peito vulnerável de sua irmã.
A mão de Vierna se contraiu em direção ao cinto, onde aguardavam maças
gêmeas, esculpidas em intrincadas runas de teias de aranha. Drizzt podia adivinhar
o poder daquelas armas, e lembrava muito bem de seus dias em Mezoberranzan da
habilidade de Vierna em usá-las.
— Não — ele ordenou, indicando as armas.
— Nós dois fomos treinados por Zaknafein — lembrou-lhe Vierna, e a
menção de seu pai feriu Drizzt. — Você tem medo de descobrir quem melhor
aprendeu as muitas lições?
— Nós dois éramos filhos de Zaknafein — retrucou Drizzt, tirando a mão de
Vierna do cinto com a lâmina furiosa de Fulgor. — Não continue isso e desonre-o.
Há uma maneira melhor, minha irmã, uma luz que você ainda pode conhecer.
A gargalhada de Vierna zombou dele. Ele realmente acreditava que poderia
reformá-la, uma sacerdotisa de Lolth?
— Não! — Drizzt comandou com mais força quando a mão de Vierna se
aproximou novamente da maça mais próxima.
Ela alcançou a maça. Fulgor cintilou através de seu peito, através de seu
coração, sua ponta sangrenta saindo pelas costas.
Drizzt estava bem a sua frente, segurando os braços dela com força, apoiando-
a quando suas pernas falharam.
Eles se encararam, sem piscar, enquanto Vierna caía lentamente no chão. Sua
raiva, sua obsessão, fora substituída por um olhar de serenidade, uma expressão
rara no rosto de um drow.
— Sinto muito — foi tudo o que Drizzt conseguiu murmurar.
Vierna sacudiu a cabeça, recusando qualquer pedido de desculpas. Para
Drizzt, parecia que a parte enterrada da elfa, a parte que era filha de Zaknafein
Do’Urden, aprovava esse final.
Os olhos de Vierna então se fecharam para sempre.
CAPÍTULO 24
Revelações
— MUITO BEM. — as palavras vieram até Drizzt inesperadamente, fez com
que percebesse que, ainda que Vierna estivesse morta, a batalha ainda não havia
sido vencida. Ele pulou para o lado, cimitarras surgindo defensivamente diante
dele.
Ele abaixou as armas quando analisou Jarlaxle, o mercenário sentado
encostado na parede mais distante da câmara, uma perna saindo para o lado em um
ângulo estranho.
— A pantera — explicou o mercenário, falando a língua comum tão fluida
como se tivesse passado a vida na superfície. — Achei que seria morto. A pantera
me derrubou. — Jarlaxle deu de ombros. — Talvez meu relâmpago tenha ferido a
fera. — A menção do relâmpago lembrou Drizzt da varinha, e que esse drow ainda
era muito perigoso.
Ele desceu agachado, circulando defensivamente.
Jarlaxle estremeceu de dor e segurou a mão vazia na frente dele para acalmar
o ranger alerta.
— A varinha está guardada — ele assegurou a Drizzt. — Eu não teria desejo
de usá-la se tivesse você indefeso... Como você acredita que eu estou.
— Você queria me matar — Drizzt respondeu friamente.
Novamente o mercenário deu de ombros e um sorriso se alargou em seu rosto.
— Vierna teria me matado se vencesse e eu não a tivesse ajudado — ele
explicou calmamente. — E, por mais habilidoso que você seja, achei que ela
venceria.
Parecia bastante lógico, e Drizzt sabia muito bem que o pragmatismo era um
traço comum entre os elfos negros.
— Lolth ainda te recompensaria pela minha morte — argumentou Drizzt.
— Eu não sou escravo da Rainha Aranha — Jarlaxle respondeu. — Sou um
oportunista.
— Você fez uma ameaça?
O mercenário riu alto, então estremeceu novamente com a pulsação em sua
perna quebrada.
Bruenor correu para a câmara pela passagem lateral. Ele olhou para Drizzt,
depois se concentrou em Jarlaxle, sua raiva ainda não esgotada.
— Pare! — Drizzt comandou-o quando o anão partiu para o mercenário
aparentemente indefeso.
Bruenor parou e lançou um olhar frio para Drizzt, um olhar mais agourento
pelo rosto rasgado do anão, com o olho direito mal cortado e uma linha de sangue
correndo do alto da testa até a parte de baixo da bochecha esquerda.
— Não estamos precisando de prisioneiros — resmungou Bruenor.
Drizzt considerou o veneno na voz de Bruenor e considerou o fato de não ter
visto Wulfgar em nenhum lugar dessa luta.
— Onde estão os outros?
— Estou bem aqui — respondeu Cattibrie, entrando na câmara do túnel
principal, atrás de Drizzt.
Drizzt virou-se para vê-la, seu rosto sujo e expressão incrivelmente sombria
revelando muito.
— Wulf-- — ele começou a perguntar, mas Cattibrie balançou a cabeça
solenemente, como se não pudesse suportar ouvir o nome pronunciado em voz alta.
Ela caminhou perto de Drizzt e ele estremeceu, vendo o pequeno virote ainda preso
à lateral de sua mandíbula.
Drizzt gentilmente acariciou o rosto de Cattibrie, depois pegou o dardo
obsceno e o soltou. Ele levou a mão imediatamente ao ombro da jovem, prestando-
lhe apoio enquanto ondas de náusea e dor tomavam conta dela.
— Eu rezo para não ter ferido a pantera — Jarlaxle interrompeu — uma fera
magnífica, de fato!
Drizzt se virou, seus olhos lavanda faiscando.
— Ele está provocando você — comentou Bruenor, seus dedos movendo-se
avidamente sobre o cabo de seu machado ensanguentado — implorando por
misericórdia sem implorar de verdade.
Drizzt não tinha tanta certeza. Ele conhecia os horrores de Menzoberranzan,
sabia o quão longe um drow iria para sobreviver. Seu próprio pai, Zaknafein, o
drow que Drizzt mais amara, tinha sido um assassino, servira como o assassino de
Matriarca Malícia por um simples desejo de sobreviver. Será que esse mercenário
era de um pragmatismo semelhante?
Drizzt queria acreditar nisso. Com Vierna morta a seus pés, sua família, seus
laços com sua herança, não existiam mais, e queria acreditar que não estava
sozinho no mundo.
— Mate o cão ou o arrastamos de volta — resmungou Bruenor, com a
paciência esgotada.
— Qual seria a sua escolha, Drizzt Do’Urden? — Jarlaxle perguntou
calmamente.
Drizzt analisou Jarlaxle mais uma vez. Ele não era muito parecido com o
Zaknafein, decidiu, porque se lembrava da raiva do pai quando surgiram os
rumores de que Drizzt havia matado elfos da superfície. Havia de fato uma
diferença inegável entre Zaknafein e Jarlaxle. Zaknafein matou apenas aqueles que
acreditava merecer a morte, somente aqueles que serviam Lolth ou outros lacaios
do mal. Ele não teria ficado ao lado de Vierna nessa caçada.
A fúria súbita que se formou em Drizzt quase o levou a correr até o
mercenário. Porém, ele conteve o impulso, lembrando-se novamente do peso de
Menzoberranzan, o fardo do mal penetrante que curvava as costas daqueles poucos
elfos negros que não eram de natureza tão maligna. Zaknafein admitira a Drizzt
que quase se perdera nos caminhos de Lolth muitas vezes, e em sua própria jornada
pelo Subterrâneo Drizzt Do’Urden muitas vezes temia se tornar aquilo que teria,
aquilo que tinha, se tornado.
Como poderia julgar esse elfo negro? As cimitarras voltaram para as bainhas.
— Ele matou meu garoto! — Bruenor rugiu, aparentemente entendendo as
intenções de Drizzt.
Drizzt sacudiu a cabeça resolutamente.
— Misericórdia é uma coisa curiosa, Drizzt Do’Urden — Jarlaxle comentou.
— Força ou fraqueza?
— Força — Drizzt respondeu rapidamente.
— Pode salvar sua alma — respondeu Jarlaxle — ou condenar seu corpo. —
Ele apontou o chapéu de abas largas para Drizzt, depois se moveu de repente, seu
braço saindo de sua capa. Algo pequeno bateu o chão na frente de Jarlaxle,
explodindo, enchendo aquela área da câmara com fumaça opaca.
— Maldito! — Cattibrie rosnou, e disparou uma flecha que cortou a névoa e
bateu na pedra da parede mais distante. Bruenor entrou correndo, o machado
batendo descontroladamente, mas não havia nada para acertar. O mercenário se
fora.
Quando Bruenor saiu da fumaça, tanto Drizzt quanto Cattibrie estavam de pé
sobre a forma inclinada de Thibbledorf Pwent.
— Morto? — perguntou o rei anão.
Drizzt se inclinou para o furioso de batalha, lembrou-se de que Pwent fora
atingido violentamente pelo chicote de cabeças de cobras de Vierna.
— Não — ele respondeu. — Os chicotes não são projetados para matar,
apenas para paralisar.
Seus ouvidos aguçados captaram as palavras quando Bruenor murmurou
baixinho:
— Que pena.
Levaram alguns instantes para reviver o furioso de batalha. Pwent levantou-se
— e imediatamente caiu de novo. Ele conseguiu se levantar de novo, acabrunhado
até que Drizzt cometeu o erro de agradecer a valiosa ajuda.
No corredor principal, encontraram os cinco drows mortos, um ainda
pendurado perto do teto na área onde o globo das trevas havia estado. A explicação
de Cattibrie de onde esse pequeno grupo tinha vindo enviou um arrepio através de
Drizzt.
— Regis — ele sussurrou, e correu pelo corredor, para a passagem lateral
onde havia deixado o halfling.
Lá estava Regis, aterrorizado, meio enterrado sob um drow morto, segurando
firmemente a adaga adornada de joias na mão.
— Vamos, meu amigo — o aliviado Drizzt disse a ele. — É hora de irmos
para casa.
Provocação de Anão
MATRIARCA BAENRE SENTOU-SE CONFORTAVELMENTE na cadeira
almofadada, com seus dedos murchos batendo impacientemente nos braços duros
de pedra do assento. Uma cadeira semelhante, a única outra mobília naquela sala
particular de reuniões, descansava em sua frente, e nela estava o mais
extraordinário mercenário.
Jarlaxle tinha acabado de voltar do Salão de Mitral com um relatório que
Matriarca Baenre aguardava.
— Drizzt Do’Urden continua livre — ela murmurou baixinho. Estranhamente,
parecia a Jarlaxle como se tal fato não desagradasse a Matriarca Mãe conivente. O
que Baenre estava aprontando desta vez, o mercenário se perguntou.
— Eu culpo Vierna — Jarlaxle disse calmamente. — Ela subestimou as
artimanhas de seu irmão mais novo — deu uma risada maliciosa. — E pagou com
a vida por seu erro.
— Eu culpo você — Matriarca Baenre rapidamente mencionou. — Como
você vai pagar?
Jarlaxle não sorriu, mas simplesmente retornou a ameaça com um olhar
sólido. Ele conhecia Baenre bem o suficiente para entender que, como um animal,
ela podia farejar o medo, e tal cheiro muitas vezes guiava suas próximas ações.
Matriarca Baenre devolveu o olhar severo, os dedos tamborilando.
— Os anões se organizaram contra nós mais depressa do que acreditávamos
que aconteceria — prosseguiu o mercenário depois de alguns momentos
incômodos de silêncio. — Suas defesas eram fortes, assim como sua determinação
e, aparentemente, sua lealdade a Drizzt Do’Urden. Meu plano — ele enfatizou a
referência pessoal — funcionou perfeitamente. Nós levamos Drizzt Do’Urden sem
muita dificuldade. Mas Vierna, contra meus desejos, permitiu ao espião humano o
seu combate antes que ela estivesse longe o suficiente do Salão de Mitral. Ela não
entendia a lealdade dos amigos de Drizzt Do’Urden.
— Você foi enviado para resgatar Drizzt Do’Urden — disse a Matriarca
Baenre baixo demais. — Drizzt não está aqui. Logo, você falhou.
Jarlaxle ficou em silêncio mais uma vez. Não havia sentido em argumentar a
lógica de Matriarca Baenre, pois ela não precisava de aprovação e não buscava
nenhuma, em qualquer de suas ações. Aquela era Menzoberranzan e, na cidade
drow, a Matriarca Baenre não tinha iguais.
Ainda assim, Jarlaxle não temia que a matriarca decrépita o matasse. Ela
continuou com o ataque verbal, a voz subindo em um grito no momento em que
terminou com a bronca, mas por trás de tudo, Jarlaxle teve a nítida impressão de
que ela estava se divertindo. O jogo continuava, afinal; Drizzt Do’Urden
permanecia livre e esperando para ser pego, e Jarlaxle sabia que a Matriarca
Baenre não veria a perda de umas duas dúzias de soldados — machos, na verdade
— e Vierna Do’Urden como um preço alto.
Matriarca Baenre então começou a discutir as muitas maneiras que poderia
torturar Jarlaxle até a morte — ela preferia o roubo de pele, um método drow de
esfolar da vítima, um centímetro de cada vez, usando vários ácidos e facas
dentadas especialmente projetadas para isso.
Jarlaxle fez tudo o que pode para segurar o riso com tal ideia.
Matriarca Baenre parou de repente, e o mercenário temeu que ela tivesse
percebido que ele não estava levando-a a sério. Isso, Jarlaxle sabia, poderia ser um
erro fatal. Baenre não se importava com Vierna nem com os machos mortos; ela
aparentemente estava satisfeita por Drizzt ainda estar à solta. Mas ferir seu orgulho
era certamente morrer de forma lenta e agonizante.
A pausa de Baenre continuou interminável; ela até desviou o olhar. Quando
voltou para Jarlaxle, ele soltou um suspiro sincero de alívio, pois ela estava à
vontade, sorrindo amplamente como se algo tivesse acabado de lhe ocorrer.
— Não estou satisfeita — disse, uma mentira óbvia — mas vou perdoar sua
falha desta vez. Você trouxe informações valiosas.
Jarlaxle sabia a quem ela estava se referindo.
— Deixe-me — disse ela, acenando com a mão com aparente desinteresse.
Jarlaxle preferiria ficar mais tempo, para ter uma ideia do que a lindamente
conivente Matriarca Mãe poderia estar tramando. Ele, porém, era esperto demais
para contradizer Baenre quando ela estava com um humor tão curioso. Jarlaxle
havia sobrevivido como um renegado por séculos porque sabia quando deveria
partir.
Ele levantou-se da cadeira e aliviou seu peso sobre uma perna quebrada, então
estremeceu e quase caiu no colo de Baenre. Balançando a cabeça, Jarlaxle pegou a
bengala.
— Triel não curou complentamente — disse o mercenário, desculpando-se. —
Ela tratou meu ferimento, como você instruiu, mas não senti que toda a sua energia
estava no feitiço.
— Você merece, tenho certeza — foi tudo que a fria Matriarca Baenre iria
oferecer, e acenou para Jarlaxle sair mais uma vez. Baenre provavelmente instruiu
sua filha a deixá-lo com dor, e provavelmente estava tendo grande prazer em vê-lo
mancar pela sala.
Assim que a porta se fechou atrás do mercenário em partida, Matriarca Baenre
deu uma risada sincera. Baenre tinha sancionado a tentativa de capturar Drizzt
Do’Urden, mas isso não significava que esperava que tivesse sucesso. Na verdade,
a decrépita Matriarca Mãe esperava que tudo saísse exatamente como saiu.
— Você não é um tolo, Jarlaxle. É por isso que deixo você viver — disse à
sala vazia. — Você deve perceber agora que a situação atual não é sobre Drizzt
Do’Urden. Ele é um inconveniente, um mosquito e quase não é digno dos meus
pensamentos.
— Mas ele é uma desculpa conveniente — continuou a Matriarca, mexendo
num dente largo de anão, preso a um anel e pendurado numa corrente no pescoço.
Baenre estendeu a mão e soltou o fecho do colar, depois segurou o item na palma
da mão e entoou baixinho, usando a antiga língua anã.
◆
O fantasma anão balançou fracamente quando saiu do sonho, o pesadelo, que
a cruel Yvonnel Baenre, aquela jovem cruel, mais uma vez o forçara. Baenre sabia
que aquelas lembranças eram a tortura mais horrível que poderia aplicar ao anão
teimoso, e ela a aplicava frequentemente.
Agora Gandalug olhava para ela com ódio total. Lá estavam eles, quase dois
mil anos depois, dois mil anos de uma prisão branca vazia e terríveis lembranças
das quais o pobre Gandalug não podia escapar.
— Quando você saiu do Salão de Mitral, você deu o trono para o seu filho —
afirmou Baenre. Ela conhecia a história, forçara-a a sair de seu atormentado
prisioneiro muitos séculos antes. — O novo rei do Salão de Mitral é chamado
Bruenor -— esse era o nome do seu filho, não é?
O espírito se manteve firme, manteve o olhar firme e determinado. A
Matriarca Baenre riu dele.
— Contidos em sua memória estão os caminhos e as defesas do Salão de
Mitral — disse —, não tão diferentes agora quanto o eram na sua época, se entendo
bem como são os anões. É irônico, não é, que você, grande Gandalug, o fundador
do Salão de Mitral, o patrono do Clã Martelo de Batalha, ajude na destruição do
salão e do seu clã?
O rei anão uivou de raiva e cresceu em tamanho, mãos gigantescas
estendendo a mão para a garganta magra e murcha de Baenre. A Matriarca Mãe riu
dele novamente. Ela estendeu o dente e o redemoinho veio ao seu comando,
agarrando Gandalug e o banindo de volta para sua prisão branca.
— E assim Drizzt Do’Urden escapou — ronronou a Matriarca Baenre e ficou
feliz. — Ele é uma desculpa afortunada e nada mais!
O sorriso maligno de Baenre se alargou quando ela se sentou
confortavelmente em sua cadeira, pensando em como Drizzt Do’Urden lhe
permitiria cimentar a aliança de que precisaria, pensando em como a coincidência e
o destino haviam lhe dado os meios e o método para a conquista que tinha desejado
por quase dois mil anos.
Epílogo