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Para os amores impossíveis

Capítulo um

Eu não notei que ela tinha sardas da primeira vez que a vi. Nem
da segunda, ou da terceira. É difícil reparar os detalhes do rosto de
alguém em vídeo-chamadas com outras oito ou dez pessoas.
Especialmente quando você está tentando prestar atenção no
professor e a conexão não ajuda, a vizinha não desliga o som alto e
tem aquele aluno que esquece o microfone ligado e parece que
mora com trinta e seis pessoas dentro de um canil. A verdade é que
nem sei dizer se ela estava ali desde a primeira aula, o que talvez
seja pouco romântico.
Mas eu me lembro bem de quando a vi pela primeira vez.
Quando ela finalmente passou de “uma pessoa aleatória que está
na minha turma de inglês” para “alguém em quem eu presto
atenção”.
A primeira mensagem no nosso chat é do dia dois de abril:
[02/04, 12:01] Aninha: Oi! Aqui é a Ana do inglês :) Você está
livre amanhã pra gente fazer a atividade?
Fiquei pensando em onde ela poderia ter conseguido meu
número, mas foi fácil concluir que provavelmente foi no grupo geral
da turma de inglês. Eu ainda não tinha salvado seu contato, então
ele aparecia como “Aninha”. Salvei como Ana do inglês, porque eu
gosto de manter os meus contatos organizados e preciso saber que
essa é a Ana do inglês, e não a Ana do ensino médio ou a Ana do
202. Depois disso, eu estava prestes a responder quando a foto de
contato carregou, revelando a mulher mais linda de todo o planeta
Terra. Viu, agora foi romântico. Romântico e brega.
Ela estava séria, o rosto meio de lado e uma faixa de sol
iluminando seus olhos. A pele era marrom, mais clara que a minha.
O cabelo volumoso estava jogado para um lado, usava uns óculos
grandes de armação amarela. E tinham as sardas. Muitas delas,
salpicadas pela ponta do nariz, nas bochechas, subindo perto dos
olhos.
Esqueci o que ela queria comigo, que devia responder sua
pergunta e que existiam regras não ditas de etiqueta ao se
conversar com estranhos em aplicativos de mensagens. Linda
parecia uma palavra fácil demais, simples demais. Só depois de
ficar babando por meia hora consegui responder:
[02/04, 13:08] Pams: Ei Ana! Posso sim :) Pode ser às 21h?
Mudei o nome de contato logo em seguida para Ana Linda do
inglês, para ser mais precisa, e comecei a ficar ansiosa naquele
mesmo instante. Talvez só por isso o dia pareceu durar uma
eternidade.
Na aula de noite, fiquei observando sua câmera. Ela
evidentemente estava sentada à mesa de uma cozinha, e eu
conseguia ver um balcão e vasilhas atrás de sua cabeça. Tinha um
sorriso fofo no rosto e respostas muito boas para os
questionamentos do teacher Marcelo. Ela estava se saindo melhor
que eu nessa história de aprender inglês.
Nenhuma sarda, é claro. Era difícil dizer se era a minha
conexão que era péssima ou se era a dela, mas a imagem alternava
entre travar por alguns segundos e craquelar inteiramente. Continuei
prestando atenção nela mesmo assim, até esquecendo da aula às
vezes.
Não sei como sobrevivi ao restante da noite. Meus estudos
da faculdade passaram como um borrão atrás do outro, coisa que
só acontece quando você já está naquele estágio particularmente
cansado do curso. Tipo, desde o segundo período. No dia seguinte,
trabalhei normalmente na mercearia, me esforçando para ficar
concentrada nas atividades e não fazer nada errado.
Quando voltei pra casa, bem perto das 21h, eu estava puro
nervo. Não sabia dizer se era porque iria ficar sozinha em uma
chamada com alguém e precisaria falar inglês, ou se era porque
esse alguém era uma menina lindíssima. Pessoalmente eu era
muito segura, mas toda essa coisa da aula, a nova língua e
videochamadas estava me desestabilizando. Eu tinha escolhido as
perguntas que faria estrategicamente porque queria saber mais
sobre ela. Comida favorita, banda favorita, signo… esse tipo de
coisa boba que define o caráter de alguém. Mas também coisas
importantes como onde ela morava e a idade, porque deus me livre
ficar aqui babando por menor de idade.
Naquele dia, descobri que além de bonita ela era inteligente.
Estava no sexto período do curso de Física e nunca tinha reprovado
em nenhuma matéria. "Eu sou basicamente uma lenda viva no meu
departamento", ela disse. Gostava de pipoca doce, rock triste e era
capricorniana. Anotei isso para pesquisar depois se tinha algum
significado, porque, no fundo, eu não entendia nada de signos.
Ela morava com os pais e uma irmã mais nova no interior de
São Paulo, uma eternidade de distância da casinha no interior de
Minas onde eu morava. Lutava taekwondo nas horas vagas, usava
fones de gatinho quando não estava na frente das câmeras e…
bom, a pergunta que não queria calar estava na ponta da minha
língua. Até pesquisei a forma certa de perguntar para não falar
errado e treinei muito na frente do espelho.
— Do you like girls?
Minha voz saiu fraquinha. Ana ficou me encarando. Era difícil
decifrar o que ela pensava através de um vídeo em baixa resolução
e a conhecendo há tão pouco tempo.
— I also like girls.
Segurei um sorriso e me abaixei para anotar a informação no
meu caderno, fingindo que se tratava só de mais uma das perguntas
formuladas para a aula do teacher Marcelo. Eu não soube até um
tempo depois que ela mesma estava sorrindo com a resposta,
notando ali que eu tinha interesse e não era muito boa em esconder
isso.
No fim daquela semana, recebi sua primeira mensagem que
não tinha a ver com a aula de inglês. Era um meme, o que me fez
sentir que boa parte das relações humanas hoje se iniciam com
memes. Ao menos as virtuais.
[05/04, 23:49] Ana: Oi, você tá solteira?
[05/04, 23:50] Ana: É pro meu TCC
Era tarde, mas eu tinha o costume de dormir só depois da
meia noite. Estava deitada na cama jogando Candy Crush quando a
notificação surgiu na tela e não contive minha surpresa. Mais uma
vez, me peguei encarando a foto dela, pensando. Será que eu tinha
alguma chance? Respondi rapidamente:
[05/04, 23:51] Pams: Pro seu TCC… Claro
[05/04, 23:51] Pams: Estou sim… ;)
[05/04, 23:52] Pams: Pode adicionar essa informação super-
relevante…
[05/04, 23:52] Pams: No seu TCC
Senti aquele frio na barriga familiar de flerte começando, um
misto de ansiedade e medo.
[05/04, 23:55] Ana: Bom saber…
[05/04, 23:55] Ana: Embora talvez a pergunta mais relevante
seja a que você já me fez né
Suspirei, encarando o celular. De qual das perguntas ela
estava falando? Tínhamos literalmente passado mais de uma hora
só fazendo perguntas uma para a outra há poucos dias. Como se
percebesse minha pequena confusão, ela emendou:
[05/04, 23:57] Ana: … Sabe…
[05/04, 23:57] Ana: Se você gosta de garotas...
[05/04, 23:59] Pams: AH
[06/04, 00:00] Pams: Orgulhosamente bissexual, ao seu
dispor
[06/04, 00:00] Pams: Literalmente hehehe
[06/04, 00:03] Ana: Nada como encontrar outra bissexual
lindíssima a quilômetros de distância e flertar despretensiosamente,
não é mesmo?
Outra o quê?
[06/04, 00:05] Pams: Uau
[06/04, 00:06] Pams: Normalmente eu que deixo as pessoas
sem palavras, e não o contrário
[06/04, 00:07] Ana: Ah, duvido
[06/04, 00:07] Ana: Você parece sempre tímida nas aulas
[06/04, 00:08] Ana: Faltou estourar a tela de vergonha
quando foi me perguntar se eu gosto de meninas
[06/04, 00:10] Pams: Ah, sei lá. Era a primeira vez que a
gente se falava
[06/04, 00:10] Pams: E você é muito gata, aí eu fiquei tímida
hahaha
[06/04, 00:08] Ana: Se quiser que eu acredite que você não é
tímida, vai ter que me convencer
[06/04, 00:10] Pams: Quer saber?
[06/04, 00:10] Pams: Desafio aceito :)
Depois desse dia, continuei procurando razões para
conversar com ela, que parecia sempre buscar razões para
conversar comigo também. Começamos a conversar todas as
manhãs, e depois tardes, depois noites e, de vez em quando, até
madrugada adentro. Falamos de memes, livros, sobre a vida, a aula
de inglês e sobre trabalho. Ana não estava acostumada com isso de
dormir muito tarde todo dia, e constantemente desaparecia no meio
das conversas. Da primeira vez, ela acordou pedindo mil desculpas.
Na terceira vez seguida, eu nem me assustava mais.
As conversas renderam. Lembro da primeira selfie aleatória
que ela mandou, fazendo uma cara de assustada com um meme
que eu tinha mandado. Foi também a primeira vez que vi uma foto
se autodestruir usando um recurso que eu nem sabia que existia
nesse aplicativo. "Tô um caco", ela disse. "Mentira", respondi. "Você
tá sempre linda". Era verdade.
Lembro de quando a vi chorar pela primeira vez. Ela estava
assistindo a um filme que eu indiquei e fez comentários ao vivo com
direito a fotos e vídeos emocionados, lotando meu chat com oitenta
e sete mensagens enquanto eu estudava. Foi adorável.
Teve um dia que ela me mandou um áudio claramente
tomando banho. Respondi com um áudio gritando "Ana Clara você
está tomando banho?", e ela respondeu com outro áudio de um
minuto rindo descontroladamente, o mesmo som de água caindo ao
fundo. Depois mandou mais um de um segundo: "Sim". Eu não
soube como reagir. "Tô esperando um creme agir, ow. Tá frio pra
caralho, aí tô debaixo d'água". Claro. Claro.
Perdi a conta de quantas chamadas de vídeo vieram.
Primeiro, sempre com hora marcada, e depois aleatoriamente em
momentos quaisquer do dia. "Estou só comendo um lanche", "queria
te mostrar essa carta da quinta série que eu achei aqui arrumando o
quarto", "só queria te ver mesmo". Era estranho demais sentir tanta
saudade e carinho por alguém que eu nunca tinha tocado, mas ali
estávamos nós.
Ela cortou o cabelo.
Eu achei que fosse explodir.
Juro por Deus, devia ser crime ser tão bonita.
Quando já estávamos superpróximas, as coisas começaram
a envolver as famílias e sair totalmente de controle. Ajudei a irmã
dela com deveres de português por noites e mais noites e ela foi a
responsável pela aprovação do meu irmão em cálculo. Percebi que
já não lembrava nada de física enquanto ela não parava de me
perguntar sobre a faculdade de Letras.
Ana tocava violão para mim em longas chamadas de vídeo
em domingos quentes, assistimos juntas ao lançamento de uma
animação boba (que me fez chorar por horas) e até joguei
aproximadamente meia hora de minecraft porque ela jurava que era
muito bom, mas a verdade é que todo mundo tem defeitos.
No aniversário dela, seis meses depois, minha mãe
encomendou um bolinho. Foi todo um esquema para que Ana não
descobrisse, e ela chorou três tanto quando o entregador chegou
com um bolo estampado com uma montagem dela como se
estivesse aqui na varanda de casa. Estava escrito embaixo: "Um
parabéns direto do interior de Minas Gerais". Fizemos uma
videochamada comemorando com balões, comida e muitas
lágrimas.
Era estranho, mas reconfortante, notar o quanto Ana era
importante para mim. Alguém que existiu vinte e quatro anos com a
vida completamente descolada da minha, mas aí o destino resolveu
intervir. Eu não conseguia parar de pensar em quando é que a gente
percebe que uma pessoa se tornou parte principal da nossa vida e o
futuro já não faz mais tanto sentido sem ela. Se essas coisas vêm
em um estalo ou se são só uma sensação que aparece em algum
momento como se sempre estivesse ali.
E, mesmo reconhecendo esse carinho que nutria por ela, eu
não estava exatamente preparada para a primeira vez que meu
coração pulou do peito de uma forma diferente. Estávamos nós
duas conversando numa madrugada de domingo, em uma noite
abafada. Sentamos cada uma em seu quintal, os computadores
apoiados em cadeiras, nós duas tomando latinhas de cerveja e
comendo salgadinho barato.
Estávamos só conversando sobre tudo e sobre nada.
Ouvindo música brega, depois emo, depois sertanejo… e sei lá mais
o quê. Uma noite tranquila e cotidiana, como outras que passamos
antes. Como outras que viriam depois.
— Ah, Ana… — falei, sorrindo para o céu. — Gosto muito de
ficar assim com você. Só… fazendo nada.
Ela riu baixinho. Sempre tomava cuidado para não incomodar
ninguém tão tarde.
— Também gosto muito de você, Pams — respondeu. Pela
primeira vez, senti um descompasso no coração. Parei de respirar
por um segundo, arregalei os olhos. — E da sua companhia —
completou.
— O que você disse?
— Você ouviu! — Ela tinha aquele sorriso lindo no rosto, o
olhar de quem estava tramando algo.
Eu estava lascada.
Capítulo dois
Não sei quando foi que ela mandou a primeira foto que
evidentemente tinha um duplo sentido. Tá, eu sei sim. Quinze de
novembro, era um feriado. Já fazia sete meses que a gente estava
se falando. Naquele momento em específico, a conversa era sobre
câmeras de celular e de computador, qualidade das imagens e
coisas do tipo. Inocente e tranquilo, até ela decidir me mostrar como
o celular da irmã era melhor que o dela.
[15/11, 22:50] Ana: Olha essas duas fotos, percebe a
diferença?
Eu sempre deixava o download automático desativado,
porque memória não dá em árvore, então baixei as fotos na ordem
que ela mandou. A primeira parecia ser em uma festa, com um
vestido bem bonito. A qualidade da foto era inegável, mas eu estava
prestando atenção mesmo era na seda descendo pelo corpo dela,
marcando nos lugares certos, o vestido longo e a fenda enorme
deixando um belo pedaço de suas pernas à mostra. “Bom”, pensei,
“lindíssima, como sempre, mas preciso ter autocontrole”.
A foto de baixo me pegou de surpresa. Era uma selfie com
muita cara de “foto de agora”, e a qualidade realmente era pior do
que a da outra foto. Mas isso era irrelevante. Seu rosto não aparecia
por completo, somente do pescoço para baixo. Ela estava
segurando o celular com uma das mãos e apoiando o corpo para
trás com a outra. O cabelo tapava parte de seu rosto e ela usava
somente uma lingerie vermelha de renda, nada mais.
Antes que eu pudesse pensar a respeito do que estava
vendo, a foto se deletou sozinha. Fiquei encarando a tela do celular,
o chat dela aberto e um milhão de coisas passando pela minha
cabeça. Prendi a respiração por tanto tempo que engasguei com o
ar, ou saliva, ou sei lá o que e comecei a tossir.
Ai meu deus. Ai meu deus. AI. MEU. DEUS. Ok, isso foi
inesperado. Eu sei que a gente já passou da fase do será que gosto
de você mesmo, mas ainda não tínhamos chegado nessa fase. Que
fase era essa? Esfreguei os dedos na testa. Inacreditável. Caramba,
como ela era sexy. Tentei resgatar detalhes da imagem na minha
mente, mas era difícil e tudo já parecia borrado. Só a sensação
estava ali, coçando embaixo da minha pele.
Resolvi apelar em uma piadinha para a resposta. Peguei um
copo de água e gravei um vídeo curto. Eu estava segurando o copo
com as mãos tremendo muito, derramando um pouco de água na
blusa e tentando beber, mas falhando. Assisti o vídeo dez vezes
antes de ter coragem de enviar e coloquei de legenda “Nossa, o que
rolou?”.
[15/11, 22:56] Ana: HAHAHAHAHHA
[15/11, 22:56] Ana: Tá tudo bem aí, Pams?
[15/11, 22:57] Pams: Tô nada bem, socorro
[15/11, 22:57] Pams: Mulher… eu sei que já falei isso muitas
vezes, mas agora é MUITO sério
[15/11, 22:57] Pams: Pra você ser muita areia pro meu
caminhãozinho cê teria que ser 80% menos gata
[15/11, 22:57] Pams: Assim não dá, tem que ter aviso de
gatilho uma foto dessas
[15/11, 22:57] Ana: aiai...
[15/11, 22:58] Ana: Mas como eu disse, viu? Muito melhor a
câmera da minha irmã
[15/11, 22:58] Ana: É meio injusto que ela tenha treze anos e
um celular melhor que o meu, mas aí eu que lute
[15/11, 22:59] Pams: Você é azarada
[15/11, 22:59] Pams: E está desviando estrategicamente do
assunto, né?
[15/11, 22:59] Ana: Desviando de nada
[15/11, 22:59] Ana: Continuo falando da câmera da minha
irmã
[15/11, 23:00] Ana: Aquela foto de cima foi no aniversário do
meu primo Matheus, o que é dentista
[15/11, 23:00] Pams: Tendi
[15/11, 23:01] Pams: Muito bonita a foto de cima mesmo…
[15/11, 23:01] Pams: Vestido bonito e tal...
[15/11, 23:05] Ana: Minha mãe que fez
[15/11, 23:05] Pams: Você ou o vestido?
[15/11, 23:06] Ana: PAMS!
[15/11, 23:06] Ana: HAHAHAHAHAHAHAH
[15/11, 23:07] Pams: Só falando…
[15/11, 23:10] Pams: E a outra foto, hein, senhorita?
[15/11, 23:15] Ana: Que foto?
[15/11, 23:16] Pams: Não se faça…
[15/11, 23:17] Ana: Se apagou, não existe
[15/11, 23:20] Pams: Tá arrependida?
[15/11, 23:27] Ana: Não, tô com vergonha
[15/11, 23:28] Pams: Não sei do quê
[15/11, 23:31] Ana: Mas então, a sua câmera é quantos
mega, mesmo?
[15/11, 23:32] Pams: 13mp a frontal
[15/11, 23:32] Pams: Mandei vídeo aí agora
[15/11, 23:34] Ana: Eu vi, tá passando mal, é?
[15/11, 23:35] Pams: Vi uma foto duma menina bonita
[15/11, 23:35] Ana: Ah, é?
[15/11, 23:36] Pams: Aham
[15/11, 23:36] Ana: Bom saber
Ela deixou o assunto morrer por alguns dias, mas, depois de
uma semana, apareceu do nada com outra foto cortada e que se
autodestruiu em seguida. Depois outra, e outra, até parar de desviar
do assunto. Fui ficando menos paralisada e respondendo com fotos
também. Algumas mais normais, outras levemente provocativas.
Eu pensava muito em uma cicatriz pequena que ela tinha do
lado do corpo, perto do quadril. Quando todo o resto me falhava a
memória, eu fixava essa pequena lembrança e construía o restante
dela ao redor, tão vívido que eu poderia tocá-la.
Quando ela se abriu mais, falamos sobre inseguranças.
Medos, tristezas, nossos corpos e sobre desejo. Eu me via nela, ela
se via em mim e a gente respeitou esse tempo de cada uma. Eu
fingia que não sentia algo se debatendo desesperadamente dentro
de mim, um sentimento teimoso que se agarrava nas minhas pernas
e subia pela minha garganta. As conversas foram ficando mais
afiadas, as cantadas mais ativas e o flerte corria solto. Em uma de
nossas chamadas de vídeo, resolvi jogar sujo. Preparei com
antecedência a foto perfeita: apoiei o celular numa pilha de livros e
fiz uma foto de joelhos na cama, usando só uma camisa sem
mangas bem larga. Daria para ela ver a lateral dos meus seios se
olhasse bem, e eu sabia que ela iria olhar muito bem. Eu só
precisava do momento perfeito.
— Tô um caco, viu? Nem acredito que as aulas do cursinho
já voltam amanhã.
Ana suspirou, a expressão cansada. Ela estava separando
alguns papéis em sua mesa, provavelmente se preparando para as
aulas que daria. Eu estava terminando uma atividade da faculdade
antes da chamada, mas agora só pensava em uma coisa.
— Ah, mas agora você foi efetivada. Tem um lado bom
também.
Ela riu, balançando a cabeça de lado. Seu cabelo caiu sobre
o rosto de uma forma linda. Suas bochechas grandes marcavam o
sorriso. Ana era maravilhosa, e se eu já não sabia lidar com isso
antes, estava ficando cada vez mais impossível.
— É, é. Tem esse lado aí. Começar finalmente a juntar uns
trocados pra te ver.
Eu sorri, feliz demais com essa possibilidade. Também já
tinha começado a juntar dinheiro duas vezes, mas sempre acontecia
alguma coisa. Um celular que quebrava, algo na casa que precisava
de reparo urgente. Era difícil sempre voltar à estaca zero, mas eu
tinha esperanças.
— Ei… — eu disse, com o coração parecendo que iria
explodir. Minhas mãos estavam suando sobre a mesa, os dedos
grudando no teclado. — Tenho algo pra te mostrar.
— Mostra aí. É de compartilhar a tela?
— Não, não. Vou mandar no seu celular.
— Pode mandar.
O chat dela já estava aberto, a foto já estava até selecionada.
Meu dedo ficou um segundo parado em cima do botão. Eu sentia a
boca seca, uma sensação engraçada ao redor dos olhos, como se
fosse uma dor, mas não exatamente. Meu estômago estava um
caos, mas apertei o botão e enviei a foto. Sem temporizador dessa
vez, somente a foto.
Eu vi a expressão dela mudar. O sorriso ficou sério, a boca se
abriu involuntariamente. Seu olhar se movia rápido pela tela do
celular. Depois de alguns segundos, deu pra notar sua surpresa ao
ver que a foto não desapareceu. Mordeu os lábios, fechou os olhos
e se recostou na cadeira.
Continuei olhando para ela, reparando nos mini-detalhes de
sua reação. Seu peito, que continuou subindo e descendo, suas
bochechas presas em um sorriso pequeno. Suas mãos que
apareciam pela metade na câmera, segurando firme demais o
celular. Reparei na minha postura, tão parecida, mas tão mais tensa.
Ansiosa pelos seus comentários afiados.
— Você quer me matar, Pamela Martins?
Segurei uma risada nervosa.
— Matar? Não, não. — Balancei a cabeça, negando. — Quer
dizer… Depende.
— Pams, pra você ser muita areia pro meu caminhãozinho…
— ela disse, ainda apoiando as costas na cadeira.
— Ah, mas eu não acredito que você vai reciclar cantada!
Você já foi melhor que isso, Ana.
Ela se inclinou para a frente de novo, apoiando os cotovelos
na mesa e olhando fixamente para a câmera. Parecia que ela
estava dentro da minha alma, tirando minha roupa com a mente.
Caralho. Me sentia exposta, mas de uma forma ótima. Eu queria ser
exposta daquele jeito.
— Você é muito gata. Desesperadamente gata. Ó, meu
coração tá até acelerado aqui. — Ela colocou a mão sobre o peito.
— Tô pensando tanta safadeza agora… Meu Deus.
Ela tampou o rosto com uma das mãos, envergonhada. Um
tanto de safadeza. No plural. Estávamos rodeando esse assunto
tantas vezes nas últimas semanas… Eu queria mais. Saber mais,
imaginar mais, desejar mais. Movida pela curiosidade e por audácia
pura, respondi:
— Fala.
— Fala o quê?
— O que você tá pensando.
Ana respirou fundo, audível mesmo através do microfone. Ela
se levantou e foi em direção ao seu guarda roupa, ao fundo. Pegou
uma gominha e voltou amarrando o cabelo. Esperei, observando-a.
Ela estava usando uma blusa florida de alcinha e um short curto que
destacava suas coxas grossas. Meu olhar ficou ali tempo demais,
pensando, como ela mesma disse, um tantão de safadeza. Quando
voltou, sentou bem perto do computador e de novo me olhou
daquele jeito atravessado. Suspirou de novo, como se tentasse criar
coragem.
— Estou pensando em te beijar… — Sua voz saiu baixa. —
Sentir seus lábios, tocar sua pele. Passar os dedos nos seus
cabelos, descobrir seu cheiro… Estou praguejando internamente o
universo por tudo ser tão caro. E aí volto a pensar… nas suas
coxas. — Ela parou por um segundo, respirando fundo. Fechou e
abriu as mãos algumas vezes. — Estou olhando o que sei que você
deixou parcialmente coberto porque sabia… sabia que eu ia ficar
encarando igual uma boba.
Ficamos nos encarando em silêncio. Eu estava tremendo por
dentro, uma ansiedade maluca subindo pelo estômago e querendo
levar minha mente exatamente nesse lugar que ela imaginou.
Desejando pensar no toque, nos beijos, no...
— Obrigada pela confiança — ela disse.
— Oi?
— A foto. Vou guardar com carinho.
Sinto que ficamos mais próximas depois desse dia.
Continuamos trocando fotos, saindo lentamente do provocativo e
misterioso e caminhando para seminudes, e até nudes completos.
Eu estava começando a ficar maluca. Dormia e sonhava com Ana,
minha mente completando as lacunas de tudo que ficava nas
entrelinhas. Pensava nela no trabalho, fazendo tarefas da faculdade,
arrumando a casa… basicamente o tempo todo.
Ela mandou uma foto mostrando o colo dos seios, o pescoço,
a boca com o sorriso atravessado, o olhar que sempre me matava.
A iluminação era péssima, mas quem se importa? A legenda: "Quer
tomar banho comigo?". Achei que eu fosse morrer. Respondi com
uma foto parecida, mas mostrando um pouco mais dos seios e com
uma toalha no ombro. "Bora, só marcar". Eu gostava de me perder
nos detalhes do corpo dela. Adorava o quanto ela era linda e me
fazia sentir linda também.
Dias depois, mandou outra. Foi tirada de baixo pra cima,
provavelmente com o celular apoiado na cama. Ana estava só de
calcinha, sem sutiã. O jogo de luz e sombra que entrava pela janela
caía sobre o seu corpo, tornando a visão uma obra digna de museu.
Ela tinha seios grandes, naturais e sexys. As dobras da barriga, tão
parecidas com as minhas, só me faziam desejá-la ainda mais. Os
mamilos marrons atraíam minha atenção o tempo todo e eu já não
me impedia de pensar em passar a língua pelo corpo dela.
Respondi com uma foto que demorei mais de meia hora para
tirar porque meu celular se recusava a ficar apoiado corretamente
nos livros da estante. Sentei na cadeira usando uma meia sete
oitavos branca com uma renda bonita e uma calcinha também
branca, com as tiras do elástico descendo até a meia e contrastando
com a minha pele. As pernas abertas, o corpo inclinado para a
frente e os braços apoiados nos joelhos.
Meus lábios estavam entreabertos, o cabelo caindo em ondas
de cachos pelos ombros. Nenhum sutiã. Duas podiam jogar esse
jogo. Minhas coxas se destacavam, prensadas contra a cadeira. Eu
olhava para o lado, e tudo estava parcialmente visível e invisível ao
mesmo tempo.
Ana rebateu uma semana depois com uma foto tirada no sofá
da sala dela (como diabos ela tinha tirado um nude no sofá da
sala?), segurando um livro em uma mão e uma xícara de chá na
outra. Eu sabia que era chá porque ela não tomava café. Na
verdade, a xícara provavelmente estava vazia, e nem era o foco da
porra da foto.
Ela estava nua. Completamente nua.
E, mesmo assim, eu não via quase nada. Porque a gente
estava ficando mestre nisso de mostrar sem mostrar, de deixar o
desejo arder e… merda, a paixão derreter os nossos cérebros. Era
provocativo e desesperador. Até o dia vinte e oito de dezembro,
quando Ana apareceu com um pedido:
[28/12, 11:11] Ana: Você pode videochamada hoje?
[28/12, 11:11] Ana: Só a gente
[28/12, 11:11] Ana: Eu tenho uma coisa pra te mostrar
[28/12, 11:55] Pams: Como assim só a gente?
[28/12, 11:55] Pams: É quase sempre só a gente
[28/12, 12:07] Ana: Hm
[28/12, 12:08] Ana: Eu digo, sem chances de sermos
interrompidas
[28/12, 12:34] Pams: Bom, essa chance sempre existe
[28/12, 12:34] Pams: Mas eu posso dizer que vamos fazer
uma atividade e fechar a porta
[28/12, 12:48] Ana: Ótimo <3
[28/12, 12:48] Ana: Mesmo horário de sempre?
[28/12, 12:52] Pams: Combinado :)
E foi assim que eu cheguei ao ponto de estar na minha cama,
com o notebook perigosamente esquentando em cima do lençol e o
coração martelando no peito, a mente tentando lembrar o corpo de
que a respiração deveria ser uma ação automática e mecânica.
Talvez estivesse faltando ar no mundo. Ou talvez eu estivesse
tentando fugir do calor que estava sentindo, controlar o
incontrolável.
Mas não tinha para onde correr.
A chamada estava em tela cheia, a câmera exibindo o quarto
de Ana. Ela estava ali. Totalmente ali. Distante da câmera,
dançando devagar ao som de uma música lenta e ultrassensual.
Meus punhos estavam apertados ao lado do corpo, o olhar não saía
da tela um segundo sequer. Eu nem piscava. De costas, ela
começou a levantar a camisa. Tive a sensação de que todas as
pessoas antes de mim só viveram para que eu pudesse existir
nesse momento. Achei que fosse passar mal.
Ana continuava rebolando devagar, puxando a peça por cima
dos ombros, passando pela cabeça. Instintivamente cheguei mais
perto do computador, como se isso fosse tornar a imagem mais
nítida ou me fazer estar mais perto dela. Ela estava usando um body
de renda roxo claro, marcando sua cintura e valorizando seus seios.
Virou meio de lado, olhando parcialmente para a câmera, o cabelo
caindo sobre o seu rosto.
Continuou dançando devagar ao som da música, passando a
mão pelo corpo, pescoço, cabelo. Eu estava hipnotizada e rendida,
minha boca estava salivando. Não havia nem espaço na minha
mente para pensar em safadezas naquele momento, porque o que
estava acontecendo ali ao vivo era muito mais do que eu poderia
esperar.
Ela puxou a cadeira que costumava ficar em sua mesa e se
sentou de frente para a câmera, ainda no centro do quarto. Abriu as
pernas, passou as mãos pelos joelhos, se abaixando, e depois subiu
de novo. Levantou apenas o suficiente para começar a descer o
shorts pela cintura e sentou novamente, passando a peça pelas
pernas e jogando-a de lado. Só restou o body agora. Suas coxas
chamavam muita atenção e eu já não tinha mais vergonha de olhar.
Estava suando e tremendo. Jamais pensei que uma pessoa era
capaz de suportar tanta provocação e não morrer, e aqui estamos
nós.
Ana se levantou e colocou a cadeira de lado. Quando apoiou
os dedos no ombro esquerdo e começou a descer a alça do body eu
fechei os olhos, absolutamente surtando. Logo em seguida, abri de
novo, porque seria estúpido não olhar. Ela continuou descendo a
peça devagar, arrastando os dedos contra sua pele. A imagem às
vezes piorava do nada e eu sentia como se fosse morrer no instante
seguinte. Então se estabilizava de novo e eu voltava a desejá-la
com cada pedacinho de mim.
Eu estava muito molhada, dava para sentir. Fechei bem as
pernas e as cruzei meio de lado, me remexendo na cama. Mordi
meus lábios, sentindo minha respiração cada vez mais instável. Ana
manteve o body na altura da barriga, mas continuou dançando.
Seus seios balançavam com cada movimento, atraindo minha
atenção que não sabia onde focar. Reparei em seus mamilos, e
pensei de novo em passar a língua neles. Balancei a cabeça,
afastando esse pensamento. Se eu me deixasse levar por isso iria
morrer ao vivaço. Quando se virou de frente, não aguentei:
— Porra, se fuder — soltei, talvez alto demais. Minha voz
estava alterada.
Ela riu um pouco para a câmera, mas se controlou e
continuou seus movimentos. Apoiou uma das pernas na cadeira e
começou a descer lentamente o restante da roupa. Não tinha ideia
de como ela conseguia fazer aquilo sem tropeçar ou perder o
equilíbrio, mas não importava. Nada importava.
O body foi parar no chão, e também foi toda a minha
dignidade. Ela estava completamente nua ali, na minha frente. Bom,
ali, em vídeo e em cores. Eu estava sentindo frio há dez minutos,
mas agora parecia que eu morava dentro de um forno. Tirei meu
moletom e continuei a observando enquanto Ana dançava ao redor
da cadeira, balançava o cabelo, sorria e mordia os lábios. Ela era
um espetáculo inteiro, fazendo um show completo, música após
música.
Ela moveu os quadris, empinando a bunda na minha direção.
Engoli seco, me sentindo desnorteada e desejando que a imagem
fosse melhor para que eu conseguisse ver todos os detalhes. Se
virou de lado, passou a mão pelas coxas, subindo pela barriga e
contornando a curva dos seios. Levou uma das mãos até a boca e,
com a outra, massageou seus mamilos, depois passou os dedos
pelo pescoço e continuou subindo até os cabelos. Eu sentia que ia
desmaiar a qualquer momento.
Depois de uma eternidade curta demais de tortura lenta, ela
pegou uma toalha, se enrolou e sentou em frente ao computador.
Sorria como se tivesse acabado de desbancar o capeta, e, puta
merda, ela tinha. Eu estava sem palavras, não sabia se seria capaz
de formular uma frase sequer para conversar. As imagens ficavam
em looping na minha mente, repetindo e repetindo cada detalhe.
Seu olhar estava fixo em mim, me analisando. O maldito
sorriso não saía dos lábios, a face estampada de uma vitória em
algo que nem era uma luta, pra começo de conversa.
— Então… gostou?
Filha da puta.
— Se eu gostei?
— Uhum.
Filha da puta.
— Sim, Ana. Eu gostei. Você é linda, eu quase morri, eu tô…
— Parei, sem conseguir terminar.
— Você tá?
Suspirei, me remexendo na cama.
— Tô molhada pra caramba. — Minha voz saiu baixinha.
— Hm…
Maldita.
— E o que você vai fazer sobre isso? — ela perguntou,
sorrindo.
Filha. Da. Puta.
Estava medindo as palavras quando um alarme disparou no
celular dela. Ana estendeu o braço, desligou o som do aparelho e
sorriu mais ainda:
— Eu preciso ir, meu bem — disse, se levantando. Se
abaixou bem perto da câmera e sussurrou: — Você vai bater uma
pensando em mim?
Desgraçada.
Capítulo três
[15/01, 05:22] Ana: (áudio) Bom dia! Hoje acordei cheia de
energia, pronta pra matar três leões se for preciso!
[15/01, 05:23] Ana: (áudio) Já acordou, meu bem? Claro que
não né, são cinco e meia. Eu caí da cama, sei lá. Não consegui
voltar a dormir.
[15/01, 07:08] Pams: Bom… dia?
[15/01, 07:08] Pams: Mais pra boa madrugada
[15/01, 07:09] Pams: É claro que eu estava dormindo. Meu
despertador é só às sete
[15/01, 07:09] Pams: Como o de qualquer pessoa normal
[15/01, 07:15] Ana: Eu já lavei o banheiro
[15/01, 07:15] Ana: E peguei a roupa do varal
[15/01, 07:16] Pams: Eu ainda não levantei da cama
[15/01, 07:16] Pams: Meu deus, como você está nesse pique
todo?
[15/01, 07:16] Pams: A gente foi dormir eram tipo… duas da
manhã
[15/01, 07:19] Ana: (áudio) Tecnicamente eram duas e trinta
e dois. E bom, talvez seja isso. Eu fico meio elétrica quando durmo
pouco.
[15/01, 07:21] Pams: (áudio) Elétrica é uma coisa. Cê tá
parecendo fornecedora da CEMIG.
[15/01, 07:25] Ana: Cemig?
[15/01, 07:27] Pams: É
[15/01, 07:27] Pams: A empresa de luz
[15/01, 07:28] Ana: Aaaaaah
[15/01, 07:28] Ana: Que viagem
[15/01, 07:35] Ana: (áudio) Mas então, você já vai pegar
agora ou só mais tarde?
[15/01, 07:41] Pams: Pegaria você agora se pudesse né
[15/01, 07:41] Pams: Digo, só mais tarde
[15/01, 07:41] Ana: PAMS!
[15/01, 07:41] Ana: Queria
Fiquei olhando o celular por alguns minutos antes de criar
coragem para levantar. Me sentia levemente cansada, mas as
lembranças alegres da madrugada conversando nublavam esse
sentimento. Ana era fantástica, e até os momentos mais simples
que compartilhávamos eram muito especiais. Caminhei para o
banheiro e lavei o rosto, me preparando para o dia. Prendi o cabelo
em um rabo e fui escovar os dentes.
Enquanto eu ainda estava ali, o celular vibrou no meu bolso.
Peguei o aparelho e o rosto de Ana estava lá, indicando uma
chamada. Atendi somente com áudio e coloquei no viva voz:
— Ooooooooooooooooooooooooooi! — Ana disse, bastante
animada. — Bom dia de novo!
— Estou escovando o dente — respondi, tirando a escova da
boca por um segundo.
— Tudo bem, sem problemas. Só queria jogar conversa fora.
— Ela ficou em silêncio um minuto e escutei um barulho de água
caindo. — Estou lavando vasilhas também.
— A menina é uma máquina — murmurei.
— Ha, é. Mãe e Melissa saíram hoje, ela foi ao dentista. A
casa tá um silêncio… Uma pena você ainda estar nesse seu
processo de acordar que só termina depois do meio dia… A gente
podia, sabe, aproveitar…
Cuspi a pasta na pia.
— Você realmente acordou bastante animada hoje — eu
disse, antes de colocar água na boca e limpar a escova. — Sete da
manhã é muito cedo pra provocar outra pessoa, Ana.
— Eu sei, eu sei. Golpe baixo.
— Mas você me lembrou que preciso te enviar uma coisa que
achei outro dia. Me lembra de noite? Tá salvo no computador.
— Ah não, vai me fazer esperar o dia todo?
— Vou sim, pra ver se cê aquieta esse…
— Olha a boca, Pamela!
— Mãe! Por que está ouvindo minha conversa?
— Uai, cê bota isso no viva voz. Eu e metade do bairro
ouvindo você falar essas coisas aí sem nem tomar café. Pouca
vergonha.
Revirei os olhos. Escutei uma risadinha de Ana no telefone.
— Tia Marli é engraçada.
— Culpa sua isso! — respondi, colocando o celular no ouvido
e tirando a ligação do viva voz.
Saí do banheiro e passei no quarto para pegar um fone antes
de ir para a cozinha comer meu pãozinho sagrado.
— Ah, claro, porque você é a Madre Teresa de Calcutá né. A
bissexual pura, a intocável, buceta de ouro.
Gargalhei alto pelo corredor, indo pra cozinha.
— Mais santa que eu, amor, só duas de mim!
Ana riu do outro lado da ligação, e depois ficou em silêncio.
Encaixei o fone e sentei à mesa, preparando um pão com manteiga.
O som de água parou do outro lado e comecei a ouvir vasilhas se
chocando.
— Por que você vai mais tarde hoje? — Ana perguntou.
— Coisa de estoque que preciso resolver à noite. Nada
demais.
— Não vai perder a aula, né?
— Vou perder uns minutinhos, mas já avisei o teacher. — Se
minha mãe me visse falando de boca cheia teria um treco. — Você
me passa o que ele falar também.
— A aula não é tão legal sem você…
— Ih, começou a breguice — falei, segurando uma risada.
— Não falo mais também, besta.
— Tô te enchendo. Eu sei que sou uma estrela, qualquer
lugar fica menos legal sem mim.
— Exibida.
Dei uma risadinha. Era muito divertido esse bate e volta
interminável que fazíamos. Terminei de comer e bati as mãos,
limpando os farelos.
— Peraí — falei.
Limpei o lado da mesa onde eu tinha sentado e lavei meu
copo e alguns outros que estavam na pia. Peguei novamente o
celular, tirei o fone e o coloquei no ouvido:
— Ana, vou tomar um banho e estudar. Tem trabalho pra hoje
de Literatura Comparada.
— Posso ir com você, meu bem?
Parei por um segundo, considerando a ideia. Não seria a
coisa mais explícita que já fizemos, mas parecia íntimo de uma
forma nova. Senti calafrios no estômago, e a proposta parecia cada
vez menos absurda. Mesmo assim… não parecia o momento. Não
ainda.
— Quem sabe algum dia... Por enquanto fica combinado que
você vai me lembrar de te enviar aquele link, beleza?
— Tá bom, meu bem. Beijinhos.
— Beijos, até.
Encerrei a ligação, desliguei o wi-fi e me direcionei para o
banheiro de novo. Pretendia só jogar uma água no corpo para
terminar de despertar e poder fazer minha atividade tranquilamente,
mas a proposta de Ana ficava indo e voltando nos meus
pensamentos. Não consegui evitar a ideia de me mostrar para ela
em uma chamada de vídeo, imaginando como ela reagiria e o que
faria do outro lado. Se, como eu, ficaria em um misto de
insegurança e desejo que parecia quase demais.
Ou talvez presencialmente. Tenho pensado tanto em vê-la
que é impossível não desejar esse contato assim também. Não
necessariamente sexual, só… contato. Sua pele contra a minha, a
água caindo e sabão nos corpos. Suspirei. Tentei me concentrar na
água que realmente caía, no aqui e no agora, mas eu gostava tanto
da Ana que essa saudade de algo que nunca senti doía como o
inferno.
Saí do banho sem saber se estava mais triste ou mais feliz do
que quando entrei. Mesmo assim, mantive meu celular no modo
avião e tentei me concentrar na atividade. Sempre me questionava
se era preciso mesmo esse isolamento total, mas era fato que eu
não conseguia focar se houvesse a remota possibilidade do celular
vibrar enquanto eu fazia algo. Especialmente por eu sempre ficar
ansiosa por mais mensagens de Ana, sem saber se elas seriam um
meme, algo fofo ou um nude. Era difícil dizer o que eu ansiava mais.
Justamente por me conhecer, passei a confiar que era melhor
só deixar o celular desligado mesmo. Precisava fazer esse trabalho
maldito e comparar Hilda Hist com… alguma coisa. Ainda estava
decidindo com que coisa. Meu deus, esse professor era um saco.
Mas eu ainda queria me formar, então fiquei ali até a hora do
almoço, quando comi e fui para o trabalho.
As horas passaram rápido. Troquei poucas mensagens com
Ana durante a tarde, quando havia alguma brecha de tempo entre
os clientes.
[15/01, 16:16] Ana: Pensando em você...
[15/01, 16:16] Ana: Pensando em fazer coisas com você
[15/01, 17:30] Pams: Não me provoque em horário de
trabalho, senhorita.
[15/01, 18:00] Ana: Não fiz nada!
[15/01, 18:00] Ana: Aula vai começar ;)
[15/01, 18:00] Ana: Esperando você
Só vi essa mensagem às 18h20, quando saí correndo da
mercearia para casa. Eram poucas quadras de distância e, em oito
minutos contados, eu estava na frente do computador, arfando de
tanto correr. Abri o link da chamada e desliguei meu microfone antes
de entrar na sala:
— Para semana que vem… — o teacher Marcelo estava
falando algo. — Hello Pamela, bem vinda!
— Chegou cedo pra próxima aula — Vitor, um garoto da
turma, comentou.
Eu ri alto. Ativei meu microfone:
— Desculpa, gente, pode continuar, teacher.
Uma notificação do app de mensagens apareceu do lado da
tela, indicando uma nova mensagem de Ana. Me mantive séria,
lembrando que a câmera estava aberta.
[15/01, 18:31] Ana: Anotei algumas coisas pra você
[15/01, 18:32] Pams: Ótimo <3 Obrigada
[15/01, 18:32] Pams: Agora continua prestando atenção na
aula!
[15/01, 18:40] Ana: Eu queria… aquele link, sabe?
[15/01, 18:44] Ana: rsrsrsrs
[15/01, 18:49] Pams: Depois da aula eu mando
[15/01, 18:51] Ana: ;(
[15/01, 18:59] Pams: Dramática
[15/01, 19:04] Ana: Ótimo, caí com a chata da Keila
[15/01, 19:10] Pams: É só uma atividade
[15/01, 19:17] Ana: Você fala isso porque saiu com o Vitor,
sortuda
[15/01, 19:21] Ana: Agora cadê meu link?
[15/01, 19:24] Pams: Meu deus, cê mal saiu da chamada
[15/01, 19:25] Pams: Enfim, toma
[15/01, 19:26] Pams: https://abre.ai/texto-ingles-koda
[15/01, 19:31] Pams: Ele escreve umas putarias… Tem
algumas em inglês…. Aí achei que seria, sabe, legal para…
treinar… Sabe… O… Inglês
[15/01, 19:32] Ana: Treinar, sei
[15/01, 19:33] Ana: Já volto
Enquanto ela lia, fiquei passeando pela internet sem buscar
nada em específico. Estava imaginando as reações que Ana teria a
cada pedacinho do texto. Será que ela morderia os lábios? Ou será
que ficaria tensa e aflita como eu mesma tinha ficado? Talvez
ficasse se remexendo na cadeira, buscando uma posição menos
desconfortável para lidar com o tesão. Era difícil lidar com o tesão
nessas horas, especialmente sozinha. Mas... ela não estava
sozinha. Não exatamente, ao menos.
[15/01, 19:58] Ana: Vou te ligar, atende aí
[15/01, 19:58] (Ligação de vídeo de Ana)
— Meu deus, o que foi isso? — ela gritou. Respirou fundo,
passou a mão no rosto. — Meu deus, sabe?
— Gostou?
Ana abriu alguns botões da sua camisa, deixando à mostra
parte de seu sutiã.
— Aquilo é uma verdadeira obra de arte, meu bem.
— Não, a obra de arte só vem agora.
— Como assim?
[15/01, 20:05] Pams: (Vídeo)
— Vingança! Assiste aí — eu disse, dando um sorrisinho.
Era um vídeo estrategicamente filmado em um ângulo meio
confuso, que pegava parcialmente meu tronco e seios, cintura e
quadril. Eu estava me masturbando. O som era somente a minha
respiração, alguns gemidos e mais nada. Suor visível no meu corpo,
a luz do sol batendo na minha pele. Eu não tinha pressa, então era
um vídeo relativamente longo. Minhas expressões mudavam, o
corpo se mexia inteiro com cada movimento.
Ana estava encarando o celular, meio boquiaberta. Levantou
o olhar um pouco, e eu estava sorrindo para ela. Como quem não
quer nada porque já ganhei tudo naquela expressão confusa de
quem não sabe de onde veio o caminhão que causou o
atropelamento.
Ela levantou a camisa, revelando seus seios nus. Eu nunca ia
me cansar de reparar no seu corpo, nos seus detalhes, nos seus
mamilos e em sua pele marrom lindíssima. Minha respiração falhou
por um instante. Minhas mãos se mexeram sozinhas em direção a
tela, mas as voltei para a mesa. Eu ansiava por contato, por sentir
Ana sob meus dedos.
Tirou o notebook da tomada e caminhou em direção à cama.
A imagem estava bem perto de seu corpo, me fazendo de novo
tremer pelo desejo de lamber sua pele. Ana se sentou de frente para
a câmera. Eu estava tão concentrada em respirar que mal vi quando
ela tirou os shorts e jogou de lado.
Sentou sobre os joelhos na cama, mas eu só a via da cintura
para cima. Escutei baixinho o som do meu vídeo sendo reproduzido
de novo e de novo e mordi forte meus lábios quando ela começou a
se masturbar. Ana estava de olhos fechados, sua mão se movendo
devagar fora da minha visão. Sem pensar, falei:
— Abaixa sua câmera, quero ver melhor.
Ela segurou um gemido e sorriu. Abriu os olhos apenas
parcialmente e me encarou pela câmera.
— Meus olhos estão aqui em cima, senhorita. — Sua voz
estava levemente rouca e trêmula.
Meus dedos estavam formigando, meu coração martelava no
peito. Maldita.
— Sim, Ana. Eu sei. Abaixa mais a sua câmera.
Ela sorriu atravessado, ciente de que tinha o controle exato
do que eu poderia ver ou não. Eu gostava muito dela e de tê-la na
minha vida, mas ainda era muito desesperador e engraçado notar
como esses momentos sensuais pareciam uma troca de farpas. Era
quase como um jogo de xadrez feito de diversos movimentos
friamente calculados, cada jogada tentando levar o oponente à
loucura. Perder não era um castigo, e ganhar só era melhor por
questões de ego.
Eu tinha armado aquela cena para descobrir se ela ia
quebrar, e ela agora estava me devolvendo em uma moeda à altura.
Era meio cruel, e ela sabia, e sabia que eu sabia. Um jogo em
turnos, apertando nos lugares certos, empurrando os botões na hora
exata. E Ana, a filha da puta, estava conseguindo me tirar do sério.
— Ana…
Parecia que eu estava falando com uma parede. Só que uma
parede gostosa pra caralho, que estava rebolando nos próprios
dedos ao vivo pra mim, só pra mim, e fingindo que não tinha me
ouvido pedir pra ver. Merda, eu daria qualquer coisa pra ver. Mas eu
continuava com a visão dela ali, com os seios balançando, a cintura
no centro da tela e até a porra da internet pareceu que queria me
destruir, porque estava subitamente ótima e entregando detalhes
lindíssimos do corpo dela.
Era um pecado que essa mulher existisse a vinte horas de
distância de viagem. Sacrilégio que eu tenha gastado duas vezes
tudo que tinha juntado para vê-la porque a vida atropela os nossos
desejos. Um erro que eu não pudesse esticar minhas mãos e…
tocá-la, sentir sua pele, o suor, provar seu gosto.
Fechei os olhos e apoiei a cabeça para trás. Era frustrante
estar tão excitada e tão puta ao mesmo tempo. Com Ana e seus
desafios gratuitos à minha sanidade, com o universo, com o
capitalismo e tantas coisas.
— Pams… — ela sussurrou, me trazendo de volta para a
realidade.
Quando olhei de novo, ela estava mais inclinada para trás.
Minha visão estava meio turva, mas eu conseguia ver melhor agora
seus dedos se movendo, escutar como ela estava molhada e, como
sempre, Ana conseguia fazer o tesão vencer qualquer desgosto com
a realidade que estivesse tentando tomar conta de mim.
— Olha pra mim — disse, a voz mais baixa e falha. — Não
vou te torturar mais.
Segurei uma risadinha. Mentirosa do caralho. Ela não iria
parar, e eu não queria que parasse. Mas hoje, só hoje, era muito
bom poder olhar para ela ali, se mostrando pra mim enquanto eu
sentia uma leve tontura, apertava as pernas e me sentia latejar. Ela
continuava gemendo baixo, rebolando, se exibindo.
Desesperador.
Meus dedos tremiam de ansiedade e eu queria tanto me
tocar, mostrar pra ela como eu também estava molhada e como ela
era capaz de destruir minha sanidade. Mas eu não perderia um
segundo daquilo por nada, então fiquei ali por tanto tempo tentando
nem piscar que meus olhos começaram a doer. Diabo de mulher
gostosa, puta merda.
Ana mordeu forte os lábios, segurando gemidos enquanto
gozava. Ali. “Na minha frente” (infelizmente com aspas). Linda.
Absurdamente linda. Ela me causava todo tipo de reação absurda e
me fazia querer gritar e me quebrou completamente quando levou
os dedos a boca, sugou as pontas lentamente e disse:
— Caralho, só faltou você aqui.
Capítulo quatro
De: pamela_martins_garcia@email.com.br
Para: ana_clara_silva@email.com.br
Assunto: Aproveite :)

Sentada no banco de trás do táxi, penso em vingança.


Nesse prato de desejo marinado que estou regando há dias e
dias e dias e que me faz pensar em gritar. Penso nela. Abro seu
chat e vejo a última mensagem que trocamos: "Estou entrando
no táxi :)", eu disse; “Esperando você <3”, ela respondeu logo
em seguida. Me recuso a rolar para cima. Não por medo do
motorista ver algo que não devia, mas por saber que eu
dificilmente conseguiria controlar minhas reações aos nudes e
mensagens que lotaram nossa conversa nos últimos dias.
Ela era… diabólica. Impiedosa. Três semanas viajando a
trabalho, eu disse. Não vai ser tão difícil, não é mesmo? O
sorriso que ela deu… Eu devia ter notado. Agnes estava
planejando algo, e é claro que a minha sanidade estaria em
jogo. É claro que ela não me deixaria só… trabalhar. Não abrir o
chat não me impedia de pensar nas fotos. Era só fechar os
olhos e estava tudo ali: aquela deitada na cama, usando a
camisola que eu amava; aquela sentada no sofá só de calcinha
e blusa vendo Netflix; aquela tomando banho, que quase me
matou quando eu estava a caminho de uma reunião importante;
o vídeo onde ela sentava em um vibrador como se sua vida
dependesse disso.
Suspirei. Contava os minutos na minha cabeça e estava
em tempo de pular no banco do motorista e levar o carro até em
casa eu mesma. Me contive no lugar com o frio na barriga, o
desejo desesperado e a ansiedade que não me deixava ter paz.
Precisava vê-la, tocá-la, sentir seu cheiro, gosto, esmagar esse
misto de saudade e tesão que tornou tão difícil ficar longe.
Até me ajeitei no carro quando o motorista virou na
minha rua. Talvez um sexto sentido tivesse me aguçado a ideia,
e ela, de fato, estava sentada em um banquinho em frente ao
portão da casa. Mesmo dali, dava para vê-la em seu roupão cor
de rosa, usando as pantufas de unicórnio que compramos no
último natal, o cabelo solto, um sorriso no rosto ao avistar o táxi.
Como que pode a filha da puta ser tão bonita a essa hora da
manhã? Que pecado.
O carro parou e eu abri a porta, descendo tão rápido que
tropecei no meio fio e quase estatelei a cara no chão. Mas
Agnes estava ali, com seus braços desajeitados, mas
carregando a força que surge quando estamos assustados. Ela
me segurou. Ela sempre me segurava. Queria beijá-la ali
mesmo, mas me contive. Tinha tanta coisa guardada que era
capaz de começar e não conseguir parar. Peguei as mochilas,
paguei o taxista e entrei em casa. Senti os cheiros confortáveis
enchendo o meu peito. Café novo na cozinha, as tantas plantas
que Agnes tinha em todos os cômodos da casa, a comida do
cachorro recém tirada do pote.
Por um breve segundo, me senti tonta e inebriada. Quis
chorar. Como se essa saudade gigante no meu peito fosse algo
preso há um ano, não há semanas. Como se aqueles toques,
sensações, como se fosse ser a primeira vez, e não mais uma
depois de muitas e antes de tantas outras. Mas Agnes (com seu
sexto sentido em relação às minhas emoções) me puxou para
perto e encaixou seu rosto no meu pescoço, sua pele quente
contra a minha.
Me senti em casa de novo. Com os braços dela ao redor
da minha cintura, os lábios molhados deixando beijos na minha
nuca. O tecido macio do roupão roçando nos meus braços, me
mantendo com os dois pés no chão e afirmando: você está
aqui. Com ela. Nos braços dela. Nada, nada mais importa.
Agnes levantou uma das mãos e passou a ponta dos
dedos no meu queixo, pescoço, bochechas. Traçou o contorno
dos meus lábios e, por instinto, suguei seu indicador devagar.
Senti-a tremer contra as minhas costas e segurei um sorriso.
— Que saudade de você… — ela disse, sua boca colada
no meu ouvido.
Arrepiei inteira. Fechei os punhos, sem saber onde
colocar as mãos. Agnes levou os dedos para os botões da
minha camisa, abrindo-os devagar. Mexi o corpo, com a
intenção de ficar de frente para ela, mas ela apertou os braços
contra mim e segurou ali. Continuou com os botões, deixando
sua pele encostar ocasionalmente na minha, soprando quente
contra o meu pescoço, sussurrando contra o meu ouvido:
— Está com pressa?
— Recebi muitos nudes nos últimos dias, sabe como é.
Ela riu, os lábios contra a minha pele, o calor espalhando
como chamas pelo meu interior.
— Quem faria uma maldade dessas com você?
Revirei os olhos. Ela terminou de desabotoar a camisa e
subiu os dedos de novo pela minha barriga, passou pelos meus
ombros e desceu a peça, fazendo questão de manter sua pele
encostando sempre na minha somente o suficiente para me
manter tensa. Deu um passo para trás e o frio me atingiu
rapidamente. Mas logo me virou de frente e apertou seu corpo
nu contra o meu. Sem roupão, sem nada.
Fixei meu olhar no dela, sentindo tudo e nada ao mesmo
tempo. Era bom voltar para Agnes com uma certeza similar a
de que vai haver um sol no dia seguinte. Ser puxada, prensada,
esmagada contra a realização desse amor febril que eu sentia.
E então me beijou. Rápida, os lábios firmes, fios de cabelo
contra o meu rosto, o peso dos seus seios contra os meus, a
língua úmida na minha.
Agnes era o inferno e eu queria pecar.
Sua boca não deixou a minha enquanto eu desci os
dedos pelo seu rosto, toquei seus ombros, a lateral dos seus
seios, apertei sua cintura. Seu desejo transparecia em seus
movimentos, na sua urgência. Na forma como se remexia
conforme eu passava os dedos pela sua barriga, sentindo cada
curva e cada dobra.
Esse amor explodindo, esse desejo dilatado, eu queria
gritar. Ao invés disso, suspirei entre o beijo:
— Agnes… Eu quis tanto você.
Era uma verdade tão violenta que doía. Tinha sentido
tanta falta dela, dos beijos, dos carinhos, do toque, do corpo. O
aqui e agora pareciam uma versão surreal da realidade. Puxei-a
devagar em direção ao sofá. Tateei o caminho com os pés,
desviamos elegantemente da mesa de centro. Bem perto, parei
o beijo e me abaixei para tirar a calça. Não sabia se iríamos
para o quarto. Não sabia se queria ir para o quarto.
Olhei para cima, e ela estava ali me encarando. Seus
olhos brilhavam fogo, transparecendo tudo que me provocar
também tinha causado nela. Totalmente descompensada de
tesão, me sentei e a trouxe para o meu colo. Agnes abriu bem
as pernas e passou-as ao redor do meu quadril, inclinando o
corpo sobre o meu. Apertei sua bunda, trazendo-a para mais
perto. Passei a língua pelo seu pescoço, suguei devagar.
Ela apoiou as mãos no sofá e suspendeu o quadril,
forçando minha cabeça contra o encosto e deixando seus seios
sobre a minha boca. Seu olhar me dizia “por favor” e, caralho,
eu nunca diria não. Passei a língua pelo seu mamilo direito,
sentindo o gosto do suor misturado ao gosto da sua pele.
Trouxe minha mão esquerda para seu outro seio,
massageando, e subi a direita pelas suas costas.
Agnes tinha um cheiro indescritível. Sentir sua pele na
boca era sempre arrebatador e me dava tanta, tanta vontade de
tocá-la. Abri os olhos e ela estava mordendo os lábios, a
respiração curta e rápida. Olhava fixamente para mim.
Continuei sugando seus mamilos e ela começou a gemer
baixinho. Eu estava rendida e entregue, desesperada. Ela
estava... Merda. Ela estava tão excitada que eu podia jurar que
seus líquidos estavam escorrendo pela minha barriga. Passei
os dedos pela lateral do seu corpo, sentindo cada centímetro de
pele. Encostei devagar na sua cintura e ela se moveu um pouco
para trás, me dando espaço.
Desci mais a mão, observando como ela se arrepiava,
como sua expressão demonstrava tanta coisa em lábios
mordidos e olhos fechados. Até que finalmente a toquei,
molhada, o clitóris inchado, escorrendo.
— Porra — ela sussurrou, a voz bastante rouca.
Comecei movimentos leves, medindo suas reações,
matando a saudade devagar. Agnes não escondia os gemidos,
já sabendo o quanto eu ficava maluca de ouvi-la assim, tão
entregue. Ela rebolava nos meus dedos, pedindo por mais, mas
continuei como estava. Poderíamos ficar nessa dança lenta
para sempre, morrendo no pré-climax, se engasgando de tanto
prazer.
Eu era perdidamente apaixonada por ela, era difícil
negar. Ali, com um tesão absurdo, com a garota dos meus
sonhos rebolando nos meus dedos e matando toda a saudade
que esse tempo separadas criou. Apaixonada e ansiando por
sentar nela. Desesperada para sentar nela. Mas continuei
tocando-a, provocando vagarosamente.

Para ler o restante dessa história, senhorita Ana Clara, o pagamento


é a combinar :p
Espero que esteja c̶o̶m̶ ̶u̶m̶ ̶t̶e̶s̶ã̶o̶ ̶d̶o̶ ̶c̶a̶r̶a̶l̶h̶o̶ muito feliz. Beijinhos.
Te amo :)
Capítulo cinco
Era tarde, horas madrugada adentro. Eu não tinha uma gota de
sono. A chamada era pelo computador e nós duas estávamos só
jogando conversa fora. Nada demais, sabe? Nada demais. Ana me
mandou alguns memes e me contou sobre um livro que estava
lendo. Eu cantei um pouco, baixinho, só pra ela. Todo mundo estava
dormindo, esse momento era só nosso. Mais de uma vez, me
peguei só olhando para ela. O mundo lá fora era só o mundo lá fora,
e não importava. Não quando Ana fazia cara de séria lendo coisas
interessantes, ou quando seu sorriso se abria do nada, quando seu
cabelo caía sobre o rosto…
— Toda vez que abro meu e-mail é a mesma merda — Ana
disse, levemente irritada.
Troquei para a aba do vídeo. Ela estava concentrada, e só.
— Que foi?
— Cometi a burrice de botar uma estrelinha no seu e-mail, e
agora ele tá sempre aqui em destaque. Aí eu falo "ah, vou só dar
uma olhadinha...", e aquele final me deixa puta.
Se eu não a conhecesse, talvez até pudesse acreditar que
ela estava realmente brava. Não escondi uma risadinha.
— Eu te mandei a próxima cena, vai. É só ler no nosso chat.
— Eu sei, mas a ousadia, sabe? Você não tem vergonha
nenhuma na cara.
Revirei os olhos. Ela provavelmente nem estava vendo.
Besta.
— Minha única alegria é saber que esse mês vou conseguir
guardar mais dinheiro pra gente se ver.
— Sua única alegria, Ana?
— Você entendeu.
Mesmo fazendo a piadinha, eu ainda estava feliz. Avancei
devagar no “fundo matar a saudade e a vontade”, ou, como eu
carinhosamente apelidei, “fundo matar a Ana sufocada sentando na
cara dela”. Mas já precisei gastar esse dinheiro duas vezes antes,
então estava meio desconfiada. Ainda assim, eu podia sonhar. E
escrever, eu também podia escrever. Podia mandar fotos, provocar,
ser provocada. Podia babar olhando para tela, porque Ana é linda
pra caralho.
Nada como estar puta, com saudade e com tesão.
Apoiei o corpo para trás, no travesseiro, e deixei o notebook
escorregar pelo meu colo. Fiquei olhando para o teto, escutando o
som tranquilo de Ana digitando no computador. Sem querer,
comecei a repassar seus detalhes em minha mente. O sorriso, o
cabelo, a curva do pescoço, a barriga, as coxas, a cicatriz. Pensei
nos seus seios, e então fechei os olhos, sem saber se queria fugir
da sensação de desespero ou correr em direção a ela.
Minha respiração estava lenta, sua imagem cravada como
fogo atrás das minhas pálpebras. Eu a via todos os dias nos meus
sonhos, isso daqui era fichinha. Do outro lado da tela, o som do
teclado continuava. Não ousei olhar para a imagem na câmera,
temendo um colapso. Pensei em beijá-la. Tanto e tantas vezes que
meu coração sentia que, se eu levantasse a mão, ela iria estar ali,
só esperando que eu a puxasse para mais perto de novo.
Mas ela não estava.
E quando levei a mão até a minha boca, senti toda a
sanidade que me restava escorrendo. Suguei a ponta dos meus
dedos pensando nos dedos dela. O som do teclado parou
subitamente. Ana era a causa dos meus delírios mais insanos e
profundos.
Sem pressa, abri alguns botões da minha camisa. O único
outro som do ambiente era de uma respiração se misturando à
minha. Uma respiração que estava ao mesmo tempo tão perto e tão
longe. Tão desesperadamente longe. Hesitei, tremendo. Distância,
muita distância.
— Continua — Ana disse, me trazendo de volta.
Espiei a minha imagem na câmera, o ângulo péssimo e
mostrando tão pouco. Mesmo assim, Ana nem piscava. Dava para
ver seu olhar perfeitamente agora que ela também tinha comprado
uma ring light. “Blogueira? Não senhor. É pra me verem melhor”. Eu
queria mesmo vê-la melhor. Queria explodir a tela do computador e
me teletransportar.
— No que você está pensando? — insistiu.
Apertei meus punhos contra o peito. Raiva. Não, não era
raiva. Desespero. Ânsia. Eu queria gritar.
— Queria você aqui.
Ana suspirou. Passei a ponta dos meus dedos pela minha
pele, tentando sair dessa espiral. Não tínhamos tudo, mas tínhamos
o aqui e o agora. E esperança, doses cavalares de esperança e
vontade e desejo. Talvez os três em dosagem mais alta do que seria
saudável para a minha sanidade. Mas quem disse que eu queria
sanidade?
— O que mais você está pensando? — Ana provocou. Olhei
de novo para o computador. — Eu sei que tem mais.
Respirei fundo e desatei a falar:
— Tô pensando na gente. Na distância. Em passar vontade.
Em passar tanta vontade que todo dia eu acho que vou explodir e
derreter e virar uma pocinha d’água. E tentando não pensar em… —
Minha voz falhou. Pisquei muito, afastando as lágrimas.
— Pams… ô meu bem… não chora. Isso, isso vai mudar. A
gente vai conseguir. Em algum momento. A gente vai…
— Vamos mudar de assunto? — Eu me sentei.
Limpei os olhos, dei uns tapinhas no rosto. Era pra ser uma
madrugada feliz e potencialmente picante, não um festival de
lágrimas. Fiquei sentada ali um minuto, em parte olhando para a tela
e em parte totalmente distraída.
— Você é tão linda — Ana falou, a voz baixa, mas clara.
Olhei para baixo e lembrei que a camisa tinha ficado aberta
pela metade, revelando um sutiã até que bonitinho e um pedaço da
minha barriga.
— Era nisso que eu estava tentando não pensar.
— Em como você é linda?
— Não. Você falando assim. Você, Ana. A sua boca. A
vontade insaciável que tenho todo dia de beijar a porra da sua boca.
Quando eu te vir… Meu Deus.
— Vai fazer o quê?
Apertei tanto os dentes que senti minha mandíbula doer.
Fechei os olhos, mordi os lábios. Por que… por que eu me colocava
nessas situações? Por que eu queria essas situações?
— Você quer me ver doida, Ana?
— Uhum.
Olhei para a tela de novo. Em algum momento nos últimos
minutos ela tinha tirado a própria camisa e estava agora somente de
top. Seu cabelo já estava crescendo de novo e alguns cachos já
balançavam próximos do queixo. Ela estava inclinada em direção à
câmera, e a luz, a luz me deixava ver melhor o volume dos seus
seios e o formato dos seus lábios, a curva do seu nariz, as
bochechas. Que se foda. Pode explodir o mundo inteiro.
— Eu vou... — hesitei. Ana sorriu, me encorajando. — Eu
quero muito te apertar contra a porta do seu quarto. Quero… lamber
o seu pescoço… Quero… tirar a sua roupa. Devagar. E arrastar os
dedos pela sua nuca e… e…
Ana estava totalmente inclinada em direção a câmera agora.
Atenta, os olhos bem abertos. A boca terrivelmente atraente.
Tentação. Uma lembrança.
— E… — ela novamente incentivou.
Se eu me esforçasse, veria a alma diabólica ao redor dela.
Ela estava brincando comigo. Ruindo a minha sanidade. Assistindo
o meu colapso ao vivo, incentivando-o, provocando-o. Tremendo,
continuei:
— E passar as mãos na sua cintura, e descobrir se seus
lábios são realmente tão macios e deliciosos quanto parecem. Eu…
quero sentir a sua pele contra a minha e, caralho, como tá quente.
Meu Deus.
Ana balançou a cabeça, rindo.
— Quem poderia imaginar, não é mesmo? — Ela parecia
escolher as palavras com cuidado, sua voz mais arrastada que o
normal.
Claramente eu não era a única afetada por essa brincadeira.
Levantei para ligar o ventilador e me senti desconfortável nos meus
shorts. Molhada e puta. Muito de ambos. Tirei a camisa e deixei em
cima da cômoda ao lado da cama. Passei as mãos atrás do corpo e
soltei o fecho do meu sutiã e, é claro que nesse exato momento
meu irmão abriu a porta:
— Pamela, você ou a Ana podem me ajudar com essa
matéri…. — quando ele levantou a cabeça, era quase tarde demais.
Quase.
Segurei um grito na garganta. Pelo canto do olho, vi Ana na
tela com as mãos sobre a boca, segurando uma risada histérica.
Mantive as mãos para trás, sem conseguir fechar novamente o sutiã
no lugar, mas sem poder soltá-lo. Respirei fundo. Nicolas se virou de
lado, olhando para o teto.
— Você podia bater na porta! — falei, alto demais.
— Não grita, a mãe tá dormindo.
Tentei pegar a blusa e vesti-la com uma mão só, sem piorar o
constrangimento da situação. Nicolas continuava parado, meio de
costas. Evitava me olhar.
— A luz estava acesa, achei que… — ele tenta formular.
— Às duas e meia da manhã, claro que eu estaria disponível
para tirar suas dúvidas! Que mente brilhante a sua. Entrou na
faculdade assim, foi?
— Era só ter trancado a porta! Sabe? Essa invenção genial, a
chave. É só girar.
Maldito. Idiota. Depois de outro silêncio constrangedor,
finalmente consegui abotoar a blusa e terminar de tirar o sutiã assim
mesmo.
— Oi, Nicolas — Ana falou pela chamada.
— Oi, Ana. Desculpa interromper vocês.
Lancei um olhar mortal para ele. Ana riu.
— Dá tempo se eu te ajudar amanhã cedo? Antes do almoço
mesmo.
— Não, tá tudo certo. Pode ser amanhã.
— Beleza. Me manda mensagem quando você estiver
acordado. E pode deixar que dá próxima eu lembro sua irmã de
fechar a porta — Ana continuou.
— Tá bom. Obrigado.
— Desculpa, tá — falei, me aproximando dele. — Só…
— Não quero saber das putarias que vocês estavam prestes
a fazer. — Nicolas caminhou em direção à porta. — Acho que nós
dois aprendemos uma lição hoje.
Ele saiu para o corredor e continuou para a cozinha.
— Boa noite irmãzinha. Tente não acordar a mãe com seus
barulhos.
— Ei! Boa noite, Niquinho.
Ele levantou o dedo do meio para trás ao ouvir o apelido de
infância que odiava.
Voltei para o quarto e dessa vez me certifiquei de que a porta
estava trancada. Duas vezes. Só pra ter certeza mesmo. Peguei o
computador e coloquei no apoio ao lado da cama, virado para mim,
e me deitei de frente para a tela. Ana estava me encarando.
— Eu não acredito…
— Não vamos falar disso — respondi. Esfreguei os olhos,
cansada. — É isso que eu chamo de corta clima.
— Acontece.
Ficamos em silêncio. Eventualmente Ana parou de digitar e
começou a se preparar para dormir também. Acompanhei devagar
seus passos ao redor do quarto guardando algumas roupas e
sapatos, pegando mais uma coberta contra o tempo frio e calçando
meias. Sorte. Acaso. Destino. Todas essas coisas juntas.
Ana se deitou do outro lado da tela, o rosto pálido sob a luz
do computador. Tinha o olhar sereno, o rosto um pouco cansado.
Sorriu:
— Boa noite, Pams. Te amo.
— Noite, Ana. Te amo. Sonhe com anjinhos.
— Vou sonhar com você, sim.
Capítulo seis
onde_nasce_o_tesao_versao_final_02.docx

Ana:
Não estávamos conversando nada sério. Era algo sobre um
lançamento famoso recente que tinha tudo para ser muito bom,
ou… qualquer coisa do tipo. As nossas vozes eram abafadas
pela quantidade enorme de conversas paralelas rolando pela
casa e pelas músicas destoantes que tocavam em caixas de
som espalhadas (na piscina, na cozinha, vindo do andar de
cima). O importante é que eu esqueci tudo isso quando ela
parou, olhou dentro dos meus olhos, respirou fundo e disse:
— Por que você escolheu essa roupa para vir hoje?

Pams:
A frase em si me causou estranhamento, mas o tom não
era acusatório. Não, era um tom indignado. Levemente raivoso.
Me segurei para não olhar para baixo e relembrar o óbvio: eu
usava uma saia justa preta, uma blusa com um decote
potencialmente excessivo, um harness a segurando no lugar e
impedindo que o look inteiro desmoronasse. Armei o meu pior
sorriso.
— Eu queria fazer as pessoas sofrerem.
Ela fechou a cara. Arqueou as sobrancelhas. Cruzou os
braços. Eu sorri mais, calculadamente.
— Que foi?
Sami continuou me encarando, até finalmente revirar os
olhos e dizer:
— Tem um quarto no segundo andar que está trancado.
Vou colocar a chave na sua bolsa daqui a pouco. Você vai subir
e me esperar lá. Discretamente, claro. Que tal?
Me senti tão vitoriosa naquele momento que se eu fosse
para casa sem fazer algo, ainda assim estaria satisfeita.
Segurei cinquenta demônios se digladiando de alegria dentro
de mim, mordi os lábios para conter um sorriso e respondi, fria:
— Sim, claro.

Ana:
Então ela se aproximou em câmera lenta. Ou talvez em
velocidade normal, mas eu me lembro em câmera lenta. Me
abraçou casualmente, esbarrou sem querer na minha bolsa,
beijou minha bochecha fazendo mais som do que considero
saudável para a minha sanidade e se afastou como se fosse
embora.
Fiquei ali por um minuto, paralisada pelas milhões de
coisas que me empurravam em direção ao quarto e me
puxavam de volta para esse momento preso no tempo. Estiquei
meus dedos em direção a bolsa e senti a chave fria entre as
minhas coisas. Não aguentei e sorri. Quem eu queria enganar
achando que poderia só ir embora?
Passei pela sala tranquila, parei um pouco perto da
estante e observei a quantidade pavorosa de livros levemente
empoeirados que se acumulavam ali. Passei pela escada e foi
inevitável notar que, vez ou outra, alguma cabeça se virava na
minha direção, mas desistia ao me ver continuar meu caminho.
Eu não iria parar agora. Precisava descobrir o que me
aguardava do lado de dentro daquele quarto.

Pams:
Foi fácil descobrir qual porta estava trancada. Todas as
outras estavam entreabertas, ou deixavam escapar muito mais
sons pelas beiradas do que as pessoas de dentro poderiam
imaginar. Essa, no fim do corredor, permanecia fechada. Sem
olhar para os lados, passei a chave na fechadura, entrei, e
tranquei-a novamente. O quarto estava escuro, então tateei
procurando o interruptor ao lado da porta.
Era só um quarto. Normal e simples, com nenhuma
característica particular que me saltasse aos olhos. Uma cama,
guarda roupa, cômoda. Móveis simples, básicos e tudo meio
monocromático. Sami ainda não estava aqui. Por um segundo,
me perguntei se isso era algum tipo de pegadinha de mal gosto.
Mas não era. Não podia ser. Então eu sentei e esperei.

Ana:
Mas não demorou muito até que a porta se abrisse,
mostrando uma Sami com menos roupas — ela deve ter
deixado o casaco em algum lugar, ou com alguém. A blusa
tinha alças finas e um decote modesto. Modesto. Soltei uma
risada nervosa. Não tinha nada de modesto nessa mulher. Ela
caminhou reto em direção à janela, que dava para o andar de
baixo. Conferiu o trinco e fechou as cortinas. Levantei-me para
segui-la, mas ela se virou rápido e me empurrou contra a
parede.
— Então você queria fazer as pessoas sofrerem? —
Sami sussurrou no meu ouvido.
Sorri contra o pescoço dela, sentindo seu cheiro explodir
no meu interior.
— Bom… — ela disse, alternando beijos e sopros de ar
quente contra o meu pescoço. — Como você pretende pagar
por me fazer sofrer?

Pams:
Tremi inteira por dentro. Aquilo parecia um prêmio por
algo que eu nem sabia como tinha ganhado, e agora só faltava
devorar com a boca. Ou ser devorada com a boca. Sami tinha
um sorriso maldito de quem sabia muito bem como jogar esse
jogo. De raiva e desejo, juntei meus lábios nos dela sem hesitar.
Sua língua era quente e suas mãos se juntaram na minha nuca,
apertando meu cabelo e colando nossos corpos.
Os pontos de sua pele que encostavam em pontos da
minha queimavam febris. Sami desceu uma mão pelo meu
pescoço, escorregou os dedos para dentro do meu decote e
sorriu contra os meus lábios ao confirmar que eu não estava
usando sutiã.
— Você não tem juízo, Nix. — Ela estava longe o
suficiente apenas para as palavras saírem com murmúrios
quase incompreensíveis.
Ana:
Mas eu entendia. Eu sempre a entendia. Ou quase
sempre.
— Eu disse. Fazer sofrer — murmurei de volta.
Seus lábios cheios não saíam desse sorriso que era
atrevido e indignado ao mesmo tempo. Sami pinçou um de
meus mamilos com os dedos e apertou um pouco.
— Dá pra tirar essa camisa sem tirar… isso? — ela
apontou para o harness.
Desajeitada, soltei os botões e puxei a camisa por dentro
do harness, tomando cuidado para não estragar nada. Ainda
pretendia ir embora vestida com alguma coisa. Joguei a blusa
sobre a cama. Sami sorriu para mim, curvou o corpo, passou a
língua pelos meus mamilos, subiu pelo meu colo, lambeu meu
pescoço, sugou o lóbulo da minha orelha.
— Você fica tão terrivelmente gostosa com isso — Sami
sussurrou.

Pams:
Ela começou a massagear meus seios com as mãos e
colou os lábios nos meus de novo, tremendo, ardendo. Dava
para notar um quê de raiva e ânsia na forma como ela me
devorava e sugava, e eu só queria mais daquilo. Muito mais.
Sami me puxou em direção à cama sem separar a boca
da minha. Caí de costas contra o colchão sem perceber, e sorri
ao vê-la tirar a blusa antes de passar as pernas ao redor das
minhas, descer o corpo sobre o meu e unir nossos olhares de
novo.
Terrivelmente gostosa era ela. Puta merda.

Ana:
Seu cabelo caiu sobre o meu corpo, seus seios colados
contra os meus e naquele momento o que ia acontecer se
tornou real de verdade na minha cabeça.
— Tem certeza disso, Nix?
Certeza. Desejo. Necessidade. Beijei-a de novo, rápido,
segurando firme nos seus cabelos com uma das mãos e a outra
tremendo enquanto se arrastava pelas costas nuas de Sami.
Pensei no inferno. No lugar específico onde esse desejo se
condensava dentro de mim e que queria muito ressoar em
todos os cantos.
Minha mente foi dominada pela lembrança do gosto dela.
Não conseguia parar de pensar na quantidade infinita de tempo
desde a última vez que senti esse gosto e em como isso
parecia uma urgência que eu precisava resolver.

Pams:
Então eu inverti nossas posições na cama e fiquei sobre
ela. E beijei sua boca, e desci a língua pelos seus mamilos, e
arrastei os lábios pela sua barriga, e fiquei ali encarando os
botões da sua calça por um tempo. Pensando. Ânsia. Desejo.
Pulsando.
...

Ana:
… tem dois dias que tô vendo você com o cursor parado
aqui, mas você não me disse pra continuar então...

Pams:
Ai, sei lá. PAREI. PAROU. CANSEI. INFERNO
Toda vez que tento continuar, eu só consigo pensar em
você e sentir desespero. (ânsia, desejo). Não aguento mais
esperar e esperar pra te ver :( isso tá me deixando com umas
saudades (e vontades) muito específicas… então, é, acho que
parei

Ana:
Ô meu bem… A gente… a gente vai passar por isso. Tá
mais perto do que nunca, né? Só mais um tempinho.
Esse texto vai ser fichinha perto do que vamos fazer.
Capítulo sete

Querida Pams,

Espero que esteja lendo essa carta antes de abrir a caixa. Eu


sei que coloquei em cima bem grande “leia antes de abrir”, mas
sei que, além de obediente, você é teimosa. Mais teimosa que
obediente. Mesmo assim, vou escrever essa carta assumindo
que você seguiu o meu conselho.

No fundo, acho que você já sabe o que é. Ou suspeita do que


é. Se isso aumenta ou diminui a sua ansiedade eu não sei. (Sei
sim. Aumenta). Mas enfim, foco. A gente falou disso há
algumas semanas. Antes da gente falar, eu já estava pensando
nisso.

A gente é um fogo ardendo, né? Uma ansiedade desesperada,


um desejo caótico. Chamas. Queimando devagar.

Mas também… bregas. Ontem foi a primeira vez que tive


coragem de lavar a camisa que você me mandou pelo correio.
Três semanas dormindo abraçada com ela. A situação estava…
deplorável. Minha mãe jogou ela na máquina antes que eu
acordasse. Acho que mereci essa.

Vou guardando esses pedaços de memórias de nós duas. Tipo


o bilhete que veio com a primeira comidinha que você mandou
entregar aqui em casa. Nem é a sua letra!!! Mas está aqui. Ok,
estou particularmente apaixonadinha hoje. É meio irônico,
considerando o que está na caixa.

Ou talvez não?

Eu te amo, Pams. Desesperadamente. Ansiosamente. Gritando,


fervendo embaixo da minha pele. Não escondo isso, você sabe.
Nos conhecemos há mais de um ano e esse foi, de longe, sem
sombra de dúvidas, o melhor ano da minha vida. Mesmo que
metade desse tempo eu tenha passado desafiando a minha
própria sanidade por não poder te ver. Mesmo que eu várias
vezes tenha pensando que ir parar no Serasa nem seria tão
ruim assim se fosse pra te ver (seria, sim, por favor, não fica
brava. É uma piada!).

Mesmo que sejam quilômetros demais. Mais do que o tolerável.


Eu faria essas vinte horas de viagem sem hesitar se pudesse.
Já teria feito. Sei que você também. Até lá, te provoco. Inclusive
com o que está na caixa (não abra ainda. Espera!). Você me
provoca. E a gente se deseja. Eu sonho com você de novo. E
de novo. E de novo. Escrevo histórias que não conseguem
descrever uma fração do que sinto. Por isso escrevo várias.

Paro do nada durante uma aula lembrando da vontade


incontrolável que estou de colocar a mão no seu pescoço e
virar seu rosto para o meu e escutar sua voz no meu ouvido.
Sigo em frente, mas a necessidade de sentir o seu gosto, de
tocar o seu corpo e de descobrir do que você gosta e como
gosta está gravada em minha mente. Nunca dá pra escapar.

Penso em você durante o banho. Penso em você tentando


dormir. Depois que eu já dormi. Logo que acordo. E depois tudo
de novo. E é um inferno, mas é o melhor inferno do mundo. É o
único inferno possível.

Já não lembro como era a vida antes de te conhecer. De


alguma forma, sempre que penso no passado, parece que você
já estava ali. Como se já estivesse há uma vida ao meu lado e
conhecesse cada detalhezinho da minha mente e do meu
corpo. Só falta o corpo. Mais ou menos. A gente supre essa
falta com fotos e vídeos e sons e áudios e chamadas e ligações
e é só um paliativo, mas está nos mantendo unidas. Ainda bem
que eu posso te ver. Ainda bem que não são só cartas como
esta.
Fico pensando muito em como foi sem querer que eu parei
nessa aula de inglês. E meio que foi sem querer que você
parou nela também. É difícil ser menos brega quando tantas
pequenas coincidências colocaram a gente aqui. É difícil
continuar falando em pequenas e coincidências quando algo
mudou tanto o rumo da minha vida. Da sua também.

Talvez essa carta seja uma prova física do estereótipo de


sáficas emocionadas. Eu não ligo. Nada do que estou falando
aqui é novo pra você, mas é o que eu disse sobre me agarrar
em pequenas memórias nossas. Acho que essa carta pode ser
uma pequena memória nossa.

Pra você não se esquecer de mim e se agarrar a ela quando a


saudade de algo que você nunca teve se tornar insuportável.
Conheço essa sensação bem demais. Sua camisa é a prova
viva disso. Ela está terminando de secar no varal e vou trazê-la
de volta para a cama. Não vai mais ter o seu cheiro. Eu vou
sentir falta dele como sinto de você.

De um abraço que nunca senti.

Da sua mão na minha cintura e isso nunca aconteceu.

Do seus lábios mordendo os meus e isso só existe nos meus


sonhos.

Pams, eu te amo.

Esse presente é mais uma safadeza, é claro. A gente gosta


disso. Tentei encontrar algum que fosse controlável à distância,
mas dava pra pagar a ida pra sua casa com o valor de um que
presta. Esse vai ter que servir (e eu sei que vai, e muito bem).

Vou te dizer: aproveite. Uma hora vai ser eu. Finalmente vai ser
eu, com meus dedos, com o seu suor, com os nossos corpos e
a pele contra a pele. Até lá, meu bem, aproveite. Quero todos
os seus dias felizes, quero que seu coração (e outras coisas)
transbordem. Amor, tesão, alegria, desespero, calma.

Quero tudo que o futuro tem para nós duas com a voracidade
que só uma sáfica emocionada pode querer.

Saiba que aceito vídeos de teste com o vibrador (se você tiver
sido obediente, isso foi um spoiler. Você foi obediente, Pams?).
Os vídeos são um pedido, não uma exigência. Mas ouso dizer
que você vai se divertir mais gravando eles do que eu vou me
divertir vendo. Ou talvez não.

Difícil dizer.

Feliz um ano e alguns meses de amizade e alguns meses de


amor e algum tempo de namoro. Eu sou péssima com datas, e,
também, não é sobre nenhum dia especial. É sobre você e o
nosso amor.

Eu já disse, mas de novo: te amo.

Beijos ansiosos, molhados e quentes,

Ana
Capítulo oito
[15/06, 18:10] Pams: A sua caixa chegou enquanto eu estava no
trabalho
[15/06, 18:10] Pams: Há uns dois anos, minha mãe abriu uma
caixa que comprei e encontrou várias lingeries. A gente brigou feio e
ela nunca mais abriu nenhuma encomenda minha
[15/06, 18:10] Pams: Estou extremamente grata à Pamela do
passado por ter comprado essa briga
[15/06, 18:11] Pams: Porque eu definitivamente não queria ter
essa conversa agora
[15/06, 18:12] Pams: Eu… nem sei o que dizer
[15/06, 18:15] Ana: Eu não sei se você está triste ou feliz e
agora estou levemente preocupada
[15/06, 18:15] Ana: Levemente
[15/06, 18:16] Pams: Por que eu estaria triste?
[15/06, 18:16] Ana: EU SEI LÁ, ME DIZ VOCÊ
[15/06, 18:18] Pams: Eu só preciso de um banho. Mas não
quero tomar banho. Estou hipnotizada. Você é uma filha da puta.
“Isso tudo é ao mesmo tempo incrível e um tipo muito específico de
inferno”. Você já ouviu essa frase? É como me sinto agora. A carta
é, tipo, tão linda. Quero morar nela. Desaparecer entre as linhas e
talvez eu apareça aí do seu lado só do tanto de vontade que estou
de você agora. E nem é só especificamente vontade de foder (que
também tem, muita. Não vou negar que abrir aquela caixa me
deixou surtada em um nível que eu desconhecia. Eu não fazia ideia
que podia querer mais ainda dar pra você). É uma vontade
desesperadora de existir no mesmo lugar que você, sabe? De ter
mais do que textos, mensagens, vídeos, chamadas e cartas podem
oferecer. Não estou reclamando. Por favor, não ache que estou
reclamando (sei que você sabe que não estou reclamando e que
sabe exatamente de que sensação absurda estou falando. Essa
mesmo). Queria saber que a gente vai existir mais que em um breve
espaço e que, sei lá, posso ir dormir e você não vai ter desaparecido
e que é real, mais real do que sou capaz de conceber... e Ana eu te
amo. Muito. Meu Deus, eu perdi a compostura hahaha por causa de
uma carta. E de um vibrador. E, sim, é claro que você vai me ver
usar. Ao vivo. Nada de vídeo. No horário de sempre? :)
[15/06, 18:19] Ana: (Foto)
Ela estava apoiando o rosto com uma das mãos e seus olhos
estavam brilhando de lágrimas. Seus lábios estavam apertados e a
cabeça meio de lado, a foto toda meio escura devido ao horário e a
falta de iluminação no quarto dela.
[15/06, 18:20] Pams: Tão linda e chorando? Para, né.
[15/06, 18:21] Ana: Você não consegue se levar a sério, né?
HAHAHA
[15/06, 18:21] Pams: É meu charme
[15/06, 18:22] Ana: Te amo, besta. Te espero no mesmo
horário. Agora VAI TOMAR BANHO
[15/06, 18:23] Pams: Manda mais que eu obedeço hehe
[15/06, 18:23] Ana: !!!!!!!!!!!!!!
Foi um inferno tomar banho. Cada movimento que eu fazia
me lembrava do que me esperava mais tarde e do que Ana estava
fazendo comigo. Meu corpo inteiro estava em uma antecipação
nervosa, a mente trabalhando duro em projetar cenários atrás de
cenários de como poderia se desenrolar a chamada mais tarde. Eu
não tinha nada a reclamar de nenhum deles, é claro, além do fato
de que ainda estávamos fazendo tudo isso pelo computador. Me
arrepiei inteira tentando me limpar no banho e minha vontade era
mandar a chamada pro espaço e só resolver tudo ali mesmo, mas
me mantive forte. Eu não acreditava em retribuição ou dever, mas
acreditava em compartilhar momentos. E aquele momento merecia
ser compartilhado. Me agarrei nessa certeza enquanto vestia um
pijama, tentando me distrair até que a hora chegasse.
Depois do banho, acompanhei minha mãe e Nicolas em um
jantar silencioso. Dava pra ver no olhar dos dois que eu estava
estranha e que eles tinham percebido isso, mas ambos mantiveram
a conversa amena o suficiente para que eu saísse ilesa da mesa.
Quando voltei para o meu quarto, depois de lavar as vasilhas,
entretanto, Nicolas me parou e falou baixo:
— Lembra de fechar a porta hoje, hein?
— Não sei do que você está falando! — respondi, minha voz
em um agudo que me entregou.
— Você está com cara de quem vai dar hoje, Pamela. Até a
mãe percebeu. — Nicolas estava rindo da minha cara. O pirralho
estava rindo da minha cara.
— E desde quando você sabe como é cara de dar?
— Nem adianta tentar me ofender para esconder sua
vergonha. Só promete que vai lembrar de trancar a porta. Beleza?
— Ele fez joinha com as duas mãos e se virou na direção do seu
quarto.
— Tá.
— De nada!
Entrei no quarto puta e, de fato, tranquei a porta. Depois abri
e tranquei de novo, pra ter certeza. Testei a maçaneta dez vezes
antes de ficar tranquila. Aproveitei e fechei a janela também, e as
cortinas. Liguei o ventilador fraquinho. Esse menino era insolente,
mas não estava errado. E, mesmo depois dessa enrolação toda,
ainda estava meia hora adiantada para nossa chamada diária.
[15/06, 20:31] Pams: voltei…
[15/06, 20:31] Pams: já está por aí?
Ana não respondeu. Talvez estivesse ocupada, ou talvez
fosse de propósito. Provavelmente um pouco de ambos. Fiquei
encarando a porta do meu guarda roupa pensando na caixinha que
repousava em meio a maquiagens, brincos, colares e mais um tanto
de pequenas coisas. Sentia meu estômago queimar e os dedos
trêmulos. Levantei em um salto e peguei a caixa, trazendo-a para a
cama. Nenhum sinal de Ana. Aproveitei e trouxe também o
computador e a cadeira, já pensando em um esquema que não
colocasse em risco o aparelho. Não poderia existir a possibilidade
dele cair e quebrar, não a essa altura do campeonato. Eu teria um
treco.
Voltei a encarar a caixa. Como Ana tinha conseguido me
deixar tão despreparada para essa situação, eu não fazia ideia. Não
era vergonha, era uma tensão ansiosa pela visão que ela teria,
misturada com um desejo febril que estava me deixando tonta e a
curiosidade da sensação de usá-lo. Conferi o chat mais uma vez.
Nada.
[15/06, 20:42] Pams: Acho que vou entrar na nossa chamada,
e aí você entra quando puder :)
[15/06, 20:42] Pams: Não tô ansiosa não, tá? Não tem
ninguém ansioso aqui
Abri o notebook um pouco a frente, sobre a cama, e entrei no
site da chamada. Deixei a câmera e o microfone abertos e conferi o
volume, que precisava estar alto o suficiente para que eu escutasse,
mas baixo o suficiente para que a casa inteira não escutasse junto.
Parecia tudo certo. Ainda faltavam doze minutos. Abri a caixa e
conferi pela quinta vez se as pilhas estavam com carga e
funcionando. Estavam. Ele ficou poucos segundos vibrando contra
os meus dedos, mas foi o suficiente para me deixar desconfortável
de novo. Meu Deus, onde estava essa garota?
Talvez eu estivesse sendo injusta. Provavelmente estava
sendo injusta, já que 1) ainda não eram nove horas, 2) ela, às
vezes, se atrasava, 3) eu, às vezes, me atrasava, 4) imprevistos
acontecem. Mas eu tinha uma sensação constante de que ela tinha
visto as minhas mensagens e só escolhido me fazer esperar.
Nesses momentos tensos, eu sempre me arrependia de ter
desligado a opção de saber quando as pessoas leram ou não as
minhas mensagens, mas eu sabia que era um nervoso temporário.
Fechei a caixa de novo. Depois abri. E fechei. Abri de novo e
deixei o vibrador sobre a cama. Fazia mais sentido, acho. Coloquei
a caixa de lado. Quando olhei para frente, encontrei Ana sorrindo
pra mim. Há quanto tempo ela estava ali?
— Não para não, tava bonitinho — ela disse.
Senti o frio na minha barriga se tornar uma geleira e nem
consegui ficar brava. Ana estava absurda e terrivelmente gata. Seu
cabelo em um coque desajeitado, sua pele se destacando, os lábios
vermelhos e grossos, os olhos com um delineado bonito. Se eu
tinha algo para falar, não me lembrava. Que merda.
— Você tá… tão bonita — sussurrei.
O que aconteceu comigo? Ana sorriu atravessado. Meu
Deus, como ela era gata.
— Achei que deveria me vestir apropriadamente para a noite.
Olhei para o pijama de qualidade (e aparência) duvidosa que
eu estava usando.
— Nem se preocupe com a sua roupa. Você não vai ficar
muito tempo com ela — falou antes mesmo que eu pudesse
expressar meus pensamentos.
Suspirei. Meu coração martelava no peito, minha respiração
saía pesada e eu não parava de alisar a roupa de cama com os
dedos.
— Eu estava ansiosa — falei, finalmente.
— Eu sei. Por isso não entrei naquela hora. Achei que você
poderia se aproveitar desse tempo… cozinhando.
— Cozinhando.
— É, sabe — Ana comentou. — Construindo a expectativa.
— Você é má.
— Às vezes.
Fechei os olhos, tentando me controlar. Toquei o vibrador
com a ponta dos dedos de novo e senti meu corpo inteiro reagir em
expectativa. Que inferno. Que completo inferno. Peguei-o e mostrei
para a câmera. Liguei.
— Está funcionando.
Ela sorriu de volta. Estava se divertindo com a minha tensão.
Eu estava tão ansiosa que não tive espaço para ficar brava com
essa provocação toda.
— Eu sei. Fiz questão de testar e colocar pilhas novas. Não
queria correr riscos.
— É claro que não.
Ana me encarava e me devorava com o olhar. Eu não tinha
nenhuma dúvida agora de que ela queria me dar isso, e que me dar
isso a deixava tão satisfeita e maluca quanto eu estaria daqui a
pouco. Era mesmo um inferno, mas eu não sairia desse inferno por
nada.
— Você sabe que não precisa fazer isso se não quiser.
Acenei em resposta.
— Sei. Mas eu quero — minha voz saiu um pouco mais firme.
Ela se inclinou em direção à câmera e cravou o olhar no meu.
Como ela fazia isso virtualmente? Como ela podia me destruir só
por vídeo? Eu não tinha nenhuma chance.
— Então mostra pra mim o quão molhada você já está,
Pamela.
Minha respiração falhou. A voz dela estava tão intensa,
vibrando. Por um minuto, esqueci que tinha que fazer algo. Só
conseguia sentir o desespero, a antecipação, o tesão crescendo, o
nervosismo como uma onda que ameaçava me afogar. Mostra pra
mim. A fala dela ecoava na minha cabeça.
— Pamela…
Olhei para a câmera de novo e ela estava ali. Ela sempre
estava ali. Esperando. Dava para sentir no ar a tensão, e isso devia
ser impossível porque ela nem estava fisicamente ali. Desisti de
racionalizar meus movimentos e tirei a camisa primeiro. Já tínhamos
feito isso incontáveis vezes, mas eu era capaz de jurar que em
todas elas ainda escutava Ana suspirar. Não escondi um sorriso.
Me levantei para tirar a calça e desapareci da câmera por um
segundo. Ainda conseguia ver Ana, aguardando, ansiando. O peito
subindo e descendo em um ritmo friamente controlado. Voltei para a
cama e apoiei as costas contra a cabeceira. Cruzei as pernas na
frente do corpo e me estiquei para ajustar a câmera, deixando o
máximo que dava à vista. Respirei fundo, sentindo uma coisa dentro
de mim se expandir e se conter com cada respirar.
— Mostra pra mim.
Abri as pernas devagar. Não sei o que ela conseguia ver
daquele ângulo, mas notei que ela mordia os lábios e tinha o olhar
fixo na tela. Desci a mão pela minha cintura, tremendo, e esfreguei
os dedos sobre o meu clitóris. Eu estava absurdamente molhada e
era quase irritante. Levei os dedos em direção à boca e suguei.
— Caralho, hein? — Ana suspirou.
Contive um sorriso. Era difícil dizer onde terminava o meu
tesão pelo momento em si e onde começava a excitação de ser
observada por ela e saber que isso, em muitos níveis, a destruía
também. Desci de novo a mão para as minhas coxas, apertando
entre as pernas. Cansada de esperar, comecei a mover os dedos
lentamente sobre o meu clitóris. Fechei os olhos. Me concentrei nas
sensações pulsando pelo meu corpo, no som baixinho da respiração
de Ana saindo do computador, no meu gosto, na minha boca e na
vontade gritante de que tudo isso a envolvesse fisicamente também.
Deixei alguns gemidos baixos escaparem e continuei me
tocando. Abri os olhos algumas vezes e encontrei uma Ana
completamente vidrada na frente do computador, como se estivesse
em transe. Eu sabia que ela não ia fazer nada. Pelo menos não
agora. Ela queria ver, e eu queria mostrar.
Sentia meu corpo mais a vontade, mais quente e ansioso.
Olhei de relance para o vibrador, depois olhei para Ana. Ela dei um
meio sorriso:
— Vai… e não esquece do…
— Eu sei — sussurrei, a voz trêmula e baixa.
Ela mordeu os lábios ao me ouvir falar e se remexeu na
cadeira. Estava lutando com o próprio prazer. Vingança. Peguei o
vibrador e, na caixa ao lado da cama, um pequeno potinho com
lubrificante. Derramei o que pareceu um pouco demais e me virei de
frente para a câmera enquanto distribuía o líquido pelo brinquedo.
— Pams… não provoca.
Só de raiva, continuei ali mais um pouco. Subindo e
descendo a mão devagar. Escutei o som de algo se chocando
contra a mesa do outro lado do vídeo e segurei mais uma risada.
Mas embora a brincadeira estivesse divertida, eu ainda queria mais
saciar minha curiosidade do que aumentar a dela.
Voltei a me masturbar, sem pressa. Os dedos, agora
molhados do lubrificante, escorregavam ainda mais fáceis, o som da
fricção me deixando ainda mais tensa. Mordi meus lábios e fechei
os olhos. Imaginei um cenário menos irritante, com Ana ao meu lado
guiando a minha mão. Eu queria mais. Tão mais que era como se
nada no mundo fosse suficiente, exceto ela. Olhei para baixo e movi
o vibrador para a posição de ligado. Posicionei-o sobre o meu
clitóris, sentindo as vibrações me inundarem.
Prendi a respiração, rebolando sutilmente contra o vibrador.
As sensações novas eram desesperadoras e intensas e era fácil me
deixar levar. Desci mais um pouco o brinquedo e penetrei a ponta
devagar. Gemi baixo, sem querer anunciar para a casa toda o que
eu estava fazendo. Enfiei mais, depois tirei. Esse era um modelo
relativamente pequeno, feito para o ponto G, mas era bom demais.
Naquele momento, Ana era tudo que existia e, ao mesmo tempo,
nada existia além do meu corpo.
Continuei movendo o vibrador, rebolando e tremendo. Com a
outra mão, voltei a me masturbar. Era descoordenado, mas
funcionava, e eu já não fazia ideia de quanto tempo tinha se
passado, do que Ana conseguia ou não ver olhando pela câmera ou
de quanto barulho estava fazendo. Só o próximo movimento
importava, latente, gritando.
Mordi tanto meus lábios enquanto gozava que senti a pele
ficar dormente. O corpo tremia, explosões de prazer me deixando
fraca. Minha respiração saía pesada e cruzei as pernas por instinto,
ficando de lado na cama. Tirei o vibrador devagar, ainda sentindo
ondas me percorrerem. Desliguei e coloquei de lado. Continuei de
olhos fechados, sentindo tudo se acalmar conforme os segundos
passavam.
Escutei um suspiro alto vindo do computador que me trouxe
de volta para a realidade.
— Caralho… — a voz de Ana estava rouca, baixa e trêmula.
— Só… caralho.
— Obrigada pelo presente. — Reuni forças o suficiente para
falar.
— Obrigada digo eu. Isso foi… — Abri os olhos de novo e a
observei sem me mover. Ana parceria desnorteada. — Intenso. Foi
intenso. Você… — ela hesitou. — Você vai gemer assim pra mim
quando a gente se ver?
Eu ri, me sentindo a pessoa mais sortuda do planeta.
— Não, Ana — respondi, sem pensar duas vezes. — Vai ser
melhor.
Capítulo nove
[15/07, 01:15] Pams (aúdio): Será que dá pra gente marcar mais
uma hora pra revisar? Eu tô ansiosa... (pausa longa) Tipo, sei lá.
Enfim. Só mais uma. Prometo.
[15/07, 01:17] Ana (aúdio): É uma da manhã e, em vez de
estar dormindo… você está pensando de novo na prova de inglês?
(suspiro) Eu te disse que você sabe a matéria, isso é tudo
nervosismo. Mas se for te ajudar a acalmar…
[15/07, 01:20] Pams (aúdio): Vai ajudar… Eu acho. (pausa
longa, suspiro) Quer dizer, eu não posso prometer nada. Não quero
reprovar. Imagina se você passa e eu repito? Que vexame seria.
[15/07, 01:22] Ana (aúdio): Pela milionésima vez… Você não
vai reprovar! Mas se reprovasse, também não seria o fim do mundo
não. Acontece. Mas! Você! Não! Vai! Reprovar!
[15/07, 01:23] Pams: Como você pode ter tanta
convicção?????????
[15/07, 01:25] Ana (aúdio): (suspiro) A gente já repassou a
matéria cinco vezes. Nas cinco, você não errou nada. Vamos
repassar mais uma. A prova é em dois dias. Como que você
esqueceria tudo até lá?
[15/07, 01:27] Pams (aúdio): ACHEI DESNECESSÁRIO
VOCÊ ME ATACAR ME LEMBRANDO QUE A PROVA É EM DOIS
DIAS TÁ
[15/07, 01:28] Pams (aúdio): E sei lá, vai que você tá me
corrigindo errado. Ou que dou um branco na hora. Aaaaah, inferno
de prova!
[15/07, 01:30] Ana (aúdio): Se eu estiver te corrigindo errado,
nós duas vamos repetir. Então tecnicamente seu problema estaria
resolvido! Olha só que maravilha.
[15/07, 01:32] Pams: Ai, não é isso!
[15/07, 01:33] Ana: Então é o quê, Pamela?
[15/07, 01:35] Pams: Eu não sei!!!
[15/07, 01:35] Pams: Vou revisar a matéria que eu ganho
mais. Agora estou duplamente paranoica pensando que você
também vai reprovar e vai ser porque te atrapalhei.
[15/07, 01:36] Ana: Nope, você vai dormir. Agora.
[15/07, 01:37] Pams: Por quê?
[15/07, 01:38] Ana: Porque eu estou mandando.
[15/07, 01:38] Pams: E desde quando eu te obedeço?
[15/07, 01:39] Ana: Você quer mesmo a resposta pra essa
pergunta?
[15/07, 01:40] Pams: Não.
[15/07, 01:42] Pams: Tá. Eu vou dormir. Mas só porque estou
cansada também.
[15/07, 01:43] Ana: Boa menina :)

***

[17/07, 19h52] Pams: Eu achei que não ia acabar nunca mais


[17/07, 19h52] Pams: Puta que pariu
[17/07, 19h53] Ana: HAHAHAHAHAHA para, você foi bem!
[17/07, 19h55] Pams (áudio): A parte escrita foi tranquila até.
Sei lá. Eu tava nervosa, mas depois de escrever tanto pra você acho
que ficou mais fácil. A putaria movendo montanhas, né? Ai, a leitura
também, afinal também li muita coisa sua e muita coisa pra (pausa.
Uma risada) me inspirar, se é que você me entende. Mas aí chegou
o listening e achei que ia borrar as calça. E chegou no speaking e
eu gaguejei mais que tudo…
[17/07, 19h57] Ana (áudio): Mas você falou bem! Mais
devagar, ok, mas foi bem. O teacher é razoável, vai. Não precisa
desse pânico todo. Logo as notas vão sair e você vai ver que eu tô
certa.
[17/07, 19h58] Pams: “logo as notas vão sair”, ela disse.
[17/07, 19h58] Pams: UMA SEMANA, SABE? Pra que isso?
Matar a gente do coração assim.
[17/07, 19h59] Ana: T.T Pamela, já é tipo… sua terceira
prova. É o mesmo esquema de sempre. E....
[17/07, 19h59] Ana: Eu vou até gravar um áudio pra enfatizar
[17/07, 20h00] Ana (áudio): VOCÊ FOI BEM! ACEITA ISSO.
Eu aposto um fardinho de cerveja. É isso. Duvida mesmo que você
foi bem? Então aposta aí.
[17/07, 20h02] Pams: Apostado :)
[17/07, 20h02] Pams: E é tão bom falar isso com
tranquilidade sabendo que, pela primeira vez, estou vendo o
dinheiro do “fundo sentar nos dedos da Ana” chegar próximo do que
eu preciso
[17/07, 20h03] Ana: Então você acha que vai perder? Curioso
[17/07, 20h03] Ana: P.S.: adoro que cada hora você chama o
porquinho de um nome diferente
[17/07, 20h04] Pams: Eu não acho nada. Só estou me
preparando pro pior. Inclusive se estou abrindo uma cerveja agora
foi porque EU MERECI, PORRA hahahahahahha
[17/07, 20h04] Pams: P.S.: o apelido real é “fundo sentada”.
O resto eu adiciono por diversão
[17/07, 20h05] Ana: Vou pegar uma latinha pra te
acompanhar. Bora assistir um filme pra relaxar?
[17/07, 20h06] Pams: A essa hora?
[17/07, 20h09] Ana: Por que não?
[17/07, 20h10] Pams: Que se foda, né?
[17/07, 20h11] Ana: :) Cria o teleparty aí que já vou entrando.

***
[20/07, 02:32] Ana: Sabe…
[20/07, 02:35] Pams: Hmmm?
[20/07, 02:37] Ana: Eu te amo muito
[20/07, 02:40] Pams: … Eu também te amo muito?...
[20/07, 02:41] Ana: Isso foi uma pergunta ou uma afirmação?
Hahahaha
[20/07, 02:42] Pams: Uma afirmação, né? Só… por que isso
do nada?
[20/07, 02:44] Ana: Não posso falar que te amo mais?
[20/07, 02:44] Pams: Não se faça, Ana kkkkk
[20/07, 02:45] Ana: Acho que só tô com saudades de você
[20/07, 02:44] Ana: O que é completamente estúpido porque
a) você está falando comigo agora e 2) eu nunca te vi pessoalmente
[20/07, 02:44] Ana: PUTAMERDA PAMELA, EU NUNCA TE
VI PESSOALMENTE, SABE?
[20/07, 02:45] Ana: O mundo é absurdamente injusto
[20/07, 02:46] Pams: Eu concordo plenamente
[20/07, 02:46] Pams: Mas por que isso do nada?????
[20/07, 02:48] Ana: Sei lá, eu tô brava
[20/07, 02:48] Ana: Queria estar… sei lá, de conchinha com
você
[20/07, 02:48] Ana: Fungando no seu pescoço
[20/07, 02:48] Ana: Disputando cobertor nesse frio do inferno
[20/07, 02:49] Ana: Tá finalmente tão perto, e acho que isso
está me deixando impaciente
[20/07, 02:49] Ana: Ai que vontade de chorar kkkk que ódio
[20/07, 02:51] Pams: Oh, meu bem...
[20/07, 02:51] Pams: Você quer ligar a câmera? Quer só
ligar?
[20/07, 02:52] Ana: Nãaaaaaaaaao
[20/07, 02:52] Ana: Não quero ficar chorando no telefone
[20/07, 02:54] Pams: Eu já chorei no telefone um tanto de
vezes!!!
[20/07, 02:54] Pams: E você também…
[20/07, 02:55] Ana: É diferente… Sei lá. Não sei.
[20/07, 02:56] Pams: Tá tudo bem, ok? Podemos só
conversar aqui também
[20/07, 02:57] Ana: Brigada :(
[20/07, 02:58] Pams: Eu te amo *mesmo*, tá?
[20/07, 02:59] Pams: E tá quase chegando a hora que a
gente vai conseguir se ver, e eu vou te abraçar tanto que a gente vai
explodir
[20/07, 03:00] Pams: E vai ser incrível, e a gente vai matar
essa saudade estranha de algo que a gente nunca viveu
[20/07, 03:00] Pams: Tá bem?
[20/07, 03:01] Ana: Tem dia que eu penso que a gente já
aguentou mais de um ano, então é claro que eu aguento mais uns
meses
[20/07, 03:02] Ana: Mas tem dias, Pams…
[20/07, 03:02] Ana: Tem dia que eu acho que vou explodir se
não roubar um banco e aparecer na sua casa
[20/07, 03:03] Ana: Tem dia que eu só quero gritar e gritar e
gritar até ver se alguém fica com pena e paga a minha passagem
[20/07, 03:03] Ana: Tem dia que eu acho que vou
*literalmente* morrer de vontade de descobrir como é encostar meu
dedos no seu rosto e como é o gosto dos seus lábios
[20/07, 03:04] Ana: E nem falo isso só por conta de sexo ou
sei lá. É mais
[20/07, 03:04] Ana: Entende?
[20/07, 03:04] Ana: É óbvio que você entende
[20/07, 03:05] Pams: É… eu entendo
[20/07, 03:05] Pams: Bem demais, pra ser sincera
[20/07, 03:06] Pams: É um inferno essa sensação e ainda
não descobri como fugir dela
[20/07, 03:07] Pams: Mas acho que fugir dela seria fugir de
você, e eu não quero isso. Quero o oposto disso. Quero correr na
sua direção o tanto que eu conseguir
[20/07, 03:07] Ana: Bom, é isso, agora estou chorando
mesmo kkkkk
[20/07, 03:08] Pams: O QUE EU FIZ????
[20/07, 03:09] Ana: Cê tá certa. Fugir disso é fugir de você,
Pams.
[20/07, 03:10] Ana: Liga a câmera aí, vai? Vamo chorar
juntinha até dormir kkkkkk
[20/07, 03:11] Pams: Ligando.
[20/07, 03:12] Pams: Te amo, trem

***
[24/07, 19:48] Ana: VIU???? Eu disse! Eu disse que você ia
passar
[24/07, 19:48] Ana: Você JÁ SABE meu endereço, pode ir
mandando as latinha. Brigada de nada
[24/07, 19:50] Pams: Você se aproveitou de mim num
momento de fraqueza!
[24/07, 19:51] Ana: Nada disso! Eu estava apostando pelo
seu sucesso, isso é te por pra cima, não me aproveitar
[24/07, 19:52] Pams: T.T
[24/07, 19:53] Pams: Eu já tinha pedido kkkkkkkk
[24/07, 19:54] Ana: … nem mesmo você acreditava que ia
reprovar, né?
[24/07, 19:56] Pams: Racionalmente eu sabia que tinha
chances, ok? Mas mandei mais como agradecimento por ter me
ajudado a estudar e ficar calma
[24/07, 19:58] Ana: TÃO FOFA ELA. Não precisava! Mas eu
aceito mesmo assim
[24/07, 19:59] Ana: Inclusive, você programou com eles?
Porque estão tocando aqui agora
[24/07, 20:00] Pams: SIM :D A mágica de fazer pedidos com
antecedência
[24/07, 20:04] Ana: Por que você faz isso comigo? Quem te
deu esse direito, sabe?
[24/07, 20:05] Pams: Não entendi
[24/07, 20:06] Ana: (Foto)
Abri a imagem e a mãe dela, Diana, estava sentada ao lado
de Melissa na mesa da cozinha. As duas seguravam hambúrgueres
gigantes e tinham uma porção grande de batata frita aberta, dessas
que vêm em caixa de pizza. Sorriam bastante e faziam um sinal de
joinha com a mão livre.
[24/07, 20:08] Pams: Acho que todo mundo gostou xD muito
bom
[24/07, 20:09] Ana: Elas literalmente estão considerando te
adotar e jogando na minha cara que eu nunca faço isso
[24/07, 20:10] Ana: Te amam mais do que me amam!
[24/07, 20:11] Pams: Estou comprando a sogrinha com
lanche hahahaha e fazendo a mini cunhada feliz
[24/07, 20:12] Ana: Eu não te mereço, sabe?
[24/07, 20:13] Ana (áudio): (Danila e Melissa falando juntas)
Obrigada Pamela! (Melissa) Tá tudo muito gostoso! (Danila) Essa
menina vai ter overdose de batata frita! (Ana) Deixa ela!
[24/07, 20:14] Ana (áudio): Brigada, meu bem. Te amo.
Muitão
[24/07, 20:15] Pams: <3 Aproveita o lanche, amor
[24/07, 20:16] Pams: Em breve vou estar aí fazendo lanches
com vocês
Capítulo dez
Eu já estive nessa rodoviária mais vezes do que sou capaz de
contar, ou sequer recordar. Quando você mora no interior (do
interior), visitar lugares maiores se torna quase uma conquista.
Então sua família vai passar o natal na casa da prima que se mudou
para um interior que é menos interior. Ou da tia que venceu na vida
e foi morar na capital. Como boa mineira, existe também muita
chance de alguma viagem de data especial envolver Porto Seguro.
Eu não faço as regras, só sempre foi assim.
Mas todas essas viagens eram só viagens. Passagens com
tempo marcado, uma ida calculada e feita para esquecer da
realidade do interior. Essa não era uma viagem como essas todas
que eu já fiz. Essa era a viagem. A que importava. A primeira vez
que eu viajava sozinha, a primeira vez que eu sairia do estado
(Porto Seguro é quase uma extensão de Minas Gerais, não
configura ir para fora do estado) e, acima de tudo isso, a primeira
vez que eu veria a Ana.
Eu também tinha data para voltar dessa vez. Evitava pensar
nesse dia, fugindo como um prisioneiro que evita contar os dias até
a condenação. Só pensava em tudo que eu iria descobrir daqui a
aproximadamente vinte e quatro horas. Em todas as coisas que
iríamos desbravar, em tudo que era dela que eu iria descobrir, em
toda essa saudade desesperada que eu iria derreter em contato
com ela. Não pensava que, em uma semana, tudo isso seria
empacotado e trazido de volta, provavelmente regado com tantas
lágrimas quanto meu corpo for capaz de produzir.
O ônibus parou no ponto, me trazendo de volta para a
realidade como uma âncora afundando no mar. Isso, e o puxão nos
ombros que minha mãe me deu, me virando em sua direção:
— Eu preciso que você tenha juízo. Você vai ter juízo?
— Vou, mãe…
— Ótimo. Juízo. Me avisa toda vez que conseguir sinal. Não
deixe o celular descarregar, por favor. Tá?
— Sim, mãe.
Ela me abraçou forte. Segurei as lágrimas. Nicolas apertou
meu ombro direito e se encaixou nesse abraço estranho.
— Se cuida, maninha. Manda um abraço pra Ana por mim.
— Manda mesmo. Mas quando você chegar lá você liga pra
gente no zapzap que a gente fala com ela.
— Sim, mãe… Vai ser… — Respirei fundo, prendi o ar por
um segundo. — Vai ser só uma semana.
Fechei os olhos, tentando não desabar antes mesmo de
começar a jornada. Ela beijou meu rosto e, por fim, me soltou.
Entreguei minha mala ao cobrador e a passagem ao motorista. Subi
no ônibus com as pernas trêmulas. Acenei pela janela, sentindo
lágrimas escorrerem pelas bochechas. Só quando o motorista
entrou, deu indicações breves sobre o tempo de viagem (que mal
consegui processar) e ligou o ônibus foi que consegui desbloquear o
celular e ler as mensagens dela.
[02/09, 07:02] Ana: Já subiu no ônibus?
[02/09, 07:05] Ana: Cuidado, tá?
[02/09, 07:10] Ana: Me dá notícias quando puder :)
[02/09, 07:15] Ana: Eu tô uma pilha de nervos, desculpa
[02/09, 07:16] Ana: Quer dizer, não desculpa. Só me dá
notícias! Te amo
[02/09, 07:27] Pams: Oi, meu bem
[02/09, 07:27] Pams: Tô aqui. Subi, sim, só tava despedindo
da minha mãe e colocando a mala no bagageiro e passagem e...
enfim
[02/09, 07:28] Pams: Tentando não chorar também
[02/09, 07:29] Ana: Chorar? Por quê?
[02/09, 07:30] Pams: Ah… pensando que vai ser só uma
semana. Mas não quero ficar triste agora, vou ter um bom tempo pra
ficar triste depois. Quero só pensar que, em menos de um dia, vou
estar abraçando você :)
[02/09, 07:31] Ana: Oh deus… olha, você tá certa. Agora não
é hora de ficar triste. Tá quase, quase. O depois a gente vê depois.
[02/09, 07:33] Pams: Eu sei, bem. Vou colocar no modo avião
aqui, tá? Te chamo quando chegar em Valadares. Te amo.
Passei as próximas horas encarando a paisagem
montanhosa de Minas Gerais, as curvas pesadas, a grama alta, os
bichinhos ao longe. As tantas cidades que existiam antes que o
ônibus entrasse e continuavam depois que ele saía. As coisas
passando, os pequenos comércios, pessoas em bares, casinhas no
meio do nada, lagos, pessoas isoladas e vida. Tanta vida apinhada,
correndo, intensas, e Ana do outro lado desse caminho. Um sonho
se materializando mais e mais a cada quilômetro rodado.
Trocamos algumas mensagens quando mudei de ônibus,
mas mantive o celular desligado por boa parte do caminho.
Continuei pensando na distância que se encurtava, na jornada, em
todos os beijos e abraços que guardei nesse um ano e cinco meses.
Era difícil fugir porque pensar em tudo que eu queria fazer era
pensar em tudo que nunca pude fazer, e era desesperador.
Eu coletava sonhos pelo caminho, tirando ideias de qualquer
cena casual que aparecia na janela do ônibus. Andar de mãos
dadas, fofocar sentadas na calçada, beijar pela grade do portão, sair
do mercado com as mãos lotadas de compras, beijos na testa sob
garoas finas, sorvetes derretendo porque a gente não conseguia
calar a boca.
Uma semana não seria suficiente, e as lágrimas que
teimavam em descer, não importava o quanto eu tentasse parar,
eram a prova de que voltar para casa ia me destruir. Mas se esse
era o preço a se pagar por realizar ao menos parte de tudo que
sonhei em fazer ao lado de Ana, eu pagaria feliz.
Por ela, por essas vontades desesperadas, por todos esses
sonhos, eu voei de avião pela primeira vez. Descobri um frio na
barriga que nunca pensei que sentiria. Me perdi no aeroporto. Me
encontrei no aeroporto. Pisei em São Paulo e pensei que iria ser
sufocada pela maior cidade do país, mas sobrevivi.
Nunca vi tanta gente junta em toda a minha vida, mas aquele
era só mais um passo. Então segui em frente, peguei mais um
ônibus e continuei sonhando acordada com o que ia achar do outro
lado. O cochilo no avião não tinha sido suficiente para me
descansar, mas eu não conseguia mais pregar os olhos. Ao menos,
demos a sorte de conseguir encaixar minimamente uma coisa na
outra. Isso tornava a viagem exaustiva, mas, se eu fosse dormir de
tanto cansaço, seria ao menos ao lado de Ana.
E passei essas quase vinte e quatro horas de viagem
pensando nela, desejando, sonhando, ansiando e desesperada pelo
momento final. Desenhei e redesenhei o nosso encontro um milhão
de vezes na minha cabeça. Pensei que ia enfartar a cada quilômetro
que ficava para trás.
Mas nada, nadinha, nenhuma dessas coisas ou qualquer
outra coisa poderia me preparar para a sensação de descer do
ônibus com o coração explodindo no peito, pegar minhas malas com
as mãos tremendo, caminhar em direção à entrada da rodoviária
sem saber como as pernas sustentavam o peso do corpo e,
finalmente, finalmente vê-la. Encostada em uma pilastra, os cabelos
caindo sobre os ombros, com os punhos apertados, os braços
cruzados sobre o peito e o olhar perdido olhando para a avenida.
Eu perdi e reencontrei tudo dentro de mim nos segundos que
demoraram até ela notar que eu já estava ali. E quando ela notou,
eu corri, e ela correu, e nada além de nós duas importava. Quando
estávamos perto, soltei a mala no chão de qualquer jeito e decidi
naquela hora que não importava se algum preconceituoso estivesse
vendo, não importava se alguém ia falar alguma coisa, não
importava se eu tinha algum medo de gente escrota fazendo
escrotice. Só importava o amor desesperado que eu sentia pela Ana
e o fato de que esse amor estava espremido há mais de um ano.
Essas pessoas podiam ir todas para o quinto dos infernos.
Eu ia beijá-la como se não houvesse amanhã.
E então, finalmente, ela passou os braços ao redor do meu
corpo, e estava frio, mas o calor do seu corpo contra o meu era
inigualável, as suas mãos contra o meu pescoço pareciam quase
reais demais, e deixavam um rastro quente e gritante na minha nuca
e a sua boca era a perfeita definição do céu e do inferno ao mesmo
tempo. Seus lábios eram firmes e, do nada, tudo era calor, e o toque
e seu gosto e a sua língua e o mundo parou.
Seus dedos se entranharam nos meus cabelos, eu passei a
ponta dos meus pela sua cintura e era tão bom, desesperadamente
bom. Ana tinha gosto de casa, e eu não fazia ideia de como era o
gosto de casa até saber que ela era a minha casa e que isso era
absurdo e fazia sentido em medidas iguais. Ela sugou meu lábio
inferior devagar, tão sutil que me fez ter calafrios. Esse não era o
lugar onde eu iria ter tudo que meu corpo estava pedindo, mas isso
não o impedia de pedir.
Meu estômago tremia, minhas mãos formigavam e ar, o que
era o ar? Só existiam os seus lábios sobre os meus, a sua língua
contra a minha e uma eletricidade que começava nos pontos em
que nossas peles se tocavam e ecoava pelo meu corpo inteiro.
Desesperador.
E que se foda.
Eu sou terrível e desesperadamente apaixonada por essa
mulher. Nada mais importa.
Capítulo onze
— Você pode me dizer de novo por que diabos estacionou o
carro na puta que pariu?
— Perguntas, perguntas, perguntas… Estamos chegando —
Ana respondeu. — E não sei por que tanta reclamação se sou eu
que estou carregando a sua mala.
Bufei. Eu estava grata de caminhar um pouco depois de
tantas horas sentada, mas com muita fome também. Caminhamos
por duas quadras e as ruas foram ficando mais quietas conforme
nos afastamos da rodoviária. Então ela virou em uma rua paralela,
silenciosa e sem saída. Os únicos sons eram alguns galos ao longe
cantando o amanhecer do dia. Havia somente um carro, no fim da
rua, e eu o reconheci fácil como o carro de dona Danila.
O entendimento do que Ana queria fazer me atingiu como um
raio e deixou minhas pernas fracas. Continuei andando sem nem
saber como.
— Vo-Você pensou em tudo, né? — Vapor saía da minha
boca, me lembrando do quanto estava frio, mesmo que eu estivesse
apenas pensando em coisas quentes.
Ela sorriu. Seu rosto se virou para mim meio de lado, o vento
balançava seus cabelos e eu só pensava no tempo que seria
necessário para conseguir tirar todas essas camadas de roupa que
ela estava usando. O casaco. A camisa. As botas. As meias. A
calça. O caminho até o carro pareceu subitamente muito maior do
que a extensão da rua, mesmo que eu continuasse com um passo à
frente do outro normalmente.
— Sempre penso em tudo — ela disse. Era uma verdade
ridícula e óbvia.
Ana abriu o porta-malas e colocamos as minhas coisas lá
dentro. A tampa se fechou fazendo barulho demais para o meu
gosto. Parei ao lado da porta do passageiro, mas ela abriu uma das
portas de trás e a manteve aberta. Senti meus dedos tremendo,
meu coração acelerado no peito. Eu podia fingir que era o frio, mas
era tudo menos frio.
— Ninguém vai ver? — perguntei baixinho.
— Foda-se se alguém vai ver — Ana respondeu, rindo. Então
logo ficou séria de novo. — Só… minha mãe tá lá em casa. Ela vai
dormir na tia Patrícia, mas ela fez questão de te receber agora. Eu
só… Eu… preciso… — Sua voz estava trêmula.
Só o pensamento de ficar sem tocá-la até de noite foi
suficiente para me convencer de que aquilo valia a pena. Entrei no
banco de trás e me arrastei para o outro lado. Ana entrou logo em
seguida e levantou a trava das portas.
Seu olhar se encontrou com o meu e eu morri de novo. Não
conseguia parar de reparar nas sardas salpicando seu rosto inteiro.
Foto nenhuma, vídeo nenhum, nada que veio até então fazia jus ao
quanto ela era linda. Estiquei meus dedos e os encostei em sua
bochecha. O toque gelado pareceu despertar Ana de um transe, ela
esticou as mãos e puxou meu corpo em direção ao seu.
Ela tinha o beijo mais quente de todos os tempos, seus lábios
eram deliciosos, e suas mãos escorreram do meu pescoço,
passaram pelos meus seios e apertaram minha cintura sem jeito. O
banco era desconfortável e eu me sentia meio espremida ali, mas
isso era irrelevante.
Ana subiu os dedos por dentro das minhas duas blusas,
deixando um rastro de calor e frio em todos os lugares que tocava.
Soltou o fecho do meu sutiã e ele ficou ali, suspenso entre meu
corpo e a roupa. Sem se afastar da minha pele, ela moveu a mão
para a frente do meu corpo e tocou meus seios. Seus dedos ainda
estavam um pouco frios pelo tempo, mas a sensação que causavam
era a de fogo se alastrando dentro de mim.
— Esperei tanto tempo por isso — ela suspirou entre os
beijos, olhando fixamente para mim.
Eu me sentia desejada em um nível difícil de compreender.
Só queria mais dos seus lábios nos meus, da sua mão nos meus
mamilos, da outra mão apertando a minha coxa e se movendo
devagar para entre as minhas pernas, me tocando por cima da
roupa mesmo. Arqueei meu corpo para trás instintivamente.
— Ainda bem que eu odeio calça jeans — comentei, abrindo
as pernas o quanto conseguia naquele espaço apertado.
Ela continuou me tocando, causando uma fricção
desesperadora. Era muito menos contato do que eu queria,
infinitamente menos do que eu precisava, mas era contato, era o
seu corpo colado no meu e a sua língua no meu pescoço, os seus
lábios sugando os meus lábios. Não importava que não fosse ideal,
era suficiente. Mais do que o suficiente para eu me ver movendo o
quadril na direção dela sem pensar, segurando gemidos por entre os
dentes.
O celular de Ana começou a vibrar em algum lugar dentro do
carro. Arregalei os olhos.
— Ignora… — ela sussurrou.
E não parou o que fazia, me fazendo esquecer que um
mundo existia lá fora para além de nós duas. Fechei os meus olhos
e me concentrei apenas em como Ana era quente, sexy e me
deixava maluca. Parecia muito óbvio que eu não ia precisar de
muito para gozar ali, depois de tanto tempo ansiando por esse
contato. Eu sabia. Ana sabia. Por isso mesmo ela continuou
movendo os dedos, tocando meus mamilos e beijando a minha
boca. Capturando cada pedacinho de mim que podia.
O celular não parava de vibrar, mas parecia que o som vinha
de outra dimensão agora. Aqui, meu corpo se desfazia e era refeito
a cada movimento. E a sensação de gozar ali não foi a de uma
explosão, mas como uma combustão instantânea. Algo que queima
porque queimar é pura e simplesmente a única coisa que faz
sentido. Com o corpo muito mais fraco do que eu esperava, abri os
olhos de novo.
Ana continuava ali. Não era um sonho realista demais. Não
era um delírio noturno. Era real. Lágrimas se formavam nos meus
olhos, mas respirei fundo e segurei-as. Me inclinei para colar nossas
bocas de novo, mas ela se afastou.
— Temos que ir, meu bem — Ana disse, apontando para o
celular que ainda vibrava no banco da frente. — Minha mãe está te
esperando.
— Não é justo — murmurei enquanto ela saía do carro e
caminhava na direção do banco do motorista.
Saí também, me sentando ao lado dela na parte da frente do
carro.
— Teremos a noite toda para nós duas, ok? — Ela ajeitou
uma mecha do meu cabelo e beijou minha bochecha. — Mal
começamos a apagar esse fogo, Pams. Mal começamos.
Nós conversamos por todo o caminho até a sua casa, que
não era muito longo. Eu me sentia estranha, como se estivesse
prestes a acordar a qualquer momento de um sonho muito vívido.
Mais de uma vez, encostei minha mão esquerda sutilmente na mão
direita dela só pra me lembrar de que isso era real.
Na porta da casa dela, a sensação estranha cresceu. Eu
tinha visto tantas fotos dessa fachada. Tínhamos visitado nossas
ruas muitas vezes pelo Google Maps, mas ao vivo era diferente.
Quando ela abriu o portão, escutei o grito inconfundível de Melissa
vindo de dentro da casa. Antes mesmo que a gente chegasse na
porta, a garota apareceu, sorridente, usando um vestido rodado e o
cabelo em várias pequenas tranças.
— Pami! — ela gritou, pulando no meu colo.
Ela era grande demais para esse tipo de brincadeira, mas
merecia esse abraço mais do que tudo. Rodei-a no ar, enchendo
sua bochecha de beijos.
— Florzinha, tão bom te ver — eu disse, ainda agarrada nela.
Danila apareceu também e juntou seu abraço por cima de
nós duas.
— Bom te ver, minha filha.
Eu me sentia com a cabeça pouco para fora d’água,
flutuando, aérea. Os momentos eram nublados, se desenrolando em
câmera lenta. A casa era mais ou menos como sempre imaginei por
dentro, juntando as fotos e vídeos em quebra cabeças complexos. A
mesa do café estava tão farta que parecia que eu tinha trazido umas
cinquenta pessoas junto comigo.
O banho que tomei me fez pensar em tudo que aconteceu no
carro de novo. E de novo. Repetições demoradas de cada toque,
uma ansiedade nervosa pelas horas que nos separavam do fim do
dia. Mas foi um banho rápido, porque muitas perguntas me
aguardavam na sala. Meu corpo começava a sentir o efeito das
infinitas horas de viagem, mas eu continuava acordada.
Saímos para dar uma volta no bairro e elas me mostraram
uma praça cheia de ipês amarelos, onde pétalas forravam o chão e
crianças corriam animadas. Ana, com sua mão levemente fria, não
largava de mim um minuto. O vento continuava, lento, indo longe.
Naquele mar infinito de coisas novas, com ondas de informação
atrás de ondas de informação, Ana era uma âncora para o meu
coração naufragado.
Conheci a famosa tia Patrícia e seus três filhos. A casa
subitamente era inteira de vozes, e respondi de novo as mesmas
perguntas, e contei de novo sobre a minha cidade, e recitei mais
uma vez a viagem, e desejei profunda e desesperadamente que o
relógio descobrisse um vácuo no tempo e me puxasse para um
momento específico depois do jantar. Quando eu imaginava que
estaríamos cheios de comida boa e Ana estaria dando olhares nada
disfarçados para sua mãe, sugerindo que ela não atrasasse a tia na
volta para casa.
Sutil como uma bola de canhão.
Mas o tempo continuou devagar, liguei para a minha mãe,
todo mundo conversou por vídeo e eu não me lembro de uma única
palavra dita. Mas Ana continuava ali. A miragem boa demais pra ser
verdade. Uma luz que me trazia de volta para a terra esfregando o
polegar de leve contra a minha nuca. A santa que me impedia de
cortar o dedo enquanto ajudava a preparar a comida porque eu
estava distraída.
De tudo o que aconteceu à tarde, eu só me lembro com
clareza dos toques. Dos beijos descompromissados que ela deixava
no meu ombro, dos abraços calorosos e repentinos, dos dedos que
procuravam os meus à todo momento. Todo o resto são só recortes
confusos, borrões se sobrepondo.
O jantar foi calmo. Sua perna ficou encostando na minha o
tempo todo embaixo da mesa. Do jantar eu me lembro. Assistimos
um episódio de Bob Esponja com as crianças. E então, quando já
passava das onze da noite, o portão se fechou e o silêncio ecoou
pela casa.
A noite estava apenas começando.
Capítulo doze
Nós duas estávamos há dez minutos sentadas no chão da sala,
de frente uma para outra, nos encarando em silêncio. Durante todo
o dia eu tive a impressão de que só precisava que tivéssemos dois
minutos sozinhas para que tudo entrasse em combustão, mas agora
eu me sentia estranha. Como se a mãe dela fosse entrar de volta a
qualquer instante, ou o sonho pudesse finalmente estalar e eu fosse
acordar do nada na minha cama, suando frio e chorando.
Perdi a conta de quantas vezes me perdi só de olhar para o
seu peito, que continuava subindo e descendo com cada respiração.
O decote da sua blusa que revelava apenas o suficiente sugava
minha atenção e me trazia de volta. Os shorts abraçando as suas
coxas como eu queria estar abraçando (por que diabos ainda não
estava?). “Eu não sinto frio quando estou olhando pra você”, ela
disse quando perguntei como conseguia manter as lindas pernas de
fora nessa temperatura.
Mas era mentira. Eu via sua pele arrepiada, sentia o seu
toque gelado, implorando por beijos e lambidas. E por que eu estava
ali, paralisada? A essa altura eu já tinha notado que Ana estava
esperando uma deixa. Ela me conhecia bem demais. Minhas mãos
se mexiam sozinhas no meu colo, abrindo e fechando, tremendo e
apertando minhas pernas. Ana continuava ali. Linda.
Desesperadamente sexy, mesmo sem fazer nada.
Eu estava pensando em tudo que queria fazer, mas não me
movia. Tracei o caminho da camisa subindo pelo corpo dela, a
minha língua vindo atrás. Calculei e recalculei quantos segundos
seriam necessários para que ela estivesse nua e eu pudesse… me
perder. Mas já estava perdida.
— Por que não consigo me mover? — sussurrei.
Minha voz saiu tão baixa que achei que ela sequer tivesse
ouvido.
— Tá tudo bem se você estiver nervosa, meu bem. A gente
nem precisa fazer nada.
— Não! — gritei. Ana riu da minha pressa. — Eu quero.
Quero muito.
As imagens todas ficavam se repetindo na minha cabeça.
Tudo que prometemos nos últimos meses. Todos os espere e verá.
Tudo que ficou suspenso no ar e era impossível de ser realizado só
com mensagens e vídeos. Os sonhos que eu tive, os delírios mais
absurdos onde seu toque era real e quente e frio e sua pele se
arrastava sobre a minha.
— Mas… — Ana incentivou.
Fechei meus olhos, irritada com essa insegurança e esse
medo que não iam embora. Respirei fundo, tentando segurar
lágrimas que eu sabia que já apareciam.
— Eu me sinto… prestes a acordar. Não parece real. Foi um
dia tão intenso, foi uma viagem tão densa e parece que minha
cabeça está só um pouco acima da água, mas minhas pernas estão
cansadas e tem algo me puxando pra baixo e querendo me tirar
daqui. Não consigo parar de pensar que você vai me tocar, e eu vou
acordar, e vai ser tão horrível se eu acordar, porque você é real, tem
que ser real, e linda, e eu já pensei em tirar a sua roupa de umas
trinta e duas formas diferentes, mas toda vez que decidi esticar os
dedos, algo me apertou por dentro e eu paralisei. Quero… não… eu
preciso te tocar, preciso que seja de verdade, preciso te ouvir
falando no meu ouvido e sentir a sua pele contra a minha e o sabor
da sua língua de novo, mas continuo desesperada de medo disso
tudo se desfazer no segundo que ficar muito bom. — Eu não
conseguia parar de falar. — Isso tudo é surreal demais. Sua mãe. A
Melissa. Uma viagem de vinte e tantas horas. Uma cidade que
sempre existiu aqui, e as pessoas que te conhecem e não fazem
ideia de quem eu sou, e os lugares que você frequenta, e tudo isso
se misturando ao fato de que nada disso importa nesse exato
momento e eu só consigo ficar pensando no ponto exato onde a
barra dos seus shorts está fazendo pressão na sua coxa e no
pecado que é não ser a minha mão fazendo essa pressão. Sabe,
Ana? Você entende?
Respirei, sentindo meu corpo tremendo de ansiedade e as
bochechas molhadas e o gosto salgado invadir a minha boca. Me
preparei para continuar, mas Ana se moveu na minha direção,
travando todas as palavras na minha garganta. Seus olhos não
saíam dos meus enquanto ela esticou os dedos, esticou as minhas
pernas devagar, me tocando com cuidado. Chegou ainda mais
perto, o corpo quase colado no meu, e se sentou no meu colo. Eu
queria beijar todas as sardas do rosto dela. Uma a uma. Real. Era
real.
— Eu tô aqui, Pams — ela disse, passando os dedos pelo
meu rosto. — De verdade.
Juntei minha mão na sua e a trouxe até os meus lábios. Beijei
sua palma, a ponta de seus dedos. Ana tinha o sorriso mais
amoroso e lindo do mundo. E eu era terrivelmente apaixonada por
ela. E precisava fazer alguma coisa. Foda-se o medo. Se fosse para
eu acordar, que eu acordasse.
Eu estava muito consciente do seu corpo contra o meu, da
pressão das suas coxas contra as minhas, da sua outra mão
fazendo um carinho lento na minha cintura. Me inclinei na direção
dela, determinada, e juntei nossos lábios de novo. Não acordei.
Nada mudou. Sua boca continuava se movendo com a minha. Os
segundos continuavam passando.
Seus dedos se moveram para dentro da minha blusa e era
frio, me arrepiando. Passei os meus pela sua nuca, adentrando seu
cabelo e segurando firme. Ana me empurrou para trás por um
segundo antes de começar a subir minha blusa. Devagar. Os olhos
que não se soltavam dos meus. Não a impedi. A peça passou pela
minha cabeça e o frio me acertou em cheio, mas não importava.
Ela puxou a própria camisa e voltou a se aproximar. Abracei
suas costas, desejando colar cada pedacinho de nossas peles que
fosse possível.
— Eu tô sonhando com isso há tanto… tanto tempo — Ana
sussurrou contra o meu ouvido, a voz baixa e trêmula.
Então ela beijou meu pescoço, e sugou, e beijou de novo.
Sua respiração quente me puxando e me empurrando sem que ela
fizesse ideia. Ou talvez precisamente porque ela fazia muita ideia.
Meus dedos estavam apertados contra as costas dela, arranhando
mesmo que eu nem tivesse unha o suficiente para isso.
Ana voltou a colar os lábios nos meus, voraz. Inclinou o corpo
sobre o meu, me incentivando a deitar sobre o tapete. Conforme
meu corpo descia, seu rosto se afastou e Ana passou a língua pelo
meu pescoço e pelos meus seios. Seus olhos brilhavam. Ela beijou
minha barriga, segurando firme o cós da minha calça.
Puxou a peça para baixo, trazendo junto minha calcinha.
Seus dedos se arrastavam contra a minha pele, deixando um rastro
intenso. Quando acabou, seus olhos buscaram os meus. O que eu
via nela era provavelmente um reflexo meu — desejo explodindo, o
olhar intenso, a boca entreaberta e tanta coisa na garganta
esperando para sair.
Ela passou a língua na minha coxa esquerda, segurando
firme no meu quadril. Estiquei a minha mão e levantei seu cabelo,
deixando livre seu rosto. Eu me sentia estranhamente quente, mas
com o vento gelado que continuava entrando pelas janelas da sala.
Cada movimento que ela fazia era hipnotizante. Seus dedos se
moveram para a parte de dentro das minhas coxas, subindo
lentamente em um carinho torturante.
Prendi a respiração involuntariamente ao sentir seu toque
contra o meu clitóris, molhado e sutil. Ela sorriu. Como um demônio
tentador, sexy e maldito. Sorriu e levou os dedos até a boca,
sugando devagar.
— Ana — falei, a voz entre um gemido e um suspiro.
Ela moveu o corpo sobre o meu de novo e me beijou com
urgência. Eu sentia meu corpo pedindo por mais contato, por mais
do toque dela, enfurecido de vê-la ainda de shorts, sorrindo tanto,
provocando tanto.
— Tá meio frio aqui fora… — ela disse. — Vamos pro meu
quarto?
Eu ri. Uma gargalhada nervosa, vindo de lugares que
estavam trancafiados a sete chaves há muitos meses, que
ansiavam por sair e sentir e gritar. Levantei o corpo e quase
voltamos ao começo, sentadas no tapete da sala, nos encarando.
Mas ela se levantou, e eu me levantei, seus dedos apertaram os
meus enquanto caminhávamos pelo corredor em direção ao quarto.
Por um instinto estranho, fechamos a porta. Empurrei Ana
contra a madeira, coloquei a mão no seu pescoço — firme, mas não
apertando — e suguei seus lábios. Inclinei meu corpo e passei a
língua pelos seus mamilos, sentindo sua pele se arrepiar com o
contato. Eu sentia o peso do seu olhar sobre mim, e ele me
incentivava a continuar. Massageei e lambi e suguei seus seios,
sentindo meu corpo em combustão. Ela movia o peso do corpo de
uma perna para a outra, tremia sob mim, segurava gemidos
mordendo os lábios só para deixá-los escapar logo em seguida.
Me ajoelhei e olhei para cima, sentindo a ponta dos meus
dedos queimando, meu peito subindo e descendo, e ela, que
parecia implorar, por favor, para que eu continuasse. Desabotoei os
shorts e puxei a peça pelas suas coxas. Ana fechou os olhos,
continuei tocando sua pele, descendo os dedos pelas suas pernas,
sentindo uma antecipação catastrófica morando no meu estômago.
Voltei a me levantar, passando a língua pelas coxas dela,
depois pela barriga, e então a beijando, ansiosa. Minhas mãos
continuavam em seu quadril, apertando nossos corpos. Ana
segurava meu rosto junto do seu, alternando carinhos com
arranhões na minha nuca.
Passei meus dedos pela sua virilha, me deliciando com cada
reação. Ela se afastou, mordendo os lábios. Toquei seu clitóris e
estremeci inteira, meu próprio corpo querendo gritar. Deslizei os
dedos, sentindo como ela estava molhada. Ana abriu mais as
pernas sem que eu dissesse nada. Enfiei a ponta dos meus dedos
nela, que soltou um gemido. Voltei a deslizar os dedos, medindo o
ritmo com suas reações.
Ana escondeu o rosto no meu pescoço, sua respiração
quente arrepiando minha pele. Toquei seus cabelos, desci a mão
pelo seu pescoço e apertei de leve seus seios. Ela mordeu meu
ombro. Forte o suficiente para me desconcertar, mas não o bastante
para me assustar. Não parei meus movimentos, e Ana respondia
com mais gemidos baixos contra minha pele.
— Isso... é... tortura — ela disse, uma leve raiva escapando
no tom de sua voz.
Continuei massageando seu clitóris devagar, como se ela não
tivesse dito nada. Ela suspirou e colocou as mãos nos meus
ombros, me empurrando para trás.
— Pra cama — ordenou. Não me movi. Ela sorriu. — Agora.
Minhas pernas fizeram sozinhas o caminho até a cama contra
a parede sem que eu precisasse pensar a respeito. Ana veio atrás,
e, logo que eu me deitei, sentou sobre o meu quadril e se inclinou
sobre mim. Apertei sua bunda enquanto ela me beijava. Todas as
sensações de que aquilo poderia ser só um sonho foram
empurradas para um lugar tão profundo que não conseguiam mais
ver a luz. Ana era a única coisa que ecoava por todo o meu corpo,
ressoando alto e forte.
Ela beijou meus ombros, sugou os meus mamilos, desceu
mais e parou entre as minhas pernas, sorrindo enquanto olhava
para mim. Ao mesmo tempo, colocou dois dedos na minha boca —
que eu suguei desesperada — e passou a língua no meu clitóris.
Não gritei por não ter como. Mordi um pouco seus dedos por puro
instinto. Consegui sentir que ela riu contra o meu corpo. Ana era
quente, e era molhado e desesperador.
Ela lambia e sugava, e eu continuava descontando toda
minha ânsia nos seus dedos, tremendo contra a sua boca e
gemendo. Um suor fino escorria em nossos corpos, mesmo com o
vento frio. Nada era capaz de diminuir o quão abafado o ar estava, o
quanto cada movimento parecia urgente. Nenhum sonho que tive,
nenhuma de nossas conversas, todas as provocações, nada disso
era comparável à sensação de tê-la entre as minhas pernas, me
chupando como se sua vida dependesse disso.
Estávamos sozinhas, então parei de me preocupar em ser
ouvida. Só queria incentivá-la a continuar, e ela parecia contente
com cada som. Rebolei meu quadril contra o seu rosto, querendo
mais, por favor, mais. Ela voltou a colocar os dedos em mim.
Devagar. Eu não queria ir devagar.
— Mais… rápido — murmurei.
Ela fingiu que nem me ouvia. Continuou no próprio ritmo,
aumentando lentamente a intensidade. Passei meus dedos pelo seu
cabelo, sentindo a forma como sua cabeça se movia contra o meu
corpo. Quente. Quente. Mais. Precisava de mais.
— Ana…
Eu me sentia perdida, derretendo e explodindo. Por muito
tempo, eu e Ana fomos uma corda constantemente tensionada, um
amontado interminável de desejo, ansiedade e tesão. Vivíamos à
base de paliativos, puxando e esticando uma a outra, apertando e
espremendo como dava, transmitindo amor e a ânsia da única
maneira possível.
E aqui estávamos nós. Gemendo, suando, tremendo uma
contra a outra. Meus pensamentos eram um misto do quanto isso
estava bom e do quanto eu queria mais, repassando tudo que já
dissemos uma para a outra que faríamos, todos os desejos nada
ocultos, cada sensação desesperada que precisávamos sentir.
Ana continuou lambendo e sugando e seus dedos
continuavam entrando e saindo. Eu me sentia prestes a explodir,
tremendo sob o seu contato e delirando. Era intenso, gritante e eu
gozei com sua língua ainda colada em mim, seus lábios molhados
me tirando toda a sanidade que ainda me restava. Eu queria
retribuir. Precisava retribuir e sentir Ana surtando sob os meus
dedos.
Ela se moveu sobre o meu corpo, trazendo o rosto para perto
do meu. Tinha o sorriso mais diabólico e infernal quando disse:
— Você é mesmo ainda melhor pessoalmente.
A corda se rompeu. Tudo se esticou demais, minha razão se
desfez completamente. Puxei-a para um beijo molhado, com meu
gosto na boca, a sensação de que eu poderia unir nossos corpos se
trouxesse ela para perto o suficiente. Nada existia para além da
forma como ela passava a língua pelos meus lábios, da sensação
dos seus seios encostando nos meus, da pressão que ela fazia na
minha cintura com os dedos.
Ana era tudo que cada célula do meu corpo gritava em um
megafone descontrolado e enfurecido. Senti uma de suas mãos se
movendo entre nós e notei que ela estava se masturbando. Sem se
afastar, sem descolar de mim. Eu notava movimentos do seu quadril
sobre o meu.
— Me deixa… — falei, separando nossas bocas. — Me deixa
te tocar.
— Não — Ana disse, mordendo os lábios e segurando
gemidos. — Você vai se levantar e abrir a segunda gaveta da porta
do meio do guarda roupa.
Seu olhar se perdeu no meu, e eu sabia que faria qualquer
coisa que ela me pedisse. Ela parecia saber o mesmo, porque não
esperou uma resposta e chegou para trás, me dando o espaço
necessário para que eu me levantasse. Mas continuou se tocando,
com a boca entreaberta, gotas de suor salpicando sua pele.
Me levantei, sentindo as pernas instáveis, buscando apoio
contra a parede. Sem dificuldade, encontrei a gaveta que Ana tinha
falado. Abri-a e encontrei várias coisas que ela tinha mencionado
para mim algumas vezes, outras que já tinha me mostrado e
algumas que eu não fazia ideia que ela tinha — lubrificantes,
algemas, corda, dildos, vibradores e etcetera. No meio de tudo isso,
uma calcinha com um dildo encaixado nela se destacava
evidentemente, como se estivesse sido posicionada daquela forma
de propósito.
— O que você quer? — perguntei.
— Você sabe o que eu quero — ela disse, respirando com
dificuldade.
— Não. Me fala o que você quer. — Minha mão apertava tão
firme a borda da gaveta que a ponta dos meus dedos estava
doendo.
Hesitante, olhei para o lado. Ana me encarava. Com os
joelhos na cama, o corpo curvado para frente, a bunda para cima,
os lábios molhados, a mão que não parava o movimento lento. O
inferno na terra.
— A cinta. Por favor — sussurrou. — Eu quero… Eu quero…
— Ela fechou os olhos e mordeu os lábios. Depois abriu de novo,
como se encarasse a minha alma. — Me come, Pams. Por favor.
Precisei me equilibrar contra o guarda-roupa para não cair de
cara no chão. Eu estava acostumada com o meu desejo circulando
livremente na palma das mãos de Ana. Era a minha sina ser
chacoalhada por uma foto tentadora; ser provocada com uma
mensagem às três da tarde; ter a garota que era dona do tabuleiro
ditando as regras do jogo que a gente jogava; eu estava,
literalmente, acostumada a perder.
Mesmo assim, era Ana quem estava de joelhos na cama me
pedindo por favor. Me olhando com súplica. Gemendo.
— Então para. — Observei seu corpo inteiro travar. — Se
você me quer, então me deixa te dar.
Ela soltou a mão sobre a cama e sorriu de olhos fechados.
Molhou os próprios lábios com a língua e continuou ali, na mesma
posição, esperando por mim. Eu me sentia fraca diante daquela
visão. Inebriada.
Não sei bem de onde tirei forças para esticar a mão na
direção da gaveta, pegar a calcinha e o lubrificante, os dedos
apertados como se, a qualquer momento, tudo fosse desmoronar.
Bom demais. Real demais. Andei de volta para a cama, as pernas
tremendo. Me abaixei para vestir a calcinha enquanto Ana me
devorava com o olhar. Ela seguia cada movimento meu: uma perna
encaixada, depois a outra, a peça subindo pelas minhas coxas, o
ajuste no quadril, minha mão ajeitando o dildo.
Ana passou a língua nos lábios. Parecia hipnotizada. Por
favor. A voz ficava ecoando na minha cabeça. Me come, por favor.
Me ajoelhei na cama atrás dela. A visão daquele ângulo era mais do
que tentadora, era diabólica. Derramei um pouco do lubrificante nos
meus dedos, sentindo o líquido gelado. Passei pela extensão do
dildo. Meu coração parecia que ia explodir no peito a cada batida.
Estiquei os dedos e espalhei o líquido também pela vagina de Ana,
sentindo-a tremendo sobre o meu toque.
— Você…
— Sim — ela me interrompeu.
Beijei a base das suas costas e desci minha mão até os seus
ombros. Ela passou os lábios nos meus dedos, me tirando
completamente do sério. Alinhei o dildo e penetrei devagar. Ana
suspirou. Iniciei um movimento lento, sem coragem e segurança de
ter velocidade ou de penetrar completamente. Não tinha certeza do
quanto ela estava acostumada, mesmo que o dildo fosse dela.
A insegurança parecia ser só minha, porque a cada
movimento meu, Ana se movia encaixando mais e mais. Seus
gemidos eram ora abafados, ora altos e eu continuava sem jeito,
mas continuava porque era só o que fazia sentido. A forma como ela
arqueava a coluna, pedindo mais, como seu corpo forçava o
encontro com o meu, as mechas do seu cabelo que estavam
grudadas nas costas pelo suor, as sardas… Um lembrete.
O tecido da calcinha esfregava contra o meu clitóris, e a
sensação somada de vê-la assim, essa posição desgraçada, sua
pele contra a minha — se separando da minha, contra a minha —
era tão boa. Quente. Tão quente. Ana gemendo, a visão meio oculta
dos seus peitos balançando, minha mão apertando e soltando seu
ombro repetidamente.
Mais. Mais.
Ana. O inferno. Pecar. Por que eu estava pensando em
pecar? Sardas, e a sua bunda terrivelmente maravilhosa, e um
tapa… só… um tapa. Só um. O som que ecoou pelo quarto, e Ana
que gemeu alto. Fiz um carinho no lugar, sorrindo em cantos do meu
corpo que eu pensei que não podiam conhecer a sensação de sorrir.
— Pams… — ela gemeu, o som abafado.
Continuei me movendo, e ela continuou rebolando e minhas
mãos tremiam, e as pernas pareciam fracas. Tanto tempo. Tanto
tempo. Real demais. Demais. Suor, calor, entrando, saindo.
— Eu te amo — falei, a voz embargada.
Ana riu. Uma risada que ecoava nas minhas células,
despertava algo sedento e faminto no meu peito. Ela se inclinou
para frente, separando nossos corpos. Deitou de frente na cama,
depois se virou. Seus olhos. A sensação infinita de ser sugada.
— Você é demais, Pams — disse, baixinho. — Vem cá. Deixa
eu sentar no seu colo.
Me aproximei dela e sentei com as costas contra a parede
fria. Ana beijou minhas coxas, depois minha barriga e, por fim,
minha boca. Sentou devagar sobre mim, encaixando o dildo e
gemendo enquanto descia. O sorriso maldito no rosto, me deixando
vidrada em cada pequeno movimento que ela fazia. Ana inclinou o
corpo sobre o meu, rebolando com a pele se esfregando na minha.
— Também te amo — ela disse, os lábios a milímetros dos
meus. — Isso é muito mais do que qualquer coisa que eu poderia
imaginar.
Ana continuou se movendo no meu colo. Uma de minhas
mãos apertava seu quadril, forte, e a outra esfregava o seu clitóris
como dava naquela posição. Ela gemia, me beijava, mordia meu
ombro. Tinha os joelhos apoiados contra a cama e subia descia.
Desesperadamente linda. Tremendo com o corpo colado no meu,
rebolando contra os meus dedos.
Com muito pouco restando de racional em mim, assisti a
garota que eu amo gozar no meu colo, com os lábios no meu
pescoço, a pele suada contra a minha, as mãos apertando minha
cintura com uma força descomunal. Meu peito estava explodindo, o
ar entrando e saindo sem jeito, ofegante.
Quando a respiração dela finalmente se acalmou, me permiti
um sorriso. Grande, imenso, sincero. Eu sentia um misto muito
específico de paz e felicidade que pareciam passear em cada célula
do meu corpo, passando pela corrente sanguínea, estourando na
minha pele sensível. Eu a amava. E isso tudo era insano, mas era a
única insanidade possível.
— Eu. Tô. Morta — Ana disse, contendo uma risada.
Não resisti ao som da sua risada e acabei gargalhando junto,
sentindo um frio imenso no meu estômago.
— Nem me fala. Eu… nem sei o que acabou de acontecer. —
Suspirei.
Ana passou os dedos pelo meu rosto, beijou o canto da
minha boca.
— Vamos tomar um banho? — O sorriso. O maldito sorriso.
Só acenei em resposta, absorta nos pequenos movimentos
dela — seus cílios quando ela piscava, o modo como sua boca se
curvava no seu sorriso, o movimento que suas bochechas faziam
quando ela falava. Ana se levantou, as pernas tremendo, e esticou a
mão, que peguei sem hesitar.
— Tira isso. — Ela apontou para a calcinha. — Amanhã a
gente lava tudo. Eu só quero deitar com você.
Me equilibrei no braço dela para tirar a peça e deixá-la em
cima da escrivaninha de Ana. Eu ri daquela imagem, o item
claramente fora de lugar. Ela me puxou corredor afora, os dedos
apertando os meus. Eu me sentia flutuando de novo. Um planeta em
órbita. Uma nave que retornava pra casa depois de tanto tempo
perdida. Só que eu não estava perdida, então porque diabos eu
sentia como se tivesse sido encontrada?
A água do chuveiro era quente, um quente bom. Nos
beijamos com as gotas caindo no rosto, me tirando tantos medos,
trazendo tantas certezas. Real. Muito real. Suas mãos na minha
pele, seus lábios nos meus, nos meus ombros, na minha escápula,
no meu peito. Não tinha nada além de carinho, amor e desejo em
cada movimento que fazíamos.
Não queria que nada daquilo terminasse nunca mais, e
evitava a todo custo pensar na passagem que repousava
tranquilamente na minha mochila, um objeto inanimado incapaz de
conceber o peso que ele tinha na minha vida. Nas nossas vidas. Eu
pensei em chorar, mas não chorei. Não era hora para isso.
Queria decorar o máximo de detalhes que fosse possível. A
forma como seu cabelo caía sobre o rosto; como ela ficava linda de
óculos e sem óculos; a curva dos seus seios; o tom da sua boca; o
brilho no olhar. Assustadoramente linda. Me dava vontade de fugir,
mas eu não ia fugir. Eu estava exatamente onde eu tinha que estar.
Foi um banho tão calmo. O primeiro de tantos que ainda
viriam depois. Alguns, certamente mais quentes. Outros, ainda mais
caseiros. Eu continuava me agarrando aos detalhes. Ana fez
questão de me secar. Gentil, carinhosa, um porto seguro. Fiz o
mesmo com ela, colocando um pouco de adoração em cada curva.
Ela beijou a ponta do meu nariz e me puxou de volta para a
cama, os braços ao redor do meu corpo, a pele colada na minha, o
rosto tão perto do meu. Amor. Nos seus dedos contra a minha coxa,
fazendo um carinho tão suave. Nos meus dedos contra o seu rosto,
delineando contornos, desfazendo e refazendo certezas.
Não dormimos naquela noite. Nem sei se poderíamos.
Ficamos nos encarando por horas e horas e horas até o sol
aparecer pela janela e declarar que o dia seguinte tinha nascido.
Eu não acordei.
Não era um sonho.
Era só o primeiro dia do resto de nossas vidas.
Agradecimentos
Primeiramente, ao Aril, que aturou um tanto de lágrimas, vontade
de desistir e um Koda cansado que varava madrugada a dentro
xingando um documento de texto.
Aos meus amigos, por não soltarem a minha mão durante
esse processo (cada um da sua forma) e todos juntos me impedirem
de surtar: Maria, Nathan, Fai e Dora. Obrigado. Essa novela não
estaria aqui se não fosse por vocês.
Agradeço ao Se Liga, pela oportunidade. Especialmente à
Thati Machado, por acreditar nas minhas histórias.
À Gaby, amiga e capista, por entender tão bem as ideias que
às vezes nem eu entendo e traduzi-las tão bem em arte.
À Bruh, pelas lindas artes e por ter me ajudado com
feedbacks da história!
Manda Foto de Agora – Koda G.
© 2021 Se Liga
Todos os direitos reservados

1ª Edição – Se Liga Editorial


Niterói – Agosto de 2021

Edição: Thati Machado


Revisão: DMS Revisões
Diagramação: Maria Freitas
Capa: Gaby Panzito

Dados Internacionais de Catalogação (CIP)


G., Koda
Manda foto de agora / Koda G. -- 1ª ed. – Rio de Janeiro, Brasil
1.Literatura brasileira. 2. Literatura Erótica I.Título.

CDD – B869

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos


são produtos da imaginação dos autores. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência. Este livro segue as regras da Nova Ortografia
da Língua Portuguesa.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,


através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento por escrito

dos autores.

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