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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO
GRADUAÇÃO EM DIREITO

ANA BEATRIZ BARROS DE SIQUEIRA

OS LIMITES JURÍDICOS AO DESARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL:


UMA ANÁLISE CRÍTICA DA JURISPRUDÊNCIA ATUAL DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL

FORTALEZA
2018
ANA BEATRIZ BARROS DE SIQUEIRA

OS LIMITES JURÍDICOS AO DESARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL: UMA


ANÁLISE CRÍTICA DA JURISPRUDÊNCIA ATUAL DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL

Monografia apresentada ao Programa de


Graduação em Direito da Universidade Federal
do Ceará, como requisito parcial à obtenção do
título de bacharel em Direito.

Área de concentração: Processual Penal. Direito


Penal.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Bruno Araújo


Rebouças.

FORTALEZA
2018
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Universitária
Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

S628l Siqueira, Ana Beatriz Barros de.


Os limites jurídicos ao desarquivamento do inquérito policial : uma análise crítica da jurisprudência
atual do Supremo Tribunal Federal / Ana Beatriz Barros de Siqueira. – 2018.
84 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito,


Curso de Direito, Fortaleza, 2018.
Orientação: Prof. Dr. Sérgio Bruno Araújo Rebouças.

1. Inquérito policial . 2. Desarquivamento . 3. Coisa julgada. I. Título.


CDD 340
ANA BEATRIZ BARROS DE SIQUEIRA

OS LIMITES JURÍDICOS AO DESARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL: UMA


ANÁLISE CRÍTICA À JURISPRUDÊNCIA ATUAL DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL

Monografia apresentada ao Programa de


Graduação em Direito da Universidade Federal
do Ceará, como requisito parcial à obtenção do
título de bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito Processual Penal.


Direito Penal.

Aprovada em: 08/06/2018.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Bruno Araújo Rebouças (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________
Prof. Dr. Alex Xavier Santiago da Silva
Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________
Mestranda Lara Dourado Mapurunga Pereira
Universidade Federal do Ceará (UFC)
Aos meus pais, Sandra e Germano, pelos quais
guardo o mais profundo amor e a mais alta
admiração.
AGRADECIMENTOS

A Deus, a quem confio toda a minha vida e em quem deposito inteiramente a minha
fé.
Aos meus pais, Sandra Helena Barros de Siqueira e Germano Silveira de Siqueira,
por serem a minha maior fonte de inspiração. Vocês me motivam diariamente a ser uma
estudante dedicada, uma profissional ética e um ser humano justo. Obrigada por todo amor,
todo o cuidado e todo apoio em cada momento da minha vida. A minha formação enquanto
indivíduo é essencialmente devida aos seus esforços em me proporcionarem o melhor que
podem e em me ensinarem valores tão nobres.
Ao meu irmão, João Victor Barros de Siqueira, por todo amor e companheirismo, e
a cada um da minha família que se manteve ao meu lado, desejando sempre o melhor. Às
minhas avós, principalmente, eu agradeço cada oração.
Aos amigos e colegas de faculdade e, especialmente, às ilustríssimas e tão
essenciais, Brenda Barros Freitas, Débora dos Santos Rocha, Gabriela Bustamante Hortêncio
de Medeiros, Lara Ferreira Sampaio, Luisa Sousa Gomes e Mariana França Mascarenhas.
Obrigada por compartilharem tanto comigo: as risadas, as dúvidas, os conselhos, as
inseguranças, as conquistas. Vocês são as responsáveis pelos momentos mais leves e felizes
durante essa graduação. Orgulho-me muito de cada uma e espero sempre poder cultivar a nossa
amizade.
Às minhas tão amadas amigas, Beatriz Vasconcelos de Azevedo, Bruna Levy Costa
Lima, Dímitra Bernardino Kyrtata, Hanna Levy Almeida, Mariana Costa Laranjeira, Martina
Quezado Vargas Valle e Raíssa Cavalcante Vasconcelos. Obrigada por, desde a infância,
compartilharem comigo a amizade mais verdadeira e preciosa de todas.
Ao querido amigo, David Peixoto dos Santos, não só pelos auxílios materiais
durante a produção deste trabalho, mas também pelo companheirismo e pelo o apoio ao longo
desse período.
À Defensoria Pública da União no Ceará, por ser uma instituição tão inspiradora,
na qual tive a oportunidade de estagiar, e onde conheci pessoas admiráveis. Defensores,
servidores, estagiários e assistidos, todos foram igualmente responsáveis pelo meu crescimento
profissional e pessoal durante a graduação.
Ao estimado professor Sérgio Bruno Araújo Rebouças, de quem tive a honra de ser
monitora e de quem recebi a mais solícita orientação na elaboração deste trabalho. Agradeço
por todos os ensinamentos e por toda a confiança e expresso minha mais sincera admiração.
Ao professor Alex Xavier Santiago da Silva, pela sua inegável competência
enquanto docente, e à mestranda Lara Dourado Mapurunga Pereira, colega de faculdade pela
qual tenho enorme admiração, ambos por haverem prontamente aceitado o convite para compor
a banca avaliadora desta monografia.
Mais vale arriscar-se a salvar um culpado do que a
condenar um inocente.
Voltaire.
RESUMO

Este trabalho visa analisar juridicamente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto
à possibilidade de desarquivamento do inquérito policial, tendo como principal objetivo a
análise crítica da decisão proferida pelo plenário da Corte, no julgamento do Habeas Corpus nº
87.395/PR, de acordo com a qual é válido o desarquivamento do inquérito quando este tiver
sido arquivado mediante determinação de decisão judicial que reconheceu a presença de
excludente de ilicitude. Busca-se examinar a natureza jurídica e os efeitos da decisão de
arquivamento, a fim de compreender se essa decisão é apta a produzir efeitos próprios da coisa
julgada. O estudo foi desenvolvido com base em uma pesquisa jurisprudencial e bibliográfica,
incluindo-se, como material de apoio, livros, artigos científicos e consultas a sítios eletrônicos,
além da legislação pátria referente ao tema. Para a efetiva compreensão da temática, trata-se
dos fundamentos e características das investigações preliminares, com principal enfoque no
inquérito policial, bem como do procedimento de arquivamento, na forma do art. 28 do Código
de Processo Penal, e do desarquivamento, previsto no art. 18 do mesmo diploma legal. Após,
colacionam-se posições doutrinarias acerca da natureza jurídica da decisão de arquivamento e
de seus efeitos, principalmente quanto à constituição ou não da coisa julgada. Ao fim, expõem-
se e examinam-se os principais julgados do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria,
realizando-se uma análise crítica da decisão de julgamento do Habeas Corpus nº 87.395/PR,
através da exposição dos votos vencidos, relacionando-os com institutos próprios do direito
processual penal.

Palavras-chave: Inquérito policial. Desarquivamento. Coisa julgada.


ABSTRACT

This work aims to juridically analyze the Brazilian Federal Supreme Court jurisprudence about
the possibility of reopening the police investigation, having as main focus the critical analysis
of the Court decision in Habeas Corpus nº 87.395 / PR, according to which it is valid to reopen
the police investigation even if it has been closed by the determination of a judicial decision
that recognized the presence of a cause that excludes the illicitness. It seeks to examine the legal
nature and effects of the decision that closes the police investigation, in order to understand
whether there is the constitution of res judicata. The study was developed based on a
jurisprudential and bibliographical research, including as support material, books, scientific
articles and queries to electronic sites, in addition to the national legislation related to the
subject. For the effective understanding of the thematic, the foundations and characteristics of
the preliminary investigations, with main focus in the police inquiry, were explored, as well as
the procedure of the inquiry archiving foreseen in article 28 of the Criminal Procedure Code,
and the reopening of the investigations foreseen in article 18 of the same law. Then, there is an
exposition of doctrinal positions about the legal nature of the decision that determinates the
inquiry archiving and its effects, mainly as to the constitution or not of the res judicata. Finally,
the Federal Supreme Court most important judgments are exposed and examined, and the
Habeas Corpus nº 87.395/ PR judgment decision is critically analysed, bringing the losing votes
most important aspects and relating them to institutes of criminal procedural law.

Keywords: Police inquiry. Reopening of the investigation. Res judicata.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art.: Artigo

CP: Código Penal

CPP: Código de Processo Penal

CF: Constituição Federal

STF: Supremo Tribunal Federal

STJ: Superior Tribunal de Justiça


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13
2 O ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL ................................................... 15
2.1 Inquérito Policial ......................................................................................................... 15
2.1.1 Aspectos introdutórios ...................................................................................... 15
2.1.2 Conceito e natureza jurídica ............................................................................. 18
2.1.3 Características .................................................................................................. 20
2.1.4 Atribuições das autoridades .............................................................................. 26
2.2 Aspectos gerais sobre o arquivamento ........................................................................ 30
2.3 Causas permissivas de arquivamento .......................................................................... 34
2.3.1 Ausência de pressupostos processuais e condições da ação ............................ 36
2.3.2 Atipicidade penal do fato .................................................................................. 37
2.3.3 Existência de causa excludente de ilicitude ...................................................... 38
2.3.4 Presença de causa excludente de culpabilidade ............................................... 39
2.3.5 Extinção da punibilidade do agente .................................................................. 40
3. A POSSIBILIDADE DE REABERTURA DAS INVESTIGAÇÕES E OS EFEITOS
DA DECISÃO DE ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL .......................... 42
3.1 Desarquivamento e oferecimento da denúncia ............................................................ 42
3.2 Decisão de arquivamento............................................................................................. 47
3.2.1 Natureza jurídica e irrecorribilidade................................................................ 48
3.2.2 Constituição da coisa julgada ........................................................................... 53
4 OS LIMITES JURÍDICOS AO DESARQUIVAMENTO À LUZ DA
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ....................................... 60
4.1 Ausência de pressuposto processual e de condição da ação ........................................ 60
4.2 Atipicidade penal e extinção de punibilidade .............................................................. 61
4.3 Causas excludentes de ilicitude e de culpabilidade ..................................................... 64
4.3.1 Julgamento do Habeas Corpus nº 87.395/PR ................................................... 64
4.3.2 Caráter absolutório da decisão ........................................................................ 68
4.3.3 Segurança jurídica ............................................................................................ 71
4.3.4 Vedação da Revisão Criminal pro societate ..................................................... 73
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 77
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 79
13

1 INTRODUÇÃO

O Ministério Público, como titular privativo da ação penal de iniciativa pública,


pode, ao invés de oferecer a denúncia em relação a um fato objeto de apuração em um inquérito
policial, requerer ao Poder Judiciário o arquivamento do procedimento de investigação
preliminar.
O pedido de arquivamento ocorre, na maioria das vezes, quando, apesar das
diligências realizadas pela autoridade policial no curso das investigações, não se obtém
elementos probatórios mínimos para consubstanciar o exercício da ação penal. Em outros casos,
no entanto, decorre da conclusão pelo Ministério Público quanto à inviabilidade da ação, em
razão da presença de elementos que excluem o delito ou que extinguem a sua punibilidade.
Não obstante, o Código de Processo Penal prevê em seu art. 18 que, mesmo após o
inquérito policial haver sido arquivado por determinação judicial, a autoridade policial poderá
retomar as investigações se de novas provas tiver notícia. Da mesma forma, a Súmula nº 524
do Supremo Tribunal Federal dispõe que arquivado o inquérito policial, poderá ser proposta
ação penal, desde que surjam novas provas.
Trata-se do instituto do desarquivamento das peças de informação, permitindo que,
mesmo após o arquivamento do inquérito, as investigações sejam retomadas, quando a
autoridade policial obtiver notícia de novas provas.
A possibilidade de desarquivamento do inquérito policial se torna controvertida,
quando o fundamento que houver ensejado o arquivamento tiver sido a atipicidade penal do
fato, a presença de alguma das causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade ou a
verificação da extinção da punibilidade do agente.
Tanto na doutrina como na jurisprudência, há posicionamentos no sentido de que,
em casos como esses, não se aplicaria a regra contida no art. 18 do CPP, visto que o
arquivamento do inquérito teria se fundamentado em uma questão de mérito, importando a
constituição da coisa julgada e impossibilitando a revisão da determinação judicial. Por outro
lado, há quem defenda que o desarquivamento é possível independentemente da causa que o
fundamentou o arquivamento, desde que sejam noticiadas novas provas.
O Supremo Tribunal Federal apresenta julgados sobre a temática, havendo já
decidido quando será e quando não será válido o desarquivamento do inquérito policial, a partir
da causa em que se fundamentou a decisão de arquivamento. Em 2017, no julgamento do
Habeas Corpus nº 87.395/PR, o STF firmou seu entendimento sobre a possibilidade do
desarquivamento do inquérito policial, quando este tiver sido arquivado com fundamento na
14

presença de uma causa excludente de ilicitude, posicionando-se pela sua validade. O


posicionamento é questionável, razão pela qual nesta monografia será realizada uma análise
crítica dessa decisão.
Quanto aos aspectos metodológicos, o presente trabalho foi desenvolvido com base
em um exame jurídico-doutrinário sobre o assunto, através de pesquisas jurisprudenciais, no
âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, e bibliográficas,
envolvendo o conteúdo de livros, artigos científicos e consultas a sítios eletrônicos, além da
legislação pátria referente ao tema.
Apoiada em tal acervo, a monografia foi dividia em três capítulos, que tratam,
respectivamente, do inquérito policial, do desarquivamento do inquérito e dos efeitos da decisão
de arquivamento e dos limites jurídicos ao desarquivamento, à luz da jurisprudência atual do
Supremo Tribunal Federal.
No primeiro capítulo, discorrer-se-á sobre os fundamentos e caraterísticas das
investigações preliminares, com principal enfoque no inquérito policial, abordando o
procedimento de arquivamento das peças de informação e identificando as causas que
justificam o seu requerimento.
No segundo capítulo, tratar-se-á da natureza jurídica e dos efeitos da decisão que
determina o arquivamento, considerando a possibilidade de retomada das investigações,
prevista no art. 18 do CPP, e do ulterior oferecimento da denúncia, conforme a súmula nº 524
do STF, analisando-se sob a perspectiva doutrinária a presença de efeitos próprios da coisa
julgada a partir da decisão que determina o arquivamento do inquérito.
Por fim, no terceiro capítulo, será realizada exposição dos julgados do Supremo
Tribunal Federal sobre a temática, dividindo as suas análises a partir das causas que se
fundamentaram o pedido de arquivamento. Após, quanto à possibilidade de desarquivamento
quando o arquivamento tiver se fundamentado em causa excludente de ilicitude, será feita uma
análise crítica, com base na exposição dos votos divergentes proferidos durante o julgamento
do Habeas Corpus nº 87.395/PR associando-os a institutos e a conceitos doutrinários próprios
do Direito Processual Penal, quais sejam, o caráter absolutório da decisão, a segurança jurídica,
e a vedação da revisão criminal pro societate.
15

2 O ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL

Para a melhor compreensão do tema objeto deste trabalho, é imprescindível a


discorrer sobre o arquivamento do inquérito policial. Portanto, serão, primeiramente,
apresentados os fundamentos, a natureza jurídica e as características das investigações
preliminares, principalmente aquelas relativas ao inquérito policial.
Em seguida, tratar-se-á do arquivamento do inquérito policial, abordando seu
procedimento, conforme está previsto no Código de Processo Penal, e expandindo o seu estudo
através da exposição da visão da doutrina sobre o assunto.
Por fim, como resultado da pesquisa conjunta entre os entendimentos
jurisprudenciais e doutrinários, serão expostas causas em que se permite o arquivamento do
inquérito policial, discorrendo-se brevemente sobre cada uma delas.

2.1 Inquérito Policial

Trata-se o inquérito policial da espécie de procedimento de investigação preliminar


tradicionalmente adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, destacando-se como a principal
peça informativa na prática processual penal, razão pela qual sobre ele será dedicada maior
ênfase neste estudo.1
Destarte, é fundamental a realização de uma breve introdução acerca do direito de
punir do Estado (jus puniendi) e da persecução penal (persecutio criminis), de modo a justificar
a existência da etapa investigativa preliminar.
Em seguida, concentrando-se no inquérito policial enquanto principal
procedimento investigativo preliminar, é importante discorrer sobre as suas principais
características e sobre a atuação dos órgãos policial, acusador e jurisdicional durante fase pré-
processual, para, ao final, tratar-se do procedimento de arquivamento previsto no Código de
Processo Penal e de suas hipóteses autorizadoras.

2.1.1 Aspectos introdutórios

1
Também compreendem as espécies de investigação preliminar, dentre outros, o Procedimento Investigatório
Criminal no âmbito do Ministério Público, a Comissão Parlamentar de Inquérito, o Termo Circunstanciado e o
Inquérito Policial Militar.
16

Nos dizeres de Frederico Marques, “da prática de um fato aparentemente delituoso,


nasce para o Estado o direito de punir.”. Isso porque, atualmente, abolida a fase de vingança
privada, é de função exclusiva do Estado o exercício do jus puniendi, sendo vedada qualquer
forma de repressão pessoal. Ao particular, apesar da possibilidade de vingar-se de seu ofensor,
não é conferido o direito de exercer a sanção penal, sendo esse serviço de monopólio do Estado.2
A prática de uma infração penal faz surgir, por consequência, uma lide entre o
Estado e o indivíduo, que resulta do conflito entre o direito subjetivo de punir do Estado e o
direito à liberdade do indivíduo. O jus libertatis atua, portanto, como limite à atuação do Estado
na qualidade de ente repressor dos delitos, impedindo que haja a prevalência imediata da
pretensão punitiva estatal.3
Dessa forma, O jus puniendi não é medida auto-executável, não consistindo em
consequência automática da prática de uma conduta aparentemente delituosa. O exercício do
direito de punir apresenta-se na forma de coerção indireta, sendo necessário para a aplicação da
sanctio juris que se demonstre a existência do próprio direito de punir, de modo a não violar a
garantia individual à liberdade.4
A feição indireta da coação penal torna necessária a existência de uma atividade,
também estatal, cuja finalidade seja a averiguação da existência ou não do direito de punir em
concreto, de forma a autorizar a imposição da sanção penal. Essa atividade é denominada de
persecutio criminis, processo que, nos preceitos de Marques, compreende a fase da investigação
criminal e a ação penal.5
Nesse sentido, o referido autor discorre:

O “processo penal” só se instaura com a propositura da ação. Esta, no entanto, é


precedida de uma fase de pesquisas, ou informatio delicti, em que se colhem os dados
necessários para ser pedida a imposição da pena. Verifica-se, portanto, que a
persecutio criminis apresenta dois momentos distintos: o da investigação e o da ação
penal. Esta consiste no pedido de julgamento da pretensão punitiva, enquanto que a
primeira é atividade preparatória da ação penal, de caráter preliminar e informativo:
inquisitivo nihil est quam informatio delicti.6 (grifo do autor)

De acordo com Tourinho Filho, como titular do direito de punir, diante da notícia
da prática de um ato possivelmente delituoso, deverá o Estado buscar elementos que

2
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997, v. 1, p. 23.
3
Ibidem, p. 25.
4
Ibidem, p. 26.
5
Ibidem, p. 128.
6
Ibidem, p. 128.
17

comprovem a existência da infração penal e que indiquem a sua autoria, como forma de
autorizar a instauração da persecução penal em juízo.7
Em se tratando de ação penal de iniciativa pública, caberá ao órgão do Ministério
Público a persecutio criminis in judicio, que consiste na promoção e no acompanhamento da
ação penal. Não obstante, para a sua atuação em juízo, faz-se necessária a disposição de
elementos que sustentem pretensão punitiva estatal. Para tanto, o art. 144 da Constituição
Federal de 1988 prevê a existência a polícia judiciária, cuja função consiste em investigar o fato
em tese criminoso, a fim de apurar sua autoria e materialidade.8
Logo, é importante a existência de uma fase pré-processual, que tenha por
finalidade o esclarecimento dos elementos constitutivos do fato supostamente delituoso. Essa
etapa é denominada de investigação preliminar ou, como designa Aury Lopes Júnior, de
instrução preliminar, sendo conceituada pelo processualista como:

O conjunto de atividades desenvolvidas concatenadamente por órgãos do Estado, a


partir de uma notícia-crime, com caráter prévio e de natureza preparatória com relação
ao processo penal, e que pretende averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato
aparentemente delituoso, com o fim de justificar o processo ou o não processo. 9

Esclarece o referido escritor que, o processo penal não deve iniciar-se de forma
imediata, sendo necessário para a sua instauração a coleta prévia de elementos aptos a justificar
a propositura da ação penal. Isso porque, o processo penal acarreta em si mesmo diversas penas
processuais ao investigado, não se podendo admitir que primeiro se acuse para que
posteriormente se investigue o fato e sua autoria. A fase preliminar apresenta, pois, essa
finalidade investigativa, cujo ponto de maior relevância consiste na conclusão pelo exercício
ou não da atividade acusatória do Estado.10
Segundo Aury Lopes Júnior, o principal fundamento da investigação preliminar se
revela na instrumentalidade constitucional do próprio processo penal. Isso significa afirmar que,
para além de ser um meio necessário para se atingir a satisfação da pretensão acusatória estatal,
a existência do processo penal – assim como a da fase preliminar - tem como principal
justificativa proporcionar a máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais previstos
constitucionalmente, de forma a preservar a dignidade da pessoa humana frente aos
constrangimentos que o processo acarreta.11

7
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 1,
p. 225.
8
Ibidem, p. 225.
9
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 252.
10
Ibidem, p. 250.
11
Ibidem, p. 253.
18

Partindo desse pressuposto, o autor aponta três fundamentos da investigação


preliminar. O primeiro deles consiste na busca do fato oculto, traduzindo-se no esclarecimento,
em grau de probabilidade, da autoria e da materialidade delitiva. Além disso, justifica-se na sua
função simbólica, de assegurar a paz social através da certeza de que todas os atos
possivelmente delituosos serão investigados. Respalda-se, por fim, na função de filtro
processual, de forma a evitar acusações infundadas.12
A função de filtro processual consiste em evitar a abertura de um processo penal sem o mínimo
de lastro probatório. Isso porque, além de reduzir os custos processuais, a instauração do
processo penal acarreta inevitável sofrimento ao indivíduo, devido ao seu estado de ânsia
prolongado, assim como provoca à pessoa elevada estigmatização social e jurídica.13
Acerca da estigmatização originada pelo processo penal, devem ser destacadas as
seguintes considerações de Lopes Júnior:

O termo “estigmatizar” encontra sua origem etimológica no latim stigma, que alude à
marca feita com ferro candente, sinal da infâmia, que foi, com a evolução da
humanidade, sendo substituída por diferentes instrumentos de marcação. O processo
penal em geral e a acusação formal em especial soa hoje manifestações da infâmia,
sendo o ferro candente substituído pela denúncia ou queixa abusiva e infundada. 14

Desse modo, a fase preliminar não deve ser entendida como uma preparação para o
procedimento em juízo, mas sim como um obstáculo a ser superado para que se dê início ao
processo penal.15

2.1.2 Conceito e natureza jurídica

No ordenamento jurídico brasileiro, a forma de investigação preliminar que vem


sendo tradicionalmente adotada é o inquérito policial, cujo surgimento na legislação pátria
ocorreu por meio da Lei nº 2.033 de 20 de setembro de 1871.16 O Decreto nº 4.824 de 22 de

12
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 253.
13
Ibidem, p. 258.
14
Ibidem, p. 259.
15
CARNELUTTI, Francesco. Derecho procesal civil y penal. Tradução de Enrique Figueiroa Afonso. México:
Episa, 1997, p. 338-349 apud LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014,
p. 259.
16
BRASIL. Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871. Altera differentes [sic] disposições da Legislação
Judiciaria [sic]. Rio de Janeiro, Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM2033.htm>.
Acesso em: 20 mar. 2018. “Art. 10. Aos Chefes, Delegados e Subdelegados de Policia [sic], além das suas actuaes
[sic] attribuições [sic] tão somente [sic] restringidas pelas disposições do artigo antecedente, e § único [sic], fica
pertencendo o preparo do processo dos crimes, de que trata o art. 12 § 7º do Codigo [sic] do Processo Criminal até
a sentença exclusivamente. Por escripto [sic] serão tomadas nos mesmos processos, com os depoimentos das
testemunhas, as exposições da accusação [sic] e defesa; e os competentes julgadores, antes de proferirem suas
decisões, deverão rectificar [sic] o processo no que fôr [sic] preciso. § 1º Para a formação da culpa nos crimes
19

novembro de 187117, por sua vez, ao regulamentar a essa espécie de investigação, definiu-a
como um procedimento escrito consistente na realização de todas as diligências necessárias
para a descoberta do fato criminoso, em suas circunstâncias e autoria.18
Segundo Bonfim, o inquérito policial deve ser compreendido, como “o
procedimento administrativo, preparatório e inquisitivo, presidido pela autoridade policial, e
constituído por um complexo de diligências realizadas pela polícia judiciária com vistas à
apuração de uma infração penal e à identificação de seus autores”.19
Evidencia-se daí a sua natureza jurídica de procedimento administrativo pré-
processual, não dispondo de uma estrutura verdadeiramente dialética, própria das relações
jurídicas processuais. Atua, portanto, como peça informativa e preparatória para o eventual
exercício da ação penal.20
Pela análise conjunta das normas previstas nos arts. 4º e 12 do Código Processual
Penal21, verifica-se que a finalidade do inquérito policial consiste na apuração da infração penal
em sua materialidade e autoria. Almeja-se, no entanto, a apuração desses elementos apenas em
um grau de probabilidade, visto que o campo de cognição nesta fase é limitado. 22
Será o destinatário imediato dessa atividade o Ministério Público, em se tratando
de crime cuja ação penal seja de iniciativa pública, ou o ofendido, em se tratando de ação penal
de iniciativa privada, visto que, com a reunião dos elementos colhidos pela polícia judiciária,
poderão formar sua opinio delicti para eventual propositura da denúncia ou queixa.23

communs [sic] as mesmas autoridades policiaes [sic] deverão em seus districtos [sic] proceder ás diligencias
necessárias [sic] para descobrimento dos factos criminosos e suas circumstancias [sic], e transmittirão [sic] aos
Promotores Publicos [sic], com os autos de corpo de delicto [sic] e indicação das testemunhas mais idoneas [sic],
todos os esclarecimentos colligidos [sic]; e desta remessa ao mesmo tempo darão parte á autoridade competente
para a formação da culpa [...]”.
17
BRASIL. Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871. Regula a execução da Lei nº 2033 de 24 de Setembro
do corrente anno [sic], que alterou differentes [sic] disposições da Legislação Judiciaria. Rio de Janeiro,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/dim4824.htm>. Acesso em: 20 mar.
2018. “Art. 42. O inquerito [sic]policial consiste em todas as diligencias necessárias [sic] para o descobrimento
dos factos criminosos, de suas circumstancias [sic] e dos seus autores e complices [sic]; e deve ser reduzido a
instrumento escripto [sic], observando-se nelle [sic]o seguinte: [...]”.
18
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 1,
p. 228.
19
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 100
20
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM,
2015, p. 109.
21
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai.
2018. “Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas
circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.”. “Art. 12. O inquérito policial
acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra.”.
22
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 271.
23
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p. 60.
20

Nesse sentido, Tourinho Filho esclarece que, no inquérito policial “se apuram a
infração penal com todas as suas circunstâncias e a respectiva autoria. Tais informações tem
por finalidade permitir que o titular da ação penal, seja o Ministério Público, seja o ofendido,
possa exercer o jus persequendi in judicio”.24
Por conseguinte, não cabe à autoridade policial realizar nenhum juízo de valor,
ainda que provisório, sobre, por exemplo, a ilicitude do fato ou a culpabilidade do indivíduo.
Deve somente atuar na colheita de prova da autoria e materialidade delitiva na execução de
providências acautelatórias dos vestígios deixados pela infração. Tal valoração é reservada
apenas àquele a quem compete expressar a opinio delicti, visto que será este o titular da eventual
ação penal.25

2.1.3 Características

De acordo com Aury Lopes Júnior, a autonomia e a instrumentalidade são as


características determinantes dos procedimentos de investigação preliminar. São autônomos,
pois, da mesma forma em que podem originar um processo penal, poderão não o fazer, sendo
o que se verifica no caso do arquivamento da peça informativa. Além disso, a autonomia se
constata da existência dispensável de uma investigação prévia à propositura da ação penal, visto
que o órgão acusador já pode ter em sua posse elementos suficientes para a instauração da fase
processual.26
Logo, os procedimentos pré-processuais existem independentemente do exercício
da ação penal a posteriori, da mesma forma que a ação penal prescinde da realização de
investigações prévias para ser promovida.
A instrumentalidade dos procedimentos preliminares, por sua vez, deriva da própria
instrumentalidade do processo penal. Trata-se de uma instrumentalidade qualificada, visto que
a investigação preliminar está a serviço do processo penal, que se apresenta como mecanismo
para a efetivação da pena (nulla poena sine iudicio).27
No que concerne especificamente do inquérito policial, a doutrina apresenta como
suas principais características a formalidade, a discricionariedade, o sigilo e o seu caráter
inquisitivo, obrigatório e indisponível.

24
TOURINHO FILHO, op. cit., p. 239.
25
TORNAGHI, Hélio. Instituicoes de processo penal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 250.
26
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 252
27
Ibidem, p. 252.
21

O inquérito policial é considerado um procedimento formal, visto que, durante o


seu curso, as autoridades policiais e demais agentes da polícia judiciária devem respeitar certas
formalidades, a fim de evitar a prática de atos ilegais.28
Nesse sentido, o art. 9º do Código Processual Penal29 exige que o procedimento seja
escrito, vedando-se a existência de uma investigação verbal.30 Trata-se de uma maneira de
possibilitar o controle de legalidade da atividade policial, a ser exercido pelo órgão judicial, de
forma a preservar as garantias constitucionais do investigado.31
A necessidade de documentação das apurações consiste também em uma forma de
atender à sua própria finalidade, já que, em se tratando de um procedimento que visa a prestar
informações ao titular da ação penal, a fim de lhe conceder respaldo probatório para intentá-la,
não seria viável a existência de outra forma, que não a escrita.32
O procedimento do inquérito policial é igualmente determinado pela
discricionariedade que dispõe a autoridade policial. O caráter formal do inquérito não indica
que seu procedimento seja marcado por formalismos e rigidez. Pelo contrário, no curso do
inquérito, a autoridade policial atua de forma discricionária, não havendo nenhuma forma
previamente determinada para a sua atuação, de forma a conduzir as investigações sem
necessitar prestar obediência a uma sequência de atos previstos em lei.33
A discricionariedade consiste na atuação dentro dos limites estabelecidos pela lei,
que confere ao agente certa abertura para agir de acordo com a oportunidade e a conveniência.
Logo, ao mesmo tempo que a legislação confere à autoridade policial certa margem de escolha,
estabelece seus limites. Não se confunde, por isso, com a arbitrariedade, conforme discorre
Bandeira de Mello:

Não se confundem discricionariedade e arbitrariedade. Ao agir arbitrariamente o


agente estará agredindo a ordem jurídica, pois terá se comportado fora do que lhe
permite a lei. seu ato, em consequência, é ilícito e por isso mesmo corrigível
judicialmente. Ao agir discricionariamente o agente estará, quando a lei lhe outorgar
tal faculdade (que é simultaneamente um dever), cumprindo a determinação
normativa de ajuizar sobre o melhor meio de dar satisfação ao interesse público por

28
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 40.
29
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018.
“Art. 9o Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e,
neste caso, rubricadas pela autoridade.”
30
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 13.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 78.
31
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 104.
32
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 1,
p. 243.
33
RANGEL, op. cit., p. 94
22

força da indeterminação legal quanto ao comportamento adequado à satisfação do


interesse público no caso concreto.34 (grifo do autor)

Durante as investigações preliminares, as atribuições da polícia apresentam caráter


discricionário, na medida em que a autoridade policial dispõe da faculdade de agir ou deixar de
agir, desde que dentro dos limites fixados de forma estrita pela lei. 35
O inquérito policial apresenta ainda notável caráter sigiloso. Trata-se de um sigilo
necessário à efetividade das investigações, visto que, muitos dos atos a serem realizados durante
o inquérito policial são incompatíveis com a publicidade inerente aos atos administrativos. Caso
as diligências fossem acessíveis a quem sobre elas manifestasse interesse, haveria grande risco
de se frustrar o objetivo da investigação.36
Nesse aspecto, Tourinho Filho defende que deve ser admitida a relativização do
princípio da publicidade na fase preliminar, visto que tal princípio é passível de restrições
durante o curso do próprio processo penal.37 Igualmente, Tornaghi sustenta que “se mesmo na
fase judicial, eminentemente acusatória, a lei impõe ou permite o sigilo (v. g., arts. 486, 561,
VI, e 745), não é de estranhar que mande assegurar o segredo, sem o qual o inquérito seria uma
burla ou um atentado”.38
Do mesmo modo, é o que prevê o art. 20 do Código Processual Penal 39, quando
dispõe que durante o inquérito, a autoridade policial, assegurará o sigilo essencial à elucidação
do fato ou necessário pelo interesse social.
Consoante Amintas Vidal, o sigilo é medida que deve ser imposta quando
necessária às apurações do fato, visto que a divulgação das diligências poderá prejudicar o
esclarecimento do fato investigado, podendo acarretar o desfazimento de elementos

34
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002,
p. 382.
35
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, 1961, p. 154-
156 apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p. 61.
36
De acordo com Mirabete (op. cit., p. 61), tal sigilo não se estenderá, por óbvio ao órgão acusador, nos termos
da Lei n.º 8.625/93. Nesse sentido: BRASIL. Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público. Brasília, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8625.htm>.
Acesso em: 15 mar. 2018. “Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: [...] IV - requisitar
diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto
no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los; [...]”; “Art. 41. Constituem
prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei
Orgânica: [...] VIII - examinar, em qualquer repartição policial, autos de flagrante ou inquérito, findos ou em
andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos; [...]”.
37
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 1,
p. 243.
38
TORNAGHI, Hélio. Instituições de processo penal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 254.
39
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018.
“Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse
da sociedade.”
23

comprobatórios da infração, suas circunstâncias e autoria.40 Além disso, o sigilo pode ser
imprescindível quando, conforme Espínola Filho, se tratar de crime cuja repercussão social
possa causar danos à paz pública.41
Da soma de tais características, conclui-se que o inquérito policial é um
procedimento de cunho eminentemente inquisitivo. A esse respeito, Capez discorre:

Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias


concentram-se nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para a
sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de oficio,
empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento
do crime e da sua autoria.42

A doutrina tradicionalmente defende que o caráter inquisitivo do inquérito policial


torna-o incompatível com os princípios da ampla defesa e do contraditório. Conforme esse
entendimento, não seria exigida a oportunização de defesa ao investigado, visto que ele não
está sendo acusado de qualquer infração penal, mas apresenta-se, de acordo com Rangel, apenas
como objeto de uma pesquisa realizada pela autoridade policial.43
Segundo Bonfim, resguardados os direitos e garantias fundamentais do investigado,
este apresenta-se somente como objeto da atividade investigatória. Ainda, para o referido autor,
quando a Constituição44, em seu art. 5º, LV, consagra os princípios do contraditório e ampla
defesa, confere esses direitos apenas àqueles que foram acusados, não os aplicando, portanto,
àqueles que estão sendo investigados preliminarmente, pois ainda não há acusação
propriamente dita.45
Em contraposição, a doutrina mais moderna reconhece a existência do contraditório
e da ampla defesa na fase pré-processual. Nessa perspectiva, o investigado não é tratado como
objeto de investigação, mas sim como sujeito de direitos, devendo-lhe ser garantido também o
acesso à ampla defesa e ao contraditório, ainda que em grau inferior ao da fase judicial.46
De acordo com Rebouças, o caráter inquisitivo do inquérito policial significa que,
em regra, os atos ocorrem unilateralmente, o que, entretanto, não obsta a existência do

40
GOMES, Amintas Vidal. Manual do Delegado. [S. l.: s. n.], [20--?] apud TOURINHO FILHO, op. cit., p. 244.
41
ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de processo penal brasileiro anotado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954
apud TOURINHO FILHO, op. cit., p. 244.
42
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 13.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 79.
43
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 92.
44
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 28 fev. 2018.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...].
45
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 106-107.
46
REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 172-173.
24

contraditório ou da ampla defesa. Esse entendimento é corroborado pelo direito do defensor em


ter acesso aos autos do inquérito47, do mesmo modo que pela garantia do advogado em assistir
o investigado durante as apurações, podendo estar presente durante o interrogatório, bem como
apresentar quesitos e assistente técnico à perícia.48 49
De acordo com Lauria Tucci e Cruz e Tucci, o constituinte, no art. 5º, LV, da
Constituição Federal de 1988, estendeu as garantias do contraditório e da ampla defesa também
aos procedimentos administrativos, afirmando que:

quando se menciona “acusados em geral”, na examinada preceituação constitucional,


certamente pretende se dar a mais larga extensão às palavras, com referência obvia a
qualquer espécie de acusação, inclusive a ainda não formalmente concretizada. Assim
não fosse, afigurar-se-ia de todo desnecessária a adição de “em geral”; bastaria a
alusão a “acusados”.50

Em sua doutrina, o processualista defende a presença do contraditório da


integralidade da persecução penal, o que se revela também na assistência de advogado ao preso
constitucionalmente prevista no art. 5º, LXIII. Nesse aspecto, cita Nores, em sua referência ao
art. 40 da Constituição Provincial argentina, segundo o qual “é inviolável a defesa em juízo da
pessoa e de seus direitos. Todo acusado tem direito à defesa técnica, ainda a cargo do Estado,
desde o primeiro momento da persecução penal”.51 52

47
Nesse sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 14. Diário da Justiça Eletrônico.
Brasília, 09 fev. 2009. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=14.NUME.%20E%20S.FLSV.&base=ba
seSumulasVinculantes>. Acesso em: 25 mar. 2018. “é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso
amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”; BRASIL. Lei nº 8.906, de 04
de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Brasília,
DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm>. Acesso em: 25 mar. 2018. “Art. 7º
São direitos do advogado: [...] XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação,
mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda
que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital; [...]”.
48
BRASIL. Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB). Brasília, DF. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm>. Acesso em: 12 abr. 2018. “Art. 7º São direitos do
advogado: [...] XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade
absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e
probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva
apuração: (Incluído pela Lei nº 13.245, de 2016) a) apresentar razões e quesitos; [...]”.
49
REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p 172-173.
50
TUCCI, Rogério Lauria; TUCCI, José Rogério Cruz e,. Constituição de 1988 e processo: regramentos e
garantias constitucionais do processo .São Paulo: Saraiva, 1989, p. 25.
51
NORES, José I Cafferata et al. Manual de derecho procesal penal. [S. l.]: Advocatus, [20--], p. 165, tradução
nossa. Disponível em: <http://www.profprocesalpenal.com.ar/archivos/9c56835f-Manual.Cordoba.pdf>. Acesso
em: 10 maio 2018.
52
NORES, José I Cafferata. Eficácia de la Persecución Penal y Garantías Procesales en la Constitución de
Córdoba. [S. l.: s. n.], [19--], p. 29-30 apud TUCCI, op. cit., p. 29.
25

Ainda, conforme Mirabete, pode-se caracterizar o inquérito policial como


procedimento obrigatório. Isso porque, em se tratando de ação penal de iniciativa pública,
diante do conhecimento de uma prática aparentemente delituosa, deverá a autoridade policial
obrigatoriamente proceder à instauração do procedimento investigativo.53
Tal característica não se confunde, entretanto, com a ideia de imprescindibilidade
do inquérito policial, visto que, conforme já exposto, os procedimentos de investigação
preliminar caracterizam-se pela sua autonomia, sendo, por isso, dispensáveis, isto é, não
obrigatórios.
O teor do art. 12, do Código Processual Penal somado às disposições dos arts. 27,
art. 39, §5º e art. 46, §1º, do mesmo instrumento processual apontam que a peça acusatória pode
ter como suporte outras peças informativas, desde que suficientes para que haja a justa causa
para o oferecimento da denúncia ou da queixa, entendida como a materialidade delitiva e os
indícios mínimos de sua autoria.54 55
A esse respeito, assevera Tourinho Filho:

O inquérito policial é peça meramente informativa. Nele se apuram a infração penal


com todas as suas circunstâncias e a respectiva autoria. Tais informações tem por
finalidade permitir que o titular da ação penal, seja o Ministério Público, seja o
ofendido, possa exercer o jus persequendi in judicio, isto é, possa iniciar a ação penal.
Se esta é a finalidade do inquérito, desde que o titular da ação penal (ministério
Público ou ofendido) tenha em mãos as informações necessárias, isto é, os elementos
imprescindíveis ao oferecimento de denúncia ou queixa, é evidente que o inquérito
será perfeitamente dispensável.56

Por fim, o inquérito policial deve ser entendido como um procedimento


indisponível, na medida que, uma vez instaurado pela autoridade policial, esta não poderá

53
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p. 62.
54
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018.
“Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a
ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os
elementos de convicção.” “Art. 39. O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por
procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério
Público, ou à autoridade policial. [...] § 5o O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a
representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a
denúncia no prazo de quinze dias.” “Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de
5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias,
se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art.
16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos. § 1o Quando o
Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em
que tiver recebido as peças de informações ou a representação.”
55
MIRABETE, op. cit., p. 60.
56
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, v. 1,
p. 239-240.
26

arquivá-lo.57 A lei confere apenas ao órgão acusador o direito de dispor do procedimento


investigatório, devendo submeter sua pretensão ao órgão jurisdicional, quando, apenas assim,
poderá ser autorizado o arquivamento dos autos do inquérito.58

2.1.4 Atribuições das autoridades

Conforme já destacado, a atividade investigativa será levada a cabo pela polícia


judiciária, de caráter eminentemente repressivo, através dos agentes da Polícia Civil e da Polícia
Federal.59 60
À autoridade policial incumbe a presidência do inquérito policial, agindo com
discricionariedade para determinar as diligências a serem realizadas durante o curso da
investigação, sendo-lhe também atribuída a prática de outros atos.61
Na forma do art. 5º do Código Processual Penal62, à autoridade policial compete a
instauração do inquérito, devendo fazê-lo tão quanto tenha notícia da suposta infração penal. A
notitia criminis, por sua vez, poderá ser de conhecimento espontâneo pelo órgão policial ou
provocado por outrem. Será espontâneo quando a ciência pela autoridade da prática de um fato
aparentemente delituoso ocorrer, de forma direta e imediata, no o exercício de sua atividade
funcional. Por outro lado, será provocado quando a notícia for transmitida por uma das diversas
formas previstas no ordenamento jurídico.63

57
Nesse sentido: BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de
Janeiro, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em:
18 mai. 2018. “Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.”.
58
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p. 62
59
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 28 fev. 2018.
“Art. 144. [...] § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União
e estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento
de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras
infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se
dispuser em lei; [...] IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União [...] § 4º Às polícias
civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de
polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
60
MIRABETE, op. cit., p. 57-58.
61
O Código Processual Penal, que, em seu art. 4º, confere à autoridade policial a titularidade do inquérito policial
concede, no seu parágrafo único, a outras autoridades administrativas a elaboração de inquérito, desde que haja
atribuição legal para investigar (LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2014, p. 281).
62
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018.
“Art. 5o Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I - de ofício; II - mediante requisição da
autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para
representá-lo.”
63
MIRABETE, op. cit., p 64-65.
27

De acordo com o art. 5º, I e II, do Código Processual Penal, nos crimes de ação
penal de iniciativa pública, o inquérito policial será iniciado de ofício pela autoridade policial,
ou mediante o requerimento do ofendido ou requisição da autoridade judiciária ou do Ministério
Público.
Segundo Tornaghi, o magistrado e o Ministério Público não têm o poder de ordenar
à polícia a instaurar o inquérito. Todavia, por se tratar de requisição das referidas autoridades,
o pedido deve ser atendido pelo órgão policial, salvo se manifestamente ilegal. Isso porque, não
é conferida à autoridade policial a possibilidade de não instaurar o inquérito, não havendo,
ainda, sequer previsão legal do indeferimento da requisição, como há na hipótese de
requerimento do ofendido.64
Em se tratando de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação do
ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça ou de iniciativa privada, a instauração do
inquérito policial tem como condição a requerimento destes sujeitos.65 66
Quanto as demais atividades de atribuição da polícia judiciária, o art. 6º, I a X, do
Código Processual Penal67, elenca, de forma exemplificativa, algumas diligências que a
autoridade policial deve realizar durante o inquérito, a fim de apurar os fatos apresentados na
notitia criminis, tais como a apreensão de objetos, a determinação da realização do exame de
corpo de delito - se for o caso-, a oitiva do ofendido, do investigado e de testemunhas.68
Além disso, a Lei nº 12.830/2013 atribui privativamente ao delegado de polícia o
indiciamento.69 Trata-se de ato fundamentado, por meio do qual a autoridade policial aponta

64
TORNAGHI, Hélio. Instituições de processo penal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 257-258.
65
Inteligência do art. 5º, § 4º, do Código de Processo Penal (Art. 5o Nos crimes de ação pública o inquérito policial
será iniciado: [...] § 4o O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem
ela ser iniciado.).
66
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p. 68-69.
67
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018.
“Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I - dirigir-se ao
local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos
criminais; II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;
III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; IV - ouvir o ofendido;
V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro,
devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura; VI - proceder a
reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo
de delito e a quaisquer outras perícias; VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se
possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o
ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois
do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e
caráter. X - colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e
o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa.”
68
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 84.
69
BRASIL. Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo
delegado de polícia. Brasília, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
28

formalmente determinada pessoa como autor ou partícipe da infração penal objeto de


investigação.70
Em regra71, o prazo para a conclusão das investigações é de 10 (dez) dias, se o
indiciado tiver sido preso em flagrante ou preventivamente, ou de 30 (dias), quando este estiver
solto. Quanto à possibilidade da prorrogação desse prazo, majoritariamente entende-se sê-la
inadmissível quando o investigado estiver preso.72 Por outro lado, estando ele solto, a legislação
permite a prorrogação do prazo, mediante a oitiva do magistrado, considerando a doutrina
também ser obrigatória a oitiva prévia do Ministério Público.73
A conclusão do procedimento inquisitivo sucede com a elaboração de um relatório
pela autoridade policial, no qual apresentará o que fora investigado, de maneira objetiva,
podendo incluir uma tipificação penal, a qual, no entanto, não vinculará a atuação do Parquet.
Ato contínuo, os autos serão encaminhados ao órgão judicial, que abrirá vistas ao membro do
Ministério Público atuante. Este, por sua vez, poderá requerer à polícia novas diligências que
entenda necessárias à formação da opinio delicti, ou, caso verifique a presença de elementos
suficientes, poderá oferecer a peça acusatória, ou, ainda, requerer o arquivamento da peça
informativa.74
Assim sendo, percebe-se que, apesar de destinatário da peça informativa, ao
Ministério Público não é conferido o poder de conduzir o inquérito policial. Sua função
institucional, na forma do art. 129, I, da Constituição Federal, consiste na promoção da ação
penal pública, em caráter privativo. Não obstante, poderá atuar requisitando instauração do

2014/2013/lei/l12830.htm>. Acesso em: 12 abr. 2018. “Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de
Estado. [...]§ 6o O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante
análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias. [...]”.
70
REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 183.
71
Na legislação brasileira, existem prazos especiais para a conclusão do inquérito policial. Como exemplo, tem-
se a Lei nº 11.343/2006, que dispõe em seu art. 51, caput, que “o inquérito policial será concluído no prazo de 30
(trinta) dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto”. (BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de
agosto de 2006. Lei de Drogas. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: 12 jun. 2018).
72
Nesse sentido: BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de
Janeiro, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em:
18 mai. 2018. “Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em
flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a
ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela. § 1o A autoridade fará
minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente. § 2o No relatório poderá a
autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser
encontradas. § 3o Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer
ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz.”
73
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodvim, 2015,
p. 149.
74
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 314.
29

inquérito e no acompanhamento do procedimento, podendo requerer diligências à autoridade


policial, conforme prevê o art. 129, VIII, da Constituição Federal75, bem como o art. 26, IV da
Lei nº 8.625/93 – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.76 77 78
Incumbe ainda ao Ministério Público realizar um controle externo da atividade
policial. Sua atuação consiste tanto na fiscalização das atividades persecutórias, acompanhando
a produção de provas que poderão lhe servir, bem como na repressão de eventuais abusos por
parte da polícia.79 80
Com efeito, o procedimento do inquérito policial é marcado pela autonomia e
discricionariedade da autoridade policial e pelo acompanhamento do Ministério Público,
quando se tratar de ação penal de iniciativa pública. Todavia, durante a fase pré-processual faz-

75
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 28 fev. 2018. “Art.
129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma
da lei; [...] VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os
fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; [...]”.
76
Nesse sentido: BRASIL. Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8625.htm>. Acesso em: 15
mar. 2018. “Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: [...] IV - requisitar diligências
investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129,
inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los; [...]”.
77
Importante salientar que é conferida ao Ministério Público a possibilidade de exercer a atividade investigativa
preliminar, mediante a instauração do Procedimento Investigatório Criminal no âmbito do próprio órgão, na forma
da Resolução nº 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público. (BRASIL. Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP). Resolução nº 181, de 7 de agosto de 2017. Dispõe sobre instauração e tramitação do
procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público. Brasília, DF. Disponível em:
<http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resolucoes/Resolu%C3%A7%C3%A3o-181.pdf>. acesso em: 29 mar.
2018).
78
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p 58-59.
79
Nesse sentido: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília.
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 28
fev. 2018. “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] VII - exercer o controle externo da
atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; [...].”; BRASIL. Lei
Complementar nº 75, de 20 mai. 1993. Dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério
Público da União. Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp75.htm>.
Acesso em: 10 mar. 2018. “Art. 9º O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial
por meio de medidas judiciais e extrajudiciais podendo: [...].”; BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP). Resolução nº 20, de 28 de maio de 2007. Regulamenta o art. 9º da Lei Complementar nº 75, de 20
de maio de 1993 e o art. 80 da Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, disciplinando, no âmbito do Ministério
Público, o controle externo da atividade policial. Brasília, DF. Disponível em:
<http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Resoluçao_nº_20_alterada_pelas_Resoluções-65-98_113_e_121.pdf>.
Acesso em: 10 mar. 2018. “Art. 2º O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como
objetivo manter a regularidade e a adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial,
bem como a integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltada para a persecução penal e o
interesse público, atentando, especialmente, para: I – o respeito aos direitos fundamentais assegurados na
Constituição Federal e nas leis; II – a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio
público; III – a prevenção da criminalidade; IV – a finalidade, a celeridade, o aperfeiçoamento e a indisponibilidade
da persecução penal; V – a prevenção ou a correção de irregularidades, ilegalidades ou de abuso de poder
relacionados à atividade de investigação criminal; VI – a superação de falhas na produção probatória, inclusive
técnicas, para fins de investigação criminal; VII – a probidade administrativa no exercício da atividade policial.”
80
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodvim, 2015,
p. 189-190.
30

se necessária a intervenção judicial, limitada a assegurar a observância das garantias


constitucionais do investigado.
Segundo Aury Lopes Júnior, o juiz atua como garantidor da observância aos direitos
fundamentais do sujeito passivo da investigação e faz o controle de legalidade dos atos do
inquérito. Sua atuação deve ser bastante limitada, devendo, excetuados alguns casos previstos
em lei, serem provocados pela autoridade policial, pelo ministério público ou pelo
investigado.81
Para Rangel, a atuação limitada do órgão jurisdicional se justifica pela adoção pelo
ordenamento jurídico brasileiro do sistema processual penal acusatório. Este, em contraposição
ao sistema processual penal inquisitivo, é determinado pelo caráter não arguitivo do magistrado,
com vistas a preservar sua imparcialidade. Apresenta-se na forma do acto trium personarum,
por meio do qual as funções de defesa, acusação e julgamento são atribuídas a três sujeitos
processuais distintos. Sob essa perspectiva, caberá ao juiz somente o desempenho da função
jurisdicional, ao passo que ao Ministério Público, ou ao ofendido, caberá o exercício da
acusação.82
Por outro lado, a despeito do exercício de controle da observância das garantias
fundamentais do indivíduo, função de maior relevância prática do órgão jurisdicional verifica-
se no proferimento da decisão que determina o arquivamento do inquérito, visto que, como será
tratado a seguir, a atuação do magistrado é imprescindível à sua concretização.

2.2 Aspectos gerais sobre o arquivamento

Concluído o procedimento investigatório pela polícia judiciária, os autos do


inquérito serão encaminhados ao órgão jurisdicional competente, que abrirá vistas ao membro
oficiante do Ministério Público. Este, diante das informações documentadas no inquérito,
poderá proceder das seguintes formas.
Caso entenda serem as informações coligidas insuficientes para formação da sua
opinio delicti, poderá o Parquet tanto realizar diligências complementares, bem como requerê-
las à autoridade policial. De acordo com Greco Filho, nesse caso, não cabe ao juiz decidir sobre
tal pedido, devendo apenas remeter os autos ao órgão policial, sem realizar qualquer juízo de
valor sobre a necessidade de novas apurações.83

81
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 281.
82
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 50-52.
83
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 87-88.
31

Em sentido diverso, poderá constatar que os elementos informativos contidos no


inquérito já são suficientes para a elaboração da opinio delicti. Em se posicionando pela
viabilidade da ação penal, deverá oferecê-la dentro do prazo previsto no Código de Processo
Penal.84 85
Em contrapartida, a opinio delicti pode se apresentar no entendimento pela ausência
de suporte para o oferecimento da ação penal. Nessa circunstância, deverá o Ministério Público
requerer ao órgão jurisdicional competente o arquivamento do inquérito policial.86
A esse respeito, Polastri assevera:

Caso não estejam presentes as condições e requisitos que autorizem o oferecimento à


denúncia, inexistindo outras diligências apuratórias, o órgão do parquet, ao contrário
de dar início à ação penal, a abortará em seu nascedouro, através do arquivamento
dos elementos até então existentes.87 (grifo do autor)

Na legislação pátria, o arquivamento do inquérito policial e das demais peças de


informação encontra-se previsto no art. 28 do Código de Processo Penal, que dispõe:

Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer


o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no
caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou
peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro
órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento,
ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.88

Ao Ministério Público, como titular privativo da ação penal de iniciativa pública,


compete exclusivamente o requerimento de arquivamento do inquérito policial.89 Não é,
portanto, atribuição da autoridade policial arquivá-lo de ofício ou requerer o seu arquivamento.

84
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018.
“Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o
órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado.
No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em
que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.”
85
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 91.
86
Insta salientar que, conforme explica Greco Filho (op. cit., p. 88), a formação da sua opinio delicti pode levar à
conclusão pela incompetência do juízo, devendo nesse caso o Ministério Público requerer ao juiz alteração da
competência.
87
LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 123.
88
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018.
89
Em se tratando da ação penal de iniciativa privada, a discussão acerca do arquivamento do inquérito policial não
apresenta muita relevância, tendo em vista a presença dos institutos da renúncia e da decadência. Não obstante,
Renato Brasileiro sustenta que o ofendido poderia requerer o arquivamento do inquérito policial quando, apesar
das diligências realizas do curso das investigações, não houver indícios mínimos da autoria delitiva. Isso porque
não haverá a decadência, visto que o marco inicial para a contagem do prazo decadencial inicia-se com o
conhecimento do autor do fato, razão pela qual também não poderia se falar em renúncia tácita. (LIMA, Renato
Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 170-171).
32

Isso porque, à esta concerne apenas a coleta de informações sobre o fato objeto da investigação,
não lhe incumbindo valorar os elementos colhidos.90
Não cabe igualmente ao magistrado determinar o arquivamento do inquérito
policial de ofício. Caso contrário, haveria evidente distanciamento do sistema processual penal
acusatório, que pressupõe a separação das funções de acusação, defesa e julgamento entre três
órgãos distintos. Dessa forma, ao magistrado compete o arquivamento do inquérito, mas desde
que requerido pelo Ministério Público, visto que este funciona como titular da ação penal, lhe
sendo atribuída de forma exclusiva a formação da opinio delicti.91
Incumbe ao magistrado apenas decidir sobre o pedido de arquivamento apresentado
pelo órgão ministerial. Essa atribuição da autoridade judiciária se justifica, na medida em que
é o juiz quem deve exercer o controle externo acerca da observância do princípio da
obrigatoriedade da ação penal pública.92
Sobre a fiscalização do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, Jardim
assevera:

A exigência de o arquivamento do inquérito ou das peças de informação vir a ser


submetido à apreciação judicial nada mais é do que a consagração de um mecanismo
de controle externo do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. Caso
vigorasse o princípio da oportunidade, não haveria lugar para a fiscalização do que
não existe – a obrigatoriedade. Poderíamos ter, sim, um duplo juízo de conveniência
ou oportunidade sobre a propositura da demanda penal. 93

Destarte, o requerimento de arquivamento deverá ser apresentado ao juiz de forma


escrita e fundamentada, contendo as razões pelas quais o Parquet entende ser essa providência
necessária.94 95 O pedido deverá ser sempre expresso, sendo vedada a figura do arquivamento
implícito.96

90
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 13.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p.102.
91
LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 124
92
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 166.
93
Ibidem, p. 166.
94
De acordo com o STF, o pedido é irretratável. Nesse sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inquérito nº
2028. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário da Justiça. Brasília, 16/12/2005. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=80676>. Acesso em: 19 maio 2018;
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inquérito nº 2054. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário da Justiça.
Brasília, 06/10/2006. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=80682>. Acesso em: 19 maio 2018.
95
LIMA, op. cit., p. 124.
96
“Entende-se como arquivamento implícito o fenômeno de ordem processual decorrente de o titular da ação penal
deixar de incluir na denúncia algum fato investigado ou algum dos indiciados, sem expressa manifestação ou
justificação deste procedimento” (JARDIM, Afrânio Silva. Ação Penal Pública: Princípio da Obrigatoriedade.
Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 28 apud LIMA, op. cit., p. 146). Essa forma de arquivamento é vedada, visto
que, de acordo com Eugênio Pacelli, a finalidade do procedimento é tornar a matéria indiscutível, ressalvada a
possibilidade de desarquivamento, quando do surgimento de novas provas. Por conseguinte, não é admissível que
o Ministério Público não ofereça a denúncia ou a ofereça somente em relação a alguns fatos ou indiciados, e nem
33

O magistrado, ao receber o pedido formal de arquivamento, poderá manifestar-se


de duas formas distintas. Primeiramente, poderá decidir conforme com a opinião do órgão
acusador, determinando o arquivamento da peça de informação e o encerramento das
investigações. Em sentido oposto, poderá o juiz entender que não assiste razão ao órgão
ministerial, indeferindo o pedido de arquivamento. Nesse caso, o retrocitado art. 28 do Código
Processual Penal prevê a remessa dos autos do inquérito policial ao Procurador-Geral,
verificando-se a incidência do princípio da devolutividade.97
Acerca do referido princípio, Mirabete discorre:

É o princípio da devolução, em que o juiz transfere (devolve) a apreciação do caso


ao chefe do Ministério Público, ao qual cabe a decisão final sobe o oferecimento, ou
não, da denúncia. O juiz atua, na hipótese, numa função anormal, a de vela e fiscalizar
o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. 98 (grifo do autor)

Logo, caso não concorde com a proposta do Ministério Público, o juiz determinará
a remessa dos autos do inquérito policial ao Procurador-Geral, que decidirá definitivamente
sobre a questão. No âmbito da Justiça Estadual, atividade é exercida pelo Procurador-Geral de
Justiça, salvo quando se tratar de ação penal de iniciativa originária deste, sendo nesse caso o
colégio de procuradores o órgão revisional.99 Por sua vez, na Justiça Federal, tal atribuição é
conferida às Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, exceto nas
hipóteses de ação penal de iniciativa originária do Procurador-Geral da República.100 101
Recebidos os autos do inquérito pelo órgão revisional do Ministério Público, caso
sua opinião siga os fundamentos expostos na decisão judicial, poderá o Procurador-Geral

requeira o arquivamento expresso, deixando quanto aos outros a matéria em aberto (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli
de. Curso de processo penal. 13. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 73).
97
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 89.
98
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p 83.
99
BRASIL. Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. Brasília,
DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8625.htm>. Acesso em: 15 mar. 2018. “Art. 10.
Compete ao Procurador-Geral de Justiça: [...] IX - designar membros do Ministério Público para: [...] d) oferecer
denúncia ou propor ação civil pública nas hipóteses de não confirmação de arquivamento de inquérito policial ou
civil, bem como de quaisquer peças de informações; [...]. Art. 12. O Colégio de Procuradores de Justiça é composto
por todos os Procuradores de Justiça, competindo-lhe: [...] XI - rever, mediante requerimento de legítimo
interessado, nos termos da Lei Orgânica, decisão de arquivamento de inquérito policial ou peças de informações
determinada pelo Procurador-Geral de Justiça, nos casos de sua atribuição originária; [...].”
100
BRASIL. Lei Complementar nº 75, de 20 mai. 1993. Dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto
do Ministério Público da União. Brasília, DF. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp75.htm>. Acesso em: 10 mar. 2018. “Art. 62. Compete às
Câmaras de Coordenação e Revisão: [...] IV - manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito
parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral; [...]”.
101
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015,
p. 164.
34

oferecer desde já a denúncia, bem como poderá designar outro membro do Ministério Público
para que a promova.102
Em sentido oposto, poderá acompanhar as razões expostas pelo órgão ministerial
originário, de forma a insistir no pedido de arquivamento. À vista disso, tratando-se de decisão
final e definitiva sobre o assunto, é defeso ao juiz não acolher o pedido do Ministério Público.
Conforme salienta Jardim, deverá o juiz determinar o arquivamento físico dos autos, tratando-
se de mero ato material de ordenar os autos do inquérito ao arquivo, não lhe restando nenhuma
margem para a apreciação do pedido.103
Levando em conta a liberdade funcional do órgão acusador, esclarece Bonfim:

A obrigatoriedade de atender o pedido de arquivamento não pressupõe a prevalência


da autoridade do Ministério Público sobre a do magistrado, como em princípio poderia
parecer. Ocorre que o órgão do Ministério Público tem liberdade para formar
convicção acerca da prática de delito: se, examinando os autos do inquérito policial,
concluir pela inexistência de delito, não pode ser obrigado a ajuizar a ação penal. 104

Diversamente, poderá, ainda, o Procurador-Geral determinar a realização de


diligências complementares. Em tal caso, Greco Filho defende que o requerimento de novas
diligências será realizado diretamente à polícia ou a outras entidades, sem a intervenção
judicial, visto que, nessa fase, a deliberação é de atribuição exclusiva do Ministério Público.105

2.3 Causas permissivas de arquivamento

O ordenamento jurídico pátrio não traz expressamente as hipóteses que autorizam


o arquivamento do inquérito policial e das demais peças de informação. Não obstante, doutrina
e jurisprudência entendem como sendo as causas permissivas do arquivamento de
procedimentos preliminares aquelas previstas no arts. 395 e 397 do Código Processual Penal106,
que tratam da rejeição liminar da peça acusatória e da absolvição sumária, respectivamente.107

102
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015,
p. 164.
103
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 166.
104
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 127.
105
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 89
106
Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018. “Art.
395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual
ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.”; “Art.
397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver
sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II -
a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato
narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente.”.
107
REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 192-193.
35

A rejeição liminar da denúncia pelo juiz visa a impedir a instauração do processo


penal sem que haja a presença de pressupostos processuais e condições para o exercício da ação
penal. Portanto, se o próprio órgão acusador verificar, da conclusão do procedimento
investigatório preliminar, a ausência desses requisitos, deverá requerer o arquivamento do
inquérito policial.108
A absolvição sumária, por sua vez, consiste em um julgamento antecipado do
mérito da causa, sem que haja a necessidade de dilação probatória, visto que já evidente algum
motivo que torne inviável a persecução penal, a saber: a existência manifesta de alguma causa
excludente de ilicitude do fato ou da culpabilidade do agente, a verificação atipicidade penal
do fato, ou a constatação da extinção da punibilidade.
Logo, de forma a evitar a movimentação injustificada da máquina judiciária, e,
principalmente, a fim de poupar o investigado da estigmatização causada pela instauração do
processo penal, apresenta-se como medida mais razoável a promoção do arquivamento do
procedimento investigatório pré-processual, quando verificada pelo próprio órgão acusador
alguma das causas que ensejam a absolvição sumária.109
De acordo com Távora e Allencar, se pela análise dos elementos coligidos durante
a fase de investigação preliminar, o Ministério Público verificar a presença manifesta de uma
causa de absolvição sumária, deverá requerer o arquivamento sob essa razão. O oferecimento
da denúncia seria, portanto, uma medida reprovável, visto que é desnecessária a deflagração de
um processo penal quando já se evidencia a ausência de delito.110
De forma a compor esse entendimento, o Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal, em seu art. 21, XV111, aponta como hipóteses que autorizam o arquivamento do
inquérito policial pelo relator a existência manifesta de causa excludente de ilicitude do fato ou

108
O não mais vigente art. 43 do Código de Processo Penal previa como hipóteses que autorizavam a rejeição da
peça acusatória pelo juiz a evidente atipicidade penal do fato, a extinção de punibilidade e a falta de condição para
o exercício da ação. O referido artigo foi revogado pela Lei nº 11.719/08, permanecendo a ausência de condição
da ação como causa autorizadora da rejeição liminar da peça acusatória, na forma do art. 395 do CPP, ao passo
que a atipicidade penal do fato e a extinção de punibilidade passaram a ser consideradas causas de absolvição
sumária, nos termos do art. 397 do CPP.
109
REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1069.
110
TÁVORA, Nestor.; ALLENCAR, Rosmar A. R. C. de. Curso de direito processual penal. 9. ed. rev, ampl. e
atual. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 155
111
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Regimento Interno: [atualizado até julho de 2016]. Brasília, DF,
Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF.pdf>. Acesso em:
25 abr. 2018. “Art. 21. São atribuições do Relator: [...] XV¹ – determinar a instauração de inquérito a pedido do
Procurador-Geral da República, da autoridade policial ou do ofendido, bem como o seu arquivamento, quando o
requerer o Procurador-Geral da República, ou quando verificar: a) a existência manifesta de causa excludente da
ilicitude do fato; b) a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;
c) que o fato narrado evidentemente não constitui crime; d) extinta a punibilidade do agente; ou e) ausência de
indícios mínimos de autoria ou materialidade. [...]”.
36

de culpabilidade do agente, a atipicidade penal do fato, a extinção de punibilidade do agente, e


ausência de justa causa para o exercício da ação penal.112
Portanto, são causas permissivas do arquivamento do inquérito policial: a) a
ausência de pressuposto processual; b) a falta de condição para o exercício da ação penal; c) a
presença manifesta de causa excludente de ilicitude; d) a existência manifesta de causa
excludente de culpabilidade; e) a evidente atipicidade penal do fato; f) a existência de causa
extintiva de punibilidade.

2.3.1 Ausência de pressupostos processuais e condições da ação

Quanto às condições da ação e aos pressupostos processuais, é importante destacar


que se tratam de requisitos inerentes ao juízo de admissibilidade da peça acusatória. Aquelas
dizem respeito ao exercício da ação penal, ao passo que estes referem-se à existência do
processo e à validade da relação processual. São requisitos que devem ser observados
anteriormente à análise do mérito da ação, servindo como pressupostos a serem atendidos para
julgamento da pretensão punitiva pelo magistrado.113
Na fase pré-processual interessa a aferição dos pressupostos processuais de
validade, para que se evite a instauração de um processo penal nulo. A ação deve ser originária,
não se admitindo que seja idêntica a uma já julgada ou em tramite. Assim, verificada a
constituição da coisa julgada ou a litispendência, deve o inquérito ser arquivado.114
No tocante às condições para o exercício da ação penal, identificam-se
tradicionalmente como tais a legitimidade ad causam, o interesse de agir e a possibilidade
jurídica do pedido. Ocorre que, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, a
possibilidade jurídica do pedido não mais se apresenta como condição de admissibilidade da
ação, passando a integrar o mérito da demanda.115
Relativamente ao interesse de agir, é evidente a sua presença, porquanto apenas o
Estado através do exercício da ação penal poderá aplicar a pena. Segundo Polastri, “no caso da
ação penal condenatória, sempre haverá o interesse de agir do Estado, através do Ministério
Público, pois a pena só pode ser aplicada através do processo”.116

112
REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 193.
113
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 51.
114
REBOUÇAS, op. cit., p. 193.
115
Ibidem, p. 227-228.
116
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015,
p. 131.
37

Dessa forma, no processo penal, são condições para o exercício da ação a


legitimidade ad causam e a presença de justa causa em sentido estrito. Além disso, em se
tratando de ação penal de iniciativa pública condicionada, têm-se como condições de
procedibilidade a representação do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça.
A justa causa revela-se como a hipótese de arquivamento de maior destaque. Apesar
de haver sido considerada legalmente como condição da ação penal apenas com as reformas
introduzidas ao Código Processual Penal pela Lei nº 11.719/2008, parte da doutrina já lhe
conferia este tratamento. Nesse sentido, Afrânio Jardim já conceituava a justa causa como:

um lastro mínimo de prova que deve fornecer arrimo à acusação, tendo em vista que
a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do
imputado. Tal lastro probatório nos é fornecido pelo inquérito policial ou pelas peças
de acusação, que devem acompanhar a acusação penal. 117

A justa causa consiste, portanto, no lastro probatório mínimo para o exercício da


ação penal, compreendendo a existência de prova da ocorrência do delito e de indícios mínimos
de sua autoria. Trata-se, sem dúvidas, da circunstância que mais fundamenta os pedidos de
arquivamento de inquéritos policiais, tendo em vista a dificuldade da identificação do suposto
autor do fato durante as investigações. Assim, ausentes os indícios mínimos de autoria ou a
materialidade delitiva, torna-se inadmissível o oferecimento da peça acusatória.

2.3.2 Atipicidade penal do fato

No que concerne ao mérito da ação penal, o inquérito deverá ser arquivado quando
verificada desde logo a atipicidade penal do fato. De acordo com Aníbal Bruno, “o fato punível
é a realização objetiva de um tipo; se o fato não alcança essa realização, nem sequer caminha
na realidade a realizá-la, está fora do Direito punitivo.”. A atipicidade da conduta pode se dar
tanto em razão desta não se enquadrar em nenhum tipo penal, bem como quando faltar na ação
algum de seus elementos típicos, tais como um agente ativo específico, uma determinada
circunstância temporal ou territorial, o seu próprio objeto ou o seu modo de execução.118
Por conseguinte, inexistindo adequação da conduta com investigado com nenhum
tipo penal, ou ausente algum dos seus elementos constitutivos, o fato objeto de investigação
será considerado formalmente atípico, autorizando-se o arquivamento do procedimento
preliminar.

117
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 54.
118
BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral, tomo I. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 352.
38

Para parte da doutrina, será ainda devido o arquivamento quando, apesar de presente
a tipicidade formal da conduta, verificar-se a atipicidade material do fato, isto é, quando, apesar
de a ação do agente enquadrar-se formalmente do tipo penal, não houver relevo material da
conduta. Isso decorre da aplicação do princípio da insignificância à conduta do agente,
pressupondo-se, para tanto, a ofensividade mínima da atitude praticada, a ausência de
periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do sujeito
e a inexpressividade da lesão jurídica por ele causada.119 120

2.3.3 Existência de causa excludente de ilicitude

Insere-se também como hipótese que autoriza o arquivamento do inquérito policial


a identificação da manifesta existência de uma causa excludente de ilicitude do fato.
De acordo com Aníbal Bruno, a antijuridicidade é o contraste entre o fato e a norma
jurídica, tratando-se de uma conduta contrária ao Direito. Existem, entretanto, condutas que,
apesar de estarem previstas em um tipo penal, são consideradas lícitas pelo Direito. São
situações que, pelo contexto em que está inserido o agente ao praticar a conduta, o ordenamento
jurídico lhe confere licitude. Essas circunstâncias de excepcional licitude consistem nas causas
excludentes de ilicitude, também chamadas de justificativas ou descriminantes.121
Nesse sentido, o Código Penal, em seu art. 23122, prevê que não haverá crime
quando o agente praticar o fato em estado de necessidade, em legitima defesa, em estrito
cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.123
Logo, se, durante a fase pré-processual, restar evidente para o Ministério Público
que, a título de exemplo, o investigado praticou a conduta em perquirição apenas de forma a se
defender de uma agressão injusta e atual que contra si, usando-se unicamente dos meios
necessários para repeli-la, deverá requerer o arquivamento do inquérito policial.

119
Nesse sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 92.463. Relator: Ministro Celso de
Mello. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 30 out. 2007. Disponível em: <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=492876>. Acesso em: 19 maio 2018.
120
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015,
p. 158.
121
BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral, tomo I. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 355-356.
122
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 05 mar. 2018. “Art. 23 -
Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito
cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.”
123
Além das hipóteses citadas, o Código Penal prevê em sua Parte Especial outras causas excludentes de ilicitude,
tais como aquelas previstas nos arts. 146, §3º, e 128 (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 15.
ed. rev. ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2013, v. 1, p. 313).
39

2.3.4 Presença de causa excludente de culpabilidade

O inquérito policial deverá também ser arquivado quando se verificar desde logo
que o agente praticou a conduta em razão de engano quanto a existência ou aos limites de uma
causa de justificação, incorrendo em erro de proibição, ou que agiu mediante coação moral
irresistível ou em razão da obediência à ordem hierárquica, bem como se evidenciada a
inexigibilidade de conduta diversa por sua parte124, visto que em todos esses casos exclui-se a
culpabilidade do agente.125 126
De acordo com Nucci, as excludentes de culpabilidade “são causas que dirimem a
reprovação social no tocante àquele que pratica um fato típico e antijurídico, impedindo, pois,
a consideração de que houve crime, merecendo o autor punição”.127
Por outro lado, apesar de se tratar de uma causa excludente de culpabilidade, a
inimputabilidade do agente em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto,
prevista no art. 26 do Código Penal128, não autoriza o arquivamento do inquérito policial. Isso
porque, somente através da instrução processual poderá se apurar existência dessas condições,
de modo a fundamentar a aplicação ou não da sanção penal, que consiste na medida de
segurança.129
Importante destacar que, tanto na hipótese de arquivamento em razão da existência
de causa excludente de ilicitude como de culpabilidade, a presença da excludente deve ser
manifesta e evidente. Caso haja dúvida sobre sua existência ou não, ação deverá ser proposta,

124
Trata-se de causa supralegal de excludente de culpabilidade (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte
geral. 15. ed. rev. ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2013, v. 1, p. 405-406).
125
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 15. ed. rev. ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2013, v. 1,
p. 405.
126
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 05 mar. 2018 “Art. 21 -
O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável,
poderá diminuí-la de um sexto a um terço.” “Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita
obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da
ordem.”
127
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 307.
128
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 05 mar. 2018 “Art. 26 -
É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao
tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento.”.
129
LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 139.
40

deixando-se a apreciação do mérito da ação ao magistrado após a instrução processual, visto


que na fase pré-processual não prevalecerá o princípio in dubio pro reo.130

2.3.5 Extinção da punibilidade do agente

De acordo com Nucci, a extinção da punibilidade do agente consiste no


desaparecimento do direito do Estado de punir o indivíduo ou de fazer executar a pena, em
razão do surgimento de determinados obstáculos previstos em lei.131 Dessa forma, em se
constatando a presença de circunstâncias extintivas da punibilidade, o órgão acusador deverá
requerer o arquivamento do inquérito policial.
São hipóteses de extinção da punibilidade do agente aquelas previstas no Código
Penal, com principal destaque para o art. 107132, bem como em outros dispositivos da legislação
penal extravagante. Dentre elas, destacam-se como causas de arquivamento de inquérito
policial a prescrição da pretensão punitiva estatal e a morte do agente.
A prescrição consiste na perda da pretensão punitiva estatal em razão do não
exercício do direito de punir dentro de determinado lapso temporal. Os prazos prescricionais
encontram-se regulados no art. 109 do CP133, em função da pena máxima em abstrato de cada
delito. Variam entre vinte e três anos, não obstante a possibilidade da sua redução, de acordo
com a lei.134

130
Nesse sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência nº 45.134. Relator: Ministro
OG Fernandes. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 7 nov. 2018. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200400915305&dt_publicacao=07/11/2008>.
Acesso em: 19 maio 2018. “A legítima defesa, ou qualquer outra excludente, só pode ser acolhida na fase
inquisitorial quando se apresentar de forma inequívoca e sem necessidade de exame aprofundado de provas, eis
que neste momento pré-processual prevalece o princípio do ‘in dubio pro societate’”.
131
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 577.
132
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 05 mar. 2018 “Art. 107
- Extingue-se a punibilidade: I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade
de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela
renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - pela retratação do agente,
nos casos em que a lei a admite; VII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) VIII - (Revogado pela Lei nº 11.106,
de 2005) IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.”.
133
Ibidem, “Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1 o do art.
110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I -
em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a
oito anos e não excede a doze; III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a
oito; IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; V - em quatro anos, se
o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VI - em 3 (três) anos, se o máximo da
pena é inferior a 1 (um) ano”.
134
Nesse sentido: Ibidem, “Art. 115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era,
ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos”;
41

Já a extinção da punibilidade baseada na morte do agente baseia-se no preceito


constitucional segundo o qual, a pena não passará da pessoa do delinquente.135 Portanto, com o
falecimento do indiciado ou investigado durante a fase de investigações preliminares,
comprovada mediante a certidão de óbito, torna-se inviável a propositura da denúncia, sendo
necessário o arquivamento.

135
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 28 fev. 2018.
“Art. 5º [...] XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a
decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o
limite do valor do patrimônio transferido; [...]”.
42

3. A POSSIBILIDADE DE REABERTURA DAS INVESTIGAÇÕES E OS EFEITOS


DA DECISÃO DE ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL

O ato que determina o arquivamento do inquérito policial e das demais peças de


informação apresenta efeitos bastante particulares no âmbito jurídico. Isso porque, o Código de
Processo Penal prevê a possibilidade de reabertura das investigações, diante da notícia de
existência de provas novas, procedimento esse denominado de desarquivamento.
Portanto, convém discorrer acerca do instituto do desarquivamento, bem como
sobre a possibilidade do posterior oferecimento da denúncia, abrangendo seu procedimento, a
legitimidade para a sua realização e as condições para que ocorra.
Ademais, diante da possibilidade de desarquivamento, é de se questionar qual
seriam a natureza e os efeitos jurídicos do ato judicial que determina o arquivamento. Por isso,
será abordada a natureza jurídica da decisão, bem como serão trazidos os principais
posicionamentos da doutrina sobre a possibilidade de a decisão de arquivamento produzir
efeitos da coisa julgada.

3.1 Desarquivamento e oferecimento da denúncia

O Código de Processo Penal prevê a possibilidade de reabertura das investigações


preliminares na hipótese de a autoridade policial receber notícia de provas novas. Dispõe o art.
18 do referido diploma processual que, “depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela
autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a
novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.”.136
Da previsão legal, verifica-se que, mesmo com o arquivamento do inquérito
policial, o prosseguimento das investigações não fica obstado, podendo ter continuidade caso
surjam novos elementos informativos sobre o caso.137 Isso porque, nada impede que, arquivado
o inquérito por ausência de suporte probatório, surjam novas provas aptas a modificarem a
matéria de fato, podendo dar ensejo ao procedimento penal.138 O arquivamento se justifica,

136
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai.
2018.
137
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 128.
138
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p. 84.
43

portanto, no propósito de evitar a impunidade das condutas delituosas, e é consequência do


princípio da obrigatoriedade da ação penal de iniciativa pública.139
Nesse sentido, Jardim discorre:

o desarquivamento do inquérito policial nada mais significa do que uma decisão


administrativa persecutória no sentido de modificar os efeitos do arquivamento.
Enquanto este tem como consequência a cessação das investigações, aquele tem como
efeito a retomada das investigações inicialmente paralisadas pela decisão de
arquivamento.140

Por meio do desarquivamento do inquérito policial, é autorizado que as


investigações, que tinham sido cessadas pela decisão de arquivamento, sejam retomadas. No
entanto, para que isso ocorra, a lei exige que tenha sido noticiada à autoridade policial a
existência de provas novas. Ou seja, é necessário que a autoridade policial, ou até mesmo o
órgão do Ministério Público, tenha ciência de determinado elemento informativo que, se
investigado, possa suscitar a produção de uma prova nova.
Tomando conhecimento da perspectiva de obtenção de provas novas, poderá a
autoridade policial retomar as investigações acerca do fato objeto do inquérito arquivado,
mediante a realização de diligências que visem à obtenção dos elementos probatórios que lhe
foram noticiados, a fim de consubstanciar a eventual propositura da ação penal.
De acordo com Capez, enquanto não extinta a punibilidade pela prescrição, é
autorizado à autoridade policial “proceder a novas pesquisas desde que surjam outras provas,
isto é, novas provas, que alterem o ‘panorama probatório dentro do qual foi concebido e
acolhido o pedido de arquivamento do inquérito’.”.141
Logo, obtendo notícia de provas novas, o entendimento dominante é que a
autoridade policial deverá representar ao Ministério Público, a fim de que este, avaliando a
situação, promova o desarquivamento. Fala-se em entendimento dominante, pois o Código de
Processo Penal não tratou especificamente do procedimento do desarquivamento do inquérito
policial, acarretando uma incerteza acerca da titularidade para a sua promoção.142
Segundo Rangel, em razão de não haver a autoridade policial, de fato, obtido novas
provas, mas apenas ter sido noticiada da sua existência, deverá, a fim de que possam ser
produzidas, requerer ao Ministério Público o desarquivamento do inquérito.143

139
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 202.
140
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 174.
141
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. São Paulo: Atlas [19--?], p. 58 apud CAPEZ, Fernando. Curso
de processo penal. 13.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 103.
142
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 201.
143
Ibidem, p. 202.
44

Apesar de o procedimento de arquivamento dever ser necessariamente submetido à


apreciação pelo órgão jurisdicional, a doutrina majoritária entende que, no caso de
desarquivamento, ao juiz não compete qualquer atribuição de caráter decisório. Caberia,
portanto, exclusivamente ao Ministério Público a promoção do desarquivamento do inquérito.
Nessa perspectiva, Polastri esclarece:

o fato de a decisão de arquivamento ser judicial não permite o entendimento de que o


requerimento de desarquivamento deva ser submetido ao Judiciário, pois, com já
visto, é o Ministério Público que sempre dará a última palavra quanto à pertinência
ou não do arquivamento, e consequentemente, ao mesmo cabe decidir sobre o
desarquivamento. Ao Ministério Público cabe, privativamente, a promoção da ação
penal pública, e o Judiciário não pode obrigar à Instituição ou seus membros a tal
promoção, ou seja, a desarquivar procedimentos e oferecer denúncia, como também,
segundo o mesmo raciocínio, não pode impedir o desarquivamento do
inquérito.144 (grifo do autor)

Afrânio Jardim igualmente afirma que a decisão pelo desarquivamento deve ser de
atribuição exclusiva do Ministério Público. Ao magistrado caberá um controle posterior, visto
eventual denúncia será por ele analisada, quando do seu oferecimento, oportunidade em que
poderá recebê-la ou rejeitá-la, se ela não estiver arrimada em provas novas.145
Dessa forma, a partir do momento que a autoridade policial tiver notícia de novas
provas, deverá oficiar ao órgão do Ministério Público atuante, requerendo o desarquivamento
da peça de informação. O Parquet, como exclusivo titular da ação penal de iniciativa pública,
será competente para promover o desarquivamento, mediante a solicitação à autoridade judicial
da retirada física dos autos do inquérito do arquivo, visto que, na prática, estes permanecem
arquivados perante o Poder Judiciário.146
Ademais, como consequência da ausência de indicação da titularidade para a
promoção do desarquivamento, questiona-se qual seria o órgão no âmbito interno do Ministério
Público com atribuição para efetivá-lo.
Segundo Jardim, a problemática deve ser resolvida através das leis orgânicas
estaduais de cada órgão, tal como a Lei Orgânica 106/2003 do Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro147, que confere ao Procurador-Geral de Justiça a atribuição para o

144
LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p .142.
145
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 176.
146
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015,
p. 161.
147
BRASIL (Estado). Lei Complementar nº 106, de 03 de janeiro de 2003. Institui a Lei Orgânica do Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Rio de Janeiro, RJ. Disponível em:
<http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/1dd40aed4fced2c5032564ff0062e425/1f29578c748b110883256cc
90049373b?OpenDocument>. Acesso em: 25 abr. 2018. “Art. 39 - Além das atribuições previstas nas
Constituições Federal e Estadual, nesta e em outras leis, compete ao Procurador-Geral de Justiça: [...] XV
- requisitar autos arquivados, relacionados à prática de infração penal, ou de ato infracional atribuído a adolescente,
45

desarquivamento. Na hipótese da ausência de disposição sobre o assunto, defende o referido


autor que, terão atribuição para promover o desarquivamento das peças de informação tanto os
promotores de justiça como o Procurador-Geral. A exceção, por sua vez, ocorrerá na hipótese
de o arquivamento ter decorrido de manifestação do Procurador-Geral, em observância ao
princípio da devolutividade, situação na qual somente lhe caberá a determinação da retomada
das investigações, por questões de hierarquia institucional.148
Em contrapartida, Polastri, seguindo a doutrina mais moderna, defende que terá
atribuição para a promoção do desarquivamento, tanto o Procurador-Geral como o promotor
natural, exceto nas hipóteses de ação penal de iniciativa originária daquele. Para o autor, o fato
de as leis orgânicas estaduais estabelecerem como função do Procurador-Geral de Justiça a
promoção do desarquivamento do inquérito policial “não retira a atribuição para este ato do
promotor responsável por aquele feito, em vista dos princípios do promotor natural, da
independência funcional e, sobretudo, da obrigatoriedade da ação penal pública.”.149
Destarte, como eventual consequência da reabertura das investigações, é possível
que a autoridade policial, logrando êxito na realização de novas diligências, consiga obter a
produção das provas que lhe foram noticiadas. Não se trata de uma consequência obrigatória,
visto que a reabertura das investigações poderá ou não acarretar o oferecimento da denúncia,
“a depender da existência efetiva, nos novos elementos alcançados, de justa causa, vale dizer,
de suporte probatório suficiente para o exercício da ação penal”.150
Logo, havendo-se obtido novas provas, poderá o Ministério Público proceder a
propositura da ação penal. É o que se infere do enunciado da Súmula nº 524 do Supremo
Tribunal Federal, segundo a qual, “arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a
requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.”.151
Deve ser destacado que a proposição do art. 18 do Código de Processo Penal e o
enunciado da Súmula nº 524 do STF tratam de situações diferentes, que não devem ser
confundidas na prática. Isso porque, o dispositivo legal versa sobre o desarquivamento do
inquérito policial e a consequente reabertura das investigações. Para tanto, é demandada a mera
notícia da existência de provas novas, não sendo necessário que estas, de fato, já existam
naquele momento. Diferentemente, a súmula retromencionada refere-se ao oferecimento

promover seu desarquivamento e, se for o caso, oferecer denúncia ou representação, ou designar outro órgão do
Ministério Público para fazê-lo; [...]”.
148
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 176.
149
LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p .142-143.
150
REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 201.
151
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 524. Diário da Justiça. Brasília, 12 dez. 1969. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2731>. Acesso em: 25 abr. 2018.
46

ulterior da denúncia, cujos fatos foram objeto de inquérito policial anteriormente arquivado.
Nesse caso, exige-se a presença efetiva de novas provas, isto é, que estas já tenham sido
produzidas.152
Nesse contexto, Rangel faz a seguinte diferenciação:

Na hipótese da Súmula, o que não se admite é a propositura da ação penal sem novas
provas. Ou seja, as provas (para a Súmula) devem existir no momento da propositura
da ação. Nesse caso, não se fala em desarquivamento do inquérito policial, mas, sim,
em propositura de ação penal.153 (grifo do autor)

O referido autor afirma, ainda, que, podem ocorrer situações em que, estando o
inquérito arquivado, surjam novas provas aptas a fundamentar o oferecimento da ação penal.
Na hipótese, defende que não se trataria de reabertura das investigações, mas sim o caso da
propositura da ação penal, que ocorreria independentemente do desarquivamento do
inquérito.154
Teria a exigência de existência de prova nova natureza de condição específica de
procedibilidade. Isso porque, sem a existência de novas provas a ação penal, contra fato que
fora objeto de inquérito anteriormente arquivado, não pode ser proposta.155
Por conseguinte, cabe finalmente distinguir quais as provas que autorizam a
reabertura das investigações. Isso porque, conforme explica Mirabete, “essas novas provas,
capazes de autorizar o início da ação penal, são somente aquelas que produzem alteração no
panorama probatório dentro do qual foi concebido e acolhido o pedido de arquivamento do
inquérito”.156
Rangel esclarece que, devem compreender o conceito de provas novas tanto
“aquelas que já existiam e não foram produzidas no momento oportuno, ou as provas que
surgiram após o encerramento do inquérito policial.”. Para o autor, a prova que autoriza o
desarquivamento é aquela substancialmente nova, entendida como aquela que possui aptidão
de mudar o quadro probatório, aduzindo informações novas, sendo capazes de fundamentar a
propositura da ação penal. Difere, portanto, da prova formalmente nova, que não tem
competência de mudar o contexto probatório, pois não agrega nenhum elemento novo ao
inquérito.157

152
LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 140.
153
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 202.
154
Ibidem, p. 203.
155
Ibidem, p. 203.
156
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p. 84.
157
Ibidem, p. 202-203.
47

Segundo Rebouças, são elementos essenciais para a caracterização de uma prova


nova o ineditismo das informações – mas não necessariamente da fonte – e a eficácia
modificativa da prova sobre os fatos abrangidos pelo arquivamento. Para o referido autor
entende-se por prova nova:

aquela que modifica a matéria de fato, inovando a realidade empírica pouco


importando se as fontes probatórias já existiam ao tempo do inquérito arquivado ou
se apenas surgiram depois, desde que revelados inéditos os dados empíricos por elas
fornecidos. Não basta, assim, a mera revaloração de provas já produzidas, exigindo-
se a modificação empírica, propiciada por elementos inéditos.158 (grifo do autor)

Com efeito, o conceito de prova nova abrange tanto aquela originalmente nova, isto
é, a desconhecida quando do arquivamento do inquérito, bem como a supervenientemente nova,
que já era conhecida naquele momento, mas que “assumiu em momento posterior nova versão
fática (e não apenas jurídica)”.159
No âmbito jurisprudencial, os Tribunais Superiores têm apresentado entendimento
bastante semelhante. Nesse aspecto, tem-se como importante referência a decisão do Superior
Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 18.561/ES, por
meio da qual foram indicados os requisitos necessários para a caracterização de uma prova
nova, capaz de autorizar o desarquivamento do inquérito.160 São eles:

a) que seja formalmente nova, isto é, sejam apresentados novos fatos, anteriormente
desconhecidos; b) que seja substancialmente nova, isto é, tenha idoneidade para
alterar o juízo anteriormente proferido sobre a desnecessidade da persecução penal;
c) seja apta a produzir alteração no panorama probatório dentro do qual foi concebido
e acolhido o pedido de arquivamento [...].161

Desse modo, o desarquivamento do inquérito policial será autorizado quando


surgirem notícias de novas provas, sendo imprescindível que elas sejam aptas a alterarem
substancialmente o panorama probatório existente na época do arquivamento da peça de
informação.

3.2 Decisão de arquivamento

158
REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 201-202.
159
Ibidem, p. 202.
160
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015,
p. 162-163.
161
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 18.561. Relator: Ministro
Hélio Quaglia Barbosa. Diário da Justiça. Brasília, 1 ago. 2006. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=rhc+18561&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10
&i=6>. Acesso em: 15 fev. 2018.
48

3.2.1 Natureza jurídica e irrecorribilidade

Diante das características apresentadas relativamente ao procedimento de


arquivamento do inquérito policial, bem como sobre a possibilidade de reabertura das
investigações, é de se questionar acerca da natureza jurídica do ato do juiz que determina o
arquivamento das peças de informação.
De acordo com Rocha, assim como a generalidade dos atos processuais, aqueles
emanados pelo órgão jurisdicional configuram manifestações de vontade, que se verificam nas
formas de decisões e de despachos. Estes consistem em atos por meio dos quais o juiz promove
o andamento do processo. As decisões, por sua vez, referem-se às deliberações do magistrado
acerca do mérito da demanda ou de matéria meramente processual, podendo ser interlocutórias
ou finais.162
Especificamente no âmbito processual penal, os atos processuais do magistrado
dividem-se em: a) decisões definitivas, que são de mérito e põem fim a uma fase do processo
(terminativas); b) decisões com força de definitivas (ou interlocutórias mistas), que não
apreciam o mérito, mas são terminativas; c) decisões interlocutórias, que resolvem questões
incidentais e não põem fim a nenhuma fase do processo (não terminativas); d) despachos, sem
caráter decisório, servindo de mero impulso processual.163 164
As decisões definitivas, por sua vez, são subdivididas em sentenças e decisões
definitivas em sentido estrito. Enquanto estas apreciam questões de mérito lato sensu, aquelas
tratam do mérito stricto sensu, isto é, da análise da pretensão punitiva estatal, no sentido de
condenar ou absolver o acusado.165 166
O Código de Processo Penal refere-se ao ato de arquivamento como um
despacho.167 Este, de acordo com a doutrina processualista, é definido como o ato do órgão

162
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 229.
163
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai.
2018. “Art. 800. Os juízes singulares darão seus despachos e decisões dentro dos prazos seguintes, quando outros
não estiverem estabelecidos: I - de dez dias, se a decisão for definitiva, ou interlocutória mista; II - de cinco dias,
se for interlocutória simples; III - de um dia, se se tratar de despacho de expediente”
164
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral
do processo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 327.
165
Nesse aspecto, o Código de Processo Penal trata da sentença absolutória no art. 386 e da condenatória no art.
387, bem como da absolutória sumária no art. 397.
166
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015,
p. 1700-1701.
167
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai.
2018. “Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: I - o despacho de arquivamento do
inquérito ou das peças de informação; [...]”.
49

jurisdicional despido de caráter decisório, visto que não resolve questões de mérito, nem
incidentais, e não põe fim a nenhuma fase do processo. Os despachos são, portanto, os demais
provimentos do órgão jurisdicional, que servem de impulso processual, revelando o cunho
residual desse ato.168
Nesse sentido, parte da doutrina, na qual se incluem, entre outros, Mirabete,
Tourinho Filho, Polastri e Espínola Filho, trata como despacho o ato de arquivamento.169 Nesse
aspecto, Espínola Filho atribui ao arquivamento a natureza jurídica de despacho, considerando
a ausência de juízo decisório por parte do órgão jurisdicional.
Em crítica à intervenção do Poder Judiciário, o referido autor discorre:

fora, de fato, reservar ao juiz uma função meramente mecânica, quando lhe é
submetido a deferimento o pedido de arquivamento formulado pelo Ministério
Público. Passaria o despacho a representar formalidade inútil, constituindo um
contrassenso e uma aberração de todos os princípios e de toda a técnica do direito
judiciário figurar decisão, em que nada decide, devendo confirmar-se, sistemática e
incondicionalmente, com o que é requerido. Assim, em vez de pronunciar-se sobre o
arquivamento, o juiz teria, na verdade, o seu papel reduzido a tomar conhecimento de
que a promotoria deliberará arquivar o processo.170

Em contraposição, existem doutrinadores que reconhecem ao arquivamento a


natureza jurídica de decisão judicial. Sob essa perspectiva, Jardim sustenta que:

o arquivamento, no primeiro grau de jurisdição, é uma decisão judicial que, acolhendo


as razões do Ministério Público, encerra as investigações do fato delituoso. Dissemos
decisão judicial, no sentido próprio da expressão. Vale dizer, não é um mero despacho
como pode fazer crer uma leitura apressada do código.171

Na mesma direção, Pitombo defende que, ao arquivar o inquérito, o Poder


Judiciário profere um juízo de suficiência sobre a questão penal. Para o jurista, ao determinar o
arquivamento, o juiz decide sobre as provas contidas no inquérito e de acordo com o pedido do
Ministério Público. Mediante a análise dos autos, o órgão jurisdicional declara ou que os meios
de provas são inconclusivos quanto ao fato delituoso e/ou sua autoria, não ensejando a denúncia,
ou que as provas demonstraram que o fato é inexistente, atípico ou alcançado por alguma causa
excludente de ilicitude ou extintiva de punibilidade, impedindo a propositura da ação penal.
Segundo o autor, o magistrado “encerra um juízo de convencimento, relativo à natureza do fato,

168
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral
do processo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 327.
169
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p. 83-84;
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 327;
LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 139.
170
ESPINOLA FILHO, Eduardo; SILVA, José Geraldo da.; LAVORENTI, Wilson. Código de processo penal
brasileiro anotado. Campinas: Bookseller, 2000, p. 409-410.
171
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 66.
50

sua extensão e respectiva autoria, alicerçado em preliminar formação da culpa” (grifo do


autor).172
Para Coutinho, trata-se a decisão de arquivamento de uma decisão jurisdicional,
visto que o Ministério Público, ao requerer o arquivamento do inquérito, leva ao juiz uma
questão jurídica a ser decidida.173
De acordo com o autor, se a decisão de arquivamento tivesse de fato caráter de mera
decisão administrativa, não haveria por que o legislador estabelecer condições para o
desarquivamento do inquérito policial, como o fez, mediante a exigência de novas provas,
contida no art. 18 do Código de Processo Penal, que acabou por repercutir no enunciado da
Súmula nº 524 do Supremo Tribunal Federal.174
Defendendo a natureza jurídica de decisão judicial, Pacelli explica que:

o arquivamento do inquérito gera direito subjetivo ao investigado, em face da


Administração Pública, na medida em que a reabertura das investigações está
condicionada ou subordinada à existência de determinado fato e/ou situação concreta.
E, se assim é, referido ato do Judiciário não deixa de ser uma decisão, com efeitos
jurídicos sobremaneira relevantes. E mais: caracteriza-se também como decisão, dado
que, ao juiz, em tese, caberia providencia diversa, ou seja, discordar do requerimento
de arquivamento (art. 28, CPP) e submeter a questão ao exame da chefia da instituição
do Ministério Público. Não se trata, pois, de mero despacho de impulso ou de
movimentação.175 (grifo do autor)

O referido escritor destaca a semelhança entre o ato que determina o arquivamento


do inquérito e aquele que impronuncia o réu nos procedimentos do Tribunal do Júri. Isso
porque, tanto para a reabertura das investigações – no caso do arquivamento, quanto para a
apresentação de nova denúncia ou queixa – no caso da impronúncia, o Código de Processo
Penal prevê como condição a presença de novas provas.176 177
Apesar disso, o Código de Processo Penal refere-se ao ato judicial de arquivamento
como despacho, em seu art. 67, inciso I178, e ao ato de impronúncia como decisão judicial, visto

172
PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Arquivamento do inquérito policial: sua força e efeito. Revista do
Advogado, São Paulo, n. 11, out. 1982. Disponível em: < http://www.sergio.pitombo.nom.br/artigos.php>.
Acesso em 10 abril 2018.
173
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A natureza cautelar da decisão de arquivamento do inquérito
policial. Revista de Processo, São Paulo, v. 70, p.49-58, 1993, p. 53.
174
Ibidem, p. 53.
175
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 13. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010, p. 69.
176
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai.
2018. “Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria
ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado. Parágrafo único. Enquanto não ocorrer
a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova”.
177
OLIVEIRA, op. cit., p. 68-69.
178
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai.
51

que se trata de ato impugnável por apelação, na forma do art. 416 do CPP, com redação dada
pela 11.689/2008.179 Para o autor, isso reflete a impropriedade emprego do termo despacho,
tratando-se verdadeiramente de decisão judicial.180
A despeito da natureza decisória do ato que determina o arquivamento, é ajustado
o entendimento de se tratar de decisão irrecorrível. Nesse aspecto, a jurisprudência é pacifica
em não reconhecer o cabimento de qualquer recurso judicial contra o arquivamento do inquérito
policial, visto que sua interposição tenderia indevidamente a forçar o início da ação penal, que
é de atribuição constitucional exclusiva do Ministério Público.181
Na doutrina, Pacelli sustenta que o arquivamento é irrecorrível judicialmente, visto
que o ato de arquivamento reflete uma decisão do Ministério Público, que somente poderia ser
confrontada por um juízo proveniente de um órgão legalmente com atribuição revisional, como
o Procurador-Geral de Justiça, no âmbito estadual, e as Câmaras de Coordenação e Revisão do
Ministério Público Federal, no âmbito federal.182
Mais precisamente, Rebouças traça algumas considerações necessárias à
compreensão da questão. Primeiramente, deve-se conceber a decisão de arquivamento como
uma decisão definitiva ou com força de definitiva, a depender da apreciação ou não do mérito.
Por conseguinte, não constando no rol taxativo do art. 581 do Código de Processo Penal,183 não
seria impugnável por recurso em sentido estrito, mas sim por apelação, na forma do art. art.
593, caput, II, do mesmo diploma normativo processual.184 185
Contudo, a interposição do recurso não é possível, haja vista a ausência de interesse
recursal pelo Ministério Público, já que fora o próprio Parquet quem requereu o arquivamento
ao órgão judicial.186

2018. “Art. Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: I - o despacho de arquivamento do
inquérito ou das peças de informação; [...]”.
179
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai.
2018. “Art. 416. Contra a sentença de impronúncia ou de absolvição sumária caberá apelação.”.
180
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 13. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010, p. 68-69.
181
Nesse sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 15.169.
Relator: Ministro Nefi Cordeiro. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 18 dez. 2014. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=rms+15169&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10
&i=4>. Acesso em: 19 maio 2018.
182
OLIVEIRA, op. cit., p. 73.
183
O artigo trata das hipóteses de cabimento do Recurso em sentido estrito
184
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai.
2018. “Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: [...] II - das decisões definitivas, ou com força de
definitivas, proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior; [...]”.
185
REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 207.
186
Ibidem, p. 207.
52

Para além disso, poder-se-ia considerar a possibilidade da interposição do recurso


pelo ofendido. Ocorre que, na ação penal de iniciativa pública o ofendido não é parte processual,
não possuindo legitimidade para recorrer. Nesse contexto, não pode apresentar recurso como
assistente da acusação, na forma do art. 598187, visto que tal figura processual só é admitida a
partir do recebimento da denúncia.188 189
Ainda quanto à atuação do ofendido, é sedimentado o entendimento no sentido de
que não lhe caberá a propositura de ação penal privada subsidiária da pública, prevista no art.
29 do Código de Processo Penal.190 Isso porque, esse tipo de ação somente é admitida na
hipótese de inércia do Parquet, o que não se verifica quando do arquivamento do inquérito
policial, pois Ministério Público está atuando de acordo com suas atribuições legais.191
Nesse aspecto, Tourinho Filho explica que o ofendido não pode desconsiderar a
opinião do Ministério Público, titular da ação penal de iniciativa pública, que fora inclusive
confirmada através do controle judicial, e, a despeito disso, apresentar a queixa subsidiária.
Destarte, o autor comenta que:

nem se poderia conceber que, tendo o Juiz deferido o pedido do órgão estatal da
acusação, no sentido de serem arquivados determinados autos de inquérito, pudesse o
ofendido sobrepor-se à vontade do Estado, exteriorizada na palavra o seu
representante, que é o Ministério Público, e também à decisão do Órgão Jurisdicional.
O art. 29 não tem, evidentemente, aquela extensão que se lhe quer emprestar. 192

Dessa forma, determinado o arquivamento pela autoridade judicial, não resta a


nenhuma das partes a possibilidade de recorrer da decisão, nem ao ofendido de promover a ação

187
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai.
2018. “Art. 598. Nos crimes de competência do Tribunal do Júri, ou do juiz singular, se da sentença não for
interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal, o ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no
art. 31, ainda que não se tenha habilitado como assistente, poderá interpor apelação, que não terá, porém, efeito
suspensivo”.
188
Ibidem. Acesso em: 18 mai. 2018. “Art. 268. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como
assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas
mencionadas no Art. 31”.
189
REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 207.
190
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai.
2018. “Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal,
cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os
termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do
querelante, retomar a ação como parte principal”.
191
LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p .144.
192
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 405 apud LIMA,
Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 144.
53

subsidiariamente. Não obstante, será sempre possível a impetração dos remédios


constitucionais para impugnar a decisão, desde que obedecidos seus requisitos legais. 193

3.2.2 Constituição da coisa julgada

Como consequência da discussão acerca da sua natureza jurídica, é importante


examinar se a decisão que determina o arquivamento do inquérito policial tem aptidão de
produzir os efeitos da coisa julgada.
No ordenamento jurídico brasileiro, a coisa julgada tem status de garantia
fundamental, prevendo a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXVI, que “a lei não
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Dessa forma, valorizou-se os bens jurídicos da segurança e da paz social,
impedindo-se que o legislador ordinário edite normas que malfiram as relações jurídicas
estabelecidas pelo Poder Judiciário.194
A esse respeito, Chiovenda explica que, desde os romanos, a existência da garantia
da coisa julgada justifica-se por razões de utilidade social. Isso porque, entendido o processo
como um instrumento destinado à aplicação da vontade da lei, resultando no reconhecimento
ou no não conhecimento de um bem jurídico a uma das partes, o fundamento da existência da
coisa julgada certifica-se na demanda do corpo social em lhe ter assegurado o gozo dos bens
legalmente tutelados.195
Com efeito, o referido autor discorre:

A coisa julgada é a eficácia própria da sentença que acolhe ou rejeita a demanda, e


consiste em que, pela suprema exigência da ordem e da segurança da vida social, a
situação das partes fixada pelo juiz com respeito ao bem da vida (res), que foi objeto
de contestação, não mais se pode, daí por diante, contestar; o autor que venceu não
pode mais ver-se pertubado [sic] no gozo daquele bem; o autor que perdeu não lhe
pode mais reclamar, ulteriormente, o gozo. A eficácia ou a autoridade da coisa julgada
é, portanto, por definição, destinada a agir no futuro, com relação aos futuros
processos.196 (grifo do autor)

193
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães.; FERNANDES, Antonio
Scarance. Recursos no processo penal: teoria geral dos recursos em espécie ações de impugnação. 5.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 36.
194
DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: Simpósio de Direito
Público da Advocacia-Geral da União-5ª Região, 1, 2000, Fortaleza. Disponível em:
<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:DRQ2GagWbsIJ:www.agu.gov.br/page/download/ind
ex/id/892447+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 10 abril 2018.
195
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio. 1. ed.
Campinas: Bookseller, 1998, p. 446
196
Ibidem, p. 452.
54

Por conseguinte, Carnelutti classifica a eficácia da coisa julgada em dois aspectos:


o material e o processual. O primeiro deles consiste na eficácia imperativa da coisa julgada.
Explica-se. O juízo proferido pelo juiz no curso do processo consiste em uma declaração de
certeza ou na constituição de uma relação jurídica, tendo caráter vinculativo, e não apenas
consultivo. Equipara-se à lei no tocante àquela relação jurídica, de forma a conferir caráter
imperativo à decisão e à coisa julgada. Essa eficácia imperativa apresenta, portanto, eminente
caráter material, visto que não fica contida no processo, estendendo-se para fora dele.197
Em contrapartida, a eficácia processual da coisa julgada desenvolve-se dentro do
processo, consistindo na imutabilidade do juízo perpetrado, fenômeno eminentemente
processual, visto que se observa na impossibilidade de julgamento, por qualquer outro juiz, do
que já fora julgado.
De acordo com o autor, a imutabilidade se justifica, pois:

se a parte a quem não agrada o juízo pronunciado pudesse obter ou ainda somente
pedir ilimitadamente a mudança dele, a lide, em lugar de compor-se, permaneceria ou
poderia permanecer sempre aberta. A composição da lide exige, então, não só a
imperatividade, como até certo ponto também a imutabilidade do juízo [...].198 (grifo
do autor)

Não obstante, a doutrina tradicionalmente classifica a coisa julgada nas perspectivas


formal e material. Como pressuposto da coisa julgada material, a coisa julgada formal consiste
na “imutabilidade da decisão dentro da relação jurídico-processual”, tratando-se da
impossibilidade de quanto aquela decisão serem interpostos outros recursos.199
Nesse aspecto, Cintra, Grinover e Dinamarco discorrem:

A sentença não mais suscetível de reforma por meio de recursos transita em julgado,
tornando-se imutável dentro do processo. Configura-se a coisa julgada formal, pela
qual a sentença, como ato daquele processo, não poderá ser reexaminada. É sua
imutabilidade como ato processual, provindo da preclusão das impugnações e dos
recursos. A coisa julgada formal representa a preclusão máxima, ou seja, a extinção
do direito ao processo (àquele processo, o qual se extingue). O Estado realizou o
serviço jurisdicional que lhe requereu (julgando o mérito), ou ao menos desenvolveu
as atividades necessárias para declarar inadmissível o julgamento do mérito [...]. 200
(grifo do autor)

197
CARNELUTTI, Francesco. Instituições do processo civil. Campinas: Servanda, 1999. Tradução de Adrián
Sotero de Witt Batista, p. 185-188.
198
Ibidem, p. 190.
199
DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: Simpósio de Direito
Público da Advocacia-Geral da União-5ª Região, 1, 2000, Fortaleza. Disponível em:
<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:DRQ2GagWbsIJ:www.agu.gov.br/page/download/ind
ex/id/892447+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 10 abril 2018.
200
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral
do processo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 326.
55

A coisa julgada material é definida pelo Código de Processo Civil201 como “a


autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.
Dessa forma, entendendo-se o instituto da preclusão como a perda de uma faculdade processual,
a coisa julgada formal se verificará quando houver a preclusão definitiva das impugnações em
face de uma decisão, ao passo que a coisa julgada material acarretará a preclusão de qualquer
questionamento futuro relativo ao que fora julgado.202
De acordo com Barbosa Moreira, “a autoridade da coisa julgada, de que se tenha
revestido uma decisão judicial cria para o juiz um vínculo consistente na impossibilidade de
emitir novo pronunciamento sobre a matéria já decidida”. Quando a imutabilidade prevalecer
apenas no âmbito do mesmo processo, estar-se-á diante da coisa julgada formal, já quando a
prevalência ocorrer em qualquer processo, observar-se-á o fenômeno da coisa julgada
material.203
De modo mais amplo, coisa julgada material consiste na imutabilidade dos efeitos
produzidos pela decisão, de modo a impossibilitar que o juiz volte a julgar, que as partes voltem
a litigar e que o legislador passe a regular aquela relação jurídica de forma diversa.204
Para parte da doutrina, haveria ainda uma diferenciação entre a coisa julgada no
âmbito penal e no âmbito civil. Isso porque, no âmbito penal, com mais autoridade do que a
coisa julgada, haveria a coisa soberanamente jugada. Assim, defende-se a existência da mera
coisa julgada, que se verificaria nas sentenças condenatórias, e da coisa soberanamente julgada,
que seria própria da sentença absolutória.205
O caráter soberano se justificaria visto que, não seriam admitidas exceções, isto é,
não poderia ser a coisa julgada ser desconstituída. Isso uma vez que, como se sabe, em matéria
processual penal, a desconstituição da coisa julgada só é possível por meio da revisão criminal,
que, no entanto, só é cabível para impugnar sentença condenatória, tratando-se de mecanismo
de impugnação exclusivo da defesa.206

201
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, CE, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 12 abr. 2018. “Art. 502.
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais
sujeita a recurso”.
202
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio. 1. ed.
Campinas: Bookseller, 1998, p. 405
203
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1994,
p. 114.
204
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral
do processo. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 327.
205
Ibidem, p. 328.
206
Ibidem, p. 328.
56

Assim sendo, questiona-se: a decisão que determina o arquivamento do inquérito


policial é apta a produzir os efeitos da coisa julgada?
De acordo com relevante parte da doutrina, a decisão que determina o arquivamento
do inquérito não constitui coisa julgada, tendo em vista a possibilidade de reabertura das
investigações (art. 18 do CPP) e do ulterior oferecimento de denúncia (Súmula nº 524 do STF).
Segundo Rangel, a decisão de arquivamento é rebus sic standibus. O vocábulo em
latim é tradicionalmente conhecido no âmbito do Direito Civil, no que tange à matéria
contratual.207 A cláusula rebus sic standibus, de acordo com Rodrigues, traduz-se na noção de
que há nos contratos de prestações continuadas uma cláusula implícita que autoriza a resolução
do trato na hipótese profunda alteração nas condições vigentes.208
No âmbito processual penal, considera-se como decisão tomada rebus sic standibus
aquela que terá a produção dos seus efeitos enquanto o contexto fático continuar o mesmo.209
Ou seja, mudando-se o quadro probatório, os efeitos da decisão poderão ser alterados.
Conforme Tornaghi, o arquivamento não cria sequer preclusão. Em se tratando de
uma decisão tomada rebus sic standibus, “nada impede que novas provas modifiquem a matéria
de fato, dando ensejo ao procedimento. Se a situação muda pelo advento de outras provas, a
decisão também é mutável.”.210
Para Espínola Filho, Silva e Lavorenti, a ausência de caráter definitivo da decisão
de arquivamento impede a formação da coisa julgada. Isso porque, considerando a possibilidade
de retomada das investigações, conforme a previsão do art. 18 do CPP, o arquivamento não põe
fim ao processo, nem acarreta a extinção da ação penal.211
Nesse sentido, colacionam julgado do antigo Tribunal de Apelação do Distrito
Federal, por meio do qual declara-se que “o arquivamento do inquérito não significa a definitiva
terminação do processo, o seu encerramento e extinção da ação penal. Significa apenas que as
autoridades judiciárias, a que o caso estava afeto, não encontraram elementos para o processo
penal.”.212

207
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 201.
208
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 21.
209
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 87.395. Relator: Ministro Ricardo Lewandoski. Diário
da Justiça Eletrônico. Brasília, 13 mar. 2018. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14493604>. Acesso em 10 fev. 2018.
210
TORNAGHI, Hélio. Instituições de processo penal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 253.
211
ESPINOLA FILHO, Eduardo; SILVA, José Geraldo da.; LAVORENTI, Wilson. Código de processo penal
brasileiro anotado. Campinas: Bookseller, 2000, p. 412.
212
BRASIL. Tribunal de Apelação do Distrito Federal. Habeas Corpus nº 2.080. Relator: Lafayette de Andrada.
Diário da Justiça, Brasília, 20 ago. 1943. apud ESPINOLA FILHO, Eduardo; SILVA, José Geraldo da.;
LAVORENTI, Wilson. Código de processo penal brasileiro anotado. Campinas: Bookseller, 2000, p. 41
57

Dessa forma, para considerável parte da doutrina, o arquivamento não implica a


constituição da julgada, haja vista a possibilidade de reabertura das investigações,213 bem como
de ulterior oferecimento da denúncia, desde que presentes novas provas e enquanto não extinta
a punibilidade.214
Em contrapartida, de acordo com Coutinho, da norma contida no art. 18 do CPP
infere-se que a decisão que determina o arquivamento adquire uma estabilidade provisória,
porquanto mantém-se imutável enquanto não aparecerem novas provas, tratando-se de uma
decisão com efeitos análogos ao da cláusula rebus sic standibus, fazendo coisa julgada. 215
O autor defende que, quando o arquivamento for fundamentado na insuficiência de
provas, acarretando a não constituição da justa causa, ou impondo dúvida acerca da tipicidade
penal do fato, haverá a constituição de uma coisa julgada rebus sic standibus, obstando o
seguimento do processo, ressalvada a reabertura das investigações no caso de novas provas.216
Por outro lado, quando o arquivamento for determinado com base no
reconhecimento, sem dúvida razoável, da atipicidade do fato ou da extinção de punibilidade,
haverá decisão de mérito, constituindo a coisa julgada material pela conclusão do chamado
processo cautelar.217 218
Portanto, a doutrina mais moderna sustenta que a decisão que determina o
arquivamento do inquérito policial terá eficácia de coisa julgada, podendo ser formal ou
material, de acordo com a causa que fundamentou o ato. Nesse aspecto, há de se avaliar se
houve ou não pronunciamento acerca do mérito da conduta do agente.219
Conforme já discorrido, constituem causas que autorizam o arquivamento: a) a
ausência de pressuposto processual; b) a falta de condição para o exercício da ação penal; c) a
presença manifesta de causa excludente de ilicitude; d) a existência manifesta de causa
excludente de culpabilidade; e) a evidente atipicidade penal do fato; f) a existência de causa
extintiva de punibilidade.

213
Nesse sentido: MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006, p. 84;
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 327.
214
Nesse sentido: LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 315;
LIMA, Marcellus Polastri. Curso de processo penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.139.
215
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A natureza cautelar da decisão de arquivamento do inquérito
policial. Revista de Processo, São Paulo, v. 70, p.49-58, 1993, p. 53.
216
Ibidem, p. 53.
217
Para o autor, o caráter decisório da decisão de arquivamento implica o reconhecimento da existência de um
processo, que teria natureza cautelar em relação a questão de fundo, que seria a pretensão punitiva estatal.
218
COUTINHO, op. cit., p. 53.
219
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015,
p. 159.
58

Assim sendo, quando o arquivamento for determinado em razão da ausência de


pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, haveria a constituição da
coisa julgada apenas formal, com base nas provas presentes naquele momento.220
Isso porque, os pressupostos processuais e as condições da ação constituem
elementos a serem analisados antes do exame do mérito da demanda. Por conseguinte, não se
imporia óbice instransponível à renovação da ação penal, tendo em vista a possibilidade da
reabertura das investigações.221
No que concerne à justa causa enquanto condição da ação, a decisão judicial teria
efeitos de coisa julgada formal, tendo em vista a aplicação do art. 18 do CPP que permite o
desarquivamento. Não há também pronunciamento acerca do mérito da demanda, pois o
arquivamento fora determinado por ausência de provas, não fazendo coisa julgada material,
mas apenas formal. 222
Nesse aspecto, Pacelli esclarece que possibilidade da reabertura das investigações
no caso da notícia de provas novas implica dizer que a decisão que determina o arquivamento
apresenta “eficácia preclusiva típica de coisa julgada formal”, visto que, diante do mesmo
quadro probatório, é defesa a rediscussão daqueles fatos. 223
Por outro lado, o arquivamento do inquérito policial mediante o reconhecimento da
atipicidade penal do fato, de causa extintiva de punibilidade, de causa excludente de ilicitude e
de excludente de culpabilidade implicará a constituição da coisa julgada material, impedindo
que se inicie nova persecução penal em face dos mesmos fatos, visto que haverá o exercício do
juízo de mérito pelo magistrado.224
Nesse sentido, Rebouças discorre:

O arquivamento determinado pelo juiz com base na atipicidade penal em tese,


excludente de ilicitude, excludente de culpabilidade ou extinção da punibilidade, faz
coisa julgada formal e material. Opera-se, portanto, com base em causa de mérito, o
trânsito em julgado da decisão de arquivamento, impedindo-se a rediscussão da causa,
mesmo sob a alegação de superveniência de prova nova. Nesses casos, não se aplica
o art. 18 do CPP nem a Súmula nº 524 do STF. 225

220
REBOUÇAS, Sérgio. Curso de direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 201.
221
TÁVORA, Nestor; ALLENCAR, Rosmar A. R. C. de. Curso de direito processual penal. 9. ed. rev, ampl. e
atual. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 156.
222
REBOUÇAS, op. cit., p. 201.
223
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 13. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010, p. 68.
224
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015,
p. 159; TÁVORA; ALLENCAR, op. cit., p. 159-161.
225
REBOUÇAS, op. cit., p. 203.
59

Dessa forma, para a doutrina mais moderna, a decisão de arquivamento terá eficácia
de coisa julgada formal quando o ato for determinado em razão da ausência de algum
pressuposto processual ou condição da ação, incluída a justa causa. Ademais, a decisão
implicará a constituição da coisa julgada material quando houver sido fundamentada na
atipicidade penal do fato, na presença de causa extintiva de punibilidade, na manifesta
existência de excludente de ilicitude ou na manifesta presença de excludente de culpabilidade.
60

4 OS LIMITES JURÍDICOS AO DESARQUIVAMENTO À LUZ DA


JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Após discorrer acerca das posições doutrinárias sobre as hipóteses em que seria
possível o desarquivamento do inquérito policial, é importante expor e analisar o entendimento
jurisprudencial sobre a matéria.
O Supremo Tribunal Federal reúne relevantes julgados sobre o assunto,
apresentando posicionamentos diversos sobre a possibilidade de desarquivamento, a partir da
causa em que foi fundamentada a decisão de arquivamento da peça de informação.
Assim, neste capítulo serão expostos os principais julgados do STF sobre o assunto,
dividindo-se a análise jurisprudencial de acordo com a causa determinante do arquivamento,
relacionando-a com a constituição ou não da coisa julgada e com a possibilidade ou não de
desarquivamento.

4.1 Ausência de pressuposto processual e de condição da ação

A jurisprudência nacional não apresenta divergências significativas quanto à


aplicação do art. 18 do Código de Processo Penal quando o inquérito policial tiver sido
arquivado pela ausência de pressuposto processual ou de condição da ação.
Com efeito, a maior causa ensejadora do pedido de arquivamento perante o Poder
Judiciário consiste na ausência de justa causa para o exercício da ação penal, entendida como a
materialidade e os indícios de autoria delitiva. Nesse caso, entende o Supremo Tribunal Federal
que a decisão que arquiva o inquérito não é definitiva, podendo as investigações serem
retomadas com o surgimento de notícia de novas provas, enquanto não houver a prescrição da
pretensão punitiva estatal. Em tais hipóteses, considera não haver análise do mérito da demanda
por ocasião do arquivamento, não se verificando a constituição de coisa julgada.226
Portanto, é pacífico o entendimento de que, havendo sido o inquérito arquivado por
insuficiência de elementos probatórios, aplicar-se-á o art. 18 do Código de Processo Penal,

226
Nesse sentido: STF, 2ª Turma, AP 898, Rel. Min. Teori Zavascki, Julgamento em 12.04.2016; STF, 2ª Turma,
STF, Pleno, Inq. 2054/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Julgamento em 29.03.2006; STF, 1ª Turma, HC 19.765/RJ,
Rel. Min. Moreira Alves, Julgamento em 16.12.1999; STF, 2ª Turma, RHC 57.191/RJ, Rel. Min. Décio Miranda,
Julgamento em 28.08.1979; STF, Pleno, RHC 50.203/GB, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, Julgamento em
06.09.1972; STF, Pleno, RHC 40.421/GB, Rel. Min. Hermes Lima, Julgamento em 01.04.1964.
61

possibilitando o desarquivamento da peça de informação, e a Súmula nº 524 da própria Corte,


viabilizando o oferecimento da denúncia.

4.2 Atipicidade penal e extinção de punibilidade

Quanto à possibilidade de desarquivamento do inquérito policial quando ele tiver


sido arquivado com fundamento na atipicidade penal do fato ou na extinção da punibilidade, o
Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado, consistente na impossibilidade da
reabertura das investigações.
Em 2004, no julgamento do Habeas Corpus nº 84.156/MT, a Segunda Turma do
STF reiterou, em decisão unânime, o entendimento de que o arquivamento baseado em
atipicidade penal do fato ou na extinção da punibilidade tem eficácia preclusiva de coisa julgada
material, razão pela qual não seria possível o desarquivamento do inquérito em tais hipóteses.227
No inquérito policial em que se investigava um suposto homicídio, a autoridade
policial, no relatório conclusivo das investigações, expressou que estava clara a inexistência de
qualquer crime, restando comprovado que a morte da vítima havia decorrido de um acidente.
Seguindo a autoridade policial, o Parquet requereu o arquivamento da peça de
informação com base na atipicidade da conduta objeto do inquérito policial, visto que, nos
termos do requerimento, estava “provada a inexistência de crime, sendo o acidente um fato
atípico”. Ainda, em suas razões, o membro do Ministério Público explicitamente deixou de
formalizar a ressalva quanto a um eventual desarquivamento, pois, segundo ele, acolhido o
pedido, a decisão do magistrado faria coisa julgada material.
O requerimento foi acolhido integramente pelo juízo de primeira instância, que
determinou o arquivamento do inquérito policial. Ocorre que, posteriormente, o procedimento
foi desarquivado por determinação do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, em sede
de apelação, e foram retomadas as investigações. Contra a decisão foi impetrado habeas corpus
ao Superior Tribunal de Justiça, que, no entanto, denegou a ordem, razão pela qual contra este
também foi impetrado o writ.
No Supremo Tribunal Federal, o relator do processo, ministro Celso de Mello
pronunciou-se em seu voto no seguinte sentido:

227
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus nº 84.156. Relator: Ministro Celso de Mello. Diário
da Justiça. Brasília, 11 fev. 2005. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=384937>. Acesso em: 19 maio 2018.
62

Se é certo, portanto, que, nas circunstâncias previstas no art. 18 do CPP, a decisão


não faz coisa julgada, não é menos exato, no entanto, que tal ato decisório obstará
novas investigações penais, se e quando o arquivamento houver sido determinado
com apoio na extinção da punibilidade do agente ou, como ocorre na espécie, com
fundamento na ausência de tipicidade penal da conduta apurada, configurando-se,
nestas duas últimas hipóteses – extinção da punibilidade e existência de adequação
típica do fato sob investigação -, o caráter definitivo e irreversível da eficácia
preclusiva inerente à coisa julgada em sentido material. (grifos originais)

Portanto, concluiu pela existência de eficácia preclusiva de coisa julgada material,


acarretando o caráter definitivo e absoluto da decisão, considerando que não há revisão criminal
pro societate. Como fundamentação, respaldou seu voto na doutrina de Sérgio Pitombo,
segundo a qual o juízo quanto à atipicidade penal do fato, às causas de extinção de punibilidade
e às causas de exclusão de ilicitude, implica o pronunciamento judicial de mérito, acarretando
a constituição da coisa julgada em sentido material. Não poderia, por isso, o Ministério Público,
sobrepondo-se à decisão jurisdicional, determinar a reabertura das investigações.
O ministro relator considerou que, em situações como essa, é irrelevante o
aferimento da existência ou não de novas provas, visto que Ministério Público e Poder
Judiciário concordaram acerca da inexistência do crime. Tratar-se-ia, dessa forma, de decisão
definitiva, não sendo aplicável ao caso o comando contido no art. 18 do CPP.
Ademais, amparou seu entendimento na semelhança entre a decisão que defere o
arquivamento e aquela que rejeita a denúncia. Com efeito, desde o julgamento do Inquérito nº
1538/PR pelo Supremo Tribunal Federal, a decisão de arquivamento dos procedimentos de
investigação preliminar passou a ser equiparada pela Corte à decisão de rejeição da denúncia.
Antes do advento da Lei nº 11.719/2008, o Código de Processo Penal estabelecia,
em seu art. 43, como causas de rejeição da denúncia ou da queixa, a atipicidade penal do fato,
a presença de causa extintiva da punibilidade e a ausência de condições da ação. O parágrafo
único do referido artigo, por sua vez, previa que, se a rejeição da peça acusatória fosse
determinada com base na ausência de condição da ação, a decisão não seria obstáculo ao ulterior
exercício da ação penal, desde que as condições fossem implementadas. A contrario sensu, em
se tratando das outras hipóteses de rejeição da ação penal (atipicidade e extinção de
punibilidade) seria vedada o seu oferecimento posterior.228

228
Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018.
“Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - o fato narrado evidentemente não constituir crime; II - já
estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa; III - for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar
condição exigida pela lei para o exercício da ação penal. Parágrafo único. Nos casos do no III, a rejeição da
denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a
condição”. (Dispositivo inteiramente revogado pela Lei nº 11.719, de 2008).
63

Destarte, ao equiparar juridicamente as decisões, o STF atribuiu-lhes também a


mesma interpretação quanto aos efeitos preclusivos, tendo a decisão de arquivamento eficácia
de coisa julgada material quando este houver sido determinado com base na atipicidade penal
do fato e na extinção da punibilidade.
Dessa forma, seguindo os precedentes da Corte no mesmo sentido229, o STF, por
decisão unânime, concedeu a ordem de habeas corpus, consolidando o entendimento de que o
arquivamento de inquérito policial baseado na atipicidade penal do fato e na extinção de
punibilidade tem eficácia de coisa julgada material, impedindo a reabertura das investigações,
bem como o ulterior oferecimento de denúncia, afastando a incidência do art. 18 do Código de
Processo Penal e da Súmula nº 524 do Supremo Tribunal Federal.
Como um dos precedentes colacionados no voto do relator, no julgamento do
Habeas Corpus nº 80.560/GO, o ex-ministro relator Sapúlveda Pertence salientou a existência
de uma “vinculação da eficácia preclusiva da decisão de arquivamento do inquérito aos motivos
em que se tenha ela fundado, de modo a não admitir o desarquivamento e a pesquisa de novos
elementos de informação se afirmada a não criminalidade do fato.”. 230
Já no julgamento do Habeas Corpus nº 83.346/SP, de mesma relatoria, o ex-
ministro aduziu em seu voto que, ainda que o magistrado limite-se a seguir o Ministério Público
nos termos de sua manifestação, a decisão que determina o arquivamento mantém seu caráter
jurisdicional e definitivo, visto que considerada a fundamentação exposta pelo Parquet.231
O entendimento é o mesmo quando se trata do arquivamento do inquérito policial
baseado na existência extinção da punibilidade. Quanto à prescrição, há posicionamento de
ambas as turmas do Supremo Tribunal Federal entendendo pela impossibilidade de reabertura
das investigações, assim como do oferecimento posterior da ação penal, haja vista o juízo de

229
Nesse sentido: STF, 1ª Turma, HC 83.346/SP, Rel. Min. Sapúlveda Pertence, Julgamento em 17.05.2005; STF,
1ª Turma, HC 80.560/GO, Rel. Min. Sapúlveda Pertence, Julgamento em 20.02.2001; STF, Pleno, Inq. 1538/PR,
Rel. Min. Sapúlveda Pertence, Julgamento em 08.08.2001; STF, Pleno, Inq. 2044, Rel. Min. Sapúlveda Pertence,
Julgamento em 29.09.2004; STF, 1ª Turma, HC 75.907/RJ, Rel. Min. Sapúlveda Pertence, Julgamento em
11.11.1997; STF, Pleno, HC 80263/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Julgamento em 20.02.2003.
230
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus nº 80.560. Relator: Ministro Sapúlveda Pertence.
Diário da Justiça. Brasília, 30 mar. 2001. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=78442>. Acesso em: 19 maio 2018.“[...]
a eficácia preclusiva da decisão que defere o arquivamento do inquérito policial, a pedido do Ministério Público,
é similar à daquela que rejeita a denúncia e, como a última, se determina em função dos seus motivos
determinantes, impedindo – se fundada na atipicidade do fato – a propositura ulterior da ação penal, ainda quando
a denúncia se pretenda alicerçada em novos elementos de prova. [...]”.
231
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus nº 83.346. Relator: Ministro Sapúlveda Pertence.
Diário da Justiça. Brasília, 18 ago. 2005. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79329>. Acesso em: 19 maio 2018.
64

mérito proferido e a consequente constituição da coisa julgada, não sendo aplicável ao caso o
art. 18 do CPP e a súmula nº 524 do próprio tribunal. 232

4.3 Causas excludentes de ilicitude e de culpabilidade

A questão da possibilidade de desarquivamento do inquérito quando este houver


sido arquivado com fundamento em causa excludente de ilicitude ou de culpabilidade apresenta
solução diversa pelo Supremo Tribunal Federal.
Ao decorrer dos anos, o STF analisou alguns habeas corpus em que se questionava
a possibilidade de desarquivamento do inquérito e o ulterior oferecimento da denúncia, quando
a razão de arquivamento tivesse sido a presença de causa excludente de ilicitude. Em 2017, com
a conclusão do julgamento do Habeas Corpus nº 87.395/PR, o órgão plenário da Corte teve a
oportunidade de sedimentar o seu entendimento.233
Devido à sua importância, discorrer-se-á sobre o julgamento do referido habeas
corpus, expondo o seu contexto fático e o teor dos votos vencedores dos ministros. Após serão
apresentados os principais pontos contidos nos votos vencidos, relacionando-os com o caráter
absolutório da decisão de arquivamento, a garantia da segurança jurídica e a vedação da revisão
criminal pro societate, que configuram elementos próprios do direito processual penal
brasileiro.

4.3.1 Julgamento do Habeas Corpus nº 87.395/PR

232
Nesse sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus nº 84.253. Relator: Ministro Celso
de Mello. Diário da Justiça. Brasília, 17 dez. 2004. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79529>. Acesso em: 19 maio 2018. “[...]
o arquivamento judicial do inquérito ou das peças que consubstanciam a "notitia criminis", quando requerido pelo
Ministério Público, por ausência ou insuficiência de elementos informativos, não afasta a possibilidade de
aplicação do que dispõe o art. 18 do CPP, hipótese em que, havendo notícia de provas substancialmente novas
(Súmula 524/STF - RTJ 91/831), legitimar-se-á a reabertura das investigações penais (RTJ 106/1108 - RTJ
134/720 - RT 570/429 - Inq 1.947/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). - Inexistirá, contudo, essa
possibilidade, se o Poder Judiciário, ao reconhecer consumada a prescrição penal, houver declarado extinta a
punibilidade do indiciado/denunciado, pois, em tal caso, esse ato decisório revestir-se-á da autoridade da coisa
julgada em sentido material, inviabilizando, em consequência [sic], o ulterior ajuizamento (ou prosseguimento) de
ação penal contra aquele já beneficiado por tal decisão, ainda que o Ministério Público, agindo por intermédio de
novo representante e mediante reinterpretação e nova qualificação dos mesmos fatos, chegue a conclusão diversa
daquela que motivou o seu anterior pleito de extinção da punibilidade. Precedentes. [...]”.
233
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus nº 87.395. Relator: Ministro Ricardo Lewandoski.
Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 13 mar. 2018. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14493604>. Acesso em: 19 maio 2018.
65

Em março de 2017, o Plenário do Supremo Tribunal Federal pôs fim ao julgamento


do Habeas Corpus nº 87.395/PR, em que se discutia a possibilidade da retomada das
investigações e do ulterior oferecimento de denúncia pelo Ministério Público quando o
inquérito policial tivesse sido arquivado com base em uma causa excludente de ilicitude.
No caso em apreço pelo STF, o inquérito policial tinha como objeto os crimes de
homicídio e de tentativa de homicídio de duas pessoas, que teriam sido praticados por três
policiais civis. Concluído o procedimento preliminar, o delegado de polícia que presidia as
investigações manifestou-se em seu relatório pela existência de provas nos autos que
evidenciavam que os agentes haviam agido em legítima defesa e em estrito cumprimento de
dever legal.
Dessa forma, o Ministério Público requereu o arquivamento da peça de informação,
aduzindo nas razões de seu requerimento que:

conforme restou sobejamente demonstrado, verifica-se que o incidente ocorreu no


exercício das funções dos policiais, que pretendiam a prisão do foragido Osni. A
reação ilegal da gangue de Osni, da qual a vítima Joel Ribeiro fazia parte e encontrava-
se também atacando injustificadamente a ação legal da polícia, fez com que houvesse
reação por parte dos policiais que estavam cumprindo com seu dever legal e também,
ao revidarem o ataque faziam no sentido de defender-se.
Assim, clara está a presença das excludentes do art. 23, II e III, do Código Penal,
motivo pelo qual o Ministério Público requer o arquivamento deste feito, nos termos
do art. 28 do Código de Processo Penal.

O magistrado de primeira instância, acolhendo o pedido do Ministério Público,


determinou o arquivamento do inquérito policial com base na presença manifesta de causa
excludente de ilicitude. No entanto, posteriormente, sobrevieram fortes indícios da existência
de fraude no conjunto probatório que ensejou o arquivamento do inquérito.
De acordo com o Parquet, surgiram elementos de prova indicativos de que as armas
encontradas com o cadáver teriam sido lá colocadas ilicitamente, bem como que o delegado de
polícia presidente do inquérito teria manipulado testemunhas e incluído informações falsas em
seus termos de declaração. Assim, diante de provas novas, o Ministério Público ofereceu a
denúncia.
Com a chegada do caso à instância extraordinária, no STF, o principal objeto de
debate durante as sessões de julgamento de julgamento consistiu no questionamento de se
haveria a constituição da coisa julgada material, impedindo o desarquivamento do inquérito
policial, mesmo diante do posterior conhecimento de que as provas que fundamentaram a
decisão eram falsas.
66

O ministro Ayres Britto discorreu em seu voto que, a manipulação das provas pelas
autoridades policiais acarretou um inquérito eivado de vícios, conduzindo o Ministério Público
a requerer o seu arquivamento em razão das provas de que o fato teria ocorrido em legitima
defesa e no estrito cumprimento de dever legal. De acordo com o ministro, “não se formou a
coisa julgada material, já que as provas eram imprestáveis”, isto é, “a premissa ensejadora da
decisão transitada em julgado era falsa”.
O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, fez menção a diversos julgados da própria
Corte, referentes à ausência de coisa julgada material quando a decisão tiver reconhecido extinta
a punibilidade com fundamento em certidão de óbito falsa. De acordo com o ministro, ao não
conferir a decisão os efeitos da coisa julgada, visa-se impedir que a parte beneficie-se da sua
própria torpeza, ficando impune de um delito sobre o qual é acusada, mediante a prática de
outra conduta criminosa.
No caso do Habeas Corpus nº 87.395/PR, havia fortes evidências de que os agentes
da polícia, valendo-se se seus cargos, teriam fraudado as investigações, a fim de saírem impunes
de um processo criminal. Assim, segundo o ministro, deveria ser aplicado o mesmo
entendimento acima citado, pois, caso contrário, se fosse conferida eficácia de coisa julgada
material à utilização da fraude processual, estar-se-ia apresentando posicionamento conivente
com ambas as práticas delituosas.
Em seu voto, a Ministra Cármen Lúcia, referiu-se ao julgamento do Habeas Corpus
nº 95.211/ES, de sua relatoria, por meio do qual a Primeira Turma do STF decidiu, em situação
análoga, pela validade do desarquivamento do inquérito policial em razão da notícia de provas
novas, quando o seu arquivamento tivesse sido baseado em provas falsas, que,
equivocadamente levaram o juiz a decidir pela existência de causa excludente de ilicitude.234
O Habeas Corpus nº 95.211/ES trazia um cenário de um inquérito policial
arquivado pela presença de causa excludente de ilicitude de estrito cumprimento de dever legal,
que foi desarquivado, dez anos após, pelo surgimento de provas novas, apontando um conjunto
probatório fraudulento, visto que as testemunhas ouvidas durante o inquérito teriam sido
coagidas. Para a Corte, o a existência de fraude tornou as provas imprestáveis, não havendo se
concretizado a coisa julgada material, razão pela qual seria possível o desarquivamento.
Para além do contexto fraudulento que fundamentou a decisão judicial de primeira
instância, no julgamento do Habeas Corpus nº 87.395/PR, o ministro relator Ricardo

234
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus nº 95.211. Relatora: Ministra Carmén Lúcia. Diário
de Justiça Eletrônico. Brasília, 22 ago. 2011. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=626323>. Acesso em: 19 maio 2018.
67

Lewandoski, sustentou que, diferentemente do que ocorre quando o inquérito é arquivado com
base na atipicidade penal do fato, “a superveniência de novas provas relativamente a alguma
excludente de ilicitude admite o desencadeamento de novas investigações”.
Segundo o relator, em se tratando de uma decisão tomada rebus sic standibus, não
haverá a constituição de coisa julgada, nem ocorrerá a preclusão. Diferentemente da fase
processual da persecução penal, durante a fase de investigações preliminares não há decisão
propriamente dita, não havendo res jusdicata.
Do mesmo modo, o ministro Ayres Brito aduziu em seu voto que o STF admite
apenas duas hipóteses nas quais a decisão de arquivamento fará coisa julgada: a atipicidade
penal do fato e a prescrição da pretensão punitiva, não se estendendo tal interpretação ao
arquivamento baseado em alguma das causas excludentes de ilicitude.
Nessa perspectiva, o ministro Gilmar Mendes fez referência ao julgamento do
Habeas Corpus nº 125.101/SP, quando a Segunda Turma da Suprema Corte decidiu que, diante
da notícia de provas novas, não obsta a reabertura das investigações a decisão do juiz
competente que determinou o arquivamento do inquérito policial baseado na presença de causa
excludente de ilicitude.235
Ademais, sustentou que o desarquivamento nesse caso não violaria a vedação à
dupla acusação, prevista no Pacto São José da Costa Rica, segundo a qual “o acusado absolvido
por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos
fatos”, visto que, na fase pré-processual, não há de se falar em acusado ou absolvição, já que a
ação penal não chegou sequer a ser proposta. Segundo o ministro, no âmbito do ordenamento
jurídico interno, a vedação teria como pressuposto a existência de um processo penal.236
Assim, por maioria e nos termos do voto do ministro relator, denegou-se a ordem
de habeas corpus, vencidos os ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, que
a deferiram.
Não obstante, é importante discorrer sobre os argumentos em contraposição ao
entendimento firmado pelo STF. Em contraponto, encontram-se os votos divergentes do
ministro Marco Aurélio e dos ex-ministros Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, exarados durante
o julgamento do Habeas Corpus nº 87.395/PR, bem como os fundamentos apresentados em

235
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus nº 125.101. Relator: Ministro Teori Zavascki.
Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 11 set. 2015. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=9363697>. Acesso em: 19 maio 2018.
236
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americano Sobre Direitos Humanos. San
Jose, 1969. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso
em: 2 maio 2018.
68

outros acórdãos dos Tribunais Superiores, que aludem a institutos e conceitos doutrinários
próprios do Direito Processual Penal.

4.3.2 Caráter absolutório da decisão

No julgamento do Habeas Corpus nº 87.395/PR, o ministro Marco Aurélio


discorreu em seu voto que, de forma acertada ou não, havido sido proferida decisão judicial de
mérito equivalente a uma decisão absolutória. De acordo com o ministro, ao julgar o pedido do
Parquet, o magistrado apreciou a existência da excludente da ilicitude, havendo, com isso,
proferido decisão de mérito equivalente a uma sentença absolutória, ocasionando a constituição
da coisa julgada material.
Do mesmo modo, o ex-ministro Joaquim Babosa sustentou cuidar-se de “decisão
que julgou não ser criminosa a conduta imputada aos pacientes, acolhendo as excludentes de
ilicitude da legítima defesa e do estrito cumprimento do dever legal, consubstanciando, assim,
um julgamento de mérito, que corresponde à absolvição sumária.”.
Assim também, durante o julgamento do Habeas Corpus nº 95.211/ES o ministro
Marco Aurélio e o ex-ministro Menezes Direito, apesar de vencidos, consideraram que,
havendo o juiz declarado que o agente agiu em estrito cumprimento de dever legal, proclamou
não existir crime, visto que inexistente a ilicitude, culminando na absolvição do indiciado.
Isso porque, com redação dada pela Lei nº 11.690/08, o art. 386, VI, do Código de
Processo Penal prevê que o réu será absolvido por sentença quando reconhecida a existência de
alguma circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, na forma dos arts. 20, 21, 22,
23, 26 e 28, §1º do Código Penal.237 As excludentes de ilicitudes, por sua vez, são tratadas no
art. 23 do CP, que prevê que não haverá crime quando a conduta for praticada em estado de
necessidade, em legitima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular
de direito.238
Do mesmo modo, as causas excludentes de ilicitude consistem em hipótese de
absolvição sumária, prevendo o art. 397, caput e inciso I, do CPP, que o juiz absolverá

237
Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018.
“Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: [...] VI –
existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1 o do art. 28,
todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; [...]”.
238
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 05 mar. 2018. “Art. 23 -
Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito
cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”.
69

sumariamente o acusado quando verificada a existência manifesta de causa excludente da


ilicitude do fato.239
Dessa forma, havendo sido reconhecido por decisão judicial que a conduta foi
praticada em legítima defesa ou em estrito cumprimento de dever legal, haveria declaração
judicial pela inexistência do crime, sendo essa decisão equivalente a uma sentença absolutória.
Além disso, os ministros compararam a decisão de arquivamento com base na
atipicidade penal do fato com aquela fundamentada na presença de causa excludente de
ilicitude. Isso porque, tanto a atipicidade quanto a excludente de ilicitude constituem
fundamentos para a sentença absolutória, isto é, consistem em um pronunciamento de mérito
pelo juiz.
O art. 386 prevê que, além da hipótese da presença de excludente de ilicitude, o réu
será absolvido quando reconhecido que o fato não constitui infração penal (inciso III).240 Do
mesmo modo, é conferida à atipicidade e a excludente de ilicitude o mesmo tratamento também
no art. 397 do CPP, que prevê ambas as causas como hipóteses em que o juiz absolverá
sumariamente o réu. 241
Com efeito, não mereceria ser conferido tratamento diverso as duas decisões, visto
que ambas possuem caráter eminentemente absolutório. A justificativa para tal tratamento
isonômico pela lei pode ser retirada do conceito de delito. Do ponto de vista analítico, é
majoritariamente entendido em sua concepção tripartida, tratando-se de um fato típico,
antijurídico e culpável.242
Prado explica que esse conceito analítico de delito não retira a sua unidade, pois a
sua decomposição em suas partes constitutivas tem a finalidade de formular um conceito mais
concreto e sistemático da infração penal, a fim de conferir maior segurança jurídica. 243
O delito vem a ser, portanto, a conduta (ação ou omissão) típica, ilícita e culpável.
De acordo com o autor, esses elementos encontram-se interligados, visto que:

239
Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai. 2018. “Art.
397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver
sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; [...]”.
240
Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 8 mar. 2018.
“Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: [...] III - não
constituir o fato infração penal; [...]”.
241
Ibidem. Acesso em: 18 mar. 2018. “Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos,
deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa
excludente da ilicitude do fato; [...] III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; [...]”.
242
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 161.
243
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 295-296.
70

é tão somente com a somatória dos juízos negativos de valor parciais que se vai dar
lugar à conformação do injusto culpável, enquanto “valoração global do fato e do
autor”. Assim, tipicidade, ilicitude e culpabilidade não passam de uma parte do juízo
negativo do valor global sobre o fato e o seu autor, visto que apreendem “apenas
alguns elementos da unidade ontológica em que se projetam”. 244

De acordo com Aníbal Bruno, a conduta punível é primeiramente um ilícito, na


medida em que deve implicar uma contradição a uma norma legal protetora de terminado bem
jurídico. Igualmente, o delito é uma ação típica, visto que reproduz na realidade o fato
abstratamente previsto em lei como punível. É, por fim, uma conduta culpável, que, penetrando
nos elementos subjetivos do fato, pressupõe um juízo de reprovação diretamente sobre o
autor.245
Destarte, o ex-ministro Joaquim Barbosa em seu voto aduziu que “não há diferença
entre a decisão que reconhece a atipicidade do fato e a que reconhece a licitude da conduta, pois
ambas estão pautadas na inexistência de crime, configurando um julgamento de mérito das
provas colhidas, e não acerca de sua mera insuficiência.”.
Diferencia-se, no entanto, do caso em que o inquérito foi arquivado em razão da
ausência de provas que consubstanciassem a ação penal. Em casos como esse, seria clara a
possibilidade do desarquivamento quando da notícia de provas novas, na forma do art. 18, CPP.
De acordo com o referido ex-ministro, no caso em questão não houve

uma mera promoção de arquivamento, de encerramento de investigações improfícuas,


que não conduziram a qualquer conclusão, mas sim um pronunciamento de mérito,
anterior ao próprio oferecimento da denúncia, pois, por não considerar o fato
criminoso, o órgão ministerial, diante de todas as provas colhidas, deixou de oferecer
a inicial acusatória para requerer o acolhimento das excludentes de licitude
consideradas presentes na hipótese.

Assim também se apresenta o pronunciamento mais recente do Superior Tribunal


de Justiça. Em novembro de 2014, no julgamento do Recurso Especial n.º 791.471/RJ, a Sexta
Turma do tribunal decidiu por unanimidade não se aplica o art. 18 do CPP, nem a Súmula 524
do STF à decisão que determina o arquivamento com base na presença de causa excludente de
ilicitude, sendo tais dispositivos de incidência restrita ao inquérito arquivado por insuficiência
de provas.246

244
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013, p. 297-298.
245
BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral, tomo I. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 291.
246
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Especial nº 791.471. Relator: Ministro Nefi Cordeiro.
Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 16 dez. 2014. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=41568646&num_r
egistro=200501722822&data=20141216&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 19 maio 2018.
71

No caso em apreço pelo STJ, o inquérito policial havia sido arquivado a partir de
requerimento do Ministério Público, fundamentado na conclusão de que os investigados teriam
agido em legítima defesa. Ocorre que, mesmo após arquivado o inquérito por determinação
judicial, o Ministério Público retomou as investigações.
Em seu voto, o ministro relator discorreu:

A decisão judicial que examina o mérito e reconhece a atipia ou a excludente da


ilicitude, é prolatada somente em caso de convencimento com grau de certeza jurídica
pelo magistrado. Na dúvida se o fato deu-se em legítima defesa, a previsão legal de
presença de suporte probatório de autoria e materialidade exigiria o desenvolvimento
da persecução criminal. Se reconheceu o juiz a legitima defesa, o fez com grau de
certeza jurídica e sua decisão gera coisa julgada material.

Dessa forma, a turma entendeu que, considerando que o inquérito foi arquivado em
razão do reconhecimento de uma causa excludente de ilicitude, e não apenas por ausência de
suporte probatório, houve a apreciação do mérito, constituindo-se a coisa julgada e impedindo-
se a rediscussão da matéria. Caso contrário, estar-se-ia se autorizando a reabertura de inquéritos
por revaloração jurídica, afastando a segurança jurídica das decisões judiciais de mérito.247

4.3.3 Segurança jurídica

Durante o julgamento do Habeas Corpus nº 87.395/PR, ficou clara a colisão entre


os dois valores: a justiça material e a segurança jurídica. De acordo com o ex-ministro Cezar
Peluso, em se tratando de decisão que faz coisa julgada material, não pode o cidadão ficar na
expectativa de a qualquer momento ser novamente investigado sobre os mesmos fatos. A
reabertura da persecução penal em casos como esse, segundo o ministro Marco Aurélio,
caminharia à insegurança jurídica.
A segurança jurídica, para além de ser uma garantia fundamental do indivíduo,
também se apresenta como um princípio concretizador do Estado de Direito. Trata-se de
garantia que possibilita a efetivação dos direitos fundamentais, visto que a proteção desses

247
No mesmo sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº
17.389. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 7 abril 2008. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=3441244&num_re
gistro=200500343088&data=20080407&tipo=5&formato=PDF>. Acesso em: 19 maio 2018. “[...] embora o
inquérito policial possa ser desarquivado em face de novas provas, tal providência somente se mostra cabível
quando o arquivamento tenha sido determinado por falta de elementos suficientes à deflagração da ação penal
[...]”.
72

direitos, principalmente no núcleo da dignidade da pessoa humana, somente será possível se


assegurado o mínimo em segurança jurídica.248
A segurança, além de ser tratada como um valor fundamental no preâmbulo da
constituição de 1988, está prevista no caput do art. 5º, ao lado do direito à vida e à liberdade,
como um direito inviolável.249 Quanto à segurança jurídica, apesar de não haver nenhum
dispositivo constitucional específico, esse direito encontra-se contemplado em diversos
dispositivos, entre eles na garantia de proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à
coisa julgada.250
De acordo com Schmidt, a coisa julgada está a serviço de um importante valor
social: a segurança jurídica.251 Trata-se do fundamento político da coisa julgada, isto é, a
exigência imutabilidade da sentença, de forma a garantir a segurança e estabilidade das relações
jurídicas.252
Conforme Bermudes, a garantia da coisa julgada não decorre da presunção de
verdade ou da verdade ficta, mas sim da vontade estatal, consolidada nas normas jurídicas. Isso
porque, a necessidade de solucionar os conflitos faz com que a lei os tenha como compostos a
partir de um certo momento. Segundo o autor, a segurança jurídica, instrumentalizada na coisa
julgada, torna, ao menos para o mundo jurídico, aquela relação como encerrada.253
A sentença de mérito transitada em julgado esgota o exercício da atividade
jurisdicional do Estado, da mesma forma em que encerra o direito das partes de exigirem do
Poder Judiciário uma nova apreciação sobre o mesmo objeto litigioso.254 A elas não cabe mais
pleitear uma nova prestação jurisdicional baseada naqueles mesmos fatos, nem discutir a justiça
ou injustiça daquela decisão. 255

248
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana,
direitos fundamentais e proibição do retrocesso social no direito constitucional brasileiro. In: ROCHA, Carmén
Lúcia Atunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.
2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 90-95.
249
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 28 fev. 2018. “Art.
5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...]”.
250
SARLET, op. cit., p. 91.
251
SCHMIDT, Eberhard. Los fundamentos teóricos y constitucionales del derecho procesal penal. [S. l.: s.
n.], 1957, p. 164 apud MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas:
Bookseller, 1997, v. 3, p. 84.
252
ALVIM, J. E. Carreira. Elementos de teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 394.
253
BERMUDES, Sérgio. Coisa julgada ilegal e segurança jurídica. In: ROCHA, Carmén Lúcia Atunes (Coord.).
Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2009, p. 131.
254
ROCCO, Ugo. Trattato di Diritto Processuale Civille. [S. l.: s. n.], 1957, v.2, p. 307 apud MARQUES, José
Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997, v. 3, p. 81.
255
ALVIM, op. cit., p. 392.
73

Isso se justifica na medida em que o indivíduo não pode suportar uma renovação
constante da persecução penal, preferindo-se, então, o efeito preclusivo da coisa julgada.256
Nesse aspecto, Fenech esclarece:

[...] o Direito necessita correr o risco de que se não possa reexaminar uma decisão
injusta para evitar a consagração da instabilidade das decisões justas. Justiça e
segurança jurídica, em conclusão, não se encontram em posição antagônica, e sim, em
perfeita harmonia; e a coisa julgada, enquanto serve à segunda, colabora
indubitavelmente para a efetivação da primeira.257

No inquérito policial, se se partir do pressuposto que a decisão que determina o seu


arquivamento com base em excludente de ilicitude resolve o mérito e transita em julgado, a
renovação do procedimento investigatório, mesmo quando já proferida sentença de mérito,
acarretaria grande insegurança jurídica e, consequentemente, um prolongamento do estado de
ânsia do investigado.
Conforme assevera Aury Lopes Júnior, “é inegável que o IP gera, no mínimo, uma
intranquilidade real e inequívoca para o sujeito passivo, que pode ser inclusive mais grave que
a pena eventualmente aplicável ao caso”.258
Apesar de não constituir um processo penal propriamente dito, a fase investigatória
preliminar, em razão do seu caráter inquisitivo, gera inevitavelmente um constrangimento ao
indivíduo. A possibilidade da prolongação dessa atividade por tempo indefinido, mesmo
quando já tiver havido pronunciamento judicial pela inexistência de crime, seria, por isso,
incompatível com as garantias da coisa julgada e da segurança jurídica.

4.3.4 Vedação da Revisão Criminal pro societate

Ainda no julgamento do Habeas Corpus nº 87.395/PR, questionou-se se, ao admitir


a reabertura das investigações após o pronunciamento judicial de mérito, se estaria incorrendo
em uma revisão criminal pro societate. Indagou o ministro Marco Aurélio se o art. 18 do CPP
adquiriria em tais casos contornos de uma verdadeira revisão criminal contrária ao acusado.
Em razão de relevância jurídica e social da coisa julgada, apenas excepcionalmente
poderá ela ser desconstituída. Na ordem jurídica pátria, a revisão da sentença transitada em

256
BELING, Ernest. Derecho procesal penal. Barcelona: [s. n.], 1943, p. 202, apud MARQUES, José
Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997, v. 3, p. 84.
257
FENECH, Miguel. Derecho procesal penal. [S. l.: s. n.], 1952, v. 2, p. 534 apud MARQUES, José
Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997, v. 3, p. 84-85.
258
LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 317.
74

julgado somente será possível através da ação rescisória, no âmbito cível, e da revisão criminal,
na esfera penal, nos casos taxativamente discriminados em lei.259
Nesse sentido, Grinover, Gomes Filho e Fernandes discorrem:

Só em casos excepcionais, taxativamente arrolados pelo legislador, prevê o


ordenamento jurídico a possibilidade de desconstituir-se a coisa julgada por
intermédio da ação de revisão criminal e da ação rescisória para o juízo cível. Isso
ocorre quando a sentença se reveste de vícios extremamente graves, que aconselham
a prevalência do valor “justiça” sobre o valor “certeza”. 260

Presente na ordem constitucional desde 1891, a revisão criminal, apesar de não estar
contida no capítulo referente aos direitos e às garantias fundamentais, apresenta inegável
natureza jurídica de ação constitucional, sendo tradicionalmente considerada como um direito
fundamental do condenado.261 262
No âmbito infraconstitucional, é regulamentada pelos arts. 621 e seguintes do
Código de Processo Penal.263 Quanto ao seu cabimento, o art. 621 prevê que poderá ser proposta
a revisão em face de sentença condenatória que seja contrária ao texto legal ou à evidência dos
autos ou fundamentada em provas falsas, bem como se após a sentença surgirem provas novas
da inocência do condenado ou de alguma circunstância apta a promover a diminuição da pena.
Trata-se de uma ação autônoma para a impugnação de sentenças penais
condenatórias ou absolutórias impróprias transitadas em julgado, de competência originária dos
tribunais. De acordo com Grinover, Gomes Filho e Fernandes, a existência de uma sentença
condenatória consiste na possibilidade jurídica do pedido, incluindo-se também a sentença
absolutória imprópria, que aplica medida de segurança ao inimputável, tendo em vista a sua
feição condenatória. 264

259
GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães.; FERNANDES, Antonio
Scarance. Recursos no processo penal: teoria geral dos recursos em espécie ações de impugnação .... 5.ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 303.
260
Ibidem, p. 103.
261
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 28 fev. 2018.
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: [...] e) as revisões
criminais e as ações rescisórias de seus julgados; [...]”; “Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I -
processar e julgar, originariamente: [...] b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos
juízes federais da região; [...]”.
262
GRINOVER; GOMES FILHO; FERNANDES, op. cit., p. 304.
263
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro,
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 18 mai.
2018. “Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária
ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; II - quando a sentença condenatória se fundar em
depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III - quando, após a sentença, se descobrirem
novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da
pena.”.
264
GRINOVER; GOMES FILHO; FERNANDES, op. cit., p. 313.
75

No ordenamento jurídico brasileiro, assim como na maioria dos sistemas


processuais penais, a revisão criminal apresenta-se como um mecanismo de impugnação de
decisões judiciais exclusivo da defesa, não sendo possível a desconstituição da sentença penal
absolutória transitada em julgado.
Nesse aspecto, Frederico Marques elucida:

Os princípios que asseguram e garantem o direito de liberdade imprimem


características próprias à coisa julgada penal. A imutabilidade da sentença penal é,
sob certos aspectos, secudum eventum litis, visto que tem maior consistência e
firmeza, quando se trata de decisão pro reo, do que nos casos em que ela é contra reo.
Foi, por isso, que disse Vincenzo Manzini que “a autoridade da coisa julgada encontra
sua atuação mais completa no tocante à sentença absolutória, pois contra ela não se
admite revisão”. 265 266

Ainda segundo Marques, o caráter absoluto da coisa julgada da sentença absolutória


melhor atende ao interesse social, visto que é preferível a manutenção de uma decisão errada
proferida em benefício do acusado, do que a insegurança jurídica e à instabilidade em que ele
ficaria sujeito, se fosse possível a desconstituição do pronunciamento absolutório.267
Por outro lado, conforme Sérgio Médici, “a revisão pro societate pode transformar-
se em instrumento de perseguição ou de indesejável constrangimento para a pessoa absolvida
por decisão com trânsito em julgado”.268
Dessa forma, no Brasil, é vedada a propositura da revisão criminal pro societate,
que consiste no reexame da sentença absolutória, em desfavor do réu. Quem foi absolvido por
uma sentença definitiva tem a segurança jurídica de que se encontra a salvo da persecução
penal.269
Esse impedimento se verifica do próprio Código de Processo Penal, tanto em suas
hipóteses de cabimento, no art. 621, quanto na proibição da alteração da pena em prejuízo do
condenado, prevista no parágrafo único do art. 626.270
A inadmissão da revisão criminal pro societate também decorre da observância dos
preceitos contidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto San Jose da Costa
Rica), ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto nº 678/92. O tratado internacional traz

265
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997, v. 3, p. 82.
266
MANZINI, Vicenzo. Trattato di diritto penale. [S. l.: s. n.], 1932, v. 4, p. 447 apud MARQUES, José
Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997, v. 3, p. 82.
267
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997, v. 4, p.
328.
268
MÉDICI, Sérgio de Oliveira. Revisão criminal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 230 apud
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997, v. 4, p. 328.
269
CERONI, Carlos Roberto Barros. Revisão criminal: características, consequências e abrangência . São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2005, p. 20.
270
Ibidem, p. 20.
76

a vedação à dupla acusação, na medida em que prevê que, “o acusado absolvido por sentença
passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.271 272
Apesar de parte da doutrina sustentar o status constitucional da convenção, tendo
em vista a previsão do art. 5º, §2º, da Constituição Federal 273, o Supremo Tribunal Federal, ao
julgar o Recurso Extraordinário nº 366.343274 e o Habeas Corpus nº 87.585275, posicionou-se
pelo caráter supralegal da norma, não tendo a mesma força normativa que as normas
constitucionais, mas estando em posição hierárquica superior às leis ordinárias.276
Trata-se, de todo modo, de uma norma com validade e eficácia no ordenamento
jurídico brasileiro, que, coadunando-se com a legislação infraconstitucional, impede a revisão
criminal pro societate.
Por isso, não pode o acusado ser processado novamente pelos mesmos fatos que já
foram objeto da apreciação meritória do Poder Judiciário. E, partindo-se da premissa que a
decisão que determina o arquivamento do inquérito pela inexistência da ilicitude do fato
consiste em um julgamento de mérito e faz coisa julgada, não seria possível a retomada das
investigações e o ulterior oferecimento da denúncia, sob pena de incorrer em uma revisão
criminal pro societate.

271
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americano Sobre Direitos Humanos. San
Jose, 1969. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso
em: 2 maio 2018.
272
BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana Sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Brasília, Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm>. Acesso em: 05 maio 2018.
273
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 28 fev. 2018.
“Art. 5º [...] § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
274
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Recurso Extraordinário nº 366.343. Relator: Ministro Cezar Peluso.
Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 5 jun. 2009. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444>. Acesso em: 19 maio 2018.
275
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus nº 87.585. Relator: Ministro Marco Aurélio. Diário
de Justiça Eletrônico. Brasília, 25 jun. 2009. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=597891>. Acesso em: 09 maio 2018
276
GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais: valor legal, supralegal ou
constitucional?. Revista de Direito, São Paulo, v. 12, n. 5, p.7-20, ago. 2009. Disponível em:
<http://pgsskroton.com.br/seer/index.php/rdire/article/view/1987/1890>. Acesso em: 03 maio 2018.
77

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto à possibilidade de desarquivamento do inquérito policial, o Supremo


Tribunal Federal apresenta três posicionamentos diversos, que têm como pressuposto a causa
em que se fundamentou o arquivamento do procedimento preliminar. Havendo sido o inquérito
arquivado em razão da ausência de suporte probatório mínimo para o exercício da ação penal,
o STF entende de forma inequívoca pela aplicação do art. 18 do Código de Processo Penal e da
Súmula nº 524 do próprio tribunal, possibilitando a reabertura das investigações e o ulterior
oferecimento da denúncia, a partir do advento de novas provas.
Quando a decisão que houver determinado o arquivamento tiver por fundamento a
atipicidade penal do fato ou a extinção da punibilidade do agente, o entendimento da Corte é
pela impossibilidade da reabertura das investigações e do oferecimento da denúncia que tenha
por objeto os fatos investigados durante o inquérito policial. Para o STF, há, em tais casos, a
constituição da coisa julgada material, impedindo que o sujeito passivo do inquérito seja
investigado novamente em razão daqueles mesmos fatos.
Em se tratando do arquivamento baseado na presença de uma causa excludente de
ilicitude, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é diverso. Com o julgamento do Habeas
Corpus nº 87.395/PR, o STF considerou válido o desarquivamento do inquérito policial e o
posterior oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, entendendo que, em tais casos, não
há a constituição da coisa julgada, sendo possível a retomada das investigações, na hipótese de
notícia de novas provas.
Durante o julgamento do referido habeas corpus, a questão substancialmente
enfatizada foi a existência de fraude no conjunto probatório que fundamentou a decisão de
arquivamento do inquérito. Para a maioria dos ministros, o contexto fraudulento tornou as
provas imprestáveis, de forma a impedir a produção de quaisquer efeitos a partir daquela
decisão, principalmente aqueles próprios da coisa julgada.
A despeito disso, a Corte exarou o entendimento de que não há de ser conferido o
mesmo tratamento aos casos de arquivamento de inquérito baseado na atipicidade penal do fato
e na extinção da punibilidade do agente e àqueles fundamentados na presença de causa
excludente de ilicitude ou de culpabilidade, tendo em vista que a decisão de arquivamento não
é definitiva, somente fazendo coisa julgada material no caso de atipicidade penal do fato e de
extinção de punibilidade do agente.
Tal posicionamento é criticável, tendo em vista que a tipicidade, a ilicitude e a
culpabilidade constituem elementos do conceito analítico de delito. A manifestação sobre cada
78

um desses aspectos implica um pronunciamento quanto à existência do delito, tratando-se de


uma análise sobre o mérito da demanda. Tanto é verdade, que os arts. 386 e 397 do Código de
Processo Penal tratam da atipicidade, das causas excludentes de ilicitude e das causas
excludentes de culpabilidade igualmente como circunstâncias que importam a absolvição do
acusado.
Dessa forma, não é razoável o entendimento que confere efeitos diversos a uma
decisão em que se foi declarada a atipicidade penal do fato e a outra em que se reconheceu a
presença de uma causa excludente de ilicitude, possibilitando que quanto a uma haja a
constituição da coisa julgada e atribuindo quanto a outra um caráter de decisão tomada rebus
sic standibus.
Além disso, o posicionamento do STF é reprovável, quando se equipara a decisão
de arquivamento baseada na presença de uma causa de ilicitude com aquela que absolve
sumariamente o acusado. Apesar de ocorrerem em momentos distintos da persecução penal,
tratam da presença manifesta de uma causa que exclui a ilicitude do fato, de modo a ser
despropositado o prosseguimento da persecução penal.
Equiparando-se a decisão de arquivamento do inquérito à uma sentença absolutória,
ainda que sumária, seria mais razoável que lhe fossem conferidos os mesmos efeitos desta, ou
seja, os efeitos da coisa julgada material. Com isso, aquele que teve declarado por um juiz que
a sua conduta consistiu, por exemplo, em legítima defesa, não ficaria sujeito à insegurança
jurídica de poder ser investigado novamente por aqueles mesmos fatos.
A segurança jurídica quanto a um posicionamento jurisdicional de mérito, ainda
que proferido em uma fase pré-processual, coaduna-se com os valores fundantes do Estado de
Direito, principalmente no que se refere à dignidade da pessoa humana. Por isso, revela-se
desajustado com os valores fundamentais da ordem jurídica brasileira o entendimento do STF
em não conferir à decisão que determina o arquivamento do inquérito com base na presença de
uma causa excludente de ilicitude o caráter definitivo, com efeitos da coisa julgada material, de
forma a impossibilitar a retomada da persecução penal.
79

REFERÊNCIAS

ALVIM, J. E. Carreira. Elementos de teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense,


1989.

BERMUDES, Sérgio. Coisa julgada ilegal e segurança jurídica. In: ROCHA, Carmén Lúcia
Atunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e
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