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Fortaleza–CE
Novembro, 2008
JOSÉ ULISSES CATUNDA SAMPAIO
Fortaleza – Ceará
2008
Colocar aqui a ficha catalográfica
4
XXXXXXXXXXX, Me.
Profa. Orientadora da Universidade de Fortaleza
XXXXXXXXXXXX, Me.
Profa. Examinadora da Universidade de Fortaleza
XXXXXXXXXXXX, Me.
Prof. Examinador da Universidade de Fortaleza
À minha querida esposa, Noélia Marques, e aos meus filhos, Luiza e Hugo, pelo ânimo
nos momentos difíceis e pela capacidade de gerarem em mim uma disposição nova a cada dia
para permanecer firme até o fim.
Por fim, agradeço e louvo a Jesus Cristo, meu Senhor, que tem permanecido comigo
sempre, renovando-me a cada manhã.
Um dos segredos do sucesso é se recusar a
deixar que adversidades temporárias nos
derrotem.
Quando se realiza uma pesquisa acerca de um tema como o proposto, a primeira observação
que se tem a respeito é que há uma cultura enraizada no meio policial brasileiro de não se
priorizar o isolamento e preservação do local de crime. Corroborando com esta realidade,
verifica-se que os estudos publicados sobre a criminalidade ao tratarem do assunto o fazem de
uma maneira superficial, geralmente inserido em um contexto maior, que é o da
criminalística. Em um local de crime, existem muitas e importantes informações a respeito da
apuração do fato que se busca descobrir. Essas informações apresentam variados graus de
disponibilidade e a maneira como elas serão gerenciadas será de crucial importância para que
toda a dinâmica do crime seja revelada. Sabe-se, de pronto, que a autoridade policial que
primeiro comparece a um local de crime desempenha um papel determinante na solução do
delito. Nesse trabalho monográfico, abordam-se os procedimentos necessários a serem
adotados pelas autoridades responsáveis pelo processo de investigação de um crime, desde os
aspectos relacionados ao isolamento e preservação do local para efeito de produção de provas,
até a atuação dos peritos, demonstrando de forma concreta como o isolamento e preservação
do ambiente fazem diferença na hora de se realizar uma investigação policial, especialmente
no que diz respeito ao levantamento de impressões digitais. Após essa explanação, conclui-se
apresentando um caso concreto, de grande repercussão nacional, que foi o furto ao Banco
Central em Fortaleza no ano de 2005, quando ficou demonstrado que o isolamento e a
preservação da cena do crime fez o diferencial na identificação e prisão dos criminosos
envolvidos naquele evento.
INTRODUÇÃO.................................................................................................................7
1 A CRIMINALÍSTICA..................................................................................................10
1.1 A perícia criminal...................................................................................................15
1.2 Aspectos legais.......................................................................................................16
1.3 Do isolamento e da preservação do local de crime.................................................17
2 A PAPILOSCOPIA......................................................................................................20
2.1 A divisão da papiloscopia e seus princípios fundamentais.....................................22
2.2 Elementos técnicos da papiloscopia.......................................................................23
2.3 O processo de identificação criminal......................................................................26
2.3.1 A identificação criminal e o local de crime...................................................30
2.4 A perícia papiloscópica...........................................................................................30
3 O LOCAL DE CRIME.................................................................................................33
3.1 A atividade pericial.................................................................................................35
3.2 Importância do isolamento e preservação do local do furto ao Banco Central do
Brasil na cidade de Fortaleza-Ceará........................................................................38
3.2.1 Modus operandi do bando..............................................................................41
3.2.2 Modus operandi dos policiais federais...........................................................42
CONCLUSÃO.................................................................................................................52
REFERÊNCIAS..............................................................................................................54
APÊNDICE....................................................................................................................58.
Entretanto, essa relação do perito com a cena do crime somente se revela exitosa
quando há uma preocupação com o isolamento e preservação do local, pois uma vez que este
é maculado, a produção da prova fica comprometida. A idoneidade desaparece no momento
em que há manipulação da área a ser analisada. Consigne-se que, em razão desse fato, o
trabalho desempenhado pela autoridade policial ao chegar ao local de crime ganha contorno
de essencialidade, pois a este compete isolar e preservar o ambiente até a chegada dos peritos
oficiais.
1
Arts. 6º e 158 e seguintes do CPP.
10
No que diz respeito aos aspectos metodológicos, as hipóteses foram investigadas através
de pesquisa bibliográfica. Em relação à tipologia da pesquisa, esta é, segundo a utilização dos
resultados, pura, visto ser realizada com o intuito de aumentar o conhecimento, buscando,
entretanto, uma transformação da realidade nos procedimentos atualmente utilizados nas
investigações policiais. Segundo a abordagem, é qualitativa, com a observação intensiva de
fenômenos sociais ocorridos, envolvendo a área em estudo.
dentro do contexto que envolve a prática de atos delituosos, em especial aqueles que
demandam a atuação do perito na cena do crime.
(1999, p. 15). Os autores ressaltam ser esta atividade um elemento fundamental, capaz de
produzir fatos jurídicos essenciais ao bom andamento da Justiça:
Ressalte-se que o fato de estar o fenômeno da violência inserido nessas ações não
implicava necessariamente a existência de um crime, no sentido literal da palavra como hoje
se compreende. Na maioria dos casos, as guerras realizadas entre os povos buscavam tão
somente estabelecer uma melhor condição social àquele que prevalecesse na disputa,
cessando o processo de agressão tão logo houvesse um vencedor.
É um instinto de luta pela vida, uma força que proporciona a expansão do ser, a
conquista do espaço, que tende a romper obstáculos que limitam o espaço do
indivíduo e lhe criam empecilhos à vida. Não se trata, pois, de uma força cujo
objetivo original é atacar e destruir, mas sim conquistar e garantir a vida. Ocorre que
os tais obstáculos são com frequência as outras pessoas. Daí que a violência não
supõe uma relação de amor nem de ódio, mas unicamente de rivalidade. O objeto da
violência fundamental, a pessoa contra a qual ela se dirige é identificada
simplesmente como um outro, ao qual o indivíduo busca sobrepor-se, dentro do
trágico dilema ou ‘ele ou eu’ (BERGERET apud SÁ, 2008, s.p.).
[...] embora se haja dito que o exame da prova material vem da última metade do
século XIX, e aí tenha surgido o esplêndido trabalho de Hans Gross, seguido de
15
Através desse processo evolutivo, a criminalística pouco a pouco foi ganhando espaço
dentro da dinâmica da investigação de crimes. Esse processo é observado, inclusive, na
literatura, na qual obras mundialmente conhecidas, como as aventuras dos detetives Sherlock
Holmes, criado pelo escocês Arthur Conan Doyle, e Hercule Poirot, de Agatha Christie,
enfatizavam a busca na solução de crimes perpetrados por misteriosos assassinos. Nessas
obras, a resolução dos crimes passava sempre por um processo de investigação que tinha por
fundamento a aplicação de técnicas utilizadas na realização de perícias criminais, tais como o
isolamento e a preservação do local de crime.
16
Outro dado marcante foi a criação das grandes agências oficiais de investigações a partir do
início do século 20, como o FBI, em 1908, Interpol, em 1923, e Scotland Yard, em 1929, o que
estabeleceu de uma vez por todas a sedimentação desse processo evolutivo, pois pela primeira vez
órgãos oficiais passavam a investigar crimes seguindo métodos cientificamente comprovados.
De acordo com o Deocleciano Torrieri Guimarães (2001, p. 423), perícia significa uma
“Averiguação feita por perito com conhecimentos especializados sobre a coisa objeto da
perícia”. Esta definição, entretanto, faz uma abordagem da atividade pericial a partir de um
contexto lato sensu, pois não difere a perícia criminal de uma perícia realizada por um
antropólogo, por exemplo.
Do ponto de vista de Victor Paulo Stumvoll, Victor Quintela e Luiz Eduardo Dorea
(1999, p. 12), a perícia criminal pode ser conceituada como uma série de procedimentos que
18
têm por objetivo determinar a origem comum dos indícios analisados com base em princípios
lógicos e técnico-científicos. Esses princípios obedecem a uma dinâmica que tem como meta
primordial a busca da verdade pela análise de todas as minúcias que envolvem a ação
criminal:
[...] análise dos vestígios materiais, as interligações entre os mesmos, bem como dos
fatos geradores, a origem, e a interpretação dos vestígios, os meios e modos como
foram perpetrados os delitos, não se restringindo, tão-somente, à fria estática
narrativa, sem vida, de forma como se apresentam os vestígios, isto é, ao simples
visum et repertum. (Grifo dos autores).
Dentro dessa dinâmica, o artigo 159 do Código de Processo aduz que o exame do corpo
de delito seja realizado “por perito oficial”, portador de diploma de curso superior. Uma vez
realizado o trabalho pericial, cabe ao perito a obrigação de emitir em até 10 dias o competente
laudo pericial onde, de acordo com o artigo 160 do referido Código, deverá descrever de
forma minuciosa o que foi examinado, respondendo a todos os quesitos que porventura
tenham sido formulados.
Urge ainda ressaltar que, dentre as providências relacionadas pelo Códex, uma das mais
importantes diz respeito à obrigatoriedade da autoridade policial providenciar a preservação
do local a ser periciado até a chegada dos peritos. Estabelece o artigo 169:
Art. 169 - Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a
autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas
até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias,
desenhos ou esquemas elucidativos. (BRASIL, ano).
2
“Art. 158 - Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou
indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. (BRASIL, ano).
20
A preservação do local de crime para exame dos peritos tem um sentido todo especial
em uma investigação policial, pois permitirá que os vestígios a serem revelados sejam
analisados sem que tenham sofrido nenhuma contaminação. Para que isso ocorra, no entanto,
é fundamental que estejam, tanto quanto possível, na exata condição em que foram
encontrados.
De acordo com Eraldo Rabello (1996, p. 46-47), as providências a serem tomadas pela
autoridade policial para a correta preservação da área a ser examinada são as seguintes: “a)
Interdição rigorosa do local; b) Custódia; c) Proteção dos vestígios”.
A primeira medida obedece a uma razão de ordem técnica, pois os “vestígios materiais
valem não só pelo que são, porém, e especialmente, pelo lugar e pelas posições em que se
encontram, bem como por suas possíveis relações com outros vestígios de importância, os
quais podem não ser perceptíveis de imediato”. (RABELLO, 1996, p. 46). Em razão desse
fato, o local deve ser literalmente lacrado, sendo determinado com marcadores específicos
quais os limites que não podem ser ultrapassados.
No que concerne à custódia, esta está diretamente relacionada com a eficiente proteção
do local, pois uma vez que foi devidamente resguardado, isso possibilitará aos peritos a
realização do trabalho de uma forma satisfatória, alcançando o objetivo pretendido, que é a
produção da prova material.
A papiloscopia surgiu como ciência criminal a partir dos estudos desenvolvidos por
Marcelo Malpighi, anatomista italiano, nascido na cidade de Bolonha, Itália. Tornou-se um
estudioso do assunto ao observar as linhas papilares de suas próprias mãos, verificando que
estas se apresentavam ora espirais, ora circulares, formando desenhos diferentes entre si.
Copilou seus estudos em uma obra denominada “Epístola sobre o Órgão do Tacto”, publicada
no ano de 1665, na cidade de Nápoles, Itália. Nesses registros, ao descrever os aspectos
relacionados aos desenhos digitais presente nos dedos de sua mão, ele salienta:
Os estudos de Marcelo Malpighi serviram como marco para que outros pesquisadores
pudessem se aprofundar acerca do tema, possibilitando uma evolução que tornaria a
papiloscopia um referencial de identificação até aos dias atuais. (CODEÇO; AMARAL, 1992).
23
Outro importante expoente foi Juan Vucetich. Natural da Iugoslávia, mudou-se para a
Argentina no ano de 1884, onde se tornou o encarregado do Gabinete de Identificação Criminal
da cidade de Buenos Aires. Desenvolveu métodos de classificação e arquivamento dos desenhos
digitais, possibilitando a realização de confrontos com fragmentos revelados em locais de crimes.
Brilhante criminalista, Vucetich desenvolveu o sistema datiloscópico de identificação, que veio a
substituir o método antropométrico, criado pelo francês Alphonse Bertillion (ARAÚJO, 2004).
No Brasil, o advento da papiloscopia se deu com José Félix Alves Pacheco, piauiense
que se estabeleceu na cidade do Rio de Janeiro. Em 1903, incentivado por ele, o Presidente da
República Rodrigues Alves tornou oficial o sistema de identificação criando por Vucetich.
Félix Pacheco foi um apaixonado pelo tema “investigação”, em especial os aspectos
24
Com o avanço das pesquisas acerca das linhas papilares, os estudiosos perceberam que
as mesmas ocorriam nos dedos e palmas das mãos, e também nos dedos e plantas dos pés; e
mais, apresentavam uma rica diferença de caracteres, possibilitando várias subdivisões
quando utilizadas para efeito de arquivo. Dessa forma, as propriedades presentes nas
impressões papilares conferem as mesmas características que as fazem inquestionáveis
quando utilizadas como meio de identificação. De acordo com Marcos Elias Cláudio e Luiz
Pasquali (2006, p. 210), diante dessa constatação e em razão da necessidade de se adotar
regras para catalogação dessas informações, verificou-se a necessidade de se dividir a matéria
em três linhas de análise, a saber:
José Clemil de Araújo (2004, p. 23), discorrendo sobre o tema, considera os princípios
acima apresentados como sendo: “[...] postulados fundamentais da Papiloscopia aceitos
universalmente, pois são verdadeiros princípios científicos”.
Destaque-se que a divisão do desenho digital nesses quatro tipos fundamentais foi
estabelecida a partir dos estudos desenvolvidos por Francis Galton. Nascido na cidade de
Birmingham, Inglaterra, era formado em medicina e antropologia e foi um dos principais
colaboradores para o estabelecimento da papiloscopia como ciência aplicada à identificação
humana. Em 1891, ao desenvolver estudos para a classificação das impressões digitais, ele
sentiu necessidade de dividir os desenhos de forma a facilitar as suas anotações (ARAÚJO;
PASQUALI, 2006).
3
A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado
civilmente.
27
O entendimento claro e predominante no meio jurídico naquela ocasião foi que, após a
promulgação da Constituição de 1988, a identificação criminal somente deveria ocorrer nas
hipóteses regulamentadas em lei. Sobre isso, escreve Emerson Wendt (2008, s.p.):
A consequência imediata dessa nova realidade jurídica foi uma redução drástica nos
arquivos criminais mantidos pelos Institutos de Identificação, pois os advogados orientavam
seus clientes a se apresentarem à autoridade policial portando algum documento de
identidade, fossem os fornecidos pelas Secretarias de Segurança Pública dos Estados, ou
aqueles emitidos pelos conselhos federais. Ambos serviam para livrar o cidadão do processo
de identificação.
Diante desse quadro e preocupado com a repercussão negativa gerada pela facilidade que
tinham os criminosos de se ocultar atrás de documentos de identidade falsos ou mesmo
verdadeiros, mas de origem diversa, o Congresso Nacional passou a regulamentar a matéria
através de várias leis, levando em consideração a gravidade do crime cometido e suas
repercussões na sociedade. As principais leis que regulamentam a Identificação criminal após a
promulgação da Constituição Federal de 1988 são as seguintes: Lei nº 9.034/95 e Lei nº
10.054/00.
Art. 3º. O civilmente identificado por documento original não será submetido à
identificação criminal, exceto quando:
I – estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o
patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação
qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento
público; [...]. (BRASIL, 2000).
Art. 1º. O preso em flagrante delito, o indiciado em inquérito policial, aquele que
pratica infração penal de menor gravidade (art. 61, caput e parágrafo único do art. 69
da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995), assim como aqueles contra os quais tenha
sido expedido mandado de prisão judicial, desde que não identificados civilmente,
serão submetidos à identificação criminal, inclusive pelo processo datiloscópico e
fotográfico. (BRASIL, 2000).
A única ressalva feita é quanto ao fato de que os indiciados nos crimes ali previstos não
poderiam ser identificados criminalmente, caso já tivessem sido identificados civilmente,
mantendo, nesses casos, a proteção à privacidade da pessoa, pois se trata de uma situação
resguardada pela Carta Magna.
Por oportuno, urge ressaltar que os crimes previstos na lei nº 8.072/90 (Lei dos crimes
hediondos e assemelhados) não foram inseridos no rol daqueles em que o autor deve ser
identificado criminalmente. Entretanto, a própria Carta Magna estabeleceu novas diretrizes no
trato dos crimes considerados hediondos, tornado as penas mais rígidas e impossibilitando
benefícios como a graça e o indulto4.
Na seção seguinte, bem como no próximo capítulo, será realizada uma abordagem da
perícia papiloscópica e sua importância dentro do contexto em estudo.
Quando o Códex determina em seu artigo 6º que a autoridade policial, logo que tiver
conhecimento da prática do delito, deverá dirigir-se ao local, tomando as providências
necessárias para que o mesmo seja conservado imaculado até a chegada dos peritos, o faz com
a preocupação de resguardar os vestígios que porventura possam ali existir.
Em síntese, verifica-se que a papiloscopia é uma ciência que tem por fundamentos
princípios fortemente estabelecidos, cuja produção está mais do que sedimentada no meio
jurídico, especialmente na área criminal. No entanto, para que o trabalho desenvolvido pelos
especialistas possa surtir os efeitos esperados, faz-se necessário uma conjugação de fatores,
dentre estes o conhecimento das autoridades competentes da importância de um perfeito
isolamento e preservação do local de crime, pois essa medida poderá se transformar em um
poderoso instrumento na elucidação de um crime, seja de que forma este tenha se
consumado.
No capítulo seguinte, será feita uma abordagem acerca do local de crime, enfatizando os
aspectos relacionados aos procedimentos de isolamento e preservação, bem como aqueles a
serem adotados pelas autoridades policiais e peritos, no desempenho de suas atribuições,
realizando ainda, a título de exemplificação, uma explanação dos referidos procedimentos
adotados pelos papiloscopistas Policiais Federais no caso do furto ao Banco Central em
Fortaleza, Ceará, ocorrido em agosto de 2005.
3 O LOCAL DE CRIME
O local de crime, analisado de uma forma genérica, consiste em uma área onde ocorreu
um fato que apresente características ou configurações de um delito. De forma específica,
pode-se entender como sendo o espaço físico, interior ou exterior, onde se desenvolveu a
prática de uma infração penal (ESPINDULA, 2008). No mesmo sentido, segundo Eraldo
Rabelo (2006, p. 25), local de crime é:
Porção do espaço compreendido num raio que, tendo por origem o ponto no qual é
constatado o fato, se estenda de modo a abranger todos os lugares que,
aparentemente, necessária ou presumivelmente, hajam sido praticados, pelo
criminoso, ou criminosos, os atos materiais, preliminares ou posteriores à
consumação do delito e com este diretamente relacionado.
Observa-se que o autor levou em consideração todos os aspectos envolvendo o(s) ato(s)
delituoso(s); no entanto, faz-se necessário ressaltar que o espaço ali descrito não consiste
apenas da área física visível, onde possivelmente ocorreu o crime pois o perito deve sempre
ter em mente a possibilidade de que a área seja mais extensa do que o visto ou imaginado,
inclusive fora do local analisado.
Corroborando com esse entendimento, Luís Eduardo Dorea (1995, p. 44) descreve a
seguinte definição para local de crime: “Local de crime não é só o espaço físico onde se
consumou o ato delituoso, mas também e ainda aqueles espaços físicos onde se
desenvolveram as atividades anteriores e posteriores ao fato delituoso”. Com isso, entende-se
que o local de crime deve ser visto como um todo, levando em consideração a possibilidade
da existência de mais de uma área a ser isolada e preservada.
Seguindo essa linha de compreensão, Hélder Taborelli Sêmpio (1993, p. 7-8) apresenta
a seguinte classificação para local de crime:
• Área Imediata Interna: consiste no espaço físico onde ocorreu o fato delituoso,
como um quarto ou outro cômodo qualquer.
b) Externos ou Abertos: É assim determinado quando o crime ocorre em ambiente
aberto, não limitado por edificações, como estradas, matagal, beira de rios e
outros, que também são subdivididos em:
• Área Mediata Externa: são consideradas as áreas de acesso para onde ocorreu o
crime, como estradas, picadas e ainda as imediações;
• Área Imediata Externa: consiste no local propriamente dito, onde ocorreu o crime.
c) Locais Relacionados: São aqueles locais que, apesar de diversos daqueles
relacionados anteriormente, apresentam relações com um único fato delituoso.
(Grifo original).
Uma vez definido o que é local de crime, realizar-se-á uma análise do que a legislação
discorre sobre o assunto, enfatizando os aspetos legais, bem como aqueles relacionados às
obrigações e atitudes das autoridades envolvidas no desenrolar de uma investigação policial,
na cena do delito.
Um dos requisitos essenciais para que os peritos possam realizar um exame pericial
de maneira satisfatória é que o local esteja adequadamente isolado e preservado, a
fim de não se perder qualquer vestígio que tenha sido produzido pelos atores da cena
do crime. Este é um problema que os peritos encontram quase sempre nos locais de
crime, pois não há no Brasil uma tradição de isolarmos e preservarmos o local de
infração penal. Esta falta de tradição é da própria população que, ao passar por um
local, acaba se aproximando de tal maneira que se desloca por entre os vestígios. Da
população, em princípio, é até compreensível a curiosidade natural em olhar tais
fatos, no entanto, as dificuldades são maiores quando a própria polícia, que é a
responsável por esse mister, na grande maioria das situações não cumpre a sua
obrigação prevista em lei. (Grifou-se).
É de tal maneira importante que o local seja mantido corretamente isolado até a
chegada do perito, que qualquer ato imprudente, descuidado ou imprevidente do
policial, de que resulte alteração e, conseqüentemente, destruição de possíveis
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Entretanto, para que todos esses procedimentos sejam efetuados, faz-se necessário
realizar um levantamento das características físicas que envolvem o local e a forma como esse
foi encontrado. Victor Paulo Stumvoll, Victor Quintela e Luiz Eduardo Dorea (1999, p. 52)
apresentam a seguinte classificação das características do local ao tratar do tema:
Melhor definição apresenta Alberi Spíndula (2008), pois o faz de maneira mais enfática,
relacionando a palavra com o tema em estudo: “[...] vestígio é tudo o que encontramos no local do
crime que, depois de estudado e interpretado pelos peritos, possa vir a se transformar -
individualmente ou associado a outros - em prova”. Apesar da aparente semelhança entre os
significados propostos para vestígio e indício, o vestígio é considerado o primeiro sinal da
existência de que algum ato foi praticado no local investigado; após ser analisado, interpretado e
associado com outros dados da investigação, havendo consistência, o mesmo passará a ser
considerado um indício (STUMVOLL; QUINTELA; DOREA, 1999, p. 65-66).
Uma vez conhecidos os aspectos relacionados aos sinais verificados na cena do crime,
competirá ao perito papiloscópico realizar os procedimentos considerados fundamentais ao
bom desempenho de suas atividades. A primeira preocupação será identificar a autoridade
responsável pela preservação do local, com o fim de obter a maior quantidade possível de
informações sobre o ocorrido. Posteriormente, deverá proceder às anotações de endereço,
hora, nomes de pessoas envolvidas, testemunhas, etc.
É relevante ressaltar que essa busca deverá ser realizada com especial atenção,
objetivando preservar as evidências porventura existentes, tais como impressões digitais em
locais empoeirados, marcas de solado de calçados, manchas de sangue, sêmen ou outras
secreções. Destaque-se que, caso o fato tenha ocorrido em uma área externa, o perito deverá
analisar as condições do tempo, por ser este um fator essencial, pois o sol ou a chuva podem
interferir na qualidade dos fragmentos de impressões papilares, sejam estes visíveis ou latentes.
O perito papiloscópico deverá se ater tão somente aos aspectos relacionados ao trabalho
de revelação de digitais, pois os demais procedimentos, como realização de croquis, medição
de dimensões de objetos ou distâncias entre estes, coordenadas geográficas em locais abertos,
etc., são de competência do perito criminal.
5
Reagentes físicos e químicos utilizados na realização de perícias.
de primário6, para outro secundário, o que permitirá que o mesmo seja removido para outro
local, em regra um laboratório, onde poderá ser analisado mais detalhadamente pelo policial.
Feito esses procedimentos, o perito papiloscópico irá confeccionar um laudo, onde serão
respondidos, de forma minuciosa, todos os questionamentos que envolvem aquele fragmento,
inclusive se o mesmo oferece ou não condições de confronto. Oferecendo condições, será
confrontado com as impressões papilares de suspeitos, bem como será realizada uma
investigação junto aos bancos de dados de digitais do Departamento de Polícia Federal e dos
Institutos de Identificação nos Estados.
Uma das primeiras providências adotadas pela equipe de policiais foi tentar descobrir de
onde tinham vindo os indivíduos que cometeram o ousado crime. Para responder a esse
questionamento, a única maneira possível seria adentrar pelo interior do túnel, o que levaria
ao local de origem do mesmo. Dessa forma, coube a um agente e a um papiloscopista a
realização dessa tarefa. Os dois policiais entraram pelo túnel, percorreram uma extensão de
aproximadamente 80 metros, chegando a uma residência localizada à Rua 25 de março, nº
1071, no centro da capital cearense.
No entanto, esse acesso se deu de forma prematura, pois havia ainda locais e objetos
que não tinham sido periciados. Segundo Durval Alcântara Melo (informação verbal), uma
prova disso é que um fragmento de impressão digital revelado na porta da geladeira que se
encontrava na cozinha do imóvel foi identificado em um procedimento realizado na noite do
dia 10 de agosto de 2005, quando repórteres já haviam transitado pela cena do crime. Esse
fato mostra que os princípios norteadores determinados pelo Código de Processo Penal não
foram devidamente observados.
Luiz Eduardo Dorea (1995, p. 17), analisando a importância da manutenção do
isolamento do local de crime, mesmo depois de realizadas as primeiras perícias, chama
atenção para o fato ao ressaltar que:
[...] o isolamento da área será mantido por quanto tempo se mostre necessário,
ficando a Polícia com a posse das chaves que fecham os meios de acesso. [...]
Impede-se dessa forma que detalhes que necessitem ser examinados mais
acuradamente possam vir a ser alterados.
Em razão disso, depreende-se que uma cena de crime só pode ser liberada depois de
esgotados todos os recursos investigativos possíveis, mesmo que isso implique manter a área
isolada por dias, independente dos transtornos que isso poderá causar a terceiros. Apesar do
Delegado de polícia ser a autoridade responsável pela condução do inquérito policial, e,
consequentemente, por todos os atos que envolvam a investigação, uma vez que o local é
entregue aos peritos, somente estes é que poderão determinar quando aquele deverá ser
liberado. As autoridades devem ter em mente que os interesses da Justiça são superiores a
quaisquer outros interesses acaso existentes.
Consigne-se que, após a retirada do montante acima informado, o bando adquiriu carros
junto a uma revenda de automóveis de Fortaleza, utilizando esses transportes como forma de
remover o dinheiro da capital sem chamar muito atenção. Inicialmente, grande parte do
dinheiro foi enterrado, sendo utilizado posteriormente para compra de bens móveis e imóveis
pelos membros do bando, fatos estes comprovados durante as apreensões realizadas pela
Polícia Federal (RIBEIRO; TÚLIO, 2007).
Em relação à ninidrina, por ser um reagente orgânico, ela combina com os aminoácidos
presentes no suor. Tem um alto grau de eficácia quando utilizada em papel ou similares,
podendo ser utilizada também em gesso, papel moeda, madeira em estado bruto, etc.
Caracteriza-se pela capacidade de revelar impressões antigas, bem como por ser um eficiente
fixador (ARAÚJO, 2004).
Como já enfatizado, esse trabalho conjunto entre as equipes da Polícia Federal foi o que
permitiu a identificação do suspeito José Marleudo de Almeida, denominado no meio policial
de “Baixinho”, pois o confronto do fragmento com as digitais do prontuário civil deixou claro
que o mesmo havia participado de todo processo de escavação do túnel. Posteriormente,
outros fragmentos foram positivados, permitindo a prisão e condenação de outros membros do
bando.
Enfatize-se ainda que para assegurar a identidade de uma pessoa por meio de uma
impressão digital o perito precisa assinalar 12 pontos característicos coincidentes dentre
linhas, deltas, pontos, círculos, encerros, linha axial, pontas de linha, etc. A determinação de
doze pontos, no entanto, não é taxativa, podendo esse número variar para até oito pontos,
caso se tenha uma figura de característica rara, como marca de nascença ou cicatriz
(ARAÚJO, 2004).
Ocorre que para se obter resultados positivos no combate ao crime faz-se necessário
ampliar os investimentos em tecnologias que permitam aos policiais realizarem suas
atividades de forma cada vez mais eficiente, pois o trabalho desenvolvido por esses
profissionais é extremamente relevante em todo o processo de investigação de um delito. No
mesmo sentido, também é importante destacar a necessidade de se investir na qualidade da
formação do policial de campo, pois, via de regra, ele é sempre o primeiro à chegar na cena
do crime.
Observa-se, de um modo geral, que a polícia brasileira não tem a cultura de preservar a
cena do crime. Apesar das disposições contidas nos artigos 6º, 158 e seguintes do Código de
Processo Penal, o que se constata é que os policiais ao chegarem ao local praticam atos que
acabam por comprometer o trabalho a ser realizado pelos peritos, ou não tomam as medidas
necessárias para evitar que terceiros assim o façam. Tome-se, a título de exemplo, o caso da
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Por outro lado, tem-se o caso do furto do Banco Central em Fortaleza como um
exemplo marcante de que a preocupação com o isolamento e a preservação do local de crime
poderá ser um diferencial na condução do trabalho policial, pois no caso em comento a
Polícia Federal conseguiu prender praticamente todos os membros do bando que realizou o
furto, recuperando grande parte do montante subtraído, além de evitar que novas ações da
organização criminosa viessem a obter êxito.
Evidentemente que o isolamento da cena do crime por si só não pode ser tomado como
único referencial a ser seguido em uma investigação policial; muitos outros aspectos devem
ser levados em consideração. No entanto, quando o perito encontra o local devidamente
isolado e preservado, as possibilidades de obter êxito na produção das provas que irão
embasar futuras investigações ou mesmo decisões judiciais devem servir como estímulo para
que cada vez mais a polícia invista na qualificação de seus membros, bem como em
tecnologias que possam servir de ferramentas para o bom desempenho da atividade pericial.
Por tudo isso, depreende-se que o isolamento e a preservação do local de crime é uma
medida de grande relevância, motivo pelo qual deverão sempre ser priorizados por todos os
profissionais envolvidos com a investigação policial. No mesmo sentido, deverá também ser
realizada uma reformulação no sistema de capacitação do policial brasileiro, acrescentando na
grade curricular de habilitação para ingresso na carreira matérias específicas de técnicas de
isolamento e de preservação de locais de crimes, bem como atividades práticas para que os
mesmos possam memorizar os procedimentos a serem adotados quando se defrontarem com
uma situação concreta.
REFERÊNCIAS
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