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RASCUNHO por C-Charlie !

(Duda Ramos)

Epígrafe
A vida é um delírio feliz
ou uma alucinação macabra
Miral Pereira dos Santos

Prefácio
Prólogo
Charlie Goodwin Canon

Longos, dolorosos, torturantes e quase insuportáveis passos até o fim de


um corredor escuro, sombrio, frio e macabro. Caminhar lentamente em direção
à morte, enquanto é obrigado a passar pelo que há de mais abominável nesta
Terra. Ser obrigado a se arrastar penosamente por um caminho de pura agonia,
para no fim, apenas desaparecer em meio à inexistência.
Não se encontra esperança em vida ou em morte. Apenas doi. Não se
busca conforto em um possível prosseguimento. Apenas some. Não se espera
que forças sobrenaturais ou divindades surjam para auxiliar. Apenas sofre.
Não há companhia na jornada de terror. A solitude, em determinado
momento, se torna solidão. É preciso suportar o peso da dor constante e
conviver com aquilo, mesmo que pareça insuportável. E lembre-se:
completamente sozinho. O sangue jorra; não há quem limpe. A fraqueza
consome; os passos prosseguem. A mente se confunde em pensamentos
caóticos; eles irão se dissipar. Apenas. Não. Parar. De. Andar. A agonia é de
pouca importância.
Madrugadas melancólicas após dias deprimentes fazem parte do jornadear.
Na grande maioria das vezes, terá de lidar com isso em silêncio absoluto.
Lágrimas devem ser derramadas fora do alcance de qualquer um. Se chegarem à
vista de alguém, seu tormento permanecerá e seu caos interior irá se alastrar
como água em uma enchente; até porque ninguém te entende.
Pessoas vêm, pessoas vão; pessoas nunca ficam. Não é permitido se
apegar, a não ser que esteja à espera de um novo dano emocional irreversível,
pronto para capturar sua alma e dilacerá-la, a transformando em centenas de
milhões de fragmentos microscópicos completamente insolúveis.
O corredor, apesar de fechado, permitirá que gotas de chuva caiam na
pele. Elas causam dor, como se fossem adagas. O que fazer? Esperar a chuva
passar, é claro. Por que se pode até abrir um guarda-chuva, mas a chuva
retornará em algum momento, quando ele estiver fechado. Alguns se
prontificam a fazer companhia, mas uma análise minuciosa deverá ser feita —
quando a chuva vem, a maioria apenas desaparece.
Dentro desse corredor, grandes pessoas anulam a existência de pequenas
para obter coisas materiais, apenas deixando claro que ninguém vale nada se
nada tiver (conhecimento, amor, gentileza… todos se enquadram no nada). A
peregrinação pode ser interrompida (ou se tornar ainda pior) dependendo da
forma que se nasce. O físico, psicológico e emocional podem significar enormes
desvantagens em relação às grandes pessoas. Oposições não são toleradas,
opiniões são silenciadas, a real vivência é omitida, o que se passa é distorcido,
todos os peregrinos são alienados.
“Mas o que é isso, Charlie? Uma distopia?” Isso é a vida real. “E o que
fazer para se livrar desse fardo de existir?” A resposta é simples, meu caro,
simples demais.
Existem dois caminhos: se assombrar eternamente com a realidade onde
se vive até o fim do tal “eterno”; se iludir criando o próprio universo, sua utopia
mental, mentindo para si mesmo e sendo feliz com algo que sequer existe,
mesmo tendo em mente que em um momento de lucidez irá se criar a ciência de
que nada disso é real, e que você vai mergulhar no oceano da inexistência como
todos os outros.
Eu escolhi viver um delírio.

A pobre mente
Charlie Goodwin Canon

Me encontro em um ciclo infindável de mesmices, onde o monótono faz


parte de quem sou — se é que sou algo — e, completamente incapaz de arrancar
a entediante repetição constante de todos os eventos que se passam em minha
vida, aceito-me dessa forma; cansativa, redundante, igual.
Acordo-me com o som estridente do despertador invadindo meus ouvidos
na tentativa de explodir meu cérebro logo de manhã. Como e apronto-me para
mais nove horas diárias na pequena demonstração do inferno na terra, mais
conhecida por escola. Ainda cedo, tenho uma breve caminhada de cerca de dez
minutos até a escola, e é lá onde tudo — sempre, contudo, nada de diferente —
acontece. Horas sentada ao som dos gritos de um adulto arrogante e insatisfeito
com o que faz, que está ativo no ambiente apenas para marcar presença, e que
claramente se encontra ali com o único intuito de odiar e ganhar seu dinheiro,
para um aglomerado de jovens em sua mais pura selvageria, indispostos a
prestar qualquer tipo de atenção nos berros desesperados do adulto arrogante.
Retorno à minha moradia, estando eu destruída de tudo quanto é maneira,
apenas para ser humilhada de forma hostil por meus progenitores, que preferem
duas semanas de relações íntimas no motel mais próximo a ter de suportar
minha existência durante mais de dez minutos. Malditos que mal encaram-me,
como se fosse eu uma praga, uma maldição. Colocaram-me no mundo para
sofrer sozinha, sem receber deles amor sequer. Como poderia eu exigir amor se
nem o mínimo são capazes de proporcionar-me?
E por fim, aqui estou eu, deitada em minha cama encarando o teto como
se fosse o que há de mais brilhante e atrativo nesse universo, como faço todos
os dias. Honestamente, sou tão vazia quanto minha mente neste exato momento.
No meu interior, por mais intensa que seja a busca, nenhum resquício de
emoção se faz presente. No entanto, isso se passa quando sou obrigada a tolerar
os empecilhos da vida, que, de forma gradativa, entretanto brutal, arrancaram e
levaram consigo fragmentos do que um dia foi eu, me deixando assim, como o
nada. Mal sou capaz de saber quem sou, já que tudo aquilo que eu tinha certeza
que era a vida me roubou.
Por tais razões, tenho preferência em imaginar. Imaginar a vida como se
tudo fosse perfeito. Imaginar um universo onde afeto paterno e materno não
precisam de súplicas para existir. Imaginar uma realidade onde amigos não
sejam seres mitológicos — para mim — e meus anos letivos não sejam apenas
um ritual de tortura psicológica e emocional. Imaginar um mundo onde eu possa
expressar sentimentos e ideias sem ser uma muda silenciada, amar e ser amada,
chorar e rir como a criança que fui nunca pode, ser enxergada pelas pessoas, ser
alguém. Imaginar um lugar onde eu não preciso imaginar para refugiar-me.
Mas esse lugar não existe, então eu imagino.
E minhas fantasias utópicas são apenas mais uma das atividades que se
repetem diariamente. Assim como o meu levantar nesse instante, para pegar
minha guitarra e tocar, e tocar, e tocar, mas no fim, não tocar nada. Há anos e
anos, desde pequena, a mesma coisa, e como minha jornada é música, acredito
que posso colocar meus objetivos com uma escala, onde meu progresso total
durante todo esse tempo é de um semitom, imagino. Eu comecei em dó, e após
um esforço patético, encontro-me em dó sustenido. Soa-me até cômico que
minha maior paixão seja a música, mas nem nela eu sou capaz de obter êxito,
vendo que não progrido 1% sequer no período de maior foco estritamente
concentrado para tal coisa. E com isso coloco-me a imaginar novamente. Um
mundo onde sou boa no que faço e faço o que gosto. Uma realidade onde não
fracasso até naquilo que amo, onde minhas tentativas não são vãs, onde eu sou
capaz. Um universo em que eu possa me refugiar na música, já que nem por
palavras vejo-me expressando inteiramente o que há em mim, e apenas uma
melodia seria capaz de descrever tudo o que me assombra e tudo o que anseio.
Cansada de sentir-me inútil, guardo a guitarra, talvez tendo avançado um
pequeno passo, mas perturbada demais para enxergar algo de bom em mim.
Ponho-me de pé, e começo a andar e andar em círculos, e acho que minha mente
torna-se vazia novamente. Cambaleio, zonza, com a visão turva, e sinto que
posso ver coisas irreais, como o vulto que passa lentamente por minha janela.
Então paro de girar como um peão e me jogo na cama, encarando a janela que
não me dará paz por um momento, até ver o tal vulto em seu passeio
despreocupado mais uma vez.
Isso certamente não acontece todos os dias de minha vida durante anos e
anos, então no mínimo, estou correndo perigo. Se alguém se encontra atrás
dessa janela, corro perigo. Se estou louca e vendo coisas onde não tem, ainda
assim corro perigo. Mas não há muito o que eu possa fazer quando a imagem de
um homem, um homem jovem, mais velho que eu, mas ainda um garoto, se
torna vívida como eu, abrindo minha janela vagarosamente enquanto me encara.

A pobre figura
Charlie Goodwin Canon

Seu corpo, magro e desproporcionalmente alto se põe em cima da janela,


invadindo então meu quarto e fechando a tal janela logo atrás. Seus olhos
verdes, claros, brilhantes, quase como ágatas conhecem meus pobres olhos
negros, opacos, vazios. Seus cabelos amarelos, quase brancos, que contrastam
tão pouco com a cor de seus olhos, mas que o assemelha com a imagem popular
de um anjo, refletem a luminosidade do luar, quase cegando-me. Com um
sorriso que quebra-me e calmaria que toca-me, estende uma comprida mãozinha
pálida de dedos finos, esperançoso de que retribuirei-lhe o gesto.
— Peço-lhe desde já perdão, pequena Charlie, pela indelicadeza ao
invadir-lhe a casa, mas desde que fiquei ciente de onde mora, vi-me incapaz de
esperar qualquer proximidade conquistada naturalmente e senti necessidade
extrema de vir até você.
Apenas apertei-lhe de volta a mão, de forma receosa, ainda confusa com a
invasão repentina do jovem loiro. Ele, portanto, continua sorrindo, como se
nada no mundo fosse capaz de afetá-lo agora, como se houvesse ganhado tudo o
que um dia ansiou, como se tudo o que ele pudesse pensar em querer um dia
estivesse bem em sua frente. Percebe o jovem, então, minha evidente
incompreensão,

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