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VOLTA REDONDA - RJ
2019
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JORDANA CRISTINA GIL DE OLIVEIRA
Orientadora:
Prof.a Dr.a Mariana Devezas Rodrigues Murias de Menezes
VOLTA REDONDA - RJ
2019
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JORDANA CRISTINA GIL DE OLIVEIRA
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Profª. Drª. Mariana Devezas Rodrigues Murias de Menezes – UFF/ICHS
Orientadora
_____________________________________________
Profª. Drª. Renata Braga Klevenhusen - UFF/ICHS
_____________________________________________
Prof. Dr. Matheus Vidal Gomes Monteiro - UFF/ICHS
VOLTA REDONDA - RJ
2019
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Meu Jesus, minha
fonte de inspiração.
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AGRADECIMENTOS
Ao meu Deus, por ter me presenteado e inspirado com esse tema incrível e
desafiador.
Aos meus pais, pelo incansável investimento em minha educação e felicidade, que
resultou em tudo que me tornei hoje.
À minha mãe, que desde 2010 assumiu com excelência o papel de pai e mãe, sendo
minha maior incentivadora e amor da minha vida.
À minha irmã, que sempre acreditou no meu potencial, dando o suporte necessário
para correr atrás dos meus sonhos.
Aos meus colegas de curso, em especial Caroline Meira, Roberta e Clóvis, que me
abraçaram durante esses anos de caminhada acadêmica.
À minha professora e amiga Mariana Devezas, que embarcou nesse desafio comigo
e foi incansável.
Ao meu pastor Carlos Coutinho, por ser um grande incentivador e meu líder
espiritual.
A todos que, de alguma forma, contribuíram em minha caminhada acadêmica.
6
Pois todas as coisas vêm dele, existem
por meio dele e são para ele. A ele seja
toda a glória para sempre! Amém.
Romanos 11:36
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RESUMO
8
ABSTRACT
The purpose of this paper is to analyze the judgment of Jesus Christ, a Jew born in
Bethlehem, the Roman province of Judea, who later, after being martyred, became
the Christian religious leader, a widespread religion among Westerners that has been
gaining momentum. over the years. In order to deal with a judgment published in the
holy book of Christians in the Bible, and this in turn exerting a strong Western effect
not hastily, it intended to analyze how contradictions and obscurities contained in the
judgment of Jesus of Nazareth in the light Hebrew law prevailing at the time. among
Jews, Roman Law, normative source of the Roman Empire, political politics during
period, and finally, a legal evaluation will be performed considered with the Brazilian
Law, since it uses sources of direct or indirect inspiration of all the Law. A research is
structured in three chapters. The first deals with the normative sources that will be
analyzed; the second disc about defendant judgments considered as judicial religious
authorities and, after Pilate and Herod, Roman politics and, finally, the third and last
treaty of legal comparison between these normative sources and Brazilian Law.
Keywords: Judgment of Jesus Christ. Roman law. Hebrew law. Brazilian law.
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LISTA DE ABREVIATURAS
ART Artigo
CRFB Constituição da República Federativa do Brasil
CPC Código de Processo Civil
CPP Código de Processo Penal
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................12
2. FONTES NORMATIVAS.......................................................................................15
2.1 O POVO JUDEU................................................................................................15
2.1.1 A defesa das Sagradas Escrituras como fonte original de pesquisa...... 16
2.1.2 A base jurídica dos hebreus........................................................................ 18
2.2 DIREITO ROMANO........................................................................................ 20
2.2.1 O suposto réu: Jesus Cristo....................................................................... 21
2.2.2 Síntese dos fatos.......................................................................................... 23
3. OS JULGAMENTOS............................................................................................ 26
3.1 O PRIMEIRO JULGAMENTO: O SINÉDRIO E AS LEIS HEBRAICAS.......... 26
3.1.1 O crime de blasfêmia .................................................................................. 28
3.1.2 A profanação do shabat .............................................................................. 29
3.2 O SEGUNDO JULGAMENTO: AS LEIS ROMANAS ................................... 31
3.2.1 Herodes Antipas, o tetrarca........................................................................ 34
3.2.2 Jesus novamente perante Pilatos.............................................................. 35
3.3 O TERCEIRO JULGAMENTO: “VOX POPULI, VOX DEI?” ........................ 35
4. DIREITO BRASILEIRO: UMA COMPARAÇÃO JURÍDICA......................... 36
4.1 AS IRREGULARIDADES NO DIREITO BRASILEIRO.................................. 36
4.1.1 Os sistemas processuais penais............................................................... 37
4.1.2 O uso indevido de algemas e a Dignidade da Pessoa Humana............. 38
4.1.3 O crime de tortura ....................................................................................... 39
4.1.4 O julgamento perante um juiz incompetente............................................ 42
4.1.5 A violação do princípio da imparcialidade do julgador........................... 43
4.1.6 A violação ao princípio da presunção de inocência ............................... 45
4.1.7 Violação ao direito de defesa do réu: ausência de defesa técnica.........46
4.1.8 Violação ao princípio da motivação das decisões judiciais.................. 48
4.1.9 O crime de falso testemunho.................................................................... 49
5. CONCLUSÃO .................................................................................................... 51
6. REFERÊNCIAS ................................................................................................. 53
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1. INTRODUÇÃO
1 César era o Imperador Romano, senhor absoluto da Palestina na época de Jesus. Os impostos dos
povos conquistados deveriam ser pagos à Roma.
2 Religiões que cultivavam o respeito pelas forças vivas e sagradas da Natureza nas mitologia greco-
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vocabulário, sua estrutura e os aspectos estilísticos. Desta forma, foi mantida a
ordem dos termos nas frases e também sua categoria gramatical, como se
encontram nos textos hebraico e grego do Livro Sagrado.
Por tudo isso, pretende-se com a pesquisa contribuir para uma discussão
acerca de um caso amplamente difundido entre os povos ocidentais, que envolve
aspectos jurídicos e processuais pertinentes aos estudantes e operadores do Direito,
bem como analisar as possíveis influências e inspirações exercidas no Direito
Brasileiro, advindas do Direito Romano e Hebraico.
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2. FONTES NORMATIVAS
5O adjetivo Nazareno identifica Jesus Cristo por ser o nome da localidade onde este teria vivido com
sua família, antes de sua missão pública.
17
No entanto, um questionamento é relevante: como comprovar quais escritos
supostamente sagrados deveriam ser incluídos no cânone das Escrituras e quais
deveriam ser excluídos?
Segundo McArthur (2015, p. 24), ao longo dos séculos, três princípios foram
utilizados para validar os escritos provenientes da revelação e inspiração divinas.
Em primeiro lugar, o escrito tinha que ter um profeta ou apóstolo reconhecido como
autor; segundo, o escrito não podia discordar, nem contradizer, outra Escritura; por
fim, o escrito tinha que obter um consenso geral por parte da Igreja como um livro
inspirado. Portanto, quando vários concílios se reuniram durante a história da Igreja
para considerar o cânone, eles não votaram em favor da canonicidade de um livro.
Antes, reconheceram a posteriori, aquilo que Deus já havia escrito (MACARTHUR.
2015, p. 24).
No que tange ao Antigo Testamento, que, diga-se de passagem, contém as
leis do direito hebraico que serão analisadas adiante, até os dias de Cristo, toda sua
estrutura havia sido escrita e aceita pela comunidade judaica. O último livro,
Malaquias, havia sido concluído em torno de 430 a.C. Os livros apócrifos, que
perfazem um total de 14, foram anexados ao Antigo Testamento após Malaquias,
em torno de 200-150 a.C., na tradução grega do Antigo Testamento hebraico
chamada Septuaginta, e que aparece até os dias atuais em algumas traduções da
Bíblia (MACARTHUR. 2015, p. 25).
Já o Novo Testamento, acredita-se que seus 27 livros foram universalmente
aceitos por volta de 350-400 d.C. como inspirados por Deus (MACARTHUR. 2015, p.
25).
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Romana, o Decálogo (Êxodo 20:1-17), ou seja, os dez mandamentos emanados por
Deus a Moisés, que segundo Norberto Bobbio (1992, p. 56-57), em sua obra “A era
dos Direitos” é o código moral por excelência do mundo cristão.
Em 586 a.C., após um cerco que durou mais de um ano, o rei da Babilônia,
Nabucodonosor, conquistou o reino dos hebreus, levando-os cativos para sua terra.
Esse cativeiro foi o estopim para a formação de um Direito Hebraico novo, oral,
posto que ao entrarem em contato com diversas culturas diferentes (notadamente
persas, gregos e romanos), os hebreus sentiram a necessidade de afirmar sua
cultura, ao mesmo tempo que procuravam adaptá-la dentro dos parâmetros das
influências que estavam recebendo (LAGES, 2017, p. 31).
A primeira codificação do direito oral foi chamada de Michná, que significa
repetição, e foi feita pelo último dos Tanaim, que eram os sábios, em 192 d.C. Essa
codificação se divide em seis partes, nas quais a primeira, a terceira e a quarta
constituem o corpo de Direito Civil (LAGES, 2017, p. 32).
Insta salientar que a lei oral atuava ao lado da escrita, qual seja, a lei
mosaica. Esta continuou a ser considerada infalível, prevalecendo em qualquer
conflito que se verificasse entre as duas. Para guardar a fidelidade à Legislação
Mosaica no uso da codificação nova, os séculos seguintes produziram discussões,
interpretações e aprofundamentos do texto da Michná, que deram origem às
Guemaras, que juntamente com a Michná e a própria Torá constituem o Talmud,
que significa estudo, sendo o verdadeiro corpo da Legislação Hebraica (LAGES,
2017, p. 32).
O Talmud nada mais é que um conjunto de regras e mandamentos
transmitidos oralmente, que foram transcritos em um documento, para que a lei não
se perdesse após a dispersão do povo judeu mundo afora. Atualmente, os preceitos
contidos neste documento são utilizados nas sinagogas como instrumento do
Rabino para orientar os fiéis em situações concretas.
Dentro desse contexto de normas, pode-se observar que a divisão das leis
hebraicas se perfaz da seguinte forma: leis acerca da violência, leis acerca da
propriedade, leis acerca dos crimes e leis civis e religiosas.
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2.2 O DIREITO ROMANO
O Direito Romano é cultuado até os dias atuais como uma das mais belas
organizações sociais existentes no mundo. Os judeus influenciaram os povos
ocidentais com a religião, os gregos com as artes, e os romanos com as leis e o
modelo de perfeição jurídica (RIBEIRO, 2017, p. 85).
Nas palavras de Von Iehring (1968, p. 254):
O Direito criado pelos romanos possibilitou que diversos países hoje sejam
intitulados Estados de Direito.
O conceito moderno de Estado de Direito está intrinsecamente relacionado ao
significado de Constitucionalismo, que por sua vez denota poder limitado,
supremacia da lei e respeito aos direitos fundamentais. Sua trajetória longa e
acidentada tem como marco inicial simbólico a experiência de Atenas, nos séculos V
e VI a.C., seguida pela República de Roma. Com a formação do Império Romano,
às vésperas do início da era cristã, o constitucionalismo desapareceu do mundo
ocidental por mais de mil anos (BARROSO, 2017, p. 284).
Para eles, a definição de Direito passava por seus mandamentos, que são:
“viver honestamente, não lesar ninguém e dar a cada um o que é seu” (iuris
praecepta sunt haec: honete vivere, alternum non ladere, suum cuique tribuere)
(LAGES, 2017, p. 83).
É possível identificar três períodos ou fases de evolução do Direito Romano:
Período Arcaico (ou Pré-Clássico), Período Clássico e o Período Pós-Clássico.
Através da datação trazida pela literatura, conclui-se que o Direito vigente à época
de Jesus Cristo se encontra no Período Pós-Clássico, que vai do século III até o
século VI d.C. (LAGES, 2017, p. 85).
Nesse período, o Direito Romano não sofreu grandes inovações, porém,
sentiu-se a necessidade de fixar definitivamente regras por meio de uma codificação
20
que, a princípio, era muito mal vista pelos romanos. Algumas tentativas foram
realizadas, entretanto, apenas após a queda do Império no Ocidente, Justiniano,
Imperador do Oriente, conseguiu empreender tal feito (LAGES, 2017, p. 86).
A Codificação Justiniana, chamada de Corpus Iuris Civilis é composto por
quatro obras: o Codex, que reúne a coleção completa das Constituições Imperiais; o
Digesto, que é a seleção das obras dos Jurisconsultos; as Institutas, que perfazem
um manual de Direito para os estudantes; e as Novelas, que são a publicação das
leis do próprio Justiniano. Além disso, é considerada conclusiva, marcando presença
em praticamente todos os códigos modernos (LAGES, 2017, p. 86).
21
Tal postura acabou por despertar a fúria dos dirigentes judaicos, como os
fariseus e os saduceus, homens admirados pelo povo por sua aparente devoção e
conhecidos por sua tamanha obsessão a cada minúcia das leis de Deus; e dos
romanos, posto que haviam rumores de que ele estava proclamando-se rei dos
judeus, desafiando, por consequência, a autoridade de César.
Segundo John Stott (1991, p. 40), pastor e teólogo anglicano britânico,
6 Versículo bíblico com tradução de equivalência formal. Traduz-se palavra por palavra, mantendo
fidelidade ao texto original.
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2.2.2 Síntese dos fatos
23
ao comando de Jesus, causando admiração, mas também uma temível repulsa por
parte das autoridades religiosas.
Segundo Mateus, capítulo 26, dois dias antes da Páscoa, os príncipes dos
sacerdotes, os escribas e os anciãos do povo, reuniram-se na sala do sumo
sacerdote, Caifás, consultando-se mutuamente para prenderem Jesus com dolo e o
matarem, com uma única condição: não ocorrer tal fato na festa da Páscoa, para
que não houvesse alvoroço entre o povo (Mateus 26:1-5).
Historicamente, a Páscoa (pessach) foi observada pela primeira vez no Egito,
quando as famílias de Israel foram isentadas da morte dos primogênitos, mediante o
sacrifício do cordeiro pascal (Êxodo 12:1-13). Segundo Samuel J. Schultz (1995, p.
69), “o propósito declarado da observância pascal era o de relembrar anualmente,
aos israelitas, qual fora a miraculosa intervenção divina em favor deles”. Por tal
razão havia grande temor dos líderes religiosos em prender Jesus nessa época do
ano tão tradicional entre os judeus.
Jesus foi preso à noite, sem que ao menos fosse apontado a ele o ilícito que
teria cometido. Ainda que não fosse indispensável para a ocorrência da prisão que
alguém o delatasse, posto que este não se escondeu nem tentou fugir, podendo ser,
portanto, localizado a qualquer tempo, Judas Iscariotes teria se vendido por trinta
moedas de prata e traído seu mestre com um beijo, como um sinal ao comandante
romano de quem era o Cristo.
Segundo Cláudio Umpierre Carlan, historiador e especialista do Museu
Histórico Nacional, no Império Romano, do qual a Judéia fazia parte, as moedas de
prata eram comuns no comércio de elite, como na troca de terras, por exemplo. Com
as trinta moedas que Judas ganhou, daria para comprar uma pequena fazenda.
Após essa traição, o tesoureiro do colégio apostólico acabou consumido pela
dor do arrependimento, a ponto de cometer suicídio por enforcamento (Mateus
27:5), comprometendo-se ainda mais com a lei. Em complemento às ocorrências de
tal episódio, o discípulo Pedro, no livro de Atos dos Apóstolos, capítulo 1, versículo
18, narra que Judas precipitou-se, “rebentou pelo meio e todas as suas entranhas se
derramaram”. Logo, presume-se que, ao se enforcar ao lado de um penhasco, a
corda que o atava rompeu-se, vindo este a se despedaçar no despenhadeiro.
No momento em que é encontrado para ser preso, Jesus estava
acompanhado de Pedro, João e Tiago, em um local de Jerusalém chamado
24
Getsêmani (Mateus 26:36-56), que nada mais é que um jardim ou horto no início do
Monte das Oliveiras no vale de Cédron, na parte oriental da cidade (João 18). Após
o beijo delator de Judas Iscariotes, o Nazareno foi conduzido para seu primeiro
julgamento junto ao Sinédrio, que à época era chefiado por Caifás, o sumo
sacerdote.
João, no capítulo 18 das Sagradas Escrituras, traz a informação de que na
noite da fatídica prisão, havia também uma coorte, que seria um destacamento
militar romano formado por seiscentos soldados. Portanto, o réu foi preso por um
destacamento militar romano e outro oriundo do templo de Jerusalém, reforçando
que romanos e judeus representavam nesse momento o poder político e religioso
central, respectivamente, naquela região.
Assim, após a efetivação da prisão, Jesus foi levado ainda à noite para as
autoridades religiosas judaicas, a fim de enfrentar o primeiro julgamento. Apenas no
dia seguinte, pela manhã, é que a causa seria submetida ao representante de César
na Judeia daqueles tempos, Pôncio Pilatos.
Segundo Marco Aurélio Bezerra de Mello (2018, p. 364), no livro “Os Grandes
Julgamentos da História”, já é possível salientar nesse ponto que, tanto sob as leis
romanas como pelas judaicas, a prisão de Jesus se revestiu de flagrante ilegalidade.
Isto porque a lei romana exigia prévia ata formal de acusação como primeiro ato a
justificar a prisão de uma pessoa, mas tal documento não existiu, reforçando que os
militares romanos ali se encontravam apenas como um favor do Estado dominante
(Roma) ao Estado dominado (Judeia). A lei judaica, por sua vez, não permitia que
nenhum processo fosse iniciado á noite. Entretanto, à noite se deu a prisão de
Jesus, inquirição e seu julgamento.
25
3. OS JULGAMENTOS
26
No caso de Jesus, não houve qualquer depoimento capaz de dar azo à
acusação contra ele e posterior instauração de um processo. Logo, certo de que o
julgamento do Nazareno perante o Sinédrio era regido pelas leis do direito hebraico,
e que, diante de tal ordenamento, para haver a instauração de um processo criminal
contra alguém era necessário denúncia advinda de duas ou três testemunhas, Jesus
foi indiciado de forma inteiramente ilegal e abusiva.
Segundo Marco Aurélio Bezerra de Mello (2018, p. 366), o papel prévio das
testemunhas era tão proeminente, que a elas se conferia o atributo de iniciar a
execução da pena de morte, como se pode verificar no livro de Deuteronômio,
capítulo 17, versículos 6 e 7: “Por boca de duas testemunhas, ou três testemunhas,
será morto o que houver de morrer; por boca de uma só testemunha não morrerá.
As mãos das testemunhas serão primeiro contra ele, para matá-lo; e depois as mãos
de todo o povo; assim tirarás o mal do meio de ti”.
Sem a prévia manifestação testemunhal para formalizar a acusação, bem
como a ausência de um tribunal público à luz do dia em vez de à noite, Anás
encaminha Jesus amarrado ao seu genro, Caifás, que era o então Sumo Sacerdote
do Conselho e que já vinha conspirando contra o suposto réu (Mateus 26).
Na tentativa de conferir legalidade ao ato, testemunhas foram convocadas a
fim de depor contra Jesus. No entanto, seus depoimentos em muito se diferiam uns
dos outros, o que levou os religiosos a recorrerem à fama de Jesus, no que tange à
sua sinceridade e fidelidade com a verdade, questionando-o se ele era realmente o
Cristo, o Filho de Deus, o Messias prometido, obtendo uma resposta positiva do
Nazareno.
É exatamente nesse momento que Caifás rasga sua túnica e acusa Jesus de
blasfêmia, conforme se pode ver no livro de Mateus 26, versículo 62 ao 68: “Então o
sumo sacerdote levantou-se e disse a Jesus: "Você não vai responder à acusação
que estes lhe fazem? "Mas Jesus permaneceu em silêncio. O sumo sacerdote lhe
disse: "Exijo que você jure pelo Deus vivo: se você é o Cristo, o Filho de Deus, diga-
nos". "Tu mesmo o disseste", respondeu Jesus. "Mas eu digo a todos vós: chegará o
dia em que vereis o Filho do homem assentado à direita do Poderoso e vindo sobre
as nuvens do céu". Foi quando o sumo sacerdote rasgou as próprias vestes e disse:
"Blasfemou! Por que precisamos de mais testemunhas? Vocês acabaram de ouvir a
blasfêmia. Que acham?” "É réu de morte!”, responderam eles”.
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O princípio nemo tenetur se detegere refere-se ao direito possuído por todo
acusado de não cooperar com a persecução penal contra ele instaurada, abstendo-
se de fornecer meios de prova que possam contribuir para a sua incriminação. Tal
princípio é originário do Ius Commune europeu e encontra seu equivalente no
Sistema Jurídico da Common Law, através do privilege against self-incrimination.
Trata-se de uma conquista da defesa técnica, pois restou consagrado, tanto na
Inglaterra quanto nos Estados Unidos da América após o esforço incansável dos
advogados, que repudiavam a prática arbitrária do juramento ex officio bem como a
presunção de que o silêncio do acusado produzia prova de sua culpabilidade
(FIGUEIREDO, 2016).
No Direito Romano, precisamente durante a monarquia, vigorou a cognitio
(conhecimento espontâneo), em que se bastava a notícia de um crime para que o
juiz investigasse e após julgasse. Dispensava-se a acusação e não havia
oportunidade para a declaração do acusado. Tinha o magistrado plenos poderes na
pesquisa da verdade dos fatos (ALMEIDA JÚNIOR, 1973, p. 74). Nos últimos
séculos da República, este procedimento começou a parecer insuficiente. Devido à
escassez de garantias, principalmente para as mulheres e para os não cidadãos, e
não depender de provocação, transformou-se em uma perigosa arma política nas
mãos dos magistrados (MANZINI, 1951, p. 5).
28
Enquadrar Jesus Cristo no tipo penal blasfêmia condenava-o previamente à
pena de morte segundo a lei religiosa judaica. Logo, ao ser apresentado às
autoridades romanas para ser julgado à luz do Direito Romano vigente à época, o
acusado já traria consigo uma condenação pré-determinada por autoridades
religiosas respeitadas pelo Império Romano.
Por aquele tempo, Jesus estava caminhando pelos campos de cereal, num
sábado. Seus discípulos, sentindo fome, começaram a colher espigas e
comê-las. Alguns fariseus os viram e protestaram: “Veja, seus discípulos
desobedecem à lei colhendo cereal no sábado!”. Jesus respondeu: “Vocês
não leram nas Escrituras o que fez Davi quando ele e seus companheiros
tiveram fome? Ele entrou na casa de Deus e, com seus companheiros,
comeram os pães sagrados que só os sacerdotes tinham permissão de
comer. E vocês não leram na lei de Moisés que os sacerdotes de serviço no
templo podem trabalhar no sábado? Eu lhes digo: há alguém aqui maior que
o templo! Vocês não teriam condenado meus discípulos inocentes se
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soubessem o significado das Escrituras: ‘Quero que demonstrem
misericórdia, e não que ofereçam sacrifícios’. Pois o Filho do Homem é
senhor até mesmo do sábado.
Nesse prospecto, Jesus teria realmente violado a lei judaica, presente no livro
de Êxodo, capítulo 31, versículos 14 ao 16, na qual o Profeta Moisés ordena:
30
deixaram seduzir pelos argumentos do Sumo Sacerdote Caifás e negligenciaram
importante comando normativo contido na Bíblia Sagrada, no livro de Deuteronômio,
capítulo 16, versículo 19, que dispõe: “Não torcerás o juízo, não farás acepção de
pessoas, nem receberás peitas; porquanto a peita cega os olhos dos sábios e
perverte as palavras dos justos”. Vê-se nesse texto uma norma que adverte o leitor
contra o suborno e a injustiça.
31
que pudesse entender, que tivessem, sobretudo, um significado criminal fora da
cerca do templo.
De acordo com a narrativa de João nos evangelhos, Pilatos começou o
processo questionando qual era a acusação levantada contra Jesus, para então
poder avalia-la. Desta forma, perguntou aos homens do Sinédrio: “Que acusação
trazeis contra este homem?” (João 18:29). A resposta foi reticente, mas agressiva:
“Se este não fosse malfeitor, não o teríamos entregue a ti.” (João 18:30), uma
resposta que se mostrou claramente insuficiente para um normal procedimento da
ação perante o Direito Romano e o governador.
No evangelho apócrifo de Nicodemos (capítulo 4, versículo 3), é possível
perceber de maneira clara esta questão: “O governador mandou sair todos os judeus
do pretório e chamou Jesus perguntando-lhe: ‘O que farei de você?’. Jesus
respondeu: ‘Aquilo que te foi destinado’. E Pilatos perguntou: ‘E o que me foi
destinado?’ Jesus respondeu-lhe: ‘Moisés e os profetas prenunciaram a minha morte
e ressureição’. Os judeus, que estavam espiando furtivamente e tinham ouvido tudo,
disseram a Pilatos: ‘O que mais precisas ouvir, além desta blasfêmia?’. Então Pilatos
disse aos Judeus: ‘Se estas palavras são uma blasfêmia, conduzam-no à vossa
sinagoga, e julguem-no segundo a vossa Lei’”.
No diálogo entre Pilatos e o Sinédrio relatado no Evangelho de João, capítulo
18, versículo 31, o governador se pronuncia da seguinte forma: “julguem-no segundo
a vossa Lei”. Com isso, resta evidenciado que este não queria se envolver em uma
disputa que só dizia respeito ao povo hebreu. No entanto, os judeus lhe respondem:
“Não nos é lícito matar ninguém”.
Logo, subentende-se que já havia uma condenação definida por parte dos
hebreus, qual seja, a pena de morte, mas que não era abarcada pela delegação de
poder concedida pelas autoridades romanas aos Sinédrios das diversas cidades,
que se encontravam sob a autoridade última do Grande Sinédrio de Jerusalém. Ou
seja, a execução das condenações de penas capitais não era competência das
autoridades religiosas, então, as acusações contra o réu deveriam possuir fatos
relevantes para acionar o Direito Penal Romano.
Para Pilatos, as reivindicações hebraicas não passavam de uma “cegueira
fanática”, cujas raízes teológicas eram incompreensíveis a ele, e, portanto,
procurava não se envolver.
32
Gustavo Zagrebelsky, constitucionalista italiano, em seu livro “A crucificação e
a democracia”, relata (2011, p. 85):
Aos membros do Sinédrio era necessário o envolvimento de Pilatos, seja
porque eles não tinham o poder de mandar Jesus à morte, seja porque para
eles o aval da autoridade romana fosse essencial por motivos de política
interna por causa do temor de uma rebelião em ocasião da Páscoa. A
aliança com a força romana era indispensável em ambos os casos.
Portanto, para este fim, era necessário uma acusação diferente, que
deslocasse o assunto do plano teológico para um plano político, relevante
para os romanos. Assim, Jesus foi acusado de ter instigado o povo à revolta
incitando-o a não pagar tributos a Cesar, e de ter-se, ele mesmo,
proclamado rei: era um crimen laesae majestati.
33
dizendo: Alvoroça o povo ensinando por toda a Judeia, começando desde a Galileia
até aqui", porém também em relação a esse crime nada foi provado.
34
3.2.2 Jesus novamente perante Pilatos
36
4. DIREITO BRASILEIRO: UMA COMPARAÇÃO JURÍDICA
37
No processo de julgamento de Jesus Cristo, que resultou em sua condenação
à pena de morte, inúmeras irregularidades foram cometidas. Muito se deve ao fato
de que a estrita observância ao devido processo legal não foi obedecida, nem no
que tange ao rito hebraico, tampouco no que tange ao rito do processo penal
romano, o que culminou em uma fácil identificação de desvios e abusos de poder.
O respeito ao devido processo legal não se trata unicamente de garantir as
“regras do jogo”, mas também um respeito real e profundo aos valores em questão e
a vida do ser humano que está sendo julgado.
38
acusado, acusando-o e julgando-o mutuamente, conforme toda a estrutura
denominada hoje de sistema inquisitório.
O sistema acusatório, por sua vez, se perfaz em características como: a clara
distinção entre as atividades de acusar e julgar; a iniciativa probatória deve ser das
partes; mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação
e passivo no que se refere à coleta da prova; tratamento igualitário das partes; plena
publicidade de todo procedimento; contraditório e possibilidade de resistência,
dentre outras (LOPES JUNIOR. 2016, p. 34).
O chamado sistema misto nasce com uma divisão do processo em duas
fases: fase pré-processual e fase processual, sendo a primeira de caráter inquisitório
e a segunda acusatória. É a definição geralmente feita do sistema brasileiro, pois
entende-se que o inquérito policial é inquisitório e a fase processual acusatória, com
a presença do Ministério Público na figura de acusador (LOPES JUNIOR. 2016, p.
34).
Ante o exposto, nota-se que o julgamento do Mestre Nazareno em nada
observou o sistema processual misto. Não houve a figura de um juiz imparcial,
terceiro e equidistante das partes, a iniciativa probatória de interessado distinto da
pessoa do juízo, a plena publicidade de todo o procedimento em andamento, e
principalmente, a ausência total e absoluta de um amplo contraditório e igualdade de
oportunidades para as partes interessadas.
Pelo contrário. Conforme apontam os Evangelhos, o suposto réu, Jesus, foi
preso à noite, amarrado e levado à casa de Anás, um juiz incompetente, com sua
imparcialidade minada por questões de caráter pessoal, e interrogado sem a
assistência de uma defesa técnica.
39
18), quando foi encontrado, amarrado e preso por um destacamento militar romano
composto por seiscentos homens. Observa-se que este não cometia crime algum
que pudesse configurar flagrante delito e justificar sua prisão e o uso de cordas em
suas mãos.
No Brasil, tem-se a orientação da Súmula Vinculante nº 11, que expressa o
seguinte comando:
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coroa de espinhos, lhe puseram sobre a cabeça, e lhe vestiram roupa de púrpura. E
diziam: Salve, Rei dos Judeus. E davam-lhe bofetadas”.
O Evangelho de Mateus, capítulo 26, versículos 67 e 68, também relata:
Então alguns lhe cuspiram no rosto e lhe deram murros. Outros lhe davam tapas e
diziam: "Profetize-nos, Cristo. Quem foi que lhe bateu? "
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art.1º,
inciso III, traz a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da
República, um direito fundamental. Quando o texto maior proclama a dignidade da
pessoa humana, está consagrando um imperativo de justiça social, um valor
constitucional supremo.
Por isso, o primado consubstancia o espaço da integridade moral do ser
humano, independentemente de credo, raça cor, origem ou status social. Seu
acatamento representa o êxito contra a intolerância, o preconceito, a exclusão
social, a ignorância e a opressão (BULOS. 2014, p. 515).
A dignidade humana reflete, portanto, um conjunto de valores civilizatórios
incorporados ao patrimônio do homem. Seu conteúdo jurídico interliga-se às
liberdades públicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais, coletivos,
políticos e sociais do direito à vida, dentre outros tantos (BULOS. 2014, p. 515).
O Ex-Ministro Joaquim Barbosa, relator no julgamento do HC 84.409,
asseverou acerca da dignidade da pessoa humana e da proibição de ofensas e
humilhações:
No que tange à prática de tortura, a CRFB/88 dispõe em seu artigo 5º, inciso
III, que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou
degradante. Segundo Uadi Lammego Bulos (2014, p. 565), torturar é constranger
41
alguém, mediante a prática da violência, da grave ameaça, causando-lhe dor, pavor,
sofrimento físico ou mental.
No ordenamento jurídico brasileiro, discorre Rogério Greco (2017, p. 633-
634), sete anos após a edição da Lei nº 8.072/90, foi editada a Lei nº 9.455, de 7 de
abril de 1997, definindo o crime de tortura e trazendo outras providências. Nos
incisos I e II do art. 1º da referida lei, o legislador descreveu os fatos que se
configuravam em tortura, cominando-lhes uma pena de reclusão de dois a oito anos.
Criou o delito de tortura qualificada (§ 3º) quando da tortura resultar lesão corporal
de natureza grave (reclusão de quatro a dez anos) ou morte (reclusão de oito a
dezesseis anos). Atendendo ao disposto no art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, o
§ 6º da aludida lei dispõe que o crime de tortura é inafiançável e insuscetível de
graça ou anistia.
Foucault (1987, p. 21) referindo-se ao incalculável sofrimento psíquico
resultante da inflição da Tortura, menciona:
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No Novo Testamento, o açoite aparece como uma prática mais comum aos
acusados de delitos. O apóstolo Paulo, escritor de grande parte dos livros do Novo
Testamento, chega a apelar à sua cidadania romana para livrar-se da tortura ao ser
preso em Roma: “E, quando o estavam atando com correias, disse Paulo ao
centurião que ali estava: É-vos lícito açoitar um romano, sem ser condenado? E,
ouvindo isto, o centurião foi, e anunciou ao tribuno, dizendo: Vê o que vais fazer,
porque este homem é romano. E, vindo o tribuno, disse-lhe: Dize-me, és tu romano?
E ele disse: Sim. E respondeu o tribuno: Eu com grande soma de dinheiro alcancei
este direito de cidadão. Paulo disse: Mas eu o sou de nascimento. E logo dele se
apartaram os que o haviam de examinar; e até o tribuno teve temor, quando soube
que era romano, visto que o tinha ligado” (Atos dos Apóstolos 22:25-29).
No caso em análise, o suposto réu, Jesus Cristo, foi submetido a tratamento
desumano e degradante ao ser esbofeteado e violentado pelos soldados romanos;
foi humilhado, quando lhe cuspiram no rosto e lhe coroaram com uma coroa de
espinhos, expondo-o à situação de caráter vexatório e depreciativo.
Após o acusado ser preso, foi imediatamente levado - frise-se, amarrado - até
a casa de Anás, membro do Conselho Superior do Sinédrio. Ocorre que, o Sumo
Sacerdote daquele ano era Caifás, genro de Anás. Logo, Caifás era a autoridade
religiosa judaica competente à época para julgar o caso de Jesus, e não Anás,
configurando vício de competência.
O art. 5º, inciso LIII, da CRFB/88 dispõe que “ninguém será processado nem
sentenciado senão pela autoridade competente”. Destaque-se, ainda, análise feita
pelo Supremo Tribunal Federal sobre o alcance do dispositivo em questão:
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Aury Lopes Jr. (2016, p. 49) assevera que o juiz deve manter-se afastado da
atividade probatória, para ter o alheamento necessário para valorar essa prova. A
figura do juiz-espectador em oposição à figura inquisitória do juiz-atos é o preço a
ser pago para termos um sistema acusatório. É uma questão de respeito às esferas
de exercício de poder.
O caráter de imparcialidade é inseparável dos órgãos que exercem a
jurisdição. O juiz deve se colocar entre as partes e acima delas. A incapacidade do
juiz, que se origina da suspeita de sua parcialidade, afeta profundamente a relação
processual. Justamente para assegurar sua imparcialidade, a Constituição lhe
estipula garantias (art. 95, CRFB/88), prescrevem-lhe vedações (art. 95, CRFB/88) e
proíbem juízos e tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII, CRFB/88).
Os tribunais de exceção, instituídos para contingências particulares,
contrapõe-se ao juiz natural, pré-constituído pela Constituição e por lei. Segundo
Ada Pelegrini (2015, p. 76), o princípio do juiz natural apresenta um duplo
significado: primeiro consagra a norma de que só é juiz o órgão investido de
jurisdição, afastando-se, dessa forma, a possibilidade de o legislador julgar impondo
sanções penais sem processo prévio; segundo, impede a criação de tribunais ad hoc
e de exceção para julgamentos de causas civis e penais.
Nesta seara, observa-se que o princípio do juiz natural é uma garantia que se
desdobra em três conceitos: a) só são órgãos jurisdicionais os instituídos pela
Constituição; b) ninguém pode ser julgado por órgão constituído após a ocorrência
do fato; c) entre os juízes pré-constituídos, vigora uma ordem imperativa de
competências que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem
quer que seja (PELEGRINI. 2015, p. 76).
A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes. Por isso,
têm elas o direito de exigir um juiz imparcial, e o Estado, que assumiu a
responsabilidade do exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever
de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas. Logo, o
processo pode representar um instrumento não apenas técnico, mas ético, para a
solução dos conflitos interindividuais com justiça.
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4.1.6 A violação ao princípio da presunção de inocência
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Tal episódio é narrado no livro de Lucas, capítulo 23, versículos 14 ao 16:
“Disse-lhes: Haveis-me apresentado este homem como pervertedor do povo; e eis
que, examinando-o na vossa presença, nenhuma culpa, das de que o acusais, acho
neste homem. Nem mesmo Herodes, porque a ele vos remeti, e eis que não tem
feito coisa alguma digna de morte. Castigá-lo-ei, pois, e soltá-lo-ei”.
Ao lado da presunção de inocência, como critério pragmático de solução da
incerteza (dúvida) judicial, o princípio do in dubio pro reo corrobora a atribuição da
carga probatória ao acusador e reforça a regra de julgamento (não condenar o réu
sem que sua culpabilidade tenha sido suficientemente demonstrada). A única
certeza exigida pelo processo penal refere-se à prova da autoria e da materialidade,
necessárias para que se prolate uma sentença condenatória. Do contrário, em não
sendo alcançado esse grau de convencimento, a absolvição é imperativa.
Isso porque, ao estar a inocência assistida pelo postulado de sua presunção,
até prova em contrário, essa prova contrária deve aportá-la quem nega sua
existência, ao formular a acusação. Trata-se de estrita observância ao nulla
accusatio sine probatione.
Portanto, percebe-se clara violação ao direito que possuía Jesus de ser
considerado inocente, até que se provasse o contrário, e, no caso de dúvida latente,
ser absolvido. Pilatos tinha dúvidas. Pilatos não tinha provas suficientes para
sustentar a sua decisão, mas mesmo assim, não considerou o réu inocente das
acusações que estavam sendo imputadas a ele. Pelo contrário, o expôs à situação
vexatória.
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autodefesa é a possibilidade de o sujeito passivo resistir pessoalmente à pretensão
acusatória, seja através de atuações positivas ou negativas.
A autodefesa positiva deve ser compreendida como direito disponível do
sujeito passivo de praticar atos, declarar, participar de acareações,
reconhecimentos, submeter-se a exames periciais, dentre outras posturas. A defesa
pessoal negativa estrutura-se a partir de uma recusa, um não fazer. É o direito de o
imputado não fazer prova contra si mesmo, podendo recusar-se a praticar todo e
qualquer ato probatório que entenda prejudicial à sua defesa (LOPES JUNIOR.
2016, p. 281).
A defesa técnica, por sua vez, supõe a assistência de uma pessoa com
conhecimentos teóricos do Direito, um profissional, que será tratado como advogado
de defesa, defensor ou simplesmente advogado.
Segundo Aury Lopes Jr. (2016, p. 72), a justificação da defesa técnica decorre
de uma esigenza di equilibrio funzionale entre defesa e acusação e também de uma
acertada presunção de hipossuficiência do sujeito passivo, de que ele não tem
conhecimentos necessários e suficientes para resistir à pretensão estatal, em
igualdade de condições técnicas com o acusador. Essa hipossuficiência leva o
imputado a uma situação de inferioridade ante o poder da autoridade estatal.
Portanto, a defesa técnica é considerada indisponível, pois, além de ser uma
garantia do sujeito passivo, existe um interesse coletivo na correta apuração do fato.
Trata-se, ainda, de verdadeira condição de paridade de armas, imprescindível para a
concreta atuação do contraditório. Inclusive, fortalece a própria imparcialidade do
juiz, pois, quanto mais atuante e eficiente forem ambas as partes, mais alheio ficará
o julgador.
A necessidade da defesa técnica está expressamente consagrada no art. 261
do CPP, onde se pode ler que nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido,
será processado ou julgado sem defensor. Já a Magna Carta de 1988 preceitua, em
seu art. 133, que o advogado é indispensável à administração da justiça.
Logo, resta claro que mais um direito fundamental do acusado foi violado.
Apesar do Nazareno ter feito uso de sua defesa pessoal, intrínseca à sua pessoa, ou
seja, manteve-se em silêncio em diversos momentos dos interrogatórios, não
fazendo, desta forma, prova contra si mesmo, em nenhum momento foi dado a ele a
oportunidade de constituir um advogado ou defensor, conhecedor das leis, para que
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o equilíbrio processual do contraditório fosse estabelecido, configurando uma
situação de extrema hipossuficiência e inferioridade do suposto réu frente à
autoridade coatora.
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crime deixa de existir. A retratação, no entanto, deve ocorrer antes de a sentença
ser prolatada.
No caso em análise, as próprias autoridades judaicas, que atuavam como
acusadores e julgadores do suposto réu no âmbito do direito judeu, tentaram de
inúmeras maneiras arrolar testemunhas falsas, para que fosse possível enquadrar o
suposto réu em um crime onde a pena cominada fosse a de morte, posto que o
direito judeu prescreve no livro da Torah, Deuteronômio, capítulo 19, versículo 15,
que “uma só testemunha contra alguém não se levantará por qualquer iniquidade, ou
por qualquer pecado, seja qual for o pecado que cometeu; pela boca de duas
testemunhas, ou pela boca de três testemunhas, se estabelecerá o fato”.
Portanto, percebe-se que tamanha aberração também ocorreu no julgamento
em análise.
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5. CONCLUSÃO
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Além disso, inicialmente não fora evidenciado crimes cometidos por Jesus
perante o império romano. Entretanto, aos membros do Sinédrio era necessário o
envolvimento de Pilatos, autoridade romana, porque eles não tinham o poder de
mandar o acusado à morte, e também porque para eles o aval dos romanos era
essencial por motivos de política interna devido ao temor de uma rebelião. A aliança
com a força romana era indispensável em ambos os casos. Logo, para este fim, era
necessária uma acusação diferente, que deslocasse o assunto do plano teológico
para um plano político, relevante para os romanos.
Vê-se, portanto, que perante o Direito Romano uma brecha na Lei fora
plantada para atender aos interesses das autoridades políticas e religiosas
dominantes à época, em vista de um retorno do equilíbrio político-religioso que havia
sido perdido com a revolução proposta por Jesus de Nazaré.
Desta forma, tendo em vista a grande influência exercida pela Bíblia Sagrada
na cultura dos povos ocidentais, e do Direito Romano na origem de todo o Direito,
principalmente do Direito Civil, uma análise comparativa entre estes e o Direito
brasileiro foi realizada, podendo-se concluir que inúmeros institutos foram violados,
princípios constitucionais ignorados e crimes durante o julgamento foram cometidos.
Conforme exposto, o réu fora submetido ao crime de tortura durante seu
interrogatório, algemado sem apresentar risco, resistência ou tentativa de fuga, nada
que justificasse o uso do instrumento, seu direito de defesa fora cerceado pela
ausência de uma defesa técnica, presença de testemunhas falsas e o julgamento do
caso por um juiz imparcial e incompetente. Por fim, a transferência da tomada de
decisão do julgador para o povo, mesmo sem a presença de um fato típico, ilícito e
culpável, culminou com a condenação de um homem inocente.
Portanto, conclui-se o presente trabalho com resultados satisfatórios diante
das hipóteses levantadas e colocadas como ponto de partida para o início da
pesquisa. Um julgamento difundido durante anos, contido em um livro sagrado tão
presente na história dos povos ocidentais, mas que se consagrou eivado de
contradições e obscuridades à luz do Direito Romano e Hebreu, que por sua vez
foram fonte de inspiração para o Direito Brasileiro, direta ou indiretamente.
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6. REFERÊNCIAS
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas, 11. ed., São Paulo: Hermus, 1995.
CASTRO, Flávia Lages. História do Direito Geral e Brasil. 13ª Ed. Lumen Juris.
Rio de Janeiro, 2017.
GEISLER, Norman. NIX, William. Introdução Bíblica: como a bíblia chegou até
nós. Vida, 1997.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
VON IEHRING apud GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma. Petrópolis: Vozes,
1968.
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