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ISSN 1982-3541

Campinas-SP
2009, Vol. XI, nº 2, 366-385

Terapia infantil e treino de pais em um


caso de agressividade39

Child therapy and parent training in a


case of aggressiveness

Lorena Archanjo de Souza Emidio40


Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento

Michela Rodrigues Ribeiro41


Universidade Católica de Goiás
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento

Ana Karina C. R. de-Farias42


Universidade de Brasília
Centro Universitário de Brasília
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento

Resumo
A Análise do Comportamento na Clínica explica o desenvolvimento e manutenção do
comportamento em função de fatores ambientais históricos e atuais. No caso dos atendimentos
infantis, a participação dos pais é indispensável, pois eles fazem parte do contexto e oferecem
consequências para os comportamentos da criança. O presente estudo teve como objetivo avaliar o
efeito do treino de pais e de uma intervenção comportamental em padrões comportamentais
agressivos de uma criança. Participaram da terapia um garoto de 9 anos e seus pais. A queixa
principal estava relacionada a comportamentos agressivos da criança e seus pais receberam
orientações para a solução dos comportamentos-problema. Foi observada mudança no contexto
familiar e, consequentemente, nos comportamentos do cliente. A emissão dos comportamentos
inadequados diminuiu de frequência e o garoto passou a emitir novos comportamentos adequados.
Tais resultados indicaram a importância do manejo ambiental no qual a criança estava inserida
para que seus comportamentos se modificassem.

Palavras-chave: Terapia infantil, Treino de pais, Comportamento agressivo.

Abstract

39 O presente artigo se refere ao trabalho de conclusão curso de especialização da primeira autora, orientada pela segunda e terceira
autoras.
40 Especialista em Análise do Comportamento na Clínica, Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento. Brasília, DF, Brasil.
41 Doutora em Psicologia, Universidade Católica de Goiás, R. 25, 61, ap. 402, Setor Central, 74015-100, Goiânia, GO, Brasil. E-mail:
michelaribeiro@uol.com.br
42 Mestre em Processos Psicológicos Básicos, Doutoranda em Ciências do Comportamento, Universidade de Brasília. Brasília, DF,
Brasil.
Agradecimento: à Profa. Dra. Sônia M. M. Neves pelo auxílio na elaboração do abstract.

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Terapia infantil e treino de pais em um caso de agressividade

Clinical Behavior Analysis explains the development and maintenance of behavior through
historical and actual environmental variables. With regard to children’s care, the participation of
parents is extremely important because they are part of the frame of reference and present
congruity for children’s behavior. This case study aimed to evaluate the effect of parental training
and behavior intervention in the child’s aggressive behavioral patterns. A nine-year-old boy and his
parents underwent treatment. The major complaint was the child’s aggressive behavior and
therefore his parents were trained to solve the child’s behavior problems. Changes in the family
context, and consequently the client’s behavior, were observed. The frequency of inappropriate
behavior decreased and the boy started showing new, appropriate behavior. Such results indicate
the importance of changing the child’s environment in order to achieve the desired modification in
behavior.

Keywords: Child therapy, Parent training, Aggressive behavior.

A Análise do Comportamento é um do indivíduo que busca alívio para seu


ramo da ciência que pressupõe que os sofrimento, bem como criar condições
comportamentos dos indivíduos estão sob para que as queixas sejam resolvidas.
controle de variáveis ambientais (Skinner, Para a concretização de tais objetivos, o
1953/1998, 1974/2003). Este modelo terapeuta comportamental realiza
propõe que os comportamentos são análises funcionais. A análise funcional é
selecionados por suas conseqüências em um dos instrumentos mais importantes
determinados contextos, portanto é utilizados pelo terapeuta, pois, através
possível explicá-los a partir de suas dela, é possível identificar as variáveis
relações funcionais com as variáveis que propiciaram o desenvolvimento e
históricas e atuais que compõem as manutenção do comportamento, além de
contingências (Marçal, 2005). As possibilitar a promoção de novas relações
contingências são relações de de contingências, facilitando mudanças
dependência entre variáveis ambientais e na frequência e padrão dos
do organismo. A contingência operante comportamentos-problema (Delitti, 1997;
mais simples é a contingência tríplice que Meyer, 1997).
inclui os antecedentes, a classe de A Análise do Comportamento na
respostas e as consequências de um Clínica pode trabalhar com terapia
comportamento (Skinner, 1953/1998; individual ou de grupo e com adultos,
Souza, 1997). adolescentes e crianças. No caso do
A Análise do Comportamento na atendimento infantil existem algumas
Clínica tem interesse em investigar as particularidades. Um dos principais
relações funcionais dos comportamentos objetivos da terapia infantil é

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implementar novas habilidades no comportamentos ausentes em seu


repertório comportamental da criança de repertório, aumentando a freqüência
forma a possibilitar sua melhor adaptação das interações positivas e
social (Ribeiro, 2001; Vasconcelos, 2001). diminuindo as negativas (Silvares,
Além disso, o terapeuta vai criar 2001); ensinar a criança a seguir
condições para o desenvolvimento do instruções; tolerar frustrações;
autoconhecimento pela criança (Conte & controlar impulsividade; manter um
Regra, 2000). O autoconhecimento se comportamento organizado;
refere à possibilidade de o indivíduo desenvolver valores como
descrever as contingências nas quais seu honestidade, confiança, comporta-
comportamento se insere. As mento pró-social (Aguilar & Del
singularidades presentes na terapia Valle, 2005); desenvolver a
infantil se referem à utilização de comunicação, emissão de
estratégias lúdicas e a orientação aos pais. comportamentos criativos e de
leitura, soluções originais de
As estratégias lúdicas são
problemas e visão crítica da
necessárias para criar as condições de
realidade (Vasconcelos, Silva,
ocorrência e consequenciação de
Curado & Galvão, 2004) e
comportamentos-problema na sessão
terapêutica. A criança, em geral, não (c) a criança é levada a relatar sobre
apresenta um repertório bem elaborado seus próprios padrões
de descrição e análise das ocorrências de comportamentais e de seus
sua vida, e a situação de brincadeira familiares sem desaprovação ou
permite ao terapeuta entrar em contato crítica, facilitando a aquisição de
com os problemas da criança. Além disso, padrões comportamentais mais
alguns autores apontam os benefícios da adaptativos e o desenvolvimento do
utilização dessas estratégias na terapia autoconhecimento (Regra, 2000a).
infantil, como por exemplo:
A participação dos pais no
(a) é um meio de se estabelecer vínculo
processo terapêutico é fator essencial
entre a criança e o terapeuta
para uma terapia bem sucedida, pois
(Aguilar & Del Valle, 2005),
grande parte das contingências às quais a
(b) visam alterações comportamentais criança está exposta é composta por
previamente planejadas, como: relações com os pais e familiares.
aprender determinados Ademais, a família oferece contingências

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Terapia infantil e treino de pais em um caso de agressividade

relevantes para a aprendizagem e o educativas maternas e problemas de


desenvolvimento de comportamentos da comportamento em pré-escolares.
criança, servindo como modelo e como O estudo de Ferreira e Marturano
fonte de regras e consequências. É o (2002) considera, além das práticas
contexto familiar que contribui para a parentais de educação, outros fatores
ocorrência de déficits ou excessos dos sociais e físicos na promoção de
padrões de relacionamento e competência comportamentos adequados e
social da criança (Del Prette & Del Prette, inadequados das crianças. As autoras
2005), assim como para a manutenção de buscaram investigar as circunstâncias
padrões de comportamentos adequados adversas e as facilitadoras do
ou inadequados (Gosch & Vandenberghe, desenvolvimento infantil. As
2004; Marinho, 2005; Olivares, Méndez circunstâncias adversas eram
& Ros, 2005). instabilidade financeira, adversidade nas
relações e nas condutas parentais,
De acordo com Bolsoni-Silva e
eventos adversos na vida pessoal e escolar
Marturano (2004) as habilidades sociais
da criança, práticas educativas
parentais influenciam na promoção de
inadequadas e problemas no relaciona-
repertórios socialmente habilidosos e na
mento pais-criança presentes no contexto
prevenção de comportamentos
familiar. As circunstâncias facilitadoras
inadequados nas crianças. Pais que
eram atividades diárias com horário
mantêm conversação, expressam
definido, passeios, atividades
sentimentos e opiniões, colocam limites e
compartilhadas com os pais no lar, oferta
cumprem promessas, oferecem modelos
de brinquedos e outros materiais e
adequados e lidam de maneiras
supervisão dos pais nas atividades
apropriadas na educação de seus filhos,
escolares e em atividades quando a
possibilitando a aprendizagem de padrões
criança não está na escola. Foi observado
adequados de comportamentos por seus
que as crianças com problema de
filhos. Por outro lado, pais que utilizam
comportamento estavam inseridas em
práticas coercitivas com maior frequência
ambientes marcados por interações
na educação das crianças, oferecem
negativas; o relacionamento pais-criança
condições para a ocorrência de problemas
foi descrito como distante e o
de comportamento. Resultados
relacionamento entre os pais era marcado
semelhantes também foram observados
por conflitos; as práticas parentais eram
por Alvarenga e Piccinini (2001), que
inadequadas, com maior uso de ameaças,
estudaram a relação entre práticas

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e agressões físicas por parte dos pais. Em como objetivo: ensinar os princípios
contrapartida, as crianças sem problemas comportamentais e colocá-los em prática,
de comportamento participavam de explorar as dificuldades e tentar saná-
interações familiares mais adequadas, las e autoconhecimento. Após oito
com maior convivência com os pais; havia semanas de tratamento, houve relato de
organização e planejamento por parte dos melhora do comportamento dos filhos
pais do cotidiano da criança, com por parte dos pais. No entanto,
providências relativas ao estudo e lazer. segundo o relato dos professores, não
houve melhora significativa.
O trabalho junto aos pais visa
auxiliá-los a identificar e intervir nas Como apontado anteriormente por
contingências que propiciaram o Ferreira e Marturano (2002) as crianças
desenvolvimento e a manutenção dos com problemas comportamentais em
comportamentos inadequados (Olivares e geral são submetidas a circunstâncias
cols., 2005). A orientação aos pais deve adversas. Tanto os comportamentos
ter como objetivo melhorar as habilidades adequados, pró-sociais, quanto os
no manejo familiar (Regra, 2000b). inadequados, desviantes, são aprendidos
através das interações sociais (Pacheco e
Hemphill e Littlefield (2001)
cols., 2005). Portanto, no caso dos
encontraram resultados positivos no
comportamentos agressivos, a
tratamento de crianças com problemas de
investigação dos fatores que contribuíram
comportamento e seus familiares.
para o desenvolvimento e manutenção
Tanto as crianças quanto seus pais
deste padrão deve envolver tais interações
participaram dos atendimentos em
sociais como, por exemplo, reforço da
grupo: inicialmente houve um grupo
agressão, modelo de agressão, frustração,
de crianças, depois um grupo de pais e
punição, disciplina irregular e atenção
um terceiro momento, quando todos se
positiva e negativa (Regra, 2000b). A
reuniram. O atendimento das crianças
agressão, seja por meio de
teve como objetivo auxiliá-las a
comportamentos verbais ou não-verbais,
discriminarem as consequências dos
pode ser reforçada, quando o indivíduo
seus comportamentos para as outras
consegue algo numa relação social (Fariz,
pessoas, desenvolver habilidades sociais
Mías & Moura, 2005).
e interpessoais, diminuir a frequência
dos comportamentos-problema em casa e Os pais que utilizam o castigo físico
na escola. O atendimento dos pais teve como meio de interromper o

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Terapia infantil e treino de pais em um caso de agressividade

comportamento agressivo de uma criança grupos: um, assistiu a um filme violento e


podem reduzir a frequência ou o outro assistiu a um filme não-violento.
intensidade do mesmo, no momento em Os comportamentos agressivos foram
que o castigo é imposto; no entanto, registrados em um jogo de futebol de
oferecem também um modelo agressivo à salão antes e depois das crianças
criança (Bandura, Ross, & Ross, 1961, assistirem aos filmes. Observou-se
citados por Regra, 2000b). Sidman aumento estatisticamente significativo da
(1989/2003) aponta dois efeitos emissão de comportamentos agressivos
colaterais da punição: a agressão e o no grupo de meninos que assistiu ao filme
contracontrole. O comportamento violento. Esse aumento não ocorreu no
agressivo pode ser induzido por punição, grupo de meninos que assistiram a um
já que o indivíduo que teve seu filme não-violento, nem no grupo de
comportamento punido encontra, na meninas.
oportunidade de atacar, um reforçador A intervenção – uma terapia, por
positivo. Esta agressão pode ser exemplo – nos casos de crianças
direcionada a quem puniu ou a outro agressivas é bastante importante, pois um
indivíduo próximo que não foi, de forma padrão comportamental agressivo pode
alguma, responsável pela punição. Outro se desenvolver para um comportamento
efeito é o contracontrole; o indivíduo cujo anti-social, abuso de substâncias
comportamento foi punido encontra uma psicoativas e delinquência durante a
forma de controlar quem o puniu, este adolescência (Crick, 1996, citado por
controle pode ou não envolver agressão Fariz e cols., 2005).
aberta: uma criança pode adoecer,
O presente estudo teve como
vomitar, ficar inquieta coagindo os pais a
objetivo avaliar o efeito da orientação dos
disponibilizarem atenção, entre outras
pais e da terapia em padrões
possibilidades.
comportamentais agressivos de uma
A mídia violenta também pode criança.
exercer papel de modelo para a emissão
de comportamentos agressivos pelas
Método
crianças. Gomide (2000) pesquisou a
influência de filmes violentos em Participantes
comportamento agressivo de crianças e
adolescentes. As crianças foram divididas As sessões terapêuticas foram
quanto ao sexo e subdivididos em dois realizadas com Júnior, um garoto de 9

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anos de idade, que residia com os pais e As sessões foram realizadas em


duas irmãs mais novas numa cidade do consultório apropriado para atendimento
interior de Goiás. Cursava a 4a série do infantil, que continha uma mesa e três
Ensino Fundamental e não fazia atividade cadeiras, duas poltronas, almofadas no
extra-escolar. chão, um tapete e armário com jogos.
Utilizou-se “A Função do Jogo
As sessões de orientação foram
Colaborativo na Terapia Familiar
realizadas junto aos pais. A mãe era
Sistêmica” (Faria, 1998), folhas de
dentista e trabalhava na mesma cidade
registro preenchidas pelos pais, folhas em
durante todo o dia. O pai era agricultor,
branco, lápis preto e coloridos, canetinha,
trabalhava numa fazenda própria,
tinta guache, tela para pintura, revista,
próxima à cidade, passava alguns dias da
tesoura, cola, e jogos, como: damas,
semana fora de casa trabalhando. Júnior
xadrez, Mercado Imobiliário, entre
tinha uma irmã de 5 anos de idade, que
outros.
frequentava a mesma escola que ele, e
uma irmã de 1 ano e 7 meses. As crianças
passavam o período da manhã com a Procedimento
empregada doméstica que, segundo os As sessões com a criança aconteceram
pais, era a pessoa que Júnior mais uma vez por semana e as sessões de
escutava. orientação aos pais ocorreram a cada 15

A principal queixa dos pais fazia dias, todas com duração de 50 minutos. O

referência à agressividade do filho: “não processo terapêutico foi conduzido pela

controla a raiva, é impulsivo, sempre foi primeira autora e foi constituído por

assim”, afirmava a mãe. Na escola, sessões de avaliação, de intervenção e de

sempre foi um bom aluno, cumpria as seguimento. A Tabela 1 apresenta um

atividades de sala de aula, fazia as tarefas sumário dos procedimentos realizados

de casa, tirava boas notas. No entanto, a durante o processo terapêutico, indicando

professora queixou-se, algumas vezes, de o objetivo de cada um.

seu comportamento: “ele faz gracinha,


No período da avaliação
quer aparecer”. Além disso, ele não
comportamental, buscou-se a coleta de
brincava com os colegas no recreio,
informações que pudessem caracterizar a
permanecia sozinho olhando os outros
queixa. Foi realizada uma sessão com
brincarem.
toda a família para que fosse observada a
Materiais interação entre os membros da mesma. A

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Terapia infantil e treino de pais em um caso de agressividade

partir de então, os objetivos terapêuticos Além da frequência, foi solicitado


foram definidos, assim como as também o registro de contingências dos
orientações que deveriam ser dadas aos comportamentos inadequados, identifi-
pais. cando os antecedentes e as consequências
destes comportamentos. Com a realização
Nas primeiras semanas, os pais
desses registros, os pais puderam
foram orientados a registrar a frequência
discriminar as contingências às quais o
dos comportamentos que mais os
comportamento do filho estava inserido e
preocupavam. A terapeuta solicitou o
planejar, juntamente com a terapeuta,
registro da frequência dos seguintes
formas mais adequadas de lidar com o
comportamentos: agressão verbal em
mesmo.
direção à irmã, agressão verbal em
direção aos pais, agressão física à irmã e Tabela 1. Procedimentos em cada etapa do processo terapêutico com
seus respectivos objetivos.

resistência. Esse registro deveria ocorrer Procedimentos Objetivos


Entrevista com os pais, Coletar informações, observar a
todos os dias da semana, entre às 20:00 e sessão com a criança, criança e a interação entre a
sessão com toda a família. família.
22:00 horas. Essas classes de respostas Formulação Relacionar os comportamentos
comportamental. inadequados aos contextos em que
foram operacionalizadas da seguinte ocorriam, definir objetivos
Avaliação

terapêuticos e orientações que


seriam dadas aos pais.
forma: gritar e xingar foram considerados
Observação e recursos Identificar os comportamentos
lúdicos. adequados e inadequados dentro
comportamentos de “agressão verbal”. do consultório.

Chutar, beliscar, empurrar e outros Registros preenchidos


pelos pais.
Análise funcional dos
comportamentos inadequados.

contatos físicos agressivos foram Leitura e confecção de


história em quadrinhos,
Auxiliar a criança a discriminar
seus comportamentos e
desenhos, redação. sentimentos e relacioná-los ao
incluídos na classe de respostas de contexto. Treinar habilidades
sociais de civilidade e empatia.
“agressão física”. A classe de respostas Tarefas de casa para a Inserir a criança em contextos
criança. sociais e alterar sua rotina diária.
“resistência” foi composta por não Observação e recursos Oferecer consequências
Intervenção

lúdicos. apropriadas para comportamentos


dormir, não tomar banho, não jantar e adequados e inadequados.

Orientação aos pais. Substituir o controle aversivo por


não escovar os dentes no momento uma relação mais positiva,
discriminar os mantenedores do
solicitado. A ocorrência do compor- padrão de agressividade
apresentado pelo cliente, melhorar
a relação entre pais e filho.
tamento foi registrada independente do Registros preenchidos Avaliar a mudança na frequência
pelos pais. de ocorrência dos comportamentos
tempo de duração, por exemplo: se o inadequados.

Encontros quinzenais com Desligar de forma gradual do


cliente xingasse a irmã de burra, chata e a criança e mensais com processo terapêutico.
os pais.
idiota no mesmo momento, eram Participação da irmã nas Facilitar a generalização dos
Seguimento

sessões. comportamentos aprendidos.


contadas 3 agressões verbais. Esse
Telefonemas a cada dois Verificar se as mudanças ocorridas
meses para mãe. durante o processo terapêutico se
registro permitiu o levantamento da linha mantiveram. Oferecer novas
orientações relacionadas aos
de base para o atendimento. comportamentos do filho.

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Durante o processo de intervenção Na etapa de seguimento (que


foram utilizados recursos lúdicos, tais durou 6 meses) foram realizadas sessões
como jogos, desenhos, criação de estórias, quinzenais com a criança e mensais com
entre outros, com dois objetivos os pais. A irmã participou de três sessões
principais: observar a ocorrência de para que a generalização dos
comportamentos adequados e inade- comportamentos aprendidos por Júnior
quados e criar situações nas quais a fosse facilitada. Além disso, a terapeuta
terapeuta pudesse oferecer consequências manteve contatos esporádicos por
apropriadas a cada tipo de compor- telefone com a mãe por cerca de 6 meses.
tamento no consultório. Além das
atividades realizadas no consultório, a Resultados
família foi solicitada a cumprir tarefas de
Padrões Comportamentais
casa, que visaram, especialmente, a
socialização e o treino de habilidades Com base na observação clínica e
sociais da criança. O cliente foi nos dados coletados com os pais da
estimulado a convidar colegas para criança, pôde-se afirmar que os padrões
brincarem na sua casa ou ir ao clube da comportamentais inicialmente apresen-
cidade e frequentar aulas de instrumentos tados por Júnior constituíam-se de
musicais para que as situações reações agressivas quando contrariado ou
reforçadoras aumentassem de frequência quando os pais disponibilizavam atenção
e houvesse mudança na sua rotina diária. para a irmã. Como exemplo, pode-se
citar: (a) batia e chutava a porta,
Os pais foram orientados a: (a) enfrentava os pais verbalmente, agredia
reforçarem positivamente os fisicamente a irmã; (b) dificuldade em
comportamentos adequados que Júnior seguir regras impostas pelos pais, como:
emitisse através de elogios, brincadeiras e seguir os horários de dormir, acordar e se
atenção; (b) persistirem nas ordens dadas alimentar; dificuldade em dividir;
e (c) substituírem as ameaças por impulsivo; (c) relacionamento social
descrições dos comportamentos restrito, baixa disponibilidade de
adequados e inadequados, negociando as reforçadores afetivos e sociais. A maioria
consequências caso as regras não fossem dos comportamentos inadequados
cumpridas. Tais orientações tinham como observados estava relacionada com
objetivo a melhora da relação entre os déficits em competência social, como:
pais e o cliente. baixo autocontrole, falta de empatia,

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Terapia infantil e treino de pais em um caso de agressividade

dificuldades em solução de problemas função de reforço negativo para a mãe e


interpessoais, expressão emocional e em avó. Os desejos e os choros de Júnior
fazer amizades. foram reforçados em um esquema de
razão variável, aumentando a frequência
Com base nos relatos do cliente,
da resposta.
dos seus pais e na observação no
consultório, pôde-se observar que, na Quando Júnior tinha 2 anos de

interação com Júnior, os pais eram idade, os pais passaram a morar juntos e

inconsistentes, ou seja, não nasceu a segunda irmã. Nessa época, os

disponibilizavam consequências de forma comportamentos inadequados do cliente

sistemática aos comportamentos do filho, aumentaram, provavelmente porque não

ora o comportamento de reagir de forma tinha mais a atenção contínua e exclusiva

agressiva era punido, ora não. Não da mãe e da avó. Era comum a ocorrência

persistiam nas regras impostas, logo de choro, ameaças, agressão à mãe e à

desistiam de tentar que o filho as irmã quando a irmã recebia atenção dos

seguisse. O pai reagia de forma pais ou quando ele era contrariado. Com

“explosiva”, gritava e brigava quando o o passar do tempo, a criança também

filho era agressivo ou permanecia calado. começou a esmurrar e chutar as portas,

No entanto, durante todo o processo seguindo um modelo oferecido pelo pai

terapêutico estavam preocupados com o em certa ocasião. A consequência

desenvolvimento do filho e dispostos a oferecida para tais comportamentos era

colaborar. variada, entretanto era oferecida atenção


pelos pais em forma de conversas,
A história de contingências à qual
castigos e broncas. Portanto, o fato da
Júnior foi exposto colaborou para o
irmã receber atenção e demonstração de
desenvolvimento e manutenção desses
afeto dos pais, ou Júnior ser contrariado
comportamentos inadequados. Júnior era
funcionava como um estímulo
o filho mais velho, morou durante 2 anos
discriminativo para a emissão de
com a mãe e com a avó materna, distante
comportamentos agressivos e estes eram
do pai, pois este trabalhava em outra
interrompidos pela atenção que os pais
cidade. Durante este período, a mãe e a
disponibilizavam a ele nesse momento,
avó costumavam atender a seus desejos
reforçando esse padrão.
“para que ele não ficasse nervoso e não
chorasse”, conforme afirmou a mãe; A Figura 1 apresenta, de forma
portanto, atender aos pedidos tinha resumida, um diagrama dos compor-

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tamentos inadequados apresentados pelo criança e das contingências que


cliente e as consequências oferecidas mantinham tal padrão, foram definidos
pelos pais. Tais consequências estavam alguns objetivos terapêuticos, juntamente
funcionando como mantenedoras do com os pais. Os objetivos foram os
padrão de agressividade. seguintes: (a) auxílio na discriminação de
comportamentos adequados e
Ao se relacionar com os colegas,
inadequados, bem como antecedentes e
Júnior repetia esse padrão
consequências dos mesmos; (b)
comportamental e os colegas passaram a
modelagem da discriminação e expressão
se esquivar da presença dele; não
de seus sentimentos; (c) manejo de
brincavam na escola; não o convidavam
situações que envolvessem sentimentos
para ir ao clube; não frequentavam sua
positivos e negativos; (d) treino para
casa nem o convidavam para a casa deles.
tolerar frustrações; (e) treino em
Com isso, Júnior passou a ter pouco
habilidades de autocontrole, empatia,
contato com reforçadores sociais,
solução de problemas interpessoais e (f)
diminuindo, ainda mais, as possibilidades
modelagem dos comportamentos de
de desenvolver as habilidades sociais que
elogiar e receber elogios.
lhe eram deficitárias.

Atenção dos pais (conversas,


broncas, separar brigas,
questionar sobre o que ele Sessões Terapêuticas
havia feito): reforço positivo

Castigo (não ir à lan


house, não usar o
Durante as sessões, não houve
computador):
Comportamentos inadequados punição negativa qualquer situação de agressividade da
Bater e chutar a porta criança em direção à terapeuta. No
Agredir fisicamente a irmã
Ameaças que entanto, observou-se interesse da criança
futuramente não eram
Enfrentar verbalmente os pais
cumpridas (ficar de
Não seguir ordens
castigo por bater na para relatar situações agressivas nas
irmã): sem função
quais se envolvia, relatava brigas na
Interrupção da ordem ou escola e brigas com a irmã – estes relatos
de discussões: reforço
negativo
eram seguidos de encenações e a criança
engrossava o tom de voz. Muitas destas
Figura 1. Comportamentos inadequados apresentados pelo cliente e o
tipo de reforço que os mantinham. situações pareciam não ter ocorrido, uma
vez que não eram confirmados pelos pais.
A partir da análise dos padrões Foi observado que tais verbalizações
comportamentais apresentados pela estavam sendo mantidas pela atenção da

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Terapia infantil e treino de pais em um caso de agressividade

terapeuta. Dessa forma, a terapeuta desempenho, como jogar futebol com


procurou não dar continuidade ao colegas na escola. No consultório, os
assunto e incentivou conversas sobre jogos foram utilizados como recursos
outros temas, com o objetivo de extinguir para que a criança vivenciasse algumas
as verbalizações sobre agressividade e dificuldades e sentimentos negativos,
inserir outros conteúdos nas falas do permitindo a liberação de consequências
cliente. naturais para o comportamento e um
posterior diálogo sobre tais dificuldades.
A modelagem da identificação de
comportamentos adequados e Os horários praticados pela família
inadequados, bem como de sentimentos e com a criança eram bastante irregulares.
a expressão dos mesmos foi realizada, em Júnior não fazia atividades orientadas
um primeiro momento, a partir de fora do horário da escola, costumava
análises com a criança sobre seus passar o dia assistindo TV ou jogando
comportamentos, as consequências dos vídeo-game (com preferência por jogos
mesmos e a discussão sobre maneiras violentos) e dormia às 23 horas e
alternativas de se comportar. Em um acordava às 11 horas. Os pais foram
segundo momento, foram realizadas orientados a inserir atividades que
atividades que pudessem auxiliar o pudessem organizar melhor essa rotina. O
cliente a discriminar seus sentimentos e cliente foi incentivado a frequentar aulas
os contextos que evocavam alegria, medo, de instrumentos musicais, algo que
raiva, tristeza, entre outros. Foi também gostava bastante, de preferência no
realizado um treino para a criança período matutino, de forma a desenvolver
expressar-se de forma mais adequada: o hábito de acordar cedo e,
verbalizar para os pais o que estava consequentemente, dormir mais cedo.
sentindo, ir para o quarto ficar sozinho Júnior escolheu aulas de guitarra e
quando estava irritado, podendo, assim, bateria.
evitar as agressões à irmã e aos pais. O
treino discriminativo também foi A partir do treino de habilidades
composto por momentos nos quais o sociais, houve um incentivo à inserção do
comportamento poderia ser reforçado cliente em contextos sociais.
naturalmente, ou no próprio consultório Primeiramente, o cliente foi orientado a
ou em casa. Júnior, por exemplo, chamar algum colega para brincar na sua
esquivava-se de conversar sobre situações casa, ambiente conhecido, onde se
em que não apresentava bom sentiria mais confortável. A realização

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Lorena Archanjo de Souza Emidio - Michela Rodrigues Ribeiro - Ana Karina C. R. de-Farias

dessa tarefa permitiu o estabelecimento classes de respostas e diminuição na


de uma relação de amizade e, aos poucos, frequência de todas as classes de
Júnior passou a frequentar a casa e o respostas ao se comparar a primeira e
clube na companhia de seu amigo. Depois quarta semanas. Foi observado também
de aproximadamente 4 meses de terapia, um aumento na frequência das agressões
conforme relato dos pais, Júnior começou físicas direcionadas à irmã e na
a fazer parte de um grupo de amizade, “resistência” ao se comparar a terceira e a
participando de brincadeiras na rua, quarta semanas. Este aumento pode ter
expondo-se a novas relações. Nesse novo ocorrido em função da inconsistência na
contexto, as horas em frente ao qual os pais disponibilizavam as
computador diminuíram, de cerca de 14 conseqüências, tendo em vista que ainda
horas semanais para 4 ou 5 horas era uma fase de avaliação e que eles ainda
semanais. não haviam sido orientados a respeito de
tal padrão.

Treino dos Pais 30

O trabalho da terapeuta com os pais 25

foi constante e fundamental para a


20
concretização dos objetivos terapêuticos.
F re q u ê n c ia

15
Conforme descrito anteriormente,
durante a fase de avaliação (4 primeiras 10

semanas) os pais registraram a frequência 5

dos comportamentos de agredir física ou


0
verbalmente a irmã, agredir verbalmente Semana 1 Semana 2 Semana 3 Semana 4
Semanas
os pais e não seguir alguns horários Agressão verbal - irmã Agressão verbal - pais

impostos pelos pais. Esse registro foi feito Agressão física - irmã Resistência

diariamente, entre os horários de 20:00 a


22:00 horas. A Figura 2 apresenta a Figura 2. Frequência de comportamentos inadequados registrados
durante as 4 primeiras semanas de acompanhamento
terapêutico.
freqüência total desses comportamentos,
durante as quatro primeiras semanas de Durante a etapa de seguimento, o
atendimento, de acordo com o registro mesmo registro foi solicitado aos pais e
dos pais. Em termos gerais, foi observada foi realizado após 20 semanas de
maior frequência de agressões verbais à acompanhamento terapêutico, com o
irmã em comparação com as outras objetivo de verificar se houve diminuição

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Terapia infantil e treino de pais em um caso de agressividade

na frequência dos comportamentos de Durante a fase de avaliação, os pais


agressividade. A Figura 3 apresenta a também registraram as contingências nas
frequência total dos comportamentos, quais os comportamentos inadequados
depois de 20 semanas de atendimento, de estavam presentes. As informações
acordo com o registro dos pais. É possível registradas eram discutidas nas sessões
observar uma redução dos de orientação aos pais. Os registros
comportamentos inadequados emitidos indicaram que os comportamentos
por Júnior. A emissão dos agressivos aconteciam quando a irmã
comportamentos registrados foi recebia atenção dos pais e como forma de
constante e reduzida, quando comparado contracontrole ao controle aversivo.
à linha de base, com uma frequência Desse modo, os pais foram orientados a
abaixo de quatro vezes por semana, entre substituir o controle aversivo pelo reforço
as semanas 21, 22 e 23. Durante a 24a positivo, ou seja, foram solicitados a
semana, houve um pequeno aumento na observarem os comportamentos
frequência das agressões verbais adequados do filho, inicialmente
direcionadas à irmã. A análise das utilizando registro, e a reforçá-los com
contingências de registro revelou que, atenção e demonstração de carinho. Para
inadvertidamente, as agressões verbais o treino dos pais na liberação de reforço
foram reforçadas pela atenção dos pais, positivo foi solicitado que eles brincassem
aumentando sua frequência. Os pais com o filho sem a presença das irmãs.
voltaram a ter longas conversas com o Como essa tarefa foi colocada em prática
filho depois que ele agredia a irmã. apenas pela mãe, o pai foi orientado a
levar o cliente para suas caminhadas
30 diárias – enquanto o pai caminhava,
25 Júnior andava de bicicleta – e levá-lo
20
para a fazenda nos finais de semana.
F req u ê n c ia

15
Essas tarefas de casa permitiram o
10
estabelecimento de uma nova forma de
5
interação entre pais e filho, baseada em
0
Semana 21 Semana 22 Semana 23 Semana 24
controle positivo. Depois de
Semanas
aproximadamente dois meses, essas
Agressão verbal - irmã Agressão verbal - pais
Agressão física - irmã Resistência atividades deixaram de ser tarefas de
casa e passaram a ser hábitos
Figura 3. Freqüência de comportamentos inadequados registrados
depois de 20 semanas de acompanhamento terapêutico. familiares. O pai passou a levar o filho

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Lorena Archanjo de Souza Emidio - Michela Rodrigues Ribeiro - Ana Karina C. R. de-Farias

para a fazenda nos finais de semana para comportar. Para tanto, o papel das
que ele o ajudasse no trabalho e, nas análises funcionais realizadas foram
férias escolares, pai e filho viajaram relevantes, pois possibilitaram a
juntos. identificação das variáveis responsáveis
Uma outra importante modificação pela aquisição e manutenção dos padrões
da interação entre os membros dessa comportamentais apresentados por
família foi que o pai e a mãe passaram a Júnior e por seus pais.
discriminar o tom de voz e a forma como Del Prette e Del Prette (2005)
deveriam dar as ordens para que Júnior afirmam que um repertório pobre em
obedecesse. Com isso, os antecedentes habilidades sociais acarreta uma série de
dos comportamentos agressivos passaram dificuldades interpessoais para a criança,
a não ocorrer (por exemplo, não gritar) incluindo: agressividade física e/ou
interferindo na ocorrência dos mesmos verbal, comportamentos opositores ou
(por exemplo, “resistência”). Em termos desafiantes, condutas anti-sociais,
gerais, foi observado que a orientação aos depressão, isolamento social, ansiedade e
pais e a disponibilidade dos mesmos em fobia social. Júnior apresentava um
seguir tais orientações foram fatores repertório comportamental caracterizado
cruciais para a melhora da relação por déficits em habilidades sociais, tais
familiar e a diminuição da frequência dos como agressividade verbal e física de
comportamentos agressivos. maneira generalizada, relacionamento
social restrito e baixa tolerância à
Discussão frustração.

Através das interações sociais, o Os comportamentos agressivos de


indivíduo não só adquire o conhecimento Júnior, especialmente aqueles
de si mesmo, como também o da direcionados à irmã, eram
realidade na qual está inserido e as idéias constantemente seguidos da atenção dos
e valores da cultura à qual pertence pais (reforço positivo): eles conversavam
(Prebianchi & Soares, 2004). As com o filho, brigavam, ou o colocavam de
interações sociais oferecidas e castigo. Mesmo quando a consequência
incentivadas pelo processo terapêutico de era um castigo, podemos afirmar que
Júnior permitiram tanto o havia um componente positivo nessa
desenvolvimento de autoconhecimento situação – a atenção dos pais. É claro que
quanto de formas mais adaptativas de se também havia o componente aversivo –

380 Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2009, Vol. XI, nº 2, 366-385
Terapia infantil e treino de pais em um caso de agressividade

não poder realizar atividades prazerosas, contingências reforçadoras (Catania,


por exemplo. Esse tipo de consequência 1998/1999; Pacheco e cols., 2005), já que
oferece simultaneamente diferentes Júnior conseguia atenção quando gritava.
controles e, no caso de Júnior, ela estava Com o tempo, Júnior passou a enfrentar
aumentando a ocorrência da resposta os pais, quando estes tentavam lhe
agressiva, portanto havia reforçamento corrigir. Em algumas dessas situações, os
positivo. pais encerravam a discussão, retiravam-
se do ambiente e, em outras,
Foi possível perceber que os pais
continuavam a discussão até que o filho
disponibilizavam pouca atenção ao filho
os obedecesse. Note que a classe de
em outras situações, ou seja, Júnior
respostas “enfrentar os pais” foi uma
estava privado da atenção dos pais. Tal
forma de contracontrole (Sidman,
condição funcionava como forte operação
1989/2003; Skinner, 1974/2003),
estabelecedora para atenção e qualquer
reforçado intermitentemente pelo
comportamento – adequado ou
encerramento das discussões.
inadequado – poderia ser evocado (da
Cunha & Isidro-Marinho, 2005; Skinner, “Contingências conflitivas levam a
1974/2003). Além disso, como os pais repertórios de comportamentos
ofereciam consequências intermitentes conflitivos” (Skinner, 1974/2003, p. 130).
para os comportamentos inadequados Fatores relacionados, principalmente, ao
tornaram-no mais resistente à extinção contexto familiar, ao relacionamento
(Santos, 2005; Skinner, 1974/2003). Um entre pais e filho e ao padrão
estudo de McComas, Thompson e comportamental apresentado pelos pais
Johnson (2003) oferece dados sobre o propiciaram a aquisição e manutenção
efeito reforçador da atenção para dos comportamentos inadequados e
comportamentos inadequados de crianças déficits na emissão de comportamentos
de 8 a 10 anos de idade. adequados apresentados por Júnior.

É interessante observar que, A aprendizagem e manutenção dos


algumas vezes, os pais reagiam de forma comportamentos desviantes estão
“explosiva”, gritando ou esmurrando a relacionados, principalmente, à interação
porta, por exemplo, entretanto não familiar (Alvarenga & Piccinini, 2001;
agrediam fisicamente o filho. Com isso, o Pacheco e cols., 2005). Os pais que
comportamento de gritar foi aprendido utilizam principalmente o controle
por modelação e modelado pelas aversivo, que não são contingentes no uso

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Lorena Archanjo de Souza Emidio - Michela Rodrigues Ribeiro - Ana Karina C. R. de-Farias

de reforçadores positivos, que costumam novas regras (Marçal, 2005; Regra,


ser inconsistentes, com pouco 2000b). Com isso, eles passaram a dar
envolvimento parental e pouco ordens e fazer com que o filho as
monitoramento e supervisão do cumprisse, deixaram de dar atenção aos
comportamento da criança fracassam no comportamentos inadequados do cliente.
uso efetivo de técnicas disciplinares para A partir da mudança nas relações
enfraquecer os comportamentos familiares, houve mudança nos
inadequados (Pacheco e cols., 2005; comportamentos de Júnior. A exposição a
Olivares e cols., 2005). Além disso, os novos contextos ofereceu ocasião para
comportamentos adequados estão comportamentos alternativos se
relacionados com interação adequada fortalecerem (Marçal, 2005, Vasconcelos,
entre pais e filho, caracterizada por 2001). Dessa maneira, foi possível
convívio e participação na vida cotidiana observar diminuição dos
do filho, e atenção especial dada ao comportamentos agressivos, tanto verbais
estudo e ao lazer (Ferreira & Marturano, como físicos, aumento da ocorrência de
2002). habilidades sociais, desenvolvimento
Os registros realizados pelos pais de amizades e novas habilidades
foram importantes, pois, através deles, os musicais e melhor convívio familiar.
pais puderam compreender o contexto O presente estudo oferece dados
que mantinha os comportamentos sistemáticos sobre o efeito da
inadequados emitidos pelo filho. A orientação de pais em um contexto de
compreensão de todo o processo, permite terapia infantil.
que a interação fique sob controle de

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Recebido em: 24/08/2008


Aceito para publicação em: 24/08/2009

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