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Cenário: As quatro personagens foram convidadas para um casamento de D.

Emília de
Castro Pamplona Resende e António Eça de Queiroz e enquanto estão á mesa depois da
igreja, a comer, na quinta do casamento, no salão exterior, abordam o tema “amor” e
outros...

FP: Bom dia a todos, finalmente encontramo-nos os quatro juntos e podemos conversar.
Como todos sabem eu sou Fernando Pessoa, mas penso que ainda não se conhecem.
RR: Sob o acaso do destino, onde nossos caminhos se cruzam pela primeira vez, eis que
nos encontramos.
FP: Então e já se apresentaram?
RR: Bom dia a todos, sou o Ricardo Reis é um prazer conhecê-los.
DC: Bom dia cavalheiros, o meu nome é Álvaro de Campos e estou muito animado por
vos conhecer.
AC: Olá a todos, o meu nome é Alberto Caeiro e é um gosto conhecer-vos.
FP: Depois de tanto tempo Queiroz finalmente casou se com D. Emília. E o clima é de
verão, mas estamos no inverno, devia estar a chover, mas, até agora, há apenas sol e
mais nada! Como eu não sei ser eu, o dia não sabe ser dia.
AC: Estar ao sol e fechar os olhos também é não saber o que é o sol, a luz do sol vale
mais que os pensamentos de todos os filósofos e poetas.
DC: Há filósofos e poetas que pensam demais pensar faz mal ás emoções.
AC: Sim, pensar é estar doente dos olhos!
FP: Isso de pensar é uma grande dor de cabeça, ainda pensas na Lídia, Reis?
RR: Pensar é uma palavra forte, tenho algumas memórias, mas nada assim muito
profundo.
DC: Eu ao contrário de si, Reis, penso que a vida é feita de emoções intensas que nos
definem
RR: Eu não tenho quem ame, ou vida que queira, ou morte que roube. Amo o que vejo
porque deixarei qualquer dia de o ver. Cumpramos o que somos, nada mais nos é dado,
apenas nos rendemos ao que nos está destinado.
AC: Eu filosofia não tenho, tenho apenas sentidos e se falo na Natureza não é porque sei
o que ela é mas porque a amo, e amo-a exatamente por isso. Quem ama, nunca sabe o
que ama, nem porque ama e nem sabe o que é amar.
FP: Nunca tendes vós redigido uma carta de amor?
RR: No vazio do meu coração não tenho espaço para essas coisas apenas me foco em
viver o que o fado de cada dia me oferece, acredito apenas no que os deuses me
reservam.
DC: No meu tempo escrevi cartas de amor, como as outras, ridículas. Mas, afinal, só as
criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são rrrrrrrrrridículas.
AC: Eu até vos falava de como era no meu tempo, mas eu não quero incluir tempo no
meu esquema, não quero pensar nas coisas como passado, presente ou futuro, quero
pensar nelas apenas como coisas.
FP: Lembro-me de escrever várias cartas á minha Ofélia, quando escrevia, sentia tudo,
do amor até solidão que sentia quando estava longe do meu amor.
AC: É bom sentir, sentir a brisa do vento, o calor do sol e o cheiro das flores, sentir é
estar distraído. Eu creio no mundo como num malmequer, eu vejo-o, mas não penso
nele porque pensar é não compreender.
DC: É bom quando me distraio dessa dor enorme de que é pensar, levo-me com o ruido
das máquinas os motores a trabalhar e começo a sentir o cheiro do ferro em
rrrrrrrrrrrr-fúria fora e dentro de mim.
RR: Quer gozemos, quer não gozemos, somos como um rio, passa silenciosamente e sem
desassossegos grandes, sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz, nem
invejas que dão movimento de mais aos olhos, nem cuidados, porque se os tivesse o rio
sempre correria, e sempre iria acabar no mar.
AC: A mim pouco me importa, o quê? Não sei, apenas pouco me importa.
FP: Agora que falas te nisso, Caeiro, fazes me lembrar de como eu era em criança e como
n queria saber de mais nada sem ser brincar, quero aquele outrora! e eu era feliz? Não
sei: Fui-o outrora agora.
AC: A minha infância era perfeita, brincar no campo junto as flores, a maneira como
ficava a admirar os girassóis sem pensar em nada, era mágico, basta sabermos viver em
comunhão com a Natureza que somos felizes.
RR: Das recordações que tenho da minha infância surge na minha cabeça as flores que
colhíamos, quando aquele desassossego que o descanso nos traz às vidas quando só
pensamos naquilo que já fomos.
DC: No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, eu tinha a grande saúde de não
perceber coisa nenhuma, de ser inteligente para entre a família, e de não ter as
esperanças que os outros tinham por mim. Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter
esperanças. Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
FP- Vocês não acham estranho estarmos aqui juntos, neste casamento?
AC: Na verdade não acho, acho que o único mistério que existe é não haver um. Mas é
bom que estejamos ao ar livre, não há nada melhor que estarmos junto da Natureza.
RR: Sim, até porque cada dia sem gozo não foi teu, foi só durares nele, quanto vives sem
que o gozes, não vives, cada dia seja uma celebração do aprendizado e da compreensão
que alcançaremos juntos à sombra de nós mesmos, quantos homens inconscientes nos
sacrificamos, e um destino cumprimos, agora, conscientemente, escolhemos escrever
um novo destino juntos.
AC: E que destino é esse de que tanto falas?
RR: Esse destino é de todos, não é só meu!
DC: Então e cada um tem o seu?
RR: Sim, como cada uma das sombras das árvores o destino apresenta a vida. Amar o
que a vida nos oferece, representa tudo o que é natural. Tudo o que é alheio à nossa
vida, problemas, sofrimentos, contratempos, etc.
DC: Só consigo pensar na aparência no ruido e no cheiro das máquinas não há nada
melhor do que ocupar o pensamento com uma aliança entre mente humana e
engrenagens de ferro, forjando o futuro nas fábricas que ecoam com o som constante da
produção.
FP: Ai ai Campos... Tu e as máquinas...
DC: As máquinas são tudo para mim, impedem-me de pensar em coisa alguma...
FP: Há mais vida para além dessas máquinas, podes ir apreciar a natureza, como Caeiro,
ouvir os pássaros a cantar invés do barulho das tuas máquinas, aproveita enquanto
podes, a morte é a curva da estrada, morrer é só não ser visto.
A
RR:

DC: Parece que estão a ir para dentro temos de ir entrando.


AC: Para dentro? Nos casamentos no campo ficamos ao ar livre. Temos mesmo de ir?
FP: Claro que temos de ir, e temos de ir rápido para ficarmos numa mesa perto do nosso
amigo Queiroz
RR-Sim vamos então, a única razão de aqui estar é o Eça.

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