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AVALIACAO E APRENDIZAGEM* Marta Maria Pontin Darsie Universidade Federal do Mato Grosso Doutoranda do Programa de Pés-Graduagao — FEUSP RESUMO Discuttemos neste artigo a avallagéo da aprendizagem enquan: to Impulsionadora do processo de constugdo do conhcimento Propomas 0 exercicio metacognitive do aluno como estratégia para a tomada de consciéncia oo que aprendeu de como aprendeu, possiblitando ao mesmo @ ao professor 0 acompa: ‘nhamento, retroalimentardo e avaliacdo da aprendizagem. Como Instrumento didatico, sorao utlizados dries para o registro da feflexdo cistanciada do aluno. Analsaremos episddios de apren: dizagem tiados de um dos diaries coletados em curso de for ago de professores. AVALIAGAO DA APRENDIZAGEM — FORMAGAO DE PRO- FESSOR — METACOGNICAO — EDUCAGAO MATEMATICA, ABSTRACT EVALUATION AND LEARNING. In this article we discuss the ‘evaluation of leaming as the impulse for the process of Construction of knowledge. We propose metacognitive exercises for the students as strategy for conscienciousness of the what land how of learning, making it possible for both student and professor to accompany feedback and evaluation in learning. As ‘a didactec instrument, daly logs wil be used to registor rflections ‘more distant from the student. We wil analyze learing episodes takon from one of the logs collected during a teacher training * Vorsdo revisada e ampliada de trabalho oral apresentado na ANPEd/1995 — GT Formacio de Professores. Cad. Pesq., Sao Paulo, n.99, p.47-59, nov. 1996 47 Construir uma pratica de avaliaglo que supere 0 mo- dolo de avaliagao classificatéria © autoritaria, conver- tendo-a em instrumento de aprendizagem & 0 foco central deste trabalho. Para tanto iniciaremos nossas refiexdes sobre a intencionalidade da aco educativa @ a avaliagdo enquanto ago a servigo desta inten- cionalidade, cujo campo de atuagao 6 0 contexto da aprendizagem significative. A avaliago como impul- sionadora da aprendizagem signiicativa e instrumento da aprendizagem deverd assumir novas caracterisi- cas, mais condizentes com 0 modelo construtivista tao amplamente difundido nas escolas. Pretendemos de- fonder um tipo de avaliagao que leve 0 aluno a tomar consciéncia do proprio processo de aprendizagem, na medida em que esta tomada de consciéncia Ihe pos- siblte avangar nesse processo. Assim, propomos avaliagao uma nova face, a de ser um exercicio de metacognigao ou meta-aprendizagem, transformando- se em instrument de aprendizagem. Sendo estas reflexdes sobre a avaliapao fruto da nossa pratica de formadora de professores, elas nos possibiltaram uma ressigniicagao da mesma © a construgao de uma proposta, embora embrionéria, de avaliagao nesse novo contexto, com novo significado, EDUCAGAO: UMA ACAO INTENCIONAL ‘A educagao escolar é orientada por metas constitut- das de intengdes que se fazem presentes em todo 0 processo de ensino-aprendizagem. Tais intengdes da ‘aco educativa tomam determinado sentido se consi- derarmos a natureza social e a funcdo socializadora da educagao escolar, que teré como razéo ultima pro- mover © desenvolvimento humano. De acordo com 0 Projeto Curricular Investigacién y Renovacién Escolar — IRES (Grupo..., 1991), “A escola intervém nao s6 na transmissao do saber cientifico organizado, mas também influi decisivamente nos miltiplos aspectos que compdem 0 processo de socializagao’. Promover 0 desenvolvimento humano significa in- tervir neste desenvolvimento, dando-Ihe um determi- nado sentido. Assim surge o cardter intencional da agao educativa no mbito escolar como nos sugere Coll (1990): “as situagdes escolares de ensino/apren- dizagem supdem sempre um propésito’. E é 0 propo- sito da educagao escolar provocar mouificagdes. no sujeito, influindo no seu pensar e agit por meio da aprendizagem, ou ainda, como sugere Coll, “a edu- cago escolar é um fendmeno essenciaimente social e socializador, cuja finalidade ultima & promover 0 de- senvolvimento das pessoas’. Essa intencionalidade se reflete em todos os as- pectos do Ambito escolar e se faz fortemente presente na concepeao, elaboragao, execugao e avaliagéo do curticulo escolar. Tomamos de IRES (1991) a concep- G40 de curriculo como “um conjunto de hipéteses de trabalho e propostas de acao didatica a experimentar, investigar e desenvolver na pratica educativa’. Assim objetivos, contetidos, procedimentos e avaliagao da aprendizagem contemplados no curriculo fazem parte 48 do proceso que visa promover 0 desenvolvimento das pessoas, portanto sao veiculos da intencionalida- de da educacao, ou, como afirma IRES 08 objetivos © os contevidos devem considerar-se como parte do proceso de socializagao, no qual © jndividuo em formagao tem de recriar e reela- borar, de maneira refiexiva, funcional, criativa critica, a experiéncia coletiva culturalmente orga- nizada. (1991. p.5) Incluimos, nesse proceso, os procedimentos ci- daticos adotados pelo professor e a avaliago que de- vera em nossa proposta assumir papel fundamental na aprendizagem. Dessa maneira, compreendemos que as inovagées no curriculo devam contemplar to- dos os aspectos do processo ensino-aprendizagem, pois, como assinala Linn (apud Carvalho e Gil-Perez, 1993), ‘as inovagées no curticulo ndo se podem dar por consolidadas se néo se refletem em transforma: 60s similares na avallagao". Desse modo, os objet vos, contetidos, atividades © a avaliagao que fazem parte do curriculo formal refletem a intencionalidade da ago educativa, assim como 0 curriculo ocuito, ou seja, as intengdes ¢ ages ndo explicitadas © que fa- zem parte do cotidiano escolar. A escola, como instituigéo social, deve assumir a intencionalidade de sua ago educativa. Uma institui- ‘g€0 que, concordando com IRES (1991), tem sua ra- 70 de ser especitica, ou seja, “dotar os individuos dde um corpo comum de categorias de pensamento ‘que faciitem sua comunicagao interpessoal © sua tegragao em uma cultura conereta’ e, segundo Gadott (apud Hoffmann, 1991. p.29), tomar 05 sujeitos capa 2208 de “problematizarem 0 mundo em que vive para superar as contradigdes, comprometendo-se com esse mundo para recrié-lo constantemento” Avaliagdo: atividade inerente @ ago Avaliar & uma atividade intrinseca e indissocidvel a qualquer tipo de ago que vise provocar mudancas. Nesse sentido a avaliagdo 6 uma atividade constituin- te da aco educativa, quer nos refiramos @ avaliagao do projeto educativo, avaliagao do ensino ou a ava- liagao de aprendizagem. Por ser reflexao da ago, aqui da ago educativa, podemos inferir que a avaliagao toma-se a possibil dade de superacao da prépria agao e que, se per- manente, provocaré mudangas na a¢ao educativa, rumo & efetivago de sua intencionalidade. Se a aco educativa visa promover modificages nos sujeitos nela e por ela envolvidos, interferindo na aprendizagem destes, @ se a agao de aprender se tor- na capaz de provocar tais modificagdes, em outras palavras, se é na aprendizagem que se efetiva e ob- jetiva a intencionalidade da acao educativa, entéo a avaliagao da ago de aprender deve refletir tal inten- clonalidade. Assim, a avaliagdo passa a ser um ins- trumento da intencionalidade educativa, nao um mero momento da constatagao desta, Avaliagao e. Como mencionamos anteriormente, os objetivos @ contetidos da aprendizagem so partes integrantes do processo de sociaizagao, pois é por meio deles que © individuo ria, recria, constréi, reconstréi o saber ‘acumulado. A aprendizagem deve possibiltar ao ind! viduo sua insergao num contexto social conereto, deve contribuir para o desenvolvimento humano, de maneira teflexiva, critica, criativa. Nesse contexto co locamos, também, o papel da avaliagao da aprendi- zagem como o elo integrador, mediador entre objeti vos e contetides @ sua intencionalidade no processo de socializagao. A avaliagéo da aprendizagem dover, entéo, assumir uma nova caracteristica, a de ser uma apo presente em todo 0 processo. A avaliagdo da aprendizagem nao & mais entendida como um mo- mento deste proceso, mas antes, como um instru- mento que se fara permanente ao'longo do mesmo, mais ainda, a avaliagao da aprendizagom torna-se um instrumento a servico da intencionalidade educativa, ou um instrumento da aprendizagem, pois é nela, na aprendizagem, que se efetiva ou ndo a intencionali- dade Podemos, ento, compreender a avaliago como uma aco intencional do projeto educativo. Uma ava- liago como instrumento de impulso da aprendizagem, fenquanto reflexdo sobre a mesma, tornando-se ela propria uma apao. Nesse sentido a avaliacéo 6 a re- flexéo transformada em ago, e como toda ago pos- sui intencionalidade e, ainda, como avaliar é uma ati- Vidade inerente & ago, cabe-nos concluir que 0 pro- cesso de avaliagéo como instrumento de aprendiza- gem gera ago e, por conseguinte, teré consubstan- ciado om si a necessidade de ser avaliado. Ou seia, a agao de avaliar carece de avalia¢do para que a mesma possa renovar-se constantemente diante das novas situagdes de aprendizagem. Contudo nao @ qualquer intencionalidade que nos interessa, levando-nos sempre a fazer opgo por um tipo de formagao, conseqientemente por um tipo de- terminado de sujeito. Quando a opgao 6 a de formar- mos sujeitos criticos, criativos, auténomos, capazes de pensarem e agirem por si sés, de transformarem- se, transtormando suas relagoes interpessoais e so- ciais, construindo-se como individuos e seres sociais, ha que se refletir sobre o tipo de agao educativa que Pode contribuir para sua formacao, ou o tipo de aprendizagem que oles deverdo empreender para construirem-se como tal AVALIACAO NO CONTEXTO DA APRENDIZAGEM SIGNIFIGATIVA nossa inlengo cstinguir a aprencizagem em suas dimensées recep¢do-epetii e significaiva. A apren- dizagom repetiiva & aquela que, tendo o professor se- lecionado e organizado os conteudos pata a aprendi- zagem dos alunos, constiui-se num mero armazena- mento na meméria pela repetiggo de. seus produtos finais. © modelo de ensino é fechado, acabado © I resco, no qual 2 nogao de conhecimento, © conse- Cad. Pesq., 1.99, nov. 1996 quentemente de aprendizagem, consiste do actimulo de fatos isolados e a énfase 6 dada a respostas “cer- tas’, que devem ser uma repeticao perfeita e integral do que foi transmitido, existindo uma Unica resposta certa (ou forma de chegar a ela) para cada questao, problema ou situacdo. Numa concepgo empirista de aprendizagem, 0 aluno € considerado uma folha em branco sobre a qual se imprime 0 conhecimento. Citando Madruga, A aprendizagem repetitiva se produz quando os contetidos das tarefas s4o arbitrdrios (pares as- sociados, mimeros, etc.), quando 0 aluno carece dos conhecimentos necessérios para que os con- teddos resultem significativos, ou se adota uma atitude de assimilé-los ao pé da letra e de modo arbitrério. (1990. p.83) Esse tipo de aprencizagem memoristica e repeti- tiva podemos atribuir ao ensino tradicional. Nessa perspectiva de aprendizagem, a avaliagéo assume 0 papel de controle, visando adequar 0 planojado € 0 Aprondido. também a avaliagdo em sua concepeao do “julgamento de resultados finais e irrevogaveis", ou ainda uma avaliagio meramente classificatéria © au: toritéria que visa medir 0 “sucesso” do aluno na es- cola. Medir @ controlar 0 processo de ensino © de aprendizagem, eis, pois, a fungao da avaliago nesse contexto. Contrapondo-se a aprendizagem repetiiva, surge 0 conceito de aprendizagem significativa. Assim a de- fine Madruga Aprendizagem significativa se dlstingue por duas caracteristicas, a primeira 6 que seu contetido pode relacionar-se de um modo substantivo, no arbitrério, ao pé da letra, com os conhecimentos prévios do aluno, ¢ em segundo é que este hd de adotar uma atitude favordvel para tal tareta, dotando de significado préprio os contetidos que assimila. (1990. p.83) Dessa maneira podemos compreender a impor- tancia dos conhecimentos trazidos pelos alunos & es- cola e dos conhecimentos ja construidos antes de par- tir para a construgao do novo, bem como entender a importancia da motivagéo para aprender. Para Coll (1990;1994), "Aprender um conteddo implica atribuir- |he um significado, construir uma representagéo ou um ‘modelo mental’ do mesmo". Podemos chamar esta construgao dos significados a aprender de “ati- vidade mental do aluno”. Coll acrescenta: A construgao do conhecimento na escola supde assim um verdadeiro proceso de “elaboragao’ (Shuell, 1988) no sentido de que o aluno selecio- na @ organiza as informagaes que Ihe chegam por diferentes canais, 0 professor entre outros, esta- belecendo relag6es entre elas. Nesta selecdo e corganizagao da informagao @ no estabelecimento de relagdes ha um elemento que ocupa um lugar privilegiado: o conhecimento prévio pertinente que 49 possui 0 aluno no momento de jiniciar a aprendi- zagem, (1990, p.443, grifos do autor) Encontramos também em Driver (1988) a defesa da importancia desses conhecimentos para a apren- dizagem: "o que aprende chega a classe com idéias, prévias que necessitam ser levadas em conta, posto {ue influem nos significados que se constroem nas si- tuagées de aprendizagem" (gritos do autor) Para um trabalho pedagégico que considere fun- damental a construgao de métodos @ conhecimentos, 6 necessario levar em conta a existéncia de idéias jé Presentes no aprendiz, pois elas podem constituir-se fem ponto de apoio & nova aprendizagem, ou em obs- téculos & mesma. A construgao em sala de aula serd fortemente influenciada pela presenga desses concei tos, idéias, vis6es © crencas, jd que o sistema cog- nitivo é uma totalidade que se conserva nas assii lagdes © acomodagées. Assim, qualquer idéia nova que € acomodada’ pode, potencialmente, modificar toda a estrutura de concepgées. No entanto, como "o todo é mais estével que seus componentes”, a eco- logia_conceitual do individuo tem um forte poder de redefinir 0 conceito ou a idéia nova em razao da cren- a e de visdes anteriores. Podemos, assim, entender que pode ocorrer uma mudanga’ conceltuel pela aprendizagem (Piaget apud Mortimer, 1984) No entanto, assim como em Mortimer (1994), acreditamos que nem sempre isso pode ou deve ocor- rer, ou seja, nem sempre as idéias prévias deverdo set abandonadas ou subsumidas no proceso de en- sino. Elas podem ser compreendidas como idéias al- temativas, e muitas vezes sobreviver 20 ensino- aprendizagem. Chi (apud Mortimer, 1994) mostra a possibilidade da coexisténcia de dois sentidos para 0 mesmo conceito, os quais so acessados em contexto apropriado. A mesma pessoa pode, em determinado ccontexto, utilizar um conceito mais elaborado, formal, clentifico; em outro contexto referir-se a algo utlizan- do-se de nogGes cotidianas. Para Linder (apud Mor- timer, 1994), “o esforgo de aumentar a capacidade dos estudantes em distinguir entre concepgdes apro- priadas para cada contexto especifico” é 0 que 0 en- sino em Ciéncias deve enfatizar. Tanto a nogao de abandono de idéias prévias como a de coexisténcia de idéias alternativas, quando colocadas no contexto de sala de aula, como forma, de organizar 0 processo ensino-aprendizagem, consi- deram importante nao abrir mao de se conhecer as idéias prévias e trabaihar com elas. Parece-nos que estas duas formas de pensar, abandono ou coexisténcia, convivem no processo de aprendizagem. Por vezes idéias com as quais o aluno chega a escola, pelo processo de ensino-aprendiza- gem, sofrem mudangas, pois so substituidas por idéias novas, mais significativas para 0 sujeito; ou 0 sujeito pode adotar 0 recém-aprendido também, por ser significativo para ele dentro do contexto estudado, sem no entanto abandonar seu conhecimento prévio, ‘ue se toma altemativo, e seré usado em contexto diferente. 50 E nesse processo de construgao, reconstrugao do conhecimento, por meio da aprendizagem significati- va, que idéias prévias ou alternativas se tornam rele- vantes. E & nesse contexto que a avaliagao deve as- sumir um novo papel Avaliagdo: instrumento de aprendizagem. Para Coll (1990), a escola deve ter a intencionalidade de promover o desenvolvimen- fo das pessoas mediante a aquisigao de umas formas de pensar @ atuar que a aprendizagem es- ponténea ou a simples atualizagao do calendério evolutive dos membros da espécie humana por si ‘86 no pode assegurar. (p.35) Compreendendo que a agao educativa destina-se ‘a promover tal desenvolvimento, buscamos construir uma avaliagao que contribua para que ele ocorra. A forma de avaliagao da aprendizagem capaz de ‘empreender tal tarefa 6 aquela que contempla a pers- pectiva construtivista dos processos de aprendizagem ‘0u na proposta do IRES (1991): "Avaliagao como fon- te de informagdes dos processos e ganhos do conhe- cimento escolar". Em outras palavras, 0 pensar e 0 agit dos sujeitos em formagao podem ser modificados mediante a apropriagao dos conhecimentos acumuula- dos, por construgdo, reconstrugdo dos mesmos no contexto escolar. E no processo de construgao, re- construgéo dos conhecimentos pelos alunos que se instaura 0 papel da avaliago enquanto instrumento de aprendizagem e como elo integrador da intengao da agao educativa. Assim, a avaliagao deixa de ser meramente classificatéria © converte-se em um instru- mento de ajuda, conforme assinala Alonso et al. (1992): ‘sua pergunta deixa de ser quem merece uma avallagdo positiva e quem néo, para converter-se em, que ajuda precisa cada qual para seguir avangando no proceso de construgao" (p.130, gritos do autor). E a avaliagao que iré impulsionar 0 processo de construgo dos conhecimentos no qual 0 aluno acom- panha seu préprio processo de construgao, e de re- onstrugaio, bem como seus ganhos e perdas, suces- 80s @ fracassos, reorientando-se_permanentemente, Ainda segundo Alonso et al., a0 atribuir & avaliagao 0 papel de instrumento de aprendizagem que deverd subministrar retroali mentagao adequada aos alunos (e ao préprio pro- fessor) e contribuir para melhorar 0 ensino, se rompe bastante com as concepgées de sentido comum sobre a prépria avaliagéo modificando suas caracteristicas, (1992. p.130) Encontramos também propostas de superagao das concepgies de sentido comum de avaliagao em IRES, 1991: Alonso et al., 1992; Miras @ Solé, 1990; Call, 1990; Driver, 1988, Carvalho e Gil-Perez, 1993. A avaliagdo assume um novo lugar, com novas ‘caracteristicas diante do processo ensino-aprendiza- gem, tals com: Avaliagao e. * ser elaborada segundo critérios claros, visando orientar e melhorar 0 processo de aprendizagem e também de ensino, conforme a intencionalidade do projet educativo; * ‘referir-se tanto aos processos como aos produtos da aprendizagem; * ser capaz de dotar de significado © proprio con- teuido; © promover a aprendizagem significativa, capaz de levar 0 aluno a tomar consciéncia da evolugo de ‘sua aprendizagem; * ser percebida pelo aluno como momento de ajuda, ‘como mais um instrumento de sua aprendizagem; ‘+ ser um instrumento de reflexdo sobre 0 processo ensino-aprendizagem, @ ndo somente uma cons- tatagdo do mesmo; * ter seu processo permanentemente avaliado pelos sujeitos nele e por ele envolvidos © manter as caracteristicas acima citadas. Como assinala Gimeno Sacristin (apud IRES, 1991), © grande valor da avaliagdo estd, por um lado, em ser instrumento de investigacao didética: com- provar hipdteses de agao metodolégica para ir acumulando recursos de uma eficadcia comprova- da na agao @ ir engrossando desta maneira 0 Conjunto de técnicas pedagdgicas fundamentadas cientificamente e, por outro, perante o aluno, esta ‘em dar uma informagao que Ihe ajude a progreair alé a auto-aprendizagem, oferecendo-lhe noticia do estado em que se encontra @ as raz6es do mesmo, para que colha ele mesmo esse dado como um guia de autodiregao, meta da educapao. (P.66, grifo do autor) Avaliagao: uma atividade de metacogni¢o Pensar a avaliago como um instrumento de apren- dizagem, como ja mencionamos, requer a insereéo da avaliagéo no processo de aprendizagem. A avaliagao deverd possibiitar a0 aluno 0 acom- panhamento do seu proprio processo de construgaio do conhecimento, encorajando-o a comprovar e/ou re- futar suas hipéteses; estabelecer relagdes entre o que ja sabe e o novo a aprender, perceber e superar con- flitos; reconhecer seus avangos, ganhos, dificuldades, feorganizar seu saber @ alcangar conceitos supe- riores. A avaliagio deve ser um instrumento de refle- xo sobre sua aprendizagem e impulsionadora da sua continuidade: “avaliagdo no seu significado basico de investigagao e dinamizacao do processo de conheci- mento” (Hoffmann, 1991). Dinamizar oportunidades para que o aluno possa refletir sobre 0 conhecimento que possui e sobre o conhecimento que constréi @ como o consti. A esse exercicio de reflexdo sobre 0 préprio proceso de construgao do conhecimento chamamos de metacog- Cad. Pesq., 1.99, nov. 1996 nigdo ou meta-aprendizagem. Para Driver (1988) 0 termo metacognigao 6 utilizado “para discutir 0 pro- cesso pelo qual os estudantes refletem sobre seu pré- prio conhecimento @ como esté mudando” Por meio do exercicio de metacognigao o aluno toma consciéncia de onde partiu (seus conhecimentos prévios), 0 que construiu (conhecimento cientifico/es- colar) e'como construiu (método utlizado na constru- 680), podendo entéo fazer e refazer caminhos numa Permanente atitude investigadora diante do conheci- mento. O aluno se coloca, assim, no movimento mes- mo de construgao e reconstrugo histérica do conhe- cimento, ¢, fundamentalmente, atua como sujeito do proprio proceso de construgao/reconstrugao. © aluno pode refletir sobre seu conhecimento pré- vio, ou sua “epistemologia pessoal” (Vale, 1989), questionando-a e operando transformagdes em seu modo de pensar, em seus conceitos; ‘refletir sobre essa transformagao, 0 caminho que ela percorreu, os obstdculos que encontrou e como os superou, 0 “tue gar’ em que chegou 0 novo conhecimento. E mais ma vez refletir sobre este novo conhecimento, refa- zendo constantemente 0 movimento de construir © re- fletir sobre 0 construido. Poder fazer um exercicio da epistemologia pessoal. Esse exercicio pode ter lugar, nao 6, mas fundamentalmente, na avaliagao, que deve converter-se num instrumento da aprendizagem ‘e num instrumento de reflexao sobre a aprendizagem. A avaliagao 6 a refiexdo transformada em agao. ‘Ago essa que nos impulsiona a novas reflexdes, ou, como nas palavras de Hoffmann (1991), “reflexao per- manente do educador sobre sua realidade, @ acom- panhamento, passo a passo, do educando, na sua trajetéria de construgdo do conhecimento’ A reflexio sobre as experiéncias vividas no pro- cesso de aprendizagem possibilita a construcdo de novos significados que vao sendo construidos © atri- buidos a essas experiéncias, ressignificando, assim, a aprendizagem, o conhecimento, 0 pensar eo agir. Confome Driver, as estratégias que favorecem que os estudantes rellitam sobre sua propria aprendizagem os aju- dam a achar que esté em jogo um processo de mudanga conceitual e também que seu conheci- mento 6 estruturado @ inter-relacionado. (1988. p.188) Isso possibilita ao aluno identificar 0s caminhos que pode seguir em seu pensamento e os obsticulos conceituais © metodolégicos que pode encontrar, e, assim, assumir uma nova atitude diante da aprendi- zagem. A avaliagao, assim entendida, reforga sua nature- za de ser inerente & apo, & ago intencional carao- teristica exclusiva do homem que deverd conduzi-lo progressivamente a constituir-se num sujeito auténo- ‘mo, liberto para o conhecimento, um pensador livre, critic, criativo e responsavel perante 0 contexto so- cioeconémico, politico e cultural em que esté inserido. 5st CONSTRUINDO A AVALIAGAO NA NOVA PERSPECTIVA Na busca de um novo sentido para a avaliagao da aprendizagem, coerente com um projeto de agao edu- cativa que visa desenvolver-se na perspectiva cons- trutivista de educagao, langamo-nos numa experiéncia ‘como professora formadora de professores. O suporte teérico que embasou tanto nosso projeto como a ex- periéncia encontra-se na psicologia genética de Piaget 8 seus colaboradores e em sua fundamentacao epis- temolégica no interacionismo construtivista Ao relatar uma investigagao sobre a avaliagdo, ‘Alonso et al. (1992) aponta: Como contribuigéo a dita investigarao, este tra- balho se propée estudar se um ensino orientado Por novos delineamentos construtivistas gera mo- dificagdes na forma de avaliar, ainda que a ava- liag&o nao tenha sido contempiada expiicitamente. Elo apoiaria, sem divida, a visdo das propostas ccontrutivistas como um modelo global que imporia sua propria Iégica a todos os aspectos do. pro- cess0 ensino-aprendlzagem. (p.128) Podemos dizer que, a0 planejarmos 0 projeto ‘educativo para formagao de professores, procuramos modificar os objetivos, contetidos, procedimentos ¢ atividades, todavia modificagdes na avaliagao nao fo- ram contempladas explicitamente. Mas, sem diivida, a proposta construtivista como um modelo global im- ps sua prépria ldgica @ evidenciou a contradi¢ao en- tre 0 projeto e nossa proposta de avaliagao, levando- nos & reflexdo e busca da superacao de tal contradi- go @ a construir uma nova perspectiva de avaliagao: avaliagdo como um instrumento da aprendizagem e exercicio de metacognigao. E do resultado dessa nova, maneira sobre avaliagdo que nos ocuparemos a seguir. ‘Antes, porém, de analisar resultados, faz-se ne- cessério contextualizar nossa experiéncia: ela se deu no curso de formacdo de professores em nivel de ter ceiro grau (Pedagogia), que se destina a formacao de professores para as’ séries iniciais do 1° grau (UFMT/MT). Disciplina sob nossa_responsabilidade: Contetido @ Metodologia para o Ensino de Matemati- ca. Periodo de elaboragao da nossa proposta de for- magao de professores nesta area: de 1969 a 1993. ‘Ano em que se inicia a evidéncia da contradigao entre © projeto educativo e a avaliagao utiizada: 1991/pri- meiro semestre; entretanto, somente em 1992/primairo semestre, introduzimos uma nova perspectiva de ava- liagao. A proposta de formagiio de professores para o ensino de matematica para as séries inicials do 1° grau centrava-se na superagao do modelo tradicional de ensino @ estava apoiada no “modelo construtivista de ensino e de aprendizagem" (Darsie, 1993). Ele- mentos considerados fundamentais para a formagéo do protessor, nesta area de conhecimento: © Aprender aritmética: todo aquele que se propde a “ensinar’ alguém deve antes conhecer o que iré 52 “ensinar’. Quando, ao inicio do curso, constatamos que os futuros professores nao dominavam 0 contetido que deveriam “ensinar’, toriou-se nossa tarefa “ensind-los’, ou melhor, encorajé-los & cons- ‘trugdo de tal conhecimento. Conhecimento esse que deveria ser por eles construido nao somente fem sua expressdo de produto final, mas antes fem seu processo de construgao enquanto ciéncia, fem sua génese e historicidade. * Aprender a ensinar: como néo se pode “ensinar” © que ndo se sabe, nao se pode “ensinar’ sem saber “ensinar’, Para tanto nao era preciso inventar métodos, bastava apenas reconstrui-los a partir dos principios e procedimentos que eles utilizariam fem sala de aula com seus alunos. Ou seja, eles aprenderiam aritmética e aprenderiam a ensind-la com métodos ativos, que encorajassem a cons- ‘trugo do conhecimento em proceso © produto, * Conhecer quem aprende e como aprende: 0 futuro professor deveria aprender os mecanismos de desenvolvimento cognitivo da crianga, seus pro- cessos de construgdo dos conhecimentos, a sua légica de construgdo e, sobretudo, respeité-a. * Aprender a amar o que “ensina’: se 0 “monstro” da matematica os apavora e assola, fazendo-os odié-la, 6 preciso que os ajudemos a afugenté-lo. Assim como os professores ndo podem ser efi- cientes se antipatizarem ou se forem indiferentes com as criangas, também nao podem ser indife- entes @ disciplina que ensinam. Tém de amé-la, pois somente assim amardo redescobri-la a cada vez que ensinarem, (Lipman, 1990. p.29) 'S6 6 possivel nao temer, ¢ acima de tudo amar, aquilo que conhecemos bem. Enquanto a matematica for um mistério, algo que esta fora do sujeito, para ser aprendido arbitrariamente, ndo sera possivel ama- la. E preciso aprendé-la, construl-la, conhecé-la para aprender a amé-la. Nosso objetivo principal foi 0 de que os futuros professores, tendo construido e refletido sobre o aci- ma exposto, pudessem construir um novo significado para sua agdo educativa, um novo conhecimento para o processo de ensino e de aprendizagem de aritmética. A questo que se apresentava era: O que @ como avaliar? Se era 0 processo de construgao que devie- mos acompanhar, como fazé-lo? De que tipo de ins- trumento para avaliagdo deveriamos langar méo para que ela se torasse um instrumento de aprendizagem, 8 no mera constatagao dessa? Como saber se os conceitos prévios dos alunos haviam sido superados como isso teria ocorrido? Como avaliar respeitando a construgdo de cada qual, respeitando suas cond gées prévias e atuais como individuos singulares? Que tipo de avaliagao possibilitaria ao aluno refletir sobre seu proprio processo de aprendizagem? Pesava em nossa reflexdo e deciso a certeza de que Avaliagdo e... © grande problema para 0 adulto que se propée a tratar a crianga — seja ensiné-la, reeducd-la ou traté-la terapeuticamente — é a tomada de cons- ciéncia do seu proprio desenvolvimento, tanto quanto a compreensao da especificidade do de- senvolvimento da crianga enquanto sujeito psico logico. (Fagundes, 8.4. p.5) Era preciso transformar a avaliagéo num instru mento do aprendizagm @ ao mesmo tempo num ins: ‘trumento de reflexdo e tomada de consciéncia do pré- prio desenvolvimento do proceso de aprendizagem. Surgiu entdo um instrumento altemative, 0 que chamamos de “didrio", conforme Darsie (1993): A idéia de solicitarmos dos alunos um registro apés cada aula, sob a forma de dirio, como um desses didrios de adolescentes que registram tudo 0 que se passa com eles durante 0 dia, fol para que pudéssemos acompanhar, professor ¢ aluno, a construgao do conhecimento aritmético e pedagdgico e as reflexdes de cada aluno sobre ‘seu préprio processo de aprendizagem. (p.120) ‘Ao analisarmos os didrios encontramos registra- dos momentos em que se dera a tomada de cons- ciéncia dos alunos: da construgao da aritmética, do que aprenderam e do como aprenderam; do conhe- cimento necessario para o seu “ensino", ressignifican- do 0 fazer pedagégico; do seu papel como aprendiz @ como professor @ da necessidade de mudanca de atitude diante do ensino e da aprendizagem. A reflexdo dos professores e suas experiéncias passadas e presentes em relagdo a aritmética, como aprendizes e como professores, foi permeada pela ra- 20 e pela emogao, e novos significados foram sendo atribuidos a essas’ experiéncias, ressignificando sua atuagao como futuros professores, Um exercicio de metacognigéo em movimento crescente que mostrou a superagao de conceitos pi vios © a caminhada a conceitos mais elaborados & 0 que a leitura na integra de cada diério pode nos re- velar. Contudo, para o presente trabalho nos limit ‘mos a uma pequena amostra, andlise de um s6 didrio, no intuito de apresentarmos alguns dos resultados ob- tidos, selecionando e analisando trechos que conside- ramos significativos para andlise e/ou avaliagéo de um processo de construgao de conhecimento Utlizaremos aqui o que chamaremos de Episé: dios de Aprendizagem, para aqueles momentos. nos quais se evidencia a tomada de consciéncia sobre 0 proceso de aprendizagem, berm como as situagdes de conflito que levam & aprencizagem de novos con- ceitos ou a conflitos que evidenciam 0 aparecimento de novas posturas perante a aprendizagem © 0 ensino. Analisaremos a seguir alguns “episédios de aprencizagem” registrados em um dos distios, visando dar uma amostra de sua eficiéncia como instrumento, por meio do qual o aluno tem a possibilidade de ob- Cad. Pesq., 0.99, nov. 1996 jetivar seu exercicio de significagéo, ressignificago de coneeitos acerca do proceso de ensino e de apren- dizagem, e a oportunidade de fazer um exercicio de metacognigiio ou meta-aprendizagem, sobre 0 que © como aprender. Episédio n. 1 Certos conceitos mateméticos permeavam mi- nha prética docente: a matematica 6 resolugao de célculos, ciéncia exata sem meio certo. Aprende- se matemdtica na escola! Depois da aula de hoje cheguei a lembrar com angustia dos meus ex-alu- nos téo desrespeitados por mim nas suas cons- trugées mentais do conhecimento. Nunca havia pensado que minha obrigagao era encaminhd-los rno raciocinio Iégico-matemaitico. A formagao que tive, os livros didéticos adotados, tudo contribuiu para a repeti¢ao sucessiva dos meus eros na hora de “ensinar” matematica. (H., 13/6) ‘Aaluna entra em conflito com seus conceitos pré- vios sobre © que 6 matemdtica e como se aprende matematica, 0 que pressupde a elaboracdo de novos concsites, jé que transfere sua reflexéo ao passado, referindo-se aos erros cometidos © ao “desrespeito ‘aos alunos em suas construgdes mentais". Isso a leva ‘a questionar sua formacdo e instrumentos didéticos contraditérios com a nova concapgao de “ensino” de matematica, Podemos concluir que 0 conceito de ma- tematica como resolugao de calculos foi superado pela construgao do conceito de matematica, como construgéo mental; e 0 conceito de que matematica se aprende na escola pelo de que matematica se faz presente nas relagdes do cotidiano. Episédio n. 2 Um dia, (faz tempo) eu Ii esta frase: “Sei que nada sei”. Achei-a interessante mas nao me sig- nificou grande coisa. Hoje, depois que sai da aula lembrei-me da frase @ entendi realmente o que quer dizer: — o primeiro passo para a mudanga 6 a conscientizagao da nossa ignorancia, © este 6 0 incentivo que nos obriga a seguir em frente, sempre na esperanga de aprendermos mais mais. (H., 1316). Evidencia-se aqui uma nova atitude diante do co- nhecimento que se supée ter. A construgéo de um novo conhecimento, que possibilita a significagzo de algo lido que estava solto e sem referéncias na me- méria. O novo conhecimento ressignificando © conhe- ccimento anterior. A tomada de consciéncia de que necesséiio conscientizar-se das limitagdes para poder ‘superd-las, “a conscientizacao da nossa ignoréncia’, © dar-se conta do que se sabe como condigao para 1 continuidade da construgao do conhecimento. O “na esperanga de aprendermos mais ¢ mais” coloca 0 mo- vimento, a continuidade na construgao do. conheci- mento, onde nada esta pronto e acabado, langando, projetando a construgao ad infinitum, 53 Episé Vimos como 0 homem comegou a contar, a aprendizagem gradativa que a humanidade em- preendeu por muitos anos. & interessante obser- varmos como 0 progresso mental do homem, sempre impulsionado pela necessidade material, avangou até nossos dias, chegando ao computa: dor e outras maravilhas. Para mim foi importante relacionar a matemética, com seus agrupamentos, @ uma histévia. Pensava que ela fosse fruto dos que praticavam 0 écio, os grande pensadores tipo Pitdgoras. (H., 27/6) Neste episédio se da a tomada de consciéneia do rocesso historico da construgdo do conhecimento matematico. A superagao da crenga de que a mate- matica era fruto de mentes brilhantes para percebé-la ‘como construgao ao longo dos tempos impulsionada ela necessidade material. Her. mostra ter estabele- cido uma nova relagao entre matematica, seu conted- do e a histéria: matemética, um concsito construido historicamente. Isso evidencia que a aluna, pelo con- {lito estabelecido com 0 novo conhecimento, evolui na ‘sua concepeao, pois passa a compreender a ciéncia ‘como algo em permanente construcao. Muda sua con- cepeao de ciéncia pronta e acabada e com isso muda ‘a compreensao de seus métodos de construgio, Episédio n. 4 Nao sei se 0 fato de estar comegando a transar uma boa com os mimeros e numerals pode ser considerado um progresso; se nao for, ndo faz mal. O importante 6 estar me sentindo bem, em pleno sdbado durante quatro horas, na sala de aula, Isso sim & um milagre. (H., 4/7) Her. toma consciéncia de sua aprendizagem, 0 que a faz sentir-se bem. O prazer de aprender fica expresso, pois ela sabe que aprendeu. Podemos des- tacar também deste episédio a mudanca de expecta- tiva com relagdo as “aulas de matemética aos sdba- dos’, Poderia ela ter acrescentado: — quando se aprende, se gosta. Isso sim é um milagre. A apren- dizagem significativa dos ntimeros @ numerais provo- ‘ca mudangas em sua concepeao de matematica, um ‘conhecimento que quando construide com significado despe-se de sua magia e € possivel comecar a “tran: sélo numa boa" — ou compreendé-lo por ter signifi- cado. Episédio n. 5 Minha cabepa esté um rebuligo! Saber que a crianga de 1* série néo tem condigées de fazer ‘contas com lépis foi 0 maximo para mim. Depois das explicagdes e do uso do quadro de pregas, ‘sso pareceume dbvio e elementar. Por que eu no havia pensado nisso antes? Porque eu fiz com meus alunos e filhos exatamente como fize- ram comigo? Qual o sentido das atividades: “erme @ efetue? Fora de encher paginas © mais pagi- nas de cademno, ainda incita 0 ddio pela discipli- 54 na. E necessério que a crianga exercite bastante coneretamente para depois sistematizar no cader- no. Os problemas devem ter enredo, isso dé sen- tide para as contas. (H., 1/8) Her. evidencia estar em conflto, "Minha cabega ‘esta um rebuligo!", conflito instalado ao apresentar-se um novo conhecimento sobre a aprendizagem da adi- (¢40 pola crianea. Conhecimento este que construido pareceu-Ihe “ébvio e elementar” por revelar-se signi- ficativo diante de sua experiéncia como aprendiz ‘como protessora. “Por que eu nao havia pensado nis- so antes?” Ao atribuir um novo significado para a aprendizagem da adigdo pela crianga, Her. questiona sua pratica como professora e como mae que ensi- ava como havia *aprendido” quando crianga, pela aprendizagem repetitiva. Isso a faz questionar o sig- nificado desse tipo de aprendizagem que, além de nao levar a aprender de fato, provoca sentimentos aversives com relagdo a matematica, Toma conscién- cia de que a maneira como “ensinamos’ e “aprende- mos” pode determinar 0 fato de gostarmos ou nao de matematica. Ao explicitar 0 novo conhecimento, con- trapde-se & aprendizagem repetitva. Episédio n. 6 Prometo nunca mais me esquecer de nada que ‘aprendi hoje. Prometo respeitar a légica do pen- ‘samento do meu aluno e nao Ihe impor coisas que eu acho que ele deve ‘aprender’. Prometo ‘oportunizar a construgao mental deles @ esperar com paciéncia @ inteligéncia que isso acontega. Quero que toda a cabecinha que estiver aos meus cuidados soja uma lampada sempre acesa, no um curto-circuito, Prometo. (H., 1/8) ‘Ao apropriar-se do novo conhecimento, e tendo consciéncia das novas possibilidades que este ofere- ce aos processos de ensino ¢ de aprendizagem (& possivel fazer diferente e melhor o que eu fazia), a aluna evidencia uma nova atitude, compromete-se, como professora, @ respeitar 0 sujeito construtor do conhecimento, compromete-se com uma nova prética pedagdgica. A evolugao da concepgao sobre apren- dizagem e ensino, e a sua tomada de consciéncia, és em evidéncia, pelo conflito que nela se encerra, a necessidade de uma mudanca de atitude diante desses processos. O mesmo ocorre em relagdo & mu- danga metodolégica sobre o contetido por ela apren- dido, po's, tendo sido respeitada em seu processo de cconstrugdo, reconhece a importéncia disso e compro- mote-se a dar oportunidade construgao mental de ‘seus alunos, superando assim a idéia de que deve- mos ensinar tudo, e em tempo preestabelecido. E fun- damental que todo novo conhecimento construido im- plique uma nova postura, Episédio n. 7 E demais! Depois de anos a fio achando que eu sabia subtrair @, 0 quo 6 pior, “ensinando” a sub- ago, eis que fico sabendo que a subtragao pos- Avallagdo e. sui idéias” de separar, comparar, igualar. Por isso que certos probleminhas nem eu sabia que conta fazer. Quando a diivida aparecia eu corria para olhar 0 “ivro do professor” (com as respostas @ contas feitas em azul) para ver como era. Depois dizia para os meus alunos: — E conta de mé nos... Ao lidar com a subtragéo, acho que saberei distinguir uma das outras para, através da pratica, dar condigdes de meu aluno construt-las mental- mente. (H., 15/8) Com freqiéncia, a aprendizagem conceitual vem acompanhada de uma evolugao nas concepgoes, ou evolugéo metodolégica, com relagao ao ensino e & aprendizagem. Her. amplia seu conceito de subtrarao e imediatamente passa a entrar em conflito e rever ‘sua concepeao de “ensino" de subtragao. Subtragao no se resume a um algoritmo e ndo se aprende sub- tragao mecanicamente: 6 um conceito que deve ser construido mentalmente pelo aluno. Ao mudar ou am- pliar seu conceito de subtragao, remete-se ao “ensino” deste conceito e percebe que, para ser construido pelo aluno, ela, como professora, devera passar por uma mudanga de atitude perante a aprendizagem, 0 que implica rever os métodos que utliza para a apren- dizagem de seus alunos, bem como rever 0 préprio método de construgao do conceit de subtragao en- quanto contetido (conceito matematico) Episédio n. 8 Como professora eu massacrei meus alunos. ‘Sempre dizia: — Se vocé nao aprender a tabua- da, bem aprendido e decorado, nao vai conseguir fazer conta nenhuma e ndo vai passar de anol Isso porque eu me considerava uma étima pro- fessora, conceito undnime entre os colegas. Pa- rece piada, nao? Infelizmente ndo 6, @ eu precisei passar quase metade da minha vida (presumo) ara constatar 0 grande engano. .. Mas em compensaeao tive a oportunidade de perceber 0 quanto a nossa manelra errada de conduzir a ‘aprendizagem" (era esse 0 conceito que permeava a nossa pratica: aprender 6 deco- rat) prejudica as pessoas pelo resto da vida. Por que ndo esperamos a prépria crianga construir seus conhecimentos, ir devagar, bem conereto, de ‘maneira descontraida (sem cobrangas) até que ela mesma tenha o prazer de reconhecer que aprendeu? (H., 29/8) Mais uma vez a construgio de uma nova concep- go sobre ensino @ aprendizagem poe Her. em con- {lito com sua pratica como professora. Ela objetiva ‘sua coneepedo prévia “aprender 6 decorar” € sua su- perac&o “por que ndo esperamos a propria crianga construir seus conhecimentos’, ¢ da altemativas me- todoldgicas para esta construgao, “ir devagar, bem concreto, de maneira descontraida (sem cobrangas)”. A aluna esta tomando consciéncia de sua nova apren- dizagem @ isso Ihe esta dando prazer. E é esse pra- zer que ela quer que a crianga sinta também, o prazer Cad. Pesq., 7.99, nov. 1996 nao s6 de aprender, mas de reconhecer, tomar cons- ciéncia de que aprendeu. Reconhece que “a maneira errada de conduzir a aprendizagem prejudica a pes- soa pelo resto da vida’, assim como ela foi prejudi cada — “precisei passar quase metade de minha vida para constatar 0 engano’. Fica implicito nessas afir- mages que a aprendizagem influencia positiva e ne- gativamente 0 desenvolvimento da pessoa. E se as- ‘sim 6, faz-se necesséirio refletimos sobre nossas ati- tudes ao conduzirmos a aprendizagem. Episédio n. 9 .. Adorei ter que fazer passo a passo a divisdo do inteiro. Fica facil, 6 estimulante @ realmente construtivo. No caso de transformar 0 numero misto em fra- 80 imprépria eu nunca demonstrei com dese- nhos, apenas ensinava que se multiplica 0 inteiro pelo denominador e soma-se 0 numerador, repe- tindo-se 0 mesmo denominador. Ponto final toma exercicios! Utiizando-se os desenhos a gen- te pode até desprezar os célculos, a prépria crian- ga chega & conclusdo do processo. Nao precisa ir na bandeja e nem ser imposto. Sem falar na alegria que dé quando a gente enxerga o que an- tes estava escuro @ dificil E tao excitante que vem sempre acompanhado da expresséo — E sé isso? Facil desse jeito? (H., 19/9) Este episédo evidencia a tomada de consciéncia da importancia de se construir 0 conhecimento em ‘seu processo, @ nao apenas decorar regras © aplicd- las corretamente. "Adorei ter que fazer passo a passo a divisdo do inteiro", esta afirmagao leva-nos a supor que, ao fazer isso, @ aluna reconhece ter aprendido, pois “fica faci, 6 estimulante e realmente construtivo” Ao ter aprendido 0 que no sabia, reflete sobre sua pratica, como ensinava, superando 0 "como ensinava” pelo ‘como aprendeu". Aprender, construindo em pro- cesso, superar a concepeao de transmissao x recep- a0 A qual foi reduzida a compreenséo do proceso de ensino-aprendizagem. "Nao precisa ir na bandeja fe nom ser imposto.” Mais uma vez a aluna refere-se a0 prazer, & alegria de aprender. Reconhece que tem prazer de enxergar 0 que antes estava escuro e dic, © que quando ultlizamos metodologia adequada a aprendizagem se torna mais facil, porque significatva. Episédio n. 10 Nao sei 0 que estava acontecendo comigo hoje nna sala de aula, Por mais que a Marta mostrasse concretamente, através de recortes feitos com pa- pel, que 1/2 cabe uma vez e meia em 3/4, eu nao conseguia entender. Fiquel nervosa com mi- nha “cegueira” e falta de raciocinio. A vergonha foi tanta diante do esforgo da Marta e da Mari (colega) em me provarem 0 que era dbvio, que acabei dizendo que tinha entendido. Agora, pas- ‘sando 0 caderno a limpo & que percebi o que elas tontaram me passar. Arre! Foi dificil... (H., 29/9) 55 Este episécio retrata a tomada de consciéncia do préprio confltto. Conflito este que ndo fol superado em sala de aula, mas com a aprendizagem do contetido, a0 ter que registré-lo no caderno, instrumento de aprendizagem. Ao tomar consciéncia do conflito e da Posterior aprendizagem, a aluna péde objetivar esse eu processo no diario. Isso revela que, por mais que tentemos transmitir conceitos como os de matematica, do obteremos sucesso se estes nao forem significa tivos, © que nao podemos determinar o momento, 0 tempo e o lugar da aprendizagem. Podemos, sim, criar condigées para que ela ocorra, “Agora, pasando © cademo a limpo 6 que percebi o que elas tentaram ‘me passar.” De fato “tentamos passar", mas ela sé percedeu 0 que “tentamos passar’ depois de ter aprendido, construido ela propria o significado para o contetido, Episédio n. 11 As suas tltimas explicagdes vieram atender um pedido nosso, quase um apelo para que nao dei- xasse de repassar nada que viesse fazer falta na nossa prética, Apesar disso sai frustrada da sala, sentindo a sensagao de que havia deixado escapar algo mui- to importante. Cheguei a combinar com uma ami- 9, futura aluna sua no préximo semestre, que no esquecesse de me avisar quando for estudar (05 numeros decimais e medidas de comprimento porque ou estava convicta da necessidade de as- sistir sua explicagao novamente. Engragado... s6 agora, escrevendo sobre a aula, 6 que me dei conta do tremendo absurdo que senti, talvez reffexo da indesejével inseguranga que insisto carregar ou, desculpe minha franque- a, preguiga de raciocinar! E t&o cémodo seguir os mesmos passos de quem sabe mais que a gente! Ah! Ah! Ah! Tenho pavor de me sentir sendo usada como uma muleta por alguém, e quase fiz isso com vocé. Perdoe-me, Marta, voc8 néo merece isso @ nem eu preciso. Porque consegui romper com vérios traumas @ sentimentos de inferioridade que difcultavam o ‘meu raciocinio me impediam de perceber como a matematica 6 facil. (H., 1/10) Her. expe seu conflito. Talvez 0 medo de que, acabado 0 curso, pararia de aprender, manifestando a crenga de que para aprender preciso que tenha alguém para ensinar, transmiti. Mas Her. 6 adulta & de beneficiar-se conscientemente de todo 0 proces- 's0 que vivenciou durante o semestre para superar sua inseguranea, 0 que faz ao tomar consciéncia de que tem condigdes de seguir sozinha, “Engragado... 96 agora, escrevendo sobre a aula, 6 que me dei conta do tremendo absurdo que senti.” 0 diério se apresenta como instrumento de aprendi: zagem, de exercicio de metacognicao, de reflexao so- bre 0 que aprendeu © como aprendeu. Um instrumen- to que, ao ter de fazer uso dele, faz com que a aluna 56 tome consciéncia da aprendizagem e do processo de aprendizagem, processo que 6 seu, nao do professor. A aluna toma-se sujeito do ato de aprender e cons- ciente de que aprendeu a aprender. Episédio n. 12 Nao sei se este relato cabe bem num dito felto ‘exclusivamente para a matemdtica, mas a verda- de 6 que aprendi. As relagdes que consegui fazer entre a minha maneira de pensar hoje e a que tinha dois anos atrés séo muito importantes para mim, @ néo dé para ignoré-las. Todas essas andlises foram possiveis gragas & maneira como vocé conduziu suas aulas, Marta, @ a feliz idéia que vocé teve de nos pedir que registréssemos tudo 0 que acontecesse conosco. Sao os pequenos passos que abrem 0 caminho! (H., 1/10) Mais um episédio no qual a aluna reconhece 0 diario como um instrumento de aprendizagem. Contu- do nos parece que a proposta de registrar tudo 0 que: acontecesse nas aulas, de Contetido e Metodologia de Matematica, teve uma abrangéncia maior. De fato, ao repensar a pratica a partir de novas concepgdes de ensino e aprendizagem, mesmo em se tratando de uma das especificidades (matematica), nao podere- mos dissociar esta da globalidade do processo edu- cativo. Assim é inevitdvel que as reflexdes feitas com relagao a essa disciplina sejam extensivas a todas as outras areas de conhecimento @ a uma pratica docen- te que se quer global Her, diz no poder ignorar as relagdes estabele- cidas entre 0 que sabia e 0 que aprendeu, entre sua maneira de pensar antes @ depois do process de aprendizagem que empreendeu. Isso demonstra ter consciéncia de ter passado por um processo que mu- dou seu pensar © que a compromete a mudar seu agir. AVALIAGAO: INSTRUMENTO DE INVESTIGAGAO DIDATICA Entre os aspectos do processo de ensino e de apren- dizagem, a avaliagao 6 0 que indica ter maior possi- bilidade de por em evidéncia seus avangos e insufi- ciéncias. A avaliacdo converte-se, pois, em um campo privilegiado para a transformagao do ensino, propi- clando situacdes de reflexdo sobre sua organizagao @ efetividade. Motivado pela crenga de que a aprendizagem é um processo @ ndo um acimulo de informagées fac tuais, 0 professor se sente desatiado a organizar ati- vidades de ensino capazes de desencadear, colabo- rar, reforgar e acompanhar esse processo. Tal desafio © leva a optar por determinados métodos, atividades, técnicas e recursos didéticos; exige dele novas pos- turas perante 0 processo de aprendizagem e, conse- qientemente, perante 0 ato de “ensinar’. Como saber Avaliagao . da eficécia do ensino senéo acompanhando 0 proces- 80 de aprendizagem? Segundo Benett (apud Montero, 1990), “as medidas das mudangas nos alunos sao os critérios definitivos para investigar os efeitos do ensino” A leitura dos diérios nos possibiltou essa inves- tigagdo e acompanhamento, alertou-nos para mudan- gas na condugo do processo, corroborou confirman- do a eficdcia de situagdes de ensino utiizadas, ¢ re- velando 0s erros @ acertos de quem organiza e de como organiza 0 ensino. Essa forma de proceder a avaliaeao permite-nos comprovar hipéteses de ago metodolégica, pois é pela aprendizagem que sabemios se nossa metodologia encoraja ou nao quem aprende a aprender. Desa maneira acreditamos que 0 uso de regis- tros diérios pelos alunos sobre 0 que aprendem e como aprendem, € 0 que significa para oles esta aprendizagem, propicia ao professor situagGes de re- flexao @ transformagao de sua ago, nas quais 0 pro- fessor, como “praticum reflexivo" proposto por Shén (1992), tem a possibilidade de construr-se como tal ‘Ao acompanhar 0 processo de aprendizagem dos alunos, o professor tem a possibilidade de acompa- har 0 seu processo de ensino. Sua intervengao na aprendizagem implica sempre organizagao/reorganiza- 40 no ensino, 0 que nos leva a crer que ensinar uma agéo que exige permanente aprendizado. A avaliago permite dupla retroalimentagdo. Por tum lado, indica ao aluno seus ganhos, sucessos, di- ficuldades etc., a respeito das distintas etapas polas quais passa durante a aprendizagem, e, a0 mesmo tempo, permite a construgao/reconstrugao do conhe- cimento. Por outro lado, indica ao professor como se desenvolve 0 processo de aprendizagem e, portanto, de ensino, assim como os aspectos mais bem-suce- didos ou mais confitantes que exigem mudancas. As- sim, a avaliagéio assume uma caracteristica dindmica no processo educative, no qual se do miltiplas in- teragdes © mudangas entre os elementos que a con- figuram. A avaliagao como instrumento de aprendiza- gem implica aceitar que nem tudo esta previamente dito, ou estabelecido anteriormente a pratica de uma determinada seqiéncia didética, “ajustando-se assim, 20 paradigma da investigagao que considera o ensino ‘como um processo de tomada de decisdes © 0 pro- fessor como 0 profissional encarregado de adoté-las” (Pérez Gémez, 1983). Esse tipo de avaliagao fornece 20 professor varias informagdes sobre 0 curso do pro- ‘cesso educativo, permitindo-Ihe emit juizo sobre desenrolar da seqdéncia e de acordo com esse juizo imprimir a esta as modificagdes pertinentes para ajus- té-la as caracteristicas, capacidades e necessidades dos alunos. © uso de registros sob a forma de didtio, como utlizado em nossa experiéncia © pesquisa, revelou-se tum excelente instrumento na obtengéo de dados para a investigaego didatica. Essa forma de registro pare- ‘ce-nos eficiente como uma metodologia para a inves- tigago empirica no contexto de sala de aula, Os da- dos assim coletados, ou melhor, assim fomecidos, Cad. Pesq., n.99, nov. 1996 ndo surgem a partir do registro da observacao do in- vestigador, mas sdo dados dos registros feitos pelos préprios “sujeltos” do processo que desejamos in- vestigar. ‘Tendemos a considerar os dados fornecidos pelos alunos como mais ‘legitimos’, por ndo carregarem consigo 0 revestimento da lente interpretativa do in- vestigador a interferir na visdo do fendmeno. Embora tal lente esteja, som duvida, presente na sua analise. Para a investigacdo didatica parece-nos que se toma relevante a distingao entre dados fomecidos pelo aluno e dados coletados pelo professor-investi- gador. Os dados fornecidos pelo aluno, a exemplo dos registrados nos diarios, j4 oferecem ao professor-in- vestigador uma primeira avaliagao dos préprios alunos sobre 0 processo de ensino, seja pelo resultado da aprendizagem, seja por mengao direta ao trabalho do professor ou & metodologia utilizada. Nos diarios, quando os registros sao 0 produto de uma reflexdo sobre a aprendizagem, 0 ensino, a pra- tica ou o proprio pensamento do aluno ou do profes- ssor, tudo nele registrado tem valor para uma andlise posterior dentro da investigacao didatica. Mesmo quando esses registros parecem sem sentido, desar- ticulados, insuficientes ou até quando os “registros” do foram feitos pelo aluno, isso pode revelar ao pro- fessor, entre indmeras outras coisas, 0 insucesso na condugao da estratégia metacognitiva utiizada, a in- suficiénicla das atividades de ensino propostas, a ne- cessidade de retomar tal contetido em outro momen: to, a necessidade de insistir no assunto com propos- tas de novas e diferentes atividades. Podem, ainda, revelar dados sobre 0 aluno, suas dificuldades parti- culares, algum tipo de dificuldade em especial como problemas com 0 escrever, ndo conseguir expressa se, dificuldade em distanciar-se, ou pouca motivagao para o registro, Os registros também revelam os sucessos do en- sino por meio dos avangos dos alunos na aprendiza- gem. Pode o professor, pela leitura e andlise dos did- Fios, ir selectonando, organizando e aperfeigoando agdes metodoldgicas que se mostraram eficientes. A avaliagéo, assim entendida como instrumento de aprendizagem, converte-se também num eficiente instrumento de investigagao didética. CONSIDERAGGES FINAIS Converter a avaliagéo num instrumento de aprendiza- gem capaz de impulsionar a construgéo do conheci- mento, a0 mesmo tempo em que se torna um instru- mento de exercicio da metacognigao, que possibilita ‘a tomada de consciéncia da aprendizagem, assim como ter na avaliacao a possibilidade de obtengao de dados para a investigagao didatica, é ainda um co- nhecimento que esta por ser construido. Entretanto a sua relevancia para o processo de ensino e de apren- dizagem nao poderia deixar de ser alvo de nossas re- 57 flexdes. Com este trabalho comegamos a sistematizar, ‘mesmo que embrionariamente, essas reflexdes e suas repercussées em nossa pratica como formadora de professores; contudo, temos a cerieza de que ainda muito resta por construr. Essa construgio serd possivel se ndo perdermos de vista a indissociabilidade teoria versus prética © so- bretudo se formos capazes de envolver os sujeitos al- vos que dela se beneficiam, professor e aluno, Con: truir algo novo para uma pratica significa consteui algo na pratica; construir uma nova pratica requer uma pratica nova, na qual a agdo e a reflexdo sobre a aco sejam permanentes. Gostariamos de ressaltar também que acredita- mos que a melhor maneira de aprender metodologia de ensino nao é pela leitura de manuais, mas sim vi- venciando um ambiente em que, utiizada determinada metodologia, os sujeitos se beneficiem dela @ a reco- nhegam como um dos elementos integrantes do pro- ‘90850 de aprendizagem, quando tomam consciéncia, 0 que aprenderam @ do como aprenderam, e de que esse como foi relevante no aprendizado de o que. 'sso significa que, quando se aprende © contetido, deve-se com ele aprender 0 método. Incluimos aqui tanto 0 contetido do conhecimento das ciéncias como © contetido do conhecimento pedagégico. Nesse sentido, acreditamos também que na for- magao de professores 0 exercicio de metacognigao como avaliagao de suas conquistas significa: apren- der, tomar consciéncia de 0 que e de como aprendeu, @ aprender a ‘avaliar’, tomando consciéncia da impor- tancia deste tipo de ‘avaliagdo como instrumento de aprendizagem, e, na qualidade de professor, ser ca- az de utlizé-la com seus alunos, por té-la vivencia- do. Assim, em nossa experiéncia, este instrumento de aprendizagem tomou-se uma aprendizagem do con- teido programético, avaliagao. Nao estamos excluindo a necessidade de reflexdes mais sistematicas sobre concepgdes de avaliagdo nos cursos de formagaio de professores, apenas apontamos como, em nossa dis- Ciplina, contribuimos para tal refiexdo. Quanto aos disrios, mais especiticamente, pode- mos dizer que se mostraram instrumentos eficientes de aprendizagem © de investigagao didatica. Sua lei- tura nos revela os avangos feitos pelos alunos, aula apés aula, bem como possibilta a reflexéo sobre o ensino. Mas, sem duvida, a possibilidade de aplicar @ reaplicar este instrumento em varias outras ocasides dard oportunidade a seu aperfeigoamento. Aplicamos © instrumento em duas turmas, durante dois semes- tres diferentes, @ os resultados esperados apareceram ‘om ambas as ocasiées. Sua utilizagao, estando nés, agora, mais conscientes de seus beneficios, poderd contribuir para reforgar e enriquecer as reflexdes. © didrio selecionado para este trabalho mostra claramente que esse tipo de recurso pode realmente se tomar instrumento de aprendizagem. Esse fato 6 reconhecido pela prépria aluna, quando diz: "Todas esas andlises foram possiveis gracas a maneira ‘como vocé conduziu suas aulas (metodologia) e a fe- liz idéia que vocé teve de nos pedir que registrasse- mos tudo 0 que acontecesse conosco” (0 diario) Isso nos remete a reflexao inicial sobre a inten- cionalidade da aco educativa e a avaliagao como instrumento de aprendizagem a servigo desta inten- cionalidade: & intengao da ago educativa interferir no desenvolvimento do homem, provocando mudangas no seu modo de pensar e agir por meio da aprendi- zagem. Apés a leitura dos episédios de aprendizagem destacados de um dos didrios e apresentados neste trabalho, podemos considerar que 0 nosso objetivo foi atingido. Isso é 0 que nos revela claramente a leitura do episédio n. 11, no qual a aluna assume seu pro: cesso de aprendizagem, demonstrando que, ao cons- truir 0 conhecimento, construiu também sua autono- mia com relacdo & aprendizagem. Ela nos diz: “Agora do preciso mais de vocé". E isso o que todo profes- ‘sor gostaria de ouvir de seus alunos apés um curso. E isso 0 que gostarlamos de ouvir sempre de todos ‘98 nossos alunos. Este & 0 retorno positivo ao nosso objetivo: provocar mudangas no modo de pensar agit dos sujeitos. Que 0 proceso de aprendizagem contribua, promova 0 desenvolvimento do sujeito, me- hore suas relagdes com 0 conhecimento, consigo mesmo @ com 0s outros, tome-o critico, criativo @ au- ténomo, “Agora no preciso mais de voc8. Aprendi a aprender.” REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ALONSO, M. et al. Los Eximenes de isica en la ensandinza por transmission. Ensefanza de Ciencia, v.10, n.2, p.127-38, ‘902, CARVALHO, A. M. P., GIL-PEREZ, D. Formagto do protessores de ciéncias: tendéncias @ inovagées. Sao Paulo: Cortez, 4993, COLL, ©. Un marco de referéncia psicoldgico para la educacién ‘escolar: Ia concepelén construtivista del aprendizaje y do la ‘onsefanza. In: COLL, C. et al. 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