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A função social da escola e da avaliação

da aprendizagem

Daniela Comis
Bacharel em Pedagogia – Uninove;
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) – Uninove.
São Paulo – SP [Brasil]
danielacomis@terra.com.br

Para melhor compreender as mudanças de paradigmas da


avaliação da aprendizagem escolar, este artigo trata de um pa-
norama histórico sobre a função social tanto da escola quanto da
avaliação da aprendizagem.

Palavras-chave: Avaliação da aprendizagem. Cultura escolar.

Dialogia, São Paulo, v. 5, p. 135-144, 2006. Artigos

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1 Introdução competência e crescimento para a autonomia,
devendo, portanto, representar uma ferramenta
Atualmente, a avaliação da aprendizagem dialética, não somente do avanço, mas também da
escolar tem sido muito discutida tanto por especia- identificação de novos rumos, do reconhecimen-
listas quanto por professores na área educacional, to dos caminhos percorridos e daqueles a serem
em razão das diversas mudanças ocorridas nos perseguidos. Desse modo, a avaliação não deve
últimos tempos. Por isso, esse assunto tem de- estar polarizada pelos exames, mas pela necessi-
sempenhado um papel central no processo de dade de modificar seu caráter classificatório para
ensino-aprendizagem. diagnóstico, de modo a não causar prejuízos na
No decorrer da história da educação, o termo aprendizagem do aluno.
avaliação sempre foi associado à idéia de aprovação Hoffmann (1994) ressalta que o fenôme-
ou reprovação. A própria cultura escolar utilizou- no avaliação é hoje indefinido, de tal maneira
se desse termo como recurso para eleger os “mais que o termo vem sendo utilizado com diferentes
fortes” e os “menos fortes”. significados relacionados à prática avaliativa tra-
Nas escolas atuais, a avaliação tem sido rea­ dicional: prova, conceito, boletim, recuperação
lizada por meio de provas e exames, geralmente e reprovação. Dar nota é avaliar, e o registro de
sem vínculo com o processo de ensino-aprendiza- notas denomina-se avaliação. Ao mesmo tempo,
gem, o que faz com que vários autores questionem outros significados são atribuídos ao termo, tais
a prática escolar na busca de um consenso sobre o como análise de desempenho e julgamento de
que é avaliar e como a avaliação pode ser concreti- resultado.
zada de modo que garanta a aprendizagem efetiva Já Esteban (2003) afirma que a avaliação
do aluno. feita pelo professor em sala de aula se fundamenta
Atualmente, vários autores têm discutido esse na fragmentação do processo de ensino-aprendiza-
assunto. Destacam-se entre eles: Hoffmann (1994); gem e na classificação das respostas de seus alunos,
Hadji (2001); Lüdke (2001); Mainardes (2001); tomando por base um padrão de diferença predeter-
Paro (2001); Luckesi (2002); Freitas (2003); minado ao erro, e outro de semelhança, ao acerto.
Esteban (2003). A avaliação como prática de investigação pressupõe
Luckesi (2002) defende que a avaliação da a interrogação constante e se revela um instru-
aprendizagem deve ser assumida como instru- mento importante para professores comprometidos
mento que existe, propriamente, para mensurar com uma escola democrática. Nessa perspectiva, a
a qualidade da assimilação do conhecimento por avaliação será um instrumento que auxiliará o pro-
parte do aluno e para compreender o estágio de fessor a identificar as dificuldades de aprendizagem
aprendizagem em que ele se encontra. A partir daí, dos alunos, de modo que trace objetivos para que
o educador estará apto a tomar as decisões neces- eles possam superá-las.
sárias que possibilitem ao aluno avançar no seu Paro (2001), por sua vez, adverte que interva-
processo de aprendizagem. Considera a avaliação los prolongados entre avaliações de aprendizagem
diagnóstica como um instrumento fundamental podem provocar prejuízos maiores aos alunos.
para auxiliar cada educando no seu processo de Quanto mais tarde for diagnosticada a defasagem

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do aluno, menos tempo hábil se terá para tomar lares. Essa discriminação tornou-a uma educação
decisões, a fim de sanar as suas dificuldades. elitista, de caráter tradicional, que se preocupava
Para bem compreender as funções da avalia- com a transmissão da cultura geral, universalizada,
ção da aprendizagem discutidas atualmente pelos de forma memorística e repetitiva, além de trans-
teóricos, será necessário traçar um breve panorama mitir um ensinamento que não estabelecia relação
histórico do papel que a avaliação vem desempe- com a vida dos alunos.
nhando ao longo dos tempos. O ensino passou a ser regulamentado pela
primeira vez no Brasil com a aprovação da Carta
Constitucional de 1824, conforme Niskier (1989).
2 Panorama histórico sobre a Embora essa Constituição tenha preconizado a obri-
avaliação da aprendizagem escolar gatoriedade de o Estado oferecer educação primária
pública a todos, o que se viu foi a permanência de
Historicamente, a avaliação da apren- uma educação elitista, pois não houve crescimento
dizagem escolar assumiu, ao longo do tempo, quantitativo das escolas primárias capaz de atender
diversas características. Tudo começou a partir à demanda preceituada pela Carta Maior.
do ensino jesuítico: centrado no universalismo A avaliação, durante o Império, nas escas-
do ensino, distanciava os alunos do mundo, re- sas escolas primárias públicas, era assistemática e
sultando numa postura mais formal e ineficaz precária, uma vez que os alunos não eram exa-
para a vida prática. Foi por meio da educação minados regularmente. Nesse período ainda não
jesuítica que se instituiu, no Brasil, uma forma havia práticas avaliativas sistematizadas; entre-
peculiar de avaliação. tanto, iniciava-se, nas chamadas Escolas Normais,
No período histórico, que data de 1549 a a formação dos professores para atuarem nas
1759, não havia ainda uma estrutura sistematizada escolas primárias.
de avaliação da aprendizagem. Porém, conforme Foi no período republicano que o ensino se
Aranha (1989), o ensino jesuítico possuía uma instituiu como atividade sistemática e contínua,
metodologia própria baseada em exercícios de submetido a uma série de burocratizações, em
fixação por meio de repetição, com o objetivo de que os exames compreendiam provas orais, escri-
serem memorizados. Os melhores alunos auxilia- tas e práticas.
vam o professor a tomar lições de cor dos outros, No ensino tradicional, a escola primária
recolhendo exercícios e tomando nota dos erros e pública do século XIX, de acordo com Souza (1998),
de faltas diversas, e eram chamados de decuriões. deveria ter prestígio e qualidade e ser austera e ri-
As classes inferiores repetiam lições da semana gorosa. Para garantir o vigor dessas características,
todos os sábados. Daí, a expressão “sabatina”, uti- os exames foram utilizados como instrumentos de
lizada durante muito tempo para indicar formas avaliação. No final do processo, era realizada uma
de avaliação. verificação da aprendizagem que resultava na apro-
A avaliação no ensino jesuítico tinha, portan- vação ou na reprovação do aluno.
to, a função de disciplinar os alunos, e a educação Inicialmente, a classificação dos exames
era diferenciada para a elite e para as classes popu- era distribuída em graus: distinção, aprovação

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plena e reprovação. No entanto, esses critérios 3 A relação da avaliação
de avaliação se alteraram, como aponta Souza da aprendizagem com as
(1998, p. 244), tendências de ensino tradicional,
escolanovista, tecnicista
[...] a partir de 1904, passaram a ser ex- e libertador: uma análise
pressos em notas: 0 – péssima, 1 – má, 2 pedagógico-social
– sofrível, 3 – regular, 4 – boa, 5 – ótima
(Decreto n. 1.253, de 28.11.1904). Surge
assim, um sistema de avaliação alta- A educação jesuítica perdurou por 210 anos
mente normatizado, padronizado e ri- no Brasil, mantendo um ensino tradicional ao
tualizado. O imperativo da classificação, longo dos anos, pautado em práticas repetitivas, de-
intrínseco à escola graduada, exigia, por corativas e fixadas por meio de exercícios.
sua vez, um elaborado mecanismo de le- O ensino tradicional centra-se na figura do
gitimação. professor. O aluno é passivo, um mero receptor de
conteúdos e sua tarefa é decorá-los por meio de
A avaliação passa, então, a ser normatizada, exercícios repetitivos, interrogações do professor e
padronizada e ritualizada, gerando uma desigualda- de provas.
de social em decorrência da seleção e dos processos Libâneo (1994, p. 64) diz que
rígidos, o que resulta num elevado número de repro-
vações. Diante desse quadro, os exames, nas escolas Os objetivos, explícitos ou implícitos,
graduadas, tornaram-se rituais de grande projeção referem-se à formação de um aluno ideal,
pública. O saber do aluno manifestava a qualidade desvinculado da sua realidade concreta. O
do ensino ministrado pela escola. professor tende a encaixar os alunos num
Souza (1998) afirma ainda que, como parte modelo idealizado de homem que nada
dos rituais do exame, foram instituídos prêmios tem a ver com a vida presente e futura. A
como forma de emulação e disciplina. A reforma matéria de ensino é tratada isoladamen-
do ensino adotou técnicas disciplinares modernas te, isto é, desvinculada dos interesses dos
em substituição aos castigos físicos, como cartões de alunos e dos problemas reais da sociedade
mérito, notas de aplicação, quadro de honra, distri- e da vida.
buídos como prêmios pelos exames finais nas festas
de encerramento. Vale ressaltar que, num processo de ensino
Nesse sentido, a República não instaurou tradicional, a avaliação desempenha papel funda-
no Brasil uma sociedade democrática e uma cida- mental para medir a quantidade de conhecimentos
dania de fato, mas manteve a sociedade com forte assimilados pelos alunos e, por isso, foi ganhando
estrutura hierárquica e marcada por grandes desi- cada vez mais espaço e assumindo uma função de-
gualdades sociais, configurando um cenário escolar finida na prática educacional.
elitista e seletivo com a institucionalização do con- Na década de 1920, no Brasil, em pleno con-
ceito de nota. texto histórico da Primeira República, várias foram

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as críticas direcionadas ao ensino tradicional bra- A chamada Escola Nova, nesse período,
sileiro. Entre os críticos, destaca-se Anísio Teixeira, gerava esperança na democratização e na transfor-
educador baiano que participou dos movimentos mação da sociedade por meio da escola. O ensino
mais importantes do ensino brasileiro nos anos de escolanovista tinha por objetivo considerar os as-
1920 a 1960 e que definia a escola pública como a pectos internos e subjetivos na formação do aluno,
raiz da democracia. valorizando a liberdade e a criatividade da criança,
Teixeira (1976) critica a escola tradicional, o que não ocorria na escola tradicional.
afirmando que o ensino assume, cada vez mais, A tendência escolanovista desenvolveu-se nos
caráter informativo, limitando-se ao desenvolvimen- Estados Unidos e na Europa sob influência de John
to mínimo de habilidades e a uma esquematização Dewey (1859-1952), filósofo norte-americano que
de conhecimentos normais necessários aos exames. influenciou educadores de várias partes do mundo,
Afirma ainda que a escola primária, na sua história, inclusive Anísio Teixeira, no Brasil. Conforme
é seletiva e propedêutica, gerando menosprezo às di- Libâneo (1994), nesse processo de ensino-aprendi-
zagem, o professor assume o papel de facilitador,
ferenças individuais, cabendo, ao aluno, adaptar-se
ou seja, daquele que ajuda o aluno a aprender. A
ao ensino, e não o oposto. Diante disso, os alunos
atividade escolar se baseia na atividade mental dos
que não conseguem atingir os padrões exigidos são
alunos, no estudo e na pesquisa, visando à forma-
considerados incapazes, reprovados e tornam-se, ou
ção de um pensamento autônomo. A avaliação
repetentes, ou excluídos.
tem como objetivo enfatizar o processo de aprendi-
Segundo Teixeira (1976), a escola primária
zagem, avaliar o aluno como um todo, ressaltar a
deveria organizar-se para dar ao aluno uma educa-
qualidade dos conhecimentos aprendidos e valori-
ção integrada e integradora.
zar a auto-avaliação, a participação, a colaboração
e o respeito ao próximo.
Para tanto precisa, primeiro, de tempo:
No entanto, raros foram os professores que
tempo para se fazer uma escola de for-
aplicaram a didática ativa proposta no período
mação de hábitos (e não de adestramen-
escolanovista. Entende-se que isso ocorreu por
to para exames) e de hábitos de vida, de falta de conhecimento aprofundado das bases
comportamento, de trabalho e de julga- teóricas da pedagogia ativa, pela ausência de
mento moral e intelectual. (TEIXEIRA, condições materiais, pelas exigências de cumpri-
1976, p. 85). mento do programa oficial, entre outras razões.
Segundo Libâneo (1994), remanescem, desse
Em 1932, com o Manifesto dos Pioneiros período, somente alguns métodos e técnicas, tais
da Educação Nova, surge a reivindicação por uma como trabalhos em grupo, discussões e estudo
escola pública e democrática para todos, no lugar de meio, em detrimento de seu legado principal:
de uma escola seletiva e elitizada que se alastrava desenvolver a capacidade de reflexão do aluno.
ao longo dos anos, ocasionando um analfabetismo Conseqüentemente, na hora de comprovar os
no país que atingia 80% da população, conforme resultados do ensino e da aprendizagem, os pro-
Aranha (1989). fessores ainda solicitam a matéria decorada, da

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mesma forma que se fazia no ensino tradicional, professor pudesse estabelecer pré-requisitos para
por meio de provas que expressam a quantidade de atingir os objetivos formulados. Os objetivos eram
conteúdos decorados e assimilados. pautados numa abordagem sistêmica do ensino,
Conforme Aranha (1989), em decorrên- com base na orientação vigente à época, ou seja,
cia da industrialização que chegava ao Brasil de acordo com a ideologia do regime militar, po-
nas décadas de 1960 e 1970, o cenário educacio- lítico e econômico. Os métodos de ensino seguiam
nal configurava-se de forma autoritária, vertical, uma instrução programada de ações visando
visando atrelar o sistema de ensino ao modelo de atingir resultados, não havendo momentos para
desenvolvimento econômico. que o aluno pudesse pensar.
De acordo com Libâneo (1994), a orientação A prova tornou-se mecânica e, de acordo com
do ensino técnico foi imposta às escolas pelos orga- Chagas (1980, p. 255), “[...] o sistema de notação é
nismos oficiais, por ser compatível com a orientação sem dúvida numérico, em coerência com a idéia de
econômica, política e ideológica do regime militar ‘medir’ que a tudo preside, e varia segundo a quan-
vigente. O ensino técnico se preo­cupava em formar tidade de acertos programados”.
técnicos para o mercado de trabalho, e os alunos Chagas (1980, p. 255) nos revela que,
passaram a ser avaliados por meio de provas ob-
jetivas que supervalorizavam o exame como fim, Afinal, o que aprendemos é função do pro-
tornando-o quantitativo, impessoal, aleatório e pósito com que o fazemos; e se estudamos
passivo, como aponta Chagas (1980). Uma medida para um exame externo e posterior, não
legal que confirmou esse cenário foi a promulgação apenas os conteúdos e as formas de tratá-
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, los, como a persistência do que fixamos,
Lei 5.692 (BRASIL, 1971), que institucionalizou o estarão referidos a tal propósito, em detri-
ensino técnico nas escolas de 2º Grau (atual Ensino mento de qualquer finalidade mais nobre
Médio), objetivando a formação de mão-de-obra e duradoura. Anos atrás tivemos ocasião de
para o mercado de trabalho. comprovar esse fenômeno quando, “ines-
Segundo Libâneo (1994), ainda hoje, pre- peradamente”, voltamos a submeter uma
domina o uso de manuais didáticos de cunho turma de estudantes à mesma prova apli-
tecnicista nos cursos de formação de professores. cada três dias antes, obtendo um desem-
No período tecnicista, era utilizada a didática ins- penho global inferior a 70% do registra-
trumental que tinha como objetivo racionalizar o do na primeira experiência. Ficou muito
ensino por meio do uso de meios e técnicas efica- claro que, para os alunos, o estudo feito já
zes. Nesse contexto, cabia ao professor assumir o tinha realizado seus fins – passar, em vez
papel de executor do planejamento. Era ele quem de saber – e o esquecimento em marcha
previa as ações a serem executadas e definia os era nítido mecanismo de defesa.
meios necessários para que os objetivos pudessem
ser alcançados, sempre seguindo as etapas: objeti- No entanto, a educação ainda não era de-
vos, conteúdos, estratégias e avaliação. Os alunos mocratizada, pois estava sempre atendendo aos
passavam por uma avaliação prévia para que o interesses políticos da elite. Entretanto, foi, na

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década de 1980, que a educação e, conseqüentemen- pedagógicas e avaliativas realizadas pelos professo-
te, a avaliação começaram a tomar novas direções e res. Os alunos continuam sendo avaliados por meio
a mudar a prática do cenário educacional. de provas e trabalhos, prevalecendo a classificação
Para Libâneo (1994), as tendências de cunho pautada em notas ou conceitos.
progressista, interessadas em propostas pedagógicas As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas
voltadas para os objetivos da maioria da popula- por grandes discussões e medidas públicas para a re-
ção, foram ganhando força. Foi, então, no início novação da educação. Buscava-se uma escola mais
da década de 1960, que surgiram os movimentos justa, inclusiva e contextualizada, que fosse ao en-
de educação de adultos que desencadearam novas contro da realidade e da vida do aluno.
idéias pedagógicas e práticas educacionais de A implementação de novas políticas públi-
educação popular, caracterizando a tendência deno- cas educacionais, como os Ciclos e a Progressão
minada Pedagogia Libertadora, também conhecida Continuada, visava à permanência do aluno na
como Pedagogia Progressista, cujo principal repre- escola, oferecendo-lhe condições para seu de-
sentante foi Paulo Freire (1921-1997).1 Segundo senvolvimento cognitivo. Vale ressaltar que a
essa corrente, o professor é a autoridade competen- implementação dessas políticas públicas possui
te que conduz o processo de ensino-aprendizagem, relação direta com a alteração dos tempos e espaços
valorizando o ensino crítico dos conteúdos como da escola, principalmente nas práticas pedagógicas
meio de instrumentalização do aluno para uma e avaliativas.
prática social transformadora. O docente estabele-
ce com seu aluno uma relação pautada no diálogo,
no debate e na reflexão. Nesse contexto, o estudante 4 Os novos rumos da avaliação
considerado, concreta, social, política e economica- da aprendizagem
mente, uma pessoa, é estimulado a estudar, devendo
dominar criticamente os conteúdos curriculares. A partir de todas as experiências por que a edu-
Os objetivos educacionais, nesse período, são cação vem passando ao longo do tempo, é possível,
definidos a partir das necessidades concretas dos atualmente, discutir novos paradigmas de avaliação
alunos e do contexto histórico-social no qual se en- da aprendizagem escolar. Percebe-se, por meio das
contram inseridos, e os conteúdos, selecionados a proposições teóricas vigentes, que o papel a ser de-
partir da cultura, são considerados instrumentos de sempenhado pelo professor e pelo aluno, bem como
luta para a transformação social. a função social da escola e da avaliação escolar já
De acordo com Freire (apud ARANHA, 1989), não podem mais ser os mesmos.
a avaliação no processo de ensino progressista está É necessário um novo olhar sobre a avalia-
voltada para o domínio crítico dos conteúdos, a for- ção da aprendizagem escolar, pois, de acordo com
mação da cidadania e a transformação da realidade, Méndez (2002, p. 14),
preocupando-se com a superação do senso comum.
Contudo, em razão da não-definição de uma me- No âmbito educativo, a avaliação deve
todologia clara de avaliação do aluno por parte da ser entendida como atividade crítica de
Pedagogia Progressista, nada se altera nas práticas aprendizagem, porque se assume que a

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avaliação é aprendizagem no sentido de providos pela escola e pelo sistema educacional,
que por meio dela adquirimos conheci- a fim de que o aluno consiga atingir os objetivos
mento. [...] O aluno aprende sobre e a propostos, adquirindo desenvolvimento cognitivo
partir da própria avaliação e da correção, e social.
da informação contrastada que o profes- A implantação dos ciclos e da progressão
sor oferece-lhe, que será sempre crítica e continuada partiu de uma proposta de cunho
argumentada, mas nunca desqualifica- administrativo-pedagógico que propunha a reestru-
dora, nem punitiva. turação do espaço escolar, bem como um repensar
sobre a função da escola, além de lançar um novo
A avaliação é vista como ponto de partida, e olhar para a avaliação da aprendizagem escolar.
não como um fim. Deixa de ter caráter classifica- Vale ressaltar que as primeiras experiências
tório e passa a ter caráter diagnóstico por meio do de ciclos ocorreram na década de 1980. De acordo
qual o professor deverá acompanhar e compreender com Delgado (2004), o Ciclo Básico de Alfabetização
os avanços e as dificuldades dos alunos: é a avalia- surgiu no ano de 1984, em São Paulo; em 1985, em
ção contínua. Minas Gerais, e, em 1988, no Paraná e em Goiás.
Lüdke (2001) enfatiza a importância da No Estado de São Paulo, foi implantada, em 1998,
avaliação no ensino fundamental como função in- tendo como meta assegurar a permanência das
formativa, isto é, fornece informações para que os crianças na escola, ampliando as possibilidades de
professores e os alunos conheçam os pontos fortes avanço e de respeito aos diferentes ritmos de apren-
e fracos do processo de ensino-aprendizagem e dizagem dos alunos. Prevê também mudanças nas
possam tomar as providências necessárias para que práticas pedagógicas e avaliativas, propondo que o
esse processo seja bem-sucedido. Quanto mais cedo aluno seja avaliado continuamente no processo de
forem conhecidos esses pontos, maiores serão as ensino-aprendizagem.
possibilidades de êxito dos alunos. Em razão de as primeiras experiências desse
Mainardes (2001) nos alerta que há necessi- tipo terem ocorrido na década de 1980, propôs-se
dade de uma avaliação permanente dos resultados um novo olhar sobre a prática pedagógica, em espe-
obtidos e das dificuldades encontradas, garantindo, cial a avaliativa, que passou a assumir o caráter da
assim, o fortalecimento da função social da escola. inclusão, contrária, portanto, à idéia de classifica-
Para que todos esses preceitos sobre avaliação ção, exclusão, aprovação ou reprovação, conforme
se materializem, é necessário que haja mudanças apontado por Delgado (2004).
não somente nas representações da escola, mas
também na relação família-escola, de modo que se 5 Considerações finais
institua um novo relacionamento com a família,
tornando-a aliada do processo de ensino-aprendi- Percebe-se, assim, que, ao longo do tempo,
zagem. O professor, por sua vez, deverá estabelecer as mudanças na forma de organizar o sistema de
com o aluno uma relação de apoio e parceria. Em ensino desencadearam reflexões sobre o ato de
razão disso, todo o esforço possível deve ser empre- avaliar em sala de aula. A preocupação, agora,
endido e todos os recursos disponíveis precisam ser não se limita mais à aprovação ou à reprovação do

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aluno, mas abrange também seu comprometimen- diagnóstico da avaliação, possibilitando, assim, um
to com o aprendizado. olhar mais atento e específico sobre como o aluno
É preciso quebrar tabus no que se refere à ava- constrói seus conhecimentos, conforme apontado
liação da aprendizagem escolar, buscando dissociar por Hadji (2001).
a avaliação da aprovação ou reprovação do aluno. Ressalte-se que a concepção de avaliação dis-
Um aspecto importante apontado por Freitas cutida e defendida, hoje, por vários autores é mais
(2003, p. 49): adequada do que a que vinha sendo praticada his-
toricamente. Porém, para a efetivação prática desse
Guardar todos os alunos dentro da escola, novo olhar sobre a avaliação, é necessária a cons-
independentemente de terem aprendido ou trução de uma nova cultura escolar, com novas
não, dá mais visibilidade àqueles alunos práticas, normas e concepções que não dependam
que não aprenderam e que antes eram sim- apenas de mudanças legais, mas, principalmen-
plesmente expulsos da escola pela reprova- te, de condições efetivas para tal, o que pressupõe
ção administrativa. A visibilidade do aluno alterações das condições de trabalho oferecidas ao
que não aprende é percebida, erradamente, professor, da estrutura da escola e do preparo técnico
pelos pais e pela sociedade como um pro- e pedagógico para os docentes.
blema do ciclo ou da progressão continua- Freitas (2003) afirma que os ciclos contra-
da; entretanto, é produto da velha lógica da riam a lógica da escola seriada e sua tradicional
escola e da avaliação. No esquema seriado, forma de avaliação, pois propõem uma alteração
tais alunos não incomodavam, pois eram radical nos tempos e espaços da escola, que deve
eliminados do sistema, permanecendo nele ser vista como um local onde os alunos sejam for-
somente quem aprendia. Nos ciclos e na mados para a autonomia. Significa fazer da escola
progressão continuada, esses alunos per- um tempo de vida, e não de preparação para a vida.
manecem no interior da escola, exigindo Como enfatiza o próprio Freitas (2003, p. 62), “se
tratamento pedagógico adequado. Eles são queremos estudantes construtores de um mundo
uma denúncia viva da lógica excludente, novo, de novas relações, a escola deve ser palco dessa
exigindo reparação. A volta para o sistema aprendizagem e ter um projeto político-pedagógico
seriado é uma forma de calar essa denún- que aponte para tal direção”.
cia e precisa ser evitada.
The social function of the school
As mudanças legais ocorridas no sistema de and the evaluation of the learning
ensino, ao longo do tempo, é que possibilitaram For better understand the changes of paradigms of
construir um novo paradigma de avaliação da the school learning evaluation, this article carries
aprendizagem escolar, com ênfase na avaliação through a historical panorama about the social
formativa voltada para o diagnóstico, permitindo function of the school and the evaluation of the
aos atores retificar as modalidades de ação em an- learning.
damento. O eixo condutor, nesse caso, é o processo Key words: Evaluation of the learning.
de ensino-aprendizagem, que acentua o caráter School culture.

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recebido em 19 jun. 2006 / aprovado em 16 out. 2006

Para referenciar este texto:


COMIS, D. A função social da escola e da avaliação da
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Dialogia, São Paulo, v. 5, p. 135-144, 2006.

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