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TEORIA DA

EDUCAÇÃO

Maria Elena Roman de Oliveira Toledo


Avaliação no processo
educativo
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Conceituar os tipos de avaliação da aprendizagem na educação escolar.


 Descrever o processo avaliativo nas diferentes abordagens do pen-
samento liberal.
 Reconhecer as práticas avaliativas contemporâneas.

Introdução
Diferentes condicionantes sociais e políticos determinaram duas grandes
tendências pedagógicas na história da educação brasileira: a tendência
pedagógica liberal e a tendência pedagógica progressista. A primeira visa
à formação de homens capazes de se adaptar à sociedade. Já a segunda
visa à conscientização dos sujeitos para a promoção de mudanças sociais.
As práticas escolares, em cada uma das tendências, visam à micror-
reprodução das estruturas sociais e a um exercício da vida pretendida
em sociedade. Nesse contexto, a avaliação assume diferentes finalidades,
que se colocam a serviço da formação pretendida.
Neste capítulo, você vai estudar a avaliação no contexto do processo
educativo. Primeiramente, você vai ver quais são os tipos de avaliação da
aprendizagem na educação escolar. Em seguida, vai ler sobre o processo
avaliativo nas diferentes abordagens do pensamento liberal. Por fim, vai
conhecer as práticas avaliativas contemporâneas.

1 Tipos de avaliação da aprendizagem


A avaliação escolar surgiu por volta do século XVII e se tornou indissociável
do ensino a partir do século XIX, com a escolaridade obrigatória. Como você
deve imaginar, não há consenso sobre a maneira de avaliar e os níveis de
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exigência do processo avaliativo. Ainda assim, há algumas definições desse


processo. Veja o que afirma Perrenoud (1999, p. 9):

Avaliar é — cedo ou tarde — criar hierarquias de excelência, em função


das quais se decidirão a progressão no curso seguido, a seleção no início do
secundário, a orientação para diversos tipos de estudo, a certificação antes da
entrada no mercado de trabalho e, frequentemente, a contratação. Avaliar é
também privilegiar um modo de estar em aula e no mundo, valorizar formas
e normas de excelência, definir um aluno modelo, aplicado e dócil para uns,
imaginativo e autônomo para outros.

A falta de consenso sobre a avaliação tem feito com que, ao longo da his-
tória, as práticas avaliativas oscilem entre duas lógicas: a avaliação a serviço
da seleção, também chamada de “avaliação somativa”, e a avaliação a serviço
das aprendizagens, chamada de “avaliação formativa”.
Essas duas lógicas não se esgotam em si. Nas múltiplas práticas educativas,
elas assumem diferentes configurações. Ademais, as práticas avaliativas se ade-
quam ao tipo de homem e de sociedade que se pretende formar. Uma avaliação
que exige a reprodução literal dos conteúdos ensinados não se adequa a uma
educação que visa à conscientização dos sujeitos para a promoção de mudanças.
Por sua vez, uma avaliação que visa a oportunizar a aprendizagem de todos não
combina com uma prática voltada para a manutenção da ordem social.

A avaliação a serviço da seleção


Segundo Perrenoud (1999), tradicionalmente, a avaliação escolar é associada à
criação de hierarquias de excelência. Os alunos são comparados e classificados
em virtude de uma norma de excelência predefinida. Ao longo do ano letivo, os
resultados obtidos nos diferentes instrumentos de avaliação criam hierarquias
provisórias de excelência que contribuem para a definição da hierarquização final.
A antecipação da hierarquização final é determinante para o andamento
do contrato didático entre professor e alunos, na medida em que permite ao
professor conseguir o silêncio, a atenção e a realização de tarefas pelos alunos,
que agem devido ao medo da reprovação. Nesse sentido, mais do que dizer
ao aluno o que ele sabe ou não sabe, a nota sinaliza ao estudante o que pode
lhe acontecer até o final do ano letivo (ZABALA, 1998).
Como o aluno é o único responsável pelos resultados obtidos, cabe a ele
empreender esforços para mudar a sua situação. Se não o fizer, já sabe com
quais consequências terá de arcar. Ao professor, não cabe qualquer tipo de
providência frente aos resultados. Cabe-lhe aplicar os instrumentos de avalia-
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ção e registrar e comunicar os resultados, utilizando-os como ferramentas de


controle dos alunos. Como pontua Zabala (1998), a avaliação, nessa perspectiva,
é uma das engrenagens do funcionamento didático e, mais especificamente,
da seleção e da orientação escolares, servindo para controlar o trabalho dos
alunos e, ao mesmo tempo, gerir os fluxos.

A avaliação a serviço das aprendizagens


Nos anos 1960, a necessidade de que a escola oportunizasse a aprendizagem
para todos começou a permear as discussões educacionais internacionais
(ZABALA, 1998). Para suprir tal necessidade, ficou evidente que era preciso
adequar os conteúdos, as estratégias e os ritmos às demandas dos alunos.
Nesse cenário, a avaliação começou a ser revista para que se constituísse como
instrumento de adequação entre o ensino e a aprendizagem.
No Brasil, essas discussões começam a ser realizadas no início dos anos
1980, permitindo a difusão de ideias sobre uma perspectiva formativa da
avaliação. O objetivo da avaliação formativa é permitir a regulagem das ações
pedagógicas para a promoção da aprendizagem de todos os alunos. Tal avalia-
ção permite um diagnóstico não só do desempenho dos alunos, mas também
da efetividade das ações docentes. O diagnóstico só tem sentido se permitir
uma mudança nas escolhas realizadas, para a melhoria dos resultados. Veja:

Uma verdadeira avaliação formativa é necessariamente acompanhada de uma


intervenção diferenciada, com o que isso supõe em termos de meios de ensino,
de organização dos horários, de organização do grupo de aula, até mesmo
de transformações radicais das estruturas escolares (ZABALA, 1998, p. 15).

Em síntese, a avaliação formativa é parte de uma educação mais justa e


igualitária, preocupada em assegurar o direito de aprender a todos aqueles
que passam pela escola.

2 O processo avaliativo e o pensamento liberal


As tendências pedagógicas liberais se baseiam na ideia de que a escola tem
a função de preparar as pessoas para o desempenho de papéis sociais, de
acordo com as suas habilidades individuais. Com base nas características
que assumiram em diferentes momentos da história da educação brasileira, as
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tendências pedagógicas liberais foram subdivididas em: tradicional, renovada


progressivista, renovada não diretiva e tecnicista.
Houve períodos em que as características de determinadas tendências ficaram
mais evidentes, e as marcas temporais a seguir têm por objetivo sinalizá-los. No
entanto, no geral, as características de todas as tendências acabaram por se misturar
e atualmente elas coexistem no cenário educacional. A tendência pedagógica
liberal tradicional, primeira a aportar por aqui, vigorou no ensino brasileiro no
período de 1549 a 1932, tendo seu início marcado pela chegada dos jesuítas ao País.
Nesse momento histórico, a educação era considerada responsável por
permitir que o educando atingisse, pelo próprio esforço, a realização plena
como pessoa. As atividades de ensino eram centradas no professor, detentor
absoluto do saber. Os alunos deveriam receber, passivamente, os conteúdos
transmitidos pelo professor e repeti-los nos momentos de avaliação.
Foram os jesuítas os responsáveis pela sistematização dos exames escolares, nos
séculos XVI e XVII, por meio de um documento denominado Ratio Studiorum.
A avaliação, na tendência tradicional, ocorre pela utilização de instrumentos que
visam a verificar se o aluno é capaz de reproduzir fielmente os conteúdos ensi-
nados. Caso os resultados não sejam satisfatórios, a responsabilidade recai sobre
o próprio aluno, que não se esforçou o suficiente e, por isso, merece ser punido.
No período de 1932 a 1969, houve o predomínio das tendências pedagógicas
renovadas, subdivididas em progressivista e não diretiva. A função da escola na
pedagogia renovada progressivista era adequar as necessidades individuais ao meio
social. O professor era visto como um mediador de conhecimentos e experiências, e o
aluno, como sujeito da aprendizagem. Nesse contexto, a avaliação assume um caráter
menos punitivo, sendo que os esforços e os êxitos são reconhecidos pelo professor.
Na pedagogia liberal não diretiva, o foco principal da formação escolar
recai sobre as atitudes. Tal formação se volta mais para os aspectos psicoló-
gicos do que para os pedagógicos e sociais. Cabe ao professor desenvolver
um estilo próprio de trabalho para facilitar a aprendizagem dos educandos,
oportunizado o desenvolvimento de suas atitudes. As práticas avaliativas
privilegiam a autoavaliação, pela qual os indivíduos podem perceber os seus
avanços, determinar metas e buscar caminhos para atingi-las.
No período que se inicia em 1961 e vai até 1969, começa a ser delineada a
tendência pedagógica liberal tecnicista, pela qual a escola se coloca a serviço
do crescimento econômico do País. Em 1969, a educação tecnicista começa
a ser implantada, e a escola assume o seu papel na formação de sujeitos com
habilidades, atitudes e conhecimentos específicos. A ideia é que tais sujeitos
possam ocupar os seus lugares no mercado de trabalho, sobretudo nas indústrias.
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Cabia ao professor administrar e planejar as condições de transmissão de


conteúdos já predeterminados em manuais técnicos. Aos educandos, cabia
receber esses conhecimentos prontos e reproduzi-los fidedignamente. As
práticas avaliativas visavam à verificação da aprendizagem dos alunos, alme-
jando o reforço de informações e o controle dos comportamentos individuais,
de acordo com os objetivos preestabelecidos.

3 Práticas avaliativas contemporâneas


As práticas avaliativas contemporâneas partem de uma perspectiva formativa
da avaliação, ou seja, os resultados obtidos são colocados a serviço da apren-
dizagem de todos os alunos. O objetivo da avaliação formativa é fornecer
evidências fundamentadas e sustentadas, de forma que o professor possa
apoiar o aluno em seu percurso de aprendizagens.
Os resultados da avaliação não são encarados como responsabilidade ex-
clusiva dos alunos. Tais resultados também se referem à ação docente e, como
tal, contribuem para a regulagem do ensino e para o apoio à aprendizagem.
Para que a avaliação formativa ocorra, as práticas avaliativas precisam ser
realizadas em diferentes momentos do processo de ensino e aprendizagem.

Os diferentes momentos da avaliação


Se a avaliação é pensada como um instrumento para a regulação das aprendizagens,
não faz sentido realizá-la apenas ao final do processo de ensino e aprendizagem,
quando há pouco tempo para rever as escolhas feitas. Assim, a avaliação precisa
ser realizada no início, durante e ao final do percurso de aprendizagens.
A avaliação inicial visa a verificar o que cada um dos alunos já é, já conhece
e já sabe fazer. Ademais, ela tem o objetivo de identificar o que cada aluno
pode chegar a conhecer, a fazer e a ser, além de descobrir como cada estudante
pode aprender. Tal avaliação se constitui como um ponto de partida, que visa
a identificar os saberes que o aluno já tem ao chegar à escola, decorrentes de
suas interações, vivências e experiências prévias.
A identificação dos conhecimentos que os alunos já têm é fundamental
para que os objetivos, os conteúdos e as estratégias sejam adequados às suas
especificidades e necessidades. A avaliação inicial permite ao professor res-
ponder às seguintes perguntas:
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 O que os alunos sabem em relação ao que eu quero ensinar?


 Que experiências já tiveram?
 O que são capazes de aprender nesse momento e o que eu posso fazer
para promover a aprendizagem?
 Quais são os seus interesses?

As informações coletadas a partir da análise dos resultados da avaliação


diagnóstica permitem que o professor planeje um percurso a ser seguido para
viabilizar a aprendizagem de todos os alunos. Por exemplo, um professor de uma
classe do ciclo de alfabetização, ao receber os seus alunos no início do ano letivo,
realiza uma atividade de leitura de nomes para identificar os estudantes que
já conseguem ler com autonomia e aqueles que demandarão uma ajuda maior.
Para isso, ele organiza as crianças sentadas em roda, no chão, e coloca no
centro da roda filipetas com os nomes dos alunos, escritos em letras de forma. Em
seguida, pede para as crianças que encontrem, entre as filipetas, o próprio nome. Ele
observa a ação das crianças e faz um registro daquelas que conseguiram realizar
a tarefa proposta sozinhas, daquelas que precisaram de ajuda e daquelas que não
conseguiram cumprir o que foi solicitado. O registro realizado vai subsidiar o seu
planejamento para a proposição das próximas atividades de leitura.
Contudo, o planejamento docente é, inicialmente, hipotético, de modo que
precisa ser acompanhado para que se tenha a certeza de que está sendo efetivo
para todos os alunos. Para acompanhar o desempenho dos alunos ao longo de
todo o processo de ensino e aprendizagem, o professor deve lançar mão de
vários instrumentos avaliativos. A avaliação realizada ao longo do processo
é chamada por Zabala (1998) de avaliação reguladora ou formativa. Para o
autor, essa avaliação é formativa pois tem como propósito a modificação das
estratégias utilizadas e o desenvolvimento contínuo do aluno avaliado. Em
síntese, a avaliação deve ser um instrumento educativo que informa e valora
o processo de aprendizagem do aluno. A partir dela, o professor pode oferecer
ao aluno, a todo momento, as propostas educacionais mais adequadas.
Imagine que o objetivo do professor é ensinar problemas de adição com
reagrupamento. Para isso, ele já deve ter realizado uma avaliação diagnóstica,
a fim de ter certeza de que todos os alunos já sabem realizar problemas de
adição sem reagrupamento. Feito isso, ele planeja os materiais e situações-
-problema que vai utilizar. Ao longo de todo o processo, ele precisa ter certeza
de que todos os alunos estão compreendendo o novo conteúdo. Para isso, pode
lançar mão de listas de problemas, pedindo que os alunos façam os cálculos
na lousa ou expliquem oralmente como os realizaram.
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Em todos esses momentos, o professor está acompanhando o desempenho


dos alunos e coletando informações para o seu planejamento. Na medida em
que novas demandas surgem, ele pode ajustar o que havia planejado às neces-
sidades de aprendizagem dos alunos. Ao final de determinado período, no qual
é concluído um tema ou um conjunto de objetivos propostos, é fundamental
saber se aquilo que era pretendido em termos de aprendizagens foi atingido
por todos os alunos. A avaliação realizada nesse momento é chamada por
Zabala (1998) de avaliação final ou integradora. Nesse momento, o professor
pode lançar mão de diferentes instrumentos de avaliação (provas, exercícios,
produções escritas, seminários, etc.) para ter certeza de que os objetivos foram
efetivamente cumpridos.

Você não deve confundir a avaliação final formativa, abordada aqui, com a avaliação
realizada no final de períodos determinados (bimestre, semestre, ano), característica
das abordagens tradicionais de ensino.

A avaliação final formativa visa a oportunizar o conhecimento e a ava-


liação de todo o percurso do aluno. Ela se constitui como um informe global
do processo: a partir dos conhecimentos iniciais (identificados pela avaliação
inicial), indica a trajetória seguida pelo aluno, as medidas específicas que foram
tomadas e o resultado final de todo o processo. Com base nesses elementos,
a avaliação final subsidia a elaboração de previsões sobre o que é necessário
fazer para que o aluno continue aprendendo, ou o que é necessário fazer para
que a aprendizagem ocorra.
Para que todos os alunos alcancem os objetivos previstos, é fundamental
que o docente conheça os processos de aprendizagem e os resultados indivi-
duais, bem como a efetividade das ações pedagógicas realizadas. Pensadas
em diferentes momentos, as práticas avaliativas visam ao aperfeiçoamento
das ações educativas. Esse aperfeiçoamento é necessário para que todos os
alunos desenvolvam o maior grau de competências, conforme as suas possi-
bilidades reais.
8 Avaliação no processo educativo

PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens: entre duas


lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999.
ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

Leituras recomendadas
CUSTODIO, J. Avaliação da aprendizagem: Cipriano Luckesi: parte 1. 2018. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=gW6Ti99KaOQ. Acesso em: 04 maio 2020.
EDITORA MEDIAÇÃO. Jussara Hoffmann e a avaliação mediadora. 2017. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=RWgqJVBpUQg. Acesso em: 04 maio 2020.
LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conte-
údos. São Paulo: Loyola, 1989. (Coleção Educar, v. 1).
LUCKESI, C. C. Prática escolar: do erro como fonte de castigo ao erro como fonte de
virtude. Série Idéias, São Paulo, n. 8, p. 133–140, 1998. Disponível em: http://www.
crmariocovas.sp.gov.br/int_a.php?t=023. Acesso em: 04 maio 2020.
MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: E.P.U., 1992. (Temas
Básicos de Educação e Ensino).
SALSA, I. S. A importância do erro do aluno em processos de ensino e de aprendizagem.
REMATEC, [s. l.], v. 12, n. 26, p. 86–99, 2017. Disponível em: http://www.rematec.net.br/
index.php/rematec/article/download/112/87. Acesso em: 04 maio 2020.

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