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Silva
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praia ar tificial
Copyright © Editora Patuá, 2021.
Praia Artificial © Evandro Cruz Silva, 2021.
EDITOR
Eduardo Lacerda
ASSISTENTES EDITORIAIS
Alex Zani
Amanda Vital
Ricardo Escudeiro
REVISÃO
Lohayne Oliveira
ADMINISTRATIVO E COMERCIAL
Pricila Gunutzmann
EXPEDIÇÃO
Sheila Gomes
S586p
ISBN 978-65-5864-209-1
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branco é feito 70% de água, o meu corpo é feito de
um pouco de desejo, o resto é tudo sede e trauma.”
Aquela, definitivamente, não era uma lembrança sua.
Você tem a impressão de que o barulho do portão
aumentou, de que agora tentam forçar a maçaneta
de alumínio, você pensa que seria uma boa ideia ver
quem é, o que está acontecendo, mas desiste.
Na fotografia, seu pai está vestido com um jeans
azul-claro e uma camisa de flanela que encobre uma
camiseta branca de motivos náuticos. Ele segura
uma faca de cortar bolo e está olhando para baixo
e sorrindo. Sua mãe se posiciona entre você e seu
pai. Ela tem olhos cansados e o cabelo embaraçado,
usa um vestido preto por cima de uma camisa cinza,
segura com uma mão o ombro direito de seu pai e
com a outra agarra o lado esquerdo de sua cintura.
Pela altura que consegue alcançar, você deve estar em
cima de algum banquinho. Seus cabelos estão recém-
cortados, você veste um moletom com a estampa do
gato garfield e ensaia um sorriso para a câmera. Na
parede, uma inscrição em letras de papel laminado
e colorido: Feliz Aniversário. Rodeando a mesa e
a inscrição você conta doze crianças: dez clarinhas,
uma de olhinhos puxados e você.
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hidratante. Você se lembra de sua prima Verônica
pedindo para que vocês saíssem do sol, sugerindo um
sorvete na sombra, reclamando da textura da areia e
avisando que iria ao banheiro.
Você se lembra que, minutos antes da fotografia
que você segura agora, Verônica, num cochicho
envergonhado, te disse que a pele dela não aguentava
tanto sol quanto a sua. Você se lembra que metade da
sua família aguenta sol, a outra não.
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Você se lembra de que nunca conversou com seu
pai sobre o passado dele. Seu pai veio da Chapada
Diamantina, de uma família que foi escravizada na
Chapada, liberta na Chapada, expulsa da casa de favor
de uma outra família na Chapada. Você não sabe
quantos amigos de seu pai morreram na Chapada,
nem quantos deles morreram no pau-de-arara que –
na década de 70, em uma viagem de seis dias dentro
de um caminhão melancólico – trazia os migrantes
que vinham da Chapada. Você só conhece os amigos
do seu pai que são daqui de São Paulo: o Manoel, o
Dimas, o porteiro.
8.
9.
| 11 |
suas costas. Pega mais uma vez a fotografia de seu
aniversário. Ouve barulho de festa, sente o gosto
doce do bolo, sente o flash da câmera ferir seus olhos
e sente vontade de ficar sozinho. Você sente seus
olhos pesarem e não sabe se fechou as portas e as
janelas. Há uma ameaça por perto.
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11.
| 12 |
ocupa toda sua audição, a ameaça é inevitável. Agora
todas as palavras do verso da fotografia colorida se
apagaram. Seus olhos pesam um pouco mais. A
entrada de um túnel se aproxima de você.
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Plástico
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sua cidade de criação no interior da Bahia, para viajar
para São Paulo e casar com meu pai às escondidas de
sua família, começou a atender por Maísa, nome de
sua cantora favorita.
Minha mãe sempre se interessou por mudar pe-
quenas coisas, cuidar e remendar os detalhes e seguir
em frente como se o resultado da mudança fosse a
natureza daquele objeto. Foi assim com os cabelos,
que nunca haviam sido brancos, foi assim com o
nome, que nunca havia sido outro, foi assim comigo,
que sempre fui igual às outras crianças. Muito retida
em suas palavras, ela raramente expõe suas opiniões
e sentimentos sobre qualquer coisa e, quando dá a
falar sobre mim para os outros, mamãe se utiliza de
termos simples: a minha profissão é fazer faculdade e
estudar, eu moro no interior, a minha pele é escura.
Em dado momento de nossa convivência na
cozinha, mamãe começa a contar sobre o parto
que me trouxe à vida. O assunto veio depois de
comentarmos sobre uma prima, Kátia, que havia
acabado de perder o filho: ia se chamar Vitor Hugo,
não vai mais. Aborto espontâneo.
Mamãe fala sobre como essas situações são difíceis
e que só pode imaginar a dor que a sobrinha estava
sentindo. Ela continua no assunto após o corte de
mais algumas cenouras: você sabe que isso quase
aconteceu com você, né? Isso o quê? Quase aborto
e depois quase eu morrer no parto. Caralho, eu não
sabia disso. Olha a boca! Desculpa. É, nem sei porque
eu tô falando disso... é por isso que você tem essa
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manchinha no rosto. Isso eu sei, que foi no parto, mas
o resto eu não sabia, a parte que você quase morria
eu não sabia. Você pensa em tirar? Sei lá. Você pode
pegar umas cebolas pra mim? Esta é a última frase
que ela profere antes da chaleira de aço inoxidável
anunciar o ferver da água que cozinhará os legumes
e um som agudo preencher o cômodo.
A “manchinha” em questão é um hemangioma
cavernoso na minha face esquerda. Um hemangioma
é fruto de uma proliferação de tumores benignos nas
células do vaso sanguíneo, tumores esses que causam
inchaços e deformações ao deslocarem o sangue de
seu percurso natural. Sua principal causa é a ocorrên-
cia de violências, tanto ao longo da gestação quanto
no momento do parto. Um hemangioma pode apa-
recer da superfície da pele para fora, assumindo colo-
ração vermelha-rosada e sendo chamado de heman-
gioma de superfície, ou da pele para dentro, como
no meu caso, e ganhar o simpático nome de “caver-
noso”. A caverna em questão é a cavidade que separa
o lado interno de minha face esquerda do interior
de minha boca. Este tipo de deformação muda de
tamanho conforme a pressão arterial. Quando estou
calmo, ela é quase imperceptível; quando a pressão
sobe, fico completamente assimétrico.
Mauro Mateus, presta atenção! Mamãe olha pra
mim com uma espátula numa mão e um pedaço de
tomate na outra. Eu pedi pra você pegar cebola e
você nem me respondeu, vai lá pegar a cebola! Me
encaminho à despensa pelo corredor externo da casa.
O piso lateral do corredor é verde, o piso do chão é
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branco, no lado esquerdo há um canteiro de plantas.
O final do corredor leva a um quintal que serve como
área para lavar roupa, com um tanque, uma máquina
e um varal. Meu pai gosta de fazer a barba ao ar livre
e por isso mantém um espelho pequeno de bordas
laranja pendurado acima do tanque; ali também es-
tão pendurados, num prego da parede, uma toalha
de cor verde-escura com o símbolo do Palmeiras e,
num gancho, uma pequena lâmina de barbear. Ao
lado do tanque, um cômodo de alvenaria comporta
uma despensa com grãos, produtos não perecíveis
e legumes comprados na feira. A parede externa da
despensa é decorada com um quadro com a imagem
de Jesus Cristo, um calendário ilustrado com a foto
de um boi e um certificado de conclusão do curso
do Proerd. O certificado diz: “Mauro Mateus Cruz
Silva completou, em 20 de janeiro de 2004, o curso
de curta duração (30 horas) do Programa Educacio-
nal de Resistência às Drogas (Proerd), sob supervisão
do Cabo da Polícia Militar de São Paulo, Sr. Antônio
Augusto. O curso consiste em um esforço coopera-
tivo estabelecido entre a Polícia Militar, a Escola e
a Família”. Seleciono três cebolas na despensa, ob-
servo a roseira crescendo, as pimenteiras secando e
um pequeno tomate surgindo no meio do canteiro.
Antes de voltar à cozinha pego a toalha verde pen-
durada, afundo meu rosto nela e puxo uma respira-
ção profunda, inspirando a fibra da toalha que tem o
cheiro de meu pai.
Esta é a segunda casa da minha família e divide
terreno com a casa na qual cresci, onde hoje moram
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três retirantes recém-chegados do Sergipe, um
homem e uma mulher de quarenta anos, casados, e a
mãe do homem, de oitenta e cinco anos. A casa dos
sergipanos só conta com a visita de minha mãe, que
agora cuida da idosa. A velha tem nove filhos, mas
só um está disposto a cuidar dela em seu fim de vida.
Foi ele quem pediu para que minha mãe o ajudasse
nos cuidados enquanto ele e a esposa saíam para
trabalhar. Mamãe leva a idosa sergipana para tomar
sol e ouvir música, a ajuda a comer, tomar banho e
cagar. Desde quando a velha chegou na casa vizinha,
coisa de dois anos atrás, mamãe diz que este será o
destino dela, que um dia eu vou abandoná-la para
sempre. Eu respondo rindo e desconversando.
Na volta à cozinha, escuto a voz de minha mãe
cantando uma música. Na letra da música Deus vem
salvar os bem-aventurados e os bons de alma. Sento
de novo na mesa e ajeito o plástico transparente que
recobre a toalha. Na casa da minha família tudo
tem alguma capa que recobre outra capa. Finalizo as
contas. Percebo que eu gasto em bebida o que meus
pais pagam em luz, água e gás.
Retorno à textura do plástico que roça meus
dedos. A distância entre esta película e o tecido
da toalha cria uma espécie de bolha de ar que faz
com que constantemente seja necessário ajeitá-la,
tornando a superfície da mesa bastante escorregadia.
Quando sugerimos a sua retirada, minha mãe
responde perguntando se algum de nós a ajudaria a
lavar as toalhas quando restos de comida começassem
a cair nelas. O plástico continua.
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Quando eu era criança minha família evitava fa-
lar sobre meu hemangioma. Mamãe deu-lhe o nome
de “manchinha” e dizia que era algo que passaria
com o tempo. Na época, eu contava o tempo pelas
séries da escola. Foi assim que na primeira série per-
guntei o que era aquilo no meu rosto e porque só eu
tinha uma “manchinha”. Na segunda, perguntei se
já havia passado. Na terceira, voltei a perguntar. Na
quarta, perguntei para meus colegas de escola e eles
disseram que não ia passar, que aquilo era um câncer
e que eu ia morrer. Na quinta eu tive medo de mor-
rer e escrevi uma carta de despedida para meus pais,
eles leram e foram correndo pra escola, meu pai foi
parado pela polícia, minha mãe viu a cena – a polícia,
meu pai com as mãos na nuca, os vizinhos saindo
no portão –, passou mal e foi internada. Na sexta,
minha professora de biologia me explicou que aquilo
não passaria. Na sétima, a primeira garota da escola
pela qual eu me apaixonei riu da minha cara quando
minha face esquerda mudou de tamanho enquanto
eu lia para ela – Clara, o nome dela – uma poesia que
escrevi numa folha de fichário com as bordas laterais
decoradas com corações pequenos, com a caneta de
tinta gel vermelha que peguei da minha irmã. O po-
ema dizia “você é muito bonita e diferente de mim,
Clara, quero namorar com você”, mas eu não con-
segui ler as palavras porque minhas mãos tremiam e
suavam muito, a tinta gel começou a perder a forma,
Clara começou a ficar nervosa, o meu rosto ficou
ainda maior e ela me disse que não me achava boni-
to e que aquilo tudo era muito estranho. Eu fiquei
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arrasado, voltei para casa chorando, encontrei meu
pai dormindo na sala e de alguma forma aquilo me
tranquilizou. Entrei no meu quarto e escrevi outra
carta de despedida, mas esta ninguém nunca leu. Me
tornei uma criança consciente da própria feiura, da
sua incapacidade de escrever poemas e do seu talento
em redigir cartas de despedida sem nunca de fato ir.
Na vigésima primeira série, em uma festa de ter-
raço numa dessas capitais que tem em todo lugar do
mundo, uma garota holandesa tocou sucessivas vezes
a minha face esquerda e repetiu i never met someone
like you, eu senti o seu toque se misturar com os meus
sentidos inebriados e deixei, deixei, deixei, aprovei-
tando daquele misto de atração e asco que esses en-
contros com bagagem colonial sempre proporcionam
ao nos lembrar das fronteiras confusas entre todos os
usos possíveis de chicotes, gritos e sequestros. No en-
sino médio eu comecei a trabalhar. Volto à cozinha,
entrego as cebolas a minha mãe e sento mais uma
vez à mesa.
Minha mãe diz que Kátia virá nos visitar e pede
para que eu não comente sobre o seu filho perdido.
Ela me explica que pouquíssimas pessoas sabiam da
gravidez e que minha prima e sua família preferiam
viver como se tudo aquilo não tivesse acontecido.
Olho de novo para a mesa, Kátia é a flor de laranjeira,
minha família é a película de plástico.
Concordo com o combinado, dobro o papel
com as contas organizadas, coloco os boletos num
envelope e o deposito em cima do forno de micro-
| 20 |
ondas. Minha mãe pede para que eu compre um
refrigerante no mercado do Português, vou até a sala
buscar a carteira, minha mãe me oferece cinco reais,
eu a ignoro.
Me distraio com a decoração da sala de estar: dois
sofás marrons, um tapete central felpudo e claro, uma
mesa de centro com tampo de vidro, um raque, uma
TV de sessenta polegadas, quatro prateleiras laterais.
Meu pai dorme num dos sofás. Meu pai veste uma
bermuda cinza e está sem camisa, sua pele se funde à
cor do sofá e os pelos grisalhos de seu corpo se des-
tacam da barriga que se dilata e se contrai em movi-
mentos ritmados pela respiração pesada de seu habi-
tual cochilo de antes do almoço. Nas prateleiras estão
meu diploma de graduação, de mestrado, uma foto
da minha formatura, o comprovante do doutorado,
o recorte de jornal de um artigo meu e a passagem
da minha primeira viagem internacional. Eu sou a
flor da laranjeira, a prateleira é a película de plástico.
O meu semblante é calmo, o de minha mãe é preo-
cupado e quando olho para a TV desligada relembro
pelo reflexo desse espelho escuro a existência de meu
hemangioma, que agora está em tamanho natural.
Desço a ladeira em direção ao mercado do
Português, as ruas pedregosas da cidade incomodam
os meus pés. Penso no efeito que estas pequenas
mentiras causam na minha vida, sinto meu rosto
esquentar e o volume do lado esquerdo acordar.
No caminho do mercado, passo na tapeçaria
administrada por um paraibano de nome Wesley e,
sem saber muito bem o porquê, pergunto qual é o
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preço da película de plástico. Compro alguns metros,
carrego o embrulho embaixo do braço e decido que
a primeira coisa que farei ao voltar para a casa de
meus pais será dar um longo e apertado abraço em
minha mãe.
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Mensagem de Texto
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viada por ele*, a dez minutos atrás, uma flechinha,
não recebida e não lida).
A “moça que eu quero beijar de novo” foi adi-
cionada como contato do aplicativo de mensagens a
exatos dois anos e cinco meses. Ele a encontrou numa
festa estranha, dessas que acontecem depois de duas
outras festas estranhas. Se trombaram dançando, mas
logo começaram a conversar. Acharam um canto me-
nos barulhento e falaram e ouviram e comentaram.
Se beijaram. Ele sacou o celular e pediu o telefone
dela, ela anotou e não colocou o nome. Ele pergun-
tou como ela se chamava, ela disse que já havia dito.
Ele disse que tinha memória péssima. Ela disse que
não gostava da impressão de ser esquecível. Silêncio.
Ela tomou o celular da mão dele e anotou acima do
número de telefone a frase “moça que eu quero beijar
de novo”. Ele leu e riu. Ela riu. Se beijaram de novo.
A campainha toca, ele volta ao presente. A mão
treme. São sete e trinta da manhã, dorme a lua, o
Sol é comum. Olha de novo para a tela do celular
para ver se alguém mandou mensagem avisando
que estava a caminho. Nada. Usa o mesmo aparelho
para diminuir o volume da música que até aquele
momento ressoava em si, dentro do peito. Desde
quando se mudou para a capital ele adquiriu essa
aflição estranha com visitas não anunciadas. Gira a
maçaneta da porta, ela surge na imagem depois do
batente. Parece aflita, o cabelo um pouco bagunçado,
olhos vermelhos e marejados. Oi. Oi. Posso entrar?
Claro. Ele diz, mas não sai da frente do batente, eles se
trombam, ela hesita, ele abre caminho. Ela vai direto
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para a cozinha, pega um copo americano, enche com
a água do filtro de barro e bebe num só gole.
Não é pra tanto, nêga, essas coisas vão e voltam,
a gente já fez tantas coisas bonitas juntos… Do que
você tá falando? Quê? Eu fui assaltada! Caralho! É essa
merda de centro que parece um faroeste pela manhã,
uma molecada estranha, levaram minha bolsa. Calma,
senta aqui. Ele a conduz até o sofá vermelho, surrado
e cheio de pelos de gato. Afasta um pouco o Cachola,
dono dos pelos e do sofá.
Tu já fez B.O.? B.O. de roubo de bolsa no centro
de São Paulo? É... o que tinha na bolsa? O de sempre:
carteira, documentos, celular, uns boletos que eu
vou ter que imprimir de novo, sei lá… Bem, pelo
menos o teu sonho de viver sem celular começou a
acontecer, né? Ela não ri. Ele se sente idiota. Silêncio.
Ela lamenta a situação e calcula que tudo aquilo vai
custar no mínimo o suficiente pra pagar mais um
mês de aluguel.
Mas o que tu tava fazendo no centro essa hora da
manhã? Eu tava vindo aqui. Silêncio. Tu tava vindo
aqui? Tava… porra, os cacos dos pratos ainda tão no
chão, tu não limpa essa casa? Não é meu forte; pensei
em deixar os cacos aí no piso por uns dois dias, tá com
uma cara boa, parece aquelas instalações artísticas das
galerias que tu gosta. Ela ri, ele ri. Silêncio.
Eu vim me desculpar por essa merda toda, a gente
tá mal, mas escândalo de madrugada já é demais. Não
precisa de desculpa, a gente tava exaltado, acontece.
Eu sei que acontece, mas não com a gente, a gente
| 25 |
sabe conversar. A gente sabe conversar? A gente
sabe? Acho que a gente sabe. A distância entre eles se
encurta. Ele percebe que as maçãs do rosto dela estão
avermelhadas, mas não se lembra se já chegaram
assim ou se o rubor começou agora.
Ela pergunta se ele acha que eles estão mais pró-
ximos do fim ou de uma nova fase. Silêncio. Sei lá,
nêga, como é que dá pra saber isso? Tu sabe que todo
mundo odeia que tu me chame de “nêga”, né? Eu
também sei que tu gosta, mas disfarça porque pega
mal com as tuas amigas da capoeira. Ela ri, ele ri. Tu
é muito bobo. Silêncio. Eu tenho que ir resolver essas
coisas do roubo, ir no Poupatempo. Eu te acompanho.
Não precisa. Tu não falou que o centro tá um faroeste
por essas horas? Mas agora eu não tenho nada pra ser
roubado. Tu é teimosa pra caralho, também. Ela ri
um pouco. Ele volta a se sentir idiota. Eles saem do
sofá, Cachola volta, se espreguiça e deita esparramado.
Ele abre a porta, ele ensaia um abraço, ela hesita. Se
olham e depois se abraçam. Começam com um leve
toque entre os braços, depois os corpos se aproximam,
depois as mãos fazem carinhos contínuos nos cabelos,
depois os rostos se encaixam na cavidade entre o fim
do queixo e o começo dos ombros. Tudo se apaga.
Eles se afastam, o rosto dela continua avermelhado,
talvez até um pouco mais que antes. Silêncio. Que tal
um cinema às nove da noite? Beleza, cinema. Te vejo
mais tarde. Ela sai. Ele fecha a porta.
Ele pega o celular, desbloqueia a tela e abre o
aplicativo de mensagens, abre o menu da “moça que
eu quero beijar de novo”, relê:
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* Oi… Então, a gente precisa falar um pouco sobre a
nossa conversa de ontem a noite, né? Nem sei se aquilo foi
uma conversa de fato, os pratos ainda estão quebrados aqui
no chão, rs. Nêga, vou direto ao assunto… Acho que a gente
devia terminar. Não tem mais condições essa nossa situação.
Eu nem consigo mais me lembrar qual foi a última vez que
a gente se encontrou e nenhum de nós chorou. Acho que a
gente tem o compromisso de respeitar a nossa história, sabe?
E foi uma história tão bonita, né? Todas as viagens de
encontro às águas (a gente nunca viajou pra um lugar que
não fosse cachoeira ou praia, já percebeu?), os encontros, as
conversas, os silêncios, os intervalos entre silêncios e barulhos.
Tudo isso virou o quê? Você atacando pratos na minha
direção, eu te acusando, nós dois chorando, cada um num
lugar pequeno demais.
Eu sou tão grato a você, sabe? Você é uma sorte na minha
vida. Eu não sei se eu posso te dizer o mesmo sobre mim.
Acho que eu não sou uma sorte na sua vida, mas tenho
dúvidas também se eu sou um azar. Eu sei que boa parte
dessa situação desgraçada que a gente tá vivendo foi culpa
minha: eu menti, eu me afastei, eu descumpri os acordos.
Acho que cabe a mim também ter o mínimo de franqueza
e dar um passo à frente nessa decisão difícil… Acho que a
gente devia dar um tempo.
Não sei como isso vai ser, parece que vai levar um tempo
pra gente se acostumar, mas acontece. Lembra quanto tempo
demorou até a gente decidir que tava namorando? Tu já
tava indo em almoço da minha família e a gente se chamava
de amigo. Acho que a gente nunca parou de se chamar de
amigo. Acho que vai ser assim também pra gente se chamar
| 27 |
de ex… Sei lá se a gente vai ser ex um do outro, às vezes
essas coisas mudam, mas acho que do jeito que tá, não dá.
Quando acordar me responde, beleza? 07:10
Ele suspira. Vai até a cozinha, passa um café. Saca
o celular do bolso, aumenta outra vez o volume das
caixas de som e canta junto com Rômulo: Ó vento,
diz, será que ela é feliz?
Abre o aplicativo de mensagens de texto outra
vez, pressiona o centro da tela com a mensagem
enviada. O topo do menu se altera, aparecem uma
flecha apontando para esquerda, uma estrela, uma
lixeira e uma outra flecha apontando para a direita.
Aperta o ícone da lixeira e clica em “apagar para
todos”. O longo texto se transforma em um sucinto
“você apagou essa mensagem”.
Ele sabe que ela ficará curiosa sobre o conteúdo
das mensagens, ele vai dizer outra vez que a sua
memória é péssima, que não se lembra mais. Ele
olha para o relógio, faltam doze horas para a sessão
de cinema.
| 28 |
Mulato
| 29 |
livros velhos, que minha mulher fez o embrulho
depois de colocar todas as minhas roupas nas malas
e que ele era ruim porque ela nunca aprendeu a atar
os nós. O caminhão sai derramando fumaça. Foram
embora o sofá, a mala, a mesa e o embrulho mal
amarrado. Sinto cansaço, me deito no colchão. Cruzo
as duas mãos na nuca (o travesseiro também cabia na
caçamba), apoio a perna esquerda no joelho direito,
encaro o chão quase que num paralelo, a camada de
poeira é visível.
O telefone toca, é o mulato. Ele me pede
desculpas, diz que a mudança vai ter que ficar para
amanhã: O caminhão quebrou na volta para a
segunda viagem e já passou das dezoito horas. Ouço
em silêncio, ele termina de falar e eu respondo até
amanhã. Ele se despede e diz para eu ter uma noite
auspiciosa. Definitivamente, é o Bilac do frete.
Continuo horizontalizado. Penso em me mastur-
bar imaginando o motorista do caminhão me co-
mendo nesse colchão velho. Ele tem todas as qua-
lidades de alguém com quem eu gosto de foder:
distraído, bonito e frustrante. Desisto da ideia e ando
em círculos pela casa, saio da sala, vou para a cozi-
nha já vazia de utensílios, passo pelo banheiro que
agora só tem um pedaço de sabonete verde-claro e
meio rolo de papel higiênico de três camadas com
a ponta balançando quase tocando no chão úmido,
chego em nosso quarto. Tento abrir a porta, mas não
consigo; a maçaneta escorrega da minha mão direita,
alterno para a esquerda, mas não obtenho sucesso.
Puxo a barra da camiseta para cobrir as mãos; talvez
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elas estejam suadas e por isso não deem a aderência
necessária pra fazer o giro. Me inclino na direção da
maçaneta, puxo o tecido da roupa, encubro aquela
peça de ferro e tento mais uma vez abrir a porta. Ela
não se move. Ando em círculos, a noite cai.
Sento na beira do colchão e encaro a porta do
quarto, lembro que ela nunca foi difícil de abrir. Fico
pensando nos motivos desta dificuldade repentina e
só me vem à cabeça as palavras do mulato: desquitado,
auspicioso, desquitado, auspicioso, desquitado,
desquitado, desquitado. Durmo sem perceber, acordo
contra a minha vontade, é madrugada. Olho em volta
da casa que era nossa, depois virou minha e agora
já deixou de ser minha e ainda não é de ninguém.
Aparentemente quem vai ocupar a vaga é um casal
de professores velhos da escola aqui da esquina, dois
enrustidos. Essa vizinhança agora só tem velho, e
velho ou é homofóbico ou é enrustido.
É difícil repassar um contrato de aluguel, as
pessoas sempre perguntam o porquê da mudança
repentina e pressentem uma possível trapaça. Para
variar, não ajuda em nada a cor de minha pele, a cor
da desconfiança nesse bairro em que todo mundo
tem a tonalidade que exala um suposto senso de
justiça. A invenção que fiz foi a de que eu estava me
separando e que eu e minha ex-mulher decidimos
nos mudar ao mesmo tempo. Duas semi-mentiras
que eu agora torço para que se tornem uma total-
verdade. Mostrei uma foto da gente numa viagem,
abri a tela do celular, eles se juntaram para olhar e
ficaram emotivos, seus corpos se abraçaram sem que
| 31 |
percebessem. Que pena. Acontece. Ela parece aquelas
atrizes de filme sueco. Parece mesmo. Quantos anos
ela tinha? 29. E você: 63, com cara de 70. Eles riem.
A tensão da possível trapaça se dissolve. Histórias
de separação sempre criam empatia, todo mundo já
viveu, todo mundo entende.
O dia amanhece, desvio o olhar e a porta do
quarto está entreaberta. Não me recordo de destran-
cá-la. O telefone toca uma sirene estridente avisando
a chegada de mensagens. É o sogro (ex, ex-sogro).
“Eu sempre soube que você era um merda, macaco,
bicha, filho da puta”. Ignoro. Ando em passos lentos
em direção ao cômodo: uma cama com um colchão
que eu nunca mais usei, alguns papéis pelo piso e um
silêncio enorme. Sento na beira da cama, evito o col-
chão, apoio os dedos no queixo, levanto os olhos até
o teto e o pedaço de corda ainda balança enganchado
em uma das reentrâncias das madeiras que sustentam
o forro do telhado.
A campainha toca, abro a porta. É o mulato. Ele
puxa o colchão pelas pontas, o joga nos ombros e o
leva para fora da casa. Olho mais uma vez no celular,
mais uma mensagem sucinta de meu sogro: “Covarde
do caralho””. O mulato se encaminha para o quarto
e me pergunta se não tem mais nada pra carregar. Ele
atravessa a porta, eu o sigo e empurro o batente com
a delicadeza da ponta de meus dedos.
Estamos os dois no quarto. Ficamos em silêncio
por alguns segundos e eu não percebo os passos que
dou em sua direção, assim como não percebo que
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estou chupando o seu pau, mas percebo que ele é um
pouco menor do que eu imaginava. Também não
percebo que, enquanto ele me come – me deitan-
do de bruços, com as duas mãos apoiadas em minha
lombar e operando movimentos mecânicos de quem
faz o que faz com misto de obrigação e senso de
oportunidade – eu não consigo parar de olhar para o
pedaço de corda que balança numa das ripas que sus-
tentam o teto. Muito menos percebo que a cada vez
que eu fecho os olhos, na sincronia intersticial entre
dor e prazer que só acomete aqueles que correm ma-
ratonas, escrevem livros ou dão o cu, vejo as imagens
de minha mulher deprimida nos cantos desta casa.
Outra mulher, outra jovem mulher, outra depressão,
mas que dessa vez não se resolveria com alguns com-
primidos e uma separação escandalosa; dessa vez mais
passos seriam dados. As imagens de minha certeza de
que esta depressão toda só pode ter a ver com essas
coisas que gosto de fazer, dessas peles misturadas de
cor que andam por aí em trabalhos braçais. As ima-
gens dela planejando os modos de fazer o que queria:
veneno, ponte, remédios, nós. As imagens da minha
vontade oblíqua de parar o casamento, o mulato, o
mundo e as nossas cores. As imagens dela decidindo
que eu chegasse em nosso quarto e fosse recepciona-
do por seu pescoço enrolado numa corda, seu corpo
pendurado no teto girando como uma guirlanda de
natal mal colocada.
O plano quase deu certo. Mas ela nunca aprendeu
a fazer nós e, depois de um tempo pendurada, a corda
arrebentou e ela caiu como um pacote seco no chão,
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semi-asfixiada pelo laço que ainda estava em volta
de seu pescoço. Eu a encontrei deitada no piso frio.
O tempo de asfixia entre o dependurar e a queda
não foi o suficiente para matá-la, mas interrompeu a
circulação pelos minutos necessários para induzi-la a
um sono profundo.
Agora é ela que está numa cama de hospital en-
quanto eu apronto a mudança pra um endereço que
ninguém conhece. E sou eu que no meio do cami-
nho aproveito para foder com um mulato musculoso
e distraído que, além de me comer, me dá carona. Ele
dirige com uma mão enquanto segura o cigarro com
a outra. No espelho do retrovisor está pendurada uma
foto dele abraçado com uma mulher que se parece
com a minha e que carrega nos braços um bebê re-
cém-nascido, que definitivamente não se parece com
o meu, porque a criança deles existe, a minha não.
Enquanto o caminhão trafega pelas ruas da cidade,
sinto que algo cai de sua caçamba, penso em olhar
o retrovisor para ver o que é, mas só consigo mirar a
foto da família feliz. Olho outra vez para o mulato, ele
não olha para mim. Sinto uma paz inabalável.
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Matilde
Querida Matilde,
Te escrevo esta carta mesmo sem saber o motivo
de fazê-lo e tenho muitas dúvidas sobre se de fato um
dia você a lerá. Já se vão quase seis meses trancado
em casa, minha capacidade de comunicação está
arruinada e faz tempo que seu livro é minha única
companhia relevante. De tanto lê-lo, decidi que um
dia te escreveria. O problema é que nesse marasmo
de quarentena todas as horas parecem iguais e eu
acabava sempre por não saber muito bem sobre o
que lhe contar; justo a você, que conta tão bem das
coisas estrondosas, abusivas, gritantes, maravilhosas,
estilhaços prolongados cheios de uivos.
Acontece que hoje, finalmente, passei o dia
inquieto e tive a necessidade de caminhar na rua,
e não mais do quintal para a sala e da sala para o
quintal. Não sei ao certo a origem de toda essa
irritação repentina, mas tenho minhas suspeitas: este
calor do inferno, aquela mensagem não respondida,
a notícia no jornal. Isso tudo pensei andando, parado
eu não pensava em nada.
Peguei minha máscara, um tubo pequeno de
álcool e me decidi por caminhar na estrada quase
sempre vazia que costeia o rio que passa aqui por perto;
antes, pensei em atravessar a cidade em bicicleta, mas
meu corpo atrofiou de tanto claustro e minha caixa
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torácica vai mal. Depois dessa caminhada, comecei
a lhe escrever. Depois dessa caminhada, julguei
que finalmente tinha algo a lhe contar, seja com as
minhas, seja com as suas palavras.
Querida Matilde,
No caminho para algum lugar incerto, vi um
grupo de moleques jogar pelada num campo da pi-
rambeira do rio. Nenhum deles usava máscara, mas
tinha um moreninho que jogava muito, Matilde, um
craque! Pensei em parar por alguns instantes e per-
guntar o seu nome, saber quem era aquele pequeno
gênio. É preciso questionar os nomes dos seres de
pele escura, Matilde, porque, você sabe, eu moro
no Brasil e no Brasil tudo se refaz, menos os nomes.
Principalmente os moreninhos bons de bola, esses
vivem se refazendo, mas cada um tem um nome di-
ferente. Um nome que mistura mistério e perigo de
futuro interrompido. Acho que aquele moreninho se
chamava Kauan, Kauã, Kauê, João Pedro, Ítalo Au-
gusto, Luiz Antônio, não sei, acho que é algum des-
ses nomes. Acho que vi o nome daquele moreninho
no jornal.
Assistindo a intimidade do moleque com a bola
tive a certeza de que para que o nosso país consiga
outra vez conquistar o topo do mundo apenas duas
coisas são necessárias: que o moreninho continue
jogando daquele jeito e que ele tenha tempo. Tempo
para cometer um crime e também para a procriação;
tempo para que ele possa encher a taça do filho de
Deus e tempo para que ele possa discernir o que é o
amor e o que é o costume.
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Olhando para aquele menino, me identifiquei;
ele era até parecido comigo, mas eu nunca tive tanta
intimidade com os pés. Pensei em me juntar aos
moleques, mas achei que seria ridículo adulto tomar
drible de criança e ainda mais ridículo adulto parar o
jogo depois do drible, agarrar a bola e mandar todo
mundo buscar máscara e álcool em gel porque o
importante mesmo é a saúde.
Continuei andando.
Querida Matilde,
Me desculpe por não ter continuado logo a
história da caminhada. Tive fome, parei de escrever
essa carta e, quando voltei, tive mais vontade de
ler um de seus outros poemas do que de retornar à
contação. Pois bem, já li mais um pouco, agora posso
continuar a história de minha primeira caminhada
pós-quarentena.
Do lado da pirambeira do rio, Matilde, uma mu-
lher com trejeitos de integrante dos Novos Baianos
tomava sol deitada numa canga estampada com mo-
tivos indianos. Como você pode perceber, a rua do
costeio do rio não estava tão vazia quanto eu pensava;
mas apesar de cheia, as gentes adultas, diferentemen-
te das crianças, pareciam assustadas. Todos desviavam
de todos, o esfregar da mão no álcool virou costume
e não se ouvia nenhum samba nas redondezas. Acho
que a cidade ainda se aborrece, desdignificada pela
gigante roleta que se chama medo.
A moça deitada na canga vestia biquíni, short e
máscara e se alternava entre aproveitar o sol e soerguer
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as omoplatas para verificar se alguém invadia sua
distância segura de um metro e meio. Lembrei de
um amigo que me disse que, caso a peste não fosse
embora até o próximo verão, sairia para tomar sol
com uma máscara mais comprida para logo depois
usar uma mais curta. O efeito seria uma “marquinha
de máscara” deixando antever no sombreamento da
diferença de tom o sorriso que quase ninguém mais
vê, e, quando vê, faz-se de tudo para se afastar.
Achei graça da ideia e imaginei uma laje de favela
lotada de gente bonita passando óleo de peroba no
espaço entre as olheiras e o buço. Contudo, não sei se
funcionaria. A marquinha de virilha é uma espécie
de resquício de mistério em época que a gente se veste
pra mostrar quase tudo e, nesse caso, guardar último
segredo do Sol e depois sair na rua para mostrar seu
prólogo faz sentido. Misto de intenções oferecidas e
proposições camufladas. Com o sorriso eu já não sei
se daria certo, porque eu jamais conheci sorriso que
nunca tome sol, muito menos virilhas que tenham
dentes, apesar de ter gente que diz que já viu.
Essa foi uma piada ridícula, Matilde, eu sei, peço-
te desculpas, mas esse tempo todo de isolamento tira
da gente a capacidade do humor. Para você ver: num
dia desses, durante um “almoço em telechamada”
com minha família, quão surpreso não fiquei quando
percebi nascer em mim uma imensa vontade de fazer
a piada do pavê ao ver minha mãe posicionar frente à
câmera aquela mistura de biscoito, leite e chocolate.
A piada do pavê, Matilde, você acredita? E eu não
tenho nem 30 anos.
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Querida Matilde,
Falando nesses tele-eventos – e eu juro que já
volto a te contar da história da caminhada, que ainda
não acabou –, creio que os mais curiosos são os que
envolvem as formas de sexo praticadas através de
chamadas de vídeo; principalmente, chamadas de
vídeo de transmissão de sexo grupal. Aliás, acho que
há algo de progressão aritmética na capacidade do
sexo em ser interessante.
Soube da existência desses eventos por esses dias.
Parece que um grupo de pessoas se reúne numa
telechamada de vídeo, toma uns vinhos, ouve umas
músicas, começa a tirar a roupa e a coisa fica quente,
cada um na sua cadeira. A transmissão vai madrugada
a dentro e acontece de fim de semana, mas também
acontece de segunda, terça, quarta, hoje em dia não
faz mais diferença a separação dos dias.
Fiquei pensando na melhor palavra pro conceito:
teleorgia, websuruba, bacanal-a-distância, putaria-
-do-novo-normal. Me encuquei também com quais
seriam o regulamento e a etiqueta deste tipo de even-
to. Existem dois tipos de pessoas no mundo, Matilde:
aquelas que usam a palavra suruba como sinônimo de
falta de regras e aquelas que já participaram de algu-
ma. Fico imaginando quais seriam as regras das lives
de orgia: será que existiria uma regra para microfones,
como nas lives profissionais? Será que as pessoas pre-
param cenários? Será que a iluminação é boa?
Pelo menos uma coisa a suruba à distância tem
como vantagem: não existe o constrangimento de se
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decidir onde será a cena do crime, nem a tarefa meio
árdua meio melancólica do dono da casa ter que fazer
a faxina pós-festança para organizar as sobras de tudo
que ele outrora chamou de lar. O contraponto é ter
que lidar com o fato de que você provavelmente fará
uma orgia na mesma cadeira de jogador de videoga-
mes que usará amanhã para trabalhar em home office.
O problema maior, contudo, deve ser os olhos:
nas chamadas de vídeo, pra você dar a impressão de
que está olhando nos olhos de alguém, você tem que
olhar pra câmera, e pra você olhar para os olhos da
pessoa, você tem que olhar pra tela. Os olhos jamais
se encontram. Penso que nunca terei parte nessas
formas de sexo por teleconferência, Matilde. Eu sou
geminiano, mas não ao ponto de fazer o amor sem
olhar nos olhos.
Me desculpe por estes comentários excessivamen-
te sexuais, Matilde. Agora, lendo o que estou escre-
vendo, fico até feliz de não saber nem quando nem se
você vai um dia ler essa carta. Se você ler, espero que
não seja tão cedo, para que me passe a vergonha.
Querida Matilde,
Uma coisa curiosa sobre os livros de poesia são
os espaços em branco. Os romances quase não tem
espaços vazios. Os livros de contos, se a pessoa que
escreve não tiver a indecência de ocupar todas as pá-
ginas em todas as histórias, sempre nos deixam um
naco de página livre aqui e acolá, principalmente nas
quebras entre um título e outro. Mas os livros de
poesia são os melhores. O espaço é tanto que dá a
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impressão de que eles são feitos para que a gente es-
creva um livro novo dentro do livro, ou um livro
respondendo o livro que a gente lê, ou uma mensa-
gem qualquer, ou, quem sabe, simplesmente desenhe
a figura de um boi, que é mesmo um bicho um tanto
inexplicável.
Certa feita, uma amiga me presenteou com um
livro de poesia que acabou por se tornar o meu
favorito. Um livro de poesia portuguesa, como o seu.
Acontece que a dedicatória que esta amiga escrevera
para mim era grandíssima, ocupava páginas inteiras,
invadia os versos, contava histórias nossas. Quando
recebi o pacote, perguntei em tom jocoso se o presente
era uma carta ou um livro; ela respondeu distraída
que as letras do livro e as letras dela formavam uma
carta, e que essa carta era o presente.
Acho que estou fazendo a mesma coisa, Matilde,
enquanto escrevo nos cantos do seu livro uma
carta em resposta ao que leio. Esse livro que me
acompanhou enquanto eu viajava para a terra da
Santa dos Mortos, que depois guardei enquanto me
trancava e que agora preencho as laterais depois de
uma mísera caminhada.
Como seu livro tem nome de quem monta cavalo,
ainda nutro a esperança de que essa carta chegue até
você. Esperança de que o amontoado de papel e tinta
que este alguém de pele escura preenche em resposta
a uma poeta portuguesa em alguma hora crie
movimento no meio desse mundo sem possibilidade
de viagem. Você sabe, “cavalo” não é apenas o nome
de um animal que anda pela terra.
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Querida Matilde,
Você não acha engraçado que uma pessoa que não
tem a pele clara se interesse tanto por escritores por-
tugueses? Aliás, você não acha engraçado que gen-
te como eu, quando lança livro, é identificada pela
cor, e gente como você, quando finalmente atinge a
prensa – em papel pólen soft 80g, com capa sóbria,
grossura fininha de livro de estreante –, é identifica-
da pela nacionalidade? Será que a gente tem cor e lín-
gua, e os portugueses não têm cor, apenas a palavra?
Veja só como ficaria a identificação se fizésse-
mos o mesmo que fazem com a gente: movimento
branco, artista branco, casal brancocentrado, ativista
branco, poesia branca. Branco bonito, branco char-
moso, branco educado, branco inteligente. Branco
drama, solidão da mulher branca, branca tipo expor-
tação. Branco amarrado e chicoteado no fundo de
um supermercado. Adolescente branco brinca com
celular, é confundido com traficante e morre. Crian-
ça branca leva tiro de fuzil e morre… Bem, acho que
você já entendeu.
O pior é que gosto mesmo um tanto dos portu-
gueses contemporâneos, mas quase sempre que gosto
lembro de alguma coisa que compartilhamos para
além do idioma: gosto de Valter Hugo-Mãe e lembro
dos massacres coloniais, gosto de José Luís Peixoto e
lembro dos saques de nossas riquezas, gosto de Isabel
Rio Novo e me pego imaginando quantas gerações
a separam de algum parente que sequestrou, escra-
vizou e torturou algum parente longínquo de meu
pai… Ah é, e de você, Matilde, eu gosto de você.
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Querida Matilde,
Na volta para casa, parei no mercado e comprei
umas cervejas, pães e um pedaço de queijo. No
caminho, passei por um bar cheio de gente: uns
usavam máscaras, outros não, uns passavam álcool em
gel, outros não, uns mantinham distância, outros se
abraçavam. Evitei fazer julgamentos ou pensar coisas
complexas, porque em dias de muitas revelações a
cabeça da gente fica um pouco embaralhada. Mas
não evitei lembrar da sua poesia, porque a poesia tem
em si algo de inevitável. Foi ao ver aquele tanto de
gente destemida, abraçada, confusa, inadequada, que
resolvi voltar a clausura e também resolvi começar a
te escrever nos cantos das páginas.
Pois é, Matilde, ainda é Setembro, mas o mundo
já está absurdamente esquisito. Já ninguém confia
nas imposições dos prefeitos, a esta hora na terra é
um tanto carnaval, um tanto conspiração, um tanto
medo. Metade fé, metade folia, metade desespero.
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A história de João
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present the bust of Simon Bolivar. Among the West Indies are many
samples of “cut money.” The law permitting money to be quartered
had to be repealed, because the traders of the West Indies made the
wonderful mathematical discovery that five quarters make a whole!
Leaving both the eastern and the western world and their coins,
there is a single piece, of small commercial value, which is yet a
light-house in mid-ocean. This is the one cent of the Sandwich
Islands, the only venture of that kind made by the enterprising little
kingdom. The inscription is “Kamehameha III., one hundredth,
Hawaii.” The name of the king being interpreted signifies “the solitary
one,” which is singularly well adapted to the coin.
Colonial Coins.
In 1684, the charter of the Massachusetts Bay Company was
revoked, and the governor recalled; one of the alleged grievances by
the crown was a colonial law concerning the Mint. The currency used
by the colonies was chiefly from England, Spain, and Portugal, but
the supply was limited from these sources, and the mother-country
was jealous of any infringement of her prerogative of coinage. There
are various specimens of the “pine-tree” money of Massachusetts in
the Cabinet. Some doubt has arisen as to the species of tree
intended, but it is generally accepted as the emblematic pine. This is
claimed to be about the second colonial issue, a kind of semi-official
coin. The first was from the Bermudas.[13] It is a shilling piece,
stamped by one John Hall, silversmith, of the city of Boston, 1652,
who made a very good speculation of the privilege. There has lately
been added to the Cabinet a sixpence of this rare money. The work
on this species of coins is so exceedingly simple as to present little
save a planchet. On the obverse, a double ring around a pine-tree;
legend, “Massachusetts in;” and on the reverse, a double ring also,
containing the legend, “New England An Dom.[14]”
Charles II., it appears, was easily deceived in regard to the
significance of the “pine-tree shilling.” Sir Thomas Temple, a friend of
the colonies, adroitly presented one of these obnoxious coins to the
irate monarch, explaining that the tree was the “royal oak” which had
saved his majesty’s life. Whereupon the king, laughing, denominated
his trans-Atlantic subjects “honest dogs,” and allowed the coinage to
proceed.
During the reign of George I. a new species of coin was issued
from the English Mint, denomination half penny, and it is asserted
upon good authority that this was the only issue ever authorized by
the home government for general circulation in the colonies. It was a
coin of mixed metal, resembling brass. The head of the king was on
the obverse; inscription, “Georgius Rex.” The reverse, a large double
rose under a crown; legend, “Rosa Americana.” Upon a scroll, “Utile
Dulci.[15]”
“Peltry,” we learn, was one of the principal articles of currency, and
was known as “pelt,” or Massachusetts currency, and was
extensively used in trading between Indians and whites, sometimes
called “Beaver Money,” “Corne, Wheate, Barley, and Rye;” and a still
more quaint currency was established, as will be found in an old
Massachusetts court order, as follows: “It is likewise ordered that
muskett balletts of a full boare shall passe current for a farthing a
peece, provided that noe man be compelled to take above 12d. att a
tyme of them.”
In Maryland, not only cattle, tobacco, and other produce was
accepted as currency, but powder and shot were also included. Lord
Baltimore, in 1660, sent over to Maryland the “Baltimore” shilling. In
the colonial case there is a series of these exceedingly rare coins.
They were a shilling, sixpence, groats, and are all of the same
design, differing only in denomination. They were coined in London,
and compare favorably with any minting of that age. The bust of Lord
Baltimore on the obverse is very well cut; his name “Cecil,” is the
legend. On the reverse, the coat of arms of Cecil, Lord Baltimore, is
given; this device has been re-adopted by the State of Maryland.
The substitution of any legal tender seems to be fraught with danger,
and at best is jealously scanned by the people; and there was
trouble to put this coin into circulation. The people, though
demanding coin, did not yield their old currency of “wheat, corn,
tobacco, powder, and shot,” without a demonstration. The Carolinas,
Virginia, and New Hampshire all followed Maryland in the
introduction of a colonial coinage.
In the interval of the Revolution, known as the Confederacy, the
growth of the spirit of independence in the people is plainly written
on their coins, especially upon their tokens or individual coins. We
notice one inscription attributed to Franklin, “Mind your business;”
and others, such as “Good copper,” “Cut your way through,” and like
characteristic expressions. The “New York Doubloon” was coined in
1787, value sixteen dollars. This coin is highly esteemed by reason
of its rarity, and its market value to-day is about five hundred dollars,
as only three or four are known to be in existence.
The Washington cent of 1791 (so-called) was not a coin of the
United States, but was struck at a private mint in Birmingham,
England, (Boulton’s), partly, no doubt, to bespeak the “job,” and
partly to please Americans generally.
It has been said that Washington objected to putting his head on
the coins, and it may be true; but it was also objected that no man’s
head should appear on the coin of a republic, which, whether good
doctrine or not, is still the prevailing idea. The “cent of 1791” is of two
types, one very rare and costly, with a small eagle. The other, with a
large eagle, is more common, and perhaps sells for about five
dollars at a public coin sale.
Pacific Coast.
It has been said and repeated as a historical fact that the Southern
Confederacy had no metallic currency. After a lapse of eighteen
years the following official document from the Confederate archives
explains itself, and substantiates the fact that silver to a limited
extent was coined at the New Orleans Mint by order of the
Confederate Government, in the early days of the rebellion, and only
suspended operations on account of the difficulty in obtaining bullion
for coinage.
The most notable and valuable silver coin is the dollar of 1804. It is
said that the scarcity of this dollar was owing to the sinking of a
China-bound vessel having on board almost the entire mintage of
the 1804 dollars in lieu of the Spanish milled dollars. It is believed
that there are not more than seven, possibly eight, genuine 1804
dollars extant. The rarity of the piece and the almost fabulous prices
offered for it are patent facts.
Double Eagle.
Among the rare coins in the Cabinet at the Mint is a Double Eagle.
The dies for this piece were made in 1849, and only one was struck.
“Unique” and beyond price. There is also a Quarter Eagle of 1842,
and the only one known extant at the Mint.
SELECTIONS.
Having referred many times to this case, it may be as well to
append the entire list of its contents, as they, almost without
exception, are rare, spanning the world from remotest antiquity to the
present day, beginning with the gold Daric of Darius, and ending with
the twenty-mark piece of Kaiser William.
Greece.
1. Four drachma, Athens, b. c. 500; 2. Oboloi of Athens; 3. One-
half obolos, 1⅓ of a cent; 4. Daric, Darius, of Persia, b. c. 520,
value, five dollars and fifty cents; 5. Silver Daric; 6. Brass Ob.
Berenice, b. c. 284; 7. Ptolemy and Berenice, copy; 8. Maneh of
Ptolemy Philadelphus, b. c. 284, value, $17.70; 9. Drachma, Cyrene,
b. c. 322; 10. Coin of Syracuse, copy, about b. c. 300; 11. Silver
coin, Bactria, b. c. 126; 12. Brass of Bactria, b. c. 180; 13.
Cleopatra, b. c. 30; 13a. Denarius of Cleopatra and Mark Antony;
14. Alexander the Great, b. c. 36; 15. Philip, b. c. 323; 16. Stater of
Seleucus; 17. Alexander Balas, b. c. 150; 18. Antiochus VI; 19.
Philip, King of Syria, b. c. 93.
Rome.
20. Roman aes, b. c. 500; 21. Denarius of Augustus, b. c. 31; 22.
Tiberius, a. d. 14; 23. Simon, Bar Cochab, false Christ, a. d. 133; 24.
Vespasian, a. d. 49; 25. Gold bezants, a. d. 610; 26. Justinian, a. d.
527; 26a. Kingdom of Cyprus and Jerusalem, Peter 1, 1361 to 1372,
testoon, Kingdom of Jerusalem; 26b. Amaury II., 1194 to 1205.
English.
27. Gold of Britain; 28. Carausius, Roman Emperor of Britain, a. d.
287; 29. Penny of Ethelbert, King of Kent, 858 a. d.; 30. Harold the
Dane, a. d. 1036; 31. William the Conqueror, 1066, a. d.; 32. Edward
the Confessor, a. d. 1041; 33. Robert the Bruce, a. d. 1306; 34.
Elizabeth, Double Ryal, a. d. 1558; 35. James I, 1603, Ryal (30
shillings) and sovereign; 36. Charles I, sovereign; 37. Siege pound of
Charles I, 1642; 37a. Gold sovereign of Oliver Cromwell; 38. Crown,
and half crown and shilling, Oliver Cromwell, 1658; 38a. Farthing,
Queen Anne; 39. George IV; 40. Coins of Australia.
France.
41. Deniers of Charlemagne, 806; 42. Medalet, Marie Antoinette;
43. Five francs, Napoleon I; 44. Gold, Napoleon I, 1851; 45. Five
francs, Paris Commune.
Germany.
46. Bracteats; 47. German Crown, Ob. St. Stephen; 48. Ducat,
Ob. Luther and Melanchthon, 1730; 49. Crown, Maximilian, a. d.
1615; 50. Ducat, Nuremburg; 51. Ducat Hamburg; 52. Monument,
Bavaria; 53. King’s family, Bavaria; 54. Coins of Prussia; 55. Silver
piece, Frederick William and Augusta.
Spain.
56. Ferdinand and Isabella; 57. Charles II., Spain; 58. Alphonso,
Spain.
Italy.
59. Silver of Venice under the Doges, twelfth century; 60. Ducat of
Venice; 61. Copper of San Marino; 62. Silver piece of Lombardy; 63.
Gold twenty lira piece; 64. Swiss crown, ob. St. Vincent; 65. African
shell money; 66. African ring money.
Oriental.
67. Siamese coins; 68. Chinese tael; 69. Widow’s mite; 70. Jewish
shekel; 70a. Herod the Great, 37 b c.; 70b. Herod Archelaus, 4 b. c.;
71. Glass coin, Egypt; 72. Gold of Alnaser, a. d. 1222; 73. Dirhem of
Mahomet V., a. d. 854; 74. Dirhem of Walid, Caliph of Damascus, a.
d. 713; 75. Haroun Alraschid, Koran text, 806; 76. Fire Worshippers,
a. d. 300; 77. Gold of Japan, 1634; 78. Gravel stone of Burmah; 79.
Late coin of Turkey; 80. Mexican dollar used in China; 81. Coin of
Cochin China.
The most notable coin in this case, and perhaps the most
celebrated coin in the world, is the “Widow’s Mite.” Its name
bespeaks its commercial insignificance. Yet visitors every day, upon
entering the Cabinet of the Mint, ask first to see the “Widow’s Mite.”
The following letter from Wm. E. Du Bois, will be found of interest
to the reader.
PLATE II.
Connecticut Cent, 1787. New England Elephant Token. Very Rare. 1694.
Good Samaritan Shilling, Mass.
Massachusetts Half Cent. 1787. Massachusetts Cent. New York.
See description.
Nova Constellatio.
Obverse: An eye, the center of a glory, thirteen points cross,
equidistant; a circle of as many stars. Legend: “nova constellatio.”
Reverse: “U. S. 500” inscribed in two lines, a wreath surrounding.
Legend: “libertas justitia 1783.” Border, beaded; edge, leaf work.
Known as the “Quint.”
No. 2.—Obverse: An eye, around which a narrow, plain, circular
field; outside a glory, thirteen points cross, equidistant; a circle of as
many stars. Legend: “nova constellatio.”
Reverse: “U. S. 1000” inscribed in two lines, a wreath surrounding.
Legend: “libertas justitia 1783.” Border, a wreath of leaves; edge,
leaf work; silver; size, 21; weight, 270 grains. Known as the “Mark.”
The Immune Columbia.
Obverse: An eye, on a small, plain, circular field; from the outside
of the field radiates a glory of thirteen blunt points, crossing,
equidistant, the spaces between as many stars in a circular
constellation. Legend: “nova constellatio.” Border, serrated.
Reverse: The Goddess of Liberty, seated upon a paneled cubic
pedestal, facing right; her left hand is well extended and balances
the scales of justice. A short liberty staff, crowned with a cap and
bearing a flag, rests against her right shoulder, and is supported by
the right hand. Legend: “immune columbia.” Exergue: the date
1785. Border, serrated; edge, plain or milled; size, 17; weight, gold,
128.8 grains; silver, 92 grains; copper 148 grains.
Bermuda Shilling—(“Hogge-Penny”).
Obverse: Device—A hog, standing, facing left, above which are
displayed the Roman numerals “XII.,” the whole surrounded by a
beaded circle. Legend: “sommer islands” around which is a beaded
circle like that enclosing the device.
Reverse: Device—A full-rigged ship under sail to the left, a flag
flying from each of her four masts—enclosed in a beaded circle, the
beads larger than on the obverse. Copper; size, 19; weight, 177
grains.