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(Eric Hobsbawm)
bem cultural. Teria sido nas fábricas têxteis, nos campos de várzea ou nos
e brancos pobres.
2
estava no “sangue” afrobrasileiro, estava no sangue do corpo oprimido pela
Tal estilo teria sido renegado durante algum tempo pois, o negro seu
racismo, os fields antes ocupados pelos filhos das famílias de “boa origem”.
Assim, o futebol branco e aristocrático teria sido transformado, pelos pés dos
3
subúrbio e times da cidade, numa amálgama na qual é preciso distinguir,
começado a dar provas do que seria seu futuro pelos pés de Friedenreich no
4
Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA). A mesma façanha do Vasco
seria conseguida pelo São Cristóvão em 1926 e pelo Bangu em 1933 (ano
negros teriam dado prova da força do estilo criado nas “peladas”, nos
sentimento racista seria mais uma vez superado em 1958: o estilo dançado,
5
do preto Pelé e do mulato Garrincha. Porém, as narrativas salientam que,
equipe.
Pelé, que havia sido declarado Rei do Futebol em 1958, reafirma o vitorioso
nações.
6
Tais núcleos assumem toda a carga explicativa, mais simbólica do que
livro O negro no futebol brasileiro, escrito por Mário Filho, cuja primeira
a pesquisa empírica.
comprovada pelo número significativo de artigos que têm no NFB2 sua base
1
A versão de 1964 foi republicada em 1994 pela Editora Firmino, mas por vários problemas esta nova
edição não foi distribuída com eficiência. Como relatou Mário Neto, neto de Mário Filho, em
entrevista concedida em 1997.
2
A partir deste momento utilizarei a abreviatura NFB para referir-me ao livro O negro no futebol
7
legitimação acadêmica que os atuais autores conferem ao livro de Mário
foi, tão perverso e violento como em qualquer outro lugar. Assim, “racismo é
brasileiro.
3
No Capítulo 4 exploro essa temática do freyrismo popular. Freyrismo popular seria a crença de que
no Brasil não existe racismo. Este conceito foi cunhado a partir da inspiração paretiana e das críticas
superficiais e adesões acríticas ao pensamento Gilberto Freyre.
8
racismo”. A visão de Mário Filho, como a de outros intelectuais, artistas e
poderia extrair dessa visão é a de que tanto o nosso racismo seria diferente
4
Para citar uma dessas exceções, aconselho consultar o trabalho de Sousa (1996).
9
Mário Filho foi, segundo o ponto de vista aqui trabalhado, um grande
preocupado com os detalhes dos pitorescos “causos” que narra, do que com
questão.
5
O termo será utilizado ao longo do texto para referir-se aos autores contemporâneos e pesquisadores
do âmbito acadêmico, que escreveram sobre a relação raça e futebol a partir da década de 80.
10
dados do NFB por empréstimo, sem questioná-los, e sem muita fineza
analítica para atacar “outros inimigos”. Em síntese, afirmam que o negro foi
luta contra ele continua sendo uma boa causa, aqui e em outras latitudes.
11
Dessa forma, o que resulta do casamento da “fonte inesgotável” com
dados do NFB, acaba tragada pela força quase mítica da narrativa de Mário
que o leitor tenha uma noção de como Mário Filho constrói suas tramas em
12
demonstra-se que os núcleos narrativos do NFB, reproduzidos nas atuais
tempos.
13
PRIMEIRA PARTE
14
1 - DAS EDIÇÕES E NOTAS AOS LEITORES
talvez histórico, por sinal muito bem escrito, que em frases “redondas”
futebol do Brasil. A linguagem de Mário Filho faz com que o leitor veja a
romance de tipo histórico, onde ficção e fatos se misturam, não seria esta a
escrever “Nota ao leitor”, uma espécie de introdução ao livro, afirma que sua
Para Mário Filho, o leitor poderia encontrar nas páginas do NFB apenas a
“Da Primeira Fila”, de O Globo, desde 1942, sob a forma de crônicas. Mário
trabalho que aqui está pronto em volume”.7 Temos, assim, a verdade pura e
6
Rodrigues Filho, M. (1964). O negro no futebol brasileiro (2ª edição). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 402p. O segmento do texto refere-se à “Nota ao leitor”, escrita para a 1ª edição e publicada
também na 2ª edição. Pode-se notar que Mário Filho utiliza verdade num sentido positivista. Aliás,
essa era a tendência do debate na época e ainda é de boa parte da imprensa que acredita apenas
apresentar os “fatos”. Entretanto, como poderemos ver no Capítulo 5, Mário Filho diz que o jornal
deve, se possível, construir fatos, e a notícia para atingir deve ser “quente”, deve ser escrita como um
drama. Os “novos narradores” do futebol parecem acreditar que os dados de Mário Filho são a mais
simples e pura verdade.
7
Idem.
15
simples produzida sem saber. Temos um tipo de produção que apenas faz
sentido para a verdade gerada pela testemunha, não sendo este o caso,
pois Mário Filho não é testemunha de tudo que relata, surgindo daí a
O NFB foi editado pela primeira vez em 1947, pela Pongetti Editores,
I a XX, “fora de comércio”. Este dado pode indicar que a primeira edição teve
pouca circulação.9
8
Rodrigues Filho, Mário. (1947). O negro no foot-ball brasileiro (1ª edição). Rio de Janeiro: Irmãos
Pongetti Editores, 295 p. Esta edição é de difícil acesso, mas o leitor pode consultá-la em microfilme
na Biblioteca Nacional-RJ. Agradeço em especial a Lino Castelani Filho, que tendo em seu acervo
esta rara edição, enviou-me uma cópia.
9
A indústria editorial no Brasil já havia crescido bastante e as edições, na época, eram de 1500 a 5000
exemplares por edição. Por esta razão, é estranho que se tenha publicado tão poucos exemplares.
Também era uma prática numerar parte das edições para o ritual da venda com os autógrafos do autor.
10
Marcos Carneiro Mendonça foi goleiro do América e do Fluminense, jogou pela Seleção brasileira e
foi Campeão Sul-americano em 1919. Seu depoimento está gravado no Museu da Imagem do Som
16
Da consulta aos jornais até 1910 Mário afirma que não se retira
dos jogos, o que serviria apenas para fazer estatística dos resultados das
branca.11
social do negro por meio do futebol. Uma das limitações que o autor diz ter
(MIS-RJ, 1967). Marcos cita em seu depoimento que emprestou seu álbum de recortes para Mário
Filho por 8 dias, mas este só o teria devolvido três anos depois.
11
NFB (1964), “Nota ao leitor”.
12
Idem, ibidem.
13
Legislação esta de acordo com o código do esporte amador importado junto com o futebol da
Inglaterra. Cf. Mandell (1986, p. 161-62).
17
que a tradição oral foi muito mais rica que os documentos consultados14. A
fontes orais. Sem desprestigiar o valor dessas fontes, temos que estar
da história teria visto passar à frente de seus olhos como cronista esportivo.
NFB seria, ainda assim, verdade “pura e simples”, mesmo depois “que a
14
Mário Filho afirma que tinha à mão documentos sobre a imprensa mais mexeriqueira, que tem
como objeto a vida privada dos jogadores (Vida Esportiva 1916-20, Crítica 1928-30, O Globo, Jornal
dos Sports, O Globo Esportivo). NFB Rodrigues Filho, M, (1964), “Nota ao leitor”.
15
Parece coincidência, mas o argumento utilizado por Mário Filho é o mesmo que Freyre utiliza para
descrever o perfil interpretativo de sua obra: “Procura interpretar e esclarecer o material reunido e
tem, talvez, um rumo ou sentido novo de interpretação; mas quase não conclui. Sugere mais do que
afirma. Revela mais do que sentencia”. (Freyre, 1981, especialmente o Prefácio à primeira edição, de
1936). No decorrer do texto apresentaremos as proximidades entre a narrativa de Mário Filho no NFB
e a teoria de Gilberto Freyre sobre a formação da sociedade brasileira.
18
recrudescimento do racismo. Culpou-se o preto pelo desastre de 16 de
superficial, “uma visão otimista a respeito de uma integração racial que não
se realizara ainda no futebol, [mas] sem dúvida o campo mais vasto que se
abrira para a ascensão social do preto”.18 Deste modo, não teria ocorrido
resultar do próprio curso da história. Talvez, mais que optar, seja necessário
negro na sociedade?
16
NFB (1964), “Nota à segunda edição”.
17
Idem, Ibidem.
19
chamado a si próprio e aos derrotados, principalmente os negros, de sub-
raça.
texto. O herói da Copa de 50, segundo Mário, teria sido um mulato da equipe
brasileiros por ser mulato, tal como os heróis do futebol brasileiro de nosso
passado, todos eles mulatos. Esta seria assim a prova de que sua obra teria
“Há de parecer estranho que sem ter que modificar nada que escrevi,
definitiva.”19
e Barbosa), a escolha do uruguaio e mulato Obdúlio foi vista por Mário Filho
com essa “tese”, inspirada em Gilberto Freyre, uma “genealogia” dos heróis
18
Idem, Ibidem.
19
Idem, Ibidem.
20
Quando o Brasil levantou o campeonato mundial da Suécia, em
58, o brasileiro elegeu dois ídolos: o preto Pelé e o mulato
Garrincha. O Negro No Futebol Brasileiro suportara a prova sem
ter de mudar uma linha.
para o aumento das barreiras raciais, e outros para varrer tais barreiras.
de orgulho da raça. Pelé, com sua imagem e o orgulho de ser filho de pretos,
Desta forma, a segunda edição da obra de Mário Filho pode ser encarada
20
Ibidem, Idem.
21
Ibidem, Idem.
22
Ibidem, Idem.
21
O NFB, como já vimos, na segunda edição deveria, segundo o autor,
pura e simples” que Mário Filho confere a sua própria obra. Nos capítulos
23
Ibidem, Idem.
24
Mário Neto relatou, em entrevista concedida em janeiro de 1997 ao autor deste estudo e à Profª.
Ludmila Mourão, que o avô havia contratado um revisor que atualizaria a linguagem da edição de
1947.
22
questão apresenta uma estrutura semelhante à do conto25 que se articula
que o herói negro teria operado no futebol uma “revolução” silenciosa, onde
sangrentas, porém não sem sacrifício e humilhações. Por agora basta, mas
do NFB.
25
A referência básica para pensar o NFB como estrutura do conto foi a obra de Propp (1984). O
estudo de Propp foi uma das referências que Lévi-Strauss utilizou para pensar a estrutura do mito.
23
2 - DOS CAPÍTULOS DA 1ª EDIÇÃO
brancos. Em seu texto, ser branco se confunde com a idéia de elite. Tanto é
delimitado.
26
A visão de elite de Mário Filho muito se aproxima do conceito de uma classe formada por
proprietários de indústrias ou negócios, funcionários públicos, técnicos, bacharéis, médicos e
comerciantes bem- sucedidos. Elite também significa, nesse contexto, ser aristocrata, estrangeiro bem-
colocado social e economicamente.
27
É importante ressaltar que Mário Filho trabalha com a noção de cor, que se confunde com raça e,
conseqüentemente, com etnia. O que se pode deduzir é que quando Mário Filho está se referindo a
negros ele inclui pretos e mulatos; contudo, por vezes ele utiliza separadamente preto ou mulato,
servindo-se de critérios que adjetivam os diferentes traços fenotípicos e psicológicos. Ver Lambert
24
negros e brancos pobres, local onde se teria acesso apenas à emoção; time
futebol do passado é que era bom”.29 A crítica de Mário Filho não se dirige
trama para dizer que o passado do futebol não era idílico. O futebol seria,
antes de tudo, segregador. Por isso diz que “de quando em quando a gente
25
aristocrata e branco que se tornou popular e, conseqüentemente, negro. A
Embora possa existir coexistência empírica, essas atitudes sociais não estão
31
Sobre a produção de tradição, ver Hobsbawn (1997).
32
Segundo, Hobsbawn, um dos caminhos da construção da nação ou do nacionalismo é a
identificação de inimigos, internos ou externos, para gerar unidade ou agregação. Ver também Boudon
(1990), para quem o individualismo metodológico auxilia a entender a lógica da construção e
afirmação das nações, estados, empresas etc.
33
Se, no passado pós-abolição, a imigração ou as teses de branqueamento caminhavam na direção de
visualizar que tínhamos uma população negra e mestiça, uma raça que arrastava o Brasil para baixo e
por isso devia ser absorvida ou caldeada, a situação parece que começa a se inverter no plano
discursivo de alguns médicos, literatos e intelectuais. Alberto Torres, na década de 1910, Monteiro
Lobato, Miguel Pereira, já haviam descartado a hipótese de que o problema do desenvolvimento do
Brasil era a raça mestiça e os problemas da mestiçagem. Os problemas do Brasil eram sanitários e de
26
do futebol em que a nação estaria cindida: negros de um lado e brancos de
outro.
“Os jogadores claros, bem brancos, havia até louros nos times, ia-se
também tinha seus pretos e mulatos, ainda que fossem raros como indica
Mário Filho. Entretanto, a raridade no futebol não pode ser tomada prima
Aquilo que Mário Filho carrega nas tintas como problema racial
educação, e as propostas de intervenção eram no sentido de tratar com sanitarismo, educação física e
intelectual a população doente. Cf. Lima & Hochman (1996). Ver também Torres, Alberto (1978).
27
introduzindo o Bangu, que em função da insuficiência de jogadores, teria
lançado mão dos operários brasileiros para formar uma equipe de futebol.35
mais, afirmar racismo neste contexto parece estranho, pois será que os
mulatos que teriam jogado futebol nesta fase que se denomina saudosista.
Bangu poderia ter um preto ou mulato como Francisco Carregal, filho de pai
português com mãe preta. Era tecelão, nas palavras de Mário “um simples
tecelão”, e quando integrou o team do Bangu comprou tudo novo, pois não
queria “fazer feio”.36 Lazer era pago, tanto quanto hoje. O esporte, na virada
do século, torna-se um estilo de vida nas metrópoles, onde sua prática nos
34
NFB, 1964, p. 3.
35
Um time da fábrica Progresso Industrial Ltda; criado pelos empregados ingleses e fundado em
1904.
36
NFB, 1964, p. 9.
28
que estavam no degrau mais baixo da estrutura social.37 A própria narrativa
bem no alto dos mastros”.38 Outra prova de que o futebol era inglês estaria
Robison”, “M. Murray” etc. Mário diz que os “brasileiros acharam bonito (e)
H. da Costa Santos.39
Ainda para confirmar que o futebol era “made in England”, Mário diz
específicos do esporte em bom inglês: foul, man on you, goal kepper, center-
37
Sevcenko (1994).
38
NFB, 1964, p. 5.
39
Idem, ibidem.
40
Idem, p. 6.
29
existir um outro no final: o cenário do futebol brasileiro e negro. A passagem
teria realizado como nação. Cabe aqui assinalar que a cisão entre classes,
41
Soares & Lovisolo (1996).
42
NFB, (1964, p. 4).
30
Britânico na 1ª Grande Guerra.43 Se naquele período a tensão do que
povoando os clubes de elite. Embora tais negros possam ser lidos como
saudosismo”, não seriam “vistos como pretos” e nem julgados pelo critério
de jogo. Mário coloca essa situação apenas para indicar que, se o futebol no
43
Pécaut (1990), especialmente a Parte I: Os intelectuais, o povo e a nação.
44
Soares & Lovisolo (1996).
45
Hobsbawm (1990).
46
Skidmore (1976, 1994).
31
Bangu era caro, no Fluminense era mais caro ainda. Pertencer ao
chutar as bolas que caíssem fora do campo. Assim, o contato dos populares
experimentavam chutes.
47
NFB (1964, p. 10).
48
Idem, ibidem. O NFB indica o que é ser de “boa origem”. Observe-se a descrição: os jogadores
cariocas que foram a São Paulo, tiveram cada um que desembolsar “cento e trinta mil réis” para
realizar esta aventura esportiva. O futebol era para um pequena parte de brasileiros, “todos homens
feitos, chefes de firmas, empregados de categoria de grandes casas, filhos de papai rico, educados na
Europa, habituados a gastar.
32
Brasil teria-se tornado uma marca tão distintiva de raça se a sociedade
49
Idem, p. 13.
33
Prado poderia ser lido como exceção e como paradoxo da formação
social brasileira. A descrição acima implica que o critério racial pode ser
Mário Filho, era “um mulato cheio de coisas. De roupa cintada, o colete
50
Idem, p. 16.
51
Idem, ibidem.
34
O que representa no NFB ser negro, como Joaquim Prado ou Basílio
que a sociedade brasileira, do ponto de vista racial, foi mais democrática que
texto: preto de um lado, branco de outro, seria, para Mário Filho, “[A]
tendência natural das coisas, cada jogador procurava seu meio, indo para
onde estava sua gente. E quando a sua gente não tinha clube, o jeito era
fundar um”.53
52
Idem, ibidem.
53
Idem, p. 14.
35
privilégio das elites, mesmo que a popularização do futebol não impedisse
narrativa.
Maranhão:
“Por causa desse chute Raul de Albuquerque Maranhão não
tinha clube fixo. Podia ser o Bangu, com seus ingleses, o crioulo
Manoel Maia, de goal-keeper, atrás dele. Alto, louro, Raul de
Albuquerque Maranhão confundia-se com os ingleses do Bangu.
Ficava bem ao de quem fosse, ingleses do Bangu, brasileiros do
Riachuelo e do Mangueira, brancos, mulatos e pretos se
misturando”. 54 (grifo meu)
54
Idem, p. 18.
36
Pereira:
“Metia a mão no bolso, o dinheiro dele era do clube (...).
tipo anterior aos anos 30.58 Qualquer um que falasse qualquer coisa do
Fluminense, mas sabia que o seu lugar era na geral. Era apenas torcedor e
55
Idem, p. 18-9.
56
Geral significa o local em que o custo do ingresso era o mais baixo e onde assistia-se o jogo em pé.
57
NFB (1964, p. 19).
58
Soares (1994); Mattos (1982).
37
Grandes e pequenos, cada um ficando no seu lugar, conservando
as distâncias.
Tal como num baile, numa festinha, num arrasta pé, os pares
dançando. Gente dentro da sala, olhando, gente de fora da sala,
espreitando, gente fora de casa, na rua, o sereno, espiando.
59
NFB (1964, p. 21). Mário Filho comenta que as fitinhas coloridas no chapéu eram um símbolo de
distinção das elites no seio do futebol. O interessante é que ainda que existissem símbolos de
distinção, pois estamos numa metrópole em constante crescimento e as dissimulações de posições
sociais são mais rápidas do que os símbolos de distinção que as novas burguesias criavam ou
importavam. Os estudantes eram hábeis dissimuladores de sua posição social, e no intervalo trocavam
a geral pela arquibancada.
38
Mário desliza sua pena descrevendo personagens e suas
demarcação.
voltavam para casa escoltados pela polícia. (Observe-se que o “time inglês”
descrito por Mário parecia, pelo menos por parte de sua torcida, não adotar
o código do fair play ainda hoje desejado pelo esporte educativo e pelo
60
Idem, p. 19.
61
Idem, p. 20-1.
39
“nacionalismo chauvinista” tem no espaço do futebol um local propício para o
que Mário realiza após contar o episódio do ganha mas não leva:
“No fundo, luta de classes, sem ninguém se dar por isso, é claro.
Todos levando a coisa mais para a rivalidade entre o clube do
subúrbio e o clube da cidade. Rivalidade que se acentuava de um
lado só, do lado do clube de subúrbio: O clube de subúrbio se
afastando, ficando cada vez mais longe, querendo até se separar.
Separar por quê? Porque se sentia outro clube, outra gente.
de classes são quase que “puras” no episódio. O futebol pode ser visto,
époque o futebol viria para ficar, mas só se popularizaria porque tinha algo
62
Idem, p. 21.
40
que o aproximava do povo, era diferente dos outros esportes. Essa
explicação empregada por Mário prepara o terreno para dizer que o futebol
Mário Filho?
atleta, pois o remador era um ser quase inatingível. “Bastava olhar para um
paletó quase não se fechando, estufando no peito. Via-se logo que era
remador”.64
remando, não. Além do mais, futebol era uma atividade que se identificava
63
Idem, p. 27. Mário Filho parece tomar o tema da homossexualidade e misoginia para qualificar o
futebol como um esporte melhor. É engraçada a citação de Bilac, onde o Mário o chama veladamente
de homossexual: “Diante daqueles músculos, daqueles corpos atléticos, Olavo Bilac se transportava
para a Grécia. Inflama-se, não se continha. (...) Já diante de um jogador de futebol, de chuteiras e
meias grossas de lã, de calções afinando no joelho, de camisa de mangas compridas, quase nada de
fora, o poeta da Via Lactéa ficava frio”. Mário diz que os remadores promoviam festas, chamadas
41
com a infância. Homens pulando, correndo atrás de bola, lembrava os jogos
reco-reco, na garagem, onde a participação feminina era proibida e homens dançavam com homens.
64
Idem, p. 28.
65
Idem, p. 30.
66
Mário Filho diz em nota que “Joaquim Guimarães andou uns meses freqüentando as corridas, meio
desiludido com o futebol. Muito saudosista hoje faz coisa parecida: vai para o Jóquei.” Neste
contexto, o autor se refere ao processo de expansão do futebol que estaria acabando com os símbolos
de distinção social (NFB, 1964, p.39 - Nota 4).
42
O Fluminense, o Botafogo, o Flamengo, também tinham lugar
para ele. Na geral. Da geral ele olhava a arquibancada. Uma
beleza. Assim de moças, com seus vestidos claros, os seus
chapéus floridos.
- Pó-de-Arroz! Pó-de-Arroz!
43
Era só ele entrar em campo, da geral partiam os gritos de pó de
arroz. Carlos Alberto sem se dar por achado, como se não fosse
com ele, como se fosse com o Fluminense.
clubes de elite, e nem por isso o NFB narra perseguições a esses atletas.
Esta é mais uma prova de que não se pode requerer a coerência longitudinal
67
NFB (1964, p. 43).
68
Observe-se que este insólito comportamento se transforma na própria narrativa de Mário. O
Fluminense reelabora o estigma? Parece tornar-se algo positivo, isto é, pó-de-arroz significa bom
cheiro, e cheirar bem era realmente uma característica dos associados do Fluminense. Segundo Cunha
& Valle (1972), o “epíteto “Pó-de-Arroz” nasceu no dia 13 de maio [de 1914], por ocasião da
partida entre Fluminense e América, quando, pela primeira vez, os ex-americanos que se bandearam
para o tricolor enfrentaram seu antigo clube”(p. 80). Os autores reproduzem a história de que Carlos
Alberto teria empoado o rosto a partir do NFB. Contudo, consultando os jornais da época (O Malho, O
Imparcial, Correio da Manhã, O Paiz), nada se acha sobre a expressão “pó-de-arroz”, ao passo que o
jogo recebe ampla cobertura.
44
são aceitos no Fluminense porque tinham elementos positivos de história
por serem excelentes jogadores. Será que de alguma forma Mário Filho
teria sido “perseguido” por disfarçar sua “raça”, por que Friedenreich, seu
brancos.
45
Os saudosistas - pensados como elitistas e racistas - vão perdendo
comportamento:
69
Idem, p. 44.
70
Idem, p.48
71
Idem, ibidem.
46
Mário está dizendo que um inglês como Edwin Cox amolece os quadris e
intelectualidade nos anos 30. Parece ser sob esse pano de fundo que
“charles” era brasileira, mas tinha um nome inglês. Por esta razão, “charles”
72
Idem, p. 49.
73
Idem, ibidem.
47
busca de abrasileiramentos no futebol por Mário parece perseguir o mesmo
trajeto que Freyre fez para a cultura em geral. Nesta direção, Mário diz que
introduzir uma estilização no jogo era a receita do sucesso. Fora assim com
o charles, fora assim com o chute à Maranhão e seria depois com a bicicleta
pode incorporar hábitos e valores de outra cultura. Contudo, o que está aqui
74
Idem, ibidem.
75
Idem, p. 49. “Coisa de brasileiro, querendo ser mais sabido do que os outros. Gritando deixa, o
outro deixava, ele ficava com a bola que não era dele. Marcando um gol com a mão. Sem ninguém
ver”. Mário Filho está se referindo à malandragem como comportamento singular da cultura
48
O futebol já estaria se abrasileirando, mas nem por isso estaria
grandes times, nunca pelos pequenos. Sempre por brancos, nunca por
49
da vitória. Mário Filho, entretanto, desvia o foco do feito heróico para a
questão racial. Diz que Friedenreich não se tornara herói por ter marcado
este gol da vitória, mas sobretudo por ser mulato. Apoiando-se em Freyre,
Mário Filho diz que o imaginário popular prefere acariciar um herói ou santo
essa feliz coincidência: o gol da vitória ter sido marcado por um mulato.
que “o futebol devia ser de todas as cores, futebol sem classes, tudo
que viria lentamente, mas que não pararia mais, a despeito de tudo”.79 Isto
Este jogador, que fora convidado para jogar no América, era negro e soldado
76
NFB (1964, p.53).
77
Idem, p. 54. Ver nota de rodapé.
78
Idem, ibidem.
79
Idem, ibidem.
80
Cunha & Valle (1972).
50
a condição social dele não importava”.81 Não importava para alguns, pois a
de que o negro ainda teria muitas provações a superar para afirmar-se como
herói nacional.
81
NFB (1964, p.55).
51
afastado da comunidade e em situação de “dano”. O texto descreve novos
82
No sentido de esclarecer a algum não brasileiro que venha a consultar este texto, esclareço que
pelada ou racha significa um jogo de futebol onde o campo de jogo e as regras são improvisadas das
mais diversas maneiras.
83
NFB (1964, p. 59).
52
ser montada para que ao final do processo os desfavorecidos sejam
sempre muito fiel, reproduziam nos campos de barro e pedra com bola de
O branco dos fields, dos grandes clubes, tendo ainda por cima
um professor, o capitão do time gritando sem parar, em inglês. O
preto das peladas, das ruas, não tendo ninguém.
Aqui, mais uma vez, observa-se que racismo confunde-se com distinção
84
Idem, p. 60.
53
naqueles terrenos acidentados. O menino de boa família jogava com todo o
85
Idem, p. 64.
86
Idem, p. 64-5.
54
Nessa mediação, Mário Filho começa a fornecer pistas da
essa experiência como periférica, pois o futebol seria ainda, por algum
não indica que o negro fora englobado no espaço do futebol, para usarmos o
conceito de Dumont. Por exemplo, o negro jogando deveria ser muito mais
55
controlado que um branco, e não poderia sequer dar um pontapé, mesmo
sem querer, num branco. Parece intenção do autor indicar que para os
brancos o máximo que se podia aplicar era a lei, ao passo que para os
lhe era imposta, ele sempre seria utilizado como bode expiatório nas
terminarem com o futebol no clube, pois, como analisa Mário, “não tinha
colocado na questão racial, pois isto faz parte do jogo da construção de sua
87
Idem, p. 82.
88
Idem, ibidem.
56
quanto era torcedor brasileiro ficava pequeno”.89 Parar Gradim em campo,
brasileiros, segundo Mário Filho, que “um preto podia ser um grande
preto como Gradim, porque os times de elite também não poderiam ter? A
solução seria buscar os bons jogadores além dos limites do bairro, da classe
seguinte. A partir deste cenário, Mário arma uma nova construção para
89
Idem, p. 107.
90
Idem, ibidem.
57
ratificar sua interpretação que o branco ainda era visto como superior. A
Para o América, segundo Mário Filho, o que importava era que o quadro da
fotografia do time campeão não tinha Miranda e nem Manteiga (se Manteiga
tinha abandonado o time em 21, não se entende por que Mário Filho diz que
uma vez, pode-se perceber como Mário Filho desliza suas interpretações
nenhum time campeão até 1922 teria negro ou mulato nos seus quadros. A
91
Idem, ibidem.
92
Idem, p. 119.
93
Idem, ibidem.
58
única exceção era Friedenreich. Por ser exceção, Mário se vê obrigado a
primeiro capítulo, teria sido elevado à condição de herói, não só pelo seu
com que Friedenreich perca sua cor. Friedenreich, neste contexto, seria
Mário Filho construir sua narrativa. Friedenreich passa a ser uma espécie de
indica, mais uma vez, que não se pode buscar a coerência historiográfica ou
provável que essa falta de coerência interna decorra da forma pela qual o
cronista tem que ser coerente, no máximo, com o texto da hora. Não se
Mário são escritas tendo por base seu ofício, as conversas de bar e sua
94
No Capítulo 5 exploro este tema.
59
O NFB narra a dinâmica do futebol sob um ponto de vista em que
cafés, no bate-papo com amigos, acaba por tornar seu texto mais um
uma explicação sobre o racismo. Mário quer, antes de tudo, contar casos ou
texto pretende ser uma versão do processo vivido pelo negro no futebol, ora
95
NFB (1964 p. 119).
60
Ainda que os times grandes não reconhecessem o valor do negro,
Vasco compõe seu time com pretos, mulatos e brancos, quase todos semi-
questão deve ser colocada: o Vasco teria aberto as portas para pretos e
96
Idem, p. 120.
97
Ribeiro (1989). A autora descreve o processo antilusitano que se instalou no Rio de Janeiro após a
61
jogo terminaria em tragédia; todos se uniram e se armaram contra o Vasco.
Mas foi apenas uma batalha perdida. O negro começava, com a vitória em
família”.
Proclamação da República.
98
NFB (1964 p. 128).
99
Idem, p. 132. A AMEA é fundada em 1 de março de 1924.
62
estava a prova do racismo. Diz Mário, já no capítulo seguinte: “[O] que
fora aceito na AMEA e também tinha seus negros. Como Mário explica isso?
Mário instila que a exceção aberta aos operários do Bangu funcionaria como
uma cortina de fumaça para que a AMEA não fosse considerada uma
eram todos operários, e isto não deixaria dúvidas sobre a condição amadora
capítulo.
100
Idem, ibidem.
63
retrocessos em direção à integração e democratização do futebol. A criação
64
preto e o mestiço, a pelada, a ginga do samba e da capoeira, sendo esta a
tradição que Mário Filho auxiliaria a inventar. A vitória do futebol negro faz
supostamente em conflito.
narrativa.
101
“Corriam os boatos mais desencontrados: Floriano e Friedenreich estavam gripados, queriam
dinheiro para jogar. Renato Pacheco acabou se convencendo que a questão era dinheiro, tanto para
65
exigiam, de forma dissimulada ou não, o pagamento por seus serviços. O
das vezes, o emprego não era para trabalhar, era para jogar futebol, para se
vista podia ser vista como negativa. Por exemplo, quando um jogador se
“amador”.
“O pior era que Fausto não podia dizer nada. Para todos os
efeitos era um amador, um empregado do comércio, vivendo do
seu emprego, não jogando futebol por dinheiro e sim por amor ao
clube. Tudo ao contrário: ele jogava futebol por dinheiro e não por
amor ao clube.”102
66
A camisa do clube não jogava sozinha, precisava de bons jogadores
E para mostrar que mandava mesmo, que não era conversa, fez
um sinal e os jogadores paulistas saíram atrás dele.105
103
Aqui se está falando no sentido de inserção no mercado de trabalho formal, não no futebol, que era
para esses jogadores trabalho dissimulado. O futebol deveria ser encarado como simples diversão e
lazer.
104
Prêmios ou gratificações pela vitória. Sobre esta expressão e outras, consultar Feijó (1994).
105
NFB (1964, p.169).
67
Esse caso insólito parece indicar, mais do que revolta ou afirmação
106
Da Matta (1982).
107
Correio da Manhã, 13/11/1927, p. 17.
68
paulistas que participaram do protesto.108 Esta é uma demonstração de
como Mário Filho constrói a sua versão dos fatos. Amilcar foi o personagem
central deste conflito, mas, por ser branco, é secundarizado em sua versão,
Fausto (...) pela revolta que fervia dentro dele, que não o deixava
em paz.(...)Metia o pé nos pretos, iguais a ele, metia o pé nos
brancos, que não eram melhores do que ele, mas que tinham
tudo, enquanto ele não tinha nada.109
108
Idem, ibidem.
109
NFB (1964, p. 188).
69
lentamente, dele se apropriam. Esta seria parte da saga dos negros ou dos
mulato, passaria a poder vender sua habilidade com a bola nos pés. Em
outros países.110
que esta se constitui numa etapa que abriria o caminho para a ascensão
110
Sacher & Palomino (1988).
70
social do negro na narrativa de Mário Filho. Poder-se-ia dizer que a unidade
definhando. O herói tem sempre que passar por obstáculos e desafios para
que a vitória final tenha sentido. Nos “novos narradores”, toda esta narrativa
negro”, seria a conclusão à qual Mário Filho chegaria em 1947. Este capítulo
maior ídolo do futebol dos anos 30 e 40. Ambos negros, por isso heróis de
111
NFB (1964, p. 54). O autor cita Gilberto Freyre (Sobrados e Mucambos), em nota de rodapé.
71
“[O]s pretos estavam por cima”, conjectura Mário Filho em função da
citando o texto que José Lins do Rego havia escrito para o prefácio do livro,
A Copa Rio Branco, 32, de autoria do próprio Mário Filho: “Os rapazes que
explicitamente a tese da democracia racial, que indica ser o fio condutor dos
112
Idem, p., 214.
113
Idem, ibidem.
114
Em Negro, macumba e futebol, Rosenfeld (1993) diz que Mário Filho confunde mobilidade
econômica com status ou mobilidade social. Por exemplo, pode-se ter mobilidade social sem
necessariamente se ter mobilidade econômica.
72
Domingos da Guia é descrito como um homem de perfil taciturno,
Domingos é inglês por sua postura sóbria fora do campo e por ser elegante
mantinha distância. Seu perfil não admitia muita intimidade, jogava futebol
como quem não estivesse pressionado pelo clima do jogo, era frio e
Pelo perfil de Domingos, Mário Filho entenderia o sucesso que este teria tido
no Uruguai -- o futebol neste país seria o mais inglês da América do Sul. 116
115
Por exemplo, quando tinha que negociar um contrato com o presidente do Flamengo, chegava na
hora marcada pontualmente, cumprimentava a todos, sentava-se de pernas cruzadas e ficava ouvindo
as propostas. Quando o presidente chegava ao assunto das luvas oferecidas para o contrato, Domingos
levantava-se e solicitava que seu secretário passasse a negociar diretamente com o presidente. Mário
diz que Domingos achava desagradável a discussão de dinheiro, e assim deixava a sós o presidente e
seu secretário até chegarem a um acordo. Pode-se observar que Domingos pareceria muito bem
assumir a posição sagrada do artista que não suja suas mãos com dinheiro, apenas faz sua arte, por
isso possuía seu secretário particular para cuidar das coisas seculares.
116
NFB (1964, p., 243). Mário Filho descreve que, quando Domingos jogava, o público do jogo subia
em média cinco mil pessoas; os jornais locais correspondiam a essa demanda, pois tudo que este
jogador fazia era motivo para ganhar uma página inteira nos jornais uruguaios.
73
não seriam só as marcas dionisíacas o motivo do insucesso de Leônidas no
por ele ter marcado os gols contra o Uruguai na Copa Rio Branco de 32.
país para vestir a camisa do Flamengo. Leônidas brilharia mais no Brasil, por
ser mais brasileiro. Mário Filho consegue, desta forma, explicar a enorme
as mediações:
117
O apelido de Leônidas deu nome ao chocolate pelo seu apelido Diamante Negro, chocolate este
que existe até os nossos dias.
74
malandro, de samba de breque. Mais inglês, porém, que os
ingleses brancos que o torcedor conhecia.
em tudo que aqui chega, seja o futebol, sejam os ingleses. Tudo termina em
118
NFB (1964, p. 243).
75
uma boa equipe. O futebol passa a recrutar os melhores jogadores, fossem
pretos, mulatos ou brancos e, para Mário Filho, melhor seria que fossem
misturados.
aceitavam que Leônidas fizesse tudo o que quisesse, era um gênio. “Os
“Nenhum jogador tinha subido tão alto quanto esses dois jogadores, negros,
Quirino, cujo nome verdadeiro era Emílio Corrêa. Quirino é descrito como
centro da mesa, Quirino a sua direita. Todos os dias, pelo Brasil afora, o
119
Idem, p. 251.
120
Idem, p. 257.
121
Idem, p. 258.
76
Este quarto capítulo, “A ascensão social do negro”, que hoje se lê
edição”. Em nenhuma parte do texto de 1964 Mário afirma que o futebol teria
Mário Filho, assim, diz ter se colocado com muita cautela a respeito
1947, no quarto capítulo, fica evidente que Mário Filho teria elevado o negro
futebol passa a ser tão forte que poder-se-ia até afirmar que Mário Filho vê,
ao escrever as “Notas à segunda edição”, diz que esta impressão seria fruto
122
Na próxima seção apresento as frases suprimidas por Mário Filho que indicam sua crença na
integração racial total e harmônica.
77
de uma leitura superficial, pois na primeira edição teria feito apenas um
primeira edição, vê-se que os argumentos de Mário Filho são falsos, pois na
Fausto morrera na miséria, mas teria aberto o caminho para outros negros
123
A primeira edição, de 1947, não circula e não é citada nos estudos contemporâneos. Além do mais,
isto ocorre porque Mário Filho afirma que na segunda edição teria mantido intacto o texto de 1947, o
que não é verdade.
124
NFB (1947, p. 294-295). As omissões tornam o caso de Quirino na segunda edição meio fora de
lugar; em outras palavras, não fica clara a função de Quirino no texto. Mas na primeira edição
entende-se claramente que a figura de Quirino funciona como prova da realização da integração racial.
78
representariam a avaliação final sobre as relações raciais no futebol: o
79
amanhecer no estádio, vai mais tarde, fica na sombra, não
apanha sol na cabeça, mas não pode torcer mais do que o
pobre, nem ser mais feliz na vitória, nem mais desgraçado na
derrota.”127 (grifo meu)
prefácio do NFB em 1947, não parece acreditar numa integração racial total
definitiva do negro no futebol. Desta forma, fica a questão: Mário Filho teria
retirado sua explícita crença na democracia racial para ser coerente com os
modificado, e que ele apenas tenha apagado o triunfo final do herói negro
de 1964.
127
Idem, ibidem.
80
3 - DOS CAPÍTULOS DA 2ª EDIÇÃO
Domingos e Quirino. O novo texto não omite que o negro havia conquistado
em suas equipes. Apesar disto, crê nosso autor que a preferência pelo
estão bem presentes em sua nova trama. De fato, o que se nota na narrativa
fio da navalha que o negro vivia nos anos 40 e 50. O negro é situado numa
negro, colocando desconfiança sobre seu valor, seu equilíbrio nas decisões
81
A desconfiança de suborno, no entanto, não incidia só sobre os
num amor pago, se outros podem pagar mais?”128 Por esta razão, todos
128
NFB, (1964), p. 264.
129
A expressão foi definida na Nota 108.
130
NFB, (1964), p. 277.
131
Mário Filho, mais do que um jornalista, era um interventor no campo esportivo, era como um
guardião da imagem do esporte. Discutiremos o perfil de Mário Filho no Capítulo 5.
132
NFB, (1964), p. 278.
82
Ao longo da narrativa aparece a denúncia da ideologia da
negritude.133
time não são pretos, ou melhor, não possuem cor que os desqualifiquem,
branquidade, que opera como uma atitude ou sentimento que não deixaria
133
Idem, p. 280-1.
134
Idem, p. 275.
83
doses de uísque antes dos jogos apenas sugere um traço de identidade,
como singular. Ser negro ou branco não requer que se discuta a linhagem,
135
Idem, p. 261.
136
Idem, p. 283.
84
imagem de uma sociedade miscigenada fica patente na figura de Tintureiro e
seus filhos, os Lima. Daí decorria o pseudônimo de Tintureiro, pois tinha dez
filhos que “iam do preto ao quase louro”.137 Tintureiro era pai de dois
o outro branco e bem aceito. Através dos filhos de Lima fica demonstrado o
negro, assim, ainda estaria em provação. Isso pode ser encarado como
137
Idem, p. 264.
85
3.2 – “A vez do preto”: afirmação do negro e do futebol brasileiro
com a Espanha e vencido a Suécia num jogo difícil. A final entre Brasil e
potencial vitória da seleção. Mário Filho faz questão de dizer que o excesso
sobre a Espanha.
segundo tempo, o Brasil sairia na frente com um gol de Friaça. Mas o jogo
138
A torcida neste jogo, emocionada com a goleada, cantava a música de Braguinha “Touradas em
Madri”.
139
Sobre as representações da derrota como morte, ver Vogel (1982) e Guedes (1977).
86
continuava. Gigghia, jogador uruguaio, avançou para cima de Bigode (que
chegou à linha de fundo e deu a bola para trás nos pés de Schiafino, que
empate não era o pior dos resultados, pois com ele o Brasil ainda seria
campeão.
para trás, como fizera no gol anterior, chutou e a bola passou entre a trave e
Barbosa. Mário Filho diz que quando o árbitro deu o apito final “o Maracanã
bastante viril, que tinha sido orientado para não reagir às provocações,
140
Meu pai, que tinha na época deste jogo 26 anos, diz que o Bigode se caracterizava como um
jogador viril, que era conhecido pelos carrinhos e pela capacidade de desarmar o adversário; mas neste
jogo ele teria jogado com a preocupação de não cometer erros disciplinares, e isto teria facilitado o
jogo. Mário Filho diz que o Brasil teria jogado com excesso de fair play: “Bigode obedecera as
ordens terminantes: não podia reagir. Bigode e todos os jogadores brasileiros. Remember 38. Se
levássemos um bofetão, tínhamos era de oferecer a outra face. NFB, 1964, p. 332). Mário está se
referindo ao fato de Domingos da Guia ter cometido um erro crucial na Copa de 38, por revidar uma
provocação.
141
NFB, (1964), p. 335.
142
A história já transformou-se em mito que ganha sempre uma nova versão.Ver capítulo final.
87
grande culpado foi o goleiro Barbosa.143 O terceiro culpado, Juvenal, outro
do racismo não está claro, pois uns são acusados, outros esquecidos. O
ambigüidades:
143
Mário Filho, no capítulo “A Provação do Preto”, preparou o terreno, indicando que suspeitas eram
levantadas sobre a capacidade moral e psicológica dos negros, principalmente para ocupar a posição
de goleiro.
144
NFB, (1964), p. 335.
145
Idem, ibidem.
88
era mulato”.146 Retorna a interpretação freyreana: os heróis brasileiros são
herói do nosso futebol, pois o “trono” estava vago desde Leônidas. Teriam
herói.
De fato, o que fica explícito é que Mário Filho acaba por reacender,
racismo, para que pudesse, ao atualizar sua “história”, indicar mais uma vez
146
Idem, p. 336.
89
construção das identidades nacionais, o inimigo (interno ou externo) deve
futebol nacional era aquele das “Touradas de Madri”, que fazia o brasileiro
147
Idem, ibidem.
148
Idem, p. 343. O jogo foi realizado em 8 de abril de 1951.
90
nosso autor. Zezé Moreira ainda piorou sua imagem depois do empate com
jogo não teria tido importância. O que teria importado, nesta vitória, foi a
do negro. O brasileiro não poderia ser visto como uma raça que na hora
149
Idem, p. 345-6.
150
Idem, p. 351.
151
Idem, p. 352.
91
Contudo, segundo a descrição épica de Mário Filho, a vitória não era
comportamento de Nilton Santos, que não havia jogado em 50, “mas herdara
Mário Filho transformar uma falta, que resultou num pênalti, em expressão
92
continuou vago”.153 Por que não surgiu nenhum candidato a herói depois
deste feito? Mário Filho arma o fato do Pan para matar “dois coelhos com
vingança, foi ganho com as mesmas armas que o adversário utilizou em 50.
A vitória no Pan, apenas teria satisfeito o desejo de vingança, mas não teria
da perda da Copa de 50. Por esta razão, Mário Filho tece a rede lentamente
Freitas), mas Mário Filho constrói sua narrativa sem perder de vista a
152
Idem, p. 352-3.
153
Idem, p. 354.
154
Idem, ibidem. Carnaval, samba, futebol são elementos formadores da identidade nacional e, por
extensão, caracterizam o espírito não-belicista ou cordial do brasileiro.
93
é evidente. Por esta razão, o futebol também não poderia prescindir do
era preto e subia, não ficava branco, mas perdia a cor. Por mais preto que
quase jocosa anedota “vivida” por Robson, que, por coincidência ou não,
155
Idem, p. 358.
156
Alguns dos “novos narradores” lidam com a descrição de Mário Filho, que mais parece uma piada
que indica um tipo singular de racismo, como uma prova do racismo brasileiro sem muita fineza
analítica. Ver como exemplo o livro de Esteves (1977, p. 147).
94
“Uma noite Benício Ferreira Filho levava, no seu Cadillac, Robson
e Orlando, o Pingo de Ouro, para o Fluminense. A rua Soares
Cabral, como sempre mal iluminada.
que tinha nascido preto. “Como podia ser preto se pertencia à família do
158
Fluminense?” (Se o argumento vale para Robson, por que não valeu na
brasileiro.
157
NFB, (1964, p. 358-9).
158
Idem, ibidem.
95
“As posições se invertiam, como se o preto pudesse até olhar de
cima. Bastava que a barreira se rompesse para que o branco se
orgulhasse de passar o braço em volta do ombro do preto. De se
mostrar com ele, na sede do clube, diante dos outros sócios que
não tinham a mesma felicidade, ou nas ruas, despertando inveja
nos passantes”. 159
modesto pudor racista. Mário diz que tal pudor funcionou como dissimulação
96
Observe-se que a má campanha da seleção brasileira transforma-se
negro poderia ser negro e ter orgulho de sua raça. A narrativa indicaria Pelé
era jogar com o time mais branco que pudesse, mesmo tendo convocado
97
negros.161 A escalação da equipe brasileira nos primeiros jogos poderia ser
pretendia levar o menor número de pretos para a Suécia por dois motivos
básicos. Primeiro, para não levar pretos como Sabará, que denegririam -
pretos e mulatos foram convocados, o que indicaria, segundo Mário, que não
houve racismo.
único negro a ser escalado foi Didi, cujo reserva também era negro. No dizer
suspense; o herói não pode triunfar sem provações. A dúvida é criada, pois
161
Observe-se que a ameaça do branqueamento é sempre levantada por Mário Filho. Poder-se-á ver na
segunda parte deste estudo que os “novos narradores” continuam a sugerir este tipo de ameaça.
98
num momento Mário Filho aponta racismo e preconceito, no momento
seleção de 58, cria racionalizações que tentam explicar por que Pelé e
jogos. Pelé estaria fora por falta de condições físicas e Garrincha fora
beque retornar, deu mais um drible, o beque bateu com a cabeça na trave,
Brasil rumo ao triunfo maior. Segundo Mário Filho, Didi, Nilton Santos e
acreditavam que sem ele não seria possível ganhar a competição. Pelé não
tinha sido escalado por não conseguir jogar dois tempos de treino, mas Didi
162
NFB (1964, p. 379).
99
expressão do Brasil quando misturado racialmente. Assim, o “futebol de
com leite”. Diz Mário Filho: “Viu-se então, em pleno esplendor, o melhor e o
uma vez.
havia escolhido Didi como o melhor jogador do mundo. Mas o brasileiro não
Pelé fora declarado “Le Roi Pelé” e Garrincha era uma espécie de Charles
163
Idem, p. 380.
100
Copa de 62. Mário Filho, depois de apresentar Pelé e Garrincha,
passa ao contexto da Copa de 62: Garrincha era tão herói quanto Pelé, mas
não podia ser Rei. Pelé já tinha sido declarado Rei em 58, tanto no exterior
machucou-se e “por isso [Garrincha] foi muito mais Pelé, no bi, do que
mas não dava para Rei: “Faltava-lhe o mínimo de vocação. Talvez se visse
rei sou eu? Era a resposta que dava quando o saudavam como Rei, lá no
Chile”.167
164
Idem, p. 393
165
Idem, p. 395.
166
Idem, ibidem.
167
Idem, ibidem
168
A visão da força da natureza em Garrincha afeta a construção de Rui Castro no livro A estrela
solitária (1996).
101
Garrincha
“Era um milagre ele jogar futebol. Nunca tinha saído de Pau
Grande, na Raiz da Serra. Fora lá que aprendera tudo. Como?
Menos nas peladas, onde jogava em qualquer posição, exceto na
ponta direita, do que no mato, onde ia caçar.
Pelé
“Pelé teve uma escola de futebol. (...)
169
NFB, (1964 p. 390-1).
102
aqueles olhos de criança, escancarados, descobrindo o mundo.
O campo se descortina diante dele. E as jogadas vão surgindo
em turbilhão. É só escolher uma delas, a melhor. Tem que decidir
rápido, numa fração de segundo. (...)
A bola está entre os dois pés de Pelé. Corre com ela assim. Daí a
perplexidade dos marcadores. Qual é o pé que Pelé vai usar?
Pode usar um ou outro, indiferentemente. E para fazer o que
ninguém prever.”170
herói, para Mário Filho. Ele era de origem familiar humilde, mas teria tido
afeto, carinho e uma sólida base de formação moral. Garrincha não teve na
álcool, tal como havia sido seu pai. O futebol de Garrincha era a expressão
em 1962.
103
desajuste. “Pelé era o Rei. Nunca se escolheu melhor ídolo. Ou um Rei para
tirasse.”171
Pelé é o produto final d’O negro no futebol brasileiro. Ainda que não
seja dito explicitamente, infere-se que o futebol de Pelé não era preto nem
negro no futebol, mas não teria perdido a cor e nem esquecido a origem.
170
Idem, p.398-9.
171
Idem, p. 392.
172
Idem, p. 402.
104
estilo nacional, para Mário Filho, possuía relação de “parentesco” entre o
Silva. Segundo Mário, Charles Miller, por ter inventado o charles173, seria o
seleção brasileira.
Brasil teria em Pelé aquilo que poderia ter de melhor. Pelé fornece a
173
Como visto no Capítulo 2, trata-se de uma jogada supostamente criada por Charles Miller, segundo
Mário Filho, que consiste num chute de calcanhar.
105
106
4 - GILBERTO FREYRE E O NEGRO NO FUTEBOL
4.1 - O Prefácio de 47
foi o Brasil? O que somos e qual será o futuro? O que é ser brasileiro? -
174
Cf. Vianna (1995). Ver também Araújo (1994).
175
Um dos alicerces da identidade brasileira é a representação da grandiosidade territorial e riqueza
do Brasil. Entretanto, desde Alberto Torres pode-se dizer que esta idéia de riqueza da terra é apontada
como falsa, mas a concepção de que o Brasil possui riquezas inesgotáveis é um traço cultural que
107
definitivamente, uma “nova civilização”, para se usar um termo dessa
tradição.
Olympio, ou dos cafés do Rio de Janeiro, que o Brasil e suas coisas são
onde Mário Filho diz ter encontrado seus informantes para escrever as
Gilberto Freyre, entre outros. Como pode ser identificado, o livro é uma obra
chega até nossos dias. A venda da Vale do Rio Doce em 1996 é um bom exemplo desse imaginário de
riqueza inesgotável. Sobre o assunto, ver Oliveira (1990).
108
de 1947. Freyre pode significar várias coisas como prefaciador do livro:
já dito, teria sido tratado em Casa grande & senzala (1933) e Sobrados e
e profundidade.
que ainda vigoraria. Ou seja, se tomam os fatos e causos de Mário Filho que
176
Sobre o assunto, ver Velloso (1987). Sevcenko (1983-1983).
109
democracia racial. Lidam assim com a imagem “popular do pensamento
adeptos, como a idéia de que no Brasil não existe racismo; idéia que não se
postular, antecipadamente, que no futebol “não havia mais nem o mais leve
vislumbre de racismo”.179
177
O prefácio de Gilberto Freyre no NFB será chamado de Prefácio de 47 para efeitos de referência.
178
Defini freyrismo popular na Introdução deste trabalho, Nota 3.
179
NFB, (1947, p. 293). No Capítulo 2 do presente trabalho foi demonstrado como Mário Filho retira
de seu texto a idéia de que o racismo teria acabado no Brasil.
180
Gilberto Freyre in: NFB. (1947, prefácio).
110
configuração histórico-cultural de um Brasil que tornava-se urbano, de um
mesmo antes de ter contato com o texto de seu amigo Mário Filho, já teria
artigo intitulado “Fair Play”. Freyre critica, neste artigo jornalístico, a falta de
181
Diário de Pernambuco, 17 jun.1938
111
de agregação à sua perspectiva teórica e ideológica.184 Quando escreve
anteriores).
182
Idem.
183
Freyre, (1945).
184
Freyre teria acompanhado o desenvolvimento do futebol assim como acompanhou e o viveu
glamour do início do século XX.
185
Cf. Soares e Lovisolo (1996).
112
sociólogos o mulatismo flamboyant e ao mesmo tempo malandro
que está hoje em tudo que é afirmação verdadeira do Brasil.”186
nosso próprio caminho como nação quando aceitássemos o Brasil como ele
186
“Foot-ball mulato”, Diário de Pernambuco 17 jun.1938
187
Cf. Plínio Labríola, na palestra “Futebol e identidade nacional” realizada no Simpósio “Questões
Culturais do Futebol”, AIESEP- Congresso Mundial, 1997. Rio de Janeiro.
113
desenvolvidos, estávamos diante dos resultados da seleção de 1938,
188
Alguns artigos deste tipo são analisados na segunda parte deste estudo.
114
Freyre escreve, no Prefácio de 47, que o NFB descrevia o Brasil na sua fase
quanto do social.
“novo mundo”, o que era ser brasileiro, isto é, tornar aquilo que era visto
de Franz Boas. Freyre comenta que “[F]oi (...) Boas que me revelou o negro
189
Skidmore (1976; 1994).
190
Freyre (1981, p. xlvii).
115
tradições culturais que se acomodaram e formaram unidade.192 A tensão
invés de raças, pois Freyre diz concordar com Oswald Spengler quando
descendentes de imigrantes”.193
cultural. Uma nova cultura acabou aqui por ser instalar, reunindo o diverso, o
191
Freyre (1992, p. xivii).
192
Idem, p. lii.
193
Idem, ibidem.
194
Araújo (1994) debruça-se sobre essa concepção e chega à seguinte conclusão: a idéia de raça em
Freyre é mais efeito do que uma causa, e isto poderia ser interpretado como uma espécie de
neolamarckismo em Freyre (p. 39-40).
116
múltiplo, o antagônico, fosse na culinária, na política e até no futebol. Sobre
este último aspecto, Freyre felicitava seu amigo Mário Filho por ter detalhado
dados vistos sob um ponto de vista moral, mas apenas como elementos
deveria ser julgado; contudo, deveria se saber o que fazer com a herança
dele no presente. Logo, sua preocupação foi pensar o que era “ser
encanto que o português sentia pela mulher de pele morena, idealizada pela
miscigenação;
195
Freyre (1978). No prefácio “Pátria morena”, Freyre discute o papel da ciência na intervenção
social. H: Becker é citado por Freyre como uma referência importante para pensar esse papel. Araújo
117
às mulheres negras, sobretudo às de pele mais clara, passar da condição de
temperadas.
Brasil:
118
intercomunicação entre duas tradições de cultura. Mas não se
pode acusar de rígido, nem de falta de mobilidade vertical - como
diria Sorokin - o regime brasileiro, em vários sentidos sociais um
dos mais democráticos, flexíveis e plásticos.196
Estados Unidos dos anos 20, com a cultura e a política no sul ainda muito
negros que observara nos Estados Unidos. Tal hostilidade colocava em risco
196
Cf. Freyre (1990, p.52).
197
Este país, por suas semelhanças continentais e por ser uma jovem nação, sempre fora tomado como
referência por intelectuais brasileiros para identificar os motivos de atraso do Brasil (Skidmore, 1994).
119
racial, era uma imagem partilhada com os intelectuais brasileiros de sua
geração.
contemporização de antagonismo.
198
Skidmore (1976; 1994).
120
este modelo torna-se heurístico para pensar qualquer manifestação cultural
suas obras clássicas, por vezes se dobra, rendendo culto aos argumentos e
199
Popper (1975).
200
Figueiredo (1918). e Sant’Anna (1918).
201
Em entrevista concedida a Campos (1970), Freyre diz ser um misto de aristocrático ou popular na
forma de pensar e agir, pois o que parece encantá-lo é em última instância, o homem e suas diferentes
121
de moreno. Logo, Freyre diria, em 1970, que este fato favorecia o
mais lido no Brasil porque foi capaz de tomar uma das questões que mais
ponta -cabeça”.204
manifestações culturais.
202
Idem.
203
Bastide, Roger (1953). “Apresentação de Gilberto Freyre”. Esse texto foi republicado pela Folha
de São Paulo, no suplemento Folhetim, sob o título “Gilberto Freyre (1900-1987)”, em 24 jul. 1987.
O texto faz parte do acervo da Fundação Gilberto Freyre.
204
Cf. Skidmore (1994, p. 42).
122
tradições de cultura, fora do exclusivismo europeu; o gosto pelo
estudo dos nossos hábitos e costumes; das músicas, danças e
ritos de religiões africanas (...) A cada cousa, expressão da nossa
“cultura”, que ia passando despercebida, dava Gilberto Freyre um
interpretação nova, de que resultava um encanto, um interesse,
um sentido especiais. É a sua descoberta da mulata, no novo
sentido que lhe deu. Cantou-a mesmo no seu poema ‘Bahia de
todos os Santos e de quase todos os pecados’ (...) Também é a
do negro e a do mestiço, nas suas possibilidades culturais que
tem procurado salientar do ponto de vista sociológico e histórico-
social (...)”205
relativismo cultural, seu regionalismo, parecem ter tido mais impacto que sua
Bastide diz que Casa grande & senzala não revolucionou apenas a
romanesca.207 Nesta direção, pode-se dizer que muitos dos romances que
Bastide cita que os temas regionalistas tratados por José Lins do Rego, por
de sua geração. De fato, o NFB talvez possa ser lido como subproduto ou
205
In: Freyre, (s.d.); Prefácio, p. 17-19.
206
Berlin, I. (1982), especialmente o capítulo sobre “Herder e o Iluminismo”, p. 133-189.
207
Bastide (1953).
123
como reflexo do pensamento de Freyre, fortemente disseminado na década
de 40.
ser pensado com uma espécie de narcisismo. Freyre, em tese, poderia estar
vendo o reflexo de suas idéias nas páginas de Mário Filho. O elogio, assim,
acreditava ser o futebol brasileiro. Talvez possamos dizer que ambos tinham
intervir nas mentalidades sobre o que era o Brasil e a sua cultura. Pode-se
dizer, também, que seu forte impacto, sua máximas positivas sobre o Brasil,
208
Luis Jardim in: Freyre (s.d.), Prefácio.
124
4.3 - A singularidade da cultura, singularidade do futebol
dos outros esportes? Por que Freyre diz que o futebol toma um caráter
que Freyre entende como cultura vigorosa. Para ele, o vigor cultural só é
que por aqui chegaram, entre o final do século XIX e o início do XX, não se
brasileiro. (Inclusive a caça nos moldes ingleses, que Freyre diz ter
209
Gilberto Freyre in: NFB (1947), Prefácio
210
Hobsbawm (1997, p. 298).
125
praticado). Esportes como remo, patinação e outros sempre ficaram restritos
211
Herschmann & Lerner (1993).
212
Bakhtin (1987).
213
Freyre (1992).
214
Araújo (1994) explora o tema dos antagonismos em equilíbrio como uma categoria central no
126
Freyre está sentenciando que não existe cultura pura ou sem influência. No
47:
pensamento freyreano.
215
Gilberto Freyre in: NFB (1947, Prefácio).
127
A diversidade de experiências, as diferentes tradições culturais,
sentido de Boudon, que este é o modelo criado por Freyre para entender a
216
Idem, ibidem.
217
Boudon (1990).
128
Freyre diz que nas páginas de Mário Filho poder-se-ia achar o
para que se apure mais a noção de cultura. Inicialmente, pode-se dizer que
218
Gilberto Freyre in: NFB (1947, Prefácio).
219
Nesse ponto é interessante que se reveja toda uma tradição de intelectuais contemporâneos, como
Roberto Da Matta e Murilo de Carvalho, quando pensam em conciliar o modelo americano de
cidadania com as singularidades do povo brasileiro, nem sempre bem definidas conceitualmente. Me
inclino mais a crer que a descrição de Freyre e essas propostas de “intervenção intelectual” estão mais
na direção do modelo proposto por Norbert Elias sobre a transição de uma sociedade do “nós” para
uma sociedade do “eu”. As tensões em torno de um patriarcalismo - onde a lei é ditada pela tradição,
pelo familismo e pelo pertencimento - entram em confronto com o modelo contratual de um Estado
baseado no indivído. Ver Elias (1994), especialmente a Parte III-Mudanças na balança nós-eu. (1987).
129
ambigüidade e contradições permanentes. É nesta manutenção que se
Prefácio de 47, que se está aqui analisando. Freyre afirma que “o samba
cultura e para o seu valor híbrido”, caso não sofresse influência das outras
etnias que formam o Brasil. Aqui fica evidente que o samba, um elemento de
nossa cultura, seria fruto das diferentes tradições que se condensaram neste
gênero musical.220
Bahia /se hoje ele é branco na poesia/ ele é preto demais no coração”. Seria
assim a noção da cultura formada aqui nos trópicos, onde cada raça ou cada
220
Vianna (1995).
221
Idem.
130
e o erudito, entre classes, entre brancos, pretos e mestiços. Circularidade da
222
Idem.
131
tal singularidade poderia ser relativizada se pensarmos na direção de Elias,
esporte, mas todo processo cultural e político é descrito como uma sucessão
violentos. Elias, tal como Freyre, escreve nos anos 30, mas sua postura
223
Campos (1970).
224
Elias e Dunning (1992).
132
médico - a chamada “aristocracia de toga” - são emblemas. Eles seriam os
estilo de vida híbrido, que passa pela culinária, pela arquitetura, pela
225
Freyre (1981, p. 309).
133
inadaptação às características ambientais e culturais. Reeuropeização que
Tal processo teria sido iniciado com a vinda da família real para o
apenas por seus aspectos positivos ou negativos, mas também pode ser
singular hibridização cultural e das raças não havia morrido. Assim, num
226
Idem
134
segundo momento, o acirramento de antagonismos processados pela
Outro efeito positivo teria se dado no campo das idéias, que “trouxe,
nos foram comunicados nos fins do século XVIII, e através do XIX, pelos
parece ser assim que até a positividade vislumbrada no campo das idéias,
trazidas pela “Europa não-ibérica”, possui a face negativa quando tais idéias
227
Idem, p. 316.
228
Idem, ibidem.
135
acirram antagonismos e degeneram em violência. Observe-se a passagem
passagem, aquilo que ele adjetiva como liberalismo falso são as influências
das idéias liberais nas revoltas ou revoluções brasileiras que datam do início
229
Idem, ibidem.
230
Idem, ibidem.
231
Cf. Araújo (1994).
136
meios doces.232 Retornando ao NFB, lembremos que Friedenreich e outros
Araújo diz que Freyre não consegue explicitar, com rigor e com
lógica utilizada por Freyre em outras partes de sua obra. Freyre não trabalha
já estava de tal forma enraizado que não poderia morrer de uma hora para
reeuropeização poderia ser pensada como uma metáfora. Seria como dizer
que se tinha desviado o curso do rio, que voltou ao seu curso normal quando
uma cultura ou impor uma padronização é uma tarefa difícil, senão quase
Paul Veyne, que uma cultura só necessita de defensores quando está fraca
232
Idem, p. 146-7
233
Idem, p. 176.
137
ou debilitada.234 Assim, a reeuropeização, vista como um dado no processo
234
Apud Vianna (1995, p. 165).
235
Freyre (1981,p. 153).
236
Idem, p. 308.
237
Não se quer dizer com os argumentos acima que Freyre não veja preconceito e racismo no Brasil.
Claro que existe preconceito e a ideologia de que a “raça” branca é superior. Suas obras CG&S, SM e
Ordem e Progresso mostram com clareza que existe racismo e uma forte ideologia da branquidade
que perpassam as relações entre raças e classes. Porém, o racismo brasileiro difere em grau daquele
visualizado por Freyre nos anos 20, durante seus estudos. A debilidade da raça jamais seria um
138
importante, neste processo, tratando-se do pensamento freyreano, é que as
desloca o poder mais para o centro, poder que migraria num processo
reeuropeização. O espaço
“(d)a rua, (d)a praça, (d)a festa de igreja, (d)o mercado, (d)a
escola, (d)o carnaval, todas essas facilidades de comunicação
produto da própria raça, mas sobretudo um produto das condições de alimentação, de meio ambiente e
das relações de produção. Freyre (1992, p. xlviii).
139
entre as classes e de cruzamento entre raças, foram atenuando
os antagonismos de classe e de raça e formando uma média, um
meio termo, uma contemporização mestiçamente brasileira de
estilos de vida, de padrões de cultura e de expressão física e
psicológica de povo” .238
modelo que Freyre criou para entender a cultura brasileira torna-se quase
fixo e a-histórico: a variação dos dados históricos não mudaria a matriz que
qualquer manifestação cultural, talvez tenha sido uma força poderosa para a
238
Freyre (1981,p. xlv-xlvi).
140
funcionaria como um meio de sublimação de energias psíquicas de
cultura.
contemporizados.
239
Araújo (1994, p. 144).
240
Gilberto Freyre in: NFB (1947, Prefácio).
141
“Observa-se, entretanto, nas gerações mais novas de brasileiros -
gerações menos atingidas por aquela de garantias sociais - a
ascensão do mulato não só mais claro como mais escuro, entre os
atletas, os nadadores, os jogadores de foot-ball, que são hoje, no
Brasil, quase todos mestiços. O mesmo é certo do grosso do
pessoal do Exército, da Marinha, das Forças Públicas e dos
Corpos de Bombeiros: dos seus campeões nos sports, entre os
quais os negros retintos parece que são cada vez mais raros,
embora de modo algum ausentes. Predomina o pardo. O mestiço.
Pardos e mestiços, que vêm enfrentando vantajosamente os
brancos e os pretos nos jogos, nos torneios, nos exercícios
militares.”241
241
O texto foi retirado da 1ª edição de 1936 (p.362). .É interessante que, nas edições posteriores,
Freyre passe a fazer referência a Mário Filho no referido parágrafo.
142
degradariam, como ocorreu, historicamente, com o cangaço ou com os
esportes rurais dos dias de festa: “as cavalhadas, as corridas atrás de bois,
largas caminhadas pelos sertões, a caça aos índios ou aos negros fugidos, a
fuga dos negros aos feitores” etc.244 Freyre trabalha com conceitos com
242
Gilberto Freyre in: NFB (1947, Prefácio).
243
Idem, ibidem.
244
Idem, ibidem.
143
estilizações seriam desconhecidas, com prejuízo para nossa
cultura e para seu vigor híbrido. A malandragem também teria se
conservado inteiramente um mal ou uma inconveniência”.245
É esse tipo de lógica que faz com que Freyre, no contexto dos anos
30, cause impacto no meio intelectual e político. Ele indica o curso tomado
pelo Brasil em sua formação social. Aquilo que era visto como desordenado
idéias, ou parte delas, no NFB, fato que o leva a prefaciar o livro, não deixou
245
Idem, ibidem.
246
Cf. Soares e Lovisolo (1997). Não posso deixar de chamar a atenção sobre as insinuações de Freyre
que, no campo do futebol, muito auxiliaram a criar uma espécie de “freyrismo popular”. Por exemplo,
Joel Rufino dos Santos (1981) assume uma espécie de “freyrismo popular” quando faz deste tipo de
144
“em termos sociológicos [é] uma obra tão importante quanto
Sobrados e Mucambos e CG&S. A obra sociológica de Gilberto
Freyre que estudou a constituição da sociedade brasileira do
ponto de vista rural, tendo em vista que o Brasil ainda é um país
essencialmente agrário [1968]. Se fosse fazer uma analogia da
mesma sociedade urbana encontraria na obra de Mário Filho
(História do Flamengo e o NFB) todos os dados, todo o espaço
para uma sociologia da cidade. A integração do futebol como
elemento de cultura popular. […] E foi através do negro, tal como
na cozinha e na música popular, eu posso dizer, como em todas
obras maiores de nossa arte, não esquecer dos grandes homens
de negros […]. [O] que deu ao futebol o status de cultura
popular.”247
Segundo Castro, o NFB seria visto como “uma espécie de ‘Casa Grande &
Freyre”.248
insinuação uma “verdade” que explicaria a expansão do futebol em função da repressão à capoeira.
247
Depoimento no Ciclo da História do Esporte Brasileiro/Homenagem a Mário Filho, Museu da
Imagem e do Som (MIS), Rio de Janeiro,1968.
248
Castro (1992, p. 222). Trata-se de um livro biográfico sobre Nelson Rodrigues, irmão de Mário
Filho.
249
Eram pernambucanos e amigos, tanto assim que se telefonavam semanalmente para que um se
mantivesse informado das coisas não-publicadas do Rio de Janeiro e de Pernambuco; e ambos
possuíam admiração pelas coisas populares. (Depoimento de Mário Neto, neto de Mário Filho, em
entrevista à nós concedida em janeiro de 1997). A paixão pelo popular parece ser uma marca daqueles
homens que pensavam construir o Brasil. O samba, para Freyre, era motivo de admiração, porque
popular, negro e, portanto, brasileiro. Segundo Freyre, o movimento de valorização do negro carioca
se deu por influência de Blaise Cendrars. No Brasil, o reconhecimento ou valorização daquilo que “é
nosso” precisa ser avalizado pelos de “fora” (Vianna,1995). Da mesma forma que Gobineau e Agassis
avaliaram negativamente a miscigenação, parece que se necessita de outro avaliador estrangeiro
(Cendrars) para identificar o que se tem de bom e positivo no Brasil. Vianna interpreta que os
modernistas utilizaram a figura de “conscientizador” de Cendrars tacitamente. O mesmo autor
demonstra que o encontro entre intelectuais e artistas populares, nas primeiras décadas deste século,
fez do samba um dos elementos unificadores da identidade brasileira. Desse encontro e aproximação
entre intelectuais e músicos populares - realmente teria ocorrido um encontro formal, do qual Freyre
145
do texto e na forma de levantamento de dados. Freyre, com rigor
outros documentos. Seus estudos sempre tiveram uma forte base empírica.
teria participado - nasce o samba como um gênero de música regional carioca, que se amplia para se
constituir em música nacional. Mário Filho não teria participado daquele encontro que Vianna mapeia
como um dado privilegiado para entender o samba como música nacional. Entretanto, Mário Filho
ajuda a inventar tradições neste espaço e em outros, como pode ser visto no próximo capítulo do
presente estudo.
250
Artigo de Geraldo Romualdo da Silva: “O Mário que bem amou a bola, rosa, criança e riso”.
Jornal dos Sports, 16 set. 1966.
146
NFB em nível mais superficial.251 A categoria da habitação, a partir da
fato, fica demonstrado que o texto do NFB é organizado por Mário Filho,
da obra.
251
Mário Filho também comenta abrasileiramentos na linguagem do futebol em NFB.
147
Freyre escrevera sua obra num espaço composto de linhas tênues entre
tutelar. 252 Freyre faz questão de reiterar que esses estudos se interpenetram
de longa data e obras.254 Por seu lado, Mário Filho não tem um projeto
de romancista.
Freyre renderia todos os louvores a Mário Filho como escritor “ágil e plástico
252
“Jazigos e covas rasas” seria para Freyre a obra que concluiria o estudo iniciado por CG&S, mas
que não conseguiu realizar.
253
Cartas do próprio punho sobre o Brasil e o estrangeiro. Numa dessas cartas que escreve para José
Olympio, Freyre reclama que a editora o destaca como o grande autor de CG&S e SM, mas não como
o de Ordem e progresso. Freyre ressalta que esta obra é tão importante quanto as demais para que se
entenda o processo cultural que ele narra.
254
Fica claro que quando escreve o Prefácio de 47 Freyne é um representante de grande expressão da
intelectualidade brasileira em seu próprio país e no exterior.
255
Gilberto Freyre in: NFB (1947,Prefácio).
148
elogios a todos os “Rodrigues”, dizendo não se espantar diante do talento
Entretanto, nas entrelinhas, indica que a obra deveria ser colocada no seu
devido lugar.
Nesta direção, Freyre diria que “[O] futebol teria numa sociedade
como a brasileira (...) uma importância toda especial que só agora vai sendo
palavras que Freyre instila uma certa ambigüidade e dúvida sobre o caráter
respondida no final do Prefácio de 47, quando Freyre diz que o texto é uma
entretanto, esperava “ver Mário Filho se encaminhar cada vez mais, através
por Freyre. Mas, afinal, não fica bem escrever o prefácio criticando
47 é possível perceber esse tom ambíguo, no qual Freyre insiste que Mário
estudos.
256
Idem, ibidem.
257
Idem, ibidem.
149
que o NFB, antes de ser um estudo sociológico, seria um romance. Um
150
5 - MÁRIO FILHO ENTRE A LITERATURA E O ESPORTE
sentimento de nacionalidade.
parece indicar que o NFB foi considerado romance por outras pessoas.
258
Classificar o NFB como romance ou história-ficção não pode ser lido como uma desqualificação.
A classificação também não se deve ao fato de Mário Filho não possuir formação acadêmica de
historiador. A questão não se situa no plano do “formalismo acadêmico”. De maneira alguma se está
dizendo que um romancista não pode escrever uma obra científica, ou vice-versa. Vários cientistas
dedicaram-se a escrever romances.
151
5.1 - O esporte como romance
gerente. Era uma função um tanto incômoda para quem pretendia tornar-se
jornalista, e via-se posto a autorizar ou negar vales para aqueles que lhe
deveriam ensinar o ofício. Diz Rui Castro: “[S]eu contato como o mundo
vocação para a literatura fez com que Mário Filho assumisse a página
seu estilo de frases curtas, eram referência para jovens escritores. Mário
contos que reuniu no livro Senhorita 1950 e, como diz Castro, “nada devia
259
Castro (1992, p. 112).
260
Idem, ibidem.
261
Idem, p. 113.
152
Os livros tiveram uma publicidade estrondosa - afinal, seu pai tinha o
meio publicitário e a gráfica nas mãos. A crítica literária recebeu Mário Filho
aqueles que estavam na folha de pagamento do jornal de seu pai. “E, então,
Filho da página literária: os elogios pouco imparciais da crítica não lhe teriam
esportes.
262
Idem, ibidem.
263
Leite Lopes (1994, p. 67).
264
Nas contracapas dos livros de Mário Filho, onde são listadas as obras publicadas, nunca se
encontra menção a Bonecas e Senhorita 1950.
153
A trajetória de Mário Filho, como escritor e jornalista revela que a
confirmam que sua paixão pela literatura foi canalizada para o futebol. Pode-
se dizer que o tema das futilidades femininas foi apenas trocado pelo drama
do futebol. O prefácio do seu primeiro livro pobre esporte, Copa Rio Branco,
265
32 , escrito por seu grande amigo José Lins do Rego, confirma a hipótese
265
Rodrigues Filho M. (1943).
154
torcedor. Pelo contrário, no mais agudo da narração, intervém o
homem que está contando, o narrador que age, como se
estivesse gravando em branco e preto. (...) O mestre Mário
Rodrigues Filho não treme a voz. Quando o ponteiro Jarbas
atravessa o campo na corrida vertiginosa para o goal da vitória, é
como se fosse pisando por cima de nossa carne.”266 (grifos meus)
melhor do que aquilo que se tinha ouvido ou visto. O futebol narrado por
espetáculo presenciado.
Mário Filho tinha uma especial admiração por Pelé, que era para ele o maior
símbolo do futebol e do Brasil. Pelé teria lhe dado a alegria de ver o Brasil
Sports, diz que Mário filho tinha uma preocupação toda especial com Pelé, e
que ninguém podia escrever nada contra ele, pois se escrevesse e fosse
cor.267
266
José Lins do Rego in: Rodrigues Filho, M. (1943, Prefácio).
267
Depoimento no Ciclo da História do Esporte Brasileiro/Homenagem a Mário Filho, Museu da
Imagem e do Som (MIS), Rio de Janeiro, 1968.
155
amigos em relação a Pelé. Segundo eles, foi uma ingratidão Pelé não ter
havia gastado para imortalizá-lo como herói. Um dos depoentes ainda cita
que Pelé teria reclamado nada haver recebido pelo livro. A suposta
reclamação seria outra ingratidão, pois, segundo seus amigos, Uma viagem
em torno de Pelé é a vida que Pelé gostaria de ter vivido na realidade. 268
Flamengo são obras desse estilo. Alguns textos de Mário Filho, segundo
Olinto, vão para além da ficção, “[E], às vezes, essas histórias reais elas
um meio social sem muito prestígio: o futebol. Conclui Olinto que a missão
que Mário Filho se impôs “foi [a de] colocar seu romance no futebol”.270
Diz Olinto: “o primeiro escreveu o tempo do ‘El Rei’, o segundo todo Império
268
Idem.
269
Idem
270
Idem
271
Antonio Olinto in: Rodrigues Filho, M. (1965, prefácio).
156
e o início da República, o terceiro a ‘Nova República’, o quarto o mundo
Carlos Heitor Cony, Mário Filho era um excelente prosador, mas sua
272
Depoimento no Ciclo da História do Esporte Brasileiro/Homenagem a Mário Filho, Museu da
Imagem e do Som (MIS-1968) op. cit
273
Na contracapa de O rosto (1965) constam as observações de Carlos Heitor Cony.
157
literária a Mário Filho: que foi um maravilhoso prosador. Antes de
tudo depois de tudo e acima de tudo.”274 (grifos meus)
esporte”. Nelson diz que gostaria “que tivesse feito menos pelo esporte e
mais pela literatura,” que a seu ver seria “sua vocação essencial”. Parece
Mário aprendeu com seu pai que um jornal não poderia limitar-se a
notícias, ser notícia e promover eventos. Foi assim que, nas páginas do O
274
Depoimento no Ciclo da História do Esporte Brasileiro/Homenagem a Mário Filho, Museu da
Imagem e do Som (MIS), Rio de Janeiro,1968.
275
Depoimento de Marcos Carneiro Mendonça no Ciclo da História do Esporte Brasileiro, Museu da
Imagem e do Som (MIS), Rio de janeiro, 1967.
276
Jornal dos Sports, 26 mar.1981, p. 13.
158
e medalhas aos torcedores.277 Mário desde cedo revelara-se um gênio
uma façanha para a época. Fez reunir uma multidão em torno da Lagoa
“Jogos da Primavera”, que, segundo seus amigos, era a sua grande paixão.
Diz Cony:
Sports. Cascadura conta que Mário costumava dizer que enquanto fosse
277
Depoimento no Ciclo da História do Esporte Brasileiro/Homenagem a Mário Filho, Museu da
Imagem e do Som (MIS), Rio de Janeiro,1968; Castro, (1992, p. 132).
278
Idem.
279
Cascadura, já citado, era funcionário do Jornal dos Sports.
280
Conta-se que, num dos “Jogos da Primavera”, o dono da Superball distribuiu panfletos de
159
Filho é descrito como um homem independente e generoso, cuja trajetória
neutralidade chega a tal ponto que Mário Filho morreu deixando dúvidas
sobre para qual time torcia, uns especulando que era para o Flamengo e
mas não se pode dizer que se mantivesse afastado das elites que definiam
propaganda da loja e Mário Filho ordenou que os panfletos fossem recolhidos. Castro (1992), p. 224.
281
Pouco importa saber seu time, o que interessa é a postura construída por Mário Filho para mostrar-
se apartidário em qualquer sentido.
282
Esta interpretação está em Leite Lopes (1994) mas também é encontrada em outros depoimentos de
amigos e parentes.
160
jornal A Crítica.283 Mário, aos 19 anos, sem seu pai e sem o jornal, teve que
Esportivo, diz que, em função dos problemas políticos de seu pai, Mário “não
pôde fazer literatura, não pode fazer política e não pôde se dedicar a
Esportivo fundado por eles. Voltar a ser proprietário de jornal era a saída
283
Diz Geraldo Romualdo da Silva: “Restando a Mário, aos 19 anos, assumir todas as
consequências pelo que viesse a ocorrer. Inclusive, e principalmente, o pátrio-poder de toda a família
desamparada.Tem origem nesse episódio, de luto e desespero, a permanente e irremovível
incompatibilidade de Mário Filho com a política e os políticos profissionais”.(“Mário Filho, mestre,
lider e criador”. Jornal dos Sports, 26 mar. 1981,p. 13).Ver também depoimento do Ciclo da História
do Esporte Brasileiro/Homengem à Mário Filho, Museu da Imagem e do Som (MIS), Rio de
Janeiro,1968, onde o Senador Mário Martins declara que, Mário Filho foi um gingante que renasceu
das cinzas para reerguer a família - referindo-se a trágica história da morte do pai, do irmão e do
empastelamento do jornal.
284
Depoimento no Ciclo da História do Esporte Brasileiro/Homenagem a Mário Filho, Museu da
Imagem e do Som (MIS), Rio de Janeiro,1968.
285
Idem
286
Idem
161
Praça Onze, bem ao estilo do que ainda vemos hoje. O evento foi um
289
sucesso, sendo no ano seguinte incorporado pela Prefeitura. Segundo
literatura havia perdido, mas caso se revisasse seus artigos poder-se-ia ver
registrada. Pelo Jornal dos Sports criou uma série de eventos e entrou em
esporte nacional. Uma das maiores empreitadas assumidas por Mário Filho
287
Castro (1992, p. 117).
288
Idem, p. 118.
289
Idem, ibidem.
290
Idem, ibidem.
291
Nelson diz que Mário Filho fez a revolução no jornalismo esportivo, levou o esporte para 1ª
página. Em 1927-28, a crônica esportiva estava nas “cavernas”, segundo Nelson.
162
A posição de Lacerda era que o Estádio deveria ser construído em
Lacerda, não da tribuna, mas das páginas de seu jornal, dizendo que quanto
mais poderes que o homem comum. Dizia que era preciso ter muito cuidado
292
Castro. (1992), p. 226.
293
Idem.
294
Idem.
295
Idem, ibidem. Seus amigos dizem que Mário Filho adorava debater sobre todos os temas, era um
163
assumida pode ser, até certo ponto, entendida como tática: para construir,
Isto que aqui chamo de ideologia, Nelson Rodrigues diz que foi a ética
esporte pelas exceções, pois para ele o cronista esportivo não deveria
164
absorvente trajetória de intervenção no campo esportivo talvez ofusque sua
imagem como homem de letras, apesar de ter escrito vários livros. Talvez
opõe à literatura desenvolvida por Mário Filho. Antonio Olinto diz que Mário
teria levado a poesia para o esporte, pois escrevia sobre futebol como se
literatura eram coisas que se poderiam juntar (talvez pela esfera da arte e da
estética). Olinto diz que fora contratado por Mário para fazer “critica literária
Assis. “Em certos momentos, certas jogadas de Garrincha são melhores que
Mário vai da paixão pelo futebol, pelo samba, aos grandes clássicos.
Sua leitura era seleta. Possuía uma biblioteca composta pelas obras
299
Idem
300
Idem
165
Dostoiewski, Flaubert.301 Também cultivou à sua volta intelectuais
Nota-se que antes de morrer Mário Filho teria retomado outros temas para
luta de boxe internacional, Mário Filho teria escrito uma página inteira, onde
301
Geraldo Romualdo da Silva. Jornal dos Sports, 26-03-81, p. 20.
302
Antonio Olinto e José Lins do Rego são exemplos.
166
descrevia detalhadamente todos os rounds da luta”.304 Conclui, com
recebia eram importantes. Fosse qual fosse a fonte, anotava num bloquinho,
detalhes para criar a paisagem, para dar o toque dramático às cenas que
escrevia. O leitor teria que mergulhar e ver aquilo que supostamente havia
303
Ver comentários sobre os modernistas brasileiros em Vianna (1995).
304
Depoimento no Ciclo da História do Esporte Brasileiro/Homenagem a Mário Filho, Museu da
Imagem e do Som (MIS), Rio de Janeiro, 1968.
305
Idem
306
Observe-se o texto retirado do livro Copa do Mundo, 62 para entender o cenário que Mário
constrói. Mário quer apenas relatar a reportagem que Geraldo Romualdo preparava abordando vitória
do Brasil sobre a Thecoslováquia. A novidade daquele jogo era Amarildo substituindo Pelé, que se
machucara. No segmento fica evidente o estilo de romancista e ficcionista: “Geraldo Romualdo da
Silva, enquanto batia com força o teclado da portátil, ouvia o barulho de carnaval no San Martin.
Trancara a porta, depois que Sérgio Gomes e Alfredo Mota Alves, torcedores da Grapette, se tinham
deitado para dormir, enrolados em cobertores. Sérgio Gomes dormia abraçado a uma‘ roley’.
Alfredo Mota Alves segurava ainda um jornal, com a mão estendida para fora da cama, e estava de
olhos fechados.
-Amarildo é bom, bom, bom, bom. - Geraldo Romualdo não sabia se o som das palavras vinha de fora
ou se era ele mesmo que mentalmente repetia a letrinha.
Por isso teclateava com mais força, como se quisesse afundar as letras da portátil. Agora o Brasil
vai, agora ninguém aguenta o Brasil. Foi quando Geraldo Romualdo percebeu uns risonhos. Era
Alfredo Mota Alves que sonhava rindo, ri, ri, ri. A seguir veio o ruído de quem chupa um dente, como
na anedota da valsa. Era Sérgio Gomes. Alfredo Mota Alves fazia ri, ri, ri, Sérgio Gomes
acompanhava chupando o dente.
As teclas da portátil quase saltavam aos golpes dos dedos de Geraldo Romualdo.” (p.178-9)
167
contrapunha àquilo que chamava de “notícia fria”.307 Segundo Geraldo
calor e alma nas notícias. O calor e a alma é que dão autenticidade aos
Pode-se ler, pelas palavras de Mário Filho citadas por Romualdo, que
uma concepção fatual de jornalismo. Seu jornalismo tinha que ser carregado
de drama, tal como as páginas policiais do jornal A Noite, que fizeram tanto
307
Cf. Jornal dos Sports 16 set. 1966.
308
Idem
309
Luiz Maia, companheiro de jornal, lembra que Mário Filho aconselhava “rastejar” a linguagem
para atingir a todos, sem que com isso se perdesse o estilo. Depoimento no Ciclo da História do
Esporte Brasileiro/Homenagem a Mário Filho, Museu da Imagem e do Som (MIS), Rio de
Janeiro,1968.
310
Idem
168
historiografia do futebol e não como um romance? Em outros termos, por
esta questão, que será melhor explorada nos próximos capítulos, pode-se
da própria mitologização que Mário Filho teria feito de sua obra. Suas
brasileiro:
Mário Filho faz questão de afirmar que não poderia ter utilizado a
ter escrito, nas notas introdutórias do NFB. O que é falso pois ele publicara
311
Idem
169
no início de sua carreira Bonecas e Senhorita 1950, livros que, como foi
visto, eram produto de uma série de contos do início da carreira. Mário Filho
os seus primeiros romances. Mário Filho quer afirmar o NFB como um texto
força, que Mário utiliza para legitimar o NFB como uma obra de história.
aqui indicando, pelos argumentos sugeridos, que o NFB não possui valor de
inspirou seu jornalismo e sua forma de escrever, o esporte foi o tema central
312
NFB (1947, “Nota ao leitor”).
170
SEGUNDA PARTE:
171
6 - MAPEANDO HIPÓTESES E REFERÊNCIAS ANALÍTICAS
313
Meihy (1982).
314
Idem, p 11-2.
315
Idem, p.11.
172
Ainda que não se concorde com a idéia conspiratória e funcionalista
teriam sido “úteis a alguns grupos”, não se pode deixar de concordar que os
geração que ganhou voz a partir dos anos 30. Buscou no futebol
brasilidade. De acordo com Hobsbawm, não foi a partir das nações que se
316
Deve-se levar em conta que este era um modelo interpretativo bem presente no contexto dos anos
80, na sociedade brasileira. Em vários setores buscou-se os manipuladores. Contudo, como nos alerta
Elias. (1993),“Enquanto as pessoas acreditarem que os acontecimentos são conseqüência de planos e
intenções mais ou menos caprichosos de alguns seres vivos, não podem considerar razoável o
examinar de problemas com base na observação. Se os acontecimentos forem atribuídos a seres
sobrenaturais ou mesmo a seres humanos ‘nobres’, o ‘mistério’ só se pode resolver tendo acesso às
autoridades que conhecem os planos e intenções secretas”. ( 60-1).
317
Hobsbawm (1997).
318
Hobsbawm (1990).
173
No caso brasileiro, pode-se afirmar que Alberto Torres e Oliveira Viana
tinham total convicção de que o Estado tinha por função construir a Nação
319
Na teorização de Thomas Hobbes, considerado como o filósofo que inicia a teoria moderna sobre a
sociedade e o estado, o problema é a construção do estado, sendo que a temática da nação está
radicalmente ausente de suas reflexões.
320
Torres (1978); Oliveira Vianna (1974).
321
Não existe no Brasil uma linha de pesquisa na área das ciências sociais preocupada exclusivamente
com o fenômeno esportivo no Brasil. As produções são esparsas. O que observamos é que os esportes
geralmente são tomados como objeto de análise lateral a algum grande tema.
174
existentes sobre o futebol. O NFB recebeu e ainda recebe um papel de
Segundo Shirts, é
Observe-se que a crítica realizada por Shirts parece não ser levada
crítica histórica. Por outro lado, e sem entrar no mérito da boa qualidade
literária do texto de Mário Filho, sua presença como referencial pode ser
buscam novas fontes ou releituras, sob outras lentes, dos antigos dados. No
322
Shirts (1982), p. 93.
175
entanto, a história do futebol, que “não apresenta nenhum mistério”323, já foi
escrita por seu narrador oficial, Mário Filho, e aceita pelos “novos
prefácio que escreve em 1947 para o NFB, diz que gostaria ver Mário Filho
especialidades:
323
Expressão utilizada por Freyre no Prefácio de 47.
324
Ver Capítulo 4 do presente estudo.
325
Leite Lopes (1994, p. 80). A valorização da etnografia é feita pelo antropólogo.
326
Sussekind (1996, p. 83).
327
Gordon Jr. (1995, p. 72).
328
Santos (1981) qualifica o NFB como uma magnífica obra da história do futebol; Caldas, W. (1990)
176
denuncia a carência de fontes acessíveis, a competência literária do autor e
sociedade?
Pontapé inicial: memória do futebol brasileiro 1894-1933. São Paulo, IBRASA. p. 46.
329
Ver Capítulo 2; Seção 2.5. deste trabalho.
177
6.2 -Visão de sociedade ou época versus visão informativa
Mário Filho, que diz ter escrito a história fiel dos fatos. Declara se orgulhar
330
Candido (1993, p. 31).
331
Ver Capítulo 5 do presente trabalho.
178
luta sempre fora a favor do enaltecimento do esporte e do atleta, tendo
vivos nos anos 40, iriam contestar aquele que os colocava acima da
assunto.
teria motivos para escrever esta tese. O problema é que o NFB não é tratado
179
realista fornece o clima ou uma certa visão de sociedade que fora traduzido
tornaram essa obra o “arquivo oficial” do futebol brasileiro. Mas por que o
NFB. Não é este o ponto abordado por Sussekind, mas observe-se como
332
Sussekind (1996). O livro não pode ser entendido como um texto acadêmico stricto sensu. A
proposta da Coleção Arenas do Rio fornece a justificativa da publicação: “um elenco das expressões
múltiplas que compõem o mosaico cultural de uma cidade que, por vocação, é efervescente e
paradoxal. Provas de sua vitalidade, testemunhos de sua inventividade, marcas de seu pluralismo e,
ao mesmo tempo, de sua originalidade, estas arenas são espaço do coletivo em que se manifestam a
alma -- e a epiderme, por que não? -- de um Rio de Janeiro mítico e ao mesmo tempo exuberante em
180
uma dupla narrativa, que constrói a mitologia do futebol. Uma das narrativas
os mitos esportivos.333
adaptação proposta por Sussekind. Eco diz que o Mito do Superman articula
antigas civilizações teria por função narrar o já conhecido, o mito “nas suas
sua cotidianidade.” Observe-se que os argumentos indicam que a linha editorial da Coleção cumpre
mais a finalidade de reforçar a identidade carioca do que conhecê-la.
333
Dois filmes exemplificam bem isto que estou comentando: “Cobb”, a história de Ty Cobb, jogador
de beiseball; o outro é “O Campo dos Sonhos”.
181
características eternas e no seu acontecimento irreversível”.334 Os
sem que haja uma ordem temporal. O leitor, assim, perde a noção e as
334
Eco (1976, p. 248).
335
Idem, p.249.
336
Idem, p. 251.
337
Idem, p. 253.
338
Idem, p. 253.
182
relações da temporalidade, de modo que a massa de estórias fornecem a
atualizada. “É como uma baleia gigantesca que pode abrigar sempre novos
jonas no seu interior”, novos jonas que se juntam aos antigos “jonas” da
339
Por esta razão, Clark Kent não pode se casar, não pode entrar no mundo da temporalidade.
340
De acordo com Eco (1976), “Narrativamente, a dupla personalidade do Superman tem uma razão
de ser, porque permite articular de modo bastante variado a narração das aventuras do nosso herói,
os equívocos, os lances teatrais, um certo suspense próprio do romance policial. Mas do ponto de
vista mitopoético, o achado chega mesmo a ser sapiente: de fato, Clark Kent personaliza, de modo
bastante típico, o leitor médio torturado por complexos e desprezado pelos seus semelhantes; através
de um accountant qualquer de uma cidade norte-americana qualquer, nutre secretamente a
esperança de que um dia, das vestes da sua atual personalidade, possa florir um super-homem capaz
de resgatar anos de mediocridade”. (p.248)
183
das torcidas, o monopólio da narrativa televisiva em relação ao rádio e o
estão cheios, enquanto que em outros lugares vazios.343 Por outro lado, se o
narrativa épica. Neste sentido, tomo o modelo adaptado por Sussekind para
341
Sussekind (1996, p. 74).
342
Nisbet (1985).
184
afirmar que: a estrutura narrativa do NFB, atualizada pelos “novos
narradores”, forma uma dupla narrativa que mitifica Mário Filho e seu épico
sobre o negro no futebol brasileiro. Tal afirmação pode ser confirmada pela
reprodução do NFB.
343
Refiro-me ao Campeonato Brasileiro de 1997.
185
testadas, permanecem apenas como uma boa e sedutora idéia, até cair no
aos novos narradores pode ser sintetizada pela construção típica que
344
Gould (1990), especialmente no Capítulo 28, Gould escreveu um divertido e agudo artigo
explicando os limites e diferenças entre uma teoria científica e uma especulação travestida de
“ciência”. Para isso, tomou as hipóteses que explicam a extinção dos dinossauros da face da Terra.
345
Idem.
186
que reivindicam o qualificativo de cientificidade. Tal reivindicação, talvez
pergunta é ranço positivista, posso dizer que sinto orgulho de ser positivista,
científica.
poder-se-ia provar que há uma correlação positiva entre ser bom sambista,
capoeirista. Não é muito estimulante, e até certo ponto sem sentido, formular
culturais. Não seria dificil achar sambistas que fossem exímios jogadores de
187
de futebol que houvessem gravado sambas ou os tivessem composto;
samba. Olha aquele drible, não é o próprio dos golpes de capoeira? E por aí
iria uma série infindável de exemplos.)346 Isto, que de certa forma parece
sentido, perguntaria:
346
São exemplos que sintetizam construções que ouço tanto no meio acadêmico quanto no papo de
botequim. Contudo, tal construção pode ser achada claramente na biografia-romance que Rui Castro
(1996) escreveu sobre Garrincha. Castro conjectura que o estilo de jogo de Garrincha viria de sua
ascendência indígena; mais uma construção mitológica. Maurício Murad, sociólogo e diretor do
Núcleo de Estudos do Futebol da UERJ, também faz construções deste tipo na mídia e em seus textos
(1994a,1994b,1996).
347
Vianna (1995).
188
“Mas seriam essas teorias testáveis? Estariam realmente essas
análises mais bem testadas do que, digamos, os horóscopos
freqüentemente ‘verificados’ dos astrólogos? Qual acontecimento,
que se poderia conceber que, aos olhos dos seus aderentes, as
falsificasse? Não eram todos os acontecimentos imagináveis
‘verificações’? Era precisamente esse facto -facto de que análises
batiam sempre certo, de que eram sempre verificadas - que
impressionava seus aderentes.(...)
tomam qualquer dado fornecidos por esses narradores como verificação dos
348
“As exceções” são importantes para corrigir, ampliar ou refutar teorias.
349
Popper: A demarcação entre ciência e metafísica, p. 209
189
Geralmente, a atitude metodológica para analisar o futebol das
350
Chalhoub (1986,p. 207-8).
190
processo final de apropriação, que resulta na construção do futebol nacional.
a onda de globalização tenha aberto nossos olhos para uma evidência: “não
existe cultura pura”. O processo cultural sempre se deu por trocas, cópias e
351
Souza (1996).
191
reapropriações. Achado que não é novo, pois Veyne identifica que em várias
nós mesmos.
352
Idem, p. 113
353
Ver conceito de “transculturalismo” formulado por Fernando Ortiz apud Vianna (1995,p. 171-4).
354
Ver Berlin (1982), especialmente o capítulo sobre “Herder e o Iluminismo”.
355
Cf. Hugo R. Lovisolo, “Portugal, Espanha e as nossas razões”. Palestra preferida no Congresso
Luso-Afro-Brasileiro. Rio de Janeiro, IFCS/UFRJ, 2 a 6 de setembro de 1996.
192
“Bem diferente do de hoje. Um back que tivesse ‘shot’ forte, e que
atravessasse o campo, era um estupendo jogador; um ‘forwarde’,
que varava sozinho, por meio de ‘driblings’, a defesa contrária,
era endeuzado; um ‘half’, que dava cabeçadas com esta
exclusiva preocupação era amado por todos (...) Havia outras
extravagâncias originais: certos ‘backs’ – calculem! - percorriam o
campo, de lado a lado, por meio de enganos; (...)
natural e autêntico, inventado por Mário Filho, era muito malvisto por outros.
356
Figueiredo (1918, p. 77-8).
357
Talvez um certo exibicionismo, enfim, uma estética grotesca, pode ter formado parte do início de
muitos esportes. No beisebol americano há indícios de que essas eram suas características dominantes
193
evolução, ninguém mais iria ao Velódromo para apreciar “vestidos e
futebol:
até a entrada de jogadores como Ty Cobb. Observemos que também o teatro torna-se crescentemente
“civilizado”, menos participativo e grotesco.
358
Figueredo (1918, p.81).
194
verdadeiro. O significativo é entender que as narrativas e os julgamentos dos
ora são reproduzidos, ora recebem acréscimos. Resumamos mais uma vez
sociedade brasileira. Depois, contam que o futebol branco e elitista teve que
359
Sant’Anna (1918 p. 42).
195
se dobrar às qualidades do “futebol negro”, que se construiu à margem,
embora nobre do ponto de vista da luta social por igualdade, declara adotar
classes e segmentos.
360
Sem descartar a importância no progresso do conhecimento que teve esta perspectiva,
principalmente em relação à “história dos dominadores”, penso até que ponto a sociologia ou história
196
popular, daquilo que, supostamente, estaria separado ou fora. Da mesma
A nova ética do politicamente correto, nesta perspectiva, pode ser lida como
tornou-se uma excelente fonte, principalmente por ser escrito com uma certa
repetições das tramas narradas e interpretadas por Mário Filho, nos textos
197
brasileiro. Nessa circularidade, a ordem fatual, as evidências e a pesquisa
evento. Por exemplo, o uso de gorros e bonés, que era marca da prática
operária inglesa, serviu a Mário Filho para dizer que os pretos e mulatos os
361
Ver Hobsbawm (1997, p. 295) sobre a cultura do boné como símbolo da classe operária.
198
7 - A REPRODUÇÃO DA “EQUAÇÃO DE MÁRIO FILHO”:
FUTEBOL BRANCO, “ESTRANGEIRO”; FUTEBOL NEGRO,
“BRASILEIRO”
utilizar o NFB com uma atitude de relativa desconfiança e dúvida, mas que,
Filho.
dito, a narrativa do NFB parece tragar aqueles que por ela adentram para
362
Como exemplos da produção acadêmica que toma NFB como a “fonte inesgotável de dados”, serão
analisados os textos de Murad (1994b; 1996; Palestra sobre “Corpo, magia e alienação - o negro no
futebol brasileiro: por uma interpretação sociológica do corpo como representação social” realizada
no Simpósio “Questões culturais do Futebol”- AIESEP, Congresso Mundial, Rio de Janeiro, 1997);
Gordon Jr. (1995; 1996) e Leite Lopes (1994). Outros textos com as mesmas características serão
mencionadas em notas de rodapé e explorados mais detidamente no próximo capítulo.
199
entender a dinâmica do futebol brasileiro. O herói continua a englobar ou
englobado por seu artefato, que continua a fazer o mesmo com aqueles que
dele se aproximam.
200
7.1 - Os exemplares do tipo a
Embaraço com que o NFB não se defronta por não se fixar em cortes tão
desdizer-se.
363
Murad, (1994b, p.72).
201
A imagem do período que vai até 1923 é a seguinte: os negros e os
raça) uma perda (dano) e uma proibição, isto é, lhe é negada a prática do
apesar de reais para o autor, não eram politicamente corretas. Tal exclusão
cenário.364 Isto induz a pensar que a falta de vitórias do Brasil após 1970
invertido:
364
Idem, ibidem, Ver também Corrêa (1985,p. 31-9).
365
Observo que os resultados dos jogos são interativos, dependem também do nível de jogo dos
adversários. Assim, a explicação de Murad sofre de egocentrismo e racismo às avessas, pois os negros
seriam em essência melhores para o futebol .
202
fortemente discriminados e estigmatizados numa formação social
dominada pelo colonialismo e pelo escravismo, enquanto
constantes estruturais. Agressões verbais e físicas, conflitos
generalizados, exigências de escolarização e emprego fixo,
combate ideológico através de campanhas pela imprensa,
extinção do futebol em diversos clubes do país, etc., foram
estratégias e táticas empregadas pelas elites dominantes, a fim
de evitar o inevitável: a popularização e democratização do
futebol entre nós. E que fique bem claro: estratégias e táticas
violentas. Uma violência histórica, constitutiva, formadora e
fundadora da sociedade brasileira. Que os digam os índios,
negros, pobres e seus descendentes de ontem e de hoje. A
violência, tanto social quanto racial (e de gênero), é uma
constante na estrutura da formação social brasileira. O homem
cordial é tão somente um mito em nossa história. Mais de três
séculos de regime escravista, último país do mundo a abolir a
escravidão, ‘Questão Social’ extremamente perversa.
autor induz a que se pense ter havido proibição legal para a prática do
participar com seus times dos campeonatos da Liga deveriam, por certo,
203
seguir as imposições do código amadorístico do esporte, como qualquer
clube.
Se Murad julga que seria racismo a razão dos clubes de elite não
de um novo membro teria muito mais a ver com o controle da entrada dos
366
Murad (1996, p. 90).
367
Sacher & Palomino (1988).
204
verdadeiro e belo. De certa forma, este é um discurso que nós brasileiros
“aqueles” que desejariam “modernizar o jogo”? Por que Murad não deixa
“embate” a que Murad se refere, pelo que consta no próprio épico de Mário
368
Murad (1994 , p.72).
369
Oliveira (1980).
370
Murad, (1994a, p. 72).
371
Idem, ibidem.
205
bairrismo, rixas não muito distintas das que se registram na atualidade.372
Segundo minha leitura dos dados, os conflitos foram internos à própria elite
dirigente.
372
Figueiredo (1918).
373
A questão é retomada no próximo capítulo.
374
Ver Mandell, (1986), especialmente o Capítulo 7, quando fala dos símbolos de distinção social do
esporte e do amadorismo. Ver também Elias (1993), sobre a comercialização da arte e a
206
que os participantes deveriam ter o seguinte perfil: posição social de
código este que, com o próprio futebol, havia sido “importado” da Inglaterra,
profissionalização do artista.
375
Rosenbalg & Silva 1988.
207
é deslocado, nas análises de Murad, para descrever racismo e segregação
média para distingüir-se das massas, para distinguir fronteiras entre classes
sociedade, via esporte, é lida por Murad como uma simples estratégia do
Como explicar a participação dos pretos e mulatos, que eram membros dos
376
Cf. Seyferth (1995) e Skidmore (1976).
377
Hobsbawm, (1997, p. 310).
378
Mário Filho cita negros que integravam o “futebol aristocrático”, tais como Joaquim Prado e
Basílio Vianna. Ver Capítulo 2.
379
Uma série de negros - ainda que sejam uma minoria em relação à população negra da época - são
descritos ocupando posição social, política e econômica de destaque. Cf. Freyre (1981,1992) e
Skidmore (1974, 1994).
380
Quando o Fluminense é aludido neste contexto, surge uma explicação ad hoc que interpreta que a
adesão deste clube a causa do profissionalismo se devia ao interesse de tornar os jogadores operários,
e assim garantir aos sócios a distinção social.
208
Para o tipo de narrativa épica que Murad constrói é difícil, e mesmo
deixam de ser consideradas. Seu texto está estruturado pelo espírito anti-
opressão, que, não se sabe bem por que, seria uma propriedade da raça
209
de várzea e em outros arredores das grandes cidades. Esta febre irritou
socializatório das camadas populares com o futebol é lido como uma arte
narrativa de Murad:
381
Cf. Rodrigues Filho (1995) e Soares & Lovisolo (1997).
382
Rosenfeld (1993). O autor, talvez por estar mais distanciado, é um dos poucos que formula a
hipótese de que os populares, em geral, desenvolveram uma boa habilidade para o futebol em função
da dedicação que empregaram nesta prática esportiva. Desempregados ou sem escola, restava aos
populares jogar futebol o dia inteiro.
210
de magia e arte, diferente das formas arcaicas do jogo de bola,
bem como sua descendência inglesa imediata.
negra que se teria realizado no espaço do futebol pode ser entendida como
onde seu corpo era força de trabalho e objeto de violência e sadismo dos
do sistema; c) o negro, que fora submisso pela chibata, teria eleito a “bola”
211
estaria profundamente marcado na identidade cultural brasileira e o futebol
enquanto tal; ao contrário, ela foi vista como uma contribuição para a
383
Murad (Palestra preferida na AIESEP em 1997. Ver Nota 1 deste capítulo).
384
Se retornamos à periodização realizada por Murad, veremos que uma nova queda, cisão ou
proibição é imposta ao negro: é a ameaça que permanece sempre acesa. Para o autor, o futebol entre
1970 e 1990 teria retrocedido e estaria embranquecendo. Mas o embranquecimento explica o
insucesso da seleção após 1970?
385
Sobre a importância do positivismo e suas representações das relações de raças ver Lovisolo
212
A integração em torno da nação fica ainda mais evidente quando o
Diz Murad386,
Fruto da Mistura”;389e “Segundo tempo: “Eu já fui preto e sei o que é isso”.390
(1992).
386
A construção de Murad em pouco difere da de Mário Filho.
387
Os argentinos, que não se caracterizam, pelo menos no estereótipo que deles fazemos, pela sua
humildade, chamam a bicicleta de “chilena”, termo que significaria um reconhecimento à sua origem.
Se há uma origem chilena, independente da brasileira, e se esse país não tem incidência racial negra, a
análise comparativa levaria a pensar em mitos fundacionais ao invés de referir-se a “eventos” como
realidades históricas.
388
Palestra proferida na AIESEP em 1997 (Ver Nota 1 deste capítulo).
389
Gordon Jr. (1995).
390
Gordon Jr. ( 1996).
213
Gordon Jr. diz que para analisar este processo tomou “como [fonte]
70.393
391
Idem, p. 71.
392
Ver capítulo 1 deste trabalho.
393
O NFB descreve o processo até 1962; Gordon Jr. aproveita para atualizar a narrativa do NFB até
1970 por sua própria conta.
214
mestiçagem.395 Este é o ponto de originalidade e acréscimo que Gordon Jr.
credo racista.
Gordon Jr. não consegue utilizar o NFB apenas como uma visão que
são descritos (Nina Rodrigues, Gobineau), sendo dito, inclusive, que Gilberto
entanto, Mário Filho está isento e acima das formulações que Gordon Jr.
394
Gordon Jr. ( 1995, p. 75).
395
Gordon Jr. comenta que esse processo se deu no seio da Fábula da Três Raças, citando Roberto Da
Matta.
396
Gordon Jr. não tece uma crítica à visão de Mário Filho. Entretanto, o NFB está recheado dos
estereótipos que critica.
397
Ver Capítulo 4 deste trabalho.
215
Ao contrário, para Gordon Jr., no NFB estão os exemplos nítidos da
romanceada do NFB. Os limites entre o que Mário Filho diz ter ocorrido, o
que faz e o que diz, não são estabelecidos. As alegóricas histórias do NFB
Mário Filho.
estruturais do NFB: time grande versus time pequeno; time de branco versus
time de pretos etc, mas não reflete sobre o sentido que possuem estas
proposta por Mário Filho, de que até 1922 somente os times de brancos, os
216
que tais vitórias dos brancos sobre os pretos só teriam servido para justificar
que tinham alguns mulatos e pretos, e num “enegrecimento” dos times mais
Gordon Jr. faz questão de chamar a atenção para o fato de que este
tipo de vitória era apenas fruto das boas condições econômicas e sociais
não cair em contradição com as reduções que realiza. Com isso não estaria
398
Gordon Jr. (1995, p. 74).
217
1922, é a presença de Friedenreich na seleção campeã em 1919. Como já
raça.
399
O autor comenta que esta história possui um tom folclórico, mas investe em tirar conclusões e
generalizações de dados dos quais parece desconfiar.
400
Gordon Jr.(1995, p. 86).
218
Assim, acaba reproduzindo a saga negra no futebol brasileiro, ou melhor, a
de 1919. Gordon Jr., apesar de atacar Freyre pelas “beiradas”, quando elege
carapinha.402
401
Idem, p. 75. Diz o autor que as imagens veiculadas por Freyre no Prefácio de 47, além de
possuirem ligação com a identidade nacional, “estavam calcadas nos mais profundos estereótipos
racistas contruídos pelo pensamento racista brasileiro...”
402
NFB (1964, p. 54).
219
mistura, é revelado no prefácio que assina do livro de Mário Filho sobre a
Copa Rio Branco de 1932. É interessante que Gordon Jr. chame a atenção
análise a Copa de 50. Descreve, tal como Mário Filho, que a derrota do
Filho descreve que outros negros da mesma seleção teriam ficado isentos
mais se pinçarmos outra construção, na qual Mário Filho diz que o mulato
Obdúlio Varela, de “cabelo ruim”, foi eleito como ídolo às avessas.405 Com
isso Mário Filho conseguia juntar ainda mais peças para confirmar o
403
Ver Capítulo 3 deste trabalho.
404
NFB (1964, p. 54).
405
Idem, ibidem. Observe-se que o esteriótipo “cabelo ruim”, utilizado por Mário Filho, passa
despercebido aos olhos denunciadores de Gordon Jr.
220
mito do recrudescimento do racismo no último capítulo) Gordon Jr., menos
mergulho que faz na narrativa do NFB, no entanto, acaba por ser mais forte
406
Gordon Jr. (1995,p. 76 - nota 8).
407
Gordon Jr. aqui comenta que a versão sobre a ameaça de embranquecimento da equipe em 1958 é
contraditória em relação a outras versões. Contudo, não explora o fato de como essa versão surge no
texto de Mário Filho.
221
Filho, lendo-o de uma perspectiva pouco distanciada, mitológica, sem
que sua omissão, ou falta de leitura crítica sobre o NFB, acaba por
outra perspectiva, a do próprio movimento negro, ser lida como racismo, isto
222
O artigo de José Sérgio Leite Lopes, “A vitória do futebol que
incorporou a pelada”409, é outro texto que pode ser entendido como do tipo
como uma “segunda natureza” do brasileiro. Leite Lopes diz ser uma boa
desse esporte...”410
Nelson Rodrigues, O anjo pornográfico, escrita por Rui Castro.411 Mário Filho
dedicava significativo espaço ao futebol.413 Isto não quer dizer que se negue
408
Gordon Jr. (1996, p. 77).
409
Leite, Lopes (1994).
410
Idem, p. 65.
411
É questionável, sob o ponto de vista metodológico, pensar Mário a partir de uma biografia
construída para narrar e explicar Nelson. Há um material sobre Mário Filho, formado por entrevistas
feitas com seus amigos e colaboradores, no Museu da Imagem e do Som, por mim já citado. É
evidente que Leite Lopes deveria havê-las escutado e analisado.
412
Leite Lopes (1994, p. 64).
413
Consultar a coleção do Correio da Manhã entre 1911 e 1915.
223
o importante papel de mediador e interventor cultural de Mário Filho, mas
devemos ter o cuidado de não fazer dele, no jornalismo esportivo, o que foi
de futebol foi naturalizado, e que Mário Filho foi um ator central neste
414
Poder-se-ia dizer que pouco importa se Charles Miller foi ou não o primeiro a introduzir ou
anunciar esta prática esportiva entre nós. A história da origem é, no mínimo, pouco significativa. Se se
leva em consideração a penetração inglesa no Brasil, em investimentos e recursos humanos, nada mais
fácil de supor que os ingleses trouxeram o futebol e as bolas vendidas pelos comerciantes. Boa parte
das importações, senão a maior, provinha da Inglaterra, tendo o pico entre o final do XIX e início do
XX. Uma forte colônia inglesa gerenciava negócios financeiros e industriais no Brasil. Assim, os
produtos e os hábitos ingleses, o estilo de vida inglês, penetravam o cotidiano das grandes metrópoles.
O tea o’five era um hábito muito comum entre as elites brasileiras ou, se preferir, entre o “leite” local.
Acompanhar um estilo de vida europeu significava, para as elites brasileras, aderir aos marcos da
civilização, do progresso e construir a distinção social, sem contar com o fato que nossas elites se
formavam na Europa não-ibérica, e que Coimbra já havia deixado de ser o pólo de formação de nossa
cultura. Parece mais plausível, diante desses dados, pensar que o futebol e outros esportes surgem no
Brasil numa configuração da formação das metrópoles e de um novo estilo de vida. O processo de
padronização técnica e industrial, os novos ritmos e destrezas impostas ao corpo, as necessidades de
integração de uma massa de imigrantes, a adesão aos estilos de vida considerados civilizados, fizeram
do esporte um elemento adequado a estas novas demandas que se formavam no Rio de Janeiro e São
Paulo. Sevcenko (1994) aponta que o futebol no Brasil teria seguido dois caminhos: “[U]m foi o dos
trabalhadores das estradas de ferro, que deram origem aos times de várzea, o outro foi através dos
clubes ingleses que introduziram o esporte dentre os grupos de elite”(p. 36). Portanto, a questão de ter
sido Charles Miller ou outro que trouxe o futebol para o Brasil é secundária e até certo ponto infantil.
415
Leite Lopes (1994).
224
inesgotável Mário possibilita ver na sua obra tanto a historiografia quanto a
estórias, Leite Lopes não só legitima o NFB como etnografia, mas também
como nos alerta Veyne, ambos os gêneros são narrativas, embora guardem
profundas diferenças.416
arrebatamento do leitor sobre fatos ou estórias que conta. (Isto Mário Filho
faz com suma competência, pois se não fosse assim não teria tantos crentes
raciais. Mas não custa repetir Antônio Candido: se quisermos ter uma visão
416
Veyne, Paul (1995).
417
Idem, p. 15.
418
Cf. Geertz, Capítulo 9. O famoso texto de Geertz sobre a briga de galos em Bali situa-se
claramente como exemplo. Como não nos emocionarmos com a desajeitada fuga do famoso
antropólogo diante da polícia, dos risos e comentários dos nativos e da comunidade estabelecida a
partir do evento?
225
versões de seus contemporâneos. De acordo com Leach, devemos separar
sobre o futebol. Antonio Olinto diz que Mário Filho queria colocar literatura e
seu livro não pode poupar o trabalho de levantar fontes primárias. O NFB
419
Leach, (1983, p. 124).
420
Veyne (1995) diz que as diferentes versões dos eventos vividos por personagens principais do
processo, antes de serem experiências estéticas interessantes, são para o historiador um limite. “Esse
limite é o seguinte: em nenhum caso o que os historiadores chamam evento é apreendido de maneira
direta e completa, mas, sempre, incompleta e literalmente, por documentos ou testemunhos, ou seja,
por tekmeria, por indícios. Ainda que eu tivesse sido contemporâneo e testemunha de Waterloo, ainda
que eu tivesse sido seu princiapl ator, Napoleão em pessoa, teria apenas uma perspectiva sobre o que
os historiadores chamarão de evento de Waterloo (...) minha própria interpretação dos
acontecimentos não seria, talvez, a mesma que a de meus amigos, do meu confessor, do meu
historiador e do meu psicanalista, que poderia ter suas próprias versões sobre a minha decisão e
julgar saber melhor do que eu o que eu desejava. Por essência a história é conhecimento mediante
documentos. Desse modo, a narração histórica situa-se para além de todos os documentos, já que
nenhum deles pode ser o próprio evento; ela não é um documentário em foto montagem e não mostra
o passado vivo ‘como se você estivesse lá’; retomando a útil distinção de G. Genette, ela é digesis e
não mimesis” (p. 12). Veyne mais à frente, comenta que o evento se destaca na uniformidade; é sobre
a diferença que informa a história.
226
transmitida pelo NFB está enviesando a leitura daqueles que se debruçam
exaustivamente comentadas):
421
Ver Capítulo 5 deste trabalho.
422
Leite Lopes (1994, p. 82 - nota 41) reproduz Mário Filho quando diz que a tuberculose de
Monteiro e Fausto, ambos oriundos de equipes de fábricas, era produto e caso - limite do excesso de
atividade, “de abnegação pelo clube-empresa e do desgaste do amadorismo do jogador proletário no
amadorismo”. Sabe-se que a tuberculose refletia uma espécie de quadro epidêmico. Não só pobres
contraíam tuberculose.
423
Idem, p. 69.
227
na escola ou no clube das boas famílias, de outro lado a fonte em
que as classes populares são incluídas pelo viés do futebol
paternalista de empresa. Era entretanto malvista a inclusão de
jogadores de classes populares - e no Brasil a cor da pele é um
indicador de classe - nos “grandes” de “boa família”.424
dos operários, num esprit de corp.425 Para fazer valer a equação, vê-se
dados fornecidos por Leite Lopes, que não teria ocorrido exclusão do preto,
integravam as equipes dos clubes de elite eram malvistos. Para dar sentido
a sua narrativa acaba por trabalhar com o chavão segundo o qual no Brasil a
424
Idem, p. 69-70.
425
Deve-se lembrar que esta interpretação da função do futebol pelas fábricas no Brasil já estava no
228
motivos pelos quais os jogadores eram malvistos: eram malvistos pela
aparece mais uma vez confundido com o conceito de distinção social. Por
times. Os pobres não eram sócios dos clubes de elite. A única razão para
incluir populares nos times de elite, que não é explicitada por Leite Lopes,
reconhecer que isso podia ser malvisto pelos sócios que financiavam o clube
e queriam jogar ou ver jogar seus amigos. A inclusão podia ser defendida
Ser malvisto não quer dizer, stricto sensu, ser excluído. Leite Lopes,
229
reiterando os emblemáticos exemplos da história do Pó-de-arroz, do caso
capítulo.)
parece ser em nada diferente o que pode ter ocorrido nos clubes de futebol,
sentir discriminados pelo fato dos colunistas sociais não fazerem coberturta
Contudo, não há provas para afirmar que o acesso ao “bem cultural futebol”
(isto não quer dizer que não exista preconceito racial entre os populares),
composição das elites era em geral branca, isto não excluía a presença de
pretos e mulatos, ainda que raros, como seus membros.427 Peço desculpas
426
Sevcenko (1994).
427
Nos primeiros anos da década de 10, a coluna de esportes do Correio da Manhã anuncia o
230
por me estender sobre obviedades, porém a reiteração das mesmas, nas
branco, inglês e elitista, Leite opera com o preconceito que ronda qualquer
futebol.
Lembremos que Mário Filho descreve Joaquim Prado como um lord preto,
mas ninguém reparava sua cor; ou, se reparasse, era para admirá-lo mais.
Prado era rico e jogava no Paulistano. Caso viesse residir no Rio de Janeiro
231
respostas sobre a diferença deste racismo em relação a outros. A tradição
distinção social, é lido – por dedução, sem dados – como criador de uma
barreira racial.431 Com certeza, ninguém pode ser ingênuo a ponto de crer
racista da noite para o dia. A questão que não importou no passado, e que
brasileira. Como se deu a mobilidade social dos negros, ainda que pequena,
racismo no Brasil.
430
Sobre o personagem Joaquim Prado, ver o Capítulo 1 deste trabalho.
431
Ver a periodização proposta por Murad.
232
transformam dados sobre distinção social ou hierarquização de classes (que
linguagem da pesquisa.
acaba por descrever uma narrativa épica do negro que se confunde e auxilia
432
O negro, para Murad, passa a ser usado como uma arma e empresta sua habilidade para representar
a Nação, para representar a parte da Nação que o discriminava.
233
sendo incorporado aos clubes de elite; c) O estilo de jogo que tornou-se
jogo foi naturalizado; e) o futebol brasileiro até bem pouco tempo transferia
para todo o mundo a imagem de que aquele jogo teria sido inventado para
eles, os negros.
234
8 - A REPRODUÇÃO DOS NÚCLEOS NARRATIVOS DE
MÁRIO FILHO
capítulo final pretendo evidenciar que alguns dos núcleos narrativos do NFB,
Não se está dizendo, contudo, que não existe ou não existiu racismo
433
Folha de São Paulo – Data Folha. (1995).
235
difícil encaixe, parecem não combinar no “quebra-cabeça” interpretativo do
racismo no futebol.
de 50.
fornecendo uma espécie de atributo universal, via uma narrativa épica, sobre
236
conhecimento “científico”, pois as experiências negativas com o
podem ser feitas apenas porque julga-se ser o mais justo, belo e
Acredito que seja ilustrador relembrar parte da querela que Leach travou
434
Leach (1993, p. 117-138).
435
A querela travada foi com Clifford Geertz e Melford Spiro.
237
a paternidade fisiológica e sustentar essa hipótese seria o mesmo que
afirmavam essa ignorância. Acreditar nela implica pensar que os nativos não
436
Leach (1993, p. 122).
437
Idem, p. 124.
238
Para Leach, o preceito malinowiskiano de que interessam não
reflita sobre o significado que se está disposto a dar sobre as evidências que
se tem à mão.
paternidade fisiológica.
438
Idem, p. 125-6.
239
8.1 – “Pó-de-arroz” e Manteiga: “provas” do racismo no futebol?
conta Mário Filho que quando Carlos Alberto foi jogar no Fluminense sentiu-
Mário diz que Carlos Alberto, por sentir-se envergonhado, empoou o rosto
de Carlos Alberto para o Fluminense, pois ser tricolor afinal significava ser
menos famoso é outro núcleo que aparece nos textos contemporâneos junto
240
campanha de 1921. Manteiga era uma opção de reforço, mas para integrar o
América (o mesmo clube no qual o mulato Carlos Alberto não era “malvisto”).
contratempos. Um dos boatos que corria era que uma tremenda cisão
lá “com sua gente”. Não se pode esquecer que Mário diz que, antes de
ações dos atores sem evidência ou sinais que permitam sua construção. Em
439
NFB (1964).
440
Ver Capítulo 2 deste trabalho.
241
ação, como os romancistas ou como os antropólogos do “nascimento
virgem”.
exemplo de Joaquim Prado, que era preto e visto como um lord, segundo a
242
demorarem a sair do vestiário, tal como os astros de música pop do
de Mário Filho. Mas não deveriam, diretamente, ser tomados como provas
441
O máximo que se pode extrair da narrativa do NFB sobre o tema racial, além de uma série de
curiosidades, é a presença da ideologia da branquidade que se reflete no seu texto. É bom lembrar que
tal ideologia só é criticada por nosso autor quando acrescenta os dois novos capítulos à segunda
edição. Sua crítica acontece só quando apresenta Pelé, o seu herói ideal, como o preto que se orgulha
de ser preto. Nos capítulos da primeira edição há marcas claras da ideologia de branqueamento, mas
nenhuma crítica é feita. Como sabemos, na primeira edição o autor quer apenas apresentar sua história
de integração e ascensão do negro no futebol.
243
aquilo que o romancista monta para dar sentido à narrativa é tomado pelos
estados psicológicos. Há, sem dúvida, nas próprias palavras de Mário Filho,
Miranda, também negro, e sem ser rejeitado, jogava na mesma equipe antes
de Manteiga, e Carlos Aberto sete anos antes que eles. Em mais uma
442
NFB (1964, p. 45).
443
Idem, p. 113.
244
não se sentiu rejeitado pelo América; o clube é que se sentiu rejeitado por
ele.
rejeitaram Miranda, que atuava no clube. Por outro lado, a idéia de que o
e Santos444, para citar alguns dos autores que referem-se ao NFB em seus
trabalhos, não penso que o NFB seja uma obra que fale sobre a história do
futebol e das relações raciais no espaço do futebol. O NFB fala mais sobre a
sua própria percepção das relações raciais. Seu livro reflete um “clima de
444
Gordon Jr. (1995; 1996); Mattos (1997); Leite Lopes (1994); Caldas (1990); Santos (1981).
245
Observe-se que os núcleos narrativos se reproduzem acriticamente
estejamos atentos para não o sermos no presente”. Mais uma vez, digo
que as intenções são justas e legítimas, mas não devem ser confundidas
acadêmica.
Rufino dos Santos cita uma espécie de crônica datada de 1912, sem
diz o referido autor: “na fase de implantação do futebol entre nós (...) o negro
não teve vez. Para entrar em campo, os mulatos tomavam banho de pó-de-
apelido que conserva até hoje.446 É interessante não se saber a partir de que
445
Santos (1981).
446
Idem, p. 88.
246
empoar-se. Também não se sabe de onde retirou a data de 1912, já que
1914.447
“Mas nem tudo que é oficial é aceito. Para não criar embaraços
com seu corpo de associados, o Fluminense, por exemplo,
arranjou um jeito de, literalmente, maquiar os problemas de pele
entre seus jogadores. Antes de entrar em campo, todos os
negros eram submetidos a uma sessão de pó- de- arroz. O
clareamento da pele era condição fundamental para entrar em
campo vestindo a camisa do tricolor carioca. As outras torcidas,
como forma de se vingar do time de Laranjeiras, apelidaram o
clube de Pó- de- Arroz, expressão utilizada até hoje.448
não existe forma de segurar pó-de-arroz sobre a pele num jogo em clima
tropical - é como o mito ganha acréscimos nas novas versões, sem que se
447
Cf. Coelho Netto (1952, p. 57).
448
Prado (1997, p. 83). Agradeço à revista Raça Brasil por ter me mandado com muita gentileza o
referido artigo.
247
desvelar as mitologias, como anuncia o título, acaba por reproduzi-las como
fato, e, tal como Joel Rufino dos Santos, insiste em datar o “caso pó-de-
uma nobreza decadente, que tinha por projeto formar “a nova raça do nosso
Brasil”, cuja origem não deveria ser buscada no negro e no índio. A “nova
449
Mattos (1997). O livro é fruto de uma dissertação de mestrado. A um passo da dúvida, seduzida
pelas míticas histórias do futebol e com pouca pesquisa básica, a autora reproduz as histórias míticas,
mas não as desmonta. Para mim foi uma decepção, na medida em que minha leitura foi justamente
motivada pelo título. Embora com boas idéias gerais, posso dizer que o material empírico utilizado foi
forçado, moldado ou sobreinterpretado.
450
O livro de Paulo Coelho Netto, História do Fluminense (1952), é citado por Mattos. Entretanto, a
autora não esteve atenta à data da transferência de Carlos Alberto, citada no livro que consulta. O livro
de Coelho Netto e outros, além dos jornais da época, datam a transferência do jogador de 1914. Ver
também Cunha & Valle (1972).
248
raça” deveria buscar suas raízes na influência inglesa e francesa nos
trópicos.
maioria da vezes, é reproduzido na atual literatura tal como foi relatado por
não se encontra o “fato” que a autora deseja encontrar para provar o racismo
Fica evidente que Mário Filho está, neste contexto, montando mais
um cenário dramático que ele mesmo afirma ser boato. Corrêa transforma,
451
Santos (1981); Caldas (1990); Gordon Jr. (1995; 1996); Leite Lopes (1994 ).
452
Côrrea (1985).
453
Idem, p. 36.
454
NFB (1964, p. 112-3).
249
documento de racismo explícito. Aqui temos mais uma mostra de como são
em mitos racistas.
455
Ver capítulo anterior.
250
interpretação. Tal exercício nos auxiliará a entender a fragilidade da
251
gesticularam fazendo reverências à torcida adversária, tal como
aristocratas na corte, e depois gritaram: Hip, hip, hurrah! Somos
aristocratas sim! Talvez esse humor de fazer piada de si mesmo
vinha do espírito inglês que habitava o Fluminense, tal como o
futebol e o Five o’Clock Tea. A postura anti-racista do Fluminense
continuou. Outro mulato, Friedenreich, também jogou pelo clube a
despeito de todos os preconceitos. A luta pelo desenvolvimento do
esporte sempre foi a primeira meta do clube fundado por Oscar
Cox. Tanto assim que, mesmo depois de lutar anos a fio pela
causa do amadorismo, foi o mesmo Fluminense que liderou a
campanha para profissionalização do futebol, quando viu que o
amadorismo era um empecilho ao desenvolvimento do esporte
brasileiro. Assim, a resposta bem-humorada dos jogadores do
Fluminense acabou dando o símbolo do clube até hoje. É bem
verdade que esse símbolo por muito tempo incomodou os
torcedores do Fluminense, que na época viam o jogo da geral. A
idéia de pó-de-arroz era encarada como uma espécie de
efeminização dos aristocratas, e isso era motivo de chacota entre
os torcedores pertencentes às classes populares”.
252
seus motivos eram racistas, contra-argumentaram dizendo que
jogavam ao lado de Miranda, um mulato quase preto, e não
tinham nenhum problema com isso. O problema era outro.
Criaram boatos, como relata Mário Filho, de que mais de
trezentos sócios deixariam o América caso Manteiga fosse aceito
como sócio. O problema era outro, diziam os Borges e os Curtis:
Manteiga tinha uma condição social incompatível com o
amadorismo. João dos Santos fez que o bom senso prevalecesse
e Manteiga permanecesse na equipe, dando muitas alegrias à
torcida americana. João dos Santos intuiu que a atitude dos
dissidentes podia ser de preconceito ou de inveja, ou quem sabe
os dois juntos, pois Manteiga chegava ao clube para ser titular no
primeiro time. O preconceito que fizera perder Carlos Alberto não
se repetiria. Os irmãos Curtis e Borges, acompanhados por
outros, formando um grupo de nove ressentidos que jogavam no
primeiro, no segundo e terceiro times do América, procuraram o
Fluminense. Apesar de Manteiga ter dado muitas alegrias (o
América, foi vice-campeão carioca em 1921), deixou o clube
numa excursão à Bahia. Resolveu ficar por lá, onde tinha
familiares, e dizem que reencontrou seu grande amor da
infância, sabe Deus. O importante é que o presidente João dos
Santos, com o apoio de todo o corpo social, não se deixou
influenciar pelos comportamentos discriminadores e ressentidos
ou de inveja daquele grupinho de pequenos burgueses. Ganhar
no futebol já era mais importante, para a sobrevivência dos
clubes, do que as rixas pessoais. O comportamento anti-racista
parece neste caso ter pesado mais que o suposto preconceito
dos Borges e dos Curtis. Manteiga, Miranda, Carlos Alberto,
Friedenreich e outros eram a prova de que a democracia racial já
se estava realizando no futebol brasileiro”.
para os casos.
253
separar o futebol brasileiro da configuração abragente que existia no
futebol.
caso inglês, uma reação das classes altas para conter o avanço da
456
Mandell (1986, p. 162).
254
Tais critérios definiam a priori a classe social que poderia participar dos
No Brasil, o amadorismo não pode ser lido como uma reação das
socialização e diferenciação.458
457
Freyre (1981).
458
Ver Boudon (1989). O autor cita o trabalho de Eisenstad sobre a integração de imigrantes em Israel
255
outras palavras, significa que o membro deve lealdade ao grupo.459 O
Tal ética tinha por pressupostos a elitização, quando previa que o amador
lealdade ao clube, tal como o cidadão à pátria. Talvez seja ilustrativo lembrar
(p. 69).
459
Hirschman (1973).
460
Hobsbawn (1990).
461
Coelho Netto (1952).
256
desprendimento como o lugar da virtude parecem nos acompanhar há longa
racismo” no futebol nos “novos narradores” talvez possam ser lidos como
pleno 1914, passar pó-de-arroz no rosto para disfarçar sua condição racial?
Gordon Jr. diz que o “tom folclórico dessa história é incapaz de esconder a
462
Gordon Jr (1995, p.83). Seguindo os critérios do autor ao pé da letra, alguém desavisadamente
poderia concluir que as piadas sobre portugueses traduzem a real inteligência desse povo. No mínimo
257
esporte que se expandia com velocidade, indica mais plausibilidade e
testabilidade.
seguinte maneira:
258
A referida disputa movimentou a parte da cidade interessada em
Pode-se supor que o jogo deveria ocorrer sob forte tensão, tanto
465
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 13 maio 1914, p. 3.
466
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 14 maio 1914, p. 3.
259
sempre punham em constante perigo, a integridade física
daqueles que tinham a desventura de lhes ficar a retaguarda. (...)
Carlos Alberto, que teria se portado com certo medo. Nada, entretanto,
de que Carlos Alberto teria maquiado seu rosto com pó-de-arroz, ou que a
afirmar que Carlos Alberto jamais teria se maquiado, mas sem provas
467
O Imparcial, Rio de Janeiro, 14 maio 1924, p. 9.
260
muito importante para fechar o quebra-cabeça. As peças principais são
outras.
sentimento que o soldado deve ter para com sua pátria, isto é, não passar
americana”, “família tricolor”, “família flamenguista” etc. Essa unidade era tão
admirar que o sentimento de traição tenha sido forte neste primeiro encontro,
468
Cunha & Valle (1972, p. 15).
261
arquibancadas grandes gargalhadas. Provavelmente rixas e provocações
devem ter acirrado os ânimos das torcidas, pois os times eram os favoritos
pois era a primeira vez que enfrentariam o antigo clube. O jogo foi realizado
descrito como mulato entre os dissidentes. Não tenho dados para afirmar se
Diante do exposto, algumas perguntas podem estar no ar. Teria sido Carlos
Alberto o único alvo de piadas malévolas? Que piadas foram essas? Teria
Carlos Alberto foi um alvo privilegiado de críticas nesse jogo, talvez o tenha
469
Ver em Murphy, Willians & Dunning (1994) a questão do naciolismo belicista que invadiu as
torcidas organizadas na Europa.
262
sido por ter “embranquecido” ao transferir-se para um clube de perfil
piadas racistas, caso tenham sido desferidas, estariam num segundo plano
clubes de futebol.
racial” serve tanto para qualificar quanto para desqualificar, podendo mesmo
ascende socialmente o negro pode ser visto como um ser dotado de super
superar os obstáculos. A raça tanto pode ser lembrada para apontar para a
263
ensaio acadêmico é lançar luz sobre os problemas que colocamos, ao invés
Alberto, a partir dos escassos dados que temos, o racismo surge como uma
ninguém havia se manifestado contra sua presença. João dos Santos não
470
A deserção é encarada com uma espécie de quebra de lealdade ao grupo. É interessante observar
que retirei a palavra deserção do texto de Cunha & Valle (1972) sobre a história do América. Essa
palavra é utilizada para caracterizar o abandono da tropa pelo soldado.
471
Cunha & Valle (1972).
264
América pensasse em Manteiga;472 Gradin, um negro da seleção uruguaia,
segundo relata Mário Filho e os “novos narradores”, ele teria saído com as
racismo, poder-se-ia pensar que o racismo em nosso país “não tinha vez”,
seria mais forte. Não estou afirmando que não existe racismo no Brasil, mas
472
Cf. Pepe Winkler, B. F. et ali. (1996, p. 26). Este livro sobre a história do Botafogo faz questão de
apresentar breves parágrafos sobre a postura anti-racista do clube em 1906-7, quando o negro
Paulinho de Souza integrava a equipe. A “história do racismo no futebol brasileiro” foi legitimada de
tal forma que faz com que os clubes encarados como racistas busquem dados para afirmar o valor do
anti-racista no seu passado. Se todos começarem a apresentar “provas do pioneirismo anti-racista”,
poderemos pensar: que racismo é este?
265
ter uma boa parte de jogadores remunerados veladamente, como
473
semiprofissionais, e outros não. Os Curtis, os Borges e outros jogadores
que fica claro que Manteiga era uma semiprofissional e oriundo de uma
473
Cf. Correa (1933).
474
Elias (1994).
266
devia saber que o bom futebol representava renda para o clube, e o América
não levantava campeonatos desde 1916. Manteiga, para ele, podia significar
este deve ter ocorrido em nível secundário, tal como no caso de Carlos
Lopes, Murad, Gordon Jr., Helal e Mattos.475 A sedutora idéia de Mário Filho
475
Santos (1982); Caldas (1990).; Leite Lopes (1994); Murad (1994b; 1996; Palestra AIESEP
realizada em cf. Nota 1 do Capítulo 7, 1997); Gordon Jr. (1995; 1996); Helal (1997); Mattos (1997).
267
mestiço, no entanto, se seguirmos a descrição de Mattos, quando diz que o
time titular foi formado por “três negros, um mulato e sete brancos
Filho para isso apresenta como prova a reação dos brancos e aristocratas
que fundam uma nova liga, a AMEA. A nova instituição, segundo Mário e
Vasco possui uma bela história, pois teve a coragem de formar um time de
da música, que justificam sua opção como vascaínos a partir dessa bela e
476
Mattos (1997, p. 86).
477
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 2 nov. 1997, Revista de Domingo, n° 1122, p. 20.
268
sedutora história de democracia e do comportamento anti-racista do clube.
Outro autor tragado é Waldenyr Caldas. Seu texto é fiel aos dados e
consumindo.481 Para legitimar a história do Vasco, diz que “vale a pena citar
478
Gordon Jr. ( 1995, p. 86).
479
NFB (1964, p. 120).
480
Caldas (1990).
481
Ver o Capítulo 6, onde indico as legitimações do NFB.
269
Mário Filho, sem dúvida, o maior conhecedor do futebol brasileiro dessa
vitória do Vasco faria com que não demorasse a fazer surgir a reação da
482
Caldas (1990, p.46).
483
Idem, ibidem.
484
Idem, p. 45.
485
Idem, ibidem.
270
hipótese ad hoc e conspiratória: a aceitação do Bangu seria uma artimanha
épico do negro, tal como Mário Filho afirma que o Vasco teria aberto “as
Mattos afirma, sem apresentar nenhuma prova, que a AMEA exigiu que o
que a AMEA “não proibiu que os negros fossem escalados nos times, mas
criou uma série de regras a serem obedecidas pelos clubes”.487 Entre tais
este movimento era uma conspiração dos brancos e ricos contra os negros.
486
Idem, p. 47.
487
Mattos (1997, p.87).
271
Vejamos, a partir de uma incursão nos jornais da época, como a
cabe lembrar que não se está dizendo que não existe racismo na sociedade
ou aos pretos e mulatos que praticavam o futebol. Apenas posso afirmar que
pelos grandes clubes, estes passariam a ter poderes quase que absolutos e
488
METRO – Liga Metropolitana de Desportos Terrestres
489
AMEA – Associação Metropolitana de Esportes Athéticos
272
proposta dos grandes clubes era formar um conselho deliberativo de nove
geral, tinha por intenção reduzir o número de times na série principal. Outro
490
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 13 fev. 1924.
491
O Paiz, Rio de Janeiro,14 fev. 1924, p.9.
273
outros esportes. O requisito baseava-se no mesmo argumento do
aliado aos pequenos. O fato do Vasco ser citado como um aliado dos times
pequenos indicava que este clube não era visto pela imprensa como um time
492
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 15 fev. 1924, p.5.
493
Mazzoni (1950).
494
Poder-se-ia dizer que o que acontecia na época possui semelhanças com que ocorre na política
esportiva da Federação Carioca de Futebol atualmente. Na década de 1990 já acompanhamos pelos
jornais a querela que envolve os grandes clubes, com execeção do Vasco, e o presidente dessa
entidade, o Sr. Eduardo Vianna. Os clubes grandes sentem-se prejudicados, comercialmente e em
274
o fato de ter-se sagrado campeão carioca, em 1923, atestava sua grandeza,
reforma.
posição vascaína, mas pode-se deduzir que o Vasco não via o amadorismo
275
METRO eram os seguintes: 1) o Fluminense desejava dominar o esporte; 2)
que os grandes clubes tinham que punir com leis especiais aquele clube que
esportivo.498
497
O Paiz, Rio de Janeiro, 16 fev. 1924, p.7.
498
Idem, ibidem.
499
Idem, dias depois o articulista pede desculpas aos leitores, explicando que não referia-se a
Etchegaray, e sim a Betheregaray.
276
item sobre a eliminatória olímpica. Com 21 votos contra 15, seria mantida a
“grandes”. 501
500
Idem, 20 fev. 1924, p.7.
501
Idem, 22 fev. 1924, p. 7.
277
“Football
- O Momento -
Hontem, Hoje e Amanhã
O que resultará da scisão?
(na época dirigido pelo bombástico pai de Mário Filho, Mário Rodrigues)
A citação acima informa que a cisão teria sido provocada pela forma
278
já que existia uma prática semiprofissional em curso. A justificativa
502
Correio da Manhã, 22 fev. 1924, p. 5.
503
Idem, 28 fev. 1924, p.2.
279
impressão. A atitude não é esclarecida no âmbito da matéria, mas sabe-se,
de poder decisório em favor dos grandes na nova liga, outra coisa que
que isso é verdade - que se o Vasco da Gama entrar para a nova entidade,
o que ainda é uma incógnita, o seu time terá que sofrer tais reformas que
deixa claro que a nova instituição e suas regras impediriam que o Vasco
continuasse com sua forte equipe. Por que razões? Por possuir negros ou
504
Idem, 1 mar. 1924, p. 5.
505
Idem, p. 5.
280
do Vasco; 4) ficavam revogadas as disposições em contrário às decisões
METRO.
METRO, pode-se dizer que a AMEA foi fundada recebendo o apoio quase
506
O Paiz, Rio de Janeiro,1 mar. 1924, p 10.
507
Idem, ibidem.
508
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 29 mar. 1924. O País, publicava, já desde 11 de março de 1924,
uma síntese dos estatutos e regulamentos da AMEA.
281
No Artigo 5, o parágrafo 10 referia-se à forma de inscrição dos
nomes das pessoas sob cuja direção exercia ou exercera sua profissão.
privada dos seus dirigentes, para que lhes fosse atestada a idoneidade.
ao pertencimento desinteressado.
aos seus “amadores”. Lutar pelo controle do amadorismo seria, talvez, uma
282
bilheterias ser utilizado para o desenvolvimento do esporte e dos clubes, e
especialização em futebol.
do ano de 1997 pelos clubes em relação à Lei Pelé. Nos debates sobre a
variável do racismo.
509
Cf. Sacher & Palomino (1988).
283
O cenário de apostas e subornos que rodeava o futebol era claro.
intenção dos estatutos em dar maior poder aos grandes clubes, mas a
510
O Paiz, Rio de Janeiro, 11 mar. 1924.
511
Idem, 9 mar. 1924, p.9.
284
O Imparcial publicava, em 1 de março de 1924, que “Já se fala do
512
O Imparcial, Rio de Janeiro, 1 mar. 1924, p. 12.
513
O Paiz, Rio de Janeiro, 7 mar. 1924, p. 7.
514
Idem, 12 mar. 1924, p. 7.
515
Idem, ibidem.
285
A AMEA indicava estar consolidada. Havia desistido de formar duas
séries de futebol, como fora previsto inicialmente, com oito clubes cada, e
anunciava uma única série com dez clubes. Esta decisão era uma espécie
o Vasco, o Andaraí, o São Cristóvão, quanto qualquer outro. Nos dias sete,
sete, anunciou-se que a AMEA havia tomado decisões quanto aos dias dos
516
Idem, 7 abr. 1924, p. 2.
517
Idem, 6 abr. 1924, p. 10.
286
Tal decisão não foi bem aceita pelos clubes pequenos e nem pela
imprensa em geral.
título “Vários Erros”, cujo conteúdo dizia respeito à arbitrariedade dos “clubes
gorda, e os times pequenos aos sábados, nos dias de renda magra, ficava
desliga-se da AMEA” era outra chamada sobre o mesmo assunto que trazia
518
Idem, 7 abr. 1924, p.2.
519
Idem, 9 abr. 1924, p. 7.
520
Idem, ibidem.
521
Correio da Manhã, Rio de Janeiro 9 abr. 1924, p.6.
287
entidade. O motivo apresentado pelo Andarahy era que seus jogadores
série com dez clubes, a comissão organizadora solicitou que o Syrio pedisse
passava a desrespeitar lei que ela própria estabelecera, pois o Syrio havia
288
severidade exterior procura agora hostilizar por todos os
modos”.524
que este teria sido um dos argumentos para sua criação, já que a METRO
524
Idem, 17 abr. 1924. p. 8.
525
Idem, 19 abr. 1924, p. 6.
526
Idem, 18 abr. 1924, p. 7.
289
O cenário começa a fica mais claro e a cisão na nova entidade teria
estava lutando por direitos iguais para todos, queria apenas ser igualado em
Arnaldo Guinle dizia que o direito de defesa jamais teria sido negado ao
527
O Paiz, Rio de Janeiro, 16 abr. 1924, p. 8.
290
Vasco ou a qualquer outro clube. Sobre esta questão específica
argumentou:
Guinle, teria sido que o comércio português, por ser árduo e pesado, não
528
Idem, 19 abr. 1924, p. 11.
529
Idem, ibidem.
291
8.2.2 – Montando o quebra-cabeça
orçamento que este gerava com a bilheteria dos jogos. O futebol era o
divisão, pois eram eles que faziam do futebol um esporte rentável para
todos. Sair da divisão principal seria uma espécie de morte financeira. Fica
grandes não podiam prescindir das rendas do futebol, mas ao mesmo tempo
530
NFB (1964).
292
de 1924, os grandes clubes, liderados pelo Fluminense, desejavam mudar a
para a prática esportiva. Como não podiam correr o risco que o Botafogo
não só o futebol. Com esse critério, os grandes clubes, por praticarem vários
jogadores. Era evidente que o Vasco tinha sido campeão com um time de
293
dedicavam-se exclusivamente ao futebol.531 Na METRO, pela política
também não estavam dispostos a abrir mão de suas cotas de poder. Cabe
espírito oligárquico ainda como uma forte marca. Éramos ao mesmo tempo
531
Isto não quer dizer que os outros clubes não praticavam o amadorismo marrom.
532
Sevcenko (1983, p. 84).
294
engrossavam as rendas, também. Diante deste cenário, apesar dos grandes
clubes terem nas mãos as rédeas da nova entidade, vários outros clubes,
curso. Uma prova disto é que, inicialmente, o regulamento previa duas séries
dez clubes inscritos. Tudo parecia ir bem, até que a comissão organizadora
de 1924.
295
racismo era esse que aceitava os negros do Bangu e do São Cristóvão?
esse que teria acabado no ano seguinte, quando o Vasco integrou a AMEA?
Não se está afirmando que a vitória do Vasco, com os negros de sua equipe,
e racistas. Pode ter surgido esse clima, mas tais sentimentos não são
carioca de 1924.
Mário Filho, relata várias cisões internas entidades esportivas de São Paulo
533
De acordo com Mazzoni (1950), “A temporada de 1921 registrou um episódio interessante, em
São Paulo, com a revolta dos chamados pequenos clubes contra a APEA”. A ocorrência foi relatada
no anuário da APEA de 1921: "Não tendo sido satisfeita a sua ambição nos estatutos aprovados em
21 de março de 1921, os clubes da Segunda Divisão que de há muito desejavam uma lei que
facultasse o seu acesso à Divisão Superior, pediram demissão em quase sua totalidade, indo contituir
outra entidade esportiva a que deram o nome de Federação Paulista de Desportes” (p. 160).
296
ampliação e consolidação organizacional. Ao que tudo indica, quando uma
políticos não era novo. A idéia de que o representante político deveria ter
posses para dedicar-se à vida pública sem interesses pecuniários teria sido
534
Elias (1994).
297
parte do processo de profissionalização do futebol, ainda que a ética do
ideal amadorístico era um dos valores ingleses que se difundiram com seus
amadorismo, como vimos, foi uma reação para conter a participação popular
535
Coubertin teria aprendido os princípios do amadorismo com seu amigo Milligan Sloane, na
Universidade de Princeton, pelo ano de 1893 (cf. Mandell, 1986, p. 210).
536
Idem, p. 162. “En 1866 el Amauter Athletic Club adoptó el reglamento establecido por la
Comisión de Regatas de Henley, que excluía de la competición amateur no sólo al profisional, sino a
todo aquél ‘que sea mecânico, artesano u obrero, o que eté empleado en el servicio doméstico’.
537
Elias (1993, p. 248-262).
538
Mandell (,1986, Capítulo 7).
298
processo era elevar constantemente o patamar de refinamento.539 Elias diz
“boas sociedades”:
processo.
social, não se pode esquecer que o clima de apostas e dinheiro, que corria
539
Elias (1993, p. 252).
540
Idem, ibidem.
299
esporte. Os esportes eram e ainda são motivo para boas apostas. Assim, a
censitário.
Por exemplo, Jim Thorpe perdeu sua medalha olímpica, um ano depois de
Ser amador previa que, além de não pertencer às baixas camadas, o atleta
541
Idem, ibidem.
542
Mandell (1986, p. 217).
543
Um bom exemplo do problema do treinador profissional pode ser visto no filme “Carruagens de
Fogo”. No futebol brasileiro, o técnico profissional era um personagem presente desde o início.
544
Mandell (1986, p. 213).
300
O debate sobre amadorismo versus profissionalismo foi um
545
Sacher & Palomino (1988, p. 19).
546
Idem, p. 25.
547
Idem, p. 26.
548
A criação da AMEA deve ser vista como uma etapa do processo de profissionalização do futebol.
Estudos mais aprofundados sobre a difusão do futebol em países latinos-americanos devem ser
realizados para que diminuamos um pouco a imagem de hiper-singularidade da cultura e do futebol
brasileiro. A hipótese, sugerida por Scher e Palomino, sobre a demora da profissionalização do futebol
na Argentina, parece servir para o caso brasileiro: na Argentina o futebol desenvolveu-se
organizacionalmente através dos clubes, enquanto nos Estados Unidos a organização e
desenvolvimento dos esportes ocorreu através das empresas privadas. Assim, o esporte norte-
americano teria, desde o início, se profissionalizado como indústria do entretenimento, enquanto o
esporte argentino desenvolveu-se como atividade social nos clubes.
301
A briga em torno da condição do amadorismo na AMEA não pode
futebol: ter profissão lícita e certa, título de eleitor e provar residência de pelo
menos seis meses na cidade para conquistar o direito de ser inscrito na liga.
549
O Paiz, Rio de Janeiro, 27 fev. 1924.
302
residência no local tentava claramente limitar a contratação de jogadores de
outros sítios.
Se existiu algum tipo de resistência, foi o das elites que iniciaram a crise de
1924. Crise que pode ser lida como contraditória, pois as elites, por
negros como “bodes expiatórios” seria prova do racismo que ainda não se
havia extinguido no futebol. Este núcleo narrativo foi imortalizado por Mário
550
Murad (1994b; 1996; Palestra realizada na AIESEP em 1997, cf. Nota 1 do Capítulo 7); cf. Leite
303
O recrudescimento do racismo foi uma estratégia de continuação e
partes do texto original onde o herói negro, em 1947, já teria vencido todas
cabelo carapinha). Esta seria a saga que o herói negro percorre nos novos
capítulos do NFB.
Lopes (1994) ; Gordon Jr. (1995; 1996); Santos (1981); Guedes (1977).
551
Ver Capítulo 2 deste trabalho.
304
“Na primeira edição de O Negro no Futebol Brasileiro, se seu
quarto capítulo ‘Ascensão Social do Negro’ dá a impressão de um
final feliz a leitores apressados, ele já anuncia ali a possível
persistência do racismo e da autodesvalorização de um povo em
sua maioria mestiço e negro. Há uma antecipação do que ficará
mais claro em seguida: o drama da Copa do Mundo de 1950, a
renovação das tendências racistas no futebol brasileiro durante os
anos 50. Na segunda edição do livro, em 1964, ele pode assinalar
a confirmação histórica de suas teses de inversão de 1958 (Copa
do Mundo ganha na Suécia por um time que derruba os
estereótipos racistas anteriores) e a persistência e a consagração
dos grandes jogadores negros estilistas como Didi, Pelé,
Garrincha e muitos outros...”552
Fica evidente que Leite Lopes, por não ter consultado a primeira
edição, trata o épico do negro construído por Mário Filho como antecipação
inversão do quadro de dano, ou “racismo”, deve ser vista como uma etapa
552
Leite Lopes (1994, p. 79).
305
brasileiro”. É nesta linha de argumentação, neste tipo de hipótese negativa,
recrudescimento do racismo.
depois de afirmar que três negros foram escolhidos como bodes expiatórios,
diz que a equipe tinha outros pretos e mulatos que não foram acusados pela
esclarecer por que a culpa caiu sobre Barbosa, Bigode e Juvenal, e foram
seleciona seus heróis com base no critério da raça, porém deve-se observar
553
NFB (1964, p. 335).
306
O retorno do racismo perde a força quando Mário Filho retrocede ao
mulato uruguaio foi elevado à condição de herói pelo próprio povo brasileiro,
volta do racismo?
como o herói escolhido pelo brasileiro na Copa de 50. Aqui está mais uma
554
Idem.
307
Está evidente que a acusação sofrida por Bigode, Barbosa e Juvenal
Acredito que não se precisa de mais argumentos para que se entenda que o
perseguição) do negro para que depois seja reafirmado como herói nas
acha nenhuma evidência que suporte tal interpretação. Mas vejamos como
anos que se seguiram à fatídica derrota, para observar se existiu, por parte
555
Acompanhei as crônicas de Mário Filho, no Jornal dos Sports de julho de 1950 a agosto de 1954.
556
Hobsbawm (1990, p. 171).
308
seu futebol. Os brasileiros avaliaram a representação brasileira na França
guerra foi a de 1950. O Brasil, sendo o país sede da Copa, teria a chance de
desenvolvido.
309
protagonistas. O clima de auto-afirmação nacional aumentava na medida em
realização do Brasil.
557
Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, 14 jul. 1950, p.1.
558
Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, 15 jul. 1950.
559
Idem, p.3.
560
Idem, ibidem.
310
communitas, de unidade nacional.561 A Rádio Continental convocava a
texto nem fotos, em letras médias, no alto da página, não perfazendo 10%
brasileiro não poderia ser aceita, pois isto equivaleria à morte social do
561
Guedes (1977).
562
Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, 16 jul. 1950.
563
Idem, p. 57.
564
Idem, ibidem.
311
DECLARA FLÁVIO: NÃO HA NENHUMA DESCULPA A FORMULAR, OS
apoio para a desgraça, o jornal de Mário Filho dá destaque para Willy Weisl,
que teria dito o seguinte: “Uruguai, campeão mundial, de fato; Mas o Brasil,
melhor team do mundo.566 No mesmo dia, outra matéria dizia que a crônica
565
Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, 18 jul. 1950, p.1.
566
Idem, ibidem. Note-se que este texto veio publicado na primeira página.
567
Idem, p. 3.
568
Idem, p.7.
312
No texto aparece a idéia da “falta de fibra”, que deu origem, na
fibra” não foi qualificada como racismo em nenhum dos artigos escritos por
raça.570 O que estava em jogo naquela final, além de futebol, era a afirmação
569
Conferi as crônicas assinadas por Mário Filho de julho de 1950 até 1952, e levantei as crônicas que
antecederam a Copa de 1954. Em nenhuma das crônicas que se referiam à Copa de 1950 acha-se
denúncia explícita do recrudescimento do racismo.
570
Hobsbawm (1990).
571
Vogel (1982).
313
idéia de “crise” é um eixo central na história do esporte argentino.572 No país
Cabe lembrar que a falta de fibra que aparece nas crônicas do Jornal dos
culpados:
572
Sacher & Palomino (1988, p. 97).
573
Idem.
314
memória guardou os lances. Faço-os desfilar quase em câmara
lenta para melhor compreendê-los (...)
315
solidarizar-se com os torcedores que, diante da superioridade da equipe
brasileira, não podiam apelar para outra explicação a não ser a “falta de
fibra”. Mas conclui dizendo que, depois que distanciou-se do jogo, viu que a
Barbosa.
O fato de Juvenal não ser apontado como vilão, logo após a derrota,
diretamente nos lances dos gols sofridos pelo Brasil -1 Bigode e Barbosa - e
o técnico Flávio Costa. É curioso que Flávio Costa tenha sido apontado
Como o próprio Mário Filho relata no NFB, a culpa de Juvenal foi imputada
574
Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, 22 jul. 1950, p.5.
316
O que fica claro ao percorrermos suas colunas sobre a derrota de 50
crônica que tinha por título: “Uma nova visão da grande derrota”.575 Nesta
crônica Mário relata uma conversa que tivera com Flávio Costa, que afirmara
que os culpados visíveis teriam sido Barbosa e Bigode, mas a culpa mesmo
seria de Juvenal, que não teria dado cobertura a Bigode. De fato, isto indica
que o Desastre de 50 não foi pensado apenas 24 horas após o jogo, como
dizia Mário Filho ser seu procedimento, mas foi elaborado ao longo dos
Bigode com um tapa na cara. Guedes afirma que esta história tornou-se um
mito, pois nada se acha nos jornais da época sobre o fato.576 Esta seria mais
diz que “Os brasileiros foram traídos pelo coração. Os uruguaios foram
577
salvos pelo coração”. O excesso de confiança traiu o coração brasileiro,
mas isto não significava que o brasileiro fosse “menos do que o uruguaio”.
575
Idem, 29 abr. 1951, p. 5.
576
Guedes (1977, p. 64).
577
Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, 19 jul. 1950, p.8.
578
Idem, ibidem.
317
Brasil também teria vencido o Uruguai, quando este estava em pleno apogeu
cinzas deixadas por aquela fatídica final de 1950. Ter o maior estádio e o
conjunto do evento da Copa de 50, a derrota o fez sofrer, e por sua coluna
uma partida, mas não o conceito. “O Brasil ganhou mais do que perdeu com
579
Idem, ibidem.
318
como “uma Inglaterra.”581 Observe-se, no discurso de Mário Filho, a
Julho”;583 “Uma nova visão da grande derrota” (já citado); “Fato indiscutível”:
deve fazer aos brasileiros”589 e etc. Além desses artigos, outros foram
580
Idem, ibidem.
581
Idem, 20 jul. 1950, p.5.
582
Idem, ibidem.
583
Idem, 24 jul. 1951, p. 5.
584
Idem, 25 abr. 1951, p. 5-8.
585
Idem, 15 abr. 1951, p. 5-8.
586
Idem, 10 abr. 1951, p. 5-8.
587
Idem, 11 maio 1954, p. 5.
588
Idem, 25 maio 1951, p. 5.
589
Idem, 29 jun. 1954, p. 6.
319
O que se encontra nos jornais é que ao brasileiro faltou raça, faltou
fibra em 50. Se isso pode ser encarado como prova de racismo, afirmo que
extrapolações espúrias.
tenham gerado algum tipo de injúria racista. Seria ingênuo pensar que não.
Silva. Conta Ademar, este nosso famoso medalhista, que certa feita, com um
reverenciou como atleta; que antes, sem saber quem ele era, o havia
diz existir no Brasil. Temos aqui outro tipo de tensão em relação aos negros:
590
Depoimento pessoal prestado em dezembro de 1996.
320
estivesse dizendo: este resistiu à “seleção natural”. Entretanto, quando “mal-
segunda edição do NFB, foi construída por Mário Filho a posteriori, isto é,
anos após a fatídica derrota. A volta do racismo na Copa de 50, para Mário
Filho, funciona como uma nova queda ou dano que o negro sofre, para
mestiço, brasileiro”.
591
Jornal dos Sports, Rio de Janeiro, 4 ago. 1950. p. 7. Bigode venceu a apuração parcial, com 19.851
votos; Barbosa nesta apuração estava em quinto lugar com 3.990.
321
9 - A MODO DE CONCLUSÃO: OS SANTOS DE BARBA E
CABELO CARAPINHA
de Mário Filho, como o “inimigo” a ser derrotado para que a nação se realize.
do período da construção nacional dos anos 30; teve forte vinculação com
322
nacionalismo fazia de tudo um desafio para provar a capacidade do Brasil e
Mário Filho pode ser considerado um ideólogo do esporte que colocou seu
esporte nacional.
aquilo que denomina ser o brasileiro e seu futebol com aquilo que pensa ser
sua narrativa. O NFB pode ser lido como uma obra baseada nas relações
qualquer fato, caso ou interpretação de Mário Filho servem para “provar” que
acontece com o futebol, que é lido a partir das lentes do relativismo. “Comer
323
o pastel e querer ficar com ele na mão” é um problema de autocontradição
futebol brasileiro. Acabam, assim, por construir uma gesta moderna da raça
tão forte que, poder-se-ia ler tal atitude como um “racismo às avessas” ou
nos jornais da época indicou que outras tramas podem ser montadas a partir
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A metáfora do pastel é utilizada por Hugo Lovisolo em suas aulas.
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correto. O núcleo do “recrudescimento do racismo”, na Copa de 50, como
Filho, para dar coerência ao seu romance, tanto supera o racismo quanto o
futebol negro e mestiço que se tornou nacional, acabam por reafirmar a saga
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No entanto, de acordo com Veyne (1995), história é fazer digesis ao invés de mimesis.
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