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CURITIBA
2014
2
SUMÁRIO
Capítulo 3 – O trabalho doméstico na Revista Claudia (Brasil, 1970-80), por Soraia Carolina
de Mello .............................................................................................................................. 67
Capítulo 5 – Confort para el pueblo y liberación para el ama de casa: género, consumo y
heladeras en Argentina (1930-1960), por Inés Pérez ......................................................... 117
INTRODUÇÃO
indicação dessa inadequação abriu caminho para análises relacionadas à agência dos sujeitos
em relação ao consumo, marcando a diversidade das formas de apropriação e de resistência a
tais modelos. Nessa perspectiva, a articulação entre a construção das identidades de gênero e
as práticas de consumo começou a ser vista em outros termos. Recorrendo a aproximações
teóricas que mostram os efeitos performativos do gênero sobre os corpos (BUTLER, 2001),
buscou-se demonstrar como as práticas de consumo formam parte da construção não apenas
6
das identidades (ou identificações) de gênero, mas também dos corpos das pessoas que
consomem, em sentidos que não necessariamente são aqueles cifrados pelas corporações que
promovem a aquisição e o uso de certos produtos, bens ou serviços.
Pontualmente, em uma linha que este livro busca seguir, Hollows (2000) afirma que o
entendimento do consumo como “o outro” negativo da produção acarreta julgamentos que o
classificam como impulsivo, trivial e passivo, contribuindo para dificultar a compreensão das
atividades relacionadas ao consumo como uma forma de trabalho. Tendo em vista as tarefas
tradicionalmente atribuídas às donas de casa, essa autora ressalta que o consumo doméstico
deve ser percebido como uma prática produtiva, pois, além de estar relacionado ao trabalho
doméstico, também é um exercício interpretativo que oportuniza a materialização de
significados associados à noção de “lar”, bem como está implicado na dinâmica social que se
estabelece entre as pessoas que nele vivem (HOLLOWS, 2008). Formatado: Português (Brasil)
1
Já faz algum tempo que os estudos feministas vêm refutando a ideia de que os eletrodomésticos
diminuíram o tempo dispendido com o serviço doméstico, mostrando que a introdução desses artefatos na rotina
do lar veio acompanhada de incrementos nos padrões de exigência quanto aos resultados esperados. O livro “The
Feminine Mystique” de Betty Friedan (1970), lançado em 1963, é uma referência obrigatória sobre esse assunto,
por trazer uma das primeiras críticas aos discursos que apresentavam os eletrodomésticos como recursos capazes
de “libertar” as mulheres do trabalho doméstico. Uma década mais tarde, a pesquisa de Joann Vanek (1974) daria
sustentação acadêmica às críticas de Friedan. Formatado: Português (Brasil)
7
protagonismo das donas de casa ganha relevo e as famílias das classes trabalhadoras
tornaram-se o principal foco de intervenção estatal.
Dando continuidade à discussão do caráter axiológico envolvido nas publicações
direcionadas para as donas de casa, no Capítulo 2, Paula Caldo discorre sobre o processo de
feminização da transmissão escrita do saber culinário na Argentina, durante o período de 1880
a 1940. A autora aborda como as práticas de transformação do saber culinário em produtos
editoriais como livros, folhetos e seções de revistas vão sendo tanto apropriadas pelas
mulheres, quanto direcionadas para públicos femininos. Se num primeiro momento esses
compêndios de receitas cumpriam o papel de registrar as formas locais de preparar os
alimentos, com o passar do tempo foram se constituindo como veículos de promoção da
profissionalização do trabalho doméstico e de novos hábitos de consumo. A circulação do
saber culinário ocorre também entre classes. Se o saber registrado nos livros de receitas ia das
mulheres que trabalhavam na cozinha para as da elite – capazes de se interessar pela
indúustria editorial – na sociedade de consumo de massa, especialistas direcionavam seu
saber para um público imaginado como de classe média. Paula Caldo defende que a Formatado: Português (Brasil)
caracterização do saber culinário como atributo feminino trouxe consigo uma série de
dispositivos de educação e disciplinamento das mulheres, contribuindo para moldar a
identidade social da dona de casa como a principal responsável pelas práticas de cuidado com
a família. Dessa forma, se configurava um tipo de feminilidade que, ao alimentar sua prole,
também afirmava normas, valores e formas de conduta implicadas em assimetrias de gênero.
No Capítulo 3, Soraia Carolina de Mello fecha a primeira parte do livro abordando os
discursos em circulação nas publicações voltadas para públicos femininos no contexto
brasileiro. A autora localiza suas discussões nas representações do trabalho doméstico
veiculadas pela revista Claáudia, nas décadas de 1970 e 1980, analisando a relação entre a
imprensa voltada para um púublico feminino e as publicações feministas nesse período.
Estabelecendo um diálogo entre a miríade de tarefas que o periódico atribuía como parte da
rotina das mulheres brancas das classes médias e os debates feministas da época acerca da
caracterização do trabalho doméstico – associado com as atividades de cozinhar, limpar, lavar
e passar, bem como com a condição da dupla jornada das mulheres das classes trabalhadoras
–, Soraia Carolina de Mello chama atenção para a necessidade de ampliação do entendimento
desta questão. Para ela, as reportagens publicadas em Claáudia possibilitam a identificação de
outros tipos de atividades de responsabilidade feminina, apresentadas como indispensáveis
para o bom andamento da casa e das famílias, onde em que as práticas de consumo ganham
relevo. A autora argumenta que marcadores identitários de classe social podem revelar
10
grandes variantes no que se refere às atividades realizadas pelas donas de casa para suas
famílias, sem que isso necessariamente desestabilize a sustentação de desigualdades de gênero
baseadas na clivagem entre público e privado e na naturalização das funções familiares
desempenhadas por mulheres.
Os textos reunidos na segunda parte, intitulada “Gênero, classe e nacionalidade na
promoção do consumo de tecnologias domésticas”, exploram a introdução de novas
tecnologias e artefatos nas práticas de trabalho doméstico a partir da problematização dos
discursos que promoveram seu consumo. Em particular, buscam salientar os modos pelos
quais classe social, nacionalidade e gênero se articulam nesses discursos, construindo imagens
de novas identidades sociais. No Capítulo 4, Mónica Sol Glik mostra como a publicidade
comercial publicada na revista The Reader's Digest foi empregada, nos anos 1940, para a
veiculação de propaganda política norte-americana nos países da América Latina. Entendido
como “arma de guerra” contra possíveis avanços das ideias nazi-fascistas no sul do
continente, o discurso publicitário elaborado pelo Departamento de Estado dos EUA passou a
circular por meio de versões traduzidas da revista, direcionadas para países de língua
hispânica e portuguesa. Tais imagens publicitárias associavam a tecnologia desenvolvida para
a guerra com a possibilidade de melhorias na vida doméstica, tendo as mulheres como público
preferencial. Mónica Sol Glik discute aspectos dessa ofensiva cultural na produção e no
consumo, cuja estratégia articulava questões políticas e econômicas com a emergência de um
novo modelo de domesticidade.
A articulação entre política de Estado e espaço doméstico continua em foco no
Capítulo 5. Inés Pérez explora a casa moderna como elemento central na retórica da
“democratização do bem -estar” que caracterizou os discursos políticos e sociais na Argentina
em meados do século XX. Nesses discursos, a noção de “conforto para o povo” e a ideia da
“liberação das donas de casa” tornaram-se elementos- chave para a construção da imagem de
uma “Nova Argentina”. A autora afirma que, em tal contexto, os eletrodomésticos ganharam
relevância no aumento dos níveis de consumo e na promoção de novos modos de vida,
adquirindo importância central na busca por distinção entre a classe média. Para Inés Pérez,
esse processo teve ressonância na visibilidade do trabalho doméstico de uma maneira
paradoxal: ao mesmo tempo em que a profissionalização das donas de casa se converteu em
um tópico recorrente em distintos espaços discursivos, a promoção do consumo desses novos
artefatos prometia a sua substituição. No decorrer do texto, a autora explora como os
eletrodomésticos se converteram em parte da vida cotidiana da classe média argentina, como
11
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[A4] Comentário: Esta data está
correta?
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19
INTRODUCCIÓN
La utilidad de esta ciencia, es sin embargo, excepcional; pues no hay persona, por
humilde que sea, rica o pobre, instruida o ignorante, célibe o casada, que no necesite
poner orden en su presupuesto casero y saber administrar sus recursos, de modo que
le alcancen para procurarse el mayor bienestar posible y para prevenir o remediar
una desgracia.4.
En las primeras décadas del siglo XX la problematización5 del hogar como ámbito de
intervención en y por las políticas sociales en la Argentina tuvo, en la disputa por la
conformación de un “orden doméstico”, una de sus expresiones fundamentales. Los discursos
que sistematizaban los saberes y las tareas consideradas como indispensables para alcanzar
2
Una primera versión de este trabajo fue presentada en ocasión de las XI Jornadas Nacionales de
Historia de las Mujeres y VI Congreso Iberoamericano de Estudios de Género realizado entre los días 20 y 22 de
Septiembre de 2012. Agradezco los amables comentarios de Inés Pérez y Elizabeth Hutchison. Este artículo está
parcialmente basado en el capítulo “El hogar como quehacer” correspondiente a la Tesis doctoral: “El hogar
como problema y como solución: Una mirada genealógica de la domesticidad a través de las políticas sociales.
Argentina 1890-1940” (Inédita). Formatado: Espanhol (Espanha-
3
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4
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expresamente para la Cía Sansinena de carnes congeladas. Buenos Aires: 1923, p. 14)
5 Formatado: Fonte: Não Negrito,
Entendemos por problematizar estudiar “por qué ciertas cosas (comportamientos, fenómenos, procesos) Itálico
se articulan como “problemas”, cómo son ligados o separados de otros problemas y las diversas formas
(condiciones y procesos) a través de los cuales esto sucede” (OSBORNE; ROSE, 1997, p. 97). Así la
identificación y construcción analítica de una problematización toma en cuenta “ciertos procedimientos técnicos
(como investigaciones, reportes, metodologías estadísticas, procedimientos de observación) que tornan los
objetos “visibles” (OSBORNE; ROSE, 1997, p. 98). Es decir un conjunto de técnicas y saberes que habilitan la
inteligibilidad y por ende la construcción de comportamientos, fenómenos, procesos, cualidades en problemas Formatado: Espanhol (Espanha-
válidos como objetos de pensamiento (y acción). internacional)
21
aquel orden circulaban bajo el rótulo de Economía o Ciencia Doméstica6 en distintos formatos
entre los que se destacaban exhaustivos manuales (LIERNUR, 1997; CALDO, 2009). Una
lectura atenta de estos textos nos permite observar cómo la consecución de exigentes
postulados sobre moral, higiene y economía era señalada como un requisito básico para la
existencia y reconocimiento de cualquier hogar que se preciara de serlo.
Este trabajo se detiene sobre el discurso de la llamada Economía Doméstica en tanto
expresa un conjunto de saberes expertos postulados para la constitución o reforma del hogar
cuyas huellas es posible rastrear en la trama de debates en que se formulan los diagnósticos y
propuestas sobre la “cuestión social” (DONZELOT, 2007; GRASSI, 2003; SURIANO, 2000).
La inscripción de los discursos de la Economía Doméstica en el debate acerca de los
problemas sociales permite describir los modos en que una cierta noción de domesticidad se
construye en el diagnóstico sobre las condiciones de vida y trabajo de la población, al tiempo
que orienta los sentidos de su reforma, contribuyendo así a la delimitación del hogar de la
“familia obrera” como ámbito de intervención estatal. En este sentido, la Economía
Doméstica forma parte de un corpus más amplio y heterogéneo de discursos a partir de los
cuales es posible identificar, desde una perspectiva genealógica, rasgos del proceso de
configuración de la domesticidad moderna (AGUILAR, 2012). [A6] Comentário: Não está nas
referências.
Entre los muchos consejos e instrucciones provistos por la Economía Doméstica para
alcanzar el anhelado “hogar ideal” abordamos aquí aquellos que involucraban un despliegue
de saberes y prácticas para su administración “material” o “económica”7 sostenida en una
disciplinada organización de las tareas, el espacio, el tiempo y los objetos. En particular, las
prescripciones relativas al correcto manejo de los recursos monetarios del hogar y su registro,
plasmadas en las instrucciones para la realización de la contabilidad doméstica y el
presupuesto familiar como herramientas que permitirían alcanzar una equilibrada distribución
de los recursos y gastos del hogar y, de este modo, lograr cubrir las necesidades de sus
habitantes.
6
Este conjunto de saberes es denominado en idioma español casi indistintamente como Economía
Doméstica, Artes del hogar, Ciencia del Hogar o Ciencia Doméstica (LIERNUR, 1997; NARI, 2004). Esta
última es la utilizada por Bassi en su trabajo aquí analizado. Ver BASSI, Angel. Gobierno, administración e Formatado: Fonte: Não Negrito,
higiene del hogar…, ob. cit. Los catálogos de las bibliotecas en las que la indagación fue realizada los ubican Itálico
bajo la etiqueta de “Economía Doméstica” (Biblioteca Nacional y Biblioteca del Congreso de la Nación) o
“Educación Doméstica”, “Economía Doméstica”, “Enseñanza Doméstica” y “Enseñanza de las Artes
Domésticas” (Biblioteca del Maestro). Sobre la disciplina y sus modos de nominación véase también (CALDO,
2012). A los efectos de este trabajo, utilizaremos “Economía Doméstica”. Formatado: Espanhol (Espanha-
7
Nos limitamos aquí a las prescripciones explícitas de la Economía Doméstica sobre la administración internacional)
del hogar. Claro está no fue este el único modo en que el hogar fue problematizado en términos económicos.
Para un desarrollo de la consideración económica del espacio doméstico desde la Economía Política y su Formatado: Espanhol (Espanha-
delimitación en tanto ámbito sustraído del mercado. Véase GARDINER (1999). internacional)
22
LA ECONOMÍA DOMÉSTICA
detallado decálogo de tareas, su distribución temporal, el modo en que debían ser llevadas a
cabo, y los sujetos responsables para su cumplimiento. El “gobierno del hogar” propuesto
como deseable era exhaustivo y comprendía tanto aquellas dimensiones morales como las
materiales que pudieran incidir sobre la vida de sus integrantes presentes y futuros.10. El
discurso científico, en particular aquel de matriz médica relacionado con la higiene y la
prevención de los contagios, constituía una fuente de legitimidad de esta expertise doméstica
(ARMUS, 2007; LIERNUR, 1997). En sus páginas se entretejían los consejos para definir la
orientación física de la vivienda en pos de garantizar su exposición al aire y la luz solar con
las técnicas más apropiadas para la potabilización del agua e instrucciones precisas sobre los
modos de tender la mesa, la conservación saludable de los alimentos, el adecuado lavado de
diferentes prendas, pasando por el cuidado de niños y enfermos; conocimientos básicos de
valores nutricionales e higiene y la promoción del ahorro a través del desarrollo de la
contabilidad hogareña y la correcta administración del salario.11.
Este heterogéneo conjunto de tareas era considerado una responsabilidad asignada
primordialmente a las mujeres de todas las edades, fueran o no madres. Tanto las llamadas
“dueñas de casa” como las integrantes del “servicio” (doméstico) eran destinatarias
privilegiadas de los floridos discursos que buscaban ordenar y optimizar sus labores
cotidianas. Sin embargo se ponía especial énfasis en la necesidad de capacitación en
“quehaceres” hogareños para las mujeres pobres y pertenecientes a los sectores obreros.12.
Ellas eran consideradas como una potencial fuente de mano de obra como personal de
servicio a cargo de los sectores acomodados y, al mismo tiempo, ideales garantes del
cumplimiento del orden doméstico en los hogares obreros como parte de sus deberes
femeninos y extensión de sus aptitudes “naturales” (NARI, 2004).
Para quienes ostentaban una buena posición económica, este saber doméstico
también se presentaba como indispensable. Además de conocer la materia para así dar
instrucciones precisas al personal de servicio a su cargo, ninguna dama estaba exenta de que
un cambio imprevisto de fortuna pudiera obligarla a ganarse el pan por sus propios medios.
En ese caso, el trabajo doméstico se presentaba como una opción digna ante una potencial
caída en desgracia y un conocimiento útil para adaptarse a las circunstancias de tener que
prescindir del personal y realizar sus “propias” tareas hogareñas. La tematización del riesgo Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
10
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11
BARRANTES MOLINA, Luis. Para mi hogar sintesis de economía y sociabilidad domésticas…, ob. Itálico
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12
GRIERSON, Cecilia. Educación técnica de la mujer: informe presentado al Sr. Ministro de Instrucción Itálico
Pública de la República Argentina. Buenos Aires: Biblioteca Nacional/Tipografía de la Penitenciaría Nacional, Formatado: Fonte: Não Negrito,
1902. Itálico
25
de la “caída en desgracia” está presente en los debates parlamentarios sobre la regulación del
trabajo femenino en general y “a domicilio por cuenta ajena”13 en particular.14. Este riesgo
tenía consecuencias diferenciadas por clase. Según se desprende de las intervenciones
legislativas que se oponían a su prohibición, para las mujeres de clase alta, la posibilidad del
trabajo a domicilio era una forma de preservación de la exposición pública de su cambio de
situación económica (pobre vergonzante). Para las mujeres de las clases trabajadoras la
ausencia del trabajo a domicilio suponía el riesgo de la caída en la prostitución ya que
obturaba una forma decente y aceptada de trabajo femenino en el ámbito privado (AGUILAR,
2012; BARRANCOS, 2000; LOBATO, 2007). [A7] Comentário: Não está nas
referências.
La Economía Doméstica traducía en orientaciones prácticas un conjunto de saberes
necesarios para la construcción del orden doméstico que era sostenido y legitimado
simultáneamente en afirmaciones sobre el progreso de la ciencia y la conservación de la moral
y las tradiciones ancestrales. Esta tensión entre tradición y modernización se hacía evidente a
la hora de problematizar el gobierno del hogar. A éste se le demandaba al mismo tiempo ser
dispositivo de modelación hacia el futuro y a la vez garantía de conservación de las raíces y
tradiciones en un mundo en vertiginosa transformación, en el contexto de un paisaje social
signado por el acelerado proceso de crecimiento demográfico e industrialización de las
primeras décadas del siglo XX, en definitiva, ser un “nido en la tempestad” de la
modernización (LIERNUR, 1997).
Las reflexiones y trabajos sobre la Economía Doméstica en Argentina no eran
indiferentes, como en tantas otras áreas temáticas, a los desarrollos producidos tanto en
Europa como en los Estados Unidos de Norteamérica. En el debate sobre los modelos más
apropiados a seguir en lo que se refería al estudio y la enseñanza de la Economía Doméstica
local circulaban menciones a variadas experiencias extranjeras y evaluaciones sobre la
factibilidad de su adecuación al contexto nacional (AGUILAR, 2013).15.
Este conjunto de saberes era parte del mínimum de instrucción obligatoria contenido
en el artículo 6 de la ley 1420 de educación común sancionada en 1884, y uno de los
contenidos básicos del examen para acceder al puesto de maestra según constaba en “Monitor
de la Educación” (CALDO, 2012, p. 175). Esta publicación contaba además entre sus páginas
con largas descripciones sobre las virtudes de las escuelas urbanas especializadas en New
13
Se denomina así al trabajo realizado en el propio domicilio por cuenta de terceros, quienes proveían la
materia prima y pagaban por pieza terminada. Las tareas más generalizadas eran la costura, confección de
zapatos y lavado. Formatado: Fonte: Não Negrito,
14
Ley 10.505, 1918. Itálico
15
GRIERSON, Cecilia. Educación técnica de la mujer…, ob. cit.; AMADEO, Tomás. La Redención por Formatado: Fonte: Não Negrito,
la mujer. Buenos Aires: Guillermo Kraft Ltda., 1947. Itálico
26
Cumpliendo el orden cada ser obtiene su propio bien y el de los demás. Del
desorden resultan la enfermedad, el dolor, la ruina económica y hasta la muerte de
una persona o de una nación.19.
particular para la realización de los primeros cálculos del “costo de vida” y la confección de
presupuestos familiares como forma de registro (GONZALEZ BOLLO, 1999; OTERO,
2011). La unidad de medición de los relevamientos realizados desde 1913, era la familia [A9] Comentário: Não está nas
referências.
obrera: su composición e ingresos, y los montos destinados a los alimentos, alquiler y ahorro
traducidos en “presupuestos obreros promedio” (GONZALEZ BOLLO, 1999, p. 37;
DANIEL, 2009). Basándose en esos presupuestos familiares y sólo unos pocos años antes de
la publicación de los manuales aquí considerados, en 1918, el Departamento Nacional del
Trabajo había publicado las primeras series de “oscilaciones anuales del costo de vida”
calculadas en el país.
Analizar las recomendaciones para la confección de una contabilidad hogareña
específica y para la realización casera de presupuestos adquiere relevancia si se los pone en
serie con una trama más amplia de registros escritos que pretendían delimitar las fronteras
materiales y simbólicas del hogar, sus cualidades y dinámicas cotidianas. Entendemos que es
posible señalar una significativa afinidad (de formas y contenidos) entre las técnicas
propuestas para alcanzar la inteligibilidad administrativa de “entrecasa”, de puertas adentro,
propuestas por la Economía Doméstica a través de la confección cotidiana de la contabilidad
por medio de los presupuestos familiares y la incipiente necesidad de cruzar las fronteras del
hogar, de estudiar, registrar lo que allí sucedía en términos económicos, postulada desde la
Estadística Estatal. Habría que esperar, sin embargo, hasta la década de 1930 para que el
registro cotidiano de los ingresos y gastos formara parte de las prácticas sistemáticas de
registro estatal en pos de comprender la relación entre salarios, costo de vida y sus efectos
sobre el mercado interno en conformación (GONZALEZ BOLLO, 2004).
El pobre de las ciudades es más pobre que el campesino, porque tiene más
necesidades, debiendo por lo mismo practicar con más diligencia el ahorro. En el
campo el ama de casa realiza su economía solo con su trabajo, pues sus necesidades
son sencillas y ella puede hacer todo lo que consume la familia. En la ciudad no basta
el trabajo sino que son necesarias también la instrucción y la habilidad. Gran parte de
la economía depende en la ciudad de la viveza con que se practican las compras.26.
situación económica del hogar y que, previa evaluación, impidiera la realización de gastos
superfluos en relación con los recursos disponibles buscando incorporar los hábitos del ahorro
y la previsión. La ordenada administración de los recursos conllevaba un aspecto moral
importante: la prudencia. Esta virtud, una vez alcanzada, permitiría gobernar los impulsos y
discernir entre lo útil y lo superfluo, entre la satisfacción inmediata del lujo y los placeres
satisfechos a costa de las necesidades del hogar; o la capacidad de posponer estas
satisfacciones para garantizar su armonía presente y futura.27.
Entonces una buena señora piensa en todas estas cosas y distribuye los recursos con
criterio de economía y previsión, de manera que siempre alcancen, o más bien que
sobren y ninguna necesidad quede desatendida, formulando para mejor proceder un
cálculo de entradas y un presupuesto de gastos, y llevando una sencilla
contabilidad.28.
Sin embargo, era la capacidad femenina para administrar el salario la que, según se
indicaba, garantizaría la supervivencia y el buen desarrollo del hogar.30. Así, de acuerdo con
las prescripciones de la Economía Doméstica, era deseable que el dinero fuera entregado a la
mujer de la casa pues era ella quien debía conocer al dedillo las reales necesidades cotidianas
y futuras de los suyos y por lo tanto velaría por su satisfacción del mejor modo posible. Para
ello, debían poseer ciertas cualidades:
27
De acuerdo con los textos trabajados, la satisfacción de los placeres e impulsos tiene una clara
diferenciación por género reiterada en variadas formulaciones: en el caso de las mujeres se centra en el derroche
en teatro, moda, vestidos y abalorios; en los varones el alcohol, las apuestas y el club. Formatado: Espanhol (Espanha-
28
BASSI, Angel. Gobierno, administración e higiene del hogar…, ob. cit., p. 8. internacional)
29
Ídem, p. 23. Formatado: Fonte: Não Negrito,
30 Itálico
Cabe destacar que las primeras mediciones regulares y oficiales de Costo de Vida (1918, 1933)
Señalaban la imposibilidad de los hogares de sostenerse con un solo salario o jornal. Se reconocía, no sin rodeos, Formatado: Fonte: Não Negrito,
la existencia del trabajo femenino extradoméstico e infantil que permitía el sustento de las familias obreras Itálico
(unidad sobre la cual se efectuaba la medición). Ver Instrucciones para realizar la investigación del costo de la Formatado: Espanhol (Espanha-
vida de la población obrera de la Capital Federal. Argentina: Departamento Nacional del Trabajo, 1933. internacional)
31
Las mujeres trabajadoras, vigilantes, económicas, modestas son las que impulsan
enérgicamente a sus hogares hacia el progreso moral y material; ellas saben mejor
que los hombres, en qué y cómo deben ser empleados en la casa el dinero y tiempo;
esas mujeres son verdaderos ministros de hacienda de la familia.31 .
La Economía (…) es la cualidad por excelencia de las mujeres; ella sola atrae muy
pronto todas las otras cualidades que forman el hechizo en el interior del hogar. La
mujer sabiamente económica y que conoce lo que vale el dinero, sabiendo, por
consiguiente, gastarlo cuando le conviene, es una mujer de orden, que equilibra los
gastos con los ingresos, que sabe colocarse al abrigo de la pobreza y que todavía
tiene los días de fiesta alguna sorpresa agradable que dar a su familia.32.
31
BASSI, Angel. Gobierno, administración e higiene del hogar…, ob. cit., p. 100. Formatado: Fonte: Não Negrito,
32
BARRANTES MOLINA, Luis. Para mi hogar sintesis de economía y sociabilidad domésticas…, ob. Itálico
cit., p. 288. Formatado: Fonte: Não Negrito,
33
Para un análisis de la interpelación a las amas de casa en su rol de consumidoras a través de los medios Itálico
de prensa y la publicidad radiofónica véase TRAVERSA (1997) y ROCCHI (2000). Para el análisis de los
modos en que la Economía Doméstica deviene en “Ciencias del consumo” en el contexto de los EEUU véase
STAGE y VICENTI (1997). Formatado: Espanhol (Espanha-
34
BARRANTES MOLINA, Luis. Para mi hogar sintesis de economía y sociabilidad domésticas…, ob. internacional)
cit., p. 293.
35
BASSI, Angel. Gobierno, administración e higiene del hogar…, ob. cit.
36
BASSI, Angel. Gobierno, administración e higiene del hogar…, ob. cit., p. 48.
32
Una madre no dará nunca dinero a su hija antes de haber recibido la nota de cómo la
niña ha gastado la suma anterior. Esa pequeña contabilidad que le hace llevar a su
hija la acostumbrará a llevar libros más serios e indispensables después.38.
37
Recordamos sobre este punto, los argumentos de Alejandro Bunge bregando por la construcción del
“sentido económico de la mujer” en el que incluía la toma de decisiones en las compras (AGUILAR, 2012;
NARI, 2004). Ver BUNGE, Alejandro. Formación del sentido económico de la Mujer. En BUNGE, Alejandro
La economía Argentina Vol. I La conciencia Nacional y el problema económico. Buenos Aires: Agencia
General de Librerías y Publicaciones, 1928. Formatado: Espanhol (Espanha-
38
BARRANTES MOLINA, Luis. Para mi hogar sintesis de economía y sociabilidad domésticas…, ob. internacional)
cit., p. 303.
39
Podría relacionarse la importancia que se asigna a este registro minucioso de las entradas y salidas del
hogar con un diario en el que se refleja su intimidad. En este sentido, cabe recordar los argumentos de ARIÉS en
la introducción a la Historia de la vida privada (1991) que vincula la confección de los diarios íntimos con el Formatado: Espanhol (Espanha-
surgimiento de la reflexividad moderna. internacional)
33
Una buena ama de casa debe establecer su presupuesto procurando que quede
siempre un excedente de sus entradas sobre sus gastos para hacer frente a las
necesidades imprevistas; y si ese ahorro no le es posible, debe procurar al menos que
nunca se altere el equilibrio entre el dinero que entra y sale de la casa.40 .
40
BARRANTES MOLINA, Luis. Para mi hogar sintesis de economía y sociabilidad domésticas…, ob. cit., p. Formatado: Fonte: Não Negrito,
292. Itálico
34
los ingresos y consumos, un examen resumido de las actividades del hogar, traducido a la
forma del presupuesto como herramienta de planificación, evaluación y control. Éste debía
comprender “el cálculo de recursos, de gastos y de ahorros”.41. De acuerdo con Barrantes, la
confección del “presupuesto casero” tenía tres pasos fundamentales:
1. Clasificar las categorías de las diversas entradas y sumarlas 2. Hacer una lista de
los diferentes grupos de gastos 3. Repartir la suma de las entradas entre los
diferentes capítulos de los gastos. Esta última tarea consiste en cálculos que solo la
experiencia permite hacer con exactitud.42.
Una mirada a los presupuestos utilizados como ilustración en el manual Bassi nos
permite observar los rubros más usuales indicados para el registro de la economía hogareña de
familias de distinta composición y con ingresos dispares (Figura 1). Según aclara el autor,
estos ejemplos no debían ser tomados
como absolutos, por cuanto unos en ciertos casos estarán de más y otros faltarán, en
virtud de que los presupuestos varían según los recursos, el número de miembros de
que se componen la familia, la posición social que ocupa y los hábitos de vida, ya
sean éstos de frugalidad y sencillez o de regalo y bienestar.43 .
Esta observación es interesante ya que nos advierte del carácter variable en términos
sociales e históricos de aquellos gastos plausibles de ser considerados como imprescindibles y
los modos de satisfacción de las necesidades reconocidas socialmente como tales. Algo
similar plantea Barrantes cuando afirma que “las necesidades humanas son múltiples y varían
según el grado de cultura o de moralidad de una persona”.44. Señala entonces la existencia de
necesidades legítimas correspondientes a tres órdenes de la vida: moral, intelectual y material.
Estas necesidades poseían una jerarquía entre sí, por cuanto “El orden impone al ama de casa
la obligación de satisfacer las necesidades indispensables para la vida antes que la secundarias
que pueden suprimirse y antes que los refinamientos superfluos”.45.
De acuerdo con los proyectos teóricos propuestos por Bassi a modo de ejemplo,
mientras que el presupuesto teórico de la familia de mayores ingresos quintuplica el propuesto
para el caso de la “familia obrera” (un ingreso estimado de 500 pesos para la primera y de 100
pesos mensuales para la última), cabe destacar en este último ciertas aclaraciones dispuestas
entre paréntesis junto al renglón presupuestario correspondiente, que establecen la cualidad de
“mínimos” en aquellos rubros considerados como “extra” a las necesidades de alimentación,
vestido y vivienda, y por lo tanto, prescindibles. Entran en esta recomendación de “mínimos”
la recreación y el mobiliario. En este señalamiento también se evidencia una jerarquización
(moral) de las necesidades para la “familia obrera”.
También se puede observar en los presupuestos de menores ingresos la realización en
el ámbito del hogar del lavado y la ausencia de servicio doméstico, como elementos clave de
la diferenciación por clases sociales de la realización de los quehaceres domésticos. Un
elemento importante de diferenciación en la capacidad de consumo se hace evidente en las
características de la vivienda considerada. Mientras que en los presupuestos I y II de la Figura
1 se estimaba el alquiler de una vivienda que no debía exceder el 20 % del total de los
ingresos familiares, en el caso del presupuesto III, ese 20% alcanzaba únicamente a afrontar el
alquiler de una única pieza de conventillo para una familia de cuatro miembros. En todos los
36
casos se sugería la reserva de dinero para “eventuales” (tal es la categoría utilizada para los
gastos imprevistos) y montos específicos para previsión y ahorro.
En la Figura 2 puede observarse un ejemplo de “libro diario”. Según se consigna, es el
“libro diario correspondiente a la semana de una familia obrera con tres hijitos cuyo jefe percibe
cada sábado el importe de sus jornales”.46. Este registro del movimiento cotidiano del dinero del
hogar “en el papel” nos brinda algunos aspectos interesantes sobre la distribución hipotética de
los recursos y gastos que plantea el autor para una familia de ingresos modestos. Los gastos más
importantes son los destinados a la alimentación y el alquiler (en este caso semanal). Entre los
gastos cotidianos se presentan la compostura de zapatos y arreglo del sofá, lo que permite
observar cierto cuidado de los objetos y aprovechamiento de los existentes (máximas clave de la
Economía Doméstica). También figura el pago a una sociedad de socorros mutuos como forma
de previsión. Se destaca atención la inclusión de la “compra de un periódico”, clasificada luego
en el libro mayor como “vida intelectual”.
FUENTE: BASSI, Angel. Gobierno, administración e higiene del hogar…, ob. cit., p. 25-26. Formatado: Fonte: Não Negrito
Formatado: Fonte: Não Negrito,
Italiano (Itália)
El único ingreso que surge de la Figura 2 es el jornal del esposo, quien además tiene
Formatado: Fonte: Não Negrito,
un monto separado para sus gastos personales. Este otorgamiento de un dinero registrado Itálico
Formatado: Fonte: Não Negrito
como “gastos menores del esposo” se propone como solución ante la dificultad de lograr que
Formatado: Fonte: Não Negrito,
Espanhol (Espanha- internacional)
el marido “anote” cada uno de sus gastos y entonces perder control de ese dinero en la suma
total. Es sugerido en ambos textos consultados. Por contraste, es notoria la ausencia de los
gastos de la esposa, abnegada administradora de las necesidades de los demás (CALDO,
2012). La vivienda ocupa un lugar importante en los presupuestos domésticos sugeridos. En
este caso, el pago en mensualidades de un terreno nos presenta la expectativa de abandonar la
pieza de conventillo que figura en el rubro habitación. La compra en cuotas de lotes alejados
del centro de la ciudad, constituía una apuesta a mediano plazo, habilitada por la extensión de
las líneas de tranvía (SCOBIE, 1986) único medio de transporte que figura en el registro [A11] Comentário: Não está nas
referências.
cotidiano de los gastos presentados (AGUILAR, 2012). [A12] Comentário: Idem.
Estos gastos diarios eran luego incluidos en una planilla de resumen semanal o libro
“mayor” (Figura 3) que agrupaba los rubros y permitía evaluar el egreso del mes agregado por
cada uno de ellos. Cabe destacar que los presupuestos de todos los niveles de ingreso
contenían un renglón específico para la beneficencia. Según indicaba Bassi, no podía “faltar
ni en el presupuesto más humilde. Si el que tiene salud y trabajo es pobre, con toda seguridad
habrá otros que lo son mucho más y que están necesitados de socorros urgentes”.47. Coincidía
Barrantes en la necesidad de destinar parte de los ingresos a la caridad al señalar que:
Una parte de las economías debe ser destinada a socorrer a los necesitados, no
solamente por razones de conciencia y humanidad, sino por motivos económicos. La
utilidad así lo aconseja pues la caridad social evita los delitos y las agitaciones
sociales que arruinan las familias burguesas y rentistas.48.
3º Fichas de la biblioteca
A - Poesía, Moral y Educación.
B - Medicina, Higiene y Economía Doméstica.
C - Historia Novelas y Lecturas recreativas para los niños.
D - Referencias sobre libros que interesa leer o comprar.
39
5º Sugestiones útiles
A - Sobre los niños.
B - Sobre el tocador y conservación de la ropa.
C - Sobre el jardín y las flores.
D - Sobre diversiones.
6° Fichas financieras
A - Impuestos.
B - Inventario de títulos.
C - Cuentas con el Banco.
D - Artículos a recibir.
E - Artículos a pagar.
F - Inventario general.
Consideradas desde una perspectiva que analiza las técnicas y tácticas de gobierno,
entendido como “conducción de las conductas” a través de relaciones de poder y saber, la
confección de estas planillas de registro cotidiano puede comprenderse como una técnica de
orientación hacia la reflexividad de las prácticas económicas, es decir, la construcción de una
pauta de conducta a través de un ejercicio que ingrese la prudente evaluación de necesidades y
gastos, el cálculo racional, en la rutina cotidiana (FOUCAULT, 1982). Así, quien lleva un [A13] Comentário: Não está nas
referências.
registro minucioso:
49
BARRANTES MOLINA, Luis. Para mi hogar sintesis de economía y sociabilidad domésticas…,
ob. cit., p. 294.
40
[La contabilidad] hace pensar sobre el asunto y así incita a economizar, a formar el
hábito del ahorro, cuyo hábito constituye una de las más apreciables conquistas que
pueden hacerse, puesto que por medio del trabajo y del ahorro no es difícil labrarse
un bienestar financiero, tal vez una fortuna y con esto, llevar días más felices y
placenteros que cuando asedia la estrechez, la pobreza o la miseria por todos
lados.51.
Cuando hay orden en los gastos, tanto las familias ricas como las pobres pueden
considerarse prósperas con tal de que éstas tengan trabajo remunerado. Las familias
de obreros dedicadas al trabajo manual están en condición favorable cuando tienen
ocupación conveniente y estable un salario suficiente para mejorar gradualmente su
estado.52.
Los flujos monetarios del hogar, no debían pasar desapercibidos, se esperaba que
dejaran huella, fuera ésta visible para sus miembros o para quienes potencialmente necesitaran
observarlo53. El gobierno del hogar reposaba, una vez más, sobre los detalles, las nimiedades,
los centavos. Tal como se ejemplifica en el libro diario: un lápiz, carreteles de hilo o carbón
para la cocina, todos son gastos registrables. La capacidad para distinguir entre lo útil y lo
superfluo es fundamental en este ejercicio reflexivo económico y a la vez moral.
Cada vez que sienta la necesidad o el deseo de hacer un gasto, una compra, piénsese,
medítese, consúltese ¿es indispensable esto, es útil, es superfluo? Si lo primero, no
vacilar en hacerla; si lo segundo, tampoco, cuando se vea que la utilidad es
rendidora y hay dinero sobrante; si lo tercero, sólo cuando la situación pecuniaria
sea desahogada.54.
50
BASSI, Angel. Gobierno, administración e higiene del hogar…, ob. cit., p. 44.
51
Ídem, p. 18.
52
BARRANTES MOLINA, Luis. Para mi hogar sintesis de economía y sociabilidad domésticas…,
ob. cit., p. 18.
53
La recomendación acerca de la confección de un presupuesto doméstico está presente también en las
indicaciones para la “Encuesta social” indicada durante los años 30 a las Asistentes de Higiene por el Dr.
Germinal Rodriguez, entre otros. Ver RODRIGUEZ, Germinal. Servicio Social: Principios generales de
Asistencia social. Buenos Aires: Editorial Universitaria, 1952. Formatado: Espanhol (Espanha-
54
BASSI, Angel. Gobierno, administración e higiene del hogar…, ob. cit., p. 32. internacional)
41
55
C Ídem, p. 46.
56
El trabajo con pago de salario diario o intermitente constituye una verdadera preocupación en la
formulación de estos discursos sobre la Economía Doméstica. La administración ideal presupone un salario
mensual, pagado en fecha, que permitiría comprar en cantidad los alimentos logrando mejores precios, disponer
un monto para el ahorro y pagar en mensualidades los bienes durables cuando no fuera posible adquirirlos en Formatado: Espanhol (Espanha-
efectivo. internacional)
42
forman los pesos, la moneda menuda de las pequeñas economías acumuladas forman
un capital.57.
57
Ídem, p. 99.
58
Ídem, p. 29.
59
En el texto de Bassi se sugieren algunos “medios de previsión contra el infortunio” Estos son: la
vivienda propia, la caja de ahorros, los títulos de renta, el dinero sobre hipoteca, las sociedades mutuas de
pensiones, el seguro de vida y los seguros contra accidentes de trabajo. Ídem, p. 47-54.
43
CONSIDERACIONES FINALES
enumeraciones, las ilustraciones escogidas. Esta mirada sobre las formas enriqueció la lectura y
nos llevó a prestar especial atención sobre la contabilidad doméstica sus consejos para la
traducción y disposición a doble columna de los movimientos monetarios cotidianos, y al
presupuesto como técnica de registro, evaluación y control. Al mismo tiempo, permitió establecer
afinidades con otras expresiones de la forma “presupuesto”, del registro escrito de los flujos
económicos del hogar, postulada desde otros discursos que también contribuyeron a delimitar el
hogar, sus fronteras materiales y simbólicas, y a construir conocimiento sobre sus cualidades
específicas, tales como las promovidas por las incipientes mediciones del Costo de Vida.
Fue posible sugerir entonces puntos de contacto entre el presupuesto teórico
propuesto por la Economía Doméstica y las grillas de inteligibilidad económica de la familia
obrera promovida por las técnicas de medición estatal. Esta puesta en serie permitió observar
en distintas escalas el hogar como objeto de observación y reforma. Una línea analítica que se
va trazando desde la prescripción sobre la importancia del registro cotidiano interno al hogar,
a la medición de sus aportes a la Economía Nacional en construcción. Ambas instancias,
forman parte de un conjunto de saberes expertos (La Economía Doméstica y la Estadística o
la Economía – a secas) que confluyen en la configuración de la inteligibilidad del hogar como
unidad económica.
La reflexividad en las conductas promovida por la Contabilidad Doméstica, la
prudencia y el ahorro destacadas como virtudes fundamentales, ponen de manifiesto también
la estrecha relación entre administración económica y administración moral que se
entrecruzan en la figura del “hogar bien gobernado” como núcleo de una domesticidad
deseable. Este aspecto también se puede observar en la jerarquización de la satisfacción de las
necesidades y la posibilidad de discernir entre lo útil y lo superfluo. En este sentido, los
presupuestos, distribuidos por rangos de ingreso dan cuenta de una diferenciación por clase de
los gastos, las prioridades y también de la división sexual del trabajo en la resolución de las
tareas cotidianas relativas a la reproducción.
Es posible entender entonces el presupuesto como una delimitación cuantitativa y
cualitativa del hogar en tanto potencial objeto de reforma. Una huella textual de la búsqueda por
alcanzar el orden doméstico de espacios, tiempos y tareas que traduce en una lista de ingresos,
egresos y ahorro dibujada a dos columnas, las condiciones de vida de las familias obreras. Eran
justamente esas condiciones de vida, su registro y su reforma lo que estaba en juego.
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HISTORIA, XIV, 2013. Mendoza: … [A14] Comentário: Por qual meio foi
publicado o objeto? Anais, resumos do
evento...? Está faltando informação aqui
AGUILAR, Paula Lucía______. El hogar como problema y como solución: una mirada que deve ser preenchida de acordo com a
genealógica de la domesticidad a través de las políticas sociales. Argentina 1890-1940. (2014) norma ABNT para “Trabalho apresentado
em evento científico”, como parece ser
En prensa. Buenos Aires: Ediciones del Centro Cultural de la Cooperación Floreal Gorini, este o caso.
2014.. Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
[A15] Comentário: “En prensa” quer
AGUILAR, Paula Lucía. Un home para las pampas: la construcción del hogar como objeto de dizer “no prelo/não publicado”? Se sim,
por que em seguida consta cidade e
expertise y sus itinerarios. XIV JORNADAS INTERESCUELAS DE HISTORIA. Mendoza: editora de publicação? Verificar se não
2013. falta nenhuma informação.
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Paula Caldo
INTRODUCCIÓN
varones como por mujeres, y supervisados y generados también por ambos (NARI, 2004,;
1995).
Por tanto, en el presente artículo nos detendremos en la construcción de dichos
saberes, y más específicamente en una arista de la misma: el proceso de feminización de la
transmisión del saber culinario en un recorte temporal y espacial particular: Argentina entre
1880 y 1945. Vale aclarar que, por ser ésta una pesquisa anclada en la historia cultural, tanto
la delimitación del tiempo como del espacio poseen demarcaciones fluctuantes y
aproximativas (BARRÁN, 2008). Es decir, estudiar procesos de transmisión y difusión de
saberes implica el abordaje de un objeto que se resiste a quedar anclado en un recorte
específico. Los sentidos circulan más allá de sus momentos puntuales de producción y de los
espacios en los que se amarran los problemas.
A fin de dar forma a esta propuesta, nos posicionamos desde una perspectiva
historiográfica erigida en el punto de intersección entre la ya mencionada historia cultural
(SERNA; y PONS, 2005), la historia de las mujeres y los estudios de género (SMITH, 1998;
BUTLER, 2001; BARRANCOS, 2001) y la historia de la alimentación (MONTANARI,
2004; CALDO, 2009). Mientras que la primera aporta las claves de análisis para interpretar
textos escritos, prácticas, efectos performativos y consumos, la segunda nos permite historiar
la agencia de las mujeres en los procesos socio-históricos, como así también la
performatividad del género, y la última brinda claves para interpretar a la cocina y a la
alimentación como prácticas culturales y situadas. La amalgama teórica invita a pensar que
enseñar o aprender a cocinar, lejos de ser prácticas ingenuas y recurrentes, cargan una
semántica con connotaciones políticas y de género.
A partir de este enfoque, el contenido de estas páginas se organiza en tres secciones.
La primera, presenta una aproximación general al problema, destacando conceptos e hipótesis
motivadoras. La segunda, se detiene en la experiencia de las primeras autoras de recetarios de
cocina. En este espacio demostraremos cómo el saber culinario va modelándose en un entre
mujeres donde el saber cocinar se negocia con el saber escribir (MARCUS, 2009). El
resultado será la producción de libros impresos que aspiran no tanto a educar a la mujer, sino
a realizar una etnografía de las formas de comer. Finalmente, la tercera sección avanza en el
tiempo para presentar la figura de la ecónoma como autora y experta en la culinaria. Estas
mujeres asumieron el oficio de generar saber culinario, de cocinar y, además, de transmitirlo a
sus congéneres, tanto en actos presenciales como mediante la escritura. Lo hicieron en el
marco de un trabajo y valiéndose de las condiciones de posibilidad brindadas por la sociedad
50
del consumo. El cierre estará marcado por una reflexión en torno a la cocina como saber
femenino.
Como arte de hacer, la cocina demanda poner “las manos en la masa”. Sin el gesto
práctico, el trabajo se obtura y pierde sentido. La práctica otorga un saber que forma a sus
hacedoras y las vuelve entendidas en él. Quien hace no es ingenua, sabe lo que hace y el
termómetro de ese hacer está marcado por la intervención de sus manos (SENNETT, 2008).
Empero, las manos que cocinan están generizadas. En el mismo recetario de Gorriti, la limeña
Rosa Riglos de Orbegoso, al presentar la receta del Lomito criollo, se encarga de tal mención:
La sinécdoque que destaca las manos de mujer como figura alusiva a la mujer
cocinera y garante de la calidad culinaria está fundada en teorías que enraízan en la feminidad
el carácter de mujer nutriente y ama de casa. De tal forma, la buena cocina tiene que tener
manos de mujer con la sensibilidad y la pericia que se identifica con ellas.
Hasta aquí venimos delimitando el perfil asignado al saber culinario, doméstico y
femenino. Ejercicio que demanda introducir algunas notas sobre el concepto de conocimiento.
Optamos por citar a Norbert Elias (1997), quien entiende por conocimiento al conjunto de
significados construidos para distinguir símbolos que sirven para la orientación social. Esta
noción acentúa el carácter práctico y social del conocimiento, situándolo como un conjunto de
herramientas útiles para sobrellevar la vida diaria. Entonces, cada grupo genera su propio
arsenal de conocimientos para resolver los dramas del mundo que lo rodea y, en esta clave, la
cocina cotidiana adquiere especificidad. Como conocimiento, la culinaria aporta los medios
de orientación para responder a los qué, cómo, cuándo y dónde alimentarse; respuestas nada
menores en tanto involucran la preservación directa de la vida (FISCHLER, 1995).
Ahora bien, los humanos somos los únicos seres vivos que cocinamos lo que
comemos y también tenemos la exclusividad en cuanto a comer selectivamente: en
determinados lugares y tiempos, asociando horas y alimentos y empleando determinadas
formalidades. El saber culinario asume la sistematización y transmisión de estas cuestiones y,
al avanzar el siglo XX, las mujeres fueron ubicándose como las autoras y transmisoras de las
mismas bajo el rótulo de experta en Economía Doméstica o ecónoma. No obstante, este
proceso no fue lineal ni espontáneo y estuvo envuelto en las condiciones de posibilidad
61
Ídem, p. 239. Formatado: Português (Brasil)
52
generadas por los clivajes propios de las prácticas de consumo. La paulatina transición de la
sociedad con consumo a la de consumo, estipuló no solo un modo particular de relacionarse
con el mercado sino que, además, modeló sensibilidades. En este escenario, en el cual
consumir resulta una necesidad vital, los varones y las mujeres adquirieron modos de ser
específicos (ROCCHI, 1999). Alrededor de estas cuestiones trazamos una serie de hipótesis
que estimamos valederas para el caso argentino.
El planteo principal sostiene que el saber culinario de factura femenina, lejos de toda
inocencia, aspiró a configurar un dispositivo de disciplinamiento, control y educación
destinado al público femenino. Entre 1880 y 1945, mientras que las prácticas, contenidos y
formas de la cocina variaron, el sitio de las mujeres en el hogar fue perfeccionándose en
relación con la domesticidad, el cuidado de la familia y el lugar de ángel del hogar
(MASIELLO, 1989; CANTERO ROSALES, 2007). Se procuró moldear a una mujer que, al [A18] Comentário: Não está nas
referências.
alimentar a su prole, también le proveyera valores, rituales, pautas de conducta y maneras de
ser.
Esta hipótesis general, cuya validez se prolonga en la extensión de nuestro planteo,
conlleva dos hipótesis secundarias. La primera indica que, para escribir las prácticas
culinarias, las autoras debían conocer las técnicas de la lecto-escritura. Esto provocó que,
entre 1880 y 1920, las primeras interesadas no fuesen cocineras sino señoras letradas y, por
supuesto, dotadas de recursos económicos para solventar el costo de las publicaciones. Ellas,
en un trabajo de colaboración con las cocineras de oficio, compilaron y publicaron sus libros.
Recetarios estos que, sin apuntar abiertamente a la consolidación de una mujer ama de casa,
eran el registro etnográfico de la cultura alimentaria de una época. Precisamente, estos libros
comenzaron a circular en un terreno aledaño mas no igual al de la Economía Doméstica,
disciplina que en aquel entonces sí bregaba por la educación de la mujer como responsable del
hogar (CALDO, 2012). Pero el proceso de feminización de la escritura culinaria
inexorablemente inscribió a las mujeres en el registro de una gramática culinaria que no
podía sustraerse del universo del hogar. Aunque en la práctica concreta no cocinaran, en el
plano discursivo las señoras eran dueñas de casa y, como tales, contribuyeron a la
transformación de los quehaceres domésticos en un saber específico que les permitió transitar,
desde una arista políticamente correcta, el universo de las publicaciones editoriales y, desde
allí, direccionar el deber ser femenino.
Si los primeros recetarios de cocina fueron escritos por señoras sibaritas, viajeras y
casi etnógrafas, legitimadas como amas de casa, el siglo XX vendría a imprimir cambios en el
perfil de las autoras. Es por ello que nuestra segunda hipótesis afirma que, en la década de
53
1930, se renovó ese rol de autora dando lugar a la experta en cocina. Se trata de mujeres que
irrumpieron en la escena pública como profesionales, como transmisoras, pero también como
trabajadoras remuneradas en el rubro de la cocina. Acompañando el proceso, la cocina se
transformó en el eje de la Economía Doméstica. Al llegar la década de 1940, las mujeres
cocineras pasaron a ser los ángeles del hogar, guardianas y puntales morales y simbólicos de
las familias.
Así, estudiar el proceso de feminización de la escritura del saber culinario doméstico
y cotidiano amerita la ponderación de dos momentos. El primero nos enfrenta con las
escritoras de recetarios de cocina clásicos (1890-1920). Éstas, más que cocineras, fueron
mujeres letradas escribiendo la cocina como una práctica cultural y no tanto como una
prescripción propia de la Economía Doméstica. En todo caso, la fuerza performativa del
género gravitó en el tema elegido. Ellas se colocaron bajo la luz pública escribiendo
recetarios, un saber que a todas luces parecía anidar en las artes de hacer y, por ende, en las
manos femeninas. El contenido de los libros fue producto de un trabajo coral y de conjunto,
entre mujeres que se dieron a conocer a partir de un tema, quizás no practicado pero sí
aceptado socialmente como femenino: la cocina. Un tópico de escritura en el cual se
continuaron reproduciendo diferencias de clase a partir del control escrito del saber culinario.
En cambio, el segundo momento se distingue fundamentalmente por la intervención
del mercado y sus consecuentes estrategias publicitarias. Si las otrora autoras fueron damas de
los sectores acomodados de la sociedad, capaces de escribir pero no necesariamente de
cocinar, las nuevas se legitimaron gracias a su saber hacer en la cocina. Así, las empresas de
productos alimenticios y las editoriales contaron con la colaboración rentada de especialistas
en Economía Doméstica que, en realidad, eran cocineras. Desde la prensa gráfica a los
folletos de marcas, y desde estos a los recetarios de autora: fue el trayecto recorrido por la
cocina industrial y comercial en Argentina (GOODY, 1995). A partir del estudio de los
citados soportes textuales, exponemos cómo el mercado, valiéndose de sus estrategias
publicitarias, capitalizó el saber culinario en beneficio del fomento del consumo y, para ello,
desplegó un discurso que, amparado en la idea de superación cognitiva femenina en materia
de saberes para el cuidado del hogar, insistía en hacer coincidir a la mujer consumidora con la
madre doméstica, ama de casa y cocinera. Se reforzaba así una construcción muy férrea del
sitio de lo femenino, donde la lógica del mercado operaba en beneficio de una inclusión
excluyente de las mujeres en el espacio público (BARRANCOS, 2001).
Escribir recetarios de cocina y cocinar a partir de ellos constituyen prácticas que, de
una u otra manera, se vinculan con los actos de consumo. Comprar el recetario y los
54
ingredientes son gestos que anteceden a las prácticas culinarias aquí tratadas. El largo plazo
que recorre nuestro estudio lleva en su interior el pasaje de la sociedad con consumo a la de
consumo. En la bisagra de los siglos XIX y XX, si bien los varones y las mujeres consumían,
el acto de comprar no era eje de las prácticas y de sus vidas; en cambio, el devenir del siglo
XX, marcado por crisis y reestructuraciones del mercado capitalista, hará del acto de comprar
el motor de las prácticas sociales. Así, en la sociedad de consumo comprar supondrá una
obligación que tematiza la vida, y las mujeres ocuparán un lugar relevante en tal proceso
(ROCCHI, 1999).
Al menos para el caso argentino, los primeros recetarios de cocina escritos por
mujeres datan de fines del siglo XIX. Quizás esta afirmación deje fuera a otros que, por ser
libros que transmiten artes de hacer (GIARD, 2006), fueron fagocitados por la dinámica de las
prácticas. Conservados en las cocinas, utilizados para guiar acciones pero también como
portadores de un saber estimado menor, no fueron sometidos a los mismos rituales de
conservación que la bibliografía meritoria de biblioteca (CHARTIER, 1994).
La primera mención a un recetario de cocina escrito por una mujer puede encontrarse
en el Anuario Bibliográfico de la República Argentina. Esta publicación, referida a un período
extendido entre los años 1879 y 1897, tuvo por cometido registrar “año a año, el número de
casas impresoras, los géneros que editaban y las características de un mercado de impresiones
en el que predominó un sistema por suscripción” (DE SAGASTIZÁBAL, 2002, p. 20). En el
volumen correspondiente al año 1881 es mencionado el Almanaque de la cocinera argentina.
Dicho almanaque reunía trescientas recetas celosamente custodiadas por quien ofició de
autora, “la Sra. Pueyrredón de Pelliza”. Corpus que, en el año 1880, el propietario de la
Librería de Mayo, Carlos Casavalle, publicó, con la anuencia de las herederas, en forma de
almanaque. Dice Navarro Viola:
Es una curiosidad. Contiene más de 300 recetas culinarias de platos del país o
modificados, por lo menos, según nuestras costumbres y preferencias. El Sr.
Casavalle consiguió a fuerza de empeños copia del manuscrito de recetas que
publica en forma de almanaque, debido a la pluma de la señora Pueyrredón de
Pelliza y conservado por una de sus hijas como precioso recuerdo de familia.62.
63
Susana Torres de Castex (1866-1937) nació en la ciudad de Buenos Aires, hija de Gregorio Torres y
Joaquina Arana. Fue una dama de la sociabilidad de la ciudad de Buenos Aires, cuyas prácticas eran
extravagantes. Poco afecta a participar en sociedades de beneficencia, llevó una vida sibarita y viajera. Editó las
recetas que ella misma cocinaba. Su casona porteña se destacó por tener una cocina moderna y luminosa donde
ensayaba sus recetas. La identidad de Teófila fue revelada por una de sus hijas en 1940, cuando donó los
derechos de autor de su madre a una institución benéfica. La editorial que asumió el trabajo fue Jacobo Peuser Formatado: Espanhol (Espanha-
(Buenos Aires). internacional)
56
recetario curativo doméstico (1914), por Marta (Mercedes Cullen de Aldao) 65. Con nombre
propio o acudiendo a seudónimos (BATTICUORE, 2005), estas damas emprendieron un
trabajo de escritura y publicación del saber culinario cuyo contenido, lejos de derivar de la
experiencia personal como amas de casa, resultó ser producto de un ejercicio de compilación
de recetas de cocina. Ellas, provenientes de los sectores encumbrados del país, utilizaron los
atractivos de la temática culinaria como un atajo para adentrarse en el mercado editorial y de
ese modo obtener recursos, ya sea para la subsistencia personal (caso de Gorriti), para la
beneficencia (Cullen de Aldao) o como deleite personal (Torres de Castex). De esta forma, la
cocina operó en estas vidas femeninas como un elemento de la cultura general y no como un
saber directo y alusivo a los quehaceres del ama de casa. En general, ellas fueron
compiladoras del saber culinario mas no cocineras. Para publicar sus libros debieron negociar,
por un lado, en el mundo editorial (fundamentalmente masculino), y, por otro, en el propio de
las mujeres cocineras (fuentes del saber culinario). El resultado fue un conjunto de libros de
cocina escritos desde la mesa, desde el comedor, con los valores, gustos y formas de la cultura
dominante y bajo la supervisión de alguna experta en el oficio.
Más allá de las diferencias biográficas que singularizan a nuestras tres mujeres, la
escritura de esta cocina en particular es hojaldrada, escondiendo entre sus capas diferentes
voces (propias, ajenas, robadas, prestadas, etc.). Como ya dijimos, estos libros formaron parte
de los primeros de autoría femenina destinados a poner por escrito un conjunto de prácticas
que hasta entonces anidaban en la plena oralidad e incluso en la mera acción. De hecho,
muchas de estas recetas serán listados de ingredientes con escasas alusiones a los
procedimientos que, por residir en el hacer, dificultaban su puesta en relato (ONG, 1997).
64
Juana Manuela Gorriti (1816-1892), oriunda de Salta e hija de José Ignacio Gorriti y María Feliciana
Zuviría. Escritora y fundadora de una de las primeras escuelas de señoritas en Lima. Anfitriona de tertulias
literarias. Casi al final de su vida decidió editar el libro, principalmente para obtener dinero que le permita
sobrevivir, pero también para competir con una colega española, Emilia de Pardo Bazán. La editorial que llevó a
cabo la propuesta fue Librería Mayo de Carlos Casavalle (Buenos Aires). Formatado: Espanhol (Espanha-
65
Mercedes Cullen de Aldao (Santa Fe, 1865-1957). Fue hija de Tomás Cullen y Rodríguez del Fresno y internacional)
Josefa Comas, ambos integrantes de las familias más destacadas de la sociedad santafesina. Se caracterizó por ser
una dama de la sociedad de beneficencia. Publicó el recetario para recaudar fondos a fin de construir la capilla del Formatado: Espanhol (Espanha-
Hospital La Caridad de la ciudad de Santa Fe, por entonces dirigido por su hermano, José María Cullen. Los internacional)
fondos obtenidos con la venta del libro permitieron lograr tal cometido. La editorial encargada de la tarea fue Luis Formatado: Fonte: Não Negrito,
Gili Librero-Editor (Barcelona), pero luego el texto será reeditado en Santa Fe por emprendimientos de la ciudad. Itálico
66
BENAVENTO, Teófila. La perfecta cocinera argentina. Buenos Aires: Casa Editora de Jacobo Peuser, Formatado: Espanhol (Espanha-
1901, p. 138. internacional)
57
Receta Nº 329, Savarín: “1 libra harina, 6 onzas manteca, 1 onza azúcar, un poco de
sal, 20 gramos levadura, 5 huevos, pasas secas y al horno”.67.
Se hace una masa de hojaldra (sic), y bien estirada con el palote, se la corta en
cuadritos de ocho centímetros, que se van extendiendo sobre un mantel.
En una sartén, puesta al rescoldo vivo, se echa un trozo de mantequilla.
Cuando la mantequilla, ya derretida, está bien caliente, se le quiebran encima los
huevos, espolvoreándoles sal y pimienta.
Desde que la clara blanquea, se toma el huevo cuidadosamente con dos cucharas, y
se le acomoda sobre el cuadrito de hojaldra (sic), cubriéndola con otro, después de
haber echado sobre el huevo una cucharada espesa de leche cruda.
Los bordes inferiores y superiores del pastelillo se cierran, humedeciéndolos
interiormente con el dedo humedecido en leche.
Se fríen en grasa de chancho para el almuerzo. Mas, para servirlos en la comida, es
mejor cocerlos al horno.69.
Pastelitos de huevo…, es la receta que Carolina de Castilla aportó a la compilación Formatado: Fonte: Itálico
ojo” y “a gusto”. El segundo factor está vinculado con la ausencia de los hábitos propios de Formatado: Fonte: Itálico
la sociedad del consumo. Aquí las marcas no resultan ser las ordenadoras de las prácticas.
Formatado: Fonte: Não Negrito,
69
GORRITI, Juana Manuela. Cocina ecléctica…, ob. cit., p. 92-93. Itálico
59
Será el consumo el gesto que unificará criterios, pesos y medidas en función de las marcas y
de la necesidad de garantizar la compra constante de productos en el mercado. Las ecónomas
ocuparán un rol central en esta tarea y, para demostrar esta afirmación, damos paso al
siguiente apartado.
Al promediar la primera mitad del siglo XX, fue perfilándose un nuevo modo de
elaborar y también de transmitir el saber culinario. Analizar tal cambio requiere interpretar el
lugar que las mujeres ocuparon en la sociedad de consumo y en el discurso de una de sus
principales estrategias: la publicidad. La crisis de 1930 estableció una reestructuración de las
prácticas de compra y venta, y la recuperación económica trajo consigo la hegemonía de las
mujeres en los actos de consumo. La publicidad interpeló al ama de casa, madre, novia,
esposa, maestra, a los efectos de guiarla en la compra de alimentos, vestuario, cosméticos,
productos de higiene y mobiliario de uso más familiar que personal (ROCCHI, 1999; COTT,
1993; CALDO, 2013; BERGER, 2013). En esta acometida, los ingredientes culinarios
ocuparon un lugar de privilegio, y los recetarios de cocina, junto a sus expertas autoras,
fueron aliadas indiscutidas del proceso.
Tal novedad trajo consigo la renovación del modo de transmitir la cocina, cuyo
análisis demanda la revisión, al menos, de dos transformaciones: por un lado, el cambio en los
soportes materiales de la transmisión. Por otro, las modificaciones en el estilo escritural de las
recetas. Ambas vienen de la mano de una nueva manera de enseñar y aprender a cocinar,
como así también de una innovación en la especificidad del saber culinario doméstico,
cotidiano y preferentemente femenino.
En primer lugar, la sociedad del consumo flexibilizó los vehículos abocados a la
transmisión del saber culinario. Tal flexibilización consistió en dejar de lado los antiguos
recetarios de cocina caracterizados por encuadernaciones lujosas, papel de alto gramaje e
importante volumen de páginas, en beneficio de una variedad de soportes de menor
envergadura y de bajo costo. Esto es: las recetas aparecieron en folletines, en secciones
exclusivas de diarios y revistas, en la publicidad e incluso en los envases de los ingredientes
culinarios. En esta nueva clave, el libro de cocina dejó de ser un objeto de consumo en sí, para
convertirse en un disparador de numerosos actos de consumo. Es decir, si otrora se compraba
el recetario escrito por tal o cual autora, ahora las recetas podían conseguirse en forma
gratuita o por canje. Veamos algunos ejemplos.
60
estudios domésticos en las cuales las mujeres podían aprender las labores propias del género
femenino. En cada número aparecía información sobre estas escuelas con el detalle de las
condiciones de acceso a las mismas. Por sorteo o pagando los aranceles estipulados, las
lectoras podían convertirse en alumnas, accediendo así a los cursos prácticos. La cocina fue
una de los principales rubros y, generalmente, la coordinación de estos cursos estuvo a cargo
de la misma profesora que dirigía la sección en la revista.
A su vez, la prensa incorporó las recetas en los anuncios publicitarios. Es decir, los
textos de los avisos, además de imágenes y frases contundentes, emplearon recetas. El caso de
la marca de polvo leudante Royal es uno de los más significativos:
AZUCARADO
2 cuch. grandes de harina –18 gr.
1 cuch. grande de canela –7 gr.
3 cuch. grandes de azúcar –42 gr.
3 cuch. grandes de manteca o grasa –42 gr.
Se mezcla la harina, la canela y el azúcar y después de ello se deshace con los dedos
la manteca o grasa. Cúbrase el bizcocho con un buen grueso de este azucarado y
póngase a cocer.
Esta es una de las muchas recetas para bizcochos, tortas, pasteles, etc. que pueden
hacerse con facilidad y economía en casa, usando el Royal Baking Powder.
Úsese el ROYAL BAKING POWDER para hornear y se verá que en muchas recetas
pueden suprimirse huevos. Basta con añadir por cada huevo omitido una cucharada
pequeña de Royal Baking Powder.
¡CUIDADO!
Al comprar pida Vd. siempre ROYAL BAKING POWDER, que significa Polvo
Royal para hornear. No use la palabra Royal solamente, pues esto da lugar a
entregarle algo que no es el legítimo. Fíjese que la lata que obtiene lleva reproducida
en la etiqueta la misma lata con la palabra ROYAL. Sin ese requisito no es el
legítimo.
Solicite Vd. nuestro libro de cocina gratuito, mandando su nombre y dirección a
nuestro representante en Buenos Aires, L. Van Bokkelen, Casilla Correo Nº. 1037, o
bien a Royal Baking Powder Co., New York, N.Y. .75.
75
El hogar, Nº 711, 1 de junio de 1923, Empresa Editora Haynes, Buenos Aires, p. 51.
62
Cómo hacer dos tortas con cuatro huevos Formatado: Espanhol (Espanha-
internacional)
Variedades para preparar arrollados
Diferentes baños, azucarados y cremas
Masitas deliciosas de fácil preparación
Galletitas fáciles y rápidas
Masas que no necesitan horno
Pizza y sus variaciones
Alfajores provincianos
Variedad de recetas criollas: las empanadas y los pastelitos
A lo largo del recetario, estos rótulos generales florecían en numerosas recetas. Cada
una de ellas fragmentaba su exposición en ingredientes y procedimientos. Entre los primeros,
el único destacado por su marca comercial fue el ROYAL BAKING POWDER. Asimismo,
gran parte de las fórmulas estuvieron acompañadas por imágenes que capturaban escenas del
procedimiento general. En todas esas fotografías se reiteraba, cual ejercicio de fijación
inconsciente, “la latita de Royal”. Para reforzar aún más la adhesión al producto, en la primera
página del folleto se explicitaba:
76
Royal. Recetas culinarias, 1922, p. 1.
64
enlatados, embutidos, etc. Es decir, cada marca publicó un corpus de recetas dignas de
capitalizar las potencialidades del producto ofertado y, en esa gimnasia, las propuestas
quedaron siempre limitadas a tales potencialidades. Por caso, mientras que los frigoríficos
trabajaban sobre viandas saladas para almuerzo, cena y lunch, los polvos leudantes lo hacían
sobre la pastelería, características que los recetarios clásicos de cocina desconocían. No
obstante, y quizás para subsanar estas falencias, muchas ecónomas popularizadas por las
empresas publicaron sus propios recetarios de cocina. Estos libros se encontraban entre el
estilo clásico de los decimonónicos y los nuevos aires impuestos por el mercado.77.
Ahora bien, esta transformación, además de repercutir en la materialidad de los
soportes, modificó el contenido de las recetas. El primer cambio fue la aparición de la figura
de la ecónoma, presente en los recetarios, en las secciones exclusivas y también en los
anuncios comerciales. Entre estas mujeres, el nombre que se destacó fue el de Petrona C. de
Gandulfo. Los primeros pasos de Petrona por el universo de la transmisión del saber culinario
enseñaban a utilizar el horno de gas para luego, con su histrionismo, colonizar la radio y la
prensa escrita, hasta alcanzar, en 1934, la publicación de su recetario. Ella fue la autora del
best-seller de la cocina nacional: El libro de doña Petrona. Recetas de arte culinario (PITE,
2013).
Lejos de ser aislada, la experiencia de Petrona se inscribe dentro de la de un grupo de
mujeres dedicadas específicamente a transmitir el saber culinario a sus congéneres. Esa
especialización conllevó una formación en Economía Doméstica (la ecónoma) y en cocina (en
academias destinadas a tal fin) que permitía a la poseedora trabajar en las secciones de
Economía Doméstica de la prensa en general o de la prensa femenina en particular, como así
también en los departamentos dedicados al rubro que sistemáticamente fueron montándose en
las fábricas de productos alimenticios. Otro ejemplo de ello es el de Lorenza Taberna, quien
fuera la ecónoma y directora del área de Economía Doméstica de la marca de polvo leudante
Levarol y, en esta condición, publicó numerosos recetarios de cocina de la firma y uno propio
llamado La cocina de Lorenza Taberna (década de 1940).78. A este nombre podemos sumar:
Ida P. de Ruiz Rivas (1935, ecónoma de Swift), Julia E. de Bourdieu (1939, revista Damas y
damitas), Elvira Rigner (1939, diario La Capital, Rosario), entre otras. En esta misma línea,
otras marcas como Royal o Maizena mantuvieron la lógica del seudónimo (BATTICUORE,
2005) para aludir a la ecónoma garante de las recetas: Laura Real (Royal, 1930) o Doña
Maizena (1940).
La irrupción de las ecónomas no implicó un mero cambio nominal sino que marcó
una transformación en el plano del contenido de las recetas. El nombre de la autora unificó los
criterios y el estilo de presentación de las fórmulas. La experta transmitía recetas previamente
probadas por ella. Su nombre era el garante y esa garantía se traducía en el rigor expositivo de
las fórmulas. Paulatinamente, las recetas se fragmentaron en una exposición taxativa de los
ingredientes, con su dosificación de pesos y medidas, para luego desarrollar la combinatoria
de los mismos en el procedimiento.
Entre 1920 y 1945 observamos un proceso de consolidación de la mujer como
receptora pero también como productora y autora del saber culinario. Un saber cuyo
contenido y forma fueron gradualmente modificados por los usos y costumbres de la sociedad
de consumo. De este modo, al tiempo que se unificaron criterios de pesos y medidas, de
marcas y nombres genéricos, fueron separándose las recetas en dos partes: la lista de
ingredientes (a resolver en el mercado) y los procedimientos (a trabajar en la cocina). Los
quehaceres culinarios fueron revolucionados por la industria y, por ende, sus hacedoras
operaron con adelantos y procedimientos desconocidos para sus predecesoras. Las tareas se
agilizaron pero siguieron gravitando, aun con más densidad, sobre las figuras femeninas.
PALABRAS FINALES
79
Formatado: Espanhol (Espanha-
No así en las fiestas, para las cuales se contrataban chefs de renombre (CALDO, 2010). internacional)
66
modesta, dependiente de los recursos del contexto, espontánea y, en cierto sentido, sufriente
(los recetarios curativos iban muchas veces juntos con los de cocina). Pero, en la bisagra de
los siglos XIX y XX el rol femenino en materia culinaria irá perfeccionándose hasta alcanzar
estatuto de ciencia (la ciencia doméstica). Ellas, cual ángeles del hogar, velaron por la salud y
la higiene de las familias, siendo la culinaria un aspecto central de tales prácticas sanitarias.
Así, la cocina de las madres fue afianzándose en dirección del control y los cuidados de la
buena salud, la moral y los hábitos de la prole. Fue así como se avanzó en preocupaciones en
torno a la alimentación de los/as hijos/as y del esposo en términos morales, éticos, sociales
pero también químicos, médicos, nutricionales, etc.
Mientras la cocina doméstica fue adquiriendo el perfil descrito, los recetarios de
cocina comenzaron a ser elaborados por mujeres. La figura de la ecónoma, experta en
Economía Doméstica, coronó la primera mitad del siglo XX. Petrona C. de Gandulfo es el
nombre que sintetiza tal oficio en Argentina. Empero, antes que ella e incluso en simultáneo,
un nutrido grupo de mujeres adquirió relevancia pública en las portadas de libros de cocina,
firmando recetas sueltas o en secciones exclusivas en la prensa. Es decir, un batallón de
expertas en culinaria comenzó a reglamentar los modos de comer cotidianos.
En los prolegómenos del proceso de feminización de la transmisión escrita de la
cocina hemos encontrado mujeres dedicadas a la tarea de compilar, escribir y publicar recetas
de cocina, más no cocineras. Las pioneras, lejos del oficio de cocineras, fueron señoras
viajeras, cultas y situadas en los sectores acomodados de la sociedad. La condición social fue
la nota que, al tiempo que las eximió de los quehaceres diarios de la cocina, posibilitó el
acceso al lugar de autoras. Ellas fueron, en general, compiladoras de recetas. Evidencias de
dicho rol quedaron ilustradas en la heterogeneidad propia de la prosa de cada una de las
propuestas. Ciertas fórmulas respondieron a una estructura discursiva común, pero otras
expresaron la pluralidad de voces que operaron en la trastienda de la obra, colaborando con
quien finalmente oficiaría de autora. Estas damas tuvieron a bien narrar la cocina desde la
mesa y desde el comedor.
Sin embargo, al llegar a los años veinte, la fisonomía de los recetarios recibirá una
notable modificación. El soporte material fue flexibilizándose y, en esa acometida, las
fórmulas se escaparon de los libros para quedar impresas en secciones de revistas o de diarios,
en pequeños folletos e incluso en los envases de los mismos ingredientes. Esa transformación
además de ampliar el público lector, mutó el contenido, la forma y la autoría de las recetas.
Justamente, el nombre de la ecónoma garantizó la unidad de criterios, estilos, pesos, medidas,
nominaciones, etc. Esto se debió, por un lado, a la impronta del mercado y de sus estrategias
67
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
68
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Publicacions de la Universitat de València, 2006.
71
Este capítulo é uma pequena parte da discussão que venho realizando em minha tese
de doutorado, na qual busco historicizar os diálogos e apropriações dos debates feministas a
respeito do trabalho doméstico por parte da revista Claudia, no Brasil, entre 1970 e 1989.80. Os
feminismos são importantes para o meu olhar sobre a revista nestas décadas, uma vez que foram
os principais responsáveis no Brasil por colocar o trabalho doméstico em debate. A bibliografia
publicada nas décadas de 1970 e 1980 sobre o trabalho doméstico no país é sobretudo feminista.
Entretanto, os feminismos deste período trazem um discurso mais ou menos coerente, fechado,
a respeito do trabalho doméstico (superexploração social da mão de obra feminina), que
propositalmente não representa a visão mais difundida, mais mainstream, desta ocupação.
Posto isso, buscando debater, mesmo que de um ponto de vista feminista,
representações mais correntes, mais difundidas do trabalho doméstico feminino no período no
Brasil, a revista Claudia foi aqui eleita como representante da imprensa voltada para
mulheres81 e como fonte de pesquisa, e as justificativas dessa escolha são inúmeras.
Primeiramente, como o foco das discussões feministas que se busca encontrar nas revistas é o
daquelas sobre o trabalho doméstico, uma revista voltada à dona de casa parece ser o tipo
ideal. Temos também a impecável periodicidade da revista, mensalmente publicada desde
outubro de 1961, o que abarca e extrapola o recorte temporal da minhadesta pesquisa, e
oferece um volume grande de fontes, 240 exemplares em duas décadas.82. A liderança da
80
Este recorte temporal se deve à emergência das discussões sobre o trabalho doméstico feminino no
Brasil nestes anos, que surge principalmente como uma problematização feminista. Formatado: Português (Brasil)
81
Apesar da revista Claudia contar com uma maioria de mulheres em seu corpo editorial no recorte
temporal da pesquisa, inclusive em cargos de chefia, nem sempre as chamadas revistas femininas são ou foram
produzidas por mulheres. Em decorrência disso utilizo em alguns momentos “imprensa voltada para mulheres”
ou “revistas para mulheres” para lembrar que, se seu público-alvo é basicamente feminino, nem sempre essas
publicações são gerenciadas e/ou produzidas por mulheres.
82
Dos 240 exemplares de Claudia lançados entre 1970 e 1989, consultei 168 números: 101, 104, 106-111,
116, 118-123, 125-131, 133-136, 138, 139, 141-145, 147-154, 156, 159, 161-165, 167-169, 171, 174-185, 187-190,
192-232, 234, 236-238, 240-244, 246-248, 252-255, 257-259, 262, 264, 265, 272, 274, 282, 284, 299-302, 304-310,
312, 314, 315, 317-319, 322-332, 334, 339. Alguns deles estavam incompletos, mas não muitos. Esta consulta foi
realizada em dois acervos diferentes: o acervo pessoal de Maria Paula Costa, que fez sua pesquisa de doutorado
sobre a revista Claudia, e me cedeu acesso às revistas utilizando o espaço físico do Arquivo Histórico Municipal de
Guarapuava (PR), localizado na Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste); e o acervo da Biblioteca da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). A Biblioteca Municipal Mário de
Andrade, em São Paulo, informou-me ter o acervo completo da revista. Entretanto, seu setor de periódicos estava
em reforma no período em que coletei as fontes, reforma esta que se estendeu por alguns meses. Dessa forma, o
acervo só reabriu no final de dezembro de 2012, quando eu tinha acabado de voltar de minha terceira viagem de
coleta de fontes.
72
Editora Abril, que publica Claudia, até hoje no mercado editorial brasileiro também é
importante ser citada, principalmente pelo fato de a revista estar presente em praticamente
todas as bancas e revistarias do país, além de espaços como as salas de espera de consultórios
médicos e dentistas. Provavelmente é a revista voltada às donas de casa mais lida,; se não, ao
menos a mais conhecida em território nacional.
A Claudia desponta como inauguradora, no Brasil, de uma espécie de magazine,
exportado de um modelo norte-americano – em especial a estadunidense Good Housekeeping,
fundada em 1885 e que em 1968 contava com uma tiragem de cerca de 5,5 milhões de cópias
mensais (NEHRING, 1981, p. 89) –, que inova por trazer grande número de textos, além das
usuais imagens das revistas femininas, e fala sobre o cotidiano e assuntos “femininos”,
voltada ao público brasileiro. Até então, os modelos de revistas femininas no Brasil eram
importados e traduzidos, o que não criava uma grande identificação das leitoras com as
revistas. A Claudia na década de 1970 já tinha deixado de usar gravuras em suas capas,
priorizando nestas e em seu interior as fotografias de modelos brasileiras, e a grande maioria
dos textos, talvez com exceção dos contos, eram de autoria de brasileiros/as.
A presença da feminista Carmem da Silva, escrevendo que escreveu na coluna “A
arte de ser Mulher”, entre desde 1963 eaté a 1985, data de seu falecimento, 1985, é um ponto
que também chama a atenção para Claudia. Apesar da profunda aversão de Carmem da Silva
por qualquer espécie de trabalho doméstico, como nos conta Ana Rita Fonteles Duarte (2005,
p. 101), o fato de as discussões feministas terem um espaço na revista precisa ser levado em
consideração. Claro que Carmem escrevia para o público-alvo da revista, geralmente
introduzindo as questões, tomando cuidado para não ir “longe demais” (DUARTE, 2005, p.
51), e seus artigos passandovam por edições, mas ainda assim ela representava uma voz
dissonante, com presença constante na revista, o que não se encontrava nas demais revistas
comerciais do período.
Entretanto, apesar de seu pioneirismo, um ponto que não pode ser ignorado ao
abordar a revista como fonte histórica é que Claudia é um produto, e não qualquer produto; é
um produto feito para vender produtos. Com a emergência da classe média urbana no Brasil
nas décadas de 1950 e 1960, os lares nas grandes cidades se estabeleceram como unidades
consumidoras. Nesse sentido, a publicidade encontra nas mulheres, as responsáveis por
grande parte do consumo dos lares, um desejável público-alvo. A Claudia, voltada àsa
mulheres dessa emergente classe média, além de oferecer grande espaço à publicidade, e
investir em reportagens e matérias casadas com a publicidade -– como muitas outras revistas
femininas faziam no período –, funciona também como um guia de compras. Ela às vezes
73
se de diretrizes gerais, e não de uma lista completa das atividades desempenhadas pelas
esposas. São tarefas de tipo:
QUADRO 1 – Atividades de trabalho doméstico (ou prestado ao marido, casa, família ou filhos/as do
marido)
descritas por Claudia Formatado: Recuo: À esquerda: 2,25
cm
1.Tarefas de cunho psicológico: admiração; reforço de seu ego; status social; competição com terceiros, etc.
Manter seu casamento feliz e saudável; conciliar lar e trabalho; saber como agir durante a crise no casamento;
vencer os ciúmes; não perder o marido por comodismo; salvar o casamento; lidar com a insegurança masculina
quando você ganha mais (...).
2. Tarefas de cunho sexual: disponibilidade tornada obrigatória por lei, pela religião e pelo
condicionamento psicológico da mulher através dos conceitos atuais do casamento (romantismo,
sensualidade, amor).
Strip-tease doméstica; competir com outras mulheres pelo seu esposo; “como prender seu marido sem usar isca”
(nº 171); eliminar o fantasma da frigidez do seu casamento; “Eesposas confessam: sexo como obrigação” (nº
204); lidar com a noite de núpcias; tratar doenças venéreas; saber como manter a chama após a crise no
casamento (...).
novos pratos; usar sobras da cozinha para adubar plantas; decorar com móveis de estilo sem gastar muito;
conservar vassouras; aproveitar os pedaços de sabão; conciliar o orçamento doméstico com a necessidade de
estar sempre bonita; economizar energia ao usar o ferro de passar; dirigir melhor para economizar gasolina;
aproveitar suas roupas, fazer trabalhos manuais sem gastar nada e economizar em tudo (...).
h) Comprar: alimentos; eletrodomésticos; roupa de cama; material de limpeza; louça; tecidos; linhas; lã;
produtos de higiene pessoal para toda a família; utensílios domésticos; panelas; lâmpadas; pano de copa;
roupas para família, de inverno, de dormir, de banho, de verão, para prática esportiva, uniforme escolar,
eventos formais, sempre que possível na moda; diferentes tesouras para todo o tipo de utilidade doméstica;
cristais; extensões elétricas (...).
i) Manutenção da saúde familiar, bem como sua própria: Cuidar da nutrição e dietética familiar; saber como
evitar o câncer; saber a utilidade dos chás, ervas e plantas medicinais; conhecer a homeopatia; conhecer as
propriedades das verduras e legumes; entender o que é e lidar com a febre; conhecer e tratar as doenças do
calor; saber usar medicamentos (...).
j) Administração e manutenção doméstica: prever quando o bujão de gás ficará vazio; improvisar um varal com
um guarda-chuva virado para cima nos dias de chuva; conhecer novos produtos para a casa e alimentos;
lubrificar o moedor de carne; não deixar o açúcar empedrar; utilizar móveis práticos como mesas elásticas;
saber agir em emergências no lar (...).
k) Bricolage: restaurar, consertar e pintar móveis velhos; comprar colas e fitas para reparos em casa; pregar
peças na parede; transformar o berço do bebê que cresceu em um divã; deixar o fio do abajur mais curto;
arrumar seletor de canais da TV com lápis de cera; vedar torneiras com fita plástica; recuperar brinquedos de
plástico; remover verniz de um móvel (...).
l) Manutenção das roupas: saber tirar chiclete dos tecidos; lavar a seco em casa mesmo; aproveitar o verão para
renovar os cobertores; lavar as roupas conforme instrução do fabricante; conservar o sapatinho do bebê;
renovar tapete de pano; passar roupa branca; deixar roupas de veludo sem marcas; proteger os casacos de
pele (...).
m) Evitar infestações de: baratas; formigas; insetos em geral; se livrar das pragas das plantas; evitar picadas de
insetos em toda a família.
n) Dirigir; saber o que fazer quando o carro não pega; consertar o carro; cuidar dos pneus do carro; saber usar o
extintor do carro; saber como dirigir com crianças no carro; buscar as crianças na escola; pensar na família na
hora de escolher um carro (...).
o) Cuidar dos idosos e de seu bem estar. Formatado: Português (Brasil)
6. Cooperação no trabalho do marido: (seja no comércio, na profissão liberal, rural, artesanal etc.),
secretária, trabalhos no campo, criação, hospedagem, relações públicas, caixa, substituta etc.
Inclui eventos e socialização: organizar as festas variadas; comprar e escolher presentes: de Natal, ovos de
Páscoa; dia das mães (ao menos escolher) (...); embrulhar presentes; fazer e enviar cartões de Natal, aniversário,
bodas; etiqueta; realizar trabalhos de caridade; ler para ter assuntos para conversar; fazer cursos para distrair ou
para atualizar; conhecer histórias de Natal; lidar com as crianças em dias de visita; fazer sucesso em qualquer
reunião (não profissional, ao menos não da mulher) (...).
Categorias acrescentadas àquelas de Danda Prado, com base nos diferentes tipos de trabalho doméstico que
aparecem em Claudia:
8. Decoração: fazer da casa um espaço funcional e sempre agradável, acolhedor e aconchegante para
toda a família, com especial atenção à volta para casa, das crianças da escola e do marido do trabalho.
Escolher o melhor piso; ocupar bem o espaço; escolher carpete; escolher móveis; escolher cortina; escolher
tinta; cuidar das plantas; perfumar a casa com flores; decorar o banheiro; fazer do quarto o refúgio das
crianças; montar a árvore de Natal; montar presépio; acompanhar a moda na decoração; decorar a casa para a
Páscoa; reformar a casa (...).
9. Auto manutenção da mulher, para que ela sempre possa estar disponível à família, seja para
trabalhar para ela, seja para ser exibida em eventos sociais.
Conservar a beleza e se manter na moda durante a gravidez e depois; “"viver bem a gravidez"”; saber o que
pode fazer ou não na gravidez e o que não comer durante a amamentação; tomar cuidado com a tensão para
estar sempre bem ou tratar dos nervos para não ficar doente; combater o stress com otimismo; livrar-se do mau
humor; emagrecer depois do Natal; superar a agorafobia; combater o alcoolismo feminino; ter um diploma para
superar complexo de burra (...).
11. Artesanato e trabalhos manuais: formas de economizar no orçamento doméstico, deixar o lar
aconchegante e demonstrar amor aos membros da família.
Fazer: mobílias; bordados; tapetes; almofadas de tricô; crochê (inclusive cortinas); brinquedos; esfregões com
toalhas de banho velhas; fazer portas-copos com os nomes dos convidados; mini-posters; banquetas; arranjos
florais; pacotes de presente personalizados; tricotar roupas da moda, para si e para a família (...).
um prato especial, buscar diferentes atividades para as crianças ou receber colegas de trabalho
do marido em casa, surgem com frequência no dia a dia das donas de casa na revista, ocupam
seu tempo e são muitas vezes compromissos, mas aparecem muito mais como atividades de
lazer das mulheres, ou caprichos com a casa, do que como trabalho em si.
É importante deixar claro que muitas destas atividades listadas em novos itens no
Quadro 1, por mim acrescidos àqueles sugeridos por Danda Prado, poderiam ser distribuídas
nos itens já existentes, e que diferentes formas de organizar estas atividades seriam viáveis.
Ao mesmo tempo, diversas das atividades caberiam em mais de um item, sendo que o
artesanato muitas vezes está ligado ao orçamento doméstico e economia, que ficou no item 5,
e também ao apoio psicológico às crianças, que faz parte da educação, no item 7, ou ao
fortalecimento de laços entre o pai e os filhos, que está no item 4. Entretanto, este quadro, que
aqui é apresentando através de uma pequena amostra, é apenas um exercício na tentativa de
dar visibilidade às atividades que a revista sabia que as donas de casa realizavam, assim como
atividades que a revista propunha às donas de casa realizar, mas que nem todas realizavam.
Seria impossível uma dona de casa conseguir fazer tudo aquilo proposto mensalmente pela
revista, e ainda cumprir as obrigações básicas, de limpar, lavar, passar, cozinhar e atender aos
membros da família.
83
Exemplo em Goidanich (2012). No resumo da tese, a autora afirma que “As compras de abastecimento
como parte do trabalho doméstico são, em geral, invisíveis e, como tal, raramente se tornam objetos de estudo.” Formatado: Português (Brasil)
79
saem dos lares para “expandir os horizontes”, “se sentirem produtivas” (o que evidencia a
desvalorização do trabalho doméstico), e muitas vezes a revista relaciona a crise econômica
do período com a ajuda que podem trazer aos seus lares com seus salários. Entretanto, apesar
da mencionada ajuda no orçamento da casa, a tendência da revista é de sugerir ocupações de
meio período, em atividades já relacionadas com os trabalhos tradicionalmente femininos
(como secretária, pedagoga, fonoaudióloga...), frisando a importância de não se “abandonar o
lar e a família em nome do trabalho”. O diálogo que a revista estabelece é com uma leitora
que não precisa trabalhar fora de casa para garantir a sua sobrevivência e a de sua família, e
que, diante de alguma baixa no padrão de vida (o que para a revista significava baixa no
padrão de consumo, basicamente), pode valer a pena, para as mulheres com filhos já maiores,
sair de casa para incrementar a renda familiar.
É complicado afirmarmos que as donas de casa de camadas médias, público -alvo da
revista Claudia, não tenham ingressado no mercado de trabalho por necessidade. Isto porque
camada média no Brasil abrange famílias com diferentes faixas de rendimento, e, apesar de a
Editora Abril expor aos anunciantes uma leitora abastada, a revista era consumida, direta ou
indiretamente, por mulheres em diferentes situações financeiras. Também seria complicado
fazer tal afirmação porque a necessidade das camadas médias pode ser muito diferente da
necessidade das famílias mais empobrecidas da população. Assim sendo, a dona de casa que
ingressa no mercado de trabalho para manter um ou dois automóveis da família, ou para
garantir as viagens de férias, entende que está ingressando por necessidade, que manter o
padrão de consumo de seu grupo familiar é necessidade. É uma situação diferente daquela das
famílias em que o dinheiro para os alimentos, por exemplo, sempre termina antes de entrar o
próximo salário e, diante disso, as donas de casa buscam trabalho remunerado, caso já não
trabalhassem desde solteiras.
De qualquer maneira, na revista Claudia o maior ingresso das mulheres no mercado
de trabalho na década de 1980 em comparação a 1970 fica evidente. O discurso muda, os
arranjos familiares necessários para a dupla jornada começam a ser amplamente comentados,
e colunas mensais sobre empregos indicados às donas de casa, e até classificados de emprego,
surgem na revista. Para pensarmos esta questão é preciso termos em vista as transformações
sociais do período, e as mudanças provocadas pela larga inserção das mulheres no mercado de
trabalho. Ou podemos pensar também no caminho inverso,: em quais transformações culturais
possibilitaram esse acesso de um maior número de mulheres ao trabalho remunerado. Para
ilustrar a amplitude dessas transformações, reproduzo abaixo um gráfico que traz a taxa de
80
FIGURA 1 – TAXA DE PARTICIPAÇÃO POR GÊNERO, BRASIL, 1960 - 2009 (%) Formatado: Fonte: Não Negrito
Formatado: Centralizado, Recuo:
Primeira linha: 0 cm, Adicionar espaço
entre parágrafos do mesmo estilo,
Espaçamento entre linhas: simples
FIGURA 1 – TAXA DE PARTICIPAÇÃO POR GÊNERO, BRASIL, 1960 - 2009 (%) Formatado: Fonte: Não Negrito
FONTE: VIECELI, 2011, p. 15. Gráfico elaborado pela autora citada, com dados do Censo Demográfico do
Formatado: Centralizado
IBGE (1960 a 1980) e PNAD (1992 a 2009).
Para os fins desta análise, é importante observar que entre 1970 e 1980 a taxa de
participação feminina aumentou 8,2%, e entre 1980 e 1992, 20,5%. Não obstante esses
números continuarem subindo até 2009, a partir de 1992 eles demonstram subiraumentam
em um ritmo mais parecido com aquele entre 1960 e 1970. Assim sendo, é justamente no
recorte temporal aqui proposto84 que ocorre a maior inserção das mulheres no mercado de
trabalho, contabilizando um aumento de 28,7% na taxa de participação feminina entre 1970 e
1992, o que significa que, em 1992, a taxa de participação feminina equivalia a 155,15%
84
Com exceção dos três anos em que a PNAD entra na década de 1990, 1990-1992.
81
daquela de 1970. As transformações nas configurações familiares que estes dados sugerem
podem ser observadas na revista Claudia. Como veremos mais adiante, novos arranjos são
necessários para que a dupla jornada das mulheres das camadas médias caiba no dia a dia de
suas famílias. Entretanto, esses novos arranjos não se traduziram, necessariamente, em uma
divisão mais equitativa das tarefas nos lares.
85
“A pergunta número 121 era: na semana de (período de referência anterior à pesquisa)... o/a sr./a
cuidava de afazeres domésticos?” (BRUSCHINI, 2011, p. 152).
82
86
Ainda que seja em termos quantitativos, em tempo; pesquisa voltada a aspectos qualitativos, realizada
com homens de escolaridade média e renda familiar menor que 5 salários mínimos, com esposas que trabalham
fora, mostram que, sob essas circunstâncias, a contribuição masculina aos afazeres domésticos aumenta muito,
83
apesar das transformações sociais que envolveram mulheres e trabalho produtivo nos últimos
anos.
A ideia de contrato sexual está ligada ao conceito de divisão sexual do trabalho, que
não seria simplesmente uma divisão de tarefas entre homens e mulheres, na qual os homens
ficariam com o trabalho produtivo e as mulheres com o trabalho doméstico ou reprodutivo,
mas sim uma divisão marcada pela assimetria, no sentido de que o trabalho masculino sempre
é mais valorizado, mesmo quando ambos, homens e mulheres, estão no trabalho produtivo, no
mercado de trabalho (HIRATA; e KERGOAT, 2003, p. 113). O contrato sexual seria aquele
no qual, mesmo que veladamente, fica posto que, nas famílias, as mulheres, e especificamente
a esposa, é responsável pelos cuidados com a casa e a família, e os homens são responsáveis
pelo trabalho produtivo e pelas provisões financeiras familiares.
Essas conceituações ganharam muita força nas décadas de 1970 e 1980, todavia, em
nossos dias, com todos os desdobramentos das teorias de gênero, deve ser mais interessante
propormos a noção de contrato de gênero, ou divisão do trabalho por gênero, não
simplesmente substituindo “sexo” por “gênero” com o intuito de propor a atualidade da
questão, mas considerando as propostas construcionistas, desconstrucionistas, relacionais e
em muitos sentidos contingentes da categoria de análise gênero. Levando isso em conta, é
imprescindível considerarmos que a história do trabalho doméstico não é apenas história das
mulheres, e sim, da humanidade, de homens e mulheres. Essa afirmação pode não se embasar
tanto na contribuição do grupo de homens aos afazeres domésticos nos últimos séculos, mas
principalmente na dependência dos homens, e da vida humana como um todo, destes afazeres.
A responsabilização das mulheres pelo trabalho doméstico também precisa ser pensada de um
ponto de vista relacional, nem simplesmente como uma invenção masculina que vitimizou e
vitimiza as mulheres, nem somente como um conjunto de tarefas que as mulheres, como
coletivo, se auto atribuíram e executam por livre escolha, porque querem.
Diante disso, e tendo em vista as observações de parte da bibliografia de referência
contemporânea às revistas Claudia analisadas, de que muitas mulheres de camadas médias
não executavam o trabalho doméstico em si (o que entendemos aqui como o básico e
indispensável para manter a saúde e o mínimo de bem estar do grupo familiar -– as pessoas se
alimentarem, não adoecerem por falta de higiene, terem onde descansar no fim do dia, etc.), o
apesar de podermos relacionar esse aumento com a necessidade, ou seja, a falta de outras opções para delegação
destas tarefas que não a “ajuda” masculina (BRUSCHINI; RICOLDI, 2010).
84
Quadro 1 foca em atividades específicas.87. Quando fazem parte das atividades básicas de
limpar/lavar/cozinhar, os afazeres costumam aparecer na revista de forma bem particular:
lavar cortinas, tirar manchas disso ou daquilo, limpar portas, plantas, encerar melhor o chão
ou preservar por mais tempo as roupas; preparar drinks ou tirar o gosto do arroz queimado.
Isso não quer dizer que essas mulheres não cozinhassem diariamente, não lavassem a roupa de
sua família, não limpassem banheiros, enão aspirassem o pó ou não varressem a casa.
Um exemplo, não muito comum na revista, de artigo falando especificamente de
faxina ou rotina de limpeza, pode ser encontrado no número 165, de junho de 1975, conforme
reproduzido abaixo, na Figura 2. A primeira página do artigo “Enfrente a rotina da limpeza
com um sorriso” traz: “Com bom humor é mais fácil fazer a limpeza de sua casa” e mais
abaixo discorre melhor:
Não pense nos panos de pó e na vassoura como se eles fossem seus inimigos, nem
fique aborrecida só em pensar que sua casa está precisando de uma boa faxina. Veja
como é fácil tornar a rotina da limpeza mais amena e conheça alguns truques que
podem facilitar seu trabalho.
Formatado: Espaçamento entre
linhas: 1,5 linhas
FIGURA 2 - ENFRENTE A ROTINA DA LIMPEZA COM UM SORRISO Formatado: Fonte: Não Negrito
Formatado: Fonte: Não Negrito
Formatado: Centralizado, Recuo: À
esquerda: 0 cm
87
Como aqui é apresentado apenas um resumo do quadro original, a maior parte dessas atividades bem
específicas foram suprimidas. Entretanto, no quadro completo com as 1.100 atividades, tarefas domésticas muito
específicas e especializadas aparecem em grande número.
85
Figura 2 - Enfrente a rotina da limpeza com um sorriso Formatado: Fonte: Não Negrito
FONTE: Claudia. São Paulo, n. 165, Ano XIV, junho de 1975, p. 126.
Formatado: Centralizado, Recuo: À
esquerda: 0 cm
Formatado: Fonte: Não Negrito
A própria existência dessa reportagem já denuncia o trabalho como cansativo e
pesado. É importante destacar que os truques para facilitar o trabalho, que estão dispostos por
toda a revista (em maior volume nos anos 1970 que nos anos 1980), estão também presentes
aqui. O tom geral da reportagem mostra que as donas de casa fazem mesmo essas tarefas,
portanto, melhor fazê-las com bom humor, assim o tempo passa mais rápido e elas se tornam
tarefas menos estafantes. Quer dizer, não se questiona que as donas de casa são as pessoas que
fazem essas tarefas, isso não é assunto de discussão, está posto. Mas, segundo a ilustração,
elas podem ser feitas cantarolando, por uma dona de casa bonita, produzida, feliz, radiante.
Por conseguinte, não seria razoável relacionarmos o fato de Claudia trazer muitas
dicas para tarefas específicas, como tirar manchas ou decorar o banheiro, com a ideia de que
essas mulheres, que bordam almofadas, não varrem o chão nem lavam a roupa. Lembrando-
86
nos das descrições de María Ángeles Durán (1983, p. 13-15 e 29-30), de como as meninas são [A21] Comentário: Os acentos deste
nome estão corretos?
88
socializadas para serem trabalhadoras domésticas desde a tenra infância , poderia ser
desnecessário a revista se propor a ensinar a essas meninas, depois de crescidas e casadas,
como se lava a louça ou limpar o banheiro. A revista precisa buscar algo novo, algo que
aprimore esta trabalhadora, que a torne cada vez mais especializada, como explica também
María Ángeles Durán (1983, p. 59-61), que, ao comparar uma dona de casa iniciante e uma
dona de casa superespecializada, com anos de experiência, faz um paralelo com um ajudante
de cozinha e um chef.
Observando o Quadro 1, fica evidente a variedade de tarefas que uma dona de casa
executa ou pode executar. Como posto anteriormente, não se espera-se que uma dona de casa
sozinha realize todas aquelas tarefas sempre, mas são tarefas as quais, quando precisam ser
feitas, via de regra, o são pelas donas de casa, ou ao menos o eram no período da pesquisa.
Em seu número 241, de outubro de 1981, a revista traz um artigo intitulado “Preocupações de
mãe”, e a primeira página dele, com o título e a chamada, nos é bastante ilustrativa, conforme
pode ser observado na Figura 3, abaixo.
Na imagem temos uma mulher, sem rosto, de unhas feitas, usando joias e uma
aliança, segurando um utensílio de cozinha de forma a demonstrar certa preocupação. Ela
veste um avental que traz, além do título do artigo, uma lista de 37 diferentes preocupações
que afligem as mães de família de camadas médias, e um indicativo para marcar abaixo a
preocupação do dia. Quer dizer, mesmo que as 37 preocupações listadas sejam apenas
exemplos, tem-se claro que ao menos alguma preocupação, todos os dias, a dona de casa tem.
A variedade de preocupações, que traduzem responsabilidades e trabalho, vai de encontro, em
menor escala, à variedade de tarefas desempenhadas pelas donas de casa que encontrei nas
páginas de Claudia: Feijão preto não há; A empregada vai embora; Hoje tem dentista; Ainda
sou atraente?; Dor de cabeça; Dor na coluna; O resfriado do garoto; A filha ficando mocinha;
Meu marido não coopera; O chefe dele é um carrasco; O dinheiro está curto; Esqueci da
pílula; A garota está namorando; Será que estão transando?; Crianças estão em provas; Não
tenho nada para vestir; Meu cabelo está uma droga; A comida do cachorro; Assaltaram os
vizinhos; Vale a pena caderneta de poupança?; Carro enguiçado; Filha casada mudando para
longe; O tempo está doido; O namorado da caçula faz o que?; A sopa não saiu boa; Meu
marido chegou alto; Vão reclamar do jantar; Estou enorme de gorda; Mancharam o meu sofá;
88
Sobre tal aspecto consultar também Torres (1988, p. 19).
87
Imposto predial e condomínio; Presente de aniversário; Minha filha vai dar a luz; Avó aos 43
é horrível; O baby vai ser lindo; Filho dirigindo sem carteira; Minha vida é ótima; Mas é dose
pra leão.
Os dois últimos itens trazem o tom de grande parte das reportagens da revista
voltadas às donas de casa: a rotina é cansativa, tensa e estafante, mas é a vida que você
sonhou ter, e que pode ser muito gratificante. Além disso, Claudia busca constantemente
amenizar (ou passar a sensação de que está amenizando) a rotina com dicas de como
organizar o dia, como cozinhar receitas rápidas e saborosas, assim como o exemplo
88
demonstrado anteriormente na Figura 2: já que você não pode fugir deste trabalho, esforce-se
para o tornartorná-lo o mais agradável possível.
Apesar de não questionar o fato das mulheres serem as responsáveis pelo trabalho
doméstico, Claudia discute seu bem-estar. A felicidade da dona de casa é um ponto
interessante se formos considerar a viabilidade da manutenção de sua função. Quer dizer, uma
das mais importantes funções das donas de casa, segundo Claudia, é cultivar a felicidade
familiar, o que inclui a própria dona de casa e a satisfação desta em fazer o seu trabalho, em
servir à família. Este tipo de satisfação foi frequentemente recomendado pela revista,
geralmente trazendo vozes de especialistas para comentar o assunto. O número 205, de junho
de 1979, traz um caderno especial “Para você viver melhor como dona-de-casa”, que é
apresentado da seguinte forma:
Este caderno foi idealizado com a intenção de tornar a sua vida de dona-de-casa
[(sic)] ainda mais simples, mais fácil, mais organizada e, acima de tudo, mais
criativa e gratificante. Você perguntará, mas como? Nós consultamos sociólogos,
psicólogos, economistas, advogados que mostram como nós donas-de-casa podemos
e devemos nos sentir valorizadas. E mais: que podemos viver bem com este papel
sem que ele nos roube um espaço físico e interior para podermos nos realizar como
pessoas inteiras. (p. 205).
no casamento, lidar com a sexualidade madura, até se é recomendável ou não ter uma babá,
como lidar com o afeto da criança a esse tipo de profissional, ou qual o brinquedo mais
apropriado para dar à criança. A questão dos brinquedos, inclusive, rendeu algumas extensas
reportagens, como “Dê o brinquedo certo”, do número 123 de dezembro de 1971, ou “O
brinquedo certo é o que a criança inventa”, do número 193, de outubro de 1977. É comum que
esse tipo de produção editorial da revista venha com endereços e telefones de lojas, nesse
caso, de brinquedos não convencionais ou classificados por idade.
Além destes endereços e telefones de lojas no final de reportagens específicas,
geralmente perto das últimas páginas da revista ficavam as “Compras de Claudia”, ou
“Achados de Claudia”, uma seção com sugestões de produtos dos mais diversos, para a casa,
os animais de estimação, as crianças, o bebê, a esposa ou o esposo. Entretanto, as “Compras
de Claudia” são é focadas em produtos, que podem ser embrulhados para presente, levados
para casa. No fim de reportagens às vezes surgem os endereços e telefones de prestadores de
serviço, como ocorre na matéria supracitada a respeito dos cursos de atualização. Isso nos
leva a ponderar que ao trabalho de compradora89 das donas de casa se soma, quando as
famílias têm condições financeiras para tanto, aquele de contratante de prestações de serviço,
outra parte do trabalho doméstico que a bibliografia sobre o tema, sobretudo contemporânea
às fontes, não explora muito.
em casa, ensiná-la para que ela trabalhe conforme o esperado, não exigir perfeccionismo,
conversar antes de brigar e lembrar que empregada não é escrava. Bem no final do texto há o
aviso de que, tratando com dignidade a empregada, pode ser que ela não considere ir trabalhar
em uma fábrica.
No mesmo ano de 1981, a edição do mês de setembro, número 240, traz uma matéria
mais generosa sobre o tema, também na seção “Viva Melhor”, mas agora com 5 páginas, e o
tom da conversa é outro “Emergência: é hora de aprender a viver sem empregada”. Nela, uma
jornalista da revista explica que é dona de casa, cumpre dupla jornada, e a necessidade a
obrigou a romper a dependência da empregada doméstica, uma vez que estava cada vez mais
difícil manter uma. Ela explica que é necessária uma grande organização do trabalho e do
tempo, é preciso que a família não espere ter os mesmos tipos de serviço que tinha com
empregada em casa, e aponta as soluções através de alternativas de consumo.
A primeira destas alternativas são os eletrodomésticos. Quanto mais máquinas para
trabalhar pela dona de casa melhor, e mesmo que alguns deles signifiquem um investimento
dispendioso, é preciso pensar no dinheiro que se economiza a longo prazo e na tranquilidade
que fornecem. Entretanto, máquinas não fazem faxina, e, para isso, é possível contratar
diaristas em agências, por meio dia ou dia cheio, algumas especializadas em alguns tipos de
tarefa. Observa-se nesse fator que o comum, até então, era ter uma empregada mensalista, e as
diaristas surgem como algo mais versátil, com cara de novo. Dar instruções a uma diarista,
ainda mais uma desconhecida, era muito diferente de ir ensinando aos poucos uma
empregada, e há recomendações a esse respeito, ao lado de telefones e endereços de agências
para contratar faxineiras.
Para as roupas que poderiam estragar sendo lavadas na máquina, a sugestão são é
lavanderias, que também fornecem o serviço de passar roupas, tirar manchas, tinturaria, entre
outros. Como as lavanderias são caras, algumas adaptações são sugeridas, como simplificar o
enxoval, só ter lençóis de tecidos que não precisam ser passados, só comprar roupas coloridas
– nunca brancas ou muito claras – para as crianças, e saber aproveitar as promoções e
diferentes serviços. Há também uma lista de lavanderias em quatro capitais, onde esses
serviços podem ser contratados.
As duas últimas páginas falam da possibilidade de pedir comida e encomendar festas.
Aí se sugere-se comprar refeições inteiras em rotisserias, que muitas vezes entregam em casa
comida para toda a semana, que pode também ser pedida por telefone. Do mesmo modo
sugerem-se pensões, nas quais se poderia garantir o sabor da comida caseira, e mesmo
restaurantes, apesar de estes costumarem ser mais caros. Para as festas, aconselha-se
92
90
Em nenhum momento encontrei em Claudia uma discussão corrente na bibliografia feminista sobre
emprego doméstico, tanto no recorte da pesquisa quanto atual, que explica a viabilidade do emprego doméstico
através da dimensão da desigualdade de classe, afirmando que apenas em sociedades em que as diferenças
salariais e as desigualdades são muito profundas é que o serviço doméstico, em especial o mensalista, pode ser
acessível a grande número de famílias.
93
espaço que a revista oferece para a publicidade de eletrodomésticos e de produtos para facilitar
a limpeza também pode não casar tão bem com a figura da empregada, afinal, qual seria o
sentido em investir grandes valores do orçamento familiar para facilitar um serviço que já está
sendo pago (mesmo que irrisoriamente) para ser realizado? Por sua vez, a voz das empregadas
quase não aparece também, salvo na seção de cartas, na qual algumas vezes são publicadas
cartas de empregadas. Quase nunca são cartas de denúncia de sua condição de trabalho, porque
neste caso não estariam em consonância com a proposta editorial da revista, mas estão lá.
Independente das cartas serem realmente de empregadas ou não (considerando o costume
corrente em revistas do período de criar muitas das cartas de leitoras que são publicadas), ao
menos é um espaço no qual estas mulheres aparecem como sujeito em Claudia.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
são exclusivamente donas de casa91, o trabalho estende-se durante o dia. As atividades são
realizadas de forma mais detalhada e atividades diferentes são incorporadas ao trabalho, de
forma a preencherem o dia e muitas vezes também a noite.
É consenso na bibliografia que as donas de casa têm uma jornada inesgotável, uma
vez que uma xícara na pia às 23:h30 se traduz em trabalho, e uma criança chorando às 5h ou
3h da manhã também. E quando são substituídas em um tipo de trabalho, prestam outros
serviços, mais sofisticados ou elaborados, ou simplesmente diferentes, para suas famílias.
Sendo assim, esse rápido olhar sobre Claudia nos ajuda a inferir sobre quais atividades, que
tipo de trabalho estendia-se na jornada interminável das donas de casa de camadas médias.
Este era sem dúvida um trabalho diferente daquele das donas de casa das camadas populares,
mas a extensa lista encontrada em Claudia descrevendo as atividades propostas às donas de
casa nos ajuda a ponderar a questão. Parece razoável não considerar serviços prestados à
família como trabalho doméstico, apenas porque são diferentes de varrer, passar ou cozinhar?
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Itálico
323CFH/CCE/UFSC, 2002, 2002 p. 301-323.
91
Essa diferenciação é importante. Muitas das estatísticas realizadas na década de 1980 consideram donas
de casa apenas aquelas mulheres que são exclusivamente donas de casa, ignorando o fato de que as mulheres que
possuem ocupações remuneradas, em domicílio ou fora de casa, são também em sua esmagadora maioria donas
de casa, ainda mais no tempo do recorte da pesquisa do que nos dias atuais.
95
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96
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foram modificadas com respaldo em
informações encontradas nestes dois sites:
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VIECELI, Cristina Pereira. Mulher e trabalho no Brasil: características, avanços e codigo=4397490 e
http://www.revistasociologica.com.mx/pdf
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Porto Alegre: UFRGS, 2011. sejam incorretas, favor nos fornecer as
corretas (veículo de publicação, volume,
número, local, e paginação).
Formatado: Espanhol (Espanha-
internacional)
Formatado: Espanhol (Espanha-
internacional)
Formatado: Espanhol (Espanha-
internacional)
Formatado: Espanhol (Espanha-
internacional)
Formatado: Espanhol (Espanha-
internacional)
Formatado: Espanhol (Espanha-
internacional)
Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
97
Olhe, Senhora, como será a sua casa depois da Vitória! Aqui está a cozinha do
amanhã. Olhe bem, que ela é o símbolo da elegância, da limpeza e da comodidade
que vão caracterizar a sua casa quando a guerra for ganha [...] Os mesmos aços que
hoje contribuem a vencer e exterminar ao inimigo se dedicarão, trás a vitória, a
vencer a escassez, a incomodidade, o tempo e a distância. Eles vão trazer para a sua
casa melhores cozinhas, geladeiras, máquinas de lavar, utensílios e mil coisas más,
[...] e contribuirão para que na nova era se somem liberdade, bem-estar e
abundâancia.93.
INTRODUÇÃO
92
Este estudo é realizado com ajuda financeira do Instituto Franklin de Investigação da Universidade de
Alcalá de Henares, como parte do trabalho do grupo de investigação do projeto E Pluribus (Non) Unum: linajes
alternativos en la modernidad estadounidense. Formatado: Português (Brasil)
93
Anúncio publicitário da empresa estadunidense Republic Steel Corporation na edição em castelhano de
Selecciones del Reader's Digest para América Latina, outubro de 1943. Tradução do original: “¡Mire, señora, la
casa que tendrá tras la Victoria!/ He aquí la cocina de mañana. Mírela bien, que es el símbolo de la elegancia, la
limpieza y la comodidad que caracterizarán la casa de usted [sic] cuando se gane la guerra. […] Los mismos
aceros que contribuyen hoy a vencer y exterminar al enemigo se dedicarán, tras la victoria, a vencer la escasez,
la incomodidad, el tiempo y la distancia. Ellos traerán a la casa mejores cocinas, heladeras, máquinas de lavar,
utensilios y mil enseres más […] y contribuirán a que en la nueva era se aúnen libertad, el bienestar y la
abundancia”.
99
O êxito da revista The Reader’s Digest tem explicações muito diferentes nos Estados
Unidos do que na América Latina, onde o conservadorismo e os valores puritanos de certa
parte da sociedade norte-americana não faziam sentido. Talvez os pontos em comum
fossem os artigos de autoajuda, em que a revista foi pioneira,e que, segundo o trabalho de
Mary Junqueira (2000), foram de grande aceitação entre o público brasileiro. Este artigo
aponta, porém, para outra direção: o atrativo da novidade, a admiração pela “superioridade”
tecnológica, o encantamento pela modernidade. Algo que poderia se encaixar na feliz
expressão de Pedro Tota (2000), um “imperialismo sedutor”. Sedução a qual, segundo pode -
se ver em numerosos documentos da OCIAA, era mútua.94.
Cabe ainda ressaltar que o governo norte-americano se relacionava de forma
diferenciada com alguns países da América Latina, especialmente no Cone Sul. A mais
expressiva diferenciação era entre Brasil e Argentina; mantendo com o primeiro importantes
acordos comerciais, culturais, militares e financeiros, e com o segundo uma relação de
crescente hostilidade, cujas explicações e características excedem o marco deste trabalho. O
que aqui nos interessa é que, apesar destas diferenciações, a revista The Reader’s Digest
apresentava maijoritariamente conteúdos similares, traduzidos para o castelhano e para
o português, só que em meses diferentes (a edição apareceu em castelhano em dezembro
de 1940, e em português, em fevereiro de 1942). Em alguns números, porém, aparecem
na edição brasileira artigos que exaltam a “boa vizinhança” e o marco de amizade em que
transcorrem as negociações entre Brasil e Estados Unidos, artigos os quais são
exclusivos para a edição em português. Já a revista produzida em castelhano é a mesma para
toda América Latina.
O exame cruzado das edições em inglês, português e castelhano da revista
estadunidense The Reader’s Digest possibilita também uma aproximação às correntes
culturais veiculadas por meio desse periódico e que atravessaram as Américas nos
complicados tempos da Segunda Guerra.
94
Por exemplo, os informes sobre o
carnaval nos países latino-americanos, encomendados pela OCIAA. Arquivos NARA, RG 229/350, Box 135:
Carnival/Tourist Travel. Formatado: Português (Brasil)
102
americanos. Impulsionado pela necessidade de abrir novos mercados para os seus produtos,
perante as dificuldades ocasionadas pelo conflito europeu e pelo seu interesse em se abastecer
de matérias -primas escassas durante a guerra – -mas abundantes no sul do continente –- o
presidente Franklin Delano Roosevelt investiu fortemente na denominada Política da Boa
Vizinhança (Good Neighbourg Policy). Deste modo, o presidente norte-americano
abandonava os tempos do Big-Stick, o qual caracterizou durante décadas um modo duro de se
relacionar com a América Latina.95.
Mas existiam, também, outras preocupações de caráter cultural, e não
econômico. Os serviços de espionagem estadunidenses alertavam sobre a divulgação de
ideologias nazi-fascistas no Cone Sul, especialmente no Brasil e na Argentina, onde a
população de origem ítalo-germana era numerosa. Com o objetivo de conquistar “os corações
e as mentes”96 do público latino-americano, o governo de Washington criou a Office of
Interamerican Affairs (OCIAA), cujas atividades tinham por objetivo a cristalização de
duas imagens centrais. Por um lado, a da superioridade norte-americana frente ao Eixo nazi-
fascista; por outro, a do modelo civilizatório dos Estados Unidos para a América Latina. Tal
modelo devia ser hegemônico, e somente poderia se legitimar por meio da difusão de uma
ideologia política de cooperação continental (MOURA, 1984).
Neste contexto é que se insere a revista norte-americana Seleções do Reader’s
Digest, cuja edição latino-americana começou a ser editada em espanhol em dezembro de
1940, e em português, em fevereiro de 1942. Muito embora a revista não conste entre os
veículos do Serviço de Publicações do Governo (USIA), segundo a historiadora brasileira
Mary Junqueira (2000, p. 40) – que estudou a trajetória da revista no Brasil –, alguns
executivos de Seleções na Europa estiveram ligados à CIA durante a Guerra Fria. Mesmo que
os tradutores e redatores fossem locais, o diretor geral da revista era sempre um americano, o
que facilitava a cooperação, tanto com o Departamento de Estado, como com a agência norte-
americana. Segundo o investigador John Heidenry (1993), importantes figuras do governo
norte-americano e influentes políticos e empresários da época visitavam a casa do casal
fundador do Reader's Digest, em Pleasantville, no estado de Nova Jersey. Entre eles – e Formatado: Fonte: Não Itálico
95
Theodore Roosevelt, tio de Franklin Delano Roosevelt e vigésimo-sexto presidente de Estados Unidos
(1901-1909), afirmava que para se aproximar de América Latina, era necessário um grande sorriso nos lábios e
um grande garrote (Big Stick) escondido atrás das costas. Formatado: Fonte: Itálico
96
Esta expressão, “conquistar os corações e as mentes”, aparece reiteradamente em toda a
Formatado: Português (Brasil)
correspondência dos agentes secretos norte-americanos. Para este estudo, citamos as cartas do agente “Jack”,
interceptadas pela policia secreta de Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 01/06/ jun. 1941. Archivo: CPDOC-FGV.
Serie Confidencial- GV confid 1941.06.01. Microfilms: rollo 19, fot. 0579 a 0581. Formatado: Português (Brasil)
103
97
Entre uma vasta documentação, citamos aqui uma carta do diplomata Lourival Fontes ao presidente
Getúlio Vargas. Washington, 20/11/ nov. 1944. Archivo: CPDOC/FGV. 1944.11.20/2. Microfilm: 0567 a 0572;
e outra de Oswaldo Aranha a Getúlio Vargas em Rio de Janeiro, 14/08/ ago. 1937. Archivo: CPDOC c
1937.08.13 Microfilm: 5 – 0561/2 a 0570.
98
Memorandum de J.R.Josephs, director do Sub Commiteee Motion Pictures, para Jhon Hay Withnes, Formatado: Português (Brasil)
coordinador do Motion Pictures Commiteee. Whasington, 28/02/ fev. 1942. National Arquives and Records
Administration – RG 229-350753406, Box 222, Memo 34. Formatado: Inglês (Estados Unidos)
104
A revista The Reader’s Digest circulava desde 1922 nos Estados Unidos, com grande
êxito. Fundada e dirigida pelo casal formado por Lila Bell Ancheson e William De Witt
Wallace, ambos filhos de pregadores presbiterianos, a revista carregava os valores
conservadores norte-americanos. Eram páginas de cristianismo, de filantropia, da virtude
republicana. A partir de dezembro de 1940, a versão em castelhano, Selecciones
del Reader’s Digest, começou a circular na América hispânica. Editada inicialmente em Formatado: Fonte: Não Itálico
Cuba, engajava-se no esforço de guerra para combater uma ameaça que os experts de
Washington interpretavam como crescente: o avanço da ideologia nazifascista entre os
numerosos imigrantes de origem italiana e alemã que residiam no Cone Sul. Em sintonia com
este propósito, a edição em português chegou em fevereiro de 1942, sob o nome Seleções, Formatado: Fonte: Não Itálico
alcançando regiões tão distantes como o Acre (JUNQUEIRA, 2000, p. 44). Era o contexto da
Segunda Guerra, e a revista ganhava novos conteúdos. Como fenômeno editorial, atravessou as
Américas com sua carga de valores e representações dos diversos “inimigos” dos norte-
americanos, que, em um primeiro momento, eram os nazistas, mas que nos anos da Guerra Fria
passaram a ser os “comunistas”.
Ainda se tratando do condensado de artigos de autoria diversa, extraídos de outras
publicações, todos os materiais estavam claramente costurados em torno a um eixo ideológico
central, que outorgava unidade e consistência editorial ao conjunto. Os tópicos da liberdade,
paz e bem-estar repetiam-se incansavelmente. O discurso empregado nos relatos de
biografias triunfadoras, nas matérias sobre os avanços científicos, as descobertas
tecnológicas, a vida nas grandes cidades e até os artigos de autoajuda plasmavam uma
inabalável fé no progresso e na superioridade anglo-saxônica, e na fortaleza da nação
americana.
Uma das características mais notórias de Seleções é a sintonia entre os conteúdos e
os anúncios publicitários, a ponto de dificultar a distinção entre ambos. É difícil perceber
onde uns acabam e onde os outros começam. O curioso é que tais anúncios – pagos e
assinados pelas grandes indústrias cujas marcas usualmente associamos a eletrodomésticos –-
não visavam vender produtos para o lar, para o conforto ou para o uso pessoal, mas se
ocupam de divulgar os avanços da tecnologia de guerra e as grandes descobertas que
garantiriam a vitória aliada no fronte europeu. Exibem tanques, armamentos, lanchas,
helicópteros, aviões e todo tipo de componentes bélicos, como se fossem geladeiras ou
máquinas de lavar.
105
constituía uma novidade na tradição da revista estadunidense, prática a qual seu criador,
Dewitt Wallace, sempre recusou. Nos Estados Unidos, a revista se sustentava
exclusivamente com base na venda por subscrições, um dado de grande importância
para os objetivos desta pesquisa. Mas as edições latino-americanas ficaram sob a direção de
Achey Ancheson, irmão de Lila Bell Ancheson (CANNING, 1996), quem aceitou a proposta
de Nelson Rockefeller, diretor da OCIAA. A ideia era transformar a revista em um veículo
portador dos valores americanos e, por tanto, capaz de afastar a propaganda
nazifascista no sul do continente. Dois meses antes do seu lançamento na América Latina, a
revista norte-americana pedia a colaboração dos seus leitores estadunidenses, animando-os a
comprar subscrições para possíveis leitores latino-americanos “por apenas um dólar”,
assegurando nas suas páginas centrais que o Reader’s Digest “é o mais efetivo
intérprete de Estados Unidos para aqueles que vivem em outros países [...] nenhuma outra
influência [...] consegue estimular nos países estrangeiros a compreensão dos nossos
alcances e aspirações”99.
Também se anunciava aqui a inclusão de anúncios publicitários nas edições latino-
americanas do Reader’s Digest, a qual tinha um duplo objetivo. Por um lado, tratava-se de Formatado: Fonte: Não Itálico
angariar recursos para que o lançamento da revista fosse um projeto lucrativo, antes
mesmo de que a venda das subscrições mostrasse a sua capacidade comercial. Por outro – e é
este o aspecto que mais nos interessa – a revista estadunidense levaria aos lares das
emergentes classes médias latino-americanas o “modelo” de um estilo de vida com amplo
99
Tradução livre do original: “The Reader’s Digest is a sot effective interpreter of the United States to
those living in other countries. No other single influence does so much to stimulate in foreign lands an
understanding of our achievements and our aspirations” The Reader's Digest. Pleasantville, New Jersey,
agosto de 1940, páginas centrais (s. p.). Formatado: Português (Brasil)
106
envergadura. Uma rápida leitura destes nomes nos permite associá-los à fabricação dos
eletrodomésticos, que mais tarde povoariam os lares dos tempos da Guerra Fria, embora
naqueles primeiros anos da década de 1940 estivessem com a produção voltada
exclusivamente à indústria de guerra.
As agências de publicidade multinacionais começavam a se instalar na América
Latina, e tinham grandes expectativas nas possibilidades de colaboração com o governo
estadunidense. Em uma carta para o seu superior em Washington, o diretor da regional Brasil
da OCIAA relata que a empresa Grand Advertising tinha estabelecido escritórios no Rio de Formatado: Fonte: Não Itálico
Janeiro e São Paulo, “com instalações de grande beleza, de longe muito mais do que o
habitualmente experimentado no país”, e que tal empresa desejava plantar bases permanentes
nestas duas cidades. Ainda segundo esta carta, o vice-diretor da Grand Advertising, David Formatado: Fonte: Não Itálico
Echols, tinha-lhe dito uma semana antes pelo telefone que planejava “como mínimo,
supervisionar os negócios em Argentina e Brasil”, manifestando assim “o seu desejo de
colaborar com o programa da OCIAA”.101.
As numerosas missivas estendiam o seu alcance a outras mídias, como o rádio. Uma
das cartas emitidas pelo Comitê do Brasil da OCIAA, em 1943, por exemplo,
encabeçada como “Cooperação com anunciantes americanos”, lembra que no fim do ano a
maioria dos anunciantes estariam planejando os seus orçamentos para 1944 e que certamente
100
NARA – RG 229- 350 75 34 06, Boxes 222, 170 e 193. Formatado: Português (Brasil)
101
Carta de E.C. Given, Chairman da OCIAA-Brasil, para John Akin, diretor do setor de publicidade da
em Washington. Rio de Janeiro, 16/9/1943. NARA-RG 229- 350 75 34 06, Box 170, Memo 1532.
107
Estados Unidos”. O final da carta reforça o rol dessas companhias junto ao governo
americano, já que, segundo se afirma, “tiveram importante papel também na distribuição das
nossas publicações através do continente” (tradução própria)102. É interessante se deter na [A29] Comentário: Estes trechos da
carta são originais, traduções publicadas ou
autoria destas cartas, escritas pelos diretores ou outros cargos dos comitês da OCIAA em cada traduções livres da autora?
país sul-americano. O autor desta que citamos, por exemplo, é H. Valter Blumental, a
quem encontramos na página web do Archives Directory for the History of Collecting in Formatado: Fonte: Não Negrito
103
America como patrocinador e colecionista de arte, falecido em 1969. . As facilidades
proporcionadas atualmente pela internet nos ajudam a identificar outros autores, a maioria
procedente da sociedade civil estadunidense. Segundo parece, os cargos da OCIAA não
constituíam a ocupação principal destes personagens. O envolvimento de outras figuras do
cinema e da literatura (como o empresário Walt Disney e o ator e diretor Orson Wells)
com as atividades da OCIAA104, assim como nas edições do Reader’s Digest, nos autorizam
a pensar em uma espécie de “engajamento” nesta empreitada estadunidense contra o nazi-
fascismo. Durante os anos 1940-1945, assinaram editoriais e notas de contra-capa na
revista notórios nomes, como o humorista e ator Groucho Marx e o dramaturgo Arthur
Miller.
No primeiro número da edição em castelhano – Selecciones –o Reader’s Digest
explicava esta modalidade na forma de uma “Advertência”;
A editorial do Reader’s Digest tem o prazer de recomendar os artigos e serviços
das casas cujos anúncios aparecem nas páginas seguintes. A seção de
102
Carta de H.Valter Blumental, diretor do Committee Brazil, para a OCIAA central (Washington DC).
National Archives and Records Administration (NARA). RG 229 /350/ 75 /34- 06, Box 1596. Rio de Janeiro,
23/9/1943. Código de campo alterado
103
Disponível em: Formatado: Fonte parág. padrão,
http://research.frick.org/directoryweb/browserecord.php?-action=browse&-recid=6644>. Acesso Português (Brasil)
em: 11 dez. 2013.
104 Formatado: Fonte parág. padrão,
O historiador brasileiro Gerson Moura (1984) foi o primeiro a pesquisar as atividades da OCIAA no Português (Brasil)
Brasil. Para investigação que aqui se apresenta, foram consultados os arquivos do Centro de Pesquisa e
Documentação Contemporánea (CPDOC, Rio de Janeiro), dos National Archives and Records Administration Formatado: Português (Brasil)
(NARA, Whashington) e do Archivo Histórico da Cancillería Argentina (Buenos Aires). Formatado: Português (Brasil)
108
Eis o motivo porque estamos em guerra. É para contribuir a ganhar esta gigantesca
luta, que a United States Rubber Company, abrindo um parêntese na sua missão de
paz, pôs-se inteiramente ao serviço das Nações Unidas. Servimos hoje a causa da
Liberdade para continuar servindo ao Bem-estar da humanidade após a Vitória.106 [A30] Comentário: No original está
sem acento?
105
Tradução livre do original: “La Editorial del Reader’s Digest se complace en recomendar los artículos
y servicios de las casas cuyos anuncios aparecen en las páginas siguientes. La sección de anuncios del Reader'’s
Digest no ocupará en ningún número más de una cuarta parte del total de la revista. En los anuncios que
aparecen en ella se hallarán representadas las principales casas exportadoras e importadoras. […] El producto de
los anuncios servirá para mejorar y ensanchar la revista Selecciones a fin de que haya de resultar en todo
momento de máximo interés y utilidad para el lector. Al contratar anticipadamente el espacio que deseaban
ocupar en la sección de anuncios, las casas anunciantes nos han capacitado para ofrecer Selecciones del Reader’s
Digest a precio extraordinariamente reducido, lo cual le asegura a la revista muy extensa circulación, desde éste,
su primer número”.Selecciones del Reader’'s Digest, número 1, agosto de 1940., p. 106.
106
Anúncio da United States Rubber Company Seleções, edição brasileira. Nº 21, Outubro de 1943. Formatado: Português (Brasil)
109
sempre para as mulheres. Segundo afirma Nara Widholzer (2005), foi precisamente durante a
Segunda Guerra que se delinearam os contornos da propaganda contemporânea. Ao mesmo
tempo, estimulava-se o desejo por tudo aquilo que não era possível fabricar enquanto durasse
a guerra, devido à escassez e concentração de materiais e de mão- de -obra no esforço “pela
liberdade”. Em maio de 1942, a companhia de produtos elétricos Westinghouse se mostrava
esperançosa: “Todos nós estamos trabalhando por aquele dia em que nossas mãos
possam voltar a criar artigos para um mundo sem guerra”108. O forte investimento
publicitário das indústrias apostava em colocar as novas invenções, decorrentes do esforço
de pesquisa em tecnologia de armamentos, no mercado mundial do pós-guerra. A Vitória
era, por tanto, um negócio a médio prazo. E os países da América Latina, enlaçados
pela “política de boa vizinhança” amarrada ao discurso pan-americanista de
solidariedade continental, conformavam o mais promissor dos mercados. Se o negócio
era bom para as indústrias, também dava lucros imediatos para o governo de Washington,
pois a conquista dos “corações e das mentes” dos vizinhos continentais asseguraria a
consolidação dos tratados de mútua defesa e a desarticulação dos planos que a Alemanha
de Hitler tinha para América Latina. Embora o projeto hegemônico dos Estados Unidos se
chocasse em múltiplas ocasiões com a
107
Um anúncio financiado pelo governo estadunidense mostrava a imagem de uma figura feminina com o
punho direito fechado, levantado, em sinal de força. A imagem era precedida pela frase “We can do it”, apelando
às mulheres que tinham os seus maridos lutando no fronte europeu, e deviam então se ocupar dos menores e
idosos, além de ocupar os postos de trabalho. Formatado: Português (Brasil)
108
Anúncio da Westinghouse Electric International Company. Seleções, edição em português, nº 4, maio
de 1942, páginas publicitárias (s. p.). Formatado: Português (Brasil)
110
TEMPO E AÇÃO
Para o seu lar da vitória, minha senhora. Veja aí “a cozinha de amanhã”. Observe
bem, pois é um símbolo da beleza, conforto e conveniência que devem caracterizar a
sua casa depois de ganha a guerra. Prevêem-se ai algumas inovações que tornarão o
Lar da Vitória de uma comodidade e encanto que nem se sonhava ser possível
(...)[...] esses são os produtos que ajudarão a tornar mais rica e abundante a liberdade
pela qual lutamos juntos. Mas esta vida melhor somente poderá se tornar realidade
depois de termos derrubado as forças da escravidão, com um golpe final e
vitorioso.109.
Este tipo de retórica vitoriosa é uma constante em todas as páginas publicitárias, que
seguem sempre o mesmo roteiro: Vitória → inimigos derrotados → liberdade vencedora →
tecnologia norte-americana→ maravilhas para o futuro → eletrodomésticos para mulheres.
109
Anúncio da Republic Steel Corporation. Seleções, edição brasileira. Nº 21, outubro de 1943, páginas
publicitárias (s. p.).
111
Como elementos de uma equação inequívoca, compõem promessas para o futuro, como se as
mulheres habitassem um tempo sem tempo. Possível, mas ainda intangível. [A32] Comentário: Aqui talvez fosse
mais interessante usar “→” ao invés de “–”
Para cristalizar a ideia do “amanhã”, é frequente a utilização de imagens de crianças. para denotar visualmente a ideia de
sequencialidade. Ex.:
É interessante perceber que a maioria destes anúncios se apresentam sob um título, como se Vitória → inimigos derrotados → liberdade
vencedora → tecnologia norte-americana
tratasse de estórias infantis. Um dos melhores exemplos aparece neste institucional da General → maravilhas para o futuro →
eletrodomésticos para mulheres
Electric, que, sob o título “era uma vez uma linda princesa”, narra o “futuro” de uma suposta
Podemos fazer a alteração ou mantemos o
menina chamada Maria Luiza. O texto aparece embaixo de uma figura desenhada mostrando traço?
Porém, adverte outro anúncio que toda esta maravilha somente será possível para
quem apoiar a causa Aliada, como explica o texto de uma publicidade da Republic Steel
Corporation: “Mas essa nova era não virá senão depois da vitória, e para alcançá-la é [A33] Comentário: A ausência de
pontuação consta no original?
necessário que os países de América se unam em um esforço supremo para exterminar quanto
antes as forças da tirania e do vandalismo”111.
A maioria dos anúncios publicitários publicados entre 1940 e 1945 coincidem em
afirmar que os aparelhos prometidos (aspiradores, geladeiras, ferros, lavadoras) ainda não
existem, mas que a tecnologia necessária para a sua fabricação já é uma realidade, já está
disponível, e é consequência da pesquisa realizada pelas companhias multinacionais
110
Tradução livre do original: “En vez de una carroza de calabaza, tendrá un automóvil de concepción
completamente nueva, y un aeroplano tan fácil de manejar como un automóvil. Sus zapatitos no serán de cristal,
como los de la Cenicienta, sino de material plástico. Mudos y obedientes criados eléctricos realizarán todas las
tareas de la casa, pues a los actuales aspiradores de polvo, cocinas, lavadoras, planchadoras y refrigeradores
eléctricos se añadirán muchos otros enseres domésticos./ Sí, así será el mundo de mañana, en el cual nuestros
hijos vivirán mejor que los príncipes y princesas de los cuentos de hadas, y para cuya realización los hombres de
ciencia de la General Electric y otras importantes empresas están ya trabajando en nuevos descubrimientos y
nuevas aplicaciones, como los materiales plásticos, nuevas ciencias, como la electrónica, y muchos otros
inventos que llevarán la felicidad y el bienestar a todos los hogares, en un mundo nuevo, libre para siempre de
las acechanzas de la tiranía y el despotismo”. Anúncio da General Electric. Selecciones del Reader`s Digest,
novembro de 1943, páginas publicitárias (s. p.).
111
Publicidade da Republic Steel Corporation, Seleções do Reader's Digest, setembro de 1943, páginas
publicitárias (s. p.). Formatado: Português (Brasil)
112
consumidores, são ao mesmo tempo partícipes desse esforço pela liberdade, aqui entendido
como “modernidade”. O conforto funciona como uma espécie de gratificação, um “prêmio”
por ter ficado do lado certo. Talvez por isso, os anúncios insistam no valor desse futuro.
Esta ideia de modernidade está aliada a algumas noções básicas, como elegância,
conforto, higiene e beleza. Estes valores também constam dos artigos publicados na revista,
apresentados como novidade inclusive para o público estadunidense. Na seção “Open
Culture”, vemos que estes novos atributos podem também ser funcionais:
Quando o atual conflito acabar (tal vez antes), o Koroseal* voltará a ocupar o seu
importante lugar na vida civil. Enquanto isso, será empregado em grandes quantidades
em cabos de encouraçados e outros equipamentos militares. Pouco ou nada falta,
pois, para cortinas de banho, capas de chuva, sombrinhas e muitos outros artigos
impermeáveis. Algum dia, não somente poderão as mulheres usar meias
revestidas com Koroseal, como também um novo tipo, feito de seda genuína
e fibras de Koroseal. Não se romperão mesmo que sejam furadas com tesouras
(…) e serão tão transparentes como a seda mais fina. (…) A produção de
Koroseal foi multiplicada
112
Tradução livre do original: “American Culture: Open to the Public” The Reader’s Digest, Pleasentville,
NY, agosto de 1940, p., 113-116. “Note the gay use of color in the equipment of a modern kitchen. Even
factories and their machinery –- or intended the best of Woolworths glasswere –- are being built as if intended
to be looked at. The packagging of goods has been revolutionized. Little by little we are relearning that useful
things can be beautiful, learning that millions of people like them to be beautiful”. Formatado: Inglês (Estados Unidos)
113
dezembro de 1944:
113
Tradução livre do original: “Cuando termine el actual conflicto (tal vez antes), el Koroseal* volverá a
ocupar su importante puesto en la vida civil. Mientras tanto, será empleado en grandes cantidades en cables de
acorazados y otros equipos militares. Poco o nada queda, pues, para cortinas de baño, capas para la lluvia,
sombrillas y muchos otros artículos impermeables./ Algún día, no solamente podrán las mujeres usar medias
revestidas con Koroseal, sino una nueva clase hecha de seda genuina y fibras de Koroseal. No se romperán
aunque sean pinchadas con tijeras, como en el grabado, y serán tan transparentes como la seda más fina./ (…) La
producción de Koroseal ha sido multiplicada repetidas veces para satisfacer las necesidades militares. Pero las
indagaciones para el futuro continúan, y algún día los productos Koroseal volverán al mercado”. The
B.F.Goodrich Company, División Internacional, Akron, Ohio. Selecciones del Reader's Digest, edição em
castelhano, agosto de 1943, páginas publicitárias (sem numeração). Formatado: Português (Brasil)
114
Publicidade da Esso - Standard oil Company. Seleções do Reader's Digest, edição brasileira, nº 35,
dezembro de 1944, páginas publicitárias (sem numeração). Formatado: Português (Brasil)
114
FIGURAS 3 E 4 – ANÚNCIOS DA EVERSHARP INC. CHICAGO USA [A34] Comentário: Existe algum
motivo para que figuras sejam
denominadas 3 e 4, se são as primeiras a
aparecerem no capítulo? Antes delas
deveria haver alguma outra?
Formatado: Fonte: Não Negrito
Formatado: Centralizado
Formatado: Fonte: Não Negrito
[A35] Comentário: Talvez fosse mais
interessante inverter a ordem destas duas
imagens: colocar a da moça à esquerda e
dos soldados à direita, uma vez que o
anúncio com a moça é citado primeiro
acima. Podemos fazer a inversão ou
mantemos dessa forma?
115
Anúncio da Eversharp Inc. Chicago USA. Seleções, versão brasileira, maio de 1942, páginas
publicitárias (sem numeração). Formatado: Português (Brasil)
116
Anúncio da Eversharp Inc. Chicago USA. Seleções, versão brasileira, agosto de 1942, páginas
publicitárias (sem numeração). Formatado: Português (Brasil)
115
FONTE: Seleções, versão brasileira, maio e agosto de 1942, respectivamente, páginas publicitárias (sem Formatado: Fonte: Não Negrito
numeração).
Formatado: Centralizado
Quando eu for uma senhora.../Terei uma linda casa... Claro que sim, Carmencita.
Uma casa preciosa. Não sabemos como será, exatamente. Mas será uma casa
maravilhosa, porque todas as casas serão melhores que as de hoje, em muitos
sentidos. E haverá nelas muitas coisas com as que sequer sonhamos hoje.... /Terei
um estupendo automóvel... Ou um aeroplano. Ou, quem sabe, algo parecido com o
famoso tapete mágico... /Os nossos atuais telefones, e rádios, e refrigeradores
pareciam coisas de mágica quando os vimos pela primeira vez… /Terei muitíssimo
dinheiro... Dinheiro? Dinheiro não é tudo, Carmencita. Embora, então, cada centavo
e cada peso valerão mais que hoje. E o que mais?... /E serei muito feliz, como a
minha mãe! Mais feliz ainda, Carmencita. Porque neste preciso momento,
laboriosos cientistas trabalham para lograr novos descobrimentos que nos façam
mais felizes, e, nas fábricas, os engenheiros idealizam novos procedimentos para
baratear os produtos e fazê-los mais acessíveis e baratos que agora. Os teus sonhos
estão se cumprindo de verdade porque em muitas empresas como a General Electric
os homens trabalham para que o mundo do amanhã seja melhor do que o presente.
Os produtos da General Electric de E.U.A se vendem no mundo todo por
116
117
118
Selecciones del Reader's Digest, setembro de 1943, páginas publicitárias (s. p.). Formatado: Espanhol (Espanha-
Tradução libvre do original: “Esa ciencia fabulosa – la electricidad -– ha de contribuir de mil formas a internacional)
nuestra felicidad: nos traerá la televisión, mejor cie, mayor protección a la salud, mejores alimentos y aguas más
puras”. Anúncio da Westinghouse Selecciones del Reader’s Digest, setembro de 1943, páginas publicitárias ( s.
p.). Formatado: Português (Brasil)
119
Anúncio da Westinghouse. Seleções do Readers Diges't, versão brasileira, maio de 1944, páginas
publicitárias (s. p.). Formatado: Português (Brasil)
117
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas últimas décadas, variados estudos feministas destacam que o gênero não
compreende apenas a simples dicotomia masculino-feminino, mas que se cruza com uma rede
de elementos vinculados às estruturas de classe, poder e etnicidade, as quais, por sua vez,
estruturam as relações sociais (CECCHETTO, 2004). Sob esta mesma perspectiva, insiste-se
na necessidade de romper com as polarizações entre os gêneros a fim de desnaturalizar os
papéis socialmente sexuados. Na expressão de Joan Scott, tomando nota da recomendação de
Michel Foucault, desnaturalizar as categorias sobre as quais descansam as estruturas de poder
é desnaturalizar a sua aparente estabilidade, por isso, é necessário historicizá-las (SCOTT,
2006).
Desnaturalizar o aparente arraigo histórico daquilo que sugere continuidade no nosso
presente, implica em reconhecer uma diversidade de modelos para o que conhecemos como
“masculino” e “feminino”, a partir da compreensão de que tais estilos correspondem aos
diferentes modos com que homens e mulheres se implicam na política, na arte, na cultura e na
economia do seu tempo, para poder corresponder a valores cambiantes, que aparecem e
desaparecem ao longo dos anos.
Os anúncios publicitário de Seleções resultaram de uma estratégia do governo
estadunidense para financiar as edições latino-americanas da revista, ao mesmo tempo em que
difundiam os valores do American Way of Life como uma promessa para quem aderisse à
causa aliada. Para sua implantação, apresentavam para as mulheres latino-americanas um
modelo sedutor e complacente do conforto associado à modernidade. Ofereciam, assim, a
promessa de uma vida doméstica, sem sobressaltos, que para as latino-americanas se traduzia
em conforto e bem -estar. Mas é importante lembrar que esse modelo doméstico se
distanciava notoriamente dos movimentos feministas estadunidenses das primeiras décadas do
século XX. Da mesma forma, nada tinha a ver com o então papel desempenhado pelas
mulheres dos países envolvidos no conflito nas fábricas de armamento, onde
substituíam os homens, que se encontravam no fronte de batalha.
118
pela própria multiplicação. Como afirma Nara Widholzer, aos publicitários parece
natural associar invariavelmente à mulher os utensílios domésticos, de modo que os
consumidores “não vêem necessidade de questionar a convencional distribuição de atribuições
para homens e mulheres, uma vez que se apóia no senso comum” (WIDHOLZER, 2005, p.
23).
A perspectiva histórica permite observar a articulação entre o contexto político e a
vida cotidiana. Vemos como os anúncios do Reader’s Digest sofrem mudanças ao longo
do período 1940-1945, que corresponde à participação dos Estados Unidos naSegunda
Guerra. Tais mudanças poderiam ser pensadas em três etapas: a primeira de las desde o
lançamento da edição em castelhano (1940),; marcada pela linguagem de
solidariedade continental própria do pan-americanismo, que se corresponde aos interesses
econômicos de Estados Unidos na região sul.
Uma segunda etapa, a partir de 1942, e nquanto se travavam as batalhas decisivas no
fronte europeu, aparece caracterizada por uma linguagem mais agressiva com os inimigos,
configurando os dois lados de forma polarizada e carente de sutilezas. Aqui é frequente
a demarcação das noções de “modernidade”, associadas ao “lado certo”. Valores que
se repetem com insistência e reforçam o modelo: progresso, tecnologia, velocidade,
eficácia, higiene, praticidade, automatização, saúde, economia de energia e de trabalho;
todos igualmente conectados com a noção da modernização alcançada pelos Estados Unidos.
119
REFERÊNCIAS
CANNING, Peter. American dreamers: the Wallaces and Reader’s Digest – a insider’s [A37] Comentário: Não consta no
story. New York: Simon & Schuster, 1996. texto, assim como outros títulos abaixo
indicados. Talvez fosse mais interessante
colocar como “fontes” ou “leituras
sugeridas” do que nas Referências.
Outros autores que não aparecem citados
CECCHETTO, Fátima Regina. Violência e estilos de masculinidade. Rio de Janeiro: no texto: BETHELL, 2002; CUEVAS
FGV, 2004. CANCINO, 1989; MAY, 2008; MOURA,
1980, 1990.
Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
CERTEAU, Michael de. La invención de lo cotidiano. México: Universidad
Formatado: Fonte: Não Negrito,
Iberoamericana, 1999. Itálico
Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
COLOMINA, Beatriz. La domesticidad en guerra. Barcelona: Actar, 2006. Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
Formatado: Espanhol (Espanha-
CRANE, Diana. A moda e o seu papel social. São Paulo: SENAC, 2007. internacional)
Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
ESCUDÉ, Carlos; CISNEROS, Andrés (DirOrg.). Historia general de las relaciones Formatado: Português (Brasil)
exteriores de la República Argentina:. Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
(CARI). Buenos Aires: Grupo Editor Latinoamericano, 2000.
HEIDENRY, John. Theirs was the kingdom: the story of the Reader’s Digest. New York:
W.W. Norton, 1993. Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
MAC DONALD, C. A. The politics of Intervention: the United States and Argentina. Journal
of Latino American Studies, v. 12, n. 2, (1980), p. 365-396, 1980. Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. São Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
Paulo: Brasiliense, 1984
Formatado: Fonte: Não Negrito
RAPOPORT, Mario. ¿Aliados o neutrales?: la Argentina frente a la Segunda Guerra Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
Mundial. Buenos Aires: EUDEBA, 1988.
ROJAS MIX, Miguel. El Imaginario. Buenos Aires: Prometeu, 2006. Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
WOODS, Randall Bennett. The Roosevelt Foreign Policy and the good Neighbor: The United Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
States and Argentina 1941-1945. Lawrence: Regents Press of Kansas, 1979.
122
120
Una versión de este artículo fue publicada en inglés en el Journal of Consumer Culture, v. 12, n. 2, Formatado: Espanhol (Espanha-
2012, p. 156-174. internacional)
123
objetos: flores, carpetas, fotos familiares e incluso pequeñas estatuillas. Si la heladera fue
diseñada para estar en la cocina, ¿cómo llegó al comedor y al centro de la vida familiar? ¿Qué
desplazamientos materiales y simbólicos explican el lugar que tiene en esta imagen? ¿Cuáles
fueron las consecuencias de estos viajes en relación con la visibilidad de las tareas
domésticas?
En Argentina, la promoción del consumo de electrodomésticos cobró impulso en la
prensa a partir de mediados de la década de 1930 (BONTEMPO, 2006). En 1936, las heladeras
de uso doméstico comenzaron a fabricarse de forma estándar en la Argentina, en el marco de un
proceso de industrialización que se desarrolló simultáneamente al crecimiento de la demanda
local (BELLINI, 2009). Sin embargo, las ventas, caracterizadas por profundas diferencias
regionales, se mantuvieron bajas hasta los años 1950 y 1960, cuando el nivel de la producción
nacional aumentó. La producción nacional alcanzaría cifras importantes a mediados de siglo,
pasando de 40.000 unidades anuales en 1950 a 130.000 en 1955, y a 206.000 en 1960
(DORFMAN, 1983). En 1947, sólo el 3% de los hogares argentinos tenía uno de estos aparatos,
una tasa comparable a la de otras latitudes: en 1948, sólo el 2% de los hogares británicos tenía
una heladera eléctrica (BELLINI, 2009, p. 117). En 1960, este porcentaje alcanzaba al 39,25%
de los hogares argentinos. De acuerdo con el Consejo Técnico de Inversiones, para 1969, el
80% de los hogares con electricidad tenía una heladera eléctrica. Sin embargo, en 1960 (sólo
tres años antes de que se tomaran las fotografías reproducidas arriba), sólo el 42% de los
hogares en la provincia de Buenos Aires tenía un artefacto de este tipo.
El aumento en el consumo de heladeras y otros artefactos domésticos en la Argentina
se asemeja al observado en otros países. Al igual que en la Europa de posguerra y en otros
países de América Latina, el american way of life se convirtió en un elemento importante en
la construcción de un ideal de domesticidad, donde el consumo centrado en el hogar y la
familia ocuparon un lugar preeminente (DE GRAZIA, 2005; SCRIVANO, 2005; MORENO,
2004). A pesar de que las imágenes utilizadas para promover el consumo de estos aparatos se [A40] Comentário: Não é a mesma
data que está na referência.
inspiraban en el modelo americano, la extensión de su uso dio lugar a lecturas locales. El
aumento en el consumo de heladeras y otros electrodomésticos se apoyó en diversas
imágenes, entre las que dos ganaron centralidad: en primer lugar, la promesa de confort en el
entorno doméstico y de una liberación de la ama de casa; en segundo lugar, una estética del
hogar “popular”, que trascendería los contextos temporales y políticos en los que nació, y
marcaría una diferencia respecto de los cánones del buen gusto de los sectores medios más
acomodados.
124
tecnificación del hogar. También incluí informantes de diferentes orígenes nacionales, como
italianos y belgas, y personas de otras regiones argentinas, por ejemplo, la provincia de
Santiago del Estero, y otras zonas de la provincia de Buenos Aires, así como nativos de Mar
del Plata (también, en la mayoría de los casos, los hijos de inmigrantes). Todos los
entrevistados se instalaron en Mar del Plata antes de la década de 1960. Sitúo las
representaciones rastreadas en los relatos construidos por los entrevistados en relación a otros
discursos de la época, buscando relaciones intertextuales entre ellos. He trabajado con un
corpus de varias revistas de amplia circulación de este período, centrándome en publicidades
de heladeras eléctricas. Incluí revistas dirigidas a un público general (Mundo Peronista, Rico
Tipo), a un público femenino (Para ti, El Hogar), y un público masculino (Hobby, Mecánica
Popular). En el corpus estudiado, también incluí Casas y Jardines, una de las revistas de
decoración más importantes en el país.
En las dos secciones que siguen, examinaré las condiciones en las que tuvo lugar la
expansión del consumo de heladeras eléctricas en Argentina, convirtiendo a este artefacto en
una “necesidad”. En la segunda sección del artículo, analizo los significados atribuidos a este
aparato por quienes podían permitirse comprarlo.
Las familias argentinas van teniendo heladeras y lavarropas casi sin excepción. Las
amas de casa se van liberando de las pesadas tareas del hogar, ya que esos y otros
adminículos mecánicos las hacen más llevaderas y gratas. Los alimentos se
conservan mejor y la familia obrera argentina ahorra dinero y salud como
consecuencia. Quizá alguno todavía piense que esos adelantos están desvinculados
de la conducción político social del país por parte del gobierno y que son regalos
que la técnica hace al hombre a esta altura de los tiempos. A ese podemos
preguntarle cuántos pueblos del mundo, con excepción de los Estados Unidos y
algunas naciones europeas – no muchas – cuentan realmente con estos regalos de la
técnica. Las comodidades y ventajas que la técnica ofrece son allí gozadas por los
privilegiados de siempre, pues esos pueblos no tienen la suerte del nuestro, en lo que
a justicia en la distribución de la riqueza se refiere. Argentina ya es un pueblo
moderno que cuenta con todas las ventajas que la técnica ofrece, y esas ventajas han
llegado a las más humildes capas sociales del país gracias al genio de un Presidente
que es el ejemplo del mundo y el orgullo de los argentinos.121. Formatado: Espanhol (Espanha-
internacional)
Este texto fue publicado en 1955 en una revista popular de la época, en la que se
presentaba al gobierno peronista como el agente de la democratización del bienestar. En este
pasaje, heladeras y lavarropas formaban parte de una promesa de confort para el pueblo y
liberación para las amas de casa. Los artefactos para el hogar y la figura del ama de casa
121
Formatado: Espanhol (Espanha-
“Confort para el pueblo”, Mundo peronista, 1 de abril de 1955, p. 31. internacional)
126
ganaron un nuevo lugar en el centro de las consideraciones públicas, no sólo en Argentina sino
también en otros lugares del mundo en la segunda mitad del siglo XX. El modelo de la casa
moderna que surgió después de la Segunda Guerra Mundial respondía a los estándares de
consumo de la clase media norteamericana, cuyo centro era la cocina (LAWRENCE-ZÚÑIGA,
2004; DE GRAZIA, 2005). El lugar ocupado por los artefactos domésticos, junto con el modelo
del ama de casa como consumidora, adquirió algunas singularidades en el contexto local. En
Argentina, la oposición a partir de la que se introdujo la domesticidad en la disputa por modelos
de desarrollo contrastaba el país de los “privilegiados de siempre” con el de la nueva argentina
en la que todos eran (o podían ser, en la medida del propio esfuerzo) “pudientes”.
Antes nadie soñaba siquiera con tener su heladera, su aspiradora y otros implementos
que facilitan la vida hogareña: eran privilegios de los pudientes. Hoy todos somos
pudientes en la medida de nuestro propio esfuerzo, que se nos reconoce gracias a
Perón y todos queremos esas cosas, como queremos levantar nuestra vivienda.122.
productos importados era fuerte. En julio de 1951, por ejemplo, el Banco Central calificó la
producción de heladeras como “prescindible”, lo que dio lugar a una serie de gestiones por
parte de los empresarios para eliminar las restricciones que dicha calificación suponía
(BELINI, 2009, p. 126).
No obstante, y a pesar de no haber sido beneficiaria preferente de los créditos del
Banco Industrial hasta 1954, la producción local de heladeras fue favorecida gracias a las
restricciones al comercio del gobierno peronista, a la concesión de permisos para importar
partes, y a los tipos de cambio preferenciales para la compra de maquinaria. La presión ejercida
por los empresarios del sector con el tiempo llevaría a que esta industria fuera declarada “de
interés nacional”, en 1954. Dicha industria fue finalmente calificada como esencial, cuando se
consideró necesario reducir los costes de producción de las heladeras para hacer “posible su
adquisición por parte de un sector más amplio de la población” (BELINI, 2009, p. 130).
La prioridad otorgada al confort doméstico y a la tecnificación del hogar puede
también rastrearse en la importante obra pública del período destinada al abastecimiento de
agua, electricidad y gas a una proporción sustancialmente mayor de las viviendas del país.
Así, entre 1946 y 1953, el consumo eléctrico creció un 45%. El consumo residencial de
energía eléctrica continuó creciendo de manera sostenida entre 1950 y 1980, duplicándose
cada 10 años.123. La intensificación del uso de energía eléctrica es explicada, al menos en
parte, por la disminución relativa de su precio en relación al índice general de costo de vida.
En este sentido, tomando como base 1943, se observa que, para 1957, mientras el costo de la
energía eléctrica había aumentado un 247%, el nivel general del costo de vida había alcanzado
un 956,1% respecto de la fecha de base.124. Para 1960, casi el 78% de las viviendas de la
provincia de Buenos Aires contaba con energía eléctrica, una proporción superior a la del total
del país (que para esa fecha era del 69%).125. Mar del Plata, por su parte, muestra un acceso Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
más temprano a este servicio. Para esa fecha, el 93% de las viviendas contaban con él. 126 Las
Formatado: Espanhol (Espanha-
internacional)
décadas de 1960 y 1970 mostraron un importante crecimiento del consumo de electricidad en
Formatado: Fonte: Não Negrito,
esta ciudad: entre 1965 y 1980, el consumo residencial de energía eléctrica se triplicó.127 Itálico
Formatado: Espanhol (Espanha-
internacional)
Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
123
Anuario Estadístico de la República Argentina 1980. Buenos Aires: Instituto Nacional de Estadísticas y Formatado: Espanhol (Espanha-
Censos, 1981-1982. internacional)
124
Anuario Estadístico de la República Argentina 1957. Buenos Aires: Dirección Nacional de Estadística Formatado: Espanhol (Espanha-
y Censos, 1957. internacional)
125
Censo Nacional de Vivienda de 1960, Tomo III, Instituto Nacional de Estadística y Censos. Formatado: Fonte: Não Negrito,
126
Ídem. Itálico
127
Consultar los Anuarios Estadísticos de la Municipalidad de General Pueyrredón correspondientes a Formatado: Espanhol (Espanha-
1974, 1974-1978, 1976-1980. internacional)
128
Es interesante observar que los argumentos desarrollados por los industriales para
pedir la protección del Estado para la producción de heladeras fueron los mismos después
utilizados por el gobierno para construir una imagen de la democratización del bienestar, en la
que las heladeras y las amas de casa ocuparon un lugar destacado. En el memorial dirigido al
ministro Gómez Morales en septiembre de 1951, por ejemplo, nos encontramos con los mismos
argumentos que más tarde serían retomados en los artículos publicados en Mundo Peronista:
¿Cómo condicionaron las formas en que dichos artefactos fueron usados? ¿Cómo se
inscribieron en la emergencia de nuevas distancias sociales?
FOUENTE: Casas y Jardines, enero-febrero de 1934, contratapa. Formatado: Fonte: Não Negrito
Legenda: Los equipos mecánico-eléctricos en la arquitectura de hoy han simplificado el
Formatado: Fonte: Não Negrito
trabajo del ama de casa. La cocina eléctrica que aquí vemos equipada con elementos
modernos muestra cómo, en traje de etiqueta, después del baile o el teatro puede
prepararse y tomarse el refrigerio en un ambiente limpio y confortable.128.
Si bien no se trata de una publicidad en sentido estricto, esta ilustración fue publicada
de modo recurrente en Casas y Jardines durante 1934 y es una de las imágenes tempranas de
la heladera eléctrica de uso doméstico en los medios gráficos del país (LIERNUR; Y
SILVESTRI, 1993; ROCCHI, 2003). La heladera eléctrica formaba parte de la cocina
moderna, que en su estética y equipamiento recuperaba la de las cocinas de los suburbios
norteamericanos. En efecto, la referencia a los Estados Unidos era sumamente frecuente tanto
en relación a los modelos arquitectónicos, como a los nuevos objetos y tecnologías
incorporados al hogar. En el tiempo en que se iniciaba la industria de artefactos eléctricos en
el país, los “pudientes” comenzaron a considerar la casa mecanizada como un ideal.
Para los años sesenta, la heladera eléctrica seguía siendo utilizada como un símbolo
de distinción, pero no por las mismas personas ni en el mismo sentido. Para quienes habían
podido comprarla recientemente, en un contexto en el que se había transformado en un bien
más accesible (recordemos que en tan sólo 13 años, de 1947 a 1960, los hogares argentinos
con uno de estos artefactos pasaron de un 3% a un 40%), era utilizada para enfatizar la
distancia con quienes aún utilizaban una heladera a hielo. El dinero (una cantidad menor que
en la década de 1930, pero aún considerable), sin embargo, no era el único requisito para
adquirir uno de estos artefactos. Las diferencias sociales y regionales también desempeñaban
un papel clave. A mediados del siglo XX, en muchas áreas urbanas del país aún no había
electricidad. Al igual que en el caso de Segunda, una tucumana que migró a Mar del Plata en
los años cincuenta, cuyo testimonio se reproduce abajo, la migración a menudo implicaba la
búsqueda de esas comodidades.
en 1960, alrededor del 42% de los hogares en la provincia de Buenos Aires tenía una cocina a
gas, sólo el 13% de los hogares en la provincia de Catamarca tenía una. Estas diferencias
ponen de manifiesto intensas desigualdades en el trabajo doméstico realizado en diferentes
regiones y en hogares de distintas clases sociales, anclada en la desigual provisión de
servicios urbanos. La casa cómoda y el ama de casa liberada no sólo fueron figuras clave en la
imagen de la democratización del bienestar, sino también en la construcción de nuevas
desigualdades, regionales, de clase y de género.
Los nuevos bienes y servicios también ofrecieron nuevos símbolos de distinción en
las viviendas de la nueva clase media y entre los trabajadores.
Victoria, que nació en Mar del Plata en 1951, hija de un trabajador ferroviario,
recuerda el impacto que le produjo el ver por primera vez los artefactos que otros tenían y su
familia no, otros calificados como “muy humildes”. Ese no tener es enmarcado, sin embargo,
en el relato del acceso de su familia a la casa propia, la casa que perdía la familia humilde que
tenía licuadora, tocadiscos y otros “tantos artefactos” que le habían llamado la atención. Entre
fines de los cincuenta y principios de los sesenta, los artefactos podían ser un signo de
bienestar, pero también podían ser vistos como un signo de ligereza en el manejo de los
recursos económicos, de una suntuosidad innecesaria, falta de criterio y capacidad de ahorro.
Los artefactos destacados en ese marco son la licuadora y el tocadiscos. La vivienda seguía
apareciendo como el bien central en el patrimonio familiar.
En los relatos de los migrantes de más edad, hombres y mujeres provenientes de
zonas rurales, la heladera es un símbolo de bienestar que trascendía sus funciones potenciales.
Esta es la perspectiva de Antonio, que nació en 1925 en un pequeño pueblo italiano y se
trasladó a la Argentina en 1950 para trabajar en una serie de puestos de trabajo un tanto
130
Entrevista a Victoria, Mar del Plata, septiembre de 2009. El padre de Victoria más tarde trabajó como Formatado: Espanhol (Espanha-
vendedor por cuenta propia. Su madre, en ese tiempo, abrió una panadería. internacional)
132
inestables. Antonio habla de la heladera como un símbolo de los logros alcanzados a través
del trabajo duro. Siguiendo una asociación recurrente en los anuncios de la época y en el
discurso peronista analizado arriba, la heladera es presentada en su discurso como sinónimo
de alimentos y, por lo tanto, de las necesidades esenciales. Este artefacto representó un salto
cualitativo en la vida cotidiana de los hombres y mujeres de la misma edad y procedencia
social de Antonio: comida abundante, en buen estado, de mayor complejidad en su
preparación, era impensable sin una heladera donde mantenerla eficazmente (la heladera a
hielo tenía resultados muy inferiores a la eléctrica). Por el contrario, otros artefactos se
presentan como “bienes de confort” para el ama de casa y no como herramientas de trabajo.
“Era cosa de ella” es la expresión que Antonio utiliza cuando se le pregunta acerca de otros
electrodomésticos (la batidora, la licuadora).
Antonio: Y sacrificio, sacrificio. Uno dice, ustedes que son jóvenes, algunos dicen
que era más fácil, pero había que romperse. Había que romperse. Y yo [de lo] único
que no me privé es la heladera. Como la ves ahora siempre la tuve. Eso era sagrado.
Pero otros gustos, otros, nada. La verdad es que uno se privaba casi de todo. Vestirse
y comer sí, pero todo lo demás se privaba, divertimento, excursiones, nada, nada.
[…]
Entrevistadora: ¿y después otras cosas como batidora, licuadora…?
Antonio: Sí, eso sí, siempre. Cuando empezaron a salir, mi señora siempre, era cosa
de ella, sí, todo tiene, todo tuvimos. Esta cosa cuando ella la quiso siempre la
tuvimos. Yo no tuve problema. Esas comodidades así, esas cosas, nunca nos faltó,
no lujo, pero esas cosas nunca nos faltó nada.131.
131
Formatado: Espanhol (Espanha-
Entrevista a Antonio, Mar del Plata, Julio de 2009. internacional)
133
haciendo hincapié en sus cualidades estéticas, sólo la heladera logró un lugar en los
comedores y fotografías de la familia, como las reproducidas arriba.
Ahora bien, la mirada de los artefactos como elementos para liberar al ama de casa
era leída con ambivalencia. Como podemos ver en el fragmento citado de la entrevista a
Elena, nacida en 1953, a finales de 1950 y comienzos de 1960, los lavarropas eran vistos por
muchas mujeres como artilugios de amas de casa perezosas. Como se ha señalado antes en
relación a licuadoras y batidoras, muchos artefactos domésticos tenían un estatus ambiguo
dentro de la casa: eran identificados como lujos innecesarios, como formas frívolas de gastar
dinero, o simplemente como “cosa de mujeres”. La idea de que ahorraran trabajo (más allá de
si realmente lo hicieron o no) era probablemente muy problemática para muchas amas de
casa. En contraste con otros electrodomésticos, la heladera ofrecía otras representaciones
posibles. Por un lado, permitía a los maridos representar el papel de sostén de la familia. Por
otro, permitía que las amas de casa representar el papel de cuidadoras familiares, que sabían
gastar el dinero responsablemente, lo que contribuía a la promoción y el bienestar social de
sus familias. Mostrar la heladera a los visitantes, colocándola en un sitio visible, haciendo
hincapié en sus cualidades estéticas como un objeto decorativo, o incluso al tomarse fotos con
ella como si se tratara de un miembro de la familia, son prácticas que cobraban sentido en este
contexto.
La compra de los nuevos artefactos provocaba numerosas visitas (en palabras de
Victoria, “todo el mundo venía a ver lo que te habías comprado”). Sin embargo, ésta no era la
única oportunidad que los visitantes tenían para ver los productos recién comprados. Las
heladeras eran situadas y decoradas de una manera especial, a menudo ubicadas en el
comedor. Mientras que la cocina era también un lugar para socializar, el comedor, cuando el
dinero lo permitía, era la habitación más elegante en la casa, la destinada a recibir. El lugar de
la heladera en el comedor subrayó su condición de objeto que se muestra de acuerdo a
estrictas normas estéticas. De hecho, en viviendas de la nueva clase media y entre sectores
trabajadores, la heladera estaba generalmente decorada con diferentes objetos,
independientemente de que hubiera sido situada en el comedor o en la cocina. Esto recuerda
lo que Baudrillard (1999, p. 21) identificara como una estrategia de redundancia es decir “la
envoltura teatral y barroca de la propiedad doméstica (…), no sólo poseer, sino subrayar dos
veces, tres veces, lo que se posee”.
Esta práctica no era del todo original, sino que fue influenciada por imágenes
disponibles, desarrolladas en el marco del discurso de la democratización del bienestar. La
heladera en el comedor, decorada en este caso con un pequeño busto de Eva Perón (Figura 4),
fue la representación visual del confort para el pueblo y la liberación para el ama de casa,
utilizada, por ejemplo, en el artículo de Mundo Peronista de abril de 1955 citado arriba. Esta
imagen era tan fuerte que, décadas más tarde, fue recuperada como un ícono de la
democratización del bienestar identificada con el peronismo.
los artículos que hacían referencia a estos artefactos giraban en torno a recomendaciones
sobre cómo ocultar, o al menos disimular, su presencia en el hogar. Si el modelo de la vida
doméstica era el mismo, los criterios estéticos que lo inspiraban no eran idénticos. En ambos
casos, sin embargo, la respetabilidad familiar dependía de la capacidad de la ama de casa para
presentar una casa limpia y ordenada a cualquier visitante potencial.
Victoria: Y vos fijáte hasta qué punto esta gente no supo apreciar lo que tenía que en
el dormitorio el piso era de parquet, tenía parquet, que hoy es una reliquia que está,
todavía está, pero había una parte del parquet que estaba quemado, con las botellas
de vino marcadas… O sea, vos fijáte… fijáte a qué nivel daban poco valor a lo que
para nosotros fue un mundo, esa casa […] El piso de parquet se pasaba primero una
viruta gruesa, todo a mano, yo recuerdo que te ponías una viruta en un pie y con un
pie ibas rasqueteando en el sentido de las maderas. Las maderas estaban puestas
como espigas, primero en un sentido y después en el otro. Después de eso, salía
cualquier cantidad de… de polvillo. Eso se barría, se limpiaba y después se le
pasaba cera. Al otro día se le pasaba cera, se le volvía a pasar, y después cuando ya
estaba seco se le pasaba un trapo seco, porque después vino la lustradora. Que ya fue
también otro adelanto […]. El encuentro de ellas (las mujeres de la generación de su
madre) era la visita. A las tres, tres y media de la tarde, la visita. Hasta las cinco y
media, seis. La visita no se anunciaba porque no había teléfonos, o había pocos. O
sea que la visita te caía de sorpresa, cosa que ahora eso no se estila. “Vas a estar, te
llamo”. Antes vos ibas a una casa porque sabías que el ama de casa estaba. Quién
iba a salir, salvo que tuvieras que ir al médico […]. Yo de atrás me acuerdo un día
que vino una tía que era re charlatana, entonces mi mamá me hizo una seña y yo de
atrás ordené el baño, puse toallas, qué sé yo… porque era eso, el qué dirán. “Te
imaginás que si llega a venir la tía Carmen y nos ve que…” […] Se cuidaba mucho
ese detalle porque era como un fracaso de la mujer, ¿no? 134
Elena: Como que la casa tenía que estar siempre… porque si venían visitas, si venía
alguien, por favor…135
La visita era un momento clave para lucir una casa bien cuidada, adecuadamente
equipada, decorada y limpia. No poder hacerlo era, como dice Victoria, un “fracaso” para el
ama de casa. Aunque la exposición de aparatos domésticos, y en particular de la heladera, era
una manera de alcanzar la respetabilidad familiar, las formas en que la casa era usada y
cuidada también eran centrales en la confirmación de la condición de clase y de la
respetabilidad social. Las tareas de la casa y los electrodomésticos, adquirieron, en este
contexto, una nueva relevancia. Saber cómo cuidar de un piso de parquet era también una
manera de mostrarse diferente quienes lo quemaban o machaban con botellas de vino. Si los
nuevos productos eran un signo de estatus (el piso de parquet, en primer lugar, la lustradora,
después), su correcto cuidado era parte esencial del prestigio que otorgaban. La distinción no
134
Entrevista a Victoria, Mar del Plata, Septiembre de 2009. Formatado: Espanhol (Espanha-
135 internacional)
Entrevista a Elena, Mar del Plata, Agosto de 2008.
137
sólo devenía de los bienes que se poseían, sino también de la forma en que se realizaban las
tareas del hogar.
A pesar de que no resulta claro que los aparatos redujeran el tiempo dedicado a las
tareas del hogar (COWAN, 1983), el ama de casa, con la ayuda de sus “eléctricos servidores”
(PÉREZ, 2012; 2013), podía ahora aparecer siempre descansada, bella y elegante. En este
sentido, el ama de casa “liberada” encarnaba la imagen del éxito social de su marido,
garantizando un mayor bienestar para su familia. Tener electrodomésticos, y, sobre todo,
saber cómo hacer el trabajo doméstico, representaba la respetabilidad familiar identificada
con el modelo de domesticidad de clase media. La heladera ganó un lugar especial entre
dichos artefactos. Por un lado, su significado era menos ambivalente que el de otros
dispositivos de “ahorro de trabajo”. Por otro lado, condensaba las imágenes de la abundancia,
así como de la presencia de un marido proveedor y una buena ama de casa, escrupulosa en el
gasto. De esta manera, una transformación que se inició durante el peronismo tuvo un efecto
duradero en la vida cotidiana y en la formación de una identidad de clase media que
trascendería las divisiones políticas y económicas de los tiempos que siguieron.
CONSIDERACIONES FINALES
En las décadas centrales del siglo XX, la heladera eléctrica se convirtió en un bien
“necesario” para los hogares argentinos. Siendo inicialmente un producto de lujo al que sólo
los sectores con mayor poder adquisitivo podían acceder, se convirtió en un artículo
ampliamente deseado por una creciente clase media. Esta trayectoria, sin embargo, no estuvo
exenta de obstáculos. Por un lado, la expansión de la industria de la refrigeración recibió sólo
un apoyo indirecto de parte del Estado hasta los últimos años del gobierno peronista. Por otro
lado, a pesar de las políticas públicas significativas en cuanto a la extensión de las redes de
energía eléctrica, un alto porcentaje de viviendas en el país aún carecía de este servicio hacia
el final del período aquí analizado. El acceso a uno de estos artefactos fue marcado por
profundas desigualdades sociales y regionales.
Entre los que podrían adquirir este bien, sus usos fueron diversos. El uso de la
heladera como objeto decorativo se puede interpretar como indicador de la distancia social
respecto de aquellos que, aunque económicamente cerca, eran aún incapaces de comprar una.
A diferencia de otros aparatos domésticos que podrían ser considerados símbolos de gastos
frívolos, la heladera era un artículo “necesario”, sinónimo de bienestar familiar. Este uso
también puede ser interpretado como parte de una estética “popular”, con cierta distancia
138
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143
As reflexões apresentadas neste capítulo fazem parte de uma pesquisa maior, que tem
como objetivo discutir as representações de feminilidades atreladas ao consumo doméstico no
Brasil dos anos 1960. Para este texto, o recorte de estudo foi delimitado à análise dos
discursos textuais e imagéticos que circulavam na revista Casa & Jardim durante aquela
década, com destaque para os anúncios publicitários sobre tecnologias do lar. Adotando a
linguagem publicitária como fonte de pesquisa, pretendemos identificar algumas das
estratégias discursivas empregadas na construção da figura da “dona de casa moderna”,
observando suas imbricações com marcadores identitários de gênero e classe social.
Na década de 1960, a sociedade brasileira vivia um processo de modernização,
caracterizado por mudanças econômicas, sociais e culturais que promoveram novos tipos de
valores e comportamentos. O projeto desenvolvimentista implementado pelo Estado tinha
como premissa o investimento na industrialização, entendida como sinônimo de progresso.
Nesse contexto, a realidade cotidiana se transformou radicalmente com a incorporação dos
chamados “padrões de consumo moderno”. As mídias de grande circulação, como as revistas
ilustradas, oportunizavam a visibilidade de novos estilos de vida, endereçados às classes
médias (MIRA, 2003, p. 10). Em Casa & Jardim, os discursos publicitários apresentavam as
tecnologias domésticas como recursos que facilitavam as atividades das donas de casa,
garantindo conforto e bem-estar às famílias, além de mais tempo livre para gozar a vida.
Contudo, Ruth Cowan (1983) argumenta que a introdução de novas tecnologias
domésticas nas rotinas da casa nem sempre ocasionou a diminuição da quantidade de serviço
para as mulheres. De acordo com a autora, o que a modernização do universo doméstico
promoveu foi a reorganização dos processos de trabalho, visto que alguns afazeres no lar
foram suprimidos – sobretudo os que eram considerados de responsabilidade dos homens – e
outros sofreram modificações na maneira como eram realizados. Na opinião de Cowan,
embora a introdução do fogão a gás e da máquina de lavar roupas, para citar alguns exemplos,
144
tenha contribuído para poupar tempo e esforço físico, as novas tecnologias domésticas
também vieram acompanhadas do incremento nas expectativas sociais acerca do empenho das
mulheres nas atividades culinárias, nos cuidados com a nutrição e nas exigências quanto aos
padrões de limpeza, entre outras questões. Ou seja, o tempo e o esforço poupados em uma
tarefa mediada por artefatos tecnológicos eram utilizados na realização de outros serviços
domésticos.
Vale esclarecer que entendemos por tecnologias domésticas tanto as práticas sociais
quanto os artefatos envolvidos no trabalho doméstico, com os quais as pessoas interagem
individual ou coletivamente. Fazem parte deste universo: 1) as práticas, os saberes, os valores
e as formas de divisão do trabalho; 2) os eletrodomésticos e demais tipos de artefatos
utilizados na realização das atividades; 3) os móveis, os aparatos e os espaços que integram a
casa; 4) os sistemas tecnológicos de infraestrutura, como as redes de abastecimento de água,
energia e esgoto; 5) os insumos necessários para o desempenho de determinadas funções e os
serviços de assistência técnica. Todo este universo é interligado na moradia e faz parte das
práticas cotidianas de seus membros. Neste estudo, enfatizamos as práticas de consumo
relacionadas aos eletrodomésticos, dando relevo aos discursos que enfocavam sua aquisição,
apropriação e organização no espaço da casa.
Ao longo da década de 1960, a revista Casa & Jardim não poupava esforços em
anunciar os eletrodomésticos como meios de proporcionar, entre outras características, maior
“praticidade”, “eficiência”, “elegância”, “conforto” e “tempo livre” às donas de casa.
Mediante o envolvimento na mecanização do trabalho doméstico, as donas de casaelas
participavam da integração dos eletrodomésticos nas rotinas cotidianas, num processo que
também as constituía como mulheres “modernas”. Neste sentido, queremos argumentar que a
revista Casa & Jardim funcionava como uma mídia de pedagogias de gênero, colocando em
circulação representações de feminilidades que conciliavam valores e condutas tradicionais
com a modernização das práticas de consumo doméstico.
não havia nos anos 50 e 60 bem de consumo que não se pretendesse “moderno”,
“novo” ou “inédito”. Estes bens eram oferecidos a homens e mulheres igualmente
“modernos”, afinados com os “novos tempos” e vivendo em perfeita consonância
com o progresso.
produzidos no Brasil. Rafael Cardoso (1998) esclarece que os Estados Unidos eram os
principais fornecedores de quase todos os tipos de equipamentos e insumos consumidos em
boa parte do mundo, conquistando um considerável crescimento do seu parque industrial.
Porém, no período da guerra, grande parte da produção industrial dos Estados Unidos e
também da Europa foi orientada para a fabricação de armas ou componentes da indústria
bélica. Isso desencadeou uma queda considerável no ritmo das importações de produtos e,
inclusive, na fabricação de eletrodomésticos. Segundo Cardoso (1998, p. 146), o Brasil
necessitou “substituir artigos normalmente importados da Europa ou dos Estados Unidos, o
que contribuiu de modo decisivo para a expansão do parque industrial nacional”.
136
Em meados da década de 1950, havia uma sensação de prosperidade e progresso vivenciada por parte da
população brasileira, que desfrutava um momento de aparente estabilidade econômica. Incorporando padrões de
produção e consumo espelhados nos países economicamente mais avançados, a sociedade vivia um otimismo geral,
acreditando que logo o Brasil se tornaria uma nação moderna (MELLO; NOVAIS, 1998).
146
O ferro elétrico, que substituiu o ferro a carvão; o fogão a gás de botijão, que veio
tomar o lugar do fogão elétrico, na casa dos ricos, ou do fogão a carvão, do fogão a
lenha, do fogareiro e da espiriteira, na dos remediados ou pobres: em cima dos
fogões, estavam, agora, panelas – inclusive a de pressão – ou frigideiras de alumínio
e não de barro ou de ferro; o chuveiro elétrico; o liquidificador e a batedeira de bolo;
a geladeira; o secador de cabelos; a máquina de barbear, concorrendo com a gilete; o
aspirador de pó, substituindo as vassouras e o espanador; a enceradeira, no lugar do
escovão; depois veio a moda do carpete e do sinteco; a torradeira de pão; a máquina
de lavar roupa [...] (MELLO; NOVAIS, 1998, p. 563).
137
Vale enfatizar que priorizamos, neste trabalho, o estudo relacionado às mulheres das camadas médias,
por ser o público privilegiado pela revista Casa & Jardim. Dessa forma, vale ressalta-ser que as mulheres
brasileiras pertencentes às camadas mais baixas exerciam trabalho remunerado fora de casa desde cedo e por
uma questão de necessidade. Além disso, muitas delas não tinham oportunidade de acesso à educação.
147
138
As escolas republicanas deveriam preparar os cidadãos para a democracia (MELLO; NOVAIS, 1998,
p. 616).
148
com imagens bem cuidadas e que abordava assuntos do cotidiano de modo leve e interessante
(LUCA, 2012). É neste segmento da imprensa que se insere a revista Casa & Jardim.
Casa & Jardim foi lançada em 1952, como uma publicação de circulação nacional
especializada em decoração de interiores domésticos, cujo sub-título era “decoração, móveis,
arquitetura e culinária”.139. Junto ao conteúdo especializado, a revista apresentava conselhos
sobre condutas e práticas no lar, que tanto refletiam quanto afirmavam o consenso social
sobre a moral e os bons costumes vigentes. Sua missão era “apresentar soluções capazes de
conciliar a preservação dos valores tradicionais da família com a modernização do espaço
doméstico” (SANTOS, 2010, p. 63). Sendo assim, num contexto de grandes mudanças sociais
e culturais, as donas de casa dispunham da opinião de especialistas, publicadas no periódico,
para orientar suas escolhas e práticas cotidianas.
Por meio do seu conteúdo, apoiado na intertextualidade entre reportagens e anúncios
publicitários, compreendemos que a revista Casa & Jardim operava como uma mídia de
pedagogias de gênero. Para tanto, a revista divulgava e afirmava certos padrões de
comportamento e formas de viver tipos de feminilidades fortemente associados ao uso das
tecnologias domésticas. Assim, ao ensinar, aconselhar ou sugerir às donas de casa
determinadas condutas tidas como “ideais”, o periódico visava influenciar a maneira como
essas mulheres se autopercebiam e se relacionavam com os membros de suas famílias, bem
como com a sociedade. Conforme Luca (2012) argumenta, ao valorizarem determinadas
abordagens e atitudes em detrimento de outras, as revistas cumprem funções pedagógicas que
geralmente afirmam padrões de gênero hegemônicos. Nas palavras da autora: “a revista,
amiga que acompanha a mulher [...] oferece modelos de conduta, maneiras de viver a
feminilidade e a masculinidade, tidas como ‘'normais’'” (LUCA, 2012, p. 463-464). Logo,
Casa & Jardim, na medida em que informava, também operava como produtora de
conhecimentos e saberes, visto que por meio do conteúdo veiculado as donas de casa
poderiam ser “educadas” sobre os modos “ideais” de ser e estar na sociedade em que viviam.
Visando a aproximação com as leitoras, Casa & Jardim, investia no uso da
linguagem em tom coloquial. Segundo Luca (2012, p. 448), as revistas direcionadas para
mulheres costumam assumir o tom “de alguém próximo e que aconselha, ampara, aplaca
139
A revista privilegiava igualmente os quatro assuntos. Neste trabalho, focamos nossos estudos,
principalmente, na “culinária”, por ser um assunto especialmente dedicado às donas de casa das camadas médias.
149
angústias, resolve dúvidas, sugere, fazendo as vezes de uma amiga e companheira à qual
sempre se pode recorrer”. Além disso, a autora ressalta que, a partir dos anos 1940, a maioria
das revistas substituiu o tom cerimonioso das reportagens pelo intimista “você”, como se o
periódico fosse destinado somente àquela leitora que o tinha nas mãos. Dessa forma, essa
proximidade carregada de afetividade podia operar como um “importante elo no processo de
transmissão da informação, mas também de convencimento e mesmo imposição, apoiados em
anúncios prescritivos e normativos, que ordenam o que fazer e como fazer” (LUCA, 2012, p.
448).
Contudo, é bom lembrar que a assimilação dos conteúdos de Casa & Jardim ocorria
mediante as diversas práticas de leitura das donas de casa, implicando no que Roger Chartier
(1999, p. 152) denominou de “apropriação, invenção e produção de significados”. De acordo
com Chartier (1999, p. 152), o texto desencadeia “significações que cada leitor constrói a
partir de seus próprios códigos de leitura, quando ele recebe ou se apropria desse texto de
forma determinada”. Para esse autor, isso acontece porque todo/a o/a leitor/a, diante de uma
obra, a percebe em um momento, uma circunstância e de uma forma específica. Sendo assim,
o investimento afetivo ou intelectual depositado na obra está diretamente ligado ao contexto
no qual ela foi lida. Nas leituras da revista Casa & Jardim, podemos inferir que as donas de
casa não eram meras receptoras passivas, uma vez que elas ativamente se envolviam e eram
envolvidas pelas mensagens veiculadas no periódico, reagindo, respondendo, assumindo ou
até mesmo recusando o conteúdo do periódico parcial ou inteiramente.
Uma vez considerada como mídia de pedagogias de gênero, podemos afirmar que a
revista Casa & Jardim ocupava uma função importante na divulgação e construção de
posições de sujeito. No caso específico das identidades de gênero, assumimos a abordagem
apresentada por Guacira Lopes Louro (1999), que percebe o gênero como constituinte da [A44] Comentário: Não condiz com as
datas constantes nas Referências.
subjetividade das pessoas. De acordo com a autora, as identidades de gênero são processuais e
contingentes, logo, estão continuamente em formação. Nas relações sociais, que são sempre
atravessadas por diferentes representações, práticas e discursos, “os sujeitos vão se
construindo como masculinos e femininos, arranjando e desarranjando seus lugares sociais,
suas disposições, suas formas de ser e estar no mundo” (LOURO, 1999, p. 28). Essas [A45] Comentário: Mesmo que
anterior.
construções e arranjos são continuamente reconfigurados, transformando-se não apenas ao
longo do tempo, mas modificando-se também “na articulação com as histórias pessoais, as
identidades sexuais, étnicas, de raça, de classe [...]” (LOURO, 1999, p. 28). [A46] Comentário: M. q. anterior.
Para Kathryn Woodward (2004), as instituições sociais podem ser entendidas como
“campos sociais”, nos quais exercemos diferentes graus de escolha e autonomia. Cada campo
150
social “tem um contexto material, um espaço e um lugar, bem como um conjunto de recursos
simbólicos” (WOODWARD, 2004, p. 30). Instituições como o Estado, a igreja, a escola, os
grupos de trabalho e a família, estão ligadas às relações e espaços de pertencimento dos
indivíduos. Louro (1998, p. 26), todavia, ressalta que por intermédio dessas instituições a
sociedade procura intencionalmente, através “de múltiplas estratégias e táticas, ‘fixar’ uma
identidade masculina ou feminina ‘normal’ e duradoura”. Para Silva (2004, p. 83),
“normalizar significa atribuir a essa identidade [normal] todas as características positivas
possíveis, em relação à quais as outras identidades só podem ser avaliadas de forma
negativa”. Essa identidade passa a ser hegemônica, percebida como “natural”, desejável e
única. Uma vez posicionada desta forma, deixa de ser interpretada como uma possibilidade
entre tantas outras, passando a ser percebida como “a identidade”.
Na revista Casa & Jardim dos anos 1960, os discursos textuais e imagéticos
empregados sugeriam que os afazeres domésticos não significavam apenas tarefas a serem
cumpridas, pois traduziam o engajamento e a dedicação das mulheres no lar. Logo, deveriam
ser percebidos com formas de expressão do amor e do cuidado da dona de casa para com sua
família. Conforme afirma Hollows (2008), valores associados às moradias, como conforto e
intimidade, são materializados no cotidiano por meio do trabalho doméstico. A autora enfatiza
que esse trabalho é realizado por pessoas que precisam estar predispostas a investir em
práticas de cuidados. Ela também lembra que as práticas de cuidado podem ser
desempenhadas tanto por homens como por mulheres. Porém, a predisposição ao trabalho
doméstico é frequentemente associada às experiências e habilidades femininas (HOLLOWS,
2008). No periódico, prescrições acerca do desempenho das mulheres no trabalho e no
consumo doméstico, indispensáveis para sustentar as práticas de cuidados, contribuíam na
construção da imagem da “dona de casa ideal”.
Na década de 1960, os artefatos domésticos divulgados em Casa & Jardim estavam
associados ao processo de modernização da casa, numa tentativa de vincular discursos sobre o
prazer e a realização pessoal de cuidar da família ao bom funcionamento e à organização do
lar. Santos (2005, p. 16) explica que “ao apropriar-nos de um artefato, também estamos nos
apropriando dos modos de prática e dos significados a ele associados”. Mediando o
relacionamento entre as pessoas, os artefatos carregavam na sua materialidade valores e
comportamentos construídos socialmente. Daniel Miller (2013) considera que as pessoas
fazem as coisas assim como, na mesma medida, as coisas fazem as pessoas. Para o autor, as
coisas “não chegam a representar pessoas, mas a constituí-las” (MILLER, 2013, p. 37).
Assim, as práticas de consumo doméstico sugeridas em Casa & Jardim dialogavam com as
151
expectativas e desejos das leitoras que, uma vez optando pela apropriação das tecnologias
domésticas, poderiam investir na figura “ideal” da “dona de casa moderna”. Formatado: Português (Brasil)
Ao longo dos anos 1950 e 1960, as revistas brasileiras passaram a ser sustentadas
pela divulgação de anúncios publicitários. A publicidade influenciava as revistas tanto no seu
conteúdo quanto no seu formato, “especialmente na padronização da página e no uso da cor,
vantagem que a revista terá sobre seus concorrentes até o advento da televisão em cores nos
anos 60” (MIRA, 2003, p. 10).
Conforme argumenta Nara Widholzer (2005, p. 22), a publicidade se configura como
uma “forma de pedagogia cultural, distinguindo-se do modelo escolar por seu apelo à emoção
e aos desejos”. Essa autora considera que, no Brasil dos anos 1960, imagens de
“domesticidade” ou “de sustentáculo interno da estrutura familiar” eram frequentemente
construídas e associadas com as mulheres, sendo elas apresentadas não apenas como
consumidoras de artigos para o uso pessoal, mas também como as responsáveis pela compra
de produtos para a casa e para os demais membros da família. Sob esse enfoque, Widholzer
(2005, p. 23) explica que, no caso particular dos artefatos domésticos, “nada pode parecer
mais natural aos publicitários que associar tais bens de consumo invariavelmente à mulher”.
A partir da observação dos anúncios publicitários veiculados em Casa & Jardim ao
longo daquela década, podemos afirmar que as observações de Widholzer procedem, pelo
menos no que diz respeito ao universo deste periódico. Além disso, o estudo dos anúncios de
eletrodomésticos possibilitou a identificação de alguns tipos de feminilidades frequentemente
evocados na construção da imagem da “dona de casa moderna” nos anos 1960. Classificamos
essas feminilidades em três categorias, a saber, a “rainha do lar”, a “cozinheira prendada” e a
“dona de casa eficiente”, que serão discutidas na sequência. Formatado: Português (Brasil)
A “RAINHA DO LAR”: MÃE, ESPOSA E DONA DE CASA Formatado: Fonte: Não Negrito
mídia. O comportamento adequado e esperado das moças solteiras era visto como garantia do
respeito social e do acesso ao casamento tradicional e à vida de “rainha do lar”. De acordo
com a moral dominante e os padrões dos “bons costumes”, as moças de família apresentavam
“gestos contidos, respeitavam os pais, preparavam-se adequadamente para o casamento,
conservavam sua inocência sexual e não se deixavam levar por intimidades físicas com os
rapazes” (PINSKY, 1997, p. 610).
O namoro era visto como uma etapa preparatória para o noivado e,
consequentemente, para o casamento. Durante o período de namoro, a moça deveria procurar
mostrar que era prendada, afetuosa e recatada, revelando ao pretendente que seria uma boa
futura esposa. Já o namorado interessado deveria mostrar-se “sério”, responsável e capaz de
sustentar uma família. Os parentes do rapaz procuravam impedir que ele se casasse com
“qualquer uma” que pudesse afetar sua imagem e estabilidade doméstica, enquanto os
parentes da moça faziam questão de deixar claro que ela estava protegida e que tomariam
qualquer providência para defender a sua honra (PINSKY, 1997).
As revistas para públicos femininos eram enfáticas nos discursos que pregavam a
repressão às condutas consideradas desviantes ou promíscuas. As moças com quem os rapazes
namoravam, mas não se casavam, eram chamadas de “levianas”.140. Já as garotas que se
comportassem como “moças de família” seriam respeitadas pelos rapazes e teriam muito mais
chances de arranjar um bom casamento. Isso porque, segundo a regra, em última instância,
“eram os homens quem as escolhiam e, com certeza, procuravam para esposa uma pessoa
recatada, dócil, que não lhes trouxesse problemas – especialmente contestando o poder
masculino – e que se enquadrasse perfeitamente aos padrões da boa moral” (PINSKY, 1997,
p. 613). Segundo Pinsky (2012), o modelo de família ideal divulgado desde o início do século
XIX era o da família nuclear, com uma divisão marcada entre atribuições entendidas como
femininas e masculinas:
140
Eram consideradas levianas as moças que usavam roupas muito ousadas e sensuais, saíam com muitos
rapazes diferentes ou eram vistas em lugares escuros ou em situação que sugerisse intimidades com um homem
(PINSKY, 1997).
153
um poder intransferível e significativo sobre a família – com toda a carga que essa
tarefa, nem sempre viável, pudesse trazer – mas também reforçava o papel central da
família na vida da mulher e, parece claro, sua dependência em relação aos laços
conjugais (PINSKY, 1997, p. 627).
casa parece ser uma pessoa ao mesmo tempo “tradicional” e “moderna”. Ela valoriza a
instituição do casamento, mas também se mostra desejosa das novidades tecnológicas
oferecidas pelo mercado. Sua expressão é de felicidade, que pode ser resultante tanto da
concretização do casamento como da aquisição da geladeira, sonho de consumo de muitas
mulheres da época. Ao jogar para trás o buquê e agarrar-se à geladeira, a moça parece
transferir a chance do casamento e a oportunidade da aquisição de artefatos domésticos –
como a geladeira Frigidaire – para outras moças, leitoras do periódico, que compartilham do
mesmo desejo de casar e constituir-se como “rainha do lar”. Segundo o texto do anúncio: Formatado: Português (Brasil)
155
Diz a tradição que, aquela que conseguir apanhar o buquê, será a próxima a casar-se.
E nos sonhos que tôdas elas têm para o futuro lar, FRIGIDAIRE está presente, por
ser incontestavelmente um refrigerador de alta qualidade, aliando o mais belo estilo
de linhas modernas e côres harmoniosas, combinando com a decoração da cozinha
sonhada por tôdas elas. Por isso, quando você jogar o buquê, “"capriche"”, dê
também à sua melhor amiga a felicidade de possuir um FRIGIDAIRE.141.
Um dos principais ingredientes da felicidade conjugal nos anos 1960 eram as prendas
femininas. As revistas afirmavam que o bom desempenho nas atividades domésticas,
especialmente na cozinha, garantia a conquista do marido e a manutenção do casamento, uma
vez que “a mulher conquista o homem pelo coração, mas poderá conservá-lo pelo estômago”
(PINSKY, 1997, p. 627).
Esses conhecimentos eram geralmente transmitidos de geração em geração. Isso
porque, desde criança, a menina deveria ser educada para ser uma boa mãe e uma dona de
casa exemplar. As mães, por sua vez, não abriam mão da participação das meninas na
execução das tarefas domésticas, especialmente na cozinha. Independente da classe social, as
meninas precisavam aprender com suas mães a desempenharem com afinco e dedicação as
atribuições de uma dona de casa (PINSKY, 2012).
O anúncio publicitário veiculado em Casa & Jardim na edição de maio de 1962,
sugere que a posição das esposas como responsáveis pelos cuidados com a alimentação da
família poderia proporcionar às donas de casa determinados poderes sobre seus maridos
(FIGURA 2). Dividido horizontalmente em duas partes, o anúncio concentra na área superior
– equivalente a 2/3 do seu tamanho total – a imagem de perfil de uma figura feminina e de
141
QUEM será a próxima? Anúncio publicitário da Frigidaire. Casa & Jardim. São Paulo: Efecê Editora
S. A., n. 159, abril, 1968, p. 31.
156
uma figura masculina, representando um jovem casal. Em primeiro plano, aparecem dois
eletrodomésticos: a “frigideira automática G-E” e o “tostador automático de pão G-E”. O que
pretendemos destacar neste anúncio é a infantilização masculina sugerida por meio da
imagem. O marido é retratado com a boca aberta, na iminência de experimentar um prato
supostamente produzido pela esposa mediante o emprego dos eletrodomésticos.
À sua direita, a esposa sorridente segura uma colher, como se estivesse fazendo o
movimento de “aviãozinho” para alimentá-lo. Essa parte do anúncio apresenta-se na cor rosa.
Podemos observar que a esposa ocupa uma posição de destaque em relação ao marido, que
espera e, provavelmente, aceita satisfeito o prato preparado pela esposa. Dessa forma, o
anúncio sobrepõe à figura da esposa a atribuição de mãe, que alimenta, protege e cuida. A
parte inferior do anúncio conta com mais seis imagens de eletrodomésticos da General
Electric, a saber: um aspirador de pó, uma enceradeira, um ferro anatômico, um ferro
automático, um ferro automático a vapor e um grill automático.
FIGURA 2 – ANÚNCIO DA G-E: “OS QUE ELEGEM PARA SEMPRE” Formatado: Fonte: Não Negrito
Formatado: Centralizado
A chamada do anúncio traz a seguinte mensagem: “Os que elegem para sempre...
preferem G-E – um patrimônio para tôda a vida”. A primeira parte desta chamada – “Os que
elegem para sempre...” – encontra-se posicionada entre a figura feminina e a figura masculina.
Podemos inferir que o “patrimônio” citado diz respeito tanto à aquisição dos eletrodomésticos
da marca G-E, quanto ao casamento consolidado. O anúncio também apresenta uma caixa de
texto em fonte menor contendo a seguinte informação:
Os que procuram envolver seus entes queridos numa atmosfera de afeto, carinho,
proteção, exigem para seu lar artigos de absoluta confiança. Sua escolha natural é G-
E – garantia firmada em 83 anos de prestígio internacional.142.
Outra questão que podemos perceber aqui é a inter-relação entre a dona de casa, os
eletrodomésticos e os sentimentos envolvidos na realização das atividades domésticas, em
especial na atividade de cozinhar para a família. Conforme Miller (2013, p. 107) afirma, a
materialidade vai além do físico, do que é perceptível. Dessa forma, de acordo com o anúncio,
ao optar por utilizar os eletrodomésticos da marca General Electric, a dona de casa estaria
produzindo refeições apetitosas, mas também estaria proporcionando “afeto, carinho e
proteção” aos seus familiares.
Conforme os discursos veiculados em Casa & Jardim nos anos 1960, a tarefa diária
de preparar as refeições da família era considerada como uma das responsabilidades mais
importantes das donas de casa. Isso porque a atividade de cozinharela envolvia tanto a
questão de proporcionar a satisfação de comer alimentos gostosos, quanto a garantia da saúde,
mediante a nutrição adequada. Segundo Hollows (2008), a prática de cozinhar envolve mais
do que o ato de produzir refeições. Ela também envolve a produção e a reprodução de uma
série de qualidades culturais e emocionais que agregam a casa e a família, como a experiência
de “cuidar”. Com a sobreposição das representações de esposa feliz e de mãe que alimenta, o
anúncio contribui para a naturalização das experiências de cuidado como características das
mulheres, enaltecendo a autoridade feminina nesses assuntos. Além disso, o aspecto asséptico
da imagem apaga o trabalho envolvido na preparação dos alimentos. Em princípio, parece que
os eletrodomésticos fizeram tudo sozinhos. Hollows (2008) comenta que os significados
atribuídos ao doméstico frequentemente são criados por meio da oposição entre as esferas
privada e pública, sendo que nesta última estaria localizado o mundo do trabalho. Dessa
142
OS QUE ELEGEM para sempre... preferem G-E – um patrimônio para tôda a vida. Anúncio publicitário Formatado: Subscrito
da G-E. Casa e Jardim. São Paulo: Monumento S. A., n. 88, maio, 1962, p. 6-7.
158
forma, a ideologia das esferas separadas “camufla” o trabalho extensivo realizado no lar,
qualificando o espaço doméstico como lugar de descanso e refúgio.
Em meados dos anos 1950, a prosperidade no lar refletia-se também a partir do bom
controle do orçamento doméstico. Nesse período, parte das donas de casa das camadas médias
não exercia trabalho remunerado e dependia do auxílio financeiro do marido para arcar com
as despesas do lar. De acordo com Pinsky (2012), uma das funções mais antigas da dona de
casa é administrar as despesas cotidianas, adequando-as ao orçamento doméstico. Se o
dinheiro não fosse o suficiente para suprir as necessidades da família, esperava-se que a dona
de casa fizesse sacrifícios ou encontrasse fontes de renda alternativas como a lavagem de
roupas para fora, por exemplo.
Para ser uma dona de casa eficiente, além de controlar os gastos da casa e da família,
as mulheres também deveriam saber aproveitar melhor o tempo, simplificando as tarefas
domésticas e os movimentos realizados. Embora o investimento na racionalização do tempo
no lar não fosse necessariamente motivado pela diminuição da oferta de mão de obra para o
trabalho doméstico – conforme ocorria na Europa e nos Estados Unidos desde o final do
século XIX – o imperativo de adequar as atividades da casa às transformações ocorridas nos
ritmos da vida urbana já era uma realidade consolidada no país. Modificações provocadas
pelas novas formas de cálculo e definição do tempo, necessárias para uma melhor organização
da produção capitalista, podiam ser percebidas em todos os aspectos da vida cotidiana
(SILVA, 2008). No espaço doméstico, a determinação de uma rotina diária servia como forma
de ordenar as tarefas, adaptando as atividades às exigências de cumprimento de horários
padronizados.
Nas páginas de Casa & Jardim podemos perceber a influência dos discursos sobre
eficiência na construção de imagens acerca do que significava ser uma mulher moderna. O
anúncio publicitário veiculado na edição de junho de 1961 serve para ilustrar essa questão.
Conforme pode ser observado na Figura 3, na parte superior do anúncio, temos a
representação de uma jovem dona de casa sentada em uma cadeira feita de vime. Ela possui
os cabelos alinhados, veste uma blusa quadriculada, uma saia azul na altura dos joelhos e
calça sapatos brancos de salto alto. Abaixo da cadeira encontram-se três livros, provavelmente
de culinária, já que o texto afirma que a dona de casa acompanha “o que há de mais avançado
159
na arte culinária”.143. Ela parece estar refletindo sobre algo, visto que apresenta o corpo
levemente inclinado, as pernas cruzadas, uma das mãos segurando o queixo enquanto a outra
descansa sobre as pernas. Ao lado da figura feminina, aparece uma caixa de texto no formato
circular, contendo o pensamento da dona de casa. De acordo como texto:
Sou uma dona de casa moderna. Quero aparelhos eletro-domésticos que não tomem
o tempo de meus deveres familiares e sociais. Acompanho o que há de mais
avançado na arte culinária. Quero alimentos fritos, cozidos e assados
adequadamente. Pensando nisso é que prefiro o fogão Brastemp. Claro: o fogão a
gás Brastemp Imperador tem detalhes de funcionamento ideais para a cozinha
moderna e a satisfação da família.144.
143
PENSAR em satisfação – é comprar Brastemp! Anúncio publicitário da Brastemp. Casa e Jardim. São
Paulo: Monumento S. A., n. 77, junho, 1961, p. 79.
144
PENSAR em satisfação – é comprar Brastemp! Anúncio publicitário da Brastemp. Casa e Jardim. São
Paulo: Monumento S. A., n. 77, junho, 1961, p. 79.
160
145
PENSAR em satisfação – é comprar Brastemp! Anúncio publicitário da Brastemp. Casa e Jardim. São
Paulo: Monumento S. A., n. 77, junho, 1961, p. 79.
161
CONSIDERAÇÕES FINAIS
brasileira tinha na afirmação de estereótipos. Por meio da articulação entre texto e imagem,
esses anúncios engendravam estratégias discursivas que combinavam noções associadas às
feminilidades tradicionais com novos tipos de práticas de consumo características dos anos
1960.
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Itálico
paulistana. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
SILVA, Tomáz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomáz
Tadeu da______. Identidade e diferença: A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Formatado: Fonte: Não Negrito,
Itálico
Vozes, 2004, p. 73-102.
DE EMPREGADA A “EMPREGUETE”:
DAS LUTAS SIMBÓLICAS NA TELENOVELA BRASILEIRA
146
Revista eletrônica exibida pela Rede Globo aos domingos. Formatado: Português (Brasil)
168
famosas cantoras após um clipe caseiro delas “estourar” na internet. Maria Aparecida Formatado: Fonte parág. padrão,
Português (Brasil)
(Isabelle Drummond), Maria do Rosário (Leandra Leal) e Maria da Penha (Taís Araújo), em Formatado: Fonte parág. padrão,
Português (Brasil)
confronto com as respectivas patroas Sônia Sarmento (Alexandra Richter), Chayenne
Código de campo alterado
(Cláudia Abreu) e Lygia Marinz (Malu Galli), vivenciam uma ascensão individual através, Código de campo alterado
Formatado: Fonte parág. padrão,
Português (Brasil)
147
Os dois diretores dividem a autoria da novela com Daisy ChavesDaisy Chaves, Isabel Muniz, João Formatado: Fonte parág. padrão,
Brandão, Lais Mendes Pimentel, Paula AmaralPaula Amaral e Sérgio MarquesSérgio Marques, com a Português (Brasil)
supervisão de texto de Ricardo LinharesRicardo Linhares. Formatado: Português (Brasil)
169
pesquisas sobre a mídia que opunham meios massivos -– verticais, unidirecionais, dirigidos a
grandes audiências, de meios interativos –- horizontais, multidirecionais, dirigidos a gostos
pessoais. Compreender os processos de recepção da TV atual é, neste sentido, permitir-se
imbricar-se neste fluxo de informação entre os diversos meios e entre a lógica massiva e a
experiência pessoal. São essas as premissas que guiam nossa análise na sequência.
150
Sobre isso ver: Jenkins (2009); Scolari (2008); Lopes (2011). Formatado: Português (Brasil)
151
Por exemplo em: Carta Capital, 2012. Disponível em:
<http://www.cartacapital.com.br/economia/muito-alem-da- Formatado: Fonte parág. padrão
caricaturahttp://www.cartacapital.com.br/economia/muito-alem-da-caricatura>. Acesso em: 17/07/ Formatado: Fonte parág. padrão
jul. 2013. Vaguinaldo Marinheiro, Folha de São Paulo, 2012. Disponível em:
171
dancarpara dancar.shtmlshtml>. Acesso em: 07/07/ jul. 2013. Formatado: Fonte parág. padrão,
152
Mídia dados, 2013. Disponível em: <http://www.gm.org.br/page/midia- Português (Brasil)
dadoshttp://www.gm.org.br/page/midia-dados>. Acesso em: 07/07/ jul. 2013. Formatado: Português (Brasil)
172
Sejam bem-vindos ao paraíso os que ganham entre R$ 1.200 e R$ 5.174 por ano.
Mas tem que ter lugar para todo o mundo. Eu quero de volta o meu filme legendado
na TV e torço pela possibilidade de passar um intervalo comercial inteirinho sem
assistir a um anúncio do Supermarket. Onde foi parar a televisão da velha classe
média? Sempre fui noveleiro, nunca tive vergonha disso. Assisti às novelas de Ivany
Ribeiro em versão original. Mas não aguento mais tramas ambientadas na
comunidade, sambão na trilha sonora, mocinha cozinheira e galã jogador de futebol.
Eu quero de volta a minha novela de Gilberto Braga (XEXEO, 2012).
153
“[...] o habitus é, com efeito, princípio gerador de práticas objetivamente classificáveis e, ao mesmo
tempo, sistema de classificação (principium divisionis) de tais práticas. Na relação entre as duas capacidades que
definem o habitus, ou seja, capacidade de produzir práticas e obras classificáveis, além da capacidade de diferenciar
e de apreciar essas práticas e esses produtos (gosto), é que se constitui o mundo social representado, ou seja, o
espaço dos estilos de vida” (BOURDIEU, 2007, 162).
173
Todo dia acordo cedo / moro longe do emprego / quando volto do serviço, quero
meu sofá / tá sempre cheia a condução / eu lavo pano, esfrego o chão /a outra vê
defeito até no que não há/ queria verê a patroinha aqui no meu lugar, eu ia rir de me
acabar (...)[...]. Minha colega quis botar aplique no cabelo dela, gastou um extra que
era da parcela (...)[...] Eu levo vida de empreguete eu pego às sete / fim de semana
salto alto e verê no que vai dá / um dia compro apartamento, viro socialite / toda boa Formatado: Fonte: Itálico
vou com meu ficante viajar (Compositor: Quito Ribeiro).
174
154
Banco estatal responsável pela destinação dos programas sociais de distribuição de renda, como o
“Bolsa Família” e das demais políticas de assistência do Estado. Formatado: Português (Brasil)
175
FIGURA 2 – EMPREGUETES MUDAM VISUAL APÓS TURNÊ PELO BRASIL Formatado: Fonte: Não Negrito
FONTE: Disponível em: <http://tvg.globo.com/novelas/
Formatado: Centralizado, Recuo:
cheias-de-charme/Fotos>. Acesso em: 11/12/ dez. 2013. Primeira linha: 0 cm
Formatado: Fonte: Não Negrito
Penha compra geladeira duplex e fogão de cinco bocas (num episódio em que há
merchandising da empresa Esmaltec), banheira de hidromassagem, reforma a laje (espaço das
moradias populares aproveitado para banho de sol, lavanderia e momentos de lazer – Figura
3), a quadra da comunidade onde o filho joga bola e o “puxadinho” (nome popular para [A54] Comentário: Não consta no
capítulo.
apartamento normalmente de um cômodo construído sobre edificação anterior de familiar ou
amigo como forma de aproveitar o terreno) da vizinha. O diálogo transcrito abaixo do
episódio que foi ao ar no dia 20/ de julho 07/de 2012 é revelador do paradoxo entre
conquistar itens de consumo, adequar-se ao estilo de vida das patroas ou manter-se fiel ao
habitus das classes populares.
176
Penha: Parece que eu tô sonhando, sabe? Minha casa toda bonitona... Máquina de
lavar, fogão, geladeira. Tudo zero bala, tô nem acreditando nisso... (Penha na
lavanderia encostada na máquina de lavar conversando com o ex-marido)
Alana (Irmã de Penha): Aí minha irmã, ficou lindona a nossa casa, né? Eu ainda
acho que tu devia ter comprado um apartamento num condomínio da Barra né?
Mas...
Penha: (Interrompe) Tá doida, menina?! Que eu não me mudo pra condomínio de
madame metida a besta nem morta. Tu sabe por quê? Porque não tem lugar mais
animado no mundo, meu amor, que o meu Borralho.
Cida: Eu morei a minha vida inteira lá no Casa Grande mas é muita frescura, uma
falsidade danada.
Rosário: Você não morou (ênfase) no Casa Grande, você trabalhava lá, é diferente.
A casa não era sua.
Cida: Bom, neste momento, eu acho o Borralho mais a minha cara.
Rosário: Ah, pois eu já falei com meu corretor. Amanhã mesmo ele vai me mostrar
uns apartamentos pra gente, papito (Palmas e risos).
FIGURA 4 – DETALHE DA COZINHA DA CASA DA PENHA APÓS REFORMA Formatado: Fonte: Não Negrito
Formatado: Centralizado, Recuo: À
esquerda: 0 cm
Figura 4 – Detalhe da cozinha da casa da Penha após reforma Formatado: Fonte: Não Negrito
FONTE: Disponível em: <http://tvg.globo.com/novelas/cheias-de-
Formatado: Fonte: Não Negrito
charme/Fotos>. Acesso em: 11 /12/dez. 2013).
Formatado: Recuo: À esquerda: 0 cm
Formatado: Fonte: Não Negrito
Após a reforma na casa e a compra dos eletrodomésticos, a próxima aquisição de Formatado: Fonte: Não Negrito
Penha, que também ganha destaque na trama, é a de um carro. No capítulo exibido em 16/07/
de julho de 2012, a personagem chega buzinando no Borralho e é recebida pela vizinhança
eufórica. “Caraca, dona Penha, tá uma verdadeira estrela pilotando essa máquina, hein?” -–
diz um dos vizinhos. “Subiu de vida, hein, paixão?” – completa outra vizinha. A câmera
oferece ao espectador uma visão do interior do carro com close na insígnia da marca
Volkswagen no volante, caracterizando mais uma ação de merchandising.
Tanto no caso das que optam por um estilo de vida semelhante ao da patroa como no
das que se mantêm próximas às características das empregadas, a construção dos modos
177
[...] pequenos hábitos de compra ao alcance da maioria dos consumidores vão moldar
as identidades individuais e colaboram para a sensação de liberdade de escolha que se
amplia para outras esferas da vida, como se atos de volição fossem suficientes para
definir nossas posições sociais porque afinal somos feitos daquilo que possuímos
(BAUMAN, 2010, p. 247). [A55] Comentário: Não consta nas
referências.
Por outro lado, a ascensão das empreguetes causa raiva e insegurança às patroas, que
se unem e entendem a necessidade de reafirmar e circunscrever seus hábitos de consumo,
territórios e estilos de vida como exclusivos. NEm um dos episódios, a patroa Sônia escuta,
atônita, ao diálogo de uma das babás do condomínio Casa Grande, que conta para alguém
sobre as férias que irá passar em Paris, as quais pagou em dez parcelas. Indignada, Sônia
confronta a empregada e pensa em rever seu roteiro de férias programado para o mesmo
destino.
A música Vida de Patroete, lançada por uma das vilãs da trama, a cantora de tecno-
forró, Chayenne, em resposta ao sucesso do hit das empreguetes, ressalta alguns elementos de
distinção, como a busca pelo controle do corpo através de dietas, frequência em academias e a
ingestão de alimentos lights. Vida de patroete destaca ainda os gastos investidos no aumento
salarial, o conflito na relação patroa e empregada em relação ao uso de uniforme e a
dificuldade de encontrar profissionais do ramo.
Vivo na dieta, comidinha light, vou pra academia, malho meu pilates, chamo minha Formatado: Fonte: Itálico
turma pra tomar um chá, só que a empreguete foi embora, a roupa tá um lixo, a
comida é o ó, a casa ta que é de dar dó, ela ganhou aumento, eu ganho ingratidão,
essa curica é sem noção, minha vizinha quer alguém que dê um jeito nas crianças,
use uniforme ea faça as compras. Só que as empreguetes não tão nem aí e ficam no
mercado só de ti ti ti (Composição: Quito Ribeiro).
Tornou-se lugar -comum no Brasil, nos últimos anos, a afirmação de que “ninguém
quer mais trabalhar em casa de família”, em decorrência, principalmente, do aumento da
oferta de empregos informais. É ainda elemento complicador desta relação, a recente
aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 478/10 – conhecida sob a alcunha de
PEC das domésticas –, que estende à categoria os direitos já previstos aos/às demais
trabalhadores/as em regime CLT155, como, por exemplo, salário mínimo, regulamentação das Formatado: Fonte: (Padrão) Times
New Roman, Sobrescrito
horas extras, FGTS156, auxílio -creche e pré-escola para filhos e dependentes, jornada de Formatado: Fonte: (Padrão) Times
New Roman, Sobrescrito
trabalho de oito horas diárias ou 44 horas semanais, dentre outros. A lei entrou em vigor no
dia 3 de abril de 2013 e vigorou como tema permanente nos noticiários, que se preocuparam
com a orientação dos patrões sobre como proceder para adequar-se à nova legislação e com o
impacto desta nas finanças das famílias empregadoras.157. [A56] Comentário: Não consta nas
referências.
Como visto, o processo de crescimento da renda média da população das classes
baixas no Brasil ecoa nas representações midiáticas deste estrato. Isso ocorreu com mais
frequência a partir de dois eixos: a exaltação do poder de consumo adquirido e a demarcação
simbólica do que viria a ser o estilo de vida da chamada nova classe média. Além disso, as
disparidades estruturais imbricadas nas relações de gênero, nas posições de classe e nas
identidades étnico-raciais, dentre outras, são diminuídas diante da exaltação da “força da
mulher brasileira” personificada, notadamente, nas três Marias do folhetim das sete. Formatado: Português (Brasil)
Maria brasileira / De tudo, sou capaz! / Maria verdadeira / Tudo que você fizer, eu
faço mais (...)[...] / Somos as Marias que sonhamos/ Que arrumamos e limpamos/A
bagunça que eles fazem (...)[...] / Maria cantando / Maria dançando / Maria
esperando o amor que não vem / Maria lutando / Maria querendo ser rica também
(Composição: Quito Ribeiro).
156
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Formatado: Fonte: Times New Roman
157
O tema foi capa, por exemplo, da edição nº 2.315 da Revista Veja, disponível em: Formatado: Português (Brasil)
<http://veja.abril.com.br/
Formatado: Fonte: 10 pt
acervodigital/home.aspxhttp://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx>. Acesso em: 07/11/ nov. 2013. A
reportagem de capa intitulada “Nada será como antes” traz o seguinte abre: “Como as famílias estão se Formatado: Fonte parág. padrão,
organizando para se adaptar à lei que melhora a vida das empregadas domésticas mas torna mais caros os seus Fonte: 10 pt, Português (Brasil)
serviços”. A reportagem apresenta o contraponto da situação europeia onde o serviço doméstico apresenta
apenas 0,3% da força de trabalho em contraste com o Brasil que tem o índice de 6,9%. Na página vizinha, numa
foto em destaque, a modelo Yasmim Brunet (filha do dono de uma das maiores fortunas brasileiras, Eike Batista, Formatado: Cor da fonte: Vermelho,
diz que opta pelo serviço de uma diarista uma vez por semana, uma vez que, ela mesma, após morar fora do país, Realce
optou por manter a limpeza e organização da casa (Veja, 2013, p. 71-72). Formatado: Português (Brasil)
179
Além de ser característica das empreguetes, essa força superior também é acentuada
na personagem Lygia, advogada, patroa de Penha, que luta para conciliar os cuidados com o
filho, o casamento e a atividade profissional. O dilema entre o privado e o público é
apresentado na polarização entre o sucesso na vida profissional e os problemas com o filho
adolescente e com o marido infiel. A relação entre Penha e Lygia é marcada por um
sentimento de amizade e gratidão, diferenciando-se das demais. Neste caso, a disparidade
entre as classes é resolvida pela construção de uma relação afetiva, enquanto o trabalho
doméstico é ressaltado ao mesmo tempo como atividade oposta -– do ponto de vista
158
Entrevista disponível em: <http://tvg.globo.com/novelas/cheias-de-charme/Fique-por Formatado: Fonte parág. padrão
dentro/noticia/2012/04/
cheias-de-charme-uma-homenagem-mulher-guerreira-de-todas-
classes.htmlhttp://tvg.globo.com/novelas/cheias-de-charme/Fique-por Formatado: Fonte parág. padrão
dentro/noticia/2012/04/cheias-de-charme-uma-homenagem-mulher-guerreira-de-todas-
classes.html>. Acesso em: 07/11/ nov. 2013.
180
De maneira sintetizada, pode-se dizer que nas trajetórias analisadas a mulher possui
renda própria, trabalhando fora do âmbito doméstico. Entretanto, não há
desobrigação das tarefas privadas ou a divulgação da maneira como as personagens
conciliam os dois tipos de atividade. Trata-se, em ambos os casos, de mulheres com
condições econômicas para contratar empregados domésticos. A relação entre as
atividades públicas e privadas não é tematizada como um campo problemático, o
que sugere a manutenção das desigualdades (LANA, 2012, p. 256). [A57] Comentário: 2012a ou 2012b?
Por outro lado, destaca-se o papel da “periguete” Brunessa na trama. Com uma moral
sexual liberada dos tabus da monogamia e do amor romântico e ligada, na maior parte das
vezes, ao interesse econômico, Brunessa exibe um corpo exuberante e curvilíneo e vive à
procura de “bons partidos” com quem possa se divertir e usufruir, ainda que de maneira
efêmera, do “bom e do melhor”. A etimologia do termo, advinda de “perigo”, já expressa,
em si, o machismo que aponta a liberalização sexual da mulher como uma ameaça à moral e
áà organização social. Neste caso, o comportamento sexual da personagem é percebido de
maneira dúbia:, a um só tempo, exalta-se a liberalização do corpo, a suposta independência
conquistada e a separação entre sexo e amor, e, por outro lado, demarca-se, profundamente, a
linha entre ela e as garotas que “são pra namorar”.
Berg, Torres e Silva (2011), a partir de um estudo com três meninas da periferia, [A58] Comentário: Não consta nas
referências.
frequentadoras de bailes funks, apresentam um contraponto à visão apressada que conduz à
celebração do comportamento sexual “descolado” de algumas garotas das classes populares,
como fora uma imagem de insubmissão ou emancipação. Eles apontam que a erotização
precoce e exacerbada pode refletir um sentimento introjetado de “disputa” pelo homem
provedor que lhes tiraria o sentimento de insegurança acumulado numa vida marcada desde a
infância pela escassez de recursos financeiros e afetivos e pela ameaça constante de violência
sexual. Além disso, a celebração do corpo pode, neste sentido, reforçar uma coisificação do
objeto de prazer e dominação masculina.
A EMPREGADA DOMÉSTICA MAIS CHEIA DE CHARME DO BRASIL – JOGOS DE Formatado: Fonte: Itálico
Marilene Jesus, baiana de 33 anos, acorda às cinco da manhã, todos os dias, e sai
para cumprir a rotina de varrer, lavar roupa, fazer comida e espanar a poeira dos móveis da
casa da patroa. Desde quando, ainda menina, a mãe a encaminhou para trabalhar “em casa de
família” a rotina se repete. Em 22 de julho de 2012, algo novo aconteceu na vida de
Marilene.160. Nesse domingo, ela deixou de ser uma anônima espectadora, como as tantas
brasileiras “fãs de carteirinha” das telenovelas, para se tornar a empregada mais cheia de
charme do Brasil. A vencedora do concurso via transmutar-se, em realidade, a fictícia
ascensão social das “empreguetes” que acompanhava diariamente, às 19h, em Cheias de
Charme, telenovela em exibição pela mesma emissora.
159
A TR ée claramente uma área vital de pesquisa, se considerarmos que ela é cada vez mais
importante na programação da televisão popular, e, se acreditarmos que uma das coisas que ela faz é
melodramatizar todos os destinos, como uma questão de responsabilidade individual, ao mes mo tempo
obscurecendo os fatores estruturais que ainda os determinam fortemente (MORLEY, 2010, p. 14).
160
Dados retirados de reportagem publicada em 22/07/ jul. 2012 no site do Correio 24 Horas. Disponível Formatado: Fonte: Itálico
em: <http://www.correio24horas.com.br/noticias/detalhes/detalhes-1/artigo/baiana-e-escolhida-a-empregada-mais-
cheia-de-charme-em-concurso-do-fantastico/>. Acesso em: 25/03/ mar. 2013. Formatado: Inglês (Estados Unidos)
183
Observa-se a criação de uma estratégia de marketing da rede de TV de aumentar a Formatado: Fonte: Itálico
celebridade? O autor nos responde: a celebridade é uma pessoa reconhecida por ser bem
conhecida. O que nos lança a uma segunda questão: não há nada além do que um mecanismo
de visibilidade ativado pela mídia para o nascimento da celebridade? Então, nesse caso, o que
leva o público a reconhecer essas pessoas enquanto tal? Analisemos mais de perto o caso de
Marilene.
“Rárárárá, mas eu tô rindo à toa, não que a vida seja assim tão boa, mas o sorriso
ajuda a melhorar ([...])”. Embalada pelo forró do grupo Falamansa, Marilene cantarola
enquanto espana os móveis da casa da patroa e sorri para a câmara repetidas vezes. Foi com
esse vídeo162, assistido e compartilhado por milhares de brasileiros/ (as) na internet, que a
baiana ganhou o concurso A Empregada mais Cheia de Charme do Brasil. Além da fama
161
Tradução livre do original: “The hero was distinguished by his achievement; the celebrity by his image
or trademark. The hero created himself; the celebrity is created by the media. The hero was a big man; the Formatado: Fonte: Não Itálico
celebrity a big name”.
162 Formatado: Inglês (Estados Unidos)
Vídeo disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=UDMXvv3I53chttp://www.youtube.com/watch?v=UDMXvv3I Formatado: Fonte parág. padrão
53c>. Acesso em: 17-06- jun. 2013. Formatado: Fonte parág. padrão
184
repentina conquistada nas redes sociais, Marilene de Jesus recebeu como prêmio a
participação num dos capítulos da telenovela que costumava assistir ao voltar do trabalho.
O concurso teve mais de 1.400 participantes de todo o Brasil, dentre as quais, foram
eleitas por júri popular cinco finalistas, que passaram pelo crivo das atrizes protagonistas de
Cheias de Charme. Durante a escolha da vencedora, levada ao ar no Fantástico em 22/07/ de
julho de 2012, o carisma e a “verdade” de Marilene foram os elementos destacados pelo júri
para o resultado. Características reforçadas pelas entrevistas dadas pela patroa, Vitória Régia,
após o anúncio: “Se ela já ria à toa, agora então...”.163.
Os sentimentos de alegria e espontaneidade que emanam do vídeo inserem-se numa
rede ampla e difusa de discursos e ações que reproduzem valores como a autor-realização, o
empreendedorismo, o individualismo, a ideologia meritocrática e, em última instância, a
busca pela autenticidade – base moral por trás de todos os anteriores.
A partir de narrativas centradas nos indivíduos e de uma interpelação constante ao
“eu verdadeiro” de cada um de nós, os discursos midiáticos, notadamente, através da
publicidade, estimulam as pessoas a buscar conhecer e controlar a si mesmo com vistas a uma
melhor performance corporal, um melhor desempenho afetivo e social e, claro, ao sucesso Formatado: Fonte: Itálico
financeiro.
[(...)] até aqueles que ignoram as minúcias do conceito de capital humano sentem-se
estimulados, hoje em dia, a agir programaticamente para acumular conhecimentos,
habilidades técnicas, redes de contatos e disposições motivacionais que o deixarão
em posição de vantagem nas relações de concorrência que se disseminam – sem
exagero – por todas as esferas da vida (FREIRE FILHO; CASTELLANO, 2011, p.
29).
No caso de Marilene, o ser ela mesma, traduziu-se numa performance diante do Formatado: Fonte: Itálico
vídeo que reproduzia as atividades do cotidiano sem nenhum efeito sonoro, imagético ou
figurino especial e maquiagem. Ser ela mesma significava ocupar um espaço de resignação
frente ao trabalho redentor, transmutado no sorriso constante. Charles Taylor sintetiza a ideia
por trás do ideal moral de autenticidade:
Ser verdadeiro comigo mesmo significa ser fiel à minha própria originalidade e isso
é algo que só eu posso explicitar e descobrir. Ao fazê-lo, estou também a definir-me
163
Notícia publicada em 22/07/ jul. 2012, disponível em:
<http://www.correio24horas.com.br/noticias/ Formatado: Fonte parág. padrão
detalhes/detalhes-1/artigo/baiana-e-escolhida-a-empregada-mais-cheia-de-charme-em-concurso-do-
fantastico/http://www.correio24horas.com.br/noticias/ Formatado: Fonte parág. padrão
detalhes/detalhes-1/artigo/baiana-e-escolhida-a-empregada-mais-cheia-de-charme-em-concurso-
do-fantastico/>. Acesso em: 24/06/ jun. 2013.
185
realista) e a atuação da empregada real, chama atenção a disparidade daquele corpo roliço,
negro e nos gestos tímidos não moldados pela técnica da teledramaturgia. Queremos chamar
atenção para a construção narrativa da telenovela que a um só tempo promove a crença no
acaso fortuito que dá acesso ao status de celebridade enquanto demarca fortemente os limites
deste espaço.
164
Vídeo disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=lBEgXakHW9Ihttp://www.youtube.com/watch?v=lBEgXakH Formatado: Fonte parág. padrão
W9I>. Acesso em: 17/06/ jun. 2013. Formatado: Fonte parág. padrão
186
valor capaz de agregar outros tantos capitais. Ser famoso, nesse sentido, implica ser
reconhecido por outrem, a partir de um movimento que não mais vai da história pessoal ou do
mérito ao reconhecimento, mas, antes, o contrário;. Cconforme Nathalie Heinich (2012 p.
34), implica em “colocar um nome numa face e não mais a face sobre um nome” (ibidem,
p.34).
A emoção da empregada pela conquista do cartão é tornada pública e ecoa como uma
voz uníssona de tantas outras mulheres das classes populares que veem no crédito a
possibilidade de finalmente conquistar simbolicamente através do consumo o que lhes falta
estruturalmente. A patroa Vitória Régia confirma o exposto através de comentário ao vídeo
postado no yYoutTube: “no caso dela isso significa reinserção social... ela tinha que usar o Formatado: Fonte: Não Itálico
cartão da vizinha...”.
Com relação às mulheres, o alcance do status de celebridade, a partir,
principalmente, das trajetórias das atrizes de Hollywood, contribuiu de alguma maneira para a
chegada destas à vida pública. Por outro lado, Michele Perrot questiona, inclusive, o raro uso
do termo “mulheres públicas”, demarcando as diferenças entre ser famosa, célebre e ter, em
alguma medida, atuação e interferência equânime na esfera pública. Além disso, a
celebrização das mulheres está calcada na exaltação do poder de consumo e no esforço para a
construção da beleza (LANA, 2012, p. 2), ainda que no caso das mulheres das classes [A59] Comentário: 2012a ou 2012b?
populares isso seja feito a partir de critérios outros, como na trajetória da cantora de funk Tati Formatado: Fonte: Itálico
165
Quebra-Barraco, famosa pelo bordão “sou feia, mas tô na moda”. .
Marilene de Jesus conquistou a posição de celebridade por um dia e conviveu com a
fama pelo período necessário a ter acesso algumas coisas que ansiava conquistar, dentre elas,
o cartão de crédito da loja de departamentos e a oportunidade de conhecer, pessoalmente, seu
ídolo, o ator Marcos Palmeira. Como canta a “música chiclete” da novela, a empregada não
chegou ainda a “comprar apartamento” ou “virar socialite” e nem viu “a patroinha botando a Formatado: Fonte: Itálico
roupa pra quarar”. A condição de celebridade não a transformou em “empreguete”, mas, ainda
assim, a crença generalizada parece a de que poderia ter sido. Tal crença, cunhada por David
Morley (2010) de “cultura da loteria” foi bem definida em editorial do The Guardian, citado
pelo mesmo autor:
165
Sobre isso ver LANA (2012).
187
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pense em uma mulher, na faixa dos trinta anos, com curso superior, usuária habitual
da internet. Essa mulher, que assumiu o posto de chefe de família, divide seu tempo
entre emprego e lar, responde por boa parte da renda familiar e determina a
distribuição de quase todo o orçamento doméstico. Com mais escolaridade que o
homem, contribui cada vez mais para a renda, ganha dia após dia mais poder social.
Conquistando espaço no mercado de trabalho, antes inimaginável, ela rompe novas
fronteiras em seus hábitos de consumo. Roupas e produtos de maquiagem, antes
tidos como compras supérfluas, hoje são considerados investimento para essa jovem
mulher que, na classe média, passa a ter profissões mais vinculadas ao atendimento
ao público. Almejando novos empregos e estabilidade na carreira, ela se preocupa
188
cada vez mais com sua aparência e não se importa em gastar com isso, pois os
benefícios vão além da valorização da sua autoestima e garantem o sustento da
família e sua evolução profissional. Na outra ponta, ao observarmos as mulheres
mais velhas, enxergamos que profissões como a de empregada doméstica
alcançaram ganhos reais de salários, uma vez que suas filhas procuram outras
perspectivas profissionais (BARROS; GROSNER, 2012, p. 47).
nova classe média. Procuramos nesse trabalho aproximarmo-nos dos modos como se constrói
a imagem dessa nova classe média e como os sujeitos se relacionam com essa representação
através dos produtos midiáticos.
Cheias de Charme aparece, assim, como mais um elemento a compor a grande
narrativa nacional que vem se construindo através da Mídia, da Ciência, do Estado e dos
próprios sujeitos em sua cotidianidade e que busca conferir sentido e ordenar a ascensão
socioeconômica das classes populares em andamento no Brasil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Itálico
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Itálico
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Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
São Paulo, 2001. Formatado: Português (Brasil)
189
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SOBRE AS AUTORAS
Inés Péerez
Profesora y Licenciada en Historia por la Universidad Nacional de Mar del Plata (2004 y
2006), Doctora en Ciencias Sociales por la Universidad Nacional de Quilmes (2011).
Actualmente se desempeña como Investigadora del Consejo Nacional de Investigaciones
Científicas y Técnicas y como docente en el Departamento de Sociología de la Universidad
Nacional de Mar del Plata. Es miembro del Grupo de Estudios sobre Familias, Género y
Subjetividades del Centro de Estudios Históricos de la Universidad Nacional de Mar del
Plata. Su investigación se centra en la historia del trabajo doméstico (remunerado y no
remunerado), así como en el consumo y el espacio doméstico en la Argentina del siglo XX.
Paula Aguilar
Licenciada y Profesora en Sociología y Doctora en Ciencias Sociales por la Universidad de
Buenos Aires (2006, 2008 y 2013). Actualmente se desempeña como Investigadora del
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas y como docente en la
Universidad de Buenos Aires. Es miembro del equipo de Investigación “Grupo de Estudios
sobre Polìtica Social y Condiciones de Trabajo” en el Instituto de Investigaciones Gino
Germani (FSOC, UBA) y del “Grupo de Estudios sobre Historia y Discurso” en el Centro
Cultural de la Cooperación Floreal Gorini. Su investigación actual aborda la problematización
de la relación entre domesticidad y cuestión social en la construcción histórica del “cuidado”
como problema social en la Argentina.
Paula Caldo
Paula Caldo es Profesora (1999), Licenciada (2002) y Doctora (2011) en Historia por la
Universidad Nacional de Rosario y Licenciada (2006) y Profesora (2003) en Ciencias de la
Educación de la misma Universidad. En la actualidad se desempeña como docente de grado y
de posgrado en la Facultad de Humanidades y Artes de la Universidad Nacional de Rosario y
como Investigadora del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Tecnológicas. Su
línea de investigación es la historia de la alimentación desde una perspectiva sociocultural y
en un cruce con la historia de mujeres.
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